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Interações corporativas, por definição, se desenvolvem dentro de limites definidos por normas legais. Tratei de me familiarizar com o ambiente institucional corporativo. A legislação, os arranjos institucionais que ela sustentava, os atores que ela articulava, os mecanismos por ela criados. A legislação sindical e as Constituições vigentes no período de montagem desta estrutura foram utilizadas como moldura legal do universo interativo e, mais importante ainda, puderam ser utilizadas para avaliar a distância entre as intenções da lei e sua aplicação. No espaço aberto entre a intenção da lei e sua aplicação, surgiram os atores, arquitetos e engenheiros que planejaram e construíram a estrutura corporativa de representação e de participação política: a burguesia industrial, a burocracia e o governo. Esta era a "arma do crime" e estes os seus autores. Mas um crime supõe uma vítima ou várias, diz a jurisprudên cia. Só há crime se houver vítima. O exame da "arma" poderia me conduzir à vítima?
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ARMADILHA DO LEVIATÃ
A Construção do Corporativismo no Brasil
Vanda Maria Ribeiro Costa
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor Antônio Celso Alves Pereira ice-reitora Nilcéa Freire
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ARMADILHA DO LEVIATÃ
A Construção do Corporativismo no Brasil
EDITORA DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Conselho Editorial
Elon Lages Lima Gerd Bornheim Ivo Barbieri (Presidente) Jorge Zahar (in memoriam) Leandro Konder Pedro Luiz Pereira de Souza
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Rio de Janeiro 1999 BIBLIOTECA NIRVIA RAVENt\
Copyright © 1999 by Vanda Maria Ribeiro Costa Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer meios, sem a autorização expressa da Editora.
SUMÁRIO EdUERJ Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO Rua São Francisco Xavier, 524 - Maracanã CEP 20550-013 - Rio de Janeiro - RJ Tel./Fax: (021) 587-7788 Tel. (021) 587-7789 / 587-7854 / 587-7855 e-mail:
[email protected] Coordenação de Publicação Coordenação de Produção Capa Projeto Gráfico e Diagramação Revisão Apoio-Administrativo
Renato Casimiro Rosania Rolins Heloisa Fortes Celeste de Freitas Ana Luiza Martins Costa Maria Fátima de Mattos
Apresentação.....................................................................................................................11 Introdução......................................................................................................................... 21 Capítulo 1: O Corporativismo: um Conceito à Sombra........................... 27 À sombra de um conceito................................................................................... 28 O corporativismo dos pobres e o corporativismo dos ricos..............37 Capítulo 2: Projeto Corporativo e Conflito de Elites............................... 49 A reorgani-nação do Estado-Nação.................................................................. 56 A utopia de Oliveira Vianna: corporativismo e justiça social..........67 Direitos, prerrogativas, privilégios ................................................................. 75
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CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/PROTAT Costa, Vanda Maria Ribeiro. A armadilha do Leviatã : a construção do corporativismo no Brasil / Vanda Maria Ribeiro Costa. – Rio de Janeiro : EdUERJ, 1999. 200p. ISBN 85-85881-79-8 1. Corporativismo — Brasil. 1. Título. CDU 334(81)
Capítulo 3: A Construção do Corporativismo............................................... 89 Organizando a ação coletiva.............................................................................. 89 "Pagando pra ver"................................................................................................... 97 Fabricando o interesse comum....................................................................... 103 Em busca da identidade..................................................................................... 117 Os sindicatos-cartéis......................................................................................... 129 Proteção ao trabalho e organização do capital ................................... 135 Conclusão.................................................................................................................. 143 Capítulo 4: A Armadilha do Leviatã........................................................... :...147 A montagem da armadilha................................................................................ 151 Competição e apelo ao Estado....................................................................... 163 Interdependência parasitária e predação ....................................................168 Conclusão.................................................................................................................. 177 Comentários Finais: "O Mapa não é o Território" ....................................179 Bibliografia..................................................................................................................... 193
para Álvaro e Vanda, ...ouro de mina,
coração,
desejo e sina... (Djavan)
Da mesma farinha são os escritores que correm atrás da fama imortal publicando livros. Todos me devem muito, principalmente aqueles que sujam o papel com meras bagatelas. Quanto àqueles que escrevem (...) para serem julgados pela minoria dos doutos (...) parecem mais míseros do que os beatos, porque perpetuamente se torturam. Acrescentam, mudam, suprimem, repõem, repetem, refazem, insistem (...) e nem assim ficam satisfeitos; o louvor, fútil prêmio, e que só poucos recebem, é comprado por vigílias, por suores e por tormentos, quando o sono é a coisa mais doce. (Elogio da Loucura, Erasmo de Rotterdam)
APRESENTAÇÃO
Este livro era uma tese que nem eu mesma conseguia reler, anos depois de tê-la defendido no Iuperj. Quando a Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro concordou em publicá-la, pedindo-me que a tornasse "legível", entendi exatamente o que pedia e o que eu devia fazer. Só não sabia exatamente para quem torná-la legível. Voltei ao texto em busca de um leitor provável e reencontrei os leitores para os quais escrevi a tese. Foi um reencontro sentimental e didático que me conduziu a meu novo(a) leitor(a). Mal iniciara a leitura, senti crescer em mim a sensação de que o texto não mostrava nada do que havia sido feito e dizia nada sobre o trabalho de pesquisa. Aos poucos me vi emaranhada em uma escrita que obedecia rigorosamente ao mais puro jargão da ciência política mas que de alguma forma parecia deixar à margem o mais importante. Era um texto sem vida. Levei algum tempo para entender por que havia escrito de forma tão complicada, tão presa à letra da teoria. Lembrei-me então de como vivi as sucessivas "fases" do trabalho, da "formulação do tema" à "redação da tese", e como elas não tinham nada a ver com a seqüência prevista pelos manuais. Fora um tempo não-linear, um trajeto feito de ziguezagues, idas e vindas, de retornos sistemáticos ao campo, aos dados e à literatura.
APRESENTAÇÃO
A ARMADILHA DO LEVIATÃ
A escrita refletia esse movimento, mas não mostrava o caminho que, mesmo "errático", conduziu-me exatamente aonde eu queria chegar. Desconfio que a maioria das pesquisas segue um pouco esse caminho de múltiplas estradas, sobrepostas, paralelas ou tangentes, e percorrê-las produz ansiedade toda vez que nos deparamos com os manuais de pesquisa ou sempre que nos perguntam sobre o "andamento" ou "fase " dos trabalhos. Mais que ansiedade, vivi muitas vezes a angústia de pensar que "não tinha nenhuma metodologia". E no entanto eu seguia um método. É dele que quero falar. A primeira "revelação" que me veio com força e clareza ao longo da leitura foi a de que eu havia escrito para os meus professores. E, como aluna, submetida a um ritual de passagem, tentava mostrar que sabia trabalhar "cientificamente" e que me apropriara adequadamente do jargão da disciplina. Era mais do que isso no entanto. Constatava, surpresa, que podia identificar nessa escrita as marcas deixadas por cada um dos professores que "me iniciaram" na vida acadêmica. Reencontrei César Guimarães com uma inteligência que brilhava envolvida no afeto e no humor. Lembrei da minha dificuldade em entender o registro de sua fala sempre irônica que me deixava com a sensação de só ter entendido um pouco e perdido o principal. Saía das conversas sempre pensando: será que algum dia vou conseguir entendêlo? Reconheço passagens destinadas a "completar" as conversas que tinha também com Wanderley Guilherme dos Santos e Renato Boschi. Hoje sei que Wanderley Guilherme será sempre meu "orientador". Sua agressividade teórica, iconoclasta, me ensinou a ler de forma diferente, a não ter medo de pensar por mim mesma e entrar na "idade da razão". Renato Boschi era o porto seguro onde ancorava durante as tempestades, e de onde saía para continuar o caminho depois de atualizar o mapa e equilibrar a bússola. Impossível falar de todos os reencontros. Registro os mais intensos, que me levaram de volta aos tempos de aluna de carteira 12
assinada. Hoje aluna honorária, me reencontro comigo e com meu novo leitor. O professor-aluno que inicia a caminhada rumo à "passagem" de aluno a professor que nunca sabemos realmente quando e onde se dá, mas que o ritual da tese assinala. A releitura me trouxe a exata medida do que parecia então uma tortura auto-infligida, quando o pouco de alívio vinha dos colegas e amigos mais pacientes. Helena Bomeny, Ana Caillaux, Dulce Pandolffi, Orlando Alves Paiva, Marcus e Argelina Figueiredo marcaram meus estudos, trabalhos e coração. São pessoas queridas, com quem discutia, aprendia, mas pessoas e não anjos, como me pareciam àquela época. Será que a elaboração de um trabalho acadêmico será, desde sempre, uma tarefa da loucura? A "tortura", ridicularizada por Erasmo? Imagino que parte desta se deva às regras formais dos manuais. Talvez, quem sabe, refazendo a caminhada, eu possa ajudar aqueles(as) que estão começando a viagem. As regras também são reconstruções e quase nunca podem ser obedecidas. Elas não podem impedir a camin h áda, mas apenas orientá-la. É melhor violá-las todas quando estão impedindo prosseguir, mesmo que não. se saiba por quê. A viagem começou financiada pela Finep, através do CPDOC e, posteriormente, pelo CNPq. Eram tempos mais generosos aqueles quando se apostava a fundo perdido na pesquisa básica (digamos assim) em história do Brasil e Ciências Sociais. Sem este "mecenato" do poder público certamente eu não seria hoje professora. Entrei no doutorado com um projeto de estudos que francamente não lembro qual era. Foi um tempo em que passava tardes inteiras discutindo Maquiavel, Hobbes, Marx, Shumpeter, Freud, Olson... tempos de "ócio", aqueles. Será que o Brasil ficou mais pobre? Será que o déficit público aumentou com os gastos públicos que financiaram este meu ócio? Em todo caso, com o que eu ganho hoje como professora, acho que 13
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já devolvi com correção não-monetária o que a nação gastou com minha educação. Durante o curso participei de um grupo de estudos sobre Estado e Mercado, financiado pela Fundação Ford, coordenado por Eli Diniz e Renato Boschi. Neste grupo entrei na estrada que me levaria ao estudo sobre a construção do corporativismo no Brasil. Tudo começou nas discussões sobre a experiência brasileira, através da literatura referente ao corporativismo nas sociedades capitalistas avançadas. Na perspectiva das novas teorias, tanto quanto na perspetiva da canônica do corporativismo, era difícil chegar aos elementos necessários ao exame do tipo de corporativismo desenvolvido entre nós. Foram brigas boas essas. Perdi todas. Perdi? Menos a dificuldade em entender o caso brasileiro e mais a teimosia em sustentar pontos sistematicamente derrotados ou indefensáveis nas discussões, me levaram ao estudo do corporativismo. Fui entrando nele devagar, avaliando os riscos de examinar um objeto já "achado" e, de certa forma, "um pouco evidente demais". Perguntava-me se não seria perda de tempo tentar entender um "crime" já desvendado, de "autoria" já conhecida. Me perguntava mesmo se haveria de fato, ali, algum "crime" a ser investigado. Enfim, seria este um "relevante objeto de pesquisa"? Digo com toda franqueza que a teimosia em continuar vinha exclusivamente da curiosidade em analisar mais detidamente a "arma do crime", com a intenção (intuição?) preconcebida de mostrar que a estrutura corporativa, ao contrário do que enfatizava a literatura neocorporativa em geral, não poderia por si só explicar o funcionamento diferenciado e o tipo de corporativismo brasileiro, que, como outros, está associado ao controle dos conflitos de classe e, ao contrário de outros, institucionalizava o desequilíbrio do poder organizacional de trabalhadores e patrões. Imaginei que se tentasse me informar sobre a montagem do grande artefato, chegaria a entender seu funcionamento e resultados. Fui em busca, então, de seu artífice, identificado pela literatura: o governo Vargas. 14
Teria que muito caminhar para perceber que a montagem dessa estrutura resultara de interações múltiplas entre múltiplos atores, orientados por múltiplos interesses, por vezes conflitantes, por vezes convergentes, e não da vontade política ou virtà de UM. Meu ponto de partida foi a idéia de que as instituições são cristalizações de práticas e relações bem-sucedidas. Eu tinha as instituições que me serviam como estacas em tomo das quais eu podia amarrar os fios das interações. O primeiro passo deveria ser então delimitar o universo dessas interações. Interações corporativas, por definição, se desenvolvem dentro de limites definidos por normas legais. Tratei de me familiarizar com o ambiente institucional corporativo. A legislação, os arranjos institucionais que ela sustentava, os atores que ela articulava, os mecanismos por ela criados. A legislação sindical e as Constituições vigentes no período de montagem desta estrutura foram utilizadas como moldura legal do universo interativo e, mais importante ainda, puderam ser utilizadas para avaliar a distância entre as intenções da lei e sua aplicação. A análise da legislação, inclusive dos anteprojetos e projetos de leis destinados a organizar a representação de interesses de forma corporativa permitiram avaliar com precisão essa distância. No espaço aberto entre a intenção da lei e sua aplicação, surgiram os atores, arquitetos e engenheiros que planejaram e construíram a estrutura corporativa de representação e de participação política: a burguesia industrial, a burocracia e o governo. Esta era a "arma do crime" e estes os seus autores. Mas um crime supõe uma vítima ou várias, diz a jurisprudência. Só há crime se houver vítima. O exame da "arma" poderia me conduzir à vítima? Privilegiando a dimensão participatória e os processos interativos que caracterizam o corporativismo, pude limitar o campo de investigação: aquele constituído pelas interações desses atores e, a partir destas interações, sair em busca de dados. '
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A ARMADILHA DO LEVIATÃ
Dispunha a esta altura de um conjunto de indícios sobre o manuseio da "arma". Eram falas, discursos e depoimentos do governo, da burocracia e do empresariado paulista, sem nenhuma articulação entre si, aparentemente independentes, referidos, no entanto, a um mesmo objeto: a organização corporativa da produção. Eu precisava então de um princípio ordenador que me permitisse encontrar o elo de ligação ou, pelo menos, explicar o que me parecia incoerente: vários discursos divergentes servindo a uma ação conjunta e, por vezes, à cooperação dos atores: discursos convergentes e ação conflitante. Nas teorias da ação coletiva, encontrei o fio que me permitiu seguir as linhas de ação entrelaçadas e as trajetórias dos vários atores em defesa de seus interesses. Francamente, se fosse uma questão de escolha por empatia ou mesmo orientação valorativa, teria escolhido outra teoria. Acontece que o caminho é indicado pelo processo que está sendo observado. O caminho e as fontes adequadas não são escolhas do pesquisador, mas imperativos do objeto pesquisado. Isto eu aprendi um pouco com Marcus e Argelina Figueiredo. A lógica dual da ação coletiva foi o fio que me permitiu combinar indícios, ligar pontos em linhas e curvas. Redesenhar este arabesco me permitiu passar da análise das intenções para a microscopia da ação. Foi então que me dei conta pela primeira vez que, ao contrário do que aprendera nos manuais de pesquisa, só no meio do caminho é que eu podia falar da natureza do trabalho que estava fazendo. Tratava-se de um exercício de interpretação do corporativismo a partir das intenções, ações e resultado das ações dos atores envolvidos no jogo corporativo. Ao longo da caminhada, a estrada ia condicionando a forma e o ritmo do andar. O primeiro "achado" foi o destaque das associações representativas da indústria paulista neste ambiente. "Perdi" muito tempo coletando dados na Associação Comercial de São Paulo até entender que o tipo de informação que eu
procurava estava em outro lugar. Perdi tempo? A consulta exaustiva aos livros de atas e às publicações da Associação Comercial de São Paulo me deu a certeza de que, se existiu no Brasil dos anos 30 e 40 algum compromisso com os princípios do liberalismo, político ou econômico, ele limitou-se aos comerciantes. Isto excluía esta fração de classe do campo da pesquisa, Na biblioteca da Fiesp encontrei "o diário" da instituição e nele as primeiras pistas para compreender a ausência dos mecanismos de interação entre capital e trabalho, previstos pela legislação corporativa, na estrutura institucionalizada. Estaria finalmente na pista da "vítima"? Nos Livros de Circulares achei estranho encontrar, recorrentemente, referências irônicas e hostis a Oliveira Vianna. Procurando dados sobre a rotina de uma associação patronal, encontro emoções. Voltei aos livros de Oliveira Vianna. Agora a leitura tinha outro sentido, menos abstrato e mais ligado a um mundo que cada um tentava transformar à sua imagem e semelhança. Esta leitura foi fundamental para a "formulação da hipótese central" e para a diferenciação entre o projeto corporativo da burocracia e o projeto corporativo do governo. Oliveira Vianna me passava sua confiança inicial no propósito governamental de promulgar leis que abrissem os caminhos para a justiça social. Mas passou-me também seu desencanto, que aumenta no início dos anos 40. Com rigor e ressentimento, ele documenta o sucesso dos "grandes industriais paulistas" na perversão de um modelo idealizado de corporativismo. Até então eu tentava organizar interpretação e análise, orientada pela célebre questão: a quem serve isto? Foi de forma inteiramente casual que pude sair do dilema- que este tipo de conduta criava. Afinal a permanência e sucesso do corporativismo correspondeu e corresponde ao interesse de grupos e frações de classe as mais diversas, até mesmo antagônicas. A porta da saída foi aberta por um livro, de fato um dossiê, sobre o esforço da elite
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APRESENTAÇÃO
empresarial paulista em formular um projeto de organização corporativa em reação ao projeto do governo. Este achado absolutamente casual transformou-se na principal fonte de informações sobre o papel da elite industrial paulista na montagem do sistema corporativo. Encontrei-o olhando cansada as estantes da Fiesp, à espera das cópias do material coletado no dia. O livro, não catalogado, estava "fora de lugar" nas estantes. Quando o abri "A Constituição de 10 de Novembro de 1937 e a Organização Corporativa e Sindical", disse para mim mesma: acabei minha tese. Doce engano. Mas sem dúvida eu entrara em outra "fase" da pesquisa. Achar "minha" verdadeira vítima foi coisa também da ordem do acaso, ou mais precisamente, de um erro na seleção das fontes. Passara dois longos anos para obter acesso ao arquivo do Departamento Administrativo do Estado de São Paulo, que eu entendia ser fundamental para examinar formas de representação de interesses paralelas ao corporativismo, surgidas nos anos 30, quando experiências políticas as mais diferentes foram realizadas. O acesso a este arquivo, especial gentileza do Prof. Goffredo da Silva Telles, me colocou em uma encruzilhada. Ou bem eu seguia em direção ao exame de formas de governo local inventadas pela elite paulista nos tempos de Vargas', ou bem dava o tempo por perdido. Todo ele financiado pela Finep via Cpdoc. Escolhi deixar de lado um achado importante. Tinha-me apegado ao objeto. Preferi seguir outra pista, encontrada neste material, que levava a um "Conselho de Expansão Econômica de São Paulo". O DAESP mantinha um fluxo contínuo de comunicação com as entidades patronais que participavam deste Conselho.
Vi com enorme prazer e um pouquinho de inveja que este estudo está sendo feito por Adriano Nervo Codato. Ver Codato, "O Departamento Administrativo do Estado de São Paulo na Engenharia do Estado Novo", em Revista de Sociologia e Política, n.° 9, 1997. Dossiê Estado Novo,
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Voltei aos arquivos públicos paulistas, reiniciando uma verdadeira peregrinação. Ela terminou quando, comentando com uma arquivista antiga do Arquivo do Estado sobre as dificuldades de localizar o arquivo do Conselho, ela lembrou-se de ter visto certa vez, no arquivo morto, o acervo de um conselho econômico. A consulta a este material só foi possível graças à generosidade e boa vontade das arquivistas do Arquivo do Estado que se dispuseram a trazer uma a uma as caixas não organizadas, e de sua diretora à época, Inez Etienne Romeu, que me permitiu consultá-lo. O funcionamento do Conselho expunha a natureza do "crime", a lógica do "assassino", o processo de fabricação da "arma", e colocava-me frente à frente com a "vítima". O Conselho articulou a elite empresarial paulista ao interventor de Vargas; permitiu que as diversas entidades patronais pudessem cooperar entre si, disciplinando seus conflitos; permitiu que as medidas econômicas do governo local e do governo federal, em pleno Estado Novo, fossem discutidas e negociadas; permitiu que as elites empresariais, em especial as industriais, assumissem o controle do processo de distribuição de recursos (políticos e econômicos) escassos em São Paulo; finalmente permitiu o fortalecimento de algumas frações do capital em detrimento de outras. A experiência do Conselho me permitiu completar o argumento em defesa da idéia de que, além do corporativismo de Estado, o Brasil experimentou também o corporativismo societal. Foi difícil começar a escrever. Nunca me esqueço da alegria que tive, quando, folheando uma revista de filosofia política, coisa que fazia sempre que me sentia cansada da literatura que era obrigada a examinar, encontrei um artigo de Peter Hall (1990) sobre como escrever uma tese. Não dizia nada muito diferente do que diziam os professores, mas terminava aconselhando enfaticamente: don't get it right, get it written. Naquele exato momento entendi o que me impedia de escrever. Era chegada a hora de passar da posição de leitora à posição de escritora exposta à crí19
A ARMADILHA DO LevuTA
tica. Era hora de deixar a estrada. As idas e vindas atrás de pistas que surgiam e desapareciam, de atalhos que eram de fato desvios de rota. Aprendi que a pesquisa tem tempos e movimentos que os manuais não contam. O tempo dos erros, dos acertos, dos caminhos exploratórios. Movimentos de ajuste das lentes, do foco; escolha de. outras perspectivas e do melhor (ou de outro) ângulo. Tempo que inclui a relação entre o pesquisador e seu objeto, sempre complicada. Tentei seguir a estratégia de Auguste Dupin: por detrás do esforço de identificação, que me ajudava a entendê-lo, preservei uma atitude de permanente suspeita 2 . Hoje estou convencida de que o poeta é o melhor orientador: el comino, o! viandante, se hace al cominar. O poeta, porque poeta, certamente me desculpará por ter esquecido seu nome.
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Personagem de Edgar Allan Poe, em "A Carta Roubada".
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INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende oferecer mais uma interpretação sobre o. corporativismo no Brasil. Originou-se da minha dificuldade em entender o modelo brasileiro através das postulações do corporativismo clássico e das teorias corporativas contemporâneas. Embora o Estado brasileiro tenha sido capaz de organizar, ao longo dos anos 30, a representação dos interesses dos patrões e dos operários, não se criou aqui aquele espaço de diálogo institucionalizado, necessário à colaboração entre classes antagônicas, previsto pela teoria corporativa clássica. Por outro lado, a participação dos grupos de interesses nas políticas públicas relativas a esses interesses, que caracterizam os arranjos corporativos nos países industriais avançados, foi prática rotineira no Brasil dos anos 30 e início da década de 40. Refiro-me basicamente aos conselhos e comissões paritárias, compostos por representantes de interesses de classe e agentes do poder público. Desde então, esses mecanismos foram utilizados com eficácia para discutir, decidir e implementar políticas públicas em comum acordo. Se comparados com seus congêneres pelo mundo afora, percebe-se que, enquanto no Capitalismo desenvolvido eles servem como mecanismos de consulta do governo à sociedade organizada, mais precisamente aos grupos de interesse e entidá-
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A ARMADILHA DO LEVIATÃ
I NTRODUÇÃO
des de classe, e ao entendimento e acordo entre capital e trabalho, no Brasil eles servem apenas ao capital. Essa diferença quanto ao âmbito da ação organizada das classes é fundamental para qualificar a estrutura corporativa no Brasil. Aqui, o corporativismo combinou padrões organizacionais distintos — sindicatos e corporações — definindo os limites da ação organizada de acordo com as desigualdades de classe. Considerar as diferenças entre organização sindical e organização corporativa é fundamental para se acompanhar o argumento central da tese aqui defendida: no Brasil, os interesses do capital se organizaram sob um formato corporativo, enquanto a representação dos interesses do trabalho foi organizada sob a forma de um sindicalismo tutelado. Essa diferença se expressa na combinação do corporativismo societal com um corporativismo estatal' , que Oliveira Vianna tratou de distinguir 2 , antecipando em quase meio século a literatura contemporânea sobre o corporativismo nas democracias. Por enquanto é suficiente observar que a diferença aparece de forma mais clara na transformação dos sindicatos operários, de organizações de defesa de interesses e luta, que eram, em mecanismos de organização e controle das reivindicações da classe operária, destituídos de suas funções participatórias e políticas. Os conselhos e comissões técnicas, compostos por representantes dos sindicatos e/ou associações patronais, eram os novos espaços de participação, constituídos como mecanismos corporativos por excelência. Através deles, institucionalizou-se a participação dos
A coexistência de tipos diferenciados de corporativismo foi reconhecida por Philippe Schmitter, e ressaltada por César Guimarães em "Planejamento, Grupos Empresariais e Corporativismo Societal". Expansão do Estado e Intermediação dos Interesses no Brasil (1979), IUPERJ, Rio de Janeiro. Ver bibliografia consultada por Schmitter ao longo do segundo capítulo e no final do livro citado na nota acima.
