Therion - A Vida e Obra de Aleister Crowley.pdf

May 1, 2018 | Author: Rafael Ras Souza | Category: Aleister Crowley, Thelema, Logos, Bible, Saint
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INTRODUÇÃO

Faz parte do currículo de leitura recomendado por Aleister Crowley aos candidatos a magista 1 um livro que é clássico, tanto no campo dos estudos religiosos quanto dos psicológicos: The Varieties of Religious Experience de William James. O livro foi escrito a partir da série de conferências ministradas na Universidade de Edinburgh entre 1901 e 1902, poucos anos antes de Crowley ter ele mesmo a experiência religiosa que transformaria completamente a sua vida, até seu últim o alento: a recepção do  Livro da Lei e sua proclamação como Profeta do Novo Aeon. Entretanto, a descrição que William James J ames dá da vida religiosa r eligiosa original e autêntica na 2  primeira palestra descreve perfeitamente a trajetória e a obra da Grande Besta, fato de que este provavelmente estava ciente:  Não pode haver dúvida sobre o fato de que uma vida religiosa, exclusivamente seguida, tende a fazer da pessoa excepcional e excêntrica. Eu não falo do crente religioso ordinário, que segue as observações convencionais de seu país, seja ele Budista, Cristão, ou Muçulmano. Sua religião foi feita para ele por outros, comunicada a ele pela tradição, determinada à uma forma fixa por imitação, e retida por hábito. Pouco nos ajudaria estudar essa vida religiosa de segunda mão. Nós devemos antes procurar  pelas experiências originais que são as criadoras dos padrões de toda essa massa de sentimento sugerido e conduta imitada. Estas experiências nós só podemos encontrar em indivíduos para os quais a religião não existe como um hábito tedioso, mas antes como 3 uma aguda febre. Mas tais indivíduos são “gênios” na linha religiosa; e como muitos outros gênios que trouxeram frutos efetivos o bastante para comemoração nas páginas da biografia, tais gênios religiosos com freqüencia most ram sintomas de instabilidade nervosa. Ainda mais talvez que outros tipos de gênios, líderes religiosos tem sido sujeitos à visitações psiquícas anormais. Invariavelmente eles foram criaturas de exaltada sensibilidade. Com freqüencia eles levaram uma vida interior discordante, e tiveram melancolia durante parte de suas carreiras. Eles não conheceram medida, sendo inclinados à obssessões e idéias fixas; e freqüentemente eles caíram em transes, ouviram vozes, viram visões, e presentiram todas as sortes de peculiaridades que são ordinariamente classificadas como patológicas. Com freqüencia, entretanto, essas características patológicas patológicas em suas carreiras ajudaram ajudaram a dar a eles suas autoridades e influências religiosas.

Aqui, em poucas linhas, está definida a v ida de Aleister Crowley como representante pleno do tipo. Não há um único elemento na descrição de William James que não veremos presente neste biografia, mas existem alguns elementos associados ao fenômeno religioso que só veremos, pela primeira vez, na o bra de cientista. Crowley não é importante Crowley, e o principal deles é a sua vocação de cientista. na história das idéias apenas por ter, de forma genial, profetizado a natureza dos tempos que viriam e apresentado fórmulas eficazes para o processo de auto conhecimento e auto-desenvolvimento nessa Admirável Nova Era. Ele foi pioneiro em reconhecer a identidade comum da experiência religiosa original com o objetivo das asceses mágicas, e a elas aplicar o rigor do método científico para alcançar um novo (ou, verdadeir o) o) entendimento e aumentar sua eficiência. Na opus crowleyana 1

“Magista”, forma mais aproximada da palavra inglesa magician, é um neologismo necessário ao se tratar da tradição criada a partir da Hermética Ordem da Aurora Dourada, onde se procura diferenciar qualificação técnica específica. do termo Magus, termo Magus, já que este possui uma qualificação 2

 Religion and Neurology.

3

É curioso notar que o Livro da Lei descreve a função do profeta como trazer febre do céu: Capítulo

III, verso 34.

nos vemos confrontados o tempo todo com a tensão entre os resultados de suas grandes experiências mágicas e a aplicação rigorosa da análise científica sobre as mesmas, e não podemos experar que,   sendo o iniciador de novos caminhos, ele conhecesse todas as respostas e tivesse sido imune aos erros.

A grande fama desse gênio, entretanto, ainda repousa sobre o escândalo com que a sociedade da sua época contemplou sua vida, sempre em busca de superação e reconhecimento. Herdeira de vários vícios e preconceitos medievais, ainda vendo a realidade cindida numa fantasia não saudável entre Deus e o Diabo, onde, ao segundo, se creditavam os gênios como Darwin e Freud, que operavam para destruir a fachada decadente que gerações gerações de maníacos religiosos religiosos e neuróticos sexuais sexuais haviam erguido, cabia à chamada “sociedade vitoriana” tratar Crowley como foram tratados vários dos  profetas que o antecederam, antecederam, cumprindo assim um padrão recorrente na História. Embora Crowley tivesse clara diante de si a perspectiva de longo prazo a que dedicara o melhor do seus esforços, vamos encontrá -lo nas páginas que seguem muitas vezes

inseguro e duvidoso quanto ao valor e eficiência da sua missão. Nessas horas, eram úteis as previsões contidas em seu próprio testemunho profético:  Não tema, ò profeta, pr ofeta, quando estas palavras forem fore m ditas, tu não irás estar arrependido. Tu és enfaticamente meu escolhido; e benditos são os olhos que tu irás olhar com alegria. Mas eu irei te esconedr em um a máscara de sofrimento: eles que veem a ti irão temer que tu és caído. Mas eu te ergo. 4

De fato, apenas sessenta anos após a sua morte, existem mais de quinze  biografias escritas e publicadas sobre ele, suas principais obras são reeditadas com freqüencia e, apesar dos ecos das campanhas de difamação movidas contra ele ainda durante a sua vida, Aleister Crowley é referência fundamental para se entender os complexos caminhos que o Século XX abriu para todos nós. O número de aderentes à sua sabedoria cresce sem parar, pelo simples fato de que ele é, cada vez mais, inevitável. Nas inevitável. Nas primícias do Século XXI, qualquer qualquer ser humano que tenha um interesse verdadeiro em conhecer e desenvolver seu potêncial de vida, além daquilo que nos é oferecido em pacotes para o co nsumo diário confortável, encontra nos escritos desse homem fantástico, tão genial e tão demasiadamente humano, desafios até agora não superados por nenhum outro pensador, ao mesmo tempo em que recebe todas as armas disponíveis para enfrentá -los de maneira eficiente. Não é à toa que ele, que trazia todas as marcas da verdadeira profecia5, entre elas o dom da poesia, tão bem definiu a si mesmo como a Esfinge do novo tempo: A juventude essencial

Das coisas está toda corrupta. Eu irei embora Para os místicos palácios místicos  palácios da Pan Oculto do dia, Oculto do homem,

Aguardando lá a vinda da Esfinge Cujo gênio bebe O veneno desta pestilência, e salva O mundo de todos os seus senhores e escravos. Ho! Pelas rodas da carruagem que rodam ao longe!

Seu olho de falcão resplandecendo através da estrela de prata!  Nas alturas seu estandarte estandarte irá ele plantar  Livre, igual, passional, pagão, dominante, Místico, indubitável, auto -controlado, A rosa vermelha brilhando na cruz de ouro… 4

Capítulo II.53.  No capítulo “O Asno de Balaão” encontra -se uma detalhada análise do fenômeno profético, pr ofético, aplicada à O Livro da Lei,

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vida e obra de Crowley.

nos vemos confrontados o tempo todo com a tensão entre os resultados de suas grandes experiências mágicas e a aplicação rigorosa da análise científica sobre as mesmas, e não podemos experar que,   sendo o iniciador de novos caminhos, ele conhecesse todas as respostas e tivesse sido imune aos erros.

A grande fama desse gênio, entretanto, ainda repousa sobre o escândalo com que a sociedade da sua época contemplou sua vida, sempre em busca de superação e reconhecimento. Herdeira de vários vícios e preconceitos medievais, ainda vendo a realidade cindida numa fantasia não saudável entre Deus e o Diabo, onde, ao segundo, se creditavam os gênios como Darwin e Freud, que operavam para destruir a fachada decadente que gerações gerações de maníacos religiosos religiosos e neuróticos sexuais sexuais haviam erguido, cabia à chamada “sociedade vitoriana” tratar Crowley como foram tratados vários dos  profetas que o antecederam, antecederam, cumprindo assim um padrão recorrente na História. Embora Crowley tivesse clara diante de si a perspectiva de longo prazo a que dedicara o melhor do seus esforços, vamos encontrá -lo nas páginas que seguem muitas vezes

inseguro e duvidoso quanto ao valor e eficiência da sua missão. Nessas horas, eram úteis as previsões contidas em seu próprio testemunho profético:  Não tema, ò profeta, pr ofeta, quando estas palavras forem fore m ditas, tu não irás estar arrependido. Tu és enfaticamente meu escolhido; e benditos são os olhos que tu irás olhar com alegria. Mas eu irei te esconedr em um a máscara de sofrimento: eles que veem a ti irão temer que tu és caído. Mas eu te ergo. 4

De fato, apenas sessenta anos após a sua morte, existem mais de quinze  biografias escritas e publicadas sobre ele, suas principais obras são reeditadas com freqüencia e, apesar dos ecos das campanhas de difamação movidas contra ele ainda durante a sua vida, Aleister Crowley é referência fundamental para se entender os complexos caminhos que o Século XX abriu para todos nós. O número de aderentes à sua sabedoria cresce sem parar, pelo simples fato de que ele é, cada vez mais, inevitável. Nas inevitável. Nas primícias do Século XXI, qualquer qualquer ser humano que tenha um interesse verdadeiro em conhecer e desenvolver seu potêncial de vida, além daquilo que nos é oferecido em pacotes para o co nsumo diário confortável, encontra nos escritos desse homem fantástico, tão genial e tão demasiadamente humano, desafios até agora não superados por nenhum outro pensador, ao mesmo tempo em que recebe todas as armas disponíveis para enfrentá -los de maneira eficiente. Não é à toa que ele, que trazia todas as marcas da verdadeira profecia5, entre elas o dom da poesia, tão bem definiu a si mesmo como a Esfinge do novo tempo: A juventude essencial

Das coisas está toda corrupta. Eu irei embora Para os místicos palácios místicos  palácios da Pan Oculto do dia, Oculto do homem,

Aguardando lá a vinda da Esfinge Cujo gênio bebe O veneno desta pestilência, e salva O mundo de todos os seus senhores e escravos. Ho! Pelas rodas da carruagem que rodam ao longe!

Seu olho de falcão resplandecendo através da estrela de prata!  Nas alturas seu estandarte estandarte irá ele plantar  Livre, igual, passional, pagão, dominante, Místico, indubitável, auto -controlado, A rosa vermelha brilhando na cruz de ouro… 4

Capítulo II.53.  No capítulo “O Asno de Balaão” encontra -se uma detalhada análise do fenômeno profético, pr ofético, aplicada à O Livro da Lei,

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vida e obra de Crowley.

