Walter B Pitkin - Breve Introdução à História Da Estupidez Humana
April 11, 2017 | Author: BostonBCG | Category: N/A
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Estupidez 1932...
Description
Walter B. Pitkin
Breve introdução à história da estupidez humana
Capa extraída de http://www.livrosdificeis.com.br/
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Walter B. Pitkin
Breve introdução à história da estupidez humana Do original ianque
A short introduction to the history of human stupidity Tradução de Edison Carneiro
Editora Prometeu Caixa postal 4793 São Paulo Direitos exclusivos em língua portuguesa (Brasil, Portugal e colônias) da editora Prometeu Printed in Brazil Este livro foi composto e impresso nas oficinas da Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais Ltdª, rua Conde de Sarzedas 38, São Paulo, prà editora Prometeu, em outubro de 1943 O livro foi escrito em 1932 (nota do digitalizador)
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Quanto aos objetivos deste livro Poderoso, com os músculos dos séculos, vibra sua grande enxada e ri à terra com o vigor das idades sobre a face, carregando nas costas o leve fardo do mundo. Quem fez os êxtases e os contentamentos simples desta criatura muito poderosa prà tristeza ou prà esperança, sólida e chã, irmã mais velha do símio? Quem desprendeu e deixou cair esse maxilar brutal? De quem foi o sopro que produziu uma breve centelha em seu cérebro? Esta é a coisa que a Natureza fez e deu pra lutar com terras e mares não conquistados, pra cavar, rachar lenha, combater por ti e por mim, que acompanhamos as estrelas, que estudamos o céu buscando poder e alimentando ilusão de eternidade. Assim sonhou a Natureza quando deu forma aos sóis e marcou seu caminho na amplidão antiga. Em todos os planetas do universo cheio de estrela não há forma mais transbordante de esperança que esta, o mais eloqüente estratagema da Natureza, que se move sem pensamento e sem plano, invisível. Nenhuma forma há mais prometedora de Espíritos superiores, a cujo lado eu e tu somos símios. Nota do digitalizador: Tendo em vista a diferença de nomenclatura numérica (Nas Américas 1 bilhão = 109 enquanto na Europa a mesma quantia é chamada mil milhões), pra evitar confusão, troquei os termos bilhão por 109. Onde a palavra bilhão ou bilhões aparecer em forma genérica se entenda 109.
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...Então olhamos e vimos, não muito distante, a terra em que habitavam os ciclopes. E vimos a fumaça subindo e ouvimos a fala de homens e o balir de carneiros e de cabras. Então veio o pôr-do-sol e a escuridão. Ali dormimos mas quando madrugou reuni meus homens e disse: — Descansai aqui, caros camaradas, enquanto, com meu navio e meus homens, verei que homens são esses. Se selvagens, cruéis e ignorantes do direito ou amáveis com os estrangeiros e tementes aos deuses.
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Índice Prolegômenos Ingresso Motivos Azorrague Encargo Labirinto Tabu Palavras Limite
Arcada Ciclopes Ciclos Acesso Primogênitos Vagabundo Irlanda Calor Umidade Alimento Cansaço Moléstia Drogas Matador Espanha Idade Nichevo
Psique Moros1 Espectro Síntese Elementos Semi-cego Semi-surdo Fantasia Devaneio Faz-de-conta Reflexão lógica a - Espaço-tempo 1
Moros era o deus da sorte e do destino, filho de de Caos e Nix, a Noite. Conhecido como Destino. Representado como uma entidade cega. Sem ver a quem reservava no futuro, seu caráter era o da inevitabilidade. Tudo e todos, incluindo deuses e mortais, lhe estavam subordinados. Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia
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b - Matemática
Imaginação criadora Arquiteto Linguagem Gramática Chinês Banto Negro
Processo Luz direta Parvo Níveis Raio de ação Introvertido Extrovertido Beato Fanático Liberal Kerensky
Ego Whitman
Glória Itália
Unilateral Rapidez Atraso Persistência Em ação Dominação Napoleão Criminoso Medo Tímido Condescendência Submissão Soldado Derrotados Austríaco Inércia Cupido Autonomia
Pseudopatéia Psicagnóia Simpatia Mentalidade Sexo Contra-sensos Aparências Hábitos 6
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Contatos
Caos Caos Roma França Grã-Bretanha América Dinheiro Pai Professor Advogado Político Militar
Tecne Telos Amanhã Jivanmukti Libertação Super-Máquinas
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Informe ingens cui lumen ademptum2
Ππολεγομενον Prolegômenos
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Monstrum horrendum, informe, ingens, cui lumen ademptum [Virgílio, Eneida, 3.658] Um monstro horrendo, disforme, enorme, ao qual falta um olho. Se trata do ciclope Polifemo. Dicionário de expressões e frases latinas. Compilado por Henerik Kocher. Nota do digitalizador.
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Ingresso Motivos or que se abalançaria, um dos poucos otimistas incorrigíveis que ainda restam no mundo, a empreender uma Breve introdução à história da estupidez humana? Será vã a aventura e o aventureiro mais estúpido que os demais? Não. Pois a raça humana chegou a um impasse do qual só pode escapar via estudo de seus defeitos e imperfeições. Somos senhores da terra, do ar, do fogo e da água. Voamos mais rapidamente que os pássaros. Mergulhamos nos abismos. Perfuramos as montanhas e reduzimos as florestas a nada. Sobre a natureza exercemos poderes mais vastos que os que nossos antepassados imaginavam nos deuses. Mas somos deuses? Nem tanto! Demônios, talvez. E da terra fizemos o Pandemônio. Pra cada bilhão, em riqueza, que os homens engenhosos acrescentaram nossa parte, outros homens destruíram 109, às vezes em riqueza, às vezes em valor humano, por meio de guerra, trapaça, especulação, jogo, fraude, chicana, praga, mentira, ultraje e, acima de tudo, estupidez mortífera. Pois toda maneira, descoberta por algum pensador, pra tornar baratas as mercadorias, tem sido explorada, defraudada e mal conduzida, de maneira colossal, por outros sem imaginação, de modo que, quanto mais rapidamente a riqueza se acumula num ponto, a decadência e a miséria abundam noutros pontos, em proporção harmoniosa. Enquanto o plantador de algodão do Texas morre de fome porque seu campo não o pode alimentar em virtude de sua abundância, o coli de Hankow3 anda nu. Enquanto o fazendeiro de trigo do Cansas deserta seus pagos e vaga, com suas panelas e crianças, até a cidade mais próxima pra conseguir dez réis de mel coado, montes de trigo estão abandonados sobre as grandes planícies. Enquanto os banqueiros se queixam de ter excesso de dinheiro parado nos cofres, se recusam a emprestar um dólar a empresas meritórias. Enquanto as fileiras dos sem-trabalho aumentam, os governos gastam dezenas de milhões de dólares, diariamente, em canhões, bombas e couraçados. Enquanto aumentamos os fundos à educação, construímos edifícios escolares cada vez mais magnificentes e formamos professores cada vez mais intensivamente, os alunos estudam e aprendem menos e se tornam maus cidadãos, presa fácil pràs maltas de bandido, pràs fileiras de criminoso, e perene mercado pràs atividades mais indignas. Enquanto os negócios se processam cada vez com mais rapidez, os empregados devoram mais e mais morfina, cocaína e heroína, até que nós, ianques, chegássemos à eminência de usar mais narcótico que qualquer outro povo. Algumas combinações de motivos, percepções e métodos custou, dizem os estatísticos, todo ano, somente em nosso país, o equivalente de 25.000.000.000 ou 30.000.000.000 de dólares em dinheiro, tempo, saúde e felicidade perdidos, somente através dos canais da indústria, distribuição e finança. Desde que fizemos regressar nossos soldados da Europa, em 1918 perdemos ou gastamos, assim, uma soma suficiente pra comprar todas as ferrovias, inclusive terras, trens, trilhos e estações, e todos os navios, todas as fábricas, armazéns, fazenda instrumentos, máquinas, utensílios, automóveis, cavalos, vacas, carneiros, porcos, galinhas, usinas elétricas, telefones e ladrilhos atualmente existentes neste Eua. Entre a Guerra Civil e a Guerra Mundial, inclusive, nossos pais e avós (auxiliados e instigados pelas fêmeas da espécie, 3
Hankow (Boca do Han) - Grande centro comercial da porção mediana do império chinês. Desde 1858 um dos principais lugares aberto a comércio exterior. China Overseas Land & Investment Ltd (COLI ou a companhia), possível origem do termo coli. Nota do digitalizador
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não há dúvida!) dissiparam, da mesma sorte, o suficiente pra equipar a metade da Europa com residências, estradas e fábricas. Pois, apesar de nossa bazófia de eficiência e de riqueza, só somos pouco mais de 25% tão eficientes e ricos como seríamos se... Se o quê? A resposta revela os motivos do presente inquérito. Se nossos chefes políticos, negociantes, banqueiros, eleitores e nós mesmos, em geral, tivéssemos sido apenas melhor informados, mais bem educados, menos tristes, menos receosos, menos gulosos, menos envenenados pelo jogo, mais previdentes e mais completamente conscientes da espécie de mundo em que habitamos e do povo que aqui vive, poderíamos ter feito muito mais com nossas incomparáveis oportunidades. Poderíamos não estar, agora, afundando nos mesmos caminhos cediços e inúteis do velho Mundo, que, à proporção que afundamos, se dirige, como um animal cego e ferido, cada vez mais a baixo, até os pântanos da Ásia. Haverá alguém que o negue? Se há não o conheço. O mundo se imagina errado porque os povos são errados. O que há? Falta de religião? Má educação? Emoções perversas? Má saúde? Tradições vazias? Corrupção de costume e de maneira? Superstição? Pobreza? Ignorância? Glândulas endócrinas funcionando mal? Uma obscura tendência nas mutações e nos cromossomos? Ou algo que ninguém suspeitou até agora? Certamente, alguém deve responder à pergunta. Enquanto não esclarecermos a natureza, os impulsos e as causas de nossas muitas faltas, não as poderemos remediar e continuaremos a ser médicos receitando, cegamente, a pacientes que nunca vimos. Portanto, declaro eu, o próximo empreendimento da raça humana deve ser a análise de si própria. E isso deve começar com a busca às influências predominantes na destruição e decomposição da ordem econômico-social. Enquanto os banqueiros e os magarefes investigam a renda e a superprodução dos açougues, os que se interessam pela natureza humana devem investigar suas contribuições peculiares às desgraças deste século 20. Poderíamos ter iniciado nosso inquérito estudando a ignorância humana, a mávontade ou algum dos erros que têm raiz nas instituições sociais. Preferimos, entretanto, a estupidez, pois parece estar na base de todos os outros e espalhar, mais longe e com mais sutileza, seu vírus. Um inquérito completo sobre os indivíduos estúpidos e sobre seus atos se tornou necessidade vital do estado mas nenhum estadista dará atenção. Entretanto os indivíduos que evitam os políticos como evitariam um leproso podem estar curiosos de saber um pouco mais sobre o assunto. E, antes de tudo, podem exigir uma explicação de meu singular asserto. Eis em miniatura. Sua expressão completa é esta Breve introdução. Os cientistas, e ninguém mais!, descobriram e inventaram tantas coisas revolucionárias, durante as últimas gerações, que hoje, quando nos aproximamos do meado do século 20, encontramos a raça humana diante de duas grandes crises. Uma é a crise do Melhor, a outra a crise do Pior. Cada crise se estende em dez ou mais campos do esforço humano. A encontramos em nossas escolas, hospitais; nas dotações privadas pro combate à pobreza, ao sofrimento e à ignorância; em nossa política nacional, especialmente no que respeita à conquista de novas áreas pro excesso populacional; em nosso contato com o vasto mundo subterrâneo do crime; em nosso esforço pra combater o desrespeito à lei por parte de cidadãos que em geral não são considerados criminosos; em nosso esforço pra substituir o fanatismo por uma legislação sã; em nossa luta pela solução do desemprego técnico; e, talvez acima de tudo, em nosso esforço, até agora frustrado, pra curar a política da democracia, completamente afetada pelos venenos do Mal Ciclópico.
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O mundo já sofre um sério e agudo desequilíbrio em dois pontos. Temos um excesso de mentes de primeira e de segunda classe, em relação aos postos que utilizam suas altas habilidades. E também temos um aterrador excesso de estúpidos e humanescos, em relação aos postos que utilizam suas habilidades inferiores. Investiguei a primeira crise, na medida do tempo e dos recursos disponíveis.4 Entre outras coisas, parece que, dentro dos próximos 35 ou 40 anos, as principais nações do mundo terão formado 2.500.000 ou 4.000.000 de cientistas, técnicos e engenheiros. Nesse tempo os métodos de organização estarão tão aperfeiçoados que cada trabalhador fará o dobro do trabalho que costuma fazer hoje. Nesse tempo, também, novas subdivisões e especializações nas tarefas complexas reduzirão ao mínimo as exigências ao homem hábil. É perfeitamente concebível que alguns grandes cirurgiões tenham clínicas de tal modo diferentes, que seus assistentes tomem conta de todas as operações, exceto uma ou duas em cada mês. Os grandes engenheiros terão ainda menos a fazer. E os grandes mestres, em 1975, não terão de perder seu precioso tempo falando a dez ou vinte estudantes numa sala de aula mas falarão, todas as manhãs, a um milhão de alunos via rádio-televisão e terão seus melhores pensamentos gravados em discos, o que reduzirá enormemente o número de mestres requerido pra educar um dado número de pessoas. Já temos, em Eua, mais de 400.000 graduados, a maioria sem preparo, evidentemente, que poderiam e querem trabalhar prà ciência ou nas profissões liberais, se conseguissem empregos agradáveis e remunerativos. Mas não o pode salvo em medicina e odontologia, às quais, naturalmente poucos são inclinados por espírito e por temperamento. Se alargássemos nosso inquérito, de modo a abranger 10% do total de nossa população com inteligência e personalidade superiores, teríamos, por uma série de cômputos que seria fastidioso enumerar, que cerca de 5.000.000 desses (de todas as idades) jamais encontrarão oportunidade adequada pra suas respectivas carreiras. E o que acontece no outro extremo da escala? Já o sabemos, pois a imprensa há muito nos vem contando tristes histórias acerca da Idade da Máquina e do desemprego técnico que causa, juntamente com o número sempre decrescente de operários necessários pra cada unidade de produção ou pra cada serviço pessoal. Sabeis também que a subdivisão do trabalho chega a tal ponto que a unidade de operação se torna tão simples que até os mentecaptos a podem realizar bem, em muitos casos. Todo ano as indústria mais importantes se aproximam cada vez mais do ideal, que um corpo de trabalhador em que cerca de cinco homens são peritos graduados e cerca de 95 homens são trabalhadores comuns que, depois de seis ou oito semanas de traquejo, fazem bem seu trabalho. Nossa crise agrícola é, em grande parte, uma crise de crescente produção mecanizada, cuma pequena fração dos trabalhadores agrícolas requeridos há uma geração. Embora, nalgum tempo, cerca de metade da população total tivesse de suar no eito a fim de alimentar a si própria e à outra metade, hoje um homem facilmente se sustenta e a dez outros, com a química e os instrumentos modernos. Perto de 1975 será sustentado por consumidores da cidade. E então o homem da enxada deverá voltar às cavernas de seus irmãos mais velhos, os ciclopes. O mundo não terá mais trabalho pra ele. Eis uma situação nova prà raça humana. No caminho à Utopia, o que há de melhor e de pior em nós sofre mais. Progredimos? Então, dalgum modo, devemos encontrar modos e maneiras de garantir a melhor chance de vida, liberdade e felicidade enquanto eliminamos o mal de maneira que não ultraje o débil e inconstante senso moral da humanidade. Mas o que fizemos até agora? 4
The twilight of the american mind, Nova Iorque, 1928, é inteiramente devotado a esse problema
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Nossos biologistas se alistaram nos regimentos dos eugenistas, que combatem sob diferentes bandeiras, sem comando geral, portanto, de certo modo em vão. Alguns atacam o problema melhor, outros pior. Ninguém ataca o problema como um todo. Um grupo trabalha com nobreza no controle do nascimento, o que é excelente. Outro trabalha na esterilização dos loucos e dos mentecaptos, o que é também admirável, se bem conduzido. Ainda outro grupo (menor) procura um método de captar e estimular o gênio. Um quarto busca o melhoramento da educação superior como meio de salvar da destruição esse vasto exército que fica abaixo do gênio e acima da média racial. Um quinto grupo ataca o problema do crime, um sexto a imigração promíscua. E assim a diante. Mas tanto quanto posso determinar, ninguém dedicou um pensamento, até agora, às possíveis conseqüências do vagaroso e em grande parte invisível acúmulo de desatino, erro, preconceito, hipocrisia, fanatismo e crime causados pela estupidez em centenas de milhões de indivíduos que não são mentecaptos, loucos nem psicopatas. Quanto mais profundamente penetramos nos processos naturais, tanto mais somos esmagados pelo espetáculo duma infinidade de forças diminutas que se reúnem pra causar os acontecimentos ordinários. A história da humanidade não é escrita por uns poucos gênios, uns poucos generais e uns poucos criminosos. Os tipos extremos de personalidade atraem uma atenção imerecida, aparecem nos cabeçalhos dos jornais e são, mais tarde, explorados pelos biógrafos. Mas a corrente da vida, em que nadam, é um milhão de vezes mais larga, mais profunda e mais velha do que eles e é composta de trilhões de gotas dágua feitas de sextilhões de moléculas. E assim a diante, ad ignotum. Assim, me parece, o estadista que sonha cuma sociedade quase perfeita deve, algum dia, ser forçado a observar, a analisar e a superar as fraquezas comuns dos indivíduos comuns, entre as quais nenhuma é tão perniciosa como a simples estupidez.
Azorrague Se pode, facilmente, provar que a estupidez é o supremo Mal Social. Três fatores se combinam prà estabelecer como tal. Primeiro, e antes de tudo, os indivíduos estúpidos são legião. Em segundo lugar, a maior parte do poder no comércio, finança, diplomacia e política está nas mãos de indivíduos mais ou menos estúpidos. Finalmente, altas habilidades freqüentemente estão ligadas a séria estupidez, de tal modo que as habilidades brilham ante o mundo, enquanto os traços de estupidez se escondem em sombras profundas, só discernidas pelos íntimos ou pelo olhar escrutador dos repórteres. Quantos são esses indivíduos estúpidos? Em sentido absoluto, a pergunta é absurda ou gratuita, pois a definição mais estrita de estupidez implica em que todo mundo deve ser classificado sob a bandeira branca dos mudos, ao passo que qualquer outro método de definição das características deve ser relativista. Assim, prefiro evitar uma resposta precisa e dizer que ao menos três em cada quatro membros de nossa espécie são, sob certos aspectos, bastante estúpidos pra merecer, aqui, menção desonrosa. Isto perfaz uma horda compacta de cerca de 1.500.000.000 de pessoas. Combater seus desatinos, negligências, artifícios, superstições e outras espécies de conduta inferior, seria o mesmo que lutar contra uma praga de gafanhoto. Esmagues aqui um milhão e logo outro milhão se levantará ali, e mais dez milhões escurecerão o céu. Entre esses 1.500.000.000 de pessoas estúpidas, um número aterrador se destaca, especialmente na política e nos pequenos negócios. Em verdade, não é exagero dizer que esses dois campos de esforço humano sempre foram dominados por pessoas de conspícua estupidez e, por motivos biológicos e econômicos, voltaremos em breve ao assunto, mais de perto. Em geral, não se reconhece, entretanto, que o mundo dos banqueiros é talvez ainda mais povoado de indivíduos broncos, nem que esses indivíduos broncos fazem com que muitos negociantes brilhem como pequenos
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leonardos, por contraste. Assim, nosso destino econômico está, se não dominado por inteligências inferiores e aleijões emocionais, ao menos gravemente contaminado. E, quanto mais complexo se tornam os negócio mundial, mais grave se torna essa ameaça Um milhão de indivíduos sem inteligência, que se sentam às mesa de diretores, vicepresidentes executivos, gerentes de departamento etc., têm neutralizado as influências criadoras de homens de cérebro superior, e nunca mais flagrantemente que durante última década. Poucos desses homens merecem suspeita. E assim chegamos a nosso terceiro ponto. É um horrível resultado da espantosa variabilidade do homem, essa correlação peculiarmente enganosa de traços mais delicados com os piores. À proporção que formos progredindo em nosso estudo, encontraremos quase todos os característicos esplêndidos em indivíduos da mais crassa estupidez. Consideraremos grandes artistas como Beethoven e Whitman, que foram fatalmente estúpidos em relação a muitas das melhores coisas da vida. Consideraremos excelentes matemáticos, historiadores de visão larga e estadistas de mente superior, que claudicavam em assuntos comuns, como se fossem coxos sem a ajuda de muleta. Veremos nações empenhadas em guerras fúteis e arruinadas pelos desatinos compreensíveis de chefes de indisputada capacidade. E toda parte, o mesmo espetáculo monótono! E, quando cada cena termina, o mesmo monótono pensamento nos acode: Que maravilha que a humanidade tenha avançado a tal ponto! Manias, superstições, cultos, charlatanices, tratantadas e triste estupidez se mantêm, se não aumentam, em todo o ocidente. Tiveram novo foco no começo da guerra mundial e encontraram completa expressão na década seguinte. Se, posteriormente, desapareceram, mais ou menos, da vista do público, isso não significa que os homens os tenham liquidado. Lhes faltava oportunidade pruma demonstração em massa. E, até o grande colapso financeiro de outubro de 1929, essa vasta galáxia de fraquezas mortais não subiu, outra vez, ao zênite, pra brilhar como uma centena de sóis. Novamente expôs a incompetência dos mais altamente colocados. Novamente deixou a nu a triste inteligência de muitas augustas personagens. Novamente fez murchar a reputação de milhares de financistas, economistas, especuladores, políticos, estadistas e industriais. Sob seus raios impiedosos, os Grandes Negócios se pareceram cum punhado de batata, enquanto milhões de dólares baixavam a 30 centavos. Quando uma catástrofe dessa natureza ocorre duas vezes em 12 anos os homens de pensamento devem estudar suas raízes e seus estímulos. Uma sociedade que se afunda assim tão freqüentemente tem algo de podre no sangue e no cérebro. A menos, que se cure, deve morrer. E o primeiro passo pra qualquer cura é o diagnóstico. Então este pequeno livro, que se esforça em analisar os desatinos, manias e confusões, sem elogio nem condenação. Pois não é estupidez vaiar pessoas cuja única falta é a de que seus antepassados lhes legaram um miserável amontoado de fibras nervosas associativas? E não é um triste passatempo ridicularizar as loucuras doutras pessoas, que agem como agem somente em resultado da má educação, da pobreza, da opressão e da moléstia? Quanto a elogiar, defender ou desculpar essas pessoas, isso é ainda mais estúpido. O caminho a além de nossa atual estupidez é o caminho da destruição. Dalgum modo devemos marcar os tipos inferiores. Dalgum modo devemos melhorar os negligentes e os mal-preparados. Nesse sentido devemos, antes de tudo, chegar à compreensão da infinita variedade da estupidez. E, entretanto, ninguém as pesquisou. Os homens chamam estúpidos a atos que, depois de cuidadosa observação, se revelam brilhantes. Outros exaltam, como heróicos e brilhantes, atos que qualquer crítico pode, em pouco tempo, revelar estúpidos. Pra avaliar essa confusão, atentai sobre alguns acontecimentos ocorridos quando este livro
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estava sendo escrito. E vos perguntai até que ponto a simples estupidez, em cada caso, toma o passo à ignorância, à malícia, aos desatinos de raciocínio, ao egoísmo crasso ou a qualquer outra coisa, Quando o capítulo 1 deste livro estava sendo composto, presidente Hoover garantia à câmara de comércio de Eua que todas as perturbações econômicas terminaram, Já passamos o pior e, continuando a unidade de esforço, nos recobraremos rapidamente. No dia seguinte, em Nova Iorque, acontecia o pior colapso financeiro da atual geração. No meio da luta contra a estupidez dos clérigos, lemos nos jornais a revelação de que o bom bispo James Cannon é chefe duma firma comercial. Depois o papa de Roma se pronunciou, tempestuosamente, contra as roupas de baixo das mulheres modernas. Entrementes os corretores da rua Muralha se dirigiam, em massa, à casa dos astrólogos, buscando prognóstico sobre a flutuação do mercado. O Collier's Weekly abriu colunas pros artigos de Evangeline Adams, que mais tarde, por meio duma grande rádiodifusora, revelou que J. Pierpont Morgan, o velho, a costumava visitar buscando conselho. Hig Bill Thompson, prefeito de Chicago, empreendeu uma campanha pra destruir a influência insidiosa de rei Jorge V nas escolas públicas de Chicago. As nações européias gastam cerca de 10 milhões de dólares por dia em preparativos prà próxima guerra. O governo francês está construindo 200 fortes ao longo da fronteira alemã. A Romênia acaba de comprar e de pagar um túnel ferroviário, supostamente escavado por uma firma contratante mas, na realidade, construído por soldados austríacos durante a primeira guerra mundial. Henry Ford declarou que em 1950 o trabalhador ianque perderá dólares por dia, de salário. A diocese católico-romana de Nova Iorque proibiu o abade Dimnet de discutir religião com Clarence Darrow. O secretário da agricultura descobriu uma profunda conspiração do governo russo pra arruinar os agricultores ianques, vendendo trigo a varejo no mercado de Chicago. Os cidadãos deste país continuam a gastar, todo ano, com a educação de seus filhos, quase tanto quanto gastam em cigarro. Algum entusiasta pinta a foice e o martelo, o símbolo do partido comunista, e as palavras Votai nos comunistas! nas paredes da igreja do Heavenly Rest, na Quinta avenida, na cidade de Nova Iorque. João W. Barton, banqueiro de Mineápolis, declarou, na associação de banqueiros americanos, que o padrão de vida ianque é muito alto. Os produtores de cosmético, empenhados em guerra de morte uns aos outros, concordam em que precisam dum czar pra dirigir essa indústria. Um colecionador pagou 1450 dólares por uma carta escrita pela mãe de Jorge Washington. O cardeal Hayes, prelado romano, recomendou vinhos leves e cerveja como meio de alegrar os trabalhadores ociosos e empobrecidos durante a atual depressão. O rabi Geller, de Bruclem, declarou que o filósofo hebreu Maimônides leva uma vantagem de cerca de 800 anos sobre Einstein com sua teoria da relatividade. A censura teatral britânica proibia a exibição de The green pastures, porque apresenta Deus no procênio. O duque e a duquesa de Iorque diferem o registro de nascimento de sua filha, princesa Margarete, a fim de impedir que tenha o número 13 no registro. A cidade de Chicago novamente esgotou seu dinheiro e não pode pagar à polícia e ao corpo de bombeiro. O governo francês expulsou William Randolph Hearst por ter tornado público o tratado naval anglo-francês. A senhora Adele O'Donnell, trazendo nos braços o filho de seis meses, vagou, durante dois dias, nas ruas de Nova Iorque, sem alimento,
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antes de ir a um comissariado de polícia pra procurar auxílio. Enquanto decidíamos sobre a inclusão da estupidez dos financistas nestes prolegômenos, o departamento do tesouro de Eua anunciou que, até 6 de abril de 1930 a guerra mundial e suas conseqüências imediatas custaram 51.400.000.000 de dólares ao contribuinte ianque. Poucas semanas depois um telegrama de Pitesburgue informava que João R. Gubo ficara enraivecido com seu cachimbo, que não funcionava bem, e derramara querosene sobre o fumo, puxando uma grande baforada do cachimbo e, por isso, o celeiro em que trabalhava foi devorado pela chama e Gubo morreu, no dia imediato, em conseqüência do ferimento. Mais ou menos no capítulo 12 Mussolini anunciou, na 183ª vez, a restauração do império romano no Mediterrâneo. W. M. Stebbins, secretário do tesouro do estado de Nebrasca, admitiu haver se servido do dinheiro do estado pra sustentar a campanha do merceeiro Jorge W. Norris, que desejava contrapor ao senador do mesmo nome, na esperança de criar confusão entre os eleitores. Entretempo, a direção dos institutos educacionais continua a obrigar os estudantes de escolas secundárias a aprender, de certa maneira, alguma língua estrangeira, que nunca usarão, mesmo que a aprendam. Mussolini publica uma série de livros pra todas as escolas italianas, descrevendo o Mediterrâneo como nosso mar e proclamando que a Itália é grande, forte e temível. 87 escolas continuaram a empregar instrutores de futebol e de beisebol com salário superior ao de qualquer professor. Ao mesmo tempo, algumas clínicas de nossas maiores cidades se enchiam de mulheres que sofriam de diversas moléstias graves, todas causadas por seu esforço pra reduzir o peso, em obediência à moda. Cerca de um milhão de agricultores, tendo perdido todo o dinheiro investido nas colheitas o ano passado, estão novamente plantando trigo, outros cereais e algodão, firmes na convicção de que as novas tarifas e o governo dos republicanos lhes darão oportunidade de fazer dinheiro novamente. Carol fugiu de seu ninho de amor, em Paris, a seu ninho de besouro, na Romênia, onde se fez rei. Hitler começou a resenhar os patriotas alemães cuja cabeça decepará logo que subir ao poder: A de Einstein será a primeira a rolar. Raymond Duncan, de toga e sandália, entusiasmado com Gândi, caminha, penosamente, desde a biblioteca pública de Nova Iorque, na Quinta avenida e rua 42, até a Bateria, de balde em punho, pra tirar colherada de água salgada, (assim pensava mas era, na verdade, água e detrito) que ferveu até deixar apenas o sal (e o detrito), tudo em testemunho de sua estima pelos rebeldes hindus. Várias centenas de jornais ianques continuam publicando anúncio de quiromante, de clarividente e de gurus,5 que garantem responder a todas as perguntas sobre amor, casamento e negócio. Quando chegávamos à estupidez dos políticos, o departamento agrícola federal sugeriu aos governadores dos estados do sul que, pra defender o preço do algodão, um terço da colheita de 15 milhões de fardos fosse destruído. Agora, enfrentando o pior inverno de nossa era estúpida, chegamos à declaração do secretário Lamont, de há muitos meses, a que nos referiremos futuramente. Os cabeçalhos dos jornais anunciaram: Lamont declarou que o declínio terminou. Eis a declaração: É perfeitamente evidente que o negócio, em geral, fez cessar o marcado declínio que caracterizou tantos meses anteriores, e que há alguns característicos distintamente encorajadores. Enquanto muitos de nós, ianques, apertamos a barriga vazia, o trigo se vende no mais baixo preço já registrado em três séculos; a um amigo meu foi oferecido, à venda, um milhão de acres de terras no 5
No original swami: Título honorífico hindu atribuído tanto a homem quanto a mulher. O termo provém do sânscrito e significa aquele que sabe e domina a si mesmo ou livre dos sentidos. O título indica o conhecimento e domínio da ioga, devoção aos deuses e ao mestre espiritual. Nota do digitalizador
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Arcansas, a 15 centavos o acre, com facilidade de pagamento; cinco bancos de Toledo, Orraio, faliram dentro de poucas semanas, pondo 300 mil cidadãos em contato com a infinita estupidez de nossa era. Pouco depois, Henry Ford baixou seu ucace:6 Se não tem jardim não tem trabalho! compelindo, assim, seus trabalhadores a se encaixarem em sua máquina quase perfeita, cuma estupidez quase de máquina. Muitos deles obedecem ao edito, entretanto, pois há um duro inverno a diante pra mais de seis milhões de desempregados. Isso, naturalmente, tem pouco a ver com o anúncio do banco federal de reserva de que, ao se encerrar o negócio no dia 2 de setembro de 1931, a Eua faltavam 2 milhões pra terem 5.109 dólares em ouro, cerca de metade do ouro existente no mundo. O presidente anunciou que os títulos da dívida somam cerca de 1.500.000.000 dólares. Os deuses são carinhosos com os pobres autores. Na mesma semana7 em que acabávamos de escrever as páginas finais deste epítome de morologia os ingleses abandonaram o padrão-ouro. Se soube que os alemães, financeiramente, estavam em pior situação que o mais azedo pessimista poderia prever. Novos boatos de guerra secreta na Europa Oriental chegaram até nós, através de nosso serviço secreto. E em poucos dias as tropas japonesas invadiram, aos milhares, a Manchúria, madura prà conquista, enquanto dezenas de milhões de chineses morriam de fome e de peste, na vigília da mais temível corrente do tempo moderno. Durante o mesmo período as agências de emprego, em nossas grandes cidades, anunciaram que, pra cada emprego disponível, havia 45 candidatos. Cidades e cidades no centro-oeste e no sudoeste viram seus bancos fechar as portas e o dinheiro desaparecer de circulação. No meio dessa comédia, Hal Huston, cidadão da Pensilvânia, atirou contra si mesmo, se ferindo de morte, deixando uma carta em que declarava: Este governo8 é uma desgraça pro mundo e deve ser relegado ao esquecimento. Me desagrada e envergonha continuar sendo um de seus súditos leais e patrióticos. Discordamos, vigorosamente, de Hal Huston. Tudo o que ele diz da estupidez de nossos conterrâneos, e de todos os outros nacionais, é verdade. Mas suas inferências são tão frágeis quanto seu suicídio. Sendo, como dissemos, incorrigivelmente otimistas admitimos, sem corar, que a década que passou nos animou mais que qualquer outro instante igual da história humana. E por quê? Principalmente porque trouxe à crua luz do dia toda a profunda fraqueza da natureza humana, em geral oculta. Entre essas fraquezas, as mais numerosas e as mais pestilenciais são as tolices do homem de ação: Governantes, diretores, administradores, burocratas e comerciantes. Logo depois, vêm as tolices de inação em estudiosos, cientistas, engenheiros e técnicos, que, conhecendo o melhor, escolheram o pior. Durante os últimos cem anos, a colossal expansão da riqueza e do conforto materiais obscureceu a incapacidade dos que mais deles se beneficiaram. Poucos inventores, poucos cientistas, cujo intelecto e cuja ingenuidade criaram essa prosperidade, ganharam bastante. Veja o testemunho de Thomas Edison! Os cérebros criadores da nova era não mereciam recompensa nem consideração pública. Os exploradores se punham em evidência, ao mesmo, tempo que colhiam 99% do lucro. As palavras de seus próprios agentes em breve os persuadiram de que eram grandes chefes, poderosos pensadores, estadistas, filósofos. Até messias da Era da Máquina. E o homem comum, que apenas lê alguns títulos de jornal, em breve acreditou em toda essa palhaçada. Hoje sofremos as conseqüências de dezenas de milhares de atos estúpidos. Em liberdade pra fazer sua vontade, os homens de ação provaram o que podiam fazer. 6
Ucace: Nome que tinham os decretos do czar. Nota do digitalizador 1932. Nota do tradutor 8 O autor se refere ao governo anterior ao do presidente Roosevelt. Nota do tradutor 7
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Estamos vendo. E começamos a pensar, afinal. Não vale bem o preço do colapso econômico do mundo? Por mim, acredito que sim. Irei mais longe. Considero os anos entre 1914 e hoje o primeiro ensinamento sério do homem comum. Compelem todos os que não são simples indivíduos broncos a considerar os méritos de sua espécie. O homem começa a ver que a força mais destruidora que há no mundo é o próprio homem. O homem começa a compreender que todos os cultos, práticas, atitudes e crenças anteriores, seja em ciência, comércio, arte ou religião, são provavelmente suspeitos, pois evoluíram através de indivíduos nem um milímetro mais espertos que esses poderosos capitães da indústria. E pede uma auto-análise, juntamente cuma psicografia dos grandes. Eis, pois, o começo duma nova sabedoria. A levemos a diante, polegada a polegada.
Encargo Neste ponto, podeis protestar. Direis: — Está muito bem fazer um desfile dessas tolices. Mas isso nada prova, por si mesmo. Pois se pode encontrar o mesmo número de casos de alta inteligência, na mesma série de acontecimento. Admito que pudesse ser compilado um interessante volume, reunindo os atos brilhantes, astutos, analíticos e inventivos dos indivíduos. Seria uma Breve introdução à historia do progresso. A maior parte do material que serviria pra suas páginas já foi reunido pelos antropólogos e historiadores. Mas o número de atos de alta inteligência seria maior que os dos estúpidos? Certamente não. Pra cada ato esclarecido da história humana sempre houve um milhão de atos prejudiciais à raça, em virtude da estupidez, preguiça, raciocínio falho, esquecimento, orgulho, preconceito, malícia. Senão, como explicar a lentidão desalentadora do progresso humano? Conhecemos o enorme poder dos atos inteligentes. Os mais valiosos, naturalmente, conduzem a descobertas deliberadamente planejadas, como a longa busca de Edison ao filamento da lâmpada incandescente. Os otimistas podem gritar que uma realização como essa compensa um milhão de tolices mas essa crença agradável não resiste à análise. Poderíamos demonstrar, de maneira aceitável a qualquer pessoa, que, pra cada dólar de lucro, em resultado das invenções e das descobertas, entre dois e dez dólares foram gastos, mal-empregados ou completamente desperdiçados. Ou, então, ponhamos o problema na proporção mais profunda da satisfação humana pra detrimento humano. Todo bem que parte da inteligência de descobridores e inventores é ofuscado por um mal decorrente dalguma estupidez. Notar que não discuto o benefício resultante de descobertas acidentais, como a de Colombo ou a do pobre louco que em primeira vez tropeçou em ouro em Sutter's Creek, Califórnia, ou a de Eduardo Doheny, que, por simples acidente, ficou dono duma fortuna colossal. Será bom limitar nossas comparações, aqui, estritamente, a atos resultantes de bons e de maus pensamentos. O acaso está fora do quadro. Isso simplifica meu argumento. Pois todas as descobertas e todas as invenções do homem primitivo foram simples acidentes e, nem em grau mínimo, o resultado da previsão, planejamento, esforço dirigido a um objetivo. Tanto quanto sabemos, mal podemos duvidar de que jamais alguém se sentou, dizendo a si mesmo: Tentarei descobrir a natureza do fogo e algum método de o produzir. O homem conheceu o fogo por puro acaso: Uma árvore em chama, batida pelo raio, talvez, ou um incêndio produzido por uma faísca surgida, acidentalmente, da fricção de dois pedaços de sílex, ou um vulcão, ou qualquer combustão espontânea. A conquista do fogo foi a maior entre todas as contribuições ao bem-estar de nossa raça, que, não se deve esquecer,
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sempre viveu à sombra dos gelos polares, desde que nossas atuais civilizações nasceram. Se tivéssemos espaço poderíamos demonstrar por que o acaso deveria ter levado o homem a encontrar e a usar a roda, a submeter o boi, o cavalo, o porco e o cão a sua vontade, e a muitos outros triunfos sobre a natureza e sobre o reino animal. Poderíamos, com mais segurança ainda, demonstrar o acidentalismo de muitos dos avanços mais recentes, particularmente quanto à difusão da raça branca sobre os continentes. Por exemplo, como foi descoberta a América? Os escandinavos do século 10 e dos anos posteriores, que chegaram à Groenlândia e depois à costa norte do Atlântico, foram, de acordo com seu próprio testemunho, ali atirados por ventos terríveis. Colombo, o aventureiro, partiu buscando a Índia e seu ouro. Pescadores franceses se fizeram ao mar catando bacalhau e, assim, chegaram à Terra Nova. O pirata Drake queria capturar os galeões espanhóis e seu tesouro e, assim, lhe aconteceu circunavegar o globo. Devemos imaginar esses cavalheiros como possuidores de alta inteligência? Devemos os usar como prova contra nossa tese atual sobre a estupidez? Absolutamente! Suas realizações não têm importância aqui. Com isso em mente, voltemos à crítica original. Podemos encontrar tantos atos inteligentes quantos atos estúpidos em qualquer período ou região dados? Não. A conseqüência dos poucos atos supremamente inteligentes será tão largamente benéfica que faça mais que ofuscar os maus efeitos de muitos atos estúpidos? Outra vez, não. Ou, ao menos, não está provado! Uma prova completa, naturalmente, requereria mais páginas que as deste livro. Assim, o mais que posso fazer é citar a única linha de evidência, que pode sugerir a natureza da demonstração completa. É fisicamente impossível, a qualquer pessoa, agir inteligentemente, mesmo um décimo, tão freqüentemente como agir estupidamente. Pois o comportamento inteligente requer muito tempo pra observação, análise e organização final detalhada. Está encadeado aos fatos e ao ritmo vagaroso da lógica. Mas o ato estúpido está livre de todo esse constrangimento. Pode saltar a diante, como o antílope, sem tocar o chão entre um ponto e outro. Ao contrário do antílope, chega novamente ao chão cum baque surdo mas não vos incomodeis com isso agora, por favor! Existem poucas maneiras certas de fazer as coisas (há quem diga que há apenas uma, porém isso não é verdade) e há um milhão de maneiras erradas de fazer as coisas. O homem inteligente procura o caminho certo, que é difícil de encontrar. O homem estúpido se precipita a diante, sem se deter pra estudar ou pesquisar. Assim, naturalmente, termina seu trabalho mais rapidamente. Submetamos o mesmo fato a outra luz: A essência da inteligência é sua cuidadosa consideração de todas as coisas importantes pra solução de seus problemas, mas a alma da estupidez é sua falta de cálculo. Assim, mesmo que o homem inteligente trabalhasse um pouco mais depressa que o estúpido, não poderia efetuar o mesmo número de atos. Acrescentai a tudo isso este fato estatístico: Mesmo entre inteligências superiores os atos que conduzem a descobertas e invenções significativas ou a reformas úteis são muito poucos. Raro é o homem que contribui com mais que quatro ou cinco melhoramentos distintos prà habilidade e pro conhecimento da raça. As cifras da repartição de patente de Eua indicam que não mais de uma invenção em cem ou mais, importa muito. Entre as poucas importantes, pouco mais de uma, em cem, dá resultado completo. Sobre isso ponhamos as centenas de milhões de indivíduos que nunca realizam um ato brilhante mas consumam muitos atos que prejudicam a si ou aos vizinhos, ao menos um pouco. Finalmente, olhemos o bilhão de indivíduos cuja estupidez é uma mancha sobre a raça. As multidões da Índia, da China e da África central, estragadas pelo rum, ópio, cocaína. Negligentes e irrefletidas, porque subalimentadas ou mal-alimentadas, e depauperadas pelo calor úmido, um peso pra si e
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ameaça prà civilização.9 Somai tudo! Cerca de 2.109 pessoas povoam o mundo. Entre elas, cerca de 109 são bêbedas, loucas, mentecaptas ou sofrem de malária, tuberculose, lepra, moléstias venéreas, neurastenia tropical, má nutrição e, portanto, são embrutecidas ou viciadas (ou ambos). Do outro bilhão, não mais que cinco ou seis milhões pensam e agem com inteligência progressista, acrescentando, assim, algo ao permanente bem-estar do mundo. O resto da humanidade é muito jovem, muito velho ou muito mal-educado pra evitar sérias tolices de tempos em tempos. Assim, um indivíduo superior deve enfrentar os atos brutais e estúpidos de 300 ou 400 indivíduos inferiores. Não nos deveremos maravilhar com os progressos que fizemos? E, entretanto, estamos na metade da história da inteligência e da estupidez. Como disse, todos conhecemos o poder dos atos supremamente inteligentes. Mas toda a experiência humana também não revela a destrutividade colossal dum único indivíduo bronco, numa vida que, doutra maneira, seria bem ordenada? Um rombo é o bastante pra afundar um navio. Um pequeno escorregão pode produzir um desastre. Um simples descuido pode levar a assassínios. Eis a mais profunda tragédia da vida. Eis nosso mais poderoso argumento a favor duma cruzada mundial contra a estupidez. Um homem pode possuir todos os traços esplêndidos, admiráveis e úteis e, apesar de tudo isso, sofrer dores por comer demasiado num jantar, tomar um coquetel em companhia duma mulher suspeita, esquecer um compromisso, chegar atrasado a uma reunião importante ou outra ninharia semelhante. Se viver fosse questão de meio-termo quão poucos teríamos de nos afligir com a estupidez! Se o sucesso dum homem, seu caráter e influência fossem conformados, não de instante a instante, pela vida e pela morte, mas por alguma soma de qualidades e de méritos, de acordo cum protetor celeste, então ninguém chegaria à falência em resultado duma estúpida colocação de capitais, ninguém teria o coração partido pela perda dum amigo, ninguém seria exposto à condenação pública, somente por ter sido encontrado, completamente bêbedo, na rua e ninguém morreria com certa bebida alcoólica chamada gim. Ocultemos o fato como pudermos. A verdade é que cada pequeno episódio na carreira dum homem é uma questão de vida ou morte. Os meios-termos são impossíveis. Assim, um simples traço químico de estupidez é o bastante pra desfazer grandes atos e findar grandes impérios, afinal de conta. Um passo em falso basta pra lançar os mais astutos e os mais fortes ao abismo. Vinte anos de gênio militar não puderam salvar Napoleão, depois que partiu de Esmolensque a Moscou, quando chegou o inverno. Quarenta anos de trabalho e de ambição não puderam salvar Curzon, depois que foi à Índia e cometeu o desatino de escarnecer do espírito nacionalista ali. Metade duma vida de estudo e de esforço desapareceu num abrir e fechar de olho quando Woodrow Wilson decidiu, num momento de infinita estupidez, comparecer à conferência de paz de Versalhes. A armadilha se despencou, o machado caiu, a bala descreveu uma parábola... e foi o fim. O fim é sempre mais breve que a coisa que finda. Assim, dizemos, a, guerra contra a estupidez é a guerra pela vida. Mais cedo ou mais tarde, talvez, todos apertaremos o botão errado, com diferença de uma polegada, nos embrenharemos, na escuridão e encontraremos o espaço vazio. Mas por que não adiar o 9
O caso do desaparecimento da menina britânica Madeleine McCann, desaparecida dum quarto do resorte onde estava com a família, em Algarve, Portugal, na noite de quinta-feira, 3 de maio de 2007, revelou o hábito britânico de dopar com tranqüilizante crianças pequenas pra que os pais possam, por exemplo, ir a um jantar. Os pais saíram pra jantar num restaurante próximo e a polícia suspeitou de que teriam exagerado na dose, matando a menina e, por isso, fizeram desaparecer o corpo. Ninguém levantou discussão sobre o impacto deletério desse hábito sobre cérebros em formação. Nota do digitalizador
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momento da insensibilidade fatal? Por que não estudar as causas dos desatinos, com a mesma fria objetividade com que estudamos a cólera-morbo e a loucura? Por que não admitir, ao começar o estudo, que estamos diante dum dos venenos mais letais? Mais de metade da raça humana perece na infância. Entre eles estão os mais estúpidos, mais freqüentemente que nunca. Perdemos, assim, uma oportunidade de aquilatar a raça humana. Revendo minhas notas sobre rapazes e moças que conheci na infância, observo um número incomum de mortes induzidas pela estupidez. Um dos mais esperançosos pianistas, que conheci na escola secundária, morreu antes dos 20 anos simplesmente por lhe faltar senso comum pra obedecer às advertências do pai, no sentido de não beber água dum poço abandonado perto dos estábulos de sua fazenda. O poço estivera coberto de tábuas vários anos e um aviso, pregado na tampa, declarava que a água não servia pra beber. Mas nosso hábil músico, num dia quente, retirou uma das tábuas, enfiou pela abertura um pequeno balde, bebeu um pouco da água e o funeral foi um dos mais floridos do extremo de nossa cidade. Dois outros jovens, ambos instruídos e aparentemente brilhantes em embriologia, se amasiaram com prostitutas mulatas e morreram de sífilis em pouco tempo. Millie, empregada do colégio, resolveu apressar o jantar, atirando um pouco de gasolina sobre a lenha do fogão. Quatro colegiais conseguiram a envolver em cobertores enquanto ela se debatia diante da casa, uma tocha viva. E, em poucos minutos, Millie se juntava à grande caravana dos simples. E assim a diante. Dentro dum círculo estreito de relações, durante meus primeiros anos, encontrei dezenas de casos semelhantes. Esses fatos me forçam à conclusão de que, se os eugenistas são contrariados em sua nobre campanha pra exterminar os mais estúpidos, a própria natureza virá nos auxiliar com toda força. Tomai um ponto de vista progressista e argumentareis que dois mortais, em cada três que sobrevivem à infância, vivem vida estúpida. Voai ao poleiro do perfeccionista e insistireis em que 99% da raça é um composto de estupidez, malícia e de sensualidade. Mas, seja qual for a maneira por que se encarem, os fatos sempre levarão a uma aterradora revisão da história. É nossa atual tarefa. A personalidade inferior sempre foi a força predominante na formação das sociedades e da cultura. Foi também uma influência positiva, não uma simples negação, pois, embora lhe faltem alta habilidade, não é, absolutamente, uma reunião de sinais negativos, mas um feixe de energia, que faz toda espécie de coisa. A classificar ao lado do idiota, indefeso em sua asquerosa situação, seria um erro profundo. Ela prescreveu a cicuta a Sócrates e pregou Cristo à cruz. A considerai apenas em três de seus muitos papéis: Como trabalhador, depois como eleitor e, enfim, como crente: Antes que o homem conquistasse a força da natureza, os músculos do estúpido, do grosseiro e do preguiçoso faziam o trabalho do mundo. O fizeram de má-vontade, devagar e mal, tanto quanto hoje. Assim, estabeleceram o passo da lesma pra todo o rebanho, pois, como entre os passageiros dum trem subterrâneo em hora de movimento ou como numa escola pública, os retardados atrasam os brilhantes e ambiciosos e jamais os brilhantes e ambiciosos fazem adiantar os indolentes. Na medida em que a prosperidade decorre do trabalho, pois, a raça padeceu pobreza milhares de anos mais que se expurgada de seus elementos inferiores. Finalmente, todo o sistema de recompensa e de castigo pelo trabalho deve ter sido determinado, em grande parte, pela exasperação do homem hábil contra a incompetência e, reciprocamente, pela necessidade que tem o incompetente dum poderoso estímulo, sob a forma de pagamento extraordinário ou rápido pontapé. Como eleitor o homem estúpido garatujou sua autobiografia através das tábuas da história. Aqui sua incapacidade excede a do trabalhador, pois, passando ao negócio de estado, está diante de problemas muito mais intrincados que os do banco do carpinteiro.
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Quanto maior é o estado, tanto mais flagrante e desastrosa é a incompetência. Por isso caiu o império romano mas a aldeia africana continua de pé, sem receio de desastre. Por isso o império britânico desaparece ingloriamente de cena mas a Inglaterra vai a diante serenamente, como a grande esperança da humanidade. Até o advento do rádio, do telefone internacional e do avião, foi o cidadão estúpido quem determinou os limites do governo e as áreas de sua nação. Quanto ao crente inferior, toda a magia e toda a religião primitivas devem sofrer uma revisão, a fim de explicar as forças positivas de estupidez, como tendo dado forma a superstições, a medos e a esperanças estúpidas no ego animal. O esforço dos antropólogos pra apresentar as religiões como o primeiro estímulo do espírito científico e moral foram além dos limites razoáveis. Mas disto pouco diremos aqui. É uma história longa e triste. Nossas pressuposições são as seguintes: Em todos os tempos, em todos os lugares, os indivíduos estúpidos constituíram um dos maiores grupos da humanidade inferior. Estiveram presentes em todas as linhas de atividade, na arte, no civismo, na religião. Muitas vezes dominaram o negócio, sob a chefia de espertos aproveitadores. Sempre foram auxiliados por eles últimos e, assim, indiretamente, inscreveram seu nome nas leis, códigos, ética, padrões de gosto, técnicas de produção e administração. A inércia, a preguiça, a relutância, o medo, a grosseria e o puro desatino têm, virtualmente, estragado todos os grandes e nobres movimentos. E o historiador não pode desenhar um panorama verídico do milhão de anos de existência do homem, a menos, que descreva esse aspecto sombrio. Foi moda, mais tarde, lisonjear o leitor com leituras agradáveis sobre as maravilhas do progresso humano. Isso fazia com que o homem parecesse um pouco menos do que um anjo. Exatamente como o poderia fazer a velha teologia. Essas leituras estão em harmonia com o período de super-venda e de compras a prazo. Mas sua voga passou. Desde 1929 todo mundo aprendeu que os indivíduos estúpidos ainda governam o mundo. Presidentes estúpidos enviam mensagens a congressos estúpidos. Banqueiros estúpidos emprestam milhões a comerciantes e industriais estúpidos. Estúpidos diretores de jornal ocultam fatos dolorosos. Estúpidos contribuintes jogam fora bilhões de dólares pra couraçados, fortalezas, granadas e segundos-tenentes estúpidos. Industriais estúpidos construem fábricas três vezes maiores que o necessário. Varejistas estúpidos vendem mercadoria de terceira classe a preço de primeira. Estúpidos nova-iorquinos votam nos criminosos candidatos ao Tammany Hall. Russos estúpidos se deixam levar pelos doutrinadores e se alimentam de pão negro, em nome do progresso. Tudo isso levanta a suspeita de que, se nossa civilização estala, geme e range, no alto, sob o repelão de chefes estúpidos presumivelmente todas as antigas civilizações devem ter sofrido igualmente. Se é assim, então nossa própria era deve encontrar uma nova maneira de as visualizar, nem que seja só pra consolar. Mas um benefício maior deve provir do estudo da estupidez humana. Há somente uma maneira de se elevar acima de nossa estupidez, que é, primeiro as analisar minuciosamente, depois encontrar métodos de as eliminar, pela educação, polícia ou química. Pra o fazer devemos chamar a uma enxada uma enxada, a um louco um louco. Se o não fizermos estaremos ameaçados pelo fogo do Inferno.
Labirinto Os brilhantes estudos da inteligência não deveriam servir num inquérito completo sobre as variedades de inteligência? Na imensa literatura dos últimos anos, encontrareis excelentes pesquisas sobre os traços mentais superiores e sobre anormalidades inferiores, como a idiotia, a debilidade mental e a personalidade do homem estúpido.
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Mas parece não haver análise do Homem Comum e de sua mente comum. Isso parece estranho, pois o Homem Comum não é o maior problema da humanidade? Não é de acordo com sua mania, fraqueza e bom caráter que a sociedade, em geral, deve ser conformada? Quando decai, o mundo não se abaixa um pouco? E, quando se alça a nova altura, o mundo não se ergue um pouco? Por que, pois, não viria o psicólogo auxiliar o estadista, economista e negociante, de todos aqueles cujo trabalho influi sobre a normalidade das massas? Por que não levar nossa análise a todos os fatores? Por que não analisar todos os desvios no sentido do som, na percepção aguda, no raciocínio equilibrado? Levado por esses propósitos, me aproximo do território inexplorado da estupidez. Parece o melhor porto de entrada pro explorador, visto que a estupidez parece quase universal. Os gênios a exibem. Os homens e as mulheres superiores a ostentam. O Homem Comum nunca está isento dela. Sim, a trilha promete muito. Somente um dia de jornada, porém, antes que se torne um labirinto. Conversando, com amigos, sobre casos supostos de estupidez, encontrei as mais singulares discordâncias. Atos que me impressionaram, à primeira vista, como inteiramente estúpidos, eram considerados inteligentes por algumas pessoas, enquanto outros eram explicados como simples ignorância. Isso me fez ficar cauteloso. Fiz uma dúzia, ou mais, de fichas sobre casos significantes, alguns dos quais estão nas páginas seguintes, e as dei a pessoas cujo julgamento me parecia penetrante. Novamente a mesma diferença de opinião! Não pude evitar a conclusão de que não há um acordo geral acerca do que é a estupidez. Podemos repetir, de cor, a definição do dicionário mas, logo que enfrentamos a conduta de pessoas reais nossa interpretação varia. Procedi, então, inversamente. Pedi a algumas dessas mesmas pessoas, narrar os mais claros casos de estupidez que tivessem observado. E, então, eu é que discordava, muitas vezes, de seus pontos de vista. Sim, somos todos endiabrados! Somos, talvez, tão estúpidos que não possamos reconhecer a estupidez mesmo quando põe sua triste face diante de nós? Teremos adquirido a cegueira pra nossa própria cegueira? Esta possibilidade deu sabor à pesquisa. Mas era apenas um leve sabor, em comparação com o que seguinte. Pois, quanto mais de perto os examinava, os atos estúpidos assumiam contornos e matizes inteiramente novos. E, sob meus olhos, sua própria natureza se transformava, sutilmente. Agora, no fim do estudo mais interessante a que já me dediquei, escrevo finis em todas minhas anteriores noções de estupidez. E, esperemos, essa mesma palavra serve pra indicar o prelúdio duma nova interpretação da mente humana. Ainda não estou fora do labirinto, mas ao menos posso ler alguns postes de sinal na negra escuridão.
Tabu Espantoso o conhecimento acerca do estúpido! Espantoso em sua escassez, pobreza e casual superficialidade. O buscai em todos os poetas, menestréis, profetas, adivinhos e cronistas e mal encontrareis mais que uma ou duas linhas rápidas. Parece que a humanidade voltou as costas a isso, seu mais terrível azorrague, talvez mesmo porque o estúpido sempre sentiu que se tratava duma cabeça da górgona, cujo olhar transformaria os homens em pedra. Nisso o estúpido tinha razão, pois o mais temível capítulo da história humana continuará a escrever, enquanto os instruídos se esquivem de investigar as tolices passadas e presentes. Mesmo a Breve introdução, piedosamente breve, que aqui segue, é apenas um rápido olhar, um grito monossilábico. Na presença desses clarões o coração sofre e o intelecto se entorpece. A horrível descoberta de São Paulo, a de que Deus escolheu as coisas vãs do mundo pra confundir os sábios, fica prejudicada com esta
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observação. Somente um grande homem, tanto quanto podemos discernir entre anais intermináveis, avançou, impiedosamente, até contemplar de perto o azorrague. Foi Gautama Buda. Também, único entre os grandes pensadores do mundo, o avaliou com exatidão. Buda encontrou apenas três pecados cardeais: Raga (sensualidade) dosa (mávontade), e moha (estupidez). Desses, considera a estupidez o pior de todos, sob todos os aspectos. Toda sua técnica pra atingir o Arahatship (Nirvana) se baseava na progressiva exterminação desse trio de limitação. Contrariamente à noção corrente entre os ianques, o Nirvana não é um estado em que todos os desejos e sentimentos se aniquilam. É, antes, um estado positivo de bem-aventurança, atingível nesta vida. Os pensadores do Velho Testamento não tinham a mesma profundeza de visão de Buda mas também compreenderam a ameaça do estúpido. Pois um sonho vem através duma multidão de negócio e a voz dum tolo é conhecida por uma multidão de palavras. Eclesiastes, 5, 3. É melhor ouvir a censura dos sábios que a canção dos tolos. Eclesiastes, 7, 5. As palavras dos homens sábios são ouvidas mais em silêncio que o grito de quem governa entre os tolos. Eclesiastes, 9, 17. As palavras da boca do homem sábio são graciosas mas os lábios do tolo o tragarão. Eclesiastes, 10, 12 e 13. Uma mulher tola é clamorosa. É simples e nada sabe. Provérbios, 9, 13. E assim a diante, pra 20 ou mais provérbios. Sim, é tudo exato, direis. Entretanto mal aflora o assunto. É sempre tocar e passar. Sempre assim através das idades. Podeis encontrar algum homem instruído que se devotara, durante anos, ao estudo dos indivíduos estúpidos? Pude apenas localizar dois: Doutor Max Kemmerich, autor de Aus der Geschichte der menschlichen Dummheit, e Loewenfeld, autor de Über die Dummheit: Eine Umschau im Gebiete menschlicher Unzulänglichkeit.10 Entretanto, os homens gastaram dezenas de anos estudando as baratas, contando os ovos das moscas, fazendo diagramas dos padrões existentes nas asas das borboletas, levantando o censo das abelhas. Não é singular que todos tenham evitado o que Buda, há cerca de 25 séculos, achou que era uma das coisas mais importantes no mundo do homem? Não há qualquer coisa de misterioso no fato de que nosso pequeno grupo de investigação trabalhasse, durante semanas, na imensa biblioteca Central, de Nova Iorque, procurando qualquer coisa que tratasse da estupidez humana, pra só encontrar alguns rápidos ensaios, versos e pilhérias sem muita graça? Não é também de interesse que, entre amigos bem informados e de grandes leituras e indivíduos a quem me dirigi pra sugestões e diretrizes, nem um tivesse coligido dados sobre as pessoas estúpidas ou possuísse referência bibliográfica sobre o assunto? Não vos parece significativo que, em toda a Enciclopédia Britânica, não se mencione nem se discuta a estupidez? Será simples acaso que, em todo o Citações familiares (Familiar quotations), de Bartlett, apenas possamos encontrar algumas linhas rápidas sobre o assunto? Isso não indicará que os homens evitam o que sabem não poder dominar? Não terão o curioso instinto animal de deixar os estúpidos em paz, visto que Gegen Dummheit kaempfen selbst Goetter vergebens?11 Somente quando todo o material presta Breve introdução foi reunido e estudado, a luz começou a romper a treva. E essa luz me veio das palavras de Jesus no sermão da Montanha: 10
Aus der Geschichte der menschlichen Dummheit (Da história da estupidez humana) Über die Dummheit: Eine Umschau im Gebiete menschlicher Unzulänglichkeit (Sobre a estupidez: Uma revisão na área da deficiência humana). Nota do digitalizador 11 Gegen Dummheit kaempfen selbst Goetter vergebens (Contra a estupidez até Deus luta em vão). Nota do digitalizador.
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Mas vos direi que quem se zangar com seu irmão sem motivo estará em perigo de julgamento e quem disser a seu irmão raca (fátuo) estará em perigo de conselho mas quem disser ó tolo! estará em perigo do fogo infernal. Com essas palavras Jesus fixou a política da cristandade em todos os tempos. Apelando aos meigos e aos brutos, compreendeu perfeitamente a loucura fatal que seria lhes dizer a verdade sobre eles mesmos. Sem dúvida, também, conhecia sua extrema simplicidade, pois não eram todos camponeses, pescadores, bufarinheiros,12 mendigos e proscritos? Acreditava, também, com sinceridade, na bondade, no poder e na glória das pessoas comuns. Sois o sal da terra. Sois a luz do mundo. Com seu auxílio tramava um movimento mundial. Assim, inteiramente cônscio da conseqüência de suas palavras, fez, da acusação de estupidez, tabu. E todos os que aceitaram, de coração, o sermão da Montanha, então e depois, respeitaram, no mais largo sentido, o tabu. Assim, como se vê, talvez tenhamos de nos haver com a mais profunda diferença entre a cultura do oriente e a do ocidente. Não faremos ressoar cordas menores na harpa da história. Antes forçaremos uma relutante e moribunda civilização ao espetáculo de sua mais colossal estupidez, ou seja, sua má vontade, durante dois mil anos, de admitir, de discutir ou de tentar vencer sua própria estupidez. Buda considerou a estupidez a praga mais negra da humanidade, sua interminável pandemia, e se pôs a estudar os melhores métodos de a vencer. Jesus nunca compreendeu seu significado. Ao contrário, ao mesmo tempo que observava o fato ao menos em parte, valorizou os meigos e os brutos (muitos dos quais são terrivelmente estúpidos) e desencorajou sua crítica à loucura humana. Assim, a atitude cristã tende a ser a de dourar a estupidez, o raciocínio retardado, os desatinos e todas as demais formas de procedimento estúpido. O cristão considera a verdade sobre o tolo uma espécie de exposição indecente e aquele que fala a verdade obsceno. Dali as prateleiras vazias das bibliotecas, onde se deveriam encontrar volumes inteiros sobre as mentes inferiores. Dali, também, o furor do homem estúpido até mesmo contra as mais simples e as mais honestas investigações da inteligência humana como, por exemplo, os desabridos ataques dos moralistas e dos religiosos convencionais contra os testes psicológicos, especialmente durante e depois da guerra mundial. Então, a rápida decadência do culto aos estúpidos, durante os 50 anos passados. Os chefes mais jovens do mundo ocidental se desembaraçaram de atitudes perigosas como a expressa por São Paulo nestas palavras: Se algum homem, entre vós, parece ser sábio neste mundo, que se torne um tolo, pra que possa ser sábio. Pois a sabedoria deste mundo é loucura pra Deus... O Senhor conhece os pensamentos dos sábios, e sabe que são vãos. Estamos prontos pra voltar ao ponto em que Buda propôs o problema da estupidez humana, prontos pra recomeçar. Estamos preparados, com fortaleza de ânimo e curiosidade científica, pra fundir os grilhões da estupidez cristã e pra observar, registrar, analisar e avaliar o insensato em sua insensatez, pra que possamos, conhecendo melhor um e outro, nos libertar da selvageria e da superstição. Destarte, o tabu será anulado. O anulemos como pudermos, pois os homens persistirão. Outras tendências da psique escapam à atenção. Por exemplo, muitos casos de estupidez são tristes e as pessoas inteligentes não resistem a ponderar, muito tempo, sobre coisas tristes. Há pouca novidade e pouca excitação em acompanhar os cabeças-de-vento de desatino a desatino. Nisso não há lucro nem fama. Assim o ego fica protegido, por uma série de defesa,
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Bufarinheiro - sm Vendedor ambulante de bugiganga. Nota do digitalizador
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contra a exposição doutra coisa além do tabu estabelecido por estúpidos egocêntricos. Assim, caro leitor, examines bem estas páginas! Este livro bem pode ser o único tratado sobre o assunto, durante outros mil anos.
Palavras Os indivíduos mais espertos inevitavelmente distinguirão, muito precisamente, todas as variedades de estupidez. Os indivíduos estúpidos, por outro lado, não se verão como os outros os vêem. Assim, escolhi pra registrar aqui as palavras e as frases usadas, pra descrever os modos de estupidez, pelos mais sábios dos antigos e pelos mais sábios dos modernos. Primeiro, os gregos antigos e, depois, os japoneses, que se parecem muito mais com os gregos antigos do que o imaginam muitos ocidentais. Em matéria de estupidez, os gregos certamente tinham uma palavra prà designar, por mais sutil que fosse o matiz da infra-mentalidade. Mas, se devo confiar em meus informantes, os japoneses são igualmente profundos. Ler, apenas, estas palavras, me parece, não teria utilidade. Prefiro descobrir nelas as tendências mais significativas, pois somente elas podem fazer luz sobre o problema da variedade. Como outras línguas, tanto o grego como o japonês distinguem, perfeitamente, quatro aspectos de estupidez: Primeiro, a falta de sensibilidade, que se parece com a morte, com o sono, a cegueira, a surdez e o torpor. Segundo, um estado de confusão em presença de qualquer assunto que requeira observação e decisão. Terceiro, baixa velocidade, seja na reação sensorial imediata ou em qualquer fase posterior do comportamento. Enfim, incapacidade de ir direto ao coração duma situação ou dum problema, que é, em todas as línguas superiores, identificada com a grosseria ou falta de gume afiado, como uma faca ou um punhal, falta de tato. Em diferentes períodos do desenvolvimento da sabedoria o povo distinguia, de maneira diversa, esses quatro aspectos da estupidez. Nos primeiros tempos, naturalmente, não havia distinção. Homero, por exemplo, nos fala do σωθόν βέλορ, a lança rombuda que precisa ser aguçada pra servir ao guerreiro no combate diante da muralha de Tróia. Mas quando Heródoto escreveu sua estranha História os homens usavam a palavra σωθόρ pra significar surdo ou surdo-mudo. No esplendor de Atenas, Sófocles aplicou a mesma palavra à mente e, então, significou estúpido. Surgem aqui, pois, três de nossas quatro fases de significação da mesma palavra, mas em épocas diferentes. Foi também Heródoto quem deu o passo da palavra νωθήρ no primitivo significado de retardado, vagaroso e entorpecido. Pra sua fase intelectual usou o termo no sentido de estúpido. À sombra desse significado mas palpavelmente relacionado com ele, está a palavra crespa βλάξ, cujo uso se referia, primitivamente, a um relaxamento do corpo, como nos indivíduos efeminados e degenerados inferiores. Platão e Xenofonte o aplicaram à mente, e então se tornar um termo regular pra estupidez. Suspeito que sempre houve, implícita, a falta duma força impulsora que penetrasse o âmago do assunto. O termo regular pra retardado é βπδςαρ. Platão e outros sempre o usaram, metaforicamente, pra descrever os obtusos. Nosso termo popular, bronco, é puro grego. Parece ser a maneira mais exata de descrever a mente inferior. Muitas vezes significa um simplório mas também um homem simplesmente estúpido, não necessariamente insensato. Eurípedes o designa entre os termos neutros, pra exprimir a loucura. Esse é o significado regular do substantivo cognato μωπια, que também exprime a insensatez. Nossa definição técnica dum bronco jamais foi concebida, naturalmente, pelos antigos. Não poderíamos entrar em muitos dos mais sutis matizes do grego sem irritar muitos
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de nossos leitores.13 Platão usa tal quantidade de termos pra formas particulares de estupidez como nenhuma outra língua se pode gabar de possuir. A estupidez que resulta do simples atraso no reconhecimento e no aprendizado tem nome especial no imortal Diálogos, δςζμαθέω como a variedade que resulta da incapacidade total de aprender, δςζμαθέω. Os historiadores e os dramaturgos distinguem ainda muitos outros modos em que vemos, embora não claramente, os vários significados básicos compostos de diferentes maneiras. Eurípedes e Tucídides falam de άζςνεζια como duma falta total de compreensão, enquanto Ésquilo emprega άγνοια como a espécie de estupidez que tem raiz na falta de percepção ou na observação defeituosa. A essa breve lista qualquer estudante de grego pode acrescentar outra exatamente do mesmo tamanho. Os japoneses fazem todas estas distinções e muitas outras mais. Don significa rombo, sem gume. Don-to é uma faca cega. E assim, don-na hito é uma pessoa estúpida. O mesmo acontece com o sinônimo nibui, que descreve a falta de gume afiado numa faca ou num sabre e, também, a falta de agudeza mental. Singularmente, a mesma palavra também serve pra todas as quatro fases de estupidez. Às vezes significa falta de sensibilidade, outras vezes a vagareza da mente, outras a imperfeição e, ainda outra vezes, a falta de poder de penetração. Os japoneses também possuem um termo excelente, que focaliza um aspecto da estupidez não bem diferenciado em inglês, o termo manuke, ou desatino, mas no sentido especial de extemporâneo. Isto se parece com o francês malapropos, mas vai além, acentuando a estupidez que está na base desse procedimento. É significativo que uma raça tão alerta e tão ágil como japonesa use tantos vocábulos pra descrever as variedades de velocidade e de vagareza tanto no comportamento mental com no físico. Mas é ainda mais chocante que o japonês use gu, que significa tolo ou estúpido, como uma palavra humilde pra descrever a si próprio na conversação polida. Assim: Em minha opinião de estúpido... Também consideram esperteza, no negócio, afetar estupidez, na suposição de que os indivíduos estúpidos prevalecem no mundo e com eles podem mais facilmente tratar as pessoas que parecem seus semelhantes. Essa crença penetrou tão profundamente no pensamento japonês que usam a palavra shiremono, tolo ou ignorante, pra se referir a um sujeito astuto! Noutro lugar discutiremos essa significativa psicologia. Deixemos o Japão, notando que há 18 ou 19 termos comuns descrevendo formas de estupidez em sua língua. Certamente, apenas uma raça esperta poderia ser tão analítica. Os romanos eram manifestamente menos espertos que os gregos ou que os modernos japoneses. E sua língua os trai. Nossa palavra fool (tolo) vem de bellows (foles), através de Roma. Significa, pois, saco-de-vento. Portanto, não se trata de simples metáfora quando falamos dos tolos como sacos-de-vento. Os italianos dizem folle, o tomando diretamente do latim follis, que quer dizer fole. Tanto quanto diz respeito a nosso assunto, pois, tolo é uma caracterização cruamente desenhada, colorida, mas imprudente. Um saco-de-vento é uma cabeça vazia, cabeça-de-vento. Mas qual será a causa do vazio e de que espécie é a vacuidade psíquica? Dos romanos também tomamos a palavra stupidity (estupidez) e demos os significados de grosseria, atraso mental, indiferença, anestesia e incapacidade de utilizar o próprio conhecimento. Nesse último sentido temos uma nova contribuição. De quem mais, além do inglês, poderia ela vir? É um traço estritamente pragmático mas profundo, claramente estabelecido pelo filósofo João Locke que, em seu Ensaio sobre o entendimento humano (1690), escreveu sobre a mente: Se move vagarosamente e 13
O que mostra que o autor também faz concessão aos estúpidos. Nota do digitalizador
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não recupera as idéias com rapidez suficiente pra servir a mente quando necessário. Isto, se em grau elevado, é estupidez. Ora, eis um aspecto que não os gregos nem os japoneses observaram. Não é insensibilidade, fraca percepção, nem confusão mental mas vagareza de avaliar o que o indivíduo já possui intelectualmente. Mais adiante descobriremos que é a forma de estupidez em que os ingleses excelem. Ainda mais, cresce de importância à proporção que nosso mundo se torna mais e mais complexo. Vagareza de sensação e de percepção é uma coisa, vagareza de utilização é outra. Os indivíduos que ainda não descobriram a mente humana e seu modo de ação sempre põem, no pensamento, ignorância e estupidez. Poucas raças têm tão pouca visão dos fatos psíquicos como a árabe e sua língua revela essa deficiência. Os árabes usam jahil pra significar ignorante e estúpido. Aparentemente o sentido original dessa palavra era bravio ou bárbaro, pois os modernos muçulmanos aplicam o termo aos árabes pagãos de antes de Maomé. Outra palavra árabe que significa, dalgum modo, a falta de sensibilidade, é ahmaq. O sentido original é incerto e esse significado, ao que sei, pode ser muito recente. Em todo o mundo encontramos a estupidez descrita como uma característica animal mas parece que as raças mais estúpidas o fazem mais. Não encontrei tendência grega, japonesa ou inglesa pressa interpretação que, se existe, não é geral nem importante. Mas os velhos árabes, que não estavam muito longe do pastoreio, e os alemães modernos, que, pra dizer caridosamente, têm inteligência pesada, exibem claramente essa inclinação. Um árabe hesitante, confuso e perplexo é bahim. A raiz da palavra, aqui, quer dizer gado, tanto em árabe como em hebreu. Os alemães gostam de dizer: Dumm wie das liebe Vieh,14 saudumm ou viehdumm. Isso não está muito longe do francês une bêtise nem da velha frase inglesa as wise as Waltham's calf (tão sábio quanto o bezerro de Waltham). Os romanos não contribuíram pro conhecimento do mundo sobre a estupidez. Com efeito, parecem nem mesmo haver tomado emprestada a delicadeza do grego, a despeito do fato de que tudo o que aprenderam de cultura viesse de professores helenos. Todos os quatro significados principais que já encontramos no grego e no japonês aparecem, naturalmente, em latim. Stolidus descreve uma pessoa que, segundo a velha frase ianque, é tola a seu modo. Aparentemente vem da raiz sto, que é comum ao latim e às primitivas línguas germânicas e significa colocar. Se segue que o stolidus está plantado numa posição, como uma grande pedra cimentada em torrão antigo, que não pode ser removida por força vulgar. Stupidus raramente significa estúpido, no sentido inglês. Normalmente significa entorpecido ou privado de sensibilidade e, assim, é usado pra designar a pessoa assombrada ou confundida. Mas o substantivo cognato stupor é mais freqüentemente aplicado tanto à insensibilidade nativa como à ocasional. Obtusus se aplica à pessoa tornada cega ou estúpida e eis, novamente, o significado de instrumento sem gume e sem a possibilidade de cortar ou penetrar. Há outro significado, estreitamente relacionado a ele, que revela o obtusus como pessoa reduzida ao enfraquecimento mas se trata duma interpretação derivativa. Hebes, sinônimo, tem ambos significados. Esses termos são todos relativamente fracos e de aplicação muito geral. Isso é, descrevem a simples estupidez, sem especificar a forma em que trabalha. Algumas outras palavras, entretanto, implicam ou ao menos sugerem também resultados extremos. Assim, o verbo desipio descreve um tipo de comportamento estúpido que não
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Dumm wie das liebe Vieh (Estupidamente gostam do querido gado). Saudumm (idiotice). Viehdumm (estúpido gado). Nota do digitalizador
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se baseia na falta de sensibilidade primária mas sobre a derrocada das funções intelectuais. Em geral significa agir sem compreensão e é comumente usado pra pintar um homem doente em delírio. Mais adiante veremos que muitos exemplos considerados estúpidos são apenas o resultado de alta sensibilidade, que se tornou confusa ou sem sentido. Isso levanta uma confusão infeliz na interpretação. Outra palavra, socors, se aplica à espécie de estupidez que se resolve em simples negligência, sujeira, e coisas parecidas, ou, noutro sentido, à indolência. Encontramos, depois, stultus, um termo genérico prà tolice, e, mais forte que todos os outros, fatuus, muito semelhante a nossa palavra mentecapto. Finalmente, os latinos reconheciam a espécie de estupidez que se deriva dum defeito na percepção do espaço-tempo mas parecem estar menos esclarecidos sobre esse ponto que os japoneses, povo mais alerta. Um ineptus é uma pessoa cujos atos e pensamentos são mal-adaptados. Faz a coisa certa em tempo e lugar errados ou faz a coisa errada em tempo e lugar certos. Portanto, lhe falta o tato. Acho digno de nota o fato de que os romanos descreviam o pedante como ineptus. Tanto os gregos como os romanos parecem ter notado um aspecto da sensibilidade que nós, modernos, passamos batido. Sentiram a profunda analogia existente entre o sabor do sal e a impressão que uma personalidade astuta, engenhosa e jovial nos causa. Voltamos às palavras de Jesus à multidão: Sois o sal da terra. Através do grego e do latim, chega às modernas línguas românicas. O português atual chama uma pessoa de insossa,15 pra significar estúpida ou sem espírito. Essa palavra, insosso, vem do latim, insulsus, negativo de sulsus, salgado ou salino, portanto agudo, engenhoso, jovial, astuto, e, naturalmente, insulsus designa o estúpido, o falto de engenho, o fraco de mente. Os gregos também sentiram a semelhança de sabor nos alimentos e nas personalidades. As coisas insípidas lhes eram estranhamente parecidas com as pessoas estúpidas. Uma mente vulgar certamente não tem sabor nem odor, nem pode encontrar correspondência positivas noutras pessoas.16 A idéia de insensitividade está profundamente plantada nas línguas do norte da Europa. Nossa palavra clumsy (grosseiro) vem, em linha reta, do escandinavo klumsa, que significa entorpecido. Nossa palavra blunder (desatino) aparece, na antiga Islândia, como blenda, significando cochilar, modorrar. Aumentada do sufixo ren, que indica freqüência, contumácia, a palavra (agora blunderen) passa a significar a continuação do cochilo, da modorra. E o hábito implícito indica uma condição mental. O mesmo termo pode também ser encontrado em sueco e em dinamarquês. Essa noção de insensibilidade se funde com a falta de poder de penetração em nossa palavra blunt (sem gume). Essa palavra parece provir da mesma raiz primordial, como blunder (desatino), mas muito cedo passou a ter o significado de obtuso, no sentido usado por Chaucer,17 sem ponta aguda, portanto não penetrante. Como vemos, embora os homens nunca fossem muito sensíveis à estrutura da estupidez, mesmo assim deram alguns passos, a apalpadela, em certas direções. Pra completar a cena literária devemos inventar uma nova linguagem prà morologia. As palavras dos homens estúpidos não podem envolver sua estupidez.
Limite A estupidez continua a ser, em grande parte, uma região desconhecida, cuja linha fronteiriça ninguém ainda delimitou. Mas, ao passo que ainda é muito cedo pra falar de 15
No castelhano também, insulso (insosso). Nota do digitalizador É um fenômeno de sinestesia. Nota do digitalizador 17 Geoffrey Chaucer (cerca de 1343 - 25.10.1400) - Escritor, filósofo, cortesão e diplomata inglês. Autor de Os contos de Cantuária (The Canterbury tales), obra-prima da literatura inglesa. Nota do digitalizador 16
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sua fronteira, devemos e podemos fazer a corografia18 de seu território. Antes de tudo, devemos mostrar em que relação está com relação os reinos irmãos da Ignorância, Superstição, Inércia e Ininteligência. Em que aliança se envolveu com esses reinos, sobre intercâmbio e comércio? Quais os embargos em vigor? Qual o sistema de câmbio e de tarifas que prevalece? Eis questões topográficas e diplomáticas que desafiam o saber e a astúcia de todos nós. Consideremos, em primeiro lugar, sua relação com a ignorância. À primeira vista, parece fácil. Mas que ilusão! Se trata duma verdadeira floresta de problema. A penetrai e chegareis a uma planície gelada, povoada de ferozes enigmas. Eu supunha saber exatamente o que era a ignorância, até que me aproximei. Não a consideramos, em geral, simples falta de conhecimento? Eu a considerava. E a construção da palavra apóia esta noção. Mas o assunto não se esclarece assim rapidamente. Ignorância é um termo negativo. Significa simples falta de conhecimento. A falta, naturalmente, pode ter várias causas. A falta de análise da ignorância pode levar a sérios mal-entendidos. Aqui vão cinco entre as causas comuns de ignorância: • 1 - Posso nunca ter tido oportunidade de conhecer o assunto do qual sou ignorante. • 2 - Posso o ter conhecido nalgum tempo mas ter perdido de memória por não me interessar. • 3 - Posso ter sido mal-informado sobre o assunto. • 4 - Posso ter atitude de resistência que me impeça de o conhecer. • 5 - Posso ser constitucionalmente estúpido e incapaz de o apreender. Descritos em geral, vão aqui em ordem de gravidade. Se não conhecesse os fatos somente porque nunca me acontecesse os encontrar teria uma excelente oportunidade de os apreender quando deles necessitasse. Mas se não os pudesse assimilar eu estaria permanentemente em desvantagem. Ora, muita estupidez pode se ocultar sob a segunda, a terceira e a quarta variedades de ignorância. Por exemplo, posso ter deixado que algo de valor me escapasse à memória por ser insensível a fatos vitais que, se sentidos e avaliados, me teriam interessado profundamente. Em suma, falta de interesse pode ser, nalguns casos, outro nome pra estupidez. Também, posso resistir a aprender algo, em primeiro lugar em virtude duma atitude e das emoções a ela ligadas mas, em análise mais profunda, em virtude de estupidez quanto à importância do assunto. assim pareço a criança que odeia a tabuada de multiplicar, em parte por causa do trabalho de aprender mas, principalmente, por ser muito jovem (e, às vezes, sem o ensino suficiente) pra perceber sua enorme utilidade. Estúpida quanto a seu valor, se indigna e, assim, deixa de vencer. Mesmo a informação deficiente pode, mais ou menos, resultar em estupidez, embora não seja comum. Pode ser falta de atenção no ouvir, no ler ou no observar, falta de atenção de que a estupidez é um dos ingredientes. Pra aumentar nossa confusão, quaisquer dessas tolices indiretas podem se combinar. Admirai, pois, nossa desgraça. Examinai alguns casos como os seguintes e procurai encontrar a fórmula de cada um. A fronteira entre a simples ignorância e a estupidez foi transposta por um agricultor do estado de Nova Iorque, cujo caso foi relatado, no Journal of the American Medical Association, por doutor Henry S. Martin, de Varsóvia, Nova Iorque.19 Com vinte anos esse homem foi afligido, em primeira vez, por uma excrescência entre as omoplatas. 18
Corografia - sf - Estudo geográfico dum país ou duma de suas regiões. Nota do digitalizador 19
Volume 90, #25, páginas 2.013 e 2.014
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Então do tamanho duma noz e inteiramente indolor, o agricultor não se incomodou. Durante dez anos a excrescência aumentou imperceptivelmente, até ficar do tamanho duma laranja. Naturalmente, a excrescência interferiu um pouco no duro trabalho manual que um agricultor deve realizar. Também deve ter sido um incômodo, em relação a sua roupa e ao cotidiano vestir e despir. Tentai prender, sob a camisa, exatamente entre os omoplatas, uma grande laranja e podereis fazer idéia nítida do tumor. Os médicos o aconselharam, seriamente, a uma operação mas o homem dava ouvido a alguns de seus amigos agricultores, que garantiam que morreria imediatamente se o tumor fosse rasgado. Não uma, porém muitas vezes, durante os anos seguintes, os médicos e os cientistas que souberam do caso o instaram a operar mas sempre em vão. Assim se passaram quarenta anos, durante os quais o tumor cresceu, muito devagar no princípio mas depois mais rapidamente, até pesar 27,22kg e pender das costas como um saco de farinha. Tinha 53,34cm de comprimento e 1,27m de circunferência. Pra andar o homem tinha de se inclinar a diante, pois o saco de veneno lhe chegava aos quadris. Ao chegar aos 70 anos a coisa começou a piorar. Apareceram úlceras na base, o crescimento se processou mais rapidamente e a saúde do homem foi seriamente abalada. Finalmente, aos 78 anos, se resignou à morte. Muito fraco pra trabalhar, muito sobrecarregado pra se locomover e muito velho pra dar importância à vida ou à morte, consentiu em ir a um hospital, a fim de remover o fardo. E isso depois de 50 anos! Foi internado no hospital comunitário do município de Uaiomem, em 26 de outubro e de lá saiu em 18 de novembro de 1927, em perfeita saúde. Sofrera meio século de desnecessária desgraça por acreditar mais nos vizinhos que nos médicos. Infelizmente não temos informação psicológica sobre esse homem, e é pena. Se fosse um homem de mentalidade inferior o julgaríamos de certa maneira. Sendo de inteligência um pouco abaixo da média o veredicto tomaria outro rumo. Mas, em qualquer caso, não é evidente que, ligada a uma ignorância total, uma invencível estupidez governava essa simples personalidade? Mas onde termina a ignorância e começa a estupidez? Teria, por acaso, sofrido muito nas mãos dum charlatão, na infância, e criado medo dos médicos? Teria visto um amigo morrer sob o bisturi, numa operação que todo mundo supunha fácil? Pra diagnosticar sua mentalidade, deveríamos conhecer todas suas experiências anteriores, especialmente de moléstia e cura. Um homem da cidade lê, no jornal, que os fazendeiros de Missure pretendem continuar a plantar trigo, a despeito da baixa mundial de preço. O homem da cidade sabe que 27,22kg20 de trigo lhes custa cerca de 1 dólar, embora agora o devam vender a menos de 50 centavos. — Loucos! — Diz ele. — Não admira que vão à falência! Mas o caso não é tão simples. O fazendeiro de Missure pode chamar seu crítico de estúpido, com igual razão. Pois o problema do trigo vai muito além do preço de venda. Assim, no Missure, milhares de acres ficaram exauridos em resultado da prolongada plantação de cereal. O solo deve ser renovado ou abandonado. Os homens não podem o abandonar, portanto devem restaurar a fertilidade. Como? O mais barato, rápido e seguro meio de fazer isso é plantar trevo, usando o trigo pra o proteger durante o inverno. O trigo, quando robusto, agüenta bem o frio. Atinge altura considerável, abrigando, assim, o trevo plantado consigo. 20
No texto original 1 bushel de trigo. Bushel é, originalmente, uma medida de volume a seco, usada primariamente pra medir o volume de mercadoria seca. 1 bushel = 8 galões secos = 2150,42in3 = 35,23907016688 litros. Presentemente mais usado como unidade de massa e não de volume. Todos os bushels usados na transação de grão (milho, trigo, soja, arroz, etc) são unidades de massa. A conversão é feita atribuindo um peso-padrão a cada mercadoria. Por exemplo: Milho = 25,40117272kg, trigo e soja = 27,2155422kg. Nota do digitalizador. Extraído de www.thinkfn.com
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Também a erosão é uma ameaça ao Missure. O trigo protege o solo, que doutra maneira seria estragado pelo inverno e primavera. O lucro proveniente dos cereais é fator de menor importância, como se vê. A fazenda dum homem vale mais que o lucro duma colheita de trigo. Os cereais são a garantia do solo e um meio de rejuvenescer a terra. Assim, quem é o tolo? Alguns de meus amigos me garantem que as palavras mais estúpidas, partidas dos lábios dum homem eminente, nos últimos anos, foram as de Calvin Coolidge, que, em Good Housekeeping, de fevereiro de 1921, escreveu: Homens e mulheres, em si e de si mesmos, são desejáveis. Não pode haver muitos habitantes da espécie certa, distribuídos no lugar certo... Certas leis de abastecimento e de procura governam, em tempos normais, o ir e vir dos estrangeiros... Não receio a chegada de tantos imigrantes, por ano, quantos as condições de navegação e os regulamentos de passaportes possam aceitar, contanto que sejam de bom caráter. Os críticos afirmam que é a concepção mais bestial e mais vil da vida humana jamais antes confiada ao papel. Iguala a filosofia da Índia e da China e revela, acrescentam os críticos, a mais profunda estupidez. Discordo. Não se trata, absolutamente, de estupidez, mas de ignorância. Coolidge, advogado de pequena cidade, teve a má sorte de falar sobre um dos mais complexos, enganosos e desesperados problemas do estado, os fenômenos populacionais. Ninguém sabe muito acerca desses fenômenos e os que sabem algo não são advogados nem políticos. Na verdade todos os estudiosos da população concordam em que cada região, cada sistema econômico e, talvez, cada área de solo e clima, tem seu próprio optimum de população, que, se excedido, conduz a desastre. Mas não havia razão pra que Coolidge soubesse. E se poderia igualmente o condenar por sua incapacidade de analisar os componentes dos fenômenos sísmicos. Mas, direis, ser estupidez falar, assim, de coisas que estavam além de sua compreensão. Discordo novamente. Pode ser tido como virtualmente certo que Coolidge não sabia que isso estava além de seu poder de inteligência. Sendo assim, o pior que podemos dizer é que Coolidge era duplamente ignorante. Mas todo mundo o é, hoje em dia, desde Einstein até Evangeline Adams. Já não há domínio de conhecimento comum nem campo de simples verdade conhecida ou cognoscível pelos mortais comuns. Se todos evitássemos falar, a não ser quando soubéssemos exatamente o que quiséssemos dizer, que silêncio mortal envolveria este mundo de tagarelas natos! Vamos à questão mais difícil. Onde passa a fronteira entre a estupidez e a superstição? Quanto, da superstição, é simples ignorância e quanto é estupidez em relação a fatos manifestos? Aqui chegamos à mortificação dos antropólogos e doutros estudiosos. Um em cada dez estudantes superiores, em Atlanta, Jórgia, admite acreditar no powwowismo.21 Ignorância ou estupidez? Os velhos agricultores do Coneticute acreditam que um pouco de placenta seca, pendurada num saco no pescoço, da criança fará com que os dentes cresçam retos, alvos e fortes. Ignorância ou estupidez? Centenas de negociantes consultaram Evangeline Adams, pretensa astróloga científica. Simples ignorância ou estupidez? Quase todos os dias os jornais, em Nova Iorque ou em Chicago, contam novas histórias de bruxa, de santo, de feitiço. Ignorância ou estupidez? Everett Dean Martin conheceu um médico, cujo preparo científico é tal que chegou a 21
Sistema cerimonial efetuado pra curar moléstia, pra lograr sucesso na guerra, etc., entre os índios algonquinos de Estados-unidos.
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ser professor de medicina, que acredita que o céu está localizado a poucas milhas adiante da Via Láctea. Qual das duas coisas passa a diante, a ignorância ou a estupidez? Uma mulher de Bruclem, em 1930, viu seu filho à porta da morte, embora cinco médicos afirmassem que a vida do menino podia ser salva por meio duma simples operação. A mulher se recusou a consentir a operação, sob o fundamento de que Deus lhe dera seu filho e se o queria de volta não havia razão pra se queixar. A mulher continuou a orar enquanto as autoridades municipais se dirigiam ao juizado de menor. A mulher lutou até o fim, mas em vão. A criança, internada num hospital, foi operada e em breve se restabeleceu. Essa mulher era apenas uma estúpida, uma ignorante ou ambas as coisas? Devemos fazer a mesma pergunta acerca de todas essas dezenas de milhares de reuniões de oração, missas e outras complicações rituais, como os seguintes exemplos: Quando o pânico de 1921 se abateu sobre nosso amado país, Roger Babson conseguiu a assinatura de 40 banqueiros, industriais e profissionais liberais, todos eminentes, num Apelo a Eua. Admitindo, no prólogo, que Eua estava em mau caminho, os 40 sábios declaravam que somente remédios espirituais podem curar os males atuais da humanidade. E pediam que o povo se reunisse em oração. Não sabemos se o povo atendeu ao apelo. No verão de 1931 um grande exército de gafanhoto devastou as colheitas do centrooeste. Os agricultores e suas famílias, então, desesperados com a praga, mandaram celebrar uma missa campal na vizinhança de Cidade Siux, Aioua, a fim de pedir a proteção divina contra a catástrofe causada pelos insetos. Paremos aqui, pois a lista é infinita, monótona e deprimente. Podeis, nalgum desses casos, afirmar, com clareza, onde começa a ignorância e termina a estupidez? Não posso. Tudo o que sei é que cada acontecimento é, dalgum modo, uma obscura união desses dois defeitos mortíferos. A necessidade de viver, a luta à imorredoura felicidade e a inclinação dos homens débeis a se apoiar em seres mais poderosos são, certamente, ativos aqui mas fazem os homens estúpidos tanto quanto nutrem a ignorância, de mil-eum modos sutis. Assim o labirinto se torna mais ínvio e mais escuro, pois a estupidez humana parece ser o produto de desejos elementares não menos que de incapacidade elementar de função. O psicólogo que em primeira vez se interessar por nosso tema, provavelmente oscilará entre dois pontos de vista. Dum ângulo considera a estupidez uma fase de inteligência inferior, ao passo que, doutro, a considerará uma fase de sensibilidade primária. Enquanto o biólogo prefere pensar sobre a conduta estúpida do homem nos termos usuais de correspondência extrema ou de procedimento manifesto, o psicólogo volta o olhar aos momentos de consciência que precedem o ato final, pois está mais interessado nos fenômenos do sistema nervoso central que nos musculares. Uma primeira classificação, pois, incluiria todos os defeitos das sensibilidades primárias do olho, do ouvido, da língua, das narinas e pele num grupo e, noutro, todos os sistemas de associação e de integração central envolvidos nas funções superiores da memória, da imaginação, da análise, da linguagem e coisas semelhantes. Durante algum tempo, ao menos, seguiremos essa maneira de distinguir a variedade. Mas em breve parecerá não tanto errada quanto inadequada. Em verdade, indica os níveis de organização psíquica a que correspondem várias espécies de estupidez mas não revela o que é, o vejo agora, a mais comum e a mais desastrosa das tolices, a saber, a que resulta da ação combinada de muitas funções, de muitos estímulos e de muitos desejos. As tolices da espécie que arruína as civilizações e adultera as culturas não podem provir, em geral, dum defeito específico num centro nervoso, nem mesmo de todo um sistema nervoso. São o resultado de situações imensamente complexas influenciando
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uma personalidade. Voltamos, pois, à simples proposição de que, assim como a inteligência geral é a capacidade de enfrentar, com êxito, situações novas, a estupidez geral é a incapacidade de o fazer. E as tolices especiais são, muitas vezes (senão sempre), alguma incapacidade especial da mesma ordem. Em todos os casos a situação é tão importante quanto o indivíduo. Eis porque insisto em que a estupidez é um fator histórico genuíno, tão positivo quanto a inteligência ou o gênio. Por ser, dalgum modo ainda a definir, o oposto da inteligência e da sensibilidade, melhoraremos nossa noção sobre a estupidez nos voltando, um momento, à natureza do procedimento inteligente. O limite entre a estupidez e a inteligência não pode ser traçado com linha reta. Se trata, antes, duma terra-de-ninguém, uma zona entre duas forças imensas que às vezes estão em guerra e às vezes modorram durante um armistício. Não podemos dizer que qualquer capacidade isolada, que uma prova de inteligência possa revelar e medir, que coloque um homem dum lado ou doutro nessa terra-de-ninguém. Pois nesses campos superiores da habilidade e do poder humanos o encadeamento dos traços num modelo de integração é extremamente sutil. Dois homens, que parecem quase idênticos na formação mental, podem estar muito apartados entre si, e dois outros homens, entre os quais não haja relação, podem se parecer como dois irmãos. Muitos traços considerados sinais de inteligência superior não são. Alguns psicólogos consideram os altos poderes da memória um dos ingredientes necessários mas, certamente, não são. A memória especializada ou preferencial é, comumente, emparelhada com o domínio dum traço mental superior mas isso pode envolver a memória comum ou abaixo da normal. Muitas mentes poderosas, como a de Benjamin Franklin, não podem lembrar o que comeu no último repasto, onde foi assinada a declaração da independência, quantos estados há na união americana ou qual dos grandes lagos é o menor. A solidez de julgamento também tem sido considerada um sinal de mentalidade superior. Todavia, é uma coisa enganosa. Pois é, em grande parte, questão de objetividade. O extrovertido é infinitamente mais capaz de ver as coisas como são que o introvertido, de modo que um extrovertido de mentalidade inferior pode muito bem ultrapassar um introvertido de mentalidade especial superior na apreciação aos homens e aos negócios assim como na auto-apreciação. Qualquer menino de lavanderia pode ter juízo mais sólido sobre um número maior de assunto que Betovem. A adaptabilidade geral também foi tomada como medida mas merece menos confiança que a memória ou o julgamento. A capacidade de estar à vontade com outras pessoas, de enfrentar as crises com serenidade e calma, de se conformar às leis do país com facilidade e êxito pode ser o resultado duma alta tendência mental. Muitas vezes não é mais que uma forma de esperteza animal. O meio mais fácil de viver sem esforço mental ou físico muito severo! O caminho do covarde moral! O caminho do conformista estúpido! Não nego que possa ser, também, o resultado da análise e do plano mais astuto mas me inclino a acreditar, sobre tão insuficiente evidência, que, nas regiões densamente povoadas, onde a pressão do costume social e a alta tensão da luta pela existência conspiram pra tornar difíceis as inovações e as individualidades marcantes, os homens superiores muitas vezes analisam a situação e decidem prosperar com o menor choque possível, afirmando seu pensamento e preferência independentes o menos possível ou, se necessário, de maneira altamente disfarçada. Soube de vários casos como esse entre chineses de classe alta, ilustres homens dos guetos e prósperos negociantes ianques. Quanto mais forte é o rebanho tanto menos o homem que pensa estará inclinado a se opor abertamente e tanto mais adaptará sua natureza, ao menos em público. Alguns dirão que se trata de hipocrisia, enquanto outros
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concordarão que se trata de bom-senso. De qualquer modo, adaptabilidade assim revelada também pode ser encontrada em variedades inferiores de personalidade e, portanto, não deve ser considerada indiscriminadamente, índice de inteligência. Muitos dos erros na definição da estupidez e da inteligência se enquadram em duas classes. Uma capacidade, que é um instrumento importante da inteligência, é confundida com a própria inteligência, como no caso da memória, ou um resultado final de comportamento exterior é impropriamente chamado ato de alta inteligência simplesmente porque o ato é socialmente são e útil e uma coisa inteligente a fazer. Esse último é, naturalmente, a racionalização sutil dum processo que pode ocorrer sem intervenção ou ajuda da razão. É como a teoria dum eminente físico, já falecido, que sustentava que os cães e os gatos devem possuir conhecimento inato do cálculo integral, pois são capazes de descrever um ângulo exato pra alcançar um coelho ou um rato em fuga. Com esses exemplos de má compreensão diante de nós, vejamos agora quais são alguns dos mais importantes traços que diferenciam a inteligência superior da estúpida. Primeiro, a capacidade de resolver problema. Muitos psicólogos consideram esse traço uma das mais seguras provas de vivacidade mental e não podemos encarecer sua importância. Mas podemos exagerar sua simplicidade. É verdade que aqui temos uma constelação de traço, não apenas um. E com isso não quero dizer que, assim como há muitas espécies de problema, assim deve haver muitas espécies de capacidade usada pra os resolver. Naturalmente, isso é reconhecido universalmente. Não. O que quero dizer é que, em cada problema típico, encontramos vários modos de procedimento, que, quando integrados com propriedade, conduzem ao êxito na solução. E que esses modos devem ser considerados os verdadeiros traços primários. E o que são esses modos? Considerai o processo de solução dum problema. Primeiro, exige uma correta integração das percepções. Os fatos do problema devem ser reunidos diante do pensador e considerados em suas relevantes relações. Em seguida, esses fatos, arrumados em ordem, devem lhe sugerir as espécies de manipulação dignas de serem tentadas. Isso é, a analogia entre esse problema e os anteriores deve surgir vividamente diante de si. Em terceiro lugar, afim de refletir rapidamente de modo a conseguir resultado, o pensador deve ser capaz de reduzir os fatos e o problema, conjuntamente, a alguma espécie de estenografia conceitual. Deve usar símbolos, livremente, e, durante o uso, não se tornar confuso quanto aos significados e às equivalências. Palavras, sinais matemáticos, diagramas e notas altamente abreviadas devem servir e, também, diminutos ajustes musculares, especialmente da laringe. Em quarto lugar, o pensador deve, quando necessário, ser capaz de dividir o problema: Lhe impede o enfrentar por parte, aspecto a aspecto. E isso envolve um grau muito elevado de dissociação controlada. Esta função é chamada abstração ou atenção voluntária mas nenhum desses termos descreve adequadamente sua singularidade fisiológica. O que acontece, simplesmente, é que certos tratos nervosos são, dalgum modo, temporariamente isolados contra todos os estímulos interiores e exteriores, exceto uns poucos, especiais, que se originam no próprio sistema dissociado. É esse último que difere, distintamente, a operação da simples atenção. Depois de haver completado uma série dessas soluções parciais, o pensador deve reunir os resultados parciais e os relacionar entre si. Isso, naturalmente, é um processo integrativo no plano da imaginação e das funções simbólicas. Pro consumar será necessário muita conjetura. Muitas analogias relacionais devem ser lembradas e examinadas e, se elas não derem a pista desejada, novas analogias serão concebidas e experimentadas. Aqui a livre fantasia, mesmo da mais desordenada espécie, não tem
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valor. De modo geral, quanto maior é o número de idéias transitórias, tanto mais certa é a escolha final e mais exata a relação. Mas aqui estamos em perigo de sermos enganados por alguma velha interpretação favorita ou por outra surpreendentemente nova e original. O primeiro perigo é fácil e agradável e pode fortalecer o pensador na convicção de que suas maneiras habituais e pensamento se mostram suficientes pra resolver o novo problema. O último perigo é mais grave pro jovem cujos hábitos intelectuais ainda não se enraizaram: O fará sentir que está a ponto de revolucionar o mundo, de deslumbrar os mortais cuma completa novidade. Ora, o pensador de poder superior estará em guarda contra ambos perigos, seja por precaução ou em resultado de amargas experiências. Tenderá a retardar o julgamento final tanto quanto possível e a afastar, de suas interpretações, seus preconceitos e desejos. Numa palavra, se inibe poderosamente no campo da quimera, da inferência e da analogia mas o faz sem a supressão completa do assunto. E um dos métodos de inibição é submeter as descobertas duma pessoa ao julgamento doutras, antes de chegar a uma decisão final quanto ao valor e significado. Outro método, menos eficiente, é repetir toda a investigação com certas variações apropriadas. Assim, a estupidez deve ser considerada qualquer tipo de comportamento em que um ou mais dos fatores da inteligência podem faltar ou, caso estejam presentes, sejam tão ineficazes que não possam enfrentar a nova situação. A variedade mais profunda, pois, é a em que as percepções básicas falham, em resultado dalguma insensibilidade. Depois, temos uma segunda espécie, quase tão profunda quanto a primeira, em que muitas percepções, individualmente nítidas, não podem ser organizadas de modo a elucidar o significado. A terceira espécie deixa de sugerir maneira de controlar a situação, o que comumente se deve à pouca imaginação e, incidentalmente, à inexperiência. A quarta é uma estupidez causada por uma grosseira estenografia conceitual, linguagem pobre ou outros símbolos defeituosos. A quinta é a estupidez da atenção inconstante e da inevitável confusão de campos não relacionados do discurso. A sexta é dissociação defeituosa dos fatores e das fases significativas da situação, já que é, como dissemos, mais que atenção inconstante. A sétima é a estupidez da má organização dos resultados num plano final de ação. A oitava é falta de imaginação. A nona é a estupidez de deixar de verificar os resultados ou de os pôr a prova por métodos inadequados. Possivelmente, deveríamos acrescentar a essas uma décima espécie, sob a forma de lógica errada, mas me parece que os erros de inferência, em geral, decorrem da terceira, da quarta e da quinta tolices acima mencionadas. Eis as fronteiras do reino do humanesco com a utopia. Aqui encontramos, ao menos, nove espécies de estúpido. Os estúpidos se casam e se misturam em todas as combinações possíveis. Alguns híbridos foram favorecidos pela circunstância, outros foram rapidamente mortos. Alguns se elevam até a glória enquanto outros são caçados pela polícia. A história de todos eles é a história de nossa raça, na maior parte. Nos reportemos a ela.
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Απση Arcada
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...Dentro desse covil um homem costumava dormir, um monstro que apascentava seu rebanho muito longe, sozinho, e jamais se misturava com os de sua espécie. Morava só, mau e sem lei. Era maravilhosamente construído esse maravilhoso ser, não como os mortais, que vivem de pão, mas como um cume de montanha, que, se elevando, rude, no meio da floresta, se destaca entre as outras colinas.
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Ciclopes Ciclos ltos e baixos assinalam todas as carreiras, seja de rapaz, estadista, corporação, religião, de reforma, de agricultor ou de bufarinheiro. Aparecem em êxito e em fracasso, na paz e na guerra, na população, no crime e em quase todos os outros domínios de ação. E se parecem, estranhamente, aos altos e baixos do reino animal. Muitas vezes parecem regulares e os ciclos de seu fluxo tornam perplexos os cientistas. O número de corujas, lagópode22 e ratos do norte varia num ciclo de quatro anos. Assim as raposas têm a disposição tal banquete que as pequenas raposas, que doutra maneira morreriam de fome, engordam e chegam à idade adulta e, assim, a população de raposa aumenta e diminui simetricamente com a do alimento. Lebres, ratosalmiscarados,23 galos-silvestres, linces, martas e lobos se multiplicam e diminuem num misterioso período de 9,7 anos. Algumas moléstias animais obedecem ao mesmo ritmo, que é singularmente parecido ao curto ciclo lunar de 8,85 anos e quase exatamente a metade do período do longo ciclo lunar de 18,6 anos. No negócio da humanidade não é o ciclo de população o primeiro a chamar a atenção do observador mas os altos e baixos no período de chuva, na importância da colheita, na prosperidade comercial. Quem pode resistir às excitantes correlações descobertas por Ellsworth Huntington? Demonstra, com documentos autênticos do século 19, que cinco grandes ciclos de seca, de perda de colheita e de depressão comercial ocorreram com absoluta simetria. As secas e as perdas de colheitas ocorreram em períodos de 18,6 anos, enquanto os pânicos financeiros se sucederam com intervalos de 18,4 anos. Embora os pânicos raramente ocorressem ao mesmo tempo que as secas e as perdas de colheita, sempre vieram um pouco antes ou um pouco depois. Ora... O que tem tudo isso a ver com a estupidez? Mais que ninguém parece haver suspeitado. Sempre que encontramos a carreira duma criatura governada por ciclos circunstanciais podemos ter certeza de que as condições que afetam seu bem-estar estão além de sua observação e controle. Sabemos que a criatura é vítima de circunstância. Em relação às condições determinantes, é passiva, cega e estúpida. A medida que a inteligência e a energia se desenvolvem a criatura estuda a si e seu ambiente, descobre novas maneiras de conseguir o que deseja e de evitar os males e, portanto, tende a vencer o grande remoinho de acontecimento que a arrasta. Na vida da razão o padrão é conformado pela vontade e não pelas órbitas do Sol e da Lua. As coisas acontecem de acordo com nossos desejos. No extremo inferior a carreira das bactérias e doutros micro-organismos também pode ser determinada, quase inteiramente, pelo ciclo dos acontecimentos cósmicos, digamos, somente por conjetura, pelas variações dos raios cósmicos. Eis as noções básicas do astrólogo encontrando meia confirmação. No ápice da vida, que ainda não foi alcançado, durante cerca de um milênio!, os homens planejarão programas de cem anos e os realizarão nos aspectos essenciais, a despeito de tudo. Então não haverá ciclo, a não ser os da própria vontade. O que são estes ciclos da vontade? Quem os pode profetizar? O mais que posso sugerir é que serão funções matemáticas da classe e da intensidade dos desejos 22
No original ptarmigan - Lagopus é um gênero de aves galiformes, pertencente à família Phasianidae. O grupo é típico das regiões frias do hemisfério norte e pode ser encontrado em habitáculos de tundra, subárticos e alpinos. Nota do digitalizador, extraído de Wikipedia. 23 O rato-almiscarado é a única espécie do gênero Ondatra. É um roedor semi-aquático de porte médio nativo da América do Norte. Nota do digitalizador. Extraído de Wikipedia..
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veementes. Mas apenas significa um pouco mais que nada, a menos que aceiteis, como eu, a hipótese psicológica de que a vontade duma personalidade inteligente e enérgica verdadeiramente transcende as quatro dimensões de tempo e espaço e a e utiliza como meios pra fins, pensamentos, planos e atos de programas em que o passado e o futuro são apenas fatores dum cálculo e de modo algum os determinantes do calculador. Sobre isso voltaremos mais tarde. Os ciclos da natureza, pois, se impõem a todas as criaturas, que são muito ignorantes, muito estúpidas ou muito fracas pra os evitar ou dominar. A estupidez, assim, parece ser apenas uma das três causas interiores do determinismo natural. Mas à proporção que progridamos com a análise começaremos a discernir sua influência sutil na perpetuação da ignorância e mesmo no alicerce das energias humanas. Observaremos, não nalguns, mas em muitos casos, a simples estupidez do olho, do ouvido, da memória ou dos poderes de reflexão impedindo o estúpido de conhecer fatos patentes e princípios de alto valor. Também a veremos inibindo ato, entorpecendo músculo e sufocando iniciativa. Antes de chegarmos ao fim de nosso prolegômeno seremos esmagados pelo pensamento de que Buda tinha razão em classificar a estupidez como um dos maiores de todos os defeitos mortais. Esta breve introdução não pretende ser uma história mas um guia prà história. Assim, nos contentamos com formular o seguinte princípio diretor, que o historiador deve aplicar e observar no curso dos acontecimentos humanos. É mais exato, creio eu, que o de Spengler, e mais compreensivo. Comporta as verdades de Spengler sem admitir suas extravagantes especulações e inexatidões tão comuns. Fornece uma legítima base físicomatemática pros gráficos dos movimentos econômicos, sociais, religiosos e políticos, sem, entretanto, estimular excêntricas simplificações que reduzam a história das nações e das eras a fórmulas apropriadas. Eis, na frase mais breve possível: O deixemos servir de acesso a todo nosso campo de investigação.
Acesso Um metafísico considera a estupidez um axioma. Numa conferência em Berlim, Einstein, recentemente, notou: Diante de Deus, somos todos igualmente estúpidos e igualmente espertos. Todas as velhas teologias concordam com isso, como a nova relatividade. É coisa evidente por si. Que o homem deve ter sensibilidade finita, não menos do que capacidade finita pra ativas correspondências, tem sido cantado em prosa e verso. Santayana, há pouco tempo, deu contribuição feliz presse pensamento, da seguinte maneira: ...Não reter estupidez significaria possuir uma atenção incansável e interesses universais, realizando, assim, a pretensão de nada de humano considerar estranho a nós. Ao passo que ser absolutamente desprovido de loucura implica auto-conhecimento e auto-governo perfeitos. O homem inteligente que a história conhece floresce dentro dum estúpido e traz, preso à canga um lunático.24 Poderíamos ir mais longe, se tivéssemos inclinação à filosofia, e perguntar se a infinita sensibilidade pode ser uma auto-contradição tanto quanto um absurdo biológico. O ato de sentir não é uma coisa baseada sobre nossa capacidade de diferenciar entre coisas presentes no mesmo momento? E como pode ocorrer essa diferenciação?, se estamos igualmente cientes das coisas diferenciadas. Limitados como somos quanto ao trabalho de nossas funções de atenção não podemos imaginar com clareza um ato em 24
George Santayna, The suppressed madness of sane men
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que uma criatura apreende tudo o que existe no universo cum simples golpe de vista psíquico. Nesse ponto o biólogo toma o argumento. Começa por vos pedir que vades a junto do rádio, a fim de fazer uma experiência. Pede sintonizar o programa favorito. Quando o fazeis vos chega música de Pitesburgo, Ora, isto, diz ele, não é mais que uma transformação especial dos sistemas de quanta, com certo comprimento de onda e com certa freqüência. Depois sintonizais Havana, outra onda de energia. Depois São Francisco, ainda outra onda. Então o biólogo nota: Enquanto ouvíeis a música de Pitesburgo, as ondas de Havana, de São Francisco e de centenas doutras estações estavam zumbindo através de vosso sistema nervoso, não menos do que através dos músculos, das meninas dos olhos, dos tímpanos, da casa e de toda a terra. Ainda não é tudo. Enquanto viverdes, um trilhão de trilhão de trilhão de impulsos de energia passará através de vós, todos os dias e todas as noites. Alguns são os raios cósmicos, o desmanchar de átomos de hidrogênio nalguma galáxia perdida. Alguns são raios ultra-violetas, outros infravermelhos. Pra vós nada são, enquanto contardes somente com os órgãos naturais de sentido, pois não estão sintonizados com os infinitos e respondem apenas a algumas intensidades e a alguns estímulos. Eis, pois, o stupor mortalis, o stupor vitae final. Vosso sistema nervoso é somente um pequeno, mal-feito e deploravelmente grosseiro receptor de rádio plantado num infinito mar de corrente e de maré atômica. Vosso aparelho só pode captar ondas de certo comprimento e freqüência. Assim também acontece como cérebro e os órgãos sensoriais. Como esse aparelho o intelecto não pode vencer a estática. Obscuras forças exteriores fazem com que os pensamentos se tornem indistintos. Qualquer pequeno defeito põe o aparelho fora de sintonia e o mesmo acontece com vossa tão louvada mente. Em relação à realidade do ambiente, está no mesmo plano dos vermes e dos insetos. Desçamos agora da metabiologia ao arco senso-motor. Encontramos uma sólida prova de nosso princípio diretor. Eis, apenas semi-oculta, a chave dos maiores mistérios das tolices humanas e dos ciclos de fortuna. Eis a base de todas as experiências dos vertebrados. Eis a limitação específica de nossa natureza. Esse arco tem três fases no sentido do espaço-tempo. Primeiro vêm os nervos sensoriais e sua recepção de estímulo partido do mundo exterior. Em seguida vem o campo nervoso central, onde essa corrente vinda de fora é, antes de tudo, ligada a experiências anteriores e toma novo caráter e nova direção. Finalmente, há os nervos motores que transmitem esse impulso central às fibras musculares. Tudo isso é psicologia elementar, naturalmente. Mas suas maiores implicações não. Cada fase desenvolve suas próprias debilidades não menos que suas excelências. Os nervos dos sentidos podem ser pesados como chumbo, de modo que poucos aspectos da situação cheguem ao cérebro. Esse era o stupor original do qual falavam os romanos quando, por exemplo, diziam que um homem, que poderia arrancar um dente sem gritar nem gemer, tinha stuporem dentium. Os olhos do cego e os ouvidos do surdo o possuem. A nossa linguagem repugna chamar isso estupidez, embora seja exatamente isso no sentido original, pois estupidez é insensibilidade, seja qual for o plano psíquico em que ocorra. Reservamos o termo pràs insensibilidades no plano cerebral, inexatamente, como mostrarei. E, entretanto, essas insensibilidades constituem, sem dúvida, nove décimos de todo o cortejo das tolices. Incluem o reconhecimento e a lembrança tardos, as associações confusas e falsas, as análises e os julgamentos superficiais e as inferências inexatas, assim como as mais inocentes variedades, como o devaneio e a distração. É
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nos centros associativos do cérebro que ocorrem. E têm lugar depois que os nervos sensoriais lhes transmitiram o choque dos acontecimentos exteriores. Por fim, no campo motor, o procedimento inferior se manifesta principalmente de duas maneiras: Primeiro pela falta de força e, depois, pela falta de destreza. A primeira é matéria de energia livre, a segunda matéria de padrão nervoso. Não damos a alguma dessas maneiras o nome de estupidez. A primeira é debilidade, a segunda é grosseria. Voltemos a nosso princípio diretor. A inteligência, em geral, é a capacidade de se ajustar o indivíduo, com êxito, a novas situações, ou seja, de evitar os desastres e, tanto quanto humanamente possível, de forçar o mundo a lhe dar o que quer, quando quer e onde quer. Do mesmo modo, a ininteligência em geral é a incapacidade de realizar. Todas as três fases do arco senso-motor estão envolvidas aqui. Se uma falha, todas falharão. E se falham, que acontece? Então, o homem é a criatura de circunstância. Anda de acordo com o vento. A neve do inverno o derruba como aos carneiros e aos bois. As moscas fazem pouso em seu corpo. O verão lhe traz a malária e a ancilostomíase. Todos esses altos e baixos descrevem uma curva fantástica, integrada pelas das tempestades e das secas, o crescente e o minguante lunar, a baixa-mar e a preamar, o ir e vir dos insetos e das bactérias, o fluxo e o refluxo dos pássaros e dos animais selvagens. À medida que os acontecimentos da natureza se repetem a história humana se repete através das eras de estupidez e de debilidade. À medida que as condições da natureza, em nosso globo, se dispõem no espaço, a humanidade se dispersa na mesma proporção. Assim, por exemplo, toda a raça mostra, em toda parte, uma densidade de população quase na razão exata das chuvas anuais. Nisso não diferimos muito dos fungos e dos liquens. Mas estamos na metade da tragédia. Os ciclos da natureza são, pro homem, um círculo vicioso, graças à mecânica da seleção natural. Os ambientes difíceis perpetuam, de diversas maneiras, os homens estúpidos, em proporção muito maior que os espertos, os delicados, os meditativos e os imaginativos. Assim, a procriação favorece os primeiros, ao menos durante um ou dois milhões de anos, e a criação os instrui na arte da estupidez. A fuga só pode acontecer por acaso. Sempre e sempre, a curva da necessidade volta sobre si mesma. Entre 109 de homens, talvez somente cinco ou dez possam ter ocasião e lugar pra manter a horda em servidão. Um relatório dessa servidão constituiria 99,9999% da genuína história. O outro 0,0001% estaria distribuído entre os poucos homens hábeis, mais dispersos que as estrelas no céu, que se desviaram do tipo central e progrediram por auto-educação, por meio de invenção e de hábil organização de servidores e de auxiliares. Esses poucos têm sensibilidade mais delicada, acima de tudo vêem, ouvem, cheiram e sentem coisas além do alcance do rebanho. Também dissecaram essas experiências sutis, buscaram os ingredientes e os reuniram em novas combinações. Assim se tornaram, pouco a pouco, senhores dos espíritos da terra, do ar e do fogo. Por causa deles, desde então, houve mais altos que baixos. Mas o mundo, mesmo agora, permanece, em geral, em servidão. Conseguimos uma perspectiva útil somente depois de ter considerado, em conjunto, os muitos ciclos de necessidade que, desde que o homem começou sua carreira ainda sem propósito definido, favoreceram os estúpidos e prejudicaram os perspicazes, os arrojados, os sinceros e os perseverantes. Em nenhuma das obras históricas ortodoxas e padronizadas encontrareis essa informação. Em verdade, alguns historiadores a escreveriam, se pudessem. Mas lhes faltam os dados necessários, e não por culpa sua. Assim, nos voltemos ao espetáculo da servidão humana. Alguns arquivos secretos nos foram abertos. Cada mergulho nos dias muito passados nos conduz à escuridão. Devemos, portanto, marchar cautelosamente, como historiadores. Colhemos força e
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coragem dos geógrafos, dos meteorologistas, dos médicos e dos bacteriologistas, dos quais todos, embora poucos o tivessem imaginado, souberam muito mais sobre o passado do homem que muitos historiadores.
Primogênitos Ao menos quatro vezes (há quem diga seis ou sete) durante os últimos 500 mil anos, o gelo dos pólos avançou ao sul e arruinou a humanidade. Muito antes do que há 500 mil anos, viviam homens que chegaram à fabricação de utensílio de pedra. Presumivelmente, esses primeiros homens se pareciam conosco em osso, nervo e tendão. Mas como eram diferentes sua tradição, ambiente e oportunidade! Podemos fazer uma idéia, mesmo pálida, de sua vida? Podemos deduzir algo sobre seus tipos de estupidez e respectivas causas? Por mais estranho que possa parecer, suponho que podemos conseguir uma noção mais clara desse aspecto de sua mentalidade que de qualquer outro. Antes de tentar lancemos um novo olhar sobre o panorama cinzento de marés geladas e de montanhas de cristal que fluíram e refluíram, compassadamente, durante séculos. Pois aqui chegamos à primeira e à mais potente de todas as causas da estupidez humana. A chamo de primeira, com pleno conhecimento de que, muito antes das eras glaciais, o homem nascera com cérebro um tanto superior aos de seus primos que permaneceram na árvore, depois que desceu e aprendeu a manejar uma clava. Essa foi sua herança animal, seu pecado original. Mas deve ficar fora de nosso atual inquérito, por motivos óbvios. Queremos saber o que o homem fez dessa herança, como se modificou ou, o tentando fazer, fracassou. E por quê? Admitimos que, tanto quanto podemos observar a essa distância, não poderia ter sido outra coisa além de animal, pra começar. Assim, por que levar isso a diante? Mas parece que, desde que começou sua carreira como nova espécie animal, nem a menor parte de seu destino esteve em suas mãos. E é justamente essa parte que nos deve fascinar. O resto é automatismo.