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grupos de interesse do capital na máquina do Estado e nas definições da política pública. No Brasil, a diferença entre corporativismo e sindicalismo não tem sido levada em conta, sendo esses termos utilizados quase como sinônimos. Isto deve-se em parte ao fato de o corporativismo ter sido entendido como uma estrutura. Se a análise das estruturas facilita a apreensão das semelhanças, dificulta, por outro lado a captura de diferenças, perceptíveis apenas no exame de seu funcionamento e dinâmica. Trata-se aqui de examinar o desenvolvimento dos processos interativos que antecederam a institucionalização da estrutura de corporativismo no Brasil. Parto da hipótese de que, no Brasil, este sistema de representação de interesses e de participação na formulação de políticas públicas se desenvolveu no âmbito restrito das relações entre o capital e o Estado, e que sua estrutura resultou dos padrões interativos produzidos nessas e por essas relações. A literatura contemporânea associa o caso brasileiro ao "corporativismo de Estado". A idéia se difundiu porque, além de se adequar com perfeição à estrutura sindical, se ajustava à percepção generalizada de que o corporativismo fora a grande obra de engenharia político-institucional, artefato exemplar do engenho e arte do autoritarismo dos anos 30. Para efeitos de análise comparada, a noção de corporativismo de Estado pode ser útil para o estudo das relações entre Estado e classe trabalhadora. Entretanto, ela diz nada, ou quase nada, sobre as relações entre Estado e classe empresarial. Quando a análise privilegia aspectos estruturais, acaba deixando fora de foco diferenças associadas a processos políticos, econômicos e sociais que são exatamente aqueles aspectos que "fazem a diferença" dos tipos de corporativismo: Para estes processos, portanto, dirijo o foco da análise. Nesta perspectiva, as relações entre a classe patronal e o Estado não podem ser descritas através do conceito de corporativismo de Estado, mesmo que este possa corresponder a uma "necessidade estru23
A ARMADILHA DO LEVIATÃ
INTRODUÇÃO
tural do Estado autoritário e de capitalismo atrasado" (Schmitter, 1979). Embora o corporativismo societal esteja teoricamente associado ao Estado pós-liberal, ao capitalismo avançado e ao Estado de bem-estar democrático, as relações entre o Estado brasileiro e a classe patronal, ao longo dos anos 30, podem ser melhor descritas através deste conceito 3 . Este conceito destaca a institucionalização precoce de relações entre o Estado e o capital, que cristalizaram a desigualdade política entre as classes. Dizer que tivemos "corporativismo de Estado" para a classe operária e " corporativismo societal" para a classe patronal não implica dizer que experimentamos dois tipos de corporativismo. Se a análise da dinâmica do sistema revela diferenças cruciais, que podem ser apreendidas através da tipologia de Schmitter, os resultados dessa dinâmica demonstram a complementaridade e a " interdependência conflitante" entre o sistema sindical operário, o sistema corporativo patronal e o governo nos anos 30, e mais ainda no período do Estado Novo 4 . A tutela e o controle dos-sindicatos foram pré-requisitos para a consolidação do corporativismo societal no Brasil s . Defendo a idéia de que esse corporativismo, por enquanto dito societal,
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César Guimarães foi o primeiro a questionar a utilização generalizada de corporativismo de Estado, destacando padrões de interação societal como característica das relações entre burguesia industrial e Estado, mesmo no fascismo. Para essa questão, ver também Roland Sarti, "Fascism and the Industrial Leadership in Italy, 1919-1940 (1991), University of Califomia Press, Berkeley. Para a idéia de complementaridade do conflito de classes, ver Karl Marx em "O Manifesto Comunista"; e para a idéia de interdependência conflitante, ver Wanderley Guilherme dos Santos, "A Lógica Dual da Ação Coletiva", em Dados, vol. 32, n.° 1, 1989; e ainda Georg Simmel, Conflit and the Web of Group Affiliations, Free Press, New York, London; e em Evaristo de Moraes Filho e Florestan Fernandes (orgs.) (1983), Simmel, Ática, São Paulo. Werneck Vianna, trabalhando com o paradigma marxista, ressaltou o pacto bilateral entre burguesia _e Estado como característica do corporativismo no Brasil da década de 30; Angela Castro Gomes assinalou que as barganhas que produziram este pacto envolviam o controle da classe trabalhadora. 24
desenvolve-se através de uma lógica que resultará em um corporativismo predatório. Seus elementos básicos são: a competição que se desenvolve no interior do capital e o papel do Estado como produtor de bens privados para atores coletivos. Analiso exclusivamente o processo de organização dos industriais paulistas ao longo da década de 30 e início da década de 40, tentando mostrar a correspondência entre o corporativismo desenvolvido no Brasil e as soluções encontradas pelos industriais paulistas para seus problemas de ação coletiva. Neste processo, a organização dos sindicatos patronais, segundo as regras estabelecidas pelo governo, foi ao mesmo tempo mecanismo de organização do mercado e de acesso da classe patronal à máquina do Estado, legitimando sua representação e participação nas decisões e implementação de políticas públicas, em especial na política relativa aos direitos trabalhistas. Centrada na indústria paulista, a análise é necessariamente parcial e seletiva. Séries de eventos são tomadas como ilustrações para reconstrução e reinterpretação da dinâmica dos jogos de poder que resultaram no corporativismo brasileiro. No primeiro capítulo esclareço a perspectiva adotada, tentando neutralizar os estigmas associados ao conceito para efeitos de análise. Revendo a literatura, identifico os problemas e desafios a serem enfrentados. Em seguida, confronto projetos de organização do sistema de representação de interesses, elaborados ao longo dos anos 30, tentando mostrar como o debate em torno das regras que regulamentariam as relações entre Estado, capital e trabalho expressam, na verdade, o conflito em torno da definição das regras do jogo político e de seus participantes. O terceiro capítulo é uma análise do processo de organização da ação coletiva dos industriais paulistas, onde mostro as relações entre a organização da Fiesp-Ciesp e a montagem da estrutura corporativa. No quarto capítulo acompanho a consolidação de um tipo de corporativismo que resultou da competição entre as entidades patronais paulistas pela proteção do Estado. 25
Capítulo 1
O
CORPORATIVISMO:
UM CONCEITO À SOMBRA
Até Maquiavel, Estado e sociedade não se diferenciavam no. "todo orgânico da existência humana" (Cassirer, 1976). Assinalando diferenciações históricas, Maquiavel traça os limites entre uma e outra, isolando esferas da vida social até então ligadas e indistinguíveis. Desde então, o debate sobre as relações entre Estado e sociedade se desenvolve à sombra da unidade e organicidãde perdidas, reproduzindo-se como utopia a ser recuperada pela ação do Estado, do indivíduo ou pela ação coletiva. A nostalgia da totalidade perdida acompanha, até hoje, teorias e doutrinas que não conseguem se desvencilhar da esperança de reunificar um todo, histórico ou imaginário, seja através da vontade geral, da força, da razão, da paixão, da liberdade, da necessidade ou mesmo da revolução. Anarquismo, liberalismo, marxismo, conservadorismo, socialismo, capitalismo, corporativismo e democracia são, sob esse ponto de vista, utopias que se diferenciam pela concepção que fazem do todo a ser reunificado e pelas propostas para recuperá-lo face a um universo submetido à lei irreversível da diferenciação. Versão sofisticada da nostalgia utópica é a poliarquia (Dahl, 1971). Seu limite é o reencontro da sociedade com o Estado. Governo "de muitos", a poligarquia revela na semânti-
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. A ARMADILHA DO LEVIATÃ
O CORPORATIVISMO: UAI CONCEITO À SOMBRA
ca a saudade do mundo ateniense, experiência paradigmática a ser renovada mediante sua re-significação num mundo em que a diferenciação do Estado como sede do poder transformou a natureza do político, e no qual a divisão do trabalho recoloca indefinidamente a questão da recomposição desse todo, seus limites, critérios e mecanismos de inclusão. Sob esse ponto de vista, é possível examinar essas teorias como gêneros de uma mesma espécie, isolando-as dos eventos e processos históricos aos quais ficaram associadas. Não se trata aqui de fazer esta avaliação, mas apenas de explicitar a perspectiva sob a qual será examinado o corporativismo no Brasil: um projeto utópico entre outros e, como os outros, situado no âmbito do debate sobre as relações entre Estado e sociedade, marcado pela nostalgia da totalidade. Como outras utopias, o corporativismo tem sua própria concepção do todo e dos critérios e mecanismos de inclusão. Como as outras, seguirá a trajetória que lhe será i mpressa pela razão e ação dos homens e de suas circunstâncias no esforço de construir suas instituições. À sombra de um conceito No território das utopias, o corporativismo ocupou, e ainda ocupa, um espaço de contornos imprecisos porque partilhado de um lado, com teorias fundadas na idéia da sociedade como totalidade das relações sociais, organizada em grupos, onde a correspondência entre os interesses desses grupos e a ação do governo seria o fundamento legítimo do poder público'. De outro lado, coabitou e coabita com teorias que vêem o Estado como portador de um interesse geral, ou agente do interesse comum, detentor do monopólio do poder para organizar, sob uma totalidade política, os grupos sociais 2 . ' Agrupo, nesse caso, liberalismo e pluralismo. 2
Refiro-me ao totalitarismo e autoritarismo. 28
A temática do corporativismo se difundiu no Brasil na década de 30, como rationale do autoritarismo, ficando associada ao fechamento dos partidos políticos, à supressão do direito de livre associação e à organização do sistema de representação de interesses de classe. Idéia dominante no período, fascinou juristas, militares, intelectuais em geral — os católicos em particular —, identificados com ou refratários ao novo regime. Para o corporativismo confluíram naturalmente os diversos e conflitantes projetos de reorganização do Estado Nacional no pós 30. Desses projetos, ficariam conhecidos aqueles apoiados em versões associadas à ação dos grupos que sucessivamente se destacaram pela influência que exerceram no governo durante o período. Os tenentes, seguidos pelos juristas responsáveis pelo arcabouço legal da Segunda República e pelos intelectuais católicos, foram deixando os traços de seus projetos na reestruturação de um Estado mais racional, menos oligárquico, mais público, mais includente e autoritário. A legislação social, a reorganização sindical de_1931, a criação dos Tribunais de Trabalho e Juntas de Conciliação, a representação classista, a liberdade sindical episódica de 1934, os conselhos técnicos setoriais e de assessoria governamental, a Carta de 37, a reorganização sindical de 1939, a Lei do Enquadramento Sindical de 1940, e, finalmente, a Consolidação das Leis do Trabalho, documentam a institucionalização de um modelo de relações entre Estado e sociedade conduzidas vertical e hierarquicamente pelo Estado, conforme regras por ele estabelecidas. Era um modelo corporativo de base sindical. Nesse modelo cabia ao Estado, personificando o interesse geral, promover a incorporação dos grupos de interesses de classe à totalidade do Estado-Nação. Este mesmo modelo institucionalizou um outro tipo de corporativismo, caracterizado por relações de classe horizontais e pela participação de grupos de interesse na máquina de governo. 29
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Ele propiciou a autonomia relativa de algumas associações de classe e contribuiu para que elas conseguissem organizar sua ação de mercado. Foi um tipo de corporativismo que serviu à organização e consolidação do associativismo patronal sob padrões inteiramente diferentes daquele que o corporativismo impôs à classe trabalhadora. Correspondeu a uma versão desenvolvida por juristas paulistas, encomendada pela elite empresarial de São Paulo 3 . Elaborada como reação à ameaça de um corporativismo totalitário à imagem do fascismo italiano, articulava-se em torno da idéia de que no Estado corporativo o poder público e sua legitimidade emanam da sociedade civil. Totalitarismo e corporativismo seriam, portanto, incompatíveis'. Esta versão foi utilizada para organizar a resistência das associações patronais paulistas à reorganização sindical promovida pelo Estado Novo, que contrariava, segundo argumentavam, a evolução "corporativa natural" de suas entidades de classe. Seu primeiro postulado era o da diferença entre sindicatos e corporações. Os sindicatos não eram instituições corporativas como eram as associações da classe patronal. Com base na distinção, sugeriram modificações no projeto de reorganização do sistema de representação de interesses (Lei Sindical de 1939), que propunha a igualdade e simetria organizacional entre todas as associações de classes, de trabalhadores e de patrões. As mudanças no projeto tinham o sentido de garantir a assimetria organizacional através do reconhecimento do status diferenciado das associações civis patronais. A versão empresarial-paulista do corporativismo
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Esta versão será apresentada no segundo capítulo, com base em publicação de 1940, da Fiesp: A Constituição de 1937 e a Organização Corporativa Sindical. As fontes mencionadas em apoio a esse argumento foram Mikhail Manoilesco, Azevedo Amaral, Francisco Campos e Agamenon Magalhães. Ver Fiesp, op. cit. Os juristas paulistas recorreram também aos corporativistas católicos, às encíclicas Quadragésimo Anno e Rerrum Novarum, e a alguns italianos. 30
foi traduzida juridicamente em um conjunto de emendas e sugestões de substitutivos à lei de sindicalizado de 1939, todas posteriormente acatadas pelo legislador, como se verá. O conceito de corporativismo foi por muito tempo tratado, predominantemente, pela literatura jurídica. Embora os estudos sobre o Estado no Brasil desemboquem na temática do corporativismo, poucos analisam o conceito de forma detida. Embora a estrutura corporativa e seus efeitos nas relações de classe, no controle dos trabalhadores, na gênese da cidadania social, sejam variáveis consideradas pela análise política, social e histórica, poucos estudos tomaram o conceito como objeto de análise, à exceção de Werneck Vianna (1978), Neuma Aguiar (1969), e Amaury de Sousa (1978). A democratização do regime, em 1946, deixa para trás o debate político sobre o corporativismo, que ficará desde então associado ao autoritarismo e à organização compulsória da classe operária. Sob esta forma retomará 30 anos depois nos estudos sobre a classe trabalhadora, onde o sistema corporativo é utilizado, via de regra, para explicar a fraqueza da classe e a subordinação dos sindicatos (Simão, 1966), ou ao contrário, é explicado pela fraqueza da classe operária. O papel das associações patronais na consolidação da estrutura corporativa permaneceu por longo tempo protegido da análise teórica. Em parte, a explicação está na identificação do corporativismo com a organização sindical. À exceção de Neuma Aguiar (1969) e, posteriormente, Amaury de Souza (1978), não se cuidou em diferenciar teórica ou empiricamente o corporativismo do sindicalismo, tendo-se perdido de vista seu significado e sua referência a um modelo mais amplo de representação de interesses' (Rodrigues, 1990). No início dos anos 70, esse significado é recuperado e difundido por Philippe Schmitter (1971) em sua análise sobre desenvolvimento político no Brasil. Neste estudo ele distingue um 31
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"corporativismo natural" como padrão de organização da classe patronal, de um "corporativismo artificial", formato sob o qual se organizara a classe operária, associando-o, no Brasil, a um conjunto de características culturais e comportamentais ligadas a sociedades tradicionais (Schmitter, 1971, pp. 93 e 98). A distinção, feita a partir da identificação de padrões de relação entre Estado e sociedade que correspondiam à desigualdade de classes, é retomada por Guillermo O'Donnell. Diferenciando o corporativismo na América Latina daquele em desenvolvimento nas sociedades democráticas, O'Donnell identifica um tipo "bifronte", ao mesmo tempo estatizante e privatista, cada uma dessas frontes correspondendo às relações desiguais entre o Estado e as classes, em função da desigualdade de poder. O corporativismo bifronte é associado também à racionalidade burocrático-autoritária do Estado moderno (O'Donnell, 1982). A conjunção corporativismo-autoritarismo explica a marginalização do tema ao longo da década — de 70, estimulada pelas perplexidades trazidas pela consolidação da ditadura militar, ao longo da qual os estudos se voltam para a busca de explicações que dessem conta do que parecia ser uma cultura política desenvolvida sob um autoritarismo endêmico. A reflexão, no entanto, se confrontaria sempre, e de formas diversas, com a necessidade de explicar o dilema posto pela constatação da existência de um Estado forte, centralizado, capaz de se impor aos interesses da sociedade em geral, e às evidências da força de setores e grupos sociais específicos, que conseguiam fazer prevalecer seus interesses e projetos em políticas públicas desenvolvidas em nome dos interesses da nação. O esforço de repensar o Brasil orientou-se no sentido de retomar conceitos que tinham servido para pensar o país e seus problemas. A noção de "Coronelismo" (Leal, 1949) e a idéia dos "clãs feudais e parentais" (Vianna, 1951) foram recuperadas pela 32
análise política, na tentativa de compreender a evolução de um sistema político que se implantava como resultado de alianças do poder privado com o Estado, e pela predominância atávica do privado sobre o público. Por outro lado, conceitos como "patrimonialismo" e "estamento burocrático" (Faoro, 1958) explicavam o país a partir de um autoritarismo genético. O fato de, no Brasil, o Estado ter se organizado antes da sociedade, impondo-se sobre esta, teria sufocado processos autônomos de organização cujo resultado se via na debilidade da sociedade civil. Nessa linha de interpretação, o conceito de "cooptação" daria conta de arranjos neopatrimonialistas resultantes da tensão entre processos de autonomização da sociedade civil e processos de centralização do Estado (Schwartzman, 1981). Mesmo marginalizada e limitada ao âmbito dos estudos sobre a organização sindical, a questão do corporativismo permeia quase todas as análises. À sua sombra nascem conceitos necessários para falar de um sistema de participação desigual e diferenciado na estrutura do Estado, que, evoluindo desde 30, foi reconhecido como obstáculo à democratização. "Capitalismo burocrático" foi uma das fórmulas úteis para fazer referência a este sistema de uma perspectiva estrutural. Indicava um tipo de relação entre sociedade e Estado que resultava em formas intervencionistas favoráveis a interesses capitalistas privados, agilizadas através da burocracia (Prado Jr., 1966). As evidências do fortalecimento e racionalização da ação do Estado se faziam acompanhar de 'evidências relacionadas à ação de grupos e setores que se fortaleciam no interior mesmo do processo de expansão do Estado. Esse fortalecimento resultava de um tipo de interação que se desenvolvia no círculo limitado dos "anéis burocráticos" que substituíam os partidos clássicos na articulação entre interesses econômicos e Estado (Cardoso, 1972). Inspirados nas trajetórias clássicas rumo à democracia, os grandes modelos de análise descuidaram da potencialidade analí-.
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tica de um conceito, aplicando-o à descrição de estrutura vertical e hierarquizada, sancionada e controlada pelo Estado, associada ao autoritarismo. No entanto, nele acabam desembocando os estudos sobre ò Estado, classes e as relações entre ambos, tomando-se tema recorrente a partir do trabalho de Schmitter, sem nunca ter sido tomado, no entanto, como objeto específico e central de análise. Qualquer levantamento bibliográfico mostra que o corporativismo foi estudado quase sempre como capítulo da história jurídica, doutrinária ou sindical, sendo incorporado à análise política como dado (Vianna, 1978; Rodrigues, 1990). Não tendo sido, no Brasil, objeto de tratamento teórico até início dos anos 70, o corporativismo tem-se revestido entre nós de significados os mais diversos (Santos, 1989). Em parte, esta multiplicidade de significados pode ser atribuída ao fato de ser considerado principalmente através de•seus efeitos sobre os diversos e diferentes objetos de análise privilegiados pelos autores. Sua concepção mais difundida, como uma estrutura vertical, hierarquizada e controlada pelo Estado, utilizada principalmente nos estudos sobre o sindicalismo operário, foi aos poucos sendo requalificada. Achados relativos à dinâmica da ação do Estado e seu papel nas relações entre as classes; estudos que se deparam com os condicionamentos impostos pela estrutura corporativa ao movimento sindical operário; trabalhos voltados para o exame de grupos de interesse: todos apontam relações cada vez mais claras entre o processo de corporativização e processos interativos mais amplos e includentes. Francisco Weffort, definindo o sindicato operário no Brasil como uma "organização corporativa de classe" (1972), atribui ao corporativismo uma importância central em sua argumentação sobre o "Estado de compromisso". Portanto, enfatizando a verticalidade hierárquica da estrutura sindical, refere-se a articulações horizontais, vistas como elementos externos ao sistema, explicadas pela "capacidade de resistência" de alguns setores ou pela "tolerância do governo". É levado todavia a reconhecer que
essas articulações horizontais "complementavam e dinamizavam a estrutura oficial". Tais articulações são exatamente o que permite que as relações entre Estado e patronato escapem à rigidez hierárquica que disciplinava as organizações dos trabalhadores. A idéia de Estado de Compromisso fecundou análises posteriores, abrindo espaços à compreensão do corporativismo como um arranjo que se estendia para além da estrutura sindical vertical e subordinada (Rowland, 1974). Associado ao controle e subordinação da classe operária, o corporativismo passa a ser percebido como mecanismo de distribuição de privilégios a certos grupos da classe operária (Walker, 1968; Souza, 1978), da classe média (Almeida, 1978), e da classe capitalista (Vianna, 1976; Diniz, 1979; Diniz e Boschi, 1979). É relacionado também ao fortalecimento do papel político do empresariado (Leopoldi, 1984) e ao processo de formação de identidade das classes fundamentais (Gomes, 1979), ou ainda à expansão da cidadania e à incorporação dos atores sociais ao sistema político (Santos, 1979). Isto implicava reconhecé-Tõ como um fenômeno que englobava outras dimensões, além da organizacional. O corporativismo dizia respeito, portanto, a práticas interativas, políticas públicas e arranjos institucionais diversos (Santos, 1990). À sombra da estrutura corporativa, a compreensão do papel do Estado vai sendo ampliada na medida em que vai se tornando cada vez mais necessário qualificar o tipo e grau de autonomia que este dispunha nas suas relações com a sociedade, nas diversas fases de seu desenvolvimento (Almeida, 1978; Vianna, 1976). A análise do funcionamento dessa estrutura leva a achados interessantes. Conflitos entre classes te-lo-iam legitimado nas funções de mediador , (idem).. Conflitos intraclasse estariam na fase da criação de estilos políticos como o populismo (Weffort, 1972), e abriam espaços à participação de segmentos burocráticos nas decisões "sobre os rumos da economia e o destino das instituições políticas" (Almeida, 1978).
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uma forma privada de corporativismo que fundiu representação de interesse e participação política, aplicável apenas a associações industriais. Se, de um lado, o corporativismo é identificado como obstáculo à consolidação da democracia, por outro, é possível reconhecer seu papel na industrialização (Diniz e Boschi, 1989, 1990), no alargamento da incorporação política (Santos, 1989; Diniz e Boschi, 1990) e seu potencial na extensão da democracia (Reis, 1989). A diversidade das avaliações fornece as peças para a montagem do quebra-cabeças. Sua solução poderá ser encaminhada quando acharmos uma maneira de combinar características aparentemente contraditórias que revelem a lógica de um modelo de relações entre Estado e sociedade, que combinou:
O tipo de compromisso que garante a estabilidade dos regimes e governos é também revisto. Nessa linha, Werneck Vianna chama a atenção para o papel da estrutura corporativa no pacto entre Estado e frações da classe dominante ao longo dos anos 30 (Vianna, 1976). A estrutura sindical, ao legalizar a exclusão política dos trabalhadores, evidenciava a parceria da burguesia industrial com o Estado na montagem da "estrutura sindical corporativa" (idem). A experiência corporativa dos anos 30 é relacionada, assim, a um pacto bilateral em torno de interesses econômicos. Pacto que se acompanhou, entretanto, de uma política social. Com uma única exceção, Wanderley Guilherme dos Santos, o pacto do governo com a burguesia industrial foi tratada apenas como a contraface da exclusão política e do controle da classe trabalhadora. Talvez por ser "um pouco evidente demais", a associação entre corporativismo e política social não tenha despertado o interesse sobre a microscopia do corporativismo. Seguindo as pistas , deixadas por Werneck Vianna, uma série de estudos que se concentram no exame do desenvolvimento das associações patronais vão desembocar também no corporativismo (Diniz, 1978; Boschi, 1978; Gomes, 1979, Leopoldi, 1984; Diniz e Lima Júnior, 1986). Na década de 80, o corporativismo é incorporado como conceito central na análise da política brasileira (Reis e O'Donnell, 1988; Boschi, 1991). Esses estudos, além de imprimirem inflexões contraditórias na avaliação do papel do estado e das classes (Diniz e Boschi, 1991), contribuíram para transformar o tema em um quebra-cabeça empírico e teórico. Se para Schmitter tivemos um corporativismo de Esta do, e para O'Donnell um corporativismo bifronte e segmentário, para Werneck Vianna trata-se de um corporativismo sui generis. Para Diniz e Boschi, estaríamos diante de um corporativismo (de Estado?) "descaracterizado", enquanto Leopoldi identifica
O retorno à temática do corporativismo e sua difusão no pensamento anglo-saxônico resultou do acúmulo de evidências de que políticas e processos a ele associados conformavam instituições sólidas nas sociedades pluralistas de capitalismo avançado. Tais evidências produziram um certo desconforto teórico ligado à adequação do conceito, estigmatizado historica-
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a) intervenção do Estado com interferência da sociedade no Estado; b) subordinação dos grupos de interesse com autonomià de uns e controle de outros; c) mecanismos de inclusão social com mecanismos de exclusão política; d) sistema de proteção social com políticas de acumulação de capital e concentração de renda. O corporativismo dos pobres e o corporativismo dos ricos
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mente, à captura de fenômenos que atestavam a falência dos pressupostos liberais relativos ao equilíbrio dos mercados e ao equilíbrio político produzido pelo pluralismo. Mesmo tendo sido fecundo para a análise de processos em desenvolvimento nas democracias modernas, detectados ainda na década de 60 nos Estados Unidos (McConnell, 1966; Lowie, 1968), a simples menção ao termo corporativismo continua sendo problemática, por evocar "o espectro do fascismo e do governo autoritário" (Schmitter, 1982). Essas associações não são suficientes, no entanto, para explicar a resistência à sua utilização. Acho mais fácil entendêla pelo fato de que seu ressurgimento empírico desafia hipóteses que foram transformadas em princípios dogmáticos, ocorrência comum nas ciências sociais, como há muito nos alertou Lowie (1968). Refiro-me particularmente aos postulados sobre as relações Estado-sociedade e ao dogma da rígida separação entre estes domínios, partilhado pelo liberalismo, pelo pluralismo e pelo marxismo. O pavor quanto às implicações teóricas do reconhecimento desta fratura é um obstáculo real à teorização sobre o corporativismo. Associado, em suas postulações clássicas, à idéia da sociedade como uma área multiforme de cooperação (compulsória ou voluntária), e ao Estado como organização que atua necessariamente como catalisador da uniformidade, o corporativismo transforma-se em anátema. A resistência ao conceito aumenta, diante das manifestações empíricas que ele tipifica. O corporativismo revela interações complexas entre todas as esferas da vida social e econômica, combinadas à expansão do papel do Estado moderno que, conseqüentemente, tem sido levado a intervir na sociedade com freqüência cada vez maior. O corporativismo diz da institucionalização de relações entre a sociedade e o Estado que não obedecem aos padrões previstos pelo pluralismo ou pelo marxismo. São relações que se desenvolvem a partir do movimento real da
sociedade e que transformam o Estado, sua ação e a própria sociedade, redefinindo o grande jogo social'. Uma vez percebido como fenômeno empírico, o corporativismo transforma-se em desafio teórico. Estado, mercado e organização dos grupos de interesse não podem continuar sendo entendidos nos termos clássicos da dogmática liberal, pluralista ou marxista. Embora já exista um nível satisfatório de consenso sobre a necessidade de revisão conceituai, ela tem se caracterizado por um paradoxo. Enquanto o debate vem se mantendo dentro dos limites rígidos do discurso das disciplinas, os estudos sobre as formas contemporâneas de corporativismo ultrapassam esses limites. A meu ver, a contenção deve-se em parte ao fato de que a discussão provoca o rompimento desses limites. Não é gratuito o fato de que o conceito venha sendo aplicado à análise de sistemas econômicos, de sistemas políticos e de sistemas interativos (Cawson, 1986; Lehmbruch, 1982). A resistência se reflete na teoria. Manifesta-se, por exemplo, na transformação do debate teórico em uma competição entre propostas de organização da sociedade e do Estado, corporativismo versus pluralismo, principalmente na literatura anglo-saxônica ó . Pode surgir de forma mais velada, em formulações fundadas numa empiria rigorosa, numa depuração conceitua) que limita paradoxalmente sua aplicação ao estudo das democracias capitalistas avançadas, trazendo problemas para o estudo da experiência brasileira. Como se sabe, o desenvolvimento desses estudos no Brasil foi liderado por Philippe Schmitter. Sua tipologia, hoje clássica,
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Estou me valendo parcialmente de uma idéia de Emest Barker sobre modelos de relações entre Estado e Sociedade, com base em concepções antigas . e modernas de sociedade e Estado. Sir Emest Barker, Teoria Política Geral (1978), EUB, Brasília. O exemplo mais conhecido desse tipo de polêmica foi a discussão entre Collin Crouch e Ross Martin, nas páginas de Political Studies, entre setembro de 1983 e março de 1984. Ver também Schmitter, 1979; Cawson, 1986; Almond, 1983; e Beyme, 1983.
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cuidou em diferenciar gêneros da espécie corporativa. Agrupou sob o tipo Corporativismo de Estado estruturas formadas por iniciativa ou legitimação do Estado. A base empírica deste tipo era constituída por experiências vividas em países sob regimes autoritários e capitalismo atrasado. O gênero Societal agrupava estruturas formadas a partir de iniciativas da sociedade, servindo para fazer referência a padrões associativos modernos, característicos de regimes não-autoritários (mas centralizados), na órbita do capitalismo. A distinção, fundamental, acabou sendo absorvida de forma enviesada, face à necessidade de se distinguir uma nova espécie de corporativismo ("moderno", "democrático", "pluralista", reservado às sociedades desenvolvidas) do velho tipo estigmatizado, associado em princípio ao mundo subdesenvolvido (Santos, 1993). É claro que diferenças desse teor são relevantes. O que acontece, porém, é que se trata de diferenças que se manifestam apenas do ponto de vista macroanalítico. Quando se compara instituições, interações e o funcionamento dessas estruturas, as diferenças se diluem, ficando por explicar exatamente as semelhanças entre processos e interações no interior dessas estruturas. O problema, no caso brasileiro, é como articular à teoria mais recente achados que indicam a emergência de formas societais de corporativismo no Brasil dos anos 30, ao longo de um período autoritário, em condições de um capitalismo precário e de um mercado fragmentado e incipiente. Os estudos estimulados pela potencialidade comparativa da tipologia de Schmitter se desenvolveram a partir do exame das estruturas corporativas e se concentraram na .análise dos países anglo-saxônicos. A estratégia de priorizar a análise comparada de estruturas de representação dos países europeus e nórdicos contribuiu para difundir a associação entre corporativismo societal e sociedades pluralistas de capitalismo avançado, através de conceitos elaborados a partir de variáveis e indicadores retirados desse contexto.
