Valério de Oliveira Mazzuoli - Direito Internacional Público - 6ª Edição - Parte Geral - Ano 2012

August 28, 2017 | Author: Robson Góes | Category: International Law, Treaty, State (Polity), Constitution, Law Of Obligations
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V a l e r io d í O liv eir a M a z z u o l i

DIREITO INTERNACIONAL

PÚBLICO i 6.° edição revista, atualizada e ampliada

#

EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

D

ir e it o

I n t e r n a c io n a l P P arte G

ú b l ic o

eral

6.a edição revista, atualizada e am pliada

Valerio de Oliveira M azzuoli l . a ed. 2004; 2.“ ed. 2005;3.“ ed. 2006;4.“ed. 2008;5.aed. 2010.

© desta edição [2012] E d i t o r a R e v is t a d o s T r i b u n a is L t d a .

0 ‘i *3

A n t o n i o B e lin e lo

Diretor responsável

Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel. 11 3613.8400-Fax 11 3613.8450 CEP01136-000-S ã o Raulo, SP, Brasii Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

T o d o s o s d ir e i t o s r e s e r v a d o s .

C e n t r a l d e R e l a c i o n a m e n t o RT (atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800.702.2433 e-mail de atendimento ao consumidor [email protected] Visite nosso site www.rt.com.br

Impresso no Brasil [04-12] Universitário (texto) Fechamento desta edição [03.04.2012] SZSSs.

M n w ia »

ISBN 978-85-203-4298-5

D uas P alavras

E ste livro é u m a in tro d u çã o did ática à p arte geral do D ireito Internacional Público, tendo sido elaborado com a finalidade de for­ necer, ao leito r iniciante, as prim eiras linhas de estudo deste ram o do D ireito. Por este m otivo, a presente obra foi concebida num a linguagem bastante sim ples e dinâm ica, não fugindo à característica principal e aos objetivos d e u m Manual, que é levar inform ação rápida, m as com conteúdo,"a todos aqueles que necessitam de dados atualizados sobre as diversas vertentes do conhecim ento. Esse fato, p o r si só, já justifica o conteúdo condensado deste livro, ao estilo do que já fizeram outros autores consagrados, com o Thom as Buergenthal, H éctor Gros Espiell, C láudio G rossm an e H arold G. M aier em seu sintetizado Manual de derecho internacional público (México: Fondo de C ultura Econôm ica, 1994,168 p .). Ao leitor que desejar aprofundar-se na disciplina, suge­ rim os recorrer ao nosso Curso de Direito Internacional Público, tam bém publiçado pela RT, em que detalham os o estudo de todo o program a da m atéria, em seis grandes partes divididas em vários capítulos e seções. Os candidatos a concursos públicos, da m esm a form a, podem se valer do nosso Curso para u m estudo m ais a longo prazo, e do presente Ma­ nual para um a revisão m ais célere dos seus principais temas. Esta obra apresenta, com algum a pouca variação, o que se pode cham ar de parte geral do D ireito In te rn a c io n a l Público, tal com o prevista no program a da disciplina D IN -412 do curso de graduação èm direito da Faculdade de D ireito da USP, correspondente à m atéria m inistrada no q u into sem estre escolar, acrescida, porém , de outros tem as relevantes, com o a teoria das organizações-internacionais, a proteção internacional dos direitos hum anos, o direito internacional do m eio am biente, etc. N esta nova edição, procedeu-se a um a revisão com pleta do texto, que foi significativam ente am pliado e atualizado. A m aioria das norm as internacionais citadas neste livro encontra-se na nossa Coletânea de Direito Internacional, que integra a coleção

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

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dos RTM ini Códigos, a qual recom endam os como m aterial de apoio ao livro, principalm ente para o acom panham ento das aulas em classe. Ao final da obra, inseriram -se vários testes de m últipla escolha e questões dissertativas de concursos públicos e exam es de O rdem , com a finali­ dade de auxiliar o acadêm ico na fixação da m atéria tratada. Agradecem os, aos estim ados leitores, a acolhida deste Manual e esperam os que ele possa bem servir aos propósitos para os quais foi concebido. São Paulo, abril de 2012. V a l e r io d e O l iv e ir a M a z z u o l i

S u m á r io

DUAS PALAVRAS ...........................................................................................

5

Capítulo I ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL................... 1. Entendendo oçjue é o direito internacional público......................... 2. Sociedade e com unidade internacional............................................. 3. Breve origem do dfreito internacional público................................... 4. Problemas de definição.......................................................................... 5. Demais sujeitos de direito internacional público ............................. 6. Aplicação internacional e in tern a........................................................ 8. Leitura co m p lem en tar............................................................................

13 13 13 15 17 18 20 21

C a p ítu lo 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

FUNDAMENTO D O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ....................................... ................................. Fundamento do direito internacional.................................................. Doutrinas................................................................................................... Doutrina voluntarista............................................................................... Crítica à doutrina voluntarista............................................................... Doutrina objetivista................................................................................. Fundamento do DIP na regra pacta suntservanda ............................ Leitura com plem entar............................................................................

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5. 6.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS......... ............................................................... Conceito de fonte (fontes formais e materiais).................................... Rol das fontes do direito internacional público.................................. Os tratados internacionais..................................................................... O costume internacional........................................................................ Os princípios gerais de direito............................................................... Leitura com plem entar............................................................................

Capítulo 1. 2.

II

23 23 23 24 24 25 25 27

III

FONTES D O DIREITO INTERNACIONAL: MEIOS AUXILIARES E NOVAS FONTES..................................... Jurisprudência internacional................................................................. Doutrina dos publicistas.........................................................................

28 28 29 31 31 32 34

IV

35 35 36

8

3. 4. 5. 6. 7.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

P arte G

eral

Atos unilaterais dos Estados.................................. ................................. Decisões das Organizações Internacionais........................................ Analogia e equidade................................................................................ A questão da softlaw ............................................................................... Leitura com plem entar.............................................................................

37 38 39 40 41

Capítulo V

CODIFICAÇÃO D O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ........................................................................... Propósito da codificação.......................,................................................ A regra da Carta da O N U ............................................:........................... Tentativas de codificação do D IP .......................................................... Estado atual da codificação do D IP....................................................... Leitura com plem entar.............................................................................

42 42 43 44 45 46

Capítulo VI TEORIA GERAL DOSTRATADOS INTERNACIONAIS.. 1. Conceito de tratado internacional........................................................ 2. Validade da Convenção de Viena de 1969 no Brasil.........................

47 47 47

3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.

48 50 51 52 55 59 61 62 63 67 72 72

1. 2. 3. 4. 5.

Desm em brando o conceito de tra ta d o ................................................. Terminologia dos tratados....................................................................... Estrutura dos tratados............................................................................... Classificação dos tratados....................................................................... Processo de formação dos tratados....................................................... Reservas aos tratados multilaterais....................................................... Emendas e modificações aos tratados multilaterais........................... Interpretação dos tratados....................................................................... Processualística constitucional para a celebração de tratados........ Extinção dos tratados............................................................................... Suspensão dos tratados............................................................................ Leitura com plem entar.............................................................................

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5.

VII

RELAÇÕES DO DIREITO INTERNACIONAL COM O DIREITO INTERNO......................................... ................. Colocação do p ro b le m a......................................................................... Teoria dualista........................................................................................... Teoria m onista........................................................................................... Monismo nacionalista............................................................................. Monismo internacionalista.....................................................................

74 74 74 75 76 77

6. 7. 8. 9.

S U M Á R IO

9

Monismo internacionalista dialógico................................................... Doutrina conciliatória............................................................................. Conflito entre tratados internacionais comuns e normas da Cons­ tituição ........................................................................................................ Leitura c o m p lem en tar.............................................................................

79 80

Capítulo VIII 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

HIERARQUIA ENTRE OS TRATADOS E AS LEIS IN­ TERNAS............................................................................... Falta de disposição constitucional......................................................... Prevalência dos tratados e "sistema paritário"..................................... Crítica à posição do STF em relação aos tratados dos c o m u n s........ Teoria do "ato próprio"............................................................................ Especialidade das leis.............................................................................. O art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dosTratados....... Leitura c o m p lem en tar.............................................................................

81 83

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13.

INCORPORAÇÃO DOSTRATADOS INTERNACIO­ NAIS DE DIREITOS HUMANOS NO BRASIL........... Exceção ao procedimento geral de incorporação de tratados......... Norma específica da Constituição de 1 9 8 8 ........................................ Vertentes dos direitos e garantias fundamentais na Constituição de 1 9 8 8 ............................................................................................................ Consagração de uma dupla fonte normativa....................................... índole constitucional dos tratados de direitos h um anos................... Hierarquia infaconstitucional dos tratados c o m u n s.......................... Normas de direitos humanos e jus cogens ........................................... Aplicabilidade imediata dos tratados de direitos h um anos.............. Tratados de direitos humanos como "cláusulas pétreas" constitucio­ nais.............................................................................................................. As três correntes atuais, no Brasil, sobre o a ssunto ............................ A reforma do Poder Judiciário e os tratados de direitos hum anos.... Controle de convencionalidade no Brasil............................................ Leitura c o m p lem en tar.............................................................................

Capítulo

1.

85 85 85 87 89 89 91 92

IX

X

94 94 94 95 95 96 99

100 101

102 103 105 113 117

HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E O PROBLEMA DAS SENTENÇAS PROFERIDAS POR TRIBUNAIS INTERNACIONAIS...................................... 119

Introdução.................................................................................................

119

10

2. 3. 4.

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

Comentários à regra do Código de Processo Civil............................ 119 O problema das sentenças proferidas por tribunais internacionais. 121 Leitura com plem entar........................................................................... 125

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5.

XI

XII

AS ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS INTERGOVERNAMENTAIS................................................................. 130

Introdução.............................................................................................. A Organização das Nações Unidas (ONU)........................................ Os órgãos das Nações Unidas.............................................................. Organismos especializados da O N U ................................................. Organizações regionais........................................................................ Organizações supranacionais............................................................. Leitura com plem entar...........................................................................

Capítulo XIII 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11.

NACIONALIDADE BRASILEIRA ORIGINÁRIA À LUZ DA EMENDA 54/2007..................................................... 126

A nacionalidade originária brasileira na Constituição de 1988...... 126 Histórico constitucional do problem a................................................ 126 Entendimento da Emenda 5 4 /2 0 0 7 ..................................................... 128 Uma incongruência da Emenda 54/2007.......................................... 128 Leitura com plem entar............. :............................................................ 129

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

P a r t e G er a l

130 131 132 137 140 141 142

SOLUÇÕES PACÍFICAS DE CONTROVÉRSIAS INTER­ NACIONAIS...................................................................... 143

Introdução.............................................................................................. 143 Conceito de controvérsias internacionais.......................................... 143 Finalidade da m atéria............................................................................ 144 As regras da Carta das Nações Unidas e da Carta da O EA .............. 144 Hierarquia dos meios de solução de controvérsias........................... 145 Meios diplomáticos (não judiciais)...................................................... 146 Meios políticos....................................................................................... 148 Meios semijudiciais............................................................................... 149 Meios judiciais....................................................................................... 152 Meios coercitivos........................................ .......................................... 155 Leitura com plem entar........................................................................... 158

SU M Á R IO

11

Capítulo XIV 1.

DIREITOS DOS INDIVÍDUOS NO PLANO INTER­ NACIONAL....................................................................... 159 Generalidades.......................................................................................... 159

2.

A questão das "gerações de direitos"...................................................

160

3.

Críticas ao sistema geracional e direitos............................................ 163

4.

Gênese do direito internacional dos direitos humanos...................

164

5.

O direito internacional dos direitos hum anos........................ ..........

167

6.

O direito da Carta da O N U ..................................................................

170

7.

Declaração Universal dos Direitos H um anos...................................

172

8.

Leitura com plem entar..........................................................................

178

Capítulo 1. 2. 3. 4. 5.

XV

NOÇÕES SOBRE A PROTEÇÃO INTERNACIONAL DO MEIO AMBIENTE............................................................... 180 Introdução.............................................................................................. 180

Instrumentos internacionais de proteção........................................... 182 O direito ao meio ambiente como um direito humano fundamen­ t a l .............................................................................................................. 183 A proteção do meio ambiente no direito brasileiro......................... 189 O direito ao meio am biente sadio no sistema interamericano de direitos hum anos..................................................................................... 191

6.

Inter-relação dos direitos humanos com o meio a m b ie n te .............

192

7.

Leitura complementar............................................................................

194

Capítulo XVI RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO 1. Conceito de responsabilidade internacional....................................

196

2.

Características da responsabilidade internacional...........................

196

3.

Elementos constitutivos da responsabilidade....................................

198

4.

Formas de responsabilidade internacional........................................

199

5.

Natureza jurídica da responsabilidade internacional....................... 200

6.

Órgãos internos e responsabilidade internacional...........................

201

7.

Excludentes da responsabilidade........................................................

203

8.

Projeto de convenção internacional da O N U ...................................

205

9.

Leitura complementar.............................................................................

205

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................

205

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I DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

P arte G eral

ANEXOS........................................................................................................... I

II III

- Questões objetivas de concursos públicos.................................. A - Direito internacional público................................................ B - Direito internacional dos direitos hu m an o s....................... - Questões objetivas da OAB (vários Estados)............................... - Questões dissertativas de concursos públicos da magistratura federal........ .....................................................................................

OUTRAS OBRAS DO AUTOR

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C a p ítu lo

I

O rig e n s d o D ire ito I n te r n a c io n a l

1. E n ten d e n d o o q u e é o d ire ito in tern acio n al p úblico: desde o m om ento em que o hom em passou a viver em sociedade, com todos os problem as e implicações que esta lhe im põe, tom ou-se prem ente e necessária a criação de norm as de conduta para reger a vida em grupo —lem bre-se a afirmativa de A ristóteles de que o hom em é um ser social - , harm onizando e regulam entando os interesses individuais, visando sem pre a alm ejada pacificação das relações sociais. Em decorrência de sua evolução e de seu progresso como ciência, o direito passa a não mais se contentar em reger situações limitadas às fronteiras territoriais da sociedade que, m odernam ente, é representada pela figura do Estado. À medida que os Estados se multiplicam e à medida que crescem os intercâmbios internacionais, nos mais diversos e varia­ dos campos da vida hum ana (econômico, financeiro, político, social, comercial, cultural, religioso etc.), o direito vai superando os limites territoriais da soberania estatal rum o à criação de um sistema de normas jurídicas capaz de coordenar vários interesses simultâneos, perm itindo a tais Estados alcançar suas finalidades e interesses recíprocos. Ao passo que este fenôm eno se verifica, o direito vai deixando de somente regular questões internas para também disciplinar atividades que transcendem os lim ites físicos dos Estados, criando um conjunto de norm as jurídicas capazes de realizar esse mister. Esse sistema de normas jurídicas que visa disciplinar e regulamentar as atividades exteriores da sociedade dos Estados (e também, moder­ nam ente, das Organizações Internacionais intergovem am entais e dos próprios indivíduos) é o que se chama de direito internacional público. 2. S ocied ade e co m u n id ad e internacional: o direito internacio­ nal público disciplina e rege prioritariam ente a sociedade internacional, formada po r Estados e Organizações Internacionais intergovem am en­ tais, com reflexos voltados tam bém para a atuação dos indivíduos no

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DIREITOINTERNACIONAL P Ú B L IC O - P a r t e

G eral

plano internacional. Não acreditamos, pelo m enos p or enquanto, na existência de um a comunidade internacional. A formação de um a co­ m unidade (Gemeinschaft) pressupõe um laço espontâneo e subjetivo de identidade (familiar, social, cultural, religioso etc.) entre os seus partí­ cipes, onde não exista dom inação de uns em detrim ento de outros, em tudo diferindo da existência de um a sociedade (Gesellschaft). A socieda­ de internacional reveste-se de características diam etralm ente opostas às de um a comunidade. Sua formação se baseia na ideia de vontade dos seus partícipes (ainda que não espontânea), visando determ inados obj etivos e finalidades com uns. Mas se tais vínculos ou finalidades com uns não lograrem êxito, é mais fácil para os seus com ponentes desligarem-se do grupo (da sociedade) para buscar outras alternativas que atendam os seus interesses no cenário internacional. Tal desligam ento seria certam ente mais dificultoso de existir n um campo onde os laços que unem um a comunidade se apresentam. O que existe, portanto, no âm bito internacional, é um a sociedade de Estados que se suportam m utuam ente, enquanto isso lhes convém e enquanto isso lhes interessa. Trata-se de um a relação de suportabilidade, nada m ais do que isso. Não se vislum bra, nesse panoram a, um a com unidade estatal unida po r um laço espontâneo e subjetivo de iden­ tidade, sem dom inação de uns em relação aos outros ou sem demais interesses presentes. Os Estados unem -se com os outros e negociam entre si p o r interesses recíprocos, não p o r qualquer tipo de irm andade (ou solidariedade) entre eles. Daí o entendim ento atual, seguido p o r grande parte da d ou tri­ na, de que não existe (pelo m enos p o r enquanto) um a comunidade internacional, apesar de a expressão “com unidade” ser ainda bastante utilizada em inúm eros acordos e docum entos internacionais, como na Convenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados de 1969 (v.g., art. 531), em resoluções da ONU, e tam bém pela ju risp ru d ên cia e doutrina, nacional e estrangeira. 1. Art. 53 (Convenção de Viena de 1969): “É nulo um tratado que, no m o­ mento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma im­ perativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL

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O que existe de concreto, sem embargo dos avanços nos campos científico e tecnológico, de que é exem plo a rapidez dos m eios de com unicação, é a existência de um a sociedade internacional em franco desenvolvim ento, integrada p o r Estados, por Organizações Internacio­ nais intergovem am entais e tam bém (ainda que de forma mais limitada) pelos próprios indivíduos. 3. Breve origem d o direito internacional público: o direito inter­ nacional público tem sua origem constatada em inúmeros fatos sociais, políticos e econômicos da Idade Média. Ao contrário do que se pensa, na Antiguidade não existia um direito internacional propriamente dito, como o concebemos hoje, mas apenas um direito que se aplicava às relações entre cidades vizinhas (não entre Estados), de língua comum, de mesma origem e com as mesmas crenças religiosas, a exemplo do que ocorria com as anfictíonias gregas (que eram ügas pacíficas de caráter religioso) e também com as conhecidas confederações etruscas. Mas afora esses ca­ sos particulares, não existia um direito propriam ente internacional entre nações estrangeiras nesse período, porque não existiam regras de conduta comuns entre tais nações, nem sequer igualdade jurídica entre elas. A evolução do direito internacional durou vários séculos e se desen­ volveu de forma quase que desordenada. Suas primeiras e mais singelas manifestações aparecem quando dos intercâmbios que passam a existir entre os vários feudos da Idade Média - lembre-se do grande poder de relacionamento e do enorme prestígio que detinham os senhores feudais nessa época—e das alianças que celebravam entre si, muitas delas relacio­ nadas às questões de segurança externa. Todos os tratados, nesse período, passaram a ser celebrados sob a égide da Igreja e do Papado e as decisões do Papa passaram a ser respeitadas em todo o continente, principalmente naquilo que dizia respeito à esfera espiritual de homens e mulheres. Nesse m esm o m om ento histórico form am -se as Cidades-Estado italianas,j á no quadro da transição para a Idade M oderna, as quais pas­ saram a m anter freqüentes intercâm bios políticos e econôm icos entre da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.”

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P a r te G eral

si, dando início ao esboço dos contornos norm ativos de um direito m enos dom éstico e mais internacional já nesse período. C ontudo, foi tão som ente a partir do século XVII que o direito internacional público aparece como ciência autônom a e sistematizada, notadam ente a partir dos tratados de Westfália, de 1648, que colocaram fim à Guerra dos Trinta Anos, conflito religioso envolvendo soberanos católicos e protestantes, que encheu a Europa de sangue de 1618 a 1648. Muitos autores consideram que antes da Paz de Westfália não existia um direito internacional propriam ente dito, como se conhece hoje. Antes dos tratados de Westfália não existia um a sociedade internacional com poder para suj eitar os Estados ao cumprimento de suas regras de conduta. Portanto, a Paz de Westfália pode ser considerada como um verdadeiro divisor de águas na história do direito internacional público. Além disso, esse fato histórico teve grande importância internacional por m arcar o surgimento do que hoje conhecemos por Estado moderno, que a partir desse momento passou a tomar-se o ator mais im portante do direito inter­ nacional (é certo que com os temperamentos introduzidos pelas norm as mais m odernas de limitação da autoridade absoluta dos monarcas). Em sum a, com os dois tratados de Westfália (Tratado de Münster, assinado p o r Estados católicos, e Tratado de Osnabrück, assinado pelos protestantes) demarcou-se a nova era do Direito Internacional Público, que a partir de então passaria a ser conhecido como ramo autônom o do Direito m oderno. Por qual motivo? Pelo fato de, pela prim eira vez, se ter reconhecido, no plano internacional, o princípio da igualdade formal dos Estados. Assim, mais do que colocar fim à Guerra dos Trinta Anos, os tratados de Westfália criaram um sistema pluralista e secular de um a sociedade de Estados independentes, em substituição à ordem hierarquizada da Idade Média. A afirmação histórica do direito internacional e, consequente­ m ente, aprova de sua existência, decorreu da convicção e do reconhe­ cim ento p o r parte dos Estados-m em bros da sociedade internacional de que os preceitos do direito das gentes obrigam tanto interna como internacionalm ente, devendo os Estados, deboa-fé, respeitar (e exigir que se respeite) aquilo que contrataram no cenário internacional. O direito internacional público, dentre todos os m odernos ram os jurídicos, é o que m ais tem se desenvolvido, principalm ente depois

ORIGENS DO DIREITO INTERNACIONAL

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da m udança do cenário internacional pós-segunda guerra, quando começam a aparecer, com m ais vigor, as organizações internacionais intergovernam entais, seguidas de um a verdadeira avalanche de trata­ dos, versando sobre m atérias das mais diversas, como a terra, o mar, o espaço ultraterrestre e os fundos m arinhos. 4. P ro b lem as d e d efin ição : o direito intern acio n al público, tam bém cham ado de direito das gentes (law ofnations, nos países angloam erican o s; droit des gens, em francês, ou Võlkerrecht, no alemão), tradicionalm ente sem pre foi definido como sendo aquele direito capaz de reger as relações interestatais, consubstanciado n u m com plexo de norm as que regulam as condutas recíprocas dos Estados. Trata-se do conceito clássico (positivista) de direito internacional público. O adjetivo internacional surge, em 1780, com ju rista inglês Jerem ias Bentham (1748-1832), para diferenciar o direito que cuida das relações entre Estados (intemational law) do direito nacional (national law) e do direito m unicipal (municipal law). Posteriorm ente adicionou-se o term o “público” à expressão “direito internacional” no intuito de diferenciá-lo do direito internacional privado (conhecido, nos países anglo-am ericanos, pela term inologia mais adequada conflict oflaw s), cuj as norm as resolvem prioritariam ente conflitos de leis no espaço em relação a casos concretos subjudice com conexão internacional. Na prática internacional e nos livros de doutrina não é de rigor a utilização do qualificativo “público” na designação do direito inter­ nacional público (pois quando se fala em “direito internacional” já se subentende o direito internacional público). Em contrapartida, a palavra qualificadora “privado” não está dispensada da designação do direito internacional privado (devendo sempre aparecer esta expressão a fim de distingui-lo daquele). Não obstante a expressão direito in tern acio n al público ser a m ais em pregada, tan to na d o u trin a com o n a p rática das relações internacionais, não se descarta, ainda hoje, cham á-lo de direito das gentes (term inologia advinda do direito francês: droit des gens), como pretendiam os escritores m ais antigos dessa disciplina. Em sum a, nos term os da definição clássica desta nossa discipli­ na, som ente os Estados podem ser sujeitos de direito internacional

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público, de m odo que som ente eles são capazes de contrair direitos e obrigações estabelecidos pela ordem ju ríd ica internacional. Esta doutrina, baseando-se nas prem issas teóricas do dualism o de Carl H ein rich Triepel, nega que os in d iv íd u o s possam ser su jeito s de direito internacional, sob o fundam ento de que o direito das gentes som ente regula as relações entre os Estados, jam ais podendo chegar até os indivíduos, sem que haja um a prévia transformação de suas norm as em direito interno. Os benefícios ou obrigações porventura reconhecidos ou im postos a outras instituições, que não o Estado, d en tro desta definição tradicional, são considerados com o sendo m eram ente derivativos, visto terem sido adquiridos em v irtu de da relação ou dependência que tiveram com o Estado respectivo, este sim ú nico sujeito internacionalm ente válido. 5. D em ais su jeito s d e d ire ito in te rn a c io n al p úb lico : a con­ cepção tradicional de direito internacional público, com preendida acim a, deve ser m odernam ente afastada, p o r não m ais corresponder à realidade atual das relações internacionais. N os tem pos atuais o direito intern acio nal não mais se circunscreve às relações entre os Estados, exclusivam ente. H ans Kelsen, entretanto, chegou a adm itir a autenticidade desta afirm ação, reconhecendo que, a esta regra de apreensão tão som ente mediata da conduta de cada indivíduo pelo direito internacional, cabem im portantes exceções, a exem plo dos casos ju stam ente nos quais o direito internacional diz respeito dire­ tam ente aos indivíduos, na m edida em que tais norm as já im põem im ediatam ente não só o que deve ser feito, mas tam bém qual indivíduo tem que adotar a conduta p o r elas prescritas. Na atualidade, o direito internacional vai m uito mais além, não se circunscrevendo exclusivam ente às relações entre os Estados. Tem ele, hoje, um a estrutura m uito mais complexa e u m alcance m uito mais amplo, visto que se ocupa da conduta dos Estados e das organizações internacionais e de suas relações entre si, assim como de algumas de suas relações com as pessoas naturais (veja-se, p o r exem plo, os vários aspectos ligados à “proteção internacional da pessoa hu m an a”) ou jurídicas. É dizer, figura o direito internacional como u m conjunto de regras e princípios que disciplinam tanto as relações jurídicas dos

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Estados entre si, bem como destes e outras entidades internacionais, como tam bém em relação aos indivíduos. Assim, tam bém podem ser considerados sujeitos de direito in­ ternacional público na atualidade, além dos Estados soberanos, as O rganizações Internacion ais intergovernam entais (v.g., as N ações Unidas, que têm capacidade jurídica para celebrar tratados de caráter obrigatório, regidos pelo direito internacional, com os Estados e com outros organismos internacionais), bem como os indivíduos, embora o campo de atuação destes últim os seja mais lim itado, sem, contudo, perder ou restar dim inuída sua im portância. Esta nova concepção dos sujeitos de direito internacional teve início logo depois da segunda grande guerra, quando a sociedade internacional com eçou a cada vez mais e seguidam ente considerar o indivíduo como “suj eito de direito internacional”, o fazendo de forma habitual e não m ais esporádica. Ou seja, reconheceu-se, definitiva­ m ente, que os indivíduos tam bém têm direitos e obrigações no plano internacional, ou m elhor, com eçou-se a considerar o fenôm eno da inserção do indivíduo em um a mais vasta com unidade m undial, dentre os quais os sujeitos passaram a ser também os indivíduos. Os in div íd u o s p o d em p articip ar das relações intern acio n ais contem porâneas tan to n o polo ativo (peticionando para tribunais internacionais, p o r exem plo) quanto no polo passivo (sendo respon­ sabilizados internacionalm ente p o r atos com etidos contra o direito internacional - veja-se o exem plo atual da com petência do Tribunal Penal Internacional para o julgam ento de tais indivíduos), o que re­ força o entendim ento atual de que tam bém são eles sujeitos dotados de personalidade jurídica internacional. É certo que a personalidade dos indivíduos, no plano interna­ cional, é lim itada. C ontudo, em certas ocasiões, principalm ente no que diz respeito aos crim es de guerra, crim es contra a hum anidade e genocídio, têm os indivíduos, assim como os Estados, responsabi­ lidade no plano internacional. Nestes casos, os indivíduos passam a ser punidos como tais, e não em nom e do Estado do qual fazem parte. N este cenário, passam eles a ter direitos e obrigações, de m odo que não m ais se pode afirm ar que som ente os Estados é que são praticantes de ilícitos internacionais.

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De qualquer sorte, pode-se afirmar que se encontra, na atualidade, ampliado o rol dos suj eitos de direito internacional público. Os Estados deixaram de ser os únicos atores da vida internacional, e passaram a com partilhar esta condição com as organizações internacionais intergovem am entais e tam bém (ainda que com certas restrições) com os próprios indivíduos. As pessoas, nesse contexto, passam tam bém a ser um dos sujeitos diretos do direito internacional, detendo inclusive capacidade processual para fazer valer seus direitos, podendo mesmo atuar de form a direta perante organismos ou tribunais internacionais. O direito internacional, em sum a, pode então ser definido como aquele direito capaz de regular as relações interestatais, bem como as relações envolvendo as organizações internacionais e tam bém os indivíduos, ainda que a atuação destes últim os seja m ais lim itada no cenário internacional. 6. A plicação in te rn a c io n al e in te rn a : a aplicação interna do direito in tern acio n al não significa deixar de aplicar as norm as do ordenam ento jurídico interno de determ inado Estado em exclusivo benefício do direito das gentes. Mas, apesar disso, existem im portantes diferenças ha aplicação do direito internacional nas relações envolven­ do o direito interno e naquelas envolvendo as relações internacionais. Sob a ótica internacional, o direito das gentes é aquele que regula e rege as relações dos Estados entre si, bem como o com plexo das ati­ vidades envolvendo as organizações internacionais em suas relações m útuas, assim como os indivíduos. Sob esse ponto de vista, não se fala em relacionamento da norm a internacional com a de direito interno, atribuindo-se às cartas constitucionais a condição de simplesfato dentro do com plexo norm ativo presente no sistem a do direito. No plano do direito interno, entretanto, o panoram a m uda na m edida em que as Constituições estatais preveem regras específicas de aplicação interna do direito internacional, como a necessidade de referendum parlam entar dos tratados ou a sua prom ulgação e publicação internas, o que pode variar (e norm alm ente varia) de país para país. A aplicação do direito interno deve tam bém obedecer aos princípios constitucionalm ente estabelecidos que regem o Brasil nas suas rela­ ções internacionais, os quais se encontram no art. 4.° da Constituição:

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I —independência nacional; II —prevalência dos direitos hum anos; III - autodeterm inação dos povos; IV - não-intervenção; V - igual­ dade entre os Estados; VI —defesa da paz; VII - solução pacífica, dos conflitos; VIII —repúdio ao terrorism o e ao racism o; IX —cooperação entre os povos para o progresso da hum anidade; X - concessão de asilo político. Diz ainda a C onstituição, no parágrafo único do mesmo dispositivo, que a “República Federativa do Brasil buscará a integração econôm ica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à form ação de um a com unidade latino-am ericana de nações”. Da m esm a form a, variado é o tipo de aplicação do direito interna­ cional pelos tribunais internos estatais. A tendência do constitucionalism o m oderno, entretanto, é a de perm itir a im ediata aplicação do di­ reito internacional pelos juizes e tribunais nacionais, sem a necessidade de norm a interna que os m aterialize e lhes dê aplicabilidade. Trata-se da consagração da doutrina monísta intemacionalista no que tange às relações do direito internacional com o direito interno dos Estados. É de se recordar tam bém o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23.05.1969, que consagra expressam ente a supremacia do direito internacional sobre o direito interno, na m edida em que proíbe que um Estado invoque “as disposições do seu direito interno para justificar o inadim plem ento de um tratado”. Neste contex­ to, a falta de cum prim ento dos preceitos do direito das gentes acarreta a responsabilidade internacional do Estado infrator. 7. Leitura c o m p le m e n tar: 1.

ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

2.

ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Curso de direito internacional público. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

3.

DEUOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

4.

MARTINS, Pedro Baptista. Da unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

5.

RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

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6.

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SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

Para a p ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­ querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Da globalização do direito internacional público: os choques regionais. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000; TRUYOL Y SERRA, Antonio. Historia dei derecho internacional público. Madrid: Tecnos, 1998; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito internacional público. Rio dejaneiro: Imprensa Nacional, 1934. t. II; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit intemationalpúblic. Paris: A. Pedone, 1944.1.1; SCELLE, Georges. Précis de droit des gens. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1934.

C a p ít u l o II F u n d a m e n t o d o D ireito I n t e r n a c io n a l P ú b l ic o

1. F u n d a m e n to d o d ire ito in tern acio n al: saber qual o funda­ mento do direito internacional público significa desvendar de onde vem a sua legitim idade e sua obrigatoriedade, ou os m otivos que justificam e dão causa a essa legitim idade e obrigatoriedade. Significa p erquirir de onde (de quais fatos ou valores) em ana a imposição de respeito de suas norm as e princípios. O que se busca saber aqui não são os m otivos de fato, políticos, sociais, econôm icos, históricos ou religiosos de sua observância, m as sim as razões jurídicas capazes de explicar o porquê de sua aceitação e obrigatoriedade p o r parte de toda a sociedade internacional. Enfim , que razão existe para que os Estados (e tam bém as organi­ zações internacionais) tenham que subm eter a sua vontade e lim itar a sua liberdade a u m im perativo jurídico internacional, que lhes ordena e preceitua um a determ inada conduta? Esta m atéria passou a ter im portância com a cham ada escola es­ panhola do direito internacional, notadam ente com os ensinam entos de Francisco de Vitória e do jesuíta Francisco Suárez, dos quais em anaram as doutrinas que pretendem responder a questão sobre o fundam ento do direito internacional, com seus desdobram entos e conseqüências. 2. D outrinas: a questão do fundam ento do direito internacional público tem sido, desde longo tem po, objeto de inúm eros estudos, existindo várias d ou trinas que buscam dem o n strar o fundam ento jurídico de sua obrigatoriedade e eficácia (v.g., a doutrina da autolimitação, do direito estatal externo, dos direitos fundamentais dos Estados, da vontade coletiva dos Estados, do consentimento das nações, a da norma fundamental, da solidariedade social, a da opinião dominante, asjusnaturalistas etc.). Todas elas, entretanto, podem ser enquadradas em duas principais correntes: a voluntarista (as cinco prim eiras) e a objetivista (as quatro últim as).

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3. D o u trin a v o lu n tarista: para a corrente voluntarista, de base notadam ente subjetivista, a obrigatoriedade do direito internacional decorre do consentimento (vontade) dos Estados, expresso em tratados e convenções internacionais, ou ainda proveniente de um a vontade tácita, pela aceitação generalizada do costum e internacional. Ou seja, para a doutrina voluntarista, o direito internacional público é obriga­ tório porque os Estados assim o desejam. O seu fundam ento encontra suporte na vontade coletiva dos Estados ou no consentim ento m útuo destes. Existem tam bém algumas variantes da doutrina voluntarista. Para alguns autores o direito internacional público se funda na vontade m etafísica dos Estados, que im põe lim itações ao seu poder absoluto, obrigando o Estado para consigo próprio. Trata-se da teoria da autolimitação, defendida pelos adeptos da doutrina dos freios e contrapesos (checks anã balances). O Estado adm ite a existência de um a ordem internacional, sem, contudo, reconhecer que esta ordem advém de u m poder (ou de um a força) superior. O Estado, ao aceitar a existência do ordenam ento jurídico internacional, não se subm ete a outra coisa senão à sua própria vontade. 4. C rítica à d o u trin a v o lu n tarista: a crítica mais contundente que se faz à doutrina voluntarista, entretanto, é que os Estados, de u m m om ento a outro, podem m odificar drasticam ente a sua posição original ocasionando insegurança e instabilidade ao direito interna­ cional. M odificando, pois, a sua vontade, desaparece o direito inter­ nacional, o que não é admissível. Isto porque nenhum Estado pode, unilateralm ente, m odificar o direito internacional, subm etido que está a princípios superiores à sua vontade, integrantes da ordem jurídica internacional. D efender o voluntarism o é p erm itir que os Estados possam a qualquer m om ento desligar-se unilateralm ente das norm as jurídicas internacionais, sem que se possa falar em responsabilidade, nem , tam pouco, em violação do direito internacional. Esta doutrina voluntarista, de índole subjetivista, encontra m o­ dernam ente u m grande obstáculo nos tratados internacionais de pro­ teção dos direitos hum anos, nascidos em decorrência do terror e da barbárie advindos da Segunda G uerra M undial, que im põem lim ites à atuação do Estado nos cenários interno e internacional, com vistas a salvaguardar os seres hum anos protegidos p o r suas norm as.

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5. D o u trin a o b je tiv ista : nascida nos últim os anos do século XIX, como reação dos filósofos, sociólogos e intem acionalistas contra as ideias voluntaristas, a corrente objetivista apregoa que a obrigato­ riedade do direito internacional advém da existência de princípios e norm as superiores aos do ordenam ento ju ríd ico estatal, um a vez que a sobrevivência da sociedade internacional depende de valores superiores que devem ter prevalência sobre os interesses m eram ente dom ésticos dos Estados. Tal doutrina se baseia em razões de ordem objetiva e tem como suporte e fundam ento os princípios e regras do direito n atu ral, bem como as teorias sociológicas do direito e o n o r­ m a tivism o ju ríd ico kelseniano. Para a d outrina objetivista, a legitim idade e obrigatoriedade do direito internacional devem ser procuradas fora do âm bito de vontade dos Estados, ou seja, na realidade da vida internacional e nas norm as que disciplinam e regem as relações internacionais, que são autônom as e independentes de qualquer decisão ou vontade estatal. Esta d o utrin a tam bém é passível de críticas, na m edida em que m inim iza a vontade soberana dos Estados, que tam bém têm o seu papel contributivo na criação das regras de direito internacional. 6. F u n d a m e n to d o DIP n a r e g ra p a c ta su n t servanda: um a terceira co rren te, m ais m o d erna (e a nosso ver m ais co erente), e consagrada p o r in ú m ero s in stru m e n to s in te rn a c io n ais, acredita que o fundam ento m ais correto da aceitação generalizada do direito internacional público, dentre as inúm eras doutrinas que procuram explicar a razão de ser desse direito, em ana do en ten d im en to de que o DIP se baseia em princípios ju ríd ico s alçados a u m patam ar superior ao da vontade dos Estados, m as sem que, contudo, se deixe totalm ente de lado a vontade desses m esm os Estados. Em verdade, trata-se de um a teoria objetivista tem perada, po r tam bém levar em consideração a m anifestação de vontade dos Estados em seu con­ ju n to . Afinal de contas, um Estado ratifica um tratado internacional pela sua p ró p ria vontade, m as tem que cum prir o tratado ratificado de boa-fé, sem se desviar desse propósito, a m enos que o denuncie (e então, novam ente, aparece a vontade do Estado como m eio hábil para retirá-lo do com prom isso que anteriorm ente assum ira).

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Esta doutrina tem merecido o crédito e o respeito de grande parte dos autores contemporâneos, notadamente os da escola italiana de direito internacional, cujas bases teóricas encontram supedâneo nos princípios e regras do direito natural. U m desses mestres da escola italiana, cujos estudos detêm especial relevo, foi Dionisio Anzilotti, que reconhecia na norm a pacto, sunt servanda—segundo a qual as partes têm o dever de cum prir e respeitar, deboa-fé, aquilo que foi acordado no plano interna­ cio n al- o fundam ento jurídico único e absoluto do direito internacional público. Segundo este entendim ento, que reputam os correto, a norm a pacta sunt servanda im põe obrigatoriedade de respeito ao pactuado e serve de critério válido para diferençar as norm as internacionais de todas as demais norm as (quer internas, quer internacionais). Esta ideia foi definitivam ente consagrada, em 1969, quando da adoção da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que posi­ tivou a regra pacta sunt servanda no seu art. 26, nos seguintes termos: “Todo tratado em vigor obriga as partes e deve ser cum prido p or elas de boa-fé”. Mas antes disso já tinha sido expressada, p o r exem plo, no Protocolo de 17.01.1871, da Conferência de Londres, onde ficou declarado que é princípio essencial do direito das gentes que n en h u ­ m a potência possa livrar-se dos com prom issos de u m tratado, nem m odificar as estipulações, senão como resultado do assentim ento das partes contratantes, p or meio de entendim ento amigável. O direito internacional público, segundo esta concepção, consubstancia-se n u m conjunto de regras ju rídicas superiores à vontade dos Estados, que lhes im põem sua correta observância e o seu fiel cum ­ prim ento, com pondo-lhes e coordenando-lhes dentro de um sistem a ju rídico único. Por conseguinte, a eficácia do direito internacional tam bém passa a depender, em grande m edida, da existência de um conjunto de regras estatais que se am oldem às exigências da ordem internacion al e facilitem sua aplicabilidade. É essencial, adem ais, que os ordenam entos in tern o s, em caso de conflito, não obstem a aplicação das norm as internacionais, que serão sem pre superiores aos seus com andos. N esta ordem de ideias é que se entende que o ordenam ento ju ríd ico estatal deve obediência e respeito às regras estabelecidas pelo ordenam ento internacional, que lhe é sup erio r e lhe im põe sua correta observância.

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7. Leitura c o m p le m e n tar: 1.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011.

2.

ACCIOLY, Hildebraxido e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3.

REZEK.José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionàlpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

4. 5.

Para ap ro fu n d a r: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­ querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; VERDROSS, Alfred von. Le fondement du droit international. Recueil des Cours, Haye: Académie de Droit International, 1927, t. l,p . 247 e ss; CHARLES, Calvo. Manuel de droit international. Paris: Librairie Nouvelle de Droit et de Jurisprudence, 1884; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit international public. Paris: A. Pedone, 1944. 1.1; SCELLE, Georges. Précis de droit des gens. Paris: Librairie du Recueil Sirey, 1934; ANZILOTTI, Dionisio. Corso di diritto intemazxonale. 4. ed. Padova: CEDAM, 1955. v. 1.

C a p ít u l o 111 F o n t e s d o D ireito I n t e r n a c io n a l : F o n t e s P rim á rias

1. C o n c e ito d e fo n te (fo n tes fo rm ais e m a te ria is): são m a­ teriais as fontes que determ inam a elaboração de certa no rm a ju ­ rídica. No p lano do direito in te rn o têm -se as necessidades sociais de elaboração de d eterm inada regra de con d u ta, ao passo que, no plano do direito intern acio n al, têm -se as necessidades que decor­ rem das relações dos E stados e das O rganizações In tern acio n ais de reg u lam entarem suas relações recíprocas. As fontes m ateriais determ inam , p o rta n to , o conteúdo (a m atéria) da n orm a ju ríd ica , podendo ter origem em necessidades sociais, econôm icas, políticas, m orais, religiosas etc. P or ou tro lado, consideram -se com o sendo fontes form ais do d ireito in te rn o dos E stados a C onstituição (se o país conta com u m a ), as suas leis devidam ente elaboradas p o r p ro ­ cesso legislativo, o costum e, a analogia, a equidade, os p rin cíp io s gerais do d ireito, b em com o as reiteradas decisões dos trib u n ais (ju risp ru d ê n c ia ) n a q u eles p aíses o n d e prev alece a d o u trin a do stare decisis (precedente ju d ic ia l de caráter obrigatório). E m anam sem pre de um a autoridade que su bo rd in a a von tad e dos sú d ito s às suas deliberações. Tais fontes podem ser prim árias (substanciais ou de p ro d u ção ), com o a C onstituição estatal, e secundárias (form ais ou de co n h ecim en to ), com o a lei (fonte form al ou de conhecim ento im ed iata), os costum es, os p rin cíp io s gerais de direito e a d o u trin a (fontes form ais ou de conh ecim en to m ediatas). Já no plano internacional, a situação se to m a u m pouco m ais com plexa. Tal com plexidade se dá pelo fato de não existir, no âm bito extem o, ao contrário do que sucede com o direito intem o, n en h um tipo de autoridade superior que subordine os Estados à sua vontade, de m odo a to m a r efetiva sua decisão. No plano internacional, tudo o que se faz ou se deixa de fazer é conseqüência da vontade organizada dos Estados para que isso aconteça.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS

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Assim, a validade de um a determ inada norm a como fonte do di­ reito internacional depende da form a p o r meio da qual referida norm a é elaborada e de como a m esm a se converte em obrigatória no plano jurídico externo. 2. Rol das fon tes d o d ireito intern acio nal público: o art. 38 do E statuto da Corte Internacional d ejustiça (sobre este Tribunal, v. Cap. XII, item n. 3, e Cap. XIII, item n. 9) é universalm ente aceito como sendo a enum eração mais autorizada das fontes do direito internacional público. Segundo este dispositivo: “1. A Corte, cuja função é decidir de acordo com o direito inter­ nacional as controvérsias que lhe forem subm etidas, aplicará: a) as convenções in tern acio n ais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressam ente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) o costum e internacional, com o prova de um a prática geral aceita como sendo o direito; c) os p rin cíp io s gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d) sob ressalva da disposição do art. 59 [verbis: ‘A decisão da Corte só será obrigatória para as partes litigantes e a respeito do caso em questão’] , as decisões judiciárias e a doutrina dos juristas m ais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a deter­ m inação das regras de direito. 2. A presente disposição não prejudicará a faculdade da Corte de decidir um a questão ex aequo et bono, se as partes com isto concor­ darem .” O art. 38 do Estatuto da CIJ, como se vê, elenca como sendo fontes do direito internacional os tratados internacionais, o costum e in ter­ nacional e os princípios gerais de direito. Estas são as fontes primárias do direito internacional, de sorte que qualquer regra que pretenda ser considerada como norm a de direito das gentes não pode derivar de outro lugar senão de um a delas. Mas o E statuto tam bém faz referência às decisões judiciais e às doutrinas dos publicistas, consideradas como meios auxiliares na busca da com provação da existência de determ i­ nada regra de direito. Assim, as “decisões judiciais” e as “doutrinas

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dos publicistas”, a que o artigo faz referência, esclareça-se, não são fontes de direito como tal, constituindo-se validam ente, entretanto, como m eios de auxílio a definir o direito aplicável. O artigo em questão não se p ro n u n cia, en tretan to , se existe algum tipo de grau hierárquico entre as disposições que enum era, ou seja, não diz se existe prioridade dos tratados sobre o costum e in tern acio nal, e do costum e sobre os p rin cíp ios gerais de direito. Segundo a m aioria dos autores, não existe hierarquia entre as fontes elencadas pelo art. 38 do ECIJ, p o d en d o u m tratad o revogar u m costum e e u m costum e revogar u m tratado (neste últim o caso, diz-se ter caído o tratado em desuso). Na prática, entretanto, os tribunais internacionais têm outorgado preferência às disposições convencio­ nais específicas de caráter obrigatório, vigentes entre as partes, sobre as norm as de direito internacional costum eiro e sobre os princípios gerais de direito internacional. Também não está referido na disposição acima o cham ado jus cogens, que são norm as imperativas de direito internacional geral, aceitas e reconhecidas pela sociedade internacional em seu conjunto, como norm as das quais nenhum a derrogação é possível e que só podem ser derrogadas p o r norm a de ju s cogens posterior da m esm a natureza. Tais norm as (v.g., a Declaração U niversal dos Direitos H um anos de 1948) estão expressam ente autorizadas pelos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados (1969). As norm as de ju s cogens, ao contrário das demais fontes do direito internacional previstas no art. 38 do ECIJ, são hierarquicamente superiores a todas as demais. Assim, a observação de que não há hierarquia entre as fontes do direito inter­ nacional refere-se tão som ente àquelas previstas no art. 38 do Estatuto. Frise-se ainda que o rol do art. 38 do ECIJ é m eram ente exemplificativo, não sendo numerus clausus suas alíneas. Assim, podem existir outras fontes do direito internacional que não estejam elencadas dentro do referido rol, a exem plo dos atos unilaterais dos Estados e das decisões de organizações internacionais (v. Cap. IV itens 3 e 4 , infra). Vamos analisar agora as cham adas fontes primárias do direito internacional público, tal como previstas no art. 38 do ECIJ, a saber: os tratados internacionais, o costum e internacional, e os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações.

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS

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3. O s tra ta d o s internacio n ais: os tratados internacionais são, incontestavelm ente, a principal fonte do direito internacional público na atualidade, não apenas em relação à segurança e estabilidade que tra­ zem nas relações internacionais contem porâneas, mas tam bém porque tom am o direito das gentes m ais representativo e autêntico, na m edida em que se consubstanciam na vontade livre e conjugada dos atores da cena internacional. Além de serem elaborados com a participação direta dos Estados e Organizações Internacionais, de form a dem ocrática, os tratados internacionais trazem consigo a especial força norm ativa de regularem matérias-das mais variadas e das mais im portantes. Dal sua im portância como principal fonte do direito internacional m odem o. Em linhas gerais, pode-se dizer que o Direito dos Tratados regula: a form a como negociam as partes; quais os órgãos encarregados de tal negociação; qual o gênero dos textos produzidos; a form a de assegurar a autenticidade do texto; como as partes m anifestam o seu consen­ tim ento em obrigar-se pelo acordo; a form a de entrada em vigor do com prom isso firmado; quais os efeitos que tal com prom isso produz sobre os pactuantes ou sobre terceiros; e a forma de duração, alteração e térm ino dos atos internacionais. A teoria geral dos tratados será estudada, em linhas gerais, nas suas diversas vertentes, no Capítulo VI deste livro. 4. O co stu m e in tern acio n al: a segunda grande fonte do direito internacional público são os costum es internacionais. Sua im portância advém do fato de não existir, ainda, no campo do direito internacional, u m centro integrado de produção de norm as jurídicas, não obstante a atual tendência de codificação das norm as internacionais de origem consuetudinária. Segundo o art. 38, § 1.°, letra b, do Estatuto da CIJ, os costum es constituem -se num a “prática geral aceita como sendo o direito”. É dizer, o costum e internacional resulta da prática geral e consistente dos Estados de reconhecer como válida e juridicam ente exigível determ inada obrigação. A repetição generalizada e reiterada de certos atos praticados pelos Estados é o elemento material do costu­ me. Em razão disso, para um a regra ser considerada norm a de direito internacional, deve ser ela geralmente aceita, tácita ou expressam ente, pelos Estados. Deve haver um a opiniojuris geral, que é o elemento psicológico, para som ente assim poder se afirm ar que existe o direito

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costum eiro internacional, com força erga omnes, aplicável aos Estados. D iversam ente dos tratados internacionais, que só vigoram para os Estados-partes, os costum es internacionalm ente reconhecidos, tendo eficácia erga omnes, tam bém poderão vigorar inclusive para aqueles Estados que com ele não com pactuam . Não há diferença hierárquica entre os costum es e os tratados in­ ternacionais. Um tratado vigente está apto para derrogar, entre as partes que o celebraram, certa norm a costumeira anterior, da mesma forma e na mesma proporção que o costum e superveniente pode derrogar norm a anterior proveniente de tratado (caso em que com um ente se fala que o tratado caiu em desuso). Mas como já se deu notícia, na prática, os tribunais internacionais têm dado preferência às disposições específicas, de caráter obrigatório, dos tratados internacionais vigentes entre as partes, sobre as norm as costum eiras internacionais, pelo fato de que o tratado oferece mais segurança e estabilidade às relações internacionais (propriedades dificilm ente encontradas no direito costum eiro). O direito internacional costum eiro tem sido, ao longo dos anos, codificado em inúm eros tratados internacionais. A Convenção de Vie­ na sobre o Direito dos Tratados é exem plo concreto desse fenôm eno (nela foram positivadas várias regras costum eiras, de que é exem plo o pacta sunt servanda). Os costum es internacionais, esclareça-se, têm sido reconhecidos p o r diversos tribunais internacionais, dentre os quais a Corte Interna­ cional de Justiça. Foi, adem ais, com base no costum e internacional, que o Tribunal de N urem berg, instituído para processar e ju lg ar os crimes com etidos na Segunda Guerra, pelos nazistas, responsabilizou a Alemanha, no âm bito internacional, pelo que ocorrera dentro de seu território. O Tribunal alegou a violação do direito costum eiro interna­ cional que proíbe os “crim es contra a hum anidade”. Foi a prim eira vez na história que u m Estado viu-se responsabilizado p or atos com etidos dentro de seu próprio território, em decorrência da violação de norm as costum eiras internacionais. 5. O s princípios gerais d e direito: outra fonte que emana do Esta­ tuto da CIJ são os princípios gerais de direito geralmente “reconhecidos pelas nações civilizadas”. Esta últim a expressão (“nações civilizadas”),

FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL: FONTES PRIMÁRIAS

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entretanto, tem sido criticada pela doutrina intem acionalista, p or re­ velar um a potencial discrim inação dos então redatores do Estatuto da CIJ, vinda do século XIX, em relação aos Estados não pertencentes ao eixo Europeu (não obstante não ser pacífico este entendim ento). Hoje se deve entender que a expressão diz respeito ao reconhecim ento de tais princípios p o r parte da sociedade dos Estados, em seu conjunto, como formas legítimas de expressão do direito internacional público. Em outras palavras, tais princípios são aqueles reconhecidos inforo doméstico (“reconhecidos pelas nações...”), mas que ascendem ao plano internacional p o r constar da generalidade dos ordenam entos internos. Tais p rin cíp io s, apesar de ainda dificilm ente identificáveis a priori, têm papel fundam ental na evolução do direito internacional. O direito internacional m oderno, entretanto, passa a depender cada vez m enos de tais princípios, tendo em vista que o grande núm ero de norm as deles derivadas já se encontram codificadas em tratados internacionais ou fazendo parte do direito costum eiro. De qualquer forma, ainda prevalece a posição de que os princípios gerais de direito internacional são aqueles aceitos por todos os ordenam entos jurídicos, a exem plo da boa-fé, do respeito à coisa julgada, do direito adquirido e do pacta sunt servanda. Existindo dúvida sobre ser determ inado princípio u m princípio geral de direito, deve o intérprete verificar se o m esm o se encontra positivado na generalidade dos ordenam entos internos estatais. As­ sim, se a generalidade dos Estados - não necessariam ente todos eles - contem pla u m tal princípio em seus ordenam entos jurídicos inter­ nos, deve o mesm o ser considerado como fazendo parte tam bém do direito internacional. Se é o direito internacional que rege a conduta dos Estados no plano internacional, na m edida em que tais Estados (em sua grande maioria) reconhecem determ inados princípios em seus respectivos direitos internos, parece claro que tais princípios passam a ser também aplicados pelo direito internacional, podendo-se dizer tratar-se agora de princípios gerais de direito internacional. Portanto, os princípios gerais de direito internacional são p rin ­ cípios consagrados nos sistem as jurídicos dos Estados, ainda que não sejam aceitos p o r todos os sistemas jurídicos estatais, bastando que um núm ero suficiente de Estados os consagrem.

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Além dessas fontes prim árias do direito internacional, estudadas nos tópicos anteriores, o Estatuto da CIJ tam bém acrescenta as decisões judiciais e as doutrinas dos publicistas de m aior com petência entre as distintas nações, como m eios auxiliares na determ inação das regras de direito. Esses cham ados “meios auxiliares” para a determ inação das regras de direito serão estudados no Capítulo seguinte. 6. Leitura c o m p le m e n tar: 1. 2.

3. 4. 5. 6.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. DE1IOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002. REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2002. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1.

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; FIORATI, JeteJane.Jus cogens: as normas imperativas de direito intemacionalpúblico como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002; CHARLES, Calvo. Manuel de droit international. Paris: Librairie Nouvelle de Droit et de Jurisprudence, 1884.

