Tradução Puig Nada Vem Sem Seu Mundo
July 22, 2023 | Author: Anonymous | Category: N/A
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“Nada vem sem o seu mundo”: pensando com cuidado. María Puig de la Bellacasa The Sociological Review, 60:2 (2012)
Resumo
Qual o significado do cuidado para o pensamento e o conhecimento? O pensamento e o conhecimento são processos essencialmente relacionais. Fundamentado numa concepção relacional de ontologia, o artigo defende o argumento de que “pensar com cuidado” é um requisito vital do pensamento coletivo em mundos interdependentes, mas também um que necessita uma visão de cuidado que seja densa, encorpada, larga. Uma exploração especulativa de formas de pensar com cuidado se desdobra através de uma releitura do trabalho de Donna Haraway, especificamente nas discussões feministas sobre o caráter situado do conhecimento. A noção de pensar com cuidado é articulada através de uma série de movimentos concretos: pensar-com, dissentir-por-dentro e pensar-por. pensar-por. Enquanto tesse que Haraway das práticas de pensar pensar e escrever de Haraway a partir da figura de linguagem do cuidado oferece um entendimento particular da política de conhecimento desta autora, a tarefa do cuidado aparece também em uma luz diferente.
Palavras-chave: cuidado, coletivo, pensamento, Donna Haraway, racionalidade. O cuidado como relação
Pensar o cuidado como um estado afetivo vital, uma obrigação ética e um trabalho prático tem estado desde muito cedo no cerne dos estudos feministas, tanto nas ciências c iências sociais quanto na teoria política; este esforço tornou-se mais perceptível com o aumento do interesse pelas “éticas do cuidado”. Enquanto é justo dizer que o cuidado tem sido e continua a ser um aspecto essencial do caráter transformador da política feminista e de formas alternativas de organização, o “cuidar” também é comum na moralização cotidiana: por exemplo, companhias competem para mostrar o quanto elas cuidam, comprar toalhas de papel reciclado mostra que nos importamos e o cuidado de si é uma ordem generalizada da moralidade biopolítica. No entanto, o cuidado é uma noção por demais importante para ser reduzida a uma ética hegemônica (Puig de la Bellacasa, 2010; Latimer e Puig de la Bellacasa, no prelo). O pensar, enquanto ato situado no mundo, demanda reconhecer o modo como nos envolvemos na perpetuação dos valores dominantes, ao invés de repousar (retreat na verdade é se aposentar, eu associei a repouso, descanso, conforto) na posição de um outsider (achei desnecessário traduzir essa palavra, na vdd nem sei como) iluminado que conhece mais (knows better = tudo sabe ... exagero?). Com este espírito, a minha intenção aqui não é encenar um confronto com noções convencionais de cuidado, mas ao invés disso, seguir trabalhos feministas precursores, como os de Hilary Rose (1983, 1984), a fim de articular uma visão não-idealizada do cuidado que seja significativa no que diz respeito a/ao propósito de (for matters of thinking and knowing) pensar e conhecer.
A citação emprestada como título deste ensaio, “nada vem sem seu mundo” (Haraway, 1997:137), revela que a discussão se desdobra como uma releitura do trabalho de Donna Haraway, mais particularmente da sua opinião sobre as discussões feministas quanto ao caráter situado do conhecimento (Haraway, 1991c, 1997). A afirmação de que o conhecimento é situado significa que conhecer e pensar são inconcebíveis sem uma multi- dão (multi-tude, não entendi essa separação), multidão que também torna possível a existência dos mundos com que pensamos. A premissa do meu argumento pode, portanto, ser formulada da seguinte maneira: relações de cuidado e conhecimento requerem cuidado. Vale ressaltar que essa premissa é fundamentada em bases ontológicas, não morais. Isso não só porque as relações envolvem cuidado, mas porque o cuidado é em si mesmo relacional. Podemos ler isso na definição já muito citada de Joan Toronto e Berenice Fisher, em que o cuidado inclui “tudo o que fazemos para manter, continuar e reparar ‘nosso mundo’ para que possamos nele viver da melhor forma possível. Este mundo inclui nossos corpos, nós mesmos, e nosso ambiente , tudo aquilo que procuramos entrelaçar numa complexa rede sustentadora da vida” (Tronto, 1993: 103, ênfase minha). Essa visão do cuidado, embora muito centrada no self, fala do cuidado como os fazeres necessários para criar, manter junto e sustentar a heterogeneidade essencial da vida. Na mesma direção, a maior parte dos argumentos feministas na ética do cuidado para dar valor ao cuidado nós temos que reconhecer a inevitável interdependência essencial aos seres vulneráveis e que nós somos (Kittay e Feder,2002; Engster, 2005).
O cuidado e a relação compartilham, portanto, uma ressonância conceitual e ontológica. Em mundos feitos de formas e processos interdependentes e heterogêneos de vida e matéria, cuidar de alguma coisa ou de alguém é inevitavelmente criar relação. Neste sentido, cuidar guarda o peculiar significado de ser uma “obrigação não normativa” (Puig de la Bellacasa, 2010): é concomitante à vida – não algo forçado aos seres vivos por uma ordem moral; ainda assim, obriga, já que para que a vida seja vivida ela precisa ser nutrida. Isso significa que o cuidado é de alguma forma inevitável: embora nem todas as relações possam ser definidas como cuidadosas, nenhuma poderia subsistir sem cuidado. Por exemplo, mesmo quando o cuidado não é assegurado pelas pessoas ou coisas que estão perceptivelmente envolvidas em uma forma específica de se relacionar, para que eles tenham podido meramente subsistir, alguém / algo tem (teve) que em algum lugar ou em algum momento estar cuidando. Além disso, o cuidado nos obriga a nutrir constantemente, não só por estar na natureza mesmo da manutenção mundana, mas porque o nível de liveability (?????) habitabilidade, viabilidade da existência, expectativa de sobrevivência pode depender do cuidado nele alcançado. Neste sentido, sustentar a necessidade vital do cuidado significa sustentar relações florescentes/ que possam germinar, germinar, não meramente sobreviventes ou instrumentais.
A partir de uma perspectiva feminista há outras razões pelas quais visões normativas e moralistas do cuidado não servem. Cuidar é mais do que um estado afetivo-ético: ele envolve
o engajamento material em trabalhos para sustentar mundos interdependentes, trabalhos que são frequentemente associados com a exploração e a dominação. Nesse sentido, os significados de cuidar não são simples. Interdependência não é um contrato, mas uma condição; até mesmo uma pré-condição. Por tudo isso, devemos ter cuidado para não nos tornarmos nostálgicos de um mundo idealizado do cuidar: cuidar ou ser cuidada não é necessariamente recompensador e confortante. Uma visão do cuidado inspirada no feminismo não pode ser baseada no desejo por um mundo liso e harmonioso, mas em ações práticas cotidianas que promovam o engajamento com os problemas inerentes às existências interdependentes. Fundamentada em uma concepção do cuidado como um requisito ontológico de mundos relacionais, este ensaio procura explorar o que as formas densas e não moralistas das ações de cuidado poderiam significar para as práticas de pensar e conhecer. Mesmo que o tema do cuidado não tenha expressamente aparecido em seus escritos até recentemente – de maneiras diferentes, porem relacionadas às que eu vou expor aqui (Haraway,2007b, 2007a) Eu considero o trabalho de Donna Haraway particularmente inspirador para pensar o conhecimento cuidadoso como uma força relacional, e ao mesmo tempo para resistir a cair em visões moralistas (Puig de la Bellacasa, 2004, 2012). Para Haraway, criar conhecimento é uma prática relacional com consequências importantes na formação dos mundos possíveis. Genericamente a alegação que o cuidado importa no conhecimento é defendida por Haraway emfalando, seu alerta para quede prestemos atenção nos fazeres e nas consequências das nossas “tecnologias semióticas” – isso significa, em práticas e ares de fabricar significado com sinais, palavras, ideias, descrições, teorias (Haraway, 1991c). No entanto minha motivação não é tanto oferecer uma interpretação da cisão de Haraway sobre o conhecimento situado, mas oferecer uma leitura especulativa de seu trabalho, uma leitura que revele novos desafios para a noção de cuidado. A primeira seção segue a premissa de que o cuidado é relacionalidade (relação relacionality?) dentro do fazer e pensar e conhecer. Ele articula uma noção de pensar-por-dentro que resiste a individualização do pensamento. As sessões subsequentes discutem episódios da implicação de Haraway em debates feministas. Neles eu identifico duas formas pragmáticas de pensar com cuidado que questiona a idealização das relações de cuidado: discordar-de-dentro e pensar-por.