Sim! Eu esperarei através dos séculos Da universal doença do homem Até a manhã de seu nascimento Titânico… T itânico… O Salvador da Terra!

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Sobre a escrita deste livro. Existem mais de quinze biografias publicadas sobre Aleister Crowley. Algumas são simpáticas ao seu personagem, como The Eye in the Triangle de Israel Regardie; outras foram escritas para exercitar uma aversão pessoal (e ganhar alguns trocados) como The Great Beast e  King of the Shadow Realm 7 de

John Symonds. Autores que tentaram ser imparciais produziram resultados razoáveis, como Colin Wilson em The Nature of the Beast, Francis King em The Magical World of Aleister Crowley e Martin Booth em  A Magick Life; ou mesmo excelentes como Lawrence Sutin em  Do What Thou Wilt . Existem também as leituras dispensáveis: Susan Roberts em  Magician of Golden Dawn conseguiu dar à vida de Crowley um

tratamento um pouco difícil de se definir, a não ser que se recorra a termos vagos como “estúpido” e “medíocre”. Ela parece estar escrevendo um desses romances de  banca de jornal para velhotas alcoólatras, e não nos poupa se quer de inventar para o gato que Crowley matou um nome e uma personalidade. Imagino que, sendo tão ruim, seu livro ainda se tornará antológico… Entretanto, disto tudo um fato se sobressai: todas as biografias seguem fielmente a própria narrativa de Crowley   nas suas Confessions, Confessions, limitando-se quase sempre a simplesmente trocar a pessoa do discurso.

O problema é que o estilo de escrita usado por Crowley é muito superior ao dos seus  biógrafos, o resultado resultado sendo uma leitura de segunda segunda mão de trechos escolhidos escolhidos a penas  pelo seu apelo mais direto, com exceção feita a Symonds, que selecionou, editou e censurou seu material sempre tendo em vista exarcebar os defeitos do biografado e diminuir (alguns diriam negar) suas qualidades. Symonds teve contato pessoal com Crowley no final da sua vida, e conseguiu se insinuar ao ponto de ser indicado um dos seus executores literários. Alguma coisa na sua relação com a Besta deve tê -lo

incomodado profundamente pois, tão logo o grande homem morreu, ele pôs mãos às obra de nulificá -lo o máximo possível. Sendo assim, escolhi dar a voz ao nosso personagem, citando o material original desavergonhadamente, me limitando a selecionar, organizar e explicar os

fatos, embora atento aos avisos deixados pelo próprio Crowley: Deveria ser a verdadeira vontade deste livro tornar clara a verdade sobre o homem.

Ainda assim temos de novo um leão no caminho. A verdade deve ser falsidade a menos que seja a verdade toda; e a verdade toda é parcialmente inacessível, parcialmente ininteligível, parcialmente inacreditável e parcialmente impublicável –   quer dizer, em qualquer país onde a verdade em e m si mesma é reconhecida como um explosivo perigoso. 8  No início deve o Magus falar Verdade, e enviar Ilusão e Falsidade para escravizar a alma. Mas nisto está o Mistério da Redenção. 9

A principal diferença e o grande mérito deste trabalho brota do fato de que, ao contrário dos outros biógrafos, eu adquiri, durante os últimos vinte anos, a familiaridade necessária necessária com a obra de Aleister Crowley que me permitiu identificar, analisar e expôr tanto a sua vida como o conjunto de seu trabalho com um alcance, 6 7

The World’s Tragedy.

The King of the Shadow Realm reúne Great Beast. 8 Confessions, Prelúdio. 9  Liber B vel Magi, Magi, sub Figura I, v. 1

o material das obras anteriores de Symonds, incluíndo The

uma profundidade e um senso crítico impossível àqueles que não fizeram do entendimento de Thelema o objetivo de suas vidas. Nesse sentido, é justo que eu mencione as duas Ordens herdeiras do pensamento crowleyano que me permitiram

esse contato íntimo com os fundamentos desta superior filosofia de vida: a Ordo Templi Orientis e a A.:A.: .

A elas, meu amor e devoção eternos.

Humberto Maggi.

 Apresentação  Introdução

PROBACIONISTA O Pequeno Buda ... 6

 A Assembléia dos Santos ... 9  A Palavra do Pai ... 12

 A Infância no Inferno ... 17   Batismo e Vitória ... 26   A Esposa Decadente ... 39  A Grande Obra ... 57

NEÓFITO O Alquimista … 72  A Aurora Rosacruz ...78

 A Iniciação de Perdurabo 89 Goetia e Abramelim ... 40  A Revolta ... 45 Volta ao Mundo ... 50

ADEPTO MENOR O Deus da Montanha ... 55  A Rosa Do Mundo ... 60  Aiwass ... 70

O Asno de Balaão ... 80  Morte no Gelo ... 83 China ... 86  Perdas ... 90

MESTRE DE TEMPLO

 A Visão e a Voz ... 95 Os Ritos de Eleusis ... 105

 João São João ... 108  Bartzabel ... 110

MAGUS O Mago do Novo Mundo ... 113 O Eremita na Ilha de Esopo ... 115  Alostrael ... 120

IPSSISSIMOS  A Abadia ... 127  Exílios ... 133 O Livro de Toth .. 140 O Fim do Mundo ... 150

 Apêndices

 Legges Libellum  Dead Weight The Invocation The City of God 

APRESENTAÇÃO

“Tu habitarás entre as pessoas como um diamante precioso entre diamantes nublados, e cristais ,

e pedaços de vidro. Apenas o olho do justo mercador irá contemplar -te, e mergulhando sua mão irá te separar e glorificar diante dos homens.” Liber LXV10

Por quê Crowley?  No meu caso, A Grande Besta 666 era inevitável. Fascinado desde crianç a  pelas Artes Ocultas, por sociedades secretas e pelo mistério, tinha lá uns onze ou doze anos quando li a primeira referência feita a ele, em um pequeno livro da Série Prisma chamado  Magia Negra e Feitiçaria. Era um capítulo curto, onde fiquei sabendo que Aleister Crowley fizera várias coisas que eu mesmo adorava: era excelente no Xadrez, escalara montanhas, fizera parte de uma Ordem Secreta chamada Aurora Dourada e

tivera várias aventuras amorosas. Também fui ali informado de que havia sido destruído pelas drogas, tinha praticado a Magia Negra, mas que reformulara o Ocultismo, tornando-o compatível com o Século XX. Em 1988, durante meus treinos de Kendô, conheci uma nova amiga que me apresentou o Tarot de Toth, a qual tentei alertar com a melhor das boas intenções contra a má -fama do seu criador. A resposta dela talvez tenha sido responsável pelo meu primeiro passo em direção ao distante objetivo da iluminação pessoal: não importava o quê Crowley tinha feito na sua vida, o importante no caso era a beleza daquela parte da sua obra.

Durante muito tempo vivi com a sensação de que haviam no mundo determinados conhecimentos que, embora eu ainda não tivesse identificado, estavam disponíveis em algum canto, conhecimentos chaves para algo que eu buscava, mas ainda não definira. Aos poucos, entretanto, fui encontrando -os: o próprio Tarot, a Árvore da Vida e o Ritual Menor do Pentagrama. Assim munido, já quase com vinte e cinco anos, decidi que era a hora de encontrar uma linha de Magia na qual pudesse me especializar. Já havia transitado pela AMORC, pelo Colégio Druídico e o Colégio dos

Magos, sem encontrar o que queria, e foi em um catálogo da Livraria Hórus de São Paulo que resolvi arriscar em um título chamado  Enochian Magic11. Logo na Introdução levei um susto: lá estava novamente o nome terrível, Aleister Crowley. Ele fizera uso da Magia Enochiana, e eu me senti como sendo atraiçoado a um destino funesto. Pouco tempo depois, descobri a famosa livraria do Francisco Laissue no Rio de Janeiro. Mais uma vez, as coin cidências conspiravam, pois foi -me indicada por um colega de trabalho, que, um dia, me surpreendeu falando de Thelema, o sistema iniciático criado por Crowley. Foi nessa livraria que abri pela primeira vez The Holy  Books of Thelema. O uso do termo “santo” 12 me pareceu algum tipo de blasfêmia 10

 Liber Cordis Cincti Serpente, fazendo parte do The Holy Books of Thelema . No sistema iniciático desenvolvido por Aleister Crowley para a sua Ordem conhecida como A.:A.:, ao ser recebida como Probationista a pessoa deve escolher e decorar um dos cinco capítulos deste livro, antes de poder ser

submetida à iniciação de Neófito. O verso citado é o 20 do Capítulo 5. 11  Enochian Magic –  A Practical Manual, Gerald and Betty Schueler. Ed. Llewellyn. 12

 Holy = santo.

sinistra. Abri o livro ao acaso, e o que li me pareceu ainda mais horrível, uma abominável mistura de objetivos materialistas com imagens de magia degradante: Tu tiveste amor; arranca tua mãe de teu coração, e cospe na cara de teu pai. Que teu pé  pise a barriga de tua esposa, e que o bebê em seu peito seja a presa de cães e abutres. Então todo ganho será um novo sacramento, e não irá de corromper; tu irás se divertir com a libetina no mercado, e as virgens irão jogar   rosas sobre ti, e os mercadores dobrarão seus joelhos e te trarão ouro e especiarias. Também jovens garotos servirão maravilhosos vinhos, e os cantores e as dançarinas irão cantar e dançar para ti. 13

Apesar disto tudo, eu insisti. Em parte, pelo fascín io que o proibido exercia sobre minha imaginação, e em parte pela consideração pragmática de que alguém tão universalmente recriminado deveria ter algo muito bom a oferecer 14. Comprei então o  Diary of a Drug Fiend, e descobri no personagem King Lamus aquilo que Aleister Crowley queria ter sido: um grande filósofo capaz de curar a Humanidade ensinando as pessoas a descobrirem e realizarem suas Verdadeiras Vontades. Minhas próximas aquisições foram a coletãnea de escritos Gems of the  Equinox e a “autohagiografia” 15  que Crowley intitulou Confessions. Assim como

acontecera com o Tarot, a Cabala e a Magia Cerimonial, eu estava nesta época  procurando por um “livro” especial que pudesse servir como instrumento de auto aperfeiçoamento, e que contivesse um código d e conduta que me permitisse definir o meu ideal de ser e ajudasse a torná -lo realidade16. Este livro realmente existia, e esteve debaixo da minha vista, dentro do Gems, sem que eu desse conta, por um bom tempo.  Na verdade, minhas primeiras tentativas de ler O Livro da Lei não foram promissoras:

além de não entender quase nada, o ritmo não me agradou. Por outro lado, o conceito de realização mágica tirado do tratado medieval de Abra -Melin, tão mencionado por Crowley, imediatamente capturou minha imaginação: a  partir daí obter o Conhecimento e Conversação com o Santo Anjo Guardião se tornou o principal objetivo da minha vida, e um fator de reformulação e direcionamento psicológico fundamental. O tempo e o estudo me levaram a compreender melhor tudo aquilo que estava diante de mim. O simbolismo, à primeira vista assustador, do  Liber Cheth,  por exemplo, e as passagens enigmáticas do  Livro da Lei, que causaram repulsa até mesmo ao seu escriba, passaram a indicar, ao meu olhar de iniciado, as mais sublimes verdades e possibilidades do Universo. Neste processo, foram fundamentais as iniciações pelas quais passei nas duas Ordens deixadas pela Grande Besta: a Ordo Templi Orientis e a A.:A.: . Aos meus companheiros em ambas, deixo aqui meu amor eterno.