C a p ít u l o IV F o n t e s d o D ireito I n t e r n a c io n a l : M e io s A uxiliares e N o vas F o n t e s

O art. 38 do E statuto da CIJ term ina o rol das fontes do direito internacional público dizendo tratar-se de meios auxiliares para a de­ term inação das regras de direito as decisões judiciais e as doutrinas dos publicistas de m aior com petência das distintas nações. Frise-se que andou bem o E statuto da CIJ ao cham ar de meios auxiliares para a determ inação das regras de direito a jurisprudência internacional e a doutrina, haja vista que tanto a jurisprudência quanto a doutrina não são tecnicam ente fontes do direito, pois delas não nascem quaisquer direitos; são apenas meios auxiliares para que se determ ine correta­ m ente o direito alegado em questão. 1. Jurisp ru d ên cia internacional: a jurisprudência dos tribunais internacionais, a exemplo dos tribunais regionais de direitos humanos, dos tribunais especializados (como o Tribunal do Direito do Mar) e dos tribunais arbitrais, bem como as decisões das cortes de determ inadas organizações internacionais, passam, assim, a ter papel de suma impor­ tância no auxílio da determinação das norm as jurídicas. A expressão ju ­ risprudência, na atualidade, significa a reiterada e constante manifestação do judiciário, no mesmo sentido, acerca de um mesmo assunto, dando sempre a mesma solução, ou seja, representa “um a seqüência de decisões ou julgamentos, sempre no mesmo sentido, dando a cada caso semelhante a mesma solução” (Gelson Amaro de Souza. Processo ejurisprudência no estudo do direito. Rio dejaneiro: Forense, 1989, p. 57-58). A ndou bem , repita-se mais um a vez, o art. 38 do Estatuto da CIJ, em qualificá-la como meio auxiliar para a determ inação das regras de direito. De fato, a jurisprudência dos tribunais não é fonte do direito, posto que dela não nasce o direito, mas tão som ente sua interpretação. A jurisprudência, na verdade, não é fonte do direito, porque ela não cria o direito, m as sim o interpreta m ediante a reiteração de deci­

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sões no m esm o sentido. Sendo ela um a seqüência de julgam entos no m esm o sentido, nada mais é do que a afirmação de um direito preexis­ tente, ou seja, sua expressão. Além do m ais, as decisões dos tribunais não criam norm as propriam ente jurídicas, o que dem anda abstração e generalidade, requisitos sem os quais não se pode falar na existência de um a regra de direito stricto sensu. De sorte que “a jurisprudência é que nasce da consistente e reiterada manifestação uniform e do Po­ der Judiciário, sobre determ inado ponto do direito. De algum ponto controvertido do direito é que nasce a jurisprudência, portanto não passa de equívoco pensar que aquele nasce desta” (G elson Amaro de Souza, op. cit., p. 99). Em bora a jurisprudência não crie propriam ente o direito, o que ocorre é que ela favorece a criação de u m novo direito com o passar do tem po de sua atuação no plano internacional, inclusive a criação de regras costum eiras internacionais. D entre os tribunais internacionais acim a referidos, m erece des­ taque a própria Corte Internacional de Justiça, que tem sede na Haia (H olanda). Suas decisões, como meio de auxílio na determ inação das regras de direito, são as que estão investidas da m ais alta autoridade no plano internacional. Se a Corte, v.g., resolve dizer que um a deter­ m inada form ulação se converteu em norm a de direito internacional consuetudinário, essa opinião—sem embargo de constituir, na teoria, um precedente obrigatório - na prática é com preendida como ver­ dadeira “lei”. 2. D o u trin a d o s publicistas: ao lado da jurisprudência dos tri­ bunais internacionais, o art. 38 do Estatuto da CIJ coloca a doutrina dos publicistas de m aior com petência como um a segunda categoria de auxílio na determ inação das regras de direito. Frise-se que a expressão “doutrina dos ju ristas m ais qualificados” não se refere unicam ente aos publicistas ou autores intem acionalistas individuais (ainda que esta tenha sido a intenção inicial do E statuto da CIJ), m as tam bém quer se referir a outras entidades, a exem plo da Comissão de Direito Internacional da ONU, criadas pelas N ações Unidas para “incentivar o desenvolvim ento progressivo do direito internacional e a sua codi­ ficação”, segundo o art. 13, § 1.°, alínea a, de sua Carta constitutiva (sobre o assunto, ver Capítulo V deste livro).

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P ortanto, tam bém se consideram como fontes doutrinárias de grande repercussão os trabalhos dos institutos especializados na pes­ quisa do direito internacional, como a Comissão de Direito Interna­ cional das Nações U nidas, bem como os trabalhos preparatórios ou os relatórios explicativos, que vez ou outra acom panham as convenções internacionais, elaborados, geralm ente, por juristas de renom e na seara do direito internacional tanto público como privado. Tal “dou trin a” passa, então, a ser fonte indispensável de consulta para os tribunais encarregados de decidir de acordo com o direito internacional as con­ trovérsias que lhes são subm etidas. 3. A tos u n ila te ra is d o s E stad os: O art. 38 do ECIJ não faz qualquer m enção aos atos unilaterais como fontes prováveis do di­ reito intem acionalpúblico. Tais atos são destituídos de característica norm ativa, m as não se pode negar que produzem eles conseqüências jurídicas, na m edida em que criam obrigações internacionais para aqueles Estados que os proclam am . A C orte Internacional de Justiça, nos §§ 43 a 46 da sentença do “N uclear Tests Case” entre A ustrália e França, julgado em 20.12.1974, confirm ou a existência de tais declarações, consubstanciadas em “atos u nilaterais” sobre situações jurídicas de fato, com o p o der de criar obrigações legais. Estava em p au ta, na ocasião, a obrigação u n ilateral assum ida pela F rança de cessar os testes nucleares que tinh a iniciado. No citado julgam ento ficou expresso que quando o Estado que efetua a declaração tiver a intenção de que a obrigação declarada se to rn e obrigatória, fica o m esm o legalm ente obrigado, desde então, a seguir um a lin h a de conduta com patível com aquilo que foi declarado. N este caso específico, a C orte In tern acio nal de Ju stiça reconheceu como vinculantes as várias declarações públicas feitas pela França no sentido de cessar os testes nucleares que havia iniciado no Pacífico Sul (cf., N uclear Tests Case, “Australia v. France”, julg . 20.12.1974, ICJReports 1974, p. 267-268). Portanto, quando assum ido publicam ente, mesmo quando não efetuado no contexto das negociações internacionais, u m tal com pro­ misso manifestado unilateralm ente será obrigatório para o Estado, que deverá cum pri-lo de boa-fé. Não é necessário, pois, o aceite da decla­ ração po r parte de outros Estados para que a mesma possa ter valor

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jurídico, bastando a declaração unilateral do Estado que juridicam ente se obriga, em respeito à norm a pacta sunt servanda. 4. D ecisões das O rganizaçõ es Internacionais: as decisõesproferidas p or Organizações Internacionais intergovem am entais tam bém não constam do rol do art. 38 do ECIJ. Isto está intim am ente ligado ao fato de que o ECIJ foi redigido em 1920, quando estavam apenas começando a aparecer no cenário internacional tais organizações, vin­ do seu surgim ento intensificar-se a partir do final da Segunda Guerra M undial, em 1945. A p artir do m om ento que u m Estado é parte em um a organização internacional, ele assum e obrigações para com ela, dentre as quais a de cum prir aquilo que vier a ser decidido em suas assembleias ou órgãos deliberativos. Como leciona G uido Fernando Silva Soares: “A avaliação dos atos unilaterais das organizações intergovem am entais, como fonte do Direito Internacional Público, deve ser feita não só no conjunto das outras fontes, mas tam bém levando-se em conta a evolução que tais entidades experim entaram no século XX, recém-findo. Conform e já notam os, esses atos não se encontram na lista das fontes, arroladas no art. 38 do Estatuto da atual CIJ, o que já representava, à época em que fora adotado, após o térm ino da Prim eira G uerra M undial, um a con­ tradição, tendo em vista que a então CPJI [Corte Perm anente dejusü ça Internacional] já era um a organização intergovem am ental, responsável pela jurisp ru dên cia internacional, esta sim considerada um a fonte form al do direito internacional. Por outro lado, o desenvolvim ento exponencial das organizações intergovem am entais e a im portância crescente da diplom acia m ultilateral exercida em seu interior têm re­ volucionado as concepções clássicas do Direito Internacional Público, em todos os setores, nom eadam ente no campo de suas fontes e do valor im positivo dos atos unilaterais de tais organizações, em relação aos Estados, em seu relacionam ento recíproco e nos respectivos ordena­ m entos jurídicos internos” (Curso de direito intemacionalpúblico, São Paulo, AÚas, 2002, v. l ,p . 117-118). Segundo Celso D. de A lbuquerque M ello, não se pode negar “o caráter de fonte a estas decisões das organizações internacionais, que não se enquadram nas já estudadas. (...) N egar que estas decisões sejam fontes do D l é não reconhecer o processo de integração da

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sociedade internacional. Tais decisões podem ser ainda de âm bito restrito, mas nem p or isso deixam de constituir norm a de conduta, isto é, direito na sua essência, e cujas violações são norm alm ente passíveis de sanção” (Curso de direito internacional público, 11. ed. rev. e aum. Rio d ejan eiro , Renovar, 1997, v. 1, p. 300). D estacam -se aqui, a títu lo de exem plo, dentre as várias for­ m as possíveis de m anifestação das O rganizações In tern acio n ais, as resoluções da A ssem bleia-G eral da ONU, as decisões do F u n d o M onetário In te rn a c io n a l (FM I) relativas aos cham ados “acordos stand-by ”, as diretrizes da C om unidade Econôm ica Européia (CEE) e as recomendações v otadas n a C om unidade Européia do C arvão e do Aço (CECA). 5. A n alo g ia e e q u id a d e : a d o u trin a tam bém tem colocado a analogia e a equidade d entro do contexto das fontes do direito in ­ ternacional. A qui, con tu d o, deve-se fazer a observação de que não se trata de en co n trar m étodos auxiliares para a exata determ inação das regras de direito, m as sim soluções eficientes para enfren tar o problem a dafa lta de norm a ju ríd ica regulam entadora a determ inado caso concreto, ou ainda para su p rir a inu tilid ade da norm a existen­ te, a fim de que se possa solucionar, com u m m ínim o de ju stiça, o conflito de interesses. A analogia consiste na aplicação a determ inada situação de fato de um a norm a jurídica feita para ser aplicada a um caso parecido ou sem elhante. Frise-se que o art. 38 do Estatuto da CIJ não faz qualquer referência à analogia. Boa parte da doutrina aponta a existência de um certo perigo em relação à aplicação da analogia nos casos que envolvam questões de soberania dos Estados (com o, p o r exem plo, exigir que determ inado Estado se subm eta a u m juízo exterior, arbitrai ou ju d i­ ciário) e tam bém em outros casos em que, p o r m eio de sua utilização, a liberdade do ser hum ano possa restar dim inuída ou prejudicada. Daí o m otivo de ser a analogia dificilm ente utilizada na prática das relações internacionais. A equidade, p o r sua vez, ocorre nos casos em que a norm a ju rí­ dica não existe ou nos casos em que ela existe, m as não é eficaz para solucionar coerentem ente (e com ju stiça) o caso concreto subjudice.

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Trata-se de decidir com base em outras norm as ou em prin cíp io s que supram a falta de previsão legal existente, ou que preencham a n orm a ju ríd ica obsoleta ou ineficaz. Assim, a equidade nada m ais é do que a aplicação dos p rincíp io s de ju stiça a u m caso concreto sub judice. Mas o art. 38, § 2.°, do E statuto da CIJ é claro ao d ispor que a aplicação da equidade depende da anuência das partes envolvidas, e o faz nestes term os: “A presente disposição não prejudicará a faculdade da C orte de decidir um a questão ex aequo et bono, se as partes com isto concordarem ”. P o rtan to , a C orte não pode decidir p o r equidade, a seu alvedrio e a seu talante, se assim não consentirem as partes. 6. A q u e s tã o da so ftla w . Algum a d o utrin a ainda coloca a cha­ m ada soft law - direito p lástico, flexível ou m aleável - como fonte do direito internacional público m oderno. A soft law é produto do século XX, tendo nascido principalm ente no âm bito do direito internacional do m eio am biente, prevendo u m programa de ação p ara os Estados relativam ente à determ inada conduta em m atéria am biental, tendo depois am pliado os seus horizontes para outros cam pos do direito. O exem plo m ais nítido desse tipo de instrum en to é a cham ada Agenda 21, que se baseia n u m plano de ação a ser seguido pelos Estados para a salvaguarda do m eio am biente no século XXI. Em que pesem algum as opiniões em contrário, o certo é que ainda não se tem m aturidade científica suficiente para considerar o fenôm eno da soft law dentro do contexto das fontes do direito in ter­ nacional, não se descartando, porém , que n u m futuro próxim o, tais regras flexíveis de direito das gentes venham a se to rn ar fontes, em pé de igualdade com as outras fontes conhecidas da disciplina. Isso não quer dizer, contudo, que a soft law não tenha sua im portância. No atual cenário internacional, cada vez m ais fragm entado, as expe­ riências com norm as soft têm m ostrado ser possível “convencer” os Estados de que determ inada conduta deve ser tom ada (ou afastada) para a m elhoria do sistem a in ternacional com o u m todo. A inda que fora do contexto das fontes, o certo é que as norm as de soft law podem auxiliar a sociedade internacion al na salvaguarda de bens juríd ico s im portantes para o planeta, com o a diversidade biológica, o clima, as florestas etc.

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7. Leitura c o m p le m e n ta r: 1. 2. 3. 4.

REZEK, José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar. 9. ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2002. ACCIOLY, Hildebrando e NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual de direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Adas, 2002. v. 1.

Para a p ro fu n d a r: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual dederecho intemacionalpúblico. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito intemacionalpúblico. Rio dejaneiro: Imprensa Nacional, 1934. t. II; RUBIN, Alfred P. The international legal effects of unilateral declarations. American Journal of International Law, Washington, D.C., 1977, v. 71, p. 1-30; JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé postmodeme. Recueil des Cours, v. 251 (1995), p. 9-267; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Natureza jurídica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Paulo: RT, 2005.

C a p ít u l o V C o d if ic a ç ã o d o D ireito I n t e r n a c io n a l P ú b l ic o

1. P ro pó sito d a codificação: codificar significa sistematizar um grupo de norm as n u m in stru m en to único e obrigatório, seguindo-se determ inado m étodo preestabelecido, no in tuito de trazer mais facilidade ao operador do direito quando de fronte a u m determ inado caso concreto. Tem-se tam bém em m ira evitar os antagonism os p o­ tencialm ente existentes na aplicação das norm as esparsas existentes a respeito de certo assunto jurídico. Por este m otivo é que a codificação reduz tal grupo de norm as a u m código, entendendo-se como tal a articulação e sistem atização de diversas disposições legais num corpo único e harm ônico de norm as. No caso do direito internacional, essa tarefa de sistem a tização não é sim ples e apresenta vários problem as decorrentes da p rópria natureza desse ram o do direito, cuj as relações não se ligam a u m ou al­ guns poucos Estados apenas, mas com toda a sociedade internacional que os envolve. D iferentem ente do direito interno, cuja aplicação não ultrapassa os lim ites físicos (fronteiras) dos Estados, a codificação do direito intern acio n al enfrenta o problem a de lid ar não som ente com Estados, m as ainda com outros atores da vida internacional, como as organizações internacionais intergovernam entais. Como observa A dherbalM eiraM attos, algunsintem acionalistas optam p o r um a consolidação de norm as internacionais, ao invés de um a codificação propriam ente dita. E isto se dá pelo fato de ser a con­ solidação u m m étodo m enos dificultoso de agrupam ento de norm as internacionais, sem pretensão de sistem atização. A consolidação seria o agrupam ento ou a compilação de norm as damesmanatureza (como, p o r exemplo, norm as sobre direito dos tratados, direito do mar, direito internacional do m eio am biente, direito diplom ático e das relações consulares etc.) em u m m esm o corpo norm ativo, sem que, para isso,

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seja necessário sistem atizá-las. N este caso, diferentem ente do que ocorreria com a codificação, teríam os um a compilação diferente para cada grupo de norm as da m esm a natureza. As tentativas de consolidação das norm as internacionais não ex­ cluem, entretanto, a possibilidade de codificação do DIP. Esta, segundo boa parte da doutrina, traz m ais segurança e estabilidade às relações internacionais, na m edida em que dá aos operadores do direito um a m aior certeza do direito positivo aplicável a determ inado caso concreto. 2. A reg ra d a C arta d a O NU: a Carta das Nações U nidas, de 1945, no seu art. 13, § 1.°, alínea a, diz caber à Assembleia-Geral iniciar estudos e fazer recom endações destinados a “incentivar o desenvolvi­ m ento progressivo do direito internacional e a sua codificação”. A regra da Carta da ONU se refere ao “desenvolvim ento progres­ sivo” e à “codificação” do direito internacional. O desenvolvim ento do direito internacional é conãitio sine quanon de sua codificação. Para alcançar a tais propósitos a ONU criou a Comissão de Direito Interna­ cional (C D I), com sede em Genebra, tendo seu estatuto sido aprovado em 1947 e a Comissão constituída no ano seguinte. A Comissão de Direito Internacional da ONU foi responsável pelos proj etos de inúm e­ ras convenções internacionais relevantes, a exem plo das Convenções de G enebra sobre o D ireito do M ar (de 1958), das C onvenções de Viena sobre Relações Diplom áticas (de 1961) e Relações Consulares (de 1963), e das m agníficas Convenções de Viena sobre o Direito dos Tratados (de 1969) e sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Orga­ nizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais (1986). A norm a do art. 13, § 1.°, alínea a, da Carta da ONU, deixa também entrever o propósito das Nações U nidas na conversão sistem ática das norm as costum eiras em um corpo de regras escritas (jus scriptum), acom panhando a evolução do direito internacional no sentido de codifi­ car o costume, ou seja, transform á-lo em norm a convencional (tratado). O efeito da codificação, nos term os desse entendim ento, é duplo, pois 1) declara a existência anterior de u m costum e e 2) traduz esse costum e em norm a escrita, contribuindo para o “desenvolvim ento progressivo do direito internacional”, para usar a expressão utilizada pelá Carta das Nações Unidas.

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3. T entativas d e co d ificação d o DIP: foram várias as tentati­ vas já tom adas em relação à codificação do direito internacional. O prim eiro projeto de codificação doutrinária (portanto, sem caráter oficial) de que se tem notícia foi o deJerem iasB entham , de 1789. Mais de cem anos depois desse projeto in icial de Bentham, já dentro de um quadro m ais largo de codificação das norm as de DIP, aparecem outros im portantes proj etos, dentre os quais podem ser citados os proj etos de Códigos de Direito Internacional elaborados p o r J. C. Bluntschli, em 1868 (intitulado O direito internacional codificado), por Pasquale Fiore, em 1889 (cham ado de Direito internacional codificado e a sua sanção jurídica) , po r Dudley Field, em 1872 (intitulada Esboço de planejamento de um código internacional) , e pelo intem acionalista brasileiro Epitácio Pessoa, em 1911 (com o seu Projeto de código de direito internacional, este já com caráter sem ioficial), aprovado pela Comissão Internacional de Jurisco nsu ltos A m ericanos em 1912 (ano em que tam bém fora apresentado o projeto de Alexandre Álvares). A dificuldade prática que encontra o direito internacional rum o à sua codificação, além do fato de se tratar de tarefa mais do que grande, está tam bém intim am ente ligada à existência de assuntos em relação aos quais os Estados têm veem entes discordâncias, como os de natureza política ou os que possam , de algum a form a, seja p or causa de suas tradições históricas, culturais ou religiosas, abranger a atitude política de determ inados Estados. Parece, p o rta n to , dificultosa a ideia de codificação de todo o Direito Internacional, como acalentado pelas prim eiras Conferências Pan-Americanas. Seja para codificar seja para consolidar as norm as internacionais, tal propósito deve se lim itar à constatação da norm atividade internacional existente. N um m undo com tam anha diversidade parece m elhor e m ais eficaz apenas constatar a existência das norm as internacionais a fim de sistem atizá-las. Dessa forma, tal tarefa passa a ser m ais declarativa que inovadora, o que tem a grande vantagem de facilitar o acom panham ento do progresso das norm as do Direito Internacional que se pretende codificar ou consolidar. Não obstante as dificuldades de sua implementação, a codificação do Direito Internacional apresenta grandes vantagens. Além de ser um fator de desenvolvimento do Direito Internacional, a codificação serve

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também como meio de difusão dessemesmo direito (sendo certo que tudo o que se escreve é m elhor propagado do que aquilo que é costumeiro), tom ando-se u m fator de certeza do direito positivo internacional. Entretanto, o inconveniente que poderia ser colocado diz respeito à possibilidade de ser a codificação utilizada para exprim ir a vontade de poucos (Estados m ais poderosos) em detrim ento da vontade de m uitos (Estados mais fracos). 4. Estado atual d a codificação d o DIP: a tendência de codifica­ ção do direito internacional público se m ostra presente, nos dias atuais, por meio do grande núm ero de tratados internacionais concluídos, nos últim os anos, versando m atérias das mais complexas, tratando m inucio­ samente de cada um dos assuntos neles versados, e também, em virtude da avalanche de tratados m ultilaterais abertos, colocados à disposição da generalidade dos Estados, aum entando sobremaneira a área de atuação e o campo de dom ínio do direito internacional público m odem o. Entretanto, apesar dos avanços já obtidos neste cam po, é de se consignar que a codificação do direito internacional ainda tem sido bastante m orosa, visto que este ram o do direito público nem sem pre conta com a vontade convergente e uniform e dos Estados, que vivem, m uitas vezes, em busca da satisfação de interesses particulares, não raro incom patíveis com os propósitos de codificação e com os próprios objetivos perseguidos pelo direito internacional. Mas enquanto para alguns, como Charles de Visscher, a codifi­ cação é um em preendim ento “perigoso para o progresso do Direito Internacional”, para outros, como M eira M attos, tal desenvolvim ento progressivo “é u m fato necessário e tecnicam ente concebível e viável”, pois norm atiza assuntos vitais, ligados à natureza do DIP, e, também, porque “tende a transform ar o Direito C onsuetudinário em Direito Convencional, o qual suplanta aquele cada vez mais, no seio da socie­ dade internacional, pelo fato de ser u m Direito escrito e o outro não, embora sejam, ambos, espécies do gênero Direito Positivo” (Direito internacional público. 2. ed. atual, e am pl. Rio d e ja n eiro : Renovar, 2002, p. 60). Cremos que ainda m uito tem po irá passar até que se chegue a um patam ar m ínim o de codificação do Direito Internacional. Para nós, é

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mais salutar a consolidação das regras internacionais, em detrim ento de um a propriam ente dita codificação, m as desde que aquela esteja pautada em critérios isonôm icos e razoáveis. 5. Leitura c o m p le m e n tar: 1. 2. 3. 4.

MEIRA MATTOS, Adherbal. Direito internacional público. 2. ed. atual, e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2002. ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986. DEIIOLMO, Florisbal de Souza. Curso de direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 2002. RUSSOMANO, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MELLO, Celso D. de Albu­ querque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 1; V1SSCHER, Charles de. La codification du droitinternational.RecueildesCours,v. l,t.V I ,p .329 ess.,Paris, 1925.

C a p ítu lo

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T e o ria G e r a l d o s T r a ta d o s In te rn a c io n a is

Os tratados internacionais são a fonte principal do direito interna­ cional público, seja por trazerem m aior segurança e certeza às relações internacionais, seja p o r serem elaborados com a participação direta dos Estados e das organizações internacionais. Ao estudo da teoria dos tratados dá-se o nom e de Direito dos Tratados. Sob esta rubrica se estudam os aspectos principais dos trata­ dos, suas características e classificações, bem assim o seu processo de formação e entrada em vigor no Brasil.1 1. C o n c e ito d e tra ta d o in tern acio n al: o conceito de tratado vem expresso na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, que com eçou a vigorar internacionalm ente em 27.01.1980, quando, nos term os de seu art. 84, atingiu-se o quorum m ínim o de trinta e cinco Estados-partes. A Convenção de 1969 foi complementada pela Convenção de 1986 sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, que teve p or finalidade reconhecer às Organizações Internacionais o direito de firm ar tratados, e convenções. Mas frise-se que o continente am ericano já conhecia um a convenção sobre tratados, bem antes de ter existência a Convenção de Viena de 1969: trata-se da antiga Con­ venção de Havana sobre Tratados de 1928, ainda em vigor nos países que a celebraram , inclusive no Brasil. Entretanto, pelo fato de a teoria dos tratados ter sido regulada mais profundam ente pela Convenção de Viena de 1969, é que se estuda os atos internacionais à luz desta últim a convenção. 2. V alidade d a C on v en ção d e V iena d e 1969 n o Brasil: o Brasil ratificou a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados m uito 1. U m estudo profundo e detalhado da teoria dos tratados o leitor encontra em nossa obra Direito dos Tratados, São Paulo: Ed. RT, 2011.

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tardiam ente, em 25 de setem bro de 2009, com o depósito do in stru ­ m ento respectivo ju n to ao Secretário-Geral das Nações U nidas, com reservas aos arts, 25 e 66. Em 14.12.209 o governo brasileiro publicou o decreto 7.030, que promulgou a Convenção entre nós, data a p artir da qual deve ela ser integralm ente cum prida no Brasil (ressalvados os dois dispositivos já referidos). Mesmo antes da ratificação form al da Convenção de Viena, en­ tretanto, o governo brasileiro e o Itam araty já vinham pautando suas atividades segundo os preceitos deste tratado, especialm ente no que tange à celebração, processo de formação e conclusão dos atos interna­ cionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Em suma: antes de valer como tratado propriam ente dito, a Convenção de Viena de 1969 já valia como norm a costumeira no Brasil e, p o r isso, sempre foi aplicada entre nós pelas autoridades do governo. Os artigos ressalvados (ou seja, reservados pelo Brasil) dizem respeito, respectivam ente, à aplicação provisória dos tratados (art. 25) e à autorização para a Corte Internacional de Justiça (ou u m tribunal arbitrai ou u m grupo de conciliação) decidir um a controvérsia em razão de divergência sobre a Convenção (art. 66). 3. D e sm em b ran d o o co n ceito d e tra ta d o : nos termos do art. 2.°, § 1.°, letra a, da Convenção de Viena de 1969, tratado internacional é um “acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrum ento único, quer de dois ou mais instrum entos conexos, qualquer que seja sua denominação específica”. Trata-se, portanto, de um acordo formal concluído entre os sujeitos de direito internacional público, regido pelo direito das gentes, visando à produção de efeitos jurídicos para as partes contratantes e, em certos casos, inclusive para terceiros não-partes no acordo. Da definição dada pela Convenção de Viena de 1969, podem -se extrair os seguintes elementos essenciais configurativos do conceito de tratado internacional, quais sejam: a) Acordo internacional: o direito internacional tem p o r princípio o livre consentim ento das nações. Sendo o tratado internacional sua fonte principal, não pode ele expressar senão aquilo que as partes so­

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beranas acordaram livrem ente. Sem a convergência de vontades dos Estados, p o r conseguinte, não há acordo internacionalm ente válido. b) Celebrado por escrito: os tratados internacionais são acordos essencialm ente form ais (e p o r isso se distinguem dos costum es, já que estes não são dotados dessa m esm a form alidade). Dizer que um tratado é um acordo/orm aí significa tam bém dizer que ele é um acordo escrito. Somente p o r meio de sua escritura é que se pode deixar bem consignado o propósito a que as partes chegaram após a sua negociação. Aliás, a forma de celebração oral é incom patível com a própria formação his­ tórica dos tratados, tendo em vista que o prim eiro tratado celebrado no m undo, de que se tem notícia, foi gravado em escrita cuneiforme num a barra de prata, entre o Rei dos H ititas, H attusil III, e o Faraó egípcio da XIX.a dinastia Ramsés II, p o r volta de 1280 e 1272 a. C. c) Concluído pelos Estados: como ato jurídico internacional, os tratados só podem ser concluídos por entes capazes de assum ir direitos e contrair obrigações no âmbito extem o. Mas não somente os Estados detêm, hoje, essa prerrogativa. As organizações internacionais, a exemplo da ONU e da OEA, a partir de 1986, com o advento da Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Inter­ nacionais ou entre Organizações Internacionais, passaram a tam bém ter capacidade internacional para a celebração de tratados. O conceito proposto também se refere a um acordo concluído. Mas a esta expressão não se deve dar um alcance superior ao seu efetivo e real significado. Por acordo concluído deve-se entender acordo negociado (a confusão é causada porque a expressão concluído, em países de língua com tronco latino, tem a conotação de algo pronto e acabado). A expressão não compreende, p o r conseguinte, a confirmação do compromisso e sua entrada em vigor, querendo significar tão som ente que se chegou ao final das negociações. d) Regido pelo direito internacional: todo acordo extem o que não for regido pelo direito internacional não será considerado como sendo tratado, mas sim sim ples contrato internacional. Assim, se dois Esta­ dos fazem u m acordo em que u m deles se subm ete ao direito interno do outro, pelo fato de este com prom isso não ser regido pelo direito internacional, não será considerado como tratado, mas apenas como

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contrato, posto que subm etido às regras do direito interno de u m dos Estados e não às regras do direito internacional. e) Celebrado em instrumento único ou em dois ou mais instrumentos conexos: além do texto principal do tratado, podem existir outros ins­ trum entos que o acom panham , a exem plo dos protocolos adicionais e dos anexos que, via de regra, são produzidos concom itantem ente à produção do texto principal. Com a inserção desse elem ento (plura­ lidade) no conceito de tratado a Convenção de Viena de 1969 passou a consagrar a troca de notas (concluída em m om entos distintos pelos E stados) com o u m in stru m e n to convencional id ôn eo a p ro d u z ir efeitos jurídicos no plano internacional (e, portanto, lícito, ainda que esta m odalidade de conclusão de tratados em forma simplificada seja repelida p or algumas C onstituições na atualidade). j ) Ausência de denominação particular: a Convenção de 1969 deixa bem claro que a palavra tratado se refere a um acordo regido pelo di­ reito internacional, “qualquer que seja sua denom inação particular”. É dizer, tratado é expressão genérica, cujas denom inações poderão variar conform e a sua form a, o seu conteúdo, o seu objeto ou a sua finalidade. O que im porta saber para a configuração da existência de um tratado, assim, é se ele preenche os requisitos ou os elem entos constitutivos essenciais, acima estudados, elencados pela Convenção de Viena de 1969. 4. T e rm in o lo g ia d o s tra ta d o s : existe enorm e variedade de term os e acepções para os tratados internacionais, usualm ente em pre­ gados na prática das relações internacionais, de que são exem plos as expressões: tratado (term inologia norm alm ente empregada nos ajustes solenes, cujo objeto, fim, núm ero e poder das partes contratantes têm m aior im portância p o r criarem situações jurídicas), convenção (ex­ pressão utilizada como sinônim o de tratado, em nada diferindo deste em sua estrutura), carta (com um ente empregada para estabelecer os instrum entos constitutivos de organizações internacionais), protocolo (tem sido utilizado para designar a ata de um a conferência ou de u m acordo m enos form al que o tratado, em que ficaram consignados os re­ sultados de um a conferência diplom ática), pacto (designa, geralmente, atos solenes, podendo ser utilizado, também, para restringir o objeto político de um tratado), acordo (com um ente emprega-se a expressão

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para designar tratados de natureza econôm ica, financeira, comercial ou cultural, podendo, contudo, dispor sobre segurança recíproca, pro­ jetos de desarm am ento, questões sobre fronteiras, arbitram ento etc.), acordo por troca de notas (em pregam -se troca de notas diplom áticas para assuntos de natureza adm inistrativa, bem como para alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos), acordo em form a simplifi­ cada ou acordo do executivo (são tam bém conhecidos pela expressão am ericana “executive agreem ents”, designando aqueles acordos con­ cluídos pelo Poder Executivo sem o assentim ento do Poder Legislativo; estes não se confundem com os cham ados gentlemen’s agreements, que tecnicam ente não são tratados, mas apenas “acordos de cavalheiros” regulados p o r norm as de conteúdo m oral), “modusvivendi” (utilizado na designação de acordos tem porários ou provisórios, de im portância relativa), concordata (designação em pregada nos acordos de caráter religioso firm ados pela Santa Sé com Estados que têm cidadãos católi­ cos), reversais ou notas reversais (empregam-se no estabelecim ento de concessões recíprocas entre Estados ou como declaração de um Estado de que um a concessão especial, que lhe é feita p or outro, não derroga privilégios já estabelecidos entre am bos) etc. 5. E strutura d o s tra ta d o s: os instrum entos internacionais são acordos form ais, celebrados pelos Estados ou por organizações inter­ nacionais, com forma e conteúdo determ inados. Tradicionalm ente, os tratados são form ados pelas seguintes partes: a) o título, que indica a m atéria tratada pelo acordo; b) o preâmbulo, que indica as partes contratantes, é dizer, os Estados ou as organizações internacionais que concluem o tratado, bem como as intenções das partes em relação à celebração do acordo (ao que se chama de considerandos, redigidos nor­ m alm ente no gerúndio, assim: “considerando, reconhecendo, reafirman­ do" etc.) .Já houve época, como na A ntiguidade e no período medieval, que tam bém se invocavam os deuses no preâm bulo do instrum ento; c) o articulado, considerado a principal parte do tratado, com posto por um a seqüência de artigos num erados, em que ficam expressas todas as cláusulas de opera tividade do acordo; d) ofecho, que especifica o local e a data da celebração do tratado, o idiom a em que se acha redigido e o núm ero de exem plares originais; e) a assinatura do Chefe de Estado, do M inistro das Relações Exteriores ou de outra autoridade que tenha

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representado o Presidente da República na celebração do instrum ento, desde que detentor dos plenos poderes. Nos atos bilaterais, a assinatura obedece ao sistem a de alternância ou inversão, que consiste em cada parte colocar a sua assinatura em prim eiro lugar no exem plar que ficará em seu poder, o que evita o problem a da precedência de assinaturas de um Estado em relação ao outro. Para os tratados m ultilaterais tem-se utilizado a aposição das assinaturas em ordem alfabética dos nom es das partes, o que poderá variar em função da língua em que se encontra redigido o instrum ento; e, finalm ente,/) o selo de lacre, com as armas das altas partes contratantes. O texto do tratado tam bém pode conter, eventualm ente, alguns anexos, dependendo da necessidade de alguma outra explicação pós-textual, bem com o algum outro com plem ento que seja necessário ou prem ente. 6. C lassificação d o s tra ta d o s: inúm eras classificações têm sido utilizadas para os tratados internacionais. Sem embargo da m ultipli­ cidade de classificações existentes, utilizarem os a que m ais vem ao encontro de nosso estudo, dividindo-os conform e o número de partes, quanto ao tipo de procedimento utilizado para sua conclusão, quanto à sua execução no tempo e, p o r últim o, conform e a sua naturezajurídica. Levando-se em conta o núm ero de partes, os tratados in tern a­ cionais podem ser classificados em bilaterais (ou particulares) ou multilaterais (tam bém cham ados de coletivos, gerais ou plurilaterais). São bilaterais os tratados celebrados apenas entre duas partes contratantes (v.g., um tratado de guerra ep az) ou entre vencedores e vencidos. Podem ser celebrados entre dois Estados ou entre um Estado e um a organização internacional ou, ainda, entre duas organizações internacionais. M ultilaterais são os tratados celebrados p o r mais de duas partes, ou seja, entre três ou m ais partes, com base nas suas estipulações ou nas estipulações de u m in stru m en to conexo, aberto ã participação de qualquer E stado, sem restrição, ou de considerável núm ero de Estados, e que têm p o r objeto a produção de norm as gerais de direito internacional ou tratar, de m odo geral, de questões de interesse comum.

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Q uanto ao procedim ento utilizado para a sua conclusão, os tra­ tados podem ser classificados em tratados stricto sensu e tratados em form a simplificada. Os tratados em sentido estrito são aqueles em que se nota, para sua conclusão, um procedim ento com plexo com posto de duas fases internacionalm ente distintas: a prim eira, iniciada com as negociações, culm ina com a assinatura de seu texto, e a segunda vai da assinatura à ratificação. Além desses dois m om entos internacional­ m ente distintos, outros existem e que dizem respeito ao direito intem o dos Estados participantes do acordo, como a aprovação pelo Legislativo e a prom ulgação interna do tratado ratificado. É o procedim ento que com um ente se utiliza para a celebração de tratados internacionais. Os tratados em forma simplificada, p o r seu tu rn o , são aqueles em que, para sua conclusão, existe apenas um a única fase, consistente na assinatura do acordo, m om ento em que as partes já apõem o seu consentim ento definitivo em obrigar-se pelo pactuado. Prescindem , pois, de ratifi­ cação. São geralm ente tratados bilaterais, concluídos, na m aioria das vezes, p o r meio de troca de notas, com sua lavratura em instrum ento único, sem m uitas form alidades ou delongas. Q uanto à sua execução no tem po, podem ser os tratados transitó­ rios ou permanentes, mutalizáveis ou não-mutalizáveis. Transitórios são aqueles tratados que, em bora criem situações que perdurem no tempo, têm sua execução feita de forma instantânea e im ediata. São tratados criadores de situações ju rídicas estáticas, objetivas, a exem plo dos tratados que dispõem sobre cessão de territórios, estabelecem lim ites ou fronteiras, ou, ainda, transm item de forma definitiva determ inados bens. Apesar de as relações jurídicas p or eles criadas perm anecerem no tem po, a execução desses tratados dá-se de forma quase que imediata. Permanentes, p o r sua vez, em oposição aos transitórios, são aqueles tratados cuja execução se protrai no tem po, incluindo-se nesta cate­ goria os tratados de cooperação, de com ércio, de extradição, os de proteção dos direitos hum anos etc. São com prom issos internacionais cuja execução não se consum a num dado m om ento, mas, pelo con­ trário, difere-se no tem po enquanto estiverem em vigor, podendo ter vigência longa ou m esm o curta. Q uanto à classificação dos tratados emmutalizáveis enão-mutaliZáveis, é preciso frisar que a sua ocorrência som ente se dará nos tratados

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m ultilaterais. Tratados mutalizáveis são aqueles acordos m ultilaterais cujo descum prim ento p or parte de alguma ou algumas das partes entre si não com prom ete a execução do acordo como u m todo. Neste caso, a inexecução do tratado p o r algum as das partes não im pede que o mesmo continue sendo aplicado em relação às demais que o estão exe­ cutando fielmente. Tratados não-mutalizáveis, po r sua vez, são aqueles tratados m ultilaterais que não concebem divisão em sua execução, de sorte que, se algum a ou algumas das partes, pelo m otivo que seja, não puder cum prir o pactuado, um as em relação às outras, todas as demais irão sofrer com a sua violação, não havendo como deixar de aplicar o tratado som ente às partes que o violaram . Tem-se como exemplo de tratado não-m utalizável o Tratado da Antártica. Conform e sua natureza jurídica podem os tratados ser classifi­ cados em tratados-lei (tam bém cham ados de tratados-normativos) e tratados-contrato. Os tratados-lei ou law-màkingtreaties (Vereinbarungeri), geralm ente celebrados por grande núm ero de Estados, têm po r objetivo fixar norm as gerais de direito internacional público, podendo ser com parados a verdadeiras leis. Neles, dá-se a criação de um a regra objetiva de direito internacional, pela vontade conform e (paralela) das partes, de aplicação geral aos casos pelo acordo estipulados. As partes assumem o compromisso de cum prir todo o acordado, o fazendo em ho­ m enagem à regra pacta sunt servanda. Não são obrigatórios senão para os Estados que os celebraram . São, via de regra, tratados m ultilaterais, com possibilidade de ingresso de outros Estados que não participaram do seu processo de conclusão. N os tratados-contrato (Vertragen) as vontades das partes são divergentes, não surgindo, assim, a criação de um a regra geral de direito internacional, m as a estipulação recíproca das respectivas prestações e contraprestações com fim comum. Cada um a das partes, neste caso, tem em m ira justam ente aquilo que de bom pode lhe dar a outra. Consubstanciam-se na realização de um a operação jurídica concreta, como se fosse um verdadeiro contrato entre as partes, que se exaure com o cum prim ento da respectiva obrigação. Resultam, pois, de concessões m útuas dos Estados, de troca de vontades com fins diversos, e têm aparência de contratos (apesar de não serem contratos: são tratados). A diferença entre tais obrigações contratuais e aquelas de direito interno reside tão som ente no fato de que, nas prim eiras, os

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contratantes são Estados soberanos. São, por isso, via de regra, acordos bilaterais de efeitos essencialm ente subjetivos. Alguns autores apresentam objeção a esta classificação, no sentido de que todo tratado internacional, p o r mais contratual que seja, sem ­ pre tem elem entos norm ativos. M esmo nos tratados-contrato existem alguns elem entos normatizadores, a exem plo das suas cláusulas finais sobre ratificação, entrada em vigor, possibilidade de denúncia etc. O que poderia variar, assim, seria o m aior ou m enor grau de dispositivos norm ativos existentes no tratado. Um a últim a classificação que se coloca, diz respeito à possibili­ dade de adesão posterior dos tratados. Q uanto a esta possibilidade os tratados se classificam em abertos e fechados. São abertos os tratados que perm item a posterior adesão p o r parte dos Estados que não parti­ ciparam de suas negociações, ou m esm o não o ratificaram no m om ento devido. Os tratados abertos podem ser limitados ou ilimitados. Os p ri­ m eiros perm item a adesão posterior, mas são lim itados a um núm ero certo de Estados ou a algum bloco de Estados (p. ex.: o tratado que constituiu o M ercosul). Os segundos são abertos para todos os Estados que pretendam ser partes no tratado (p. ex.: os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos). Por fim, são fechados os tratados que não perm item qualquer tipo de adesão posterior. 7. P ro cesso d e fo rm aç ã o d o s tra ta d o s: os tratados e conven­ ções internacionais são atos solenes cuja conclusão requer a observân­ cia de um a série de form alidades rigorosam ente distintas e sucessivas. São quatro as fases pelas quais têm de passar os tratados solenes até sua conclusão: a) a das negociações prelim inares; b) a da assinatura ou adoção, pelo Executivo; c) a da aprovação parlam entar (referendum) por parte de cada Estado interessado em se tom ar parte no tratado; e, por fim, d) a da ratificação ou adesão do texto convencional, concluída com a troca dos instrum entos que a consubstanciam . Antes da ratificação, todos os direitos e obrigações expressos no ato internacional ficam restritos às relações m útuas dos contratantes, não tendo se incorporado, ainda, no ordenam ento jurídico in tem o desses m esm os Estados. No Brasil, após a sua ratificação, o tratado, ainda, épromulgado p or decreto do Presidente da República, epublicado no Diário Oficial da União. São

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etapas com plem entares adotadas pelo Estado brasileiro para que os tratados possam ter aplicabilidade e executoriedade internas. A Convenção de Viena de 1969 tom ou a providência de regula­ m entar os requisitos para a conclusão e entrada em vigor dos tratados. Assim, para que um tratado seja considerado válido, requer-se que as partes contratantes (Estados ou organizações internacionais) tenham capacidade para tal, que os seus agentes signatários estejam legalmente habilitados (por m eio de carta de plenos poderes, assinada pelo Chefe do Executivo e referendada pelo M inistro das Relações Exteriores), que haja mútuo consentimento (que se revela no livre direito de opção do E stado, m anifestado em docum entação expressa) e que o seu objeto seja lícito e possível (porque a prom essa de um a prestação de caráter absoluto ou im possível de se realizar é incapaz de form ar um vínculo ju ríd ic o ). Segundo a Convenção de Viena (art. 6.°), todos os Estados têm capacidade para concluir tratados, devendo eles, porém , na realiza­ ção de negociações ju n to ao governo de país estrangeiro, atu ar por m eio de seus represen tantes, devidam ente autorizados a p raticar atos internacionais em seu nom e (plenipotenciários —detentores dos plenos poderes), à exceção daquelas pessoas que, em virtude do cargo que ocupam , estão dispensadas de tal autorização (v.g., os Chefes de E stado, os Chefes de G overno e os M inistros das Relações Exteriores). Os Chefes de Estado (ou de Governo, dependendo do sistem a adotado em cada país) têm, em razão do cargo que exercem, capacidade originária, que prescinde lhes seja exigida qualquer credencial. Os M inistros das Relações Exteriores (ou dos negócios estrangeiros, como denom inados em alguns Estados) e os Chefes de Missão Diplomática, p or sua vez, têm capacidade derivada para a celebração de tratados, com os m esm os poderes dos Chefes de Estado ou de Governo, um a vez investidos em seus respectivos cargos. Tais plenipotenciários ou m andatários, em decorrência do exercício de suas funções, estão dis­ pensados da apresentação da carta de plenos poderes. Esta isenção, contudo, está lim itada aos tratados celebrados entre o Estado que os acolhe e o Estado que eles representam e, de acordo com o que dispõe a Convenção de Viena (art. 7.°, § 2.°, letra b), pode ser exercida tão som ente até a adoção do seu texto (a adoção do texto do tratado é a

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fase im ediatam ente anterior à assinatura, m om ento em que os Estados aceitam o texto final do acordo). Para outros plenipotenciários que não os referidos acima, a carta de plenos poderes, expedida pela autoridade com petente do Estado, é exigida. Em caso de a representação do Estado se dar por um a delegação ou p or um grupo de pessoas, é im portante frisar que só será detentor dos plenos poderes o chefe da delegação ou com issão, incum bindo ' som ente a ele, e a mais ninguém , a prática de atos que m anifestem a vontade do Estado que representa no cenário internacional. No caso brasileiro, a com petência do Chefe do Poder Executivo para celebração de tratados é privativa, o que perm ite haja delegação, p o r sinal, m uito com um nos atos internacionais, um a vez que o Pre­ sidente da República tem outras funções além da de celebrar tratados. A C onstituição brasileira de 1988 diz com petir privativam ente ao Presidente da República “m anter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplom áticos” (art. 84, inc. VII). Esta com petência norm alm ente é delegada aos M inistros das Relações E xteriores (M inistros dos N egócios E strangeiros ou dos A ssuntos Estrangeiros) ou aos Chefes de Missão Diplomática. Todo funcionário de carreira, entretanto, acreditado ou credenciado pelo país estrangei­ ro, pode ser agente plenipotenciário. O Itamaraty, a quem incum be negociar e celebrar, com a cooperação de outros órgãos interessados, tratados, acordos e demais atos internacionais, éverdadeiro “auxiliar” do Presidente da República neste campo das relações internacionais. Regra geral, o processo de formação dos tratados tem início com os atos de negociação, conclusão e assinatura, que são da com petência geralm ente do órgão do Poder Executivo (v.g., o Presidente da Repú­ blica ou o M inistro das Relações E xteriores), podendo tal prerrogativa variar de país para país. NoBrasil, toda negociação de ato internacional deve ser acom panhada po r funcionário diplom ático (cf. os sucessivos D ecretos que aprovam a estrutura regim ental e que indicam a natureza e com petência do M inistério das Relações Exteriores). O texto final do ato internacional, ainda no caso brasileiro, deve ser aprovado, do ponto de vista jurídico, pela Consultoria Jurídica do Itam araty e, sob o aspecto processual, pela Divisão de Atos Internacionais.

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C oncluído o texto do instrum ento internacional, e estando as partes contratantes de acordo com os seus term os, tanto substanciais como form ais, procede-se à assinatura, que, presentem ente, signifi­ ca apenas o aceite precário e provisório ao tratado, não acarretando efeitos jurídicos vinculantes. Trata-se da m era autenticação do texto convencional. É dizer, a assin atura que põe fim à negociação não vincula o Estado, apenas determ ina o conteúdo de sua vontade, não passando de um a m anifestação m eram ente form al de sua parte. Por ela, o Estado aceita a forma e o conteúdo do tratado negociado, sem dar o seu aceite definitivo. A assinatura é um a fase im portante do processo de celebração dos atos internacionais, pois é com ela que se encerram as negociações e se expressa o consentim ento do Estado de aderir com todo o pactuado. Deste m om ento em diante, ficam proibidas quaisquer alterações no texto do acordo firmado. Fica aberta, contudo, a partir deste instante, a possibilidade de as partes apresentarem reservas ao texto do in stru ­ m ento, se for o caso. No Brasil, qualquer autoridade, segundo a prática do M inistério das Relações Exteriores, pode assinar um ato internacional, desde que possua carta de plenos poderes, firmada pelo Presidente da República e referendada pelo M inistro das Relações Exteriores. A elaboração da referida carta cabe à Divisão de Atos Internacionais do Itamaraty, que age m ediante pedido form al do Chefe de Estado. A única exceção à regra geral da obrigatória apresentação dos plenos poderes é a que se refere aos atos bilaterais ou m ultilaterais firmados pelos embaixadores plenipotenciários acreditados. Assinado o tratado pelos plenipotenciários, deve ele ser subm e­ tido, no caso brasileiro, à apreciação e aprovação do Poder Legislativo (CF, art. 49, inc. I). Uma vez aprovado o tratado pelo Parlam ento, re­ tom a ele ao Poder Executivo para a sua ratificação, ato adm inistrativo unilateral p or m eio do qual o Estado, sujeito de direito internacional, confirm ando a assinatura anteriorm ente aposta no acordo, aceita de m aneira definitiva as obrigações internacionais que assum iu. A ratifi­ cação é ato em inentem ente externo, levado a efeito pelas estritas regras do direito internacional público, não havendo que se falar, p o r isso, em ratificação de direito intem o, como querendo significar a aprovação

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dada pelo Poder Legislativo ao tratado internacional ou a prom ulgação do m esm o internam ente. A ratificação, para o direito internacional, exprim e confirmação (confirm ação da assinatura anteriorm ente aposta), o que difere do significado em pregado pelo direito civil, que a exprim e no sentido de aprovação. Talvez p o r isso tenh a estabelecido a C onvenção de Viena, no seu art. 2.°, § 2.°, que as disposições relativas às expressões nela em pregadas não prejudicam o emprego dessas expressões, nem os significados que lhes possam ser dados na legislação in tern a de qualquer Estado. Mas se o Estado não participou das negociações do tratado, nem tam pouco o assinou, m as m esm o assim deseja dele se to m ar parte, poderá fazê-lo p o r m eio da adesão ou aceitação, que possui natureza ju ríd ica id ên tica à ratificação. A adesão consiste na m anifestação unilateral de vontade do Estado, que exprim e o seu propósito em se to m ar parte de determ inado tratado, de cuja negociação, no plano internacional, não participou. A m esm a prática tam bém vale para as organizações internacionais. A adesão não se confunde com a ratificação. Nesta, o Estado que participou das negociações do tratado, assinando-o, confirma às outras partes o seu propósito firme e definitivo em obrigar-se pelo pactuado. N aquela, o Estado não participou das negociações do acordo, mas, depois de concluído, tem interesse em obrigar-se pelo acordado entre as partes que o negociaram . Apesar de algumas opiniões em contrá­ rio, a prática internacional já deixou assente a não-exigência de estar o tratado em vigor a fim de to m ar possível sua adesão ou aceitação. Frise-se, entretanto, que nem todos os tratados internacionais perm item a adesão ou a aceitação. Som ente em se tratando dos cha­ m ados tratados abertos é que isto será possível. É dizer, a adesão ou a aceitação do tratado po r parte de determ inado Estado (ou organização internacional), que não participou de sua elaboração, som ente será possível quando o próprio texto do tratado, expressa ou tacitam ente, assim o perm itir. 8. R eservas ao s tra ta d o s m ultilaterais: o art. 2.°, § 1.°, letra d, da Convenção de Viena de 1969, define a reserva como sendo “um a

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declaração unilateral, qualquer que seja a sua redação ou denom inação, feita p o r um Estado ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou m odificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse Estado”. Como se percebe pela definição da Convenção, qualquer deno­ m inação que o Estado dê carece de im portância, quando é perceptível o seu in tu ito de excluir ou m odificar os efeitos ju ríd ico s de certas disposições do tratado p o r ele firmado. O im portante é que fique claro o intuito do Estado de eximir-se daquela obrigação, internam ente. É dizer, o intento do Estado contratante quando faz reservas ao tratado constitui-se num a proposta de modificação das relações deste Estado com os outros Estados-partes no tocante ao conteúdo objeto da reserva. A regra estabelecida pela Convenção é que, ao assinar, ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou mesmo a ele aderir, todo Estado pode, se lhe convier, form ular um a reserva, salvo se: a) a reserva seja proibida pelo tratado; b) o tratado disponha que só possam ser form uladas de­ term inadas reservas, entre as quais não figure a reserva em questão; ou c) nos casos não previstos nas letras a e b, a reserva seja incom patível com o objeto e a finalidade do tratado (Convenção, art. 19). A reserva, portanto, modifica os term os do com prom isso assu­ m ido, podendo dar-se ao final das negociações, m om ento em que o Estado procede à assinatura do tratado, ou m esm o no m om ento da ratificação (ou ainda, da adesão), quando sua m anifestação torna-se, p or conseguinte, definitiva. Não há falar-se em reservas no caso dos tratados bilaterais, um a vez que nestes acordos a vontade das partes tem de estar em perfeita harm onia, entendendo-se qualquer manifestação no sentido de reserva como sendo um a nova proposta a ser discutida e negociada pelas partes. De sorte que som ente os tratados m ultilaterais as admitem. O Congresso N acional, no ato da aprovação do tratado, pode pretender afastar determ inada reserva feita pelo Chefe do Executivo quando da assinatura do acordo. Neste caso, o Presidente da República, concordando com o abandono da reserva pelo Congresso, pode retirá-la, no ato da ratificação. N orm alm ente, a possibilidade e as condições de form ulação de reservas já vêm expressas no próprio texto do tratado. Se o m esm o

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silencia a respeito é porque as adm ite, não se podendo entender de m odo contrário. E ntretanto, o direito que os Estados têm de form ular reservas não é ilim itado. O próprio tratado pode estipular que estão proibidas reservas a ele, ou pode perm itir som ente certos tipos de re­ servas, ficando sem efeito qualquer outra feita fora das hipóteses que ele form ula. E mais: é vedado form ular reservas incom patíveis com o objetivo ou com asfinalidades do tratado assinado (Convenção, art. 19, letra c). Assim, deve ser sem pre observada a compatibilidade da reserva com o objeto e a m eta do tratado internacional, como já decidiu a Corte Internacional de Justiça. 9. E m endas e m o d ificaçõ es ao s tra ta d o s m ultilaterais: todo tratado m ultilateralpode ter seu texto emendado. Tais emendas depen­ dem única e exclusivam ente da vontade das partes contratantes (art. 39 da Convenção). Diz-se da possibilidade de em endas nos tratados multilaterais posto que nos bilaterais a sua conclusão depende som en­ te da vontade das duas partes envolvidas, prescindindo, p or isso, de regulam entação. A m atéria é regulada pelo art. 40 da Convenção de Viena de 1969, na qual se consagrou a duplicidade de regimes jurídicos, ao perm itir a vigência concom itante do tratado original e do tratado em endado. N este caso, o tratado original passa a valer ao m esm o tem po entre as partes que não concordaram com a em enda, e entre estas e o grupo que com elas concordou, e, ainda, em relação a este últim o grupo, o tratado passa a valer com as em endas po r eles aceitas (nisso residindo a duplicidade de regimes jurídicos). Se u m Estado m anifesta definitivam ente o seu consentim ento em obrigar-se p or u m tratado que foi objeto de em enda sem se m anifestar a respeito do seu teor, presum e-se que aderiu ao texto do tratado já em endado. O silêncio do Estado, neste caso, faz presum ir a aceitação da emenda. Nada obsta que a em enda a um tratado m ultilateral seja estipulada em outro tratado celebrado posteriorm ente. Neste caso, entretanto, é necessário que as mesmas partes que participaram do tratado original m anifestem (todas elas) seu consentim ento em emendá-lo p or meio

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de outro instrum ento internacional, posteriorm ente celebrado com esta finalidade, sem o que não se pode falar em em enda válida. No caso brasileiro, as em endas form uladas aos tratados m ulti­ laterais em que o país é parte têm , necessariam ente, de passar pelo referendum do Poder Legislativo, da m esm a form a que a ratificação, salvo se esta não im portou em consulta ao Parlam ento. 10. In terp retação d o stratad o s:in terp retaru m tratad o sig n ifica dar claridade e compreensão ao seu texto ou a qualquer um a de suas normas, deixando as partes seguras acerca do alcance e significado que se pretendeu estabelecer em seu contexto, afastando de vez as dúvidas e obscuridades até então existentes. O art. 31, § 1.°, da Convenção de Viena de 1969 traz um a regra geral de interpretação dos tratados, ao dispor que todo tratado internacional deve ser interpretado de boa-fé, segundo o sentido com um atribuível aos seus termos, em seu contexto e à luz de seu objetivo e finalidade. Ou seja, segundo a Convenção, o “ponto de partida” para a interpretação de todo acordo internacional é o seu texto, enquanto este constitui a expressão autêntica das intenções das partes. O prim eiro princípio de interpretação, como se vê, que se destaca no art. 31, § 1.°, da Convenção é o da boa-fé, parte integrante da regra pacta sunt servanda, que se consubstancia no com prom isso de respeito e fidelidadepor parte daquele em que determ inada ação é questionada, pressupondo sem pre a abstenção de dissim ulação, fraude ou dolo nas relações internacionais para com outrem . Diz ainda o m esm o dispositivo que todo tratado internacional deve ser interpretado segundo o sentido comum atribuível aos seus term os, querendo isso significar que as palavras de seu texto devem ser observadas em seu sentido usual, a m enos que se estabeleça que certo sentido especial deverá se atribuído a determ inado term o (cf. art. 31, § 4.°). A Convenção ainda estabelece que os tratados devem ser inter­ pretados em seu contexto. Para fins interpretativos, o contexto de u m tratado com preende, além do texto, seu preâm bulo e anexos: a) qual­ quer acordo relativo ao tratado feito entre todas as partes em conexão com a sua conclusão; e b) qualquer instrum ento estabelecido p o r um a

