tudo1 (2) (1)

March 2, 2019 | Author: David Soares | Category: Sociology, Natural Environment, Environmentalism, Justice, Crime e justiça
Share Embed Donate


Short Description

Download tudo1 (2) (1)...

Description

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

David Gonçalves Soares

CONFLITO, AÇÃO COLETIVA E LUTA POR DIREITOS NA BAÍA DE GUANABARA

Rio de Janeiro 2012

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS

David Gonçalves Soares

CONFLITO, AÇÃO COLETIVA E LUTA POR DIREITOS NA BAÍA DE GUANABARA

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito para a obtenção do grau de Doutor em Sociologia e Antropologia

Rio de Janeiro 2012

DAVID GONÇALVES SOARES

CONFLITO, AÇÃO COLETIVA E LUTA POR DIREITOS NA BAÍA DE GUANABARA Orientador: Dr. Gian Mario Giuliani Co-Orientadora: Dra. Marta de Azevedo Irving Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e  Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro  – UFRJ,  – UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Sociologia.  Aprovada por:  ____________________________________ Prof. Dr. Gian Mario Giuliani, IFCS/UFRJ  ______________________________________ _  _______________________________________ Profa. Dra. Marta de Azevedo Irving, EICOS/UFRJ  _______________________________________ Profa. Dra. Elina Pessanha, IFCS/UFRJ  ________________________________________ Profa. Dra. Selene de Souza Carvalho Herculano dos Santos, UFF  ________________________________________ Prof. Dr. Carlos Frederico Bernardo Loureiro EICOS/UFRJ

Para a minha linda filha, Branca, ela também descendente de “homens do mar”.

Agradecimentos O término desse trabalho transcendeu as minhas possibilidades. Ele é fruto de um milagre, por isso agradeço a Deus, em primeiro lugar. Quanto às inúmeras pessoas que me ajudaram, gostaria de mencionar algumas e me desculpar, de antemão, pelas que não mencionarei: são tantas e o tempo é curto.  Agradeço à minha mãe, meu irmão Antônio, meu irmão Ivo, minha irmã Dirce, pela força constante da família.  Ao meu pai que sempre trabalhou no “universo” do mar, e me possibilitou desde a infância, o convívio com a pesca e os pescadores.  Agradeço àquelas lindas crianças: Artur Firme e Branca Soares, pela manifestação de tanto amor.  Agradeço aos meus amigos de Colégio Pedro II, cujas amizades me dão alegria sempre renovada há mais de vinte anos.  Agradeço a cada um dos professores da banca, todos sem exceção são interlocutores deste trabalho, alguns explicitamente, outros, não.  Agradeço a Alfredo Estevão, que me cedeu sua casa, quando eu mais precisei. Foi em seu lar, tornado “meu escritório”, que consegui terminar o r elatório. r elatório.  Agradeço, em especial, ao meu querido orientador Gian Mario Giuliani, pelo carinho, força e calma nos momentos em que mais necessitei.  Agradeço à querida Professora Marta de Azevedo Irving, que é um verdadeiro exemplo para todos os seus alunos. Obrigado por ter iniciado essa jornada comigo desde o mestrado.  Agradeço aos analistas e técnicos do IBAMA e ICMbio, ligados à APA Guapimirim e Esec Guanabara, em especial a Breno Herrera, pelas sempre ricas informações e reflexões compartilhadas.  Agradeço a Carla Ramôa Chaves, pelo trabalho de campo compartilhado e reflexões estimulantes.  Agradeço a Raquel Giffoni Pinto pelo apoio e pelas palavras doces em momentos titubeantes. Um agradecimento especial para todos os pescadores que me viram chegar despretensiosamente em suas reuniões, solicitando informações e entrevistas, às vezes com um gravador, na maioria delas com um caderninho e lápis. Eu

precisava aprender com vocês. Espero que suas condições de trabalho e vida neste lindo lugar que é a Baia de Guanabara sejam continuamente transformadas para melhor. Um melhor que não seja o dos intelectuais, acadêmicos, empresários, filantropos, ou agentes governamentais, mas de vocês, de suas mulheres e filhos, que sentem e vivenciam essa realidade cotidiana, que nossas palavras estão longe de abarcar. Muito obrigado!

Soares, David Gonçalves Conflito, ação coletiva e luta por direitos  Rio de Janeiro na Baía de Guanabara/ David Gonçalves Soares. –  Rio UFRJ/IFCS,2012.168f. : Il., tabs., fots. , mapas Orientador: Gian Mario Giuliani/Coorientadora: Marta de Azevedo Irving Tese (Doutorado em Sociologia e Antropologia) –  UFRJ/IFS  UFRJ/IFS Program de Pósgraduação em Sociologia e Antropologia, 2012 1.Ciências Sociais- Sociologia Ambiental –  Brasil.  Brasil. 2. Conflito Ambiental. 3. Ação coletiva. 4. Pesca Artesanal da Baía de Guanabara. 5. Título.

“Que importância podem ter alguns milhares de selvagens improdutivos comparada à riqueza em ouro, minérios raros, petróleo, em criação de bovinos, em plantações de café etc.? Produzir ou morrer é a divisa do ocidente.” Pierre Clastres. Clastres. Arqueologia da Violência (2004)

“A expansão do discurso é que constrói o sujeito, e é esse sujeito que define um projeto soc ial”. Sônia Regina Barbosa. Barbosa. Identidade social e dores da alma entre pescadores artesanais em Itaipu (2004). (2004).

RESUMO

CONFLITO, AÇÃO COLETIVA E LUTA POR DIREITOS NA BAÍA DE GUANABARA David Gonçalves Soares Orientador: Prof. Gian Mario Giuliani Co-Orientadora: Prof. Marta de Azevedo Irving Os conflitos entre empresas e populações locais tendo por base os usos e formas de apropriação de territórios e seus recursos naturais estão na ordem do dia, como atesta a recente polêmica sobre a construção da hidrelétrica de Belo Monte a desalojar grupos indígenas na bacia do Rio Xingu, no estado do Pará. Na Baía de Guanabara, estado do Rio de Janeiro, recentemente foram iniciados protestos envolvendo parte dos pescadores artesanais contra a exclusão de áreas da pesca promovida pela instalação de empreendimentos ligados ao Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro, o maior investimento individual da história da Petrobrás. Esta tese descreveu e analisou o processo conflituoso, colocando sob foco as ações e reações dos pescadores, suas condições sociais, os seus objetivos diferenciados e as conseqüências dessas ações para a reprodução desse grupo social, tendo como referência as teorias, idéias e princípios ligados ao movimento por justiça ambiental. Palavras chaves: Conflito Ambiental, Movimentos Sociais, Justiça Ambiental., Pescadores, Baía de Guanabara,

ABSTRACT CONFLICT, COLETIVE ACTION AND FIGHT FOR RIGHTS IN GUANABARA BAY David Gonçalves Soares

Tutors: Prof. Dr. Gian Mario Giuliani Prof. Dra. Marta de Azevedo Irving Conflicts between companies and local populations based on the uses and forms of appropriation of space and natural resources are on the agenda. The thesis analyzed the process of social reactions, conflicts and negotiations between groups of fish from Guanabara Bay during the licensing and installation of large enterprises company Petrobras for the Bay Area. In particular, the developments related to the single largest investment company, the Petrochemical Complex of Rio de Janeiro, which has been built in Itaboraí. The main objective of the analysis was to evaluate the applicability and relevance of some important assumptions of theoretical models of large projection in Brazilian social sciences, with respect to environmental conflicts, in particular the theses and arguments related to the interpretive framework of the movement for environmental justice. The methodology was based on techniques of ethnographic description and free interviews, with follow-up of collective action, social events, meetings and negotiations between the parties.

Keywords: environmental conflict; social movement; Environmental Justice; Fishermen, Guanabara Bay.

RESUMÈE CONFLITS, ACCION ACCION COLLECTIF ET LA LUTTE POUR DROITS DANS LA BAIE DE GUANABARA David Soares Gonçalves Directeur: Prof Gian Mario Giuliani Co-Directeur:Prof Marta Azevedo Irving Les conflits entre les entreprises et les populations locales sur la base des usages et des formes d'appropriation de l'espace et les ressources naturelles sont à l'ordre du jour. La thèse analyse le processus de réactions sociales, les conflits et les négociations entre les groupes de poissons de la Baie de Guanabara au cours de l'octroi de licences et l'installation de grande entreprise pour Petrobras entreprises de la Bay Area. En particulier, les développements liés à la plus grande société d'investissement unique, le complexe pétrochimique de Rio de Janeiro, qui a été construite en Itaboraí. L'objectif principal de l'analyse était d'évaluer l'applicabilité et la pertinence de certaines hypothèses importantes des modèles théoriques de projection importante dans brésiliens sciences sociales, à l'égard de conflits environnementaux, en particulier les thèses et les arguments se rapportant au cadre interprétatif du mouvement pour la justice environnementale. La méthodologie a été basée sur des techniques de description ethnographique et des entretiens libres, avec un suivi de l'action collective, les événements sociaux, des réunions et des négociations entre les parties.

Mots-clés: , les conflits de l'environnement, mouvements sociaux, la justice environnementale pêcheurs, la Baie de Guanabara,

Lista de Siglas AEE

Avaliação Ambiental Estratégica

AHOMAR

Associação Homens do Mar da Baía de Guanabara

AID

 Área de Influência Direta

AII

Área de Influência Indireta

ALERJ

Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro

AMPOVEP Associação de pescadores de Porto Velho ANPOCS

 Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais

PA

Área de Proteção Ambiental

APEDEMA Assembléia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente APELGA

Associação dos Pescadores Livres do Gradim

ARIE

Área de Relevante Interesse Ecológico

BG

Baia de Guanabara

CE

Constituição Estadual

CEASA

Central de Abastecimento e Serviços Alimentares

CEDAE

Companhia Estadual de Águas e Esgotos

CF

Constituição Federal

CGBG

Conselho Gestor da Baía de Guanabara

COMPERJ

Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro.

COPPE/UFRJ Coordenação dos Programas de Pós- graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro

CRHBG

Comitê da Região Hidrográfica da Baía de Guanabara Defesa do Meio Ambiente

EIA

Estudos de Impactos Ambientais

ESEC

Estação Ecológica

FAPESCA

Federação das Associações dos pescadores do Rio de Janeiro

FEPESCA

Federação das Colônias de Pescadores do Rio de Janeiro

FASE

Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional

FEEMA

Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente

FEMAR

Fundação de Estudos do Mar

FEPERJ

Federação dos Pescadores do Estado do Rio

FIOCRUZ

Fundação Osvaldo Cruz

GLP

Gás Liquefeito de Petróleo

GNL

Gás Natural Liquefeito

GTNM

Grupo Tortura Nunca Mais

IBAMA

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis

INEA

Instituto Estadual de Meio Ambiente

IPPUR/UFRJ Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano ISER

Instituto de Estudos da Religião

LIMA

Laboratório interdisciplinar de Meio Ambiente

MARCOOP Cooperativa de Pescadores da Comunidade de Marcílio Dias MPA

Ministério da Pesca e Aqüicultura

MPF

Ministério Público Federal

OIT

Organização Internacional do Trabalho

ONG's

Organizações não governamentais

PDBG

Programa de Despoluição da Baía de Guanabara

SUMÁRIO INTRODUÇÃO 1. CONFLITO AMBIENTAL, JUSTIÇA AMBIENTAL E AÇÃO COLETIVA: APRESENTAÇÃO DA PROBLEMÁTICA TEÓRICA 1.1 A Abordagem estrutural-construtivista: estrutural-construtivista: da crítica à modernização modernização ecológica à noção de justiça ambiental. 1.2 As condições locais para a ação coletiva. 1.3 Uma breve discussão sobre a natureza dos conflitos ambientais. 2. PESCADORES E BAIA DE GUANABARA: PRECARIZAÇÃO E DÉFICIT DE CONFLITOS. 2.1. A Pesca artesanal da Baía de Guanabara: marginalização e modernização nas políticas públicas 2.2 Um pouco de história 2.3 Dados e controvérsias 2.4 Questões de identidade 2.5 Questões de representação política: Colônias de Pesca, Associações e Sindicato 2.6 O problema “objetivo” da degradação e o impacto diferenciado para os pescadores

13 27 27 35 37

44 46 54 58 64 66 74

3. A EMERGÊNCIA DOS CONFRONTOS POLÍTICOS 3.1 Pescadores da Baía de Guanabara e o déficit de mobilização política 3.2 A ambientalização da guanabara e a invisibilização do setor pesqueiro 3.3 O derramamento de óleo de 2000: o grande evento catalisador 3.2.1 A constituição dos atores em conflito 3.3.1.1 Os pescadores e suas demandas 3.3.1.2  A Petrobras e a corporificação corporificação das agressões: a definição do “inimigo”

79 79 85 87 90 90 91

A ENTRADA EM CENA DOS NOVOS EMPREENDIMENTOS: NEGOCIAÇÃO E CONFRONTO 4.1 Um canteiro de obras da Petrobras: O COMPERJ e os outros empreendimentos 4.2 A surpresa da localização 4.3 O acelerado processo de licenciamento e a formação de uma rede de resistência 4.3.1 A posição contrária dos técnicos do IBAMA e o arranjo político no interior do estado. 4.3.2  A emergência de uma rede de resistência: Conselhos das Ucs, Ministério Público e Pescadores

100

4

DA NEGOCIAÇÃO À EXACERBAÇÃO DOS CONFLITOS: O INÍCIO DE UMA LUTA POR JUSTIÇA AMBIENTAL 5.1 A mesa de de diálogos Petrobras Petrobras –  – Pescadores 5.2 Associação Homens do Mar: a construção do confronto político dos pescadores 5.2.1 As manifestações contra o Grupo GDK e a consolidação da resistência em torno da entidade. 5.2.2 A organização do discurso nos termos da justiça ambiental

101 105 109 109 116

5

122 124 134 135 139

CONCLUSÕES

147

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

159

13

INTRODUÇÃO O tema do presente trabalho são os conflitos entre grupos sociais cujo objeto em questão é o “meio ambiente”, ou, menos prosaicamente, uma das formas pela qual se pode aludir a esse termo polissêmico. Trataremos de um tipo específico de conflito ambiental 1, aquele cujas disputas se dão em torno dos usos e apropriações de territórios, seus espaços comunais e seus recursos naturais. O fenômeno apresenta um modelo e processo característicos: trata-se da instalação, surgimento e aproximação de empreendimentos privados ou estatais que deslocam, afetam ou ameaçam as atividades de grupos sociais locais.  Alguns desses conflitos vêm alcançando nos últimos anos grande ressonância no espaço público, como o polêmico caso da construção da Hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu. Essa polêmica movimenta grande debate nacional e internacional, apresentando divergentes pronunciamentos públicos de artistas, organizações não governamentais, lutas discursivas nas redes sociais e mesmo defesas de proeminentes intelectuais do campo das ciências sociais brasileiras2. As polêmicas têm girado, por um lado, em torno das questões do desenvolvimento regional e nacional e, por outro, em torno da conservação tanto do meio natural quanto dos grupos sociais e suas culturas, que vivem e trabalham nesses locais e que pretensamente se relacionariam de forma menos instrumental e mais próxima, portanto, mais “conectada” com seus ambientes naturais.

1

São intermináveis as discussões acerca do conceito de conflito ambiental e dos tipos de conflitos considerados ambientais. Algumas classificações e tipologias podem ser encontradas em Herculano (2006), Ferreira (2005), Alonso & Costa (2002), entre outros. Aqui desejamos não polemizar acerca do conceito e pensá-lo simplesmente a partir de dois elementos essenciais: a) um fenomênico, qual seja, o dos conflitos relacionados a questões de uso de recursos naturais; e b) outro que poderia ser alocado mais próximo de uma perspectiva construtivista, em que os conflitos são denominados pelos agentes como ambientais, onde noções, categorias, argumentos, direitos acionados levam em consideração representações de meio ambiente e sustentabilidade, normalmente veiculadas nas inúmeras arenas públicas: judiciário, mídia e outras. 2  Ver, por exemplo, vídeo em defesa das terras indígenas e do Rio Xingu, de Eduardo Viveiros de Castro, eminente professor e pesquisador do Museu Nacional do Rio de Janeiro, disponível no site Youtube.com: .

14

O caso que apresentaremos nesta pesquisa não tem a repercussão pública de Belo Monte, apesar de lhe ser contemporâneo. Sua proximidade com um dos maiores centros urbanos do Brasil e sua instalação junto ao mais famoso cartão postal do país poderiam sugerir maior repercussão. Não é o caso. No decorrer do trabalho, desenvolveremos algumas hipóteses para o seu relativo descaso público. Por ora, é importante descrevê-lo como um exemplo do modelo de conflito acima descrito: um caso particular de uma problemática mais geral que vem sendo construída no campo das ciências sociais e dos movimentos sociais, e que ressoam pelo Brasil afora3. Nosso estudo de caso refere-se à situação atual dos pescadores da Baía de Guanabara em suas relações de conflito, tensão e cooperação que nos últimos cinco anos vêm tomando forma contra a empresa Petrobras, desde o anúncio da instalação de empreendimentos encerrados sob a planta industrial do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). O Comperj é reconhecido como o maior investimento individual da história da Petrobras. É um dos projetos previstos pelo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), no âmbito do governo federal. Será responsável pelo refino de petróleo e produção de petroquímicos básicos e resinas plásticas no município de Itaboraí (RJ), com instalações adicionais em outros municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O início de suas atividades está previsto para 2015. Efeitos de “desenvolvimento” são esperados, em termos de melhoria das condições estruturais, sociais e econômicas dos municípios da Baixada Fluminense adjacentes a Itaboraí, e reconhecidamente de baixos índices de desenvolvimento econômico e social. Por esses motivos, dentre outros, o empreendimento tem forte apoio público. Em sua esteira, outros empreendimentos também foram previstos como parte de grandes projetos de desenvolvimento para a região, que transformarão os usos da Baía de Guanabara e da área circundante.

3

Ver os sucessivos mapas mapas de conflitos ambientais em: ,, , , dentre outros.

15

 Ao que tudo indica, nesta década a Baía de Guanabara tornar-se-á tornar-se-á um “grande canteiro de obras”, conforme declaram ironicamente alguns pescadores. Os pescadores da baía vêm reagindo às transformações previstas, seja como parceiros e captadores de recursos para os projetos da empresa, seja como opositores, tendo esses últimos estabelecido, inclusive, novas instituições e uma ação coletiva de confronto, que vem ganhando relativa importância no ambiente político das comunidades pesqueiras da Baía de Guanabara, com repercussões para além de seus limites 4. Em abril de 2009, aproximadamente 100 pescadores em 40 barcos iniciaram barricadas no mar para impedir, por 38 dias, o andamento das obras de uma empresa subsidiária da Petrobras, que instalava dutos submarinos entre a praia de Mauá, no município de Magé (RJ), e ilhas da Baía de Guanabara. Os protestos trouxeram, naqueles dias, visibilidade nacional e internacional aos conflitos entre os pescadores e a empresa. Nos últimos dois anos uma parte desses pescadores, reunida em algumas associações de pesca, passou a compor a Rede de Justiça Ambiental, a Via Campesina, e uma série de outras redes e ONGs ligadas a movimentos sociais. As adesões às instituições que esses pescadores criaram vêm crescendo exponencialmente nas comunidades pesqueiras no interior da Baía de Guanabara. Esta tese conta um pouco dessa história. Desenvolve o processo pelo qual os grupos (não homogêneos) de pescadores da Baía de Guanabara têm se manifestado diante das possibilidades, ameaças e oportunidades provenientes dos empreendimentos desenvolvidos pela Petrobras na Baía de Guanabara.  A narrativa na rrativa do processo de construção de suas reações coletivas, durante os últimos cinco anos, será realizada com o objetivo principal de avaliar a 4

 Conforme será desenvolvido no trabalho, em especial no capítulo 5, as ações políticas contrárias aos empreendimentos da Petrobras acabaram por fornecer estímulos para maior organização do conjunto de pescadores da baía, em bases diferentes das representações exercidas pelas colô nias de pesca. Nesse contexto, duas novas instituições, uma associação de p escadores e um sindicato, foram criadas. As adesões a elas têm ultrapassado o contexto geograficamente circunscrito da Baía de Guanabara, atingindo outras comunidades pesqueiras no estado do Rio de Janeiro, que passaram também a ser representadas por essas instituições, sem detrimento das representações de suas respectivas colônias de pesca.

16

aplicabilidade e pertinência de alguns importantes pressupostos de modelos teóricos, de grande projeção5 nas ciências sociais brasileiras, no que tange à área ambiental, em especial aos conflitos ambientais. Referimo-nos às teses da chamada escola estrutural-construcionista do conflito ambiental 6, associadas, intimamente e explicitamente, ao quadro interpretativo 7 do movimento por justiça ambiental, e que nesta tese, por motivos que à frente serão explicitados, serão tratados como um bloco mais ou menos coeso de ideias, categorias e noções.  A noção de justiça ambiental8, surgida no contexto dos movimentos sociais norte-americanos e transplantada às nossas terras, vem ressignificando a “questão ambiental” e o papel pap el dos conflitos ambientais. Sob a forma de uma aproximação entre as lutas pelos direitos civis e sociais e a luta ambientalista, os movimentos por justiça ambiental vêm renovando o discurso ambientalista tradicional, destituindo-o de sua nuclear atenção dada d ada à “cooperação social” em 5

  Apresentamos algumas evidências: a) a regularidade com que ideias e categorias desses pesquisadores têm sido apresentadas nas dissertações e teses em ciências sociais que tratam de conflitos ambientais; b) autores afinados com essas linhas de interpretação têm sido frequentemente citados em obras e artigos apresentados no mais prestigioso congresso de ciências sociais no contexto nacional, a ANPOCS. Além disso, neste evento o Grupo de Trabalho Sociedade e Meio Ambiente (também apresentado sob outros títulos, nos sucessivos anos) tem sido frequentemente coordenado por autores afinados com as pressuposições teóricas desta escola (CARNEIRO, 2010); c) por último, conforme enuncia Alonso & Costa (2002), uma ciência social brasileira sobre a questão ambiental ainda está em formação; e se, no plano teórico, a tese do multissetorialismo, de Eduardo Viola, orientou a maior parte da produção na área durante os anos 1980, a partir dos anos 1990 houve uma profusão de novas perspectivas. A nosso ver, os esforços teóricos dos pesquisadores afinados com a perspectiva da justiça ambiental, que delinearam melhor um modelo bem acabado, assim como o fato de pertencerem a redes de militância e pesquisa, acabam por tornar os efeitos de suas ideias nos trabalhos acadêmicos em ciências sociais mais visíveis, ao conseguir formar “uma escola”, ou um bloco minimamente coeso de teses. 6  Ver Carneiro (2010). 7   A noção de quadro interpretativo é utilizada aqui conforme Tarrow (2009), sob inspiração de outros autores. Trata-se de d e um “esquema interpretativo que simplifica e condensa o “mundo lá fora”, salientando e codificando seletivamente objetos, situações, eventos, experiências e sequências de ações num ambiente presente ou passado (SNOW & BENFORD apud   TARROW, 2009). 8  Quando nos referimos a “noção de justiça ambiental”, pensamos nas representações e categorias explicativas e normativas exatamente como são expostas pelo movimento social, seus ativistas e seus teóricos divulgadores, isto é, como um discurso e um argumento que busquem deslegitimar a distribuição desigual dos custos do desenvolvimento para os mais pobres. Deve-se diferi-las das “noções de justiça ambiental” pertencentes a outros domínios de reflexão, dentre os quais o campo da ética e da filosofia, e daquelas referentes ao direito ambiental e à processualística desse direito. Para as primeiras, ver Felipe (2006); para as últimas, ver Leite & Ayala (2004) e Madeira Filho (2002).

17

prol da “sustentabilidade”, verificável nas representações hegemônicas do chamado “desenvolvimento sustentável”. Segundo essas interpretações, os conflitos ambientais, como o objeto desta tese, são expressões de uma estrutura social antagônica, que se assenta na extrema desigualdade de condições sociais, políticas e econômicas entre grupos e classes sociais 9, manifestando-se plenamente em suas condições ambientais de existência. Essas teses identificam, portanto, um papel fundamental funda mental no “ecologismo dos pobres”10, isto é, na luta de defesa e resistência dos grupos sociais locais à desigualdade ambiental. Propõem portanto com a exacerbação dos conflitos ambientais, promover uma discussão pública sobre os rumos do desenvolvimento, a politização da “questão ambiental”, que se contraponha à “economicização” com que esta vem sendo normalmente tratada e às resoluções pontuais dos conflitos ambientais, desenvolvidas no marco das teses da chamada escola da modernização ecológica. Acreditam como um pressuposto que, pela apropriação do discurso crítico desenvolvido pelo quadro interpretativo do movimento, e na confluência das ações coletivas locais de resistência e defesa dos lugares, é possível alcançar graus de mudança social, ao deslegitimar práticas, leis e procedimentos que permitem que os mais pobres sejam penalizados pelas decisões e empreendimentos que acarretam impactos ambientais. O movimento por justiça ambiental almeja a construção do que, na terminologia desenvolvida por Castells (1999), seria um movimento baseado em “identidades de projeto”. Como descreve o autor, este seria desenvolvido por aqueles que buscam a redefinição de suas posições na sociedade, mas, ao fazêlo, buscam a transformação de toda a estrutura social. Diferentemente, por exemplo, dos movimentos baseados na construção de “identidades de resistência”, que tendem a criar “comunas”, proteções socialmente circunscritas. Daí, por exemplo, analogamente, verificam-se diferenças entre segmentos do 9

 As categorias “classes sociais” e “contradições estruturais” demonstram, como declara H erculano (2006), que algumas conceituações de conflito ambiental, entre elas as relacionadas às noções de  justiça ambiental, têm têm forte inspiração nas teses marxistas. 10 Expressão utilizada por Martinez Alier (2007) para descrever essa luta, de bases populares, por acesso e direito às terras e recursos naturais dos territórios, bem como pela manutenção de suas práticas sociais tradicionais.

18

movimento ambientalista: enquanto para os ativistas da justiça ambiental o lema é “poluição e risco desproporcionais pra ninguém”, em outro conhecido movimento, também surgido no contexto americano, o lema “not in my backyard ”, ”, demonstra clara posição defensiva, localista, entrincheirada11. Essa interpretação e os mecanismos que evoca são tanto mais importantes na medida em que uma parte da literatura sociológica vem chamando a atenção para os diferentes usos e práticas sociais de grupos locais em relação aos sistemas naturais, interpretando-os como distintas formas de apropriação da natureza e, portanto, distintas formas de percepção do mundo. Frequentemente denominando-os denominando-os

como

“projetos

distintos

de

sociedade”,

“modelos

de

sustentabilidade” (ZHOURI et. al., 2005), essas interpr etações interpr etações dos conflitos ambientais, sobretudo no contexto brasileiro, agregam contornos mais ricos e inclusivos às formulações originais do movimento iniciado nos EUA. Não se trata aqui somente da poluição tóxica e da exposição maior a riscos infligidos às populações menos afluentes ou a grupos étnicos das cidades, mote principal do movimento nos EUA, mas também do problema das comunidades extrativistas nas fronteiras de expansão das relações capitalistas, comunidades denominadas tradicionais, portadoras de determinados direitos e identidades, como os seringueiros, ribeirinhos, indígenas e os nossos pescadores. Enquanto para os grupos das periferias urbanas a crítica concentra-se na distribuição desigual sobre os bens, amenidades e riscos ambientais, seja em virtude das vicissitudes relacionadas à extrema desigualdade social, seja em virtude do “racismo ambiental” (em ambos os casos, pode -se dizer que esta é uma crítica mais estritamente social ou sociológica), para os “povos da floresta”, as lutas ganham ainda novos contornos políticos, na medida em que se considera que eles são portadores de culturas e direitos imateriais, com valores e significados próprios (poder-se-ia denominar esta como a faceta cultural, ou 11

  Conforme Herculano (2006, p.14), nos Estados Unidos, onde ambos os conceitos surgiram, eram identificados e criticados por virem de movimentos inspirados no localismo e que teriam por mote o “não no meu quintal” (para fazer referência ao lema “Not In My Back Yard” utilizou -se a sigla NIMBY). Porém, à medida que o movimento por justiça ambiental crescia e as reflexões se ampliavam, eles se autodenominaram, em resposta, movimentos NIABY (Not In Anybody BackYard) BackYard) ou “no quintal de ninguém”.

19

etnológica, da crítica promovida pelos teóricos e militantes da justiça ambiental no contexto brasileiro). Nesta interpretação os movimentos sociais ocupam um lugar fundamental, ao inverter processos e jogos que promovem esse estado de coisas. Fazem isso construindo

e

compartilhando

novos

significados,

visões, “socio“socio-logias”,

estabelecendo novos quadros de referência, novas identidades coletivas, e lutando pela incorporação de novos direitos. É no fortalecimento dessas visões alternativas, no trabalho dos movimentos de base local e na construção de amplas redes conectivas que se almeja uma desconstrução e desnaturalização dos processos de exclusão e riscos ambientais, desproporcionalmente conferidos a populações de poucos recursos e de pouca mobilidade geográfica. Mas em que medida podemos identificar nas ações coletivas de grupos impactados, sejam eles tradicionais ou não, uma luta ecologista? Em que medida tais ações coletivas seriam sintomas de uma mudança paradigmática proposta pelos movimentos que pregam a justiça ambiental? Na busca por seus interesses de sobrevivência e reprodução social, estariam eles sendo funcionais para uma luta ecologista e para os processos de mudança que, julga-se, julga- se, tornem a “sociedade mais sustentável”? Se sim, que mecanismos são acionados na passagem das ações locais, dos conflitos locais, de seus interesses imediatos, para a construção de um movimento baseado em uma “identidade de projeto”? Em relação à realidade dos atores sociais, quais mecanismos possibilitam a recusa à negociação, muitas vezes proposta pelos empreendimentos a partir de instrumentos como as resoluções negociadas, e possibilitam a adesão a ações coletivas de confronto? Cremos que o presente estudo de caso possa fornecer contribuições às questões acima relacionadas, que tratam em maior ou menor grau acerca das condições de surgimento, do processo e das orientações das ações coletivas de confronto, que alguns estudiosos interpretam como tipicamente em busca de “justiça ambiental”. Uma hipótese acerca das reações dos grupos impactados no conflito aqui estudado começou a ser delineada quando passamos a participar, na qualidade de

20

membro, do conselho gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) (APA) de Guapimirim, a partir de 2005. No momento em que os primeiros rumores da instalação do Comperj foram colocados em debate naquele espaço, logo foram discutidas e desenvolvidas as manifestações públicas do conjunto do conselho (do qual participavam representantes da pesca), contrárias, como previsto, à instalação do empreendimento. Naquele momento, percebemos que parecia se configurar algo mais complexo do que uma simples tomada de posição contrária por parte dos pescadores, ou que suas ações ou intenções não seriam movidas simplesmente para resistir e defender seus ambientes diante da ameaça imposta pelos empreendimentos. A composição do campo da pesca parecia demonstrar que as essencializações provindas da teoria, em dois pólos distintos e completamente antagônicos, não representavam a realidade dos atores sociais.  A chegada do maior investimento privado da história da Petrobras, que já detinha um passivo ambiental e social com os pescadores, reconhecido publicamente e ainda presente na memória nacional (o derramamento de óleo de 2000), o reconhecimento formal e público dos pescadores como grupos impactados pelos novos empreendimentos12, e o convite à participação de uma mesa de diálogos diretamente realizada entre representantes da pesca e representantes da empresa pareciam configurar uma abertura relevante de oportunidades para os grupos sociais extremamente oprimidos, que, em virtude da evolução da degradação ambiental da baía e das condições de trabalho, pareciam realizar uma atividade em declínio. Nossa hipótese passou a ser balizada no sentido de que tanto as reações mais aproximativas, cooptadas ou colaborativas quanto as mais eloquentes e conflitivas tratavam da dimensão da “saída” do pescador do ambiente da Guanabara. A Petrobras proporcionaria, ao mesmo tempo, riscos e ameaças, possibilidades e oportunidades inovadoras de transformação de suas formas de vida já precarizadas. 12

 Tanto  Tanto nos estudos de impacto ambiental quanto nas audiências públicas.

21

Essa hipótese poderia ser interpretada, por um lado, como o fazem as teses e argumentos ligadas à justiça ambiental. A anuência dos grupos impactados deve ser vista como reflexo de “ alternativas infernais (STENGERS, 2005)” 2005)”13, resultado dos poucos recursos organizacionais, políticos e econômicos que possibilitem uma resistência eficaz, daí a tendência a buscar bens escassos, inclusões nos projetos, que precarizarão ainda mais seus ambientes e condições de trabalho e lhes exporão a riscos crescentes. Esse é um olhar possível, e, conforme veremos, parece condizer com parte da realidade aqui estudada. Nos capítulos subsequentes, entretanto, desenvolvemos a hipótese de que tanto a

resistência quanto à inclusão das das populações afetadas podem podem ser

entendidas não só como estratégias da empresa, mas, em alguns casos, como rumos diante de uma estrutura de oportunidades renovada pela chegada do empreendimento. Ao menos neste estudo de caso, parece-nos que tratar a luta dos pescadores unicamente como resistência e luta em prol da defesa ambiental poderia obliterar as orientações de suas ações coletivas reais. Mas se assim o for, o que pensar dos grupos mais combativos, dentre os quais aqueles ligados aos movimentos e redes de justiça ambiental? A ideia que desenvolveremos na tese é a de avançar num problema, ao menos na adequação dos modelos teóricos aqui discutidos, que, a nosso ver, tendem a não problematizar a relação nunca pacífica, sempre difícil e pouco clara, centrada na distinção e na composição entre as ações e orientações coletivas de caráter estratégico (típicas de associações de moradores, sindicatos e partidos) e orientações voltadas à afirmação de “identidades” não negociáveis (identidades tradicionais, ecologia etc.) Crê-se, portanto, que a luta dos mais pobres na defesa de seus territórios possibilitará, se tomada em seu conjunto, a politização e em algum nível a 13

Para Isabelle Stengers, o capitalismo mostra-se hoje como um sistema que paralisa e captura os atores sociais no interior de “alternativas infernais” –  –   situações que parecem não deixar outra escolha além da resignação ou da denúncia impotente ante a guerra econômica incontornável (STENGERS, 2005: 39-40). O imperativo da aceitação substitui a política pela submissão: as “alternativas infernais” impõem-se impõem -se como norma, que faz com que os indivíduos se vejam aprisionados nos imperativos da competitividade, nos requisitos de serem capazes de atrair sobre si e suas localidades os investimentos disponíveis no mercado.

22

resposta para o problema colocado pela “questão ambiental”. Mas se esses mesmos atores lutassem para compensar suas condições em um ambiente já extremamente degradado (há séculos) e vissem suas lutas no sentido de remissão dessas condições, identificando no conflito ambiental, ou melhor, na chegada de um grande empreendimento, uma oportunidade de saída mais do que de resistência contra as ameaças, em que termos poderíamos advogar o sentido de preservação de seus territórios? Suas lutas poderiam ser vistas ainda sob o contexto da proteção ambiental? Conforme será visto adiante, no desenrolar desta tese, parece-nos central refletir sobre os dados empíricos que são reconhecidos pelos atores sociais como relevantes no contexto de suas ações coletivas, e que perfazem uma articulação específica entre a retórica (pública) da luta ambientalista e seus interesses imediatos. Uma importante limitação dessa reflexão com relação à problemática mais geral pode ser colocada. De certa forma, nosso objetivo é demonstrar, a partir de um exemplo demasiado híbrido  – pescadores  – pescadores artesanais, vivendo em uma região metropolitana, com ambientes naturais extremamente poluídos, etc.  – as vicissitudes das classificações binárias, estruturais e dicotômicas. De fato, nosso caso coloca-se em uma realidade diferente, por exemplo, daquela das comunidades ribeirinhas no interior da Amazônia, ou dos seringueiros no Acre, ou dos grupos atingidos por Belo Monte. Mas a reflexão sobre u m caso “híbrido” pode possibilitar o alcance de relevantes aspectos que são cada vez mais verificáveis em um mundo globalizado, onde tradições e inovações, culturas locais e transnacionais se tocam, conflitam-se, amalgamam-se, hibridizam-se. Pode destarte possibilitar o questionamento acerca das classificações “por contraste”, que são utilizadas não apenas pelos movimentos sociais, mas frequentemente também em nossas teorias. Metodologicamente, este trabalho é fruto do acompanhamento e da observação pessoal e direta de representantes e lideranças políticas da pesca na região da Baía de Guanabara. Os dados são essencialmente qualitativos, provenientes principalmente da observação direta e de conversas informais

23

realizadas em associações de pescadores, colônias de pesca, reuniões deliberativas, conselhos e outros fóruns. Produzido também por uma miríade de fontes secundárias e primárias, como matérias de jornal, pesquisas de outros autores e estudos sobre pescadores da Baía de Guanabara (com alguns deles compartilhamos o campo), peças processuais (como representações, ação civil pública), documentos administrativos de órgãos públicos, atas de audiências públicas, entre outros documentos públicos e privados (como documentos restritos às associações de pesca). Também foram realizadas 10 entrevistas livres com as lideranças políticas da pesca da Baía de Guanabara, sendo que houve tentativas, sem sucesso, de entrevistar representantes da empresa e do governo. No entanto, com ambos representantes pudemos participar de encontros, dos quais extraímos depoimentos e registramos declarações públicas. Acompanhamos reuniões e fóruns entre os diferentes atores sociais envolvidos desde o início da implantação do Comperj, empreendimento que movimentou uma articulação ampla entre os setores do governo, das empresas e alguns grupos sociais. Uma etnografia do campo político da pesca na Baía de Guanabara passou a ganhar contornos mais sólidos com a nossa participação como membro do conselho gestor da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guapimirim, a partir de 2005. Naquele momento, discutia-se um grave acidente recentemente ocorrido: o descarrilamento de um trem da Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que transportava óleo diesel, provocou o derramamento de mais de 60 mil litros deste produto no rio Caceribú. O óleo se espalhou por dentro dos manguezais da área protegida até atingir a Baía da Guanabara, interrompendo durante mais de três semanas qualquer atividade pesqueira na região. Esse evento chamou a atenção para as condições de vida e trabalho dos pescadores da Baía de Guanabara, ao mesmo tempo compreendidas como artesanais, tradicionais e tão intimamente inseridas num complexo contexto urbano-industrial-moderno. Tão logo aconteceu o acidente, no ano posterior, em 2006, o anúncio da alocação do Comperj e de seus empreendimentos gerou diversas representações e discursos no âmbito do conselho gestor da unidade de conservação, chamando a atenção para as articulações políticas entre pescadores e outros atores sociais e para questões

24

particulares de suas lutas. É dessa convivência junto aos líderes da pesca, iniciada em 2005, a origem do material principal que será apresentado em nossa análise. * * *  A organização or ganização do trabalho obedece a uma divisão diacrônica do processo das relações conflituosas entre pescadores e empresa, de modo a permitir um enquadramento temporal de suas relações e dos elementos que condicionaram as ações coletivas dos pescadores. No capítulo 1 é desenvolvida a problemática teórica da pesquisa, qual seja a das interpretações acerca dos d os conflitos ambientais na atualidade, formuladas por estudiosos e movimentos sociais. A ênfase é dada na análise da ação coletiva local e dos sentidos que os grupos da pesca dão à sua própria ação coletiva, de modo a compará-la com a estrutura cognitiva e o quadro interpretativo fornecido pelas lutas inscritas da noção de justiça ambiental. O capítulo 2 descreve sinteticamente as condições de existência do grupo de pescadores na Baía de Guanabara, seja enfatizando suas interpretações acerca dos aspectos propriamente ambientais, seja analisando os elementos do lugar que ocupam no espaço social, seja interpretando suas contradições nas definições de uso e vocação da Baía de Guanabara. Aqui a noção de condições ambientais, sociais ou culturais contribui para a compreensão do sentido dos confrontos políticos iniciados com a empresa. A noção de “condições de existência” traz no mesmo balaio, além dos recursos materiais e políticos do s atores, suas crenças e visões de futuro. Boa parte deste capítulo foi desenvolvida a partir de um sistemático diagnóstico da pesca na Baía de Guanabara, de estudos sobre pescadores em geral e sobre os pescadores do Rio de Janeiro e da Baía de Guanabara em particular. Os dados manejados neste capítulo são essencialmente dados e análises de terceiros. O capítulo 3 descreve as primeiras manifestações conflituosas e os significados delas para a constituição e consolidação de suas relações com a

25

Petrobras, na ocasião do derrame de óleo de 2000. Presente em todos os relatos de pescadores sobre a poluição na Baía de Guanabara, esse acontecimento é referenciado por eles como o “ponto de virada”, um “divisor de águas” na Baía de Guanabara. Dando menos importância aos relatos literais, tentamos aqui interpretar como o derramamento foi de fato um divisor de águas, sobretudo na memória política, nas ações e debates, ou seja, nas condições que levaram à construção do confronto sustentado pelos pescadores, fundando a criminalização e responsabilização de suas condições na empresa Petrobras e iniciando um conflito em termos ambientais. O capítulo 4 descreve as articulações políticas e suas movimentações quando do anúncio da construção do Comperj e de todos os seus empreendimentos conjuntos. Demonstra o rápido processo de licenciamento ambiental, fruto de uma articulação entre a empresa e setores do Estado. Por outro lado, neste capítulo explicita-se o papel de outros atores além dos pescadores, dentre eles os atores e setores mais próximos da temática ambiental, como o conselho gestor das principais unidades de conservação da Baía de Guanabara – Guanabara – a  a APA APA de Guapimirim e a Estação Ecológica (Esec) (Ese c) da Guanabara  –,  –, o órgão ambiental federal  –   –  Ibama  –   –  e entidades que apoiaram os pescadores, contrárias à alocação do empreendimento. O capítulo 5 apresenta as formas de negociação para a resolução dos conflitos e as tentativas de aproximação entre pescadores e empresa mediante a instituição das mesas de diálogo. Apresenta também as transformações nesse relacionamento, mediante a radicalização das lutas e demandas por direitos por parte de uma parcela dos pescadores, mantidos ao redor das manifestações e movimentos de protesto por uma associação de pescadores, a Associação Homens do Mar. Aqui são explicitadas as lutas no interior do quadro interpretativo fornecido pela noção de justiça ambiental, quadro esse declarado pelos próprios atores confrontantes. Por fim, nas conclusões tentaremos realizar um apanhado dos principais elementos apresentados nos capítulos precedentes. Os conflitos descritos neste trabalho estão em plena efervescência, o que não nos permite obter o privilégio

26

cognitivo da visão retrospectiva. Mas o acompanhamento do processo, até onde foi possível, permitiu-nos descrever algumas relevantes transformações do papel político dos pescadores da Baía de Guanabara, o que, julgamos, nos forneceu importantes subsídios para pensarmos a emergência e as consequências das (re)ações dos grupos impactados por grandes empreendimentos e, por conseguinte, a pertinência e graus de invariância de algumas teses sobre os conflitos ambientais, atualmente caras à temática ambiental como formulada pelas ciências sociais.