O rigor empírico ajustava-se com perfeição à necessidade de dissociar processos corporativos observados nos países anglosaxônicos, daqueles observados na América Latina. Um dos efeitos dessa opção metodológica foi a marginalização de um componente central e nuclear do conceito: sua referência a um tipo de interação e arranjo político-institucional resultante da necessidade de organizar conflitos de interesses, sejam estes conflitos entre frações de classe ou entre classes. A lacuna maior é, no entanto, a perda de sua dimensão participativa. Recuperar essa dimensão foi uma das preocupações desta análise. Os processos interativos aqui reconstruídos podem ajudar a precisar a natureza do espaço político criado pelo corporativismo, que não se forma exclusivamente dentro do Estado, nem exclusivamente dentro da sociedade. É um novo espaço, onde o jogo político se desenvolve dentro de regras estabelecidas na interação dos atores e não apenas em função do sistema de governo stricto sensu. A recuperação dessa dimensão, mesmo que observada na perspectiva do associativismo patronal, pode contribuir para encontrar alternativas para uma teoria política comparada sobre o corporativismo (Crouch, 1984; Lehmbruch, 1982). Critica-se seu uso indiferenciado para fazer referência a sistemas econômicos, formas de Estado e sistemas de intermediação de interesses (Panitch, 1980). Este foi, no entanto, outro resultado da preferência pelas abordagens macroanalíticas. O esforço comparativo exigiu do conceito uma elasticidade que acabou por diluir diferenças fundamentais entre os casos nacionais analisados. Por outro lado, as exigências quanto a uma operacionalização rigorosa restringiram sua aplicação a contextos de capitalismo e democracia avançados. Em alguns casos, a rejeição ao termo, combinada ao reconhecimento de sua fecundidade analítica, inspirou sua substituição pelas expressões "capitalismo organizado" ou "pluralismo avançado" (Sholten, 1987).
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Alguns desses problemas vêm sendo solucionados no âmbito mesmo desses estudos. A definição já clássica do corporativismo como uma estrutura de representação de interesses composta por um número limitado de organizações compulsórias, funcionalmente diferenciadas, organizadas hierarquicamente, não-competitivas, reconhecidas ou licenciadas (senão criadas) pelo Estado que lhes concede deliberadamente o monopólio da representação, dá especial destaque a relações verticais no interior dessa estrutura. Lehmbruch, adotando essa abordagem, analisa estruturas formadas no interior de sociedades democráticas de capitalismo avançado. Seus achados orientaram-no para a ênfase nas relações horizontais. Assim, para Lehmbruch (1981), o modelo corporativo de articulações de interesses é um modelo institucionalizado de formação de políticas públicas, no qual as grandes organizações de interesse colaboram entre si e com a autoridade pública, não só na articulação e intermediação de interesses, como também na i mplementação de políticas decididas através de negociações e acordos envolvendo atores coletivos estratégicos: capital, trabalho e Estado. O desenvolvimento dos estudos comparativos com base nas estruturas revelou, no entanto, a inexistência de um padrão institucional uniforme, capaz de identificar por si só os arranjos corporativos. Além disso, evidenciou também que não existem padrões institucionais específicos que levem necessariamente à emergência do corporativismo (Lehmbruch e Schmitter, 1982). O acúmulo de obstáculos ao desenvolvimento de uma teoria sobre o corporativismo redirecionou os estudos para os processos interativos entre atores coletivos e Estado (Cawson, 1986). Nessa linha, o corporativismo tem sido tratado como um processo que se desenvolve na interação entre grupos que detêm o monopólio da representação de interesses, e agências do Estado, em tomo de políticas relacionadas a esses interesses. Essas interações envolvem trocas que viabilizam a implementação dessas políticas e 42
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a própria função de governar (Cawson, 1986). A abordagem libera o conceito de constrangimentos impostos à análise comparativa, permitindo generalizações no nível microanalítico. Possibilita ainda acompanhar o desenvolvimento de estruturas através da organização e institucionalização dos grupos de interesse, como resultado de interações específicas e diferenciadas. Nesta perspectiva, as peculiaridades dos arranjos corporativos são relacionadas a interdependências estruturais ou conjunturais entre Estado, classes e grupos de interesse (Cawson, 1986). O reconhecimento dessas interdependências pode explicar a emergência de arranjos que se institucionalizarão, ou não. A natureza e o tipo de interdependência que se refletem na incorporação de grupos organizados à máquina do Estado, ajudariam a explicar por que o arranjo corporativo exige um número limitado de organizações, o monopólio da representação, estruturas hierarquizadas, e a participação dos grupos nas decisões sobre políticas a serem implementadas. A dimensão participativa do conceito é recuperada quando a análise se desloca da estrutura para os processos. Decisões de Estado, envolvendo interesses conflitantes, exigem consulta, participação e colaboração dos grupos interessados. Daí a formação de um espaço político diferenciado: o espaço corporativo, habitado por atores coletivos que podem, eventualmente, ser pensados como corporações, em alusão a suas origens remotas. O deslocamento dá visibilidade às interações conflitivas e cooperativas, ajudando na compreensão de processos de consolidação de estruturas corporativas. Permite ainda explicar quando e por que essas estruturas se consolidam, incluindo grupos ou classes estrategicamente interdependentes entre si e em relação ao Estado, da mesma forma que pode explicar a exclusão de grupos ou classes. O deslocamento do foco de análise, das estruturas para os processos interativos, foi viabilizado através do conceito de intermediação de interesses (Schmitter, 1979, 43
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1982; Lehmbruch, 1981). É possível, com este conceito, diferenciar em nível microanalítico arranjos corporativos e arranjos pluralistas. O conceito de intermediação de interesses refere-se ao papel de organizações que, por serem de fato e de jure representativas, têm condições de garantir e implementar os acordos feitos. A capacidade de garantir o cumprimento dos acordos feitos é uma das condições necessárias à inclusão de determinado ator coletivo na estrutura de poder. É ela que permite a fusão da "participação" com a "representação" que garante a implementação de políticas públicas decididas através da negociação e do acordo. Isto significa que políticas decididas com base em acordos serão de fato implementadas (Cawson, 1986). O conceito é especialmente útil na identificação de arranjos corporativos onde quer que se manifeste esta interação complexa que envolve grupos e classes conflitantes e Estado, liberando a utilização da idéia da racionalidade que subordina sua incidência à estrutura do sistema como um todo. Ou seja, atores podem entrar em interações corporativas sem que o sistema político no qual interagem se caracterize como corporativo em sua totalidade. Nesse sentido, o conceito de intermediação permite analisar a questão do autoritarismo versus democracia. E traz implícita a distinção entre mediação e intermediação. Ajustes mediados através da autoridade pública se aproximam de relações de natureza autoritária. Ajustes intermediados entre representantes e representados implicam procedimentos democrático-pluralistas ligados ao reconhecimento da legitimidade dos atores e de seus interesses diversos e/ou antagônicos. Embora a coerção seja um elemento crucial na organização dos grupos em sociedades pluralistas ou não (Olson, 1976), a capacidade de coagir e controlar pode ser obtida sem a ajuda do Estado (arranjos pluralistas), ou com a ajuda do Estado (arranjos corporativos). 44
Relações de intermediação levam ' a reformulações, redefinições ou alterações de prioridades, através de um processo de adequação ou "nivelamento" dos interesses ou sentimentos (como diria Adam Smith), que possibilitaria os acordos. A capacidade de intermediação pode ser exercida numa relação democrática com o Estado e autoritária com os representados, ou vice-versa, permitindo maior refinamento analítico no que diz respeito à avaliação do grau de fechamento (autoritarismo) e de abertura (participação) dos sistemas de intermediação. Avaliar se um determinado sistema é democrático ou autoritário passa a exigir a avaliação das formas através das quais a capacidade de intermediação é exercida no interior das instituições, e do tipo de articulação com o patamar superior (governo) e com o andar de baixo (representados). Trata-se de examinar as formas através das quais os representados são obrigados a cumprir os acordos feitos entre seus representantes e o Estado. O modo pelo qual é obtida a capacidade de obrigar o cumprimento dos acordos diferencia o corporativismo dos sistemas pluralistas de representação de interesses (Crouch, 1983; Schmitter, 1979; Cawson, 1978; Panitch, 1974; Lehmbruch, 1979). O exame de processos interativos pode mostrar variações que dependem dos atores envolvidos e do conteúdo da interação (Cawson, 1986; Santos, 1990). Arenas de interesse específico — legislação tarifária, legislação social, política industrial — e acordos necessários à implementação de políticas específicas podem dar surgimento a arranjos corporativos parciais que envolvem apenas grupos estratégicos, afetando, no entanto, os demais grupos não envolvidos nas barganhas e negociações. Nesses casos, o corporativismo é um tipo de cooperação que envolve apenas aqueles atores coletivos mais organizados, mais fortes e com maior poder de barganha e negociação (Manoilesco, 1938; Cawson, 1986). Interações deste tipo foram identificadas por Cawson em sistemas 45
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políticos democráticos, como constitutivas do que ele chamou de corporativismo setorial ou intermediário (sectoral meso-level). É este tipo de relação que me interessa, porque se aproxima do tipo de relação entre burguesia industrial e Estado, que caracterizou o corporativismo no Brasil. A literatura consagrou a expressão corporativismo predatório (Santos, 1990) para nomear as relações referidas acima. A idéia de predação implica a destruição da presa. Mas outro termo pode completar a descrição dessas relações. A idéia de parasita expõe com clareza a coerência interna de um modelo que combinou intervenção estatal com a interferência de grupos de interesse em políticas públicas, em benefício próprio; que comportou a autonomia da classe patronal, obtida à sombra da proteção do Estado e apoiada no controle e fragmentação da classe trabalhadora; que combinou exclusão política com inclusão social e, finalmente, combinou cidadania com desigualdade. Parasitismo e predação descrevem bem os resultados de um processo que se desenvolve a partir de' interdependências estruturais e/ou conjunturais, que ajudam a entender o fortalecimento do poder político e poder de mercado dos grupos de interesse que foram incorporados à máquina decisória do Estado. A incorporação é, ao mesmo tempo, causa e efeito do crescimento da capacidade de intervenção do Estado, estabelecendo-se uma correspondência entre a concentração de poder do mercado e a concentração do poder político dos grupos de interesse e do Estado (Cawson, 1986). Este resultado descreve apropriadamente a paisagem político-econômica do Brasil em meados da década de 40, quando se inicia a democratização do regime. A representação partidária e a participação eleitoral, que recriavam a democracia, não teriam nenhuma utilidade, sendo inteiramente dispensáveis ao capital e mesmo ao trabalho, já integrados ao sistema de forma organizada, não interessados nem dispostos a abrir mão do monopólio da re46
presentação de seus interesses. A estrutura corporativa fora edificada em bases sólidas e resistirá aos tempos. Sendo o monopólio de representação a condição sine qua non de qualquer tipo de corporativismo, ele está necessariamente ligado à questão da ação coletiva. O monopólio da representação, como condição necessária de arranjos corporativos, indica que o corporativismo requer que já tenham sido ou que sejam solucionados os problemas de organização dos interesses. Deste ponto de vista, o "corporativismo de Estado" é aquele no qual o Estado impõe sua própria solução aos problemas de ação coletiva. No caso brasileiro, o conceito parece apropriado para falar da organização dos trabalhadores. O corporativismo societal corresponderia aos casos em que esses problemas são solucionados pelos próprios atores em interação com o Estado. No caso brasileiro, este conceito serve para descrever a interação entre as elites industriais paulistas e o Estado, sob um regime autoritário em um contexto de capitalismo atrasado.
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Capítulo 2
PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELITES
No Brasil, a predominância do interesse privado e a apropriação privada dos recursos socialmente gerados e geridos pelo Estado, estão indissoluvelmente associadas ao corporativismo. Em outros contextos, práticas semelhantes estão associadas ao liberalismo. Esta curiosa convergência de resultados derivados de práticas via de regra contraditórias pode ser relacionada ao formato paradoxal que o corporativismo assumiu entre nós. Arranjos corporativos são fórmulas de institucionalização do conflito de classes, levando-as ao diálogo ou a regras mínimas de convivência sob a arbitragem do Estado. Entre nós este arranjo produziu o completo distanciamento das ciasses que supostamente deveria aproximar. Organizando-se em estruturas paralelas, sem nenhuma articulação institucionalizada entre si, as entidades representativas da classe patronal e da classe operária nunca chegaram a esse suposto espaço de interlocução que deveria ser criado pelo corporativismo. Como entender este desvio de rota? Trato desta questão examinando diferentes projetos corporativos. Seus portadores eram o governo central, a burocracia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (MTIC) e a elite empresarial paulista. A análise restringe-se ao período compreendido entre 1930 e 1945. Minha preocupação é apresentar os vários projetos de modo a diferenciar as linhas de divergência ou conver-
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gência que entrelaçam projetos ainda em gestação. Analisá-los é uma primeira forma de abordar o campo a ser explorado. As fontes de informação sobre os projetos são: a) a legislação sindical e a Carta Outorgada de 37, como evidências do projeto do governo; b) duas publicações de Oliveira Vianna servirão como fontes de informação sobre o projeto da burocracia: Problemas de Direito Corporativo (1938), no qual expõe sua concepção de corporativismo, e Problemas de Direito Sindical (1943), onde explica teórica e politicamente sua oposição à versão paulista do corporativismo; c) o projeto corporativo da elite empresarial paulista será analisado com base em uma publicação da Fiesp, de maio de 1940: A Constituição de 10 de novembro de 1937 e a Organização Corporativa e Sindical. Estudos sobre as relações entre Estado e classe patronal no Brasil referem-se repetidamente à polêmica travada na imprensa, por volta de 1940, entre o presidente da Confederação Nacional da Indústria, Euvaldo Lodi (engenheiro, deputado federal de 1934 a 1937), e Oliveira Vianna, consultor jurídico do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, de 1932 a 1940 (Almeida, 1978; Leopoldi, 1984). Em causa, o modelo corporativo instituído pela Carta de 1937 e o formato a ele i mpresso pelos juristas do Ministério, na lei de sindicalização de 1939' . Essa discussão correspondia, na verdade, ao paroxismo de um conflito iniciado em 1931. Dele nos fala Evaristo de Para acompanhar a discussão, ver Jornal do Comércio, 12.05.1940; 19.05.40; 02.06.40, Rio de Janeiro. Ver também FIESP, A Constituição de 37 e a Organização Corporativa Sindical de São Paulo, maio de 1940.
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Morais Filho comentando a hostilidade do empresariado ao Ministérios. Segundo Evaristo, desde então o empresariado financiava campanhas sistemáticas na imprensa, difundindo a idéia de que o Ministério estaria inventando a luta de classes ou, mais precisamente, inventando a questão social no Brasil. O conflito recrudesce em 1936, dessa vez em torno do projeto de reorganização da Justiça do Trabalho, elaborado pelo MTIC, sob a liderança de Oliveira Vianna, em cumprimento da agenda de regulamentação de dispositivos da Constituição de 34. Vem a público, por iniciativa do próprio Oliveira Vianna, em defesa contra as críticas dos paulistas trazidas ao plenário da Câmara Federal por Waldemar Ferreira, deputado paulista, jurista, catedrático da Faculdade de Direito de São Paulo 2 . Em 1939, o debate em torno da definição das regras que regulamentariam as relações entre capital e trabalho se transforma em um conflito em torno da definição das regras do jogo político e de seus participantes. Vem a público novamente, entre maio -e junho de 1940, quando, motivada pela publicação do D.L. 1.402, de 05.07.39, que regulamentava a associação sindical, a elite paulista reage, enviando extensa representação ao Ministro do Trabalho. Esse documento, publicado em maio de 1940 pela Fiesp, resultou de um esforço conjunto das principais entidades da classe patronal paulista, reunidas na Fiesp, sob a liderança de Roberto Simonsen, durante o segundo semestre de 1939'. Compunham a Comissão encarregada do projeto: Oliveira Vianna, Luis Augusto do Rego Monteiro, Deodato Maia, Oscar Saraiva, Geraldo Augusto de Faria Batista e Helvécio Xavier Lopes. Ver Oliveira Vianna, Problemas de Direito Corporativo (1938), José Olympio, Rio de Janeiro. Dele participaram representantes da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), do Instituto de Engenharia de São Paulo (IE), do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), da Bolsa de Mercadorias de São Paulo, da Federação das Indústrias Paulistas, e da Federação Comercial de São Paulo (FCSP), e ainda consultores jurídicos dessas entidades. 51
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Refluindo para o círculo fechado dos atores diretamente envolvidos, o conflito se estenderia até 1943, resolvendo-se, ao que tudo indica, na Consolidação das Leis do Trabalho. A solução da questão via CLT revela porém um equilíbrio precário. Se, por um lado, a CLT consagrava uma legislação que obedecia, na letra da lei, às diretrizes da burocracia do Ministério, por outro, incluía dispositivos de exceção que abriam à elite empresarial os espaços reivindicados pela elite paulista, garantindo sua participação na definição das regras de funcionamento do sistema de representação de interesses no Brasil, naquela época4 . A CLT, mais que consagrar os direitos dos trabalhadores, expressa o acordo entre burguesia e Estado, sobre os limites do exercício desses direitos, do ponto de vista político. Os sinais dessa negociação precedem a consolidação das leis trabalhistas. O mais ostensivo deles é a nomeação de Marcondes Filho para o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Advogado paulista, amigo pessoal de Roberto Simonsen, estreitamente ligado à elite empresarial paulista, Marcondes Filho vai liderar o esforço de articular grupos até então em conflito, para os acordos necessários à aprovação da CLT. De fato, tratava-se do acordo que institucionalizaria o corporativismo (Gomes, 1988, pp. 199-200; Leopoldi, 1984). Antecipando a exposição dos projetos que animaram o conflito, podemos assinalar os objetivos básicos de cada um deles. Para o governo, o corporativismo era, antes de tudo, um programa de integração dos atores produtivos ao Estado, sob sua 4
Ver Oliveira Vianna, Problemas de Direito Sindical (s/d.), Max Limonad, Rio de Janeiro. Neste trabalho, Oliveira Vianna aponta cuidadosamente os pontos nos quais os industriais paulistas "conseguiram ser atendidos" (pp. 254-258), onde "conseguiram vencer" (p. 260), e onde venceram "integralmente", tendo sido adotada "solução intermediária" (p. 261). Ver também Philippe Schmitter, Interest Conflict and Political Change in Brazil (1971), Stanford University Press, Stanford. 52
coordenação e vigilância. Suporte do interesse coletivo, o Estado renascia em oposição aos interesses privados de clãs e de grupos, e às máquinas partidárias que sustentavam seu domínio. Deslegitimá-las implicava a substituição dos sistemas de lealdade tradicionais por um outro que transferisse essa lealdade ao Estado. Nesta perspectiva, o corporativismo foi visto como fórmula de representação da nação no Estado e pelo Estado. A realização deste projeto implicou a redefinição do significado, limites e natureza do público e do privado. Impulsionando reordenamentos sociais a partir da mobilização associativa, por ele mesmo estimulada, o governo sobrecarregava sua agenda, aumentando o potencial latente de crises. Não lhe restaria outra saída a não ser posicionar-se frente às forças por ele mobilizadas e com elas interagir de acordo com o potencial disruptivo de cada uma. Repressão e/ou cooptação. Para Oliveira Vianna, problemas de integração, participação e representação, no Brasil de sua época, eram problemas político-administrativos que exigiam a solução de um problema prévio e original: o conflito distributivo. Tentar solucioná-lo através do livre confronto entre forças dotadas de recursos organizacionais desiguais, seria inviável. A possibilidade de conflitos entre a força econômica e a força das massas desorganizadas exigia um esforço de prevenção que só o Estado poderia realizar, estabelecendo as regras necessárias à superação e solução do conflito distributivo. A natureza ética dessa ação preventiva determinava a natureza do mecanismo a ser criado. Se a questão era de justiça e equilíbrio de poder, o mecanismo deveria ser jurídico. O corporativismo era para ele um projeto essencialmente normativo. Tratava-se conseqüentemente de criar o conjunto de mecanismos necessários a garantir normas de justiça e progresso social. O edifício jurídico-organizacional imaginado por Oliveira Vianna jamais saiu da prancheta. Em seu lugar levantou-se um outro que de fato se apoiaria nos pilares e vigas desenhados por Oliveira Vianna: o 53
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sindicato único com o monopólio da representação, o imposto sindical obrigatório, a justiça do trabalho e a separação entre sindicatos patronais e sindicatos operários. Assumindo o papel de condutor do conflito distributivo, o Estado tratisformava-se no coringa capaz de substituir as forças do trabalho, excluindo-as do jogo político. Ao reorganizar os trabalhadores, dividindo-os por categoria profissional, o Estado criou obstáculos à unificação da classe trabalhadora. Definindo pré-requisitos para a criação de federações e proibindo a formação de confederações do trabalho, o governo inviabilizou sua intenção manifesta de reorganizar o sistema de representação de interesses em moldes corporativos, com o objetivo de equilibrar o poder organizacional entre as classes. As associações patronais escaparam à fragmentação proposta pelo projeto, em parte por não se identificarem como associações profissionais e em parte pela habilidade que adquiriram em driblar a letra da lei. Paradoxalmente o resultado foi a institucionalização do desequilíbrio de forças e da assimetria organizacional que o corporativismo pretendia corrigir. É- absolutamente correta a percepção da classe empresarial paulista de que o Ministério do Trabalho estava criando a luta de classes. Se entendermos, obviamente, que esta luta só é possível através do equilíbrio de forças antagônicas. O corporativismo proposto pelo MTIC visava esta simetria. A recusa da elite patronal em reconhecer a legitimidade do lugar dos trabalhadores neste sistema, dando-lhes voz e voto, é a origem da perversão da utopia de Oliveira Vanna. O projeto paulista, como veremos, embora afinado doutrinariamente com Oliveira Vianna, neutralizava a estratégia do Ministério do Trabalho. Até 1937, esta estratégia permitiu às elites paulistas dar impulso à sua organização, enquanto a classe trabalhadora foi duramente controlada, quando não, reprimida. Depois de 1937, o ímpeto centralizador do Estado revigora-se, fazendo-se acompanhar, no entanto, de um propósito industrializante que possibilitará uma interação especial entre o 54
Governo e a indústria paulista. Compatibilidáde de interesses e incompatibilidade de objetivos constituem o dilema a ser superado pela elite empresarial paulista em suas relações com o Estado. Sua defesa foi entender aos limites a doutrina corporativa clássica: a fonte de toda legitimidade é a sociedade e difere da legalidade que se origina no Estado; autonomia não se delega; direitos não são prerrogativas; interesses privados são públicos, quando dizem respeito a coletividades; as coletividades se formam territorialmente, em função dos interesses de regiões economicamente homogêneas, com o objetivo de solucionar problemas comuns. Com estes pressupostos, o corporativismo imaginado para substituir a representação política de interesses locais, até então monopolizada pelos partidos políticos, torna-se, na mão dos paulistas, instrumento de defesa de interesses locais privados, representados agora pelas associações da indústria e do comércio. Quadro 1 Governo
Oliveira Vianna (Burocracia)
Elite Paulista
organizar o Estado-Nação; subordinar a sociedade; disciplinar os conflitos de classe. organizar as relações de classes; equilibrar o poder organizacional das classes; solucionar legalmente os conflitos de classe. representar seus interesses; articular e encaminhar suas demandas ao governo; participar das decisões governamentais que envolviam seus interesses.
O Quadro 1 sintetiza toscamente as diferentes expectativas desses atores em relação ao corporativismo. 55
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Considerando as diferenças, é possível dizer que o resultado final foi frustrante para Oliveira Vianna, enquanto o governo viu em parte realizado o seu programa. Pode-se atribuir à elite empresarial paulista um resultado mais que satisfatório. Os mecanismos imaginados para a realização de objetivos divergentes acabaram por servir aos interesses comuns do governo e da elite empresarial. Para justificar esta avaliação, passo à exposição cuidadosa dos diversos projetos. A reorganização do Estado-Nação A intenção de modificar o sistema representativo é anunciada por Vargas a 2 de janeiro de 1931, decorridos menos de três meses da vitória do movimento de 30. Era necessário "extirpar as oligarquias políticas, estabelecendo a representação por classes, em vez do velho sistema da representação individual, tão falho como expressão da vontade popular". É Vargas ainda que adverte: "O Estado, que é a sociedade organizada, dirigido e impulsionado pelo interesse público, nesse somente, deve encontrar os limites normais a seu poder de intervenção" (Vargas, 1931). Motor e limite do Estado, o interesse público deveria ser o critério de organização da nova ordem, tarefa do novo governo, que em seu nome tentaria se sobrepor a quaisquer outros interesses. A 4 de maio de 1931, Vargas anuncia os rumos a serem impressos à participação das associações de classe no novo regime: Em vez do individualismo, sinônimo do excesso de liberdade, e do comunismo, nova modalidade de escravidão, deve prevalecer a coordenação perfeita de todas as iniciativas, circunscritas à órbita do Estado, e o reconhecimento das organizações de classe, como colaboradoras da administração pública (Vargas, 1931). 56
O mecanismo idealizado para essa colaboração foi o Ministério. do Trabalho, Indústria e Comércio. A criação de um ministério apenas para o trabalho, prevista no programa do Movimento de 30, vinculava-se ao propósito de substituir a repressão ao movimento dos trabalhadores por uma política oficial de proteção e amparo às suas reivindicações. Transformado em mecanismo de administração conjunta de interesses conflitantes, o novo ministério assume prioridade não-prevista. As razões dessa súbita transformação podem ser associadas à dinâmica da preservação do poder recém-conquistado. Instalados no poder, os revolucionários se deram conta da premência dos problemas a serem enfrentados. Os continuados déficits apontavam a urgência de uma política de equilíbrio financeiro problemática, em um momento de crise política e de decadência da economia cafeeira. Fazia-se necessário proteger nossa maior fonte de divisas, aumentar a arrecadação interna, estimular o crescimento industrial, e diversificar a produção. A proteção ao trabalhador deveria se fazer acompanhar da administração da "interdependência natural entre o trabalho, a indústria e o comércio, e da administração da circulação da riqueza" (Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio — Arquivo Lindolfo Collor, CPDOC-FGV, Alc. 30.12.26). Destaca-se a intenção de articular as tarefas econômicas às novas responsabilidades sociais assumidas. Estimular a industrialização significava promover a acumulação capitalista; disciplinar a circulação da riqueza significava criar as condições para diminuir seu impacto social, isto é, diminuir os efeitos previsíveis desta política no acirramento dos conflitos de classe. A tarefa política imediata exigia também soluções que neutralizassem as dificuldades inerentes à preservação do poder revolucionário. Estas implicavam o desmonte da. máquina dos partidos oligárquicos, máquina de sustentação do domínio das oligarquias regionais. Era preciso unificar a nação fragmentada em lealdades locais, sob um Estado que representasse os interesses 57
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nacionais, até então subordinados aos interesses das facções ou clãs. Era preciso reconstruir o Estado-Nação. O corporativismo foi visto então como solução organizacional e política. Sob esta perspectiva; a Revolução começa com o Decreto 19.770, de março de 1931, regulamentando a sindicalização das associações patronais e operárias. Em maio, Vargas fala de sua esperança de ver realizada: (...) a unificação nacional, [reunindo] numa mesma assembléia, plutocratas e proletários, patrões e sindicalistas, todos os representantes das corporações de classe, integradas assim no organismo do Estado... em uma colaboração efetiva e inteligente (Vargas, 1931).
(Inovo Ministro, dirigindo-se aos líderes empresariais no Rio de Janeiro, traduzia bem a orientação do regime: Não há nenhuma classe, seja proletária, seja capitalista, que possa pretender que seus interesses valham mais que os interesse da comunhão nacional. (...) Não há interesse particular, por mais legítimo que seja, que possa subtrair-se à destinação nacional (MTIC — CPDOC-FGV, Alc. 30.12.26).
Regular e disciplinar o capital e o trabalho, subordinando-os ao interesse geral, exigia a reorganização total do sistema associativo. A intenção certamente seria insuficiente para conter uma lógica derivada do ímpeto dos interesses privados de fração e de grupo. O propósito de retificar padrões associativos incorretos, porque contrários à solidariedade e colaboração, terminou por criar espaços protegidos da competição e do conflito, que beneficiariam alguns grupos, em detrimento de outros. Nesses espaços, fortaleceriam-se aqueles grupos cujos interesses pretendia-se disciplinar. 58
A adesão ao projeto oficial variou em função do grau de autonomia e força dos diversos grupos de interesse. Se, por seu lado, as associações patronais dispunham de recursos capazes de transformar a sindicalização promovida pelo Estado em arma de resistência e autonomia, institucionalizando seu acesso às esferas decisórias, a classe operária, por não dispor dos mesmos recursos, será levada a aceitar a subordinação como única via de acesso à organização s . O D.L. 19.770 introduz duas modificações fundamentais no que se refere à institucionalização das relações entre Estado e Sociedade. A primeira diz respeito ao papel do poder público como refundador das entidades de classe, através da figura legal do reconhecimento. A segunda refere-se ao estatuto legal do sindicato, que passa a ter personalidade jurídica de direito público. O propósito evidente do decreto é corrigir a assimetria entre a classe patronal e a classe operária, equiparando suas associações através de um regulamento único e uniforme, ao qual deveriam se adaptar quaisquer associações que pretendessem defender e representar interesses profissionais e de classe. Ao poder público cabia agora determinar o que era um sindicato, regular sua organização e funcionamento, estabelecendo as condições sob as quais reconhecia aos sindicatos o direito de exercer as funções que sempre haviam exercido. Em outras palavras, a ação coletiva é transformada em um direito outorgado pelo Estado. Em troca, teriam o reconhecimento do direito de participação nas decisões relativas aos seus interesses. O sindicato único foi a fórmula utilizada para integrar, controlando, a ação associativa privada à estrutura do Estado. A rejeição das normas estabelecidas pelo decreto importava na
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O MUT e o Partido Comunista teriam tido condições de atuar de forma semelhante, nos anos 40, podendo, então, adotar para a classe operária a mesma estratégia adotada pela classe empresarial.