*** Em torno de -500.000 o gelo se espraiou ao sul, não num dia nem num ano mas no curso de séculos. As terras do hemisfério norte que não pôde cobrir foram profundamente afetadas pelo gelo, devastadas, inundadas com pesada chuva, expulsando os animais e exterminando árvores e plantas tão cruelmente que os homens foram forçados a se adaptar, de modo a conseguir alimento, abrigo e o mínimo conforto. Pouco a pouco essa aspereza de clima desapareceu. Se seguiram milhares de anos de temperatura agradável. Os seres vivos marcharam novamente ao norte. Então, aproximadamente em -400.000 o norte foi novamente agitado e o ciclo voltou com toda severidade e devastação. Novamente o calor. Dessa vez demorou muito mais! Cerca de 250 mil anos se passaram entre o ponto máximo da segunda onda de geleira e o da terceira. Então o homem teve sua primeira grande oportunidade. Progrediu na vizinhança de Raidelbergue e seu resto foi ali encontrado em estratos que marcam definitivamente sua era. Até onde se alçou o homem nesse longo intervalo de sol e de alimento fácil? O homem de Raidelbergue, cujo maxilar foi trazido à luz, representará o máximo de cultura? Ou era, talvez, um dos tardos indivíduos de sua própria época? Infelizmente não temos outra maneira de identificar um tolo por seu próprio maxilar, a não ser o modo que o usa pra falar. Permanecemos, assim, em absoluta escuridão quanto ao nível de civilização existente entre o segundo e o terceiro períodos glaciais. Não é impossível que, então, as nações se tivessem elevado a alturas que ainda estão além do nosso
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próprio alcance, pois nossas culturas e nossas formas sociais têm apenas 15 mil anos e se desenvolveram sobre a descoberta da agricultura. Não estejamos, pois, tão certos sobre o fracasso do homem em construir cidade e dominar o ambiente durante os 250 mil anos que conhecemos apenas através de um ou dois maxilares! Novamente veio o gelo. Novamente se desfez. Novamente veio. Novamente refluiu. E, desde o ponto máximo do quarto período glacial, somente se passaram 50 mil anos. Mas ainda vivemos nessa idade glacial. Sabeis que as geleiras ainda cobrem terras maiores do que Eua e Europa Ocidental somados? Sabeis que as crueldades da vida, como as de metade da Ásia e de metade da Europa, são o resultado direto das horríveis flutuações de clima que sempre acompanham o declínio duma idade de gelo? Sabeis que possuímos documentos fidedignos acerca do tempo e dos abastecimentos de gênero alimentício no sudoeste da Ásia de cerca de 70 séculos, todos realçando um fato: A impossibilidade do homem se estabelecer, em vida fácil, durante muitas gerações, numa faixa de terra qualquer entre a Pérsia e a Itália? A flutuação entre calor e frio, entre ventania e calmaria e entre chuva e seca foram rápidas e severas. As interpretando o leitor moderno deve ter em mente o fato de que até mesmo ligeiras modificações, de ano a ano, afetaram, de modo tremendo, o homem, antes da idade da máquina. O habitante da cidade, hoje, em verdade quase não pode imaginar essas influências, a menos que se dirija, nas férias, às florestas do norte e sofra um intervalo de calor escaldante ou uma quinzena de chuvas geladas. Não há lugar, aqui, pra contar a história das tempestades, das inundações, das secas, das geadas e dos ventos furiosos. Essa história foi contada pelos grandes meteorologistas, como C. E. P. Brooks, H. J. E. Peake, Ellsworth Huntington, E. Brueckner e muitos outros. A cena é sempre a mesma: Tribos expulsas pelos ventos quentes, que secam os poços e queimam a vegetação. Tribos que morrem de frio durante súbitas tempestades de neve. Tribos apanhadas por blocos de gelo e carregadas ao mar. Tribos morrendo de sede na orla dos desertos. Tribos desalojadas dos estreitos vales por temporais pavorosos. Tribos morrendo de fome devido à ação dos gafanhotos. Haverá em tudo isso apenas um interesse erudito? Pensai assim, se quiserdes, e vos qualificai de estúpidos por assim pensardes. E, enquanto isso me deixai informar que mais de vinte milhões de chineses estão morrendo de fome;25 que dezenas de milhares de agricultores ianques, canadenses e sulamericanos estão arruinados em conseqüência duma seca; que durante os últimos cinco anos a Europa teve um inverno que foi um gesto de adeus da era glacial, matando milhares de pessoas da Espanha à Finlândia, num prolongado período de frio que deixou a perder de vista todas as recordações contidas na história escrita; e que quase não se passa um ano, naquele continente, sem devastação causada por chuva e inundação, que desmoralizam ou destruem totalmente mais pessoas que as que já viveram, em qualquer tempo, na Grécia antiga. Digamos doutra maneira. Sir Arthur Keith calculou, cuidadosamente, o provável número máximo de pessoas que poderiam viver no mundo sem a agricultura. Notareis que era a situação há 15 mil anos. Todo mundo vivia com o que havia a mão e morria se nada havia a mão. Ora, parece que não mais que 15 milhões ou 20 milhões de pessoas poderiam subsistir sem o arado e sem a adubação. Não é significativo que, mesmo hoje, contemplemos uma multidão tão vasta como a que regularmente morre de fome ou de sede, ou de moléstias e aflições produzidas pelas variações do clima pós-glacial, que também regulam os naturais abastecimentos de gêneros alimentícios? Essa zona fronteiriça da humanidade preserva, pra nós, o panorama dos milênios anteriores. A luta 25
O autor se refere ao ano de 1932, quando foi escrito este livro. Nota do tradutor
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pela existência não foi principalmente o combate contra os animais selvagens ou contra humanos. Foi contra o clima, que dá e rouba o pão e a água. O que tem isso a ver com o aparecimento da estupidez? Antes de tudo, num clima de traiçoeiras variações de calor e de frio, de inundações e de secas, como o que toda a Europa e a metade da Ásia tiveram durante dezenas de milhares de anos, se não durante a maior parte do último milhão de anos, que espécie de ser humano tinha a melhor chance de sobreviver? Naturalmente, uma criatura que, em contraste conosco, tinha a pele dum rinoceronte, o estômago dum porco e a resistência dum búfalo. Sem aflição, dormia em qualquer parte, sob uma gelada chuva de outono. Sem um tablete de soda, comia raízes e considerava os tubérculos um luxo raro nos meses de inverno. Pulgas, piolhos e mosquitos podem o ter aborrecido mas não puderam vencer. Bebeu água enlameada, depois que os bisões abandonaram o poço. Comeu carne podre, que os lobos não puderam tragar. E, em casos extremos, devorou os próprios pais, indiferente a suas moléstias, durante as grandes fomes. Um rijo freguês. Não? Numa palavra, era enormemente insensível a mil-e-um estímulos que têm grande valor pra vós e pra mim. Mas essa própria insensibilidade é o começo da carreira do homem como gênio estúpido. Pois o que não sentimos fica fora de nossa cogitação. E o que deixamos de considerar constitui a medida de nossa final estupidez, como demonstraremos em breve. Assim, somos levados a nossa primeira descoberta dolorosa. Os poderes de resistência com que nossos ancestrais atravessaram o rude meio milhão de anos que passou contribuíram muito à estupidez e à inteligência tarda geral da raça. O bem de ontem se tornou o mal de hoje. Em certo sentido, tudo isso é um corolário óbvio da visão que o biólogo tem da vida. Somente, acontece ser uma visão que ninguém parece ter tido. Suas ramificações fazem caminho através da sociedade moderna. Considerai, por um momento, sua ação sobre a evolução de todas as altas ordens de inteligência que resultam na ciência e na técnica. Enquanto não aprendeu a lavrar o solo e a esperar a colheita, nossos ancestrais não puderam permanecer, em segurança, num só lugar. Tiveram de vagar, sempre no rastro do alimento. Então não estabelecerem centro de cultura e de tradição, escola, culto, cidade, biblioteca: Nada que concentrasse e preservasse a essência da experiência de cada homem pra benefício dos que deveriam vir depois. Assim, sua sabedoria morreu com eles e qualquer progresso, em nosso sentido, era impossível. Pois o mecanismo dos fatos estava além da compreensão do nômade. Em grande parte, pois, cada geração começava do começo e terminava exatamente onde a geração precedente terminara. Assim, a procriação dos insensíveis foi intensificada durante ao menos 400 mil ou 450 mil anos. Os que apanhavam resfriado, possuíam nervo, não podiam digerir carne podre, não podiam caçar um touro bravio ou suportar uma tempestade de areia foram logo esmagados. E o que admira é que os sobreviventes eventuais se elevassem acima dos símios que povoavam as árvores. Embora não tenhamos meio de provar, não estaremos muito errados admitindo que a primitiva medicina só chegou a ser útil quando a humanidade começou a se estabelecer em cidade, pois a medicina repousa, firmemente, sobre casos clínicos bem estudados. Isso é tão verdadeiro pros xamãs e pros bruxos como pro corpo médico do mais recente hospital metropolitano. Os preventivos, remédios, emplastros e encantações que o homem de Raidelbergue pode ter usado eram, pois, tal mistura de observação errônea, inferência falha, conjectura sem fundamento e de simples má-compreensão, que mal podem ter modificado o tipo físico de herança. Mesmo hoje, ao menos 1.500.000.000 de pessoas chegam à idade adulta apesar dos médicos, em vez de graças aos médicos. As práticas médicas que prevalecem através da Ásia, da África e de certos tratos da Europa
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e da América certamente não prolongam a vida, exceto a dos médicos, que recebem grandes honorários dos herdeiros de suas vítimas. Chegamos, assim, a um novo aspecto do homem primitivo, ou seja, o efeito que a brevidade da vida teve sobre seu pobre pensamento. Sabemos que a duração da vida, entre os selvagens, é de dolorosa brevidade. Mesmo os chineses, que estão muito acima dos mais adiantados homens primitivos, vivem hoje três gerações pra duas nossas. Em muitas tribos um homem é considerado muito velho e digno de veneração especial se passou de 40 anos. Durante a primeira guerra mundial os médicos ingleses descobriram, espantados, que o inglês médio, no distrito de Manchéster, estava, fisiologicamente, também nos 40! A média de idade, na ocasião da morte, em Eua, de acordo com as cifras das seguradoras pra 1920, era 63 anos. Mas um recenseador do ano -15.000 teria, provavelmente, notado que dois terços das pessoas morriam na infância, metade dos sobreviventes desaparecia nos 20 anos ou antes e a fração mais forte perecia, em grande parte, nos 30. Não há razão pra supor que o homem primitivo vivesse mais tempo que seu primo em primeiro grau, o gorila.
*** Nos coloquemos num ponto de vista um tanto diferente. Consideremos o pecado original cuma bússola na mão. Consideremos as diferenças entre os homens do norte e os do sul durante esses milênios de flutuação glacial. O frio polar não invadiu os trópicos, não fez mais que supeditar26 uma temperatura agradável a seus extremos, durante o período que estudamos. Assim, uma cena diferente surge na pré-história do homem tropical. Até onde podemos conjeturar sobre ela? Nossa pesquisa estará condenada ao fracasso, a menos que mantenhamos claramente, diante de nós, alguns fatos essenciais. O primeiro desses fatos é que o aborígine não era criança nem estúpido, como muita gente supõe. O segundo é que as variações dos tipos humanos, especialmente sob o aspecto mental, devem ter sido muito grandes, dezenas de milhares de anos antes d a cultura do vale do Nilo assumir forma definida. O terceiro é que, já que muitos grupos primitivos eram pouco mais do que famílias grandes, a endogamia era uma necessidade e que, mesmo quando, milhares de anos depois, a exogamia surgiu aqui e ali, muitas vezes conduziu apenas a uma endogamia diluída, pois ao fim dum intervalo de dez gerações o sangue de todas as correntes do clã estava completamente misturado. O quarto fato é que, sempre que, por acaso, nascia um indivíduo mentalmente superior, as dificuldades que se opunham ao pleno desenvolvimento de sua capacidade eram enormes e, por outro lado, suas oportunidades estavam limitadas a atos ligados às necessidades da vida, de modo que seu pensamento devia ocupar-se com coisas imediatas, como encontrar alimento, vencer um inimigo, escapar às tempestades, e assim a diante. Se tivesse podido fazer o recenseamento dos 10 milhões ou mais de cidadãos da média idade da pedra, os recenseadores provavelmente notariam os seguintes fatos: ● 1 - Havia gênios naqueles dias. ● 2 - Mas nenhum deles, em 50 mil, encontrava oportunidade pra demonstrar sua habilidade. ● 3 - Havia imbecis e estúpidos, também, mas ninguém os chamava por esses nomes. ● 4 - Havia homens fracos e fortes, hábeis e tardos, sonhadores e práticos. Mas essas características tiveram pouca oportunidade de se tornar agudas e fortes através de anos de prática. Assim, um ao outro, todos esses indivíduos realmente diferentes se pareciam muito mais do que atualmente. 26
Supeditar - vt Fornecer, ministrar. Nota do digitalizador.
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● 5 - As sensibilidades primárias do homem comum eram excessivamente agudas, como a memória visual, auditiva e olfativa, pois era em torno dessas coisas que girava a vida cotidiana. ● 6 - A resistência do homem comum a certos estados físicos, como ficar sem comer e sem beber, não dormir, se restabelecer duma ferida, era enorme. ● 7 - Nas regiões vizinhas aos gelo polar a condição de vida era severa. Ali, portanto, somente os mais rudes e menos sensíveis sobreviveram. Mas, no sul, a não ser nos desertos e nas florestas equatoriais, a vida era muito fácil, e, portanto, as mentes e os corpos inferiores ali conseguiram sobreviver e proliferar, juntamente com os superiores. ● 8 - Portanto, a média física e mental das tribos do norte ultrapassava a das tribos do sul e o desvio da média era muito menor no norte que no sul: Noutras palavras, o primitivo chefe escandinavo se parecia muito mais com seus subordinados que os reis dantes dos faraós com seus escravos. ● 9 - Nossos recenseadores notaram essa verdade em -200.000: Somente as tribos tropicais e sub-tropicais tinham, então, escravos e possuíam um sistema de casta social altamente diferenciado. As tribos do norte se pareciam a grupos de famílias, não possuíam senso de casta e, se, por acaso, pudessem ter tido tal pensamento, teriam concordado em que todos os homens nascem livres e iguais. ● 10 - Entre as tribos das zonas tropicais os imbecis e os estúpidos eram, em geral, forçados a fazer os trabalhos desagradáveis pros espertos. Portanto, sua parte não era invejável mas sempre era melhor que morrer. E essa era a alternativa, tanto no sul como no norte. No norte nem tiveram a oportunidade de fazer os trabalhos penosos, pois morreram muito cedo em virtude de sua própria estupidez. ● 11 - Graças ao clima favorável e ao abastecimento alimentar a média de duração da vida, nas terras do sul, era um tanto mais elevada que no norte. A diferença não era, porém, muito grande em anos, pois a média do norte era elevada pela têmpera superior das tribos, ao passo que a média do sul era, dalgum modo, diminuída pelo grande número de indivíduos fisicamente inferiores. Mesmo assim a diferença era bastante pra desenvolver, no sul, um grupo de idade influente, constituído pelos mais velhos, que, simplesmente por causa de sua mais longa e mais rica experiência, podiam controlar, guiar e melhorar os jovens, muito mais eficientemente do que se fazia no norte. Provavelmente dez vezes tantos indivíduos das classes superiores passaram, a idade dos 35 no sul quanto no norte. E isto significa o começo da sabedoria organizada, a organização das memórias tribais, os monumentos, as inscrições, as fórmulas, os rituais, as receitas, os mandamentos e a linguagem escrita. ● 12 - No sul os homens sentiam rapidamente as diferenças de intelecto e de esperteza em geral. Se casavam mais ou menos dentro das linhas de classe. Assim, praticando a endogamia através das idades, as peculiaridades físicas e mentais de cada classe tenderam à fusão num tipo humano adaptado à espécie de vida de que se desenvolvera. Nossos recenseadores do ano -200.000 encontraram os primeiros sinais claros desse fato no sacerdócio primitivo, por meio do qual os velhos das tribos do sul conseguiram seu domínio. ● 13 - No sul, também, quanto mais um homem vivia, tanto mais riqueza acumulava, qualquer fosse o nível social. E, quanto mais esperto, tanto mais rico se tornava. Isso trouxe todas as vantagens aos velhos astutos. E incorporaram essas vantagens aos costumes formais de suas tribos. Por decreto religioso, tinham direito às melhores mulheres e aos melhores alimentos e prioridade em todas as outras coisas. Assim, no sul, o governo tribal se tornou, em grande parte, econômico. No norte, era antes uma questão de habilidade pessoal e de bravura em combate. ● 14 - Os velhos ricos, no sul, sempre estavam prontos a contratar os serviços dos
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jovens de rara capacidade, sempre que os encontrassem entre os indivíduos comuns. Assim, os cérebros da comunidade já estavam subindo na escala econômica no ano 200.000. As classes inferiores estavam perdendo seus melhores elementos em benefício das classes superiores. E, assim, as diferenças intelectuais entre as classes superiores e inferiores se desenvolviam, a princípio imperceptivelmente, depois mais depressa. No norte, entretanto, o processo era muito mais vagaroso, pois a riqueza, mesmo na forma primitiva, não se acumulou ali. Os homens viviam da mão à boca. ● 15 - No sul muitas pandemias mantiveram as classes trabalhadoras em sujeição, com incrível crueldade. Malária, ancilostomíase, tifo, reumatismo e um número desconhecido doutras moléstias devem ter prevalecido nas regiões tropicais e subtropicais tanto quanto hoje. E é muito provável que moléstias desconhecidas pra nós, modernos, tenham ceifado a humanidade antiga tanto quanto a influenza reduziu a colheita humana. Tudo isso e mais os insetos portadores de peste, a água impotável, o calor e a umidade, degradaram a todos, exceto uma pequena classe superior. A rápida gestação de criaturas destinadas a uma vida curta era a regra. Era, assim, baixa a eficiência do trabalhador individual. ● 16 - Quando esses milênios passaram ocorreram tremendas modificações climáticas. As regiões férteis secaram e se transformaram em desertos, o gelo refluiu e abriu vasta extensão de terra arável, a água fluvial subiu e formaram gigantescos pântanos, enquanto novas gotas dágua gelada produziram excelentes campos de pastagem onde antes havia deserto. Mas, durante a maior parte desse tempo, o equador continuou a ser o equador, os trópicos continuaram a ser os trópicos. As zonas temperada do norte e sub-tropical do norte é que experimentaram as mais importantes modificações. Ali se processaram as migrações das tribos, ali o processo de seleção natural atingiu o máximo. As massas tropicais, em geral, continuaram a degradação. Os povos da zona temperada eram criados ao acaso, vagarosamente, mas com firmeza. Com a marcha do gelo ao sul certos habitantes superiores do norte avançaram ao meiodia, ocuparam as melhores terras, escravizaram os nativos ao menos até fazer com que os sustentassem e estabeleceram aldeias tribais nos vales dos rios. Durante cada período de conquista alguns nativos mais capazes encontraram oportunidade pra melhorar a situação, se aliando a seus novos senhores. Então, provavelmente, resultou que os nativos fossem despojados de seu sangue mais delicado e assim afundaram, cada vez mais, no embrutecimento do trabalho penosos, da moléstias e do vício de beber.
*** Saltemos até nossa Idade da Máquina e corramos ao ano -15.000, ou quando quer que o homem começou a lavrar o solo, tornando, destarte, possível um aumento estupendo na população do mundo e uma nova ordem de estabilidade social. No intervalo dalguns milhares de anos, um simples momento da história, quantas revoluções! O arado! O cavalo e o cão domesticados! Instrumento pra cortar madeira e bater metal! A roda! Muralha pra proteger a tribo contra os animais bravios e adversários humanos! Canal de irrigação! Canoa, barco a remo, barco a vela! Relativamente a seu mundo o homem neolítico deve ser classificado como o maior de todos os inventores, não menos que como o mais agressivo de todos os organizadores e de todos os autores. Além de tudo, fez algo que pôs a humanidade fora de compasso e que ainda ameaça nossa raça. Começou a modificar todo o ambiente do homem mais depressa que o homem se pode ajustar a cada modificação. Por ironia do destino aperfeiçoou, complicou e comunicou tanta energia às coisas que elas ficaram muito além da sensibilidade de todos, salvo um pequeno número de individualidade superior. Conquistando a natureza, o homem a perdeu. 47
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Pra avaliar toda a força dessa tragédia devemos lançar um olhar sobre a mentalidade do homem comum no começo da revolução agrícola. Era um selvagem de pele áspera, nervos tardos, laborioso e sem imaginação, que chegou à flor da idade nos fim da adolescência e morreu justamente quando começava a vislumbrar o significado da vida. Noutras palavras, durante meio milhão de anos o homem típico tinha, no máximo, uma mente de criança e uma concepção juvenil da vida. Sendo, em geral, mal-alimentado, seu modo de ação se aproximava ao dum adolescente subnutrido. Procurai analisar o que está implícito nessa afirmação e, assim, chegareis ao pecado original. Nesta Breve introdução, iniciaremos o estudo numa série de capítulo. Muitas descobertas serão truísmos aos sábios e contra-sensos incômodos aos demais. Veremos que as massas que vivem atualmente são descendentes, em linha reta, desses povos préhistóricos; que, como um rebanho, temos praticado a endogamia durante milhares de gerações; que têm, continuamente, perdido seus poucos membros superiores em benefício de classes e de climas mais favorecidos; que suas peculiares tolices invadem quase todos os campos de atividade, desde os órgãos dos sentidos até os centros intelectuais; que, embora sua visão, seu olfato e outros sentidos sejam inferiores, suas mais altas capacidades integrativas de abarcar tempo e espaço são incrivelmente débeis, algumas vezes descendo até zero, como entre muitos índios americanos; que todos os apetites dominam essas funções de reflexão, causando infinitos pensamentos estúpidos; que, por conseqüência, seus indivíduos não podem dirigir a si mesmos, exceto em níveis inferiores de conduta; que, como suas percepções não são nítidas, caem nas muitas espécies de estupidez devidas à intrusão de fantasia nos fatos; que, em resultado do pensamento estúpido, dum lado, e do predomínio dos desejos animais, doutro, se voltam à magia, à astrologia, à quiromancia, aos clarividentes, aos feiticeiros, aos símbolos, aos presságios, aos portentos e ao ritual que os acompanha; e que, finalmente, nas horas de calma como nos momentos de pesar, tendem a afundar no devaneio e a se debruçar sobre seu próprio ego, fugindo da realidade ingovernável que está fora de sua pele.
Vagabundo Muito se disse sobre as oportunidades dos homens capazes, no tempo dos grandes movimentos de povos. Os bens gelados do velho lar não degelarão sob a quente ambição do jovem aspirante: Tudo está estabelecido, possuído, cristalizado. Mas se parte ao deserto encontra oportunidade na vida. Quando todas as coisas estão instáveis os mais espertos se sentem em casa. Há nisso muita verdade. Entretanto, deixa no escuro outra muito maior. Observamos súbitas ascensões à fama e fortuna. Brilham como meteoro e, na escuridão de nosso semi-conhecimento, iluminam nosso céu. Mesmo assim são, relativamente ao que acontece às massas de pioneiro, somente uma rodilha na pirotecnia do progresso. A meia dúzia de construtores de império que plantaram nossas ferrovias transcontinentais deu aos menestréis motivo pra canção. Mas os milhões de indivíduos que vagaram, em dezenas de milhares de aldeias, procurando uma vida melhor, aonde foram? Qual é sua fama? Onde está sua fortuna? Cecil Rhodes ainda inflama a imaginação dos jovens sonhadores mas olhai os poeirentos currais27 e as chamejantes planícies da África do Sul da maré humana, de que Rhodes foi somente a onda maior e mais avançada. Não. Se aceitarmos todos os fatos, e não apenas os casos dramáticos, seremos forçados a inferir 27
No original kraal - Aldeia cercada (também craal ou kraul). Palavra vinda do africânder e adotada pelo inglês sul-africano. Um cercado pra gado ou outra criação, situado num domicílio africano ou aldeia cercada por uma paliçada, parede de barro ou outra cerca, em forma circular. No idioma holandês uma aldeia cercada é um termo derivado do português curral, cognato com o curral espanhol, adaptado pelo inglês. Nota do digitalizador. Extraído de http://en.wikipedia.org/wiki/Kraal
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que, pra cada homem arrojado e brilhante que lucra com a vagabundagem, toda uma cidade de pessoas comuns encontra as carreiras comuns de sua espécie. Alguns tiveram sucesso, outros morreram na margem, mas muitos deixaram de melhorar sua parte. Isso tem muito a ver com nosso assunto. No tempo antigo, e em muitas partes do mundo, mesmo agora, as forças que expulsam os homens do lar a novas terras tendem a perpetuar e a aumentar o rebanho dos estúpidos. Nas grandes migrações os estúpidos têm uma grande vantagem sobre os astutos, ao menos sob um aspecto, que às vezes é decisivo. Uma modificação radical no ambiente se reflete tanto sobre a mente como sobre o corpo. Todo hábito é minado, um trejeito cruel, no melhor dos casos, ou fatal, no pior. À medida que a migração normal passa das áreas mais densamente povoadas às de menor densidade populacional, o emigrante típico flutua entre a cidade ou a aldeia e o deserto, da vida doméstica ao acampamento ou à cabana, do convívio dos amigos ao meio dos adversários ou à solidão povoada de uivos de lobo. Altera o sono, alimentação, horas de fadiga e seus próprios movimentos durante o trabalho cotidiano. Muitas vezes deve aprender uma língua e costumes estranhos de etiqueta, dinheiro e negócio. Ora, uma pessoa de alta sensibilidade sofrerá mais que um estúpido sob tais reajustes (o emocionalmente instável, provavelmente, sofrerá mais que todos, mas o ignoramos aqui), pois sente mais profundamente o choque. A história dos imigrantes ingleses no Canadá o demonstrou bem. As grandes planícies entre Uinipegue e Cálgari foram a ruína de muitos homens e mulheres ambiciosos de Londres e de Liverpul. Assim também, nas primitivas gerações, as terras do sul eram um grande cemitério de pioneiros muito delicados, refinados e cultos pra escalar os baluartes dum continente selvagem. Onde quer que tenha ido o homem branco, sempre deixou uma quota de indivíduo superior como sacrifício vivo aos deuses do progresso. Na trilha solitária morreram em cabanas infectas, sob alude de neve ou entre as fauces de grandes animais. Mas os homens de pele grossa, de maxilares de ferro, de mãos pesadas, e os homens da enxada foram a diante. Nem todos os sobreviventes eram estúpidos, longe disso. Mas os estúpidos tinham maior probabilidade que muitos tipos superiores de humanidade. O homem estúpido, em geral, se satisfaz mais facilmente. Portanto permanecerá onde seus irmãos mais astutos desdenham ficar. Também parará no primeiro local que considerar tolerável, enquanto os mais presumidos, os mais ambiciosos e os mais enérgicos continuarão a marchar aos mais remotos países de sonho. Todo estudioso dos pioneiros americanos conhece perfeitamente esse fato, que pode ser observado em todo o continente mas nunca tão vividamente como nos vales perdidos do sul dos Apalaches, cujo silêncio mal foi quebrado pela buzina dos automóveis. Lançai um olhar à gente do buraco das montanhas Azuis. O nome lhes vem dos vales isolados onde habitam. Mas a expressão descreve, por um acidente feliz, sua mente: São buracos vivos, com a visão de Polifemo. Nem todos os oculistas da cristandade lhes podem arranjar óculos que lhes mostrem as profundidades e as distâncias de nosso mundo. Pois são todos rebento de uniões endógamas entre machos e fêmeas que ali vagaram, muito antes da revolução americana. Escória de escoceses e de ingleses, se estabeleceram no primeiro vale quente e agradável que encontraram, cortado de regato e povoado de animal emplumado. O frio do inverno era breve e sem crueldade. Por que deixar, pois, uma região tão boa? É razoável admitir que vez-e-outra nasceu uma criança mais vivaz no buraco, que se não contentava cuma vida que era pouco mais que comer, dormir, pescar, caçar e se sentar pruma conversa em volta do fogo. Um dia não foi mais visto na redondeza mas todos seus parentes de cérebro obtuso permaneceram e em breve se esqueceram até mesmo de sua existência. O mesmo aconteceu durante cerca de cinco gerações. E quem
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mora, atualmente, no buraco? Deixemos que doutor Mandel Sherman diga. Como diretor do centro de pesquisa infantil, de Uóchintão, estudou algum tempo esses povos perdidos da Virgínia. Das cinco comunidades estudadas, a inferior, do ponto de vista da cultural, não tinha meio de comunicação, atividade social, esporte, diversão nem mala postal. Numa geração nenhuma pessoa esteve na escola mais de dois anos. E a correspondência da comunidade era feita pelo filho do sacerdote, que, único entre todos, aprendera a grande arte de escrever. O segundo grupo estava em melhor situação quanto às amenidades da vida: Possuía dois fonógrafos e roupa domingueira pros dias de festa. Na terceira comunidade havia um telefone e uma loja cujo negócio estava orçado no valor de 12 dólares, que vendia tabaco e panela. E a civilização das montanhas Azuis alcançava o ápice na comunidade número 5, com boas estradas de rodagem, mala postal, uma escola, uma igreja e uma organização distrital dirigida por inteligentes pequenos fazendeiros. No curso das observações os investigadores descobriram, naturalmente, uma terrível ignorância nos lares mais atrasados. As crianças não sabiam se vestir, jogar bola nem sabiam a idade que tinham. Preles um quarto de milha e uma milha eram simplesmente acolá.28 As distâncias e as medidas os perturbavam. E os investigadores os viram falhar, lamentavelmente, em testes de absurdo reservados a crianças de dez anos. À afirmação, Um homem disse: Conheço a estrada de minha casa à cidade, sempre na colina até a cidade e sempre na colina de volta à casa um rapaz de 15 anos respondeu: Alguém teve de lhe ensinar a estrada. À afirmação Houve ontem um acidente ferroviário, mas não muito sério, pois morreram somente 18 pessoas a resposta foi Ele não devia os ter matado. Antes da primeira guerra mundial sempre se podia encontrar certo número de indivíduos superiores nessa solidão mas não mais hoje. Discuti a transformação com médicos que conhecem o território e notei que nenhum dos brancos pobres mais inteligentes ou mais ambiciosos regressou ao pago nativo depois de experimentar uma vida mais ampla nos acampamentos do exército e na linha de frente. Agora, a região dos Apalaches é uma desolação. Esse quadro pode ser observado em todo o mundo, com pequenas variantes. Assim vivem centenas de milhões de personalidades inferiores. Assim, durante toda a carreira de nossa raça, bilhões de indivíduos viveram, procriaram e estabeleceram costumes simples. Seria temerário dizer que talvez um décimo da horda do mundo, em nossa própria idade, tem parentesco com a gente do buraco? Acho que não. Certamente a metade da Ásia e da África tem, o que liquida a questão. Eis o efeito de todas as vagabundagens, desde que o homem, em primeira vez, deu as costas à terra natal. Como o solo escavado por um rio caudaloso caminhando das montanhas ao mar, a aluvião humana mais pesada e mais grosseira chega ao fundo mais depressa, enquanto a mais delicada é levada mais longe. Encontrai os grandes centros originais de migração em massa, portanto, e podereis medir o coeficiente de estupidez em termos de distância e de facilidade de movimento em relação a esses pontos. Ilustraremos essa lei. A Ásia Central, alguma vez fértil e populosa, se elevou ao céu até que os extremos meridionais se tornaram as mais altas cordilheiras e afastaram as chuvas da Índia. O alimento se tornou escasso, de modo que as famílias tiveram de emigrar ou de morrer de fome. Durante milhares de anos, quando a seca se estendeu numa área maior que a América do Norte, homens descarnados vagaram em todas as direções. Os que seguiram 28
1 milha = 1,609km. 0,25 milha = 0,40225km. Nota do digitalizador.
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ao norte pereceram miseravelmente. Muitos dos que seguiram a leste e sudeste encontraram lugares agradáveis, vales fluviais e profundas florestas, onde permaneceram algum tempo. Alguns dos mais arrojados avançaram ao sul, às elevações geladas do Tibete, e outros conseguiram escalar o horrível Himalaia, andando a apalpadela, tropeçando, suando, num esforço constante, até que vissem, lá no alto, o vale de Caxemira. Doravante a jornada foi fácil. Os arianos se tornaram os senhores da Índia setentrional. Esses sobreviventes deviam ter a cabeça dura e a mão pesada. Outros vagabundos seguiram a oeste e sudoeste e, nos primeiros milênios, parecem haver encontrado o leite e o mel. Mas a seca os expulsou. Seguiram mais a oeste e a sudoeste. Assim, sempre houve uma fronteira de pioneiros poderosos, arrojados, engenhosos e, em geral, competentes nalgum círculo concêntrico a um ponto onde a estepe quirguiz se encontram com a Mongólia. De que modo essa fronteira flutuou, de era a era, ninguém sabe. Mas sabemos que flutuou com a areia do deserto. À proporção que a areia avançava os pioneiros recuavam, sempre deixando atrás os estúpidos e os inertes. Os lares mais ricos estavam sempre além do alcance da seca e até lá seguiram os indivíduos superiores. Se pode marcar seu último habitáculo num mapa moderno da Europa e da Ásia, riscando um longo arco desde o mar Egeu ao oeste, até Xangai, China, passando a curva aproximadamente por Gualior, norte da Índia. De cada lado desse arco estará uma zona de 160km ou 300km de largura, e ali estará a fronteira dos indivíduos superiores. As zonas sucessivas ao norte contêm um tipo inferior de humanidade até o círculo ártico, onde, pra todos os fins práticos, se chega a zero, não somente em temperatura como em quociente de inteligência. Bem entendido, esse pequeno desenho geométrico esquematiza o estado e o local durante os milênios imediatamente anteriores ao nascimento da moderna civilização ocidental. O arco é, podemos dizer, algo assim como a linha mediana de 4 mil ou 5 mil anos. Dentro desse período os homens brancos começavam a marchar sobre as montanhas da Índia, os brancos montanheses da Suméria ainda não haviam lançado suas grandes ofensivas contra os simples nômades semitas da Arábia e os ancestrais de nosso amigo Ulisses ainda se não haviam tornado vagabundos. Neste mesmo largo período os pioneiros do leste haviam erigido o que foi, pro tempo, a mais gloriosa cultura já existente, nas planícies da terra que hoje chamamos China, mas a necessidade ainda não impelira os mais inquietos a desafiar a água traiçoeira do mar Amarelo buscando as ilhas do Sol Nascente. O Japão ainda não existia. Toda essa simples distribuição foi modificada pelo homem moderno e suas invenções. Os espertos estão vagabundeando em todo o mundo, com bilhetes de ida e volta. Os estúpidos estão em toda parte, às vezes reunidos como carneiros e embarcados, sobre os oceanos, pra trabalhar pros espertos, como recentemente em Detróite e Pitesburgo. A regra antiga já não tem valor: À medida que ultrapassamos o tempo e o espaço, Também remexemos os caldeirões cheios de espuma de nossa raça e deles retiramos estranhos peixes. A praga de nossos dias é que já não podemos fugir dos estúpidos. Ide aos pontos mais extremos do mundo e eles estarão em vossa companhia.
Irlanda Os descendentes dessas hordas de famigerados fugitivos que atravessaram a Porta de Ouro durante e depois da selvagem corrida ao ouro gostam de chamar esses imigrantes, pioneiros de cobiça e visão larga. O qualificativo não resiste à análise. A evidência demonstra, em apoio a minha afirmação, que as rápidas correntes migratórias arrastam indivíduos inferiores até o primeiro ponto de parada, onde os despeja. Onde caem, permanecem. Massa inerte que, por seu crescimento, levanta um escolho humano contra as correntes mais vivazes da humanidade. Da Irlanda partiram duas correntes de lama,
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uma rodeando o cabo Hornos até São Francisco e a outra no Atlântico até Nova Iorque e Bóston. Essas três cidades receberam o enxurro e, a contragosto, o guardaram dentro dos muros. Em grande parte em resultado dessa onda de gente, surgiu o Tammany Hall, Bóston se tornou uma triste pilhéria e as classes trabalhadoras de São Francisco têm ainda um padrão de vida inferior ao dos demais ianques. Esses ádvenas29 tornaram ainda mais vil a corrupção política, sempre vil em nosso país. Como seus descendentes estão dispersos em toda a Terra, nos será útil considerar o núcleo original e sua singular estupidez. Se mais nada pudermos lucrar com esse conhecimento, poderemos, ao menos, aprender muito acerca dos motivos e das características dos vagabundos, extirpando, destarte, de nossa mente, uma velha e tola superstição ianque. Os irlandeses foram os últimos elementos da raça branca a permanecer em estado de genuína escravidão, os últimos a se libertarem do jugo.30 Não me refiro a acontecimentos políticos recentes. Me refiro, antes, ao domínio dos grandes proprietários rurais durante muitas gerações, até o século 19. Mesmo os historiadores ingleses, mais ou menos prevenidos contra a Irlanda, declararam que a condição dos camponeses desse triste país não se distinguia da escravidão mesmo nos dias da Liga da Terra, em 1879. Isso será, talvez, demasiado, mas não é possível negar o fato essencial, seja qual for a data da libertação. Sempre, desde a invasão anglo-normanda do século 12, os chefes irlandeses foram turbulentos, assassinos, impiedosos. E a história da Irlanda era pouco mais que a crônica de conspiração, assassínio e traição semelhantes aos que se lêem, nos jornais, dos bandidos de Chicago. Apenas os nomes e as datas são diferentes: em vez de Al Capone, Ruffi e Nizzano, são O'Neill, O'Donnell e Macarthy. A quadrilha de Tyrone dava combate à quadrilha de Donegal. E o emblema nacional era o shillalah (cacete), sob cujos golpes os pequenos camponeses eram moídos até a morte. A tudo isso acrescentai a opressão incrivelmente estúpida dos ingleses, que jamais foi exagerada, nem mesmo pelo mais fanático patriota irlandês. O horror da guerra que a rainha Elizabete moveu contra o rebelde Desmond em 1575 igualam os de Filipe de Espanha em Países Baixos. Os camponeses da Irlanda eram assassinados em massa enquanto os sobreviventes eram despojados de alimento e do lar. O canibalismo voltou à baila. Segundo o testemunho fidedigno de Spenser, Eles [os irlandeses dessa grande fome] pareciam esqueletos de morte: Comiam animais mortos, um após outro, poupando os ossos pra cavar suas próprias sepulturas. Ora, deve haver uma profunda estupidez nos indivíduos que sofrem todas as formas de ultraje de ano a ano. Somente uma natureza de singular insensibilidade poderia subsistir apesar da opressão e da injustiça sofrida pelos antigos irlandeses. As criaturas que reagiam ardentemente ao frio, fome, injúria e cutelo dos thugs e dos exploradores estrangeiros dever ter sido exterminadas rapidamente, deixando somente os resíduos brutais da raça. Em nenhum povo podemos notar mais claramente essa tendência que entre os camponeses da Irlanda, durante os últimos 500 anos. Tomai, por exemplo, sua incrível dedicação à batata, que Raleigh introduziu em 1610. lhes dai crédito e admitis todas as circunstâncias extenuantes. Mesmo assim o fenômeno será quase único na história dos povos. As guerras de Elizabete, é verdade, fizeram com que os irlandeses desistissem das colheitas comuns, pois as plantar era 29
Ádvena - sm sf - Pessoa que chega a um lugar. Quem não é nascido no país. Estranho, forasteiro, adventício. Nota do digitalizador. Extraído de dicionário Kinghost 30 Sempre me chamou a atenção o fato, único no mundo, dos irlandeses ainda estarem divididos entre católicos e protestantes. O cúmulo do arcaísmo. Não me espantaria se propusessem uma cruzada ao oriente contra os infiéis. Até hoje os protestantes comemoram uma vitória contra os católicos no século 15! Nota do digitalizador.
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apenas um convite à pilhagem. Toda a população passou a viver da mão à boca. E já que um homem sozinho podia produzir, com seu suor, batata em quantidade suficiente pra alimentar quarenta bocas, os pobres-diabos se concentravam sobre o tubérculo, que em breve devia demonstrar seu destino. Também, era fácil deixar sob a terra esse produto, dele retirando apenas o necessário pra cada dia. E isso afastava os saqueadores. Ora, desde fim de maio até princípio de setembro não havia batata, pois as velhas reservas estavam esgotadas, devoradas ou apodrecidas sob a terra. O verão era o período chamado meses de comida e, invariavelmente, levava os camponeses às portas da morte por fome, mesmo quando a colheita anterior fora abundante. O que deveriam ter feito os fazendeiros inteligentes? Plantado alguma coisa além de batata, naturalmente. A possibilidade de a guardar contra os thugs poderia ser mínima mas, sem dúvida, valia a pena tentar, já que a alternativa era a fome. E o que deveriam fazer os fazendeiros prudentes, pra evitar futuro desastre? Deveriam ter procurado novas fontes de alimento. E as teriam encontrado, facilmente, nos rios e na água vizinha à costa, pois cardumes de salmão e doutros peixes ali estavam pra serem pescados com linha e rede. Mas o que fizeram os irlandeses? A fome se pronunciou em larga escala e com horrível freqüência no século 18. A primeira vinda em 1739, em conseqüência duma geada invernal que danificou os tubérculos, que apodreceram na chegada da primavera. Desde esse ano até 1880, um intervalo de cerca de 141 anos ou três gerações de camponeses, se verificaram destruição de colheita, total ou parcial, em curtos intervalos, sendo o pior de todos o de 1831 a 1842, quando seis estações de miséria esmagaram o povo irlandês. Certamente, pensará alguém, depois desses terríveis onze anos, os plantadores de batata deveriam usar a inteligência a fim de melhorar a situação. Certamente plantariam, no solo extremamente fértil, outras espécies. Centenas de ingleses e irlandeses inteligentes lhes fizeram solene advertência. O hábito execrável foi largamente condenado. Houve mesmo quem oferecesse peixe aos mais esfaimados irlandeses, apenas pra os ver rejeitar o alimento nutritivo, com desprezo. Todo mundo continuou como antes, plantando batata e morrendo de fome na chegada do verão. Essa não era a maior estupidez. Havia outra pior. Os camponeses procriavam como coelho, não obstante a miséria. Em 1785, depois de várias fomes de diferente intensidade, haviam 2.845.932 irlandeses. Em 1803 havia 5.356.594. Ou seja, quase o dobro, em apenas 18 anos. O horror desse fato chocou os observadores inteligentes e muitas foram as condenações e as advertências durante as primeiras décadas do século 19. Os clérigos e as autoridades locais exortavam os bárbaros miseráveis. O governo, vez-e-outra, aconselhava. E qual foi o resultado? Em 1845 haviam 8.295.061 irlandeses, dos quais quase todos viviam de batata! Os coelhos esconderam a cabeça, de pura vergonha. E então sucedeu o inevitável. Foi o ano do juízo. A colheita falhou quase completamente. As criaturas morriam como mosca. Numa ocasião o governo estava alimentando 3 milhões de vítimas, entre as quais quase 300 mil finalmente pereceram. Os sobreviventes foram deportados mas se encontrou um nome mais agradável pro ato: Fazer a América. Dissemos bastante! Quem quer que deseje escrever a história dos celtas irlandeses, o pode fazer nessa monotonia de miséria. A tarefa não me atrai. Terei conseguido meus objetivo se esses fatos esclarecem a existência de estúpidos vagabundos nas migrações modernas. Seria vão imaginar que as novas partes do mundo são povoadas pelos mais delicados pioneiros. Pra ser justo com Jorge Bernardo Shaw e outros irlandeses de seu tipo, acrescentemos uma nota. O celta primitivo é o ciclope deste capítulo. Mas há muita
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gente que se considera irlandês tendo pouco ou nenhum veneno céltico nas veias. Gordon Wasson, que fez um estudo cuidadoso dos antepassados de todos os irlandeses ilustres dos últimos anos, como de muitas das gerações anteriores, me disse que todos os homens que se distinguem do rebanho têm pouco ou nenhum sangue céltico nas veias. Todos são, principalmente, de origem inglesa ou escocesa. Alguns que se vangloriam, em alta voz, de seu sangue irlandês, são os que menos o possuem. E os mais brilhantes são todos guarnição da Irlanda, isto é, descendentes dos ingleses que, em vários períodos da história, foram enviados pra dirigir o negócio da Irlanda e viveram na pequena colônia de Dublim, tão longe quanto possível dos irlandeses nativos. Declarações semelhantes me foram feitas por vários estudiosos ingleses do problema. Parecem razoáveis. Na Irlanda, como na Espanha, que estudaremos em breve, os primitivos selvagens procriaram excelentes híbridos quando cruzaram com raças superiores. A mistura de estirpes liberta a energia, anteriormente contida, da mente e do corpo. A estupidez, em suma, é, aparentemente, o resultado de certos traços biológicos, que são as recessivas de Mendel. Sua subjugação se dá ou por nova combinação, que faça com que as recessivas superiores aflorem, ou pela subordinação e neutralização por novos dominantes. Algum dia um biólogo devotará atenção às questões surgidas dessa situação.
Calor Nenhuma instituição humana conseguiu subsistir num clima ao qual não estivesse originariamente adaptada. A temperatura sempre triunfou sobre a religião, sistema matrimonial, regra econômica, ética e tudo mais. É por motivos tão simples que não haverá quem não os entenda, à primeira vista. O clima é o ambiente. Mas é muito mais que o simples ambiente. É, também, o regulador do fluxo energético humano, tanto físico quanto mental. Age de dentro a fora e de fora a dentro. Age quando dormimos, trabalhamos, nos divertimos. Sendo uma constante, sempre foi esquecido e negligenciado. Em relação ao clima, nosso comportamento parece o dum pequeno peixe em relação ao oceano onde vive. Nenhum peixe, ao menos que se saiba, avalia o quanto deve ao oceano. Num grau que muitos biologistas e muitas seguradoras parecem esquecer em suas observações, o clima, direta e indiretamente, determina a saúde e a duração da vida das massas humanas, e continuará a o fazer, até que o homem aprenda a governar o tempo. O clima determina o número de bactéria e de inseto, assim como a virulência. Determina a fertilidade do solo e, portanto, as espécies de alimento que o homem deve comer. Determina, mesmo, e não em pequena proporção, o apetite do homem por alimento e bebida, assim como a quantidade que digere e deglute. Determina a quantidade e a espécie de esforço que o homem deve fazer num dia de trabalho. E determina seu modo de ação, numa série de maneira. Assim, separar o estudo dos tipos humanos de comportamento do estudo do clima seria o mesmo que assistir Hamileto sem o desempenho do artista que representasse Hamileto. O sol estupefaz os homens de maneira singular. O calor e a luz, simplesmente, contribuem pouco pro mal, a despeito de certas opiniões eruditas em contrário. Em duas regiões, ao menos, a raça branca suportou grande calor e deslumbrante luz durante tempo suficientemente longo pra demonstrar que não se trata dum sério deprimente mental. Na Qüinslândia, Austrália, e no vale de São Joaquim, Califórnia, a terceira geração de habitante não mostra alteração marcada que se possa atribuir à insolação. No pior dos casos há somente ligeira diminuição da atividade geral, em conseqüência de dois efeitos aparentemente contraditórios do calor. Em quartos de dormir com
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temperatura superior a 21ºC, pouca gente consegue dormir mais de cinco horas de cada vez. Ao mesmo tempo o calor dilata os vasos sanguíneos superficiais, destarte retirando sangue do cérebro. Isso traz a modorra e retarda as operações mentais. Assim, a tendência é fazer a sesta. Isso é inevitável. Ora, não se pode negar que esse retardamento da cerebração constitua uma espécie peculiar de estupidez mas parece ser mais séria do que realmente é, exceto quando agravada por outros fatores extra-calor. O homem branco, sob o calor, pode pensar tão bem quanto sob o frio mas leva mais tempo ou, então, deve ser mais poderosamente excitado. O mal é que as terras quentes onde vão viver são férteis, a existência ali é fácil e a pobreza pode ser evitada com pequeno esforço, de modo que há pouco incentivo ao pensamento rápido e resoluto. Em suma, são as influências indiretas do sol que nos estupefazem. No curso dos séculos, sem dúvida, os astutos perdem todas as vantagens sobre os estúpidos, numa terra soalheira e fértil. Como os companheiros de Ulisses entre os comedores de trevo, o astuto experimenta o alimento e se torna um dos estúpidos. Somente os homens excessivamente brilhantes desdenham esse modo de ação. E, como são um pra um milhão, sua dinastia permanece pequena. Considerai a distribuição comum de classes em velhas e populosas terras tropicais. O círculo superior de capacidade e de poder não é muito menor em relação aos círculos médio e inferior? Não é menor, com efeito, que nas terras mais frias? Uma rápida visão da Índia, da África e da América do Sul o indica. A seleção natural degrada o homem, nos países quentes. De modo que, embora o calor e a luz, como simples estímulos, não possam minar a inteligência, seus efeitos cumulativos econômico-sociais o fazem. Hipócrates, em seu tratado Sobre os ares, as águas e os lugares, notou: Os habitantes da Ásia são conhecidos por sua disposição igual e gentil. Essas qualidades estão de acordo com a uniformidade e a amenidade do clima asiático. Pra desenvolver o vigor e a bravura é necessário um clima que excite a mente, que perturbe o temperamento e que exija bravura e rude trabalho. A essa larga observação os investigadores modernos pouco acrescentaram mais que detalhes confirmatórios mas trouxeram à luz fatos surpreendentes acerca doutro fator, ainda mais malfazejo, do clima, a umidade. Um dos inimigos mortíferos de Ulisses.
Umidade A umidade, principalmente nas terras quentes, causa tanta estupidez quanto qualquer outra influência. Rivaliza com o ancilóstomo e, se meus cálculos não são muito inexatos, lhe dá distância. Vede, antes de tudo, o que está provado pelos cientistas.31 A resistência humana ultrapassa o limite quando a temperatura do ar se eleva e permanece a 32ºC, com 100% de umidade. Mesmo que o homem não trabalhe não pode viver continuamente nessa umidade. Perde peso com rapidez e quanto mais gordo mais rapidamente perde. Sofre muito mais do que se fosse exposto a um calor muito maior durante poucas horas. E o sofrimento parece ter relação com a pulsação32 Em geral, o esforço se torna intolerável quando a pulsação chega a 160 por minuto. Isto esclarece a estatística de suicídio: Os dias mais quentes do verão, regularmente, trazem um súbito 31
Francis G. e Cornelia G. Benedict, The influence of thermal environment upon basal metabolism. Experiências do laboratório de nutrição relatadas à academia nacional de ciência. Sessão de abril de 1924. 32 Vide as experiências do departamento do interior na estação experimental do bur ô de mina de Pitesburgo. W. J. McConnell e R. R. Sayers. Some effects on man of high temperatures. Government bulletin, #2584
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aumento na auto-destruição. E, do mesmo modo, torna mais compreensíveis, pro habitante das terras frias do mundo, essas terríveis mudanças de personalidade que se operam nos homens brancos que partiram aos trópicos. Os cirurgiões do exército britânico realizaram estudos exaustivos quanto ao efeito dos climas tropicais sobre os brancos na Índia e na África. E nosso departamento geral de cirurgia realizou pesquisas semelhantes, embora muito menos extensivas, em Filipinas. A primeira investigação ianque foi conduzida no verão de 1905, por coronel Charles B. Byrde, vice-chefe do departamento e chefe da divisão de Filipinas. E, desde então muitos progressos foram feitos por outros. Os fatos mais importantes estabelecidos por esses trabalhadores tornam absolutamente claro a completa solapagem da mente e do corpo do homem branco em Manila, onde, durante muitos meses do ano, a temperatura diária permanece quase tão alta quanto a do corpo humano. Em tal temperatura o oxigênio contido num metro cúbico de ar é quase um décimo menos do que quando o ar está na temperatura mais suave de 15ºC a 20ºC. Portanto, um homem deve inspirar maior quantidade de ar pra viver, e a situação se agrava pelo exacerbação de todos os processos físicos pelo próprio calor. O fluxo sanguíneo e a respiração se aceleram. Isso gera um excesso de calor que deve, dalgum modo, ser expelido. Assim, o sangue vem à superfície do corpo, onde as glândulas que produzem o suor são anormalmente estimuladas. O ar quente, entretanto, torna a radiação difícil e vagarosa. O sangue tende a permanecer na superfície até esfriar e o resultado é que mais de um terço de todo o sangue fica nos vasos próximos à pele. Isto retira dos intestinos, do cérebro e doutros órgãos a necessária quantidade de sangue, então a má nutrição geral. A conseqüência é neurastenia tropical,33 uma grave condição de irritabilidade nervosa, cansaço fácil, dor de cabeça e, eventualmente, debilidade mental. Ora, isso pode parecer um simples desequilíbrio. Mas, como processo fisiológico, é um novo equilíbrio. Somente quando o julgamos do ponto de vista social ou moral, o podemos denominar colapso. A estagnação mental e física é o melhor ajuste que o corpo humano pode fazer ao calor e à umidade cruéis dos trópicos. Não é justo o comparar ao procedimento dum corpo em Londres ou em Nova Iorque. Dado o ambiente, como algo poderia ser de grande importância? Por que se esforçar, se o esforço significa morte rápida? Nos trópicos o budista e o iogue são, biologicamente, sábios. O mesmo acontece com o negro do Congo, que se embebeda todas as tardes e dorme durante os dias, embalado por sonhos agradáveis. Pra eles o esforço do homem do norte, seja branco ou amarelo, é loucura. E loucura será o esforço, onde quer que o Sol irradie calor abrasador. Kipling sabia o que queria dizer quando escreveu, sobre a Índia: É uma nação negligente e kutcha,34 onde todos os homens trabalham com instrumentos imperfeitos e a coisa mais sábia a fazer é não levar alguém ou algo muito a sério. Poderia ter dito o mesmo de quase todas as outras terras quentes e úmidas. Das Índias Ocidentais, por exemplo. O turista que visita essas ilhas mágicas durante os meses secos do inverno vê um paraíso e suspira uma oportunidade de ali viver. Talvez nem suspeite o que os seis ou oito meses de chuvas quentes farão a sua mente. Nem mesmo os negros podem resistir. Chegam à senilidade aos trinta anos, como demonstraram as recentes pesquisas realizadas na Jamaica por professor Seagar, da cadeira Rockefeller de higiene no colégio imperial de Porto Espanha. E isso, também, a despeito do curto período de trabalho, de cerca de 20 horas por semana, em média. O coração e os vasos sanguíneos 33
American journal of medical science, abril de 1907 Kutcha - adjetivo anglo-indiano - Cru, imperfeito, temporário, arruinado, de segunda classe (do hindi kaccā). Nota do digitalizador. Extraído de http://dictionary.reference.com/browse/kutcha 34
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degeneram rapidamente, de modo que, aos 40 anos, muitos negros se cansam rapidamente e simplesmente não têm espírito, no sentido que essa palavra tem no norte. Certamente, alguns de seus defeitos têm raiz noutras influências tropicais, como excesso de amido na alimentação e o inevitável recurso a narcótico, particularmente álcool e fumo. Mas a indulgência prejudicial nessas coisas é em grande parte estúpida, não absolutamente compulsória. A neurastenia tropical traz a inércia psíquica: A vítima não pode pensar claramente acerca de seu auto-governo. Mais uma vez o círculo vicioso! Não precisamos ir à Índia ou às Índias Ocidentais pra notar a curva sinistra. A temos no sul de nosso país. Durante mais de metade do ano o ar, na zona do algodão, está pesado de umidade e abrasado de calor. E o que dizer do típico agricultor algodoeiro? Lembremos que a inteligência geral é a capacidade de se ajustar, com êxito, a novas situações, ao passo que a ininteligência geral é a incapacidade de o fazer. Durante os últimos dez anos esse agricultor agiu com tal ininteligência que não podemos deixar de concluir que se trata dum estúpido. Vejamos, em primeiro lugar, o testemunho de E. C. Westbrook, da escola de agricultura da Jórgia. Notai bem que se refere a homens brancos e não a negros. Durante os últimos cinco anos, a escola realizou experiência em benefício aos plantadores de algodão. Essas experiências foram realizadas em vários tratos locais do estado e consistiam no plantio de boa semente, na cultura feita de acordo com os melhores métodos conhecidos e na seleção, descaroçamento e enfardagem de acordo com a técnica científica. Disse Westbrook: A experiências foi coroada de êxito. Os agricultores venciam a distância de muitas milhas pra assistir as demonstrações. Mostrávamos como produzir 900 libras de algodão por acre, ao preço de 6,1 centavos a libra, ao passo que produziam uma média de 150 libras ao preço de 20 centavos.35 Mas os agricultores voltaram a casa e continuaram a fazer o que sempre fizeram. Agem com a mesma estupidez quando vendem o algodão. Sam Bass, tesoureiro da cooperativa de algodão da Luisiana, declarou que o fazendeiro de algodão, por puro hábito, ainda traz o algodão à cidade e dispõe exatamente como o fazia seu avô. E Henry Crosby, co-diretor do Texas Weekly, afirma o que todo mundo sabe na zona do algodão: O fazendeiro sabe pouco, ou nada, sobre a qualidade do algodão. Entretanto isso é importante, já que o preço, pràs diversas qualidades, difere enormemente... O fazendeiro vem à cidade, olha a tabela de preço, talvez regateie com o comprador, em geral sem êxito... e, ao crepúsculo, vende o algodão ao preço que pode conseguir. E na estação seguinte não se inquieta com a qualidade do algodão.36 Numa palavra: Estúpido! Não pode aprender. Deixemos que si mesmo e seus defensores justifiquem seu procedimento como orgulho, independência ou conservadorismo. Sabemos que se trata de termos pra disfarçar a estupidez. Se há orgulho, então é o orgulho do sujeito estúpido que nem pode saber qual lado do pão tem manteiga. O mesmo acontece com qualquer outro traço que, na prática ou na teoria, possam estar envolvidos na questão. Nem toda essa estupidez pode ser atribuída à umidade, como causa primária. A seleção natural trabalhou muito em toda a zona do algodão, com a luz, solo arenoso, ancilóstomos e resíduos de escravos que arruinaram a terra pros brancos. Entretanto, quem quer que tenha observado os trabalhadores nos campos de algodão, como 35
1£ = 0,45905kg, 900£ = 413,145kg, 6,1¢/£ = 14,76479¢/t, 150£/20¢ = 290,4549¢/t 150£ = 68,8575kg, 1 acre = 4046,856422m2. Nota do digitalizador 36 Esta citação, e as duas anteriores, foram colhidas duma série de entrevistas realizada s pela United Press, em julho de 1931, sobre a crise do algodão
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observei, durante a adustez do verão, poderia ver, mesmo com a metade dum olho, seu terrível veneno. Desenhando vosso atlas da estupidez, fazei um mapa das chuvas no mundo. Marcai todas as zonas de considerável precipitação pluvial no verão, onde a temperatura média da estação chega a 24°C ou mais. Escrevei, nessas zonas, a palavra Ciclópia. Com os mapas ainda a vossa frente, e de lápis em punho, vos lembrai que as regiões de frio extremamente úmido são grandemente desfavoráveis ao homem, embora não causem estupidez nem mesmo em escala parecida à das regiões quentes. Marcai as terras árticas, sub-árticas, os planaltos e as montanhas simplesmente como impróprias pra habitantes superiores. Olhai agora! O quanto da superfície terrena fica fora dessas regiões geladas e da Ciclópia? Menos de metade de nosso próprio país. Menos de metade da Europa. Talvez um pouco da Ásia, da África ou da América do Sul, exceto o Japão. Um ou outro recanto das montanhas da Índia, alguns planaltos através dos Andes e, possivelmente, um quarto do México. Não é de admirar que Ulisses e seus astutos companheiros tivessem de ir tão longe pra encontrar um lar!
Alimento Muitos homens cavam a própria sepultura com os dentes, diz o velho rifão. A isso acrescento as três artes de cavar sepultura: Comer demais, comer pouco e comer mal. Da primeira dessas artes tratarei um pouco mais tarde, sob o título de auto-governo, visto que me parece, antes de tudo, uma estupidez de controle, não matéria de alimentação. Ainda mais, é rara37 e não pode figurar na evolução da estupidez das massas, que é nosso interesse imediato. As outras duas artes são universais e perenes. Talvez o maior império dos estúpidos seja o habitado pelos sub-alimentados e pelos mal-alimentados. Poucos povos aprenderam a escolher alimentos convenientes a sua natureza e muito poucos podem, ainda, conseguir alimento bastante, seja bom ou mau. É possível que mais de 109 pessoas pratiquem essas duas artes negras, que os estupefazem em grau mensurável. Parece estranho, ao habitante da zona temperada, que a maior parte desse bilhão habite países quentes, onde o alimento se encontra em abundância durante todo o ano. Mas isso é um lugar-comum entre os estudiosos de nutrição: Em geral o homem dos trópicos consome muito amido, especialmente sob a forma de inhame, ao passo que nunca é suficiente o consumo de vitamina e de mineral. O calor também, o enerva, estraga o apetite e leva a estimular o estômago com pimenta, cominho, rum e outros produtos picantes. Visitai um restaurante nativo na Índia ou no México. Mas as zonas frias fornecem multidões de sub-alimentados e mal-alimentados. As grandes planícies da Rússia, da Sibéria, da África e das Américas são provavelmente as piores regiões do mundo sob esse aspecto, pois, fora das cidades, onde a vida moderna penetrou, o regime alimentar é magro e monótono: Pão-preto, queijo de leite de carneiro, chá ou café de má qualidade e batata. Todos os observadores, cujo testemunho pude estudar, concordam, em geral, em que a incrível estupidez do camponês russo resulta, principalmente, de seu abominável cardápio. Não poucos cientistas afirmaram que o atraso dos índios americanos, senão também de seus predecessores, foi causado, em grande parte, por comerem muito milho. A falta de fruta e de verdura tornou estúpidos os mexicanos, desde o tempo dos astecas, e as moléstias intestinais causadas pelo mau alimento abalaram os sentidos e os músculos dos mexicanos de maneira 37
Glutoneria, então, seria coisa de rico na época de redação do texto. Bem diferente do final do século 20 e começo do 21. Nota do digitalizador.
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aterradora.38 Ora, a coisa curiosa sobre tudo isso é que não é necessário se fartar de milho ou tornar acídulos o pão de centeio e a gordura de porco pra se tornar estúpido. Quando dizemos que os índios comiam muito milho, queremos dizer que, relativamente a tudo o mais que comiam, o milho constituía a maior parte do regime alimentar. Neste caso, perdem o apetite e comem pouco doutras coisas. A alimentação errada, assim, induz a sub-alimentação e, portanto, a semi-inanição e seus estupores peculiares, que são definidos e medidos. Doutor Clemens Pirquet, encarregado do serviço americano de socorro, na Áustria, durante e depois da guerra, observou que era difícil persuadir a criança sub-alimentada a comer bastante.39 Finalmente, os membros da missão resolveram compelir os pequenos a terminar toda a refeição servida, antes de terem permissão pra deixar a sala. Algumas crianças passavam a manhã inteira beliscando, de má vontade, os alimentos. Novamente o ciclo vicioso! Os românticos, que sonham cuma idade áurea, acreditam que o homem primitivo tivesse os órgãos de digestão dos ciclopes. O imaginam, em sua úmida caverna, como a em que Ulisses foi pilhado, se apoderando das vítimas humanas, as atirando à terra, como cachorrinhos inermes. Adiante, os cérebros voaram, umedecendo o chão. Depois, membro a membro, despedaçou os corpos e deles fez repasto, os devorando selvagemente, como um leão na montanha. Nada deixou de comer: Carne, entranha ou medula óssea. E o ciclope, quando encheu o ventre monstruoso com carne humana e a acompanhou com tragos de leite sem mistura, jazia, em todo comprimento, sobre o chão da caverna, entre seu rebanho. Ora, é provável que alguns milhares de indivíduos superiores, em cada geração de cinco a quinze milhões, o fizessem. Mas a aparência dos povos primitivos, hoje em dia, nos convence de que seus progenitores eram, em geral, parecidos consigo, uma raça que, aos poucos, escavou sua sepultura com os próprios dentes, perecendo antes de tempo, afundada em estupor. Não esqueçais que foi somente nos últimos 15 mil anos que os homens lavraram o solo. Durante o primeiro meio milhão de anos, devoraram o que estivesse a mão. Vagaram aqui e acolá, no rastro dos animais de caça e dos cereais maduros. Durante muitos dias passaram fome. Noutros dias, comeram tanto que a pele sobre o ventre se tornou azul. E então dormiram uma semana, num estupor de glutões. O homem obteve uma vantagem vital sobre o reino animal quando se tornou onívoro. Mas que preço pagou por esse abençoado privilégio! Comendo tudo, até mesmo barro e peixe podre, como ainda o fazem as crianças abandonadas da Itália, perdeu o delicado poder de discriminação que encontramos em quase todos os outros vertebrados e, assim, perdeu um regime alimentar equilibrado pelos reflexos. Tudo lhe descia na garganta, fosse ou não necessário. Naturalmente, uma criatura que pode comer tudo está em perigo mais grave de desequilíbrio que outra que pode passar apenas com poucas coisas. A primeira pode ter mais oportunidade de sobreviver num mundo precário, mas tem mais probabilidade de sobreviver como um bilioso, moroso, azedo, impulsivo, indivíduo inteiramente repreensível. Quanto mais come mal, tanto mais violentamente seu sistema de glandular endócrino é posto fora de compasso. E isso perturba todas suas emoções e todas suas atitudes. A estupidez no comer leva, assim, à estupidez em geral.
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É conhecida a vital influência da proteína animal no desenvolvimento da inteligência da prole. A dieta vegetariana compromete a inteligência dos descendentes. Experiências feitas em rato demonstram que mesmo depois de retomada a dieta normal a degeneração intelectual persiste durante várias gerações. Nota do digitalizador. 39 A criança não tem vontade de comer quanto carece de zinco. Nota do digitalizador.
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Man ist was er isst.40 Desde o tempo dos primeiros homens até o aparecimento do arado e das cidades, a maior parte da população do mundo se deve ter afundado na espessa estupidez dum ventre distendido, intestino inchado e estômago ferido. Às vezes isso era causado pela sub-alimentação mas, com maior freqüência, pela insistência nos mesmos alimentos. Quanto menos seguro o abastecimento de alimento, tanto mais desesperada a insistência, como no clássico exemplo dos homens da Terra do Fogo, que passam longo tempo sem o que comer e que, à chegada duma baleia morta à praia, se fartam da gordura apodrecida até cair num canto, onde permaneciam, envenenados, vários dias. Até que ponto supondes que a estupidez social e política dos ianques é uma questão de alimentação? Quem dera que eu pudesse responder a essa pergunta com exatidão! O que sei é o que os dietetas, os médicos e os estatísticos me dizem. Suas informações são ominosas. Atentai nalguns pontos mais terríveis. As estimativas demonstram que ao menos quatro e meio milhões de crianças das escolas ianques sofrem deficiência alimentar, mais de metade, surpreendentemente, em escolas do interior.41 Doutor William R. P. Emerson42 estudou tanto as crianças escolares como as pré-escolares e notou que ao menos um terço delas era malalimentado. E graças aos estúpidos hábitos alimentares dos ianques, a deficiência alimentar é, muitas vezes, encontrada entre as crianças ricas de Avenida Parque.43 E quanto aos adultos? Os serviços de saúde pública de Eua44 notaram que, enquanto um dentre três dos homens examinados pra servir durante a guerra mundial era rejeitado por incapacidade geral pro serviço militar, 40 mil deles não eram normais em altura, peso, desenvolvimento torácico, e assim a diante. Sobre essa base a saúde pública calculou que 20% dos ianques, cerca de 24 milhões, sofrem, dalguma forma, deficiência alimentar. O instituto de prolongamento da vida45 notou que 6% dos trabalhadores industriais examinados estavam muito abaixo do peso normal. Ao examinar essas cifras vos lembrai que ao menos 90% de todos esses casos de deficiência alimentar são completamente evitáveis. Ninguém sabe quantos levam à tuberculose. Com certeza, alta percentagem, mas muitos podem ser prevenidos por meio de exata investigação e vigilância constante. Mais estúpidas que todos são as mulheres que se deixam morrer de fome a fim de corresponder à forma e à linha da moda. Milhares de moças e de velhas cocotas46 cometem essa imbecilidade, de acordo com muitos médicos. Muitas acabam com tuberculose ou pneumonia, o que é menos do que merecem. A falta de alimento não produz essas semi-inteligências. Elas alcançam esse nível com o leite materno, sem dúvida. Quanto mais cedo elas e sua prole desaparecerem, tanto melhor pro resto.
Cansaço Modificai vosso ponto de vista. Olhai o último milhão de anos, cuma pergunta principal em mente: O que manteve as coisas andando? A resposta é fácil: Rude trabalho e nada mais deram a alguns homens a capacidade de continuar vivendo num 40
Man ist was er isst, citação do autor em alemão: A pessoa é o que come. Nota do digitalizador. Standards of child welfare: A report of the children's bureau conferences, maio e junho de 1919. Children's Bureau Publication, #60, páginas 238-48, 250, Uóchintão, 1919. 42 Ibidem 43 Borden S. Veeder, The role of fatigue in malnutrition of children, no Journal of the American medical association, 3 de setembro de 1921 44 Relatórios da saúde pública de Estados-unidos, 29 de abril de 1921. Volume 36, #17 45 Eugene Pisk, Health building and life extension, página 189 46 Cocota sf (francês cocotte) Menina pré-adolescente muito vaidosa. Nota do digitalizador. 41
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mundo severo. Lenhadores e aguadeiros fizeram o trabalho do mundo, enquanto os egomaníacos lutaram por palácio e riqueza. Semeadores e lavradores do solo mantiveram a fome a distância enquanto senhores ladrões governavam férteis vales e pagavam propagandistas pra cantar sua glória. A crônica genuína das civilizações não está escrita nos arquivos oficiais, muito menos cantada pelos menestréis, simples agentes publicitários, buscando donativo dos grãos-senhores cuja fama proclamavam. A humanidade foi conduzida num escuro e vagaroso rio de suor, sangue e lágrima. Seus bilhões de trabalhadores foram, como a própria natureza, sem fala, sem resposta e de coração endurecido às dores, desencanto e obscuridade. Aqui, pois, se oculta a estupidez primordial. Os que tinham fibra pra suportar essa luta áspera só podiam ser de pele grossa, de imaginação tarda e calmos como o granito. Não podiam sentir como nós e, muito menos, sonhar e conceber. Viveram dentro do compasso da labuta diária, bem adaptados a ela e procriando gerações convenientes a essa estrutura. Mesmo assim, muitos milhões ainda devem lavrar o solo até cair de fadiga. E, quando cansados, se tornam estúpidos. Em nenhuma parte se pode encontrar maior número desses seres que nas fazendas do mundo. Como se esquecem, rapidamente, as revelações das zonas rurais! Sempre condados inteiros foram condenados pelos reformadores irados. Certa vez, foi Vermilion County, Ilinóis, depois foi Putnam County, Nova Iorque, e mais tarde Adams County, Orraio. Sempre o mesmo panorama de estupidez, degradação, moléstia e mau-cheiro geral. Os fazendeiros e os aldeões de Orraio vendem seus votos por dois dólares. Alguns, menos pudicos, chegam a pedir 10 dólares, em certas ocasiões. Assassínio, extorsão, sífilis, gonorréia, trabalho forçado, incesto, feitiçaria e todas as artes dos antropóides florescem do Meine à Califórnia, Nenhuma metrópole é pior que qualquer coleção de lugarejos e de zonas do interior, com a mesma população. Só algumas grandes cidades são tão más. Todos os grandes realistas em literatura desenharam o mesmo quadro, carregando nas tintas de acordo com a cena local. Lede Turgueniev, Tolstói e Gorki, se quiserdes a verdade sobre o camponês e o aldeão russos. Lede Flaubert, Maugassant, Balzaque, Zola, Bazin e outros escritores franceses, se quiserdes algo muito próximo dos fatos sobre a vida no campo, na França. Prum golpe de vista sobre os escoceses folheai George Douglas, e, pra muito mais que um golpe de vista sobre os irlandeses consultai George Moore e John Synge. Arnold Bennett foi muito suave na descrição dos pobresdiabos dos condados setentrionais da Inglaterra. Galdós e Palacio Valdés desenharam, com linhas mais firmes e mais profundas, o estúpido espanhol das regiões abertas. E Björnson rivaliza com Ibsen no revelar a estupidez, a superstição, os fanatismo e a existência incolor dos habitantes rurais da Escandinávia. Por que são tão estúpidos esses lavradores do solo? Uma, numa dúzia de causas, é o trabalho demasiado. A mulher do agricultor trabalha, mesmo hoje, de 12 a 16 horas por dia. Os filhos dos plantadores de cana-de-açúcar do Colorado, Utá e Michigan muitas vezes mourejam 14 horas por dia sob sol escaldante. Vive ali algum leiteiro que não esteja de pé antes da madrugada, ordenhando as vacas até depois do crepúsculo? O homem da enxada ainda está conosco, mesmo que a enxada fora trocada por um cultivador de duas asas puxado por um trator de segunda mão. Seria absurdo sugerir que a fadiga é a principal explicação prà estupidez do camponês. Noutra parte mostraremos que, acima de todas as outras influências, e as ultrapassando em escopo e vigor, está a seleção natural que expulsa as variedades sensíveis, ambiciosas, inquiridoras, móveis e sociáveis da humanidade a longe das fazendas, deixando os que podem e querem se escravizar por dez réis de mel coado no
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isolamento. Esbocei rapidamente essa tendência em estudo anterior.47 Assim, passarei por ela, cuma referência às desanimadoras revelações da mulher do lavrador, num estudo recente do departamento de agricultura. Uma investigação, de casa a casa, sobre a vida de 10.015 mulheres, em fazendas razoavelmente prósperas, revelou que o dia de trabalho, em média, é de 11,3 horas e no verão se eleva a 13,1 horas. Em cada 100 mulheres, 87 nunca tinham férias: Labutavam até a morte. Em cada 10 mulheres 6 não tinham bombas dágua na cozinha e deviam andar até certa distância a fim de conseguir água prà comida e demais necessidades da família. Em cada 4 mulheres 1 devia ajudar no trabalho com as vacas, os porcos e os cavalos. Em cada 5 1 também devia ajudar na colheita, enquanto 1 em cada 3 trabalhava regularmente na ordenha de vaca e no fabrico de manteiga. Que espécie de mulher pode agüentar isso? Que espécie de mulher agüentará? Somente criaturas de cérebro e de mãos pesadas. Moças vivazes, sensíveis e bonitas fogem do interior. Nalguns condados, cerca de metade das mulheres dos agricultores tem inteligência abaixo da normal, de acordo com pesquisadores e mestres-escolas. Mulheres de ciclopes! E procriam novos ciclopes! De modo que o nível da vida rural vai constantemente voltando à origem, tendo se acelerado a modificação, recentemente, pelos imprevistos efeitos das grandes máquinas e colapso mundial dos preços dos produtos agrícolas. Atrás de tudo isso encontramos, como um determinante da seleção natural, esse cansaço da carne e do espírito. Os trabalhadores da cidade também o conhecem, mas de maneira mais suave. Esse cansaço, aqui, é causado, principalmente, pela pura monotonia do esforço, em vez de longas horas de trabalho muscular. O trabalho demasiado, nos primeiros anos, lançou a carga mais pesada sobre o homem. A criança que trabalha demais cresce quase tão estúpida quanto a criança malalimentada. Os meninos e as meninas que labutam dez horas por dia nos bairros miseráveis das cidades e nos campos de algodão e de cana-de-açúcar afundam em estupidez crônica. E é provável que os espertos sofram mais que os naturalmente estúpidos. Minhas notas e experiências estabelecem que a fadiga tem um efeito pior e mais assinalado sobre os inteligentes que sobre os estúpidos. Relativamente às suas capacidades, os primeiros sofrem muito mais com a exaustão. Cansado, o estúpido se torna mais estúpido, somente um pouco mais. Por outro lado, o indivíduo superior experimenta um tal abandono na eficiência e na rapidez que os resultados são surpreendentes. Cum adequado relaxamento dos músculos, tanto o estúpido como o inteligente recuperam a capacidade normal. Mas o indivíduo superior volta ao nível comum mais rapidamente. Aqui, como noutros casos, responde mais velozmente às mudanças, às situações novas e aos estímulos variáveis. Mais sensível que os estúpidos, à fadiga, ultrapassa os estúpidos, igualmente, na rapidez do restabelecimento, por meio do repouso. Foram realizadas investigações profundas quanto aos efeitos da falta de descanso necessário pra certa espécie de trabalho. A comissão real canadense que, em 1907, estudou a fadiga entre os telefonistas de Toronto, notou que, depois de duas horas de trabalho constante na mesa de ligação, o trabalhador comum começava a mostrar sinal de exaustão. E, em tempo um pouco maior, variando consideravelmente de acordo com o físico do indivíduo, se desenvolvia um segundo estágio, em que certos padrões de comportamento, como responder a uma chamada fazendo a ligação exata, começavam a falhar. E ao menos um descanso de meia hora era necessário pra restaurar 47
Twilight of the american mind. pg. 279, etc.
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completamente o funcionamento desses padrões. O rigor de atenção que acompanha a fadiga deve ser familiar a todos os que já se encontraram completamente exaustos. Começa sob a forma dum simples esforço pra impedir o fracasso dum padrão de comportamento que se desfaz. Fazeis um longo passeio, ides muitas milhas além do que pretendeis e vos apressais, de volta, a fim de chegar à casa, antes que a escuridão da noite desça sobre a terra. Em breve, vossos pés se arrastam, cansados, e tropeçais nas pedras do caminho. O padrão de comportamento na locomoção está falhando. Fixais a atenção sobre o ato de andar. Fazeis um esforço deliberado pra mover os músculos, de tal modo que os pés avancem direito a diante. Durante algum tempo tudo vai bem. Mas, à medida que vos ides tornando fatigados, os hábitos musculares das pernas se desintegram rapidamente. E deveis vos concentrar sobre cada movimento, de tal maneira que toda a mente estará empenhada na ação e, incidentalmente, isso vos exaure a força muito depressa, da cabeça aos pés. Ora, a estrita atenção é normalmente mantida somente por meio dum grau maior ou menor de suspensão de todas as outras atividades voluntárias, que não as envolvidas no ato de atenção, e também por meio da diminuição da agudeza dos órgãos sensoriais, não semelhantemente envolvidos. Assim, já não vedes nem ouvis coisas e sons que perceberíeis em condições normais. Já não saís da estrada rapidamente, e com exatidão, quando um automóvel se dirige sobre vós. E correis a todo momento o risco de vos ferir, em conseqüência de vosso imperfeito ajuste ao ambiente. Aqui chegamos a uma das causas mais importantes de infortúnio no mundo industrial. Essa grosseria e estupidez que a fadiga produz através do rigor da atenção são perigosas pro trabalhador que labuta com máquina. Se torna menos atento ao próprio movimento e menos consciente do risco que constantemente corre. As estatísticas de acidente no trabalho revelam o fato significativo de que o número de desgraça aumenta, firmemente, desde o começo do trabalho, na manhã, até o meio-dia, e, depois do descanso de meio-dia e da refeição estimulante, o número cai novamente quase até o baixo nível da manhã, se elevando novamente, com firmeza, até o fim do tempo de trabalho. Milhares de pessoas sofrem de fadiga produzida por alguma deficiência na secreção das glândulas endócrinas. Normalmente, estas glândulas funcionam cum ritmo específico, que varia de indivíduo a indivíduo. Se, entretanto, o órgão da glândula endócrina for demasiadamente estimulado, a secreção aumenta anormalmente e, quando o estímulo excessivo continua bastante tempo, a reserva se exaure. E a fadiga e a exaustão vêm imediatamente. Enquanto o ritmo normal da secreção interna não é restaurado não se pode dar o restabelecimento. O efeito do fumo sobre a fadiga é menos certo. As experiências indicam que a capacidade muscular diminui com o uso do fumo, até um máximo de 11%.48 Ademais, a capacidade de coordenar as reações diminui muito. Embora não tenhamos prova de que a fadiga resulte diretamente do uso imoderado do tabaco, sabemos que é, muitas vezes, um efeito indireto. O fumo diminui, enormemente, a rapidez e a exatidão do trabalho. Os indivíduos que não fumam podem trabalhar muito mais à vontade que os fumantes crônicos, que se concentram mal e têm recordação, percepção, associação e coordenação de ordem inferior. Os grandes fumadores não podem manter, sem grande esforço, em passo constante e rápido a mente nem o corpo. E jamais podem igualar a rapidez e a exatidão dos que não fumam. Trabalhando à vontade, naturalmente, não sentem o esforço. Mas quando forçados a um passo mais rápido que a mente e o corpo, retardados pelo efeito do tabaco, podem agüentar, sentem fadiga não menor que a do 48
Schrumpf-Pierron, Tobacco and physical efficiency. Nova Iorque, 1927
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que não fuma, que está genuinamente esgotado pelo trabalho. De que maneira tudo isso afeta a estupidez? Considerai o fato de que nós, ianques, em 1930, consumimos cerca de 120.109 cigarros, mais de 6.500.000.000 de charutos e mais de 152 milhões de quilos de tabaco. Tende também em mente o fato de que, graças a nossa desalentadora negligência ante as moléstias que se podem prevenir, e que discutiremos adiante, o ano de 1930 viu um milhão de nós sofrendo malária e outro milhão sofrendo ancilostomíase, sem falar doutro milhão que constantemente está sob cuidado médico em virtude de moléstias venéreas e outros milhões que sofrem de males menores, como miopia, surdez, maus dentes e assim a diante. E vos lembrai de que, provavelmente, uma grande maioria desses sofredores, tanto das grandes como das pequenas moléstias, fazia parte dos 41 milhões, ou mais, de operários de dez anos ou mais de idade, suscetíveis, portanto, de fadiga, dum modo ou doutro. Não podemos saber, naturalmente, até que ponto, exatamente, os desatinos, tolices, desastres e fatalidades da vida ianque são devidos somente à fadiga. Que a fadiga tenha papel de relevo, não há dúvida. E quando a fadiga proveniente do trabalho demasiado se combina com os efeitos dos narcóticos, moléstia, suscetibilidade à moléstia, defeitos endócrinos, indisposições menores, esforço nervoso, sérias dificuldades e complicações pessoais que levam à zanga, podemos avaliar as perdas em bilhões de dólares e em milhões de horas de trabalho perdido ou inútil. Certamente, também, os desatinos da guerra mundial, como os de todas as outras guerras, eram, muito mais do que podemos conceber, resultado da fadiga e da exaustão levadas ao extremo. Em nenhuma outra ocasião ou situação os homens devem estar tão completamente alertas às modificações desorientadoras, caóticas e mortíferas que quando colhidos nas malhas da guerra. Então, se trata de pensamento rápido, ação rápida, decisão e raciocínio prontos e precisos, ou a morte. Os estúpidos e os superiores perecem, igualmente, em virtude dos desatinos da exaustão na guerra. O cansaço causa muito mais estupidez no velho mundo do que em o novo. Estamos marchando tão extensivamente às máquinas que economizam o trabalho e aos métodos de trabalho por turma, que dentro dalgumas décadas nossos industriais terão aliviado grande parte dessa carga particular dos ombros do trabalhador. A cada ano a fábrica tem um papel menor na obra de cegar o gume da mente do trabalhador. Isso vem àqui quase bruscamente mas nossa última palavra será acentuar o papel prodigioso desempenhado pelo cansaço durante o último meio milhão de anos. Mais uma vez somos levados a admirar o progresso realizado pelo homem, em face desses venenos e dessas tendências interiores que multiplicam sua estupidez.
Moléstia Os ciclopes sempre estiveram doentes. Vigoroso como é, o ciclope não pode suportar os mosquitos, ancilóstomos e bactérias que infestam o ar, água, solo e intestino. Quando está doente os consoladores garantem que é um indivíduo superior, pois a natureza estabeleceu que suas pragas e pestilências exterminassem os fracos e os deformados, deixando apenas os rudes e os fortes. Então, Polifemo ri, pisca o olho único e sorve outro grande trago de vinho capitoso.49 Estúpido! Acreditar em tal contra-senso! Não é assim, absolutamente, que funciona a seleção natural. Em verdade, os fracos, em geral, sucumbem nas epidemias, enquanto os fortes resistem. Mas o que dizer dos que não são extremamente fracos nem extremamente robustos? Toda moléstia afeta essa grande maioria de maneira peculiar. A 49
Esse trecho faz lembrar Os sertões, de Euclides da Cunha, onde diz O brasileiro é, acima de tudo, um forte. Nota do digitalizador.
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pneumonia não atinge os que trabalham pouco. A febre tifóide carrega, em primeiro lugar, alguns dos mais robustos. A influenza leva mais cedo à cova os incansáveis e enérgicos, que não podem agüentar a quietude duma cama. E assim a diante. Não há fórmula simples que sirva pra todas as moléstias. Ainda menos se pode argumentar que muitos dos que vencem a moléstia sejam mentalmente superiores. Mesmo se alguns o fossem antes que a aflição chegasse, teriam perdido esse mérito na luta. Esse é o ponto sobre o qual devemos insistir. Jamais alguém contou essa história e poucos terão coragem de a repetir. Nada conheço mais desanimador em toda a carreira humana e humanesca. O caso é que a raça ainda não aprendeu a vencer as causas das moléstias. Uma das principais razões presse fracasso é que as moléstias tornam os homens estúpidos, portanto ignorantes, portanto indolentes, portanto incompetentes como cientistas e como médicos. Pra cada homem morto em conseqüência dalguma praga dois outros viveram de corpo e cérebro estragados. Depois da convalescença vem a estupidez, que se demora, em muitos homens, até o último sopro de vida. Aqui vão algumas páginas do livro negro, que talvez, eventualmente, deva ser aumentado a um grosso volume. A estupidez é produzida por alguma das seguintes causas: ● 1 - Adenóides defeituosas ● 2 - Amídalas defeituosas ● 3 - Cárie dental ● 4 - Epilepsia branda ● 5 - Sífilis branda ● 6 - Várias formas de moléstia cardíaca ● 7 - Malária ● 8 - Ancilostomíase ● 9 - Influenza ● 10 - Tuberculose avançada ● 11 - Muitas moléstias renais ● 12 - Quase todos os defeitos sensoriais pronunciados, como cegueira, surdez, etc. ● 13 - Raquitismo ● 14 - Moléstias das glândulas endócrinas ● 15 - Vários ferimentos sérios ● 16 - Várias auto-intoxicações intestinais ● 17 - Meningite cerebral ● 18 - Escarlatina ● 19 - Pelagra A estupidez, também, é induzida por vários modos de vida maus, entre os quais os mais comuns são: ● 1 - Prolongada alimentação deficiente, especialmente na infância ● 2 - Alcoolismo ● 3 - Hábito de drogas de certos tipos ● 4 - Masturbação prolongada, aparentemente ● 5 - Exaustão física, em conseqüência de trabalho demasiado ● 6 - Excitação emocional prolongada Não é uma lista completa. Qualquer médico poderia citar outras moléstias que transmitem suas próprias tolices depois do restabelecimento. A lista tem como principal finalidade abarcar as aflições comuns e gerais, cujos efeitos mentais foram notados por muitos estudiosos, e cujos efeitos secundários sobre a saúde, o bem-estar e a felicidade dos doentes e dos sãos são facilmente compreensíveis. Se calculássemos o preço que pagamos, em estupidez, pelas moléstias que devastam
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o mundo, ficaríamos perplexos com a magnitude. As moléstias evitáveis, somente em Eua, pasmam os que ousam refletir sobre o significado. Todo ano um milhão de ianques sofre malária, 700 mil estão tuberculosos, outro milhão, ou mais, se enfraquece com a ancilostomíase, 100 mil são atacados de varíola e 20% da população masculina adulta sofre de sífilis, em virtude de cujos terríveis efeitos milhares de crianças são permanentemente prejudicadas. Doutor Ray Lyman Wilbur calcula que milhares de mulheres são estéreis ou semi-inválidas em virtude da gonorréia. Há muita paralisia, ataxia locomotora e moléstias mentais e muitas crianças prejudicadas por causa da sífilis. Tudo isto pode e deve ser corrigido. É um erro científico, se não um crime, nascer uma criança com sífilis congênita. Todo ano 26 mil ianques adoecem febre tifóide e cerca de 6 mil morrem, 89 mil adoecem de difteria e mais de 8 mil perecem. Qual é o quadro no resto do mundo? Mais da metade da população total do mundo, que hoje vive em dois terços da superfície habitável da terra, está em constante perigo de infecção devida à mais comum infestação parasitária da humanidade em todo o mundo, a ancilostomíase. Popularmente conhecida como a doença do homem preguiçoso,50 por causa da apatia e do langor das vítimas, esse terrível azorrague põe em perigo a mente e o corpo de ao menos 1.052.766.000 pessoas, que vivem em cerca de 52.000.000km2 da área fértil da terra, que é de cerca de 85.000.000km2. A moléstia, especialmente insidiosa nos países tropicais e sub-tropicais, é causada por vermes parasitas intestinais, que são expelidos nas fezes das pessoas infectadas, sobre o solo, e que entram no corpo doutras pessoas, em geral através da pele dos pés. Doutor W. G. Smillie, da fundação Rockefeller, descreveu os sintomas da moléstia, que, disse, se manifesta com perturbações do sistema digestivo, anemia progressiva de tipo clorótico,51 fraqueza física, debilidade, grande diminuição de apetite, fraqueza cardíaca, degenerescência e edema. A moléstia é, também, progressiva: O aumento gradual do número de verme causa aumento correspondente na anemia e na severidade sintomática. Os efeitos mentais da ancilostomíase são igualmente severos. Um dos mais chocantes sintomas é a inércia mental. As pessoas infectadas tendem a ter reações mentais e físicas muito retardadas. Se interessam pouco pelo que acontece em torno. São tardas e apáticas, têm dificuldade de se concentrar e, quando se lhes fala, parecem não ouvir. Quando se lhes pede fazer algo, compreendem com dificuldade e, vagarosamente, pouco a pouco a pouco, atendem. Uma vítima típica da ancilostomíase teve esta conversa com seu médico, que ilustra, claramente, o retardamento mental característico da pessoa infectada:52 — Como te chamas? — Hã? — Perguntei como te chamas! — Como me chamo? — Sim. Como te chamas? — Juana. — Juana de quê? — Juana Maldonado. — O que há contigo? 50
No Brasil a ancilostomíase é conhecida, pelo povo, como amarelão Clorótico, atacado de clorose. Clorose - sf medicina - Anemia devida a teor insuficiente de hemoglobina nos glóbulos vermelhos. Nota do digitalizador. Extraído de dicionário KingHost. 52 Walter H. Page, The hookworm and civilization. World's work, vol. 24, #5, setembro de 1912 51
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— O que há comigo? — Sim. O que há contigo? — Estou cansada. — Onde moras? — Quem? Eu? — Sim, tu. Onde moras? — Daquele lado. Juana apontou às montanhas. — Em qual bairro? — Em qual bairro? — Sim. Em qual bairro? — El Aoneante. Essa paciente não era normalmente estúpida e, quando curada, respondia com inteligência e alacridade a perguntas semelhantes. Ora, quando souberdes o fato estupendo de que, nos trópicos, ao menos 95% de todas as pessoas, de ambos os sexos, de mais de doze anos de idade, empregadas na agricultura, estão, em grau maior ou menor, infectadas pelo parasito da ancilostomíase, podereis ter a visão duma das mais profundas causas da estupidez do mundo. A infecção dos indivíduos, nas cidade, é menos severa, embora seja, mesmo aqui, uma constante ameaça a toda fase de progresso prà civilização. Alguns países tropicais são uma massa compacta de estupidez, desde o palácio do rei até a choça do camponês, como no Egito, com nove milhões de doentes de ancilostomíase. Ali, o progresso é um sonho ocioso. Como se a ancilostomíase não bastasse, a malária levanta sua horrenda cabeça pra zombar de nós. A malária devasta a mente. Na fase febril faz o paciente absolutamente incapaz de atividade mental e pode mesmo levar à incoerência. Nas regiões onde a moléstia reina os habitantes se afundam em horrível estupidez. Vivem em constante e triste miséria, de mente e corpo negligentes, e nada pode ser feito pra os elevar medicinal ou culturalmente, enquanto continuarem a viver no ambiente envenenado. A malária afeta levemente o homem negro, tanto no corpo quanto na mente. O negro é relativamente imune. Em Ceilão, por exemplo, cerca de 24 brancos pra cada negro morrem da moléstia, enquanto, em Serra Leoa, cerca de 190 pra cada negro brancos sucumbem. Se trata, dalgum modo, de diferenças no sistema nervoso, central, associadas com a mentalidade superior e inferior? Ninguém sabe. Mas, na Índia as condições devidas à malária são indizíveis. Deixemos que o relatório do instituto Ross de doença tropical fale por si. O relatório se refere somente a Bengala mas muitas outras partes da Índia sofrem da mesma forma terrível. A malária está se alastrando constantemente em muitas partes de Bengala. Centenas de aldeias foram dizimadas, milhares de acres de terra antes próspera e cultivada foram abandonados, cidades populosas foram reduzidas ao estado de miseráveis aldeias devastadas pela febre, propriedades rurais têm como únicos habitantes o caititu e o leopardo e a selva se arrasta, pouco a pouco, pra reinar novamente sobre uma região donde foi expulsa há milhares de anos. A malária de Bengala pode ser descrita como uma grande tragédia. A malária é a principal causa de morte em Misore, Cadur, Ximoga e Hassã. Podemos dizer, com segurança, que há mais hindus atacados de malária que seres humanos em toda a América do Norte. E, na América do Sul, exceto nos Andes, que são esparsamente povoados, cerca de nove em cada dez pessoas sofrem de ancilostomíase ou de malária. Talvez nunca saibamos até que ponto a horda de gente estúpida na Europa e seus
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rebentos na América são a prole da sífilis. Não muito depois das tripulações de Colombo regressarem de suas viagens, a moléstia se espraiou sobre o velho mundo como um incêndio florestal. Houve quem supusesse que essa fora a primeira vez que a praga aparecera na Europa mas Léon Ducheyne demonstrou, abundantemente, que a sífilis prevaleceu ao menos dois séculos antes. Os documentos médicos chineses revelam que a sífilis era igualmente comum na Ásia antes da era cristã. Mesmo assim, os séculos 13, 14 e 15 parecem ter sofrido de sífilis muito mais que as gerações anteriores e posteriores. Provavelmente, o tremendo aumento nas viagens mundiais, antes e depois da descoberta da América, espalhou a moléstia ainda mais depressa. Ao mesmo tempo a virulência era muito maior, visto que se abateu sobre povos anteriormente livres dela. Como podemos evitar a conclusão de que dezenas de milhões de europeus foram privados da inteligência nativa durante esses séculos? O nível mental de todo o continente deve ter baixado de maneira aterradora, em vista do que a sífilis faz à mente humana. As crianças nascidas de um ou dois pais sifilíticos são muitas vezes idiotas, imbecis ou retardadas. Quando o veneno herdado é menos violento, o rebento mostra atraso mental, em geral, desde o berço. Se a moléstia é adquirida, mais que congênita, a severidade do atraso mental depende da idade em que ocorre a infecção: Quanto mais cedo mais grave o atraso. Na idade média este efeito deve ter sido muito pior que hoje, pois, em primeiro lugar, a matança foi mais feroz porque a raça não conhecia a moléstia e, portanto, não tinha imunidade e, em segundo lugar, ninguém sabia como tratar a moléstia, mesmo pelo alívio dos males, de modo que toda a força se abateu sobre o sistema nervoso. Os médicos às vezes declaram que todos os europeus têm vários sifilíticos na ancestralidade, baseando essa generalização num século de mistura de raça e de nacionalidade, nas intermináveis invasões de países por imensos exércitos, todos cheios de soldados sifilíticos, e na prostituição internacional, instituição européia. Não precisamos admitir totalmente a hipótese. Nos basta admitir que certo grau de ancestralidade sifilítica é altamente provável na vasta maioria das pessoas de origem européia. Nos fica uma dolorosa pergunta: Que porção de sífilis é suficiente pra fazer uma criança apenas estúpida? Algum dia saberemos a resposta, graças aos estudos genealógicos empreendidos por biólogos e psicólogos. Por enquanto, nos contentamos com conjeturas grosseiras. Minha própria conjetura é que os 25% da população européia e americana cuja inteligência está justamente acima da dos estúpidos podem facilmente representar o preço que o mundo moderno está pagando pela Spirochaeta pallida53 Se pensais diferente, tomai um lápis e um papel e calculai as ramificações de sangue doente, através de quinze gerações, num país como a Espanha ou a Irlanda, onde remotos cruzamentos de famílias ocorrem continuamente. Muitos médicos me dizem que sou muito conservador, fazendo notar que ao menos cinco milhões de adultos de sexo masculino, em nosso país, atualmente sofrem sífilis (e possivelmente muitos milhões mais); que a proporção na Europa deve ser muito maior, como o afirmam muitos cientistas europeus; que a Ásia, a África e a América do Sul são simplesmente poços de moléstia venérea; e, finalmente, que a proporção, em nossa geração, é muito melhor que em qualquer outra, durante muitos séculos, graças aos novos métodos de tratamento. Não protestarei, pois, num ou noutro caso, o estupor sifilítico pode ser visto, em qualquer dia, escritório ou fábrica. Muitas vezes o encontrei e fiquei desorientado, até que a verdade surgisse. Podemos o encontrar em todos os altos postos do governo em Eua e no estrangeiro, em todas as organizações religiosas, 53
Spirochaeta pallida ou Treponema pallidum é o bacilo causador da sífilis. Nota do digitalizador
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tanto entre os sacerdotes como entre os devotos. Sim, nem mesmo deixa de existir entre médicos eminentes! Houve, nos últimos anos, ao menos dois casos famosos nessa classe. Passamos por cima, cansados de corpo e de espírito, as brandas mas obstinadas tolices adenoidais, amídalas, dentes e ossos defeituosos, com que os mestres-escolas estão dolorosamente familiarizados. Gastamos milhões de dólares, por ano, tentando educar as crianças desse modo afetadas, e estamos jogando fora todos os dólares. E sem dúvida, continuaremos a gastar, pois também não somos esmagados pelos efeitos de centenas de moléstias? Somai todos esses efeitos, os espalhai na população do mundo. Não é maravilhoso que um punhado de mortais tenha escapado com pensamento claro e nervos sensíveis? Talvez, mais tarde, quando a História completa da estupidez seja escrita, investiguemos seriamente a influência das tolices produzidas por moléstias na destruição das civilizações, das raças e dos impérios. Essa tarefa tomará muitos anos e dará trabalho a muita gente, pois há muito material disperso a ser confrontado e interpretado. Muitas vezes, de maneira irresponsável, imaginei se algum dia os cientistas não poderiam provar que o atraso de muitos povos asiáticos foi causado por duas fases independentes de moléstia: Primeiro, pelos efeitos ulteriores de dezenas de moléstias que devastaram o continente durante dezenas de milhares de anos, intermitentemente, e, segundo, pelas transformações no sangue e, portanto, nos tecidos nervosos, produzidas, nos sobreviventes de todas essas moléstias, pelas reações de imunização. Se sabe que os chineses demonstram muito maior resistência fisiológica a várias moléstias que os europeus. Não implicará isso numa estrutura nervosa menos sensível ou numa função mais vagarosa? Levanto a questão e deixo a resposta aos homens doutra década. Observai, também, os russos. Até que ponto pode sua retardada mentalidade ser efeito das infindáveis epidemias que começaram na Ásia Central e avançaram ao oeste? Observai o curso da influenza, a maneira de exemplo. O surto de 1918, em qualquer parte da Sibéria, que finalmente ceifou a vida de 18 milhões de pessoas em todo o mundo e enfraqueceu o corpo e a mente de cerca de 60 milhões mais, era, ouso dizer, um dos 50 mil que se abateram sobre a raça desde o começo do mundo. Quem pôde viver, sob tais horrores? Certamente, os indivíduos dotados de certa rijeza de corpo, senão de mente. Esta rijeza trazia, também, a estupidez? Este problema deve ser resolvido mais tarde.
Drogas O homem é o único animal que deliberadamente se faz estúpido comendo e bebendo narcótico. Essa horrível perversão duplicou, de acordo com os cálculos mais cautelosos, o total de estupidez no mundo e custou à raça humana, em dólares e centavos, soma muito maior que o valor de todas as casas, de todas as lojas, de todas as fábricas e de todos os edifícios públicos do mundo. Em desatinos, atos de crueldade, megalomanias e coisas semelhantes, o preço que pagamos por esse abuso excede e escapa a todas as estatísticas. Observai, em primeiro lugar, os grupos de estupefacientes, como ópio, cocaína, heroína e morfina. Pois, pra cada grama desses produtos que os médicos receitam aos doentes, homens estúpidos devoram, inalam ou injetam nove gramas, sem outro fim que o de se fazerem ainda mais estúpidos e gozarem os prazeres perversos do estupor. E, entre todos os povos, nós, os ianques, nos envenenamos mais. Lede o relatório especial de 1919 do departamento de tesouro de Eua, sobre o narcotráfico. O consumo de ópio está assim discriminado:
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa País grão (50mg) percápita anual Áustria ........... 1/2 a 3/5 Itália ............... 1 Alemanha ...... 2 Portugal ......... 2,5 França ............ 3 Holanda ......... 3,5 Eua ................. 36
Assim, pra cada grão consumido por um austríaco consumimos 72 grãos! Vos lembrai de que essa é apenas a quantidade que aparece em vários documentos. O volume de contrabando é desconhecido mas todos os peritos concordam em que excede muito o do comércio legalizado. O conselho de ópio da Liga das Nações reuniu, há poucos anos, os melhores cálculos de diversos investigadores de todo o mundo e notou que esses cálculos convergiam, quase unanimemente, à cifra de 8.600 toneladas por ano. Ora, 1 tonelada de ópio é uma quantidade considerável de estupor. Se déssemos a todos os homens, a todas as mulheres e a todas as crianças da terra uma dose de 450 miligramas anualmente, o mundo necessitaria apenas de 786 toneladas de ópio. O número de adeptos tem sido grandemente exagerado. É de duvidar que tenhamos mais de 200 mil Mas o número dos que se envenenam com longos intervalos, sem sucumbir inteiramente ao narcótico, deve ser enorme. Em meu próprio círculo de conhecimento conheço 20 ou mais, quase todas mulheres, que tomam uma dose de codeína ou outra droga semelhante sempre que sofrem uma perturbação ou têm uma dor de cabeça. (Os médicos clínicos informam, aliás, que as mulheres são muito mais atraídas às drogas que à estupefação mais suave do álcool). Talvez três ou quatro milhões de ianques usem bastante narcótico pra abaixar, de maneira considerável, o nível geral de sensibilidade. Nos voltemos ao álcool. Os ianques bebem cerca de 2.109 de galões de cerveja e duzentos milhões de galões de aguardente, todos os anos. A cidra e o vinho não são fáceis de computar, pois os fazendeiros e outros indivíduos do interior os produzem pra uso doméstico, haja ou não proibição. Mas, provavelmente, deveremos acrescentar ao menos outros cem milhões de galões ao mar de álcool em que nadam os ianques estúpidos. Temos, assim, um total de cerca de quatro galões percápita, anualmente, de licores espirituosos, pra todos os adultos e jovens, e cerca de 26,6 galões de cerveja pra cada um. Desse modo as coisas não mudaram muito desde os dias dos pioneiros, pois, então, de acordo com cálculos dos nativos da Califórnia, a metade de todo o ouro encontrado no estado passou às mãos dos baristas, antes mesmo de chegar a São Francisco. Mesmo que se trate duma anedota estatística, esses cálculos contêm, de qualquer maneira, mais verdade que ficção, como o podem testemunhar todos os estudiosos da história de Eua. Podemos converter toda essa prodigiosa absorção de narcótico em unidade de estupidez? De certo modo, sim. Calculando o poder das drogas, comecemos com o fato conhecido de que 1/4 de grão de morfina, tomado diariamente durante três ou quatro semanas, basta pra fixar o hábito, em muitos casos. Prum novato, cinco grãos de ópio mantêm o estupor durante 24 horas. Usando observações semelhantes quanto ao licor, chegamos a algo parecida com a seguinte tabela de potência: 1/2 grão de ópio, cocaína, etc., mantém o indivíduo profundamente estúpido durante uma hora. 1/2 "pint" (1/16 litro) de uísque, de gim ou doutra bebida igualmente espirituosa faz o mesmo. Um "pint" (1/8 litro) de vinho ou um quarto de cerveja fazem o mesmo. 70
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Às cifras oficiais de consumo de droga, acrescentai 50% ao contrabando e à fabricação clandestina. Dividis o consumo de narcóticos por 75 milhões de adultos e de quase-adultos da população. O que acontece? Cada ianque estaria sob a ação de narcóticos 108 horas por ano, sob a ação de licor espirituoso 64 horas e, sob a ação da cerveja e doutras bebidas menos ativas, 106 horas. Sob a ação de todas essas três formas de abuso, o ianque se mantém profundamente estúpido durante 278 horas de cada ano. Se pudéssemos calcular as tolices secundárias conseqüentes, estaríamos mais perto de todo o horror. Pois, numa hora de quase todos os dias de trabalho (exceto os domingos, os feriados e as férias de verão), este hipotético americano médio é tão estúpido que não pode pensar com clareza em coisa alguma nem pode fazer algo que exija até mesmo destreza ou ponderação inferiores. O que acontecerá se, nessa hora, for chamado a agir numa situação difícil? Lede nossa história, pra encontrar a resposta. Depois desse panorama não parece necessário falar do fumo. Fumando mais de 1011 cigarros por ano, nós, adultos e adolescentes ianques, fumamos cerca de 1.333 desse doce veneno percápita, ou cerca de quatro cigarros por dia. Isso já é bastante significativo mas acrescentai o fato de que, juntando o fumo de cachimbo, charuto e rapé, consumimos cerca de 4,6kg de tabaco por ano. Pois essa quantidade certamente estupefaz muitas horas na vida de todos os fumantes. E, em verdade, é por isso os homens e as mulheres fumam: Suspiram a um relaxamento dos músculos depois de rude trabalho ou em conseqüência de atribulação. Quase todos perdem a agudeza da sensibilidade depois de cinco ou seis cigarros, após um charuto ou depois de fumar dois cachimbos. Mas ninguém, ao menos que eu saiba, se afunda num estado profundamente estúpido, mesmo depois de muitas horas de fumo. Ficamos nauseados muito antes de perder a cabeça. Estamos, pois, diante de unidades muito menores de estupidez. Talvez seis cigarros, um atrás do outro, dêem em resultado uma suave estupidez, digamos, o bastante pra fazer com que um homem se porte inconvenientemente numa situação delicada ou o bastante pra fazer com que uma moça pareça estúpida e sem interesse e, portanto, não desperte desejo. Admitamos, pra argumentar. Assim, cada americano, dos 75 milhões que chegaram à idade da discrição e do abuso, auto-induz cerca de 222 horas dessa meia-estupidez. Os charutos e os cachimbos acrescentarão 75 horas. Total: 297 horas. Temos ao todo cerca de uma hora, em cada dia de trabalho, prà branda estupidez, e outra hora pràs profundas tolices anteriormente mencionadas. Mesmo assim somos os mais sóbrios de todos os grandes povos, exceto, apenas, os japoneses. Toda a África está bêbeda depois de todo pôr-do-sol. Assim declaram Coudenhove e outros pesquisadores do continente negro. Dois terços da América do Sul jamais são completamente sóbrios, tal é o testemunho de dezenas de negociantes, diplomatas e cientistas de longa experiência na América latina, com quem discuti o assunto. A Rússia é um longo mar de vodca, do qual somente alguns poucos indivíduos superiores conseguem emergir. A França e a Itália oscilam entre o vinho do meio-dia e a aguardente da noite. Mesmo com a cerveja e o ale54 quase diluídos em água, a Alemanha, Holanda e Grã-Bretanha têm a cabeça à roda, não completamente bêbedas mas cuma visão enevoada das coisas. Índias Ocidentais dorme um sono sem fim, provocado pelo rum. A China e a Índia modorram num falso nirvana de ópio, morfina e rum. Admira, pois, que esses 2.109 sejam na maioria doentes, aleijados, imbecis, 54
Ale - Cervejas de fermentação alta, especialmente populares na Grã-Bretanha e Irlanda, incluindo as mild (meio-amargas), bitter (amargas), pale ale (ale clara), porter (cerveja escura muito apreciada por estivadores) e stout (cerveja preta forte). Nota do digitalizador. Extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Cerveja#Ale
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ignorantes, depravados, supersticiosos ou empobrecidos pelas guerras, conspirações, fraudes? Admira, pois, que as boas almas desejem reformar os bêbedos e os adeptos das drogas? Não gostamos de pregar moral, em geral uma empresa estúpida, mas nada custa simpatizar com todos aqueles que tentam melhorar o mundo, mesmo quando acreditamos que o esforço está condenado a total fracasso. Os homens se intoxicam com ópio, fumo ou rum em virtude de suas personalidades inadequadas. Inadequadas a quê? Às vezes a seu próprio ego e ambição, exigências da vida amorosa, esforço e à irritação do trabalho, calor do verão, isolamento depressivo dos campos de mineração, morte dum filho... Pode alguém fazer uma lista completa de todas as coisas a que um homem pode ficar inadequado? A tragédia é que os que são mais fortemente compelidos à intoxicação por motivos interiores são o oposto dos estúpidos. São hipersensíveis, ao menos em relação à situação que lhes faz recorrer a narcótico. Sentem as coisas de maneira aguda mas falta habilidade ou oportunidade prà construção duma vida equilibrada. Assim, anseiam esquecer, fugir, encontrar uma agradável decepção nalgum sonho desordenado. Das várias centenas de grandes bebedores que conheci, somente alguns poucos deixaram de revelar, muito cedo, os sinais familiares dum mortal mal-adaptado. Esse é, também, o veredito dos médicos clínicos. As raras e brilhantes exceções eram homens de imensa energia e de alta capacidade, que se atiravam ao trabalho com ardor e bebiam pra relaxar os músculos, esquecer a preocupação e dormir depressa.
Matador Durante as centenas de milhares de anos quentes entre as idades glaciais os vales fluviais da Europa e da Ásia eram florestas onde elefantes e rinocerontes caminhavam, esmagando a vegetação. Sobre planícies infinitas, além desses rios, vagavam manadas de bisão, gamo e cavalo, como num pesadelo de caçador. Eram terríveis como a que, ainda na lembrança da última geração, se encaminhou à morte no deserto de Calaári, uma manada de dezenas de milhões de criaturas que se espraiaram sobre a África como uma praga de gafanhoto. E o que dizer do homem desse tempo? Ainda não aprendera a lavrar o solo, plantar a semente e esperar a colheita. Assim, vivia afastado da terra. E, se tornando onívoro, sobreviveu a muitas criaturas de gosto e de poder digestivo mais limitados. Tinha pouca ou nenhuma habilidade no fabrico de utensílio e arma. Assim, quando essas manadas o surpreenderam, devastando a terra, teve de agir, derrubando os animais desgarrados, muitos doentes ou velhos, e devorando a carne sangrenta no local da peleja. Nas secas terríveis, quando as manadas desapareceram buscando água distante, o homem teve de se tornar mais arrojado no ataque e mais rápido na perseguição à caça. Ao chegar o inverno o homem se abrigou nas cavernas e combateu os lobos da floresta, com pedradas, quando sobre ele saltavam. Se, no fim do inverno, o alimento escasseava, capturava e comia os forasteiros, e, caso não os houvesse a mão, devorava, relutantemente, os avós. Durante a velha idade da pedra, se tornou hábil em construir armadilha contra as pequenas criaturas. Vivia nas árvores e apanhava pássaro em vôo. Pescava. Na média idade da pedra se tornou um grande caçador, o mais terrível de todos os matadores. Pois estava, então, fabricando escudo, machado, agulha, lança, flecha. Um instrumental de morte. O tempo do medo passara. Doravante, em bandos bem armados, realizou sortidas contra os mamutes peludos e organizou festins bárbaros. Se lançou contra o bisão, sem temor. E, quando o alimento escasseava, voltava suas novas armas contra outros homens a quem disputava a posse dos bens. O desarmado perdia tudo, o matador vivia e engordava.
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Quando não havia outra coisa a fazer o matador praticava a arte de matar. Ensinava às crianças o manejo das armas. Em ocasião de festa exibia suas habilidades ante as multidões admiradas. Pouco depois de aprender a alimentar o estômago o matador aprendeu a alimentar seu ego. Não é demais supor que, com o advento da agricultura, o matador rapidamente aumentou a força e o prestígio. Pois, acima de tudo, a cultura do solo fez com que cem pessoas pudessem existir onde existira só uma. Os homens se estabeleceram onde o solo era mais rico e mais fácil de trabalhar. Surgiram as cidades. Dentro dalgumas gerações, certamente, os habitantes das boas terras tiveram de lutar contra os invejosos e os famintos das terras infecundas e estéreis. Os que nada tinham avançavam pra tomar. Os que tinham resistiam e combatiam os que não tinham. Quanto mais depressa as gentes proliferavam, tanto mais compacto se tornava o anel de adversário faminto em torno das planícies férteis. Portanto, as batalhas eram mais ferozes. Então chegamos a uma crise nos acontecimentos humanos. Os habitantes da aldeia, em geral, venciam sempre que os inimigos não eram em número esmagador, pois, pelo simples fato de viverem em comum, em contato pessoal uns com os outros, com hábitos fixos, se haviam tornado uma quadrilha, com chefes e cum estado-maior de quadrilheiros sempre pronto prà luta. Os adversários nômades não tinham organização nem propósito definido, exceto quanto à impaciência em se apoderarem do alimento acumulados pelos aldeões. Assim começou o vagaroso domínio da cidade sobre o campo, que ainda não está completo mas que, provavelmente, estará dentro dalguns séculos, certamente antes do ano 2.500. Foi a quadrilha que fundou a civilização e é o quadrilheiro quem ainda a mantém. E a natureza da tarefa o torna completamente insensível ao sangue e sofrimento. Como matador de animal, não necessita tendência delicada. Como matador de ser de sua própria espécie, deve ser frio e duro. Assim, durante o último meio milhão de anos, a seleção natural favoreceu os tipos humanos que se rejubilam com o assassínio ou que condescendem sem náusea. Falo, bem entendido, do rebanho. E os chefes? Devem ser tão brutais como seus quadrilheiros? A questão não é tão simples como os pacifistas gostariam. Al Capone (pra tomar o brilhante exemplo que as manchetes dos jornais conspiraram em fazer inevitável) certamente é dotado de capacidade mental muito acima da dos cidadãos comuns que compram cerveja de suas corporações e ainda mais acima da de seus salteadores, que varrem, a bala, as ruas de Chicago. O mesmo acontecia com muitos chefes de quadrilha de aldeia, desde o ano -10.000. De que maneira poderiam chefiar as quadrilhas se não excedessem ao quadrilheiro comum em força e habilidade? As experiências de laboratório apóiam o ponto de vista de que, embora nem todos os homens de físico e saúde superiores sejam altamente inteligentes, ainda assim os indivíduos altamente inteligentes são, como grupo, muito superiores aos subinteligentes sob esses aspectos, assim como em estatura. As pesquisas mais recentes convergem a essa conclusão. No que diz respeito a nosso argumento, não importa qual seja a causa nem qual o efeito: Talvez os chefes de quadrilha fossem aqueles que comeram os alimentos mais nutritivos, em lares que lhes ofereceram todas as vantagens em aprender as trapaças e exercer o próprio engenho ou, talvez, tenham sido exatamente o inverso. De qualquer maneira, os chefes sempre brilharam mais que seus instrumentos. Mas isso significa que desde o aparecimento das quadrilhas de aldeia os chefes multiplicaram e difundiram sua alta mentalidade através dos rebanhos? Se fosse assim, então, como alguns militaristas calorosamente argumentam, a guerra serve ao mais alto fim da natureza, o melhoramento de nossa espécie. De cada conflito surgem homens melhores. Uma bonita teoria, mas puro contra-senso.
