Menegassi 2010 O Leitor e o Processo de Leitura

April 28, 2019 | Author: jaque santos | Category: Language Interpretation, Phonology, Reading (Process), Dream, Family
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O leitor e o processo de leitura...

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Coleção Formação de Professores em Letras - EAD Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331 Revisão Gramatical: Manoel Messias Alves da Silva Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio Júnior Bianchi Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

L533

Leitura: aspectos teóricos e práticos / Eliana Alves Greco, Tânia Braga Guimarães, organizadoras.-- Maringá: Eduem, 2010. 116p. 21cm. (Formação de Professores em Letras – EAD; n. 1) ISBN 978-85-7628-231-0

1. Leitura – Texto Texto e discurso. 2. Processo de leitura leitura e leitor. leitor. 3. Leitura e mídia. 4. Leitura e linguagem. I. Greco, Eliana Alves, org. II. Guimarães, Tânia Braga, org.

CDD 21.ed. 372.416

Copyright © 2010 para o autor Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos Todos os direitos reservados desta edição 2010 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - Paraná Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392 http://www.eduem.uem.br / [email protected]

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O leitor e o processo de leitura Renilson José Menegassi

A FORMAÇÃO DO LEITOR As instâncias sociais de formação do leitor   A formação formaç ão do leitor, no Brasil, Br asil, passa por várias vári as instâncias instânci as sociais, entre as quais qu ais se destacam a família, os grupos de amigos e a escola. Cada uma dessas realidades orienta o leitor a práticas de leitura diversas e determinadas, que o leva a ter práticas de letramentos conforme a necessidade do grupo social em que está participando. Dentre as várias instâncias sociais, a família é, certamente, a primeira que manifesta níveis de leitura, pois é através do contato com os pais, os irmãos e demais parentes que a criança inicia seu processo de aprendizagem de leitura. Em um con vívio familiar, a criança c riança aprende a ler l er sua casa, c asa, os hábitos, h ábitos, os costumes c ostumes e as regras de convivência, que a levarão ao desenvolvimento como membro da família. Assim, em um exemplo simples, a criança que aprende desde pequena a sentar-se à mesa, com a família reunida, para fazer as refeições, sabe que esse costume é uma regra de convivência necessária para sua permanência no seio da família. Além disso, ela é iniciada, nesse momento, na participação de conversas familiares, em que se discutem assuntos pertinentes aos seus membros. É nesse momento, também, que a criança aprende a ler os gestos, as opiniões, os argumentos dos adultos. Com essa prática de leitura que ela aprende a esperar sua vez para falar e a não se intrometer em conversa de adultos. Com isso, percebe-se que a leitura que a criança faz de seu convívio familiar é orientada pelos membros mais velhos, que se tornam, por outro lado, exemplos de leitores, quando também aguardam a criança a falar, ouvindo-a e respeitando sua opinião.  Ainda nas práticas prátic as de leitura na família, famí lia, a criança observa obs erva os níveis nív eis de leitura que há entre seus membros. Dessa forma, dispor de material de leitura em vários lugares da casa é uma estratégia que sempre resultou em bons frutos. Contudo, ter livros e outros materiais em casa não é certeza de que a criança será uma leitora assídua. É preciso que os adultos sejam vistos lendo, folheando, comentando comentando e criticando lei35

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

turas. É preciso, enm, que a criança tenha modelos de efetivos leitores na família. É comum pais oferecerem livros, revistas em quadrinhos e outros materiais de leitura aos lhos, até mesmo assinando jornais e revistas, porém sequer folheiam esses materiais, apenas cobram dos lhos uma postura de leitura que os próprios familiares não demonstram. Com essa prática, é certo que muitas crianças não desenvolvem o estímulo necessário a sua formação como leitor. Em um seio familiar, em que os materiais de leitura são efetivamente lidos, as crianças desenvolvem-se melhor como leitoras. Não é preciso ter muito material de leitura, é preciso que se mostre qualidade nas leituras. Assim, ao receber em casa um paneto com as ofertas de um determinado supermercado, a família pode produzir um momento de leitura agradável. Por exemplo, suponha que a refeição esteja sendo feita e a criança adentra ao ambiente com um paneto de supermercado. Nesse momento, os presentes podem instaurar um processo de interação salutar com a criança, tendo esse texto como sendo o lugar da interação. Assim, poder-se-ia sugerir à criança que observasse se há óleo comestível em divulgação no paneto e qual o valor de um recipiente. A criança, por sua vez, procura no texto e encontra vários tipos de óleo – soja, canola, girassol, azeite de oliva – que apresentam medidas, embalagens, preços e marcas diferenciadas. Nesse momento, os familiares lançam algumas indagações que orientam a leitura do material: - Qual é o valor do óleo de soja? - Qual é o valor do óleo de canola? - E o óleo de girassol, quanto custa? - A embalagem do azeite de oliva é da mesma medida do óleo de soja? - Qual desses produtos é consumido em casa? - Qual óleo apresenta um preço melhor para comprar? - Há diferença de marcas entre os óleos? - Por que o azeite de oliva é mais caro do que os demais óleos? - Qual é a diferença de uso entre o azeite de oliva e os demais óleos?  Ao mesmo tempo em que a criança procura as respostas aos diversos questionamentos, ela também está aprendendo a ler os materiais de leitura que circulam em casa, no ambiente familiar, a partir de bons modelos de leitura. Por outro lado, os grupos sociais de amigos também são fortes inuenciadores na formação e no desenvolvimento do leitor. As várias leituras que os adolescentes e jovens realizam são mais orientadas e estimuladas pelos grupos de amigos do que pelas duas outras instâncias sociais citadas: a família e a escola. Os amigos indicam

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quais livros já foram lidos e são interessantes; quais revistas trazem informações so-