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exclusão do sistema e na inviabilidade da representação, com efeitos óbvios na ação coletiva. O sindicato único transformava-se em instrumento de representação de interesses, de participação política e de integração nacional. A exposição de motivos que acompanha o decreto 19.770 apresenta o sindicalismo como um fenômeno ligado à crescente interdependência entre as classes, cuja expressão jurídica seria o "Direito Sindical ou Direito Coletivo". Essa legislação "de caráter especial" colocava-se como "traço de união" entre o Direito Privado e o Direito Público, evitando abusos do poder do capital e do poder numérico das massas trabalhadoras. A nova ordem, regulando direitos e deveres coletivos, apresentava-se como uma tentativa de organização racional do conflito. Em agosto de 1932, o D.L. 21.761 regulamenta o instituto da Convenção Coletiva do Trabalho, na tentativa de estimular o diálogo e a negociação entre as classes. O poder público intervém como legitimador da convenção feita entre sindicatos organizados, - podendo estendê-la a toda a categoria (Art. 11, parágrafo 5.° do D.L. 21.761). Se a extensão da norma dependia da autoridade pública, seu conteúdo era determinado exclusivamente pela "vontade concordada da maioria das classes interessadas" (Marna, 1938). A Constituição de 34 mantém para os sindicatos e associações civis o estatuto jurídico obtido em 31, isto é, permanecem dotadas de personalidade jurídica de direito público. No entanto, a fonte e natureza de sua legitimidade é trazida de volta para o mundo privado. Sindicatos ou associações de classe voltam a ser vistos como órgãos naturais de defesa e representação – funções originárias e anteriores ao reconhecimento do Estado, que reconhecia os sindicatos como órgãos de coordenação dos direitos comuns a empregados e empregadores, e de colaboração com o Estado. Em outras palavras, prerrogativas voltam a ser direitos. As funções de defesa e representação permanecem vinculadas, mantidas como direitos prévios ao reconhecimento do Esta-
do, exercidos em sua plenitude. A recuperação desta qualidade vinha associada, no entanto, ao restabelecimento da assimetria entre associações patronais e operárias. O retorno à desigualdade organizacional correspondia ao princípio de que a desigualdade de poder organizacional resulta da competição no mercado da representação. O reconhecimento deixa de ser fundador e passa a ser compreendido como instrumento de legalização de um status adquirido no mundo privado. No que diz respeito à classe operária, a prevalência dessa orientação implicou competições que afastaram de seu horizonte as possibilidades de representação autônoma e ação unificada. Suas organizações oficializadas pelo decreto-lei de 31 não lograram a adesão dos setores mais combativos. A perda de autonomia foi acompanhada, assim, do desperdício de recursos organizacionais eventualmente disponíveis. As associações patronais, por seu lado, recuperaram sua economia, capitalizando recursos organizacionais acumulados e acrescidos pelo esforço que dispenderam em adaptar suas associações à lei anterior. Movendo-se num espaço legal contraditório, a classe patronal vai manobrando com perícia e manha, utilizando a invasão do público no privado, em seu próprio benefício. Os sindicatos, cujo reconhecimento dependia agora de uma formalidade mínima, podiam reassumir suas funções "naturais", revestidos de uma legalidade que lhes permitia ocupar um espaço político antes inexistente. A Carta de 37 equaciona o problema da representação de interesses em outros termos, reorganizando-a como pedra fundamental da construção corporativa. Se, pela letra da Carta, a organização corporativa se limitaria à esfera da economia e da produção, seu espírito era o de que, assim organizada, esta esfera constituiria a viga mestra do regime político por ela instituído. O papel político atribuído às associações econômicas pela Carta de 37 seria o argumento definitivo para justificar a intervenção violenta do Estado na vida associativa, e a subordinação total das entidades de
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classe ao Estado. O fato de muitas proposições da Carta de 37 terem permanecido letra morta não impediu que tenha constituído o parâmetro legal dentro do qual condutas e procedimentos foram institucionalizados. Sob sua proteção, a elite empresarial paulista organizou sua resistência contra ameaças à sua autonomia, ampliou seu espaço de atuação, sedimentou sua identidade como ator político, institucionalizando um corporativismo à sua medida e conforme seus interesses. A Carta de 1937 foi um programa de "restauração da ordem" que obedeceu ao seguinte cronograma: após o golpe de novembro e a dissolução do parlamento, seguiu-se a extinção dos partidos. Limpo o terreno, iniciava-se propriamente a construção: primeiro organizavam-se as categorias econômicas em sindicatos que, uma vez constituídos, agrupar-se-iam em federações e confederações. Estas designariam seus representantes para comporem o Conselho de Economia Nacional, com a tarefa de organizar a economia dentro do formato corporativo. Isto feito, instalar-se-ia o Parlamento. A ordem cronológica é a ordem das prioridades do novo regime. A posição estratégica do Conselho de Economia Nacional (CEN), considerando-se a extremada concentração dos poderes executivo e legislativo, nas mãos do Presidente da República, era um aceno claro às associações patronais. O Conselho era um órgão de natureza corporativa, que reuniria representantes indicados por federações e confederações reconhecidas em lei. Em 37, existem 5 federações regionais patronais, em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, no Distrito Federal e em Pernambuco. Essas federações correspondiam ao que mais se assemelhava a corporações, isto é, representavam interesses de categorias diversas que se articulavam horizontalmente na busca de entendimentos: tinham acesso a instâncias decisórias e se faziam ouvir através de suas associações. A classe operária, enfrentando os problemas clássicos de cooperação (Olson, 1971), acrescidos de profundas divisões ideológicas, competia interna-
mente por uma representatividade que não lograva obter. A unidade de ação era episódica, em greves duramente reprimidas. Nestas circunstâncias, a Carta de 37 abria espaços políticos que somente a classe patronal tinha condições de ocupar. O Artigo 13 estabelecia que o decreto-lei, instrumento exclusivo do Presidente da República, dependeria, para promulgação, da manifestação do Conselho de Economia Nacional (CEN), quando se referisse a matérias da "competência consultiva" deste Conselho. A participação no poder legislativo, através do CEN, vai ao encontro das ambições de autonomia das elites patronais, reforçando suas expectativas de participação. O Artigo 65 era claro:
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Todos os projetos de lei que interessem à economia nacional em qualquer de seus ramos, antes de sujeitos à deliberação do Parlamento, serão remetidos à consulta do Conselho de Economia Nacional. Ao CEN eram atribuídas, entre outras competências: (...) promover a organização corporativa da economia nacional, editar normas reguladoras dos contratos coletivos de trabalho, emitir parecer sobre todos os projetos que interessem diretamente à produção, emitir parecer sobre todas as questões relativas à organização e reconhecimento dos sindicatos ou associações profissionais (Art. 61). Atribuição importante, que nunca seria regulamentada, equiparava-o formalmente ao poder legislativo. Era-lhe atribuído o poder de designar metade dos eleitores que comporiam o colégio eleitoral para eleger o Presidente da República. A outra metade seria designada pelas Câmaras Municipais e pela Câmara dos Deputados (Art. 82). Embora a indicação de empregados e empregadores tivesse o mesmo peso, é fácil imaginar a expectativa dos
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patrões com relação a essa eventualidade. A classe empresarial podia se considerar como parceira privilegiada, à qual se prometia um poder inédito: A todo tempo podem ser conferidos ao Conselho de Economia Nacional, mediante plebiscito a regular-se em
lei, poderes de le-
gislação sobre algumas ou todas as matérias de sua competência (Art. 63).
Assim como o Parlamento nunca foi instalado, e o plebiscito previsto para a aprovação da Carta nunca foi realizado, o Conselho de Economia Nacional nunca foi criado. No entanto, as expectativas de sua implantação são cruciais para entendermos a atuação da classe empresarial paulista e seu empenho em formular sua proposta alternativa à regulamentação imposta pelo D.L. 1.402, de 05.07.39. Este decreto faz tábula rasa da lei de 34, retomando o ímpeto corretivo do decreto-lei de 31. Redefine o sindicato, fixando com rigor e detalhe seu título jurídico e as formas de obtêlo, restabelecendo criteriosamente a simetria entre as associações patronais e operárias. A intenção de estabelecer a simetria se revela na regulamentação dos procedimentos destinados a garantir a igualdade organizacional perante a lei. O MTIC criou uma espécie de cadastro no qual deveriam se inscrever todas as associações profissionais. "Somente depois dos registros, as associações (...) adquirirão personalidade jurídica" (Art. 45). O parágrafo 4.° determinava: "Nenhum ato de defesa profissional será permitido à associação não registrada na forma deste artigo, não podendo ser reconhecido qualquer pedido-seu ou representação". As associações já dotadas de personalidade jurídica iriam perdê-la, caso não se registrassem na forma da lei, que anulava toda e qualquer legalidade anterior. Tudo aquilo que constituía a alma do sindicato, sua razão de ser; tudo aquilo que de direito diferenciava os sindicatos das demais 64
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associações — o direito e a função de lutar em defesa de seus interesses — voltava como prerrogativas outorgadas pelo Estado. Se o reconhecimento fora visto até então como o batismo do sindicato, passava agora a constituir sua certidão de nascimento. O registro seria o instrumento através do qual o Ministério poderia "mais facilmente selecionar aquelas (associações) a que deverá conferir a prerrogativa de representar, na forma da Constituição, as respectivas profissões" (Vianna, 1943). O sindicato único era agora a forma de sobrevivência associativa legal, civil, política e pública. As funções naturais e legítimas do âmbito privado foram deslocadas para o espaço público, agora redefinido. Além de "colaboradores", os sindicatos reconhecidos passavam a ser órgãos do governo. Uma vez legalizados, passavam a monopolizar o poder de representar, de participar, de decidir, isto é, de governar o mundo privado, através de sua inserção no Estado. O monopólio da representação era o mecanismo através do qual subordinavam-se-politicamente as associações de classe e, ao mesmo tempo, controlava-se sua atuação na esfera privada. Representar e participar da defesa de interesses era uma questão pública, implicando, portanto, a subordinação ao Estado. O espaço público é redesenhado como espaço compulsório, fora do qual não havia existência legal. Este espaço era domínio privado do Estado. De um só golpe, o Estado usurpa um espaço que não era seu, expulsa dele aqueles que antes ocupavam, e condiciona o retorno de seus habitantes primitivos à subordinação, acenando-lhes com uma parceria irrecusável: Constituído o Conselho de Economia Nacional, os processos de reconhecimento de associações profissionais, depois de devidamente informados pelo órgãos competentes do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e antes de serem submetidos ao despacho final do Ministro, serão encaminhados àquele conselho (Art. 48). 65
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ARMADILHA DO LEV1ATA
PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELITES
O =novo decreto, no entanto, ameaçava a estrutura associativa patronal, ao subordinar a organização sindical a critérios de identidade, conexão ou similitude de funções. Os novos critériós contrariavam o padrão histórico de formação das associações patronais. A característica marcante do associativismo patronal era a de proceder de cima para baixo, isto é, a classe patronal se organizava como em "centros" .de natureza análoga à nova forma de federação, que se expandiam na medida em que o número de associados e sua diferenciação de interesses permitia a criação de outras associações setoriais. Na história da formação das associações patronais, a identidade, conexão ou similitude de funções, resultava do processo associativo. O Dec. 1.402 reverteria as expectativas geradas pela Carta de 37 no meio da elite empresarial paulista, que reagiu na exata medida dessa reversão de expectativas, como se verá oportunamente. O decreto de 39 marca o auge da autonomia da burocracia do Ministério do Trabalho como intérprete do projeto do governo. Daí até 1943; observa-se uma diferenciação entre a interpretação a ele dada pelas elites empresariais paulistas, pelo Ministério e a versão produzida por intelectuais que colaboravam com o Governo, alheios ao Ministério 6 . Entre 1940 e 1943, as discussões em torno do corporativismo e sua implementação alcançam o ápice. A CLT marca o fim dos conflitos. O Art. 511 redefine as bases da solidariedade intraclasses. Às associações patronais foi permitido se organizarem a partir de interesses econômicos gerais, institucionalizando a solidariedade de classe (horizontal). As associações operárias, pela "similitude de condições de vida oriundas da profissão (...) em 6
A diferença entre a interpretação dos funcionários do Ministério e dos intelectuais é assinalada por A. Castro Gomes, quando se refere aos discursos emitidos pelo Estado através da revista Cultura Política e dos Boletins do Ministério do Trabalho. A. Castro Gomes, A Invenção do Trabalhismo (1988), Vértice, IUPERJ, Rio de Janeiro, pp. 277-278. 66
situação de emprego na mesma atividade econômica ou similar", deveriam se organizar dentro de critérios de similitude, através de vínculos estritamente profissionais. Assegurava-se assim a hierarquização e a pulverização da classe trabalhadora, aumentando os obstáculos à solidariedade de classe. O joker, no entanto, se adornava de adereços. Os critérios de reconhecimento e a investidura sindical poderiam ser alterados em caráter excepcional, pelo Ministro do Trabalho (Art. 515). O Art. 559 autorizava o Presidente da República a conceder, por decreto, a prerrogativa de colaboradores do estado às associações civis não registradas no Ministério do Trabalho (Disposições Gerais). O Art. 563 previa ainda a constituição do Conselho de Economia Nacional, com as funções previstas no Art. 61, ou seja, mantinha-se a necessidade do parecer do Conselho para o reconhecimento de associações profissionais (sindicatos operários) antes do despacho final do Ministro. A CLT parece confirmar uma diferenciação entre o modelo proposto na Carta de 37 e o modelo que a legislação elaborada pelo Ministério do Trabalho pretendia implementar. Para avaliar o grau dessa diferenciação e seu significado, é necessário recorrer ao projeto de Oliveira Vianna, e a seguir compará-lo com o projeto da elite empresarial paulista. A utopia de Oliveira Vianna: corporativismo e justiça social O paradoxo das utopias é que fragmentos dos sonhos por elas sonhados acabam encontrando um outro lugar, onde se reali •zam de modo perverso. O sonho dos anos 30 era corrigir o Brasil. Oliveira Vianna colocava-se, sem dúvida, na vanguarda desse esforço corretivo. Preocupava-o fundamentalmente uma "cultura associativa", cujos efeitos se manifestavam na nossa organização política e econômica, subordinando-a aos interesses individuais e priva67
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os, que "há quatrocentos anos vinham agindo (...) com o ímpeto e exclusivismo de sua ambição (...) de sua energia e combatividade" (Vianna, 1943). Sua utopia era acreditar na Lei e no Direito como alavancas de mudança social e moral. A tarefa dos juristas era observar as transformações das sociedades e, a partir delas, construir os parâmetros legais. para correção das desigualdades e desequilíbrios produzidos pela industrialização. Sua função era transformar, dentro da ordem, as condições de desigualdade e injustiça, evitando as revoluções (Vianna, 1938). De acordo com seu diagnóstico, as sociedades, em seu movimento natural, vinham respondendo aos desafios do mundo contemporâneo, criando novos atores sociais que se organizavam e interagiam através de pautas de comportamento criadas nesta interação. As normas assim criadas estariam imprimindo uma nova dinâmica à ação coletiva. Ao mundo jurídico cabia responder às modificações, reconhecendo as novas fontes de normatividade da sociedade. Tratava-se, portanto, de proceder a um reordenamneltto legal, em nome da preservação e eficácia da própria lei. Constituindo-se como leis vivas que vinham se impondo de modo "eficiente" e "imperativo", a nova normatividade assumia força coercitiva que se equiparava à força legal do Estado. Cabia ao Direito, portanto, elaborar uma moldura capaz de abrigar este novo mundo normativo surgido muitas vezes em oposição à Lei do Estado. O Direito Corporativo seria a moldura capaz de incorporar a normatividade originada no mundo privado, com seus novos atores, interesses e força, portadores de direitos — não mais individuais, mas coletivos —, ao Estado e sua norma (idem, pp. 15-17, e p. 28). As mudanças na sociedade haviam produzido novas relações no mercado, reorganizado agora como um "meio contratual coletivo". A era dos contratos individuais de compra e venda tinha sido superada. As trocas individuais embutiam contratos prévios, coletivos, feitos entre grupos de produtores e grupos de compra-
dores de mercadorias. As economias individualizadas tinham evoluído para um estágio em que as trocas e contratos passaram a ser coletivos. Não existindo contratos individuais de compra e venda de mercadorias, não se admitiam mais contratos individuais de compra e venda de trabalho (idem, pp. 135-138). O Direito Corporativo, atento a essa realidade, fornecia o aparato de uma nova legalidade, evitando o desequilíbrio social, e reconhecendo às categorias econômicas o direito de regularem por si mesmas as suas condições de trabalho (idem, p. 169). Seguindo de perto Manoilesco, Oliveira Vianna antecipa uma literatura considerada, na década de 70, inovadora. Desenvolve suas idéias em Problemas de Direito Corporativo (1938). O livro dedica-se à defesa do anteprojeto de regulamentação dos tribunais de trabalho criados pela Constituição de 1934, criticado e emendado na Câmara Federal' . Nesta obra, mostra-se particularmente preocupado com a consolidação de uma ordem legal que possibilite equilibrar a força dos grupos sociais, respeitando sua autonomia, incorporando-os ao mundo jurídico como fontes legítimas de normatividade, direito e poder. Face às transformações das sociedades modernas, o Estado era levado a aceitar a colaboração dos grupos particulares — novos atores sociais que resolviam seus conflitos convencionando regras entre si. Novas formas de colaboração entre Estado e sociedade se institucionalizavam com a integração desses atores e suas convenções ao organismo estatal. "Integração é a palavra certa" — diz ele — porque todas elas se constituem e funcionam previamente ao momento em que o Estado é levado "a reconhecê-las e chamá-las para o seu lado
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O livro é um conjunto de artigos publicados no Jornal do Comércio como resposta a Waldemar Ferreira, jurista paulista e deputado federal por São Paulo. Relator do projeto, Waldemar Ferreira considerava-o inconstitucional e fascista.
A ARMADILHA' DO LEVIATÃ
PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELrrEs
como-colaboradoras " (idem, p. 42). O fenômeno era característico do mundo" moderno e vinha ocorrendo independentemente dos egimes políticos. Isto era o corporativismo. Na Suíça, colaborando intimamente com o Estado, essas novas instituições mantêm sua autonomia e não se confundem com ele. Este seria o "corporativismo de associaçÃo". Na Itália, Alemanha; Espanha, -Áustria e Portugal, teríamos o "corporativismo de Estado". Nesses países; as instituições até então privadas "incorporam-se ou são incorporadas ao Estado, como partes integrantes (...) ou pelo menos subordinadas a ele" (idem, p. 28). Tanto o Direito quanto as formas clássicas do Estado vinham se adaptando a um fenômeno real que implicava a negação de alguns de seus princípios básicos. Entre eles, a divisão e independência dos poderes e o monopólio do poder legislativo dos parlamentos. Na realidade, diz Oliveira Vianna, "o monopólio do poder legislativo vem sendo derrogado progressivamente, sempre que a eficiência do serviço público se constitui interesse dominante" (idem). Nesses casos, a "obediência cega à letra da lei" é minimizada face à premência do serviço público. Problemas de ordem pública ou relativos aos interesses econômicos e sociais exigem eficácia e presteza de ação. Para isso são criados organismos aos quais se delegam poderes até então próprios do Estado – poder normativo e executivo. A delegação de poderes e a descentralização funcional têm sido acionadas – diz ele – quando a solução dos problemas, além da presteza de ação, exigia a colaboração das partes interessadas. A delegação de poderes era um imperativo da complexificação das funções do Estado moderno e importava "numa ampliação cada vez maior da competência reguladora das autoridades administrativas", principalmente no campo do Direito Industrial, do Direito Econômico e do Direito Corporativo (idem, pp. 41-42). À . delegação segue-se naturalmente a autonomia legislativa. Ao delegar poderes, o Estado reconhece, lógica e naturalmente, a utilização autônoma dos "critérios peculiares" à autoridade investida 70
deste poder. Na prática – diz ele – ou há delegação ou não há administração possível. Com este argumento, Oliveira Vianna defende a autonomia das corporações e justifica a idéia de que cabe também ao Estado, sempre que o interesse público o determine, o papel de criar corporações. A diversificação dos interesses e a emergência de organizações privadas e autônomas, produtoras de regulação, não alteravam contudo o "poder de império (do velho Estado Legislador), com o qual subordinaria à sua vontade e fins nacionais as atividades das organizações profissionais e econômicas privadas" (idem, p. 46). A origem da autonomia normativa é fundamental para a distinção que Oliveira Vianna faz entre os tipos de corporativismo. A citação a seguir mostra a relação entre a fonte originária da autonomia normativa e tipos de corporativismo, e sua dissociação das diferenças de classe. Quer esta competência das corporações (administrativas) lhe venha de um direito próprio (corporativismo de associação), quer lhes venha, como nos países democráticos ou de corporativismo de Estado, de uma delegação legislativa ou de uma disposição própria da Constituição, o certo é que (...) possuem este poder normativo (...) mesmo quando se trata de corporações exclusivamente... (destinadas a) resolver ou dirimir os conflitos do trabalho
(idem, p. 50). A descentralização funcional decorria da delegação, e caracterizava a "assimilação pelo Estado das subestruturas privadas, de tipo corporativo, que se constituíram extra-estatalmente" (idem, p. 61). De natureza predominantemente administrativa, a descentralização funcional revestia-se, no entanto, de uma dimensão política fundamental, na medida em que se constituía como contraponto à descentralização geográfica, geradora de "autarquias territoriais". A descentralização geográfica propiciava o fortaleci71
PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELITES
corporativismo atendia a uma "necessidade ao mesmo centralizadòra e descentralizadora do Estado moderno", cujas funçõesTNincompatibilizavam-no com as "autarquias territoriais". r tx zo fascínio de Oliveira Vianna pelo corporativismo viesse da ibilidade 'de -criação de um território imune aos partidos olgarqücos, que viabilizasse a participação e representação dos "iiterésses verdadeiros do povo brasileiro", através de suas identidades profissionais e/ou econômicas. Este corporativismo implicava dois mecanismos básicos: o contrato coletivo e a convenção cóletiva sde trabalho como normas reguladoras das condições de trabalho, criadas pelos atores produtivos (idem, p. 83). Poderiam ser estabelecidas através de convenções entre sindicatos e transformadas em lei, como em Portugal, na Rússia e na Noruega. Esta era a "solução sindical" do problema. Poderiam ser originárias de ato do executivo, que podia ditar a norma, ou estender a outros os efeitos da convenção acertada entre as categorias, como na Alemanha pré-nazista, na Bélgica, no México e no Brasil. Esta seria a "solução administrativa". A solução seria "corporativa" propriamente dita, quando coubesse aos órgãos corporativos a elaboração da norma geral reguladora das condições do trabalho, como na Itália e na Espanha (idem, p. 84). A convenção coletiva constitui o núcleo do projeto de Oliveira Vianna. Ela permitia transformar em normas juridicamente sancionadas aquelas estabelecidas pelos atores coletivos, de forma autônoma. Assim como- os produtores corrigiam os preços para equilibrar o mercado através dê acordos (cartéis), produtores e trabalhadores deveriam chegar a acordos, de modo a corrigir os problemas que produziam os conflitos de trabalho. Oliveira Vianna insistia na idéia de que não havia diferença "entre fixar os preços das mercadorias produzidas e fixar preços de salários". Se é pos-
sível fazer acordos sobre preços de mercadorias, não se compreende não ser possível também fazer acordos sobre os preços de salários (idem, pp. 65-66). Se no Brasil os acordos não tinham ainda poder de norma, poderiam adquiri-lo por ato da autoridade. Esta intervenção, todavia, não alterava o conteúdo da convenção, determinado unicamente pela "vontade concordada da maioria". Entusiasta da convenção coletiva, reconhecia nela a "autêntica auto-regulamentação da classe ou da categoria" (idem, p. 161). A Constituição de 34, consagrando a convenção coletiva, criara um instrumento de solução autônoma dos conflitos, abrindo espaço de diálogo e negociação entre as classes. É a defesa deste instituto jurídico que levará Oliveira Vianna à intransigência na implantação do sindicato único, possibilidade organizacional das convenções coletivas como normas gerais de auto-regulação. A emenda ao projeto que regulamentava os Tribunais de Trabalho substituíra a convenção pelo curato. Ora, dizia Oliveira Vianna, convenção coletiva não é a mesma coisa que contrato coletivo de trabalho. De fato, a diferença era substantiva e técnica. Através da convenção não se contrata serviço, mas normas. A convenção coletiva é um pequeno código de normas a que ficarão subordinados todos os futuros contratos (idem, p. 152). Ela permite o equilíbrio e eqüidade das relações de trabalho e a estabilidade e equilíbrio no mercado. A substituição de convenção por contrato impedia acordos sobre normas a serem seguidas nas relações de classe. Do ponto de vista da técnica jurídica, a emenda jogava as relações de trabalho para a esfera do direito privado. Estes instrumentos de regulação já eram adotados por muitos países. Na Itália e em Portugal, a convenção coletiva era aceita na plenitude de sua eficácia normativa, de direito próprio. Na Alemanha pré-nazista, no México e na França, sua eficácia derivava do poder público. Na Austrália, Nova Zelândia, Polônia,
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oder.:local. A descentralização funcional instrúmentaliução"dá força e domínio "dos chamados interesses lo-
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1namarca e Noruega, a eficácia normativa dependia ou era dada exclusivamente pelos Tribunais do Trabalho. A diferenciação é preciosa: ela antecipa de quase meio século classificações recentissimas destinadas a diferenciar regimes corporativos. 0 Objetivo de Oliveira Vianna é démonstrar,que o regime de contratos fragmentados estava superado por um regime de regulamentação geral "para a classe", configurando-se como lei e norma — do próprio grupo — inferior à lei do Estado, mas superior à lei privada, que nascia do contrato individual. A solução do conflito distributivo deveria ser encontrada pelas partes interessadas.No caso do Brasil, Oliveira Vianna confessa ser obrigado a ver, no Estado, o único ator capaz de impor constrangimentos, e fabricar de uma cultura a solução autônoma dos conflitos: (...) reconhecer as convenções coletivas importa no reconhecimento dos direitos das categorias... de regularem, por si mesmos, por livre acordo, as suas próprias condições de trabalho (idem, p. 169).