Pensar-com
Mas não é suficiente gritar “Viva o múltiplo”; o múltiplo tem que ser feito. Henri Berson
Pensar com Haraway é pensar com muitas pessoas, seres e coisas, significa pensar num mundo povoado. Na verdade, poderíamos dizer que para Haraway, pensar é pensar-com. Olhe para os muitos sentidos que uma palavra como “biologia” pode adquirir no trabalho de Haraway: um nó nas relações entre matérias vivas e modos de existência social, habilidades, práticas e histórias de amor; uma variedade de conexões “epistemologias, semióticas, técnicas, politicas e materiais” (Haraway, 2000: 403); um discurso onipresente no século XX; um empreendimento de educação cívica (Haraway, 1997); uma metáfora também, mas muito “mais que uma metáfora” (Haraway e Goodeve, 2000: 82-3). Em seu trabalho, objetos/corpos da biologia contemporânea são tidos como instâncias de coleguismo/conectividade coleguismo/ conectividade (relatedness??? Parentesco??) no fazer. Este insight anda de mãos dadas com a resistência ao reducionismo: um questionamento constante a quilo que faz o “um” (ao que faz a unidade???). Uma curiosidade quanto às heterogeneidades conectadas compondo uma unidade???). entidade, um corpo, um mundo, que borra (bagunça,problematizam??) fronteiras: “”Porque o limite dos nossos corpos deveria ser a pele?” (Haraway, 19991ª: 178). O fato de Haraway pensar com mundos densos e povoados é um reconhecimento da multiplicidade, mas também um escorço para de fato nutrir uma multiplicação – criando uma difração ao invés de uma reflexão do “mesmo” (Haraway e Goodeve, 2000:193)2. O modo com que Haraway escreve é uma tecnologia semiótica dessas agitações: escrever em conjunto, frasear mundos juntos, contribuir para sua direção criadora (generative – geradora??) . Nestes incessantes movimentos de feitura de rede, a ontologia está continuamente no fazer, no processo de tornar-se-com. Para Haraway, “realidade é um verbo ativo” (Haraway, 2003:6). Isso não significa que não existam fronteiras ou estabilidades porque “os seres não preexistem às suas relações” (Haraway, 2003:6) 3. Neste sentido, com Susan Leigh Star, Haraway vê “objetos” como “projetos de fronteira” (Haraway, 1997:6). Isso diz respeito a comunidades e coletivos também. Por exemplo, diante da questão do que produz um “nós” feminista? nós podemos responder que o feminismo não preexiste às suas relações. Ontologias e identidades são também afetadas por coletivos políticos e posicionalidades (posicionalitie?s??) que põem em questão fronteiras dadas de mundos existentes (eg(???) a naturalizada “mulher” (taken for granted? Take for granted é não valorizar, não levar a sério, subestimar... não peguei o sentido aqui, coloquei nagturalizada mas pode ser outra plvr). plvr). Isso diz respeito a criar outras relações, outras possibilidades de existência, ou seja, outros seres (beings – existentes, seres??) O trabalhos de Haraway podem contribuir para o repensar contemporâneo contemporâneo do mundo social e organização que é explorar foras de situar pessoas e coisas no mundo sem recorrer a “todos” fixados – sociedade, cultura
– se necessariamente sem que se suceda uma iuma indivudalização do self ou uma fluidez permanente. Estou pensando aqui com a perspectiva de processo de Rolland Munro, em que a identidade é “pontualizada” (punctualized, entre aspas) ao invés de dada previamente: formas indentitárias são modeladas (formadas) (formadas) por aspectos “demandantes” da relação e por posicionalidades (posicionaliteis ??) situadas em diferentes tempos e espaços (ver sobretudo: Munro, 2004, 2005). Comum a esta visão da ontologia como relacional – nem fixada nem fluida – é a preocupação quanto às consequências das relações. Com o que e, mais importante para este ensaio, como nos relacionamos afeta a construção de posições (posicionamentos???) e ecologias relacionais. No entanto, como veremos, para Haraway – como para Munro (2004) – esta preocupação (concern) não precisa ser traduzida na esperança (no desejo, na expectativa) expectativa) de realidades fixas que poderiam policiar os resultados através da confirmação de uma correspondência com “ordens” pré-existentes. O pensar-com de Haraway tira de multiplicidades prévias novos padrões, intervém adicionando camadas de sentido, ao invés de questionando ou se conformando a categorias sem originalidade. O modo como Haraway faz existir (enact) este pensar-com-muitos levou-a a segurar/considerar segurar /considerar (Hold é segurar mas ficou meio estranho) múltiplas extremidades de posicionamentos supostamente conflituosos (clashing), bagunçando (sujando mess up atrapalhando embolando, traindo) categorias preexistentes. Por exemplo, na altura do hype que envolve seu trabalho, ela constantemente desafiava tentativas de classificá-la como “pósmoderna”: “muito do meu trabalho é baseado na ciência à moda antiga, para as pessoas” (Penley et al.,1990:9). Essa resistência à clausura conceitual não é sem proposito. Uma compreensão justa da maior parte das discussões feministas envolve ruptura com divisões acadêmicas e teóricas fixas:
...que Hartsock, Herding, Collins, Star, Bhavnani, Tsing, Haraway, Sandova, hooks, e Butler não tenham obrigação de concordar quanto ao pós-modernismo, perspectivas, estudos sobre ciência ou teoria feminista não é nem um problema meu nem delas. O problema é o custo desnecessário e ainda assim comum de criar taxonomias para as posições de todas as pessoas sem levar em consideração os contextos de desenvolvimento dessas posições, ou recusar reler e dispor em camadas (overlayering) para criar novos padrões a partir de disputas prévias. (Haraway, (overlayering) 1997:304-5)
Quando redes de pensamento compartilham uma história, há um custo (perdas) em dividir (acho que dividir aqui é ruptura, tem que ver o q fica melhor) e se opor. De fato, alguém pode notar que as leituras das redes de pensamento feminista que encontramos nos escritos de Haraway tendem a sublinhar (destacar, whatever) e nutrir os esforços de cuidar uma da outra ao invés de rupturas e cortes. (spliting rachando, dividno rasgando uebrando rebentando cortando?)