O leitor e o processo de leitura

bre determinado assunto que agrade a todos do grupo; q uais sítios na Internet são de interesse mútuo, em função dos objetivos de leitura e dos interesses temáticos; quais lmes, videoclipes, músicas devem ser conhecidos pelo amigo. Enm, por terem as mesmas referências sociais de convívio, o interesse e as sugestões de l eitura são sempre muito mais acatados entre os amigos do que entre a família. E, nalmente, a instância social que se pretende a maior formadora de leitores na história da educação brasileira: a escola. Nela, os alunos encontram uma diversidade de leituras que não são as mesmas que encontram na família e com os amigos. Começa aí um entrave perigoso. A escola deseja que o aluno leia determinados textos que não são de interesse do leitor em formação. Praticamente, ela obriga a ler textos de dois, três, até quatro séculos passados, que apresentam temáticas e estilos de linguagem muito distantes da realidade atual. Com essa constatação, não se arma que os textos clássicos não devem ser apresentados aos alunos. Pelo contrário, eles precisam ser explor ados na sala de aula, que é o lugar próprio para isso, porém devem ser necessariamente lidos como práticas de leitura com objetivo e interesse próprio dos alunos. Por exemplo, normalmente o aluno não gosta de ler Dom Casmurro, de Machado de Assis, porque a maneira como a temática do triângulo amoroso é apresentada e o estilo de linguagem empregado pelo autor não são condizentes com a realizada temática atual e o estilo de linguagem escrita desse momento. Para que o texto de Machado de Assis seja oferecido, lido, compreendido e trabalhado com os alunos, é preciso que outros textos atuais sejam apresentados inicialmente. Assim, reportagens apresentando as aventuras e desavenças de pessoas que vivem num triângulo amoroso iniciariam o processo de discussão da temática. Com isso, o aluno entra em contato com reportagens diversas, como as publicadas em páginas policiais, em revistas ou jornais que tratem de aspectos de alterações do comportamento social humano; também assista m a lmes e ouçam músicas que abordem a temática; assim como assistam a novelas e minisséries televisivas que mostrem e discutam o triângulo amoroso. Com essas diversas práticas de leitura, com diversos suportes textuais, mostrando os letramentos múltiplos a que o jovem está em contato, possibilita-se a leitura do texto  Dom Casmurro , mostrando que esse tema já é discutido há tempo pela sociedade. Dessa feita, o aluno consegue compreender e até mesmo apropriar-se do texto trabalhado. Com essa discussão, podemos armar que o aluno lê muitas coisas, porém ele não lê o que exatamente a escola deseja que leia, pois sabe que o m único dessas leituras é a avaliação. O que se observa, na verdade, é que a escola ainda insiste na formação do leitor, não no seu desenvolvimento como leitor crítico. 37

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

A FORMAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO LEITOR De início, estabelece-se, aqui, uma distinção entre formação e desenvolvimento do leitor. A formação do leitor está voltada à aquisição do cdigo escrito, a sua apropriação de todas as fases necessárias do sistema linguístico de determinada língua, seja ela materna ou estrangeira. Assim, é parte da formação do leitor o trabalho com textos que orientem leituras cujas interações não extrapolem o nível do texto, isto é, cujas perguntas tenham como resposta unicamente um pareamento de informações com o texto trabalhado.  Já o desenvolvimento do leitor parte do princípio de que a formação já foi evidenciada e o leitor já saiba dominar o sistema linguístico da língua em uso. Por isso, as perguntas oferecidas a determinado texto não mais buscam respostas literais, mas, sim, respostas que levem o aluno a produzir sentidos diversos ao tema apresentado no texto, necessariamente relacionando-o a sua vida, para que efetivamente a leitura lhe faça sentido. Para termos uma noção de como a formação é ainda uma conceituação muito arraigada na escola, tomemos exemplos de avaliações de leitura, que são registros coletados e armazenados pelos projetos de pesquisa “Práticas de avaliação de leitura e a formação do leitor” e “Manifestações de constituição da escrita na formação docente”, nanciados pela SETI/Fundação Araucária, desenvolvido junto ao Grupo de Pesquisa Interação e Escrita (UEM/CNPq – www.escrita.uem.br), na Universidade Estadual de Maringá. São exemplos correspondentes às séries do Ensino Fundamental I, que, certamente, enquadra-se a todas as séries da Educação Básica no Brasil. São registros transcritos como foram aplicados em sala de aula. 2ª série Leia o texto e responda as perguntas:  A MAIOr B OCA DO MUnDO

 A MAIOR BOCA DO MUNDO NÃO É BOCA DE GENTE NEM DE BICHO! A MAIOR  BOCA DO MUNDO, QUE É MAIOR QUE A DO SAPO, QUE É MAIOR QUE A DO TUBARÃO, QUE É MAIOR QUE A DO HIPOPóTAMO, QUE É MAIOR QUE A DO JACARÉ, QUE É MAIOR  QUE A DA BALEIA... É A BOCA DA NOITE.

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 A) QUAL O TíTULO DO TEXTO? B) QUAIS OS ANIMAIS QUE APARECEM NO TEXTO? C) QUAL É O ANIMAL DO TEXTO QUE COMEçA COM A LETRA H? D) QUAL É O MAIOR ANIMAL QUE APARECE NO TEXTO? E) QUAL É A PALAVRA DE CINCO LETRAS QUE SE REPETE SETE VEZES NO TEXTO? F) QUAIS SÃO AS VOGAIS DA PALAVRA NOITE? G) QUAIS SÃO AS CONSOANTES DA PALAVRA JACARÉ? H) QUAL É A MAIOR BOCA DO MUNDO? I) QUAIS AS PALAVRAS COM ÃO DO TEXTO?

O leitor e o processo de leitura

Nessa avaliaão, as perguntas dirigem-se ao estudo textual para levar ao aluno à identicaão de informaões no texto, em funão do momento escolar em que se encontra. Nessa fase, o aluno está em pleno processo de formaão como leitor, por isso as perguntas com foco no texto são pertinentes, permitindo-lhe a apropriaão do código escrito e o desenvolvimento do trabalho com a leitura, a partir de perguntas ao texto com respostas prontamente identicadas ali. Assim, até nesse momento do aprendizado escolar, é muito aceitável que o aluno busque informaões no texto, inclusive para aprender a lidar com ele como referência de trabalho, já que o texto é e estará presente constantemente em sua vida social e escolar. A questão levantada é a permanência desse trabalho de levantamento literal de informaões em um texto depois dessa determinada série, o que leva à estratégia de insistir na formaão como um processo contnuo, impedindo o desenvolvimento do leitor, isto é, o alunoleitor continua a somente ler para responder perguntas literais. 3ª Série  A Casa de Dona Rata Uma casa com goteira pode causar um grande problema. Veja o que aconteceu na casa de Dona Rata em dias de chuva. Na casa de dona rata, Tem uma enorme goteira. Quando chove, ninguém dorme,  Acordado, a noite inteira.  A goteira é tão grande Que molha a sala e a cozinha, Quarto, banheiro, dispensa E mais de vinte ratinhas.

Dona Rata contratou Um ratão para o conserto: - De que adianta eu subir, se o telhado não tem jeito? - Não tem jeito, seu Ratão Explique então esse caso. - Sua casa, dona Rata, Não tem telha nem telhado.

