Timo Tolkki-Mil Anos de Solidão

July 7, 2017 | Author: Timo_Tolkki | Category: Bipolar Disorder, Death, Suicide, Pop Culture, Time
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Essa é a tradução em Português do meu livro "Loneliness of a Thousand Years" ("Mil Anos dede Solidão) &qu...

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Timo Tolkki Mil Anos de Solidão

Tradução em Português de Helen Pelipecki

Para Mika

MIL ANOS DE SOLIDÃO

Somente a solidão, a solidão excruciante Finalmente... finalmente você compreende.

Não me lembro quando aconteceu. Será que foi quando minha mãe me disse que eu deveria comer toda a comida do meu prato quando eu tinha sete anos... ou algum outro dia? Não. Não foi tao ruim. Será que foi quando meu pai finalmente saiu de casa após muitos anos de medo e violência? Quando ele finalmente escapou da própria fúria? Não. Eu fiquei feliz. Será que foi quando eu entendi, aos 14 anos de idade, que uma coisa chamada “Segunda Guerra Mundial” aconteceu e que 70 milhões de pessoas foram mortas naquela ocasião? E que até mesmo criancinhas foram mortas nessa guerra apenas porque eram de uma determinada raça? Não, não foi aquilo também. Aquilo me fez refletir. Será que foi quando meu pai, em uma manhã de

inverno, decidiu cortar seus dois braços com uma faca de cozinha dentro de uma banheira sem água, e então saltou para a morte da janela do quarto andar de seu apartamento? Não. Foi quando eu comecei a lutar por minha vida. E eu continuei lutando por 32 anos. Não foi nenhum desses acontecimentos. Fui eu. Quando eu perdi a fé em mim mesmo. Foi quando aconteceu. Eu perdi a fé. Em mim. E essa é a pior coisa que pode acontecer.

O ANO EM QUE EU MORRI Estou surfando a internet em uma manhã de inverno do mês de março de 2004. Senti uma sensação de pânico crescente e minha cabeça parecia estar sendo pressionada por mãos gigantes. Estou desesperado. Liguei para alguns lugares e não consegui ajuda. O pânico continua aumentando. Esse não era apenas um ataque de pânico comum, ou qualquer coisa que podem denominá-lo. Esse é o resultado de anos vivendo uma mentira que finalmente me alcançou. Ela quer me destruir. E está conseguindo. Naquele ponto eu já estava fazendo psicoterapia havia sete anos, entre idas e vindas. O que eu não compreendia era que a terapia em si havia me levado a origem da minha

dor.

enchentes

As

comportas

provenientes

foram

delas

abertas

não

e

podiam

as ser

contidas após essa abertura. E eu tinha que morrer para continuar a viver. Finalmente, fui levado para um hospital particular,

mas antes tive que aguardar por meia hora numa sala de

espera

com

algumas

outras

pessoas.

Foi

certamente um dos momentos mais terríveis da minha vida. Eu mental podia conter o terror dentro de mim enquanto aguardava ouvir meu nome sendo chamado.

Finalmente

o

médico

me

chamou

e

perguntou o que podia fazer por mim. Eu disse que não sabia. Que me sentia tão desesperado e em pânico que eu achava que estava ficando louco. Eu tinha essa dor emocional invadindo-me dos pés a cabeça. Uma sensação de terror. Pelo canto do olho o vi escrevendo em seu bloco de anotações: “músico em uma banda de rock”. Não senti compaixão alguma na

atitude

dele

quando

ele

disse:

“Acho

que

deveríamos enviá-lo ao Hospital de Saúde Mental Municipal”. Eu já havia ouvido falar sobre esse lugar. Eu o conhecia porque um amigo meu foi internado lá. E lá também, tempos depois, cometeu suicídio. Era a última alternativa para casos sem solução, para os quais não havia esperança. O lugar onde ninguém é tratado… do qual você não volta. Eu perguntei ao médico se podia ficar no hospital onde eu me encontrava. Os olhos dele brilharam: “Mas é claro que pode!”,

ele

respondeu.

Por

que

você

não

me

perguntou sobre isso antes? Deixe-me levá-lo agora mesmo.” O que ele não me contou é que me custaria mil euros por dia ficar naquele hospital. Mas talvez isso tenha realmente me salvado. Eles me deram meu próprio quarto, e pela primeira vez em minha vida, deram-me um tranquilizante. Comecei a me sentir pesado e entorpecido Como se

eu não existisse. Estava deitado em minha cama naquele quarto branco e pude ver uma árvore do lado de fora. Eu não sentia mais a sensação de terror. Não sentia

mais

nada

devido

a

medicação.

Não

compreendia o que estava acontecendo comigo. Estava realmente apavorado. Um médico veio me ver. Uma mulher muito doce que parecia muito feliz. Eu me recordo de ter me perguntado como alguém podia ser tão feliz. Ela me fez algumas perguntas e então eu tive que fazer um teste de depressão, que é basicamente apenas uma série de perguntas. Como a maioria dos médicos, ela tentou definir o que havia de errado comigo de modo mecânico. Mas eu já estava acostumado com tudo aquilo, a ser tratado daquela forma. Eu me lembro de contar a ela que, de alguma forma, entendia que tinha todas aquelas emoções dentro de mim e que, do nada, comecei a experimentá-las todas de uma só vez. Ela disse então que não era psiquiatra e que eu passaria por uma consulta no dia seguinte. Contei a ela então que eu já fazia terapia há sete anos entre idas e vindas, com alguns intervalos entre as sessões. Ela não disse nada acerca do meu comentário. Então passei o resto do dia como um zumbi. Não sentindo nada, não vendo nada, não ouvindo nada. Apenas olhando fixamente para aquela árvore. E torcendo para que, um dia, eu pudesse me sentir tão vivo quanto ela. No dia seguinte passei pelo psiquiatra. Era um senhor de idade, tendo por volta de sessenta anos, e me fez passar por uma série de questionários e fez muitas

perguntas. Contei para ele sobre minha vida e notei algumas lágrimas escorrendo pelo rosto dele. O diagnóstico dele, como alguns médicos dizem, foi que eu tinha transtorno bipolar. Eu não fazia a mínima ideia do que era até que ele me explicou. Fazia sentido. Eu me recordava ter os sintomas por quase dez anos e ele disse que não era incomum que uma doença não fosse tratada por dez anos, e que era, na verdade, algo bem comum. Fiquei me questionando sobre todo aquele tempo que passei em terapia. Foi em vão? Agora eu sabia que não. Então qual foi o resultado? Medicação. Nas semanas seguintes fui colocado sob a ação de diversas medicações

diferentes.

A

maioria

delas

tiveram

efeitos colaterais terríveis e outras, nenhum. Finalmente me passaram um dos anti-depressivos e tranquilizantes modernos e mais caros. Mal eu sabia que dar anti-depressivos para uma pessoa com transtorno bipolar é como ligar uma bomba-relógio. Eles podem desencadear um episódio maníaco muito perigoso e quase por ironia, também podem lhe fazer depressivo. Pelos próximos seis meses fiquei em minha cama com as cortinas fechadas. Em alguns dias a cortina ficava 10 cm aberta, mas na maioria dos dias, ficava completamente fechada. Eu chorei todos os dias por seis meses. Não compreendia de onde aquilo vinha mas algo em mim entendia que era uma coisa que carregava por dentro há muito tempo. Compreendia que o que estava enfrentando não tinha nada a ver com transtorno bipolar. Que era algo que eu

estava

escondendo.

Algo terrível

acerca

do

passado e de minha vida toda. Eu nunca havia encarado o luto pelo perda do meu pai e

de

minha

infância.

Mas

finalmente

estava

começando o processo. Quando

finalmente

consegui

sair

de

casa,

freqüentemente ia a lugares de minha infância. Eu me lembrava de tudo, nos mínimos detalhes. Peças que eu e meus amigos pregávamos nos outros. Lugares onde costumávamos jogar futebol. Todos esse lugares que traziam as emoções à tona. Não posso nem descrever como eu me sentia se você ainda não experimentou alguma dor emocional. Machuca. É uma dor física. E enorme, realmente uma dor física extrema, apesar das pessoas não entendê-la. Não creio que seja possível compreendê-la se você não passou pessoalmente pela experiência. Com freqüência eu me sentava próximo ao mar, em um lugar onde costumava pescar aos onze anos de idade.

Sentava-me

numa

pedra

e

observava

a

paisagem. A neve havia derretido e uma fina camada de gelo cobria o mar, e tambem o Golfo da Finlândia. De repente começou a nevar. Ainda assim, podia ver a neve caindo ao meu redor, em uma raio de cem metros ou mais. Eu me sentava lá olhando a bela paisagem enquanto a neve caía sobre mim. Senti que toda minha vida havia sido em vão, que minha dor era tão insuportável que eu não podia agüentar mais. Não sabia que o lugar onde meu pai havia cometido suicídio ficava a apenas três quilômetros de onde eu me encontrava naquele momento. Eu tinha um frasco de remédios comigo, o suficiente

para acabar com minha dor. Estava sentado por muito tempo na neve caindo, com os olhos fixos no horizonte. Eu me questionava se a vida ainda importava para mim e se essa dor e falta de esperança valiam a pena. E ainda assim, algo em mim nao podia fazer aquilo. E ainda assim, naquele ano, eu morri. Pelo menos foi como tudo soava para mim. Uma morte lenta. Era impossível fazer música. Era impossível, na maioria do tempo, até mesmo sair da cama. As manhãs eram terríveis. A primeira coisa que sentia quando acordava era falta de esperança. Eu vivi naquela falta de esperança por seis meses. Realmente morri

naquele

ano.

Para

que

pudesse,

então,

finalmente, viver. Ouvi as pessoas dizendo muitas vezes que o suicídio é “a saída mais fácil”. Posso dizer, por experiência própria, ambas a minha e a do meu pai, que esse dizer é puro cliché. O suicídio está longe de ser a saída mais fácil. É preciso muita coragem para se matar porque é a saída final da vida como ela é conhecida. Por essa razão, é com mais freqüência um escape para uma situação ou dor intolerável. Mas não é fácil. Você pode tentar imaginar, se tiver alguma compaixao dentro de você, como deve ter sido para alguém que realmente acabou com a própria vida. Momentos antes e enquanto tudo acontecia. Tente imaginar o que a pessoa pensou enquanto fazia aquilo. E ainda assim sei que, apenas se você já chegou perto da morte por experiência própria, apenas então você é capaz de compreender a decisão

da pessoa que tirou a própria vida. Como meu pai. Como um autor finlandês, que uma manhã saiu para uma caminhada de um hospital no qual havia se internado por vontade própria. Ele foi até a estação de metrô mais próxima e esperou o trem vir. Momentos antes dele chegar, ele se jogou na frente do trem e ficou em pe, encarando o trem sem se mover. Sem qualquer medo. O trem tentou desacelerar, mas tinha apenas 40 metros para fazê-lo. E o autor tinha 40 metros para ficar em pé, e encarar o trem. Ele não se moveu nem um centímetro. Ou como meu melhor amigo Mika, que pulou da janela do quarto andar do apartamento de seus pais para a morte cinco anos atrás, depois de uma longa batalha com a depressão e sentimentos de rejeição. Por favor, não pense que estou escrevendo aqui como uma espécie de defensor do suicídio. Eu apenas realmente entendo pessoas que decidiram tirar suas próprias vidas. E que você provavelmente acredita em um dos muitos tabus que a sociedade tem a respeito do suicídio. Pessoalmente, não acredito em nenhum dos dois. Tabus ou sociedade. Mas muitas pessoas próximas a mim tiraram suas vidas pelas próprias mãos, o que me fez pensar muito a respeito. E é claro, através da minha própria dor e sofrimento é muito mais fácil para mim entender a decisão deles. Decisões que parecem completamente absurdas para pessoas que estão levando uma vida feliz e que nunca ficaram realmente depressivas. E então continuei a viver com minha dor e pavor. Dia após dia. Ano após ano. Aquilo não me impediu de

dirigir quarto horas para um show que minha filha queria tanto ver. E enquanto ela curtia o show, eu ficava em um hotel e chorava porque doía demais. Eu sentia tudo ao mesmo tempo: medo, ódio, pavor, tristeza,

abandono.

Naquela

época,

não

podia

identificar claramente qualquer emoção, eu apenas sentia e tentava seguir adiante. Mas doía tanto! Aquilo não me impediu de levar minha filha para a escola de manhã e de buscá-la à tarde. Não me impediu de preparar o café da manha para ela. Não me impediu de fazer duas turnês mundiais em uma banda de metal sob condições muito pesadas. Não me impediu de visitar o túmulo do meu pai e ter conversas imaginárias com ele, ou apenas sentar lá por horas, olhando fixamente para o túmulo e o cemitério. Percebi que nunca disse adeus ao meu pai. Que não entendia que ele estava morto. É possível para nós humanos ser assim. Intelectualmente, compreendia que ele estava morto, mas emocionalmente, em um nível profundo, ele permanecia muito vivo. Em mim. Nunca percebi de verdade que ele havia morrido. Foram necessárias muitas visitas ao seu túmulo. Foi necessária muita dor, muito mais do que eu julgava ser capaz de agüentar. Uma pesquisa completa sobre o suicídio dele e dos dias que o precederam. Voltando ao estado de ser um garoto de 12 anos de idade que teve que passar por aquilo. Somente então comecei a entender o que havia acontecido. Mas levou anos. E ainda hoje, de alguma forma, ainda tenho problemas com isso. Talvez não seja possível se curar de todos os momentos dolorosos das nossas vidas. É possível que

eu tenha que viver com isso pelo resto da minha vida. Agora tenho 11 anos a mais em relação a idade com que meu pai faleceu. Isso parece estranho. Mas todos nos temos nossa história para contar. Aquilo me impediu de vivenciar e experimentar a vida intensamente, e ainda assim, ao mesmo tempo acho que era algo que estava de certa forma no meu destino. Muitas coisas dolorosas que estavam presas dentro de mim estavam finalmente vindo à tona. Eu as sentia em meu corpo. Algumas pessoas dizem que não podemos mudar quem realmente somos. Eu nem sabia quem eu era até que meu passado finalmente se libertou em mim. A partir daquele momento, comecei uma jornada que iria finalmente me levar de volta a mim mesmo e a quem eu realmente era. Não quem eu fingia ser. E essa jornada é a jornada mais dolorosa das nossas vida. E ainda assim, quando essa jornada veio de encontro a mim, não tive escolha a não ser jogar-me no seu curso e deixar que ela me guiasse. A vida sempre encontra um caminho. E com toda certeza, não posso negar os efeitos que minha infância dolorosa teve em mim como artista e razão pela qual me tornei músico. Certamente, muitas das minhas canções tem aquele elemento ansioso e saudoso em relação a meu pai, embora eu nao tinha consciência disso até que comecei a escrever aquelas cancoes. Então dessa perspectiva, minha infância poderia ter, afinal, um significado completamente diferente. Talvez. Agora enquanto eu escrevo nesse verao de 2010, tenho convivido com essa dor por seis anos, todos os

dias. Ela não foi embora. Ainda tomo lítio e calmantes. Os médicos dizem que o transtorno bipolar não pode ser curado… é algo que se tem pelo resto da vida. Talvez seja verdade, não sei. O que realmente sei é que parece que tenho um fantasma sobre meus ombros, uma companhia que me lembra todas as manhãs quando acordo da fragilidade da vida e o quão fácil é perder tudo o que se tem… num piscar de olhos.

NÃO HAVIA PESAR, NÃO HAVIA DOR Passei a maioria da minha infância me sentindo feliz e seguro. Quando escrevo “infância”, no meu caso quero dizer até quando eu tinha cerca de nove anos de idade. Não parecia haver nada de errado em nossa família. Na realidade, parecia ser a família dos sonhos. Tínhamos uma casa bacana e estabilidade financeira. Minha mãe realmente tomava conta de mim, com tanto amor e devoção que me deram as ferramentas através das quais sobrevivi muito tempo depois em minha vida. Recordo-me do meu carinho especial pelos Natais. Recordo-me do cheiro. Recordo-me da atmosfera. Parecia seguro. Todos estavam juntos. Todos estavam felizes. Sempre que a família se reunia, meu avô queria que eu cantasse uma música que ele gostava. Eu era tímido, mas ele sempre me dava dinheiro se eu cantasse, então eu cantava. Fazia parte de um coral clássico de garotos chamado “Cantores Minores” naquela época e com freqüência, cantava

nas festinhas da escola.