Ainda assim, a mais desafiadora das bagunças de categorias em que o pensar-com de Haraway mergulhou seus leitores é aquela que nos incita a alargar nosso senso ontológico e político de parentesco e aliança, que nos desafia com exercícios de transgressão de categorias, de redefinição de fronteiras que testam o escopo do cuidado humanista. Seja bem-vindo a um “zoológico de figurações” (menagerie of figurations, menagerie é alojamento de feras, pode ser jaula? Não entendi direito o que ela quer dizer aqui), um “zoológico-critico-teórico” onde todos os “habitantes não são animais” animais ” (“são não animais” inhabitants are not animals’)(Haraway e Goodeve, 2000: 135-6). Parentescos e alianças tornam-se conexões animals’)(Haraway transformadoras – mesclando relações herdadas e construídas. Este gesto nunca foi evidente. Compilações promíscuas (gathering ajuntamento, coleta aglomerado apanhador, complilação) podem provocar dificuldades (unease pode ser estranhamento, desconforto é ua palavra muito usada pra desconforto social). social) . Eu tenho visto feministas (fairly – justamente, completamente – fair é justiça – não sei dizer em que sentido a palavra é usada, se pra destacar que elas tem razaõ em se sentir assim ou pra enfatizar – aí seria muito, completamente, etc.) completamente irritadas com a sugestão de Haraway de que nos conectemos às nossas máquinas. Por outro lado, muitas techno pós-feministas (a referencia a esse termo tecnofemnismo não acontece muito no brasil, não que eu saiba. Nem isso nem cyberfeminismo, as vertentes mais vistas são radical, liberal e intersec. Mas achei um artigo em espanhol que dizia: é a maneira en que las jerarquías de la diferencia sexual afectan profundamente al diseño, el desarrollo, la difusion y la utilización de las tecnologias) prefeririam separar o celebrado ciborgue de vínculos supostamente essencialistas, realistas, second wave, espiritual ou qualquer outro termo que soe fora de lugar. Veja como a frase final e extremamente citada de seu celebre Manifesto Ciborgue, “Eu prefiro ser um ciborgue a ser uma deusa” deusa” (tradução minha tem que ver como tá na versão port), tem sido sistematicamente desconectada das palavras precedentes, que afirmam que ambas as figuras são “conectadas na dança espiral” (ver trad port) – um ritual neopagão de espiritualidade ativista em que a figura da Deusa é central (Starhawk, 1999). Mais recentemente tem se manifestado certa urgência em separar seu trabalho sério de “certas coisas que ela tem escrito sobre cachorros”. O que é ao mesmo tempo desafiador e regozijante no pensamento de Haraway é que ele torna difícil sustentar essas rupturas. A prática de pensar-com fornece uma densidade atípica à escrita de Haraway: faz as coisas ficarem mais “densas” (thicker – poderia ser largas, densa, encorpadas, grossas, a ideia é de robustez, a ideia é de muitas camadas) camadas) (Haraway and Goodeve, 2000:108). Nós somos frequentemente introduzidos a essas compilações (gathering – aglomerados) tão robustas através de eventos específicos: quando/onde/como um encontro funcionou para ela, modificou-a, ensinou algo. Longas enumerações exibem mundos com múltiplas camadas que ela descreve e ao mesmo tempo cria (generates). Engajar-se em mundos herdados, acrescentando camadas, ao invés de desarticulalções analíticas, traduz um esforço de reescrever algo de modo a torná-lo mais denso do que parecia à primeira vista” (Haraway & Goodeve, 2000: 108). “E” é a palavra predominante aqui – mais que “ou”, “de outro modo”, “de preferência”. A escrita situada, implicada e grounded/fundamentada (???) torna difícil folhear, generalizar os argumentos, especialmente quando a escrita é intencionalmente atormentada por obstáculos ao desafio do reducionismo, o dissecar de redes de parentesco que compõem um mundo. Não há como fazer uma leitura de Haraway orientada por um único
tópico porque ela não escreve mundos partindo de temas únicos. Um excesso de camadas pode ser um ponto fraco ligado à força singular que estou associando aqui ao pensar-com. Poderia existir um lado ruim neste apetite por camadas: c amadas: ele demanda do leitor uma atenção às raízes múltiplas e uma abertura para seguir linhas de surpresa e conexões, requer um esforço para sentir como cada uma de suas histórias está situada em mundos lotados; (crowded worlds – mundos apinhados, abarrotados. Não pode ser povoado. Pq a ideia é de extremamente cheio. Superpovoados não sei) ou simplesmente que deixe de tentar controlar sistematicamente a totalidade. Efeitos estranhos acontecem com leitores que não estão familiarizados com os arredores do seu pensamento: alguns podem ficar maravilhados e inspirados, outros podem se sentir irritados por um fluxo de historias e noções não-familiares e criticar seus escritos por serem obscuros. O que este estilo poderia revelar é que Haraway não escreve para um leitor “comum” (general geral) . Estes modos de pensar-com revelam um compromisso com um coletivo de fazedoresde-pensamento - não importa o quão frouxas sejam suas fronteiras e o quão complexas sejam suas formas. Há para mim um significado específico de pensar com cuidado que aparece aqui: o enraizamento do pensamento nas palavras que alguém gosta (gosta, prefere, deseja, care for).. Mas se o cuidar é um fazer, há um traço prático deste modo de cuidar? No trabalho de for) Haraway este compromisso é escrito; e escrito-dentro (??), obviamente, através de uma Este modo (autoriza, dá política citação créditos de a, acho quevigorosa o sentido(lively???vívida). é citar, fazer referência, masdetbescrever autorizarcredita no sentido de fazer com que seja autor, de compartilhar autoria) autoria) muitas ideias, noções e afetos que nutrem o pensamento a seguir pesquisadores e estudantes, mas também amigos, humanos e nãohumanos, grupos de afinidade/ativismo, seja dentro ou fora do campo acadêmico ou “intelectual”. Para reconhecer (certificar, autorizar) a inscrição deste pensador singular é, portanto, não negligenciar sua posição idiossincrática e sua contribuição distintiva para uma inteligência coletiva. Ao contrário, ao ler esses modos, assim como aqueles do pensar com cuidado, eu pretendo valorizar um estilo de pensamento conectado e uma escrita que perturba o isolamento acadêmico previsível de autores consagrados, através de uma compilação e de uma valorização explícita das redes coletivas onde alguém pensa com, ao invés de usar o pensamento dos outros como mero fundo contra o qual dispor o seu próprio em primeiro plano. O argumento aqui não é hagiographic (um (um livro sobre a vida de alguém que a faz parecer melhor do que realmente é; uma biografia que louva demais alguém) (????) – não busca indicar no trabalho de Haraway remanescentes, por exemplo, das formas alternativas com que o feminismo de segunda onda organiza seu trabalho intelectual – mas ler este estilo de modo especulativo, de modo que ele possa nos ensinar algo sobre o caráter subversivo do cuidado. Arranjos acadêmicos não valorizam de fato a escrita-com eclética, especialmente quando ela explode a categoria disciplinada de “pares”. Aqui, uma resistência a totalidades prefixadas está em jogo. Como Munro coloca, o que está mascarado na “convenção” de como publicar, em que acadêmicos põem seus próprios nomes nos trabalhos” é o quanto ele é “o produto de uma coletividade mais ampla”, e autores não são as únicas totalidades instrumentais em jogo neste mascaramento, as universidades também são. Objetificadas, separadas umas das outras para que possam ser comparáveis e entrar em competição, elas usam complexos processos de atribuição e reordenamento para romper o trabalho de seus empregados de redes intelectuais
complexas. Somente assim o pensamento e o conhecimento podem tornar-se propriedade individual de uma instituição (Munro, 2005). De fato, como Susan Leigh Star (1991) mostrou claramente em seu trabalho, para ser projetada alegadamente futuros gerenciáveis (eg alocação de recursos) a bagunça do presente tem que ser “estandartizada”. A questão é quais serão as consequências destes processos em modos futuros de pensamento? O que desaparecerá? Neste contexto, não há motivo para idealizar uma escrita que performa o coletivo, ou sugerir que uma citação cuidadosa fará a mágica acontecer. Ainda assim eu acredito que a procura por meios de inscrever o coletivo talvez mereça mais atenção, diante de seu potencial de contrabalancear os efeitos esgotantes (drying aqui parece ser algo que seca, tira a vida, empobrece) do empobrece) do isolamento do trabalho acadêmico. Seria tristemente insuficiente reduzir estes gestos à honestidade intelectual básica, educação acadêmica ou lealdade política para com os companheiros (insiders?? Pertencentes a?) de uma causa. O que é interessante para mim aqui, o que me solicita a cultivar um etilo de escrever-com , não é quem ou o que este estilo almeja (generates): ): ele na verdade cria o incluir e representar em um texto, mas o que ele cria (generates coletivo, povoa um mundo. Ao invés de reforçar a figura de um pensador solitário, a voz em um texto assim escrito parece continuar dizendo: eu não sou a única. Pensar-com faz o trabalho do pensamento ficar mais forte, sustenta sua singularidade e seu potencial contagiante. Escrever-com é uma tecnologia prática (ela queconecta). revela Ela a constrói si mesma como simultaneamente descritiva (ela inscreve) e especulativa relação e comunidade, ou seja: possibilidade. Este modo de relacionar não quer dizer criar “uniões” – tampouco meras “justaposições”. São caminhos que buscam a relação como “algo que passa entre (os dois) o que não é nem uma coisa nem outra” (Deleuze and )arnet, 1987: 10). É isso também o que espero ao tecer sentidos para o cuidado a partir do trabalho de Haraway. Criar “interesse”, no sentido enfatizado por Isabelle Stengers, situando por entre – inter-esse – não para dividir, mas para relacionar (Stengers, 1993). Esta abordagem pode também envolver resistência a uma forma de pensar da academia, aquela baseada no posicionamento de teorias e autores em um campo c ampo através da indicação do que “eles” não tem e o que “nós” viemos preencher – uma abordagem “criadora de puzzles” puzzles” do conhecimento que depende do que Munro (1999) chama de “eliminação da diferença”. E talvez ela possa deixar à margem aqueles que buscam num texto das ciências sociais novos dados que completem a analise objetiva de uma questão. Além disso, essa forma de escrevercom atrapalha a expectativa de uma “visão crítica” que romperia com o passado oferecendo um novo padrão que emergiria de um fundo (background) obsoleto. Mas provavelmente a percepção mais desafiadora das relações de conhecimento baseadas no cuidado seja que os vínculos afetivos com coletivos são erroneamente situados (apresentados, posicionados) em textos acadêmicos, são considerados empaticamente acríticos (empathetically uncritical??), ou mesmo autoindulgentes. Julgamentos céticos podem ser particularmente duros (acute) para com trabalhos dedicados a nutrir o compromisso com uma “comunidade interpretativa” (interpretive community????) particular. A academia nos treina para sermos espertos cautelosos) e para não nos amarrarmos ao que Joan Harran denomina “redes (vigilantes cautelosos) dialógicas” que “limitam o jogo da leitura” leitura ” (limit the play of Reading???) e a buscar solos comuns para a confiança (common grounds for hope??) nas formas concretas de “praxis” situada (Haran, 2010, 2003) (não entendi nada). De fato, grande parte dos problemas que
acompanham noções de “compromisso” é o desafio (provocação defiance) que elas inspiram ao trabalho acadêmico dedicado a fazer progredir (avançar, desenvolver, favorecer, adiantar) visões específicas em contraponto a um interesse geral da descrição social. Este é um desafio para a pesquisa conectada ao feminismo desde a segunda onda: o “compromisso político” é identificado como tendencioso. Para muitas feministas, romper com esta identificação foi “fundamental para nutrir esperanças em uma ciência democrática e de credibilidade” (Haraway, 1997: 227, n.3) e uma grande motivação para o desenvolvimento da “epistemologia” feminista – especialmente da “teoria do ponto de vista” como uma “estratégia de justificação” para o conhecimento assentado no feminismo e em outros movimentos oposicionistas (movimentos sociais fica melhor??) (Harding, 1986). Eu retomo essa discussão abaixo, por ora gostaria de tentar e de “ficar com o problema” (Haraway, 2010) dos compromissos políticos para descortinar mais adiante os aspectos demandantes de pensar com cuidado.
