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October 1, 2017 | Author: WalmoBoza | Category: Guitars, Pop Culture, Classical Guitar, Songs, You Tube
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Arthur Nestrovski Ensaísta, editor, crítico, escritor... e violonista

VIOLAO

Ano 2 - Número 5 - Janeiro 2016 www.violaomais.com.br

Fabio Zanon Sem papas na língua

o! v i s u l Exc lão o i v e d Curso ular pop as l u a o íde v m o c

E mais:

Tres cubano: tradição popular Arpejos no flamenco Folia de Reis: reino da viola caipira Como estudar tremolos Miguel Llobet: Canciones Catalanas

Dilermando Reis e Francisco Petrônio Voz e Violão em Serenata

editorial

Começando bem 2016 Como é bom começar bem o ano! VIOLÃO+ comemora o início de seu Ano II com uma grande edição, trazendo nada menos que o violonista Fábio Zanon - com seu talento, dedicação e franqueza - para você. Em uma entrevista interessantíssima, ele fala sobre o panorama do ensino de música, no Brasil e em outros países, rotina de estudos, concursos, concertos... Está tudo ali, bem contado. Outra entrevista, não menos fantástica e impactante, traz Arthur Nestrovski, o homem que vira a mesa, mesmo. De professor universitário, ensaísta, crítico musical, editor e escritor, de repente passa a ser violonista, arranjador, compositor, com shows por todo o Brasil e fora dele, e em seguida é diretor artístico da OSESP e do Festival de Inverno de Campos do Jordão. A seção Mundo nos traz o tres cubano, suas características e sua tradição. História resgata uma das passagens do famoso violonista de Guaratinguetá, Dilermando Reis: a do acompanhador, esmiuçando em especial o período em que trabalhou com o cantor Francisco Petrônio. A seção Academia - inaugurada na edição anterior com um belo artigo de Paulo de Tarso Salles sobre o acorde de Tristão na música de Villa-Lobos - dessa vez traz o trabalho de Dagma Eid sobre Miguel Llobet e as Canções Catalãs. VIOLÃO+ dá, assim, sua contribuição para que os trabalhos acadêmicos fiquem mais próximos aos violonistas. Nossas colunas técnicas estão ótimas, como sempre, tentando abranger um leque bem variado do que pode ser interessante para o instrumentista de cordas atualmente. Temos também a seção Em Pauta, trazendo novidades, shows, vídeos, tudo o que for interessante. E, na seção Você na VIOLÃO+, um violeiro bem moderno! Espero que tudo esteja na medida certa, no seu gosto. Está muito gostoso fazer VIOLÃO+. Leia, curta a revista, compartilhe com seus amigos. Abraços. Luis Stelzer Editor-técnico

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VIOLAO Ano 2 - N° 05 - Janeiro 2016

Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios publicados.

Editor-técnico Luis Stelzer [email protected] Colaboraram nesta edição Breno Chaves, Cleber Assumpção, Fabio Miranda, Flavio Rodrigues, Luisa Fernanda Hinojosa Streber, Reinaldo Garrido Russo, Ricardo Luccas, Rosimary Parra, Valéria Diniz e Walter Nery

índice 4 Você na V+

22 Fabio Zanon

6 Em Pauta

34 Mundo 38 De ouvido 42 Sete Cordas 45 Siderurgia

48 Improvisação

46 Flamenco

50 iniciantes

10 Retrato

54 59 Como Estudar Academia

18 História

56 Viola Caipira

Publisher e jornalista responsável Nilton Corazza (MTb 43.958) [email protected] Gerente Financeiro Regina Sobral [email protected] Diagramação Sergio Coletti [email protected]

64 Coda

Foto de capa Divulgação Publicidade/anúncios [email protected] Contato [email protected] Sugestões de pauta [email protected]

Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34 Jardim Previdência - São Paulo - SP CEP 04159-000 Telefone: +55 (11) 3807-0626

você na violão+ Badi Assad

Adorei ver a Badi na capa da revista. Sou muito fã e sempre acompanho tudo sobre ela. Continuem assim! (Ludmila Nunes, em nossa página no Facebook) Badi e Ceumar, duas talentosas mulheres. Violão+ prova que não tem preconceitos! ;) (Larissa Soares, em nossa página no Facebook)

Rosimary Parra

Sensacional, muito top! (Itamar Gavao, no vídeo de Rosimary Parra em nosso canal do Youtube)

Flamenco

Parabéns pelos ensinamentos Flavio! (mjkrisiun no vídeo de Flavio Rodrigues em nosso canal do Youtube)

Mostre todo seu talento! Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista. Como participar: 1. Grave um vídeo de sua performance. 2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt. 3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço [email protected] 4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com direito a entrevista e publicação de release e contato. Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua opinião e manter comunicação constante, trocando experiências e informações. E suas mensagens podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse, curta, compartilhe e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail [email protected] 4 • VIOLÃO+

VIOLA PARA QUALQUER ESTILO

você na violão+ A viola pode ser universal. É sobre este parâmetro que Junior da Violla apresenta seu recital de viola caipira instrumental desde 1999. Músicas de diversos estilos musicais como o rock dos Beatles em “Norwegian Wood”, o baião de Luiz Gonzaga em “Asa Branca”, o erudito em “Trenzinho do Caipira” e o blues de Robert Johnson, entre outros estilos, são apresentados com harmonia junto aos grandes clássicos da música caipira como “Tristezas do Jeca”, “Luzeiro” e composições próprias como “Trilha Nova” ou “Violando Conceitos”. Músico profissional com 20 anos de carreira, Junior Da Violla há 15 anos dedica-se ao ensino de viola caipira em São Paulo e via Skype. Vencedor de 2 Prêmios Rozini de Excelência na Viola Caipira em 2010 como professor e 2013 como violeiro, endorser das duas maiores marcas relacionadas à viola no Brasil - a Rozini e a Giannini (cordas), atualmente é o maior divulgador das antigas violas de 12 cordas fabricadas até meados do século passado por fábricas como Giannini e Casa Lira. (www.juniordaviolla.com.br) VIOLÃO+ • 5

EM PAUTA

Sete Vidas em 7 Cordas O violonista e compositor gaúcho Yamandu Costa comanda a série Sete Vidas em 7 Cordas com seis documentários de 50 minutos que investigam os segredos desse violão, menos conhecido que o tradicional irmão de seis cordas mas responsável por revoluções dentro da música popular brasileira. A série tem cada episódio dedicado à vida e à carreira de um personagem fundamental para a história do violão: Carlinhos 7 Cordas, Rogério Caetano, Luizinho 7 Cordas, Arthur Bonilla e Valter Silva. Na estreia, Yamandu viaja até a Rússia para

6 • VIOLÃO+

descobrir mais sobre a tradição local no assunto, já que os ciganos do Norte da Europa são tidos como os possíveis precursores na inclusão de uma nota mais grave no instrumento. O violonista conhece ainda a oficina e ateliê de um famoso luthier de Moscou, observa as semelhanças do violão tradicional russo com o tango e o choro, e conversa com virtuoses artistas eslavos. O programa é exibido pelo Canal Brasil.

EM PAUTA

BOA CAUSA

TRADIÇÃO

A cantora Katy Perry decidiu doar um violão cravejado de cristais Swarovski, criado especialmente para a “Prismatic World Tour”, para a fundação Clara Lionel, criada pela amiga Rihanna, que tem como objetivo “ajudar a quem precisa”. A instituição existe desde 2012, funciona em Barbados e foi idealizada em homenagem à avó de sua criadora, oferecendo programas de saúde, educação, arte e cultura. O violão, personalizado e autografado, alcançou o valor de mais de 12 mil reais.

Criada em Outubro de 2008, a Orquestra Jundiaiense de Viola Caipira tem como principal objetivo preservar a cultura de raiz intimamente ligada ao instrumento. Possui uma escola permanente de formação de violeiros, e vem se apresentando em várias cidades do Brasil, em séries culturais promovidas por entidades públicas e privadas.A boa notícia é que mesmo quem nunca estudou música pode se tornar membro: a Escola Jundiaiense de Viola Caipira forma músicos por meio de didática simples, exclusiva e eficiente. As aulas são ministradas em grupos progressivos e o próprio aluno decide quando deve migrar. As inscrições ficam permanentemente abertas e todos os meses há um grupo iniciando. Os testes para músicos a partir de 8 anos podem ser agendados com o regente, Adilson Cobeiros, pelo site www.ojvc.com.br

VIOLÃO+ • 7

EM PAUTA

Quase lá O violão preto Gibson Ebony Dove que Elvis Presley tocou em seu mais famoso show, Aloha From Hawaii, em 1973, foi colocado em leilão. Mike Harris, que estava na primeira fila de uma apresentação em 1975, recebeu o instrumento do próprio Rei do Rock que

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disse para guardá-lo porque poderia “valer alguma coisa um dia”. O astro havia usado o violão personalizado na maioria de seus shows entre 1971 e 1975 e no documentário Elvis on Tour. O fã de sorte guardou a relíquia em um cofre de banco e já havia recusado ofertas por ela, mas agora decidiu vendê-la. O instrumento, no entanto, não conseguiu alcançar o mínimo de US$ 300 mil: o lance mais alto foi US$ 270 mil.

EM PAUTA

ESSÊNCIA

© Rita Perran

Em Voz e Violão — No Recreio, Vol. 1, o primeiro álbum de sua carreira em formato acústico, o cantor e compositor Nando Reis registra 14 faixas tocadas de maneira despretensiosa e próxima do público, com composições regravadas por Skank, Cassia Eller e Marisa Monte. “É um retorno das minhas músicas à sua condição original, porque voz e violão é a forma como começo a tocar”, conta o músico. “Acabo me aproximando mais delas em sua essência”, explica. Em seu novo registro, ao vivo, o ex-Titãs sobe ao palco sozinho, sem muitas pretensões e da maneira mais informal possível. Chega às lojas em janeiro o disco Moda de Rock II, dos violeiros Ricardo Vignini e Zé Helder, também membros da banda Matuto Moderno. Seguindo a fórmula do primeiro álbum, Moda de Rock – Viola Extrema, de 2011, o disco traz versões instrumentais de clássicos do rock adaptados para a viola caipira. Entre as faixas, sucessos de Black Sabbath, Metallica, Iron Maiden, Pink Floyd, Sepultura, Queen, Dire Straits, Slayer e Ramones.

Mistura inusitada VIOLÃO+ • 9

RETRATO

Por Luis Stelzer

Arthur Nestrovski

Voltas que a vida dá

10 • VIOLÃO+

RETRATO

Porto-alegrense, com estudos no exterior, professor da PUC de São Paulo, ensaísta, editor, crítico musical, escritor premiado. De repente, guinada total: deixa a docência em uma grande universidade para dedicar-se ao violão, à música feita na unha, nos palcos. Quando estamos nos acostumando ao Arthur Nestrovski músico, em shows por todo o Brasil e fora dele, lançando CDs, com grande produção e de alta qualidade, nova guinada: é o diretor artístico da maior orquestra sinfônica do Brasil, a OSESP - Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo. Conheça essa trajetória tão cheia de sucessos - e tão fora do padrão VIOLÃO+ • 11

RETRATO muito mesmo, por uns oito anos. Depois consegui uma vaga para formação superior na Inglaterra. Voltei ao Brasil, fiquei alguns anos por aqui, e continuei minha formação nos Estados Unidos.