2 de Fevereiro de 2006.

13

 Liber Cheth vel Vallum Abiegni, sub figura CLVI.

14

Esta linha de raciocínio muito deve à leitura constante de Nietzsche que me acompanha desde 1986. Hagiografia é o relato da vida de um santo. 16 Minha primeira experiência neste sentido havia sido com o  Hagakure, o código de ética dos samurais, onde aprendi que ser era um objetivo de vida muito mais satisfatório do que ter. 15

O PEQUENO BUDA

Um dos textos mais engraçados que já tive a oportunidade de ler foi o ensaio  Dead Weight 17 , uma paródia dos últimos momentos de Arthur Edward Waite 18 (18571942), um dos grandes desafetos que Aleister Crowley cultivou em sua longa e agitada vida. Nele, Waite é o devotado, embora medíocre, discípulo que chama por

seu Mestre no leito de morte. O Mestre é Crowley que, sem sombra de dúvida, tinha real mestria na arte da ironia e do sarcasmo. Esta é uma das muitas facetas do seu gênio que torna matéria das mais complicadas a laboração de sua biografia. Outra, é a sua acentuadíssima vaidade, e mais também seu grande senso de valor próprio. Pois ele não foi apenas o Profeta de uma nova revelação, um dos grandes poetas da Língua Inglesa (em sua modesta opinião 19) e o maior mago do Século XX: ele era a própria encarnação do  Logos Aionos 20 , a manifestação viva da Palavra que define a evolução humana pelos próximos dois mil anos. Entre a ironia e a megalomania, transitamos em sendas difíceis, e não só quando damos a voz a Crowley. No lado oposto, encontra-se um emaranhado das

mais loucas acusações, movidas por pessoas que viram na sua figura a chance de muito faturar com a venda de jornais, e outras que se escandalizaram com um comportamento que, hoje, seria mesmo considerado tedioso. É de se conceder que sua

vida realmente inaugurou padrões de comportamento que, se na época vitoriana foram considerados desviantes, hoje fazem parte vital da nossa sociedade, o que não coloca,  portanto, fora de questão suas afirmações sobre a importância paradigmática da sua vida. ;;;;, , o ;;;, disse ter ouvido dele, em 19;;;, a afirmação de que, dentro de 1000 anos, o Crowleyanismo estaria no seu ápice 21. Muito antes disto, não é difícil contemplar a nossa cultura hoje e aventurar que, apenas 100 anos depois, no mundo

ocidental, no que concerne à cultura de massa, já somos quase todos thelemitas.

Edward Alexander Crowley nasceu em Leamington, Inglaterra 22 no dia 12 de

Outubro de 1875, e tinha as três marcas distintas de um Buda: a língua presa; uma membrana característica que precisou ser removida em uma operação de fimose; e, sobre o centro de seu coração, quatro fios de cabelo enrolados da esquerda para a direita na forma exata de uma Suástica 23. Ou, pelo menos, é o que ele   mesmo nos 17

Publicado no Equinox, escrito pelo próprio Crowley. Veja o Apêndice.  Arthur Ed ward Waite nasceu nos Estados Unidos e foi criado na Inglaterra. Foi um escritor prolífico de livros sobre ocultismo, e membro da Hermética Sociedade da Aurora Dourada e, depois do cisma dentro desta, liderou uma ordem com tendências mais místicas. Em colaboração com Pamela Colman 18

Smith (1878-1951) publicou em 1910 o Rider-Waite Tarot, o primeiro a ilustrar todas as 78 cartas. 19   Na sua autobiografia, Confessions, Crowley anotou, sobre seu nascimento em Leamington: “T em

 sido considerada uma estranha coincidência que uma pequena localidade tivesse dado à Inglaterra  seus dois maiores poetas  –  pois não se deve esquecer Shakespeare (1550 -1616)”. Não se sabe se por  brincadeira, a data de Shakespeare está errada. 20  A palavra grega λόγος ou logos tem vários significados, mas em geral é traduzida como  Palavra. Seus significados podem ser  pensamento, fala, significado, razão, princípio entre outros. Em Filosofia, indica a ordem do universo que existe por trás dos seus fenômenos perceptíveis.  No prólogo do Evangelho de João, Jesus é chamado “o Logos,” usualmente traduzido como “o Verbo.”  Aionos vem do grego Aion, consultar nota 21 do Capítulo 3. 21

 O t  Muitas revistas e jornais apresentam Crowley como

22

“satanista escocês”. Ele não era s atanista e muito menos escocês. 23 É bom lembrar que a Suástica, antes de ser adotada pelo Partido Nacional Socialista de Hitler a partir do simbolismo da mitologia germânica, era, e ainda é, um símbolo religioso importante na Índia. Crowley foi um grande a dversário do Nazismo, e se irritava com a deturpação que este fez do significado da Suástica.

conta, na autobiografia que começou a ditar em 1922, quando se encontrava em sua abadia mágica na Sicília, onde tentou implantar o modelo da nova sociedade que  pregava. Ele confirma a lenda de ser possuidor de uma memória prodigiosa relatando o efeito que a água fria do seu batizado e a litania entoada na ocasião tiveram sobre seu futuro: Mas o fato extraordinário conexo com seu batismo é este. 24 Como os Irmãos de Plymouth praticavam o batismo infantil por imersão, este deve ter ocorrido nos  primeiros três meses de vida. Mesmo assim, ele tem uma recordação visual  perfeitamente clara da cena. Ela tomou lugar em um banheiro do primeiro andar da casa

em que nasceu. Ele se lembra da forma do cômodo, a disposição dos presentes, o  pequeno grupo de “irmãos” ao seu redor, e a surpresa de se encontrar, vestido em um longo traje branco, sendo subitamente mergulhado e tirado da água. Ele tem também uma clara lembrança auditiva das palavras ditas solenemente sobre si; embora não significassem nada, ele se imp ressionou com o tom peculiar. Não é impossível que isto tenha dado a ele um quase inconquistável desprazer pelo mergulho frio, e ao mesmo tempo uma vívida paixão pela fala cerimonial. Estas duas qualidades tiveram grande importância em seu desenvolvimento. 25

Que a capacidade de memória de Crowley era excepcional foi um fato comprovado muitas vezes, e de várias formas, como, por exemplo, nas ocasiões em  jogava várias partidas simultãneas de Xadrez, com os olhos vendados. Ele sabia de cor todas as correlações do Tarot e da Cabala, e fez da exploração daquilo que chamava de Memória Magica uma das práticas fundamentais para o aprendizado do magista e a descoberta da sua Verdadeira Vontade:  Não existe tarefa mais importante do que a exploração das encarnações prévias de uma  pessoa. Como disse Zoroastro: “Explore o Rio da Alma, de onde, ou na ordem em que vieste.” Ninguém pode fazer sua Verdadeira Vontade inteligentemente a não ser que saiba o que ela é. 26

A idéia de Crowley é que a Verdadeira Vontade é obscu recida nas sucessivas encarnações, e retornar no passado da memória mágica equivale a se aproximar cada vez mais da simplicidade original onde a Vontade se manifestou pela primeira vez. Crowley era, portanto, um herdeiro das tradições platônicas que enfati zavam a importância da anamnese  como forma de se (re)conhecer a transcendente realidade

metafísica. Apesar de ter nascido seis meses após a morte de outro grande expoente da literatura mágica, Eliphas Levi 27, Crowley acreditava ser esta sua encarnação mai s  próxima, o que deve ter contribuído para sua idéia de que “é muito mais fácil (por razões óbvias) adquirir a Memória Mágica quando se jurou por muitas vidas a se reencarnar imediatamente” 28. Segundo ele, “O Ego reencarnante é suposto tomar  posse do fetus  por volta deste estágio de desenvolvimento” 29. Ao descrever suas

24

Crowley escreveu os três primeiros capítulos de sua autobiografia na terceira pessoa, por razões que

veremos a seguir. 25 Confessions, Parte 1, Prelúdio. 26  Magick –  Book Four , Parte 3  – Capítulo VII. 27   Eliphas Zahed Levi, nascido Alphonse Louis Constant (1810-1875), foi um dos principais

responsávei pelo renascimento no interesse pela Magia no final do Século XIX. Suas principais obras foram Dogme et Rituel de la Haute Magie, traduzido para o Inglês por Arthur Edward Waite;  La Clef des Grandes Mystères; Le Grand Arcane, ou l'Occultisme Dévoilé. Ao incorporar o Tarot em seu sistema, o tornou parte integrante do aparato mágico, técnica que Crowley levaria ao máximo  potencial no final da sua vida, coma publicação do seu  Book of Toth. 28  Magick –  Book Four, Parte 3 – Capítulo VII. 29

 Idem.

memórias prévias, ele deixou importantes dicas sobre como analisar este tipo de experiência: “Um dos grandes testes da genuidade de qualquer recordação é que a pessoa lembra das coisas realmente importantes na vida de alguém, não aquelas coisas que a humanidade comumente considera como tal. Por exemplo, Aleister Crowley não se lembra de qualquer evento decisivo na vida de Eliphas Levi. Ele recorda trivialidades

íntimas de infância 30. Ele têm uma vívida recordação de certas crises espirituais; em  particular, uma que foi enfrentada enquanto ele caminhava para cima e para baixo em

um trecho de rua solitário em um distrito vazio e desolado. Ele se lembra de incidentes ridículos, como os que freqü entemente acontecem nas ceias quando a conversa toma tal rumo que sua alegria mexe com a alma, e alguém recebe uma revelação suprema que não pode ser perfeitamente articulada. Ele esqueceu seu casamento e seus trágicos resultados, embora o plagiarismo, que o Destino foi desavergonhado o bastante para

 perpetrar nesta vida presente, naturalmente iria, seria de se pensar, reabrir a ferida.”

31

Ainda na primeira infância, o menino descobriu o significado de seu nome, e é importante termos isto em mente, não ap enas ao analisarmos a forma como se dedicou a realizá-lo, mas também ao estudarmos a importância cabalística que, como mago, ele aprenderia a dar aos nomes e seus segredos: “Ele foi batizado Edward Alexander, o último sendo o sobrenome de um velho amigo do seu pai, muito amado por este pela santidade de sua vida  – nos padrôes dos Irmão de Plymouth, supõe -se. Parece provável que o menino tenha ficado profundamente

impressionado ao lhe ser dito, em que idade (antes dos seis) não é claro, que Alexander significa “o que ajuda os homens”. Ele ainda se entrega apaixonadamente à tarefa, apesar do cinismo intelectual inseparável da inteligência depois que se faz quarenta anos.”32

É bom ter em mente, também, que Alexandre foi o nome de um dos maiores conquistadores da História, cujas campanhas abriram o espaço para a disseminação do  pensamento Grego, um dos pilares da cultura do Ocidente, e que Crowley mais tarde

tentaria conquistar o mundo, não pela espada, mas pela palavra. Para entendermos melhor seus objetivos e métodos, agora devemos ver quem eram os “Irmãos de Plymoth”, e o que mais ensinaram ao nosso pequeno buda, além de evitar banhos frios e recitar fórmulas cerimoniais.

