Viagens a Minha Terra Garret
March 25, 2019 | Author: Patrycia Siqueira | Category: N/A
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Viagens a minha terra – Garret
Ação principal: O autor resolve fazer uma viagem de Lisboa a Santarém de comboio, com a intenção de conhecer as ricas várzeas desse Ribatejo, e assim saudar do alto cume a mais histórica e monumental das vilas de Portugal. Paralelamente as paisagens visitadas o autor e narrador , presenteiam os presentes com um romance de amor. Tipo de acção: Encadeada Personagens Principais: Joaninha e Carlos, protagonistas da história de amor. Personagens Secundarias: Secundarias: A avó de Joaninha – D. Francisca, Frei Dinis, Georgina, Júlia. Narrador: Participante Espaço principal: A história contada do romance de amor, passa-se em 1932, e é narrada por Almeida Garrett, aos participantes da viagem. O mesmo Almeida é o cronista narrador. Tempo Histórico: séc. XIX XIX Tempo A ação decorre durante uma viagem que Garrett faz de Lisboa a Santarém, além de discorrer sobre a paisagem, seus devaneios, o levam até este romance. Resumo
“Viagens na Minha Terra”, pode ser considerado um romance contemporâneo. Um livro difícil de enquadrar em género literário, pelo hibridismo que apresenta, além da viagem que de fato acontece, paralelamente o autor conta um romance sentimental.
O conteúdo da obra, parte, como já dissemos, de um fato real, uma viagem que Garrett fez a Santarém e que teve o cuidado de situar no tempo. Além da viagem real, Garrett, faz nas suas divagações, várias viagens viagens paralelas. Tantas e tais viagens, que numa delas o leva justamente, e pela mão de um companheiro de itinerário, a centrar-se no drama sentimental de Carlos e a”menina dos rouxinóis”- Joaninha. O Romance resume-se, a intricada história, de uma velhinha com sua neta Joaninha. A menina –moça, tem um primo, filho da única filha da avó, que já falecera. A moça tinha por si só a avó. Todas as semanas, Frei Dinis, vinha visitá-las, e algumas vezes trazia notícias de Carlos, que já algum tempo, fazia parte do séquito de D. Pedro. Só que a maneira como Frei Dinis falava de Carlos, dava dava para perceber algo, que só a idosa e Frei Dinis conheciam. Passara o ano de 1830, Carlos formara-se em Coimbra, e só então visitou a família, mas com muitas reticências em relação a avó e Frei Dinis. Carlos também pressentia que ele e a avó mantinham um segredo. Carlos, nas suas andanças, andanças, já tinha eleito uma fidalga para ele: D. Georgina, mulher de fino trato. No entanto a guerra civil progredia, eram meados de 1833. Os Constitucionalistas tinham tomado a Esquadra de D. Miguel, Lisboa estava em poder deles, e Carlos era um dos guerreiros da parte Realista. Em 11 de Outubro, os soldados estão todos por volta de Lisboa, as tropas constitucionais vinham ao encalço das Realistas, e na batalha sangrenta, muitos ficaram feridos. A casa de Joaninha foi tomada por soldados Realistas, que vigiavam a passagem dos Constitucionais. Numa das andanças de Joaninha, por perto de casa, encontra Carlos, ele pede que não diga que ali está, mas abraçam-se e trocam juras de amor ali mesmo. Só que Carlos sabia que Georgina o esperava, e a sua mente
tornou-se confusa, já não sabia se amava Georgina. Com Carlos ferido e alojado perto do vale onde morava Joaninha, essa veio inúmeras vezes vê-lo, e ajudá-lo na enfermidade. Certo dia Carlos depois de muita insistência de Joaninha foi ver a avó, e ficou surpreso da cegueira da mesma, por lá encontrou Frei Dinis, e quanto mais o olhava , menos gosto tinha. Enquanto permaneceu por perto, Carlos e Joaninha mantiveram um tórrido romance. Mas, Carlos, já refeito dos ferimentos seguiu para a tropa, e antes passa na casa da avó para se despedir. Implora que ela conte a verdade sobre o suspeito segredo. Então, Dona Francisca conta que o Frei Dinis é pai de Carlos, que a sua mãe morreu de desgosto, e para se defender, Frei Dinis mata o pai de Joaninha, e o marido da sua amante. Com isso Carlos parte, deixando Joaninha desolada. Volta a viver com Georgina. Escreve à prima contando todo o seu romance com Georgina, o que para a moça foi um impacto terrível. Mais Tarde Carlos se fez Barão. Também abandona Georgina , que vira Abadessa. Joaninha, enlouqueceu e morreu. Frei Dinis foi quem cuidou da velha senhora até á morte. E assim o Comboio chega ao Terreiro do Paço, e Garrett finaliza mais uma das suas mel hores obras. Avaliação da Obra: Viagens na Minha Terra é um livro da autoria de Almeida Garrett; na obra onde misturam-se o estilo digressivo da viagem real (que o autor fez de Lisboa a Santarém) e a narração novelesca em torno de Carlos, Frei Dinis e Joaninha. As Viagens, publicadas em volume em 1846, são o ponto de arranque da moderna prosa literária portuguesa: pela mistura de estilos e de géneros, pelo cruzamento de uma linguagem ora clássica ora popular, ora jornalística ora dramática, ressaltando a vivacidade de expressões e imagens, pelo tom oralizante do narrador, Garrett libertou o discurso da pesada tradição clássica, antecipando o melhor que a este nível havia de realizar Eça de Queirós. Mas as Viagens valem também pela análise da situação política e social do país e pela simbologia que Frei Dinis e Carlos representam: no primeiro é visível o que ainda restava de positivo e negativo do Portugal velho, absolutista; o segundo representa, até certo ponto, o espírito renovador e liberal. No entan to, o fracasso de Carlos é em grande parte o fracasso do país que acabava de sair da guerra civil entre miguelistas e liberais e que dava os primeiros passos duma vivência social e política em moldes modernos. No século XIX e em boa parte do século XX, a obra literária de Garrett era geralmente tida como uma das mais geniais da língua, inferior apenas à de Camões. A crítica do século XX (notavelmente João Gaspar Simões) veio questionar esta apreciação, assinalando os aspectos mais fracos da produção garrettiana. No entanto, a sua obra conservará para sempre o seu lugar na história da literatura portuguesa, pelas inovações que a ela trouxe e q ue abriram novos rumos aos autores que se lhe seguiram. Garrett, até pelo acentuado individualismo que atravessa toda a sua obra, merece ser considerado o autor mais representativo do romantismo em Portugal. Principais dados sobre o Autor: Almeida Garrett nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 1799, o nome de batismo era João Leitão da Silva. Quando estudante em Coimbra adotou o nome que o tornou célebre: Almeida Garrett, sendo o último nome da avó paterna. Grande escritor, a tradição reteve de Garrett a imagem do homem elegante, do dândi que ditava moda no Chiado. Dominava tanto a prosa como o verso. Morreu em 9 de Dezembro de 1854, quando trabalhava no romance HELENA. Primeiros anos João Baptista da Silva Leitão nasceu no Porto a 4 de Fevereiro. Na adolescência foi viver para os Açores, em Angra do Heroísmo, quando as tropas francesas de Napoleão Bonaparte invadiram Portugal e onde era instruído pelo tio, D. Alexandre, bispo de Angra. Em 1816 seguiu para Coimbra, onde se matriculou no curso de Direito. Em 1818 publicou O Retrato de Vénus, trabalho que lhe custou um processo por ser considerado materialista, ateu e imoral. E neste mesmo ano que ele e sua família passam a usar o apelido de Almeida Garrett.