Violão+: Como se deu o início da sua relação com a música e o violão? Nestrovski: Sou de Porto Alegre, uma cidade que tinha, no final dos anos 1960, uma efervescência no ensino de música. Comecei com uns cinco anos, fazendo musicalização infantil com instrumental Orff, raro no Brasil daquela época. O violão veio com uns onze anos, influenciado pelos seminários internacionais organizados pela Faculdade de Música Palestrina. Estudei erudito por vários anos com o professor argentino Néstor Ausqui, responsável pela minha formação técnica baseada na escola de Abel Carlevaro. Depois, nunca mais tive um professor específico de violão. Estudei muito, 12 • VIOLÃO+

Você se formou fora do Brasil durante os anos 1980 e início dos anos 1990. Lecionou na PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, distante da música enquanto intérprete. Foi crítico musical, editor, escreveu livros e artigos, só voltando ao violão, profissionalmente, em meados dos anos 2000. Como foi esse período? No começo dos anos 1990, eu já estava casado, com uma filha pequena (depois, a família aumentou), quando apareceu a oportunidade na PUC. Não tive dúvidas. Precisava de um porto seguro e a PUC foi esse lugar. Desenvolvi minha carreira de professor universitário no departamento de semiótica e comunicação durante muitos anos. Foi ótimo. Surgiram oportunidades como ser crítico musical na Folha de São Paulo e fui editor na Publifolha. Como gosto de escrever, pude desenvolver o lado escritor. Foi um tempo muito bom, fiz muita coisa das quais gostei. Mas o violão… chegou a ficar no estojo por oito anos, sem ser tocado uma única vez! Isso incomodava, mas foi uma escolha que demandou o tempo que eu poderia ter para me dedicar à música como instrumentista. Depois de anos afastado da performance musical, você apareceu nos palcos, empunhando corajosamente o seu violão, saindo da PUC. O que motivou essa guinada? Foi difícil? Começou porque escrevi uma resenha de um show da Ná Ozzetti. Em uma abertura

RETRATO de exposição na Pinacoteca, o Zé Miguel Wisnik me apresentou a cantora. Sempre tive a postura, enquanto crítico, de nunca encontrar os artistas sobre os quais escrevia, muito menos ficar amigo deles. Não é ético ser amigo deles e escrever sobre eles, pois pode influir no julgamento. Ali era um caso diferente: já tinha escrito sobre ela e não a conhecia quando fiz isso e, provavelmente, não iria escrever de novo (como nunca mais escrevi). Foi uma coisa especial; minha área era a música clássica. Foi irresistível. Ela me convidou para um churrasco na casa dela, em um sítio fora de São Paulo. O Benjamin Taubkin estava lá, o Dante Ozzetti, a Marta Ozzetti, tinha outros músicos que me pediram para levar o violão, pois sabiam que eu tocava... Para retribuir, fiz um na minha casa... O negócio pegou. Tinha uma turma, que posso chamar de regulares, que ia em quase todos: Zé Miguel, Luiz Tatit, Celso Sim, Suzana Salles. A Ná vinha

muitas vezes, o Sérgio Reze vinha com a bateria. Outros, eram esporádicos: André Mehmari, Marcelo Jeneci. A Zélia Duncan vinha quando estava em São Paulo. Nos tornamos muito amigos, fizemos shows juntos. Jussara Silveira, Vanessa da Mata, Mônica Salmaso... Olha, foram noitadas inesquecíveis. Vinha gente de fora de São Paulo? Tinha quem aparecia de vez em quando: Chico César, Fred Martins, Francisco Bosco, porque estavam em São Paulo por algum motivo. Naquelas noitadas, a gente ficava algumas horas ali. Depois da OSESP, ficou raríssimo para mim encontrar os músicos simplesmente para cantar clássicos, canções, Nelson Cavaquinho, Chico Buarque, Ary Barroso, Caetano Veloso, Dorival Caymmi. Não é repertório que você está preparando para algum show, não é um ensaio. Geralmente, a gente só se encontra naqueles dias marcados, com hora

André Mehmari, Jussara Silveira e Arthur Nestrovski VIOLÃO+ • 13

RETRATO marcada, para preparar o show. Ali, era uma coisa muito especial, porque, na época, eu não era músico profissional, e os outros eram. Era o momento em que se encontravam para tocar as próprias músicas e clássicos da MPB, que não entrariam em repertório de shows, mas que gostavam muito. Isso te ajudou a entrar em forma para tocar profissionalmente? Eu estudava que nem louco. Os caras que vinham eram um melhor que o outro. Eu era um professor universitário, editor, crítico musical… Ficava estudando, botando um monte de músicas na memória para não passar vergonha. Ao mesmo tempo, dizia: “não tenho obrigação nenhuma, quem têm são eles, os profissionais; qualquer coisa que eu fizer está ótimo” (risos). Só que isso foi ganhando importância. Fui me preparando para os saraus e isso foi me dando intimidade musical com esses músicos, naturalidade, espontaneidade, segurança, confiança. Quando veio o primeiro convite, da Jussara Silveira, eu já estava pronto. Já tinha feito um doutorado de mais ou menos três anos tocando em casa. No fim das contas, iria tocar com as mesmas pessoas, só que em outra circunstância. Claro que tocar em um show

14 • VIOLÃO+

profissional é diferente de tocar em casa, mas já havia confiança em mim mesmo, como músico, de achar que era bom o suficiente para fazer aquilo. Ninguém esperava que eu fizesse mais. As pessoas estavam me chamando para fazer o que eu já sabia, o que já fazia com eles, só que de forma mais sistemática, no palco. Eu não teria dado o salto profissional que dei e nem mudado de vida se não tivessem acontecido aqueles encontros. E a PUC? Como ficou nessa época? A PUC ofereceu um plano de demissão voluntária, tudo o que eu precisava para dar uma guinada na vida, me dedicar profissionalmente à música e ao violão. Apertei o botão e fui embora. Você tem trabalhos instrumentais de violão solo, com arranjos de grandes compositores da MPB. Quais critérios possui para fazer arranjos? Depende da música. Em geral tiro de ouvido e toco muito, muito mesmo. Leio a letra, imagino algo que combine, que marque o arranjo como único. Às vezes, não rola uma boa ideia, aí fica para um momento em que surja um bom caminho. Depende do que está proposto. Por exemplo, tenho os CDs com as músicas do Chico Buarque e do Tom Jobim. Acho o violão o melhor instrumento para apresentar a música deles, como se fosse uma lupa, na essência, riqueza, sutileza de detalhes, o artesanato da composição, que muitas vezes acaba não aparecendo por conta dos lindos (ou não tão lindos) arranjos que as músicas recebem. Muito do que é extraordinário em termos de invenção melódica, harmônica e formal na obra desses fantásticos compositores passa

RETRATO

batido até em gravações dos próprios. Tom Jobim, certamente, fazia gravações de uma forma descompromissada. Quando você vê as partituras, os detalhes são como Schubert ou Schumann. Não é pior, muitas vezes é até melhor que grande parte das canções de Schubert ou Schumann. Minha intenção foi essa: mostrar isso, até por não ter as letras (que estão no encarte). Em muitos casos, eu pensava na letra enquanto tocava, até para preservar a prosódia, sem o canto, mas com a linha melódica acompanhando a fala imaginária. Sem a letra, você ouve o que ela, por ser poderosa e poeticamente sugestiva, acaba encobrindo, desviando a atenção de frases lindas. Chamaria esses arranjos de “antiarranjos”. Ficaram mais simples em execução do que muitas coisas que faço em outras músicas, que têm outras propostas.

Pode dar um exemplo? Uma música que fiz com a Adriana Calcanhotto, “Segue o Seu Destino”. A música é da Sueli Costa, que eu nunca tinha ouvido - falha minha, tem um período da minha vida que fica como um vazio para mim, o tempo em que morei fora do Brasil. Algumas coisas, que ficaram até bem conhecidas me escaparam. Foi gravada por Maria Bethânia e Nana Caymmi. Uma canção linda, musicando um poema de Ricardo Reis (um dos heterônimos de Fernando Pessoa). Aconteceu em um espetáculo na Universidade de Coimbra, onde a Adriana estava recebendo o título de Embaixadora da Universidade. O repertório tinha a ver com a relação entre poesia e música, tanto brasileira como portuguesa, por ser de Ricardo Reis, um sonetista, um poeta modernista no sentido cronológico, mas que escreve sonetos VIOLÃO+ • 15

RETRATO Gosto de fazer arranjos cruzando canções diferentes, misturando-as, usando outras referências. Isso enriquece a trama de referências, torna as coisas mais interessantes, ricas. É a minha forma de trabalhar, até porque tenho interesse pela literatura, por outras áreas. Não é uma procura artificial; para mim, isso é o natural. E tenho que achar uma solução musical, que também é uma mistura…

Ze Miguel Wisnik e Arthur Nestrovski

como Horácio ou outros autores da antiguidade clássica latina. Por isso, tive a ideia de fazer um movimento anacrônico. Usar um estilo passado musicalmente já faria, metaforicamente, sentido. A letra sugeria um movimento chamado “baixo peregrino”, tipo de baixo encontrado na música barroca, em cantatas de Bach, em Pergolesi, no Stabat Mater, referências eruditas de minha formação, literária também, de musicólogo. Isso tudo é só um ponto de partida. Com isso em mente, comecei a usar dissonâncias típicas do barroco. Em cima disso, fiz o arranjo sobre a harmonia, que era simples. Eu já tinha tirado de orelha, ouvindo a gravação da Bethânia. Esse show foi gravado pelo jornal O Público. No site do jornal, você pode ver um minidocumentário sobre o show. Mas não tenho a gravação desse arranjo. O que posso dizer é que cada canção pede um trabalho específico, como se fosse uma composição. Cada um tem uma chave: uma chave sua para aquela música. Ou você encontra a chave ou não. No show com a Adriana, cada música ganhou um caráter particular. 16 • VIOLÃO+

Então, você considera que o processo de criação não é puramente intuitivo? Não adianta dizer que o músico, quando está criando, trabalha só de forma intuitiva. É uma meia verdade… É uma intuição muito cultivada, uma mistura de coisas. O estalo é uma intuição, para onde você vai, por que você escolhe uma rota e não outra, que tipo de harmonia você faz, isso tem uma dose que você não controla, não é teorizável. Mas, passou desse ponto, você passou cinquenta anos estudando música, tem memória acumulada, conhecimento teórico. Há coisas que são de ordem racional, embora você não esteja fazendo uma equação matemática. Isso tudo redunda num arranjo musical que, na verdade, ninguém precisa saber nada disso. Alguns vão identificar e perceber qual é o jogo, que é o algo a mais; outros vão achar bonito ou não, se comover ou não. Não precisa de uma bula, não precisa de explicação. Sua filha é cantora e vocês vão gravar juntos. Como é o trabalho em família? Eu esperei que a Lívia se tornasse a Lívia, não a filha de alguém, para tocar com ela. Não considero ético forçar a barra, e não fui eu quem a lançou. Seu

RETRATO trabalho é muito considerado no meio musical. Preciso estudar muito para ter um resultado razoável para mim mesmo. A Lívia, embora muito estudiosa e rigorosa, tem uma facilidade natural, uma espontaneidade que é dos grandes músicos. É uma sorte fazer shows com ela, ela deixar isso acontecer (risos). E sobre o repertório do CD? Quase metade são canções minhas. Têm três inéditas com o Luiz Tatit, clássicos brasileiros e algumas americanas, coisas que têm parentesco com o repertório brasileiro, que a Lívia faz muito bem. Pixinguinha, Ary Barroso, Arrigo Barnabé, Ernesto Nazareth, com letra do Zé Miguel Wisnik. Você é diretor artístico da OSESP (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e do Festival de Inverno de Campos do Jordão. Como se dão esses trabalhos? Como faz para ter tempo de tocar, estudar, montar shows? É uma rotina intensa, coisas administrativas, agendas, concertos. Toma quase meu tempo inteiro, diminuí drasticamente os shows. Só consigo estudar uma hora pela manhã e uma hora à noite (o que faço diariamente), não é suficiente para manter shows simultâneos. Minha agenda chegou a mais de quarenta shows no Brasil e na Europa. Não dá mais para fazer isso, por conta do trabalho na OSESP. Mas devo esse convite ao tempo dos saraus e da minha profissionalização como instrumentista. Dificilmente eu teria encarado um desafio desses se não tivesse os anos de atividade profissional que tive, fazendo música com essas pessoas, viajando,

tendo essa experiência e ganhando o respeito dos músicos como alguém que não só escrevia sobre música e ensaios acadêmicos sobre música, mas que tinha competência profissional como músico. Porque uma coisa era dizer que tinha doutorado em música - isso só eu sabia, tinha um diploma na gaveta - e que fiz bacharelado na Inglaterra, doutorado nos Estados Unidos. Isso não me dava o reconhecimento dos músicos enquanto músico. Mesmo quando vim para cá, foi uma surpresa para muitos da área da música clássica. Não sabiam que eu era músico efetivamente. Para esse cargo, você precisa ter competência profissional na área para além de outras competências que o cargo demanda. A soma desses fatores foi construindo a minha vida. Daqueles saraus ingênuos e inocentes, entre 2003 e 2004, muita coisa aconteceu sem estar prevista. Mas acho que, em algum ponto obscuro, dentro de mim, eu estava esperando isso tudo acontecer. Esperando apertar o botão.