O problema era determinar os limites e condições para o exercício desse direito. A solução, dadas as circunstâncias brasileiras, seria o sindicato único, com o monopólio da representação. Sem dúvida, a legislação produzida pelo MTIC utilizou a delegação de poderes como instrumento de subordinação das "forças autônomas geradoras de normatividade própria" ao Estado, reforçando os laços de dependência ao poder central, fonte de lei, de poder e de legitimidade. A perversão só pode ser compreendida através da análise do confronto entre os atores envolvidos no jogo político. Ao tentar realizar sua utopia, Oliveira Vianna sofreria, certamente, os constrangimentos desse jogo. Mas sua proposta, até onde sei, foi a primeira tentativa no Brasil de superar, via Estado, o desequilíbrio entre as forças do capital e do trabalho. 74
Direitos, prerrogativas, privilégios A elite paulista chegou a um projeto corporativo próprio, através de conflitos com o Governo, com a burocracia estadual e federal, e mesmo conflitos internos que atravessaram quase uma década. A burguesia fora levada a práticas corporativas nas duas primeiras décadas do século, como resultado lógico de sua exclusão dos canais de participação política partidária, monopolizados pelas oligarquias agrárias locais (Gomes, 1979). A experiência dos empresários paulistas no Conselho Nacional do Trabalho e no Conselho Superior do Comércio e Indústria, nos anos 20, ter-lhes-ia ensinado que os conselhos técnicos criados pelo Estado podiam ser utilizados para uma "intervenção constante e oportuna" nas iniciativas federais que lhes diziam respeito (idem, p. 97). Nessa perspectiva o projeto corporativo do governo não significava ameaças insuperáveis. Poderia mesmo ser bem visto especialmente por um setor do empresariado paulista que, entre 1931 e 1933, se empenhou como nenhum outro em promover sua própria sindicalização. No entanto, a partir dos esforços de regulamentação da Constituição de 34, começa a ficar clara a relação entre corporativismo, proteção da classe trabalhadora e equilíbrio do poder organizacional das classes. Desde então, os paulistas, através de sua bancada na Câmara Federal, empenham-se em interpretar a Constituição de forma a definir seu próprio modelo de corporativismo. Oliveira Vianna refere-se a esse empenho como resultado de total incompreensão, por parte da elite paulista, da natureza das novas instituições. Os juristas paulistas estariam compreendendo-as dentro dos parâmetros do direito tradicional, transpondo-as "para a clave 'de sol do Direito Privado, única, ao que parece, que sabem solfejar, aliás, de maneira magistral..." (Vianna, 1938). O Decreto-lei de 1939 originou uma mobilização sem precedentes de toda a elite empresarial e jurídica de São Paulo, com o 75
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jetivo de recolocar. nos trilhos do corporativismo clássico o D.L. que dele se desviara, ao estabelecer como base do sistema de representação osindicato homogêneo e a subordinação hierárquica. Tal desvio seria corrigido através de um modelo alternativo. Oliveira Vianna diria que, com seu modelo alternativo, a elite paulista estaria tentando ajustar a legislação "à sua concepção de organizaçao sindical e corporativa" (idem, p. 253). Não hesitará em se opor ao que ele chamou de projeto das "grandes associações profissionais (...) do estado de São Paulo". Este projeto toma a Carta de 37 como fundamento. Como foi visto, a nova Carta se adequava com perfeição ao papel que a elite empresarial paulista se atribuía e à identidade política que buscava para si própria. Sua inserção na ordem estatal, sob o formato tipificado pelo Conselho de Economia Nacional (CEN), prometia-lhe a institucionalização desse papel e dessa identidade. O D.L. 1.402 revelara o empenho do Governo em equilibrar as forças do capital e do trabalho, nivelando-as sob tutela e controle. O anteprojeto referente-ao Enquadramento Sindical Brasileiro (ESB), instruído pelo mesmo decreto, reduzia a pó a estrutura associativa patronal já construída. A reação foi imediata. Durante todo o segundo semestre do ano de 1939, liderados por Roberto Simonsen, reuniram-se na sede da Fiesp e elaboraram um documento enviado como "representação" ao Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio 8 . s Participaram desse trabalho, liderado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a Associação Comercial de São Paulo (ACSP), o Instituto de Engenharia de São Paulo, o Instituto dos Advogados de São Paulo, a Bolsa de Mercadorias de São Paulo, a Federação Comercial de São Paulo. Roberto Simonsen representava a FIESP, a FIP e o Instituto de Engenharia; Cesariano Jr. representava o Instituto dos Advogados de São Paulo; Morvan Dias de Figueiredo, 1.° vice-presidente da FIESP, representava a Liga de Comércio e Indústria de Louças e Ferragens de São Paulo; Argemiro Couto Barros representava a ACSP; João Batista de Almeida era o 2.° secretário da AC; Guilherme Vida] Leite Ribeiro, secretário-geral da FIESP; Otávio Pupo Nogueira, secretário-geral 76
A documentação produzida foi reunida 'em um dossiê 9 que traz a versão paulista do corporativismo. Trata-se de um trabalho de bricolagem feito pelos consultores jurídicos das entidades e juristas paulistas, juntando Manoilesco, a produção dos corporativistas> católicos franceses e o próprio Oliveira Vianna. O objetivo foi, no plano doutrinário, demonstrar que as instruções baixadas pelo Ministério correspondiam a uma visão limitada do corporativismo, reduzido como fora a um programa de sindicalização. Essas instruções tinham o agravante de aniquilar as associações "corporativas" já existentes: as entidades federativas da classe patronal. No plano prático, a intenção era demonstrar que a estrutura associativa que tinham construído antecipava-se à Carta de 37, e sua preservação, nos moldes em que existia, era condição para o desenvolvimento do corporativismo no país. Tal estrutura era perfeitamente compatível com a nova ordem, inclusive com a base sindical prevista pelo D.L. 1.402. No entanto diziam–, a regulamentação do Decreto estava conduzindo a interpretações contrárias à tradição, aos interesses do país e à Carta de 37.
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do Sindicato Patronal das Indústrias Têxteis de São Paulo; Álvaro Blumenthal, secretário-geral da ACSP; Tácito de Almeida, Clóvis de Carvalho, Rubens Maragliano e Percival de Oliveira eram consultores jurídicos da FIESP. A Constituição de 10 de Novembro de 1937 e a Organização Corporativa Sindical (maio de 1940), [s.n.], São Paulo. O livro se compõe da "representação" enviada ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio (Waldemar Falcão) e de um conjunto de emendas ao Decreto-lei 1.402, de 05 de julho de 1939, e as instruções baixadas pelo Ministério do Trabalho. Entre estas, um substitutivo ao anteprojeto da lei de Enquadramento Sindical Brasileiro. O material constituirá a tese única das entidades signatárias a ser levado para a Conferência Econômica no Rio de Janeiro. Era considerado como um corpo único, que não poderia ser desmembrado. Acompanham o material pareceres dos consultores jurídicos da FIESP, de Vicente Ráo e de Oliveira Vianna. Artigos de jornais de Euvaldo Lodi e de Oliveira Vianna também fazem parte do livro, cujos signatários foram Roberto Simonsen, como presidente da FIESP e da FIP; Argemiro Couto de Barros, presidente da ACSP; J.M. Toledo Malta, presidente do Instituto de Engenharia de São Paulo; Benedito Sérvulo de Sant'Anna, presidente da Federação Nacional da Indústria, Associação Comercial do Rio de Janeiro e da Federação das Indústrias de Minas Gerais. '77
PROJETO CORPORATIVO E CONFLI TO DE ELITES
A nõya-:regulamentação deixava claro que o Art. 48 (e seu parágrafo 4.) viera para ser cumprido, sob pena de exclusão do sistema legal de. representação e perda do estatuto jurídico já O anteprojeto do Ministério do Trabalho, de "Enquadramento Sindical Brasileiro" (ESB), estendia às federações os mesmos critérios; de organização dos sindicatos. Não haveria mais lugar para as "federações-ônibus" ou "tipo lojas americanas" (onde entrava qualquer um), no dizer irônico de Oliveira Vianna. As federações.deveriam se reorganizar, segundo os grupos de atividades - ou profissões, observando os critérios de identidade, similitude ou ;conexão de funções. O relatório que acompanhava o anteprojeto sugeria ainda a inconveniência de federações estaduais. Faziase portanto necessária, do ponto de vista dos paulistas, a reforma do D.L. 1.402 e da lei do ESB, para que fossem preservadas as federações com sua heterogeneidade e autonomia, e assim deveriam ser integradas à nova ordem. Dirigiam-se ao Ministro como "legítimos intérpretes de suas respectivas regiões econômicas", e com autoridade derivada do exercício de funções de defesa e re10 presentação desses interesses (OCS, p. 24) Previnem que a rejeição às suas propostas levaria ao absurdo de se "consagrar em um dos mais altos textos legais, em matéria de organização sindical do mundo contemporâneo"" , dispositivos inoperantes (OCS, p. 20). Advertem sobre a veleidade de se iniciar um trabalho de construção "com uma série de destruições que jamais seriam homologadas pelo CEN, responsável pela reorganização da produção, como determinava a Constituição (OCS, p. 217). Argüindo a inconstitucionalidade das instruções baixadas,
enfatizavam que os redatores das instruções estariam usurpando as funções do CEN, antecipando-se à sua competência (OCS, p. 8). A organização corporativa da economia era tarefa das associações de classe e não dos funcionários do Ministério do Trabalho' 2 . O documento enfatizava que, a despeito da imprecisão e amplitude do conceito, o corporativismo não podia ser entendido apenas como um "regime de organização profissional". O sindicalismo também era um "regime de organização profissional" e não podia ser confundido com o corporativismo — tipo de organização social onde os agrupamentos entre os homens se fazem a partir de seus interesses e funções sociais (OCS, p. 133). A associação com base na comunidade de interesses e de fins a serem perseguidos tinha como pressuposto a cooperação. O Estado, órgão da sociedade, não era mais que a síntese dos múltiplos corpos sociais. Assim formulado, o corporativismo continha dois postulados fundamentais: a autonomia dos grupos sociais em relação ao Estado, e a natureza pública da representação dos grupos de interesses. A condição necessária à vigência do corporativismo era a existência de "grupos territoriais autônomos", em cujo âmbito se formariam os grupos de interesses comuns. Esses grupos constituíam-se como corpos independentes, administrando a si mesmos, tentando conciliar interesses divergentes. Às corporações, assim definidas, caberia realizar um trabalho de coordenação e equilíbrio "sob a vigilância e, em caso de conflito, arbitragem do Estado" (OCS, pp. 133-143). A autonomia das corporações era conseqüência decorrente da liberdade de associação e tinha um sentido bem preciso: liber'2
A Constituição de 10 de Novembro de 1937 e a Organização Corporativa Sindical, referida daqui em diante como OCS. " Trata-se de uma citação irônica do relatório do Ministério sobre o anteprojeto do decreto. 10
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O projeto corporativo paulista foi sistematizado por Cesarino Jr., catedrático em Legislação Social da Faculdade de Direito de São Paulo, representante do Instituto dos Advogados de São Paulo; Percival de Oliveira, consultor jurídico da Fiesp; e Vicente Ráo, jurista paulista. Seus pareceres constituíram o fundamento doutrinário das reivindicações. 79
PROJETO CORPORATIVO E CONFUTO DE ELITES
e organização, independente da organização do Estado. O esempenho das funções sociais implicava o direito natural de assoc i ação. A„personalidade jurídica, sem a qual não poderiam ststr_nem funcionar, era uma decorrência de sua: própria natu'ertencia-lhes, de pleno. direito, não podendo ser objeto de concessão .(OCS, p. 139). anoilesco e os corpt rativistas franceses lhes seriam tculármenteúteis na argumentação de que o caráter coletivo de as funções determinava a natureza pública das associações. Es, associações civis defendiam "interesses coletivos de vários ramos da produção e, muitas vezes (...), o bem público municipal, estadual ou nacional" (OCS, pp. 133-143). O direito à autonomia decorria da função de defender o interesse público, não podendo provir de qualquer consentimento. Fosse dos indivíduos, fosse do Estado. Associando a autonomia ao interesse público, os paulistas identificavam o seu projeto ao de Manoilesco, recusando o "dirigismo" do Estado e concordando sobre a necessidade de freios aos impulsos dos interesses. O corporativismo seria um "antídoto" às desordens do liberalismo, do estatismo e da luta de classes, instaurando a "cooperação do antagonismo" (OCS, p. 25, e pp. 218-219). Apoiando-se nos autores da Carta de 37, argumentavam: A organização corporativa é a descentralização econômica, isto é, o abandono pelo Estado da intervenção arbitrária no domínio econômico, da burocratização da economia (...), deixando à própria produção o poder de organizar-se, regular-se, limitar-se e governar-se".
" OCS, p. 138. A definição é de Francisco Campos, transcrita do Boletim do Ministério do Trabalho, n.° 40, 1937, p. XXII. A maioria das situações do documento é retirada de Mikhail Manoilesco. O Século do Corporativismo (1938), José Olympio, Rio de Janeiro.
Organizar um corporativismo com base exclusivamente nos sindicatos homogêneos era anular a condição básica do corporativismo: a cooperação de interesses heterogêneos com vistas a um fim comum (OCS, pp. 20 e 30). De acordo com a elite paulista, suas seculares associações civis já teriam se antecipado do Estado, em direção ao corporativismo (OCS, p. 216). Congregando-se para entendimentos entre si, com as administrações locais ou com o poder central, suas associações articulavam diferentes ramos da indústria, organizavam suas relações com as autoridades locais e federais, e colaboravam para a solução dos problemas comuns, a despeito de interesses diferenciados (OCS, pp. 214-215). Apoiada nesses argumentos, a elite paulista propunha que suas entidades federativas fossem mantidas em seu formato original. Seriam atendidos, em ambas as demandas, através de emendas ao D.L. 1.402 e substitutivos ao anteprojeto do Enquadramento Sindical. A argumentação esclarecia algumas antinomias: corporativismo não era sindicalismo; associações civis não eram-sindicatos, e direitos não eram prerrogativas. Cabia distinguir, antes de tudo, o corporativismo do sindicalismo autoritário. O papel dos sindicatos no corporativismo decorria de funções outorgadas pelo Estado. No caso das associações civis, a representação era função original e pressupunha a autonomia. O corporativismo brasileiro combinava legalmente monopólio da representação e heterogeneidade sindical. Conforme a legislação, os contratos entre sindicatos homogêneos eram obrigatórios. Mas reconhecia também contratos não-extensivos, feitos por sindicatos heterogêneos" . Dentro desse espírito, os sindicatos 1°
O Art. 137 da Carta de 37 instruía a regulamentação do D.L. 1.402. Ele dispunha sobre a legislação do trabalho, determinando seus princípios. Segundo o inciso a, os contratos coletivos de trabalho concluídos pelas associações legalmente reconhecidas... serão aplicados a todos que elas representam (grifo meu). O Artigo 138 tinha a seguinte redação: "A associação profissional ou
PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELITES
defendiam interesses individuais de categorias homogêneas da pro dução, enquanto as associações da classe patronal eram de caráter heterogêneo e defendiam interesses coletivos (OCS, p. 10). Estava sendo dito que os sindicatos, entidades privadas, para agir em nome da coletividade, dependiam de um mandato legal conferido pelo Estado (OCS, p. 11). Apropriam-se de Oliveira Vianna: "A categoria profissional, não tendo personalidade legal, não poderia conferir mandato de representação a ninguém: a lei assim dispôs nesse sentido, investindo o sindicato dessa representação" (OCS, p. 14). As associações civis da classe patronal — diziam eles — prescindem desta prerrogativa: (...) começam a ter vida desde a sua inscrição no registro público competente, e não no registro privativo das associações sindicais no MTIC. (...) Uma vez constituídas, não se lhes pode negar o direito assegurado de representar, perante as autoridades, em defesa de direitos seus ou do interesse geral (idem, ibidem; grifado no original).
A idéia de que a fonte de legitimidade de suas associações era diversa da dos sindicatos — sociedade e Estado, respectivamente — se combina à percepção de que o "coletivo" diz respeito
sindical é livre. Somente, porém, o sindicato regularmente reconhecido pelo Estado tem o direito de representação legal dos que participarem da categoria de produção para que foi constituído, e de defender-lhes os direitos perante o Estado e as outras associações profissionais, estipular contratos coletivos de trabalho obrigatórios para todos os seus associados, impor-lhes contribuições e exercer em relação a eles, funções delegadas de poder público". Ver também OCS, pp. 195-201. Oliveira Vianna afirmara (em parecer oficial e em artigos nos jornais) a incompatibilidade entre sindicatos heterogêneos e as funções normativas exercidas pelas instituições corporativas, argumentando a impossibilidade de estipular contratos obrigatórios para toda a categoria, se os sindicatos reunissem mais de uma categoria. Ver OCS, pp. 198-199. 82
à sociedade e às comunidades que as compõem. Nela se obtém a legitimidade. O Estado concede "privativamente" a legalidade a "pessoas naturais ou jurídicas", que se tornam assim aptas a exercer o direito de representação legal (OCS, pp. 11-12). A explicitação do que seria o direito de representação não por acaso descreve as tarefas das associações civis na defesa de seus interesses. Menos o conteúdo e mais a origem deste direito, é o que está em discussão. A argumentação sugere que a representação legal é uma extensão do direito de representação exercido legitimamente por pessoas ou entidades, independentemente da autorização do Estado a outros que não dispunham desta legitimidade. Insistem em marcar a natureza privada dos sindicatos operários e a natureza coletiva das associações patronais, para diferenciar a legalidade dos sindicatos da legitimidade de suas associações. A defesa intransigente de uma legitimidade originária na sociedade, dos direitos, liberdades e garantias individuais; um certo coletivismo embrionário como base da legitimidade; a visão do Estado como um grupo entre outros, cuja diferença em relação aos demais seria o poder de conferir legalidade, se combinam, subvertendo as concepções de privado e público prevalecentes no Brasil. O público, concebido como dimensão da sociedade organizada, independente, inserido no político através do Estado. O privado, entendido como uma das dimensões do Estado, expressão daquilo que lhe era privativo e que o fazia produtor da legalidade. O sentido desta concepção era dado por uma sociedade plural, capaz de se inserir nesse Estado, de diversas maneiras. Direitos não são prerrogativas. Conseqüentemente, as as- . sociações patronais paulistas "não estão, não podem estar subordinadas às regras estabelecidas por lei especial para associações sindicais" (grifado no original) (OCS, p. 10). A diferenciação entre associação civil e sindicato resolvia o problema maior criado pela regulamentação da nova lei. Era preciso escapar à subordinação e 83
ARtIRDILHA DO LEVIATÃ
PROJETO CORPORATIVO
permanecer no sistema. A reforma da lei deveria permitir que as associações patronais fossem incluídas no sistema, usufruindo "prerrogativas" entendidas como direitos. Reivindicam também o direitode participarem na primeira eleição do Conselho de Economia Nacional, dados os precedentes e relevantes serviços prestados à causa pública (OCS, pp. 15-16). Os instrumentos para a construção do corporativismo são indicados através de emendas ao Decreto-lei. Entre elas, uma é particularmente interessante. Estabelecia que, enquanto vigorasse o prazo previsto para a adaptação das associações ao Decreto, ficaria suspenso o reconhecimento de qualquer associação que pretendesse a investidura sindical "para a mesma atividade ou profissão, dentro da mesma base territorial em que haja uma associação sindical reconhecida sob o regime do Decreto 24.694, de 12.07.34" (OCS, p. 101). É interessante porque é uma indicação clara de que havia competição no mercado da representação. Mais interessante ainda porque revela o interesse na intervenção do Estado nesse —mercado, para garantir o monopólio da representação. O projeto de centralização política, tal como iniciado no pós-30, seguia uma tendência nitidamente oposta ao federalismo. A possibilidade de um Estado Unitário aumentava com a eficácia com que a centralização, política vinha sendo implantada. A recusa ao título jurídico de sindicato significou a rejeição do projeto de centralização, quando este estendeu à esfera econômica a tutela já imposta ao sistema político. A recusa traçava a linha de resistência à intervenção. É preciso entender, porém, o sentido dessa resistência. Sistema propício à formação e domínio das oligarquias políticas (Vianna, 1933), o "federalismo" da elite paulista era oportuno à formação de oligarquias econômicas. Associando federalismo à identidade regional, o projeto paulista identificava os novos portadores dessa identidade: as organizações federativas da classe patronal. 84
E CONFLITO DE ELrr s
Todo esse esforço doutrinário tinha como objetivo prioritário a permanência da estrutura associativa horizontal face à verticalidade da organização sindical prevista pelo projeto de "Enquadramento Sindical Brasileiro", que inviabilizava a Fiesp, retirando-lhe qualquer possibilidade de ação conjunta, e acesso aos mecanismos de decisão da política econômica, prerrogativa reservada às Confederações 1 5 . As demandas paulistas estão referidas a um quadro de relações já estabelecido entre grupos de interesses institucionalizados, que interagiam entre si e com o poder público. A ameaça a este arranjo, vinda da esfera administrativa central, gerou um conflito que assumiria os contornos de um jogo de soma zero, não fosse o papel arbitrai do Estado. O conflito tinha um agravante fundamental. O dilema era entre voice e exit (Hirshman, 1973). Nos dias 3 e 9 de julho de 1940 foram promulgados dois decretos, através dos quais as associações federativas da classe patronal não só eram reconhecidas como atores relevantes, como passariam a ter representantes nas Comissões destinadas a definir as regras do jogo (Vianna, 1942). O D.L. 2.381 estabelecia que a Comissão destinada a elaborar o projeto de Enquadramento Sindical passaria a ter dois membros representantes das Confederações Nacionais. É possível que a data dos decretos que emendaram o D.L. 1.402 (03.07.40 e 09.07.40) não tenha nenhuma importância. No entanto, merece registro sua coincidência com a data da Revolução Constitucionalista, gravada na memória paulista como o momento épico de auto-afirmação da "pátria paulista" 16 . O D.L. 2.353 per15
16
O Enquadramento Sindical Brasileiro, elaborado por Comissão Especial do Ministério do Trabalho, não teve a colaboração de Oliveira Vianna, que, aliás, em Parecer sobre o regulamento, concorda com a maioria das críticas feitas pelos paulistas. No dia 3 de julho de 1932, o jornal O Estado de São Paulo publicara uma carta de João Alberto ao General Leite de Castro, informando que São
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PROJETO CORPORATIVO E CONFLITO DE ELITES
mitiu que o formato organizacional previsto apenas para as confederações fosse estendido às federações. Isto significou que as federáções(patronais) poderiam filiar sindicatos ou associações civis. de categorias diversas. Essas regras resultaram no desenvolvimento de um tipo de corporativismo que assegurou às federações patronais o monopólio da representação legal e as funções de intermediação sem perda de autonomia. A hierarquização das organizações, implicando a subordinação dos sindicatos às federações, criou no interior do patronato um tipo de subordinação, não ao Estado, mas entre as associações patronais. Esta forma de solucionar o problema, isto é, através da intervenção do Estado, iria gerar sua antítese: a competição entre as entidades patronais da indústria pela intervenção e proteção do Estado sob a forma do reconhecimento jurídico. Os paulistas começam a montar, sem o saber, a armadilha que os aprisionará ao Estado. Esse tipo de corporativismo garantiu à classe patronal os recursos necessários à sua própria organização, e retirou dos trabalhadores. qualquer possibilidade de articulação e unificação. Os projetos aqui esboçados não nasceram prontos. Tomaram corpo e se diferenciaram ao longo de intensa e continuada interação que será acompanhada no próximo capítulo. Do ponto de vista organizacional, seu resultado pode ser visto no Quadro 2, a seguir, que sintetiza as propostas em competição e indica com um asterisco as soluções institucionalizadas.
Quadro 2
FONTE DE LEGITIMIDADE
FONTE DE PODER
PROJETO DE OLIVEIRA VIANNA
PROJETO DO GOVERNO
PROJETO DA ELITE PAULISTA
SOCIEDADE
ESTADO
SOCIEDADE
LEI
GOVERNO
SOCIEDADE E MERCADO ASSOCIAÇÕES CIVIS
MECANISMOS
FUNÇÕES
BASE DE REPRESENTAÇÃO
TIPO DE REPRESENTAÇÃO
CONVENÇÕES COLETIVAS/ CONTRATO COLETIVO DE TRABALHO PODER PÚBLICO DELEGADO'
REGULAÇÃO` DELEGAÇÃO DE FUNÇÕES ATRIBUIÇÃO DE STATUS PUBLICO . CONCESSÃO DE PRERROGATIVAS
REPRESENTAR INTERESSES-E SOLUCIONAR CONFLITOS
ASSOCIAÇÕES CIVIS MECANISMOS DE ACESSO Ás ARENAS DECISÓRIAS*
ARTICULAR DEMANDAS E COOPERAR COM O ESTADO
REPRESENTAR E DEFENDER INTERESSES; ARTICULAR DEMANDAS E PARTICIPAR DE DECISÕES
INTERESSE PROFISSIONAL. E DE CATEGORIAS SINDICATO HOMOGÉNEO
INTERESSES PROFISSIONAIS E/OU ECONÔMICOS
INTERESSES ECONÔMICOS SETORIAIS E REGIONAIS
MONOPOLIZADA'
MONOPOLIZADA.
MONOPOLIZADA'
SINDICATO ÚNICO'
SINDICATO ÚNICO'
SINDICATO ÚNICO' ASSOCIAÇÕES CIVIS COM O MONOPÓLIO DA REPRESENTAÇÕ .
SINDICATOS PROFISSIONAIS
associações heterogêneas e sindicatos setoriais'
FEDERAÇÕES SETORIAIS ESTADUAIS'
Paulo faria a Revolução. O volume da Coleção de leis de 1940 informa que, embora assinados anteriormente, só seriam publicados nessas datas. Conferir A. Carlos Pereira, Folha Dobrada (1982), O Estado de São Paulo, São Paulo. 86
RELAÇÕES
TRILATERAIS HIERÁRQUICAS
BILATERAIS HIERÁRQUICAS .
BILATERAIS HIERÁRQUICAS'
articulações verticais'
articulação venical•
Articulação horizontal c paritária•
87
Capítulo 3
A
CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
Organizando a ação coletiva A montagem da estrutura corporativa no Brasil resultou do longo processo interativo que envolveu o governo e frações de classe. Seu formato resultou de um jogo que durou mais de uma década entre atores com interesses conflitantes, por vezes convergentes, que dependiam uns dos outros para a realização de seus objetivos. O curioso é que o resultado final transcendeu os objetivos específicos de cada um. A classe trabalhadora, mesmo excluída do jogo, foi também afetada. Acompanho, pois, a construção da estrutura corporativa como quem assiste a um jogo do qual já se sabe o resultado. Meu objetivo é apreender as diferentes estratégias de ação adotadas, as alterações táticas, o movimento interativo dos jogadores, a seqüência dos lances, prestando atenção especial à influência que os atores exercem uns sobre os outros. Tento observar as relações de interdependência que se criam ao longo do processo, e como cada jogada obriga ou direciona o movimento do adversário, imprimindo ao jogo sua dinâmica própria. As jogadas bem-sucedidas serão institucionalizadas na estrutura do corporativismo. Os jogadores são o Governo, a burocracia do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, e a elite industrial paulista, que
A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
serão observados através do instrumental teórico fornecido pelas teorias da ação coletiva. Antes de apresentar os conceitos que me serviram para reconstruir o jogo, gostaria de falar um pouco sobre a forma como trabalhei. No decorrer da leitura, percebe-se que tentei observar o desenrolar do jogo através de diferentes ângulos. Esta não foi uma estratégia planejada, mas um caminho que fui seguindo conforme me indicavam os dados. Um mesmo processo é examinado em perspectivas diferentes. É como se, depois de revelada a fotografia, o fotógrafo se desse conta da necessidade de tomadas de outros ângulos. As lentes no entanto são sempre as mesmas. Refirome ao instrumental teórico e aos conceitos formulados pelas teorias da ação coletiva. Eles me foram úteis para observar o jogo e me permitiram apreender os padrões de interação corporativa que foram se consolidando a despeito das fórmulas imaginadas pelos vários projetos, institucionalizando as interações bem-sucedidas. Isto significa dizer que a estrutura corporativa não foi uma estrutura "criada" e "imposta", mas resultou daquelas interações sociais que produziram bons resultados. A estrutura consolidou os mecanismos interacionais que resultaram de relações bem-sucedidas, por permitirem jogadas que produziam interações bem-sucedidas, e assim sucessivamente. As teorias da ação coletiva buscam explicar por que, quando e como as pessoas se organizam para agir em conjunto. Em que circunstâncias obtêm sucesso e quais as possibilidades e obstáculos à cooperação. Tratam das condições de cooperação para atingir um objetivo comum. Esta forma simplificada de apresentar o campo e objeto da teoria, é suficiente para limitar o cenário do jogo. Tomá-las de forma simplista é uma alternativa prudente diante do desafio de buscar compreender um processo interativo de longa duração que sofreu inflexões várias. Idéia especialmente útil é o princípio de que a cooperação é possível mesmo que a escolha mais racional seja não cooperar. Isto acontece quando os diversos 90
atores se encontram na circunstância de serem obrigados a consumir um mal comum caso não cooperem para a produção de um bem comum (Santos, 1989). A formulação deste princípio e a identificação de suas condições de validade foram sistematizadas na lógica dual da ação coletiva proposta por Wanderley Guilherme dos Santos. A lógica dual ampliou o campo da teoria, possibilitando a observação sistemática da multiplicidade de lógicas de ação e da multiplicidade de formas de cooperação que constituem propriamente a vida social' . Primeiro, ao introduzir o conflito como fator que pode, sob determinadas circunstâncias, levar à cooperação; segundo, ao mostrar que não existe "a lógica", mas uma multiplicidade de lógicas de cooperação. Inspirado na sociologia de Simmel, Wanderley Guilherme dos Santos trabalha com a idéia de "interdependência social conflitiva" para apontar as condições e circunstâncias nas quais o conflito, talvez mais que o consenso, gera interdependências que podem levar à cooperação'. A idéia permite tratar processos interativos que se desenvolvem entre os indivíduos no interior de um grupo, e entre os grupos (atores coletivos) uns com os outros. Sua importância para este estudo está no fato de que permite compreender as estruturas corporativas como sistemas de cooperação com base no conflito e na competição'. Resumo a seguir, também de forma simplificada, as questões teóricas às quais está referida a análise desenvolvida neste capítulo.