Eu me lembro de ter uma

grande auto-confiança sobre minha voz. Realmente sentia que era algo que poderia fazer, que vinha sem grande

esforço.

Cantar

era

algo

que

parecia

totalmente natural para mim. Quando tinha sete anos, ganhei meu primeiro violão como presente de Natal. Havia visto um primo tocar um violão quando tinha cinco anos de idade e ele, no mesmo instante, virou meu herói. Recordo-me de entrar no quarto dele apenas para ver o violão. Ainda me lembro de como era. De forma muito cuidadosa, encostei nas cordas e toquei um pouquinho. Foi amor à primeira vista. Não compreendia a magica do violão. Meu primo me ensinou alguns acordes e algumas músicas dos Beatles. “Eight days a week” foi uma das músicas que ele me ensinou a tocar. Ele também já tocava em uma banda, o que me impressionava muito. Então é claro que muito em breve eu queria ter meu próprio violão. Isso aconteceu na noite mágica do Natal de 1973. É claro que todos que lêem isso sabem que aquele instrumento iria me levar a muitos lugares no futuro. Eu nunca pensei ou sonhei com nada parecido. Eu apenas queria muito ter um violão. Não podia fazer muita coisa com ele no começo porque não podia tocar nada. Havia uma “Aula de Violão” na escola onde eles ensinavam algumas liçães bem básicas do instrumento. Fui lá e aprendi minha primeira música. Fui todas as semanas e aprendi muitas coisas. Havia encontrado a música e era algo muito natural para mim. Minha mãe me contou que quando eu tinha

apenas três anos de idade já gostava de música e ouvia o “Top 40” no rádio, sabia todas as letras dos hits, sempre recostado no rádio, esperando pelos hits serem tocados, e então cantarolava junto. Nem tudo eram rosas. Recordo-me que minha avó tinha

câncer

e

que

suas

duas

pernas

foram

amputadas. Ainda me lembro do meu pai carregandoa escada acima na noite de Natal e colocando-a no sofá. Ela dizia que de certa forma era ótimo ter câncer porque então ela teria a atenção que nunca teve enquanto foi saudável. Recordo-me de questionar se era possível incitar o câncer dentro de nós mesmos. Agora penso que aquilo, na minha opinião, é o mecanismo básico de funcionamento do câncer. Não em todos os casos, mas certamente mais do que pensamos. Todos estavam em volta da minha avó, lhe dando atenção. Ela faleceu no ano seguinte. Não me recordo de estar presente no funeral, embora tenha sido possível. Ela foi enterrada no mesmo túmulo que meu avô e meu pai. Onde não serei enterrado. A morte é algo abstrato para as crianças até uma certa idade. Não é realmente compreendida. Ou talvez as crianças entendam e aceitem a morte de um jeito muito mais natural do que nós adultos somos capazes, já que a morte é um grande tabu na sociedade. É algo simplesmente deixado de lado. Ninguém realmente compreende que vai morrer um dia. Talvez até mesmo amanhã.

Nunca

sabemos

quando.

As

crianças

parecem enfrentar a morte de forma natural. E minha opinião pessoal é a de que as crianças podem ser

nossos maiores professores se formos humildes o suficiente para receber o que elas querem nos contar. E elas tem muito a contar. O que sinto mais falta é do frescor que sentimos quando se tem oito anos de idade e todos os seus sentidos são tão apurados… como se vê o mundo pelos olhos de uma criança. Não importa a forma como você está sendo tratado por seus pais e na escola, ter oito anos ainda é uma idade na qual voce vê o mundo de um jeito diferente. Você sente. Realmente sentimos. Não estamos totalmente morto pelas

regras,

apresentados

dogmas alguns

e anos

tabus

que

depois.

nos

serão

Corremos

e

brincamos porque isso é o que crianças sabem fazer. É muito puro. É muito inocente. Ainda me lembro de tudo muito claramente. O cheiro da grama. Como era jogar futebol com amigos até à noite e depois correr para casa morrendo de sede. O quão delicioso era o sorvete no verão. A sensação de liberdade quando as férias de verão começavam e o verão encontrava-se totalmente a sua disposição. Como era fácil provocar as meninas. Como era sorrir e estar feliz. Como era cabular aulas. Como eu odiava matemática e como amava música. Recordo-me de todos os lugares da minha infância com uma espécie de nostalgia. Aqueles tempos nunca voltarão. Se pudesse ter ao menos 2% do entusiasmo e felicidade que eu tinha quando era um garoto, seria o homem mais feliz do mundo. Meu

pai

trabalhava

em

uma

loja

que

vendia

eletrônicos, TVs, rádios e coisas do gênero. Ele tinha

uma vasta coleção de música em casa e se ficou fascinado pelo assunto. A primeira banda que gostei de verdade foi o ABBA. Ele me deu a fita cassete deles. Creio que era o primeiro álbum deles. Recordome de como gostava daquelas canções e como tentava tocá-las no meu violão. Por muito tempo, o ABBA permaneceu como a única banda que existia para mim. Ainda amo as músicas deles e ainda me lembro como eles soavam como novidade para mim. Queria ser como eles. As músicas deles eram simplesmente boas demais. Eles tinham algo como oito canções número 1 em seqüência na parada musical

começando

com

“SOS”.

Muita

música

finlandesa era tocada na casa onde cresci na minha infância e muitas das musicas que escrevi tiveram origem naquela mesma casa. Alguns momentos embaraçosos até aconteceram, mas eu nunca, conscientemente, fiz deles parte das músicas que escrevi. É apenas prova de que nosso subconsciente guarda tudo o que acontece quando com a gente quando se tem 40 anos de idade e algumas melodias nelas remontam 30 anos atrás. Então juntando tudo, não é difícil imaginar que a música estava se tornando cada vez mais parte da minha vida. Mas aconteceu de forma muito lenta. Não me lembro de tudo de modo claro. Ainda menino, estava envolvido em várias outras atividades. Fazia parte de um time de hóquei no gelo e outro de basquete. Eu era mais alto do que a maioria dos outros garotos de minha idade e me lembro de gostar muito de basquete. Também gostava

bastante de nadar todo verão. Eram tempos felizes, eu diria que tive uma infância muito feliz até certo ponto

e

então

tudo

virou

algo

completamente

diferente. Um pesadelo. O verso na música “Forever” que escrevi diz: “Oh, quão feliz eu era então, não havia pesar, não havia dor. Caminhando por campos verdes, a luz do sol em meus olhos” realmente reflete como vivi a grande maioria de minha infância. No entanto, essa música foi composta para meu pai. Aqueles campos verdes ainda estão lá. Apenas preciso encontrá-los de alguma forma. Talvez um dia eu os encontre. Talvez um dia eu me encontre como um menino percorrendo aqueles campos verdes com a luz do sol em meus olhos. Sei que, com absoluta certeza, estou em casa. Tenho tantas coisas para contar a mim mesmo enquanto garoto. Tantas coisas para explicar e tanto para compartilhar. Espero que um dia nos encontremos em uma estrada ensolarada. MERGULHANDO NA PSICOSE Aconteceu gradualmente. Voltando no tempo, do Natal de 2004 até o outono de 2005, eu me encontrava em uma espécie de estado psicótico. Em 2004,

antes

do

diagnosticado construído

um

meu

com

colapso transtorno

estúdio

de

nervsoso bipolar,

gravação

e

ser tinha

chamado

Goldenworks. Coloquei todo os adiantamentos de royalties de músicas e um empréstimo bancário nesse estúdio, totalizando o valor de 150 000 euros. Quando

o estúdio ficou pronto, começaram a construir um estacionamento debaixo dele. Isso significou um quase constante barulho de perfuração e grandes explosões muitas vezes por dia. Era evidente que muitos clientes não iriam lá gravar e mixar em condições como aquela. Era meu sonho. Algo para o futuro. E fracassou antes mesmo de começar. Apenas um álbum foi gravado lá: o “Black Album” do Stratovarius. Depois, tive que ir a justiça com a proprietária, que se recusava a cancelar o contrato de locação. Ela dizia simplesmente que não havia nada que

atrapalharia

o

estúdio

enquanto

negócio.

Acontece que ela sabia sobre a construção da garagem embaixo do estúdio quando assinei o contrato de locação . E não apenas isso, ela era uma das proprietárias da garagem sendo construída. Apesar de tudo, perdi o caso em primeira instância. Apelei a uma instância maior e finalmente ganhei, mas de qualquer forma, foram quatro anos da minha vida e esses processos são desgastantes demais para mim. Minha locadora teve que pagar quase 50 000 euros de honorários advocatícios. E tudo o que havia pedido a ela foi para que ela cancelasse o contrato de locação. Realmente aqui se faz, aqui se paga. Ainda não sei se foi a medicação e os anti-depressivos que começaram a me levar a um estado de psicose. A mania virou parte de mim e me sentia profundamente irritado com coisas triviais. Barulhos alto demais me deixavam muito bravo. Tudo me deixava bravo. Acho que a mania aos poucos virou psicose. Estar psicótico significa perder a noção de realidade e passar a ver

coisas que realmente não existem. Isso também pode chamado de “ficar louco”. Por exemplo, havia um boneco do E.T. no estúdio que falava seis frases. Uma especificamente quando voce apertava a mão dele. Agora esse boneco havia começado a falar sem ninguém ao menos tocá-lo. Até mesmo o Timo Kotipelto ouviu esse E.T. falando sozinho enquanto gravávamos os vocais para o “Black Album”. Eu me lembro de ter essa sensação estranha na minha cabeça. Algo como uma mistura de medo e arrogância, mas em sua maioria, medo. Certa vez fui a uma loja comprar comida e precisava de manteiga. Fiquei olhando essa embalagem de manteiga porque não havia mudado em 20 anos. Continuava a mesma mas o nome havia mudado para outro nome diferente. Lembrava bastante o nome antigo mas ainda assim, era novo. Recordo-me de olhar fixamente para a embalagem com pavor, pensando que estava ficando louco. Achei que vi o nome errado na minha mente. Então começou a ficar pior. Um dia um amigo da banda me ligou enquanto eu estava mixando o álbum e perguntou se podia vir ao estúdio e ouvir algumas músicas. É claro que concordei. Então comecei a sentir como se esse cara fosse o diabo em pessoa. Pode soar como uma piada agora quando me lembro desse episódio, mas para mim, parecia verdade. Quando ele chegou no estúdio, eu estava 100% certo de que ele era realmente o diabo em pessoa, e que tinha vindo ouvir nossas músicas. Ele então sentou onde faco a mixagem das cancoes e eu estava encostado na mesa de mixagem olhando fixamente

para ele. Olhei nos olhos dele e me lembro de ter pensado: “Você nao me engana, sei muito bem quem você é”. E isso quando eu nem acredito que algo como o diabo exista! Talvez, de modo mais profundo, eu acredite. E esse cara que veio escutar as músicas é uma das pessoas mais doces que já conheci na minha vida. Estava aos poucos adentrando o mundo da psicose. E não são todas as pessoas que conseguem sair dele. Então chegou o tempo de ir a Berlim tocar alguns mixes para a gravadora. Estávamos na primavera de 2005.

O

Festival

de

Filmes

de

Berlim

estava

acontecendo na mesma época. À noite eu queria sair para beber um pouco, e liguei para um produtor de filmes finlandês que estava la, mas ele já estava voltando

para

casa.

Ele

sugeriu

que

eu

me

encontrasse com um amigo dele da Groenlândia. Ele se chama Yngvar. Esse rapaz me ligou e disse que viria para o hotel onde eu estava hospedado, e que traria um amigo da Áustria com ele. Disse também ao telefone que é o “último viking”. Eles então chegaram no meu hotel e eu os aguardava no bar. As primeiras palavras dele para mim foram “Nós sabemos quem você é mas não sabemos ao certo como você é”. Aquilo soou muito estranho aos meus ouvidos. Yngvar e Marcus eram a meu ver, pessoas muito estranhas. Eles me contaram que estavam no ramo de filmes. Os dois

carregavam

um

caderninho

preto

e

me

perguntaram porque eu não tinha um também. O propósito para o tal caderninho preto logo ficou bem claro.

Tudo

comecou

no

bar

do

hotel.

Eles

caminharam na direção de todas as mulheres que achavam atraente e perguntavam diretamente pelo nome, telefone e e-mail. Para minha surpresa, a maioria das mulheres lhes forneceu

as

informações

solicitadas

e

eles

as

anotaram tudo nos seus nos caderninhos. Todo o tempo eles me diziam que eu deveria ter um também. Tudo soava esquisito e absurdo. Mas eu estava em um episódio maníaco, então tudo meio que fazia sentido para mim. Quando estávamos sentados no bar do hotel bebendo cerveja, Yngvar começou a me contar algumas coisas. Ele me disse que era o intermediário entre Deus e o diabo e que havia vindo me passar o bastão. Ele também

me

contou

que

eu

ficaria

famoso

mundialmente em dois anos e meio, talvez antes e que pessoas “viriam até mim”. Ele me disse que eu morreria dormindo em paz quando tivesse 70 anos de idade. Ele também disse que eu teria uma “estrada um pouquinho conturbada”, mas que tudo ficaria bem.

Tudo

isso

soava

como

uma

conversa

aterrorizante para mim, considerando o estado no qual eu me encontrava. Não conseguia entender aquele homem. Fomos à alguma casa noturna e lá eles fizeram a mesma coisas com seus respectivos caderninhos. Eu me lembro do Yngvar ter me passado sua jaqueta e perguntado: “Posso confiar em você?” Eu disse que sim, e peguei a jaqueta. Ele retornou mais ou menos 10 minutos mais tarde, pegou a jaqueta de volta e disse que havia uma arma nela porque “ele precisava me proteger”.

A mesma coisa aconteceu em várias outras casa noturnas e Yngvar começou a ficar muito bêbado. Tomamos um táxi e ele e Markus estavam sentados no banco de trás e eu no banco da frente. De repente, tive a sensação de que Yngvar podia ler meus pensamentos. Não sei porque exatamente tive aquela sensação, mas estava lá. Lembro-me de tudo isso de forma muito clara, e essa foi uma das primeiras coisas paranormais que aconteceu comigo. Algo me veio a mente:

“Se

você

realmente

pode

ler

meus

pensamentos, bata nas minhas costas duas vezes.” Em alguns segundos, pude sentí-lo batendo nas minhas costas duas vezes. Aquele homem realmente podia ler meus pensamentos. Eu sabia o quão tentador podia ser rotular tudo aquilo dentro de um episódio maníaco, mas aquilo foi algo concreto. Aconteceu exatamente como descrevi. Naturalmente, aquilo me deixou apavorado. Quando sai do carro, eu estava em choque. Yngvar me contou que naquele dia eu finalmente deixaria meu pai descansar em paz. Como ele poderia saber a respeito do meu pai? Gritei para ele: “O que voce quer?” Ele disse: “Timo, não quero nada seu. Mas quero que saiba que agora tem um amigo.” Continuamos caminhando na direção do hotel e sentamos no lobby. Yngvar disse que se houvesse 100 caras entrando pela porta da frente, ele tomaria um tiro por mim se necessário fosse. Então o pior aconteceu. Algo que ainda me assombra até hoje. Mais uma vez, seria muito fácil julgar o ocorrido como domínio da mania, mas pareceu real demais. Yngvar estava muito bêbado agora e estava em pé, bem

próximo a mim, meio de lado. Ele estava me olhando com um sorriso estranho. Ouvi algo como um zumbido na minha mente e então olhei para as costas dele e vi um par de asas negras. Elas não eram muito longas. Tinham talvez uns 40 cm, mas elas eram pretas e horríveis. E ele notou claramente que pude vê-las porque agora ele sorria. Não sei o que ele fez e como o fez, mas de alguma forma ele projetou aquelas asas na minha mente. O zumbido na minha cabeça deve ter sido por causa disso. Não podia acreditar no que estava vendo. Então ele foi novamente sentar-se no lobby e comecou a reclamar que “nunca via seus filhos”. Por fim, disse que era hora de ir, e foi embora com o Markus. Eu nunca mais o vi. Ele partiu, deixando-me em um estado de choque, descrença e terror. E com uma pilha de dúvidas. Depois desse episódio, realmente adentrei o mundo psicótico. As sugestões que ele fez funcionaram porque permiti que elas entrassem na minha mente. Comecei a pensar que era alguém especial. O mensageiro de Deus na Terra e completamente protegido, a ponto de eu podia fazer qualquer coisa. Não podia ver que ele havia apenas brincado comigo, talvez usado telepatia. Não sei como ele fez aquilo ou se foi minha mania. Mas ele brincou comigo, com toda certeza. Talvez algumas pessoas se empolguem ao fazer coisas como essa com os outros. Mas pessoas assim não tem nenhuma moral. São sociopatas que apenas querem tirar sarro da sua cara e não tem remorso por fazê-lo. Para mim e para as pessoas próximas a mim, esse episódio teve custos enormes.