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LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

a) Quem é o personagem principal da poesia A Casa de Dona Rata? b) O que tem na casa de Dona Rata? c) Quando chove, o que acontece na casa de Dona Rata? d) Quais são as partes da casa de Dona Rata que cam molhadas por causa da goteira? e) Para que Dona Rata contratou o Ratão?  A avaliação da 3ª série deveria apresentar evolução na qualidade das perguntas, que não deveriam ser apenas com o foco no texto, considerando-se o nível de maturidade cronológica e linguístico-discursiva dos alunos. As perguntas para o gênero textual escolhido, uma poesia narrativa, não evoluíram em relação às oferecidas na 2ª série, numa nítida mostra de como a manutenção dessa estratégia avaliativa não permite ao aluno o desenvolvimento no trabalho com a leitura. Pelo contrário, com essa estratégia de formação do leitor sendo implementada constantemente, o aluno desenvolve inaptidões para níveis mais elevados de leitura. Com isso, a criticidade não se aora e o leitor competente e crítico não se apresenta. 4ª Série PIADInHA 

O Joãozinho estava vendo um álbum antigo e perguntou para a mãe: - Mãe, quem são esses dois aqui na foto? Essa moça de branco e esse cabeludo de bigode ao lado dela? E a mãe explicou: - Sou eu e seu pai! - Esse é que é papai? – perguntou o menino, assustado. – Então quem é esse careca que mora com a gente? a) Qual é o título do texto? b) Que outro nome você daria à história? c) Quantos parágrafos possui o texto? d) Quem são os personagens da história? e) Quem é o autor do texto? f ) Com quem Joãozinho estava conversando? g) Quais eram as características do pai do menino antes e agora? h) O que o menino estava vendo?

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 Assim como no texto da 3ª série, neste as perguntas também não levam o leitor ao aprimoramento da leitura e ao desenvolvimento de suas capacidades e habilida-

O leitor e o processo de leitura

des cognitivas-linguísticas-discursivas, como se espera de um aluno na 4ª série, ao nal do Ensino Fundamental I.  As perguntas oferecidas aos três textos apresentados, que são gêneros textuais diversos: adivinha, poesia e piada, não são diferentes na sua constituição. Todas são perguntas que exigem do aluno respostas de identicação textual. Basta ao aluno realizar um pareamento de informações, isto é, encontrar no texto as mesmas palavras que são empregadas nas perguntas para trazer respostas certas. Essa manifestação é típica da formação do leitor, que se prolonga pelos anos escolares até o nal da Educação Básica, incluindo-se o Ensino Fundamental I, II e o Ensino Médio. Com esses exemplos, é possível perceber que a formação do leitor é uma fase importante e necessária, entretanto não se pode permanecer nela por muito tempo, pois, caso contrário, o desenvolvimento do leitor não se constitui, o que impede o indivíduo de tornar-se um cidadão crítico e consciente junto à sociedade.

AS CARACTERÍSTICAS DO LEITOR CRÍTICO O desenvolvimento do leitor crítico passa pelo trabalho com uma série de estratégias e habilidades de leitura, à diversidade de gêneros textuais que circulam na sociedade. Assim, para que esse leitor se constitua como crítico é preciso que desenvolva determinadas características próprias, que, na escola, são orientadas pelo material didático e pelo professor. Para se realizar esse trabalho, é preciso que o leitor crítico apresente as características descritas no Quadro 1.

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Quadro 1 - Características do leitor crítico

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

- Concebe a leitura como uma práca social, não apenas uma práca escolar; - Vê os escritos da escola como passíveis de quesonamentos; - Seleciona o material para uso objevo do tempo; - Examina rigorosa e criteriosamente a publicidade e a propaganda; - Abala o mundo das certezas, tanto próprio, quanto do outro; - Elabora e dinamiza conitos; - Organiza sínteses; - Desenvolve posicionamento diante dos fatos e das ideias que circulam através dos textos; - Analisa e examina as evidências apresentadas e, à luz dessa análise, julga-as criteriosamente para chegar a um posicionamento diante delas; - Leva à produção ou construção de um outro texto: o texto do próprio leitor, a leitura como réplica; - Toma posição frente ao texto; - Analisa sua própria leitura; - Emprega estratégias: seleção, antecipação, inferência e vericação; - Toma decisões diante de diculdades de compreensão; - Arrisca-se diante do desconhecido; - Busca no texto a comprovação para juscavas, validando sua leitura com elementos discursivos; - Seleciona o que lê e uliza estratégias que atendem às suas necessidades; - Praca constantemente a leitura de textos que circulam socialmente; - Aprende lendo; - Considera a experiência prévia indispensável para construir o sendo; - Sabe que não há leituras autorizadas, mas apenas reconstruções de signicados; - Determina objevos e intenções para a leitura; - Sabe que a leitura é lugar de produção de sendo, lugar de constuição de signicado, a parr da relação leitor-texto; - Considera as marcas de sua individualidade e o contexto sócio-histórico; - Sabe que o texto não está acabado, não é produto; é disposivo de produção; - Sabe que a leitura é variável, que o texto tem lacunas para serem preenchidas; - Produz diferentes leituras do mesmo texto, dependendo do momento, das relações com o contexto; - Avalia o processo de leitura, sabendo que na interpretação surge um novo texto; - Mescla as ideias do texto às suas; - Não encontra somente o sendo desejado pelo autor; - Sabe que, a cada leitura, o que já foi lido muda de sendo, torna-se outro.

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Dentre todas essas características, uma deve ser ressaltada: a possibilidade de cons-

O leitor e o processo de leitura

truir leitura réplica. O conceito de réplica envolve o leitor combater as informações do texto lido com argumentos, contestando, refutando e explicando o que lê, isto é, o leitor posiciona-se como sujeito ativo e crítico diante do material trabalhado, permitindo a produção de sentidos próprios, que se manifestam através de palavras próprias. Réplica, neste sentido, não é vista apenas como contestação às ideias do autor do texto, mas sim como manifestação de ponto de vista sobre o que se discute no texto. Assim, o conceito de leitura como réplica é fundamental para o desenvolvimento do leitor crítico. Bakhtin (2003) discute a noção de apropriação dos discursos pelos indivíduos a partir da noção de réplica discursiva. O pensador aponta que os vários discursos das pessoas com quem o leitor convive, nas variadas esferas sociais nas quais elas se deslocam na vida, são internalizados através de práticas de interação verbal situadas em eventos únicos e próprios. Dessa forma, uma pessoa pode, num só dia, passar por  várias situações de leitura, de contato com vários discursos, em diversicados gêneros textuais. Nesses textos, os discursos também são múltiplos, o que f az com que o leitor se depare com múltiplas práticas de letramento.  Assim, no contato com os diversos discursos, o leitor vai se apropriando deles, internalizando-os, para que constitua o seu próprio discurso. Isso signica, na concepção de Bakhtin (2003), que a apropriação dos discursos alheios é parte inerente da construção de discursos do leitor, isto é, através da apropriação do discurso do outro, o indivíduo produz sentidos próprios, combatendo, contestando, refutando, explicando, ampliando e reformulando esses discursos à luz de seus conhecimentos angariados na sua relação sócio-histórico-ideológica com as demais pessoas dos campos sociais pelos quais perpassa. Neste sentido, apropriar-se dos discursos alheios é uma estratégia pertinente à construção de seu próprio discurso, que, por sua v ez, leva o leitor à produção de sentidos próprios aos textos lidos. Com isso, o leitor desenvol ve-se como crítico, a partir do trab alho efetivado com o processo de leitura em várias instâncias da sociedade.