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ou várias partes em conexão com a conclusão do tratado e aceito pelas outras partes como instrum ento relativo ao tratado (art. 31, § 2.°). A bstrai-se daí, com o se vê, a intenção m anifestada pela C on­ venção de Viena de serem os tratados interpretados em seu conjunto, contextualm ente, dando vasto m aterial de pesquisa para o intérprete na delim itação do sentido com um das palavras. Segundo a C onvenção de Viena, serão levados em consideração, juntam ente com o contexto: a) qualquer acordo posterior entre as par­ tes relativo à interpretação do tratado ou à aplicação de suas disposições; b) qualquer prática seguida posteriorm ente na aplicação do tratado, pela qual se estabeleça o acordo das partes relativo à sua interpretação; e c) quaisquer regras pertinentes de direito internacional aplicáveis às relações entre as partes (art. 31, § 3.°). Porfim , devem os tratados, segundo a parte final do art. 31, § 1.°, ser interpretados à luz de seu objeto efinalidade. Por objeto do tratado entendem -se as suas norm as, bem como os direitos e obrigações que delas decorrem , segundo o que as partes livrem ente estabeleceram. Já a finalidade é o propósito que estas m esm as partes alm ejaram al­ cançar. Então, dizer que o intérprete deve levar em consideração na interpretação dos tratados o seu objeto e finalidade significa que deve ele buscar a ratio legis do com prom isso internacional na busca da ver­ dadeira intenção das partes quanto ao significado do texto ou quanto a algumas de suas disposições. A Convenção de 1969 não descarta, também, o que cham ou de “meios suplem entares de interpretação”, incluindo os trabalhos pre­ paratórios (travauxpréparatoires) do tratado e as circunstâncias de sua conclusão, a fim de confirmar o sentido resultante da aplicação do art. 31 ou de determiná-lo quando a interpretação, de conform idade com este m esm o artigo: a) deixar o sentido am bíguo ou obscuro; ou b) o conduzir a u m resultado m anifestam ente absurdo ou desarrazoado (art. 32). 11. P ro c e ssu a lístic a c o n stitu c io n a l p a ra a c e le b ra ç ã o d e tra ta d o s: os tratados internacionais têm , tam bém , u m processo cons­ titucional de celebração. E isto decorre de fatores históricos, como o ingresso da m anifestação dos parlam entos no iter procedim ental de

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celebração de tratados, cuja ideia inicial segue as bases da Revolução Francesa, com a tom ada do poder soberano popular em detrim ento do poder da m onarquia absolutista. A p artir de então, a quase totalidade das C onstituições passou a estabelecer um a conjugação de vontades entre o Executivo e o Legislativo no processo de conclusão dos tratados internacionais, A Constituição brasileira de 1988 regula o processo de celebração de tratados em dois dos seus dispositivos, abaixo transcritos: “Art. 84. Com pete privativam ente ao Presidente da República:

(...) VIII—celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso N acionai ( ...) ”. “Art. 49. É da com petência exclusiva do Congresso Nacional: I - resolver definitivam ente sobre tratados, acordos ou atos in ­ ternacionais que acarretem encargos ou com prom issos gravosos ao patrim ônio nacional ( ...) ”. Da leitura dos artigos transcritos é possível perceber que a von­ tade do Executivo, m anifestada pelo Presidente da República, não se aperfeiçoará enquanto a decisão do Congresso N acional sobre a viabilidade de se aderir àquelas norm as não for m anifestada, no que se consagra, assim, a colaboração entre o Executivo e o Legislativo na conclusão de tratados internacionais. Essa conjugação de vontades entre o Executivo e o Legislativo, aliás, sem pre esteve presente nas Constituições brasileiras. E nquanto cabe ao Poder Executivo presidir a política externa, ao Legislativo cum pre exercer o controle dos atos executivos, um a vez que àquele incum be a defesa da Nação no cenário internacional. Por im portar no com prom etim ento da soberania nacional, o tratado internacional não pode produzir efeitos se não for referendado pelo Congresso N acional, que consente com a sua assinatura e autoriza a posterior ratificação, de com petência do Presidente da República. O Congresso Nacional, po r sua vez, quando cham ado a se m a­ nifestar, p or meio da elaboração de u m decreto legislativo (CF; art. 59, inc. VI), m aterializa o que ficou resolvido sobre os tratados, acordos ou atos internacionais. Não se edita o decreto legislativo em caso de

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rejeição do tratado, caso em que apenas se com unica a decisão ao Presidente da República. Portanto, no que diz respeito ao Estado brasileiro, os tratados, acordos e convenções internacionais, para que sejam incorporados ao ordenam ento in tem o , necessitam de prévia aprovação do Poder Legisla­ tivo, que exerce a função de controle e fiscalização dos atos do Executivo. O Congresso N acional, portanto, referenda o texto do tratado e autoriza o Chefe do Executivo a ratificá-lo, o que som ente irá ocorrer (ou não, dependendo da vontade discricionária do Presidente) num m om ento posterior. Habilitado a ratificar tratados internacionais está som ente o Chefe do Executivo e mais ninguém . É sua, nesta sede, a últim a palavra. Ao Parlam ento incum be aprovar ou rejeitar o tratado assinado pelo Execu­ tivo, mais nada. A expressão “resolver definitivamente sobre tratados”, assim, deve ser entendida em term os, não se podendo atribuir-lhe um a conotação destoante de seu real significado. E isto porque “resolver definitivam ente” no sistem a brasileiro não significa ratificação, que é ato próprio do Chefe do Executivo, responsável pela dinâm ica das relações internacionais, a quem cabe decidir tanto sobre a conveni­ ência de iniciar as negociações como a de ratificar o ato internacional já concluído. Por conseguinte, incum be ao Parlam ento aprovar ou não os tratados subm etidos à sua apreciação, e ao Chefe do Executivo ratificá-los, se aprovados pelo Congresso. O Congresso Nacional, por conseguinte, só resolve definitivamente sobre os tratados quando rejeita o acordo, caso em que o Executivo fica im pedido de prosseguir com a sua ratificação. Em caso de aprovação, quem resolve de m odo definitivo é o Chefe do Executivo, ao ratificar ou não o tratado. Por este m otivo, a expressão resolver definitivamente,. que, de resto, vem se m antendo até hoje nas Constituições brasileiras, tem sido considerada das m ais im próprias dentre as que respeitam à m atéria. A manifestação do Congresso Nacionai, assim, só ganha foros de definitividade quando desaprova o texto do tratado anteriorm ente assinado, quando então o Presidente da República estará im pedido de ratificá-lo. Mas, se o C ongresso aprovou o tratado subm etido à sua apreciação, a últim a palavra é do Chefe do Executivo que tem a

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discricionariedade de ratificá-lo ou não, segundo o que ju lg ar mais conveniente e oportuno. Por isso, é bom que se esclareça, em definitivo, que o Congresso N acional não ratifica n enhum tipo de ato internacional, sem embargo de seu referendo representar a vontade de todo o povo da Nação, no que se consagra a realização plena do ideal democrático. Em verdade, p or meio de decreto legislativo, o nosso Parlam ento Federal autoriza a ratificação, que é ato próprio do Chefe do Poder Executivo, a quem compete privativamente, nos term os da Constituição da República (art. 84, inc. VIII), celebrar acordos internacionais. O decreto legislativo, pois, quando aprova u m tratado internacional, não “cria” o direito, não inova a ordem jurídica pátria. O tratado internacional continua sendo tratado, não se “transform ando” ipsofacto em direito interno m ediante a intervenção do Congresso. O que introduz o elenco de di­ reitos e obrigações na ordem jurídica interna, assim, é o próprio tratado internacional e não o decreto legislativo que o aprovou. Não se deve entender, entretanto, que a ratificação expressa tão som ente um vínculo form al entre os Estados, pois ratificação não é o m esm o que assinatura. Se esta é apenas um a expressão form al da von­ tade do Estado em aderir ao pactuado, aquela (a ratificação) já é a sua m anifestação definitiva, obrigando o Estado no âm bito internacional. A promulgação do tratado internam ente ê problem a de cada país, de que o direito internacional não se preocupa. Prom ulgado o decreto legislativo pelo Presidente do Senado Fede­ ral (que é tam bém o Presidente do Congresso), e publicado o mesmo tanto no Diário do CongressoNacionál como no Diário Oficial da União, iniciam -se os procedim entos cabíveis para a entrada em vigor, no or­ denam ento jurídico pátrio, dos tratados internacionais. A promulgação tem p o r finalidade, pois, atestar que o ato in ­ ternacional já existe e que foram cum pridas todas as form alidades internas para sua celebração. Indica, adem ais, que o com prom isso internacionalm ente firmado já é juridicam ente exigível, obrigando a todos sua observância. Mas, para que a norm a jurídica se considere efetivam ente prom ulgada, é indispensável sua publicação, dando conhecim ento à população de sua existência. De sorte que, como só é obrigatória a norm a que se conhece (e a publicação faz presum ir este

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conhecim ento), o tratado aprovado som ente será obrigatório a partir da inserção da norm a prom ulgada no Diário Oficial da União, contendo em apenso o texto do tratado. Com a publicação do tratado, busca-se, assim, dar publicidade de seu conteúdo a todos os nacionais do país, e fixar seu início de vigência. Q uándo a prom ulgação do texto convencional não deixa fixado o início de sua vigência, neste caso aplica-se a regra do art. 1.° da Lei de Introdução ao Código Civil, que dá quarenta e cinco dias de prazo para o início desta vigência. Depois de publicado, o tratado tem intrinsecam ente força norm ativa e revoga as disposições ordinárias em contrário. 12. E xtinção d o s tra ta d o s : há vários m eios de extinção dos tratados internacionais, sendo os mais com uns os seguintes: a) Ab-rogação: os Estados podem deixar de ser parte num tratado, dá-lo p or term inado ou suspender sua aplicação: a) de conformidade com as disposições do tratado; ou b) a qualquer m om ento, pelo con­ sentim ento de todas as demais partes (Convenção de Viena, arts. 54 e 57). No prim eiro caso, é o próprio texto do tratado que dispõe sobre a possibilidade de sua ab-rogação (art. 54, letra a) ou suspensão (art. 57, letra a) pelo voto da maioria das partes pactuantes. Aqui é desnecessária a vontade de todas as partes para que o tratado sej a extinto ou suspenso, pois, ao assinarem o tratado cujo texto dispõe sobre a possibilidade de extinção, as demais partes discordantes aceitaram a possibilidade de ser extinto o acordo pela vontade da maioria dos contratantes. A segunda hipótese trata da possibilidade de extinção (art. 54, letra V) ou suspensão (art. 57, letra b) do tratado pelo consentim ento unânim e de todas as par­ tes contratantes, tam bém conhecido po r acordo mútuo ou consentimento comum. Assim, da mesma forma que a vontade das partes é necessária para que um tratado tenha existência, é ela necessária tam bém para que o mesmo se extinga ou se suspenda. É requisito fundam ental para esta m odalidade de extinção a vontade de todas as partes no tratado, sem a qual não há que se falar em ab-rogação ou suspensão. b) Expiração do termo pactuado: o tratado pode prever o m om ento de sua expiração quando estipular u m prazo determ inado para a sua vigência. Existindo term o final estabelecido (ab-rogaçãopredetermina-

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da), é neste m om ento que o tratado se term inará. Além disso, podem tam bém as partes, a qualquer m om ento, p o r consentim ento m útuo, colocar fim ao acordado. Mas este m útuo consentim ento só se opera com o assentim ento, expresso ou tácito, de um a esmagadora m aioria de partes que conseguem anular a opinião daqueles que discordam . c) Execução integral do objeto do tratado: o tratado pode tam bém prever que, tão logo seja o seu objeto integralm ente executado, deverá ser extinto, e.isto porque, nesta hipótese, carece de sentido dar conti­ nuidade à sua existência. Dessa forma, se as partes, po r acordo m útuo, houveram po r bem alcançar determ inado objetivo e tal objetivo foi plenam ente realizado, o objeto do tratado se executou integralm ente e, p o r conseqüência, ele naturalm ente se extingue. d) O tratado posterior: pode o co rrer que as partes de u m d e­ term inado tratado decidam elaborar u m novo in stru m en to , extin ­ guindo o an terio rm en te existente. M as, para que isso aconteça, é im prescindível que as partes do novo tratado sejam as m esm as do tratado original. Trata-se da regra in scu lp id a n o art. 59, § 1.°, da Convenção de Viena de 1969, no q ual se lê que se considera extinto u m tratado se todas as suas partes concluírem u m tratado po sterior sobre o m esm o assunto e: a) resu ltar do tratado posterior, ou ficar estabelecido, p o r o u tra form a, que a inten ção das partes foi regular o assunto p o r este tratado; ou b) as disposições do tratado po sterio r forem de tal m odo incom patíveis com as do anterior, que os dois tratados não possam ser aplicados ao m esm o tem po. O novo trata­ do, geralm ente, contém cláusula expressa em seu texto referente à term inação do tratado anterior. e) Condição resolutiva: o texto do tratado pode tam bém prever que certo acontecim ento futuro predeterm inado o extinga. É dizer, pode constar do instrum ento internacional certa condição resolutiva como causa de sua term inação. Foi o que ocorreu com o Tratado de Varsóvia, cujo art. 11 previa sua extinção quando entrasse em vigor o Tratado Geral sobre Segurança Coletiva da Europa. O utro tipo de condição resolutiva, não raram ente form ulada, ocorre quando, nos tratados m ultilaterais, houver redução do núm ero de partes que o integram . É o que se encontra, p or exem plo, no art. 8.°, § 2.°, da Convenção sobre os Direitos Políticos da M ulher, nestes

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termos: “A presente Convenção cessará de vigorar a partir da data em que se tenha tom ado efetiva a denúncia que reduz a m enos de seis os Estados contratantes”. A condição resolutiva, registre-se, deve sem pre dizer respeito a um evento futuro e incerto. f)D enúncia dos tratados: entende-se p o r denúncia o ato unilateral pelo qual um participe em dado tratado internacional exprim e firme­ m ente sua vontade de deixar de ser parte no acordo anteriorm ente firm ado. Difere da ab-rogação justam ente pelo fato de ser levada a efeito unilateràlmente p o r um a determ inada parte no tratado, e não pela totalidade delas. Trata-se de forma de extinção do tratado pela vontade unilateral do Estado-parte. A denúncia p o r um a das partes no tratado bilateral extingue o acordo entre ambas, ao passo que, nos tratados m ultilaterais, os term os do pactuado deixam de surtir efeito tão som ente para o Estado que o denuncia, continuando a vigorar norm alm ente para os demais Estados-partes. Sua materialização não difere em m uito do procedim ento adotado para a ratificação de tra­ tados, consubstanciando-se, no caso dos tratados m ultilaterais, em instrum ento entregue à outra parte, ou ao depositário para este fim designado, o qual com unicará as outras partes da intenção do Estado d enu n ciante em se afastar do com prom isso. No caso dos tratados bilaterais, basta um a das partes fazer chegar à outra o seu propósito de não m ais fazer parte do acordo, para que, neste caso, desde já se configure a denúncia.

g) Impossibilidade superveniente e mudança fundamental das cir cunstâncias: prevê a Convenção de Viena, no seu art. 61, a term inação do tratado caso um a parte fique im possibilitada de cum pri-lo, se esta im possibilidade resultar da destruição ou do desaparecim ento definiti­ vo de u m objeto indispensável ao seu cum prim ento. N ote-se que,para que a parte invoque a im possibilidade de cum prim ento do pactuado, é necessário que esta im possibilidade seja definitiva, pois, se for tem ­ porária, o que se perm ite é tão som ente a suspensão da execução do tratado (§ 1.°). A im possibilidade de cum prim ento, porém , não pode ser invocada p o r um a das partes como causa para extinguir u m trata­ do, dele retirar-se ou suspender a sua execução, se tal im possibilidade for resultante de um a violação, po r essa m esm a parte, quer de um a

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obrigação decorrente do tratado, quer de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra parte no tratado (§ 2.°). A Convenção prevê também, no seu art. 62, a hipótese de extinção do tratado no caso de m udança fundam ental das circunstâncias. Para o Código de Viena, um a m udança fundam ental de circunstâncias, ocorrida em relação às existentes no m om ento da conclusão de um tratado, e não prevista pelas partes, não pode ser invocada como causa para extinguir u m tratado ou dele retirar-se, salvo se: a) a existência dessas circunstâncias tiver constituído um a condição essencial do consentim ento das partes em obrigarem -se pelo tratado; e b) essa m udança tiver p o r efeito a modificação radical do alcance das obri­ gações ainda pendentes de cum prim ento em virtude do tratado (art. 62, § 1.°). Nos term os do § 2.° do m esm o art. 62 da Convenção, um a m udança fundam ental de circunstâncias não pode ser invocada pela parte como causa para extinguir um tratado ou dele retirar-se: d) se o tratado estabelecer lim ites; ou b) se a m udança fundam ental resultar de violação, pela parte que a invoca, seja de um a obrigação decorrente do tratado, seja de qualquer outra obrigação internacional em relação a qualquer outra p arte no tratado. Por fim, dispõe o § 3.° do art. 62 da Convenção que, se um a parte pode invocar, nos term os dos parágrafos acima, um a m udança fu n­ dam ental de circunstâncias como causa para extinguir u m tratado ou dele retirar-se, pode tam bém invocá-la como causa para suspender a execução do tratado. h) Rompimento das relações diplomáticas e consulares: a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, num a regra bastante simples, dispõe que o rom pim ento das relações diplom áticas ou consulares entre partes nu m tratado não afeta as relações jurídicas estabelecidas entre elas pelo tratado, salvo na m edida em que a existência de relações diplom áticas ou consulares for indispensável à correta aplicação do tratado internacional (art. 63). O rom pim ento ou a ausência de relações diplom áticas ou consu­ lares entre dois ou mais Estados tam bém não im pede a conclusão de tratados internacionais entre eles, conforme se lê no art. 74 da mesma Convenção. Segundo este dispositivo, aliás, a conclusão de um tratado, por si, “não produz efeitos sobre as relações diplomáticas ou consulares”.

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i) Violação do tratado: term ina ainda o tratado quando um dos Estados-partes deixa de cum prir, em violação grave ao seu texto, um a ou mais disposições do acordo. Tal violação não extingue o tratado de im ediato, apenas conferindo à parte prejudicada certos direitos, dentre os quais o de extingui-lo. Não fosse assim, as partes facilm ente burlariam o com prom isso acordado, como meio eficaz de se desligarem das obrigações assum idas. A violação substancial de u m tratado bilateral p or um a das partes, segundo a C onvenção, autoriza a outra parte a invocar a violação como causa de extinção ou suspensão da execução do tratado, no todo ou em parte (art. 60, § 1.°). Por seu turno, um a violação substancial de um tratado m ultilateral p o r um a das partes autoriza: a) as outras partes, p or consentim ento unânim e, a suspenderem a execução do tratado, no todo ou em parte, ou a extinguirem o tratado, quer nas relações entre elas e o E stado faltoso, quer entre todas as partes; b) um a parte especialm ente prejudicada pela violação a invocá-la como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, nas relações entre ela e o Estado faltoso; e, finalm ente, c) qualquer parte que não seja o Estado faltoso a invocar a violação como causa para suspender a execução do tratado, no todo ou em parte, no que lhe diga respeito, se o tratado for de tal natureza que um a violação substancial de suas disposições po r um a parte m odifique radicalm ente a situação de cada um a das partes quanto ao cum prim ento posterior de suas obrigações decorrentes do tratado (art. 60, § 2.°). C onsidera a C onvenção como sendo violação grave (ou subs­ tancial) do tratado aquela consistente n u m repúdio ao tratado não perm itido pelo Código de Viena, ou consistente na violação de um a disposição essencial para a consecução do objeto ou da finalidade do tratado. j) O estado de guerra: alguns tratados celebrados entre Estados são im unes à guerra, a exem plo dos tratados de vigência estática, daqueles equivalentes a título jurídico, os de em préstim o, além, é claro, daqueles elaborados ju stam ente para viger durante o período de beligerância, como as C onvenções da Haia de 1899 e 1907. Mas outros tratados existem que durante o período de guerra podem extinguir-se entre os Estados beligerantes inimigos.

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Regra geral é que a guerra, hoje considerada um ilícito interna­ cional, provoca a extinção dos tratados bilaterais entre os Estados em conflito bélico. Q uanto aos tratados m ultilaterais, o entendim ento mais generalizado é o de que o tratado não se extingue propriam ente, mas fica suspenso entre os Estados beligerantes inim igos que dele façam parte, valendo norm alm ente para as dem ais partes. Esta regra, entre­ tanto, é som ente válida para os tratados m utalizáveis, ou seja, aqueles cuja inexecução por parte de algum ou alguns Estados não acarreta a invalidade do acordo em relação aos demais. 13. S u s p e n sã o d o s tra ta d o s : a su spen são da execução dos tratados pode dar-se em v irtud e de suas disposições ou em razão do consentim ento das partes. É o que dispõe o art. 57 da C onvenção de Viena, segundo o qual a ex ecução de u m tratado em relação a todas as partes ou a um a parte determ inada pode ser suspensa: a) de conform idade com as disposições do tratado; ou b) a qualquer m om ento, pelo consentim ento de todas as partes, após consulta com os outros Estados contratantes. Isso não im pede que duas ou m ais partes concluam u m acordo para, entre si, suspender tem porariam en­ te a execução das disposições de um tratado desde que prevista esta possibilidade pelo in stru m en to intern acion al ou não im pedida p o r ele, a m enos que tal suspensão não p rejudique o gozo, pelas outras partes, dos seus direitos decorrentes do tratado, nem o cum prim ento de suas obrigações e desde que tam bém não seja ela incom patível com o objeto e a finalidade do tratado (art. 58). Caso o tratado não obste a sua suspensão, as partes em questão, se pretenderem levar a efeito a suspensão do acordo entre si, deverão notificar as demais partes desua intenção em concluiro acordo, especi­ ficando as disposições do tratado cuja execução pretendem suspender (art. 58, §2.°). Por últim o, considera-se suspensa a execução de um tratado se, em virtude de tratado posterior, isso se depreender, ou se ficar estabelecido de outra form a que essa era a real intenção das partes (art. 59, § 2.°). 14. Leitura co m p le m e n tar: 1.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011.

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REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. RODAS, João Grandino. Tratados internacionais. São Paulo: RT, 1991.

6.

Para apro fun dar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MEDEIROS, Antônio Paulo Cachapuz de. O poder de celebrar tratados: competência dos poderes constituídos para a celebração de tratados, à luz do direito internacio­ nal, do direito comparado e do direito constitucional brasileiro. Porto Alegre: Fabris, 1995; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; RANGEL, Vicente Maro tta. A Constituição brasileira e o problema da conclusão dos tratados internacionais. Problemas brasileiros, São Paulo: Conselho Regional do Serviço Social do Comércio, n. 31, out. 1965; REZEK, José Francisco. Direito dos tratados. Rio dejaneiro: Forense, 1984; SOARES, Guido Fernando Silva. The treaty-making process under the 1988 Federal Constitution of Brazil. Chicago-Kent Law Review, Chicago: Chicago-Kent College of Law, 1991, n. 2, v. 67, p. 495-513; CALSING, Maria de Assis. O tratado internacional e sua aplicação no Brasil. Dissertação de Mestrado em Direito. Brasília: Universidade de Brasília/Faculdade de Estudos Sociais Aplicados/Departamento de Direito, 1984; REUTER, Paul. Introducción al derecho de los tratados. 1. ed. (em espanhol) revisada por PeterHaggenmacher. Trad. Eduardo L. Suárez. México: Fondo de Cultura Econômica, 1999; FIORATI, Jete Jane. Jus cogens: as normas imperativas de direito internacional públi­ co como modalidade extintiva dos tratados internacionais. Franca: Unesp, 2002.

C a p ít u l o

VII

R elações d o D ir e it o I n t e r n a c io n a l com

o D ir e it o I n t e r n o

1. C o lo cação d o p ro b lem a: ainda é grande a controvérsia que envolve as relações do direito internacional com o direito interno dos Estados e, ao que parece, não está avista o final das discussões. A grande discussão que ainda se trava consiste em saber se, após a ratificação de um tratado, seria necessária a edição de ato com força de lei m ateriali­ zando internam ente o conteúdo do instrum ento ratificado, ou se seria dispensável a sistem ática da incorporação legislativa para a efetiva execução interna do tratado internacional. Tormentosa fica também a questão relativa ao conflito entre tratados internacionais e leis internas, bem como qual das norm as deverá prevalecer em caso de confronto. P ara te n ta r reso lv er estes e o u tro s p ro b lem as relativos às rela­ ções do d ireito in te rn a c io n a l co m o direito in te rn o , d u as g randes concepções d o u trin á ria s surg iram : a m onista e a duàlista. V ejam os cada u m a das citadas teorias, a com eçar p o r esta ú ltim a. 2. T e o ria d u a lis ta : seg u n d o a d o u trin a d u alista, q u e teve em Triepel, n a A lem anha, e A n zillo tti, n a Itália, os seus m ais notáveis defensores, o d ireito in te rn o e o in te rn a c io n a l são dois sistem as in d e p e n d en te s e d istin to s, o u seja, c o n stitu em círculos q u e n ão se in tercep tam (m eram ente c o n tíg u o s), em bora sej am ig ualm en te vá­ lidos. O direito in te rn a c io n al regularia as relações en tre os E stados, e n q u an to o direito in te m o d estin ar-se-ia à regulação d a co n d u ta do E stado com os in div íd uo s. P o r regularem tais sistem as m atérias diferentes, e n tre eles n ão p o d e ria h a v er conflito, o u seja, u m tra ta ­ d o in te rn a c io n a l n ã o p o d eria, em n e n h u m a h ip ó te se, reg u lar u m a q uestão in te rn a sem antes te r sido in co rp o rad o a este ordenam en to p o r u m p roced im en to receptivo que o “transfo rm e” e m lein acio n al (act o f parliam ent, do d ireito ing lês). N este racio cín io , o E stado,

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p ara os d u alistas, seria u m prius lógico do direito in tern acio n al, ou seja, n ão é o E stad o q u e está p ara o d ireito in tern acio n al, m as sim este é q u e está p a ra aquele. N esta concepção, o Estado recusa, pois, a aplicação im ediata ao direito internacional. Daí ter Laband chamado a teoria da incorporação ou da transform ação de meâiatização, cujo fundam ento deriva da autonom ia das duas ordens jurídicas (interna e internacional). Esta concepção dualista de que o direito internacional e o direito interno são ordens jurídicas distintas e independentes um a da outra emana do entendim ento de que os tratados internacionais representam apenas com prom issos exteriores do Estado, assum idos p o r Governos na sua representação, sem que isso possa influir no ordenam ento interno desse Estado, gerando conflitos insolúveis dentro dele. Ou seja, os dois sistem as são m utuam ente excludentes, não podendo um interferir no outro p o r qualquer motivo. Não há nen h uma espécie de contato entre u m e outro. P or este m otivo é que, para os dualistas, esses com prom issos internacionalm ente assum idos não podem gerar efeitos autom áticos na ordem jurídica interna, se todo o pactuado não se m aterializar na form a de diplom a norm ativo típico do direito interno, como um a lei, u m decreto, u m regulam ento, ou algo do tipo. É dizer, a norm a inter­ nacional só vale quando recebida pelo direito interno, não operando a sim ples ratificação essa transform ação. Neste caso, havendo conflito de norm as, já não mais se trata de contrariedade entre o tratado e a norm a de direito interno, m as entre duas disposições nacionais, um a das quais interaalizou a norm a convencional. 3. Teoria m o n ista: a doutrina m onista, p o r sua vez, parte da inteligência oposta à concepção dualista, vez que tem como ponto de partida a unidade do conjunto das norm as jurídicas. Enquanto para os dualistas as ordens jurídicas interna e internacional são estanques, para os monistas estes dois ordenam entos jurídicos coexistem, mas se super­ põem , form ando um a escala hierárquica onde o direito internacional subordina o direito interno ou vice-versa. Para os m onistas, ademais, se um Estado assina e ratifica um tratado internacional, é porque está se com prom etendo juridicam ente a assum ir u m compromisso; se tal compromisso envolve direitos e obrigações que podem ser exigidos no

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a r te G e ra l

âm bito interno do Estado, não se faz necessária, só p or isso, a edição de um novo diplom a que transforme a norm a internacional em regra a ser aplicada pelo direito interno. Para os autores monistas, o direito internacional e o direito interno formam , em conjunto, um a unidadejurídica, que não pode ser afastada em detrim ento dos com prom issos assum idos pelo Estado no âmbito internacional. Não há para eles duas ordens jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada um a com âm bito de validade dentro de sua órbita, mas uma só ordem jurídica que rege a coletividade m undial em suas relações recíprocas. Aceita a tese m onista, surge o problem a de se saber qual ordem jurídica deve prevalecer em caso de conflito, se a interna ou a inter­ nacional. A unidade, para os m onistas, pode se dar de duas formas: ou dando prim ado à ordem jurídica de cada Estado (monismo nacionalista); ou fazendo prevalecer sem pre a ordem jurídica internacional (monismo intemacionalista). Vejamos abaixo cada um a dessas correntes. Depois delas, porém , acrescentarem os aquilo que estamos a cham ar de “m o­ nism o intem acionalista dialógico”, que é a nossa proposta de solução para os conflitos entre o direito internacional e o direito in tem o no que tange ao tema dos “direitos hum anos”. 4. M onism o nacio n alista: a corrente monista nacionalista apre­ goa o prim ado do direito nacional de cada Estado soberano e, portanto, sob essa ótica, a adoção das regras do direito internacional passa a ser um a faculdade discricionária deste. Trata-se da doutrina constitucionalista nacionalista, cujas bases filosóficas encontram guarida no sistema de Hegel, que vê, no Estado, um ente cuja soberania é absoluta. Os m onistas nacionalistas aceitam a integração do produto extem o convencional ao direito intem o, m as sob o ponto de vista do prim ado da ordem jurídica estatal, valendo tal integração som ente na m edida em que o Estado reconhece como vinculante em relação a si a obrigação contraída, m as não em grau hierárquico superior. Ou seja, o direito internacional só tem valor internam ente sob o ponto de vista do ordenam ento intem o do Estado, pois é a Constituição deste m esm o Estado que prevê quais são os órgãos com petentes para a celebração

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de tratados internacionais e como esses órgãos podem obrigar, inter­ nacionalm ente, em seu nom e, a Nação soberana. Dois são os principais argum entos dos defensores dessa corrente: à) a inexistência, no cenário internacional, de um a autoridade supraestatal capaz de obrigar o Estado ao cum prim ento de seus m andam entos, sendo cada Estado o com petente para determ inar suas obrigações in ­ ternacionais; e b) o fundam ento puram ente constitucional dos poderes constituídos para celebrar tratados em nom e do Estado, capazes de obrigá-lo no plano internacional. 5. M onism o in tern acio nalista: a corrente monistaintemacionalista, desenvolvida principalm ente pela Escola de Viena, cujos maiores nom es que a representaram foram Kelsen, Verdross e Kunz, sustenta a unicidade da ordem jurídica sob o prim ado do direito externo, a que se ajustariam todas as ordens internas (posição que teve em Kelsen seu m aior expoente). Segundo essa concepção, o direito interno deriva do direito internacional, que representa um a ordem jurídica hierarquica­ m ente superior. No ápice da pirâm ide das norm as encontra-se, pois, o direito internacional (norm a fundam ental: pacta sunt servanda), de que deriva o direito interno, que lhe é subordinado. Os que defendem este posicionam ento se bifurcam . U ns não adm item que um a norm a de direito interno vá de encontro a u m pre­ ceito internacional, sob pena de nulidade, pois a norm a internacional é-a fonte e o fundam ento da norm a de direito interno, sendo a norm a máxima da qual todas as demais são derivadas. É a posição originária de Kelsen, que, p o r este m otivo, não adm itia pudesse haver conflito entre as ordens interna e internacional, sob esse estrito ponto de vista. O utros, m ais moderados, como Alfred von Verdross, negam esta falta de validade, embora afirm em que tal lei constitui um a infração que o Estado lesado pode im pugnar exigindo ou a sua derrogação ou a sua inaplicabilidade, responsabilizando o in frato r a inden izar os prejuízos decursivos. Na visão monistamoderada, o ju iz nacional deve aplicar tanto o direito internacional como o direito interno de seu Es­ tado, porém de acordo com o que está expressam ente previsto no seu ordenam ento intem o, especialm ente na Constituição, aplicando-se,

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eral

em caso de conflito, a m áxim a lexposterior derogatpriori (critério cro­ nológico), conhecida pelo direito americano como regra laterin time. Em 1930, frise-se, a superioridade do direito internacional diante do direito interno dos Estados foi declarada pela Corte Perm anente de Justiça Internacional, nestes termos: “É princípio geral reconhecido, do direito internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de um a lei não podem prevalecer sobre as do tratado”. E a m esm a Corte, em 1932, estatuiu que: “U m Estado não pode invocar contra outro Estado sua própria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe incum bem em virtude do Direito Inter­ nacional ou de tratados vigentes”. A Organização das Nações Unidas (ONU), da m esm a form a, deixou firm ado, em docum ento de 5 de novem bro de 1948, por meio de seu Secretário Geral, que “os tratados validam ente concluídos pelo Estado e regras geralm ente reconhecidas de direito internacional form am parte da lei interna do Estado” e “não podem ser uhilateralm ente revogados puram ente por ação nacional”. No nosso entender, o m onism o intem acionalista, nascido dos estudos da “Escola A ustríaca”, configura a posição m ais acertada e consentânea com os novos ditam es do direito internacional con­ tem porâneo. Além de p erm itir o solucionam ento de controvérsias internacionais, fom enta o desenvolvim ento do direito internacional e a evolução da com unidade das nações rum o à concretização de um a sociedade internacional universal (civitas maxima), que é, no fundo, o ideal com um dos contem porâneos. É a única doutrina, hoje, que se compadece com o aum ento das relações jurídicas, coincidente com a situação internacional m oderna. Sem embargo da lição de Charles Roussau, para quem o estudo das relações entre as concepções m onista e dualista não passa de um a discussion d’école, é possível dizer que a prim azia do direito internacional sobre o direito interno afigura-se como um a solução necessária ao progresso e ao desenvolvim ento do direito das gentes, o que está a nos provar a nova tendência constitu­ cional contem porânea, bem como a prática internacional. Como se vê, a diferença entre as duas construções m onistas (clás­ sicas) das relações entre o direito internacional e o direito interno diz respeito apenas aofundamento de validade do direito internacional, não

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ao seu conteúdo, de form a que, em verdade, a diferença entre as duas correntes está no ponto de referência que se toma. 6. M onism o in tem acio n alista dialógico: quando as relações do direito internacional com o direito in tem o dizem respeito ao tem a dos “direitos h um anos”, a nossa proposta é que se adote o que cham amos de monismo intemacionalista dialógico. O que isso significa? Significa que se é certo que, à luz da ordem jurídica internacional, os tratados internacionais sempre prevalecem à ordem jurídica intem a (concep­ ção m onista intem acionalista clássica), não é m enos certo que em se tratando dos instrum entos que versam direitos hum anos pode haver coexistência e diálogo entre essas norm as e aquelas de Direito intem o. Em outros term os, no que tange às relações entre os tratados de direitos hum anos e as norm as dom ésticas de determ inado Estado, é correto falar n u m “diálogo” entre essas m esm as fontes. E a autorização para que esse “diálogo” exista provém dos próprios tratados de direitos h u ­ m anos, que prezam sem pre pela aplicação da norm a maisfavorável ao ser hum ano (v.g., na Convenção A mericana sobre D ireitos H um anos, de 1969, essa norm a encontra-se no art. 29, alínea b). Perceba-se que a prevalência da norm a internacional sobre a inter­ na continua a existir, m esm o quando os instrum entos internacionais de proteção autorizam a aplicação da norm a in tem a mais benéfica, visto que, nesse caso, a aplicação da norm a intem a, no caso concreto, é concessão da própria norm a internacional que lhe é superior, o que estaria a dem o nstrar a existência sim de um a hierarquia, típica do m onism o intem acionalista, contudo m uito mais fluida e totalm ente diferenciada da existente no D ireito Internacional tradicional (v.g., como está a prever o art. 27 da Convenção de Viena de 1969). Em ou tras palavras, a aplicação de um a lei ordinária (quando mais benéfica) em detrim ento de u m tratado de direitos hum anos não deixa de respeitar ao princípio de hierarquia, pois proveio justam ente de um a norm a de interpretação do tratado (que consagra o “princípio da prim azia da norm a mais favorável ao ser hum ano”, ou “princípio internacionalpro homine”) que lhe é hierarquicam ente superior. Aqui se trata de um a hierarquia de valores, ou seja, substancial ou material, em contraposição à ultrapassada hierarquia m eram ente form al, de cunho intransigente.

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er a l

Em sum a, o m onism o intem acionalista ainda continua a p re­ valecer nesta hipótese, m as com dialogismo. Daí a nossa proposta de um m onism o intem acionalista dialógico, quando o conflito entre as norm as internacionais e internas se refira ao tem a “direitos hum anos”. Frise-se que essa “autorização” —presente nas norm as internacio­ nais de direitos hum anos para que se aplique a norm a mais favorável (que pode ser a norm a intem a ou a própria norm a internacional, em hom enagem ao “princípio internacional pro homine”) —encontra-se em certos dispositivos desses tratados que nom inam os de vasos comunicantes (ou “cláusulas de diálogo”, “cláusulas dialógicas”, ou ainda “cláusulas de retroalim entação”) , responsáveis por interligar a ordem jurídica internacional com a ordem intem a. Esses vasos com unicantes retiram a possibilidade de antinom ias entre u m ordenam ento e outro em quaisquer casos, fazendo com que tais ordenam entos (o interna­ cional e o intem o) “dialoguem ” e intentem resolver qual norm a deve prevalecer no caso concreto (ou, até m esm o, se as duas prevalecerão concom itantem enteno caso concreto) quando presente um a situação de conflito norm ativo. Por exem plo, tal cláusula de diálogo na Convenção Americana sobre Direitos H um anos (1969) é o art. 29, alínea b. Essa “via de mão dupla” que interliga o sistem a internacional de proteção dos direitos hum anos com a ordem interna (e que juridicam ente se consubstan­ cia em ditos vasos comunicantes) faz nascer o que tam bém se pode cham ar de transdialogismo. Essa, nos parece, é a tendência do direito pós-m odem o no que tange às relações do Direito Internacional (dos Direitos H um anos) com o Direito intem o. 7. D outrinacondliatória:além dasdoutrinasm onistaedualista, registre-se, p o r fim, a existência da cham ada doutrina conciliatória (de fundam entos basicam ente m onistas), integrada pelas denom inadas “correntes coordenadoras”, que sustenta a coordenação de ambos os sistem as a partir de norm as superiores a ambos, a exem plo das regras do direito natural. Fazem parte dessa corrente os ju ristas Louis Cavaré (Le droit intemational public positif, Paris, 1951) e je a n EHuillier (Eléments de droit intemational public, Paris, 1950).

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Esta posição conciliatória, ou eclética, nunca vingou no direito internacional, tendo sido rechaçada pela doutrina e jurisprudência in­ ternacionais. Tal teoria é, tam pouco, utilizada pelos tribunais internos e, portanto, não deve ser utilizada. 8. C onflito e n tre tra ta d o s in tern acio n ais co m u n s e no rm as d a C o n stitu iç ã o : o p roblem a atin en te ao conflito en tre tratados internacionais com uns (pois os tratados de direitos hum anos têmregram ento específico para o caso) e as norm as constitucionais foi coerentem ente estudado no Brasil por M irtô Fraga, e nela é que irem os nos fundam entar neste tópico. Não obstante certos autores chegarem a adm itir, em qualquer hipótese, a superioridade dos com prom issos exteriores do Estado em face da C onstituição, estamos com M irtô Fraga, para quem o problem a (em se tratando de tratados comuns) não deve ser resolvido de forma tão radical, sendo necessário encontrar a solução no sistem a jurídico de cada Estado. De forma que, se a Lei Fundam ental do país trouxer disposição de prim azia aos tratados internacionais em face de seu tex­ to, todo e qualquer conflito surgido entre alguma de suas disposições e um com prom isso internacionalm ente assum ido deve ser resolvido em favor deste últim o. Caso contrário, em não havendo referência expressa a essa possibilidade, a solução é preferir a letra da Lei M aior em detrim ento da disposição convencional. Cum pre, entretanto, distinguir os casos de conflito entre tratados anteriores à C onstituição e os que lhe são posteriores. Se o conflito é entre tratado e C onstituição posterior, é de se entender que os acordos internacionais devidam ente ratificados e pro­ m ulgados não perdem a eficácia com o advento de nova Carta Política. É dizer, tratando-se de Constituição posterior, deve prevalecer o tratado até que seja ele denunciado. Para M irtô Fraga, o poder constituinte que elabora a Lei Fundam ental, justam ente po r ser decisão política da Nação, não está condicionado “senão às lim itações decorrentes do Direito N atural, da existência dos outros Estados, na ordem jurídica internacional e, consequentem ente, dos com prom issos assum idos”. Sem em bargo de, m odernam ente, as C onstituições preverem a sua própria reform a, não incluem elas em seu bojo, ainda segundo M irtô

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Fraga, “nenhum a disposição que possa ser interpretada no sentido de sua substituição integralpor outro docum ento jurídico-político. E não o fazem porque, com a prom ulgação de um a C arta, não se exaure o Po­ der C onstituinte Originário, que continua em estado latente, podendo em ergir a qualquer m om ento. E quando isso acontece, opera-se num a revolução, entendendo-se como tal a substituição de um ordenam ento jurídico por outro, p o r form as não previstas no ordenam ento que se substitui”. A Constituição - continua a autora —, “ao estabelecer sua prim azia sobre os tratados, não ressaltou os compromissos assumidos, anteriorm ente. Mas é princípio elem entar de Direito que um a parte não pode, unilateralm ente, alterar os term os do pacto firm ado, sob pena de responder pelos danos a que der causa”. Em sum a, havendo conflito entre tratado internacional e Cons­ tituição posterior, há de prevalecer a norm a convencional anterior, em decorrência da im possibilidade de o poder constituinte originário m odificar aquilo que o Estado celebrou no cenário internacional com um a ou mais nações soberanas. O problem a é m aior, en tretan to , se o conflito é entre tratado internacional e C onstituição anterior. N este caso o tratado, form al­ m ente, respeitou as norm as constitucionais de com petência para sua conclusão, não se podendo, p or isso, valer-se do art. 46 da Convenção de Viena, em virtude de não ter sido o acordo concluído com violação manifesta de n orm a de fundam ental importância de direito in tern o sobre competência para celebrar tratados. É dizer, não houve, no caso, a ratificação imperfeita. Entretanto, m algrado ter respeitado as regras constitucionais de com petência para sua celebração, o tratado traz consigo dispositivos conflitantes com o texto constitucional do Estado. É o que se convencionou cham ar de inconstitucionalidade intrínseca. A análise do problem a, neste caso, deve levar em conta as dispo­ sições constitucionais de cada país. Em certos Estados, a ratificação de tratados que violem dispositivos da Constituição deve vir acompanhada de prévia reform a constitucional. No caso brasileiro, especificamen­ te, como não se tem dispositivo constitucional regulando a m atéria, deve-se entender que sõ prevalecem à C onstituição os tratados que a ela são anteriores. Se o tratado é posterior e contraria preceito da Lei F undam ental, neste caso, m esm o que in tern acio n alm en te válido,

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não deve, in tern am en te, prevalecer. E para que não se incorra em responsabilidade internacional do Estado, p o r descum prim ento do tratado, m ister se faz seja im ediatam ente denunciado o instrum ento internacional. À exceção dos tratados internacionais de proteção dos direitos hu m anos (cuja regra p ró p ria encontra-se no art. 5.°, § 2.°, da CF, com plem entado pelo novo § 3.° introduzido pela Em enda C onstitu­ cional 45/2004), não se adm ite que u m com prom isso internacional ratificado posteriorm ente à edição da Carta sobre ela prevaleça, o que seria adm itir-se um a reform a constitucional p o r vias outras que não a estabelecida em seu texto. Convém à União, neste caso, a fim de evi­ tar dissabores no cenário internacional, denunciá-lo, sujeitando-se, eventualm ente, às sanções im postas pelo direito internacional (v. M irtô Fraga. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica brasileira. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 115-126; e tam bém Valerio de Oliveira M azzuoli, Tratados internacionais: com com entários à Convenção de Viena de 1969,2. ed ., rev., ampl. e atual., São Paulo Ju arez de Oliveira, 2004, p. 242-252). 9. Leitura c o m p le m e n ta r: 1.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT, 2011 .

2.

ACCIOLY, Hildebrando; NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Manual âe direito internacional público. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

3.

FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito intano: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica bra­ sileira. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

4.

MARTINS, Pedro Baptista. Da unidade do direito e da supremacia do direito internacional. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

5.

REZEK.José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

6.

RUSSOMAN O, Gilda Maciel Corrêa Meyer. Direito internacional público. Rio dejaneiro: Forense, 1989. v. 1.

7.

SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito internacional público. São Paulo: Adas, 2002. v. 1.

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Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito intemo. São Paulo: Saraiva, 2010; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e ampl. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; ROUSSEAU, Charles. Príncipes généraux du droit intemational public. Paris: A. Pedone, 1 9 4 4 . 1.1; VERDROSS, Alfred von. Derecho internacional publico. Trad. A. T. Serra. Madrid: Aguilar, 1956; KELSEN, Hans. Les rapports de système entre le droit interne et le droitintemational public. Recueil des Cours, Paris, 1926. v. 74, t. XIV; TRIEPEL, Carl Heinrich. Les rapports entre le droit interne et le droit intemational. Recueil des Cours. Haye: Académie de Droit International, 1.1, n. 1,1923, p. 77-121.

C a p ít u l o V I 11 H ier a r q u ia entre o s T rata d o s e as L eis I ntern a s

1. Falta d e d isp o siç ã o c o n stitu c io n a l: o texto constitucional brasileiro, em n en h u m de seus dispositivos estatuiu, de form a clara, qual a posição h ierárq u ica do direito in tern acio n al p eran te o nosso direito in te rn o . D eixou p ara a ju risp ru d ê n c ia e para a d o u trin a esta incum bência. O que existe agora no texto co nstitu cio n al brasileiro, mas que, m esm o assim, não estabelece qualquer hierarquia do direito internacional p eran te o direito in te rn o brasileiro, é o novo § 3.° do art. 5.° da C onstituição (in tro d u zid o pela Em enda 45/2004), que trouxe a possibilidade de os tratados de direitos hum anos (e som en­ te estes) passarem a ser form alm ente co nstitucionais. O Suprem o T ribunal F ederal, a seu tu rn o , desde 1977 vem se m anifestando, em desacordo com o direito in tern acio n al, no sen tid o de que os tratados in tern acio n ais com uns têm a m esm a estatu ra da legislação in tern a ordin ária, pod end o revogar a legislação in te rn a bem com o ser revogados p o r lei posterior. Ao m enos n o que diz respeito aos tratados de direitos h u m ano s hou ve evolução da ju risp ru d ê n c ia do STF (v. infra). Trataremos aqui da hierarquia entre os tratados internacionais comuns e as leis internas. O problem a relativo à hierarquia dos trata­ dos de direitos hum anos, com todas as suas implicações práticas, será estudado no C apítulo seguinte deste livro. 2. P rev alên cia d o s tra ta d o s e " siste m a p a ritá rio " : o proble­ m a da concorrência en tre tratad o s in ternacio nais e leis in tern as de estatura infraconstitucional pode ser resolvido, no âm bito do direito das gentes, em princípio, de duas m aneiras. Na prim eira, dá-se preva­ lência aos tratados sobre todo o direito in tern o in fraconstitucional, a exem plo das con stituiçõ es francesa de 1958 (art. 55), grega de 1975 (art. 28, § 1.°) e p e ru a n a de 1979 (art. 101), g aran tin do pleno

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vigor ao tratado in tern acio n al, pouco im p o rtan d o a eventual exis­ tência de leis p osterio res que lh e sejam contrárias. Na segunda, tais problem as são resolvidos garantindo-se aos tratados u m tratam ento igualitário em relação às dem ais leis nacionais (sistem a da paridade norm ativa); n este caso, tom am -se com o p arâm etro com parativo para a referida p arid ad e as norm as infraco n stitu cio n ais do país ou o utros diplom as norm ativos congêneres. O u seja, havendo confli­ to entre tratado e lei in tern a, a solução é en con trada aplicando-se o p rin c íp io lex posterior derogat priori. O B rasil, segundo o STF, enquadra-se nesse segundo sistem a. Há m ais de v in te anos vigora, n a ju risp ru d ê n c ia do STF, o sistem a paritário no que tange aos tra ­ tados com uns. P or esse sistem a, o tratad o , um a vez form alizado, passa a ter força de lei ordinária (RTJ 83/809 e ss), p o d en do , p o r isso, revogar as disposições em co n trário, ou ser revogado (rectius: p erd er eficácia) d iante de lei posterior. Esta posição do STF firm ou-se quando do julgam ento do Recurso Extraordinário 80.004, que se prolongou de setèm bro de 1975 a ju n h o de 1977 no plenário do Supremo Tribunal Federal. A conclusão que chegou o STF n o citado julgam ento, foi a de que, no sistem a jurídico brasileiro, tratados e convenções internacionais têm a m esm a hierar­ quia norm ativa das demais leis ordinárias editadas pelo Estado, não podendo estar situados num a posição hierárquica superior a quaisquer dessas leis internas. Este posicionam ento jurisprudencial do STF acabou influencian­ do juizes e tribunais nacionais, e foi criticado pela doutrina especiali­ zada p or não estar condizente com a sistem ática internacional e com o constitucionalism o contem porâneo. Ao que tudo indica, essa ju risp ru d ê n c ia da Suprem a C orte b ra­ sileira está em vias de m udança, n o tadam ente após o ju lg am ento do RE 466.343/SP, em que se d iscutiu o problem a da inconstitucionalidade da prisão civil p o r dívida n a alienação fiduciária em garantia. N os term os do p o sicio nam ento do M in. G ilm ar M endes (que foi seguido pela m aioria dos M inistros presentes à Sessão), os tratados internacionais (de direitos humanos apenas) estariam posicionados n u m nível hierárq u ico supralegai (abaixo da C onstituição, m as aci­

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ma de toda a legislação in fraco nstitu cio n al), posição esta que nós sustentam os com o aplicável tam bém aos tratados comuns. Q uanto à hierarquia destes últim os (tratados com uns) no direito pátrio, o Ple­ nário do STF ainda m anteve a m esm a posição de outrora: os tratados com uns situam -se n o m esm o nível das leis ordinárias. Mas, com o falamos, u m certo avanço já se apresenta ao m enos relativam ente ao status ju ríd ic o dos tratados de direitos h um anos, sinalizando um a m odificação da ju risp ru d ê n c ia do STF em breve. N esse m esm o ju l­ gam ento m ereceu destaque a posição do M in. Celso de M ello, que entendeu (na esteira do que tam bém entendem os) que os tratados de d ireito s h u m an o s, in d e p e n d en te m e n te de in tern alização p o r m aioria qualificada no C ongresso N acional, têm status de norm a co n stitu cio n al (m aterial); e se intern alizad os com an terio r ap ro ­ vação congressual qualificada terão status con stitucion al m aterial e form al. M as esse posicionam ento não foi o da m aioria do STF (ao m enos p o r en q u an to ). Em sum a: para o STF atual, os tratados de direitos h um an os têm h ierarqu ia supralegal e os tratados com uns, hierarquia de lei ordinária. 3. C rítica à p o siçã o d o STF em relação ao s tra ta d o s co m u ns: a crítica que se faz ao julgam ento do Recurso E xtraordinário 80.004/ SE diz respeito ao pouco caso que fez o STF com relação ao problem a da responsabilidade in tern acion al do E stado brasileiro, nos casos de descum prim ento de tratado internacional. Esta posição afronta o disposto pelo art. 27 da Convenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados, que determ ina não poder o Estado-parte invocar disposições de seu direito in tern o com o justificativa para o não cum prim ento de u m com prom isso internacional. Além do m ais, o térm ino de u m tratado está condicionado à disciplina da denúncia, único m eio hábil de o E stado deixar de ser parte em u m tratado internacional. Segundo o posicionam ento do STF, a C onstituição da República teria colocado os tratad o s intern acio n ais ratificados pelo B rasil no m esm o p lan o h ierárq u ico das norm as in fraco n stitu cio n ais, o que reflete a concepção m onista moderada. A ssim é que, quando a C arta de 1988 diz com petir ao STF julgar, m ed iante recurso extrao rd i­ nário, as causas decididas em ú nica ou ú ltim a in stância, “quando a decisão re c o rrid a d e clara r a in c o n stitu c io n a lid a d e de tra ta d o

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ou lei federal” (art. 102, inc. III, letra b), estaria ela igualando em m esm o grau de h ierarq u ia os dois diplom as legalm ente vigentes. D esta feita, em caso de conflito en tre a n orm a in tern acio n al e a lei in tern a, aplicar-se-ia o princípio geral relativo às norm as de idêntico valor, isto é, o critério cronológico, em que a norm a m ais recente revoga a an terio r que com ela conflita. Seguindo este entendim ento, qualq uer tratado internacional, ratificado pelo Brasil e devidam ente prom ulgado, passa a fazer p arte do nosso direito in tern o , no âm bito da legislação ordinária. A d o u trin a da Excelsa C orte, e n tretan to , peca pela im precisão. A d m itir q u e u m co m prom isso in te rn a c io n a l p erca vigência em v irtu d e da edição de lei p o sterio r que com ele conflite é p erm itir que u m tratad o possa, u n ilateralm en te, ser revogado p o r u m dos E stados-partes, o que não é perm itid o e tam pouco com preensível. Seria fácil b u rla r todo o pactuado internacion alm ente se, p o r dispo­ sições legislativas in tern as, fosse possível m odificar tais norm as. Se u m E stado se obriga livrem ente a cu m prir u m acordo internacional, com o explicar possa ele ed itar leis con trárias a todo o pactuado? Q ue valor ju ríd ico teria u m tratado se, p o r m eio de lei in tern a, fosse possível que se deixasse de aplicá-lo? Seria m uito sim ples ad m itir que o não cum prim ento de u m tratado, internam ente, pudesse acar­ re ta r a prática de u m ilícito in tern acio n al, pelo qual, externam ente, devesse o Estado responder. Este en ten d im en to do STF, p o rta n to , não é aceitável e m u ito m enos p erm itid o . N ão raras vezes, o objetivo de u m tratad o in te r­ n acio n al é o de ju sta m e n te in c id ir sobre situações que deverão ser observadas no p lan o in te m o dos E stados signatários. A provando u m tratad o in tern acio n al, o Poder Legislativo se com prom ete a não ed itar leis a ele co n trárias. Se o C ongresso N acional dá sua aq uies­ cência ao co n teú d o do com prom isso firm ado, é p o rq u e im p licita­ m ente reconhece que, se ratificado o acordo, está im pedido de editar n o rm as p o sterio res que o contradigam . A ssum e o C ongresso, p o r consegu in te, verdadeira obrigação negativa, qual seja a de se ab ster de leg islar em sen tid o co n trário às obrigações assum idas. A dm itir, p ois, que o Legislativo possa ed itar lei, revogando o tratad o an te ­

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rio rm en te firm ado, é reco n h ecer o pred o m ín io das A ssem bleias, em oposição ao dispositivo co n stitu cio n al que declara harm ônicos e in d e p e n d en te s os P oderes do E stado brasileiro. 4. Teoria d o "ato p ró p rio ": o argum ento acima utilizado tem respaldo na teoria do ato próprio, segundo a qual venire contra factum proprium non valet. Tal quer dizer que se nem mesmo o Estado pode atuar contra seus próprios atos anteriores, cabe reconhecer que se o Congresso, pela via ordinária, edita leis contrárias às disposições de um tratado anteriorm ente assum ido, está obrando em oposição à conduta que teve anteriorm ente de perm itir o ingresso de tal instrum ento no ordenam ento nacional, agindo, p o r conseguinte, com má-fé in ter­ nacional, ato inadm issível à luz das norm as do direito internacional público (em especial, do art. 26 da Convenção de Viena de 1969). N unca é demais lem brar que a infração desses deveres, por meio dos poderes do Estado, acarreta a responsabilidade do Estado no âm­ bito internacional. 5. E sp ecialid ad e d a s leis: há u m outro po nto, en tretan to , que m erece ser lem brado, e que diz respeito à questão da especialidade das leis n o sistem a ju ríd ic o brasileiro. Este argum ento vem sendo m od ernam en te utilizad o pelo STF no que tange aos conflitos entre tratad o s in tern acio n ais e leis in tern as. N esse sentido é que a preva­ lência de certas norm as de direito in tern o (v.g., o D ec.-lei 911/1969, que p erm ite a p risão civil do devedor-fiduciante, equiparado que é a u m depositário) sobre as de direito in tern acio n al (v.g., o Pacto de San José da C osta Rica, que não perm ite, p o r sua vez, a prisão civil p o r infidelidade d ep o sitária) decorre de prim ados do p ró p rio STF, com base n a especialidade das leis no sistem a ju rídico constitucional. Este argum ento, entretanto, não procede. É equívoco dizer que o art. 7.°, § 7 ° , do Pacto de San José da Costa Rica “não derrogou, por ser norm a infraconstitucional geral, as norm as infraconstitucionais especiais sobre prisão civil do depositário infiel”, pois, tom ando-se como exem plo o art. 4.° do D ec.-lei 911/1969 (“Se o bem alienado fiduciariam ente não for encontrado ou se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos m esm os autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo

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II, do Título I, do Livro IV do Código de Processo Civil”), o que se constata é que não existe, in casu, norm a infraconstitucional especial: há, em verdade, mera rem issão às norm as infraconstitucionais gerais atinentes à prisão civil do infiel depositário (para u m estudo apro­ fundado do assunto, veja-se Valerio de Oliveira M azzuoli, Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia, Rio dejaneiro, Forense, 2002). Frise-se que o STF editou a Súmula V inculante 25, abolindo a prisão civil do depositário infiel no Brasil, qualquer que seja a m oda­ lidade do depósito. Em casos de extradição, o STF tem considerado que a lei in tem a (Lei 6.815/1980), p o r ser lei geral, deve ceder ao tratado, que é regra especial: “No sistem a brasileiro, ratificado e prom ulgado, o tratado bilateral de extradição se incorpora, com força de lei especial, ao or­ denam ento jurídico intem o, de tal m odo que a cláusula que lim ita a prisão do extraditado ou determ ina a sua libertação, ao term o de certo prazo (quarenta e cinco dias contados do pedido de prisão preventi­ va), cria direito individual em seu favor, contra o qual não é oponível disposição m ais rigorosa da lei geral (noventa dias, contados da data em que efetivada a prisão —art. 82, §§ 2.° e 3.°, da Lei 6.815/80) [grifo nosso] (RTJ 162:822,1997, Extr. 194-República Argentina, rei. Min. Sepúlveda Pertence). Enfim, o argum ento que vem sendo utilizado pela Suprema Corte brasileira, no que tange a alguns casos de conflito entre tratado e lei in tem a, diz respeito à especialidade das leis. É dizer, um a lei geral não pode derrogar um a lei especial. Segundo o seu entendim ento (cf. HC 72.131-RJ, de 23.11.1995, de que foi relator designado o M in. M oreira A lves), nem toda lei nova, som ente porque é lei nova, tem força para revogar um a lei anterior que com ela conflita. Não basta som ente ser lei nova. Exige-se mais: além de nova, deve ser apta a revogar a lei anterior. E esta qualidade só se verifica nas hipóteses em que ambas as leis (nova e anterior) sejam gerais, ou am bas sejam especiais. Assim, a conclusão que se chega é a de que, além do critério lex posterior derogatpriori, o Suprem o Tribunal Federal (e essa conclusão se extrai de seus próprios prim ados) aplica aindá u m outro, qual seja o da lex posterior generalis non derogat legi priori speciali, p o r m eio

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do qual algum as leis intern as infraconstitucionais têm prevalência sobre os tratados internacionais, p o r serem estes considerados norm as tam bém infraconstitucionais gerais que, p o r esse m otivo, não estão aptas a revogar norm as infraconstitucionais especiais anteriores. M as sem em bargo da posição da Excelsa C orte b rasileira no que tange ao conflito e n tre tratad o s in te rn a c io n ais e n o rm as de direito in tern o , firm ada com base em argum entos aparentem ente constitucionais, estam os convictos de que a solução do problem a deve ser resolvida fazendo-se um a interpretação conjugada de alguns dispositivos constitucionais com as regras de direito internacional público, em p articu lar da C onvenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados, de 1969. 6. O a rt. 27 d a C o n v e n ç ã o d e V iena s o b re o D ire ito d o s T ratad o s: p ara nós, q uando com um a fórm ula ou com o u tra um a C onstituição declara que o E stado respectivo reconhece ou acata os p rin cíp io s ou as norm as de direito intern acio n al, é p o rq u e assume ela o art. 27 da C onvenção de Viena que, outorgando prioridade ao direito intern acion al sobre a ju risdição dom éstica, dispõe não poder um a p arte invocar disposições de seu direito in tern o para ju stificar o inadim p lem ento de u m tratad o (tese que teve no ju risc o n su lto argentino B idart C am pos o seu m aior d efensor). O u seja, se o direito in tern acio n al con tem p o râneo estabeleceu em n orm a escrita (art. 27 da C onvenção de V iena) u m p rin cíp io geral de direito consuetu d in ário , qual seja o da prelação do m esm o direito in tern acio n al sobre o direito in tern o, as C onstituições que expressam ente acolhem ou respeitam os p rin cíp io s do direito in tern acio n al estão to rnand o seus aquele p rin cíp io da prim azia do direito in tern acio n al sobre o d ireito in tern o . Na C arta brasileira de 1988, apesar de não existir um a cláusula expressa de recon h ecim en to ou aceitação do direito in tern acio n al p elo n osso d ireito in te rn o , com o ex isten te n a Lei F u n d a m e n ta l alem ã (G rundgesetz), que expressam ente dispõe, em seu art. 25, que as n orm as gerais do D ireito In tern acion al Público con stitu em p arte in teg ran te do direito federal e sobrepõem -se às leis nacionais, h á p rin cíp io s in tern acio n ais pelos quais o B rasil se rege em suas relações in tern acio n ais, consagrados pelo art. 4.° da C onstituição.