Tudo estava um caos no verão de 2005. Em todos os lugares para onde eu ia, comecei a ver pessoas cruzando os dedos em posição de oracao. Sempre achei que elas faziam aquilo por minha causa. Achava que “eles sabem quem eu sou então estão orando, e ficam quietos porque querem manter meu segredo”. Isso parece insano agora, mas era realidade para mim. Moro próximo ao mar, e ia para a beira-mar quando havia tempestades e falava para o mar se acalmar, como Jesus fazia. E me lembro claramente de ter visto o mar se acalmar. À noite, quando retornava do estúdio, geralmente ouvia “Into the West” do “Return of the King”, sobre o retorno do Messias. Daí me lembro de olhar para o céu à noite e pensar que seria bacana ver uma estrela cadente e naquele

exato

momento

uma

estrela

cadente

aparecia. Então na minha mente, eu tinha evidências o suficiente para acreditar que eu era realmente “especial” e que me encontrava numa “missao”. Certa noite lavei uma camiseta cinza na pia do banheiro e a deixei na mesma pia durante a noite. Na manhã seguinte, eu a enxagüei e para meu pavor absoluto, vi uma figura preta de cerca de 10 cm, em uma camiseta que na noite anterior era apenas uma camiseta cinza comum. Era um atirador com um rifle em mãos, mas ele não estava apontando para mim. Mas estava olhando para mim. Esse atirador está até hoje nessa mesma camiseta e não consigo explicar como ele foi parar lá. Naturalmente todas estas coisas que aconteceram comigo afetaram demais meu comportamento, o das pessoas próximas a mim e das

pessoas que trabalhavam comigo. Era impossível contar a essas pessoas o que estava acontecendo porque tudo era real demais para mim. E eu ainda acredito

que,

acontecimentos simplesmente

parcialmente, foram

nao

reais.

podem

ser

alguns

desses

Algumas

coisas

explicadas

como

transtorno bipolar. Mas eu estava ficando cada vez mais paranoico sobre tudo. Ouvi uma grande explosão a uma certa distância, e aquele foi um sinal enviado especificamente para mim. Mas… naquele ponto eu ainda estava sob o efeito de medicamentos muito fortes que me foram prescritos quando fui hospitalizado. Devo ter estado em uma especié

de

estado

semi-psicótico,

porque

pude

perceber que algo estava terrivelmente errado. Eu compreendia perfeitamente que estava longe de estar bem e que precisava fazer algo. Minha mãe sugeriu um psiquiatra que a tratou nos anos 80. Acabou sendo uma benção. De modo bem rápido ele entendeu que minha medicação estava totalmente errada, e que de antemão deveria fazer alguns exames de sangue básicos. Depois disso, ele me prescreveu carbonato de lítio, que é a medicação mais comumente usada para tratar o transtorno bipolar. Para minha ansiedade e

tendências

paranóicas

ele

me

receitou

tranqüilizantes. Essa medicação tem sido a mesma por cinco anos e talvez eu tenha que tomar litio pelo resto da vida. Mas desde que eu comecei a tomá-la, não tive mais episódios maníacos ou depressivos de forma alguma. Em certos momentos, sinto a mania se

aproximando, a maioria das vezes na primavera, e então aumento a dosagem por conta própria. Como meu psiquiatra diz, eu sou o maior expert em minha doença. Mas devido ao lítio, fui capaz de trabalhar novamente, de fazer música e turnês. Os dias de bebida passaram. Eu não encosto em nada alcoolico há cinco anos. Nem uma gota. Devo dizer que não sinto falta, no entanto fazer turnês estando sóbrio é estranho. Afinal, fiz a maioria das minhas turnês estando bêbado quase todos os dias. Mas tambem descobri que há muitas coisas boas na sobriedade. E estranhamente, ainda parece difícil para algumas pessoas compreender essa verdade.

O GAROTO DA BLUEBERRY HILL Realmente começou sem aviso. Do nada. Antes, meu pai havia sido um homem quase totalmente sóbrio, e agora havia começado a beber. Isso comecou por volta de 1975. Ele bebia muito e se tornou muito violento. Para um menino de nove anos de idade que havia sido tão feliz até então, aquilo foi um choque total. Eu não podia compreender porque ele estava assim. Algumas vezes ele desmaiava no chão nu. Eu me lembro de algumas vezes em que ele se cortou com uma gilete. Ainda tenho fobia de giletes, daquelas antigas que raramente são vistas hoje em dia. Quando ele estava bêbado, ele agia de modo completamente diferente… realmente malvado e terrível, especialmente com minha mãe. Eu me

recordo dele perseguindo minha mãe em nosso apartamento. Lembro-me de tentar pará-lo, puxandoo pelas roupas dele e pedindo que ele parasse. Para um garoto de nove anos de idade, aquilo foi algo além da capacidade de compreensão e foi quando algo foi quebrado dentro de mim. É algo bem evidente na minha foto da escola de 1976. Nessa foto esta um menino que parece muito triste. Quando vejo aquela foto hoje em dia, choro porque eu era tão feliz até que eventos como aquele começaram a acontecer. É difícil descrever a aparência que tenho naquela foto. Talvez seja alguém que não entendia, que estava muito triste e decepcionado. É uma foto de um menino de dez anos de idade devastado. Na parte de trás da foto há algo que meu pai escreveu. Algumas vezes ele me colocava para dormir dizendo o quanto “papai te ama” com um cigarro aceso na outra mao, completamente bêbado. A única coisa que pode ser distinguida da escrita na fotografia são as palavras “papai vai se matar”. O resto eram rabiscos embriagados que são ilegíveis. Só Deus sabe o que estava escrito. Mas eu podia ler aquela frase. Meus pais tiveram muitas brigas e eu sempre as ouvi pela minha porta. A maioria delas ocorria à noite. Coisas eram jogadas, mas nunca pela minha mãe. Sons altos, cortantes e aterrorizantes. Eu me lembro de estar amedrontado na minha cama. Ainda me recordo da sensação do travesseiro, molhado com minhas lágrimas, encostando na minha bochecha. Minha mãe havia colocado um quadro de um Anjo da Guarda que tinha suas mãos sobre duas crianças

próximo a minha cama. Eu me lembro de achar que o anjo poderia nos ajudar um pouquinho mais porque as coisas estavam fugindo completamente do controle. Muitas vezes meu pai ficou tão violento que eu, minha mãe e meu irmão tivemos que fugir de casa. Isso acontecia com freqüência. Eu tinha dez anos de idade. Uma vez ele jogou toda a mesa da sala pela janela com um grito terrível. Mais uma vez escapamos para algum parente. Eles começaram a se acostumar com essas visitas noturnas. Elas sempre aconteciam à noite. Ainda me lembro do ar frio como o gelo do inverno

quando

fugíamos

em

pânico,

vestindo

qualquer coisa que pudéssemos quando partíamos. Ainda me lembro das janelas super frias do carro de minha mãe e do terror ao pensar que meu pai poderia nos seguir. Ele nunca o fez. As coisas foram ficando cada vez mais fora do controle. Meu pai havia ameacado nosso vizinho com uma faca. Outras pessoas também começaram a ficar com medo dele. Ele forçava minha mãe a assistí-lo colocando cigarros acesos em seu braço. Tudo estava claramente fora do controle. Certa vez, eu me recordo dele estar inconsciente no chão por conta do álcool e tranquilizantes ingeridos. Minha mãe chamou a ambulância. Ainda tenho vívida em minha mente a memória do meu pai sendo carregado pelos paramédicos. Ele foi levado para o hospital e voltou para casa no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. “Não há nada de errado comigo”, ele disse. Freqüentemente ele perguntava porque nos saímos de casa quando voltávamos no dia

seguinte, após escapar de um dos episódios de embriaguez dele. Eu respondia a ele com a lógica de um menino de 10 anos de idade: “… porque estávamos com medo”. No que ele respondia: “Vocês não deveriam ter fugido”. Eu me lembro de minha mãe esvaziando garrafas inteiras de álcool na pia da cozinha e me lembro de ter feito o mesmo. Era uma tentativa desesperada de parar a bebedeira de um alcóolatra. Tambem me lembro de encontrar um panfleto de um aparelho de exercícios musculares e ainda me recordo da foto de Arnold Schwartzenegger com seus músculos gigantes nele. Comprei esse aparelho, na verdade, porque queria ter músculos parecidos com os dele para que eu pudesse proteger minha mãe e meu irmão do meu pai. É algo que soa tão absurdo, mas apenas ilustra o desespero de um garotinho enfrentando uma situacao terrível. A coisa toda durou por volta de dois anos, de 1975 a 1977. Naqueles dois anos me lembro claramente de ter desenvolvido um mecanismo de defesa. Eu me fechava ao mundo exterior. Às vezes estava brincando com meu amigo fora de casa e calhávamos de passar por uma das nossas janelas. Meu amigo via meu pai sentado na sala, nu e tomando gim, e minha mãe chorando. Ele perguntava: “O que seu pai está fazendo?” No que eu simplesmente respondia: “É meu pai. Ele é assim mesmo.” Não entendo como consegui ir à escola todos os dias e agir como se nada tivesse acontecido. Acho que foi quando realmente comecei a desenvolver o que chamo de minha “personalidade falsa”. A verdadeira

eu trancava dentro de mim, incapaz de expressar o que realmente sentia sobre a insanidade de tudo. Apenas era doloroso demais para um menino de dez anos de idade compreender. Recordo-me de fazer planos de fugir de casa. Não sabia para onde ir, tendo apenas dez anos. Mas me lembro de ter feito planos. Tinha um lugar para onde fugia para escapar da loucura. Era no meio de uma floresta perto da nossa casa no alto de uma montanha. Ela era chamada “Blueberry Hill”. Muitas vezes sentei lá e chorei. Encontrava o conforto e a segurança que não sentia em casa naquele lugar. Ele virou meu “Dreamspace” (lugar dos sonhos). Também não compreendo como minha mãe aturava aquela situação e ia para o trabalho todos os dias como se nada houvesse acontecido. Creio que ela tinha desenvolvido o mesmo mecanismo de defesa que eu. Ela teve que agüentar ver sua própria vida sendo destruída diante dos seus olhos e estava completamente sozinha com dois filhos. Minha mãe me contou que eu finalmente disse a ela que se papai não fosse embora, que ela deveria fazê-lo. Não me recordo daquilo, mas que deve ter sido o momento em que ela percebeu que ela tinha que fazer alguma coisa. Ela entrou com o pedido de divórcio. Não me lembro de muitos detalhes daqueles dias mas me lembro de uma coisa. Eu me lembro do dia em que meu pai foi embora e como me senti quando ele partiu. Foi um dia claro e ensolarado e havíamos acabado de comprar um filhote de gato preto que nasceu sem o rabinho. Ainda me lembro de como era

não sentir mais medo. Fiquei feliz quando ele partiu. Em apenas dois anos meu pai destruiu quase tudo o que havia para ser destruído. Mas me sentia feliz por ele ter ido embora e não me lembro que quanto tempo depois pude vê-lo novamente. Creio que tenha sido seis meses depois. E ele estava bem pior na ocasião.

TEATROS DA MENTE E DO CORPO Comecei a fazer psicoterapia em 1999 em Helsinki. Minha vida havia chegado ao ponto em que não havia mais nada a fazer a não ser entrar em terapia. Havia acabado de começar a investigar o suicídio de meu pai e creio que estava passando por um episódio de mania.

Minha

vida

pessoal

estava

em

ruínas,

enquanto minha vida professional prosperava. Há pouco havia terminado a turnê mundial de “Visions”. Procurei um terapeuta nas páginas amarelas.

O

primeiro para o qual liguei tinha uma secretária electrônica. O segundo respondeu. Era um homem com uma voz muito leve, que ainda me lembro. Estava encomendando vários livros sobre psicologia e comportamento humano por anos e já devia ter lido mais de mil deles. Achava naquela época que podia ganhar sabedoria ou conhecimento próprio através dos livros. Eu não os via ainda como um outro mecanismo de defesa ou fuga. Embora haja formas

muito piores de fugir. Eu disse a esse terapeuta, que chamarei aqui de Jukka, que primeiro passaríamos por uma entrevista e ele decidiria se me queria como paciente ou não. “Como você sabe disso?”, ele perguntou. Ele não sabia que havia lido isso em meus livros e que mais tarde aqueles mesmos livros agiriam contra o sucesso do tratamento. Quando me encontrei com o Jukka pela primeira vez, estava muito assustado. Entrei na sala dele, antes que ele me cumprimentasse ainda na porta. Sentei em uma cadeira e ele na outra. A única coisa que pude dizer foi “Estou apavorado.” Ele assinalou com a cabeça e disse que eu estava em uma espécie de choque e perguntou se eu estava me alimentando bem e que devia pelo estar tomando água. A hora passou bem rápido e entramos em acordo sobre a programação da terapia que aconteceria uma vez por semana. Olhando para o passado agora, tenho certeza de que me perguntava se não deveria ser internado devido ao estado em que me encontrava, mas ele teve que tomar uma decisão rápida. Eventualmente, consegui lidar com a situação e realmente começar o tratamento. No começo da terapia, geralmente eu estava atrasado ou perdia sessões sem ligar para cancelar. Ele então me ligava e perguntava onde eu estava e se eu iria aparecer. Ele ficou muito bravo uma vez quando não cancelei uma consulta que tinha e simplesmente não dei as caras. Eu me lembro de ter comprado alguns livros para ele no começo de tudo como presente e perguntar o que ele achava de mim. Ele não me

respondia e algumas vezes apenas sentávamos lá por uma hora inteira e não conversávamos muito, apenas trocávamos algumas palavras. Passei o primeiro ano do tratamento falando sobre Jesus, sobre o universo e tudo mais, menos de mim. Estava, certamente, mais uma vez tentando escapar do inevitável: encarar a mim mesmo. Eventualmente os assuntos acabaram e me lembro que tentei perguntar sobre a vida dele e as coisas que ele fazia fora do trabalho. Essa não é a forma como os terapeutas geralmente agem entao eu realmente não tinha mais o que falar. E ainda assim, toda vez que tentei falar sobre mim, batia de frente com essa resistência pesada em meu interior. O Jukka me disse uma vez que talvez eu tenha tanto pavor medo de mim que estava aterrorizado demais para falar. Ele estava, com convicção, completamente certo. As situações da minha vida mudaram, passei por um divórcio e continuei fazendo terapia. Comecei a entender o valor do tratamento, e o que significava sentar naquela mesma cadeira toda semana. O Jukka algumas vezes fazia seminários que eu freqüentava. Eu me lembro do primeiro de forma especial porque supostamente iria durar uma semana mas apareci apenas um dia. Achei que todo mundo era louco e que tinha que fugir de lá. Não entendia que era eu quem tinha muitas coisas a descobrir sobre mim mesmo e que a maioria daquelas pessoas estava frequentando aqueles seminários por anos. Era eu quem tinha muitas coisas para resolver dentro de mim. Aos poucos comecei a entender o que era a

psicoterapia. Foi um processo lento e doloroso. O humor do meu terapeuta era único e muitas vezes eu passava a gargalhadas depois de ter falado sobre algo muito doloroso, sobre a qual ele havia feito um único comentario. Aquelas poucas palavras mudavam tudo e

tornava

a

experiência

cômica.