O PROCESSO DE LEITURA O processo de leitura, em função da abordagem teórica eleita pelo professor, pode se mostrar de várias maneiras. Aqui, o processo de leitura, à luz das referências da Psicolinguística e da Linguística Aplicada, é compreendido como formado por algumas etapas. Por ser um processo, a leitura, necessariamente, se desenvolve através de etapas, que nem sempre aparecem separadas e deslocadas para estudo. Na verdade, essas etapas coexistem e são concomitante e recursivamente utilizadas pelo leitor durante o processamento do texto. Assim, a partir do estudo de Menegassi (1995), as etapas do

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LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

processo de leitura são: a decodicaão, a compreensão, a interpretaão e a retenão. Entre todo o processo, perpassando por todas as etapas, está o trabalho com a inferência, que se apresenta como um processamento próprio, que se realiza em todas as fases.

A decodificação  A decodicaão é a primeira das etapas do processo de leitura. Sem ela, todo o processo ca emperrado e não permite que as demais etapas se concretizem. Nessa etapa, ocorre o reconhecimento do código escrito e sua ligaão com o signicado pretendido no texto. Isso ocorre automaticamente nos leitores maduros, que já tenham certa vivência em leitura. Ao se deparar com uma palavra, automaticamente o leitor a associa ao signicado que tem internalizado, permitindo que a noão de signo linguístico, isto é, a relaão do signicante com o signicado, se estabelea. Em um exemplo, ao ler a palavra MAçÃ, o leitor automaticamente aciona em sua memória a imagem da fruta que remete ao signicado dessa palavra:

Signifcante

Signifcado

MAÇÃ

Caso a palavra aparea na frase A MAçÃ É VERMELHA., o leitor terá a certeza de que o signicado armazenado em sua memória está sendo coerente com o texto lido. Nesse caso, há uma decodicaão que remete à próxima etapa do processo de leitura, que é a compreensão. Por outro lado, há outro nível de decodicaão, que é o fonológico, em que o leitor apenas consegue pronunciar, por intermédio da voz ou da leitura silenciosa, a palavra que está lendo. Em um exemplo, tem-se a palavra MAçA, com graa diferente de MAçÃ, consequentemente, com signicado diferente. Como não é uma palavra de uso comum no dias atuais, o signicado dela não é evocado da memória, causando um lapso na constituião do signo. Assim, MAçA não se estabelece como signo linguístico: Signifcante MAÇA

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Signifcado ???

Nesse exemplo, a leitura da palavra é apenas de maneira fonológica, pois os fone-

O leitor e o processo de leitura

mas /ma.sa/ e as grafemas empregados (M+A+ç+A) pertencem ao conjunto de fonemas e letras da língua portuguesa, porém o signicado dessa palavra não se encontra no paradigma de memória da língua no leitor. Por outro lado, se a palavra MAçA aparece na fr ase A MAçA ERA USADA NOS COMBATES., ela passa a ser lida como algo que era empregado em combates, e o que se emprega nessa situaão normalmente são armas, portanto, MAçA deve ser alguma espécie de arma utilizada em combates. Com esse trabalho, dá-se origem à possibilidade de a etapa da compreensão se constituir, o que já difere da etapa de decodicaão com simples manifestaão fonológica. Por m, é possível observar que a decodicaão manifesta-se em dois níveis: 1) decodicaão fonológica; 2) decodicaão ligada à compreensão. A segunda é a que interessa ao processo de leitura, pois decodicaão malfeita implica em compreensão malsucedida.

A compreensão Compreender um texto é captar sua temática; é resumi-lo. Para que isso acontea, o leitor deve conseguir reconhecer as informaões e os tópicos principais do texto, assim como, também, dominar as regras sintáticas e semânticas da língua usada. Além disso, é fundamental que o leitor conhea as regras textuais do gênero que está lendo, para depreender a signicaão pretendida pelo autor, o que possibilita a produão de sentidos, em funão da situaão de leitura determinada pelo momento em que o leitor se encontra frente ao texto. Dessa forma, compreender um texto é “mergulhar ” nele e retirar a sua temática e as suas ideias principais. Como essa é uma etapa fundamental para o processo de leitura, ela deve ser muito bem aplicada e desenvolvida com o leitor em formaão, para que aprenda a trabalhar com os diversos textos que a sociedade lhe apresenta. Para isso, a compreensão deve ser exercitada constantemente com o aluno-leitor, através de textos diversos das várias disciplinas da escola. Assim, para cada texto, o aluno deve fazer o levantamento de informaões e da sua temática, produzindo, se possível, um resumo textual. Como exemplicaão, observa-se um texto retirado da Prova de Redaão do Concurso Vestibular de Verão 2008, da Universidade Estadual de Maringá, oferecida aos candidatos para a elaboraão do gênero textual resumo. Dele, são levantadas as informaões principais, para que forme um resumo textual possível de sua temática.

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O QUE DIZEM OS SONHOS Claudia Jordão e Jonas Furtado

Nós nos iludimos no dia-a-dia, trabalhamos com o que e com quem não gostamos, temos que nos enquadrar nos padrões da sociedade. Os sonhos ajudam a most rar quem somos na essência, são um caminho para o autoconhecimento, para a nossa verdade mais profunda”, arma Kwasisnki, psicólogo e professor de mitologia. [...] “O sonho é uma simulação do futuro possível com base no passado conhecido”, resume Sidarta Ribeiro, neurocientista e diretor cientíco do Instituto Internacional de Neurociências Edmond e Lily Safra, em Natal, Rio Grande do Norte. [...] De importância comprovada para o fortalecimento da memória, os sonhos começam a ter seu papel reconhecido também na reestruturação dela, de forma a gerar novos comportamentos. Ou seja: sonhar estimula a criatividade. “Durante o sono de ondas lentas, não há sonhos, apenas pensamento no escuro. Quando aumenta a atividade neural e as memórias começam a interagir, é como se acendesse a luz do projetor e começasse a sessão cinema”, compara Ribeiro (ISTOÉ, n.º 2.011, 21 de maio de 2008.)