27

CAPÍTULO 1. CONFLITO AMBIENTAL E AÇÃO COLETIVA: ALGUMAS APROXIMAÇÕES 1.1 A Abordagem estrutural-construtivista14: da crítica à modernização ecológica à noção de justiça ambiental.

 A perspectiva construtivista do conflito ambiental privilegia o modo pelo qual os atores percebem e constroem problemas ambientais e seu desdobramento em conflitos. No geral, as posições mais construtivistas procuram demonstrar a impossibilidade de se pensar numa realidade ambiental externa às consciências individuais e coletivas. Nesse sentido, só é possível falar de uma natureza que exista para os grupos humanos, uma natureza socializada. E por ser sempre socializada, a natureza é concebida como de múltiplas apropriações pelos múltiplos grupos sociais existentes. Essas apropriações sociais se desenvolvem na dobra tanto material quanto simbólica da experiência. Configuram “visões de mundo” coexistentes, que podem coexistir sem choques substanciais ou serem conflitantes entre si:

(...)a categoria meio 'ambiente' não pode ser vista apenas como objeto de cooperação mas também de contestação e conflito. Ao contrário do que sugere o senso comum, o ambiente não é composto de puros objetos materiais ameaçados de esgotamento. Ele é atravessado por sentidos socioculturais e interesses diferenciados. Pois as matas podem ser ao mesmo tempo espaço de vida de seringueiros e gerazeiros ou espaço de acumulação e reserva de valor para a especulação fundiária. A água dos rios pode ter distintos usos: pode ser meio de subsistência de pescadores ribeirinhos ou instrumento da produção de energia barata para firmas eletrointensivas. Trata-se de um espaço comum 14

Expressão utilizada utilizada por Carneiro (2010) para designar uma linha linha de estudos nas ciências sociais sociais sobre a temática do meio ambiente, que tem sido das mais influentes na produção nacional e que vem se baseando, mormente nas idéias bourdieusianas e nas suas readequações para a temática ambiental. No mencionado artigo, Carneiro demonstra a hegemonia de suas interpretações e modelos de análise na apresentação de trabalhos nos últimos anos no GT de meio ambiente da ANPOCS.

28

de recursos, sim só que exposto a distintos projetos, interesses, formas de apropriação e uso material e simbólico. A causa ambiental não é, portanto una, universal, comum a todos, o que faria do ambiente necessariamente um objeto de cooperação entre os distintos atores sociais. O meio ambiente é atravessado por conflitos sociais, ainda que alguns prefiram não admiti-lo. (ACSERALD, 2005, pág.8)

Os trabalhos de Acselrad (2001, 2004, 2005, 2009), Herculano (2002, 2006) dentre outros15, apresentam esforço de sistematização de uma abordagem da “questão ambiental” centrada nas noções de “conflitos ambientais” e “justiça ambiental”. O núcleo de seus argumentos é centrado na desconstrução críti ca das perspectivas dominantes sobre o tema, a saber, os paradigmas da “modernização ecológica” e do “desenvolvimento sustentável”. Para Acserald ( op. cit. ), por exemplo, os conflitos ambientais ocorrem em virtude do choque das diferentes formas de apropriação social da natureza, por distintos grupos sociais, suas culturas materiais e sistemas simbólicos, que coexistem ou ameaçam coexistir em uma mesma localidade, região ou país. Dado que no espaço social, os atores possuem quantidades e qualidades diferenciadas de recursos (materiais, políticos e organizacionais) o resultado das tensões, dos movimentos de resistência e mesmo de um confronto iniciado é, em geral, determinado por essa diferença relacional, apesar de haver reservas de contingência segundo as capacidades dos atores locais em subverter o consenso do jogo.  A referência principal aqui é a de campo social, conforme postulada por Bourdieu (1983 e 2004, entre outros) onde o campo é considerado como um “espaço de jogo” polarizado entre agentes que ocupam ocu pam posições dominantes e dominadas e que, valendo-se de estratégias de conservação ou de subversão, travam lutas concorrenciais em torno do capital específico de cada campo. Destacando a necessidade de se perceber a relação dialética entre estruturas e estratégias, ele afirma de um lado que as posições dos agentes são previamente 15

 Outros atores trabalham na perspectiva teórica acima descrita, dentre eles, os pesquisadores do grupo GESTA – GESTA  – Grupo  Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da UFMG - têm despontado como importantes figuras da temática da justiça ambiental e da análise estrutural-construtivista. Ver, nesse sentido, a importante coletânea de artigos em Z houri, Laschefski & Pereira (2005).

29

estabelecidas pela estrutura do campo em questão, que guarda por sua vez homologias estruturais com os campos sociais e políticos mais gerais, e de outro, postula que essa luta concorrencial se dá dentro dos limites da doxa, o consenso, os interesses comuns que estão na base dos conflitos de interesse. Nesse modelo de análise, os conflitos ambientais, tendo como atores principais empresas, governos, ONG‟s e populações locais, se f ormam f ormam em uma disputa no interior de um campo de forças definido como “ambiental”, onde estão em disputa significados e representações do meio ambiente. Sabe-se que o poder de impor significados está diretamente relacionado com as posições diferenciadas dos atores na estrutura social: estruturas duplas, tanto cognitivo-perceptiva quanto político-material. Portanto, os atores em posições vantajosas na escala de poder tendem também a obter vantagens na imposição de seus significados, na definição dos consensos. A doxa, o consenso, vem assim sendo formado por noções relacionadas à sustentabilidade, meio ambiente e desenvolvimento.

Se o Estado e o empresariado  –   –  forças hegemônicas no projeto desenvolvimentista  –   –  incorporam a crítica à insustentabilidade do modelo de desenvolvimento, passam a ocupar também posição privilegiada para dar conteúdo à própria noção de sustentabilidade. (ACSELRAD, 2001, pág. 30)

 As

diferenças

de

poder

e

recursos

simbólicos

manifestam-se

concretamente na espacialização dos riscos e da destruição ambiental. Os conflitos ambientais assim explicitam as relações de força de um campo ambiental mais amplo, um campo que movimenta os atores sociais tanto a partir dos discursos quanto a partir das práticas materiais. Nesse campo, os agentes hegemônicos utilizam estratégias de conservação dessas relações desiguais, enquanto cabe aos atores não-hegemônicos moverem recursos organizacionais e simbólicos que subvertam as representações sociais reificadas acerca do “problema” ambiental. Mas como fazê-lo fazê -lo senão mediante o estabelecimento de amplos movimentos sociais? Esses movimentos precisam apresentar novos

30

discursos e significados, que enunciem como ilegítima uma situação que é costumeiramente concebida como natural. Precisam também construir e valorizar novas identidades, pressuposto lógico da luta por novos direitos (Sorj, 2001e 2004).  As grandes indústrias, que degradam o ambiente, vêm se instalando em áreas economicamente rentáveis e ambientalmente relevantes, seja em virtude da oferta de infra-estrutura local, da proximidade das fontes de matéria-prima e mercado consumidor, seja em virtude das oportunidades politicas, isto é, da marginalização social local, e a conseqüente fraqueza de recursos políticos e econômicos dessas populações em apresentarem resistência à alocação dos empreendimentos. Esse processo é regional mas também global, em virtude da mundialização da economia, como assevera Carneiro(2005, p.37):  A partir de princípios princípios dos anos 1970, as atividades atividades que implicam “uso intensivo de “recursos naturais” e altos níveis de impacto ambiental (siderurgia, produção de pasta de celulose, construções de barragens para hidrelétricas etc.) passam a concentrar-se nos países pobres do Sul, e, nesses países, em áreas habitadas por populações de baixa renda, que não dispõem de recursos econômicos e políticos para fazer frente a esse processo ou para migrar para regiões menos atingidas..A dinâmica da distribuição espacial da degradação ambiental é presidida, portanto, pela lógica da rentabilidade que rege a economia mundial de acumulação abstrata .

Um dos recursos estratégicos dos atores hegemônicos é representado pela capacidade ampliada de mobilidade geográfica típica do atual estágio de desenvolvimento do capitalismo. Por um lado têm-se empresas cada vez mais móveis, por outro, populações menos móveis, que detêm poucas opções de ação, entre as quais: migrarem para outras áreas, sob todos os custos envolvidos; incluir-se nos projetos desenvolvimentistas ou resistirem politicamente a ele, mediante a ação coletiva. O capital mostra-se cada vez mais móvel, acionando sua capacidade de escolher seus ambientes preferenciais e de forçar os sujeitos menos

31

móveis a aceitar a degradação de seus ambientes ou submeterem-se a um deslocamento forçado para liberar ambientes favoráveis para os empreendimentos [...]o capital [dispõe] da capacidade de se deslocar, enfraquecendo os atores sociais menos móveis […] e desfazendo, pela chantagem da localização, normas governamentais urbanas ou ambientais, bem como as conquistas conquist as sociais […] assim o capital especializa gradualmente os espaços, produzindo uma divisão espacial da degradação ambiental e gerando uma crescente coincidência entre a localização de áreas degradadas e de residências de classes socioambientais dotadas de menor capacidade de se deslocalizar. (ACSERALD, 2004, p. 32-33)

 A “chantagem da localização”, promovida pela impressionante capacidade de mobilidade das empresas, estimula guerras fiscais entre estados, distritos e unidades administrativas, que intentam o crescimento econômico regional, e suas promessas de aquecimento econômico. A chantagem locacional se dá em função de os estados nacionais dependerem cada vez mais da geração de divisas. Têmse como pressuposto que esses grandes empreendimentos desenvolvem as regiões, geram impostos, financiamentos de infra-estrutura, e empregos. Dessa forma, uma relação simbiótica cada vez mais se evidencia entre as ações estatais de provimento e gestão política das condições naturais e as atividades do capital, de acumulação de riqueza abstrata (Carneiro, 2005).  A situação do Estado é dupla, pois precisa assegurar o provimento e o uso das condições naturais como condições da produção capitalista, ao mesmo tempo em que deve responder às pressões de classes e grupos sociais interessados em outros usos das condições naturais. Sendo assim, a maior parte dos Estados Nacionais, sobretudo das economias periféricas, avançam em relação às normativas ambientais promovidas pela pressão de movimentos ambientalistas internacionais, embora as flexibilize por variados mecanismos intra-institucionais, infralegais e procedimentais16. Nesse contexto, o Estado tem flexibilizado leis ambientais e estabelecido procedimentos que viabilizem com celeridade a instalação de grandes empreendimentos em detrimento da importância ecológica ou de outros usos 16

  Sobre os mecanismos de flexibilização e reprodução das desigualdades ambientais nos processos de licenciamento ambiental ver Zhouri, Laschefski & Paiva (2005).

32

culturais desses ambientes. A atuação do Estado e do empresariado vem representando, assim, a internalização dos preceitos da escola da modernização ecológica, ao procurar conciliar o crescimento econômico com a resolução de problemas ambientais, dando-se ênfase à adaptação tecnológica, à celebração da economia de mercado, à crença na colaboração e no consenso (BLOWERS apud   ACSELRAD, 2004). O conceito de conflito ambiental como o proposto representa construção epistemológica (e política) alternativa da chamada “questão ambiental”, na medida em que visualiza para além da linguagem do ambiente concreto único, onde agentes diferenciados deveriam cooperar entre si, uma lógica extremamente desigual, e injusta do ponto de vista dos anseios da modernidade, como torna clara a pergunta que se faz Herculano(2006): podem os conflitos ser bem geridos em sociedades que não apenas são plurais, mas desiguais? No campo mais amplo de produção dos discursos no ambientalismo, a matriz discursiva da equidade, enunciando princípios de justiça ambiental é a que mais ganhou campo desde o início dos anos 90, articulando princípios de justiça social e ecologia (ACSERALD, 2004). 2004) .  O movimento por justiça ambiental constituiu-se nos Estados Unidos a partir de uma articulação criativa entre lutas de caráter social, territorial, ambiental e de direitos civis. Já a partir do final dos anos 60, redefiniu-se em termos ambientais um conjunto de embates contra as condições inadequadas de saneamento, de contaminação química de locais de moradia e trabalho e disposição indevida de lixo tóxico e perigoso. Foi então acionada a noção de equidade geográfica, como “referente à configuração espacial e locacional de comunidades em sua proximidade a fontes de contaminação ambiental, instalações perigosas, usos do solo localmente indesejáveis como depósitos de lixo tóxico, incineradores, estações de tratamento de esgoto, refinarias etc. (ACSERALD, HERCULANO & PÁDUA, 2004). No Brasil, a noção de justiça ambiental tem sido associada tanto aos direitos civis, que ressaltam a desigualdade de exposição a riscos de populações

33

pobres, quanto aos direitos de quarta geração 17, os direitos étnicos, relacionados ao patrimônio imaterial das chamadas populações tradicionais. Populações essas que freqüentemente têm sido impactadas por empreendimentos nas fronteiras da expansão espacial das relações capitalistas. Nesses casos os conflitos ganham novas conotações no marco de velhas ambivalências ou dicotomias valorativas, como aquelas entre as forças do moderno versus as forças da tradição. Enunciando o caráter injusto, e desproporcional das interferências e apropriações ambientais de grupos, ideologias e interesses específicos sobre as práticas econômicas e a reprodução social como um todo de grupos empobrecidos, o movimento vem produzindo ações coletivas que induzam a uma interpretação alternativa do problema ambiental. Mais que isso, ao elucidar esses  jogos, não apenas nutre a perspectiva ambientalista de d e uma abordagem sensível às análises sociológicas (trazendo o conflito social para o interior da questão ambiental) como também intenta com isso munir os atores localizados de ferramentas que lhe retirem do ilusio  do jogo. E assim lhes possibilite com uma consciência das lutas e das dimensões dessa luta ganhos qualitativos de posição diferencial.

 A denúncia da operação desses mecanismos e a construção de capacidade organizativa e de resistência à chantagem de localização serão, conseqüentemente, instrumentos de pressão pela redefinição das práticas sociais e técnicas correntes de apropriação do meio, de localização espacial das atividades e de distribuição do poder sobre os recursos ambientais. (ACSELRAD, 2005).

 A “denúncia desses mecanismos” em conjunto com a “construção “construção de capacidade organizativa” significa em outras palavras a construção de uma ação coletiva eficaz que subverta as regras do jogo. Mas se a luta no campo ambiental depreende de uma capacidade de influenciar e redefinir significados, todavia, há, como lembra Tarrow (2009, p. 119) um perigo de se interpretar 17

 Seguindo a periodização apresentada por Bobbio (1992), com semelhanças e diferenças da clássica  periodização de T. H. Marshall. Ver Sorj (2001).

34

todos os confrontos como lutas por significados. “A atração –  mas também – também  – o  o perigo – perigo  – do  do construtivismo social é que ele desvia a atenção dos contextos da construção de significados, fora das redes sociais e das estruturas conectivas, não considerando as importantes ligações entre as experiências imaginadas e as vividas (CASTELLS apud  TARROW,  TARROW, 2009). Pois como a crítica que Souza (2004, p. 84) realiza à noção de campo de Bourdieu:

Ele, ao se concentrar apenas no aspecto instrumental da disputa por poder relativo entre as classes em luta por recursos escassos, não percebe que essa mesma luta se dá em um contexto intersubjetivamente produzido, o que mantém sua contingência e, com isso, a necessidade de seu aperfeiçoamento crítico, mas retira, ao mesmo tempo, o dado arbitrário de mera imposição de poder do mais forte.

O objetivo desta tese, qual seja o de analisar o processo de construção de uma ação coletiva local, depende de uma abordagem qualitativa que capte tanto os meios quanto os fins dessa ação coletiva, bem como as nuanças e diferenças das estratégias dos grupos afetados, que apesar de “discursarem” no interior de um campo ambiental, o fazem para além dessa construção. Construção essa que por abstrata, notadamente por sua natureza teórica, acaba por reificar interesses em conflito, ao mesmo tempo em que unifica o propósito da luta de todos, qual seja o de definir as representações de meio ambiente. Essa é a crítica desenvolvida por VARGAS (2000) acerca da noção de campo de Bourdieu:

Ela é problemática dentre outras coisas por que unifica de antemão, o propósito da luta de todos. Além disso, é preciso perceber os vazios que se abrem entre esses campos, as zonas em que eles se tornam indiscerníveis. Isso porque, como notou Corrêa (1986) é praticamente impossível estabelecer índices de pertinência a um determinado campo. Posto que esse sempre se constitui numa encruzilhada de interesses, orientações, temáticas e estratégias diferenciadas, o que equivale a dizer que esse campo é somente o correlato de determinadas práticas que o objetivam como tal. (pág.46)

35

Como será visto a frente, se a luta atual de pescadores na Baía de Guanabara pode ser vista no interior de um campo ambiental, por vezes o ambiental desaparece e noções relacionadas a outras temáticas ganham o palco, numa espécie de camadas de campos sociais superpostas.

1.2. As condições locais para a ação coletiva Neste trabalho procura-se refletir sobre um dos aspectos essenciais dos conflitos ambientais, trata-se das condições e características de produção local de uma ação coletiva, isto é, como nas agruras do cotidiano se constrói uma ação de confronto? Em que medida tais ações de confronto representam conflitos por  justiça ambiental? A análise das agruras, desafios e possibilidades dessa ação coletiva, leit motiv   dessa tese, foi baseada em boa parte nas teses de Tarrow(2009), que junto com Tilly (1978) desenvolveram a chamada “escola do processo político”. Segundo Tarrow ( op. cit .), .), o confronto político ocorre quando pessoas comuns, sempre aliadas a cidadãos mais influentes, juntam forças para fazer frente às elites, autoridades e opositores. Ele é desencadeado quando oportunidades e restrições políticas em mudança criam incentivos para atores sociais que não têm recursos próprios. Eles agem através de repertórios de confrontos conhecidos, expandindo-os ao criar inovações marginais. Quando o confronto político consegue manter uma interação sustentada com os opositores mediante o apoio de densas redes sociais e o estímulo de símbolos culturalmente vibrantes e orientados para a ação, o resultado pode ser o movimento social. O ato irredutível que está na base dos movimentos sociais é a ação coletiva de confronto. A ação coletiva torna-se torna-se de confronto quando é empregada por pessoas que não têm acesso regular às instituições, que agem em nome de exigências novas ou não atendidas e que se comportam de maneira que fundamentalmente desafiam os outros ou as autoridades. A ação coletiva de confronto costuma ser um dos poucos recursos que pessoas comuns têm contra opositores mais bem equipados ou estados poderosos. Tarrow (2009) distingue três processos principais dos confrontos políticos e dos movimentos sociais em geral: 1) Preparar os desafios coletivos, 2) instigar

36

redes sociais, objetivos comuns e quadros culturais, 3) construir a solidariedade através das estruturas de ligação e das identidades coletivas para manter a ação coletiva. Nesses processos quatro propriedades empíricas estão envolvidas: protesto coletivo, objetivo comum, solidariedade social e interação sustentada. O que traduz o potencial de ação de um movimento é o reconhecimento dos participantes de seus interesses comuns. Isto é, é necessário mobilizar-se um consenso, papel crucial desempenhado pelos organizadores do movimento. Os líderes só podem criar um movimento social quando liberam os mais profundos sentimentos de solidariedade ou identidade. Como já mencionado, o que define um movimento social, segundo a classificação de Tarrow ( op. cit.) é a sustentação da ação coletiva contra opositores poderosos, em contraposição a formas de protesto, multidões, tumultos e reuniões espontâneas, casos de protestos isolados. Todavia, como manter e sustentar o confronto político com baixos recursos organizacionais, econômicos, políticos etc? Sua resposta é a de que mudanças nas oportunidades políticas e/ou nas restrições políticas criam os incentivos mais importantes para iniciar novas fases de confronto. Então, a cada nova fase de confronto, novas oportunidades são criadas, conforme descreve Tarrow, 2009, p.36.

Essas ações por sua vez criam novas oportunidades tanto para os insurgentes originais quanto para os retardatários e, eventualmente, para os opositores e detentores de poder. Os ciclos de confronto que se seguem são baseados nas externalidades obtidas e criadas por esses atores. Os resultados de tais ondas de confronto dependem não só da  justiça da causa ou do poder de persuasão de qualquer movimento singular, mas de sua extensão e das reações das elites e de outros grupos.

O surgimento dos confrontos não pode ser derivado da privação sofrida pelas pessoas ou da desorganização de suas sociedades. Essas pré-condições são muito mais duradouras do que os movimentos que elas favorecem. O fato da poluição, dos riscos, ou mesmo das possibilidades de migração de pessoas e famílias em razão da instalação de empreendimentos é muito mais antiga, são

37

mesmo constitutivas da modernidade 18. Todavia, outras oportunidades e percepções existem atualmente para se produzir as resistências declaradas que representam objeto desta tese. Outros atores, e uma nova condição de legitimidade, lhes lhes dá essa oportunidade política. Nossa análise nesse sentido coloca a ênfase não só nas estratégias do capital, mas também nos elementos políticos dessas comunidades e de suas condições que favorecem ou não a emergência de uma ação coletiva, e quais os processos iniciados por ela.

1.3. Uma breve discussão sobre a natureza dos conflitos ambientais É possível falar de um consenso na teoria social de que os conflitos são constitutivos das relações sociais, todavia, se a regularidade dos conflitos é afirmada pela sociologia e sentida pelo senso comum, não há de forma alguma consenso quanto às funções, causas e efeitos dos conflitos para os indivíduos e para o todo social. A respeito das funções, causas e efeitos dos conflitos nas estruturas sociais, a sociologia se divide, segundo Coser (1996), grosso modo, em dois campos: o dos que afirmam que os conflitos deveriam ser encarados como fenômenos patológicos, como sintomas de doença no corpo social; e o daqueles que defendem a idéia baseada na qual os conflitos são formas, dentre outras, de interação social que podem contribuir para a manutenção, o desenvolvimento, a mudança e a estabilidade geral de entidades sociais. Como regra, os conflitos sociais foram quase sempre considerados perigosos, corrosivos e potencialmente destruidores da ordem social. Entretanto, alguns autores defenderam a idéia de que os conflitos poderiam desempenhar um papel construtivo nas relações sociais. Simmel (1983), um dos primeiros a tratar da “positividade” do conflito, asseverou a forma de “sociação” existente no conflito, apesar de suas causas provirem de fatores de dissociação. Isto porque, no limite, o conflito é uma forma de se conseguir algum esforço em prol da unidade diante de dualismos divergentes. A natureza do conflito, segundo o autor, é marcada pela 18

Para ver alguns conflitos “ambientais” históricos ( não eram denominados dess a forma, devemos lembrar

que o meio ambiente não se configurava como um problema público) ocorridos nos dois últimos séculos, ver Martinez Alier (2007).

38

síntese de elementos que trabalham juntos, tanto um contra o outro, quanto um para o outro. Neste sentido, o conflito contém um aspecto positivo, que pode ser visto claramente quando se comparam as formas de relação humana antitética e convergente com a mera indiferença entre dois ou mais indivíduos ou grupos. Todavia, seus aspectos positivos e negativos estão integrados, não podendo ser separados empiricamente. Nessa interpretação, a velha oposição entre cooperação e conflito poder-seia tratar-se menos de uma relação binária, mas de um continuum, podendo ser mesma pensada em termos de graus. Importa aqui demonstrar níveis de cooperação e de conflito entrelaçados. Parece que o mais relevante de se perceber é que a “unidade”, o consenso, ou a relação de equilíbrio, não prescinde da existência de conflitos e contradições nas relações sociais. Pelo contrário, em alguns casos inverte-se mesmo a explicação, ao dispor os conflitos da função de promover a coesão social. Como exemplar dessa forma antitética e integrativa emerge a própria noção de política desde os gregos passando pelos clássicos modernos até Habermas. A política envolve a dialética opositiva e contraditória, mas interconectada e complementar, entre conflito e comunidade, luta antagônica e acordo, interesse privado e bem público. Portanto, mais prosaicamente ela tem a ver com luta competitiva pelo predomínio entre, e em meio a, grupos e classes antagônicos. Mas, por outro lado, detém também uma preocupação com a busca de comunidade e com a formação de um terreno compartilhado. Assim, e aqui esse parece ser o ponto, o que aparece como fragmentação e dissolução de uma dada estrutura social é, simultaneamente, a integração e o crescimento dinâmico de outra. O conflito gerado por facções antagônicas é o mecanismo pelo qual estas facções não somente surgem, mas também desenvolvendo-se em forças políticas determinadas e conscientes, mais tarde podem formar a base de uma nova ordem sociopolítica. Mas quais conseqüências reais podem surgir com os conflitos? Será possível determinarmos de antemão se o conflito é positivo ou não para a sociedade? Positivo e/ou negativo, na perspectiva de quem? De fato, como nos lembra Hirschmann (1996) há conflitos que só deixam rastros de destruição

39

enquanto outros deixam atrás de si um resíduo positivo de integração. E possível distinguí-los? Como? Hirschmann (op.cit .) .) assinala que essa tentativa foi feita por analistas soviéticos na década de 1950. Diante das dificuldades, crises e contradições seqüentes do regime que aconteciam a despeito da trajetória sem percalços pretendida pelos planos qüinqüenais, os analistas criaram a distinção entre as contradições do regime capitalista - que só poderiam ser resolvidas por revoluções  –   –  e, as contradições dos regimes comunistas - menos graves, onde a revolução não faria mais sentido. Às primeiras nomearam de “contradições antagônicas” e as segundas, “contradições nãonão-antagônicas”. De resto a história teria demonstrado que paradoxalmente as sociedades que apresentavam as contradições antagônicas teriam durado mais que os regimes que supostamente viviam apenas as contradições não-antagônicas. Como conclusão dessa tentativa, Hirschmann assevera: (...) para decidir se as dificuldades ou conflitos enfrentados por uma sociedade são destrutivos e letais ou se são capazes de administrá-los e “cuidar” deles, aparentemente precisamos precisam os ter a sabedoria da visão retrospectiva  –   –  querer fazer essa distinção com segurança de antemão seria cometer ao contrário, a tolice de tentar prever (pág.269)

Todavia, Hirschmann (op. cit .) .) acredita poder distinguir basicamente dois tipos de conflitos quanto à natureza do objeto, existentes nas sociedades de mercado pluralistas, cujas conseqüências sociais seriam completamente diferentes, e que ele chama de conflitos do tipo “mais -ou-menos” -ou-menos” ou do tipo “ou“ou ou”19. Os conflitos do tipo “mais ou menos”, típi cos das sociedades de mercado, dizem respeito à distribuição do produto social entre diferentes classes, grupos, setores ou regiões. Nos conflitos do tipo “mais-ou“mais -ou-menos”, menos”, mesmo quando as partes se encontram, de início, muito distantes, elas podem, em teoria, fazer 19

 Sublinha-se a categoria tipo-ideal para registrar a sua abstração, não correspondendo, vale lembrar, pari passu ao universo empírico.

40

concessões, chegar a um acordo, embora esses tipos de soluções conciliatórias sejam muitas vezes menos viáveis quando os setores componentes de uma sociedade que entram em conflito são divididos por questões de etnia, religião, língua, ou gênero. É justamente nas sociedades fragmentadas por facções rivais étnicas, lingüísticas ou religiosas que os conflitos do tipo “ou -ou” são mais abundantes. Hirschmann (1996) argumenta que nas “sociedades complexas”, os conflitos sociais são no geral mais aproxi mados do tipo “mais-ou“mais-ou-menos”, menos”, e portanto comportam uma série de negociações e conciliações. A atividade conflitiva e conciliatória tenderia a produzir um comportamento, um ethos, conformando a experiência das pessoas no vivenciar e, de alguma maneira, administrar administrar ou tratar “zelosamente” de uma variedade de conflitos. Para o autor essa experiência produziria os laços que consolidariam as sociedades democráticas modernas e lhes confeririam a força e a coesão de que precisam para se manter. Em primeiro lugar, uma sociedade de mercado pluralista que gera uma série interminável de conflitos sociais em sucessão razoavelmente rápida difere de outros tipos de arranjos sócio-econômicos em um aspecto importante: ela não pretende estabelecer uma ordem e harmonia permanentes; permanentes; tudo o que pode almejar fazer é “dar um jeito” de sobreviver de conflito em conflito. Essa maneira de resolver problemas “dando um jeito” é facilitada não só pela quantidade e variedade dos conflitos que tendem a eclodir nas sociedades de mercado, mas também pela qualidade deles. Muitos conflitos em uma sociedade de mercado dizem respeito à distribuição do produto social entre diferentes classes, setores, grupos, ou regiões. (HIRSCHMANN, 1996, pág. 272)

De fato, os conflitos são uma característica das sociedades de mercado que se evidencia com notável persistência. Para Hirschmann, ele é a contrapartida natural do progresso técnico e da conseqüente criação de novas riquezas, bem como, poderíamos acrescentar, da criação de novos riscos. Boa parte d os conflitos das sociedades de mercado derivam de desigualdades econômicas, ambientais e políticas. Como nessas sociedades, normalmente há liberdade de expressão e associação, as pessoas diretamente atingidas, e grupos de elites ligados a elas, mais suscetíveis a sentimentos de justiça social compartilhados de modo mais ou

41

menos geral, podem se mobilizar, fazer reivindicações, protestos etc. o que não garante vitórias em todo o caso, mas negociações e discussões. Um dos segredos da “vitalidade” da sociedade socied ade de mercado pluralista e de sua capacidade de renovação poderia estar exatamente nessa conjunção (nas reivindicações baseadas tanto no interesse próprio como na legítima preocupação com o bem comum) e na sucessiva erupção de problemas e crises. Nesse sentido, o autor em contraposição afirma que o êxito que as sociedades comunistas tiveram na supressão do conflito social declarado, talvez tenha sido uma das razões para deterioração e perda de vitalidade de suas sociedades. Hirschmann (op.cit .), .), dessa forma, argumenta acerca da constituição de uma práxis do “cultivar”, do “tratar zelosamente” de seus conflitos típicos das sociedades de mercado pluralistas. De certo, o que teríamos aqui seria, como o próprio Hirschamnn argumenta, uma analogia à tese da mão invisível de Adam Smith, na medida em que o indivíduo que busca apenas seu próprio ganho e por ele luta, também obteria um resultado global positivo, não consciente. No entanto, como o autor deixa entrever, não seriam quaisquer tipos de conflitos sociais que funcionariam para a coesão social. Seus tipos-ideais pretendem lançar luz àqueles aspectos da divisibilidade ou não, e, portanto, da possibilidade ou não de conciliações e traduções do que está em jogo. A distinção entre as duas categorias nem sempre é bem definida, pois as questões não divisíveis comumente possuem alguns componentes que são negociáveis e vice-versa. Por exemplo: trabalhadores em greve muitas vezes proclamam estar lutando não apenas por salários mais elevados, mas por respeito, dignidade, que julgam eles os patrões estão lhes negando em razão de suas origens raciais ou étnicas distintas. Para efeitos do nosso trabalho, poderíamos questionar em que medida lutas por justiça ambiental não poderiam representar da mesma forma lutas por participação nos produtos sociais.  A classificação de Hirschmann(1996) Hirschm ann(1996) oferece, para além de d e sua simplicidade aparente, elementos interessantes para se pensar os conflitos sociais mais comuns analisados pela sociologia. Por exemplo, os conflitos existentes nas relações de produção, a clássica luta de classes, (que para a tradição marxista

42

levaria, dada a contradição imanente, à superação dos conflitos e da subordinação do proletariado à classe burguesa) parece estar mais próxima do tipo “mais -oumenos” do que do tipo indivisível “ou“ou -ou”.  Apesar de o marxismo apresentar a luta de classes como o principal, supremo e mais irreconciliável tipo de conflito da sociedade moderna, ele parece ser na verdade aquele que mais rápido se presta às artes da conciliação, que seja o da aceitação20.

Como demonstraremos a frente, os atores que participam nas lutas e disputas nos conflitos ambientais e no campo do ambientalismo, e as variadas teorias que procuram compreendê-los, tendem a enfatizar mais um ou outro aspecto dos conflitos, ênfase que guarda obviamente relação com os interesses político-práticos a que os atores estão ligados. Os teóricos da justiça ambiental demonstram que os conflitos ambientais são epifenômenos das contradições do sistema capitalista neoliberal, e por isso estruturais 21, antagônicos, que precisam ser exacerbados junto ao trabalho de análise crítica e militância política. De nossa perspectiva acreditamos que suas prescrições normativo-morais são potentes, bem como suas descrições do campo social: o modelo teórico da luta de classes e grupos em termos ambientais no sistema capitalista. Por outro lado, a crença existente no lema “poluição para ninguém”, ao ser descrita como uma identidade de projeto, nos termos de Castells (1999), isto é, ao acreditar na recuperação da crítica radical à sociedade, dos inícios do movimento ecologista, apostando, por exemplo, nas características “ou“ou-ou” do conflito Hirschmaniano (sobretudo no caso brasileiro das comunidades consideradas na periferia do sistema: indígenas, ribeirinhos, quilombolas...) parece-nos, como veremos no desenrolar deste trabalho de vital importância para o fortalecimento dos atores sociais desprovidos de recursos. Parecem vitais na construção dos discursos e argumentos estratégicos, todavia, devemos nos perguntar em que medida de fato tais conflitos são dessa natureza, irreconciliáveis, quais elementos próprios para a negociação 20

 É como que ilustra Thompson (1998) acerca das negociações realizadas entre a elite e a classe operária que se formou na Inglaterra no século XVIII. 21

 Para uma tipologia de conflitos ambientais, ambientais, ver, entre outros, Herculano (2006).

43

estão presentes nos conflitos reais, e como esse balanço pode ser interpretado na perspectiva da reflexões sobre justiça ambiental.

44

Capítulo 2 Pescadores e Baia de Guanabara: precarização e déficit de conflitos.  A eclosão de um confronto, além de representações e valores, também pode movimentar, por seu fundo, um conflito de interesses materiais objetivos entre os grupos sociais. Para que um confronto emirja, entretanto, não se pode depender exclusivamente das privações materiais sofridas pelos grupos humanos. Conforme argumenta Tarrow (2009, p.99), um exame superficial da história moderna mostra que o surgimento de confrontos não pode ser derivado exclusivamente da privação sofrida pelas pessoas ou mesmo da desorganização de suas sociedades. O confronto, ao contrário, parece ser relacionado em maior medida, a oportunidades de ação coletiva  –   –  e limitado por restrições a ela  – do que por fatores sociais e econômicos persistentes experimentados pelas pessoas. O modelo de análise da política contenciosa (TARROW, 1999; TILLY, 1978), ou a assim chamada escola do Processo Político , valoriza como elemento 1

central para a eclosão de confrontos sustentados a abertura de uma “estrutura de oportunidades”, oportunidades”, pensadas então como recursos externos aos indivíduos e aos grupos sociais, que desafiantes fracos ou desorganizados podem tirar vantagem deles. Os recursos internos dos grupos não devem ser subenfatizados, mas, segundo essa abordagem, apenas a abertura de oportunidades pode explicar porque grupos com parcos e escassos recursos conseguem muitas vezes iniciar e manter confrontos políticos significativos com elites, e grupos poderosos em geral. Para se compreender que eventos e transformações possibilitam a abertura dessas oportunidades, e mesmo para se entender a natureza de suas lutas e repertório argumentativo é fundamental que se reproduza as condições prévias dos grupos sociais, condições essas que determinam dentre outras coisas as próprias restrições políticas, os recursos organizacionais, econômicos e políticos dos grupos sociais, enfim o lugar e o nível que ocupam no espaço social em que atuam. Em outras palavras, se a constante privação a que pescadores da Baía de Guanabara estão submetidos, em um ambiente físico e social extremamente

45

degradado, não representa causa suficiente para o estabelecimento do confronto político atual, a evolução dessas privações, os (des)concertos das políticas públicas e os distintos significados construídos pelos profissionais da pesca são fundamentais para se entender as relações sociais existentes no interior da Baia de Guanabara. São fundamentais para entender também suas motivações, suas crenças e suas capacidades organizativas.  Além disso, se a constante privação e precarização do trabalho da pesca na Baía de Guanabara por si só não garantiu a eclosão de conflitos e manifestações políticas significativas, elas, por outro lado, fornecem importantes elementos para a construção do quadro interpretativo 22das ações coletivas atuais desses grupos. Pois, como observa Fuks (2001, p.104), a dimensão propriamente argumentativa da atividade política ancora-se inevitavelmente na herança histórica local, responsável pela geração de recursos culturais disponíveis.  A apresentação ap resentação de alguns elementos da reprodução social so cial dos pescadores da Baía de Guanabara fornecem uma necessária contextualização, que elucida os termos e os sentidos de suas ações nos confrontos atuais, objeto deste trabalho, e também contribuem para explicar as restrições às ações coletivas que demarcaram a situação desses pescadores até o início da década de 2000. Para isso, importa descrever seus dilemas no ambiente da Baía de Guanabara. Sejam aqueles relacionados às proibições e restrições à atividade da pesca em virtude: da degradação ambiental; da desconcertada gestão ambiental do território; e de suas relações institucionais e cotidianas com os atores interatuantes no mesmo espaço e seus diferentes e conflitantes usos. Sejam aqueles relacionados às suas imagens públicas, isto é, as ressonâncias públicas a respeito de seu papel e de sua identidade social para o público fluminense. Em suma, conforme será demonstrado no desenvolvimento deste capítulo, trata-se de explicitar outros elementos da existência social dos pescadores, que transcenderiam os argumentos do “campo ambiental”, visto nas disputas recentes, mas elementos de 22

 A noção noção de quadro interpretativo é utilizada aqui como o faz Snow & Benford (apud Tarrow, 2009, 2009 , p.99), para o qual, “os quadros interpretativos da ação coletiva são dispositivos enfatizadores que ressaltam e adornam a gravidade e a injustiça de uma condição social ou redefinem como injusto ou imoral o que era visto como desastroso, mas talvez tolerável ”.

46

intersecções com outros campos, dentre os quais o que poderia ser chamado como o campo “da pesca”23.