VIOLÃO+ • 17

história

A voz do violão

Por Rosimary Parra

O título da canção de Francisco Alves e Horácio Campos, “A Voz do Violão”, pode bem representar a ideia que se tem ao ouvir Dilermando Reis em suas interpretações: seu violão canta cada nota com muita expressão e com todo o lirismo dos cantores de seu tempo

Os arranjos de canções para violão de Dilermando Reis e de outros violonistas de seu tempo trazem às novas gerações o conhecimento e o interesse por resgatar importantes pérolas do cancioneiro brasileiro. O interesse, primeiramente violonístico, amplia-se para o conhecimento dos compositores, de importantes poetas e letristas, do contexto histórico em que a canção foi criada, de interpretações de outros instrumentistas da época, gerando novos elementos para a compreensão e apreciação do repertório brasileiro.

Dilemando Reis: A Voz do Violão 18 • VIOLÃO+

O violonista e compositor Dilermando Reis, considerado por muitos o violonista mais influente do Brasil, gravou diversos discos com gêneros variados como choro, valsa e repertório erudito, entre muitos outros. Trabalhou na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nascido na cidade de Guaratinguetá, no Estado de São Paulo, em 22 de setembro de 1916, faleceu no Rio de Janeiro, em 2 de Janeiro de 1977. Os arranjos de suas canções revelam a essência da música seresteira na fluidez das melodias de compositores como Sílvio Caldas, Francisco Alves, Alberto Marino e Pixinguinha. É reconhecida a importância de sua atuação como solista em gravações da sua extensa discografia, entre 1941 e 1976, pelas gravadoras Columbia e Continental Discos. No entanto, é importante ressaltar sua atuação como violonista acompanhador. Essa vertente de sua carreira parece ter sido motivada por um trabalho esporádico, em que acompanhava calouros na Rádio Guanabara, em 1935, paralelamente às atividades como professor de violão nas lojas Bandolim

história de Ouro e A Guitarra de Prata. Embora tenha atuado na Rádio Transmissora em um programa dedicado ao violão solo, continuava tocando em regionais como violonista acompanhador. Trabalhou ainda na Rádio Clube do Brasil e na Rádio Nacional, com o programa Sua Majestade, o Violão, entre 1956 e 1969. A atuação como acompanhador destaca-se em sua discografia na série de LPs intitulada Uma Voz e Um Violão em Serenata - Francisco Petrônio e Dilermando Reis, que contém sete volumes lançados pela gravadora Continental, entre 1962 e 1973. Cabe lembrar que Francisco Petrônio (19232007) era um cantor recém-descoberto, tendo sido anteriormente motorista de táxi. Começou a atuar em 1961, gravou seu primeiro disco pelo selo Chantecler e, em 1962, transferiu-se para a gravadora Continental, da qual Dilermando Reis já fazia parte. Na série Uma Voz e Um Violão em Serenata, encontra-se o registro de canções que marcaram a história da música brasileira, seja pelo refinamento melódico ou pela qualidade da poesia. Entre os compositores da série, destacam-se Alberto Marino, Zequinha de Abreu, Erotides de Campos, Orestes Barbosa, Peter Pan, Francisco Alves, Cândido das Neves, Herivelto Martins, Pixinguinha, Ary Barroso e Noel Rosa. Encontram-se, ainda, composições do próprio Dilermando Reis em parceria com Jair Amorim e José Fortuna. Algumas das músicas presentes nessa coleção, chegaram até os dias atuais em famosos arranjos de Dilermando Reis para violão solo, como em “Se ela perguntar”, “Chão de estrelas”, “Dois

Destinos”, “Uma Valsa e Dois Amores” e “A Voz do Violão”. A interpretação dada pelos músicos nesses LPs cria um retrato do ambiente seresteiro, ressalta a qualidade vocal, a clareza na emissão do texto e expressão das palavras, quase como uma poesia recitada. Soma-se a isso a sonoridade das cordas dedilhadas e o tratamento no acompanhamento, que enfatiza as intenções de expressão do cantor. A Voz do Violão A música “A Voz do Violão” foi composta por Horácio Campos, em 1928, para uma peça de teatro da Companhia Jardel Jércolis. Não tendo obtido sucesso, acabou sendo musicada novamente por Francisco Alves, que gostou dos versos de Horácio e a gravou no mesmo ano. Essa canção ficou muito famosa na voz desse cantor, que a regravou em 1929, 1939 e 1951. Há, inclusive, uma cena curiosa do próprio cantor no filme “Berlim na Batucada”, comédia musical brasileira de 1944, dirigida por Luiz Barros. VIOLÃO+ • 19

história

Para ouvir Faixas da série Uma Voz e Um Violão em Serenata “Se Ela Perguntar” (vol. 1, 1962) - Composição de Dilermando Reis e Jair Amorim (1952). Sabe-se que era a preferida do ex-presidente Juscelino Kubitschek, com quem Dilermando teve grande proximidade pelo fato de ensinar violão à sua filha. “Maringá” (vol. 7, 1973) - Composição de Joubert de Carvalho (1932). “Último Desejo” (vol. 7, 1973) - Composição de Noel Rosa (1937).

Referências bibliográficas NOGUEIRA, Genésio. Dilermando Reis, sua majestade o violão. Rio de Janeiro, 2000. Edição particular. TABORDA, Márcia. Violão e identidade nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. Sites DICIONÁRIO CRAVO ALBIN DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA www.dicionariompb.com.br ACERVO DIGITAL DO VIOLÃO BRASILEIRO www.violaobrasileiro.com

Rosimary Parra Violonista com mestrado em Música pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Professora de violão clássico na Fundação das Artes de São Caetano do Sul (FASCS).

20 • VIOLÃO+

CD-60 CE

CLASSIC DESIGN SERIES

Mahogany

Black

Natural

Brown Sunburst

Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e encorpados. Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal em madre-pérola e novo escudo. Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por um exclusivo case “Hardshell” original Fender.

Case “Hardshell“ Original Fender

/FenderBrasil

Captação Fishman Isys III

Novo Projeto de Ponte

www.fender.com.br

Friso em Madre-pérola

Tarrachas Die-Cast

matéria de capa

Por Luis Stelzer

Sem papas na língua Fábio Zanon, nascido em Jundiaí, interior de São Paulo, é considerado um dos grandes violonistas do mundo. Em seu curriculum, vitórias em concursos importantíssimos, gravações maravilhosas, concertos e masterclasses nos quatro cantos do planeta. É, também, professor visitante na Royal Academy of Music, de Londres. Sem dúvida, é uma referência atualmente. Para VIOLÃO+, Zanon concedeu uma entrevista corajosa, em que coloca, com muita clareza, sua opinião sobre diversos assuntos relacionados à música, ao violão e ao ensino, sua experiências com o gênero popular e os planos para o futuro

fabio zanon

Violão+: Como surgiu seu interesse pelo violão? Zanon: O violão, para mim, não é somente um instrumento musical ou um meio de vida: é um detonador de memórias. Impossível ouvir o violão sem lembrar os ladrilhos da cozinha, os passos cansados de minha avó, o cheiro da corrente que trancava a janela, o apito do trem, a multidão de gente passando debaixo da minha janela em direção à fábrica de fósforos e, principalmente, meu pai, trancado no banheiro depois do jantar, tirando de ouvido “Sons de Carrilhões” e “Na Baixa do Sapateiro”, inventando suas músicas, assobiando, cantando. Fazia isso com o maior entusiasmo e, depois de uma horinha ali dentro, 24 • VIOLÃO+

saía revigorado; aquilo me enchia de felicidade por ele. Tocar violão ainda me enche de uma felicidade parecida. Minha primeira referência, sem dúvida através de meu pai, foi Dilermando Reis, seu ídolo. A segunda foi o professor Antônio Guedes, de Jundiaí, com quem estudei dos 13 aos 16 anos, o primeiro grande concertista que ouvi ao vivo. Antes dele, tinha ouvido somente o Segovia, no rádio. Depois que comecei a estudar com ele, ouvi, em disco, Julian Bream e o Duo Abreu. Essas são minhas maiores referências, junto com Segovia, que veio mais tarde. Julian Bream, seu estilo, repertório, suas referências literárias, sua mágica à meia-luz, representou todo um mundo de cultura. Acredito que meu ideal do que é o violão passa pela trajetória dele. Na época, Jundiaí recebia concertos e eu também vinha a São Paulo. Assisti a uma geração de grandes violonistas ainda jovens: Duo Assad, Edelton e Everton Gloeden e Paulo Porto Alegre, que me impressionou muito. Mas violão, já naquela época, não era meu exclusivo - talvez nem o meu maior interesse musical. Eu sonhava em ser compositor. Arthur Rubinstein continua sendo um ídolo, um modelo de fazer musical inspirado e bem estruturado, de curiosidade e vontade de viver. Como foi o período em que estudou na Universidade de São Paulo? Não é muito fácil falar da USP. Mudar de Jundiaí para São Paulo foi um choque bem maior que de São Paulo para Londres. Eu vinha de um ambiente musical doméstico. O professor Guedes, minha professora de música, Josette Feres, o ambiente das escolas de música de Jundiaí, eram

fabio zanon acolhedores. O Sílvio Ferraz e o Mikhail Malt, ainda estudantes da graduação, davam aulas de teoria lá. Cada aula era uma descoberta: em um dia, Mahler; no outro, jazz, Berio, Beethoven... Nem parecia uma profissão, mas uma Disneyland, só alegria. De repente, me vi em um ambiente hostil, de gente descontente com a música, maldizendo a profissão, fazendo intrigas. Estava à mercê de alguns professores que podiam ser até meio geniais, mas me davam a sensação de estar desaprendendo, me afastando da música, perdendo a alegria. O curriculum era um balaio de gatos. Tinha dois anos de ciclo básico, assistindo matérias na ECA (Escola de Comunicações e Artes), com uma carga horária enorme e, espremendo tudo aquilo, saía pouca coisa. O curso de música propriamente dito tinha figuras incríveis: Olivier Toni, Gilberto Mendes, Ficarelli, Willy Corrêa de Oliveira, mas

alguns deles eram pessoas muito pontiagudas, difíceis de lidar. As greves constantes interrompiam os cursos e houve matérias, como Harmonia, em que tive a sensação de que nada tinha sido consolidado e acabei estudando por fora. Em perspectiva, porém, acho que muita coisa ficou. Havia uma biblioteca e uma fonoteca que foram a base de minha cultura musical; aprendi muito com colegas que são amigos até hoje, como Marcelo Barboza, Andrea Kaiser, Paulo Castagna, Tecris Rodrigues. A gente montava quartetos vocais para ler música renascentista à primeira vista e acabava por aprender muito por conta própria. Os professores Toni e Marco Antônio da Silva Ramos perceberam minha inclinação para a regência e me induziram a tomar aulas. Por alguns anos, reger corais foi minha principal fonte de renda. Regência é uma atividade que hoje ocupa um espaço maior na minha vida.