Presença nas lutas liberais Participou da revolução liberal de 1820, seguindo para o exílio na Inglaterra em 1823, após a Vilafrancada. Antes havia casado com Luísa Midosi, de apenas 14 anos. Foi em Inglaterra que tomou contato com o movimento romântico, descobrindo Shakespeare, Walter Scott e outros autores e visitando castelos feudais e ruínas de igrejas e abadias góticas, vivências que se refletiriam na sua obra posterior. Em 1824, seguiu para França, onde escreveu Camões (1825) e Dona Branca (1826), poemas geralmente considerados como as primeiras obras da literatura romântica em Portugal. Em 1826 foi amnistiado e regressou à pátria com os últimos emigrados dedicando-se ao jornalismo, fundando e dirigindo o jornal diário O Português (1826-1827) e o semanário O Cronista (1827). Teria de deixar Portugal novamente em 1828, com o regresso do Rei absolutista D. Miguel. Ainda nesse ano perdeu a filha recém-nascida. Novamente em Inglaterra, publica Adozinda (1828) e Catão (1828). Juntamente com Alexandre Herculano e Joaquim António de Aguiar, tomou parte no Desembarque do Mindelo e no Cerco do Porto em 1832 e 1833. Vida política A vitória do Liberalismo permitiu-lhe instalar-se novamente em Portugal, após curta estadia em Bruxelas como cônsul-geral e encarregado de negócios, onde lê Schiller, Goethe e Herder. Em Portugal exerceu cargos políticos, distinguindo-se nos anos 30 e 40 como um dos maiores oradores nacionais. Foram de sua iniciativa a criação do Conservatório de Arte Dramática, da Inspecção-Geral dos Teatros, do Panteão Nacional e do Teatro Normal (atualmente Teatro Nacional D. Maria II, em Lisboa). Mais do que construir um teatro, Garrett procurou sobretudo renovar a produção dramática nacional segundo os cânones já vigentes no estrangeiro. Com a vitória cartista e o regresso de Costa Cabral ao governo, Almeida Garrett afasta-se da vida política até 1852.Contudo, em 1850 subscreveu, com mais de 50 personalidades, um protesto contra a proposta sobre a liberdade de imprensa, mais conhecida por “lei das rolhas”. Garrett sedutor A vida de Garrett foi tão apaixonante quanto a sua obra. Revolucionário nos anos 20 e 30, distinguiu-se posteriormente sobretudo como o tipo perfeito do dandy, ou janota, tornando-se árbitro de elegâncias e príncipe dos salões mundanos. Foi um homem de muitos amores, uma espécie de homem fatal. Separado da esposa, passa a viver em mancebia com D. Adelaide Pastor até à morte desta em 1841. A partir de 1846, a sua musa é a viscondessa da Luz, Rosa Montufar Infante, inspiradora dos arroubos românticos das Folhas caídas. Em 1851, Garrett é feito visconde de Almeida Garrett em duas vidas, e em 1852 sobraça, por poucos dias, a pasta dos Negócios Estrangeiros em governo presidido pelo Duque de Saldanha. Falece em 1854, vítima de cancro.
Publicada em 1846, a obra Viagens na Minha Terra continua a ser um texto de difícil definição. Exemplo magistral do talento de Almeida Garrett, este livro condensa vários estilos literários e um dos retratos mais realistas do Portugal do século XIX. Narrativa de viagens, manifesto político, crónica jornalística, romance, tudo cabe dentro nestas páginas. A “história” começa com a partida de Lisboa de um sujeito -narrador
(identificado como Almeida Garrett) rumo a Santarém, para uns dias de descanso na casa de seu amigo Passos Manuel. A partir daqui, e com descrições esplendorosas de certas áreas de Lisboa que hoje já não se descobrem, o narrador segue o seu trajecto… de barco, de charrete e até às costas de um simpático burrico. Enquanto viaja, também a sua mente vagueia pelo passado, pelo presente e pelo futuro. São estas as outras “Viagens” que o
titulo aponta: um olhar sobre o Portugal de oitocentos, sobre a sociedade nacional, sobre a politica corrupta, sobre o desencanto final do liberalismo. Entre as observações surge um paradoxo inesquecível: os “frades” e os “barões”, quais Sancho Pança e Dom Quixote lusitanos, que, entre si, tomam as rédeas do país e incutem o progresso . Os “frades” representam o conservadorismo, a tradição, os velhos e inquebráveis costumes. Os “barões”
são os acomodados, os antigos lutadores que, abdicando dos seus ideais, se entregam ao vício, ao diletantismo e a preguiça da demagogia. Um sem o outro não existem, um sem o outro não fazem o país caminhar. Mas há muito mais nas páginas de “Viagens na Minha Terra”. Para a posteridade, e porque o Romantismo “exigia” uma história de amor
desafortunada para ilustrar o arrebatamento e consequentes perigos da paixão, temos o romance entre Carlos e Joaninha. Com os seus olhos verdes (aos quais é dedicada uma página de louvores), ela representa a pureza da vida campestre, limpa da corrupção citadina, impoluta na sua mente ingénua. Ele é o símbolo heróico das lutas liberais, do combate de palavras e d armas que marcou a geração de Garrett. Carlos foi criado com Joaninha, sua prima, no Vale de Santarém, mas procura longe algo que sentia faltar-lhe. Entre romances falhados e lutas variadas vê-se retornado ao local de onde partira. Vê-se rendido aos encantos da sua bucólica parente e, perante a sujidade que a vida das grandes cidades já lhe entranhara na alma, renuncia ao seu amor. Nas alas deste desenrolar trágico surgem-nos a figura da avó Francisca (cega, sofrida, carente) e de Frei Dinis (carregado de remorso). Ficam-nos estas “Viagens” que, fisicamente, foi breve (Lisboa – Santarém; Santarém – Lisboa), mas que atravessou toda a alma de um país que ainda se descobre entrelinhas.
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O Livro Viagens na minha Terra de Almeida Garrett é uma das Novas Obras Literárias que entraram na Lista da Fuvest e Unicamp, além de outros importantes vestibulares. Trata-se de um Romance que segue uma lógica bem distinta das leituras cobradas até então, pois envolve muito a História de Portugal (Revo lução Liberal), conta um Romance (entre Carlos e Joaninha) e apresenta críticas pessoais do autor em relação à situação da Sociedade e Política portuguesas da época (seculo XIX), a partir de uma viagem que Garrett faz de Lisboa até Santarém (seguindo o rio Tejo acima). Para ajudar os vestibulandos que, como eu, devem ter se desesperado ao se deparar com uma Obra de entendimento complexo (vocabulário difícil, muitas referências históricas e intertextualidade com obras de Homero, Camões, Shakespeare e outros), fiz um resumo do Livro Viagens (…) bem completo. Aqui você vai poder ler a Resenha da viagem narrada, o s locais por onde o autor passou e a síntese de seus pensamentos e reflexões, bem como trechos e explicações, características da obra e comentários críticos sobre o livro ( fundados em sites literários como o Jayrus.art.br).