2.1. A Pesca artesanal da Baía de Guanabara: marginalização e modernização nas políticas públicas  Alguns autores (CARDOSO, 2001; FARIA, 1997, entre outros) dividem em três processos ou fases principais da atividade pesqueira no país, quanto à intervenção estatal no sentido de regular, gerir, e incentivar a atividade.  A primeira delas é caracterizada pela presença inconfundível do Estado, que assume gradativamente e por meio de várias iniciativas o ordenamento oficial das atividades da pesca. É o Estado brasileiro intervindo no sentido de nacionalizar, disciplinar e gerir a produção pesqueira. Marco desse processo foi a criação, em 1912, da Inspetoria Federal da Pesca. Desde então, com o advento da Primeira Guerra Mundial, um movimento de ressignificação do papel dos pescadores se iniciou no Brasil, seguindo tendência de outros países com grandes áreas costeiras (CARDOSO, 2001). Passou-se a reconhecer nos pescadores espalhados pelo litoral do país espécie de “guardiões da pátria”, visto serem eles os maiores conhecedores dos litorais, de suas pequenas reentrâncias, dos seus abrigos e dos seus perigos. Representavam, além disso, uma garantia ao fornecimento de alimentos alternativos e abundantes, quando os campos se tornavam palco de lutas. A Marinha de Guerra foi a instituição principal nesse período, ao promover o “saneamento” das populações de pescadores, e era responsável por “assegurar a saúde, fornecer instrução e incutir civilismo”, ou seja, mais prosaicamente, incorporá-los às forças produtivas da nação. Como conseqüência imediata surgem as colônias de pesca (1923), cujos estatutos determinam como finalidade institucional: “reunir por laços de solidariedade 23

 Aqui desejamos chamar a atençao para outras idéias , noções e categorias disputadas nesse tipo de conflito,  para além dos esquemas classificatórios próprios ao que poderia ser designado de um campo ambiental.Nesse último, idéias como “predatório”, “preservação”, “poluição”, “sustentável” são as

categorias disputadas. Em um campo que talvez poderia ser demnominado da pesca, tratam-se de outras questões, relacionadas aos aspectos econômicos e trabalhistas envolvidas na pesca enquanto produção, um setor econômico e produtivo.

47

fraternos, pescadores brasileiros natos e naturalizados que se dediquem à indústria da pesca, promovendo a instrução, o auxílio mútuo e a prosperidade de suas famílias”. Na literatura sobre a pesca há uma tendência a correlacionar a concepção original das colônias de pesca com as reclamações atuais de nãorepresentatividade, “peleguisse”, ou autoritarismo dessas organizações pelos pescadores representados, condição que teria durado por todo o século XX. À frente, no próximo capítulo, trataremos mais detidamente sobre esse tema tão fundamental para as interpretações nativas e acadêmicas sobre o estado atual da pesca artesanal.  A segunda fase ocorre quando, na década de 60, o governo brasileiro decide implantar uma indústria pesqueira em base empresarial, através de incentivos

fiscais

concedidos

pela

recém

criada

Superintendência

do

Desenvolvimento da Pesca- Sudepe. Essa política destinou recursos para a criação e reprodução de uma estrutura industrial para o setor pesqueiro, através de incentivos fiscais para a compra de barcos e equipamentos e para a implantação de unidades de beneficiamento do pescado, entre outras ações de fortalecimento do setor em busca de uma pesca "moderna". A maioria dessas empresas foi criada sobretudo no litoral centro-sul do Brasil, usando trawlers na captura do camarão para a exportação(DIEGUES, 1983). Nesse processo, surgia também um proletariado ligado à pesca e ao beneficiamento do pescado, em contraposição

à

pequena

pesca

artesanal,

baseada

no

modelo

de companha, própria da pesca ibérica, de onde também se trouxe o modelo de organização dos pescadores em "colônias de pescadores" (semelhante às guildas espanholas). Finalmente, o terceiro processo refere-se ao que Breton & Estrada ( apud  CARDOSO, 2001) chamam de consolidação dos nacionalismos marinhos. Decretado unilateralmente durante os anos 70, o mar territorial de 200 milhas teve vida curta. Os acordos para a entrada em vigor das resoluções da CONVEMAR de 1982, a respeito do Mar Territorial e das Zonas Econômicas Exclusivas, trazem

48

desafios contemporâneos para o ordenamento da atividade pesqueira em mar alto (CARDOSO, 2001). Conforme enuncia Cardoso Car doso (2001) esses três processos podem ser s er interpretados como possuidores de uma mesma lógica, uma mesma racionalidade, uma mesma ideologia, qual seja, a do desenvolvimento da pesca racional, moderna, baseada na tecnologia, com pescadores comportados, valorizando a pátria. Quanto aos pescadores artesanais, o primeiro processo foi tributário de uma visão de contingente da produção, na formação de uma classe de trabalhadores do país, para os quais o governo trabalhista de Getúlio Vargas foi o ápice da organização do setor, com a criação do Código da Pesca. O segundo processo teve um forte viés de organização e efetivação da pesca como um setor da economia do país, e neste o pescador artesanal representava o papel a que se desejava superar. Boa parte dos trabalhos em ciências sociais na década de 60 e 70 tratou do “drama” e das transformações da identidade desses pescadores tradicionais em empregados assalariados na emergente indústria da pesca (KANT & PEREIRA, 1997; PESSANHA, 2003; DUARTE, 1999, entre outros). Nos dias atuais, impressiona como a categoria de pescador artesanal tenha alcançado um prestigioso status  social baseado no valor da tradição e em suas características de grupo intimamente relacionado com o meio natural, sendo defendidos e exaltados pelos movimentos ambientalistas, pela academia e por setores do governo. A positividade de suas identidades na Baía de Guanabara é reproduzida nos relatos dos pescadores, que reconhecem os valores a elas associados. No âmbito dos debates públicos acerca da pesca são cada vez mais comuns discursos que protagonizam a pesca artesanal como agentes de um modelo de desenvolvimento para o setor pesqueiro, voltados para a tradição e a sustentabilidade, ambas representações ligadas ao tipo de pesca artesanal. Os órgãos oficiais reconhecem que a maior parte do pescado capturado é realizada pelos pescadores artesanais. Segundo dados do Ministério da Pesca, são eles os responsáveis por 60% (sessenta por cento) da pesca nacional, resultando em uma produção de mais 500 mil toneladas por ano.

49

Se sua importância discursiva tem sido registrada nas últimas décadas, suas condições sociais são ainda de extrema precariedade e as políticas públicas do setor da pesca ainda não demonstram uma valorização efetiva do papel do pescador artesanal no conjunto do setor da pesca. NEIVA ( apud   VIANA, 2009) destaca historicamente o abandono dos pescadores artesanais nos processos políticos e econômicos. Em sua visão, o direcionamento histórico das políticas do setor de incentivo à exportação e não ao consumo interno, bem como a sobrepesca promovida pela pesca industrial, e a constante degradação das áreas de pesca artesanal que, por natureza, são menos móveis, têm levado a uma constante precarização da atividade.  Apesar do setor da pesca ter alcançado uma institucionalização administrativa relevante, com a criação da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República (SEAP/PR), em 2003, no Governo Lula, e posteriormente com sua substituição pelo Ministério da Pesca, o espírito das políticas públicas voltadas para a pesca artesanal, ao que tudo indica, ainda se mantém nos moldes de uma política de modernização econômica, mantendo o foco discursivo nos saberes e práticas ditos “tradicionais”, mas priorizando a transformação da pesca artesanal numa atividade mais competitiva, dando-se a maior ênfase no fomento, por exemplo, a práticas mais modernas como a aqüicultura. Essas são as conclusões de Mendonça & Valêncio (2008), que realizaram uma análise sobre as políticas públicas recentes da SEAP para o setor da pesca artesanal. Desde os anos de 1980, nota-se que os recursos pesqueiros marinhos não poderiam sustentar uma exploração tão intensa e, por conseguinte, fez-se necessário formular novos critérios de ordenamento pesqueiro que levassem em conta os aspectos relativos a sua conservação e a do meio ambiente. Assim, a aqüicultura surge, aparente e discursivamente  –   –  inclusive na visão de muitos acadêmicos e do Estado  –,  –, como alternativa única para a “sustentabilidade da pesca” dada  dada  a depleção dos estoques pesqueiros, conforme descrito anteriormente. Daí, a valorização desta atividade em detrimento da pesca em geral e da pesca artesanal, em particular (pág.112). A opção da aqüicultura vem

50

surgindo constantemente nos debates públicos sobre a pesca na Baía de Guanabara, como alternativa à precarização econômica geral da pesca artesanal. “Nós temos um projeto de desenvolvimento da aqüicultura e interior, ou seja, quem não quiser mais pescar na Baía da Guanabara, vai ter oportunidade de desenvolvimentos de aqüicultura interior em cavas de areia que já são muitas aqui em Itaboraí”. RODRIGO PIO (representante da Petrobras na audiência Pública do Comperj em Guapimirim).

 A expectativa da aqüicultura como uma alternativa lucrativa pode p ode ainda ser verificada nos relatos de alguns pescadores e representantes políticos da pesca na Baia de Guanabara. Alex, ex-representante da MARCOOP (Cooperativa de Pescadores da Comunidade de Marcílio Dias) citava em entrevista a possibilidade de se lotear partes da Baía de Guanabara, inclusive sobre os dutos submarinos da PETROBRAS, para o estabelecimento de criadouros de pescado, que poderiam ser financiados com os recursos da própria Empresa. Em recente debate na câmara dos Vereadores do Rio sobre a “Situação da Pesca no Estado do Rio de Janeiro”, Janeiro”, o presidente da Colônia Z13 advertia para as promessas de um “futuro melhor na aqüicultura, diante das tendências ao “fim” da pesca artesanal”. A perspectiva declinante da pesca artesanal de que fala o pescador refere-se à evolução da precarização social dos pescadores artesanais, não apenas no Rio de Janeiro, mas no Brasil e no cenário internacional, onde suas territorialidades, vêm conflitando cada vez mais com os demais usos dos territórios, como o turismo, a pesca industrial, a alocação de empreendimentos, a criação de áreas protegidas, e a crescente poluição de estuários e rios. É interessante, todavia perceber, conforme mencionado anteriormente, que a pesca artesanal é ainda responsável pela maior parte da quantidade de pescado, denotando um processo de precarização e empobrecimentos individuais, mas de produção coletiva expressivamente para o conjunto da pesca.  Apesar da importância da pesca artesanal para o setor, o estímulo à aqüicultura tem se configurado como uma política de estado, em detrimento das políticas para a pesca artesanal. De fato, há um déficit da balança comercial

51

brasileira24 que vem crescendo nos n os últimos anos, ano s, e para o qual as políticas econômicas têm demonstrado como saída a valorização e o desenvolvimento da aqüicultura, em diversas escalas (CARDOSO, 2001; MENDONÇA &VALÊNCIO, 2008). Além disso, diante da questão da sobreexploração dos estoques pesqueiros relacionados normalmente à utilização de técnicas predatórias e/ou a baixa capacidade de fiscalização governamental, a aqüicultura tem sido interpretada como alternativa mais sustentável, que a atividade extrativista, em geral25.  Apesar de crescentemente presentes nos discursos de pescadores e lideranças da pesca, bem como da empresa, incentivos à aqüicultura pelas políticas públicas na Baía de Guanabara são praticamente inexistentes. Provavelmente porque, como será tratada adiante, a “vocação” da Baía de Guanabara para a qual caminha a sua gestão desestimule a produção de pescado em suas águas, e induza ou deseje a transformação do contingente de pescadores em outras categorias profissionais. Não nos parece crível, entretanto, como se percebe em algumas interpretações nativas, a existência de uma intencionalidade em se acabar com a pesca artesanal da Baía de Guanabara, afinal mesmo para os governos, as formas mercantis simples da pesca artesanal representam situações em que parte da população pode se reproduzir. Entretanto, para os atores econômicos que tem se apropriado de espaços consideráveis da Baía de Guanabara, como as 24

 A balança comercial brasileira entre 2008 e 2009 teve seu déficit d éficit aumentado em 24% no volume financeiro e em 16% em quantidade. A análise da balança comercial do pescado nos últimos anos evidencia a tendência de déficits comerciais repetidos que se processam desde 2006, após cinco anos seguidos de superávits su perávits (2001 a 2005). Esta tendência, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (2009) decorre de uma conjunção de alguns vários fatores, dentre eles uma produção ainda insuficiente, mais voltada para suprir a demanda interna que tem crescido nos últimos anos, conforme o estudo divulgado pelo Ministério da Pesca e Aqüicultura (MPA) denominado “Consumo Per Capita Aparente de Pescado no Brasil 19961996 -2009”. De um consumo individual anual de 7,58 kg em 1996 passou-se a 9,03 kg/ano em 2009. (MPA, 2009) 25  A aqüicultura aqüicultura,, ou a “revolução “revolução azul” – em – em  Segundo Sachs ( apud  TURECK  TURECK e OLIVEIRA, 2003) A

oposição à “revolução verde” (preocupada em produzir grandes safras, porém despreocupada com a qualidade dos alimentos)  –,  –, vista em todas as suas dimensões como a cultura de plantas aquáticas, criação de peixes e animais em água doce, lagoas e mares, mares, em substituição à “caça” ao peixe, pode ser importante ferramenta para impulsionar o desenvolvimento sustentável (SACHS, 1986).

52

empresas de gás e petróleo, parece que de uma pretensa a-funcionalidade inicial, os pescadores sobretudo quando mais organizados politicamente passam a se tornar disfuncionais para os projetos modernizantes de empresas e governos. Por ocasião de reuniões e outros fóruns, em que se discutem as condições atuais e o futuro da pesca na região é cada vez mais comum surgirem discursos de fomento a outras atividades ligadas à vida marinha, em substituição à pesca realizada nos moldes tradicionais. No espaço da mesa de diálogos PetrobrasPescadores, surgida com o anúncio da instalação dos empreendimentos na Baía de Guanabara, três dos projetos aprovados e financiados pela empresa: o “Mangue Vivo”, o “Baía Limpa”, e o “Curso Moço de Convés” tratavam, no caso dos dois primeiros, da utilização da mão de obra e dos meios de produção da pesca em atividades de cunho propriamente ambiental: o plantio de mudas de mangue e a limpeza do lixo flutuante na Baía de Guanabara, e o terceiro, destinava-se prioritariamente à nova geração da pesca, os filhos e netos de pescadores, em estímulo à construção alternativa de formação profissional “moderna”, no âmbito da industria naval e do petróleo. Todo esse processo de modernização da pesca sugere nos debates públicos sobre a pesca artesanal exercida na Baía de Guanabara, a noção de uma profissão em declínio, “fora de lugar”, para a qual é necessário fomentarem -se saídas, alternativas de renda, sobretudo, para os mais novos, de modo que sua reprodução social seja estancada. O discurso dos grupos hegemônicos, no geral, apresenta-se assim sob uma dupla face: por um lado, reconhecem a importância consensual da tradição, e de projetos que promovam sua reprodução, por outro, indicam a necessidade de se produzirem alternativas econômicas modernizantes para aqueles grupos inseridos numa atividade produtiva que parece perder sentido na moderna Baía de Guanabara que se construir. Essa dupla face fica clara no relato do representante da empresa na audiência pública do COMPERJ no município de Guapimirim: Nesse momento, nós temos essa linha de ação, não poluir os rios, melhorar o estoque pesqueiro através do investimento maciço nas unidades de conservação ou que produzem a pesca e melhorar a

53

comercialização da pesca. Assim a gente tenta manter a atratividade da atividade econômica da pesca, mas deixamos bem dito, se qualquer pessoa que hoje está na pesca, filhos de pescadores quiserem ir pro Centro de Integração e abraçar outras profissões serão muito bem vindos. Nós só queremos que vocês venham para o Centro de Integração por opção e não por falta de opção. (RODRIGO PIO, Representante Petrobras, Audiência Pública COMPERJ, em Itaboraí.)

Esses discursos não surgem em um vácuo de sentido, mas refletem representações sociais mais amplas da sociedade local, acerca da vocação, do estado e das possibilidades de uso da Baía de Guanabara. Uma pesquisa realizada pelo ISER 26 após o derramamento de óleo de 2000, sobre a percepção da população acerca dos efeitos do acidente nas atividades econômicas da baía, concluiu que para a maioria dos entrevistados, a população que vive dos recursos da Baía de Guanabara, já possui uma atividade econômica decadente, independentemente do derramamento recente. Para o senso comum da população carioca, que sequer imagina que boa parte do pescado que consome é proveniente da Baía de Guanabara, representações de que “o peixe” e “o pescador estão acabando” estão disseminadas e são confirmadas nas falas dos pescadores. Nessas representações sobre o futuro da pesca na Baía de Guanabara, há espaço para projetos que estimulem a mudança de profissão, projetos em geral de modernização da pesca artesanal, bem como para ações de proteção à sua tradição, reservadas, sobretudo em seu aspecto cultural mais aparente, mas espetaculoso. Dessa forma tradição, pertencimento, modernização e precarização se amalgamam como mensagens que indicam, ao mesmo tempo, a importância cultural dos pescadores e a necessidade de constituição e preservação de seus direitos, mas também o papel deslocado de suas atividades na degradada, complexa e urbano-industrial Baía de Guanabara. O discurso da conservação, tanto aquele referente à tradição cultural, quanto o que se refere ao meio ambiente, aplicados à pesca artesanal tem demonstrado a força da união de categorias e imagens cara aos movimentos 26

 Ver em Mattos & Drummond (2005).

54

sociais. Essa aproximação, realizada pelos próprios movimentos de pescadores, por outros movimentos sociais, como o movimento de justiça ambiental, teve como desdobramento, no plano das instituições governamentais, a constituição do IBAMA como órgão responsável pela gestão da pesca. Para Cardoso (2001), entretanto a aproximação das políticas pesqueiras com as questões ambientais ocorreu na mesma medida em que se afastou de outras esferas, como a economia pesqueira. Os pescadores em geral reclamam de o IBAMA ter se tornado apenas um órgão da fiscalização, o principal representante do estado a exercer o poder de polícia sobre os pescadores, apreendendo materiais e aplicando multas em suas atividades de fiscalização. Essa tensão entre os dois “campos”, o ambiental e o da economia da pesca encontra-se presente no interior de cada ação política dos pescadores na Baía de Guanabara. Em certa medida, a distinção entre os dois campos corresponde a distinção que será tratada a frente, entre posicionamentos e estratégias políticas dos dois grupos principais da pesca: as colônias de pesca e as associações de pesca.

2.2. Um pouco de história  A Baia de d e Guanabara Guan abara é uma região de grande importância histórica h istórica para a pesca e os pescadores do Brasil. Desde o período colonial, colonial, pescadores portugueses vieram ao Brasil e se “fixaram na área do Caju, desenvolvendo a primeira colônia de pesca brasileira” (AMADOR, 1997, p. 300). A baia desde cedo se tornara palco de relevantes inovações técnicas da pesca, onde a contribuição de portugueses e espanhóis em relação às suas artes foi significativa 27.  Eles 5

introduziram técnicas como a rede de cerco e o arrasto de portas na região da Baia de Guanabara. Além de sua tradição, a “piscosidade” da baía e a proximidade com a cidade do Rio de Janeiro contribuíram para o desenvolvimento 27

 A influência dos estrangeiros, principalmente de portugueses e espanhóis, nas artes da pesca nacional não foi idiossincrática à Baía de Guanabara, mas um padrão de desenvolvimento na formação das diversas “culturas pesqueiras” do litoral do país, entre elas: a do jangadeirojangadeiro - no litoral nordestino; a do caiçara – caiçara  – no  no litoral entre o Rio de Janeiro e São Paulo; e do açoriano – açoriano  – no  no litoral de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul (DIEGUES, 1999).

55

da pesca no entorno, onde se formaram diversos núcleos pesqueiros (BERNADES, 1958). Algumas dessas comunidades pesqueiras se localizavam em plena área urbana, como na ponta do Caju e na Praça XV de Novembro. Outras estavam distribuídas ao longo de praias e ilhas no interior da baia  –   –  Ilha do Governador, de Jurujuba, de Maria Angu, de Inhaúma e de São Gonçalo (BERNARDES, 1958). Portugueses da região da cidade do Porto, mais especificamente de Póvoa de Varzim 28, denominados poveiros, foram os primeiros pescadores do nosso litoral a se aventurar no mar aberto, fazendo com que se especializassem na pesca de linha ao largo. Este grupo se instalou, principalmente na Praça XV, e em Jurujuba, tornando-se proporcionalmente mais numerosos nestas duas localidades (VIANA, 2009). Os núcleos de pescadores de Paquetá, Ilha do Governador, Piedade, Magé, Maria Angu, e Inhaúma dedicavam-se à pesca na baia e nas desembocaduras dos rios que nela deságuam, utilizando aparelhos direcionados principalmente para a captura do camarão, como a tarrafa, puçá, balão 29, rede de arrasto, e até mesmo currais  –   –  apesar de proibidos na época. Já aqueles mais próximos das zonas urbanas, como Jurujuba, Ilha da Conceição, São Gonçalo e Ponta do caju destacavam-se pelas atividades de pesca do camarão na Baia  – e  – e de traineiras, ao largo. Passaram grande crescimento com a expansão da pesca da sardinha pelas traineiras, sobretudo pelo aumento paulatino da potência dos barcos e do tamanho das redes. Dentre estes núcleos, destaca-se a ponta do Caju, como principal centro de difusão de tecnologia de captura. A comunidade encontrava-se em plena área urbana do Rio de janeiro, sendo formada por elevada parcela de portugueses ou filhos de portugueses, espanhóis e, em menor número, brasileiros  –   –  vindos principalmente do Espírito Santo. Um exemplo da importância do Caju para a pesca fluminense se reflete na quantidade comercializada em 1956. Foi registrada 28

 Póvoa de Varzim é uma cidade portuguesa do distrito do Porto, Região Norte e sub-região do Grande Porto. Cidade conhecida dentre outros pela tradição na pesca e pela culinária, tornou-se o principal porto de pesca do Norte de Portugal no século XVIII. 29  Típico da Guanabara, permaneceu como importante método utilizado durante a primeira metade do século XX. Propiciava rendimento muito superior ao puçá e outras técnicas (VIANA, 2009)

56

a venda de 329.221.700 kg de camarão para o centro do Rio de Janeiro, desconsiderando o realizado diretamente aos comerciantes do mercado ou a outros fregueses (BERNARDES, 1958). Além do camarão, o Caju foi o principal ponto das traineiras da Baía de Guanabara que se dedicavam à pesca da sardinha.  A sardinha, que, até o final do século XIX, não tinha importância econômica,  já no início do século XX, se transformou na espécie mais rentável, exatamente quando a atividade pesqueira assumia uma escala comercial de grande importância. Seus principais pesqueiros no estado do Rio de Janeiro concentravam-se na Ilha Grande e na Baía de Guanabara. Para a pesca dessa espécie se utilizava uma grande rede de cerco chamada traina, que acabou por nomear este modelo de embarcação como traineira.  Atualmente, a sardinha boca-torta boca -torta é a principal pr incipal espécie de pescado da Baía de Guanabara, sendo desenvolvida pelas poucas traineiras existentes em seu interior. Em estudo realizado por JABLONSKY et. al. (2001, 2002 e 2006), a pesca realizada para fins industriais no interior da Baia de Guanabara, especificamente da espécie sardinha boca-torta, foi contabilizada em 12 toneladas, tendo sido mantida essa média durante o ano 2000. Nesse estudo, contabilizou-se para a pesca artesanal, que essencialmente captura uma maior variedade de peixes, um total de aproximadamente 6000 toneladas. Com a criação do entreposto de pesca da praça XV em 1938 e as facilidades de implantação de fábricas de sardinha em conserva, a pesca de traineiras se modernizou, passando por progressivas melhorias na motorização e equipamentos de apoio. Este processo resultou numa diminuição dos barcos a remo, que predominavam até os anos 30. Nesta década, foram fundadas duas fábricas de enlatamento de pescado em São Gonçalo: a Rubi (em 1934) e a Coqueiro, em 1937. Este incentivo às empresas de processamento de pescado indica, como será observado a frente, que já existiam políticas de desenvolvimento da atividade pesqueira, e por outro lado, definia a posição “marginal”, na qual as

57

políticas públicas existentes relegavam os pescadores “não modernizados” dos barcos a remo30.  Atualmente coexistem na baía pelo menos seis diferentes "sistemas" pesqueiros, incluindo a pesca da sardinha boca-torta e savelha, com destinação industrial; as diferentes pescarias artesanais, voltadas para a tainha, corvina, bagre, espada, parati e outros peixes, envolvendo a maior parte do contingente de barcos e pescadores e a totalidade dos currais; a pesca do camarão, com sazonalidade bem marcada, entre setembro e janeiro; a coleta do caranguejo nos manguezais; a pesca do siri, com o auxílio de puçás, visando ao processamento pelas "descarnadeiras" e, finalmente, a coleta de mexilhões, nos costões rochosos da baía oceânica, também direcionada ao processamento. Com o fim do entreposto de pesca da praça XV, em 1991, o desembarque e a comercialização do pescado produzido sofreu grande pulverização e dispersão.  A partir desta época, os pontos de desembarque passaram a ser realizados de forma geralmente precária sem fiscalização ou condição de trabalho adequada. Boa parte de seus pescados passou a ser realizada no CEASA, em Irajá, causando dificuldades de locomoção para os pescadores das canoas que, por isso, passaram a depender ainda mais dos atravessadores, figuras entendidas em algumas representações nativas como um dos responsáveis pelo estado de pobreza do pescador comum, e para outras, como um “mal necessário”a compensar a desordem da pesca. Os pescadores artesanais, maioria do universo pesqueiro na Baía de Guanabara, pescam utilizando pequenas e médias embarcações motorizadas, ou a remo, e aparelhos de pesca com pequena e moderada sofisticação tecnológica, tais como redes de arrasto, cerco e espera, caniço e linha-de-mão. Os desembarques de uma importante produção pesqueira ocorrem ao longo de toda

30

  Na década de 70, (DUARTE, 1999, p.57) afirmava acerca das representações sobre os pescadores de canoas: “Além de representado como „antigo‟, o regime da produção em canoas é também pensado hoje como”remanescente”, como „marginal‟, designando-se designando -se dessa forma a percepção de uma crescente inviabilidade de sua reprodução, por oposição ao dinamismo, à expansão experimentada e exposta pela produção em traineiras.

58

a orla da baía, em pelo menos 42 comunidades pesqueiras (JABLOSNKI et. al., 2002). Nota-se que as comunidades situadas no interior da baía, caracterizadas por uma pesca artesanal bem marcante, são aquelas que utilizam artes mais diversificadas (Gradim, Itaoca, Mauá, Ilha do Governador). As comunidades situadas nas área mais poluídas (Ramos e Caju) exibem o menor número de artes de pesca utilizadas, operadas principalmente fora da baía. Comunidades da margem oriental da baía (Jurujuba e Ilha da Conceição) são dedicadas a uma pesca comercial, ainda que em modelo artesanal. As comunidades de Copacabana e Itaipu são consideradas da área de abrangência da Baía de Guanabara, por situarem-se nas duas extremidades de sua zona estuarina; contudo, as artes de pesca utilizadas caracterizam uma pesca oceânica e de característica cada vez mais recreativa.

2.3. Dados e controvérsias  A primeira pr imeira constatação ao pesquisar-se pesquisar -se sobre s obre pesca pes ca e pescadores na Baía de Guanabara é a insuficiência e precariedade dos dados acerca do trabalhador e seu meio. Poucos pesquisadores e projetos de pesquisa se debruçaram sobre sua realidade. Embora os poucos estudos existentes reflita uma situação mais geral da pesca artesanal do Brasil (SILVANO, 2004), chama a atenção o contraste desta ausência com a importância da produção de pescado em termos da Baía de Guanabara. A produção total de pescados descarregada na baía, no período de abril de 2001 a março de 2002, foi estimada em cerca de 19 mil toneladas, das quais 6 mil foram realizadas pelos pescadores artesanais (JABLONSKI,  AZEVEDO & MOREIRA, 2006). A produção da Baía de Guanabara compõe portanto mais de 30 % da produção estimada para o Estado do Rio de Janeiro, que teve, entre 2002 e 2006, por média anual 62 mil toneladas. Além da importância econômica para o setor da pesca no Rio de Janeiro, o protagonismo da Baía de Guanabara na história da pesca nacional não perecem combinar com o desinteresse científico, sobretudo quando confrontamo-lo com a proximidade da

59

baia com as mais importantes universidades e institutos de pesquisa da metrópole.  À quase inexistência de estudos complementa-se controvérsias dos dados existentes acerca dos números de pescadores, quantidade de pescado, pontos de desembarque e comercialização. Tais controvérsias, como será observado a frente,

representam mais do que que problemas metodológicos metodológicos ou relativos a

inferências científicas nos trabalhos existentes, mas disputas acirradas entre grupos sociais acerca da importância social da pesca na Baía de Guanabara, dos elementos de sua tradição, com efeitos esperados sobre a responsabilização pelo estado do setor atual e sobre a gestão ambiental. Em laudo técnico feito no ano de 2000 após o acidente com o oleoduto da Petrobras, o IBAMA (2003) estimou que a Baía da Guanabara produzia 1300 toneladas anuais de pescados capturados de forma artesanal. Porém, a equipe coordenada pelo biólogo Silvio Jablonski, do Departamento de Oceanografia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), contabilizou uma produção artesanal de 6300 toneladas entre abril de 2001 e março de 2002. Segundo Jablonski (2006), essa disparidade se deveu à forma como o IBAMA e a equipe da UERJ monitoravam os pontos de desembarque de pescado na baía. Enquanto o IBAMA se restringiu a apenas 2 pontos, a pesquisa abrangeu 32. Os coletores de dados contratados para o estudo pertenciam às próprias comunidades de cada região analisada, o que teria ajudado a reunir informações confiáveis sobre os locais onde a pesca artesanal predomina. Esse estudo pioneiro foi realizado por iniciativa da Fundação de Estudos do Mar (FEMAR), com recursos provenientes da multa paga pela Petrobras ao Ibama devido ao vazamento de óleo. Foram coletados dados sistemáticos sobre a pesca na baía para determinar o número de pescadores e embarcações em atividade, bem como a quantidade e valor do pescado. A pesca com fins industriais (sardinha boca-torta) já vinha sendo contabilizada à parte pelo IBAMA, e não diferiu da encontrada por Jablonski (12 mil toneladas, em média). De fato, a pesca realizada nos moldes artesanais é pouco conhecida e regulada no âmbito das políticas públicas se comparada à pesca industrial. Apesar

60

da existência de uma legislação antiga e complexa de regulamentação da atividade da pesca, de extensão aos pescadores dos direitos trabalhistas, os pescadores artesanais são coletividades ainda pouco conhecidas no Brasil, onde grande parte dos dados disponíveis encontram-se em fontes secundárias, como teses e relatórios não publicados (SILVANO, 2004). Estes pescadores sequer são considerados nos planos de manejo pesqueiro (BEGOSSI, 2004; DIEGUES, 1999).  A ausência de estudos significativos (observe-se que os dados mais recentes resultaram do aporte financeiro da empresa após o acidente de óleo de 2000 e estudos regulares r egulares não vêm sendo realizados desde então 31)  e as controvérsias sobre quem e quantos são esses pescadores artesanais, e que importância econômica detém esse subsetor da economia, fornecem elementos relevantes para se pensar as condições sociais dos pescadores e da pesca artesanal na Baía de Guanabara. O desconhecimento deste setor por parte do Estado, bem como a ausência de políticas públicas direcionadas para esses grupos parece indicar dentre outros elementos o desprestígio social e econômico da categoria. Há uma grande dissonância com relação ao número de pescadores em atividade na Baía de Guanabara. Geralmente os números mais conservadores, como os apresentados apre sentados pelo IBAMA (2002) e nas estatísticas e statísticas da SEAP, estão baseados em estimativas e no cadastro voluntário destes atores. Números mais expressivos, por sua vez, associam-se aos dados disponibilizados pelas organizações locais (Colônias e Associações) e regionais (federação e

31

Essa afirmação não é de todo verdadeira. Há décadas são elaboradas pelo poder público estatísticas oficiais da pesca em todo o território nacional (MPA, 2009). Todavia, os dados estatísticos refletem problemas metodológicos, em virtude dentre outros da unidade territorial de análise ser baseada nas divisões político-adiministrativas federativas (regiões, estados, e municípios) e não nas localidades da pesca. No caso da pesca artesanal, a abordagem das localidades é essencial para seu conhecimento mais refinado. Os pescadores da Baía de Guanabara por exemplo, compõem os dados estatísticos de cada um dos municípios a que pertencem, e portanto para se inferir a quantidade de pescado e pescadores em seu interior, há que se cruzar os dados dos municípios que a circundam e pressupor um quantum proveniente do interior da Baía. Nesse sentido, provavelmente comunidades pesqueiras tradicionais da região oceânica de Niterói comporão os dados como se incluídos no interior da Baia de Guanabara. Diante dessas imprecisões, os estudos realizados por Jablosnki. (2006) tem sido há quase uma década referência única de quantificação da pesca artesanal na Baía de Guanabara. Ver Rodrigues (2009); Viana (2009) entre outros.

61

confederação) de pesca. Os relatórios mais recentes foram originados nos estudos de impacto ambiental de empreendimentos da Petrobrás.  Atualmente, existem cinco colônias de pescadores na Baía de Guanabara que estão situadas em locais tradicionais de pesca e desembarque de pescadores.

Colônias de Pesca Z8 Z9 Z10 Z11 Z12

Localidade Jurujuba; Ponta da Areia; Praia Grande; Ilha da Conceição; Gradin; Itaoca e Itambi Magé Ilha do Governador Ramos Caju

 A título de exemplo, segundo a HABTEC, 2001 ( apud   LIMA, 2004) o número total de pescadores existentes na Baia de Guanabara no ano de 1997 era da ordem de 18.600 pessoas:

Colônia de Pescadores Z-08 - Jurujuba Z-09 - Mauá Z-10 – Z-10 – Ilha  Ilha do Governador  Z-11 – Z-11 – Ramos  Ramos Z- 12 - Caju TOTAL

Pescadores registrados 7066 300 400 500 2700 10966

Pescadores não-registrados 4000 120 500 1500 1500 7620

Posteriormente, em 2000, a própria Habtec, empresa que realizou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do duto PE# - Ilha D´agua / REDUC em 06/07/2001, atualizou esses dados (LIMA, 2004) a partir dos dados fornecidos pela Federação de Pescadores do Estado do Rio de Janeiro. Com a ressalva da própria federação de que para cada pescador registrado existiriam três sem nenhum tipo de registro. Quanto às embarcações a federação estima que apenas 40 % dos barcos possuem registro. Pescadores

Embarcações

62

Colônia de Pescadores Z-08 – Z-08 – Jurujuba  Jurujuba Z-09 – Z-09 – Mauá  Mauá Z-10 – Z-10 – Ilha  Ilha do Governador  Z-11 – Z-11 – Ramos  Ramos Z- 12 – 12 – Caju  Caju TOTAL

11112 1066 1346 1320 5400 22244

4012 264 642 249 290 5457

Fonte: Federação de Pescadores do Estado do Rio de Janeiro, Abril de 2001

Fala-se atualmente em cerca de 22 mil pescadores artesanais, organizados em 5 colônias. O desencontro dos dados oficiais é objeto de intensa disputa por interesses. Quanto mais pescadores existentes, maior a responsabilidade de órgãos e empresas como a Petrobrás em relação à exclusão das áreas da pesca. Os litígios iniciados há mais de dez anos pelas Colônias de Pesca demandando o pagamento de indenizações aos pescadores filiados pela Petrobras, responsável pelo derramamento de óleo de 2000, têm como causa principal de seu atravancamento no âmbito da justiça a indefinição do número de pescadores que foram impactados. A Federação das Colônias de Pesca solicita indenizações para 22 mil pescadores, enquanto a empresa, baseada em dados oficiais, especialmente um estudo realizado pelo IBAMA, advoga a responsabilização por cerca de 3 mil pescadores, conforme insta-se no texto t exto “Baia de Guanabara: carta ao Jornal O DIA” do blog da Petrobras, denominado “Fatos e Dados” : Sobre indenizações a pescadores, a Petrobras não questiona a reparação aos mesmos, mas reforça que a quantidade de pescadores à época do vazamento era 3.339, de acordo com o Ibama (órgão oficial responsável pelo cadastramento destes profissionais à época do acidente), e que o período indenizatório deve ser de 32 dias (período de suspensão da pesca na Baía da Guanabara). A ação da Federação dos Pescadores do Rio de Janeiro (Feperj) reivindica pagamento para 20.517 pescadores, incluindo os cadastrados na Feperj após a ocorrência do vazamento. O processo está em curso no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ainda não há decisão definitiva.(PETROBRAS, 2010)

 As controvérsias dos dados tanto no que tange ao quantitativo de pescadores quanto no que tange ao grau de transformação e degradação ambientais após o acidente de 2000, expostas no relato acima, representam

63

disputas entre os grupos sociais que ocorrem sob o terreno das verdades científicas, muito comuns no campo ambiental e sobretudo no campo do direito ambiental32. Nessa seara, o papel da universidade tem se reproduzido de forma ambígua, manifestando os próprios embates sociais acerca da gestão ambiental, e de suas forças tanto para a preservação quanto para a degradação ambientais, como enuncia Moraes (2002, p.46): Este processo expressa com clareza o paradoxo enunciado: em alguns locais a pesquisa universitária articula-se diretamente com as demandas do Estado e com projetos das grandes corporações, em outros se erguem verdadeiras cidadelas da luta ambientalista.

Tais embates acerca da veracidade dos dados para a reparação de danos tem tido como efeito imediato o emperramento das decisões definitivas nos litígios ambientais levados à arena judicial 33. Não é por acaso, que desde os primeiros contatos iniciados entre os pescadores e a empresa quando do anúncio em 2006 das instalações do COMPERJ e os empreendimentos correlatos na Baia de Guanabara, os representantes das colônias de pesca tenham solicitado recursos financeiros para a realização de um “censo da pesca” e dos pescadores na região, a ser realizado pela UERJ, enfatizando que esse é tema prioritário para quaisquer projetos que tratem sobre pesca na Baía de Guanabara . 32

 O trabalho de Leite & Ayala (2004) demonstra a dificuldade atual de operacionalização do direito ambiental na “sociedade de risco”, que se mantém a um nível tecnicista, por meio de comportamentos juridicamente vinculados a esquemas de racionalidade regulatória e fundados em juízos de certeza, determinação absoluta e previsibilidade. 33 Viegas (2007) descreve um caso relativo à CSN, em que o Ministério Público requereu junto a essa empresa a formulação de EIA/RIMA visando averiguar possível contaminação de metais pesados nas águas do Rio Paraíba do Sul. Após realizado, o estudo foi encaminhado à FEEMA, que corroborou o conteúdo e resultado do mesmo e afirmou que a empresa estava dentro dos parâmetros de emissão de substâncias em corpo hídrico estabelecido pela lei. Todavia, após uma série de denúncias quanto à insalubridade do rio, a ALERJ (Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro) solicitou a COPPE/UFRJ que realizasse análise dos efluentes lançados pela CSN. O resultado apontou para a presença de metais pesados muito além dos padrões legais. Esse estudo foi encaminhado para o Ministério Público Federal e comparado com o realizado pela empresa. Depois de examinados, constatou-se que a empresa, para realização de seus estudos de impacto, tinha utilizado como parâmetro uma tabela holandesa de limite de emissão de metais pesados, que era bem menos rigorosa que a brasileira. O caso está parado até hoje nas prateleiras do MPF, sem resolução.