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fabio zanon Das aulas de Toni e Willy ficou a noção de que colocar um Mi sobre um Dó não é simplesmente combinar duas frequências matematicamente relacionadas. Cada acorde, contorno melódico ou decisão formal estão imbricados com uma bagagem cultural e filosófica que reflete a trajetória do senso estético desde os tempos bíblicos e da cultura grega. Talvez essa seja a resposta para sua pergunta. Como é a experiência de se preparar para uma competição musical? Essa é a principal fronteira pessoal que tenho de transpor todo dia. Não é fácil manter o tipo de disciplina que uma pessoa com habilidade normal precisa para garantir constância técnica. Gosto de experimentar, ler coisas novas, fazer música de câmara, ler ficção, assistir a filmes antigos, pegar uma praia, levar uma vida mais ou menos normal. E tocar sem errar não é muito compatível com isso. E tem uma baita influência no resultado de um concurso! O curioso é que minha técnica foi desenvolvida com muita dedicação, em longo prazo, com paciência. Acredito que, quando estou bem preparado, é uma técnica fina, que

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conduz a um resultado musical de boa qualidade. O problema é que para ser à prova de acidentes, ao menos para nós, reles mortais, que não temos uma condição psicomotora privilegiada, é preciso limitar o repertório, se dedicar a uma quantidade de repetição e quebra-pedra que, frequentemente, me aborrece. Quando vejo colegas tocando o mesmo programa que tocaram em um concurso em 1991, nem sei o que pensar. Para pessoas com habilidade normal, a maneira de se preparar para um concurso é a mesma de um programa normal de concerto, só que com prazo, com mais foco e repertório limitado. O grande problema é que, em um concurso, a situação é bem diferente de um recital. Há a relação de comparação, que pode desestruturar psicologicamente. Pode bater uma ansiedade fora do normal. Muitas vezes, as provas duram 5 ou 10 minutos e você tem de fazer uma espécie de “se vira nos 30”. E para isso dar certo, a música tem de se tocar sozinha, praticamente. Tive um primeiro prêmio no concurso Pittaluga (1998), na Itália, e uma infinidade de segundos ou terceiros prêmios nos mais variados concursos que você possa imaginar, em um período de três ou quatro anos. Raramente ficava fora de uma final, mas sempre alguma coisa me tirava o primeiro prêmio. Os jurados vinham comentar ao fim do concurso, gente que eu respeitava, dizendo que musicalmente tudo era convincente, mas que eu tinha esbarrado ou algo desse tipo. Em 1996, decidi que isso não ia mais acontecer. Foi uma mudança de atitude mental parecida com parar de fumar: você desliga um botão na sua cabeça. A informação sobre como se preparar

fabio zanon

varia muito pouco quando se trabalha na esfera do talento normal. É preciso limitar o número de obras. O concurso sempre tem peças obrigatórias, portanto alguma coisa terá de ser aprendida com pressa e o resto tem de ser composto por obras que estejam mais que prontas, testadas, tocadas em concerto por bastante tempo. Todo mundo me pergunta “que música é boa pra se tocar em concurso?”. Para ganhar, tem de tocar o que você tem certeza que toca melhor! Tem gente que acha que, se tocar a “Toccata” de J. Rodrigo, todo mundo vai ficar boquiaberto com a dificuldade. Se for mal tocada, o júri vai ficar boquiaberto com a falta de noção do candidato. Tudo tem de ser estudado meticulosamente, buscando controle, relaxamento, tentando entender qual foi a pequena alteração no ângulo do cotovelo que tirou o polegar da mão esquerda do lugar e levou o dedo mínimo a pisar a corda de mau jeito, o que te obrigou a

se tensionar e acabou prejudicando a condução da frase musical. Uma vez que se corrige isso, é preciso tocar muitas vezes para que o cotovelo aprenda o seu caminho sem ter que pensar nisso. E isso terá de ser refeito diariamente, por algumas semanas, para “entrar no sistema”, para que se consiga conduzir a frase musical do jeito que imaginou, com naturalidade, sem esforço. É um processo meio narcisístico. É importante se acostumar a tocar com total intensidade, concentração e compromisso desde a primeira nota que se toca ao abrir o estojo. O Marcelo Kayath, quando se preparava para concursos, espalhava post-its pela casa, dizendo “você tem de brilhar”, “quem se prepara vence”... Colocava o despertador para 4 da manhã, acordava no meio da noite, abria o estojo e tocava o programa do concurso, sem vacilar. Parece paranoico, mas em algum momento o grau de exigência tem de subir VIOLÃO+ • 27

fabio zanon cria memórias compartilhadas com seus maiores amigos. Nunca prestei atenção em jazz, mas um aluno, Dini Furlan, que se tornou um grande amigo, me mostrou Larry Coryell e Grupo D’Alma. Ele já morreu, mas até hoje, quando escuto Ulisses Rocha ou André Geraissati, vem uma lembrança boa de uma época de sonhos em comum, de amor à vida, pé na estrada, rodar o mundo tocando música. Meus amigos que faziam teatro eram todos da MPB. Chico, Caetano e tal a alturas inimagináveis, do contrário você são a trilha sonora dessa época. Existe alguém com 50 anos que não curtiu Queen fica sempre no “quase”. ou Rick Wakeman? Mas essas memórias Você tem filhos em idade escolar, também emergem com música ruim. A influenciados pela mídia, que impõe música é um dispositivo que desencadeia memórias e emoções, não há como gostos. Chega a controlar isso? Colocar controle é receita para o desastre. controlar. Então, acredito que não tenho Comer pelas bordas é melhor, tentar o direito de coibir isso nas crianças: elas induzir em vez de impor. Se alguém me têm sua história para escrever. Até a idade apontasse um revólver e me obrigasse de irem para a escola, tínhamos a mesma a escolher, preferiria passar o resto dos política para música e comida. Se não tem dias com a vetusta tradição de 800 anos Doritos e nem refrigerante em casa, não da música clássica a qualquer outra. Mas tem razão para comprar lixo musical. Eles como isso não vai acontecer, acredito ouviam o que a gente ouvia, mas há um que música, comida, flores, livros etc são momento em que eles precisam aprender fascinantes por atenderem a momentos a se alimentar sozinhos. Sendo quem sou, diferentes da vida. Nem toda música que divido meus gostos com eles. Sempre escuto é boa. Quando criança, havia uma brinquei com música clássica, mostro as quantidade brutal de lixo no rádio, na TV, peças de que gosto, estudo violão no meio que não pude evitar. Um monte de cantores da sala, pergunto o que acham. Os dois horrorosos na Jovem Guarda, discotèque, estudam piano, foram musicalizados ainda samba de quinta categoria, cantores bebês. Nunca fiz divisão de gêneros; eles românticos imitando música italiana sabem que música clássica é diferente, (parecido com o sertanejo universitário mas a gente ouve e conversa sobre Berlioz de hoje), americanos fake, Zé da Praia, ou One Direction, Schubert ou Maroon 5. Sidney Magal... Ao mesmo tempo, havia Ouvem música pop latino-americana, o Simonal, Jackson Five, Elis, Clara Nunes, que acho muito legal. Se colocam Bruckner Earth, Wind and Fire, o auge da MPB, para ouvir? Não, mas ouvem junto comigo. The Beach Boys, Crosby, Stills, Nash and Tiveram de aprender o que é Bossa Nova Young, Françoise Hardy, Maysa... Isso na escola, com todo o efeito negativo. Dá 28 • VIOLÃO+

fabio zanon a impressão de que virou uma coisa meio museu de si mesma. Tem de ser proativo, do contrário a música comercial domina. Estou começando a ensinar teoria, ditado, forma, para eles. A tendência é de se interessarem por música mais complexa. É inevitável. Mas tem de fazer parte da vida.

uma banda, e, depois, acompanhando MPB com cantores, alguns bem legais. Como estudei harmonia, não é realmente um mistério, mas, assim como na música clássica, para ficar uma coisa bonita tem de ter vivência. Não consigo entender por que alguém gostaria de escutar uma coisa mal tocada só porque é o artista X Você foi convidado para uma ou Y. Acho muito melhor escutar alguém apresentação com Toquinho e um que improvise ou toque outros gêneros improviso sobre uma música dele. realmente bem, ou seja, melhor que eu. Como é sua relação com o popular? Mas, como alguém pode resistir ao desejo Se eu fosse colocar no Facebook de tocar com Toquinho, Ney Matogrosso, o status de relacionamento com a Yamandu, Ana Luiza e outros? São grandes improvisação, teria que escrever “numa artistas, gente interessante e, no fim das relação complicada”. Só pratiquei isso em contas, isso tem um efeito multiplicador. criança, tocando com meu pai ou minha Aumenta a plateia do violão clássico por irmã. Quando fui morar em Londres, era o apresentá-lo para um público receptivo final da era da lambada, e complementei que, de outra forma, não o escutaria. Mas o orçamento tocando baixo elétrico em sempre é um processo penoso para mim.

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fabio zanon

Tendo estudado violão no Brasil e no exterior, poderia traçar um paralelo entre o que viu por aqui e por lá? Ensinei igualmente no Brasil e na Inglaterra, e as comparações são inevitáveis. Acredito que é uma questão de infraestrutura, antes de mais nada. O ensino precoce de música ainda está muito mal. Cada país tem um sistema diferente. Conheço melhor a Inglaterra, onde não há um sistema de conservatórios locais, como na França ou na Alemanha, e ainda assim parece funcionar. As pessoas começam a estudar música mais cedo que aqui, com muita prática de coro. Há um curriculum formulado pelas escolas superiores de música que dá as diretrizes de cada etapa do desenvolvimento dos estudantes. Os professores particulares usam isso como guia e estimulam os alunos a fazerem esses “grade exams”. Isso dá uma baliza para o progresso do 30 • VIOLÃO+

aluno. E inclui requerimentos técnicos e de teoria. Ninguém é obrigado a fazer, mas quem realmente vai bem nesses exames costuma ser encaminhado, a partir dos 11 ou 12 anos, ao departamento infantil das grandes escolas ou a um curso técnico de música em regime de internato. Há realmente uma formação intensiva, com prática de orquestra e tal. Se eles decidem seguir com a música, aos 17 anos, o nível dos alunos é mais equilibrado. Aí é que a pedreira realmente começa. Porque, nesse ponto, quem tem potencial para ser solista internacional já foi identificado e vai se preparar para isso. Estudar numa Royal Academy ou numa Guildhall equivale a ficar quatro anos em um festival cheio de atividades, na maior pressão, com rigorosíssima avaliação interna, para formar os melhores profissionais de orquestra, ópera, composição, ensino etc. Não que

fabio zanon não haja uma estrutura no Brasil, mas as escolas são poucas, a avaliação não é muito isenta ou rigorosa, a estrutura física das escolas deixa a desejar... Dá a impressão de que não há uma cultura de excelência. Daí o sujeito que vai para uma universidade fica meio perdido, porque o sistema de conservatórios superiores foi desmantelado em favor de um sistema de títulos: há um cabo de guerra constante entre a hierarquia acadêmica e a função de se formar profissionais de música. Francamente, não vejo esses cursos partirem do princípio de que todo aluno tem o potencial para ser um grande profissional, ou de que alguns deles deveriam ser encaminhados e nutridos para uma carreira de maior envergadura e outros para uma carreira local voltada para uma prática de alto nível. Os professores muitas vezes caem em uma armadilha, em que, em vez de serem contratados para serem o que são, acabam tendo de cercear a própria carreira para se dobrar às exigências da carreira universitária. Isso impede quem está no topo da profissão de participar do ensino no país; por isso temos tantos festivais de música com ensino, para preencher essa lacuna. Imagine queo Antonio Meneses ou o Washington Barella ou o Odair Assad quisessem dar uma contribuição para o ensino no Brasil. Eles nem poderiam se candidatar, pois não são graduados em música! Os alunos perdem a chance de se beneficiar da proximidade exatamente daqueles artistas que são seus modelos. Na Royal Academy, temos um esquema bem original. Há o chefe do curso de violão, Michael Lewin, que é uma espécie de Henrique Pinto: se dedica de corpo e alma aos alunos, no dia a dia. E temos

três professores visitantes: eu, o David Russell e o John Williams, que dão aula quando podem, a intervalos mais ou menos regulares. E outros professores externos, Steve Goss e Christoph Denoth, que dão aulas de música de câmara. Os alunos, assim, se beneficiam da constância do Michael e da inspiração dos visitantes. Cada aula é avaliada, há prêmios internos, masterclasses de outros artistas, seminários sobre assuntos acadêmicos, prática de câmara, festivais de compositores de renome, uma programação séria de concertos. Acredito que não se precisa só de dinheiro para fazer isso, mas pensar o ensino de música de forma mais ampla. As grandes escolas internacionais competem entre si para atrair os melhores alunos; o Brasil, infelizmente, está fora disso. Por isso todo mundo quer sair para estudar. Nosso ensino informal de violão

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fabio zanon com mais preparo. É produtivo conhecer música fora do violão, estudar as partituras e ouvir os grandes artistas do passado e do presente. Isso cria um repositório de recursos de interpretação que fogem dos clichês do violão. Faço isso sempre.

é um caso a ser estudado. A quantidade de gênios que temos no violão brasileiro é miraculosa, sem paralelo. Nossos projetos sociais com música, Baccarelli, Guri, Neojibá etc., são outro caso estudado e imitado internacionalmente. Nisso, somos exportadores.

O que muda na preparação do violonista nos concertos com orquestra? Não muita coisa. A gente prepara tudo com o mesmo esmero, dentro do possível. O problema de tocar com orquestra é que, tirando aquelas duas ou três músicas que se toca a toda hora, aprender um concerto é um trabalho danado para usar uma ou duas vezes. Tenho uma relação muito boa com orquestras e já voltei a me apresentar com algumas delas muitas vezes, o que me deu a chance de tocar muito repertório, alguns concertos em estreia mundial, obras muito trabalhosas como os concertos do Francis Hime, do Benjamin Dwyer, do Jan van der Roost. O importante é conhecer a música inteira, estudar a parte orquestral quase como se fosse um solo de violão. Isso é fundamental para tocar com segurança, integrado ao todo da peça, sem vacilar nas entradas, modulando a sonoridade para casar com os timbres da orquestra e assim por diante. Também é legal pensar na atitude no palco. Muitos violonistas ficam perdidos na frente da orquestra, não sabem o que fazer quando há pausas, ficam com cara de samambaia, não conhecem a etiqueta do concerto. É bom contar com a ajuda de quem tem mais experiência para corrigir isso.