30

Durante uma experiência deste biógrafo com o Daime, em uma cerimônia de morte, quando minha  pressão começou a cair, na escuridão da quase inconsciência começaram a aparecer flashes de memórias da minha infância, sem qualquer valor pessoal: eram simplesmente momentos que minha mente, estando “mais aberta”, registrou com um tipo de clareza excepcional. 31  Magick –  Book Four, Parte 3 –  Capítulo VII. 32 Confessions, Parte 1, Prelúdio.

A ASSEMBLÉIA DOS SANTOS

Em Outubro de 1827, John Nelson Darby (1800-1882), um sacerdote da Igreja

da Irlanda que havia abandonado a profissão de advogado, por achar que esta era  do cavalo. Durante as inconsistente com suas crenças religiosas, caiu –  literalmente! –  do suas meditações no período de recuperação, ele concluiu que a noção de clero era uma afronta ao Espírito Santo, o qual opera livremente sobre os indivíduos. Ele logo se uniu a outros de mentalidade semelhante, para “repartir o pão” 33 em Dublin. Viajou  pela Europa, Estados Unidos e Austrália, dando origem a vários grupos que passaram a se referir a si mesmos como “assembléias”. Pelo fato de chamarem uns aos outros de “irmãos” 34, passaram a ser conhecidos com uma “irmandade”, e Plymouth, Pl ymouth, um dos locais de maior concentração do movimento, passou a ser doravante associada aos seguidores de Darby.

Além da afirmação de que a Bíblia é divinamente inspirada, e de que ela contém de forma clara todas as instruções necessárias sobre como devem ser conduzidos os cultos, a irmandade acreditava na iminência da Segunda Vinda e iniciou, a partir dos escritos de Darby, a doutrina teológica conhecida como  Dispensionalismo. Esta doutrina é importante para nós, por que prefigura um dos aspectos chaves da futura revelação de Crowley. Ela divide a História de acordo com sete paradigmas bíblicos, chamados dispensações, cada um representando uma atitude diferente de Deus para com o homem; na verdade, cada dispensação é um novo teste,  pelo qual Deus julga a Humanidade: 1 –  A dispensação da inocência (Gen 1:1-3:7), anterior à queda de Adão. 2 –  A dispensação da consciência (Gen 3:8-8:22), de Adão a Noé. 3 –  A dispensação do governo (Gen 9:1-11:32), Noé a Abraão.  – A dispensação do patriarcado (Gen 12;1-Exod 19:25), de Abraão a Moisés. 4 – A 5 - A dispensação da  Lei Mosaica (Exod 20:1-Atos 2:4), de Moisés a Cristo. 6 - A dispensação da Graça (Atos 2:4-Apoc 20:3), a era presente. 7 - A dispensação de um Reino  Milenarista, terreno, que está por vir (Apoc 20:4 20:6).

A idéia de dividir a História de acordo com premissas religiosas, entretanto, não era nova e, sim, a continuidade de um princípio já encontrado no Zoroastrismo 35, desenvolvido pela Astrologia, conhecido no Hinduísmo 36  e pelos Gregos 37. Foi defendido no S éculo XII por Joaquim de Fiore 38  (1132-1202), e com Crowley receberia a seguinte forma: 33

“Repartir o pão”, seguindo o exemplo de Jesus na Última Ceia, significa partilhar da mesa da comunhão. 34 Eles também se chamam, uns aos outros, de “santos” e de “crentes”. Não aceitam nenhuma denominação ao grupo, e continuam em atividade até os dias de hoje. Possuem sites na Internet e grupos espalhados em vários países. p aíses. 35 O Zoroastrismo foi fundado por volta de 1200 a.C. onde hoje é o Irã, sendo uma das mais antigas eligiões a pregar a idéia de um único deus. Seu nome deriva de Zoroastro, que aos trinta anos foi r eligiões iluminado por Ahura Mazda e instruído a ensinar as pessoas. O Zoroatrismo divide a história em três  períodos, um anterior ao encontro de Ahura Mazda com Ahariman, o período presente onde se desenrola a guerra entre o Bem e o Mal, e o último período de felicidade absoluta depois da vitória de Ahura Mazda. 36 37 38

 Abade cistercence, bastante considerado durante sua vida, tendo recebido o apoio dos Papa Lucius III, Urbano III e Clemente III para a continuidade de seus estudos bíblicos. Joaquim interpretou o texto de Apocalipse XIV, 6 com referência ao futuro da Igreja em três obras:  Liber Concordiae Novi ac

Ele [o Terceiro Capítulo do Livro da Lei 39] explica que certas vastas ‘estrelas’ (ou agregados de experiência) podem ser descritas como Deuses. Um desses está encarregad o dos destinos deste planeta por  períodos de 2.000 anos. Na história do mundo, até onde nós sabemos com precisão, existem três desses Deuses: Ísis, a mãe, quando o Universo era concebido como simples nutrição retirada diretamente dele; este  período é marcado pelo governo matriarcal.40 A seguir, começando em 500 a.C. Osíris, o pai, quando o Universo era imaginado como catastrófico, amor, morte, ressurreição, como os métodos pelos quais se construia a experiência; este corresponde aos sistemas patriarcais. Agora, Hórus, a criança, no qual viemos a perceber os eventos como

um crescimento contínuo participando em seus elementos de ambos os métodos, e não a ser sobrepujado pela circunstância. Este período  presente envolve o reconhecimento do indivíduo como unidade da sociedade.” 41 Crowley não poupou nas críticas que fez aos seguidores de Darby, feitas muitos anos depois de ter se libertado de sua influência. Na verdade, Crowley era capaz de manter fresca e viva na memória as suas inimizades e aversões. Esses desaf etos etos em sua mente pareciam não arrefecer com o tempo: “Um homem sem religião pode ter seus controles morais, mas um Irmão de Plymouth não tem nenhum. Ele está sempre pronto para desculpar os crimes mais vis citando o texto apropriado, e invocando o nome de Cristo

 para cobrir toda mesquinharia que possa deleitar sua natureza vã e viciosa. Pois a Irmandade de Plymouth era um bando excepcionalmente

detestável.” 42

“O universo foi criado por Deus em 4004 a.C. A Biblia, versão autorizada, era literalmente verdadeira, tendo sido ditada pelo próprio Espírito Santo a escribas incapazes mesmo de erros clericais. Os

tradutores de King James desfrutavam de uma igual imunidade. 43  Era considerado inusitado  –   e, portanto, de gosto duvidoso  –   apelar para os textos originais. Todas as outras versões eram consideradas como

inferiores; a Versão Revisada em particular cheirava a heresia. John  Nelson Darby, o fundador da Irmandade de Plymouth, sendo um famoso

Veteris Testamenti, Expositio in Apocalipsim e Psalterium Decem Cordarum . Em 1200 ele submeteu

todos os seus escritos à aprovação do Papa Inocêncio III, mas morreu antes do julgamento ser dado. Sua tese é de que existêm três épocas do mundo, a primeira do Pai, representando poder e inspirando temor, a segunda do Filho e a terceira, ainda por vir, do Espírito Santo. O Antigo Testamento corresponde à primeira época, o Novo Testamento à época presente, e a seguir a nova dispensação que irá transcender o Evangelho em um tempo de amor universal que abolirá as instituições disciplinares. Ele arriscou a indicar o ano de 1260 como o do grande cataclísmo que iria dar início ao novo tempo. Após sua morte, seus seguidores radicalizaram suas doutrinas, as quais foram condenadas em conjunto  pela Igreja. Após a passagem passagem de 1260, entretanto, o movimento perdeu suas forças. 39 O Livro da Lei , recebido por Crowley em 1904, é a base de toda a sua obra. 40 A tese do governo matriarcal na Pré -História caiu em descrédito desde a época de Crowley. 41  – Introdução.  O Livro da Lei  – Introdução. 42 – Prefácio.  The World’s Tragedy – Prefácio. 43 Infelizmente, não os tipógrafos, que transfomaram “Sea of Reeds” em “Sea of Red”, erro que acabou  por entrar na Geografia.

erudito bíblico, tendo sido convidado a sentar no comitê, recusou -se  porque alguns dos outros eruditos eram ateus.” 44 Aqui vemos outro ponto de contato importante entre os crentes e Crowley.

Crowley menciona com ironia a adesão do grupo ao caráter sagrado do texto bíblico, e  pôde fazer isso a partir do alto grau de desenvolvimento que a crítica histórica bíblica havia alcançado no Século XIX. Crowley conhecia a longa história de editoração dos extratos bíblicos, escritos por grupos políticos rivais após os reinados de Davi e Salomão, bem como o uso de material mitológico tirado dos sumérios e cananeus 45, e  podia facilmente ridicularizar a noção de que, após tantos plágios e alterações, a Bíblia ainda fizesse juz ao título de “escrita inspirada”. Mas, a idéia de um texto sagrado, esta permaneceu e se cristalizou durante a revelação do Livro da Lei no Egito em 1904, e deu origem ao seguinte sistema de classificação: Os livros thelemicos são divididos em 5 Classes: A para livros que não devem ser mudados além do estilo das letras, pois representam a declaração de um Adepto inteiramente além do criticismo mesmo do Cabeça Visível da Organização; B  para livros e ensaios que são o resultado de estudo ordinário, iluminado e sério; C  para material que deve apenas ser considerado como sugestivo; D para Instruções e Rituais Oficiais; E para promulgações. promulgações.46 Os livros em Classe A são justamente aqueles que Crowley afirma terem sido escritos por ele em estado de inspiração ou, no caso do Livro da Lei, ditado por uma inteligência praeter-humana47. E, para evitar o mesmo destino dos textos corruptos da Bíblia, o próprio Livro da Lei ordena que a cópia do seu manuscrito original seja sempre publicada com o texto tipografado.

Mas, a posição crítica de Crowley só surgiria mais tarde em sua vida. Até os doze anos de idade, o menino foi um participa nte bastante ativo dos esforços missionários que seu pai desenvolvia pela Irmandade.

44

 Confessions –  Cap.  Cap. 1.

45

Os temas da Serpente e da Árvore, Cain e Abel, o Dilúvio, entre outros.

46

 Lista feita a partir do Liber CCVII, publicado em Magick, Apêndice 1. 47   Incluir-se-ia nesta categoria o Corão, ditado pelo arcanjo Gabriel a Maomé,

se não fosse o fato de que o profeta do Islã, I slã, sendo analfabeto, teve sua mensagem escrita tardiamente por seus discípulos.