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H á tam bém , n a C o n stitu iç ã o de 1988, d isp o siçõ es referen tes à aplicação dos tratad o s pelos T ribunais n acion ais (arts. 102, inc. III, letra b, 105, inc. III, letra a, e 109, incisos III e V). D aí o nosso entend im ento ser no sen tido de q ue os tratado s in tern acio n ais co­ m u n s ratificados pelo B rasil situam -se em u m nível h ierárq u ico in­ termediário: estão abaixo da C onstituição, porém acima da legislação in fraco n stitu cio n al, não p o d en do ser revogados p o r lei posterior, p osto não se en co n trarem em situação de paridade norm ativa com as dem ais leis nacionais. Esse entendim ento, frise-se, foi acolhido expressam ente, desde 1940, pelo legislador penal brasileiro, quando deixou estatuído no seu art. 5.° (Territorialidade) que: “Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crim e come­ tido no território nacional” (grifo nosso). Esta orientação, ademais, foi seguida tam bém , em 1941, pelo Código de Processo Penal, que deixou assente, no seu art. 1.°, inc. I, que o “processo penal reger-se-á, em todo o território brasileiro, p o r este Código, ressalvados: I - os tratados, as convenções e regras de direito internacional” (grifo nosso). E assim o fazendo, quiseram tais norm as, expressam ente, atribuir aos tratados internacionais firm ados pelo Estado brasileiro um status de supralegalidade, eis que devem prevalecer sobre as legislações penal e processual penal ordinárias. Do problem a específico relativo à hierarquia dos tratados inter­ nacionais de direitos hum anos no ordenam ento brasileiro tratarem os no C apítulo seguinte deste livro. 7. Leitura c o m p le m e n ta r: 1.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito dos Tratados. São Paulo: RT,

2.

ARIOSI, Mariângela. Conflitos entre tratados internacionais e leis internas: o judiciário brasileiro e a nova ordem internacional. Rio deJaneiro/São Paulo: Renovar, 2000.

3.

FRAGA, Mirtô. O conflito entre tratado internacional e norma de direito interno: estudo analítico da situação do tratado na ordem jurídica bra­ sileira. Rio dejaneiro: Forense, 1998.

2011.

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4.

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REZEK, José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002.

Para ap ro fu n d a r: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; GOMES, Luiz Flávio. A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil: particular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. RT 710/21, dez. 1994; KELSEN, Hans. Les rapports de système entre le droit in tem e et le droit international public. Recueil des Cours, Haye, 1926, v. 4, t. XIV, p. 227-331; RANGEL, Vicente Marotta. Os conflitos entre o direito intem o e os tratados internacionais. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, n. 44-45, p. 29-64, Rio d ejaneiro, 1967; MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Reno­ var, 2004. v. 1; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O Supremo Tribunal Federal e os conflitos entre tratados internacionais e leis internas. Revista de Informação Legislativa, n. 154, p. 15-29, Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, ano 39, abr.-jun. 2002; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Prisão civil por divida e o Pacto de SanJosé da Costa Rica: especial enfoque para os contratos de alienação fiduciária em garantia. Rio dejaneiro: Forense, 2002; TRIEPEL, Carl Heinrich. Les rapports entre le droit interne et le droit international. Recueil des Cours. Haye, 1 9 2 3 ,1 .1, n. I, p. 77-121.

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In c o rp o ra ç ã o d o s T ra ta d o s In te rn a c io n a is de D ire ito s H u m a n o s n o B r a s il

1. Exceção ao p ro c e d im e n to geral d e in c o rp o ra ç ão d e tra ta ­ dos: o procedim ento geral de incorporação de tratados no ordenamento brasileiro, estudado no Capítulo VI deste Livro, é excepcionado, em parte, no que tange à integração, eficácia e aplicabilidade dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos no ordenam ento jurídico brasileiro. Os tratados de direitos hum anos têm um procedim ento peculiar de incorporação (que lhes atribui um a hierarquia diferenciada dentro do nosso sistem a ju ríd ico ) previsto na C onstituição de 1988 e que m erece ser estudado. 2. N orm a esp ecífica d a C o n stitu ição d e 1988: a Constituição brasileira de 1988 tem regra expressa a respeito da incorporação dos tratados internacionais de direitos hum anos —que são especiais em relação aos dem ais tipos de tratados, que cham am os de comuns ou tradicionais —no nosso ordenam ento jurídico intem o, insculpida no seu art. 5.°, § 2.°, que assim dispõe: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regim e e dos princípios p o r ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (grifo nosso). A inovação, em relação às Cartas anteriores, diz respeito à refe­ rência aos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. Tal modificação, referente a estes instrum entos inter­ nacionais, além de am pliar os m ecanism os de proteção da dignidade da pessoa hum ana, veio tam bém reforçar e engrandecer o princípio da prevalência dos direitos hum anos, consagrado pela Carta de 1988 como

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um dos princípios pelos quais a República Federativa do Brasil deve se reger em suas relações internacionais (CF, art. 4.°, inc. II). E isto fez com que se modificasse sensivelm ente a interpretação relativa às relações do direito internacional com o direito intem o, no que toca à proteção dos direitos fundam entais, coletivos e sociais. Basta pensar que a inserção dos Estados em um sistema supraestatal de pro teção de direitos, com seus organismos de controle internacional, fortalece a tendência constitucio­ nal em lim itar o Estado e seu poder em prol da proteção e salvaguarda dos direitos hum anos universalm ente reconhecidos. 3. V e rte n tes d o s d ireito s e g aran tias fu n d a m e n ta is na C o n s­ titu ição d e 1988: da análise do § 2.° do art. 5.° da Carta brasileira de 1988, percebe-se que três são as vertentes, no texto constitucional brasileiro, dos direitos e garantias individuais: a) direitos e garantias expressos n a C onstituição, a exem plo dos dispostos nos incisos I ao LXXVIII do seu art. 5.°, bem como outros fora do rol de direitos, mas dentro da C onstituição, como a garantia da anterioridade tributária, prevista no art. 150, inc. III, letra b, do Texto Magno; b) direitos e ga­ rantias implícitos, subentendidos nas regras de garantias, bem como os decorrentes do regime e dos princípios pela Constituição adotados; e c) direitos e garantias inscritos nos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 4. C o n sa g ra ç ão d e u m a d u p la fo n te no rm ativ a: a Carta de 1988, com a disposição do § 2.° do seu art. 5.°, de forma inédita, passou a reconhecer de form a clara, no que tange ao seu sistem a de direitos e garantias, um a dupla fonte normativa: a) aquela advinda do direito intem o (direitos expressos e implícitos na Constituição, estes últim os decorrentes do regim e e dos princípios p o r ela adotados); e b) aquela outra advinda do direito internacional (decorrente dos tratados inter­ nacionais de direitos hum anos em que a República F ederativa do Brasil seja parte). De form a expressa, a Carta de 1988 atribuiu aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos devidam ente ratifica­ dos pelo Estado brasileiro a condição dtfo n te do sistema constitucional de proteção de direitos e garantias. É dizer, tais tratados passam a ser fonte do sistema constitucional de proteção de direitos no mesmo plano de eficácia e igualdade daqueles direitos, expressa ou im plicitam ente,

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consagrados pelo texto constitucional, o que justifica o status de norm a constitucional que esses instrum entos internacionais apresentam no ordenam ento brasileiro. 5. ín d o le co n stitu cio n al d o s tra ta d o s d e d ireito s h u m an o s: a cláusula aberta do § 2.° do art. 5.° da Carta da República de 1988, assim, adm ite visivelm ente que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos ratificados pelo governo brasileiro ingressam no nosso ordenam ento jurídico no mesmo grau hierárquico das norm as constitucionais, e não em outro âm bito de hierarquia norm ativa. Ora, se a Constituição estabelece que os direitos e garantias nela expressos “não excluem ” outros provenientes dos tratados internacio­ nais em que a República Federativa do Brasil seja parte, é porque ela própria está a autorizar que esses direitos e garantias internacionais constantes dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil “se in ­ cluem ” no nosso ordenam ento jurídico intem o, passando a ser con­ siderados como se escritos na Constituição estivessem. É dizer, se os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem ” outros provenientes dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, é porque, pela lógica, na m edida em que tais instrum entos pas­ sam a assegurar certos direitos e garantias, a Constituição “os inclui” no seu catálogo de direitos protegidos, am pliando, assim, o seu “bloco de constitucionalidade”. G rande parte da doutrina constitucionalista brasileira, infeliz­ m ente, parece não ter se apercebido do grande passo dado pelo legis­ lador constituinte de 1988 n a disposição do § 2.° do art. 5.° da C onsti­ tuição, que faz agora referência à expressão “tratados internacionais”, não encontrada nas Cartas anteriores. O Prof. CelsoD. deA lbuquerque M ello, a esse respeito, cita vários autores brasileiros, como M anoel G onçalves Ferreira Filho, Ivo D antas, P into Ferreira, Alcino Pinto Falcão ejo sé CretellaJúnior, que, ao com entarem o citado dispositivo, não levaram em consideração as conseqüências da inserção da referida expressão “tratados internacionais” naquele dispositivo. E a conclusão que chegou o Prof. Celso A lbuquerque Mello foi a seguinte: “O que se pode dizer é que os constitucionalistas brasileiros de u m m odo geral ignoram o Direito Internacional Público e não sabem aplicá-lo. Não há p or parte deles nenhum a m enção à questão das relações entre o D l e o

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D . In tern o. O u, ainda, não se referem ao status das norm as dos tratados dos D ireitos H um anos perante o D. Interno. Eles se esqueceram até de verificar os Anais da C onstituinte onde veriam que havia alguma novidade, vez que, como já afirm amos, é um a proposição do intem acionalista Cançado Trindade” (In: Ricardo Lobo Torres (org.), O § 2.° do art. 5.° da C onstituição Federal, Teoria âos direitosfundamentais, 2. ed. rev. e atual., Rio dejaneiro: Renovar, 2001, p. 17-18). À m edida que a Constituição deixa de prever determ inados direi­ tos e garantias, e encontrando-se tal previsão nos tratados internacio­ nais de proteção dos direitos hum anos em que a República Federativa do Brasil é parte, tem -se que tais instrum entos sobrepõem -se a toda legislação infraconstitucional interna po r ter a Carta Magna equipa­ rado, no m esm o grau de hierarquia norm ativa, os direitos e garantias nela constantes àqueles advindos de tratados internacionais de direitos hum anos ratificados pelo Estado brasileiro. Como bem sustenta Flávia Piovesan, quando a Carta da 1988 em seu art. 5.°, § 2.°, dispõe que “os direitos e garantias expressos na C onstituição não excluem outros direitos decorrentes dos tratados in ­ ternacionais” , é porque, a contrario sensu, está ela “a incluir, no catálogo dos direitos constitucionalm ente protegidos, os direitos enunciádos nos tratados internacionais em que o B rasilsejaparte. Este processo de inclusão implica na [sic] incorporação pelo texto constitucional destes direitos” (Direitos humanos e o direito constitucional internacional, 4. ed. rev., atual, e am pl., São Paulo: M ax Limonad, 2000, p. 73). Isto significa, na inteligência do art. 5.°, § 2.°, da CF, que o status do produto norm ativo convencional, no que tange à proteção dos direitos hum anos, não pode ser outro que não o de verdadeira norm a m aterial­ m ente constitucional. Diz-se “m aterialm ente constitucional”, tendo em vista não integrarem tais tratados, form alm ente, a Carta Política, o que dem andaria u m procedim ento de em enda à Constituição, previsto no art. 60, § 2.°, o qual prevê que tal proposta “será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos m em bros”. Integram os tratados de proteção dos direitos hum anos, en tretan to , o conteúdo material da C onstituição, o seu “bloco de constitucionalidade”.

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Note-se que a Constituição, no § 2.° do seu art. 5 .°, não faz menção à lei, m as tão som ente aos direitos po r ela, C onstituição, assegurados, oü previstos nos tratados internacionais de direitos hum anos em que a República Federativa do Brasil seja parte. Assim, se um a lei prever outro direito ou garantia que não esteja expresso no bojo da Constituição, esta lei, sem violar o texto constitucional, poderá ser revogada p or outra que lhe seja posterior. Entretanto, se tal direito ou garantia vier expresso em um tratado internacional de direitos hum anos em que o Estado brasileiro é parte, nenhum a lei intem a jam ais poderá revogá-lo, diante do status de norm a constitucional que os dispositivos desses tratados detêm no nosso ordenam ento jurídico. Assim, entenda-se, os direitos internacionais provenientes de tra­ tados, em face da cláusula de não exclusão do § 2.° do art. 5.° da Carta de 1988, passam a incluir-se no cham ado “bloco de constitucionalidade”, e não no texto constitucional propriam ente dito. E assim sendo, como explica Carlos Weis, “o artigo que confere ao Supremo Tribunal Federal poder de decidir sobre a constitucionalidade de tratado internacional (art. 102, III, b) não pode ser aplicado aos que tenham p o r objeto direitos hum anos, os quais (...) possuem ‘privilégio hierárquico’ em relação aos demais, conferido pela Constituição Federal de 1988, em atenção à sua natureza e finalidade” (Direitos humanos contemporâneos, São Paulo, M alheiros, 1999, p. 33-34). Explica-se: não se declara a inconstitucionalidade de direitos e garantias fundam entais. São eles cláusulas pétreas, não podendo ser abolidos nem m esm o pela via de Em enda à C onstituição . E a situação dos tratados de proteção dos direitos hum anos não é outra. Gozando tais instrum entos de hierarquia constitucional, e ingressando, conse­ quentem ente, no cham ado “bloco de constitucionalidade”, ou seja, no catálogo dos direitos e garantias fundam entais protegidos, fica tam bém im pedida, p o r parte do Supremo Tribunal Federal, qualquer declaração de inconstitucionalidade no que diz respeito aos direitos e garantias neles contidos. Sendo considerados normas constitucionais, dá-se p o r desprezado qualquer argum ento que possa sustentar o seu não cum prim ento ou a sua não aplicação. Em sum a, tanto os direitos com o as garantias constantes dos tratad o s in ternacio nais de proteção dos direitos hu m ano s de que

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o Brasil seja p arte passam , com a ratificação desses instru m en to s, a integrar o rol dos direitos e garantias constitucionalm ente p ro te­ gidos, am pliando consideravelm ente o núcleo m ínim o dos direitos constitucionalm ente protegidos. 6. Hierarquia infraconstitucional d o stra ta d o sc o m u n s:h á q u e se enfatizar, porém , que os demais tratados internacionais que não ver­ sem sobre direitos humanos não têm nátureza de norm a constitucional; terão, sim, natureza de norm a infraconstitucional (mas supralegal, não podendo, contudo, ser revogados por lei posterior), extraída justam ente do já citado art. 102, inc. III, letra b, da Carta Magna, que confere ao Supremo Tribunal Federal a competência para “julgar, m ediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou últim a instância, quan­ do a decisão recorrida: b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”. O term o “inconstitucionalidade dos tratados”, frise-se, surgiu pela prim eira vez com a Carta de 1967, emendada em 1969, que atribuía ao Supremo Tribunal Federal a com petência para “julgar, me­ diante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou últim a instância por outros tribunais, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal” (art. 119, inc. III, letra b). Neste caso, como se percebe com facilidade, é perfeitam ente válida a declaração de inconstitucionalidade dos instrum entos internacionais tradicionais ou comuns pelo Pretório Excelso. À prim eira vista, a conclusão que se extrai do dispositivo é a de que os tratados internacionais (tradicionais ou comuns, tão som ente) apresentam a m esm a h ierarq u ia ju ríd ic a das leis federais, sendo, portanto, aplicável, no caso de conflito, a regra lex posterior derogat priori. Foi inclusive com base nesse dispositivo que o STF passou a adotar a já com entada teoria da paridade, equiparando o tratado às leis federais. Mas, segundo já assentam os, os tratados internacionais (comuns) incorporados ao ordenam ento brasileiro, estão, na escala hierárquica das norm as, num a posição intermediária, situando-se abaixo da C onstituição, m as acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por leiposterior, posto que os tratados têm sua form a própria de revogação, que é a denúncia. Não é demais recordar que a decisão da Excelsa Corte que deu aos tratados internacionais o mesmo grau hierárquico das leis infra-

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constitucionais, no RE 80.004/SE, de 1977, além de ter sido proferida antes da entrada em vigor da C onstituição de 1988, tratava de m atéria atinente ao direito comercial, estranha, po r conseguinte, ao objeto do direito internacional dos direitos hum anos. 7. N orm as d e direitos h u m a n o s e ju s cogens: po r tudo o quese viu acima, mais do que vigorar como lei interna, os direitos e garantias fundam entais proclam ados nas convenções ratificadas pelo Brasil, p o r força do m encionado art. 5.°, § 2.°, da CF, passam a ter, p o r vontade da própria Carta Magna, o status de “norm a constitucional”. A isto se acrescentao argumento, sustentado p or boa parte da doutrina publicista, de que os tratados de direitos hum anos têm superioridade hierárquica em relação aos demais acordos internacionais de caráter mais técnico, pois form am todo u m universo de princípios não convencionais im ­ perativos, cham ados de jus cogens, os quais não podem ser derrogados p or tratados internacionais, p or deterem um a força obrigatória ante­ rior a todo o direito positivo. Tais regras de ju s cogens, a exemplo dos direitos hum anos fundam entais, assim, têm o caráter de serem norm as imperativas de direito internacional geral, sendo consideradas aceitas e reconhecidas pela sociedade internacional dos Estados, em seu con­ ju n to , como norm as que não adm item acordo em contrário (é direito im perativo para os Estados) e que som ente podem ser modificadas por um a norm a ulterior de direito internacional geral que tenha, ademais, o mesmo caráter. Dessa forma, som ente surgindo nova norm a de direito internacional geral é que os tratados existentes que estejam em oposição com esta norm a se tom arão nulos e term inarão. A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direi­ tos hum anos não serve apenas de com plem ento à parte dogm ática da C onstituição, im plicando, ainda, o exercício necessário de todo o poder público —aí incluso o Judiciário —em respeitar e garantir a plena vigência desses instrum entos. Disto decorre que a violação de tais tratados constitui não só em responsabilidade internacional do Estado, m as tam bém na violação da própria Constituição que os erigiu à categoria de norm as constitucionais. Aqueles que resistem a esta solução - tanto no Brasil como em outros países que elegeram os tratados de proteção dos direitos h u ­ m anos como norm as prevalentes —apelam, no m ais das vezes, para a

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tão antiga doutrina da soberania estatal absoluta - que a seus juízos ficaria desvirtuada ou prejudicada - bem como para a suprem acia da C onstituição. N ão falta tam bém a invocação ao poder constituinte, sob a infundada alegação de que adm itir que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos têm status de norm a constitucional (ou supraconstitucional se levarm os em conta a tendência m undial de proteção de direitos) seria o m esm o que anular de vez a participação dos órgãos do poder constituído no processo de formação das leis. Tais argum entos, nas palavras de G erm an J. B idart Cam pos, traduzem um a escassa capacidade de absorção das tendências que atualm ente exibem o direito internacional e o direito constitucional com parado. Adem ais, não revisar os conceitos e os m odelos tradi­ cionais do p od er constituinte e da suprem acia constitucional a fim de introduzir-lhes os reajustes que o ritm o histórico do tem po e as circunstâncias m undiais reclam am significa, certam ente, paralisar a doutrina constitucional com congelam entos que eqüivalem a atraso (cf. El derecho de la Constituciony sufuerza normativa, Buenos Aires, Ediar Sociedad A nônima, 1995, p. 455-456). 8. Aplicabilidade im ediata do s tra ta d o s d e direitos hum anos: como se já não bastasse o status constitucional atribuído pela Carta de 1988 aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum a­ nos, é ainda de se ressaltar que tais tratados, p o r disposição tam bém expressa da C onstituição, passam a incorporar-se automaticamente em nosso ordenam ento, a partir de suas respectivas ratificações. É a conclusão que se extrai do m andam ento do o § 1,° do art. 5.° da nossa Carta Magna, que assim dispõe: “As norm as definidoras dos direitos e garantias fundam entais têm aplicação im ediata”. A inserção desta norm a no T ítulo correspondente aos “direitos e garantias fundam en­ tais” na Carta Magna de 1988 fora influenciada, por certo, pelo ante­ projeto elaborado pela “Comissão Afonso A rinos”, que, em seu art. 10, continha preceito sem elhante, o qual estabelecia que “os direitos e garantias desta C onstituição têm aplicação im ediata”. Frise-se que o § 1.° do art. 5.° da Constituição de 1988 dá aplica­ ção im ediata a todos os direitos e garantias fundam entais, sejam estes expressos no texto da C onstituição, ou provenientes de tratados, vinculando -se todo o judiciário nacional a esta aplicação, e obrigando,

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por conseguinte, tam bém o legislador, aí incluído o legislador constitu­ cional. É dizer, seu âm bito m aterial de aplicação transcende o catálogo dos direitos individuais e coletivos insculpidos nos arts. 5.° a 17 da Carta da República, para abranger ainda outros direitos e garantias expressos na m esm a C onstituição (mas fora do catálogo), bem como aqueles decorrentes do regime e dos princípios p or ela adotados e dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte, tudo consoante a regra do § 2.° do seu art. 5.°. É justam ente este últim o caso (aplicação im ediata dos tratados internacionais de direitos hum anos) que agora nos interessa. Ora, se as norm as definidoras dos direitos e garantias fundam entais têm aplicação im ediata, os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos, um a vez ratificados, p o r tam bém conterem norm as que dispõem sobre direitos e garantias fundam entais, terão, dentro do contexto consti­ tucional brasileiro, idêntica aplicação im ediata. Da m esm a form a que são im ediatam ente aplicáveis aquelas norm as expressas nos arts. 5.° a 17 da Constituição da República, o são, de igual m aneira, as norm as contidas nos tratados internacionais de direitos hum anos de que o Brasil seja parte. N a m edida em que a C onstituição lhes atrib u i a n atu reza de “norm as constitucionais”, os tratados de proteção dos direitos h u ­ m anos tam bém passam , pelo m andam ento do citado § 1.° do seu art. 5.°, a ter aplicabilidade imediata no ordenam ento jurídico brasileiro, dispensando-se, desta forma, a edição de decreto de execução para que irradiem seus efeitos tanto no plano in tem o como no plano interna­ cional. Já nos casos de tratados internacionais que não versem sobre direitos hum anos, este decreto, m aterializando-os internam ente, faz-se necessário. Em outras palavras, com relação aos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos, foi adotado no Brasil o monismo intemacionalista kelseniano, dispensando-se da sistemática da incorpo­ ração o decreto executivo presidencial para seu efetivo cum prim ento no ordenam ento pátrio, de form a que a sim ples ratificação do tratado p o r u m Estado im porta na incorporação autom ática de suas norm as à respectiva legislação intem a. 9. T ratados d e direito s h u m a n o s c o m o "cláusulas p é tre a s" constitucionais: é ainda de se ressaltar que todos os direitos inseridos

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nos referidos tratados, incorporando-se im ediatam ente no ordenam en­ to interno brasileiro (CF, art. 5.°, § 1.°), p o r serem norm as tam bém definidoras dos direitos egarantiasfundamentais, passam a ser cláusulas pétreas do texto co nstitucional, não podendo ser suprim idos nem m esm o p o r em enda à C onstituição (Cf; art. 60, § 4.°, inc. IV). É o que se extrai do resultado da interpretação dos §§ 1.° e 2.° do art. 5.° da Lei Fundam ental, em cotejo com o art. 60, § 4.°, inc. i y da m esm a Carta. Isto porque o § 1.° do art. 5.° da Constituição da República, como se viu, dispõe expressam ente que “as norm as definidoras dos direitos e garantias fundam entais têm aplicação im ediata”. A finalidade da cláusula pétrea em relação aos tratados de direitos hum anos é a de im pedir a sua denúncia. C ontudo, sabe-se que esta é possível nos term os do que estabelecem os próprios tratados de direitos hum anos, e aí o problem a fica de difícil resolução. O que ocorre é que, sendo os tratados de direitos hum anos apenas materialmente consti­ tucionais - salvo se aprovados pelo quorum qualificado que estabelece o § 3.° do art. 5.° da C onstituição (que estudarem os no item 11 deste C apítulo), quando então serão tam bém form alm ente constitucionais - , sua denúncia não fica im pedida, não se podendo responsabilizar o Presidente da República caso assim proceda. Mas entendem os que tal denúncia será ineficaz (apesar de possível) p o r conta do caráter de norm a constitucional m aterial que tais tratados passam a ter (na ver­ dade, sem pre tiveram) em virtude do m andam ento do § 2.° do mesmo art. 5.° da Constituição. Aceitar, pois, o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos com hierarquia igual ou superior a das norm as constitucionais significa, ao contrário do que pensam os autores adep­ tos da soberania estatal absoluta, deixar a Constituição mais viva e mais intensa, com m elhor aptidão para lidar com o direito internacional. 10. As três corre n te s atuais, no Brasil, so b re o assunto: no nos­ so país, não obstante o que foi já foi estudado acima, ainda é com um o entendim ento de que os tratados internacionais (inclusive os de direitos hum anos) devem ceder perante a Constituição. Depois da promulgação da Constituição de 1988, e mais precisam ente depois de 1992 (data de ingresso no Brasil do Pacto de San José da Costa Rica e de outros im portantes tratados de direitos hum anos), foram sendo firmadas, em

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nosso país, basicamente, três correntes, no que tange à hierarquia desses tratados no nosso ordenam ento jurídico intem o. São elas: d) Posição (ainda) m ajoritária do S T F —entende que os tratados de proteção dos direitos h u m anos (e som ente estes) ingressam no ordenam ento ju ríd ic o brasileiro com h ierarq u ia in fraco n stitu cio ­ nal, m as supralegal (ou seja, podem revogar a legislação ordinária a n terio r, m as não p o d em ser revogados p o r esta). Segundo este p osicionam ento, defendido pelo M in. Sepúlveda P ertence no RHC 79.785-RJ, deve-se ou to rgar força supralegal aos tratad o s de direi­ tos h um an o s, de m odo a a trib u ir aplicação direta às suas norm as, p o is, caso co n trá rio , estaria sendo esvaziado o co nteú d o do art. 5.°, § 2.° da C o n stitu iç ão . Esse p o sic io n a m e n to foi reafirm ado no voto-vista do M in. G ilm ar M endes, n o RE 466.343/SP, onde se d iscutia a questão da p risão civil p o r dívida na alienação fiduciária em garantia. A pesar de co n tin u a r en ten d en d o que os tratados in ­ ternacionais comuns ainda guardam relação de p aridade norm ativa com o o rdenam ento ju ríd ico dom éstico, defendeu o M in. G ilm ar M endes a tese de que os tratados in tern acio n ais de direitos humanos estariam n u m nível hierárq uico in term ed iário (su p raleg al): abaixo da C onstituição e acim a de toda a legislação infraco n stitu cion al. Esse posicio nam en to parece ser o que, doravante, irá con d uzir os futuros ju lg am en to s do STF, q uando p resen te um a questão ju ríd i­ ca envolvendo u m conflito en tre tratad o in tern acio n al de direitos h um an o s e n orm a de direito in tern o . b) Posição (ainda) minoritária do STF —entende que os tratados de direitos hum anos têm status de norm a constitucional, indepen­ dentem ente de aprovação qualificada pelo Congresso N acional de que trata o art. 5.°, § 3.°, da C onstituição. Essa corrente, fundada no voto do Min. Celso de Mello, no RE 466.343/SP, é a que entendem os como correta, seguida tam bém pela d o u trin a hum anista m ais abalizada. D entre os autores brasileiros que seguem esta tese estão A ntônio Au­ gusto Cançado Trindade, José Carlos de M agalhães, Flávia Piovesan, Luiz Flávio Gomes, entre outros. Veja-se a nossa concepção sobre o tem a no item n. 11, infra. c) Posição isolada do Prof. CelsoD. de Albuquerque Mello-e n te n d ia este notável intem acionalista brasileiro que o § 2 ° do art. 5.° da C ons­

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tituição não apenas atribui “hierarquia constitucional” aos tratados de direitos hum anos, m as faz ainda com que a norm a internacional prevaleça “sobre a norm a constitucional, m esm o naquele caso em que um a C onstituição posterior tente revogar um a norm a internacional constitucionalizada”, posição esta “que está consagrada na ju risp ru ­ dência e tratado internacional europeu de que se deve aplicar a norm a mais benéfica ao ser hum ano, seja ela in terna ou in tern acio n al”, e cuja grande vantagem é a de “evitar que o Supremo Tribunal Federal venha a ju lg ar a constitucionalidade dos tratados internacionais” (In: Ricardo Lobo Torres (org.), O § 2.° do art. 5 .° da Constituição Federal, Teoria dos direitos fundamentais, cit., p. 25). 11. A re fo rm a d o P o d er Judiciário e os tra ta d o s d e d ireito s h u m a n o s: u m dos aspectos certam ente polêm icos da Reform a do Judiciário (Em enda C onstitucional 45/2004), envolvendo direitos hum anos, foi a inclusão do § 3.° ao art. 5.° da Constituição, segundo o qual: “Os tratados e convenções internacionais sobre direitos hum anos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso N acional, em dois turnos, p o r três quintos dos votos dos respectivos m em bros, serão equivalentes às em endas constitucionais”. Tal dispositivo p retend eu p ô r term o às discussões relativas à hierarquia dos tratados internacionais de direitos hum anos no ordena­ m ento ju rídico pátrio, um a vez que a doutrina mais abalizada, antes da reform a, já atribuía aos tratados de direitos hum anos status de norm a constitucional, em virtude da interpretação do § 2.° do m esm o art. 5.° da C onstituição, já estudado, segundo o qual os “direitos e garantias expressos nesta C onstituição não excluem outros decorrentes do re­ gime e dos princípios p or ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Para nós, a cláusula aberta do § 2.° do art. 5.° da Carta de 1988já adm ite o ingresso dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos no mesmo grau hierárquico das norm as constitucionais, e não em outro âm bito de hierarquia norm ativa. P ortanto, segundo defendem os, o fato de esses direito s se en con trarem em tratad o s internacionais jam ais im pediu a sua caracterização como direitos de status constitucional.

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Uma proposta de Em enda à C onstituição (não para atribuir um a hierarquia constitucional que os tratados de direitos hum anos já têm, mas sim plesm ente para fazer um a interpretação autêntica do art. 5.°, § 2.° da C onstituição) foi p o r nós sugerida em nosso livro Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tratado na ordem jurídica brasileira, São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002, p. 348, com a seguinte redação: “§ 3.° Os tratados internacionais referidos pelo parágrafo ante­ rior, um a vez ratificados, incorporam -se autom aticam ente na ordem interna brasileira com hierarquia constitucional, prevalecendo, no que forem suas disposições mais benéficas ao ser hum ano, às norm as estabelecidas p o r esta C onstituição”. O poder constituinte reform ador, entretanto, preferiu escutar a voz da jurisprudência dom inante do STF, tendo dado outra redação para o § 3.° do art. 5.° da C onstituição, que deverá doravante ser bem com preendido, um a vez que tal dispositivo pode se prestar a inter­ pretações dúbias ou equivocadas. É, portanto, mais do que necessário explicar o seu real significado e o seu efetivo alcance. Tecnicamente, como já vimos nos tópicos anteriores deste livro, os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos ratifi­ cados pelo Brasil já têm status de norm a constitucional, em virtude do disposto no § 2.° do art. 5.° da C onstituição, segundo o qual os direitos e garantias expressos no texto constitucional “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios po r ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, pois na m edida em que a C onstituição não exclui os direitos hum anos provenientes de tratados, é porque ela própria os inclui no seu catálogo de direitos protegidos, am pliando o seu “bloco de constitucionalidade” e atribuindo-lhes hierarquia de norm a constitucional, como já assentam os no tópico anterior. Portanto, deve-se excluir, desde logo, o entendim ento de que os tratados de direitos hum anos não aprovados pela maioria qualificada do § 3.° do art. 5.° eqüivaleriam hierarquicam ente à lei ordinária federal, em razão de terem sido aprovados apenas p o r m aioria sim ples (nos term os do art. 49, inc. I, da C onstituição) e não pelo quorum que lhes im põe o referido parágrafo. O que se deve entender é que o quorum

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que tal parágrafo estabelece serve tão som ente para atribuir eficácia form al a esses tratados no nosso ordenam ento jurídico intem o, e não para atribuir-lhes a índole e o nível materialmente constitucionais que eles já têm em virtude do § 2.° do art. 5.° da Constituição. Sem pretender invocar o art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, segundo o qual um a parte “não pode invocar as disposições de seu direito in tem o para justificar o inadim plem ento de u m tratado” (dispositivo esse que atribui nível supraconstitucional a quaisquer tratados ratificados pelo Estado), se poderia, num prim eiro m om ento, fazer o seguinte raciocínio: como o § 2.° do art. 5.° da C onstituição já atribui índole e nível constitucionais para todos os tratados internacionais de direitos hum anos ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da Em enda C onstitucional 45, isso significa que apenas aqueles instrum entos internacionais de direitos hum anos dos quais o Brasil passará a ser p arte depois da entrada em vigor da referida em enda é que necessitarão ser aprovados em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, po r três quintos dos votos dos seus respectivos m em bros, para serem equivalentes às em endas constitucionais. Dessa form a, atribuir-se-ia apenas efeito ex nunc à disposição do § 3.° do art. 5.° da Constituição. O raciocínio faz chegar à conclusão de que o § 3.° do art. 5.° não pode abranger situações pretéritas (como as norm as constitucionais em geral tam bém não podem ), não podendo ter jam ais efeito ex tunc e, portanto, poderá som ente ser aplicado aos tratados internacionais de direitos hum anos ratificados posteriorm ente à data de sua entrada em vigor. O § 3.° do art. 5.°, contudo, não faz nenhum a ressalva quanto aos compromissos assumidos pelo Brasil anteriorm ente, em sede de direitos hum anos, bem como em nenhum m om ento induz ao entendim ento de que estará regendo situações pretéritas. O que aparentem ente ele faz é tão som ente perm itir que o Congresso Nacional, a qualquer m om ento (antes de sua ratificação ou mesmo depois desta), atribua aos tratados de direitos hum anos o caráter de em enda constitucional. Em tese, nada obsta que o referido § 3.° seja tam bém aplicado em relação aos tratados ratificados anteriorm ente à entrada em vigor da Emenda Constitucional 45, o que faz com que a tese acima desenvolvida perca validade.

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Em verdade, o novo § 3.° do art. 5.° da Constituição em nada influi no “status de norm a constitucional” que os tratados de direitos hum a­ nos ratificados pelo Estado brasileiro já detêm no nosso ordenam ento jurídico, em virtude da regra do § 2.° do mesmo art. 5.°. O que aqui se defende é que os dois referidos parágrafos do art. 5.° da Constituição cuidam de coisas similares, m as diferentes. Quais coisas diferentes? Então para quê serviria a regra insculpida no § 3 .° do art. 5.° da Carta de 1988, senão para atribuir status de norm a constitucional aos tratados de direitos hum anos? A diferença entre o § 2.°, infine, e o § 3.°, ambos do art. 5.° da C onstituição, é bastante sutil: nos term os da parte final do § 2.° do art. 5.°, os “tratados internacionais [de direitos hum anos] em que a República Federativa do Brasil seja parte” são, contrario sensu, incluídos pela C onstituição, passando consequentem ente a deter o “status de norm a constitucional” e a am pliar o rol dos direitos e garan­ tias fundam entais ( “bloco de constitucionalidade”) ;já nos term os do § 3.° do m esm o art. 5.° da C onstituição, um a vez aprovados tais tratados de direitos hum anos pelo quorum qualificado ali estabelecido, esses instrum entos internacionais, u m a vez ratificados pelo Brasil, passam a ser “equivalentes às em endas constitucionais”. Mas, há diferença em dizer que os tratados de direitos hum anos têm “status de norm a constitucional” e dizer que e eles são “equivalentes às em endas constitucionais”? Perceba-se que o § 3.° do art. 5.° não diz que os tratados de direitos hum anos, um a vez aprovados pela m aioria qualificada que prevê, serão “equivalentes às normas constitucionais”, preferindo ter dito que serão “equivalentes às emendas constitucionais”. Portanto, qual a diferença entre os dois parágrafos? No nosso entender a diferença existe, e nela está fundada a única e exclusiva serventia do im perfeito § 3.° do art. 5.° da C onstituição, fruto da Em enda C onstitucional 45/2004. Falar que um tratado tem “status de norm a constitucional” significa dizer que ele integra o bloco de constitucionalidade m aterial (e não form al) da nossa Carta Magna. Isso é m enos am plo que dizer que ele é “equivalente a um a em enda constitucional”, porquanto esse m esm o tratado já integra form alm ente (além de m aterialm ente) o texto constitucional. Perceba-se que, neste últim o caso, o tratado assim aprovado será, além de m aterialm ente constitucional, tam bém formalm ente constitucional. Assim, fazendo-

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-se um a interpretação sistem ática do texto constitucional em vigor, à luz dos princípios constitucionais e internacionais de garantism o ju rídico e de proteção ã dignidade hum ana, chega-se ã seguinte con­ clusão: o que o texto constitucional reform ado quis dizer é que esses tratados de direitos hum anos ratificados pelo Brasil, que já têm status de norm a co n stitucional, nos term os do § 2.° do art. 5.°, poderão ainda ser form alm ente constitucionais (ou seja, ser equivalentes às emendas constitucionais), desde que, a qualquer m om ento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do § 3.° do mesmo art. 5.° da C onstituição. Mas quais são esses efeitos m ais am plos em se a trib u ir a tais tratados equivalência de emenda para além do seu status de norm a constitucional? São três os efeitos: 1.°) Eles passarão a reformar a C onstituição, o que não é pos­ sível tendo apenas o status de norm a constitucional. O u seja, um a vez aprovado certo tratado pelo quorum previsto pelo § 3.°, opera-se a im ediata reform a do texto con stitucion al conflitante, o que não ocorre pela sistem ática do § 2.° do art. 5.°, diante do qual os tratados de direitos hum anos (que têm nível de norm as constitucionais, sem contudo serem equivalentes às em endas constitucionais) serão aplica­ dos atendendo ao princípio da primazia da norma maisfavorável ao ser humano (expressam ente consagrado pelo art. 4.°, inc. II, da Carta de 1988, segundo o qual o Brasil deve se reger nas suas relações interna­ cionais pelo princípio da “prevalência dos direitos hum anos”) . Agora, um a vez aprovados pelo quorum que estabelece o § 3.° do art. 5.° da C onstituição, os tratados de direitos hum anos ratificados integrarão formalmente a C onstituição, sendo equivalentes às em endas constitu­ cionais. C ontudo, frise-se que essa integração form al dos tratados de direitos hum anos no ordenam ento brasileiro não abala a integração material que esses m esm os instrum entos já apresentam desde a sua ratificação e entrada em vigor no Brasil. 2.°) Eles não poderão ser denunciados, nem m esm o com Projeto de D enúncia elaborado pelo Congresso N acional, podendo ser o Pre­ sidente da República responsabilizado em caso de descum prim ento desta regra (o que não é possível fazer tendo os tratados apenas status de norm a constitucional). Assim sendo, m esm o que u m tratado de

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direitos hum anos preveja expressam ente a sua denúncia, esta não poderá ser realizada pelo Presidente da República unilateralm ente (com o é a prática brasileira atual em m atéria de denúncia de trata­ dos internacionais), e nem sequer p o r meio de Projeto de D enúncia elaborado pelo Congresso N acional, po r eqüivalerem tais tratados às em endas constitucionais, que são (em m atéria de direitos hum anos) cláusulas pétreas do texto constitucional. Há que se enfatizar que vários tratados de proteção dos direitos hum anos preveem expressam ente a possibilidade de sua denúncia. Contudo, trazem eles disposições no sentido de que, eventual denúncia p o r parte dos Estados-partes não terá o efeito de os desligar das obri­ gações contidas no respectivo tratado, no que diz respeito a qualquer ato que, podendo constituir violação dessas obrigações, houver sido com etido p o r eles anteriorm ente à data na qual a denúncia produziu seu efeito. Por exemplo, podem ser citados o art. 21 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Form as de Discrim inação Racial (1965); o art. 12 do Protocolo Facultativo relativo ao Pacto Internacional dos D ireitos civis e Políticos (1966); o art. 78, n.° 2 da Convenção Ame­ ricana sobre Direitos H um anos (1969); o art. 31, n.° 2 da Convenção contra a Tortura e outros Tratam entos ou Penas Cruéis, Desum anos ou D egradantes (1984); e o art. 52 da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), todos nesse sentido. A im possibilidade de denúncia dos tratados de direitos hum a­ nos já tinha sido po r nós defendida em outros trabalhos, com base no status de norm a constitucional que atingiam, passando a ser tam bém cláusulas pétreas constitucionais. Sob esse ponto de vista, a denún­ cia dos tratados de direitos hum anos é tecnicamente possível (sem a possibilidade de se responsabilizar o Presidente da República neste caso), m as totalm ente ineficaz sob o aspecto prático, um a vez que os efeitos do tratado denunciado continuam a operar dentro do nosso ordenam ento juríd ico, pelo fato de eles serem cláusulas pétreas do texto constitucional. No que tange aos tratados de direitos hum anos aprovados pelo quorum do § 3.° do art. 5.° da C onstituição, esse panoram a m uda, não se adm itindo sequer a interpretação de que a denúncia desses tratados seria possível m as ineficaz, pois agora ela será impossível do

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ponto de vista técnico, existindo a possibilidade de responsabilização do Presidente da República caso venha pretender operá-la. Q uais os m otivos da im possibilidade técnica de tal denúncia? De acordo com o § 3.° do art. 5.°, um a vez aprovados os tratados de direitos hum anos, em cada Casa do Congresso N acional, em dois turnos, p o r três quintos dos votos dos respectivos m em bros, serão eles “equivalentes às em endas constitucionais”. U m a vez equivalen­ tes às em endas constitucionais, isso significa que tais tratados não poderão jam ais ser denunciados - m esm o com base em Projeto de D enúncia encam inhado pelo Presidente da República ao Congresso N acional —p o r se tratar de cláusulas pétreas do texto constitucional. Isso im pede, aliás, a interpretação no sentido de que seria possível a denúncia do tratado caso o Congresso aprovasse tal Projeto de De­ núncia pela m esm a m aioria qualificada com que aprovou o acordo. Caso o Presidente entenda p o r bem denunciar o tratado e realm ente o denuncie (perceba-se que o direito internacional aceita a denúncia feita pelo Presidente, não im portando se, de acordo com o seu direito intem o, está ele autorizado ou não a denunciar o acordo), poderá ser responsabilizado p o r violar disposição expressa da C onstituição, o que não ocorria à égide em que o § 2.° do art. 5 ° encerrava sozinho o rol dos direitos e garantias fundam entais. N o Brasil, apesar de forte divergência d o u trin ária, a prática brasileira em relação à m atéria tem sido no sentido de que a conju­ gação de vontades dos Poderes Executivo e Legislativo é obrigatória som ente em relação à ratificação dos tratados internacionais. Pela prática brasileira a respeito, a denúncia de tratados, infelizm ente, ainda continua sendo ato exclusivo do Chefe do Poder Executivo, tão som ente. Sem embargo dessa prática, sem pre estivem os com Pontes de M iranda, p ara quem , “aprovar tratad o , convenção ou acordo, perm itindo que o Poder Executivo o denuncie, sem consulta, nem aprovação, é subversivo dos princípios constitucionais” (Comentários à Constituição de 1967 com aE m endan.01 de 1969, t. III, 3. ed., Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 109). Do m esm o m odo que o Presidente da República necessita da aprovação do Congresso N acional, dando a ele perm issão para ratificar o acordo, o mais correto, consoante as norm as constitucionais em vigor, seria que idêntico procedim ento parlam entar fosse aplicado em relação à denúncia.

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Este, aliás, o sistem a adotado pela C onstituição espanhola de 1978, que subm ete eventual denúncia de tratados sobre direitos hum a­ nos fundam entais ao requisito da prévia autorização ou aprovação do Legislativo (arts. 96, n.° 2 e 94, n.° 1 “c”). O m esm o se diga em relação às C onstituições da Suécia (art. 4.°, com as em endas de 1976-1977), da D inamarca de 1953 (art. 19, n.° 1), da H olanda de 1983 (art. 91, n.° 1), além da C onstituição da República A rgentina que, a partir da reform a de 1994, passou a exigir que os tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos sejam denunciados pelo Executivo m ediante a prévia aprovação de dois terços dos m em bros de cada Câmara. A C onstituição do Paraguai, p o r sua vez, determ ina que os tratados internacionais relativos a direitos hum anos “não poderão ser denunciados senão pelos procedim entos que vigem para a em enda desta C onstituição” (art. 142). Entretanto, nos term os da nova sistem ática constitucional brasi­ leira, aprovado um tratado de direitos hum anos nos term os do § 3.° do art. 5.° da C onstituição, nem sequer p o r m eio de Projeto de D enúncia votado com o m esm o quorum exigido para a conclusão do tratado (votação nas duas Casas do Congresso N acional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos seus respectivos m em bros) será possível o pais desengajar-se desse seu com prom isso, quer no âm bito interno, quer no plano internacional. 3.°) Eles serão paradigm a do controle concentrado de convencionalidade, com o verem os no item 12, infra. N esse sentido, será doravante possível tom ar de em préstim o as ações do controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade e utilizá-las para invalidar as leis que violem os tratados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado no Brasil (v. infra). Agora, portanto, será preciso distinguir se o tratado que se pre­ tende denunciar eqüivale a um a em enda constitucional (ou seja, se é material eformalmente constitucional, nos term os do art. 5.°, § 3.°) ou se apenas detém status de norm a constitucional (é dizer, se é apenas ma­ terialmente constitucional, em virtude do art. 5.°, § 2.°). Caso o tratado de direitos hum anos se enquadre apenas nesta últim a hipótese, com o ato da denúncia, o Estado brasileiro passa a não mais ter responsa­ bilidade em responder pelo descum prim ento do tratado tão som ente

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no âm bito internacional enão no âmbito intemo. Ou seja, nada im pede que, tecnicam ente, se denuncie u m tratado de direitos hum anos que tem apenas status de norm a constitucional, pois internam ente nada m uda, um a vez que eles já se encontram petrificados n o nosso siste­ m a de direitos e garantias, im portando tal denúncia apenas em livrar o Estado brasileiro de resp on d er pelo cum prim ento do tratado no âmbito internacional. Mas caso o tratado de direitos hum anos tenha sido aprovado nos term os do § 3.° do art. 5.°, o Brasil não pode m ais desengajar-se do tratado quer no plano internacional, quer no plano intem o (o que não ocorre quando o tratado detém apenas status de norm a constitucional), podendo o Presidente da República ser res­ ponsabilizado caso o denuncie (devendo tal denúncia ser declarada ineficaz). Assim, repita-se, quer nos term os do § 2.°, quer nos term os do § 3.° do art. 5.°, os tratados de direitos hum anos são insuscetíveis de denúncia p o r serem cláusulas pétreas constitucionais. O que difere é que, um a vez aprovado o tratado pelo quorum do § 3.°, sua denúncia acarreta a responsabilidade do denunciante, o que não ocorre na sis­ temática do § 2.° do art. 5.°. Portanto, a afirmação antes correntem ente utilizada, no sentido de que anteriorm ente à entrada em vigor da Em enda C onstitucional 45 existia um paradoxo, na m edida em que os tratados de direitos hum anos eram aprovados p or m aioria sim ples - autorizando o Presidente da República, a qualquer m om ento, a denunciar o tratado, desobrigando o país ao cum prim ento daquilo que assum iu no cenário internacional desde o m om ento da ratificação do acordo —, não será mais válida a partir do m om ento em que o tratado que pretende denunciar se tom e equivalente a um a em enda constitucional. 12. C o n tro le d e c on vencion alid ade no Brasil: o tema do “con­ trole de convencionalidade” é u m tema novo no Brasil, que estudam os pioneiram ente. O que verem os nas linhas que seguem pode ser apro­ fundado em nosso livro O controle jurisdicional da convencionalidade das leis, São Paulo: Ed.RT, 2009 [atualm ente na 2. ed., 2011]. Pois bem , como se falou no item anterior, a C onstituição b ra­ sileira de 1988 acolhe os tratados de direitos hum anos com índole e nível de n o rm as co n stitu cio n ais, in d ep en d en tem en te de ap ro ­ vação legislativa com quorum qualificado. Mas, se aprovados com

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dita m aioria qualificada, tais tratados passarão a ter equivalência de em endas constitucionais, tal como estabelece o art. 5.°, § 3.°, da C onstituição. Dessa inovação advinda com a Em enda C onstitucio­ n al 45/2004 surge u m novo tipo de controle da produção norm ativa dom éstica: o controle de convencionalidade das leis, que nada m ais é que o processo de com patibilização vertical (sobretudo material) das norm as de D ireito in tern o com os com andos encontrados nas convenções internacionais de direitos hum anos. Na do utrina brasi­ leira fom os nós que em pregam os, pela prim eira vez, as expressões “controle difuso de convencionalidade” e “controle concentrado de convencionalidade” (para detalhes, v. Valerio de O liveira M azzuoli, O controlejurisdicional da convencionalidade das leis, cit., p. 71-72). Como seria o controle jurisdicional da convencionalidade das leis no Brasil? Ora, se a Constituição possibilita sejam os tratados de direi­ tos hum anos alçados ao patam ar constitucional, com equivalência de emenda, p o r questão de lógica deve tam bém garantir-lhes os meios que prevê a qualquer norm a constitucional ou em enda de se protege­ rem contra investidas não autorizadas do direito infraconstitucional. Nesse sentido, o que defendemos é ser plenam ente possível utilizar-se das ações do controle concentrado, como a ADIn (que invalidaria a norm a infraconstitucional po r inconvencionalidade), a ADECON (que garantiria à norm a infraconstitucional a com patibilidade vertical com u m tratado de direitos hum anos form alm ente constitucional), ou até mesmo a ADPF (que possibilitaria exigir o cum prim ento de um “preceito fundam ental” encontrado em tratado de direitos hum anos formalmente constitucional), não mais fundam entadas apenas no texto constitucio­ nal, senão tam bém nos tratados de direitos hum anos aprovados pela sistemática do art. 5.°, § 3.°, da Constituição e em vigor no país. Assim, os legitimados para o controle concentrado (constantes do art. 103 da Constituição) passam a ter, a seu favor, um arsenal m uito m aior do que anteriorm ente tinham para invalidar lei intem a incompatível com os tratados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado. Daí então poder-se dizer que os tratados de direitos hum anos interna­ lizados, po r essa maioria, servem de meio de controle concentrado (de convencionalidade) da produção norm ativa dom éstica, para além de servirem como paradigm a para o controle difuso.