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A guerra tende a destruir os inteligentes muito mais rapidamente que os estúpidos. Jamais alguém o demonstrou tão vigorosamente como David Starr Jordan, que devotou ao assunto muitos anos de sua longa e brilhante carreira.55 Juntamente com H. E. Jordan, esse eminente biólogo investigou os efeitos da guerra civil sobre a população da Virgínia. Dois condados foram intensivamente analisados, ao passo que muitos outros foram estudados menos profundamente. Os resultados foram submetidos à apreciação de 55 veteranos da confederação, de caráter e de inteligência superior. Jordan os resume da seguinte maneira: ● 1 - Os homens importantes do sul faziam parte de companhias seletas e foram os primeiros a se alistar. ● 2 - A nata da população entrou na guerra desde o começo e 20 a 40% morreu antes do fim. ● 3 - A guerra mobilizou, principalmente, os fisicamente capazes, ficando os incapazes na retaguarda. ● 4 - Os conscritos, embora em muitos casos iguais aos voluntários, eram, em média, inferiores em qualidades físicas e morais, sendo piores soldados. ● 5 - Certo número de homens fugiu às colinas e a outros lugares, a fim de evitar a conscrição (os bushmen). Outros desertaram das fileiras, se juntando a eles. Sofriam muito vexame mas a perda de vida era menor. ● 6 - As companhias de voluntário, formadas desde o começo da guerra, perderam mais homens que as companhias de conscritos, entradas mais tarde em ação. ● 7 - O resultado foi que os homens de qualidade e de caráter superiores suportaram muito mais o peso da guerra e sofreram perdas maiores que os inferiores. Assim se produziu uma transformação no equilíbrio da sociedade, reduzindo a percentagem dos melhores tipos sem correspondente redução dos tipos menos desejáveis, uma situação que se projetou na geração seguinte, pois os inferiores viveram e proliferaram e os outros não. O mesmo acontece com todas as grandes guerras, exceto, talvez, as onde muitos soldados eram escravos. Os que mais combatem são os que menos sobrevivem. Os oficiais são destruídos duas vezes tão depressa quanto os soldados rasos, por motivos óbvios. E, também, por motivos óbvios, os oficiais tendem a ser superiores mentalmente. Assim, aqui, como alhures, os estúpidos vencem. Na primeira Guerra Mundial, os estúpidos venceram como nunca. Quando a História da estupidez humana for empreendida, muito depois deste prelúdio ser esquecido, um ou dois volumes serão devotados ao estudo da queda da inteligência nas nações em guerra. Embora não possamos antecipar a estatística podemos prever um gráfico bem triste. Será muito estranho se esse gráfico não demonstrar que a França de 1114 era ao menos 25% menos estúpida que a França de 1932, que a Rússia de 1914 era, talvez, 30% mais inteligente que a horda de Estálin, que a Inglaterra de 1914 era 50% mais astuta, mais sábia, mais aguda, mais alerta e, em geral, melhor que a triste multidão de mendigo e de preguiçoso que atualmente vive de esmola e de recordação do império. Os homens de 1914 nem na metade valiam os homens de outrora. Certamente o inglês de 1914 não era o inglês do tempo glorioso da rainha Elizabete ou, então, todos os documentos são falsos. Certamente o francês de 1914 era um triste reflexo do homem que expulsou de Versalhes os monarcas decadentes. A família dos desgraçados se torna ainda mais desgraçada depois de todas as grandes guerras. O império abre caminho a baixo. E, em tempo, volta ao começo, o homem da enxada, que, olhando as montanhas que limitam as férteis planícies, vê o ciclope conduzindo os carneiros ao aprisco. 55
Vide, especialmente, seus livros The blood of the nation, The human harvest, War and the breed e War's aftermath, que citamos aqui
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Espanha O caminho sangrento, a baixo, do matador em parte alguma se pode ver tão vividamente como na Espanha. Ali ainda podemos ver o homem pré-histórico trabalhando o campo à maneira pré-histórica. Usa um pau pontudo, com ponta de ferro, pra lavrar o solo, e o instrumento mal arranha a superfície. E, entretanto, a agricultura é a maior e a mais importante indústria do país! Também a água é conseguida de maneira pré-histórica. Rodas de madeira, toscamente trabalhadas, com bilhas de barro amarradas às bordas, são movidas pelas mulheres ou por uma parelha de jumento. Quem, a não ser um homem da velha ou da média idade da pedra, poderia continuar nessa situação quando, em torno de si, outros povos fazem tais coisas de modo novo e melhor? A Espanha não foi separada do mundo, durante séculos, como a China e o Japão. Seu povo teve liberdade de ir e vir e dezenas de milhares de estrangeiros a visitaram, tanto a negócio como a prazer. Seus bascos e catalães são grandes trabalhadores, possuindo os bascos, em especial, grande senso comercial. Entretanto, o espanhol não se modifica, exceto sob a pressão das classes dirigentes, que são muito mais francesas e inglesas que espanholas. Não deveremos observar que todos os períodos de prosperidade da Espanha, e foram muitos, foram quando alguma raça não-espanhola governou, com mão firme, o país? A primeira e a mais feliz dessas ocasiões ocorreu no primeiro e no segundo séculos do calendário cristão. Foi então que os romanos se encarregaram das minas e as exploraram pràs legiões de César. Muitos grandes administradores foram de Roma à Espanha nesses dias e ali nasceram Trajano e Adriano, embora não de família nativa, acrescentemos. Então, morava no país três ou quatro vezes mais gente que hoje. E todos viviam muito melhor que os modernos. Depois, houve o longo meio milênio de cultura árabe, que, sob certos aspectos, ultrapassou a romana. Quando os árabes foram expulsos por combatentes e fanáticos brutais, a Espanha afundou novamente em seu estado natural de ignorância, superstição e pobreza. Recentemente os ingleses têm conseguido o controle econômico do país e, em tempo, desenvolverão nova prosperidade, talvez depois de duas ou três gerações. Não tendo conhecimento profundo dos espanhóis, acho muito fácil aceitar a opinião comum de que o espanhol é incompreensível às pessoas de origem norte-européia. Felizmente, porém, podemos encontrar nele os traços da estupidez sem pretender a completa compreensão de toda sua personalidade. Como a cor dos olhos e do cabelo, um ato estúpido pode ser facilmente identificado, mesmo que pouco saibamos do indivíduo. Assim, aproveitarei a oportunidade de caracterizar, em parte mas não no todo, o híbrido moderno de muitos troncos humanos primitivos, que os recenseadores hoje chamam espanhol. As falhas na descrição representam pura ignorância de minha parte. Mas, como somente alguns leitores poderão preencher as lacunas elas não me incomodam muito. Pois a psicologia do espanhol é considerada um enigma, mesmo aos que conhecem bem a Espanha. O espanhol é o mais puro espécime de homem superior da Idade de Pedra que sobrevive em toda a Europa, assim como os habitantes rurais da costa ocidental da Irlanda são os mais perfeitos tipos inferiores. A chave da compreensão da Espanha deve ser encontrada no fato de que seu povo ainda não reconheceu a importância da vida em grupo, em cidade e do trabalho. Todos os observadores notam a indolência do espanhol, arrogância, sentimento de casta. Mas o que indicam todos esses traços, como grupo? Em que consiste sua integração? Eis um sério problema. Sob certos aspectos, Keyserling se aproximou muito da solução, como, aliás, sob
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muitos outros aspectos, afunda no mais triste raciocínio teutônico.56 Keyserling declarou: O espanhol é solitário e isolado, como Dom Quixote: Como se estivesse no deserto... Sabe que deve viver e que, em última análise, ninguém o pode ajudar. Daí seu culto à varonilidade, ao ânimo viril e, na forma extrema, a paixão ao domínio sobre os homens (sobre os homens, não sobre as mulheres, não sobre as coisas!) ... Como um homem que depende apenas de si, o espanhol não dá nem pede piedade... Assim, lhe é difícil aceitar o conceito de justiça no sentido ocidental. Somente o auto-auxílio lhe parece sensato e digno... A coragem pessoal é tudo. Pra tal mentalidade a justiça abstrata pode se tornar compreensível somente quando surge como a expressão da idéia da Inquisição. Nesse caso, são precisamente as paixões pessoais da vontade de viver e da vontade de poder, que vêm em primeiro lugar. Jamais algo foi tão popular na Espanha como a Inquisição. Todo movimento no sentido da justiça inevitavelmente termina, na Espanha, como uma Inquisição. Keyserling, mais adiante, acrescenta: Na Espanha o tom básico primitivo da vida terrena soa em perfeita ingenuidade, condicionando a vida a um grau não mais conhecido noutra parte do mundo. Eis uma concepção profunda, embora não seja original de Keyserling, pois concorda com muitas impressões e estudos anteriores. O espanhol não tem capacidade pro pensamento abstrato. Nisso está no pólo da humanidade oposto ao ocupado pelos antigos atenienses e pelos modernos alemães. Não pensa em si como espírito mas como carne. Todos seus processos psíquicos se focam sobre a existência individual, seja de que espécie for. Enquanto a Europa Ocidental e a América se esforçavam a um duplo objetivo: O domínio completo do ambiente físico e a organização dos indivíduos em sistemas sociais pro controle e o gozo desse ambiente o espanhol se manteve arraigado no mesmo lugar em que viveu seu vigoroso ancestral da velha idade da pedra. Mais penetrante que Keyserling, Salvador de Madariaga descreve um dos mais profundos característicos de sua própria raça, quando diz, do espanhol:57 Vimos que não participa das coisas na metade, que está, sempre inteiro onde estiver. É, portanto, natural que não tome partido nas coisas, a menos que as considere de valor. Essa observação faz nova luz sobre a habitual indiferença do homem passional. A indiferença é apenas aparente. No fundo a vida circula em seu ser, e é esse senso da corrente da vida, sempre presente em sua pessoa, que constitui, como vimos, o característico essencial de sua psicologia. Enquanto o desejo do inglês é agir e o do francês compreender, o desejo do espanhol é viver e se deixar viver. O espanhol, portanto, vive, como esta brilhante análise o diz noutro ponto, num estado de imprevisão. Segue apenas os impulsos interiores, que jamais, a não ser acidentalmente, são focalizados sobre coisas, sobre o poder, sobre a glória ou sobre outros indivíduos. Hoje, pode dormitar, durante horas, à sombra; amanhã, pode se entregar, completamente, aos prazeres do vinho e, depois de amanhã, pode ler a história do Alhambra até queimar as pestanas. Não há um padrão visível e exterior. Integral e subjetivo no largo sentido biológico desses dois termos, permanece sozinho, vive sozinho, exulta sozinho, combate e morre sozinho. Nenhuma outra criatura tem algo a ver com sua marcha. A vida é um drama em que o espanhol é o empresário, o ator, a orquestra e o espectador. 56 57
Vide Europa, páginas 75-94 Englishmen, frenchmen, spaniards, 1928, página 45
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Mas isso é animal. É o livre fluxo dum organismo que ainda não chegou a diferenciar os apetites e os interesses, de modo que se oriente numa direção individual. É o homem de antes das idades glaciais: É o homem da era dos ciclopes, simples como o solnascente ou como o vento do oeste. Nele não há o ego inferior dos italianos, nenhuma esperteza felina dos gregos, nenhum fanatismo, devaneio, banditismo e outras falhas na ação e no intelecto que demonstram os franceses, os ingleses, os alemães e os russos. O defeito mais terrível do espanhol é o do homem primitivo em geral, a falta completa do senso vital do tempo. Desligado de todos os interesses, como os que dizem respeito à riqueza, ao comércio, a indústria e ao progresso material, fica soberba mas fatalmente indiferente ao amanhã. E, quando diz mañana,58 muitas vezes quer dizer nunca. É, como diz Madariaga, um aventureiro vagabundo. A raça, como diz ainda, penetrantemente, Madariaga, é hostil à técnica, pois a técnica liga os homens às coisas. Doutras maneiras, também, os espanhóis de mais pura origem revelam o animal primitivo. Odeia os detalhes, a organização, o planejamento e todas as formas de cooperação pra fim prático. Quando lhe acontece pensar, não pode analisar nem inventar, sempre contempla e intui. Esteta e sonhador, sim, mas nunca pensador lógico e criador. Madariaga declara que o espanhol pensa enquanto fala: Improvisa de intuição a intuição. Não pode pensar de acordo cum plano, nem por previdência. Pra mim isso significa que o espanhol pensa somente como respira: É uma fase do ato geral de viver e não uma função dissociada e hipertrofiada. Em contraste com os povos da Europa e da América, pois, o espanhol tem mais saúde e mais equilíbrio e é mais natural no sentido de preservar, de usar e de unificar todos os dotes primordiais do homem. Não é um mecânico, engenheiro, mestre-escola. Não é isso, não é aquilo, nada mais é além dum indivíduo completo, vivendo uma vida concreta, de maneira concreta. Assim vivem os leões e os cães comuns, embora alguns cães de raça tenham perturbações nervosas, como o homem ocidental. E assim vivem os tires, embora, na opinião de alguns peritos, esses gatos enormes muitas vezes sejam atacados de insânia. Um homem completo, pois, mas de baixo nível! Nós, ocidentais, o devemos invejar, pois o espanhol é uma criatura mais sã que nós quanto à integridade física. Mas poucos o admiramos quanto ao nível mental, pois está num plano entre nós e os ciclopes. A despeito de nós mesmos, perseguimos outros fins e vemos as coisas da perspectiva de nossa estranha linha de marcha. As tendências que faltam à natureza espanhola são, pra nós, as mais importantes. Mesmo que essas tendências nos massacrem (como parece que o fazem), nos agarramos a elas. Como grupo, os impelem a diante, ao domínio da natureza e à conquista de nós mesmos. Pra dominar a natureza o homem deve desenvolver uma habilidade e poder imensos no manejo dos objetos, desde a asa duma borboleta até um couraçado. E isso só lhe parece possível por meio da análise das relações de espaço-tempo e do que essas relações envolvem e implicam. Numa palavra, lógica, matemática, física, química e engenharia. Mas todas essas capacidades faltam ao espanhol. Jamais se excitou com a perspectiva de subjugar as forças da terra, do ar, do fogo e da água. Por quê? Porque jamais teve a possibilidade dessa façanha diante dos olhos? Nem tanto! Sempre e sempre, não-espanhóis lho provaram mas essa prova jamais atingiu o centro de seu ser. Por mais de 1.200 anos outras raças, diante de seus olhos, progrediram em sua própria terra, conquistando o solo e as camadas minerais subterrâneas. Primeiro vieram os romanos e, depois, muito depois, os árabes, procedentes da África, que 58
Mañana - Amanhã. Nota do digitalizador.
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estava, então, se ressecando e forçava os habitantes a procurar a vida noutra parte. E a lição que deram aos espanhóis vale a pena ser esboçada aqui. Esses invasores mouros eram astutos negociantes, nada fanáticos. Desejavam a prosperidade, sem se incomodar com a conversão do povo subjugado à verdadeira fé. Os camponeses e os judeus, tendo sofrido longas perseguições e extorsões sob o domínio espanhol, saudaram a chegada dos árabes e encontraram uma vida mais fácil sob seu domínio, pois tudo o que deviam fazer era dar, honestamente, seu dia ao trabalho e pagar o imposto percápita. Em troca, tinham paz pra gozar os frutos dum dos mais excelentes sistemas agrícolas já surgidos no mundo. Esses árabes trouxeram uma rara perícia em cultivar e irrigar o solo. Cobriram as colinas de Granada com pomar de laranja, figo e romã. Plantaram milhares de amoreiras e criaram uma indústria da seda de grande magnitude. Todas as casas de camponeses eram cobertas de parreira. Os carneiros pasciam nas planícies. A grande planície de Xenil, de cerca de 148km de circunferência, foi metamorfoseada num vasto e irrigado jardim. O açúcar foi produzido em quantidade imensa, muito além da necessidade nacional, de modo que foi possível um proveitoso comércio exterior. Mais ou menos no fim do século 10 todos esses melhoramentos de engenharia e de lavoura científica sustentavam imensa população. Em Córdoba um recenseamento demonstrou que havia 200 mil casas, de modo que não é demais inferir que se tratava duma cidade de cerca de um milhão de habitantes! Os espanhóis observaram e invejaram tudo isso durante muitas gerações. Essa alta prosperidade deve ter sido visível e famosa durante 700 anos, do século 8 ao século 15. Mas houve algum espanhol que aprendesse a lição? Houve alguém que imitasse a agricultura dos muçulmanos? Longe disso. Nem era essa a maior condenação dos celtiberos. Mal o derradeiro muçulmano fora dominado, depois da rendição de Granada em 1492, e já os vitoriosos espanhóis deixavam que a terra afundasse no desleixo, negligência e ruína eventual. A Espanha se tornou, em grande parte, um deserto, que ainda é, um lugar tão horrível quanto os chapadões da Ásia Central. As estradas se transformaram em veredas tortuosas e as veredas em simples picadas no meio do mato. As cidades, antes prósperas, entraram em decadência e ruína. A faixa de terra entre Toledo e Madri, antes rica e densamente povoada, se tornou uma desolação, com três ou quatro aldeias da idade da pedra. Os aurignacianos regressavam. E ali ainda estão. Teriam os muçulmanos esgotado a fertilidade do solo? De modo nenhum, como o provam os recentes estudos do solo. Os espanhóis nada fizeram pra continuar a obra do odiado infiel. O espanhol ainda deve importar açúcar, embora o infiel tenha produzido mais que o suficiente pra si e pra ele, há muitos anos! Não pôde explorar suas próprias minas: Os ingleses o vieram fazer em seu lugar. Em verdade, a prosperidade da Espanha moderna é, na maior parte, obra de estrangeiros. Muitas de suas áreas mais férteis ainda estão inexploradas. (Muito do que o governo classifica de área produtiva não está sendo cultivado). Um engenheiro espanhol ou um negociante espanhol é contradição. Seria o mesmo que falar dum matemático aurignaciano. Os ingleses financiaram e construírem as ferrovias. Os ianques os telefones. Os bons hotéis são de propriedade de estrangeiros e os maus são dos nativos. A mesma insensibilidade à matemática e à direção do negócio aparece, de maneira mais sombria, na antiga atitude espanhola em relação ao trabalho e ao dinheiro. É notório que o espanhol moderno difere um pouco, se difere, do antigo, na firme convicção de que a única maneira certa de se tornar rico é saquear ou encontrar um tesouro. O espanhol sempre foi um salteador de estrada, um assassino, saqueador de povos fracos. Sempre se interessou por loteria e busca a ouro enterrado. Não pode criar riqueza. Pode apenas se apoderar, onde quer que possam ser encontradas e tomadas, por
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sorte, se possível, e, se não por sorte, por violência. Não pode inventar instrumento, máquina nem método de conduta, pra si ou outros, que possam melhorar seu quinhão. Não tem senso de progresso, como o concebemos no norte. Recusa se modificar, provavelmente pela melhor razão do mundo: Não pode! O espanhol genuíno e autóctone nada mostrou, de valor, em todos os séculos estudados pelos historiadores. Não produziu filósofo construtivo. Caldeirão? Tentou uma grande filosofia em La vida es sueño (A vida é sonho) mas tratou idéias magníficas de modo inconsistente e indistinto. No drama, onde suas realizações foram superiores, perdeu tempo em ornamentar e embelezar. E, ademais, era filho de flamenga, não sendo, portanto, espanhol puro. A Espanha jamais produziu um cientista de segunda classe. Não até que Cierva recentemente surgisse com seu extraordinário autogiro, um engenheiro cujas realizações lhe granjeassem honrosa nomeada noutra nação ocidental. Nenhum gênio em medicina ou em cirurgia. Nenhum semi-gênio em qualquer das ciências sociais. Nenhum grande agricultor. Nenhum grande colonizador, embora a Espanha, outrora, tivesse mais colônia que qualquer outra nação. Nenhum grande navegador ou construtor de navio. Nenhum espanhol produziu uma peça de grande música, pois a grande música tem, como ingrediente, certa fantasia matemática. Suas relações, séries, subordinações de classe e desenho total possuem uma estrutura além do poder de imaginação de um aurignaciano. Por outro lado, poucos povos podem exceder o espanhol na música primitiva de canção e de dança. Ali suas criações são celestiais, pois fundem, de modo elementar, a inclinação do corpo, a batida do pé, e balanço da cabeça e o grito lírico que vem da carne excitada. Não tão primitiva quanto o lamento espontâneo do negro, essa música pertence ainda ao mesmo estrato pré-histórico da psique. Quando falo da falta de capacidade criadora em assuntos que exigem capacidade matemática e lógicas, não me refiro a escritores como Cervantes, a pintores como Velásquez nem aos atuais escritores e artistas. No campo da análise, seja dos fatos naturais ou das puras relações matemáticas nos tipos superiores de gênio criador, jamais houve um espanhol. Ou, se houve, é muito obscuro, até mesmo pra ser um tanto conhecido. E, mesmo que fosse citado, seria importante investigar a ancestralidade. Com toda probabilidade, não seria um espanhol puro. Nos últimos anos, quais foram as duas maiores realizações da Espanha? A resposta é fácil: Dom Quixote e a Inquisição. Dom Quixote é o fiel auto-retrato do espanhol como gostaria de ser. A Inquisição é o fiel auto-retrato do espanhol como realmente é. Tendo desenhado esses dois retratos de si mesmo, seu gênio se deteve, completamente exausto.
Idade Observamos que o homem de antigamente morria jovem. Durante o meio milhão, ou mais, de anos antes de começar a agricultura as tribos errantes encontravam dura dificuldade pra conseguir alimento e abrigo. Os doentes, aleijados e idosos ficavam no caminho. Os jovens e os vigorosos iam adiante. Encontraram alimento mas pagaram alto preço por isso, na perda de sabedoria que ficava no caminho, com a morte dos mais velhos. A mente infantil governou o mundo através desse vasto intervalo de anos, e essa é uma das causas principais da ausência de progresso no homem de antes da enxada. Pois o progresso vem somente através da sabedoria, inteligência e habilidade acumuladas em muitas gerações, preservadas, a princípio, nas lembranças, depois nos memoriais, que passam, intactos, dos velhos aos moços. A agricultura tornou isso possível, pois significa alimento certo, em dado lugar. Nesse lugar os homens se estabeleceram, construíram casa, trabalharam instrumento e transformaram as tradições em pedra e barro. Em contraste com a dureza dos dias
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nômades a vida se tornou fácil e leve. Se um homem envelhecia, ainda podia fazer cerâmica no jardim, apascentar o rebanho, se sentar junto ao fogo nas noites frias. Seus filhos e filhas já não o abandonavam na estrada pra perecer miseravelmente, nem o comiam. E o velho pôde viver... Isso foi há cerca de 15 mil anos, ou mais. Hoje, que cena diferente! O mundo é governado pelos velhos e por suas velhas noções, ao passo que os jovens trabalham pra pagar o preço desse luxo dúbio. Em verdade os velhos contribuíram muito pro nascimento das culturas e somente um louco negaria o valor de seu serviço. Mas, juntamente com sua capacidade peculiar, trouxeram incapacidade cuja magnitude começamos a medir. São estas que nos interessam, pois estão na base das tolices dos senis e pré-senis. O quadro não é belo e fere nossos sentimentos mais delicados mas deve ser desenhado. O homem começa a perder o poder de pensamento claro e de ação construtiva muito mais cedo do que, em geral, se supõe. E os perde completamente muito mais tarde que se imagina. Noutras palavras, o período de declínio é longo, e o declínio é tão suave, em geral, que os observadores deixam de notar e de se prevenir contra ele, até que algum desastre suceda. Aos 35 anos o cérebro começa a definhar. Em média perde cerca de 100 gramas antes dos 65. O fluido espinhal aumenta consideravelmente. As atividades endocrínicas, todas decaindo, em geral suavemente, às vezes nos 45. As funções sexuais se debilitam primeiro, e mais depressa. Entre os órgãos dos sentidos, o do gosto morre primeiro. Grandes áreas da língua e das paredes da boca perdem completamente a sensibilidade. O ouvido começa a falhar pouco depois dos 30 e tende a declinar progressivamente, mais devagar. À proporção que a pele se resseca e enrijece, perde a delicada receptividade, e, como se sabe, a pele em geral começa a se tornar um couro desde os 40. O desaparecimento das percepções foi recentemente estudado, dum novo ponto de vista, por W. R. Miles e Bronson Price, da universidade de Estanforde. Esses psicólogos realizaram experiências com 720 indivíduos cujas idades variavam entre 17 e 92 anos e notaram que a capacidade de perceber os objetos começa a declinar aos 17 anos. O primeiro declínio é muito vagaroso e muito longo e continua, quase imperceptivelmente, até os 62 anos, mais ou menos. Depois, a queda é rápida. Nos 50 um homem percebe as coisas em torno de si tão bem como quando tinha 14 anos. Nos 80 não o faz melhor que uma criança de 6 anos. Não se trata apenas de visão, mas de notar e de identificar as coisas, como tais, no ambiente. É a espécie de percepção que ocorre quando entrais num quarto, olhais rapidamente em torno, saís e depois dizeis a alguém o que ali notastes. Essa percepção mede, de maneira importante, a rapidez e a exatidão com que apreendeis uma nova situação. Essa capacidade, como se sabe, é um requisito essencial pra dirigir um negócio ou governar um estado, como é a chave do êxito em operações de alta rapidez, como uma guerra. Mas quem dirige os grandes negócios, os governos e as guerras? Como o demonstraremos mais completamente dentro em breve, homens já além dos 50, em geral entre 55 e 70. A idade, em média, em que uma pessoa é registrada nas páginas do Who's who in America59 é de 55, de modo que não é irracional admitir que os líderes devem ser um tanto mais velhos, pois um homem se torna proeminente, em seu campo de ação, antes de que lhe chegue às cumeadas. Se chamarmos os líderes de homens de 56 a 65, nosso erro será, certamente, trivial. De acordo com esse cálculo, pois, os líderes ianques provavelmente percebem as coisas (e apreendem situações estranhas) não 59
Quem é quem na América, sua publicação principal, é uma marca registrada de News Communications, Inc. O New York Times se referiu à 60ª edição de Quem é quem na América como a Vanity fair (Feira de vaidade, revista ianque contemporânea sobre cultura, moda e política) do bibliotecário. Nota do digitalizador.
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melhor que uma criança de 10 ou 12 anos. Em verdade, refletirão sobre o que perceberam de maneira superior mas os resultados da reflexão serão limitados pelo que viram e ouviram. A memória se enfraquece muito vagarosamente na idade mediana, e depois um pouco mais depressa. Nos 60 anos, em geral já funciona muito mal, especialmente quanto a nomes próprios e a acontecimentos recentes. O que se aprendeu nos primeiros anos da vida permanece mais tempo. Eis por que, à proporção que as pessoas envelhecem, naturalmente vivem cada vez mais no passado. O presente vale pouco, e as pessoas muito velhas se tornam criança. O nível de energia declina numa curva inconstante, em geral começando pouco antes dos 40. A queda a princípio é muito ligeira, depois, às vezes entre 40 e 50, ocorre um grande mergulho. E, em seguida a um período de depressão, Nos 60 um segundo salto a baixo. Na idade mediana o excesso de energia foi consumido. Doravante tudo o que o homem pode conseguir deve ser usado pra manter as funções do corpo. Assim a vida se torna, em novo e trágico sentido, uma luta amarga pela existência. E o homem centraliza pensamento e esforço cada vez mais sobre si mesmo. O ego preenche um segmento maior do horizonte mental. Eis um quadro da estupidez progressiva, mascarada, especialmente nos homens superiores, por um crescente interesse em simples idéias, palavras, frases, abstrações, teorias e outras funções da linguagem. Por quê? Porque requerem menos energia. São substitutivos à complexa e obstinada realidade do negócio, da política, da sociedade. Todos os grandes sistemas filosóficos são produto de espíritos de idade mediana. O mesmo acontece com muitas das ficções da diplomacia e do estado, com muitas plataformas políticas em que se professam ideais nacionais, com muitas discussões morais. Embora o homem de meia-idade e o senil não o compreendam, todas essas tendências resultam do desejo do mínimo esforço e duma regressão das realidades imediatas. Enquanto o mundo goza uma fácil prosperidade, os homens idosos nos incomodam pouco. Mas que devastação causam quando profundas transformações exigem novos pontos de vista e novos programas de ação no negócio, política, diplomacia e indústria! Dois exemplos colossais e desanimadores dessa tragédia social tão freqüente estão ainda na memória de todos os leitores: O maior foi a primeira guerra mundial e o menor a recente depressão econômica. Que volume poderia ser escrito sobre o preço da estupidez senil nesses dois grandes acontecimentos! Virtualmente, todos os poderosos líderes da Europa em 1914 já haviam passado a flor da idade. E não poucos estavam prestes a chegar à incipiente demência senil. No verão em que arrebentou a guerra mundial os seguintes estadistas, generais e simples políticos tinham as seguintes idades: Clemenceau 73 Hindenburg 66 Moltke 65 Kitchener 64 Foch, 63 Joffre 62 Sukhomlinoff 62 Asquith 62 Wilson 58 Poucos homens de importância, na direção política ou militar da guerra, estavam nos 40 anos. As duas brilhantes exceções foram Ludendorff, que tinha 49, e Winston
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Churchill, que chegava justamente aos 40. Eis uma das 999 razões por que tudo, no mundo, foi tão mal remendado por essa guerra de anciãos. Dessa curta lista o mais velho era, por todos os títulos, o mais grave insulto à humanidade em geral. O velho Tigre sobreviveu a seu nome e reputação, como revelam os historiadores honestos. Ofegante animal selvagem, governou pela força bruta, astúcia felina e essa estupidez do campônio francês que, em Clemenceau, era elevada à enésima potência. Sua mente parara de se desenvolver perto de uma geração antes da guerra, e nunca fora, aliás, grande coisa. Mas, o que lhe faltava em qualidade, sobrava em energia física. Pagou a Europa um preço absurdo por esse homem: Milhões de corpos, bilhões em dinheiro. E o que realizou? Salvou uma astuta plutocracia e uma estúpida coletividade agrícola que se dão o nome de França. Kitchener e Joffre eram velhos imbecis e nada mais, salvo na juventude, quando eram jovens imbecis. Certos observadores ingleses afirmam, seriamente, que Kitchener foi o homem mais estúpido que já se tornou famoso e é difícil refutar essa afirmação. Ante sua memória os jumentos saúdam. Os maiores historiadores da guerra, tanto ingleses como doutras nações, concordam, essencialmente, no veredito de que quase todos os atos de Kitchener eram nimbados60 de estupidez, em parte nativa, em parte adquirida na burocracia que tanto tempo ornou e, em parte, pré-senil. É essa a última fase que nos interessa no momento. O homem perdera todo contato com a vida: Vivia numa era morta quando os alemães invadiram a Bélgica. Quando Kitchener assumiu o ministério da guerra, em agosto de 1914, seu biógrafo, visconde Reginald Esher, tentou ser caridoso com o ancião. Mas lorde Kitchener já não era mais o K. of K. do Sudão e da África do Sul e estava ciente desse trágico fato... Estava mal-informado. Não conhecia a organização do exército, os métodos de controle parlamentar nem o que essas coisas significavam prà administração pública. Não teve êxito nessa nova esfera e perdeu a confiança em si mesmo. Essa falta compensou cuma obstinação senil. Talvez não haja ilustração mais perfeita da estupidez da idade mediana que o estupendo desatino de lorde Kitchener, ordenando o uso da espécie errada de granada prà guerra de trincheira, durante a Guerra Mundial. Vivendo das recordações da guerra dos bôeres, em 1900, Kitchener insistiu em usar shrapnel,61 que todos consideravam inútil prà guerra moderna. Foi repetidamente advertido de sua futilidade e da necessidade de granadas altamente explosivas, que abrissem caminho através das trincheiras inimigas. Kitchener insistiu nas armas antiquadas, que mal danificavam as fortificações alemãs. Numa série de batalha, em 1915, os alemães ceifaram milhares de ingleses, perdendo apenas, graças a suas armas modernas, cerca de 200 homens. Onde poderemos encontrar espécime mais ilustrativo de pensamento pré-senil que a famosa (e, graças-a-deus!, fútil) luta de Woodrow Wilson, em Versalhes, pra inserir no acordo da Liga das Nações uma cláusula proclamando a igualdade de todas as religiões? De acordo com doutor E. J. Dillon,62 Wilson declarou que como o tratamento dispensado às confissões religiosas no passado, e poderia ser no futuro, causa de guerras sanguinárias, parecia de desejar que fosse introduzida uma cláusula no acordo, estabelecendo a absoluta igualdade dos credos e das
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Nimbar - vt Ornar cum nimbo. Aureolar Henry Shrapnel (03.06.1761 – 13.03.1842) Oficial do exército britânico e célebre inventor da bomba shrapnel (shrapnel shell). Nota do digitalizador. 61
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The inside story of the peace conference (A história confidencial da conferência de paz), página 489
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confissões. Embora Wilson tivesse, durante muito tempo, ensinado a arte de governar, em Princetão, e tivesse escrito alguns livros passáveis sobre o assunto, aparentemente não sabia que tal proposta era estúpida, simplesmente porque teria requerido, antes de tudo, uma alteração na constituição britânica. Como lorde Robert Cecil notou, com habilidade, durante as discussões sobre a cláusula, essa constituição proíbe que um católico se faça rei ou se sente, como lorde chanceler, na câmara dos lordes. Nem o professor compreendeu a tremenda carga de dinamite política envolvida em seu piedoso desejo: Teria levantado velhas controvérsias na França, onde as relações entre os católicos e o estado foram constante motivo de inquietação. Daria aos flamengos ocasião pra novos motins na Bélgica. Na Itália, certamente, aconteceria coisa pior. Como chegou Wilson e fazer, dessa questão religiosa, uma de suas questões principais? Somente a psicologia de sua idade e temperamento explica. Tinha 63 anos em Versalhes e sua energia, que nunca foi grande, declinara tanto que seus amigos viviam ansiosos. Tendo sido sempre um idealista verbal, sua retro-gradação se acelerou desde o momento em que foi compelido a enfrentar imensas e incalculáveis realidades. Não merece censura por isso: Seria o mesmo que condenar um octogenário por perder o último dente. Sem o impulso físico, intelectual e moral pra olhar os fatos de frente e combater os maus espíritos que infestavam Paris, disfarçados em estadistas e reformadores, Wilson se pôs a defender idéias amáveis. Se passaram séculos desde que as guerras religiosas devastaram o ocidente e, como todos os estudiosos dos acontecimentos modernos podem testemunhar, até mesmo as guerras religiosas dos tempos antigos eram, em grande parte, máscara pràs lutas econômicas. Somente entre os selvagens e as hordas bárbaras, como os árabes e os judeus do Oriente Próximo, os homens combatem por credo e, mesmo então, combatem mais por proventos materiais que pela alta causa do Céu. Os pensamentos de Wilson recuavam até as histórias escolares da juventude, provavelmente sob o estímulo de sionistas que se lhe agarravam como sanguessugas. Assim como Kitchener, já senil, insistia sobre o shrapnel e se negava a usar altos explosivos na guerra, Wilson rejeitou o realismo dum mundo completamente desiludido e insistiu sobre os altos explosivos do fanatismo religioso pros dias de paz. Wilson, nesse particular, não era, nem na metade, tão mau quanto centenas doutros políticos, banqueiros, industriais dantes, durante e depois da guerra mundial. Todos foram cruelmente expostos à luz dessa suprema estupidez, principalmente porque os levou a situações totalmente estranhas, que exigiam pensamento, ação e negociação rápidos e flexibilidade de atitude pra fazer face às fortunas da guerra. Quando prepararmos nossa definitiva história da estupidez, teremos dificuldade pra condensar, em menos de dez volumes, a tragicomédia dos patriotas de idade mediana e de idade avançada que, combinando a estupidez e enfraquecida personalidade, conseguiram devastar e empobrecer, durante um século, a Europa. Esses volumes deverão ser seguidos por um ou dois, que exibam o preto que a indústria e o comércio, em todo o mundo, pagaram pelo domínio dos presidentes présenis e dos gerentes senis. Se os fatos puderem ser publicados sem ofensa aos sensíveis, convencerão, mesmo os mais céticos, de que devemos controlar os ricos, poderosos e egoístas capitães da indústria, a fim de nos livrarmos dos desastres econômicos. O que se pode fazer? Nossa resposta será dada no fim deste prolegômeno, quando considerarmos os problemas de estado decorrentes da estupidez humana.
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A mente amadurece somente através do uso. Todo ato acrescenta algo à estrutura nervosa. Toda hora de inação detém a realização. Assim, devemos esperar que as pessoas que, através de qualquer concatenação de acontecimento de qualquer natureza, se excitam raramente, permaneçam estúpidas e grosseiras. Devem se parecer com crianças que crescem, sozinhas, em adegas escuras: Seus espíritos são simples rebentos brancos que se dirigem, a apalpadela, à luz, como os rebentos das batatas. Durante os últimos 10 mil anos, ou mais, esse foi o destino da Rússia. E, afirmo, ninguém pode compreender a Rússia do passado ou do presente, exceto começando do começo e observando a extraordinária insuficiência do estímulo no ambiente normal dessa terra maldita. Na cartilha da psicologia a Rússia representa a Ferrugem. Vejamos como. Quem fala dos russos da mesma forma por que falamos dos japoneses e dos suíços trai sua ignorância. A Rússia não é uma raça, nação, tradição, civilização nem clima. É apenas um lugar. E que lugar! Não é uma raça! Antes, um amontoado de raças, numa confusão de línguas e de costumes. Eslavos antigos, povos uralo-altaicos, mongóis, turcos, alemães, tártaros, turco-tártaros, turco-mongóis, eslavo-teuto-turco-mongóis e mil e uma outras misturas de sangue, pra não mencionar o punhado de déspotas escandinavo-teutônicos que, durante gerações, pilhou os camponeses e se deu ar de governo. E depois, naturalmente, os judeus e os maometanos. E, na Sibéria oriental, as vagarosas hordas de chineses que, durante anos, atravessaram a Manchúria e a Mongólia em direção ao país dos sovietes, em bandos de milhares e de dezenas de milhares. Como poderemos falar de todos esses povos ao mesmo tempo? É impossível, naturalmente. Entre eles devem estar todas as espécies e todas as condições de homens. A Rússia não é uma nação, o que é reconhecido por sua forma central de governo, que se chama União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Seus habitantes diferem, entre si, tão grandemente, que uma genuína unidade política não poderá ser conseguida dentro de muitos anos ainda. Isso, naturalmente, não implica que o regime soviético não possa prosperar. Indica, apenas, que, seja qual for o êxito que consiga e retenha, será nalguma outra base, provavelmente a dum benévolo despotismo, o mais amável de todos os governos, enquanto durar. Todo grupo racial tem sua cultura e tradição próprias, naturalmente. Sabeis que, durante todo um século, um dos mais puros distritos alemães no mundo esteve localizado ao longo do Volga? Catarina a Grande levou milhares de vigorosos camponeses luteranos, nos fins do século 18, cujos descendentes ainda ali estão. O mesmo acontece com muitos outros povos. Ninguém sabe quantos milhões de pessoas de origem alemã vivem na Rússia mas podemos estar certos de que a maioria do negócio e da indústria do país está em suas mãos. E devemos estar precavidos contra a inclusão de suas realizações entre os atos dos russos. Foram os alemães que, em primeira vez, combateram e venceram os gafanhotos, que eram uma praga na Rússia; que deram fim às cobras que infestavam horrivelmente a Rússia central; que, em primeira vez, socorreram as vítimas da fome e tomaram precaução a fim de proteger os nativos contra nova fome. Devemos abandonar nosso trabalho sobre a estupidez dos russos? Não. Podemos adotar uma política de definição cuja utilidade outros pesquisadores reconheceram. Podemos falar do russo como o rústico eslavo que lavra o solo e mora, principalmente, em aldeias desoladas, no rico solo negro da Rússia ocidental, central e meridional, assim como nas terras produtoras de cereal da Sibéria. Como um antropólogo certamente argumentaria, esse homem é a verdadeira alma da Rússia e as repúblicas soviéticas não conseguiram modificar seu tipo racial nem a mentalidade. Excede, em
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número, todos os outros povos. É etnicamente puro. É firme em seu comunismo, sem pensar nele como num sistema político. Nunca emigra individualmente e é a aldeia, como uma unidade, que pensa, que decide, que se movimenta. No terreno da agricultura, se mostra altamente adaptável: Se torna pescador, caçador, fruticultor, criador, jardineiro ou plantador de trigo com facilidade. Em suma, um completo homem da terra! O solo centraliza toda sua atenção, todo seu interesse. Também indica o domínio de suas tolices. Como constitui 80% de todos os russos, se vê que, de certa maneira, toda a carreira política da Rússia deve refletir sua capacidade e incapacidade. Antes de os considerar devemos notar alguns fatos sobre a Rússia pré-histórica, que nos ajudam a compreender esse eslavo. As marés da humanidade avançaram e recuaram muitas vezes sobre o que hoje chamamos Rússia. No fim da quarta idade glacial o clima era muito mais quente e mais agradável que agora e a chuva era mais favorável à vegetação rasteira e às florestas. A terra era um labirinto de lago. Os temíveis pântanos, que atualmente cobrem tantos milhares de milhas quadradas no norte, não existiam. Ao contrário, a terra era 30m ou 60m mais alta que o nível do mar, portanto bem drenada e, no clima mais quente, muito atrativa ao homem. Assim aconteceu que nossa espécie se multiplicou e prosperou ali, mais ou menos no ano -10.000, embora essa data seja altamente conjetural. Os restos do homem préhistórico em torno desses velhos lagos revelam uma enorme população. Pode ter sido, mesmo, o centro da população do mundo durante muitos milhares de anos. Água fresca, semente e grão, animal! Mas, acima de tudo, muito espaço pro homem primitivo se mover sem incomodar os vizinhos! Ora, durante os últimos 10 mil anos uma desgraça se arrasta sobre a face dessa região. O sul está vagarosa mas constantemente, ressecando, enquanto o norte esfriando. O deserto parece ter agido sobre o homem mais depressa que o gelo do norte, mas ambos sobrecarregaram a Rússia. Olhai o mapa da Ásia e da Rússia Européia e vereis a mais longa faixa de deserto e de semi-deserto do mundo, partindo da Manchúria a oeste, através da colossal desolação de Gobi, depois através do Turquestão, terminando em terras semi-férteis da Ásia Menor. A sul e a leste dessa última região o deserto é muito pior e sua ruína se estendeu, nos milênios recentes, à Mesopotâmia, outrora próspera, e, muito antes, a praticamente toda a Arábia. Tudo isso é o resultado duma única transformação de clima causada por uma única série de modificações importantes no ar e na superfície, da terra. Se o frio do norte é o começo duma nova era glacial ali, ou apenas uma fase dessas longas flutuações de temperatura que dividem o período histórico em eras de altos e baixos, ninguém pode dizer. Mas nosso argumento pode passar sem essa informação, pois tudo o que desejo vos transmitir é que, em primeiro lugar, muitas das migrações da Ásia e do nordeste da Europa, durante os últimos cem séculos ou mais, foram causadas, principalmente, pela fome ou escassez de água, produzidas pelo frio crescente no norte e pela seca crescente no sul. E, em segundo lugar, que os atuais eslavos são um tipo superior de homem da idade da pedra, em comparação com os atuais espanhóis, italianos, gregos e noruegueses, mas se atrasaram 5 mil anos em relação aos melhores ocidentais de hoje, principalmente em resultado de seu triste isolamento e da extrema fixação mental e esforço sobre a agricultura de aldeia. Essa fixação é, sem dúvida, antes de tudo, resultado do isolamento. O mujique da estepe nada vê além da lama abaixo dos pés. Vá aonde for, nada mais vê além de lama, lama e lama. Assim, como pode modificar a mente? Estamos, pois, com a chave da estupidez russa, que é profunda e penetrante, embora infinitamente menos sinistra que a estupidez do espanhol. Todos sabemos que a falta de estímulo torna os indivíduos estúpidos. O mecanismo desse fato já é bem conhecido. O
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sistema nervoso se desenvolve através do uso. Dentro de certos limites inferiores se desenvolverá sob ligeiros estímulos mas nunca atinge um nível superior sem considerável variedade e intensidade de experiência. E essa experiência deve surgir nos primeiros anos. A criança deve ver, ouvir, sentir e cheirar muitas coisas, escutar conversas sobre toda espécie de assunto, observar muitas espécies de pessoas e visitar lugares estranhos. Deve se dedicar a uma variedade de estudo e exercitar os músculos de muitas maneiras. Ora, aplicai esses lugares-comuns de psicologia à análise da carreira típica do filho dum mujique, numa aldeia perdida das terras negras, a cem milhas da cidade. Pensai, especialmente, em seus primeiros 20 invernos, que são pouco mais que uma série de hibernação. Em verdade, nalgumas partes da Sibéria os mujiques praticam o latka, ou sono invernal, de maneira surpreendentemente parecida à dos ursos. Toda a família fica na cama cerca de 22 horas em cada 24. Um imenso caldeirão de chá serve pra todo o inverno e, em torno, são colocados montes de pão preto, tudo ao alcance da mão dos que dormem. Durante um ou dois minutos por dia, cada membro da família acorda o bastante pra ingerir um pouco de chá e mastigar um pedaço de pão. E, depois, volta aos doces sonhos do Nirvana! Naturalmente, como não se trabalha, e como todos dormem, sobre o grande fogão horizontal, se perde pouca energia e, portanto, a necessidade de comer é mínima. Quando chega a primavera, todos estão bem descansados. Mas, e a mente? Afunda numa estúpida inatividade, e assim permanece. O mujique é o maior sonâmbulo do mundo. Nunca desperta completamente. Quando se esforça em pensar, mistura tudo, como um homem que mal acaba de acordar. Isso explica, em grande parte, senão no todo, as fraquezas mais graves, profunda falta de lógica e pobre capacidade de observação em assuntos que supostamente mereçam mais atenção. Manifestando um amor simples ao solo e uma tendência fundamental a o trabalhar, continua a ser um dos mais estúpidos agricultores do mundo. Não deve ser mencionado na mesma classe dos chineses. Eis uma porção de provas que poderiam ser completadas por milhares doutras. Não pode apoiar seu esforço de maneira justa, mesmo nas mais simples das atividades necessárias da fazenda. Não usa a enxada nem o sacho63 nos momentos críticos. Quando os besouros assaltam a plantação, se senta estupidamente pra contemplar a obra ou chama o sacerdote pra benzer a terra. Mas talvez a mais terrível de todas suas tolices seja a de não ter descoberto o efeito do estrume sobre a plantação. O leitor ocidental terá dificuldade em acreditar mas se sabe que antes do regime soviético e de seu tremendo movimento educacional, milhares de camponeses da região do Volga sempre carreavam o estrume do estábulo, o atirando ao fundo do rio! E isso depois de 10 mil anos de agricultura! O estupor do mujique se evidencia melhor, talvez, na incrível tendência a ficar sentado o dia todo fazendo nada. Nas salas de espera das estações ferroviárias, nos bancos dos parques de aldeia, em casas e em lojas durante o inverno, o camponês pode sempre ser visto, imóvel durante horas, com olhar abstrato e distante. Às vezes, quando um pouco mais alerta, cai em devaneio ativo. E ninguém pode sonhar acordado tanto quanto ele. Com efeito, muitas coisas que considera fatos são apenas sonho. Outra forma desse estupor é a obstinação mental. Seja qual for a opinião que o mujique tenha aceito na infância, se fixa sobre ela e se torna insensível a qualquer sugestão que conduza a outro ponto de vista. Eis uma ilustrativa história verdadeira:
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Sacho - sm Instrumento semelhante à enxada, que os jardineiros usam pra afofar a terra, etc. Nota do digitalizador.
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Um inteligente fazendeiro alemão, perto de Carcóvia,64 cultivava um fértil trato de terra vizinho ao dum russo. Os gafanhotos se abateram, num dia de calor, sobre o trigo e o teria devastado completamente se o alemão não tivesse recorrido a um estratagema feliz. Amarrou uma corda fina a dois cavalos, fustigou os animais em direções opostas, de modo que a corda dobrasse as hastes de trigo, à proporção que os cavalos galopavam. Este estratagema afastou os gafanhotos. No princípio os insetos regressaram e continuaram o trabalho mas depois de serem desalojados várias vezes pela corda passaram, em massa, ao campo de trigo vizinho. O russo presenciara essa operação da maneira mais vazia possível. Ao perceber que os gafanhotos se dirigiam a seu campo, o que fez? Poderíeis pensar que tivesse atado uma corda a dois cavalos e expulsado as daninhas criaturas. Mas não! Correu até a aldeia, trouxe de lá o sacerdote e teve seu campo aspergido com água benta! Os gafanhotos continuaram e o mujique não teve grão de trigo nessa estação. Conto essa história simplesmente porque estabelece o tipo de mentalidade dessa raça naturalmente dotada mas infeliz. Talvez fosse possível completar a história falando do costume que prevalecia nas quatro livrarias de Carcóvia, ainda em 1840. O russo desejoso de aprendizado ou entretenimento literário, que procurasse livros nesses estabelecimentos, tinha de pagar a peso! Pro russo, tudo o que tivesse peso e estivesse a venda devia ser vendido como hortaliça! Esse fato contradita o que disse, há pouco tempo, sobre a alta adaptabilidade do eslavo como agricultor? Absolutamente. Sua sensibilidade está definitivamente limitada pelo solo. Pra ele, e com ele, o mujique fará quase tudo, na medida em que isso significa plantar eu criar. Mas não fará alguma dessas coisas de espírito alerta, com inteligência criadora, com iniciativa. Dono dos maiores tratos de boas terras do mundo, o eslavo os trabalhou durante 10 mil anos, sem ter contribuído, com melhoramento digno de nota, pro desenvolvimento dalgum ramo da agricultura. Não inventou instrumento nem utensílio. Não produziu novos tipos de fruta ou de cereal. Não descobriu novos e melhores métodos de lavrar o solo ou de fazer a colheita. Os chineses, os igorotas das montanhas filipinas, os italianos, os franceses, os alemães e, acima de todos, naturalmente, os ianques, todos o superaram em seu próprio campo de ação. E, vos lembrai bem! O eslavo pouco mais teve a fazer em todos esses milênios. Em sua própria especialidade é um fracasso. Haverá melhor prova de estupidez que esse fato? Se o regime soviético puder vencer a monotonia da estepe e do inverno russos poderemos presenciar a mais vasta liberação de energia humana de toda a história. Enquanto essas causas primárias de estupidez não forem removidas, ou grandemente atenuadas, os eslavos não poderão competir com os povos da Europa Ocidental nalguma atividade superior da civilização. Em verdade, podem destruir o mercado mundial de carvão vegetal e levar à falência, aqui e ali, milhares de plantadores de trigo, mas até mesmo isso o farão, trabalhando por salários baixos e vivendo muito próximo do nível do coli. Nem toda a perspicácia dos três principais povos não-eslavos, que são o cérebro dos sovietes, pode transformar essa inevitabilidade. E não pode simplesmente porque o mujique racionalizou sua fraqueza e criou uma filosofia de vida que beatifica sua estupidez. Tolstói trouxe a antiga fé em frases docemente simples, esclarecendo que a inatividade é o princípio metafísico da Rússia, que nos preserva das mais nocivas moléstias. O modo fácil e seguro de viver é se sentar à janela e beber chá. Só assim o homem pode dormir, com sonhos 64
Carcóvia (sic), não confundir com Cracóvia, na Polônia. Carcóvia (em ucraniano , Kharkiv e em russo , Kharkov) é a segunda maior cidade da Ucrânia. Localizada no leste do país. Tem cerca de 1.461.000 habitantes (2006). Foi fundada pelos russos em 1656, sendo a capital da Ucrânia até 1934. Nota do digitalizador. Extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Carcóvia
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amenos e sem pecado. Pro eslavo genuíno a vida ideal é a sem esforço, conflito nem luta. Eis a raiz do pacifismo russo. Não é amor fraternal, em qualquer forma ativa: É inércia psíquica. O camponês não tem ambição, pois falta a visão de coisas melhores e a capacidade dos movimentos superiores. Dorme como nenhum outro homem, afunda no estupor de vodca durante semanas inteiras, evita o trabalho como evitaria a peste e permite que seus concidadãos façam o que quiserem, não por uma paixão ardente pela liberdade pessoal mas porque lhe falta energia e convicção pra impor algum costume ou padrão de vida a outras pessoas. Assim inerte está predestinado a ser a vítima do primeiro déspota que surgir. Contra a tirania só possui como arma o vagaroso acúmulo do ódio de massa, que, uma vez numa ou duas gerações, explode com fúria vulcânica, e tão ininteligentemente como o Vesúvio. E tudo porque se faz homem num ambiente que o estimula débil ou monotonamente, o tornando prisioneiro da escuridão gelada metade da vida. Quando escapa dessa prisão, se expande e prova as altas qualidades do sangue que corre nas veias. Mas enquanto permanece encerrado entre a tundra ártica e os desertos arenosos do sul, serve como a mais trágica demonstração do poder da terra sobre o espírito humano. Pode remodelar esse clima horrível, essa infinita monotonia? Se puder, se tornará o maior de nós todos, depois de mil anos. O cientista e o engenheiro dirão, provavelmente, que a estupidez russa desaparecerá tão depressa quanto os russos construam cidades modernas e se transfiram a elas. Assim, em beneficio do mundo, que essa empresa seja acelerada, não importa sob o influxo de que política! Se a libertação é possível, será excessivamente vagarosa. A última década o prova. Quando o relatório do esforço dos sovietes pra treinar os camponeses na agricultura científica for publicado, o que deverá ser feito dentro dalguns anos, tudo o que disse será amplamente confirmado. O supremo esforço de 1931 falhou, como o anteciparam muitos observadores experimentados. Quando este nosso prelúdio ia ao prelo chegaram notícias de Moscou, de que os camponeses colheram abaixo da quantidade habitual de trigo, de modo que a Rússia suspendera a exportação a fim de proteger o povo contra a fome! E, notai, nesse ano se plantaram três vezes mais acres que sempre, num ano em que, em primeira vez, milhares de tratores, dirigidos por mecânicos alemães e ianques, puxaram milhares de grades e arados na Sibéria e na Rússia européia! Sem falar do tempo ligeiramente desfavorável. O que não funcionou a contento? Os indivíduos! É o depoimento sincero dos mais argutos peritos ianques, como Jean Walker, que serviu, durante anos, como técnico em trator e máquina agrícola, na fazenda experimental de Berbhut. É o testemunho de Hickman Price, Jr., que estudou o processo de produção trigueira na União Soviética em 1931, levando uma experiência incomum, como produtor trigueiro em larga escala, no Texas. Esses depoimentos ecoaram entre os competentes na matéria e foram negados pelos incompetentes e pelos propagandistas. Os estudantes selecionados, que trabalham nas fazendas russas, demonstram inata estupidez, mesmo em relação aos mais simples problemas mecânicos. São treinados nas escolas agrícolas durante dois anos, por peritos ianques e alemães e dali saem pra trabalhar nas grandes fazendas do estado, virtualmente sem saber mais que antes de partir da aldeia nativa. Empregam instrumentos e máquinas de modo tão terrível que os tratores têm de passar cerca de 50 minutos nas oficinas de reparação por hora de trabalho no campo! Nem esses jovens se excitam com o trabalho. Permanecem apáticos, negligentes, vazios. Preferem o sono, o chá e o rum a todas as máquinas do mundo. E como muitos indivíduos completamente estúpidos, supõem conhecer todos os problemas da plantação de trigo muito mais intimamente que os instrutores estrangeiros. O surpreendente é que poucos russos sabem produzir trigo, apesar de se haverem
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empenhado nesse trabalho milhares de anos. Os melhores, a parte os melhores culaques, naturalmente, estão no mesmo plano dos ianques mais pobres. E se seus descendentes algum dia se tornarem competentes nalguma coisa, será porque os ocidentais terão remodelado cidades e clima, pondo fim à fatal monotonia da estepe.
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Ψςση Psique
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Moros Espectro escuridão tem espectro, como a luz. São muitas as linhas, que diferem grandemente, como o amarelo do verde. E o que, pro físico, não passa dum simples incremento de pulsação por segundo, produz efeitos totalmente novos. Assim como a luz aumenta e multiplica uma espécie de bactéria e mata outra, o mesmo acontece com a escuridão. A estupidez é assim. Sendo uma escuridão não é uma disposição gradual de diferenças específicas em energia. Cada espécie trabalha a sua maneira particular, cometendo seus erros particulares. Mas não encontramos transição, duma espécie a outra, que possa ser expressa em equação de quantidade. Não negamos que tais equações existam, mas, se existem, somos muito estúpidos pràs descobrir entre as trevas de nosso labirinto. Nos desfaçamos, pois, da noção do homem estúpido sobre a estupidez. Não é uma qualidade simples e homogênea que existe, em vários graus de diluição, em vários indivíduos. É uma atividade resultante, tão positiva quanto o magnetismo ou a acidose. Seus componentes, velocidades, coeficientes de difusão são numerosos e cada meio em que trabalha mostra sua própria série de constante. Estudar alguns desses muitos fatores e condicionadores é nossa próxima tarefa. Tarefa que, como muitas outras, apenas podemos aflorar. Homem nenhum pode perceber as diferentes curvaturas de três linhas, todas de uma polegada de comprimento, sendo a primeira o arco dum círculo de 16m de raio, a segunda um arco de 30m de raio e a terceira um arco de 160m de raio. Os poderes de organização da região ótica não chegam até este grau de delicadeza. Até agora, ao que sei, nenhum psicólogo realizou experiência neste sentido. Mas minhas experiências, comigo mesmo e com amigos, demonstram que os limites de percepção da curvatura estão muito abaixo dos casos que citei. Pra muitos observadores, arcos de 2,5cm de comprimento, de círculos com 2m de raio, parecem linhas retas. Homem nenhum pode perceber, dentro de limites apreciáveis de erro, a maneira em que diferem duas áreas altamente irregulares, se ambas são, digamos, de mais de 1m quadradas em total, sendo a área de cada uma, parte qualquer desse total. Nem pode ver, de per si, os pontos duma linha ponteada sem também ver a linha, contanto que os pontos estejam muito perto um do outro, como em geral acontece. Nem pode ver uma série de pontos como uma linha, se entre os pontos houver a distância de 3m, enquanto o observador está a distância de 3m do ponto mais próximo. Ora, há milhares desses limites de experiência primária especiais, singulares e significativos. Servem pra definir, no mesmo nível de organização, tanto os estúpidos como os brilhantes. Quais os limites que devemos atribuir aos estúpidos? Quais as formas, visuais, auditivas, abstratamente geométricas e tenuemente lógicas, que ficam fora da percepção do homem estúpido? Essas questões não podem ser respondidas a menos que aceitemos e tenhamos, claramente, na mente, à proporção que avançamos, a completa relatividade dos tipos de sensibilidade. Devemos também lembrar que, quantitativamente, ligeiras variações nos elementos organizados dão nascimento a tolices que diferem como o amarelo do verde. Não é tudo. Nossa dificuldade mal começou. Os tipos de estupidez variam de maneira ainda mais profunda e transcendental, que no fundo, algum dia se provará ser idêntica às leis da física do espaço-tempo.
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Na física, como na psicologia, os acontecimentos, dentro dum dado campo, são funções desse conjunto maior dentro do qual se encontra esse determinado campo. O que percebeis é determinado por vosso mundo de significado. É uma resultante de todas as forças em ação dentro de vosso corpo e de vossa mente. Quando olhais um campo de neve, sob a límpida luz do sol, vedes o branco da neve. Um físico traz instrumento e vos prova que a luz que chega até vossos olhos é muito mais vermelha que parecia. Isso prova que não vedes a neve branca? Absolutamente! Estais experimentando algo muito maior que a camada de ondas de luz que passa através dos instrumentos. Estais vendo um campo de neve e sabeis que se trata dum campo coberto de neve e exposto à luz solar. As cores que vedes são relativas a essa totalidade. Não é tudo. São também relativas a toda a classe de experiência correlata do espaço-tempo doutras neves, doutras localidades, doutras luzes. E assim com todas as experiências, grandes e pequenas. Portanto, a inteligência efetiva do homem depende do número, da variedade e das tendências de organização de todas as experiências diárias, na vida. Nenhuma função isolada, nenhum dote congênito isolado, nenhuma espécie de treinamento isolado constitui a mentalidade. O todo é sempre, maior do que qualquer parte. Geralmente maior que a simples soma aritmética dessas partes. Aqui acontece o que acontece em química: Uma diferença aparentemente ligeira na ordem, na disposição, nas distâncias, nas velocidades, nas acelerações, nas massas e noutros característicos dos átomos resulta em substâncias e comportamentos totalmente diferentes, estejam esses átomos num tubo de experiência ou numa célula do cérebro. A qualidade e o poder da experiência dum homem derivam duma infinidade de acontecimentos, muitos dos quais ocorrem em planos de organização e em ordens de magnitude muito além de nossa observação direta. Enquanto não encontrarmos novos meios de os trazer ao campo de nossa análise não poderemos alcançar os fatos definitivos acerca da estupidez. Pois estupidez é apenas um nome a um hóspede de experiência peculiarmente limitada. Essas experiências variam enormemente de modelo: Um aparece em Beethoven, outro em Mussolini, um terceiro no último czar da Rússia, um quarto em Verlaine, e assim a diante. Não há dois padrões completamente iguais, exceto no resultado final, o fracasso diante de certos acontecimentos e condições importantes. Comparar os padrões apenas em termo elementar não teria utilidade. Devemos descobrir como se construem, como os químicos se esforçam em fazer com seus átomos. Na verdade não poderemos ir muito longe. Mas iremos até onde nossa ignorância, estupidez e invencível preguiça o permitirem. A última palavra sobre a estupidez não será escrita enquanto as personalidades sob investigação não forem, primeiro, analisadas nos traços constitutivos e, depois, como uma combinação integrativa. Há pouca esperança de que nosso assunto seja esgotado ainda durante vários séculos, visto que as pessoas normais se comportam de mais de 50 maneiras distintas, das quais cada qual pode ser considerada um traço. Estabelecer a inter-relação está, naturalmente, muito além da capacidade de qualquer pessoa. Eu me encheria de orgulho se fosse capaz de discernir, exatamente, a inter-relação de quatro ou cinco traços principais. Como discuti esses fatores de personalidade noutro lugar,65 basta sugerir aqui quais são os mais importantes e de que maneira, às vezes, se combinam. Isso servirá a apenas um fim, o de demonstrar a extraordinária dificuldade de fazer uma análise completa de qualquer caso de estupidez. Isso explicará, pra muitos de meus auxiliares, o enigma que muitos deles mencionaram, escrevendo me exprimiram sua surpresa quanto à dificuldade de chegar ao fundo de muitos 65
The psychology of achievement, Nova Iorque, 1930, especialmente no livro I
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aparentemente estúpidos. O padrão se funde nalgo estranho, enquanto está sendo investigado. Por quê? Porque um ato estúpido, se senão sempre muitas vezes, é resultante dum número desconhecido de traço. E entre eles podemos estar certos de encontrar muitas das seguintes variedades de traço: ● 1 - Deficiente sensibilidade do olho, ouvido, narinas, etc. ● 2 - Inteligência geral inferior, que se revela por: a) atraso em aprender novos fatos; b) lembrança e reconhecimento tardos; c) raciocínio errado, em geral limitado quanto ao raio de ação; d) incapacidade de controlar situações complexas; e) dificuldade de concentração; f) mente fechada, impermeável às sugestões e às novidades; g) falta de imaginação ativa. ● 3 - Inteligência mecânica inferior. ● 4 - Inteligência abstrata inferior, demonstrada por: a) débil pensamento simbólico, na linguagem e na matemática; b) incapacidade de captar e de manejar as relações abstratas no ambiente, especialmente espaço e tempo. ● 5 - Inteligência social débil, demonstrada por: a) habitual má compreensão das atitudes e dos motivos das pessoas; b) tendência a tratar todos os indivíduos como se fossem exatamente iguais como personalidades; c) falta de tato. ● 6 - Grosseria, especialmente de mão e de postura (em geral simples fator concorrente, não causa básica de estupidez) ● 7 - Interesses débeis, poucos interesses ou interesses desorganizados. ● 8 - Preparo deficiente (que pode levar quase a qualquer do outros característicos). ● 9 - Certas moléstias e suscetibilidades de infecção, que causara estupidez especial. ● 10 - Descarga inferior de energia, que interfere em muita funções. ● 11 - Vários defeitos de temperamento, muito numerosos pra citar aqui, cada defeito envolvendo alguma fase duma das emoções primárias, como: a) Grande freqüência de excitação, causando subversão e confusão gerais da mente b) Grande extensão do campo de estímulo, que provoca excitação desnecessária por causas irrelevantes c) Excessivo poder de emoção d) Persistência de maneiras de ação desfavoráveis a pensamento claro e ao procedimento adaptativo. ● 12 - Perturbadores traços do ego, alguns dos quais são: a) impulso ou apelo defeituosos, às vezes excessivos até a monomania, às vezes totalmente ausentes como na demência precoce; b) incapacidade de captar e de manejar as relações quanto aos assuntos exteriores; c) extroversão excessiva, resultando em insensibilidade total quanto às situações que envolvam os interesses e os direitos do povo; d) reclusão, encerrando o indivíduo contra o mundo, ao ponto de o fazer perder os contatos vitais e, portanto, agir sobre premissas insuficientes. Um simples olhar neste catálogo de imperfeição convencerá a todos, salvo os mais estúpidos, de que, assim como Boswell teve de devotar grande parte da vida à tarefa de reunir e digerir o velho dr. Johnson por motivos biográficos, devemos gastar anos e anos, se quisermos fazer uma análise completa dum complexo indivíduo estúpido. E a
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estupidez pode ser tão intrincada quanto o gênio, e talvez ainda mais. Andaremos mais depressa se estudarmos, primeiro, o processo integrativo e, depois, inspecionarmos os elementos que nele se combinam. Isso subverte a regra do pedagogo, de ensinar primeiro o mais simples. Mas o pedagogo erra, pois o mais simples é o mais difícil.
Síntese Considerai o problema, a princípio, como uma síntese. Os homens muitas vezes supõem que algum simples fator visível num padrão total de procedimento deve causar a superioridade ou a inferioridade. Que olhos maravilhosos um campeão de tiro ao alvo deve ter! Que visão aguda um grande aviador deve possuir! E, entretanto, os testes realizados no exército de Eua indicam que muitos dos melhores atiradores têm agudeza de visão abaixo da média. E doutor Conrad Berens, examinador do departamento do comércio, que expede licença pra vôo interestadual, revela o fato singular de que Clarence Chamberlain, o famoso aviador transatlântico, calcula tão mal as distâncias que Berens66 por um triz não o considerou incapaz de manejar, com segurança, um avião. Trinta pontos maus do departamento do comércio teriam desqualificado Chamberlain, e o aviador recebeu 25 pontos maus. Tudo o que isso prova é que o método de selecionar os homens pelo sistema de pontos é perigoso e injusto, a menos que seja cuidadosamente controlado com senso comum e compreensão. Os surdos dão excelentes motoristas, apesar da óbvia presunção contra eles. Os pensadores tardos muitas vezes conseguem, no fim de conta, os melhores êxitos, mesmo nos terrenos em que o pensamento rápido é uma vantagem. O essencial é o equilíbrio vital em conjunto e não qualquer parte isoladamente. O equilíbrio é maior que o padrão ou o poder. O equilíbrio abarca tanto o padrão como o poder. O equilíbrio é mais importante que todas as coisas equilibradas. Ai do observador que ignore e se concentre apenas sobre os detalhes! O que é esse equilíbrio vital? O compreenderemos melhor como base da estupidez si penetrarmos completamente em sua mais larga e profunda natureza, como a vêem os biologistas e os fisiologistas. A ação integrativa é a mais alta de todas as funções. É a função de ajustar o organismo como um todo ao ambiente como um todo. Assim se torna, num lado, o oposto do simples instinto (ou reflexo) e, noutro lado, o senhor e o administrador de todos os sentimentos, instintos e atitude. Pra ser mais exato, devo dizer que tende a se tornar senhor e administrador, pois nenhum ser humano chegou ao domínio absoluto. Todos deixamos, dalgum modo, de regular a vida de momento a momento de tal maneira a pesar devidamente cada desejo, cada hábito, cada circunstância exterior. O ambiente é muito vasto e muito complicado pra ser assim habilmente avaliado, e o cérebro humano não está adaptado a essa suprema tarefa. Isso não significa que ninguém possa efetuar um ajuste satisfatório na vida. Significa, simplesmente, que os ajustes mais satisfatórios a alcance dos mortais deixam fora de cômputo muitos fatores importantes. Imaginemos o que um homem seria se fosse capaz de integrar seu comportamento. Podemos fazer uma idéia muito clara desse comportamento por meio de experiências em cães cujos cérebros foram removidos e também por meio desses casos extremamente raros de crianças nascidas sem cérebro. Algumas dessas monstruosidades chegaram a 66
Teste de acuidade de visão binocular, de Conrad Berens, MD (1889–1963), um dos mais proeminentes oftalmologistas do mundo. Nota do digitalizador
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viver seis meses, durante os quais a vida era virtualmente não-integrada, exceto no mais baixo nível vegetativo, onde a integração tem lugar através do sistema nervoso autônomo. Um homem, a que faltassem absolutamente todas as estruturas integrativas, que deveriam inter-relacionar os vários órgãos superiores, poderia, naturalmente, possuir todos os órgãos dum homem normal. Poderia ter olhos, ouvidos, nariz, nervos e músculos perfeitos. Mas cada olho viveria a própria vida, sem ser influenciado pelo que o outro fizesse. Cada olho giraria em órbita independente, como os olhos dos bebês. Olharia, constantemente, dois objetos separados, em vez de coordenar ambos os olhos sobre um único objeto. O mesmo aconteceria com os ouvidos. Cada ouvido ouviria por si mesmo, sem tender a cooperar ou corrigir o outro. Ainda mais notável seria a conduta quando faminto, com sede ou cansado. Se colocando alimento na boca, mastigaria e engoliria. Mas, em caso contrário, morreria de fome, pois se o olho o vê a 3m de distância não exercerá estímulo sobre as pernas, no sentido da locomoção, nem sobre a mão no sentido de agarrar o alimento e levar à boca. Poderá lembrar, com grande vivacidade, que o que viu era alimento, mas nem mesmo esse pensamento o conduzirá até o alimento. Alguém poderia gritar que é alimento e que poderia apanhar, mas, como o ouvido não tem relação com o olho ou com o sistema muscular, ouviria a mensagem sem, entretanto, algo fazer. Tal criatura seria uma simples coleção de células e de órgãos vivos. Não seria um organismo, exceto no mais baixo sentido das palavra. Pois nunca poderia reagir, como um indivíduo completo, ao ambiente como um todo. Toda conduta seria fragmentária. Todas as sensação, sentimento e impulso seriam locais e momentâneos. Teria, possivelmente, ligeira memória local, isto é, cada olho poderia adquirir os próprios hábitos, cada ouvido poderia desenvolver certas maneira de audição, e assim a diante. Mas não haveria troca de experiência, união de impulso. E, na luta pela existência ele e todo os iguais seriam rapidamente derrotados. Pois até mesmo o mais humilde dos animais inferiores hoje existentes o ultrapassaria em astúcia e em adaptabilidade. Não vedes a biologia da estupidez? A criatura estúpida é, num sentido especial, um organismo inferior. Noutro sentido especial, somos todos organismos inferiores. Considerada um espécime de equilíbrio vital, acrescentamos, a criatura é inorganizada a tal ponto que, comparada com indivíduos mais comuns, mais bem sucedidos e mais rudes, é caótica, confusa, sempre insciente e eventualmente colhida em desastres que os homens ou os animais mais eficientes teriam facilmente evitado. Recorramos aos casos. Considerai Verlaine, esse estranho poeta francês cuja trágica passagem através dos labirintos da vida ilustra o comportamento integrativo de espécie somente um nada acima do imbecil. Nele vemos, combinada com inegáveis poderes, uma desanimadora incapacidade a os organizar a algo distantemente parecido a um padrão de vida. O resultado foi, como se sabe, uma carreira de indolência, de impulsos selvagens, de entrega infantil às tentações e de degeneração física e moral inevitável. Era somente no estreito campo das reações estéticas a cores, sons e prazeres sensuais que seus poderes integrativos se elevavam e produziram 18 volumes de versos admiráveis, cuja lúcida simplicidade brilha em estranho contraste com a conduta pessoal do homem. Verlaine parece ter amado profundamente a mãe. Seus escritos e não pouco da conduta em relação a ela demonstram. Mesmo assim, a explorou sem escrúpulo, a fim de conseguir dinheiro pra beber. E não hesitou em a censurar e até ameaçar, quando isso lhe pareceu diplomaticamente certo. Em tudo isso, o comportamento era infantil. Não demonstrava previdência. Era incapaz de coordenar os vários impulsos num programa de ação. E não é impossível que seu amor à mãe jamais se tivesse desenvolvido além do
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estágio infantil. Certamente isso explicará as evidentes inconsistências desse amor. Seu temperamento revelava a falta total de inibição normal. Passou na cadeia dois anos, por tentativa de assassínio contra seu íntimo amigo, o poeta Rimbaud. Brigava com a esposa de modo demoníaco e ela o abandonou, receosa e horrorizada. Arremetia contra a mãe sempre que ela fazia um débil esforço pra negar os exorbitantes pedidos. Assaltou seu amigo e protetor com fúria de bêbedo e voltou à cadeia. Às vezes se tem dito que Verlaine era um completo pagão. Isso não é justo com os pagãos. Verlaine não era pagão no exato sentido do termo. Era uma personalidade psicopata, um dipsomaníaco crônico, um degenerado dos cafés e das boates de Paris e uma mente infantil que apenas podia fazer bem uma coisa: Dar expressão perfeita aos desejos irrealizados. Considerados deste ponto de vista, os inigualáveis versos religiosos de Sagesse (1881) podem ser compreendidos. Não refletem o homem, tal como era mas, simplesmente, projetam, em delicadas e claras palavras, tudo o que não era e tudo o que desejava ser mas que nunca seria, Isto está tão perfeitamente integrado em suas palavras como sua vida estava imperfeitamente integrada em seu padrão de comportamento. Seu defeito fatal, conjuntamente com sua dipsomania, inevitavelmente o levou cada vez a mais longe do mundo dos homens. Desenvolveu uma timidez anormal, aparentada com o medo crônico. Em verdade, não seria hipérbole dizer que Verlaine via, no mundo, um palco e que todos seus movimentos se fizeram caóticos, por uma espécie de medo-do-palco ante todas as coisas. É fácil encontrar outros traços, mesmo nos primeiros anos, que demonstram um profundo receio ao mundo e isso não é incompatível com sua monstruosa raiva. Estas últimos eram ajustes defeituosos aos negócio mundial e, quando terminavam, exerciam tal impressão sobre o poeta que, quando não estava bêbedo nem louco de desejo por álcool, evitava lugares e pessoas. Isso basta pra explicar as vagabundagens. E explica algumas, não outras. Valerá a pena comparar, ponto a ponto, a personalidade de Verlaine com a de Francis Thompson, poeta inglês67. As semelhanças básicas são, em geral, chocantes. Os dois homens sofreram a mesma espécie de integração defeituosa: Ambos tinham a mesma concentração interior, poderosamente focalizada sobre os efeitos das palavras, o mesmo medo e o mesmo desgosto no mundo, o evitando ao extremo, e eram grosseiros e ineptos. Ambos foram vítima de seus apetites e procuraram refúgio no consolo da Igreja de Roma. Na verdade suas fraquezas parecem ter emanado de causas diferentes mas isso não importa, no momento. O fato sobre o que devemos insistir é que eram pobremente organizados. Dissemos tudo isso não pra provar algo mas somente pra mostrar a profunda estupidez que se funda sobre um equilíbrio vital defeituoso. Estamos agora diante da questão principal: O que produz um bom organismo e o que produz um pobre organismo? Há duas fases de organização. Uma se refere aos elementos que são organizados e a outra aos padrões e aos processos. Se estivéssemos escrevendo um tratado geral de psicologia deveríamos fazer uma longa pausa e devotar várias centenas de páginas aos ingredientes da personalidade bem ordenada (ou desordenada). Mas devemos voltar às florestas da estupidez. E, assim, apenas podemos esboçar a situação.
Elementos Os elementos que organizamos se dividem em dois grandes grupos. Primeiro, os membros de nosso corpo físico, braços, pernas e músculos em geral, que pendem duma armação de osso e cartilagem. Segundo, o influxo de excitação que passam através de 67
Thompson é estudado mais adiante, neste livro
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nossos nervos sensoriais e penetram o estranho campo do cérebro, onde reverberam durante anos e se combinam, infinitamente, em padrões singularmente pessoais. Movimentos físicos, visões, sons, odores, lembranças, pensamentos, análises, perspectivas, emoções e atitudes: É o material que é processado, combinado, misturado, condensado, esterilizado, cristalizado e infinitamente transformado nalguma espécie de comportamento unitário que, aos observadores despreocupados, se chama personalidade. Cada elemento tem seu próprio grau de força, vigor natural, duração e travo. Esse grau pode ser chamado índice de sensibilidade. Quando medimos um homem por outro vemos que a raça humana, em conjunto, demonstra distintas tendências comuns em seu sistema de índice. Por elas chegamos a um método objetivo de interpretar a estupidez. Os elementos podem ser grosseiramente agrupados em cinco classes. Desse modo revelam uma ordem normal de força, em 3/4 da raça humana observável, que abarca, principalmente, os povos ocidentais, que foram estudados sob muitos pontos de vista. A ordem normal é a seguinte: As sensibilidades motoras são as mais fortes. Nisso incluímos, simultâneo às experiências musculares comuns, todas as correspondências a movimentos percebidos no ambiente. O olho, por exemplo, em geral, capta movimentos mínimos no extremo do campo visual, mesmo quando não pode identificar o objeto móvel. O mesmo acontece com a capacidade da pele notar movimento excessivamente lento na superfície. Vêm, depois, as sensibilidades orgânicas, que incluem os apetites e as aversões, as atitudes e as emoções, os vagos sentimentos de bem-estar, de constrangimento, de depressão e coisas semelhantes. As sensibilidades de contato vêm em terceiro lugar, incluindo, principalmente, o gosto e o olfato, assim como o grupo sexual. As sensibilidades de distância conseguem um quarto lugar: Aqui o olho se revela muito mais receptivo que o ouvido. As sensibilidades de lembrança, de fantasia e de análise são, por todos os motivos, as mais fracas de todas. Será mais fácil compreender se tiverdes em mente que isso se reflete claramente no gosto popular. Corresponde à ordem de preferência demonstrada pelas massas em todas as idades e em todos os climas quanto a objetos de simples prazer e entretenimento. Ali encontramos: ● 1 - Canto e dança, pantomima ação dramática, ritual cheio de movimento e uma variedade de jogos atléticos certamente ocupam o primeiro lugar na estima da horda. ● 2 - Aventura, entretenimento, esporte e outras atividades ou espetáculos excitantes, como os combates de gladiador, as lutas de boxe, os parques de diversão, a montanharussa,68 as histórias de fantasma, as aventuras policiais, as reportagens sobre roubos, assassínios, furacões, incêndios e coisas semelhantes. E, naturalmente, os afrodisíacos. ● 3 - Alimento, bebida e sexualidade, no gozo imediato, como experiência de contato. ● 4 - Espetáculos visuais, como cenário, quadro de viagem, efeitos de cor. E, no reino do ouvido, a música destacada dos valores dramáticos em linguagem e ação. Isto é, não canto e dança mas as composições de Bach, Brahms, Chopin. ● 5 - Reflexões intelectuais, conversação, argumentação, a livre ação da imaginação
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No original looping-the-loop.
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criadora em qualquer campo. Ora, estabelecendo essa ordem normal de sensibilidades, também conseguimos uma pista quanto à colocação e à graduação dos indivíduos estúpidos. Duas grandes lacunas surgem na ordem. A primeira ocorre entre o terceiro e o quarto campos de sensibilidade a segunda, entre o quarto e o quinto campos. As sensibilidades puramente visuais e auditivas são, 9 pessoas em cada 10, muito mais estúpidas que as sensibilidades motoras, orgânicas e de contato. E, o que é pior, se tornam cada vez mais estúpidas no primeiros anos da vida. As crianças ultrapassam os jovens e jovens os adultos, em regra. (Essa diferença de idade, entretanto, é ainda mais pronunciada quanto ao sentido do olfato). Pra piorar as coisas, quase tudo, em nosso novo ambiente, conspira no sentido de tornar estúpidos o olho e o ouvido. Antes que nos voltemos a assuntos mais intrincados do processo psíquico, insistamos sobre isso através de casos e de exemplos.
Semi-cego Os ciclopes jamais tiveram a visão aguda que, mais tarde, lhes atribuiu. Se admite, em geral, que os selvagens excedem homens civilizados em poder de visão. Mas os psicólogos puseram fim a essa crença. Os estudos de R. S. Woodworth entre as tribos das Filipinas, na exposição de São Luís, em 1904, demonstram sua visão medíocre. Muitos outros observadores encontraram uma estupidez semelhante, e em geral atribuem a aparente superioridade do selvagem a seus hábitos de visão em campo aberto. Os índios do Canadá podem distinguir um bode selvagem sobre um pedaço de gelo num vale tão extenso que o homem branco, ao lado pele-vermelha, mal pode distinguir como uma mancha azulada. O taitiano, ao nadar, percebe um grande peixe nadando abaixo enquanto seu companheiro branco nada vê além de água. O velho cheroqui, dormindo sob as estrelas nas grandes planícies, é despertado pelo rápido clarão dum longínquo relâmpago horizonte, onde o homem civilizado veria apenas a escuridão. E todas essas sensibilidades são o resultado de anos procurando lobo selvagem, grandes peixes em alto mar e escrutando o céu sobre a aproximação do tornado. Se o homem civilizado dedicar muito tempo a estas tarefas poderá ter a mesma acuidade de visão. Todos os homens, selvagens ou não, são semi-cegos, tomados em grupo. A visão sub-normal é terrivelmente freqüente, tanto que me faz imaginar por que os oculistas escolhem os padrões que utilizam como normais. Erich Murr, do instituto de zoologia da universidade de Koenigsberg, fez experiências brilhantes, que demonstram que, sob todos aspectos, o gato é 40 vezes mais sensível que o homem sob outros aspectos, ao menos 80 vezes mais. Os ciclopes não podem ver o tênue fio de luz que desperta a visão nos olhos do gato. Tropeça na escuridão, enquanto o felino vê as coisas claramente. Considerai os seguintes fatos. Na grande conscrição militar de 1918, cerca de 21,7% de todos os homens dados como incapazes tinha visão defeituosa.69 Todas as pesquisas nas indústrias e nas escolas revelam estados ainda piores de visão. Entre nossas crianças, cerca de 45 milhões de seres ao todo, ao menos 15 milhões têm vista bastante má, de modo a necessitar óculos. Provavelmente há dezenas de milhares mais que vêem bastante mal pra os tornar contrários à leitura, evitando os livros e os bons periódicos, de modo que crescem mal-informados. Certamente, a pouca leitura não é causada por olhos imperfeitos mas por cérebros imperfeitos. É um defeito mental sem esperança de cura. Se alguém pudesse examinar, por milhares, os casos, 69
Gertrudes Seymour, The survey, 27 de abril de 1928
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entretanto, estou certo de que se veria que muitos indivíduos de pouca leitura, que não possuem mentes sub-normais, são, entretanto, prejudicados pelos olhos. O trabalho entre quatro paredes e a luz artificial se combinam pra arruinar a visão. Provavelmente, o constante declínio de atividade física no trabalho e nos divertimentos acrescenta algo a essa hecatombe. O cinema pode se somar a esta lista, embora seja de duvidar sua contribuição. E, pior do que tudo, pra mim, é a enorme quantidade de leitura requerida de milhões de trabalhadores da imprensa, desde o operário mais humilde até o gerente. O efeito é duplo. Primeiro, exige um grande esforço do globo ocular. Depois, envenena o caráter, fazendo com que todos os tipos sejam odiosos. Em investigações recentes sobre a leitura feita por negociantes encontrei muitos que admitiam haver, virtualmente, abandonado toda a leitura cultural, simplesmente por causa da dolorosa urgência em que trabalhavam, diariamente, sobre as notícias, as ordens e as discussões comerciais ligadas com os deveres do ofício. Poucos homens, nesse grupo dalgumas centenas, demonstraram a mais leve pretensão de estar a par dos acontecimentos do tempo, nem mesmo através dum rápido olhar nos jornais. Assim, semana após semana, estupefazem a sensibilidade à tendência do mundo e à relação humana. E se tornam escravos do trabalho. Muita estupidez social nasce de olhos deficientes e de olhos extenuados. O mesmo acontece com a falta de perspectiva, de que falaremos mais tarde.
Semi-surdo Os ciclopes são semi-surdos também. E as estatísticas médicas revelam que nossos heróis estão perdendo alguns de seus débeis contatos com o mundo sonoro. A surdez parcial está aumentando estranhamente no mundo. Na Europa e na América se realizam, todos os anos, experiências com as crianças das escolas e se nota tendência a ouvir menos. Quais as causas desse fenômeno? Muitas transformações no homem, em seu trabalho e em seu mundo, põem um tecido cada vez mais grosso sobre o ouvido e pouco a pouco afastam os gritos e os tumultos. Recentemente, os investigadores descobriram muitas coisas que arruínam a acuidade do ouvido. O barulho, a alimentação, a fadiga (e, portanto, a espécie de trabalho que se faz), o aborrecimento, a perda de sono e, ao que parece, a falta de interesse pelo que se ouve, podem arruinar e ouvido. Assim, mais uma vez vemos que um estupor gera outro, e que esse par produz um terceiro, e assim a diante, até que os ciclopes fiquem cegos, surdos e entorpecidos na escuridão de sua própria caverna. O barulho naturalmente devasta o ouvido. E todo o mundo se tornou uma casa de loucos: buzinas de automóveis, apitos de fábricas, sirenes de navios, megafones de rua e, por fim, o jaz, essa terrível reductio ad surdum70 de todos os ouvintes. O estrépito mina o equilíbrio nervoso e entorpece o campo auditivo. As atividades tumultuosas produzem trabalhadores surdos. O ouvido dos guardas ferroviários subterrâneos e aéreos começa a falhar desde cedo, como o dos ferreiros. E, como as pessoas se estabeleceram nas cidades industriais, todas devem ter sofrido dalgum modo. Estudos recentes sobre o barulho em Neva Iorque e noutros pontos o provam suficientemente. Mas também demonstram que muitas outras condições, menos suspeitas, estão pouco a 70
Reductio ad surdum (redução à surdez) – O autor faz trocadilho com a expressão latina reductio absurdum (redução ao absurdo), que é um recurso matemático de se fazer uma proposição e se provar que é absurda, portando seu oposto é verdadeiro. Por exemplo: Se todo número par é divisível por 2 então todo ímpar é divisível por três? Supondo isso verdadeiro, como só existem números pares e ímpares, então não existem números primos maiores que 3. portanto a proposição é falsa. Nota do digitalizador.
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pouco nos ensurdecendo a todos. Vejamos algumas. O bom ouvido depende, de maneira surpreendente, da saúde em geral e da nutrição. Isso foi recentemente provado por doutor Dana W. Drury, de Bóston, em seus testes audiométricos sobre cinco grupos. O quadro de futebol da Rarvar, nos fins da estação de bola, tinha o melhor ouvido. Em seguida, vinham os rapazes duma escola secundária particular, onde se presta grande atenção ao físico e à alimentação dos alunos. Em terceiro lugar, estavam as crianças dum instituto pra cego, onde também se dava melhor atenção à alimentação e ao bem-estar físico. O quarto grupo era composto por 100 crianças das escolas públicas de Bóston, que ouviam ligeiramente menos que os cegos. Piores que todos eram as crianças aleijadas e deformadas duma instituição de Massachustes. Os otologistas me afirmam que vários tipos de surdez progressiva variam dia a dia, de acordo com a condição mental e física geral. A perda de sono estraga o ouvido ao passo que um longo descanso o restabelece prontamente. O mesmo acontece com o comer demais e com o comer de menos, bebida, aborrecimento, fumo, etc. Também estou informado de que a simples preguiça e a simples falta de interesse em ouvir as conversas ou a música muitas vezes prejudicam o ouvido. Os médicos afirmam que os pacientes que prestam atenção ao que está acontecendo e entorno de si mantêm a acuidade do ouvido muito mais tempo do que os que permanecem desatentos. Podemos estar, aqui, invertendo causa e efeito. O paciente que mostra indiferença pelos sons o pode fazer em resultado duma inércia nervosa central, em conexão cum defeito no centro auditivo. Pode haver, por exemplo, um atraso nas associações auditivas ou um salto de energia em qualquer parte dos tratos nervosos. O ouvido tem alguma obscura relação com a estupidez. É a causa ou o efeito do nível mental, de modo que ultrapassa qualquer outro órgão sensorial. Provavelmente há muita verdade no conceito popular de que os surdos são calados. As experiências psicológicas mais cuidadosas demonstram que as crianças completamente surdas são retardadas, em média, cerca de 4,5 anos, isto é, um rapazola de 15 anos tem a mentalidade duma criança normal de 10,5 anos. Felizmente há poucos indivíduos surdos como pedra, cerca de 50 mil, em todo o país. Felizmente, também, os parcialmente surdos são imensamente melhores, não somente na capacidade de estabelecer contato com os indivíduos, mas também na linguagem. As crianças que ficaram surdas depois dos 6 anos parecem ter apreendido a linguagem tão bem que a surdez subseqüente não lhes retarda, de modo severo, a inteligência. Notar que isso apóia meu argumento geral de que o fraco convívio da linguagem é sinal de profunda estupidez. Até mesmo os parcialmente surdos muitas vezes caem na estupidez em conseqüência de apreenderem o vocabulário exato muito devagar e de estarem em posição inferior quanto ao uso da linguagem. O vocabulário comum, naturalmente, serve de sólido alicerce ao maior e ulterior vocabulário que a leitura dá. Mas as crianças parcialmente surdas são evitadas pelos companheiros normais, simplesmente por causa do esforço de falar alto e de repetir as palavras, durante a conversação. Assim, os instrumentos do pensamento nunca se tornam eficientes. Devemos esperar, pois, que os indivíduos parcialmente surdos sejam estúpidos, principalmente nas relações sociais e, também, no uso mais delicado da linguagem, especialmente no campo do pensamento criador. Como sempre, falamos de tendências gerais e não das brilhantes exceções, das quais encontramos certo número entre os indivíduos seriamente surdos. Também devemos esperar uma ligeira e difusa estupidez, em muitos campos, resultante dos danos que a falta de prática social e lingüística causa sobre todos os modos de pensamento e de ação. Quanto menos os indivíduos ouvem,
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tanto menos experimentam e, portanto, mais frágeis serão os alicerces da prática e da teoria. Que trágico absurdo, pois, toda nossa revolução econômica! Durante as três últimas gerações, dezenas de milhões de trabalhadores foram sistematicamente fatigados, mal alimentados e expostos fumaça das chaminés, ao ronco das máquinas e às intempéries. Arrancados das terras tranqüilas dos ciclopes privados do simples alimentação do homem da enxada e atirados a um sistema fabril estranho a seus sonhos, foram todos tornados estúpidos, não numa maneira mas em muitas. E, a menos que alguma imprevista modificação benigna se verifique em breve, afundarão ainda mais profundamente na estupidez. A geração que surge parece estar afundando. Investigações recentes sob os auspícios da conferência da Casa Branca, demonstram que cerca de três milhões de crianças, em nossa terra, têm o ouvido defeituoso. Como essas crianças ainda não foram submetidas ao barulho das fábricas nem a outros tumultos semelhantes parece razoável esperar que, daqui a 20 anos, muitos desses três milhões estarão consideravelmente mais surdos, ao passo que outros milhões, que agora ouvem bem, ouvirão cada vez menos bem. Triste perspectiva! Estou dalgum modo prevenido a favor da hipótese de que paixão ianque pelas dissonâncias do jaz é, em grande parte um resultado secundário da estupidez estética produzida pelo barulho. Nada fazemos pianíssimo. Vivemos num ambiente fortíssimo. Nos falta harmonia em nossa vida pessoal, assim como em nossas atividades econômicas e sociais. De modo que deve haver alguma obscura relação entre a sensibilidade a razões, proporções, equilíbrios e progressões, dum lado, e a música apresentada nessas formas matemáticas, de modo que, à medida que a primeira desvanece, a inclinação pela última também passa. Voltaremos a considerar esse ponto. Talvez alguém tenha provas a mão, quando começarmos a História da estupidez humana. Isso, entretanto, é verdade. Comparado com a pessoa que está afinada com as relações e com a estrutura interior da música, aquele que prefere a gritaria, os efeitos ásperos e os ritmos defeituosos é estúpido esteticamente, pois requer estímulos mais fortes, o que é outra maneira de dizer que é menos sensível. Poderíamos continuar a discussão doutros elementos sensoriais, os sentidos do paladar, tato e olfato. Entretanto, na história da estupidez humana, esses sentidos têm tão pouca importância que bem podemos passar ao largo. Há tantas coisas mais importantes pra contemplar! O papel da imaginação, o pensamento lógico, o trançado das relações matemáticas, os imensos sistemas de linguagem, neles conseguiremos um nível superior de mente. Curioso e perturbador o material.
Fantasia — Não tem lampejo de imaginação. Assim os homens, muitas vezes, se referem aos indivíduos estúpidos, com muita felicidade, aliás, pois essa espécie de insensibilidade diminui o campo de percepção e do vôo superior do pensamento muito mais severamente que a perda de ambos os olhos. Considerai o que a imaginação nos traz. Considerai o que seria a vida sem ela. O homem totalmente sem imaginação, se já existiu algum, coisa que duvido, viveria exclusivamente no aqui-agora. O domínio de sua estupidez abarcaria todo o ontem, todo o amanhã. Um grande território! Voltadas ao ponto móvel deste Aqui e deste Agora, suas sensibilidades seriam intoleravelmente agudas, se admitindo que sua energia igualasse nossas energias no mais, pois as únicas saídas seriam os canais dos sentidos, olho, ouvido, nariz, língua, pele e membranas mucosas. Nenhum esteta de nossa relação
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poderia se excitar como esse estranho ser em presença do céu e das nuvens, dos pássaros e dos peixes, das virgens e das prostitutas. Todavia, apreenderia somente forma e cor, somente cheiro e gosto. Os significados mais sutis, que estão na origem e no destino das coisas, jamais os alcançaria. É possível que tivesse uma memória simples, mas a enriqueceria de modo limitado, pois só entraria em serviço como um auxílio nas percepções imediatas. Olhando um cavalo poderia perceber como o mesmo animal que viu uma semana antes. Além disso, nada. Jamais sonharia mas poderia, durante o sono, experimentar sensações corpóreas tais como calor sob os cobertores ou cãibra no pé. Nem poderia planejar o futuro. Por necessidade, levaria à prática o preceito de Jesus: Não penses em tua vida, no que comer, no que beber, em teu corpo nem sobre o que nele porás… Não penses no amanhã… Assim, toda sua vida passaria, como uma coisa imediata, caótica, cega, infinitamente estúpida. Nem mesmo um imbecil vive nesse nível. Um idiota vive mais abaixo. As fileiras dos homens chamados estúpidos possuem considerável imaginação, mas duma espécie que exige descrição e diferenciação cuidadosas. Seu conteúdo é peculiar mas, felizmente, é familiar a todos os leitores. Tentemos uma análise geral da função. Acho que há quatro espécies de fantasia dignas de especial consideração aqui: O simples devaneio, o faz-de-conta, a reflexão lógica e a imaginação criadora.
Devaneio No simples devaneio as imagens surgem, demoram um pouco e se fundem no nada. É o sonho ocioso, à luz do dia. No faz-de-conta as coisas aparentes são tratadas como se fossem reais: As crianças pretendem que suas bonecas são interlocutoras ou, mesmo, podem pretender que as bonecas estão presentes, conversando consigo, embora a boneca esteja muito distante. Na reflexão lógica as coisas são dissecadas, classificadas, reagrupadas, relacionadas a outras coisas reais ou imaginárias e, vagarosamente, dali surge um sistema de conclusão que pode ter valor. Na imaginação criadora, alguma coisa se inventa, seja um soneto ou um instrumento mecânico. Não há necessidade de reflexão lógica. Com efeito, o testemunho de muitos homens de pensamento criador mostra que, em geral, a novidade surge como um relâmpago, já pronta. Os mortais comuns perdem muito tempo em simples devaneio, tempo demais, com efeito. As imagens, aqui, são um caos de recordação, cena passada, atitude falsa e desejo. Lhes falta direção e propósito. Quem quer que observe, em silêncio, as horas de quietude dos símios e dos gorilas, não pode resistir à conclusão de que esses antropóides meditam no mesmo nível. O mesmo acontece com os cães e, talvez, com os gatos. Também o ciclope sonha. Uma atividade sem proveito! Não chega a um fim. Simplesmente vem e vai, como a luz solar através da folhagem batida pelo vento. Mas o tolo, não conhecendo algo melhor, supõe que isso seja a própria essência do intelecto. Aceita a defesa do aldeão da Nova Inglaterra, de notória estupidez, que se candidatou ao lugar de coletor. Sabendo que os outros estavam zombando de sua capacidade, declarou, a um grupo de eleitores: Soube que não acreditais que eu saiba o bastante pra desempenhar o cargo. Espero que compreendeis que estou sempre pensando nele, dum modo ou doutro, na maior parte do tempo. Às vezes, o parvo vai mais longe. Sustenta, em alta voz, ser um bom pensador, porque sempre pensa em boas coisas, e ser um artista, porque pensa em obras de arte. Essa estúpida bazófia foi apoiada por muitos pensadores ciclópicos, desde Platão a diante, e foi responsável, receio eu, por grande parte de falsa cultura e de educação pervertida, embora, talvez, nenhum ideal mais delicado seja criado pros estúpidos. E os estúpidos devem passar na escola, a menos que a democracia fracasse.
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Espero que já tenhais captado a íntima semelhança entre esse devaneio sem propósito e certo tipo inferior de prazer estético. Há contemplação sem referência a fim e propósito, o que preenche as condições exigidas por Kant prum objeto de beleza. Não é possível, pois, que a ordem superior de prazer estético surja desse devaneio e, mesmo, seja uma transferência de sua atitude e de seu método de fluxo da mente ao fluxo do mundo? Penso que se podem encontrar casos que ilustrem a transição do devaneio elementar ao estado estético. Os dois modos de atividade surgem nessa fase, naturalmente. Portanto, pro observador que deu pouca atenção a esses assuntos, o caso deve ser muito confuso.
Faz-de-conta A segunda das quatro espécies de fantasia é o faz-de-conta. As tolices que engendra nos escapam, a menos que trabalhemos sobre elas cuma lente poderosa. Assim, passaremos nelas rapidamente, nesta breve introdução. O faz-de-conta é uma herança da infância. Nos primeiros anos é vigorosa, em grande parte em virtude da incapacidade da criança de distinguir entre ficção e realidade. É no sonho que o faz-de-conta se intromete nos anos maduros. Não agüentará a luz solar, em regra, mas a noite suaviza a extensão de seus erros. Sob seu influxo os desejos se tornam cavalos em que o sonhador monta, sempre e sempre, até o apocalipse. Quando surge a alvorada o fato bate à porta e expulsa o mundo das sombras. Somente duas variedades importantes de adultos continuam a fazer-de-conta de modo sério e ordenado: Os escritores de ficção e as vítimas de sistemática auto-ilusão, sejam paranóicos ou simples introvertidos excêntricos. Uma prova de que o cidadão ordinário gosta de fazer-de-conta, embora não possa condescender nessa atividade totalmente? Considerai a imensa popularidade dos contos, das novelas, das peças de teatro e do cinema! Acima de tudo, o cinema falado. Estes filmes servem a uma profunda necessidade da humanidade estúpida. Chamai a esta necessidade fuga da realidade, se quiserdes, mas não esqueçais que a fuga particular, que agrada em geral, deve ser uma fuga em que o fugitivo parta a um país em que todos os detalhes sejam iguais aos do mundo real, ao passo que tudo o que acontece preenche algum desejo nele existente. Realismo romântico, em suma, o material sendo real e o movimento imaginário. Muita gente prefere um filme falado a uma peça de teatro. Também prefere o filme falado ao filme mudo, 9 vezes em 10. O drama à moda antiga teve, há muito, morte natural, pois perdeu o contato com a realidade de muitas maneiras. Sempre, desde os primitivos recitais pantomímicos de menestréis e as danças rituais que reproduziam os acontecimentos quase literalmente, o drama se desenvolveu sob severas restrições. Seu equipamento foi absurdamente grosseiro. O tablado convencional, as luzes, a maquiagem e o resto transformaram o drama em simples linguagem. Se tornou um sistema simbólico, em parte alguma tão completamente quanto na China, que o espectador devia aprender e aceitar, como aceita, em química, H2O como o símbolo da água. Ora, prum assistente imaginativo isso é, em geral, fácil e aprazível. Mas o homem simples, que depende do olho e do ouvido, tem uma noite de aborrecimento. A rápida e enorme voga alcançada pelo cinema falado foi a resposta do simplório a uma arte que lhe deu cem vezes mais realidade que a melhor das peças de teatro. Sei o que digo porque também sou um desses homens simples que, em assuntos de estética, dependem quase completamente das percepções dos sentidos pra seu prazer. Toda arte simbólica, seja escultura, poesia, romance ou drama, não somente me deixa frio mas me irrita (ou, às vezes, me leva a soltar grosseiras gargalhadas). Em fantasia, no que diz respeito ao drama, sou 100% estúpido. Sou como os outros. E poderia citar uma centena
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de peças que me aborreceram, quando representadas no palco, mas me fascinaram no cinema falado. Um exemplo bastará: Cena de rua.71 Elmer Rice, que escreveu a peça, detesta o cinema. Acha que a versão cinematográfica de Cena de rua é quase tão boa quanto o pode ser um filme, o que não é dizer muito, de seu ponto de vista. Condena a falta de unidade e de ritmo do filme. Não podes notar essas qualidades se nesse momento te mostram um corpo inteiro e, no momento seguinte, uma multidão de 600 pessoas. Quase no mesmo fôlego, nota Elmer Rice: A multidão de cinema de Roliúde não pode fazer com os filmes o que o filme pode fazer melhor: A fantasia. Nessa última palavra se revela uma criança do país dos sonhos, como o são muitos dramaturgos e romancistas, mesmo quando se imaginam realistas. Ora, pra mim a versão cinematográfica de Cena de rua é, pra falar cautelosamente, ao menos 10 mil vezes mais excitante e mais amável que a peça original, que é pouco mais que o eterno brinquedo duma criança com blocos coloridos e bonecas de pano. Nunca vi cinco peças de teatro que me agradassem nem mesmo na metade tanto quanto qualquer dos cem melhores filmes falados. Sendo um escravo da percepção, naturalmente gasto minha capacidade de diversão nessas percepções e consigo mais percepção nos filmes falados que noutras coisas. Isso explica a existência de bilhões de adeptos do cinema em todo o mundo. Em dez segundos de filme falado recebemos mais impressão do que em dez minutos de teatro. Quando vemos, num trecho de Cena de rua 600 seres humanos avançando, todos reais, vivos!, somos mais impressionados que quando, num palco estreito, vemos 12 ou 20 atores simbolizando uma grande multidão. A coisa é tão simples que os grandes dramaturgos não podem compreender. De qualquer modo, pra escrever uma grande peça, é necessário ter imaginação viva. O espectador comum e o dramaturgo extraordinário nunca se encontram. A estupidez do primeiro impede um pouco mais do que a estupidez do último a compreensão do que o povo quer. O perito em faz-de-conta é constitucionalmente cego pra certas realidades. Consideremos agora uma séria perversão do faz-de-conta. Não podemos compreender a inter-relação entre as correspondências contrariadas e o comportamento geral do homem enquanto não notarmos a invasão sutil de seu pensamento supostamente controlado por parte das ficções da fantasia. Eis um assunto que merece muito mais atenção do que recebeu. Não pode haver dúvida de que muitos dos atos equilibrados nos homens e nas mulheres normais se tornam excêntricos, enigmáticos e defeituosos, através da inconsciente persistência, neles, de vários ajustes substitutivos e fingidos, provocados por uma oposição inicial. Isso é muito comum entre as crianças e entre certos adultos sub-inteligentes. E sabemos agora que é uma das principais perturbações da vida onírica durante o sono, quando todos os controles de espécie mais comum estão enfraquecidos. O extremo dessa tendência se observa nos efeitos dos sonhos. Isto foi observado, a princípio, em indivíduos histéricos, por Féré,72 e, desde então, foi repetidamente estudado. Aqui o paciente desenvolve uma série peculiar de sintomas, durante o ataque histérico. Todos ou muitos desses sintomas são o prolongamento de atos vistos em sonho. Noutros casos são reações a esses acontecimentos sonhados. É um erro supor,
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Cena de rua (Street scene) é um musical da Bróduei ou, mais precisamente, uma ópera americana. Kurt Weill (música), Langston Hughes (letra), e Elmer Rice (livro). Baseada na peça ganhadora do prêmio Pulitzer do mesmo nome, de Elmer Rice. Por seu trabalho em Cena de rua Weill recebeu o primeiro Tony Award de melhor partitura original. Nota do digitalizador 72 Brain, volume 9, página 488
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como o fizeram certos investigadores,73 que esses sonhos são a causa adequada de seu procedimento reflexo, como sintoma. No histérico há algo seriamente defeituoso, e um dos piores defeitos é a tendência ao prolongamento de qualquer experiência, atitude ou ato. Não pode se deter no que começou a fazer. Assim, quando leva seus atos de sonho até as horas de vigília, está fazendo apenas a coisa regular. Levar a diante o conteúdo do sonho é, como um ato, um sintoma de histeria. Mas o conteúdo particular não deve ser considerado uma causa do sintoma. Pois qualquer conteúdo pode ser assim prolongado. O prolongamento é o verdadeiro sintoma. Os indivíduos normais não prolongam os sonhos assim, salvo nos raros casos de crianças que às vezes revelam incapacidade de distinguir entre a vida de sonho e a vida de vigília, alguns minutos depois de despertar. O efeito comum dos sonhos na conduta da vigília aparece em nossa disposição de humor, especialmente na que nos penetra ao acordar, na manhã. Quase todo mundo, suponho, já observou em si a curiosa e, em geral, entristecedora persistência dessas depressões, receios sem-ver-de-quê, presságios, excitações e exaltações. Enquanto algumas são agradáveis muitas têm um estranho matiz de raiva ou de medo, muitas vezes tão pesado, tão errático, que chegamos a não compreender nosso sentimento. Aqui não há lugar pra prosseguir no estudo da persistência das disposições oníricas. Quero apenas chamar a atenção ao fato geral de que a extensão em que a fantasia e suas disposições afetam a conduta da vida de vigília é um característico importante da fase de equilíbrio da personalidade. Um espécime bastará aqui e, felizmente, tenho um bom, que merece consideração cuidadosa. Um caso singular e patético de equilíbrio psíquico através de auto-ilusão se encontra na atitude de Philip Wesley em relação a seu filho mentecapto, Artur. Wesley é dotado de mente singularmente aguda e conseguiu êxito brilhante na profissão. Quando nasceu o primeiro filho, logo se tornou evidente, aos pais, que o garoto não era normal. Não foi capaz de aprender a falar. Aos cinco anos de idade Wesley invocou o auxílio de vários especialistas, alguns dos quais declararam que a criança era mentecapta, enquanto outros afirmaram que era muito cedo pra julgar. Wesley, naturalmente, se afastou dos primeiros, se pondo ao lado dos últimos. Com sua senhora se entregou, então à tarefa de ensinar a criança a falar. Não conseguindo progredir na tarefa, Wesley insistiu em que isso acontecia porque não sabiam ensinar. Isso era, é claro, um esforço por preservar o próprio equilíbrio vital, uma de cujas partes integrantes era seu amor a Artur, a aceitação à criança como normal e o desejo de poupar à esposa a mágoa de possuir um filho defeituoso. Admitindo a própria incompetência como professor, Wesley não perturbou seu próprio equilíbrio, pois jamais se imaginara professor. Se imaginando um pedagogo incompetente, Wesley não se perturbava mais do que se imaginando um fracasso em prestidigitação ou em acrobacia. Contratou uma professora especialmente treinada em ensinar criança retardada. Em três anos de paciente e inteligente esforço a mulher não progrediu com Artur. E, afinal, a professora se desesperou, dizendo à mãe que a criança era um caso sem esperança. Wesley se recusou a aceitar o veredito. Disse a todo mundo que a mulher estava enfadada. E mandou Artur a uma escola particular pra criança retardada. Ali ficou claramente provado que a criança era mentecapta e sofria de graves defeitos da laringe. Podia apenas soltar grunhidos semi-articulados, como um cão bem treinado. Foi esse defeito menor que deu a Wesley a oportunidade tão desejada a uma auto-ilusão 73
Waterman, Dreams as a cause of symptoms, no Journal of abnormal psychology, volume 5, página 196
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feliz. Aderiu ao ponto de vista de que as dificuldades do filho eram inteiramente na laringe. Garantiu aos amigos que, naturalmente, o menino não podia aprender a falar e que tudo o que necessitava pra se tornar mentalmente são era alguma linguagem como a dos surdo-mudos. Os pais imediatamente se esforçaram a desenvolver essa linguagem. Estudaram os gestos e os gritos naturais de Artur. Associaram, em suas próprias mentes, esses gestos e gritos com alguma situação ou algum desejo e no curso dalguns meses criaram uma série de sinais e de sons lingüísticos. Na verdade estes gestos e gritos eram, ao todo, cerca de 15 e eram pouco mais que os grunhidos e gestos de mão que um caçador poderia empregar pra falar aos cães. Mas Wesley sustentava, com convicção, que Artur fala agora conosco tão bem como os irmãos e é tão esperto quanto eles. Os amigos aceitaram, polidamente, essa afirmação, pois sabiam o que significava, e nenhum prejuízo pode advir da amizade, ao passo que a verdade poderia causar amargura. O mecanismo, aqui, é singularmente simples. O desejo do homem de ver o filho se tornar normal foi contrariado. No curso de longo esforço pra tornar verdade seu desejo, progressivamente criou uma série artificial de critério pra julgar normal a criança. Os gestos e os grunhidos da criança passaram a ser aceitos como os únicos fatos de relevo e de significado, e todos foram interpretados em termos da linguagem de sinal inventada por Wesley pra fazer com que a criança parecesse normal. Esse mecanismo, em geral, pertence aos sonhos ou à insânia. Mas não aqui. Não é evidente, aqui, a aparente estupidez? Devemos a considerar real ou simples aparência? Se trata, em grande parte, duma questão de definição exata. Minha inclinação é pra concordar com os amigos do homem, que declararam, há anos, que se tornava surdo, cego e mudo na presença do filho. Isso é uma genuína estupidez seletiva, construída por um desejo dominante. Há milhões de casos semelhantes de pensamento desejável e de percepção desejável como esse. Como está na linha de fronteira entre a saúde mental e a insânia não iremos a diante no estudo.
Reflexão lógica A terceira fantasia é a reflexão lógica, um nome infeliz prum traço delicado. O ato reflete algo definido, uma situação, um problema, um mistério, nunca uma simples imagem conveniente. Isso lhe dá solidez e utilidade. Em seguida, a reflexão funde a cena através do prisma do intelecto: Os objetos surgem em suas relações e todos são analisados dalgum modo, nalgum ponto de vista. No devaneio não há análise nem inferência. No faz-de-conta a seqüência é estética ou artística. Mas aqui é pura razão, com todas as seqüências num sentido lógico. O valor dessa atividade depende do material sobre o qual trabalha. O resultado pode se revelar sem valor, estúpidos ou positivamente prejudiciais, se o pensador trabalha sobre nada. Se estúpido ou viciado na escolha do assunto, pode fazer uma bela exibição de lógica e, entretanto, terminar dando mostra de futilidade. Pois a lógica simplesmente leva a diante as implicações de proposições aceitas. Toda sua natureza se revela nessa relação implicativa. Sob todos os outros aspectos é indiferente àquilo que implica. Menciono essa particularidade porque devemos compreender que um homem pode ser completamente estúpido na reflexão lógica, embora seja brilhante na escolha de assunto, como pode ser exatamente o inverso, um agudo analista, mas um estúpido completo na escolha dum tópico a analisar. Essa circunstância leva a infinita confusão, não somente em si mesmo mas naqueles que apreciam as descobertas. Considerai os milhares de rigorosos raciocinadores que, desde o começo da história, analisaram, na fantasia, assuntos como a criação do universo, a onipotência dum deus e as razões pra
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criar o homem como o fez, a origem da matéria, o movimento perpétuo, o número de anjos que se pode conter na ponta duma agulha e o que está além do ponto em que termina o espaço. Ou considerai sir Oliver Lodge e os ectoplasmas. Negaria alguém que esse cientista, outrora brilhante, seja capaz de reflexão lógica de nível superior? Eu não o faria, certamente. Sua carreira como físico desautoriza todas as dúvidas. Mas, ao envelhecer, depois que seu filho querido, Raymond, pereceu na primeira guerra mundial, voltou seu poderoso intelecto ao campo dos espíritos. O assunto se tornou patético. O conteúdo de fantasia afunda em subjetividade, notavelmente nas comunicações de Raymond. A cena em geral é o inverso de Lodge. Por necessidade muitos homens se entregam a assuntos úteis, durante a maior parte do tempo, mas, infelizmente, não podem controlar a lógica e a matemática desses assuntos, na fantasia. Embora não tenha, em apoio a minha tese, tábuas de freqüência e de distribuição, ouso conjeturar que os indivíduos são mais estúpidos sob esse aspecto que sob qualquer outro. E afirmo que essa incapacidade retarda o progresso do mundo, pois o domínio da natureza repousa sobre a matemática, que se estriba principalmente sobre a lógica.
a) Espaço-tempo O destino das nações foi repetidamente decidido pela estupidez dalgum homem em assunto de percepção de espaço-tempo. Isto acontece mais freqüentemente durante as guerras, pois então é que os dias, as horas e mesmo os minutos fazem a diferença entre a vitória e a derrota, ao passo que 1km de cálculo errado, seja no alcance dos canhões, na marcha forçada dum dia ou na localização duma base de abastecimento, modifica o curso da civilização durante dez gerações. Vos voltai aonde quiserdes, à Grã-Bretanha, à China, a nosso próprio país, a cena é sempre a mesma. Parece ser a nossa herança comum do homem de antes da idade glacial. Considerai primeiro os ingleses. Quando estudarmos as tolices peculiares dos britânicos, deveremos notar em tamanho maior o que agora afloramos em miniatura, ou seja, certa enganosa insensibilidade à passagem do tempo, conjuntamente cuma incapacidade de medir, relacionar, igualar e diferenciar períodos, lapsos e intervalos. Podemos, perfeitamente, dizer, de todo o curso da história inglesa, o que Lloyd George proclamou em seu trágico discurso na câmara dos comuns, em 20 de dezembro de 1915: Á! Palavras fatais desta guerra! Muito tarde pra vir! Muito tarde pra ir! Muito tarde pra chegar a esta decisão! Muito tarde pra tentar uma investida! Muito tarde pro preparativo! Nesta guerra os passos das forças aliadas foram perseguidos pelo espectro zombador do muito tarde! Sem querer se fez eco ao veredito da história de seu povo em todos os tempos. Mas pressa estupidez ciclópica em relação às vitalidades do tempo e ao preço dum minuto, jamais teriam despertado Eua. Estaríamos vivendo, agora, como cidadãos duma confederação de povos de língua inglesa, em absoluto domínio sobre o resto do mundo. E jamais poderia ter havido uma guerra mundial se minhas previsões podem merecer fé. Mesmo se os generais britânicos na América fossem semi-despertos aos assuntos de tempo e de espaço, mas de tempo especialmente, nossos patriotas não teriam oportunidade de combater. Há o absurdo comportamento desse filho semi-inteligente dos ciclopes, general
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Howe. Emudeça as cordas da lira da história. Tudo é muito triste. Durante a revolução, a campanha de general Howe foi caracterizada pelo atraso, incompetência e letargia. Sua comissão militar virtualmente se tornou a dum principiante. Durante seis anos os desatinos de Howe e as tolices doutros generais ultrapassaram o crível. Se as forças britânicas fossem inteligentemente dirigidas poderiam ter facilmente derrotado os exércitos francês e americano. Entretanto a má disciplina, a estúpida letargia, a confusão intelectual e a inação total, assim como a má pontaria notável, transformaram a possibilidade duma vitória incrivelmente fácil numa humilhante derrota. O Ocidente é como o Oriente. Se poderia escrever uma cômica história do Levante sem insistir sobre outras coisas além de sua desanimadora, desordenada e animalesca cegueira ao mundo de quatro dimensões onde Einstein se move à vontade. Talvez devamos consagrar ao assunto um ou dois volumes de nossa História da estupidez humana. A esse simples levantar de cortina um caso deve bastar. E vos surpreendereis ao saber que todo o desenvolvimento moderno da China girou em torno dum ato dessa espécie particular. O maior general chinês dos tempos modernos, Wu Pei-Fu, comandava um exército de meio milhão de homens, que dominava todo o norte da China e exercia considerável influência no sul. Muitos europeus residentes na China o olhavam como o gênio que, em tempo, reuniria todos os chineses sob um único e bem organizado governo. Em 1924 planejou derrotar Chang Tso-Lin, dominador da Manchúria. Tudo, nessa ocasião, estava em favor de Wu Pei-Fu, de acordo com observadores competentes, até o momento em que se preparou pra marchar sobre o norte. Tinha absoluto controle sobre todas as ferrovias chinesas e reuniu locomotivas e carros prà jornada. Embarcou homens e abastecimento e os mandou a Shanhai-Kuan numa ferrovia que ora tinha trilho simples, ora duplo. Infelizmente, não Wu Pei-Fu nem qualquer de seus auxiliares eram suficientemente dotados de sensibilidade de lugar e de tempo pra calcular os detalhes de tal operação. Prum ocidental, o que aconteceu parecerá uma nova história contada por Alice ao regressar do país das Maravilhas. Wu Pei-Fu continuou a mandar trens e trens ao local, até que toda a linha se transformasse numa sólida e imóvel massa de máquina, carro e soldado errantes. Nada podia passar entre a grande muralha da China e Tien-Tsin. Assim, imaginareis, Wu Pei-Fu deveria ter expedido ordens imediatas pra recuar os últimos trens e cancelar todas as viagens futuras sobre essa linha. Mas não! As tropas permaneceram no local desde o outono de 1924 até o fim de 1926! Durante quase dois anos os soldados viveram nos carros e, como não pudessem receber abastecimento, lascaram partes dos carros pra fazer fogo e consumiram tudo o que puderam encontrar pra comer. Quando o inverno chegou os maquinistas deixaram de tirar a água das caldeiras das locomotivas, de modo que as caldeiras explodiram. Logo que a notícia chegou ao sul o exército nacionalista não encontrou resistência. Nessa hora o curso do destino da China foi mudado durante muitos e longos anos. Podeis argumentar, se quiserdes, que o grande general falhou por não estar acostumado ao emprego de ferrovia. Mas isso não convence. O raciocínio valeria, se Wu Pei-Fu tivesse tentado modificar o sistema de sinal ou as válvulas das locomotivas. Mas não fez mais que permanecer cego à capacidade dos carros sobre certas linhas bem definidas. É provável que, juntamente com sua estupidez de espaço-tempo, houvesse um defeito ainda mais profundo de análise, tal como encontramos em todos os povos asiáticos. Os mais elementares cômputos estatísticos poderiam ter sido grego pra ele. Mas isso não altera minha interpretação. Algum dia um psicólogo colaborará cum historiador na criação duma história do
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mundo radicalmente nova, que demonstrará que o curso das culturas foi determinado tanto por defeituosas percepções de espaço-tempo como por moléstias e religiões. Cerca do fim desta breve introdução voltaremos ao assunto, fazendo notar que nenhuma fração de estupidez, no comércio, na indústria e na finança é causada por essa mesma fraqueza ciclópica. O estupor espacial, embora, em geral, intimamente ligado, em suas conseqüências, ao menos, à insensibilidade ao tempo, às vezes se revela sozinho. Perguntou Ernest Elmo Calkins: Já ouvistes falar dos cidadãos duma aldeia européia que remaram, com vigor, até o centro do lago e ali deixaram cair, ao fundo da água, o sino da torre a fim de o tirar de alcance do exército invasor? Pra marcar o lugar onde o atiraram cortaram um pedaço da borda do bote. Esse caso ganha o primeiro prêmio como o melhor espécime de estupor espacial. Esperemos que não seja verdade. Sobre a possibilidade de que esse caso possa se revelar fictício, vejamos outro caso, cuja veracidade posso garantir. Embora lhe falte o simples encanto do espécime de Calkins, tem o mérito de revelar a essência do estupor espacial e sua diferença com o estupor temporal. Durante as semanas críticas da campanha italiana, que precederam o desastre de Caporetto, em outubro de 1917, as mentes superiores do comando das tropas italianas enviaram um apelo angustioso a Pershing, a fim de conseguir longas e pesadas madeiras pro vigamento das trincheiras, pra uso nas encostas das montanhas. Não possuo o memorando original entregue ao ianque que teve ordem de encontrar e de embarcar as vigas mas, tanto quanto me posso lembrar ainda, as vigas deviam ter 26m de comprimento e cerca de 0,3m2 na extremidade. Ora, não se podem encontrar, facilmente, vigas assim. Meu amigo, o ianque que devia a localizar e enviar a toda velocidade, trabalhou depressa. Perto de Nova Orleãs encontrou centenas de vigas. Então procurou um navio que pudesse ser requisitado pràs transportar de Nova Orleãs. Somente um navio, dentro de centenas de milhas, estava disponível e, chamado a Nova Orleãs, teve o casco esvaziado rapidamente e carregado, novamente, com as poderosas vigas. Meu amigo revelou esses detalhes a um importante cidadão, um patriota que, sendo incapaz de morrer por seu país, em vista da idade, generosamente se prontificou a o ajudar. Poucos dias depois, meu amigo recebeu, do grande quartel-general, um cabograma no qual estava mais que implícito que ele era o sétimo filho tolo do sétimo filho tolo dum tolo. Todas as vigas chegaram à Itália com dezenas de centímetros a menos que o encomendado. Nenhuma podia ser usada nas trincheiras montesas! Se procedeu a inquérito, como sempre. O patriota admitiu que cortara alguns pés das vigas. Ó, sim! O que mais poderia fazer? O porão do navio tinha apenas 21,76m de comprimento. As vigas não poderiam entrar no porão. Mas, como se tratava duma ordem apressada, deu um jeito. Perguntaram: — Não te ocorreu perguntar se as vigas serviriam, mesmo que fossem de comprimento menor? — Não. Eu estava com muita pressa pra pensar em tais coisas. Disseram que eu devia tirar o navio do porto em 48 horas. E o fiz. — Não te ocorreu que uma das paredes transversais de aço do porão poderia ser destruída em poucas horas? — Não. Eu tinha apenas de carregar o navio e de o fazer navegar em 48 horas. E dali não saiu. Ordens eram ordens! Ora, eis um dos mais profundos traços de estupidez. É a incapacidade de ver uma situação como um todo. É a fixação sobre um importante fator numa situação, a ponto de fazer esquecer todos os outros. Como pôde suceder que o patriota observasse
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estritamente as regras do tempo e desprezasse inteiramente as regras de espaço? Penso que, no fundo, esse homem era simplesmente estúpido por natureza, em relação a dimensões, medidas, formas, a tudo o que interessava a Euclides. Essa é uma variedade comum do humanesco. Uma importante espécie de desmazelo parece provir de profunda estupidez em relação aos valores de tempo e espaço. Há, estou certo, muitas outras variedades do detestável animal mas nenhum que desorganize tudo aos observadores inocentes com tal regularidade. Baseado num defeito constitucional, esse desmazelo particular é incurável. Se homem fracassa em qualquer negócio a que se dedique, a menos que tenha a proteção de bons amigos ou de secretários de espírito alerta. Se mulher se torna o desespero dos pais e, mais tarde, do marido. Num quase-gênio, como Francis Thompson, cuja história contaremos em breve, o defeituoso sobrevive apenas sob estrita e benevolente vigilância. Quem quer que haja treinado criança no uso de instrumento simples sabe em que grande porcentagem a raça humana sofre do estupor espacial. Quando chamadas a medir exatamente 1'9¼" num quadro-negro, as crianças marcarão 1'9", ou talvez 1'6¼".74 Na verdade encontramos todos os graus de estupidez nessas percepções e nesses ajustes de espaço mas o número de casos que demonstram melhora vagarosa ou, praticamente, nenhum progresso, permanece surpreendentemente grande. Essa estupidez não parece estar ligada a traços mentais superiores e inferiores em geral, pois observei que a sensibilidade de muitos indivíduos broncos, quanto às relações de espaço, excede a do homem comum e também conheci indivíduos geniais, especialmente em música e em poesia, que agem como os idiotas poderiam agir em seus movimentos e ajustes físicos. Considerai, por exemplo, Francis Thompson.75 Núltima análise a estupidez espaço-temporal tem raiz na insensibilidade à matemática. Desde o presidente de Eua, que achava que as economias afastariam um provável déficite de 1,5.109 dólares em 1931, até Flora, a rapariga que agora trazemos a estas páginas, o mundo marcha, sempre estúpido, em relação aos números. Os ciclopes são impenetráveis à matemática: Mal podem contar seu próprio e único olho.
b) Matemática O que é a matemática pros ciclopes? Passemos a palavra a Flora. O esforço realizado pela mente inferior pra fazer a mais simples aritmética é tão grande quanto a carga de Papai Noel na véspera de Natal. Deixemos que Eleanor Wembridge76 nos fale de Flora: O anúncio dizia: Comeces uma biblioteca com Chamas de fervor. Os grandes feitos e seus realizadores, por menos de 1 centavo a página. Flora estava deslumbrada. Menos de 1 centavo a página! Fez um pagamento de 5 dólares e ficou sem dinheiro pra pagar à mercearia, pois gastara uma quantia igual num casaco de pele, pagara o aluguel e Chuck, seu marido, ficara com 5 dólares. 4×5 = 20. Nada difícil, certamente, pruma mente normal. Mas um imbecil não pode compreender o significado, com a rapidez suficiente pra chegar a uma 74
Medida angular, fração de grau. 1'9¼" significa 1 minuto e 9,25 segundos. Nota do digitalizador Mais adiante, neste livro 76 Eleanor Wembridge, Life among the lowbrows, páginas 6 e 7 75
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa decisão antes que o agente de publicidade desaparecesse na esquina, mais próxima. Recordarás, sem dúvida, o exemplo-padrão, em aritmética, que todas as crianças de 14 anos são capazes de resolver: Se dois lápis custam 5 centavos, quantos poderás comparar com 50 centavos? Mas não Flora nem qualquer de suas amigas podia dominar o problema. Sabemos que não podiam porque lhes perguntamos. A resposta de Flora foi 25, porque 2 em 50 são 25. A de sua amiga Lucille, por outro lado, foi 100, porque duas vezes 50 fazem 100... Outra amiga, Annie, fez o seguinte cálculo: 5×50, porque 5 centavos × 50 centavos é cinco vezes 50. O próprio Chuck se decidiu por 10: Compras 2 por 5 centavos: 2×5 = 10. Se deve observar que todos sabiam que algo devia ser feito por aritmética e que sua aritmética era, em geral certa, exceto quanto ao fato de que não podiam escolher o processo exato pra empregar. Um problema simples era, pra ele, o que a relatividade é pra nós todos. Se nossas contas domésticas dependessem dum real conhecimento da relatividade estaríamos exatamente no caso de Flora, pois sua capacidade de viver de acordo com a posse depende de simples análise aritmética. Se ela e os amigos fossem mentecaptos inferiores, nem mesmo poderiam multiplicar seus 2 e seus 5. Mas eram apenas imbecis. Era, certamente, essencial que Flora, dos 20 dólares semanais de Chuck, devesse economizar um tanto ao futuro. De modo que outro exemplo, dos que servem pra crianças de 14 anos, lhe foi proposto. Se ganhas 20 dólares por semana e gastas somente 14, quanto tempo levarias pra economizar 300 dólares? Flora, que tinha senso de humor, não pôde, a princípio, deixar de sorrir à perspectiva de que pudesse economizar algo. Respondeu: Toda a vida e mais 100 anos. Depois: 300×14. — 300×14 o quê? — insistimos. Flora respondeu: Dólares. O exemplo fora escrito pra ela mas lhe perdera completamente a conexão e, quando lha lembramos novamente: Mas quanto tempo levarias pra os economizar?, Flora respondeu, como se ao telefone: 2025. O que queria dizer com isso jamais saberemos. Sabemos apenas que as firmas que fazem negócio com os insanos como Flora terão de recorrer aos
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tribunais pra conseguir receber. Sabemos, também, que com essa aritmética sua economia jamais será muito grandes. O que direis se eu disser que as diferenças entre Flora e muitos de nossos ancestrais pretensamente civilizados são surpreendentemente mínimas? Onde direis, se eu acrescentar que muitos homens eminentes, embora possam sorrir das dificuldades de Flora com a tabuada elementar, poderiam simpatizar com ela e lembrar erros próprios somente um pouco menos surpreendentes? Quando nos voltamos ao meio milhão de anos da raça humana temos de confessar nossa surpresa pela estupidez de nossos ancestrais em relação aos fundamentos dessa ciência fundamental, a matemática. Nossa civilização, e especialmente a do meio século passado, é tão predominantemente matemática que aqueles, entre nós, que nela se criaram têm dificuldade em imaginar o mundo pré-matemático. Erramos, sem dúvida, sob certo aspecto, quando cedemos à tentação de chamar a nossos ancestrais estúpidos em matemática, pois suas dificuldades parecem ter sido causadas menos por sensibilidade inferior quanto às relações de número e de espaço que pela incapacidade de chegar a um sistema de números escritos sobre os quais pudessem calcular com facilidade. A distinção é vital. Entre os gregos, ao menos, surgiram alguns grandes pensadores matemáticos. Por exemplo, o brilhante Arquimedes. Outro, Apolônio, considerado, por Laplace, um dos grandes espíritos de toda a Antigüidade. Mas nenhum desses gênios era capaz de multiplicar ou de dividir números que qualquer criança de sexta classe pode manejar à vontade! Por que não? Simplesmente porque não tinham concepção dum sistema de notação! Nunca inventaram um modo de indicar os diferentes valores dum número pela posição. Nunca imaginaram que 1 imediatamente à esquerda duma virgula decimal, poderia valer uma unidade, enquanto, numa segunda posição à esquerda, poderia valer 10, numa terceira 100, numa quarta 1000, e assim a diante. Ainda mais surpreendente era a total incapacidade pra compreender a necessidade ou o método de simbolizar o zero. Assim, todas as operações aritméticas que pra nós são tão fáceis permaneceram um mistério ao mundo antigo. E nenhum progresso prático era possível, pois todo progresso depende de cálculo. A descoberta do zero e a maneira de o escrever no sistema posicional dos números modernos só ocorreram no século 17, na Europa, e cada estágio no avanço desta invenção revolucionária de nossa cultura foi conseguido por puro acaso. Nenhum gênio imaginou o zero. Esse número imaginário surgiu por acidente no uso do ábaco, onde indicava uma coluna vazia nos cálculos. Assim, se devêssemos ser inteiramente justos, deveríamos dizer que toda a raça humana é estúpida quanto às relações matemáticas e que sempre foi. Deveríamos acrescentar que esta ciência, a mais alta e a mais fecunda de todas as ciências, surgiu, principalmente, por puro acaso. Se não fosse um punhado de homens, na Índia, onde a aritmética de posição foi inventada, na Arábia, onde surgiram nossos símbolos numéricos e o termo pro espaço vazio do ábaco, e alguns pensadores. posteriormente, na Europa, seríamos tão atrasados como os pobres atenienses do tempo de Péricles, incapazes de calcular até mesmo as contas do armazém. Considerada em conjunto, a raça humana é matematicamente imbecil. Se tem argumentado que a causa dessa estupidez é um interesse e sensibilidade inordenados em relação aos objetos de sentido. Essa opinião venerável foi repetida, recentemente, pelo brilhante escritor matemático Tobias Dantzig:77
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Tobias Dantzig, Number, the language of science. Nova Iorque, 1930, página 80
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa O pensamento grego era essencialmente analgébrico, por ser tão concreto. As operações algébricas abstratas, que tratam de objetos que foram propositadamente privados do conteúdo físico, não podiam ocorrer a espíritos tão intensamente interessados nos próprios objetos. O símbolo não é mera formalidade, é a essência da álgebra. Sem o símbolo o objeto é uma percepção humana e reflete todas as fases sob as quais os sentidos humanos a apreendem. Substituído por um símbolo, o objeto se torna completa abstração, simples assunto pra certas operações.