Quem suas referências atuais? Quem não podemos deixar de ouvir? Todo mundo deveria conhecer a discografia inteira de Barrios, Llobet, Segovia, Alírio Diaz, Bream, Williams, Presti-Lagoya, Abreu, e dos que estão ativos, Barrueco, Assad, Russell, Eduardo Fernández e outros. Jamais cometeria a indelicadeza de fazer uma lista de preferências, porque certamente esqueceria colegas muito queridos e competentes. Atualmente, há acesso ilimitado a gravações e vídeos, ao ponto em que muitos estudantes ficam patinando na internet sem muito critério. Então, cabe ao professor colocar um filtro, e ao aluno confiar no mestre. Inclusive, há gente que deveria ficar algum tempo sem Qual a importância dos concursos? ouvir outros violonistas, empregando seu É meio maluco que eu tenha me tempo em conhecer as partituras e lê-las beneficiado dos concursos, quando, 32 • VIOLÃO+

fabio zanon para falar a verdade, não acredito muito neles. Com uns 16 anos, eu tinha um amigo que tocava flauta muito bem. O problema é que ele também era um aluno nota 10 no colégio e não estava muito certo de que queria fazer música. Nessa época, entrou em um concurso de jovens instrumentistas e não foi premiado. É um cara de atitude muito positiva, não foi um grande problema, mas o fato é que, no ano seguinte, ele prestou vestibular e hoje é um ótimo engenheiro. A gente sempre vê o concurso pelo viés dos vencedores, mas esquece que existe um vencedor e uma fila de “perdedores”. E o rótulo de “looser” pesa muito nas costas de um jovem. Outra coisa que me desagrada em concursos é que eles vêm no momento errado da vida. Um cara de 18 anos tem de ler muita música, se envolver em situações criativas, aprender repertório novo, tocar muito em público e ter espaço para errar. Só assim descobre que tipo de artista quer ser. E no concurso não há margem para essas coisas. A

pessoa fica encalhada com o repertório “vencedor” por anos, tendo por base uma noção meio fictícia do que vai agradar os jurados. Por outro lado, gente mais nova ganha um gás extra e mais foco para estudar quando entra em uma situação competitiva. A vida é competitiva; tem gente que foge da carreira por causa disso, mas a toda hora se vê tendo de fazer provas, exames, presta concurso para dar aulas, ingressar em orquestras, aprovar projetos etc. Novos artistas têm de começar por algum lado. Qual seria a alternativa? Alguém poderia promover uma mostra de jovens talentos, onde cada um tocaria um concerto para um público de convidados que poderiam, mais tarde, abrir portas para seus preferidos se colocarem no cenário musical. Mas como se escolheria quem deveria tocar na mostra? Bem ou mal, um concurso bem intencionado pode ter um mínimo de isenção. Bartok disse que competição é coisa de cavalo, não de gente, mas as alternativas não são muito animadoras.

VIOLÃO+ • 33

mundo

Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber

Un, Dos, Tres… Que paso tan Chévere Proibido em casas de família até os anos 1920, o tres foi desenvolvido pelos afro-cubanos até chegar ao seu esplendor Cidade do México, 10 de dezembro, 1h30m, 1984. Sem perspectiva, por mais que a gente trabalhe, não sai do lugar. Eu só quero estudar. Mas nem isso se pode. Lá estava eu, de madrugada, completando dezoito anos de idade, sentada em um banquinho com uma pasta que guardava o Manifesto Comunista de Marx e Engels entre as pernas, uma escova de dentes e algumas partituras. Três pesos na mão para pegar a condução no dia seguinte; eram meu passaporte para Cuba. Já maior de idade, podia fazer o que quisesse. Com esse dinheiro chegaria ao Consulado de Cuba e pediria asilo político. Só assim poderia estudar, pensava. Às 9h da manhã saí de casa para o consulado, que começava o atendimento às 10h. O carteiro havia chegado cedo nesse dia. Peguei a correspondência para colocar atrás da porta e, para minha surpresa, chegara um envelope grande, de cor marrom, com meu nome impresso. Era a notificação de que a bolsa de estudos na faculdade, tão esperada, havia-me sido outorgada. Peguei meus três pesos e, feliz, fui tomar um café. Só 34 • VIOLÃO+

mundo

Grandes treseros: Arsenio Rodríguez (à esquerda) e Pancho Amat (acima)

25 anos depois fui a Cuba, incentivada por uma visita do maestro Leo Brouwer ao Brasil para um festival de violão realizado em seu nome. Ali fiquei sabendo dos Festivais Leo Brouwer de música de câmera em Havana. Estando em Havana, era impossível não fazer duas coisas (além de assistir a todo o festival, óbvio): conseguir um tres cubano e assistir a “Buena Vista Social Club”. Conseguir o tres foi uma aventura. Chegou às minhas mãos de moto, impecável. Tremi de emoção ao imaginar quantas noites esse instrumento havia acompanhado festas e cantos solitários nos plantios de cana-de-açúcar e tabaco, mesmo dizendo a história que até 1920 sua execução só era permitida em bordéis. Procurei por toda a cidade e não havia estojo para ele, que viajou às terras brasileiras vestido com uma camiseta e uma guayabera (espécie de bata mexicana), ostentando um chapéu de palha, com milhares de histórias e milhões de notas guardadas em seu bojo. Breve história Os instrumentos de corda chegaram a Cuba junto com os espanhóis. Os

primeiros foram para as montanhas, de início utilizados como instrumentos de percussão. Com o passar do tempo, a utilidade das cordas veio à tona. De acordo com o historiador Bermudo, os primeiros tres eram adaptações rústicas de instrumentos de cordas metálicas, como a bandurria. Fala-se que o primeiro tres foi desenvolvido no cais do porto pelos afro-cubanos, que lá pegavam caixas retangulares de bacalhau. Posteriormente, passou a ter formas arredondadas, até chegar ao seu esplendor com músicas cantadas em bailes e festas. As canções para as danças cubanas,

Cuba: músicos de rua liderados pelo tresero VIOLÃO+ • 35

mundo chamadas “Sones”, nasceram entre a classe creole no final do século 19 e início do 20. Nelas, destacava-se o som de um instrumento de corda que tocava uma frase repetitiva de quatro compassos, chamada “montuno” (de montanha). Os conjuntos musicais formavam-se por seis ou sete componentes, com um violão, um tres, maracas, claves, bongôs, um segundo violão e uma botija (garrafa). Mesmo com o instrumento proibido em casas de família até os anos 1920, existiram grandes treseros (tocadores de tres), todos surgidos do povo, como o grande Nené Manfungás e Carlos Godínez, do Sexteto da Habanero. Manfungás veio dos campos de Baracoa, trazendo o Son em sua forma mais primitiva por volta dos anos 1880. Existiram grandes figuras, como Arsenio Rodríguez e Isaac Oviedo, mas é a Ignacio Piñeiro que se atribui a prática de converter o Son Cubano para músicas de salão, para dançar. Afinação e cordas O tres possui seis cordas metálicas afinadas em duplas. A afinação mais comum é em Dó Maior, do agudo ao grave (Sol, Dó, Mi), porém, frequentemente, se coloca um capo no segundo traste, elevando a afinação para Ré Maior (Lá, Ré, Fá#). Os camponeses usam afinações específicas para tocar o “Punto Cubano”, “Trasportáo al medio”, que consiste em Fá, Do#, Fá# e “afinación al dos”, em Fá, Ré, Sol. As cordas podem estar em uníssono ou oitavadas, dependendo da preferência do músico. As cordas graves (entorchadas) são escritas com letras maiúsculas nas configurações mais utilizadas. 36 • VIOLÃO+

1.-sol/SOL do/do Mi/mi 2.- sol/SOL do/do mi/mi Menos usual, mas também usado: 3.- SOL/sol do/do mi/mi 4.- SOL/sol DO/do MI/mi

Curiosidade Existe um violão tres, uma adaptação do violão tradicional, com mastim metálico para suportar a tensão das cordas de aço.

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VIOLÃO+ • 37

de ouvido

Treinando a percepção

Reinaldo Garrido Russo www.musikosofia.com.br [email protected]

Nesta edição de Violão+, treinaremos os exercícios básicos de comparação. Faz-se necessário sempre o fundamento teórico e começaremos a fazê-lo a partir da definição de intervalo: “Intervalo é uma denominação técnica e precisa para estabelecermos a distância entre duas notas”. Não nos esqueçamos da definição do termo “nota” usada nestas matérias. Antes de qualquer movimento, vamos estabelecer alguns critérios: • As notas musicais serão grafadas por meio dos monossílabos conhecidos, ou seja, Dó, Ré, Mi etc. • Quando devemos ser mais específicos em relação à altura ou “grau de entoação”, usamos o índice (número colocado ao lado direito inferior do nome da nota) para designarmos a oitava em que a nota se encontra no teclado: Dó 3, Si5, etc. • Quando nos referirmos aos acordes ou tonalidades, usaremos as letras A, B, C etc. Por exemplo: escala de C, escala de Dm, acordes de Am7, C7 9 etc. • Como vimos anteriormente, a régua para contabilizar os intervalos é a Escala Maior de C: Dó



Mi Fá

Sol



Si Dó

• A menor distância entre duas notas é o meio tom ou semitom. Tom inteiro ou simplesmente “tom” é a unidade de medida em nossa música, a música ocidental. É conveniente ressaltar que a música popular, o jazz e a música da mídia em geral, seguem a teoria do “Sistema Temperado”, onde a oitava é dividida em 12 partes exatamente iguais. Deixaremos de lado, por enquanto, os sistemas diferentes, que prezam por intervalos diferentes ou menores do que o semitom. 38 • VIOLÃO+

de ouvido Para perceber a diferença entre o tom inteiro e o semitom, o leitor terá de fazer o terceiro dos três exercícios auditivos aqui propostos. Para começarmos com segurança devemos ter bem gravado em mente o que se segue: Dó Ré Mi Fá Sol 1tom 1t ½ 1 1



1

Si Dó ½ ......

Há uma grande e linda história que deu origem à proposição acima, mas é importante, por agora, saber que não é à toa que existe um semitom entre as notas que terminam em “i” e a seguinte: Mi

½



e

Si

½



Dos exercícios propostos Todo exercício de percepção auditiva tem como base pedagógica a reflexão de seu conteúdo e o aprimoramento do menor tempo gasto para o reconhecimento do objeto percebido. Em outras palavras: quanto mais rápido e preciso for o aprendiz no reconhecimento dos elementos musicais, mais eficaz será no trabalho musical. Portanto, ouça com atenção. Existe, entre um item e outro, um espaço de tempo suficiente para refletir e escrever. Não pare, mesmo que não consiga reconhecer ou escrever o que ouviu. No final de cada exercício, repita a operação e ouça a gravação sem parar. Esse procedimento é fundamental para que a mente consiga o “foco” no objeto que se quer perceber. Após essa fase, o leitor poderá parar a gravação em cada item e tentar ouvir/escrever o que não conseguiu fazer. É preciso procurar a certeza em sua mente. Lembre-se da célebre frase: “Navegar é preciso, viver não é preciso”, na qual o ato de navegar no mar cabe à precisão do operador e seus instrumentos. O viver está sujeito às tempestades e calmarias imprevisíveis. Os exercícios servem para desenvolver a habilidade e precisão. Confie! VIOLÃO+ • 39

de ouvido Exercício 1 Nesta gravação, o leitor deve seguir o procedimento acima. Escreva a ordem dos intervalos que se apresentam em cada item. Cada item contém dois intervalos tocados ao piano consecutivamente. Exemplo para o item 1 do exercício 1: você ouvirá um intervalo de uníssono sucedido por um de oitava e escreverá em suas anotações assim: 1) u/8 O Intervalo e a classificação temporal As duas notas que formam um intervalo podem ser tocadas, cantadas ou percebidas de duas formas: • Forma melódica, como ocorre no exercício 1: um som após o outro; • Forma harmônica: quando os dois sons de um intervalo são tocados, cantados ou percebidos ao mesmo tempo, no mesmo instante. Quando você canta o Dó 3 no mesmo instante em que uma amiga canta o Dó 4 , obtém-se um intervalo de oitava harmônico, e escrevemos 8 harm. O mesmo se dá para o caso do uníssono harmônico, que escrevemos assim: u harm. Exercício 2 Trata-se de um exercício igual ao Número 1, porém será inserida a forma harmônica em alguns itens. Como o exercício contém dois intervalos em cada item, devemos escrever, se for o caso: item) u/8 harm Os intervalos e a classificação por quantidade A compreensão é muito simples, pois trata-se apenas de contar quantas notas existem – em nossa régua musical – entre um som e outro. Por exemplo: Dó3 e Fá 3 . Contamos quatro notas da nota mais grave à mais aguda (Dó à Fá): portanto, trata-se de um intervalo de quarta (4). Tendo como base a nota Do 3 , veja no quadro abaixo os intervalos formados com as notas vizinhas. Sol2

