Valadao_ClaudiaIndependenciaOuMorte

July 17, 2017 | Author: Fernanda Engel | Category: Monarchy, Brazil
Share Embed Donate


Short Description

Download Valadao_ClaudiaIndependenciaOuMorte...

Description

Copyright © 1999 by Cecilia Helena de Salles Oliveira & Claudia Valladão de Maltas (orgs.)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) O Brado do Ipiranga I Cecilia Helena de Salles Oliveira, Claudia Valladão de Mattos (orgs.). - São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Museu Paulista da Universidade

de São Paulo, 1999. (Acervo, 2).

Vários autores. ISBN

85-314-0518-1

(Edusp)

1. Brasil - História - Independência, 1822 2. Brasil - História - Período da Independência L Oliveira, Cecilia Helena de Salles. 11. Maltas, Claudia Valladão de. 99-2882

CDD-981.034

fndices para catálogo sistemático: 1. Independência: Brasil: História 2. Período da Independência: Brasil: Histótia

981.034 981.034

Direitos reservados à Edusp - Editora da Universidade de São Paulo Av. Prof. Luciano Gualbeno, Travessa J, 374, 6° andar Edifício da Antiga Reitoria, Cidade Universitária, Butantã 05508-900, São Paulo, SP, Brasil Fones: (OXX11) 818.4008, 818.4150 - Fax: (OXX11) 818.4151 www.üSp.br/edusp ~. e-mail: [email protected] Museu Paulista da Universidade

de São Paulo

Parque da Independência, s/n., Ipiranga 04299-970, São Paulo, SP, Brasil Fones: (OXXl1) 275.5165 Fone-Fax: (OXX11) 273,9165 E-mai!: [email protected] Impresso no Brasil 1999 Foi feito o depósito legal

Independência ou Morte!: O Quadro, a Academia e o Projeto Nacionalista do Império1

\

II

Em nossa hist6ria ainda curta abundam jdos jeitos gloriosos que excitam os talentos e inspiram o gênio [o..] preparai-vos para transmitir

aos vindouros essa mem6ria gloriosa e vossas obras de

arte serão ao mesmo tempo grandes obras de patriotismo. Thomaz Gomes dos Santos Ata da Sessão Pública da Academia Imperial de 05/05/1864

quadro Independgncia ou Morte! de Pedro América,

oficial naquele momento. A história da pintura aca-

o Bradado

pintado em 1888 (19), é um dos principais exem-

dêmica é, como veremos, marcada por uma estreita

Ipiranga

plos de pintura acadêmica brasileira e de sua estreita

relação com o projeto pessoal do imperador de cons-

vinculação com o imaginário do último período do

trução de uma identidade nacional, que ele acredi-

Império. Pedro América, que em 1865 tornou-se

tava poder desenvolver pelo incentivo às ciências e

:Jrofessor da academia, foi o artista mais próximo do

às artes

mperador, e suas pinturas, especialmente ~eus qualros históricos, revelam muito acerca do mecenato

demia e seu mecenato, que possibilitou a inúmeros artistas - inclusive Pedra Américo - completar sua

[o monarca e do papel político atribuído à pintura

formação

2.

Seu grande interesse nas atividades da aca-

na Europa,

são 'bastante conhecidos3•

· Agradeço a Rafael Vieira Souto, do Museu Nacional de Belas-artes do Rio de Janeiro, pela sua amável acolhida durante as ,squisas que realizei para lins deste trabalho naquela instituição. Agradeço igualmente a Luiz Antônio Ewbank do Museu 'stórico do Itamaraty, por sua atenção e preciosas informaçôes. · A análise que desenvolveremos

a seguir deve muito à leitura do livro de Lilia Moritz Schwarcz, As Barbas do Imperador

·Pedra 11:Um Monarca nos Trópicos, São Paulo, Companhia liosa indicação bibliográfica.

das Letras, 1998. Agradeço à Prof'. Dr'. Heloísa Pontes por esta

CI., entre outros, José (arlos Duran, Arte, Privilégio e Distinção: Artes Plásticas, Arquitetura 55/1985, São Paulo, Perspectiva, 1989.

e Classe Dirigente

no Brasil,

\

Porém, gostaríamos de ressaltar aqui que o projeto

montagem

de todo um sistema de produção

de construção de um imaginário nacional, ainda que

bólica que visava legitimar a nova imagem do Im-

tenha sido acalentado durante todo o mandato do

pério português.

monarca, adquiriu coloridos diferentes ao longo dos

sas instâncias de "propaganda",

mais de quarenta anos de seu reinado. O quadro

1816, a Missão Artística Francesa, encomendada

Independência ou Morte! de Pedro Américo, que nos

pelo próprio rei, a fim de viabilizar a formação de

Como parte da estruturação

des-

chega ao Brasil, em

interessa mais diretamente aqui, pertence a um mo-

artistas, arquitetos e artesãos locais, que pudessem

mento específico dessa história, que se iniciou após

imprimir

os acontecimentos

corte e com isso impulsionar

da Guerra do Paraguai e provo-

o esplendor

necessário

à nova sede da

a continuidade

da

cou, por assim dizer, uma guinada nas estratégias

monarquia.

de produção de imagens patrióticas postas em prá-

da Academia Imperial de Belas-artes, marcou uma

tica pela academia e seu principal mecenas.

nova atitude diante da produção visual local, trans-

Como Peter Burke tão bem analisou em seu livro sobre a construção XIV4, a sustenração dependeria

da imagem

do rei Luís

de um regime monárquico

em grande parte do imenso teatro que

ele encena a seu redor. O poder do rei derivaria, assim, em larga medida, da eficácia de seus meios de persuasão,

ou seja, da funcionalidade

sistema de "propaganda".