Receio que isso seja uma psicologia fictícia. Um homem pode estar enormemente interessado em objetos concretos e, entretanto, pensar, em símbolos abstratos, sobre relações implicativas. Na verdade pode não ser capaz de avançar tanto quanto outro que esteja continuamente imerso em fantasia matemática. Mas pode agir perfeitamente bem. Não. Os gregos não pensaram algebricamente porque… não pensaram algebricamente. Eram simplesmente estúpidos, exatamente como 99.999 em cada 100 mil mortais são, em presença da pura implicação e das relações quantitativas. O interesse no mundo dos sentidos não os fez assim. A limitação tem raiz na primeira e principal das funções mentais, que discutiremos mais adiante. A examinemos rapidamente. A estupidez matemática e lógica tem raiz na atenção primária. O homem pode prestar atenção apenas a uma coisa de cada vez. Mesmo quando tratando de coisas aparentes ao olho e ao ouvido, não pode organizar e manejar mais de três ou quatro objetos ao mesmo tempo. Quando se trata de fantasia, ainda é pior, pois raramente pode atentar, muito tempo, sob essa forma, sobre os objetos. Mesmo os matemáticos competentes não podem, sem o auxílio de máquina ou de outras invenções exteriores, pensar sobre mais de três variáveis não-cumulativas dum único problema. O que isso significa na prática será evidente quando observardes que muitos problemas da vida real envolvem dezenas de variáveis, muitas das quais não-cumulativas. Em parte nenhuma podemos notar, mais lucidamente, a profunda estupidez matemático-lógica do homem que nas escolas públicas e entre os leitores de jornal. Aqui entramos em contato com as massas humanas. E que espetáculo! Durante os últimos anos investiguei a notória incompetência das crianças escolares em aritmética e linguagem, com o propósito de descobrir as causas psíquicas. Depois dalgumas entrevistas com os professores e duma análise dos erros mais comuns, subitamente ficou evidente que um número terrível de meninos e meninas, na maioria entre 8 e 12 anos, não pode compreender as mais simples relações nos mais simples problemas práticos de somar, subtrair, multiplicar e dividir. Notai bem! Não se trata de dificuldade de ler os símbolos mas de perceber as relações. Um imbecil dessa espécie, em matemática, pode, por exemplo, ser colocado diante duma porção de bola de madeira, algumas vermelhas, outras brancas. Alguém lhe diz, de modo simples, pra colocar duas bolas vermelhas numa caixa à esquerda por cada bola branca que colocar noutra caixa à direita. Com algum esforço o pode fazer. Mas complicai a tarefa um pouco mais e estará perdido. Peças que coloque uma bola vermelha numa caixa e duas bolas brancas noutra. Depois dobres cada número à medida que as for colocando nas caixas, e teu dia será inutilmente gasto. Em tudo isso não há fantasia. É apenas questão de usar os olhos em conexão com a mente. E o que desejo tornar claro é que a debilidade da fantasia sozinha não explica a incompetência do 113
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homem nessa fundamental ciência numérica. Alguns prodígios matemáticos, como o alemão Johann Dase, chegaram a perceber, de relance, 30 objetos, com infalível exatidão.78 Num simples golpe de vista o homem normal não pode determinar o número de objeto em seu campo visual, se excedem 6 ou 7. Sob essa severa limitação, como se pode esperar que o homem normal possa trabalhar quantidade maior de cabeça? Isso, também, é apenas uma fase de sua estupidez, pois, na vida real, muitas situações envolvem fenômenos muito mais intrincados de ordem, seqüência, agrupagem e padrão. Numa palavra: As características de espaço e tempo, tomadas em separado e em conjunto. Isso fecha sua mente, virtualmente, a todas as ciências naturais, assim como à matemática e à estatística puras. Uma prova? Que matéria, nas escolas públicas, é sempre considerada a mais difícil? Em que matéria os alunos fracassam mais freqüentemente? Matemática, naturalmente. Isso é verdade desde a escola primária até as escolas politécnicas. E talvez vos surpreenda saber, por exemplo, que algumas das politécnicas perdem mais da metade dos estudantes apenas pela incapacidade ao cálculo. Direis que a culpa é da deficiência de ensino. Mas nossos métodos estatísticos nada provam, pois dezenas de métodos foram usados, os resultados foram verificados e analisados e estabelecida a nítida implicação. Embora alguns métodos se mostrem melhores que outros nenhum método levará o homem comum muito longe na estrada do conhecimento científico profundo, pois, como disse lorde Kelvin, Jamais teremos ciência enquanto não tivermos o número. E quando tivermos o número teremos ciência. Os que escrevem aos ciclopes e a seus rebentos sabem que os jornais, o cinema e o rádio não podem interessar o público em informações estatísticas, a menos que elas, por qualquer meio engenhoso, sejam convertidas em quadro. Assim, não podeis compreender, nem mesmo uma afirmação simples como esta: Durante os últimos oito anos a população japonesa revelou um aumento anual um pouco maior que o duplo do de nossa nação. Mas uma figura cômica, dum japonês ao lado dum ianque, ambos em tamanho proporcional um ao outro, esclarece o mistério pra muitos leitores. Infelizmente, nem 0,01% de todas as correlações significativas podem ser projetadas na tela ou impressas numa página de livro, dessa maneira. Escrever uma simples proporção em linguagem nua e crua seria escarnecer de, ao menos, 7 em cada 10 leitores. E uma proporção composta é impossível imprimir. Encontramos uma terceira e ainda mais surpreendente prova da imbecilidade matemática de muita gente. É toda a história do negócio. Como lhe dedicaremos espaço em capítulo posterior diremos somente algumas palavras agora. Pra dirigir uma fábrica, escritório, loja são necessários muitos cálculos, e não numa única ocasião. As tendências dos preços das matérias-primas devem estar correlacionadas com as tendências do custo de produção. E devem ser relacionadas com as tendências do mercado e, finalmente, com a flutuação da procura. Todas as espécies de intercorrelação também devem ser computadas, e aqui estamos a milhas de distância da mente do negociante típico. Embora subscreva uma dezena de jornais comerciais e empregue profissional estatístico pra explicar o negócio, assimila apenas um bocado das verdades indigeríveis. E o resultado? Está escrito com sangue e lágrima, hoje, em todo o mundo. Já tereis ouvido falar da ruína causada por banqueiros estúpidos, comerciantes estúpidos, industriais estúpidos, e talvez a atribuísseis, em grande parte, à malícia, ao preconceito, ao patriotismo pervertido, ao partidarismo e a outras atitudes. Errais, pois, no fundo de todas essas atitudes, há um sólido e firme substrato de estupidez em relação 78
Estudei o caso de Dase, na Psichology of achievement, páginas 448 e seguintes
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a quantidade, movimento, forma, classe, tipo e correlação. A ilógica é Nêmesis. E relega o ciclope, a sempre, a sua caverna mal-cheirosa. Se tivéssemos tempo e espaço, poderíamos continuar, indefinidamente, no reino da reflexão lógica, tomando espécimes a torto e direito. São mais numerosos que os insetos da Amazônia e mais nocivos ao homem! Não há lar, cidade, estado, instituição que não fora envenenado por algum deles. A imbecil lógica conhecida por Mary Baker Eddy tingiu milhares de espíritos fracos, em seu tempo, com resmungo como estes: Não há dor na Verdade nem Verdade na dor, assim o provamos pela regra de inversão. Deus é bom, portanto bom é Deus. (Por que Mary não acrescentou que os elefantes são quadrúpedes, portanto os quadrúpedes são elefantes, não sei. Uma magnífica zoologia poderia ser, assim, construída). Embora os casos mais tristes de reflexão lógica defeituosa se encontrem, provavelmente, entre os clérigos e os físicos (alguns dos quais são teólogos disfarçados em matemáticos), encontramos variedades desanimadoras entre todas as profissões, algumas das quais deveremos considerar. Terminemos, agora, cum comentário sobre uma teoria popular sobre as conseqüências do pensamento humano. Popular porque lisonjeira e otimista. É a teoria de que, a despeito de sua decrépita imaginação lógica, o homem consegue realizar tudo, a força de tentativa e erro. Ed Howe, essa alma genial, nos garante que, durante os últimos 100 mil anos os indivíduos tentaram todas as maneiras concebíveis de comer, beber, vestir, comprar, vender, amar, elogiar, condenar, lutar e conservar a saúde. As maneiras seguidas, atualmente, pela parte mais inteligente de nossos concidadãos, são as melhores, não em teoria, mas a força de tentativa e erro. Delas, os homens joeiraram e filtraram tanta ignorância, imperfeição e estupidez quanto é humanamente possível. São quase tão perfeitas quanto o podem ser os trabalhos do homem. Que concepção encantadora! As falhas principais são duas: Primeiro: Os homens não fizeram experiência com todas essas maneiras. Segundo: Quando tentaram uma maneira o fizeram de modo tão estúpido e inexato que não puderam chegar a conclusão nítida acerca do valor. Onde, por exemplo, se fez uma experiência de comer entre os adultos? A procurei em vão. Houve experiências de toda espécie com sopa, creme e pastel, mas me dizei as dez melhores receitas pra os fazer! Considerai as bebidas, leves e pesadas. Há mais misturas a descobrir que as já descobertas. Pra cada coquetel conhecido há mil ainda não preparados. Quando se chega ao campo do negócio e da indústria, a doutrina de Howe se torna ridícula. Onde e quando se fez uma experiência do sistema de crédito sob condição científica? Quanto se sabe sobre as variações da venda a prestação? Algum banco já criou um método eficiente de emprestar dinheiro? Todos os negociantes conhecem a resposta. Nos voltemos ao negócio da sociedade em geral. Houve experiência genuína do sistema democrático? Se houve não posso encontrar vestígio. Nos voltemos à ética. Até onde é válida a regra áurea? Alguém a pôs a prova, por tentativa e erro? Não. E o casamento? A sociedade não combateu, sempre, o método da experiência e do erro nesse setor? E sobre nossas escolas? Onde devemos procurar os resultados finais deste método? Em Nova Iorque, Viena, Oshkosh? E em que livro foram reunidos, pra glória da humanidade? Vos voltai aonde quiserdes. Não encontrareis acúmulo de sabedoria, tal como o descreve Ed Howe. Por que não? Primeiro, porque os homens não podem aprender muito de tentativa e erro a menos que submetam essas experiências a análise cuidadosa, na ocasião do acontecimento, e sempre que as conseqüências surjam. Mas muita gente não possui a fantasia necessária pra o fazer. Aprendem tanto quanto os ratos e cobaias. Em segundo lugar, pra usar o método da tentativa e do erro, mesmo sob este nível
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inferior, benéfico à raça, seus resultados devem ser reunidos. A despeito dos milhares de livros sobre negócios e sobre indústria, apenas um bocado de todas as experiências humanas sobrevive de forma imperecível e comunicável. Os tribunais de Hamurábi podem ter aprendido 10 mil verdades acerca da maneira de julgar os criminosos mas a escrita cuneiforme não nos legou. Júlio César descobriu 10 mil verdades mais sobre a maneira de conduzir os soldados mas seus grandes livros apenas nos dão uma rápida idéia de seu método de tentativa e erro. Não. A idéia de que a sabedoria se acumulou como a neve sobre a Groenlândia é somente uma ficção agradável, nada mais. A cada verdade que surge há centenas de desatinos, superstições e erros. A hélice do progresso afunda em lama, à medida que atravessa os pântanos de nossa cultura humanesca. Por polegada de caminho vencida, uma tonelada de lama! Imaginação criadora Assim chegamos à quarta espécie de fantasia, a imaginação criadora, que é, muitas vezes, na verdade quase sempre!, confundida com a imaginação construtiva, da espécie que se encontra entre as crianças, na idade em que gostam de brincar com instrumento, de fazer arco-e-flecha e de desenhar nas paredes, pra desespero da mamãe e exultação do papai. Supor, como o fazem muitos educadores distintos, que essa mania é, no fundo, igual à necessidade de Beethoven de escrever sinfonia, é uma confusão extraordinária, mas muito fácil. A criança está apenas desenvolvendo os músculos, e a coisa que faz está subordinada ao ato de fazer. Não procura criar, procura se movimentar dessa e daquela maneira. Mas a imaginação desempenha um grande papel em seu processo. Faz algo essencialmente semelhante ao que viu em torno de si. O professor desenhou um cavalo no quadro-negro, a criança tenta o fazer também. Do cavalo à vaca, da vaca à galinha, assim corre sua pretensa imaginação criadora. São 99 partes de músculo pra 1 de fantasia. De modo que não a posso estudar seriamente aqui, embora seja importante sob outros aspectos. A genuína imaginação criadora sempre produz algo profundamente original. Muitas vezes tão original que apenas os críticos mais argutos podem divisar a origem dalgum ingrediente. Schubert desfiou suas melodias. Chopin tornou audível sua melancolia. Einstein construiu um esquema diáfano de espaço-tempo. Edison inventou a lâmpada incandescente e as máquinas ele reprodução do som. Tudo isso é real. Como estamos longe da caverna dos ciclopes! Como nenhum homem, em 100 mil anos, nasceu com mais de um traço químico desses poderes celestes, por que os discutir numa lista cósmica de queixa como essa? Assim, passemos adiante.
Arquiteto Os arquitetos demonstram, claramente, a síntese e a relatividade. No sentido fictício absoluto, todos os arquitetos que conseguem êxito são brilhantes, pois seu trabalho envolve uma considerável compreensão dos métodos comerciais em geral, das necessidades de fábricas, de lojas, de casas de residência, de decoração interior e de engenharia, não menos que mesmo de arquitetura, no sentido restrito. Sempre chamados a desenhar a estrutura de novas habitações, de novas construções, e servindo sempre a novos clientes, devem ser versáteis estética e intelectualmente. Entretanto, relativamente a capacidades superiores, demonstram surpreendentes tolices. Tudo porque, relativamente a seus problemas, mesmo essas capacidades muitas vezes se revelam inadequadas. O arquiteto sofre mais da muita visibilidade. Todos os erros e enganos são a sempre expostos ao olho do transeunte. Um escritor estúpido é rapidamente esquecido por todos, exceto pelos volumes de bibliografia. Um advogado estúpido logo desaparece
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dos tribunais. Um professor estúpido se mantém simplesmente no posto até que a velhice lhe dê a aposentadoria. Mas até mesmo um arquiteto ligeiramente estúpido está exposto no pelourinho de seus próprios portais e fachadas. Se são de mármore sua má fama perdura tanto quanto o mármore. Observai o memorial de príncipe Alberto. Discutindo esse grande problema com Harvey Wiley Corbett, fui guiado até os fundamentos. Toda estrutura tem um interior e um exterior. É colocada nalgum lugar. É calculada pra durar tantos e tantos anos. Deve agradar aos que pagam o projeto. Todos esses fatores elementares devem ser integrados com o dinheiro necessário em vista da estrutura e das leis de construção vigentes. Esses fatores, na realidade, não são simples, mas inordenadamente complexos. Assim, é de admirar que os arquitetos sempre obtenham êxito, ao ponto de satisfazer todo mundo. (Talvez nenhum o conseguira!). Nem nos devemos espantar com as ridículas tolices que surgem aqui e ali. Considerai a estupidez dos antigos edifícios do exército e da marinha em Uóchintão. O desenho exterior foi feito especialmente pra fachadas de ferro fundido. Um arquiteto de Nova Iorque ganhara considerável renome pela graça e habilidade nesse estilo de construção, que tornou necessária a fundição de unidades repetidas de decoração em alturas limitadas a um andar, pois qualquer coisa maior seria muito pesada pra manejar, ao passo que as unidades não repetidas custariam muito caro. Esse arquiteto ganhou o contrato. Porém foi chamado a construir não com ferro fundido mas com granito! Considerai os edifícios principais da universidade de Nova Iorque, que dão a frente a longe da estrada de rodagem, somente porque os arquitetos, dum modo ou de outro, não procuraram saber onde a estrada de rodagem provavelmente passaria. Considerai o liceu de Asheville, N. C., que foi inaugurado antes que alguém notasse que faltava uma biblioteca. Considerai os edifícios do câmpus da universidade de Colúmbia, com paredes tão grossas que poderiam agüentar os mais violentos terremotos do Chile e do Japão, de custo suficiente pra construir uma escola de primeira classe. Considerai, também, a altura desses mesmos edifícios, na maioria de sete ou oito andares, numa cidade cuja fama descansa, em grande parte, nos arranha-céus, devido à posição insular e ao alto custo de vida. Considerai esse esplêndido bloco comercial de Londres que tem, bem escondido atrás duma floresta de pilar, único, pequeno e vagaroso elevador. Quando Harvey Wiley Corbett e Irving Bush tomavam o ascensor, Bush notou que qualquer edifício ianque do mesmo tamanho teria grande número de elevador. O ascensorista resmungou, sarcasticamente: — Na Inglaterra a gente toma um de cada vez. Quando a arquitetura se casa com a política, produtos híbridos, terríveis e maravilhosos, nascem da mésalliance.79 Olhai qualquer grupo de edifícios públicos construídos antes da primeira guerra mundial. São cópias absurdas dalgum templo grego ou do Capitólio de Uóchintão ou nada. Como já foram, um milhão de vezes, alvo de zombaria, não perderemos tempo em os estudar. Fecharemos a página com o correio de Dênver, uma sólida massa de granito e de mármore, se bem me lembro. Quando foram inaugurados, um funcionário federal (amigo meu) teve sua repartição instalada no terceiro andar. Esse amigo tentou pôr no correio algumas cartas mas não encontrou caixa-postal nem caminho-sem-fim. Teve de descer ao andar térreo, depois sair à rua, dar várias centenas de passos, dobrar a esquina, até a entrada do correio, onde deixou as cartas. Alguns meses depois, o governo mandou uma turma de pedreiros abrir, no granito e no mármore, o esquecido caminho-sem-fim. Teriam as autoridades pensado em colocar, na parede, um caminho-sem-fim? Notai bem! Não estou atacando os arquitetos. Os citei como amostra da fatal 79
Mésalliance: (galicismo) Matrimônio equivocado ou com alguém abaixo de sua classe social. Nota do digitalizador. http://www.talktalk.co.uk/
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limitação do homem diante do espaço, do tempo e de muitos outros fatores envolvidos na construção dum edifício que deve estar de acordo com o proprietário e com sua posse, não menos que com as leis da geografia, clima e sociedade. Há poucos grandes arquitetos simplesmente porque há poucos super-homens.
Linguagem — Porque trazer a linguagem a esta breve introdução à história da estupidez humana? Não é um desatino? Alguns leitores devem ter resmungado essas palavras ao lerem o título deste capítulo. Uma explicação minha é necessária, de mim. Parecerá demais discutir a natureza da linguagem mas o ato pode ser amplamente justificado. A linguagem nos guia, de muitas maneiras significativas, ao estudo da inteligência e da estupidez. Embora não seja totalmente digna de confiança, pode servir bem, em geral. Notai, antes de tudo, que a capacidade de linguagem é uma função específica, não menos que o comportamento do olho e do ouvido. O fisiologista do cérebro nos diz que a capacidade lingüística dum indivíduo depende diretamente do grau de desenvolvimento da área temporal intermediária do cérebro.80 Em segundo lugar, o psicólogo informa que a linguagem é o resultado dum processo integrativo altamente complexo, do qual todo o sistema nervoso central e os músculos, especialmente os da laringe e da língua, participam. Pensar, sem usar a linguagem, é quase impossível. Pensar sem usar algum músculo, também é quase impossível. Mas é fácil usar a linguagem sem pensar. Portanto, inferimos, as funções da linguagem são subordinadas à inteligência (e à estupidez), mas não inteiramente fundidas com elas. Esta assimetria dá lugar a muitas relações peculiares, que devem ser estudadas. As operações mentais de toda espécie envolvem os músculos. Pensar, meditar, entreter um desejo, seguir o raciocínio dum orador e todos os outros processos cognatos se projetam nas fibras musculares, onde resultam movimentos visíveis ou as tensões de movimentos inibidos. Ora, o campo mais altamente organizado dessas operações é a linguagem. Na forma todo pensamento, fantasia, especulação e argumento são lançados. E não é admirável que nossos antepassados considerassem a linguagem o fundamento de toda a cultura ou que certos contemporâneos sustentem que não pode haver vida intelectual fora da linguagem. Suponde que perguntemos o que essa descoberta da moderna psicologia significa quanto à linguagem. Poderemos evitar a conclusão de que a linguagem deve desempenhar, mentalmente, um papel muito mais importante que em geral se supõe? Não vejo como poderemos. Pois se a inferência não é verdadeira, então deve haver muitos processos mentais importantes, regularmente realizados, que raramente, ou nunca, aparecem em sons e sinais simbólicos. E, como a linguagem se desenvolve, ricamente, na vida infantil, muito antes que as restrições sociais, tais como tabu e convenção, afetem sua estrutura e movimento, o psicólogo não pode se valer da suposição de que qualquer função lingüística se torna implícita e, portanto, inobservável. As únicas coisas que o tabu e as convenções podem controlar são palavras isoladas, alusões específicas a pessoas, coisas e acontecimentos, e assim a diante. A gramática, sintaxe, vocabulário e outras funções não podem ser atribuídas a outras coisas além das atividades espontâneas, primeiro, dos bebês, quando experimentam falar, e, em segundo lugar, dos adultos, no esforço a se comunicar. De propósito, deixo de me referir às emissões de voz das crianças e dos selvagens, visto que acontecem 80
Vide Tilney e Riley, Forms anel function of the central nervous system. Nova Iorque, 1921, pg. 875, etc.
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anteriormente à linguagem, no sentido moderno. Os estudiosos da linguagem, que deixaram de ser simples filólogos e se voltaram às forças vivas que criam as palavras e as sentenças, estão trazendo à luz um rico material, que confirma essa minha crença. Embora não tenham percebido os aspectos psicológicos de suas investigações, mesmo assim estabeleceram quase todos os postes sinaleiros que podem guiar aquele que deseje se adiantar na pesquisa da natureza humana. As notáveis pesquisas de Jespersen sobre a evolução da linguagem 81 estão cheias de fatos que precisam apenas duma interpretação mais profunda pra revelar muitas intimidades entre a inteligência e a palavra falada. Porque o uso da linguagem envolve, mesmo nos níveis inferiores, uma variedade de processos integrativos, deve ser considerado rapidamente aqui. O assunto, infelizmente, é tão amplo e tão novo que ouso apenas dar uma ou duas indicações de como se deve chegar até ele e do que podemos nele encontrar. Como um problema digno duma década ou duas de estudo, o recomendo aos psicólogos, especialmente aos beavioristas, que consideram a laringe um apêndice verbiforme do cérebro. Nos voltemos, porém, aos fenômenos de estupidez e de linguagem. A habilidade superior de manejar a linguagem em geral indica inteligência superior, e a falta de habilidade em geral trai alguma estupidez importante. Uma das mais altas correlações positivas entre a inteligência e outros traços pode ser facilmente notada na composição inglesa. Considerai os resultados de três testes independentes, todos realizados por investigadores competentes. Nos testes de Book,82 essas correlações com o quociente de inteligência (QI) de estudantes de escolas secundárias são as seguintes:
52 Química 44 Composição inglesa 37 Matemática 26 Latim 25 História Nos testes de Bright, também com estudantes de escolas secundárias,83 são as seguintes:
72 Inglês 75 Latim 50 Álgebra 36 Arte mecânica Nos testes de Burt, com crianças de escolas primárias, se correlaciona da seguinte maneira:
63 Composição inglesa 55 Aritmética 54 Leitura 21 Caligrafia 81
Language. Nova Iorque, 1922 Vide o Indiana university bulletin of ext. div., vol. 4, página 100 83 Vide Journal of education research, volume 4, página 44, etc 82
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa 15 Desenho
O que significam esses números? Qualquer número entre 35 e 50 indica bom, embora não mui significativo, paralelo entre a inteligência geral e o traço indicado. Qualquer número entre 50 e 60 começa a ser significativo duma tendência assinalada, revelando alguma conexão interior. Qualquer número acima de 60 revela forte relação entre os traços. É raro, nas correlações dessa espécie em geral, passar de 80. As que o fazem muitas vezes envolvem habilidade de linguagem. Assim, encontramos correlações extremamente altas entre a idade mental, na escala de Binet, e a capacidade de compreender sentença, nos testes de Thordik. A correlação se eleva, aqui, a 84. Acima de todas está a correlação entre a idade mental e o vocabulário, que chega até 91. Isso significa muito a nosso atual inquérito, pois prova que a linguagem reflete o nível de inteligência (e de estupidez) quase perfeitamente. Quase, digo eu. Pra o fazer perfeitamente a correlação teria de ser 100. Antes de passar a assuntos mais amplos, vejamos esta excepcional relação. Há casos em que a alta habilidade de linguagem não está associada à inteligência superior correspondente. Embora relativamente poucos, estão, curiosamente, distribuídos onde menos se poderia esperar: Entre os homens de letra! Há muitos anos, quando em primeira vez entrei em contato com todo tipo de escritor, bom e mau, fiquei alarmado com esses tipos caprichosos. Fiquei tão alarmado que procedi a uma investigação subterrânea acima e abaixo da rua Grub, até os subúrbios do Parnaso. E que coisas encontrei! A mediocridade de inteligência, a instabilidade emocional e a cultura deficiente de muitos homens de letra foram reveladas, claramente, por vários inquéritos entre escritores de nomeada. Agentes literários, críticos e outras amizades no campo de letra me prestaram informação periódica e parece que cerca de 6 em cada 10 autores acreditam firmemente em espíritos, em clarividência, em quiromancia e em astrologia!84 Margaret Deland declarou publicamente, ante um grupo de psicólogos, que fundamenta sua fé no mundo dos espíritos nos estranhos sinais de sua mesa mediúnica. Outra escritora regula toda sua vida pela numerologia, mas, por alguma razão pra mim incompreensível, ficou furiosa quando lhe pedi permissão pra citar seu nome neste panorama de imperfeição. Três competentes romancistas, que estão à beira dominar a tabuada de multiplicar além dos números 6 e 7, me provando, com exemplo, sua magnífica estupidez. Uma vez submeti, sob a forma dum jogo, uma série de elementares erros lógicos, tais como os que se submetem, como exercício, aos colegiais, a uma dezena de pessoas. Entre elas, três ou quatro escritores bem conhecidos não foram capazes de lhes notar os erros. O resto de minha investigação não pode ser contado, simplesmente porque seria uma repetição monótona. Nenhum homem em 100 consegue chegar a uma linguagem completamente objetiva e comunicativa. Com isso quero dizer que, em geral, alguns resquícios de alma de criança, de idéias infantis e de cismas puramente subjetivos se conservam tanto no vocabulário como no estilo de expressão. Nuances de significado, além da compreensão dos ouvintes, persistem. As palavras cujo significado foi, a princípio, mal compreendido, são usadas incorretamente durante anos. Mesmo os escritores experimentados alimentam vestígios microscópicos desses hábitos infantis e introvertidos. Em geral, entretanto, essas tendências indicam, até certo ponto, uma dificuldade constitucional de estilo, ou, mais claramente, estupidez quanto aos significados. Muita gente é constitucionalmente incapaz de usar a linguagem nas formas 84
Lembrando que o texto é de 1932, auge do cientificismo racionalista. Nota do digitalizador
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superiores. Muita gente vive no plano mental intermediário entre o do selvagem primitivo e o 1% superior da humanidade moderna, que criou as sutilezas de gramática, de retórica e de estilo. As crianças escolares, na América e na Europa, falam, pensam e escrevem em inseparáveis e irregulares conglomerados que, como Jespersen muito bem disse, caracterizam a linguagem primitiva. Não damos à linguagem comum esse nome. Dizemos somente que o homem comum pensa, lê e fala em frases curtas e em gíria. Mas isso significa a mesma coisa. Não tanto abaixo da escala como aquela encantadora dupla de belezas, Flora e Lucille, a quem Leanor Wembridge, em Life among the lowbrows, nos apresentou. Mesmo assim, podeis lançar um olhar sobre o senso de linguagem do homem comum através dos testes dessas duas moças. É difícil descobrir quais as palavras que convêm a imbecis dessa espécie. Quando perguntamos a Flora o que significava leitura, respondeu cochilar, enquanto Lucille disse: É a cadeira... Flora disse que habilidade e tu o fazes, o que não é muito mau, Lucille disse: O fazes com o peixe... — Não é escama. É habilidade. — Repetimos.85 Em tua cabeça, respondeu, o que parece mais ou menos certo até que ajunte um osso. — Não é crânio. É habilidade — insistimos, pacientemente.86 Frigideira, tenta Lucille novamente, e abandonamos a tarefa. Na conversação ordinária, palavras assim abstratas são demais pra Lucille. O algodão é parecido com madeira pra Flora, mas vem de animal pra Lucille. (Como o carvão, acrescenta, pra tornar mais claro seu ponto de vista). Moreno, diz Flora, significa louro. Considerar é parecido com guardar e civil é civilizado ou grande. — Grande por quê? — Porque a guerra civil foi grande. Admitamos que Lucille e Flora vivam em treva muito mais espessa que as que envolvem os estudantes de escolas secundárias. Mesmo assim não vedes uma sólida semelhança entre seu senso de linguagem e o do estudante que escreveu o agente demonstrou psitacose87 ao descobrir os motivos do crime ou o despertar foi ajudado pela fala duma aspirina em todos os cantos? Mas os estudantes são somente um pouco piores que muitos de seus professores. Se os contribuintes compreendessem a estupidez lingüística desses servidores civis, uma
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Há aqui uma confusão, intraduzível em português, entre as palavras skill (habilidade) e scale (escama de peixe), de pronúncia semelhante. 86 Nova confusão, agora entre skull (crânio) e skill (habilidade) 87 Psitacose é uma doença grave transmitida pelo papagaio. Nota do digitalizador.
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gargalhada ressoaria desde rua Muralha até Walla Walla.88 Em cada 100 mestres de composição inglesa, ao menos 40 poderiam ser classificados como imbecis estilísticos. Dos 60 restantes, possivelmente 20 escrevem e falam suficientemente bem pra comunicação banal, como cartas, notícias jornalísticas simples e resumos não técnicos, mas são estúpidos em relação às delicadezas de frase e de estilo. Se algum desses 100 demonstrar um estilo positivo e uma larga flexibilidade, será uma maravilha que meus olhos ainda não contemplaram. Durante cerca de 15 anos apresentei, na universidade de Colúmbia, composições adiantadas pra escritores profissionais e quase profissionais. Duas séries eram de ficção, uma de artigo pra revista. Todo ano um punhado de professor de escola secundária pedia pra ser admitido ao curso, alegando querer pegar o jeito de escrever. (Poucos dominaram até mesmo a maneira de escrever a máquina). Admiti os mais promissores. Infelizmente não guardei o resultado do trabalho mas preservei dezenas de provas muitos anos. Dessas, escolhi uma sentença escrita por um professor de composição inglesa numa escola secundária. Acreditai que esse caso é típico, sob todos os aspectos. Arrancado, como está, do resto do drama, perde um pouco da vivacidade. Mas não notareis muito a perda, estou certo. A sentença era uma terceira revisão, feita depois que eu, muito delicadamente, censurara o autor por causa de certa involução. Justamente 22 dias depois que o casamento teve lugar, sem Betty como dama de companhia, segundo o acordo dos dias de escola, fora o único pensamento de que estivesse cônscia durante a cerimônia! Ser-lheei a melhor esposa que puder, resolvera ela, em momento de irresponsabilidade, e a esplêndida integridade e a confiança compreensível de sua parte haviam feito surgir nela a lealdade natural e o espírito de brincadeira, de modo que era somente um assunto de poucos meses até que tivesse, propositadamente, de recuar o pensamento, como agora, pra conceber o período em que ela não estivera muito apaixonada pelo melhor dos homens e mais carinhoso dos maridos, excelente amigo e pai superlativo pra filho e filha pequena, tendo chegado a esse culminante e moderno ponto do devaneio, sorriu extravagantemente a si, largou ao lado a meia que estava serzindo e seus olhos procuraram as distantes colinas azuis, através da baía ensolarada, que o navio de sua Betty devia singrar pra ancorar diante da cidade!89 88
Walla Walla é uma cidade do estado de Uóchintão, condado de Walla Walla. Rua Muralha (Wall street) é uma rua de Manhatão inferior, considerada o coração histórico do atual distrito financeiro de Nova Iorque, onde está a bolsa de valor de Nova Iorque, a mais importante de Eua. Aqui o autor ironiza fazendo ecoar uma gargalhada de costa a costa, pois o estado de Uóchintão fica na pacífica costa noroeste, enquanto Nova Iorque fica na atlântica costa nordeste. No Brasil seria algo como do Oiapoque ao Chuí. Nota do digitalizador. 89 A composição estava muito pior em inglês. O trabalho do tradutor seria semelhante ao de Hércules, se todos os originais fossem escritos como es te trecho terrível. Nota do tradutor
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Agora finalmente, sabeis por que os estudantes de escolas secundárias aprendem tão mal a linguagem. Pobremente dotados de inteligência, são instruídos por espíritos pobremente dotados, muitas vezes. Trazem muito pouco, na cabeça, à escola, e somam muito pouco a esse pouco. Nos primeiros anos não conseguem estabelecer exatas distinções de sentido. Assim, o vocabulário básico é pouco firme e, portanto, não pode servir bem no carregar a vasta estrutura da linguagem adulta. Essa circunstância, pra mim, é a mais significativa, não somente em educação mas em toda a direção dos negócios humanos. Sua relação com os problemas de estupidez não pode ser exagerada. De modo que aqui fazemos uma pausa, enquanto sondamos a estatística do vocabulário e da lógica que está na base. Se eu puder esclarecer um ou dois fatos estabelecidos nesse campo obscuro, vereis a relação entre a linguagem e a mente ciclópica sob nova luz. A linguagem é completamente diferente do que os indivíduos casualmente supõem. E uma das mais profundas diferenças se encontra na relação entre os significados básicos e o vasto sistema de derivativos super-impostos. Se isso parece terrivelmente confuso, ilustremos de modo simples. Encontrei centenas de alunos da 4ª e da 5ª séries que falhavam, desoladoramente, em aritmética elementar, em parte porque nunca compreenderam que o significado comum de mais ou + pode ser traduzido por expressões como a soma de, acrescentado a, junto a, combinado com, e, com, mais, e assim a diante. Não vêem que menos é uma relação expressa por a diferença entre, tomado de, subtraído de, menos, e coisas semelhantes. Os professores ficam malucos com os alunos, quando conseguem resultados inesperados a problemas como este: Achar a diferença entre 8 e 4. Os alunos começam a somar 8 e 4. Se lhes perguntando por que o fazem, respondem, tristemente: O problema diz 8 e 4. Não é? E significa mais. Ora, essas crianças ainda não dominaram o vocabulário básico da matemática. Ainda não apreenderam os conceitos de adição, subtração, etc., a ponto de os subjugar completamente. Portanto, erram no instante em que penetram o reino dos significados derivados e das variantes. Sua casa dos números é construída sobre areia e chuva e vento a abalam. Durante toda a vida, pensam dentro da mesma névoa que envolveu o jovem contemporâneo de nosso bom auxiliar, professor Robert E. Rogers,90 que se lembra do que acredita ser sua primeira e instantânea visão do que a estupidez realmente significa, na idade de cinco anos, na classe inicial: Na classe de geografia nos disseram que a Terra é redonda como uma laranja. Nos pediram reproduzir isso escrito. A menina junto a mim escreveu: A terra redonda é uma laranja. Nesse momento reconheci, embora provavelmente não conhecesse a palavra, o que estupidez significa. Em todos os assuntos, desde a matemática até os cosméticos, há um pequeno vocabulário básico que lhes abarca os fundamentos. Deve ser dominado completamente, antes que o indivíduo possa combinar e reagrupar os termos e as relações que define, com liberdade e exatidão. Um erro aparentemente trivial nos alicerces põe fora de prumo as imensas massas da super-estrutura. É mais ou menos como se devêsseis aprender todos os números, exceto o 6, ou como se aprendêsseis todas as operações aritméticas, exceto a subtração, e vos esforçásseis a ser um contador. Ou se aprendêsseis todas as partes da gramática, exceto os pronomes, e tentásseis conversação. Quando um homem bem-educado vos afirma que não pode explicar o que quer dizer, podeis estar razoavelmente certos de que esse homem possui um imperfeito vocabulário básico. Quando afirma que muito da vida escapa à linguagem, em geral combina, cuma verdade, uma grave sub-estimação quanto ao que as palavras podem exprimir. Esta Lamento que a edição brasileira não tenha anexado o terrível trecho original. Nota do digitalizador 90 Boston Evening American, 13 de julho de 1931
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opinião foi repetidamente sustentada por Owen D. Young, que declara haver discutido a inexatidão da linguagem com muitos advogados, engenheiros e outros distintos profissionais, dos quais todos concordam em que, como ele, Young, não podem dizer uma pequena fração do que desejam exprimir. Young declara que até mesmo os mais hábeis procuradores, que passam a vida curvados sobre vírgulas, frases e cláusulas, raramente são capazes de traduzir por escrito de 5% a 10% de sua intenção. Grande parte da deficiência de linguagem observada por Young provém de defeitos de vocabulário básico, que foram causados, em parte, por um preparo abominável, mas ainda mais por estupidez constitucional. Não estou sugerindo que os advogados e os engenheiros distintos consultados por Young sejam parvos. Insisto apenas em que sua sensibilidade lingüística é, em vários sentidos especiais, limitada, relativamente, às coisas que desejariam exprimir. Estão na situação do homem que, sem treino em mecânica e sem conhecer o vocabulário técnico, é subitamente chamado a descrever o desenho e o funcionamento dum linotipo. Poderia ser perdoado por insistir, depois dalguns dias de rude esforço, que a linguagem fracassa em presença de tal complicação. Mesmo assim, todos os mínimos detalhes da máquina podem ser exatamente traduzidos em palavras, na maioria, não técnicas. O amador falha por causa da falta de, talvez, 10 ou 15 conceitos de mecânica. As pondes em seu vocabulário de trabalho, dai tempo pra pensar e o amador descreverá a linotipo fluentemente. Essa estupidez em relação à linguagem se torna cada vez mais séria, à medida que a civilização progride. As descobertas e as invenções multiplicam as coisas que devem ser descritas pela palavra, e exigem expressões mais sutis, terminologias mais exatas. Ao mesmo tempo, a multidão de novidade nos inunda, afogando mesmo os intelectos mais capazes. Em tudo isso, o que acontece ao homem comum? Certamente, percebe e concebe, relativamente, cada vez menos. A lei do retrocesso diminuído se aplica tanto à linguagem como às percepções dos sentidos e às relações econômicas. A conversação diária exige cerca de 2 mil ou 3 mil palavras. Mais ou menos na palavra número 20 mil o homem pára de adquirir um vocabulário maior pra leitura, pois acha que o esforço extra não é pago com lucro. Somente algumas pessoas, que trabalham com as palavras, chegam a um vocabulário de 40 mil ou 50 mil termos. Entretanto, mesmo esse número representa menos de um décimo do vocabulário contemporâneo absoluto. Perto do ano 2000 pode representar apenas 1%. Até aqui a cultura foi transmitida, em grande parte, através da literatura. E a substância do mundo do homem comum foi incorporada em histórias, ensaios, romances, relatórios, etc. Hoje, a literatura, mesmo no mais largo sentido, não encerra mais do que 0,0001% de ciência e tecnologia. Ao mesmo tempo, os indivíduos comuns lêem, relativamente, cada vez menos os assuntos importantes e, mesmo esse pouco, mal. Muitos nem têm idéia, nem nebulosa, do que acontece no mundo dos estadistas, engenheiros, químicos, psicólogos e agrônomos. Quantos sabem o que é um agrônomo? Todo domínio do conhecimento moderno tem seu próprio vocabulário básico (jargão), em cujos termos muitas relações e entidades especiais podem ser exatamente descritas. Ninguém sabe quantas palavras pertencem a cada sistema básico nem quantos sistemas básicos há. Mas, relativamente à lista bruta de jargão, o vocabulário básico, em cada domínio, é pequeno. Assim, em geografia, pode suceder que não existam 500 conceitos-chave e que, talvez, 200 sirvam a toda a ciência. Em geologia, provavelmente o dobro. Em física, certamente ainda mais, embora nem um décimo do número de palavra que aparece num vocabulário especial de tratado de física. Ora, nosso sistema educacional mal se aproxima desses ricos territórios. Escolhei, ao acaso, 1000 rapazes recentemente graduados e os argüis sobre 1000 termos-chave em vinte campos de ciência também escolhidos ao acaso. Quantos conseguirão 25% de
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exatidão? Não mais do que um, em cada 5 ou 6. E será um milagre se algum conseguir 80%. Em parte nenhuma o atraso cultural, como o chama Ogburn, se revela mais nuamente que aqui. As classes chamadas educadas, tomadas como grupos estatísticos, ainda pensam e falam com a linguagem dos primeiros anos do século 19. A estupidez de linguagem dos ianques se revela sempre que falam ou lêem. É notório que nosso povo conversa mal. Todas as espécies de explicação foram tentadas. Hillaire Belloc o atribui, ao que me lembro, à devastadora velocidade de nossa vida cotidiana, que nos força a grunhir os monossílabos e a acentuar apenas os pontos mais altos. André Maurois o relaciona a uma invencível timidez e prodigiosa auto-desconfiança. Todos os observadores concordam com Maurois em que em nenhum outro país encontrareis tal impotência de auto-expressão. Em minha opinião, devemos mergulhar mais profundamente, se quisermos chegar às origens da fala estúpida. Por que temos tão pouca autoconfiança na conversação? Principalmente porque estamos mal-equipados com as idéias fundamentais que iluminam e organizam a conversação. No instante em que abrimos a boca, descobrimos o vácuo. E, envergonhados, o ocultamos depressa. Acontece o mesmo com a leitura. Somente um pouco mais, nesse caso. Milhões de pessoas não gostam de leitura séria. Milhões mais lêem até mesmo jornal tão devagar e tão inexatamente que, o que devia ser um prazer, se torna um aborrecimento. Estudei os hábitos de centenas de indivíduos educados e encontrei, pasmo, a predominância da estupidez. Olhos e mente estúpidos conspiram a esse fim inglório. Como já tratei dessa fase de estupidez literária noutro lugar,91 farei apenas uma alusão. Os negociantes, com algum preparo superior, lêem um jornal numa média de quatro palavras por segundo e retêm apenas os mais óbvios característicos narrativos. Os detalhes que não surgem em forma narrativa entram por um olho e saem por outro. Um leitor inteligente lê, em média, de 5, 6 ou 7 palavras por segundo e retém ao menos um terço dos detalhes. O adulto inferior apreenderá, no máximo, um décimo duma passagem difícil de livro, pois, comumente, lê cada palavra duma vez, de modo que não pode assimilar o pensamento do autor. E larga o volume, irritado e cansado. Façamos uma pausa, um momento, pra lançar um olhar sobre a cena ianque em conjunto. A estupidez na linguagem aumenta, ao que parece. Portanto, aumenta a estupidez geral, pois não devemos esquecer que o pensamento separado da linguagem, se não é impossível é quase. Há uma estupefação absoluta e relativa. Nossas escolas perderam a capacidade de transmitir conhecimento elementar e já não dão ao rapaz e à moça comuns um completo vocabulário básico, de modo que uma geração de pensadores falhos se desenvolveu e, em breve, estará dirigindo o negócio do país, provavelmente ao abismo. Ao mesmo tempo o ambiente se torna cada vez mais complicado e produz um labirinto cada vez maior de física, química, fisiologia, legislação, regras e costumes comerciais, etiquetas... Pobres ciclopes! Bem podem suspirar por suas boas e velhas cavernas, pele de carneiro e calor do fogo aconchegante! Dos estúpidos mal-entendidos devidos à estupidez de linguagem vivem todos os advogados da cristandade. As negociações da liga das nações foram prejudicadas por esses mesmos desatinos de palavras e de frases. Os livros escolares os simplificam e adornam, fazendo do verbalismo uma virtude. Os jornais os exaltam, escrevendo palavras como bolchevismo, cristandade, justiça, progresso, caridade, capitalismo, trabalho, sistema econômico, civilização, comércio, lei e ordem, sem mais sentido que os anúncios de produtos miraculosos das agências publicitárias. Sim, tudo isso é uma carga da brigada ligeira! Uma brigada muito ligeira! Mais cedo ou mais tarde todos esses pobres estúpidos serão derrubados ao solo. Tudo porque não sabem o que as 91
The art of learning, página 139, etc.
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coisas significam. Terminará, então, a civilização? Na verdade, não! Quanto a isso sou ainda um incorrigível otimista. Me dai tempo e voltarei sorrindo! O que já vimos acerca das tolices de linguagem de nossos contemporâneos me faz imaginar as do passado. Certamente, em muitas épocas e lugares os homens foram ainda mais estúpidos que nós, a esse respeito. Os filólogos nos garantem que as línguas atuais da Europa Ocidental progrediram, mais que quaisquer outras, no sentido da clareza, flexibilidade e consolidação. Assim, não parece que o pensamento dos povos mais primitivos deva ter sido perigosamente restrito pelo simbolismo de falar e de escrever? Se a mente se inclina tão pesadamente sobre o vocabulário e a gramática, não se deve turvar, na vida cotidiana, se tem a sua disposição uma linguagem pobre? Acreditei nisso muito tempo. E parece que uma nova análise psicológica de todas as línguas deve ser tentada, a fim de nos dar uma medida mais ou menos objetiva da inteligência e da estupidez dos que usam qualquer modo de expressão. Como realizar tarefa semelhante é, certamente, um enigma. Não estou absolutamente convencido de que a maneira como encaro o problema, aqui, seja de bom resultado. Mas vale a pena tentar. Assim, passamos à psicologia da linguagem do ponto de vista do processo integrativo. Antes que o possamos fazer, entretanto, precisais saber o que é esse processo. Assim passamos a esse grande problema, depois do qual voltaremos à estrutura e à função psíquicas interiores dessa mais alta e mais distintiva atividade do homem.
Gramática Em tudo o que diremos sobre a linguagem e a estupidez, deve ficar esclarecido que não defendemos a teoria de que há uma profunda e interior conexão entre a raça e a linguagem ou entre a cultura e a linguagem. Há muito tempo Franz Boas pôs de lado essa noção, e de lado deve ficar, no que nos diz respeito. Mas isso não nos impedirá de examinar uma linguagem por suas sensibilidades e insensibilidades típicas, nem de inferir, por elas, que o povo particular, que deu forma a essa linguagem, deva ter possuído, em grau dalgum modo considerável, os característicos aparentes na gramática, no vocabulário e no estilo comum. Uma cultura, como Boas sustenta com exatidão, se deriva de inúmeras influências além da linguagem, muitas das quais não são psicológicas mas topográficas, bacteriológicas, meteorológicas, etc. A gramática e o tipo geral de palavra duma língua, entretanto, são principalmente psíquicos. Boas, suponho, foi o primeiro a acentuar o fato de que, tanto quanto podemos ser guiados pela observação, a gramática surge como uma forma inconsciente. Jamais alguma pessoa, num milhão, teria ciência de modo, tempo, gênero e sintaxe se não houvesse professor. O homem falaria como anda, inocente da anatomia e da ciência dos exercícios livres do corpo. Entretempo, a estrutura desta gramática limitaria seu pensamento de várias maneiras, nenhuma das quais lhe seria evidente. Poderia supor estar analisando situações objetivamente quando, com efeito, estaria apenas analisando a fase da situação que acontecesse ser apresentada nas categorias de sua gramática nativa. Assim, o desenho mais profundo de seu pensamento, derivaria sua forma do desenho de sua língua. Por que não esperar, pois, tipos de estupidez em gramática? Uma rápida investigação dalgumas línguas me convenceu de que cada língua revela uma combinação peculiar de traços mentais naqueles que a utilizam. Comparemos, por exemplo, as peculiaridades mais salientes de línguas tão divergentes como a chinesa e a banto.
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Chinês O chinês envolve o leitor e o ouvinte num esforço mental severo. Sendo virtualmente sem inflexão, usa monossílabos, inalterados, em todas as combinações concebíveis de significado. Assim, a palavra jen significa homem, de homem, homens, o homem, do homem, os homens ou dos homens. E uma sentença simples, como yu jen tsai men wai, que significa, literalmente, tem homem porta fora, pode ser empregada pra dizer há um homem à porta ou há pessoas à porta. Pra agravar as coisas não há palavra formada, de vocábulo simples, por afixos, como padeiro de pão, cervejeiro de cerveja. Mas essa deficiência se torna insignificante ao lado da surpreendente quantidade de homófono, que faz o chinês incrivelmente difícil a um estrangeiro e ao coli comum. Um homófono é um som que tem muitos sentidos, como o da palavra reed, em inglês, que pode significar read ou reed ou o nome próprio Reid. O moderno dialeto mandarim de Pequim possui pouco menos de 500 sílabas e sons básicos, e os estrangeiros, em geral, imaginam, os ouvindo, que o chinês repete o mesmo som quase continuamente. Há, com efeito, 19 sons, recorrentes numa larga variedade de sentido. No chinês comum há 69 palavras que se pronunciam ai, 59 que têm o som idêntico a shi e 29 que são ku. E assim a diante. Como isso se tornou intolerável, há muitos séculos os chineses inventaram o tom pra distinguir as palavras. Mas isso pouco serviu. Hoje um homem pode usar a língua chinesa somente através de muitos artifícios especiais pra tornar claro o pensamento, entre os quais o de empregar duas palavras em vez duma. Talvez isso baste pra mostrar as peculiaridades principais dos estímulos que chegam ao olho do chinês e põem em movimento seu mecanismo lingüístico. Quais as reações desse mecanismo? Não é evidente que devem estabelecer muito mais conexão que a mente que fala e pensa em inglês? Vejamos o testemunho autorizado de Bernard Karlgren: Conseqüentemente, apela à faculdade de conjetura do intérprete e o principal expediente sintático do chinês, a ordem das palavras, só até certo ponto compensa a falta de sinalização formal da relação das palavras dentro da sentença. O chinês, além de não sofrer a inconveniência dessa incerteza também a alimenta e chega ao extremo de desdenhar produzir até mesmo a medida de lucidez atingível pela observância da ordem das palavras. A sentença chinesa, em comparação com a européia, é altamente braquilógica.92 Lembra a linguagem usada nos telegramas, onde temos de nos exprimir no menor número possível de palavra, como, por exemplo, Seguindo Nova Iorque negócio importante diga Jones preparar mala Liverpul 2a-feira. Ao 92
Braquilogia: (sf gramática) Encurtamento duma palavra ou expressão, sem prejuízo do sentido da forma plena. Abreviação: Moto (por motocicleta), frita (por batata frita). Redução dum giro fraseológico, que consiste no truncamento da estrutura gramatical pela omissão de termos dispensáveis à compreensão global: Fizemos o que cumpria (Fizemos o que cumpria fazer). O mesmo que braquissemia. Nota do digitalizador. http://www.kinghost.com.br/
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passo que, em geral, não deixamos de incluir numa sentença seus dois elementos fundamentais, o sujeito e o predicado, o chinês considera indigno exprimir ambos se um pode ser compreendido pelo sentido. Um inglês, se recusando a comprar algo, dirá Eu não o comprarei, expressando, assim, o sujeito e o objeto (eu e o). O chinês considerará ambos supérfluos e dirá, simplesmente, pu mar (não comprar). Essa natureza fragmentária do chinês, a falta de estrutura clara e adequada, opõe séria dificuldade ao aprendizado. Não se trata mais que traduzir palavra a palavra, no caso de palavras ambíguas, tentando ora um, ora outro sentido, e, assim, se esforçar a tirar conclusão quanto ao sentido da sentença. O caso não é, portanto, análogo ao do latim, por exemplo, em que um colegial, que tenha uma gramática comum a alcance da mão, pode, com o auxílio dum dicionário, e cuma análise formal, apreender o sentido de qualquer sentença (desde que o assunto seja suficientemente familiar). Mas é possível que um perito em sinologia fique embaraçado ante uma sentença chinesa e hesite a interpretar.93 Isso faz com que os documentos chineses sejam muito curtos. Assim, o evangelho de são Mateus contém, no original grego, cerca de 39 mil sílabas, em alemão 33 mil, em inglês 29 mil, e em chinês 17 mil. Em regra, essa brevidade indica progresso intelectual, mas somente quando as expressões curtas são acompanhadas por vários artifícios simplificadores. Esses artifícios não existem em chinês, e o resultado é que as massas do império do meio conhecem muito pouco sua própria língua e demonstram uma pronunciada inclinação a usar outras. Assim, no sul da China os nativos das aldeias adjacentes empregam, regularmente, o inglês pidgin, ao conversar entre si. A homofonia e o casticismo, combinados, tornam o chinês clássico inteiramente ininteligível a um chinês educado, quando lido alto, a menos que o leitor ajunte explicação à proporção que lê. Em geral é o significado local do homófono que deve elucidar, mas às vezes é a abreviação, que muitas vezes se realiza em grau absurdo. Infelizmente, os intelectuais revelam, nisso, casticismo, equívocos múltiplos e completa falta de forma. O resultado, embora divertido aos que gostam de jogar com as palavras, é desencorajador ao que aprende e nocivo à evolução da língua. Karlgren relata uma multidão de violentas tendências elíticas e técnicas perifrásticas no chinês clássico que exigem, tanto de quem fala quanto de quem ouve, uma atividade mental superiormente integrada. Alguns casos nos convencerão. Shi ju pu ju shi ch'u é, literalmente, deixar entrar não igual deixar sair. Não muito claro, hem! Ao indivíduo familiarizado com as tricas do chinês, isso poderia, naturalmente, ser traduzido como deixar de prender é pior do que deixar de libertar. Mas não significa isso, absolutamente! Se trata aqui duma máxima jurídica, que significa: É pior prender um 93
Bernard Karlgren, Sound and symbol in chinese, Londres, 1923, páginas 90-91
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homem inocente que libertar um criminoso. O jurista que criou o adágio admitiu, simplesmente, que todo mundo poderia imaginar que se referia a um homem inocente na primeira parte e a um homem culpado na segunda. Sendo o casticismo cultivado pelos literatos como a suprema virtude no escrever, os chineses chegaram a monstruosidade como o cumprimento: Ming hia ting wu hu shi, que é, literalmente, Nome sob fixo não tem estudioso vazio. Certamente, nenhum ocidental poderá imaginar o que o chinês quereria dizer. Karlgren confessa impotência e eu também. O gênio chinês que pronunciou esse cumprimento pretendia dizer: Eis um estudioso que bem merece a fama. Acontece com as frases o mesmo que com as sentenças. Assim, ji pen é Japão (raiz do sol) e ping é soldado. Pra dizer soldados japoneses, portanto, se deveria dizer ji pen ping. Mas o que diz o repórter chinês em seu jornal? Parece que não é pago de acordo com o que escreve, pois em geral escreve ji ping, que significa soldados do sol. E assim a diante, confundindo jovens, colis e estrangeiros. Não necessitamos pesquisar a razão dessa absurda brevidade, pois somente a mentalidade revelada no processo nos interessa aqui. E, em geral, essa mentalidade é bastante evidente. Ao orador, ou ao escritor, impõe, a cada momento, uma operação seletiva artificialmente superior. E, do ouvinte ou do leitor, requer uma atividade interpretativa ainda maior, em que a memória e a capacidade de conjetura desempenham grande papel. O chinês literário é o produto de mentes que encontraram prazer nesses processos integrativos superiores. Nisso, é exatamente o oposto do banto. Que traços mentais podem ter produzido esses estranhos hábitos lingüísticos? Não adianta dizer que forças religiosas ou outras influências esotéricas os criaram, pois isso contorna a questão. Tais forças existem somente nos seres humanos. São atos individuais da mente e do corpo e não misteriosas emanações duma consciência social ou coisa semelhante. Admiti que os antigos literatos e sacerdotes da China possam ter desenvolvido maneirismos lingüísticos e os exaltado como algo parecido ao ritual dum culto. Isso não altera o fato de que cada maneirismo era, na realidade primordial, o ato dum homem, e só pode encontrar explicação na natureza desse homem. Assim, consideremos o chinês instruído, quando pensa e escreve artigo peculiarmente defeituoso. Seu interesse dominante não pode ser a clareza, tanto quanto diz respeito ao ouvinte e ao leitor. Ao escrever um caractere não pode estar se perguntando: Como o traduzirá o público? Ao contrário, permanecerá dentro do círculo de seu pensamento, pondo alguma ligeira indicação taquigráfica, mais ou menos como as notas e sinais que vós e eu tomamos numa conferência, como lembrete. Tendo assistido a conferência, podeis facilmente a lembrar na totalidade, cum simples olhar a essas notas. Mas qualquer outra pessoa, ausente, nada compreenderá das notas aparentemente confusas. Ora, do ponto de vista dum estranho, essas notas parecem esotéricas. Mas não têm motivo esotérico. São apenas mnemônicas. O mesmo acontece com o chinês instruído. Duvido muito que sua taquigrafia literária tenha motivo esotérico. Estaremos mais perto dos fatos conhecidos se dissermos que o chinês é um completo e absoluto individualista, no sentido psicológico do termo. Seu pensamento, como seus ajustes exteriores em geral, é mais francamente egocêntrico que os das raças branca e negra. Tudo o que sabemos dos chineses, desde a aurora da história, confirma isso. E mesmo hoje, a despeito do prodigioso esforço dos missionários e dos interesses comerciais, virtualmente todos os homens do país são, no sentido ocidental, insociáveis. Pra eles a comunidade não existe. Suas relações com os indivíduos fora do circulo da família são puramente práticas e mais ou menos velhacas. Pra eles a política é, simplesmente, um negócio, e assim acontece que, na China, seja considerado natural
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fazer tanto dinheiro quanto possível em virtude de cargo público e oferecer bom emprego e excelente contrato aos parentes. Ninguém, no mundo, tem tão pouco interesse nem tão pouca fé no governo e nas atividades sociais como o chinês educado. Vive de acordo com a sentença de Confúcio: O que o homem superior procura está em si mesmo. O que o homem inferior procura está nos outros. O tremendo vigor da crença nos espíritos é, naturalmente, um sintoma egocêntrico familiar, e o obstinado culto aos ancestrais do chinês é sua forma virulenta. Aqui encontramos uma profunda estupidez social, que se liga com outro traço ainda não mencionado: A contemplação estética, em que os chineses excedem em muito a maioria dos ocidentais. Uma introversão peculiar resulta dessa mistura. E vemos suas piores manifestações numa gramática (ou na falta duma gramática) que simplesmente ignora o ouvinte e o leitor.
Banto Que cena diferente surge quando nos voltamos, da Ásia oriental, às florestas equatoriais e às planícies ensolaradas da África central! Os processos mentais, que produzem as línguas dessas centenas de tribos negras a quem Bleek, seu primeiro e grande pesquisador, deu o nome de bantos, são extraordinariamente simples. A característica psicológica do banto é o de que nada é reservado à conjetura, interpretação ou qualquer função mental seletiva, tanto de quem fala quanto de quem ouve. E, como se isso não bastasse, o sujeito do discurso é, psicologicamente falando, repetido em todas as palavras. Isso, naturalmente, é realizado por meio dum complicado sistema de concordância gramatical, que mal pode ser adivinhado por uma ou duas ilustrações. A palavra zulu pra homem é umuntu. Ora, se desejais falar sobre um homem, toda palavra, tanto na sentença que menciona o homem, como na sentença seguinte, em que haja referência ao homem, deve começar cuma letra ou sílaba que lembre e se refira a umuntu. Tomemos um exemplo do estudo de W. I. Bleek, A comparative grammar of south african languages: UMUntu Wetu Omuchle Uyabonakala siMtanda Homem nosso bonito aparece amamos As letras maiúsculas, na primeira sentença, são o que Bleek chamou sinais de concordância, isto é, indicam que o sujeito da sentença é homem. Se a sentença fosse acerca de homens, em vez de acerca dum homem, todos esses sinais de concordância teriam de ser transformados a ABA, BA ou B. Ora, o zulu é uma das mais desenvolvidas das línguas bantos, de maneira que esses sinais de concordância são mais curtos e mais convencionais que no banto primitivo. Pra chegar à psicologia dos negros que falam essas línguas incomuns, consideremos alguns exemplos de formas mais arcaicas, de acordo com sir Harry Johnston. Pra ele, como se poderia supor por tudo o que se sabe dos primitivos afixos, os sinais de concordância são abreviações de antigos vocábulos e alguns dialetos atualmente existentes revelam essas palavras desaparecidas com clareza bastante pra tornar possível uma reconstrução exata. Assim, entre os povos de Uganda, Johnston encontrou esta estrutura: Eles esses-eles-pessoa eles-mau eles-que-matam nós que-os-tememos. Eis cinco palavras, todas contendo um eles completo. A sentença significa: São indivíduos maus, que matam. Os tememos. Ora, que espécie de processo mental se realiza aqui, primeiro no indivíduo que fala e, depois, no que ouve? O sujeito do discurso é mantido constante na mente, não por um ato de memória, mas pela repetição. Disse Livingstone: Essas intermináveis repetições comunicam energia e clareza
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a todos os membros da proposição, impedindo a possibilidade de erro quanto ao antecedente. O que o missionário deixou de notar, porém, é que o mecanismo deve ter se desenvolvido porque o povo que o usava necessitou se apoiar sobre essas incômodas muletas em todos os empreendimentos mentais.94 É concebível que muitos homens continuassem a usar ou a necessitar duma série de referência recorrente ao sujeito da sentença que estivessem construindo ou ouvindo. O considero uma inferência de que qualquer língua, construiria de acordo com o modelo banto, ou seja, com o prefixo pronominal como base de concordância, é o produto duma mente de fracos poderes de integração, que não pode transportar ao pensamento uma proposição moderadamente complexa, de momento a momento. Pode também acontecer que a falta de interesse mental, que regularmente acompanha a integração inferior, tenha ajudado a perpetuar todas as grosserias e verbosidades de referência, não somente em banto, mas noutras línguas de estrutura semelhante. Como as crianças gostam de brincar com os sons e de repetir frases indefinidamente, assim os povos primitivos enchem as horas, doutro modo vazias, com tagarelice. Quanto mais longa a tagarelice, melhor. Não encontramos evidência disso nas histórias e na fala dos selvagens tropicais, mas o melhor testemunho é fornecido pela canção primitiva, que vai a diante, durante horas, sem modificação de tom ou de frase. Aqui chegamos, novamente, a uma bela adaptação. Onde nenhum propósito pode ser servido pela concisão, que envolve trabalho mental, uma língua que exija menos do que fala e do que ouve é a melhor.
Negro Vos voltai dos bantos ao mundo maior dos negros e estareis diante duma das mais profundas diferenças entre raça e raça. A vemos, à primeira vista, como uma diferença na capacidade de organizar as experiências. É uma diferença na ação integrativa do sistema nervoso. Muito importante em gramática, pode ser encontrada em todas as outras atividades. Todas as tolices peculiares do homem negro podem ser relacionadas. Me interessei em coligir fatos sobre esse ponto porque foi negligenciado por antropologistas e psicólogos, não deliberadamente, mas em vista da dificuldade de estudar, exceto sob as condições normais de vida das pessoas investigadas. A vida integrativa superior dos zulus e dos suaílis não pode ser inspecionada em laboratório. Eis uma das mais enigmáticas anomalias na mentalidade do nativo comum da África central. Os brancos, que ali viveram muitos anos, concordam em dois pontos: Primeiro, que o nativo tem memória prática incrivelmente má. Segundo, que é o maior lingüista da terra. Esquece o que disse ou fez poucos minutos depois. Não pode lembrar o nome de rios, montanhas, chefes ou outros objetos. Entretanto, aprenderá uma língua estranha num piscar de olhos. Hans Coudenhove, que passou 21 anos na África e conhece o homem negro como pouca gente, diz: Me aconteceu, não uma vez mas repetidamente, eu chegar a uma tribo acompanhado por homens que jamais ouviram o idioma local. Mas, antes dum mês, podiam, sem exceção, conversar fluentemente com os 94
Creio que essa forma de linguagem deve ter se desenvolvido por causa do ambiente. Num meio convulso, entre guerra e penúria, sobrevivendo a cataclismo, por exemplo, com o receptor extenuado, doente ou sob tensão, haveria a necessidade de comunicação assim repetitiva e precisa. Nota do digitalizador.
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa habitantes, mesmo quando essa língua particular diferia tanto de sua própria como o inglês do italiano. Mas não é tudo. Embora eu falasse um suaíli muito indiferente, uma língua muito fácil de aprender pra falar mal e quase impossível prum europeu aprender pra falar sem erro, os novos criados que entravam a meu serviço aprendiam a falar em poucas semanas, simplesmente me ouvindo falar. Que a aprendiam por mim era inteiramente evidente, visto terem contraído todos meus defeitos!95
Certamente, isso é contraditório, direis. Mas não é. Quando estudamos, mais minuciosamente, o comportamento, notamos que há uma integração superior momentânea, mas virtualmente nenhuma de momento a momento. Se perguntardes a um africano o nome dum rio, não parará, coçará a cabeça nem dirá que esqueceu. Responderá rapidamente qualquer coisa. Faças a mesma pergunta dez minutos depois e a resposta será completamente diferente da primeira. E assim a diante. Isso pode indicar apenas uma coisa: Qualquer detalhe do rio ante seus olhos desperta qualquer reação que possa ter tido de referência a qualquer outro rio. Muitas experiências passadas, em conjunto, são revividas com muito vigor mas com pouca ou nenhuma lei ou ordem. O puro acaso lhe governa a mentalidade. Não integrou suas correspondências à situação precisa. As integrou, somente, ao mais vago dos denominadores comuns, a saber, águacorrendo-entre-margens. Este fator é bastante pra reviver, indiscriminadamente, o nome de qualquer rio ou mesmo palavras ouvidas em conexão com água. A facilidade com que aprende uma nova língua é conseqüência da defeituosa integração de momento a momento, ligada a uma integração superior momentânea. O homem que ajusta toda sua vida ao ambiente social e pessoal desenvolve uma memória lingüística altamente seletiva. Os sinais e os sons da língua da comunidade se tornam tão estreitamente integrados com todos seus atos cotidianos que os atos só podem ser separados dos primeiros com máxima dificuldade. Na verdade muitos homens de altos poderes integrativos se inclinam a identificar palavras com idéias, resultando daí que seu pensamento se torna em grande parte lingüístico e, nessa medida, separado da realidade. Muitos estudiosos da natureza humana, especialmente John Dewey, acreditam que essa tendência seja um dos mais sérios obstáculos ao pensamento científico sadio. Se o homem de escassa capacidade integrativa escapa deste perigo, é somente pra cair em muitos outros males. E um desses males é o rápido abandono duma série de símbolos por outra. Nada pode ser, afinal de conta, mais devastador do esforço humano e menos eficiente como meio de dominar o ambiente que a capacidade do africano de aprender uma língua, onde e quando quer que a ouça. Num lado isso significa que o nativo se submete aos costumes de cada grupo novo. Noutro lado aumenta o número de diferentes correspondências em relação a uma e mesma série de fatos, tendendo, portanto, a enfraquecer a força integrativa de cada correspondência. O homem que, ao ver um cão, é compelido a única correspondência vocal, cão, tem mais facilidade em organizar o comportamento que o homem que, ao ver o mesmo cão, é simultaneamente estimulado, por vários impulsos interiores, dizendo dog-Hund-chien-canis-perro-kulb-numa-chenda95
African folk, no Atlantic Monthly, fevereiro de 1922
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uguru. A integração efetiva, nos planos superiores, sempre envolve manter abertas duas ou mais válvulas de descarga, um estudo a fazer ou a chegada dum novo fato. O negro é incapaz disso. O que Darwin notou, há muito, entre os aborígines da Terra do Fogo também acontece com os africanos: São incapazes de compreender uma opção. Se perguntardes a um africano: Devemos continuar a marcha nesta manhã ou ficar pra descansar as novilhas? o pobre estará perdido. Ou está além de sua força. E isso se relaciona, de certa maneira, a suas inibições. É, totalmente, uma criatura do impulso. Eis por que, como diz Coudenhove, toda a África está bêbeda depois do pôr-dosol. Bebe quando conseguir álcool e enquanto tiver o que beber. Isso também explica a enorme freqüência de suicídio entre os negros, mesmo entre as crianças: Num assomo de raiva ou de medo o impulso se apodera da criatura. Essa capacidade de integração por um intervalo de tempo pode ser ilustrada por uma experiência de Coudenhove, que o pesquisador não conseguiu compreender. Vale a pena a transcrever inteira. Os negros não sentem como nós, ou, se sentem, demonstram de modo diferente. Tive um criado kikuyu, um sujeito excelente, chamado Tairara. Estávamos acampados nas colinas de Mwele, província de Sayidie, da África oriental inglesa. A aldeia, lugar de comércio, era periodicamente visitada por wadurumas e wanyikas, que vinham de distância considerável obter, por troca, os artigos de que necessitavam. Tairara já me falara duma de suas irmãs, que, anos antes, fora raptada de sua região natal e levada à costa. E, certo dia, tal como nos contos da carochinha, os dois se encontraram na rua principal de Mideli. A emoção de Tairara foi genuína e violenta e, devo dizer, muito afetuosa. Se sentou no chão, segurando, cuma das mãos, a mão da irmã, enquanto, com a palma da outra mão, batia no chão. E, durante todo o tempo, a lágrima escorria no rosto. A irmã demonstrava menos emoção. Olhava a Tairara, embaraçada. Os deixei nessa posição. O seguinte foi a parte curiosa do fato. Desse dia a diante, jamais se notaram um ao outro, como se fossem estranhos! Os vi cruzarem durante cerca duma semana sem trocarem palavra. E, quando interroguei Tairara, a resposta foi a de que se encontraram e que o incidente estava encerrado. Pro nativo há um tempo à tristeza e um tempo ao prazer, que se podem alternar sem transição. Acredito, também, que os nativos sejam capazes de produzir, voluntariamente, emoção. Ao menos as mulheres. Nas vigílias
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seguintes à morte dum parente ou conhecido o lamento é acompanhado por lágrima genuína. Mas, tanto antes quanto depois são indiferentes, como se nada acontecera.96 Seria difícil encontrar melhor espécime. Tairara estava transportado de alegria ao encontrar a irmã havia tanto tempo perdida e fez o que era natural no momento. Mas o momento foi o bastante. Não passou ao momento seguinte. O que era passado ficou, a sempre, passado. No dia seguinte a vista da irmã não produziu a grande correspondência emocional da véspera. A irmã era, pra ele, exatamente igual a qualquer outra mulher da aldeia. O homem branco pode ser perdoado por ter dificuldade em o imaginar. E, respeitosamente, endereçamos o assunto àqueles que acreditam, com Volter, que ninguém pode, sem muita perturbação, compreender o sentimento, pensamento e conduta dalguém. No sentido psicológico, Tairara não tinha passado, apenas presente. Acrescentemos a história duma negra do Texas, que exibe a mesma memória curta e idêntico desligamento emocional do passado, mas sob condição social que levariam até as mais depravadas das mulheres brancas a uma ação diferente. Aphrodisia é uma digna lavadeira de Santo Antônio, com dez filhos e cerca de 50 libras a mais de banha. Em parte por causa da falta de atrativo físico, em parte por causa do fraco poder de conversação e em parte por causa da pobreza, foi afastada da melhor sociedade africana, pra sua profunda tristeza. O negro é um animal de rebanho: Afastado do rebanho está destruído. E essa mulher infeliz enlanguesceu, como pária, até cerca de 50 anos de idade. Então um terrível golpe de sorte lhe abriu as portas da elite. O marido foi assassinado de maneira sensacional. Isso a tornou, da noite ao dia, a mulher mais importante dessa parte do mundo. Doravante foi convidada a passeio e convescote. E seu humilde lar se encheu de admirador. Era apresentada a todo mundo como a viúva do homem que foi assassinado. A luz da ribalta a hipnotizou. Devia se vestir e agir de acordo com seu novo papel. Retirou do banco a economia e comprou vestido. Deu até pra usar cinta e, naturalmente, gastou muito dinheiro em cosmético e tintura capilar. A vida se lhe tornou agradável, embora, de certo modo, dissipada e estrênua. Não se pode lavar roupa, durante todo o dia, sob a temperatura do Texas, aos cinqüenta anos de idade, e depois dançar toda a noite. Assim se passaram cinco anos. Com o passar dos anos a popularidade foi se desvanecendo, pois a memória do homem é curta. Mas não foi repelida por seus novos círculos sociais. Foi ficando a trás, cada vez mais esquecida. No meio dessa crescente obscuridade o assassino de seu marido saiu da prisão e voltou à cidade, onde, de repente, se tornou ainda mais distinto que Aphrodisia. Estava escrito nos livros do destino que o assassino encontraria a viúva de sua vítima numa festa. Foram formalmente apresentados. O leão cortejou a leoa e um grande amor se iniciou. Os dez filhos de Aphrodisia, mais senhores da moral do homem branco que a mãe, se indignaram com a paixão por um homem que assassinara seu pai. A reprovaram, amargamente. Mas a mãe sacudiu a cabeça firmemente, dizendo: — Tudo está certo. Senhor Harris pediu desculpa pelo que fez e pediu desculpa como um perfeito cavalheiro. Naturalmente, o romance aumentou enormemente a fama da mulher e a levaria a glória não sonhada se não fosse o fato de que, numa noite, o amante, um tanto tocado pelo álcool, tentou lhe arrancar a cabeça sem aviso nem argumento. Num desses feitos de bravura de que há notícia, uma vez, a cada meio século, a mulher revidou o ataque, 96
Atlantic monthly, fevereiro de 1922
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dominou o homem e de tal modo o castigou, que lhe explodiu o miolo ali mesmo. A desconsolada mulher, duplamente viúva, usa agora luto fechado, vestido preto, cuma rosa vermelha. E, novamente, é a rainha da sociedade. Estudai os acontecimentos com cuidado e vereis como a instabilidade de sentimento de Afrodisia, a tendência a viver de momento a momento e incapacidade de sentir a incongruência em aceitar o assassino do marido como amante revelam uma ação integrativa terrivelmente fraca. O defeito está no próprio sangue do negro. Portanto, quando esse sangue é diluído com o do branco, o defeito desaparece.97 Pra evitar dissensões fúteis, desejo afirmar que, virtualmente, não há negro em Eua e que os defeitos peculiares em processos integrativos superiores, aqui descritos, serão raramente encontrados fora da África, de certas partes de Índias Ocidentais e duma área muito pequena de nosso cinturão negro, isolada desde os tempos coloniais. Os que chamamos negros estão tão perto dos africanos quanto os habitantes de raça branca de Aioua estão dos saxões que em primeira vez invadiram a Grã-Bretanha. Vários sangues se misturaram com o original sangue escravo, produzindo, já, o que Edwin R. Embree chama, com razão, uma nova raça.98 Sempre, desde que o primeiro comerciante holandês levou a Jamestown os primeiros vinte escravos negros, em 1619, os africanos cruzaram com índios, huguenotes, puritanos e, muito depois, com todos os povos asiáticos e europeus que chegaram à América. Durante os dias da colônia, da revolução e do começo do século 19 os brancos não sentiram repugnância pelo casamento interracial. Presidentes e membros do gabinete tiveram crianças com mães negras e praticamente todas as famílias do sul escondem, em virtude de estúpido orgulho, os parentes de pele preta. Os 12 milhões de pardos dali resultantes são, em grande parte, de origem branca e mostram poucas características de seu sangue africano. E. B. Reuter mostrou, de maneira admirável, a enorme superioridade do mulato sobre o negro de sangue puro.99 De 139 negros eminentes do país, somente quatro são negros de sangue puro. Virtualmente todos os que prosperaram no comércio são também mulatos. Estas cifras, por si mesmas, podem ser postas em dúvida de vários pontos de vista estatísticos, que não precisamos discutir aqui, porque Reuter evitou seu erro latente investigando a inteligência dos negros noutras terras, onde nossa condição social e econômica peculiar não existe e, portanto, não pode provocar distorção da evidência. Onde quer que o negro tenha cruzado com o branco, o mulato demonstra a mesma superioridade, seja em Índias Ocidentais, no Brasil ou na África. Tudo isso está exatamente de acordo com os testes de inteligência realizados com negros no exército e nas escolas públicas. Os proprietários de plantação e de fábrica no cinturão negro testemunham, quase unanimemente, que poucos negros serão capazes dum prolongado esforço no sentido de melhorar a sorte. Mesmo quando as oportunidades aparecem e todas as condições são favoráveis os negros jamais tomam a iniciativa. Revelam, de mil-e-um modos, incapacidade de olhar a diante e de organizar o comportamento atual no sentido do amanhã e do próximo ano. O intervalo de tempo do esforço integrativo é breve. Se um negro deseja um par de sapato trabalha somente até ter o dinheiro suficiente pra comprar 97
Creio que com os negros há de ter acontecido o mesmo fenômeno dos árabes. Quanta diferença da civilização árabe do início até o século 20. O que aconteceu? Consangüinidade, invasão mongol? Os impérios negros da idade média comparando com hoje: Colonialismo retalhando o mapa africano, consangüinidade? Nota do digitalizador 98 Brown America, the story of a new race, Nova Iorque, 1931 99 The superiority of the mulatto, no American journal of sociology, 1917, XXIII, S. Vide também o livro de Reuter, The mulatto in the United States, Bóston, 1918.
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e, depois, pára. Se deseja um dólar pro aluguel, trabalha toda uma manhã pra isso, e pronto. Nos distritos rurais algodoeiros, muitos fazendeiros, que absolutamente não são prevenidos contra os negros por quaisquer motivo racial, afirmam que é fisicamente impossível persuadir um negro rico a trabalhar mais dum dia, em cada três, durante todo o ano. O trabalho, aliás, é considerado uma desgraça. É a parte que coube ao homem. Aqui, certas pessoas, dotadas de conhecimento de antropologia, notarão que isso se relaciona com antigos costumes e não deve ser tomado como uma acusação individual. O macho africano, durante milhares de anos, não deixou descansar sobre a mulher todos os trabalhos domésticos?100 Se pode esperar que o negro abandone essa velha e enraizada prática nalguns anos? Isso, naturalmente, é um argumento falho. O costume não é mais do que o comportamento de milhões de negros que sobreviveram nas terríveis florestas e planícies equatoriais, em virtude da enorme resistência física e mentalidade inferior. Previdência, planejamento, esforço organizado e iniciativa superior são defeitos no Congo, pois provocam irritação, grande esforço e fazem com que o homem esqueça o leão faminto que está atrás. E, nos trópicos, a irritação e a falta de cuidado com a vida ou com os membros são fatais. Os gênios potenciais que podem haver nascido entre os negros africanos morreram todos há milhares de anos. Os sobreviventes são os que tiveram o senso e a astúcia de levar a vida facilmente. Quanto ao negro da Jórgia, há três ou quatro gerações removido da África, é um contra-senso o absolver de toda responsabilidade pessoal por causa dos velhos costumes tribais. O conformismo cum costume que representa desvantagem óbvia ao indivíduo é, certamente, sinal de fracasso mental. Em parte nenhuma do mundo os homens possuidores de previsão, energia e saúde continuaram fiéis à tradição, quando ela os mantinha pobres, humildes, sem conforto. Sempre se afastaram do rebanho, se não aberta, ao menos secretamente. E, desses, os mais espertos o realizaram tomando o governo e transformando as leis a sua maneira. Muitas leis criminais e civis que nos embaraçam podem ter origem nas atividades de homens que queriam abrir o próprio caminho, contrariamente ao que o rebanho diz ou faz. O desrespeito à lei e a promulgação da lei são duas fases complementares desse mesmo desejo. Se nosso negro do sul se pudesse ver em seu próprio ambiente, se pudesse olhar a diante, planejar e executar, teria, há muito, se libertado da escravidão, talvez por meio duma revolução, talvez por meio duma migração, talvez por um boicote racial que expulsaria os brancos de seus estados. Mas nada fez. Deixou tudo isso aos mulatos e os mestiços, que produziram todas as perturbações recentes, em virtude de descontentamento pelo que tiveram e resolução de obter o que querem. E é o sangue branco que há neles que produz este divino descontentamento. Todos estes fatos levam à conclusão de que as maiores diferenças entre os brancos e os negros residem no grau e na qualidade da ação integrativa. E esta diferença é, principalmente, hereditária. Ademais, não pode ser vista cum microscópio, pois como demonstraremos, se trata de estrutura infinitesimal e de descarga de energia. Os negros vivem num nível de energia muito inferior ao do homem branco. Este ponto, quase sempre negligenciado, foi revelado numa investigação sobre o ancilóstomo, conduzida por doutor W. G. Smillie e por doutor D. L. Augustine, que descobriram que as crianças negras examinadas têm capacidade vital muito inferior à das crianças brancas do mesmo sexo e da mesma idade. Não necessitamos descer a detalhes de fisiologia pra demonstrar o significado dessa 100
O mesmo ocorre com o índio no Brasil. O branco costumava dizer que o índio é preguiçoso porque não quer trabalhar na horta. Mas o fato é que na cultura indígena esse é trabalho feminino. Alguém fez uma comparação perfeita: Imagines como se sentiria um policial desempregado sendo chamado pra ser dançarina de programa de auditório ou animadora de torcida. Nota do digitalizador
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baixa vitalidade. Basta dizer que o negro não pode extrair do ar a energia contida no oxigênio tão depressa quanto o homem branco, nem pode despender tão depressa essa mesma energia. Prum fisiologista isso indica que menos energia foi utilizada por unidade de tempo no desenvolvimento do sistema nervoso central. Portanto, a estrutura final não é, provavelmente, tão elaborada quanto no homem branco, pois a quantidade de energia que entra na formação de qualquer parte do corpo é um dos principais determinantes da estrutura. O leigo pode ignorar essas obscuras considerações e, entretanto, discernir os resultados da energia inferior no comportamento do negro. Que o homem leigo acompanhe o negro típico do sul, seja nos algodoais do meio-oeste, seja nos cortiços do norte. O negro trabalha vagarosamente e se cansa depressa. Nenhum trabalho fácil nem salário alto o transformarão. Como sua velha mula branca, não pode ir muito longe. Muitos fazendeiros do sul podem testemunhar que jamais foram capazes de manter um negro em trabalho constante, por mais fácil que fosse, três meses a fio. Podem testemunhar, também, que muitos negros ricos, libertos da sífilis e da ancilostomíase, se cansam depois de seis ou sete horas de trabalho, que não abatem o branco. É sabido que o patrão que tenta acelerar o trabalho do negro prometendo duplo salário consegue apenas fazer com que o negro faça metade do trabalho comum. É também sabido, no sul, que o homem negro trabalhará a fim de conseguir dinheiro prum par de sapato, uma carabina, comprar fumo, mas, logo que obtém a coisa desejada, não se pode mais contar com ele. O mal-estar maior parece provir da velocidade e da persistência do esforço. Como isso acontece em toda a região do homem negro, entre os ricos e os jovens quase tão semelhantemente quanto entre os menos afortunados, não o podemos atribuir, caridosamente, a dons inferiores? Penso que sim. A que espécies de estupidez leva esta profunda inferioridade? A quase todas as espécies, ao menos indiretamente. Mas, acima de tudo, a uma incapacidade pra se haver com situações maiores. Nenhum cão viu toda uma faixa de terra. Nenhum imbecil ouviu as vagas e a tempestade da Odisséia. Nenhuma criatura como Tairara ou Aphrodisia pode perceber, como coisa única, uma transação comercial ou qualquer outra negociação humana que se desenvolve durante semanas. Esta coisa não tem unidade, assim como a terra sobre a qual vaga um antílope não tem, ao antílope, a unidade que possui ao astrônomo. O ato de tomar as coisas em conjunto se chama percepção. É ver coisas em vez de simples cores e formas. É compreender acontecimentos de longa duração em vez de instantes sem sentido. Não possuir essa capacidade é ser destituído dos verdadeiros alicerces da inteligência. É ser insensível à marcha do universo e a tudo o que contém. Nenhuma outra estupidez se aproxima dessa espécie quanto à profundidade e à extensão de sua devastação. Muito antes da chegada dos ciclopes a África enxameava de criaturas que comiam sem ordem, que bebiam tudo que era líquido, que não tinham paladar, que podiam compreender a diferença entre uma polegada e uma légua somente como os ciclopes podem compreender a diferença entre uma dúzia de carneiro e uma vintena, que podiam adormecer a qualquer momento, mesmo sem estar exaustos pelo trabalho, que suportavam, com serenidade, os mosquitos, as pulgas, os ratos e os vermes, e que, entretanto, eram felizes na capacidade de esquecer toda tristeza, sofrimento, injustiça e perda, como eram felizes no inquebrantável estupor em relação ao amanhã. Os ciclopes tiveram pouco trabalho com esses primitivos filhos de Ham, pois a estupidez era tão colossal que os ciclopes deles podiam dispor à vontade.
Processo 137
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Dissemos bastante quanto aos elementos da estupidez. Vamos aos padrões e aos processos. Os processos de organização resultam da ação dos processos sobre os elementos, da energia cinética sobre os campos potenciais, do fluxo sobre o sedimento. Assim como o tear Jacquard transforma milhares de fibras de algodão, de simples fios, em vestimentas de belos padrões, assim as atividades integrativas do homem trabalham sobre o material da experiência, utilizando os músculos do corpo como tear. O paralelo não é perfeito mas é mais que simples analogia. Quais são esses processos geradores de padrão? Tocaremos apenas os mais importantes. Em primeiro lugar, e da máxima importância, vem essa primária seleção que ocorre no ato da atenção. A chamemos luz direta. Depois vem o processo crucial de domínio e de subordinação, que alguns biologistas, especialmente Child, acreditam ser a verdadeira essência do desenho do corpo.101 Sob o aspecto mental, isso se revela de várias maneiras: Ora como focalização, ora como aceleramento da tensão e desvanecimento em campos subordinados, ora como interesse, cansaço ou apatia. Se tudo isso representa um enigma ao leitor, paciência! O mistério será dentro em breve esclarecido. Outro aspecto do processo surge na organização dos elementos. Algumas criaturas cobrem um largo campo em cada ajuste que fazem à situação do momento, enquanto outras os limitam a muito pouco. Quando o ajuste é principalmente no sentido de manusear objeto, essa fase do processo se revela no campo da destreza. Psicologicamente, surge no campo da perspectiva. E, aqui revela muita coisa sobre a estupidez. Outro aspecto ainda é a rapidez de organização. Isso é parte da fase tempo do processo. A outra fase se verifica na duração do processo, ou persistência. Algumas criaturas reúnem experiências devagar, outras depressa. Algumas organizam o procedimento rapidamente, cessando depois prontamente, enquanto outras organizam devagar, mas continuam longo tempo depois que do ajuste. Disso decorre uma grande variedade de tipo de personalidade de energia, entre os quais encontramos muitas formas peculiarmente estúpidas. Lancemos um olhar sobre cada processo. Antes, porém, uma palavra de advertência. Há um processo que, de certo modo, envolve todos os outros e torna estranhamente confusa a cena. A menos que estejais em guarda contra a multiplicidade de forma, sereis enganado por ele. Me refiro ao equilíbrio vital ou processo de equilíbrio. Assim descrevem os psicólogos a interferência dum processo em muitos outros, em certos pontos críticos, que aqui chamaremos, por comodidade, os momentos de saciedade. O homem deve preservar certo equilíbrio vital em todos os negócios. Quando exausto deve descansar, quando faminto deve comer, quando sedento beber, quando muito ocioso trabalhar ou se exercitar. Não deve fazer única coisa muito tempo, pois é uma criatura da variedade, que requer uma ração equilibrada não somente ao estômago mas aos desejos da personalidade. Seus planos de vida devem ser construídos em torno de tal equilíbrio. Quanto mais inteligente, tanto mais convenientemente elabora um programa com esse fim. Ora, entre outras coisas, deve evitar exercitar sua sensibilidade durante muito tempo e de maneira severa. Não pode contemplar o sol por muito tempo impunemente, nem passar um ano ouvindo o rouxinol. Todas as coisas boas têm fim. Se continuarem se tornarão más. Todas as coisas têm ciclo de ação e repouso, presença e ausência, prazer e saciedade. Assim, se segue que cada fase de sensibilidade deve ser seguida por uma fase 101
Charles M. Child, Physiological foundations of behavior. Nova Iorque, 1924
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de relativa insensibilidade. E essa última é, enquanto dura, uma genuína estupidez. Não é uma entidade negativa. É tão positiva quanto o próprio sono. É um momento genuíno numa função cíclica, que serve a um alto fim da vida. Chegamos, pois, à surpreendente conclusão de que a criatura de saúde normal necessita exatamente de tantos momentos de estupidez quanto de horas de sono. Não há maneira de viver que os possa dispensar. Visitai uma galeria de arte, durante horas a fio, estudando pintura a pintura. No fim desse tempo haverá em vós qualquer interesse por novas pinturas a ver? Se há, sois um fraco. O normal se tornaria artisticamente cego desde que passasse a primeira hora. Vossos olhos devem descansar, como deve descansar essa parte de vosso cérebro que os olhos fizeram despertar. Durante o descanso vossa sensibilidade é excessivamente baixa. Podemos vos qualificar de esteticamente estúpido em relação a todos os objetos de visão. Assistis, durante duas horas, um concerto sinfônico. Estão vossos ouvidos atentos ao som? Podeis agüentar mais duas horas? Provavelmente não. Podeis cheirar perfumes raros durante duas horas e, depois, desejar ainda novos perfumes? Ou beber café durante duas horas e ainda captar o cheiro e sabor com o mesmo prazer inicial? Naturalmente, não! Qualquer experiência prolongada chega, mais cedo ou mais tarde, a ponto de saturação, em que a estupidez se estabelece. É demais pra nós. Os prazeres do estômago são uma forma agradável e útil de estupidez epicuriana. É esse baixo nível de correspondência sensorial que os homens atingem no fim dum opulento jantar, regado com vinhos excelentes. Nesse nível, até um brinde qualquer parece significar algo. O ouvinte aceita a verborréia como se fosse um discurso de rara beleza. Dez minutos mais tarde não pode lembrar que espécie de discurso foi, exceto que passou rapidamente, como se engolido com água. Os espertos propagandistas e os cabeleireiros de senhoras sabem que suas vítimas são mais suscetíveis a suas palavras quando nessa condição. A antiga técnica de supervenda abarca a arte, de maneira nenhuma ruim, de encher o possível comprador de excelentes vitualhas até que se torne tão estúpido que não possa resistir à mais fraca exortação pra comprar. Atualmente os negociantes se tornaram mais sabidos. Proíbem seus compradores de se tornarem vítimas dos vendedores por via gástrica e os fortalecem, lhes dando permissão pra comprar todos os alimentos e bebidas ao vendedor. Assim os compradores mastigam apenas uma sanduíche de queijo enquanto o louco vendedor enche o estômago e esvazia a mente. Um torpor um tanto mais profundo se segue a bons charutos ou a um ou dois drinques. Daí a persistente popularidade desses instrumentos na relação do vendedor. Os agentes, ao comerciarem em primeira vez, supõem narcotizar prováveis fregueses a fim de estabelecer uma relação amistosa. Mas em breve aprendem que a amizade não pode entrar em muitas transações, enquanto a nicotina e o álcool o devem fazer. Essa mesma reação instintiva contra a saciedade aparece em todos os estados superiores intelectuais e estéticos. Montaigne a observou e aprovou, ao notar: Ne plus sapias quam necesse est, ne obstupescas, que pode ser facilmente traduzido por: Não procureis saber mais que comportais, ou vos tornareis estúpidos. Não vos é familiar este stupor intellectus em vossa própria experiência? Lendo um bom livro não chega um momento em que tudo, em vós, se rebela contra a continuação da leitura? Não é cansaço, antes uma vigorosa rejeição do excesso. O senti muitas vezes, quando lidava com informações estúpidas e estatísticas mal-organizadas. E estou certo de que milhões de estudantes secundários e de escolas superiores o conhecem muito bem, pois possuem uma terrível capacidade de rejeitar os fatos antes de que tenham chance de penetrar na mente.
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Um conhecimento imperfeito é uma coisa perigosa, mas um grande conhecimento, duma vez só, se torna um emético mental. Tende isso em mente ao estudar indivíduos estúpidos. Podeis vos enganar. Eles podem ser, na aparente estupidez, mais sábios que vós. Passemos agora aos processos especiais do equilíbrio vital.
Luz direta A atenção é a fase motora da sensibilidade primária. Assim, a devemos estudar como parte integrante do fenômeno do comportamento estúpido, pois o mais profundo de todos os defeitos constitucionais é a inatenção que decorre da insensibilidade ou duma incapacidade dos músculos pra se focalizar sobre determinado objeto. A falta de poder sensorial é, em geral, reconhecido como cegueira, surdez, etc. A falta de poder de focalizacão não tem nome comum, exceto alheamento de espírito ou desatenção, dos quais nenhum é preciso. Quando o homem normal atenta a algo, fecha todos os outros caminhos da sensibilidade tanto quanto possível e se expõe livremente à coisa sobre a qual está focalizado. Pra o fazer deve ajustar o corpo de maneira específica. Estar atento é uma atitude. Manterdes a cabeça em certa posição a fim de ver, ouvir, cheirar, com maior eficiência, o objeto de vosso interesse. O fazendo, entretanto, deveis estabelecer, ao mesmo tempo, uma condição anestética em vós em relação a todas as outras coisas. As crianças não o podem fazer, como não o podem os adultos de mente fraca, exceto com referência a algumas situações familiares e excitantes. A atenção é o passo do simples equilíbrio fisiológico ao equilíbrio psíquico. Começa com choques físicos e tensões corpóreas e se desenvolve num campo de percepções de tons afetivos, como prazer, desgosto, náusea, excitação, depressão, cobiça, ódio, e assim a diante. As leis da atenção, em realidade, são leis de equilíbrio, de poder e de padrão. Não podem ser compreendidas como processos psíquicos. Se tornam inteligíveis somente quando vemos, no ato da atenção, um movimento de todo o organismo até ou com referência a alguma coisa. Todas as peculiaridades dessa operação, em suma, são determinadas por 1 ● A condição momentânea da pessoa, ou equilíbrio vital; 2 ● Sua série total de hábito (mais ou menos bem integrado), que constitui o padrão de comportamento; e 3 ● As energias específicas que correm a ele na forma de estímulos externos ou que agem, dentro, na região de suscetibilidade. Aqui, como em todos os outros casos, é a condição momentânea que desempenha mais relevante papel como determinante da flutuação da atenção. Em geral, é a condição momentânea em relação ao ambiente que influencia o processo mais freqüente e mais profundamente, pois a atenção se desenvolveu antes como função dos ajustes exteriores do homem que como uma invenção pra apoiar o equilíbrio interior. Muitas pessoas não podem atentar, clara e eficientemente, nos próprios vôos mentais. Na verdade há razões pra acreditar que, quando encontramos uma pessoa que atenta, fácil e repetidamente, no equilíbrio interno, estamos em presença dum espécime anormal, senão doente. O estado de nosso corpo em relação ao tempo, alimentos, amigos e inimigos em nossa imediata vizinhança, visões, sons, odores e contatos do instante, provavelmente controla nove décimos de todas as flutuações em nossa atenção. Também determina a específica adaptação negativa, em que ignoramos os objetos, os temas e os problemas. Aqui vemos, na modalidade mais clara, o poder do equilíbrio vital. As coisas que se nos tornam presentes por visões e sons são regularmente afastadas do circuito da atenção
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logo que não contam mais, isso é, desde que não subvertam nosso equilíbrio nem ajudem a corrigir a perturbação do momento. Notai que esse afastamento não é efetuado conscientemente, nem por ato de vontade. É automático, como a respiração. Lemos um livro num quarto onde um relógio trabalha alto mas, depois dum momento, já não ouvimos o tique-taque. Ou lemos algo sem interesse e, de súbito, notamos que as letras desaparecem de nossos olhos e que estamos ouvindo um violino que nos chega através do rádio do vizinho. Outra tendência significativa é a alta e regular velocidade na flutuação da atenção. Nossa atenção primária, a que é dirigida a choques sensoriais, em forma de luz, de ruído, de cheiro, etc., se move de objeto a objeto muito mais depressa que nosso interesse. E está além de nossa força o impedir. Por mais esforço que façamos não podemos impedir sua vagabundagem. Essa instabilidade só pode ser explicada dum modo: A criatura que se mantém em constante contato com todas as coisas em seu ambiente tem poderosa vantagem natural sobre a criatura que limita o interesse, com êxito, a algumas coisas apenas. Vossa sobrevivência no mundo é muito provável se sois um versátil extrovertido, e menos provável se, por acaso, sois um introvertido unilateral. Pois, afinal de conta, a sobrevivência é determinada, em grande parte, por nossos ajustes interativos com o ambiente. Ao se ajustar ao ambiente, é todo o padrão de comportamento do indivíduo que dirige a atenção, depois que se efetuaram as adaptações primárias. A cima e a baixo, àqui e àli se move a luz direta. Mas não automove, é a criatura quem a move. A curva do movimento resulta dalgo na criatura. Os pontos em que a luz pára, entretanto, resultam do que olha e da coisa olhada. E esse fato complica o processo. Consideremos esses pontos. O que pode haver neles? O que se nota? A resposta nos leva ao âmago dos ciclopes.
Parvo O que pode o ciclope ver com seu único olho? Um campo peculiar de semi-visão que os artistas logo descobrem, pra sua tristeza! Tão fraco é o poder de percepção do homem comum, que não pode perceber duas coisas ao mesmo tempo, ainda que ambas sejam, em realidade, partes integrantes de atos que efetua comumente. Tomemos, por exemplo, a voz e o gesto. Atores experimentados sabem que pouca gente, numa platéia típica, compreende o significado do par, quando simultâneo. Vejamos o testemunho de Ina Claire, que certa vez observou Karl Kitchen: Aprendi, certa vez, algo importante sobre teatro, com Cyril Scott: Fazer somente uma coisa de cada vez. Por exemplo, não falar e gesticular ao mesmo tempo, pois a platéia acompanhará o gesto, sem ouvir a voz. A regra foi posta à prova milhares de vezes. Todos os editores e todos os especialistas em cinema a conhecem. Arthur Brisbane escreveu, certa vez: Deveis mandar vossas idéias à mente do leitor como trem de carga através de túnel. Uma idéia de cada vez! E cada idéia firmemente ligada com as idéias imediatamente anterior e posterior! Não é tudo. As coisas são ainda piores! A mesma regra vale a seqüências mais longas de atenção. O parvo não pode apreender duas ou mais idéias, dois ou mais
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quadros e argumentos no curso de 15 minutos e, quanto maior for a diferença na apresentação, tanto mais difícil será. Somente uma longa experiência revela essa extraordinária limitação. Até mesmo o homem superior só pode atentar em objetos de extrema simplicidade. Há aqui uma grosseira lei de quadrados inversos. Suponde que ele olha uma grande folha de papel em que vários desenhos ou outros objetos visuais se dispõem de certo modo. Será quatro vezes mais difícil se concentrar durante muito tempo sobre um objeto, enquanto outros estão em seu campo visual, do que lhe seria se concentrar sobre o mesmo objeto quando nada mais estivesse presente. Será nove vezes mais difícil, se três objetos, ao todo, estiverem no papel, dezesseis vezes mais difícil se quatro objetos estiverem dentro do campo visual, e assim a diante, sempre nessa progressão, embora não tão exatamente. O homem cujos processos de atenção são inferiores está completamente perdido quando tem diante de si mais de três ou quatro objetos, no mesmo campo de atenção. O ciclope é tão infeliz quanto ele. Marcai três pontos muito próximos, sobre a folha de papel, e perceberá um triângulo. Assinalai seis, pontos ao acaso e nada verá. Entregai ao mensageiro de escritório uma nota pra senhor Smith, e pode a entregar prontamente a senhor Smith (talvez até ao senhor Smith a quem vos referistes). Lhe dai quatro notas e dizei que entregue a pequena a Smith, a grande a Jones, a dobrada em quatro a Robinson e a azul à Goofenberg Toothpick Reclailning Corporation, e, provavelmente, não entregará alguma das notas com exatidão. Uma pequena área nos centros óticos do cérebro se incumbe da organização das coisas vistas. Conseguimos compreender melhor as percepções estúpidas quando observamos o que a moléstia faz a essa região. Uma curiosa cegueira cortical se desenvolve e o paciente vê detalhe mas não pode ver a estrutura nem o desenho das coisas. Vejamos como trabalha. Dois psicólogos alemães, Gelb e Goldstein, tiveram a boa fortuna de encontrar um caso perfeito pra observação. Suas informações e mais os comentários ilustrativos de Koehler,102 são minhas fontes. Quando se lhe pedia pra atentar sobre um desenho o paciente só se podia fixar sobre uma pequena fração duma única linha. A fim de apreender todo o desenho devia passear os olhos acima e abaixo em todo o desenho, muitas vezes, e, mesmo assim, conseguia apenas formar uma vaga e inexata percepção do conjunto. A pobreza dessa percepção ficou demonstrada por meio dum engenhoso teste inventado por Gelb e Goldstein com seu nome. Primeiro o escreveram num quadro-negro. O paciente decifrou a primeira letra e imaginou as outras. Então os psicólogos fizeram algumas linhas através das letras, e o pobre-diabo nada pôde decifrar! Entretanto, pruma visão normal, o nome estava tão completamente visível como sempre. Pra ele todas as mínimas secções dos sinais superpostos, percebidas separadamente, se tornaram fatores de conjectura e, como conseqüência, nada de inteligível se desenvolveu. É como se alguém empurrasse alguns números extra ao problema que estivésseis tentando resolver, e admitísseis esses números como pertencendo ao problema em conjunto. Koehler salienta que esse caso demonstra a extrema hipótese beaviorista, de que todas as percepções e todo o entendimento são produto de movimentos organizados, e nada mais. Esse paciente moveu direito os olhos, exatamente como quando conjeturou nomes e formas corretamente. Mas isso não o ajudou, pois os movimentos, como tais, não podem selecionar e eliminar certas coisas do campo. O movimento é um 102
A monografia original apareceu em Die Zeitschrift f. d. gesamte Neurologie und Psychiatrie , volume 41. 1918. O trabalho de Koehler está em sua Gestalt psychology, Nova Iorque, 1929, página 169 e seguintes
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acontecimento, a seleção é outro. E toda organização envolve a seleção não menos que o movimento. Essa função de organizar os objetos percebidos em conjuntos mostra todos os graus, velocidades e extensões. A variedade que acabamos de descrever está nuns dos extremos da escala, ao passo que, no outro extremo, encontramos gênios como Einstein,103 que abarcam, com clareza de pensamento, uma multidão de detalhes, de relações e de operações de matemática superior muito complexas prà compreensão do homem comum. Entre a moléstia e o gênio se dispõem as muitas linhas do espectro psíquico. Desses, por enquanto, nos interessam apenas os que se manifestam abaixo da variedade mediana ou da variedade patológica. Exatamente onde ficam os limites da percepção estúpida, ninguém sabe, e muita investigação deve ser realizada antes de que possam ficar estabelecidos. Estou certo, entretanto, de que muitos cidadãos passam a vida trabalhando, entesourando dinheiro, amando, casando, construindo família, se enterrando decentemente, com visão surpreendentemente fraca. Eis um caso que tive sob intermitente observação vários anos. Um jovem amável, de 15 anos, entrou a um pequeno grupo de menino a quem eu ensinava como manejar um trator e outros instrumentos agrícolas. Eddie, como o chamaremos aqui, tinha toda aparências de inteligência normal, exceto uma, a de, regularmente, dirigir o trator muito próximo a fendas, pedras, esquinas e pessoas. O adverti várias vezes no sentido de fazer as curvas mais abertas, mas Eddie parecia incapaz de seguir minha sugestão. Então me ocorreu que Eddie talvez não tivesse boa vista. Um exame oftalmológico me deu razão. Começou a usar óculos e, algum tempo, manejava melhor o trator. Mas, ao chegar a nova estação, mostrava uma nova variante da enfermidade. Ao acaso observei que se tornava confuso ante três outros rapazes que andavam devagar, em direções diferentes, no caminho de seu trator, alguns passos em sua frente. Eddie dirigiu a máquina àqui e àli, parando depois, subitamente. Seria fisicamente impossível haver pegado algum dos três, pois o trator marchava apenas a 5km/h e os rapazes estavam alertas. Isso sugeria que Eddie era afligido por apreensão visual inferior, que não era devido à vista ruim, mas a cérebro fraco. Isto me levou a novas experiências, que demonstraram, sem possibilidade de engano, que o rapaz só se podia orientar num campo de poucos metros de largura e onde houvesse apenas poucos objetos, imóveis. No máximo podia ajustar o movimento a um campo em que única coisa se movesse. Poucos anos depois Eddie melhorou bastante, de maneira a dirigir um carro moderadamente bem, mas nunca no meio dum grande trânsito. O pequeno trânsito era seu ideal, naturalmente, pois devia se movimentar numa direção fixa, sob o mando da polícia. Aparentemente, tudo o que estivesse a mais de 10m ou 12m em sua frente lhe parecia um grande amontoado azul de coisas más e os objetos em movimento, na proximidade, o confundiam completamente. É de admirar que Eddie se tenha tornado um marceneiro de terceira classe, que em geral está desempregado? Não quero dizer que Eddie seja um modelo da estupidez média. Trouxe à baila o caso a fim de acentuar a semi-visão que se abate, como uma praga, sobre todos os homens, desde os gênios até os imbecis. É essa semi-visão que, mais que qualquer outro processo de organização, determina erros práticos no comércio e na política. Como o repetiremos muitas vezes, o homem se encontra num mundo que contém milhares de coisas que deve reconhecer, se quer conseguir êxito uniforme. Entretanto, o homem é de tal maneira feito que só pode atentar sobre uma coisa de cada vez. Pode pensar somente sobre uma fase dum problema num campo de investigação, de cada vez. Enquanto 103
Einstein, na realidade, é uma farsa. Nota do digitalizador.
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pensa, o mundo vai a diante, levando mil e um negócios vitais, os transformando, em sua órbita. É de admirar que todos nossos melhores planos fracassem? Relativamente a nosso mundo, somos todos parvos. Pra fazer algo bem, devemos fazer uma coisa de cada vez. Mas enquanto fazemos isso o mundo avança, fazendo um trilhão de coisas. Esta é a maldição dos ciclopes. Surgirá uma raça que afaste essa maldição? Até agora não há sinal nesse sentido.
Níveis Iniciaremos nossa análise dos níveis de organização com tripla diferenciação do processo de atenção. Isso não significa, naturalmente, que o processo não possa envolver quatro, cinco, seis ou mesmo uma dúzia de variantes. Isso apenas significa que eu, estúpido autor, e tu, leitor esperto, nos perderíamos num labirinto de combinação e permuta, se levássemos a análise além. Eis o limite de nosso esforço. Três variantes independentes determinam o padrão de atenção e, portanto, os tipos principais de sensibilidade humana. São: 1 ● A intensidade da concentração sobre o foco 2 ● A complexidade do domínio da correspondência 3 ● A velocidade das pulsações de atenção dentro do domínio, assim como desse último a outros campos no curso das flutuações da atenção Isso parece muito mais formidável do que é. E se torna simplíssimo quando ilustrado por tipos extremos, como os seguintes: 1 ● Atenção forte, complexa e rápida 2 ● Atenção forte, complexa e vagarosa 3 ● Atenção fraca, complexa e rápida 4 ● Atenção fraca, complexa e vagarosa 5 ● Atenção forte, simples e rápida 6 ● Atenção forte, simples e vagarosa 7 ● Atenção fraca, simples e rápida 8 ● Atenção fraca, simples e vagarosa Vejamos alguns exemplos: 1 ● Roosevelt representa bem o primeiro tipo. Sua atenção era naturalmente forte, isto é, ligava a mente a um novo assunto com grande facilidade e se agarrava a ele até que o dominasse completamente. Atentava sobre situações complexas, se não tão bem como alguns gênios, ao menos com muito mais habilidade que o comum das pessoas. Não digo, naturalmente, que pudesse pensar, nessas situações, com técnica analítica superior. Isso já é outra história. Finalmente, era capaz de fazer flutuar a atenção dum campo a outro com extraordinária rapidez e liberdade. Darwin brilha aqui. E, igualmente, o grande matemático Henri Poincaré. Possuíam o dom de Roosevelt de alta concentração. Poincaré, certamente, o possuía de forma peculiar e sob singulares limitações. Ambos excediam Roosevelt no poder de pensar acerca de problemas complexos. Poincaré, nesse particular, deve ficar no mesmo plano de Einstein. Mas ambos flutuavam vagarosamente, até mesmo penosamente, de seus estreitamente definidos assuntos favoritos. Simplesmente não podiam abarcar todo o universo no curso dum dia de leitura ou duma conversação noturna, como Roosevelt gostava de fazer. Felizmente esse caso é raro. Ocorre somente em formas patológicas. Um homem de intelecto superior, mas de energia inferior, pode sofrer certas formas de super-atividade da tireóide, que fará com que sua atenção flutue vagarosamente de objeto a objeto. Entretanto, as coisas particulares que pode preferir notar podem ser altamente
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complexas, e estas coisas lhe ocuparão a mente mais firmemente que as coisas mais simples. Isso se encontra no estúpido, no pobre-diabo que, depois de queimar as pestanas, toda a noite, sobre os livros, consegue nota sofrível. Pra atentar no estudo deve se forçar sempre. Seu único dom é a capacidade pra atentar sobre assuntos complexos, digamos, geometria e economia. Dentro da lição, a mente se move vagarosamente de ponto a ponto, mas se move. A mente unilateral bem-sucedida serve, aqui, como o melhor espécime. Acima de tudo, o estreito especialista nalgum campo inteiramente simples. Não se criaram pra eles as aventuras acima e abaixo do universo, à maneira de da Vinci. Se amarram a campos limitados, mas, dentro desses campos, atentam com rapidez e vigor. A mente unilateral sem êxito serve, aqui, de modelo. Embora o interesse seja forte dentro do pequeno campo, atenta muito vagarosamente pra progredir. Agora vem a criança volúvel. E, com ela, uma variedade de imbecis, que enganam muita gente por uma acuidade curiosa, falando com toda gente sobre tudo. Não podem deter a mente sobre coisa alguma durante o tempo suficiente prà dominar. Nem podem atentar eficientemente sobre algo complexo, embora o façam durante uma fração de segundo. Mas mantêm a aparência de inteligência compreendendo todas as espécies de coisas superficialmente e dizendo ou fazendo algo acerca dessas coisas, mesmo errado. Todos os pesquisadores já encontraram esse tipo simplório, amável, cuja vacuidade se esconde atrás do barulho que faz. E, afinal, encontramos o mentecapto. Fixa os olhos sem ver e esquece rapidamente. Fixando o olhar durante muito tempo, apreende pouco. Não pode passar de coisa a coisa. Deve se arrastar, quase como se estivesse sentindo o caminho na escuridão. Uma sentença de seis monossílabos está além da compreensão, em grande parte porque o tempo de sua atenção abarca apenas três ou quatro monossílabos. Cada qual dessas oito espécies desenvolve suas zonas e tolices peculiares e anestéticas. Poderemos melhor as compreender se nos voltarmos, mais de perto, aos processos que produzem a rapidez e a lentidão, a complexidade e a simplicidade, a força e a fraqueza de concentração. Mas, infelizmente, devemos os compreender somente de passagem, pois os processos integrativos são muito mais rápidos e muito mais intrincados pra serem compreendidos através do grosseiro processo de atenção do homem. Até que alguém descubra maneira de observar os íntimos acontecimentos das células nervosas, estamos condenados a os ver por meio do clarão bruxuleante de nossa luz direta. Assim, leitor infeliz, o resto desta seção não será mais que rápidos clarões na escuridão.
Raio de ação O comportamento integrativo superior é onde um homem, sensível a tudo, em seu ambiente, que sua espécie pode captar e avaliar, interpreta tudo, de momento a momento, à luz de todas as experiências passadas, e toma, em relação a cada coisa, uma atitude que, no devido tempo, passa ao comportamento, lhe trazendo a mais alta satisfação possível, sob dada condição de tempo e espaço. Precisaremos acrescentar que a história jamais conheceu uma personalidade semelhante? Escolhei qualquer lista de homens eminentes, estudai a carreira escrupulosamente, e não encontrareis um que fique mesmo a razoável distância desse ideal. Provavelmente Goethe está mais próximo e, logo atrás dele, da Vinci, em resultado da estranha e penosa divisão de sua natureza. Nossa própria era pode não ter alguém pra ficar ao lado desses gênios, pois somos especialistas por necessidade e, fora de nossa especialidade não sabemos muito mais. A revolução industrial nos forçou, a
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todos, palmilhando o caminho estreito, mas profundo, dos peritos. Nossos operários especializados devem gastar toda energia a fim de sobressair dentre os demais, mas nunca vão muito longe no experimentar, nem no organizar a experiência. No comércio o empregado especializado tem o maior ordenado, enquanto na ciência e nas profissões liberais há muito triunfou a mente unilateral, embora, nos últimos anos, se tenha levantado uma firme reação contra sua limitação. Nunca, na história do homem, foi possível observar uma variedade de personalidades como a atual miríade de bons e fiéis servidores, cada qual cum talento especial. Nunca, antes, e espero que nunca mais, os cientistas tiveram tal oportunidade de notar os efeitos estupefacientes desse estreitamento da atividade humana. Nem sempre a especialização estupefaz. Longe disso. Embora milhares de operários se tornem estúpidos no trabalho, outros milhares não. E nosso problema é determinar o que produz a diferença. Felizmente somos ajudados pelo fato de que muita gente limita a vida sem pressão exterior. O fazem apesar de sua natureza, o que faz luz sobre todo o assunto da especialização. Singularmente, a fraca versatilidade do homem comum o protege contra as tolices peculiares e perigosas do espírito limitado. Tem muitos traços mas nenhum poderoso, muitos interesses mas nenhum absorvente, e deseja uma variedade de coisas cum mínimo de trabalho físico e mental. Ser forçado a trabalhar, todo o dia, numa única tarefa, pode ser enfadonho mas raramente o mina. Mas, em muitos indivíduos superiores, se manifesta um perigo, pois quase sempre possuem alguns traços dominantes que dão seu próprio desenho à classe dos interesses e das atividades. Pra compreender as formas resultantes de estupidez, vejamos os efeitos dessa dominação duma tendência sobre todas as outras. Num homem próximo ao tipo teoricamente mediano de sensibilidade, a dominação desempenha pequeno, ou mesmo nenhum papel, na formação de seu sistema principal de hábito. Pois a essa pessoa faltam fortes dominantes. Tem muitas sensibilidades, todas brandas e todas intermitentes. O equilíbrio normal, portanto, é um equilíbrio em que ele responde a uma grande variedade de coisas, um pouco, e a nada com grande vigor e persistência. Mas um homem nascido mesmo cuma sensibilidade moderadamente superior se afirmará, certamente, a ponto de drenar cada vez mais energia a seus canais. Em tempo se tornará o foco de muitos hábitos, alguns dos quais se relacionarão tão obscuramente que somente um observador cuidadoso poderá perceber a conexão. Como isso funciona foi excelentemente demonstrado, embora com certo exagero nalguns detalhes, pelo psicólogo inglês A. F. Shand, que, no livro The foundations of character, chega a sustentar que todo sentimento tende a formar um tipo de caráter. Shand nos mostra como a personalidade dum avarento assume forma e poder:104 A tirania do avarento sobre os que lhe estão sujeitos secunda sua parcimônia, indústria, vigilância, prudência, segredo, esperteza e insociabilidade, que são os meios essenciais da avareza. É reservado porque suspeita e suspeita porque persegue fim ao qual outros homens se oporiam e porque não tem confiança ou afeição. É esperto porque suspeita e tenta enganar os outros. Faz profissão de pobreza pra que lhe não peçam 104
Página 123 da primeira edição, presta e pràs citações seguintes
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dinheiro e pra que possa justificar sua economia. É insociável porque é reservado e tem suspeita,105 empenhado como está na perseguição a um objetivo que os outros não aprovam e que os afasta. Eis um apetite dominante. Em muita gente de personalidade forte, encontramos sensibilidades dominantes de espécie diferente. Uns têm ouvido especial pra música e gastam horas tocando piano. Outros têm ouvido especial pro barulho e se agarram ao bombo ou ao saxofone. Uns se interessam pelas cores e construem a vida em torno dessas cores, se tornando decorador de interior. Outros se deliciam com a visão de vívidos movimentos rítmicos, e terminam como professores de dança. Outros ainda são fascinados pela maneira em que se movem as rodas duma máquina, e se fazem mecânicos. E assim a diante. Em cada qual destas carreiras a sensibilidade dominante mais cedo ou mais tarde drena a energia que pode, sob outras condições, se dirigir a outra parte e, assim, criar, em torno de seu próprio campo subordinado, uma imensa zona anestética. Dali oportunidades musicais e uma pessoa inclinada à música, e desde então se tornará insensível em relação à política, à botânica e ao baixo preço dos pneumáticos. Essa pessoa vos dirá que não tem tempo pra prestar atenção a esses assuntos corriqueiros mas o que deveria dizer é que não tem energia livre pra eles. Eis a corrente de ferro que liga a pessoa especialmente sensível à carruagem dos ciclopes. O sentido agudo atenta nos objetivos especiais, se interessando na perseguição a esses objetivos, empenhando a energia do indivíduo nessa perseguição, inibindo o que não se dirige a essa direção e, assim, afastando grande parte do universo. As mais vigorosas tolices do mundo, embora não as mais comuns, são dessa espécie. De modo que devemos, agora, estudar os espécimes principais. Começaremos com o homem cujo raio de ação está, principalmente, limitado a sua experiência interior, o introvertido. Depois lançaremos um rápido olhar a um tipo menos bem definido, o do homem voltado ao negócio do exterior. E, como esses negócios são variados, também o extrovertido o é. A seguir nos voltaremos ao homem cujo interesse se fixa em torno de seu próprio ego. Depois estudaremos uma subvariedade peculiar do egotista,106 o homem obsedado pelo desejo de forçar os demais a aceitarem suas idéias e desejos, o fanático. Enfim, surge o perito limitado, o espírito unilateral extremo, com sua perigosa variação de visão ciclópica.