Lá2

4

3

Si2 Dó3

2

u

Nota base 40 • VIOLÃO+

Ré3

2

Mi3 Fá3

3

4

Sol3

5

de ouvido Os intervalos e a classificação por qualidade Qualidade do intervalo é o atributo diferencial entre duas quantidades de intervalo iguais. Vamos isolar os intervalos de segunda de Dó 3 da tabela acima. Si2 2

½t

Dó3 u

1t

Ré3 2

Reparem que o intervalo de 2 (segunda) que existe entre Si 2 e Dó 3 é de semitom. O intervalo que existe entre Dó 3 e Ré 3 é de 1 tom. Podemos dizer que um deles é maior do que o outro, e que um deles é menor do que o outro. É a relatividade do fato. Podemos chamar o intervalo maior de 2g ou segunda grande; o intervalo menor, de 2p ou segunda pequena. Ou até de 2 elefante e 2 formiga – as crianças adorariam. Mas nós, músicos, fazemos o mais simples: dizemos 2 Maior e 2 menor e escrevemos de diversas maneiras: • 2M e 2m; • 2# e 2b; • #2 e b2 – a cifra mais consagrada no mundo inteiro. Muitas outras, como 2+ e 2-, causam confusão e não são recomendadas pelos professores, embora a escrita seja mais rápida. Exercício 3 Escreva o que ouve em cada item. Cada um contém dois intervalos tocados ao piano na forma melódica, consecutivamente. Espero que tenham êxito na execução dos exercícios. Aguardem, na próxima edição, as respostas para a conferência. Eu recomendo que ouçam cada item muitas e muitas vezes, até ter certeza. Até a próxima! VIOLÃO+ • 41

sete cordas

Acordes Básicos e Escala Diatônica Olá, pessoal! Antes de tudo, gostaria de desejar a todos um excelente 2016, com muita saúde e muita música! Nesta edição, vou apresentar os principais tipos de acordes básicos utilizados nos acompanhamentos de choro e samba, complementando os assuntos abordados nas edições anteriores, e iniciar o estudo de visualização das escalas diatônicas, ferramentas fundamentais na construção das frases da “baixaria”. Trabalhamos a visualização das notas mais graves dos seguintes tipos de acordes: • Maior (T, 3, 5J); • Maior com sétima menor (T, 3, 5J, b7); • menor (T, b3, 5J). Observação: para aqueles que não entenderem as indicações acima, é fundamental estudar os conteúdos referentes à harmonia! Utilizando os três tipos de acordes apresentados como referência, sugiro que façam as alterações necessárias para visualizar as notas dos seguintes tipos de acordes, os quais fecham o leque dos acordes básicos mais utilizados no repertório de choro e samba: • menor com sétima menor (T, b3, 5J, b7); • menor com sétima menor e quinta diminuta (T, b3, b5, b7); • diminuto (T, b3, b5, bb7); • Aumentado (T, 3, #5). Há outros tipos que também podem ser estudados: • Maior com sétima Maior (T, 3, 5J, 7); • menor com sétima Maior (T, b3, 5J, 7); • Maior com sexta (T, 3, 5J, 6); • menor com sexta (T, b3, 5J, 6). Vale lembrar que existe uma quantidade muito grande de possibilidades de construção de acordes, inversões e extensões. Por isso a importância de estudar os conteúdos 42 • VIOLÃO+

Cleber Assumpção

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sete cordas teóricos de harmonia paralelamente aos conteúdos aqui propostos, cujo enfoque é a aplicação prática dos elementos. Escala Diatônica Pode-se definir a escala musical como uma série ordenada de sons ascendentes ou descendentes. Contudo, a escala diatônica é formada por sete notas diferentes, separadas por intervalos de tons e semitons – denominados graus da escala e identificados por algarismos romanos. A palavra ‘diatônico’ vem do grego, diaton, que significa o intervalo que separa duas notas conjuntas não cromáticas. É importante ter consciência de que toda escala maior possui uma escala menor equivalente, chamada de escala menor relativa. Tais escalas são formadas pelas mesmas notas, porém partem de tônicas diferentes, sendo que a escala menor relativa parte sempre do sexto grau da escala maior. As escalas maiores e menores dão origem às tonalidades, e, por sua vez, as escalas maiores e menores relativas dão origem aos chamados tons relativos. Vejamos abaixo a estrutura das escalas de Dó maior e Lá menor (natural): Dó Maior

Graus (distância entre os graus em tons e semitons) A escala diatônica maior é formada pelos seguintes intervalos: T, 2, 3, 4J, 5J, 6 e 7 Lá menor (natural)

Graus (distância entre os graus em tons e semitons) A escala diatônica menor natural é formada pelos seguintes intervalos: T, 2, b3, 4J, 5J, b6 e b7

VIOLÃO+ • 43

sete cordas Apesar de nossa proposta estar relacionada a conteúdos mais aplicados na prática, já deu para notar que não vai ter como fugir muito da teoria certo? Agora, vamos verificar algumas sugestões de digitação das escalas de Dó Maior e Lá menor natural nas cinco regiões do braço do violão. A intenção é “mapear” o braço do instrumento, assimilando todas as notas que fazem parte da escala em cada uma das regiões, buscando memorizar a localização das tônicas! Observações • as “bolinhas” pretas indicam as casas onde as notas devem ser pressionadas; • as “bolinhas” brancas indicam as notas que estão em cordas soltas no primeiro diagrama; • as tônicas, indicadas com a letra “T”, referem-se à nota Dó; • os algarismos romanos, à esquerda dos diagramas, indicam as casas na escala do instrumento; Verifiquem no vídeo as sugestões de exercícios para praticar as escalas.

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siderurgia

Little Country

Little Country (2a parte) Little Country (2a parte) Walter Nery (segunda parte) «« «« «« «« «« «« « «« «« «« «« «« Walter «« Nery Walter «« Nery _ ú « _ « ˆ _ « ˆ _ ú « _ « ˆ _ « ˆ Little Country (2a parte) _«ú« _ « ˆ _ ˆ « _ _ _ _ _ _ « _ ú « _ « ˆ _ « ˆ «« œ» œ»» aqui «« ««está «« œ» œ»» parte «« «« ˆ« www.walternery.com œ»» ««edição œ»» «« «« ˆ«« « « 4 _««ú œ»» na » œ » œ » œ Como comentei anterior, a segunda « _ ú « _ « ˆ _ « ˆ _ ú « _ « ˆ _ « ˆ « « Little Country (2a parte) » » » » » œ » » » » _ˆ« «ˆ« = Nery 44 œ»» » »œ»» _ˆ« _ˆ« » l _»» » »œ»» _ú» _ » l _œ» » »œ»» _ _ «ˆ« l _úœ»« » »»œ»» _ˆ« Walter l l ============================= & _ ú » » _ _ » œ » œ » œ » œ » œ » œ de minha composição, “Little Country”. 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Arpejos Olá, amigos leitores! Neste quinto número de Violão+, vamos introduzir o uso do arpejo e suas respectivas variações aplicadas à guitarra flamenca. Estudo de arpejo duplo Combinando o arpejo duplo a uma cadência de acordes descendentes (cromatismo), a execução provocará um alongamento progressivo muito produtivo para a mão esquerda, especialmente para todos os leitores que, como eu, têm as mãos pequenas. Para esse estudo, utilizaremos a mecânica simples de mão direita do arpejo duplo.

Quanto ao repertório, fecharemos o ciclo de nosso aprendizado até agora, interpretando a sequência completa vista por Tientos e iniciaremos uma nova variação por Alegrías, introduzindo o compasso “estrela” do flamenco, de 12/8. Esquema rítmico

Iniciaremos nossos estudos com uma tradicional “escobilla por alegrías”, introduzindo outra classe de arpejo, o arpejo com “horquilla”. Trata-se de um recurso muito utilizado, dentro do “universo dos arpejos”, pelos guitarristas flamencos que fizeram dessa abordagem uma especialidade. Referente à mão direita, utilizaremos a seguinte mecânica:

46 • VIOLÃO+

Flavio Rodrigues

www.flaviorodrigues-flamenco.eu

f lamenco

#FicaAdica Fantasía Flamenca de Paco de Lucía (1969) Paco de Lucía / Esteban de Sanlúcar Disco histórico e fundamental da discografia da guitarra flamenca. Com apenas 22 anos de idade, aquele que seria o Maestro absoluto e unânime do instrumento, começa aqui sua revolução. Mudando padrões, rompendo esquemas e marcando a diferença em todos os sentidos, Paco de Lucía trazia implícito em seu toque um amálgama de qualidades inovadoras: força, destreza, agilidade, musicalidade, profundidade no discurso, doçura e personalidade ao interpretar, sensibilidade e conhecimento ao compor e domínio total do instrumento. Destaques: “Aires de Linares”, “Guajiras de Lucía”, “Panaderos Flamencos” e “Mantilla de Feria”. VIOLÃO+ • 47

fundamentos da improvisação

Acorde Maj7 Caros leitores de Violão+, seguiremos falando sobre os pilares dos fundamentos da improvisação: • Audição; • Consciência; • Motora. Vamos abranger os dois últimos pilares, sempre colocando a audição em primeiro lugar. Na edição anterior, falamos sobre cantar a escala sentindo cada grau. Para isso, é necessário que, ao cantar ou tocar os graus da escala (que nada mais é do que um acorde na horizontal), sempre haja um gravador ou um pedal de loop soando o acorde para que tudo faça sentido. Evite tocar a escala (cantar, tudo bem) sem ouvir o acorde, pois isso pode levá-lo a estruturas mecânicas de tocar – padrões mecânicos que os dedos criam – que não são musicais e não revelam as ideias presentes na mente do improvisador. Evite, sempre, que seus dedos sejam mais rápidos que sua mente. Vamos ao acorde de maj7, com os seguintes graus: T, 2M, 3M, #11, 5J, 6M e 7M

Cante a escala criando melodias. De preferência, use sons graves, para depois conferir se estão dentro da escala. Após algum tempo, você vai sentir que seus ouvidos não deixam mais que você cante notas fora da escala, mas acabará cantando sempre os graus baixos (T, 3M, 5J e 7M). Procure forçar o canto das tensões: 7M, 9M e #11.