Ou

talvez

tragicamente cômica. Ele me contou que geralmente as pessoas param de fazer terapia quando estão perto de perceber resultados. E claro, aconteceu comigo também. Muitas vezes. Mas sempre voltei e ele falava que talvez algo que havia sido iniciado não podia mais ser parado. Ele estava certo. Havia um processo acontecendo dentro de mim que me transportaria a dor e pavor originais dentro de mim e que me levariam ao colapso e então me levariam a uma série de descobertas pessoais, passando pela dor até chegar a um lago congelado onde todas as minhas experiências como menino e adolescente aguardavam por mim. Elas estavam esperando por mim. Comecei a sentir mais e mais dor. Não me recordando mais de como eu estava quando comecei a fazer terapia, perguntei a ele se era o que geralmente acontecia durante o tratamento. As respostas dele eram muitas vezes vagas. Agora entendo o porque. Deveria ter chegado as mesmas respostas sozinho. Quando chorava, sentado naquela cadeira, na maioria das vezes ele apenas me observava. Aquilo me deixou bravo em várias ocasiões. Achei que ele não se importava. Mas ele estava basicamente observando a revelação do meu verdadeiro eu e aguardando pacientemente. Sempre me recordo do que ele disse

em uma das sessões quando eu estava me sentindo muito desesperado. Ele me disse que se a terapia fosse bem-sucedida, a pessoa tem que decidir se quer viver ou não. Aquilo soou tão frio aos meus ouvidos que fiquei furioso com ele. Mas ele estava certo. Não foi ele quem colocou todas aquelas emoções dentro de mim. Ele não me fez mal algum. Ele estava apenas tentando me ajudar. E ele sabia exatamente o que estava fazendo. Meu tratamento terminou quando fui hospitalizado em 2004 e ainda estou convencido de que a terapia causou tudo e que foi a única coisa que poderia manter-me vivo. De outro modo, com toda certeza, eu teria seguido os passos do meu pai. Percebi que havia feito o mesmo por muitos anos quando o Jukka me perguntou se eu “estava tentando copiar meu pai”. Então percebi que estava agindo da mesma forma que ele agia. Minha estrutura neurótica tinha que ser destruída. Teve que ser quebrada para que uma estrutura nova e saudável pudesse se desenvolver. O antigo tinha que morrer para dar espaço ao novo. Mas foi uma luta que eu não podia prever e com uma duração para a qual não estava preparado, mas certamente quando você guarda emoções

tão

dolorosas dentro de si por quase 20 anos e finalmente começa a experimentá-las, leva um bom tempo. É um processo, como tudo mais no universo. Creio que não estaria vivo sem a terapia e sem o que ela fez por mim. Ela não me salvou, eu me salvei. Mas fez com que eu pudesse me entender melhor e ironicamente, a maioria das descobertas pessoais

apenas me alcançaram tempos depois de eu ter concluído a terapia. Não posso negar como o tratamento

também

afetou

minha

música.

Por

exemplo, as músicas que escrevi para o álbum “Infinite” foram muito influenciadas pelo processo terapêutico. Não foi algo consciente, mas afetou toda minha criatividade e personalidade. Ou talvez tenha sido a revelação da minha personalidade de certa forma que pode ser ouvida no álbum, e na seqüência “Elements pt 1”. Esses dois álbums são muito especiais para mim. Parei de fazer terapia em 2004 e retornei para mais três sessões em 2006. Não fiz mais depois disso. Sinto que já sei tudo o que precisava saber a meu respeito e que a terapia não seria mais necessária. Pelo menos por agora. Desde 2006 venho me tratando com meu psiquiatra

que

me

passa

medicações

para

o

transtorno bipolar. Mas não estou mais fazendo terapia. SUICÍDIO Foi no dia 10 de marco de 1978 que meu pai terminou sua existência aqui na Terra. Eu tinha doze anos de idade e havia me mudado para uma nova casa com minha mãe e meu irmão. O lugar era muito menor do que a casa antiga porque minha mãe não tinha condições de pagar por algo maior. Eu dividia um quarto com meu irmão. Mas era um lugar onde nos sentíamos seguros e havia natureza ao nosso redor, e o mar ficava bem próximo. Eu sempre ia pescar ou apenas observar as maravilhas da natureza. Ainda ouvia ao ABBA e a aquela altura já havia descoberto

os Beatles, que eu realmente adorava. Gostava especialmente do John Lennon e dor humor dele presente nas canções, mas a banda como um todo se tornou tão importante quanto o ABBA ainda era para mim. Continuava tocando meu violão e aprendendo músicas

das

duas

bandas.

O

divórcio

e

os

acontecimentos que o antecederam haviam me afetado profundamente. Fizeram com que eu me retraísse desse mundo de modo que não posso explicar. Busquei consolo na natureza e na música. Não tinha tantos amigos como tive nos meus oito anos de idade. Embora na epoca ja havia vivenciado muita violencia, nao estava preparado para os acontecimentos que estavam por vir. Meu pai se mudou para um lugar relativamente proximo de mim e meu irmão. Acho que a distância entre os apartamentos era de 2km ou algo parecido. Meus pais tinham algum tipo de acordo para que eu e meu irmão pudéssemos ver meu pai. Creio que deveríamos visitá-lo a cada duas semanas, mas me recordo de tê-lo visto apenas duas vezes. Eu não o via há seis meses e sentia falta dele. Eu era um garoto de doze anos de idade muito confuso e com medo. Recordo-me que, em uma das visitas, estava vendo TV com meu pai e ele estava fazendo carinho na minha cabeça. Recordo-me do toque dele. É uma das lembrancas físicas positivas que tenho do meu pai. Lembro-me de que o ambiente na nova casa dele estava longe de parecer feliz. Ele tinha uma nova namorada que também tinha um filho de oito anos. Aparentemente ele manteve o velho comportamento

com a nova família também. Ele continuava bebendo bastante e até mesmo sua nova família teve que fugir dele. Não me lembro de ter ido lá mais do que algumas vezes, mas desde aquela visita, tenho retornado aquela casa e até mesmo aquele andar muitas e muitas vezes. Em 1998 senti a necessidade de descobrir o que realmente aconteceu com meu pai. Ninguém me disse o que realmente aconteceu, como ele morreu ou sob quais condições. Na Finlândia você tem acesso a todos os documentos legais de uma pessoa falecida se possui parentesco com ela. Então liguei para a polícia e visitei todos os hospitais para pegar informações sobre o que aconteceu. Consegui muitos documentos e fui capaz de formar uma idéia do que aconteceu com ele nas semanas anteriores ao suicídio. Por duas vezes os paramédicos foram chamados porque

ele

estava

bebendo

e

ingerindo

tranquilizantes. Certa vez, quando ele foi levado pela ambulância, o coração dele parou a caminho do hospital. Eles conseguiram trazê-lo de volta mas ainda fico maravilhado em pensar que ninguém foi capaz de prever o que estava para acontecer. No dia anterior ao suicídio, ele comprou uma garrafa de conhaque e pegou um táxi na direção da casa de veraneio

da

família.

Ele

ficou

bêbado

e

aparentemente violento. Ele foi para a cabana de um vizinho, que estava vazia, e quebrou todas as janelas. Ele desmaiou na cama com um cigarro aceso e logo depois o lugar todo pegou fogo. Alguém viu as chamas e o tirou de lá na última hora. O lugar todo

virou cinzas, nada restou. Ele foi levado ao hospital para ser tratado das feridas em suas mãos ao quebrar os vidros e das chamas. Ele foi então levado para uma delegacia de polícia próxima e colocado em uma cela por algum tempo. Ele foi fichado por invasão de propriedade particular e destruição de patrimônio, mas logo a polícia descobriu que ele era membro da família dona da propriedade. Contudo,

ele

foi

interrogado

muitas

vezes.

As

respostas dele foram curtas e o interrogatório durou bastante tempo. Entre os interrogatórios, ele tentou se matar ao desmontar a fiação elétrica próxima a uma lâmpada e usar a eletricidade. Não funcionou porque um dos guardas percebeu o que ele estava tentando fazer. O pai dele, meu avô, foi chamado para buscá-lo. Ele era o gerente do negócio da família onde meu pai estava trabalhando. E ele ficou bravo. O comportamento dele deve ter sido a gota d'água que levou meu pai a cometer suicídio. Ele levou meu pai para ver a casa de veraneio destruída e disse a ele: “Veja o que você fez!” E depois disso, levou-o para o apartamento dele e disse a meu pai que ele estava despedido. Ele dirigia um dos carros da empresa e teve que devolvê-lo imediatamente. Meu avô levou a chave do carro. Tudo isso li nos documentos oficiais fornecidos pela polícia. Eu havia acabado de completar doze anos, uma semana antes. Lembro-me daquele dia porque meu pai me levou a uma loja e comprou um aquário como meu presente de aniversário. Lembro-me dele ter permanecido sério o tempo todo. Aquele aquário

tornou-se um presente muito especial porque eu realmente queria um. Ele sempre teve aquários e também era muito interessado na natureza. A manhã de 12 de marco de 1978 foi o dia que mudaria minha vida para sempre. Nunca mais veria o mundo da mesma forma. Fui à escola por volta de 7:30. Era um dia frio de inverno e eu sempre percorria o caminho de 2km para a escola. O apartamento onde meu pai morava ficava bem próximo da escola, então eu o via quase todos os dias. O caminho não passava exatamente pela casa, ia um pouco mais adiante. Naquela manhã em especial, mudei minha rota. Ainda me recordo que pensei: “Vá pelo outro caminho”. O outro caminho me levou para mais próximo da casa do meu pai e eu nunca havia usado aquela rota antes. Quando

cheguei

em

frente

ao

prédio

dele,

acidentalmente olhei para a janela do quarto andar, onde ele morava com sua nova família. Para minha surpresa, eu o vi na janela do quarto dele, com os olhos fixos no horizonte. Acenei para ele, mas ele não percebeu. Eu não sabia que estava me despedindo dele. Lembro-me claramente do que me veio à mente: “Vá lá dentro”. Mas ignorei a idéia e fui para a escola, que ficava a 200m da casa dele. Entrei para a primeira aula. Tínhamos um intervalo de 10 minutos entre todas as aulas no lado de fora, onde eu agora me encontrava. De repente, vi uma ambulância e um carro de polícia indo na direção da casa de meu pai. Vi toda a escola correndo para lá, mas fiquei onde estava. Porque eu já sabia. De alguma forma eu já sabia. Quando as pessoas começaram a voltar, eu

contudo perguntei o que estava acontecendo. Alguém me disse que um homem havia pulado da sacada. Perguntei o que ele estava vestindo e a descrição batia com as roupas que meu pai estava usando. Incrivelmente, entrei para assistir a próxima aula e apenas depois dela perguntei ao professor se poderia ir para casa porque estava passando mal. Ela disse que sim e comecei a correr, e corri o caminho todo para casa. No meu caminho vi a sacada do quarto andar completamente coberta de sangue. Quando cheguei em casa, não havia ninguém lá. A primeira coisa que fiz foi ligar para a casa de meu pai. A voz de uma mulher chorando respondeu e aquela foi a confirmação final. Então tive a certeza de que ele havia morrido. Em alguns minutos minha avó chegou e me abraçou. A família interia se reuniu na casa de minha avó e não me lembro de mais detalhes daquele dia. Quando liguei para a polícia para requisitar os documentos sobre a morte do meu pai, também descobri que haviam fotos do cenário que os policiais encontraram. É costume da polícia tirar fotos quando eles estão investigando uma possível cena de crime. Nos casos de suicídio, a única coisa que eles precisam determinar é se houve um crime ou não. Pedi as fotos para o oficial de policía. Ele me disse que haviam sete fotos e que em duas delas o corpo estava visível. Uma de close e outra de uma certa distância. Perguntei para ele como elas eram e ele me disse que ja havia visto muita coisa na carreira dele e que não podia dar uma

opinião

a

respeito.

Requisitei

todos

os

documentos e as fotos sem o corpo. Quando fui buscá-los, meu coração estava acelerado. Peguei o envelope e abri, e lá estavam cinco fotos dentro e todo o material de investigação. Vi as fotos. Eram horríveis. E para piorar a situação, em uma delas o corpo podia ser visto a uma certa distância. Meu pai estava deitado na neve debaixo da sua sacada usando apenas as roupas que usava quando estava em casa. Por volta das 7:00 naquela manhã fatídica a nova namorada do meu pai foi para o trabalho: o dia em que ele foi trazido da delegacia de polícia e depois foi demitido do trabalho. Como escrevi antes, naquele dia fui para a escola por volta de 7:30 e cheguei na casa do meu pai por volta de 7:45. Foi apenas uma hora antes da morte dele, então fui a última pessoa a vê-lo vivo. O que aconteceu naquele intervalo de uma hora ficou claro para mim a partir dos documentos da polícia. Ele foi para a cozinha e pegou uma faca de corte bem afiada. Então seguiu para o banheiro. Ele sentou-se na banheira e cortou as artérias de seus dois braços. Cortou a primeira artéria, passou a faca para a outra mão e cortou a segunda artéria, no outro braço, ainda não sei como. A primeira coisa que ele fez foi fazer um corte profundo no dedo em que usava a aliança de casamento. Então ele colocou a faca cuidadosamente no suporte para xampu. Ninguém sabe por quanto tempo ele sangrou dentro da banheira, não havia água nela. Quando a polícia chegou, havia cerca de 5cm de sangue dentro da banheira. Isso é quase todo o sangue que havia no corpo dele. Através das fotografias da polícia foi

determinado que por algum motivo ele se levantou dentro da banheira, talvez entrando em choque. Então ele se ergueu, foi para o quarto, sentou-se na cama. Lá foram encontradas manchas de sangue na mesma cama e gotas espalhadas do banheiro ate o quarto pelo carpete branco. Ele continuava sangrando. Do quarto ele seguiu para a sacada, que ficava logo ao lado. Então ele colocou sua perna no parapeito. Isso foi visto por uma testemunha. Ele conseguiu passar para o lado de fora do parapeito e estava se segurando nele. Isso explica a grande quantidade de manchas de sangue no lado de fora da sacada. Em algum ponto ele perdeu o equilíbrio e despencou do quarto andar na rua. Ele morreu instantaneamente. Tudo isso aconteceu em uma hora, e a hora de óbito dele foi 9:45. As fotos são grotescas e para mim, foi algo muito difícil, mas eu precisava entender o que havia acontecido há 20 anos. Agora eu sabia. Até localizei a namorada dele da época em 1999 e fui falar com ela. Ela me contou basicamente o que pude ler nos relatórios da polícia. Ele não deixou uma carta suicida. Meu pai tinha uma apólice de seguro. Meu irmão e eu eramos os beneficiários. Ele fez mudanças nessa apólice

dois

meses

antes

de

morrer.