Dissentindo-por-dentro
O ceticismo corrosivo não pode ser parteiro de novas histórias Donna Haraway (1991b: 78)
Na produção de conhecimento, o cuidado possui algo de “trabalho de amor” (labour of love é um trabalho que você faz porque gosta e não porque vai receber dinheiro ou reconhecimento ou porque precisa... não sei qual seria a expressão equivalente em português) (Kittay, (Kittay, 1999; Kittay and Feder, 20002). O amor é também parte do que nos incita a pensar com o que (e pelo que) nos importamos. Mas apelar para o amor é particularmente complicado: idealizações românticas do amor não são raras e a sordidez perpetrada em nome do amor é abundante. Precisamente por causa disso, é importante insistir que a produção de conhecimento baseada no cuidado, no amor e no vinculo não é incompatível com o conflito, que o cuidado não deveria ser reduzido à suavização de diferenças, nem o amor deveria recair sobre uma ordem moral que justifica qualquer objetivo (Hooks, 2000). Uma visão não idealizada de práticas assentadas em vínculos de compromisso requer uma abordagem de multi-sobreposição não inocente dos sentidos de cuidar. Ralacionalidade (relationality) é tudo o que existe, mas isso não implica num mundo sem conflito ou dissentimento. Uma ontologia baseada na relacionalidade (relationality) (relationality) e na interdependência precisa reconhecer não somente, como dito anteriormente, uma heterogeneidade essencial, mas também que a heterogeneidade pode florescer. Por exemplo, um foco atento e vinculado a um objeto de amor também cria padrões que reordenam algumas relações através da exclusão de outras – como quando respondemos a uma relação que “exige demais de nós” (ficou horrível isso demanding é muito exigente, que requer mais do que podemos oferecer, não sei se temos uma expressão em português) (unro, português) (unro, 2004). Em outras palavras, onde existe relação deve haver cuidado, mas nossos cuidados também performam desconexão. Não podemos cuidar de tudo, nem tudo pode contar em um mundo, nem tudo é relevante em um
mundo – não há vida sem alguma forma de morte. No entanto, pensar com cuidado nos compele a olhar para o pensamento e o conhecimento a partir da perspectiva de como nossos cortes nutrem relações, mais do que de como eles isolam figuras. Isso permite olhar para “cortes” da perspectiva de como eles estão re-criando, ou sendo criados por “conexões parciais” (Strathern, 2004 [1991]; ver também: Munro, 1996; 2005). Ou seja, nós podemos direcionar a atenção para as heranças, para o modo como “novos” padrões são herdeiros de uma rede de relacionalidades, rede que contribuiu para torná-los possíveis. Além disso, como discutido acima, afirmar que os seres não preexistem às suas relações significa que nossas relações têm consequências. Priorizar uma compreensão da multiplicidade através da conexão, ao invés de taxonomias distintas, é ser coerente com a assertiva de que politicas (conhecimentos) feministas não são dedicadas à desconstrução do que está dado, mas à “construção apaixonada”, à “conexão apaixonada” (Haraway 1997:190). Nós podemos encontrar na base do construtivismo cuidadoso uma tentativa de oferecer “uma melhor narrativa do mundo” ao invés de somente mostrar “a contingência radicalmente histórica e os modos de construção de tudo” (Haraway, 1991c: 187). Resumindo, o pensar-com diz respeito a comunidades que inscrevem o pensamento e o conhecimento em mundos que importam, com o intuito de fazer diferença – fazer uma difração. No entanto, os modos com que uma diferença é feita não residem tanto nos contrastes e contradições, mas em prolongamentos e interdependências. Pensar com cuidado é uma resposta guiada pela consciência dos esforçose necessários pra cultivar parentescos (relatedness), em produções de conhecimento coletivas responsáveis, sem negar o dissenso; consciência dos esforços necessários para explorar formas de cuidar de relações inevitavelmente espinhosas, que nutram um pensar-com rico, coletivo e interdependente, ainda que imperfeito. Abaixo, eu proponho a referência a dois momentos retirados do trabalho de Haraway, são trechos que eu leio como exemplos concretos do engajamento com a articulação de num “nós” cuidadoso, como esforços vitais do pensar-com. A primeira referência apresenta “O manifesto cyborg: ciência, tecnologia, e feminismo socialista feminista.... ver a tradução”, a intervenção seminal e notória de Haraway contra as unidades “orgânicas” no feminismo. Essa manifestação por escrito da instabilidade na história recente do feminismo demonstra como pensar-com pode ser inspirador, empoderador, mas pincipalmente, nada fácil (difícil not easy). easy). O manifesto ajudou a revelar conflitos no solidariedade. It feminismo, bem como re-tecer narrativas de construção de solidariedade. stressed/Enfatizou como trajetórias e posições podem conectar e transformar umas às outras sem precisar apagar suas divergências. Uma urgência compartilhada manifesta pela chamada: “a necessidade de unidade entre pessoas tentando resistir à intensificação da dominação nunca foi tão aguda” (Haraway, 1991ª:154). O propósito era evitar modelos de resistência à dominação que esperassem de nós uma confiança em relações evidentes e já dadas. Era também de criar abertura para alianças inesperadas e não-naturais: políticas de coalisãocyborg. A intervenção foi inspirada inspirada e reconhecida por por uma larga variedade de trabalhos e ativismos feministas e outras “consciências oposicionistas” – nas palavras de Chela Sandoval (Sandodval, 1991, 1995) – isso gerou um desconforto radical diante do modo com que os múltiplos e situados significados da “experiência das mulheres” foram conciliados em um “nós” feminista privilegiado, branco e heterossexual.