Contexto Histórico Para entender os conflitos pelos quais o autor se depara, e que são a base de toda a sua crítica e tese, é primordial compreender a fase Histórica que Portugal vivencia na época descrita – A Revolução Liberal. De um modo geral, as Ideias liberais surgiram em oposição à monarquia absoluta, ao mercantilismo, e às diversas formas de ortodoxia religiosa e clericalismo. Isso levou o clero a declarar que a a revolução era ―inimiga do trono e do altar‖. Em Portugal, o patriotismo identificava se com o antiliberalismo e tradicionalismo católico, assim qualquer tendência progressista era considerada como antinacional. Nesta época havia uma disputa politico-ideológica entre os Conservadores (Absolutistas) e os Liberais (Constitucionais) que foi antecedida por uma grande crise (invasões francesas napoleônicas e crise do colonialismo no Brasil o qual fora elevado a condição de Reino Unido a Portugal apos a Vinda da Família Real). A Situação portuguesa se agrava, e em 1830 culminou com uma Guerra Civil (pela reação Monárquica Absolutista que não aceitava as restrições ao poder régio) em que opunham-se Partido Constitucionalista (liderado pela Rainha D.ª Maria II e o Imperador D. Pedro I) e o Partido Tradicionalista (liderado por D. Miguel I), terminando com a vitoria Liberal.
Características da Obra e Trechos com Comentários
* Romance publicado em 1846, no contexto da Escola Literária do Romantismo, embora, como o próprio autor diz em sua narrativa, o livro não se enquadra nos princípios estilísticos e temática românticas (apenas a narrativa da Menina dos Rouxinóis é exceção - estoria trágica de amor). * Possui gênero textual híbrido, pois é composto de relatos autobiográficos, anotações da viagem que o autor realiza, crônica histórica e social, reflexões literárias e filosóficas, além de Novela sentimental (utilizada no final da obra como base para uma conclusão baseada em comparações – Frade x Barão; Faces do progresso). * Almeida Garrett aparece na obra em primeira pessoa, como narrador participante (relata seu ponto de vista, opiniões, suas experiências ao visitar pontos históricos das cidades portuguesas como Igrejas, ruínas, túmulos de personalidades famosas e santos, entre outros). * O Livro apresenta elementos originais e inovadores para o período, sendo considerado um marco para a posterior prosa moderna portuguesa, como Eça de Queiros fará. Isso devese`a mistura de estilos e linguagem (ora clássica ora popular, ora jornalística ora dramática), ressaltando a vivacidade de expressões e imagens, e pelo tom oralizante do narrador. * O autor faz diversas Digressões sobre vários temas – constituem em divagações sobre, ou não, o tema que vinha discutindo, criando analogias e reflexões que enriquecem e dão originalidade `a obra. Segue alguns exemplos de Digressões do autor em Viagens (..), abaixo temos uma analogia entre o coração humano e o estômago: Trecho do Cap 11: O coração humano é como o estômago humano, não pode estar vazio,
precisa de alimento sempre: são e generoso só as afeições lho podem dar; o ódio, a inveja e toda a outra paixão má é estímulo que só irrita mas não sustenta. Se a razão e a moral nos mandam abster destas paixões, se as quimeras filosóficas, ou outras, nos vedarem aquelas, que alimento dareis ao coração, que há de ele fazer? Gastar-se sobre si mesmo, consumirse… Altera-se a vida, apressa-se a dissolução moral da existência, a saúde da alma é impossível. O que pode viver assim, vive para fazer mal o u para não fazer nada. Ora o que não ama, que não ama apaixonadamente, seu filho se o tem, sua mãe se a conserva, ou a mulher que prefere a todas, esse homem é o tal, e Deus me livre dele. Sobretudo que não escreva: há de ser um maçador terrível. * Almeida Garrett faz crítica ao modo de produção da Literatura Romântica (Receita para fazer literatura da época), não se considerando um autor romântico, pois esse estilo é, por ele, visto como uma Incoerência Inexplicável ["A sociedade é materialista; e a literatura, que é a expressão da sociedade, é toda excessivamente e abundantemente espiritualista."]. Trecho do Cap V: ―Sim, leitor benévolo, e por esta ocasião vou te explicar como nós hoje em
dia fazemos a nossa literatura. Já não me importa guardar segredo; depois desta desgraça não me importa já nada. Saberás pois, ó leitor, como nós outros fazemos o que te fazemos ler. Trata-se de um romance, de um drama — cuidas que vamos estudar a história, a natureza, os monumentos, as pinturas, os sepulcros, os edifícios, as memórias da época? Não seja pateta, senhor leitor, nem cuide que nós o somos. Desenhar caracteres e situações do vivo na natureza, colori-los das cores verdadeiras da história… isso é trabalho difícil, longo, delicado, exige um estudo, um talento, e sobretudo um tato!… Não senhor: a coisa faz-se muito mais facilmente. Eu lhe explico. Todo o drama e todo o romance precisa de: Uma ou duas damas. Um pai. Dois ou três filhos, de dezenove a trinta anos. Um criado velho. Um monstro, encarregado de fazer as maldades. Vários tratantes, e
algumas pessoas capazes para intermédios. Ora bem; vai-se aos figurinos franceses de Dumas, de Eug. Sue, de Vítor Hugo, e recorta a gente, de cada um deles, as figuras que precisa, gruda-as sobre uma folha de papel da cor da moda, verde, pardo, azul — como fazem as raparigas inglesas aos seus álbuns e scraapbooks, forma com elas os grupos e situações que lhe parece; não importa que sejam mais ou menos disparatados. Depois vai-se às crônicas, tiram-se um pouco de nomes e de palavrões velhos; com os nomes crismam-se os figurões, com os palavrões iluminaram…(estilo de pintor pintamonos). E aqui está como nós fazemos a nossa literatura original.‖ * Observa-se acima, como em toda a Obra, o Diálogo intenso que o autor trava com seus leitores (esse traço sera retomado por, nada mais nada menos que, Machado de Assis no Realismo Brasileiro). O Narrador, por vezes, questiona o leitor, outras alerta-o sobre o que falou ou sobre o drama de Joaninha, e mais. * Percebe-se intensa Metalinguagem, em que o A. comenta sobre como escreve. Um desses episódios ocorre apos o A. divagar e inspirar-se em versos, memorias e as paisagens portuguesas: ‖ Isto pensava, isto escrevo; isto tinha n’alma; isto vai no papel: que doutro modo não sei escrever‖ ―Se ainda te cansas dessas quimeras, dou-te conselho que voltes a pagina obnóxia, porque estas reflexões do ultimo capitulo são tão deslocadas no meu livro como tudo mais neste mundo.‖ * Ha’ forte Intertextualidade, pois cita-se diversos nomes da literatura e arte internacionais, como Camões (no cap 26 falando sobre Os Lusíadas), Homero, Xavier de Maistre (em sua Obra prima – Viagens `a Roda do Meu Quarto – que inclusive inspirou o A. para escrever suas Viagens). Fala do Reformador Iconoclasta Duarte Nunes (criticado por ter destruído toda a poética das Historias de Portugal em suas Crônicas), entre outros. Trecho do Cap 3, em que cita Shakespeare‖ There are more things in heaven and earth, Horatio. Than are dreamt of in your philosophy.‖ Personagens: Joaninha (dos olhos verdes) e Carlos (primos criados juntos no Vale de Santarém), D. Francisca (avo velha e cega), Frei Dinis (amargo e rígido – tornou-se franciscano para ―expiar‖ seus pecados e erros – no fim descobre-se que trata-se do pai de Carlos), Georgina (noiva inglesa de Carlos). A Novela trata dos temas do plano sentimental (amores e relações familiares) de Carlos, o oficial liberal, com o plano político (Guerra Civil e Liberais) da problemática de ―filhos lutando contra pais e contra os valores que estes representavam‖. Joaninha, com seus olhos verdes (aos quais é dedicada uma página de louvores), representa a pureza da vida campestre, limpa da corrupção citadina, impoluta na sua mente ingênua. Carlos reencontra-se com sua família, durante a guerra, e se apaixona por sua prima, porem perante a sujidade que a vida das grandes cidades já lhe entranhara na alma, renuncia ao seu amor (os últimos capítulos foram dedicados `a carta final de Carlos). No fim, ele perde seus ideais, moralmente ―suicida-se‖, tornando-se materialista, o ―barão‖ politiqueiro, rico e gordo. No final do Livro o A. utiliza-se da Metalepse (encontro do autor com a sua ficção – o autor torna-se parte da narração, conversa com as personagens e ate lê a Carta de Carlos). Análise : pela simbologia Frei Dinis representa o que ainda restava de positivo e negativo do Portugal velho, absolutista; Carlos representa o espírito renovador e liberal. No entanto, o fracasso de Carlos é em grande parte o fracasso do país que acabava de sair da guerra civil entre miguelistas e liberais e que dava os primeiros passos duma vivência social e política em moldes modernos.