A PALAVRA DO PAI

“o rico herdeiro de uma raça de Quakers”48 “foi educado como um engenheiro, mas nunca praticou sua profissão. Ele era devotado à religião e se tornou um seguidor de John Nelson Darby, o fundador d a ‘Irmandade de Plymouth’. O fato revela um lógico severo; pois a seita se caracteriza  pela recusa em se chegar a um meio-termo; ela insiste na interpretação literal da  Bíblia como sendo as palavras exatas do Espírito Santo.” 49 John Symonds, o primeiro bi ógrafo de Crowley, considerou que, se Edward era mesmo um engenheiro, ele provavelmente foi o inventor da máquina de cerveja Edward Crowley (1834-1887),

mencionada em Edmund Yates: His Recollections and Experiences, de 188450:

“Nesses dias, também, nós costumávamos almoçar em lugare s que  parecem ter desaparecido completamente. O “Crowley’s Alton Alehouse” já não se encontra tão frequenemente quanto há trinta anos atrás. Os ‘alehouses’ eram, de fato, pequenas lojas providas com uma máquina de cerveja e um caixa; eles foram estabelecid os por um Mr. Crowley, um cervejeiro de Alton, que encontrou dificuldades para

 procurar lugares públicos comuns para a venda da sua cerveja; e neles nada era vendido além de cerveja, sanduíches de presunto, pão e queijo, mas todos do melhor. Eles eram muito populares com os homens jovens

que não ligavam muito para frequentar os bares das tavernas, e faziam um grande negócio.” 51 O pai de Aleister Crowley, entretanto, dedicava o melhor do seu tempo e da

sua energia à propagação da fé. “Como um orador Edward Crowley era magnificamente eloqüente, falando como fazia do coração. Mas, sendo um cavalheiro, ele não  poderia ser um verdadeiro revivalista, o que significa manipular a hister ia

da psicologia de massa.”

52

Esse ideal de orador parece ter permanecido em Crowley, pois em  Rex de Arte  Regia, as anotações de uma série de práticas de Setembro de 1914 e 2 de Setembro de 1918 53,

Magia Sexual feitas entre 3 de várias têm por objetivo obter a

eloqüencia ou “a dádiva da oratória”: XX54 2 Jan. 1915 E.V. 55

9.0 [da noite]. Eu tenho uma sensação de que todas essas operações serão melhores quando Júpiter 48

Confessions, Capítulo 1. Os Quakers   Idem. Crowley adcionou a nota: “Na

49

força do texto no próprio livro: a lógica é portanto de uma

ordem peculiar.” 50

  Colin Wilson, entretanto, parece ser mais preciso, ao dizer que foi abriu a rede de cervejarias, em The Nature of the Beast, Capítulo 2. 51  Citado em “The Great Beast”, de John Symonds. 52 Confessions, Capítulo 1. 53 The Magical Record of the Beast 666. 54

Esta foi a vigésima Operação Mágica da série.

o avô de Aleister Crowley que

e estiver no meio do céu ou próximo a noite. Clima frio depois de neve e um rápido degelo. Luz como se livrar de

XIX. Como XIV. 56

Objetivo: a dádiva da oratória. A Operação foi mesmo muito boa, muito semelhante à XIX. O Elixir era refinado, suave e de boa qualidade mas não especialmente abundante. Concentração boa, muito boa. Resultado: 3 Jan. Tentei: simplesmente podre. 4 Jan. Fui inesperadamente chamado para falar em um clube e me saí  bem.57 5 Jan. Fui inesperadamente solicitado para recitar em

uma recepção. 58 Algumas das Operações foram como as da Primavera em Londres. Este país 59 não têm força mágica para se tirar. O objetivo foi sugerido por duas profecias, de Mrs. Maud Ore e do Rev. Holden Simpson, de que eu me tornaria um grande orador.

A pregação de Edward era facilitada pela publicação de seu próprio panfleto, que ele distribuia aos estranhos que encontrava pelo caminho, e aos milhares pelos Correios. Nele, descrevia os ideais defendidos por seus pares:

“A Irmandade acredita que tudo o que está escrito é a palavra de Deus… A Bíblia é seu único parâmetro, e para este eles constantemente apelam. Eles nada sabem dos atos do Parlamento, artigos de religião, catecismos, ou regras escritas. A Biblia, e nada além da Bíblia, é seu guia.” “Eles, portanto, não permitem a nenhum homem, por melhor que seja, ou por mais que seja agraciado por Deus como Seu servo, tomar um lugar de autoridade na assembléia para a adoração, pois ao fazer isto eles iriam

atrapalhar as livres operações do Espírito de Deus.”

60

Como nos interessa aqui avaliar a influência de Edward e sua doutrina sobre seu filho, cito uma passagem do  Liber XXXIII, uma descrição da Ordem cri ada por Crowley, e a instrução contida no Comento inspirado do Livro da Lei, onde se repetem as noções de inspiração pelo Espírito e independência individual : É necessário,meus caros irmãos, dara vocês uma idéia clara do interior da Ordem; desta comunida de iluminada que está dispersa pelo mundo, mas que é governada por uma verdade e unida em um espírito.

55

Era Vulgaris, o sistema de calendário comum, que inicia com a data fictícia do nascimento de Jesus

Cristo, um herege judeu cujas doutrinas obscuras foram distorcidas para dar origem a uma das piores e

mais malfazejas religiões conhecidas. 56 A mesma parceira da Operação XIV: “Lea Dewey. Prostituta escocêsa, ascendente  K. Grande e alta mas não gorda; o tipo muscular lupino. Cabelo muito escuro, pelo pubiano mais claro. Bela Yoni.” (Yoni é a palavra Hindu para o órgão sexual feminino). 57 “got through creditably”. 58  Crowley recitou o poema “May Maat help us” (“Que Maat nos ajude”). Maat é a deusa Egípcia da Verdade e da Justiça, e da Harmonia universal. Ela é a consorte de Toth, o deus da Escrita e da M agia. 59

 Crowley estava nos Estados Unidos.  Citado por Roger Hutchinson em The Beast Demystified,

60

Capítulo 2.

A comunidade possui uma Escola, na qual todos os que tem sede de

conhecimento são instruídos pelo próprio Espírito da Sabedoria.

61

Todas as questões d a Lei devem ser decididas apenas por apelo aos meus escritos, cada um por si mesmo.

62

A busca da verdadeira comunidade dos Eleitos, e a independência em relação aos que se propõem como intermediários entre a Palavra e o seus seguidor, forma temas que permaneceram na obra de Crowley. Outro aspecto simbólico que deixou suas marcas foi a crença do iminente fim do mundo. Edward sobre isto escreveu, dez anos antes do nascimento do filho:

 Não podem haver dúvidas de que eles [os sistemas religiosos] continuar ão em seus cursos, de que vão ficar pior e pior, se tornando mais e mais audaciosos contra Deus até que o próprio Anticristo será revelado, o qual irá se opor e exaltar a si mesmo acima de tudo o que é chamado Deus, ou que é adorado; o qual sentará no Temp lo de Deus, mostrando que ele mesmo é Deus; a quem o Senhor irá destruír com o resplandecer de Sua vinda, e irá consumir com o Espírito de Sua boca. 63 O paralelo com o texto do Livro da Lei é interessante. No Capítulo II, a Inteligência chamada Aiwass se  dirige ao seu escriba, Crowley: “Erga a ti mesmo! Pois não há nenhum como tu entre os homens ou entre os Deuses! Erga a ti mesmo, ò meu profeta, tua estatura passará as estrelas. Eles adorarão teu nome, quádruplo, místico, maravilhoso, o número do homem; e o nome da tua casa 418.” 64 Crowley deixou uma interessante descrição da forma como os Irmãos de Plymouth encarava as profecias milenaristas:

A Segunda vinda do Senhor Jesus era esperada com confiança para acontecer a qualquer momento. Tão iminente era ela que preparações  para um futuro distante  –   como assinar um arrendamento ou fazer um seguro de vida  –  podia ser tomado como implicando falta de confiança na  promessa, ‘Vejam, eu volto em breve’. Um acidente pateticamente trágico –   alguns anos depois  –   ilustra a realidade deste absurdo. Para pessoas educadas modernamente pode

 parecer impensável que uma superstição tão fantástica pudesse ser uma obssessão infernal em tempos tão recentes e em lugares tão familiares.  Em uma bela manhã de verão, em Re dhill, o garoto –  agora com oito ou nove  –  ficou cansado de brincar sozinho no jardim. Ele voltou para a casa. Ela estava estranhamente silenciosa e ele ficou assustado. Por algum acaso inusitado todos estavam for a ou no andar de cima. Mas ele concluiu qu e ‘o Senhor havia chegado’, e

que ele havia sido ‘deixado para trás’. Era entendido que não havia esperança para as  pessoas nessa posição. Fora do Segundo Advento, era sempre possível ser salvo até mesmo na hora da morte; mas depois que os santos tivessem sido chamados, o dia da

 graça estava finalmente acabado.

61

 Liber XXXIII, An Account of the A..: A.:  O Livro da Lei, O Comento. 63  Citado em The Beast Demystified, Capítulo 2. 64 O Livro da Lei, Capítulo II, verso 78. 62

(…) A criança ficou consequentemente muito aliviada pela reaparição de alguns dos habitantes da casa a quem ela não podia imaginar como estando perdidos para sempre.” 65 Crowley faria uso tanto das expectativas do fim do mundo quanto da Teologia

Dispensasionalista, ao pregar o relativismo das normas nas diferentes dispensações: Vendo isto [os absurdos a que a interpretação literal da Bíblia podia levar] eles esboçaram um elaborado sistema de compartimentalização mental. As contradições do Velho e do Novo Testamento eram solucionadas por uma Doutrina pela qual o que era molho para a

“Dispensação” Judaica não era necessariamente molho para a “Dispensação” Cristã. Mais espertos do que Lutero, eles tornaram  possível a Epístola de James através de uma série de sofismas que realmente merecessem serem expostos como obras-primas do auto-

engano humano. Meu espaço não permite.

66

O sistema proposto por Crowley a partir do Livro da Lei considera que: a) O “fim do mundo” é um conceito simbólico, que representa o fim de uma era (chamada, a partir da terminologia Gnóstica67, de  Aeon68), e aconteceu em 1904

com a promulgação do Livro da Lei, seguida pela destruição do mundo “pelo fogo”, com a Primeira e Segunda Guerras Mundiais.  b) Que a “fórmula de Iniciação” que era válida no Velho Aeon não é necessariamente “molho” no Novo Aeon. c) Que as profecias do Velho Aeon em relação ao Novo foram parcialmente deturpadas, pois os videntes do passado eram incapazes de entender aquilo que

 previam, e encararam com horror a grande mudança de paradigma que deveria acontecer. Daí a forma negativa com que o papel da Besta foi descrito no Apocalipse. Ou, nas palavras do próprio Crowley:

Os videntes dos primeiros dias do Aeon de Osíri s previram a Manifestação do Aeon vindouro no qual nós agora vivemos, e eles o consideraram com intenso horror e medo, não entendendo a precessão dos Aeons, e considerando toda mudança como catastrófica. Esta é a real interpretação, e a razão pela qual, da s diatribes contra a Besta e a Mulher Escarlate nos capítulos XIII, XVII e XVIII do Apocalipse. 69 65

Confessions, Capítulo 1.