Levantamento de informações do texto: 1) Os sonhos ajudam a mostrar quem somos na essência; 2) São o caminho para o autoconhecimento; 3) O sonho simula o futuro possível com base no passado conhecido; 4) Os sonhos fortalecem a memória; 5) O sonho reestrutura a memória; 6) Sonhar estimula a criatividade. Em uma possível articulação das informações, o leitor constrói um resumo textual: O texto de Jordão e Furtado trata sobre os sonhos, que ajudam a mostrar quem somos na essência. Eles também são o caminho para o autoconhecimento, simulando o futuro possível com base no passado conhecido do homem. Também fortalecem e reestruturam a memória, estimulando a criatividade.

Esse exemplo demonstra o que é a compreensão textual, isto é, o reconhecimento da temática e das informações principais do texto lido. Por outro lado, a compreensão, assim como a decodicação, pode ser observada em níveis diferenciados. Há a compreensão literal, aquela em que o leitor capta as informações principais de maneira explícita, como no exemplo da Prova de Redação. Há,  46

também, a compreensão com nvel inferencial, aquela que permite que se façam incursões no texto, captando informações que nem sempre estão em nvel supercial, mas que são possveis de construção a partir das pistas textuais deixadas pelo autor, por isso são produzidas inferências textuais, isto é, que nascem e são construdas no texto. Nesse nvel de compreensão, o leitor deve ir ao texto, buscar pistas que evidenciem uma possvel resposta, porém não está explcita na materialidade lingustica do texto. Como exemplo, tem-se o poema “Aviso”, encontrado em muitos materiais didáticos de Ensino Fundamental.  Aviso

O leitor e o processo de leitura

Elefante não morre sozinho?

Chega uma hora na vida Em que tudo o que mais quero É poder car sozinho.

Por que será Que eu não posso Ficar quieto no meu canto?

Sozinho para pensar. Sozinho para entender. Sozinho para sonhar. Sozinho para tentar  me encontrar ou me perder.

 Vou pendurar um cartaz Bem em cima da minha cama: SILÊNCIO!  JOVEM CRESCENDO!

índia não tem lho no mato? (TELLES, Carlos Queiros. Sementes de sol. São Paulo: Moderna, 1992.)

Para este texto, são oferecidas perguntas de nvel de compreensão inferencial: 1) Por que o ttulo do poema é “Aviso”? 2) Por que o jovem do poema quer car sozinho? 3) Ele sempre quis car sozinho? 4) O que ele fará ao car quieto no seu quarto?  As respostas a essas perguntas não estão literalmente expostas no texto. Elas devem ser construdas pelo leitor a partir de um trabalho de compreensão inferencial. Tomemos como análise a primeira pergunta e sua possvel resposta: 1) Por que o título do poema é “Aviso”?

R.: O ttulo do poema é “Aviso” porque o personagem avisa, através de um cartaz que pendurará em cima de sua cama, que deseja car sozinho. O aviso que pendurará  47

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é “SILÊNCIO! JOVEM CRESCENDO!” Para responder à pergunta, o leitor vai ao texto e encontra que o título “Aviso” está no início e o cartaz em que o aviso se encontra está na última frase. Assim, ao articular essas informações, o leitor produz um sentido determinado para responder à questão, sem sair da materialidade linguística proposta pelo autor, estabelecendo a compreensão em nível inferencial. O mesmo acontece com as demais perguntas, como a terceira, por exemplo: 3) Ele sempre quis fcar sozinho?

R.: Ele nem sempre quis car sozinho, pois chega uma hora na vida em que tudo o que quer é car sozinho.  Aqui, o leitor deve voltar ao texto e perceber que, no seu início, o personagem informa que “Chega uma hora na vida/ Em que tudo o que mais quero/ É poder car sozinho.” Com essa informação, o leitor compreende que o personagem nem sempre quis car sozinho, o que o leva ao sentido pretendido pela pergunta de compreensão. O terceiro nível de compreensão é o inferencial extratextual, que já se aproxima da terceira etapa do processo de leitura, a interpretação. Nele, o leitor articula informações do texto com informações de seus conhecimentos prévios a respeito do tema tratado, dando origem a uma informação que não está explícita no texto, contudo, é plenamente pertinente à compreensão textual. Assim, ainda tendo como exemplo o texto “Aviso”, tem-se a pergunta: 5) Quem lerá o cartaz que o jovem pendurará?

 A resposta para esta pergunta não está literalmente no texto, nem dele pode ser produzida uma inferência textual. Assim, a pergunta remete a uma parte do texto:  Vou pendurar um cartaz Bem em cima da minha cama: SILÊNCIO!  JOVEM CRESCENDO! Com ela, o leitor constrói a resposta a partir de inferências extratextuais que produz. Assim, “quem lerá o cartaz” poderia ter como resposta: Quem lerá o cartaz que o jovem pendurará são as pessoas que entram em seu quarto, como: pai, mãe, irmãos, empregada, amigos, etc. Essa resposta é construída a partir da relação que o leitor faz com o texto e as infor 48

mações que possui em seu conhecimento prévio sobre a situação ali marcada. Dessa forma, a resposta traria várias possibilidades para quem lerá o cartaz: pai, mãe, irmãos,

O leitor e o processo de leitura

empregada, amigos, etc., porque são essas pessoas que normalmente entram no quarto de um jovem e seriam elas que leriam o cartaz ali pendurado. A partir da inferência produzida sobre a informação do texto, recorrendo aos conhecimentos prévios que o leitor possui internalizados sobre o tema da questão, o leitor produz sentidos, tendo a interação como elemento principal de sua leitura, possibilitando o nível da compreensão inferencial extratextual.  Ao chegar a esse nível, o leitor está em processo de desenvolvimento de estratégias e habilidades de leitura, que o levam à terceira etapa do processo: a interpretação. Para exemplicar isso, observe o texto que Menegassi (1995, p. 91; 2005b, p. 110-111) apresenta para discutir essa diferença. Leia o texto abaixo e responda às questões: Era uma vez dois trafelnos, Mirimi e Gissitar. Os dois trafelnos eporavam longe das perlogas. Um masto, porém, um dos trafelnos, Mirimi, felnou que ramalia rizar e aror uma perloga. Gissitar regou muito. Ele rurbia que Mirimi não rizaria mais da perloga. Gissitar felnou, felnou, regou, regou, mas nada. Mirimi estava leruado: ramalia rizar e aror uma perloga. No masto do fabeti, Mirimi rizou muito lonto. No meio do fabeti, proceu Gissitar e os dois rizavam ateli. Gissitar não ramalia clenar Mirimi. 1. Quem eram os dois trafelnos? 2. Onde eporavam? 3. O que aconteceu, um masto? 4. No 5º período, a que se refere o pronome “ele”? 5. Quem felnou? 6. Mirimi estava leruado para quê? 7. O que aconteceu no masto do fabeti? 8. Por que Gissitar rizou com Mirimi?  As questões de números 1 a 7 são respondidas perfeitamente, sem qualquer problema, já que basta seguir a sequência do texto para que as respostas sejam produzidas, em uma mostra de compreensão literal: 1. Quem eram os dois trafelnos?