A novidade das teorias da ação coletiva era mostrar que, ao contrário do que supunha o pluralismo clássico, um interesse comum não basta para produzir a ação conjunta. A novidade da lógica dual é introduzir o conflito como impulso à ação conjunta. A idéia de interdependência social conflitiva pode ser aproximada da idéia marxista de que a cooperação necessária à produção capitalista se dá através de relações antagônicas, mas também complementares e interdependentes. Ver Georg Simmel, Conflict and the Web of Group Affiliations (1955), Free Press,. New York.
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A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
LHA DÓ'L.EVIATÃ
Problemas de ação coletiva são aqueles que dificultam ou impedem a cooperação para a produção de um bem comum. Tratase aqui de examinar os problemas de cooperação enfrentados por cada um dos atores na busca de seus objetivos privados comuns, e as formas através das quais tais problemas foram solucionados. Para entender a interação complexa que se desenvolve neste campo, recorro a duas formulações básicas da lógica dual. A primeira postula que processos de ação coletiva, por definição interativos, desenvolvem-se através de uma "multiplicidade de lógicas" que operam ao mesmo tempo, porque resultantes das interações das várias "coletividades, ações e bens" que agem e interagem sincronicamente no mundo social real. A segunda, conseqüente à primeira, considera que a diferenciação das lógicas de ação depende: 1) do bem a ser produzido; 2) das coletividades engajadas na produção desse bem; 3) das condições para a produção do bem; e 4) do contexto político, econômico e institucional. Isto significa que é possível, considerando esses fatores, apreender alterações nos padrões interativos e capturar as diversas lógicas produzidas na e pela interação. Existem ainda duas questões elementares relativas à cooperação que devem ser mencionadas. A questão do cálculo dos custos da cooperação e o problema de como pagar e quem deve pagar estes custos. Esses cálculos variam em função do tipo de problemas que gera a necessidade de cooperação (Santos, 1989). Entender as diferenças entre as formas coletivas de cooperação é condição primeira para compreender a lógica seguida por um pequeno grupo de industriais paulistas que foi levado a se organizar, premido pela urgência de enfrentar o conflito com outras frações de sua classe em torno de políticas públicas. Associações de classe, sindicatos e cartéis são formas de ação coletiva (organizações cooperativas) diferentes, criadas para superar obstáculos à cooperação. São instrumentos capazes de gerar cooperação e se diferenciam em função de seus objetivos.
A objetivos distintos correspondem distintos' mecanismos de cooperação, assim como os fins determinam os meios quando se trata de agir de forma racional e calculada. Cartéis, sindicatos e associações de classe são meios diversos de alcançar fins diversos. Cada um deles corresponde a um tipo de interação diferente, e, portanto, resolvem problemas de cooperação diferentes, cuja solução envolve custos diferentes, e supõe ainda condições institucionais também diferentes. A organização de um cartel supõe a existência de um certo conhecimento do mercado e a capacidade de coerção de parte dos organizadores de forma a garantir que todos cooperem. Supõe um certo grau de controle sobre ações no mercado. O cartel torna-se inviável desde que um só elemento não se disponha a cooperar de acordo com as regras estabelecidas pelos organizadores. No jargão da teoria, nenhum elemento pode se furtar a pagar os custos da ação organizada, ou melhor, todos serão obrigados a pagar os custos da cooperação. A cooperação sob a forma de cartel exige que os organizadores tenham capacidade de coagir todos os elementos do grupo, obrigando-os a cooperar ou, ainda usando o jargão, utilizar incentivos negativos. Isto significa que um cartel não pode tolerar os "caronas", porque eles inviabilizam os resultados pretendidos: impedir a competição. "Caronas" (os free-riders) são aqueles que têm interesse no sucesso da ação, mas não estão dispostos a cooperar porque sabem que, sendo de interesse de todos, sempre haverá alguém que se empenhe na tarefa. Esperam assim os resultados que virão do esforço e cooperação dos outros, sem gastar suas energias. A literatura considera ser este o principal obstáculo à cooperação de indivíduos que têm interesses em comum. Eles não se organizam para defender seus interesses porque, sendo racionais, esperam que outros, entre aqueles que têm o mesmo interesse, o façam. Como todos são racionais, todos adotarão a mesma conduta e ninguém fará nada (Olson, 1967).
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A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
O carona deixa de ser um problema, no entanto, quando se trata de organizar um sindicato ou uma associação de classe. Nestes casos, a tolerância para com os "caronas", aqueles que não estão dispostos a cooperar na produção do bem comum, faz parte dos custos da cooperação e é incluída nos cálculos e estratégias dos organizadores. Quando o objetivo é representar interesses, além da tolerância com os caronas, outros custos devem ser contabilizados: os gastos na produção da agregação voluntária, mais: ocusto da produção da interação, mais os custos da produção da capacidade de representação. No caso da formação de associações de classe, os custos da cooperação dependem ainda de outro fator: a identidade dos atores que se reúnem para agir em conjunto. Este aspecto pode ser considerado em duas perspectivas: a natureza da identidade e o processo de formação da identidade do grupo (Bowman, 1989). Esta questão foi trazida por Bowman em sua teoria da ação coletiva capitalista. O argumento básico é o de que o primeiro obstáculo à cooperação dos capitalistas se origina na própria racionalidade capitalista, orientada que é pela lógica da competição. Quais são os problemas a serem resolvidos de forma a obter cooperação, quando ela se configura como uma incompatibilidade lógica? No caso dos capitalistas, a organização de classe é uma questão posterior aos problemas relativos à formação da identidade de capitalistas. Segue-se que a solução dos problemas de organização dependerá da natureza do processo de formação da identidade de grupo ou de classe. A identidade capitalista em princípio se forma no mercado, através da competição. Isto significa que os , capitalistas precisam organizar a competição de forma a superar conflitos de mercado que, se não resolvidos, resultam em saída do mercado, espaço de aquisição e consolidação da identidade capitalista (Bowman, 1989). Antes portanto de serem aprisionados pela lógica da escolha racional utilitária, os capitalistas precisam escapar da armadilha montada pela competição no mercado (Marx
apud Bowman, 1989). A cooperação entre os capitalistas torna-se pré-condição de sua identidade. Preservar o mercado, espaço de aquisição de identidade, e escapar da perda de identidade, criando formas de competição cooperativa, é para Bowman o problema prioritário dos capitalistas. O processo de formação de identidade assume aqui relevância analítica por uma razão óbvia. O corporativismo reserva ao Estado vários papéis, dentre eles o de criador de identidades coletivas. No caso brasileiro, há um consenso generalizado quanto ao pleno e eficaz desempenho do Estado como criador de identidades coletivas, em especial dos trabalhadores. Não se encontra na literatura, entretanto, referências à ação do Estado na formação da identidade capitalista. Quando o Estado distribui determinados tipos de recursos (bens) que proporcionam a alguns indivíduos ou firmas melhores condições de entrada e permanência no mercado, ele passa a atribuir identidades de fora do mercado. Nessas circunstâncias, configuram-se situações em que a atividade no mercado fica estreitamente associada (para não dizer dependente) da ação política. O próprio Estado passa a fabricar circunstâncias e condições que imprimem lógicas diferenciadas à ação dos capitalistas, no mercado e fora dele. Problemas de competição no mercado combinados a problemas de competição política podem produzir obstáculos à cooperação que não podem ser superados sem a intervenção do Estado. Acabo de anunciar a lógica que presidiu a montagem da armadilha do Leviatã. Outra ferramenta teórica pertinente à análise a ser desenvolvida, também retirada do trabalho de Bowman, é a distinção entre mecanismos internos e externos de organização da cooperação. Mecanismos internos são procedimentos destinados a atrair associados, homogeneizar condutas e criar condições para acordos sobre um interesse comum capaz de incentivar a cooperação. Os mecanismos externos são utilizados na interação com outros atores coletivos com o objetivo de resolver conflitos. São acordos, nego-
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};HA.^O LEVIATÃ
A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
ações pressão e influência, que expandem o universo interativo, mas >que podem produzir alterações no interior da organização, especialmente na estrutura e âmbito dos conflitos. Estes mecanismossão ferramentas custosas mas essenciais para a organização da cooperação.
Retomo a analogia do jogo para mostrar como montei "meu observatório". Se souberinos qual é o "interesse" de qualquer pessoa em qualquer jogo, poderemos compreender e acompanhar melhor sua ação e movimentos. Interest Will Not Lie (Nedham apudHirshman, 1979; Lenin, 1975). Além de identificar. os "interesses" dos diversos atores, é preciso também apontar os recursos que permitem participar do jogo. O governo estava interessado em se manter no poder e preservá-lo; contava com o poder de selecionar os participantes do jogo. À burocracia, nova camada social em ascensão, interessava consolidar seu status; tinha como recurso de poder a atribuição de definir e organizar as regras do jogo. Os industriais paulistas estavam interessados, em seus negócios, naturalmente, e também em organizar a defesa desses interesses, ou seja, organizar sua representação de classe. Ao longo do período aqui examinado, teria interesse cada vez maior no apoio do Estado à industrialização. Aos industriais cabia o papel de coadjuvantes necessários à implementação de algumas políticas estratégicas para o governo, em especial, a legislação social. Para iniciar a análise, é oportuno lembrar que estamos diante de vários processos interativos que envolvem, simultaneamente, atores supostamente com interesses comuns: os industriais, que interagem com outros atores, o governo e a burocracia, que por sua vez atuam de acordo com interesses e projetos também diferenciados. Isto significa dizer que as possibilidades de cooperação dependem dos conflitos que se desenvolvem no interior de cada grupo, do tipo de interesse que une cada um deles, das condições objetivas de organização, e finalmente do contexto político, econômico e institucional que é o território da ação. 96
Trata-se agora de acompanhar o jogo, seguindo a movimentação da liderança industrial paulista. Refazendo o processo de construção de suas associações, procuro mostrar de que forma o corporativismo serviu para solucionar os problemas enfrentados pelos industriais paulistas para se organizarem. Examino aqui padrões interativos e estratégias de ação desenvolvidas ao longo de conflitos cuja solução foi institucionalizada sob o formato corporativo. "Pagando pra ver" Quando, em 1928, um pequeno grupo de industriais paulistas ligados ao setor têxtil decide criar o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp), fizeram-no pressionados pelas circunstâncias. Quais eram essas circunstâncias? Desde 1925 as indústrias têxteis vinham resistindo à ameaça de elevação dos custos do trabalho, produzida pelas tentativas de regular o direito a férias e o trabalho infantil (Lei de Férias e Código do Menor). A resistência dos industriais vinha sendo conduzida através da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), à qual eram associados e que os representou até então. Em 1928, a ACSP começa uma campanha pela elevação das tarifas sobre o algodão importado, com o argumento de que era preciso "defender" o algodão produzido em São Paulo. Apoiada pela Sociedade Rural Brasileira (SRB), a elevação das tarifas era outra ameaça à indústria têxtil. À elevação dos custos do trabalho somava-se a elevação dos custos da matéria-prima. A decisão de se organizar é uma reação às expectativas pessimistas dos industriais, ao se verem obrigados a se submeter a políticas que contrariavam seus interesses, e sobre as quais não podiam ter a menor interferência. Os industriais paulistas não dispunham de acesso direto e fácil às esferas de governo e, mesmo que tivessem, não eram ainda diferenciados como um grupo de interesse entre os 97
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grupos e instituições que já tinham certa capacidade de pressão como a ACSP e a SRB.
Basicamente, a iniciativa de criação do Ciesp obedeceu à lógica de evitar o mal maior. As perdas que lhes seriam impostas
pela nova política tarifária não lhes deixaria alternativas que não a de se juntarem contra o poder de fogo dos setores do capital já organizados. Os industriais se viram obrigados a se agrupar, explicitar seus interesses, tentar legitimá-los frente aos outros setores e frente ao próprio Estado. Quais eram os interesses da indústria paulista, quem eram eles e o que queriam naquele momento? A indústria paulista entrara em expansão desde o início da década de 20, e crescia principalmente através da proliferação de pequenas indústrias e oficinas. Mesmo os menores empresários possuíam quatro ou cinco oficinas sem ligação entre si, constituindo um universo extremamente fragmentado, desorganizado e mesmo desconhecido, porque em contínua e desordenada expansão (Dean, 1991). Isto dificultava a organização do mercado e a criação de regras de competição e de cooperação. Os custos de distribuição da produção eram altos. Mesmo os grandes fabricantes recorriam aos importadores para colocar seus produtos num mercado de poucos compradores (Dean, 1971). A diversidade de tamanho,-de-eusto de produção, do custo da força de trabalho e de tecnologia, dificultava a identificação de interesses comuns. Nessas circunstâncias, os malefícios da nova legislação tarifária e social eram insuficientes para agregar a indústria em torno de um interesse comum. Grandes e pequenas indústrias sofriam impactos muito diferenciados nos custos do trabalho, como efeito das leis sociais (Férias e Código do Menor). As taxas protecionistas, por outro lado, eram fixadas por produto (Dean, 1971), dificultando a unificação das demandas, opondo muitas vezes setores industriais entre si. A indústria têxtil era particularmente afetada por todos esses problemas, pelo alto grau de heterogeneidade que caracterizava o setor (Dean, 1971). A competição entre as entidades de classe, por um lado, e a estrutura da indústria paulista, por outro, colocavam os seguintes desafios para os industriais: a) organizar-se de forma a serem
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Com a criação do Ciesp, os industriais paulistas tentavam dar um pgSO maior que suas próprias pernas. As origens da atividade industrial em São Paulo, atraindo proprietários rurais, cafeicultores e elementos do comércio importador, facilitavam o acesso e o trânsito dos industriais pelas associações do comércio e da agricultura. Organizar uma nova associação significava competir pela filiação com duas fortes e bem estabelecidas associações patronais. A legitimidade dessas associações, o trânsito fácil entre elas, quando os limites setoriais ainda eram fluidos, facilitando a agregação episódica em torno de interesses e, além disso, o risco de se associar a uma entidade cujos fundadores, na perspectiva limitada dos médios e pequenos industriais, detinham posição privilegiada e estável no mercado, exigia do Ciesp uma estratégia simpática, capaz de neutralizar esses fatores e que, além disso, não implicasse custos à filiação. A nova entidade não dispunha dos instrumentos de produção da cooperação previstos pela teoria da ação coletiva: distribuir prêmios aos que se associassem e benefícios especiais aos que se dispusessem a cooperar. Também não tinha a menor condição de castigar aqueles que não quisessem cooperar nem obrigar os industriais a se associarem ao Ciesp. Não dispunha, portanto, dos recursos de poder sociais, organizacionais e políticos, necessários ao investimento que estavam fazendo. Assim mesmo, o Ciesp foi criado. A inviabilidade da utilização dos incentivos olsonianos estaria na origem da adesão ao desenvolvimento de um corporativismo que, conforme tentarei mostrar, correspondeu às soluções encontradas pelos industriais paulistas para seus problemas de ação coletiva. O modelo da lógica dual (Santos, 1989) permite apontar esta correspondência.
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identificados como um grupo; b) afirmar uma identidade no mercadoe fora dele; e finalmente, c) legitimar a atividade industrial e =seus interesses, num ambiente familiarizado com a crítica às "indústrias artificiais" e com a idéia de que o país tinha sua "vocação natural" na agricultura. Para solucionar esses problemas, um grupo pequeno, homogêneo e egoísta, é levado a uma decisão que exigirá alta dosagem de altruísmo, para evitar perdas maiores que lhe, seriam impostas (o consumo obrigatório de um mal maior), caso não se organizassem (Santos, 1988). De fato não têm outra escolha senão iniciar sua arregimentação, arcando com todos os custos que a decisão envolvia. Seu interesse era organizar uma entidade que representasse a indústria, que lhe desse identidade própria, que servisse como instrumento de defesa coletiva na luta contra outros setores do capital. Dadas suas circunstâncias específicas, e o contexto institucional e político no qual interagiam, o investimento demandava cálculos e estratégias que deveriam se diferenciar em função das perspectivas de ação a curto e longo prazo. A curto prazo era necessário atrair filiados. A filiação no entanto não podia custar nada para a clientela em potencial, e logo veremos por quê. A longo prazo, era preciso investir na capacidade de representação. A idéia de "despesa" deveria ser traduzida na idéia de "investimento". O custo total do investimento incluía todos os gastos necessários à atração de filiados, à criação de vínculos e mecanismos de interação, e ao desenvolvimento da confiança necessária à legitimação da capacidade de representação. É oportuno relembrar: um dos postulados das teorias da ação coletiva é o de que o indivíduo racional não coopera para a produção de um bem comum justamente porque, havendo um interesse comum na produção deste bem, sempre haverá quem se encarregue de produzi-lo. Com a expectativa de que outros produzirão este bem, ele espera até vêlo produzido, quando então passará a consumi-lo com a "vantagem" de não ter gasto nada nessa tarefa. É o "carona". Se todos
agirem racionalmente, nada será feito. Evitar os "caronas" é um dos obstáculos que precisam ser ultrapassados quando se precisa agir coletivamente. As circunstâncias que levaram à criação do Ciesp faziam com que o problema do "carona" não se colocasse. Na verdade, o cálculo dos custos de produção do bem incluía as despesas com os "caronas". Em outras palavras, o Ciesp se organiza para dar carona. Seu primeiro objetivo é agregar a indústria paulista. O esforço de arregimentação começa através da oferta de serviços e de informações sem nenhum custo para os beneficiários. Os serviços disponíveis no mercado são oferecidos pelo Ciesp gratuitamente (C. 00021, 05.02.29). A seção de despachos alfandegários destina-se a resolver todas as dificuldades enfrentadas pelos industriais nas alfândegas do país; uma seção de contencioso administrativo oferece soluções para "casos" junto à administração pública municipal, estadual e federal. A seção de imposto de renda previa "excepcionalmente" o pagamento de uma taxa. Havia ainda a seção de registro de fábricas e patentes, e naturalização de estrangeiros (C. 23, 22.02.29). Como se sabe, registrar as fábricas é o primeiro passo a ser dado quando se trata de organizar o mercado, de fora, uma vez que o licenciamento de registros e patentes constitui formas de organizar a competição no mercado com a ajuda do Estado. Os industriais eram, na sua maioria, imigrantes que montavam pequenas oficinas e indústrias, sem nenhuma noção sobre as normas que regulamentavam a atividade industrial, nem sobre as obrigações legais mais rudimentares. Isso pode ter contribuído para a percepção generalizada entre os estudiosos, de que as empresas industriais no Brasil tinham uma "tendência a funcionar fora das normas legais e sociais" (Dean, 1971). Os serviços oferecidos pelo Ciesp eram fundamentais à organização e legalização das atividades desses industriais. Aceitálos, no entanto, exigia .pm grau de credibilidade e confiança de que o Ciesp ainda não dispunha. Quando os problemas com as autoricot
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dades burocráticas se intensificavam (fiscalização das leis sociais e tributação), os serviços eram estendidos aos não-sócios, que poderiam usufruí-los em "igualdade de condições com os associados" '(Circulares e telegramas, 1929). Os serviços prestados têm o objetivo de atrair uma clientela potencial e centralizar todas as transações dessa clientela com as autoridades públicas — municipais, estaduais e federais. O Ciesp se oferece como mediador dessas transações. Esses serviços não têm nenhuma relação específica com interesses comuns a serem defendidos. Correspondem a interesses particulares dos sócios (indivíduos e firmas), e têm a peculiaridade de se referirem a transações com a burocracia em todos os níveis. A prestação de serviços está associada, desde o início, à idéia de que os industriais deveriam "dispensar intermediários comuns", recorrendo sempre ao Ciesp. Este é o segundo objetivo do Ciesp: representar os interesses da indústria, tornando-os publicamente reconhecíveis. O reconhecimento público dos interesses da indústria significava o reconhecimento do Ciesp como entidade de classe. A insistência na mediação é sistemática e manifesta-se em todas as oportunidades, levando-o a antecipar-se na execução de decisões oficiais que exigiam o relacionamento direto das firmas com o poder público. O Ciesp está sempre pronto a assumir todos os encargos necessários (C. 97, 12.07.30), investindo na construção de seu papel de mediador. A oferta de serviços funcionava como chamariz. Disposto a arregimentar a indústria a qualquer custo, face a um público atomizado e arredio, o Ciesp assume os custos da arregimentação, distribuindo generosamente os benefícios, mesmo nos casos de recusa à cooperação (C. 49, 07.06.29). Na perspectiva do Ciesp, esta generosidade é um investimento a longo prazo em sua capacidade representativa e legitimação. A curto prazo, está produzindo a capacidade de organizar o próprio mercado: prestando serviços, o Ciesp se informava do número
de fábricas, seus proprietários, ramos de atividade, localização, etc. A atuação do Ciesp obedece a uma rotina impulsionada pelo objetivo de atrair associados, criar mecanismos de interação permanente e garantir a interação. Prestação de serviços, instruções e informações seletivas estão sempre articuladas em uma estratégia voltada para atrair esta clientela, abrir canais de comunicação com os sócios e com a clientela em potencial, especialmente para institucionalizar a função de mediador nas relações do setor industrial com a burocracia e com as autoridades governamentais. O bem a ser produzido privadamente era um bem coletivo: a organização necessária à defesa dos interesses da indústria paulista, independentemente do interesse de todos nesse bem. Seus custos foram pagos pela elite, que lhe deu forma, estatuto, sede e direção. Atrair associados envolvia custos que, nas circunstâncias, eram menores que os benefícios. Quando a iniciativa de organizar a cooperação deve-se a um interesse privado, cuja realização depende da produção de um bem comum, segue-se que a própria organização é uma necessidade prévia (Santos, 1989). Manter um fluxo permanente de informação e prestação de serviços abria e pavimentava vias de acesso direto à burocracia, monopolizadas pelo Ciesp que nelas transitava em duas mãos: em direção ao poder público como porta-voz e representante da indústria, e na direção inversa, como mediador das relações entre a burocracia e os industriais. O Ciesp pagou todos os custos, investindo pesado em sua organização.
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Fabricando o interesse comum Muito mais que "despachante" oficioso da indústria, o Ciesp pretende ser seu único informante. Todas as informações, mesmo as mais rotineiras, como o prazo final para o pagamento de impostos e cumprimento das obrigações legais, são sistematicamente
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acompanhadas de instruções com o objetivo de organizar e disciplinar o desempenho dos industriais em suas relações com o poder público. São instruções detalhadas, com o objetivo de uniformizar procedimentos e criar rotinas, com uma intenção claramente pedagógica. O Ciesp forma, informando. A dimensão pedagógica de sua ação merece ser considerada com mais cuidado. Destaco, em primeiro lugar, o fato de que as informações são cuidadosamente selecionadas. Em segundo lugar, são divulgadas como regras de conduta a serem adotadas. Em terceiro lugar, as informações traduzem o entendimento que o Ciesp tem sobre qual deva ser o "real" interesse dos industriais. Esse investimento político-pedagógico exigirá do Cjsp um grande esforço exegético em relação à legislação que lhe permitisse firmar interpretações da lei, orientando a conduta dos industriais de acordo com seu interesse "real". Qualquer inovação legal que afetasse a atividade industrial, qualquer oportunidade de apoio e incentivo do Estado era prontamente divulgada, prontificandose o Centro, "gratuitamente e sem incômodos para os interessados", a encaminhar todo o -processo necessário ao aproveitamento destas oportunidades (C. 29, 30.12.29). O Ciesp tentava organizar a atividade industrial, inventando funções para si próprio, revestindo-as de caráter público e constituindo-se como ator coletivo. Prestando informações, cuidava de transmitir aquelas que "diziam respeito" ou "interessavam" especificamente às indústrias paulistas. A seleção de informações permite uma certa delimitação e definição do conteúdo do interesse da indústria, diferenciando-o dos interesses do comércio e da agricultura. Veículo de comunicação permanente, as informações selecionadas estimulam a interação, convidam à cooperação e divulgam as concepções e posturas do Centro. As informações transmitidas nesses primeiros tempos referiam-se à política tarifária, fiscal e à legislação social; diziam respeito ao trabalho do menor, das mulheres, ao horário de trabalho e ao direito de férias. Em princípio, a temática tem relação direta com interesses supostamente dados do setor industrial. No entanto, a seleção das 104
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informações transmitidas e a maneira de traduzi-las revelam o esforço de construção de um interesse "comum", compatível com os interesses do grupo organizador, especialmente os interesses do setor têxtil. A necessidade de compatibilizar interesses, ou de traduzir um interesse comum a partir de interesses específicos, é um dos desafios à organização da cooperação extramercado, como é o caso da criação de uma associação de classe. O fato de não existir um interesse em comum configura circunstâncias nas quais se desenvolvem múltiplas lógicas que podem contrariar alguns pressupostos da escolha racional, alguns fundamentos da teoria olsoniana4 , que, no entanto, confirmam a teoria dual (Santos, 1989). Estamos aqui diante de uma situação em que a construção de "algo em comum" exige a tradução de um bem privado como bem coletivo. Como esclarece o autor, a lógica dual opera quando "a vontade geral representa a generalização da vontade de alguns e não de todos" (idem, pp. 30-31). Este processo será ilustrado através da reconstrução da história de implantação das leis trabalhistas, mais precisamente, da lei de férias. Os esforços, os conflitos e a cooperação necessária à sua implantação nos dão uma visão tridimensional do processo. Na primeira dimensão, podemos acompanhar a lógica do "pagando pra ver"; na segunda, visualiza-se com clareza o esforço de construção do "interesse comum"; a terceira permite que se acompanhem processos interativos com outros atores coletivos. Embora cada dimensão obedeça a uma lógica própria, se entrelaçam e se superpõem. A legislação social elevava diferencialmente os custos do trabalho, ameaçando a competitividade das poucas grandes in-
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A idéia de que os indivíduos não cooperam justamente porque têm um interesse comum, e a idéia de que o interesse comum é o ponto de partida para os estudos sobre cooperação. A cooperação pode ser tanto mais necessária quanto mais conflitantes sejam os interesses. 105
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dústrias frente às pequenas e numerosas oficinas com reduzido número de empregados, muitas vezes familiares. Conseqüentemente trazia a possibilidade de alterar posições de mercado. A política do governo aumentava a necessidade de cooperação e, ao mesmo tempo; criava novos obstáculos a esta cooperação. A implantação das leis trabalhistas seguiu o ritmo dos conflitos e da cooperação entre três atores estratégicos: os industriais paulistas, a burocracia local e a federal, e o governo. Limitome a reconstruir de forma resumida as relações entre estes atores em torno da lei de férias. Ao longo de quase uma década (19251934), o patronato paulista organizou uma resistência bem-sucedida aoreconhecimento do direito do trabalhador a férias. Seu maior sucesso não foi conseguir adiar a aplicação da lei, mas ter permitido se chegar a um acordo mínimo sobre os interesses da indústria paulista, e difundi-lo. No empenho em proteger a classe trabalhadora, o governo inicia um esforço de regulamentação das relações de trabalho, utilizando o direito a férias como incentivo à sua organização. Inicialmente o direito é vinculado ao registro dos operários feito pelos patrões. A resistência dos patrões em registrar seus operários leva o governo a fazer ele próprio este registro através da emissão da carteira de trabalho, que deveria, no entanto, ser assinada pelo empregador. As dificuldades só serão superadas quando o governo decide que as férias constituem direito de qualquer trabalhador que se filiasse ao sindicato oficial de sua categoria. De qualquer forma, ao longo desse processo os empregadores tiveram à sua disposição recursos que lhes permitiam limitar e restringir o usufruto deste direito. A aplicação da lei dependia, pois, de sua cooperação. Este era o trunfo que iriam usar na interação com o governo e na sua relação com a clientela que pretendiam arregimentar. A resistência dos industriais paulistas à lei de férias antecede à criação do Ciesp. Através da ACSP, diretores de centros
industriais já existentes articulam-se, em 1928, em um movimento contra a lei de férias, cuja regulamentação vinha sendo tentada desde 1925 (Atas da ACSP, 1929). Uma vez em funcionamento, o Ciesp dá continuidade ao movimento. A organização interna da resistência começa através de avisos prevenindo a indústria em geral contra a visita de fiscais do Conselho Nacional do Trabalho (CNT) às fábricas. Orientam a todos sobre o modo como deverão receber os fiscais, "representantes de uma entidade de cunho oficial", alheios portanto ao universo fabril. Pedem que, antes de acatarem qualquer sugestão de execução da lei, se comuniquem com o Centro (C. 57, 16.07.29; C. 92, 17.05.30). Alertam contra a lei, que na opinião dos juristas consultados "trará para as indústrias um período de desorganização, incômodos e prejuízos de toda ordem" (C. 58, 22.07.29). As instruções relativas ao cumprimento da lei insinuam o perigo que correriam todos, coletivamente, caso a lei fosse cumprida. Nessa eventualidade, dizem, o governo, através do registro, disporá de i`nfõrmações completas sobre o operariado de cada fábrica; de posse do registro poderá fazer as cadernetas de trabalho e assim obrigar os industriais a concederem as férias devidas. A desobediência às instruções do Centro, informam, anulará a estratégia patronal de não assinaras cadernetas como forma de boicote à lei. No entanto, a diversidade de interesses no setor industrial, a fiscalização e o medo do fisco são obstáculos sérios à ação do Ciesp. Suas orientações não encontram muita receptividade. A imprensa publica listas de firmas que começam a se adaptar à legislação, tomando medidas paliativas ou pagando as multas. Muitas delas aceitam o serviço dos fiscais, organizando, por seu intermédio, fichários de operários e fazendo as cadernetas (C. 81, 05.02.50). Eventualmente o registro dos operários, através dos fiscais do MTIC, podia parecer interessante para um grande número de pequenas indústrias e oficinas que não tinham existência legal, porque não registradas nas Juntas Comerciais. Na maioria dos
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casos,, essas empresas eram clandestinas porque não atendiam aos requisitos necessários ao registro, ou ignoravam os procedimentos adequados. Em todos os casos a legalização impunha custos. Acrescente-se a esses custos o fato de que os "perigos" ou custos da clandestinidade pareciam aumentar a cada dia. Para essas pequenas -oficinas, o Estado e o Ciesp constituíam ameaças da mesma natureza. Pode-se imaginar mesmo que o Estado representasse ameaça. menor que aquela vinda de uma organização criada pelos que'.ocupavam melhor posição no mercado. O Ciesp se mobiliza para orientar a conduta dos industriais no que,diz respeito à lei de férias. Envia numerosas circulares instruindo contra o pagamento das multas, oferecendo defesa judicial gratuita às firmas infratoras ou que estivessem dispostas a acatar a orientação do Ciesp (C. 50, 11.06.29). Os industriais, no entanto, prosseguem tentando se adaptar às leis ou pagando as multas diretamente aos fiscais. Amparado na opinião de "jurisconsultos" e magistrados, o Ciesp explica cuidadosamente aos associados que as tentativas de cumprir a lei se fundam em "interpretações errôneas" e não evitarão multas futuras (C. 48, 07.06.29). Previnem contra exploradores que se oferecem para organizar fichários e fazer cadernetas sem competência legal para a tarefa. Divulgam seu esforço de impugnação de fiscais e o sucesso obtido junto ao CNT, que cassara licenças de fiscalização, instruído pelos representantes da indústria paulista (C. 75, 05.05.29; C. 76, 08.11.29; C. 95, 12.06.30). As dificuldades em obter a cooperação de seus associados e da indústria em geral, no entanto, vão crescendo. Os custos da ação coletiva vão sendo inflacionados face à conduta dos associados. O Ciesp adverte: (...) o pagamento das multas e a execução (da lei) anula nossa ação... É preciso que os industriais paulistas sigam a mesma orientação e que os interesses particulares cedam passo aos interesses gerais... (C. 55, 02.06.29). 108
Percebendo os obstáculos que se levantam contra sua ação, tenta explicar para associados e não-associados os males que resultarão para todos, caso não se subordinem ao "interesse geral": (...) ou todos seguem a orientação aconselhada pelo Centro, e o Congresso verá que a lei é impraticável, ou então o Congresso nada fará pelos industriais (C. 53, 14.06.29).