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Dessa forma, a conhecida Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) transform ar-se-ia em verdadeira Ação Direta de Inconvencionalidade. De igual m aneira, a Ação D eclaratória de C onstitucionalidade (ADECON) assum iria o papel de Ação Declaratória de Convencionalidade (seria o caso de propô-la quando a norm a infraconstitucional não atinge a Constituição de qualquer maneira, mas se pretende, desde já, garantir sua compatibilidade com determ inado com ando de tratado de direitos hum anos form alm ente incorporado com equivalência de em enda constitucional). Em idêntico sentido, a Arguição deD escum prim ento de Preceito Fundam ental (ADPF) poderia ser utilizada para proteger “preceito fundam ental” de u m tratado de direitos hum anos violado p o r norm as infraconstitucionais, inclusive leis municipais e norm as anteriores à data que o dito tratado fôra aprovado (e entrou em vigor) com equivalência de em enda constitucional no Brasil. Não se pode tam bém esquecer da Ação Direta de Inconstitucionalidade p or Omissão, prevista no art. 103, § 2.°, da C onstituição, que poderá ser proposta sem pre que fa lta r lei interna que se faria necessária a dar efe­ tividade a um a norm a convencional. Nesse caso, pode o STF declarar a inconvencionalidade por omissão de m edida para to m ar efetiva norm a constitucional, dando ciência ao Poder com petente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão adm inistrativo, para fazê-lo em trinta dias. Ainda no que tange às omissões legislativas, passa (doravante) a ser perfeitam ente cabivel o rem édio constitucional do m andado de injunção para colm atar om issões norm ativas que im possibilitem o exercício de u m direito ou liberdade presente em tratado de direitos hum anos internalizado com quorum qualificado, um a vez que o co­ m ando constitucional garante a utilização de tal rem édio “sempre que a falta de norm a regulam entadora tom e inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais [inclusive das norm as constitucionais por equiparação, como é o caso dos tratados equivalentes às emendas cons­ titucionais] e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania” (art. 5.°, inc. LXXI). Em sum a, o que estamos a defender (e não vimos ninguém fazê-lo até o m om ento) é o seguinte: quando o texto constitucional (no art. 102, inc. I, alínea a) diz com petir precipuam ente ao Supremo Tribunal

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Federal a “guarda da C onstituição”, cabendo-lhe ju lg ar originariam ente as ações diretas de inconstitucionalidade (ADIn) de lei ou ato norm ativo federal ou estadual ou a ação declaratória de constitucionalidade (ADECON) de lei ou ato norm ativo federal, está autorizando que os legitimados próprios para a propositura de tais ações (constantes do art. 103 da C onstituição) ingressem com tais m edidas sem pre que a Constituição ou quaisquer normas a ela equivalentes (como, v.g., os tratados de direitos hum anos internalizados com quorum qualificado) estiverem sendo violadas p o r norm as infraconstitucionais. A partir da Em enda C onstitucional 45/2004, é necessário entender que a expres­ são “guarda da C onstituição”, utilizada pelo art. 102, inc. I, alínea a, alberga, além do texto da C onstituição propriam ente dito, tam bém as norm as constitucionais p o r equiparação, como é o caso dos tratados de direitos hum anos citados. Assim, ainda que a C onstituição silencie a respeito de u m determ inado direito, mas estando esse mesmo direi­ to previsto em tratado de direitos hum anos constitucionalizado pelo rito do art. 5.°, § 3.°, passa a caber, no Supremo Tribunal Federal, o controle concentrado de constitucionalidade/convencionalidade (v.g., um a ADIn) para com patibilizar a norm a infraconstitucional com os preceitos do tratado constitucionalizado. Q uanto aos tratado s de direitos h um anos não internalizados pela dita m aioria qualificada, passam eles a ser paradigm a apenas do controle dijuso de convencionalidade (pois, no nosso entendim ento, os tratados de direitos hum anos não aprovados p or tal m aioria qua­ lificada são apenas materialmente constitucionais, diferentem ente dos tratados aprovados p or aquela maioria, que têm status m aterial eformal de norm as constitucionais). Em sum a, to do s os tratad o s que form am o corpus ju ris co n­ vencional dos direitos hum anos de que u m Estado é parte servem com o p arad ig m a ao co n tro le de co n v en cio n alid ad e das n o rm as infraconstitucionais, com as especificações que se fez acima: a) tra­ tados de direitos h um anos internalizados com quorum qualificado (equivalentes às em endas constitucionais) são paradigm a do controle concentrado (para além , obviam ente, do controle dijuso'), cabendo, v.g., um a ADIn no STF a fim de invalidar norm a infraconstitucional in co m p atív el com eles; b) tratad o s de direitos hu m an o s que têm

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som ente “status de norm a co n stitucional” (não sendo “equivalentes às em endas con stitucionais”, posto que não aprovados pela m aioria qualificada do art. 5.°, § 3.°) são paradigm as apenas do controle difuso de convencionalidade. Em relação ao tema do controle de convencionalidade, existe ainda um últim o aspecto a ser ressaltado, que diz respeito aos tratados inter­ nacionais comuns. Seriam eles tam bém paradigm a para o controle de convencionalidade das leis? Primeiramente, sabe-se (contrariam ente ao que ainda pensa o STF) que os tratados internacionais com uns (aqueles que versam temas alheios aos direitos hum anos) tam bém têm status superior ao das leis internas. Se bem que não equiparados às norm as constitucionais, os instrum entos convencionais comuns (como sempre defendemos, com base no art. 27 da Convenção de Viena sobre o Di­ reito dos Tratados, de 1969) têm status supralegal no Brasil, posto não poderem ser revogados po r lei intem a posterior, como tam bém estão a dem onstrar vários dispositivos da própria legislação brasileira, dentre eles o art. 98 do Código Tributário N acional (verbis: “Os tratados e as convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária intem a, e serão observados pela que lhes sobrevenha”). Nesse últim o caso, tais tratados (com uns) tam bém servem de paradigm a ao controle das norm as infraconstitucionais, posto estarem situados acima delas, com a única diferença (em relação aos tratados de direitos hum anos) que não servirão de paradigm a do controle de convencionalidade (expressão reservada aos tratados com nível constitucional), mas do controle de supralegálidade das norm as infraconstitucionais. Portanto, as justificativas que se costum am dar, sobretudo no Brasil, para o descum prim ento das obrigações convencionais assum i­ das pelo Estado são absolutam ente ineficazes à luz do Direito Interna­ cional Público (especialm ente do Direito Internacional dos Direitos Hum anos) e, agora, pela própria ordem constitucional brasileira, que passa a estar integrada com novos meios de controle das norm as de Direito intem o. 13. Leitura c o m p le m e n ta r: 1.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O controlejurisdicional da convencio­ nalidade das leis. São Paulo: RT, 2009.

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2.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tra­ tado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

3.

MELLO, Celso D. de Albuquerque. O § 2.° do art. 5.° da Constituição Federal. Teoria dos Direitos Fundamentais, 2. ed. rev. eatual. TORRESA, Ricardo Lobo (org.). Rio dejaneiro: Renovar, 2001, p. 01-33. MAGALHÃES, José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito internacional: uma análise crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000 . PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional interna­ cional. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2000.

4.

5.

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Paulo: Saraiva, 2010; BIDART CAMPOS, GermanJ. El derecho de la Constitucion y sufuerza normativa. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anônima, 1995;------- . Tratado élemental de derecho constitucional argen­ tino. t. III—El derecho internacional de los derechos humanosy la reforma constitucional de 1994. Buenos Aires: Ediar Sociedad Anônima, 1995; BUERGENTHAL, Thomas. Self-executing and non-self-executing treaties in national and international law. Academy ojInternational Law. Extractfrom theRecueil ães Cours, v. 235 (1992-IV), Dordrecht/Boston/ London: Martinus Nijhoff Publishers, 1992;-------- . M odem constitutions and human rights treaties. ColumbiaJournal ofTransnational Law, 1997, n. 36, p. 211-223; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991;-------- . Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Fabris, 1997. v. I; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos e sua incorporação no ordenamento brasileiro. Revista daAjuris, Porto Alegre, ano XXIX, n. 8 7 , 1.1 (doutrina), p. 278320, set. 2002;-------- . Os tratados internacionais de direitos humanos como fonte do sistema constitucional de proteção de direitos. Revista CE], Brasília: Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, ano VI, n. 18, p. 120-124, jul.-set. 2002; GOMES, Luiz Flávio. A questão da obrigatoriedade dos tratados e convenções no Brasil: par­ ticular enfoque da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. RT, n. 710, p. 21-31, dez. 1994; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O novo § 3.° do art. 5.° da Constituição e sua eficácia. Revista Forense, v. 378, ano 101, Rio dejaneiro, mar.- abr./2005, p. 89-109.

C a p ítu lo

X

H o m o l o g a ç ã o d e S en ten ça s Estra n g eira s e o P ro b lem a da s S en ten ça s P r o ferid a s po r

T r ib u n a is I n t e r n a c io n a is

1. In tro d u ç ã o : o in stituto da hom ologação de sentenças estran­ geiras existe para facilitar à parte de um a causa julgada p o r tribunal estrangeiro a satisfação do seu direito em território nacional, dispensando-a de ter que iniciar aqui novo processo a fim de ver reconhecido o seu direito. O assunto é regulado, no Brasil, pela C onstituição Federal de 1988 (art. 105,1, i, introduzido pela Em enda C onstitucional45/2004), pela Lei de Introdução ao Código Civil (arts. 15 e 17), pelo Código de Processo Civil (arts. 483 e 484) e pelo Regimento Intem o do Supremo Tribunal F eder al (arts.2 1 5 a2 2 4 ).N o plano internacional encontra-se regram ento da m atéria no Código Bustamante de 1928, ainda em vigor no-Brasil (art. 423 e seguintes). 2. C o m e n tá rio s à re g ra d o C ó d ig o d e P ro cesso Civil: nos termos do art. 483 do Código de Processo Civil brasileiro, “a sentença proferida p o r trib u nal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de hom ologada pelo Supremo Tribunal Federal”. A C onstituição de 1988, antes da entrada em vigor da Em enda C onstitucional45/2004, dizia com petirão Supremo Tribunal Federal a hom ologação de sentenças estrangeiras (art. 1 0 2 ,1, h —expressa­ m ente revogado pela EC 45/2004). A p artir da Em enda 45 esta com ­ petência passou a ser do Superior Tribunal de Justiça (art. 1 0 5 ,1, i). O corre que o Código de Processo Civil ainda não foi reform ado para acom panhar a reform a constitucional e ainda se refere à homologação de sentenças estrangeiras pelo STF. Em v irtude da m odificação no texto constitucional, deve-se in terp retar agora o Código de Processo Civil, enquanto não reform ado, como se referindo ao Superior Tribu-

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n a ld e ju stiç a (em vez de Suprem o Tribunal Federal), em observância ao novo com ando constitucional. Homologar significa to rn ar a sentença estrangeira sem elhante (em seus efeitos) a um a sentença aqui proferida, utilizando-se como “m odelo” para a hom ologação, a sentença proferida pelo judiciário nacional. Por meio da hom ologação, a sentença estrangeira passa a estar apta a gerar efeitos no país que a hom ologa. A hom ologação não cria eficácia in tem a para as sentenças estrangeiras, m as faz com que ela tenha os seus efeitos estendidos ao território do Estado onde se pretende que ela opere. A isso dá-se o nom e de “im portação de eficácia” da sentença estrangeira para o território nacional de outros Estados. Q uando aqui se fala em sentença, o que se quer dizer não é a sen­ tença como ato do ju iz que põe fim ao processo, tal como entendida pelo p ró p rio Código de Processo Civil, m as todo ato proveniente do estrangeiro que, à luz do nosso direito interno, tenha as mesmas características e os m esm os efeitos que um a sentença aqui proferida, não im portando se, nos term os do seu direito de origem, aquele ato não era tecnicam ente um a sentença ou não tenha sido emanado de au­ toridade propriam ente judiciária. O professor Barbosa M oreira (quem m elhor escreveu sobre este assunto na doutrina brasileira m oderna) exem plifica com os seguintes casos: divórcio decretado pelo Rei da Dinamarca, decretado p o r autoridades adm inistrativas norueguesas e dinam arquesas, ou ainda, registrado perante prefeito no Japão; tais atos podem até estar destituídos da natureza de “sentença” segundo o seu direito de origem , m as como tal devem ser interpretados no Brasil, para fins de hom ologação perante o STJ. A expressão tribunal estrangeiro, da m esm a form a que se faz com a expressão sentença, deve tam bém ser interpretada em sentido am plo, abrangendo juizes de prim eiro ou segundo graus (singular ou colegiado, estadual ou federal) e tam bém outros órgãos que, apesar de não estarem investidos da qualidade jurisdicional, atuam como verdadeiros “tribunais” (como nos casos dos exem plos citados acim a). Em regra só se hom ologam sentenças cíveis, não se podendo ho ­ m ologar no Brasil um a sentença penal para fins propriam ente penais. O que se perm ite é que seja hom ologada sentença penal para que esta surta efeitos civis, com o perm itido pelo art. 790 do CPP, segundo a

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qual: “O interessado na execução de sentença penal estrangeira, para a reparação do dano, restituição e outros efeitos civis, poderá requerer ao Suprem o Tribunal Federal [entenda-se: Superior Tribunal de Ju s­ tiça] a sua hom ologação, observando-se o que a respeito prescreve o Código de Processo Civil”. A com petência, no Brasil, para a execução de sentença estrangeira hom ologada pelo STJ, é dos juizes federais de prim eira instância, nos term os do art. 109, X, da C onstituição de 1988. A execução é feita por carta de sentença extraída dos autos da homologação e deve obedecer às regras estabelecidas para a execução da sentença nacional de m esm a natureza (CPC, art. 484). 3. O p ro b le m a das s e n te n ç a s p ro ferid as p o r trib u n ais in ­ ternacionais: depois de verificada a necessidade de homologação das sentenças estrangeiras pelo STJ, para que somente assim tenham eficácia no Brasil, resta saber se há necessidade deste Tribunal Superior brasi­ leiro hom ologar as sentenças internacionais, proferidas por tribunais com jurisdição internacional, a exemplo daquelas advindas da Corte Internacional de Justiça (Haia), da Corte Interam ericana de Direito Humanos (Costa Rica), ou ainda do Tribunal Penal Internacional (TPI), a fim de que tais sentenças possam surtir efeitos no território nacional. A observação a ser feita aqui é que não se está tratando do p ro ­ blem a atinente à hom ologação de sentenças estrangeiras pelo STJ, mas sim de sentenças internacionais, o que é diferente pelas razões que veremos abaixo. Os processualistas brasileiros não têm se ocupado do tema, m es­ mo quando em com ento ao art. 483 do CPC, dem onstrando ignorá-lo, sem embargo das grandes implicações práticas provenientes da res­ posta à indagação de ser ou não necessária a hom ologação, pelo STJ, das sentenças advindas de tribunais internacionais. Não se encontra, pois, nenhum a palavra sequer a esse respeito em José Carlos Barbosa Moreira, Comentários ao Código deProcesso Civil, 7. ed., Rio dejaneiro, Forense, 1998, v. Y p. 71-72 (esse autor refere-se tão som ente às senten­ ças proferidas p o r tribunais arbitrais, nada dizendo sobre as proferidas por tribunais internacionais), em H um berto Theodoro Júnior, Curso de direito processual civil, 23. ed. rev. e atual., Rio dejaneiro: Forense,

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1998, v. I,p . 624-627, e em Ernane Fidélis dos Santos, Manual de direito processual civil, 5. ed. rev, atual, e am pl., São Paulo: Saraiva, 1997, v. 1, p. 636-644, para citar apenas alguns entre tantos e tantos outros com entaristas do Código de Processo Civil brasileiro. A situação não é diferente tratando-se dos nossos constitucionalistas, o que nos leva a crer que, mais do que nunca, passa a caber aos intem acionalistas a tarefa de encontrar a solução para este problem a. Segundo a nossa concepção, as sentenças proferidas p or tribu­ nais internacionais dispensam hom ologação pelo Superior Tribunal de ju stiç a , assim com o dispensavam hom ologação pelo Suprem o Tribunal Federal antes da reform a constitucional de 2004 (cf. Valerio de Oliveira M azzuoli, Sentenças internacionais no Supremo Tribunal Federal,Jornal Correio Braziliense, suplem ento Direito & Justiça, de 14 de outubro de 200 2,p .3 ).No caso específico das sentenças proferidas pela Corte Interam ericana de Direitos H um anos não há que se falar na aplicação da regra contida no art. 105, inc. I, letra i, da CF, que já encontrava eco no art. 483 do CPC, a dispor que “a sentença proferi­ da por tribunal estrangeiro não terá eficácia no Brasil senão depois de hom ologada pelo Supremo Tribunal Federal [entendendo-se, agora, Superior Tribunal de Justiça] ” (grifo n o sso ). Sentenças proferidas por “tribunais internacionais” não se enquadram na roupagem de senten­ ças estrangeiras a que se referem os dispositivos citados. Por sentença estrangeira deve-se entender aquela proferida po r um tribunal afeto à soberania de determ inado Estado, e não a em anada de um tribunal internacional que tem jurisdição sobre os Estados. Para o STF, sentença estrangeira é toda aquela que não é nacional e, portanto, seja um a sentença proferida pelo judiciário de determinado Estado, seja a proferida p o r um a corte internacional, ambas devem ser hom ologadas antes de produzirem seus efeitos internos no Brasil. Entretanto, este argum ento esposado pelo STF; antes da reform a constitucional de 2004, de que sentença estrangeira é toda sentença que não é nacional, parece não encontrar sólida fundam entação jurídica, quando se diferencia a natureza jurídica e procedim ento das sentenças estrangeiras em relação às proferidas p o r tribunais internacionais. Ora, sabe-se que o direito internacional não se confunde com o cham ado direito estrangeiro. A quele diz respeito à regulam entação

SENTENÇAS ESTRANGEIRAS E TRIBUNAIS INTERNACIONAIS

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juríd ica internacional, na m aioria dos casos feita p or norm as interna­ cionais. O direito internacional disciplina, pois, a atuação dos Estados, das Organizações Internacionais e tam bém dos indivíduos no cenário internacional. Já o direito estrangeiro é aquele afeto à jurisdição de determ inado Estado, com o o direito italiano, o francês, o alem ão e assim p o r diante. Será, pois, estrangeiro, aquele direito afeto à ju ris­ dição de outro Estado que não o Brasil. Uma sentença proferida na Argentina será sem pre estrangeira. Mas um a outra proferida pela Corte Interam ericana de Direitos H um anos tam bém o será? Não há como responder à indagação senão negativam ente. As sentenças proferidas p or “tribunais internacionais” serão sentenças internacionais na mesma proporção que as sentenças proferidas p or “tribunais estrangeiros” serão sentenças estrangeiras, não se confundindo um as com as outras. Há, pois, nítida distinção entre as sentenças estrangeiras (afetas à soberania de determ inado Estado) às quais o art. 483 do CPC faz referência, e as sentenças internacionais, proferidas p o r trib u n ais internacionais que não se vinculam à soberania de nenhum Estado, tendo, pelo contrário, jurisdição sobre o próprio Estado. U m dos intem acionalistas brasileiros que têm m anifestado ex­ pressam ente esse entendim ento é o Prof. José Carlos de M agalhães, da Faculdade de Direito da USP Eis sua lição: “É conveniente acentuar que sentença internacional, em bora possa revestir-se do caráter de sentença estrangeira, po r não provir de autoridade judiciária nacional, com aquela nem sem pre se confunde. Sentença internacional consiste em ato ju d icial em anado de órgão judiciário internacional de que o Estado faz parte, seja porque aceitou a sua jurisdição obrigatória, como é o caso da Corte Interam ericana de Direitos H um anos, seja porque, em acordo especial, concordou em subm eter a solução de determ inada controvérsia a u m organism o internacional, como a Corte Interna­ cional de Justiça. O m esm o pode-se dizer da subm issão de u m litígio a u m ju ízo arbitrai internacional, m ediante com prom isso arbitrai, conferindo jurisdição específica para a autoridade nom eada decidir a controvérsia. Em am bos os casos, a subm issão do Estado à jurisdição da corte internacional ou do ju ízo arbitrai é facultativa. Pode aceitá-la ou não. Mas se aceitou, m ediante declaração formal, como se verifica com a autorizada pelo Dec. Leg. 89, de 1998, o país está obrigado a dar

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cum prim ento à decisão que vier a ser proferida. Se não o fizer, estará descum prindo obrigação de caráter internacional e, assim, sujeito a sanções que a com unidade internacional houver po r bem aplicar”. E conclui o citado professor: “Tal sentença, portanto, não depende de hom ologação do Supremo Tribunal Federal [agora Superior Tribunal de Ju stiça], até m esm o porque pode ter sido esse Poder o violador dos direitos hum anos, cuja reparação foi determ inada. Não se trata, nesse caso, de sentença inter alios estranha ao país. Sendo parte, cabe cum pri-la, como faria com decisão de seu Poder Judiciário” (O Supre­ mo Tribunal Federal e o direito internacional: um a análise crítica, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000, p. 102). Este, aliás, tam bém foi o entendim ento que deixamos expresso em nosso livro Prisão civil por dívida e o Pacto de San José da Costa Rica, Rio d ejan eiro : Forense, 2002, p. 181, no qual abordam os o problem a da prisão civil por dívida nos contratos de alienação fiduciária em garantia, à luz dos tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos, notadam ente do Pacto de San José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil sem qualquer reserva, que exclui de seu texto a possibilidade de cer­ ceam ento da liberdade individual em virtude de dívida civil, à exceção dos casos de inadim plem ento da dívida alim entar (cf. art. 7.°, § 7.°). O Superior Tribunal de Justiça não tem com petência constitu­ cional, e tam pouco legal, para hom ologar sentenças proferidas p or tribunais internacionais, que decidem acima do pretenso poder sobe­ rano estatal, e têm jurisdição sobre o próprio Estado. Pensar de outra m aneira é subversivo aos princípios internacionais que buscam reger a com unidade dos Estados em seu conjunto, com vistas à perfeita co­ ordenação dos poderes dos Estados no presente cenário internacional de proteção de direitos. Em caso de condenação da C orte Interam ericana de D ireitos H um anos a pagam ento de indenização pecuniária, o Estado deverá obedecer ao disposto pelo direito interno relativo à execução de sen­ tença, incluindo o valor da indenização devida na ordem cronológica de precatórios, da m esm a form a que faz com qualquer execução de sentença judicial interna, de acordo com o que disciplina a lei. Assim, além de as sentenças proferidas pela Corte Interam ericana de Direitos H um anos terem a potencialidade de, plena e eficazmente, declarar a

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responsabilidade internacional do Estado p o r inobservância de pre­ ceitos da Convenção Americana, tam bém valem como título executivo no Brasil, tendo aplicação im ediata, devendo, para isso, tão som ente obedecer aos procedim entos internos relativos à execução desentenças. O assunto deve ser estudado com bastante cuidado, principal­ m en te em conseqüência da aceitação pelo B rasil da com petência contenciosa da Corte Interam ericana de Direitos H um anos, p o r meio do Dec. Leg. 89, de 1998, para todos os casos relativos à interpretação ou aplicação da Convenção para fatos ocorridos a partir do reconhe­ cim ento, nos term os do art. 62, § 1.°, do referido tratado. 4. Leitura c o m p le m e n ta r: 1.

2. 3.

4. 5.

BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu. Homologação de sentença estrangeira e seus efeitos perante o STF. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999 (Coleção Saber Jurídico). MAGALHÃES,José Carlos de. O Supremo Tribunal Federal e o direito inter­ nacional: uma análise crítica. Porto Alegre: livraria do Advogado, 2000. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Sentenças internacionais no Supremo Tribunal Federal. Jornal Correio Braziliense, suplem ento Direito & Justiça, de 14 de outubro de 2002, p. 3. SANTOS, Emane Fidélis dos. Manual de direito processual civil. 5. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: Saraiva, 1997. v. 1. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 23. ed. rev. e atual. Rio dejaneiro: Forense, 1998. v. 1.

Para ap ro fu n d ar: BARBOSA MOREIRA,José Carlos. Comentários ao Código deProcesso Civil. 7. ed. Rio dejaneiro: Forense, 1998. v. V (nesta obra o leitor encontra um profundo e científico estudo sobre a homologação de sentenças estrangeiras, inclusive com várias referências ao direito comparado); RAMOS, André de Carvalho. O Estatuto do Tribunal Penal Internacional e a Constituição brasileira. CHOUKR, Fauzi Hassan & AMBOS, Kai (orgs.). Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000, especial­ mente p. 279-284 (em que é abordada a questão da implementação das sentenças do Tribunal Penal Internacional em face do ordenamento jurídico brasileiro).

C a p ít u l o X I N a c io n a l id a d e B rasileira O r ig in á r ia à

Luz d a

Em enda

54/2007

1. A n acio n alid ad e originária brasileira n a C o n stitu ição d e 1988: de acordo com o texto constitucional brasileiro em vigor (art. 12, I, a, b e c), é possível ser brasileiro nato m ediante três possibilidades, quais sejam: d) quando se nasce na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, salvo se estes estiverem a serviço do seu país (caso em que terão a nacionalidade do país dos genitores); b) quando se nasce no exterior, de pai brasileiro ou de m ãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da R epública Federativa do Brasil; ou ainda c) quando se nasce no exterior, de pai brasileiro ou de m ãe brasileira, desde que registrados na repartição brasileira com petente ou, caso isso não ocorra, retom e o interessado ao Brasil (m antendo aqui residência) e opte, em qualquer tem po, atingida a m aioridade, pela nacionalidade brasileira (opção que se faz perante o Juízo Federal). Esta ú ltim a m odalidade de nacionalidade originá­ ria já sofreu duas reform as desde a prom ulgação da C onstituição de 1988 para cá, sendo a últim a delas a da Em enda C onstitucional 54, de 20.09.2007.

2. H istórico c o n stitu cio n al d o p ro b le m a : a Em enda C onsti­ tucional 54 reform ou a alínea c do inciso I do art. 12 da C onstituição de 1988, dizendo serem brasileiros natos “os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de m ãe brasileira, desde que sejam registrados ém repartição brasileira com petente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem , em qualquer tem po, depois de atingida a m aioridade, pela nacionalidade brasileira”. É im portante fazer u m breve histórico das alterações sofridas p o r este dispositivo desde a prom ulgação da C onstituição de 1988. A prim eira redação do art. 12, inc. I, alínea c, estava assim colocada:

NACIONALIDADE BRASILEIRA: EC 54/2007

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“Art. 12. São brasileiros: I - natos: (...) c) os nascidos no estrangeiro, depaibrasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira com petente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da m aiorida­ de e, alcançada esta, optem , em qualquer tem po, pela nacionalidade brasileira”. Com a Em enda C onstitucional de Revisão 3, de 1994, que re­ form ou tal dispositivo, elim inou-se a possibilidade de registro dos filhos de brasileiros nascidos no exterior em repartição consular, bem como a necessidade de se resid ir no Brasil antes da m aioridade como condição para a opção da nacionalidade brasileira. Seguram ente, o fato m ais insatisfatório da reform a constitucional de 1994 (verbis: “os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou m ãe brasileira, des­ de que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem , em qualquer tem po, pela nacionalidade brasileira”) foi o fato de ter acabado, sem qualquer m otivo justificável, com a possibilidade de se atrib u ir ao filho de brasileiro, nascido no estrangeiro, a condição im ediata de brasileiro nato, p o r m eio do registro de nascim ento em consulado n o exterior. Tal alteração c o n stitu cio n al não agradou às m ilhares de fa­ m ílias brasileiras que residem no exterior e as várias organizações não-governam entais qu e atuam em p rol de seus interesses. O fato é que m u ito s filhos de brasileiros nascidos em países que adotam a regra do ju s sanguinis (com o a Suíça, o Japão e a A lem anha) acaba­ ram ficando privados, tan to da nacionalidade brasileira, quanto da nacionalidade do local de nascim ento, passando a perm anecer em verdadeira situação de apatria. Daí então o aparecim ento de nova proposta de alteração co nstitu cio n al (PEC 272/00), que teve como relatora, a deputada federal Rita Cam ata, dando origem à Em enda C onstitucional 54, de 20 de setem bro de 2007, que agora assegura a nacionalidade brasileira a todos os filhos de brasileiros que nascem e con tinu am a viver fora do país, desde que sejam registrados em repartição consular brasileira.

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3. E n ten d im en to d a E m enda 54/2007: pela nova redação do art. 12, inc. I, alínea c, da C onstituição, há duas possibilidades para que filhos de brasileiros, nascidos no exterior, sejam considerados brasileiros natos. Nos term os do dispositivo, são brasileiros natos “os nascidos n o estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sej am registrados, em repartição brasileira com petente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem , em qualquer tem ­ po, depois de atingida a m aioridade, pela nacionalidade brasileira”. Assim, a prim eira possibilidade existente é já registrar o filho nascido no exterior em repartição consular brasileira, a fim de que o mesmo passe, a p artir desse m om ento, a já estar garantido na condição de brasileiro nato, ainda que jam ais venha a residir no Brasil, não fale o nosso idiom a, não conheça a nossa cultura etc. A segunda possibilida­ de diz respeito aos filhos de brasileiros nascidos no exterior que, por qualquer m otivo, não tiveram seu registro consular ali efetuado. Nesse caso, exige, a segunda parte do dispositivo, duas condições para que a nacionalidade brasileira de origem se opere: a) a vinda ao país (antes ou depois de atingida a m aioridade) e; ¥) a opção, em qualquer tem po (mas depois de atingida a m aioridade), pela nacionalidade brasileira. 4. U m a in c o n g ru ê n c ia d a E m en d a 54/2007: nos term os da parte final do art. 12, inc. 1, alínea c, a opção pela nacionalidade bra­ sileira (no caso do filho de pais brasileiros nascido no exterior e não registrado em repartição consular, que posteriorm ente venha a residir no Brasil) som ente poderá se operar “depois de atingida a m aioridade”. Tal significa, a contrario sensu, que é vedada a opção pela nacionali­ dade brasileira p o r iniciativa dos pais (por m eio de representação ou assistência dos m enores em juízo) quando a família (que residia no exterior) volta a m orar no Brasil. N este caso, som ente a pessoa (e n in ­ guém mais) poderá optar, quando maior, pela nacionalidade brasileira. Para nós, parece um contrassenso criado pela Constituição, a exigência da m aioridade para a opção quando o filho de pais brasileiros nascido no exterior passa a residir no Brasil. Ora, se a Constituição autoriza que os pais, m ediante sim ples registro consular, façam operar em seus filhos m enores, nascidos no exterior e lá residentes, a condição im e­ diata de brasileiros natos, não tem sentido im pedir que esses mesmos pais, de volta ao Brasil, registrem os seus filhos em ofício de registro de

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pessoas naturais ou, em últim a análise, os represente ou os assista em ação judicial para o fim de hom ologar sua opção pela nacionalidade brasileira. Trata-se de um a incongruência da Em enda 54/2007, que não pode passar desapercebida pela doutrina. Segundo nos parece, seria de todo im prudente beneficiar com esse direito os filhos de brasileiros nascidos no exterior e.lá residentes e não reconhecê-lo àqueles filhos de brasileiros, tam bém nascidos no exterior, mas que agora residem no Brasil e aqui pretendem permanecer. 5. Leitura c o m p le m e n tar: 1.

2.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Nacionalidade brasileira originária: os equívocos da alteração constitucional. Jornal CartaForense, São Paulo, v. 71, abr./2009, p. 10. SILVA, José Afondo da. Curso de direito constitucional positivo. 33. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2010.

Para ap ro fu n d a r: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; P o n t e s d e M i r a n d a , Franscisco Cavalcanti. Nacionalidade de origem e naturalização no direito brasileiro, 2a tir. aum. Rio dejaneiro: A. Coelho Branco Filho, 1936.

C a p ít u l o X I I A s O r g a n iz a ç õ e s I n t e r n a c io n a is 1NTERGOVERNAMENTAIS

1. In tro d u çã o : Este capítulo descreve sinteticam ente a estru ­ tu ra e o funcionam ento das cham adas organizações internacionais intergovem am entais, dando ênfase para a O rganização das Nações U nidas (ONU). As organizações in te rn a c io n ais in terg o v em am en tais, assim como os Estados, têm personalidade jurídica internacional (podendo contrair obrigações e reclam ar direitos) e esfera própria de atuação no cenário internacional. São criadas p o r acordos entre diversos Estados, p o r m eio de u m tratado constitutivo, e têm personalidade ju rídica distinta da dos Estados-m em bros que as compõem. É de sum a im portância aqui fazer um a distinção entre tais orga­ nizações internacionais (ORGS) e aquelas organizações internacionais privadas ou não-govem am entais (O N G s). Ambas são produto de u m ato de vontade que, no prim eiro caso, provém dos Estados, quando elaboram u m tratado m ultilateral constitutivo da organização e, no segundo, da vontade de particulares, com ou sem a interveniência de órgãos públicos, alm ejando criar um a organização não governam ental para finalidades lícitas. Tais organizações internacionais não governa­ m entais, como a Anistia Internacional (AI), o Comitê Internacional da C m z Vermelha ( Cl CV) e a União Internacional para a Conservação da N atureza e seus Recursos (U IC N ), não se confundem com as organi­ zações internacionais intergovem am entais e não detêm personalidade ju rídica de direito internacional. A penas estas últim as são sujeitos de direito internacional público e detêm o poder de celebrar tratados com os Estados e com outras organizações internacionais. Aquelas outras organizações não são sujeitos de direito internacional; são instituições criadas p o r norm as ju rídicas internas e regidas p o r tais norm as, não pelas regras do direito internacional público.

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A pesar de este capítulo não tratar das organizações internacio­ nais não-govem am entais, não se deye perder de vista, porém , o papel im portante que elas desem penham na prom oção e fom ento do direito internacional (para u m estudo contem porâneo sobre as ONGs, veja-se o livro de Ricardo Neiva Tavares, As organizações não governamentais nas Nações Unidas, Brasília, Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre de G usm ão, 1999). As organizações internacionais intergovernam entais, como a Organização das Nações U nidas (ONU) e a Organização dos Estados A m ericanos (OEA), são instituições internacionais criadas p or tra­ tados e regidas pelo direito internacional. O seu poder para celebrar tratados vem. regulado pela C onvenção de Viena sobre D ireito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Orga­ nizações Internacionais, de 1986. Depois do fim da Primeira Guerra M undial, criam-se organizações internacionais como a Sociedade das Nações (SdN) e a Organização Internacional do Trabalho (O IT). Mas o direito internacional som ente vai conhecer o aparecim ento crescente de tais organismos internacio­ nais a partir da Segunda Guerra, quando então são criadas as Nações Unidas e a m aioria das organizações internacionais globais e regionais atualm ente existentes. Não se pretendeu aqui desenvolver com profundidade a teoria das organizações internacionais, mas tão som ente dar um a visão glo­ bal do tema, m ostrando em linhas gerais a sua estrutura jurídica, suas funções e seus objetivos. 2. A O rg an ização d as N ações U nidas (ONU): antes do final do conflito que ensanguentou a Europa entre 1939 e 1945, as potências que com batiam o eixo, levando em consideração o fracasso com pleto da Liga das Nações na tentativa de evitar as guerras, tiveram a intenção de estabelecer, em período não m uito longo de tem po, um a organiza­ ção internacional, de caráter geral e fundada na igualdade soberana de todos os Estados pacíficos, que tivesse p o r propósito a m anutenção da paz e da segurança internacionais, nos term os do que foi pactuado na Conferência de M oscou, de 1943. Depois de várias propostas e discussões, foram elaborados, em D um barton Oaks (W ashington), em 1944, os projetos para a recons­

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trução jurídico-política do m undo, bem como as “propostas para o estabelecim ento de um a O rganização Internacional G eral”, poste­ riorm ente modificadas em Yalta, em 1945, que serviram de base para a elaboração da Carta da Organização das Nações Unidas. A referida Carta foi assinada em 26.06.1945, na cidade de São Francisco, ju n ta m e n te com o E statu to da C orte In tern acio n al de Justiça. Mas foi som ente em 24.10.1945 que as Nações U nidas efe­ tivam ente se constituíram , quando entrou em vigor internacional o tratado constitutivo da organização (Carta da ONU), tendo a Assem­ bleia Geral deliberado ser a sua sede na cidade de Nova York. A Carta da ONU, que é a carta orgânica da instituição, foi firmada inicialm ente por 51 Estados-m em bros e, desde então, passou a abarcar de m aneira crescente e progressiva inúm eros outros Estados, contando hoje com quase todos os países independentes do m undo. O art. 103 da Carta das Nações U nidas contém um a cláusula de supremacia que estabelece que, em caso de conflito entre as obrigações contraídas pelos m em bros das Nações U nidas em virtude da Carta e suas obrigações contraídas em virtude de qualquer outro acordo internacional, deverão prevalecer as obrigações im postas pela Carta da ONU. Tal dispositivo coloca, portanto, a Carta das Nações Unidas no ápice da hierarquia das norm as do direito internacional público, equiparando-se à hierarquia que detêm as norm as constitucionais em relação às leis e dem ais norm as do direito in tem o estatal. 3. O s ó rg ã o s d as N açõ es Unidas: para o alcance destes objeti­ vos expressos em sua Carta, as Nações U nidas foram organizadas em diversos órgãos, dentre os quais, nos term os do art. 7 ° da Carta da ONU, os principais são a Assembleia Geral, o Conselho de Segurança, a Corte Internacional d eju stiça, o Conselho de Tutela, o Secretariado e o Conselho Econôm ico e Social. A Assembleia Geral, com posta de represen tan tes de todos os E stados-m em bros, com u m m áxim o de 5 (cinco) delegados p o r Estado, tem com petência para discu tir e fazer recom endações rela­ tivam ente a qualquer m atéria que for objeto da Carta, a exem plo de m atérias com o paz e segurança internacionais, eleição dos m em bros não-perm anentes do C onselho de Segurança, eleição dos m em bros do C onselho E conôm ico e Social, eleição dos m em bros do C on­

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selho de Tutela, adm issão de novos m em bros para a organização e suspensão ou expulsão dos já existentes, aprovação de em endas à Carta etc. E m relação à proteção dos direitos hum anos a Assembleia Geral tam bém tem u m papel im portante. Veja-se, em especial, o art. 13, § 1.°, da C arta da ONU: “A A ssem bleia G eral iniciará estudos e fará recom endações destinadas a: (...) b) prom over cooperação in ternacional nos terrenos econôm ico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos hum anos e das li­ berdades fundam entais, p o r parte de todos os povos, sem distinção de raça, lingua ou religião (...)”. Cada m em bro da Assembleia Geral da ONU tem direito a u m voto (arts. 9.°, § 1.°, e 18, § 1.°), sendo que as decisões im p o rtan tes seguem o p rin cípio m ajoritário, devendo ser tom adas pelo voto da m aioria de 2/3 dos m em bros presentes e votantes. Incluem as questões im portantes aquelas enunciadas no art. 18, § 2.° (recom endações relativas à m anutenção da paz e da segurança internacionais, à eleição dos m em bros não perm anentes do C onselho de Segurança, à eleição dos m em bros do C onselho Econôm ico e Social, à eleição dos m em bros do C onselho de Tutela, à adm issão de novos m em bros das Nações U nidas, à suspensão dos direitos e privilégios de m em bros, à expulsão dos m em bros, e ainda às questões referentes ao funcionam ento do sistem a de tutela e questões orçam entárias), além de outras, a depender do voto da m aioria dos m em bros presentes e votantes (art. 18, § 3.°). O Conselho de Segurança, po r sua vez, tem como principal atribui­ ção a “m anutenção da paz e segurança internacionais” (art. 24, § 1.°). É com posto po r cinco m em bros perm anentes e dez não-perm anentes. Membros perm anentes são a China, a França, o Reino Unido, os Estados U nidos, e, desde 1992, a Rússia, que sucedeu à URSS. Os m em bros não perm anentes são eleitos pela Assembleia Geral, com m andato de dois anos, considerando a contribuição dos m em bros para os propósitos das Nações U nidas e a distribuição geográfica equitativa (art. 23, §§ 1.° e 2.°). É proibida a reeleição dos m em bros não-perm anentes para o período subsequente ao m andato. Cada m em bro do C onselho de Segurança tem, dentro do órgão, u m representante e, portanto, o di­ reito de um voto apenas. Nos term os do art. 32 da Carta das Nações Unidas, “qualquer m em bro das Nações Unidas que não for m em bro do Conselho de Segurança, ou qualquer Estado que não for m em bro das

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Nações Unidas será convidado, desde que seja parte em um a contro­ vérsia subm etida ao C onselho de Segurança, a participar, sem voto, na discussão dessa controvérsia”. O Conselho de Segurança determ inará, também, “as condições que lhe parecerem ju stas para a participação de u m Estado que não for m em bro das Nações U nidas”. Entre as suas atribuições, podem ser destacadas as relativas à aplicação de sanções econôm icas aos Estados ou outra m edida capaz de evitar qualquer tipo de agressão; a atinente às recom endações à Assembleia Geral de admissão de novos m em bros, bem como as condições sob as quais os Estados poderão tom ar-se parte do Estatuto da Corte Internacional dejustiça; a relativa à suspensão ou expulsão de Estados-m em bros da Organização etc. O Conselho de Segurança é assessorado, em questões de caráter m ilitar, p o r um a comissão de Estado-M aior form ada pelos Chefes de Estado-M aior, dos m em bros perm anentes do Conselho de Segurança, investida das responsabilidades de direção das forças ar­ m adas colocadas p o r tais m em bros à disposição do Conselho. A Corte Internacional dejustiça, principal órgão judicial das Na­ ções U nidas, com sede em Haia (H olanda), é com posta p o r quinze juizes (art. 92 da Carta das Nações U nidas e art. 3.° do Estatuto da Corte Internacional d eju stiça) eleitos pela Assembleia Geral da ONU em ato conjunto com o Conselho de Segurança, para um m andato de nove anos, com possibilidade de reeleição. Tais juizes são eleitos entre as pessoas indicadas pelos grupos nacionais da Corte Perm anente de Arbitragem. A escolha não se dá em razão de sua nacionalidade, mas sim levando-se em conta sua capacitação pessoal. No seu conjunto, o corpo de juizes deve representar as mais altas formas de civilização e os principais sistem as jurídicos do m undo contem porâneo. São veda­ dos dois juizes da m esm a nacionalidade na Corte. O disciplinam ento da CIJ é fixado pelo seu Estatuto, que foi anexado à Carta das Nações Unidas. Tem a Corte com petência contenciosa e consultiva, estando som ente os Estados, contudo, habilitados a serem partes em questões perante ela (art. 34, § 1.°, do Estatuto da CIJ). Todos os m em bros das Nações Unidas, nos term os do art. 93 da Carta, são, ipsofacto, partes do E statuto da C orte Internacional d e ju stiça . Isto não im pede que u m Estado que não seja m em bro das Nações Unidas se tom e parte no Estatuto da CIJ, o que irá depender das condições que serão determ i­ nadas pela Assembleia Geral, m ediante recom endação do Conselho de

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Segurança. Cada Estado-m em bro das Nações Unidas se compromete a aceitar as decisões proferidas pela CIJ em qualquer caso em que esse Estado for parte. Se um a das partes n u m caso deixar de cum prir as obrigações que lhe incum bem em virtude de sentença proferida pela Corte, a outra terá direito de recorrer ao Conselho de Segurança que poderá, se julgar necessário, fazer recom endações ou decidir sobre m edidas a serem tom adas para o cum prim ento da sentença (art. 94, §§ 1.° e 2.° da Carta das Nações Unidas). A Assembleia Geral ou o Conse­ lho de Segurança poderá solicitar parecer consultivo da Corte, sobre qualquer questão de ordem jurídica. O utros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembleia Geral, poderão tam bém solicitar pareceres consultivos da Corte sobre questões jurídicas surgidas dentro da esfera de suas atividades (art. 96, §§ 1.° e 2.°). Por regra, a jurisdição da CIJ é facultativa aos Estados, devendo a m esm a declarar-se incom petente para o julgam ento de litígios envolvendo Estados que não aceitaram expressam ente a sua jurisdição contenciosa. Esta cláusula optativa, tam bém cham ada de “cláusula Raul Fernandes” (porque proposta por este intem acionalista brasileiro), encontra-se no art. 36, § 2.°, alíneas a a d, do Estatuto da CIJ. O Conselho de Tutela, cuja com petência atém-se ao sistem a inter­ nacional de tutela estabelecido pela Carta da ONU, tem p o r objetivo o fom ento do progresso político, econôm ico, social e educacional dos habitantes dos territórios tutelados e o seu desenvolvim ento progres­ sivo para alcançar governo próprio ou independência (art. 76, letra b, da Carta). O sistem a de tutela, entretanto, já se encontra superado desde 1960, ano em que as Nações U nidas concluíram a Declaração sobre a Concessão de Independência para os Países e Povos Coloniais. O Secretariado da ONU é chefiado pelo Secretário-Geral, que é o principal e mais alto funcionário internacional da ONU, indicado para um m andato de cinco anos pela Assembleia Geral, a partir de recom en­ dações do C onselho de Segurança (art. 97). O Secretário-Geral exerce funções em todas as reuniões da Assembleia Geral, do Conselho de Segurança, do Conselho Econôm ico e Social e do Conselho de Tutela, e desem penha outras funções que lhe são atribuídas p o r estes órgãos. A nualm ente apresenta relatórios à Assembleia Geral e faz recom en­ dações ao Conselho de Segurança em relação a qualquer assunto que

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em sua opinião possa ameaçar a m anutenção da paz e da segurança internacionais (arts. 98 e 99). O utra função do Secretariado, bastante im portante, é a de registro dos tratados internacionais ratificados pelos Estados-m em bros da Organização (art. 102). O Conselho Econômico e Social é com posto p o r 54 m em bros eleitos pela A ssem bleia G eral, m ed ian te dois terços dos E stados presentes e votantes para u m período de três anos. D ezoito m em bros do C onselho são eleitos a cada ano para u m período de três anos, p o ­ dendo, ao term inar esse prazo, ser reeleitos para o período seguinte. Na prim eira eleição, realizada depois de elevado o núm ero de vinte e sete para cinqüenta e quatro m em bros, vinte e sete m em bros adi­ cionais foram eleitos, além dos m em bros eleitos para a substituição dos nove m em bros cujo m andato expira no fim daquele ano. Desses vinte e sete m em bros adicionais, nove são eleitos para u m m andato que expira ao fim de u m ano, e nove outros para um m andato que expira ao fim de dois anos, de acordo com disposições adotadas pela Assem bleia Geral. Cada m em bro do C onselho Econôm ico e Social terá nele um representante (art. 61, §§ 2.0,3 .°e 4 .°). O C onselho tem com petência para prom over a cooperação em questões econôm icas, sociais e culturais, in cluind o os direitos hum anos. Nos term os do art. 62, § 1.°: “O C onselho Econôm ico e Social fará ou iniciará es­ tudos e relatórios a respeito de assuntos internacionais de caráter econôm ico, social, c u ltu ra l, ed ucacio n al, san itário e conexos, e poderá fazer recom endações a respeito de tais assuntos à Assembleia Geral, aos m em bros das N ações U nidas e às entidades especializadas interessadas”. Pelo § 2.° do m esm o artigo: “Poderá igualm ente fazer recom endações destinadas a prom over o respeito e a observância dos direitos hum anos e das liberdades fundam entais para todos”. O C onselho Econôm ico e Social poderá, ainda, nos term os do art. 68 da Carta, criar as com issões que forem necessárias ao desem penho de suas funções. N este sentido é que foi criada a Com issão de D ireitos H um anos da ONU, estabelecida em 1946, integrada p o r cinqüenta e três m em bros governam entais eleitos, para um m andato de três anos, pelo C onselho Econôm ico e Social. A Declaração U niversal dos Direi­ tos H um anos, os Pactos, as C onvenções e vários outros instrum entos internacionais de proteção dos direitos hum anos adotados pela ONU foram , p o r exem plo, redigidos pela Com issão de D ireitos H um anos

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das Nações U nidas. Esta Com issão, contudo, foi substituída, em 15 de m arço de 2006, pelo atual Conselho de Direitos Humanos, aprova­ do pela Assem bleia G eral da organização p o r 170 votos a favor, com quatro votos contra (Israel, Ilhas M arshall, Palau e Estados U nidos) e três abstenções (Bielorússia, Irã e V enezuela). O novo Conselho conta agora quarenta e sete m em bros, núm ero m enor do que havia na an ­ tiga Com issão. Frise-se que enquanto a antiga Comissão de D ireitos H um anos era órgão vinculado ao Conselho Econôm ico e Social (cujo estudo ora nos ocupa), o atual Conselho de Direitos Humanos passa a ser órgão subsidiário da Assembleia Geral da ONU. A criação do Conselho, em substituição ao antigo órgão, decorreu da necessidade de dar m elhor (e concreta) aplicabilidade aos princípios de direitos hum anos universalm ente reconhecidos (universalidade, indivisibi­ lidade, interdependência e inter-relacionariedade). As decisões do C onselho Econôm ico e Social são tom adas pela m aioria de votos dos m em bros presentes à reunião deliberativa. Além destes órgãos principais das Nações Unidas, tam bém po ­ dem ser criados outros órgãos subsidiários, quando isso se m ostrar necessário (art. 7.°, § 2.° da Carta das Nações Unidas). 4. O rg a n ism o s e sp e c ia liz a d o s d a O N U : as N ações U nidas dispõem tam bém , para a consecução de suas atividades, de organis­ m os especializados, em razão da im portância que detêm determ inadas m atérias no contexto das relações internacionais m odernas. Seguindo, com alguma pouca variação, o roteiro do Prof. Luis Ivani de A m orim Araújo, pode-se apresentar os organismos especiali­ zados da ONU (com exceção da OMC, que não é agência especializada da ONU, estando aqui inserida apenas p o r questão didática) como sendo os seguintes: a) a Organização Internacional do Trabalho, criada em 1919 (à época da Liga das N ações), que incorporou a Declaração de Filadélfia, de 1944, como anexo à Constituição da OIT, em outubro de 1946; b) a Organização da Aviação Civil (OACI), criada p o r convenção firmada em 1944, cujos objetivos principais são os de desenvolver téc­ nicas de aeronavegação internacional, a fim de obter m aior segurança devoo etc.;

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c) a O rganização das N ações U nidas para a A lim entação e a A gricultura (FAO), sediada n a cidade de Roma, tendo entrado em vigor em 16.10.1945, cujas m etas principais são aum entar o nível de alim entação e a expectativa de vida do planeta, m elhorar o sistem a de distribuição de produtos agrícolas, bem como im plem entar m elhoria das condições de vida das populações rurais; ã) a Organização das Nações U nidas para a Educação, a Ciência e a C ultura (U nesco), nascida em 4.12.1946, sediada em Paris, com o objetivo de fom entar a educação, a ciência e a cultura da sociedade internacional; e) a Organização M eteorológica M undial (OMM), com sede em Genebra, cuja finalidade é trazer m elhorias no cam po m eteorológico entre todos os Estados, com o estabelecim ento de redes de estações capazes de proporcionar inform ações m etereológicas atualizadas a serem com unicadas a todos; f) a Organização M undial de Saúde (OMS), cuja finalidade é a de alcançar o índice m ais elevado de saúde para todos os povos do pla­ neta, com batendo a m ortalidade infantil, fom entando a recuperação de portadores de deficiência etc.; g) a O rganização M arítim a In tern acio n al (O M I), sediada em Londres, que tem p o r finalidade criar m ecanism os adequados entre os Estados de cooperação em m atéria m arítim a internacional; h) o Fundo M onetário Internacional (FMI) e o Banco Internacional paraaReconstruçãoeDesenvolvimento (BIRD ou Banco Mundial). O FMI foi criado por força da Conferência M onetária e Financeira das Nações Unidas, de 1944, já no quadro da preparação do pós-guerra, destinada a promover a cooperação internacional nos campos monetário e comercial, garantindo a estabilidade do câmbio e minim izando o desequilíbrio das balanças internacionais de pagamento, no intuito de evitar as políticas de “empobrecimento do vizinho” surgidas durante a grande depressão de 1929 a 1933 e que, de alguma forma, estiveram na base da evolução econômica e política posterior a esse período. Na mesma ocasião, ju n ­ tamente com o FMI, também foi criado o BIRD (ou Banco M undial); i) a Organização M undial do Comércio (OMC), criada em 1994, tendo iniciado suas atividades em 01.01.1995, em decorrência da alte­

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ração do GATT (General Agreement ofTariffs and Trade), levada a efeito pelo Protocolo de M arrakesh. É sediada em Genebra e tem como obje­ tivo a supressão gradual das tarifas alfandegárias que tornam difíceis e discrim inem as relações comerciais internacionais. Como já se falou, a OMC não é um a “agência especializada” da ONU, não sendo qualquer das suas atividades coordenada pelas Nações Unidas, como se depreende do seu próprio acordo constitutivo. Mas tal fato não retira da organização a sua enorm e im portância para a regulação do comércio internacional; j) a União Postal U niversal (UPU), com sede em Berna (Suíça), cuj o objetivo é a unificação das tarifas postais internacionais e fom entar o aperfeiçoam ento dos serviços postais em todos os Estados-membros; I) a U nião Internacional de Telecom unicações (U IT), sediada em Genebra, que tem como finalidade a m elhoria e o uso apropriado dos serviços de telecom unicações, inclusive no que diz respeito às com unicações espaciais (via satélite), que dem andam cooperação internacional dos Estados; m) a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), com sede em Viena, que tem p o r objetivo im por o controle da energia atômica no planeta, destinando a sua utilização para fins pacíficos; n) a O rganização das Nações U nidas para o D esenvolvim ento Industrial (ONUDI), tam bém sediada em Viena, instituída em 1996, com a finalidade de favorecer e estim ular a industrialização dos países em desenvolvim ento, em consonância com os propósitos da Carta das Nações Unidas; o) a Organização M undial de Turismo (OMT), com sede em Madrid, cujo objetivo é o de desenvolver o turism o, contribuindo para o desenvolvim ento econôm ico, a cooperação internacional, a paz, a prosperidade e o respeito dos direitos hum anos e liberdades funda­ m entais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e p) a O rganização M undial da Propriedade Industrial (OM PI), com sede em Genebra, que visa autorizar a propriedade intelectual, concedendo aos Estados que dem andem seus serviços a devida pro­ teção técnica. Todos estes organismos especializados da ONU têm po r finalidade conjunta a m elhoria das condições de vida em todo o planeta. Eles

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almejam alcançar a paz e a segurança internacionais, de acordo com os propósitos estabelecidos pela Carta das Nações Unidas. Em sum a, o que se visa com a instituição de tais organism os internacionais é o progresso da hum anidade, sem pre com finalidades pacíficas e contrá­ rias a qualquer tipo de agressão e uso da força em geral. 5. O rg a n iz aç õ e s regionais: as organizações intergovem am entais regionais e sem i-regionais com põem u m outro grupo im portante de instituições internacionais. Tais instituições, da m esm a form a que aquelas de caráter global, tam bém são form adas p o r tratados constitu­ tivos e têm atribuições especificadas pela respectiva carta instituidora. Tratam de problem as específicos das regiões a que pertencem , como política regional, integração cultural e econômica, bem como assuntos m ilitares com uns etc. Algum as dessas organizações regionais, como verem os, gozam de p o d er supranacional, com o é o caso da C om unidade Européia. O utras apenas têm autoridade para form ular recom endações de cará­ ter obrigatório, bem como projetos de tratados. M uitas têm tam bém autoridade para criar norm as de direito internacional, contudo de form a u m pouco m ais lim itada que as organizações internacionais de caráter global. Entre as organizações regionais de m aior im portância estão o Con­ selho de Europa (C E), a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a União Africana (UA). Destas organizações regionais a m ais antiga é a OEA. Sua Carta foi assinada em Bogotá, Colômbia, em 30.04.1948, por ocasião da IX Conferência Interam ericana, tendo entrado em vigor no dia 13.12.1951. Posteriorm ente, a Carta da OEA foi reform ada pelos Protocolos de Buenos Aires, em 1967, de Cartagena das índias, em 1985, de W ashington, em 1992, e de M anágua, em 1993. Cada um a dessas organizações acima citadas pode estabelecer regras específicas de adm issão de determ inado Estado como m em ­ bro. O Conselho de Europa, p o r exem plo, coloca como condição de ingresso estarem os Estados com prom etidos com a noção jurídica de Estado de direito e que garantam o gozo dos direitos hum anos (art. 3.° do seu Estatuto). Este dispositivo im pediu, po r exem plo, que Por­ tugal e Espanha ingressassem no Conselho de Europa enquanto não estabelecessem regimes dem ocráticos.

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Quanto à OEA, atualm ente está aberta a todos os Estados indepen­ dentes do hem isfério. E a UA está aberta a qualquer “Estado africano soberano e independente”, nos term os do art. IV da sua Carta. A pesar de suas diferenças institucionais, os objetivos das três instituições regionais assinaladas é o de prom over a cooperação regio­ nal, em diferentes áreas, entre os Estados que as compõem. Para tanto, foram concluídos inúm eros tratados internacionais sob os auspícios de tais organizações levando-se em conta estes objetivos e finalidades. Uma das preocupações de tais organizações, também, é a prom o­ ção e proteção dos direitos hum anos. Nesse sentido m erece destaque, no âm bito da OEA, a Convenção Americana sobre Direitos H um anos (tam bém cham ada de Pacto de San José da Costa Rica), firmada pelos Estados interam ericanos em 1969. 6. O rganizações supranacionais: o conceito de organização supra­ nacional ganhou contornos jurídicos epassou a ter importância prática em 1952, quando entrou em vigência o tratado constitutivo da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA), que fez referência expressa a esta terminologia. À Comunidade Européia do Carvão e do Aço se seguiram a Comunidade Econômica Européia (CEE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (EURATOM), constituídas no ano de 1958. Estas co­ munidades foram posteriorm ente fundidas nas comunidades europeias, também conhecidas como Mercado ComumEuropeu, não obstante ainda mantivessem suas personalidades jurídicas independentes, tendo em vista que as norm as jurídicas dos seus respectivos tratados constitutivos continuam sendo aplicadas a cada um a delas separadamente. As com unidades europeias são, atualm ente, as únicas organi­ zações supranacionais existentes no planeta, e isto é devido ao fato de que elas (e mais nenhum a outra atualm ente) estão dotadas de um poder superior ao das autoridades estatais dos seus respectivos Estados-membros. Portanto, sendo organizações supranacionais, as com uni­ dades europeias gozam de m uito mais autoridade governam ental e de mais poderes legislativos em relação aos seus Estados-partes do que as organizações internacionais tradicionais. A característica m arcante das organizações supranacionais é o poder que elas têm de criar seu próprio direito (suas próprias regras

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ju ríd icas) e de aplicá-lo direta e im ediatam ente aos seus Estados-membros, sem a necessidade de ser im plem entado internam ente, por m eio de espécies norm ativas conhecidas pelo direito intem o, como um a lei, u m decreto, u m regulam ento etc. Tais características som adas dão às com unidades europeias um a especial força norm ativa e u m papel de destaque no cenário m undial, na m edida em que se situam com o as únicas a deterem o status de organização supranacional atualm ente. 7. Leitura c o m p le m e n tar: 1. 2. 3.

ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002. ITUASSU, Oyama César. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986. SEITENFUS, Ricardo. Manual das organizações internacionais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, eampl. São Paulo: RT, 2012; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direito das organizações internacionais. 2. ed. rev. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002; MELLO, Celso D. de Albuquer­ que. Curso de direito internacional público. 15. ed. rev. e anm. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. v. 01; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor; GROSSMAN, Cláudio; MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; TAVARES, Ricardo Neiva. As organizações não-govemamentais nas Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco/Fundação Alexandre de Gusmão, 1999.

C a p ít u l o X III S o l u ç õ e s P acíficas de C o n t r o v é r s ia s I n t e r n a c io n a is

1. In tr o d u ç ã o : a so cied ad e in te rn a c io n a l dos E stad o s, da form a com o está organizada ju rid icam en te, não escapa a todos os desconfortos e d esen ten d im en to s pelos quais n o rm alm en te passa a v ida em gru p o . A ex istên cia de ch oq ues, conflitos, d isp u tas e b atalh as no seio da sociedade in tern acio n al decorre das diferenças e dos interesses h u m an o s, que são os m ais variados possíveis em q uaisq u er cam pos de interesse. Mas ainda que este fato constatado seja um a verdade inafastável, a sociedade in tern acio n al está sem pre n a busca de m eios ju ríd ic o s p ara a solução de suas controvérsias, a fim de p o d er estam par m ais segurança e tran q ü ilid ad e às relações in tern acio nais. U m dos m otivos m ais im p o rtan tes da criação desse sistem a ju ríd ico de solução de controvérsias reside no fato de não existir no cenário intern acio n al, pelo m enos p o r enquanto, um a autoridade suprema capaz de d ita r regras de conduta e fazer exigir o seu cum ­ prim en to p o r p arte dos Estados e das organizações internacionais. D iferentem ente do que ocorre no direito in tern o , onde existe u m texto constitucional dando vida ao Estado, não existe n o direito in ­ tern acion al u m corpo de norm as ju ríd icas com autoridade máxim a em m atéria de conflitos externos. Daí a necessidade que se tem , no direito in tern acio n al público, de sem pre buscar m eios e soluções a priori pacíficas dos conflitos de interesses que ocorrem d iu tu rn am en te na cena internacional. 2. C o n c e ito d e c o n tro v é rsias in tern acio n ais: foi prim eira­ m ente em 1924, no caso Mavrommatis, e posteriorm ente em 1962, no caso do Sudoeste africano, que a C orte Internacional de Justiça trouxe à baila o conceito de controvérsia internacional (CPJI, 1924, Série A, 2 a 13; e CIJ, 1962, Objeções Prelim inares 319, p. 344-346,

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respectivam ente). Segundo o que ali ficou expresso, p o r controvérsia internacional se entende todo desacordo existente sobre determ inado p onto de fato ou de direito, ou seja, toda oposição de interesses ou de teses jurídicas entre dois Estados (ou, eventualm ente, grupos de Estados) ou O rganizações Internacionais (vejam-se os problem as en­ frentados pela ONU com Israel, quando do atentado contra o Conde B em adotte em jeru salém ), podendo ter natureza econôm ica, política, cultural, científica etc. Portanto, um a controvérsia internacional não é som ente aquela grave entre Estados ou Organizações Internacionais, como guerras ou dem ais form as de conflitos arm ados, mas tam bém assuntos m ais sim ples e de m enor relevância, como eventual dúvida sobre a interpretação de determ inada cláusula de um tratado concluído entre as partes etc. Não obstante as Organizações Internacionais tam bém poderem envolver-se em conflitos internacionais, som ente os Estados (e mais n enh u m outro ente internacional) podem subm eter-se à jurisdição contenciosa da Corte Internacional dejustiça, como veremos. O papel de tais organizações para o instituto da solução pacífica de controvérsias internacionais, contudo, é de extrem a im portância, porque é no seio de m uitas delas (como é o caso das Nações U nidas) que são abertos os debates e as negociações entre Estados visando à solução pacífica dos conflitos existentes entre eles. 3. Finalidade d a m atéria: a m atéria em pauta tem dupla fina­ lidade: 1) solucionar as controvérsias entre Estados e Organizações Internacionais (finalidade impeditiva); e 2) prevenir o recurso ao uso da força no plano internacional (finalidadepreventiva). Esta segunda finalidade tem o seu com ando dirigido diretam ente aos Estados, que devem sempre, em prim eiro plano, buscar soluções amistosas para as suas divergências e conflitos, antes de se utilizarem da força arm ada para a solução das controvérsias. Buscar-se-á descrever abaixo os meios diplom áticos (não judiciais), os meios políticos e os meios jurisdicionais de solução pacífica das controvérsias que se produzem no cenário internacional contem porâneo. 4. As regras d a C a rta d as N a çõ e s U nidas e d a C arta d a OEA: a Carta das N ações U nidas dedica o seu C apítulo VI inteiro, deno­

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m inado Solução Pacífica de C ontrovérsias, ao estudo do tem a, assim estabelecendo: “Art. 33. 1. As partes em um a controvérsia, que possa vir a constituir um a ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a um a solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem , solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. 2 .0 Conselho deSegurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, p o r tais meios, suas controvérsias”. N a Carta da Organização dos Estados Americanos, de 1948, as regras relativas à solução pacífica de controvérsias internacionais se encontram no seu Capítulo V, devendo-se destacar especialm ente as disposições dos arts. 25 e 26, nestes termos: “Art. 25. São processos pacíficos: a negociação direta, os bons ofícios, a m ediação, a investigação e conciliação, o processo judicial, a arbitragem e os que sejam especialm ente com binados, em qualquer m om ento, pelas partes”. “Art. 26. Q uando entre dois ou m ais Estados am ericanos surgir um a controvérsia que, na opinião de u m deles, não possa ser resolvida pelos m eios diplom áticos com uns, as partes deverão convir em qual­ quer outro processo pacífico que lhes perm ita chegar a um a solução”. A classificação das soluções pacíficas de controvérsias interna­ cionais que aqui se levará em conta, divide-as em meios diplomáticos (não judiciais), meios semijudiciais e meios judiciais. H ierarquia d o s m eio s d e solu ção d e controvérsias: à ex­ 5. ceção do inquérito, que busca apurar a verdade dos fatos ocorridos no território de determ inado Estado e, portanto, é sem pre prévio à via posterior de solução de conflitos, os dem ais meios de solução pacífica de controvérsias figuram dentro de u m m esm o plano de igualdade jurídica, não havendo hierarquia entre eles. Isto se constata da veri­ ficação do cenário internacional contem porâneo, que aponta sem pre para um a pluralidade dos m eios de solução de conflitos internacionais, facultando às partes envolvidas na disputa a escolha de cam inhos al­ ternativos e concom itantes para a resolução de seus problem as, tudo

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dependendo da natureza do litígio e da preferência dos envolvidos por u m ou por outro meio pacífico de solução de controvérsias. Q uando prejudicada um a via de solução de conflitos, as partes têm a faculdade de escolher outra, sem que isso im porte em violação de u m roteiro predeterm inado. É im p o rtan te lem b rar que a C onstituição brasileira de 1988 estabelece, no art. 4.°, inc. VII, que u m dos princípios pelos quais o Brasil se rege nas suas relações internacionais é o da solução pacífica dos conflitos. 6. M eios d ip lo m ático s (não judiciais): os processos diplom á­ ticos (não judiciais) de solução de controvérsias caracterizam -se pela existência de um foro de diálogo entre as partes divergentes, exercitado p or meio de conversações am istosas, buscando encontrar u m deno­ m inador com um para a satisfação dos interesses de ambas as partes envolvidas n um conflito internacional. Os meios diplom áticos e os meios políticos (estes querendo deno­ m inar os meios de solução de controvérsias existentes no âm bito das organizações internacionais) têm em com um o fato de carecerem da imposição proveniente do im pério do direito. A função dos conciliado­ res e m ediadores é diam etralm ente oposta à dos juizes e dos árbitros, porquanto neste últim o caso existe a obrigação legal de dar solução para o caso concreto, obrigação esta inexistente nos demais meios (não judiciais) de solução pacífica de controvérsias internacionais. Ainda que com sacrifício de regras legais, os conciliadores e m ediadores terão cum prido seu papel se conseguirem chegar a um bom term o nas nego­ ciações de resolução do conflito para o qual foram cham ados a atuar. A negociação é o prim eiro meio diplom ático de resolução pacífica de controvérsias internacionais. Consiste no entendim ento direto a que chegam os Estados, p o r meio de comunicação diplomática, podendo ser m anifestada oralm ente (que é a m aneira mais com um ) ou p o r escrito (por m eio de troca de notas diplom áticas). As partes fazem concessões m útuas (transigem ) a fim de chegar a um a solução satisfatória entre elas, no que tange à resolução do conflito envolvendo a ambas. Este meio de solução pacífica de controvérsias internacionais poderá assum ir a forma de negociações bilaterais (entre dois sujeitos de

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direito internacional público) ou de negociações multilaterais (entre três ou mais sujeitos de direito internacional público), ocorrendo norm al­ m ente durante as sessões de conferências ou congressos internacionais ou, ainda, no decorrer de um a reunião ordinária ou extraordinária de determ inada organização internacional intergovem am ental. As negociações têm como característica fundam ental o fato de estarem revestidas de grande informalidade, podendo se dar a qualquer tem po dentro do período de conflito. Os bons ofícios, apesar de não m encionados pela Carta das N a­ ções U nidas, são tam bém m eios diplom áticos de solução pacífica de controvérsias internacionais. P or eles, determ inado terceiro, sponte sua, oferece sua colaboração com vistas a resolver determ inada con­ trovérsia internacional entre dois Estados ou O rganizações In tern a­ cionais. Este terceiro, que pode ser u m Estado ou m esm o u m alto funcionário de determ inada Organização Internacional, com o po r exem plo o Secretário G eral da ONU, se lim ita a aproxim ar as partes e proporcioná-las u m cam po neutro de negociação internacional, sem se introm eter nas discussões entre ambas. A iniciativa de prestar os bons ofícios é, em geral, determ inada pelo próprio terceiro, alheio à controvérsia e sem dem ais interesses no patrocínio de benefícios ou vantagens a qualquer das partes. Tem-se tam bém como meio diplom ático de solução pacífica de controvérsias internacionais o cham ado sistema de consultas. Por ele, os Estados ou Organizações Internacionais consultam -se m utuam ente sobre os pontos de controvérsia dos seus interesses, o fazendo ao longo do tem po, preparando terreno para um a futura negociação, onde essas mesm as partes colocarão à mesa os pontos que j á vinham considerando controversos entre elas para, ao final, chegar a um a solução amistosa de suas pendências. Em outras palavras, as consultas - quase sem pre expressas em tratados - servem de base para um a negociação posterior sobre determ inado ponto de direito, envolvendo as partes em litígio. A mediação e a conciliação são, ainda, outras duas formas diplo­ m áticas de solução pacífica de controvérsias internacionais. A prim ei­ ra consiste, assim como nos bons ofícios, na ajuda de um terceiro. A diferença é que, aqui, o terceiro (m ediador) não apenas aproxim a as partes para que resolvam suas controvérsias, m as efetivamente toma

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conhecim ento do problem a e propõe um a solução pacífica a am bas. Na m ediação, ao invés de som ente colocar os adversários frente a frente para tratarem diretam ente de seus problem as comuns, o terceiro Estado se tom a parte ativa das negociações e se coloca à frente do problem a a fim de, ju n to aos dem ais, tentar resolver o conflito da m elhor forma possível para as partes envolvidas no litígio. O m ediador de um con­ flito internacional h á de ter sem pre credibilidade p o r parte de ambas as partes envolvidas na controvérsia, não havendo que se falar em mediação quando existe um a negativa de aceitação do m ediador por parte de u m dos Estados. O fim da m ediação se dá quando as partes chegam a u m bom term o no acordo ou quando as m esm as recusam as sugestões e os conselhos do m ediador. A conciliação, po r sua vez, caracteriza-se em não ter apenas um conciliador, como ocorre na m ediação, m as um a comissão de concilia­ dores, com posta p o r representantes dos Estados envolvidos no litígio e tam bém po r pessoas neutras ao conflito. Este grupo de pessoas (cujo núm ero deve ser obrigatoriam ente ím par), em ite ao final u m parecer ou relatório propondo a solução do conflito pelos term os que decidi­ ram p o r m aioria de votos. O relatório dos conciliadores, entretanto, não tem força vinculante para as partes, e só será observado quando ambas assim desejarem. Por fim, tem -se como últim a form a de solução diplom ática de controvérsias internacionais o inquérito (tam bém cham ado de inves­ tigação ou factfindings), m uito com um no interior de Organizações Internacionais, p or m eio do qual form a-se um a comissão de pessoas que têm por encargo apurar os fatos (ainda ilíquidos) ocorridos entre as partes, preparando-as para o ingresso num dos meios de solução pacífi­ ca de controvérsias internacionais, im plicando o dever dos Estados em suportar a presença de pessoas ou comissões em seus territórios, bem como o dever de fom ecer-lhes os dados necessários ao bom term o das investigações. O inquérito, portanto, só terá lugar quando um a situação de fato reclam ar investigação, como, p or exemplo, a averiguação do regime geral de proteção dos direitos hum anos, os controles relativos a desarm am ento e a arm as nucleares e de destruição em massa etc. 7. M eios políticos: dentro dos m eios políticos de solução pací­ fica de controvérsias internacionais, destaca-se o papel exercido tanto

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pela Assembleia Geral como pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. D iferentem ente da mediação, os m eios políticos de solução de conflitos, dentro do seio da ONU, podem se dar sem o conhecim ento de um a das partes envolvidas na controvérsia, quando a outra recorre à Assembleia Geral ou ao Conselho de Segurança da ONU, buscando a via satisfativa do seu direito que entende foi violado. Mas não é toda controvérsia que poderá chegar à análise da Assembleia Geral ou do Conselho de Segurança da ONU. Tais controvérsias devem ser graves e de difícil resolução. Em casos de conflitos graves e de difícil solução entre Estados, a ONU poderá, além da emissão de recomendações e resoluções (preven­ do, p or exem plo, u m cessar-fogo), utilizar-se da força arm ada m ilitar que os seus m em bros disponibilizam a seu favor. Os meios políticos de solução de controvérsias utilizados pelas Nações Unidas têm sido criticados quando o Estado faltoso (aquele que viola o direito interna­ cional) faz parte do corpo perm anente do Conselho de Segurança da ONU, como foi o caso dos Estados U nidos da América, que não sofreu qualquer sanção pela invasão arbitrária do Iraque. M uitos Estados se utilizam da disposição do art. 2.°, § 7.°, da Carta das Nações U nidas, que prevê o im pedim ento de introm issão da ONU em assuntos “que dependam essencialm ente da jurisdição in tem a de qualquer Estado”, para tentar im pedir as tentativas das Nações Unidas de restabelecer a paz e a segurança da região em conflito, ainda mais quando se entende que o descum prim ento de um a recom endação ou de um a resolução do Conselho de Segurança da ONU não configura um ato ilícito internacional (este som ente se faria presente em caso de descum prim ento de um a sentença judicial ou de um laudo arbitrai). 8. M eios sem ijudiciais: para abordar corretam ente este tópico é necessário diferenciar a arbitragem e os meios judiciais de solução de controvérsias das outras técnicas de resolução de conflitos estudadas nos itens anteriores. A arbitragem e os m eios judiciais de resolução de controvérsias se diferenciam das dem ais técnicas de solução de litígios internacionais pelo fato de serem , ambos, obrigatórios para as partes em litígio. Os laudos arbitrais têm o mesmo efeito cogente de um a sentença de tribunal internacional. A única diferença é que o tribunal arbitrai, ao contrário de um tribunal judicial internacional,

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não tem jurisdição perm anente. Os tribunais judiciais internacionais têm sua composição fixa e previam ente estabelecida para a resolução de conflitos internacionais, o que não ocorre com a arbitragem , cuja formação do tribunal é específica para determ inado caso concreto. Desde a instituição de suas prim eiras regras, introduzidas cer­ tam ente pelos rom anos e posteriorm ente pelo Papado, a arbitragem vem se desenvolvendo em ritm o crescente no plano internacional, ganhando atualm ente novos contornos e um m aior dinam ism o. M o­ dernam ente, a arbitragem é utilizada pela generalidade dos Estados e organizações internacionais como um meio ágil e seguro de solução de controvérsias internacionais, constando de inúm eros tratados e docum entos da atualidade. Em linhas gerais, a arbitragem consiste na criação de um tribunal form ado p o r árbitros de vários Estados, escolhidos pelos litigantes, p or sua notória especialidade na m atéria envolvida. N orm alm ente o tribunal arbitrai é composto p o r três membros: dois deles de nacionali­ dade de cada um a das partes envolvidas na controvérsia, e u m terceiro escolhido de com um acordo pelas partes, de nacionalidade diferente. Tem a arbitragem u m caráter de solução ad hoc, com poderes predeterm inados, estabelecidos pelos litigantes a u m ju lg a d o r ou a u m colegiado, com a função de dirim ir os litígios internacionais surgidos entre elas. As atribuições e os poderes dos árbitros devem constar expressam ente do com prom isso que as partes elegeram para nortear as suas atividades. Em caso de obscuridade os árbitros têm a faculdade de interpretar o texto, não sendo correto afirmar-se que são eles sim ples m andatários das partes e como tal devem se lim itar ao cum prim ento das ordens p o r elas estabelecidas. O que não podem os árbitros fazer é extrapolar o âm bito de suas respectivas com petências a fim de interpretar o texto extensivam ente, em prejuízo de quaisquer das partes bem como do direito em vigor no m om ento. O fiel cum prim ento daquilo que ficou expresso no laudo arbitrai dependerá da boa-fé das partes envolvidas, sob pena de incorrerem num ilícito internacional, podendo o Estado ser responsabilizado pelos prejuízos que fez sofrer o outro de boa-fé. Contra o laudo arbitrai não cabem recursos, porquanto é definitivo (apesar de não executório) e obrigatório para as partes. Os árbitros, um a

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vez realizado o julgam ento arbitrai, se desligam de sua função ad hoc, desincum bindo-se de outras responsabilidades, deixando às partes o encargo de cum prirem fielm ente aquilo que ficou expresso no laudo. A cláusula arbitrai poderá vir expressa em um tratado interna­ cional, b i ou m ultilateral, com a finalidade de dirim ir as dúvidas e os litígios porventura existentes em relação à interpretação desse tratado. Poderá tam bém vir expressa em tratados cuja única função é a de es­ tabelecer .mecanismos rápidos de solução de controvérsias, de variada índole, que possam surgir entre as partes. Tem-se como exem plo, entre tantos outros, o Protocolo para a Solução de C ontrovérsias do M ercosul (“Protocolo de Brasília”), ratificado pelo Brasil em 28.12.1992, e prom ulgado pelo Dec. 922 (DOU 13.09.1993). O art. 7.°, § 1.°, desse Protocolo, v.g., dispõe: “Q uando não se puder solucionar a controvérsia m ediante a aplicação dos procedim entos referidos nos Capítulos II e III, qualquer dos Estados-partes na controvérsia poderá com unicar à Secretaria A dm inistrativa sua intenção de recorrer ao procedim ento arbitrai que se estabelece no presente Protocolo” (veja-se, a propósito, Valerio de Oliveira M azzuoli, O VIII laudo do Tribunal A rbitrai ad hoc do M ercosul e seus fundam entos, Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, ano 10, n. 41, p. 55-68, out.-dez. 2002). O Brasil aprovou, p o r m eio do Dec. Leg. 712, de 14.10.2003, o Protocolo de Olivos para a Solução de Controvérsias no M ercosul, que su b stitu i integralm ente o “Protocolo de Brasília”, adotado em 17.12.1991, e o Regulam ento do Protocolo de Brasília, aprovado pela Decisão CMC 17/98.0 “ProtocolodeO livos”,ratificadoem 02.12.2003 e prom ulgado pelo D ecreto 4.982, de 09.02.2004, disciplina, em seu art. 9 .°, o início da etapa arbitrai, nestes termos: “1. Q uando não tiver sido possível solucionar a controvérsia m ediante a aplicação dos pro­ cedim entos referidos nos Capítulos IV e V qualquer dos Estados-partes na controvérsia po derá com unicar à Secretaria A dm inistrativa do M ercosul sua decisão de recorrer ao procedim ento arbitrai estabeleci­ do no presente Capítulo. 2. A Secretaria A dm inistrativa do M ercosul notificará, de im ediato, a com unicação ao outro ou aos outros Estados envolvidos na controvérsia e ao G rupo Mercado Comum. 3. A Secretaria Adm inistrativa do M ercosul se encarregará das gestões adm inistrativas que lhe sejam requeridas para a tram itação dos procedim entos”.

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A cláusula arbitrai poderá tam bém vir expressa em acordos bila­ terais celebrados pelas partes com a finalidade de dirim ir os conflitos que elas mesm as não conseguiram solucionar p o r outros meios. Os Estados, contudo, não estão obrigados a se subm eter à arbi­ tragem , a m enos que para isso tenham consentido, antes ou depois do conflito surgido entre eles. O descum prim ento pelas partes do compromisso arbitrai constitui ato atentatório ao direito internacional. Mas atenta tam bém à moral internacional do Estado, que, em caso de descum prim ento, fica em total descrédito perante a cena internacional (nas relações com os seus pares, com as organizações internacionais etc.). Daí p o r que, na prática, a esmagadora m aioria dos laudos arbitrais tem sido integralm ente cum prida. 9. M eios judiciais: à m edida que a sociedade internacional se desenvolve, tom a-se cada vez mais prem ente a criação de instâncias judiciais internacionais com com petência para dirim ir os conflitos de interesses porventura existentes entre os Estados. O velho e arraigado conceito de soberania ainda é u m grande óbice à efetivação da ju stiça internacional perm anente, não som ente porque esbarra na vontade de atuação internacional dos Estados (sem a qual as cortes internacionais não poderão atingi-lo), m as tam bém porque m uitas vezes se presta a encobrir injustiças com etidas p o r esses m esm os Estados. Mas não obstante este fato concreto ainda presente no âm bito internacional, já se percebe que é crescente o núm ero de países que vêm com preendendo o im portante papel dos meios judiciais de solução de controvérsias internacionais, principalm ente nas suas funções hum anizadora e apaziguadora de litígios. Os meios judiciais de solução de controvérsias internacionais são integrados pelos cham ados tribunais internacionais de caráter e ju ris­ dição perm anentes. Dos vários tribunais internacionais perm anentes existentes na atualidade, m erece destaque a C orte Internacional de Justiça, com sede na Haia, na Holanda. A Corte da Haia instalou-se em 1920 (data da edição de seu Es­ tatuto, ao tem po da Liga das Nações), com o nom e original de Corte Perm anente d eju stiça Internacional (CPJI), com posta p o r quinze ju ­ izes (onze efetivos e quatro como suplentes). Finda a Segunda Guerra

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M undial (com a criação da agora Organização das Nações U nidas) a Corte da Haia renasce, na mesma sede anterior, mas agora com um novo nome: C orte Internacional de Justiça. O Estatuto da Corte, redigido em 1920, tam bém volta à tona, com m odificações de conteúdo, mas m antendo a m esm a num eração dos artigos. A C orte Internacional de Justiça é, certam ente, o tribunal inter­ nacional m ais im portante e com m aior relevo na atualidade, não só por conta de sua longa e respeitada história (levando-se em conta que em pouco m ais de um a década alcançará u m século de existência), mas tam bém pelo fato de sua jurisdição ser amplíssima: qualquer Estado que tenha aceito asu a com petênciajurisdicionalpodepotencialm ente a ela recorrer para vindicar um a solução para um direito violado, em relação a quaisquer matérias tratadas pelo direito internacional público. O seu acórdão é definitivo e obrigatório para os Estados-partes (valendo aqui tam bém a regra pacta sunt servanda), não im pedindo, entretanto, que as partes ingressem com u m “pedido de interpretação” (correspondente aos nossos embargos declaratórios), requerendo a aclaração de algum ponto am bíguo, omisso ou contraditório do acórdão. Existem tam bém os tribunais regionais especializados, a exemplo da Corte Européia de Direitos H um anos e da Corte Interam ericana de Direitos H um anos (C orte de San José da Costa Rica). De acordo com as regras do direito internacional público, entre­ tanto , não se pode exigir que os Estados subm etam suas controvérsias à jurisdição de um a corte internacional se a isto não tiverem eles consen­ tido . P ortanto, um tribunal internacional não poderá decidir acerca de um a controvérsia internacional da qual faz parte determ inado Estado que não aceitou a sua com petência em relação a ele. Uma vez aceita a com petência do tribunal, o Estado está obri­ gado em relação ao fiel cum prim ento daquilo que foi estabelecido na sentença, devendo cum pri-la de boa-fé, sob pena de responsabilidade internacional. Não sepode deixar de fazer referência, quando se trata de tribunais internacionais, à recente instituição do Tribunal Penal Internacional, pelo Estatuto de Roma de 1998. Este tribunal, que entrou em vigor in ­ ternacional em 01.07.2002, foi ratificado pelo Brasil e já iniciou o seu funcionamento em Haia (H olanda). O Estatuto de Roma é composto por

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u m total de 128 artigos co m u m preâm bulo e treze partes (capítulos), quais sejam: I - criação do Tribunal; II - competência, admissibilidade e direito aplicável; III—princípios gerais de direito penal; IV- composição e administração do Tribunal; V -in q u é rito e procedim ento criminal; VI - o julgam ento; VII - as penas; VIII—recurso e revisão; IX - cooperação internacional e auxílio judiciário; X—execução da pena; XI-Assem bleia dos Estados-partes; XII —financiamento; e XIII - cláusulas finais. A com petência do TPI é subsidiária em relação às jurisdições nacionais. Desde o preâmbulo do Estatuto já fica estabelecido que o tribunal é complementar das jurisdições penais nacionais (princípio da com plem entaridade) e exerce com petência sobre os indivíduos, no que diz respeito àqueles crim es de extrem a gravidade que afetam a sociedade internacional como um todo. Pelo princípio da com ple­ m entaridade, o TPI não pode interferir indevidam ente nos sistem as judiciais nacionais, que continuam tendo a responsabilidade prim ária de investigar e processar os crim es com etidos pelos seus nacionais, salvo nos casos em que os Estados se m ostrem incapazes ou não de­ m onstrem efetiva vontade de p u n ir os seus criminosos. Isto não ocorre com os tribunais internacionais ad hoc, que são concorrentes e têm prim azia sobre os tribunais nacionais. Os crim es referidos pelo preâmbulo do E statuto de Roma são im prescritíveis e p odem ser catalogados em quatro categorias: cri­ m e de genocídio, crim es contra a h um anidade, crim es de guerra e crim e de agressão. A com petência do trib u n al é relativa aos crim es com etidos após a su a in stitu ição , ou seja, depois de 01.07.2002, data em que o seu E statuto entrou em vigor in tern acio n al (art. 11, § 1.°). M esmo assim , nos term os do art. 11, § 2.p do E statuto de Roma, caso u m Estado se to rn e p arte do E statuto depois da sua entrada em vigor, o T ribunal som ente poderá exercer sua com petência para o processo e ju lgam en to dos crim es com etidos depois da entrada em vigor do E statuto nesse E stado, a m enos que este tenha feito um a declaração específica em sentido co n trário , nos term os do § 3.° do art. 12 do m esm o E statuto. As decisões do tribunal devem ser im ediatam ente respeitadas pelos seus Estados-partes. Veja-se o C apítulo X deste livro sobre o problem a da execução in tem a das sentenças proferidas p o r tribunais

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internacionais e tam bém o relacionado à aparente necessidade de ho ­ mologação de tais sentenças pelo STJ (em razão da EC 45/2004), para efeito de aplicabilidade e eficácia no ordenam ento intem o brasileiro. 10. M eios coercitivos: os cham ados meios coercitivos de solução de controvérsias têm lugar quando os atores da sociedade internacional não conseguem chegar a um a solução po r meio do diálogo, ou ainda quando não estão dispostos a resolver o conflito pela via judicial. Para tanto, antes de um ataque m ilitar arm ado ou outra m edida violenta congênere contra o seu adversário, os Estados m uitas vezes se utilizam de certos m eios de coerção internacional para fazer valer a sua vontade, em detrim ento da vontade do outro Estado. A pesar do elem ento coercitivo que caracteriza tais formas de so­ lução de controvérsias, ainda assim eles têm sido considerados pela doutrina como meios de solução pacíficos, porque visam, em últim a análise, a perpetuação da paz. Ainda que tais meios não tenham n a­ tureza p ro priam ente pacífica, po rq ue m otivados pelo uso da força coercitiva, eles representam , entretanto, um a últim a opção estatal antes de qualquer ataque arm ado ou antes do emprego de alguma forma de m aior agressividade. Os meios coercitivos de solução de controvérsias são, m oderna­ m ente, incom patíveis com as regras do direito internacional público, principalm ente se empregados em desacordo ou em desatendim ento à vontade da organização internacional com petente para determ iná-lo. Os meios coercitivos mais com uns utilizados pelos Estados para a satisfação de seus interesses são: a) a retorsão; b) as represálias; c) o embargo; d) a boicotagem ; e) o bloqueio pacífico; e f) o rom pim ento das relações diplom áticas. A retorsão é o m eio pelo qual u m Estado retribui a outro, com a m esm a ênfase, os atos p o r este praticados em seu detrim ento e que lhe acarretaram prejuízos. Ela serve de resposta im ediata ao Estado que, segundo o entendim ento do ofendido, trouxe prejuízos ao uso de um direito seu, p o r m eio de u m ato de leviandade. As represálias, p or sua vez, representam o contra-ataque de um Estado em relação a outro, em virtude de eventual injustiça que este últim o tenha com etido contra aquele ou contra os seus cidadãos. Di­

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ferem da retorsão na m edida em que, nesta, o ato estatal está voltado contra o uso de u m direito de outro, ao passo que nas represálias é o próprio direito do Estado (ou deseus cidadãos) q uejá foi ou está sendo violado. Por meio das represálias u m Estado responde ao ato do outro com um a ilicitude de igual teor; daí ser bastante com um a afirmação de tratar-se da aplicação da Lei de Talião (olho por olho, dente por den­ te)-no direito internacional. Nas represálias sem pre se fará presente o elem ento violência, ainda que esta seja m oral (posto não se adm itirem quaisquer represálias arm adas). Mas frise-se que elas sóm ente ocorrem de Estado para Estado e nãò podem atingir os indivíduos diretam ente (ainda que estes tenham sido o pivô principal do conflito). A lém das represálias pro priam ente ditas, existem tam bém as figuras do embargoe da boicotagem, que são duas m odalidades suas. O cham ado embargo, que foi largam ente em pregado nos períodos relativos às duas grandes guerras m undiais, consiste na prática p o r m eio da qual u m Estado, em tem po de paz, seqüestra navios e cargas de nacionais de país estrangeiro, ancorados em p o rto s seus ou em trânsito nas suas águas territoriais. Trata-se de prática frontalm ente contrária aos princípios e regras do m oderno direito internacional, que deve ser abolida do contexto das relações internacionais contem ­ porâneas. A boicotagem ou boicote (da palavra inglesa boycott), p o r sua vez, consiste na interrupção das relações comerciais com um Estado considerado ofensor dos interesses ou dos nacionais de outro Estado, a fim de obrigá-lo a m odificar sua atitude anteriorm ente adotada, tida como agressiva ou injusta. A boicotagem pode ser privada ou estatal. No prim eiro caso, a interrupção das relações comerciais se dá entre nacionais de um Estado em relação a nacionais de outro, ou ainda em relação a esse próprio Estado. No segundo caso, a m edida conta com o apoio do próprio go­ verno do Estado, caso em que poderá acarretar a sua responsabilidade internacional, se exercida em prejuízo de terceiros. O bloqueio pacífico (tam bém conhecido po r bloqueio comercial) ocorre quando um Estado, sem declarar guerra ao outro (m as p or meio de força àrm ada) im pede que este últim o m antenha relações comer­ ciais com terceiros Estados, fazendo com que se interrom pam todas as com unicações comerciais dos demais países com o Estado bloque­

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ado. Tem-se como exem plo desta m odalidade coercitiva de solução de controvérsias a prática de u m Estado em im pedir que navios ou embarcações de outros países trafeguem pelos portos ou pelas costas de um país (em relação ao qual não se declarou guerra), como forma de obrigar este últim o a proceder de determ inada m aneira, favorável ao Estado autor do bloqueio. É bastante conhecido da sociedade in ­ ternacional o bloqueio que os Estados U nidos da América declararam a Cuba, em decorrência de atos do governo cubano contrários aos interesses dos Estados U nidos. Mas se todos esses m eios coercitivos estudados acima não sur­ tirem efeitos, ainda resta ao Estado ofendido um a últim a alternativa antes da declaração de guerra ao ofensor: o rompimento das relações diplomáticas. Por m eio dela, o Estado ofendido corta definitivam ente as relações de diplom acia com o Estado ofensor. A partir desse m o­ m ento, os passaportes dos representantes diplom áticos instalados no país são devolvidos e a ordem de retirada do pessoal da m issão é im ediatam ente executada. C ontudo, as relações diplom áticas de um país em relação a outro podem ser posteriorm ente reatadas, caso as duas partes entabulem novas negociações nesse sentido, evitando-se u m desconforto intérnacional m aior e, principalm ente, um a guerra declarada entre ambos. Não obstante a existência dos m eios coercitivos no direito in. tem acional como formas de solução de controvérsias entre Estados, m odernam ente o que se presencia é a existência de u m processo coletivo de sanções internacionais, levado a efeito pela Organização das Nações U nidas, em especial pelo seu Conselho de Segurança. A m atéria vem disciplinada nos arts. 41 e 42 da Carta da ONU de 1945. Nos term os do prim eiro dispositivo o Conselho de Segurança “decidirá sobre as m edidas que, sem envolver o emprego de forças ar­ madas, deverão ser tom adas para tom ar efetivas suas decisões e poderá convidar os m em bros das Nações Unidas a aplicarem tais m edidas”, que poderão “incluir a interrupção com pleta ou parcial das relações econôm icas, dos m eios de com unicação ferroviários, m arítim os, aére­ os, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie, e o rom pim ento das relações diplom áticas”. A Carta, ainda, no seu art. 42, estabelece que, “no caso de o Conselho de Segurança considerar

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que as m edidas previstas no art. 41 seriam ou dem onstraram que são inadequadas, poderá levar a efeito, p o r meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que ju lg ar necessária para m anter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais”, podendo tal ação “com preender dem onstrações, bloqueios e outras operações, p o r parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos m em bros das Nações U nidas”. Como se percebe, as N ações U nidas in stitu íram u m processo coletivo de sanções internacionais visando estabelecer o isolam ento com pleto do Estado agressor a fim de m anter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. 11. Leitura c o m p le m e n ta r: 1. 2. 3. 4. 5.

ARAÚJO, Luis Ivani de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002. ITUASSÚ, Oyama Cesar. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro: Forense, 1986. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. TríbunalPenallntemacionaleo direito brasileiro. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Premier Máxima, 2008. REZEK,José Francisco. Direito intemacionalpúblico: curso elementar. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. SOARES, Guido Fernando Silva. Curso de direito intemacionalpúblico. São Paulo: Atlas, 2002. v. 1-

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito intemacionalpúblico. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; ACCIOLY, Hildebrando. Tratado de direito intemacionalpúblico. 2. ed. Rio dejaneiro: MRE, 1957. v. III; MELLO, CelsoD. deAlbuquerque. Curso de direito intemacionalpúblico. 15. ed. rev. e aum. Rio dejaneiro: Renovar, 2004. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; CHOUKR, Fauzi Hassan & AMBOS, Kai (orgs.). Tribunal penal internacional. São Paulo: RT, 2000; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. O VIII laudo do Tribunal Arbitrai adhocào Mercosul e seus fundamentos. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 10, n. 41, São Paulo, out.-dez. 2002, p. 55-68.

C a p ít u l o X IV D ireitos d o s I n d i v íd u o s n o P l a n o I n t e r n a c io n a l

1. G en eralid ad es: grande parte das norm as internacionais con­ tem porâneas diz respeito à proteção e prom oção dos direitos da pessoa hum ana. São inúm eros os tratados de proteção dos direitos hum anos que conhecem os atualm ente. Todos eles têm um a característica funda­ m ental: a proteção dos direitos da pessoa hum ana independentem ente de qualquer condição. Basta a condição de ser pessoa humana para que todos possam vindicar seus direitos violados, tanto no plano interno como no contexto internacional. Por direitos humanos se entendem aqueles direitos inerentes a todo e qualquer ser hum ano (sem distinção de cor, raça, sexo, religião, condição social etc.), que visam estabelecer um patam ar mínim o ético de proteção da dignidade hum ana. São direitos que ultrapassam as fronteiras territo­ riais dos Estados no intuito de assegurar a todo e qualquer cidadão todos os meios necessários para a salvaguarda da vida hum ana e seus demais desdobram entos, perm itindo a toda pessoa que o desenvolvimento de suas qualidades pessoais e o resguardo de sua integridade física e m ental não sejam frustrados pelo Estado ou seus agentes e, mais modernamente, inclusive po r determ inadas relações jurídicas de direito privado. As origens históricas da proteção dos direitos hum anos são varia­ das, passando do cristianism o e do jusnaturalism o (que deram início à fundam entação dos cham ados direitos civis e políticos ou liberdades públicas) para as lutas sociais em preendidas a partir do século XIX, com o aparecim ento da era industrial e o nascim ento do proletaria­ do, quando então se buscou proteção mais efetiva para os cham ados direitos sociais, que consubstanciam os direitos econôm icos, sociais (propriam ente ditos) e culturais. Os direitos hum anos contem porâneos têm p or principal funda­ m ento o valor-fonte do direito que se atribui a cada pessoa hum ana pelo

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simples fato de sua existência. Tais direitos retiram seu suporte de validade da dignidade da qual toda e qualquer pessoa é portadora, em consonância com o que estabelece o art. 1.° da Declaração Universal dos Direitos H u­ m anos de 1948. Nos termos desta disposição: “Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade”. À luz da D eclaração U niversal de 1948, pode-se dizer que os direitos hum anos contem porâneos derivam de três princípios basi­ lares, bem como de suas com binações e influências recíprocas, quais sejam: 1) o da inviolabilidade âapessoa, cujo significado traduz a ideia de que não se podem im por sacrifícios a um indivíduo em razão de que tais sacrifícios resultarão em benefícios a outras pessoas; 2) o da autonomia dapessoa, pelo qual toda pessoa é livre para a realização de qualquer conduta, desde que seus atos não prejudiquem terceiros; e 3) o da dignidade da pessoa, verdadeiro núcleo essencial de todos os dem ais direitos fundam entais do cidadão, p o r m eio do qual todas as pessoas devem ser tratadas e julgadas de acordo com os seus atos e não em relação a outras propriedades suas não alcançáveis p o r eles. Todos os direitos hum anos - assim como todos os direitos fun­ dam entais consagrados na C onstituição —são materialmente constitu­ cionais, integrando o que se cham a de “bloco de constitucionalidade” ou “núcleo m aterial m ínim o”. Depois do advento da Em enda C onsti­ tucional n. 45/2004, os tratados internacionais de direitos hum anos (e som ente estes) poderão ser aindaformalmente constitucionais. A form a de norm as constitucionais (estabelecida pelo § 3.° do art. 5.° da C ons­ tituição) não lhes retira, contudo, o caráter de norm as m aterialm ente constitucionais que tais instrum entos já têm pelo só fato de versarem sobre direitos das pessoas. Vamos agora estudar este novo ram o do direito público cham ado direito internacional dos direitos humanos, nascido finda a Segunda G uerra M undial com o propósito de proteger os direitos de qualquer cidadão, independentem ente de sua raça, sexo, cor, língua e religião. 2. A q u e s tã o d a s "g e ra ç õ e s d e d ireito s": costum a-se dividir os direitos h um anos fundam entais em três gerações ou categorias: os da prim eira geração (direitos de liberdade), os da segunda geração (di­

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reitos de igualdade) e os da terceira geração (direitos d &fraternidade) , seguindo-se a conhecida tríade da Revolução Francesa. Os direitos da prim eira geração, como explica Paulo Bonavides, “são os direitos da liberdade, os prim eiros a constarem do instrum en­ to norm ativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem , p or um prism a histórico, àquela fase inaugural do constitucionalism o do O cidente. (...) Os direitos da prim eira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem -se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam um a subjetividade que é seu traço mais característi­ co; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado. (...) Os direitos da segunda geração m erecem um exame mais amplo. Dominam o século XX do mesmo m odo como os direitos da prim eira geração dom inaram o século passado. São os direitos sociais, culturais e econôm icos, bem como os direitos coletivos ou de coletividades, in ­ troduzidos no constitucionalism o das distintas formas de Estado social, depois que germ inaram p o r obra da ideologia e da reflexão antiliberal deste século. N asceram abraçados ao princípio da igualdade, do qual não se podem separar, pois fazê-lo eqüivaleria a desmembrá-los da razão de ser que os ampara e estimula. (...) De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualm ente m inistradas pelos instrum entos processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a seguir, um a crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclu­ sive a do Brasil, form ularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundam entais. (...) Com efeito, até então, em quase todos os sistemas jurídicos, prevalecia a noção de que apenas os direitos da liber­ dade eram de aplicabilidade im ediata, ao passo que os direitos sociais tinham aplicabilidade m ediata,porvia do legislador. (...) A consciência de um m undo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas ou em fase de precário desenvolvim ento deu lugar em seguida a que se buscasse um a outra dimensão dos direitos fundam entais, até então desconhecida. Trata-se daquela que se assenta sobre a fraternidade, conforme assinala Karel Vasak, e provida de um a latitude de sentido que não parece com preender unicam ente a proteção específica de direitos individuais ou coletivos. (...) Dotados de altíssimo teor de hum anism o

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e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especifi­ cam ente à proteção dos interesses de u m indivíduo, de u m grupo ou de um determ inado Estado. Têm prim eiro po r destinatário o gênero hum ano m esm o, num m om ento expressivo de sua afirmação como valor suprem o em term os de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enum eram com familiaridade, assinalando-lhe o caráter fascinante de coroam ento de um a evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvim ento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrim ônio com um da hum anidade”. Por fim, Paulo Bonavides vai mais além, e fala ainda num a quarta geração de direitos, com o que se constituem os direitos fundamentais de quarta geração. Diz ele: “O Brasil está sendo im pelido para a utopia deste fim de século: a globalização do neoliberalism o, extraída da glo­ balização econômica. O neoliberalismo cria, porém , mais problemas do que os que intenta resolver. Sua filosofia do poder é negativa e se move, de certa m aneira, rum o à dissolução do Estado nacional, afrouxando e debilitando os laços de soberania e, ao m esm o passo, doutrinando um a falsa despolitização da sociedade. (...) Há, contudo, outra globa­ lização política, que ora se desenvolve, sobre a qual não tem jurisdição a ideologia neoliberal. Radica-se na teoria dos direitos fundam entais. (...) Globalizar direitos fundam entais eqüivale a universalizá-los no campo institucional. Só assim aufere hum anização e legitim idade um conceito que, doutro m odo, qual vem acontecendo de últim o, poderá aparelhar unicam ente a servidão do porvir. (...) São direitos da quarta geração o direito à dem ocracia, o direito à inform ação e o direito do pluralism o. Deles depende a concretização da sociedade aberta do fu­ turo, em sua dim ensão de m áxim a universalidade, para a qual parece o m undo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência. (...) Os direitos da quarta geração não som ente culm inam a objetividade dos direitos das duas gerações antecedentes como absorvem —sem, todavia, rem ovê-la —a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos da prim eira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão que ficam opulentos em sua dim ensão principal, objetiva e axiológica, podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia norm ativa a todos os direitos da sociedade e do ordenam ento

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jurídico. (...) Enfim, os direitos da quarta geração compendiam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão som ente com eles será legítim a e possível a globalização política” (Curso de direito constitucional, 10. ed., São Paulo: M alheiros, 2000). 3. Críticas a o sistem a geracional d e direitos: esta classificação tradicional, entretanto, tem sido objeto de inúm eras críticas, as quais apontam para a não-correspondência entre tais “gerações de direito” e o processo histórico de efetivação e solidificação dos direitos hum a­ nos. De outra banda, verifica-se que a ideia geracional de direitos tem acarretado confusões conceituais no que tange às suas características distintivas dos direitos hum anos. Objeta-se que, se as gerações de direitos induzem à ideia de su­ cessão—poT meio da qual um a categoria de direitos sucede à outra que se finda —, a realidade histórica aponta, em sentido contrário, para a concomitância do surgim ento de vários textos jurídicos concernentes a direitos hum anos de um a ou outra natureza. No plano interno, por exem plo, a consagração nas C onstituições dos direitos sociais foi, em geral, posterior ao dos direitos civis e políticos, ao passo que no plano internacional o surgim ento da Organização Internacional do Trabalho, em 1919, propiciou a elaboração de diversas convenções regulam entando os direitos sociais dos trabalhadores, antes mesmo da internacionalização dos direitos civis e políticos no plano externo. O processo de desenvolvim ento dos direitos hum anos, assim, opera-se em constante cumulação, sucedendo-se no tem po vários di­ reitos que m utuam ente se substituem , consoante a concepção contem ­ porânea desses direitos, fundada na sua universalidade, indivisibilidade e interdependência. Nas palavras de Carlos W eis, “o que parece ser um a questão m e­ ram ente vocabular acaba po r dem onstrar a perigosa im propriedade da locução, ao conflitar com as características fundam entais dos direitos hum anos contem porâneos, especialm ente sua indivisibilidade e inter­ dependência, que se contrapõe à visão fragm entária e hierarquizada das diversas categorias de direitos hum anos. A concepção contem po­ rânea dos direitos hum anos conjuga liberdade e a igualdade, do que decorre que esses direitos passam a ser concebidos como um a unidade interdependente e indivisível. Em decorrência, não há como entender

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que um a geração sucede a outra, pois há verdadeira interação e m es­ m o fusão dos direitos hum anos já consagrados com os trazidos mais recentem ente” (Direitos humanos contemporâneos, cit., p. 43). Afasta-se, pois, a visão fragm entária e hierarquizada das diver­ sas categorias de direitos hum anos, para se buscar um a “concepção contem porânea” desses m esm os direitos, a qual foi introduzida pela Declaração Universal de 1948 e reiterada pela Declaração de Direitos H um anos de Viena de 1993. Como destaca Carlos Weis, insistir na ideia geracional de direitos, “além de consolidar a imprecisão da expressão em face da noção contem porânea dos direitos hum anos, pode se prestar a justificar políticas públicas que não reconhecem indivisibilidade da dignidade hum ana e, portanto, dos direitos fundam entais, geralm ente em detrim ento da im plem entação dos direitos econôm icos, sociais e culturais ou do respeito aos direitos civis e políticos previstos nos trata­ dos internacionais já antes citados” (Direitos humanos contemporâneos, cit., p. 43-44). 4. G ê n e s e d o direito in te rn a c io n al d o s d ireito s h u m a n o s: desde a Segunda G uerra M undial, em decorrência dos horrores co­ m etidos durante este período, os direitos hum anos constituem um dos tem as principais do direito internacional contem porâneo. A isto se acrescenta, no atual contexto em que nos encontram os, o fato da globalização e o conseqüente estreitam ento das relações internacio­ nais, principalm ente em face do assustador alargam ento dos m eios de com unicação e do crescim ento do comércio internacional. A norm atividade internacional de proteção dos direitos hum anos, conquistada p o r meio de incessantes lutas históricas, e consubstancia­ da em inúm eros tratados concluídos com este propósito, foi fruto de u m lento e gradual processo de internacionalização e universalização desses m esm os direitos. O “Direito Internacional dos Direitos H um anos” (International Human Rights Law), fonte da m oderna sistem ática internacional de proteção, começa a ter os seus prim eiros precedentes com o surgim ento do Direito H um anitário, da Liga das Nações e da Organização Interna­ cional do Trabalho, situados, nas palavras de Flávia Piovesan, como sendo “os prim eiros m arcos do processo de internacionalização dos

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direitos hum anos” (Direitos humanos e o direito constitucional interna­ cional, 4. ed. rev., atual, e ampl., São Paulo: M axLimonad, 2000, p. 123). O Direito H um anitário, criado no século XIX, é aquele aplicá­ vel no caso de conflitos arm ados (guerra), cuja função é estabelecer lim ites à atuação do Estado, com vistas a assegurar a observância e cum prim ento dos direitos fundam entais. A proteção hum anitária visa proteger, em caso de guerra, m ilitares postos fora de com bate (feridos, doentes, náufragos, prisioneiros) e populações civis, devendo os seus princípios serem hoje aplicados quer às guerras internacionais, quer às guerras civis e a quaisquer outros conflitos arm ados. O segundo reforço à concepção da necessidade de relativização da soberania dos Estados foi a criação, após a Prim eira G uerra M undial (1914-1918), da Liga das Nações, cuja finalidade era a de prom over a cooperação, paz e segurança internacionais, condenando agressões externas contra a integridade territorial e independência política dos seus mem bros. A Convenção da Liga das Nações, de 1920, segundo explica Flávia Piovesan, “continha previsões genéricas relativas aos direitos hum anos, destacando-se as voltadas ao mandate system of the League, ao sistem a das m inorias e aos parâm etros internacionais do direito ao trabalho —pelo qual os Estados com prom etiam -se a asse­ gurar condições ju stas e dignas de trabalho para hom ens, m ulheres e crianças”, sendo certo que tais dispositivos “representavam u m lim ite à concepção de soberania estatal absoluta, na m edida em que a Convenção da Liga estabelecia sanções econôm icas e m ilitares a serem im postas pela com unidade internacional contra os Estados que violas­ sem suas obrigações”, fator este que veio redefinir, desta m aneira, “a noção de soberania absoluta do Estado, que passava a incorporar, em seu conceito, compromissos e obrigações de alcance internacional, no que diz respeito aos direitos hum anos” (Op. cit. p. 123). Mas o antecedente que mais contribuiu para a formação do Direito Internacional dos Direitos H um anos foi, entretanto, a Organização Internacio nal do Trabalho (O IT ), criada, finda a Prim eira G uerra M undial, com o objetivo de estabelecer critérios básicos de proteção ao trabalhador, regulando sua condição no plano internacional, tendo em vista assegurar padrões mais condizentes de dignidade e de bem -estar social. Desde a sua fundação, em 1919, a OIT já conta com m ais de

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um a centena de convenções internacionais prom ulgadas, às quais os Estados-partes, além de aderir, viram-se obrigados a cum prir e respeitar. Em face deste breve apanhado histórico, pode-se concluir, ju nto à Flávia Piovesan, que estes três institutos, “cada qual ao seu modo, con­ tribuíram para o processo de internacionalização dos direitos hum anos”, sejano asseguramento de “parâmetros globais mínimos para as condições de trabalho no plano mundial, seja ao fixar como objetivos internacionais a m anutenção da paz e segurança internacional, ou seja ainda a proteger direitos fundamentais em situações de conflito armado” (op. cit. p. 125). Esses três m om entos históricos registram , ainda, o fim de um a época em que o direito internacional estava adstrito à regulam entação das relações estritam ente estatais. Tais precedentes históricos rom pem com o conceito de soberania estatal absoluta (que concebia o Estado como ente de poderes ilim itados, tanto nacional como internacional­ m ente), na m edida em que adm item intervenções externas no plano intem o, para assegurar a proteção de direitos hum anos violados. Ou seja, esta nova concepção deixa de lado o velho conceito de soberania estatal absoluta, que considerava, na acepção tradicional, como sendo os Estados os únicos sujeitos de direito internacional público. Apenas um a exceção a esta concepção tradicional de soberania absoluta era conhecida no direito internacional, antes do surgim ento do Direito Internacional dos Direitos H um anos, e dizia respeito à responsabili­ dade dos Estados p o r danos a estrangeiros em seu território, quando se reconhecia que o tratam ento conferido a determ inado estrangeiro em dado Estado era interesse legítimo do G ovem o da nacionalidade daquele estrangeiro. De sorte que um a ofensa perpetrada a u m cidadão italiano, em território de outro Estado, p o r exem plo, constituía-se num a ofensa à própria República Italiana. A partir de então, emerge a ideia de que o indivíduo não é apenas objeto, m as tam bém sujeito de direito internacional público. É neste cenário que começam a aparecer, então, os prim eiros con­ tornos do Direito Internacional dos D ireitos H um anos, afastando-se a ideia de soberania absoluta dos Estados, em seu dom ínio reservado, e erigindo os indivíduos à posição, de há m uito m erecida, de “sujeitos de direito internacional”, dando-lhes m ecanism os processuais eficazes para a salvaguarda de seus direitos internacionalm ente protegidos.