R.: Mirimi e Gissitar.  49

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

2. Ode eporavam? R.: Longe das perlogas.

3. O que acoteceu, um masto? R.: Um dos trafelnos, Mirimi, felnou que ramalia rizar e aror uma perloga.

4. no 5º período, a que se refere o proome “ele”? R.: Gissitar.

5. Quem felou? R.: Gissitar.

6. Mirimi estava leruado para quê? R.: Ramalia rizar e aror uma perloga.

7. O que acoteceu o masto do fabeti? R.: Mirimi rizou muito lonto.  A pergunta 8, “Por que Gissitar rizou com Mirimi?”, não é possível de ser respondida, uma vez que precisa da compreensão do texto e das demais perguntas para ser produzida, já que ela é de caráter interpretativo. Com isso, arma-se que a compreensão é fator imprescindível para que se desenvolva a interpretação.

A interpretação  A interpretação é a etapa de utilização da capacidade crítica do leitor, o momento em que analisa, reete e julga as informações que lê. Assim, para que a interpretação ocorra, é necessário que a compreensão a preceda, caso contrário, não há possibilidade de sua manifestação. Dessa forma, o leitor, ao compreender, faz uso de seus conhecimentos anteriores, que se interligam aos conteúdos que o texto apresenta. No momento em que o leitor alia os conhecimentos que possui aos conteúdos que o texto fornece, ele amplia seu cabedal de conhecimentos e de informações, reformulando conceitos e ampliando seus conhecimentos prévios sobre a temática do texto. A diferença na etapa da interpretação é que novos sentidos são produzidos a partir dessa relação, permitindo ao leitor a produção de um novo texto, uma v ez que a manifestação de leitura ocorre através de informações diferenciadas do texto original.  A interpretação pode ou não ser dirigida. Ao tomar um texto em que o autor deixa claro suas intenções, a interpretação é dirigida, mesmo que inconscientemente. De outro lado, um texto em que as intenções não estão demarcadas possibilita variadas interpretações, ocasionando, algumas vezes, representações errôneas. Portanto, deve o leitor ser consciente da polissemia textual, isto é, das várias possibilidades de sentidos que um texto oferece. Isso é possível de ser observado em função de ela ter uma 50

manifestaão idiossincrática, pois depende dos conhecimentos anteriores que o leitor possui. Assim sendo, cada leitor tem internalizados conhecimentos prévios próprios, que o leva a fazer interpretaões diferentes, em funão de sua posião sócio-históricoideológica frente ao texto lido. Na produão de interpretaões, as inferências são relaões extremamente importantes. Elas são as pontes de sentido que o leitor faz entre si e o texto, entre o texto e ele próprio. Em uma representaão esquemática, tem-se o Quadro 2.

O leitor e o processo de leitura

Quadro 2 - Representação esquemática do processo de inferência e interpretação

a) O texto oferece ao leitor determinada informaão: TEXTO



LEITOR 

b) O leitor também leva ao texto suas informaões sobre o tema: TEXTO



LEITOR 

c) Nessa troca de informaões, nasce a interaão entre autor-texto-leitor, em que o autor é representado pelo texto, dialogando com o leitor e este com o autor:  AUTOR/TEXTO



LEITOR 

d) Nesse diálogo, o leitor produz sentidos ao texto que não estão explicitamente demarcados na materialidade linguística, dando origem à nova informaão, que não existia antes dessa relaão, nem no texto, nem no leitor:  AUTOR/TEXTO



LEITOR > NOVA INFORMAçÃO

e) Essa nova informaão passa a ser analisada, reetida e julgada, para que a interpretaão se estabelea: NOVA INFORMAçÃO > ANÁLISE > REFLEXÃO = JULGAMENTO f ) O julgamento emitido, que é o ponto de vista do leitor, isto é, seu discurso próprio, apresenta-se como um novo texto: TEXTO DO LEITOR 

51

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

Com isso, as pontes de sentidos, isto é, as inferências, são construídas. Para elucidar a questão discutida, analisa-se o título de uma reportagem de jornal de grande circulaão nacional, empregado por Menegassi (2005a, p. 81), como exemplicaão de possibilidades de produão de inferências para um texto, que permitem a interpretaão textual. Título: “ Menino de 1 ano é morto com tiro na cabeça no colo da mãe”  Inferências possíveis de construão: - O menino e a mãe foram vítimas de violência; - O menino teve morte instantânea, devido ao tiro na cabea e a sua idade; - A mãe do menino também foi atingida pela bala, que pode ter perfurado a cab ea do menino e alcanado alguma parte do corpo da mãe; - A bala que atingiu o menino era perdida de um tiroteio; - A bala que atingiu o menino pode ter sido disparada por um conhecido; - A mãe pode ter atirado no próprio lho. Essas inferências são construídas justamente a partir das informaões oferecidas pelo autor do texto, somando-se às informaões que o leitor possui em seu conhecimento prévio sobre o tema. Contudo, elas extrapolam o nível da construão de nova informaão, indo para a análise dessas informaões, o que é uma manifestaão evidente da interpretaão. Assim, em “A mãe do menino também foi atingida pela bala, que pode ter perfurado a cabea do menino e alcanado alguma parte do corpo da mãe”, têm-se as seguintes caracterizaões para explicar a interpretaão: a) TEXTO  LEITOR: o texto oferece a informaão de que a mãe estava com o lho de um ano no colo, quando ele foi morto com um tiro na cabea; b) TEXTO  LEITOR: o leitor leva ao texto a informaão de que um menino de um ano tem uma constituião esquelética frágil, com seus ossos em formaão; c) AUTOR/TEXTO  LEITOR: o leitor dialoga com o autor do texto, construindo a informaão possível de que se a criana tem uma constituião óssea frágil e se o tiro atingiu sua cabea, certamente tenha perfurado o crânio do menino; d) AUTOR/TEXTO

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 

LEITOR > NOVA INFORMAçÃO: à luz do diálogo

estabelecido com o autor do texto, o leitor analisa a informaão que se originou dali, reetindo sobre ela, produzindo uma nova informaão: a bala advinda do tiro perfurou a cabea da criana e deve ter machucado a mãe;