O “manifesto Cyborgue” tentou provocar humor no coração de algo sério, como o sonho de unidade política (Haraway, 1991ª). Mas a risada veio de dentro, com o compromisso de compartilhar problemas de uma comunidade. Isso é diferente de um riso irônico: “Eu rio: logo, eu sou... implicada” Eu rio: logo, sou responsável e respeitável (accountable) (Haraway, 1997: 182). Rir com, não rir de, acompanha um tipo de pensamento, o pensamento que produzimos enquanto estamos mergulhados (embbeded) nas comunidades com as quais nos importamos e é um exemplo de uma forma de pensar com cuidado que eu proponho chamar de dissentir por-dentro. No entanto, essa postura não se aplica somente às visões que nos comprometemos a nutrir. Reconhecer pertencimentos, withinness (não sei...) identificar os de
(insiders,) os que fazem parte dos mundos com os quais nos engajamos, ainda que de dentro (insiders,) forma crítica, é nos relacionarmos com “complexas camadas do caráter pessoal e historicamente e coletivamente situado de alguém nos aparatos de produção de conhecimento” (Haraway, 1997:277, n.3). Um posicionamento desse tipo nasce em meio a complexas discussões feministas sobre as possibilidades da objetividade5 e defende que conhecedores se apresentem para nós fingindo ser livres de “poluições”. Recusar o apagamento-de-si-mesmo é sobre reconhecer nossa implicação – e ousar dizer isso especialmente quando se está em posição de arcar com as consequências (afford- pagar... arcar com as consequências, pagar o preço). Interdependência, novamente, também a reverenciada distância crítica no coração de tantos conhecimentos ilimitadosproblematiza (Enlightened knowledge). Dissentir-por-dentro é a abertura para os efeitos que podemos produzir em mundos que nós preferiríamos não endossar (endorse aumentar, alimentar endossar confirmar aprovar defender). Cuidar dos efeitos dessa maneira pode nos tornar particularmente vulneráveis. Reconhecer a vulnerabilidade tem sido visto como uma questão ética6; na prática de pensar-com, este posicionamento se apresenta como uma consequência de aceitar que se pensamos é porque somos herdeiros, até mesmo de pensamentos aos quais nos opomos e que se assemelham a ameaças. Pode ser também o preço inescapável do compromisso: se cuidar é mover uma situação, aqueles que cuidam também serão movidos por ela. Isso me leva a um segundo, e talvez mais saliente exemplo de outra aliança “não-natural” (unnatural) em que o trabalho de Haraway foi fortemente envolvido desde os último anos da década de 80, assim como nos anos 90: a aliança frágil entre o que Sandra Harding intuitivamente descreveu como “a questão da mulher na ciência” – que corresponde à questão da posição da mulher praticando ciência – e a “questão da ciência no feminismo” – a abordagem crítica feminista para a ciência em si mesma (Harding, 1991, 1986; e Keller, 1985; ver também: Rose, 1994) (alguém por favor confira este trecho pq não sei se foi isso mesmo que Puig quis dizer). dizer). O fundo espinhoso para esta aliança foi descrito por Londa Shiebinger quando refletindo sobre a ruptura entre os estudos da ciência e as ciências: “a colaboração tornou-se ainda mais difícil quando... certas facções começaram a praticar um construtivismo intemperado ao ponto da desconfiança de alguns “cientistas” em ter acadêmicos examinando suas disciplinas serem elevadas ao nível de uma “guerra das ciências”. Schiebinger nota que muitas pesquisadoras feministas desenvolveram uma recusa tanto ao “construtivismo reducionista” quanto ao “objetivismo irrefletido”. O insight crítico de que os “dados” científicos, ou fatos, comportam ambiguidade, devido a fatores sociopolíticos, foi balanceado
com o respeito à lealdade às “limitações empíricas”, típica das tradições modernas científicas (Schiebinger, 2002: 860). Feministas não eram, é claro, as únicas envolvidas em procurar formas mais cuidadosas de construtivismo para abordar a ciência. No entanto, meu ponto aqui é que elas tinham razões particulares para ter esta ressalva, mais relacionadas às dificuldades de pensar-com que com querelas em torno de descobrir uma epistemologia normativa melhor. Na verdade, como essa conversa poderia ter acontecido, se críticas à pratica da ciência são feitas de uma posição de distanciamento crítico (Rose, 1996). Ou se cientistas sociais alegam que seu “estranhamento” de um campo permite-lhes conhecer melhor as práticas dos “praticantes nativos” – ou seja, explicar sua sociabilidade. A este respeito, uma referência relacionada a algumas recepções do livro de Haraway Primate Visions (1992) me afeta particularmente. Haraway via este livro como um ato de amor e via sua preocupação apaixonada pela primatologia como um terreno de encontros entre interesses sobrepostos (ou muitas camadas sobrepostas de interesses). Apesar de iniciar com uma citação de Eugene Morais: “Porque, portanto, todas as coisas precisam começar com um ato de amor”, o livro não guardava ilusões de inocência sobre humanos devorando amor por outros não-humanos, inclusive amor epistêmico. Mas tampouco se aproxima do amor com cinismo. No entanto, alguns aspectos de suas descrições fizeram com que os primatólogos ficassem primatólogos ficassem com raiva. Comentando mais de dez anos depois sobre as reações adversas ao seu livro pelas primatologas feministas, primatologas feministas, Haraway pensa que seu engajamento etnográfico deveria ter sido “mais denso” (Thicker mais largo, mais grosso), ela deveria ter permanecido mais em campo, e diz: “Eu deveria ter passado mais tempo com meu próprio aparato retórico, convidando primatólogos para este livro – reconhecendo-os. Dando mais evidência a eles de que eu conheço e me importo com a forma que eles pensam. Esse livro se tornou muito duro para muitos primatólogos. Eles se sentiram atacados e excluídos (Haraway e Goodeve, 2000: 56). Como estas experiências particulares falam sobre a dificuldade declarada de Haraway (1991c) não só com as abordagens construtivista social e desconstrutivista da ciência, mas também com o realismo filosófico abstrato e com qualquer descrição crítica que não se engaja com as preocupações praticas dos cientistas? Em seu trabalho sobre relacionamentos amorosos, poder e conhecimento, Hilarry Rose vê o posicionamento “ambos/e”, assumido por Haraway em debates feministas epistemológicos, como tributário de uma “observação/participação muito próxima do e em um e de um extraordinário grupo de cientistas feministas que são primatólogas (Rose, 1994:93). Uma certa proximidade de relação é crucial para a consciência de que criar conhecimento tem consequências, de que aqueles que estudamos não estão lá somente para pensar-com mas também para “viver com”? A escrita (the wording??) vem de outro contexto, do Companion Species Manifesto (2003). Explicando o “tornar-se com” (cobbling together????) da relacionalidade cuidadosa no amor humano-cachorro, explicando a criação de “outros significantes”, Haraway afirma: “Os cachorros, em suas complexidades históricas, importam aqui. Cachorros não são um álibi para outros temas... Cachorros não são substitutos para a teoria ; eles não estão aqui somente para pensar-com. Eles estão aqui para viver com” (Haraway, 2003:5, minha ênfase). Apesar dessa assertiva referir-se ao amor interespécies, seu reconhecimento da interdependência oferece um alerta geral contra formas idealizadas de cuidado. Porque viver é algo trabalhoso. Relações envolvendo uma outridade são mais do que acomodar “diferenças”, co-existir ou tolerar. Pensar com deveria sempre ser
um viver com, consciente que de que relações com outros significantes transformam aqueles que se relacionam e os mundos em que eles vivem. Dissentir por dentro significa um modo de viver, de mãos dadas com c om os efeitos do pensamento de alguém (do seu pensamento???). Conflitos transformam e continuam a transformar os significados dos coletivos feministas em muitos lugares, eles desafiam nossas imaginações políticas – novamente, o feminismo não preexiste as suas relações. Ao ler esses relatos de momentos de dissentimento por dentro como exemplos de pensar com cuidado, eu gostaria de relatar as dificuldades de tomar conta de relações ao criar conhecimento. Neste contexto, pensar o cuidado, a partir de uma perspectiva de heterogeneidade radical e de vulnerabilidade para com o jeito um do doutro, significa significa perguntar questões questões como: como produzimos relacionamentos cuidadosos enquanto reconhecemos posicionamentos divergentes? Como aqueles que estudamos percebem o modo como pensamos-com suas práticas? Respostas a questões relacionais são sempre específicas, situadas. Criar outridades significantes é um processo enraizado em “trabalhos vulneráveis, on-theground”: “não há como fazer um argumento geral, distanciado do trabalho sem fim que é articular os mundos parciais dos conhecimentos situados” (Haraway, 1997: 197). Ainda assim, podemos ainda encontrar experiências e historias que nos ajudem a aprender sobre as armadilhas de, por exemplo, wellmeaning caring for an “other”. A seção seguinte oferece uma retomada (account) final de tensões na política de conhecimento feminista, para oferecer o pensar-por (thinking-for pensar para) como um traço adicional do pensar com cuidado. Thinking for