A

nova

beneficiária era a nova namorada dele. Ela me disse que o comportamento dele foi ficando cada vez mais violento e que ela havia pensado em terminar o relacionamento. Ela também me contou sobre a última noite anterior ao suicídio - me disse que meu pai não conseguia parar quieto e mal dormiu. Ele

provavelmente já havia decidido se matar na manhã seguinte quando ela saiu para o trabalho. Ela também me contou que acordou durante a noite e viu três vultos pretos em pé, ao lado da cama. Mas minha visita começou a incomodá-la e acho que ela não estava me contando tudo o que realmente aconteceu. O funeral aconteceu algumas semanas depois. Eu me lembro do crematório e do caixão branco. Um sacerdote estava falando algo. Eu me lembro que minha mãe, eu e meu irmão ficando diante do caixão e colocamos flores sobre ele. Eu não me recordo do que minha mãe disse. Dizem que enterros são uma forma de dizer adeus. Mas eu ainda estava em choque. Nao tinha noção do que havia ocorrido e era um menino de doze anos de idade. Levaria muito tempo para que eu finalmente pudesse entender o que realmente aconteceu e o porquê. E os efeitos de tudo aquilo em mim foram que comecei a me fechar em mim mesmo cada vez mais. Acho que decidi que não podia mais confiar em ninguém por aqui. Então meu pai pode descansar, se essa frase pode ser usada aqui, e a vida seguiu em frente. Mas as coisas nunca mais foram as mesmas. Nada mais era o mesmo. Em alguns anos, de algum modo estranho consegui manter todos esses acontecimentos em minha consciência e vivi por quase 20 anos até que tudo viesse à tona novamente. Minha mãe me contou que me levou a um psicólogo infantil depois do suicídio. Aparentemente passei por consultas por um tempo mas o terapeuta disse que não havia muito o que ser feito na ocasião. Ela apenas disse que em

algum momento da minha vida eu teria que lidar com aquilo. E ela estava mais do que certa.

VIVENDO COM TRANSTORNO BIPOLAR Depois de obter o diagnóstico e ter tomado a medicação errada na primeira vez, eu realmente achava que não sobreviveria. Eu me recordo de estar em meio a um longo episódio depressivo e pensar, pela primeira vez que eu não sobreviveria. Senti medo. Eu me recordo claramente da sensação de falta de esperança e desespero. Lutei contra aquele episódio e eventualmente consegui a medicação correta, então ainda estou aqui. Ainda estou me recuperando de uma série de episódios maníacodepressivos, para não mencionar o episódio psicótico e paranormal. Pode levar anos para o corpo se recuperar deles. O problema é que poucos de nós tem o luxo de poder apenas descansar. Eu tambem não tenho esse luxo, então coletivamente de certa forma estou queimando minha vela nos dois lados – a chama brilha mais forte, mas também dura menos tempo. Não é fácil viver com essa doença

porque a

responsabilidade das suas ações ainda são colocadas sobre você quando se sofre de mania e com toda certeza, até certo ponto, você é responsável. Mas por exemplo, alguém com cãncer não seria cuidado da mesma forma. Meu psiquiatra me falou que essa doença pode ser usada para negar algumas das coisas que uma pessoa faz durante um episódio maníaco e podem ser invalidadas na justiça. Algumas

pessoas compram uma casa ou um carro caro ou algo parecido quando estao passando por um episódio maníaco. Coisas como essa podem ser revertidas na corte

algumas

vezes.

Acho

errado

dar

responsabilidade total a pessoas com transtorno bipolar por suas ações. Antes de tudo, a possibilidade de

suicídio

para

pessoas

com

essa

doença

é

aumentada em 25%, o que prova o quão sério ela é. E sei também que o risco de suicídio para pessoas que tiveram um ente querido que cometeu suicídio também é aumentada em 25%. Além do mais, quando você está no auge de mania e seu corpo mergulhado em dopamina, não pensa no que está fazendo. Você vira uma máquina que funciona guiada apenas por seus instintos e impulsos e não há pensamento racional. Ele vem geralmente durante os episódios depressivos, que sempre vem em seqüência do episódio maníaco. Eu estava gravando e remixando o “Black Album” inteiro do Stratovarius quase sozinho, passando centenas de horas no estúdio onde os sons de escavações e explosões foram minha companhia constante. Cercado com os problemas financeiros de um estúdio de gravação falido, das pressões da produção e de tudo mais que estava acontecendo na minha vida pessoal, eu me lembro de ter passado o Natal de 2004 inserindo manualmente os samples de tom a bateria de Jorg Michael. Cada vez que ele acertava um tom, eu inseria um sample sobre dele. Eu inseri cerca de 100 hits de tom manualmente durante aquele Natal, e entao comecei a mixagem. O que mais me recordo daquele álbum foi que estava

completamente sozinho naquele estúdio a maioria do tempo. E trabalhei duro. Talvez duro demais. Lembrese que naquela época eu não havia sido diagnosticado com transtorno bipolar nem estava tomando a medicação que podia me ajudar. Além disso, oito meses antes, havia sido internado devido a um colapso nervoso. Foi de certa forma um milagre aquele álbum ter sido completado. Mas foi um milagre. Aquele tipo de situação na vida que pode facilmente desencadear um episódio maníaco. Para mim, me tornou psicótico ao menos parcialmente. Pessoas como eu que tem a sorte de encontrar a medicação

correta

(ou

uma

combinação

de

medimentos talvez com terapia), podem levar uma vida relativamente normal. Deve ser uma vida livre de stress o tanto quanto possível, o que certamente não acontece com meu trabalho. Ser parte de uma banda de rock sozinho é extremamente maníaco. Não posso pensar em nada mais maníaco que uma turnê de rock and roll. Mas sou um músico. É a única coisa que sei fazer e a única coisa que já fiz então minhas escolhas são bem restritas. Estou tomando quatro comprimidos de carbonato de lítio por dia. Isso são 1,2 gramas por dia. Já que o lítio é um metal leve, estou ingerindo literalmente cerca de 350 gramas de metal todo ano. Até agora ingeri cerca de 1,5 kg dele até agora. É irônico se pensarmos no tipo de música que eu faço. Tive sorte de não ter morrido antes de ter sido diagnosticado e ter encontrado a medicação certa para mim. Não posso dizer que as coisas são as mesmas. Eu

realmente me sinto mais cansado do que antes de comecar a tomar o medicamento. Mas realmente não tenho outra alternativa. Depois de ter começado a tomar lítio, não tive mais um episódio maníacodepressivo longo, a não ser os que tiveram motivos racionais. Não quero dizer que ele tira toda a solidão ou depressão da sua vida. Há coisas naturais e racionais pelas quais uma pessoa deva se sentir depressiva, e ela deve lidar com essas emoções. Pode levar muito tempo. Eu me refiro aquelas depressoes negras de quando você fica na cama por meio ano chorando, como aconteceu comigo.

Embora

em

retrospecto, daquela vez foi por motivos racionais. Eu apenas não tinha consciência disso. Muitos

artistas

enfrentaram

essa

doença.

Ernst

Hemingway e Virginia Wolf cometeram suicídio. Dizem que Beethoven também tinha transtorno bipolar. Kurt Cobain tinha. Se há alguma outra razão além da expressão artística para mim de escrever esse livro, é contar a história de uma pessoa que passou por muitas coisas nessa vida e ainda está aqui. Tenho sido muito aberto sobre minha doença em público e em entrevistas e o motivo é simples: dar esperança a pessoas

que

sofrem

com

coisas

semelhantes.

Algumas vezes recebo cartas de pessoas que estão desesperadas e que não sabem o que fazer, e pedem por ajuda. Sempre escrevo para elas. Considero minha obrigação como ser humano ajudá-los como posso. Mas não às custas da minha própria doença ou vida. Não me considero Jesus. Não

mais.

Não

quero

mais

salvar

o

mundo

simplesmente porque não acho que ele deva ser salvo, e seria arrogância minha pensar que eu realmente poderia fazê-lo. O mundo simplesmente é o que é. E é exatamente da forma como o construímos coletivamente. Eu sou, como uma música que escrevi, uma “drop in the ocean” (uma gota no oceano), e eu finalmente entendo isso. E esse entendimento é para mim um grande passo em consideração a pessoa que já fui.

CRESCENDO NA BIRD FOREST E ENCONTRANDO O BOTE SALVA-VIDAS No final do verão de 1978 nos mudamos para longe de todos aqueles eventos trágicos. Com toda certeza, carregamos aqueles acontecimentos dentro de nós, cada um a seu modo. Eu me recordo de termos mudado bem no finalzinho do verão então tive que permanecer naquela mesma escola ate que o verão terminasse e pudéssemos nos mudar. Eu me lembro de voltar às aulas e de me sentir assustado porque tinha vergonha do meu pai havia feito. Eu tinha, como muitas outras crianças, revirado a situacao toda e de alguma forma dentro de mim concluído que meu pai havia morrido por minha culpa. Não tinha plena consciência daquilo, e ainda não tenho, de certo modo, mas agora posso pensar de forma mais clara. Todos

foram

muito

gentis

e

compreensivos.

Professores que haviam sido rígidos e quase maldosos comigo

passaram a

agir

com

uma

atitude

de

compreensão e pena a meu respeito. Foi quase como se o suicídio do meu pai tivesse tocado a escola como um todo, trazendo alguns dos sentimentos humanos mais básicos à tona e as pessoas começaram a projetá-los projeção

em

mim.

quando

eu

Eu me

aprenderia tornasse

mais um

sobre músico

conhecido 15 anos depois, mas essa eh uma outra historia. Eu me sentia bem em ter aquele tipo de atenção porque eu tinha, com certeza, testemunhado eventos pelos quais ninguém passou. Eu compreendia em

algum

lugar

dentro

de

mim

que

aqueles

acontecimentos foram horríveis. Tão brutais. Tão violentos que a mente de um menino de doze anos de idade não podia compreender, ainda mais vindos do meu próprio pai. No verão de 1978 percebi que aquela melancolia solitária se tornaria grande parte do meu caráter mais adiante. Passei o verão todo sozinho, saindo de casa pela manhã e voltando a noite. Passei muito tempo próximo ao mar… no mesmo lugar onde tempos depois teria meu colapso nervoso. Apenas sentava lá, olhando o mar e sentindo esse grande vazio que nem podia

conectar

completamente,

ao

meu

pai.

absolutamente

Eu

me

sozinho.

sentia Algumas

vezes ia pescar e levava qualquer coisa que pegasse para minha mãe. Passei muito tempo perto da natureza tambem, apenas caminhando e prestando atenção nos seus mínimos detalhes… nos diferentes tipos de peixe que via no rio da floresta, ou folhas brilhando depois da chuva. Eu me sentia tão em casa na floresta. Realmente havia começado a me isolar da

raça humana. Dentro de mim devo ter decidido que todos os humanos são imprevísiveis e não são dignos de confiança, e ainda assim devo ter compreendido que teria que lidar com tudo aquilo em um futuro próximo. Aqueles eram questionamentos grandes, pensamentos imensos para um menino de apenas doze anos. Aquele verão também foi cheio de ABBA e dos Beatles. Quando minha mãe ia trabalhar, eu me recordo de ficar em casa, chorando a perda do meu pai. Era um choro indefeso de um garotinho de doze anos de idade, que foi pego numa teia de aranha e não pode escapar, a não ser para a natureza e para a música. As coisas não mudaram muito. Muito ainda permanece o mesmo para mim. Num desses dias em que me encontrava sozinho em casa, estava tocando um piano que eu tinha e me lembro de começar a chorar enquanto tocava. Isso deve ter acontecido apenas alguns meses após a morte de meu pai. Criei uma melodia que todos os fãs do Stratovarius conhecem. Criei uma letra finlandesa para aquela melodia que eu cantava enquanto tocava o piano. Ela dizia: “Por que você me deixou, papai, eu te amo”. Essa melodia agora é o começo de uma música chamada “Destiny”, cantada por um menino de doze anos do coral Cantores Minores… o mesmo coral do qual fiz parte quando criança. “Destiny” foi gravada 20 anos depois daqueles acontecimentos. Foi a primeira vez que compus algo na minha vida, embora não tivesse a noção de que estava “compondo” algo. Estava chorando e tocando, e muita tristeza seria

parte da minha música no futuro. Então no final do verão de 1978 nos mudamos para um novo lugar que em inglês se chamava “Bird Forest” (Floresta dos Passáros), traduzido diretamente do finlandês. Ficava a cerca de 40km da nossa casa anterior e era um novo começo. Era um lugar realmente

muito

bonito

no

meio

dos

campos

filandeses. Havia uma piscina do lado de fora e eu tinha meu próprio quarto. A vista era maravilhosa. Uma grande e velha árvore betula ficava a alguns passos da minha janela, despejando suas folhas belamente sobre minha janela e me dando aquela sensação de natureza por perto. Eu tinha um aquário, aquele que meu pai me deu de presente uma semana antes da morte dele. Eu amava meu quarto. Ainda assim, me isolei de todo mundo, mantinha minha porta fechada. Explorava a area vizinha a minha casa e encontrei muitos lugares que gostava. Eu me recordo de ter medo com freqüência à noite, sem um motivo aparente. O medo estava dentro de mim. Eu me lembro de ter muito pavor de algo. Tive sonhos em que voava bem acima do mundo e então de repente eu caía. A minha queda era lenta e me levava ao chão, e me lembro dos meus pés tocando o chão no sonho. Parecia tão real. Naquele ponto, os acontecimentos terríveis que haviam ocorrido nos meses ou ano anterior foram colocados para fora da minha mente. Tenho certeza de que eles estavam afetando a mim e a minha vida, mas eu não tinha plena consciência disso. Talvez o medo seja uma daquelas coisas. Eu não chorava mais, sentia mais

uma ânsia melancólica, como passei a denominar aquela sensação. Mas aquele sentimento não tinha um alvo. Não achava que ansiava pela presença de alguém. Apenas me sentia daquele jeito. Não tinha amigos. Então ouvi que havia um novo estudante se mudando para a minha classe, que havia se mudado de Lapland para um outro vilarejo próximo de Bird Forest. O nome dele era Mika. Ele tocava piano e nos tornamos amigos muito rápido. Parecia destino. Os pais dele eram super religiosos e mais tarde ele me contou que havia apanhado diversas vezes quando mais jovem e

falava com freqüência

sobre Deus e religião, algo que naquela época não me interessava nem um pouco. Eu me lembro de pensar que ele apenas provavelmente me contava coisas que os pais dele compartilhavam repetidamente com ele. Mas como ele mantinha aquela conversa em um nível mínimo, não era um problema para mim. Nós tocavamos juntos. Eu tinha meu violão e ele tocava o piano. Ainda me recordo da primeira vez que tocamos juntos na casa dele. Foi tão bacana. Começamos a tocar nas festas de final de ano da escola e em outros lugares como um dueto. Tocávamos músicas cover, na maioria das vezes o que as pessoas queriam ouvir. Nos divertiamos muito tocando juntos. Mais tarde ele se tornaria o primeiro tecladista do Stratovarius, cerca de sete anos depois. Entao ouvi uma banda chamada The Shadows, que tocava um tipo de música mais instrumental com algumas guitarras. Eu me apaixonei pela música deles. Ela era bela e excitante. As melodias eram

excelentes e memoráveis. Perguntei para minha mãe se eu podia comprar uma guitarra, e então um dia fomos para uma loja em Helsinki, onde comprei minha primeira guitarra e um amplificador pequeno. A guitarra era de uma marca chamada Aria, mas não me recordo a marca do amplificador. Comecei a aprender as músicas do The Shadows e bem depressa eu ja podia tocar o álbum todo. A música então encheu minha vida e algo a mais também, um vazio imenso dentro de mim. Ela me deu uma identidade. Eu tocava o tempo todo. Então as primeiras bandas importantes para mim foram o ABBA, os Beatles e o The Shadows. Entao um dia estava com o rádio ligado e ouvi algo que mudaria minha vida para sempre. Era “Smoke on the water” do Deep Purple vindo do rádio. Aquele riff era tão mágico que eu mal podia acreditar. Nunca havia escutado uma música como aquela na minha vida. Fiquei completamente obcecado com o Deep Purple e com o Rainbow, em particular com o Richie Blackmore. Ele se tornou meu ídolo. Ele era meu herói maior. Herdei algum dinheiro do meu pai ao qual deveria ter acesso quando fizesse 18 anos. Através de um acordo especial, minha mãe pegou dinheiro o suficiente daquela herança e comprou uma Fender Stratocaster para mim. Era cinza. Acho que eu tinha 14 anos quando ela me deu de presente. Logo os meus dias foram completamente preenchidos com música e tocar guitarra. Eu me lembro de ter um emprego no verão no negócio da família, o mesmo do qual meu pai foi demitido, transportando coisas que as pessoas compravam da loja para suas casas com

um outro rapaz que dirigia o pequeno caminhão. Era um trabalho pesado porque eu precisava carregar refrigeradores pesado e máquinas de lavar a alguns prédios que não tinham elevador. Aquelas coisas eram bem

pesadas,

embora

haviam

duas

pessoas

carregando tudo. Mas consegui meu próprio dinheiro e comprei um novo aparelho de som e um amplificador melhor para minha guitarra. Estava praticamente nas nuvens! Comecei a fazer aulas de guitarra uma vez por semana. A maioria das lições era sobre jazz e coisas das quais realmente não gostava. Mas aprendi um pouco de teoria e outros estilos de música. Ainda tocava com o Mika in diferentes lugares como um dueto, a única diferença é que eu tocava guitarra agora. Eu tocava “Toccata and Fugue in d minor” de J.S. Bach na igreja e lembro-me de ver minha foto em um jornal da cidade, elogiando minha performance. Toquei a mesma composição na festa de final de semestre da escola com cerca de 500 pessoas na plateia. E recordo-me de não ter ficado nem um pouco assustado. Não é preciso ser um Einstein para entender que a guitarra me deu a identidade que nunca tive. Era meu bote salva-vidas. Eu contava meus segredos mais profundos para ela e ela respondia por manter-se fiel. Era algo que eu precisava devido aos eventos anteriores da minha vida. Eu não tinha uma identidade real até que encontrei a guitarra. Mais tarde eu perceberia que nem

mesmo

a

guitarra

seria

uma

verdadeira

identidade. Que uma flor pode crescer no asfalto e que o mesmo se aplica em relacao aos seres humanos

e as coisas que carregamos dentro de nós. Mas na Bird Forest cresci em meio a natureza e a música. Tenho memorias saudosas daquele lugar porque foi onde minha carreira musical basicamente teve início. Meus dias eram preenchidos com ensaiar, tocar e ouvir música. Caminhar pela natureza e cuidar do meu aquário. Li muitos livros do Kondrad Lorentz sobre comportamento animal e territorialidade. Meu programa Mundial”

de

TV favorito

(World

War

2),

era

“Segunda

que

eu

Guerra

assistia

com

descrença. Aprendi sobre Adolf Hitler e quantas pessoas foram mortas, e por que. Isso não reforçou minha



na

humanidade.