Introvertido Ser insensível a todas as condições e a todos os acontecimentos do mundo que nos cerca é ser supremamente estúpido. Mas como pode uma criatura viver num ambiente que não percebe claramente nem dirige pra sua própria finalidade? E o que é a inferioridade, senão a incapacidade pra resistir? Concedamos isso e chegaremos a considerar o introvertido o mais estúpido dos homens, na exata proporção da introversão. Esta é a opinião de muitos psicólogos e psiquiatras. Alguns chegam a considerar qualquer forte introversão como um defeito básico. Não precisamos chegar tão longe mas devemos notar as principais evidências 105
E porque pra ser sociável tem de gastar: Comida, bebida, presente, gentileza. Nota do digitalizador Egotista: sm sf Quem costuma falar de si. Quem tem sentimento exagerado de seu valor. Egoísta: sm sf Quem só se preocupa com seu interesse. Antônimo: Altruísta, desinteressado, devotado. Nota do digitalizador. http://www.kinghost.com.br/ 106
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que justificam esse ponto de vista. Habitualmente o introvertido atenta sobre algo em seu espírito. O fazendo, coisas e sentimentos se transformam num novo fato psíquico. A frase é de Jung, e muito feliz. Assim, pra citar novamente esse psicanalista, não se dá ao objeto a importância que realmente merece. O indivíduo não pode dominar os objetos, pois o contato é sempre confundido pelos sentimentos e atitudes em relação a eles. Daí tender a se alarmar com novas situações, mesmo que não sejam prejudiciais, e a se desorientar, até o pânico, ante uma crise séria. Se forçado a agir, a decisão é estúpida. Em seu pensamento mais formal, desenvolve uma teoria agradavelmente colorida e, depois, encaixa nela os fatos, de acordo com o hábito conhecido nos metafísicos, que são quase todos extremos introvertidos ou, então, extrovertidos grandemente mal-ajustados, que se voltaram à vida interior em vista do fracasso da vida exterior. Jung cita Darwin como o perfeito espécime do intelecto extrovertido e Kant como o espécime perfeito do intelecto introvertido. Darwin perseguia os fatos como um cão caçando coelho. Todas suas teorias eram simplesmente as inferências objetivas do que encontrava no mundo circundante. Quanto ao metafísico alemão, era exatamente o oposto. Sua vida era. absorvida por contemplações interiores. Analisava a si e a todos seus processos psíquicos a sua maneira. Infelizmente muitos introvertidos não conseguem o magnífico controle de Kant sobre suas tendências interiores. Seu destino é viver a sós consigo, e se acharem uma pobre companhia. As sementes da loucura estão espalhadas no campo de suas almas. Kempf disse: "A tendência à introversão afetiva pode se tornar tão excessivamente desenvolvida que o indivíduo gradualmente perde, praticamente, todo o interesse no ambiente. Os hospícios contêm muitos desses indivíduos, que não contribuem com esforço espontâneo pra melhorar a condição ambiental. São caracteristicamente indiferentes, socialmente, e gastam a existência num estado de sonho. Seus movimentos tímidos e retardados, respostas monossilábicas e fracas, falta total de espontaneidade e deliberação de esquecer demonstram o extremo grau de indiferença autonômica e o peculiar e quase inalterável tônus de postura muscular. São facilmente reconhecidos quando passeiam, sem olhar algo, os braços semi-rígidos pendendo ao lado do corpo. Jamais riem alto, exceto a si, falta ressonância na voz e, no máximo, respondem a uma situação humorística cum pequeno sorriso fingido. Não fazem amigo. Quando esses indivíduos se esforçam a estabelecer igualdade social, se tornam irritáveis, instáveis e inclinados a atos incongruentes e impulsivos. Todo movimento espontâneo os faz extremamente auto-conscientes, como se auto-surpreendendo. O indivíduo introvertido parece não ter poder de criação, na proporção de sua introversão, enquanto o maníaco extrovertido muitas vezes é incessantemente criador.107 Muitos dos mais distintos poetas e artistas exibem todos esses traços perigosos, às vezes a tal ponto que se fica imaginando como conseguiram evitar o hospício. Consideremos Francis Thompson. Esse estranho pseudo-gênio era um extremo introvertido. Todas suas reações ao mundo real eram grotescamente anormais. O homem literalmente não tinha senso bastante pra fugir da chuva, andaria na rua, batendo os dentes de frio, sob uma grossa tempestade dágua, sem procurar abrigo, mesmo quando a alcance. Como os negros, não tinha sistema de dormir, de comer, de trabalhar. Se sentaria a noite toda, em profundas elucubrações, esquecendo completamente as refeições. Everard Meynell, que o salvou do suicídio e do esquecimento e, mais tarde, nos deu a melhor biografia desse estranho visionário, diz que Thompson não cuidava de 107
Edward J. Kempf, The autonomic functions and the personality, Nervous and mental disease monograph series, #28, 918, página 115
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seu alimento, trabalho, repouso nem saúde.108 O inevitável aconteceu. Thompson ficou inválido muito cedo, recorreu ao ópio, padeceu fome e, salvo por amigos, passou os últimos anos da vida entre o ascetismo dum mosteiro de capuchinho e os horrores da tuberculose, que o matou. Seu ajuste social era o dum completo introvertido. Era incapaz de projetar seu pensamento, sentimento e desejo na palestra, de pedir favor, expressar opinião sobre negócio mundial ou tomar posição a favor de sua própria filosofia de vida. No jantar se sentava como um animal mudo e freqüentemente deixava a mesa sem terminar a refeição e sem palavra de escusa aos companheiros de mesa. Quanto à insensibilidade ao ambiente, passemos a palavra a Meynell: Sua desatenção em Edgeware Road era enorme. Era mesmo de admirar que sempre dobrasse a mesma esquina ou que não fosse atropelado por um táxi. Mas, instintivamente, seus olhos se abriam ante as presenças oníricas, e as coisas que fazem a poesia atravessavam suas pestanas fechadas como a luz solar atravessa as dum homem adormecido. Mas a desatenção em Edgeware Road tornava o lugar vazio como um túnel ferroviário. Poderia ver a galinha choca em Amor no colo de Diana (Love in Dian's lap),109 e a cumprimentar mas jamais teve uma palavra às senhoras e senhoritas que passavam na estrada. Andando de ônibus não saberia se tinha ao lado uma prostituta ou uma irmã de caridade. Estava constantemente só. Embora o encontrasse muitas vezes nas ruas de Londres, raras vezes o surpreendi num momento de consciência. Andava devagar, olhando diretamente a diante, e, se sempre chegava atrasado ao encontro e levava muitas horas pra chegar a casa, era porque, contrariamente ao homem comum, precisava ir e vir sobre seus passos, como se estivesse adiando indefinidamente o momento doloroso em que se teria de entregar ao alimento ou ao sono. Como outras personalidades defeituosamente integradas, Thompson era abençoado, ou amaldiçoado, por uma prodigiosa memória literal. Podia citar versos, partes de livros, trechos de crítica, página e linha e parecia ter toda essa bagagem mental no convés, pronta pra desembarcar a qualquer momento. Mas, como os indivíduos sub-integrados, fazia uso dessa memória fragmentariamente. A usando, em conversação com seus poucos íntimos, Thompson 108
Everard Meynell, Life of Francis Thompson, Nova Iorque, 1913, página 288 De 1889 a 1896 Thompson escreveu os poemas em três volumes: Poemas, Canções irmãs, e Poemas novos. Celebrou seu afeto às duas mais velhas das pequenas filhas do anfitrião e mais que irmão. Amor no colo de Diana foi escrito em honra a senhora Meynell, expressando o grande apego em sua vida dele. No mesmo livro, A fabricação de Viola foi composta ao caçula. Nota do digitalizador. http://www.newadvent.org/ 109
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cintilava sem brilhar. O céu ficava cheio de meteoro mas vazio de estrela. É significativo que seus amigos, que o levavam a sua casa, se lembrassem de que as conversas de Thompson, na noite, junto à lareira, fossem encantadoras e brilhantes, mas não podiam lembrar detalhe. O que o homem dizia desaparecia quase ao mesmo tempo que o som de suas palavras. Prum psicólogo isso tem apenas um significado: Sua conversação não tinha unidade e, portanto, não podia perdurar na memória alheia. Thompson, num lado, fracassava em dirigir a palavra, aos ouvintes, de maneira pessoal e, noutro lado, em a organizar em torno dalguma tese ou emoção própria. Qualquer desses métodos o faria perdurar. Entre suas fortes tendências a introversão, se deve notar a incapacidade de sentir a passagem do tempo. Não se tem prestado grande atenção a essa peculiaridade, que, de acordo com minhas observações, é essencial em quase todos os indivíduos completamente introvertidos. A essa peculiaridade se podem ligar, em medida razoável, esses hábitos desordenados de comer, dormir e trabalhar que são a maldição do introvertido. Como uma criança, não pode aprender a estar pronto a qualquer ocasião, seja um jantar, passeio, reunião de amigo. Terá preguiça de se vestir, brincar, pensar,e perderá rapidamente todo o contato com o mundo exterior. E assim a diante. Não pode ser pontual numa entrevista, embora urgente. Estará sempre pedindo dez minutos mais em todas as situações. Qual a causa disso? Encontramos uma pista num acervo de testemunho acerca do homem. Suas sensibilidades primárias não se interligavam normalmente. Mesmo em sua ação reflexa mais simples, não se integravam tanto quanto as minhas ou as tuas. Meynell nos conta: Quando um carro passava perto o barulho das rodas chegava muito antes ou depois de sair do caminho. O grito do motorista não parecia fazer parte do incidente. Não sabia donde o carro viera. Via as coisas passarem silenciosamente, como as figuras de seu mudo. Uma série de nervo, fora de tempo e noutro plano, respondia às coisas ouvidas… O tempo lhe importava tão pouco quanto o nome das ruas e os mostradores dos relógios não eram quadros do tempo e do movimento mas círculos estacionários e mortos. Notando que os ponteiros dum relógio se movimentaram, o fazia somente porque a concepção da passagem do tempo do relógio era risivelmente diferente de sua concepção. Se marcasse um minuto depois do último olhar, ou mesmo todo um dia, não se surpreenderia, mas a meia hora marcada pelo relógio lhe era absurda. Seu tempo saltava ou parava, ao passo que o relógio marchava com absoluta regularidade. Tudo isso, naturalmente, era a raiz de sua indolência ou do que passava por sua indolência. Era notoriamente incapaz de se levantar quando o desejasse, de comer quando com fome, de comparecer pontualmente a um encontro. Meynell disse que Thompson poderia, de boa-fé, sair de seu quarto vestido pro jantar, embora os sons da sineta, que ouvira, lhe dissessem que se tratava do desjejum. E, pra se 150
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desembaraçar deste maldito hábito, Thompson usava o método de escrever aviso a si, os pendurando nas paredes do quarto. Não deves ficar na cama quando a campainha soar em última vez. Eis um desses avisos. Mas pouco serviço prestaram. Não tinha construção pra obedecer. Esses avisos não poderiam dar ordem e pontualidade a um homem cujos olhos e ouvidos não podiam cooperar no sentido de movimentar o corpo a sair do caminho dum veículo chegando. E nada, senão uma reconstrução interna muscular e nervosa, poderia remediar essa surpreendente insensibilidade à passagem do tempo. Seus próprios processos integrativos singularmente imperfeitos se traem numa das mínimas mas interessantes invenções literárias de seus poemas. Gostava de inventar suas próprias palavras, quando escrevia, muitas vezes com excelente efeito estético mas, muitas vezes, sem necessidade. Teve, algumas vezes, a mania de singulares combinações de palavras familiares em novas palavras. Thompson as inventou profusamente e as empregou tão naturalmente quanto os mais comuns dos monossílabos do antigo anglo-saxão. Isso demonstra uma falta de interesse ao leitor, que chega à raias da impropriedade artística. Isso não significa que se rebelasse contra o comum e o aceito. Indica sua incomum indiferença em relação aos indivíduos, assim como um intenso sentimento pelos símbolos que lhe eram sugeridos quando escrevia. Já dissemos bastante sobre os sinais introvertidos mais familiares. Chegamos agora ao infantilismo no homem, que revela, sem dúvida, o fato doloroso de que seu sistema nervoso central, nalguma de suas grandes divisões, não se desenvolveu como devia, o deixando, em parte, na infância. Como Beethoven, Thompson era incapaz de controlar os músculos com destreza normal. Os dedos eram grosseiros, e, mais ainda, os movimentos do corpo. Alguns de seus íntimos se maravilhavam, mesmo, de que Thompson chegara à idade adulta. É certo que esse defeito motor cedo produzira o medo aos objetos físicos e, conseqüentemente, uma adaptação negativa, que se transformou em fuga. Tanto psíquica quanto de corporalmente evitava o mundo. Tanto de corpo como de espírito, permaneceu, em grande parte, criança. Consideremos estes fatos: Jamais abandonou completamente os brinquedos. Entre as poucas coisas que possuía, na ocasião da morte, estava um teatro de cartão, maravilhosamente imaginado, mostrando que seus dedos jamais aprenderam as tricas comuns de utilidade, e, com esse teatro, brincava ardentemente, como se vê na pergunta num livro de nota: O cabelo de Sílvia trabalhará com as figuras? Que estava contente com sua infância, brinquedos e contrariedade, Thompson afirmou: Não quis responsabilidade nem ser um homem. Tive de me desfazer, com pesar, dos brinquedos, mas tive o grande brinquedo da imaginação, por meio do qual o mundo se torna, pra mim, a minha caixa de brinquedo. Um visitante da casa de Thompson se lembra de que, nas refeições o pai chamava as crianças de dentro de seus quartos. Mas eles, como resposta, fechavam a porta contra a hora do jantar: Estavam fazendo teatro de brinquedo.
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa Francis continuou brincando toda a vida e a irmã manteve jovem o coração, num convento. E não há desacordo nessa lembrança particular da primitiva solidão, pois que ele disse: Há um sentido em que sempre fui e continuo a ser uma criança. Mas, noutro sentido, nunca fui uma criança, nunca participei nos pensamentos das crianças, em suas maneiras, gostos, modo e concepção de vida. Brinquei, mas meus brinquedos eram solitários, mesmo quando brincava com minhas irmãs. Desde o tempo em que comecei a ler (nos seis anos) o brinquedo sempre significou uma coisa pra mim e inteiramente outra pra elas. Minha parte no brinquedo era parte dum esquema onírico invisível pra elas. E eu ficava muito mais distante dos meninos, com sua rude e prática objetividade, do que das meninas, com sua capacidade parcial e hábito de fazer-de-conta.
O modelo da personalidade não se revela a nu por intermédio dessas confissões e das anedotas de seus amigos? Essa criança grita: Não quero ser homem! E seu contentamento em seus sonhos privados! Tudo muito claro! Tudo o que imaginava era altamente emocionalizado, em grande parte porque sua angústia, receio, amor e curiosidade, se teve, não podiam encontrar saída ao mundo exterior, através de seus abomináveis e defeituosos nervos motores, que o reduziram de maneira tal que nenhum leitor normal pode imaginar. Esse bloqueio de imensa energia, detonada por ação tônica endócrina, inevitavelmente produz tremendos choques nervosos. Esses choques parecem se gastar em quase todas as partes do organismo, dependendo do local e da provisão momentânea de energia livre a entrar em contato. Qual a essência do desajuste de Thompson? Simplesmente esta: Desejava, ardentemente, viver seu particular mundo onírico, não perturbado pelo mundo e por seu negócio, mas, quando tentou viver assim quase morreu de fome, negligência física e todas as outras desgraças produzidas pela recusa a enfrentar o ambiente. Como todos os outros introvertidos, Thompson desafiou a necessidade biológica e perdeu. Como poderia ter vencido? Somente por sorte. Dessas sortes que chegam na forma dos Meynell, muito tarde na vida. Uma madrinha cheia de cuidado poderia o ter protegido e abrigado do vento, chuva e humanidade. Poderia o ter deixado sozinho com seus sonhos. Entre esses pequenos nadas a pobre criatura poderia, ao menos, viver. Mas, mesmo assim, teria permanecido infinitamente estúpido, inútil, sem capacidade criadora, menos da metade dum homem. O inferno e o purgatório do introvertido estão localizados em grandes círculos, de acordo com a melhor visão de Dante. Dos mudos e vazios internados nos asilos até os homens que se tornam subjetivos somente fragmentariamente, encontramos inúmeras nuances e graus de estupidez. Em nossa grande obra sobre a estupidez humana, teremos de dedicar vários volumes a suas variedades mais importantes.
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Vemos, em Thompson, um extremo introvertido. Poucos introvertidos devem suas tolices ao modelo preciso de interesse que encontramos nessa notável personalidade. Um homem que se volta a dentro de si pode encontrar todas as espécies de coisas singulares sobre as quais focalizar. No que nos diz respeito, não importa o que prefira. Em qualquer caso, o ato de limitação faz a estupidez muito maior que a coisa em relação à qual o homem se limita. Alguns psicólogos consideram doentes todos os introvertidos. Pode ser. Mas uma coisa é certa: São anormais na relação com outros indivíduos, como o são os egotistas, e fazem muitas coisas tolas quando empurrados ao grande mundo.
Extrovertido Sejamos breves aqui, pra variar. O extrovertido é fácil de descrever e não tem tanto interesse quanto o introvertido, pois suas tolices são óbvias e, geralmente, livres das sinuosidades que marcam as doutros tipos mentais. Finalmente, o comércio ianque enxameia de indivíduos assim, o que torna o assunto somente um pouco mais interessante que uma minhoca. O extrovertido se concentra, de preferência, sobre as coisas em torno. Em geral, mas não necessariamente, considera os seres humanos quase coisa. As peculiaridades do bípede sensível e risonho lhe escapam, e, daí, seus piores erros, especialmente quando acontece ser dotado de inteligência mecânica superior, que tende a fortalecer sua ingênua concepção dos homens como simples máquinas.110 Assim chegamos a Henry Ford. É o modelo perfeito do fazendeiro de Michigão à moda antiga, exceto quanto a seu senso mecânico superior. Sua mente se centraliza e vive sobre coisas, coisas e coisas: Trigo, árvore, machado. Começou a vida numa fazenda e depois foi à cidade e se tornou um maquinista. Nenhum homem pode devotar a primeira metade de sua vida terrena aos instrumentos sem se tornar instrumento dos instrumentos. Ford jamais foi capaz de compreender os indivíduos. Sob certo aspecto, é o perfeito oposto de Owen D. Young, que gosta das pessoas quase tanto como muitas pessoas gostam dele, e essa diferença entre os dois homens tem raiz, inteiramente, no traço que estamos discutindo. Young é um introvertido que avança de intuição a intuição. Nesse sentido insignificante há algo de cômico em sua direção duma grande corporação industrial. Sente que sua língua é inadequada, como mostramos em qualquer parte, e tem uma caridade curiosa e hipertrofiada em relação a todos os homens, baseada, em grande parte, numa sincera convicção de que não ele nem os outros se tornam melhores por palavras ou por ações. Que diferença do grande Henry! Os que o conhecem sabem que ele tem a desconfiança dos fazendeiros do centrooeste em relação aos forasteiros e às amizades que mostram sinais de se tornarem íntimas. Houve quem o ouvisse dizer que ele devia estar em guarda contra novas amizades. Podemos estar certos de que isso não é apenas o eco de muitas experiências amargas com os amigos de outrora, com Horace e John Dodge, com Alexander Malcomson, com Norval Hawkins, com James Couzens e vários outros. A coisa é mais profunda. É o homem. A amizade é algo que, até agora, os homens não puderam formular nas equações mecânicas. Fazendeiro transformado em mecânico, Ford provou, completamente, de maneira tal que somente um psicólogo poderia reconhecer, sua total extroversão, não apoiada pelo 110
Como certos criminosos, que se acham o ápice da esperteza. Se julga o único esperto: O resto da humanidade, pra ele, é tudo idiota. Nota do digitalizador
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devaneio, faz-de-conta ou fantasia criadora. É um fato, que milhares de eminentes engenheiros e industriais podem testemunhar sob juramento, que Ford jamais inventou algo de grande e duradouro valor no projeto automobilístico. Tanto quanto sei, o homem jamais tentou enganar alguém nesse particular: Jamais encontrei declaração sua com insinuação de que ele, pessoalmente, concebesse ou aperfeiçoasse características principais do antigo e famoso modelo TE, segundo o testemunho de vários dos maiores engenheiros mecânicos. Seja qual for a contribuição do fazendeiro de Michigão ao automóvel, essa contribuição não é comparável à de Edison em qualquer de seus vários campos de atividade. Edison era altamente extrovertido mas tinha uma imaginação criadora curiosamente desordenada, não apoiada por capacidade matemática. Chegou ao gênio supremo. A mente de Ford é comum em todas as coisas essenciais, exceto organização comercial. Não desejamos fazer aqui a biografia de Ford. Essa tarefa seria muito estúpida. Mas as tolices do extrovertido são intrigantes, em si, principalmente porque lançam luz sobre a evolução econômica de Eua durante os últimos três séculos. Na construção deste país fomos atiradores, bandeirantes, caçadores, hospedeiros, mineiros, fazendeiros, pastores, carpinteiros, pedreiros, mecânicos, maquinistas, lojistas. Numa palavra: Homens cuja atenção teve de se voltar à materialidade rude dum continente a desbravar. Nossos pecados foram de extroversão, que se revelam, nos piores aspectos, em nossa relação com as pessoas, ou nos atos que envolvem pessoas, como seres humanos. Ford nos serve na demonstração dessa tendência, em parte porque se eleva muito acima dos comerciantes e dos merceeiros de esquina, já que, fora de toda dúvida razoável, tem pequeno ou nenhum interesse em entesourar milhões. Se esse traço o marcou nos primeiros anos de vida, foi, há muito, afastado por uma genuína e insistente paixão pelo uso do metal até que se gaste. Atrás de tudo isso brilha certa ternura pelas coisas terrenas. E é esse traço, provavelmente mais que qualquer outra coisa, que atraiu as massas de aldeão, em 1922 e 1923. Sentiram seu semelhante, assim como um cão sente outro a distância. Os que não podiam captar a afinidade doutra maneira, a captavam através de seu trator e de suas insinuações pra melhorar o trabalho dos fazendeiros. Que espécie de tolice comete, mais freqüentemente, um extrovertido mecânico como esse? Como disse, as tolices que se verificam nas relações humanas mais profundas. Lembremos a viagem do Oscar II, carregado de pacifista e de espião, à Europa em guerra, a fim de retirar os soldados das trincheiras, no Natal. Dez nações estavam em guerra. Ford sabia menos que nada sobre seus povos, seu fundo intelectual ou emocional, os acontecimentos econômicos e sociais que os atiraram, a todos, na suprema insânia dos combates. E jamais poderia compreender esses fatos, pois Ford é cego à psique alheia. Lembremos, novamente, seu famoso ataque contra os judeus internacionais. Houve jamais uma história mais absurda que a publicada, meses a fio, nas colunas do Dearborn Independent, descrevendo, com minudência, a conspiração dos banqueiros judaicos pra atirar as nações umas contra as outras, em benefício próprio, e pra lançar, a força, os venenos do álcool através da garganta dum mundo sóbrio? A justiça manda acrescentar que Henry termina cuma linda, embora atrasada desculpa, admitindo sua vasta ignorância e sua informação errônea.111 Por mais severa que a comparação possa parecer à primeira vista, Ford e Beethoven têm, ao menos, uma semelhança: A estupidez em relação ao trabalho da mente comum. As causas da estupidez são opostas: Beethoven compreendia mal os indivíduos porque vivia no secreto mundo sonoro, enquanto Ford vive no meio do ruído e do calor do 111
Na verdade For não estava tão errado assim, pois é assim que agem os sionistas. Nota do digitalizador
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reino do aço. Ford tem muitos companheiros famosos na estupidez. Alguns o serão sob certos aspectos, como os espíritos unilaterais, os peritos e os homens de ação mental limitada. Professores de física, química, astronomia e engenharia gastam a vida com assuntos distantes do espírito do homem. Assim, o esforço no sentido de tratar desse espírito muitas vezes os levam, apenas, a erros terríveis. Aqui, suspeito, chegamos à raiz do imenso e irreconciliável conflito entre o homem animal social e o homem animal econômico. A vida não é dinheiro nem o dinheiro é a vida. Produzir não é consumir e os interesses dos produtores e dos consumidores jamais serão harmonizados por meio de espíritos unilaterais. O estadista que algum dia nos libertará não será um Henry Ford, Woodrow Wilson, prestidigitador de instrumento, escamoteador de palavra, Edison, Steinmetz, homem de fantasia mecânica dominante nem um homem de imaginação matemática dominante. Será uma natureza bem equilibrada entre as tendências a dentro e a fora.
Beato O beato é obstinada e cegamente devotado a sua própria igreja, partido ou crença. Até então vamos com os lexicógrafos. Mas quando dizem que ser beato é ter preconceito, ser intolerante e de espírito estreito, vacilamos em nossa lealdade ao dicionário. Excetuamos apenas o adjetivo intolerante. Se todo homem que não quer ou não pode tolerar algo é um beato, então beato significa bípede. Talvez o velho Webster e sucessores tivessem em mente apenas a tolerância dos indivíduos de crenças religiosas diferentes das da pessoa. Mas se foi assim, então restringiram o sentido do termo. Todo homem maduro, que aprendeu muito, é intolerante em muitas coisas, e deve ser, também. Sou um dos muitos milhões de indivíduos que não toleram que se toque saxofone toda a noite numa casa de cômodo cheia de pessoas que querem dormir, que não toleram os indivíduos que se embebedam e atiram garrafas nos transeuntes, os indivíduos que exploram viúvas e órfãos, que recusam auxílio médico aos pesteados de varíola, enfim, que não toleram milhares doutras espécies de estúpida e perversa humanidade. Pra ser civilizado se deve ser intolerante no bom sentido e em nenhum outro. Uma pessoa que calmamente suporta tudo não é, nem mesmo, um bom selvagem, é consideravelmente inferior a um imbecil, uma ameaça social. Pra ser um beato genuíno, é necessário muito mais que intolerância. Um traço que considero indispensável é a estúpida e obstinada recusa a prestar atenção à outra face do caso. Aqui está um espécime, o do grande chefe fundamentalista William Jennings Bryan. No júri de John Thomas Scopes, que foi multado em 100 dólares, além da custa do processo, por ensinar evolução no Tenessi, Clarence Darrow interrogou a testemunha Bryan, resultando as seguintes observações ilustrativas. Darrow fazia as perguntas e Bryan respondia: P. Nunca tentaste conhecer os outros povos do mundo, qual a antiguidade de sua civilização, quanto tempo existiram na terra? R. Não. A religião cristã me satisfez tão plenamente que não gastei tempo em procurar argumento contra ela. P. Receava encontrar alguns? R. Não. Não receio que possas mostrar alguns. ● P. Senhor Bryan, acreditas que a primeira mulher foi Eva? R. Sim. P. Acreditas que fora feita, literalmente, da costela de Adão?
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R. Sim. P. Sabe onde Caim teria encontrado sua mulher? R. Não, senhor. Deixo aos agnósticos o trabalho de a procurar.
● Senhor Darrow perguntou se senhor Bryan acreditava que a desgraça de Eva começou por Eva tentar Adão a comer o fruto. P. Acreditas que essa é a razão por que Deus fez a serpente se arrastar sobre o ventre depois de tentar Eva? R. Acredito na Bíblia e não te permito pôr tua linguagem em lugar da linguagem do poderoso. Leias a Bíblia, perguntes e responderei. Mas não responderei a tuas perguntas em tua linguagem. P. Lerei na Bíblia: E o senhor Deus disse à serpente: Porque o fizeste, serás maldita acima de todo o gado e acima de todas as bestas do campo. Sobre teu ventre te arrastarás e comerás pó todos os dias de tua vida. Achas que é por isso que a serpente é compelida a se arrastar sobre o ventre? R. Acho. P. Tens idéia sobre como andava a serpente antes disso? R. Não, senhor. P. Sabes se andava sobre a cauda? R. Não, senhor. Não posso saber. A essência da estupidez do beato é a mente fechada. Imensas zonas de fatos são excluídas, mesmo da mais ligeira consideração. Em tempo, portanto, uma enorme ignorância deve resultar. E o processo trabalha igualmente bem, ao inverso. Tudo o que mantém os indivíduos ignorantes pode trazer a beatice, embora não necessariamente, pois, em última análise, o beato deve possuir certa emocionalidade, que consideraremos em breve. Estudemos, antes de ir mais longe, as grandes influências que produzem a ignorância. Talvez essas influências façam luz sobre os estúpidos beatos. Onde muitos ianques conseguem opinião sobre assuntos distantes de sua imediata vizinhança e de seu interesse? Na maioria, nos jornais e, um pouco, nas revistas. De livros, quase nada. Os testes de Scott, em Chicago, e os meus, em Nova Iorque, demonstram que os grandes profissionais gastam cerca de 15 minutos por dia com a leitura dos jornais matutinos, enquanto o indivíduo comum lhes dá, provavelmente, o dobro desse tempo. O homem comum bate o homem superior em tempo, em parte porque lê mais vagarosamente (raramente mais de 6 mil palavras por hora), em parte porque lhe falta a capacidade de ler nas entrelinhas, em parte porque seu poder de seleção é mais fraco e ele tende a ler tudo, enquanto o homem superior destaca e escolhe os assuntos. E, em parte, também, porque tem mais tempo pra leituras mais amplas que o homem superior. Meus testes sobre indivíduos decididamente inferiores, embora incompletos, sugerem que dedicam muito mais tempo a seus jornais, são mais profundamente impressionados pelo que lêem, embora as inteligências superiores cubram um campo mais vasto. Aproximadamente, pois, o que encontramos é isso: Quanto mais alta é a classe cultural, mental ou econômica, tanto menos tempo gasta com jornais e, provavelmente (mas não certamente), tanto menos é relativamente influenciada pelo que lê. Mas aqui olhamos, principalmente, a qualidade da influência. E o que isso significa será evidente quando respondermos à pergunta: Que partes e que frações do jornal diário são lidas no quarto de hora do homem inteligente e na meia hora do homem comum? Estamos agora prestes a fazer uma notável descoberta. Tomando como base a provada velocidade de leitura dos leitores comuns e subcomuns (como ficou demonstrada por experiências de leitura de colunas de jornal e 156
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títulos de filme), vemos que essas pessoas, em geral, cobrem cerca de 3 mil palavras num jornal qualquer e, raramente, 5 mil palavras. Isso significa algo entre 2% e 5% do total de matéria legível num jornal típico. Somente uma sentença, em cada 25 ou 50, é lida por único leitor comum. Quais as sentenças lidas? Falando em geral, vemos que as manchetes e os títulos das notícias são lidos extensivamente, mas não o texto, e que, nas colunas de entretenimento, certos trechos preferidos são lidos a fio. As colunas de editoriais e de crítica quase nunca são lidas pelo leitor comum do jornal de grande circulação. A única exceção possível a essa tendência é o jornal do domingo. Aqui os escritores mais característicos recebem a maior parte dessa escassa atenção. Essas condições, insistamos, não surgem nos jornais de circulação qualitativa. E, naturalmente, surgem em forma limitada, nos periódicos que tentam combinar o apelo às massas com o apelo às classes. Ignorarei esses complicados fenômenos, já que não alteram minha afirmação de que ao menos 95 em cada 100 leitores de jornal não colhem mais que 5% dos detalhes dos acontecimentos do mundo que são impressos em seus jornais e que a quantidade impressa é apenas uma ligeira fração dos fatos essenciais acerca desses acontecimentos. O ianque instruído típico assimila, assim, 1/5 de 1/5 desses acontecimentos, tais como vêem nos jornais, e seu jornal informa, talvez, apenas 1/5 de todos os acontecimentos que poderiam ser registrados por dia. Assim, o jornal focaliza apenas um pedaço da realidade, à proporção que os fatos se sucedem. Esse pedaço da realidade é entregue ao leitor, que toma apenas um pedaço. E sobre isso o leitor construi seu conhecimento do mundo fora de seu negócio pessoal e da vizinhança imediata. Notai bem essa qualificação, que se revelará significativa. O que deve acontecer a um homem comum que, cerca de 730 vezes por ano, toda manhã e toda noite, consegue pedaços de pedaços e os julga assim superficialmente? (Nem mesmo como os zulus e os tuaregues com suas crianças). Só há um resultado. A lei da formação do hábito trabalha inexoravelmente. Em todos os assuntos fora da imediata vizinhança e do negócio pessoal, tende a aceitar as notícias de seu jornal como pinturas exatas dos acontecimentos do mundo. Chega a considerar os títulos realidade. E, no terreno do julgamento moral, se acostuma a pesar o certo e o errado dos atos em termos dalguns lugares-comuns que está sempre vendo (em grandes maiúsculas) nos editoriais de seu jornal diário. Quanto maior se faz o mundo mais complexo se torna seu negócio e quanto mais ocupado em seu próprio negócio se torna o leitor tanto mais evidentemente se inclina a aceitar esses julgamentos superficiais e tanto menos interesse tem nos assuntos fora do lar e do trabalho. Assim, à medida que o mundo progride e os cidadãos lutam pra viver, muitos perdemos cada vez mais o contato com a massa dos acontecimentos mundiais. E o contato que possamos com eles estabelecer se torna cada vez mais casual e inseguro. Venho afirmando, há muitos anos, que o mundo noticioso está se tornando cada vez mais fragmentário, queiramos ou não. E agora acrescento que a mente comum e a moralidade comum também estão se tornando fragmentárias, em todos os negócios extra-muro. Isso é exatamente o oposto do que acontece dentro da esfera de trabalho e de vida pessoal de cada homem. O trabalho está se tornando cada dia mais técnico e mais científico. A relação pessoal se faz mais íntima e mais compreensiva. O varredor de rua e o presidente de banco são igualmente vítimas dos peritos em eficiência. E todas as pessoas nas altas esferas da vida estão rapidamente chegando à crença de que seus problemas mais íntimos serão melhor resolvidos por uma diagnose complicada dos psiquiatras, médicos, bacteriologistas e eugenistas. A ciência está expulsando o adágio e a técnica está exterminando a máxima, onde quer que homens de qualidade superior
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estejam à frente do negócio. Nenhuma redação de jornal é dirigida pelos princípios estabelecidos por seus editorialistas. Nenhum próspero proprietário de jornal dirige seu negócio privado de acordo com o agente de anúncio a quem paga 500 dólares por semana. E jamais se aventura a uma operação importante em seu negócio na base da informação conseguida exclusivamente através de suas próprias notícias e colunas editoriais. Mas o que acontece com o homem de inteligência comum ou sub-comum e de estabilidade emocional? A cena se transforma. A ciência e a técnica o tocaram, mas somente no sentido em que o rolo compressor toca a estrada que está aplanando. Não gosta de pesquisa, análise, experiência ou grandes aventuras por prazer, amor ou dinheiro. O raio de ação de seu pensamento e ato é muito menor que o dos líderes. (Que possa ser aumentado pelo treino, não importa aqui). Assim, é muito mais profundamente influenciado por seu jornal, tanto no negócio íntimo como no julgamento sobre as coisas, que o homem superior. Destituído de treino moral, sucumbe inteiramente à sugestão do jornal, exceto nalguns raros assuntos íntimos da vida privada, como o salário, o vinho e o sexo. E isso o faz, antes de tudo, um beato. Depois, graças aos jornais, um fanático. Um beato é um homem emocionalmente dedicado a uma série super-simplificada de idéias ou de práticas. Sua mente é estreita por natureza ou treinamento. Apreende algumas noções e acha que são toda a coisa. Mas essa simples crença não basta pra fazer um beato. É necessário emoção. Deve odiar ou desprezar os que pensam doutro modo. E deve se ressentir com o esforço alheio em transformar sua opinião. Deve ter um espírito fechado, pra ser um beato de primeira classe. Será um fanático? Pode se transformar num fanático? Difíceis questões! As estudemos.
Fanático Entre uma centena de beatos escolhidos ao acaso, encontrareis algumas pessoas que são muito menos estáveis, emocionalmente, que o resto. Sua instabilidade assume a forma de violentas explosões, quando são contrariados ou criticados. Se esforçam a impor sua vontade aos outros e, acima de tudo, aos que se lhes opõem. São os verdadeiros fanáticos. Quantos são, como classe, ninguém sabe. O recenseamento de Eua não nos ajuda nesse particular. Mas, com certeza, formam legião. E, contrariamente à crença generalizada entre os indivíduos cultos, não estão limitados ao mundo dos imbecis. Na verdade, raramente se desenvolvem entre os imbecis. Uma das surpresas dos testes de inteligência e de higiene mental do pós-guerra é a de que há pequena correlação positiva, ou nenhuma, entre a inteligência e a estabilidade emocional. Um homem de inteligência superior pode não ter controle sobre seu medo e raiva, ao passo que um toleirão pode ter o tato dum diplomata nesses ajustes. Entre os fanáticos que pessoalmente conheci e observei, se encontra um brilhante cientista, cujas realizações são reconhecidas e admiradas em todo o mundo. Outro, por mais estranho que pareça, é um técnico especializado num dos mais difíceis setores da indústria. É a existência de fanáticos altamente inteligentes que faz a situação em Eua tão grave, hoje em dia. Se todos nossos pregadores de virtude, censores e proibicionistas fossem imbecis, como seria fácil os colocar em seus lugares! Mas centenas deles, infelizmente, são cientistas, professores secundários e presidentes de corporações industriais, tanto quanto nossos criminosos de primeira classe. Mesmo assim, a massa de beato e de fanático deve se encontrar nas classes médias e inferiores da população. E devemos procurar saber como a beatice e o fanatismo são agravados pelo jornal típico. Em nossa resposta, devemos considerar, separadamente, a psicologia do elogio e a psicologia da condenação. E devemos, ainda, dividir essa
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última em psicologia do medo e psicologia do ódio. Antes de tudo, porém, devemos descrever uma curiosa relação psíquica entre o mundo do negócio humano e o leitor comum de jornal. Aí reside todo o conjunto do movimento fanático. O mundo do negócio humano cresceu, em detalhe e complexidade, muito além da capacidade ou do desejo do homem comum de o conhecer. E a cada dia que passa mais se distancia. A diferença relativa entre seu mundo imediato e íntimo e todo o mundo de negócio humano aumenta constantemente. O resultado é que seu conhecimento positivo do mundo é relativamente menor que nunca. Isso significa que o mundo lhe é menos real e, a cada vez mais, se torna seu mundo de sonho. E muitas vezes tende a tratar esse mundo como trata seu mundo de sonho. Faz do mundo um lugar onde seus desejos infantis se transformam em realidade. Outrora o homem comum não podia brincar assim com o mundo, pois lhe faltava poder político e econômico pra o fazer. Já possui, mais ou menos, esse poder. Eis por que a política e a moral pública se tornaram o campo de ação de indivíduos ignorantes, obsedados por noções infantilmente simples. Grande parte dos dois milhões de leis que flagela Eua nasceu desses desejos infantis de homens que perderam todo contato com as realidades maiores. O que leva esses fanáticos à ação? Antes os medos ou os ódios neles açulados por algo que eles ou alguém leu no jornal. Um fragmento de fragmento, noutras palavras! E um julgamento fragmentário sobre esse fragmento de fragmento! Se esses indivíduos jamais tivessem notícia desses negócios perturbadores, não seriam compelidos à ação. Se pudessem ouvir muito sobre esses assuntos e tivessem tempo de os estudar, muitos nada fariam ou fariam algo mais ou menos sensato. O desastre não se produz pela completa ignorância nem pela completa compreensão mas pela informação inexata, que, por meio duma ficção fácil e por meio do hábito, chega a ser considerada exata. O poder dessa ficção é, ao mesmo tempo, trágico e ridículo. Muitas vezes ouvi distintos colegas de universidade discorrendo, extemporaneamente, sobre as notícias do dia, à mesa do almoço. Quase sem exceção, esses cavalheiros, muitos dos quais alimentam um dedicado desprezo aos jornais ianques, aceitam o que leram e, em todas suas observações, evidentemente admitem que o fragmento que tomaram do fragmento de seu jornal favorito seja, substancialmente, um quadro exato da realidade. Pra citar apenas uma exemplo cômico, ainda se podem ouvir, no clube da faculdade, estimáveis cidadãos de altos títulos científicos e acadêmicos lembrar como certo senhor Coolidge salvou a cidade de Bóston pela arrojada e brilhante maneira como enfrentou uma greve da polícia ali! Ouvi isso há apenas dois meses. E também ouvi, nesses átrios semi-sagrados, dizer que Lênin foi forçado a abandonar sua lei de nacionalização das mulheres com medo das represálias ianques! Se me interessasse, poderia narrar cem casos quase tão divertidos como esses. A ignorância emocionalizada, entretanto, não pode explicar mais que uma grande divisão do fanatismo. Todas as espécies de sutileza ambiental criam variedades menores, e nenhum país tem mais sutilezas que em no nosso. Quando chegarmos a escrever a história da estupidez humana todo um volume terá de ser dedicado às psicoses peculiares de ajuste que encontramos aqui e às forças ambientais que as provocam. Lancemos rápido olhar sobre essas forças e psicoses, e passemos a diante. O tremendo poder e a tremenda voga do fanatismo em Eua podem, em grande parte, provir do intenso senso prático e da luta ao sucesso. Um fanático é um homem que, incapaz de compreender qualquer ponto de vista alheio é poderosamente impelido a impor sua própria convicção ao mundo. Difere do simples beato por ser impelido a fazer com que todo mundo pratique o que ele prega. Um beato é simplesmente um homem de espírito estreito. Um fanático é um homem de ação.
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No século passado, a Eua vieram milhões de pessoas buscando fortuna. Personalidades agressivas, de todas as nuances, chegaram a nosso país e se tornaram nosso tipo dominante. O sucesso é seu deus. Mas o sucesso é conseguido pela concentração, interesse indiviso, agarramento à própria tarefa, reunião de todos os esforços à consecução do fim em mira. Assim, o homem que é, por natureza, dotado de sistema nervoso altamente integrado leva aqui tremenda vantagem. E, quanto mais oportunidade oferece nosso país, tantas mais aproveitará um homem assim. Quanto mais oportunidade aproveita, tanto mais rico e mais poderoso se torna. Quanto mais rico e mais poderoso se torna, tantos mais jornais, revistas, editoras, políticos, eclesiásticos e trabalhadores certamente dominará ou influenciará. E o fazendo modela costumes e tradições. Em Eua temos fanáticos mais poderosos que todas as outras nações reunidas. Assim, devemos esperar pouca imaginação simpática entre as classes dirigentes. Hoje, como no tempo do Cristo, devemos a procurar entre os humildes e os meigos, entre os pobres e os oprimidos. E devemos o fazer pela razão de Darwin, a seleção natural. O sucesso material interfere nas concepções e no sentimento ao próximo. Quando o Cristo disse que era mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no reino celeste,112 evidentemente tinha em mente essa lei psicológica, pois as duas mais altas virtudes, na opinião de Cristo, eram o amor fraternal e a caridade, que surgem da imaginação simpática. Pra entrar no reino celeste o homem deve se tornar igual a uma criancinha, isto é, deve ser governado pelo sentimento e não pela paixão de realizar ou de possuir. Essa filosofia de vida sempre foi compreendida por milhares de indivíduos simples, que, medidos por Dun e Bradstreet, ou por Nietzsche, são defeitos da natureza. Essa filosofia foi sempre incompreendida ou odiada por 9 em cada 10 caçadores de sucesso. Entre esses dois grupos jamais pode haver um entendimento fundamental. Dizendo isso não estou elogiando o proletariado nem expondo os ricos ao desprezo. Anoto apenas um fato biológico, que podeis. verificar por vós mesmos e no qual podereis encontrar o significado moral que desejardes. Entre as muitas influências especiais que fazem de Eua a fazenda de criação dos mais estúpidos beatos e fanáticos do mundo, há uma que, penso, foi desprezada. Ao menos não encontro referência a ela. É o efeito emocional do contato íntimo com religiões, morais, métodos de comércio e gostos pessoais antagônicos. Em lugar nenhum tantos costumes e padrões irreconciliáveis se reuniram em tão evidente justaposição. Os tolos chamam Eua um cadinho mas se parece mais com o caldeirão de bruxa, onde todas as espécies de ingredientes estranhos, malignos e nauseabundos são cozidos. Quarenta e quatro ralés estão reunidas num caldo, aqui. O celta neolítico da costa ocidental da Irlanda vive a meia-parede com Pappadoukilous, o corta-cabeça de Atenas. O montanhês da baixa idade do bronze na Espanha trabalha nas docas ao lado do aldeão russo do Volga superior. Os mentalmente superiores e emocionalmente bem equilibrados se fazem amigos, consideram os ádvenas pelo que valem e, pouco a pouco, se fundem num novo tipo americano. Mas, infelizmente, há dezenas de milhares que não são de tão alta qualidade. Durante os últimos trinta ou quarenta anos tudo foi bem mas o nível da corrente de integração desceu constantemente. Ao mesmo tempo esses indivíduos inferiores se espalharam mais e mais no país e, assim, tiveram contato com 112
Cristo nunca existiu. Jesus, sim, mas nada parecido com o da tradição. A frase em questão é uma deturpação. A tradução bíblica do grego confundiu a palavra kamel, corda com camilos, camelo. A frase correta seria É mais fácil uma corda passar no buraco duma agulha que um rico entrar no reino celeste. Assim como o sapato de Cinderela, na história original, era de pele, pois o francês vair (pele) tem o mesmo som que verre (vidro). Nota do digitalizador
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todas as espécies de estúpidos emocionalmente instáveis das primeiras levas, alguns dos quais, mesmo, pré-revolucionários. As pequenas cidades do sul, especialmente desde 1910, receberam a vanguarda desta horda. Mesmo o Texas recebeu, aqui e ali, as primeiras ondas. Grande parte da Califórnia está inundada e talvez arruinada a sempre por essa aluvião ciclópica. Vastas áreas do outrora glorioso centro-oeste se tornaram tão tristes, tão imundas e tão européias como as cidades-cortiços da Bélgica, cloaca da incultura ocidental. E, agora, se verifica o choque dos temperamentos estúpidos. O primitivo ciclope americano se revolta contra o primitivo ciclope irlandês. O polonês salta à garganta do russo. O italiano apunhala as costelas do grego. Os batistas do sul expulsam da cidade os metodistas africanos. Os velhos judeus alemães desprezam e se afastam do paliciano kike.113 Código contra código. Credo contra credo. Uma intensa luta pela existência, produzida pela compreensão de que, numa nação poliglota, mestiça e abastardada, sacudida pela competição mais selvagem, as crenças mais caras e os hábitos mais firmes dos indivíduos são esmagados e desprezados pelos estranhos. O ego é ferido e ultrajado por essa descoberta. Desde a primeira guerra mundial, essa tendência se tornou muito pior, principalmente em conseqüência da crescente rudeza da competição, à medida que nosso país se aproximava do ponto de saturação em população e em indústria. As filhas da revolução americana, a liga de segurança, os cavaleiros de Colombo, Menorah, a sociedade pro desenvolvimento do ateísmo, a associação dos astrólogos americanos, os fazedores de passe, a legião americana e todo o resto, mesmo quando não combatem oficialmente pela existência, sentem o esforço do fanatismo como nunca. Quanto mais emocional se torna o grupo, tanto mais estúpidos se tornam os atos. Imediatamente depois da guerra mundial, essa corrente emocional chegou ao clímax, como se pode ver nas páginas já amarelentas dos anuários de 1919 e 1920. Algum filantropo poderia encarregar indivíduos a fim de pesquisar, em toda a legislação do pós-guerra, casos de fanatismo produzidos, dum modo ou doutro, por essa grande guerra pra acabar com a guerra. O resultado desse ato nobre não caberia numa dúzia de volumes e daria lugar a uma revolta. Haverá quem se lembre ainda das infamantes leis Lusk, aprovadas pela legislatura do estado de Nova Iorque em abril de 1920, no dia do americanismo 100%? Uma dessas incríveis medidas armou uma polícia secreta cuja função era descobrir, com ardis e artimanhas, os cidadãos que discutiam ou particularmente desaprovavam sérios pontos 113
Pauliciano: sm Membro duma seita maniqueísta originada na Armênia, século 7-10, que pretendia reconduzir o cristianismo à simplicidade evangélica. Dialeto falado na Bulgária e Hugria pelos descendentes de paulicianos. http://www.kinghost.com.br/ Kike: Pejorativo usado se referindo aos judeus. Etimologia incerta. De acordo com a dicionário inglês Oxforde, pode ser uma alteração das terminações ki ou ky, comum nos nomes pessoais de judeus europeus Orientais que imigraram a Eua no começo do século 20. O primeiro uso registrado do termo é de 1904. segundo Nossa multidão, Stephen Birmingham, o termo kike foi cunhado como um pejorativo americano assimilado pelos judeus alemães pra identificar os judeus europeus orientais: "Porque muitos nomes judeu-russos terminavam em ki, foram chamados kikes, uma contribuição judia-alemã ao vernáculo ianque. O nome procedeu ser cooptado por não-judeus, então ganhou proeminência em uso social, e foi usado como pejorativo anti-semita. De acordo com Leo Rosten, a palavra kike nasceu na ilha de Ellis quando imigrantes judeus que eram também analfabetos (ou não podiam usar letras latinas), quando solicitados a assinar os formulários com o habitual X, se recusavam, porque associavam um X com a cruz de cristianismo, então faziam um círculo. A palavra ídiche a círculo é kikel (pronunciado cáicul), e a pequeno círculo, kikeleh (pronunciado cai-cul-u). Desde logo os inspetores de imigração estavam chamando qualquer um que assinava um O em vez dum X um kikel ou kikeleh ou kikee ou, finalmente e suscintamente, kike. De acordo com Rosten, comerciantes judeus americanos continuaram assinando cum O em vez dum X durante várias décadas, espalhando o apelido kike aonde fossem. Naquele kike havia mais de um termo afetuoso, usado por judeus pra descrever outros judeus. Só mais tarde se desenvolveu como calúnia étnica. Nota do digitalizador http://en.wikipedia.org/
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de vista do governo ianque ou da constituição, mesmo sem ato aberto de sua parte. Uma segunda dessas leis dava ao governo o direito de censurar e de fechar, à vontade, qualquer escola particular, mesmo que não recebesse subvenção pública e estivesse, portanto, livre de toda vigilância e controle oficiais. Uma terceira lei submetia os professores aos preconceitos imbecis duma mesa examinadora, que teria poder pra os examinar a respeito de suas opiniões políticas, sociais e mesmo morais e, caso não fossem essas opiniões consideradas convenientes pelos examinadores, os demitir do serviço público. O estado de Nova Iorque, entretanto, não foi o mais fanático de todos, embora tivesse maior publicidade, graças a sua imprensa. O estado de Uiscônsio aprovou uma lei de história pura, alguns meses depois, que muito tempo durará como um monumento de sólido marfim. Essa lei obriga o superintendente da educação no estado a abrir um inquérito, sempre que cinco cidadãos acusem um livro, e que possa ser substituído por outro que lhes interesse. Não sei os fatos a respeito da guerra da independência ou da guerra de 1812, ou difamar os fundadores de nossa nação ou desrespeitar os ideais e as causas pelas quais lutaram... Esses cinco cidadãos podem ser imbecis. Podem ser iletrados. Podem constituir uma malta pra derrubar o autor e o editor, de modo que o livro possa ser substituído por outro que lhes interesse. Não sei se já foi revogada essa titânica estupidez. Como quer que seja, não posso acreditar que a comunidade que produziu van Hise e la-Follette tenha mantido esta sediciosa perversão em vigor todos esses anos, pois a própria lei difama o Uiscônsio e Eua mais que o poderia fazer qualquer livro escolar. Nossos fanáticos se teriam tornado mais gentis desde esses dias 100 %? Talvez. Em todo caso, muitos se fizeram mais insignificantes, se podemos julgar pelo tom comum das notícias, que é exatamente aonde chegarei. Mas a campanha contra a liberdade de palavra se torna cada vez mais amarga. Quanto às tendências inferiores, sabemos que se está desenvolvendo uma grande campanha nacional contra o cigarro, talvez de milhões de dólares, empreendida por fanáticos procurando novos mundos a conquistar. Alguns de seus elementos avançados já se empenharam em escaramuça, embora, em geral, tudo fora, até agora, realizado em paz. Michael Kelleher, açougueiro da avenida Parque, agrediu senhora Pearl Barton e lhe arrancou um cigarro dos lábios, quando passeava na rua, em 3 de julho de 1931. Juiz George deLuca multou Kelleher em 25 dólares. Mas será que isso deterá o poderoso dilúvio dos fanáticos? Não, se bem conhecemos Eua! A estupidez dos fanáticos muitas vezes se revela na anormal e desrazoável persistência em atacar problemas além de sua capacidade. Um estudo recente de doutor Edgar A. Doll e de Cecilia G. Aldrich,114 feito na escola de treinamento de Vinelândia, Nova Jérsia, ilustra essa louca persistência do indivíduo inferior. Esses investigadores notaram que as crianças normais parecem reconhecer suas próprias limitações mais rapidamente que as crianças idiotas. Tendo achado uma tarefa muito difícil, nada as pode persuadir a continuar o esforço. A criança idiota, entretanto, pode ser muitas vezes compelida a continuar na tentativa, sem consideração pela evidente inutilidade do esforço. Assim Calvin Frye, satélite de Mary Baker Eddy.115 Supersticioso e iletrado, tentaria tirar da cabeça de sua professora seu medo persistente de que alguém estivesse conspirando contra a vida dela. E, como Bates o descreve, depois de passar toda a noite com senhora Eddy, combatendo seu medo de arsênico, consunção,116 epizootia, Calvin diria sempre: — Nenhum pensamento de veneno ou de ódio 114
Idiot children, em Science, setembro de 1931 Mrs. Edd's right-hand man, de Ernest Sutherland Bates. Harper's magazine, fevereiro de 1931 116 Consunção, consumpção: Emagrecimento doentio. Nota do digitalizador 115
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chega àqui. — Sempre e sempre, procurava auxílio no princípio central de senhora Eddy, quanto maior o erro, maior a insignificância. Sempre, com fidelidade canina à velha senhora, persistiu numa tarefa muito além da capacidade de qualquer pessoa e, fazendo frases, tentou enfrentar o inevitável. E aqui, amigo leitor, atingimos uma nova concepção do curso da história humana, desde que os ciclopes se aventuraram a fora da caverna. Jamais imaginastes como tantas crenças inefavelmente estúpidas, costumes, práticas e leis puderam nascer e se perpetuar? Não parece mais que estranho que pra cada negócio inteligente e bem planejado no curso dos acontecimentos humanos haja dezenas de erros? Parte do mistério pode ser agora resolvida. A persistência traz o sucesso. E quem adere a esse procedimento? Acima de tudo os indivíduos que, uma vez na vida, ao menos, tomaram algum entusiasmo ou se queimaram na chama dalguma indignação. Vendo com menos de um olho os perigos, os obstáculos e as complicações na frente, avançam sempre, de faca entredentes, a tocha nas mãos. Exaltados, a vida tem, pra eles, um sabor mais forte que o rum. A causa os sustenta e os transforma, aumenta o poder e lhes dá importância. Afinal, são alguém! A diante, soldados do Cristo, em marcha à guerra! À medida que desfilam as bandeiras desse exército a alma tímida, cum grau de doutor, fica parada na curva da rua, imaginando se pode arranjar nervo o bastante pra pedir ao patrão um aumento de cinco dólares no ordenado.
Liberal O liberalismo é o último refúgio do estúpido. Até lá correm todos os tolos em apuro. O patriotismo fica aos velhacos procurando segurança, pois o tolo sabe, a despeito de sua tolice, que o liberalismo tem os alicerces na rocha da verdade e é quase inexpugnável. Se um recenseador penetrasse nesse templo, suspeito que encontraria, morando ali, cinco filhos dos ciclopes pra cada homem inteligente. Que má sorte aos inteligentes! O homem estúpido, estando em perigo de ser punido por seus erros, clama ao direito de pensar e age como lhe agrada. Ruge: Sou honesto! Sou um crente sincero! Como indivíduo tenho direito a ser tratado como sagrado. Sou um fim em mim. Não tendes o direito de me suprimir. Inevitavelmente, num mundo em que muita gente é profundamente estúpida, isso se revelou altamente popular. Talvez essa seja a causa mais profunda da chamada rejeição aberta ou tácita, pelos cristãos, da doutrina do iliberalismo de Cristo e da aceitação do oportunismo de São Paulo. Se há algo sobre que Cristo insistisse mais que sobre qualquer outra coisa foi o pensamento de que uma boa árvore não pode dar mau fruto nem uma árvore corrompida produzir bom fruto. Toda árvore que não dá bom fruto é abatida e atirada ao fogo. De modo que, por seus frutos as conhecereis. Sempre esse tema volta em suas observações. Atentai à parábola do trigo e do joio: O último é arrancado e queimado, enquanto o bom cereal se salva. Atentai novamente: O reino celeste é como uma rede que foi lançada ao mar e trouxe peixe de todas as espécies. Quando cheia os homens trouxeram à praia e, sentados, reuniram os peixes bons nos barcos e jogaram fora os maus. Atentai novamente: Pois aquele que tem receberá e terá mais abundância mas daquele que pouco tem se tirará até mesmo o que tem. Atentai novamente na parábola das duas casas, uma alicerçada sobre a rocha, a outra sobre areia. Jesus, o grande pragmático, compreendeu claramente que tudo deve ser julgado pelo resultado. Nenhum tolo tem direito moral a exigir o respeito, a proteção ou o auxílio das outras pessoas apenas em virtude da sinceridade. Admitas isso e te tornarás um fazedor
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de passe, matando gente sinceramente, ou um cientista cristão, assassinando os próprios filhos pra impedir a entrada do médico no quarto do enfermo, ou um lunático muçulmano, cortando a cabeça dos infiéis em nome de Alá. Contra esse liberalismo o fanático toma uma posição certa. O fanático tem a imensa virtude de tentar praticar o que prega. É o tipo completo do indivíduo que se esforça a subir, não importa em que acredite. Participa da eterna luta pela existência que se processa entre as criaturas, as idéias, hábitos e instituições. Sabe, a sua maneira limitada, que tudo o que agrada ao coração do homem merece que por isso se combata. O progresso da humanidade é devido inteiramente a esta competição incansável dos fanáticos. Evidentemente, há muitas maneiras de lutar por uma causa, algumas odiosas, outras duvidosas, algumas nobres. Assim, julgamos os fanáticos de caso a caso, em grande parte à luz de seus métodos. Mas isso, não esqueçais, é outra história. Assim também devemos julgar os liberais, e os homens astutos o fazem. Mas o liberal de quatro costados levanta objeção contra isto, pois sustenta que a própria base de sua filosofia é a liberdade de palavra e de ação. Sua própria ação, pois, quando consistente, é, em substância, inação, tanto quanto diz respeito ao controle de terceiros. Onde os outros fazem coisas o liberal fala. Tenta manter a sociedade humana no nível lingüístico. E nisso reside sua imbecilidade. O espécime perfeito, aqui, é Kerensky. Observemos as grandes linhas de sua carreira tragicômica.
Kerensky Tanto quanto Kerensky era capaz de pensamento claro, evidentemente aderiu à doutrina acadêmica da onipotência das idéias, particularmente quando envoltas em frases bem torneadas. Do pouco que consegui reunir acerca de sua personalidade, através de vários observadores estrangeiros (muitos dos quais críticos ou hostis), o homem parece ter sido o que o astuto correspondente do Observer, de Londres, escreveu: Afetado, teatral e histérico. O biógrafo de Lênin, Valeriu Marcu, desenhou o retrato: Kerensky gostaria de governar como imperador mas lhe faltavam dois atributos napoleônicos: A virtus dos antigos e a aptidão ao sucesso. Se falava de medidas finais, decisivas, draconianas, tudo o que viam era um dedo ameaçador. Tudo o que os homens ouviam era uma voz rouca, e não tinham, atrás de si, uma grande idéia nem o argumento das baionetas. Entretanto, Kerensky simbolizou uma espécie de ditadura, a da impotência. Cuma incansável retórica, jamais igualada, esse ministro tentou assustar a revolução com os generais e os generais com a revolução.117 O quadro parece completo mas deixa fora muitos delineamentos principais. Antes de tudo, Kerensky era um russo puro-sangue, com as típicas inferioridades motoras dessa gente estranha. Não sendo homem de ação no sentido ocidental, era, entretanto, enérgico e, de certo modo, ambicioso, mas, acima de tudo, gostava de exibição. Pode ser significativo que fora advogado em Petrogrado. Certamente um exibicionista 117
Valeriu Marcu, Lenin, Nova Iorque, 1928, páginas 273-274, tradução de E. W. Dickes
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verboso não poderia escolher meio melhor pra ao ego que essa degenerada profissão. De qualquer maneira Kerensky se tornou o william jennings bryan do partido socialrevolucionário e, em 1912, foi eleito à quarta duma, onde entusiasmou os ouvintes com seu discurso feroz. Sua fama cresceu e se espalhou, pois os russos sucumbem ante a oratória tão facilmente quanto os pobres-diabos de nosso país. No tempo da revolução, foi seu herói. Em julho de 1917, como ministro da guerra, começou a organizar a grande ofensiva contra a Alemanha. Escolheu um grupo de sub-oradores e outros propagandistas pra ajudar a arengar aos soldados. E que barulho fizeram! Todos os jornais aliados publicaram manchetes declarando que esse poderoso chefe, Kerensky, conduzia milhões e esmagaria os hunos. Os hunos, na verdade, quase morreram… de rir. Os hunos viram chegar essa horda que gritava A Berlim!, e viram todo o episódio afundar na insignificância universal que é a Rússia, logo que Kerensky deixou a linha de frente. Três semanas mais tarde o antigo império dos czares se arrebentou como uma bolha de sabão e desapareceu de cena como potência mundial. Antes de continuar a investigar o liberalismo desse homem admitamos as adversidades de sua posição. Jamais uma grande nação estivera num caos mais negro que a Rússia antes de Lênin. E era de duvidar que alguém a salvasse desse caos. Mas, com certeza, o extremo liberalismo de Kerensky tornou ainda pior a confusão e apressou o choque final. Durante muitos anos proclamara, ativamente, a liberdade de palavra e de ação. Algumas de suas mais ardentes orações se desenvolveram em torno desse nobre tema. Ao chegar ao poder tentou governar de acordo com seu princípio. Aos estúpidos soldados das trincheiras, declamava: Sois os soldados mais livres de todo o mundo... O governo da força passou... Dizei o que quiserdes, fazei o que quiserdes!... Queremos nos respeitar uns aos outros sem o cnute118 e realizar o negócio de nosso estado diferentemente de nossos antigos déspotas. Quando os soldados e os marinheiros da guarnição de Petrogrado se amotinaram e foram aprisionados, foi Kerensky quem os libertou cuma nobre frase. Mas o ápice de sua loucura liberal se fez visível entre julho e outubro de 1917. George Sokolsky me escreveu a respeito: Então os bolcheviques se organizavam pra tomar, a força, o governo provisório. Kerensky, chefe do governo, conhecia seus atos, como os conhecia todo mundo em Petrogrado, e permitiu que a organização continuasse existindo. Até tolerou a propaganda de Trotsky entre as tropas da cidade. Qualquer indivíduo de pensamento claro teria prendido Lênin, Trotsky e outros bolcheviques, em agosto de 1917, e fuzilado esses caudilhos. Nesse tempo a situação política era tal que a resposta popular a um ato dessa natureza seria insignificante. Os observadores, desse tempo e de depois, viram na conduta de Kerensky um indício de estupidez, mas me parece ter um característico completamente diferente. A carreira de Kerensky foi uma luta pela democracia e pela liberdade de palavra e, 118
Cnute: (russo knut) Azorrague russo formado de ramais de couro. Nota do digitalizador. www.dicio.com.br/
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particularmente, de ação. Tendo conseguido a posição de chefe do estado, como poderia renegar todos seus princípios, fuzilando os adversários porque divergiam dele? Os que acreditam que Kerensky fosse estúpido também acreditam que fosse covarde. Mas eu, que me avistei com o homem, estou convencido de que não era uma coisa nem outra. Antes sofria com o peso de certas idéias que inibiam as ações positivas requeridas pelo tempo. Seu fracasso tornou possível a revolução comunista. O liberalismo fechou sua mente quanto às exigências da desesperada situação. Nesse sentido, ao menos, se tornara estúpido através da fé, como tantos outros fizeram. Sua atitude, ademais, estava fixada nos fáceis caminhos da inação. A mente funcionava através da laringe. Era um homem de palavra. De modo que o fato de não haver prendido nem executado os chefes bolcheviques não era covardia mas a fusão natural de seus dois traços mais fortes. Discordo de Sokolsky em que chamar esse procedimento inibido uma forma especial de estupidez, de que tem a marca essencial, a insensibilidade aos atores vitais numa situação. Em verdade, pode não ter sido insensibilidade constitucional. Mas menos de metade de toda estupidez humana é assim. Escolhi Kerensky como espécime porque sua carreira apresenta, em grau monstruosamente exagerado, as tolices do liberal. Em toda a história não se pode encontrar uma tão grande soma de desventura como a sua. Nem se pode encontrar um repúdio mais completo do liberalismo que em Lênin, que afastou de cena o débil falador. Como disse, certa vez, a impiedade era maior de todos os deveres, desde que se estivesse convencido da justiça de sua tarefa. Desprezava a tolerância. Tolerar os jornais burgueses é deixar de ser socialista. Sendo o maior de todos os fanáticos, seus triunfos provaram que os fanáticos não necessitam ser estúpidos. Também demonstraram, indiretamente, que o liberalismo, embora possa servir a propósitos dignos em tempo de paz e prosperidade, não serve em momento de crise, que exigem ação firme e bem dirigida. Qualquer ordem é melhor que caos, qualquer governo melhor do que a anarquia. Há liberais que o compreendem, e esses não são, absolutamente, estúpidos. Mas sua desgraça é a de atrair os tolos que, se encontrando em perigo de supressão, em virtude de suas tolices, pedem clemência em nome da liberdade pessoal.
Ego Há anos, os homens encontraram grandes diamantes na África do Sul. E, de todas as partes do mundo, os caçadores de fortuna rumaram aos novos campos de Kimberley. Entre eles se encontrava um esperto pelotiqueiro profissional, que deixara o emprego em Londres e se juntara à grande massa rumo aos campos de Kimberley. Ali sofreu os altos e baixos comuns do garimpeiro mas, finalmente, trapaceando, encontrando algumas pedras, conseguiu juntar dinheiro bastante pra se retirar à vida privada, com renda razoável. Pôs toda a economia num diamante magnífico e partiu à velha e querida Londres. A bordo, dividiu o tempo entre a exibição do diamante e a habilidade de prestidigitação. — Jamais errei! — Basofiava. E o provava, mostrando a habilidade no convés, com diamante. Certa manhã, vendo que os outros passageiros começavam a mostrar cansaço, inventou um passe mais 166
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impressionante. Com o diamante numa das mãos, saltou sobre a amurada do convés superior e se equilibrou ali, numa perna só. Depois atirou o diamante ao ar, duma à outra mão, enquanto o navio balouçava. — Jamais errei! E, então, o mar, como se pronunciando a eterna resposta da natureza ao homem, mandou uma onda enorme. O navio cabriolou. O prestidigitador e o diamante saltaram e nunca mais foram vistos. Assim terminou outro ego estúpido. E assim começa nosso pequeno prefácio sobre a infinita variedade de sua espécie. A estupidez, nalgumas das formas mais cômicas, e muitas vezes mais desastrosas, se deriva do muito ego. O ego entorpece nossa sensibilidade ante todas as atitudes, todos os modos de avaliação e todos os princípios de conduta que, de qualquer maneira, diminuem nossa personalidade. Quando, como Kipling disse sobre o símio, há muito ego em seu cosmo, o homem perde toda perspectiva. E o mesmo acontece com o senso do humor. Em graves ocasiões, o egocêntrico diz e faz coisas que irritam os simples observadores. Lembremos o cabineiro de rua Muralha, que foi descoberto lendo a vida de Napoleão. Perguntaram se gostava do livro e respondeu, seriamente: Muito! Estou impressionado por ver como Napoleão se parecia comigo! É sempre assim o egocêntrico. Usa os maiores antolhos já inventados como parte dos arreios dum animal. Em geral começa muito cedo a dar mais valor a si que a tudo mais. Seu orgulho tem somente uma vantagem, a de ver sempre o cosmo da mesma perspectiva. Charles Sumner revela o modelo típico, como o demonstrou Gamaliel Bradford:119 No caso de Sumner era uma satisfação plácida e complacente, uma sólida certeza de que o mundo necessitava de si, não abalada pela dúvida nem perturbada pela desconfiança. O mundo necessitava mas não tão completamente como supunha. É difícil encontrar falha nessa autoconfiança. O vasto número de discurso e de carta de Sumner parece abrir uma porta larga a sua vida interior. Examinei esses escritos, curioso a encontrar sinal de auto-desconfiança ou de autocrítica. Procurei em vão. Na verdade dedica exemplares de seus livros com desculpas perfunctórias. Quando eleito ao senado, aceitou sem entusiasmo mas a hesitação não provinha da dúvida sobre a capacidade mas da má-vontade de abandonar outros fins. Apenas numa ocasião, em todo o curso de sua vida, reconheceu em si um sentimento de fraqueza, de inferioridade e de incompetência. Mas onde? Na presença das quedas do Niágara. Podemos pensar, nesse ponto, que Sumner era, ao menos, um milionésimo de grau menos estúpido que nosso prestidigitador do diamante que não temia o Atlântico. Mas, 119
Gamaliel Bradford, Union portraits. Nova Iorque, 1916
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continuando a leitura, imaginamos se, por acaso, o prestidigitador seria o melhor dos dois. Pois Bradford conta a estranha história: Mesmo de Sumner dificilmente se pode acreditar que, com quinze anos, quando a mãe o repreendeu por chegar tarde ao almoço, respondeu tranqüilamente. Me chames senhor Sumner, mamãe, faças o favor. Mas todo o homem nos aparece na resposta que deu ao coronel Higginson, que exprimia dúvida acerca duma decisão da suprema corte: Suponho saber mais sobre os juízes que qualquer homem em Eua. Sumner costumava dizer, quando falava de si mesmo (o que era muito comum): Isto é história. Com efeito, temos o próprio testemunho de Summer, de que fazia pose mesmo quando sozinho. Noah Brooks escreveu Uma vez me disse que nunca se permitia, nem na intimidade do quarto, atitudes que não tomaria na cadeira no senado. Será difícil encontrar coisa semelhante na história. Em personalidades insignificantes, o ego se torna simplesmente cômico. Lembremos esse nobre irlandês, lorde Talbot of Malahide, descendente do grande Boswell, de quem escreveu a mais delicada biografia de todos os tempos. Quando doutor A. S. W. Rosenbach, famoso colecionador ianque de livro raro, enviou a sua excelência um cabograma lhe oferecendo 250 mil dólares pelos papéis de Boswell então em seu poder, nosso nobre entrou como uma bala no consulado ianque em Dublim, levando o cabograma como um lenço sujo e perguntou: Quem é este indivíduo? O cônsul lhe deu a informação. Lorde Talbot ordenou: — O avises de que não se corresponda comigo. Não fomos apresentados. A alta sociedade é pouco mais que uma invenção pra aumentar os egos pequeninos. Quanto menor o ego, mais estrenuamente construi seu estado social. O cume de qualquer pirâmide social não é maior que uma cabeça de prego.120 No cáiser a egomania era sempre furiosa. Em sublime auto-estima, certa vez insistiu com sua avó, a rainha Vitória, pra se lhe dirigir, mesmo na intimidade, como Vossa Majestade Imperial. A velha senhora perdeu a estribeira com esta imbecilidade. Escreveu ela, em carta depois publicada por G. E. Bucke: — Pretender que deve ser tratado assim é perfeita loucura. Se possui tal noção seria melhor nunca ter vindo. Era esse o supremo senhor da guerra, que muito anos depois se tornou vítima da própria estupidez colossal e egotista. Uma das mais comuns de todas as tolices que toem raiz no ego é a insensibilidade à capacidade do rival. O militarista, cuja vaidade é anormalmente sustentada por se ver diariamente fardado e manter os soldados de prontidão, sucumbe a essa doença mental mais freqüentemente que outras pessoas. A isso o cáiser Guilherme II era especialmente suscetível. Hoje alguns estrategistas competentes declararam que a origem psicológica do colapso da máquina de guerra prussiana na primeira guerra mundial deve ser encontrada na admissão dos generais Ludendorff e von Hindenburg, de que os aliados seriam muito estúpidos pra discernir os 120
Como disse Volter: O homem infinitamente pequeno tem orgulho infinitamente grande. Nota do digitalizador.
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profundos esquemas dos gênios do cáiser. Dali o consenso da opinião alemã, antes que Eua entrasse na guerra: Os ianques jamais entrarão na guerra. Não podem levantar um exército, transportar através do Atlântico nem ter valor como soldado. Então, quando o desastre acompanhou o erro, Maximilien Harden, socialista alemão, escreveu, amargamente: Por que esta inesperada derrota, em seguida a realizações tão importantes? Porque um comandante militar, intoxicado por êxitos isolados e ensoberbecido pela onipotência de césar, duas vezes deixou de conceber um cálculo exato de Eua como fator.121 Essa insensibilidade aos rivais se revela no negociante. Enfatuado de orgulho, subestima a esperteza dos competidores, procede de acordo com algum plano próprio que lhe dá a impressão de ser diabolicamente astuto e, depois, fracassa redondamente porque o outro tem um plano melhor. A insensibilidade aos fatos mais óbvios que não coincidem com os desejos e os planos do egotista muitas vezes o leva, a grandes passos, à ruína. É o caso do presidente duma companhia que, diante dos demais diretores, gritava: Faremos tal coisa ou o Diabo saberá disso. Um desses, na verdade, recentemente deu com os burros nágua, durante muitos anos, em conseqüência desta mesma estupidez. Resolveu que poderia realizar um plano pra vender cerca de três quartos do estoque, no valor de 1 milhão de dólares. Não necessitava de capital extra mas planejara uma campanha de venda, e teria essa campanha. O custo de distribuição do estoque, lhe avisaram, era anormalmente alto. Devia retardar o plano alguns meses. Faria uma revisão no plano? Não! Absolutamente não! A energia e o gênio fariam a campanha andar. Ninguém o deteria! E prosseguiu na loucura, até o completo desmantelo do negócio, que progredia havia muitos anos. O simples ego não pode resistir à adulação. Quanto mais estúpido o dono maior a queda. O prazer de ser abertamente elogiado torna os homens insensíveis às grandes situações e os põe em grave desvantagem num encontro, como o sabe todo vendedor astuto. Assim, a adulação é a arma favorita do empregador, que deseja acelerar o trabalho dos empregados. E a adulação é habilidosamente praticada pelos empregados que desejam obter a boa-vontade do patrão. A adulação é muitas vezes melhor que o trabalho e faz com que o astuto leve vantagem na relação com o egotista estúpido. Abraão Lincoln disse: Uma gota de mel atrai mais mosca que um galão de fel. E praticou, com infinita esperteza, o que pregava. Nenhum homem adulou os outros com mais elegância, raramente ultrapassando o limite da verdade no louvor. Seu mel atraía milhares de moscas. E Lincoln parece ter sido bastante honesto pra admitir que os cativos eram insetos. Mark Hanna era um gênio sutil na arte de adular. Mesmos os piores inimigos sucumbiam a sua habilidade, como sucumbia o ego dum obstinado adversário. William Beer, um negociante de Nova Iorque, no tempo de Mark Hanna, tinha um profundo desgosto pelo chefe político de Orraio e por tudo que ele representava. Foi à convenção republicana de 1896 disposto a combater Hanna com unhas e dentes. E, naturalmente, estava resolvido a derrubar o monstro da corrupção. Mas políticos astutos o persuadiram, depois de chegar à cena da batalha, de que lucraria mais do que perderia enfrentando, pessoalmente, Hanna. Beer foi ao Southern hotel, em São Luís, onde o esperto chefe do partido republicano tomava água mineral. Como o conta Thomas Beer,122 William se encontrou, logo após as apresentações, ouvindo Hanna, já senhor da conversação, falar, amistosamente, do pai de Beer, juiz em Orraio, e dum tio de 121 122
William Seaver Woods, Colossal blunders of lhe war, páginas 110 e 112 Hanna, páginas 137-138
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Ashland. Isso envaideceu tanto o jovem, que capitulou e se tornou ardente partidário de Hanna, durante os anos seguintes. Seu ego sucumbira à lisonja sutil! O grande Hanna conhecia sua família e falara bem dela! O que importam os assuntos nacionais, depois disso? Mas essa estupidez do ego não se pode comparar, nem um instante, com a contada por esse hábil escocês que se chamava Andrew Carnegie, na autobiografia. Rapaz pobre na Escócia, escolheu pra sua primeira empresa comercial o fácil negócio de criar coelho, sem dúvida por causa da rapidez na procriação. Logo de início surgiu um grave problema. Onde e como conseguir alimento pros bichinhos? Seria difícil. E Andrew não gostava de trabalho difícil. Gostava de estimular outros a fazer. Pra conseguir o serviço doutras pessoas é necessário dinheiro e, na Escócia, ninguém gosta de trabalhar por nada. O que poderiam os escoceses aceitar, em vez de dinheiro? Somente um escocês poderia ter resolvido o enigma. E nenhum escocês, exceto Carnegie, poderia resolver tão bem. Conseguiu o serviço de vários rapazes da vizinhança, sendo que a compensação era a de que, quando os coelhinhos nascessem, teriam seus nomes. O magnata do ferro acrescenta que muitos desses rapazes ficavam contentes de poder colher taraxacos e trevos, comigo, durante toda uma estação, por essa singular recompensa, a mais miserável retribuição já feita ao trabalho. Se algum leitor puder me mandar um caso mais extraordinário do ego estúpido, que o faça. Darei ao caso seu nome, como recompensa. Eram esses rapazes tolos raros? Absolutamente! Carnegie utilizou variantes desse mesmo estratagema em toda sua carreira ascendente. E muitos donos de fábrica e diretores de ferrovia o imitaram. A fim de despertar o entusiasmo do engenheiro pelo trabalho, põem seu nome no motor. Pra fazer com que um condutor de ônibus da Quinta avenida se sinta importante, fazem imprimir seu nome sobre uma placa de metal e o deixam a usar. Há outras razões menos agradáveis pra isso, me informaram. A mais comum e a mais branda das formas de estupidez causadas pelo ego é o hábito de falar demais. Em quase todos os encontros de homem a homem, exceto apenas certas situações em que um vendedor volúvel está empenhado em persuadir uma dona de casa a comprar algo, de que não tem necessidade, o mortal comum sucumbe ao ardente desejo de auto-expressão, com pouca ou nenhuma consideração pelos efeitos possíveis de suas palavras. Se deixa levar por projeto. Perde amigo. Faz inimigo. Ganha a reputação de ser linguarudo. boateiro, tesoura. É somente como um conversador polido que pode brilhar. Quase todos os ases do comércio, indústria, finança, política e até da ciência falam pouco, quando não são mesmo taciturnos. Como von Moltke, que, segundo se diz, dominava a arte singular do silêncio em catorze línguas, o velho John D. Rockefeller comumente deixava que seu companheiro falasse, enquanto ele ouvia. Como notou E. T. Bedford, Rockefeller Sempre encorajava os convivas a falar. Raramente sabíamos o que estava pensando mas sempre parecia saber o que estávamos pensando. Era assim, também, o velho J. P. Morgan. Do mesmo modo Elbert Gary, ex-chefe da United States Steel Corporation. E, acima de todos, envergonhando a própria esfinge, estava George F. Baker, mudo, quase sem monossílabo, um banqueiro que concedeu apenas uma entrevista em 90 anos. Pra cada exceção à regra, como Theodore Roosevelt, encontramos uma dúzia de Calvin Coolidge e de Herbert Hoover. Falar muito é a variedade mais comum de estupidez egocêntrica somente porque poucas pessoas podem escrever. Se maior número de indivíduos de nossa espécie tivesse o dom da prosa, os editores teriam de erigir barricadas contra o exército avassalador de prováveis autores, brandindo originais cujo conteúdo seria pouco mais do que auto-retratos. A natureza nos poupou dessa carnificina. Entretanto, revela a
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ameaça semi-oculta trazendo ao meio dos autores de sucesso um número surpreendentemente grande de egos estúpidos que, já que há milhões de leitores mais ou menos estúpidos, encontram auditório. Quando um homem é bastante estúpido e bastante mal-informado pra não ter sobre o que escrever, se esforça em se pôr em letra de forma. Entre talvez dez ou doze autores singularmente estúpidos, que conheci pessoalmente, a metade gastava a maior parte do tempo rabiscando, aberta ou veladamente, a autobiografia. O menos arrojado desses humanescos imita Pepys na forma, jamais na substância, pois Pepys tinha algo a dizer. Acima desses faquires, posso enfileirar os pseudo-filósofos que arrogantemente anunciam estar a ponto de estabelecer uma nova ética, e depois se põem a remoer idéias das quais nenhuma foi completamente compreendida. O mais famoso é Walt Whitman, que merece um novo epitáfio sobre sua tumba quase esquecida.
Whitman Esse extraordinário embusteiro ocupa lugar único em nosso templo da fama. Mais engenhoso que todo mundo, antes e depois de seu tempo, amealhou dinheiro sobre a exuberante estupidez dos concidadãos. Um peralvilho preguiçoso, incompetente e completamente estúpido, que usava fraque, chapéu alto e bengala quando ia encontrar os diretores de jornal, pra vender artigo ou mendigar emprego, desenvolveu a forte tendência introversiva com o passar dos anos. Não sendo um perdido no devaneio e no sonho, como o pobre Francis Thompson, mesmo assim manifestou, desde a primeira infância, algumas das mais perigosas incapacidades. Pouco a pouco a incapacidade tomou conta dele. Era um vegetal e descobriu uma maneira de acentuar a irmandade com o nabo. Quando criança, era o desespero da casa. Dormia de dez a catorze horas Por dia. Mais tarde, quando os irmãos e as irmãs se casaram e tiveram o próprio lar, Walt até lá se dirigia, sempre que perdia emprego e estava sem dinheiro, o que acontecia freqüentemente. Sob o teto da caridade dormia toda a manhã, enquanto todo mundo estava desperto, trabalhando. O proprietário de The Daily Aurora, que certa vez o aceitou como diretor, declara que Whitman era o homem mais preguiçoso que já dirigiu um jornal. Os redatores afirmam que chegava mais ou menos no meio-dia, conversava um pouco, ia almoçar durante uma hora, depois ia à Battery, se o tempo estava bom, olhar os navios. Empregos e empregos eram perdidos assim. Afinal decidiu tentar a vida como carpinteiro, numa aldeia. Mesmo nisso foi um fracasso completo, como o admitem seus melhores amigos, inclusive John Burroughs. Pretendia, porém, ser um honesto trabalhador, embora não pudesse manobrar regularmente bem uma plaina. Assim, também, em todas as atividades integrativas principais, como se poderia esperar dum homem com nove irmãos, dos quais o caçula era um imbecil e o mais velho um lunático. Pode algo nos escritos de Whitman, tomados em conjunto, ser mais óbvia que sua falta de forma e de lógica? Na verdade, tomava atitude, demonstrava sentimento, mas isso é outra história. Acrescentar a isso sua assexualidade, e os alicerces de sua personalidade estão lançados, prontos pra que os anos erijam a superestrutura final. Era um semi-homem. Evitava as mulheres, não por medo, simplesmente por falta de atração e de luxúria. E, como muitos críticos fizeram recentemente notar, toda a sensualidade de seus poemas era simples fantasia compensadora, um estratagema do débil pensamento, sinal de impotência. O testemunho de muitos de seus amigos é unânime, quanto a sua natureza de eunuco. Assim também a evidência indireta de seus discípulos, especialmente do bom doutor Richard Maurice Bucke, que foi um de seus
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biógrafos e que nos deu a mais exata reprodução da natureza de Whitman no livro In re,123 Walt Whitman, Filadélfia, 1893.124 Bucke se ligara ao poeta e, evidentemente, o observava com inteligência. Aqui vai o depoimento, um tanto condensado. Em grifo as linhas mais reveladoras. Sua ocupação favorita parecia ser a de estar fora de casa, olhando a grama, árvore, flor, efeito de luz, vários aspectos do céu, ouvindo pássaro, grilo, rã e todos os demais ruídos da natureza. Era evidente que essas coisas lhe agradavam muito mais do que às pessoas comuns. Até que o conhecesse, nunca me ocorrera que alguém pudesse derivar tanta felicidade dessas coisas. Gostava muito de flor, de toda espécie, bravia ou cultivada. Talvez nenhum homem gostasse de tantas coisas e não gostasse de tão poucas, como Walt Whitman. Todos os objetos naturais pareciam lhe encantar. Todas as visões e todos os sons pareciam agradar. Parecia gostar, e acredito que gostasse, de todos os homens, de todas as mulheres e de todas as crianças que via, embora nunca ouvisse dizer que gostava dalguém, mas todos os que conheciam sentiam que lhe agradaram e que ele gostava também dos outros. Nunca soube que discutisse nem falasse de dinheiro. Sempre justificou, às vezes por brincadeira, outras vezes seriamente, os que falavam rudemente de si ou de seus escritos, e sempre pensei que encontrava prazer na oposição dos inimigos. Quando o encontrei na primeira vez, pensei que se vigiasse, que não deixasse a língua exprimir desgosto, antipatia, queixa ou remorso. Não me parecia possível que essas coisas estivessem ausentes. Depois de longa observação, entretanto, verifiquei que essa ausência, ou essa inconsciência, era inteiramente real. Nunca deblaterava contra nacionalidade, classe de homens ou tempo da história do mundo nem contra as profissões e as ocupações, nem contra animal, coisa inanimada, lei da natureza nem dos resultados dessas leis, como a doença, a deformidade e a morte. Nunca se queixava do tempo, dor, 123
In re, latim para no assunto [de]. É um termo legal indicativo de que um procedimento judicial pode não ter designado formalmente partes adversas ou estar incontestado. O termo é geralmente usado no caso de citação de procedimento de autenticação, por exemplo, in re casos de matrimônio. Também é usado em tribunais juvenis, como, por exemplo, in re gault [termo principalmente britânico, designa uma densa terra barrenta]. Nota do digitalizador. 124 Edição original 1883. Nota do digitalizador
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moléstia, nada. Jamais blasfemava. Não o podia, pois nunca falava zangado e, aparentemente, nunca se zangava. Jamais demonstrou medo e não creio que sentira. A estas penetrantes observações, acrescentemos alguns versos de Canção de mim (Song of myself), de Whitman, em que se faz o porta-voz de seu gosto primitivo: Eu poderia me transformar e viver com os animais. São plácidos e morigerados Paro e os olho muito tempo Não se fatigam nem lamentam sua condição Não ficam despertos no escuro nem se penitenciam por seus pecados Nenhum está descontente, nenhum está obsedado pela mania de possuir coisa nenhum se ajoelha diante do outro nem diante dos que viveram há milhares de anos nenhum é respeitável ou infeliz em toda a terra O poeta muito cedo ganhou a reputação de esconder dos amigos os pensamentos e sentimentos íntimos. Até sua mãe supunha que isto fosse uma excentricidade lamentável, afirmando que ia e vinha como lhe agradava, quando criança, achando tudo bem, sem se incomodar. Nalguns casos, esses segredos são, naturalmente, os estratagemas habituais do introvertido mas, em muitos casos, não podem ser explicados tão facilmente. O que dizer da consistente incapacidade de Whitman de, em toda sua vida, gostar ou de não gostar de determinadas pessoas? O que dizer de seu extraordinário pouco caso ao dinheiro, que jamais mencionava? E sua indiferença pela discussão? E sua falta de zanga e de medo? Isso é muito mais que uma simples fusão da percepção com o sentimento numa nova entidade psíquica, que, como diz Jung, produz o material mental de que se formam as experiências do introvertido. É uma falta das reações emocionais comuns de raiva e de medo em relação às pessoas. E, ao mesmo tempo, falta de reação motora normal, especialmente na relação social. Também lhe faltava o procedimento agressivo normal do macho erótico. Seus ajustes exteriores eram, completamente, do tipo estético-submisso. Assim, não lhe restavam outras funções, exceto as vegetativos, pra o dirigir. O vago clarão de agressividade que em si havia brilha em seu hábito de escrever cartas anônimas e páginas de crítica sobre seus poemas e, particularmente, no fato de utilizar a devoção juvenil e o nome de John Burroughs como máscara, atrás da qual escreveu sobre si de maneira altamente elogiosa. Como Frederick P. Hill Jr. recentemente demonstrou, Whitman foi o autor das Notas em Walt Whitman como poeta e pessoa (Notes on Walt Whitman as poet and person), que Burroughs publicou como seu primeiro livro em 1867. Nesse livro, Whitman não atacou pessoa. Apenas se elogiou, ao mesmo tempo que aviltava movimentos e instituições, dos quais sabia menos que nada. Mas mesmo esse débil movimento pelo reconhecimento foi, como demonstraremos, somente uma fase do apelo positivo e criador de sua estranha natureza, a saber, o narcisismo. Seu defeituoso equipamento motor sexual e cerebral levou ao fracasso como escritor, como jornalista, como carpinteiro, como professor, como crítico de arte, como conferencista. O afastou de muitas oportunidades normais e agradáveis no mundo do trabalho e da sociedade. O atirou contra si. Sem raiva, sem medo, afundou pesada, doce, naturalmente até o húmus do ego, enraizou e floresceu. Com 35 anos declarou, publicamente, que dedicaria o resto da vida a exprimir, com fidelidade... minha personalidade física, emocional, moral, intelectual e estética.
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Nenhum homem que preservasse o contato social e a perspectiva de mundo em geral poderia ter pronunciado essas palavras. Essas palavras partem dum estúpido introvertido, que perdeu todo senso de proporção e de valor relativo, inclusive o senso de humor. Revelam o impulso duma personalidade limitada pra preservar o equilíbrio vital diante de grave limitação. Beethoven, separado do mundo, tinha um intelecto senhoril e o poderoso apelo do macho normal a uma vida de amor. No esforço a encontrar o reajuste, se tornou tremendamente criador. Whitman, vegetativo, nada criou. Não conhecia os nobres ódio, medo nem amor e não tinha visão. Em vez de prosseguir a novos reinos de beleza e de verdade, a fogo e sangue, afundou na companhia das vacas. Toda sua vida foi uma constante negação à sociedade humana e seu escrito são uma repetição interminável do que pensou e sentiu. Sua noção da democracia era a do rebanho. Seu conceito de felicidade era a alegria do nabo crescendo na terra úmida e quente. E constitui a suprema comédia de erro o fato de que muitos homens inteligentes o tomassem como ídolo, confundindo o mugido do novilho Whitman com o rugido dum leão. Introvertido, jamais conseguiu captar algo dessa grande democracia que cantaria. A viu através da névoa. E essa névoa era sua exalação. Supunha que o verdadeiro e nobre caráter americano devia ser ilimitadamente orgulhoso, independente, generoso e gentil. Nada deve aceitar, exceto o que é igualmente livre e elegível aos outros. Deve ser pobre em vez de rico e preferir a morte à dependência. Um estudo cuidadoso da conduta americana desde a guerra civil não revela traço desse caráter. Na breve mas pungente exposição da velha fraude, Harvey O'Higgins resumiu: Estando muito longe do normal, deu voz a algumas das emoções normais de Eua. Disse John Burroughs: O lar, o bom fogo da lareira, o prazer doméstico, não se encontram nele. O amor, como encontramos noutros poetas, não está presente nele. Não estão em sua poesia nem estavam nele. Não sentia, apreciava, nem compreendia. Aquilo a que, antes de tudo, dava voz era a seu egotismo, que tinha a dimensão de seu país, a sua morbidez e introversão. Essas coisas não são tipicamente americanas nem democráticas e a democracia jamais o aceitou. É verdade. Mas milhares de introvertidos aceitam o homem. Sua vida de sonho reflete sua própria vida. Haverá sempre o culto a Whitman, perenemente recrutado nas fileiras dos sub-eróticos bibliômanos, dos professores anêmicos e dos faquires literários. Enquanto os introvertidos puderem ler e escrever, teremos de nos ver às voltas com o novilho que viveu sobre folhas de relva.
Glória A glória é a medida de todas as coisas, a coroa de todas as virtudes. Este pensamento de Froissart levou muitas almas estúpidas a grandes ações e custou caro a muitas nações. A dinâmica é terrível. Indivíduos singularmente estúpidos são presa de excessivo egocentrismo e, como criaturas voltadas a si mesmas, se lançam a carreiras que levam à glória, enquanto, como criaturas estúpidas, demonstram raciocínio débil e, muitas vezes, se atiram a atividades às quais não são inclinadas. Realmente, podem fazer pior: Quanto mais estúpidas tanto maior será, provavelmente, a ambição. Indiretamente, talvez sem querer, Spengler nos prestou um serviço, trazendo à luz o
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eterno antagonismo entre o egocêntrico agressivo e o resto do mundo. Acredita em todos, no egomaníaco, no dinamaníaco, no quidomaníaco. Supõe que criaram poderosas culturas, levados pela crença em sua estrela, que todo homem de ação nato possui, e que é algo completamente diferente da crença na exatidão de um ponto de vista. Como Nietzsche, Spengler cultua a aristocracia do poder como somente um fraco pode cultuar a força. Mas, em seu culto, Spengler expõe a nu, inconscientemente, creio, a ameaça desse poder que adora. Uma e muitas vezes pintou o triunfo dos intelectuais sobre os aristocratas e o interpretou como a decadência inevitável das sociedades. Pra ele o cume da prosperidade, do esplendor e da dignidade humana foi atingido pelo senhor feudal. A pureza da raça está na grande propriedade. A decadência surge quando a riqueza e o poder estão espalhados em todas as classes. A cidade é o câncer da raça. A cidade mina toda tradição, que é força cósmica da mais alta capacidade. A cidade, com as fábricas e lojas e com a exploração do rebanho, é a ruína dum grande estado, que é, disse Spengler nada além do domínio do sangue melhor. Um pouco mais de observação e de senso comum poderia ter transformado essa hipótese numa preciosa contribuição à ciência social, pois Spengler despreza muitas verdades e não pode ver que a decadência das aristocracias e dos principados inferiores se deve, de certo modo, à estupidez das classes governantes. Muitas de suas tolices eram egocêntricas. Se supunham o povo e a sabedoria devia morrer consigo. Buscaram a glória e o poder, impiedosamente, e terminaram impotentes e inglórios. Se chamando senhores da terra, eram apenas crianças brincando com casa de armar. Os estudos feitos sob condições de controle indicam que essa é uma tendência comum. Os espíritos inferiores se sobrepõem mais que os superiores. Rapazes estúpidos suspiram pela Casa Branca, enquanto rapazes competentes ao cargo de presidente de Eua são muito astutos pra se deixarem apanhar em desventura tão fatal ou muito modestos pra pensar seriamente nessa possibilidade. Quando o homem ambicioso é um imbecil ou pior, sua sede de glória e convicção de onipotência se elevam a temperatura que gera conflagração. Consideremos Filipe II, da Espanha. Desde então a Espanha perdeu todas as guerras. E a glória que brilhou ante os olhos desse homem consciencioso, trabalhador e abstêmio, cujo corpo e hábitos eram os dum monge e cuja mente era a dum burocrata? Era a gloria in excelsis, a glória divina e de sua santa igreja, cujo chefe era ele, Filipe, da Espanha. Uma das ambições de Filipe era a de estender e de fortalecer o poder de Roma na guerra selvagem contra os protestantes. Nisso parece ter sido terrivelmente impessoal. Comparado a bombásticos furiosos como Garibaldi ou Mussolini, Filipe parece não ter tido amor à glória. Mas isso não modifica nossa opinião, pois seu apelo se projetou ao exterior, como em muitos outros beatos. No curso de sua alta carreira de agente do céu, Filipe cometeu tantas e tão grandes tolices que, de certo modo, nos é difícil escolher espécime. Duas, porém, brilham mais que as outras. A primeira porque, mais que qualquer outro ato isolado, serviu à causa protestante em Países Baixos, e a segunda porque terminou, a sempre, com o poderio marítimo da Espanha. Entre os milhares de atos estúpidos cometidos pelos espanhóis, que batera o recorde mundial de estupidez, é difícil encontrar algum que se iguale à decisão de Filipe, longamente estudada, de matar Lamoral de Egmont, príncipe de Gaveren. Como todos os conselheiros do estúpido rei, exceto apenas sua irmã, a regente, sabiam e, repetidamente, declararam, Egmont era homem com quem ele podia contar, implicitamente, pra manter a autoridade espanhola em Países Baixos, durante a Inquisição. O astuto Granvelle, que dirigia o negócio do rei durante os primeiros anos
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desse período sangrento, mal pôde acreditar que seu real senhor pudesse cometer um erro tão colossal. Egmont, realmente, era entusiasta da Inquisição, acreditava ingenuamente em Filipe e se recusava a seguir Guilherme de Orange na retirada à Alemanha e em seu frio plano de revolta contra a Espanha. Ainda mais, Elgmont era uma alma simples, idolatrada por muitos burgueses holandeses e, portanto, útil na política. Quando Filipe o mandou ao patíbulo, contra a opinião dos melhores conselheiros, esse homem se transformou numa figura romântica aos indivíduos comuns, estimulando a causa dos rebeldes. A tragédia da glória seria incompleta sem uma rápida descrição do maior desastre da Espanha: A terrível derrota da invencível armada. A responsabilidade final recaiu, completamente, sobre os ombros de Filipe. Possuía inabalável confiança em sua capacidade pra dirigir até o mínimo negócio de seu reino e acreditava, firmemente, que o rei não podia errar. Sendo um ardente católico romano, se convenceu de que trabalhava sempre a serviço de Deus, e, assim, chegava até a tentar regulamentar a dieta e os hábitos dos soldados e dos marinheiros da armada espanhola. Do êxito do ataque da armada contra a Grã-Bretanha dependia a dinastia dos Habsburgos e a autoridade e o poder da Igreja Católica. Com o fracasso todo o curso dos acontecimentos europeus se modificou, e a Espanha se afundou na mediocridade de que até agora não pôde se reerguer. Em 1588, quando Filipe se preparava pra lançar ao mar a grande armada, como a suprema tarefa de sua política imperial, surgiu a necessidade de escolher um novo almirante da frota, pra substituir o almirante Santa Cruz, que morrera no começo do ano. Filipe escolheu um nobre, o duque de Medina-Sidônia, cuja inexperiência do mar só era igualada pela honestidade de protestar contra a nomeação. O duque prontamente escreveu a Filipe esta carta surpreendente:125 Minha saúde não é boa e, da pequena experiência que tenho da água, sei que sofro de enjôo marinho. Não tenho dinheiro pra gastar. Devo um milhão de ducados e não tenho um real pra gastar com minha apresentação. A expedição é de tal envergadura e o objetivo tem tal importância que a pessoa que a chefiar deve entender de navegação e de combate no mar, e nada sei de ambas. Não tenho essas qualificações essenciais. Não tenho relação entre os oficiais que devem servir sob minha ordem. Santa Cruz conhecia o estado do negócio na Inglaterra, eu não. Eu teria de agir no escuro, de acordo com a opinião alheia. O adelantado de Castela seria melhor que eu. O senhor o ajudará, pois é um bom cristão e participou de combate naval. Se me mandásseis, teria má-conta a prestar de meu serviço. Já houve desastre mais completamente prognosticado que nessa carta notável que 125
Pra detalhe completo sobre a armada espanhola, ver Froude, Spanish story of the armada. A carta endereçada a Idiáquez, secretário de Filipe (16 de fevereiro de 1588), está publicada em Duro, volume I, página 414
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Filipe se contentou em pôr de lado? O duque, relutantemente, aceitou a compulsória nomeação com humildade, escrevendo ao rei que, já que vossa majestade ainda o deseja, depois de minha confissão de incompetência, tentarei merecer vossa confiança. Tentou, mas os desastres se seguiram um ao outro, em rápida procissão. A esquadra não estava preparada. A carne estava putrefata. A água se transformara em veneno, tendo ficado ao sol durante várias semanas. Os homens desertavam a centena. Nada merecera cuidado, exceto o estado de alma dos homens, sobre quais o rei estivera tão peculiarmente ansioso. Não podemos reproduzir aqui os detalhes conhecidos da catástrofe. De acordo com o pior plano possível, Medina-Sidônia e a esquadra, dividida, encontraram os ingleses. Derrotada na costa ocidental da Irlanda, regressou à Espanha, cujo poderio naval já nada mais era do que história.126 Mas a história não acabou. Os espanhóis, enraivecidos, acusaram Medina-Sidônia de covardia, pavor de morrer, avareza, dureza e crueldade. E o duque, humilhado, escreveu ao rei: Nas coisas do mar nunca mais me meterei, ainda que me custe a cabeça. Em breve, porém, recobrou ânimo. Não somente continuou como grande almirante mas foi recompensado da derrota com nomeação a governador de Cádiz. E, cum delicado espírito de perdão, tingido com a essência da estupidez sublime, Filipe elevou Medina-Sidônia ao cargo de comandante supremo da política e da guerra.
Itália Estudemos agora outro aspecto da glória, mais comum que a espécie de Filipe. Um aspecto que sempre foi mais comum e que, ainda durante muitas gerações, será mais comum, pois surge em indivíduos quaisquer e não em reis e em pontífices. Sendo, na essência psíquica, algo como o alimento pro faminto ou o quinino pro doente de malária, há nele algo salutar, mesmo quando conduz a abismo. E, quando deixa de ser salutar, ao menos podemos simpatizar consigo e lamentar os que esmaga, como fazemos com a Itália, que me parece o mais nítido espécime clínico duma terra tornada estúpida por seu poderoso impulso animal pra sobreviver e manter viva a antiga glória, num mundo onde essa glória há muito desapareceu. Algum dia se escreverá um livro sobre a pungente tragédia que esboçaremos nas páginas seguintes. Quanto mais se lêem as crônicas dos acontecimentos da península que hoje se chama Itália, desde os tempos primitivos até agora, tanto mais terrível parece que ali sobreviva alguém cuja inteligência se iguale à dum estudante comum de escola secundária. Desde o momento terrível, no ano -218, quando as bordas de Haníbal galgaram os Alpes e levaram os elefantes de guerra aos vales do Pó, com ordem da câmara de comércio de Cartago pra destruir seu novo competidor, todas as forças do homem e da natureza têm trabalhado, quase continuamente, no sentido de perpetuar os estúpidos e destruir os inteligentes. Esse povo infeliz nunca teve mais que um momento de descanso entre uma catástrofe e outra. Se não era um invasor, era um rebelde. Se não era um rebelde, era um tratante. Se não era um tratante, era um bandido. Se não era um bandido, era uma epidemia, Se não era uma epidemia, era a fome. Se não era a fome, era a seca. E, se não 126
Manuscritos recentemente descobertos estabelecem que sir Francas Drake obteve fácil vitória sobre a armada espanhola, principalmente porque 17 mil dos 26 mil marinheiros espanhóis enjoavam desesperadamente no mar. Incapazes de manter de pé a cabeça, não podiam oferecer combate aos ingleses. O que se segue, caso isso seja verdade? Confirmará, apenas, de maneira nova, a infinita estupidez dos responsáveis por esse gigantesco fiasco. Os marinheiros não devem ser vítimas do balanço e sacolejo. Um bom marinheiro conserva o jantar no estômago. Como alguém escolheria homens suscetíveis a enjôo marinho pruma aventura tão importante?
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era uma dessas aflições, então era apenas a política, que, especialmente depois da aurora do período imperial, se tornou tão corrupta que os países em pior situação atualmente, nesse particular, como a Romênia, parecem paraísos em comparação. O solo, o tempo e a declividade do terreno fizeram da Itália uma semi-desolação, milhares de anos antes que os romanos partissem à guerra. Os grandes verões queimaram os campos de cultura, transformaram as estradas em rios de pó e expulsaram os indivíduos da face do sol. As montanhas cortam a região em vales e chapadas, com pequenas e vagarosas correntes que fluem apenas na metade do ano. Os camponeses famintos se escravizavam pra conseguir alimento e, o tendo conseguido do solo miserável, viam que bastava apenas pra si. A margem de lucro é menor que um fio de navalha. Os burocratas do governo vos dirão, orgulhosamente, que 7 em cada 10 acres de terra na Itália são produtivos, e os estatísticos provarão essa afirmativa. Mas o que não vos dirão, mesmo porque muitas vezes não o sabem, é que os alimentos básicos duma raça forte quase não são produzidos na maior parte desses acres, ou que não são produzidos, devido à pequenez dos campos. As grandes raças do mundo crescem altas e fortes em virtude de cereais e do leite, da carne de gado, dos porcos, dos carneiros. Mas, fora do maravilhoso vale do Pó, o melhor trato de cultura de toda a bacia do Mediterrâneo, os italianos virtualmente não conseguem dessas coisas fundamentais. Plantam uva, oliva, cânhamo, laranja, limão, amora, castanha, figo, noz... Árvores e vinhas! Vinhas e árvores! Os ciclopes eram mais felizes que esses pobres italianos, pois, em sua ilha, todas as coisas cresciam a vontade e possuíam manadas e rebanhos. Como animal econômico o italiano é inferior ao ciclope, pois toda sua força muscular e todo seu cérebro estão escravizados ao estômago. Durante 16 horas por dia, deve suar pra afastar o lobo. Sua sorte é igual à dos camponeses hindus e chineses: Do berço ao túmulo a procura a alimento deixa na sombra todas as demais atividades. A pobreza italiana não termina ali. Sua terra, pela graça divina, não tem carvão de pedra, ferro, estanho nem cobre. Possui somente um pouco de chumbo e zinco e grande quantidade de enxofre, sugerindo a proximidade do Inferno. Em suma, seria difícil encontrar uma nação com pretensão à grandeza cujos recursos naturais sejam inferiores aos da Itália. Os gilvazes desse pauperismo estão gravados em vermelho e branco sobre sua face. Alguns são velhos de três mil anos. O mais profundo vem dos dias imperiais, quando os camponeses famintos chegaram a Roma, inquietando os governantes. Motim, guerra, pilhagem conspiração e fraude sem-conta se geraram no estômago dessa horda empobrecida. E, se apurássemos informes verdadeiros sobre os milênios passados, veríamos, certamente, que a imensa corrupção dos políticos e dos eleitores italianos, desde a queda do senado romano, é produto secundário da fome. Me inclino a aceitar esse ponto de vista, mesmo ao considerar o ponto mais baixo da curva da moralidade durante os séculos 16 e 17, quando todas as cidades do país eram governadas cuma criminalidade ainda mais estúpida que a que prevalecia em Chicago durante o reinado de Big Bill Thompson: Se deve viajar no interior da Itália e conversar com os camponeses, conhecer um pouco de agricultura e, à luz desse conhecimento, contemplar os homens, as mulheres e as crianças dessa região, como fiz sob o sol de julho, a fim de ver a história de Roma e, mais tarde, da Itália, nalgo parecido com sua verdadeira perspectiva. O que tem tudo isso a ver com a glória? Vejamos. Notai bem duas tendências: Uma nos indivíduos que aceitam a sorte e a outra nos indivíduos que se rebelam. Os primeiros devem ser, por natureza, submissos, talvez pior, simples vilões. Assim acontece com o pobre-diabo cujo espírito se fez em pedaço há muito, nos cromossomos de seus mais remotos ancestrais, depois de 20 anos de exaustão física e mental. O camponês do sul da Itália se tornou presa fácil dos bandidos, chantagistas e chefes
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políticos boçais. A Máfia floresceu, durante séculos, entre esses pobres-diabos. Entregues a si, continuariam a viver sob o jugo. Somente a vontade férrea desse enamorado da glória, Mussolini, os libertou há alguns anos. Mas seus primos da América continuam sob o antigo e estúpido temor. Prova? Quase todos os dias as temos na pequena Itália, seja em Bóston, em Chicago ou em Nova Iorque. Lembremos os bandidos que, num carro em disparada, fizeram fogo sobre cinco crianças italianas, no Harlem, quando tentavam liquidar um inimigo. Foram oferecidas recompensas no total de 25 mil dólares pela identificação dos assassinos. Surgiram informantes reclamando a fortuna? Nada disso! Ninguém quis abrir a boca. Mesmo os parentes e os pais das crianças mortas e feridas se recusaram a contar o que viram. E senhora Rosa Bevilaqua, mãe duma das crianças, declarou: Minha gente não falará. Temos receio de que os assassinos voltem mais tarde e, matem nossos maridos, irmãos e filhos. Onde está a glória em tudo isso? Esperai! Ela surge no segundo tipo de italiano e encontra apoio nesses pobres-diabos. Em cada mil homens que tiveram a má-sorte de nascer na Itália, talvez vinte são rebeldes agressivos, de boa fibra. Em vez de sucumbirem debilmente ao abominável ambiente, o combatem. Entre os que combateram, alguns triunfaram. Ora, é um fato singular que, tanto quanto sei, jamais foi devidamente acentuado que a carreira da Itália foi, mais do que a de qualquer outra nação, a carreira dalguns egocêntricos loucos por glória. E a sentença da Itália foi também sentença deles, de magnífica estupidez. Esses egocêntricos foram, em geral, muito elementares. No fundo, eram apenas o puro ego animal lutando pra prosperar em ambiente fechado. Eram a auto-afirmação do homem forte, que deve lutar até a morte pelo bem da vida. Se isso vos parece improvável, posso pedir uma revisão, do ponto de vista psicológico, dos acontecimentos da Itália desde que os lombardos desceram dos Alpes às planícies do Pó, durante os séculos 5 e 6? Deixemos de lado o nome e a data dos governantes, batalhas e tratados. Sempre o mesmo panorama! Multidões famintas se abatendo contra multidões famintas, matando, tomando os campos e permanecendo, até que multidões famintas, maiores e mais ferozes, as desalojassem, repetindo o ciclo monótono de desastre. Magiares e sarracenos, no século 10, o repetiram. Desde Carlos Magno até os últimos dias de Oto a península não tinha alimento, lei, ordem nem paz. Uma terrível anarquia, onde todo homem vivia pra si quando forte e como escravo dalgum homem forte quando fraco. O homem forte não tinha sobre quem se apoiar, exceto sobre si. Fora de sua natureza, devia atrair toda força, astúcia, entusiasmo. Que espécies de indivíduo teria mais probabilidade de aderir a esse inferno terrível? Evidentemente, os que acreditassem em si e em sua glória eventual, que não se detivessem pra conseguir o fim, que tivessem o condão de fazer com que os camponeses estúpidos os seguissem e de impor aos rebeldes a submissão. Em suma, o bandido perfeito. Não um facínora do tipo de Capone, pois esse tipo jamais é atraído pela glória mas pelo dinheiro e pelo sangue. Mas um bandido como qualquer dos cem mil pequenos nobres que, entre os séculos 5 e 9, construíram castelo nas colinas, juraram obediência ao papa ou ao imperador, mantiveram os simplórios das vizinhanças no trabalho do campo e, eventualmente, constituíam um bando bastante forte pra arrancar alimento e imposto. Esse bandido mandou desenhar, na aldeia, uma bandeira, uma cota darma, e inventou um grito de guerra. Com todo esse instrumental o homem forte se elevou de simples ser humano a uma instituição ante os estúpidos adeptos. A história da Itália foi a história desses bandidos. Muitos, sendo somente um pouco melhores que os melhores correligionários, caíram nas mãos de facínoras maiores, que chefiavam maltas maiores de assassino, com gritos de guerra mais impressionantes.
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Esses grandes cidadãos eram, correlativamente, mais egocêntricos e mais doidos de glória. Às vezes, abaixo de tudo isso, eram também doidos por poder e por dinheiro, de maneira grandiosa, embora alguns dos mais notáveis mal mostrassem sinal desses traços. Garibaldi, por exemplo, foi o tipo mais puro de sobrevivência, um simples combatente sem célula no cérebro que pudesse ser usada proutra coisa além de motim e carnificina. Procurava a glória combatendo pela liberdade, embora esse velho imbecil jamais soubesse o que isso era, pois servia apenas de refrão popular, simbolizando o que está presente nos sonhos de todo italiano de barriga vazia: Fazer apenas o que se deseja, ter somente o que se deseja Hoje a Itália está empolgada por essa mesma glória de bandido por seus bandidos auto-glorificadores.127 O mecanismo psíquico é tão simples que poucos o podem notar, já que o homem não discerne o que é completamente simples. Na nova ordem econômica do mundo a Itália está, relativamente, na posição mais baixa já registrada em sua história. Embora tenha progredido imensamente durante os últimos 50 anos, todas as outras nações progrediram muito mais e algumas se adiantaram tanto que a Itália se perdeu de vista. Ao mesmo tempo o pouco de prosperidade que os italianos conseguiram realizar durante esse mesmo período de reconstrução foi anulado por dois acontecimentos: A primeira guerra mundial e as invenções do pós-guerra na indústria e na agricultura. Relativamente a sua capacidade de suportar perda, a Itália foi uma das maiores vítimas da guerra. Os soldados e os generais eram bastante maus mas eram apenas uma gota no oceano. O horror de Caporetto foi espetacular mas nada em comparação com o colapso dos mercados e da finança da Itália causado pelo tratado de Versalhes e pelas rápidas transformações industriais e na política nacionalista do mundo. As dívidas de guerra, as barreiras alfandegárias opostas a seus poucos produtos, o proibicionismo ianque, que terminou com a venda de vinho e licor italianos em Eua, a inflação da moeda, o peso esmagador do juro sobre os empréstimos feitos no estrangeiro, o programa colonial na África do norte, infinitamente estúpido, que custou à Itália bilhões de liras-ouro e que jamais lhe dará uma lira de lucro genuíno, a invenção do raiom, que arruinou a indústria da seda, a tremenda expansão das frutas cítricas, figo, noz, tâmara e amêndoa nas Índias Ocidentais e nas regiões subtropicais de Eua, que minaram o comércio de exportação já tão minguado dos camponeses italianos, e uma série doutras tendências novas reduziram ao desespero os inteligentes amigos da Itália. Se pudessem controlar o governo realizariam uma firme política de reconstrução. Fariam com que o país e o povo voltassem a um equilíbrio sadio, sem o clamor dos patriotas nem a mão morta do passado. Mas esse não é modo de proceder do egocêntrico doido por glória. Quando colhidos, os animais lutam. Quando lançado a uma posição inferior, o homem forte na Itália sempre age de acordo com o proceder dos animais, embora lhe acrescentando embelezamento puramente humano. Enobrece a luta pela existência cuma tinta de glória. Assim, liberta vastas energias nos seguidores, por meio dalgum mecanismo até agora mal-compreendido, das glândulas endócrinas. Quanto mais desesperada é a prédica, mais ardente a auréola de glória. E quanto mais ardente a glória, mais terríveis as tolices subseqüentes. Consideremos Mussolini. A Itália costumava perder, por emigração, cerca de 150 mil habitantes, anualmente: Cerca de 600 mil deixavam o país, regressando cerca de 500 mil. Esse fluxo parou desde a primeira guerra mundial, pois as outras nações estão preocupadas com seus próprios sem-trabalho e não podem receber, com alegria, os estrangeiros. Assim, a população na Itália aumentou extraordinariamente. Mais de 344 humanescos habitam 127
Lembrar que o texto foi escrito em 1932, em pleno fascismo. Nota do digitalizador.
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cada milha quadrada de território. As 18 províncias mais densamente povoada da China têm apenas 244 pessoas por milha quadrada, enquanto a Índia contém apenas 225. Não ponhamos aqui os 701 habitantes por milha quadrada da Inglaterra, pois os ingleses possuem vastas e férteis possessões onde buscar alimento e dinheiro. Diante disso Mussolini grita por glória e comanda milhões de pessoas em guerras por glória. Desde a subida ao poder esse déspota à moda antiga manteve seus pontos de vista. Lança pesados impostos sobre os celibatários e combate, a todo transe, o controle de nascimento. Por quê? Eis a resposta, em seu célebre discurso de 26 de maio de 1931: Devemos estar prontos pra, no momento dado, mobilizar 5 mil de homens e os poder armar. Devemos fortalecer a marinha e também a aviação, na qual cada vez acredito mais e que deve ser tão numerosa que o ruído dos motores possa encobrir todos os outros ruídos da península e a superfície de suas asas possa esconder o Sol. Então, amanhã, quando, entre 1933 e 1940, chegarmos a um ponto que chamarei de crítico da história européia, poderemos fazer ouvir nossa voz e ver nossos direitos finalmente reconhecidos... Senhores, se a Itália deseja se fazer valer deve possuir, na segunda metade do século, uma população de não menos de 60 milhões de habitantes... Se fracassarmos, senhores, não poderemos construir um império e nos tornaremos uma colônia... Todo casal deve deixar atrás de si seu próprio equivalente mais x, isto é, ao menos três ou quatro crianças. Assim, no intervalo de vinte e cinco anos, o Duce acrescentará 20 milhões de indivíduos a sua horda, a fim de que a Itália se torne um império. Convenhamos que pode conseguir, pois governa uma malta canina e a treina bem. Ao terminar esse trecho o príncipe Boncompagni Ludovisi, governador de Roma, anunciou um prêmio aos reprodutores da espécie. Os concorrentes devem trazer ao mundo ao menos três crianças nos quatro anos anteriores a janeiro de 1932. A preferência na concessão dos prêmios recairá sobre os pobres de Roma, que já possuam as maiores famílias e sejam, ao mesmo tempo, fascistas leais. Assim o governador conseguirá, de maneira dupla, que somente nasçam indivíduos inferiores. As notícias de jornal indicam que ninguém terá oportunidade de ganhar a gorda maquia, a não ser que dez crianças, ao menos, atestem a fecundidade. Parece que somente os imbecis poderiam ganhar essa maratona sexual. A estatística mais recente revela um excesso de 229 mil desses nascimentos sobre a mortalidade infantil entre abril e novembro de 1931. Isso é como deverá ser, pois Mussolini deseja a horda de fedelho a bem da glória e nada mais. Não busca o bem-estar do povo italiano, pois isso o forçaria a reduzir a população do país a cerca de metade da atual e a abolir o exército, a marinha e certas aventuras industriais. Prà glória o Duce está criando a horda com firme decisão pedagógica. Recentemente, fez adotar livros escolares de acordo com a infinita estupidez de seu programa imperial. Já em 1930 apareceram os novos livros infantis das escolas elementares. Agora seu efeito deve ser visível. Naturalmente, começam com a glória da antiga Roma e terminam com a glória de Mussolini. 181
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O primeiro livro da série conta a história de duas crianças Bruno e Mariolina. São muito crianças, até mesmo pra se alistar nas sociedades fascistas infantis, mas, ó!, como desejam crescer e se alistar! O pai gasta grande parte do tempo nas reuniões fascistas, nas reuniões dos veteranos da guerra, na inauguração de monumento e nas paradas dos feriados nacionais. Sempre que chega a casa traz uma bandeirinha pra cada filho e toda a família repete o ritual dos camisas-negras de saudação e grito. — A Itália — diz vovô — é grande, forte e temida. — Que sorte que eu seja italiano! — Exclamou Bruno. No dia 24 de maio celebram o aniversário da guerra que fizemos e ganhamos antes dos outros. O pai explica que a vitória maior, a vitória decisiva, foi ganha por nós em Vittorio Veneto. Foi tão grande que pôs fim à primeira guerra mundial, que durou quatro anos. Talvez nunca tenhais ouvido falar dessa batalha. Provavelmente, podereis encontrar algum professor de história, em qualquer parte, que vos diga alguma coisa sobre ela. Depois, naturalmente, a grande expressão latina mare nostrum vem à baila, pra descrever o Mediterrâneo. A Itália é uma nação marítima. Deus assim o quis. O Mediterrâneo é nossa estrada real. E assim a diante. Se poderia quase imaginar que se estivesse lendo algo escrito pelas filhas da revolução americana, se não fosse o nome do país e um ou outro detalhe, aqui e ali. Governando os rebentos de cinqüenta gerações de camponeses famintos e uma nação que não possui uma grande e vigorosa classe média, como as da Alemanha, da GrãBretanha, da França e de Eua, Mussolini encontrou facilidade com seu despotismo de glória. As contrariedades que encontrou vêm de assuntos sórdidos, como tapear rua Muralha pra novos empréstimos, encontrar mercado pra suas uvas, esconder suas trapaças financeiras contra os banqueiros internacionais (que as entenderam, de modo geral) e caçar novas indústrias a seus milhões de homens ociosos. Enquanto puder explorar a glória e manter esses milhões de desesperados marchando e contramarchando, cantando e pondo em prática os rituais do fascismo e esquecendo as negruras da fome na excitante perspectiva duma guerra cuja glória deixar a perder de vista a de César, a maré humana aumentará. A hora da glória deve vir a seu tempo. Quando chegar, a França estará esperando. E, não muito depois, os lobos descerão, em alcatéia, dos Apeninos. E uma loba, engordada com a carne morta da glória, dará de mamar a Rômulo e a Remo.