Talvez a relação entre conhecimento e cuidado seja mais claramente expressa no argumento em torno do qual Santra Harding (1991) reuniu a noção de “teoria do ponto de vista feminista”. Harding defende que o conhecimento comprometido a pensar a partir de experiências marginalizadas pode ser um conhecimento melhor e pode ajudar a cultivar epistemologias alternativas que borrem dualismos dominantes (Hartsock, 1983). Este princípio tem sido discutido extensivamente em sua relação com as reconstruções feministas das experiências das mulheres em lutas (struggles) oposicionistas (militância de oposição??) oposição??) (Harding, 2004) mas defende de maneira mais genérica o compromisso com a valorização do conhecimento concebido em meio às dificuldades enfrentadas em qualquer contexto de subjugação (struggles in any context... militancia luta ativismo). ativismo) . Nesse sentido, um ponto de vista pode ser entendido como uma visão alternativa do mundo, concebida no processo de lidar com situações que marginalizam e oprimem formas particulares de viver e conhecer. Eu não posso discutir aqui as genealogias complexas e os debates sobre os significados e possibilidades dessa visão7, mas espero contribuir para seu prolongamento ao lê-las como uma forma de pensar com cuidado. A política de conhecimento do ponto de vista (standpoint knowledge politics) representa uma tentativa, por parte de pessoas que trabalham nos mundos acadêmicos, de tentar usar o espaço que ocupam, de usar a organização diária do seu trabalho, através do modo como produzem sua pesquisa e conhecimento, para fazer com que ele seja um lugar de transformação. Inicialmente pensada como uma teoria voltada para produtores de conhecimento que são também parte de uma comunidade em dificuldade (comunity in
struggle seria o que? Oprimida?) (por ex. mulheres negras feministas; Collins, 1986), a teoria do ponto de vista (standpoint theory) também recomenda, àqueles que não necessariamente pertencem às “margens” em que essas experiências são vividas, que pensem a partir de experiências marginalizadas. É neste aspecto que eu me concentro aqui. Nas palavras de Haraway: “Eu acredito que aprender a pensar sobre e ansiar pela liberdade reprodutiva a partir do ponto de vista analítico e imaginativo de “Mulheres Afro-Americanas em situação de pobreza” – uma categoria discursiva vivida ferozmente à qual eu não te tenho nho acesso ‘pessoal’ – ilumina a condição geral de uma liberdade desse tipo” (Haraway, 1997: 199). Isso diz respeito ao conhecimento que “preenche (casts) seu terreno (lot lote – o sentido é de um pesquisador que ocupa o espaço que lhe cabe com essas coisas) com coisas) com projetos e necessidades daqueles que não habitariam ou não poderiam habitar a posição subjetiva dos “laboratórios”, dos homens civis da ciência, dotados de credibilidade” (Haraway and Goodeve, 2000:160). Este compromisso tenta conectar lugares que não se conectam facilmente, fazendo um conhecimento interessante, no sentido anteriormente enfatizado de criar uma relação entre (in-between). Ainda assim, esta característica específica do “pensar a partir de” (thinkig from) pode ser considerada uma forma de pensar-por, com o objetivo de tornar reconhecíveis suas armadilhas específicas como: apontarmos a nós mesmos como representantes ou vozes (spokepersons) dos marginalizados, usando a referência aos “outros” marginalizados como parte de um argumento que talvez articulássemos de um modo ou de outro, ou fetichizando as experiências “dos marginais” como inspiradoras e uplifting (??). (??). Novamente, o fazer está em como nós cuidamos (the do – parece uma expressãoexpressão- significa não vai servir... servir... seria o que funciona, o segredo, o que serve???). O excesso de cuidado pode nos consumir. As mulheres são especialmente cientes de como o cuidado pode devorar suas vidas, como pode asfixiar outras possíveis habilidades. Mas o cuidado pode também extinguir as sutilezas de atender às demandas de um “outro” necessário para que uma relacionalidade (relationality) cuidadosa possa existir. Ele pode facilmente nos levar a uma apropriação dos que recebem “nossos” cuidados, ao invés de nos vincular a eles. Isso se traduz em outro motivo pelo qual a criação novos padrões a partir do pensar-com requer um cuidado particular com nossas tecnologias semióticas. Pensar e conhecer, assim como nomear, tem “o poder de objetificar, de totalizar” (Haraway, 1991b:79). O pensamento orientado pelo amor e pelo cuidado deveria ser especialmente consciente dos perigos da apropriação. E de fato, o risco de apropriação talvez seja pior para o pensamento comprometido (compromissado??) porque aqui nomear o “outro” não pode ser feito a partir da “confortável ficção ficção do distanciamento crítico” (Haraway, 1991ª: 244, n.4). Por fim, se pensar com cuidado requer reconhecer a vulnerabilidade, isso implica que, como abordado antes no caso dos primatólogos furiosos (angry primatologists), primatologists), nossos “subject matter” (não faço a menor ideia de como traduzir isso), os que recebem nosso cuidado podem responder de volta. Como cuidar vai requerer uma abordagem diferente em diferentes situações de pensar-por. Alguns “outros” oprimidos precisam de testemunhos para agir como seus “porta-vozes” (spokes-persons) – por exemplo, animais torturados em um mundo dominado por humanos. Mas grupo de humanos engajados em ativismos (struggles – militância, luta, dificuldades, movimentos sociais) podem recusar o “falar por nós” (acadêmico) como usurpação. Abordar (queria uma palavra melhor para approaching) a experiência do
outro nos impede de criar outridades significantes (outros significantes?? Significant otherness),, ou seja, de afirmar aqueles com quem construímos uma relação. O modo como otherness) cuidar dos “oprimidos” está longe de ser auto-evidente. As hesitações de Haraway sobre a teoria do ponto de vista são muito pontuadas neste sentido: “o modo como ver de baixo é um problema que no mínimo requer tanta habilidade com corpos e linguagem, com a mediação da visão, quanto à ‘mais avançada’ das visualizações tecno-científicas.” (Haraway, 1991c: 191). No prolongamento do trabalho de Nancy Hartsock e Sandre harding, em particular, Haraway afirma que um ponto de vista não é um “apelo empírico para ou pelos ‘oprimidos’, mas um instrumento cognitivo, psicológico e político para um conhecimento mais adequado”. É outro nome para uma visão oposicionista que é o “sempre temido, mas necessário fruto da prática de consciência oposicionista e diferencial (oppositional and defferential consciousness)” (Haraway, 1997:199, ênfase minha). Insistir na prática nos trás de volta para o lado manual (hands-on side) do cuidado no propósito de pensar com outros. Ou seja, olhar para o cuidado como um compromisso prático cotidiano, como algo que fazemos que afeta o significado de pensar-com. Como uma mulher privilegiada envolvida em conversas sobre a natureza do conhecimento na ciência feminista e nos estudos sobre tecnologia, eu posso sinceramente reconhecer o quanto o meu trabalho é nutrido pelos riscos tomados por mulheres cientistas que falam sobre o assunto (risks taken by woman scientists to speak out) out).. Simultaneamente, eu posso falhar em me unir a elas em questões como: como nós de fato abrimos espaço na ciência? Como eu ajo em solidariedade em meio às relações de poder desiguais que mantem muitos fora dos espaços onde estou autorizada a trabalhar? Nós podemos tentar pensar a partir de, pensar por, e mesmo pensar com, mas viver-com requer mais que isso. Atentar para múltiplas formas de “acesso”, não somente pensar-por uma ausência perpetuada. Não confundir cuidado com mera empatia, ou com tornar-se porta-voz (spokespersons) daqueles (spokespersons) daqueles descreditados. Criar conhecimento situado pode