Não é, portanto,

d~ seu

formando-a

Tal missão, que se encontra na origem

em um dos órgãos fundamentais

de

legitimação do sistema vigente. A Academia Imperial de Belas-artes, nasceu, portanto,

e se desenvol-

veu ao longo de todo o Império, como um projeto político-estético. Apesar da potencial

função política de uma

academia brasileira ter sido um dos principais estí-

desca-

mulos para o famoso decreto de D. João VI de 12

bida a afirmação de que um novo contexto históri-

de agosto de 1816, viabilizando a vinda da Missão

co inaugura-se no Brasil com a chegada de D. João

Francesa, o desenvolvimento

VI e sua corte (contando aproximadamente

ma de produção

pessoas), em 1808, impulsionada expansionistas

20 mil

pelas investidas

de Napoleão na península Ibérica.

Pouco após a transferência

da corte, inicia-se a

efetivo de um siste-

de imagens adaptado

dades políticas do Império

às necessi-

fez-se ainda esperar.

Enquanto reinaram D. João VI e seu ftlho D. Pedro I, a academia não foi capaz de impor com coerência o

4. Peter Burke, A Fabricação do Rei: A Construção da Imagem Pública de Luis XIV, Rio de Janeiro, Zahar, 1994.

80

sim-

-,

seu projetos. Foi necessário que D. Pedro II assu-

como tarefa pessoal, participando

misse o poder em 1840, para que esta situação se

seus encontros e demais atividades

revertesse e se iniciasse uma colaboração mais efeti-

Aproveitando-se

ativamente

de

7.

das novas condições criadas

va entre a academia e o governoG• O novo monarca

por esse interesse pessoal de D. Pedro II pelas artes,

havia recebido uma educação cunhada em moldes

o ex-professor da academia, Manuel Araújo Porto-

europeus e ocupava-se seriamente

AlegreS, enviou-lhe, em 1853, uma carta sugerin-

com a questão

do papel que as artes deveriam assumir na constru-

do transformações

ção do imaginário da nação, refletindo, nesse con-

forma a viabilizar as idéias, acalentadas

texto, também sobre a importância

prio monarca,

fundamental

de seu mecenato. Assim, logo depois de sua maioridade, ele toma o fomento e desenvolvimento

de

urgentes naquela instituição, de

de um estreitamento

pelo pró-

das relações

entre a produção iconográfica geri da pela instituição e o governo9. Os termos da carta expunham

instituições como o Instituto Histórico e Geográfi-

abertamente

tal proposta

de aproximação

co, a Academia de Belas-artes e o Colégio Pedro II

academia e Estado. Nela, Porto-Alegre

entre

enfatizava

o Bradado lpiranza 5. Logo após a chegada da Missão Artística Francesa, morrem o seu diretor Lebreton e o ministro conde da Barca, protetor do Jrimeiro diretor da academia, Nicolas-Antoine Taunay. Em conseqüência, Taunay ê afastado do cargo. assumindo a direção da 'ecém-fundada

instituição

um português,

Henrique José da Silva, que ao longo de seus dezoito anos de mandato, combateria

)s ideais da Missão Francesa, criando uma situação turbulenta e impedindo. na prática, a implementação da academia corno nstituição de ensino. Cf. Alfredo Galvão, "Resumo Histórico do Ensino das Artes Plásticas durante o Império", artigo Ipresentado nos Anais do Congresso de História do Segundo Reinado, Comissão de História Artística, publicado na Revista do 1stituto Histórico e GeográfiCO Brasileiro, vaI. 1, pp. 49-91, 1984 . . Na verdade, já desde a morte de Henrique José da Silva e a tomada

de posse do novo diretor

da academia Félix-Emile

,unay, em 1834, podemos falar de uma revitalização do seu projeto: "A rigor, foi Félix Emilio Taunay quem estruturou a cademia criando as Exposiçães Gerais de Belas-artes com suas premiaçães, os Prêmios de Viagem à Europa. acabando as bras do edifício projetado por Grandjean de Montigny, tendo preparado o primeiro catálogo do acervo artístico da mesma, ,ndo orientado alguns artistas na sua cadeira de paisagem, tendo conseguido criar o cargo honorífico de 'Membro Correslndente' e de 'Membro Honorário'. Foi ele quem prirnelro sugeriu a criação da cadeira de História da Arte, em 1848". Porém, passo fundamental foi dado a seguir, corno ainda veremos, com a implementação da "Reforma Pedreira" (Mello Júnior, de Araújo Porto-Alegre e a Reforma da Academia Imperial das Belas-artes em 1855: A Reforma Pedreira", )nato, "Manuel n Critica de Arte, n. 4, p. 27, 1981). Félíx-Emile era filho de Nicolas-Antoine Taunay, o primeiro diretor da Academia que viera ,Brasil como parte da Missão Francesa, retornando à França em 1821, após ter sido demitido de seu cargo em 1919. Cf. Schwarcz, op. cit Porto-Alegre

havia pedido demissão da academia devido a desentendimentos

A carta de Porto-Alegre

encontra-se

hoje no Arquivo Nacional, e foi reproduzida

com Félix-Emile Taunay, então seu diretor. na revista Critica de Arte, op. cit., pp. 30-