64

2.4.Questões de identidade  A atividade pesqueira na Baía de Guanabara é realizada majoritariamente de maneira artesanal, a maior parte dos pescadores dessas comunidades utiliza barco a remo e alguns, motores de baixa potência, sem meios de conservação do pescado, utilizando como principais petrechos de pesca as redes, garatéias e espinhel. A comercialização se dá prioritariamente por terceiros que se dirigem aos locais de desembarque, pois os pescadores não possuem meios de conservação da produção, sendo submetidos a venda a preços baixos. Seguindo classificação de Diegues(1999), os pescadores artesanais são aqueles que autônomos, sozinhos ou em parcerias, participam diretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração é feita pelo sistema tradicional da divisão da produção em partes, sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado. A organização da produção artesanal se faz basicamente por dois sistemas: o de “quinhão” ou “partes” e o de “aviamento”. Da pesca, retiram a maior parte de sua renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares.  A questão das atividades complementares à pesca, embora, a princípio, apresenta-se na formulação do autor como não problemática, na Baia de Guanabara tem se mostrado um elemento central nas disputas internas aos grupos de pescadores. Essas questões surgem quando representantes de posições políticas variadas como aquelas que transitam na clivagem política mais basal entre associações e colônias de pesca questionam à capacidade de outros representantes “em falar em nome do pescador”. Dessa forma, como será visto à frente, representantes das colônias acusam representantes de associações de não serem pescadores, e vice-e-versa. No entanto, em face da precarização do trabalho na pesca é cada vez mais comum pescadores, sobretudo os mais novos se empenharem em outras atividades. Na pesquisa realizada por Giuliani et.al. (2005), da qual participamos, 64 % (sessenta e quatro por cento) dos pescadores entrevistados que atuam junto

65

à Área de Proteção Ambiental de Guapimirim desempenhavam outra profissão além da pesca e/ou a captura de caranguejos: Uma boa parte dos pescadores acumula, com a pesca e a captura de caranguejos, uma série de outras atividades, principalmente em trabalhos temporários e ocasionais como “biscates”, na construção civil, na venda de caranguejos e pescados, na coleta de garrafas PET, entre outras. (p.38)  A situação de moradia desses pescadores é extremamente precária. prec ária. Muitas antigas vilas de pescadores tornaram-se ambientes de moradias suburbanas, ou dito no senso comum, constituída de favelas. Por ocasião de nossa pesquisa por duas vezes nos foi “solicitado” não utilizar câmera fotográfica e mesmo o gravador de voz. Tratava-se Tratava-se do “gerente” da Comunidade Comunidade Marcílio Dias, que freqüentemente encontrava-se no bar em frente ao porto, junto de seus colegas pescadores, alguns dos quais provavelmente devem ter crescido juntos dele. Na região de Magé (RJ), Chaves & Sant‟anna (2003) realizaram (2003) realizaram avaliações em processos de trabalho e vida dos pescadores, tendo mostrado casos de agravo à saúde, inclusive mortes, com doenças de veiculação hídrica e de vetores, e transtornos mentais. Para os autores, as ocorrências acidentárias se devem basicamente às questões econômicas e de total desamparo a que essa categoria se encontra. Alexandre Anderson, um dos informantes desta pesquisa, diz ser patente que a precariedade do trabalho e os resultados econômicos da pesca para os pescadores individuais tem levado a um problema de “saúde pública”. Rosa & Mattos (2010) que traçaram o perfil de parte dos pescadores e catadores existentes na Baía de Guanabara, sobretudo aqueles localizados ao fundo da Baía, concluíram seu trabalho com o seguinte:  A pesca na Baía de Guanabara resiste apesar da intensa degradação e esses trabalhadores precisam de um esforço maior para compensar a diminuição do pescado e do caranguejo no mangue. Para isso, além de uma longa jornada de trabalho para conseguir o máximo de aproveitamento no mar ou no mangue, eles recorrem a outras atividades para buscar a sobrevivência.

66

São atividades informais, como "bicos", que complementam a renda desses trabalhadores da pesca. A realidade dura do dia a dia muitas das vezes não é recompensada, pois nem sempre se consegue pescar algo ou o suficiente para pagar o óleo e o gelo utilizados. São trabalhadores que não têm um horário definido para pescar. Eles sofrem com a precariedade do trabalho informal, sem garantias e sem direitos. Para 25% da amostra, o sonho é ter carteira assinada e, dessa forma, ter mais segurança, comprar a prazo, poder se afastar quando estiver doente ou acidentado.

Em estudo realizado junto aos pescadores e catadores de caranguejo atuantes na APA Guapimirim, Giuliani   et.al.  (2005) descrevem que a grande maioria dos entrevistados (CERCA DE 75%) têm baixa escolaridade, próxima dos níveis de analfabetismo, cerca de 75 por cento da amostra. Há indícios de uma alta taxa de mortalidade, na infância e na adolescência, entre filhos de pescadores da Baía de Guanabara. A maior parte dos filhos freqüentam a escola, mas a partir da idade aproximada de 11 anos passam a ajudar seus pais nas atividades de pesca e captura de caranguejos. Filhos e filhas representam assim, um reservatório de aprendizes que levará boa parte deles a seguir na ocupação dos pais. Apesar de aparecer constantemente, nos discursos dos pescadores, o desejo de que seus filhos não sigam a profissão, em virtude do sofrimento contínuo e crescente, a pesca não deixa de se apresentar como uma alternativa de renda a que populações nesta situação não podem abdicar por completo.

2.5. Questões de representação política: colônias de pesca, associações e sindicato Variados estudos sobre pesca e pescadores afirmam o “problema” ou “déficit” de representatividade representatividade política das colônias de pesca (ESTERCI, 2002). Em geral, tais estudos relacionam quatro elementos em cadeia para essa situação “a“a-política”. O primeiro baseia-se baseia -se na constatação de um déficit, na história do país, de mobilização por profissionais da pesca, se comparados a outros setores da economia..Por conseguinte, relaciona-se esse déficit ao processo histórico de

67

organização dos pescadores, tutelados desde o início pelo poder estatal. A criação em 1912 das colônias de pesca (Lei 2.544) e sua disseminação pela costa brasileira34  representavam um intento de organização do grupo de pescadores para exercer funções de Estado, prioritariamente para servir à defesa nacional. Como terceira constatação, são comuns relatos de pescadores de diversas regiões do país sobre a inércia das colônias de pesca nas lutas pelos interesses dos pescadores, em virtude de sua não-representatividade, especialmente em virtude de uma espécie de “oligarquização” de seus representantes, muitos dos quais são donos de barcos, armadores, e outros que ocupam cargos de direção e não trabalham diretamente na pesca. O quarto elemento a que tais estudos se referem é o do difícil papel burocrático-legal das colônias como instâncias intermediárias entre o pescador e o Estado, e, portanto das dificuldades inscritas na própria natureza das colônias, que funcionariam como uma espécie de um órgão público e representante político dos pescadores. Muitas colônias de pesca, entretanto passaram por importantes transformações em suas composições e sistemas de representação em virtude do movimento político da pesca em âmbito nacional, iniciado nos anos 70. Nota-se, preliminarmente, o protagonismo dos pescadores do norte e nordeste brasileiros, nesse processo, em virtude do trabalho desenvolvido pela Pastoral dos Pescadores durante os anos 70, em plena ditadura militar. Na história recente do movimento dos pescadores, a Constituinte da Pesca pode ser considerado um marco que deu visibilidade à categoria e alavancou os processos recentes de sua organização A Constituinte surgiu como decorrência da IV Assembléia Nacional dos Pescadores, em 1984, onde pescadores e agentes pastorais, vinculados à Comissão Pastoral da Pesca e técnicos do Centro Josué de Castro, discutiram a necessidade de transformação do Sistema de Representação da Categoria. Este movimento mobilizou pescadores de todo o país, visando incluir seus direitos na Nova Constituição.

34

Em 1920, o Ministério da Marinha promoveu a instalação de mais mil colônias no litoral brasileiro

68

 À época do lançamento da Constituinte da Pesca, o Presidente da Confederação Nacional dos Pescadores, como nos anos precedentes, era indicado pelo Ministro da Agricultura. Ocorre que nos ventos da Nova República, este presidente, ainda que nomeado pelo novo ministro, foi indicado pelos pescadores, estando comprometido com os anseios da categoria e formalizando o processo de convocação da Comissão Nacional Constituinte da Pesca em meados de 1985 (CARDOSO, 2001).  Apesar das dificuldades, o movimento da Constituinte da Pesca logrou expandir às Colônias de Pescadores os mesmo princípios que regem os sindicatos urbanos, a partir da inclusão do parágrafo único, do artigo 8º da Constituição Federal aprovada em 1988. Dentre eles a livre associação, não interferência do poder público, autonomia, unicidade sindical entre outros, marcando legalmente o fim da tutela sobre as Colônias de Pescadores. A conquista na Constituinte que deu direito à livre associação, propiciou um boom de criação de associações em centenas de municípios pelo país e sindicatos propriamente ditos. Segundo Cardoso (2001), o fato de coexistirem colônias, sindicatos e associações tem gerado atritos na representação legal dos pescadores e interferido diretamente em questões como financiamentos, parcerias, entre outras, sendo, porém predominantes as colônias de pescadores como parte do sistema de representação oficial da categoria. Os pescadores da Baía de Guanabara são divididos em cinco colônias, aproximadamente trinta associações e no recente Sindicato da Pesca do Estado do Rio de janeiro, criado por lideranças de pesca da Baía de Guanabara. A composição dessas entidades e seu caráter representativo têm fortes correlações com o processo mais geral indicado acima, mas também possui uma estruturação e processo próprio, que são fundamentais para se compreender os conflitos e as ações de confronto atuais com a empresa Petrobras. Das cinco colônias de pesca na Baía de Guanabara, atualmente duas tem uma estrutura física e gerencial mais bem organizadas e atuantes. Tratam-se das colônias Z8 e Z9, respectivamente nas localidades de Niterói e Magé. A Colônia de Pesca Z12, no Caju, em sua maioria representativa de donos de embarcações

69

de tipo traineira, as embarcações “maiores”, “não“não -artesanais”, e a Colônia Z11 em Ramos, encontram-se sem sede ou corpo burocrático próprios, sendo as suas funções burocrático-administrativas realizadas diretamente entre os pescadores e a Confederação das colônias de Pesca do Rio de Janeiro, com sede em Niterói.  As associações de pesca correspondem corresp ondem a formas de representação política po lítica dos agrupamentos de pescadores existentes em diferentes pontos geográficos ao redor da Baía de Guanabara. Tratam-se das unidades denominadas pelos próprios atores como “comunidades de pesca”, que compartilham vizinhança, história e cultura locais. Frequentemente compõem bairros e sub-bairros, “localidades” reconhecidas como de pescadores, e localizadas á beira da Baía.  As comunidades pesqueiras são tão antigas quanto à pesca na Baía de Guanabara, porém a formação das associações de pesca é um processo recente na região. Com algumas exceções, sobretudo daquelas associações criadas anteriormente como associações de bairro ou de moradores, a grande maioria das associações de pesca na Baía de Guanabara foi criada na década de 2000. Segundo os relatos de dois presidentes de Colônias, uma das explicações para o boom de associações associa ções criadas a partir de 2000, teria sido a movimentação política ocasionada após o derramamento de óleo da Petrobras, naquele mesmo ano, e as possibilidades de captação de recursos provindos dos projetos de responsabilidade social e ambiental da empresa, que na última década indica ter investido a ordem de 450 milhões de reais, distribuídos em 470 projetos (PETROBRAS, 2010) para o monitoramento e recuperação ambiental e o desenvolvimento das comunidades afetadas. Na Baia de Guanabara, como em outras regiões do país, são comuns reclamações

de

inúmeros

pescadores

acerca

da

inércia

e

falta

de

comprometimento político das Colônias de Pesca. Quanto a representatividade política, as colônias têm eleições regulares, apesar do baixo comparecimento de votantes. Há questionamentos públicos acerca das manutenções e nãorotatividade dos presidentes eleitos. Sobretudo, na presidência da Federação das Colônias (Fepesca) e na Colônia Z 8, seus presidentes mantêm-se nos cargos desde meados da década de 90, há mais de quinze anos.

70

Cotejando as reclamações e reivindicações dos pescadores comuns a que se teve contato no âmbito desta pesquisa com as atuações públicas dos representantes das colônias de pesca, em especial das colônias Z8 e Z9, não parece que seus presidentes atuem de forma discricionária, ou não exerçam de maneira mais ou menos razoável o papel de representantes dos pescadores de suas regiões. Pelo contrário, nos espaços públicos, entre fóruns e audiências públicas, como o Conselho Gestor da APA Guapimirim, observam-se tais representantes como porta-vozes eloqüentes, inflamados, muitas vezes como vozes dissonantes, no campo dos debates públicos sobre a gestão ambiental da Baía de Guanabara. Mas então porque sua legitimidade enquanto representação de classe é constantemente questionada entre os pescadores e líderes de associação de pesca? Variadas causas poderiam contribuir para uma resposta plausível, entretanto, segundo o que se observa em boa parte dos relatos de pescadores, parece tratar-se menos de um processo de d e “cartelização”35 promovido pelos presidentes de federação e colônias, mas reflexos de condições estruturais das colônias de pesca em suas relações com os pescadores representados e as instâncias do Estado.  As colônias de pesca têm uma atuação institucional, obedecendo a regras formais criadas pelo Estado para o seu funcionamento e para o reconhecimento dos pescadores como profissionais. Para os pescadores serem reconhecidos enquanto categoria profissional, eles precisam estar inscritos na Colônia, e quites com suas obrigações. À colônia recorrem para garantia de benefícios constantes na legislação trabalhista ou para obter financiamentos bancários. É por intermédio dela que eles cumprem uma série de obrigações com outras instituições, sobretudo estatais, relativas ao exercício da profissão. É, em suma, enquanto entidade de representação de classe, um canal institucional de ligação com o Estado e com a sociedade civil. Conforme enuncia FURTADO (1993), na relação

35

 Expressão utilizada por antropóloga responsável pelo Laudo Técnico solicitado pelo Ministério Público Federal acerca da representatividade da Associação Associação Homens do Mar em detrimento da situação das colônias de pesca.

71

que os pescadores mantêm com a colônia, estão mantendo indiretamente relações com o Estado:

É o conflito velado entre pescadores e as lideranças oficiais da pesca, que pode ser entendido como um conflito entre pescadores e Estado uma vez que tais lideranças são os instrumentos de ação das políticas oficiais para a pesca, em seus vários níveis: da pesca artesanal à industrial. Estas lideranças são representadas (1º) pelos dirigentes das Colônias de Pescadores, instaladas em cada região que o órgão central, a nível estadual  –   –  a Federação das Colônias de Pescadores – Pescadores – elege como “áreas pesqueiras” e (2º) pelos dirigentes desta Federação a qual, junto com suas congêneres estaduais, é centralizada pela Confederação Nacional dos Pescadores  – CNP,  – CNP, com sede em Brasília (FURTADO: 1993, p. 409).

Estando a colônia voltada a uma relação de formalismo com o Estado e denotando ao pescador uma certa noção de direito individual, sua relação com os pescadores assume características parecidas às de contrato estabelecidas pelo Estado liberal junto aos cidadãos, individualizando-os e dificultando a autoidentificação dos mesmos com a entidade enquanto um fórum de participação e de luta por direitos coletivos.  As colônias se dividem assim numa dupla e difícil função, numa espécie de braço da organização burocrática estatal e de representante política dos interesses dos pescadores locais. Essas instituições dependem assim de estruturas físicas, corpo de funcionários etc. e do pagamento mensal de seus associados. E, uma vez que a colônia é oficialmente a ponte entre Estado e pescadores e já que a colônia se coloca como órgão representante apenas dos pescadores associados, o resultado é que apenas estes são considerados pelo governo. Como para o Estado pescador é “aquele que está registrado no órgão competente” (a colônia), “de acordo com as normas em vigor” (pagamento das mensalidades em dia) (Decreto-Lei nº 221, de 28/02/1967) e, portanto, só esse poderá ser atendido pelas políticas e benefícios direcionados ao segmento, coloca-se que pescador é aquele que contribui para a colônia, nos termos oficiais (BILATE: 2002, p. 43

apud SOUZA, 2005 )

72

Particularmente as colônias de pesca da Baía de Guanabara passaram a ser mais intensamente questionadas, por ocasião do acidente de óleo de 2000, quando ingressaram num processo litigioso, cujo autor principal foi a Federação de Pesca do Estado. Apesar de terem recebido julgamentos favoráveis nas duas primeiras instâncias, o processo vem se arrastando nos últimos dez anos, por motivos que serão tratados a frente. No entanto, alguns pescadores de forma individualizada ganharam indenizações, aumentando os questionamentos sobre a eficiência das colônias. Nessa difícil tarefa das colônias, entre institucionalização, burocratização e representação coletiva, as associações de pesca locais têm desempenhado um papel de maior proximidade junto aos pescadores locais. Todavia, suas capacidades organizacionais deficitárias têm as mantido dentro de um limitado espectro de ações. Para os presidentes de colônias, a liberdade de associações tem promovido uma pulverização das estratégias da categoria, dividindo-os, e, muitas vezes, contrapondo-os em termos de estratégias e objetivos de luta. Esta situação tende ainda a causar conflitos entre as entidades, na medida em que legalmente não se pode haver duplicidade de representação em um mesmo município. No caso dos pescadores da Baía de Guanabara, tais conflitos desembocaram num processo judicial acerca da legitimidade de representação de uma recente associação (criada em 2007), associação essa que tem emergido no espaço de representações políticas da categoria de forma inovadora, pois, diferenciada tanto em respeito ao conjunto das associações de pesca da região, estritamente locais e bairristas, quanto ao conjunto das colônias, mais distanciadas do pescador , em virtude de sua dupla função mencionada acima. Essa associação, a Associação Homens do Mar, chamou a atenção pública para os conflitos vivenciados pelos Pescadores na Baía de Guanabara em movimentos de protesto realizados em abril de 2009. Com barricadas e piquetes, aproximadamente quarenta embarcações se dispuseram a frente da construção das obras de construção do duto de gás GLP pela Petrobrás e, obstruíram as

73

obras realizadas pelo Consórcio GLP  –   –  Submarino (formado pelas empreiteiras GDK S.A e Oceânica Engenharia Submarina). A paralisação durou mais de 40 dias. Conferiu visibilidade nacional e internacional ao conflito, movimentando diversos atores sociais, que se solidarizaram e passaram a reconhecer legítima a luta dos pescadores de Magé, um movimento de base popular sob o objetivo de proteção à baía de Guanabara e à pesca artesnala realizada em suas águas.  A Associação Homens do Mar realizou esse feito com o apoio de mais cinco associações de pescadores da Baía de Guanabara e de outros atores no processo, dentre os quais a Associação de ONGs ambientalistas do Estado do Rio de Janeiro (APEDEMA). Os elementos dessa luta e de sua visibilização serão tratados no capitulo 4. Por ora, cabe dizer que, no campo da pesca na Baia de Guanabara, se havia um conflito e desconfianças mutuas entre associações e colônias de pesca, as primeiras ainda não haviam alcançado o status e importância conferida às segundas.  As manifestações promovidas pela Associação Homens do Mar possibilitaram um processo de construção de uma nova instância de representação dos pescadores da Baia e Guanabara. Sua eficácia, para além das estruturas de mobilização utilizadas baseou-se em sua capacidade de transpor localismos, angariando o apoio de pescadores de outras regiões da Baía de Guanabara, de outras associações e até mesmo de uma colônia de pesca (Z11).  A evolução do movimento, iniciado nas barricadas promovidas pela AHOMAR, corresponde a boa parte do trabalho de campo desenvolvido nesta tese.  Atualmente, os mesmos grupos ligados à entidade constituíram o primeiro Sindicato da Pesca do Estado do Rio de Janeiro (SINDPESCA), sob o intuito de consolidar a representação global dos pescadores, para além da região da Baía de Guanabara, incluindo, como afirmara uma de suas lideranças: “outros pescadores, pescadores, outras realidades, e outros conflitos“. Os aspectos de sua inovação, bem como da cisão em termos de representação e ações coletivas promovidas nos últimos anos, nos debates e discussões acerca da pesca na Baía de Guanabara, será devidamente abordado no capítulo 5. Por hora, serão tratadas menos as dissensões no campo político da

74

pesca, mas o elemento comum, que unifica pescadores e suas instâncias de representação: as condições de degradação ambiental da Baía de Guanabara.

2.6- O problema “objetivo” da degradação e o impacto diferenciado para os pescadores É senso comum a extrema degradação das condições ambientais da Baía de Guanabara. Sua representação é relacionada a palavras como “poluída”, “perdida”, “fétida”, “que vai acabar” dentre outros. O discurso disc urso oficial, difundido pela mídia, reconhece seu estado de “degradação terminal” (AMADOR, 1997). Essas representações habitam as consciências dos moradores das cidades, dos peritos e mesmo dos pescadores. Como será tratado a frente, as imagens da “baía perdida” perdida” são superpostas às imagens da “baia de todas as belezas”, da “baía sustentável”, e refletem também as disputas acerca dos projetos dos diferentes grupos sociais pela sua determinação. Aqui, todavia, importa descrever a degradação desse estuário que em maior ou menor medida, com apropriações diferenciadas, atinge a todos os atores sociais que compartilham seus usos. Obviamente que, desses distintos usos, e maneiras de se perceber e atuar na Baía de Guanabara, os atores sociais objeto desta tese, são aqueles que certamente vivenciam a degradação ambiental de forma mais dramática em seus cotidianos. Segundo Batista Neto ( apud   RODRIGUES, 2009) a Baia de Guanabara pode ser considerada um dos ambientes costeiros mais poluídos do Brasil. São muitos os impactos decorrentes da industrialização, do adensamento populacional e da precariedade da gestão ambiental. Borges ( apud   RODRIGUES 2009) destaca o aporte de efluentes domésticos e rejeitos industriais; o desmatamento da vegetação de manguezal para extração de madeira, aterros; ocupação desordenada de terras públicas e derramamentos de óleo, como importantes agentes na evolução do declínio ambiental da Baia de Guanabara. Outros importantes impactos descritos na literatura são decorrentes: a) dos aterros estima-se que a Baía de Guanabara já tenha perdido 80 km 2, com destaque para

75

as construções da Avenida Brasil, Linha Vermelha e do Parque do Flamengo; b)esgoto: a falta de uma rede coletora e de tratamento capaz de suprir a demanda existentes, faz com que a BG receba uma quantidade extraordinária de matéria orgânica, na ordem de 453 t por dia (PDRHBG, 2005); C) resíduos sólidos: a produção de resíduos sólidos alcança a ordem de 13 000 toneladas por dia (PDRHBG, 2005); D) escoamento artificial: as chuvas acarretam no transporte de inúmeros poluentes, através do escoamento superficial urbano, dentre eles os hidrocarbonetos derivados do petróleo, que são solúveis em água, e possuem grande potencial carcinogênico (MELLO, 2001; HOFFMAN, 1984

apud 

RODRIGUES, 2009; e) assoreamento: as taxas de sedimentação da baía são dez vezes superiores às taxas apresentadas a 3 anos atrás (AMADOR, 1996); f) altas taxas de poluição industrial. O líquido que sai diariamente dos lixões para a baía (chorume) é algo próximo a 800 litros. A perda pe rda de profundidade e a diminuição do espelho d‟água (assoreamento) é algo alarmante. Os aterros e obras de macrodrenagem, que mudam o curso original dos rios, são os maiores responsáveis por esse problema. Estima-se que a Baía de Guanabara perca cerca de 5 cm de profundidade/ano. A maior parte de sua lâmina d‟água mede aproximadamente 7,5 metros chegando, em determinados pontos, a 3 metros. A degradação dos manguezais originais é também considerada pelos bi´[ologos uma das causas desse problema e, nos dias de hoje restam 80 km2 de manguezais para 260 km2 em 1500 (LEAL, 1998).  A região da Baía de Guanabara abriga o segundo maior parque industrial do Brasil, com cerca de 14 mil indústrias. Segundo Wambier apud Giuliani (2007), das centenas de empresas que estão instaladas no entorno da baía, quinze delas foram consideradas pela Fundação Estadual de Engenharia de Meio Ambiente (Feema) como do nível mais alto no grau de perigo, por armazenarem grandes quantidades de produtos químicos tóxicos e inflamáveis e por serem potenciais causadoras de acidentes ambientais muito graves, como explosões, vazamentos de gases ou de produtos químicos altamente tóxicos. Entre as empresas mais poluidoras encontram-se a REDUC (Refinaria de Duque de Caxias) que despeja uma carga orgânica ao dia de 1274 kg, a Cibrapel (Indústria de papel de

76

Guapimirim), com 900 kg por dia, a Petroflex (localizada em Duque de Caxias), com 676 kg/dia, a Sul atlântico (processamento de pescado  – localizada  – localizada em São Gonçalo), com 382 kg/dia (CIBG, 2008, apud  RODRIGUES,  RODRIGUES, 2009) No último século, a Baía de Guanabara perdeu cerca de 20% de sua superfície de água. Ilhas, praias, pequenas baias internas, lagos e rios foram preenchidos, aterrados, alterando drasticamente os fluxos de água. Menos de trinta por cento dos manguezais originais permanecem hoje, e isso mina a capacidade da Baía de filtro de resíduos orgânicos para oferecer proteção à reprodução de sua fauna. Os impactos dessa perda na pesca realizada na baía ainda não foram avaliados. Além disso, a população que habita a bacia da Baia de Guanabara aumentou de cerca de 400.000 em 1875 para mais de 7.000.000 em 1975, resultando na taxa incrível de 465 toneladas de esgoto sem tratamento na maior parte da alta diária, em 1999 (SEDREZ, 2004).  A degradação da Baía de Guanabara é sistêmica. Os pescadores que vivem dos seus recursos fazem parte desse sistema e estão de certa forma adaptados a ele. Como na experiência descrita por Guatarri(1990) em que Alain Bombard, na TV Francesa, retirou um polvo vivo, animado, de um recipiente com água proveniente do porto de Marselha e o colocou em outro, com água “normal”, e que neste, para surpresa de todos, o animal se debateu e morreu encarquilhado, a pesca e os pescadores participam, mais ou menos adaptados, do sistema ambiental degradado da Baia de Guanabara. Rodrigues(2009), em seu estudo sobre um modelo de gestão para a pesca em pequena escala diante dessa realidade se colocou a pergunta, pertinente em virtude das representações sociais acerca do estado de degradação da Baía de Guanabara: “ainda há espaço para a pesca artesanal da Baía de Guanabara?”. Em sua resposta, ele afirmava que: “Sim, existe. Talvez existe.  Talvez seja difícil acreditar, mas é um fato. Embora o senso comum estranhe, ou até mesmo desconheça, a Baía de Guanabara mantém uma produção importante, tanto no que tange ao volume de pescado desembarcado (19.000 toneladas entre 2001 e 2002), quanto ao número de pescadores envolvidos com a atividade (entre 3000 e 18000)‟.

77

Obviamente, sob inúmeros problemas. A pesca na Baía de Guanabara, quase totalmente de pequena escala, feita com pequenos barcos a motor e a remo, vivencia de forma mais direta a degradação ambiental, sobretudo em virtude de sua baixa mobilidade geográfica. Os elementos da poluição não se apresentam de forma indiscriminada para esses grupos, mas obedecem a uma classificação diferenciada, que tem como importantes critérios, entre outros, as dificuldades causadas para a captura dos peixes, o efeito de diminuição da quantidade e qualidade do pescado, e os problemas de mobilidade geográfica. Dentre os problemas de mobilidade que participam com efeitos diretos na oferta de peixes, pode-se distinguir o crescente assoreamento de rios e canais e do próprio corpo da baía. Por isso são comuns reivindicações centradas na necessidade do desassoreamento de canais e rios que deságuam na baía, em fóruns, encontros e reuniões dos quais participam os pescadores. O lixo orgânico, proveniente dos vazadouros e dos esgotos doméstico e industrial, é considerado como uns dos maiores problemas da poluição, especialmente para os sistemas peritos, bem como pelas populações usuárias das praias, que reconhecem e confiam nos primeiros e nos índices frequentemente negativos de balneabilidade das praias da Baía de Guanabara que publicam. Essa poluição, não representa, entretanto, um grave problema segundo a interpretação dos pescadores, em virtude de sua baixa visibilidade e de se configurar na interpretação de alguns como “comida para peixe” 36. O lixo sólido é de grande visibilidade para os pescadores, que, em seus pequenos barcos, se situam tão próximos do espelho d‟água. Influi diretamente sobre as pescarias, danificando os aparelhos de pesca ou atrasando os necessários deslocamentos. É freqüente ter que se parar, desligar o motor, e retirar lixos lixos que emperram as hélices dos motores de popa, ou de centro. O “Baía Limpa”, um dos projetos financiados pela Petrobras, foi idealizado pelas lideranças de pesca da Colônia Z8 para atuar exatamente nesse problema, que é o mais visível para pescadores e população em geral. 36

Nas palavras do presidente da Federação de Pesca do Estado do Rio de Janeiro.

78

 As fontes ligadas aos constantes derramamentos de óleo, não apenas os acidentais e de grande proporção, mas aqueles freqüentes, porque sistêmicos, configuram em suas interpretações o grande problema relacionado as freqüentes mortandades de peixes e ao sumiço de algumas espécies antes comuns. Particularmente, o grande derramamento de óleo de 2000 é percebido nas representações comuns, como um “divisor de águas” no estado de degradação da baía, sobretudo no que tange à reprodução da maioria das espécies de peixes. As lutas pela sua significação social também são centrais nos conflitos aqui analisados. Em seus relatos e declarações públicas, há evidente esforço de atualização da memória desse derramamento. Essa questão será devidamente abordada no próximo capítulo, em virtude de sua centralidade, nos discursos públicos dos pescadores, e na análise do conflito estabelecido com a empresa Petrobras.

79

Capítulo 3 A emergência dos confrontos políticos 3.1. Pescadores da Baía de Guanabara e o déficit de mobilização política Na década de 50, Emílio Willens ( apud   VILLAS BOAS, 2006, p. 55 ) discorreu sobre a história de Margarida, moça que vivia numa comunidade de pescadores caiçaras em Búzios, falava da vida, das perspectivas futuras e lembranças do passado, como se nada houvesse pra antes e depois. A falta de interesse da moça pelo passado, assim como a ausência de desejos e esperanças considerados “normais” para a sua idade, levou o autor a classificar o modo de vida de Margarida como como “vegetativo”. O autor se impressionara principalmente como pessoas do tipo de Margarida eram “incapazes de planejar qualquer mudança”. Quanto à atuação política, a trajetória dos pescadores no Brasil parece ter seguido uma linha apática, e assim foi representada pela literatura. Na década de 70, Pessanha (2003) designava como “opaca” a participação social e política dos pescadores no cenário nacional. De fato, apesar de pescadores terem participado de grandes revoltas no país  –   –  eles exerceram papel ativo na abolição da escravatura, na Revolta dos Cabanos e em outros momentos importantes da vida nacional (SILVA, 1988)  –   –  não há registros de movimentos políticos significativos iniciados pela classe de trabalhadores até o início dos anos 80 37.  A baixa incidência de mobilizações e confrontos políticos por parte dos pescadores é freqüentemente interpretada como resultado de uma relação paternalista entre o estado brasileiro e os pescadores mediante a organização de cima para baixo de suas instituições organizativas: colônias, federações e confederação. “Cobertos” como o eram pelo manto protetor do estado desde seus primórdios, afirma Pessanha (2003, p. 17), os pescadores organizados a partir das 37

Há registros de movimentos políticos importantes importantes dos quais os pescadores participaram, todavia, nesses casos suas reivindicações não tratavam de aspectos típicos da categoria profissional. Protestos mais significativos em respeito à questões da categoria não se encontram facilmente nos registros. Há casos isolados como o espetaculoso raid  reivindicatório dos pescadores artesanais urbanos da praia de Iracema, em Fortaleza- Ceará, que partiram em uma  jangada de piúba, com destino a capital da República, dando visibilidade aos problemas enfrentados pela categoria em plena ditadura do Estado Novo, Governo de Getúlio Vargas, nos anos de 1941 e 1942. Essa aventura da Jangada “São Pedro”, como ficou conhecida, foi refeita refeita e registrada em uma segunda vez pelas lentes do cineasta Orson Orson Welles, filme: “it's all true. Ver ABREU A BREU (2007).

80

colônias (instâncias de representação e mediações entre o estado e os trabalhadores individualizados) foram disciplinados e desde os primórdios entendidos como “servidores da pátria”.  A virada deste processo pr ocesso é iniciada a partir dos trabalhos trab alhos desenvolvidos pela Pastoral dos Pescadores ainda nos anos 70 em pleno período ditatorial, que deram início a mobilização dos pescadores, sobretudo do Nordeste e Norte do país. A Constituinte da Pesca 38 é normalmente considerada o marco principal que deu visibilidade à categoria e alavancou os processos recentes da organização dos pescadores. Surgida como decorrência da IV Assembléia Nacional dos pescadores, em 1984, onde pescadores, agentes pastorais vinculados à Comissão Pastoral dos Pescadores e técnicos do Centro Josué de Castro, discutiram a necessidade de transformação do Sistema de Representação da categoria. Dentre os seus principais resultados o movimento da constituinte da pesca logrou expandir aos pescadores os mesmos princípios que regem os sindicatos urbanos. Dentre eles a livre associação, a não interferência do poder público, autonomia, unicidade sindical, entre outros, marcando legalmente o fim da tutela sobre as Colônias de Pescadores. A Constituinte da Pesca também promoveu um novo movimento com vistas a ampliar a luta dos pescadores em nível nacional – nacional – o  o MONAPE – MONAPE – Movimento  Movimento Nacional dos Pescadores. O fim do regime militar e da repressão aos movimentos sociais desatou os nós que cingiam os processos, até então latentes, de mobilização. Conquanto essa espécie de “oxigenação” do ambiente político tenha ocorrido em todo o país (SANTOS, 2003), houve diferenças significativas regionais e entre grupos sociais.  A consolidação dessa virada organizativa dos pescadores em âmbito de um movimento nacional não correspondeu sincronicamente à transformação intencionadas nas localidades e no tipo de relação estabelecido com as colônias e os pescadores regionalizados.  Ainda que no pós-64 e durante as décadas seguintes, tenha ocorrido um fundamental avanço no movimento dos pescadores, a concentração das ações do 38

Para uma análise mais detalhada do processo da Constituinte, ver Cardoso(2001).

81

MONAPE, no norte e nordeste do País, e o fato de existirem mais de três quartos de colônias ainda a serem mobilizadas, demonstrou as dificuldades para a articulação de um movimento propriamente nacional de pescadores (MONAPE, 1996), dificuldade persistente até os dias atuais. Segundo Marcos do Rosário, liderança da pesca, um dos coordenadores do MONAPE durante a década de 1990, o movimento conseguiu ampliar a luta da categoria para vários estados, teve, porém, desde o início dificuldades de ampliar o movimento para o sul do país (CARDOSO, 2001). Por motivos não completamente claros, posto que não adequadamente estudados, o sul e sudeste do país têm de fato apresentado uma tímida participação nos movimentos mais propriamente políticos dos pescadores. Podese interpretar esse como mais um caso cas o de “insolidarismo social” à brasileira 39, isto é, a constatação de uma incapacidade, disposição ou interesse dos membros da sociedade brasileira em se associar uns aos outros, uma resistência irrefletida ao associativismo, normalmente interpretada como resultado da orquestração do sistema estatal, e seu ápice no governo populista de Vargas, que teria relegado diversos grupos de trabalhadores à “menoridade” e à “passividade política”. Mas, de fato, no que tange aos movimentos sociais dos pescadores, o sudeste do país não registrou a presença significativa dos grupos mediadores, instiladores de conscientização cívica e política como os que militavam nas camadas populares no meio rural do Nordeste e Norte do país, como os movimentos encampados e iniciados nas Pastorais (da terra, da pesca), nas comunidades eclesiais de base, a partir das alas mais progressistas da igreja católica que foram essenciais para a maior politização de grupos de trabalhadores locais. Se concordarmos com a análise que relaciona o paternalismo da autoridade do Estado sobre o conjunto dos pescadores, desde os seus primórdios, como a causa para o baixo índice de ações e movimentos políticos reivindicatórios de 39

 Contrariando a tese do insolidarismo, Evaristo de Morais Filho abre perspectiva de fortalecimento de segmentos da sociedade civil que, embora em atuação, foram abafados pela argumentação recorrente a respeito do protagonismo do Estado, concentrado na figura de Vargas, na concessão dos direitos dos trabalhadores. Os grupos profissionais existem e precedem qualquer “tentativa de regulamentação de suas atividades pelo pe lo Direito” –  –  eis em síntese o centro de seu argumento. Bohemy(2008).

82

pescadores (ESTERCI, 2002; PESSANHA, 2003), a gestão do setor pesqueiro na Baia de Guanabara, talvez tenha apresentado o modelo mais forte deste tipo de relação, sobretudo mediante a forte atuação institucional da Marinha. Sedrez (2004) demonstrou em seu trabalho sobre o processo histórico de gestão ambiental da Baía de Guanabara o papel fundamental e intenso da Marinha Brasileira, entre outras instituições, na gestão da Baía de Guanabara e na forte intervenção em seus usos, sobretudo em relação à navegação civil, a pescas e as pescarias. A partir de uma visão tradicional de defesa da Baía de Guanabara, que significava apenas proteger o território nacional de invasões de frotas estrangeiras, a Marinha passou a ser uma espécie de órgão administrador de tudo o que se passava no interior da baia, espécie de “polícia” institucional e especializada. Assim, além dos clássicos deveres de defesa, a Marinha também foi responsável por proteger e estimular a navegação civil, e, geralmente, aplicar a “lei” no interior interior da Baía de Guanabara.  A Marinha, em inícios do século XX, passou passo u a fomentar a navegação nave gação civil e a promover a indústria de pesca, monitorar a navegação e a aplicação dos regulamentos marítimos, oferecer assistência em naufrágios, atuar como força policial junto a embarcações e pescadores, decidir conflitos trabalhistas entre os pescadores, marinheiros e empresas navais, aprovar ou reprovar obras públicas ou privadas na orla costeira (decidindo se elas não interferiam nas práticas de navegação). Este poder levou a vários conflitos entre a Marinha e os municípios em torno da Baía de Guanabara, que tinham autoridade final sobre questões como a definição de impostos para a navegação interna, ou o licenciamento de pescadores profissionais. Em relação à pesca, a disputa comum ocorria entre ela e os municípios, que desejavam apropriar-se de terras valorizadas, ameaçando muitas vezes zonas tradicionais de reprodução de peixes. Mas na maior parte, os conflitos ocorriam em relação às técnicas de pesca, e esse fora um exemplo, onde a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro foi o centro da disputa. Para os municípios, os pescadores eram interpretados como possíveis fontes de renda, seja por trazer peixe para mercados ou através do pagamento de impostos. A Marinha lhes conferia um papel diferenciado, no qual os pescadores eram

83

concebidos como um recurso vital para a defesa do país por causa de seu conhecimento de primeira mão da costa, pelos seus recursos materiais (barcos de pesca), e formação profissional. Pescadores precisavam ser canalizados para essa estrutura nacional, organizada e precisavam também aprender técnicas modernas de pesca40. Localmente, o órgão da Marinha atuante fora desde meados do século XIX representado pela Capitania dos Portos. Criadas em 1846 sob a autoridade do Ministério da Marinha, mantiveram a maioria das suas tarefas após o nascimento do Republica. O capitão do porto foi basicamente um homem de carreira militar com várias tarefas. Ele atuou como árbitro de disputas de trabalho entre os profissionais do mar. Era responsável por monitorar a navegação e regulamentos aplicados à Marinha; oferecer assistência em naufrágios, e fiscalizar embarcações e pescadores. Para além das suas principais tarefas de policiamento e manutenção dos portos, é na Capitania dos portos que se registrava e ainda se registram as embarcações da pesca. Percebe-se, atualmente, como a memória dos pescadores mais antigos, sobretudo aqueles com uma ligação mais aproximada das colônias de pesca, interpreta ainda hoje o papel declinante da Marinha enquanto instância organizadora do setor, como uma das causas do abandono e da desorganização que tem enfrentado a pesca artesanal. Na Baía de Guanabara, a Marinha parece ter representado mais do que apenas o controle estatal de suas atividades, mas um “parceiro” no cenário político da gestão e conservação da Baía de Guana bara, se comparada à apropriação indiscriminada dos territórios de pesca, tal como os pescadores sentem nos dias de hoje. Naquela época a pesca era organizada. Naquele período a pesca era dirigida pela Marinha, pela Capitania dos Portos. Cada canoa nossa, tinha um capataz de marinha que vinha na nossa beira de praia, fazia o levantamento daquelas embarcações todas, encaminhava para registro 40

  A concretização do projeto de modernização sobre as técnicas dos pescadores artesanais ocorreu na década de 30 com a criação das escolas de pesca no estado de Pernambuco e Rio de Janeiro. Na Marambaia, é criada a Escola de Pesca Darci Vargas. Nela, seu idealizador, Levy Miranda, tinha como objetivo “tirar a pesca do seu primitivismo, modernizando -a” (PONDÉ apud MOTA, 2003)

84

na Marinha, depois trazia as plaquetazinhas de Marinha, de capitania dos portos, as plaquetinhas de alumínio. Pregava na popa da canoa direitinho. E aquilo tudo tinha um controle de Marinha. Então, a coisa era organizada. (Gilberto, pescador há 50 anos, Presidente da Colôn ia Z8).

 Além da organização organ ização e proteção, a Marinha durante grande parte do século sécu lo XX encerrou em sua sua atuação a sagrada representação da “lei” e a presença do Estado no espaço do mar. A Marinha, representava uma instância organizativa ligada a representações referidas ao mar, aos seus conhecimentos, seu símbolos, suas regras, em oposição aos da terra, portanto mais aproximada do universo perceptivo dos pescadores. Hoje o que há é um descaso muito grande pelo Estado, tanto o Estado município quanto o Estado federal. Hoje quando a gente vai discutir com o pessoal da APA [Guapimirim] por exemplo, eles dizem que não tem poder fora da APA, aí quando vamos discutir com o estado, o estado diz que isso aí é problema da SERLA. Aí vai na SERLA,é problema de não sei quem. Ninguém assume a responsabilidade, nem a APA Guapimirim assume, nem o IBAMA assume, nem o CHICO MENDES [ICMbio] assume, nem o INEA assume. Agora quando é pra prender pescador, todos eles prendem, pescador é predador, pescador que é poluidor, pescador que ta acabando com o estoque de tudo.