A indústria paulista parecia não se identificar com os interesses defendidos pelo Ciesp, não atendia a seus apelos de cooperação, embora usufruísse dos benefícios eventualmente produzidos. O relatório de 29-30 comenta a diminuição do número de sócios, atribuindo-a à crise econômica. Aos problemas internos somavam-se conflitos com o setor comercial. Para superá-los, os industriais entram em acordo com a ACSP, no sentido de reivindicar do governo tratamento diferenciado da questão. Para evitar o acúmulo de conflitos, concordam em encaminharao governo, em separado, propostas que levassem em conta a "natureza da atividade industrial" e a "natureza da atividade comercial". Em outras palavras, as entidades combinam demandar do governo leis de férias diferenciadas por setor. O acordo prevenia conflitos de interesses entre estas entidades, e mais importante ainda, evitava que o apoio da ACSP à lei de férias (que não prejudicava o comércio) fosse transformado pela associação comercial em recurso de barganha com o governo em torno do projeto de unificação do horário de funcionamento do comércio, que estava acirrando a competição entre os comerciantes. Enquanto as lideranças empresariais conseguem cooperar, as dificuldades entre a direção do Ciesp e seus associados persistem. O contexto político-institucional muda com a Revolução de 30. O repertório de informações selecionadas aumenta e 109
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abre-se um espaço para entendimentos diretos com as autoridades. O Ciesp parece divisar, então, um elenco maior de alternativas de ação. Segundo divulgam as circulares, entendimentos com o interventor militar levam à suspensão temporária da lei de férias (C. 117, 03.01.31). Entendimentos com o diretor do Departamento do Trabalho deixam sem efeito as intimações feitas (idem; e C. 121, 02.02.31). Entendimentos com o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio garantem que qualquer medida a ser tomada com relação à legislação social será antecedida de contatos "com os representantes autorizados da indústria paulista" (C. 116, 06.12.30 – Telegrama do MTIC). Enquanto se mobiliza para modificar as leis, consegue do Ministério do Trabalho a suspensão de sua vigência para que os interessados as analisem e se manifestem, em nome de sua colaboração futura, na implementação da legislação social (CO. 126, 13.03.31; C. 181, 29.08.31; – Exposição de Motivos do Ministro do Trabalho). — Internamente, o Ciesp agiliza seu serviço de informações selecionadas. A copiosa legislação será cuidadosamente decodificada, interpretada e transformada em procedimentos e práticas, através de instruções sistemáticas (C. 158, 14.07.31). As empresas deverão conceder férias, tal como estipulado pela lei, de acordo com urna escala organizada pelo MTIC. A lei será cumprida, mas de acordo com a escala refeita e estabelecida pela entidade patronal. Segundo a lei, as férias eram direito de todo trabalhador que tivesse trabalhado durante doze meses sem interrupção. Segundo interpretação dos dirigentes patronais, o direito do trabalhador a férias não estaria vinculado ao seu tempo de trabalho, mas ao tempo de trabalho das fábricas. "As empresas que por qualquer motivo tenham tido interrupções de seus serviços" (...) devem limitar a "concessão do direito" de acordo com a seguinte escala: empresas que tivessem funcionado mais de 250 dias dariam 15 dias de férias a
seus trabalhadores; as que tivessem funcionado menos de 250 e mais de 200 dias deveriam conceder 11 dias de férias, e assim sucessivamente, até o caso de empresas cujo funcionamento não tivesse ultrapassado os 150 dias. Estas não dariam férias (Circular 260, 01.04.32). Condicionavam, portanto, o direito a férias ao funcionamento das fábricas. Esta interpretação inviabilizava a execução da lei e fora inspirada pela conjuntura de 30-31. Além das paralisações por conta da Revolução de 30, a indústria paulista, especialmente o setor têxtil, vivia uma "crise de superprodução" que lhe permitira limitar o funcionamento das fábricas a uma média de três ou quatro dias por semana (C. 114, 07.11.30). A obrigação de conceder os 15 dias de férias limitava-se, diziam, às empresas que tivessem funcionado normalmente, sem interrupções (C. 260, 01.04.32). Praticamente nenhuma empresa paulista preenchia este requisito no período (Livro de Circulares, 01.11.30 a 07.04.31). Desta forma foi possível unificar o procedimento dos industriais, todos eles interessados em não conceder férias a seus trabalhadores, ao mesmo tempo que nenhuma infração legal era cometida. Esta "interpretação" foi apoiada por juristas e mesmo "uma autoridade do CNT", que já havia eximido os industriais das responsabilidades relativas ao registro e legalização das cadernetas de trabalho, pré-requisito ao usufruto do direito (Circular 341, 28.10.32). Os conflitos com a burocracia local, no entanto se intensificam e o Ciesp se dispõe ao confronto: "face às repetidas e intoleráveis intimações do departamento do trabalho [Depto. do Trabalho Comercial Industrial e Doméstico], é necessário que a lei seja aplicada conforme as instruções dadas". Informa que o governo local está estudando a substituição da lei por um programa de assistência social, tendo se comprometido a investigar a atuação do Departamento Estadual do Trabalho (DET) (C. 341, 28.10.32).
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Negociações com o governo local resultam no compromisso assumido pelo Ciesp de fazer com que os industriais legalizem as cadernetas, paguem as indenizações das férias não gozadas, e concedam as férias devidas pelo ano de 1930. Em contrapartida, o "Governador" estudaria a formação de uma Comissão para resolver a questão da lei de férias e "investigaria" a atuação do DET. Aos associados adverte: "o acordo (sobre as férias) deverá ser rigorosamente cumprido... obedecendo rigorosamente à interpretação feita pela associação patronal" (C. 344, 07.11.32). O novo tom das circulares indica que a entidade já dispõe de recursos de persuasão que estão redefinindo sua relação com os associados. Em abril de 1934, é nomeado para diretor do Departamento Estadual do Trabalho, em São Paulo, "emérito representante da indústria paulista". A expectativa da entidade é que as leis sociais passem a ser aplicadas em São Paulo "com espírito de rigorosa imparcialidade e justiça" (C. 507, 24.04.34). A ele serão dirigidas queixas contra fiscais que, "no cumprimento de seus deveres, exigem que os industriais executem estritamente as leis sociais trabalhistas" (C. 578, 21.12.34). Ao final da década de trinta, o Supremo Tribunal Federal, silenciando sobre a questão, autoriza na prática os procedimentos adotados pelos industriais paulistas com base na interpretação da lei feita por sua entidade de classe. Em janeiro de 1940 o D.L. 1.970 delega ao governo de São Paulo as atribuições das Inspetorias Regionais do MTIC, no referente à execução das leis de proteção ao trabalho no Estado de São Paulo. A habilidade maior do patronato paulista foi proceder mantendo-se fiel à letra da lei, operando em suas brechas ou omissões. Com tenacidade, seguiu traduzindo dispositivos legais, instruindo, informando e tentando disciplinar seus associados, criando práticas uniformes, tentando transformar sua versão em normas efetivas. Sendo fiel à letra da lei, adulterava no entanto seu espírito. O trabalho exegético do Ciesp vai assumindo aos poucos um
caráter prioritário. Interpretando a lei, instruirá e orientará seus associados quanto à sua aplicação: como, quando aplicá-la e quando não aplicá-la. Permanentemente de plantão, o Ciesp vai transformando sua interpretação em práticas. Aplicando a lei a seu critério, o Ciesp acaba subvertendo o fundamento da obrigação política. A obediência à Lei e sua aplicação dependerá cada vez mais de sua adequação a práticas assim difundidas, que se transformariam, posteriormente, em "costumes" e "tradições da praça". Melhor dizendo, seriam traduzidas como "convenções" a serem reconhecidas legalmente. Assim procedendo, buscava fabricar um interesse comum, legitimar-se como defensor deste interesse e afirmar a capacidade normativa da entidade. Sua intenção exegética é clara desde o início. Seu trabalho, explicava, era corrigir leis "obscuras e mal redigidas", que se prestavam a inúmeras interpretações, qualquer delas podendo ser aplicada "com força de lei". A defesa dos interesses da indústria passa forçosamente por esse trabalho interpretativo, utilizado como um escudo protetor contra o poder de regulação do Estado, estratégia defensiva legítima e assim explicada às autoridades (C. 87, 03.04.30; Relatório 33-34; C. 375, 25.01.33). A produção legal do período tinha aspectos particularmente propícios ao trabalho interpretativo do Ciesp. A disposição protetora estimulava a regulamentação crescente das relações de trabalho, dia-a-dia mais detalhada e minuciosa. É da natureza da lei ser geral. Fechando o cerco à burla, a legislação revelava seus limites na incapacidade de regular todo e qualquer caso. Tentando proteger, regulando todo e qualquer caso, o governo criava mecanismos legais que tornavam inteiramente supérfluos os instrumentos criados para garantir autonomia, capacidade organizacional, e fortalecer o poder de barganha dos trabalhadores. Por outro lado, as omissões abriam brechas, permitindo interpretações e práticas que inviabilizavam os objetivos da lei.
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Esses ;espaços, ocupados imediatamente pelas interpretações do Ciesp, eram alargados através de entendimentos diretos com o executivo local e federal, gerando conflitos intermináveis entre os que fiscalizavam a lei e os que as executavam. Era a prática da lei, segundo os industriais; contra seu espírito, segundo os responsáveis por . sua fiscalização. O confronto foi duro, e a disposição do legislador em transigir, muitas vezes, foi nenhuma. A indústria paulista enfrentou com tenacidade todos os obstáculos. Selecionando informações e interpretando a seu modo as leis que afetavam os interesses da indústria, o Ciesp definia o âmbito de sua interação com os associados e encaminhava a solução da questão dos "reais" interesses da indústria. Prestando serviços e selecionando informações, o Ciesp tentou mobilizar o setor em torno de interesses estratégicos, evitando aumentar a fragmentação, buscando diminuir a diversifica= ção de interesses produzida pelos novos diferenciais de custo da produção. Definindo e divulgando os "reais" interesses da indústria, o Ciesp tentava " generalizar" interesses, interpretando a legislação como melhor convinha aos seus objetivos. Os "reais" interesses da indústria seriam aqueles que diminuíssem o impacto das leis sobre as posições de mercado. A continuidade das tarefas vai depender da capacidade de interpretar a lei de forma que ela pudesse ser cumprida sem prejudicar interesses tão diferenciados. Interpretando e aplicando a lei segundo seus interesses, redefine o conceito de "horário de trabalho noturno", o conceito de "menor" que regulava as condições e limites do trabalho na indústria, o conceito de "capital tributável" das sociedades anônimas, e substitui a noção de Convenção Coletiva de Trabalho por Contrato de Trabalho. Finalmente consegue reduzir o Contrato de Trabalho – instrumento fundamental para o equilíbrio do poder de barganha entre as classes, no entender de Oliveira Vianna – ao acordo individual (figura não prevista na legislação sindical). De caráter cada vez mais informal, o acordo permite que as relações 114
entre patrões e trabalhadores escapem ao alcance da nova legislação. Isto é, tudo fica como dantes no quartel de Abrantes. A ação do Ciesp para evitar o cumprimento da lei de férias e, ao mesmo tempo, negociar sua implementação, exemplifica e ilustra as múltiplas lógicas que o impulsionavam. Cada uma de acordo com o tipo de problema a ser solucionado: agregação, cooperação e legitimação. Os problemas de cooperação, trazidos pela diversidade e mesmo contradições entre os interesses , dos associados e da clientela em potencial, e os interesses do grupo dirigente, foram tratados de forma diversa e atacados em frentes também diversas. Para compatibilizar interesses diferentes, a entidade recorreu a mecanismos externos (Bowman, 1989), negociando com o Estado a implementação da lei, em troca de uma escala diferenciada de férias que permitia equalizar os custos do trabalho, dada a heterogeneidade da estrutura de custos da indústria paulista. A estratégia adotada alterou a interação da organização com seus associados e com outros atores coletivos. A entidade dispunha agora da capacidade -d-e incentivar a cooperação, resultante de seu reconhecimento por parte do governo, de porta-voz dos industriais. Em contrapartida, garantia-se a cooperação dos industriais na implementação da legislação social. Os conflitos com o governo, cuidadosamente mantidos nos limites da burocracia intermediária através de acordos, geraram processos interativos que resultaram na abertura de espaços na máquina de governo, ocupados pelos representantes da indústria paulista, que puderam participar da formulação e implementação da política trabalhista do governo Vargas, entre 1931 e 1945. Do ponto de vista organizacional, a entidade assumira características diferentes das demais associações patronais, desde 1931, quando o Ciesp, adaptando-se à lei sindical deste ano, adota o formato exigido pela nova lei e se transforma em Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Na verdade, Ciesp e Fiesp eram como irmãs xifópagas. Por algum tempo foram dois 115
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corpos e uma só cabeça. Houve períodos em que foram duas cabeças e um só corpo. Mas o fato é que a entidade cresce, ganha legitimidade frente ao setor que pretendia representar e frente às demais associações de classe, e passa a deter ; o monopólio da representação. A ascensão político-organizacional beneficiou diferencialmente a elite fundadora e os associados em geral. O grupo fundador reunia fabricantes da indústria têxtil (fiação e tecelagem), papel e artes gráficas, papelão, calçados, madeira e metalurgia. Foi para protegê-los que o governo proibiu a importação de máquinas para novas indústrias nestes setores. A proibição impedia ou mesmo inviabilizava as pequenas e médias indústrias, em sua grande maioria não registradas, e, portanto, "novas" para efeitos do decreto. A medida cortava o acesso dessas indústrias à modernização tecnológica, cortando a competição pela raiz e garantindo as posições de mercado das indústrias cujos proprietários lideravam o Ciesp-Fiesp. Outro exemplo: em 1934, quando o Ministro da Agri cultura tenta estimular o surgimento de novas indústrias com isenções e subsídios vinculados ao uso de matéria-prima nacional, a Fiesp se opõe ao projeto (que é engavetado) argumentando que ele trará desvantagens de mercado às indústrias já estabelecidas, e anulará toda a política de proteção às indústrias têxteis (C. 485, 05.02.34; Circulares de 1934, especialmente a de 17.02.34). O Estado, reconhecendo-a como interlocutora e parceira, provê este corpo xifópago de recursos de poder – de persuasão e coerção – que ela não tinha. A consolidação organizacional da indústria paulista criou, no entanto, obstáculos à realização de seus objetivos políticos. Ela expunha a contradição entre estes objetivos e os interesses privados da elite fundadora. Os ganhos políticos institucionais vão produzir novos obstáculos à cooperação, cuja superação seguirá outras lógicas. Seu capital 11,6
político derivado do novo status organizacional será investido em ações na política e em ações no mercado. Para seguir adiante, é oportuno lembrar que o processo aqui acompanhado desenvolveu-se ao longo de quase duas décadas (1928 a 1945). Tempo de mudanças políticas, econômicas, sociais, administrativas e legais. A avaliação do esforço de organização dos industriais paulistas exige que este seja relacionado à principal mudança ocorrida ao longo deste período. Refiro-me à emergência e consolidação do corporativismo. Desta relação trato a seguir, tentando mostrar a correspondência entre os dois processos. De certa forma, o que farei é retomar o mesmo período histórico, o mesmo objeto de análise, agora sob uma outra perspectiva. Em busca da identidade Agregação e cooperação são processos distintos e obedecem a lógicas também distintas. Serviços e informações eram incentivos à agregação (poderiam ser comprados no mercado a preços bem mais elevados, como não se cansa de lembrar o Ciesp aos associados). As informações selecionadas impulsionavam outro processo, às vezes superposto, sincrônico, seguindo, no entanto, sua trajetória própria. O sucesso na agregação resolvia o problema da clientela. Sua solução conduzia simultaneamente à contradição entre os interesses privados da elite fundadora e os interesses da clientela arregimentada, que a associação pretendia representar. Os obstáculos à cooperação começam a se constituir como problema, uma vez e porque solucionado o problema da agregação: quanto maior a adesão à entidade, maior a probabilidade de diversidade de interesses. Era preciso enfrentar o desafio de compatibilizar interesses privados, ou melhor, de traduzir os interesses de alguns como o interesse comum. O sucesso da empreitada está diretamente associado ao corporativismo, que permitirá, uma vez garantido pelo 117
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Estado o monopólio da representação, superar os limites lógicos que a fabricação do interesse comum impunha à ação patronal. 0. interesse do Governo Vargas na industrialização e na solução política da questão social faz do corporativismo um ponto de encontro obrigatório do governo com a indústria paulista. A relação — de convergência e divergência — entre interesses do governo e interesses da elite industrial paulista, desenvolve-se através de uma interdependência conflitante, que afetou a trajetória e estratégia de ação de ambos. Para acompanhar o processo de construção da identidade dos capitalistas, levando em conta esta interdependência conflitante, é oportuno relembrar as circunstâncias e fatores que determinaram a iniciativa de organizar o Ciesp: 1) uma situação de conflito intraclasse, que gerava a necessidade de agregação da indústria, para que esta não fosse obrigada a pagar os custos de uma legislação que contrariava seus interesses. Na gramática da ação coletiva, configurava-se uma situação em que os custos da não-produção do bem eram maiores que os custos de sua produção (Santos, 1989); 2) a produção desse bem (organização) era necessária porque não existia nenhuma organização que representasse todo o setor; 3) o tipo de cooperação (associação de classe) era determinado, por sua vez, por estes fatores: a. a existência de outras associações de classe, representando os competidores; b. a necessidade de conferir identidade ao grupo dos industriais paulistas; c. a necessidade de legitimar os interesses da indústria; d. o objetivo de representar a indústria; Competição institucional, socialização de interesses, formação de identidade, e legitimação da representação, eram os
problemas a serem solucionados. As circunstâncias que deram início à ação organizada dos industriais paulistas, considerado o campo interativo dos setores do capital, satisfazem algumas das condições necessárias ao funcionamento da lógica dual da ação coletiva (Santos, 1989). No entanto, o Ciesp se envolve em outras interações que geram outros conflitos. Trata-se aqui de examinar processos interativos e estratégias de ação, em sua relação com a montagem da estrutura corporativa. Organizando sua associação de classe, privada, os industriais estavam criando uma organização permanente, centralizada, e passavam a depender das expectativas referentes à ação do Estado em suas relações com os interesses já organizados. Associações que se organizam para representar e defender interesses de classe ou de frações de classe não o fazem imaginando que terão vida breve. Cada gesto é antecipado pelo cálculo de seus efeitos no jogo interativo, modificando e redefinindo o próximo lance. O Ciesp foi pensado como organização permanente. O contexto político em transformação contínua vai condicionando cada vez mais fortemente a escolha de estratégias de ação, na medida em que o Estado vai se tornando cada vez mais capaz de criar condições que interferem e modificam o campo interativo, nele incluindo novos atores com interesses cada vez mais diferenciados. A literatura sobre o período refere-se à resistência das associações patronais em geral à reorganização sindical corporativa, iniciada pelo Governo Provisório com a lei de sindicalização de 1931. No que se refere aos industriais paulistas, essa resistência não é manifesta. Pelo contrário, a lei de sindicalizado foi traduzida pelos industriais paulistas como uma oportunidade política inusitada, uma vez que a representação partidária sob o controle das oligarquias rurais servia particularmente aos interesses dessa fração da elite. Sem dúvida a nova lei foi compreendida imediatamente como instrumento estratégico para a organização de suas
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associações de classe. Digo imediatamente porque, dois meses após a publicação da lei, os estatutos do Ciesp já estão modificados, dando surgimento à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). A adaptação à lei exigia alterações, principalmente no que dizia respeito ao númer9 de filiados e à hierarquização organizacional. Para formar um sindicato, era necessário o número mínimo de 30 associados. A reunião de, no mínimo, três sindicatos permitia organizar uma federação, à qual ficariam subordinados os sindicatos. O Ciesp identificava-se como organização análoga a uma federação. No entanto não dispunha das condições exigidas para. transformar-se legalmente em federação. Congregando industriais de fiação e tecelagem, papel e artes gráficas, papelão, madeira, calçados e metalurgia, o Centro reunia indivíduos proprietários de indústrias nestes ramos, e não propriamente associações. As dificuldades a serem superadas eram de natureza variada. Tratava-se, ao mesmo tempo, de atrair clientela, garantir sua adesão permanente e, como podemos ver agora, organizar seus associad-ós em sindicatos para usufruir as prerrogativas da lei. Como foi visto, o Ciesp enfrentou dificuldades na interação com a clientela que tentava atrair, organizar, representar, e cujos interesses pretendia defender. A despeito da prestação gratuita de serviços, informações e assistência, a maioria se mantém arredia, e os associados não colaboram, embora consumindo os benefícios produzidos por um pequeno grupo de industriais dispostos a continuar investindo na organização do setor. A resistência se fazia sentir mais intensamente no campo da legislação social, que vinha sendo legitimada pela tendência crescente em acatar as intimações dos fiscais, aceitar seu auxilio para a aplicação das leis, quando não através do pagamento das multas. A julgar pelo número e insistência das circulares expedidas, não havia interesse na mediação do Ciesp, nem confiança no Centro como defensor dos interesses da indústria em geral. Tudo in120
dica que, do ponto de vista dos clientes, os custos da ação individual pareciam menores que os custos da ação coletiva. As leis sociais chegavam mais rapidamente às fábricas através da fiscalização. A ação frenética dos fiscais, que afluíam para São Paulo atraídos pelos empregos criados pelo empenho fiscalizador do Estado, difundia o medo do fisco. Fiscais que não hesitavam em aplicar multas, muitas vezes recebendo-as diretamente, "encurtando" o percurso burocrático que ia da intimação (local) à cobrança (federal). O pagamento imediato das multas, ou o suborno, talvez fosse menos custoso do que a organização coletiva da resistência, sem falar no eventual interesse de alguns em legalizar suas atividades com a "ajuda do Estado". A lei de sindicalizado de 31 parecia chegar em boa hora, prometendo a superação das dificuldades. A Fiesp investe, então, na custosa campanha de sindicalização da indústria paulista. Circulares dirigidas a toda a indústria explicam a mobilização: a Fiesp tem o objetivo de congregar todos os elementos dispersos em um órgão único, com a missão de zelar pelos interesses gerais da indústria e o encargo de interpretar seu pensamento como sua máxima personalidade representativa (C. 140, 16.05.31; Circulares-1931; C. 149, 16.06.31). A lei prometia realizar o programa e objetivos mais ambiciosos do Ciesp, em um momento em que sua tarefa demandava investimentos cada vez mais altos. A postura diante de seu público é, no entanto, cautelosa. Apresenta-se como uma federação formada pelas grandes associações de classe de São Paulo, que assumira a tarefa de organizar "comitês setoriais" a serem transformados posteriormente em sindicatos. Convida a indústria para levar adiante a iniciativa do governo em promover a sindicalização, mediante sua inscrição na nova entidade federativa, "em cumprimento de um decreto governamental" (Circulares-1931). Tais sindicatos, "por força de lei", deverão agregar toda a indústria. Oferece sua sede como espaço para os sindicatos, que
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Explica ainda: "ò governo tomará decisões cruciais para a atividade industrial"; aqueles que se sindicalizarem "serão chamados a tomar parte nestes trabalhos"; cada comitê "deverá estudar" os assuntos que lhe interessam, apresentar os resultados desses estudos "à Federação que lhes dará o competente destino" (C. 150A, 17.06.31). Os industriais entendem imediatamente a oportunidade da lei e a possibilidade de pô-la a serviço de seus objetivos: acesso direto às esferas decisórias, participação na elaboração das leis destinadas a regular suas atividades, conduzir suas demandas, arregimentar a classe sob sua coordenação, legalizar o papel de mediador e garantir o monopólio da representação. A indústria paulista, inicialmente, não respondeu ao apelo da nova " federação", mesmo diante da disposição deste pequeno grupo em pagar todos os custos da organização da ação coletiva da indústria. Aparentemente, o velho Ciesp está abrindo suas portas à participação de novos associados, pagando sua entrada: a nova diretoria inclui nomes e representantes de setores anteriormente não-filiados à entidade. A transformação dá origem a uma convivência entre sindicatos oficiais e associações que, não tendo o número de filiados exigido pela lei — ou não querendo mesmo expandir seu número de filiados (exemplo paradoxal dos grupos cartelizados, como será ilustrado oportunamente) — preservaram sua natureza privada. Essa convivência terminará por desenvolver
internamente um processo de competição 'pela representação legal. A competição foi traduzida, inicialmente, sob a forma de opção alternativa: representação frente ao Estado versus representação no Estado. Criando seu órgão sindical, a Fiesp, os industriais legalizavam uma representação que não tinham conseguido legitimar, asseguravam seu monopólio e institucionalizavam sua inserção na máquina decisória. Com a ajuda do Estado, os industriais consolidaram a nova entidade. A sindicalização dissociou, no entanto, aspectos até então sobrepostos: representação legal e representação legítima. No espaço dessa diferenciação, nasceu e cresceu a competição entre os industriais. A competição pela representação legal levará os competidores a recorrer ao Estado como árbitro do conflito, para receber de suas mãos sua identidade organizacional legal. Os indícios da competição e de sua transformação em conflito são fragmentados e dispersos. O primeiro sinal aparece em uma circular de 1935. O documento refere-se a um movimento de renúncia coletiva dos diretores da Fiesp que eram "presidentes dos sindicatos legalizados", em reação à exoneração do presidente da entidade, visando reconduzi-lo ao cargo. Não explica a exoneração, nem diz quem exonerou o presidente. Até então, mesmo enfrentando resistências, a Fiesp não parecia se preocupar com competidores no âmbito da indústria. Quando parecem superadas as maiores resistências (meados de 1935), surgem competidores na própria organização. Em meados de 1936, forma-se a Organização Sindical Paulista (OSP), liderada por industriais do setor de vidros e cerâmica. A nova entidade se justifica perante a indústria com o argumento de que a pluralidade sindical estabelecida pela Constituição de 34 comportava outra entidade representativa. Isto era verdade dentro de alguns limites, já que a pluralidade sindical não se estendia às Federações que, regidas pelo Dec. Lei 24.694, tinham
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terão à sua disposição todos os serviços que a entidade oferece a seus associados, mais os de secretaria, assistência jurídica, enfim, todos os serviços e direitos relativos ao "interesse geral" (idem). Cuida especialmente de enfatizar as perdas resultantes da resistência à sindicalização, uma vez que ela confere "privilégios" de acesso ao poder público e de representação de seus interesses. Sem sindicalização não há direitos, nem de acesso (ao Estado) nem de representação (C. 147A, 12.06.31).