* Em todo o livro ha’ o tom de crítica `a situação de Portugal, de Santarém – suas ruínas, monumentos, etc – que enfrentam um descaso e regressão, pois refletem a beleza da historia do passado (mesmo que sem cuidados), mas não são presente e trazem presságios sobre o futuro. * Compara Santarém a um Livro com a mais interessante e mais poética crônica, mas cujo povo recebeu-o como brinquedo e esta’ a mutila-lo. * Crítica aos governos e `a politica dos barões - cujo objetivo é ―corromper a moral do povo, sofismar o sistema representativo‖. * Passagem do Pinhal de Azambuja: Autor desaponta- se ao passar por la’, não o reconhece como o Pinhal afamado (era conhecido pelo perigo que existia ao atravessa-lo – pela ladroagem e assaltos). Esse trecho pode ser considerado uma crítica `a nova forma de exploração ‖menos visível, que são os desvios da corrupção e não mas roubos‖ . * Paradoxo do Progresso: em que os ―frades‖ e os ―barões‖, quais Dom Quixote e Sancho Pança, respectivamente, tomam as rédeas do país e incutem o progresso. Os ―frades‖ representam o conservadorismo, a tradição, os velhos e inquebráveis costumes. Os ―barões‖ são os usurariamente revolucionários, entregam-se ao vício e a demagogia. Um sem o outro não existem, um sem o outro não fazem o país caminhar. Nesse contraste reflete sobre a formação do Estado Nacional Português, em que a os Frades uniram-se ao despotismo, e depois vieram os barões que ―são a moléstia deste seculo‖ e são ‖muito mais daninho bicho e roedor‖. * Reflexão sobre a Marcha da Civilização que é dirigida pelo ―cavaleiro da Mancha, Dom Quixote, e por seu escudeiro, Sancho Pança‖. O Progresso possui duas faces, a Espiritualista (representada por Quixote, das grandes teorias abstratas), e a Materialista (representada por Sancho, que crê serem Utopias as teorias). * A. vê a sociedade como ―complicada de regras, mas desvairada‖ que teria invertido as palavras de Deus que ―formou o homem, e o pôs num paraíso de delicias; tornou a forma-lo a sociedade, e o pôs num inferno de tolices‖ * No Cap 41 e 42, o A. cansa-se de Santarém ―Portugal (…) que te envileceram e degradaram, nação que tudo perdeste, até os padrões da tua historia’ . Faz também crítica a cobiça e profanação, citando Jesus Cristo, que perdoou o matador, a adultera, ao blasfemo, sofreu injustiças, mas ‖ quando viu os barões a agiotar dentro do templo, não se pode conter, pegou num azorrague e zurziu- os sem dor.‖ * A Viagem para o Ribatejo simboliza mais do que a parte física e breve (Lisboa – Santarém; Santarém – Lisboa), mas atravessou toda a alma de um país, numa marcha sobre o progresso social e politico de Portugal.
ORFEU SPAM APOSTILAS [Volta à Página Principal] VIAGENS NA MINHA TERRA – Almeida Garrett (resumo)
1. Trama: 1ª Seqüência da Viagem (capítulos I – IX) a. Cap. I: Citação a Xavier de Maistre, Viagem à Roda do Meu Quarto: “O próprio Xavier de Maistre que aqui escrevesse, ao menos ia até ao quintal”. Citações a Píndaro, Lord
Byron. Início da viagem à Santarém. 3.º parágrafo: Garrett apresenta o seu projeto de viagem especial a Santarém. b. Cap. II, 2.º parágrafo: Garrett fala de uma escrita-viagem. Citação a Dom Quixote e Sancho Pança.Cita o filósofo Jeremy Bentham: “A virtude é o galardão de si mesma,
disse um filósofo antigo; e eu não creio no famoso dito de Bentham, que sabedoria antiga seja um sofisma. O mais moderno é o mais velho” No 4.º parágrafo: tentativa de definições de “progresso”, “espiritualismo” e “matérialismo”.
c. Cap. III: Citações a Vítor Hugo, Fausto de Goethe, Mistérios de Paris de Eugene Sue, Cervantes,Shakespeare, Boileau e Moliére. Chegada a uma estalagem. d. Cap. IV: Reflexão sobre a modéstia. Cita Dêmades, Joseph Addison. Planos de seguir viagem a Cartaxo passando por Pinhal do Azambuja, vilarejos próximos à Santarém. e. Cap. V: Chegada à vila de Pinhal do Azambuja. Descrição do lugar. Cita Benjamim Antier, Vitor Hugo, El Cid. Segue o narrador para Cartaxo. f. Cap. VI: Cita Homero e Camões e da necessidade de se mistura o maravilhoso mitológico ao Cristianismo. Fala o narrador da Divina Comédia. Chegada a Cartaxo. g. Cap. VII: Lembrança de Paris (Campos Elíseos, Bois de Boulogne) e fala da Suécia, que nada se compara “ao prazer e consolação” que sentiu “à porta do grande café de Cartaxo”. Citação a Alfageme, conversa no café, fala-se da revolução. Passeio pelo
lugar, descrição do lugar. Citação a Bacon, Isaac Newton, James Thomson, François Guizot. h. Cap. VIII: Saída de Cartaxo. Citações a Teócrito, Salomão Gessner, Rodrigues Lobo. Afirma o narrador que não é romântico: “Eu não sou romanesco. Romântico, Deus me livre de o ser – ao menos, o que na algaravia de hoje se entende por essa palavra.” Passa
pelo lugar em que ocorreu a batalha de Almoster (18 de fevereiro de 1834) em que os liberais de D.Pedro e o Marechal Saldanha venceram os Miguelistas. Compara essa batalha com a de Waterloo. Cita o filósofo Hobbes. i. Cap. IX: Cita Ênio Manuel de Figueiredo. Comenta cinco peças desse autor: O Casamento da Cadeia, O Fidalgo de Sua Casa, O Cioso, O Avaro Dissipador e Poeta em Anos de Prosa. Destaca essa última: “E há títulos que não deviam ter livro, porque nenhum livro é possível escrever que os desempenhe como eles merecem.” Cita o Judeu
Errante de Eugene Sue. Cita a Sílvio Pélico, Madame de Lafayette, René de Chateaubriand, Madame de Abrantes. Fala de Bonaparte. Chega ao vale de Santarém: “pátria dos rouxinóis e das madressilvas”. 1.ª Seqüência do Drama (Capítulos X – XXV) a. Cap. X: Transição da viagem para o drama: O narrador começa sua observação acerca de uma janela; fala da inferioridade do homem que não é poeta. A menina do rouxinóis é referida pela observação da janela. Anuncia-se que se vai começar a contar a história da menina dos rouxinóis, de olhos verdes. b. Cap. XI: Apresenta Irmã Francisca (avó), velha cega, de setenta anos. Fala de Yorick, personagem shakesperiana (bobo da corte da Dinamarca em Hamlet) que aparece em Tristam Shandy de Lawrence Sterne. Cita Anacreonte, Aristóteles, Antônio Ferreira (pintor) e Rafael (Madonna della sedia). Distinção entre os poetas e os romancistas, os primeiros estão sempre namorados. Pergunta-se: “Como hei de eu então, eu que nesta grave odisséia das minhas viagens tenho de inserir o mais interessante e misterioso episódio de amor que ainda foi contado ou cantado”? Referindo-se ao caso de Joaninha. c. Cap. XII: Joaninha (neta) surge para desembaraçar a meada da avó. O narrador anuncia
que professa a “religião dos olhos pretos”, mas “Joaninha porém tinha os olhos verdes”.