 A relação entre a Marinha e os pescadores na Baia de Guanabara é um tema que mereceria mais estudos, em prol de se produzir nuances mais ricas do fenômeno que é geralmente reificado, como sendo de relações paternalistas. Talvez uma das explicações para as baixas mobilizações na Baía de Guanabara se passe de fato entre outras coisas pela relação de proteção e controle dos pescadores pela instituição militar. É esperado ainda que, em suas águas, o controle do órgão de defesa militar tenha sido ainda mais ostensivo, na medida em que a Baia de Guanabara foi sede da Marinha de Guerra do Brasil, na capital da república. Todavia, seus efeitos positivos para os pescadores atualmente mais velhos eram sentidos na medida em que encerrava em uma instituição a “unicidade” do Estado, em contraposição à fragmentação percebida atualmente, atua lmente, e por outra, a importância do grupo militar partícipe também das representações e

85

associações ligadas ao universo universo “compartilhado do mar”. Universo esse que legitima toda uma elaboração ideológica da “diferença”, de oposição ao mundo da terra, que tende a unir nesse papel as situações díspares do trabalho marítimo,

investimentos simbólicos típicos das culturas litorâneas. (DUARTE,1999, p. 32).

3.2. A “ambientalização” da Guanabara e a invisibilização do Setor Pe squeiro

 A Baía de Guanabara, Gua nabara, e seu estado es tado de degradação compõem as a s atenções públicas e agendas políticas de longa data. Seus recursos, águas e beleza têm representado importantes elementos das agendas governamentais (SEDREZ, 2004). Atualmente, suas manchas de poluição, línguas negras e mortandade de peixes são constantemente veiculadas pela mídia local, e bem acompanhados os índices de balneabilidade de suas praias. O Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) criado no início da década de 90 tornou-se assunto público de grande circulação41  à época de sua apresentação, diferentemente do caso de outra baia, a de Sepetiba, vizinha à Guanabara, cujo Programa de Despoluição, lançado na mesma época foi praticamente desconhecido. Todos esses fenômenos sugerem grande visibilidade social para Baía de Guanabara, sobretudo no que tange às suas “belezas naturais” e a sua degradação proporcional. Se por um lado o “meio ambiente” da Baía de Guanabara é objeto de atenção social, o contingente de pescadores artesanais que sobrevive de seus recursos foi invisibilizado socialmente ao longo do tempo. Expressiva parcela dos pescadores permanece na informalidade das relações de trabalho, as políticas públicas para o setor são deficitárias, insuficientes, precárias; na cidade do Rio de Janeiro, a cidade mais populosa e importante das que circundam a baia, o universo da pesca da Baia de Guanabara que ainda podia ser visualizada no mercado de peixes da Praça XV, em inícios da década de 90, fechou as portas 41

“The plan was welcomed by Rio‟s residents as salvation of thei r beloved Guanabara Bay. From the most conservative politician to savvy street vendors, all were familiar with words such as despoluição (cleansing), meio ambiente (environment), and discussing the condition of Guanabara Bay was as popular as deciding who was to be the national soccer coach.” (SEDREZ, 2004, p.1)

86

para o mínimo contato entre o cidadão comum e o pescador.

Ironicamente, a

retirada do mercado de peixes da Praça XV ocorreu em virtude das obras de preparação para a UNCED 1992, a mais importante conferência internacional sobre Meio Ambiente, sugerindo a entrada em cena das preocupações ambientais com a Baía de Guanabara, e o concomitante abandono dos pescadores artesanais que então se invisibilizavam por completo. A conclusão similar chegou Sanchez (2000, p. 22), numa análise sobre os efeitos discriminatórios práticos  junto aos grupos sociais marginalizados na concepção do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara:

 A este grupo de muito pobres, irrelevantes para o mercado internacional porque quando muito conseguem se reproduzir, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara não conseguiu atingir. Dele faz parte não apenas os desempregados das indústrias e do poder público, como também os trabalhadores informais e os trabalhadores artesanais, entre os quais os pescadores, tradicionais elementos do mercado local e das atividades não predatórias, que hoje são as maiores vítimas da poluição da Baía de Guanabara.

Certamente, enquanto a Baía de Guanabara se tornava publicamente um problema ambiental, a definição do problema não incorporara automaticamente as demandas dos pescadores. Sabe-se que os recursos materiais, organizacionais e simbólicos disponíveis para um determinado grupo serão, ao menos parcialmente, responsáveis pelo sucesso de sua campanha para promover suas preocupações ao status  de problema social, em suma para atrair a atenção pública (FUKS, 2001). No capítulo anterior desta tese adventou-se em resumo que os recursos tanto políticos, quanto materiais e simbólicos desses atores eram de certo minorados para o estabelecimento de um embate sustentado contra governos e Petrobras. O que foi chamado como “condições prévias”, tanto as condições internas quanto as condições externas ao grupo, suas restrições sociais e políticas, não apresentavam um ambiente promissor para o estabelecimento de um confronto político sustentado. Muito pelo contrário, suas condições evoluíram

87

durante todo o século XX rumo à precarização continuada de suas atividades e a posterior marginalização de suas situações. Mas o que fez com que atores em situações de recursos políticos, organizacionais, e materiais minorados se empenhassem em atividades de resistência ou de confronto aberto com atores mais poderosos? O conceito de oportunidade política parece-nos servir bem neste caso, pois focaliza a mobilização de recursos externos ao grupo (TARROW, 2009, P. 106). São condições novas, aberturas políticas que propiciam a emergência dos primeiros confrontos entre Pescadores e Petrobrás na Baía de Guanabara. Tais condições são de variadas ordens e escalas. Elas vão, num plano macroestrutural, rumo à legitimação social fornecida pelos novos movimentos sociais, em especial, o movimento ambientalista e os movimentos baseados nas identidades tradicionais, como na consolidação de normativas, leis e regulamentos de cunho ambiental e de ampliação da participação social. Outros elementos podem ser acionados, como no caso da Petrobras, na crescente desvinculação entre empresas públicas e ideário nacionalista. Localmente as “condições internas”, também poderiam ser acionadas, onde as capacidades individuais de líderes políticos conseguem mobilizar pescadores comuns em atividades de manifestação e participação na construção de novas redes conectivas. Nesse processo, variados atores e parceiros passaram a colaborar e influir no processo de construção de um conflito público. Essas questões serão tratadas no desenvolvimento do trabalho, por ora, é fundamental para a compreensão da emergência e desenvolvimento da atuação política dos grupos de pescadores da Baía de Guanabara, o acontecimento que chamou atenção social, e forneceu visibilidade pública à situação particular de resistência dos pescadores: o acidente de óleo de 2000.

3.3. O derramamento de óleo de 2000: O grande evento catalizador Dentre todas as agressões sofridas pela Baía de Guanabara, o vazamento de óleo ocorrido em 18 de Janeiro de 2000 é considerado pelos pescadores

88

artesanais como o evento mais significativo, um “divisor de águas”, cuja memória é constantemente cultivada por eles. Outros estudos (GIULIANI et. al, 2005; PINTO; TORRES, 2010) constataram a centralidade do derramamento de óleo de 2000 na interpretação dos pescadores como o evento mais marcante para o escasseamento do peixe na Baía de Guanabara. Nos relatos dos pescadores frases desse tipo são constantes: “O peixe foi embora e “não voltou mais” (Pescador de Itambí, Itaboraí.) “Depois que derramou o óleo, acabou isso aqui.” (Pescador e catador de Caranguejo APA Guapimirim). “Ainda hoje pegapega -se óleo com a mão”... “Depois do derramamento de óleo sumiram: arraia, robalo, pampo e baibira.”

No dia 18 de Janeiro de 2000, 1,3 milhões de litros de combustível (tipo MF380) vazaram para a Baía de Guanabara após o rompimento do duto PE-II, que liga a REDUC ao terminal da ilha D‟Água. O vazamento começou uma da manhã e só foi percebido às cinco horas da manhã, pois os mecanismos de controle de fluxo do combustível bombeado também falharam (ACSERALD; MELLO, 2002). A extensão da mancha de óleo estimada para o dia 19 de Janeiro de 2000, um dia após o vazamento, se espalhara por uma área de 133,45 Km2, 34 % do espelho d‟água. Nos dias que se seguiram, a mancha de óleo se alastrou, chegando a atingir outras regiões da Baia, sobretudo as parte nordeste (Magé) e leste (São Gonçalo). De acordo com a publicação do Jornal do Brasil 27/01/2000, editorial cidade, pg. 22:

(...) sem radar para identificar o ponto exato do problema, e com seu pessoal ainda confuso pelo erro de um programa de computador utilizado

89

para evitar o bug do milênio, os técnicos da Petrobrás demoraram a perceber a anormalidade nas variações de temperatura, e o fluxo do produto no trajeto REDUC/DTSE – REDUC/DTSE – Ilha  Ilha do Governador (...).

O vazamento de óleo durou quatro horas e trinta e cinco minutos, tempo mais do que suficiente para produzir um enorme desastre ambiental. Para os pescadores a percepção foi imediata. O efeito da poluição foi logo sentido com a diminuição dos rendimentos das pescarias. Ocorreu uma redução significativa na quantidade da pesca, em decorrência do volume de peixes atingidos pela poluição, que adquiriram cheiro e sabor característicos. A comercialização do pescado

ficou

seriamente

comprometida,

comprometendo

não

apenas

pescadores, mas estabelecimentos comerciais, atravessadores, enfim toda a cadeia produtiva da pesca e do turismo existentes na Baía de Guanabara. O acidente foi destaque na imprensa internacional, em jornais dos EUA, Europa e nas emissoras de TV mundiais, como a CNN e a BBC inglesa, considerado como foi, um dos maiores desastres ambientais do país. Imagens de gaivotas embebidas de óleo se afixaram na memória coletiva nacional e internacional. A mancha de óleo não atingiu apenas praias, e mangues da Baía, mas atingira em cheio a imagem de um dos maiores cartões-postais, bem como a imagem da Petrobras, como empresa responsável.  A mídia ao expor o grave “crime ambiental” reunia informações sobre o utros utros derramamentos de óleo, muitos dos quais na Baía de Guanabara, enfraquecendo ainda mais a imagem da empresa, ao demonstrar que o “acidente”, era menos um evento fortuito, mas fruto de reincidências 42. LIMA (2004) que realizou um estudo detalhado das matérias jornalísticas logo após o desastre, descreve a luta discursiva em torno do acidente, que segundo ele, levou à imposição de “severos danos à imagem da Empresa”.

42

  O Jornal Folha de São Paulo, em sua versão On line de 23 de Junho de 2000, fez um retrospectiva dos principais vazamentos da Petrobrás nos últimos 25 anos (1975-2000). Jornal do Brasil publicou manchete manchete “ Sucessão de acidentes”, em 26/07/2000.

90

3.3.1 A constituição dos atores em conflito 3.3.1.1 A visibilização dos pescadores e suas demandas  Após o acidente, uma corrida cor rida dos do s pescadores pescado res se acirrava no n o sentido se ntido de se armarem em prol das compensações pela empresa. Algumas manifestações e barqueatas foram realizadas. Dentre as manifestações públicas ocorridas nas comunidades pesqueiras atingidas pelo vazamento de óleo na Baía, destacaramse: a reunião em frente ao prédio da empresa no centro do Rio de Janeiro; uma passeata de barco (barqueata), saindo do mercado de peixes São Pedro em Niterói e percorrendo a Baía; o fechamento da Rodovia que liga o Rio de Janeiro à Magé (BR 493) por aproximadamente 600 pescadores, durante parte da manhã e da tarde, causando transtornos à população.  Após o vazamento, seu “produto”, o peixe, foi alvo de discriminação em virtude dos temores de contaminação: efeito social e econômico mais longevo que a contaminação do pescado propriamente dita. Uma grande parte das associações de pescadores existentes hoje na Baía de Guanabara foram criadas após o acidente. Pela primeira vez, emergiam a partir de suas ainda parcas manifestações, os primeiros traços na constituição de atores sociais, apesar de toda a desarticulação inicial desses grupos que não detinham naquele momento histórico, técnicas apreendidas de atividade política. Suas condições como pescadores da Baía se tornavam mais públicas, sensibilizando a população em geral para a existência de um grande contingente de trabalhadores, que viviam dos recursos da Baía de Guanabara e da injustiça a eles imputada. De uma invisibilidade histórica (SEDREZ, 2004), naturalizada, desse setor, pelo Estado e empresas existentes ao redor da Baía, o derramamento de 2000 forneceu a oportunidade, mesmo que relativamente fugaz, para uma nova visibilização dos pescadores e de suas realidades cotidianas na Baia de Guanabara. Na arena da justiça, uma seqüência de litígios foi travada por eles. Os presidentes das cinco colônias realizaram uma reunião com os representantes da

91

Petrobrás. Conforme afirmou Gilberto “olho de vidro”, presidente à época da colônia Z8 em Niterói. Quando veio o vazamento, chamamos os advogados, fomos conversar com a Petrobras, baseado nessas conversas, o que ele falou pra nós: „dá o jeito de vocês, corre atrás‟. Aí foi onde nós corremos atrás e botamos eles na justiça. Nós tivemos várias reuniões com ele, pra amenizar o negócio, ver qual era a contrapartida que eles iam dar pras comunidades, mas não chegamos a consenso, porque eles começaram a dar dinheiro nas beira de praia, começou a dar cesta básica, aí nós fomos falar com eles: „vamos organizar, vamos conversar, convers ar, vocês tão dando cesta básica sem critério, a pessoas que não têm nada a ver, vamos fazer um acordo, mas eles já não queriam mais conversar e não fizemos um acordo, e então entramos na justiça. Ai a briga começou.

3.3.1.2 A Petrobras e a corporificação das agressões à Baía de Guanabara: a definição do “inimigo” comum

O derramamento de óleo de 2000 foi importante não apenas para a constituição dos pescadores, de sua formação como grupo reivindicatório, mas foi o evento que possibilitou a corporificação, na figura de uma empresa específia da agressão mais visível à Baia de Guanabara, e proporcionou assim, as condições para os grupos de pescadores se unirem em prol das compensações ambientais contra um agente específico. Esse argumento se ampara nas reflexões de Simmel (1983) acerca dos conflitos sociais. Segundo o autor, não é necessariamente favorável quando o oponente se encontra desorganizado e desarticulado, pois a negociação pode ser dificultada. Esse parece ser o caso em relação aos pescadores da Baía de Guanabara. A hipótese é a de que diante de tantas fontes de poluição (são 17 rios a montante como milhares de domicílios e empresas que a cortam), de exclusão de território (Marinha, e portos, etc.), grande movimentação e fundeamento de navios, um contingente de 14000 empresas ao redor do estuário, enfim, de uma precarização contínua das atividades da pesca na Baía de Guanabara, o acidente forneceu a possibilidade de agregação dos grupos de pescadores contra um ente, de grande porte, e vinculado ao Estado, uma empresa pública.

92

Com o acidente de 2000 a Baía de Guanabara ganhara a personalização de um inimigo comum, visto serem suas fontes de degradação inúmeras e multiformes, condição que dificultava ações mais eficazes de enfrentamento pelos grupos sociais atingidos. Mas o acidente, para se tornar esse evento catalisador de forças políticas em jogo na Baía de Guanabara, também ele dependeu de algumas condições estruturais que possibilitaram sua publicidade e seu caráter mobilizador. Rodrigues (2009) em sua pesquisa se pergunta o que levou o incidente ocorrido em 2000 a ser considerado pelos pescadores como o “pior de todos” que  já sucederam na Guanabara?” Guanabar a?” Sua pergunta é amparada ampara da pelo constatação de que o vazamento, embora tenha sido um dos mais trágicos no Brasil, não foi o maior vazamento acidental nem mesmo na Baía de Guanabara. Em março de 1975, apenas três meses depois de a agência FEEMA ter sido criada, o navio Tarik Ibn Ziyad encalhou durante a maré baixa no interior da Baía de Guanabara (SEDREZ, 2004; LIMA, 2009). O petroleiro carregava cerca de 104 mil toneladas de petróleo (31.408 litros), e cerca de 6.000 toneladas de óleo (1802 galões), galõe s), que vazaram. Incêndios eclodiram nos dias subseqüentes ao derramamento, manguezais e praias na costa oeste da Baía de Guanabara foram completamente atingidos pelo petróleo. A quantidade de óleo derramado alarmou a população, e a FEEMA colocou todo o seu esforço em desenvolvimento de soluções e criação de procedimentos para possíveis futuros derramamentos (SEDREZ, op. cit .) .)  A imprensa acompanhou a limpeza com cuidado, e a poluição na Baía de Guanabara foi discutida em todos os bares e círculos. A autora argumenta ainda, com base na análise de matérias da época, que, curiosamente, havia um certo orgulho disfarçado na Cidade. Após o naufrágio do Torrey Canyon em 1967 na Europa, e o derramamento do óleo em Santa Barbara, no Estados Unidos em 1969, a Baía de Guanabara, tinha entrado no mapa sofisticado de derramamentos de óleo (SEDREZ, op. cit .). .). Diante de toda a repercussão à época do acidente com o Tarik, impressiona como o episódio não é registrado na memória coletiva dos pescadores, nem

93

mesmo dos mais velhos. Por um lado, essa ordem de constatação provavelmente relaciona-se às características do universo de entrevistados na pesquisa: a grande maioria dos envolvidos nas atividades políticas de representação da pesca são relativamente jovens, com idades inferiores á 45 anos. Mas, ainda assim, a consulta de velhos pescadores, sobretudo os da ala oeste da Guanabara, área mais afetada pelo derramamento de 1975, demonstrou desconhecimento do ocorrido. Talvez seja interessante conjecturar algumas hipóteses para esse eclipsamento da memória social. Em primeiro lugar, a época era marcada pela ditadura militar, portanto indignações sociais não ganhavam automaticamente o espaço público. Com o fechamento político, havia também o olhar da população para a Petrobrás, que era no geral prontamente talvez um dos casos de maior orgulho nacionalista. Mas talvez o elemento mais importante fora a emergência da preservação ambiental como valor social, e todas as suas implicações legitimadoras e deslegitimadoras de práticas, apesar de colocada no contexto internacional, ainda era recente e no Brasil, deveras incipiente, para movimentar sensibilidades às agressões naturais como a que se vê nos dias atuais.  A despeito dessas hipóteses, por certo deslocadas num terreno do qual não se sabe praticamente nada, a não ser o fato ocorrido, e o seu esquecimento coletivo, visto não ser rememorado nem pelos pescadores mais antigos, interessa mais uma vez demonstrar como as configurações do presente possibilitaram um rol de oportunidades políticas sem as quais o tipo de confronto analisado nesta tese não se poderia encontrar. O derramamento de óleo de 1975, apesar de proporcionalmente maior e pretensamente mais desastroso em termos ambientais não ativou manifestações políticas, sobretudo por não haver um estrutura de oportunidades, isto é, condições sociais e políticas apropriadas para tal.  A reflexão sobre esse evento histórico serve para refletir nas condições sociais que tornaram o derramamento de óleo de 2000 tão central, sendo seus efeitos sociais, e provavelmente biofísicos, sentidos até os dias de hoje. Que condições sociais o tornaram o “divisor de águas” no histórico de poluição da Baia de Guanabara? Rodrigues (2009, p.50) aventa uma resposta:

94

Provavelmente, [a memória coletiva tende a atualizar o derramamento de 2000] em virtude do grande apelo ambiental dos dias atuais, divulgado maciçamente pela grande mídia, e pelo fato de que, desta vez, os pescadores conseguiram uma histórica vitória na justiça, que lhes garantiu o recebimento de indenização por danos morais pelo incidente (além de indenização por perdas materiais) Talvez esse último aspecto seja o mais relevante, posto que até o momento apenas alguns pescadores que aceitaram realizar acordos com a Petrobras receberam algum tipo de ressarcimento. De fato, os prejuízos econômicos e o empobrecimento das comunidades pesqueiras aumentaram a e xpectativa pelo recebimento da indenização, fala presente na fala cotidiana dos pescadores.

Rodrigues conjectura que a atualização do ocorrido em 2000, se deve em primeiro lugar em virtude das “novas” condições culturais, mais propriamente, à “ambientalização” da sociedade, e em segundo lugar, e talvez o elemento de maior peso, na expectativa de ganhos materiais efetivos para os grupos de pescadores empobrecidos da atualidade. Dessa forma, o autor trata aqui de duas ordens de condições, uma estrutural e outra conjectural, que possibilitaram a solidez memorial do acidente de 2000. Por um lado, a sociedade de 2000 era mais sensível ao clamor ambiental que a sociedade de 1975, e de outro, e, por conseguinte, essa era uma oportunidade para os pescadores que passaram a deter uma importante moeda de negociação de suas condições precarizadas. O questionamento de Rodrigues ( op. cit .), .), ao comparar os dois episódios na memória coletiva dos pescadores da Baía permite a reflexão sobre as condições sociais do surgimento dos confrontos políticos entre pescadores e Petrobrás na Baía de Guanabara, fazendo-se superar em certa medida a explicação monocausal da privação material impelida pelo derramamento de óleo de dutos da Empresa em 2000, e na conseqüente privação de suas bases de reprodução social. Sua análise, ao contrário, se detém nas construções ideológicas e numa visão do acidente como um evento, um “acontecimento” tanto material quanto simbólico, cuja imbricação, ao nosso ver, é fundamental para se entender a relação conflituosa e dialógica entre pescadores e Petrobrás na atualidade. Uma miríade de condições favoráveis ao surgimento do confronto político ultrapassa o aspecto da privação ambiental e material sofrida pelos pescadores, e

95

teve que ser procurada antes nas condições políticos estruturais que puderam transformar o evento do derramamento de óleo, ele mesmo em um divisor de águas. Como afirma Tarrow (2009) um exame superficial da história moderna mostra que o surgimento de confrontos não pode ser derivado exclusivamente da privação sofrida pelas pessoas ou da desorganização de suas sociedades. Essas pré-condições são muito mais duradouras do que os movimentos que elas favorecem. O histórico ambiental da Baía de Guanabara, com a precarização contínua da atividade de pesca fornecia há muito, motivos plausíveis ao surgimento de uma ação coletiva dos pescadores. Mas, o surgimento de um confronto, apesar de sua “base material” estar diretamente relacionado às privações e ameaças, ele só ganha existência social a partir do surgimento de oportunidades coletivas de ação política. Deve-se demarcar um dos efeitos, ao nosso ver, fundamentais para o processo de organização dos pescadores: a institucionalização e criminalização das agressões à Baía ganharam personalidade, em virtude da espetacularização do acidente.  A pesquisa realizada pelo ISER43, sobre a percepção do dano ambiental causado pelo derramamento de óleo (em janeiro de 2000), na baía de Guanabara, fornece informações relevantes para essa análise. A pesquisa comparou a percepção da população quanto à situação da baía antes e depois do derramamento. O resultado indica que as pessoas tiveram dificuldade em avaliar o dano, porque a baía de Guanabara já é vista como histórica e diariamente agredida. Ou seja, elas sabem que o problema agravou-se depois do acidente, mas estão convencidas também de que existem derramamentos diários, em menor proporção, mas igualmente graves. Outra questão levantada pela pesquisa do ISER diz respeito ao efeito do episódio sobre a atividade econômica no entorno da baía. Para a maioria dos entrevistados, a população que vive dos recursos

43

O ISER realizou um trabalho de pesquisa em função do acidente, encomendado pelo Semads.  Analisamos os dados a partir do texto de Drumond & Mattos Mattos (2004).

96

fornecidos pela Baía de Guanabara já tem uma atividade econômica decadente, independentemente do derramamento recente. Poder-se-ia a partir da pesquisa realizada pelo ISER, inferir então que o derramamento de óleo de 2000 não teve grande importância para pescadores e população em geral, invalidando nossa hipótese inicial. Todavia, se analisarmos esses dados pelo prisma dos embates discursivos, pode-se reafirmar-se a constatação da centralidade do derramamento de óleo para a luta dos pescadores da Baía. O que há de fato são “discursos” em disputa pela interpretação do evento. Em seminário realizado em Outubro de 2010, pela Empresa Petrobras, como produto final da mesa de negociação entre pescadores e Petrobras, diversas pesquisas sobre a fauna e flora da Baía, realizadas por variados pesquisadores, apresentaram resultados que confirmariam a “pureza”, a não contaminação de espécimes por hidrocarbonetos, após dez anos, contrariando dados e previsões alarmados pela imprensa à época do vazamento. Os pescadores rebateram na medida do possível essas informações em plenária. Embora pudesse ser observado uma espécie de consentimento e respeito às falas dos pescadores, percebia-se também um sentimento de deslegitimação quando comparadas, as imprecisões de seus relatos com os estudos especializados de pesquisadores das principais universidades públicas do estado. Além disso, em um evento promovido pela Petrobras, desconfianças seriam esperadas diante de discursos tanto da Petrobras, quanto originados pelos pescadores, ambos diretamente interessados. O trabalho de cientistas peritos entretanto parecia conferir aquele, já tantas vezes (d)enunciado ar de “neutralidade”. O int eressante, todavia, com esse exemplo, é perceber que os debates sobre a responsabilização da Petrobras pelo vazamento de 2000 persistem com grande atualidade. Como consta em recente declaração de representantes da empresa: Em relação ao artigo “Justiça lenta não é justiça”, de autoria do advogado Bernardo Cardoso de Oliveira, publicada no jornal O Dia nesta terça-feira (31/8), sobre o tema Baía de Guanabara, a Petrobras afirma que estudos com a participação de instituições

97

governamentais, científicas e acadêmicas nacionais e internacionais indicaram que 30 dias após o acidente na Baía de Guanabara, ocorrido em janeiro de 2000, já não havia efeitos do vazamento de óleo. óleo . Na ocasião do derrame, a Petrobras agiu rapidamente. Esta resposta imediata foi essencial para minimizar o alcance dos impactos.

 A pesquisa realizada pelo ISER sobre a percepção percepç ão da população em geral, acerca da baía, tem corroborado em parte nossa hipótese inicial de que diante de tantos “culpados” pela degradação, o derramamento de óleo na interpretação na  interpretação dos pescadores, teria sido um “divisor de águas”. Para além de sua realidade material, seu maior peso talvez tenha sido simbólico, ao produzir uma visibilização internacional para o descaso com a Baía e seus pescadores. O evento foi assim de dupla funcionalidade, pois ao permitir a culpa em torno de um agente, possibilitou a luta, instrumentalizando os pescadores. A conclusão semelhante chegou Mendonça(2007, p.102), ao afirmar que “a poluição, mesmo que agravada com o acidente, é muito antiga, mas serviu de cimento para unir os pescadores para receber indenizações da Petrobrás.” (MENDONÇA, 2007).  Afirmando isso não se deseja obliterar o resultado concreto da poluição ocasionada pelo derramamento de óleo de 2000. Muitos trabalhos produzidos no âmbito das ciências naturais demonstraram que os distúrbios sofridos pelo ambiente da baia são de natureza variável em frequência, espaço e tempo. São crônicos ou agudos, como os casos do derramamento de óleo de 2000. O que aqui tem sido enfatizado são os usos sociais a que se permite realizar da memória coletiva. Trata-se de pensar como a investigação da memória coletiva pode nos informar importantes elementos existentes nos conflitos atuais. Elementos que o acompanhamento acrítico seja do discurso nativo, seja dos discursos peritos da empresa, bem como, na obstinada e difícil perseguição de uma factualidade (em nosso caso, se perguntássemos simplesmente: o vazamento acabou ou não acabou com a pesca?) poderia nos fazer perder.  A importância do que acabamos de dizer acerca da memória, pode ser demonstrada, por exemplo, no caso de Alexandre Anderson, um dos grandes líderes do movimento de luta contra a Petrobras, que em diversos

98

pronunciamentos públicos, e mesmo em entrevistas para este trabalho, enfatizou as perdas da pesca na Baía de Guanabara pós-2000 pesca, apesar dele mesmo não ser pescador à época. Trata-se daquilo que Pollak (1992) descreveu como a “memória dos acontecimentos vividos por tabela”. Neste capítulo procuramos entender que para além da materialidade descrita, há disputas políticas em torno de sua interpretação, diante da visibilidade que o desastre proporcionou. Trata-se de investir mais uma vez na exortação de que memória e identidade são valores disputados em conflitos sociais (POLLAK, 1992). De fato, contra o imobilismo e as contraditórias facetas do Estado, os pescadores contrapõem as possibilidades crescentes da empresa em mitigar seus impactos na Baía de Guanabara, dando compensações as suas atividades. Como afirmara o presidente da Confederação das Colônias de Pesca do Rio de Janeiro: “ A  A nossa estratégia era trabalhar com a empresa que é mais fácil que tudo isso. Tentar alguma coisa com o governo é que não dá... ” Uma vez atraída a atenção para o ambiente da Baía de Guanabara e para seus pescadores, surge a questão da manutenção de um determinado assunto na agenda pública, e que depende de fatores como assegurar a continua dramaticidade do problema em questão (FUKS, 2001). Nesse sentido, Carmines, Stimson (apud  FUKS,   FUKS, op. cit ). classificam os assuntos que ascendem à agenda pública da seguinte forma: 1) aqueles que não captam a atenção pública, por serem muito técnicos, complexos, não favorecendo o elo comunicativo entre as elites e os cidadãos , 2) aqueles que têm grande impacto imediato, mas não deixam marca de longa duração no sistema político; 3) aqueles- raros  –  – que  que têm um longo ciclo de vida, capazes de alterar o ambiente político em que surgiram e se desenvolveram, conduzindo a mudanças no sistema. O derramamento de óleo de 2000 apesar de não ter sido resolvido nas arenas judiciais, ainda tem sido constantemente relembrado como o marco que definiu ou confirmou a Petrobras, como a responsável pela situação atual de descaso com os pescadores da Baia de Guanabara. Após o derramamento de óleo na Baía de Guanabara, outros dois grandes acidentes ocorreram posteriormente (Rio Birigui-Iguaçu, em Julho de

99

2000 e Plataforma p-36, em março de 2001), levando a empresa a investir pesadamente em gerenciamento de crise e minimização de riscos ambientais.  Atualmente, a centralidade do vazamento de 2000 é ainda objeto de variados embates no ambienta político da Baía. Apesar dele de fato provavelmente representar o segundo tipo de assunto, daqueles que ascendem a agenda pública, qual seja, daqueles que tem grande impacto imediato, que podem deixar marcas na memória coletiva, mas não deixam marca de longa de duração nos sistemas políticos e sociais.

100

4. A entrada em cena dos novos empreendimentos: negociação e confronto O vazamento de óleo, no ano de 2000, constituiu-se assim no evento deveras significativo para a memória e portanto para a construção da identidade dos pescadores da Baia de Guanabara. Ele possibilitou a emergência de um agressor definido, via o processo público de criminalização ambiental. O conflito entre pescadores e Petrobras, que se iniciou naquele evento, mobilizou pela primeira vez sensibilidades em relação aos profissionais da pesca da região, e por outro lado, enfraquecera parte da confiabilidade da Petrobras em relação aos riscos, levando-a a investir maciçamente na prevenção em suas instalações e atividades44. Todavia, estabelecido o conflito, após o pequeno período em que chamou atenção pública, tomou posteriormente como arena pública principal os tribunais. Sua judicialização, amalgamada a um forte trabalho de marketing da empresa tornaram a opinião pública amena poucos meses depois. Contrariando algumas posições em jogo 45, a arena da justiça manteve o conflito despublicizado, apesar de reiteradas pautas na imprensa acerca da demora do processo nos tribunais. Todavia suas identidades passaram a ser demarcadas pelo “outro”, o agressor identificado. Iniciado o processo conflituoso, durante metade da década de 2000 as tensões permaneceram no fórum da justiça e em estado de latência, quando apenas em 2006 passou a ser veiculado na imprensa a alocação de um dos maiores empreendimentos industriais do país, a

44

 Após o derramamento de óleo de 2000, a Petrobras criou o programa PEGASO - Programa de Excelência em Gestão Ambiental e Segurança Operacional, que foi considerado o maior projeto em nível mundial já destinado a um programa ambiental do setor de petróleo. 45   Fuks (2001) e Viegas (2007) afirmam coerentemente que na medida em que um conflito se transforma em em litígio, sendo levada a sua resolução para para o poder judiciário, aí já estão asseguradas condições mínimas de sua publicidade. Todavia, pode-se argumentar conforme faz o próprio FUKS (op.cit.) que muitos conflitos ausentes na esfera judicial adquiram e geram debate público e, por outro, grande parte dos conflitos judiciais permaneça à margem da percepção mais ampla da sociedade. Esse foi o caso do conflito entre pescadores e Petrobras no acidente de 2000 na Baia de Guanabara.

101

ser instalado no município de Itaboraí, a poucos quilômetros da margem Leste da Baia de Guanabara.

4.1. Um “canteiro de obras” da Petrobras: O COMPERJ e os outros

empreendimentos

O COMPERJ consiste no maior projeto individual da história da Petrobras, resultado de um investimento estimado em 15 bilhões de reais, cujo objetivo é refinar 150 mil barris diários de petróleo pesado proveniente da Bacia de Campos (Marlin). (fls. 13 RIMA Comperj, 2007). Trata-se de um projeto para a construção de um complexo industrial de refino de petróleo e produção de petroquímicos básicos e resinas plásticas no município de Itaboraí-RJ, com instalações adicionais em outros municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.  As principais instalações estão localizadas em área declarada de utilidade pública, por decreto presidencial assinado e publicado em 13 de Junho de 2006, pelo então Presidente Lula. São elas: a Unidade de Petroquímicos Básicos, a Central de Utilidades, as Unidades Auxiliares de Processo, as Unidades de Apoio, as Unidades de 2° geração ou Downstream (UPA), as dutovias de transferência interna, e toda a infra-estrutura civil de obras de drenagem e pavimentação (Volume 1, EIA Comperj, apresentação, 2007) O mega-empreendimento, que está sendo construído na bacia hidrográfica da Baía de Guanabara é interligado a outros empreendimentos instalados em ilhas da baia, com a instalação de dutos interligando-as, cortando a baia de Guanabara. Não só o espelho d‟água da baia será entrecortado, como seus arredores em terra por empreendimentos intercomunicáveis. Os principais empreendimentos para a área de abrangência da Baia de Guanabara são divididos em três grandes grupos: 1)Plano de Antecipação da Produção de Gás (PLANGAS), que inclui a ampliação da Refinaria de Duque de Caxias (REDUC), implantação de dutos e instalações de apoio nos Terminais da Ilha Comprida (TAIC) e da Ilha Redonda (TAIR); 2) a

102

construção de um Terminal de Gás Natural (GNL), na Baía de Guanabara; e 3) a instalação do COMPERJ, no município de Itaboraí (quadro 1).

103

Projeto / Empreendimentos

REDUC

PLANGA S GLP

Gasoduto Japeri – REDUC (GASJAP ) Terminal Aquaviári o de Ilha Redonda (TAIR) Terminal Aquaviári o de Ilha Comprida (TAIC) Gasoduto Cabiúnas  – REDUC (GASDUC III)

COMPERJ

Descrição Inaugurada em 1961, em Campos Elíseos, Duque de Caxias, com 6 unidades de refino e casa de força; ocupando uma área de 10 km²; Produção: 240 mil barris/dia de lubrificantes, parafinas, gasolina, produtos petroquímicos, óleo diesel, querosene de aviação, gás liquefeito de petróleo (GLP), bunker e nafta petroquímica. Ações: novas unidades de adequação da qualidade do gás processado e sistemas auxiliares; nova caldeira com turbogerador na Central Termelétrica; ampliação do Sistema de Tratamento DEA (manutenção de H2S no gás combustível); Projeto de Adaptação Metalúrgica (PAM) para 22.000 m3/dia de petróleo mais pesados e mais ácidos, entre outras. Interligará, em 45,1 Km de extensão, o sistema existente de gás natural com o sistema em instalação i nstalação (da Bacia de Campos e Estado do Espírito Santo para o Gasoduto Campinas  – Rio de Janeiro e Gasoduto Rio - São Paulo (GASPAL). / Capacidade máx.: 20 milhões de m3/d. Objetivo: Operação do estoque regulador de GLP da REDUC (135.000 t/ano) e o abastecimento de Propeno (53.000 t/ano) e Butadieno (58.600 t/ano) à SUZANO e Petroflex. Possui 735 m de perímetro, entre a REDUC e o TAIR. Escoamento médio: 230 m³/h por produto. Objetivo: Idem ao anterior. Ações: Implantação do sistema de resfriamento com água do mar, dos equipamentos. Adaptações do terminal e implantação de dois dutos submarinos e t errestres para transporte de GLP, como condicionantes ambientais, em 2007. Objetivo: Conexão do Terminal Cabiúnas (TECAB  – Macaé /RJ), à 175,65 km de extensão, fará a transferência do gás proveniente da Bacia de Campos e dos campos de produção do Estado do Espírito Santo para os consumidores do Rio de Janeiro e para o Gasoduto Japeri  – REDUC (GASJAP). Futura transferência do gás para a região Norte Fluminense (com o ECOMP). E COMP). Capacidade máx.: 40 milhões m³/dia. Objetivo: Aumentar a produção nacional de produtos petroquímicos, com o processamento de óleo pesado nacional do tipo Marlim (150.000 barris/dia). Custo total da obra: Aprox. US$ 8 bilhões (para 2012) / Área: 20 milhões m2 Ações: - Unidade de Refino e primeira geração ou Unidade U nidade de Petroquímicos Básicos (UPB) – Produção de resinas plásticas = eteno, propeno, benzeno e para-xileno; - Conjunto de unidades de segunda produção de 2.300.000 t/ano de plásticos = estireno, etilenoglicol, e tilenoglicol, polietilenos e polipropileno (líquidos e sólidos); - Central de energia elétrica.

GNL

Quadro 1

Terminal Flexível GNL

Objetivo: atender a demanda das termelétricas que utilizam gás natural. Ações: - Plataforma de Operações com 1 píer (60 m x 50 m, 4 dolphins de atracação), afretamento e a conversão de 2 navios metaneiros para recebimento, estocagem e regaseificação de GNL; 1 Duto Submarino (aprox. 1 km de extensão) e mais 1 duto terrestre, com aprox. 2 km até a Estação de Cabiúnas  – REDUC e 3 km, até a Estação de Campos Elíseos (5 km de extensão); - Planta de geração de nitrogênio: 450 m3/h m 3/h para consumo (na transferência do GNL).

Situação do Licenciamento Ambiental - LP n° FE013604 em 7/12/07; - LI para InfraEstrutura nº FE014424, em 03/01/08.

- Processo iniciado em 2006. - LP nº FE 013343 em 25/09/08. - LI nº FE013621, em 14/12/07. - LP nº FE014195 em 21/05/08. - LI  – Infraestrutura FE015041 em 05/09/08. - LI para Dutos e terminal - nº FE015335, 07/01/09. - Processo iniciado em 2007. - LP nº FE013992, em 25/03/08.

- LP nº FE013990, em 26/03/08. - LP nº FE015276, em 23/12/08 - LI, n° FE013566, em 26/11/07. - LI n° FE014032, em 28/03/08. - LI n° FE014746, em 02/09/08. - LI n° FE014895, em 02/10/08. - LP nº FE013328 (CECA), em 19/09/07. - LI n° FE013566, em 26/11/07. - LO emitida em 29/07/2009.