● Assim os homens estúpidos se elevam acima dos próprios eus estúpidos a coisas superiores. Através da glória o animal inferior foge de sua existência vazia. O ego, sua glória e a falta de espírito geral são os três destinos dos indivíduos comuns. Juntos tecem a mortalha dos ciclopes, a bordando de beleza. A dão a ele como se fosse um manto de imperador e o mandam à guerra. Jamais se poderá compreender a guerra antes de compreender o entrelaçamento desses três destinos. Jamais se pronunciaram palavras mais verdadeiras que as observações do majorgeneral James G. Harbord, em discurso à legião americana, em Siracusa, Nova Iorque, em 4 de setembro de 1931: Um vasto número de pessoas honestas mas mal informadas acredita ser possível, neste século 20, conseguir essa paz permanente que foi o sonho de todas as idades, mas que o próprio príncipe da paz não conseguiu realizar,
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há dois mil anos. Na verdade há na guerra algo além da simples lógica e acima do raciocínio frio. Há algo na guerra que, em última análise, o homem aprecia acima do conforto social, acima do bem-estar e mesmo acima da religião. E o misterioso poder que a guerra dá à vida, de se elevar acima da simples vida.128 Os dois pontos principais destas afirmações se fundam, firmemente, em tudo que sabemos acerca da natureza humana. Não há perspectiva de conseguir paz permanente enquanto as variedades humanas atualmente dominantes persistirem. Seus traços principais não podem ser organizados em torno da modesta possibilidade de tranqüilidade e de ordem universais. São governados por egomanias ferozes, por ambições da classe mais selvagem, por superstições129 e, talvez mais que tudo, por profunda estupidez de aprender. Como controlam as escolas em larga escala, não menos que a bolsa do público, que tolice esperar uma revolução social, antes de que seu poder se tenha desvanecido! E não será ocioso suspirar por esse desvanecimento, até que muitos deles tenham morrido? Penso assim. O segundo ponto de Harbord vai além. Ainda continuará em vigor muitos séculos depois que os egomaníacos sejam expulsos do poder por uma classe média furiosa. Poucas pessoas o vêem claramente. Imagino se o próprio general o fará, a despeito do reconhecimento das linhas mestras. Os homens, ou seja, grande parte da humanidade, valorizam, como declara Harbord, a guerra acima do bem-estar e acima da religião. Sentem nela, de maneira confusa, esse poder de elevar a vida acima da vida. É o supremo estimulante, que traz a fuga da vida. Não há outra maneira de viver que com tanta certeza excite os que são muito estúpidos pra se comoverem com coisas comuns, que crie ilusão de glória entre os por natureza sem glória, que orne o pequeno ego com as asas da vaidade, que dê saída aos instintos animais sob a máscara do patriotismo. Ao lado da guerra a religião é leite desnatado. Ao lado da guerra o ópio mal chega a valer mais que um cigarro. Vós, que amais a paz, deixai de imaginar que venha através duma liga de nação, duma corte mundial ou através da destruição de canhões e couraçados. Aprendei essa verdade profunda: A guerra jamais terminará enquanto não tivermos exterminado os egotistas que amam a glória e o rebanho de semi-idiotas que eles devem utilizar pra sua louca finalidade. Entre esse lodaçal de militarismo em que nosso mundo chafurda e as montanhas azuladas da utopia está a terra-de-ninguém dos ciclopes.
Unilateral A personalidade unilateral continua, vida afora, um ciclope. Mas seu único olho é penetrante. Vê coisas que os outros não vêem. Pra ser unilateral duas condições se devem juntar. Em primeiro lugar se deve ter nascido cuma tendência caprichosamente forte. Em segundo lugar deve surgir uma oportunidade pra desenvolver essa tendência. Quando isso ocorrer a mente unilateral se tornará cega pra certas situações e hiper-sensitiva pra outras. A personalidade altamente acentuada encontra muita dificuldade. Como membro dum grupo heterogêneo, está impiedosamente fora de seu convívio. 128
Inconscientemente valorizamos a guerra como força renovadora, como um vulcão que revolve e fertiliza o terreno? Nota do digitalizador 129 Como se teu príncipe da paz não fosse superstição também. Nota do digitalizador
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O perigo da personalidade unilateral está no fato de que nem o Diabo pode modificar seu estreito ponto de vista, nem sua natureza lhe permitirá fazer ajuste satisfatório a situação além do interesse pessoal. Não o confundamos com o beato, que fecha a mente, pela ignorância e instabilidade emocional, mesmo pra informações que afetam, vitalmente, sua beatice. A mente de John Roach Straton estava preocupada com a teoria da evolução mas fechou a mente a todas as fases, chegando a não ler Darwin. O unilateral, por outro lado, é aberto a tudo o que pertence a seu interesse dominante. Fora disso é profundamente insensível, e sua estupidez pode conduzir a desastre que afete muitos outros além de si. Lancemos um olhar a professor Manuel Jones. Num grande armazém ao longo dos cais de Nova Iorque estão cobertas de poeira, e quase esquecidas, milhares de caixas contendo aparelhos de rádio inúteis, no valor de centenas de milhares de dólares. Nem mesmo os compradores de ferro-velho darão algo por elas, pois só o preço de remoção é enorme. Algum dia os proprietários se cansarão de pagar armazenagem. Levarão até ali uns 50 camiões, transportarão as caixas à doca mais próxima e as atirarão ao mar. E rezarão pra que professor Jones, que as encheu, possa as acompanhar ao fundo do mar. Mas não o fará! Sei que agora ocupa uma cátedra numa grande universidade, da qual só pode ser afastado por morte. Lá, rapidamente, está esquecendo as caixas. Quando o rádio começou a se tornar popular uma companhia pequena mas empreendedora decidiu explorar o novo ramo. Um de seus primeiros atos foi empregar um físico brilhante, nosso Manuel Jones, que fizera importantes descobertas em radioatividade. Pouco depois entregaram a direção do negócio ao distinto professor, lhe deram carta branca pra agir como entendesse e o esqueceram no calor duma campanha de venda. O físico era um sábio unilateral. Estava orgulhoso da nova oportunidade. Transformou, prontamente, o pessoal de seu laboratório em empregado, enquanto empregava todo esforço pra inventar um maravilhoso aparelho de rádio. Sem auxílio doutros especialistas e indiferente ao lado comercial do problema, começou a trabalhar na nova invenção. Poucas semanas depois foi, apressadamente, à fábrica, levando a nova descoberta. Perguntou ao superintendente: — Qual é a capacidade desta fábrica? — Cerca de 40 mil por mês. — Então faças 40 mil destes. — Mas onde os venderemos? Ao unilateral professor Jones um assunto tão mínimo não merecia consideração. O superintendente se recusou a fazer o aparelho. Jones cabografou ao diretor de venda: Aperfeiçoei novo maravilhoso aparelho. Superintendente fábrica recusa fazer sem tua autorização. Insisto sobre produção. Do contrário me demitirei imediatamente. Agradeço se lhe cabografar ordem. O diretor de venda, no auge duma campanha, mandou a autorização. Notificou aos fregueses que o grande professor Jones fizera a maior das invenções. Pediu a comprar imediatamente. Com a astúcia comercial comum, os retalhistas esperaram pra ver uma amostra. Quando a amostra chegou a metade das características estava atrasada. A invenção não tinha futuro. A corporação ficou quase arruinada, em conseqüência da estupidez duma personalidade unilateral, que tentava enfrentar uma situação além de seus íntimos 184
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interesses. O professor sabia física mas não conhecia comércio, problema de venda nem se interessava por isso. Não nos interessa, aqui, o erro do diretor de venda. Sem dúvida, aprendeu o quanto custa a estupidez dos indivíduos unilaterais. Não confundamos a estupidez da personalidade unilateral com a do perito, que pode ter interesse dominante único, muitas vezes, está interessado numa série de problemas diferentes, possuindo maior habilitação, entretanto, num determinado campo. Suas tolices não são devidas a tendências estreitas que o façam, por sua própria natureza, insensível a tudo que está além de sua especialidade, mas se desenvolvem de enganos e de erros em admitir falsos valores a fatos úteis. As tolices do perito se derivam, em regra, de insensibilidade devida à experiência e ao treino. Nisso, naturalmente, difere profundamente do unilateral. Muitas vezes, também, erra porque os patrões desejam o ver realizar o impossível ou porque estão convencidos de que se um homem conhece a fundo um assunto pode transferir o conhecimento a outros assuntos, com habilidade e êxito. Treinamento estreito e especial tende a limitar a perspectiva do perito, naturalmente. E eis por que, como diz Laski, tende a confundir a importância de seus fatos com a importância do que se propõe a fazer com eles.130 Não está sozinho nesse erro, pois que é chamado, especialmente por nós, ianques, a dar opinião e a resolver todos os problemas, desde um bom anúncio prà indústria de escova dental até o planejamento de cidade e a construção de catedral. Cuma fé que nos leva ao culto ao especialista, muitas vezes atribuímos onisciência infalível ao perito que se distingue em determinado campo de atividade. Cometemos o erro antigo de confundir a parte com o todo. Estabelecemos uma nova doutrina de infalibilidade especial, que muitos peritos, sendo humanos, aceitam sem questionar. Quando os peritos erram, portanto, há, em geral, dupla estupidez. O conhecimento especializado abençoa o que dá e o que recebe somente quando ambas as partes contratantes sabem como esse conhecimento é limitado.
Rapidez Diferenças individuais em rapidez de pensamento e de reação levam a graus variantes de estupidez. Um homem que observa muito, e salta muito rapidamente a conclusão e julgamento, e age muito rapidamente na base dessa conclusão e julgamento pode ser tão estúpido em comportamento como o estúpido que lhe é o extremo oposto. Todos pensamos e agimos, primeiro, na base do número de fatos que consideramos e, em segundo lugar, do número e da variedade por uma ilustração aritmética simples e arbitrária. Mínima diferença na velocidade da observação e do relacionamento dos fatos pode levar à esperteza dum homem ou à estupidez doutro. Como já salientei,131 vemos os efeitos da variação de velocidade por uma ilustração aritmética simples e arbitrária. Suponde que, em média, um homem vagaroso absorva apenas dois fatos por hora, enquanto outro, apenas 3% mais rápido na capacidade de observar e de relacionar o que absorve, pode apreender 2,06 fatos por hora. No fim de um ano, o mais vagaroso dos dois terá perpetrado dezenas de tolices, que o ligeiramente mais rápido, nas mesmas situações, provavelmente evitaria. Pois o último empilhou, em progressão geométrica, uma cumulativa massa de relação, conclusão, julgamento e decisão, na base do número um tanto maior de fato que apreendeu. Pois cada adição ao conhecimento resulta em profundas transformações no comportamento Integrativo total e, portanto, na inteligência ou na estupidez com que se age. Evidentemente, quanto mais coisa um homem tem no espírito ao tomar uma decisão, tanto maior será a variedade de 130 131
Harold J. Laski, The limitations of the expert, no Harper's magazine, dezembro de 1930 The psycology of achievement, 1930
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relação que pode advertir entre elas. Assim seu campo de visão é maior. Enquanto discutimos este problema de velocidade, tende em mente que muitas das tolices que já discutimos foram causadas por pensamento e ação muito demorados. Os indivíduos podem ser retardados por muitas espécies de moléstias, fadiga, narcótico, umidade e má nutrição. E, muitas vezes, o comportamento que evidencia baixa inteligência e pensamento estúpido é causado por um desses fatores. Devemos ficar em guarda contra um erro cometido por alguns psicólogos nas primeiras pesquisas a um teste de inteligência. Não devemos identificar a prontidão com a alta integração nem com a inteligência. A simples rapidez de correspondência não diz tudo. Quando há velocidade é grande a probabilidade de alta integração correspondente. Mas quando a pessoa reage vagarosamente não devemos dali inferir processos mentais pobremente organizados enquanto não tivermos investigado alguns outros aspectos, especialmente o volume dos campos de irradiação em torno de cada elemento dos estímulos dados e, também, a persistência das reverberações. É possível que uma mente altamente integrada responda vagarosamente a um problema que uma mente inferior resolva sem dificuldade. Isso ocorrerá quando um ou mais dos fatores do problema sejam altamente integrados com coisas estranhas ao problema, mas ainda relacionados com ele de maneira legítima. Observei isso no comportamento de cientistas altamente treinados e fiz testes não formais consigo, em geral sem saberem. Em geral, quanto mais familiares lhes são os elementos gerais do problema, tanto mais extensivamente vão até as mais remotas qualificações. Alguns tendem a exprimir as qualificações na conversação, enquanto pensam, e o efeito é, muitas vezes, desconcertante ao inocente ouvinte, que não sabe o que está transpirando. Resmungam. Respondem a si. Ruminam. Começam uma sentença e mutilam uma porção de cláusulas qualificativas. E, mesmo, desaparecem no domínio privado, donde emergem com alguma rara teoria ou observação. Num caso parecia que um eminente matemático demorava extraordinariamente em realizar as mais simples operações aritméticas, simplesmente porque o ato de multiplicar e dividir números fáceis era retardado por todas as espécies de associações sobre a natureza das operações, a teoria dos números e assim a diante. Num biologista questões que mesmo remotamente diziam respeito a qualquer aspecto da vida induziam retardamentos semelhantes, ao passo que algumas outras não. Num químico as reações secundárias muitas vezes o distraíam completamente da questão original e, a menos que fosse, chamado novamente à encarar, jamais a retomaria. Outro comportamento é, muitas vezes, confundido com a inibição de atos judiciais. É julgamento extremamente vagaroso causado por vagarosas associações secundárias. Pro observador mal-informado, muita gente, de quem se devia dizer que sofre de lentidão mental, passa por dona de grande paciência e imparcialidade. Às vezes essa lentidão é produzida por respostas emocionais inferiores. Jim Teake é uma ilustração. Sua mente é lógica e ordenada mas progride pouco em virtude de associações retardadas. Ninguém podia fazer negócio com ele pelo telefone, nem numa conversa rápida. Tinha de ouvir a proposta, a discutir algum tempo, depois dormir sobre ela, depois retornar ao assunto, o discutir um pouco mais, dormir novamente e, então, começar a dar forma a suas reações. Parte do mecanismo era singular. Tinha de repetir todos os elementos do problema toda vez que a ele voltava. Que isso tinha raiz em associações vagarosas foi repetidamente provado por um curioso procedimento seu. Falando consigo observei que meia hora, ou mesmo uma hora, depois que eu lhe mencionara algo, voltava a isso, lhe fazendo observação em torno, embora eu discutira e esgotara o assunto. Noutras ocasiões essa resposta atrasada era dada num dia ulterior, sendo que esquecera totalmente a situação que lhe dera causa e a
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pessoa que, com a observação, provocara o encadeamento de seu pensamento. Com toda inocência afirmaria qualquer coisa como se fosse idéia sua e se mostraria entusiasmado com ela, absolutamente inconsciente de que estivesse apenas desenvolvendo um pensamento que alguém lhe comunicara. Isso lhe trouxe aborrecimento. Houve quem o acusasse de roubar idéia, as apresentando como suas. Aqui não há legítima inibição, paciência, restrição emocional, nem imparcialidade. Há, simplesmente, baixa velocidade. E produz uma perigosa estupidez em emergências em que o pensamento rápido é indispensável. Esse traço ciclópico é idêntico ao do homem que é considerado um conversador estúpido nos jantares de cerimônia mas que tem pensamento e resposta inteligentes uma hora depois de deixar a festiva companhia. Mais duma vez esse meu amigo se tem prejudicado por causa dum atraso dalguns minutos, em situações em que os homens normais realizam alto negócio, cum relógio parado na mão. É, entretanto, mais feliz que a sociedade, pois a sociedade está sempre em desvantagem, durante todos os minutos do dia e da noite, através das idades, como conseqüência da atitude e do comportamento do homem em relação aos vagarosos de mente e de corpo. Nesta desvantagem temos o alto preço da estupidez humana. Agora olhemos o grande deus: O atraso!
Atraso Mais profundo, mais permeável e, provavelmente, mais sério que o atraso cultural é o causado pela adaptação social aos diferenciais da velocidade humana. Isso parece incompreensível mas não é, como uma simples ilustração da vida real demonstrará. Vos convido a ver a densa massa de gente que sai dum cinema, ou dum campo de beisebol, ou duma plataforma ferroviária. Eis o que podereis ver, se tiverdes olhos penetrantes. Muita gente se levanta da cadeira e avança rapidamente à saída. À proporção que se aproximam, entretanto, convergem. Antes de que formem uma massa densa, vede o que fazem. Aqui está um rapaz que anda depressa. Subitamente, alcança uma velha senhora gorda. Prà contornar, deve atrasar a marcha, senão esbarrará noutras pessoas e se atrasará ainda mais. O espaço entre a senhora gorda e a pessoa mais próxima é apenas o bastante pruma pessoa se esgueirar, sem esbarrar nalguém, nem em ambos. Assim, nosso rapaz deve manobrar cuidadosamente. Isso o atrasa, de modo que um cidadão ainda mais impetuoso, que vem atrás, também se atrasa. Assim, dois fatores se desenvolvem por meio desta convergência: Um estreitamento dos interstícios e um atraso devidos ao desejo que tem cada indivíduo de evitar dar encontrão nos vizinhos. A tendência, portanto, é a corrente da humanidade se aproximar da velocidade do indivíduo mais vagaroso à frente e se dividir em massas subordinadas, que se aglomeram atrás dessa vanguarda vagarosa.132 Ora, comparemos essa velocidade da corrente com a da água que passa através duma mangueira de incêndio ou com a de cereal sugado do carro-transporte ao elevador. Uma força relativamente uniforme age sobre cada unidade, mas há diferenças individuais devidas a ligeiras diferenças na posição inicial, no tamanho, no peso e em fatores semelhantes. As gotas dágua tendem a assumir a velocidade das mais vagarosas? Os grãos de trigo se atrasam após os mais vagarosos? Não. Se verificam colisões. As partículas mais rápidas se atiram sobre as vagarosas e as comunicam um pouco de sua velocidade. A tendência, portanto, é à média do sistema total. 132
Na verdade não é assim. Acontece uma influência mútua, como no contato de duas massas, uma quente e outra fria. A fria esquenta um pouco e a quente esfria um pouco, até atingirem o equilíbrio que é a média entre ambas. Nota do digitalizador
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É somente quando os indivíduos perdem a natureza social essencial que aceleram os movimentos de acordo com as simples leis da matéria em movimento. Se, por acaso, virdes uma massa de gente fugindo dum teatro em chama, a cena se parecerá mais com a da mangueira ou com a do tubo de sucção de cereal. Os mais velozes e os mais fortes esbarram nos vagarosos. Até mesmo os empurram ao chão e passam encima, na louca fuga. O vagaroso ainda atrasa o veloz, agora de acordo com a pura física e não de acordo cum controle social. Isso me faz voltar a meu argumento. Todo progresso humano depende duma massa humana em movimento, vastamente inorganizada ou fracamente organizada. Progredir é passar além do estado existente do negócio humano, especialmente além dos padrões de vida comuns. A velocidade é mensurável no tempo e nas várias unidades qualitativas derivadas desses padrões de vida. Assim, pois, surge em muitas dimensões. Quando nos aproximamos dum grupo social em movimento, em geral ficamos surpreendidos com sua lentidão. Nele podemos encontrar muitos indivíduos brilhantes, muitos chefes enérgicos mas, tomado em conjunto, o movimento dum nível inferior a um superior de existência parece mínimo. Por quê? Simplesmente porque todos os membros do grupo são inibidos por forças puramente sociais de acelerar os mais vagarosos ou de os eliminar. Isto ocorre em todas as dimensões de velocidade, especialmente na mental. A própria sociedade é seu freio fatal. Isso começou no tempo dos nômades. Quando a tribo se reunia e se encaminhava a nova pastagem, marchava em compasso com os mais rápidos? Não. Então, com certa velocidade média? Não. Se atrasava por causa dos mais velhos e estropiados. Somente quando a situação ficava desesperadora esses homens voltavam à simples animalidade, pondo em ação a regra de cada um por si e que o Diabo leve os que vêm atrás. Mais tarde, especialmente no Oriente, os laços de família se tornaram o centro de toda ética. Então a velocidade do progresso humano chegou ao ponto mais baixo, pois todas as famílias marchavam ao compasso dos membros mais vagarosos de corpo e de espírito. Assim, a China suicidou. O filho inteligente devia trabalhar pra ajudar irmãos e irmãs que bem podiam ter sido comidos pelos tigres, cujos dentes teriam ficado cegos com a carne estúpida que teriam de mastigar. O primo demente sempre teve o direito de andar onde quisesse e pedir alimento e abrigo, e a família devia cuidar dele. Com a multiplicação infinita de atos semelhantes toda a nação se atrasou e se estagnou. Os ianques até agora fizeram o mesmo caminho da China, graças ao veneno cristão da irmandade humana. Visitai uma escola pública ao modelo antigo. Um professor taciturno instrui 50 crianças, entre as quais haverá 10 ou 12 inteligentes contra o resto das crianças, completamente estúpidas. O professor marca uma lição. Os alunos inteligentes aprendem, facilmente, em dez minutos. As crianças estúpidas trabalham sobre ela uma hora, ou mais e apreendem apenas as linhas gerais. Enquanto o professor repete, exorta e explica a lição aos retardados, os alunos inteligentes devem esperar. A perda total de tempo, entre os inteligentes, é assustadora. Entre 25 milhões de escolares, os 2,5 milhões mais capazes perdem, ao menos, 200 horas em cada ano escolar, pelo fato de terem de andar com o passo dos alunos inferiores, assim como o rapaz ligeiro deve se atrasar por causa da velha senhora gorda na frente. Uma perda de 500 milhões de horas de estudo, por ano, pode ser a diferença entre utopia e Eua. Todo nosso cenário político mostra o mesmo terrível atraso dos capazes pelos incompetentes, cabeças-duras, obstinados, beatos e fanáticos. Todo corpo legislativo, desde as aldeias até o Congresso, enxameia de indivíduos vazios. Assim, a sociedade, em geral, depende não somente da loucura desses indivíduos mas também, o que se ignorava até aqui, da lentidão. A velocidade de 10 milhões de negociantes e de trabalhadores profissionais superiores de Eua fica reduzida, ao menos, a um quarto.
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Isso, novamente, pode ser a diferença entre utopia e Eua. Os bilhões de dólares que se gastam, todas as décadas, em tratar os insanos, mentecaptos, psicopatas e criminosos representam o mesmo atraso dos melhores pela ação dos piores membros da sociedade. Porque o cuidado com os defeituosos mentais, morais e físicos custa dez vezes mais, percápita, por ano, que a educação das crianças normais, devemos sacrificar milhares das normais nos altares da infâmia. Se custa 500 dólares por ano manter um débil mental numa instituição do estado, e apenas 60 dólares a educação duma mente normal, como fugir à conclusão de que pomos em desvantagem os que valem a pena a fim de sermos polidos e amáveis com os outros? Afirmo que, pra cada indivíduo que a sociedade deve combater com a força, há cinqüenta ou mais cidadãos cuja estupidez retarda, eficientemente, o progresso e que, afinal de conta, embaraçam os movimentos da raça, em conjunto, muito mais seriamente que os ladrões e os assassinos. Assim, o homem estúpido, que nove em dez é vagaroso de certa maneira acentuada133, é um produto da ciência do estado moderno, hoje, quando começa a corrida entre a civilização e a catástrofe.
Persistência Há duas maneiras nas quais a persistência revela e mede os poderes integrativos dos indivíduos. Uma surge durante o esforço a se integrar e a outra depois da integração. Observei, durante muito tempo, o primeiro processo em crianças e colegiais e estou persuadido de que nele temos, talvez, a medida geral de capacidade mental. Que jamais possa ser mais que uma medida geral, se tornará evidente logo que notemos que idênticos efeitos podem se derivar de muitas outras forças interiores, como o orgulho, o desejo de ultrapassar os rivais, e assim a diante. Quando essas forças são eliminadas o valor da medida aumenta. Proponde a uma pessoa um problema que torne necessário o estabelecimento dalgumas relações novas. Pode ser tão simples como aprender a contar, alternadamente, de dois em dois, de três em três, ou tão difícil como aprender a transpor uma sonata duma clave a outra, à primeira vista. Com que constância vosso trabalhador se porá à obra? Quantas tentativas fará durante um dado período, no esforço pra chegar ao resultado exato? Depois de haver expirado o tempo voltará ao trabalho, apesar das ordens expressas em contrário? Lutará ainda, no sono? A extensão em que faz essas coisas mede a persistência integrativa. Demonstra a variedade de sua mente dentro do campo dado. E demonstra, também, o fluxo de energia interna livre. Nalguns casos demonstrará muita coisa acerca do alto equilíbrio, da facilidade com que perde esse equilíbrio por qualquer pequena particularidade do problema e da maneira que se esforça a se reencontrar depois de ser confundido ou distraído. Infelizmente, isso tudo é muito complexo e rápido. Mas não é difícil observar e avaliar tudo isso, em geral, na conduta natural dos indivíduos. Um escolar se sentará a sua carteira, olhando, indiferentemente, a tarefa. Outro escreverá uma porção de palavras e de cifras, todas erradas, e as apagará depois, uma a uma. Um terceiro fará uma conjetura inteligente e a deixará fugir. Um quarto pensará durante muito tempo e, afinal, escreverá a resposta exata. E um quinto pode pensar muito tempo, considerar muitas possibilidades e terminar sem escrever, pelo fato de estar diante de maior número de fatores que os requeridos pelo problema. Cada qual desses modos de comportamento indica, claramente, uma maneira distinta de relacionar assuntos e, 133
Numa matéria da Folha de São Paulo, década de 1990, um cientista afirmou que o êxito da luta pra diminuir a taxa de mortalidade infantil pode degenerar a espécie humana porque elimina a seleção natural. Nota do digitalizador.
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portanto, uma peculiaridade mental altamente complexa. Falando, em geral, quanto mais extensivamente uma pessoa se esforça a relacionar um dado fato ou problema a todas as matérias de importância na experiência, mais altamente integradas são suas funções mentais. A segunda variedade de persistência se desenvolve depois de se completar um processo integrativo. Isso poderia ser chamado memória organizada, mas o termo tem desvantagem. É a capacidade de conservar todos os detalhes dum plano, dum programa, dum sistema ou duma técnica, no espírito, mesmo depois do afastamento. Quanto mais tempo os detalhes dalgum projeto são complexos e são trazidos claramente na mente, tanto maior a ação integrativa. Raramente a encontramos desenvolvida como em Beethoven, que disse de suas idéias: Trago meus pensamentos muito tempo, muitas vezes durante muito tempo mesmo, antes de escrever. Minha memória é tão tenaz que estou certo de jamais esquecer, mesmo em anos, um tema que me ocorresse alguma vez. Modifico muitas coisas, as afasto e tento novamente, até ficar satisfeito. Então, em minha cabeça, começam desenvolvimentos em todas as direções e, tanto quanto sei exatamente o que quero, a idéia fundamental nunca me escapa, se levanta diante de mim, cresce, vejo e ouso o quadro, em toda a extensão e em todas a dimensão, diante de mim, de maneira que só me resta o trabalho de o escrever, que é rapidamente realizado quando tenho tempo, pois às vezes faço outros trabalhos, embora jamais confunda um com outro.134 135 Se poderia, razoavelmente, duvidar da veracidade do compositor, se não fosse a completa consubstanciação de sua terrível declaração em seus livros de notas e o testemunho dos amigos. Em verdade, poderia citar vários casos de persistência de padrões ainda superiores. Se sabe que o editor de Beethoven às vezes lhe pedia música quando Beethoven não tinha tempo pra planejar a revisão duma composição já em mente, exceto durante o tempo em que dava lição. E se sabe, com segurança, que Beethoven planejou todas essas revisões enquanto ensinava aos alunos. Tudo o que sabemos de memória e de integração nos leva a esperar uma estreita conexão entre essa espécie de persistência e as altas ordens de capacidade. Um homem que planeja algum esquema, seja de música ou de metafísica, e que, voltando a ele depois dum dia, semana, mês, descobre que não pode lembrar com exatidão, a menos que faça novamente todas as operações originais, com certeza não se integrou poderosamente na primeira vez: Depois de ligar os elementos, arrancou alguns fios condutores. Na prática ordinária de negócio os empregadores astutos tendem a julgar o valor dos diretores de departamento pela facilidade com que observam, intactas, difíceis regras do ofício, informações confidenciais, relações com os fregueses, etc. E ainda mais julgam 134
Alexander Wheelock Thayer, The life of Ludwig von Beethoven, volume 3, página 126. Essa é a melhor forma de criação: Devaneando. Doutra forma fica muito mais difícil, por exemplo, escrever uma trama complexa. Nota do digitalizador 135
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esses homens pela aplicação natural desses ajustes complexos aos deveres cotidianos. No campo do jornalismo se sabe que o bom profissional é o que apreende rapidamente o espírito da casa. Ora, isso, num jornal moderno, é extremamente complicado. Significa o senso exato de toda a política editorial e comercial, da qual grande parte não pode ser reduzida a regulamentos formais ou pregada sobre a mesa do repórter. Se parece mais com a política não escrita dum governo, que um diplomata bem-sucedido intui e aplica, quase inconscientemente, a cada problema que se lhe apresente. Apreender, apenas, uma coisa dessa natureza requer altos poderes integrativos, mas a utilizar, sem esforço, em situações novas, requer poderes ainda superiores. O amanuense típico ou o trabalhador não qualificado, por outro lado, são facilmente detidos pela tendência a cumprir todas as ordens, todos os problemas do dever cotidiano, de momento a momento. Se pode dizer que jamais trabalharam nisso antes, exatamente da mesma forma ou maneira, e hesitarão, ponderarão, calcularão, enquanto o homem que tem o espírito da casa agirá instantaneamente. O homem com espírito de amanuense pode possuir o mecanismo associativo que o capacite a ligar todos os elementos dum plano como lhe são dados. Mas, evidentemente, não possui um fluxo suficientemente forte de energia, através desses tratos, pra reviver o funcionamento de todo o pagão, quando quer que um único elemento desse plano lhe seja subseqüentemente dado. Isso nos leva ao fato supremamente importante: O entrelaçamento de poder e de padrão nos tipos mentais superiores. Um padrão complicado pode ser estabelecido com relativamente pequeno poder mas não pode ser usado sobre um fato momentâneo sem o trabalho de o reconstruir peça a peça, a menos que as células do córtex que o determinam irradiem as descargas, copiosamente, sobre todo o campo integrativo. A simples compreensão, assim, difere da prontidão intelectual em que a primeira tem padrão com pequeno poder, enquanto a última tem forte padrão com altos poderes. Todos os professores o notam em cada grupo estudantil. Um menino pode conseguir boas notas em sua classe por poder lembrar datas e nomes da história mas, ao passar a outra classe, pode afundar na mediocridade, por não poder ter em mente cinco ou seis leis de química, ao fazer uma experiência no laboratório. O psiquiatra também está familiarizado com a mesma diferença entre a pessoa normal e uma pessoa que sofre de demência paralítica. A pessoa normal pode usar, dum modo ou doutro, todas as faculdades mas o demente, embora possua todas as faculdades das pessoas normais, é incapaz de as fazer trabalhar conjuntamente. Não as pode integrar a ponto de fazer funcionar. Tem, em suma, o padrão de inteligência mas não a energia pra o movimentar. Dali a anormal falta de persistência em tudo, no demente. Os indivíduos comuns persistem em tarefas inacabadas em geral não mais do que 24 horas. Se no fim do ciclo não terminou o trabalho, em regra o afasta da mente. Lembramos tarefas inacabadas cerca de 90% melhores que as tarefas terminadas, como o provaram as significativas experiências dos psicólogos alemães Lewin e Zeigarnik.136 Dai ao homem comum uma longa série de tarefa simples, mental e física, pra trabalho mental e manual. O interrompei no meio dessas tarefas e lhe permitis, depois, realizar outras. Alguns tempo depois o interrogai acerca de todas as tarefas e, em regra, lembrará nove das que não acabou em cada dez que pôde terminar. Como salientam esses investigadores, isso indica que o esforço sob que trabalhamos ao resolver um problema persiste até que a solução seja encontrada, ou definitivamente abandonada. Em geral não terminamos um trabalho duma vez. Trabalhamos um dia, depois dormimos e retomamos o trabalho no dia seguinte, O primeiro passo ao 136
Psychologische forschungen, IX, 1927
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reassumir o trabalho é lembrar onde estávamos. O curioso é que esse ciclo de 24 horas marca o período dentro do qual essa lei da lembrança opera. Isso é, se esperamos mais que um dia pra interrogar um homem sobre suas tarefas, ele tende a se recordar de todas igualmente, sejam terminadas ou inacabadas. Noutras palavras, é como se, durante séculos de seleção natural e de adaptação ao trabalho, os homens tivessem construído um mecanismo mnemônico na base do cotidiano. Uma tarefa realizada há mais de 24 horas é uma tarefa esquecida. Estabeleçamos o contraste entre este homem comum e o superior e, depois, entre o homem comum e o estúpido. O homem superior comumente demonstra desgosto num trabalho não realizado. Não é tudo. Não o pode afastar do pensamento. Vai à cama cansado mas ainda esse trabalho o persegue, sem o deixar dormir. Se, por acaso, é um intelectual, tudo isso pode o deixar exausto mas será capaz de retomar o problema exatamente onde o deixou, embora se tenha passado até um mês. O homem estúpido é o inverso de tudo isso. Não pode apreender os detalhes. Deve começar de novo. Pode ser incapaz de lembrar a natureza exata do problema dois dias depois. Todo diretor de fábrica e de escritório observa essa tendência. Se sabe que maior número de acidentes ocorre na segunda-feira, em seguida ao descanso dominical, que em qualquer outro dia da semana. Os amanuenses e os estenógrafos demonstram singular estupidez. Tarefas inacabadas no sábado muitas vezes devem ser completamente refeitas, mesmo no preliminar, simplesmente porque os trabalhadores são incapazes de lembrar onde devem começar a trabalhar. Ouvi muitos amanuenses notar, quando concordavam em fazer trabalho extraordinário, que, continuando a trabalhar na noite, e terminando o trabalho, economizariam a si e aos patrões horas de trabalho e de repetições desnecessárias. Aqui chegamos a um dos mais baixos níveis de estupidez, caracterizado no dito: Longe dos olhos, longe do coração.137 Se vos lembrais do que discutimos ao falar das quatro variedades de fantasia, inferireis que os indivíduos que persistem mal numa tarefa e erram ao a realizar podem ter grande energia física e, entretanto, perder o trem do pensamento em vista da incapacidade de o trazer na imaginação. Tendem a cair no país do sonho ou no faz-de-conta mas jamais na reflexão lógica. Como o imbecil, aprendem tudo novamente em cada novo encontro. Assim não podem progredir muito. Todos os políticos e jornalistas sabem que os ciclopes se comportam assim. O público não tem memória, diz o velho ditado dos jornalistas. Nada fica. Nada é seguido até o fim lógico. Nem podemos esperar melhor conduta social enquanto os ciclopes se multiplicarem em todos os pontos. Os diretores de jornal se revoltam e clamam contra a carne cara, o leite aguado e os contratos fraudulentos do governo. Alguns tolos escrevem cartas a seu jornal. Dentro de dez dias o assunto está afundado no esquecimento. Na manhã seguinte um novo escândalo tomará o lugar. Os críticos gostam de maldizer os jornais por essa corrente de sensacionalismo. Não compreendem que os ciclopes não podem manter a mente sobre um assunto enquanto não esteja limpo, mesmo que o queiram. Enquanto escrevo estas linhas a mais poderosa ofensiva já lançada contra o mundo subterrâneo de Tammany Hall, sob a chefia do juiz Seabury, trouxe à luz horror e abominação que se revelados a um povo menos estúpido seriam perseguidos até que o último dos malandros contribuintes fosse fuzilado ou enforcado. Entretanto, embora o inquérito continue, à medida que escrevemos, a crônica já desapareceu da primeira página dos jornais, não um mas muitos dias. Provavelmente, antes de que este livro chegue à quarta edição, todos os velhos chefes distritais estarão novamente em seu posto. Os ciclopes não se podem fixar sobre alguma coisa. 137
No Brasil o ditado é O que os olhos não vêem o coração não sente. Nota do digitalizador
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Vos lembrai da única exceção a esta fraqueza? Pode se fixar somente se encontra uma causa estritamente pessoal, de pão ou de dinheiro, que levante sua quente emoção. Então encontra uma nova alegria na vida e se transforma num fanático. Parece, pois, que a única maneira de manter ativas as massas, na política ianque, é as incitar a algum fanatismo popular.
Emoção As emoções envolvem suas próprias tolices especiais, suas próprias sensibilidades, pois são as direções do comportamento. As chamai, se quiserdes, padrões de ação, mas acrescentai que o padrão se dirige a algum resultado típico. Se omitirdes isso de vossa consideração jamais compreendereis o mecanismo das emoções. Pois, como William M. Marston demonstrou,138 em cada forma primária uma emoção nunca é um simples sentimento e raramente é uma simples atitude mas uma onda de energia, e a única maneira de uma emoção ser claramente diferenciada doutra é a observação da situação à qual se dirige. Isso, devemos acrescentar, é precisamente o que um psicólogo não contaminado por velhas teorias psicológicas tenderia a admitir. Todo esforço a nos ajustarmos a algo ou a alguém implica na organização de energia e em sua descarga. O ato básico é esta libertação integrada. Nossa consciência disso é a experiência emocional típica, ou sentimento. As interpretações de Marston são, em geral, muito satisfatórias, a despeito de algumas teorias subordinadas passíveis de dúvida. Marston encontrou quatro emoções primárias: 1 ● Dominação: Onda de energia pra combater a oposição. 2 ● Condescendência: Aceitar uma força como inevitavelmente igual ao que é. 3 ● Submissão: Se entregar, sem questionar, à mercê doutra pessoa. 4 ● Incitamento: Se aliar mais completamente a uma pessoa a ser controlada. Todas as espécies de nomes, mais ou menos ruins, foram dados a essas emoções em literatura e no linguajar comum. Dominação, por exemplo, é chamada agressividade, auto-afirmação, iniciativa, vontade, resolução, espírito pioneiro, complexo de superioridade e várias outras coisas. Nenhum desses termos é preciso, embora todos sirvam a alguma forma ou fase de dominação. A condescendência tem os nomes de precaução, conformidade, timidez, mente aberta, candura, humildade, respeito, etc. Às vezes liberalismo e tolerância são aplicados a atos de condescendência. A submissão leva os nomes de boa-vontade, docilidade, meiguice, obediência, altruísmo, servilismo, benevolência e bom coração. O incitamento, enfim, é chamado persuasão, capacidade de cativar, sedução, convencimento, encantamento, magnetismo e liderança. O primeiro estágio importante duma emoção é uma atitude. Em que difere da emoção propriamente dita? Apenas nisto: Na atitude o padrão adaptativo toma, forma, porém a energia apropriada pra sua execução ainda não foi descarregada. Essa energia pode faltar por uma ou mais destas três causas: 1 ● Pode faltar a energia adequada ao indivíduo. 2 ● A descarga de energia pode ser vagarosa, chegando alguns segundos ou minutos mais tarde. 3 ● A energia pode ser contida por alguma outra força especial, inibitória, como receio ou incerteza quanto à conduta mais sábia. Evidentemente, pois, é em e durante a atitude que pensamos e planejamos. Dali a imensa importância da compreensão desse estágio primitivo. A linha geral do comportamento é o principal determinante do ato subseqüente, contanto que a situação 138
The emotions of normal people, Nova Iorque, 1928
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fora percebida e avaliada corretamente. Mas eis o busílis!139 E é essa limitação que leva a uma infinita variedade de tolice, pois, essa será a minha tese, seja qual for a atitude que um homem tome em relação a uma situação, por isso mesmo fica sensível a algumas de suas características e insensível em relação a outros, já que todo o processo é de seleção. Qual a seriedade do entorpecimento? Tudo depende da situação geral, naturalmente, e o mesmo acontece com o próprio indivíduo, seu fundo de energia, o raio em ação da sensibilidade geral e a experiência em geral. Pode ser insignificante e cômico, como no amante que, fascinado por sua bem-amada, jura que ela ultrapassa Cleópatra,140 embora a namorada tenha sardas e queixo encolhido. Ou pode ser o de Napoleão na estrada a Moscou. Que variedade cromática! Voltemos nosso espectroscópio a algumas linhas.
Dominação Começaremos com as formas grosseiras de dominação. Algumas são difíceis de distinguir do exibicionismo ou de ilusão paranóica de grandeza e de perseguição.
Napoleão Napoleão I é o principal exemplo de profunda dominação. No primeiro período do império francês governou poderosamente mas, muitas vezes, com ingenuidade egoísta. Mais tarde, especialmente depois de 1808, a dominação se tornou complexa. E a conseqüência foi terrível e trágica. Temos muitos indícios de que Napoleão centralizava atividade na pituitária. Dali a extraordinária capacidade intelectual. Por outro lado, perturbações glandulares, às quais foi suscetível a vida toda, levaram a tempestades cerebrais, a ataques de vômito seguidos por estupor que levava à inconsciência, que o assediaram nos momentos mais críticos dos combates. Quando estava bem, a mente de Napoleão era matemática, lógica e extraordinariamente retentiva. Entretanto, uma insuficiente secreção da pós-pituitária o tornou sem escrúpulo e insensível à miséria e ao sofrimento. Já em setembro de 1805, no auge do poder, Napoleão foi vítima de certa espécie de ataque depois do jantar, disse Talleyrand, e caiu ao solo, quase em convulsão. Logo restabelecido, menos duma hora depois rumava à guerra e, poucos meses depois, triunfava em Austerlitz. Sua enorme energia provavelmente não declinou até que fosse a Santa Helena. Estando no auge em Austerlitz, Jena e Friedland, dali a diante a capacidade começou a declinar. Revelava fraqueza de julgamento. Começou a engordar. E os projetos cresceram do mesmo modo. Se tornaram grandiosos e ousados mas já não tinham o planejamento cuidadoso, a lógica matemática e a precisão das campanhas anteriores. Quando, em abril de 1812, a guerra com a Rússia parecia inevitável, completou o mais poderoso projeto de todos. Invadiria a terra do czar cum exército de 600 mil homens e derrotaria o inimigo em única e terrível batalha ou iria à Lituânia, a levantaria em rebelião, se estabeleceria ali durante o inverno e prosseguiria a Moscou no verão seguinte. 139
Busílis - A origem da palavra viria da expressão latina in diebus illis (agora). Um frade do convento de Cristo, em Tomar, Portugal, ao encontrar, num fim de página do breviário, in die, traduziu por Índia e embatucou quando virou a página e encontrou bus illis. Assim, ficou bus illis como expressão indecifrável. Disso resultou a palavra busílis como sinônimo de dificuldade extrema, ponto obscuro. Nota do digitalizador. http://www.dicionarioinformal.com.br/ 140 A Cleópatra histórica não era bonita, como o demonstram moedas antigas com seu perfil estampado. Nota do digitalizador
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Todos os planos falharam. O povo russo odiava Napoleão. O exército do imperador era constituído por soldados cansados e relutantes, a maioria oriunda de seus aliados, a quem teve de pedir tropa. O espírito das tropas não podia igualar o patriotismo vingativo dos 400 mil soldados bem treinados do czar. Os russos se recusaram a oferecer uma batalha decisiva, o que Napoleão não previra. Em vez disso se retiraram ao interior, recuando cada vez mais à estepe. Alexandre era bastante astuto pra sentir o desastre iminente que esperava a grande armada no inverno russo, mais terrível que as balas dos canhões e a mortandade da guerra. Napoleão cada vez se encontrava menos à vontade. No dia 24 de junho de 1812 a tropa, relutantemente, começou a atravessar o rio Niemen. Sob o calor inclemente os russos continuavam recuando. Mas conheciam seu país, que era terrível pra Napoleão. Seus homens caíam no caminho, mortos de insolação. A plantação estava verde e os cavalos, nada mais tendo pra comer, morriam de cólica. Seu irmão Jerônimo, encarregado da ala direita da retaguarda, cometia erro sobre erro. Durante cinco dias, enquanto Napoleão estava estabelecido em Vilna, nada soube desse incompetente. Uma fria e penetrante chuva gelava a tropa desmoralizada. Milhares de cavalos morriam. Choveu durante mais duma semana. Finalmente, chegou notícia do miserável fracasso de Jerônimo em isolar os russos. No dia 17 de julho, depois de atrasos desastrosos, Napoleão começou a longa e triste marcha a Moscou. Capturou Smolensk mas ainda restava esmagar o inimigo. Se tivesse parado ali evitaria o desastre. Conseguira uma posição-chave na Rússia. Afinal as províncias polonesas estavam livres e os gratos poloneses o apoiariam nos ataques posteriores. É possível que a ocupação de Smolensk desse em resultado a nova Europa, modelada de acordo com seu plano. Entretanto, diante de obstáculos colossais, continuou marchando a Moscou, nada sabendo do terreno na frente. O inverno chegava. A grande armada avançou a Borodino. Depois de terrível mortandade obteve uma vitória sem importância. No meio da batalha foi atacado por estupor. Mas lutou e venceu. Uma semana depois o que restava da grande armada ocupou Moscou. Cerca de metade de 1 milhão de homens desaparecera em virtude de moléstia ou no campo de batalha. Cerca de 100 mil restavam a um desastre mortífero. A cidade foi incendiada. Moscou ficou deserta. Alimento e abrigo destruídos. Franceses e russos, igualmente, se entregavam à pilhagem. Os camponeses russos atacavam, furiosos. O exército inimigo se retirou ao sul. Napoleão recuou. Seus homens não se entendiam nem tinham abastecimento. Chovia e nevava. Soldados exaustos tropeçavam nos montes de gelo da região desolada. Caíam e morriam. E quando, em meado de dezembro, o resto do exército tornou a atravessar o Niemen, semi-mortos de fome e de cansaço, chegaram à Alemanha e pararam. Napoleão, o egotista, seguiu à França. Meio milhão de mortos na retaguarda. Entretanto, o grande insensível ignorava a miséria e o sofrimento. E anunciou aos franceses que o imperador nunca esteve de melhor saúde! Na campanha de Moscou revelou tolices das quais jamais fora acusado. Entretanto, eram todas de modelo semelhante. Sua energia ainda era enorme. A vontade de dominar e o tremendo ego ainda governavam seus planos. Mas a atitude em relação aos projetos se modificara perigosamente. Se recusava a considerar todos os fatores nos grandiosos esquemas. O longo hábito o levava, é verdade, a esperar a vitória. As vitórias esmagadoras satisfizeram seu ego. À medida que seu poder crescia o julgamento enfraquecia. Estava cego ao perigo de 1300km de desolada estepe russa. Utilizava mais força que inteligência em perseguir, encarniçadamente, o inimigo. A energia era grande e a atitude má. Meio milhão de homens pagou o preço de sua estupidez.
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Criminoso Um criminoso é um indivíduo que se esforça a agir de forma proibida pelos indivíduos que fazem as leis. Esse esforço é uma forma de dominação. Ora, o crime é um conceito puramente legal. Não um conceito moral. Muitos atos criminosos são altamente morais, sob todos os pontos de vista, e muitos atos imorais não são criminosos. Noutras palavras: Nem todo esforço pra dominar um grupo, contrariamente a sua vontade, são criminosos, ou mesmo imorais. Os atos são considerados criminosos pelo grupo, por meio dum único instrumento, chamado lei escrita. 1 milhão de cidadãos podem gritar que é um crime despedir um trabalhador depois de vinte anos de serviço. Isso não faz, do empregador que age assim, um criminoso. O julgamento deve ser lançado e gravado nos livros da lei. Normalmente deve ser apoiado por um ato que o transforme em realidade. Deveis ter esses conceitos elementares em mente ao considerar a chamada estupidez dos criminosos. Doutra maneira, se verificam confusões, como tem repetidamente acontecido nas dissertações de distintos sociólogos e advogados, que tantas vezes declararam que os criminosos são insanos ou mentecaptos! Essa doutrina foi ensinada no colégio. Continua inatacável, ainda hoje, em certos círculos. E, entretanto, não tem sentido. Nossos criminologistas concluíram acerca dos criminosos de fatos conhecidos sobre os convictos. Admitem, antes de tudo, que os criminosos são, na maioria, convictos, ou, se não, que os convictos são exemplares típicos de todos os criminosos.141 Ora, essas afirmações acerca de nossos fora-da-lei são estúpidas, tanto quanto fazem generalizações fáceis sobre investigações nas prisões. E o público é seriamente enganado mesmo pelos mais escrupulosos biometristas, como Goring, cuja brilhante análise de 37 traços em 3 mil convictos ingleses é clássica. Eis sua conclusão: Sobre a evidência estatística uma afirmação se pode fazer, dogmaticamente, a de que o criminoso é diferenciado por estatura inferior, por inteligência defeituosa e, até certo ponto, por tendência anti-social. Mas, a parte essas diferenças, não há característica física, mental ou moral peculiar aos internados nas prisões inglesas. Vejamos o testemunho de William J. Hickson, diretor do laboratório de psicopatologia de Chicago. Depois de estudar mais de 40 mil convictos de Chicago, descobriu que quase todos eram emocionalmente insanos. Praticamente, todo crime é demência precoce e o resto é paresia,142 exceto cerca de 1% dos casos, provenientes de lesão cerebral. Hickson considera extremamente raros os crimes causados por anomalia intelectual, exceto quando ocorrem combinados com moléstias do cerebelo. Então encontramos a astúcia financeira da suprema inteligência. Hickson declara que todos os criminosos regularmente se traem por lapsos mentais de várias espécies. Coordenações mentais e motoras se partem, ora no campo visual, ora 141
Costumamos imaginar que o criminoso sente remorso ou medo mas age assim por irresistível impulso, grave necessidade ou ingênua convicção de ser mais inteligente que o resto da humanidade. Deve haver muitos assim mas há muitos que se sentem predadores. Muitos pistoleiros consideram sua atividade tão legítima quanto a onça que mata uma capivara pra alimentar a si e aos filhotes. Meu pai falava do típico matador paraguaio, que ia à igreja rezar e pedir êxito na arriscada missão. Nota do digitalizador. 142 Paresia: Paralisia parcial. Nota do digitalizador
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na capacidade de desenhar uma simples forma geométrica, ora em sua resposta a simples questões. Assim, facilmente podemos saber se um acusado é criminoso, aplicando teste mental. Como 99 em cada 100 criminosos submetidos a testes no laboratório de Hickson sofriam graves defeitos cerebrais, Hickson inferiu que 99% de todos os crimes são causados por essas aflições cerebelares. Assim, concordou, em substância, com Goring, em que o criminoso é um verdadeiro tipo, marcado por inteligência defeituosa. Hickson foi além de Goring, afirmando que o defeito mental é antes cerebelar e emocional que cortical e intelectual. De qualquer maneira, chegaram à conclusão de que todos os criminosos são doentes mentais. Este raciocínio falaz erra ao julgar a parte como o todo. Esses cientistas têm uma incurável tendência a pensar sobre apenas uma coisa de cada vez. Admitem que todos os criminosos que estudam são típicos de todo o grupo criminal, quando, evidentemente, conclusões como as de Hickson e Goring se baseiam apenas no estudo aos criminosos sobre os quais se estendeu a ação da justiça. As capturas, por todas as causas, chegam a cerca de 2 milhões por ano em Eua. Somente uma, em quatro, resulta em condenação. Muitos dos detidos são, naturalmente, inocentes mas muitos são culpados ou foram presos em lugar dos verdadeiros criminosos. Em cerca de 500 mil condenações, mais de 300 mil são bêbedos, desordeiros e vagabundos. Menos de 200 mil culpados de felonia143 são condenados a cada ano. Entre outros estudos, a análise da Metropolitan life, de 1923, demonstra que, em cada 146 homicídios cometidos em nosso país, somente 69 indiciados foram capturados e, deles, somente 37 foram sentenciados. Recentemente uma comissão especial do instituto dos advogados americanos observou que o homem que planeje um arrombamento na cidade de Nova Iorque tem treze chances contra uma de escapar a toda punição. O que comete felonia tem sete chances, contra uma. A associação dos banqueiros americanos avalia as perdas produzidas pelos crimes contra a propriedade em cerca de 3.500.000.000 de dólares por ano em Eua. As fraudes creditícias chegam perto de 400 milhões de dólares por ano. Não podemos dizer qual a média de fraudes de crédito nem quantas fraudes são cometidas no curso dum ano pelo mesmo chantagista. Mas, por motivos muito técnicos pra discutirmos aqui, acho razoavelmente seguro estabelecer em 1000 dólares a média de fraude creditícia. Nesta base encontramos 400 mil fraudes perpetradas anualmente. E estou certo de estar subestimando o total. Outros tipos de crime contra a propriedade devem estar muito abaixo dessa média. Do que se sabe de furtos e roubos podemos conjeturar que 500 dólares sejam uma média liberal de todas as espécies de maneiras de aliviar o bolso do próximo. O número de insignificante ladroeira, cada qual de menos de 100 dólares, é prodigioso e deve exceder, em muito, essa média. Tomando 500 dólares como nossa média geral, encontramos o terrível total de cerca de 7 milhões de crimes contra a propriedade, anualmente, em nosso país. Mas há, nas prisões, pra todos os crimes contra a propriedade, menos de 70 mil criminosos. Numa aproximação inicial, portanto, encontramos apenas uma condenação a cada 100 crimes contra a propriedade. Essa estimativa deve sofrer correção, o que a faz descer à razão de 1 por 40. Isso se parece com a razão estabelecida no caso dos homicídios em nossas grandes cidades. Os crimes contra a propriedade são combatidos por imensas e astutas organizações de negociantes, banqueiros e investigadores particulares. As vítimas têm dinheiro pra 143
Felonia: Deslealdade, perfídia, traição. Nota do digitalizador. http://www.kinghost.com.br/
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guerrear contra os ladrões e os chantagistas e têm cérebro pra isso. Mas onde a riqueza, a inteligência e os poderosos interesses econômicos não se entrosam no ataque ao crime a razão entre as ofensas cometidas e as condenações se torna ridícula. É um crime tentar o suicídio mas há menos de 50 pessoas condenadas por isso. Incesto é crime, e mais comum que muita gente imagina, mas há menos de 200 americanos nas penitenciárias em virtude desse crime. Sedução é crime pelo qual menos de 100 indivíduos medem passos nas celas. O adultério é tão comum quanto o jogo, provavelmente. Tecnicamente é crime mas apenas 1300 adúlteros estão encerrados nas prisões. O perjúrio tem sido geralmente considerado crime de peculiar repugnância até recentemente mas apenas 250 perjuros estão nas prisões ianques. E, coisa surpreendente, poucos indiciados surgem. Pra cada perjuro, amador ocasional ou profissional persistente indiciado deve haver várias centenas de desconhecidos. Um eminente advogado me declarou que, em sua opinião, as chances a favor do perjuro, no tribunal americano típico, hoje, são ao menos de 250 contra 1. Uma conjetura, admitamos, mas não absurda, à luz de nossa estatística criminal. Comparemos essas várias médias com as médias de inteligência conhecidas. O que encontramos? Um fato surpreendente. Tomando as ofensas e os ofensores em geral, a população das prisões não pode abarcar mais do que 1% do total dos ofensores e, provavelmente, não abarca mais de 0,25%. Desse total a metade do total da população das prisões é constituída por criminosos habituais, de inteligência sub-normal, e a outra metade, na maioria, é constituída por ofensores juvenis e ocasionais, de inteligência ligeiramente sub-normal. Comparada com a média de inteligência nacional, a razão entre os criminosos presos e os que nunca foram presos revela uma surpreendente semelhança com a razão entre as mentes marcadamente inferiores e todas as mentes medianas ou superiores. A porcentagem de criminosos presos é muito menor que a de mentes inferiores do país em geral. Todos os testes de inteligência demonstram que os mais pobres, 10% de quaisquer grandes grupos (ao acaso ou selecionados de acordo com outros traços que não o intelecto), constituem um agregado inferior de mortais. Os testes de inteligência do exército demonstraram que 47 em cada 100 soldados eram, dalguma maneira, ligeira ou grandemente sub-normais. Ora, o número de adultos e menores acima de 15 anos pode ser grosseiramente calculado em 67 milhões. Os 10% mais estúpidos dessa massa compreendem cerca de 6.700.000 pessoas. Esse grupo de mentes inferiores é mais de 33 vezes maior que o total de criminosos presos. Comparai isto ao fato de que há cerca de 40 vezes tantos criminosos livres quantos há presos. E estais aptos a considerar a questão principal: Que probabilidade há de que o estudo a um criminoso preso em cada 40 em liberdade revele a natureza psicológica dos outros 39 em liberdade? Eis como são sem valor e prejudiciais as generalizações como as de Goring e Hickson e de todos os outros criminologistas que, recentemente, surpreenderam o mundo, pois as conclusões se baseiam no estudo das classes sub-inteligentes de nossa população. O sentenciado é o criminoso fracassado. E é mal-sucedido, principalmente, por ser obtuso, simplório. Sai, em geral, dos 5% inferiores de todos os criminosos e a inteligência é exatamente o que devíamos esperar dessa sub-classe. Como podemos esperar que um criminoso inteligente seja preso? A competição, de baixo, é terrível. E, quanto mais de perto estudarmos a estatística da inteligência e dos êxitos mundiais, mais evidente se torna que nossa aristocracia jamais verá o interior duma penitenciária, exceto na qualidade de diretor ou de governador estadual. O sucesso, em qualquer campo de atividade, depende, principalmente, de três grandes fatores: Inteligência, energia e oportunidade. Como esses três fatores são realmente compostos de centenas de elementos de chance, notamos que a curva de
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distribuição normal pinta bem o êxito e o fracasso. No mundo criminoso, como noutros campos, 75% dos maus atores se aproximam da média, isso é, não obtêm muito êxito, não têm grande fracasso, não são espíritos brilhantes, imbecis nem dínamos ruseveltianos de criação de crime nem água-viva. Os outros 25% se dividem, igualmente, em ambos os lados da linha divisória da mediocridade. A metade obtém grande êxito e a outra metade grande fracasso. Se quiserdes podereis ainda subdividir isso, até notar que cerca de 2% de todos os criminosos conseguem êxito extraordinário, enquanto 2% se perdem em fracasso igualmente extraordinário. E, nos extremos opostos do campo de distribuição, encontrareis um homem em mil que seja gênio arguto. No extremo positivo, é um gênio do êxito, o verdadeiro Homem Superior, como Napoleão, e, no extremo negativo, é um perfeito lunático criminoso, que não pode respirar sem se complicar com a polícia. Tudo o que se pode provar acerca de crimes e de criminosos em Eua demonstra que o êxito e fracasso segue a distribuição normal ou se dirige ao extremo positivo (êxito). Hickson, Goring e todos os outros provam que nossos pássaros são mental e fisicamente defeituosos mas constituem de 2% a 3% do número provável de pessoas que, no estrito sentido técnico da palavra, são criminosas. Visto que a porcentagem provável de pessoas seriamente sub-normais no grupo criminoso total fica entre %5 a 10%, é claro que os sentenciados representam, simplesmente, os criminosos inferiores que, em virtude de imperfeita inteligência, de falta de esforço estrênuo ou de oportunidade, fracassaram e caíram na malha da polícia. Inferir, de sua mentalidade, algo acerca dos grandes, sólidos e elevados 90% de nossos trabalhadores, sinceros, conscienciosos e altamente inteligentes militares, procuradores, senadores e membros do gabinete seria trair um defeito mental digno desses últimos 5%. O criminoso inteligente jamais vai preso, exceto por um ato da providência, que geralmente se transforma na hábil manobra dum competidor. Jamais será medido pela inteligência ou por uma roupa de presidiário, pois as diferenças a seu favor são muito maiores que em qualquer dos negócios e das profissões mais conservadoras. Encontro uma segunda linha de apoio a minha opinião na comparação entre os prisioneiros do exército ianque e os prisioneiros de Leavenworth. Os do exército foram recolhidos ao xadrez por pequenos delitos somente, como aliviar os companheiros de acampamento ou dar um piparote no sargento. Os reclusos de Leavenworth lá estão por algo sério: Assassínio, estelionato, rapto. Ora, parece que o QI daqueles pequenos delinqüentes é consideravelmente mais baixo do que o dos de Leavenworth. Isso indica que os indivíduos estúpidos estão sempre caindo em irregularidade trivial mas raramente tentam algo que exija planejamento, segredo, gasto de dinheiro, cúmplice? Isso demonstra que não são bastante espertos pra evitar a captura e a condenação em atritos mínimos com a lei? Estou tentado a extrapolar aqui. À medida que a gravidade e a magnitude da ofensa aumentam, aumenta a mentalidade de seu perpetrador. Não se pode tentar um grande crime, a menos que tenha mente aguda, considerável dose de imaginação e habilidade organizadora. Alguém já prendeu algum dos chefes do narcotráfico que operam em Londres, tendo em Montreal o quartel-general americano? Há uma quadrilha de criminosos com cérebros provavelmente superiores aos de 9 em cada 10 banqueiros e diretores de colégio, se devemos deduzir algo pela facilidade com que escaparam à detenção e à prisão durante muitos anos, embora centenas de detetives públicos e particulares tivessem feito o impossível pra os agarrar. Ou, então, os trapaceiros internacionais, realmente grandes, que operam em Monte Carlo, nos navios e nos clubes da alta sociedade. Inventaram vários métodos de arrancar o dinheiro dos ricos. Métodos
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conhecidos pela polícia há muitos anos mas invencíveis. Os indivíduos que apenas sabem o que lêem nos títulos jornalísticos pensam que o apogeu do crime foi alcançado por Fred Burke, há muito chamado, mesmo pela polícia, o mais perigoso criminoso de Eua. Entretanto, comparado com centenas de cavalheiros espertos que jamais compareceram a um tribunal, Burke não é mais que um simplório, mesmo que tivesse iludido os detetives durante anos, assassinando dezenas de pessoas nesse intervalo. Burke, como talvez vos recordais, era o mestre do gatilho dos bandidos de Chicago. Foi cercado numa solitária casa de fazenda do Missure. Tudo porque o estúpido se pusera a comprar mercadoria de pouco valor com nota que a gente da redondeza jamais vira e nunca deixava seu automóvel quando comprava: Mandava sua guarda pessoal comprar. Tal lapso mental se encaixa, perfeitamente, na hipótese de Hickson. Admitamos, pois, que possa conter uma verdade substancial acerca dos que morrem na cadeia. Mas, por favor, não insulteis os altos espíritos desse mundo subterrâneo, os classificando ao lado de imbecis como Burke. Estamos prontos pra defender a tese de que: 1 ● O êxito permanente no crime é, com toda probabilidade, tão comum como o êxito permanente no negócio de jóia ou no ensino em escola secundária. 2 ● Relativamente, tantos indivíduos conseguem êxito em carreira criminosa quanto em carreira honesta. 3 ● Assim como o êxito é mais difícil quando a competição é mais feroz, alguns setores do crime são mais difíceis que outros, sendo os mais difíceis, provavelmente, aqueles onde o risco é maior. 4 ● Os criminosos de tipo mais astuto sabem que a maneira mais fácil de evitar complicação é aprovar leis que autorizem ou, dalguma maneira, protejam seus atos criminosos. Assim, nossos criminosos mais vitoriosos são os que enchem as câmaras com seus homens de confiança e aprovam estatutos que lhes dão algo por nada. 5 ● Os criminosos mais estúpidos são os que abertamente se opõem à polícia ou os homens superiores que dominam a política dos criminosos. O que lhes acontece foi há pouco demonstrado. Encerrarei esta discussão cum relatório recentemente concluído e publicado por senhor e senhora Sheldon Glueck, que estudaram, com magnífica precisão, a carreira de 500 criminosos, depois que deixaram o reformatório de Massachustes.144 O casal verificou que os reformadores sociais estavam inteiramente errados na caridosa conjetura sobre os ex-sentenciados. Desses 500 não menos de 400 ainda cometiam crime entre 5 e 15 anos depois de livres. O que podemos concluir? Certamente não a conclusão a que chegou doutor Richard Cabot, ao declarar que os Glueck aduziram uma terrível prova contra o sistema de reformatório em geral. Não há dúvida de que todos os reformatórios são mal-dirigidos. Mas o que posso ver, na história dos 400 que continuaram a carreira no crime é, antes de tudo, que eram originalmente bastante estúpidos pra se deixarem prender e, em segundo lugar, que, depois de presos alguns anos, nada aprenderam e, assim, continuaram a proceder tão estupidamente quanto antes. O criminoso astuto raramente é preso e, quando o é, isso ocorre em virtude dum golpe de azar, que não pôde prever. Mas o criminoso estúpido estraga seu trabalho e vive à custa dos contribuintes durante algum tempo e continua tão estúpido quanto antes. É absurdo esperar que um reformatório converta um imbecil que se deixa colher pela polícia. E não é loucura esperar que a polícia consiga prender outra gente além dos imbecis que batem carteiras de senhora, se intrometem nos quartos de dormir e 144
Five hundred criminal careers, Nova Iorque, 1930
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grosseiramente forjam cheque sem fundo? Acho que se devemos condenar os reformatórios por não conseguirem curar esta ínfima classe malfeitora deveríamos ir além e condenar os hospícios por não conseguirem formar estadista. Terminamos. Notamos que o criminoso é apenas um tipo emocional normal mas, visto que se esforça a dominar um negócio onde a conduta foi formalmente regulada pelo grande público ou por legisladores criminosos é condenado e caçado. Às vezes é esse grande público que está errado no regulamento. Às vezes é o legislador criminoso. Mas onde está a estupidez só se pode dizer examinando, minuciosamente, cada caso.
Medo O medo é um modo de dominação muito complexo pra ser analisado aqui. Muito mais que o delicado frenesi da opressiva auto-afirmação, o esforço imperfeito pra vencer, que produz o medo, causa as piores espécies de estupidez. Algumas são tão más que dizemos que a pessoa assustada está em pânico e perdeu a cabeça. A descrição é exata. O medo é um dos mais terríveis estupefacientes, havendo mesmo quem vá além e lhe atribua grande parte das principais infelicidades da raça, desde o militarismo até as neuroses sexuais. Às vezes a vítima perde todas as coordenações efetivas e se torna tão indefesa quanto um paralítico. Novamente se dissocia, se fixando nalguma característica da situação, mais ou menos à maneira dum histérico. Outras vezes se fixa, mas sem dissociação discernível, como os franceses fizeram desde a primeira guerra mundial. Tão profundo e tão desalentador é o medo que os franceses têm da Alemanha, que perderam toda perspectiva e toda flexibilidade de ação. Se pode encontrar uma centena de episódios que o demonstram. Eis um, de data recente. Desde o começo de 1931 a Alemanha estivera na beira do desastre financeiro. Sinais ominosos há muito indicavam a possibilidade de colapso. No dia 13 de julho chegava notícia do grande banco de Darmstadt. Os políticos franceses conheciam bem a gravidade da situação alemã. Entretanto, quando doutor Hans Luther tentou negociar um empréstimo francês com o premiê Lavai, lhe exigiram uma virtual sujeição política da Alemanha como condição primária pro auxílio financeiro. Muitos dos atos maus da França, desde 1918, provêm de medo histérico, pelo qual não condenamos o povo francês. Os franceses são, como povo, singularmente suscetíveis à fixação da idéia e, realmente, como adiante mostraremos, são, mesmo quando livres de intensa emoção, escravos de suas noções. Isso implica em dissociação parcial das realidades concretas, exatamente o inverso do hábito inglês de se fixar sobre os assuntos concretos do momento e esquecer os aspectos mais amplos do problema. Assim, enquanto os ingleses, no esforço pra resolver o problema, se adaptam rapidamente à nova situação, os franceses se deixam obsedar por uma idéia e, se o medo pânico os toma, esquecem tudo mais além dessa idéia. O espécime perfeito é o velho tigre, Clemenceau, que em 1870 se fixou sobre o esmagamento da Alemanha e jamais escapou completamente a essa mentalidade anormal. Sua colossal dominação escondeu o medo, mesmo assim o medo existia. Na crise de sua carreira trágica, Woodrow Wilson sucumbiu ante um medo pânico que o levou a uma série de desastrosas tolices. Antes do armistício, escreveu a fatal carta aberta pedindo a todos os eleitores que votassem apenas nos candidatos democratas ao congresso. Todos os bebês em arma compreenderam, então, que Wilson necessitava, dolorosamente, o apoio dos republicanos. Milhões de eleitores começaram a se aborrecer com o presidente, uns por este, outros por aquele motivo. Os caridosos desculpavam as estranhas medidas as atribuindo a esgotamento nervoso mas a têmpera da nação era perigosa e qualquer homem consciente agiria mais prudentemente. Em círculos até então ligados à Casa Branca se ouviu murmúrio uma hora depois da
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publicação da carta aberta. Numa semana o murmúrio se transformou em tempestade. Admitamos que o erro seguinte fosse, em parte, causado pelo ressentimento contra os republicanos, por seus urros de raiva em relação à carta aberta. Mesmo assim um estadista equilibrado dominaria o sentimento a bem duma vitória maior. Apavorado por uma derrota política Wilson precipitou a catástrofe. Devia ser nomeada uma comissão de paz que deveria representar não Wilson mas Eua. Fossem quais fossem as decisões a que chegasse, deveriam ser submetidas ao voto do senado, único com poder pra ratificar tratado. Wilson agiu como se nunca ouvira algo acerca desse detalhe da administração ianque, pois não nomeou, pra membro da comissão de paz, nenhum senador e nenhum republicano. Então a estupidez dos anos cresceu até constituir uma onda que, pouco depois, o arrastou.
Tímido Na forma branda e crônica o modo de dominação que chamamos medo vira persistente timidez, que causa muito desgosto ao portador, pois pode levar a ato quase tão estúpido quanto o produzido por intenso pânico. Consideremos um dos tipos mais comuns: O homem que empresta dinheiro. Em ocasião próspera o jogador ameaça toda a estrutura econômica mas, na depressão, o banqueiro desempenha esse ingrato papel. Sua timidez, treinada na modalidade mais digna da precaução, seria muito ativa contra a especulação lunática durante as grandes tempestades mas, por falta de inteligência, é incapaz de se alçar a essa ocasião e ser firme com o dinheiro doutras pessoas. Também os blefes, os aproveitadores 1000% e todos os outros malandros sabem subjugar a alma tímida. A excitam com história de lucro rápido e outras coisas fantásticas e, se ela ainda continuar contra seu propósito, insinuam que procuram criar uma instituição financeira mais progressista. Geralmente isso desintegra o traço químico de coragem que possa possuir. Como a cena muda, entretanto, quando chega a perturbação! Os fregueses, alarmados, chegam como humilde pedinte, o que compensa à alma tímida, que age como o rapaz covarde diante de criança. Coça a barba, sacode a cabeça, até nega pedido de empréstimo. Tudo isso, naturalmente, se harmoniza com o profundo receio de perder dinheiro. Que agradável, pois, desempenhar o papel duma poderosa personalidade! Indivíduos ignorantes a elogiam, embora a nação afunde, cada vez mais, na pobreza. Exatamente quando estimulantes poderosos devem ser administrados a fim de comunicar um ímpeto à indústria e ao comércio, o banqueiro congela todas a reserva monetária. Haverá algum campo que não seja afetado por esse receio? A propriedade imobiliária metropolitana sofreu não muito menos que os acres de terra do fazendeiro de trigo do oeste. Lawrence B. Cummings, vice-presidente de Douglas L. Elliman & Co., uma das firmas mobiliárias mais importantes de Nova Iorque, revelou, recentemente, ao conselho americano de construção, um pouco da verdade, mas em tom polido: Há, entretanto, dois obstáculos artificiais ao reerguimento da propriedade imóvel. Um é a atitude do banqueiro comum, cujo conhecimento da propriedade imóvel é limitado em comparação com o conhecimento doutros ramos. Por timidez, provavelmente gerada por essa falta de compreensão, o banqueiro se negou a apoiar o desenvolvimento da propriedade imobiliária. Essa atitude reflete na insistência de certos examinadores de bancos 202
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pra que os investimentos da propriedade imobiliária sejam retirados da lista de bem dos bancos. Otto Kahn chega a conclusão semelhante numa excelente análise de toda a situação creditícia, feita alguns meses depois das observações de Cummings sobre os empréstimos à propriedade imobiliária. Chegou a afirmar que os banqueiros tímidos estão prejudicando o comércio ianque e adiando o restabelecimento. Realmente, muitos banqueiros podem oferecer defesa sincera e bem fundamentada de sua recusa a emprestar dinheiro durante uma grande depressão e, até certo ponto, têm razão. Mas há muitos sinais de medo excessivo de sua parte, que podem ser levantados contra si. Demonstraram absurdo pânico em situação que exige ao menos um traço de coragem. Posso confirmar, pessoalmente, esse fato desagradável. Em 1931 servi algum tempo como consultor dum cavalheiro que estava em dolorosa situação em conseqüência de investir grande parte da fortuna em lote e apartamento metropolitano. Embora possuísse apólice no valor de mais de 6 milhões de dólares e tivesse interesse em duas fábricas avaliadas em não menos de 150 mil dólares, não pôde obter um empréstimo de 25 mil dólares nalgum dos seis bancos principais. Naturalmente, havia algumas complicações legais, porque grande parte de sua propriedade imobiliária era compartilhada por outros mas, além disso, possuía bem no valor de mais de 250 mil dólares. O que disseram a isso os banqueiros? — Temos um acordo mútuo. — Disse um, que se tornou perigosamente franco, no sentido de dividir qualquer avaliação por cinco ao considerar um empréstimo, hoje em dia. Mas os avaliadores tomaram em conta a depressão, antes de dar o veredicto. — Observei. — Se, como um dos melhores avaliadores realmente fez com esta propriedade, diminuem em 30% a cifra, por segurança, acha que ainda se as deve diminuir em 20%?" — Sim. Devemos ser muito cautelosos atualmente. Se isso não é estupidez fundada na covardia, então todo este livro foi escrito em vão.
Condescendência A atitude condescendente resulta nas maiores tolices sempre que um grupo de indivíduo se reúne e resolve sobre assunto importante. Isso não ocorre regularmente, se o assunto é trivial ou simplesmente sentimental. Requer uma situação em que os participantes divirjam seriamente a ponto de se deixarem levar pela emoção. O mecanismo psíquico age da seguinte maneira: O primeiro membro do grupo deseja ardentemente o plano A. O segundo membro advoga o plano B. O terceiro luta pelo plano C. O que acontecerá se todos forem condescendentes? O resultado mais provável é que cada homem adira, harmoniosamente, aos pontos de vista dos outros dois. De acordo contigo!, João. Como cada um cede o passo aos outros, o que resulta? Um plano estéril, um programa vazio contendo algo como o mínimo denominador comum de todos os três bons planos, sem virtude específica. Consideremos um caso recente, citado aqui somente por causa das personalidades e grandeza dos assuntos envolvidos: A série de resolução aprovada em 1931 pela câmara de comércio de Eua e pela câmara internacional de comércio, nas convenções da primavera, em Uóchintão e em Cidade Atlântico. O nobre fim era definir a posição dos chefes dos grandes negócios em todo o mundo ante a crise econômica e as influências político-sociais de base. Mais de 1000 sumidades do comércio, finança e indústria se reuniram, ponderaram, leram discurso, debateram e a montanha da mente e do dinheiro 203
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pariu dois ratinhos mortos. O menor e o mais morto veio da câmara internacional e provou, a todos os obstetras e internacionalistas, a incapacidade dos grandes negociantes ante uma situação como a que estamos enfrentando. De 35 nações chegaram homens poderosos, afáveis, bem penteados, doidos pra agradar. Supostamente mais experimentados e melhor treinados em negócio que quem quer que seja. O que fizeram no curso de jantares, chá, festa? Precisamente zero. Suas resoluções são muito compridas (e estúpidas) pra serem transcritas aqui mas notemos que não afloraram problema real nem propuseram linha de ação. Sobre o comércio com a Rússia, nem uma palavra. Sobre tarifa (que até mesmo as crianças sabem que são uma ameaça mundial), pouco mais que o arroto, polidamente escondido, duma velha dama com dispepsia. Sobre o desarmamento, o piedoso voto comum de que todos gostarão de ser bons. Nem um plano suave, como a proposta do grupo Cecil pruma redução de 25% nas armas de todas as nações. Sobre as dívidas de guerra, falatório vazio pra dizer que a integridade das obrigações internacionais não é inconsistente cum exame imparcial dos efeitos dessas obrigações sobre o comércio internacional, se justificado por novas condições econômicas. Traduzida corretamente, a frase não é mais que o zurrar dum burro. Mas o mais profundo, alto e musical dos zurros ressoa na resolução de que os orçamentos nacionais deveriam ser equilibrados, mas sem aumento de imposto. Isso se traduz na conhecida quadrinha: Mamãe, posso ir nadar? Sim, minha filha querida. Pendures a roupa num galho de nogueira mas não chegues perto da água. O que os bardos da família Babitt cantariam seria a libertação do imposto de renda. E isso, ao menos, não é condescendência. Escarnecidos dum extremo a outro de Eua por sua mistura de estupidez e covardia, ao menos servem a um fim útil: Suas estéreis cogitações mostram os males que decorrem da condescendência em ação grupal. Uma ata minuciosa da convenção revelaria o beco-sem-saída da opinião legítima, com poderosos sentimentos em todos os aspectos das questões principais. Em tal situação nenhum cavalheiro seria tão rude a ponto de atacar e de esmagar os desejos doutro numa resolução pública. Assim, o mundo desaparece no lodo sem a ajuda dos indivíduos docemente condescendentes, como em geral. Os indivíduos condescendentes custaram a Eua grande soma, pois de sua conduta débil e conciliatória se derivam muitas tolices estatais. Essa emoção conduziu à guerra hispano-americana. O presidente McKinley era uma boa alma. Porém, como muitas outras boas almas, lhe era difícil tomar decisão. Na verdade McKinley, legítima e honestamente desejou a paz no tempo da guerra hispano-americana. E, como o demonstra Walter Millis, embora fosse difícil e politicamente perigoso, poderia não ter sido impossível a um estadista corajoso e de vontade firme seguir uma política que evitasse o conflito. Mas o presidente McKinley, que na famosa frase de seu sucessor, não tinha mais espinha dorsal que um chocolate, durante algum tempo nada fez. Desejando a paz, ainda se preparava à guerra. Finalmente forçado a decidir, ainda tinha um pé em cada borda do 204
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precipício. Certa noite um amigo encontrou Roosevelt saindo da Casa Branca, num estado de viva indignação: — Sabes o que esse desfibrado fez? Preparou duas mensagens: Uma pela guerra e outra pela paz. E não sabe qual deve enviar!145 A falta de inteligência, característica de McKinley, atrasou sempre suas decisões. Até o último momento parecia alimentar a idéia de que poderia ainda fazer uma intervenção armada sem desencadear uma guerra. Quando, nessa mesma tarde, o presidente afinal deu a ordem, foi uma ordem escondida sob a ambigüidade peculiar que lhe era tão característica. Ordenou um bloqueio. Mas uma ordem definitiva fora dada. Long a enviou a telégrafo ao almirante Sampson e a esquadra, tanto tempo ancorada no porto de Recife Oeste, afinal se lançou ao mar. Grover Cleveland, escrevendo ao secretário de Estado Olney, no dia seguinte à declaração de guerra de McKinley, salientou o mesmo ponto sobre seu sucessor: Apesar de tudo... não posso evitar um sentimento de vergonha e de humilhação. Sinto estar diante da velha história de boa intenção e motivo sacrificado a falsa consideração de complacência e de harmonia no partido. McKinley não é uma vítima da ignorância mas de fraqueza afável que não deixa de estar misturada à ambição política. Sabia ou deveria saber da obstinação do senado e foi abundantemente advertido contra Lee. Entretanto se rendeu ao primeiro e deu confiança ao último. O senado não hesitará em o deixar no ostracismo e Lee voltará, suponho, como major-general, o ídolo do populacho. Roosevelt, também, terá sua parte de sucesso e Miles será comissionado general do exército. Finalmente, caso duvideis da falta de autoconfiança de McKinley, consideremos como decidiu que era direito, honroso e justo Eua anexar Filipinas. O comitê missionário geral da igreja metodista episcopal se reuniu em Uóchintão um ano depois da decisão. O presidente recebera a delegação, que estava a partir e os deteve subitamente: Um momento, senhores! Antes de vossa partida, quero dizer uma palavra sobre Filipinas... A verdade é que eu não a quis e, quando nos veio como uma dádiva dos deuses, não soube o que fazer... Procurei conselho em toda parte, entre democratas e republicanos, 145
The marcial spirit, Nova Iorque, página 130
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mas obtive pequeno auxílio. No princípio pensei que deveríamos tomar apenas Manila, depois, Luzão, depois outras ilhas também, talvez. Passeei no pátio da Casa Branca, noite após noite, até meia-noite. E não me envergonho de dizer que me ajoelhei e orei a Deus todo-poderoso, pedindo luz e guia, mais duma vez. Numa noite a luz veio a mim. Não sei como mas veio: 1 ● Eu não podia as entregar novamente à Espanha. Isso seria covarde e desonroso. 2 ● Não poderíamos entregar à França ou Alemanha, nossas rivais comerciais no Oriente, pois seria mau negócio. 3 ● Não poderíamos entregar a si mesma, pois não tinha capacidade de auto-governo, e em breve ali reinaria uma anarquia e um desgoverno pior que o da Espanha. E 4 ● Nada nos restava além de a tomar inteira, educar os filipinos, os civilizar e cristianizar e, com a graça divina, fazer o melhor que pudéssemos por eles, como nossos irmãos, pelos quais Cristo também morreu. E, então, fui à cama e dormi profundamente. Felizmente o senhor e o imperialismo ianque estavam de acordo. E, prontamente, nos pusemos à obra, graças à ajuda divina ao indeciso McKinley, que procurava agradar a todos. Essa complacência do pobre McKinley é uma fraqueza popular entre os ianques. Creio muito mais importante aqui que noutros países. Os que dela sofrem lhe dão nomes duros, enquanto os que se beneficiam a chamam de boa natureza e de bom coração. McKinley foi feito pra obedecer a espíritos dominadores como Mark Hanna, que o escolheu à Casa Branca. Provavelmente, nove, em cada dez advogados, engenheiros, congressistas e professores ianques mostram muito dessa mesma doce subserviência aos fortes. Todo observador estrangeiro percebe. A nova religião do serviço é, no fundo, essa forma de condescendência, embora os devotos se esforcem, muitos deles muito sinceramente, prà fazer um credo do amor puro e simples. Mas 9 em cada 10 negociantes não estão investindo seu capital pelo bem da humanidade. Querem lucro. E por que não? Seus ancestrais, vendendo mercadoria a um público completamente ignorante e estúpido, eram capazes de amealhar fortuna por meio de adulteração, fraude e chicana. Caveat emptor146 estava profundamente gravado em seu escudo. Mas o tempo mudou. Pouco a pouco os indivíduos aprenderam, ficaram espertos, insistiram sobre o valor de seu dinheiro e, finalmente, com a chegada do século 20, milhões exigiram serviço, com S minúsculo. Os traficantes não gostaram disso mas alguns líderes viram como fazer dinheiro prestando serviço e seus agentes se puseram a o capitalizar. Doravante foi chamado Serviço, que era realmente capital. Era, pura e simplesmente, um ato de condescendência com crescente exigência do público. Inicialmente o consumidor se aventurou, ainda que debilmente, a dominar a cena. E, sob a pressão da rude competição, os negociantes se submeteram, fazendo da nova 146
Caveat emptor: Expressão latina, O risco é do comprador ou Compres por tua conta e risco. A situação oposta é Caveat venditor. Nota do digitalizador. http://pt.wikipedia.org/
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necessidade virtude. A condescendência vai além na natureza ianque. Nas manifestações mais daninhas a encontramos, não no comércio mas na política e nos assuntos ligados às liberdades civis. Aqui o espetáculo engana completamente o estrangeiro, não menos que o ianque à moda antiga, que preferia a legenda Nemo me impune lacessit147 da bandeira ao palavreado incolor do Serviço.
Submissão A pessoa submissa, observa W. M. Marston,148 livre e prazerosamente anula a própria vontade a fim de ser dirigida por pessoa mais forte, essencialmente igual a si, ao menos quanto às tendências envolvidas no ato de submissão. Introspectivamente, quer e gosta de se submeter inteiramente, e sem questionar, à vontade do outro. Tem a clara convicção de que a pessoa dominadora deseja fazer algo de bom por ela, algo que realmente gostaria de ter ou de ser. E, geralmente, também acredita que a pessoa dominadora pode auxiliar a conseguir mais rapidamente que o submisso poderia fazer. Marston também demonstra, por meio de muitos casos e experiências, que a variedade mais comum de submissão se revela na obediência das adolescentes às respectivas mães. As moças italianas parecem particularmente inclinadas a essa atitude. O pior caso duma adolescente arruinada pela dominação da mãe, dentre minhas observações pessoais, é a duma filha napolitana, nascida na América. Aos 20 anos a moça em primeira vez veio a mim pra reeducação e, rapidamente, me levou ao desespero, pois não pude quebrar a completa rendição aos mínimos desejos da mãe. Ainda goza essa abjeta existência, a despeito da convicção intelectual de que estava prejudicando a carreira. Se parecia exatamente cum viciado, que aprecia a droga enquanto a toma e, nos intervalos, suspira pra vencer o hábito odioso. Essa submissão quase universal provavelmente tem raiz na infância. O bebê ainda de braço é sempre submisso à série de atos praticados pela ama-seca ou mãe, de quem o pequeno acaba por gostar. Assim, a fusão do prazer com a submissão tende a estimular novas experiências com essa atitude. A criança prontamente aceita a disciplina do professor, logo que vai à escola. Naturalmente, se o professor não sabe manter a agradável dominação a que a criança foi acostumada os laços são logo rompidos. Mas, em nosso país ao menos, o simples fato de quase todos os professores elementares serem mulher jovem torna difícil ao aluno se libertar da submissão. A mamãe, também, é uma mulher jovem. E é um fato psicológico que todos nos inclinamos, prontamente, à submissão a pessoas agradáveis, que se pareçam conosco ou com quem gostamos. Nenhum estatístico calculará quanta moleza da geração atual se deve, apenas, à docilidade nos primeiros cinco ou seis anos de escola. Ianques desfibrados, e temos milhões, são uma praga, mas só a nós mesmos devemos condenar, pois, não somente feminilizamos sua educação, mas também, ao menos até pouco tempo, a cristinianizamos. Outro motivo por que tantos jovens se tornam submissos muito cedo se encontra em seu fluxo natural de energia, especialmente em plano psíquico superior. A submissão é o caminho mais fácil, mesmo quando, em certos planos inferiores de atividade, é 147
Nemo me impune lacessit (Ninguém me fere impunemente). Nota do digitalizador Doutor William Moulton Marston (9 de maio de 1893 – 2 de maio de 1947), também conhecido pelo pseudônimo Charles Moulton, foi um psicólogo ianque, teórico feminista, inventor, e escritor de quadrinho, criador da famosa Mulher Maravilha. Duas mulheres: Sua esposa Elizabeth Holloway Marston e Olive Byrne (que viveu com o casal numa relação polígama) serviram pra inspirar e influenciar a personagem. Nota do digitalizador. http://pt.wikipedia.org/wiki/William_Moulton_Marston 148
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estrênua ou incômoda. Como esse ponto, tanto quanto sei, jamais foi devidamente estudado, se é que foi reconhecido, deve ser esclarecido aqui, pois contém o sangue vivo do soldado, do monge e do homem simplesmente estúpido, que deixa que outros o governem sempre. As ramificações dos erros e das cegueiras dos tipos inferiores continuarão a ser um mistério até que se compreenda completamente a economia peculiar da submissão. Consideremos, primeiro, a menina de cinco anos, digamos, cuja mãe começa à treinar no caminho da doce obediência. Se é muito enérgica, enquanto a mãe é fraca ou lânguida, haverá pequena submissão. O mesmo acontecerá se a menina for precoce, inquiridora e cética. Se outra pessoa lhe pedir obediência, ela perguntará por quê, como, quando e pra quê, até que a mãe se canse ou perca a capacidade de mando por não conseguir tornar clara a razão da ordem. Se a menina é menos enérgica ou menos inteligente a mãe leva uma grande vantagem, graças à relativa sabedoria e ao poder da idade adulta, pra não falar da estatura e do prestígio. Consideremos, antes de tudo, pois, a menina completamente estúpida. Forcejou pra dar o laço do sapato mas não conseguiu. Então, quando estava chegando ao desespero, chegou a mãe: Deixes. Mamãe ajeitará esse lacinho mau, querida. A menina relaxou os músculos, confortavelmente, enquanto a mãe ajeitou o laço do sapato. Uma hora depois a menina tentou escrever as letras do alfabeto mas quebrou a ponta do lápis, sujou o papel, escreveu mal os S e os C e abandonou o trabalho. Novamente a mãe foi auxiliar. E, novamente, nossa querida estúpida relaxou os músculos e ficou vendo mamãe fazer as letras. Essa é a vida fácil. E agrada aos jovens estúpidos, principalmente porque aprender a fazer coisas por si requer infinitos e cansativos tentativa e erro, se a inteligência do indivíduo é vagarosa. É difícil, a uma pessoa inteligente, avaliar o esforço e o incômodo que representam tal esforço. Nossa melhor imagem disso, creio, é a fadiga em que um bom estudante cai, depois de lidar, durante horas, cum problema que está um pouco além de sua compreensão. Florence Mateer, cuja enorme experiência com criança retardada lhe deu grande renome nesse campo, salienta, com exatidão, a escassez de energia: Há uma diferença inata difícil de descrever, mas todos os que conhecem crianças defeituosas e normais muitas vezes reconhecem essa diferença qualitativa antes de que um teste quantitativo demonstre a presença. É como se cuns o esforço evolucionário se gastara com o esforço necessário pra os trazer à luz, coutros não haja energia pra fazer face às exigências da palavra, coutros estímulos concretos possam evocar respostas satisfatórias mas não haja força motivadora bastante pra fazer face à exigência de resposta ao estímulo das idéias abstratas, teorias, princípios, etc. Mas a criança normal é completamente diferente. Vive, apenas, como a encarnação da atividade. É atividade inata, fluente, sensível a todos os novos estímulos, respondendo a toda nova
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exigência que se lhe faça.149 A descrição põe, sob o mesmo título, a energia requerida pra sentir e a energia utilizada no lidar com a situação percebida. No que concerne a nosso presente tópico, Mateer chega ao fundo do problema da criança estúpida. Pra todos os fins práticos, faz pouca diferença que a criança possua simples sensibilidade, sem energia motora pra experimentar, aprender e aplicar novas experiências, ou que lhe falte a energia nervosa que mantém a sensibilidade. Qual será, pois, a economia natural? Todo o impulso animal procurará ajuste satisfatório à vida com o mínimo de energia e isso, no indivíduo estúpido, significa, principalmente, mínimo esforço mental. Uma pessoa estúpida e saudável não se ressente do trabalho físico, ao contrário, acha prazer, até certo ponto. O indivíduo saudável, musculoso e de pronunciada estupidez geral, naturalmente tende a adotar submissão em assunto que requer esforço mental além de sua capacidade. E o indivíduo doente e sem grande força muscular faz o mesmo em situação que requeira esforço físico além dr sua capacidade. Os indivíduos estúpidos, doentes e fracos, são, portanto, duplamente submissos. Esse é o caminho mais fácil a dezenas de milhões. E sempre será. Nisso reside a atração da igreja e do estado, do mosteiro e do exército, da hierarquia e da burocracia. De modo que podemos resumir assim: A igreja é o caminho mais fácil aos indivíduos estúpidos, doentes e fracos, enquanto o estado é o caminho mais fácil aos indivíduos estúpidos, ativos e saudáveis. Não estou falando dos poucos líderes dominadores dessas duas instituições, me refiro apenas ao apelo feito às massas. Isso significa, naturalmente, que a generalização chega muito perto da completa exatidão, quando aplicada a congregação e não a clérigo, a soldado e não a general, ao adepto e ao devoto de todos os ramos do serviço eclesiástico e civil, e não aos evangelistas, arcebispos e chefes de repartição. Inequivocamente, os pensadores da igreja e do estado aceitam essa interpretação. Lede Loyola e Maquiavel sobre o assunto, se quiserdes.
Soldado Um oficial do exército austríaco escreveu, há muitos anos, um livro O moral dos soldados na paz e na guerra, que os peritos militares muitas vezes citaram como modelo.150 Entre outras verdades vigorosas, afirmadas com calor, pra ilustração de sargentos e de segundos-tenentes, encontramos isso: Viver e deixar viver é uma epígrafe miserável prum exército. Desprezo a seus próprios camaradas, ao inimigo e, acima de tudo, a si mesmo é exigido de todos pela guerra. É muito melhor, prum exército, ser muito selvagem, cruel, bárbaro, que ser muito sentimental e razoável. Se um soldado deve ser bom pralguma coisa, deve ser o exato oposto duma criatura razoável e pensante... Deve criar padrões absolutamente peculiares de moralidade. O recruta que leva à caserna as idéias éticas 149
The unstable child, Nova Iorque, 1924, página 53 Friedens: Und Kriegsmoral der Heere, C. V. B. K. Ver também as referências de Hamon a esse livro, em Psychologie du militaire professionnel, 1896, página 41 150
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comuns deve se desfazer delas rapidamente. Deve aprender a colocar a vitória acima de tudo. O argumento continua, pra demonstrar que, em primeira instância, deve se submeter absolutamente à autoridade de seus superiores e, nesta submissão, se deve tornar um matador. Superficialmente, isso é um paradoxo, uma evidente contradição. Mas não é uma dualidade psíquica impossível. O caso se parece, dalgum modo, com a hipnose:151 Desde que o laço hipnótico se estabelece, a pessoa pode ser ordenada a fazer coisas aparentemente importantes. A rendição do pensamento e da vontade, entretanto, é exatamente o que faz todas as coisas possíveis, sob a ação hipnótica. Posso mesmo acreditar que um soldado estúpido consiga ser promovido a primeiro sargento. Em verdade, ele então dará ordens a seu pelotão, mas todas suas ordens, na realidade, se originam numa mente superior, de modo que, núltima análise, suas ordens serão simples transmissões. O poder de dominar não nascerá no próprio sargento. A psicologia do soldado comum é tão bem conhecida que não necessitamos a estudar aqui. O que não é bem conhecido, entretanto, é que a seleção natural trabalha continuamente por atrair às fileiras do exército regular os espíritos sub-normais e repelir os fracos e os estúpidos doentes, assim como os dominadores, os egocêntricos e o perfeito vendedor ou o perfeito diplomata. (Não podemos discutir, aqui, os exércitos de conscrito, simplesmente porque essa forma de seleção artificial chama todas as espécies de homens aos quartéis). Alguns dos melhores soldados, marinheiros e fuzileiros navais das nossas próprias forças armadas vieram diretamente de instituições de débeis mentais. São rapazotes pessoalmente encantadores, em regra. Quando lhes dei uma oportunidade de mostrarem a habilidade encontrei poucos indivíduos mais felizes e mais agradáveis que eles. Num mundo de feroz competição, sua espécie se adapta melhor que as outras a um sistema militar que os poupa de todo esforço mental, que os alimenta, que os veste, que lhes protege a saúde muito mais eficientemente do que muitos civis protegem a própria, que lhes paga o que valem e que, depois duma vida de submissão, lhes dá pensão. Oficiais do exército me dizem que muito poucos soldados do exército regular desertam e que grande número se alistam sempre e sempre, demonstrando, assim, o bom-senso e a satisfação. Cuma pesquisa cuidadosa, a América poderia facilmente encontrar jovens submissos em número suficiente ara constituir um exército de cinco milhões.
Derrotados Os indivíduos submissos e condescendentes em geral demonstram tolices particulares. É sua natureza ou sua alimentação que as produzem? Como sempre, são ambas as coisas, em alguma integração difícil de analisar. Muitos homens nasceram, certamente, prà derrota, mas são suas próprias qualidades que, sob certas circunstâncias, os contrariam, os esmagam e, finalmente, os confundem. Essas circunstâncias muitas vezes se fundem com os males do clima, solo, animais, rebanho e outras naturezas hostis peculiares à região. Assim, no sentido mais amplo, são geográficas. Quando passarmos além desta breve introdução ao estudo sério das tolices locais, deveremos procurar no mapa os muitos limites naturais da estupidez nacional, racial e de comunidade. E, antes de tudo, será a estupidez do cão batido que nos interessará, não porque seja a chave de toda a questão, mas porque é, em primeiro lugar, mais saliente e, em segundo lugar, de tremenda importância social e política. Por enquanto, nos contentaremos com formular brevemente o problema, apontando as maneiras de o 151
Lavagem cerebral. Nota do digitalizador
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resolver e suas várias explicações possíveis. Onde, nas importantes regiões do mundo, hoje, encontramos condições favoráveis à personalidade submissa? Esta questão jamais foi respondida, mas merece a nossa atenção, pois está ligada a problemas importantes na política e na ética social. Nenhum estudioso de geografia, de climas e de populações pode duvidar de que certos lugares parecem produzir uma horda desordenada de almas passivas. Dewey o notou na China, como o fizeram, também, muitos viajantes inteligentes. Isso foi repetidamente observado por ocidentais que inspecionaram certas partes da Índia e da Sibéria. E milhares de pessoas comentaram a surpreendente submissão dos austríacos. Na China, a densidade da população parece favorecer o homem comum, que se inclina a aceitar as coisas como estas lhe surgem. Certamente, a personalidade senhoril tem uma probabilidade insignificante de êxito exterior, caso se coloque em oposição contra a ordem estabelecida em qualquer ponto, pois a, grande massa de adversários que levanta contra si é quase certamente fatal. Essa foi a história de todas as reformas, boas ou más, e de todas as tentativas de ditadura na China, durante séculos. Nem 1 em 100 conseguiu êxito, mesmo parcialmente. O domínio pela fuga é também restringido, e não pouco, pelo fato de que há pouca solidão pra que se possa fugir, estabelecendo um novo estado de negócio. Há refúgio no mosteiro budista ou na caverna dos ladrões e em nenhuma outra parte. Onde a pressão da população é de tal importância, o mais fácil de todos os ajustes exteriores é o social. E esta é a maldição da China. A família, o clã e a aldeia dominam a mente e o comportamento chineses. Na Índia, naturalmente, a umidade se combina com a super-população, pra vantagem do mortal submisso. É muito fácil viver muito e conservar a saúde nessa terrível península, se o individuo se sentar, como uma estátua, sob a árvore do baniã152 e olhar ó tempo passar. Milhares de gerações multiplicaram, assim, os submissos e, ao mesmo tempo, capacitaram os poucos egotistas agressivos e os poucos caçadores de poder sobreviventes a se entrincheirarem. Quanto à Sibéria, há certa razão de ser na conjectura de que o efeito da estepe é em parte psíquico e em parte alimentar. A terrível monotonia da planície informe que se estende em todo o horizonte, combinada com a severa monotonia do pão preto, do chá e dos pratos de gordura, leva os homens dominadores à fuga. Como se pode demorar onde nada há a conquistar além da terra e nada a vencer além do pobre alimento e uma pequena soma anual proveniente da venda da colheita? Quanto às pessoas inclinadas à arte e a sociedade, a estepe é o último círculo do Inferno. Enlouquecem ou fogem. Não duvido que seja por isso que a maioria da população russa da estepe ficou a trás, mental e politicamente, durante séculos, em relação ao resto da Europa. Mas o assunto requer mais investigação antes de se afirmar.
Austríaco A Áustria apresenta um quadro mais fascinante dos problemas humanos, em parte porque pertence a nosso próprio mundo e em parte porque as causas da submissão são mais obscuras. Os fatos, entretanto, se tornam evidentes, exceto aos que os vêem através das lentes do preconceito. Durante gerações esse país se classificou quase no fim da lista de produção de personalidade poderosa, de reconhecida superioridade. Nada o
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Baniã (Ficus benghalensis), árvore nacional da Índia. Variedade de figueira dependente da vespa polinizadora. Nota do digitalizador.
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prova melhor que as extraordinárias comparações estabelecidas por Ellsworth Huntington, em seu recente estudo sobre as características raciais e regionais.153 Utilizando, como fonte de dados, a Encyclopædia Britannica, Huntington investigou toda a lista de homens eminentes na Europa, desde o ano de 1600. Noto que em cada 10 mil habitantes a Itália produziu mais de três vezes grandes homens que a Áustria. A Escócia, com cerca de um décimo da população da Áustria, pode apresentar 648 personalidades de primeira linha contra 125 da Áustria, ou seja, cerca de 50 vezes esse número, proporcionalmente. O mesmo acontece com a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha. Mais chocante, entretanto, é a comparação com a Suíça, que se limita com a Áustria, que contém muitas pessoas do mesmo tronco racial geral e que, entretanto, produziu, proporcionalmente, quase dez vezes tantos homens notáveis quanto a Áustria. Tudo isso se torna duplamente significativo quando observamos que, entre os 125 grandes homens da Áustria em três séculos, o número de soldados e de políticos é desproporcionalmente grande. Deve ocorrer a todos, imediatamente, o pensamento de que isso é precisamente o que deveríamos esperar num país onde as massas incluem número elevadíssimo de homens e de mulheres submissos, pois, obviamente, à proporção que aumentam também aumentam as oportunidades das poucas personalidades agressivas e dominadoras, que encontram o melhor campo de ação na guerra e na política. Assim, num país onde há poucas figuras marcantes dalguma espécie os militares e os estadistas de valor se destacam. Dissemos bastante sobre os grandes. Passemos aos pequenos. A grande e manifesta porcentagem de austríacos parece ter sido submissa a ponto de causar o desprezo dos observadores poderosos. Entre os suíços das montanhas e os alemães do norte esse fato se tornou comum, há muitos anos, e os povos do Balcãs, também há muito tempo consideram os austríacos vermes que mal servem de isca pra pescar. Provavelmente vos lembrareis da famosa frase de Bismarck: O bávaro é uma forma intermediária entre o austríaco e o homem. Isso se pode encontrar, duma forma ou doutra, no folclore local de todos os povos que entraram em contato com os camponeses austríacos e com as classes baixas de Viena.154 Dois acontecimentos políticos de magnitude provaram a verdade dessa opinião. O primeiro é a terrível carreira do imperador Francisco José, cujo impiedoso despotismo e supremo desprezo a seus súditos, no sentido mais extenso, só encontram paralelo na incrível docilidade desses mesmos súditos em relação a esse senhor medieval. O segundo acontecimento é a política cuidadosamente calculada de Lênin em relação às massas austríacas, durante sua brilhante campanha de propaganda. Esse astuto gênio político mandou agitadores a todos os outros países a fim de conseguir adepto ao bolchevismo mas não perdeu tempo com os austríacos. De sua experiência pessoal com eles, Lênin sabia que era inútil arengar a esse rebanho. No momento em que seus agentes parassem de falar qualquer policial poderia fazer o rebanho voltar à linha.155 Antes da guerra mundial, era como sempre foi, desde então. Qualquer funcionário insignificante sempre pôde os levar a frente. Até mesmo os condutores de bonde os amaldiçoam e maltratam de maneira que seria ressentida pelos rebanhos do metrô de Nova Iorque. O austríaco agüenta imundície, pulga, doença, pobreza, despotismo e injustiça com a mesma apatia. Durante a guerra mundial isso espantou nossos observadores. Consideremos, por exemplo, os vienenses, durante e depois da guerra. Vejamos o testemunho de Alonzo E. Taylor: 153
The character of races, Nova Iorque, 1924, páginas 231 e 354 Ludendorff, em sua autobiografia fala dos austríacos como maus combatentes. Hitler era austríaco. Nota do digitalizador 155 É assim, também, o brasileiro. Nota do digitalizador. 154
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A complacência e a paciência sem queixume com que dois milhões de indivíduos, durante o último inverno em Viena, agüentaram o frio, a escuridão e a fome, foram motivo de contínuo embevecimento aos ianques que viviam na cidade. Um famoso médico vienense me declarou que não era complacência mas estupidez... Uma interpretação mais natural e mais generosa é a da predominância da natureza artística sobre a natureza prática. Os vienenses não parecem compreender sua posição. Pensam apenas no glorioso passado da cidade e não compreendem que as discussões de Paris se interessam apenas em saber se estão dupla ou triplamente em bancarrota.156 A caridosa interpretação de Taylor não absolve os austríacos de estupidez. Simplesmente diz a mesma coisa que Bismarck dissera com palavras menos doces. Os indivíduos que são incapazes de apreender a situação em que acontecem estar são mais ou menos ininteligentes, isso é, se tivessem tido tempo bastante prà apreender. E os indivíduos que vivem da glória do próprio passado podem ser excelentes estetas e mesmo artistas de segunda classe regulares, pois nenhum grande artista vive do passado, mas não podem ser classificados como seres pensantes. E se aceitam fome, frio e despotismo sem ressentimento, nem mesmo são animais superiores. Toda essa submissão pode ser patológica. Ouvi médicos competentes avançarem a teoria de que a predominância das moléstias venéreas e das pragas no vale do Danúbio é responsável pela inércia. Mas isso mal me convence, visto que muitos outros povos do Danúbio, igualmente infectados, não demonstram tal atitude. Considerai, por exemplo, os magiares e os sérvios. Não. A origem do mal se afunda na escuridão e já não podemos encontrar.157 Não se conclua, de tudo isso, que todos os submissos sejam fracassos da natureza. Esse é o erro de muitos observadores. Muitos austríacos passivos levam boa vida. O austríaco mora na superfície das coisas. Gosta de sua cerveja, de seu jornal incrivelmente estúpido, de seus patins, de veraneio no Tirol, de seu verein158 e de música no jardim. Em torno desses prazeres primitivos organiza sua vida. Se retira do mundo, não no sentido de fuga, como poderiam fazer as pessoas dominadoras, mas, simplesmente, no sentido de o ignorar. Já que estou usando, agora, os termos êxito e fracasso, milhares desses austríacos são êxito. É somente quando os olhamos objetivamente, contra o vasto painel da vida na terra e da luta pela existência, que deles podemos falar como o fez Bismarck. A raça pode ser um completo fracasso mas suas personalidades podem ainda conseguir serenidade e felicidade. O caráter pode apodrecer enquanto o homem floresce, não tocado pelo desprezo dos rebanhos estrangeiros. Até agora a América foi, em geral, um pobre habitáculo pros submissos. Ignoro, 156
Saturday Evening Post, 3 de janeiro de 1920 Não nego a grande influência do clima na Áustria. Mas a despeito das notáveis correlações de Huntington entre realizações regionais e clima, continuo em dúvida quanto à soma de fatos assim explicados. O clima da Áustria parece diferir muito pouco do das cidades suíças e de muitas zonas da Alemanha pra ser a causa dessa inferioridade. 158 Verein: Clube, grêmio, associação. Nota do digitalizador 157
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naturalmente, a era de escravidão no sul, durante a qual os dóceis negros floresceram como nunca. Nosso primário e vazio continente favoreceu, durante cerca de três séculos, os rudes, os rebeldes, os valentes, os pioneiros, os caçadores-agricultores. Ai de quem se entregasse, docemente, ao amigo ou ao inimigo! Não teria oportunidade. Mais cedo ou mais tarde algum malandro chegava e o deixava de mãos vazias, se lhe não cortava o pescoço ao longo duma estrada deserta. Mas a cena mudou. Nossa sociedade se tornou populosa, organizada, fixa e adaptada a todas as espécies de homens. Houve tempo em que só havia lugar em cima. Hoje há muito lugar em baixo. Assim, devemos esperar que os submissos sobrevivam em número sempre crescente, pra encontrar existência confortável, embora trivial, mais ou menos perto da miséria e, ali, por multiplicação, eventualmente cheguem a herdar a terra, como fizeram, há muito, na Ásia e em grande parte da Europa. O coli levantou sua face impassível acima das hastes do trigo. Os campos estão cheios de sua espécie. Amanhã governará o campo, a menos que consigamos um plano de civilização. Ao terminar esta discussão posso fazer uma advertência contra um possível malentendido? Falamos dos submissos, especialmente no velho mundo. Não gostaria que se tirasse a conclusão de que todos que aceitam as rudes condições de vida da China, da Índia, da Itália e do Japão sejam, predominantemente, pessoas submissas. Isso não é verdade. Embora ali se possam encontrar milhões de submissos, há também milhões nos quais não existe traço desta desvitalizante atitude. Podem ser descritos, rapidamente, como tipos de sobrevivência, que se adaptam pela apatia ou pela anestesia, alimentadas pelo ópio e pela morfina. Já falamos sobre o narcômano. Tende em mente que sempre é companheiro dos fracos e dos vagarosos.
Inércia Inércia, como tal, não é estupidez nem a causa necessária de estupidez. Tão sutil o laço existente entre essas duas características que geralmente se admite ser uma só. A lentidão passa por estupidez, uma resposta vagarosa por incapacidade de responder. O leitor cuidadoso já terá captado o erro, pois deve ter aprendido, nas primeiras páginas deste livro, que as energias psíquicas são somente uma forma imensuravelmente complexa das energias físicas e obedecem às mesmas leis, embora em formas mal reconhecíveis. Sabe que a relação exata entre o sistema de personalidade com uma nova impressão recebida é essencialmente igual à relação entre um grande volume de matéria química numa emulsão e uma simples gota dum novo elemento químico lançada nela. A massa receptora pode reagir ao novo elemento por meio dum clarão, como quando o mercúrio explode em presença de pólvora, ou pode reagir tão vagarosamente que muitas semanas se passam antes de que se verifiquem os resultados totais. Novamente, o volume de cada substância, temperatura, pressão, grau de ionização e muitas outras condições entram no processo. O mesmo acontece nos domínios das experiências e das reações humanas: Muitas coisas, além da legítima insensibilidade, podem levar a uma débil resposta, ou mesmo a nenhuma resposta, que, como vos recordareis, foi a dificuldade com a qual nos encontramos logo no começo da investigação, quando estudamos casos nos quais não podíamos diferenciar a estupidez da ignorância ou ambas dalguma fixação ou hábito. Agora, que já aprendemos mais acerca de processos, raios de ação e níveis, podemos voltar, momento, a esse problema. Antes de tudo, absolvamos de toda estupidez, no sentido pejorativo do termo, os filhos de Missure, os homens cautelosos que duvidam de tudo. Nos irritam muitas vezes. Não podemos resistir à suspeita de que devem ser estúpidos, pois se admitem incapazes de ver os méritos duma crença ou duma prática que nos parecem inteiramente óbvios. Com essa opinião, traímos nossa própria ignorância do papel desempenhado
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pela mais delicada ordenação e arranjo das experiências em nos tornar sensíveis a algo novo. Recentemente a nova escola de sociólogos insistiu, e com razão, sobre esse fato, no campo mais largo das descobertas, invenções, técnicas, nascimento científico e indústrias especializadas. Ogburn, entre todos, em seu estudo sobre transformação social, insiste na necessidade interior (quase hegeliana, às vezes!) que regula a seqüência nos negócios criadores e intelectuais superiores do homem. Foi necessário haver, antes, uma máquina a gás, pra que o automóvel fosse possível. Depois foi necessário haver uma máquina a gás ainda melhor pra que se pudessem construir avião. A descoberta do raio-x e do rádio inevitavelmente precedeu a elaboração matemática da teoria ondulatória e as experiências resultantes, que pouco depois levavam ao rádio159 e agora estão a ponto de nos dar a televisão. E assim a diante. A tudo isso ajuntarei, como nota à margem, uma série de observação psicológica. Consideremos os mexicanos que vivem à distância de 1 tiro de revólver de Eua. 50m além da fronteira vêem o ativo progresso da civilização, na Califórnia e no Texas. Basta atravessar a ponte sobre o rio Grande pra observar um vasto desenvolvimento industrial, boas estradas de rodagem, transportes fáceis, edifícios modernos, eletricidade, instalação sanitária, os meios de simples e rápida comunicação. Entretanto, será que esse panorama moderno influi sobre sua maneira de viver? De modo nenhum. Vivem, felizes e contentes à maneira do homem primitivo. Os mexicanos de Juarez, a apenas algumas dezenas de metros de Elpasso, no Texas, continuam a viver como viveram na velha idade da pedra. Inteiramente insensíveis ao ar pesado de micróbio e, sem se incomodar com as ruas estreitas e imundas, comerciam nos mercados livres, onde a carne já velha apodrece, pra gáudio das moscas e dos cães leprosos. Mulheres e crianças, a cara cheia de gilvaz, lutam e correm na rua. Às vezes surge uma vítima de varíola, a cara ponteada de buraco negro. Velhos curvados se sentam nas esquinas, pedinchando esmola, as mãos descarnadas voltadas em concha, esperando os pesos dos transeuntes.160 Muitas dessas criaturas, certamente, estão além de todo aprendizado. Mas algumas sofrem de inércia psíquica na mais rude forma. Necessitam dum ano pra chegar a conclusões que outros seres, mais felizes, atingem nalguns segundos. As novas experiências atravessam o sistema nervoso tão vagarosamente que parecem nunca fazer progresso. São cinqüenta vezes piores que os ingleses, também famosos pelo difícil aprendizado. Durante muitos anos, no começo do século 19, Willet submeteu à câmara dos comuns um projeto de hora de verão. Sempre esse projeto encontrou rude derrota. Hora de verão? Ridículo! Naturalmente, um plano tão estúpido não poderia ter utilidade. Em vão Willet declarou que isso fora tentado, com êxito, antes, até na Roma antiga. Em Roma, as horas eram aumentadas além de 60 minutos no verão e diminuídas novamente, em quantidade igual, no inverno. A Irlanda também usara a hora de verão. No ano 600 os irlandeses usavam um sistema duplo de relógio solar. As horas, durante o verão, tinham 80 minutos. No inverno, cada hora tinha apenas 40 minutos. Willet argüiu e explicou em vão. A câmara dos comuns simplesmente não podia compreender suas 159
Obviamente a primeira menção a rádio se refere ao elemento químico, descoberto por Marie Curie, e a segunda se refere ao meio de comunicação. Nota do digitalizador 160 Dois amigos meus, da área de computação, que não falam castelhano, contaram sobre as conversas com mexicanos, na internete, nos videojogos em rede. Qualquer expressão, palavra desconhecida, e os mexicanos não entendiam. Ficava difícil se comunicar assim, porque não entendiam a palavra e pronto. Quando conversavam com chileno era diferente. Perguntaram a um chileno se estava entendendo isto e aquilo e ele respondia que sim. Julgo que a diferença esteja na preguiça mental. Nota do digitalizador.
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razões.161 Muitos ianques acreditam que a hora de verão seja um engenhoso sistema inventado recentemente. Graças à pressão da guerra, até mesmo os cidadãos mais estúpidos, nossos legisladores estaduais e federais, adotaram o sistema. E, entretanto, em 1784, Benjamin Franklin advogara publicamente a hora de verão, pra economia de luz. Mas falou a ouvidos surdos.162 A incapacidade dos ingleses em adotar o que parece o método mais óbvio de progresso industrial é, neste caso que sir Herbert Austin deplora, aguda inércia psíquica. Sir Herbert, um dos maiores produtores automobilístico da Inglaterra, há alguns meses fez um discurso na instituição dos engenheiros automobilísticos, da qual é presidente, se queixando de que o método britânico de taxar imposto na base da capacidade do motor era um sério entrave ao progresso industrial. É impossível calcular quanto esse método antiquado de calcular os cavalo-de-força, pro imposto, custou à nação britânica em perda no comércio exportativo. Nossos desenhistas ainda são obrigados a levar em conta esse método, por motivo de economia. O produtor ianque se beneficiou enormemente com nossa persistente loucura e pode produzir veículo consideravelmente mais barato.163 Muito tarde sir Thomas Lipton, esse velho e magnífico esportista, descobriu que os velhos métodos e técnicas de construção não podiam competir com os mais recentes desenvolvimentos da ciência moderna. E os ingleses, realmente, estão começando a despertar ao grande significado da derrota do Grande Velho na corrida da copa americana.164 Charles Selden escreveu no New York Times: Não é sugestivo da falência do sistema econômico britânico? Muita gente pensa assim. Poderá o tipo individualista de industrial e de negociante britânico continuar de pé contra um mundo associado? Poderá a nação continuar sendo de comércio livre, uma espécie de dartanhão165 entre as nações, cercada por muralhas intransponíveis de tarifa? Stanley 161
Se os ingleses tivessem adotado a hora de verão quando Willet a propôs, teriam ganho, em cem anos, 240 bilhões de horas, se admitindo que somente duas pessoas em cada família ganhassem duas horas por dia pra 120 dias de cada ano. O lucro seria de economia de iluminação, de melhor trabalho diário e de saúde. 162 No Brasil, final do século 20 e início do 21, a hora de verão encontra muita resistência da imprensa e os estados do norte e nordeste conseguiram a evitar. Reportagens mostravam estudantes sonolentos no início da mudança e culpavam o transtorno ao relógio biológico, exagerando a gravidade. O jornalista Bóris Casoy fazia comentário de protesto com o mesmo argumento sofista. Quando na verdade os jovens passam a noite na boate, bebendo álcool, dançando, se drogando. E a culpa é da hora de verão! Nota do digitalizador. 163 New York Times, 7 de outubro de 1930 164 Não consegui descobrir ao que se refere. Pode ser má tradução. Grande Velho (Old Great?) seria um time desportivo, o apelido dum atleta famoso ou um epíteto nacional (como o tio Sam ianque)? O caso é que um time ou um atleta britânico fracassou na copa americana (american cup). Nota do digitalizador 165 Dartanhão: Personagem da novela Os três mosqueteiros, de Alexandre Dumas. No sentido de quem luta sozinho, heroicamente, contra tudo e todos. Nota do digitalizador.
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Baldwin, prócer conservador, acusa William Graham, trabalhista, presidente do Board of Trade, de tentar, com seu plano de trégua nas tarifas européias, compelir a Grã-Bretanha a lutar, com espada, arco e flecha, contra nações armadas de moderna artilharia pesada.166 Os ingleses são oportunistas atacados de inércia. São conservadores mas não reacionários. Como sir Thomas Lipton, quando se convencem de seus erros, voluntariamente, mudam de política e afastam as velhas idéias, a fim de tirar partido de seu novo conhecimento. Embora não antagonizem o novo, os ingleses são vagarosos a se modificar. A inércia psíquica nos leva a muitas especulações fascinantes. Baixa velocidade não é o mesmo que velocidade nula, mesmo que a baixa escape completamente ao observador. Provavelmente encontramos, no reino animal, um milhão de velocidades distintas de reação nervosa. Nos inclinamos, muito rápido, a interpretar as muito rápidas como reflexos e as muito vagarosas como estupidez ou total falta de capacidade. Ambas as conclusões podem estar completamente erradas. Prà aranha, que faz a teia em minha janela, me olhando de longe, bem posso parecer tão inanimado quanto um bloco de granito. Retribuo o cumprimento chamando a aranha um inseto167 cuja vida inteira é apenas uma série automática. Não poderemos estar ambos errados? Muitas vezes tenho imaginado, ao ver abelha, aranha e formiga, se essas maravilhosas e minúsculas personalidades, entre o estímulo e a resposta, não se poderiam deter, ponderar, analisar, conjeturar, experimentar e, depois, agir, como agimos. Relativamente às velocidades de seu procedimento geral, a demora, durante essa resposta retardada, pode ser não mais do que 0,0001 segundo. Pra nossa inteligência glacial isso não parece demora mas é um lapso de tempo bastante longo pra se lidar com nova situação de maneira nova, contanto que não possua mais coisa que o que se esperaria no campo de percepção duma formiga ou duma aranha. Todos os psicólogos e todos os literatos que especularam sobre a inteligência dos insetos parecem haver passado por alto as relatividades de espaço-tempo. Não notaram o complexo de espaço excessivamente simples com que lida o inseto nem deram a devida importância à rapidez das respostas nervosas. Em parte nenhuma encontrei a sugestão de que o domínio de resposta reconhecido por uma aranha contém tão poucas coisas que, talvez, operações mentais relativamente complicadas podem se realizar em conexão com esse domínio, dentro do simples sistema nervoso da criatura. A massa psíquica do campo a ser modificado pelo pensamento é tal que a inércia, dentro dela, se aproxima dum infinitesimal, relativamente a nossas inércias psíquicas humanas. Considero toda a questão concernente à inteligência dos animais inferiores como completamente aberta, em virtude das descobertas mais recentes da relatividade psicofísica. Uma colônia de formiga pode, ao que agora sabemos, criar, rejeitar e combater uma dúzia de sistemas econômicos, enquanto nossos congressistas bocejam sobre uma cláusula do Plano K de tarifa. Seja como for, duma coisa podemos estar certos desde agora: Não podemos resolver definitivamente esse intrincado problema da estupidez, enquanto não tivermos aprendido as inter-relações dinâmicas de velocidade, massa, número e configuração dentro do sistema nervoso e todos seus processos.