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5. O d ire ito in te rn a c io n al d o s d ireito s h um ano s: o direito in ­ ternacional dos direitos hum anos, portanto, é aquele que visa proteger todos os indivíduos, qualquer que seja sua nacionalidade. Trata-se do direito do pós-guerra, nascido em decorrência dos horrores com etidos pelos nazistas d urante este período. A partir da Segunda Guerra M undial (1939-1945), quefoi marcada p or inúm eras violações de direitos e cujo saldo m aior foram 11 m ilhões de m ortos (sendo 6 m ilhões de judeus) durante o período nazista, a sociedade internacional dos Estados viu-se obrigada a iniciar a cons­ trução de um a norm a tividade internacional eficaz a fim de resguardar e proteger esses direitos, até então inexistente. O legado do Holocausto para a internacionalização dos direitos hum anos, portanto, consistiu na preocupação que gerou na consciência coletiva m undial de que a falta de um a arquitetura internacional de proteção de direitos, com vistas a im pedir que atrocidades daquela m onta viessem a ocorrer novam ente, fazia com que os cidadãos de todo o planeta ficassem desprotegidos contra novas e potenciais violações de direitos de m onta. Viram-se os Estados obrigados a construir toda um a norm atividade internacional eficaz em que o respeito aos direitos hum anos encontrasse efetiva proteção. O tema, então, tom ou-se preocupação de interesse com um dos Estados, bem como u m dos principais objetivos da sociedade in ­ ternacional. Desde esse m om ento, então, o direito internacional dos direitos hum anos efetivam ente solidifica-se. Portanto, o genocídio com etido contra m ilhares de pessoas no Holocausto foi o grande fato gerador do m oderno sistema internacional de proteção dos direitos hum anos. Por genocídio entende-se a destruição, no todo ou em parte, de qualquer grupo de pessoas, em razão de sua raça, etnia, credo reli­ gioso e outras condições ou características suas, tal como assassinato de m em bros do grupo, dano grave à integridade física ou m ental de m em bros do grupo, subm issão intencional do grupo a condições de existência que lhe ocasione a destruição física total ou parcial, m edidas destinadas a im pedir os nascim entos no seio do grupo e transferência forçada de m enores do grupo para outro grupo. É o que dispõe o art. 2.° da Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de G enocídio, de 1948. Frise-se que o Brasil é parte nesta Convenção, tendo a m esm a

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sido aprovada entre nós por meio do Dec. Leg. 2, de 11.04..1951, e p ro ­ m ulgada pelo Dec. 30.822, de 06.05.1952. ALei 2.889, de l.°.10.1956, define e pune o crime de genocídio (cf. Celso Lafer, A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt, 2.a reim p., São Paulo: Com panhia das Letras, 1998, p. 167-186). O “direito a ter direitos”, segundo a term inologia de H annah A rendt, passou, então, a ser o referencial primeiro de todo este p ro­ cesso intem acionalizante. Como resposta às barbáries com etidas no H olocausto, começa, então, a aflorar todo um processo de internacio­ nalização dos direitos humanos, criando uma sistemática internacional de proteção, m ediante a qual se tom a possível a responsabilização do Estado no plano externo, quando, internam ente, os órgãos com pe­ tentes não apresentem respostas satisfatórias na proteção dos direitos hum anos. A doutrina da soberania estatal absoluta, assim, com o fim da Segunda Guerra, passa a sofrer um abalo dramático com a crescente preocupação em se efetivar os direitos hum anos no plano internacional, passando a sujeitar-se às lim itações decorrentes da proteção desses m esm os direitos. Assim, a partir do surgim ento da Organização das Nações U ni­ das, em 1945, e da conseqüente aprovação da Declaração Universal dos D ireitos H um anos, em 1948, o direito internacional dos direitos hum anos começa a dar ensejo à produção de inúm eros tratados interna­ cionais destinados a proteger os direitos fundam entais dos indivíduos. Trata-se de um a época considerada como verdadeiro marco divisor do processo de internacionalização dos direitos hum anos. Antes disso a proteção aos direitos do hom em estava mais ou m enos restrita apenas a algumas legislações internas dos países, como a inglesa de 1684, a am ericana de 1778 e a francesa de 1789. As questões hum anitárias som ente integravam a agenda internacional quando ocorria um a de­ term inada guerra, mas logo se m encionava o problem a da ingerência in tem a em um Estado soberano e a discussão m orria gradativam ente. Assim é que temas como o respeito às m inorias dentro dos territórios nacionais e direitos de expressão política não eram abordados a fim de não se ferir o até então incontestável e absoluto princípio de soberania. Surge, então, no âm bito da Organização das Nações Unidas, um sistem a global de proteção dos direitos hum anos, tanto de caráter

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geral (a exem plo do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políti­ cos) como de caráter especifico (v.g., as convenções internacionais de com bate à tortura, à discrim inação racial, à discrim inação contra as m ulheres, à violação dos direitos das crianças etc.). Revolucionou-se, a p artir deste m om ento, o tratam ento da questão relativa ao tema dos direitos hum anos. Colocou-se o ser hum ano, de m aneira inédita, num dos pilares até então reservados aos Estados, alçando-o à categoria de sujeito de direito internacional. Paradoxalm ente, o direito internacional feito pelos Estados e para os Estados com eçou a tratar da proteção internacional dos direitos hum anos contra o próprio Estado, único responsável reconhecido juridicam ente, querendo significar esse novo elem ento um a m udança qualitativa para a sociedade internacional, um a vez que o direito das gentes não m ais se cingiria aos interesses nacionais particulares. Mas a estrutura norm ativa de proteção internacional dos direi­ tos hum anos, além dos instrum entos de proteção global, de que são exem plos, dentre outros, a D eclaração U niversal dos D ireitos H u­ m anos, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos D ireitos Econôm icos, Sociais e C ulturais, e cujo código básico é a cham ada International Bill ofHuman Rights, abrange tam bém os instrum entos de proteção regional, aqueles pertencentes aos sistem as europeu, am ericano e africano (v.g., no sistem a am eri­ cano, a Convenção A m ericana sobre Direitos H um anos). Da m esm a forma que ocorre com o sistem a de proteção global, aqui tam bém se encontram instrum entos de alcance geral e instrum entos de alcance especial. Gerais são aqueles que alcançam todas as pessoas, a exemplo dos tratados acima citados; especiais, ao contrário, são os que visam apenas determ inados sujeitos de direito, ou determ inada categoria de pessoas, a exem plo das convenções de proteção às crianças, aos idosos, aos grupos étnicos m inoritários, às m ulheres, aos refugiados, aos portadores de deficiência etc. O direito internacional dos direitos hum anos, assim, como novo ram o do Direito Internacional Público, emerge com princípios p ró ­ prios, autonom ia e especificidade. Além de apresentar hierarquia cons­ titucional, suas norm as passam a ter a característica da expansividade decorrente da abertura tipológica de seus enunciados. Além do mais,

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o Direito Internacional dos Direitos H um anos rom pe com a distinção rígida existente entre Direito Público e Direito Privado, libertando-se dos clássicos paradigm as até então existentes. 6. O direito d a C arta daO N U : foiapartir de 1945, então, quando da adoção da Carta das Nações Unidas, no pós-Segunda Guerra, que o Direito Internacional dos Direitos Humanos começou a verdadeiramente se desenvolver e a se efetivar. Antes desta data, tam bém existiam normas que podiam ser consideradas, em parte, como de proteção dos direitos humanos. O que faltava, entretanto, antes de 1945, era um a normatização específica que protegesse os indivíduos como seres humanos. D esde este m om ento, com a criação das N ações U nidas e suas agências especializadas, o processo de internacionalização dos direi­ tos hum anos passa a intensificar-se e a desenvolver-se, dem arcando “o surgim ento de um a nova ordem in tern acio n al que in stau ra um novo m odelo de conduta nas relações internacionais, com preocu­ pações que incluem a m anutenção da paz e segurança internacional, o desenvolvim ento de relações am istosas en tre os Estados, o alcance da cooperação in tern acio n al no plano econôm ico, social e cultural, o alcance de u m padrão intern acion al de saúde, a proteção ao m eio am biente, a criação de um a nova ordem econôm ica in ternacio nal e a proteção intern acio nal dos direitos h u m an o s” (Flávia Piovesan, op. cit., p. 137). A Carta da ONU de 1945 contribuiu enorm em ente, entre outros, para o processo de asserção dos direitos hum anos, na m edida em que teve p o r princípio a m anutenção da paz e da segurança in tern acio ­ nais e o respeito aos direitos hum anos e liberdades fundam entais, sem distinção de raça, sexo, cor ou religião. O respeito às liberda­ des fundam entais e aos direitos hum anos, com a consolidação da Carta das N ações U nidas de 1945, passa, assim , a ser preocupação intern acio nal e propósito das N ações U nidas. N este cenário é que os problem as in tern o s dos Estados e suas relações com seus cidadãos passam a fazer parte de u m contexto global de proteção, baseado na cooperação in tern acio n al e no desenvolvim ento das relações entre as Nações. Daí o m otivo de a Carta das Nações U nidas ter ficado im pregnada da ideia de respeito aos direitos hum anos e liberdades fundam entais

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para todos. Eis os dispositivos da Carta da ONU que fazem referência expressa à proteção dos direitos hum anos e liberdades fundam entais: “Art. 1.° Os propósitos das Nações U nidas são:

(...) 3. C onseguir um a cooperação in tern acio n al para resolver os problem as internacionais de caráter econôm ico, social, cultural ou hum anitário, e para prom over e estimular o respeito aos direitos humanos e ãs liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (grifo nosso). “Art. 13. 1. A Assem bleia Geral iniciará estudos e fará recom endações, destinados a: (...) b) prom over cooperação internacional nos terrenos econôm ico, social, cultural, educacional e sanitário, e favorecer o pleno gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, p o r parte de todos os povos, sem distinção de raça, língua ou religião” (grifo nosso).

“Art. 55. Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterm inação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: (...) c) o respeito universal e efetivo dos direitos humanos e das liber­ dades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião” (grifo nosso). “Art. 56. Para a realização dos propósitos enum erados no art. 55, todos os m em bros da Organização se com prom etem a agir em coope­ ração com esta, em conjunto ou separadam ente”. “Art. 62.

(...) 2. Poderá igualm ente fazer recomendações destinadas aprom over o respeito e a observância dos direitos humanos e das liberdades funda­ mentais para todos” (grifo nosso).

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“Art. 6 8 .0 Conselho Econôm ico e Social criará comissões para os assuntos econôm icos e sociais e a proteção dos direitos humanos assim como outras comissões que forem necessárias para o desem penho de suas funções” (grifo nosso). “Art. 76. Os objetivos básicos do sistema de tutela, de acordo com os Propósitos das Nações U nidas enum erados no art. 1.° da presente Carta, são:

(...) c) estim ular o respeito aos direitos humanos e às liberdadesfunda­ mentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião, e favorecer o reconhecim ento da interdependência de todos os povos” (grifo nosso). Sem embargo da clareza da Carta em determ inar a im portância de se defender os “direitos hum anos e as liberdades fundam entais”, ela, entretanto, não definiu o conteúdo dessas expressões, deixando-as em aberto, daí advindo o desafio em se desvendar o alcance e significado da expressão “direitos h um an o s e liberdades fu n d am en tais”, não definida pela Carta, o que só ocorreu três anos após, com o advento da Declaração U niversal dos D ireitos H um anos, em 1948, que veio definir com precisão o elenco dos “direitos hum anos e liberdades fun­ dam entais” a que se referiam os arts. 1.°, § 3.°, 1 3 ,5 5 ,5 6 , 62, 68 (este com referência som ente aos direitos humanos) e 76 da C arta. É , explica Flãvia Piovesan, “como se a Declaração, ao fixar u m código com um e universal dos direitos hum anos, viesse a concretizar a obrigação legal relativa à prom oção desses direitos - obrigação esta constante da Carta das Nações U nidas” (op. cit., p. 140). E n tretan to , não o bstan te a C arta das N ações U nidas não ter conceituado o que vem a ser “direitos hum anos e liberdades funda­ m entais”, contribuiu ela, com os seus preceitos, pioneiram ente, para a “universalização” dos direitos da pessoa hum ana, na m edida em que reconheceu que o assunto é de legítim o interesse internacional, não mais estando adstrito tão som ente à jurisdição dom éstica dos Estados. 7. D eclaração Universal d o s D ireitos H um anos: a Declaração Universal de 1948 foi delineada pela Carta das Nações Unidas e teve como um a de suas principais preocupações a positivação internacional

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dos direitos m ínim os dos seres hum anos, em complemento aos propó­ sitos das Nações Unidas de proteção dos direitos hum anos e liberdades fundam entais de todos, sem distinção de sexo, raça, língua ou religião. A Declaração U niversal dos D ireitos H um anos, proclam ada em Paris, em 10.12.1948, pela Resolução 217, da Assembleia Geral da ONU, tendo como fundam ento a dignidade da pessoa humana, nasce como u m código de conduta m undial para dizer a todo o planeta que os direitos hum anos são universais, bastando a condição de ser pessoa para que se possa vindicar e exigir a proteção dos direitos hum anos, em qualquer ocasião e em qualquer circunstância. Consubstancia-se na busca de um padrão mínimo para a proteção dos direitos hum anos em âm bito m undial, servindo como paradigm a ético e suporte axiológico desses m esm os direitos. Com posta de trinta artigos, precedidos de um “Preâm bulo” com sete considerandos, a Declaração U niversal de 1948 conjugou n u m só todo tanto os direitos civis e políticos, tradicionalm ente cham ados de direitos e garantias individuais (arts. 1.° ao 21), quanto os direitos sociais, econôm icos e culturais (arts. 22 ao 28). O art. 29 proclam a os deveres da pessoa para com a com unidade, na qual o livre e pleno desenvolvim ento de sua personalidade é possível; e no art. 30 consa­ gra u m princípio de interpretação da Declaração sem pre a favor dos direitos e liberdades nela proclam ados. Assim o fazendo, com binou a Declaração, de forma inédita, o discurso liberal com o discurso social, ou seja, o valor da liberdade com o valor da igualdade. A D eclaração U niversal não é tecnicam ente u m tratado, pois não passou pelos procedim entos internos de aprovação de tratados. É som ente um a “recom endação” de conteúdo m oral das Nações U ni­ das, que consubstancia um a ética universal em relação à conduta dos Estados no que tange à proteção internacional dos direitos hum anos. Mas apesar de não ser um tratado stricto sensu, pois nasceu de um a Resolução da Assembleia G eral da ONU, não tendo havido seqüência à assinatura, a Declaração U niversal de 1948 deve ser entendida como sendo a interpretação mais autêntica da expressão “direitos hum anos e liberdades fundam entais”, constante daqueles dispositivos já vistos da Carta das Nações U nidas. A Declaração U niversal de 1948 integra a Carta da ONU, na m edida em que passa a ser sua interpretação mais

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fiel, no que tange à qualificação jurídica da expressão “direitos hum anos e liberdades fundam entais”. Daí o m otivo de a Declaração de 1948 ser referida em todo o m undo, ao longo de mais de 50 anos de sua adoção, como um código ético universal de direitos hum anos. Para ju ristas do p o rte de M areei Silbert, a D eclaração de 1948 é um a extensão da Carta da ONU (especialm ente dos seus arts. 55 e 56), na m edida em que a integra, sendo obrigatória para os Estados-m em bros da ONU no sentido de to m ar suas leis internas compatíveis com as suas disposições (cf. seu Traité de droit intemationàl public: le droit de la paix, Paris: Dalloz, 1951, v. 1, p. 454). Para nós, além de integrar a Carta da ONU (no sentido acima exposto) a D eclaração U niversal deve ser tida com o norm a de ju s cogens internacional. O ju s cogens com põe u m conjunto de norm as inderrogáveis pela vontade das partes e que estão acima de quaisquer tratados na órbita jurídico-internacional, nos term os dos arts. 53 e 64 da Convenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados de 1969. Após um quarto de século da realização da prim eira Conferência M undial de Direitos H um anos, ocorrida em Teerã em 1968, a segunda Conferência (Viena, 1993) ascendeu os direitos hum anos a tem a da agenda global, reafirm ando sua universalidade e consagrando sua indivisibilidade, interdependência e inter-relacionariedade. Foi o que dispôs o § 5.° da Declaração e Program a de Ação de Viena, de 1993, nestes termos: “Todos os direitos hum anos são universais, indivisíveis, inter­ dependentes e inter-relacionados. A com unidade internacional deve tratar os direitos hum anos de form a global, ju sta e equitativa, em pé de igualdade e com a m esm a ênfase. Em bora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados prom o­ ver e proteger todos os direitos hum anos e liberdades fundam entais, sejam quais forem seus sistem as políticos, econôm icos e culturais”. O propósito da Conferência de Viena de 1993 foi o de revigorar a m em ória da Declaração U niversal de 1948, trazendo novos princípios (além do já consagrado princípio da universalidade), como os da indivi­ sibilidade (pois os direitos hu m anos—direitos civis e políticos e direitos sociais, econôm icos e cu lturais—não se sucedem em gerações, m as, ao

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contrário, se cum ulam e se fortalecem ao longo dos anos), interdepen­ dência (pois os direitos do discurso liberal hão de ser sem pre som ados com os direitos do discurso social da cidadania) e inter-rélacionariedade (pelo qual os direitos hum anos e os vários sistem as internacionais de proteção não devem ser entendidos de forma dicotôm ica, mas, ao contrário, devem interagir em prol de sua garantia efetiva). Com preendeu-se, finalm ente, que a diversidade cultural (relativism o) não pode ser invocada para justificar violações aos direitos hum anos. A teseuniversalista (segundo a qual deve-se ter u m padrão mínimo de dignidade, independentem ente da cultura dos povos) defendida pelas nações ocidentais saiu, ao final, vencedora, afastando-se de vez a ideia derelativism o cultural, em se tratando de proteção internacional dos direitos hum anos. Enriqueceu-se, pois, o universalism o desses direitos, afirm ando-se cada vez m ais o dever dos Estados em prom o­ ver e proteger os direitos hum anos violados, independentem ente dos respectivos sistem as, não mais se podendo questionar a observância dos direitos hum anos com base no relativism o cultu ral ou m esm o com base no dogm a da soberania. E, no que toca à indivisibilidade, ficou superada a dicotom ia até então existente entre as “categorias de direitos” (civis e políticos de um lado; econôm icos, sociais e culturais, de ou tro), historicam ente incorreta e juridicam ente infundada, porque não há hierarquia quanto a esses direitos, estando todos equitativam ente balanceados, em pé de igualdade. Problem a m uito discutido dizia respeito à eficácia das norm as da Declaração U niversal de 1948, um a vez que ela, p o r si só, não dispõe de aparato próprio que a faça valer. À vista disso é que, sob o patro­ cínio da ONU, se tem procurado firm ar vários pactos e convenções internacionais a fim de assegurar a proteção aos direitos fundam entais do hom em nela consagrados, dentro dos quais destacam -se o Pacto Internacional dos D ireitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos D ireitos Econôm icos, Sociais e C ulturais, ambos aprovados pela Assembleia Geral da ONU, em Nova York, em 16.12.1966. Surgiram, pois, com a finalidade de conferir dim ensão jurídica à Declaração de 1948, tendo o prim eiro pacto regulam entado os arts. 1.° ao 21 da De­ claração, e o segundo os arts. 22 a 28.

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Criaram -se, com os dois pactos de 1966, m ecanism os de m onito­ ram ento dos direitos hum anos, po r meio da Organização das Nações Unidas, a exem plo dos relatórios temáticos, em que cada Estado relata à ONU o m odo pelo qual está im plem entando os direitos hum anos no país. O Protocolo Facultativo Relativo ao Pacto Internacional so­ bre Direitos Civis e Políticos, de 1966, traz ainda os m ecanism os de petições individuais (possíveis som ente quando esgotados os recursos internos quanto à reclam ação dos direitos hum anos violados) e das comunicações interestatais (procedim ento p or meio do qual u m dos Estados-partes no acordo alega que u m outro Estado-parte incorreu ou está incorrendo internam ente em violação aos direitos hum anos consagrados pelo com prom isso firmado entre am bos). Além desse sistema global de proteção dos direitos hum anos, existem tam bém os sistemas regionais de proteção (v.g., o europeu, o africano e o in cipiente sistem a asiático), dentre os quais m erece destaque o sistem a interam ericano, cujo principal instrum ento é a Convenção Americana sobre Direitos Hum anos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica. Esta convenção, assinada em 1969, entrou em vigor internacional em 18 de ju lh o de 1978. Som ente os Estados-m em bros da Organização dos Estados Am ericanos (OEA) é que têm o direito de dela se to m ar parte. A Convenção Am ericana elenca um rol de direitos civis e p olíti­ cos sim ilar ao do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, a exem plo do direito à vida, do direito à liberdade, do direito de ser subm etido a u m julgam ento justo, do direito de não ser subm etido à escravidão, do direito de liberdade de consciência e de crença, do direito de liberdade de pensam ento e expressão, do direito ao nom e e do direito à nacionalidade, entre outros tantos. A Convenção Americana não estabelece, entretanto, de forma específica, qualquer direito social, econôm ico ou cultural, m as apenas um a previsão genérica sobre tais direitos, constante do seu art. 26, segundo o qual “os Estados-partes com prom etem -se a adotar as providências, tanto no âm bito intem o, como m ediante cooperação internacional, especialm ente econôm ica e técnica, a fim de conseguir progressivam ente a plena efetividade dos direitos que decorrem das norm as econôm icas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos

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Estados A m ericanos, reform ada pelo Protocolo de Buenos Aires, na m edida dos recursos disponíveis, p o r via legislativa ou p o r outros meios apropriados”. Para a garantia de tais direitos é que a Assembleia Geral da ONU adotou, em 1988, um Protocolo Adicional à Convenção A m ericana, conhecido como Protocolo de San Salvador, tendo entrado em vigor internacional em novem bro de 1999, quando foi depositado o 11.° instrum ento de ratificação, nos term os do art. 21 do Protocolo. Para a proteção e m onitoram ento dos direitos que estabelece, a Convenção A mericana vem integrada p o r dois órgãos: a Comissão Interam ericana de D ireitos H um anos e a C orte Interam ericana de Direitos H um anos. A Comissão Interam ericana de D ireitos H um anos tem com pe­ tência, entre outras, para exam inar as com unicações de indivíduos ou grupos de indivíduos, ou ainda entidade não governamental, atinentes a violações de direitos constantes na Convenção, por Estado que dela seja parte. Nos term os do art. 44 da Convenção Americana, qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não governamental legalmente reconhecida em u m ou mais Estados-m em bros da Organização, pode apresentar à Comissão petições que contenham denúncias ou queixas de violação desta Convenção po r um Estado-parte. No en tan to, para que um a petição sobre violação da Convenção e dos direitos hum anos po r ela reconhecidos seja admitida, deve preen­ cher os requisitos previstos no art. 46, § 1.°, da Convenção Americana, ou seja: a) que hajam sido interpostos e esgotados os recursos da ju ­ risdição intem a, de acordo com os princípios de Direito Internacional geralm ente reconhecidos; b) que seja apresentada dentro do prazo de seis meses, a partir da data em que o presum ido prejudicado em seus direitos tenha sido notificado da decisão definitiva; c) que a m atéria da petição ou comunicação não estej a pendente de outro processo de solu­ ção internacional (ou seja, que não haja litispendência internacional). A C orte Interam ericana de D ireitos H um anos, p o r sua vez, é órgão jurisdicional do sistem a interam ericano. É com posta po r sete juizes nacionais dos Estados-m em bros da OEA, eleitos a título pessoal pelos Estados-partes da Convenção. A Corte detém um a competência consultiva (relativa à interpretação das disposições da Convenção, bem como das disposições de tratados concernentes à proteção dos direitos

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hum anos nos Estados A m ericanos) e um a competência contenciosa, esta últim a própria para o julgam ento de casos concretos, lim itada aos Estados-partes na Convenção que tenham reconhecido expressam ente tal com petência. A com petência contenciosa da Corte Interam ericana é lim itada aos Estados-partes da Convenção que reconheçam expressa­ m ente tal jurisdição. Frise-se que som ente a Comissão Interam ericana e os Estados-partes na Convenção podem subm eter casos à apreciação da Corte, não sendo facultado ao indivíduo o ingresso direto à Corte (art. 61), o que som ente poderá ser feito pelo interm édio da Com issão. Frise-se que, p o r meio da Em enda C onstitucional45/2004, abriu-se a possibilidade de federalização dos crimes contra os direitos h u ­ m anos no Brasil. Segundo a nova disposição constitucional (art. 109, V-A), aos juizes federais compete processar e julgar “as causas relativas a direitos hum anos a que se refere o § 5.° deste artigo”, o qual, p o r sua vez, estabelece que, “nas hipóteses de grave violação de direitos hum a­ nos, o Procurador Geral da República, com a finalidade de assegurar o cum prim ento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos hum anos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal dejustiça, em qualquer fase do inquérito ou proces­ so, incidente de deslocam ento de com petência para a Justiça Federal”. No que tange ao problem a da execução das sentenças da Corte Interam ericana no Brasil, rem etem os o leitor ao Capítulo X deste Livro. 8. Leitura c o m p le m e n ta r: 1.

ARAÚJO, Luis Ivaxii de Amorim. Das organizações internacionais. Rio dejaneiro: Forense, 2002.

2.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

3.

COMPARATO, Fábio Konder.Aafirmação históricadosdireitoshumanos. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, Constituição e os tratados internacionais: estudo analítico da situação e aplicação do tra­ tado na ordem jurídica brasileira. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional interna­ cional. 4. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Max Limonad, 2000.

4.

5. 6.

WEIS, Carlos. Direitos humanos contemporâneos. São Paulo: Malheiros, 1999.

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Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito intemacionalpúblico. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; BIDART CAMPOS, GermanJ. El derecho de la Constituciony sujuerza normativa. Buenos Aires: Ediar SociedadAnónima, 1995;SILBERT,Marcel. Traité de droit international public: le droit de la paix. Paris: Dalloz, 1951. v. 1; BUERGENTHAL, Thomas. International human rights. Minnesota: West Publishing, 1988; BUERGENTHAL, Thomas, GROS ESPIELL, Héctor, GROSSMAN, Cláudio e MAIER, Harold G. Manual de derecho internacional público. México: Fondo de Cultura Econômica, 1994; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos humanos: fun­ damentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva, 1991; --------. Tratado de direito internacional dos direitos humanos. Porto Alegre: Fabris, 1997. v. 1; SILVA, José Afonso da. Proteção constitucional dos direitos humanos no Brasil: evolução histórica e direito atual. Revista da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria-Geral do Estado, p. 161-185, set. 1998;-------- . Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituição. São Paulo: Malheiros, 2000; LINDGREN ALVES, José Augusto. Os direitos humanos como tema global. São Paulo: Perspectiva/Fundação Alexandre de Gusmão, 1994; LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 2.areimp. São Paulo: Cia. das Letras, 1998; AMARAL JÚNIOR, Alberto do. Entre ordem e desordem: o direito internacional em face da multiplicidade de culturas. Revista de Direito Constitucioivil e Internacional, ano 8, n. 31, São Paulo: RT, abr./jun. 2000, p. 27-38; BARROS-PLATIAU, Ana Flávia & GÓIS, Ancelmo César Lins de. Direito internacional e globalização. Revista Cidadania eJustiça da Associação dos Magistrados Brasileiros, ano 4, n. 8 ,1 .° semestre de 2000, p. 27-42.

C a p ítu lo

XV

N o ç õ e s so b re a P r o te ç ã o In te rn a c io n a l d o M e i o A m b ie n te

1. In tr o d u ç ã o : o cham ado “d ire ito in te rn a c io n a l do m eio am biente", ao lado da proteção in ternacio nal dos direitos hum anos, co n stitu i u m dos tem as principais da agenda in ternacio n al contem ­ porânea. Tais m atérias (direitos hum anos e m eio am b iente), ao lado da dem ocracia, passaram a marcar, de m aneira am pla e inovadora, a nova agenda in tern acio n al do século XXI, notadam ente após as grandes m udanças ocorridas n o m undo em v irtu d e do processo de globalização, cujos reflexos são m arcantes e decisivos para o enten­ dim ento dos novos fenôm enos globais surgidos no p lan eta a p artir de então. N este novo cenário internacional, que aparece finda a Segunda G uerra M undial, m erece especial destaque a C onferência das Nações U nidas sobre Meio A m biente e D esenvolvim ento, realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de ju n h o de 1992, que ficou conhecida como Rio-92, tendo a ela com parecido delegações nacionais de 175 países. A Confe­ rência Rio-92 foi a prim eira reunião internacional de m agnitude a se realizar após o fim da G uerra Fria. A reunião não foi apenas conseqü­ ência de um intenso processo de negociações internacionais acerca de questões ligadas à proteção do meio am biente e ao desenvolvim ento. Seus resultados significaram , tam bém , a reafirm ação de princípios internacionais de direitos hum anos, com o os da indivisibilidade e interdependência, agora conectados com as regras internacionais de proteção ao m eio am biente e aos seus p rincípios instituidores. Os com prom issos específicos adotàdospela Conferência Rio-92 incluem duas convenções, um a sobre M udança do Clima e outra sobre Bio­ diversidade, e tam bém um a Declaração sobre Florestas, além de um plano de ação que se cham ou de Agenda 21, criado para viabilizar a adoção do desenvolvim ento sustentável (e am bientalm ente racional) em todos os países.

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O Brasil já havia participado, vinte anos antes, da Conferência das N ações U nidas sobre o M eio A m biente H um ano, realizada em Estocolm o, na Suécia, em 1972, especialm ente nos dois anos de seu período preparatório, onde a participação brasileira foi efetiva no que tange à inserção da tem ática do desenvolvim ento no foco das questões envolvendo o m eio am biente. Na C onferência do Rio d e ja n e iro , ao contrário do que ocor­ rera em Estocolm o, os conflitos de en ten d im en to foram deixados de lado para dar lugar ã cooperação, na m edida em que foi aberto o diálogo para u m universo m ais am plo daquilo que originalm ente fora p reten d id o, deixando entrever-se que a proteção internacional do m eio am biente é um a conquista da hum anidade, que deve vencer os antagonism os ideológicos, em p rol do bem -estar de todos e da efetiva proteção do planeta. A conseqüência de todo esse processo norm ativo internacional no campo am biental tem tam bém reflexos na seara da proteção inter­ nacional dos direitos hum anos, ainda m ais quando se leva em consi­ deração que o direito ao m eio am biente ecologicam ente equilibrado, apesar de não ter sido expressam ente colocado no texto da Declaração U niversal dos D ireitos H um anos, de 1948 (onde som ente constam direitos civis e políticos e direitos econôm icos, sociais e culturais), pertence ao “bloco de constitucionalidade” dos textos constitucionais contem porâneos, dentre eles o texto constitucional brasileiro de 1988. Acredita-se, contudo, que a Declaração U niversal de 1948 certam ente mencionaria o direito ao meio ambiente, se fosse negociada hoj e. A atual tendência do direito internacional m oderno é qu e as declarações sobre cada esfera de proteção tam bém sejam cada vez mais amplas, cedendo espaço para que os vínculos entre as diversas categorias de direitos se desenvolvam, como dem onstrou o Relatório da Secretaria-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Direitos Humanos e Meio Ambiente, de 4 de abril de 2002, sobre o cum prim ento da AG/Res. 1819 (XXXI-O/Ol), adotada na terceira sessão plenária d a OEA, realizada em 5 de ju n h o de 2001. O princípio segundo o qual toda pessoa tem direito a um a ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração U niversal possam ser plenam ente realizados, constante

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do art. 28 da Declaração de 1948, passa a ser integrado, também, pelo direito internacional do meio ambiente. Somente com a garantia efe­ tiva de u m am biente ecologicamente equilibrado é que os direitos e liberdades estabelecidos na Declaração de 1948podem ser plenam ente realizados, não obstante o direito ao meio am biente não ter sido inclu­ ído no texto da Declaração, à época de sua redação. 2. Instru m entos internacionais d e p ro te ç ão : após o período do pós-guerra, como com plem ento aos direitos fundam entais do homem, com eçaram a aparecer, no cenário internacional, as prim eiras grandes norm as de proteção internacional do m eio am biente, dando ensejo à formação desse novo ram o do direito, cham ado “direito internacio­ nal do meio am biente”. A partir de então, tanto os direitos relativos à pessoa hum ana como os atinentes ao m eio am biente passaram a ser prioridades inequívocas da agenda internacional m oderna, como atestaram a Conferência das Nações U nidas sobre M eio Ambiente e D esenvolvimento, realizada no Rio d ejan eiro , em ju n h o de 1992, e a Conferência M undial das Nações Unidas sobre Direitos H um anos, realizada em Viena, em ju n h o de 1993. O Brasil é parte dos principais tratados internacionais sobre meio am biente concluídos sob os auspícios da Organização dasN açõesU ni­ das. M uito antes da prom ulgação da C onstituição de 1988, o Brasil já havia ratificado os mais im portantes tratados internacionais relativos ao direito internacional do m eio am biente, o que veio a se intensificar posteriorm ente à entrada em vigor do atual texto constitucional. D entre todos os instrum entos internacionais em m atéria de meio am biente ratificados pelo Brasil, m erecem destaque algumas conven­ ções internacionais recentes, dentre as quais podem ser citadas: a) a Convenção-Q uadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima, adotada pelas Nações Unidas, em N ova York, em 09.05.1992, aprovada n o Brasil pelo Dec. Leg. 1, de 03.02.1994, e prom ulgada pelo Decreto 2.652, de 01.07.1998; V) o Protocolo de Q uioto à C onvenção-Q uadro das Nações U nidas sobre M udança do Clima, adotado em Q uioto, Japão, em 11.12.1997, p o r ocasião da Terceira Conferência das Partes da Convenção-Q uadro das Nações U nidas sobre M udança do Clima, tendo sido aprovado no Brasil pelo Dec. Leg. 144, de 20.06.2002, e ra­ tificado em 23.08.2002; e c) a Convenção sobre Diversidade Biológica,

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adotada na cidade do Rio dejaneiro, em 05.06.1992, aprovada no Brasil pelo Dec. Leg. 2, de 03.02.1994, e prom ulgada pelo Decreto 2.519, de 16.03.1998, tendo entrado em vigor internacional em.29.12.1993. Os tratados internacionais de proteção do m eio ambiente, assim como os de proteção dos direitos hum anos, dispensam da sistemática de sua incorporação a prom ulgação executiva, como já vimos no capítulo anterior, p o r deterem aplicação imediata a partir de suas respectivas ratificações, nos term os do art. 5.°, § 1.° da C onstituição de 1988. Os instrum entos internacionais de proteção ao meio am biente, pelas regras da C onstituição de 1988 (art. 5.°, §§ 1.° e 2.°), tam bém se incorporam autom aticam ente ao ordenam ento jurídico brasileiro, pelo fato de fazerem parte do rol dos cham ados tratados internacionais de proteção dos direitos hum anos lato sensu, em relação aos quais a C onstituição brasileira atribui um a forma própria de incorporação e um a hierarquia diferenciada dos demais tratados (considerados comuns ou tradicionais) ratificados pelo Brasil. Como destaca G uido Fernando Silva Soares, as norm as de prote­ ção internacional do meio am biente “têm sido consideradas como um com plem ento aos direitos do hom em , em particular o direito à vida e à saúde hum ana”, sendo bastante expressiva “a parte da doutrina com sem elhante posicionam ento, especialm ente daqueles autores que se têm destacado como grandes am bientalistas” (A proteção internacional do meio ambiente. Barueri: M anole, 2003, p. 173). Tal posicionam ento é reafirmado pelos grandes textos de direito in tern acio n al am biental, onde se encon tram várias referências ao direito à vida e à saúde. Como exem plo, pode ser citada a Declaração do Rio d ejan eiro sobre Meio A m biente e Desenvolvim ento, de 1992, que faz referência à “vida saudável” no seu Princípio 1. 3. O d ire ito ao m eio a m b ie n te c o m o um d ire ito h u m a n o fu n d a m e n ta l: a percepção de que questões ligadas à proteção do meio am biente não se lim itam à poluição advinda da industrialização, mas abrangem u m universo m uito mais am plo e com plexo, que envolve todo o planeta e podem colocar em risco a saúde m undial, foi decisiva para a inserção do tem a “m eio am biente” na esfera de proteção do direito internacional dos direitos hum anos.

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A proteção do meio am biente não é m atéria reservada ao do­ m ínio exclusivo da legislação dom éstica dos Estados, m as dever de toda a com unidade internacional. A proteção am biental, abrangendo a preservação da natureza em todos os seus aspectos relativos à vida hum ana, tem p o r finalidade tutelar o meio am biente em decorrência do direito à sadia qualidade devida, em todos os seus desdobram entos, sendo considerado um a das vertentes dos direitos fundam entais da pessoa hum ana. O direito fundam ental ao m eio am biente foi reconhecido no plano internacional pela Declaração sobre o Meio Am biente H umano, adotada pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente H um ano, em Estocolm o, de 5 a 16.06.1972, cujos 26 princípios têm a m esm a relevância para os Estados que teve a Declaração Universal dos D ireitos H um anos, adotada em Paris, em 10.12.1948, pela Re­ solução 217 da Assembleia Geral da ONU, servindo de paradigm a e referencial ético para toda a sociedade internacional, no que tange à proteção internacional do meio am biente como um direito hum ano fundam ental de todos. A Declaração de Estocolm o de 1972, como leciona José Afonso da Silva, “abriu cam inho para que as C onstituições supervenientes reconhecessem o m eio am biente ecologicam ente equilibrado como um direito humano fundamental entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados” (Direito ambiental constitucional, 3. ed. São Paulo: M alheiros, 2000, p. 67). P or ter m aterializado os ideais comuns da sociedade internacional no que toca à proteção internacional do meio am biente, a Declaração de Estocolm o de 1972 abriu espaço para que esses tem as, antes afetos ao dom ínio exclusivo e absoluto dos Estados, pudessem passar a ser tratados dentro de um a perspectiva global, notadam ente ligada à pro­ teção internacional dos direitos hum anos. Antes da Conferência de Estocolm o, o meio am biente era tratado, em plano m undial, como algo dissociado da hum anidade. A Declaração de Estocolm o de 1972 conseguiu, portanto, m odificar o foco do p en ­ sam ento am biental do planeta, m esm o não se revestindo da qualidade de tratado internacional, enquadrando-se, ao lado das várias outras

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declarações m em oráveis das Nações U nidas - de que são exem plos a D eclaração U niversal dos D ireitos H um anos de 1948 (no cam po dos direitos hum anos) e a Declaração do Rio d e ja n eiro sobre Meio A m biente e D esenvolvim ento de 1992 (na esfera da proteção interna­ cional do m eio am biente) no âm bito daquilo que se convencionou cham ar de soft law ou droit doux (direito flexível), governado p o r u m conjunto de sanções distintas das previstas nas norm as tradicionais, em contraponto ao conhecido sistem a do hard law ou droit dur (direito rígid o). Apesar de não se ter ainda, na doutrina intem acionalista, um a conceituação adequada de soft law, pode-se afirmar que na sua m odem a acepção ela com preende todas aquelas norm as que visam regulam entar futuros com portam entos dos Estados, sem deterem o status de “norm a ju ríd ica”, e que im põem , além de sanções de conteúdo m oral, tam bém outras que podem ser consideradas como extrajurídicas, em caso de descum prim ento ou inobservância de seus postulados. A asserção do direito ao meio ambiente ao status de direito hum ano fundam ental decorre do Princípio 1 da Declaração de Estocolm o de 1972, segundo o qual “o hom em tem o direito fundam ental à liberda­ de, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio am biente de qualidade tal que lhe perm ita levar um a vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e m elhorar o m eio am biente para as gerações presentes e futuras. A respeito, as políticas que prom ovem ou perpetuam o apartheid, a segregação ra­ cial, a discrim inação, a opressão colonial e outras form as de opressão e de dom inação estrangeira são condenadas e devem ser elim inadas”. Uma vitória im portante dos países m enos desenvolvidos consis­ tiu no reconhecim ento da soberania dos Estados na exploração dos seus próprios recursos e no estabelecim ento de seus m ecanism os de proteção am biental. Nos term os do Princípio 21 da Declaração, “em conform idade com a Carta das Nações Unidas e com os princípios de direito internacional, os Estados têm o direito soberano de explorar seus próprios recursos em aplicação de sua própria política am bien­ tal e a obrigação de assegurar-se de que as atividades que se levem a cabo, dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, não prejudiquem o m eio am biente de outros Estados ou de zonas situadas fora de toda jurisdição nacional”. Ficou aqui consagrado o princípio costum eiro

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segundo o qual a propriedade deve ser utilizada de tal form a a não prejudicar terceiros (sic utere tuo ut alienum non laedas), sendo certo que sua violação acarreta a responsabilidade civil do Estado violador. O im pacto da D eclaração de E stocolm o p ara os anos que se seguiram à C onferência se fez sentir principalm ente no que tange à im pressionante avalanche de tratados internacionais concluídos nos últim os tem pos (tanto m ultilaterais, como bilaterais e regionais) relativos à proteção internacional do m eio am biente lato sensu, sendo praticam ente im possível determ inar com exatidão o núm ero preciso desses instrum entos internacionais atualm ente (cf. Guido Fernando Silva Soares. Direito internacional do meio ambiente: emergência, obri­ gações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001, p. 56). A inter-relação da proteção am biental com o efetivo gozo dos direi­ tos hum anos foi reconhecida pela Organização dos Estados Americanos, porm eio do Relatório decorrentedaAG/Res. 1819 (XXXI-O/Ol),intitu­ lado Direitos Humanos e Meio Ambiente, de 04.04.2002. N os termos do citado Relatório: “O Princípio 1 da Declaração de Estocolmo, de 1972, pode ser a mais antiga declaração direta que vincula direitos hum anos e proteção ambiental, ao afirmar o direito fundam ental à liberdade, à igual­ dade e a condições de vida adequadas, nu m meio am biente de qualidade tal que perm ita um a vida de dignidade e bem-estar. A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente H um ano, de 1972, declarou que ‘o meio am biente hum ano, o natural e o artificial, são essenciais para o bem -estar do hom em e para o gozo dos direitos hum anos fundamentais, inclusive o direito à própria vida’. Desde então u m considerável núm ero de instrum entos de direitos hum anos, regionais, globais e nacionais, reconhecem de algum m odo o direito a u m m eio am biente que seja sadio. Também há u m crescente corpo de jurisprudência no contexto dos direitos hum anos que reconhece o flagelo da degradação ambiental, na m edida em que afeta o gozo dos direitos estabelecidos. Institucionalm ente, as Nações Unidas levaram essa questão mais longe que outras organizações, quando, em m eados da década de 90, criaram o cargo de Relator Especial de Direitos H um anos e Meio Ambiente, cujo trabalho e cujos docum entos estabelecem diretam ente a vinculação”. Ainda no ano de 1972, é firm ada a Convenção Relativa à Proteção do Patrim ônio M undial, C ultural e N atu ral (prom ulgada no Brasil

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pelo Decreto 80.978, de 12.12.1977). A Convenção, nos term os do seu art. 1.°, considera como patrim ônio cultural as obras m onum entais de arquitetura, escultura ou p in tu ra, os elem entos ou estruturas de natureza arqueológica, os conjuntos arquitetônicos ou paisagísticos de valor universal excepcional, e os lugares notáveis. Por patrim ônio natural, nos term os do seu art. 2.°, entendem -se os m onum entos n atu ­ rais de valor universal do ponto de vista estético ou científico, as áreas que constituam o habitat de espécies anim ais ou vegetais ameaçadas ou que tenham valor excepcional do ponto de vista da ciência ou da conservação, e os lugares notáveis, cuja conservação é necessária para a preservação da beleza natural. Ainda segundo a m esm a Convenção, os Estados-partes com prom etem -se a identificar, proteger, conservar e legar às futuras gerações o patrim ônio cultural e natural, apresentando ao “Com itê do Patrim ônio M undial” (art. 8.°, §§ 1.° a 3.°) u m rol dos bens situados em seu território que possam ser incluídos na lista de bens protegidos como “Patrim ônio M undial”. A Convenção sobre a Diversidade Biológica, de 05.06.1992, po r sua vez, garante às presentes e futuras gerações a preservação da bio­ sfera, visando a harm onia am biental do planeta. Efetivamente, como destaca Fábio K onder Com parato, “a grande injustiça nessa m atéria reside no fato de que, em bora os grandes poluidores no m undo sejam os países desenvolvidos, são as nações proletárias que sofrem m ais intensam ente os efeitos da degradação do meio am biente (...). Tais fatos dem onstram , sobejam ente, a íntim a ligação entre desenvolvi­ m ento e política do meio am biente, e justificam a necessidade de se pô r em prática, no m undo inteiro, um a política de desenvolvim ento sustentável. É essa a boa globalização pela qual somos convidados a lutar, em todos os países” (A afirmação histórica dos direitos humanos, 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 422-423). No preâm bulo da referida Convenção lê-se que “os Estados são responsáveis pela conservação de sua diversidade biológica e pela utilização sustentável de seus recursos biológicos”, ficando enfatizada, tam bém , “a im portância e a necessidade de prom over a cooperação internacional, regional e m undial entre os Estados e as organizações intergovem am entais e o setor não governamental para a conservação da diversidade biológica e a utilização sustentável de seus com ponentes”.

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Portanto, a Convenção de 1992 coloca a questão da biodiversidade den­ tro do enfoque do desenvolvim ento sustentado de toda a humanidade. Talvez aqui resida o ponto chave das controvérsias envolvendo os direitos hum anos e o direito ao desenvolvimento. Daí a sugestão de Guido Fernando Silva Soares, no sentido de que “o conceito quepoderá evitar um confronto cruel entre direitos hum anos e direito ao desen­ volvim ento seja o de desenvolvim ento sustentável”. Mas este mesmo intem acionalista alerta para o fato de que dar-se ao desenvolvimento um a dimensão de respeito ao meio am biente poderá, talvez, amenizar os conflitos, mas não extirpá-los. Segundo Guido Soares, o abandono “de um a postura ancorada num a antropologia unilateral, centrada com egoísmo na vida hum ana, em beneficio de um a postura baseada em um a antropologia solidária, na qual haja um irrestrito respeito a quaisquer outras formas de vida, além da hum ana, parece-nos ser mais conse­ qüência de um a postura ética do que resultante de norm as jurídicas existentes, e, portanto, dependerá da boa vontade dos Estados e das pessoas” (Aproteção internacional do meio ambiente, cit., p. 175-176). Os problem as atin en tes à inter-relacionariedade da proteção internacional dos direitos hum anos com o direito internacional do meio am biente, entretanto, ainda carecem de m aior convergência dou­ trinária. Como dem onstrado pelo Relatório Direitos Humanos e Meio Ambiente, da OEA, de 04.04.2002, os autores que “escreveram sobre a m atéria geralm ente coincidem em que o dano ao meio am biente de fato afeta os direitos hum anos das pessoas”, estando a diferença “na forma de tratar o problem a”. Nesse sentido, ainda segundo o Relatório, “é possível falar de duas escolas: um a esposa as soluções ‘substantivas’, a outra, as soluções ‘processuais’. As soluções substantivas abrangeriam essencialm ente a nova legislação que conscientem ente ju n ta os dois assuntos de m aneira declaratória. Os recursos processuais se voltam para as dim ensões práticas do problem a, como a criação ou o fortaleci­ m ento dos direitos de acesso à inform ação e à participação, de m aneira que grupos marginalizados (que são com frequência desproporcional­ m ente afetados pelos danos am bientais) possam procurar reparação nos m ecanism os existentes” (cf. Doc. Conselho Perm anente da OEA, Comissão de A ssuntos Jurídicos e Políticos. Relatório da Secretaria Geral sobre o C um prim ento da AG/Res. 1819).

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4. A p ro te ç ã o d o m eio a m b ie n te n o direito brasileiro: não é som ente no plano in ternacio nal que o direito ao m eio am biente tom ou-se um direito hum ano fundam ental, reconhecido e protegido juridicam ente p o r declarações e tratados internacionais específicos. No plano do direito intem o brasileiro, o direito ao meio am bien­ te ecologicam ente equilibrado vem insculpido no art. 225, caput, da C onstituição de 1988, que assim dispõe: “Todos têm direito ao meio am biente ecologicamente equilibra­ do, bem de uso com um do povo e essencial à sadia qualidade de vida, im pòndo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (grifo nosso). E ste d isp o sitiv o do tex to c o n stitu c io n a l consagra tam bém o prin cíp io segundo o q ual o m eio am biente é um direito humano fundam ental, na m edida em que visa proteger o direito à vida com todos os seus desdobram entos, incluindo a sadia qualidade de seu gozo. Trata-se de u m direito fundam ental no sentido de que, sem ele, a pessoa hum ana não se realiza plenam ente, ou seja, não consegue desfrutá-lo sadiamente, para se u tilizar a term inologia em pregada pela letra da C onstituição. No sentido em pregado pelo art. 225, caput, do texto constitucio­ nal, o direito ao meio am biente ecologicam ente equilibrado é u m prius lógico do direito à vida, sem o qual esta não se desenvolve sadiam ente em n en hu m dos seus desdobram entos. É dizer, o bem ju rídico vida depende, para a sua integralidade, entre outros fatores, da proteção do meio am biente com todos os seus consectários, sendo dever do Poder Público e da coletividade defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Dentro desta perspectiva, o direito a u m meio am biente sadio e equilibrado configura-se um a extensão ou corolário lógico do direito à vida, sem o qual n en h u m ser hum ano pode vindicar a proteção dos seus direitos fundam entais violados. A vida tutelada pela C onstituição, portanto, transcende os es­ treitos lim ites de sua sim ples atuação física, abrangendo tam bém o direito à sadia qualidade de vida em todas as suas vertentes e formas. Sendo a vida um direito universalm ente reconhecido como um direito hum ano básico ou fundam ental, o seu gozo é condição sine qua non

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para o gozo de todos os dem ais direitos hum anos, aqui incluso o direito ao meio am biente ecologicam ente equilibrado. No plano infraconstitucional da legislação brasileira, a Lei 6.938, de 31.08.1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, apresenta o seguinte conceito de meio am biente, a saber: “Art. 3.° Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I - m eio am biente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, quím ica e biológica, que perm ite, abriga e rege a vida em todas as suas form as” (grifo nosso). Esta norm a jurídica, considerada um marco na proteção jurídica do meio am biente no Brasil, editada ã égide da Constituição de 1967, sob aEm endan. 1, de 1969, foi recepcionada pela Constituição de 1988, como que num tipo de reforço ao entendim ento segundo o qual a vida tutelada pela norm a constitucional tem um sentido am plo, abrangendo tanto a vida da pessoa hum ana como todos os seus desdobram entos, a exemplo do m eio am biente ecologicam ente equilibrado, essencial à sadia qualidade de seu gozo e fruição. Aqueles im portantes tratados internacionais de proteção ao meio ambiente, aos quais já nos referimos (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre M udança do Clima e Convenção sobre Diversidade Bio­ lógica, ambas concluídas em 1992, bem como todos os demais tratados sobre matéria ambiental já ratificados ou a serem ratificados pelo Brasil), também visam expressamente proteger a “vida em todas as suas formas”. Tais instrum entos internacionais, portanto, integram e com plem entam a regra de proteção ao meio am biente insculpida no art. 225, caput, da Constituição de 1988, incorporando-se ao direito intem o brasileiro com u m status diferenciado das demais norm as internacionais tradicionais. Os tratados internacionais em m atéria de m eio am biente tiveram sua im portância reconhecida pelo Princípio 24 da Declaração de Esto­ colmo de 1972, segundo o qual “todos os países, grandes e pequenos, devem ocupar-se com espírito e cooperação e em pé de igualdade das questões internacionais relativas à proteção e m elhoram ento do m eio am biente. É indispensável cooperar para controlar, evitar, reduzir e elim inar eficazmente os efeitos prejudiciais que as atividades que se realizem em qualquer esfera possam ter para o meio ambiente, m ediante

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acordos m ultilaterais ou bilaterais, ou po r outros meios apropriados, respeitados a soberania e os interesses de todos os Estados”. 5. O d ireito a o m e io a m b ie n te sad io n o sistem a in te ra m e ricano d e direitos h u m a n o s: o direito a um meio am biente sadio é assegurado, no sistem a interam ericano de proteção dos direitos h u ­ m anos, pelo art. 11, §§ 1.° e 2.°, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre D ireitos H um anos em M atéria de Direitos Econôm i­ cos, Sociais e C ulturais (conhecido po r Protocolo de San Salvador), de 17.11.1988, que assim dispõe: “Art. 11. Direito a u m meio am biente sadio. 1. Toda pessoa tem direito a viver em m eio am biente sadio e a contar com os serviços públicos básicos. 2. Os Estados-Partes prom overão a proteção, preservação e m e­ lhoram ento do meio am biente”. No sistem a interam ericano, além da regra supra sobre o direito a u m “meio am biente sadio”, como denom inado pelo Protocolo de San Salvador, a jurisp rud ên cia tam bém tem dado a sua contribuição no que diz respeito ao assunto. Vários casos se destacam no sistem a interam ericano, podendo ser citados, dentre outros, os seguintes: 1) Resolução 12/1985, Caso n. 7615 (Brasil), 05.03.1985, constante do Relatório A nual da CIDH 1984-85, OEA/Ser.L/W II.66,doc. 10,rev. 1 ,01.10.1985,24,31 (Caso Yanomami), envolvendo a construção de um a estrada que passava pelo território Yanomami, que se descobriu ter trazido doenças etc. para os integrantes dessa tribo. C onstatou-se, neste caso, várias violações à Declaração A m ericana dos Direitos e Deveres do Hom em , no que diz respeito ao direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal e ao direito à preservação da saúde e do bem -estar; e 2) Caso da Comunidade indígena Awas Tingni Mayagna (Sumo) contra a N icarágua, encam i­ nhado pela Comissão Interam ericana de D ireitos H um anos à Corte Interam ericana, sob a alegação de que o fracasso da dem arcação e re­ conhecim ento do território, em face da perspectiva do desm atam ento sancionado pelo governo nessas terras, constituía um a violação da Convenção A m ericana, tendo a Corte decidido, em agosto de 2001, que o Estado violara os arts. 21 e 25 da Convenção A m ericana (direito

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àpropriedadeprivada eproteçãojudicial, respectivam ente), ordenando que o m esm o demarcasse as terras dos Awas Tingni. Há vários outros casos nesse sentido no sistem a interam ericano (e tam bém , principalm ente, no sistema regional europeu de direitos hum anos). Tal é o que se tem nom inado de “esverdeamento” (greening) dos sistemas regionais de direitos hum anos, em que o m eio am biente é protegido indiretam ente (por ricochete) ou pela via reflexa, tendo em vista que os tribunais regionais (v.g., a Corte Interam ericana) não podem aceitar casos ambientais em sentido estrito. Assim, a solução é levar o caso am biental à Corte pela via reflexa, ou seja, em butindo-se a questão am biental num direito liberal clássico, como o direito à vida ou à propriedade. 6. Inter-relação d o s direitos h u m a n o s com o m eio a m b ie n te em o u tro s instrum en to s internacionais: a professora D inahShelton, no D ocum ento de Antecedentes ns. 1 e 2, intitulado Questões Ambien­ tais e Direitos Humanos nos Tratados Multilaterais Adotados entre 1991 e 2001, preparado para o Seminário C onjunto de Peritos em Direitos H um anos e M eio Ambiente (PNUMA-ACDH), realizado em Genebra, em janeiro de 2002, expôs com propriedade os principais instrum entos internacionais que trazem explicitam ente regras de inter-relação dos direitos hum anos com a proteção internacional do m eio am biente. Vejamos, pois, os núcleos de inter-relação entre direitos hum anos e meio am biente em diversos textos internacionais: 1) O Princípio 1 da D eclaração de E stocolm o estabeleceu os fundam entos da vinculação entre direitos hum anos e proteção do meio am biente, ao declarar: “O hom em tem o direito fundam ental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio am biente de qualidade tal que lhe perm ita levar um a vida digna e gozar de bem -estar.. . Também anunciou a responsabilidade de cada pessoa de proteger e m elhorar o m eio am biente para a geração atual e as gerações futuras. 2) O Princípio 10 da Declaração do Rio d e ja n e iro sobre Meio A m biente e D esenvolvim ento, de 1992, estabelece: “A participação pública no processo decisório am biental deve ser prom ovida e o acesso à informação facilitado”. Vincula-se, aqui, o assunto em term os pro­

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cessuais, m ediante o direito do indivíduo à inform ação relacionada com o m eio am biente que esteja em mãos das autoridades públicas. Na p. 5, nota 4, do Relatório da OEA, lê-se: “A mesma lógica se aplica à C onvenção-Q uadro das Nações U nidas sobre M udança Climática (04.06.1992), ao Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança à Conven­ ção sobre Diversidade Biológica (M ontreal, 29.01.2000), art. 23, ao art. 10(1) da Convenção sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (Estocolmo, 22.05.2001), à Convenção deEspoo sobre Avaliação do Impacto Ambiental num Contexto Transfronteiriço, adotada em 25.02.1991, no decorrer dos preparativos para a Conferência do Rio, ã Convenção sobre Responsabili­ dade Civil por Danos Resultantes de Atividades Perigosas ao Meio Ambiente (Lugano, 26.06.1993), Capítulo III, com preendendo os arts. 13 a 16, ao Convênio Norte-Americano sobre Cooperação Ambiental (W ashington, D.C., 13.09.1993), art. 2(1), a, 14. Também conhecido como acordo com plem entar ao NAFTA, o tratado inclui acordos institucionais para participação pública e é o prim eiro acordo am biental a estabelecer um procedim ento para apresentação de queixas de indivíduos e organiza­ ções quanto a deixar o Estado de fazer valer sua legislação ambiental, inclusive a que decorra de obrigações internacionais”. 3) A Convenção sobre Acesso à Informação, Participação Pública no Processo de Tomada de Decisão e Acesso ã Justiça em Questões A m ­ bientais (Aarhus, Dinamarca, 25.06.1998), assinada p o r 35 Estados e a C om unidade Européia, adota u m enfoque am plo, apoiando-se em textos anteriores, especialm ente no Princípio 1 da Declaração de Estocolm o. Seu Preâm bulo declara que “toda pessoa tem o direito de viver n u m m eio am biente adequado à suá saúde e bem -estar e o dever, tanto individualm ente quanto em associação com outros, de proteger e m elhorar o meio am biente em benefício da geração atual e das gerações futuras”. 4) A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (Nova York, 20.11.1989) faz referência aos aspectos da proteção am­ biental relacionados com o direito da criança à saúde. O seu art. 24 dispõe, entre outras coisas: “ 1. Os Estados-partes reconhecem o direito da criança de gozar do m elhor padrão possível de saúde e dos serviços destinados ao tratam ento das doenças e à recuperação da saúde. Os Estados-partes envidarão esforços no sentido de assegurar que n en h u ­

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m a criança se veja privada de seu direito de usufruir desses serviços sanitários. (...) 2. Os Estados-partes garantirão a plena aplicação desse direito e, em especial, adotarão as m edidas apropriadas com vistas a: (...) c) com bater as doenças e a desnutrição, dentro do contexto dos cuidados básicos de saúde mediante, inter alia, a aplicação de tecnologia disponível e o fornecim ento de alim entos nutritivos e de água potável, tendo em vista os perigos e riscos da poluição am biental”. 5) A Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (Banjul, 26.06.1981) inclui várias disposições relacionadas com o direito ao meio am biente sadio. O art. 24, por exemplo, declara: “Todos os po ­ vos têm direito a u m meio am biente geral satisfatório, propício ao seu desenvolvim ento”. 6 ) 0 art. 3 7 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, dispõe: “Todas as políticas da União devem integrar u m elevado nível de proteção do am biente e a m elhoria da sua qualidade, e assegurá-los de acordo com o p rincípio do desenvolvim ento sustentável”. 7) O art. 111 do Tratado para o Estabelecimento da Comunidade da África Oriental, p or fim, estabelece que “um meio am biente lim po e sadio é precondição para o desenvolvim ento sustentável”. Tais textos internacionais estão a dem onstrar, portanto, a exces­ siva preocupação dos Estados para com a proteção internacional dos direitos hum anos e do meio am biente, visando salvaguardar o futuro do planeta no que diz respeito a tais m atérias, ainda mais quando se tem em conta a emergência do direito internacional do m eio am biente e seu papel prim ordial para o futuro da hum anidade. 7. Leitura c o m p le m e n tar: 1.