104

FONTE: Avaliação Ambiental Estratégica do Programa de Investimentos da Petrobras na Área de Abrangência da Baía de Guanabarainstalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), no município de Itaboraí. Disponível em

O empreendimento “Instalações do Terminal da Ilha Co mprida, Adaptações do Terminal Aquaviário da Ilha Redonda e Dutos de GLP na Baía de Guanabara", aqui chamado simplesmente de Projeto GLP, faz parte do Plano de Antecipação da Produção de Gás (Plangas) do Governo Federal. Esse Plano foi criado pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), sob a justificativa da instabilidade em que se encontra o setor de gás nacional, com o objetivo de diminuir os riscos associados ao fornecimento de gás da Bolívia. Portanto, trata-se de um esforço nacional, público e privado, para antecipar projetos de produção de gás natural na Região Sudeste. Esse esforço está alinhado ao Plano de Negócios 2007-2011 da Petrobras, que envolve as áreas de Exploração e Produção (E&P), Gás e Energia e Abastecimento, além da Engenharia, CENPES e Transpetro. O Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro faz parte de inúmeras obras que estão sendo realizadas no país como partes do planejamento do Governo Federal denominado  – Plano  – Plano de Aceleração do Crescimento. Segundo dados do Governo Federal, pretendeu-se investir no Estado do Rio de Janeiro 94 bilhões de reais até 2010. Sessenta e seis bilhões destinados à infra-estrutura energética, 4,7 bilhões em logística e 12 bilhões, em infra-estrutura social e urbana. O COMPERJ é interpretado pelos experts e planejadores como uma alavanca do desenvolvimento econômico da região. Com ele outros grandes empreendimentos infra-estruturais estão previstos para a chamada região metropolitana do Rio de janeiro. Em Itaboraí, o COMPERJ utilizará e portanto viabilizará a construção do Arco Metropolitano, que liga Itaboraí ao Porto de Itaguaí. Ao longo do Arco Metropolitano prevê-se a instalação de indústrias que serão consumidoras de matérias-primas produzidas pelas indústrias de base situadas nas extremidades do Arco: aço, em Itaguaí; e plásticos, em Itaboraí, no COMPERJ. Segundo projeções da Fundação Getúlio Vargas, empresa contratada para realizar parte dos estudos de impacto ambiental do COMPERJ, prevê-se até

105

2015 a instalação de pelo menos 720 empresas nas proximidades do COMPERJ e ao longo do Arco.  A alocação do mega empreendimento no estado do Rio de Janeiro foi resultado também de uma campanha com os cofres públicos pela sua localização, movimentando variados atores sociais. O COMPERJ, nesse sentido é fruto de uma coalizão entre o estado brasileiro, o estado do Rio, a Petrobras e outros agentes econômicos, como a FIRJAN. Sua construção movimentou aparatos do estado e atores econômicos. Sua importância foi entendida como um passo significativo para o desenvolvimento da região metropolitana, cujos municípios adjacentes à capital detêm características de pobreza estrutural. A chegada do conjunto de empreendimentos para a região foi interpretada como um vetor de desenvolvimento potente e vem movimentando a opinião pública para os efeitos econômicos “dominó” do empreendimento. A imprensa vem veiculando desde 2006, a instalação do COMPERJ como o maior vetor de desenvolvimento do Estado.

4.2. A surpresa da localização O COMPERJ foi anunciado pela imprensa como uma conquista do Governo do Estado. De fato, desde meados de 2003, deu-se início a uma forte campanha no estado do Rio de Janeiro para garantir que a refinaria de grandes proporções anunciada pela Petrobras fosse instalada nessa unidade da federação. O governo estadual chegou inclusive a exibir em seus expedientes oficiais, bem como em suas viaturas, um logotipo em forma de slogan( “A “A refinaria é nossa”), em clara alusão a uma das maiores campanhas nacionalistas brasileiras na Era Getúlio Vargas. O governo do estado encontrava-se nas mãos de Rosinha Garotinho, explicitamente opositora ao governo federal, que, da mesma forma que a gestão anterior de Anthony Garotinho, mantinha sua principal base eleitoral em Campos, no norte fluminense.

106

Uma vez definido que o Rio de Janeiro sediaria a refinaria, iniciaram-se discussões sobre sua alocação, sendo Campos e Itaguaí, as duas cidades cotadas.

Quando

se

deu

o

anúncio

definitivo

do

governo

federal,

surpreendentemente nenhuma das postulantes anteriores foi contemplada, e, sim, o município de Itaboraí. Surpreendentemente, pois a opção Itaboraí não entrara em momento algum no debate público, conforme afirmam Ferreira et. al. (2007, p. 3)

Vale recordar, que o município de Itaboraí não fora apresentado abertamente como alternativa locacional, não aparecendo o nome deste município nos meios de comunicação de massa como opção cogitada pela Petrobras, a não ser na véspera do anúncio da presente escolha. “Correndo por fora”, como um “cavalo azarão”, ou “sacada da cartola”, como elemento surpresa, a escolha de Itaboraí como território para instalação do COMPERJ desbancou as expectativas de representantes e comunidades dos outros dois municípios.

Segundo os Estudos de Impacto Ambiental (pág. 46) do empreendimento, as alternativas locacionais, Campos e Itaguaí, teriam sido desistidas por aspectos técnicos, logísticos, econômicos e ambientais. A alternativa de Itaguaí apesar de ser declarada como economicamente interessante para a Empresa, teria como principais problemas, a saturação de poluição da bacia aérea e a impossibilidade de expansão em virtude da presença de grandes empreendimentos já instalados e em implantação (pelo menos duas usinas a carvão nos próximos anos) na região da Baía de Sepetiba.  A alternativa de Campos, mais especificamente na localidade de Travessão, seria, ainda segundo o estudo, economicamente mais custosa, em virtude da necessidade de implantação de um terminal portuário, e, da distância em relação aos grandes centros consumidores, e, por outro lado, inviabilizada ambientalmente em virtude dos “impactos negativos aos melhores cultivos de cana de açucar”. (EIA, cap. 2, pág. 26). Justificativa rechaçada pelo IBAMA à época, que na qualidade de órgão responsável pela administração das UC‟s

107

afetadas pela localização do empreendimento em Itaboraí, indagava-se o que seria mais importante do ponto de vista ambiental.  A escolha do município de Itaboraí tornava-se de fato a mais proveitosa para a empresa, como enfatizada pelo presidente da FEEMA à época, Axel Grael, em audiência pública da licença prévia do COMPERJ. Lógica própria do capital, mas que contrariava claramente as preocupações ambientais e de risco social que, se presumiria, deveriam ser levadas em consideração em Estudos de Impacto Ambiental. Nesses, os estudos acerca das alternativas locacionais, obrigação regimental do processo de licenciamento, ocuparam cerca de “10 páginas em mais de mil páginas do EIA”, como enfatizara o administrador da APA Guapimirim na mesma ocasião. Após uma sabatina de questionamentos acerca do licenciamento do empreendimento, e de suas contradições ambientais e sociais, o referido presidente do órgão ambiental afirmara que o “martelo final” pela localização em Itaboraí se dava pelas “vantanges logísticas” da empresa. Segundo Ferreira et. al.  (2007) a escolha de Itaboraí simplesmente obedecia um padrão localizacional da indústria de petróleo. Analisando a localização das refinarias brasileiras (algumas inseridas em complexos petroquímicos), fica patente a ancoragem destas junto aos grandes centros urbanos, ou seja, próximas à adensada demanda operada pelas indústrias de transformação que se utilizam dos outputs das refinarias como insumos produtivos.

Outra característica da indústria brasileira de refino é a elevada concentração espacial. Sua constituição visou à otimização do conjunto do parque de refino, majoritariamente operado pela Petrobras. Dessa forma, as economias de escala na produção puderam ser maximizadas, enquanto, simultaneamente, eram minimizadas as deseconomias de escala na distribuição, alocando-se a capacidade de refino próximo aos principais centros consumidores. Não havendo concorrência entre as refinarias, o objetivo sempre foi operar o parque de refino de modo a minimizar o custo total de abastecimento, ou seja, não gastar petróleo para transportar petróleo. (FERREIRA et. al . , 2007, p. 4)

108

Mas porque nos boatos anteriores e na imprensa não se tratava da opção Itaboraí? Segundo o EIA, as opções locacionais inclusive a de Itaboraí estavam colocadas em estudo desde 2005, embora se tenha encontrado estudos da alternativa locacional na região da Baia de Guanabara, em data anterior. Segundo fontes documentais (ofício IBAMA GP 813/94), sabe-se que em Dezembro de 1987 foi aberto um processo na antiga SEMA que referia-se ao licenciamento de um “Pólo Petroquímico do Rio de Janeiro”. Nesse processo estudos de microlocalização foram desenvolvidos para três regiões distintas, a saber: a) Itaguaí; b) Baía de Guanabara; e, c) o Norte Fluminense. Observa-se que, ao menos sob os auspícios da burocracia estatal, a “região da Baia de Guanabara” figurava desde 1987, como uma das opções locacionais para o empreendimento. Neste período, em 1988, foi concedida licença prévia do empreendimento para a localidade de Itaguaí e não Itaboraí, levando-se em conta parecer da então Secretaria de Meio Ambiente do Rio de Janeiro (SEMAM/RJ). Em 1992, o IBAMA emitia sua licença de instalação. Reiteradas renovações da licença foram concedidas até que no ano de 1999, 12 anos depois do início do processo, o ministério público abrira inquérito civil e pedia manifestação da empresa sobre o “abandono ou o deslocamento do empreendimento para outro município”. Em resposta ao inquérito público, a Petroquisa, subsidiária da Petrobras, responsável

pelas

obras

à

época,

afirmou

que

não

abandonara

o

empreendimento, e nem a localidade de Itaguaí para a sua instalação, sendo iniciada inclusive as desapropriações necessárias. Em sua resposta, afirmava ter tido “problemas conjunturais, veiculados e massificados na imprensa”. Não se sabe que problemas conjunturais foram estes. Em entrevista concedida para este trabalho, dois analistas ambientais, no entanto, disseram que o processo de licenciamento para o pólo petroquímico iniciado em fins da década de 80 e durante a década de 90 não saíra do papel, principalmente em virtude dos apelos da agenda ambientalista criada pela Conferência Rio 92, inclusive em virtude dos programas de despoluição das duas baias, a de Guanabara e a de Sepetiba, resultantes dela.

109

De fato, o processo de escolha e definição da localidade demandaria outro trabalho de investigação histórica, e sociológica, que ultrapassa o escopo deste trabalho,

todavia

parece

um

dado

interessante

que



nos

anos

2000 as informações públicas sobre a localização do empreendimento tenham deixado de lado a região da Baía de Guanabara, levando estudiosos e ambientalistas a descreverem Itaboraí como um “cavalo azarão”ou como afirmara o administrador da APA Guapimirim, uma decisão “surpreendente”. Poder -se-ia Poder -se-ia prontamente hipotetizar que fora uma estratégia da empresa, todavia, ao primar por um quantum de rigor, parece-nos mais seguro pensar nas conseqüências para o universo pesquisado. Se foi ou não estratégia consciente por parte da empresa, o efeito prático para os atores locais foi de uma situação limite e emergencial, causando dificuldades de ações de resistência e organização política, diminuindo em tempo cronológico, o debate público. Para todos os atores e indivíduos que formavam o “campo ambiental” da região: ambientalistas, pesc adores, ONGs, Conselho Gestor das Unidades de Conservação, representantes de universidades com pesquisa na área e outros, a surpresa da localização gerou um estado de “desorientação”, um sentimento de desnorteamento coletivo em face da necessidade de se estabelecer estratégias em um curto espaço de tempo. Nesse contexto, uma rede de resistência foi construída principalmente em torno das Unidades de Conservação, em especial a APA Guapimirim e ESEC Guanabara, e dos representantes de seu conselho gestor, notadamente, universidades, ONGs ambientalistas, grupos de pescadores e funcionários do IBAMA.

4.3. O acelerado processo de licenciamento e a formação de uma rede de resistência 4.3.1. A posição contrária dos técnicos do IBAMA e o arranjo político no interior do estado

110

Em 14 de Novembro de 2006, a Petrobras protocolou junto à então Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA), atual Instituto Estadual de Meio Ambiente (INEA), requerimento de licença prévia do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ). O primeiro passo no processo de licenciamento, a elaboração de instrução técnica destinada a orientar a confecção do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e respectivo Relatório de Impacto (RIMA) ficou a cargo de grupo de trabalho criado em 11 de janeiro de 2007, pela FEEMA, composto basicamente por técnicos dos órgãos estaduais (FEEMA, IEF, e SERLA) e dois técnicos do IBAMA. A presença ativa do órgão ambiental federal se colocava dentre outros, pela determinação do parágrafo único, art. 2° da Resolução CONAMA 13/9046. De início, um primeiro conflito surgiu na composição entre os órgãos, pois os dois técnicos do IBAMA, embora fizessem parte do grupo de trabalho, não se sentiram confortáveis e reclamaram a “falta de voz” nos posicionamentos técnicos. Dessa forma, o IBAMA representado pelos dois peritos, resolveu abandonar o colegiado e apresentar manifestação técnica separadamente, constituindo um grupo de 14 analistas ambientais de suas bases (IBAMA e ICMbio) para a sua elaboração. O grupo de trabalho de técnicos da FEEMA elaborou, então, sem a presença do órgão federal a instrução técnica DECON nº 01/2007, encaminhada à Petrobras em 23 de janeiro de 2007 (instrução técnica) e, em 17 de outubro daquele ano, o EIA/RIMA foi remetido ao órgão licenciador. O grupo de trabalho constituído por técnicos do IBAMA já com a análise dos Estudos de Impacto Ambiental do empreendimento, elaborou um parecer técnico, documento que se intitulou “Parecer técnico sobre os impactos ambientais potenciais decorrentes da implantação do COMPERJ nas unidades de conservação federais da região”, entregue em 6 de Março de 2008. Em suas 46

 Nas áreas circundantes das Unidades de Conservação, num raio de dez quilômetros, qualquer atividade que possa afetar a biota, deverá ser obrigatoriamente licenciada pelo órgão ambiental competente. Parágrafo Único - O licenciamento a que se refere o caput deste artigo só será concedido mediante autorização do responsável pela administração da Unidade de Conservação.

111

análises

demonstravam

uma

miríade

de

contradições

no

projeto

do

empreendimento, dentre elas, a que julgavam principal: a obliteração de estudos locacionais alternativos ao empreendimento.  Apesar de a legislação ambiental brasileira ser explícita quanto à necessidade de apresentação de alternativas locacionais para empreendimentos poluidores, esta questão foi praticamente desconsiderada no licenciamento ambiental do Comperj. Outro ponto de desacordo e questionamento referia-se à desconsideração, não por mero acaso, dos efeitos acumulados dos impactos gerados pelo COMPERJ somados a uma série de outras atividades poluidoras em licenciamento ou recentemente licenciadas na região 47, como os terminais de gás natural liquefeito e gás liquefeito de petróleo na baía de Guanabara, o arco rodoviário metropolitano, o gasoduto Reduc-Cabiúnas e a ampliação da Reduc. A devida consideração dos empreendimentos, e seus efeitos em conjunto, é expressa na legislação sobre licenciamento no estado:

Quando há mais de um EIA para a mesma bacia hidrográfica, a Feema deverá realizar a análise conjunta dos empreendimentos, para definir a capacidade de suporte do ecossistema, a diluição dos poluentes e os riscos civis, sem prejuízo das análises individuais dos empreendimentos”. empreendimentos ”. (Lei Estadual 3111/1998).

O EIA também não apresentou de onde seria a adução de água na localidade Itaboraí, o que se constitui como um dos aspectos mais relevantes a fundamentar decisões sobre a viabilidade ambiental da locação. Em Campos, por

47

 Sobre este ponto vale citar a interpretação dada pelo Ministério Público federal, na Ação Civil Pública 1.30.003.000055/2006-07: 1.30.003.000055/2006-07: “O licenciamento de parte (principal) do Complexo Petroquímico, anterior e isoladamente, além de ocultar a lesividade do conjunto, e obstar a intervenção e análise do órgão protetor das unidades de conservação federais em todo o processo, terá, inevitavelmente o efeito nefasto de induzir a concessão de licença para as demais obras (...) uma vez implantadas as principais instalações do Comperj, e não sendo estas suficientes à operação do empreendimento concebido pela Petrobras, tornar-se-á absolutamente necessária a aprovação das obras complementares. Estará o órgão licenciador, assim, refém das circunstâncias então criadas‟‟.

112

exemplo, a questão do abastecimento hídrico se resolveria utilizando as águas próximas à foz do rio Paraíba do Sul, o mais caudaloso do estado.  Apesar de demonstrar as várias contradições e omissões do Estudos de Impacto Ambiental, uma disputa entre os técnicos e o gerente de divisão técnica sobre as conclusões do parecer foi estabelecida no interior do quadro do próprio IBAMA. Conforme relatos de dois técnicos do IBAMA, o parecer original concluía pela não autorização ao empreendimento no local de Itaboraí, e optava pela consideração da opção de Campos, na localidade de Travessão, definindo-a como menos impactante do ponto de vista ambiental. Opção que teve apoio em estudos encomendados pelo grupo de trabalho do IBAMA a outros analistas ambientais do próprio órgão, e locados em Campos.

(...)sugerimos a melhor avaliação da localidade do Travessão, que é classificado pelo EIA como ambientalmente BOM mas que certamente não possui a relevância ambiental estratégica para a conservação e preservação da Mata Atlântica que a primeira possui.

Todavia a conclusão do relatório teria sido mudada pelo gerente da divisão técnica sem a anuência dos demais integrantes do grupo de trabalho. No relatório final e oficial, o grupo então se manifestou assim:

(...)pela impossibilidade da emissão de anuências pelas Unidades de Conservação Federais à implantação do empreendimento na localidade proposta, enquanto não sejam apresentados estudos complementares referentes aos impactos sobre as Unidades de Conservação. Conservação. (grifo nosso)

Em evidente abrandamento de suas conclusões técnicas, retirou-se a explicitação do município de Campos, como alternativa e mantiveram Itaboraí, condicionada a mais estudos de impacto. Em 25 de Março de 2008, dezenove dias após a manifestação técnica do grupos de analistas ambientais federais, o então superintendente do IBAMA no estado do Rio de Janeiro, contrariando as conclusões técnicas de seu órgão, emitiu autorização do licenciamento, tornando

113

evidente uma decisão política, a despeito das limitações técnicas e jurídicas colocadas pelos técnicos de seu órgão. No dia seguinte à autorização dada pela superintendência do IBAMA no Rio de Janeiro, em 26 de março de 2008, foi finalmente expedida a licença prévia do COMPERJ, com condicionantes, inclusive para o início das intervenções de terraplanagem e canteiro de obras, entre elas, a apresentação de diversos projetos e documentos pela Petrobrás.  A decisão do superintendente do IBAMA e a concessão das licenças prévia p révia e de instalação concedidas pela FEEMA ao empreendimento demonstravam o caráter de urgência estratégica do ponto de vista da Empresa e do Estado, e uma composição política orquestrada para que se licenciasse com celeridade o empreendimento. O empreendimento, concebido no âmbito do Plano de Aceleração do Crescimento do Governo Federal, teve seu processo de licenciamento de fato “acelerado”. O processo de licenciamento iniciado a partir da solicitação da empresa até a emissão da licença de instalação ocorreu em 1 ano e dois meses. Se comparado por exemplo com a duração média dos processos de licenciamento de hidrelétricas expedidas pelo IBAMA (dois anos e oito meses) o processo de licenciamento do COMPERJ, o maior investimento industrial do país, durara menos da metade do tempo. Da entrada da solicitação da Petrobras à elaboração do termo de referência se passaram 70 dias e do termo de referência até a entrega do EIA pelo empreendimento foram 267 dias. Então do EIA enviado até emissão da licença prévia 161 dias. Totalizando todo o processo 1 ano e dois meses. Como o próprio gerente da empresa havia se manifestado, em informação adquirida a partir das entrevistas de Mattos (2009): O entrevistado (X) ainda aponta para o rápido processo de licenciamento realizado no COMPERJ para atender as demandas de Governo Federal com o Programa de Aceleração do Crescimento  – o  – o PAC. (...)os Estudos de Impacto Ambiental - EIA foram realizados “basicamente em um mês” sem a profundidade necessária n ecessária num caso como este. “As licenças prévias e de instalação saíram quase que simultaneamente”, relata. Além disso, (X) comenta que a empresa de engenharia contratada para esse

114

estudo, não tinha experiência na elaboração de estudos de impacto ambiental e estava realizando o seu primeiro EIA-RIMA.

 A rapidez relativa do processo de licenciamento figurava como uma política de estado. Segundo  Segundo  Giuliani (2009)nos anos de 2007 e 2008, a Secretaria do  Ambiente do Rio de Janeiro licenciou em tempo recorde obras entre as quais algumas de interesse direto do Governo Federal e de grande impacto ambiental. Foram emitidas 2.068 licenças desde fevereiro de 2007 até maio de 2008, correspondente à quantidade emitida nos três anos anteriores de 2004 a 2006. Os autores comentam que a maior agilidade na emissão de licenças deveu-se, não somente a uma nova metodologia de análise, mas também ao apoio financeiro da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a qual, através de um convênio assinado em fevereiro de 2007, disponibilizou 22 milhões de reais para que a Secretaria pudesse contratar 147 técnicos temporários atuando em apoio à emissão de licenças, assim como contratar funcionários temporários, realizar estudos de gestão, comprar carros e computadores. Na gestão da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, que licenciou o COMPERJ, estava o Deputado Estadual Carlos Minc, que posteriormente, tornouse ministro do meio ambiente. O presidente Lula declarou à imprensa na época que sua nomeação se deveu exatamente à agilidade com que Minc licenciou “obras complexas” no Rio de Janeiro. (O GLOBO, 14/05/2008) De fato, o alinhamento entre o órgão ambiental Estadual e o empreendedor foi notável, chegando ao ponto da Petrobras ter preparado os projetos exigidos pela Feema para a obtenção da licença de instalação antes da própria emissão oficial da licença prévia 48 o que sugere uma comunicação permanente entre tais entidades ao longo de todas as fases do licenciamento 49.  A aproximação direta entre a indústria e os órgãos ambientais vem se intensificando no Brasil e merece uma análise pormenorizada, além da dimensão do presente trabalho. Exemplos dessa tendência são a “adoção” de UCs como os 48

 Ação Civil Pública 1.30.003.000055/2006-07

49

 Essa informação foi-nos fornecida pelo Diretor da APA Guapimirim Breno Herrera.

115

parques nacionais de Fernando de Noronha e Lençóis Maranhenses, pela MMX e do parque estadual da Ilha Grande, pela Vale do Rio Doce. Não coincidentemente estas empresas possuem vários empreendimentos poluidores em licenciamento nos mesmos órgãos que gerenciam tais UCs. Não seria incoerente supor que a adoção das UCs possa ser usada como “chantagem” pelas empresas, em eventuais restrições impostas pelos órgãos ambientais aos empreendimentos solicitados. Não parece coincidência que na reunião ordinária do Conselho gestor da  APA Guapimirim Guap imirim em 19 de d e Julho Ju lho de 2007 após a feitura de uma carta de repúdio r epúdio ao COMPERJ, e ainda sem a autorização dada pela superintendência do IBAMA à continuação do processo de licenciamento, a ONG Terra Azul, organização sem histórico de atividades na região, apresentou um projeto de monitoramento e limpeza dos recursos hídricos patrocinado pelo Programa Petrobras Ambiental desenvolvido por eles no Parque Nacional da Tijuca, a ser replicada na APA Guapimirim. Todavia, seu conselho gestor interpretando como uma “aproximação interessada” não aceitara o projeto, conforme ATA conforme  ATA da reunião:

Também foram assinadas mais duas listas, uma moção de apoio do conselho contra a Mp 366 e outra de ratificação da carta de repúdio ao COMPERJ. Outro ponto de pauta foi apresentação do projeto da ONG Terra Azul, desenvolvido no Parque Nacional da Tijuca e que poderia vir a ser financiado pela Petrobras Ambiental em moldes semelhantes para a  APA gupapimirim. Após a apresentação, Breno perguntou se alguém na plenária seria contrário a replicação de tal projeto em nossa UC. Seriam três linhas de ação: monitoramento de águas, reflorestamento e educação ambiental. (...) O professor Elmo Amador parabenizou o projeto, mas não concorda com o patrocinador”. (ATA do Conselho gestor daAPA Guapimirim em 19 de Julho de 2007).

Estávamos presentes nesta reunião, em que o saudoso professor Elmo  Amador, um dos maiores conhecedores da história e das agruras da Baía de Guanabara, realizou sua colocação. Apesar de não registrado no texto da ATA, o professor de geografia, afirmara incisivamente que se a Petrobras desejava “comprar” a anuência da Unidade de Conservação, visto ser inexorável a

116

instalação na região, que não viesse “com migalhas, pois o estrago na bacia da Baia de Guanabara seria grande demais para ser vendido por projetinho”. O órgão ambiental federal, sobretudo seu corpo técnico realizara no âmbito burocrático legal as primeiras resistências à força política inexorável de imposição do empreendimento no território protegido de mata atlântica pelas UC‟s, sob sua administração. Suas contraposições ressoavam em outros atores sobretudo os representantes dos Conselhos gestores das UCs, dentre eles, representantes das universidades com pesquisas na região, e variados grupos de pescadores. Todavia, uma orquestração política estabelecida entre os grupos hegemônicos, a partir do alto escalão do IBAMA, da FEEMA e da Empresa, garantiu a obtenção do licenciamento para o empreendimento.

4.3.2. A emergência de uma rede de resistência: Conselhos das Ucs, Ministério Público e Pescadores  A posição contrária do corpo técnico do IBAMA apesar de vencida fornecera argumentos legítimos baseados no conhecimento perito para o posicionamento e discurso de uma rede de resistência em torno dos conselhos da Unidade de Conservação, os pescadores e o Ministério Público, que elaborara posteriormente uma ação Civil Pública com pressupostos semelhantes. O administrador da APA APA Guapimirim, e presidente dos conselhos da APA Guapimirim e do Mosaico Central Fluminense, fora um dos analistas ambientais partícipes da elaboração do parecer técnico do IBAMA. Boa parte das considerações peritas transitava em via de mão dupla, entre as composições dos Conselhos Gestores das UC‟s, compostas, além de outros, por peritos e estudiosos das universidades, dos mais variados campos e pelos pescadores, e o grupo de trabalho do IBAMA. O posicionamento das UC‟s era, dessa forma, de clara contrariedade em relação ao empreendimento. O Conselho da APA Guapimirim e o Conselho do Mosaico Central Fluminense elaboraram uma carta de repúdio ao COMPERJ, denunciando o crime ambiental que se estabeleceria próximo aos últimos redutos

117

de manguezais da Baia de Guanabara. Sendo que, desde os primeiros boatos acerca da localização, suas câmaras técnicas, sobretudo a científica, preparavam embasamentos

peritos

que

se

contrapusessem

aos

argumentos

pró-

licenciamento. Quanto aos pescadores, verificaram-se posições logo divididas. Os representantes das colônias de pesca z8 e z9, cadeiras cativas desde a formação do Conselho Gestor da APA, demonstravam afinações públicas com as deliberações do conselho gestor, mas a postura de suas entidades já havia sido a de contato e negociação com a Petrobras. Nas composições do Conselho Gestor, todavia já começara a aparecer de forma diferenciada os posicionamentos da Associação Homens do Mar, que ali já demonstravam um posicionamento de resistência às obras. Todos esses atores, que compunham essa espécie de “rede de resistência”, se encontravam no Conselho Gestor, sob os auspícios do IBAMA, a não ser os pescadores, cujos papéis diferenciavam em sua atuação no conselho gestor e na relação com a empresa, conforme aludido. Mediante

aproximação

dos

administradores

da

APA,

e

dos

pescadores, em em 10  10 de Setembro de 2008, o Ministério Público impetrou na Vara federal de Itaboraí, uma ação civil pública contra o IBAMA, a FEEMA e a PETROBRÁS S.A. Nos termos desta ação pedia uma ordem liminar que suspendesse as obras. Os termos da ação civil pública proposta denunciavam manobras e graves contradições com a legislação de licenciamento ambiental vigente no país. Em geral, boa parte dos argumentos peritos foi similar aos existentes no primeiro parecer técnico do IBAMA. É digno de nota que, nos bastidores da construção dessa ação civil pública, houve encontros entre o procurador público, o administrador da APA Guapimirim e os representes da AHOMAR. A resistência do Ministério Público contra o licenciamento, que se dava “sob toque de caixa” ressoava com os posicionamentos das administrações das Unidades de Conservação existentes no raio de influência do empreendimento e encontrava respaldo em algumas associações de pescadores, sobretudo aquelas que

118

compunham o Conselho Gestor da APA Guapimirim e do Mosaico Central Fluminense. O processo de formulação da Ação Civil Pública teve como colaboradores esses mesmos atores, que realizaram uma reunião para informar e colaborar com os termos e argumentos da ação. Reunião realizada no Rio de Janeiro, sob a direção do Procurador do Ministério Público Federal. Os assentos de representação universitária dos Conselhos Gestores da APA Guapimirim e do Mosaico Central Fluminense também logo trataram de estudar os impactos possíveis à essas unidades de Conservação e à região como um todo afetada. Tratava-se de produzir argumentos legítimos acerca dos efeitos nefastos dessa rearticulação do território em torno da Baía de Guanabara.  A ação civil pública do MP de fato representava represe ntava os anseios de uma rede de resistência que emergira ante ao empreendimento. Essa rede, todavia, era pequena e vinculada sobretudo a dois tipo de atores especiais: alguns grupos de pescadores e os ambientalistas( assim chamados, por estarem vinculados aos conselhos gestores da APA Guapimirim) e os procuradores do Ministério Público. Os grupos de pescadores representados no Conselho da APA Guapimirim encontravam-se mais ou menos divididos acerca de seus posicionamentos na resistência. Os representantes das duas colônias de pesca, Z8 e Z9, se colocavam ao lado dos conselheiros, todavia, em suas atividades, no âmbito de suas instituições, procuravam diálogo com a Empresa. Como pude constatar ao conversar com o representante da Colônia Z9 após uma reunião do Conselho, cuja pauta era o empreendimento:

Isso é o progresso, bom não é, mas você acha que vale a pena lutar contra a Petrobras? Pro pescador é ruim, mas pro povo, pra região é bom. Enão não podemos dizer que não é bom. Temos é que lutar, dialogar, pra que traga uma melhora pra gente aí. Começamos uma mesa de diálogo e pedimos para eles realizar um censo dos pescadores, esse e o começo.

Já os representantes de associações de pescadores, no geral, se colocavam contrários, engrossando o coro da rede de resistência que se

119

consolidava no espaço do Conselho Gestor. Foram nas reuniões desse Conselho Gestor que foram realizados os primeiros contatos com a Associação Homens do Mar, “os pescadores de preto” que já começaram a demonstrar posição de enfrentamento mais radical em relação às disputas sobre os territórios da Baia de Guanabara. De um processo de resistência por parte de atores enfraquecidos em virtude de suas posições relativas no campo político, pela rapidez do processo de licenciamento e sua pouca veiculação nas pautas midiáticas, pela posição dos municípios na área de influência, que atraídos pela perspectiva de recursos de royalties, se associaram em um consórcio- Conleste50, fomentado pela Petrobras para garantir seu apoio político ao projeto e ainda pelo apoio de grande parte da população local, de baixa renda e com altos índices de subemprego e desemprego, o licenciamento ambiental para a localidade da Baia de Guanabara era uma espécie de “jogo de cartas marcadas”.  A implantação do Comperj vem desde então sendo apresentada como a única alternativa para alavancar o desenvolvimento econômico local e seus impactos negativos são olvidados, em quaisquer comunicações públicas. Diante do “consenso” a ação política dos pescadores inicialmente se deu no sentido de um “apoio condicionado”. Os pescadores pediam visibilização, reconhecimento, mediante compensações dos impactos na área. Se os impactos negativos seriam reais para os pescadores, as possibilidades de transformação de suas condições sociais também lhes pareciam. O anúncio das grandiosas obras da Petrobras para a Baía de Guanabara surgia assim inicialmente como uma “caixa de pandora”, trazendo em seu interior riscos e males, mas também esperanças e possibilidades, como no relato de Adherbal, pescador e presidente da Colônia Z9

50

 Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense – Fluminense  – Conleste,  Conleste, é formado além de Itaboraí, pelos municípios de Niterói, São Gonçalo, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de  Abreu, Guapimirim, Magé, Maricá, Rio Bonito, Silva Jardim e Tanguá. Segundo dados da empresa, o objetivo é de definir estratégia e atuação conjuntas diante dos possíveis impactos sociais decorrentes da implantação do megaprojeto de investimento do C omplexo.

120

à época, por volta de 2006, após a seguinte pergunta realizada, no contexto, de uma entrevista:

Entrevistador: O melhor seria que o Comperj não viesse pra cá? Entrevistado: Na verdade, não. Não havia nada sendo feito pra dar uma melhorada pra gente. De repente, com a indústria pode ser que a gente consiga tirar alguma coisa do governo. Porque ao mesmo tempo que ele deixou a industria lá, a gente pode forçar uma barra pra que ele melhore. Se a gente for esperar que os municípios façam alguma coisa para gente, a própria Petrobras já começou esse mês uma mesa de dialogo com a gente. (...)a outra coisa é que se pudesse criar um mecanismo que se pudesse ajudar na área de pesca. De repente dar uma ajuda pra própria colônia para poder dar um suporte maior. Mas que não passe pela prefeitura, porque nós já temos experiência que se chega na prefeitura não chega na pesca....a idéia é que nós tivéssemos um acesso direto com essas empresas.

Diante da inevitabilidade e da grandiosidade do empreendimento, bem como da situação precária em que se encontravam, as lideranças de pescadores partiram inicialmente para o diálogo e para a negociação. Nesse sentido, apresentava-se Alexandre Anderson (presidente AHOMAR), há quatro anos:

Eu penso assim, como acho que a maioria dos meus companheiros pescadores pensamos, que nós devemos analisar os prós e os contras. Os contras nós já vivenciamos. Já vemos o contra no nosso cotidiano. Então, o que nós pedimos, em momento nenhum nós queremos atrapalhar ou até mesmo impor algo a esses empreendimentos que são muito vitais para o nosso progresso do nosso país. Nós queremos sim que seja reconhecido pela PETROBRAS, pelas outras entidades, como nós pedimos também, fizemos várias reuniões com a Suzano Petroquímica, que é um empreendimento que está em fase de operação, para poder reconhecer a nossa presença na área . Então, eu peço a PETROBRAS, mais uma vez, que procure a nossa comunidade. Estamos abertos prá um diálogo. diálogo . Como já estamos tentando um diálogo por bastante tempo. Nós queremos viver junto com a PETROBRAS nesse empreendimento, nesses empreendimentos grandiosos.

É importante que o tom desta última declaração fique registrado para o leitor, pois outras declarações da mesma liderança serão expostas, declarações essas que se analisadas em seu conjunto possibilitam um bom panorama da

121

evolução dos conflitos, e, sobretudo da transformação dos discursos, e ações políticas dos pescadores, que vêm tendo na voz desse interlocutor sua principal expressão pública.

122

Capítulo 5. Da negociação à exacerbação dos conflitos: o início de uma luta por justiça ambiental  A instalação do Complexo Petroquímico em Itaboraí foi um evento festejado. Um verdadeiro consenso foi construído e incorporado pelos atores sociais locais, resultado direto de uma forte campanha, e das promessas movimentadas pelo governo estadual e pelos municípios do Conleste 51, que gerando grandes expectativas sociais. O Comperj e seus empreendimentos foram entendidos como a redenção socioeconômica para a região da Baixada, comumente alijada dos processos de desenvolvimento e modernização da região metropolitana do Rio de Janeiro. Estudos da Fundação Getúlio Vargas determinavam em torno de 200 mil empregos diretos e indiretos originados com o empreendimento. Previam ainda cerca de 720 novas empresas a serem instaladas até 2015 para a região. Escolas técnicas de capacitação (o Centros de Integração) começaram a ser construídos com o objetivo de incluir a população local como mão de obra do empreendimento. Uma análise pormenorizada das quatro audiências públicas do Comperj demonstra a forte aprovação dos atores sociais locais ao empreendimento, cujas manifestações por inclusão de suas respectivas localidades nos projetos de “desenvolvimento” conferiam a tônica de suas falas. A participação de pescadores, relativamente pequena, nessas instâncias de participação popular, não se diferenciara dessa posição. O presidente da Associação Homens do Mar, que posteriormente tornar-seia o mais contundente opositor dos projetos, declarava naquele momento a importância da inclusão de pescadores nos postos de trabalho oferecidos pela empresa.

51

Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento do Leste Fluminense – Fluminense  – Conleste,  Conleste, é formado além de Itaboraí, pelos municípios de Niterói, São Gonçalo, Cachoeiras de Macacu, Casimiro de  Abreu, Guapimirim, Magé, Maricá, Rio Bonito, Silva Jardim e Tanguá. Segundo dados da empresa, o objetivo é de definir estratégia e atuação conjuntas diante dos possíveis impactos sociais decorrentes da implantação do megaprojeto de investimento do C omplexo.

123

(...)eu tenho uma relação de 670 pescadores, eu tenho um grau de 70% de analfabetismo fica inviável colocar dentro dos empreendimentos. Fora a concorrência desleal com pessoas de todo o Rio de Janeiro e fora do Rio. E...e se falar da questão também da questão da empregabilidade fica muito é no papel. Porque nós verificamos que temos hoje um projeto GNL e o projeto GNL foi prometido e se e a Audiência Pública se aproveitar do máximo de mão-de-obra pro se local. Eu não consigo ver isso na minha comunidade. Eu sou vizinho do canteiro de obra da GDK. Nós verificamos muita gente vindo da Bahia, São Paulo, Minas Gerais, com a desculpa que é mão-de-obra qualificada. Então porque não nos qualificaram antes, gente? Por que não verificaram isso antes, hein? (fala de Alexandre Anderson, na Audiência Pública Comperj em Guapimirim, Março de 2008))

Entretanto, a empresa, previamente à ocorrência das audiências públicas,  já havia realizado contatos com os pescadores, criando importantes expectativas para o futuro desses atores sociais, que a princípio, seriam os únicos negativamente impactados. No momento das audiências públicas, que podem ser entendidas como um rito de anuência ou de rejeição dos empreendimentos pela população, já eram apresentados os meios criados pela empresa de negociação direta com os pescadores. Na Audiência Pública ocorrida em Itaboraí, um representante da empresa, após algumas colocações da platéia sobre a pesca, citava o fórum específico para a pesca que já ocorria: Petrobras recentemente estabeleceu um... uma mesa de diálogo, é... com representantes da pesca. É... essa, essa mesa de diálogo tem representantes eleitos das colônias de pescadores, no caso, da colônia Z8, senhor Gilberto. É... também outro senhor Gilberto da cooperativa Marcílio Dias, representando as cooperativas de pesca. Senhor Vilmar, os maricultores da Baía de Guanabara. É.. a associação dos pescadores e de car.. o senhor Daniel, escarnadeiras de siri, senhora Eliane e os caranguejeiros e manguezal, senhor Aderbal. Então foi feito é... uma mesa de diálogo com representantes da PETROBRAS, representantes da área de meio ambiente corporativo. Também áreas de que... conduzem outros empreendimentos, é... da PETROBRAS, que têm influência na Baía de Guanabara, como a área de gás e energia. Então, é... a próxima reunião se dará no próximo dia 12, dia 10, o local ainda a ser definido com a agenda, e a nossa agenda lá, é... tem uma agenda de curto prazo de qualificação, é.. de alternativas derenda. É.. e tem uma agenda bastante completa, então eu... se tiver alguma dúvida ainda, poderá procurar esses representantes que foram eleitos é..

124

Flavio Torres. Torres. Um dos representantes da Petrobras na Audiência Pública de Itaboraí em Março de 2008.

Na realidade, os trabalhos para se estabelecer essa aproximação, essa instância de negociação entre as partes, claramente mantidas sob o caráter privado, entre a empresa e os pescadores, eram muito anteriores, ao ano de 2008, ano das audiências públicas para o licenciamento do Comperj. Desde 2006 já haviam sido iniciados os processo de aproximação e negociação entre a empresa e os pescadores. Essa antecipação do diálogo e negociação, originada como iniciativa da empresa, ainda nos preparativos para o processo de licenciamento, pode ser lida, como o fez Giffoni Pinto (2010) no caso da Aracruz Celulose no Norte do Rio de Janeiro, como resultado direto da influência exercida pela crítica social nas estratégias sócio-territoriais da empresa, a partir da articulação dos movimentos sociais críticos. Nesse caso, seria uma estratégia de expansão e controle de territórios, com a cooptação da crítica e de seus autores mais contundentes.  A intencionalidade e os motivos para o estabelecimento de uma relação dialógica desse tipo, entretanto pareciam combinar com os anseios dos pescadores. Isso porque, como vimos tratando desde o início, parecia de interesse dos pescadores, canalizarem as oportunidades de transformação, que o aporte da indústria poderia oferecer para as condições da pesca na região, já em processo evidente de declínio.

5.1. A mesa de diálogos Petrobras - Pescadores Desde o surgimento das primeiras informações sobre a localização do empreendimento, os pescadores perceberam que os impactos poderiam ser desastrosos e resolveram também procurar a empresa. São variados os relatos que informam as iniciativas tanto das colônias de pesca como das associações, nesse sentido. Pelas suas experiências pregressas, entendiam que a arena da  justiça não seria a mais apropriada para dirimir seus conflitos, em face do poder da empresa em alcançar seus objetivos ou mesmo de protelar indefinidamente

125

suas possíveis perdas, como vem acontecendo com o processo judicial do vazamento de óleo de 2000.  A empresa, como já aludido, decidira estabelecer uma “mesa de diálogos” entre Petrobras e Pescadores. Métodos administrativos que têm se tornado usuais, sobretudo no exterior, as “resoluções negociadas de conflitos ambientais”, como a “mesa de diálogo petrobraspetrobras -pescadores”, possuem uma tônica no que diz respeito a seus objetivos principais: todas anseiam por rapidez e efetividade de resultados; redução de custos administrativos e judiciais; redução de duração e reincidência dos litígios; facilitação da comunicação e promoção de ambientes cooperativos; enfim, transformação e melhoria das relações sociais. Na literatura acerca desses procedimentos, é comum mencionar-se mencionar-se os tribunais “abarrotados”, a demora e a dificuldade de se chegar a uma solução definitiva e o risco de um ente não conseguir “levar nada”, dado poder “perder” integralmente caso não haj a negociação prévia (VIEGAS, 2007). Os pescadores inicialmente receberam bem a iniciativa. De fato, diante do volume diferenciado de poder, capital material e social da empresa, do ponto de vista dos pescadores, uma resolução negociada parecia ser mais profícua, por no mínimo quatro motivos. Primeiro, representava uma possibilidade real de voz acerca das definições de seus territórios, o que nunca fora comum para eles, vide o histórico de alterações na Baia de Guanabara, e em particular suas relações com o setor público. Segundo, ao contrário de suas experiências com o “governo”, com a empresa esperava-se mais rapidez e efetividade nos acordos, esperança alimentada pelo sistema de representações mais amplo que contrapõe diferenças de rapidez e eficiência entre o setor público e privado. A preferência por negociações com a empresa, em detrimento do setor público, pôde ser observada nas reuniões da “mesa”, em diversas manifestações por parte dos pescadores, que relutavam a aceitar o Ministério da Pesca como mediador de quaisquer projetos. Terceiro, que suas necessidades cotidianas são naturalmente mais urgentes que a escala de tempo usual das decisões judiciais, o que torna a possibilidade de negociação direta sempre menos danosa. E, por último, para

126

grande parte das lideranças da pesca, a mesa de negociação poderia significar financiamento para pequenas e médias melhorias em suas capacidades de gestão (observamos durante o curso dos encontros diversas lideranças requerendo financiamento para equipar sedes de associações e Colônias de pesca, cursos de capacitação para gestores etc.). A colônia Z9, em Magé, ganhara de fato recursos para a realização de obras em sua sede e a construção de um pequeno frigorífico para a comercialização do pescado. Dessa forma, desde o anúncio dos impactos que seriam gerados para a pesca na Baia de Guanabara, a postura tanto da empresa quanto das variadas representações da pesca foi a de uma aproximação mútua. Por seu turno, o estabelecimento da mesa, representava para a empresa o viés de construção de um consenso em volta do empreendimento, ao incorporarem o único grupo social discordante na região e, notadamente aquele negativamente impactado. Além disso, representava passos na afirmação de uma imagem pública de responsabilidade social soci al “mais dialogada” 52, de todo modo relevante no contexto brasileiro, onde programas de responsabilidade social têm como características comuns a obstinada relutância a interagir com a esfera pública ou a dialogar com as principais demandas provenientes da sociedade (GIULIANI, 2007).  A mesa de diálogos Petrobras-pescadores foi instituída sob tais auspícios. Suas reuniões, que eram mensais, foram realizadas na Universidade da Petrobras, no centro do Rio de Janeiro, e contavam com a presença maciça de lideranças da pesca, principalmente representantes das colônias atuantes na Baia de Guanabara (Z8, Z9 e Z10), representantes da Federação das Associações de Pesca do Rio de Janeiro (Fapesca), lideranças e representantes de diversas 52

O estabelecimento de um fórum dialógico funciona como um surplus na construção da imagem de empresa responsavel ambiental e socialmente, como observa-se observa-se no blog da empresa “Fatos e DadosDados- Petrobras” que menciona o seguinte texto: “A Petrobras mantém diálogo regular com as lideranças das comunidades de pescadores, com reuniões mensais para a discussão das suas demandas. A Companhia reafirma seu compromisso com o m eio ambiente e a segurança e saúde das comunidades em que está presente.” in:

http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2010/10/25/pescadores-de-mageresposta-a-folha/

127

associações isoladas de pesca na Baia de Guanabara, bem como representantes do Ministério da Pesca, da Fundação Instituto de Pesca do Estado do Rio de Janeiro, em suma, uma representação do esquema tripartite Estado-MercadoSociedade. Desde o início chamou-nos atenção o fato de não haver nenhum representante do Ministério Público, nem de órgãos públicos propriamente ambientais, sugerindo um ambiente de acordos que se estabelecia no âmbito privado. Em nossas observações (freqüentamos cinco das reuniões mensais), pôdese ter acesso às dificuldades e problemáticas dessa iniciativa. No âmbito do espaço de negociação, algumas regras foram colocadas de início pelos representantes da Empresa: quaisquer temas já tratados em outras arenas públicas não seriam objeto de debate ou negociação naquele fórum. Destarte, os impactos sofridos pelo derramamento de óleo de 2000, ou pelos empreendimentos atuais no âmbito do Comperj e de seus empreendimentos correlatos, como por exemplo, exclusão de áreas para a pesca, não poderiam ser tratados na mesa de diálogos em face desses temas terem sido compostos em outras arenas, o primeiro em processo judicial, e o segundo, já legalmente licenciado pelos órgãos estatais.  A mesa de diálogos caminhou no sentido então de definir um conjunto de projetos com objetivos variados, tais como: a) a modernização das condições da pesca; b) um censo socioeconomico dos pescadores da Baia de Guanabara; c) a recuperação ambiental de áreas da baia, sob o apoio dos pescadores, e; d) a capacitação de mão de obra em outras atividades, não relacionadas diretamente à atividade de pesca, como o replantio de mangues e limpeza dos resíduos sólidos da Baía, com a utilização da mão de obra dos pescadores. Um dos projetos, de iniciativa da empresa, tratava-se da construção de um pregão eletrônico para a comercialização do pescado, que traria como conseqüência o aumento de lucratividade dos pescadores mediante a eliminação do papel dos atravessadores. A tônica dada a esse projeto, todavia ficou a cargo da empresa, visto não ter sido iniciativa dos pescadores, sobretudo por não figurarem em seus domínios de saber os conhecimentos técnicos necessários.

128

 Ainda outro projeto, exaustivamente discutido, e que movimentou apreensões e desejos da maior parte dos grupos da pesca, tratava da construção de píeres para atracadouros, em algumas comunidades, e em seus pontos de desembarque do pescado. Certamente, um dos temas mais discutidos, enquanto durou a mesa de diálogos. Com eles, os diversos grupos de pescadores ali representados, ansiavam obter resultados práticos, em forma de benfeitorias concretas, materiais e visíveis, das compensações da empresa, e de seu compromisso. Tanta expectativa causara proporcional decepção, quando perceberam depois de mais de um ano de mesa de diálogos que nenhum píer começara a ser construído. Os representantes do setor de responsabilidade socioambiental da empresa, que dirigiam as reuniões, afirmavam que as obras dependiam de estudos de engenharia, todavia, durante toda a mesa de diálogos, estes não foram apresentados. Era comum ouvir entre os pescadores expressões de certo “amarramento” da Petrobras em realizar tais construções. Os píeres representavam mais do que obras de facilitação da atividade pesqueira para as diversas comunidades de pescadores existentes na Baía de Guanabara. A construção deles, pela Petrobras, produziria marcos concretos de delimitação e presença dessa atividade, representando assim o reconhecimento, a oficialização, e a permanência dos pescadores nas diversas localidades da Baia de Guanabara. O demorado e conturbado processo para a construção de um Terminal Pesqueiro no Rio de Janeiro, projeto do Ministério da Pesca ,que inicialmente seria alocado na Ilha do Governador, e que já se arrasta há alguns anos, talvez padeça da mesma lógica, qual seja, a evitação de registros públicos, bem como estímulos para a reprodução local da pesca, no interior da Baía de Guanabara. Todos esses fenômenos sugerem, como vimos mencionando no decorrer do trabalho, representações sociais mais amplas da pesca e do pescador na Baía de Guanabara, como uma atividade inexistente, “fora de lugar”, em declínio.  Após muitos encontros, com palestrantes do Ministério da Pesca, do setor de responsabilidade socioambiental da empresa, nenhum projeto conseguira alcançar consenso. Os píeres, por sua vez, foram de fato postergados. Apenas

129

três projetos foram empreendidos e executados no âmbito da mesa de diálogo. O projeto “Baía Limpa”, o projeto “Mangue vivo” e o curso “moço de convés” 53. O oferecimento da empresa para que lideranças de pescadores estabelecessem projetos de cunho local, constante no decorrer da mesa de diálogos, era no geral rechaçado pelos pescadores que desejavam compensações mais efetivas do que os “projetos” aos quais já estavam acostumados.  A Petrobras depois de muita negociação trouxe como idéia, a construção de um “plano de desenvolvimento sustentável” para a baia de Guanabara. Um dos problemas que freqüentemente surgia por parte de ambos os atores era a de um maior conhecimento acerca das restrições e possibilidades da pesca na Baia de Guanabara, visto que a Petrobras não era o único ator de influência direta sobre a pesca na região. Portanto parecia interessante do ponto de vista da empresa poder avaliar o grau de responsabilidade de outros atores, empresas e governos, sobre a situação da pesca e a degradação da Baía. Surgiu então, uma proposta trazida pelo presidente da Federação das Associações de Pesca da Baia de Guanabara (Fapesca) de um seminário acerca da pesca na Baia de Guanabara sob o intuito de se discutir e conhecer as diversas condições da baia, bem como propor estratégias “sinérgicas” entre os diversos atores, dentre eles, a Marinha do Brasil, o IBAMA, O ICMbio, universidades e institutos de pesquisa, e empresas com atuação na área. Criava-se, como expectativa para este seminário, a ideia de um encerramento do ciclo da “mesa de diálogo”, e início de outro, mais propositivo, que ainda não estaria claro como ocorreria. O seminário contou com apresentações de diversas pesquisas acerca da qualidade ambiental da Baia de Guanabara que, no geral, demonstravam que a qualidade da baia não fora tão duramente afetada após 2000. O seminário, 53

Conforme descrito no capítulo 2, o “Baía Limpa”, foi um pr ojeto pr ojeto que empregou cerca de 1000 pescadores. A Petrobras pagava uma salário fixo por mês para que pescadores e suas embarcações realizassem a limpeza do lixo sólido flutuante na Baía e Guanabara. O projeto “Mangue Vivo” também financiado pela empresa empre gou pescadores e catadores de caranguejo de Magé no replantio de mudas de mangue naquela região. E o curso “ Moço de Convés” foi o único idealizado ide alizado por uma liderança da pesca, e tratava-se de capacitação para se trabalhar em embarcações de navegação civil. Na prática a idéia era de que pescadores e filhos de pescadores poderiam ser empregados nos quadros da Petrobras. O Curso só formou uma turma, sem grandes resultados práticos.

130

ocorrido num centro de convenções em um hotel no centro do Rio de Janeiro tornou-se o ocaso da mesa de diálogos, após ele, segundo os relatos colhidos, não houve mais aproximação, ao menos publicamente, entre lideranças da pesca e a empresa. Enfim, dessa forma, a mesa de diálogos não se tornara propriamente um espaço de discussões, negociações e acertos dos impactos vividos na atividade da pesca, mas apenas de determinados projetos compensatórios, no âmbito de atividades do tipo de “responsabilidade socioambiental” das empresas. Giuliani (2007) adverte para o imbricamento entre as ações de responsabilidade social (RSE) e responsabilidade ambiental das empresas (RAE). Segundo seu argumento, uma é qualitativamente diferente da outra, em virtude de suas origens serem também distintas. A RSE por ser originalmente ligada às atividades de filantropia, mantêm-se mantêm- se firme em sua dimensão de “iniciativa privada” das empresas. Contudo, ganha força como uma palavra de ordem absolutamente nova e moralmente imperiosa, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 90, tornando-se mais insistente quando é mais forte a desregulação do mercado e mais enfraquecidos os direitos trabalhistas. A RAE, no entanto, tem como origem, as pressões do movimento ambientalista, e o processo de regulação iniciado que vem se aperfeiçoando no âmbito nacional e nos acordos internacionais, levando as empresas a “terem que” se que” se modernizar ecologicamente, seja para se antecipar as leis, que fatalmente irão condenar certas práticas correntes, seja para buscar uma colocação vantajosa nas competições de mercado. Dessa forma, para as empresas embora haja um constrangimento externo e maior (seja normativo, seja de inserção no mercado) por ações típicas da chamada RAE, elas tendem a amalgamá-las à discricionariedade e ao caráter proativo das ações desenvolvidas no âmbito da RSE, influenciando em última análise a hierarquia das formas institucionais, ao produzirem regras e ações (programas sociais, cartas de princípios, códigos de conduta, projetos ambientais) numa espécie de soft law , por serem regras não impostas, mas voluntárias.

131

 A lógica que orienta a responsabilidade social das grandes empresas, como reforço para as justificações do crescimento em termos de “progresso” e “modernização”, engloba dentro de si a responsabilidade ambiental, a submete aos interesses corporativos e a usa para empalmar leis e normas coletivas em campo ambiental. am biental.

Essa reflexão nos ajuda a pensar o porquê nas negociações da mesa de diálogos tornou-se proibido tratar de temas relacionados diretamente aos impactos na atividade pesqueira, no caso, as compensações financeiras pelo derramamento de óleo de 2000, e as negociações acerca dos impactos da exclusão de territórios da pesca, pelos empreendimentos em andamento. As negociações que giravam apenas em torno de projetos a serem desenvolvidos e financiados pela Petrobras em parceria com as comunidades pesqueiras (a construção de píeres nos locais de desembarque pesqueiro, programas de despoluição executados pelos pescadores, a formação de curso de capacitação etc.) representavam o caráter “discricionário”

de

compensações

sob

o

título

da

responsabilidade

“socioambiental” da empresa. O financiamento desses projetos específicos e pontuais não alcançava o núcleo dos interesses dos pescadores, mas demonstravam a disposição da empresa em construir dispositivos de “S oft Law”, incorporando as insatisfações sociais, e retribuindo-as com financiamentos pontuais.  As compensações ambientais, por seu turno regulamentado, já estavam previstas como obrigação da empresa em passar recursos para as Unidades de Conservação. No campo legal-burocrático, a empresa demonstrava não haver negociação possível, objetivados que estavam seus empreendimentos, pela anuência dos órgãos estatais e pelo trâmite dos processos judiciais. Estava, isto sim, disposta à realização de atividades típicas de responsabilidade social para com os pescadores, que, como já demonstramos, se caracterizam em geral pelo caráter privado de suas ações de financiamentos, em uma espécie de contrato “fraco”.  Apesar da mesa de diálogos aparentarem um espaço para a resolução negociada dos conflitos com os pescadores, onde estratégias de resolução que

132

tocassem o núcleo das divergências poderiam receber tratamento adequado, ela se mostrou como um espaço para financiamento de pequenos e médios projetos, deslocando o foco central do tema do conflito ambiental, inicialmente formulado como um tema de justiça e distribuição. Conforme lembra Viegas (2007), em diversos países como Estados Unidos, Canadá, China, França, Inglaterra, Noruega, Espanha etc., o instrumento de resolução de conflitos é bastante utilizado. No Brasil apesar de não haver uma tradição nesse sentido, um número cada vez maior de empresas do porte da Petrobrás, Embratel, General Electric etc. usam a arbitragem como forma de acelerar a solução de suas divergências contratuais. Esse intento de “desjudicialização” é compartilhado pelo campo do Direito. Segundo Couto e Carvalho (2002), os estudiosos do direito processual têm procurado, nas últimas décadas, formas ou métodos alternativos para a solução de litígios individuais ou de massa (que envolvem direitos difusos e coletivos). Busca-se um instrumento político de pacificação social que seja hábil a prestar a efetivação da tutela perseguida pelos jurisdicionados. É nesse quadro que surgem formas alternativas de solução de conflitos intersubjetivos, difusos e coletivos, que se apresentam através dos institutos de arbitragem e de técnicas diversificadas de composição amigável, tais como a transação, a conciliação e a mediação. Viegas(2007) entretanto questiona a aplicação de técnicas “importadas” de resolução negociada de conflitos e sua adequação às especificidades locais. Para o autor, a resolução negociada de conflitos de cunho ambiental no Brasil carece de um conserto de instituições e entidades mediadoras, como no caso da França e dos Estados Unidos, por conseguinte produzindo um esvaziamento do espaço público brasileiro, em prol de resoluções cada vez mais privatizadas das políticas públicas. Seria esse um reflexo do retraimento do Estado, que transfere suas responsabilidades para o setor privado, seja através das empresas, seja através das organizações não-governamentais (ONGs). No Brasil, como afirma o autor, o setor privado tem escassa tradição de ações de interesse público e forte tendência a se apropriar de parcelas do próprio aparelho estatal, por outro lado, as características do projeto moderno brasileiro trazem importantes limitações em

133

virtude das extremas desigualdades, o que torna esse tipo de diálogo de difícil execução. Demonstrando a pertinência da pergunta simples de Herculano(2006): podem os conflitos ser bem geridos em sociedades que não apenas são plurais, mas desiguais? No caso da mesa de diálogos instituída pela Petrobras, os acordos de convivência e compensação dos impactos não foram bem articulados, causando nas comunidades de pescadores, uma ubíqua sensação de frustração. Na realidade, os encontros mensais ficaram restringidos a uma espécie de “balcão” de projetos, demonstrando as dificuldades de uma eficaz metodologia de resolução negociada de conflitos. Por ocasião da mesa de diálogos, pôde-se reafirmar uma clara distinção entre dois grupos de lideranças da pesca: aqueles que procuravam tratar dos projetos de forma consistente, projetos de cunho menor, como a construção dos píeres, e os que achavam que aquele era o momento de se discutir compensações financeiras com a empresa, (considerados os mais radicais e liderados pela Ahomar), a despeito das limitações colocadas pelas mesmas desde o início do fórum. A posição dissidente da Ahomar, e das associações ligadas a ela, nas reuniões da mesa de diálogos era concebida pelos outros atores da pesca como representação de “baderna”, manifestada em grupos que “desejavam atrapalhar as negociações”, já dificultadas entre pescadores e empresa. Enquanto para boa parte dos participantes, o momento de resolução chegava ao fim, pela generalizada desarticulação entre os líderes da pesca, para os grupos e associações ligados à Associação Homens do Mar, a lutas reivindicatórias ganhavam maior terreno, na medida em que na ausência de “pequenos projetinhos”, poder-se-ia poder-se-ia estimular a crescente coalizão do maior número possível de pescadores. Dessa forma trabalhava-se a coalizão em torno da Ahomar: externamente, acirrando o protesto público contra a Petrobrás, procurando aliados e levando suas manifestações à mídia, e, internamente, articulando-se em um discurso único, denunciando e sabotando as estratégias de empresa em financiar projetos “cala“cala -boca” para uns, e não pra outros:

134

Tava tendo briga por causa de peixe, aí eles fizeram o “baía limpa”, mas aquilo era um cala boca...Aqueles que ta próximo da colônia eles avisam, mas quem ta longe não fica sabendo. (Pelé, pescador de Magé)

5.2.Associação Homens do Mar: a construção do confronto político dos pescadores. Em 2003 onze lideranças da baia de guanabara reuniram-se e constituiram o “Grupo Homens do Mar”, em face dos impactos negativos relativos à atividade pesqueira, ocasionados com a instalação do empreendimento petrolífero PE-3 54. Com o passar dos anos esse grupo passou a participar de fóruns relativos à pesca, como o Conselho gestor da APA Guapimirim, e o conselho da região da bacia hidrográfica da Baía de Guanabara. Em 13 de janeiro de 2007, foi fundada a  Associação Homens do Mar, contando já com 226 associados de toda a Baia de Guanabara, mas especialmente da região de Magé, reduto de seus associados. Na praia de Mauá, em Magé, é onde aloca-se desde então sua sede.  A Ahomar reúne outras entidades da pesca, chamadas por seus diretores como associações “irmãs”, entre as quais:  quais:   Associação dos pescadores de Porto Chacrinha, Associação dos pescadores da Praia dos Bancários,Cooperativa Marcílio Dias (MARCOOP) e Associação de Pescadores de Porto Velho (AMPOVEP). Iniciada localmente na praia de Mauá, no município de Magé, seus braços políticos e seu alcance ocorreram em virtude de um esforço de seus diretores em incorporar os anseios de outras representações, numa coalizão, entre associações, seus diretores e associados. Dessa forma, a Ahomar, desde os primórdios intentou uma representação dos pescadores da Baia de Guanabara como um todo. Diferença fundamental entre esta associação e as demais, que são por característica, vinculadas aos pertencimentos locais de vizinhança. Para isso, seus diretores passaram a freqüentar e realizar assembléias públicas em diversas comunidades, para além de seu domínio local. 54

Oleoduto PE3, que interliga a refinaria Duque de Caxias ao Terminal da Ilha D'Água, garantindo o transporte e a exportação de produtos escuros por 17 quiilômetros ao longo da Baia de Guanabara

135

Boa parte do trabalho no campo político da pesca, na Baia de Guanabara, realizado pela Ahomar deve-se à eficaz liderança de um dos seus diretoresfundadores, Alexandre Anderson. Nascido na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de Outubro de 1970, mais especificamente em Madureira, a história de Alexandre não corresponde às imagens de pescador artesanal. A liderança não nasceu “na pesca”, não é de família de pescadores. Tem ensino formal (segundo grau completo), e um currículo de trabalhos técnicos dentre os quais de marítimo no porto do Rio de Janeiro.  Apesar de não se constituir em um pescador de tradição (é pescador há apenas cinco anos), maneja bem as categorias do universo da pesca. O líder foi o primeiro a entender que, menos que um balcão de negócios, os pescadores precisavam se coadunar sob uma coalizão crescente diante do poder da empresa e dos demais atores na Baia de Guanabara. Suas qualidades individuais também tornaram-se facilitadoras desta posição. Alexandre detém grande capacidade de comunicação, maneja bem os meios eletrônicos, e tem evidente talento para a busca de aliados cooperativos.

5.2.1. As manifestações contra o Grupo GDK e a consolidação da resistência em torno da entidade. No final de 2007, a Petrobras por meio da construtora GDK dá início às obras do Terminal Flexível GNL da Baía de Guanabara e do Projeto GLP da Baía de Guanabara. Um canteiro de obras é construído junto à margem da praia de Mauá, exatamente ao lado da sede da Associação Homens do Mar. Neste local há um píer de atracadouro dos pescadores artesanais da localidade. Por mais de um ano, os pescadores resolveram se aproximar e procurar debater formas de compensação financeira em contatos diretos com os representantes da empresa. Em abril de 2009, um grupo de, aproximadamente, cem pescadores se reuniu na praia de Mauá, organizados pela Ahomar  –  Associação Homens do Mar, visando paralisar as obras obra s de construção do duto de gás GLP pela Petrobrás que estavam sendo implementadas pelo Consórcio GLP – GLP  –

136

Submarino (formado pelas empreiteiras GDK S.A e Oceânica Engenharia Submarina).  A notável paralização durou mais de 40 dias, com cerca de quarenta barcos e pescadores revesando e realizando vigílias a frente dos primeiros blocos de dutos (fotos). Foi a partir desta paralização que se deu maior visibilidade à  Associação Homens do Mar, enquanto instituição aglutinadora e representante de uma força de resistência dos pescadores da Baia de Guanabara aos novos empreendimentos.

Ocupação dos pescadores das balsas utilizadas para a instalação dos dutos submarinos.

 Alegando que a manifestação dos pescadores impedia a continuidade das atividades do empreendimento, o Consórcio GLP Submarino ingressou, em 17/04/2009, com uma Ação Cautelar com pedido de Liminar (Processo No

137

2009.075.003047-8) contra a Ahomar, visando impedir a mobilização dos pescadores próximo ao local da execução da obra, tendo obtido a liminar em 22/04/2009 (decisão publicada no D. O. em 28/04/2009), que condenava a  Ahomar à obrigação de fazer, consistente em não obstar a continuidade das obras do empreendimento, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), posteriormente elevada para R$ 200,00 (duzentos reais).  A Ahomar não foi intimada dessa decisão, d ecisão, mas no n o dia 14 de maio de 2009, os pescadores foram surpreendidos pela manhã com uma operação do Grupamento Aéreo Militar  –   –  GAM, a Polícia Especial da Polícia Militar na mobilização que faziam na Praia de Magé. Segundo os oficiais do GAM, tratava-se de uma operação em nome da Ilustríssima Juíza, Dr. Suzana Vogas, que solicitou o apoio do grupamento para proceder a intimação de medida liminar deferida no dia 22 de Abril de 2009.

138

Chegada das forças policiais com o objetivo de finalizar a ocupação dos pescadores.  Apesar de interessante do ponto de vista conflitivo, as manifestações na Baia de Guanabara não proporcionaram a visibilidade midiática requerida. A atenção chamada para o conflito, só fora se efetivar posteriormente em virtude do assassinato do tesoureiro da Associação Homens do Mar no dia 22 de Maio de 200955 , apenas 2 dias depois da repressão às manifestações e exatamente no dia em que as obras foram embargadas pela prefeitura de Magé. Se o evento da paralisação ganhou ressonância pública questionável, na interpretação de um contingente maior de pescadores ele foi demarcatório da bandeira política do movimento de protesto, que começava a ganhar legitimidade interna no universo da pesca, formando uma das instituições mais combativas da Baia de Guanabara, que passava a ser assim incorporada pelos próprios pescadores, pela empresa e pelo governo a Associação Homens do Mar.

55  Conforme análise das notícias de jornal à época da paralisação há diversas matérias relacionadas à morte do tesoureiro, mas nenhuma anterior anteri or à ela, que desse visibilidade ao conflito: “Tesoureiro da associação de pescadores é morto em Magé” ( O GLOBOGLOBO - 24/05/2009); “Pescador é assassinado em Mage”; “Pescador que lutava contra obra da Petrobras é morto em Magé” (Extra on line – 27/05/2009). –  27/05/2009).

139

5.2.2. A organização do discurso nos termos da justiça ambiental. Pôde-se verificar claramente, no acompanhamento do processo de luta da  Ahomar e de seus líderes, em especial e special Alexandre A lexandre Anderson, a construção de um discurso bem definido, de contrariedade, resistência e oposição aos impactos e as formas com que a empresa e governo vinham tratando a situação dos pescadores da Baía de Guanabara. Esses atores “desnaturalizaram” os discursos hegemônicos, que incitavam as negociações nos termos da empresa, e passaram a enxergar outras possibilidades, para além das negociações de cunho localista e pontual com a empresa. Os discursos e argumentos difundidos pelos movimentos ambientalistas, em especial aqueles ligados ao movimento por justiça ambiental, que no Brasil têm como importante institucionalização, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental, da qual a Ahomar passou a fazer parte, foram incorporados

140

pelos atores locais, capitaneados pela influência crescente que a Associação Homens do Mar passou a ter no campo da pesca, não apenas da Baía de Guanabara, mas no Estado do Rio de Janeiro.  A Ahomar não parou de crescer cr escer desde então, tanto em número de adeptos quanto em projeção. Chaves(2010) computou o aumento quantitativo dos associados da Ahomar. Quando a Ahomar foi fundada, em 13 de Janeiro de 2007 contava com 226 associados. Em 2009, após os protestos e da paralisação das obras na praia de Mauá, esse número aumentou 131%, contando com 523 associados. Em 2010, segundo entrevista com o presidente da associação, realizada em 20 de Março de 2010, cerca de 750 (setecentos e cinqüenta) pescadores da Baía de Guanabara estavam associados à Ahomar, um aumento de 143% em relação a 2009. Atualmente, há mais de mil associados, lembrandose, entretanto, que por ser uma associação de pesca, portanto, naturalmente, de cunho localista, esse aumento gradativo de associados era de se esperar. Esse processo se deveu primeiramente às manifestações e protestos estimulados pela  Ahomar, que pretendia desde o início falar em nome dos pescadores “como um todo” da Baía de Guanabara, transpondo localismos, e mesmo as distintas posições políticas, normalmente presentes entre associações e

colônias de

pesca. Fundamental nessa construção do processo de resistência foi a publicização dos argumentos em torno da “injustiça ambiental” e do discurso dos direitos humanos dos pescadores. Dessa formas, as entidades ligadas à Ahomar passaram a transitar em outros campos, e ganhar o apoio de outros atores, sobretudo o de ONGs, e movimentos sociais. A Ahomar passou a ser apoiada no âmbito dos processos judiciais: a ONG de defesa de direitos humanos Mariana Crioula passou a assessorá-la juridicamente, e no âmbito dos protestos e argumentos litigiosos, as entidades ambientalistas também foram fundamentais. A  APEDEMA, uma tradicional rede de ONGs ambientalistas do Rio de janeiro, fornecia serviços mediante seus quadros técnicos e gerenciais que instruíam sobre os procedimentos, em manifestações e contatos com a empresa.. Foram

141

dessas parcerias que saiu uma fundamental ferramenta para o processo de luta: a construção do “mapa da exclusão da pesca”, sob apoio técnico de colaboradores da APEDEMA. O mapa realizou a compilação das informações geográficas dos empreendimentos previstos na Baía de Guanabara e suas áreas de segurança, demonstrando a irrisória área liberada para a pesca com os empreendimentos previstos.

142

143

 A importância dos mapas para a comprovação dos processos de desterritorialização em curso na Baía de Guanabara foi ratificada com um segundo mapeamento, realizado pela estudante de mestrado em geografia, da UERJ, Carla Ramôa Chaves. Em seus “mapeamentos participativos” a autora chegara a seguinte conclusão: Os mapas mostram que, apenas 25% (vinte e cinco por cento), aproximadamente, da Baía de Guanabara, está livre de qualquer restrição. Logo, estas áreas são livres para a pesca. Incluindo a Área de Influência Indireta (AII) dos dutos e terminais, esta área reduz para 12% (Doze por cento). As AII não são áreas que proíbem a pesca, porém o constante trabalho dos dutos, que aumenta a temperatura da água e provoca ruídos, interfere na quantidade e na qualidade dos peixes. (CHAVES, 2011, p.154)

 As pesquisas de Carla, as contribuições da APEDEMA, e a incrível capacidade que a Ahomar adquiriu em mobilizar apoiadores, seja externa, seja internamente, fez com que inicialmente uma pequena associação de pescadores e uma mobilização inicial se transformassem num importante aglutinador de forças no campo da pesca da Baía de Guanabara. Quando conhecemos Alexandre  Anderson, à frente de manifestações da Ahomar e de suas entidades parceiras, seu discurso ainda era pouco articulado. Falava basicamente em compensações pecuniárias justas para os seus associados da praia de Mauá, e as denominava como “aposentadorias”. No decorrer da pesquisa, entretanto, pôde-se pôde -se verificar as transformações do discurso e do trabalho realizado pela Ahomar. Em inúmeras entrevistas realizadas ao longo do trabalho, Alexandre  Anderson, nos declarou que todo o trabalho da Ahomar era em prol de uma compensação justa para os pescadores da Baía de Guanabara, uma espécie de “aposentadoria” em virtude do “fim” da pesca, que seria ocasionado em virt ude dos empreendimentos da Petrobrás, e que teve como marco fundador o derramamento de óleo de 2000. Nesse sentido, suas lutas não se tratavam mais propriamente de proteção ambiental, visto acreditarem na inexorabilidade da instalação dos empreendimentos, apesar da argumentação ser descrita naqueles termos, mas de reconhecimento e compensação das atividades da pesca

144

artesanal, que sempre foi marginalizada, na urbana e complexa Baía de Guanabara. Os discursos e argumentos dos presidentes de colônias foram movidos, movidos, por sua vez, pela idéia de “ tirar-se o que possível fosse ” da presença da Petrobras, para a melhoria das condições dos pescadores. Entre uma estratégia e outra, ambas foram movidas, ao nosso ver, por questões de interesses particulares, e pela noção compartilhada de que a chegada da empresa abrira uma “estrutura de oportunidades”, isto é, ao mesmo tempo em que representava a diminuição da área permitida à pesca, portanto ameaças substanciais à atividade, representava também a possibilidade de melhorias de suas vidas, diante do contínuo processo de precarização de suas atividades na baía. No plano individual, essa interpretação emerge nos desejos dos pescadores-pais em ver seus filhos realizando outras atividades, onde já se demarca a noção de “saída” do “saída” do pescador. Enfim, o quadro interpretativo do movimento por justiça ambiental complementou-se apropriadamente com a resistência oferecida por grupos de pescadores mais descontentes. De grupos inicialmente alijados de um processo de negociação, por sua vez também dificultado, o grupo de pescadores ligados à  Associação Homens do Mar passou, passo u, sob o apoio e fortalecimento de atores, redes e seus discursos, a fomentar um processo estrutural e contraditório, em um terreno onde antes se movia basicamente o sentido da negociação, como única saída. Como um efeito interessante dos símbolos criados no âmbito dos movimentos sociais, bem como, das teorias a eles ligadas, passamos a observar lideranças da pesca, por ocasião de algumas reuniões dos pescadores, a carregar o livro O que é Justiça Ambiental 56  debaixo dos braços. Talvez uma caricata representação de suas “conversões” a uma nova dimensão cognitiva e, portanto a uma nova forma de perceberem-se no conflito estabelecido.

56

Ambiental. Rio de Janeiro:  ACSELRAD, H., MELLO, C.C.; BEZERRA.G.N. BEZERRA.G.N. O que é Justiça Ambiental. Garamond, 2009.

145

Como anteriormente afirmado, esses insurgentes, mais inflamados contra a empresa, tornaram-se os grupos da pesca que mais cresceram nos últimos anos, durante todo o processo de licenciamento do empreendimento. Como resultado de suas atividades foi criado o primeiro sindicato da pesca do Rio de Janeiro (Sindpesca-RJ), sob a notória intenção de se produzir maior alcance legal e político aos anseios de seus grupos, em relação às possibilidades institucionais de uma associação. O crescimento desse grupo, sob um discurso mais ou menos coeso em torno dos princípios da Justiça Ambiental, desde 2009, vem estruturando o campo da pesca na Baía de Guanabara e conferindo aos poucos um fortalecimento político maior ao setor, em especial, aos pescadores da Baía de Guanabara, tradicionalmente e historicamente, reconhecidos como apáticos ou desmobilizados politicamente. A capacidade da Ahomar em “persuadir” contingentes cada vez maiores de pescadores adeptos ou associados, entretanto, parece dever-se mais à eficácia com que vêm tratando questões organizacionais e trabalhistas do setor, que tradicionalmente eram esperadas como funções das colônias. O relato deste processo pode ser interpretado como o processo de construção e demarcação de uma identidade, no interior de um conflito social. Essa identidade, quando é construída, por sua vez, ganha mecanismos que lhe são próprios. Como advertiu Luhmann (1996), estar contra, compromete. Assim, até aqui, o que vimos foi que a exacerbação do conflito por grupos populares e impactados não foi interpretada como resultado de uma luta nos moldes de um “ecologismo popular”, isto é, uma luta contra as ame aças às suas formas de vida, trabalho e ambiente pré-existentes. A exacerbação do conflito se deu como estratégia, diante das oportunidades geradas com o empreendimento, todavia a acoplação dessa estratégia a um discurso estrutural e dualista, típico dos movimentos sociais, particularmente do movimento por justiça ambiental, acabou por aprofundar o fosso demarcatório entre os atores.  A nosso ver, tais discursos e classificações conferidas pelos movimentos sociais (nesse caso, os princípios e noções ligados ao Movimento por Justiça

146

 Ambiental) às ações coletivas locais, no interior dos conflitos ambientais ou ecológicos, não indicam propriamente a “potência “ potência transformadora deste conflito” confli to” (ACSELRAD, 2002, p. 2) ou qualquer referência à uma natureza de conflito estruturalmente antagônica. Mas, isso sim, à potência transformadora das teorias e dos discursos (normativos e/ou analíticos) sobre o social, que, de acordo com o grau e as formas de sua apropriação pelos atores sociais, conformarão em parte o universo observado. Disso trataremos nas conclusões, que se seguem.

147

CONCLUSÕES Nosso estudo de caso possibilitou que pensássemos sobre o tema dos conflitos ambientais. Em teorias, teses e argumentos relacionados ao que genericamente denominamos de movimento por justiça ambiental, especialmente com relação às reflexões sobre ações coletivas dos chamados grupos impactados. Para concluir a tese, gostaríamos de nos deter nos pontos de contato dessas análises e argumentos, compartilhados pelos teóricos e ativistas dos movimentos por justiça ambiental, em relação ao caso dos pescadores da Baía de Guanabara. Uma das questões resultante de nossa reflexão refere-se ao mecanismo envolvido

na

reação

dos

pescadores

quando

da

instalação

de

um

empreendimento como o Comperj. As teses relacionadas tanto à noção de justiça ambiental quanto ao que chamamos teoria estrutural-construtivista tendem a reafirmar as parcas ou deficitárias reações dos grupos impactados, como resultado da insuficiência de recursos econômicos e políticos diante das ameaças inequivocamente impostas pela instalação de empreendimentos de grande porte. Dois elementos fundamentais podem ser sublinhados nessa interpretação. Em primeiro lugar, este se configura como um conflito, em geral, entre dois atores, um “poderoso” e um “fraco”. Esta desigualdade é geralmente manifesta e normalmente inquestionável. Segundo, há outro elemento nessa estrutura conflituosa, manifestado pela fundamental dimensão das ameaças: um ente relega ameaças e riscos provindos da ação e alocação de seu empreendimento em

territórios habitados por outro grupo de atores sociais .  E seja em virtude dos desproporcionais riscos impostos a essas populações, seja mediante novas regulações e restrições de uso dos recursos naturais, as ameaças às formas preexistentes de trabalho e vida são entendidas como preponderantes. No entanto, este estudo de caso demonstrou que mecanismos geradores da ação coletiva podem ocorrer sob outras bases, a ponto de podermos afirmar que o surgimento de um movimento reivindicativo em um conflito ambiental pode estar tão relacionado às ameaças de perdas e à sobrevivência de determinados

148

grupos quanto às oportunidades de melhoria de vida, isto é, às esperanças de ganho e transformação das suas condições sociais. Pode-se Pode-se inicialmente objetar que “ganhos” e “perdas” não podem ser objetivamente definidos e observados. Os pescadores que iniciaram e atualmente exercem as ações de confronto com a Petrobras o fizeram para “ganhar” indenizações, chamadas por alguns de “aposentadorias”, ou para corrigir “as perdas” continuamente infligidas a eles na já tão degradada Baía de Guanabara? Pode-se dizer que essa é uma questão de ponto de vista, e por isso ambas as respostas poderiam ser válidas. Todavia, parece-nos que importantes efeitos para a análise dos conflitos ambientais podem ser considerados quando se reflete sobre o sentido das oportunidades na eclosão de conflitos. Uma primeira derivação dessa constatação relaciona-se ao fato de que o movimento por justiça ambiental, para além das características ético-morais envolvidas em seu quadro interpretativo, procura fornecer uma resposta prática a um dos fundamentais desafios do movimento ambientalista. O ambientalismo vem procurando, desde o seu surgimento e consolidação, mecanismos para a transformação societária em prol do que poderia ser abstratamente denominado de “sociedade sustentável” (DOBSON, 1999). E a questão da “transição” é fundamental para o movimento político “verde” desde os seus primórdios, do mesmo modo que sempre foi para os movimentos sociais e revolucionários. No interior dessa questão normalmente surge o problema do “agente”, daqueles grupos sociais ou indivíduos que seriam os responsáveis por estimular uma mudança social no conjunto da sociedade. Entretanto, o ambientalismo é normalmente interpretado pelo seu viés universalista. Isto é, para muitos, sua força estaria exatamente na dimensão interpretativa segundo a qual as ameaças provindas da destruição ambiental são sentidas por todos. Por isso a insistência, por exemplo, em temas como educação ambiental ou ambientalismo enquanto ideia-força, que aos poucos converteria indivíduos e grupos sociais. Não é necessário nos determos nas críticas a essa noção. Basta repetir a questão de David Pepper: “la gente no cambiará sus valores simplemente porque se les  (PEPPER apud DOBSON, 1997, p.262). „enseñen‟ otros diferentes”  (PEPPER

149

O que nos importa é que o ecologismo popular ou o movimento por justiça ambiental acaba por fornecer uma resposta a esse desafio, com a definição de um agente: “os pobres”, as classes subalternas, que ao fazer política e buscar seus interesses necessariamente contrários aos dos grandes empreendimentos acabam por fornecer as possibilidades de transformação do sistema, considerado injusto e insustentável. Os partícipes do movimento acreditam que protegendo os “despossuídos” da desproporcional concentração dos riscos sobre seus ombros, se estará criando resistência à degradação ambiental, posto que os impactos negativos não poderão mais ser transferidos, como de praxe, para os mais pobres (ACSELRAD et. al., 2009). Mas como os mais pobres, aparelhados pelos movimentos sociais, podem realizar as resistências indicadas nos movimentos por justiça ambiental se as oportunidades, como demonstrado neste estudo, também surgem no momento da instalação de um empreendimento, e podem ser tão efetivas ou até mesmo superar as ameaças por ele trazidas? No caso estudado estudado aqui, a “chegada” da Petrobras e os empreendimentos relacionados ao Comperj vêm representando, além de ameaças à reprodução social e riscos relegados a esses grupos (que de fato existem), a possibilidade de reconhecimento social diante de uma realidade historicamente difícil e precária. Reconhecimento social que, dentre outros efeitos, lhes possibilita indenizações, formas compensatórias, que trariam, na visão de boa parte das lideranças políticas da pesca, a possibilidade de prescindir do trabalho territorializado, em um ambiente complexo e evolutivamente degradado. Para os mais antigos, a evolução da precarização e a degradação da condição de pescador na Baía de Guanabara são tão evidentes, a ponto de verem funcionalidade e de identificarem possibilidades possibilidades na “força do novo”, na entrada de grandes projetos da Petrobras. Se assim for, como advogar que o ecologismo dos pobres, uma defesa quase natural dos grupos locais em razão do seu sentido de pertencimento ao lugar e da dependência dos recursos naturais dos seus territórios, pode representar  pari  passu um movimento capaz de aprimorar o processo de preservação ambiental e

de luta contra o sistema?