66

The World’s Tragedy, Prefácio. Gnóstico é o termo utilizado para indicar uma série de movimentos religiosos que surgiram no início da Era Vulgaris, muito deles declaradamente cristãos. Uma das crenças comuns à maior parte desses movimentos era a de que o mundo é uma criação má ou imperfeita, da qual os eleitos podem escapar ao adquirirem a gnose. O termo gnose é uma palavra Grega que indica um conhecimento transformador e 67

salvador, revelado por uma fonte espiritual superior. 68  Aeon é a versão Latina da palavra Grega aion. Em Grego, significava “era”, “período de existência”

ou “vida.” Em Latin adquiriu as conotações de “era”, “para sempre” ou “pela eternidade”. Platão utilizou a palavra para indicar o mundo das i déias eternas, além do mundo material que do primeiro é apenas uma cópia. Os gnósticos utilizaram o termo para indicar as hipóstases oriundas de Deus, sendo muitas vezes os Aeons semelhantes aos Anjos judaico- cristãos. Alguns casos, como o de Armozel, acumulavam as funções de Aeon e de Anjo. Os Aeons em geral eram pares, chamados  syzygies, como Jesus e Sophia. Em Thelema, o sistema mágico -gnóstico de Crowley,  Aeon tem a conotação de um  período de tempo qualitativamente determinado por uma divindade 69

The Book of Toth.

Crowley deve ao pai e a Darby também a vocação proselitista e uma lógica teleológica: “Edward Crowley possuia o poder, assim como Higgins, o professor do Pygmalion de Bernard Shaw, de dizer instantaneamente a partir da fala

de um homem em que parte do país ele vivia. Era o seu hobby fazer caminhadas por todas as partes da Inglaterra, evangelizando em toda cidade e vila por onde passava. Ele iria travar conver sação com estranhos, diagnosticar e prescrever suas doenças mentais, inscrevê -los

em seus cadernos de endereços, e se corresponder e enviar literatura religiosa por anos.” 70 A pregação de Edward se baseava na consideração da mortalidade humana e, a  partir desta, na meditação sobre aquilo que realmente tem valor na vida. Um dos seus sermões favoritos era baseado no quinto capítulo de Gênesis: por mais que os  patriarcas tenham vivido longas vidas, todos eles morreram no fim. Por isto, os

ouvintes não deveriam perder tempo em se ocupar com a sua salvação. Quando ele se aproximava de um estranho, ocupado em qualquer atividade, iniciava uma série de  perguntas, partindo do objetivo imediato até chegar no fato último da morte inescapável, diante do qual era necessário tomar uma atitude coerente. Sobre a atividade proselitista, o Livro da Lei dita:

“(…) e para cada homem e mulher que tu encontrares, seja apenas para comer ou beber com eles, esta é a Lei para dar; Então eles terão chance de habitar neste extase ou não; não importa. Faze isto rápido!” 71 A partir desta passagem, Crowley criou um pequeno ritual para ser dito na

hora das refeições, um breve diálogo entre dois convivas, que repete a lógica teleológica do pai 72: ‘Faze o que tu queres será o todo da Lei.’ 73 Qual é a tua Vontade? É a minha Vontade comer e beber.  Para que fim? Para que o meu corpo possa assim ser fortificado.  Para que fim? Para que eu possa realizar a Grande Obra.

‘Amor é a lei, amor sob vontade’. 74 Crowley defenderia que o sistema ético co ntido em sua filosofia era superior ao da argumentação cristã, e com toda a razão. Ao passo em que esta última prega a adesão à um sistema de conduta com a finalidade de se alcançar uma recompensa futura (após a morte), a ética proposta por Crowley têm por  objetivo o conhecimento da parte mais nobre e superior do ser humano (um dos significados contidos na 70

Confessions, Capítulo 1.  Livro da Lei, Capítulo III, verso 39. 72  Citado em Magick Without Tears, Carta A. 73 O Livro da Lei, Capítulo I, verso 40. A frase 71

no original é “Do what thou wilt shall be the whole of the Law”, e é impossível de ser  traduzida corretamente para o Português, pois o verbo wilt vêm de will, vontade, e vontade não faz verbo em Português. 74 O Livro da Lei, Capítulo I, verso 57.

expressão herdada dos alquimistas,  A Grande Obra, que ele usa com freqüencia), e sua manifestação na vida da pessoa. Ela não é, portanto, uma ética que v isa uma recompensa através da submissão na ignorância à uma determinação superior cujo  propósito, muitas vezes, permanece desconhecido. A ética proposta por Crowley envolve três etapas: a) O auto-conhecimento e auto-aperfeiçoamento que levam à descoberta da Vontade.  b) O agir no mundo guiado pela Vontade descoberta.

c) A satisfação e paz que se obtém ao se fazer aquilo que se deve,

independentemente das conseqüencias ou dos resultados.

Ou, como ele mesmo tão bem definiu:  Novamente ‘Do what thou wilt’, o mais s ublimemente austero preceito ético jamais proferido, apesar de sua aparente licenciosidade, é visto em análise como sendo de fato “the whole of the Law”. ‘Do what thou wilt’ é conclamar as Estrelas a brilhar, as Vinhas a dar uvas, a Água a buscar seu nível; o homem é o único ser na Natureza que se esforça em se colocar contra si mesmo. 75

75

 Citado por Israel Regardie em The Eye in the Triangle.

A INFÂNCIA NO INFERNO A primeira infância de “Alick”, como o menino era chamado, foi feliz. Ele guardou memórias de laranjas e passeios em açudes, e do castelo em Warwick com seus pavôes brancos. Alguns eventos menos alegres, como uma crise de bronqu ite, a queda de um pônei, e um quase acidente automobilístico deixaram apenas pequenos traumas. A morte de uma irmã mais nova, que viveu apenas por cinco horas, aparentemente não lhe causou grande impressão: Outra reminiscência. Em 29 de Fevereiro, 1880,  Alick foi levado para ver o corpo morto de sua irmã, Grace Mary Elizabeth, 76  que viveu apenas cinco horas. O incidente deixou uma impressão curiosa nele. Ele não conseguia ver por que ele deveria se perturbar tão inutilmente. Ele não podia ajudar em nada; a criança estava morta; não era assunto seu. Esta atitude continuou através de sua vida. (…) Pode ser que ele tenha uma convicção inata profundamente estabelecida de que a conexão de uma pessoa com seu corpo é puramente simbólica. Mas há também a sensação de que o fato da morte destrói todo o interesse possível; o desastre é irreparável, deveria ser esquecido o mais rápido possível. 77  Nós vimos claramente a que ponto a obra de Crowley  parece ter sido marcada  pela presença do pai e as doutrinas dos irmãos  de Plymouth. Mas, agora poderemos discernir claramente a origem da característica mais importante pela qual Crowley influenciaria todo o pensamento mágico do Século XX: Um acidente conexo com esta viagem [a uma fazenda no oeste da

Inglaterra] é de interesse extraodinário para lançar luz em eventos futuros. Caminhando com seu pai em um campo, cujo aspecto geral ele

lembra perfeitamente bem até este dia, sua atenção foi chamada por um arbusto de urtigas e ele foi avisado de que elas picariam se ele as tocasse.

Ele não lembra do que respondeu, mas o que quer que tenha sido levou seu pai a perguntar, ‘Você vai aceitar a minha palavra sobre isto ou  prefere aprender por experiência?’ Ele retrucou, ‘Eu prefiro aprender por experiência’, e entrou de cabeça no arb usto. 78 Um dia ele disse algo a sua mãe que fez com que ela fizesse a curiosa asserção anatômica: ‘Senhoras não têm pernas’. Logo depois, quando as [irmãs] Cowper jantavam com a família, ele desapareceu de sua cadeira. Deve ter havido uma ligeira comoção na mesa, levando à questão sobre seu paradeiro. Mas, neste momento uma voz ainda pequena veio debaixo

da mesa: ‘Mamã! Mamã! Irmã Susan e Irmã Emma não são senhoras!

79

Ou seja, desde pequeno Crowley foi um empirista, fato que se desenvolveu e o tornou um ardente defensor do Método da Ciência. De fato, na obra de Crowley,

 podemos ver constantemente a tentativa de se conciliar “O Método da Ciência, o 76

 Em uma nota Crowley observou:

suas próprias filhas… 77 Confessions, Capítulo 1. 78 Idem, Capítulo 2. 79 Idem, Capítulo 1.

“Que nome!” Veremos, mais à frente, os nomes que ele daria às

Objetivo da Religião”. 80 A aplicação do método científico à Magia, por exemplo, fica clara na abertura de uma de suas instruções mais importantes: Este livro é muito fácil de ser mal entendido; os leitores são requisitados a usar o mais minucioso cuidado crítico em seu estudo, assim como nós fizemos com sua preparação. 2.  Neste livro se fala das Sephiroth e das Sendas; de Espíritos e Conjurações; de Deuses, Planos, e muitas outras coisas que podem ou não existir.  Não importa se elas existem ou não. Fazendo certas coisas certos resultados irão seguir; os estudantes são seriamente alertados contra atribuir realidade objetiva ou validade filosófica a qualquer 1.

um deles. 81

A sua trajetória é, portanto, deveras curiosa: ele se libertaria da influência religiosa a que foi exposto na infância para se tornar um adulto de orientação científica e cética e, quando menos esperava, foi escolhido o profeta de uma nova revelação; e  para cumprir com esse papel, teve que retornar aos métodos e paradigmas que havia desprezado.82

É extraordinário, também, como os eventos da sua infância foram capazes de marca sua mente de forma tão d uradoura, fato que talvez se deva ao poder de sua memória. Sobre um segundo acidente, quase fatal, desse período, ele recorda: O último evento desse período aconteceu em uma estação de trem. Ele lembra sua aparência geral e a de um pequeno grupo familiar. Um carregador, cambaleando sob uma mala pesada, deixou-a deslizar de

súbito de suas costas. Ela não esmagou o garoto por um fio de cabelo. Ele não lembra se foi puxado para o lado, ou qualquer outra coisa, a não ser a exclamação de seu pai, ‘Seu anjo guardião estava olhando por ele’. É  possível que esta impressão determinou seu curso de vida mais tarde, quando ele veio a buscar a Magia; pois o documento que tomou sua atenção foi O Livro da Magia Sagrada de Abra -Melin o Mago, no qual o

trabalho essencial é ‘Obter o Conhecimento e Conversação com o Santo Anjo Guardião’. 83 Aos seis anos a família mudou para Redhill, em Surrey. A nova casa se chamava A Granja:  Alick viveu aqui até 1886 e sua memória do período é de perpétua felicidade. Ele recorda com a máxima clareza inumeráveis incidentes e fica difícil selecionar aqueles que possuem significância. Ele foi ensinado por tutores; mas eles desvaneceram, embora suas lições não. Ele estava bem firme em geografia, história, Latim e aritmética. Seu primo, Gregor   Grant, seis anos mais velho, era um visitante constante; uma indulgência estranha, de certa forma, já que Gregor cresceu no Presbiterianismo. O camarada era muito orgulhoso de seu pedigree. Edward Crowley costumava ridicularizar isto, dizendo, ‘Minha famí lia veio de um jardineiro que foi expulso do

 jardim por roubar a fruta de seu mestre’. 84

80

Este é, justamente, o lema da sua enciclopédia de Ocultismo, The Equinox.

81

 Liber O vel Manus et Sagittae.

82

Entretanto, uma revisão teleológica da vida de Crowley como profeta deveria admitir as circunstâncias de sua infância como sendo  predestinadas pela missão que ele deveria desempenhar. 83 Confessions, Capítulo 2. 84

 Idem.