também significar que pensar a partir de e por dificuldades (struggles (struggles)) particulares requer de nós um trabalho pela mudança a partir de onde nós estamos, ao invés de recorrer a eles para a minha construção de uma nova teoria e para a minha inclusão continuada em conversas educadas (educated conversations é conversas acadêmicas, educated é um adjetivo usado pra quem frequentou uma universidade). Finalmente, uma contribuição crucial da teoria do ponto de vista para uma versão alargada (densas, encorpadas, grossas, robustas thick) do pensar com cuidado é o modo como ela evidenciou que dispensar o trabalho de de cuidar contribui para construir versões não engajadas da realidade, que mascaram as “mediações” que sustentam e conectam nossos mundos, nossos fazeres, nossos conhecimentos. Desde cedo, as “experiências marginalizadas” a que estes trabalhos se referiam eram principalmente trabalhos de cuidado8 (labours of care – será que é uma expressão como labour of love?). love?) . Ao retomá-las como fonte de conhecimento, eles estavam rejeitando um tipo particular de vontade (willpower???) de transcendência; estavam imprimindo uma oposição ao esqueci-mento (tem uma separação na palavra que não sei se faz sentido em português obliter-ating e depois know-legde não entendi nem em inglês) das relações reais cotidianas que teria o objetivo de esterilizar a produção do conhecimento, algo que Nancy Hartsock (1983) denomina “masculinidade abstrata”. Pensar na mediação de political)) como ato político (ie corpos trabalhadores (thinking of mediating labouring bodies as political como problemático) problemático) é uma prática feminista que os feminismos de ponto de vista vista teorizam
como produção de posicionamentos para construir outros tipos de conhecimento. “cuidado” aqui nos relaciona àquelas camadas de trabalho que nos interpelam ao longo do dia (get us through the day no sentido de que nos ocupa, o sentido é de obstáculos que chegam até nós e que superamos tipo get through school, não lembro de uma expressão pra usar), um usar), um espaço material em que muitos ficam presos (trap é armadilha, talvez enrascado seja melhor). Em muitos casos, na feliz expressão de Latimer (2000), o cuidado não é mais comportamento do que “conduta”. Lembrar que o cuidado não é uma tarefa moral de higiene problematiza ideias idealizadas de cuidado. Eu entendo a postura de Haraway contra os “dualismos políticos e ontológicos” como uma continuação dessas conversações. A afirmação do potencial político de valorizar o mundo de mediações pegajosas (sticky ???– pegajosa, espesso aaaah posso usar espesso pra thick talvez, mas acho que pegajoso aqui cai bem pq é pra contrapor a ideia de algo esterilizado e desprendido) como dispositivo de pensamento é prolongada em sua recusa genérica da pureza: “O ponto é fazer diferença no mundo, partilhar o espaço que nos cabe (to cast our lot ?? é partilhar nossa fortuna no sentido de ter uma terra e partilhar o que dela provvem com outros partilhar o lote de terra, acho importantíssimo traduzir isso direito e não sei) com alguns modos de vida e não outros. Para fazer isso, é preciso estar em ação, ser finito e sujo, não transcendente e limpo” (Haraway, (Haraway, 1997: 36). Em seu trabalho mais recente recente sobre interespécies, Haraway explorou os predicados do cuidado relacionalidades (relationalities??) interespécies, para não-humanos num mundo natural-cultural (Haraway, 2007b). Mas a impureza do cuidado estava no coração da questão perguntada há mais de uma década, “Qual é a minha família neste mundo?” (Haraway, 1997: 16;51), quando ela tentava pensar com um rato transgênico, OncomouseTM, produzido para servir às pesquisas sobre câncer de mama. Cuidar deste rato é uma experiência estranha; o modo como Haraway conta sua história corta secamente qualquer tentação de sentimentalismo; sentimentalismo; referida ao mesmo tempo como “ela” e como “isso”, as fronteiras de sua espécie são impuras, ela vive no laboratório mas não é um dispositivo dispositivo mecânico, ela sofre, mas ela não é “somente” um efeito colateral da instalação experimental (local de experimentação): ela foi produzida-nascida em série para sofrer. A partir de sua morte ou de sua sobrevivência, OncomouseTM deveria provar que tipo de ser o câncer é. Mas ao pensar-com a vida do OncomouseTM a partir de uma perspectiva feminista, ao perguntar questões comoo retrato “por quem morre e vive o OncomouseTM?”, o testemunho Haraway – ilustrado com efetivo de Lynn Randoph de um rato mártir nu usandode uma coroa de espinhos e sob constante observação em um laboratório – também provou algo inesperado: nossa irmã rato nasceu para desempenhar um papel no que Lochlann Jain denomina Complexo do câncer, um mundo onde o mercado do cuidado com a saúde alimenta o escândalo pacificado do câncer, em que alguns corpos merecem os dólares das custosas inovações, enquanto outros são abandonados (lochlann Jain, 2007). Haja vista estes seres, e tecnociências, o o senso feminista de cuidar é chamado a uma mudança urgente, estes tipos de tecnociências, agora mais do nunca. OncomouseM é uma historia edificante de aitn-significante (insigginificativo??) outro não-significativo em uma sororidade alargada (não entendi nada nessa frase). Esta mirada para modos experimentais de vida através dos olhos da nossa irmã rato revelou o ethos da modesta testemunha desinteressada no laboratório experimental como sendo o mais insultante dos descuidos. Ao perturbar as ilusões da ciência moderna forçando-nos a olhar
diretamente nos olhos deste rato high tech de laboratório, Haraway difratou uma uma forma de verdade (matter of fact) em uma forma de cuidado (matter of care) (Puig de la Bellacasa, 2011). O que este gesto revela é que pensar-por, assim como pensar-com, nunca pode ser um ato acomodado, uma teoria para o cuidado não será suficiente em mundos que acompanham os escritos de Haraway: chamadas para o cuidado continuarão a chegar de um “país inesperado” (Haraway, 2007a). (wtf)
Conclusões: como você vai? (how are you doing --- fiquei sem saber se essa frase pode ter dois sentidos ou somente o mais habitual. Se fosse pra traduzir literalmente, a frase ganharia o sentido de como vc está fazendo isso?. to do teria dois sentidos: 1 como você está fazendo isso? 2 como vai você? Mas talvez só exista um sentido mesmo)
Mas o que acontece exatamente quando encontramos alguém alg uém que amamos? Encontramos algué, ou são animais que chegam para habitar em você, ideias te que invadem, movimentos que te movem, sons que te atravessam? E essas coisas poderiam ser partidas? (parted) GillesDeleuze (1992: 17; minha tradução)
Pensar com cuidado nos leva inevitavelmente aos limites do conhecimento acadêmico. Ainda assim, neste ensaio eu defendi o sentido do cuidado no pensar e conhecer dentro deste contexto. Então, isso tudo diz respeito a uma nova teoria do conhecimento? Mas, se assim fosse, como o pensar com cuidado poderia ser uma proposta (proposition –proposição) nãonormativa? Se há uma ética e uma política de conhecimento aqui, não se trata de uma teoria que serviria como “receita” para fazermos nossos encontros. Cuidado é uma boa palavra para exibir a singularidade da ética não-normativa sustentada aqui. Não só porque o cuidar é sempre especifico – um modo de cuidar não é necessariamente traduzível traduzível em outro lugar mas porque ele não pode ser reduzido a uma disposição moral, nem a um posicionamento epistêmico, um conjunto de esforços aplicados, nem mesmo para a um afeto. Ainda assim, a armadilha sempre iminente ao tentar valorizar o cuidado nas relações de conhecimento permanece sendo uma certa forma de moralismo epistemológico. Algo combina com isso, se assemelha, se liga a isso – algo parece ser verdadeiro o suficiente para se impor. De maneira curiosa, o termo acurado deriva precisamente de cuidado “preparado com cuidado, exato”. O passado particípio ??? de acurado é “cuidar de”. Aqui, a noção de fazer algo com cuidado levou ao sentido de “ser exato”. A proximidade tentadora entre estes termos revela um terreno arriscado: a ambição de controlar e julgar o que / quem / como nós cuidamos. Esse objetivo de controlar faz eco ao que acontece com propostas de colecionar práticas de conhecimento em epistemologias normatiavas que tendem a apagar as especificidades das práticas de conhecimento. Como nós continuamos a evitar que o pensar com cuidado caia em uma excessiva e devoradora vontade de acurácia controlada, uma vontade de que esteja tudo certo? (To be allright- resposta à pergunta how are you doing? I’m all right. O que significa tambem tudo certo. No sentido de sem erro)? erro)? A política de conhecimento de Haraway ajuda a