Não

conseguia

compreender como 80 milhões de pessoas foram mortas e a razão. Não fazia sentido para mim. Não podia

entender

o

conceito

de

“fronteiras”

que

existiam para prevenir que os países atacassem uns aos outros… basicamente. E ainda assim, eles se atacavam da mesma forma. Então essas fronteiras tinham que ser “protegidas”. E isso queria dizer que uma coisa chamada exército existia. O que eu não conseguia compreender naquela época era como e por que as pessoas concordavam em proteger aquelas fronteiras. Naquela época eu ainda não havia ouvido falar do nacionalismo. Estava comecando a ter uma visão muito sombria da humanidade como um todo. Em dezembro de 1980 um dos meus heróis, John Lennon, foi assassinado em frente a sua casa. Eu me recordo de estar na escola quando aquilo aconteceu. Não conseguia compreender o ocorrido e me lembro como me senti mal porque era um grande fã do John

Lennon, e ainda sou. Ele tomou um tiro nas costas tendo sua esposa ao lado dele naquele exato momento. Vinte e seis anos mais tarde visitei aquele lugar em Nova Iorque quando estava em turne. Fiquei parado em pé e pensando sobre o que aconteceu com ele naquele exato momento. Ele havia feito sua última entrevista

apenas

algumas

horas

antes

do

assassinato. Nessa entrevista, de modo sinistro disse: “O que significa quando um pacifista toma um tiro?”. Eu visitei o parque “Strawberry Fields” perto da casa dele e vi o placa “Imagine” e centenas de pessoas lá cantando e tocando as músicas dele. Em algum ponto encontrei algumas pessoas que estavam interessadas no mesmo estilo de música que eu e formamos algumas bandas e fizemos alguns shows tambem. Creio que tenha sido no começo de 1982. Uma dessas bandas se chamava Roadblock e o baterista original do Stratovarius cantava nessa banda.

Outra

banda

se

chamava

Thunderbird.

Tocávamos na grande maioria covers e minhas músicas

que

eram

na

maioria

fragmentos

dos

Rainbows. Descobri que as garotas ficam muito mais interessadas se você toca numa banda de rock. Ou talvez elas se interessem pela sua imagem. Não tinha muito interesse por elas antes, talvez porque fosse extremamente tímido. Eu me lembro que quando tinha por volta de 15 anos uma garota, que eu não conhecia, ligou para minha casa e perguntou se podia vir me visitar. Balbuciei que sim e ela veio. Ainda me lembro dela. Ela tinha um cabelo loiro longo e era baixa. Eu já era muito alto aos 15 anos. Ela veio e

sentou-se no sofá, e me sentei em uma cadeira em frente a ela, com um travesseiro no meu colo. Eu me recordo de me sentir um peixe for a d’água e não sabia o que dizer ou fazer. Ela me disse: “Você não fala muito”, no que eu respondi, “Acho que não”. Então ela me contou que ela sempre me via sozinho no ponto de ônibus todas as manhãs quando íamos para a escola e que se sentia mal por eu ser tão sozinho. Eu nem lembrava de ter visto essa garota antes. Coloquei um pouco de música e até mesmo me lembro do álbum. Era “The Wanderer”, da Donna Summers que eu ouvia de vez em quando. Ela foi embora depois de algum tempo, e nos abraçamos e nos beijamos na porta de casa. Foi bacana. Foi meu primeiro beijo. Nunca mais a vi. Então em 1984 recebi um telefonema me pedindo para entrar para o Stratovarius e aceitei. Encontrei uma identidade ainda maior. Por volta de 1986 o Mika uniu-se ao Stratovarius também mas ele saiu da banda momentos antes de assinarmos nosso contrato com a CBS. Ainda não entendo porque ele saiu. Foi por algum motivo vago. Não o vi por dez anos mas voltamos a ter contato na epoca em que comecei a fazer terapia e continuamos nos falando até o verão de 2005. Naquele ano ele tentou cometer suicídio ao jogar o carro dele na pista seguinte. Ele foi internado em uma hospital psiquiátrico. Eu me lembro de ter ligado para ele quando o Mika ainda estava lá. Mandei um cd player, música e livros. Ele me mandou cartas muito confusas onde escreveu que “queria dedicar o resto da vida dele a servir a Deus”, e coisas como

essa. Soavam para mim como as mesmas coisas que ele costumava me dizer quando tinha 14 anos. Quando ele saiu de lá, voltou a morar com seus pais. Estava de férias em Dubrovnik no verão de 2005 quando recebi uma mensagem de texto dele que dizia “Como você está?”. Nunca respondi. Agora gostaria de ter respondido. Uma semana depois ele saltou para a morte da sacada do apartamento dos pais dele e morreu na hora. Meu amigo estava morto. Não fui convidado para o enterro e não pude nem mesmo visitar o túmulo dele. É doloroso demais. Ele era um rapaz

extremamente

sensível

que

estava

profundamente ferido pelos espinhos dessa vida, ou provavelmente espinhos de certos seres humanos. E embora ele fosse um tecladista de primeira linha que tocava o tempo todo, ele sempre se considerou um ninguém. E quando aquela parte dele tomou conta dele, nada mais poderia salvá-lo. Não tenho dúvida alguma em minha mente de que se ele estivesse vivo hoje em dia, estaríamos fazendo musica juntos. Um dia terei coragem de visitar o túmulo dele. Sinto muita saudade dele.

GUITARRA, MÚSICA, FAMA E GLÓRIA

O título é intencionalmente provocativo. As duas primeiras palavras desse título são reais. As duas seguintes não. Quando eu realmente comecei a tocar guitarra, ela

me deu um senso de identidade verdadeiro. O que não havia percebido era que essa identidade era no entanto muito solitária. A identidade só pode ser completa se você tiver respeito próprio e aceitação de quem você é enquanto ser humano. E eu estava longe disso. Minha identidade era baseada em copiar outros guitarristas e o estilo deles mas eu me encontrava muito longe de criar algo que realmente refletiria quem eu era. Escrever música não é um processo consciente para mim. No princípio, tudo claramente girava em torno de ensaio e mais ensaio, ou ter roupas parecidas com as do Richie Blackmore. A palavra “prática” soa artificial para mim no contexto de música. Soa mais como algo que você usaria para descrever esportes. É claro que mais tarde quando realmente comecei a aprender um pouco mais do que significava, pude deixar a música fluir de modo mais livre. É uma das coisas mais difíceis de serem feitas. Desligar seu cérebro e deixar a musica fluir. Fiz uma série de seminários sobre música em 2009-2010 na América do Sul e Europa, concentrados nos aspectos de músicas e tocar. Baseado na minha experiência, não é algo que seja ensinado nas escolas ou em aulas de guitarra. E infelizmente, é muito difícil de ser ensinado. Mas não impossível. Somos seres humanos e temos emoções e sentimentos. Elas se conectam de modo instrínseco com a música. Assim, é natural que a música tenha tudo a ver com emoções. Ainda assim, ninguém falava sobre ela. Era sempre” Como posso aprender a tocar tão rápido quanto voce?” Tocar guitarra para mim nada tem a ver com escalas. Não é

matemáica. Não é mecânico. Tenho absoluta certeza de que toda pessoa toca guitarra ou qualquer outro instrumento de forma idêntica ao caráter dela. E se você não tem ciência do seu caráter, isto é, não sabe quem você realmente é, não pode entrar em contato com suas emoções e expressar totalmente quem você é através do seu instrumento. Conforme minha banda Stratovarius começou a ficar mais popular e comecei a fazer turnês ao redor do mundo e tocar para milhares de pessoas, aprendi mais sobre fama e glória. Naquela época era muito fácil

ficar

confuso

porque

todo

mundo

estava

chamando você de “deus”, “mestre” e todas essas palavras que nos glorificam tanto. Somente mais tarde percebi o que tudo aquilo significava. É muito perigoso para uma pessoa cair na armadilha da fama e da glória. Há muitos exemplos tristes do que pode acontecer se você comecar a acreditar de verdade que é deus. Há muitos egos na música e na indústria musical. Aprendi que ser um músico tem muita a ver como ser um entertainer. Podia ter sido algo que você nasceu

para

fazer.

Ou

poderia

ser

que

os

acontecimentos da sua vida o levaram naquela direção. Ser um entertainer pode soar estranho, mas para mim significa aparecer em um lugar onde estão pessoas que querem ver você e vê-lo tocar. E que há uma troca de energia entre você e essas pessoas, e que você é um servo. Você esta lá para servir aquelas pessoas e edificá-las com sua música e com sua forma de tocar. Então ser um músico e um entertainer significa e forma real expressar seu verdadeiro eu

através da música, e isso significa servir. Isso não quer dizer que estou escrevendo minha música para agradar certas pessoas ou um certo grupo. Se eu fizesse isso, seria falso. Estaria mentindo para mim mesmo. Significa que, quando estou compondo novas canções, me afasto de todo mundo, o que no meu caso é relativamente fácil, e realmente adentro meu mundo interior e apenas deixo a música fluir. Apenas permito que ela ganhe vida porque ela quer nascer. Não

gasto

horas

intermináveis

esperando

por

inspiração porque componho da minha própria fonte. Não é um ato da minha vontade, é mais ouvir do que tocar. É mais receber do que gravar. É naquele momento algo que pertence apenas a mim e a ninguém mais. É um processo muito íntimo. Então mais tarde quando minha música está sendo gravada e outras pessoas começam a ser involvidas no processo, depende muito delas e do nível de sintonia delas qual tipo de álbum será produzido. Isso é algo com o qual lutei muito. Egos me enojam. Tenho o meu, como todo mundo, mas a diferença é que hoje em dia esse ego não me domina. Mas ele é muito sagaz e sussura ao meus ouvidos todos os dias, e todo tipo de coisa. Aprendi a distinguir essa voz perigosa e algumas vezes ela me enganou de modo muito ruim, mas

aprendi

minha

lição

e

não

acontecerá

novamente. Enquanto escrevo essa frase, sinto medo dentro de mim. É meu ego. Toquei perto de 3.000 shows durante minha carreira. Conheci muita gente e estive em mais de 60 países. Vi muitas culturas e como elas diferem uma da outra.

Ainda assim, os momentos mais memoráveis da minha carreira são as conversas com os fãs antes ou depois dos shows… quando eles estão receosos e pensando se não há problema em chegar perto para conversar. É claro que há pessoas muito arrogantes também e as coisas tendem a sair do controle quando há muita gente, mas muitas vezes tive conversas bem tocantes. Um pai com seus dois filhos que tocavam guitarra fazendo perguntas e se questionando como pude passar uma hora conversando com eles, sem saber que eles estavam me dando muito mais do que eu poderia oferecer a eles. Um rapaz que estava com o coração partido porque a namorada o havia deixado. Convidá-lo para cantar no palco (ele era cantor), ouví-lo depois do show e falar com ele o fez sentir-se aceito e que ao menos alguém lhe dava atenção. Ele foi às lágrimas e eu também quando o ouvi cantando, os olhos fechados. Aqueles momentos não voltam na sua carreira e são nesses momentos, ao menos para mim, que você encontra o verdadeiro significado de ser um entertainer. Um músico. Um ser humano. Ser famoso significa ter muito poder sobre certas

pessoas.

Esse

poder

pode

ser

usado e

canalizado de diversas formas. Quando é usado de forma positiva, realmente pode salvar vidas. Recebi através dos anos centenas de cartas de pessoas que dizem como minha música salvou suas vidas e lhes deu esperança e a vontade de prosseguir. Essas palavras me enaltecem porque não creio que tenha todo o crédito pelo que estou fazendo. Algum crédito, mas não todo. Meu ego estaria la imediatamente para

aceitar a medalha, gritando “Viva! Viva!”, mas ele precisa permanecer a salvo, trancado a sete chaves e isso não lhe agrada. Mas é assim que as coisas devem ser. Certa vez acordei na minha cama no onibus de turnê, meu

rosto

imerso

no

meu

próprio

vômito

no

travesseiro. Eu me arrastei até minha cama e vomitei. Estava por toda parte. A maioria dos shows de 19962003 eu toquei completamente bêbado. E é claro a bebedeira continuava depois do show, até a manhã seguinte. Agora já não toco mais nenhum tipo de álcool há cinco anos e não sinto a mínima falta dele. Sinto-me mais leve e tocar parece diferente. É difícil expressar seus sentimentos quando você tomou dez cervejas. Então certamente a síndrome de “deus” me atingiu

também.

Mas

devido

a

uma

série

de

acontecimentos da minha vida, tive que fazer certas escolhas e decidir o que era mais importante. Estava morrendo de medo quando fiz meu primeiro show sóbrio. Eu me senti um peixe fora d’água, embora a realidade era exatamente o contrário. Senti-me muito estranho. Eu me senti nu. E percebi que estava sentindo algo de verdade quando tocava estando sóbrio. Para mim, foi uma mudança completa no meu ser e na minha forma de tocar. Foi então que comecei a perceber o que sinificava ser um musico e um entertainer. E não voltei atrás. Sinto-me abençoado de verdade pelo dom da música e tudo o que ele me proporcionou. Tem sido uma longa jornada, e ainda agora, enquanto escrevo isso, de um jeito estranho sinto que cheguei em casa. De onde parti.