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Alex Lameira

www.alexlameira.com.br

fundamentos da improvisação Depois desse trabalho, sempre com o gravador ou pedal de loop tocando o acorde, comece a tocar o que você está cantando. Faça pequenas frases e toque em seguida. Para isso, vale a pena tocar os graus da escala, sentindo como cada um soa dentro do acorde para ficar preparado. Seguem os desenhos no braço do instrumento, por intervalos, para que, auditivamente, seus dedos reconheçam cada “lugar” da escala. Lembre-se: • Sexta corda na linha superior; • Primeira corda na linha inferior. Apesar de os desenhos se mostrarem como o contrário da tablatura, apresentam a posição como se toca o instrumento. Seguem cinco padrões que devem ser estudados bem devagar e com o acorde soando ao fundo. Siga pela ordem a partir de onde a tônica está posicionada. Tônica na sexta corda

Tônica na quinta corda

Tônica na quarta corda

VIOLÃO+ • 49

iniciantes

Estudo em Blues Felicito os sobreviventes que chegaram até aqui com os sucessos e insucessos que a prática de um instrumento musical proporciona. É o momento em que precisamos ter paciência conosco, pois, às vezes, mesmo pequenas conquistas têm grande significado e importância. Desejo a todos um excelente 2016, repleto de prática musical e conquistas. Vamos dar sequência aos exercícios que vínhamos executando, lembrando que é importante, para a evolução no aprendizado, o estudo vinculado a uma rotina. Temos dividido essa rotina entre técnica da mão direita (arpejos e batidas), técnica da mão esquerda (posição frontal ao braço do instrumento), sequências harmônicas e leitura musical. A rotina merece atenção especial. Ousando, sugiro um esquema de estudo inicial, pensando que será também aquecimento e preparação para a execução das músicas, do repertório. A sugestão é de que gastemos apenas um terço do tempo que passaremos estudando dessa forma. Lembrem-se de que é uma sugestão, pois não há uma fórmula universal que resolva problemas para todo mundo. Cada um tem que ir encontrando o seu tempo, de acordo com seu gosto e com a resolução dos problemas de execução versus a grande quantidade de possibilidades de desenvolvimento técnico. Mas procure incorporar na rotina de estudo o aquecimento aqui proposto: o ganho será evidente. A recomendação é de que seja feito respeitando as indicações explicitadas em cada exercício, como “tocar lentamente”, “explorar a sonoridade”. Novos exercícios Vamos aos novos exercícios, que devem ser incorporados aos já dados e conhecidos por vocês: 1) Mão direita. Arpejos sugeridos sobre os acordes Am (Lá menor) e Em (Mi menor), com atenção ao baixo, que vai alternar/variar de cordas. Executem e experimentem também sobre as outras sequências de acordes. 50 • VIOLÃO+

Ricardo Luccas [email protected]

iniciantes

2) Mão direita. Batida. Vamos inserir a síncope, retirando a batida de um tempo forte. Em música, síncope é uma figura rítmica caracterizada pela execução de som em um tempo fraco – ou parte fraca de tempo que se prolonga até o tempo forte. O exemplo está sobre a conhecida sequência de A (Lá Maior) e E (Mi Maior). Executem e experimentem também sobre as outras sequências de acordes.

3) Mão esquerda. Dando continuidade aos exercícios de sensibilização, vamos trabalhar mais quatro fórmulas. Atenção à indicação da tablatura: devemos começar com VIOLÃO+ • 51

iniciantes o dedo 1 na casa 5, o dedo 2 na casa 6 e assim por diante. Os números de 1 a 4 representam os dedos da mão esquerda. As letras I e M representam os dedos indicador e médio da mão direita. Para cada nota tocada, vamos usar um dos dedos – sempre de forma alternada. Exercícios de Sensibilização; Toque frontal ao braço do instrumento; Manter os dedos presos o maior tempo possível, procurando sempre o relaxamento; Tocar lentamente.

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iniciantes Nesta edição, aprenderemos uma sequência de acordes em uma estrutura de blues de 12 compassos. Repita a sequência três vezes (ritornelo) e, na quarta, vá para o último compasso e encerre.

Acordes para a sequência acima (vejam os diagramas e o vídeo): • A7 (Lá Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda 4 da casa 2 e o dedo 2 na corda 2 da casa 2. • D7 (Ré Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda 2 da casa 1; o dedo 2, na corda 3 da casa 2; o dedo 3, na corda 1 (também da casa 2). • E7 (Mi Maior com sétima): colocar o dedo 1 na corda 3 da casa 1; o dedo 2, na corda 5 da casa 2; o dedo 3, na corda 4 (também da casa 2); o dedo 4, na corda 2 da casa 3.

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como estudar

Tremolo O tremolo é um dos fundamentos da técnica violonística que tem a função de criar a “ilusão” de melodia contínua (cantabile) por meio do instrumento. Quando executado, soa como um bandolim, em que a mesma nota é tocada três ou mais vezes enquanto o polegar faz o acompanhamento, tocando baixos e notas dos acordes de forma alternada. Na literatura dos instrumentos de cordas dedilhadas, o tremolo foi utilizado por diversos compositores, desde a Renascença até os dias atuais, destacando-se John Dowland, Francisco Tárrega, Niccolò Paganini, Joaquín Rodrigo, Manuel María Ponce, Agustín Barrios, Benjamin Britten. Tipos Existem, basicamente, dois tipos de tremolo: o de quatro notas, amplamente utilizado no repertório clássico, e o de cinco notas, utilizado no violão flamenco. Para obter um bom tremolo, alguns aspectos devem ser considerados: • Equilíbrio rítmico e dinâmico entre as notas que serão executadas pelos dedos anular, médio e indicador; • Alternância entre as cordas; • Equilíbrio entre o tremolo e as notas tocadas pelo polegar. No primeiro item, cada nota deve ser tocada com a mesma intensidade (volume), timbre e equilíbrio rítmico. No segundo, o tremolo pode alternar da primeira para a segunda ou terceira corda sem que haja alteração no equilíbrio rítmico entre os dedos. No terceiro caso, geralmente o polegar executa notas em segundo plano, salvo quando existe alguma linha melódica na linha dos baixos. Tremolo – cordas soltas

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Breno Chaves

[email protected]

como estudar Tremolo – cordas alternadas

Baixo em segundo plano em “Recuerdos de La Alhambra” (F. Tárrega).

Baixo em segundo plano e melodia nos baixos em “Recuerdos de La Alhambra” (F. Tárrega).

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VIOLA caipira

Viva Santos Reis! A viola caipira acompanha a fé de muitas pessoas na Região Centro-Sul do Brasil. Uma das manifestações mais presentes e importantes para a devoção católica popular brasileira é a Folia de Reis, que reencena a saga bíblica dos três magos orientais – que se lançaram ao deserto, guiados por uma estrela cadente, em direção a uma antiga profecia. No folguedo de Santos Reis, há uma realização complexa de encenações e ritos que refazem a chegada dos reis orientais à estrebaria onde nasceu o menino Jesus. A chegança da Bandeira na morada dos fiéis simula o acontecimento, guiado sempre pela música, que serve de fio narrativo para contar essa história, repetida durante tanto tempo. As encenações de passagens bíblicas são realizadas desde a Idade Média, na Europa, com finalidade inclusive didática: ensinar a doutrina cristã para os que não podiam ler. Esse procedimento foi adotado no Brasil pelos padres jesuítas, que utilizaram autos e encenações para catequizar os indígenas brasileiros. Os movimentos de romanização da igreja católica, porém, reprimiram essas encenações, que acabaram sendo banidas de

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Fábio Miranda

www.fabiomirandavioleiro.com

VIOLA caipira dentro das igrejas por deturparem as histórias bíblicas, continuando a existir nas reduções, nas praças, nas ruas, a cargo dos fieis. Como as passagens bíblicas muitas vezes são sucintas e vagas, a criatividade popular acrescentou novos elementos às narrativas, o que descontentou o clero. Se por um lado deturparam a “história oficial”, por outro trouxeram elementos novos, que reinventaram o mito bíblico, mantendo viva até os dias de hoje a encenação da história do nascimento de Jesus. Para o povo da roça, a Folia de Reis é um dos festejos mais importantes do ciclo natalino, que costuma ter início no dia 25 de dezembro e ir até 6 de janeiro. Os folgazões vão em cortejo, de casa em casa, anunciando a boa nova – precedidos pelo foguetório, seguidos pela Bandeira e pelos Bastiões (palhaços), que pedem esmolas e animam/assustam as crianças. As músicas das folias de Reis são grandes narrativas cantadas ao som de violas, violões, cavaquinhos, pandeiros, caixas, triângulos. Essas narrativas recontam a história da viagem e do encontro dos magos com o menino Jesus. Os versos são improvisados pelo folião embaixador ou decorados a partir de um livro com versos anotados anteriormente. Há muitas variações e momentos diferentes dentro de uma saída (ou giro) de folia, mas o que se percebe é que o mestre (ou embaixador) puxa um verso que depois é repetido por todos os foliões, terminando numa soma de vozes que se misturam em alturas diferentes – inclusive vozes muito finas (agudas), às vezes entoadas pelos homens, que dão um arremate solene aos versos cantados. Existem ainda muitos detalhes, que nem caberiam neste modesto texto. As folias encantam e inspiram músicos e violeiros que recolheram e adaptaram toadas (cantos) de folias de domínio público, tornando-as conhecidas, como “Cálix Bento”, recolhida por Tavinho Moura e gravada por Milton Nascimento, Maria Bethânia, Pena Branca & Xavantinho, Ney Matogrosso... Muitos violeiros também compõem músicas inspiradas nas Folias de Reis, como “Noite dos Sinos”, no disco “Ar”, recém-lançado pelos parceiros Almir Sater e Renato Teixeira. Segue a letra com a harmonia cifrada: VIOLÃO+ • 57

VIOLA caipira (E) Senhora dona da casa a bandeira passou Todo ano ela passa cantando em louvor A Porque sempre ela chega e sempre chegou No dia da graça do Nosso Senhor E A bandeira chegou, chegou, chegou A São as cores das fitas são os cantadores Viola ponteia os nossos louvores E O povo da roça chegou, chegou B7 A E hoje é dia de Reis, dia de Reis, dia de Reis Um dia é da graça outro é do pecador E o perdão é o menino, o menino chegou A Para ser nosso Rei nosso redentor Repique os sinos cantemos o hino E O menino chegou, chegou, chegou A Divino Espírito Santo Jesus menino Milagre do amor na noite dos sinos E O menino chegou, chegou, chegou B7 A E hoje é dia de Reis, dia de Reis, dia de Reis

E

E

Ouça e tente tocar junto com a música. O ritmo da mão direita tem que se encaixar à levada. Não precisa ser idêntico, mas tem que estar junto, assim como acontece nos grupos de foliões. Para inspirar-se, é bom girar com uma folia... Você sabe se tem algum grupo de foliões perto de você? Às vezes, tem que sair por aí para descobrir... como fizeram os magos, que se lançaram ao deserto seguindo uma estrela.

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academia

Por Dagma Eid

Miguel Llobet: Canciones Catalanas para violão (1899-1927) O sentido musical que Llobet confere ao som do violão supera as dimensões formais das obras para o instrumento solista de seu tempo, pois seguiu os passos de seu mestre, Francisco Tárrega, a quem é atribuída a criação de uma escola violonística, mas, como discípulo, elevou os ensinamentos que recebeu, principalmente no que diz respeito à concepção sonora e experimentação de timbres Miguel Llobet y Solés nasceu em 18 de outubro de 1878 em Barcelona, capital da Catalunha. Filho de pai escultor, mostrou disposição para a pintura, mas foi pela música seu maior interesse. Além do violão, estudou violino e piano na Escola Municipal de Música de Barcelona, e sua paixão pelo violão começou quando ganhou o instrumento de um tio. Em 1889 Llobet assiste a um concerto de Antonio Manjón (1866-1919) e, impressionado, decide dedicar-se completamente ao violão, estudando com Magín Alegre (nome com poucas referências) e Francisco Tárrega (18521909). A condição do violão no cenário musical durante o século XIX não era favorável para a sua divulgação nas salas de concerto. O violão era considerado um instrumento inferior, usado apenas para acompanhar melodias nas rodas de música popular. VIOLÃO+ • 59

academia

Francisco Tárrega veio a ser um ponto de partida para melhorar a imagem do instrumento. Deixou obras de valor permanente – estudos, transcrições, trêmulos e os admiráveis Prelúdios. Embora tenha passado seus conhecimentos apenas de forma oral, a ele são atribuídas mudanças na técnica de execução que foram seguidas por mais de um século. Suas inovações, do ponto de vista instrumental, especificavam claramente suas intenções musicais e exploravam as possibilidades timbrísticas do violão. Podemos dizer que existe um capítulo essencial nos séculos XIX e XX para a história do violão, que passa, obrigatoriamente, por nomes como o do próprio Llobet e outros discípulos de Tárrega – Domingo Prat (1886-1944), 60 • VIOLÃO+