O leitor e o processo de leitura

e) NOVA INFORMAçÃO > ANÁLISE > REFLEXÃO = JULGAMENTO: a partir dessa análise, o leitor produz uma reexão sobre a informaão que está em análise: a bala advinda do tiro alcanou alguma parte do corpo da mãe, ferindo-a. Com isso, o leitor consegue emitir um julgamento crítico sobre o texto; f ) TEXTO DO LEITOR: “A mãe do menino também foi atingida pela bala, que pode ter perfurado a cabea do menino e alcanado alguma parte do corpo da mãe, ferindo-a. Com isso, o título da reportagem apenas salienta o menino, suprimindo informaões sobre a mãe.” Esse exemplo demonstra como a produão de inferências é necessária para que a interpretaão textual se desenvolva.  Além dessa possibilidade interpretativa, os textos também podem ser interpretados a partir das relaões de suas informaões com a vida pessoal do leitor. Para exemplicar, retoma-se o poema “Aviso”. Para ele, são produzidas duas perguntas que apareceriam numa ordenaão e sequenciaão articulada às cinco anteriores, em posião nal, discutidas na seão que apresenta a etapa da compreensão. Assim, são perguntas interpretativas: 6) Quando você quer car sozinho? 7) O que você faz quando deseja car sozinho? Nessas perguntas, as respostas não são encontradas no texto lido. Elas são produzidas a partir da elaboraão pessoal do leitor, sobre os conhecimentos e experiências de sua vida, contudo são relacionadas ao tema discutido no texto “Aviso”, que é o desejo de car sozinho. Assim, as respostas são variadas, em funão dos sentidos ali produzidos e das idiossincrasias manifestadas por cada leitor. Elas são apresentadas numa ordem nal, depois que as demais perguntas levaram o aluno-leitor a compreender o texto, a construir inferências, chegando à possibilidade de produzir sentidos próprios ao tema discutido, isto é, julgamentos pertinentes sobre o tema do texto à sua própria vida. Com isso, evidencia-se como a interpretaão é uma etapa posterior à compreensão, que, por sua vez, depende da etapa de decodicaão.

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LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

A retenção  A última etapa do processo de leitura é responsável pelo armazenamento das informações mais importantes na memória do leitor. Para isso ocorrer, a retenção pode se dar em dois níveis. O primeiro é resultado do processamento da compreensão, isto é, o leitor não precisa fazer uso da interpretação. Nele, o leitor armazena na memória a temática e as informações principais do texto lido, sem analisá-las. O segundo nível de retenção vem do processamento da interpretação, que é um processo mais amplo do que a compreensão. Assim, a retenção de informações na memória do leitor, advinda da interpretação, é sempre maior do que a da compreensão, uma vez que são alterados os conhecimentos prévios do leitor, não somente com o acréscimo de informações textuais novas, mas, sim, com o acréscimo de informações resultadas de um julgamento realizado pelo leitor, sobre o texto lido, o que altera seu ponto de vista sobre o tema e possibilita a construção de um novo texto.

AS ETAPAS DO PROCESSO DE LEITURA O processo de leitura apresenta-se em quatro etapas: decodicação, compreensão, interpretação e retenção, sendo que, principalmente na compreensão e na interpretação, estabele-se o processo de inferência.  As etapas são apresentadas aqui, para ns didáticos, de maneira estanque, contudo, no processo de leitura, elas ocorrem concomitante e recursivamente, dependendo uma da outra para sua realização, possibilitando um conjunto harmônico de estratégias e habilidades no leitor. Dessa forma, cabe ao leitor discernir seu objetivo de leitura diante do texto, para poder ou não chegar à interpretação, que o leva ao desenvolvimento como leitor crítico. Para elucidar todo o processo, o Quadro 3 apresenta esquematicamente cada uma das etapas discutidas.

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Quadro 3 - Representação esquemática das etapas do processo de leitura

O leitor e o processo de leitura

DECODIFICAçÃO O leitor identica o código escrito, ligando-o a um signicado. 

COMPREENSÃO O texto apresenta informaão ao leitor. 

O leitor possui informaões sobre o tema do texto em sua memória. 

O leitor termina a leitura com alteraões em seus conhecimentos prévios, agregando as novas informaões do texto às suas, produzindo uma nova informaão. 

INTERPRETAçÃO  Análise da nova informaão produzida. 

Reexão sobre a nova informaão. =

Emissão de julgamento sobre a nova informaão, produzindo-se um novo texto. 

RETENçÃO  As informaões do texto e as novas informaões produzidas na etapa da interpretaão são armazenadas na memória do leitor, passando a fazer parte de seus conhecimentos prévios.

A PRODUÇÃO DE SENTIDOS PELO LEITOR O texto “Como os campos”, de Marina Colassanti, é utilizado aqui como exemplo analítico de como o processo de leitura se manifesta no leitor. COMO OS CAMPOS

Preparavam-se aqueles jovens estudiosos para a vida adulta, acompanhando um sábio e ouvindo seus ensinamentos. Porém, como zesse cada dia mais frio com o adiantar-se do outono, dele se aproximaram e perguntaram: - Senhor, como devemos vestir-nos? 55

LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

- Vistam-se como os campos, respondeu o sábio. Os jovens então subiram até uma colina e durante dias olharam para os campos. Depois dirigiram-se à cidade, onde compraram tecidos de muitas cores e os de muitas bras. Levando cestas carregadas, voltaram para junto do sábio. Sob o seu olhar abriram os rolos das sedas, desdobraram as peças de damasco e cortaram quadrados de veludo, e os emendaram com retângulos de cetim. Aos poucos, foram recriando em longas vestes os campos arados, o vivo verde dos campos em primavera, o pintalgado da germinação. E entremearam os de ouro no amarelo dos trigais, os de prata no alagado das chuvas, até chegarem ao branco brilhante da neve.  As vestes suntuosas estendiam-se como mantos. O sábio nada disse. Só um jovem pequenino não havia feito sua roupa. Esperava que o algodão esti vesse em or para colhê-lo. E, quando teve os tufos, os ou. E, quando teve os os, os teceu. Depois vestiu sua roupa branca e foi para o campo t rabalhar.  Arou e plantou. Muitas e muitas vezes sujou-se de terra. E manchou-se do sumo das frutas e da seiva das plantas. A roupa já não era branca, embora ele a lavasse no regato. Plantou e colheu. A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se. O jovem pequenino emendou os rasgões com os de lã, costurou remendos onde o pano cedia. E, quando a neve veio, prendeu em sua roupa mangas mais grossas para se aquecer.  Agora a roupa do jovem pequeno era de tantos pedaços que ninguém poderia dizer como havia começado. E estando ele lá fora uma manhã, com os pés afundados na terra para receber a primavera, um pássaro o confundiu com o campo e veio pousar-se no seu ombro. Ciscou de leve entre os os, sacudiu as penas. Depois levantou a cabeça e começou a cantar.  Ao longe, o sábio, que tudo olhava, sorriu. (COLASANTI, 1998, p. 29-30).