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20 de setembro de 1930 Aranha não é inseto e sim aracnídeo. Nota do digitalizador
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Cupido O pequeno Cupido é um ignorante. Quem o sabe melhor que o professor de escola secundária, que gastou a vida tentando interessar rapazes e moças no calor da adolescência em assuntos intelectuais? Quando o rapaz, em primeira vez, perde o coração também perde a cabeça. Quando cresce e se casa, raramente leva ao altar o cérebro, pois o apelo erótico vive inteiramente abaixo do cerebelo. Uma vez casados e pacificados, os nubentes começam a recobrar a inteligência, não porque o queiram, mas por necessidade. Quanto mais estúpidos são por natureza, tanto menos regulam a vida amorosa. Haverá alguma senhorita romântica que o negue? Vamos às páginas da história. O ano é o de 1919 e o lugar a Europa central e oriental. A fome chegou. Milhões de pessoas morrem de fome. As miseráveis criaturas da Rússia, Polônia e Áustria comem erva e raiz. Se seguiu uma seca terrível. Seus ossos ficaram tão fracos que se partiam mesmo com mínima pancada. Grandes úlceras começaram a corroer o estômago. Uma pessoa razoável, diante de tal horror, não economizaria ao máximo a energia? Não deixaria de assumir outras responsabilidades, além da de conseguir alimento? Não se absteria de ato que pudesse causar maior sofrimento? Vós podeis pensar assim. Mas isso não ocorreu aos bípedes degradados dessas terras amaldiçoadas. Procriaram como inseto. As crianças nasciam às dezenas de milhares, de mães que não tiveram o que comer durante um ano inteiro. Milhares desses infantes vieram ao mundo nus e assim permaneceram, pois os pais não conseguiam encontrar um molambo pra os cobrir. Os mais felizes eram enrolados em jornal velho e alimentados com erva, de maneira que morreram prontamente, prà glória divina. Então, chegaram ianques imbecis, que, num ano, mais ou menos, conseguiram de seus concidadãos cerca de 30 milhões de dólares pra os socorrer. Trouxeram os famintos, em longas filas, a suas cozinhas de emergência e os alimentaram durante o tempo suficiente pra que os bebês pegassem raquitismo, influenza e outras moléstias, que piedosamente liquidaram a maioria e impiedosamente deixaram alguns vivos, aleijados ao resto da vida. O amor não é apenas cego mas também surdo e mudo. Pra voltar da tragédia à fria estatística, encontramos bastante sinal de que os indivíduos estúpidos fracassam, miseravelmente, no controle racional da sexualidade. Isso não significa que o estúpido seja super-sexuado, ao passo que o inteligente é sub-sexuado. Não é verdade. Ao contrário, muitos fatos podem ser citados pra apoiar o ponto de vista, sustentado por certos investigadores, de que os indivíduos superiores são grandemente dotados de sexo. Estamos discutindo o tipo de controle exercido sobre a vida amorosa e não o vigor intrínseco dela. Os controles são fracos em muitos jovens, seja qual for o nível mental, mas, mesmo entre os jovens, os mais inteligentes se controlam muito melhor que os estúpidos. Certamente, a questão é consideravelmente complicada pelas emoções, e o quadro nem aproximadamente é tão nítido e tão preciso como esperaríamos. Mesmo assim, a correlação é muito alta, com ruptura aqui e ali. Mas, quando consideramos os adultos, a linha entre carneiros e bodes é absolutamente reta e negra. O indivíduo superior se controla bem, o inferior não. Pra o demonstrar contarei a história duma família, que também servirá outros fins, mais tarde. Revela não somente o tolo no amor mas também o pervertido pensamento social dos indivíduos que auxiliaram o tolo em seu amor. Rochéster, Nova Iorque, é uma das mais belas cidades do país. Tem cidadãos excepcionalmente inteligentes à testa de seu negócio. À medida que o mundo marcha,
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se torna próspera e progressiva. Laboratórios, museus, auditórios, hospitais e organizações de ação social abundam, de cujos arquivos empoeirados um dos diretores, Carl R. Rogers, e seu assistente, Mitchell E. Rappaport, recentemente exumaram a crônica duma família, que revela a imbecilidade social de várias boas-almas sem nome, que praticam a fraternidade humana em Rochéster.168 Consideremos o caso dos Smith. Em 1907 Raymond Smith, jovem pintor, encontrou Daisy Schuyler, a heroína da história. Raymond, anteriormente, vivera cuma jovem cuja família era conhecida como os porcos Denton, mas, quando ela o deixou pra morar cum negro de Bruclem, lhe agradou aceitar Daisy como substituta. Raymond tinha uma filha chamada Grace e Daisy levou sua Gladys, de três anos, filha do pretenso marido de Daisy, agora falecido. Perto de 1912 Raymond Jr., Steven e Nora foram acrescentados à linhagem da família. Até então a família se mantinha por si. Foi no inverno de 1912-1913 que os Smith chegaram a Rochéster. Ali fizeram freqüentes movimentos pra evitar o pagamento dos aluguéis, enquanto senhor Smith buscava trabalho. Em fevereiro um vizinho requisitou auxílio à família e um trabalhador da igreja apareceu em sua casa. O trabalhador pintou senhora Smith como industriosa, muito orgulhosa pra receber o leite e a vestimenta oferecidos. Durante o verão seguinte senhor Smith não somente trabalhou mas começou a pagar uma casa onde a família foi morar. A casa ficava numa aléia mas era espaçosa demais. A princípio senhora Smith a manteve toleravelmente limpa. Esse parece ter sido o ponto mais alto da fortuna dos Smith. Durante o inverno a família outra vez recebeu auxílio e essa história de prosperidade no verão e de pobreza no inverno se repetiu nos quatro anos seguintes, variando apenas no tipo de auxílio. Entretanto a família continuou a crescer. Os anos 1915-1919 viram quatro novos candidatos à caridade acrescentados à família Smith: Robert, Isabelle, Laura e Clarence. O fato de que todos esses quatro estivessem destinados a encher claros nas escolas pra débil mental foi piedosamente escondido das organizações que se esforçavam a manter a família alimentada e vestida. Em 1919 a fecundidade da segunda geração se exprimiu em primeira vez. Grace, então com 18 anos, chegou até casa, de Búfalo, trazendo seu primeiro filho, sem dúvida ilegítimo. Alguns meses depois, senhor e senhora Smith, que até então não se casaram, tiveram ocasião de se congratular com Gladys, então com 16 anos, por seu simultâneo casamento e parto. Gladys, nessa ocasião, deixou a família pelo lar do marido e não podemos continuar, nesta história, a saga de sua aventura. Ela e o rebento tiveram o cuidado de organizações de caridade até que deixassem a cidade. De 1920 a 1922, as crianças, no lar dos Smith, aumentaram de 7 a 9. As crianças mais velhas eram conhecidas pelo procedimento, vício de furtar e geral falta de educação. Uma de suas distrações preferidas era atirar fruta seca sobre o bebê adormecido do vizinho, enquanto senhora Smith, sentada à soleira da porta, ria. De acordo com as enfermeiras da saúde pública, as crianças se encontravam em miserável estado físico, a despeito de todos os cuidados. Senhor Smith sempre conseguia obter auxílio mas sabemos que fazia pagamento em casa e até juntava dinheiro no banco. Comprou um piano enquanto os filhos eram calçados pela caridade alheia. John, cujo nascimento ocorreu em janeiro de 1923, chegou num momento crítico. As organizações sociais andavam cansadas de boas-ações que não davam resultado, cansadas também duma mãe que era descrita como obviamente sub-normal e dum pai que não trabalhava, nem quando se lhe conseguia trabalho. O caso foi levado ao tribunal 168
Survey graphic, setembro de 1331, página 505
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infantil, num esforço pra retirar as crianças da insuficiente custódia. A família foi posta em observação, durante um mês. As crianças continuaram a roubar, a gazear a escola e a atormentar os vizinhos. Conseqüentemente todas as crianças foram entregues a agência governamental, exceto o pequeno John. O bebê foi deixado em companhia dos pais, pois se imaginava que o cuidado cum filho e o regresso possível dos outros fosse um incentivo pra que os Smith governassem decentemente o lar. A experiência começou auspiciosamente. Senhor Smith obteve algum trabalho. Comprou um automóvel, pelo simples processo da prestação, e conseguiu até arranjar dinheiro às licenças necessárias. Ao menos uma excursão notável foi feita com esse carro. O casal seguiu de auto a uma cidade vizinha e se casou. Cercada de legalidade e sob reprimenda da cunhada pela negligência em relação às crianças, senhora Smith apelou à justiça, pedindo o regresso de Clarence e Fred. Um investigador otimista achou que a condição do lar melhorara, então a volta das duas crianças foi autorizada. Essas duas crianças, à beira da debilidade mental, elevaram o grupo familiar a cinco. A carga era muito grande pra senhora Smith. Enquanto cuidava de dois, manteve a família à tona dágua, mas, sobrecarregada com mais dois, a família começou a afundar e senhora Smith, seis semanas depois do casamento, já enviava um de seus conhecidos SOS: Nós somos casado agora e temo algumas das criança em casa não podemo dá leite ao menino logo que ele fô pro trabalho lhe diz estou pedindo isto pelos meus pobre filhos muito agradecida Mrs. R. G. Smith. A velha história de trabalho e de auxílio intermitentes começou novamente. Senhor Smith resistia a todo esforço pra encontrar trabalho, até que fosse ameaçado de prisão por vagabundagem. Depois foi, algum tempo, chofer de táxi. Uma greve de chofer de táxi, entretanto, o fez voltar à lista de caridade. Senhora Smith, entremente, deixava que o lar afundasse num estado de inimaginável desordem. Sua primeira gravidez legítima terminou em desastre, em 1925. Na ocasião do nascimento do décimo terceiro filho, em outubro de 1926, a situação da família constituía, novamente, o escândalo da vizinhança. Uma visita noturna revelaria que senhor e senhora Smith dormiam com a criança num único leito. Três crianças imundas se agarravam sobre outra cama. A terceira cama fora entregue inteiramente aos percevejos. Último esforço foi feito no sentido de trazer a família à decência. De fevereiro a agosto de 1927 a sociedade pra prevenção da crueldade contra as crianças fez um trabalho mais intensivo de supervisão, lhe dando mais auxílio, mas a condição do lar melhorou muito pouco. O pai estava mais exigente que nunca. Dizia que as enfermeiras eram uma cambada de donzelonas, que queriam atrapalhar seu negócio. Ele e senhora Smith se recusaram a levar a sério a peça infantil de Clarence, então com 7 anos, que, num momento de raiva, empurrara um garoto da vizinhança dum rochedo de 30m de altura. A vítima, de quatro anos de idade, escapou milagrosamente de se machucar seriamente, mas os Smith insistiram em que Clarence estava somente brincando e que tudo fora apenas uma pilhéria. Era a primeira vez que o casal Smith discutiu excessivamente. Ele chegou a bater na esposa, sentindo, talvez, que ela já não poderia o deixar agora, que estavam legalmente casados. Em agosto de 1927 o fim da experiência de supervisão da família foi determinado por uma sentença dos tribunais, que entregou as quatro crianças ao cuidado das autoridades. Talvez o fato mais surpreendente seja o de que o casal Smith se separasse logo que se visse livre de responsabilidade. Senhor Smith desapareceu e a companheira se tornou, com 43 anos, prostituta. Se apaixonou por um jovem sem compostura e, em sua companhia, deixou a cidade. No Natal de 1927 chegou uma carta de senhora Smith, escrita de outro estado, pedindo dinheiro e notícia dos filhos. Depois disso não há sinal, dela nem do marido. Raymond e Daisy podem ter, pra seu crédito, outras realizações na
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vida parasitária mas devemos deixar que sua fama descanse sobre suas realizações. As treze crianças da família Smith constituem um importante legado à comunidade. Sua história fornece uma prova viva do fato de que os curtos e simples anais dos pobres não são curtos nem simples. Não podemos contar, mas somente sugerir a crônica do desenvolvimento das crianças. Grace e Gladys já foram mencionadas. Promiscuidade sexual, filhos ilegítimos, casamento forçado, auxílio de organização de caridade local, tais são os principais traços biográficos. Raymond, Júnior, e Steven, os primeiros nascidos da presente união, continuaram as carreiras que começaram tão cedo. Ambos foram constantemente presos, constantemente envolvidos em roubo. Steven era um garoto viciado, um problema mesmo na adolescência. O roubo dum automóvel o colocou numa escola oficial pra rapaz de 16 anos. Tinha 18 anos quando foi libertado mas não sabemos se continuou a vida delinqüente. O último sinal de vida de Raymond foi recebido há um ano, numa carta do departamento de investigação duma cidade vizinha. Estava ante os tribunais pelo roubo dum automóvel. Ambos rapazes eram de mentalidade inferior. Raymond foi classificado como à beira da estupidez e Steven como estúpido normal. Das cinco crianças restantes, permanentemente sob cuidado oficial, uma é definitivamente débil mental e três estão à beira da debilidade. Nora é uma boa amostra desse quarteto inferior. Afastada do lar com 11 anos, cinco anos de cuidados oficiais conseguiram muito pouco. Persistiu nela o roubo de coisas insignificantes. Todas as tentativas de lhe incutir hábito de trabalho, confiança e verdade falharam. Uma forte curiosidade sexual a levou a uma séria delinqüência sexual e, aos 16 anos, foi mandada a uma escola pra moça desviada. As autoridades escolares reconheceram o fracasso dois anos depois e a reenviaram à comunidade. Um lar de trabalho foi encontrado pra ela, mas sua atitude e procedimento eram tão maus, e hábitos de trabalho tão deficientes, que a experiência fracassou. Foi, então, enviada a uma escola pra débil mental, embora o certificado de debilidade mental se baseasse mais nos fracassos sociais que nos testes de responsabilidade. Robert, Isabelle e Laura duplicaram, logo que possível, a história de Nora. Robert também se especializou em prisões e em perversões sexuais. Isabelle se revelou incontinente. Robert está numa escola pra débil mental, Laura espera ser aceita na mesma escola e, certamente, Isabelle requererá a mesma coisa dentro dalguns anos. De todo o grupo, somente Glória demonstra inteligência e procedimento normal. Basta de saga dos Smith. Como a alma de John Brown, continua andando. Quanto custaram os Smith? Qual é o preço desse monumento ao cuidado da comunidade pelas famílias socialmente incapazes? Muito resumidamente a conta fica assim: Auxílio até 1927, sem contar mercadoria doada ............................. 1.730 Cuidado médico, inclusive hospital e enfermeira, fora honorário médico ............................................................................. 1.292 Exame psicológico e psiquiátrico ........................................................ 440 58 anos de cuidado doméstico às crianças, a 350 por ano .................................................................................... 20.350 9 anos de cuidado institucional às crianças, a 500 por ano ...................................................................................... 4.500 Total em dinheiro até agora: ....................................................... 28.312
Nem essa soma estupenda constitui o total de despesa da comunidade. Se podem 221
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calcular ainda as seguintes: Pra cuidado doméstico e institucional, a que a sociedade já está obrigada, até que as crianças cheguem à idade de 16 anos, mínimo .......................................................................... 19.500 Pra auxílio e trabalho social a essas crianças, quando se casarem (o que está acontecendo no caso de Gladys) ............................ ? Pra despesa de cadeia, penitenciária, tribunal, reformatório, a Raymond, Steven e Robert, especialmente ........................................................................................... ? Pra cuidado médicos em clínica pública ................................................... ? Pra cuidado em instituição pra débil mental, pra Nora, Isabelle e Laura especialmente ................................................................. ? Total .......................................................................................................... ? O que devemos concluir dessa história? A comunidade não possui política social ativa eficiente que impeça a formação de novas famílias Smith. Nem o esforço da comunidade organizada está dando passo eficiente à formulação de tal política. Que encantador retrato familiar! Eua tem dezenas de milhares de famílias iguais, às vezes ainda mais encantadoras! E. M. East, que tanto deu atenção a todo o problema da eugenia, se inclina a calcular que um adulto, em cada dez de nosso país, jamais deve ser pai, em virtude de cérebro ou de corpo inferior169 mas irei mais longe e conjeturo que ao menos 1 em cada 8 merece a supressão biológica, dalguma forma indolor, somente por causa de mentalidade inferior. ● — Que coisas horríveis sobre o amor! Ouço o leitor gentil murmurando tais palavras muito antes de chegar ao fim da história da família Smith. Ouço cidadãos indignados, protestando que todos estes nauseantes detalhes sobre a sexualidade dos imbecis estão tão distantes do amor genuíno como Einstein está distante de Jimmy Walker, prefeito de Nova Iorque. Naturalmente, os imbecis são degradados. Mas por que os trazer a um capítulo que trata da mais nobre de todas as emoções humanas? Há uma boa razão pra os trazer. Os Smith de Rochéster manifestam, de modo extremo, os impulsos e as conseqüências do amor e da sexualidade que encontramos em quase todos os indivíduos de mentalidade normal e acima da normal. Entre eles os atos abertos do amor são inibidos, reprimidos, suprimidos, disfarçados e, de certo modo, inobserváveis. Assim, muitos investigadores se viram em apuro pra chegar aos elementos e muitas espécies de opinião errônea prevalece acerca dessa necessidade altamente complexa e potente. Os ocultos padrões do amor, desde os mais primários até os mais sutis, agem no sentido de insensibilizar os indivíduos em relação a muitos dos mais importantes negócios da vida. Ao mesmo tempo, por ironia da natureza, a excitação amorosa serve pra alargar e vivificar toda a personalidade, muitas vezes a tornando mais sensível e mais capaz. Os dois processos ocorrem em tempos e lugares diferentes. Cada qual se liga a uma fase distinta do ciclo do amor. Marston demonstrou que o amor envolve duas emoções primárias, em forma especial e com integração especial. Há estímulo antes de tudo e, depois, há submissão. A mulher estimula o homem, primariamente, e, se consegue êxito no esforço pra o cativar, o persuadiu a se submeter. O homem se rendeu, no sentido de que satisfaz, sexualmente, a mulher. Mas a mulher o venceu somente lhe dando prazer. Assim, a relação é, em parte, 169
Mankind at the crossroads, Nova Iorque, 1924, página 331
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recíproca. Ela consegue o máximo de satisfação o satisfazendo completamente, e viceversa. O que isso tem a ver com a estupidez? O amor se liga à estupidez de muitas maneiras. É da natureza da relação amorosa que os amantes se percam um no outro, que cada qual faça o impossível pra agradar o outro. Falo, naturalmente, da modalidade superior. Enquanto isso persiste os amantes são insensíveis a tudo mais. Como Paulo e Francesca, nesse dia nada mais lemos. Novamente, como os famosos amantes de Dante, se perdem a sempre, um nos braços de outro, num infinito vazio. Essa completa absorção é, em geral, pro observador inocente, cômica, quando não desagradável. Tem o sabor duma função animal que, como a alimentar, se realiza melhor entre quatro paredes. Ao menos assim parece a nós, homens de ancestralidade puritana. Enquanto domina, o amante procede como o espírito unilateral, cujas tolices já passamos em revista. Quanto mais ardente o amor, tanto mais cego e mais surdo o indivíduo se torna em relação a outras coisas. O homem negligencia o negócio, perde amigo e deixa de lado o dever. A mulher em geral se sente em estupor ou conversa com o espírito evidentemente distante e, muitas vezes, comete terrível indiscrição, que se revelam causadas pela insensibilidade a certas fases de toda a situação. Muitos crimes graves foram perpetrados por amor, e não exclusivamente por imbecis, embora ajam assim sob provocação mais ligeira que os indivíduos normais.
Autonomia Jamais algum homem dirigiu seu negócio com completa inteligência e talvez jamais algum o consiga. Muitos de nós se parecem, antes, com o cavalheiro que doutor George de Tarnowsky recentemente apresentou à associação médica americana. Esse paciente chegou a um hospital de Ilinóis sofrendo, aparentemente, de úlcera estomacal velha de 15 anos. Durante o exame admitiu que o sofrimento começara pelo fato de haver empurrado duas agulhas no abdome, a fim de se matar. O raio-x revelou as agulhas, que foram retiradas. O homem saiu do hospital contente e de boa saúde. Como maneira estúpida de dirigir o negócio, isso leva a palma.170 Se, havia 15 anos, nosso herói tivesse desejado desaparecer da cena, por que não terminou seu trabalho, com revólver, punhal ou algo assim?171 Se, por outro lado, as dores das duas feridas lhe abriram os olhos às vantagens da longevidade, por que não foi a um médico, não lhe contou uma história qualquer sobre as agulhas e, com os cuidados do facultativo, não procurou gozar boa saúde durante uns quarenta anos? Por que, em nome de todos os imbecis, continuou a sofrer tanto tempo? Que o homem sem estupidez lhe atire a primeira pedra! Todas as emoções agem sobre tudo o que um homem sabe e sobre tudo o que pensa que sabe e todas as limitações da sensibilidade exercem ação sobre seu estilo de vida sempre que procura se dirigir. Como se a confusão ainda não fosse o bastante, seus apetites surgem acima da tormenta dos impulsos e o dominam completamente. Em casos extremos um único desejo o escraviza. Muitos homens cavam a própria sepultura com os dentes. Assim diz um velho ditado, muito corretamente. A estupidez no controlar a dieta e a digestão é uma das mais estranhas perversões de nossa espécie. Tanto quanto podemos observar, poucos animais 170
A palma de ouro, o prêmio, a medalha de ouro, o primeiro lugar. Nota do digitalizador Monóxido de carbono é o meio ideal de suicídio. Não tem cheiro, não dói. A vítima morre após desmaio. Sempre me perguntei por que usaram cadeira elétrica, gás exótico, injeção, forca, se o monóxido é barato e eficaz. E por que o cidadão comum pula de prédio, corta veia, toma veneno, usa revólver, etc., se basta ligar o carro em garagem cerrada ou ligar uma mangueira do escapamento ao interior do carro. Nesse caso não inodoro mas igualmente eficaz. Nota do digitalizador. 171
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procedem tão mal no comer e no beber. Tomando os indivíduos como os vemos, em todo o mundo, devemos admitir que muitos são inferiores aos animais no hábito alimentar. Ao lhes dar o nome de estúpidos, entretanto, devemos estar em guarda contra a confusão em casos produzidos pela moléstia, desnutrição e mau treinamento doméstico. Isso torna a tarefa muito difícil e nos restringe, nesta breve introdução, a algumas categorias simples, a mais evidente das quais é o imbecil que, sendo advertido, muitas vezes, por médicos e amigos, escuta as advertências e continua a envenenar o estômago. Seu modelo é essa incrível figura, o imperador Carlos V, chefe do chamado sacro império romano de 1519 até o momento em que, literalmente, morreu pela boca. Vejamos o testemunho de seu biógrafo, doutor MacLaurin, em seu livro Postmortem,172 sobre esse glutão que se chamava um homem. Depois de abdicar, o imperador só podia se sentar sob uma árvore, mastigando a raiva. A moléstia o afetara tanto que já não podia abrir uma carta ou assinar um documento. Vendo a morte nos olhos, disse o cirurgião australiano: O imperador se sentou, heroicamente, pra morrer pela boca. Não se sabe se Carlos gostava do método que escolhera pra se envenenar, pois perdera o paladar, de maneira que nenhum alimento excitava o paladar cansado. Vasta quantidade de carne de boi, carneiro, veado, presunto e salsicha passaram através dos maxilares sem dente, regadas pelos melhores vinhos e pelas mais pesadas cervejas. Naturalmente, intestinos cansados não poderiam suportar essa carga muito tempo sem a ajuda de produtos químicos. Assim, durante alguns meses antes de morrer, Carlos engoliu sena, a coisa melhor que podia encontrar num mundo onde faltavam os sais de Epsom. A sena, provavelmente, concorreu pra apressar a raiva que a moléstia de Bright começara. O grande homem desapareceu. Doutor MacLaurin comentou sobre o imperador: Raramente podemos distinguir tão bem, em personalidades históricas, o curso das moléstias das quais morreram. Se Carlos se contentasse com alimento lácteo e bebesse menos é provável que vivesse muitos anos. Poderia haver reassumido o exercício do poder. Poderia tomar em suas fortes mãos o destino da Espanha e de Países Baixos, que esmagava Filipe. Seu calmo bom-senso poderia ter evitado a onda que se encrespava e que, enfim, produziu a revolta em Países Baixos. Provavelmente, poderia ter evitado a invencível armada, embora pareça improvável que pudesse ter vivido trinta anos. Mas a Espanha poderia ter evitado esse arrogante procedimento que, desde então, lhe causou 172
Post mortem: Essays, historical and medical", de Charles Maclaurin, London, Jonathan Cape, 1923. Primeira a quarta edições 1923. Nota do digitalizador
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tanto aborrecimento. Com a substituição de Carlos por Filipe nessa hora crítica, a Espanha sofreu um revés do qual ainda não se restabeleceu. De acordo com James Fenimore Cooper, que também se entregava à glutonaria, vez e outra nossos avós não ficavam atrás. A mesa deles arriava sob o peso de animais de caça e de cria, dezenas de espécies diferentes de molhos, inclusive de aguardente sobre pudim, de garrafa de ale, de clarete, de sherry e de cachaça. Cooper dizia que os ianques são os maiores comilões do mundo. Certamente era verdade ainda em minha infância. Jamais poderei esquecer a grande quantidade de comida que, três vezes por dia, atravessava as gargantas de meus rústicos parentes, em suas grandes fazendas do oeste do estado de Nova Iorque. Não é possível, prum cidadão do século 20, acreditar nos cardápios de domingo daquela gente! E agora, por contraste, consideremos a estupidez oposta, que se desenvolveu recentemente, com sentido popular, em nossa terra de estupidez sem limite. Contemplemos os escravos da moda. Não! Não todos! Isso encheria muitos volumes mais. Olhemos apenas os supremos imbecis que sacrificam a saúde e a felicidade aos mandamentos do alfaiate ou da modista. Milhares de mulheres estúpidas jamais aprenderam a cuidar do corpo. Vede o testemunho de cerca de 20 mil mulheres, que escreveram a uma revista feminina, em 1925 e 1926, sobre os desastres a que foram levadas por seu esforço pra reduzir o peso e pra melhorar a aparência em geral. Eis alguns exemplos, entre muitos submetidos à conferência de peso dos adultos, realizada na academia de medicina de Nova Iorque, em fevereiro de 1926. A esposa dum conhecido médico de Nova Iorque queria reduzir o peso mas o marido se recusou à pôr sob dieta, de maneira que ela começou a fazer uma dieta por conta própria e vivia quase exclusivamente de suco de laranja e leite. Conseguia o fazer, tomando as refeições quando o marido não estava em casa. Foi ficando cada vez mais delgada, mais fraca, e, afinal, o marido descobriu que estava tuberculosa. A mulher está num sanatório mas seu caso inspira séria dúvida. Uma jovem de 19 anos, que pesava 53kg, tentou reduzir o peso, em duas semanas, a 50kg, a fim de usar vestidos iguais aos usados por uma moça que pesava exatamente 50kg e considerava uma desgraça pesar mais. A moça começou a fazer dieta de biscoito e limonada, e reduziu o peso mas caiu de cama, atacada de febre, perturbação renal e depressão nervosa. Os médicos disseram precisar dois anos pra recuperar a força perdida. Uma mulher da sociedade, na tentativa a se manter delgada, freqüentava um salão de beleza. Agora tem câncer nos quadris. Uma atriz tinha um queixo que considerava horrível, mas a operação plástica a que se submeteu a deixou tão marcada e desfigurada que lhe falta coagem tanto pra aparecer em sociedade quanto no palco. Outra mulher tentou fazer massagem no queixo mas conseguiu apenas produzir uma excrescência sobre a garganta. Uma moça de 25 anos, nas vésperas de se casar, e achando que era mais gorda do que o noivo gostava, fez uma dieta estrita: Não almoçava, tomava um copo dágua como merenda e um pequeno pedaço de maçã como jantar. O noivo nada sabia e, quando e lavava pra jantar, duas vezes por semana, a noiva comia mas, ao chegar a casa, tomava um emético. Em três meses estava num sanatório, sofrendo terrível depressão nervosa, incapaz de se alimentar. Os médicos lhe dizem que ainda se passaria um ano antes de poder se casar.
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As mulheres ianques gostam de maltratar o corpo de muitas outras maneiras, algumas das quais não constituem objeto de conversação polida. Terminemos essa triste exibição cuma insignificante estupidez de cuja desonra os homens compartilham. Os seres humanos inteligentes e civilizados revelam uma estupidez da qual os selvagens mais primitivos e os camponeses mais estúpidos não serão culpados, submetendo os pés a constantes sofrimento, em virtude de sapatos impróprios e malajeitados. Tanto os homens como as mulheres toem sua parte de culpa nesse crime contra si. Eis os resultados da inspeção governamental sobre pé e sapato da infantaria, perto de Elpasso, em 1916, em 30.359 homens.173 Somente 5.417 usavam calçado do tamanho exato, 6.906 usavam sapato meio ponto menor, 14.429 usavam sapato um ponto, ou mais, menor, e 3.511 usava sapato maior que o pé. Em conseqüência, os inspetores encontraram certos defeitos como calo, joanete, unha encravada, deslocamento do grande artelho. Basta um mínimo de inteligência, pois todos esses defeitos são evitáveis. O que podemos esperar duma nação que não pode dirigir estômago, pé, gordura? Por que esperar que possa, algum dia, dirigir seu espírito, negócio ou vizinho? Estúpidas emoções, especialmente a submissão à moda e a complacência com os supostos desejos dos companheiros, se combinam com certos apetites, pra perpetuar as principais tolices da sociedade e do negócio. E conseguem êxito em grande escala, em grande parte porque poucos homens são capazes de compreender sua própria natureza ou a doutras pessoas. Se pudessem entender o mecanismo da personalidade veriam que é fácil se livrar dos erros. O que os impede de fazer? Uma série de insensibilidades profundas, obstinadas, em relação aos seres humanos. Vejamos algumas dessas insensibilidades.
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Arthur S. Jones, Making the feet for military service, em The military surgeon, agosto de 1917
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Ψεςδοπαθεια Pseudopatéia
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Psicagnóia assemos agora a outro ponto de vista e olhemos as massas da humanidade, vendo as mesmas criaturas dantes mas noutra perspectiva. A princípio, como vos recordareis, a visão era a do tempo. Vimos o homem nascer e morrer através dos milênios. Notamos, acima de tudo, as forças exteriores que o tornaram estúpido, o calor, a umidade, os insetos, as bactérias e a luta por alimento e por sobrevivência num mundo de animais selvagens e de inimigos. Depois desse espetáculo passamos ao coração do indivíduo, ao sangue e às glândulas, à escuridão do cérebro. A psique ficou diante de nossa máquina fotográfica, às vezes em postura agradável e muitas vezes em atitude desagradável. Depois, começamos a apreender a forma. Então, nos preparamos à próxima aventura, que agora se inicia. Assim, nos voltamos aqui às tolices dos homens que surgem das atitudes em relação a outras criaturas de sua espécie. Como a cena muda! O homem, na furiosa luta com a natureza, é uma coisa, dentro de si, ainda outra, e, agora, parece assumir uma terceira natureza ao enfrentar outros homens e mulheres, seja no amor, no negócio ou na política. É uma natureza muito mais fraca que qualquer das outras duas, uma natureza tão estúpida que chegamos a perguntar se pode ver direito. O homem, animal social, parece ter afundado abaixo dos símios. Será porque se elevou tanto acima do ambiente dos símios ou há degeneração aqui? Talvez a doença duma modificação na onda marinha que vem sobre ele, à medida que marcha, a diante e a cima, a níveis até agora desconhecidos? Ao menos, lidando com seus companheiros de espécie, amontoa estupidez sobre erro e atira o conjunto ao caos. Que preço pagamos pela estupidez do homem em relação ao homem? A flutuação trabalhista, em nosso país, se eleva a cerca de 250% por ano. Isso é, nossos 40 milhões de trabalhadores são despedidos e reassalariados cerca de 2,5 vezes de 12 a 12. Os peritos calculam que a despesa com o reemprego dum trabalhador varie de 40 dólares a 200 dólares. Essa despesa representa, em parte, o que se gasta com ensinar ao homem seu novo trabalho e, em parte, os danos por ele causados enquanto aprende. Se acredita, em geral, na base de vários documentos e testes, que 90% desta enorme flutuação se deve à má direção das empresas. Grande parte desta má direção se revela o resultado de profunda ignorância da natureza humana. Os diretores de empresa e seus capatazes não sabem o que podem nem o que não podem fazer com os homens a fim de conseguir determinado resultado. Por causa dessa ignorância cerca de 4.109 dólares se gastam em conflito, demissão de operário, busca a novos trabalhadores, greves e blecautes inúteis. Esta perda me parece a menor das multas que pagamos por nossa ignorância da natureza e da personalidade humanas. É insignificante ao lado dos 201 mil divórcios anuais, muitos dos quais resultam da incapacidade dos homens de compreender sua mulher e da incapacidade das mulheres de compreender o marido. É insignificante, também, em contraste com os casais que insistem em ficar juntos, quando são completamente incompatíveis e deveriam se separar. É um nada em comparação com a vida errada de criancinhas, que estão sendo criadas por pais que não as compreendem nem se compreendem entre si. Os inquéritos mais recentes indicam que 3, em cada 5 casos de delinqüência juvenil, são causados por uniões infelizes, ou desfeitas. E isso não 228
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inclui os milhares de crianças, totalmente incompreendidas dos pais, que são forçadas a vidas contra a natureza, talvez com a melhor intenção. Não podemos calcular o custo, em miséria somente, pra nada dizer de perda econômica, das carreiras arruinadas de centenas de milhares que foram levados a linhas de trabalho às quais são, por natureza, mal-dotados, tudo porque não temos especialista nem maquinaria pública pra conduzir os jovens às atividades que melhor lhes convenham. Nem podemos calcular o preço que pagamos pela estupidez do homem em relação ao homem, em nossa corrupta e vil política. Como é ingênuo, de nossa parte, acreditar que um sistema político possa, algum dia, abarcar o conjunto da humanidade. Os habitantes de Cohoes, Nova Iorque, não se compreendem, nem a Cohoes, suficientemente, pra dirigir Cohoes de tal maneira que realize uma civilização. Os habitantes da cidade de Nova Iorque falam tantas línguas que nem mesmo podem conversar entre si. Têm tanta superstição selvagem e bárbara divergente que não podem pensar como uma comunidade. Oito em cada dez são muito ignorantes pra compreender até mesmo os detalhes dum departamento do governo municipal. E o resultado é que a cidade é dirigida tão ridícula e tão corruptamente que há muito teria desaparecido se não fosse o fato de que há milhares de corporações milionárias e bilionárias pra serem taxadas. Aqui chegamos ao alto custo da má compreensão internacional. Os povos dos cinco continentes e dos sete mares são uma massa ainda mais heterogênea em raça, religião, moral e interesse pessoal do que o povo da cidade de Nova Iorque. São mesmo imensuravelmente mais ignorantes e mais degradados que os últimos nova-iorquinos. Se essa multidão de multidões se congregar em unidade política, seja de que espécie for, só poderá haver um resultado. A imensa maioria dos seres inferiores será prontamente organizada pelos inescrupulosos e lutará interminavelmente entre si ou, mais provavelmente, se unirá, como o está fazendo, atualmente, em todo o mundo, numa conspiração pra esmagar os poucos seres superiores. As perdas maiores de nossa conta não podem ser convertidas em dólares e em centavos. Em tempo nenhum o homem comum é chamado a aprender como distinguir os traços de personalidade. Pode chegar aos 100 anos sem que estivera sob necessidade prática de analisar os ingredientes do comportamento doutro ser humano. De modo que, se lhe pedirdes, subitamente, que o faça, estará perdido. Seria o mesmo que pedir analisar o alcatrão seus componentes químicos. O que normalmente faz é formar uma impressão total dum homem essencialmente da mesma forma como conseguimos impressão dum templo grego, duma pintura, duma sonata: A qualidade dessa impressão total é, pois, imputada aos pontos aos quais vos refirais especialmente. Há anos, Thorndyke notou esta tendência nos julgamentos dos empregados de duas grandes corporações industriais. Observou que as estimativas do mesmo homem em vários traços diferentes, como inteligência, indústria, habilidade técnica, confiança, etc., eram altamente correlacionadas e uniformemente correlacionadas. Conseqüentemente, parece provável que fossem incapazes de analisar esses diferentes aspectos da natureza da pessoa e avaliassem uns independentemente dos outros. Aparentemente, havia neles marcada tendência a pensar na pessoa em, geral, como bom ou como inferior, e a colorir o julgamento das qualidades de acordo com este sentimento geral. Fiz um teste um tanto mais devastador, ao longo das mesmas linhas, com mais de 500 escritores que comigo estudaram caracterização durante os últimos 15 anos. Embora não compilara estatísticas desse teste, conheço o resultado geral, que é surpreendente. A forma é bastante simples. Se pede ao escritor, primeiro, que prepare, nas horas de lazer, a descrição mais completa possível dalguém, que conheceu bem,
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muito tempo, quanto mais tempo, melhor. Não sabe que novos testes, quanto à exatidão de sua descrição, serão feitos. Em geral supõe se tratar de simples exercício literário, embora se lhe peça pra não fazer esforço pra escrever bem. O prazo pode variar entre dois dias e duas semanas. Então tomo a descrição e faço uma lista de todos os traços e característicos físicos mencionados. O examinarei quanto aos fatos nos quais se baseiam as afirmativas. Peço recordar algum ato específico no qual, por exemplo, a pessoa descrita procedeu como intratável, má ou infiel. Raros, na verdade, são os que, tendo todo o tempo disponível pra responder, podem especificar atos definidos que substanciem completamente o julgamento geral. Muitos conseguem lembrar pouco menos da metade do total necessário e virtualmente todos citam alguns atos que, depois dum exame acurado, nada provam acerca do traço em questão. Se não me falha a memória, houve apenas 3 pessoas, entre 500 ou mais, que saíram desse exame perfeitamente bem. O homem normal revela seis tendências estúpidas ao julgar outras pessoas: 1 ● A tendência a apreciar os indivíduos pela simpatia que lhe inspiram. 2 ● A tendência a julgar os indivíduos em termos das rudes impressões sensoriais e dos sentimentos a que dão lugar. 3 ● A tendência a exagerar o procedimento óbvio e a julgar os indivíduos pelo exterior. 4 ● A tendência a julgar os indivíduos em termos do estreito raio de ação de nossos próprios hábitos cotidianos. 5 ● A tendência a julgar os indivíduos em termos do conhecimento conseguido através, apenas, dos contatos pessoais. 6 ● A tendência a escolher alguns fatos e a esquecer outros, de acordo com nosso temperamento. Vejamos essas tendências, uma a cada vez.
Empatia 174
A imaginação ou a visão empática, embora seja difícil de descrever com exatidão, é assaz conhecida de todos. É se pôr no lugar do outro. É a atitude sobre a qual se baseia a regra áurea, e a perplexidade que os homens sempre encontraram na aplicação da regra áurea vem da dificuldade central de recrear em si mesmo a atitude e as experiências doutras pessoas. Muita gente imagina que isso seja um exercício fácil. Concordam com Volter, que notou: Todos os que possuem imaginação e inteligência podem encontrar em si o completo conhecimento da natureza humana, pois, no fundo, todos os homens são iguais e as diferenças de matiz não alteram as semelhanças fundamentais. Essa doutrina não se baseia sobre fatos demonstrados. Quando Volter se esforçava a compreender um homem por esse método o estava percebendo e julgando em termos de todas essas potentes tendências nativas que o grande enciclopedista desenvolvera em sua vida intensa. Temos uma prova disso na observação feita por Volter, em muitas ocasiões: Nunca fui capaz de compreender como alguém possa ser frio. Isso é 174
No texto original, tradução ao português, foi usado o termo simpatia. O poder de se imaginar sendo o outro, vestir a pele é empatia. Simpatia é a harmonia com o outro, certa identidade, não necessariamente gostar ou ter opinião agradável sobre ele. Não necessariamente usando a imaginação. O oposto é antipatia. Imaginar como o outro se sente, o compreender, é empatia. Nota do digitalizador
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demais pra mim. Como usa o termo frieza no sentido de falta de emoção, compreendereis rapidamente sua incapacidade pra intuir os indivíduos frios. Era um vulcão humano, quase continuamente em erupção, e o ódio flamejava, furioso, atingindo vítima sobre vítima. A imaginação de todas as pessoas é específica e limitada. A compreensão, seja como for que a definamos, ainda o é mais. Quando nos tentamos pôr no lugar dos outros jamais conseguimos experimentar as coisas da mesma sorte que eles. Hábito, sentimento e atitude, provindos de todo nosso passado, se entretecem no sentimento que finalmente nos toma, em relação aos outros. Isso nunca chega claramente à compreensão. O resultado é uma sutil desilusão. Não suponhais que vossa imaginação seja diferente da de vosso vizinho simplesmente em vivacidade, ou simplesmente nos objetos em torno dos quais se exerce. A diferença é muito mais profunda. Vai até as diferenças primárias no senso do prazer, no sofrimento e no desejo. Diferenças que derivam de heranças ancestrais no plasma germinativo e, em parte, do clima, do alimento, dos costumes sociais de tempo e de lugar. Está provado que esses são os principais fatores de limitação da compreensão empática de cada homem. Heródoto nos fala dum soldado persa do exército de Xerxes, que, num banquete, segredou ao companheiro mais próximo que estava experimentando os sofrimentos mais amargos. Sabia, com certeza, que Xerxes seria esmagado. E a indizível agonia disso era πολλά θπονέονηα μηδενόρ σπαηέειν (A mais amarga tristeza que alguém pode sentir é aspirar fazer muito e nada alcançar). Podia prever claramente os muitos desastres futuros mas era impotente pra os predizer. Dante tinha um ponto de vista diverso: Nessun maggior dolore che ricordarsi del tempo felice nella miséria... Não há maior dor que, na miséria, se recordar do tempo feliz A dor maior é a de recordar os dias felizes quando se está na miséria. Podeis imaginar o que aconteceria se Dante e o soldado persa procurassem um entendimento mútuo? O soldado está abatido por sua impotência ante perigos que claramente vê. O italiano está esmagado pela recordação, nas horas amargas, do prazer passado. O persa olha a diante, o italiano a trás. Ambos devem ser sempre estúpidos, um em relação ao outro. Um homem que sofre com a recordação de momentos agradáveis do passado é construído por um modelo diferente do dum homem cuja maior depressão é sobre antecipação. Diferenças muito maiores que essa abundam no domínio das dores sensoriais. Muitos malaios são insensíveis a feridas que o homem branco comum não suportaria. O chinês muitas vezes demonstra semelhante falta de sentimento em relação a moléstias que causam agonia tremenda a um europeu. Inversamente, nenhuma pessoa com saúde pode realmente sentir o sofrimento dum neurastênico, em cujos ouvidos o gotejar da água da chuva se transforma em tormento. Que distância, pois, entre um chefe mouro e uma dama ianque nervosa! Pelo que podemos imaginar, a maneira do sofrimento físico depende, em grande parte, da espécie de sofrimento que experimentamos. A imaginação empática é, primariamente, uma forma de fantasia e de emoção individuais. Mas muito do sentido, percepção, lembrança, apetite e hábito especial figura em cada ato de imaginação. Assim, todas as tendências que entram em nosso julgamento sobre outras pessoas se combinam aqui. A fantasia, em relação a dado objeto é sempre modelada por todas as outras espécies de ajustes que fazemos em relação a esse mesmo objeto. Assim, todos os preconceitos e todas as demais limitações psíquicas, nos corrompem quando nos esforçamos pra nos pôr no lugar dos outros. A exatidão da compreensão simpática varia com o grau de identidade da natureza e
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das experiências do observador e do observado. Assim temos quatro planos principais de afinidade: 1 ● Estreita semelhança entre duas pessoas, tanto em natureza como em criação 2 ● Estreita semelhança em natureza, mas ligeira semelhança em criação 3 ● Ligeira semelhança em natureza, mas estreita semelhança em criação 4 ● Ligeira semelhança, tanto em natureza como em criação O grau de compreensão recíproca é maior no primeiro caso e vai diminuindo de acordo com essa ordem. Como a natureza e a criação são quase idênticas em certas espécies de gêmeos, poderíamos sentir que um sentisse a personalidade do outro com mais facilidade e maior espontaneidade. E é o que acontece, como está claro nos estudos de Galton e de muitos outros. Seus gosto, emoção, atitude e procedimento mental, em geral, são tão surpreendentemente parecidos que agem quase como único organismo.175 O que já se sabe de hereditariedade nos adverte no sentido de não esperar que muitas crianças, dos mesmos pais, revelem esse alto grau de afinidade. Embora se criem sob a mesma influência doméstica, diferem grandemente nas tendências herdadas em relação à raiva, medo, sexo, emoção e atitude em geral. Cada diferença aumenta a estupidez no imaginar a vida interior dos irmãos e das irmãs. Ainda não vistes profundos mal-entendidos entre irmãos nascerem duma genuína dificuldade de apreender o ponto de vista em que cada qual se coloca? Um dos casos que agora me vêm à mente é o de dois homens, que atualmente devem estar com cinqüenta anos, que jamais puderam estar juntos, a não ser de maneira mais fria e mais formal. O mais velho é dotado de incrível energia. Quando tinha pouco mais de 20 anos, trabalhava 16 horas por dia alegremente, se metendo em meia dúzia de negócios ao mesmo tempo, sempre conseguindo lucro em todos. Continuou assim, sem parar. Gosta dessa vida. Está em sua natureza. Jamais teve interesse profundo, exceto em fábrica. Seu espírito está a meio-caminho entre o dum engenheiro e o dum capitalista. Exatamente da espécie de espírito predestinado a grande êxito financeiro na América durante os últimos 25 anos. Não toma conselho de alguém, não encontra prazer nem virtude noutra maneira de viver além da sua. Todos seus imensos poderes são canalizados como água em mangueira de incêndio. Se atiram somente numa direção e derrubam tudo o que encontram. Agora esse homem pode manejar muitos milhões. O mais moço é artista e pensador. O pai, rico, de espírito largo, teve o bom-senso de não contrariar a tendência artística do filho, que tem excelente posição em determinado campo de arte. Tranqüilo, gentil, dado às idéias, com séria leitura em filosofia, psicologia e arte, passa os dias numa cabana176 no campo. Ambos os irmãos gozam perfeita saúde. Jamais brigaram, ao que sei. Quando se reúnem em família, no Natal, no dia do aniversário da mãe, conversam amavelmente, perguntam um ao outro o que estão fazendo, jogam uma partida de bilhar, saem pra ver os novos cães do pai e, no fim do dia, partem, com uma palavrinha polida: Vás me ver num dia desses.177 Até breve! Nunca foram mais longe. Não podem ir mais longe. Falando com o mais moço sobre o mais velho, fiquei impressionado pelo sincero desejo de compreender Charley e pela tristeza de ser incapaz disso. Quanto a Charley, não hesita em exprimir a profunda tristeza acerca do pobre Ed. O pobre Ed jamais deu pralguma coisa, mas o pode ajudar. E que felicidade que papai tenha dinheiro bastante pra cuidar do infeliz! Ed, admite Charley, tem uma coisa de bom: Não parece invejar os 175
O caso mais evidente, entre os recentes, é o estudado por Gessel (o caso dos irmãos Grosvenor), no Scientific Monthly, abril de 1922 176 No original, cottage: (galicismo) (em inglês e em francês) Cabana aconchegante pra momento de prazer e descanso. Nota do digitalizador 177 Isso é mais uma evasiva que polidez. Nota do digitalizador
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sujeitos que fazem grande coisa. E assim a diante! É um tanto singular que os irmãos se pareçam surpreendentemente um ao outro e que, a parte o impulso enérgico, andem, conversem e gesticulem mais ou menos semelhantemente. Se criaram juntos e foram ao mesmo liceu da Nova Inglaterra. Até o curso secundário, a criação era mais ou menos a mesma mas o mais velho foi a uma escola de engenharia, enquanto o mais moço fazia curso artístico. São uma perfeita ilustração do pouco que o ambiente e a educação podem fazer a fim de tornar semelhantes duas pessoas essencialmente diferentes. Fundamentalmente a criação foi a mesma mas as naturezas viviam em mundos diferentes. Ambos se tornaram eternamente estúpidos em relação ao outro. As pessoas que têm apenas ligeiras semelhanças entre si, tanto em natureza como em criação, têm grande dificuldade de compreenderem o outro, mesmo na mais simples relação da vida. O envoltório dos campos de fantasia é muito ligeiro. Nossos piores casos de divórcio são, muitas vezes, demonstrações perfeitas de total alienação psíquica. Esses casos constituem uma lição contra o perigo do casamento fora da classe mental, emocional ou cultural a que pertencem os noivos. Quem não se parece com o cônjuge em natureza nem em criação pode estar certo de ter de enfrentar dificuldade, mais cedo ou mais tarde. O primeiro mal-entendido induz zanga, medo ou suspeita, que tendem a estabelecer novos hábitos de resistência ou de afastamento. A ligeira simpatia que pode haver existido é rapidamente bloqueada por essas novas emoções e pelas maneiras colaterais de proceder. Assim as coisas vão de mal a pior. A prática mais estúpida e mais cruel em nosso estúpido e cruel sistema de casamento e divórcio é a de tentar fazer a paz entre cônjuges que diferem tão acentuadamente em natureza e em criação. Uma trégua artificial e compulsória é infinitamente pior que a guerra aberta. E a separação imediata é melhor que tudo.178 Certas coisas levam a tolices maiores em imaginação simpática que outras. A ordem de importância não é fixa nem universal mas assume forma rude. Se a quiserdes traduzir numa simples aproximação, a seqüência seguinte pode auxiliar: 1 ● Diferenças emocionais nativas. 2 ● Diferenças nativas de mentalidade. 3 ● Diferenças nativas de saúde, que em geral se classificam muito perto das mentais e às vezes as sobrepujam. 4 ● Diferenças nativas de energia livre, ou fluxo de esforço espontâneo. 5 ● Diferenças sexuais, que incluem os campos emocional e de energia livre. 6 ● Diferenças de idade, que incluem as anteriores e não podem, logicamente, ser separadas delas. 7 ● Diferenças das experiências da infância. 8 ● Diferenças das experiências da meninice. 9 ● Diferenças das experiências da adolescência. 10 ● Diferenças das experiências profissionais e sociais da idade adulta. Não tentaremos uma discussão completa dessas diferenças aqui. Muitas serão consideradas noutro lugar. Vejamos, entretanto, algumas ilustrações. A velha senhora, que cose camisa e gravata pro chefe congo, em sua favorita escola missionária, exemplifica o ápice da má compreensão humana. Em seu confortável lar de Bóston ela se apieda do pobre pagão, enquanto o pobre pagão, se é que pensa nela alguma vez, provavelmente contrai os lábios e estala a língua, pensando no gosto de sua 178
É o caso de meus pais. Não pode haver caso de duas personalidades mais díspares. É como se uma agência matrimonial providenciasse ao revés. Passaram a vida a cão e gato e esse antagonismo foi muito pior à visão de mundo dos filhos, do que serem criados com pais separados. Nota do digitalizador
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carne no jantar. A velha senhora e o chefe bárbaro diferem grandemente em natureza e em criação. Nenhum pode entender o outro essencialmente. Nenhum humanitário sincero pode verdadeiramente sentir o espírito dum canibal igualmente sincero, assim como uma feminista americana não pode penetrar nas emoções da viuvinha hindu que sobe, contente, à pira do funeral do esposo e se deixa consumir pela chama até a morte. A natureza comum que ambos poderiam ter herdado foi neutralizada, pra todos os fins práticos, por diferenças no ambiente. E, se, por acaso, não têm natureza comum em sua emoção, mentalidade, saúde e energia, estão mais longe entre si que das estrelas. A estupidez dos que vivem de acordo com a regra de ouro muitas vezes conduz ao fracasso de nobres propósitos, pela simples razão de que a regra de ouro construi uma psicologia estúpida. Sobrevivência dos dias pré-científicos, admitem, primeiro, que os outros conhecem seu espírito e, em segundo lugar, que podem penetrar no espírito dos outros. Ambas as admissões são, em geral, erradas e, quando aplicadas a questões práticas, levam a desastres menores, como no caso dum fabricante de chapéu de Margem Leste. Esse homem tentou, certa vez, aplicar a regra de ouro a seus trabalhadores. Tinha uma boa casa numa rua barulhenta e populosa, onde muitos dos empregados deviam viver, em virtude da dificuldade de transporte. Estudou a situação e chegou a compreender que o ambiente era de tal maneira que lhe traria grande desvantagem, caso fosse obrigado a nele permanecer. E tratou de transferir a fábrica a um pequeno e agradável subúrbio de Nova Jérsia. Em torno do novo estabelecimento construiu encantadoras cabanas179 com bonitos jardins. E a esse eliseu transportou cerca de 200 famílias. Num ano seus trabalhadores voltavam à cidade, mesmo por salários iguais. Atrapalhado, o pobre homem fez um inquérito e descobriu que essa gente de cortiço crescera no meio do barulho, multidão, boato da vizinhança, clubes e cinemas e não poderia reajustar a vida num sentido completamente novo. A fábrica, finalmente, voltou aos cortiços e ainda lá está. É assim que age a regra de ouro. Falhou. Por quê? Porque nenhum empregador, embora auxiliado por peritos em higiene e especialistas em habitação, descobriu a maneira certa de agir, se colocando no lugar do empregado e se perguntando o quê ele, agora o empregado imaginário, gostaria mais. Há somente dois caminhos abertos aqui: Perguntar o que desejam, sem confiar na própria imaginação ou fazer uma pesquisa objetiva dos fatos e basear a política sobre esses fatos. Se o empregador seguisse o primeiro caminho é muito provável que muitos dos trabalhadores tivessem votado a seguir ao campo, pois, com certeza, ignorariam as próprias reações ao isolamento rural e pensariam, como muita gente ainda pensa, que o campo é um céu. Se o empregador seguisse o segundo caminho, algum psicólogo poderia, facilmente, lhe dizer algo sobre as leis do hábito e da vida de grupo, ele teria feito ouvidos de mercador aos pedidos dos trabalhadores pela partida ao campo.
Mentalidade Duas espécies de diferenças individuais em mentalidade se revelam obstáculos ao entendimento recíproco. Uma delas diz respeito à rapidez e à facilidade de aprender. A outra diz respeito à compreensão da importância relativa das coisas aprendidas. É uma pena que em nossa língua não haja nomes inteiramente adequados a esses processos e capacidades. A rapidez e a facilidade de aprender foi chamada engenho por John Locke e outros, aprendizagem por William James e inteligência por vários psicólogos recentes. 179
Idem, nota 175. Nota do digitalizador
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Mas nenhum desses nomes parece satisfatório. O traço é velocidade aquisitiva na percepção e organização mnemônica. É a capacidade de observar e de reter detalhe de experiência. Pode ser encontrado em pessoas de olho rápido e de memória fotográfica. Jamais esquecem algo que caiu sob sua atenção. Os mais distantes deles são os mentecaptos, que, virtualmente, nada podem aprender. Seria absurdo esperar que um mentecapto apreendesse, de maneira inteligente, a construção e a vida psíquica de, digamos, um homem como Macaulay ou como John Stuart Mill, que podiam compreender todo um volume de leitura difícil com menos esforço e em menor espaço de tempo que um semi-inteligente pode necessitar pra ler dez linhas dum livro de aula primária. E é somente um pouco menos absurdo sustentar que Macaulay e Mill pudessem verdadeiramente compreender, por compreensão empática, a cor, o modelo e a lentidão psíquica do semi-inteligente. Em verdade, o podem compreender muito melhor do que ele os pode compreender. Mas, no mínimo, a compreensão não será muito profunda. O mesmo acontece com todos os outros que, não sendo monstro de saber nem mentecapto, diferem consideravelmente entre si. Isso pode ser observado quase em todos os lugares e em todos os tempos. Como é difícil ao acadêmico instruído compreender os modos de ação do retardado fazendeiro ou do clérigo de aldeia. Como é impossível ao brilhante engenho de H. L. Mencken avaliar o espírito menos ágil e mais rápido no esquecer de seu objetivo favorito, o grande tolo americano! Vejamos o segundo dos principais traços de mentalidade, a capacidade de compreender a importância relativa das coisas aprendidas. Aqui chegamos à maior de todas as diferenças individuais. É a diferença entre a sabedoria e a loucura. Explica, também, em grande parte, a diferença entre o idealista e o realista, doutrinário e oportunista, introvertido e extrovertido, fanático e liberal. O que importa não é a rapidez ou facilidade de aprender. É, antes, uma questão de perspectiva. Grandes fatos são aceitos como grandes, pequenos como pequenos, triviais como triviais, momentâneos como momentâneos. Essa é a própria essência da sagacidade. E a podeis encontrar tanto em quem aprende vagarosamente como em quem aprende depressa. Sem dúvida, a sagacidade superior ocorre, muitas vezes, em conjunção com a aprendizagem acurada e rápida, visto que esse último traço, sozinho, pode fornecer ao homem sagaz uma série de fatos acerca de si e do mundo. Mesmo assim, muitos homens, cujo fundo de conhecimento é débil, utilizam esse fundo com genuína sabedoria. Observai o homem ignorante que sabe que é ignorante e que raramente aventura opinião ou ato além de sua capacidade, embora dentro dela veja sempre claramente. A suprema sagacidade envolve dois traços. Um é ver as coisas dum ponto de vista e em consistente perspectiva. O outro é saber o que são esse ponto de vista e essa perspectiva e fazer o devido desconto no julgamento final e no ato decisivo. Noutras palavras, o homem sábio verdadeiramente grande conhece a si e a suas idiossincrasias tão completamente quanto conhece o mundo. Pode se colocar em seu lugar. Noutro lado, esse auto-conhecimento não atrapalha o objetivo nem paralisa a ação, como tão freqüentemente faz a simples introspecção. Significa que o homem sábio não pode ser extremamente introvertido, extremamente extrovertido nem extremamente estético mas deve reunir todas essas três tendências. O que surge no extremo oposto? Incapacidade pra tratar um fato importante como importante, um fato trivial como trivial. Incapacidade pra avaliar o próprio ponto de vista, a própria perspectiva. Hollingworth, muito agudamente, salientou que esse é o procedimento típico do psiconeurótico: O fracasso na sagacidade implicará, assim,
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numa disposição pra reagir contra a situação total do presente escolhendo algum de seus detalhes e reagindo contra esse detalhe por meio dalguma reação total previamente associada cum conjunto em que o detalhe figurava…180 (O psiconeurótico tem vertigem ao ouvir uma ária de ópera, vomita se alguém mencionar o nome dum homem, se entristece ao ver um flor…) Isso é, pode ter se sentado, certa vez, nas primeiras cadeiras dum camarote, ouvindo a ópera, e ter tido vertigem ao ver o palco. Doravante, qualquer coisa ligada à música de ópera revive a vertigem. Seu procedimento é dominado por associações acidentais e fúteis. De sua vida se pode dizer que é muito barulho por nada. Entre ele e o sábio há todos os graus de sabedoria e de loucura. Quanto maiores são as diferenças entre dois indivíduos, sob esse ponto de vista, menos facilmente se podem compreender ou simpatizar mutuamente. Certamente o mais sábio compreende melhor o inferior. E parece provável que homens muito sábios possam penetrar os espíritos inferiores quase ao âmago. Como há poucos homens assim, esse fato não vicia nossa afirmação geral acerca da ignorância humana sobre o homem. Eu disse que diferenças na sagacidade estão na base dos mal-entendidos familiares entre extrovertidos e introvertidos. Isso merece comentário. Um homem cuja atenção é poderosamente dirigida à exterioridade deve ter uma perspectiva radicalmente diferente da do homem que constantemente se curva sobre sua vida, interior, sentimento, fantasia e desejo. Cada perspectiva pode ser definida. Cada perspectiva pode, portanto, apresentar todas as coisas, dalguma maneira bem organizada. Cada perspectiva pode ter seu padrão de valor consistentemente mantido. Então não podemos dizer que um é superior ao outro quanto à organização de experiência. Quando, entretanto, consideramos o auto-conhecimento, chegamos a uma medida digna de confiança de extrovertidos e de introvertidos. E nele também encontramos a base de seu profundo antagonismo intelectual, como de sua incapacidade de se compreenderem, mesmo remotamente. Inevitavelmente o introvertido exagera a importância do psíquico e do pessoal. Não menos inevitavelmente o extrovertido a subestima. E, nesse sentido, são ambos deficientes em sagacidade. O introvertido, se inclinado à reflexão e à análise, caminha a uma constelação de idéias que estão mais bem tipificadas na filosofia de Kant. Tende a considerar cada experiência interior como totalmente diferente da ordem física onde vive. A personalidade é sua única realidade absoluta. Tempo, espaço e matéria são simples acidentes ou, talvez, produtos secundários da vida sem tempo nem espaço do ego. Lhe agrada a convicção de que sua natureza pessoal tomou forma antes e a parte de todas as experiências desde o nascimento e que, nas mais profundas características, nenhuma experiência a pode alterar. Logicamente, pois, acredita nalguma predestinação. Jamais é um esteta. Não se pode perder no prazer sensorial ou, se pode, em raros momentos de abandono, os despreza. Seu interesse por outras pessoas provavelmente será fraco, se não faltar completamente. O mesmo acontece com o interesse social. Maior que tudo é seu desdém pela manipulação de objeto. Crê que o mecânico e o inventor são mistérios inventados pelo Diabo prà perplexidade da gente honesta. Como pode um homem assim compreender um completo extrovertido como Henry Ford, que verdadeiramente vive e pensa, exclusivamente, no reino do ferro, aço, 180
Psychology of functional neuroses, página 60 e seguintes
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gasolina e borracha? Espíritos objetivos assim olham os homens como máquinas e o Estado como uma fábrica. Contemplam a vida como uma mistura de forças físicas que, se reduzidas à ordem, e bem dirigidas, criam a felicidade. Consideram seus próprios prazeres e dores, esperanças e receios, processos químicos que têm lugar sob a pele, todos capazes de serem dirigidos, como um elemento químico no laboratório. Às experiências interiores não dão mais importância cósmica que a qualquer oxidação ou eletrólise. Toda natureza de introvertidos e de extrovertidos bem ajustados encontra saída e atividade mais felizes a sua maneira peculiar. O extrovertido atenta, de preferência, sobre os objetos exteriores, enquanto o introvertido atenta sobre a vida interior. Se cada qual vive e aprende como lhe apraz, o resultado é fácil de prever. As percepções sensoriais, emoções e hábitos mentais mais sutis do par divergirão constantemente, até que nenhum compreenda o outro. Educai o extrovertido de maneira que intensifique as tendências naturais à extroversão e treinai o introvertido de maneira a intensificar todas as subjetividades congênitas, e conseguireis a mais extrema diferença, a mais completa incompatibilidade psíquica, quando ambos chegarem à idade adulta. Considerai esse caso. Em parte nenhuma encontrareis uma brecha maior que entre o psicólogo científico e o românticomístico extremo. Quanto mais bem treinados nos respectivos campos de atividade, tanto mais afastados são seus pensamentos e aspirações. Entre eles a argumentação é fútil. Seria o mesmo que esperar resultados úteis numa discussão entre Jorge Bernardo Shaw, o vegetariano, e o rei dos canibais, sobre os males provenientes de comer carne. Por exemplo: O que pode uma pessoa, imbuída do espírito do laboratório moderno, dizer a um homem como Middleton Murry? Como pode responder à sincera afirmação de Murry, de que a psicologia moderna é uma pseudo-ciência da espécie mais grosseira e mais pretensiosa? Ou sua doutrina de que a única e verdadeira ciência da alma foi atingida por Keats, que descreveu, em The vale of soul making (O vale do fazedor de alma), o modo exato de se fazer uma alma?181 Aqui temos a completa e irremediável incompatibilidade conceitual que é a praga do mundo moderno. Se derdes treino intensivo a um indivíduo naturalmente esteta, artista, santo, místico ou romântico, qualquer deles acabará muito distante da espécie atingida por um espírito extrovertido inatamente analítico e inquiridor. Sim, muito mais afastado do outro hoje que em tempos anteriores, exatamente porque cada tipo chegou ao auge, graças a nossas maiores oportunidades de auto-desenvolvimento. A educação alarga a brecha que a natureza fizera da largura dum oceano. O que temos a dizer sobre Chesterton? Está além de minha sensibilidade compreender Chesterton nos supremos momentos de paradoxo moral e religioso. Eis uma entre uma centena de ilustrações. Quando li seus contra-sensos intitulados Heresia, cheguei a essa passagem no ensaio sobre o espírito negativo: Um jovem pode se afastar do vício pensando, continuamente, na moléstia. Também pensando, continuamente, na virgem Maria. Se pode discutir qual dos dois métodos é o mais razoável ou o mais eficiente mas não se discutirá qual o mais salutar. Fechei o livro e pensei: Naturalmente, ninguém discutirá isso. Mas, pra meu espanto, um admirador de Chesterton me declarou, algumas horas depois, que 181
Saturday Review, 7 de março de 1925, página 574
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Chesterton quis dizer que era mais salutar ao jovem pensar na virgem Maria! E eu supusera exatamente o contrário. Depois de vinte anos, ou mais, ainda não posso conceber que alguém considere o método de Chesterton como algo mais que uma forma de perversão erótica. Por muitos anos estive firmemente convencido de que Chesterton fazia pilhéria pra distrair o público. Um dia alguém me afirmou que esse inglês era um dos maiores defensores da fé. Assim, tentei o ler a nova luz. Afinal abandonei a empresa, convencido de que, no fundo da criatura, deve haver alguma coisa, talvez uma secreção endócrina, infantilismo ou crença secreta que sou constitucionalmente incapaz de apreender.
Sexo Ninguém duvidará que as diferenças de sexo tenham grande importância na conformação da personalidade total e, portanto, na limitação da imaginação simpática de cada indivíduo e no aumento de sua estupidez em relação ao sexo oposto. Infelizmente, porém, ainda não se tentou uma investigação superficial da questão. Tanto quanto sei, nenhum livro foi escrito tentando, ainda que ligeiramente, descrever as conexões entre o comportamento erótico específico e temperamentos, atitudes e tendências de fantasia específicos. Realmente, há somente três ou quatro informações sobre padrões eróticos, mas são apenas histórias sem interpretação. Neste ano de 1932, quando todos os biologistas e todos os psicólogos concordam que as tendências sexuais conformam a personalidade de muitas importantes maneiras, nenhum cientista está publicamente investigando caso, nenhuma instituição científica financia abertamente uma investigação semelhante e poucos editores de renome ousam anunciar um livro sobre tal assunto, mesmo em suas listas de publicação médica! É de admirar que saibamos tão pouco acerca das personalidades, prevalecendo tais condições? As pesquisas nesse campo imensamente significativo são realizadas em segredo e poucos trabalhadores têm ciência do que os demais estão fazendo. Tudo o que posso dizer sobre o assunto é que, em geral, devemos esperar que as maiores de todas as dificuldades em compreensão simpática ocorrerão onde encontrarmos as maiores diferenças individuais em padrão físico, descarga específica de energia e tipo geral de equilíbrio fisiológico. Não entraremos na questão das diferenças sexuais, exceto pra mostrar como elas diferenças alimentam as tolices que surgem do antagonismo sexual e de mal-entendidos semelhantes entre macho e fêmea. As mulheres tendem naturalmente a colorir o quadro de si, doutras pessoas, do mundo e da vida com tintas completamente diferentes das que gostam os homens comuns. Aqui está a base do mal-entendido normal entre os sexos. Como isso pode se aprofundar quando uma mulher inteligente começa a racionalizar seu padrão emocional e apetitivo, pode ser notado nas curiosas noções acerca do antagonismo sexual do qual falam muitas feministas avançadas. Certamente, essas feministas não são mulheres comuns. São superiores à média em inteligência e simplesmente diferentes da média em vários outros aspectos. Entretanto, desenvolvem pontos de vista que são, com toda probabilidade, simples exageros de tendências normais. Vejamos um caso recente. Doutora Beatrice Hinkle pinta os homens como terrificados pelas mulheres. Antes da convenção da associação americana de estudos infantis, em 25 de outubro de 1925, na cidade de Nova Iorque, essa distinta psicanalista e tradutora de Jung declarou: Um medo opressivo à mulher vive no mais profundo da alma do homem e é a causa do antagonismo sexual de que sempre fala.
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Grifei as últimas palavras porque são importantes, como diagnóstico. Em toda minha vida, jamais ouvi um homem falar em antagonismo sexual. Nenhum!182 E discuti todas as espécies de questão com todas as espécies de homem, mais que muitos psicólogos e psicanalistas. Mas ouvi muitas feministas falarem disso, eloqüente mas furiosamente. Onde teria doutora Hinkle conseguido a noção de que os homens estão sempre falando acerca de antagonismo sexual? Certamente, em lugar nenhum. É pura racionalização dum desejo que existe na mulher, nada mais. Doutora Hinkle observa, ademais, que os homens estão em pânico, em virtude da luta das mulheres a maior liberdade. Procurei, em vão, sinais desse pânico: Em clubes, jornais, em toda parte. Todos os homens com quem conversei acerca da emancipação das mulheres estavam singularmente desinteressados da questão ou levantavam os ombros, dizendo: Ó! Deixemos as mulheres fazer o que quiserem! Realmente, muitos observadores europeus e orientais afirmam que o homem americano é, ao mesmo tempo, muito paciente, de boa natureza e extravagantemente liberal com as mulheres. A mesma autora escreve sobre os desastrosos efeitos do casamento sobre as mulheres e declara que os efeitos demolidores do casamento sobre as mulheres se revelam nos casos numerosos em que esposas separadas dos maridos pela morte ou por outras causas floresceram, subitamente, em indivíduos felizes, capazes e úteis.183 Sem dúvida, há casos assim, e conheço vários, dentro de meu círculo de contato. Mas doutora Hinkle parece não ter ciência da necessidade de provar os efeitos demolidores do casamento por um inquérito de todos os casos de casamento, em vez de citar alguns exemplos favoráveis. Olhando as estatísticas nacionais, e não casos isolados, notamos que o índice de mortalidade entre as viúvas é muito mais alto que entre outras mulheres, sejam casadas ou não, em grupos correspondentes de idade. Noutras palavras, os casos de doutora Hinkle são as exceções. A regra é que as mulheres que se libertam dos laços do casamento pela morte deixam de florescer. Não se podem ajustar à vida livre da feminista ideal. O que tem tudo isso a ver com as limitações à imaginação simpática? É uma tentativa do espírito científico altamente treinado duma mulher pra compreender a atitude, pensamento e emoção do macho comum. Como tal, é um completo fiasco. E, ao que posso saber, fracassa principalmente porque essa cientista, como muitas outras, não pode perceber objetivamente certos aspectos da personalidade masculina, como um homem comum não pode perceber objetivamente certos aspectos da personalidade feminina. Nunca os dois se encontrarão, quando se chega a essas integrações complexas e enormemente sutis que se desenvolvem, em grande parte, de diferenças sexuais primordiais. Se uma mulher madura, tão altamente preparada como doutora Hinkle, pode acreditar num contra-senso como o medo opressivo do homem em relação à mulher, o que se deve esperar das mulheres sem preparo? O mesmo acontece com as diferenças de idade. Ninguém sustenta que uma criança de cinco anos se possa colocar no lugar do pai, ou da mãe, e todos sabemos como é difícil aos pais compreender as crianças de cinco anos. Uma ou outra vez, encontrareis um adulto que preserva, intatas, muitas de suas experiências infantis, com singular pureza. Mas a tendência geral é o esquecimento. A vemos no perene mal-entendido entre as velhas e as novas gerações. Toda idade gosta de acreditar que há algo maravilhosamente novo no choque, mas essa noção é ingenuidade adoçada por egotismo. A falta de compreensão adequada, aqui, é uma constante normal, devida às
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Também é notável ser comum uma mulher dizer que está esperando seu príncipe encantado. Jamais ouvi um homem dizer que está procurando sua princesa encantada. Nota do digitalizador 183 The chaos of modern marriage, no Harper's magazine, dezembro de 1925, página 5
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diferenças de idade.184 Não discutirei a maneira pela qual todas nossas várias espécies de experiências, desde a juventude à velhice, qualificam nossa imaginação empática, pois que isso é uma velha história com a qual estamos todos bastante familiarizados. Os indivíduos com quem crescemos, os vários professores que modelaram, bem ou mal, nosso espírito, os trabalhos que nos ocuparam, as dificuldades que encontramos, a boa sorte que surgiu em nosso caminho, todas essas coisas inevitavelmente desempenham papel em fazer algumas pessoas fáceis de compreender e outras completamente incompreensíveis pra nós. E exatamente porque não há duas pessoas que acumulem experiências precisamente idênticas, devemos sempre esperar ligeiras diferenças, talvez imensuráveis, que se baseiem nessas irredutíveis variações em padrão de vida. Pro psicólogo, provavelmente permanecerão sempre surdas e indecifráveis e não analisáveis a origem e a composição. Eis um domínio da estupidez que a ciência jamais conquistará.
Contra-senso Nossos olhos, ouvidos e nariz nos pregam peças bem tristes. Muitas vezes nos tornam eternamente estúpidos em relação a outras pessoas. A primeira impressão muitas vezes fixa nossa atitude a toda a vida. Pra nós, uma cabeleira limpa vale mais do que a castidade, e dentes alvos estão acima de sangue puro. Essas preferências se revelam numa série de experiências realizadas por F. A. C. Perrin185 e concordam, substancialmente, com notas ocasionais que tomei entre colegiais, sobre as razões pra gostar ou não gostar uns dos outros. Todas essas observações tendem a demonstrar que muitos de nós ainda se julgam uns aos outros como o fazem os gatos e os cães, principalmente pelo nariz. De todos os órgãos e funções do corpo, o nariz é o mais intolerante. E desempenha, na formação das amizades e das inimizades humanas, um papel fora de toda proporção com sua importância. O espírito o controla somente a custo de grande esforço. A atitude do corpo, a maneira como um homem cuida das unhas, o arco das sobrancelhas, o timbre da voz, o matiz da pele e cem outros detalhes insignificantes também entram em nossa primeira impressão do homem e a cristalizam. Raramente sabemos como essas pequenas coisas nos influenciam poderosamente. Daí nossa dificuldade em as contrariar. Eis por que a primeira impressão tende a se parecer muito com a impressão final, em tantos casos. Os indivíduos que pouco sabem de seus processos mentais costumam se gabar desse fato e se declaram dotados de intuição, embora devessem se dizer dotados de sensação. Não penetram suas relações. Antes ao contrário! Interpretam qualquer descoberta posterior à luz de sua primeira impressão. Se essa impressão é grandemente favorável, demonstram amizade pela pessoa. E isso, em geral, induz a pessoa a proceder benevolamente em relação a eles, com o resultado de que o observador nele vê somente boas qualidades. Se a primeira impressão foi decididamente antagônica, ou de desprazer, tem lugar o oposto. Os observadores intuitivos demonstram desgosto ou repugnância na conduta, que, por sua vez, leva a pessoa em questão a alguma atitude mais ou menos semelhante. E, então, só têm olhos 184
Num desses livros de curiosidade li que a idéia de que a idéia de que as coisas não são mais como antigamente é muito mais antiga e onipresente do que se imagina. Na antiga Grécia e Roma os filósofos lamentavam as pessoas não terem mais bom-gosto, na antiga Babilônia se reclamar de que os jovens não respeitam mais os pais, etc., tanto quanto hoje falamos em choque de geração, que o Carnaval não é mais aquele… Nota do digitalizador 185 Physical attractiveness and repulsiveness, no Journal of experimental psychology, IV, página 203 (1921)
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pra suas más qualidades. Em virtude dessa ação e reação as estenógrafas de pele grosseira e engelhada têm perdido tantos empregos quantos já foram perdidos por falta de inteligência ou por incapacidade manual. Experiências realizadas em agência de emprego provaram que isso é verdade. Digamos, a bem da justiça, que o macho procurando emprego sofre igualmente como a fêmea. Os empregadores simplesmente sentem repulsão pela pele grosseira e engelhada e, apesar de toda a inconsciência das razões que a isso os levam, demonstram atitude desfavorável que deixa tanto o empregador como o possível empregado completamente fora de empatia. É difícil descobrir a causa dessa repulsão mas, certamente, se deve ligar a alguma função fundamental dos tratos sensoriais. Às vezes o ciclo toma outro curso. A grande força de nossa reação é tomada como um indício de que revela a verdade. Odiei essa mulher desde o momento em que lhe pus os olhos, me observou, certa vez, uma senhora. Devia haver, nela, algo radicalmente errado. Senão, como poderia me fixar assim? Isso é plausível, até que se saiba que a antipatia se pode ter originado duma entre cem causas na vida passada dessa senhora. Pode, mesmo, ter provindo duma experiência há muito esquecida da primeira infância. Não há conexão regular entre a intensidade de sentimento duma pessoa e a verdade que essa pessoa sente mas é grande a tentação a acreditar que deva haver. E isso produz mal-entendidos e tolices cruéis. Tenho em mente o caso dum químico famoso. Durante um período particularmente intenso de pesquisa trabalhou com alguns elementos químicos poderosos, que lhe deixaram nas mãos uma cor amarelo-suja. Seu laboratório tinha cheiro esquisito e, em virtude das longas horas que ali passava, esse odor parecia haver permeado sua pessoa. Certamente, estava na roupa, entranhado. Nesse mesmo tempo, também, devia se encontrar com muitas pessoas, em sociedade. Me contou, rindo, que o desgosto que causava a suas novas amizades só não era audível. Lhe davam as costas à vista das mãos amarelas e ao sentir o cheiro de laboratório. Entretanto, todos, sem dúvida, sabiam que esse homem era um dos maiores químicos de seu tempo. Todo mundo sabe que as pessoas continuamente se surpreendem ao saber como são comuns os grandes homens. Isso não é tão surpreendente. Construímos noções românticas acerca desse ou daquele homem ilustre e, quando os vemos ou com eles falamos, os julgamos por algum movimento das mãos, pelo fato de estar de barba crescida ou pela desanimadora descoberta de que devia usar uma escova dental.186 Os que eram admitidos à presença de Theodore Roosevelt durante seu governo, imediatamente julgavam o homem muito humano e amável porque o presidente era capaz de esquecer a si e aos presentes e saltar, excitada, zangada, humanamente, abaixo e acima do salão. Sua conversação, às vezes indiscreta, causou grande parte dessa impressão, que perdurará até que o observador vá ao túmulo. O mal dessa doutrina de que as primeiras impressões são as mais seguras se encontra no fato de que são simplesmente tão poderosas que por elas modelamos as demais. Embora muitas reações dos sentidos sejam parte da natureza do homem, muitas mais são criações das circunstâncias, costumes locais e hábitos acidentais. Analisar uma dessas últimas requereria íntimo conhecimento de toda a carreira da pessoa. Por que os homens suspeitam de todos os cássios187 humildes e famintos que se aproximam, enquanto depositam uma confiança infantil na honestidade de todos os homens gordos e saudáveis que encontram? Por que as mulheres desdenham os homens pequenos e 186
Tchakovsky tinha uma condessa que era sua admiradora e mecenas e lhe mandava sempre uma ajuda financeira mas que nunca o quis conhecer, pra não estragar a imagem que dele fazia. Nota do digitalizador 187 Cassius Longinus: Principal articulador na conspiração contra Júlio César (morto em -42)
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perdem a cabeça por todos os homens altos e de ombros largos, que parecem anúncio de alfaiataria? Por que alguns de nós admiramos (a despeito de toda literatura em contrário) as morenas enquanto outros adoram as louras? Seja qual for a resposta, podemos estar certos de que o motivo se encontra em várias experiências agradáveis e dolorosas com várias pessoas. Esses contatos, há muito esquecidos, deixaram um resíduo de sentimento que revive, e muitas vezes impropriamente, quando encontramos um estranho que se parece com o indivíduo amado ou odiado nalguma absurda trivialidade de sua natureza. Aqui a simples correspondência sensorial diminui até um ponto psíquico que, por assim dizer, se torna o centro dum grande sistema de atos integrativos. Às vezes o sistema é principalmente estético, às vezes social, às vezes intelectual, às vezes religioso. Uma porção de novos fatores entra na combinação, somente pra levantar, novas e maiores dificuldades. Essas correspondências estéticas são terrivelmente difíceis de analisar. E ninguém as conhece menos que a pessoa em quem ocorrem. Parecem tão simples, evidentes por si, intensas, genuínas! Devem ter alguma verdade profunda! A pessoa que goza a experiência estética não hesita em a ligar a todos seus julgamentos morais, religiosos e filosóficos. Eis um dos mais engraçados casos de tal ligação que já encontrei. É a declaração, a sério, de dois autores bem conhecidos, que tentam ensinar moral à nova geração (Que Deus tenha piedade dela!). Os autores, Wilson e Fairley, revelam suas correspondências estéticas pessoais, francamente, na condenação a todos os selvagens. Eis suas exatas palavras: O selvagem é, em todos os sentidos, inferior ao homem civilizado. As mesmas coisas são verdadeiras à espécie humana e à sociedade humana, somente que, aqui, a cooperação inteligente do homem se dirigiu, não sobre outras criaturas, mas sobre si. O corpo humano se desenvolveu e se tornou mais belo e mais forte. Isso pode ser facilmente notado pela comparação entre o selvagem e o homem civilizado. Quanto à beleza, o contraste é chocante. A fealdade da mulher e do homem selvagens é devida em grande parte à ação irrestrita das paixões básicas que desfiguram a fisionomia. Não precisamos ir às comunidades selvagens pra o notar, mas entre os povos selvagens sempre o notamos. Quanto à força, o selvagem é também inferior. Quando as duas raças colidem, é sempre o homem civilizado quem prevalece sobre o selvagem. Mas esse desenvolvimento físico está subordinado ao desenvolvimento intelectual e espiritual. Eras de esforço inteligente construíram um cérebro maior, vontade mais forte, alma mais bela.188 Eis o contra-senso dos sentidos levado ao limite absoluto numa racionalização que ainda muitos anos permanecerá como o auge do pensamento errado. Evidentemente, os autores reagem, primitiva e fortemente, contra os negros, os malaios e os chineses. Uma 188
Wilson & Fairley, Talks to young people on ethics, Nova Iorque, 1924
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reação provavelmente baseada no odor, nas simples percepções de cor e de forma ou no falso ensinamento. Estas tendências originais foram reforçadas pelo hábito, naturalmente, e até agora, na idade adulta, os autores se sentem menos capazes que nunca do prazer de olhar a nobre face dum índio ou o perfil duma donzela banto. Pra harmonizar todas suas experiências, tanto estéticas como morais, então traduzem o belo como o bom, acham que a bondade causa a beleza enquanto a maldade é a responsável pelas caras feias. Imaginemos o que poderiam dizer a um chinês que lhes declarasse que ambos tinham rostos parecidos a torrões de barro. Isso complicaria a filosofia, e não pouco, hem! Pode o pobre selvagem encontrar compreensão empática em Wilson e Fairley? Podem esses autores compreender o simples selvagem? Nem em mil idades! Eis, simplesmente, um caso extremo duma tendência universal. Os gostos invadem e alteram os julgamentos dos homens em assuntos muito afastados da simples estética. Eis o problema! E o grau de invasão é invisível àquele que julga. Embora não gostemos de admitir, nossos gostos da idade madura são desenvolvimentos de nossas sensibilidades e padrões animais que se criaram em nós durante a infância, especialmente por meio dos professores. E, uma vez que nossos gostos penetraram todo o campo de ação de nosso julgamento, desejamos, poderosamente, justificar todos nossos gostos e desgostos. E isso muitas vezes nos prejudica, quando tentamos ver os outros como são na realidade. Poderíamos continuar alinhando, em centenas de páginas, novos casos de estúpidos julgamentos baseados em várias impressões estéticas obscuras, que mais tarde foram racionalizadas a fim de apoiar o gosto particular do julgador. Quantas vezes, por exemplo, ouvistes dizer que um queixo recuado significa vontade débil? É claro que um queixo fraco não pode servir de guia à determinação do caráter de alguém, pois pode resultar de várias perturbações infantis. Nem um maxilar forte é sinal de poderosa personalidade, pois muitas vezes resulta da boa alimentação na infância. Isso é resultado de moléstias endócrinas. O maxilar mais forte que já vi foi o duma moça irlandesa sem personalidade. Um dos queixos mais fracos que já vi pertencia a um especulador de rua Muralha, que era o terror de seu escritório, pondo todos os empregados a trabalhar vertiginosamente, dominando os sócios e, em geral, agindo a sua própria maneira. Os psicólogos investigaram sobre muitas características superficiais, como os queixos fracos, e notaram que todos foram mal julgados por observadores estúpidos. Enquanto os homens não gostarem das aparências desses caracteres, sempre encontrarão justificativa pra seu desprazer. E nada podemos fazer contra isso. Assim, parece que a única maneira de livrar o mundo desse triste erro é o libertar dos filhos dos ciclopes que o cometem.
Aparência Os aliados por um triz não venceram a primeira Guerra Mundial desde o começo. Se não fosse a estupidez de oficiais britânicos ao julgar um estranho francês pela aparência física, milhões de homens agora mortos poderiam ainda estar vivos e felizes. Às 9h da manhã, no dia 3 de setembro de 1914, as coortes alemãs estavam avançando sobre Paris. Já estavam quase à vista da cidade. O exército de Kluck, no extremo oeste da linha do invasor, atravessava o Marre, no ato final de cerco à capital francesa, quando um oficial do estado-maior do exército de Lanzerac encontrou, no corpo dum oficial alemão morto, ordens do quartel-general alemão que revelavam que, à medida que Kluck avançava, estava expondo seriamente o flanco alemão a um ataque. Quando essa notícia chegou a Galliéni, o novo governador militar de Paris percebeu, num relance, a nova situação e sua possibilidade. Transmitiu a Joffre, seu superior, como poderiam atacar o flanco direito dos alemães numa rápida operação. O estúpido
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Joffre não compreendeu a manobra mas concordou em pensar nela. Galliéni, que, acima de todos os demais generais dos exércitos combatentes, tinha um agudo senso do tempo e uma noção do espaço surpreendentemente parecida com a de Napoleão, partiu a persuadir o comandante britânico, sir John French, cujas forças estavam no caminho de Kluck. French não estava no quartel-general britânico em Melun, quando Galliéni ali chegou em seu imundo automóvel. Archibald Murray, chefe do estado-maior, não estava perto. Assim, Galliéni teve de estabelecer contato com os oficiais britânicos que pôde encontrar. Façamos um desconto ao espírito que dominava, então, esses oficiais: Estavam deprimidos, um tanto confusos e consideravelmente desiludidos acerca da eficiência do exército francês. Galliéni conversou com alguns e teve o desprazer de os ouvir declarar que se soubessem com que espécie de gente se encontrariam, jamais entrariam na guerra ao lado dos franceses. Depois dessa agradável introdução, Galliéni começou a argumentar em favor dum rápido golpe contra Kluck. Os ingleses olharam o estrangeiro. Um sujeito sem aparência militar, de óculos, anguloso, de bigodes ferozes, botas pretas e culotes amarelos, como o descreveu, nesse momento, capitão B. H. Liddell Hart. Acrescentou: Nada de admirar que um eminente soldado, com uma pungente dose de humor, notasse que nenhum oficial britânico poderia ser visto falando com tal comediante exótico. Os ingleses não aceitaram a proposta do comediante exótico, mostraram grande repugnância. Galliéni esperou, durante três horas, que French regressasse. Depois teve de voltar a seu posto em Paris, sob a temporária derrota. Somente por boa sorte conseguiu persuadir o velho Joffre, um dia mais tarde que o necessário, mas ainda a tempo de vencer a chamada Batalha do Marre. Pros peritos militares é evidente que se Archibald Murray, chefe do estado-maior, fosse um homem de visão larga, liberto de sensibilidades imbecis a propósito das roupas e da barba dum homem, Galliéni poderia o ter induzido a uma ação rápida. E então? O exército alemão seria colhido. Moltke, que não entendia muito a situação geral, poderia entrar em fuga em toda a frente central. E os aliados poderiam ter sido... Sonhai com isso! Os sonhos não estão mais afastados da realidade do que a inveterada estupidez do homem em julgar apenas pela aparência. Nossos hábitos cotidianos tendem à exterioridade. Empenhados em luta contínua por alimento, abrigo, segurança e saúde, lidamos mais com objeto que com natureza. Curiosamente, também, lidamos com os objetos quase completamente através da superfície. Somente ao alimento e à bebida que ingerimos e ao ar que respiramos damos mais intimidade. Temos, assim, pouca oportunidade de conhecer o interior das coisas, sejam montanhas ou agentes comerciais. E quando a rara oportunidade chega, nada podemos lucrar, pois nos falta destreza. Assim nos tornamos a presa de nossos hábitos elementares na luta pela existência. Um banqueiro que passou muitos anos lidando com o comércio exterior não pode me analisar dum momento a outro, como não posso interpretar, com a mesma habilidade, os preços diários da lira, do iene e da rúpia. A interpretação dum homem requer imensa experiência e treino. É uma arte que não pode ser aprendida numa noite. A prática é indispensável. Alguns homens não cientistas, que estudaram os indivíduos durante muitos anos, adquirem o poder de penetrar a natureza humana e muitas vezes surpreendem os psicólogos que trabalharam exclusivamente nalgum campo mais restrito. Mal se pode imaginar como é enorme a ignorância da natureza humana por parte do homem superior. Muitas vezes tentei o fazer, somente pra chegar ao fim da linha de
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sonda sem encontrar o fundo. Há tempo tive oportunidade de entrevistar grande número de industriais bemsucedidos acerca da maneira pela qual escolhem candidatos a posto importante em sua fábrica. Um prestava atenção aos sapatos do homem e à maneira pela qual governava os pés durante a entrevista. Outro considerava a cor e as maneiras do candidato acima de tudo e me declarou, em segredo, que todos os grandes dirigentes de negócios têm olhos azuis.189 (Desde então, notei que todos têm olhos azuis, exceto os que os têm pretos, castanhos, cinzentos, verdes e doutras cores). Um terceiro me declarou que usava o método dum amigo, que era o de levar o candidato a um quarto onde não havia cadeira nem cabide e dizer, bruscamente: Pendures o chapéu e te sentes. O que o candidato fazia era uma segura revelação de seu caráter. Mais recentemente, a Yellow Cab Company, de Newark, anunciou, através de sua agência de emprego, que já não aceitaria ruivo como chofer de táxi, visto que todos os homens ruivos, embora fossem acima da média em inteligência, eram muito velozes pra ser bons motoristas. Um amigo meu detesta o hábito de mascar chiclete. A simples visão da goma de mascar o torna quase um selvagem. Não fala com as pessoas enquanto mascam chiclete. Pra ele, esse vício é sinal certo de indizível vulgaridade. Nenhum cavalheiro, nenhuma pessoa bem-nascida porá um chiclete na boca! E assim a diante. Sempre se pode construir o conjunto duma personalidade pela cor do vestido duma mulher ou pelo corte do paletó dum homem. Uma negligência na aparência dum homem contribui, se supõe, pruma falha em seu caráter, ao passo que, em verdade, se há falha, provavelmente ocorreu muito antes da negligência. A elegância, hoje, significa algo, sim, significa prosperidade, em regra, Se significasse mais que isso, seríamos uma raça de camaleões, tomando nova cor de personalidade de acordo com a flutuação de fortuna, e de alfaiate. Ora, atrás de todas essas ridículas clarividências, encontramos a noção de que o homem é um simples objeto, como uma mesa ou um charuto, distinguível por um ou dois pequenos sinais. E isso, estou certo, é muitas vezes resultado de nosso longo contato com objetos simples, como automóveis, títulos e máquinas de escrever, durante as horas de trabalho. Feliz ou infelizmente, o interior dum homem não se parece com uma apólice de seguro. Há, inegavelmente, algum fundamento pressa ilusão de semelhança entre os seres humanos, mas não bastante pra justificar inferências mais amplas. Nosso exterior se parece muito, como se parece o exterior dos seixos que estão no fundo do rio. Como todos os seixos, sofremos todos a ação das mesmas forças do ar, da água, do tempo e da alimentação. Em nossa própria classe podemos todos agir de maneira exterior altamente estereotipada, como num jantar de cerimônia, mas não demonstramos nosso comportamento interior, porque a situação não justifica esse comportamento nem essa demonstração. Acontece o mesmo, tanto em nossas situações mais comuns, como com o procedimento manifesto das pessoas que sobrevivem pra se exibir nelas. Consideremos os bilhões de seres humanos que morrem entre a primeira semana de vida embrionária e o décimo ano pós-natal. Consideremos também os milhões que morrem dalgum defeito mental ou físico em anos posteriores, asilados, aprisionados ou mortos como inimigos públicos. Como são diferentes do adulto normal! E como devem agir diferentemente em certas situações! O homem normal é, pois, uma pequena sub-variedade, numa grande classe que contém muitas outras sub-variedades, e as conclusões que tiramos acerca de sua vida e atividade são somente acerca dos que sobrevivem a certas condições estritamente definidas. 189
O famoso sertanista marechal Rondon, quando escolhia um negro pra sua tropa preferia os de canela fina, pois considerava os de canela grossa lerdos, preguiçosos e pouco vivazes. Nota do digitalizador
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Os indivíduos eminentes, somente, conformam a opinião popular acerca dos grupos ao qual, dalgum modo, pertencem. Digamos que pretendeis estudar os ingleses. O que fazeis? Ledes livros e ensaios sobre os ingleses. Estudai a história inglesa. Visitais Londres e passeais de ônibus. Conversais com sacerdotes e garções, com cavalheiros e damas. Perguntais aos ingleses o que pensam de si. Podeis estudar estatísticas comerciais e curvas de população. Em tempo, estabeleceis que os ingleses são isso e aquilo e diferem dessa e daquela maneira dos franceses e dos alemães. 95% de vosso veredito eventual se deriva, admitais ou não, de ingleses eminentes e de seus atos eminentes. Os grandes poetas, dramaturgos, jornalistas, estadistas, comerciantes, criminosos, advogados, cientistas, são os indivíduos que enchem as primeiras páginas dos jornais, que escrevem essas mesmas páginas, que escrevem livros e sobre os quais se escrevem livros, que modificam o curso do império, que desgraçam as nações ou as livram do abismo, que enraivecem ou agradam o rebanho com discursos, que fazem a política da paz ou da guerra e os programas de prosperidade ou de ruína. Alguns homens se tornam eminentes por acidente, outros pela vontade alheia, outros pela esperteza, outros pelo crime, outros pelo trabalho incessante, outros pelo suborno, outros pelo servilismo e outros pelo acesso aos postos superiores duma grande burocracia. Como esperar semelhança importante entre todos os eminentes? Supondes que a raça ianque se revele no mínimo denominador comum de Abraham Lincoln, U. S. Grant, Horace Greeley, Whistler, William James, John L. Sullivan, Harry Tracy, Al Capone, Rudy Vallee, Al Smith, Herbert Hoover, George Gershwin, Jane Addams, William Randolph Hearst, Nicholas Murray Butler, Aimee Semple McPherson e Knute Rockne? Não, o homem importante geralmente se desvia de todos os outros e deve sua publicidade a esse desvio. O que é ordinário, comum e universal, obviamente não se pode destacar e atrair a atenção nem conseguir aplauso ou maldição. Uma nação ou uma raça se revela nessas características ordinárias, comuns e universais. Então ser impossível os discernir nos homens eminentes. Admito que possam estar presentes mas abafados pelos traços e pelas circunstâncias que produzem a fama. É somente em coisas como a linguagem comum, costume popular, comércio, moral popular, preferência alimentar, bebida, diversão, exercício, livro, cinema e outras atividades do rebanho que topamos com maior número de indivíduo. Os homens revelam sua estupidez social quando declaram ou admitem que um povo se reflete em seus grandes homens. Ignoram a psicologia da fama e, num plano mais profundo, não sabem que muitas espécies diferentes de relação humana dão nascimento à fama. O mongol comum se parecia com Gêngis-cã? O camponês comum da França, no século 18, era a imagem de Napoleão, de Diderô ou de Volter? O lojista de Stratfordon-Avon, no tempo da boa rainha Bess, era uma miniatura de Cheiquespir? O peão de Castela era um mudo e inglório Cervantes? Essas perguntas parecem se responder. O que acontecerá se tentarmos julgar indivíduos que nunca vimos por essas aparências indiretas que encontramos nos livros? O resultado é, em geral, grotesco. Lede os famosos livros dos campeões do mito nórdico. McDougall diminui a curiosidade e o arrojo nativo dos latinos e exalta os viquingues,190 nos dizendo que os marinheiros romanos raramente se aventuraram em seus navios além das Colunas de Hércules, mas os bárbaros viquingues, em seus navios menores, viajaram à Islândia, a Groenlândia e a América. Aqui, pois, está mais uma evidência de que, na raça mediterrânea, o instinto da curiosidade é relativamente fraco. 190
Is America safe for democracy? Nova Iorque, 1921
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Com tal argumento tudo se pode provar. Assim, podeis tomar os mais bravos e os mais agressivos de todos os piratas modernos, os mouros do sul de Filipinas e os chineses dos rios de Cantão, e demonstrar como se aventuram em água estranha, buscando presa, ao passo que os decadentes habitantes dos grandes lagos jamais saem com os navios aos grandes oceanos. Ou, se preferirdes, podeis demonstrar que os fazendeiros de Pensilvânia são inferiores, em aventura e em curiosidade, aos negros da Jórgia, visto que os fazendeiros raramente se afastam do lar, ao passo que os negros emigram, aos milhares, ao norte. Os psicólogos que especulam sobre o significado do comportamento de viquingues e de romanos fariam melhor se começassem a pesquisa mais perto de casa. Que observem os motivos dos milhões que chegaram à América via ilha Élis. Descobririam que virtualmente todos esses imigrantes são caçadores de emprego, ao passo que alguns são refugiados. Os homens caçam emprego, em geral, porque não têm trabalho ou por estarem empregados em ambientes altamente desfavoráveis. Foi o que aconteceu com os viquingues. Se criaram numa região estéril, donde os filhos mais moços tiveram de fugir, sob pena de morrer de fome. E só podiam fugir no mar. Os romanos, por outro lado, não tinham motivo pra explorar o oceano. Tinham mais riqueza, mais comércio e mais poder do que necessitavam somente na bacia do Mediterrâneo. Mesmo assim cometeram o erro universal do grande negócio e se expandiram muito rapidamente. Os campeões nórdicos persistentemente falham no compreender que uma modificação aparentemente sem importância no ambiente pode inverter a expressão exterior dum traço, ou que, com essa modificação, a utilidade social e o valor de sobrevivência do traço pode também se inverter. Por exemplo, um homem branco dos mais nobres traços morais, em quem nunca se tornou evidente a mais ligeira tendência à brutalidade, pode se tornar um tirano ou um monstro depois de ter vivido um ou dois anos numa terra onde a temperatura e a umidade média sejam um pouco mais altas do que em sua pátria do norte. O que devemos dizer? Era ele, no fundo, um tirano e um monstro, escondendo essas tendências ruins quando se sentia a gosto e pondo a nu sua alma quando marchou ao sul? Ou foi sempre um nobre espírito, temporariamente fora de si pela ação do ambiente? A pergunta nos leva à absurda questão dos instintos, atualmente em moda. A característica nativa e permanente em tal homem não é, naturalmente, nobreza nem brutalidade. É uma disposição fisiológica, nada mais, nada menos. O mesmo acontece com o valor dos traços. Uma ligeira modificação no clima pode transformar quase todos os traços, de bem em mal. Consideremos novamente a agressividade, como boa amostra. Nas latitudes frias, geralmente serve bem o homem. Mas, logo que a transporta aos trópicos, se torna uma ameaça tanto a si quanto aos outros. Lede a história dos brancos empreendedores que foram da Europa à África ou ao sul da Ásia procurando riqueza e poder. O clima tornou muitos deles assassinos e levou outros a abusar e a torturar os nativos cuma crueldade que, mais tarde, não podem compreender. O mesmo acontece com muitos outros traços. Sua utilidade varia de acordo com mile-um fatores de tempo, alimento, transporte, população, densidade, domínio de certas moléstias e deus-sabe o que mais! Admitir que sempre representam a mesma atitude interior, a mesma potência, é nada entender dos ajustes sociais. Se as ciências sociais têm algo a nos ensinar é que a natureza individual quase nunca emerge nos costumes sociais, pois os costumes sociais são adaptações em massa a grandes fatores ambientais. Encontrar neles personalidade é uma esperança tão fútil como a de descobrir a química das soluções salinas viajando os sete mares durante sete anos. Quase tudo que aprendemos, nos anos de nossa formação, sobre os povos de há
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muito tempo e os povos muito distantes, vem de descrições de segunda, de terceira e de quarta mão, através de poetas, políticos c escritores, dos quais todos leram, nos caracteres que descrevem, traços tirados de pretensos atos do povo em geral, durante longos períodos. Sabemos algo acerca dos antigos gregos, romanos ou franceses do século 18? Às vezes tenho dúvida.
Hábito A tendência a julgar os indivíduos de acordo com nossos hábitos cotidianos é universal. É, em suma, da natureza humana. Minhas atividades podem ser a minha base de avaliação das atividades alheias. Não tenho outros instrumentos de julgamento. Minhas atividades mais poderosas devem ser as que são mais extensivamente praticadas. Assim, a maneira de proceder na vida cotidiana se torna a maneira de ver a natureza humana. Nossa era, peculiarmente industrial, comercial, técnica e científica, nos leva a hábitos de comportamento interior e exterior correspondentemente diferentes dos que prevaleceram em eras anteriores. Passemos em revista as alterações mais importantes. Acima de todas as outras, colocarei o estreitamento do raio de ação dos hábitos cotidianos do trabalhador de nossas cidades industriais e manufatureiras. O trabalhador que, durante nove ou dez horas por dia, repete uma simples e monótona operação com instrumentos ou máquinas, inevitavelmente se conhece menos que o trabalhador doutro tempo, que devia experimentar sua habilidade de muitas maneiras, rachando lenha, fazendo os próprios sapatos, construindo a casa, ensinando aos filhos, sangrando os leitões. Quanto mais um homem faz, por brincadeira ou necessidade, tanto maior é a probabilidade de se conhecer melhor. Se vendo sob várias condições, notando o fracasso aqui e o êxito ali, observando as várias aptidões e habilidades, está mais dentro de si que um trabalhador industrial. Entre dois homens de nível de inteligência semelhante, um do tipo antigo e outro do tipo moderno, notareis que o primeiro é mais astuto nas estimativas de si e dos outros. Com a industrialização do mundo vem uma falsificação não deliberada da vida. Recentemente o mundo do negócio pagou psicólogo pra resolver os terríveis problemas do moral e da moral dos trabalhadores. No desejo de prestar o serviço pelo qual eram pagos, alguns desses cientistas industrializaram a psicologia em vez de criar uma psicologia da indústria. E a ignorância da natureza humana que emerge neste processo é algo de maravilhoso. Um escritor moderno satisfaz os empregadores com a afirmação de que a preguiça é uma moléstia da vontade. Então começa a resolver o problema: o quanto deve trabalhar um homem a fim de escapar ao título de preguiçoso? E, por meio duma simples comparação do total da população com o número dos assalariados, nota que cada trabalhador deve sustentar 2,5 pessoas. Esse labor, pois, representa a linha moral. Qualquer coisa menos manifesta um grau de ociosidade aberta à censura ou a um inquérito das causas. Aqui estão os princípios sociais que determinam o mínimo de trabalho que um homem deve realizar a fim de escapar à acusação de parasita preguiçoso.191 Parecerá que é tão mau condenar o homem rico por não ser produtor de riqueza quanto o condenar por não ser metodista, por não gostar de café, não ser acrobata. Parecerá, também, espero, que a preguiça não é mais uma moléstia da vontade do que a inteligência. E que a tentativa de rotular de bom ou de mau um traço revela uma muito perigosa ignorância da natureza humana. Vai somente um passo entre condenar o homem improdutivo como mal e aceitar a doutrina de Lênin, de que o homem, como 191
Arthur Holmes, Controlled power, Nova Iorque, 1924, página 16 e seguintes
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produtor, é mais importante do que o homem como cidadão. Se Marx e o bolchevismo algum dia prevalecerem na América, o farão com o apoio do grande comércio, de seus magazines de sucesso e de suas ficções psicológicas. Não sou dos que vêem nessas tendências uma sinistra conspiração de milionários pra agrilhoar o honesto trabalhador. Não vejo nelas nada mais que uma conseqüência natural dos hábitos do século 20. Quando o mundo se torna uma fábrica, os homens pensam uns nos outros em termos de fábrica, naturalmente.192 Enquanto o mundo se transformava numa fábrica, as escolas funcionavam alegremente, no treino aos intelectos. Milhões de rapazes e moças inocentes são enviados a essas escolas e ali passam anos aprimorando o espírito, a espécie de espírito que possuem. Devem aprender os nomes, as datas e os locais de coisas e de pessoas inumeráveis, muitos dos quais são tão sem importância quanto multitudinários. Devem aprender álgebra, que jamais utilizarão. Devem ler, analisar e criticar dezenas de pretensos clássicos, muitos dos quais são estúpidos e vazios, se não refugo dos séculos. E são levados a acreditar na nobre mentira de que todos os que suspiram a ser algo na vida devem saber muito. A resistência interior do jovem normal é de tal ordem que atravessa esse período sem contusão grave, caso lhe aconteça cair sob a influência dum ou dois professores excepcionais, dotados de compreensão. Mas não é muito provável que tenha essa sorte. Provavelmente encontrará uma série de professores que o tratarão como um simples espírito, não como uma pessoa. O julgarão exclusivamente pelas notas que obtiver, atenção na classe, rapidez no lembrar e no apreender o que lhe ensinam. A alegria, tristeza, aspiração secreta, dificuldade com a família, sinistro prazer de pescar em dia chuvoso, todas essas complicações da vida real têm de ser deixadas do lado de fora, ao entrar na escola. E o resultado já foi observado, muitas vezes, pelos estudiosos de higiene mental. O estudante alimenta um ódio pela escola e pelo conhecimento ou, ainda pior, se envenena interiormente e, depois dalguns anos de luta num mundo sobre o qual suas escolas nada lhe ensinaram, baterá à porta dalgum consultório médico, procurando alívio. Tudo isso, naturalmente, é o produto dum sistema educacional que era bom prà idade média e mau pra todas as outras idades. É a reductio ad absurdum da antiga doutrina teológica de que aprender está ligado somente ao reino do intelecto e nada tem a ver com o reino do espírito e de suas crenças. Explicar como e por que nossas escolas persistiram nesse caminho escuro e vão não está dentro de nosso atual escopo mas devemos dizer que quando se pronunciar a última palavra a condenação recairá totalmente sobre nossas classes intelectuais e seu pernicioso racionalismo. Essa última tendência é sua inclinação natural, como seu hábito vocacional. Isso é, os indivíduos nascidos com memória e inclinação fortes pra aprender, em vez de pra fazer, entrarão facilmente, e com êxito, na profissão do magistério. Gostam dos livros e, pra eles, nada mais simples nem mais agradável. E, assim, em sua imaginação empática, vêem toda a juventude do mundo fazendo a mesma coisa. Eles mesmos o fazem. Por que não o farão os outros? Eles mesmos não alimentam emoções selvagens nem sonhos vãos de pompa e de poder e evitam essas perturbações. O mesmo deverão fazer todas os demais seres pensantes. Assim, a falsa insistência sobre muitos conhecimentos que passam hoje em nossas escolas é, de certa maneira, resultado da ignorância, por parte do intelectual, dos 192
Assim como desde quando se estabeleceu o hábito de trocar de carro, o gosto de ter o carro do ano, sutilmente, inconscientemente, se estabeleceu o hábito de se trocar de cônjuge. A mentalidade coletiva se ajustou a ver o casamento como um bem de produção. Tanto que já há leis que indenizam a noiva contra o noivo que abandona o compromisso, que determinam que o cônjuge fica obrigado a ter relação sexual, que obriga o amante responsável pela separação a indenizar o rival, etc. Nota do digitalizador
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homens comuns. O especialista em conhecimento provavelmente sabe ainda menos, sobre o mundo em geral, e sobre seus povos, que o astuto trabalhador braçal, pois sua própria limitação interior afasta imensos segmentos de vida que o trabalhador experimenta, mesmo sem os compreender bem. O espírito que pensa com mais clareza e com satisfação geral superior é, muitas vezes, tão neutro em relação às coisas sobre as quais pensa como o matemático em relação à tábua de multiplicar. Realmente, essa neutralidade, sendo o triunfo do intelecto, é alimentada pelo pensador em todas as relações com o mundo. Excelente quando se trata de física ou de química, se torna um defeito quando se trata de seres humanos. As pessoas não são neutras e jamais serão. As tratar como se o fossem seria as tratar mal. E seria, estritamente, um erro. O intelectual que ignora ou repudia as fases íntimas e pessoais da vida de seus estudantes, enquanto tenta lhes melhorar o espírito, está fazendo suposições, acerca desses espíritos, selvagemente contrárias aos fatos. Os hábitos vocacionais enganam a imaginação empática. Como todas as demais funções humanas, a compreensão empática está aberta a todas as espécies de influências, pelo uso e pelo desuso habituais. Quanto mais uma pessoa tende a viver dentro do círculo de seus pensamentos, recordações e sentimentos particulares, tanto mais difícil se lhe torna penetrar a personalidade alheia. E, quanto mais tempo permanece curvado sobre si, tanto menores devem ser suas correspondências com a natureza alheia. Alguns supremos gênios do mundo, cujas realizações se deveram, em grande parte, a sua fantasia criadora, viveram dentro de si tão completamente que foram totalmente incompetentes até mesmo pra apreender as atitudes e os motivos mais simples doutras pessoas. Dos muitos casos que poderiam ser citados aqui, prefiro mencionar o de Beethoven, simplesmente porque sabemos muito acerca de si. A personalidade desse gênio supremo revela bem como seu impulso dominante à fantasia musical dirigiu todas suas outras tendências, as subordinando tão completamente que Beethoven literalmente perdeu todo contato efetivo com o mundo exterior da sociedade e do negócio antes dos 30 anos. No sentido realista o homem era totalmente vazio de compreensão empática Habitava um mundo só seu, no qual ninguém penetrava. E deixou que os outros vivessem a sua maneira em seus mundos, exceto nalgumas desastrosas ocasiões. Confrontai Beethoven com qualquer homem que tenha conseguido êxito num trabalho no qual fosse forçado a lidar com todas as espécies de pessoas, de momento a momento. Seu sucesso é, principalmente, resultado de seleção natural, a prática tornando perfeita sua tendência nativa à relação social. Encontrando milhares de correspondências pessoais, esse homem construiu um imenso sistema de capacidades perceptivas e judiciais que, muitas vezes, surpreendem os observadores. Muitos policiais vêem através das pessoas mais rapidamente e com maior segurança que os psicólogos. O mesmo acontece com muitos agiotas, seguradores, médicos de aldeia e juízes. Sabeis como são variados os contatos com as pessoas que um mantenedor da ordem duma grande cidade realiza no curso de dez anos? E quantas vezes tem de aconselhar, advertir censurar ou se opor a mil-e-uma variedades da espécie humana? Sendo um homem pouco esperto fará mal o trabalho. Mas se for esperto se aperfeiçoará em muitos hábitos versáteis de lidar com os indivíduos. Assim, pouco a pouco, adquirirá o poder de penetrar impulsos ocultos. Certamente, o médico de aldeia e o juiz penetram mais profundamente na vida de muitas almas e, em virtude de suas responsabilidades, geralmente atingem uma compreensão maior. E, sem dúvida, confio mais num velho policial de inteligência mediana que em muitos homens de inteligência superior, quando se trata de compreender alguém. Há outras ocupações que atraem trabalhadores que, por natureza e por treino anterior,
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não gostam e evitam contato pessoal. Aqui devemos classificar muitas espécies de trabalho que são realizadas em solidão, seja por necessidade, seja por escolha do trabalhador. O pastor de ovelha, caçador, dono dum pequeno sítio, astrônomo, matemático, erudito em qualquer assunto, microscopista, compositor musical, pintor e muitos outros indivíduos fazem seu trabalho especial mais vantajosamente quando e onde quer que estejam menos ligados à sociedade humana, a seus tormentos e prazeres. E, inversamente, os homens inclinados a evitar os semelhantes, por qualquer motivo, mostrarão preferência por essas atividades, tanto quanto o permita sua capacidade. Sabiamente procuram evitar as oportunidades de revelar sua estupidez no lidar com outras pessoas. A pronunciada preferência de William Howard Taft pelos altos postos da magistratura, distintamente da política e da administração em geral, nasceu dessa insensibilidade às situações sociais.193 Antes que esse excelente cidadão estivesse na corte suprema de Eua, esteve, repetidamente, se queimando em água quente (ou coisa pior) em virtude dessa estupidez peculiar. Diferentemente do procurador que brilha como um advogado no tribunal, ou como um político, Taft era notavelmente dotado de fria objetividade nas relações humanas. Todo um livro poderia ser escrito com as mais leves conseqüências de sua falta total de sentimento. Aqui vão dois pequenos episódios que teriam de ser incluídos nesse livro. Pediram a Taft fazer um discurso na tumba de seu ilustre predecessor, Grant. Ante uma distinta audiência, em que se encontravam muitos amigos e admiradores de Grant, Taft calmamente discutiu, entre outras coisas, o hábito infeliz da bebida do general presidente. Aparentemente, o velho honesto não percebeu o horror e a indignação que sacudiram a multidão. Foi somente quando regressou a Uóchintão e encontrou seus íntimos alarmados, que começou a notar que algo desandara. O diretor dum jornal lhe disse que cometera uma estupidez imperdoável. Taft retorquiu: — Não vejo por quê. Todo mundo sabe que Grant se embebedava. Isso já está mesmo nalguns livros de história. O começo do rompimento entre Roosevelt e Taft, de acordo com algumas pessoas que estiveram em contato com essa dolorosa história, se encontra numa carta de sincero agradecimento que Taft escreveu a Roosevelt, depois da eleição de Taft pra presidente. Como todo mundo sabe, Roosevelt escolheu Taft e o levou à Casa Branca. Assim, lhe exprimiu Taft, prontamente, gratidão. Mais ou menos ao fim da carta, Taft dizia (em substância, pois o original da carta nunca foi publicado): Devo a ti mais do que a qualquer outro homem vivo, exceto meu irmão Charlie. Roosevelt explodiu em cólera e começou a caminhar a cima e a baixo, violentamente, a sua maneira habitual: — E então? Põe esse cabeça-oca em minha frente? Esse idiota que só lhe dá dinheiro? E eu, que o fiz presidente de Eua? E a guerra começou. Certamente, Taft escrevia, apenas, como um espírito judicial. Parava pra pesar e comparar todos seus amigos e as coisas que deles recebera. Depois punha no papel o resultado. Isso, todos sabemos, é excelente no tribunal, mas às vezes muito mau na relação humana. A relação entre o juiz e a sala do tribunal difere, não pouco, da relação entre homem e homem, na boa sociedade. Essa foi uma das muitas coisas que o velho Taft jamais pôde sentir. Sua estupidez é a do tipo social comum e, de acordo com alguns de seus amigos, profunda. 193
É muito conhecida a arrogância e soberba dos membros do poder judiciário. Desde o desembargador e juiz, que se julgam deuses, até o funcionário com ambição a escrivão. Nota do digitalizador
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Contato Ainda não foi devidamente medida a influência do contato pessoal na corrupção de nosso julgamento. Um dos maiores benefícios de nossa era é a nova liberdade física que produziu. Os indivíduos podem andar à vontade, como nunca antes. Podem fugir dos inimigos e dos mexericos. Podem viver a sua maneira, sem grande confidência e traição. A glória da grande cidade é sua magnífica intimidade. Ajuda a fugir ao rebanho, uma fuga que mesmo as criaturas do rebanho às vezes gostam. Os habitantes da cidade moram hoje aqui e amanhã ali. Penetram e abandonam vizinhança e grupo sem grande atrito. E tudo isso é excelente sob muitos aspectos e ruim noutro, sobre o qual falaremos agora. Um homem da cidade tem menos contato humano que um aldeão. Vê os outros e é visto por eles em poucas relações e aspectos. Em seu trabalho, revela um pouco de si. Os amigos que faz no campo de golfe o vêem como um jogador de golfe. Seu dentista o vê como um homem com certos dentes e o hábito de pagar aos poucos a conta. Seu advogado o vê apenas como um cidadão em aperto. Numa aldeia, esses muitos observadores cotejam suas impressões. O empregado de escritório vê o dentista, ambos vêem o advogado, todos vêem os assistentes do golfe. E, assim, os hábitos se acrescentam uns aos outro, as tendências se cotejam entre si. E, dessa soma, sem dúvida grosseira, se desenvolve um quadro personalístico que merece infinitamente mais confiança que as rápidas impressões que muitos de nós conseguimos nas cidades. Posso dar meu testemunho pessoal. Quando comecei a coligir material preste estudo, investiguei as pessoas que melhor conhecia. Meus contatos se realizaram em três campos: O mundo jornalístico de parque Row, o mundo acadêmico de Morningside Heights e uma pequena zona do mundo dos impressores. No primeiro e no terceiro mundos tive acesso ao comércio confidencial e às notas de crédito dum período de anos. Com a alta confiança e a alta ignorância da juventude, me preparei pra penetrar muitas personalidades que me chocaram como significativas e fascinantes. A lista incluía santos e bandidos, indivíduos geniais e esforçados. Todos bem conhecidos de dezenas de astutos negociantes e de ágeis repórteres. Sua vida cotidiana era assunto de investigação. Eram muitas suas conexões religiosas, sociais e comerciais. Assim, o que pareceria mais simples que reunir esses pontos de suas carreiras, junto com os julgamentos dos amigos e dos adversários, e, em seguida, tecer com essas descobertas um quadro nítido? Ai! De toda a lista, depois de muitos anos de inquérito intermitente, só emergiu um retrato inequívoco, razoavelmente completo, e mais outro, que estava já a caminho da exatidão. E sobre os outros? Uma porção de afirmações contraditórias, muitas das quais dogmáticas, e mil confissões de nescidade. Acerca de hábitos superficiais, tais como pagar dívida, ir à igreja e observar as regras de etiqueta, havia, naturalmente, evidência nítida. Mas, à proporção que meu inquérito deixava essas práticas altamente convencionalizadas e entrava nas emoções, nas atitudes particulares e na filosofia dos homens observados, a névoa se tornava mais densa e nela se perdiam meus informantes. As testemunhas mais inteligentes admitiam francamente não conhecer o homem em apreço, no sentido de meu inquérito. O conheciam apenas como um comprador de jornal, mau pagador de dívida, jogador de pólo, especulador da bolsa ou pai carinhoso. Muitos dos mais astutos observadores, literalmente, conheciam o homem somente como um passageiro dos mesmos trens da comarca de Westchester. Isso em geral. Mas podeis rapidamente descobrir casos mais surpreendentes. Em nossas grandes cidades os homens se encontram e negociam entre si, entra ano e sai ano, como estranhos. O caso mais singular que conheço é o testemunho de W. W. Heaton, Harry V. Day e James H. Waterbury, sócios da firma Day & Heaton. Essa 252
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firma foi à falência cm virtude das secretas irregularidades de George R. Christian, um quarto sócio. Ao promotor do distrito, encarregado da investigação, esses três cavalheiros juraram nada saber, absolutamente, dos hábitos de vida, dos amigos e dos métodos de comércio de Christian. Isso soou como se estivessem tentando proteger o fugitivo mas acontecimentos posteriores provaram que não. Entraram em sociedade com um indivíduo completamente estranho, sem procurar o compreender. Chamai a isso estupidez, se quiserdes. Mas se o fizerdes tereis de chamar todos os habitantes da cidade de mais ou menos estúpidos, pois toda a arte e todos os negócios da vida citadina consistem em entrar em contato com indivíduos que se conhecem apenas do modo mais superficial. O caso Day & Heaton encontra similares em milhares de vizinhanças comuns. Os eclesiásticos me asseguram que encontram muitas pessoas que não conhecem uma alma em Nova Iorque e que são tão solitárias como o pobre sueco que, ao morrer num hospital de Bellevue, em 1924, deixou sua economia, 700 dólares, à única pessoa que conhecia, um homem que encontrara três ou quatro vezes na vida. Vários agiotas me dizem que as enormes perdas sofridas pelo pequeno comércio e pequenos investidores de capital em Eua provêm, em parte, desses inadequados contatos humanos. E isso é, provavelmente, pior aqui que na Europa, em virtude da multidão de raças, de línguas e de grupos nacionais que fazem de quase todas as grandes cidades ianques uma coleção de aldeias completamente alheias entre si. Cerca de 400 pessoas, nos últimos 15 anos, se ofereceram pra me descrever, pra fim analítico, os indivíduos que conheceram intimamente e que, em sua própria opinião, chegaram a compreender. Nenhuma dessas 400 pessoas foi capaz de descrever dez caracteres. Algumas apresentaram cinco. E a grande maioria parou em dois ou três, os deixando inacabados. Se minha própria experiência representa a experiência usual e ordinária, então é possível afirmar que o adulto ianque comum não conhece mais de uma pessoa inteiramente bem, de maneira a ver a personalidade que se esconde atrás do manto das convenções e das formas estritamente comerciais. E temo que milhões de indivíduos de nosso país a nenhuma conheçam. Tudo isso produz charlatanice. Em terra de cego quem tem um olho é rei. E pode continuar na tarefa depois de perder a vista, simplesmente pela força das realizações passadas. A literatura, as escolas por correspondência e os chamados peritos em interpretação de caracteres, direção pessoal, treinamento de personalidade, força de vontade e outras coisas que agora florescem na Europa e Eua, podem ser comparados apenas com a voga dos amuletos, das encantações e das indulgências durante a idade média. Inevitavelmente, tudo isso se reflete na conversação comum, no pensamento comum e na literatura comum da época, descolorando todos os assuntos. Pra me divertir, gostava de recortar artigos sobre certos aspectos da personalidade e do caráter nos melhores jornais e revistas e, num período de cerca de três anos, não mais que um artigo em quatro poderia ser tomado seriamente por qualquer leitor com modesto conhecimento da ciência moderna. O resto era rebotalho, sem adulteração. Ao coligir material presses estudos, li milhares de artigos, monografias e livros de todas as espécies, desde as publicações médicas e psicológicas até os ledores de caractere e os fanáticos religiosos. Embora alguns revelassem completo conhecimento dalgum tópico especial relacionado com a psicologia individual, não muitos me fizeram acreditar que fossem fruto de conhecimento compreensivo. Um número incrível de efusões, de nossas melhores casas editoras, se enfileira com a seguinte carta endereçada ao Collier's Weekly: Ao diretor de Collier's Embora lera, durante anos, o Collier's e me possa classificar como admirador de Heywood
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Broun, não podes, com tua ilustração que pretende ser duma fotografia de senhor Broun na infância, enganar alguém com minha habilitação pra ler nos indivíduos à primeira vista. Senhor Broun é, em biologia, um tipo cerebral nutritivo e o jovem do retrato não o é. Olhes os lóbulos da orelha direita de ambos e os ombros. Essas coisas nunca se modificam desde o nascimento. O retrato, naturalmente, era de Broun. Mas isso não abalará a auto-confiança do ledor de caractere. Quanto menos sabemos mais certos estamos acerca do que sabemos. Quase todo mundo se acha com o direito de julgar pessoa completamente estranha ou de inventar esquema político que envolva uma revolução na natureza humana. Consideremos os resultados da psicologia dos amadores no famoso caso Leopold-Loeb, em Chicago. Todos os eclesiásticos que viram Leopold ou Loeb declararam, sem hesitar, que essas jovens personalidades se tornaram anormais por serem ambos ateus. Todos os reformadores afirmaram, com a mesma prontidão, que os rapazes degeneraram por lhes permitir gastar muito dinheiro. Todos os diretores de jornal fizeram coro em que era a emenda de proibição que devia ser condenada. Todos os cultuadores do mito semita fizeram notar que essas almas de sangue frio só poderiam ser semitas. Como todos os demais conhecimentos, a genuína compreensão do homem e de suas maneiras de viver só pode vir depois de longas observações, experiências e análise rigorosa de fatos e de hipóteses. Essa compreensão amadurece precisamente da mesma sorte por que o senso clínico do médico amadurece, ou seja, através de prolongados contatos com gente de carne e osso. Não importa que um homem seja brilhante, lógico ou profundamente informado nos números, geometria, física, química, astronomia, história. Se não estudou as pessoas como pessoas, suas opiniões da natureza humana certamente serão tão inexatas como minhas opiniões sobre a teoria de Einstein ou sobre a cerâmica primitiva dos chineses. Há quatro graus de intimidade que servem de base a tipos correspondentes de julgamentos acerca das pessoas: 1 ● Ouvir dizer 2 ● Encontro social casual 3 ● Contato especializado 4 ● Contato total 1 ● O contato por ouvir dizer inclui tanto o mexerico e o boato como a leitura casual. É a espécie de contato que temos com o presidente McKinley ou com Mussolini. Na linha de fronteira entre o contato por ouvir dizer e o encontro social casual, alinharei as impressões que temos dum ator de cinema, quando o vemos na tela. Não estamos encontrando o próprio homem mas recebendo impressões muito mais poderosas que as que poderíamos conseguir por meio de conversa ou leitura sobre ele. 2 ● O encontro social casual inclui todas as espécies de contato em que ambas as partes procedem convencionalmente, se encontram e partem, rapidamente. O espécime perfeito está sendo apresentado a senhora Vangrumpp, a eminente clarinetista de Estocolmo, num chá oferecido em sua honra. Jamais ouvistes falar dela. Nem mesmo sabeis que há uma famosa clarinetista no mundo. Subitamente, o anfitrião nos murmura ao ouvido o nome da senhora e eis a vos curvar e a mastigar alguma coisa sobre como gostais de clarete... quero dizer, de clarineta. Conversais com senhora Vangrumpp dois minutos e dezoito segundos e, depois, vos atirais ao chá e às torradas. Nesse encontro 254
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superficial, entretanto, recebeis miríade de impressões duma espécie que muito dificilmente passará a letra-de-fôrma ou ao mexerico. Essa ênfase sobre as exterioridades óbvias é, em parte, o resultado inevitável dalgo mais profundo na natureza humana, a saber, o curso da atenção e do interesse. Nossos contatos com o mundo são todos estabelecidos por meio dos olhos, ouvidos, nariz e pele. E, quanto mais sensíveis, mais corretamente nos ajustamos ao ambiente, desde que as demais coisas sejam iguais. Nossos órgãos sensoriais tendem a ser bons servidores na avaliação dos objetos físicos e das condições ordinárias com as quais o homem comum teve de lidar durante o milhão de anos que passou. Mas essa eficiência os torna maus ao julgar os indivíduos, como vimos. E a maneira por que as reações dos sentidos dominam nossa atenção agrava esse fato. Assim, qualquer semelhança óbvia entre os membros dum grupo tende a obliterar as diferenças individuais na mente dos estranhos. O turista ianque, na primeira viagem à China se admira pelo fato de todos os chineses se parecerem uns aos outros. Quando viaja ao Congo descobre que todos os negros se parecem. Inversamente, qualquer peculiaridade individual importante que possa notar entre os indivíduos com quem está familiarizado será provavelmente tomada como a marca dum tipo. Freqüentemente notei essa tendência a bordo. Ali estão reunidos muito passageiros do mesmo tronco racial mas de vocações e ambientes diversos. As faces, maneiras de falar, postura, talvez mesmo as peculiaridades das mãos demonstram ocupações e habitáculos. Vedes o malandro, piedoso missionário, prostituta, jogador, cada qual em contraste com os outros nas circunstâncias da viagem. Sendo um espetáculo novo ao turista, cada detalhe pessoal é aumentado pelo momento e se torna o centro de viva atenção, resultando daí que as características e as diferenças individuais sejam ignoradas. O contato especializado é o contato que o merceeiro tem com um velho freguês, um médico com o paciente, um chofer com o empregador, um professor com os alunos, um artista com o modelo, um maquinista de trem com o foguista, um diretor de venda com o secretário, e assim a diante. A relação é limitada mas, dentro dum raio de ação, intensamente desenvolvida. O merceeiro sabe o que o freguês gosta de comer, como paga a conta e sobre o que gosta de falar quando na mercearia. O médico conhece a condição física do paciente, sabe algo acerca da dieta dele e dos hábitos gerais de vida e da situação financeira, mais cedo ou mais tarde. O professor faz uma idéia clara da prontidão ou da letargia do aluno, da inteligência ou da estupidez, da honestidade no estudo, da pontualidade às aulas, do comportamento. Se pode conjeturar que alguns desses contatos especializados revelem pouco, enquanto outros podem revelar muito. Tudo depende da espécie de contato. Assim, em certo sentido, é perigoso os reunir aqui, como se representassem quase o mesmo grau de penetração. Devemos estar em guarda, porém, quando os tenhamos de interpretar. O contato total é mais raro do que se pode supor. Se pode, razoavelmente, imaginar que se pode o encontrar nas relações entre pais e filhos mas esse contato não se desenvolve nessas relações, nem mesmo uma vez em cem casos. Quase todas as crianças muito cedo aprendem a manter em segredo algumas esperanças, sonhos, atividades, relações humanas. Às vezes dão início e essa prática por achar que a mãe ou o pai os desaprovam. Às vezes não há desaprovação e, então, a criança o faz justamente porque quer fazer algo e ser alguém por si. Como é poderoso, em certas crianças, o desejo de exclusividade e de independência total! Entre os biógrafos que conseguiram justa fama, poucos penetraram na intimidade dos biografados o necessário pruma análise personalística que seja ao mesmo tempo cientificamente correta e uma obra de arte. Até mesmo as biografias ocasionais, escritas por esposa sobre o marido e por marido sobre a esposa, me impressionam mais pelo que
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falta. Embora a relação matrimonial ofereça imensas oportunidades à aquisição de conhecimento pessoal, poucos sabem tirar o maior proveito possível. Como demonstrarei, obstáculos emocionais e de temperamento se levantam pra bloquear a empresa. Pra atingir o melhor substituto prum contato total, geralmente devemos combinar as impressões e as experiências de muitos observadores. Acredito que a melhor massa de material sobre uma única personalidade, disponível pruma análise biográfica, é a que temos sobre Beethoven. Grande parte desse material está enterrado em suas cartas e em seus livros de nota e nesse terrível monumento mal-escrito mas onde se reúnem muitos fatos, que é a biografia de Beethoven, de A. W. Thayer. Esse livro é uma coleção fiel mas desordenada das experiências de muitos homens na relação com Beethoven. Ninguém é profeta em sua terra. Um político muitas vezes ganha uma eleição por grande maioria em toda parte, menos em sua cidade natal, onde é derrotado. Um autor distinto consegue os aplausos da elite do mundo, enquanto a gente de sua terra zomba e se admira de que pudesse enganar o mundo dessa maneira. Muitos jovens comerciantes aprenderam que podem conseguir apenas pequenos créditos dos banqueiros que os conheceram desde a infância, quando apedrejavam as janelas dos vizinhos, embora não lhes seja difícil conseguir 100 mil dólares de banqueiros duma cidade distante, que deles pouco sabem mas ouviram falar muito de seu negócio. O que estará na base desses fatos peculiares e desconcertantes? Não há mistério. Os indivíduos que não conhecem um homem, intimamente, há muito tempo, tendem a o julgar pelas realizações, especialmente pelas que atraíram a atenção sobre ele. Isso significa que os grandes homens tendem a ser julgados por seus grandes atos, os malandros por suas más ações mais notórias, os artistas pelas obras de arte que os tornaram famosos. Conhecer um homem apenas por suas grandes ações é o favorecer grandemente. Conhecer todos os fatos insignificantes acerca de suas reinações de criança, de sua ridícula adolescência e de seus erros e tropeços no comércio ou na arte ao começar a vida é o ver mais completamente, com certeza, mas é ter uma visão em que o pior neutraliza o melhor, o pequeno o grande e o ignóbil o nobre. Quanto mais detalhado o retrato, tanto menos qualquer fase, característico, traço ou realização domina a cena. É verdade que poucos homens podem perceber até mesmo as linhas gerais duma personalidade, quando diante deles, pronta à inspeção. Isso, incidentalmente, é um dos muitos motivos por que os indivíduos gostam de romance tão intensamente, especialmente os que retratam bem os caracteres. O autor revela a seu círculo de admirador complexidades da natureza humana que raramente são capazes de observar e de julgar claramente sem seu auxílio. Ligeiras divergências de temperamento e de estado social são o bastante pra cegar muitos de nós a certas qualidades das pessoas que diferem de nós, como o demonstra o caso seguinte, dos anais do exército, citado por Harold Rugg.194 Capitão X se dava ar de importância onde estivesse. Foi objeto dum teste de avaliação dado a 13 oficiais que trabalharam consigo em várias ocasiões e chegaram a o conhecer tão bem quanto duas pessoas que não são membros da mesma família podem se conhecer mutuamente. Esses oficiais deviam determinar a classe de X a respeito de vinte traços de caráter, como capacidade física, comando, inteligência, consciência, etc. Em cada qual dessas 20 escalas, X foi classificado por alguém como o homem mais pobre que já conheci. Três oficiais o colocaram no fim de 16 dessas escalas. Afirmaram que era tão pobre que não hesitariam em o classificar tão baixo quanto possível. 194
Is the rating of human character possible?, no Journal of educational psychology, 1921, página 37
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O que revelou esse teste objetivo e bem controlado? Alguns anos antes desses testes, X fora escolhido como bolsista por uma universidade do meio-oeste, onde era considerado homem de grande mérito. Foi a Oxforde e a atuação ali foi tão boa que foi isentado dalguns exames. Depois de entrar ao exército recebeu, com mais 151 oficiais, três testes psicológicos. Nesses testes, que eram como um exame formal, X conseguiu os melhores resultados. Nos testes alfa do exército venceu 206 entre 212. Nas duas formas do teste de prontidão de Thorndike, também conseguiu boas notas, terminando os testes antes do tempo limite. Evidentemente há algo errado aqui? O que será? O homem era esquisito. Era considerado um homem com quem é impossível viver. E isso interferiu em seu julgamento. Vos lembrai, por favor, que isso subverteu as estimativas de 13 oficiais e não apenas dum. Assim tereis uma idéia nítida da dificuldade de captar os padrões de comportamento. Eis a dificuldade e o erro. As pessoas se inclinam a tomar alguma característica isolada do padrão total como a essência da personalidade. Em geral essa característica é predominante e desagradável ao observador. Menos freqüentemente é predominante e agradável. O tom de sentimento domina todo o padrão no momento da percepção e, assim, se torna o foco do julgamento. Capitão X, provavelmente, era um homem impossível, na opinião dalguns de seus colegas de arma. Mas os traços que o tornaram assim podem ter sido, na realidade, uma pequena fração de sua personalidade e não a essência, como não o seria o estilo de chapéu que usava. As circunstâncias dum encontro pessoal fazem todas as diferenças do mundo. Um contato sob apreensão, no meio dalguma explosão emocional, com uma pessoa que consideramos muito superior a nós, quase todos os demais contatos condicionados exteriormente influenciarão, em geral, nossas observações e julgamentos sobre a pessoa encontrada. Isso é um lugar-comum mas os princípios em ação no fenômeno não o são. Devem ser estudados a fio. Tanto quanto sei, não foram ainda investigados sistematicamente. De modo que terei pouco a dizer sobre eles. Sabemos, naturalmente, que todas as emoções poderosas tendem, fortemente, a estreitar o ajuste total, assim como o faz qualquer apetite urgente. O amor é cego mas também o é, de outra maneira, o homem enfurecido, como o são a mulher assustada, o pai desgostado, o comprador tomado de suspeita. Ou, pra o dizer doutra maneira, quando desejamos algo intensamente nosso comportamento tende a se focalizar sobre essa coisa e sobre os modos e maneiras de a conseguir, quando queremos evitar algo, nos concentramos nos métodos de o evitar e, quando nos enraivecemos por alguma coisa, atacamos alguma pessoa ou instituição particular ou, se elas faltam, a cadeira, o cachorro, o gato mais a mão. Então nossas percepções das pessoas serem, no momento, gravemente restritas. Os julgamentos por ouvir dizer e pelas primeiras impressões tendem a exagerar os fatores desagradáveis e a tornar mínimos os agradáveis. Um desagrado ligeiro muitas vezes neutraliza meia dúzia de característicos favoráveis. Eis um dos mais incômodos defeitos da natureza humana, fonte de imensa, embora insignificante injustiça. O princípio em ação aqui parece ser estético. Integramos uma série de breves percepções e seus tons de sentimento numa única correspondência múltipla, e qualquer coisa que modifique o efeito total é suficiente pra tornar desfavorável essa correspondência. É como se fosse um cabelo no prato de sopa, uma berruga sobre a ponta dum belo nariz, a falha dum dente na Mona Lisa, o bater duma porta enquanto se escuta uma sinfonia de Beethoven. A perfeição do conjunto é destruída por impressões mínimas muito mais facilmente do que é estabelecida por grandes méritos. Eis por que ouvimos mais opiniões desfavoráveis, sobre as pessoas, que favoráveis.