A QUE LUGAR PERTENÇO? Nunca senti que pertencia a nada. Uma noção de pertencer a algo ou a algum lugar é muito importante para todos os humanos, como dizem. Certa vez estava, em uma dessas raras ocasiões, em uma festa onde dez chineses estavam falando de forma muito animada uns com os outros. Estava sentado no sofá, observando tudo. Tentei entrar na conversa, mas tudo o que eu dizia soava realmente idiota para mim. Agora note que essas pessoas chinesas estavam em uma casa finlandesa, convidadas por um casal finlandês. Isso não aconteceu na China. Eles pareciam muito felizes e interessados enquanto conversavam. Estavam sorrindo e gesticulando bastante enquanto falavam. De repente senti tristeza. Senti que não podia ser como eles. Que não poderia entrar na conversa de forma animada. Que não pertencia àquele lugar. Ao invés disso de tentar me juntar a eles, sentei no sofá e não disse uma palavra. Consigo representar o papel muito bem. Consigo interpretar o papel de sociável, mas é extremamente desgastante para mim porque é basicamente interpretação e não simplesmente ser quem eu sou. Certo dia estava falando com meu terapeuta sobre ser um ermitão e que não queria sê-lo pelo resto da minha vida. No que ele me respondeu: “Mas e se você for um?” Aos poucos ficou claro para mim que eu havia me isolado porque sentia que não sentia que

pertencia a lugar algum. Eu me sentia como um E.T. e queria voltar para casa. Exceto que eu não tinha uma casa. Essa casa não é apenas um lugar ou um prédio. Não é algo fácil perceber que no mais íntimo do seu ser você é tão isolado. E que voce não se encaixa. É claro que posso de um modo mais intelectual compreender o porquê. Mas aquilo não ajudaria em nada. Mas seria possível eu me aceitar como sou? Com tudo o que tenho em mim e ainda assim me aceitar como um ser humano digno? Acredito que a resposta seja sim, mas não é um sim tão fácil. É uma longa batalha através de um deserto onde muitas vezes pensei “esse é o fim”. Não agüentava mais. Mas prossegui e comecei a ver pequenos trechos com algum verde. Conheci algumas pessoas que me deram esperança. Conheci até mesmo uma família composta de pai e mãe e seis filhos. Passei um final de semana com eles e mal podia acreditar que não havia medo algum presente

naquela

casa.

Foi

uma

experiência

maravilhosa para mim e quando eles me levaram para o

aeroporto,

eu

os

agradeci

e

lhes

disse

provavelmente eles nunca entenderiam o que haviam me dado. Eu lhes disse que eles me deram esperança. Perdi muitas pessoas quando tive a coragem de ser eu mesmo. Quando brigamos com alguém, poucas são as pessoas que tem o decência de olhar no espelho, encará-lo e reconhecer o papel deles na briga, separação ou divórcio. Nada acontece de repente. Tudo acontece como resultado de algum tipo de processo. Quantas vezes você sentiu que foi tratado

de forma extremamente injusta por algumas pessoas na sua vida? De modo tão injusto que comece a odiar alguém? Mas você já pensou na possibilidade de que ter passado por cima do seu próprio papel no esquema todo das coisas? Pouquíssimas pessoas são maturas o suficiente para fazer isso. E isso, com certeza, é um sinal de uma personalidade equilibrada. Sempre se perguntar: “Espera. Qual foi meu papel em tudo isso? O que fiz para que tudo isso acontecesse? Poderia ter feito algo diferente? Poderia ser minha culpa também?” Em seguida vem um pensamento aterrorizante: “Será que eu possivelmente não pertenco a mim mesmo?” Eu nunca havia pensado nisso. E sim, é algo tão simples. A quem mais você poderia pertencer? Eu realmente não tinha a coragem de ser eu mesmo em público. Sempre interpretei algum papel. Estava atuando. Amo dar as pessoas conselhos que não posso seguir na minha própria vida. Quando meu ego consegue vir à tona sem que eu perceba que ele está no controle, ele geralmente interpreta um “homem sábio” ou “guru” ou algo parecido. Mas pertencer a mim mesmo? O que isso significa? Creio que seja de forma plena e completa aceitar quem sou, aceitar minha história como um todo, perdoando a mim mesmo e pedindo perdão a todos aqueles que creio ter magoado. Agora isso soaria difícil porque quase sempre são necessários dois para dançar tango – sou seja, há sempre dois lados em uma história. Então acabamos

pedindo

perdao

de

alguém que

nos

machucou muito sem ter o menor entendimento de

como fazê-lo. Mas no final das contas não é um ato em relação à outra pessoa. Ela tem sua própria batalha adiante. Isso tem a ver com a gente. Entao pedimos perdão em parte por nossa causa e porque nos sentimos machucados ou maltratados pela outra pessoa. Em parte, foi o que fiz. Mas não foi fácil. Respeito e amor próprio surgem das ações. Não são coisas que podemos fazer apenas por vontade própria. Nós nos amamos e respeitamos ou não – e não há meio termo nessa questão. E se não nos amamos e nos respeitamos, creio que seja muito difícil amar e respeitar outra pessoa. Em muitas das minhas crises depressivas senti quantidades enormes de odio próprio e desespero. Eu me senti fraco. Na sociedade, admitir que você é fraco é considerado completamente ridículo. Ainda assim, na minha opinião, a maioria das pessoas que parecem ser fortes são na realidade arrogantes e não sao fortes de modo algum. Elas apenas fazem papel de fortes. Amam falar bastante, e na maioria das vezes, sobre elas mesmos. Não perguntam sobre a gente e se perguntam, voltam a ser o tema da conversa rapidamente. Na minha opinião, há apenas um caminho para se ter um caráter forte – é ser primeiramente fraco. É ser humilde antes de tudo. É outra coisa que não é um ato da nossa própria vontade. Não podemos ordenar sermos fracos ou fortes. Devemos entender a caminhada das nossas vidas, o que nos foi feito, passar pelo luto de qualquer coisa que tenhamos perdido pelo caminho. No meu caso foram basicamente meu pai, minha infância e

outras coisas até hoje em dia. E ainda assim, sei que naqueles momentos, quando meu medo me prostrou de joelhos e sofri uma quantidade enorme de dores emocionais

e

pesar,

foram

nesses

momentos,

ironicamente onde eu me tornei forte. É um processo lento e doloroso mas está acontecendo. A vida parece ser cheia de paradoxos e esse é certamente um deles. Como podemos nos tornar fortes ao nos fazermos fracos? Ainda que seja um paradoxo, acredito que seja verdade. E quando nos ajoelhamos, sentindo toda a nossa essência e dor, comecamos entender as pessoas de um modo melhor também. Isso nos torna mais

humildes

e

tolerantes.

E

nunca

podemos

esquecer que diamantes são formados sobre extrema pressão.

HUMANIDADE Albert Einstein certa vez disse: “Há apenas duas certezas nesse universo: a estupidez dos seres humanos e o infinito. E não tenho certeza acerca do último.” Sempre escrevi músicas sobre o universo, amor e questionamentos espirituais. Escrevi porque senti que precisava fazê-lo. Não entendo o porquê. Desde

os

interessado

meus no

tempos

poder

de

de

adolescência,

destruição

dos

sou seres

humanos. Primeiro, assistindo aquela série de TV “World

War

2”.

Depois

testemunhando

aqueles

eventos terríveis na minha própria família e mais tarde

entendo

minha

própria

capacidade

de

destruição. E por último, entendendo o esquema todo das coisas. Como as coisas realmente são nesse planeta. Eu sempre fico maravilhado quando as pessoas dizem que devemos salvar a natureza. Creio que ela seja muito mais ponderosa do que possamos atée mesmo compreender. Acredito que tenham existido cinco ou seis civilizações nesse planeta antes de nós… há muito tempo atrás. E todos eles pereceram de acordo com suas próprias ações. Nossa civilização atual tem existido apenas por algumas centenas de anos, no máximo. Desenvolvemos todos os tipos de coisas para facilitar a vida no dia-a-dia. Mandamos o homem a lua. Estamos explorando Marte e outros espaços dentro do universo. Sabemos de muita coisa mas não podemos explicá-las. O que sempre me maravilhou é o quão pouco do ser humano em

si

tem

sido

estudado.

Os

maravilhosos

mecanismos do corpo humano tem sido estudado. Mas o comportamento e o poder de destruição… tem sido algo menos discutido? Por que é um tabu tão grande estudar as razões pelas quais oitenta milhões de pessoas foram mortas em campos de concentração há apenas 65 anos atrás? Por que é um tabu estudar os sistemas em vigência quando Hitler ascendeu ao poder e o que aconteceu com todo o movimento nazista? Sabemos o que aconteceu, mas não por que aconteceu? Ninguém parece perguntar a questão mais importante que é: “Como é possível isso ter acontecido?” Porque aqueles mesmos sistemas ainda estão em vigência entre os seis bilhões de pessoas nesse planeta? E esses sistemas servem um certo

grupo de pessoas ciência plena deles. Como voce já sabe por agora, minha visão da humanidade é bem pessimista e sombria. Realmente não

queremos

saber

dessas

coisas.

Precisamos

consertar nosso carro. A grama cresceu demais, é hora de passar o aparador de grama. Temos que jogar pôquer

hoje

à

noite.

Mas

enquanto

tudo

isso

acontece, o tempo está acabando. Em apenas 100 anos, a chamada “revolução industrial” conseguiu causar uma destruição inacreditável para esse planeta e em seus cidadãos. Se olharmos para o mundo, é muito bem organizado e controlado. Mas realmente não vemos isso. E supostamente não devemos ver isso. Ou ao menos compreender tudo isso. Temos que jogar pôquer e consertar nosso carro. Como escrevi antes, esse planeta é dividido em regiões que são chamadas de fronteiras. Havia uma época em que as fronteiras não existiam. Não tínhamos passaportes antes da Primeira Guerra Mundial. As fronteiras foram estabelecidas depois e o território dentro dessas fronteiras passou a ser chamado de país. E dentro desse país há cidadãos vivendo diferentes tipos de vidas. E esses cidadãos, muito freqüentemente, formam uma unidade chamada de família. E esse é o lugar onde a coisa toda tem início. Quando você nasceu nesse mundo, era tão puro quanto a neve. Tábula Rasa. Resisto à tentação de começar a debate que questiona se temos o que chamam de um “DNA spiritual”, que supostamente determina nosso futuro. No entanto, você nasce livre de tudo o que a revolução industrial representa. E esses são: família,

escola, país e religião. Cada um deles serve a um propósito de produzir cidadãos obedientes ao país. A igreja e a religião estão perdendo muitos fiéis hoje em dia mas o núcleo familiar e o país permanecem intactos. Novamente, estou citando Albert Einstein aqui. “O nacionalismo é uma doença infantil. É o sarampo da raça humana”. Palavras fortes vindas de um homem que ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Estou tentando

procurar

os

motivos

aqui.

A

família

geralmente consiste de um pai e de uma mãe, que também cresceram em um ambiente parecido. Entao é possível que a maneira como seus filhos são criados imita a forma como eles foram criados. Sou da firme opinião de que é aqui que os problemas começam. É simplesmente porque muitos pais não sabem como criar seus filhos em um ambiente que seja seguro, mas que tenha limites. Ao invés disso, em sua grande maioria, medo e punição são usados para controlar a criança, para fazê-los obedecer. E isso, por último leva ao que exatamente produzirá cidadãos obedientes e que darão tanto trabalho a terapeutas. Mas as crianças são sábias e fortes. Elas não desistem facilmente. Mas o sistema é impiedoso. E em algum ponto, as crianças não tem escolha. Perderão sua verdadeira identidade para se encaixar nas condições dadas. Mas é uma identidade falsa. Tudo continua na escola, quando a competição realmente tem início. Começamos a ser avaliados através de números e aprendemos história para que saibamos como as coisas tem sido. Ninguém está

realmente muito interessado, mas precisamos estar aprender. O que acontece se resistirmos à escola? Seus pais o forçarão a ir para lá. E se por acaso seus pais não o forçarem a ir para a escola? Então alguma parte

da

sociedade

surgirá

rapidamente,

provavelmente uma assistente social, que começará a investigar se há algo errado com a gente ou qual seria o lugar certo para nós se não for a escola. Por que ninguém esta fazendo a pergunta mais óbvia? Por que devem existir escolas obrigatórias, para começo de conversa? Qual propósito elas realmente servem debaixo da superfície de “Napoleão fez isso e aquilo?”. Acho que muitas crianças estão cientes de que algo está errado e estão comecando a se rebelar contra todo o sistema. Mas é em vão. Então elas se adaptam. De modo lento e certo elas se adaptam. Um sistema escolar que não seja baseado na competição

e

que

levasse

em

consideração

a

individualidade e singularidade de cada criança seria muito melhor. Mas isso produziria os tipos de cidadãos errados para a sociedade. “Lute por seu país”. “Defenda a terra dos seus antepassados”. Um país é o sistema mais poderoso e geralmente está ligado à igreja e a religiao de alguma forma. Essa pode ser uma combinação poderosa. “Deus protege nosso país”. Aqui, mais uma vez, encontramos as fronteiras. Pessoalmente, sempre me considerei não uma cidadão finlandês, mas um cidadão do Planeta Terra. Não há uma terra ou pedaço de terra “pelo qual eu esteja preparado para morrer”. Mas a família nuclear e a escola pavimentaram o

caminho para as crianças tornarem-se partes de um sistema chamado de país. E o país é o mesmo que a sociedade. Não é possível que o nacionalismo exista se não existirem países. Mas nesse ponto, a maioria das pessoas já estão “orgulhosas de seus países”. Elas se tornaram uma parte do sistema. Algumas pessoas reclamam do sistema. Algumas com mais barulho, outras de forma mais discreta. Ainda há inúmeras guerras acontecendo nesse mundo enquanto escrevo. No século passado aconteceram as duas guerras mais devastadoras da história da humanidade. Não há sinais algum de que a raça humana tenha aprendido algo do passado. Pelo contrário, parece que as coisas estão ficando mais e mais violentas. Genocídio também tem acontecido nos últimos 20 anos. E também está acontecendo agora. O mesmo sistema que votou e apoiou Adolf Hitler ainda continua bem vivo e operante aqui no planeta Terra. E as pessoas estão ficando cada vez mais assustadas. Ninguém sabe o que acontecerá no futuro. Exceto que não é tão difícil prever. Apenas não queremos saber a verdade. As

igrejas

em

todas

suas

diferentes

formas

proclamam representar o poder de Deus manifesto aqui na Terra. Com várias histórias diferentes e crenças dogmáticas, eles tem muitos seguidores nesse planeta. Nós humanos sempre tivemos a necessidade de acreditar em algo superior ou adorar a algo. Algumas pessoas não se importam, outras dedicam suas vidas inteiras a diferentes formas de religião. Eu coloquei uma pergunta em uma das

minhas músicas, o que aconteceria se não houvesse religião? Se não houvesse Deus? Se não houvessem as forças armadas e armas em geral. Se não houvesse racismo, em qualquer forma que seja. Essas são claramente apenas idéias hipotéticas, e ainda assim, como seria o mundo sem elas? Uma das coisas que mais abomino em relação à religiao é a presença do medo dentro delas. Na maioria das vezes ele é escondido de forma bem inteligente, mas o medo é usado tanto pela sociedade quanto pela a igreja. E é usado para controlar. Quando você tem medo, obedece de modo muito mais fácil. E quando mais assustado estiver, menos perguntas fará. Em algumas religiões, a vida após a morte é dividida entre céu e inferno, e suas ações aqui na Terra determinam para onde você vai. Mas basicamente todas as religiões contam a mesma história. Elas são apenas contadas de diferentes modos e deram nomes diferentes para seus deuses. Não quero entrar em detalhes sobre as diferentes religiões. Meu ponto aqui é apenas que elas geralmente servem as necessidades da sociedade ou país em particular pela qual se espalham. Há também pessoas que são ateístas. Ou pessoas que acreditam em religiões New Age. Há pessoas que se descrevem como

espirituais.