alargar e complicar os significados do cuidado no pensamento e no conhecimento, precisamente porque eles refletem uma resistência ao mesmo tempo a uma formatação epistemológica e a uma tentação a “orgias de moralismo” (Haraway, 1997) como soluções para resolver as dificuldades da interdependência respeitosa. Talvez o antídoto de Haraway para a normatividade em si mesma, tanto a normatividade epistemológica quanto a moral, seja um apetite pelo caráter inesperado pervasivo em suas redes (Web-bings não entendi isso): “Eu estou mais interessada no inesperado do que no desde sempre mortalmente previsível” (Haraway, 1997: 280, n. 1). Porque se “nada vem sem seu o seu mundo, nós não encontramos indivíduos indivíduos isolados, um encontro produz um mundo, muda a cor das coisas, provoca difração mais que reflexão, distorce “a imagem sagrada do mesmo” (Haraway, 1994: 70). Conhecer não é sobre previsão e controle mas sobre permanecer “atento ao desconhecido batendo na nossa porta” (Deleuze, 1989: 193). Mas apesar de não sabermos antecipadamente que mundo está batendo, perguntar como nós podemos cuidar importa para o modo como nós vamos nos relacionar com o novo. Foucault certa vez lembrou o parentesco (acquiantance – conhecimento) etimológico entre cuidado e “curio-sidade” (curi-osity), para revalorizar o último como “o cuidado que alguém tem para com o que existe e para com o que pode vir a existir) (citado em Latimer, 2000). Haraway também explorou a curiosidade como requisito para cuidar melhor dos outros, em seus últimos trabalhos sobre interespécies (Haraway, 2007). Eu fico tentada a encerrar essa jornada, ou ao contrário continuá-la, com uma questão básica curiosa: como vai você? A questão soa como um jeito mundano de cuidar, envolvido por certa distancia respeitosa, por quem/o que nós encontramos e não conhecemos necessariamente, um dispositivo de comunicação necessário para pensar com cuidado em mundos povoados. Mas o que essa questão significa em práticas e relações de conhecimento? Ela poderia indicar curiosidade sobre o modo como as pessoas mantem o cuidado acontecendo no mundo deslocado da academia contemporânea e de seus corolários, o delírio ansioso por permanente reorganização. “Como vai você?” aqui pode significar também “como você coopera?”. Porque em última instancia, pensar com a noção de cuidado ilumina os aspectos afetivos das políticas de conhecimento. As tensões do cuidado estão presentes em sua própria etimologia que inclui noções ao mesmo tempo de “ansiedade, tristeza, luto” e de “atenção mental séria”. Alguém poderia imaginar, não seriam a ansiedade, a tristeza e o luto empecilhos para atenção mental séria necessária ao cuidado? A atenção requerida para manter nosso conhecimento ciente de suas conexões e consequências lida inevitavelmente à ansiedade? Aqui novamente nós encontramos a maior das armadinhas do cuidado: cuidado demais pode asfixiar o cuidador e aquilo/aquele que recebe cuidado. Mas isso deveria nos impedir de cuidar? A ansiedade, a tristeza e o luto não são afetos inevitáveis nos esforços de prestar uma séria atenção mental, de pensar com cuidado, em mundos deslocados (dislocated worlds)? Ou estes afetos pertencem a um senso de inacurácia; de que algo não combina, não permanece junto, poderia ser diferente?
Agradecimentos
Trabalhar neste ensaio foi possível graças ao Marie Curie International Fellowship. Grant Number: 02233. Eu agradeço aos revisores anônimos e aos editores da The Sociological Review pelos comentários críticos e inspiradores (insightfull). Este ensaio é uma versão modificada e melhorada, assim espero, de um artigo escrito ao longo do meu pós-doutorado (sojourn) no Department of History of Consciousness and Center for Cultural Studies, University of California, Santa Cruz. Eu gostaria de agradecer a Sharon Ghamari Tabrizi por me encorajar a escrevê-lo, assim como à generosa generosa comunidade intelectual intelectual e política que cuidou de mim mim durante aquele período. Este ensaio é parte de um projeto em torno do repensar o cuidado; outros aspectos são apresentados em (Puig de la Bellacasa, 2010, 2011) e (Latimer e Puig de la Bellacasa, ainda por vir). Notas 1. Em carta carta endere endereçada çada a Gilles Gilles Deleuz Deleuza, a, Bergson Bergson teria dito: Mais il ne suffit pas de crier ‘Vive le multiple!; le multiple, il faut le faire . Essa frase é traduzida em Deleuze e Parnet (1987: 16) como: “Proclamar “Viva o múltiplo” como num brinde, não é ainda fazê-lo, alguém precisa fazer o múltiplo”. 2. A noção de “difraçã “difração” o” propõe propõe uma alternati alternativa va à relfexivida relfexividade, de, ou reflexão reflexão,, para nutrir nutrir práticas de conhecimento atenciosas e responsáveis (Haraway and Goodeve, 2000), ver também (Barad, 2007). 3. Esta declara declaração ção é Whitehe Whiteheadian adiana, a, e combina combina bem bem com as as primeiras primeiras ontologias ontologias marxistas-feministas como a de Nancy Hartsock, para quem o mundo é produzido nas interações de trabalho (agencia) e natureza (materialidade). Alguns dos primeiros trabalhos de Haraway prolongam projetos feministas-socialistas (ver Haraway, 1991d), e no desenvolvimento de seu pensamento singular sobre “naturezaculturas” Hartsock permanece como uma parte de sua rede de pesar-com. 4. Eu estou estou é claro claro parafrasea parafraseando ndo Audre Audre Lorde Lorde em Sister Sister Outsider: Outsider: “não “não existe existe algo como como um ativismo centrado em uma-só-questão, porque nós não vivemos vidas com “umasó-questão” (Lorde, 1997: 138). 5. Essas conver conversaçõe saçõess não são bilatera bilaterais, is, no entanto entanto o dialogo dialogo entre entre Haraway Haraway e Sandra Sandra Harding é particularmente significativo a este respeito. Por exemplo, o pensamento de Haraway sobre “conhecimentos situados” é articulado em meio à discussão sobre a “questão da ciência no feminismo” enquadrada (framed) por Harding. Enquanto isso, a noção de “objetividade forte” de Harding é concebida em meio a uma discussão filosófica sobre “conhecimentos situados”. 6. Pensadores Pensadores notáve notáveis is que situam situam a vulnera vulnerabilida bilidade de como uma uma postura postura ética ética e um problema da ética do fim do século 20 são Immanuel Levinas e também Judith Butler. 7. Ver Standpoint Theory Reader de de Sandra Harding para um antologia dessas discussões (Harding, 2004). Este tipo de “pensar-a-partir-de” (thinking from) é um cruzamento ilegítimo entre uma critica da epistemologia tradicional – como a teoria que define solos legítimos para o conhecimento- e intervenções politicas feministas. Assim, ver a teoria feminista do ponto de vista (standpoint feminist theory) como uma mera teoria epistemológica, um método, ou uma busca pela “verdade” é perder a originalidade dessa conexão entre insights teóricos e práticas políticas. Ver as discussões em torno de “Truth or Method” de Susan Hekman, presente (collected) em Harding (2004)
incluindo Bracke e Puig de la Bellacasa (2002). Ver também Bracke e Puig de la Bellacasa (2009). 8. Dorothy Dorothy Smith (1987) (1987) descreveu descreveu os os detalhes detalhes cotidianos cotidianos que que um sociólogo sociólogo pode ignorar ignorar por ter o objetivo de escrever o social lá fora – enquanto senta no escritório de uma universidade onde o bin (??) foi esvaziado e o chão foi limpo pela funcionária invisível no turno da noite; Hilary Rose (1983, 1984) lançou luz sobre o trabalho das pequenas “mãos invisíveis” nos laboratório, na maior parte mulheres, que de fato fazem ciência e também reivindicou trazer o coração de volta para dentro dos nossos registros de como a ciência funciona – o mundo esquecido do amor e do cuidado está ausente da maior parte das análises marxistas; Patricia Hill Collins (1986) lembra em seus estudos a mulher negra que garantiu cuidado às crianças dos donos de escravos. Insights aos quais poderíamos adicionar descrições feministas do trabalho invisível de migrantes frequentemente separados de suas famílias que eles sustentam enquanto limpam as casas e tomam conta dos filhos daqueles que trabalham em empregos bem pagos, frequentando reuniões políticas, ou suando em academias de ginástica: figuras de uma “cadeia de cuidado” globalizada (Precarais a la Deriva, 2004).
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