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garantido seu monopólio de representação s . A OSP disputava filiados entre as médias e pequenas indústrias, com o objetivo de seinstitucionalizar como federação. O segundo sinal de competição pela representação fortalece a idéia de que essa competição se desenvolvia no registro da diferenciação entre representação legal e representação legítima. Refiro-me à existência de dois estatutos, ambos regulando a Fiesp, durante os anos de 35 e 36. As diferenças entre ambos sugerem que a absorção do Ciesp pela Fiesp começa então a ser entendida como prejudicial à ação coletiva. A necessidade de diferenciá-las pode ser interpretada como resultado da lógica da competição pela representação que se desenvolvia aprisionada aò dilema entre representação legítima e representação legal. O dilema será resolvido institucionalmente em 37, sob a arbitragem do Estado Novo, quando a legitimidade deixa de ser uma questão. As principais diferenças regimentais são uma mostra dos problemas que enfrentavam. Talvez fosse esse um momento em que a associação patronal se compunha de dois corpos e uma cabeça. Conforme o Estatuto aprovado em outubro de 1935, a Fiesp é uma federação regida pelo D.L. 24.694, que "congrega sindicatos legalmente organizados" para representar a indústria paulista, "nos seus ramos já sindicalizados", perante os poderes públicos. Conforme o Estatuto aprovado em 1936, a Fiesp é uma "sociedade civil (...) de duração ilimitada", com o objetivo de congregar "empresas, sociedades, companhias e firmas que explorem qualquer ramo da indústria ou serviços de interesse coletivo", e defender:
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Sobre o interesse dos industriais nesse decreto-lei, ver Antonieta Leopoldi, Industrial Associations and Politics in Contemporary Brazil (1984), Tese de
Doutorado, St. Anthony's College, p. 54.
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por todos os meios ao seu alcance (...) os interesses da indústria em geral e de seus associados em particular, (...) pleitear reformas ou medidas legislativas em benefício da classe que representa, (...) pleitear a representação das indústrias nas Assembléias Legislativas estaduais e federais, assim como nas Comissões e Conselhos existentes ou que forem criados e que sejam de interesse para a indústria (Fiesp, Estatuto, 1936). (...)
Pelo Estatuto de 1935, baseado na lei de sindicalizado de 1931, a Fiesp tem sua ação circunscrita aos limites do sindicato: representação e consulta. Esse estatuto respondia à necessidade de garantir a representação e seu monopólio. O Estatuto de 36 rompia os limites que a sindicalização impunha. Representar legalmente implicava subordinação às normas, objetivos e funções definidas pelo Estado. Como associação civil, a Fiesp partia do princípio da representação "natural", capacidade que detinha por sua própria natureza e que cabia expandir. Como sindicato, representava legalmente, a indústria junto ao Estado. Como associação civil, cuidará de lutar pela inserção de seus representantes na estrutura de governo.Parece que está em gestação um modelo organizacional de feição cotporativa, mas de um tipo de corporativismo descolado do formato sindical imposto à organização dos trabalhadores. Sindicato e associação civil complementam-se. A representação sindical nos moldes da lei de sindicalização de 1931 é uma representação junto ao Estado. As corporações entendidas como mecanismos de participação das decisões de governo, conforme a Carta de 37, são antecipadas pelo Estatuto de 36. A elite industrial tentava compatibilizar a representação legal e suas prerrogativas com objetivos políticos mais amplos, a serem alcançados a longo prazo. No entanto, a competição interna pela representação dificultará esta compatibilização. Em abril de 1937 os "sindicatos patronais" resolvem fundar uma Federação dos Sindicatos (Circular 814, 10.04.37). A iniciativa 125
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divide o corpo patronal em um lado sindical e um lado "civil", que disputarão a representação legal. O conflito será resolvido pelo Estado. :A eles. os sindicatos oficiais recorrem em busca do monopólio. A-nova Federação das Indústrias Paulistas (FIP) é imediatamente reconhecida como entidade legal, oficial, portadora de todas as prerrogativas que a lei conferia. Nascida do dilema entre o legal e o legítimo, continua nele aprisionada. Dirige-se à indústria paulista para se explicar. O reconhecimento oficial é justificado com o argumento de que a nova entidade reúne, de fato, "a maioria das verdadeiras atividades industriais do Estado"; a adoção do formato sindical teria sido uma imposição da "necessidade de dar maior vigor e legalidade à representação patronal da indústria perante os poderes constituídos" (Circulares-1937, 18.04.37). A FIP foi um golpe na Fiesp, liderado pelos sindicatos oficiais que haviam tentado formar anteriormente a OSP. Apropriam-se da organização, valendo-se do status legal e prerrogativas sindicais. A Fiesp do Estatuto de 1936 se mantém como entidade civil, privada. A hostilidade será mútua, embora mantida sob controle por breve período (Circular 8, de 14.01.38), até ser superada em janeiro de 1938, quando o presidente da Fiesp assume a direção da FIP (Circular 9, de 17.01.38). O Estado Novo tinha três meses de vida. A Carta do novo regime deixava claro que a única forma de representação seria a sindical-corporativa monopolizada. De 1938 a 1941, a direção das duas entidades será unificada, quando então a Fiesp retoma seu status de federação sindical com o monopólio da representação, e a FIP é extinta. O projeto da associação civil terá como suporte a Fiesp, mas será i mpulsionado pela liberdade de ação que lhe garantia a entidade civil, que volta como Ciesp, reserva da "permanência ilimitada" e perenidade da união patronal, a despeito das mudanças no regime político. O movimento de substituição da FIP pela Fiesp é idêntico, e obedece à mesma lógica que havia levado a FIP, formada 126
pelos "sindicatos legalizados", a recorrer ao Estado como árbitro final de sua identidade organizacional. Repetindo o procedimento, a Fiesp se explica como resultado da decisão do Presidente da República de lhe conceder o monopólio da representação, como parte das prerrogativas que lhe cabiam como órgão técnico-consul tivo (do governo) para os problemas relacionados aos interesses econômicos e profissionais defendidos e coordenados pela entidade (Circular 64, 30.07.41). A disputa pelo monopólio da representação e sua solução, produzida pelo Estado, resultaram nessa identidade organizacional híbrida, "meio pública, meio privada", marca registrada da ambigüidade de ação da indústria paulista. A questão da legitimidade deixa de ser relevante no contexto do Estado Novo e, em 1942, órgão sindical e associação civil se reúnem sob uma direção única (Fiesp, Ata da 44? Reunião, de 22.12.42). Resolve-se, assim, com a ajuda do Estado, o dilema entre representação legal e representação legítima. A disputa interna pela representação legal mostra que os industriais paulistas já se movem sob lógica diferente (embora superposta e sincrônica) daquela que os moveu inicialmente. Lógica que, no entanto, se desenvolve apenas na interação da liderança. No momento inicial de sua organização, os problemas de cooperação surgiam na interação entre representantes e representados. Nesse campo, a interação continua obedecendo à lógica já descrita: atração e preservação da clientela, construção do interesse comum, esforço de legitimação. No âmbito da liderança, no entanto, desenvolve-se novo tipo de interação como resultado dos problemas já resolvidos. O bem a ser produzido, isto é, a organização, já tinha sido produzido. Para a liderança, um novo problema se coloca: impedir o consumo privado deste bem (Santos, 1989). Se os custos da organização e da representação foram pagos privadamente, a legalização desta representação foi paga pelo Estado. A lógica em operação aí diz respeito não mais à produção do bem, mas ao consumo desse bem 127
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(Santos, 1989). Por que tomou-se irracional para facções da liderança cooperarem entre si? Uma vez produzido e consolidado o modo de provisão do bem (a organização), altera-se a natureza da cooperação. O problema agora se desloca da esfera da produção para a do consumo do bem (Santos, 1991). Quanto menor o grupo, maior a capacidade de usufruto do bem. Quanto menor o número dos que detêm a capacidade de representação legal, maior a força de cada um. E, neste caso, como no mercado, o monopólio é a situação ideal. A racionalidade é uma só. Mas, para á FIP, cooperar com a Fiesp era duplamente irracional. Primeiro, porque a organização sindical arcava com os custos da disciplina e subordinação. Segundo, porque a "nova" entidade poderia dispor da estrutura organizacional já montada. Para a FIP, tomava-se interessante apropriar-se privadamente dos benefícios produzidos em conjunto para restringir o consumo gratuito do bem produzido em seu próprio benefício. A estratégia menos custosa era recorrer ao Estado. Para a Fiesp (civil), que não podia ou não queria pagar todos os custos da representação legal, tornava-se irracional continuar cooperando depois de se ver excluída do consumo de bens que haviam sido produzidos por ela. Aprisionada pela mesma racionalidade, se libertará somente com a ajuda do Estado. Assim, aprisionados por sua própria racionalidade, entram no "jogo do Leviatã", ficando desde então presos em sua "armadilha". A razão que os leva a recorrer ao Estado é a mesma que os leva a não poder mais dispensá-lo, para evitar que seus interesses privados inviabilizem a cooperação necessária à defesa de seus interesses (Hollis, 1987). Enquanto, por um lado, a competição pela representação legal, dadas as circunstâncias, conduzia ao Estado, por outro, o problema da legitimidade seria resolvido de outra forma, seguindo a lógica que se desenvolvia no âmbito da interação dos representantes com os representados.
A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
Passo agora a examinar este processo; afetado pela competição de mercado. Como se verá, a sindicalização promovida pelo Estado também terá aí um papel central na medida em que criava condições especiais de estímulo à interação e à cooperação. Os sindicatos-cartéis De 1931 a 1935, a Fiesp insiste em organizar sindicatos patronais, formando "comitês setoriais" que dariam lugar posteriormente aos sindicatos. Como estímulo à sindicalização, convocam a indústria para participar da elaboração de propostas relativas à anunciada nova política tarifária. Pedem a cooperação das indústrias, "grandes e pequenas", através de sugestões que possibilitem à Fiesp desempenhar, para o bem de todos, o papel que "por sua própria natureza terá, na reforma da lei" (C. 165A, 24.07.31; C. 198, 12.10.31; C. 613, 25.06.31). As sugestões deveriam obedecer ao plano de ação da Fiesp, particularmente sedutor. Todos deveriam estar atentos aos "defeitos graves de nomenclatura", "taxas arbitrárias" e males decorrentes da "obscuridade de certas disposições "que exigem penoso e incerto trabalho de interpretação" (C. 185, 04.09.31). Deverão também discriminar os seus artigos não produzidos no Brasil e altamente taxados, e aqueles que produziam, insuficientemente taxados (idem). Aconselham ainda que sugiram taxas moderadas para facilitar o trabalho da entidade. Como resultado desse esforço, são formados 16 comitês provisórios, cuja composição é mal explicada. Às vezes parecem corresponder a proprietários de fábrica que produziam artigos, como caixas de papelão, camas de ferro, cerâmica de construção etc. Alguns reúnem setores liderados por diretores da Fiesp: calçados, bebidas, balanças, metalurgia, etc. (C. 234, 04.01.32). Dois anos depois, quando os comitês são transformados em sindicatos, apenas 10 são mencionados. Desses, quatro são ligados a setores anteriormente já representados na diretoria do Ciesp.
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f iApcmden tí R o'di iTaneiï ct=de?ur )cbig aiurTdico, este c s ë r v l n t l tr } ` g t ciáa` pe r r t ' t í r A s diiì d a d e s : , d e f e a r i ntere sósi r^^,^dla3se^ã^ati^buídasrà ^ota'U fl^tta oaperaç~rfosll.eAilTra^1 a ;ì à, ;exegeése~leisMo; trabalho-1i', acena= lrahalhORbi« (i.bassaEde dooiíitientós'ëtic itiahada' - iitóri,dad6[1èoïnpgtentes, efé ídendo' dS= interessés ,tií'classe , "sérn maióresi onns: u)iricória `:, b' =}z`;a ,-i3; (R1latdcic 33 ,34).ob2 , )os para is ass deiadds! ,A1g tns cciri ifés pitibliais; m -eritaí to Sob iiüe'#mbl nitre eles o'de,- assas , iaiimentícias tu'iniciaít ertrd ~is4esistedeQ ái de calçad®s9 tertanIentès;as lass açïses riirnr -siiidi alrza0a dàdbraí atitóéfl emfiot;a:)as: cise itárès`• não=tragath infoi rtaçoe's lespeitó -s~iottãrrrettto inter. Sóbregs eomitês; $í breviven.tese, as informações sáo:-póúoas,Utnaaaiemrpotr+issaitrrelevahtes Áinda. ent 1932, "aporrtitt dei:tnassãs alimentíoiasi;-expede útna=cifctzlatã passando seús= associa oS, unia tál laà de_ reços IVelábofada` poiï=iüma=cdniiSsão,nomeada , espécialmenteLpara este.fití 5'Ç e Trata-,se,de5utïaa':tabelakle,preçós ~a 'Unta ,teunião -pata ,'discuti `míni õS, seguida de' orièntaçóes d€':coitdutásrelati`vas rà .determi ração das quantias pagas pelos industriais aos seus vendedores e à proibição , de= devolução dos produtos nãoaceitosno mercado-(Co272 18.05.32). Avisaria ainda=que'os' evehtiiá sausentes'da, reunião; receberão' paste, riotriãëtite visita `pessoal;do Comitê parai ntaióres =expli ações- ''Este , procedinïento seta rotineira em'1935 `confornie indica , a hovà'ctassificação das circulares da Fiesp,jUè pàssa a ;trazer indicações sobre'a -origem setorial das-circulares. Nesse alio aparëcietnoS , primeiros cartéis dó setor têxtil•(I7ean 1971):Nessemesmó ano, o' Sindicato das Mossas Alimentíciasreúne 17 firmas e = em contraste com osanós anteriores, ,-é uma entidade presente e atuante:' É deste mesmo ano um documento expedido pelo Sindi: cato 'dos Industriais-de Calçados; prestando' contas à Fiesp°deúxrta , "anormalidade" ocorrida, para que , . não pairetn duvidas sobre :o cumprimentado "contrato assinado como sindicato" (Circliláí' -s/ n.°, C. de 09.05.35).
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A,:AR MAORMÃ DO LEVIATÃ
A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
A anormalidade consistira no fato de um de seus clientes (uma firma associada) ter "tido a lembrança" de apresentar um exemplar de seus produtos ao Governo, e negociado individualniente.o "fornecimento de uma grande quantidade de calçados para as :tropas". Informa à Fiesp que o negócio já tinha sido anulado (idem). Circular posterior do mesmo Sindicato marca uma reunião onde será "deliberado sobre o fornecimento de 6 mil pares de calçados à Marinha de Guerra" (C. 659, 20.09.35). Em outra circular, marcam reunião para discutir o "aumento de preços da tabela em vigor" (C. 661, Calçs. 22.10.35). O Sindicato de Calçados à Mão, dirige documento à Fiesp explicando a organização deste novo sindicato, nos seguintes termos: um grupo de fabricantes de calçados à mão "tomou a peito" a decisão de "moralizar" o setor, "expurgando-o dos elementos incompatíveis" com a atividade industrial, organizando um sindicato. A tentativa não fora compreendida. Lembrou-se o sindicato, então, de solicitar a interferência dos vendedores de couro, para que estes fizessem seus clientes compreenderem "que a inscrição no sindicato era um dever de classe". Avisam que a persuasão à filiação seria precedida de um trabalho de rigorosa seleção dos candidatos. Somente aqueles que compreendessem a "finalidade do sindicato" seriam inscritos. O sindicato daria, em troca da filiação, a garantia de "comprador de couros" (C. 657 — C.M., de 04.09.35). No caso da prática do Sindicato de Massas Alimentícias, observa-se claramente como o sindicato contribuiu para organizar a competição no mercado, funcionando como um cartel. O segundo caso ilustra bem a situação descrita por Bowman, quando a solução para problemas de competição no mercado leva ao estabelecimento de acordos com outros atores que, a despeito de seus antagonismos, conseguem organizar a competição com base nas relações de interdependência que existem entre compradores e vendedores. Nesse caso, os incentivos 132
são também produzidos em conjunto, sendo, por assim dizer, um quase-bem. É possível especular sobre o que significa, no caso, a "moralização", atitudes "incompatíveis com a atividade industrial" e "finalidade do sindicato". Afinal, fizera-se um acordo entre fabricantes de calçados e vendedores de couro, garantindo ao sindicato o monopólio da compra, e aos vendedores, um mercado certo. O sindicato-cartel servia à moralização do mercado, substituindo a competição pela cooperação, e criando barreiras à entrada no sindicato e no mercado. A sindicalização produzia, assim, a organização do mercado, associada à representação política. Seus efeitos são imediatos. Entre fevereiro e setembro de 1936, o número de sócios da Fiesp duplica (C. 780, 21.10.36). Animada e otimista, a Fiesp espera que os "consócios, convencidos (...) das vantagens que esta Federação oferece (...) tanto nos negócios individuais como nos da classe em geral, continuem cooperando (...)" (C. 780, 21.10.36). A sindicalização propiciou as condições para a emergência de formas de cooperação. O sindicato legalizava o cartel, permitindo a entrada no mercado, e organizava a competição através de normas de "moralização", isto é, de cooperação, compatíveis com a sobrevivência da "atividade industrial". Por volta de 1936, parecem estar resolvidos os problemas prioritários da entidade paulista. O Ciesp-Fiesp congregava um grande número de filiados, encontrara meios de compatibilizar interesses especiais com o "verdadeiro interesse" da indústria, e garantira, via Estado, o monopólio da representação. No mercado e fora dele, pareciam neutralizados os problemas de competição e identidade. O modelo sindical legalizava os objetivos políticos da Fiesp, reconhecida agora como órgão técnico e consultivo do Governo, e representante dos interesses da indústria. A legitimação da Fiesp face à sua clientela foi efetivada no mercado, mas garantida pelo Estado. Foi a compulsoriedade da sindicalização que serviu de suporte à capacidade da Fiesp de 133
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A. ARMADILHA DO. 12, RyIA. TÃ
A CONSTRUÇX0 Do CORPORATVISM0
de, classes só não basta para explicá-la. Trata-se de uma condição evidente mas não suficiente. Caso fosse, não poderíamos explicar seu vigor em países capitalistas. Se olhada do ponto de vista das tppris, da ação coletiva, a Convenção Coletiva aumentava as dificuldades de cooperação e acordo entre os próprios industriais, aprisionando-os na contradição entre seus interesses particulares e os interesses da classe como um todo. O que mais assustava os industriais não era a Convenção em si, mas a possibilidade de sua extensão compulsória. Na percepção correta do empresariado, a obrigatoriedade da Convenção exacerbaria o conflito de interesses num mercado caracterizado por uma grande heterogeneidade dos custos de produção. O propósito da lei das Convenções Coletivas é claro'. A lei estendia as regras dos contratos individuais aos contratos coletivos de serviços, e instituía Convenções Coletivas como reguladoras das condições de trabalho. As Convenções seriam acordos negociados coletivamente entre patrões e operários sobre salários, horário de trabalho, co3ições de descanso, férias, divisão do tempo de trabalho, enfim, todo o sistema de trabalho fabril passava a ser uma questão a ser decidida entre os donos do capital e os donos do trabalho. De acordo com a exposição de motivos da lei, a Convenção Coletiva se diferenciava do contrato — por definição um ato individual —, por expressar um pacto entre corpos coletivos, " complemento lógico à lei de sindicalização". Destinava-se a "contornar a resistência patronal" à organização e fortalecimento da classe operária (Circulares1931, 15.09.31 — Exposição de Motivos assinada por Lindolfo Collor; e Circulares-1932, 17.08.32 — Exposição de Motivos assinada por Salgado Filho).
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Exposições de motivos da lei, assinada por Lindolfo Collor, e proposta de sua regulamentação, assinada por Salgado Filho. Os sócios receberão essas Exposições na íntegra. 136
Embora a exposição de motivos fosse clara e precisa, a lei era vaga, definindo a Convenção Coletiva como um ajuste entre associações patronais e operárias, que sob determinadas condições seriam estendidos compulsoriamente a toda a categoria. No entanto, convenções dessa natureza pareciam cada vez mais remotas, na medida em que o Ministério, em seu empenho protetor, legislava continuamente sobre a matéria das Convenções, esvaziando assim seu sentido e finalidade. O Código do Trabalho, por exemplo, pretendeu regular "independentemente de acordos entre patrões e operários (...) determinadas condições econômicas e sociais do trabalho", como o trabalho do menor, a duração do trabalho, a definição de trabalho diurno e noturno, etc. O código estabelecia previamente aquelas normas que deveriam constituir matéria dos acordos e convenções. As leis, copiosas, acabavam por obstruir e esvaziar umas às outras. A estratégia para inviabilizar esta lei foi a já conhecida: interpretação e aplicação imediata da lei, de acordo com a interpretação feita. O código será habilmente reinterpretado e aplicado. Nesse processo, a Convenção Coletiva será substituída paulatinamente por contratos de serviço, que serão reduzidos finalmente a acordos privados entre patrões e seus operários. O desenvolvimento deste processo semântico-político é impulsionado pela questão do horário de trabalho, limitado pela lei a 8 horas. Achamos um erro a imposição do horário de trabalho de 8 horas para todos os ramos da indústria (...) (C. 173, 18.08.31).
Argumentavam que a dificuldade de fiscalização da lei nas regiões mais distantes traria desvantagens e desigualdades desastrosas nos custos da produção em São Paulo e no Rio de Janeiro, estados onde a fiscalização era severa (C. 173, 18.08.31). Mediando as reivindicações paulistas, o Ministro do Trabalho sugere ao chefe do Governo provisório que o trabalho diário normal de 8 137
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Para conhecimento da indústria e para que ninguém alegue ignorân-, . oia','Vamo dá os pontos-essenciais' de lei das Coílveações-ColetiVa:s de Trabalho e um contrito d9 trabalho, regulamentado em lei facultativo, mas que podese tornar5obrigcttdrio; é fiscalizado peloullinisDábdlho e guando imr sindicato, ou seja,'ümã'ássoci'airão de classe fizer uma convenção todos os seus membros são obrigados a tomar parte na mesma (C. 347, 17.11.32); . F. 139
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A CONSTRUÇÃO DO CORPORATIVISMO
1ADILHA DO.LEVTATÃ
Os acordos firmados sob a orientação da Fiesp eram remetidos ao Delegado Especial do MTIC em São Paulo, que carimbava` o seu "visto", consolidando a prática da Fiesp. Alguns fiscais,-no.entanto, obedecendo às diretrizes federais, ;impugnam os acordos por não obedecerem às normas da lei de Convenções Coletivas. A Fiesp continua sua resistência argumentando que as Convenções Coletivas eram facultativas. E eram, quando a questão se referia a aumento salarial. Ajustes sobre salários deveriam ser feitos "por acordo entre empregados e empregadores ou pelas Convenções Coletivas de Trabalho". (Art. 4 do Dec. 21.364, de 04.05.32). A Fiesp artificiosamente utilizará dispositivos que regulamentavam os aumentos salariais, para os acordos sobre o horário de trabalho', tudo conforme a lei. "Não há a menor dúvida" – argumentam – "que as partes podem optar pelos acordos... no regime do Dec. 21.364, ou pelas convenções coletivas criadas pelo Dec. 21.761, de 23.08.32" (Carta ao Delegado Especial do MTIC, em São Paulo, 23.10.33 – Circulares-1933). Os conflitos prosseguem (Circulares-1933 – Carta ao Diretor do DET, 27.09.33). Em novembro de 1933 a Fiesp informa aos associados a substituição do diretor do DET, entregue a um representante da indústria. Qualquer assunto relativo a intimações, autos de infração, reclamações sobre salários indevidos, disposições da legislação social, agitações operárias e conflitos nas fábricas, deverão ser comunicados imediatamente à Federação, que "liquidará tais casos com o Departamento, evitando assim incômodos prejuízos de or-
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Havia um dispositivo sobre a exceção do trabalho de oito horas que causou estranheza entre os próprios industriais, por permitir a extensão do horário de trabalho sem compensação salarial. Sobre esse dispositivo, pedem esclarecimentos ao Ministério (C. 279, 06.06.32). Não foi encontrada nenhuma referência posterior a essa questão, e o dispositivo desaparece. A utilização da regulamentação dos aumentos salariais para a legalização do aumento das horas de trabalho foi possível porque a extensão do horário implicava aumento salarial. 140
dem moral e material para os patrões e para os operários" (C. 456, 11.11.33; C. 507, 24.04.34). Em setembro de 1936, enviam circular comunicando que, "de acordo com recente resolução do Sr. Ministro do Trabalho, ficou mantido o princípio da liberdade contratual (...) os nossos associados que desejarem trabalhar além das oito horas poderão fazer um acordo com os seus operários (...)" (C. 764, 02.09.36). Em abril de 1938, comunicam aos associados: (...) o Ministro do Trabalho despachou ontem o recurso ex-ofiéio interposto pelo Diretor do Dep. Est. do Trabalho na questão referente às convenções coletivas (...). O Ministro reconheceu completamente o ponto de vista desta Federação, que pleiteava (...) a prorrogação do horário de trabalho tanto por acordos como por convenções (C. 44, 28.04.38).
Frustrava-se, assim, a institucionalização de um mecanismo corporativo pensado para equilibrar a capacidade organizacional e política das classes. A preocupação da Fiesp não era com a convenção coletiva propriamente. Sua recusa à lei se concentra no dispositivo da obrigatoriedade... (C. 188, 15.09.31). Era especialmente temida a possibilidade da extensão obrigatória das convenções e acordos, feitos por uma categoria, a todos. Por isso adota como estratégia estimular e tentar legalizar acordos por fábrica. Dado que a própria legislação se encarregava de antecipar soluções para os conflitos entre o capital e o trabalho, estabelecendo controles e regulamentando os direitos básicos do trabalhador; dado também que acordos coletivos por fábrica eram práticas conhecidas, embora não generalizadas, desde a década de 20 (Gomes, 1979), a rejeição radical às Convenções Coletivas não parece racional do ponto de vista do cálculo de seus custos e benefícios. Onde buscar a racionalidade da estratégia seguida pela Fiesp? 1 41
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