Para que a leitura do texto seja alcançada, o leitor precisa de um objetivo determinado. Assim, como objetivo de leitura, propõe-se responder ao questionamento: “Quem alcançou o ensinamento do mestre?”.  A primeira fase da leitura é a leitura silenciosa, em que o leitor entra em contato com o texto, identicando o gênero textual, no caso, um conto. Nesse momento, a etapa da decodicação se estabelece, ao observar: - o vocabulário utilizado pela autora; - as construções sintáticas apresentadas no texto; - a construção dos parágrafos; - a organização composicional do texto; - a distribuição das informações nos parágrafos. Dentre essas informações relevantes, por exemplo, é possível que duas palavras não sejam conhecidas do leitor: “damasco” e “puiu-se”. Como leitor maduro, a estratégia já desenvolvida de trabalho com o v ocabulário o faz buscar o contexto de realização

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dessas palavras para tentar compreender seus signicados. Assim, os contextos são:

O leitor e o processo de leitura

- “Sob o seu olhar abriram os rolos das sedas, desdobraram as peças de damasco e cortaram quadrados de veludo, e os emendaram com retângulos de cetim.”, em que o leitor percebe, pela gradação semântica das palavras que compõe a frase, relacionada a tecidos, que damasco é um tipo de tecido no, como os demais; - “A roupa rasgou-se, o tecido puiu-se.”, em que o leitor percebe que alguma coisa aconteceu com a roupa depois de rasgada. Assim, na gradaçã o semântica apresentada para a roupa, puir é algo que acontece com o tecido depois de t er sido rasgado, possi velmente, seria enfraqueceu, desmanchou-se. Com essa estratégia, o leitor crítico consegue recuperar e produzir signicados no processamento da decodicação, para que o texto possa ser c ompreendido, possibilitando, com isso, a manifestação da compreensão, etapa subsequente. Na compreensão, o leitor busca resposta para a pergunta apresentada como ob jetivo de leitura. Ao ler o texto, nota-se que sua conguração leva a observar que o ensinamento foi alcançado pelo jovem pequeno, que teve suas roupas e a si próprio confundido com o campo, por um pássaro que pousou em seu ombro. Assim, tanto o tema quanto a informação principal do texto foram alcançados pelo leitor. Por outro lado, nesse processamento de leitura, o leitor constrói inferências que  vão lhe oferecendo outras possibilidades de produção de sentido, originando a fase da análise, na etapa da interpretação. Dessa forma, o leitor observa que há no texto dois grupos de estudantes: um que comprou matéria-prima para a confecção das roupas e o jovem pequeno, que confeccionou sua roupa com algodão do campo e esperou que a própria natureza transformasse sua roupa. A partir dessa análise, outras análises se originam, mesclando-se a reexões próprias sobre cada sentido produzido, que são expostas: a) Sobre o grupo de jovens: -

o grupo de jovens que comprou os tecidos também confeccionou roupas que se pareciam com os campos;

-

os jovens conceberam os campos com algo rico e belo, usando matéria-prima como tecidos nos, ouro e prata;

-

os jovens produziram vestes suntuosas como são os campos.

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LEITURA: ASPECTOS  TEÓRICOS E PRÁTICOS

b) Sobre o jovem pequeno: -

o jovem pequeno obteve a matéria-prima da natureza, esperando que o algodão crescesse, orescesse e desse tufos;

-

o jovem pequeno confeccionou sua roupa a partir dos os do algodão;

-

o jovem pequeno trabalhou com sua roupa diretamente no campo;

-

o jovem se sujou no campo e sua roupa desgastou-se;

-

o jovem foi confundido por um pássaro como um elemento do campo.

c) Sobre o sábio: -

o sábio ofereceu a mesma orientação a todo grupo de estudantes;

-

o sábio nada disse, após o grupo de jovens ter confeccionado vestes suntuosas;

-

o sábio, ao nal do texto, que tudo olhava, sorriu.

 Ao analisar e reetir sobre o texto, o leitor obser va que os lugares em que o sábio é citado se referem a três posições certas: 1ª) no início, quando orienta a tarefa; 2ª) no meio do texto, quando apenas um grupo de estudantes havia concluído a tarefa; 3ª) ao nal do texto, quando todos os estudantes haviam concluído a tarefa. Ao analisar a estrutura do texto e os lugares em que o sábio é referido, nota-se que há posições determinadas em função das ações que os estudantes apresentam. Assim, no meio do texto, “O sábio nada disse” pode signicar que ele não manifestou avaliação alguma, porque nem todos os estudantes haviam concluído a tarefa sugerida, faltando o jovem pequeno concluí-la, somente depois é que o sábio manifestaria sua avaliação. Além disso, o leitor também pode observar que o sábio nada disse, porque é impossível que alguém se vista como os campos, mesmo utilizando, na confecção das roupas, materiais belos e ricos. Por outro lado, ao nal do texto, quando “o sábio, que tudo olhava, sorriu”, pode haver variadas produções de sentidos: a) o sábio sorriu porque o jovem pequeno foi realmente confundido com o campo pelo pássaro, o que o fez cumprir a tarefa proposta; b) o sábio sorriu porque achou engraçado o pássaro pousar no jovem pequeno, sem referência ao cumprimento da tarefa; c) o sábio sorriu porque nenhum dos estudantes cumpriu a tarefa, uma vez que é impossível alguém vestir-se como os campos; d) o sábio sorriu porque todos os estudantes alcançaram o seu ensinamento, cumprindo a tarefa proposta.

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Os dois últimos sentidos são comprováveis com a análise que se faz da estrutura do texto. As localizações em que o sábio é citado no texto denem suas posições, a luz desses sentidos: a) no início: propõe a tarefa; b) no meio: não realiza uma avaliação parcial, esperando que todos os estudantes tenham concluído a tarefa; c) no nal: avalia como positiva ou negativa a conclusão da tarefa, através de seu sorriso. Com isso, o leitor, depois de ter processado a decodicação, a compreensão e a interpretação textual, consegue emitir um julgamento denido sobre o texto, a partir da escolha dos sentidos produzidos.

O leitor e o processo de leitura

Esse exemplo de leitura mostra como as características do leitor crítico, arroladas no Quadro 1, estão presentes em todo o processo de leitura.

Referências

BAKHTIN, M. M. Estética da ciação vebal.  Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003. COLASANTI, Marina. Longe como o meu quee . 2. ed. São Paulo: Ática,1998, p. 29-30. MENEGASSI, R. J. Compreensão e Interpretação no processo de leitura: noções básicas ao professor. revista Unima, Maringá, v. 17, n. 1, p. 85-94, 1995. ______.Estratégias de leitura. In: MENEGASSI, R. J. (Org.). Leitua e ensino . Maringá: Eduem, 2005a. p. 77-98. ______. Avaliação de leitura. In: MENEGASSI, R. J. (Org.). Leitua e ensino . Maringá: Eduem, 2005b. p. 99-120.

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