Chegada de Frei Dinis que interrompe a conversa entre a avó e a neta. d. Cap. XIII: Fala-se sobre o frade no aspecto moral, social e artístico. Da separação entre o frade e o momento presente (“o nosso século” – séc. XIX). Outra referência à D. Quixote e Sancho Pança: “o frade era até certo ponto o Dom Quixote da Sociedade velha”. Interpelação intertextual a Eugênio Sue e seu Judeu Errante, “que precisa [ser] refeito.” Crítica do narrador ao “progresso” e à “liberdade” atuais de Portugal: “ antes queria a posição dos frades que a dos barões”. Autotextualidade: o autor comenta que
não consegue escrever uma história sem pôr nela um frade. e. Cap. XIV: Depois do capítulo XIII, que devia ser considerado uma “introdução ao capítulo seguinte [XIV]”, inicia-se aqui a narrativa sobre Frei Dinis. Frei Dinis se mostra inimigo de Carlos: “mas esse rapaz é maldito, e entre nós e ele está o abismo de todo o inferno.”
f. Cap. XV: Descrição de Fei Dinis: “homem de princípios austeros, de crenças rí gidas”. Comparação entre Frei Dinis e o filósofo Condillac: “Condillac chamou à síntese método das trevas: Frei Dinis ria-se de Condillac...” Frei Dinis critica o liber alismo, em
concordância com a opinião do narrador. Frei Dinis é apresentado como um ferrenho defensor das instituições monásticas: “condição essencial de existência para a sociedade civil”. Indaga o narrador sobre o passado de Frei Dinis, desconfiando de que no passado havia alguma coisa que o prendia ainda a terra que “lhe faltava castrar ainda por amor do céu”.
g. Cap. XVI: Conta-se como Dinis de Ataíde, nobre cavaleiro, de posses, resolveu abandonar tudo e desaparecer, voltando dois anos depois à Santarém como Frei Dinis. Critica-se a ordem franciscana e as outras ordens, de como tão rapidamente, às vezes sem vocação, alguém surgia ordenado frei. Diz o narrador que um dia Frei Dinis contou um segredo à velha Francisca Joana, e que também deixou para ela grande parte de seus bens, depois que se tornou frei. Carlos fora estudar em Coimbra e em Lisboa e só nos finais de semana voltava. Carlos e Frei Dinis se desentendem, Carlos não concorda com os mandos de Frei Dinis na casa e resolve ir para a Inglaterra. Quando Carlos foi para a Inglaterra, Joaninha ainda “era uma criança”.
h. Cap. XVII: Três anos depois, como era de costume, Frei Dinis vai visitar a velha Francisca. Frei Dinis vem trazer a notícia de que Carlos estava bem na Inglaterra. Nesse capítulo de anuncia que o Frei Dinis pode mentir, uma vez que finge alegria ao dar a notícia à velha. “O frade estava por fora, o homem por dentro”. Frei Dinis t ira uma carta
da manga e entrega a Joaninha, a carta era de Carlos. i. Cap. XVII: A carta era de Carlos para Joaninha e insinuava a saudade de Carlos para
com a prima: “não continha senão as ingênuas expressões de um amor fraterno nunca esquecido, longas saudades do passado”. Frei Dinis, por essa época, andava preocupado
com a guerra civil e com o avanço do exército realista que já cercava Lisboa. Frei Dinis
j.
sugere que Carlos poderia voltar e l utar contra os realistas: “o seu Carlos, vier expulsar as baionetas do pobre convento de São Francisco, o velho guardião” . A velha Francisca ameaça contar toda a verdade a Carlos – o segredo dos dois – Frei Dinis ameaça-a com “a maldição eterna de Deus”. Cap. XIX: A guerra civil atinge Santarém: “Alguns feridos (...) ficavam na casa do vale
entregues à piedosa guarda e cuidado de Joaninha; dos outros tomou conta Frei Dinis e os acom panho a Santarém.” “E pouco a pouco, os combates, as escaramuças, o som e a
vista do fogo, o aspecto do sangue, os ais feridos, o semblante desfigurado dos mortos.”
Joaninha vai se acostumado com os horrores da guerra. Se torna conhecida dos solados: “A menina dos rouxinóis! Que cantiga é essa que tu cantas!”
k. Cap. XX: Joaninha, numa tarde, dorme ao campo, ao som do canto de um rouxinol, junto das flores. Vem um oficial, “moço, talvez não tinha trinta anos” (...) “olhos pardos e não muito grandes, mas de uma luz e viveza imensa (...) a mobilidade de espírito”.
Quando Joaninha é acordada pelo soldado, reconhece-o, é Carlos, seu primo. Joaninha e Carlos beijam-se como namorados. l. Cap. XXI: Carlos lutava pelo exército dos liberalistas, a casa de Joaninha estava sob o domínio do outro exército, os realistas. Por isso Carlos não pode leva-la até a casa da avó Francisca. m. Cap. XXII: Carlos declara seu amor à Joaninha por meio de uma carta. A diferença que Carlos percebe entre a menina que deixara e a moça que encontrara. Porém, Carlos havia deixado um amor na Inglaterra, era Georgina “a mulher a quem prometera, a
quem estava resolvido a guardar fé. E essa mulher era bela, nobre, rica, admirada, ocupava uma alta posição no mundo”
n. Cap. XXIII: Carlos atormenta-se na dúvida de contar ou não a verdade para Joaninha. Carlos começa a refletir sobre a cor dos olhos das duas mulheres: “Olhos verdes!...