Ele brincava com outros meninos, algumas vezes incomodando os filhos de

famílias menos favorecidas. Aprendeu a jogar Xadrez, de forma promissora, e manifestava já marcadas tendências masoquistas. Por volta dos oito anos ele entrou para a sua primeira escola em St.

Leonards, mantida por evangelistas. Seu pai o alertou contra “o mais comum dos incidentes da vida escolar Inglêsa”: Ele tomou um caminho muito sábio. Ele le u para o garoto a muito impressionante estória da intoxicação de Noé e seus resultados, concluindo: ‘Nunca deixe ninguém tocar você lá’. Desta forma, a injunção foi dada sem despertar curiosidade mórbida. 85 Em 1885 ele passou a outra escola, dirigida por um irmão de Plymouth chamado H. d’Arcy Champney. Tratava -se de um internato, pelo que se deduz facilmente de uma carta escrita aos seus pais:

“Queridos Papa & Mama, (…) Por favor me mandem algum dinheiro para os fogos de artifício. (…) Eu estou terrivel mente bem, obrigado! Eu me juntei a um grupo de colegas, que estão com a benção de Deus, saindo para tentar & ajudar outros & falar com eles sobre suas almas. Eu vou escrever logo de

novo. Escrevam rápido por favor  Até logo Seu filho amoroso

Alec” 86

A principal influênciana vida do garoto era, reconhecidamente, a do pai: É um pouco difícil explicar a psicologia do menino neste período. Ela era provavelmente determinada pela admiração por seu pai, o grande, forte, resoluto líder de homens , que arrastava milhares com sua eloqüencia.87 Ele sinceramente desejava seguir essas poderosas pegadas e  por isto se esforçava em imitar o grande homem o melhor que podia. Por isto, ele almejava ser o mais devotado seguidor de Jesus na escola. Ele

não era hipócrita de forma alguma.88

Seu pai era seu herói e seu amigo, embora, por alguma razão ou outra, não havia uma real intimidade consciente ou entendimento. 89

85

Confessions, Capítulo 3.  Idem.

86 87

Considerando o pequeno número de seguidores das doutrinas de Darby, aqui pode haver um certo exagero que, entretanto, significa bem a admiração do menino pelo seu pai. 88 Confessions, Capítulo 3. 89

 Idem.

Seu interesse em escrever Poesia também data deste período, e ele lembraria de viagens feitas à França, Suiça e Escócia. Algumas brincadeiras de mau gosto, como colocar óleo no chá e observar o embaraço educado dos convidados, compunham aquilo que, em geral, se esperava de um menino da sua idade. Não haviam sombras em seu mundo, de presente perfei to e futuro promissor:

Ele era completamente feliz na escola; os garotos gostavam dele e o

admiravam; ele fez progresso admiráveis em seus estudos e ficou muito orgulhoso de seu primeiro prêmio, por se sair melhor em ‘Conhecimento Religioso, Clássicos e Francês’. 90 Existe uma gravura de Albrecht Dürer 91  (1471-1528), uma de minhas  preferidas, que me vem à mente agora. Chama -se Cavaleiro ladeado pelo Diabo e pela  Morte. O título descreve o desenho com exatidão: um cavaleiro solitário, ladeado pelo Diabo e pela Morte, avança para um destino tenebroso. A autobiografia de Crowley tinha o subtítulo “O Espírito da Solitude”, inspirado pela figura de Alastor, o Errante na Desolação 92, e a identificação de Crowley com essa figura, bem como os primeiros  passos em dir eção ao seu inusitado destino, datam do evento que iria agora alterar, de forma radical e definitiva, a sua vida:

Olhando para a sua vida até Maio de 1886, ele consegue encontrar  pouca conexão e praticamente nenhuma coerência em suas lembranças. Mas deste mês em diante há uma mudança. É como se o evento que ocorreu nessa época tivesse criado uma nova faculdade em sua mente. Um novo fator surgiu e seu nome era morte. Ele foi chamado para casa

da escola no meio do período para atender a um encontro de oração especial em Redhill. Seu pai estava doente. O médico local o enviou para ver Sir James Paget, que aconselhou uma imediata operação para câncer na língua. Irmãos de longe e das proximidades foram convocados para ajudar a descobrir a vontade do Senhor nessa questão. O resultado foi que a operação foi rejeitada; foi decidido tratar a doença pela eletro homeopatia do Conde Mattei, um hoje descartado sistema de raro e

revoltante charlatanismo. Nenhum médico dedicado a esta forma de engodo estando disponível na  localidade, A Granja foi abandonada e uma casa chamada Glenburnie tomada em Southampton.

Em 5 de Março de 1887 Edward Crowley morreu. O curso da doença foi praticamente indolor. Apenas um ponto é de interesse para o nosso  presente propósito. Na noite de 5 de março, o garoto –   fora na escola sonhou que seu pai estava morto. Não havia nenhuma razão para isso no correr das coisas, pois as notícias tinham sido altamente otimistas. O garoto lembra que a qualidade do sonho era completamente diferente de tudo o que ele conhecia. As notícias da morte não chegaram a Cambridge

até a manhã seguinte. O interesse deste fato depende de um paralelo subsequente. Durante os anos que se seguiram, o garoto  –   agora um homem – sonhou repetidamente que sua mãe estava morta; ma s no dia de sua morte ele  – então três mil milhas longe –   teve o mesmo sonho, salvo 90 91

Confessions, Capítulo 3.

Considerado o maior pintor do Renacimento, Dürer deixou mais de 80 pinturas e 800 desenhos como legado cultural. Seus trabalhos costumavam encerrar significados simbólicos. 92  Na mitologia Grega, Alastor é o nome de um demônio atormentador ou vingador, embora seja também um título de Zeus. Percy Bysshe Shelly (1792 -1822) escreveu o poema,  Alastor - O Espírito da Solitude, que serviu de inspiração a Crowley. Nele alerta aos sonhadores que, se eles buscarem sempre o amor ideal, o mundo irá se tornar seu atormentador, e eles irão morrer uma morte solitária. Percy Bysshe Shelly foi um poeta romântico que se rebelou contra os valores conservadores, e sua obra reflete as idéias radicais e o otimismo revolucionário da ép oca.

que era diferente dos outros por possuir esta peculiarmente indescritível mas inconfundível qualidade que ele lembrava em conexão com a morte do seu pai.93

Aleister Crowley

tinha sonhos recorrentes sobre a morte da mãe. Isto é  bastante relevante, pois, se ele tinha pelo pai uma verdadeira adoração, já em relação a mãe, cujo nome de solteira era Emily Bertha Bishop, se mostrou sempre antipático: Os pontos importantes sob re

a mulher é que seus colegas de escola a chamavam “a pequena garota Chinesa”, que ela pintava em aquarela com gosto admirável, destruído pelo treinamento acadêmico, e que seus  poderosos instintos foram suprimidos pela religião ao ponto dela tornar se, de pois da morte do marido, uma fanática sem cérebro do tipo mais estreito, lógico e desumano. Ainda assim havia sempre um conflito; ela ficava realmente tensa, quase que diariamente, por se ver obrigada por sua religião a realizar atos de mais atroz falta de  sentido.94 Ele sempre desagradou-se

e desprezou sua mãe. Havia uma repulsa física, e um escárnio intelectual e social. Ele a tratava quase como uma serviçal. Talvez seja por isto que ele não se lembra praticamente de nada sobre ela durante este período .95 Ela sempre o antagonizava. Ele lembra de um Domingo quando ela o encontrou lendo Mar tin

93 94 95

Confessions, Capítulo 3. Confessions, Capítulo 1.

O período na Granja.

Cavaleiro, Morte e Diabo

de Dürer –  1513.

Rattler 96 e ralhou com ele. Edward Crowley tomou seu partido. Se o livro era bom o bastante para ser lido em qualquer dia, por que não no Domingo? Para Edward Crowley, todo dia era Dia do Senhor;

sabatarianismo era Judaísmo. 97

Algumas referências feitas à sua mãe parecem mais compreensivas:

96

 Martin Rattler or a Boy's Adventures in the Forests of Brazil de Robert Michael Ballantyne (1825-

1894), escritor escocês de livros para garotos. 97 Confessions, Capítulo 3.

Eu devo desculpar minha mãe e meu Tio. A  primeira era a melhor de todas as possíveis mães, apenas arruinada de maneira inacreditável pela monomania religiosa que talvez tenha começado com o quê pode ser chamado ‘Histeria da Viuvez’; o segundo era um típico degenerado sexual. 98

Entretanto, outros testemunhos parecem contradizer toda a antipatia que

Crowley tinha por ela. O poeta Ethel Archer, amigo próximo de Crowley no período anterior à Primeira Guerra Mundial, escreveria mais tarde (em 1932) uma novela intitulada The Hieroglyph, cujo protagonista, o ocultista Vladimir Svaroff, segundo

sua própria confissão, foi inteiramente baseado nas suas lembranças de Crowley dessa época. Ele descreve um encontro entre mãe e filho ocorrido por volta de 1910 99: Ouvir Vladimir ser ralhado  pela sua mãe como u m garoto pequeno e desobediente, e vê -lo calmamente aceitando a situação, era ao mesmo

tempo engraçado e curioso. […] De que Madame Svaroff adorava seu filho não poderia haver dúvidas; que ela igualmente acreditava que ele estava totalmente entregue ao Maligno também estava fora de questão. Ela rezava por ele sem cessar, mas ela se recusava a ter em seus cômodos um artigo sequer de seus pertences pessoais  –   mesmo seu cachimbo e alguns livros eram banidos para o sótão. Dezembro de 1912, fazendo referência ao seu filho “Alec”, revelam mais uma mãe negligenciada pelo filho aventureiro do Uma carta escrita por Emily em 12 de

que propriamente repudiada:

Eu queria muito que ele tratasse melhor sua mãe & desse a ela um

 pouco mais de sua companhia.100

Ela também menciona sua aprovação por Crowley estar seguindo os conselhos do advogado dela em relação aos investimentos. Contrariando também a imagem severa que o filho deixou em suas memórias, Emily também era dotada de senso de humor. O nome “Vladimir Svaroff” do  personagem de Archer foi tirado da identidade fictícia que Crowley assumiu em 1899, quando estava em Londres, como Conde Vladimir Svareff: Abra-Melin

nos alerta que nossas famílias irão se opor tenazmente à nossa realização da Operação. Eu resolvi, port anto, desligar-me completamente da minha. Assim, como eu tinha que viver em Londres, eu aluguei um apartamento com o nome de Conde Vladimir Svareff.