Daniel Fortea (1882-1953) e Emilio Pujol (1886-1980) –, responsáveis pelo ressurgimento do instrumento. Notamos, portanto, que foram os violonistas catalães que impulsionaram o movimento do violão nesse período, junto com nomes de violonistas de outras partes da Espanha, como o andaluz Andrés Segovia (1893-1987) – que, com sua carreira de quase oitenta anos, continua a fascinar estudantes, profissionais e amadores. Miguel Llobet, apesar de figura extremamente importante na história do violão, ainda não teve seu merecido destaque, ficando um tanto esquecido e sufocado entre as notoriedades de Tárrega e Segovia. Alguns fatores podem ter contribuído para o esquecimento da totalidade da obra de Llobet, como o atraso das edições de suas obras e arquivos perdidos, o período de entraves políticos ocorridos na Catalunha, a guerra civil espanhola (1936-1939) e a personalidade acomodada do próprio músico. Apesar disso, sua produção, o conjunto de sua obra foram essenciais para a história do violão. Com suas Canciones Catalanas tornouse mestre na arte da transcrição e ajudou a destacar o violão na história do século XX. As treze Canciones Catalanas adaptadas para violão solo por Miguel Llobet são: Plany (1899); La filla del marxant (1899); Cançó del Lladre (c.1900); El testamento d´Amelia (1900); El rossinyol (1900); El fill del Rei (1900); El mestre (1910); L’Hereu Riera (1900); La nit de Natal (1918); La filadora (c. 1918); La presó de Lleida (c. 1920); El noi de la mare (s.d.). Todas estão publicadas pela Chanterelle Verlag, na obra intitulada Nueva collección Llobet, volume 2 (Ronald Purcell, 1989)

academia e Cançons populars catalanes, volume 1 (Stefano Grondona, 2009). Tratase de uma coleção com versões para violão de melodias tradicionais catalãs. Ao observar que o material usado na concepção dessas célebres adaptações pertence ao terreno do folclore catalão, cuja tradição é milenar, nos sentimos motivados a buscar informações a respeito dessas melodias. O contato com as gravações realizadas pelo grupo catalão de música antiga La Capella Reial de Catalunya foi o ponto de partida para o início desta pesquisa, pois citavam algumas canções usadas por Llobet, como El fill del rei, La filadora, Cançó del Lladre, El mestre e El testament d´Amelia – estudadas durante nossa formação musical como violonistas, tanto na execução como no ensino. Tal realização fonográfica incluiu as letras das canções, gravadas com uma concepção coerente com a origem das melodias, algumas encontradas no canto litúrgico e outras no trovadorismo. Isso nos remeteu ao interesse em desvendar esse passado histórico e a procurar respostas para a interpretação desse repertório na prática de conjunto de música antiga e na execução dessas versões românticas para violão. A pesquisa contida nessa gravação nos motivou a encontrar outras melodias usadas na obra para violão de Miguel Llobet e percebemos que outros compositores, talvez influenciados pelo próprio Llobet, também exploraram temas tradicionais catalães em suas obras. Entre os compositores violonistas estão Emilio Pujol, Andrés Segovia, Manuel Ponce, Narcyso Yepes, John W. Duarte e Leo Brouwer; entre os compositores não violonistas, Federico Mompou, Francisco Casanovas,

Toru Takemitsu e Lleonard Ballada Ibañez. A pesquisa sobre a origem e a tradução dos textos das canções escolhidas baseouse no trabalho de campo do musicólogo catalão, Joan Amades (1951), citado em diversas publicações sobre o folclore catalão. O texto da canção El mestre e outros temas utilizados por Llobet em versões para violão foram coletados do cancioneiro tradicional catalão. A publicação de Purcell trazia uma transcrição monofônica de El mestre, com parte da letra original em catalão traduzida para o inglês. Isso também nos motivou a transcrever outras melodias tradicionais catalãs e traduzi-las para o português (para ver o texto traduzido na íntegra e a tradução das demais canções, consultar a pesquisa completa, disponível online).

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academia

El pare i la mare no em tenen sinó a mi me´n fan anar a l´escola a aprendre de llegir. Mes, ai!, ara tom Patantom, xiribiriclona Tumpena, tumpí. Mes, ai!,ara tom Patantom xiribiriclom. 62 • VIOLÃO+

Meu pai e minha mãe têm somente a mim me colocaram na escola para aprender a ler. Mês, ai!, ara tom Patantom, xiribiriclona Tumpena, tumpí. Mes, ai!,ara tom Patantom xiribiriclom.

academia Com as Canciones Catalanas, Llobet iniciou uma espécie de tratamento da música folclórica que não existia no repertório violonístico, voltado para transcrições de obras clássicas, fantasias e pot-pourri que exploravam temas de óperas famosas, ampliando assim o repertório da época, além de influenciar outros compositores a escreverem para violão. Llobet explorou temas populares antigos de forma inusitada, modernizandoos e tornando-os extremamente importantes para o instrumento entrar numa nova fase idiomática. O sentido musical que Llobet confere ao som do violão supera as dimensões formais das obras para o instrumento solista de seu tempo. De fato, Llobet seguiu os passos de seu mestre, Francisco Tárrega, a quem é atribuída a criação de uma escola violonística, mas, como discípulo, elevou os ensinamentos

que recebeu, principalmente no que diz respeito à concepção sonora e experimentação de timbres. A coleção das Canciones Catalanas merece ter status de obras originais. Muito além de meros arranjos para violão, foram um marco na literatura do século XX. A música que recorre a tais temas ficou registrada na história do instrumento, no entanto os violonistas, em geral, não identificam a sua origem e não conhecem o texto original das canções catalãs encontradas na música antiga. Conhecer o texto de tais melodias contribui para formar uma ideia mais completa do contexto folclórico onde música e poesia despontam juntas. Portanto, a pesquisa das letras e sua tradução visa oferecer elementos para melhor compreensão e interpretação dos temas explorados por Miguel Llobet.

Referências bibliográficas AMADES, J. Folk-lore de la Catalunya, cançoner. Barcelona: Editorial Selecta, 1951. EID, D. C. Miguel Llobel: canciones catalanas para violão (1899-1927). 2008. Dissertação (Mestrado em Processos de Criação Musical) – Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, São Paulo 2008. BARGALLÓ, J. C. El folklore musical. In: OSABA, P. L. de. Historia de la musica española. Madrid: Alianza Editorial, 1983, vol. 7. BALDELLÓ, F. Elements gregorians dins la cançó popular catalana. In: Pujol, F. Observaciones, apendix i notes al “romancerillo catalán” de Manuel Mila i Fontanals. Barcelona: Imprenta Elzeviriana, 1926, vol. 3. GRONDONA, S. Cançons populars catalanes: catalan folk songs. Miguel Llobet Works, vol. 1. Chanterelle, 2009. 22 partituras. Violão. LA CAPELLA REIAL DE CATALUNYA. Cançons de la catalunya mil-lenària: Planys e Llegendes. Astrée, 1977. 1 CD (ca. 70 min.), digital, estéreo. ES 9937. MANGADO, J. M. La guitarra en Cataluña, 1769-1939. Londres: Tecla Editions, 1998. PHILLIPS, R. Barcelona, cradle of the modern classical guitar: the Llobet archive rediscovered. GFA Soundboard, volume XXVIII, no. 4, spring 2002a, p. 31-33. ______. The influence of Miguel Llobet on pedagogy, repertoire and stature of the guitar in the twenthieth century. University of Miami/EUA. 2002b. Tese de doutorado. PUJOL, F. Observaciones, apendix i notes al “romancerillo catalán” de Manuel Mila i Fontanals. Barcelona: Imprenta Elzeviriana, vol. 3, 1926. PURCELL, R. Miguel Llobet Guitar Works. 16 Folksong Settings. 13 Canciones Catalanas, Leonesa, 2 Estilos Populares Argentinos. Chanterelle Verlag, 1989. Nueva Colección Llobet, vol. 2. 16 partituras. Violão. TONAZZI, B. Miguel Llobet, chitarrista dell´Impressionismo. Ancona: Bérben, 1966.

Dagma Eid Iniciou seus estudos musicais em 1981 no Conservatório de Tatuí. É bacharel em Violão pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e mestre em Música pela Universidade de São Paulo (USP) com pesquisa sobre as canções catalãs do violonista Miguel Llobet. Complementando sua formação em instrumentos de cordas dedilhadas, estudou alaúde, arquialaúde, guitarra barroca e vihuela e participou de festivais e cursos de extensão universitária no Brasil e no exterior. Premiada em concursos nacionais, realiza intensa atividade na área de música de câmara, integrando duetos, trios, cameratas de violões, grupos de música antiga e outras formações. Gravou os CDs “Vê se te agrada” e “Octopus convida”. Atualmente, é professora de violão, cordas dedilhadas históricas e música de câmara no Conservatório de Tatuí.

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coda

O dia em que a noiva esperou o violonista

Luis Stelzer

Houve uma época em que toquei em casamentos, entrei em um grupo, convidado pela minha amiga Selma, grande cantora, das melhores que conheço. E a rotina de um grupo de casamentosera bem diferente do que eu tinha em mente Não há ensaios: os músicos se Houve um dia engraçado. Um não, vários! encontram na igreja, em geral, no coro Mas, como esse caso que vou contar, (para quem não sabe, aquela parte que nunca tinha ouvido nada parecido. Eu fica no alto e atrás, onde deveria ficar estava no conservatório onde dou aula, um coro). O responsável pelo grupo leva em São Paulo, região dos jardins - lugar o equipamento de som e as partituras. chique, mas com um trânsito em horário Você abre a pasta de partituras que de rush que ninguém merece. Combinei está lá, com a ordem das músicas. com a Selma, que também dá aula lá, Alguém toma a liderança, geralmente de irmos juntos. O casamento era às o que está há mais 19h30, no Butantã, tempo no grupo, bairro que não fica “...levei 15 minutos para dá a contagem e lá assim tão longe dos sair do estacionamento. vamos nós! Então, jardins, mas que a leitura à primeira em uma sexta-feira O tempo passando, vista fica tinindo, fica inatingível, pois inexoravelmente: seis e porque tem que São Paulo para funcionar, senão, a meia, sete horas... E eu, a depois das seis da música fica um horror tarde. Não é modo quilômetros de distância da e a possibilidade de dizer: para, igreja....” de você perder mesmo! Marcamos, seu emprego é então, às 5 da tarde enorme. É bom também se informar na recepção do conservatório. sobre músicas que tocam em todos No horário marcado, lá estava eu. E os casamentos, que estão na moda e nada da Selma. Bom, é cedo, pensei. a noiva vai pedir, coisas assim. Com Liguei no celular dela, deixei recado. um pouco de experiência, você já se Perguntei se ela tinha deixado algum adapta, para de suar frio e até curte recado para mim, ninguém falou nada. esse momento. Conheci um monte de Fiquei conversando com as meninas da músicos nesse grupo. Com alguns deles recepção, me distraí da hora. Quando toquei apenas uma vez! dei por mim, seis horas. Seis horas? 64 • VIOLÃO+

coda Cadê a Selma? Não vai dar tempo de chegar! E agora? Nisso, alguém na recepção fala: “acabei de me lembrar, a Selma deixou um recado pra você!”. Gelei... A menina continuou: “o filho dela caiu e quebrou o braço, ela está no hospital com ele, é para você ir para o casamento, ela já pediu para outra cantora ir no lugar dela, falou pra você não se atrasar!”. E agora? Corri para o estacionamento, peguei meu carro e fui. Para se ter uma ideia de como estava o trânsito naquela sexta-feira, levei 15 minutos para sair do estacionamento. O tempo passando, inexoravelmente: seis e meia, sete horas... E eu, a quilômetros de distância da igreja. Nisso, liga a Lucila, cantora que estava substituindo a Selma: “E aí, tudo bem? Onde você está?”. Tive vergonha de dizer. Perguntei se também teria teclado no grupo naquele dia, pois assim, talvez desse para o grupo tocar as músicas sem o violão. A resposta, claro, foi negativa. “Corre aí”, disse a Lucila. Sete e meia. E agora? Toma ra que a

noiva atrase, atrase muito! Não atrasou. Toca o celular. É a Lucila de novo: “e aí, amigo, muito longe ainda?”. Já não estava tão longe assim. Vi um lugar em que dava para deixar o carro, raridade das raridades em São Paulo. Falei para ela: “vou estacionar o carro e andar uns quinze minutos a pé, vou chegar mais rápido do que se for de carro. A noiva não chegou ainda, né?”. Resposta: “está aqui, dentro do carro, bem ao meu lado. Falei o que aconteceu, ela topou te esperar. Mas, corre!”. Corri. Muito. Nem sei o quanto. Eu e meu violão, pelas ruas do Butantã, como se fosse uma comédia, daquelas bem pastelão. E era. Sorri desesperado quando vi a igreja. Vi o carro com a noiva dentro. Pensei em parar e agradecer, mas com certeza não era isso o que eu tinha que fazer. Apenas acenei, entrei na igreja, subi direto para o coro, onde todos os outros músicos me esperavam. Tirei o violão da capa, joguei o cabo para o responsável pelo som. A Lucila fez o sinal para que comecemos. “Marcha Nupcial”. Um, dois, t r ê s , quatro!

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