Joaninha tem os olhos verdes. Não se reflete neles a pura luz do céu, como nos olhos azuis. Nem o fogo e o fumo das paixões, como nos pretos. Mas o viço do prado, a frescura e a animação do bosque, a flutuação e a transparência do mar... Tudo está
naqueles olhos verdes. Joaninha, por que tens tu os olhos verdes?” (... ) “Oh! O céu é azul como os teus olhos, Georgina...”
o. Cap. XXIV: Explicação do mito de Adão, comparação de Adão a Carlos. Carlos conversa com Joaninha e explica que não gosta do Frei Dinis e por isso deixou a casa e foi para a Inglaterra. A certa altura, Joaninha diz que Carlos se parece com Frei Dinis quando se zanga e franze a testa. p. Cap. XXV: Joaninha declara seu amor a Carlos. Joaninha parece adivinhar que Carlos tem outra mulher. Carlos e Joaninha se despedem tristemente. Os olhos verdes de Joaninha nunca mais brilharam como dantes. - 2.ª Seqüência da Viagem – chegada a Santarém q. Cap. XXVI: O narrador fala dos autores antigos: Tito Lívio e Tácito (historiadores), Juvenal (poeta), Horácio (retórico), Duarte Nunes (cronista português), cita-se o Anel dos Nibelungos (rapsódias alemãs), Shakespeare e comenta-se de alguns de seus personagens (Banco, Macbeth, Falstaff). Fala-se de Abelardo (filólogo e teólogo da idade média) e de Heloísa (sua paixão), de Bentham (filósofo inglês), Camões e Os Lusíadas, de D. Afono Henriques. r. Cap. XXVII: Chegada do narrador à Santarém. Descrição de locais de Santarém. Falase de São Frei Gil: “que, é verdade, veio a ser grande santo, mas que primeiro foi grande bruxo”.
s. Cap. XVIII: A Igreja de Sta. Maria de Alcaçova, descrição. Comentário sobre o governo do Marquês de Pombal e sobre os palácios de D. Afonso Henriques, a cruz de Santa Iria. Citação de trecho do Fausto de Goethe. t. Cap. XXIX: O narrador faz a distinção entre poetas que morreram jovens (Byron, Schiller, Camões e Tasso) e poetas que morreram velhos (Homero, Goethe, Sófocles e Voltaire). Comenta sobre a imaginação e o sentimento dos poetas (categorias românticas). Compara Santarém com Nínive e Pompéia, cidades destruídas. Inserção da trova sobre Santa Iria. u. Cap. XXX: Conta-se a história de Santa Iria: Que a freira Iria namorou-se de Britaldo, filho do cônsul Castinaldo. Santa Iria “c onsolou como mulher e ralhou como santa” e retirou do corpo a paixão de Britaldo. A paixão – obra do demo – foi se alojar no corpo
do monge Remígio, este preparou uma bebida diabólica que fez Iria parecer como
grávida (“os sinais da mais aparente maternidade”). Britaldo i ndignado, teve de volta a
paixão e matou Iria, jogando o corpo no rio. O abade Célio descobriu toda a verdade sobre a falsa maternidade de Iria e foi com outros padres procurar o corpo no rio, e acharam um túmulo feito de alabastro, por obra dos anjos. Este ficou encoberto pelas águas até que séculos mais tarde a Rainha Santa Isabel, esposa do rei D. Dinis, orando fez as águas se abrirem, e contemplou o sepulcro. v. Cap. XXXI: Descrição de lugares de Santarém; o busto de D. Afonso Henriques e as muralhas de Santarém. -2.ª Seqüência do Drama. w. Cap. XXXII: Volta-se à história de Joaninha. Carlos ferido e prisioneiro é atendido no hospital por uma enfermeira que é nada menos do que Georgina, a amada inglesa. x. Cap. XXXIII: Georgina explica a Carlos que encontrou-o ferido e ajudado pelo Frei Dinis, e que já conhece tudo sobre Joaninha. Georgina explica que o amor que ela tinha por Carlos já se acabou. y. Cap. XXXIV: Continua a conversa no hospital. Frei Dinis implora o perdão de Carlos. z. Cap. XXXV: Citação a Laocoonte e Hércules. Carlos diz que não ama mais Joaninha, mas Georgina, que não o quer. Frei Dinis explica o grande segredo: que ele é o verdadeiro pai de Carlos. Que a filha da velha Francisca namorava Dinis, mas arrumou um amante e tencionava matar a Dinis numa emboscada, esse sem reconhecer ninguém no escuro, mata os dois e joga os corpos no rio, que são tomados por afogados. Carlos
levanta-se da cama e vai embora para Évora lutar no exército Constitucional, dos liberalistas. - 3.ª Seqüência da Viagem: aa. Cap. XXXVI: Fala sobre Santarém. Comenta o narrador que Carlos deixou de lado as paixões e se meteu na política, mas promete contar os detalhes mais adiante. bb. Cap. XXXVII: Fala-se do túmulo de Pedro Álvares Cabral, cita-se Os Lusíadas de Camões. A história da igreja do Santo Milagre. cc. Cap. XXXVIII: O narrador comenta sobre um jantar que fizera em Santarém, de como no jantar se falou mal de Lisboa e de como se exaltou Paris, Londres, Pequim, Nanquim e Timboctu. dd. Cap. XXXIX: O narrador comenta sobre seu ceticismo em relação ao tempo presente de Portugal. Fala da diferença entre filósofos e poetas: “os filósofos são muito mais loucos do que os poetas”. Narração de como Frei Dinis roubou os ossos de São Frei Gil.
ee. Cap. XL: Comenta-se do mosteiro das Claras. Frei Dinis traz os ossos de São Frei Gil para que sejam guardados pelas freiras. ff. Cap. XLI: Frei Dinis vai embora de Santarém, Georgina fora pra Lisboa, Carlos ainda estava em Èvora e Joaninha guardava uma última carta dele. gg. Cap. XLII: O narrador quer ir embora de Santarém. Comenta sobre o túmulo de D. Fernando. Fala de Jesus Cristo como modelo de paciência. hh. Cap. XLIII: Partida de Santarém. Antes de se ir, o narrador encontra Frei Dinis que lhe conta que Joaninha morrera, de que Carlos sumira, de que a velha Francisca estava para ser enterrada e de que “Santarém também morreu; e morreu Portugal”. Frei Dinis
entrega ao narrador a última carta de Carlos escrita para Joaninha. ii. Cap. XLIV: Início da narração da carta de Carlos. Carlos comenta que mentia e que gostava de mentir. Carlos comenta que conheceu uma família inglesa em que haviam três filhas e ele flertava com as três. jj. Cap. XLV: Fala de Laura: “olhos cor de avelã”. Descreve Júlia: “a mais carinhosa das três irmãs”. Julia dizia a Aia: “Febe, estou só com Carlos; e quero estar só. Em casa para ninguém.”