Diga

uma

denominação

e

a

encontrará aqui nessa Terra. Há tantas crenças e sistemas diferentes. Então por que as coisas estão ficando cada vez piores? Não deveriam por um acaso estar melhorando? Mais de metade da população mundial vive com menos de dois dólares por dia. Também todos os dias,

20.000

crianças

morrem

de

fome

e

doenças

perfeitamente tratáveis na África. Todos os anos, 800 bilhões de dólares são usados por propósitos militares no mundo. Um bilhão são cem milhões. O número é: 800.000.000,000 de dólares. Esse número isolado já seria algo insano. É ainda mais insano quando se pensa na pobreza absurda em que todas aquelas três bilhões de pessoas vivem todos os dias. Como isso é possível? Como é possível, que essa quantidade absurda

de

dinheiro



todos

os

anos

para

orçamentos de defesa e armas que são designados para atacar ou prevenir que um ser humano ataque o outro? O comando para começar o ataque ou “defender nossa pátria” sempre vem de uma instância maior de poder e a capacidade de qualquer força armada depende somente do modo como os cidadãos de cada país enxergam as coisas. Minha opinião a esse respeito é clara. Não nos importamos com o que acontece porque pensamos que é algo que não nos afeta. Mas digo que é algo que nos afeta, sim, e muito. Será que ainda temos o direito de comer antes que cada criança nesse planeta tenha alimentos para comer e roupas para vestir? O que aconteceu com a gente? Quando foi que paramos de nos importar? Ou será que realmente nos importamos em algum momento? Essas são perguntas terríveis e ainda assim, são as mesmas perguntas que me vem em mente quando olho para números e vejo como as coisas estão nesse planeta. Esses números não são imaginários. Esses são números verdadeiros, bem reais.

Então

o

que

acontecerá

fazemos

com

com

a gente?

tudo

Temos

isso?

O

que

esperança?

A

mudança do clima global é um fato científico. Apenas alguns poucos discordam dessa afirmação agora. E ainda assim, os governos e países estão fazendo pouco ou nada para mudar o curso que estamos seguindo. As decisões políticas e cortes feitos para melhorar as coisas sao ridículos. Por volta do ano 2050, a população da Terra será de 12 bilhões de pessoas. Esse planeta pode suportar talvez um ou dois bilhões de pessoas. Então mais uma vez o Sr. Einstein entra em jogo e diz que não é preciso muito esforço para entender o que vai acontecer em 50 anos. Nossa necessidade de controlar e explorar a natureza contradiz a realidade de que poderíamos na realidade ser parte dessa mesma natureza. Assim mais

uma

vez,

assistiremos

a

eventos

virando

realidade de acordo com o que tem sido feito ao planeta.

Um

cientista

fez

uma

observação

interessante. Ele disse que é possível que a Terra seja uma entidade consciente e como resultado disso, nossas

ações,

como

toda

ação,

tem

suas

conseqüências. Não sou daqueles que propagam as profecias do fim do mundo ou que parecem ter algum tipo de felicidade relacionada aos eventos futuros. Eu me sinto triste porque sei do potencial que nós humanos temos. Sei como as coisas poderiam ser. Realmente poderíamos consertar tudo. Agora. Mas quando vejo como o mundo está, não consigo ver isso acontecendo. Então como as coisas poderiam mudar? Pode ser que

já seja muito tarde. Uma coisa é certa… usar violência contra o sistema não ajudará em nada. Nossos países e sociedades estão aqui porque as construímos. A mudança pode acontecer apenas de forma individual. Quer dizer que começa com a gente. Ironicamente, pode-se dizer que o destino dos seres humanos reside na habilidade da raça humana de ver as coisas como elas realmente são. E como realmente somos e estamos programados para pensar e agir. Se formos capazes de ver a quantidade de programação, a estrutura

das

funcionam,

nossas

nosso

sociedades poder

de

e

como

elas

destruição

e

começássemos a trabalhar nosso próprio caráter, então a mudança seria realmente possível. Se cada pessoa fizesse sua parte, veríamos uma revolução nesse planeta nunca vista antes. Mas as condições instáveis da Terra impedem que isso aconteça. É difícil pensar em mudança climática global quando não se tem comida para comer ou roupas para vestir. E já que

essas

necessidades

básicas

não

serão

governadas pelos governos desse mundo, e isso é realmente feito de propósito para que a instabilidade seja

mantida,

individual,

então

numa

a

escala

mudança necessária

em

um

para

nível

que

a

mudança efetivamente aconteça, é bem improvável. Então o que nos resta é ao menos tentar. Pensei por muito tempo se devia incluir esse capítulo no livro porque sei muito bem que é dar uma arma com munição aos críticos. Mas não escrevo isso com uma atitude de“sou melhor do que você”. Estou realmente escrevendo fatos. E o razão final para que eu inclua

esse capítulo no livro é que esse é o resultado de quase 20 anos de reflexão. Primeiro, vendo de um nível individual, sendo muito jovem, como seu próprio pai pode se tornar completamente destrutivo. E então comecando a pensar tudo de forma lenta em uma escala maior e chegando a essas conclusões. Essas linhas precisam estar aqui porque representam uma grande parte de quem sou.

TIMO, DEUS EXISTE? Esse é outro assunto que questionei por muito tempo se deveria incluir nesse livro. E cheguei a conclusão de que espiritualidade é uma parte tão grande de mim que simplesmente tenho que escrever a respeito. Ao longo dos anos, talvez por conta da letra das minhas músicas. Muitas pessoas se aproximaram de mim e me perguntaram todo o tipo de perguntas sobre Deus, o diabo, inferno, céu… imagine a pergunta e tenha certeza de que em algum ponto, eu já a ouvi. Não sei como todas essas pessoas esperam que eu tenha as respostas para suas perguntas. Como eu poderia saber? O que sei sobre Deus ou se Ele existe é baseado completamente na minha própria experiência.

Como

ela

poderia

ser

idêntica

à

experiência de outra pessoa? Eu realmente sei que as palavras “Deus”, “religião”e assim por diante não tem sentido hoje em dia. Elas perderam completamente seus significados. Alguns dizem que todas essas criancas estão morrendo na África

e Deus não faz

nada. É porque esse “Deus” não existe! Esse tipo de

atitude

faz

de

Deus

uma

máquina

de

venda

automática que dá a humanidade tudo o que ela quer. “Tua vontade seja feita” é outra coisa que nunca pude entender. Simplesmente não consigo compreender esse

tipo

de

força

de

Deus

punitivo

que

mantémcriancas com medo. Isso me lembra bastante da figura paternal que usa medo e punição como formas de controle. Simplesmente não posso acreditar que seja verdade. Vejo muitos diferentes tipos de gurus modernos pregando sobre vida e dando respostas as pessoas, todo tipo de gente prevendo o “futuro” e como as coisas serão, médiums em suas “sessões” assustando as pessoas. O que é comum a todas essas pessoas é, antes de tudo, que elas são todas sem noção. Segundo, elas espalham medo e são perigosas. É um negócio que dá muito dinheiro e as pessoas querem respostas. Se encontrarmos uma pessoa realmente spiritual,

o

Simplesmente

que não

faríamos iríamos

para

reconhecê-la?

reconhecê-la.

Nunca

saberíamos. Ela não representa um papel, não se importa com ele. Simplesmente não sabemos. Essas pessoas são humildes e nunca machucariam os outros ao “prever seu futuro” ou dar soluções rápidas para questões cruciais da vida das pessoas…. porque elas não existem. Mais uma vez, como tudo, a vida, mais do que tudo, é um processo. Acredito que a espiritualidade não possa ser ensinada ou adquirida por meio do conhecimento. Não creio que tenha a ver com inteligência ou conhecimento. É uma jornada. E a vida, mais do que tudo, é uma

jornada, não um destino. Há pessoas que encontram em suas vidas um quantidade enorme de situações difíceis e que encontram quantidades enormes de dor emocional. Essas pessoas estão prontas para a jornada spiritual. É uma jornada que leva a nos e a nossa vida. Vira tudo de ponta-cabeça e há momentos em que pensa que não vai suportar. Essa jornada significa se afastar da estrada comum e partir para a estrada menos viajada. E essa estrada é a que você cria. Não será fácil. Você desistirá muitas vezes. Mas sempre prosseguirá de alguma forma. Não importa o que aconteca, você não desistirá. E um dia, talvez em três anos, talvez em dez, talvez em vinte, você verá uma floresta. Essa floresta parecerá particularmente bonita e ainda assim de alguma modo, familiar. Você chega mais perto e vê alguém de pé na floresta. Essa figura parece estranhamente familiar. Você chega ainda mais perto. Essa figura é você quando criança, anterior à lavagem cerebral e o programação recebida ao longo dos anos. Ela esteve esperando por você todos esses anos por ser paciente. Essa é a grande fuga que você construiu para si mesmo quando não podia mais suportar o mundo e seus pais. Mas agora, finalmente, você voltou para casa e pode pegar na mão

daquela

garotinha

que

ainda

está

muito

assustada, e pode mostrar a ela que há ao menos uma pessoa em quem ela possa confiar… que você pode ser os pais que ela nunca teve. E pode dizer a ela que as coisas ficarão bem agora. Nesse momento, você realmente chegou a sua essência. Essa é a jornada spiritual.

Mas e Deus, você me pergunta. Ele existe? Essa pergunta é tão profundamente pessoal que nem eu mesmo nunca a respondi. Meu ego, sim. Muitas vezes. Assuntos espirituais sao um dos favoritos do ego. Neles, o ego pode realmente brilhar

e sentir sua

importância perigosa. Então ao invés de responder essa pergunta, eu lhe contarei uma pequena história. Um garoto estava caminhando numa floresta há 200 anos atrás. Ele caminhou um pouco, adentrando mais e mais a floresta. De repente ele viu algo caido no chão. Era um relógio, um daqueles relógios extremamente bem feitos manualmente. O garoto abriu o relógio e dentro ele podia ver o maquinário que estava o operando o objeto. Era perfeito e mantinha-o perfeitamente ajustado. O relógio como um todo era uma obra de arte manualmente articulada magnífica.

O FUTURO: VOLTA AO COMEÇO A vida continua. É o que sempre dizem. Mas será verdade? É possível continuar com todas as cicatrizes e feridas? Sim e não. Para sempre carregarei algumas delas comigo, incapaz de apagá-las da memória. Mas talvez elas nao devam ser apagadas. Essa eh a vida. Por algum motivo, elas são parte da vida, e serão até o dia em que eu morrer. Talvez elas tenham algo a me contar. Uma mensagem, talvez? Se pudesse, você mudaria algumas coisas que aconteceram na sua vida? A resposta é sempre: “Não,

não mudaria. Não mudaria nem mesmo um dia”. Mas eu, sim. Mudaria muitas coisas que aconteceram ou que fiz, mas não posso. E algumas dessas coisas me assombram diariamente. São fantasmas do passado lembrando-me da minha vida e como ela tem sido. Não posso faze-los desaparecer. Apenas posso recebêlos como convidados em minha vida e encará-los de frente. Todos os dias. Graças à medicação não tenho enfrentado nenhum grande episódio maníaco-depressivo há cinco anos. Isso me concede a habilidade de trabalhar

e levar

uma vida relativamente normal. Então sigo em frente, ferido de batalha, mas no entanto, seguindo em frente. Tenho uma vaga lembrança de como era a vida quando eu não estava em uma batalha. Foi há muito tempo atrás. Já viajei para longe, aprendi muitas coisas e tudo o que realmente fiz foi… voltar para casa. E que, quanto mais sei, menos compreendo. Talvez a vida não seja feita para ser compreendida. Talvez seja feita para ser vivida. Cada um a seu modo. Do meu próprio processo sei que me curei quando parei de fazer a pergunta “Por que?”. Então sei que fui longe. Estou ciente das coisas que estão adiante em minha vida, as barreiras e obstáculos. Mas não estou com medo. Sei que a vida é feita deles. Ninguém disse que a vida seria fácil. Mas às vezes penso que poderia ser um pouco mais fácil. Eu me considero uma pessoa muito sensível. Essa sensibilidade está por toda minha arte. E sensibilidade e beleza são parte uma a outra de forma invisível. Tenho escrito esse livro de modo bem isolado no meio

da parte mais densa de uma floresta finlandesa, em uma cabana. Esse lugar é longe, muito longe da chamada “civilização”. Não há ninguém aqui. Está tão quieto que a única voz que escuto é minha voz interior. Diferente tipos de árvores estão ao redor da cabana. O jardim está cheio de grama alta, misturada com trevos de quatro folhas. Há muitas abelhas e vespas. Outro dia vi um cervo. Esse lugar é vibrante com vida e cores. Respira o mistério da vida em si. E quando você o observa mais de perto, não parece mais um mistério de forma alguma.Parece natural, como algo do qual me esqueci há muito tempo atrás. Nas noites, sento sozinho do lado de fora e observo a imensidão do céu e das estrelas. É tão lindo que choro. Sinto uma solidão enorme nesse isolamento e compreendo que esse isolamento está em mim. O mundo lá fora e o universo são perfeitos. Eles pedem para que eu participle da vida. Eles me dizem para me apressar, que o tempo é curto. Tento dizer a eles que já fiz muito e que talvez meu tempo tenha acabado. Mas com um sorriso singelo no rosto eles me dizem para voltar. Para o comeco de tudo. Entao enquanto olho para a Via Láctea, nossa casa, volto para o tempo em que eu era jovem, quando cada mínimo detalhe era um milagre. Quando vi o mundo pelo que ele é, lindo. Quando ele me deu tudo que eu precisava. Mas o universo me pede para ir ainda mais adiante. Para a época em que nasci. Hoje é 3.3.1966 e acabei de nascer. Estou olhando para a pessoa que parece infinitamente bonita com um rosto radiante. Ela está me segurando gentilmente

e me observando com um olhar amável. Ela parece feliz. Depois de nove meses e todas as pressões que senti naquele lugar escuro, finalmente conheci minha mãe. Cheguei em casa.

POSFÁCIO Há muitas músicas e poemas em minha jornada que me deram esperança e coragem para continuar. Gostaria de dividir um desses poemas mais especiais com você. Creio que seja impossível viver da forma como esse poema ensina, mas ele realmente tem algo que foi de grande ajuda, pelo menos para mim. Se ele ajudá-lo em meio a suas lutas, então ficarei muito feliz. -

SE -

(Rudyard Kipling) Se puder manter sua cabeca quando todos ao seu redor Estão perdendo a deles e culpando você. Se puder confiar em si mesmo quando todos os homens duvidam de você, Mas dar espaço para as dúvidas deles também; Se puder esperar e não ficar cansado de fazê-lo, Ou ser enganado, não lidando com mentiras, Ou se odiar, não dar vazão ao ódio, E se não tiver boa aparência, nem falar tão sabiamente: Se puder sonhar – e não fazer dos sonhos seu

mestre; Se puder pensar – e não fazer dos pensamentos seu foco; Se puder encontrar com o Triunfo e com o Desastre E tratar aqueles dois impostores do mesmo modo; Se puder suportar ouvir a verdade que contou Contorcida para ser uma armadilha para tolos, Ou assistir as coisas pelas quais deu sua vida, quebradas, E

inclinar-se,

e

construí-las

com

ferramentas

desgastadas; Se puder fazer uma pilha de todas suas vitórias E puder arriscar tudo em uma rodada de cara ou coroa E perder, e partir novamente do princípio E nunca dizer uma palavra sobre sua perda; Se puder forcar seu coração e nervo e tendão A servir sua vez muito depois de ter partido Então espere quando não tiver nada em você Exceto a Vontade que diz a eles: “Espere!” Se puder falar com multidões e manter sua virtude, “Ou caminhar com Reis – sem perder o toque comum, Se nem mesmo tolos ou amigos podem machucálo, Se todos os homens contam com você, mas nenhum demais; Se puder preencher o minuto imperdoável Com a dignidade de uma corrida de distância de sessenta segundos,

Seus serão a Terra e tudo que há nela E – o que é maior – você será um Homem, meu filho! -Rudyard Kipling

Quero agradecê-lo por ler este livro. Foi meu primeiro e não pensei nele como uma obra-prima da literatura, mas simplesmente como um modo de contar parcialmente algo da minha história. A história como um todo é impossível de ser contada em um livro. Desejo tudo de bom. Espero que bençãos e verdade guiem seus

passos.

Desejo sorte e

coragem para permanecer no caminho escolhido. E acima de todas as coisas, desejo-lhe Amor. Ate nos encontrarmos novamente. Timo

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