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A lei de probabilidade deve ser condenada. A probabilidade de qualquer indivíduo dado não ter traço ou característica menor que entre em conflito com todos seus aspectos agradáveis não são, talvez, mais que 1%. E vai diminuindo à medida que o número de contato pessoal aumenta. Ninguém é herói pra seu criado de quarto, não porque seus traços de nobreza se revelem ilusórios mas porque a qualidade do heroísmo é, no fundo, estético-dramática em muitos casos, que se estraga pelo hábito de cuspir no assoalho, sujar a cama com a cinza do cigarro, deixar as lâminas de barbear em qualquer parte do banheiro. Não desilusão, pois, mas neutralização! Que mundo de diferença entre as duas coisas! Uma das mais divertidas séries de julgamento individual acerca dum homem é a sobre Paderewski, o pianista polonês. Por puro acaso ouvi e li as impressões pessoais de coronel E. M. House, de John Dewey, de três pianistas profissionais e de cinco correspondentes jornalísticos. Os pianistas afirmaram haver conhecido Paderewski pessoalmente, um visitara o grande virtuoso. Os correspondentes o encontraram e com ele palestraram durante os dias tumultuosos da conferência de paz. Todas essas dez pessoas, devo dizer, são observadores maduros e altamente treinados, cada qual em seu próprio campo e a sua maneira. Dos dez julgamentos o mais ingênuo, tanto quanto posso julgar do assunto, é o de coronel House. Podereis ler no Harper's magazine de dezembro de 1925. O mais consistente e trabalhado foi o dum dos correspondentes, que esteve, durante meses, na privilegiada posição de falar livremente com Paderewski sobre uma multidão de coisa. Mas, e era àqui que eu queria chegar, a divergência sobre quase todas as coisas essenciais é completa. Vejamos alguns exemplos: Coronel House: O merecimento de Paderewski à fama está além de dúvida. É um gênio tanto na música quanto na ciência do estado. Correspondente A: Paderewski foi o bobo perfeito da conferência. Todo mundo ria de dele. Dewey: Paderewski é o pior tipo do velho reacionário polonês, sem compreensão dos fatos do mundo. Era apenas um unha-de-gato na política. Pianista A: Paderewski jamais conseguiu a mais alta distinção, nem como pianista de concerto. Suas mãos são mais que fracas. E, naturalmente, nem se eleva à altura dos compositores de terceira classe. Mas acho que demonstrou brilho como estadista, livrando a pobre Polônia de suas perturbações. Coronel House: O gênio de Paderewski como músico não pode ser discutido. Correspondente B: Paderewski tudo deve à energia e à ambição da esposa. Sem ela teria continuado a ser, toda a vida, um pianista de concerto. Ela é a força dessa família. Ele é um simples esteta, que recebe ordem alheia. Eis por que os políticos o utilizaram tão facilmente. E assim a diante, infinitamente! Certa vez tomei todos esses julgamentos, excluí o nome de Paderewski, os misturei com outros julgamentos sem nome sobre outras pessoas e os entreguei a uma pequena classe de psicologia, pedindo aos alunos que separassem todos os trechos que se pudessem aplicar ao mesmo indivíduo. É surpreendente que nenhum dos alunos reunisse, de maneira exata, os trechos sobre Paderewski? Como o fariam ante tanta contradição? Caos semelhante é o que aparece nos julgamentos que coligi acerca de Roosevelt, McKinley, Harding, Wilson, Coolidge e vários outros ianques eminentes. Havia muito mais acordo sobre Roosevelt que sobre outras pessoas mas, mesmo assim, não era unânime. Praticamente todas os julgadores tiveram contato freqüente com a pessoa julgada e eram, todas, distintamente superiores na capacidade geral. Tudo isso concorda, perfeitamente, com as observações de muitos outros
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investigadores, noutros campos. Os pais, por exemplo, se revelam julgadores deficientes das personalidades de seus filhos, em parte porque muitos pais conhecem poucas crianças além das suas, portanto não podem julgar o que é ordinário ou extraordinário numa criança de certa idade, e, em parte, como resultado de vários pendores naturais, que discutiremos mais tarde. Os professores julgam as crianças com maior exatidão que os pais, mas também não podem calcular as habilidades e as tendências das crianças tão bem como revelam os simples testes mentais. Tudo isso se reduz ao seguinte: O julgamento de traços que podem ser e foram observados funcionando em relativo isolamento doutros traços é exato. Se pode chegar muito perto da verdade ao calcular a capacidade aritmética duma criança, se freqüentemente a observar somando, subtraindo, multiplicando e dividindo. Mas não se pode saber qual seu procedimento caso seu quarto de dormir se incendeie enquanto dorme, caso encontre, sem alguém ver, 1000 dólares em pequenas notas na rua, caso seja presa sob a acusação de homicídio. São situações enormemente complexas que evocam uma conduta totalmente diferente, em padrão, da de somar 3 e 7.
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Χαоζ Caos
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Caos esçamos ao Caos, uma região selvagem situada entre o Limbo e a Terra Prometida. Ali habitam operário, mercador, bufarinheiro, agiota, jogador, ladrão, industrial, corretor. Tomados em grupo, são famosos por serem o pior fracasso do mundo. Há alguns anos tidos em alta estima, se tornaram, da noite ao dia, desprezados de todos. O que causou o fracasso monumental? Malícia, ignorância, estupidez? Á!, se pudéssemos responder a essa pergunta! Á!, se pudéssemos dar tanto da resposta como poderíamos! Mas não podemos. Os costumes e a lei se nos opõem. Acreditai ou não, entre nós, ianques, é crime escarnecer, em letra-de-fôrma, da capacidade comercial dum homem. Isso arruína as páginas seguintes. Ninguém, que estude seriamente a estupidez, pode gastar mais dalgumas horas investigando a conduta dos negociantes, estejam eles em nossas corporações bilionárias ou atrás da caixa registradora dum boteco, sem compreender que, afinal, está em presença de estúpida incompetência, tão vasta e tão profunda que somente um grande poeta poderia desvelar a verdade. Alguns meses de inquérito o levam à hipótese de que, relativamente às oportunidades, muitos negociantes ianques provavelmente sabem menos e realizaram menos que qualquer classe semelhante, em qualquer parte. A hipótese pode se revelar errada, mas, mesmo assim, chega à mente do investigador. O mesmo sucede com muitos acontecimentos da história econômica. Por sua própria natureza o caos assume uma infinita variedade de informidade. A classificar seria um triunfo da inanidade. Nos contentemos com observar que duas espécies figuraram, em grande parte, nos recentes negócios humanos. Uma é o caos que resulta quando uma pessoa estúpida e ignorante, mas ambiciosa, contata força imensa, que não pode compreender nem dirigir. A outra é o caos que acompanha, de perto, o esforço dos beatos, fanáticos, egomaníacos e simples loucos a imprimir sobre a sociedade uma ordem fixa e imutável, seja em moral, comércio, finança, política. Nunca as coisas fluíram mais completamente e, portanto, nunca foi maior a probabilidade dum caos de primeira classe. Mas foram multiplicadas pela coincidência da primeira espécie de caos. Isso é, o mundo moderno é um labirinto de forças que se interpenetram com desavergonhada promiscuidade. Somente um olhar agudo pode determinar onde uma começa e a outra termina, e não há olhar que possa ver o tecido da vida em geral. Nesse labirinto, que se modifica todas as manhãs, muita gente está em ação, se esforçando pra deter o fluxo e meter os indivíduos em modelos fixos. Assim, um caos se liga ao outro. Então, o que acontece? Sejamos caridosos. Os dois impulsos mais profundos da vida estão em guerra no sangue. A necessidade de melhorar o padrão de vida humano, que faz parte da necessidade maior do progresso, criou o báratro195 de força que chamamos o mundo moderno. A necessidade de garantir segurança, paz, tranqüilidade e estabilidade econômica, juntamente com justiça, está no fundo do grande esforço pra sistematizar, retardar e reduzir à forma e à ordem todos os negócios dos homens, dali resultando que os governantes se tornem déspotas e os reformadores se transformem em perseguidores maníacos. Quando chegarmos, algum dia, a escrever a planejada história da estupidez humana, devotaremos vários volumes à história desses dois impulsos em conflito dentro do homem, os poderes da transformação e os poderes da rotina. Tentaremos mostrar, com casos autênticos, as tolices peculiares a que homens capazes foram levados pelo excesso 195
Precipício onde se jogavam os criminosos, em Atenas. Abismo, inferno. Nota do digitalizador. http://www.kinghost.com.br/
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de zelo, seja pra melhorar, seja pra conservar o bem já atingido. Entretempo, esboçaremos, apenas, as linhas gerais compatíveis com os atuais prolegômenos. Começando no primeiro grande regime comercial, Roma, passaremos ligeiramente de idade a idade e de cultura a cultura, salientando os acontecimentos mais importantes na maré montante da estupidez.
Roma Estudais as tolices econômicas do homem? Então, estudai alguns meses a história de Roma. É um estudo indispensável nesse departamento da sabedoria, pois os romanos foram, tanto quanto sei, o primeiro grande povo a erigir um tremendo sistema político sobre o comércio e a finança. Inventaram o imperialismo econômico no sentido estrito. Certamente, déspotas e quadrilhas de bandidos sempre buscaram a riqueza a ferro-efogo mas os romanos a buscaram no sistema e na lei. A diferença é tremenda. O tenhamos em mente, ao considerar a estupidez dos romanos sob o império. A melhor coisa que aconteceu à humanidade, desde o último período glacial, foi a queda do império romano. O mais grave desastre que se abateu sobre nossa raça, em cerca de 50 mil anos, foi a queda do império romano.196 Como conciliar essas contradições verbais? Somente estudando a inteligência desse colosso político e suas maiores tolices. Em povo nenhum podemos encontrar mistura mais enganosa de sensibilidade e de insensibilidade que a que se manifestou nos romanos, desde os tempos primitivos até o fim de seu grande drama. Mas, pra desenhar esse quadro, teremos de recorrer ao auxílio de Guglielmo Ferrero e de arquivistas, tradutores, etc. Outros dez volumes deveriam ser acrescentados a este meu panfleto, que já se torna muito extenso. Assim, resumamos mais uma vez, A psicologia dos romanos toma um grande lugar, graças ao volume de literatura que chegou até nós, descrevendo todas as fases da vida vivida pelos latinos. Talvez nenhum povo de alta importância na história possa ser mais claramente compreendido que esse, caso se deseje trabalhar com os anais. E quem quer que busque o conhecimento da natureza humana verá que todo esse labor é frutífero. Há um sentido profundo em dizer que os romanos se fizeram os primeiros expoentes do grande comércio e foram até o fim com sua concepção desse grande comércio. Mas, antes de o explicar, deveremos notar, primeiro, as características mais óbvias. Antes de tudo havia uma notável falta de imaginação, fantasia criadora, atividade livre do intelecto. Todos os entendidos salientam esse ponto, contrastando o latim com o grego. Sua literatura e arte eram simples imitações das helenas. Nenhum sinal de capacidade inventiva. Não produziram gênio em mecânica, matemática nem supremos engenheiros mas percebiam rapidamente os méritos das idéias doutros povos, e mais rapidamente as transformavam em dinheiro. Conhecendo o valor dos pensadores e da arte gregos, empregaram gregos como seus professores, caixeiros-viajantes e técnicos. Alguns historiadores poderiam ser facilmente tentados a afirmar que o império romano foi o produto da inteligência grega a serviço do grande comércio latino. Um bom caso poderia apoiar essa tese. A segunda característica era um profundo conservadorismo do homem que está pronto pra aprender por experiência e que está certo de que a história se repete. Tinham um profundo instinto da lei e da ordem. Acreditavam em seu próprio passado. O futuro era, pra eles, simplesmente uma repetição do passado. Assim, não concebiam o progresso, embora, sob esse aspecto, não fossem muito diferentes de todos os outros 196
Considero a expansão cristã o pior de todos. Nota do digitalizador
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povos antigos, inclusive o grego. A terceira característica era, no fundo, derivado de sua paixão por lei e ordem. Amavam o sistema. Sentiam grande prazer em escrever estatuto e ordenação minuciosos. Tanto quanto posso saber, inventaram o método diabólico de fazer resenha e ata das reuniões oficiais e das convenções públicas e devem carregar, durante os séculos, o peso da condenação por nossas atas do congresso. Uma parte integrante de seu sistema se tornou, nos primeiros dias da república, a exata subdivisão dos poderes e dos deveres políticos e, dali, a delegação desses mesmos poderes e deveres a indivíduos ou grupos especialmente capazes. Aqui chegamos aos sinais inegáveis do grande comércio, a complicada hierarquia, com responsabilidade delimitada, desde o presidente até o contínuo de repartição. O que os romanos foram incapazes de compreender durante muitas gerações é que o sistema do grande comércio, que era chefiado pelo senado romano até os dias do império, constituía uma perfeita aristocracia, bloqueando, eficientemente, a forma e a tendência teoricamente republicanas do governo. Se fundava sobre um vago anseio a eficiência e resultado. Olhava com desprezo as multidões que governavam as cidades gregas através de demagogos e sofistas profissionais. Via que essas absurdas democracias nada realizavam, gastando esforço em debate, resolução, pequena intriga e guerra sem chefe. Os lábios do romano se abriam num sorriso desdenhoso: Cui bono?197 A quarta característica era normal, intensificada e esclarecida. O romano queria o que queria quando queria. Era contrário a admitir dividendo. Vivia sempre a hora presente. A divisa mais profunda foi: Da mihi hodiernum, tu sume crastinum (Me dês o de hoje e fiques com o de amanhã). Quando falava em público, dizia de maneira mais digna: Dum vivimus, vivamus. (Enquanto vivemos, vivamos). Essa filosofia de vida foi o produto principal do comportamento romano, público e particular, durante séculos. Uma crença firme nas boas-coisas da vida, riqueza, conforto, bem-estar, o circo e um bom estado social encontraram a expressão, em primeira vez na história humana, numa organização comercial de caráter mundial, cujas sucursais e cujos diretores distritais, auditores, contadores, feiras de amostra, anúncios, fábricas, fazendas e navios mercantes finalmente chegaram a ultrapassar, em magnitude, nossas U. S. Steel, os du Ponts, Henry Ford e General Motors. O senado romano se tornou, já no menos terceiro século, a diretoria dessa primeira super-corporação. O comércio seguia a bandeira e a bandeira seguia o comércio nesses dias. Às vezes o senado mandava homens armados primeiro, pra abrir caminho à sucursal. Às vezes estabelecia primeiro a sucursal e depois mandava forças prà proteger. Mas sempre o grande agente era o dinheiro, e o que o dinheiro compra. Nos séculos de esplendor de Roma o militar apenas servia o grande comércio. O país nunca teve um napoleão. Sempre que os romanos conquistavam nova área faziam o possível pra elevar os melhores indivíduos em matéria de comércio e pôr os demais na lista de pagamento. Aqui está a chave ia metade dos triunfos do senado romano entre -400 e a derrocada final. Por exemplo, quando Roma conquistou as cidades circunjacentes do Latium, o senado imediatamente concedeu limitada cidadania a todos os povos derrotados, protegeu o comércio e permitiu o casamento com os romanos. Numa palavra, todos poderiam participar do lucro. Não houve tentativa de manter os latinos vencidos sob governo militar. Ao mesmo tempo, Roma regularmente mandava corpos de emigrante a 197
A expressão Cui bono, também utilizada como Cui prodest (Quem se beneficia?), é uma locução latina, que faz referência ao esclarecedor que pode resultar em muitos casos, na hora de determinar a autoria dum ato (por exemplo, num delito), questionar o motivo e apontar quem se beneficiaria com o resultado. É considerado um princípio do direito romano. Nota do digitalizador. http://pt.encydia.com/
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essas cidades, juntamente com vários funcionários. Não há lugar, aqui, pra escrever novamente a história de Roma em ponto de vista psicológico. Devemos saltar à conclusão, e que se clame, em vão, as minúcias que as evidenciam. De forma um tanto grosseira os romanos possuíam todas as agudas sensibilidades do moderno negociante e, em forma ainda mais grosseira, muito de sua insensibilidade. Muito mais claramente que qualquer tipo anterior de homem pósglacial, o romano parece ter avaliado as vantagens do bem-estar material e os métodos mais seguros de organizar o povo a fim de o conseguir. Mesmo sua concepção religiosa primitiva era material. Os deuses lhe deviam algo em retribuição aos sacrifícios que lhes fazia e, pra conseguir o favor divino, devia pagar valor com valor. Aqui concordo com o ponto de vista de Breasted, de que isto era uma concepção legal da religião. Era econômica, nem mais, nem menos. Uma noção genuinamente legal devia ser baseada em justiça, necessidade social ou algo assim. Destarte, o romano se tornou o primeiro homem prático do mundo. Suas tolices eram, todas, as do homem prático. Era um oportunista de visão curta. E o gênio maior que sua raça produziu, Júlio César, deu corpo à série de traços do romano normal nessa fase de caráter. César jamais cogitou sobre plano mais amplo. Agiu pra imediata vantagem. Mesmo seus mais brilhantes estratagemas nas grandes campanhas das Gálias eram estratagemas circunstanciais. Realmente, ainda jovem ambicionava ser o Péricles de seu país, como o demonstrou Ferrero. Mas o profundo pragmatismo latino, o desejo a riqueza e conforto em breve levaram esse jovem pobre ao caminho do dinheiro fácil. E é somente em termos de dinheiro fácil que sua carreira subseqüente pode ser compreendida. Da mihi hodiernum, tu sume crastinum. Esse era César, mas projetado sobre um grandioso panorama. Tomou emprestadas grandes somas, caloteou os credores, se voltou contra os nobres e se tornou o chefe dos radicais, se vendeu a Crasso, traficou com milhares de indivíduos e, pouco a pouco, construiu um grande sistema que finalmente lhe escapou das mãos e se partiu perto de seus ouvidos. Assim, em pequena escala, aconteceu com todos os romanos, entre os quais não deveis contar, sob pena de grande erro, esses milhões de cives romani e de escravos de procedência estrangeira que, em tempo, ultrapassaram em número os latinos, na proporção de 20 a 1. Falamos aqui dos latinos e não dos romanos em geral. Esse desejo de lucro rápido, antes, depois e sempre, em breve produziu males sociais dos quais Roma jamais se restabeleceu. Tudo isso é familiar à história. Os senadores romanos e seus amigos no poder esfolaram todas as terras do Mediterrâneo. Lavraram milhões de acres até os esgotar completamente. E nada fizeram pra os refertilizar, como os chineses, nessa mesma ocasião, estavam fazendo, nem mexeram um dedo pra auxiliar os camponeses empobrecidos. Lembremos as palavras calorosas de Tibério Graco, em -133, aos homens comuns que o elegeram tribuno: Os animais selvagens que erram na Itália têm caverna e esconderijo onde fazer leito. Vós, que lutais e morreis pela Itália, gozais apenas a bênção do ar e a luz solar, que são vossa única herança... Sois chamados senhores do mundo mas não há um punhado de lama que possais chamar vosso. O que fazem os estúpidos negociantes quando chegam períodos de depressão, em conseqüência de seu próprio materialismo? Fazem fila pra obter pão. Fazem com que o governo pague aos desempregados. Se voltam a grandes empresas públicas, como construção de estrada, projeto de habitação e ereção de edifício governamental, e fazem com que seu custo se divida durante muitos anos, por meio de emissão de título, de modo que terão de pagar somente uma pequena fração da pena de seus erros. Ao mesmo tempo, declararam que os tempos são realmente prósperos, que a depressão é puramente
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psicológica, que, se todos se reunirem em torno da bandeira e cantarem alegremente, tudo em breve estará bem. Fazem exibição de caridade e grande jogo pros ociosos. Se tornam compassivos com os esmoleres. Nada podem ver além desses paliativos. Lhes peças um plano pros anos a vir e simplesmente engolirão em seco, ou te considerarão visionário ou doido.198 Naturalmente, como a riqueza significa poder, esse homem prático dominou o negócio romano nesses dias, assim como domina o negócio em toda parte, em nossa era. Não possuindo imaginação, solenemente se glorifica por meio de agente de propaganda e de livro escolar. Concebe a utopia como um lugar onde o capaz governa o incompetente, onde uma poderosa força policial sempre preserva o status quo nunc199 sem conflito nem prisão, onde os impostos são pagos prontamente, todas as contas são pagas dentro de 30 dias, os esgotos nunca se entopem, e nenhum fanático selvagem blasfema contra os deuses ou o governo. Como Júlio César, utiliza o poder com sincera amabilidade, certo do fato indiscutível de que a torrente dos proventos flui mais depressa dos covardes contentados. Mas que acontecerá se não houver bastante covarde contentado pra apoiar todos os homens práticos, da maneira a que estão acostumados? Então, começa a luta. O homem prático se torna impertinente. Por nada trabalhará. A princípio recorre ao que se chama, eufemisticamente, competição. Isso inclui a exploração aos trabalhadores, a violação às regras de civilidade, a compra de concessão via suborno, pondo, tecnicamente, os rivais fora da lei, e até o recurso ao assassínio. Isso era Roma no auge. Nesse vórtice de estupidez vemos Bruto emprestando dinheiro à cidade de Calamis com 48% de juro, ao passo que uma casa bancária, com a qual César comerciou, fez um empréstimo a um dos ptolomeus com 100% de juro. O Ptolomeu, nesse caso, teve dificuldade de pagar, de modo que César ajudou amavelmente os companheiros de Roma, assinando contratos de guerra, de modo que os banqueiros, que participaram, conseguiram ainda mais que o bastante pra cobrir o mau empréstimo. Tem sustentou, com argumento que me sinto incompetente pra julgar, que César, quando primeiro cônsul, roubou 3000 libras de ouro do capitólio. Não importa se fez mas sabemos que era capaz de fazer. É mais que estúpido argumentar que Roma caiu em conseqüência direta de suas tolices sócio-econômicas. Mas se o fizermos devemos acrescentar uma cláusula de exceção. Devemos conceder que havia cinco ou seis partes de ignorância pra cada parte de estupidez e que grande parte dessa ignorância era inevitável. O conhecimento do mundo em geral está na base de toda capacidade econômica, de maneira que ela aumenta de espaço com o primeiro, nunca mais depressa, muitas vezes mais devagar. Os romanos fizeram o melhor que podiam e devem ficar como o protótipo do moderno imperialismo econômico. Falharam porque eram, acima de tudo, insensíveis ao aspecto social e à influência comercial e financeira. Foi somente dentro dos últimos anos, falando como os historiadores devem o fazer acerca do tempo, que se começou a avaliar a dinâmica unidade do homem consumidor, do homem produtor, e do homem jogador. Outra geração, ou mais, deve passar antes que as práticas econômicas entrem em acordo com essa nova compreensão. Assim, não sejamos muito austeros em nossa condenação aos romanos. Nossos negociantes e industriais não demonstram sintoma de aprender algo da queda do império romano e, ainda menos, de aplicar esse conhecimento a seu negócio. Na nova doutrina do serviço vemos o começo duma transformação, e só. Vistes o pior de Roma. Contemplai agora o melhor. Os romanos não tiveram os 198
Os antropologistas me informam que algumas dessas práticas foram observadas em tribos modernas da América do Norte e da Europa 199 Status quo nunc ou status quo post bellum: Estado de coisa pós-guerra. Nota do digitalizador.
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primeiros vislumbres do progresso, no sentido moderno. Se concentraram no presente. Embora essa atitude os tivesse limitado sob certo aspecto, deu um alicerce mais profundo e mais largo de lei e de ordem. Realmente, muitos indivíduos consideram o direito romano a maior realização do mundo antigo. E, embora discorde, devo admitir que foi um grande esforço pra coisas melhores. Nas colônias, talvez mais que na capital, Roma deu um sólido começo ao jus gentium ou, como o chamavam Caio e Justiniano, o direito comum da humanidade, do qual, pouco a pouco, um sistema mundial de justiça emergirá, em tempo. Esse direito começou em -367, quando as leis licínias criaram a pretoria peregrina, cujo objetivo era conciliar as disputas entre os estrangeiros que comerciavam em Roma e os cidadãos romanos. (Realmente, outros fatores contribuíram ao jus gentium mas, como não estamos escrevendo um ensaio sobre o direito romano, os devemos ignorar). Em grande parte em conseqüência de ter estrangeiro de todas as partes do mundo conhecido, que invocavam princípios, códigos e costumes de seus países, o pretor se familiarizou com todas as leis e, à maneira romana, se apropriou das melhores idéias. Em tempo, quase todas as secções do império forneceram algo ao direito romano. Os localismos desapareciam. O começo duma justiça que não conhece fronteira nem raça estavam à mão. Assim o mundo ocidental deu um grande passo a diante. Desse direito surgiu, muito naturalmente, uma aguda análise lógica das idéias. Os governadores coloniais de Roma, e seus auxiliares de administração, provavelmente chefiavam essas práticas intelectuais, pois estavam diariamente envolvidos no ajuste de diferenças entre os agentes do império e os nativos coloniais. Não possuindo originalidade, os romanos a compensavam pela precisão. E quando os césares desapareceram a tradição das idéias continuou a viver e, em tempo, produziu a França.
França De nenhuma nação é mais difícil falar em generalidade que da moderna França. Milhares de ianques pensam que conhecem os franceses. Não excursionaram na França? Não viveram, durante anos, em aldeias francesas, na guerra mundial? Devemos admitir que sim. Entretanto, as experiências os desqualificam como testemunhas de caráter. Pois o turista em veraneio tem apenas uma ligeira impressão do povo, enquanto o soldado da força expedicionária ianque teve uma impressão ainda menos significativa. O que vê um turista? Catedrais, bares, cafés ao ar livre, absinto, Montmartre... Tudo isso revela o povo francês tanto quanto Coney Island revela o povo ianque. Quanto ao soldado, tudo o que viu foi sob as mais horríveis, as mais artificiais, as mais histéricas e as mais difíceis circunstâncias, uma nação que se dessangrava, esmagada pela administração militar. Atrás desses obstáculos à visão há uma dificuldade na estrutura social francesa. O país é uma casa dividida contra si, em certo sentido, e uma personalidade dupla, noutro sentido. É Paris e as províncias. Paris e as províncias diferem muito mais do que Nova Iorque e os Eua, mas a divergência é da mesma ordem em ambos os casos. Durante séculos Paris atraiu o rico, elegante, esperto, brilhante, egomaníaco, dinamaníaco, quidomaníaco, conspirador, refugiado, excêntrico e pervertido. A princípio, todos esses tipos vieram das províncias e, depois, de toda a Europa e, mais recentemente, também das duas Américas. As províncias, por outro lado, foram completamente expurgadas de seus débeis, loucos, assassinos e de muitos outros excitantes e notáveis humanescos. Assim, afundaram cada vez mais nas sombras do simples, normal, tranqüilo sereno. Onde a vida foi mais serena que nos campos abertos da França? Onde foi mais simples? Não sei. Onde é a vida mais estúpida, mais vulgar e mais barulhenta que em Paris? Somente em Nova Iorque.
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Pra esboçar as maiores tolices gaulesas teremos de pintar dois quadros. Deles o mais importante é o do campônio francês, pois é ainda a classe maior e mais poderosa e, de várias maneiras, domina a vida da nação. Mantém a França, no século 18 enquanto o resto do mundo ocidental vive e se movimenta nos séculos 19 ou 20. O segundo retrato deve ser do parisiense. Mas que parisiense? Eis o busílis! O grupo intelectual superior é, talvez, o melhor pra escolher. Certamente a alta burguesia, dentro ou fora de Paris, deve ser ignorada, pois essa classe é somente uma projeção do camponês contra uma tela de ouro. Certamente, também, a nova classe industrial deve ser posta de lado, pois significa pouco na personalidade francesa. Amanhã pode se tornar dominante, mas escrevemos sobre o ontem e o hoje. Portanto, vamos ao camponês! Dorme ao lado de seu monte de estrume. Desperta na madrugada, trabalha até o crepúsculo. Raramente toma banho. Nunca lê um livro nem uma revista. Ficaria deslumbrado se um amigo sugerisse uma semana de visita a Londres ou a Roma. Jamais viu um jornal de verdade, já que não há jornal assim em toda a França. Usa a mesma vestimenta durante 40 anos, a sujando infinitamente. Os instrumentos agrícolas, tais como são, são usados até que a última lasca de metal caia do machado. Suspeita de todos os forasteiros e de todas as propostas comerciais. Inveja o êxito do vizinho e se regala com a má-sorte alheia. Se um agrônomo chega à aldeia com uma sugestão nova nosso homem da enxada o ignorará. Nada de bom pode vir de além do horizonte, eis a máxima que está no coração do camponês, mais profundamente que as palavras. Sua atitude em relação às mulheres engloba todos esses outros traços. Pra ele a fêmea da espécie é simplesmente um instrumento agrícola, consideravelmente mais valioso que as foices mas muito abaixo dos cavalos. Pode ser que conheçais a velha história do camponês que escolheu a esposa segurando, simplesmente, um ou dois minutos, as mãos das candidatas. Depois de escolher a dama, alguém lhe perguntou o significado da estranha técnica. — Quero uma mulher de mãos frias, pra que possa fazer boa manteiga. Será necessário acrescentar que nosso homem da enxada é anti-social no mais profundo sentido? Nenhum sacerdote, nenhum político, o pode governar. Não se reunirá aos companheiros camponeses nalgum programa efetivo. Ainda vive e se movimenta e se encontra nesse antigo individualismo agrário que foi, sob muitos aspectos, a melhor maneira de viver antes da revolução industrial. Sua concepção e padrão de comportamento estavam acabados há alguns séculos. Visto na perspectiva da história, parou, há muito tempo, de se desenvolver e está, portanto, fora de lugar em nosso mundo moderno de progresso social e industrial. Quase tão fora de lugar, realmente, como os chineses, com quem Paul Morand,200 em seu Hiver caraïbe, o comparou: Há uma semelhança chocante entre os chineses e nós: A mesma paixão por economia, fazendo com que as coisas durem, as reparando infinitamente, o mesmo gênio na arte culinária, a mesma cautela e a mesma cortesia à moda antiga, um inveterado mas passivo ódio dos estrangeiros, um conservadorismo temperado por influências sociais, falta de espírito público, a mesma indestrutível vitalidade de povo antigo que 200
Paul Morand (13.03.1888, Paris - 24.07.1976) Diplomata, novelista, dramaturgo e poeta francês, considerado modernista. Foi membro da academia francesa. Nota do digitalizador
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atravessou a era da moléstia. Não devemos pensar que todas as antigas civilizações têm muito em comum? Com a última sugestão, concordamos francamente. A seleção natural deixa marcas com surpreendente uniformidade, sobre as quais permite viver em determinadas condições. Os camponeses, em todo o mundo, são mais ou menos os mesmos, pois provieram de troncos que se ajustaram à lavoura primitiva, que varia pouco de país a país. O camponês dos vales fluviais da China se parece com a multidão do delta do Ganges e ambos se parecem com o homem encontrado em toda a França, cavando a terra, semeando, dirigindo os cavalos e conduzindo seu produto ao mercado da aldeia. Suas mãos estão sempre sujas de lama. Sua vida provém da lama. Porque, pois, seus corações não estariam também na lama? Não podeis compreender a França rural antes de absorver essa verdade. Então notais que o interior do país é a fronteira da imundície. Poucos animais poderão viver no ambiente que os camponeses da França parecem gostar. O horrível estado sanitário dos lares e das aldeias dos camponeses se funda, assim, numa genuína estupidez. Não é somente pobreza, pois os pobres também podem ser limpos e asseados, como o são os povos do norte da Europa, embora muito menos prósperos que os camponeses da França. Os pequenos negociantes da França são, na quase totalidade, rebento de camponês, se não filho, neto. Quando vão à aldeia levam o espírito do camponês. Entre eles Calvin Coolidge seria desprezado como um dissoluto. A economia é levada até a loucura. E a astúcia se torna velhacaria à mais leve provocação. Caveat emptor201 é a única regra segura em toda a França, quer estejais comprando jóia na rua de Rivoli ou salsicha em Les Halles. Quase não há restaurante ou hotel em toda a França que não roube os fregueses, se o chefe dos garções ou o escrevente encontrar uma boa oportunidade. Certamente, quando passais além das zonas ocupadas pelos rebentos dos campônios, a cena muda e, quanto mais perto chegais do verdadeiro cosmopolita em Paris, tanto menos vedes essa rapacidade. Estamos falando agora dos hábitos comuns do pequeno comércio, que constitui mais de nove décimos do comércio varejista da França. O apologista pode dizer, neste ponto, que o camponês e o pequeno negociante são assim porque são pobres, como o trabalhador do campo italiano. Mas isso não é verdade. Há menos pobreza no interior da França que em qualquer outra região agrícola de igual dimensão, exceto, apenas, a Califórnia. Embora haja poucos homens ricos, ninguém morre de fome. Não é famosa a fertilidade do solo? Os franceses, desde o começo das eras, foram amaldiçoados com ilimitada boa-sorte no ambiente físico. Há dois mil anos Estrabão contemplava a cena gaulesa e era levado a notar: Uma disposição tão feliz de localidade, arranjada de modo a parecer a obra dum ser inteligente e não o efeito do acaso, basta pra provar a existência da Providência. Ricas minas sob ricos campos, um clima bastante frio pra estimular mas raramente bastante quente pra deprimir ou enervar, fácil acesso a toda parte, de qualquer parte, rios e fontes, colinas e vales dispostos como num super-parque... é de admirar que a França tenha sido invadida pelos famintos, os desesperados, os fugitivos? É de admirar, também, que os que se plantaram nessa terra celeste se afundassem num estado de bem-aventurança? Por que deveriam trabalhar mais? Deus não trabalhara pra eles? Sim, pra que pensar? Pra que visitar outros países? Pra que ler as ações e os pensamentos dos estrangeiros? Seria o mesmo que esperar que o arcanjo Gabriel, no céu, lesse o New York Times. 201
Caveat emptor: Expressão latina que significa O risco é do comprador. Nota do digitalizador
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Sendo uma nação de pequenos camponeses, em geral, os franceses são singularmente presunçosos, se bastam, lhes faltando, pois, motivos poderosos pra deixar o lar ou pra se envolverem em grandiosas aventuras no comércio ou na política. Não se estão fazendo, são estáticos. Há gerações, atingiram um simples equilíbrio econômico que a revolução industrial ainda não subverteu. Ante o olhar do historiador, as massas fora de Paris e de alguns centros fabris do norte ainda vivem numa ordem social que desapareceu da cena na Grã-Bretanha e na América, há muitos anos. Seu desejo dominante é o de preservar o antigo regime, de modo que, quando o racionalizam, traduzem tudo em termos de justiça. A justiça é um conceito estático, é a noção do guarda-livro, de pagar a todo mundo a justa dívida e de manter todas as contas equilibradas. Isso explica por que as massas francesas não podem compreender a paixão inglesa e ianque ao progresso. O progresso jamais se poderá harmonizar com a justiça. No máximo um compromisso grosseiro pode, às vezes, ser estabelecido. O progresso, se é que significa algo, implica mais ou menos numa continua transformação dalgo bom a algo melhor e, no fundo dessa transformação, está o fluxo mais profundo dos acontecimentos, o ambiente em transformação. Foi somente nas últimas décadas que os homens descobriram como se pode tornar rápida e complexa essa transformação ambiental. Essa estreita auto-suficiência, que racionaliza todas as características, boas e más, indiscriminadamente, foi levada às escolas francesas, onde perpetua o provincialismo e a ideologia, tão completamente quanto as escolas chinesas fixam e transmitem o espírito dos mandarins. Não podereis compreender a ameaça peculiar da França enquanto não souberdes muita coisa sobre o liceu. A excelência técnica dessas escolas as torna um perigo à Europa. O liceu é, num sentido muito inexato, uma escola secundária. Mas nenhuma criança ianque poderia sobreviver a um dia de liceu, pois os estudantes devem usar a mente a toda capacidade, e isso é tabu em Eua. Os professores são expertos do melhor tipo possível entre especialistas. E isso empresta uma atmosfera intelectual à sala de aula, que repugnaria ao pequeno estômago ianque. O trabalho é principalmente com as idéias e com sua clara expressão. A quantidade de coisa que os estudantes franceses devem escrever e reescrever e reescrever novamente causaria vertigem à imaginação ianque. Nem mesmo nossas melhores escolas de jornalismo impõem a metade desse trabalho a seus prováveis escritores profissionais. Ainda mais terrível é a quantidade de detalhe que deve ser guardado na memória, de cor. Somente as antigas escolas chinesas podem igualar o liceu. Não há discussão de classe, pergunta espontânea nem conhecimento não-formal. Tudo é prescrito pelas autoridades governamentais de Paris. Tudo exprime uma nítida idéia de cultura e nada mais. Cada instrutor, do mais velho ao mais moço, é uma encarnação dessa idéia nítida, pois os franceses são impiedosos monomaníacos ao escolher seus agregados, que devem servir como professores nos liceus. O resultado se aproxima muito da perfeição da utopia, se, com isso, queremos dizer a realização do que se deseja fazer. Mas, em termos de bem-estar humano, receio, o resultado é menos feliz. A França cria um estoque de ideólogo. Quantos mais se criam, mais se afastam da corrente da vida. Não podemos perder tempo descrevendo os detalhes do trabalho no liceu. Basta dizer que o estudante gasta centenas de horas imitando passagens de Molière e de Corneille, mais centenas de horas analisando essas passagens até as mínimas estruturas e funções, e mais centenas de horas escrevendo ensaio sobre tema da vida, história e pensamento francês. Sempre, a insistência maior é sobre a habilidade de dissecar e apresentar idéia. A lógica e o estilo literário dominam tudo mais. Certamente, ninguém, em sã
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consciência, censuraria essa maneira de instruir, se fosse posta em prática com visão mais larga e incluísse conhecimentos não-formais, conferências e várias outras coisas que o cidadão do mundo de hoje necessita. O defeito que nela encontramos é o mesmo que os franceses mais capazes já encontraram. Nos fazemos apenas o eco de seus julgamentos quando dizemos que limita, estupidamente, o estudante às idéias formais, aos pontos de vista franceses clássicos e à argumentação. Todas essas tendências se acentuam e harmonizam com o provincialismo peculiar do camponês. O fazendeiro de Aioua, que lê o jornal no crepúsculo, antes de sintonizar o rádio pra ter o preço do porco em Chicago, sabe cinqüenta vezes mais acerca do mundo em geral que o diretor dum jornal de Lião ou de Breste. A empregada de loja que, viajando no último trem, de volta até casa, lê o jornal de cabo-a-rabo, está mais bem-informada sobre as realidades da hora do que muitos prefeitos de cidades francesas ou muitos professores de academia na França. Os jornalistas internacionais sabem muito bem que o povo da França não tem acesso às notícias e, aparentemente, não se interessa em o conseguir. Do ponto de vista ianque, o francês típico é um ignorante cuja vaidade intelectual constitui uma ameaça. Os árabes têm um antigo ditado: Quem não sabe e sabe que não sabe é um sábio. O sigas. Quem não sabe e não sabe que não sabe é um louco. Cuidado. Por isso todos franceses devem ser condenados, pois, embora nada saibam do mundo, não sabem quão pouco sabem. É singular e significativo, aliás, que nem saibam o que é um jornal. Nem há, na língua francesa, palavra que signifique o que nós, de língua inglesa, queremos dizer, quando falamos dum jornal. Os franceses têm seus journaux. O que são? São diários sem notícia. No curso de todo um ano essas folhas de papel de Paris se combinam pra não revelar mais, acerca dos acontecimentos das regiões além do norte da França, do que se poderia encontrar numa edição do Times de Londres, ou do New York Times. Na verdade, são pilhérias. E, na maioria, pilhérias ruins. Nem cobrem as notícias de Paris. Poderíeis os estudar toda a vida e, entretanto, nada saber do que está acontecendo dentro num raio de 8km da redação. É um sintoma da ideologia endêmica do país que a primeira página dum journal esteja, normalmente, tomada por opinião e ficção. Grande parte da opinião é ficção e não pouco da ficção está assim classificada somente como assunto de opinião. Mas vamos adiante. Os ensaístas vos regalam com efusões como Memórias da Abissínia, As teorias de Monsieur Ditdonc ou Paris na primavera. As folhas de papel mais pesadas se afundam em análises psicológicas de arte, indústria, ciência política e metafísica. Nada pode afastar seus diretores desse caminho. Nem uma guerra mundial! Acreditareis se eu disser que durante algumas das crises mais terríveis da França, em Versalhes e depois, nenhuma linha apareceu na primeira página dos jornaux de Paris sobre a conferência de Uóchintão, sobre o colapso da gabinete Briand e outras coisas que então aconteceram? Os leitores ainda vêem, entre as notícias principais, considerações sobre Victor Hugo e a evolução do romantismo. As notícias do mundo são geralmente reduzidas a algumas linhas e reunidas nalguma página interior. Essas notícias chegam ao simplório que as lê em tal forma que delas não pode extrair significado. Muitos journaux são apenas órgãos de igrejinhas políticas. São lançados por algum grupo de partidário, financiados pelos interesses comerciais que acontecem apoiar esse grupo e editados somente como meio de anunciar o programa do grupo e de atacar todos os críticos. Pra imaginar o paralelo em nosso país teríeis de, digamos, conjurar o quadro de Andrew Mellon, no zelo a impedir o aumento de imposto de renda e de corporação,
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dando dinheiro a Bernarr Macfadden202 pra comprar o Evening Post e o utilizar como escoadouro pra ensaios financeiros. Mas nosso espírito vacila. Sendo totalmente ignorante sobre negócio, o francês engole o material que lhe é transmitido nesses journaux como se fosse puro alimento. Os franceses são infantis na confiança e na probidade em relação a si. Nenhum bispo batista já esteve mais certo de sua própria retidão e de seu lugar no céu que o francês típico. É uma idéia fixa que a França está certa e tudo o mais errado. Em todo o país não há sincera e competente auto-crítica através da imprensa diária. A encontrareis nalguns livros escritos por franceses que viveram muito no estrangeiro. Assim podeis ver como a França se tornou a nação mais odiada do mundo, exceto apenas a América. É a única terra cuja atitude em relação ao negócio mundial combina a arrogância dum mártir cristão, a probidade dum missionário, e ego vazio dum paranóico e a estupenda ignorância dum monge iletrado. Pateticamente fora de contato com todo mundo e com tudo além de suas próprias fronteiras, ainda deseja dirigir o grande mundo de 2.109 de indivíduos. Sonha modelar a Europa de acordo com o plano francês, inteiramente inconsciente de que esse plano não se adapta mais aos temperamentos e às exigências dos vinte povos que abarca do que à América. Seus estadistas estão quase tão distantes das realidades como os leitores do velho Figaro, sob a direção de Calmette. Melville E. Stone, que durante muito tempo foi o diretor da Associated Press, costumava contar as conversações com Gaston Calmente, diretor do Figaro de Paris. Um dia, quando Stone almoçava com Calmette, o Figaro publicava um pretenso despacho cabográfico de Nova Iorque, descrevendo, com horríveis detalhes, o massacre de várias pessoas por peles-vermelhas, na Bróduei. Stone perguntou: — Por que publicas uma tolice dessas? — Á! — Disse Calmette, friamente. — Em Paris há 60 mil mulheres sem cérebro, todas do demimonde,203 que lêem o Figaro. Essas tolices as divertem. Poderia acrescentar que grande parte das notícias estrangeiras que aparecem em todos os jornais franceses, mesmo quando não são pura ficção, dá, aos leitores que nelas confiam, um conhecimento do negócio mundial somente um pouco mais exato que o transmitido por essa fantástica notícia. Passemos do homem da enxada às classes superiores, mais ou menos educadas, das cidades e de Paris. Não esqueçamos que os homens que encontramos no campo da sociedade da província, direito, política, literatura e ciência têm, a despeito de diferenças pessoais de natureza, o largo e antigo fundo da França. Têm, ao menos, mil anos de cultura, tradição, sofrimento e glória comuns. Como observa André Maurois, provieram do mais velho e mais estável bloco de humanidade na Europa. Qual é sua concepção da vida, em geral? Maurois a esboçou, se destacando os seguintes pontos principais:204 A primeira característica que criou diferenças nos pontos de vista francês e anglo-saxão é uma herança da civilização romana. É o respeito do francês a um contrato escrito. Não quero dizer que o anglo-saxão não respeite os Bernarr Macfadden (16.08.1868 – 12.10.1955) Influente divulgador da cultura física, uma combinação de fisiculturismo com teorias nutricionais. Nota do digitalizador. http://en.wikipedia.org/ 203 Demimonde se refere a pessoas de estilo de vida hedonista, normalmente de maneira flagrante e conspícua, contrariando os valores mais tradicionais ou burgueses, tais como uso de bebida ou droga, jogo, alto gasto, particularmente perseguindo a moda, tanto no vestir quanto criadagem e habitação, e promiscuidade sexual. Termo usado na Europa do final do século 18 ao início do 20. Demimondaine se referia a uma mulher que encarnava esses requisitos, depois se tornou um eufemismo pra cortesã ou prostituta. O vocábulo francês demimonde significa meio-mundo e deriva duma comédia de Alexandre Dumas filho, publicada em 1855, Le demimonde. Nota do digitalizador. http://en.wikipedia.org/wiki/Demimonde 204 Os excertos foram tirados do New York Times, 2 de agosto de 1931, nos quais fizemos algumas abreviações sem importância 202
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B Brreevvee iinnttrroodduuççããoo àà hhiissttóórriiaa ddaa eessttuuppiiddeezz hhuum maannaa contratos mas, pra ele, um contrato é algo flexível, algo que pode ser modificado ou algo que se modifica. Muitas vezes dispensa o contrato e confia no impulso do momento. Foi um inglês quem inventou a expressão gentlemen's agreement.205 É certo, também, que foi um ianque quem replicou que em tempo de pânico não há muitos cavalheiros.206 Mas o ianque está junto com o inglês na recusa a se permitir uma atitude rígida em virtude de decisões prévias. Prum francês um contrato é um instrumento sagrado em si e que só deve ser alterado com extrema cautela. É preciso ter vivido numa aldeia francesa pra compreender o papel que desempenha na vida da família o notário, um indivíduo inteiramente diferente do advogado ianque. É preciso haver testemunhado o drama de modificar uma frase e de escolher uma palavra e, depois, imaginar esse espírito legal levado ao domínio da política internacional, pra compreender o que pode ter sido a terrível desilusão do francês ao ver o tratado de Versalhes, o plano Dawes, o plano Young, documentos assinados por todas as nações e solenemente garantidos por seus aliados, se tornarem, sucessivamente, mais fluidos e mais intangíveis e desaparecerem das mãos. Quando a proposta Hoover foi trazida à discussão no parlamento francês, o senador de Jouvenel observou: Como induzir as nações ao desarmamento se não estão persuadidas da santidade dos contratos? Tudo o que é tirado à justiça é entregue à violência. O senado francês o aplaudiu, quase todos os jornais citaram essas palavras, exprimindo, como exprimiam, a convicção estabelecida de todos os franceses. Acrescento que também exprimiam uma concepção geralmente considerada justa. A civilização começa, no caos do universo, quando um homem pode confiar na palavra solenemente empenhada por outro. Naturalmente, um francês compreende muito bem que há circunstância que faz necessário modificar um contrato. Especialmente ao resolver questões tão difíceis e tão mal
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gentlemen's agreement: Acordo entre cavalheiros. A forma inglesa do jeitinho brasileiro. Nota do digitalizador 206 Eua, se tornando a superprepotência do século 20, é notório por sua geopolítica que passa por cima de acordo e não respeita decisão da ONU. Nota do digitalizador
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compreendidas como as da economia internacional, os negociadores podem cometer erro. Mas o francês acredita que a mais ligeira modificação num contrato deve ser feita somente depois de madura deliberação ou depois de que todos os que possam ser por ela afetados serem consultados. Também pede que o instrumento modificado ou ab-rogado seja substituído por outro ou que as vantagens esperadas da modificação sejam estabelecidas tão claramente quanto possível. Quer um documento que possa ser preservado, a que se possa referir e, se necessário, invocar, um documento que seja a encarnação da confiança mútua e da justiça. É preciso ouvir um homem do povo dizer: Estou descansado, pois me deu um papel, e é preciso multiplicar esse sentimento 40 milhões de vezes pra compreender a necessidade de respeitar os contratos ao lidar com o povo francês e de explicar claramente, em benefício da opinião pública francesa, por que uma questão encerrada se reabre e quais as perspectivas do futuro. Sei que esse último ponto é o mais delicado de todos. O anglo-saxão não tem amor natural a plano. O francês sente prazer em desenhar o curso futuro dos acontecimentos. O inglês e o ianque se contentam em viver o cotidiano. Isso se revela em toda parte. O jardineiro inglês deixa a natureza fazer seu caminho e cria um jardim semi-selvagem. O jardim francês é o resultado dum plano, um arranjo do espírito. Essa fé nas palavras escritas é uma suprema estupidez. Revela toda uma constelação de insensibilidade, muitas das quais podem ser explicadas como anestesias ambientes. Antes e acima de todas, vem a insensibilidade e a quase total inconsciência, do francês em relação à enormidade das transformações de todo o mundo. Limitado às fronteiras das Gálias, jamais deu a seus olhos uma oportunidade de ver o que acontece no estrangeiro. Mas, mesmo que tivesse viajado, seria como um turista que, ao ver os estrangeiros, lhes dá as costas, ficando melhor que esses imundos sujeitos. Como uma nação, o francês sabe menos e se incomoda menos com o mundo em geral que qualquer outro povo importante, a leste ou a oeste. Mas o que isso tem a ver com a fé dos franceses num pedaço de papel? Simplesmente isso: As condições sob as quais as promessas podem ser cumpridas têm, ao menos durante meio século, se expandido cada além do controle humano. O amanhã já é o grande desconhecido. E os extremos da terra podem estar logo depois da esquina. Os métodos de comércio e de diplomacia que obtinham êxito no tempo do antigo regime, quando os homens podiam descansar durante todo o inverno enquanto o negócio esperava sua decisão, são atualmente um perigo. Na idade média os homens tinham muito pouco a fazer além de falar e, muito raramente, os acontecimentos os
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forçavam a andar depressa. Havia uma simetria natural entre o pensamento e a ação, de modo que o processo contratual tinha mérito que não tem. Isso, aliás, tem muito a ver com o colapso da lei escrita e a decadência do júri. Mas há mais, sobre a mania francesa por dialética e sinal sobre papel. O ambiente conta apenas metade da história. A outra metade tem raiz nalgum obscuro cromossomo. Muito antes das coisas começarem a se tornar terríveis, o francês demonstrou mais intelecto que inteligência. Em tempo nenhum pôde aceitar novas condições ou enfrentar realidades cruas. Sofre da moléstia da dicotomia, uma perniciosa anemia do espírito. Essa moléstia é, às vezes, chamada de espírito clássico. Assim Taine, em seu estudo brilhantemente errado sobre a antiga França,207 escreveu: Seguir, em toda investigação, com absoluta confiança e sem reserva ou precaução, o método da matemática. Abstrair, definir e isolar certas idéias muito simples e muito gerais e, sem referência à experiência, as comparar e combinar e, da síntese artificial assim obtida, deduzir, por pura lógica, todas as conseqüências que envolve. Esse é o método característico do espírito clássico. Isso termina no hábito da simples dicotomia. A é sempre B ou C. Um cidadão deve ser por nós ou contra nós, radical ou conservador. Assim, a religião, a política e mesmo o comércio francês sempre tenderam a se dividir em dois campos extremos. Os burbões contra Robespierre. Os pretos e os brancos. Assim, a França sempre foi a terra da obsessão, fanatismo e teoria grandiosa que sempre levam a nada. É o país dos terrenos absurdamente artificiais em torno dos châteaux, onde tudo é feito tão completamente subserviente a um plano preconcebido, que a natureza desaparece. Esses mesmos traços, que quase destruíram politicamente a França, sempre lhe causaram desastre no campo de batalha Os militaristas franceses, confiando em seu racionalismo e ideologia, foram sempre os mais estúpidos. Jamais puderam assimilar o gênio do corso obscuro e sinistro que caiu sobre eles, os subjugou e utilizou sua nação prà satisfação de fim egomaníaco. As tradições de Napoleão jamais se enraizaram no espírito francês. Os generais franceses o estudaram, macaquearam, e só. Raciocinam perfeitamente sobre a ação mas não podem agir certa nem prontamente. Se pode escrever uma história acerca do triste papel dos militaristas franceses somente nesses termos. Antes da guerra mundial se desenvolveu na França, especialmente entre seus chefes, uma curiosa, surpreendente e ominosa confiança. Por mais de quarenta anos as táticas militares francesas se basearam na defensiva inicial, que devia ser seguido por um contra-ataque decisivo. Os franceses construíram, portanto seu sistema de fortaleza, deixando grandes lacunas aos contra-ataques. Em 1914, entretanto, os chefes franceses argumentava pra ofensiva, em parte porque a mais corajosa agressividade parecia, em seu ousado intelectualismo, mais de acordo com o caráter francês, e, em parte, porque tinham enorme confiança nos extraordinários canhões 75 e, finalmente, porque podiam assumir, com segurança, a ofensiva, com o apoio dos aliados: Grã-Bretanha e Rússia. Preocupados com a nova concepção, os militaristas franceses, sob a chefia de Joffre, inventaram um novo plano. Disse capitão Liddell Hart: Era baseada na negação da experiência histórica, na verdade, do senso comum, e num duplo erro de 207
L'ancien régime, Parfs, 1876, página 262
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cálculo, de força e de lugar, o último mais sério que o primeiro. Não somente planejaram iniciar a ofensiva com forças apenas iguais às do inimigo, ignorando o fato de que os alemães possuíam boas fortificações na fronteira, coisa que os franceses não tinham, mas também sub-estimaram em metade a força do inimigo, incluindo no cálculo somente as divisões alemãs efetivas. Ainda mais, se enganaram admitindo que o ataque mais severo dos alemães seria através da Alsácia-Lorena e não da Bélgica. Erro inescusável em virtude dos grandes preparativos militares que a Alemanha fazia nessa fronteira. Houve alguém que advertisse esses ideólogos acerca dos erros de seu plano? Realmente, sim. E não outro que o mais capaz dentre eles, Michel. Vejamos o que lhe aconteceu e a sua recomendação. Em julho de 1911 general Michel, comandante do exército francês na eventualidade duma guerra, se reuniu com o conselho de guerra da França. O general afirmou estar convencido de que se a Alemanha atacasse viria no norte, na Bélgica, e instou pra que o conselho de guerra se preparasse contra essa eventualidade. O estado-maior britânico chegara à mesma conclusão. A Alemanha construíra ferrovia na fronteira belga e estabelecera mais linha secundária que o necessário em tempo de paz. Evidentemente, tudo isso deveria ser utilizado pra invadir a Bélgica. O conselho de guerra francês, entretanto, sabia mais. Naturalmente o exército alemão utilizaria o caminho do sul, na Alsácia-Lorena, e, certamente, deviam ser feitos preparativos na fronteira do sul. Polidamente, o conselho agradeceu ao general Michel seus planos e, prontamente, o afastou do comando, pondo Joffre em seu lugar. Então os franceses fizeram todo o preparativo de proteção contra uma invasão alemã no sul, deixando o norte deserto. No início da guerra o grande exército alemão invadiu a França no norte. Joffre e seus milhares de homens estavam concentrados no sul. Alguns franceses e ingleses guarneciam a fronteira belga mas estavam na proporção de 1 a 3 em relação ao invasor. Todo o dia e toda a noite os aliados recuaram, enquanto Joffre, desesperadamente, começou a movimentar o exército a fim de enfrentar a carnificina alemã. Cidades inteiras caíram sob o ataque. Capturando território francês à medida que avançavam impiedosamente, quando o exército de Joffre finalmente se alinhou prà defesa, os alemães se lançaram a diante, em formação de massa, lembrando a primeira regra da tática militar francesa: A melhor defesa é o ataque. Dali a verdade do comentário de Dimnet sobre o espírito francês: A preferência por idéia, especialmente idéia geral que permita visão simplificada, é um traço francês, mesmo quando o resultado possa ser terrível... Dançar sobre um vulcão é uma frase decididamente francesa, que descreve uma atitude francesa. As idéias, na França, valem mais que os fatos e, enquanto a educação acompanhar o preconceito nacional que prefere a arte de viver à luta pela vida, essa concepção unilateral continuará a existir.208 Assim, ante a terrível bateria de metralhadora alemã em campo aberto e à completa mercê do inimigo, os franceses sacrificaram 300 mil bravos a uma idéia. Tendo bem em mente a frase hipnótica: A melhor defesa é o ataque, sem trincheira, bravos no uniforme azul e vermelho vivo, os franceses marcharam a diante, pra serem derrubados pelo maior número de metralhadora já reunido por um exército em toda a história mundial. E o trágico e custoso erro se liga, finalmente, à crença francesa de que ce qui est conçu clairement est vrai.209 Foi necessário o primeiro grande desastre da guerra pra revelar à França que a razão falhara e a traíra. 208 209
Art of thinking, página 74 Ce qui est conçu clairement est vrai: O que é claramente desenhado é verdade. Nota do digitalizador
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Quem salvou a França dela mesma? Os ingleses, naturalmente. E é pena, pois, no longo curso dos acontecimentos humanos, será quase certamente demonstrado que a libertação da horda gálica foi a pior coisa que aconteceu à Europa em muitas gerações. O mundo criou a França e tudo o que ela representa. A culpa não é da França. É apenas a marcha da humanidade. Seu sistema social e econômico devia ficar de lado. Se suas brilhantes classes superiores aceitassem, apenas, esse fato como idéia fixa, que bem adviria à humanidade! Não o farão. Não o podem fazer. Assim, ao fechar as páginas deste pequeno esboço, a França ameaça a paz mundial muito mais seriamente do que o fez o velho e estúpido cáiser, antigamente. Muitos amantes da paz estão murmurando, em segredo: Gallia delenda est.210 Os governantes franceses são de ferro na resolução de preservar essa sociedade agrícola encantadoramente primitiva num mundo industrial. Em todos os pontos se verificam conflitos entre o velho e o novo regimes. O velho regime passará, mas não enquanto o último camponês não for fuzilado ou liquidado com gás venenoso. A tragédia da França, hoje, é a de que pra cada Briand em embrião parece haver dez Delcassé em embrião e pra cada Rolland um enxame de Esterhazy. O intelecto, terrível amouco,211 leva o mundo ao caos.
Grã-Bretanha Os homens que amontoaram a imensa riqueza da Grã-Bretanha raramente foram dotados de inteligência econômica. Muitos foram negociantes inferiores. Seu sucesso pode ser rapidamente ligado a uma galáxia de boas falências. O brilhante trabalho, que redundou em crédito à Grã-Bretanha foi, principalmente, concebido e executado por escoceses, como Lipton, Carnegie e Strathcona. (Alguns ianques, como Selfridge, também fizeram um tanto). Os ingleses foram, em geral, aventureiros impiedosos, tratantes delicados, simples pioneiros, caixeiros-viajantes, espertalhões ou tolos. Quando, depois desta breve introdução, começarmos a história da estupidez humana, devotaremos um grosso volume aos casos que provam essa afirmação sem misericórdia. Eis alguns exemplos, somente pra mostrar que sabemos o que estamos falando: Jaime I, rei da Inglaterra, com sua magnífica estupidez, arruinou a principal indústria do país, que até 1614 lhe trazia grande lucro. Os holandeses, embora famosos pela tinturaria, não possuíam tear com o qual fazer vestimenta e, portanto, importavam mercadoria da Inglaterra. Por que não fazer, argumentava o rei, com que os tecelões ingleses tingissem o material no país? Um procedimento tão simples, imaginava, traria imposto tanto sobre os tintureiros como sobre a importação de tinta. Mas Jaime I não pensou nos holandeses, que imediatamente estabeleceram teares próprios, deixaram de importar tecido e, conseqüentemente, arruinaram a mais proveitosa indústria da Inglaterra. Lindo sujeito o rei Jaime! Mas era um pouco mais inteligente que os tecelões ingleses, dos quais certamente alguns foram consultados a respeito? Temo que rei e súditos fossem todos do mesmo estofo. Certamente, todas as gerações de negociante inglês foram, desde então, igualmente rudes de inteligência. Saltemos ao caso famoso dos mercadores ingleses e as colônias americanas. 210
Gallia delenda est (latim): A Gália está destruída. Nota do digitalizador Amouco: Vem de amok, palavra de origem javanesa que, em psiquiatria, designa atos criminosos inexplicados, sem motivo aparente. Com fácil acesso a armas uma pessoa considerada normal vai matando a todos os que encontra na frente, suicidando depois. Segundo o dicionário KingHost: sm Índio de Malabar, que jura morrer por seu chefe. (figurativo) Homem subserviente, bajulador, que toma sempre o partido de seus superiores. (adjetivo) Condenado, desesperado. O mesmo que amoque. Nota do digitalizador 211
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A estupidez dos ingleses jamais foi tão bem revelada como em sua direção dos colonos, que virtualmente foram levados, pela estupidez, à revolução? Os historiadores divergem quanto a quem cabe a responsabilidade da política inglesa em relação aos beligerantes americanos. Há quem faça o peso dessa responsabilidade recair sobre Jorge III, cujas noções acerca de prestígio real nunca o transformaram num servo submisso. Mas Jorge não era um inglês legítimo, pois provinha de família alemã, a despeito de sua célebre frase no parlamento: Nascido e educado neste país, me glorifico com o nome de inglês. A interpretação dos Beard212 sobre a política que levou os colonos à rebelião me parece a melhor. Embora concordem que Jorge III favoreceu muitas das medidas restritivas e irritantes impostas aos americanos, observam que as leis eram promulgadas por ou pra proprietários e mercadores capitalistas que, em geral, consideravam as colônias províncias a serem exploradas em vantagem à metrópole. Os representantes parlamentares desses influentes, embora obscuros, industriais consideravam, portanto, o comércio das colônias propriedade da metrópole, a ser monopolizado por seus cidadãos, servindo, em todas as coisas, a seu interesse. A mais ligeira queixa dos latifundiários e dos negociantes muitas vezes levava a novas leis que os favorecessem, prejudicando os colonos. Benjamin Franklin, quando o dinheiro colonial foi proibido, declarou, numa reunião: Em virtude das queixas dalguns negociantes da Virgínia nove colônias foram proibidas de fazer papel-moeda, que se tornou necessário a seu comércio interno, em vista da constante remessa de seu ouro prata à Grã-Bretanha… Os chapeleiros da Grã-Bretanha obtiveram uma lei a seu favor, restringindo essa manufatura na América… Do mesmo modo, alguns fabricantes de prego e um grupo ainda menor de fabricante de instrumento de aço... conseguiram proibir, por meio dum decreto parlamentar, a criação dessas indústrias na América, de modo que os americanos são obrigados a tomar prego pros edifícios e aço pros instrumentos, desses artífices. A Boston Gazette, de 29 de abril de 1765, se indignou: Um colono não pode fazer um botão, uma ferradura eqüina ou um cravo mas alguns respeitáveis ingleses poderão vociferar e gritar que o culto a sua honra está sendo grandemente maltratado, injuriado, esmagado e roubado pelos bandidos republicanos da América. O enfado se seguiu à irritação, em exasperante e cansativa sucessão. Quando a assembléia de Nova Iorque objetou contra a pesquisa e apreensão de mercadoria proibida e de contrabando, o parlamento, com verdadeira obstinação britânica, suspendeu a legislatura até que a atmosfera se amenizar. Entretanto, os ingleses conheciam bem a atitude americana em relação aos mandados gerais de assistência, expressa com indignada veemência por certo James Otis, que sobre o assunto falou durante cinco horas. Que cena isso desvenda! Todo homem, levado pela vingança, mau-humor ou lascívia, inspecionando a casa do vizinho, pode conseguir um mandado de assistência. Outros o pedirão pra auto-defesa. Um 212
Charles e Mary Beard, American civilization e History of the United States
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ato arbitrário provocará outro, até que a sociedade se envolva em tumulto e sangue. O ministério Townshend tentou conciliar os extremos. Burke disse, certa vez, que agradar todo mundo era a ambição e o objetivo da vida de Townshend. Entretanto a estupidez pessoal do ministro era apenas um reflexo individual da estupidez da classe média britânica. Burke disse sobre ele: Pra fazer o imposto aceitável pelos partidários da renda americana escreveu um preâmbulo afirmando a necessidade dessa renda. Pra estar perto da distinção americana essa renda era externa ou de porte mas pra agradar a outra parte era um imposto de fornecimento. Pra agradar os colonos recaía sobre os industriais britânicos e, pra agradar os comerciantes da Grã-Bretanha o imposto era trivial e (exceto o imposto sobre o chá, que se referia apenas à companhia das Índias Orientais) não se aplicava aos principais objetos de comércio. Pra agir contra o contrabando americano o imposto sobre o chá foi reduzido de 1 xelim a 3 pences. Mas pra se garantir o favor dos que eram pelos impostos sobre a América a cena da coleta se transformava e, com o resto, era cobrada nas colônias... O plano original dos impostos e o modo de execução desse plano surgiram, exclusivamente, do amor a nosso aplauso. Era, em verdade, o filho da câmara dos comuns. Só pensou, fez ou disse algo pensando em nós. Todos os dias se adaptava a nossa disposição. E se ajustava ante ela como ante um espelho. Os ingleses, realmente, não podem imaginar os perigos antes de acontecer. Os motins americanos deviam haver sido sangrentos. Os filhos e as filhas da liberdade eram rebeldes ativos. As casas dos altos oficiais reais eram destruídas e incendiadas. As mercadorias britânicas eram boicotadas. As filhas da liberdade trabalhavam, apressadamente, pro incremento das indústrias domésticas e prà recusa a comprar alimentos taxados. Os métodos de taxação britânicos eram denunciados como ilegais, anti-constitucionais e injustos. Os comerciantes britânicos estavam ameaçados de bancarrota. Os trabalhadores perdiam emprego. Benjamin Franklin advogado a causa dos colonos, apoiado por Pitt e Burke. Grenville, então ministro, anunciava que a América deve aprender que as orações não devem ser levadas a César através de motins e de sedições. Em vão tentou Edmund Burke demonstrar ao rei e ao parlamento a loucura dele. Insistiu que os atos do parlamento, que os colonos consideravam intoleráveis, deviam ser revogados e que os colonos deviam ser tratados na mesma base que os ingleses. Mas Burke falava a ingleses legítimos. O parlamento era inabalável. Lorde Germaine achava que os acontecimentos de Bóston não constituíam sinal de perigo mas o procedimento duma tumultuosa e amotinada ralé que devia, se tivesse prudência, se voltar a suas ocupações mercantis e não se envolver na política e no governo, que não entendia. Lorde North e Pitt concordaram. Assim, a guerra continuou e o que considero a maior 278
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catástrofe da raça branca ocorreu. Os povos de língua inglesa se separaram, e as melhores de suas terras ficaram expostas à ralé de centenas de rebanhos. A derrocada da América começou com o chá de Bóston, graças aos mentecaptos homens do dinheiro na Grã-Bretanha. E a condenação da Grã-Bretanha soou nessa mesma hora. Esse erro titânico custou à raça branca não menos do que 20 milhões de vidas e 300 milhões de dólares, até agora. Esse erro tornou possível a ascensão dos Hohenzollern e a primeira guerra mundial. Esse erro tornou possível, em nosso país, a guerra civil. Mas por que continuar? Teriam os negociantes britânicos aprendido com essa perda? Tanto quanto sei, não. Nem aprenderam a geografia das Américas. Prova? Em 1825 as repúblicas sulamericanas, libertadas do jugo da Espanha, se tornaram um grande e novo mercado às indústrias européias. Os ingleses se reuniram a mandaram às regiões tropicais do Brasil, do Paraguai, da Venezuela e da Colômbia, carregamento de patim, aquecedor e vestimenta de pele! O terrível fracasso da grande aventura comercial por um triz não precipitou um pânico financeiro em Londres. Teria isso lhes ensinado algo? Teriam começado a estudar as Américas, o resto do mundo, as condições básicas do comércio? Não. Durante as duas gerações seguintes acumularam fortuna simplesmente transformando em dinheiro os recursos dos novos territórios ocupados por seus concidadãos, a ferro-efogo, levando a vantagem do monopólio natural, em carvão, da Grã-Bretanha e de sua supremacia naval. Até a primeira guerra mundial os ases comerciais britânicos não fizeram esforço apreciável no sentido de enfrentar o problema com espírito científico. Nada criaram de comparável aos conselhos de pesquisa comercial da Alemanha e da França, nada que, mesmo de longe, se parecesse com as escolas técnicas do continente e da América, nada que possa ser mencionado juntamente com as associações comerciais americanas ou com os cartéis alemães. Eu era adido à comissão americana na exposição internacional de Paris em 1900 e 1901. Tive a fortuna de entrar, mais ou menos em contacto com certos grupos de exibidores britânicos e tive uma oportunidade singular pra observar seus métodos, não num caso apenas, mas, o que é geralmente mais difícil, em grandes grupos de firmas, todas grandes e famosas. Sua atitude me espantou. Vários dos maiores joalheiros e relojoeiros de Londres tinham excelentes vitrinas mas alguns não tinham vendedor a mão, enquanto os franceses, os alemães e os ianques mantinham ali seus melhores homens e, em conseqüência, venderam centenas de milhares de dólares, enquanto alguns dos exibidores londrinos nem dispunham de bastante bem pra pagar o aluguel dos pavilhões e os ordenados dos vigias noturnos. (Soube disso através de sua própria boca, na ocasião). Um industrial de maquinaria pesada de Manchéster ocupava um grande espaço perto de meu escritório. O conheci bem. Eram máquinas novas e, tanto quanto pude julgar então, valia a pena as demonstrar e tentar vender. Então por que teria gasto milhares de dólares as embarcando, montando, pagando aluguel, etc.? Mas o que fazia? Pôs uma moça francesa pra tomar conta das máquinas, somente algumas horas por dia, na manhã e na tarde. Ele mesmo aparecia duas ou três vezes por semana, durante uma hora ou pouco mais, de cada vez. Não tinha alguém bastante competente pra explicar a maquinaria e os méritos. No curso de seis meses uma centena de prováveis compradores perguntara sobre as máquinas. Como eu estava perto muitos se aproximaram de mim depois de procurar, em vão, um vendedor. Aconteceu que a maquinaria me interessava, de modo que eu falava das máquinas tanto quanto podia e depois dava a todo mundo o endereço do industrial, num hotel distante da exposição. (Nem o nome da firma estava à mostra, poderia acrescentar). As únicas máquinas vendidas durante a exposição foram vendidas com minha intervenção.
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Três vezes mais tarde tive ocasião de entrar em contato, duma maneira ou doutra, com os comerciantes britânicos na pequena ilha. Estou ainda convencido de que, talvez, um terço da estupidez britânica seja alcoólica. Eis um caso típico. Um grupo de capitalista do Midland escolheu um vasto e aparentemente rico trato de terra na região do Mediterrâneo com a intenção de o desenvolver de várias maneiras, de acordo com a potencialidade mineral, agrícola, residencial e hidrelétrica. Como não havia um engenheiro a consultar, em toda a Inglaterra, de competência bastante pra inspecionar e relatar essa propriedade peculiarmente variada, cuja dimensão era enorme, o gerente geral da companhia procurou um na América e, facilmente, encontrou o homens que desejava, que aconteceu fazer parte de minha relação. Os poderosos negociantes decidiram que poderiam conseguir tudo o que desejavam do engenheiro numa consulta e o fizeram ir a Londres, não ao trato de terra! Conversaram, conversaram e se surpreenderam ao notar que o engenheiro nada fazia de definitivo. O engenheiro insistiu em que precisava levar vários assistentes à terra e a estudar com o máximo cuidado, já que milhões de libras esterlinas estavam em jogo, e, ademais, se sabia que certas condições de solo e de clima eram um tanto obscuras. Os diretores desfizeram a proposta imediatamente, declarando que sabiam possuir uma boa terra, não sendo necessário toda essa custosa trabalheira, pois todo mundo podia ver que se tratava dum excelente lugar. Quanto às peculiaridades geológicas, foram bem informados por alguns de seus amigos londrinos. A companhia tinha importantes fundos a mão. Não foi a pobreza que levou a essa decisão. Foi apenas imensa e invencível estupidez. Ninguém, na direção da companhia, foi capaz de perceber e de avaliar a situação, quando o engenheiro a descreveu. E qual foi o resultado? Em quatro anos a companhia gastara mais de um milhão de libras esterlinas, perdendo todas. O solo não prestava à agricultura como se supunha. A existência de minério era uma pilhéria. A possibilidade de construção de casa dependia da agricultura e da mineração. De maneira que essa rósea perspectiva também foi água abaixo. Então, somente então, esses buldogues britânicos chamaram o engenheiro, que, depois de vários meses de trabalho, informou que, se a companhia desejava empregar mais 300 mil libras esterlinas, ou mais, nessa aventura, poderia salvar tudo. Mas pessoalmente não queria assumir a responsabilidade. E, portanto, até a vista! É notório que os negociantes ingleses não podem olhar a diante mais que muitos concidadãos. Há algo quase patológico no limitado âmbito de visão. Nenhuma firma inglesa sonharia com fazer inquérito comercial pra cobrir vários anos no futuro. As firmas inglesas se contentam com o dia-a-dia, e com seus males. Nem podem tomar o ponto de vista doutros indivíduos nem doutras firmas. O individualismo inglês se funda sobre essa insensibilidade. No fundo não é uma virtude mas um defeito psíquico. A ironia, porém, é que os ingleses superiores fizeram dessa estupidez uma virtude, não de maneira barata e hipócrita mas de modo extraordinariamente nítido e sensível. Em nossa terra, amaldiçoada com o vício da super-socialização, essa incapacidade de tomar o ponto de vista alheio se torna uma graça. Na verdade pode ser a única força que bloqueia a imbecilidade do nacionalismo, do comunismo e de todas as forças menores de obscurantismo. Sua fase débil, entretanto, é o que nos interessa. Nos contentemos, por enquanto, com um caso que demonstra como a própria Inglaterra quase foi arruinada por seus estúpidos industriais. Fora à guerra, em 1914, a fim de salvar a pobre Bélgica, de acordo com o palavreado de Grey. Muito antes d os submarinos alemães começarem à castigar, os construtores e exportadores de navio estavam acumulando fortuna colossal com encomenda de guerra. O suíno estava com as patas dianteiras enterradas profundamente
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na maceira. Entretanto, era tal a cobiça que atirou um olhar invejoso através do oceano, viu que os ianques se preparavam pra cumprir a encomenda que ele mesmo não podia aceitar, pois suas fábricas trabalhavam 24 horas por dia, e se aborreceu com a boa fortuna dos outros. O que fizeram? Convocaram seus advogados, a primeira coisa a fazer, quando se deseja realizar qualquer façanha imunda, e os instruíram no sentido de redigir contrato pra toda espécie de equipamento naval, enxertando uma cláusula que estabelecia que a companhia que assinasse o contrato, como vendedora, se comprometia a só aceitar encomenda britânica durante o período da guerra ou enquanto não houvesse cumprido os contratos assinados com os compradores britânicos. Um dilúvio de contrato dessa espécie invadiu todos os estaleiros e fundições ianques importantes durante os anos de 1910 e 1917. E realizaram o objetivo principal, que era simplesmente o de impedir que Eua construísse uma marinha mercante enquanto os ingleses se empenhavam numa guerra devastadora. Nenhum material podia, nesse período, ser vendido a compradores ianques interessados no comércio exterior, com seus próprios navios. Se não entrássemos na guerra isso continuaria. Enfim, faltariam a Eua navios cargueiros e nos seriam poupadas a perda de 109 dólares e a humilhação da comissão marítima. (Mas não ousamos levar isto à conta da avidez britânica). Então se verificou a majestosa estupidez ianque, entrando na guerra pra terminar a guerra. Os submarinos já estavam destruindo, alarmantemente, a frota mercante britânica. Necessitávamos de grandes frotas. Onde estavam? Os ingleses não poderiam fornecer, pois não possuíam o bastante pra si. Nossas fábricas, quando chamadas a iniciar a construção, protestaram que não podiam fazer, pois tinham as mãos atadas por esses contratos ingleses. Gostariam de dar começo a navios ianques mas a lei era lei. O governo considerou a situação. Se observou que muitas grandes fábricas, ligadas aos ingleses por esses contratos, trabalhavam com apenas uma turma por dia. (Ainda em meados do verão de 1918 era esse o caso dalgumas corporações bem organizadas, como a Bethlehem Steel). Os astutos armadores ingleses, como vedes, não tinham grande pressa dos navios ianques. Não estimulariam os ianques a produzir novo equipamento e a treinar a produção em massa de navio! Antes fariam como o astuto rei Jaime I fizera com os tintureiros holandeses ou como os astutos industriais e estadistas do ministério Townshend fizeram com os colonos empreendedores da América! Assim esses clarividentes rapazes da Grã-Bretanha estavam minando o poderio marítimo dos aliados e levando a Inglaterra, rapidamente, ao desastre final porque não podiam enxergar um palmo diante do nariz. Os investigadores federais ianques revelaram a manobra a Balfour, que cancelou todas as encomendas britânicas. Dessa maneira os ingleses se libertaram de si. E o reino dos cegos pôde existir mais alguns anos. Pra mim o melhor exemplo da miopia inglesa está onde o melhor estoque da raça anglo-saxã teve uma excelente oportunidade pra se exprimir, isto é, na Austrália. O exemplo é a bitola ferroviária. Sua história é muito longa pra ser contada aqui mas a resumiremos. Em 1847, pouco depois de ser estabelecida a bitola-padrão inglesa, 4'8½", a Austrália Meridional a adotou. No dia 30 de junho de 1848 o ministério colonial recomendou aos governadores da Nova Gales do Sul e da Austrália Ocidental a adoção duma bitola uniforme, em vista da probabilidade do encontro, em período futuro, embora provavelmente distante, das linhas, não somente na mesma colônia mas pela junção das estradas construídas nas colônias adjacentes. Os governadores foram, além disso, avisados de que os peritos eram de opinião que se devia usar a mesma bitola em todo o império. Imediatamente, uma série de discussão, teoria, esquema e simples loucura surgiu em cena. As companhias particulares estabeleceram suas próprias bitolas. Os engenheiros do governo estabeleciam outras. As empresas britânicas obedeciam à
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bitola-padrão. E o caos se estabeleceu sobre o estúpido continente. No dia 14 de junho de 1883 dois sistemas ferroviários de bitola diferente se uniram numa ponte sobre o rio Murray, em Wodonga. Os passageiros de Nova Gales do Sul, que se dirigiam a certos pontos em Vitória, tinham de descer do carro, carregar bagagem ao trem de Vitória e se aboletar no comboio. A carga tinha de ser retirada dos carros de Vitória e transferida aos carros da Nova Gales do Sul. Até mesmo os australianos começaram a suspeitar que havia algo errado. O custo de transporte de carneiro, peles e bípede sem inteligência, duma parte a outra do país, era quase duplicado em cada fronteira colonial. Assim, promoveram conferência. Houve uma, muito grande, em 1885, onde se aprovaram solenes resoluções estatuindo que cinco bitolas constituíam um sério embaraço, que deveria ser abolido qualquer dia. Isso não pareceu diminuir muito o custo e os desconforto. De modo que outra conferência foi convocada em 1897, depois de 12 anos, notai bem! Essa também não foi mais longe. Doravante, de ano a ano, de dois a dois anos, outras conferências. A última que eu soube se reuniu em Camberra, em janeiro de 1929. Tudo o que dela resultou foi um pedido pra que os engenheiros submetessem mais cifra a propósito do custo de união das atuais estradas de bitola larga com os trechos de bitola padrão entre as grandes cidades. Estou informado de que nada saiu dessa conferência. Australianos que estudaram esse absurdo declararam que desde que o estúpido programa de cada estrada pra si começou, há mais de 80 anos, as perdas em tempo e dinheiro causadas pelo transbordo, avaria da carga e má conexão ferroviária no limite de cada província excederam, muitas vezes, o valor total das próprias estradas. Isso não parece exagerado quando consideramos que todo o sistema ferroviário (ou caos) custa cerca de 1.350.000.000 dólares, inclusive o equipamento. Numa média de 80 anos uma perda de apenas 17 milhões de dólares anualmente igualaria, sem acrescentar o juro, o custo total da construção e do equipamento de todas as estradas. A renda anual, tanto de carga quanto de passageiro, oscila, geralmente, entre 200 milhões e 250 milhões de dólares. E é certo que as perdas devido à diferença de bitola sobem a mais de 10% deste total. De modo que se pudéssemos cobrar juro sobre a perda a comunidade britânica e seus cidadãos pagaram uma boa multa por sua estupidez, em caso nenhum menor do que 2.109 de dólares. Assim os traços mais profundos do inglês estão na massa de seu sangue, mesmo até a quinta e a sexta geração, seja qual for o céu sob o qual more. Estivemos observando esses traços no comércio. Os observemos rapidamente, noutros campos. Siegfried213 fez uma penetrante análise do caráter britânico, cuja relação com sua estupidez peculiar discutiremos. Eis os traços principais que observou. Entre todos, o mais significativo é o fato de que o inglês tantas vezes obteve êxito, apesar do erros cometidos, que chegou a considerar esses erros como fatores de seu êxito. Isso, disse Siegfried, é o significado real da extraordinária expressão: I'll muddle through!214 Ademais, o inglês não pode aprender muito com a experiência doutros povos, pois ela mal chega a o interessar. Jamais é curioso. Admira superficialmente os estrangeiros, é honesto, benevolente e francamente egoísta. É um esportista. Olha sempre a diante e nunca é um insensível, e revela uma ignorante desconsideração aos outros, causada por uma capacidade de esquecer que é quase parente da infidelidade. O inglês é urbano. Não compreende o camponeses. Possui magnífica energia e, como Siegfried, argutamente, observa, é em grande parte em virtude desta maravilhosa qualidade que não necessita do êxito pra perseverar. Sua extraordinária insularidade o torna incapaz de 213 214
André Siegfried, Post-war britain, Nova Iorque I'll muddle through (Confundirei do início ao fim). Nota do digitalizador
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considerar uma questão do ponto de vista alheio. Se lhe lembrar de tua presença, tomará conhecimento dela. Se não, não existireis. disse Siegfried: A indiferença britânica é, possivelmente apenas sensibilidade retardada. Não prevê o perigo e é somente quando o perigo está na frente que o percebe. Do mesmo modo o esquece logo que passa, pois não olha a trás, como não olha a diante. O conservantismo inato que se nota em todas a classes e em todos os partidos pode provir dessa incapacidade de desenhar qualquer coisa intelectualmente, a menos que esteja no presente ou no futuro imediato. Não podemos concordar com Siegfried quando diz que o ingleses não olham a trás. Na verdade alguns de seus maiores erros e tolices parecem ter sido causados pela visão do passado e por uma obstinada incapacidade de aprender com seus erros. Marechal-decampo sir William Robertson, nomeado chefe do estado-maior imperial britânico, observou, com certa amargura que não é exagero dizer que todos os erros que cometemos em nossas guerras com a França, há mais de cem anos, foram repetidos em Dardanelos. Essa qualidade do inglês, entretanto, discutiremos mais tarde. A falta de previsão dos ingleses, por outro lado, pode ser ilustrada com inúmeros casos. Lloyd George a resume em duas palavras: Muito tarde. Dixon disse:215 Como nação somos incapazes de chegar a uma decisão e quando a ruína nos bate à porta somos incapazes de nos salvar por um golpe de sorte no último momento. Ninguém sabe o que podemos fazer nem o que fazer de nós. Quando consideramos essa peculiaridade do caráter britânico, sozinha, notamos, no desastre do Titanic, o produto dessa qualidade de falta de previsão e desse gênio pra agir muito tarde. Em 14 de abril de 1912 o mundo foi sacudido pela notícia do maior desastre marítimo do tempo moderno. O grande navio de passageiro Titanic, da White Star Line, na viagem inaugural de Sul-Ramptão a Nova Iorque, se chocou com um aisbergue no Atlântico norte e afundou, perdendo 832 passageiros e 685 tripulantes. 1517 pessoas ao todo! Eis os detalhes do acontecimento, de acordo com o comunicado oficial.216 Os lendo, entretanto, tende em mente o fato de que não havia limite de custo na construção do Titanic, de modo que todos os detalhes últimos de construção, ajuste e inspeção deviam merecer o mais minucioso cuidado. Entretanto sua deficiência era assombrosa. A lista total de passageiros era de 2223 mas havia escaleres pra apenas 1176. O Titanic tinha serviolas217 pra 48 escaleres mas o navio levava apenas 16 escaleres e 4 barcos desmontáveis. Mas os regulamentos estúpidos do Board of Trade eram em parte responsáveis, pois não exigiam mais. Mas houve mais negligência, explicável mas inescusável. Nenhum escaler possuía bússola. Somente três possuíam lanterna. Os mastros e as velas eram amarrados a barbante. Uma testemunha declarou que nenhum 215
W. Macneile Dixon, The englishman, Nova Iorque, 1931 Relatório da comissão comercial do senado ianque e discurso dos senadores Wm. Warden e Isidor Raynor, Uóchintão, 1912 217 Serviola: (náutica) Peça que sai do castelo da proa aos lados do navio e serve pra afastar a âncora do costado. Do catalão antigo cerviola, de cérvia, cerva. Nota do digitalizador. http://www.infopedia.pt/ 216
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tinha faca. Se o mar fosse bravio, provavelmente nenhum escaler chegaria à água sem ser danificado ou destruído. Os compartimentos estanques do Titanic realmente não eram estanques. Assim os cinco compartimentos da proa do navio foram inundados quase imediatamente, fazendo a navio afundar rapidamente. Basta quanto ao equipamento. As experiências e a inspeção do Titanic foram indizivelmente mal-conduzidas. No dia 1º de abril o navio foi experimentado somente durante seis ou sete horas. Muitos tripulantes chegaram ao navio somente algumas horas antes da partida. Houve apenas um exercício, que durou cerca de meia hora. Só foi dada à tripulação uma lista designando a posição de cada homem vários dias depois do Titanic deixar Sul-Ramptão. Desse ponto a diante é difícil determinar a responsabilidade da tragédia. O comandante tinha quarenta anos de mar. Sabemos que no terceiro dia viagem os radiografistas de bordo receberam advertência contra as montanhas de gelo. Ao menos três dessas mensagens foram entregues, pessoalmente, ao comandante. A primeira mensagem anunciava que havia aisbergue à distância de cinco milhas da rota. (O desastre ocorreu mais ou menos nessa zona). O Californian enviou a seguinte mensagem ao Titanic: Estamos parados e cercados pelo gelo. A mensagem foi recebida pelo radiografista do Titanic uma hora antes da tragédia. O operador respondeu: Deixes disso. Estou ocupado, recebendo as corridas de cavalo do Cabo. A oficialidade do Titanic sabia, portanto, que o gelo estava perigosamente perto. Entretanto o relatório oficial revela que os oficiais de bordo não discutiram o caso, não estudaram os avisos nem lhes deram atenção. Não há dúvida de que o comandante e o presidente Ismay, ambos interessados em bater um novo recorde na viagem inaugural do maior navio de passageiro do mundo, estavam a par da seriedade da situação. Realmente, depois de deixar Queenstown, a velocidade do navio fora constantemente aumentada. No primeiro dia o Titanic fez 746km, no segundo 835km e, no terceiro, 876km. Apesar dos avisos a velocidade não foi diminuída nem aumentada a vigilância, embora o oficial de vigia recebesse ordem pra se manter alerta contra o gelo. E o Titanic continuou navegando e, mesmo antes da colisão desenvolveu velocidade máxima na viagem: 39,42km/h, ao menos. Às 11:46h o vigia informou à ponte de comando: Aisbergue na frente! O contramestre teve ordem pra virar o leme, completamente, a estibordo. Virou. Mas era tarde demais. O Titanic colidiu com o gelo. Nunca uma confusão foi maior. Não silvaram as sirenes. Não soou alarme. Nenhum passageiro foi avisado. O comandante, 15 ou 20 minutos depois, chegou à sala de TSF e mandou o operador enviar um desesperado apelo. Enfim, deu ordem pra retirar os escaleres. Mas ninguém sabia o que fazer. Ninguém sabia em que convés os escaleres deviam ser carregados, quantos homens da tripulação deviam governar cada escaler nem quantos passageiros podiam caber nos escaleres. Os escaleres não foram ocupados de acordo com a capacidade. Num lado somente mulheres e crianças, noutro mulheres e crianças primeiro. Os homens depois. Sem água, lanterna, alimento nem bússola nos escaleres. Não havia meio de fazer subir as velas e uma testemunha informou que ninguém, a bordo, sabia dirigir um barco a vela. Quando os homens chegavam a bordo dos escaleres lhes era perguntado se sabiam remar. Tomados de pânico, pra salvar a pele diziam que sim mas a bordo nada podiam fazer. E, ao menos num dos escaleres, as mulheres tiveram de pegar no remo ou perecer. E, às 2:20h, três horas depois do terrível choque com o aisbergue, o grande Titanic afundou, levando o comandante e 1500 passageiros. Somente alguns anos depois o próprio Titã foi ao chão, na guerra mundial que seus
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líderes não puderam prever claramente, nem controlar, quando estalou. Mas nem toda a verdade sobre a estupidez inglesa, entre 1910 e 1920, foi posta em letra-de-fôrma. Ninguém a suprime mas ela permanece escrevendo, simplesmente porque seu volume excede a capacidade de todos os escritores, reunidos. Os sobreviventes do holocausto vivem a sua antiga maneira, que Galsworthy com tanta profundeza descreve como a curiosa, nevoenta, embotada, bem-humorada, feliz, há muito estabelecida e aparentemente vagarosa informidade de tudo.218 Eis uma nova era, quando quem se embriaga está condenado. A ciência põe fora de campo os que deixam a vida viver. A informidade traz a bancarrota e a morte. Assim, pois, o que será feito da Grã-Bretanha?
América Em relação ao domínio da correspondência a humanidade revela uma estupidez mais ou menos simétrica e progressiva, à medida que passa da estética à economia. O campo de sensibilidade mais simples é o do único órgão do sentido e o mais complexo, na conduta normal, é o campo da produção e da distribuição. O primeiro exige, pra avaliação exata, nada mais que um órgão de sentido bem construído e, em torno dele, centros associativos igualmente perfeitos. O último exige um número desconhecido de sensibilidade delicada em relação a todos os fatos principais e princípios de psicologia, geografia e matemática. A menos que sejam tomadas medidas drásticas pra o impedir, o sistema capitalista, em todo o mundo civilizado, se arruinará dentro dum ano. Gostaria que esse prognóstico fosse reservado a futura referência. Jornais de boa reputação, aqui e no estrangeiro, publicaram essa declaração, como tendo sido endereçada, em carta particular, nos começos de 1931, ao governador Moret, do banco da França, pelo governador Norman, do banco da Inglaterra. Muitos banqueiros ianques consideram esse pretenso prognóstico como algo mais que uma semi-verdade, mas um diagnóstico muito significativo duma situação sem paralelo. Algumas firmas de rua Muralha se fazem eco da pergunta de C. F. Childs & Co., ao contemplar o desesperador estado do negócio: Somos politicamente imbecis e economicamente estúpidos? Um de nossos mais argutos economistas, Wesley Mitchell, disse, não há muito tempo: O mistério real não é que a máquina econômica, se devemos continuar a chamando assim, se desarranje de vez em quando. O mistério é que, a maior parte do tempo, essa máquina funcione de certa maneira. Vamos um pouco mais longe. Em que nos baseamos pra dizer que a pretensa máquina funciona sempre? Não sei. Realmente, os indivíduos conseguem viver. Mas o que isso tem a ver com o sistema econômico? Achais que isso é uma pergunta estúpida? Não acho. Me parece que ela golpeia o coração de todo o comércio. A fim de demonstrar que o sistema de dinheiro e lucro trabalha, mesmo intermitentemente, devemos encontrar fato, citar acontecimento e revelar resultado final do trabalho. Como pouca gente compreende os números, o mundo anda cheio de declaração, de prognóstico e de promessa inexata, algumas honestas mas a maior parte desonesta. Os negociantes ianques são enganados diariamente pelas inexatidões de matemático, consultor econômico, estatístico e uma porção doutras espécies de indivíduo. Os honestos, em geral, podem ser facilmente distinguidos dos malandros por uma 218
John Galsworthy, A sheaf, página 200
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peculiaridade: A de acrescentar a suas profecias uma série de se, de a menos que algo de imprevisível aconteça e de coisas semelhantes, o que faz com que, em estrita lógica, nada absolutamente estejam dizendo. (Ficarão furiosos se lhes disserdes isso face-aface, de maneira que deveis vos manter quietos, quando em conversa com algum). Alguns outros, honestos, se revelam simplesmente ignorantes da falácia da técnica estatística, especialmente em relação aos métodos de indicação e de aplicação da extrapolação em campos onde o número e a natureza de todos os fatores de limitação são nebulosos. Ninguém conhece mais que a metade dos fatores de limitação num acontecimento econômico básico. E os que conhecem alguns desses fatores são incapazes de calcular as variações numa série de vezes, pois quase não há campo fora de certas áreas limitadas de ação física e química em que os acontecimentos reais possam ser expressos matematicamente nas seqüências. A realidade dos fatos não apóia a opinião agradável de que os negociantes ianques estão na frente do mundo em habilidade, iniciativa e acumulação de lucro. O desenvolvimento do comércio mundial desde 1800 arruinou todas essas teorias. Entre esse ano e 1913 todos os povos da Terra aumentaram o volume de seu negócio de 1.479.000.000 a 40.420.000.000 dólares. Isso é, em 113 anos, desde o começo de Eua até a primeira guerra mundial o comércio mundial se multiplicou cerca de 27 vezes. E nosso comércio? Se nossos negociantes fossem superiores aos doutros países, como poderiam ter deixado de aumentar seu comércio muito mais que o resto do mundo? Tinham, pra seu campo, o mais rico continente inexplorado, o mais habitável pela raça branca. (A África ainda é mais rica, mas constitui mau habitáculo pra nossa raça). Tinham capital, trabalho, tudo em profusão. O que fizeram? Em 1800 o comércio total de Eua era de 162 milhões de dólares. Em 1913 esse comércio se elevara a .... 4.279.000.000. Isso é exatamente 27 vezes. Assim, como vedes, nossos negociantes simplesmente acompanharam o passo de todas as nações. Há, certamente, uma defesa parcial pressa pobreza de resultado. O comércio mundial é computado somando exportação e importação. É, na realidade, simplesmente comércio exterior. Mas, como todo mundo sabe, nosso país desenvolveu um comércio doméstico colossal no século anterior à guerra mundial, em conseqüência de seu rápido crescimento populacional e de riqueza individual. De maneira que devemos levar ao crédito dos negociantes ianques, entre 1800 e 1913, considerável acuidade e iniciativa, embora se revelem apenas medianos em comércio internacional. Não aceito essa defesa. É espúria. Não é de mais vender pão a um homem com fome. Não é necessária notável habilidade pra vender um lote de terra a uma família sem lar mas com dinheiro. Um comércio, pra mim, só é superior quando o lucro (não a venda!) de ano a ano ultrapassam, de modo marcante, a média de crescimento da população e a média de crescimento da renda individual e o declínio do poder aquisitivo do dólar, caso haja. Quantos negócios ianques cresceram mais depressa que essas três variáveis? Todos sabemos que muito poucos. Assim como o salário efetivo do trabalhador, em termos de poder aquisitivo, somente aumentou ligeiramente, durante toda uma geração, assim o lucro relativo do negócios experimentou ligeiro aumento. E isso demonstra que nossos negociantes não foram mais espertos que seus contemporâneos doutros países, como não o foram nossos trabalhadores. Aqui, se pode ouvir o grito conhecido: Os ianques sempre estiveram à frente do mundo em invenção de importância. Transformaram em realidade as novas
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idéias. O resto do mundo segue a trilha de nossos negociantes.219 Consideremos alguns casos muito explorados. As cadeias de loja? Serão tipicamente ianques? Essa instituição existia muito antes de Woolworth e da A. & P. Sir Thomas Lipton dirigia uma cadeia de mais de 600 lojas há cerca de 40 anos. O automóvel? Os ianques simplesmente o baratearam a fim de fazer mais dinheiro. Quando jovem, em Detróite, deixei a cidade com duas ou três contrafações de crueza ridícula, os carros Olds originais, os primeiros Haynes e outros parecidos, e fui a Paris, onde as ruas estavam cheias de táxis buzinando. E quase todas as importantes invenções em motor de automóvel, desde o motor a gás, original do alemão Otto, até as mais recentes, também alemãs, foram apenas adaptadas (ou roubadas) pelos astutos traficantes ianques. O rádio? Perguntai a Marconi! A aviação? Sabeis que os irmãos Wright tentaram, durante anos, em vão, levantar dinheiro pra construir seus aviões? Nenhum banqueiro ianque, nenhum industrial, nenhum especulador ianque se empenharia numa novidade como essa. Eram muito espertos pra isso, esses homens inteligentes! Assim os Wright tiveram de deixar a América e seguir à França, onde não tiveram dificuldade em interessar os capitalistas e o governo. Dirigíveis? Tudo alemão! Até o mínimo detalhe! Até os motores que usamos em nossos poderosos dirigíveis a gás hélio são Maybachs. Nenhum ianque poderia planejar um motor igual. Se o fizesse nenhum negociante astuto o apoiaria. Química industrial? Principalmente alemã, por origem. Basta! A história é longa e dolorosa! E os últimos anos a trouxeram aos lábios dos ases do comércio. ● Em primeira vez em minha vida, líderes eminentes falam, cada vez mais arrojadamente, acerca da estupidez econômica dos ianques. Nada precisarei dizer por mim. Nossos banqueiros e estadistas já o fizeram. Há mais de dez anos, Edward N. Hurley, então presidente da comissão de comércio exterior, notou que 100 mil corporações, entre cerca dum quarto de milhão que submeteram relatório ao governo, não revelavam renda. Novas investigações o levaram à descoberta de que metade dos indivíduos que se empenham no comércio, neste país, não sabe, dia a dia, se está fazendo ou perdendo dinheiro. E somente 40% dos chamados negociantes possuem uma visão grosseira de seu negócio. Os outros são totalmente inconscientes. Mais recentemente, como comentário sobre o colapso de 1929, vários críticos de grande experiência econômica chegaram, mais ou menos, à opinião que as classes intelectuais mantinham há muitos anos, ou seja, a de que os negociantes, em todo o mundo, deram uma completa e incontrovertível prova de sua estupidez em 1914. Melvin A. Traylor, presidente do First National bank, de Chicago, escrevendo sobre O elemento humano nas crises industriais220 em palavras vigorosas: O mundo começou a marcha à tragédia de 1930-31 em 1914. Por que fracassamos?... Não fracassamos por causa da ignorância das teorias econômicas mas por causa de nossa desconsideração e desafio a todas as leis econômicas. A ambição, a estupidez e a avidez 219
Roubando patente, como no caso de Graham Bell, ou falsificando prioridade, como no caso dos irmãos Wright, quando a invenção é de Santos Dumont, é muito fácil! Nota do digitalizador 220 New York Times, 6 de maio de 1931
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puseram abaixo as teorias e o resultado foi o que se viu... Não posso fugir à convicção de que a aurora da atual situação raiou sobre o mundo em julho de 1914 e não proveio da ignorância dos resultados finais do caminho traçado mas duma completa falência da sanidade política do mundo. Não havia a falta de conhecimento das conseqüências mas falta de coragem pra enfrentar os fatos, afastar os orgulhos nacionais e exigir o conselho comum, numa busca honesta às bases da paz. Essa busca poderia ter falhado mas, infelizmente, a história não indica que foi honestamente feita. Voltaremos a analisar essas palavras. Antes, porém, vejamos como foram estúpidos os negociantes em tolerar, se não estimular, a guerra mundial. Vejamos os livros deste velho mundo em bancarrota e as perdas que sofreu nessa grande transação. Os cálculos mais dignos de confiança sobre o custo da primeira guerra mundial são os de Ernest L. Bogart, sob os auspícios da fundação Carnegie à paz internacional. O gasto direto da guerra, pra todos os combatentes, se elevou a 186.333.637.097 dólares. O gasto indireto, como a perda sofrida na população civil, a perda de produção sob a capa de objetivo militar, a perda sofrida pelas nações neutras (uma pequena parte no grande total) e o valor capitalizado dos homens mortos em ação, se elevam a 151.612.542.560. O grande total de gasto direto e indireto se eleva, assim, a 337.946.179.657 dólares. Professor Bogart foi muito cauteloso, muito conservador. Em 5 de abril de 1930 o departamento do tesouro declarou, oficialmente, que o custo da guerra, em dinheiro, até essa época, somente pra Eua, excedia 51.400.000.000 de dólares. Isso inclui muita coisa que Bogart omitiu, propositadamente, do cálculo. Por exemplo, o juro sobre as dívidas de guerra durante ó últimos 15 anos, a manutenção do burô dos veteranos, o seguro de risco de guerra e a compensação aos soldados, assim como o pagamento de compensação pela apreensão da propriedade de cidadãos estrangeiros inimigos, tudo isso aparece nas cifras do governo. O relatório repete o fato bem conhecido de que cerca de 66 centavos de cada dólar gasto pelo governo são levados à conta de guerras passadas ou futuras. Os cientistas do ano 2000, sem dúvida, classificarão Eua do ano 1930 como 66% estúpido. Mesmo assim serão conservadores! Não será demais calcular o custo total desse pequeno fracasso dos tempos pósglaciais em 6.1011 de dólares, ou mais, até 1º de janeiro de 1950, quando o juro da dívida de guerra deixar de ser um peso sobre os ombros do mundo. E agora podemos perguntar o que se poderia ter feito com esse dinheiro entre 1914 e hoje. Certamente, nenhum banqueiro de 1914 (nem de 1932) poderia dar uma resposta inteligente a essa pergunta. Mas os cientistas podem a responder duma porção de maneira, todas boas. Vejamos algumas dessas maneiras, começando da mais estúpida e, portanto, a mais provável de ser aceita pelos banqueiro e capitalistas, se houvesse alguém que lhes propusesse a ação. Nosso país está empenhado numa política de expansão econômica na América Latina. Os métodos até agora usados a esse fim nos causaram muita inquietação e imenso gasto de dinheiro, na maioria em verbas prà marinha, das quais cada dólar nos traz um dividendo anual no valor de 5 dólares, de má-vontade e de desconfiança. Suponde que disséssemos, por brincadeira, que nos devemos expandir ao sul de Recife Ocidental (Key West) e do rio Grande, de maneira calculada a agradar
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nossos futuros empregados ali e a preservar a amizade que pudéssemos adquirir. Em suma, em vez de alugar assassinos uniformizados de marinheiros, o que aconteceria se considerássemos o desprezado Spiggoty um ser humano merecedor do melhor tratamento que nossos industriais inventaram pros trabalhadores de nossas fábricas? Poderíamos, nesta história das mil-e-uma-noites, ter feito por toda a América Latina, numa escala heróica, o que o ex-presidente do Peru, Augusto Leguia, fez em pequena escala, antes que os inimigos o depusessem. Leguia lançou projeto de irrigação, construiu estrada de rodagem sobre os Andes e começou a desenvolver as ricas regiões a leste das montanhas. A terra assim trabalhada pagou todo o capital empregado na colheita do primeiro ano, como vós mesmos podereis verificar lendo os relatórios imparciais dos peritos ianques que se encontravam em cena. Poderíamos, antes de tudo, ter comprado todas as melhores terras não desenvolvidas ao sul do rio Grande, juntamente com os tratos desenvolvidos que nos pudessem ser cedidos por preço razoável. Não quero dizer que só devêssemos escolher terra de agricultura. Isso seria estúpido demais, mesmo prum sonho como esse. Não! Deveríamos ter comprado quaisquer acres que parecessem produtivos de qualquer maneira: Terras petrolíferas, terras carboníferas (das quais não parece haver alguma, ou somente algumas), centros de energia hidrelétrica, seringais, florestas, cafezais, cacauais na bacia do Amazonas, bananais e todas as demais espécies de terras proveitosas, que ainda não dão dividendo. De acordo com os preços das terras poderíamos ter comprado, entre 1914 e 1920, cerca de ⅓ de toda a área da América Latina, a melhor parte de toda a área, exceto os poucos acres já altamente desenvolvidos, por pouco mais do que 4.109 de dólares. Isso nos deixaria ainda 47.109 de dólares pro desenvolvimento da América Latina. Poderíamos gastar 109 dólares, ou dois, em estradas de rodagem, de modo que, agora, pudessem estar trafegando ônibus de Buenos Aires a Bóston. Poderíamos gastar outro bilhão em ferrovia, um terceiro em quebra-mar, em doca e em cais, de maneira que imensas esquadras poderiam estar agora viajando entre o alto Amazonas e as docas de São Luís e de Nova Iorque. Poderíamos gastar ¼.109 em força hidrelétrica dos Andes, especialmente no Chile, donde linhas de transmissão de longo alcance poderiam estar agora transportando milhões de quilovate-hora até Montevidéu. E ainda restaria muito dinheiro a reservar pra outros projetos importantes. Um desses projetos poderia ser a compra das melhores milhas quadradas de terras não cultivadas do Canadá (1,6.106km2), especialmente do noroeste. Ao preço mais alto possível essas terras poderiam ser compradas por 6.400.000.000 de dólares em dinheiro. E, sem dúvida, em 1914, a metade ou um quarto dessa soma chegaria pra isso. E ainda não gastamos todo esse dinheiro! Ainda sobra bastante pra pagar a todos os latino-americanos letrados ou semi-letrados um salário duas vezes maior que o comum, ou seja, dez vezes do que pedem como salário. E, com isso todo o problema latinoamericano, que agora enfrentamos, se desvaneceria no ar! Sei bem que tal ato jamais seria perpetrado pelo governo de Eua. Se o fosse seria estúpido do princípio ao fim. Tudo o que posso dizer é que, por toda sua estupidez, não se distanciaria das infinitas tolices da guerra. Minha sugestão visa apenas mostrar essas tolices, salientando o que poderia ter sido feito com o dinheiro gasto. País
221
Área produtiva (em milha2)221
Custo do acre (em dólar)
Total
Pra converter a km2 basta multiplicar por 16092 ou 2588881. Nota do digitalizador
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América Central Argentina Bolívia Brasil Canadá Chile Colômbia Cuba Equador México Paraguai Peru Uruguai Venezuela
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