kk. Cap., XLVII: Continuação da narração da carta de Carlos. Laura vai para o Páis de Gales, Júlia fica com intermediária na correspondência indireta entre Carlos e Laura, até que Laura se casa. Carlos fica só, sem Laura e sem Júlia. ll. Cap. XLVIII: Carlos fala que a terceira irmã da casa era Georgina. Termina a carta dizendo adeus à Joaninha. mm) Cap. XLIX: Comenta-se que Carlos conseguiu o título de barão, Georgina virou abadessa. Frei Dinis após a leitura da carta de Carlos pelo narrador fala sobre as virtudes e defeitos dos frades e dos barões. Comentários críticos acerca da obra:
Considera-se que Viagens na Minha Terra seja a obra em prosa mais ousada e mais bem realizada de Almeida Garrett. Fazendo referência à obra de Xavier de Maistre, Viagem à Roda de Meu Quarto, que toma por modelo, inicia uma viagem de Lisboa à Santarém a convite do amigo Passos Manuel, chefe da facção setembrista do liberalismo português. A obra compõe-se de duas partes narrativas distintas. A primeira compõe-se das impressões de viagem feito pelo autor/narrador, em que intercalando citações literárias e históricas as mais diversas (Por exemplo: Shakespeare, Cervantes, Camões, Lawrence Sterne, no primeiro caso e D. Afonso Henriques, D. Fernando, Napoleão, no segundo caso), vai compondo uma narrativa de viagem que nos é apresentada por um caráter muito subjetivo e rico em intertextualidades e digressões. A segunda parte trata-se da interposição no meio da narrativa de viagem de uma história amorosa e trágica que envolve as personagens Joaninha, Carlos, Georgina, Francisca e Frei Dinis. Essa narração de um drama amoroso concebe um passado próximo que se desenvolvera
durante as lutas entre liberais e miguelistas, no período de 1830 a 1834. Os conflitos que envolvem essas personagens têm causa ainda num passado mais distante que trata da vida do personagem Frei Dinis, quando antes de se tornar religioso era um nobre e que em circunstâncias dramáticas resolvera esconder a paternidade de Carlos. Viagens na Minha Terra fornece por meio das personagens do drama amoroso uma visão simbólica de Portugal em que se busca dialogar acerca das causas da decadência do império português. Assim, o instável Carlos, que não consegue decidir-se acerca das suas relações amorosas, é o personagem que podemos ligar às características biográficas do próprio autor. Georgina, a namorada inglesa de Carlos, apresenta-nos uma visão de ingenuidade e altruísmo como caracteres de uma mulher estrangeira que acaba por não querer envolver-se por questões sentimentais ao drama histórico de Portugal, fazendo de sua reclusão religiosa a justificativa para não participar dos dilemas e conflitos históricos que motivaram sua decepção amorosa. É a fleugma britânica. Joaninha, a amada de Carlos, singela e terna, nascida e vivendo no vale de Santarém, a “menina dos rouxinóis” simboliza uma visão ingênua de Portugal, quase folclórica, que não se sustenta diante das condições históricas. A velha cega Francisca, avó de Joaninha, mostra-nos a imprudência e a falta de planejamento com que Portugal se colocava no governo dos liberalistas, levando a nação à decadência. Por fim, Frei Dinis é a própria tradição calcada num passado histórico glorioso, que no entanto, não é mais capaz de justificar-se sem uma revisão de valores e de perspectivas. O final do drama, que culmina na morte de Joaninha e na fuga de Carlos para tornar-se barão, representa a própria crise de valores em que o apego à materialidade e ao imediatismo acaba por fechar um ciclo de mutações de caráter duvidoso e instável.
08/11/2009
A novela de Garrett
Não falando em Helena, obra incompleta e publicada postumamente, onde, num cenário de pitoresco romântico da selva brasileira, já incuba, em moldes byronianos, o dandismo queirosiano de Fradique Mendes, Garrett deixou-nos duas novelas, uma delas histórica, O Arco de Sant'Ana, outra contemporânea, a novela inserta nas Viagens na Minha Terra, ambas precedidas de várias tentativas congéneres que revelam uma predilecção já antiga, em Garrett, quer pelo romanesco histórico inspirado por Fernão Lopes, quer pela novela testemunhal do seu íntimo desgarre de sentimentos. Muito diferentes quanto à forma e intenção, oferecem, no entanto, uma arquitectura romanesca comparável: n' O Arco de Sant'Ana, o herói, Vasco, é, sem o saber, filho ilegítimo de um bispo que lhe abusara da mãe (uma judia), e os acontecimentos decorrem de maneira que o pai, senhor feudal do Porto, e o filho, chefe de uma revolta popular, vêm a encontrar-se frente a frente, a combater em partidos opostos; só no momento em que está prestes a matá-lo, o filho reconhece o pai. Nas Viagens, o herói, Carlos, é também, sem o saber, filho de um frade que fez a desgraça de sua mãe e de sua família; o mesmo antagonismo político e social separa o filho, combatente liberal, e o pai, monge, dando-se em circunstâncias semelhantes o final reconhecimento. Esta situação dramática, que também se nos depara no Catão entre Bruto e César, parece ser imagem obsessiva de uma situação histórica, e talvez também biográfica. O liberalismo triunfou em Portugal através de uma guerra civil que dividiu muitas famílias, inclusive a de Garrett. Em ambos os romances, mas principalmente nas Viagens, a camada verbal do estilo é notável por um aproximação da língua falada que, no entanto, não deixa de ser literária, isto é, conscientemente artística. Já no prefácio daLírica de João
Mínimo (1828) Garrett nos dera uma amostra deste esforço para libertar a língua
literária dos padrões da prosa clerical e cortês. Procurou o vocábulo mais corrente e familiar, actualizando-o com estrangeirismos (coquete do francês, desapontado, sofisticado, do inglês) e procurando reavivar certos arcaísmos (soidão). Deu novas funções literárias às reticências, aos anacolutos e a outras propositadas negligências gramaticais, às aliterações e rimas na prosa, ao período curto e elíptico, e, em geral, a um aparentemente espontâneo, caprichoso ritmo frásico: "Os olhos, os olhos... - disse eu, pensando já alto e todo em êxtase - os olhos... pretos. Pois eram verdes!"