Porto-Alegre via na aliança entre academia e Estado, antes de tudo, urna solução para o problema sta no Brasil.

da inserção social do

\

1. D.

PEDRa

INDfGENAS

SAGRADO

POR

DA TERRA E DIV1NDADES

Litogravura, c. 1840 Fundação Biblioteca Nacional I

2.

D. PEDRO lI,

DEfENSOR

IMPERADOR,

PERPÉTUO

DO BRASIL

Xilogravura, 1869 Biblioteca Nacional

._-------,

justamente

a utilidade das artes para a construção

de um Estado forte no imaginário

-,

-,.. ..

',,,'.,',:,,'.'"

A conseqüência do empreendimento Alegre foi sua nomeação,

do povo brasi-

leiro:

de Porto-

em 1855, para a direção

da academia, ao que seguiu uma profunda reforma em seus estatutos, hoje conhecida como a Reforma

"O Chefe da nação não tem um palácio, e o Governo,

os tribunais,

são inquilinos,

e as escolas do alto ensino

Pedreira

deve ser combati-

que poria a academia diretamente

a

serviço da construção do imaginário do Império

12.

PedroAmérico

do, porque infunde no moral do cidadão a convic-

ingressa como aluno na Acade-

mia Imperial de Belas-artes em 1855, exatamente

ção de que não há estabilidade." E continuando

Inaugura-se, portanto, com ela um pro-

jeto comum,

que mudam de domicílio continu-

amente. Este estado provisório

11.

mais adiante:

no ano da Reforma Pedreira, pertencendo, to, à primeira

"Para que as artes comecem a ter uma vida re-

geração de artistas formada

nova filosofia da escola

gular e floresçam pouco a pouco, para que elas es-

portansob a

13.

palhem o seu benigno insuflo na moral pública, e

Antes, porém, de passarmos para uma discus-

na indústria, é necessário que a família artística te-

são mais direta da obra de Pedro Américo e de sua

nha um ponto de constante

ligação com o projeto nacionalista

ponto é o Governo

10, Porto-Alegre.

[00']"

o Brado do Ipiranga

apoio no país, e este

do imperador,

faz-se necessário ainda examinar mais de perto as

10.

Crítíca de Arte. op, cít.. pp, 31-32,

11. A reforma leva o nome do então ministro do Impérro, Luiz Pedreira do Couto Ferraz. que a assinou. 12, Após '1855. várros discursos dos diretores da academia.

pronunciados

nas sessões públicas desta instituição

da entrega de prêmios ao final das Exposições Gerais, insistem neste ponto, Em 1856. Porto-Alegre

por ocasião

evocaria a ligação entre

academia e imperador, ao procurar fortalecer-se diante das forças de oposição á reforma: "Os nossos inimigos são estriges que piam nas próprias ruínas e debaixo da noite que os envolve e os faz sonhar em triunfos impossiveis: o Imperador está conosco e com ele a paternal influência de sua poderosa real'ldade e de seu ministro. que para nós tem sido um verdadeiro mecenas" Ata da Sessão Pública da Academia de 28/11/1856, documento inédito que se encontra no arquivo da Academia, hOJe no Museu D.João VI, Universidade Federal do Rio de Janeiro), Oito anos mais tarde, o discurso do então diretor Thomaz Gomes

(CI

dos Santos também faz menção a esta "aliança" entre imperador e academia: "Todos nós sabemos que V.M. Imperial não vê nas produções da arte meras criações do engenho destinadas aos deleites dos sentidos. mas um dos mais poderosos incentivos do progresso humanitário, um dos mais ativos promotores dos nobres sentidos dos impulsores mais valentes do amor à Pátria. Esta apreciação dos destinos da arte será o nosso norte.[ .. ,] preparai-vos para transmitir e vossas obras de arte serão 05/05/1864,

aos vindouros

essa memória gloriosa,

(Cf. Ata da Sessão Pública da Academia de

idem).

13. A identificação reforçada

ao mesmo tempo grandes obras de patriot'lsmo,"

do artista com a idéia fundamental

por sua estreita ligação com o idealizador

de uma aproximação

da reforma,

seu futuro

entre governo

e academia

pode ser ainda

sogro Manuel Araújo Porto-Alegre.

Q

"~ ~~

-. ~oc ~"-;" ~ .~0 '" K cn*.~~ 3~-x"::

""

,,
View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF