TRAVAGLIA L. Carlos. a Variacao Lingueistica e o Ensino de Lingua Materna

March 18, 2019 | Author: jsbelga | Category: Dialect, Portuguese Language, Linguistics, Learning, Sociology
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Faculdade de Letras  FALE  FALE  – 

Introdução aos Estudos da Linguagem Professora: Maria Auxiliadora Leal Monitora: Simone Garófalo Texto de referência: TRAVAGLIA, TRAV AGLIA, L. Carlos. A variação lingüística e o ensino de língua materna. In: ___. Gramática e interação . São Paulo: Cortez, 1996. p. 41-60.

Introdução  Para desenvolver a competência comunicativa dos usuários da língua é preciso abrir a escola à pluralidade dos discursos. 

 A variação lingüística é reconhecida como um fato, mas podemos observar que a nossa sociedade tem uma tradição de considerar apenas uma variedade como padrão. 

 Se é reconhecido que em diferentes situações deve-se usar a língua de diferentes modos, não podemos insistir em um ensino que privilegie apenas uma variedade. 

 Não cabe o argumento de trabalhar apenas apenas com a norma culta porque o aluno já domina as demais: isso não é verdade, ele sempre tem muito o que aprender de diversas variedades. 

Introdução Basicamente, podemos ter dois tipos de variedades lingüísticas:

Dialetos

Registros

 Variedades que ocorrem em função das pessoas que usam a língua (emissores).

 Variedades que ocorrem em função do uso que se faz da língua (dependem do recebedor, da mensagem ou da situação)

 Variação dialetal 1)

Os dialetos na dimensão territorial, geográfica ou regional representam a variação que acontece entre pessoas de diferentes regiões em que se fala a mesma língua. Essa variação normalmente acontece:

a)

Pelas influências que cada região sofreu durante sua formação;

b)

Porque os falantes de uma dada região constituem uma comunidade lingüística geograficamente limitada em função de estarem polarizados em termos políticos e/ou econômicos e/ou culturais, e desenvolverem então um comportamento lingüístico comum que os identifica e distingue.

Exemplos: Português do Brasil e o de Portugal; falares gaúcho, nordestino, carioca, etc.

 Variação dialetal 2)

Os dialetos na dimensão social representam as variações que ocorrem de acordo com a classe social a que pertencem os usuários da língua.  A gíria pode também ser considerada como uma forma de dialeto social.

Exemplos: jargões profissionais, linguagem dos artistas, médicos, classe social alta, favelados, etc. 





Os dialetos sociais são mais difíceis de definir e classificar que os dialetos regionais. Nessa dimensão atuam fatores como nível de escolaridade, quase sempre inter-relacionado com classe econômica. Os dialetos sociais exercem na sociedade um papel de identificação grupal ou, quando é muito diferente em relação às demais, serve como meio de ocultamento

 Variação dialetal 3)







Os dialetos na dimensão de idade representam as variações decorrentes da diferença do modo de usar a língua de pessoas de idades diferentes, normalmente em faixas etárias diversas. Durante a vida a pessoa passa de um grupo para o outro, adotando as formas de um grupo e abandonando as do outro. Por uma questão de valorização, há uma reação natural das gerações em considerarem como deturpações, degeneração, degradação as alterações introduzidas no uso da língua pelas novas gerações. Os estudiosos consideram essa preocupação improcedente. São raros os casos em que as gírias passam para a fala corrente da comunidade como um todo e permanece.

 Variação dialetal 4)





Os dialetos na dimensão do sexo representam as variações de acordo com o sexo de quem fala.  Algumas diferenças são determinadas por razões gramaticais, como certos fatos de concordância. Ex.: Um homem não diria a frase: Estou tão preocupada com a festa . Há diferenças determinadas por restrições sociais quanto à imagem que se faz do comportamento apropriado para homens e mulheres, inclusive em termos de comportamento verbal. Ex.: Espera-se que homens digam a frase: Rapaz (Cara), preciso te contar o que aconteceu na festa ; e mulheres digam a frase: Querido, preciso te contar o que aconteceu na festa .

 Variação dialetal 5)





Os dialetos na dimensão da geração representam estágios no desenvolvimento da língua. Alguns estudiosos preferem falar em variação histórica.  As variantes históricas dificilmente coexistem e são mais percebidas na língua escrita, por causa do registro, que as faz permanecer no tempo. Com os modernos meios de registro do oral é possível que no futuro se possam observar e analisar diferenças históricas também na variação do oral.

 Variação dialetal 6)





Os dialetos na dimensão da função representam as variações na língua decorrentes da função que o falante desempenha. O Português parece não apresentar variações significativas nessa dimensão. Um exemplo seria o chamado plural majestático, em que governantes ou altas autoridades expressam seus desejos ou intenções com o pronome “nós”, sinalizando sua posição de

representantes do povo.

 Variações de registro 





 As variações de registro são classificadas como sendo de três tipos diferentes: grau de formalismo, modo e sintonia. Entre esses três tipos de registros há correlações e superposições, o que, entretanto, não impossibilita sua análise e caracterização isolada. O grau de formalismo representa uma escala de formalidade, entendida como um maior cuidado e apuro (no sentido normativo e estético) no uso dos recursos da língua e também como uma maior variedade de recursos utilizados, aproximando-se cada vez mais da língua padrão e culta em seus usos mais “sofisticados” (literários, obras científicas, etc.).

 Variações de registro 



Por variação de modo entende-se a língua falada em contraposição à língua escrita. A língua escrita constitui um sistema à parte, com características próprias que a marcam como um estilo diferente da língua falada.  A língua escrita e a falada apresentam uma série de diferenças devidas ao meio (visual ou auditivo) em que são produzidas:

a)

 A língua falada pode usar uma série de recursos fonológicos que no escrito não podem ser usados;

b)

Na língua falada aparecem truncamentos (de palavras e frases), hesitações, repetições e retomadas, correções, etc.;

c)

Devido a interação ser face a face, no oral é possível observar as reações do interlocutor, se valer de elementos do contexto imediato de situação, etc.

 Variações de registro 





 A língua escrita e a oral apresentam cada uma um conjunto próprio de variedades de grau de formalismo. As variedades de grau de formalismo da língua escrita apresentam uma tendência para maior regularidade e geralmente maior formalidade que as da língua falada. Não é válida a distinção de que a língua falada seria informal e a língua escrita formal.  A língua escrita também pode apresentar variantes dialetais, embora estas sejam usualmente pouco numerosas e menos marcantes que na língua falada.

 Variações de registro  Variedades de modo Língua Falada Língua Escrita  Variantes Oratório Hiperformal de grau de Formal (Deliberativo) Formal formalismo Coloquial Semiformal Coloquial distenso Informal Familiar Pessoal 

1 - Oratório: elaborado, intrincado, enfeitado, inteiramente composto de períodos equilibrados e construções paralelas. É usado quase exclusivamente por especialistas, tais como: advogados, sacerdotes, etc. e é sempre reconhecível como apropriado para uma situação muito formal. Exemplo da nossa literatura como os sermões do Padre Antônio Vieira.

 Variações de registro 





1a - Hiperformal: o equivalente escrito do oratório. Uma composição escrita para efeitos grandiosos ou sublimes. Uma poesia que segue estritamente os padrões formais, como o soneto, seria um exemplo; um poema épico; romances de autores como Machado de Assis e José de Alencar. 2 - Deliberativo: usado quando se fala a grupos grandes ou médios, em que se excluem as respostas informais. É preparado previamente e mantém de propósito uma distância entre falantes e ouvintes. Conferências científicas normalmente são realizadas com esse nível de formalidade. 2a - Formal: apresenta características semelhantes ao do deliberativo, numa forma de linguagem cuidada na variedade culta e padrão, mas dentro do estilo escrito. É o caso da escrita dos bons jornais e revistas, correspondências oficiais.

 Variações de registro 





3 - Coloquial: comumente aparece no diálogo entre duas pessoas, ambas participantes ativas, alternando-se no papel de falante e emitindo sinais de realimentação, quando na posição de ouvinte. Sem planejamento prévio, mas continuamente controlado. 3a - Semiformal: corresponde na escrita ao coloquial, mas tem um pouco mais de formalidade que este. Ex.: cartas comerciais, declarações, relatórios e projetos. 4 - Casual (coloquial distenso): nesse nível percebe-se uma completa integração entre falante e ouvinte, com o uso freqüente de gíria. É caracterizado pela omissão de palavras e pouco cuidado em sua pronúncia. Ex.: as conversações descontraídas entre amigos, colegas de trabalho.

 Variações de registro 





4a - Informal: caracteriza-se pelo uso de formas abreviadas, abreviações padronizadas, ortografia simplificada, construções simples, sentenças fragmentadas. Ex.: correspondência entre membros de uma família ou amigos íntimos. 5 - Íntimo (Familiar): inteiramente particular, pessoal, usado na vida familiar privada. É a língua em que há a intimidade da afeição. Aparecem portanto muitos elementos da linguagem afetiva com função emotiva. 5a - Pessoal: Quase sempre notas para uso próprio. Ex.: um recado anotado ao telefone, um bilhete que deixamos para avisar alguém da casa de algo ou uma lista de compras.

 Variações de registro 





Na prática, o registro coloquial pode ser considerado o centro do sistema lingüístico e portanto a sua utilização é de grande importância nas atividades de ensino/aprendizagem da língua materna. Para as atividades durante as aulas parece ser suficiente, tanto para a língua falada como para a língua escrita, uma distinção básica entre formal  e informal  ou não-formal . Todavia o professor estaria consciente de que dentro do que estaria chamando de formal há níveis distintos de formalidade, o mesmo valendo para o informal. Os critérios com o trabalho pedagógico com a língua seriam os básicos: a freqüência, utilidade e complexidade.

 Variações de registro 



 A terceira série de dimensões de registro, a da sintonia, pode ser descrita como o ajustamento na estruturação de seus textos que o falante faz, com base em informações específicas que tem sobre o ouvinte. Há pelo menos quatro dimensões distintas de sintonia: o status, a tecnicidade, a cortesia e a norma. O status da pessoa a quem se dirige o falante pode trazer grandes diferenças no uso das formas e recursos da língua. Geralmente se empregam formas ou pronúncias, tom de voz que denotam deferência quando devemos respeito especial à pessoa a quem nos dirigimos, a fim de que a posição relativa de cada um fique precisamente definida. As entonações são muito importantes aqui, como na dimensão da cortesia. Ex.: um aluno não fala com o diretor da mesma maneira que falaria com um colega.

 Variações de registro 





 A tecnicidade é a variação que ocorre em função do volume de informações ou conhecimentos que o falante supõe ter o ouvinte sobre o assunto. Ex.: um professor de língua em um congresso usa maior linguagem técnica do que na sala de aula com seus alunos, revistas científicas.  A cortesia é a variação que acontece devida à dignidade que o falante considera apropriada ao seu ouvinte e/ou à ocasião. Na dimensão da norma é aquela que ocorre quando, ao nos dirigirmos a determinado ouvinte, consideramos o que este  julga de “bom” em termos de linguagem. Ex.: um jovem pode

falar a mesma coisa para sua avó e seu colega, mas usará formas diferentes.

Ensino/aprendizagem de língua materna 

a) b) c)

 As variedade contemporâneas parece que devem ter prioridade sobre as variedades históricas, mas há situações em que o professor poderá, deverá ou terá que abordar variantes históricas:  Ao trabalhar com os alunos a questão da história da língua, mostrando que ela está em constante evolução; Nos estudos de literatura de língua materna;  Ao apresentar textos de diferentes épocas para os alunos, visando despertar neles a consciência de que a língua não é algo rígido, mas algo que se modifica com o passar do tempo.

Ensino/aprendizagem de língua materna 





Castilho (1988) chama a nossa atenção para alguns preconceitos que têm mantido seu vigor entre professores de língua materna e contra os quais os professores precisam estar alertas. Para o conceito de norma (culta ou padrão), ele propõe um sentido amplo e um sentido restrito. Em sentido amplo a norma seria um fator de coesão social e corresponderia à necessidade que o grupo social tem de defender sua língua, seu instrumento de comunicação contra alterações que poderiam acontecer no momento de seu aprendizado.

Ensino/aprendizagem de língua materna 

a) b)

Em sentido restrito a norma corresponderia aos usos, atitudes e aspirações da classe social de prestígio de uma nação, em virtude de razões políticas, econômicas e culturais. A norma nesse sentido contém como componentes pelo menos dois ingredientes: Um uso lingüístico concreto, que corresponde ao dialeto social praticado pela classe de prestígio.  A atitude que o falante assume diante desse dialeto e que corresponde ao fato de que a classe social prestigiada espera que os demais falantes façam e digam determinadas coisas e não outras em determinadas situações. Espera-se que os demais falantes usem a língua da mesma forma que os integrantes dessa classe social de prestígio.

Ensino/aprendizagem de língua materna 

1) 

 A atitude embutida no conceito de norma culta ou padrão, que vigora nas gramáticas normativas que têm sido a base do ensino, advém de uma postura ideológica que acabou gerando os preconceitos a seguir:  A norma (culta, da classe de prestígio) constitui o português correto; tudo o que foge à norma representa um erro. 



Na verdade não há Português certo e errado: todas as variedades são eficazes em termos comunicacionais.O que há na verdade são modalidades de prestígio e modalidades desprestigiadas em função do grupo social que as utiliza. O ensino prescritivo ou normativo pode e deve ser feito, mas sem atitudes preconceituosas em relação às outras variedades.

Ensino/aprendizagem de língua materna 2) 

O bom português é aquele praticado em determinada região. 



3) 

Esse é um preconceito que desloca a questão de seu verdadeiro caráter social para um caráter regional.  A atitude corrente de dizer que o Português de Portugal é mais correto do que o do Brasil é vestígio, ainda, do maior prestígio que tinham as coisas da metrópole em relação às coisas da colônia.

O bom português é aquele exemplificado nas chamadas épocas de ouro da literatura. Depois dos clássicos veio a decadência da língua. 

Equívocos: limitar o português culto à variedade escrita, quando há um português culto falado; ligar o português culto apenas à variedade literária, quando mesmo na escrita há outras variedades de português culto; querer que o português culto seja o de épocas passadas.

Ensino/aprendizagem de língua materna 4) 

Dentre a multiplicidade de formas de expressão, só uma é correta e todas as demais são erradas. 



Isso implica conceber a norma culta como estabelecida por um conjunto de regras rígidas, quando em realidade isso não é o que acontece. Mesmo para a norma culta há, de acordo com cada situação específica de interação comunicativa, uma variedade de formas consagradas pelas pessoas com prestígio social.

Ensino/aprendizagem de língua materna 



Imbuída desses preconceitos, a escola tende a esconder a relação entre língua e grupos sociais, sobretudo entre norma culta e padrão e classe social privilegiada; a relação entre alterações sócio-culturais e mudança lingüística. Isso precisa acabar de vez. É preciso substituir definitivamente a idéia de uso certo ou errado pela de uso adequado ou nãoadequado.  Atividades em sala de aula que trabalham diretamente com a questão da variação lingüística sem teorizar sobre a mesma, mas levando o aluno a sentir a necessidade e a propriedade de determinados usos em determinadas situações, são atividades do que chamamos de gramática do uso.

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