Por vezes, a frase digressiva envereda por uma ramificação secundária e perde de vista o pensamento inicial. Este sacrifício do encadeamento lógico, mais formular, à associação viva das ideias, juntamente com certo tom familiar, explica talvez a admiração de Garrett por Bernardim. Escrevendo como se falasse alto, Garrett suspende-se por vezes e pergunta "Onde ia eu?", para voltar ao fio quebrado das suas considerações. Isto não o impede, todavia, de recorrer também, embora afinadamente, ao estilo declamatório próprio dos Românticos. É possível rastrear em Garrett certos vaivéns de um estilo que, por um lado, se apoia no vernáculo latinizante dos árcades e de Filinto Elísio, e por outro lado, atravessando o lugar-comum romântico, preludia a mais organizada, concentrada mas também mais formular ironia queirosiana; o significado íntimo da ironia de Eça, o seu cepticismo dandy, já de resto se acusa nas fracturas e no cepticismo íntimos de certas personagens e de certas confissões garrettianas. O prosador das Viagens, do Arco de Sant'Ana, como o poeta de Folhas Caídas, neste ponto sentimentalmente romântico, abandona a racionalidade fixista do iluminismo arcádico e redescobre as contradições petrarquistas do sentimento, mas desta vez a um nível de confidência pessoal, ou mesmo da vibração sexual. Isso pode exemplificar-se na invocação à Saudade do Camões e noutras poesias posteriores, como Gozo e Dor, que não é difícil aproximar, respectivamente, da bernardiniana teórica das saudades de F. Manuel de Melo e dos enlanguescimentos eróticos de Bocage ou Anastácio da Cunha. Mas, por outro lado, e naquilo em que já preparara Eça de Queirós, o estilo garrettiano reencontra os melhores achados do humor quase britânico de Tolentino, como quando, por exemplo, emparelha no mesmo grupo de adjectivos ou de outras expressões determinativas o aspecto físico e o aspecto moral, ou dois quaisquer aspectos aparentemente díspares de uma mesma coisa ou pessoa (barão verdadeiro e puro-sangue; desapontamento chapado e solene; o branco importuno das louras e o branco terso, duro, marmóreo das ruivas; um barco sério e sisudo; substancial e benfazeja traquitana). Este tipo de qualificação ou determinação tem o seu precursor remoto no paradoxo petrarquista, de Camões por exemplo, mas presta atenção a uma variedade de planos de percepção e de experiência em geral que, anteriormente, só Tolentino entre nós soubera conjugar. Eça de Queirós virá a amadurecer o processo com uma mais metódica assimilação da ironia de toda a tradição literária europeia, eliminando todo o peso morto setecentista e toda a cenografia romântica de que Garrett tanto sorri, mas sem deixar de aí tropeçar a cada passo. Outros aspectos curiosos deste vaivém no estilo de Garrett podem surpreender-se, por exemplo, na hipálage, ora de tradição clássica (pálidos dedos), ora já pós-tolentiniana e pré-queirosiana (profundo e cavo filósofo); e em efeitos de rima, aliteração ou repetição que já pouco têm que ver com a anáfora e o paralelismo da oratória vieiriana, porque esboçam as recorrências, os ritmos
sabiamente leves de Eça (boquinhas gravezinhas e espremidinhas; dor tão resignada, mas tão desconsolada, nua e nula; e, tendo feito o seu feito, fugiram; o coração humano é como o estômago humano). Especialmente de notar o efeito conseguido pela adjectivação que combina a expressividade fonética com a sinestesia: estridor baco e breve dos gatilhos . O Arco de Sant'Ana, onde se evoca o Porto feudal e se narra uma revolta popular
germinada nos mesteirais da cidade contra o senhorio feudal do bispo, tem por ponto de partida, como o Alfageme, um relato de Fernão Lopes. Dentro das concepções românticas, Garrett procurou também aqui evocar costumes e tradições desaparecidas. Mas não é esta a única semelhança com o Alfageme : a pretexto da história, ambas as obras estão endereçadas à actualidade. No prefácio do Arco de Sant'Ana afirma-se de modo claro o propósito de combater a reacção cabralista, particularmente sob o aspecto clerical. Nesse prefácio, notável de lucidez, apontam-se as implicações políticas e sociais de certo historicismo romântico: "Com romances e com versos fez Chateaubriand, fez Walter Scott, fez Lamartine, fez Schiller, e fizeram os nossos também, esse movimento reaccionário, que hoje querem sofismar e granjear para si os prosistas e calculistas da oligarquia". O "feudalismo, que não inspirava senão horror ao homem do século XIX, começou a excitar-lhes a admiração; o monaquismo, que era aborrecido e desprezado, obteve dó e compaixão". O romance contrapõe à evocação "passadista" do passado uma intenção polémica democrática. O que, porém, Garrett faz, sobretudo, é uma crítica aos diversos grupos e instituições políticas do seu tempo. A oligarquia política então dominante está representada no bispo e seus acólitos, particularmente em Pêro Cão, cobrador dos impostos senhoriais; o Parlamento, acobardado, que atraiçoa os seus mandatários, vem personificado nos atarantados juízes da cidade; o povo, justamente revoltado, mas disperso e manobrável pelos oportunistas, como já aparecera no Alfageme, encarna nos mesteirais do Porto. Já notámos que o cabecilha da insurreição é afinal um nobre que se ignora como tal. A obra vive também do estilo vivo e plástico do autor, do seu humour original, a pairar em algumas cenas e em constantes digressões. Como no teatro, as personagens agem segundo uma psicologia elementar, os sentimentos são leves e superficiais, sem dar lugar (a não ser no Bispo) a intensos conflitos; e o amor aparece sob a forma optimista de alegre preparação para o matrimónio, como no Alfageme aparecera sob a forma de plácida vida matrimonial. E em ambas as obras tudo acaba burguesmente bem. Com esta rudimentaridade de dimensão psicológica contrasta a novela das Viagens : dir-se-ia que entre as duas obras se abre a mesma distância que separa o Frei Luís de Sousa do Alfageme ou de Um Auto de Gil Vicente . A efabulação aparece por entre a ramagem das impressões de viagem e digressões de toda a ordem de que são feitas as Viagens na Minha Terra, segundo o modelo da Viagem Sentimental de Sterne (1787) e da Viagem à roda do meu quarto de Xavier de Maistre (1795). Pode reduzir-se à história sentimental de um rapaz que se apaixona de um modo sucessivo ou simultâneo, mas intenso, por várias mulheres, e se sente incapaz de estancar este constante fluir do seu desejo, de fixar e estabilizar a sua personalidade afectiva. O herói quer sinceramente continuar fiel pelo coração ao seu amor precedente, quer, sentindo-se à deriva num fluir sentimental incessante, deitar a mão a uma corda de salvação. Mesmo nos momentos de delírio febril causados por uma grave ferida em combate, esse querer sentimental se manifesta subconsciente ao apertar com
força uma recordação oferecida pela mulher que, dizia ele, "ainda amava". O diálogo de Carlos e Georgina, quando ele recuperava a consciência, é notável como revelação deste conflito íntimo. Carlos pretende convencê-la da sua fidelidade, e quando Georgina, compreendendo a situação, lhe diz que já não o ama, ele reage como se se sentisse perdido, mas vê-se que esta reacção desesperada é um tributo póstumo, um inconsciente castigar-se a si próprio, como o culto contrito que Telmo Pais prestava à memória de D. João de Portugal. A mentira mistura-se à verdade de maneira inextricável. Ninguém, antes de Garrett, na ficção portuguesa, entrara tão subtilmente na análise do que há de convencional, fictício ou autêntico na vida sentimental, na confusão de verdade e de mentira, de vida actual e de sobrevivência que é o todo afectivo de cada indivíduo; e ninguém pôs em termos tão agudos o problema do desgarrar da personalidade na mudança de tudo, ligando-o, ao mesmo tempo, ao cepticismo superveniente a uma causa generosa que degenera: Carlos descrê de um seu amor verdadeiro, ao mesmo tempo que descrê da revolução que substitui o domínio do frade pelo do barão capitalista do Constitucionalismo, preparandose ele próprio para a comédia da vida social com o futuro triunfo político desse liberalismo mistificado. A novela remata, com efeito, por uma carta em que o protagonista desfibra, em tom vário, a situação sentimental. Aí se confessa moralmente desqualificado: "Eu, sim, tinha nascido para gozar as doçuras da paz e da felicidade doméstica... mas não o quis a minha estrela. Embriagou-se da poesia a minha imaginação e perdeu-se". Na guerra fugira a oportunidade desejada de morrer com uma bala; mas escolheria outro modo de morte: o cepticismo: "Creio que me vou fazer homem político, falar muito na Pátria com quem não me importa, ralhar dos ministros que não sei quem são, palrar dos meus serviços que nunca fiz por vontade; e - quem sabe - talvez darei por fim em agiota, que é a única vida de emoções para quem já não pode ter outra". Esta corajosa apreensão da realidade psicológica comunica-se-nos em Viagens por meio de situações e diálogos; é flagrante a sua estrutura teatral, e nunca porventura o instrumento do diálogo garrettiano, onde se exterioriza o que se diz e o que se não diz, onde se captam as reservas mentais, onde as palavras deixam ver a sinceridade e fingimento combinados ou sucessivos, revelou como aqui os seus múltiplos recursos.
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