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto: Direitos humanos e meio ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Fabris, 1993.

2.

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. A proteção internacional dos direitos humanos e o direito internacional do meio ambiente. Revista de Direito Ambiental, ano 9, v. 34, São Paulo, abr.-jun. 2004, p. 97-123.

3.

NASCIMENTO E SILVA, Geraldo Eulálio do. Direito ambiental inter­ nacional: meio ambiente, desenvolvimento sustentável e os desafios da nova ordem mundial. Rio dejaneiro: Thex, 1995.

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4. 5.

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SILVAJ o sé Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio am­ biente. Barueri: Manole, 2003 (Série Entender o Mundo, v. 2).

Para ap ro fu n d ar: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo: RT, 2012; BADIALI, Giorgio. La tutela intem azionale deli’ambiente. Napoli: E dizioni Scientifiche Italiane, 1995; BALLENEGGER, Jacques. Lapollution en droit intemational: la responsabilitépour les dommages causés par lapollution transfrontière. Genève: Dalloz, 1975; CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. The contribution of intem ational human rights law to environmental protection, w ith special reference to global enviromnental change. In: EdithBrown W eiss (ed .). Environmental change and intemational law: new challenges and dimensions. Toquio: U nited Nations University Press, 1992, p. 244-312;_________. Meio ambiente e desenvolvimento: formulação e implementação do direito ao desenvolvim ento com o um direito humano. Boletim da Sociedade Brasileira de Direito Internacional, ano XLV,jul.-nov./1992, ns. 81/83, p. 49-76; CLABOT, Dino Bellorio. Tratado de derecho ambiental. Buenos Aires: Ad-Hoc, 1997; KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Traité de droit européen de Venvironnement. Paris: Frison-Roche, 1995; MATHIEU, Jean-Luc. Laprotection intemationale de Venvironnement. Paris: Presses Universitaraires de France, 1991; SOARES, Guido Fernando Silva. Direitos humanos e m eio ambiente. In: Alberto do Amaral Júnior e Cláudia Perrone-Moisés (orgs.). O cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo: Edusp, 1999;_________ . Direito internacional do meio ambiente: emergência, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001.

C a p ít u l o X V I R e s p o n s a b ilid a d e I n t e r n a c io n a l d o Es t a d o

1. C o n c e ito d e re sp o n sa b ilid a d e in tern acio n al: assim como os atos ilícitos praticados pelos cidadãos, no âm bito do direito in ­ terno dos Estados, m erecem um a devida reprim enda, a prática de u m ato ilícito internacional, assim entendido todo ato violador de um a n orm a de DIP, p o r p arte de u m Estado em relação aos direitos de outro, gera igualm ente a responsabilização do causador do dano, em relação àquele Estado contra o qual o ato ilícito foi com etido. É necessário, p o rtan to, que nas relações entre Estados haja u m critério m ínim o de ju stiça que m antenha estável o bom entendim ento entre as potências estrangeiras, im pondo àquele Estado que abala ou viola essa estabilidade u m ônus ju ríd ico com o qual deverá arcar. A responsabilidade internacional do Estado é o instituto que visa responsabilizar determ inado Estado pela prática de u m ato atentató­ rio ao direito internacional (ilícito) perpetrado contra outro Estado, prevendo certa reparação a este últim o pelos prejuízos e gravames que injustam ente sofreu. P ortanto, o in stitu to da responsabilidade tem dupla finalidade: d) visa, em prim eiro lugar, coagir psicologicam ente os governantes dos Estados a fim de que os m esm os não deixem de cum prir com os seus com prom issos internacionais (finalidade preventiva); e b) em segundo plano, visa atrib u ir àquele Estado que sofreu u m prejuízo, em decorrência de u m ato ilícito com etido p o r outro, um a ju sta e devida reparação (finalidade repressiva). A questão da responsabilidade internacional do Estado é, hoj e, um a das mais importantes do direito internacional, tanto assim que a Comissão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas colocou-a em sua pri­ meira sessão de 1949, no rol dos quatorze problemas prioritários do DIP 2. C aracterísticas d a resp on sab ilid ad e internacional: o princí­ pio fundam ental da responsabilidade internacional traduz-se na ideia de

RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL DO ESTADO

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justiça, por meio da qual os Estados estão vinculados ao cumprimento daquilo que assumiram no cenário internacional, devendo observar seus compromissos de boa-fé e sem qualquer prejuízo aos outros Estados. Portanto, o Estado é internacionalmente responsável por toda ação ou omissão que lhe seja imputável de acordo com as regras do direito inter­ nacional público, e das quais resulte violação de direito alheio ou violação abstrata deum anorm a jurídica intemacionalporeleanteriormenteaceita. O instituto da responsabilidade internacional do Estado, diferen­ tem ente da responsabilidade atinente ao direito intem o, visa sem pre a reparação de u m prejuízo causado a determ inado Estado em virtude de ato ilícito praticado por outro. A reparação (civil) é a restitutio ín integrum, tendo p o r finalidade fazer voltar as coisas ao status quo. Aos poucos a reparação vai sendo substituída pela indenização, sem pre que não for possível, m aterial ou juridicam ente, reparar o dano causado pelo ato ilícito estatal. A responsabilidade in ternacio nal praticam ente desconhece a responsabilidade penal, como a imposição de penas, castigos ou outras formas de repressão crim inal congêneres. A responsabilidade penal, no direito internacional, só tem lugar excepcionalm ente, como nos casos dos crimes de guerra e dos crimes contra a hum anidade, o que já caracteriza a responsabilidade pessoal do indivíduo. A responsabilidade internacional opera-se sem pre de Estado para Estado, ainda que o ato ilícito tenha sido praticado po r um indivíduo ou ainda quando a sua vítim a sej a u m particular. Internacionalm ente, na prim eira hipótese, faz-se necessário o endosso da reclam ação do Estado nacional da vítim a. Da m esm a forma, quando se tem em jogo um ato ilícito com etido p o r particular, será o seu Estado respectivo (e não o próprio particular) que sofrerá a responsabilização internacio­ nal (a m enos que este ato, como se falou no parágrafo anterior, não configure a violação de u m tipo penal internacional, caso em que tal responsabilidade será pessoal). A teoria da responsabilidade internacional tem sido tam bém apli­ cada às organizações internacionais. Estas podem , inclusive, utilizar-se da proteção diplom ática em relação aos seus funcionários. A proteção diplomática, em certos casos, pode ser exercida até m esm o por agências ou organism os internacionais especializados.

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3. Elem entos constitutivos d a resp o n sab ilid ad e: a doutrina intem acionalista é unânim e em afirm ar que são três os elem entos que com põem o instituto da responsabilidade internacional do Estado: a) a existência de um ato ilícito internacional; b) a presença da imputabi­ lidade; e c) a existência de u m prejuízo ou um dano a outro Estado. O prim eiro elem ento constitutivo da responsabilidade (ilicitude internacional do ato) consubstancia-se na violação de um a norm a de direito internacional, com preendendo tanto o fato positivo (com issivo) como o fato negativo (om issivo). Vez ou outra se adm ite que eventos lícitos, m as que causem ris­ cos im inentes e excepcionais às pessoas ou ao meio am biente, como testes nucleares e poluição m arítim a p or hidrocarburetos, tam bém podem acarretar a responsabilidade internacional do Estado. Nestes casos, assim como nos ligados ao lançam ento de engenhos espaciais ou outras formas de degradação congêneres, o elem ento dano deixaria de estar presente entre os elem entos caracterizadores da responsabilidade (que, neste caso, passaria a contar tão som ente com o ato ilícito e com a imputabilidade). Também não se descarta a prática de um a ofensa moral (positiva ou negativa) de u m Estado em relação a outro (ex.: ofensa aos símbolos nacionais de um país, etc.). Mas, neste caso, po r se tratar de ofensa m oral, não haverá sanção propriam ente jurídica ao Estado ofensor, a não ser po r meio da opinião pública internacional (o que poderá causar-lhe inúm eros prejuízos, n o que tange à sua reputação internacional). A im putabilidade, p o r sua vez, é o nexo causai que liga o ato danoso violador do direito internacion al (ou a om issão estatal) ao responsável causador do dano (au to r direto ou indireto do fato). Ou seja, é o vínculo ju ríd ico que se form a entre o Estado que transgrediu a norm a internacional e o Estado que sofreu a lesão decorrente de tal violação. Nem sem pre, porém , o au to r im ediato de u m ato ilícito internacional é diretam ente responsável p o r ele, à luz do direito in ­ ternacional público. Os Estados serão sem pre responsáveis pelos atos praticados pelos seus funcionários, quando tais atos forem praticados em seu nom e (do E stado). De qualquer form a, o que caracteriza a im putabilidade é a possibilidade de o ato antijurídico ser im putável ao Estado na sua condição de sujeito de direito intem acionalpúblico,

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ainda que praticado p o r agente ou funcionário seu, quando então a im putabilidade e a autoria do fato se confundem . Por fim, tem-se a existência de u m prejuízo ou u m dano a outro Estado com o o terceiro elem ento constitutivo da responsabilidade internacional. Tal prejuízo (resultado antijurídico do fato) pode ser m oral ou m aterial, e pode ter decorrido de u m ato ilícito com etido p or um Estado ou p o r u m particular em nom e do Estado. A existência do dano é o fato gerador da responsabilidade e possibilita ao Estado lesado em seu direito vindicar um a reparação para o m al a ele causado. 4. Form as d e re s p o n sa b ilid a d e in tern acio n al: são várias as form as conhecidas de responsabilidade internacional dos Estados, sendo as m ais com uns as seguintes espécies: a) responsabilidade di­ reta e indireta; b) responsabilidade p o r comissão e p o r omissão; e c) responsabilidade convencional e delituosa. A responsabilidade do Estado será direta quando o ato ilícito (positivo ou negativo) for praticado pelo próprio governo estatal, por órgão governam ental ou p o r funcionários do seu governo. Também se enquadram nesta categoria os atos praticados p o r particulares, quando a prática do ato decorre da atitude do Estado em relação a este particular, ou seja, quando a atividade do particular possa ser im pu­ tada ao Estado. Neste caso o Estado será responsável se não empregar a necessária diligência para prevenir tais atos, dentre os quais podem ser citados os atentados contra chefes de Estado, insultos à bandeira ou outros símbolos nacionais, os atos de pirataria, o tráfico de escravos etc. Será indireta a responsabilidade quando o ilícito for com etido p o r particulares ou p or u m grupo ou coletividade que o Estado representa na esfera internacional, a exem plo dos ilícitos com etidos p or um a co­ m unidade sob tutela estatal (um território sob m andato etc.) ou por um Estado protegido, onde figura como responsável o governo que o adm inistra ou o Estado que o protege. A responsabilidade será po r comissão quando o ilícito internacio­ nal for decorrente de um a ação positiva do Estado ou de seus agentes, e por omissão quando o Estado (ou seus agentes) se om itir ou deixar de praticar um ato requerido pelo DIP, em relação ao qual ele tinha o dever jurídico de praticar.

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Por fim, a responsabilidade do Estado será convencional quando resultar do descum prim ento ou da violação de um tratado internacional de que é parte este mesmo Estado, ou ainda em relação ao qual o mesmo está juridicam ente obrigado. Será delituosa a responsabilidade, por sua vez, quando o ato ilícito praticado pelo Estado se der em violação de um a norm a proveniente do direito costum eiro internacional. 5. N atureza jurídica d a resp o n sabilid ade internacional: exis­ tem duas grandes teorias acerca da natureza jurídica da responsabilidade internacional do Estado: a corrente subjetivista (também cham ada de teoria da culpa) e a objetivista (conhecida como teoria do risco). A doutrina subjetivista, ou teoria da culpa, defendida inicialmente por Hugo G rotius, apregoa que a responsabilidade internacional deve derivar de u m ato culposo (stricto sensu) do Estado, ou doloso, em ter­ m os de vontade de praticar o ato ou evento danoso. Ou seja, para esta doutrina, não basta a prática de u m ato internacional objetivam ente ilícito: é necessário que o Estado que o praticou tenha agido com culpa (im prudência, negligência ou im perícia) ou com dolo intencional. A doutrina objetivista, ou teoria do risco, p or sua vez, pretende dem onstrar a existência da responsabilidade do Estado no sim ples fato de ter ele violado um a norm a internacional que deveria respeitar, não se preocupando em saber quais foram os motivos ou os fatos que o levaram a atuar delituosam ente. Ou seja, para a doutrina objetivista não im porta a eventual culpa ou dolo do Estado, devendo sua res­ ponsabilidade ser auferida pela sim ples dem onstração da violação de norm a internacional que havia se obrigado a cumprir. Esta teoria foi afirm ada p o r Triepel, seguido p o r A nzilotti, que rejeitava em definitivo a teoria da culpa. Para a teoria objetivista, por­ tanto, a responsabilidade do Estado surge em decorrência do nexo de causalidade existente entre o ato ilícito praticado p o r ele e o prejuízo sofrido por outro, sem necessidade de se recorrer ao elemento psicológico para auferir a responsabilidade do prim eiro. Aqui está em jogo apenas o “risco” (que, contudo, tam bém integra o dolo, mas sem a existência de vontade específica) que o Estado assum e ao praticar determ inado ato (violador do direito internacional).

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Esta teoria tem sido utilizada em casos que tratam da exploração cósmica e de energia nuclear, bem como os relativos à proteção inter­ nacional do m eio am biente. A ju risp ru d ê n c ia in tern acio n al, co n tu d o , ainda c o n tin u a se u tilizando em larga escala da teoria subjetivista (ou teoria da culpa), que protege mais o Estado do que a teoria objetivista ou do risco. Esta últim a tem sido ainda aplicada em pequena escala na jurisprudência internacional, ainda que já se tenha começado a perceber u m certo aum ento de decisões a seu favor. Uma terceira corrente (cham ada de teoria m ista), defendida por Triepel e Strupp, apregoa que a culpa só pode ser utilizada nos ilícitos internacionais que o Estado pratica p o r omissão. N este caso, estaria presente a negligência do Estado, o que daria margem à sua respon­ sabilização internacional. Poderia ser tido como exemplo de um a tal negligência a m orosidade ou a falta de vontade do Estado em elaborar um a lei requerida pelo direito internacional. Já em relação ao risco, para esta teoria m ista, este som ente seria aplicado nos delitos praticados p or atos positivos do Estado (praticados por com issão). Esta doutrina, entretanto, não teve m aior consagração na teoria da responsabilidade internacional. 6. Ó rg ã o s in te rn o s e re sp o n sa b ilid a d e in tern acio n al: os Po­ deres Executivo, Legislativo e Judiciário, quando da prática de atos atentatórios ao direito internacional, tam bém geram para o Estado respectivo a responsabilidade internacional, na m edida em que são Poderes que atuam em nome do Estado e com sua autorização. O Poder Executivo ainda é o grande vilão e m aior responsável pelo com etim ento de ilícitos e pela violação de norm as internacio­ nais. Os atos ilícitos praticados pelo Executivo ou pelos seus agentes, tanto no âm bito in tem o como no âm bito internacional, são geradores de responsabilidade. São exem plos de tais práticas, levadas a efeito diretam ente pelo Executivo, a conclusão de contratos ou concessões, prisões ilegais ou arbitrárias, injustiças contra estrangeiros e a con­ cessão de anistia contrária às regras do DIP. Isto não exclui a prática de atos ilícitos praticados p o r agentes ou funcionários do Executivo. O Estado responde pelo ilícito internacional m esm o no caso de o fun ­

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cionário ser incom petente para a prática do ato, posto que a qualidade oficial do funcionário vincula o Estado, a fim de garantir estabilidade e segurança às relações internacionais. O Poder Legislativo viola o direito internacional quando, po r exemplo, edita leis contrárias ao conteúdo de tratados internacionais anteriorm ente aprovados, com o intuito de burlar aquilo que foi pac­ tuado internacionalm ente. Da mesma forma, o Legislativo incorre em responsabilidade internacional se deixa de aprovar determ inada legisla­ ção necessária ao cum prim ento de tratado anteriorm ente aprovado (por ele mesm o) e já em vigor internacional. De recordar-se aqui, mais um a vez, o que decidiu a antiga Corte Perm anente de Justiça Internacional, em 1932: “Um Estado não pode invocar contra outro Estado sua p ró ­ pria C onstituição para se esquivar a obrigações que lhe incum bem em virtude do Direito Internacional ou de tratados vigentes”. Aliás, temos defendido, há vários anos, que o Poder Legislativo, quando aprova um com prom isso internacional, está assum indo a obrigação negativa de não legislar em desacordo com aquilo que ele próprio anteriorm ente aprovou, em respeito à teoria do ato próprio, segundo a qual venirecon­ tra factumproprium non valet (cf., a esse propósito, Valerio de Oliveira M azzuoli, Tratados internacionais: com com entários à Convenção de Viena de 1969,2. ed. rev., ampl. e atual., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2004, p. 336 e 412). A atuação do Parlam ento tem, portanto, u m papel prim ordial de respeito para com as norm as internacionais (que ele m esm o aprovou, p or m eio de Decreto Legislativo, prom ulgado pelo Presidente do Senado) ratificadas pelo Estado, as quais prevalecem sobre a legislação ordinária interna e têm de ser respeitadas pelo Poder Legislativo, sem que isso signifique, em absoluto, o im pedim ento de sua atividade político-jurídica consistente na função de legislar. Também não se exclui a responsabilidade internacional do Es­ tado no caso de os poderes Legislativo e Executivo adotarem um a lei ordinária (segundo o processo legislativo descrito pela C onstituição) com conteúdo flagrantem ente contrário às norm as internacionais que o país se com prom eteu a cum prir. O Poder Judiciário, p o r sua vez, não obstante ser independente e ter garantida a sua atuação ju risd icio n al, tam bém pratica ilícito in tern acio n al, afetando o E stado em m atéria de responsabilidade

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internacional, p or exem plo quando julga em desacordo com tratado in tern acio n al ratificado pelo E stado e em vigor intern acio n al, ou m esm o quando não julg a com base em tratado internacional que de­ veria conhecer, denegando o direito da parte que o invoca com base em convenções internacionais. Trata-se, neste caso, da hipótese em que o Estado, p or m eio do seu Poder Judiciário, recusa a aplicação da justiça, im possibilitando, p o r exemplo, u m estrangeiro de obter o provim ento que solicita (caso em que passa a caber a este o instrum en­ to da reclam ação diplom ática), ou mesmo quando a decisão judicial é contrária às obrigações internacionais assum idas pelo Estado no âm bito internacional. A este ato ilegal do Judiciário estatal, causador de responsabilidade, dá-se.o nom e de denegação dejustiça, podendo esta ser positiva (quando se nega a um estrangeiro o seu direito) ou negativa (quando se decide contrariamente a um direito do estrangeiro em território nacional). Não se pode esquecer, aqui, que o não cum prim ento de sentença proferida por tribunal com jurisdição internacional (que, como já vimos, dispensa homologação pelo STF) pelo Judiciário estatal tam bém é causa de responsabilidade internacional do Estado. Todo Estado que aceita a com petência contenciosa de u m tribunal internacional está obrigado a dar cum prim ento à decisão que, porventura, vier a ser proferida. Caso não o faça, estará descum prindo obrigação de caráter internacional e, portanto, sujeito às sanções que a sociedade internacional houver por bem lhe aplicar. 7. Excludentes d a resp o n sab ilid ad e: não são todos os ilícitos internacionais que acarretam a responsabilidade in ternacio nal do Estado, existindo determ inadas circunstâncias capazes de excluí-la no âm bito internacional, liberando o Estado da obrigação de reparar o dano. D entre elas, m erecem destaque a legítima defesa do Estado, as represálias, a prescrição liberatória, bem como os danos que um Estado provoca em outro ao fazer represálias a este últim o. A legítim a defesa encontra guarida no art. 51 da Carta das Nações U nidas, que assim dispõe: “Art. 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva, no caso de ocorrer um ataque arm ado contra u m m em bro das Nações Unidas, até que o C onselho de

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Segurança tenha tom ado as m edidas necessárias para a m anutenção da paz e da segurança internacionais. As m edidas tom adas pelos M em­ bros no exercício desse direito de legítim a defesa serão com unicadas im ediatam ente ao C onselho de Segurança e não deverão, de m odo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao C onselho para levar a efeito, em qualquer tem po, a ação que julgar necessária à m anutenção ou ao restabelecim ento da paz e da segurança internacionais”. Tais atos de legítima defesa, tam bém cham ados de contramedidas, afastam a responsabilidade internacional do Estado, m as só podem ser aplicados quando existir um dano anteriorm ente verificado. As contram edidas têm um a função protetora (pois visam im pedir ataques injustificados a um Estado), um a função punitiva (tendo em vista a reprovação do ato ilícito internacional) e um a função reparadora (pois obrigam o outro Estado a reparar o dano causado). A legítim a defesa pressupõe sem pre um a agressão injusta (sem causa) e um a reação levada a efeito pela necessidade de defesa. Essa reação do Estado deve ser m anifestada de m aneira adequada, propor­ cional ao ataque ou ao perigo im inente. Tem-se tam bém as represálias, que em verdade são atos ilícitos, contudo a única forma de revidar outro ato ilícito perpetrado pelo outro Estado agressor, servindo também como forma excludente da respon­ sabilidade internacional. As represálias, da mesma forma que a legítima defesa, devem decorrer de um ato prévio e ser proporcionais ao ataque. Outra forma de exclusão da responsabilidade é a prescrição liberatória, que é extintiva e advém do silêncio do Estado lesado pelo ato ilícito, após um largo período de tempo que o direito internacional não obriga­ toriamente especifica. O silêncio do Estado vítima do prejuízo extingue a responsabilidade do infrator pela aceitação da situação de fato que, em outras circunstâncias, seria passível de responsabilização internacional. Não se descarta, tam bém , a questão da culpa do Estado lesado, que deu causa ao dano ou contribuiu para que o m esm o tivesse lugar. A doutrina tem entendido que o cham ado estado de necessidade não desonera o Estado de sua responsabilidade internacional, um a vez

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que não é facultado a nenhum a potência estrangeira a proteção de seu território em detrim ento dos direitos de terceiros. 8. Projeto d e convenção internacional da ONU: em 1996, a Co­ missão de Direito Internacional (CDI) das Nações Unidas aprovou, em sua 48.aSessão, o texto do primeiro projeto (draji) de convenção internacional sobre a responsabilidade internacional do Estado, desenvolvido com base nos trabalhos de sistematização do Prof. Roberto Ago. Atendendo às críti­ cas de alguns países, o projeto inicial foi revisto pela mesma comissão, que finalmente o aprovou em 2001, na sua 53.a Sessão. Após sua aprovação, o projeto foi encaminhado à Assembleia Geral da ONU para que esta pudesse verificar apossibilidade de adoção do seu texto, abrindo-se a oportunidade para as assinaturas e respectivas ratificações por parte dos Estados. D entre os assuntos tratados no projeto, podem ser citados, exemplificativam ente: os elem entos da responsabilidade in ternacio n al (art. 2.°); a caracterização das violações internacionais (art. 12); a responsabilidade do Estado em conexão com ato de outro (art. 16); a coerção de Estados (art. 18); as excludentes de ilicitude internacional (arts. 20 a 25); as formas de reparação do dano (arts. 34 a 39) etc. 9. Leitura c o m p le m e n tar: 1.

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P a rte G e ra l

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■ I - Q uestões O bjetivas de C o n c u r so s P úblicos

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(AGU —2002)

1. Acerca das fontes do Direito Internacional Público (DIP), ju lgue os seguintes itens: a). A parte que invoca u in costum e tem de demonstrar que ele está de acordo com a prática constante e uniform e seguida pelos Estados em questão. b) Os precedentes judiciais são vinculativos tão som ente para as partes em um litígio e em relação ao caso concreto, não tendo, assim, obrigatorie­ dade em DIP. c) Constituem funções da doutrina o fornecimento da prova do conteúdo do direito e a influência no seu desenvolvim ento. d) O Estatuto da Corte Internacional de Justiça, ao indicar as fontes do DIP que u m tribunal irá aplicar para resolver u m caso concreto, concede posição m ais elevada para as normas convencionais, que devem prevalecer sem pre sobre todas as outras. e) Ainda hoje, o rol das fontes indicado no Estatuto da Corte Interna­ cional de Justiça é taxativo. 2 . Quando soarem as doze badaladas da m eia-noite do dia 19 de maio de 2002, o m undo acolherá com satisfação o Timor Leste na família das nações. Será u m m om ento histórico para o Timor Leste e para as N ações Unidas. Um povo orgulhoso e tenaz realizará o sonho com um a todos os povos de viver com o hom ens e m ulheres livres sob um governo que eles m esm os escolhe­ ram - Kofx Annan, O m undo não pode abandonar o Timor Leste, Folha de S. Paulo, 19.05.2002, A-29 (com adaptações). A partir do texto acima, ju lgue os itens que se seguem: a) Para satisfazer a condição de Estado, tal com o prescreve o direito inter­ nacional público, o Timor Leste devepossuir: território, população, governo, independência na condução das suas relações externas e reconhecim ento dos dem ais atores que com põem a sociedade internacional.

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b) Para o direito das gentes, o ingresso nas Nações Unidas é condição neces­ sária para que um Estado possa ser considerado sujeito de direito internacional. c) A população de um país é o conjunto de pessoas (nacionais e estran­ geiros) fisicamente instaladas em seu território. d) O governo timorense deve ser reconhecido pelos demais membros da comunidade internacional como condição necessária para o reconhecimento do novo Estado. e) A nacionalidade, vínculo jurídico-político que une um indivíduo a um Estado, só pode ser concedida pelos Estados, que devem observar os princípios do direito internacional que regulam a matéria. 3. Tendo em vista o entendimento do direito internacional, bem como a prática brasileira acerca de tratados internacionais, julgue os itens subse­ quentes: a) Tratado internacional é um acordo celebrado por escrito entre sujei­ tos de direito internacional que produz efeito jurídico, qualquer que seja sua denominação particular. b) No Brasil, as convenções internacionais do trabalho, uma vez incor­ poradas ao ordenamento jurídico nacional, têm força de lei ordinária. c) Na ausência de preceito constitucional claro, o STF firmou entendi­ mento de que os tratados internacionais de direitos humanos estão acima da Constituição da República. d) O Congresso Nacional brasileiro resolve definitivamente sobre tra­ tados internacionais ao ratificá-los no plano externo. e) Salvo afronta à regra de direito intemo de importância fundamental sobre competência para concluir tratado, uma parte não pode invocar dispo­ sições de seu direito intemo para justificar o descumprimento de um tratado.

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ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS

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B-DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS (DELEGADO-SP —2000) 1. Quais os primeiros marcos do processo de internacionalização dos Direitos Humanos? a) Direito Hum anitário, Liga das N ações e a Carta Internacional dos Direitos H um anos. b) Direito Humanitário, Liga das N ações e a Organização Internacional do Trabalho. c) Liga das N ações, Organização Internacional do Trabalho e a Carta Internacional dos Direitos H um anos. d) Organização Internacional do Trabalho, Direito H um anitário e a Carta Internacional dos Direitos Humanos.

2. A Comissão de Direitos Hum anos das Nações Unidas deverá submeter propostas, recom endações e relatórios referentes aos instrum entos interna­ cionais de Direitos H um anos ao (à ): a) C onselho E conôm ico e Social. b) C onselho de Tutela. c) C onselho de Segurança. d) Corte Internacional de Justiça. 3. Tecnicamente a Declaração Universal dos Direitos do H om em (1948) constitui: a) um acordo internacional. b) uma recomendação. c) um tratado internacional. d) um pacto.

4. Os direitos previstos no Pacto Internacional dos Direitos Civis de Políticos (1966): a) têm autoaplicabilidade, mas não criam obrigações legais aos Estados-membros. b) demandam aplicação progressiva e não criam obrigações legais aos Estados-membros. c) dem andam aplicação progressiva e criam obrigações legais aos Estados-mem bros. d) têm autoaplicabilidade e criam obrigações legais aos Estados-m em bros. '

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5. N o campo dos Direitos Humanos, num eventual conflito entre normas previstas em tratados internacionais e preceitos de direito in tem o , aplica-se o princípio da: a) anterioridade da lei. b) especialidade. c) norma mais favorável à vítima. d) norma de hierarquia superior. 6. D e acordo com a teoria “m onista”, para que haja a incorporação dos tratados de direitos hum anos ao direito brasileiro: a) A ratificação não é suficiente, sendo necessária a edição de ato legis­ lativo in tem o determinando a incorporação. b) A ratificação é su ficien te para im ediata aplicação já que o poder legislativo participa do processo de incorporação. c) Não é necessária a ratificação para a incorporação, sendo suficiente a aprovação do Poder Legislativo. d) A ratificação ê suficiente para a im ediata aplicação já que o poder legislativo não participa do processo da incorporação. GABARITO: 1-B; 2-A; 3-B; 4-D; 5-C; 6-B.

(DELEGADO-SP - 2003) 1. A prevalência dos direitos hum anos constitui u m dos: a) princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas rela­ ções internacionais. b) objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil. c) objetivos derivados da República Federativa do Brasil. d) objetivos fundam entais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos m unicípios. 2 . Resolução proclamada pela Assem bleia Geral da O NU contém trinta artigos, precedidos de u m Preâmbulo, com sete considerandos, na qual se assegura o princípio da indivisibilidade dos direitos hum anos. O texto acima se refere à: a) Carta das N ações Unidas. b) Declaração Universal dos Direitos Hum anos. c) Declaração Americana dos Direitos Hum anos. d) Declaração dos Direitos do H om em e do Cidadão.

ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS

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3. Estabelece a Comissão Interamericana de Direitos Hum anos e a Corte Interamericana de Direitos H um anos com o m eios de proteção e órgãos com ­ petentes “para conhecer dos assuntos relacionados com o cum prim ento dos com prom issos assum idos pelos Estados-partes nesta Convenção” a: a) Convenção Americana sobre Direitos Humanos. b) Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura. c) Carta das N ações Unidas. d) Declaração Universal dos Direitos Hum anos. GABARITO: 1-A; 2-B; 3-A.

(TRF5.a REGIÃO- 1 9 9 9 ) 1 . U m tratado internacional passa a ser vigente n o Brasil e pode ser aplicado pelo ju iz, SOMENTE após sua: a) ratificação pelo Senado Federal. b) ratificação pelo Congresso Nacional. c) ratificação internacional pelo Presidente da República. d) aprovação pelo Congresso Nacional, por um Decreto Legislativo. e) promulgação pelo Presidente da República. 2 . Tratados, C onvenções e Acordos. a) Tratados, convenções e protocolos não significam qualquer classifica­ ção de tipos de atos internacionais multilaterais, quanto à sua normatividade. b) Tratados são atos internacionais multilaterais de m aior importância e se reservam aos assuntos mais relevantes que os versados em convenções internacionais. c) Os protocolos som ente podem ser assinados se houver um tratado internacional anterior sobre o m esm o assunto e entre os mesm os Estados Partes. d) “C onvenções Internacionais” são denom inações reservadas aos atos adotados no âmbito da OIT (Organização Internacional do Trabalho), en­ quanto que “Tratados Internacionais”, aos atos adotados no âmbito da ONU (Organização das N ações U nidas). e) Os acordos intern acion ais entre Estados não são “Tratados”, no sentido emprestado a este termo pela Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969. 3 . Responsabilidade internacional dos Estados. a) Não há violação de u m dever internacional, n o caso de o Poder Legis­ lativo e o Poder E xecutivo colaborarem para a adoção de um a lei ordinária,

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segundo o processo legislativo estabelecido na C onstituição, mas que se encontre em flagrante oposição a normas cogentes internacionais. b) Os atos do Poder Judiciário não podem dar causa à responsabilidade internacional dos Estados, porquanto são atos regidos nas leis internas. c) Som ente os atos p olíticos do Poder Executivo podem dar causa à responsabilidade internacional dos Estados. d) Para o Direito Internacional, é irrelevante se uma violação de um dever internacional foi m otivado ou não por uma lei intem a do Estado. e) A responsabilidade internacional dos Estados som en te p ode ser definida pelas leis internas dos m esm os. 4 . Validade da sentença estrangeira. a) A sentença judiciária estrangeira para ser exeqüível no Brasil, n e­ cessita de estar conform e às normas dos tratados internacionais dos quais o Brasil é parte. b) A sentença judiciária estrangeira só é exeqüível no Brasil, se a com ­ petência do ju iz estrangeiro for sem elhante à do ju iz brasileiro. c) A sentença judiciária estrangeira que ofender à ordem pública, só é exeqüível no Brasil após sua hom ologação pelo juiz do lugar de sua execução. d) Qualquer sentença judiciária estrangeira só é exeqüível no Brasil após hom ologação pelo Supremo Tribunal Federal. e) Som ente as sen tenças estrangeiras penais e condenatórias, para sua execução n o Brasil, dependem de hom ologação pelo Supremo Tribunal Federal. Gabarito: 1-E; 2-A; 3-D; 4-D.

(TRF 4.a REGIÃO-2 0 0 0 ) Assinale a alternativa correta: a) Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tratados internacionais norm ativos têm supremacia sobre o direito positivo intem o em matéria tributária. b) Os tratados internacionais são celebrados por decreto legislativo doCongresso Nacional. c) A prom ulgação dos tratados internacionais é da com petência do Presidente da República. d) A pós a aprovação definitiva p elo C ongresso N acion al, o tratado internacional passa a ser obrigatório n o direito positivo intem o. CORRETA: letra C.

ANEXO I - QUESTÕES OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS

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(TRF 3.a REGIÃO -2 0 0 3 ) 6 5 . Compete a celebração de tratados, convênios e atos internacionais: a) ao Presidente da República após a aprovação do Congresso Nacional. b) ao Presidente da República “ad referendam" do Senado Federal. c) ao Presidente da República “ad referendum” do Congresso Nacional. d) ao Presidente da República após a aprovação da Câmara dos Deputados. Resposta: C.1

(TRF 4.a REGIÃO - 2004) 9 1 . Assinalar a alternativa correta. I. A denom inação dos tratados internacionais é irrelevante para a deter­ minação de seus efeitos ou de sua eficácia, sendo indiferente sejam chamados de acordo, convenção, ajuste, pacto ou liga. II. Segundo o núm ero de Estados-partes, os tratados serão sempre m ul­ tilaterais, sendo inadm issível a hipótese de tratado unilateral. III. Segundo a possibilidade de participação, os tratados serão abertos ou fechados. IV Segundo o m odo de entrada em vigor, os tratados poderão ser “em devida forma”ou “em forma sim plificada”. a) Estão corretas apenas as assertivas II e IV. b) Estão corretas apenas as assertivas I, II e III. c) Estão corretas apenas as assertivas I, III e IV d) Todas as assertivas estão corretas. Resposta: C.

(MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL-18.° CONCURSO) 1 4 . A proteção dos direitos humanos: I—independe, segundo a doutrina contemporânea, de fronteiras nacio­ nais e jurisdição dom éstica, por serem tais direitos inerentes à dignidade da pessoa hum ana e não dependentes de reconhecim ento estatal. II - tem com o im portantes instrum entos, no plano global, a Declaração Universal dos D ireitos H um anos de 1948 das N ações Unidas e os Pactos In1. Vej'a-se que o enunciado da questão se refere à celebraçao do tratado, que é sempre prévia à manifestação congressual (CF, art. 84, VIII).

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tem acionais de Direitos Civis e Políticos e de Direitos E conôm icos, Sociais e Culturais de 1966, e, no plano regional, a C onvenção Americana sobre Direitos H um anos de 1969 ( “Pacto de S a n jo sé de Costa Rica”). III —no sistem a da OEA, tem com o órgãos com petentes a Com issão Interamericana de D ireitos H um anos, com sed e em W ashington DC, nos Estados U nidos da América, e a Corte Interamericana de Direitos H um anos, sediada em S an josé da Costa Rica. Analisando-se as asserções acima, p ode-se afirmar que: a) todas são corretas. b) todas são incorretas. c) som ente as de núm eros I e II estão corretas. d) som ente as de núm eros II e III estão corretas. Resposta: A.

(DEFENSOR PÚBLICO DA UNIÃO-2 0 0 4 ) Acerca do processo de incorporação, vigência e extinção dos tratados internacionais relativos a direitos hum anos no ordenamento jurídico brasi­ leiro, ju lgue os itens subsequentes.2 151 Em geral, os tratados intern acion ais m od ernos relativos a d i­ reitos hum anos são con ven ção celebradas sob o s au sp ícios de organizações intern acion ais globais ou regionais, an teced id os p or inúm eras sessõ es de trabalhos preparatórios, destinadas à apresentação, n egociação e com posição do texto-base do in s­ trum ento co n ven cion a l, tendo com o objeto e fim a proteção dos direitos fundam entais do ser hum ano e não o intercâm bio recíproco de direitos para o b en efício m útuo dos E stados co n ­ tratantes, conform e ocorre n o s tratados intern acion ais de tipo tradicional. 1 5 2 C on clu íd a a fase de n egociação m u ltilateral, cabe ao Estado brasileiro, por m eio do seu chefe ou, por delegação, de um plenipotencíário, a decisão discricionária de assinar o instrum ento convencional, com ou sem reservas, ou promover novos estudos no âmbito interno; porém , ao assiná-lo, constitui-se o vínculo obrigacional no plano do direito internacional. 1 5 3 De acordo com o texto da proposta de Emenda C onstitucional n. 2 .92 0/20 00 (Reforma do Poder Judiciário), aprovada em 1.° 2. Assinalar C (Certo) ou E (Errado).

ANEXO I-Q U E S T Õ E S OBJETIVAS DE CONCURSOS PÚBLICOS

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turno de votação n o Senado Federal, os tratados e convenções internacionais referentes a direitos hum anos aprovados, em cada Casa do Congresso N acional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos m em bros, serão equivalentes às em endas constitucionais. 1 5 4 Tratados in tern acion ais relativos a direitos h um anos p od em con ter au torização exp ressa para form u lação de quaisq uer reservas que o Estado-parte considere apropriadas, desde que tais reservas não sejam incom patíveis com o objeto e o fim do tratado, não estando sujeitas à aceitação u lterior dos dem ais Estados contratantes. 1 5 5 A denúncia de um tratado internacional a respeito de direitos hum anos pelo chefe do Poder Executivo está condicionada apenas à prévia aprovação do ato pelo Poder Legislativo. Respostas: 151-C; 152-E; 153-C; 154-C; 155-E. N o que se refere ao sistem a Interamericano de Proteção dos Direitos H um anos, ju lgu e os itens a seguir.3 1 5 6 Qualquer pessoa p ode apresentas à Com issão Interamericana de D ireitos H um anos (CIDH ) p etiçõ es que contenham denúncias ou queixas de v io laçõ es aos direitos consagrados na C onvenção Americana sobre D ireitos H um anos por u m Estado-parte, desde que, esgotados os recursos de direito intern o, o p leito obtenha o en d osso do E stado do qual o ind ivíd u o seja nacional. 1 5 7 A comprovação da condição de vítim a é requisito de adm issibili­ dade do caso perante a CIDH e a cláusula que prevê o direito de petição individual é facultativa, ao passo que a cláusula de petições interestatais é obrigatória. 1 5 8 Admitida a demanda perante a CIDH, as supostas vítim as, seus fa­ miliares ou seus representantes devidam ente acreditados poderão apresentar suas solicitações, argumentos e provas de forma autô­ nom a, durante todo o processo, em relação àquelas solicitações, argumentos e provas apresentados pela CIDH. 1 5 9 A com petência da CIDH alcança, por um lado, todos os Estados-partes da Convenção Americana sobre Direitos H um anos, em relação aos direitos e garantias nesta consagrados e, por outro lado, 3. Assinalar C (Certo) ou E (Errado).

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alcança todos os Estados-membros da Organização dos Estados Americanos, em relação aos direitos consagrados na Declaração Americana de 1948. 160 A parte da sentença proferida pela CIDH que determinar indeni­ zação compensatória poderá ser executada no país respectivo pelo processo intemo vigente para a execução de sentenças contra o Estado. Respostas: 156-E; 157-E; 158-C; 159-C; 160-E.

11 - Q u e s tõ e s O b je tiv a s da

OAB (v á rio s

E s ta d o s)

(OAB/PE N. 129) 1 . Os tratados e as convenções internacionais apresentam com o ele­ m entos fundam entais para a validade, todas as condições indicadas abaixo, com exceção de: a) capacidade das partes contratantes determinadas. b) consentim ento m útuo expresso. c) objetivos lícitos e possíveis. d) prévio registro de docum entação epistolar nas Nações Unidas. Resposta: D.

2 . U m tratado firmado entre um Estado soberano A e um Estado soberano B pode ser extinto em apenas um a das seguintes hipóteses: a) execução continuada do que foi previsto. b) costum e internacional voltado à prática comercial. c) guerra superveniente entre os contraentes. d) guerra superveniente entre outros Estados. Resposta: C. 3 . Sobre as organizações internacionais pode-se afirmar que são corretas todas as alternativas abaixo, exceto: a) contribuem para a criação de normas internacionais e discussão de problemas com uns. b) são criadas a partir de u m tratado ou convenção constitutiva. c) exercem o direito de convenção e o direito de legação. d) só possuem personalidade jurídica após o reconhecim ento no Estado que o acredita. Resposta: D.

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(OAB/PI-2 0 0 1 -2 ) 1 . [Questão adaptada com a EC 45/2004] Não é requisito exigido para a execução de sentença proferida no estrangeiro: a) ter sido hom ologada pelo Superior Tribunal de Justiça. b) haver sido proferida por ju iz com petente. c) ter sido hom ologada p elo Superior Tribunal de Justiça, inclusive quando meram ente declaratória de estado de pessoas. d) terem sido as partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia. Resposta: C.

(OAB/PI-2 0 0 1 -3 ) 1 . Marque a alternativa correta, em relação a assertiva abaixo: As organizações internacionais contemporâneas: a) são sujeitos de direito internacional em função de sua soberania. b) não têm soberania, apenas capacidade jurídica. c) não são sujeitos de direito internacional. d) são sujeitos de direito internacional por terem sido criadas por um tratado entre Estados. Resposta: B. 2 . Marque a alternativa co rreta, em relação à assertiva abaixo: O órgão central que historicam ente o direito internacional considera com o encarregado das relações internacionais, e que todos os seus atos e declarações são im putáveis ao Estado: a) Poderes Legislativos dos Estados. b) Chefe de Estado (Monarca ou Presidente da República). c) C onselho de Segurança da ONU. d) O NU —Organizações das Nações Unidas. Resposta: B.

(OAB/RJ -1 9 9 9 ) 1 . Leia com atenção o trecho do Tratado de Rom a, que in stitu iu a C om unidade E con ôm ica E uropéia, para após, marcar a op ção correta: “Sua m ajestade o R ei d os B elgas, o Presidente da R epública Federal da Alem anha, o Presidente da República Francesa, o Presidente da República

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB

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Italiana, Sua A lteza Real a Grã - Duquesa do Luxem burgo, Sua M ajestade a Rainha d os Países B aixos. D eterm inados a estabelecer os fundam entos de um a união cada v ez m ais estreita entre os p ovos europeus; D ecid id os a assegurar, m ediante um a ação com um , o progresso econ ôm ico e social dos seu s países, elim inando as barreiras que dividem a Europa, Fixando com o objetivo essencial dos seu s esforços a m elhoria constante das con d ições de vida de trabalho d os p o v o s”. a) Trata-se de u m trecho da parte dispositiva de um tratado bilateral. b) Trata-se de um trecho do preâmbulo de u m tratado bilateral. c) Trata-se de u m trecho do preâmbulo de u m tratado multilateral. d ) Trata-se de u m trecho da parte d isp ositiva de u m tratado p lu rilateral. Resposta: B.

(OAB/RN -2 0 0 3 -1 ) 1) Qual das assertivas abaixo demonstra de maneira correta os trâmites necessários para que um tratado ou acordo internacional, do qual o Brasil é signatário, tenha plena vigência no direito pátrio. a) N ão existem trâmites legais internos posteriores à assinatura dos Tratados ou A cordos Internacionais. U m a vez firm ados pela autoridade com petente, têm vigência imediata. b ) A integração da norm a internacional n o direito positivo se dá no m o m e n to em que é ratificada p elo Poder E xecutivo, através de D ecreto Presidencial. c) A adesão efetiva ao diplom a internacional dar-se-á som ente após ter sido aprovado pelo Congresso N acional, m ediante Decreto Legislativo, e posteriorm ente ratificado pelo Poder Executivo. d) Os trâmites legais internos, se resum em na aprovação, por maioria sim ples, pelo Senado Federal.

Resposta: C. (OAB/MG-1 9 9 8 ) 1 .N aA ção Direta de Inconstitucionalidade 1480-3, o Ministro Presiden­ te do Supremo Tribunal Federal proferiu despacho contendo o seguinte trecho: “Trata-se de ação direta de in co n stitu cio n a lid a d e, com p ed id o de liminar, que, ajuizada em formação litisconsorcial ativa, tem por objetivo

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

-

Pa r te

G e ra l

questionar a validade ju ríd ico-constitu cion al do Decreto Legislativo 68 /92, que aprovou a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (O IT), e do D ecreto 1.855/96, que prom ulgou esse m esm o ato norm ativo de direito internacional público.

Todos sabemos que o decreto presidencial, que sucede a aprovação congressual do ato internacional e a troca dos respectivos instrumentos de ratificação, revela-se - enquanto momento culminante do processo de incorporação desse ato internacional ao sistema doméstico—manifestação essencial e insuprimível, especialmente se considerarmos os três efeitos básicos que lhe são pertinentes: (a) apromulgação do tratado internacional; Çb) apublicação oficial de seu texto; e (c) a executoriedade do ato internacional, que passa, então, e somente então a vincular e a obrigar no plano o direito positivo intemo”. Considerando o teor do trecho do despacho acima transcrito e as noções de direito internacional público, é correto afirmar que: a) o Supremo Tribunal Federal entendeu que a incorporação do tratado internacional no Brasil se faz através de Decreto Legislativo. b) o Supremo Tribunal Federal tem entendido que a incorporação o tratado internacional no Brasil se faz através de Decreto Executivo. c) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tratado internacional no Brasil tem a m esm a estatura hierárquica das normas constitucionais. d) o Supremo Tribunal Federal entendeu que o tratado internacional no Brasil é hierarquicamente inferior às leis federais. Resposta: B.

(OAB/MG-1 9 9 9 ) 1. [Questão adaptada com a EC 45/2004] Para que uma sentença es­ trangeira seja cumprida no Brasil, im põe-se que a m esm a seja hom ologada e receba o exequatur do: a) Senado Federal. b) M inistério da Justiça. c) Superior Tribunal dejustiça. d) M inistério das Relações Exteriores. Resposta: C.

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB

231

(O A B /M G -2 0 0 1 ) 1. Quanto à possibilidade de o C onselho de Segurança da O NU - Orga­ nização das N ações Unidas - determinar intervenção em conflitos militares, é INCORRETO afirmar: a) A intervenção deve ser aprovada por, pelo m enos, 9 (nove) dos 15 (quinze) Estados que integram o C onselho de Segurança. b) A intervenção som ente ocorrerá se contar com a aprovação dos 5 (cinco) Estados que detêm assento permanente no C onselho de Segurança. c) A intervenção não ocorrerá, se houver veto por parte de qualquer dos Estados que integram o G-7. d) D ificilm ente ocorrerá intervenção contra Estados que detêm assento perm anente no C onselho de Segurança, porque estes tendem a não aprovar m edidas contra o s seus interesses. Resposta: C. 2 . São requisitos para hom ologação de sentença estrangeira no Brasil, EXCETO: a) Haver a sentença sido proferida por Juiz com petente. b) Terem as partes sido regularmente citadas no processo no exterior. c) Estar a sentença traduzida por intérprete autorizado. d) Estar o processo onde foi proferida a sentença estrangeira revestido das formalidades dispostas na lei brasileira. Resposta: D. (O A B /M G -2 0 0 4 ) 1. Instituído pelo Estatuto de Roma de 1998, o Tribunal Penal Interna­ cional tem as seguintes com petências, EXCETO: a) julgar indivíduos nacionais de Estados que ratificaram o docum ento de sua criação. b) julgar Estados cujos chefes praticaram crimes de genocídio. c) julgar indivíduos por crim es considerados lesivos à hum anidade. d) processar nacionais de Estados que não ratificaram o docum ento de sua criação. Resposta: B.

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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

P a r te G e ra l

2 . Dentre as principais fontes do direito internacional, conform e esta­ belecido pelo artigo 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, pode-se afirmar que: a) os tratados internacionais de natureza geral devem ser concluídos por escrito ou por via oral entre Estados e são regidos pelo Direito Internacional. As Convenções internacionais especiais não podem , contudo, ser consideradas fontes do direito internacional. b) o costum e internacional é reconhecido com o m eio auxiliar para a determinação das regras de direito internacional. c) a regra exaequo et bono é admitida com o fonte do direito internacional. d) por estarem desvinculados da vontade dos Estados, a jurisprudên­ cia internacional, a doutrina e os princípios gerais de direito não podem ser consideradas fontes do direito internacional. Resposta: C. 3. A Corte Internacional dejustiça foi estabelecida pela Carta das Nações Unidas e é considerada com o seu principal órgão judiciário. N o que tange ã sua com petência, p ode-se afirmar que: a) diante de u m crim e de genocídio, qualquer indivíduo tem com pe­ tência para abrir um processo contencioso no âmbito da Corte Internacional d ejustiça. b) apenas os E stados poderão ser partes em questões con tenciosas perante a Corte. c) a Corte Internacional dejustiça pode ser considerada instância recursal do Supremo Tribunal Federal, cabendo recurso de inconstitucionalidade por via de ação direta. d) as Organizações internacionais, partes do sistem a das N ações Unidas, podem encaminhar um a demanda contenciosa e serem partes litigantes em u m processo contencioso n o seio da Corte Internacional dejustiça. Resposta: B. (O A B /D F- 2 0 0 4 ) 1. O ato unilateral por m eio do qual um Estado manifesta sua vontade de deixar de fazer parte de acordo internacional é chamado: a) ratificação. b) alteração. c) denúncia. d) retração.

ANEXO II - QUESTÕES OBJETIVAS DA OAB

233

Resposta: C. 2 . Indique a assertiva verdadeira: a) a expedição, pelo Presidente da República, de decreto, superadas as fases prévias da celebração da convenção internacional, de sua aprovação congressional e da ratificação pelo Chefe de Estado, produz o efeito básico de conferir a executoriedade do tratado internacional, que passa, então, e som ente então, a vincular e a obrigar n o plano do direito positivo intem o. b) o Poder Judiciário não dispõe de com petência, para, quer em sede de fiscalização abstrata, quer no âmbito do controle difuso, efetuar o exam e de constitucionalidade dos tratados ou convenções internacionais já incor­ porados ao sistem a de direito positivo intem o. c) os tratados ou convenções internacionais jam ais poderão prevalecer sobre as regras infraconstitucionais de direito in tem o pela im possibilidade de utilização, em eventuais antinom ias, dos critérios cronológico e da espe­ cialidade. d) os tratados internacionais celebrados pelo Brasil podem versar matéria posta sob reserva constitucional de lei complementar. Resposta: A. 3) N ão é sujeito de direito internacional público: a) a Santa Sé; b) o Estado Soberano; c) a Organização Internacional; d) a Empresa Pública. Resposta: D.

III - Q uestões D issertativas de C o n c u r so s P úblicos da M agistratura F ederal

1.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO 1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

9.aQuestão: Como é feita a prom ulgação de um tratado internacional no Brasil? Quais os efeitos da promulgação?

3.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO 1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

8.“Questão: Quais os p rincípios con stitu cion alm en te estabelecidos que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais?

10.“Questão: Os direitos e garantias expressos na Constituição excluem outros de­ correntes dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte? Indique a base legal da sua resposta.

ANEXO III-Q U E S T Õ E S D1SSERTATIVAS DA MAGISTRATURA FEDERAL

235

5.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL TRF 2.a REGIÃO-RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO 1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

48.aQuestão: D e acordo com a jurisprudência atual do Supremo Tribunal Federal, explique a eficácia juspositiva dos tratados em face das normas do Direito in tem o.

6.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO 1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

28.aQuestão: U m tratado internacional celebrado e promulgado pelo governo brasilei­ ro que tenha por obj eto a proteção de direitos hum anos pode ser revogado por lei ordinária? Justifique a resposta com entando a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal referente à eficácia temporal dos tratados.

9.° CONCURSO DE INGRESSO NA MAGISTRATURA FEDERAL TRF 2.a REGIÃO - RIO DE JANEIRO/ESPÍRITO SANTO 1 .a Prova Escrita Direito Internacional Público

39.aQuestão: Quais as fases de incorporação dos tratados internacionais ao ordena­ m ento jurídico brasileiro?

O utras obras d o a u t o r

L iv ro s i n d iv id u a is

Curso de direito internacional p ú b lico . 6. ed. rev., atual, e am pl. São Raulo: Ed. RT, 2012. D ireito dos tratados. São Paulo: Ed. RT, 2011. Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. 3. ed. rev., atual, e am pl.. São Paulo:

Ed. RT, 2011 (Coleção "Direito e Ciências Afins", vol. 3). O controle ju ris d ic io n a l da convencionalidade das leis. 2. ed. rev., atual, e am pl. São

Paulo: Ed. RT, 2011 (Coleção "Direito e Ciências Afins", vol. 4). Tratados internacionais de direitos humanos e direito interno. São Raulo: Saraiva, 2010. Natureza ju ríd ica e eficácia dos acordos stand-by com o FMI. São Raulo: Ed. RT, 2005. Tratados internacionais: com com entários à C onvenção d e Viena d e 1 9 6 9 .2 . ed. rev.,

am pl. e atual. São Paulo: Juarez d e Oliveira, 2004. Prisão c iv il p o r dívida e o Pacto de San José da Costa Rica : especial enfoque para os

contratos d e alienação fiduciária em garantia. Rio d e Janeiro: Forense, 2002. D ire ito s hum anos, C on stitu içã o e os tratados internacionais: estu d o an a lítico d a

situação e ap licação do tratado n a ordem jurídica brasileira. São Raulo: Juarez d e Oliveira, 200 2. Direitos hum anos e cidadania à lu z do novo direito internacional. Campinas: Minelli,

2002. D ire ito internacional: tratados e direitos hu m an os fundam entais na ordem jurídica

brasileira. Rio d ejan e iro : A m érica Jurídica, 2001. C o a u to r i a

D ireito supraconstitucional: do absolutism o ao Estado Constitucional e H um anista de

Direito. Com Luiz Flávio G om es. São Paulo: Ed. RT, 2010. Comentários à reforma crim in a l de 2009 e à Convenção de Viena sobre o D ireito dos Tratados. Com Luiz Flávio G omes e RogérioSanches Cunha. São Raulo: Ed. RT, 2009. C o a u to ria e c o c o o r d e n a ç ã o

D outrinas essenciais de d ire ito internacional, 5 vols. Com Luiz O lavo Baptista. São

Raulo: RT, 2012. Crim es da d ita d u ra m ilita r: u m a a n á lis e à luz d a ju ris p ru d ê n c ia atual d a Corte

Interam ericana d e Direitos H u m a n o s -A r g e n tin a , Brasil, Chile, Uruguai. Com Luiz Flávio G omes. São Paulo: RT, 2011. D ireito à liberdade religiosa: desafios e perspectivas para o século XXI. Com Aldir G uedes

Soriano. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

238

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO -

P a u te G e r a l

Novas perspectivas do direito am biental brasileiro: visões interdisciplinares. Com Carlos

Teodoro José H urugney Irigaray. Cuiabá: Cathedral, 20 09 . Novos estudos de direito internacional contem porâneo. Com H elena A randa Barrozo

eM árciaT eshim a. Londrina: EDUEL, 2008. v. 1 e 2 . D ireito internacional dos direitos humanos: estudos em hom enagem à Professora Flávia

Piovesan. Com M aria d e Fátima Ribeiro. Curitiba: Juruá, 2 0 04. Novas vertentes do direito do com ércio internacional. Com Jete Jane Fiorati. Barueri:

M anole, 2003. O Brasil e os acordos econôm icos internacionais: perspectivas jurídicas e econôm icas

à luz dos acordos com o FMI. Com Roberto Luiz Silva. São Paulo: Ed. RT, 2003. O rg a n iz a ç ã o

Coletânea de direito internacional e Constituição Federal. 10. ed. rev., am pl. e atual.

São Paulo: Ed. RT, 2 01 2 {RT Mini Códigos, v. 10).

Diagramação eletrônica: Editora Revista dos Tribunais Ltda., CNPj 60.501.293/0001-12. Impressão e encadernação: Bartira Gráfica e Editora S.A., CNPJ 59.169.144/0001-19.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Mazzuoli, Valerio de Oliveira Direito internacional público : parte geral /Valerio de Oliveira Mazzuoli. 6. ed. rev., atual, e ampl. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012. Bibliografia. ISBN 978-85-203-4298-5 1. Direito internacional público I. Título. 11-13754

(ndices para catálogo sistemático: 1. Direito internacional público 341

CDU-341

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