150

 Acreditamos ainda aind a que a dimensão do sentido de oportunidade, e de como este é percebido, possa contribuir para explicar melhor as diferenciações entre as reações das lideranças políticas da pesca na Baía de Guanabara. No interior dos movimentos de resistência são comuns as diferenciações internas e oposições intragrupos. E em seu comportamento e forma de agir, o excepcional se expressa na homogeneidade. São formas de se ver e conceber a luta e mesmo a manifestação de interesses diferenciados no interior de um mesmo grupo, que por natureza nunca é homogêneo. Além das distinções esperadas no interior dos grupos sociais, deve-se lembrar que, no decorrer das tensões entre a Petrobras e os pescadores, foi evidenciada como uma estratégia da empresa a distribuição desigual de privilégios, projetos, melhorias etc. para uns em detrimento de outros, que acirrou ainda mais tais reações diferenciadas e gerou maior desarticulação e enfraquecimento social. Todavia, as oportunidades políticas, isto é, de transformação das condições sociais, surgidas com o aporte do empreendimento fazem com que tais diferenciações internas também possam ser entendidas como conflitos por bens escassos, ou melhor, conflitos por oportunidades escassas.  Além disso, a questão das d as oportunidades o portunidades surgidas no n o estabelecimento dos empreendimentos da Petrobras levou-nos a refletir na natureza de conflito ambiental e em sua definição, segundo os quadros interpretativos dos movimentos por justiça ambiental. Tanto em sua crítica mais propriamente sociológica (distributiva de bens, amenidades e riscos ambientais) quanto em sua crítica etnológica (equitativa em direitos étnicos), os movimentos por justiça ambiental diagnosticam os conflitos ambientais como conflitos estruturalmente antagônicos, a partir das categorias de Hirschmann (1996), conflitos do tipo “ou -ou”, em que quando um ganha, o outro necessariamente perde. Ora, se pode haver funcionalidades para os grupos sociais impactados na instalação de um empreendimento, se este pode produzir possibilidades de desenvolvimento de grupo ou de fuga de suas condições sociais prévias (cuja realidade não se apresenta como promissora), tais conflitos podem também suscitar níveis de negociação variáveis. Esse parece ter sido o caminho de boa parte das lideranças da pesca da Baía de Guanabara, não exclusivamente em função da

151

inexorabilidade do empreendimento e das compensações ou diminuição das perdas e ameaças impostas, mas também em função de novas possibilidades de rearranjos em um ambiente e condições de trabalho que, nas últimas décadas, são vivenciados como em plena decadência. Parte dos ativistas e teóricos da justiça ambiental tem uma resposta para a questão acima colocada, baseada na noção de escala geográfica e na desigual distribuição de poder entre as partes. Diz-se Diz-se que “os “os conflitos ambientais não são estruturalmente antagônicos quando dizem respeito a: a) disputas entre iguais, e b) quando ficam contidos em uma dada escala ou dimensão geográfica” (HERCULANO, 2006). No primeiro caso, os conflitos comportariam negociações no âmbito local, mas demonstrariam sua contradição inescapável se tomados em seu conjunto. Se assim for, o estudo de caso aqui relatado tende a confirmar essa ressalva, apesar de não resolver a dúvida: onde estaria então o papel transformador desses conflitos, se não na multidão dos casos particulares e na capacidade de resistência inequívoca dos grupos impactados? O segundo caso refere-se à diferença de poder e autoridade entre as partes, e adverte-nos que é sempre injusta a negociação entre pessoas e grupos onde o poder é tão desigualmente distribuído. De fato, a estrutura típica dos conflitos ambientais, inclusive dos que trabalhamos nesta tese, refere-se ao apelo e poderio dos grandes capitais públicos ou privados, dos projetos de bilhões contra pequenos grupos de centenas ou milhares de “trabalhadores pobres”. Por isso refere -se à injustiça, sim, mas não a um conflito por “essência” antagônico. A extrema desigualdade produz extremas injustiças. Mas não se deve esquecer que “desvios da igualdade são toleráveis na medida em que beneficiem ao grupo mais desfavorecido”, como nos adverte Rawls (1992).  A noção no ção de um conflito indivisível, irreconciliável, entre os o s distintos agentes também tem sido evocada por uma outra vertente crítica dirigida pelos movimentos de justiça ambiental ao estado de injustiça ambiental. Trata-se da noção evocada de tradição, pertencimento, que interpreta os grupos sociais como portadores de culturas materiais e simbólicas diferenciadas da urbano-industrial. Sendo assim, eles representariam aqueles que ambientalmente menos agridem o

152

ambiente natural. Em nosso trabalho, esse tipo de crítica foi caracterizado como uma crítica “etnológica”. Esta é demonstrada ao se afirmar que o uso desigual dos recursos ambientais e a “expropriação” ambiental pelos atores capitalistas, seja proibindo ou dificultando os usos tradicionais dos recursos naturais, seja poluindo seus mananciais, têm produzido um etnocídio, ao arrasar, deslocar e transformar antigas práticas culturais e seus tradicionais grupos. A crítica é baseada na conhecida questão do contato da tradição com processos modernizantes, dos processos de mudança social que tendem a transformar velhas formas de sociabilidade e trabalho, e, principalmente, da apropriação social da natureza em formas funcionais e adaptadas ao sistema de produção e consumo vigentes. Trata-se de uma velha crítica à modernidade, cujas raízes remontam à tradição romântica, repaginada pelos movimentos sociais em função das supostas características de sustentabilidade que tais povos carregam. Esses povos são relatados por alguns como portadores de “distintos projetos de sociedade”, ou formas distintas de sustentabilidade. Essa crítica ganhou contornos mais radicais com os processos da globalização e as dialéticas turbinadas por eles, como aquelas

que

respondem

pelos

pares

homogeneidade/diversidade,

globalismo/localismo, dentre outras. Não foi nosso objetivo neste trabalho refletir sobre tais representações, apesar de o bom senso, a observação empírica e nossas crenças particulares nos impelirem a defender tais grupos sociais, de fato mais respeitosos e integrados aos processos naturais, sobretudo por serem menos mediados pela tecnologia e pelo mercado, diferentemente do que acontece com grande parte da sociedade urbano-industrial. Todavia, não objetivamos uma defesa inocente de seu papel como exemplo de sociedade. Nossa intenção primordial na pesquisa foi compreender as formas pelas quais tais categorias se sobressaem no conflito que ora analisamos. Os pescadores artesanais da Baía de Guanabara dispõem de todos os requisitos legais e conceituais relacionados às populações tradicionais e têm sido assim reconhecidos, inclusive por seus interlocutores, empresas, governos e demais atores no espaço público (Ministério Público, ONGs atuantes na área,

153

ICMBio, Ibama, entre outros). Contudo, chamamos aqui a atenção para um importante efeito complicador da categoria pescador artesanal no debate público sobre a Baía de Guanabara. Todo debate público a respeito de populações tradicionais, em quaisquer contextos, envolve a defesa da “permanência” e da “reprodução territorial” destes gr upos, upos, sob dois argumentos: a) em virtude de serem ecologistas populares e b) de serem representações de grupos com especificidades culturais, e como tais possuindo uma territorialidade e uma identidade, com direitos próprios e profundamente arraigada ao sentido de lugar. Mas como advogar a permanência e reprodução territorial de um grupo humano que utiliza um dos corpos hídricos mais poluídos do mundo? Como fica a funcionalidade enunciada no “ecologismo dos pobres”, diante do fato de que com ou sem a Petrobras a Baía de Guanabara continuaria a ser um dos ambientes mais poluídos do Brasil? Não desejamos confirmar os argumentos da empresa, mas procuramos pensar aqui nas dificuldades da luta discursiva dos pescadores. Como culpabilizar a empresa e a instalação do Complexo Petroquímico, como sendo o empreendimento que “passou” a ameaçar sua permanência e a reprodução das suas tradições no lugar? Pois estas não se encontravam em delicada situação, como já demonstravam os trabalhos em ciências sociais da década de 1970? Concretamente, sua permanência e suas tradições culturais já estavam ameaçadas de longa data, provavelmente desde a época em que o peixe provindo da Baía de Guanabara teve que ter sua origem ocultada para ser comercializado. Foi demonstrado na atual pesquisa que essa problemática permeia os debates e as ações entre pescadores, empresas e órgãos estatais; no entanto, ela não está explicitamente enunciada dessa forma. Ao contrário, o conceito de populações tradicionais não é manifestamente problematizado, e surge apenas como relevante moeda valorativa entre pescadores, empresa, governos, ONGs e outros atores envolvidos na contenda. Entretanto, pode-se observar essa disputa de sentidos no contexto de um assunto que não apresenta uma qualidade adversa no âmbito do debate público, isto é, um assunto em que geralmente apenas um lado do debate é legítimo. Da mesma forma que, nos dias atuais, ninguém é

154

propriamente contrário à defesa ambiental, e tampouco é publicamente contrário à existência e aos processos de manutenção das comunidades tradicionais, indígenas ou quilombolas em seus territórios de origem. Mas são exatamente tais temas

valorativamente

consensuais

que

produzem

complexas

disputas

argumentativas, e são eles também que conformam os enunciados de projetos, desejos e práticas, frequentemente opostos. Nesse sentido, pode-se observar na tese que, desde a sequência de audiências públicas para a instalação do Comperj, a empresa vem reafirmando, discursivamente, a importância do trabalho tradicional realizado pelos pescadores da Baía de Guanabara. Mas nos projetos de “inclusão social” os pescadores são readaptados em atividades como limpeza da baía, plantio de mudas ou navegação civil, ou seja, em ações e projetos sociais de redefinição de suas atividades originais. Com essas observações, poderíamos concluir que o quadro interpretativo do movimento por justiça ambiental não é satisfatoriamente adequado para a análise dos conflitos e tensões entre pescadores da Baía de Guanabara e a empresa Petrobras? Não. Isto porque dois motivos funcionam como argumentos contrários. Em primeiro lugar, acompanhemos a amplitude do conceito de justiça ambiental formalizado pelos militantes do movimento. Em seu sentido amplo, a  justiça ambiental se configura por princípios e práticas que assegurem que nenhum grupo social, seja ele étnico, racial ou de classe, suporte uma parcela desproporcional das conseqüências ambientais negativas de operações econômicas, decisões de políticas e programas federais, estaduais, locais, assim como da ausência ou omissão de tais políticas (ACSELRAD et. al., 2009, p. 41).

E, no caso estudado, parece irrefutável a percepção dos impactos, gerados pela instalação do Comperj na bacia hidrográfica da Baía de Guanabara e pelos projetos a ele ligados, na vida dos pescadores locais, fato esse reconhecido pelo próprio EIA-RIMA da empresa. Por outro lado, nossa pesquisa, a empresa e, por vezes, os pescadores indicam a existência de inúmeros responsáveis pelo estado de degradação e precarização da Baía de Guanabara. Mas isso não retira a

155

legitimidade da luta mais recente dos pescadores contra a empresa, que certamente representa, nos dias atuais, o vetor de crescimento industrial mais importante na região. Além disso, não se deve perder de vista a dimensão de que o movimento por justiça ambiental é um movimento social de luta por direitos. E um direito, depois de consolidado, objetiva transformar as relações sociais, opondo-se à manutenção dos mecanismos sociais do contexto histórico anterior. Em segundo lugar, os movimentos sociais geram formas de conhecimento e interpretação sobre o universo social e sobre os processos e estruturas que almejam transformar. Um dos elementos fundamentais em sua atuação é o estabelecimento de uma crítica social, de um discurso e imagens “alternativas” e ideais de sociedade. Os desafios comuns que colocam para seus participantes são baseados em uma análise e valoração da sociedade entendida como injusta, imoral, ilegítima, excludente etc. Luhmann (2006, p. 198) advertiu que esse tem sido o principal papel dos movimentos sociais, uma forma específica de autoobservação social contemporânea. No entanto, ao estabelecer seu quadro interpretativo, os movimentos sociais acabam por formatar, dependendo do grau de eficácia e da aceitação de suas críticas no espaço público, parte do próprio universo social. Na sociologia, Giddens (1991) nomeou esse mecanismo como de dupla hermenêutica, e, segundo o autor, o conhecimento gerado nas ciências sociais espirala na sociedade observada e fora desta, reconstituindo a si mesmo como parte integral deste processo. Os movimentos sociais, entretanto, almejam deliberadamente uma transformação das estruturas sociais; eles estão comprometidos com a mudança social, e para isso estabelecem também suas teorias, suas “socio“sociologias”. As ciências sociais e suas teorias, por sua vez, se interconectam com os movimentos sociais. O movimento por justiça ambiental é um bom exemplo desse processo, pois advoga a produção de conhecimento próprio (ACSELRAD et. al., 2009) e tem também “inscrito em seu DNA” a fundamental articulação entre ciência e militância. Basta lembrarmos que um dos criadores e divulgadores de seu conceito é um intelectual, acadêmico e ativista americano.

156

Pelas razões expostas, o estudo acerca das ações coletivas dos pescadores representa um caso paradigmático dessa apropriação e formatação do campo realizada pelas análises do movimento social. Iniciados os processos de negociação, em 2009 alguns grupos realizaram as primeiras barricadas contra a empresa, trazendo repercussão à questão e se conectando à Rede Brasileira de Justiça Ambiental. O “jogo” já iniciado, mais ou menos de forma espontânea, passou a internalizar uma interpretação e um discurso sistematizados. O movimento por justiça ambiental lhes permitiu, assim, sistematizar um discurso próprio. No processo, os descontentamentos sociais mais ou menos desarticulados passaram a se organizar também num quadro de interpretação de  justiça ambiental. As motivações iniciais das lutas, dentre elas a busca por po r bens e oportunidades de transformação de suas condições prévias de vida, puderam ser transformadas, em virtude dos processos da própria luta. Na construção de novos significados e discursos, os atores sociais se recriaram retraçaram suas posições e estratégias no espaço social. E esse tem sido o processo pelo qual vêm passando a Associação Homens do Mar (Ahomar) e seus colaboradores, desde que começaram a difundir o quadro interpretativo da justiça ambiental.  Ao construir e se apropriar de seus discursos, discurso s, os sujeitos sociais acabaram sendo por eles também transformados. Dessa forma, tal como na sociologia, uma teoria pode ser mais ou menos bem-sucedidas segundo o modo como as forças sociais se apropriam dela. As formas de ver o mundo que o movimento por justiça ambiental propõe podem ser mais ou menos reais à medida que as ações coletivas passem a agir dentro de seus parâmetros. Na Baía de Guanabara vimos uma mudança nas ações coletivas a partir dessas novas leituras: de uma posição inicialmente propensa à negociação, mesmo em bases extremamente desiguais, passou-se a compreender a lógica e o poder da empresa não como inexoráveis, mas como campo possível de luta. Os princípios da justiça ambiental influenciaram a luta de parte dos pescadores da Baía de Guanabara, fazendo com que radicalizassem suas estratégias de combate. Suas identidades ficaram pela oposição às injustiças promovidas pela indústria do petróleo, não apenas no Rio de Janeiro, mas em outras partes do país e do mundo, como exemplificado pelos

157

contatos e trocas de informações relatadas entre a Ahomar e o movimento de pescadores da Nova Zelândia57, contrário à presença da Petrobras naquela região. Eliminando o diálogo desigual, esses atores passaram a exigir mais, não apenas da empresa, mas também do governo e de si próprios. Pela primeira vez nessas águas, as resistências ultrapassaram o debate sobre o conflito ambiental, fomentando a rediscussão de temas como a reorganização e redefinição da própria pesca e dos pescadores na Baía de Guanabara e no Rio de Janeiro. Quanto às características dos conflitos ambientais e ao futuro das manifestações por justiça ambiental que acompanhamos neste trabalho, podemos concluir apenas que, essencialmente, falar de antagonismo estrutural ou de conflitos negociáveis não prescinde da análise de cada caso. E que, mesmo com o potente efeito social da exacerbação de tais conflitos, promovida pelo trabalho dos movimentos por justiça ambiental, devemos atentar para a advertência de Pasquino (apud BOBBIO, 1992) sobre os efeitos dos conflitos sociais e das ações coletivas em geral, para o qual: Nada impede, de fato, que uma série de mudanças no sistema provoque uma transformação do sistema, nem que tentativas de mudanças do sistema acabem por cooperar para reforçar e melhorar o sistema que se visava destruir, derrubar ou transformar estruturalmente.

Para os atores sociais locais, parece claro que o movimento por justiça ambiental e suas interpretações do universo social forneceram as bases para a possibilidade de autoconstrução de sujeitos sociais, mediante o acesso às condições de sistematização dos discursos próprios, diminuindo o efeito das dominações ideológicas. Por fim, acreditamos que a potência discursiva que o movimento por justiça ambiental vem adquirindo no campo do ambientalismo e no espaço público mais geral, desde seu surgimento formal nos anos 1990, deve ser positivamente 57

 A tribo, Maori conhecida como Te Whanau-a-Apanui, argumenta argumenta que tem uma reivindicação histórica para a área onde a Petrobras está trabalhando e acusou o governo de não consultá-la antes de dar à companhia  brasileira uma licença para exploração. Os contatos com Ahomar forma intensos à época das manifestações na Nova Zelândia, conforme entrevistas fornecidas pelas lideranças da Ahomar e a observação de seus contatos pela rede social Facebook.

158

considerada em seus efeitos práticos e normativos. Entretanto, para fins de nossa análise, nos parece fundamental não prescindir de um quantum de distanciamento do quadro interpretativo dos movimentos sociais, pois, como afirma Cardoso (1987), se as classificações (em campos distintos e opostos, típicas dos movimentos sociais) podem viabilizar a construção de um discurso mobilizador, são limitantes quando o objetivo é chegar a uma explicação.

159

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS  ABREU, Berenice. O Raid da jangada de São Pedro: pescadores, Estado Novo e Luta por Direitos. Tese de Doutorado defendida no Curso de PósGraduação em História da Universidade Federal Fluminense. Orientador: Prof. Dr. Jorge Luiz Ferreira. Rio de Janeiro: 2007.  ACSELRAD, H. Apresentação. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. & PEREIRA, D.B. (orgs.) A insustentável leveza da política ambiental  – desenvolvimento e conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.  ACSELRAD, H. Conflitos Ambientais no Brasil . Rio de Janeiro: RelumeDumará, 2004a.  ACSELRAD, H. Justiça Ambiental  – ação  – ação coletiva e estratégias argumentativas. In: ACSELRAD,H., HERCULANO, S.; PÁDUA, J.A. (orgs.) Justiça  Ambiental e Cidadania. Rio de Janeiro: Relume Dumará: Fundação Ford, 2004. p.23-40.  ACSELRAD, H. Sentidos da Sustentabilidade urbana. In: ______. (org.). A

duração das cidades:  sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. Rio de Janeiro; DP&A, 2001.  ACSELRAD, H., MELLO, C.C.; BEZERRA.G.N. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.  ACSELRAD, H.; MELLO, C.C.A. Conflito social e risco ambiental - o caso de um vazamento de óleo na Baía de Guanabara, in H. Alimonda (org.),

Ecologia Política  - Naturaleza, Sociedad y Utopia, Buenos Aires, CLACSO, 2002.  ADAMS, C. As populações caiçaras caiçara s e o mito do bom selvagem: a necessidade neces sidade de uma nova abordagem interdisciplinar. Rev. Antropol. vol.43 n.1 São Paulo, 2000  ALONSO, A. & COSTA, V. Ciências Sociais e Meio Ambiente no Brasil: um balanço

Bibliográfico.

In:

Revista

Brasileira

de

Informação

160

Bibliográfica em Ciências Sociais. BIB, São Paulo, n 53, 2002. p.35 78.  ALONSO, A. Y COSTA, COSTA , V. (2002), “Para uma sociologia sociolog ia dos conflitos ambientais no Brasil”, In: Ecología Política. Naturaleza, Sociedad y Utopía, Hector  Alimonda

(Comp.),

Buenos

Aires,

CLACSO.

Disponível

em

http://www.centrodametropole.org.br/pdf/Angela.pdfio  AMADOR, E. S.  Baía de Guanabara e Ecossistemas Periféricos: Homem e Natureza. Rio de Janeiro: Edição do Autor, 1997. 539 p. BARBOSA, S.R.   Identidade social e dores da alma entre pescadores

artesanais em Itaipu, Rj. In:  Ambiente & Sociedade  – Vol. VII nº. 1  jan./jun. 2004. BAYARDINO, R. A. A Petrobrás e o desafio da sustentabilidade ambiental. (monografia) Orientadora: Profa. Valéria Gonçalves da Vinha. Instituto de Economia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2004. Disponível em http://www.ie.ufrj.br/gema/pdfs/a_petrobras_e_o_desafio_da_sustentabi lidade_ambiental.pdf BEGOSSI,A. (org.) Ecologia de pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia . São Paulo: Hucitec: Nepam/Unicamp: Nupaub/USP: Fapesp, 2004. BERNARDES, L.M.C. Pescadores da Ponta do Caju  – aspectos  – aspectos da contribuição de Portugueses e Espanhóis para o Desenvolvimento da Pesca na Guanabara. Ver. Brasileira de Geografia, 4: 40-61. 1958. BOMENY, H.. Sociologia como missão: fazer ciência fazendo história? Rio de Janeiro: CPDOC, sociológico brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.179p. Texto disponível em http://www.cpdoc.fgv.br BOURDIEU, P. Questões de sociologia. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero, 1983. BOURDIEU,P. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. CARDOSO, E. S. PESCADORES ARTESANAIS, NATUREZA, TERRITÓRIO E

MOVIMENTO SOCIAL. Tese de Doutorado do programa de pósgraduação em Geografia Física da Universidade de São Paulo. Professor Dr. Gil Sodero de Toledo. São Paulo, 2001.

161

CARNEIRO, E. J. O GT de Conflitos ambientais da ANPOCS (2004-2008): um

balanço crítico. Anais do 33° encontro anual da ANPOCS. Disponível em:http://scholar.googleusercontent.com/scholar?q=cache:agP0rdo57F UJ:scholar.google.com/+carneiro+eder+jurandir&hl=pt-BR&as_sdt=0.  Acesso em 26/10 /2010. CARNEIRO, E.J. Política ambiental e ideologia do desenvolvimento sustentável. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. & PEREIRA, D.B. (orgs.) A  –  desenvolvimento e insustentável leveza da política ambiental  –  conflitos socioambientais. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. CASTELLS, M. O poder da Identidade. In: A era da informação: economia, sociedade e cultura; v. 2. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999. CHAVES T.; SANT‟ANNA, F.R. Avaliação da situação de trabalho e condições

de vida dos pescadores de Magé- RJ. In: Anais do VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Brasília: Abrasco; 2003. CHAVES, C.R. Mapeamento Participativo da Pesca Artesanal da Baía de  –  Universidade Guanabara. Dissertação (Mestrado em Geografia)  –  Federal do Rio de Janeiro, Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, Instituto de Geociências. 2011. COSER, L.A. Conflito. In: Dicionário de Pensamento Social do Século XX . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1996. DIEGUES, A.C. 1999. A socioantropologia das Comunidades de Pescadores Marítimos no Brasil. Etnográfica, Vol. III (2), 1999. DIEGUES, A.C. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: HUCITEC, 1996. DIEGUES, A.C.S. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar , São Paulo, Ática. 1983 DOBSON, A. Pensamiento Político Verde: una nueva ideología para siglo XXI. Buenos Aires: Paidós, 1997. DUARTE, L.F. As redes do suor : a reprodução social dos trabalhadores da pesca em Jurujuba. Niterói: EdUFF, 1999.

162

DUARTE, M. B . (2009). Relatório Técnico n° 50/2009: Impactos deatividades  – o caso do petrolíferas na pesca artesanal da Baía de Guanabara  – o projeto GLP. Rio de Janeiro: Ministério Público Federal, Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro. 34p. 2009. ELSTER, J. Peças e Engrenagens das Ciências Sociais. Tradução: Antônio Trânsito. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994. ESTERCI, N. 2002. Conflitos ambientais e processos classificatórios na Amazônia brasileira. In: Boletim Rede Amazônia. Diversidade Cultural e Políticas  Ambientais. Ano 1. N. 1, Rio de Janeiro: [S.n.] [S.n.] 2002 FARIA, L.C. Pescadores e Pescarias. (apresentação). In: KANT DE LIMA; PEREIRA, L.F. Pescadores de Itaipu: meio ambiente, conflito e ritual no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: EDUFF, 1997. FELIPE, S. T . Por uma questão de justiça ambiental: perspectivas críticas à teoria de Rawls. ethic@, Florianópolis, v.5, n. 3, p. 5-31, Jul 2006. In: http://www.svb.org.br/curitiba/artigos/ambiental.pdf FERREIRA, L.C. Conflitos Sociais e Uso de Recursos Naturais: breves comentários sobre modelos teóricos e linhas de pesquisa. In: Política e

Sociedade: Revista de Sociologia Política. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-graduação em Sociologia Política – Política  – v.  v. 4. n. 7, 2005. FERREIRA, M.I.; SERRA, R.V.; SILVA, R.C.; OLIVEIRA, A.C . Desafios à gestão ambiental para a área de influência do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro – Janeiro – COMPERJ,  COMPERJ, Itaboraí/RJ.  Anais do 23 ° Encontro Nacional

de

Engenharia

de

Produção.  Agosto

de

2007.

Disponível

em:http://www.abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2007_TR650479_9423. pdf MADEIRA FILHO, W. (ORG.)   Direito e Justiça Ambiental. Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito da Universidade federal Fluminense, 2002. FUKS, M. Conflitos Ambientais no Rio de Janeiro: ação e debate nas arenas públicas. Rio de janeiro: editora da URFJ, 2001.

163

FURTADO, L. G. et all. Gente e ambiente no mundo da pesca artesanal. Belém: Museu Paraense Emílio Goeldi, 2002 FURTADO, L. G. Pescadores do rio Amazonas: um estudo antropológico da pesca ribeirinha numa área amazônica. Museu Paraense Emilio Goeldi, 1993 GIULIANI, G.M.  As áreas naturais protegidas e a responsabilidade social e ambiental das empresas: o caso do Mosaico da Mata Atlântica Central Fluminense e do Comperj. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 16, p. 21-37, jul./dez. Editora UFPR. 2007. GIULIANI, G.M. et. al.  Diagnóstico socio-economico para o Plano de Manejo

da ESEC Guanabara. 2005 GOMES, C.P. & CARVALHO, R.S. Análise Crítica dos Casos do Exxon-Valdez

(1989) - Exxon e do Rio Barigui-Iguaçú (2000) - Petrobras  - O que alterou em termos de governança corporativa e sustentabilidade organizacional das empresas?anais do V CONGRESSO NACIONAL DE

EXCELÊNCIA

EM

GESTÃO

do

Conhecimento

para

a

Sustentabilidade Niterói, RJ, Brasil, 2, 3 e 4 de julho de 2009 GUATTARI, Félix. As três ecologias. Tradução: Maria Cristina F. Bittencourt. Campinas; Papirus, 1995. HERCULANO, S. Lá como cá: conflito, injustiça e racismo ambiental. Texto apresentado no I Seminário Cearense contra o Racismo Ambiental Fortaleza, 20 a 22 de novembro de 2006. HERCULANO, S.  Resenhando o debate sobre justiça ambiental: produção

teórica, breve acervo de casos e criação da rede brasileira de  justiça ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 5, p. 143149,jan/jun. 2002. Editora UFPR. 2002. HIRSCHMANN, A.O. Os conflitos sociais como pilares das sociedades de mercado democráticas. In: ____. Auto-subversão: teorias consagradas em xeque. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. IBAMA. Estatísticas da pesca 2003. Grandes Regiões e Unidades da Federação, Brasília, DF. 98 pp.  2004.

164

JABLONSKI, Silvio; AZEVEDO, Alexandre de Freitas; ARANTES MOREIRA, Luiz Henrique. Fisheries and conflicts in

Guanabara Bay, Rio de Janeiro, Brazil. In: Brazilian Archives of Biology

and

Disponível

Technology.

em

vol.49 no.1 Curitiba Jan. 2006.

http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1516-

89132006000100010&script=sci_arttext JABLOSNKI,S.; AZEVEDO, A; MOREIRA, L.; SILVA, O . Levantamento de dados

da atividade pesqueira na Baía de Guanabara como subsídio para a avaliação de impactos ambientais e a gestão da pesca. Rio de Janeiro:IBAMA; 2002. KANT DE LIMA; PEREIRA, L.F. Pescadores de Itaipu: meio ambiente, conflito e ritual no litoral do Estado do Rio de Janeiro. Niterói: EDUFF, 1997. KRISCHKE, P.J. Atores sociais e consolidação democrática na América latina: estratégias, identidades e cultura cívica. In: VIOLA, E. et all. Meio

Ambiente, Desenvolvimento e Cidadania: desafios para as Ciências Sociais. São Paulo: Cortez; Florianópolis; Universidade Federal de Santa Catarina, 1995. LEITE, J.R.; AYALA, P.A. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária,2004. LIMA, Alexandre Andrade. Vazamento de Óleo na Baia de Guanabara 2000: A Petrobrás e o Meio Ambiente. Dissertação (Mestrado). Instituto de pòsgraduação em Planejamento Urbano e Regional. IPPUR/UFRJ. 2004. LOPES, J.S.L.(coord.). A Ambientalização dos conflitos sociais. Participação e controle público da poluição industrial. Rio de janeiro: Relume-Dumará: Núcleo de Antropologia Política/UFRJ, 2004. LOVISOLO, H. R. Terra, Trabalho e Capital: produção familiar e acumulação. Campinas: editora Unicamp, 1989. MARTÍNEZ ALIER, J. O ecologismo dos pobres: conflitos ambientais e linguagens de valoração. (tradutor Maurício Waldman). São Paulo: Editora Contexto, 2007.

165

MATTOS, F. F. Olhares sobre a responsabilidade social e ambiental na  –  trajetória e desafios. Trabalho de conclusão de curso petrobrás  –  submetido ao corpo docente DOMBE/COPPE/UFRJ. Pós-Graduação executiva em meio Ambiente. 2009 (Não publicado) MATTOS, S.M.; DRUMMOND, J.A. O Terceiro Setor como executor de

Políticas Públicas: ONG‟s Ambientalistas na Baía de Guanabara (1990-2001). Rev. Sociol. Polít., Curitiba, 24, p. 177-192, jun. 2005 p.177-192. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/rsocp/n24/a12n24.pdf MELLO, C. C. A. 2006. Agenda 21 local  – um  – um glossário analítico para o debate. In: Acselrad, H.; Mello, C. C. A.; Bezerra, G. N. (Orgs.)

Cidade,

ambiente e política. Problematizando a Agenda 21 Local. Rio de Janeiro: Garamond. MENDONÇA, A.M. Transformações sócio-econômicas no eixo Niterói-Manilha

em São Gonçalo/RJ. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro – Janeiro – UFRJ,  UFRJ, 2007. MENDONÇA, S.A.;VALÊNCIO,N.F. O papel da modernidade no rompimento da

tradição:  as políticas da SEAP como dissolução do modo de vida da pesca artesanal.B. Inst. Pesca, v. 34, no. 1, p. 107  – 116.  – 116. 2008. MINISTÉRIO DA PESCA E AQÜICULTURA . Balança Comercial do Pescado

2009.Coordenação-Geral de Comercialização e Promoção Comercial. Ministério

da

Pesca

e

Aqüicultura.

2009.

disponível

em

http://www.mpa.gov.br/#info-estatistica/estatistica-da-pesca-eaquicultura MONAPE. Pesca artesanal, Política Pesqueira e Meio Ambiente no Brasil . São Luiz, Movimento Nacional dos Pescadores, 22p. 1996. MORAES, A. C. R. Meio ambiente e ciências sociais. São Paulo: HUCITEC, 1994. MORIN, E. La nature de la nature. Paris: Seuil, 1977. (La méthode, 1)

166

MOTA, F.R.  Entre a ação e a intervenção: poder e conflitos na produção de identidades coletivas. Sociedade e Cultura. Vol.6, n°01. Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2003. movimento social, identidade e

saúde no OLIVIERI, A. G. A Teoria da Modernização Ecológica: uma avaliação crítica dos fundamentos teóricos. 2009. 199 f. Tese (Doutorado em Sociologia). Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Universidade de Brasília : Brasília, 2009. PESSANHA, E.G.F. Os companheiros. Trabalho e sociabilidade na pesca de Itaipu. Niterói: EDUFF, 2003. PETROBRAS. Baía de Guanabara: carta ao Jornal O Dia. Blog. Meio eletrônico. Disponível

em:

http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2010/08/31/baia-deguanabara-carta-ao-jornal-o-dia/. Acesso em 20 de novembro de 2010. PETROBRAS. RIMA. Informações do Estudo de Impacto Ambiental do

Terminal Flexível de Gás Natural Liquefeito na Baía de Guanabara. Rio de Janeiro: Bourscheid S. A. Engenharia e Meio Ambiente. 136p. Disponível

em:

.

2007. Acesso em 24/03/2011. PINTO, R.G. & TORRES, T.H. Conflitos sócio-ambientais na Baía de

Guanabara: ações coletivas e demandas de reparação e direitos nas comunidades de pesca de Magé/RJ. Resultados Preliminares da Pesquisa, apresentados na XVI Semana de Planejamento Urbano e Regional da UFRJ em Setembro de 2010. POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989. POLLAK, M. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992. PRADO, R.M. (org). Ilha Grande: do Sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond: Eduerj, 2006.

167

RESENDE, A. T. & SILVA, C. A. RURALIDADES NA METRÓPOLE DO RIO DE

JANEIRO: DESAFIOS PARA A ANÁLISE. IN: REVISTA TAMOIOS.  junho / dezembro - Ano IV, nº 2, 2008. RODRIGUES, D. H.

Caracterização socioambiental de comunidades

pesqueiras na baía de Guanabara como subsídio à elaboração de um novo modelo de gestão para a pesca de pequena escala. Monografia (Bacharelado em Oceanografia)  –   –  Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Janeiro  – Faculdade  Faculdade de Oceanografia, Rio de Janeiro, 2009. 148 p. ROSA, M.F.; MATTOS, U.A. A saúde e os riscos dos pescadores e catadores

de caranguejo da Baía de Guanabara.Ciência & Saúde Coletiva, 15(Supl. 1):1543-1552, 2010a. ROSA, M.F.; MATTOS, U.A.. Trabalho e Saúde: a vulnerabilidade dos pescadores da Baía de Guanabara. Anais do 1º Seminário de Sociologia da Saúde e Ecologia Humana Florianópolis,Universidade Federal de Santa Catarina. 14 a 16 de setembro de 2010b. SANCHEZ, M. Elites Globais e cidadãos locais: quem ganha com a despoluição da Baía de Guanabara. Preparado para distribuição no encontro de 2000 da Associação de Estudos Latino Americanos. Hyatt Regency Miami,

16-18

de

março

de2000.Disponível

em:http://lasa.international.pitt.edu/Lasa2000/MSanchesport.PDF SANTOS, L.A. A vez da mulher camponesa: movimento social, identidade e saúde no Maranhão (um relato hirschmaniano). Revista Brasileira de

Estudos de População, v.20, n.1, jan./jun. 2003. Disponível em http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/rev_inf/vol20_n1_2003/vol20_n1  _2003_5artigo_p43a62.pdf SEDREZ. L.F.. „The bay of all beauties’ : State and Environment in Guanabara Bay, Rio de Janeiro, Brazil, 1875-1975. Dissertation (Doctor of Philosophy). Departament of History. Stanford University. 2004 SILVA, L.G.S. Os pescadores na História do Brasil.Recife, CPP. Vozes, 222 p. 1988

168

SILVANO, R. Pesca Artesanal e Etnoictiologia. E tnoictiologia. In: BEGOSSI,A. (org.) Ecologia de

pescadores da Mata Atlântica e da Amazônia. São Paulo: Hucitec: Nepam/Unicamp: Nupaub/USP: Fapesp, 2004. SIMMEL, G. Conflito e estrutura de grupo. In: Moraes Filho, E.(org.) Georg

Simmel: sociologia. São Paulo: Ática, 1983. Coleção Grandes Cientistas Sociais. SOARES, D.G. (2004) Parque Estadual da Pedra Branca e Comunidade Monte

da Paz: tensões e conflitos para os moradores de uma área protegida, Dissertação de Mestrado, Programa EICOS de Pós-Graduação, UFRJ, Rio de Janeiro, RJ. SORJ, B. A Nova Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001. SORJ, B. A Democracia Inesperada: cidadania, direitos humanos e igualdade social. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. SOUZA, A.M. “ARRIBANDO AOS MURURUS”. Redeiros, atravessadores, fregueses de patrão e canoeiros na fronteira do Desenvolvimento Sustentável em Tefé. (Tese de mestrado) Universidade Federal do Maranhão. Programa de Pos-Graduação em Ciências Sociais. São Luiz, 2005. SOUZA, J. A gramática social da desigualdade brasileira. Revista Brasileira de

Ciências Sociais. Vol. 19, n° 54, Fevereiro de 2004. disponível em http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v19n54/a05v1954.pdf TARROW, Sidney. O Poder em Movimento : Movimentos sociais e confronto

político. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. 319p . THOMPSON, E.P. Senhores e Caçadores. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986. TILLY, C. (1978), From Mobilization to Revolution , Reading, M.A, AddisonWesley. TURECK, C.R.; C.R.; OLIVEIRA, OLIVEIRA, T.N. Sustentabilidade Ambiental Ambiental e Maricultura. In:

Revista Saúde e Ambiente, Vol. 4, No 2, 2003. VARGAS, E.V. Antes

 do   do que nunca: Gabriel Tarde e a emergência das

TARDE 

ciências sociais. Rio de Janeiro: Contracapa livraria, 2000.

169

VIANA, M.(organizador). Diagnóstico da cadeia produtiva da pesca marítima

no Estado do Rio de Janeiro: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: FAERJ: SEBRAE-RJ, 2009. VIEGAS, R.N. As resoluções de conflito ambiental na esfera brasileira : uma análise crítica. Revisa Confluências, v. 2. Niterói: Programa de PósGraduação em Sociologia e Direito. UFF, 2007. VILAÇA, A. M.N. & MAIA, Â.A. O Povo do Aventureiro. In: Prado, Rosane Manhães (org). Ilha Grande: do Sambaqui ao turismo. Rio de Janeiro: Garamond: Eduerj, 2006. VILLAS BOAS,G. Mudança provocada: passado e futuro no pensamento sociológico brasileiro. Rio de Janeiro: Ed. FGV, 2006.179p ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K.; PAIVA, A. Uma Sociologia do Licenciamento  Ambiental: o caso da hidrelétricas em Minas Gerais. In: ZHOURI, A.; LASCHEFSKI, K. & PEREIRA, D.B. (orgs.) A insustentável leveza da  – desenvolvimento e conflitos socioambientais. Belo política ambiental  – desenvolvimento Horizonte: Autêntica, 2005.

View more...

Comments

Copyright ©2017 KUPDF Inc.
SUPPORT KUPDF