Como Jones mencionaria mais tarde, um homem sábio teria chamado a si Smith. Mas eu ainda estava obcecado com romantismo, enquanto meu

verão em São Petesburg me deixou apaixonado pela Russia. Havia outro motivo por trás deste –  um legitímo. Eu queria aumentar meu conhecimento sobre a humanidade. Eu sabia como as pessoas tratavam um jovem de Cambridge. (…) Agora eu queria saber como as pessoas iriam se comportar com um nobre Russo. 101 98

Prefácio. Este parágrafo, bem como a citação que segue, foi inteiramente baseado na biografia de Lawrence Sutin, Do What Thou Wilt, Capítulo 1, página 19. 100  Do What Thou Wilt, Capítulo 1. 101 Confessions, Capítulo 20. 99

The Worlds Tragedy,

Sabemos, ao menos, como sua mãe se comportou. Ao saber da novidade, ela foi visitá-lo e se fez apresentar como a Condessa Cosmos: Ethel Archer, mais tarde amigo de Crowley, registrou esta anedota:

Emily, ouvindo sobre o despropositado pseudônimo de seu filho, fez uma visita ao seu apartamento e mandou seu cartão anunciando a si mesma como “A Condessa do Cosmos.” Archer notou que esta era “uma atitude típica da velha senhora, que mos trava tanto originalidade quanto engenho” e, mais, que neste senso de humor compartilhado “podia -se ver a inconfundível semelhança entre mãe e filho. 102 Mas, o detalhe mais significativo sobre esse complexo relacionamento está  justamente na anotação feita logo após Crowley ter recebido a confirmação de seu sonho premonitório. Ao saber da morte da mãe em 1917, ele escreveu em seu diário: Recebi notícias sobre a morte da minha mãe. Duas noites antes das notícias tive um sonho de que ela estava morta, com uma sensação de grande angústia. O mesmo aconteceu duas noites antes de reeber notícias da morte do meu pai. Eu com freqüencia sonhei que minha mãe tinha morrido, mas nunca com este sentimento de solidão e desamparo. 103 Já fomos brevemente apresentados também ao tio de Crowley, que ele tentou desculpar por ser “um típico degenerado sexual”. Após a morte de Edward, o menino e a mãe foram viver em Londres, próximos desse Tom Bond Bishop. A esta altura, as atitudes da criança haviam se transformado completament e: Desde o momento do funeral em diante a vida do garoto entrou em uma

fase inteiramente nova. A mudança era radical. Três semanas depois de ter retornado à escola ele esteve em sarilhos pela primeira vez. Ele não lembra por que ofensa, mas apenas que su a punição foi diminuida por causa de sua perturbação. Este foi o primeiro sintoma de uma completa reviravolta de sua atitude para com a vida em todos os aspectos. Parece

óbvio que a morte de seu pai devia estar ligada a isto como causa. Mas mesmo assim, os eventos permanecem inexplicáveis. As condições da vida escolar, por exemplo, dificilmente foram alteradas, mas ainda assim

a sua reação à elas torna quase inacreditável que se tratasse do mesmo

garoto. 104

É provável que Crowley se sentisse duplamente traído: pelo Deus a que se devotava, seguindo o exemplo do pai, e pela comunidade a qual este pertencia, que

havia tomado a decisão errada em relação à sua saúde. Deus e seus santos deveriam ser os culpados, na sua visão infantil, por aquela ultrajante injustiça. Ele daria, a partir daí, início a uma guerra contra todos os ideais associados às circunstâncias da perda do pai. As sementes simbólicas de sua rebelião, entretanto, já existiam. Ainda no anta gonistas de  período em Leamington, ele já adquirira o fascínio perturbador  pelos antagonistas Cristo descritos no Apocalipse:

102

 Do What Thou Wilt, Capítulo 2.  Idem , Capítulo 7. 104 Confessions, Capítulo 3. 103

A Bíblia era o seu único livro neste período; mas nem a narrativa e nem a poesia fizeram qualquer impressão profunda nele. Ele era fascinado  pelas misteriosas passagens passagens proféticas, especialmente aquel as no Apocalipse. O Cristianismo em sua casa era-lhe inteiramente agradável, e mesmo assim suas simpatias estavam com os opositores do céu. Ele suspeita de forma obscura que isto fosse parcialmente um amor instintivo

 por terrores. Os Anciões e as harpas pareciam insípidos. Ele preferia o Dragão, o Falso Profeta, a Besta e a Mulher Escarlate, por serem mais excitantes. Ele se deliciava nas descrições do tormento. Pode -se suspeitar, portanto, de um traço congênito de masoquismo. Ele gostava de se imaginar em agonia; em particular, ele gostava de se identificar

com a Besta cujo número é o número do homem, seiscentos e sessenta e seis. Pode-se apenas conjecturar que era o mistério do número que determinou a sua escolha infantil. 105

É importante notar como o trauma e suas reações foram capitais na sua formação. É a partir da morte do pai que ele assume a narrativa de sua autobiografia na primeira pessoa:

Antes da morte de Edward Crowley, as lembranças de seu filho, embora vívidas e detalhadas, parecem a ele estranhamente impessoais. Ao lançar sua mente de volta a esse período, ele sente, embora a atenção constantemente provoque novos fatos, que ele está investigando o comportamento de outra pessoa. É apenas a partir deste ponto que ele começa a pensar em si na p rimeira pessoa. A partir deste ponto, portanto, ele assim faz; e é capaz de continuar sua autohagiografia em um estilo mais convencional falando de si mesmo como eu. 106

Agora, voltemos à uma citação já feita no Capítulo 2: A seguir, começando em 500 a.C. Osíris, o pai, quando o Universo era imaginado como catastrófico, amor, morte, ressurreição, como os métodos pelos quais se construia a experiência; este corresponde aos sistemas patriarcais.

Agora, Hórus, a criança, no qual viemos a perceber os eventos c omo um crescimento contínuo participando em seus elementos de ambos os métodos, e não a ser sobrepujado pela circunstância. Este período  presente envolve o reconhecimento do indivíduo como unidade da sociedade.107

É simplesmente fantástico a que ponto a interpretação teológica -histórica que Crowley desenvolveu, a partir do Livro da Lei, recria, simbolicamente, as etapas de

seu desenvolvimento pessoal. Novamente, as influências dos eventos de sua infância mostram-se de forma tão marcada na sua vida adulta, que temos que perguntar até que  ponto a sua vida adulta não serviu de parâmetro na seleção seleção de suas memórias, durante a época do seu esforço auto - biográfico.  biográfico. Assim, após a morte catastrófica do pai, inicia para Crowley o período p eríodo no qual ele se ele  se reconhece como indivíduo. Na indivíduo.  Na proclamação do Livro da Lei, o Novo Aeon da 105

Confessions, Capítulo 2.

106

Idem, Capítulo 3. O Livro da Lei, Introdução.

107

Criança Coroada e Conquistadora deve se iniciar com Guerra e Vingança, os atributos da divindade descrita no terceiro capítulo. E foi justamente nesse espírito que Alick declarou guerra a Deus: Eu aceitava a teologia da Irmandade de Plymouth. De fato, eu

dificilmente poderia conceber a existência de pessoas que pudessem duvidar disto. Eu simplesmente passei para o lado de Satã; e até agora eu não consigo dizer porque. 108 Pois (evidentemente) minha posição era excepcionalmente precária. Eu me opunha a um Deus onipotente; e por tudo o que eu sabia, Ele havia me predestinado a ser salvo.109 Não importava o quanto eu desacreditasse desacreditasse

em Jesus, não importava quantos crimes eu acumulasse, Ele podia me ter apesar de mim mesmo. 110

A vida escolar feliz se tornou a partir daí um lamentável inferno. O Reverendo Champney favorecia um sistema de delatação que não admitia defesa, mesmo por que as acusações nunca eram declaradas ao réu. Assim, quando um outro menino chamado Glascott informou que, durante uma visita, encontrara Alick, então com doze anos, caído bêbado debaixo das escadas, este se tornou incomunicável. Apesar do absurdo da acusação, que não foi abertamente declarada sequer à mãe e ao tio, ele  passou a ser alimentado apenas com pão e água, ficava retido em trabalhos escolares durante as horas de folga, e nas horas de trabalho caminhava solitário ao redor do  pátio. O castigo durou um período e meio, com ameaças de expulsão caso ele não confessasse. Como r esultado esultado da pressão e dos maus -tratos, ele contraiu uma insuficiência renal. Ainda após algumas sessões de bengaladas (quinze bengaladas nas  pernas mais quinze minutos de prece, alternadas várias vezes –  nas pernas, pois nas nádegas podiam excitar a sensualidade do criminoso…), o tio, alarmado com o seu estado, exigiu que Champney dissesse quais eram, afinal, as acusações. À parte da embriaguês fictícia, o menino fora acusado de tentar corromper um colega e de ter conduzido uma sessão de preces de zombaria.  Tio Tom teve o bom senso de perceber o ridículo nefasto da coisa, acusou o reverendo r everendo de ser um lunático, e levou o sobrinho  para casa.

 Na sua autobiografia, Crowley diz que a escola fechou logo depois, em razão r azão dos desatinos do diretor. Mas, Lawrence Sutin em  Do What Thou Wilt informa que

Champney permaneceu em seu posto até 1900, e que a escola teve uma sobrevida de mais alguns anos depois de se mudar para Bexhill. Crowley reinterpretou o episódio como um conflito mágico: Minha revolta havia se manifestado

por ações que tecnicamente não eram repreensíveis. Eu não posso me acusar de qualquer crime aberto. A  batalha entre eu e a escola foi conduzida no plano mágico, por assim dizer. Foi como se eu tivesse feito figuras de cera do tipo mais inofensivo, que mesmo assim foram reconhecidas pelo instinto espiritual

de Champney como ídolos ou instrumentos de feitiçaria. Eu fui punido com absoluta injustiça e estupidez, mas ao mesmo tempo a apreensão mística de Champney não cometeu nenhum engano. 111 108

Confessions, Capítulo 5.  Por fazer parte da Irmandade de Plymouth. 110 Confessions, Capítulo 5. 111  Idem. 109

De fato, já

indo mais longe em sua rebelião contra Deus, o menino havia concluído que apenas através de um ato definitivo, da realização de um pecado sem retorno, ele poderia vencer e conquistar a sua perdição. O problema era que, embora tal pecado fosse sempre mencionado em voz baixa, ninguém se atrevia a lhe dar os detalhes necessários 112:  Nunca me ocorreu roubar ou de qualquer outra maneira infringir o

decálogo. Tal conduta teria sido pequena e desprezível. Eu queria um supremo pecado espiritual; e não tinha a menor idéia sobre como conseguí -lo.Havia uma boa quantidade de curiosidade mórbida entre os santos sobre “o pecado contra o Espírito Santo” o qual “nunca poderia ser  perdoado”. Ninguém sabia o que era. Era mesmo considerado blasfemo oferecer qualquer conjectura positiva sonre o assunto. A idéia parecia ser que havia alguma coisa como um má -intecionada piada prática da parte de Jesus. A misteriosa ofensa que nunca poderia ser desculpada poderia inadvertidamente ser cometida pelo maior santo vivo, com o resultado de

que ele seria atirado fora mesmo dos portais da glória. Aqui estava outra impossibilidade para capturar minha fantasia infantil; eu precisava descobrir o que o pecado era e realizá -lo completamente.113

E aqui, por fim, damos com a última informação im portante sobre nossa análise da infância de Aleister Crowley, que faria se chamar A Grande Besta nos anos de maturidade: uma inconquistável ambição , um sempre presente desejo por fama, que antecede à morte do pai, e por isso deve ser considerado uma característica inata. De fato, Crowley tinha o Ascendente do seu mapa astrológico no primeiro decanato de Leão, algo que teria grande valor simbólico para ele mais tarde. Marcando um  ponto para os que defendem a eficiência prática da Astrologia, desde a infância Crowley foi tipicamente leonino em suas aspirações: Um dia perguntei a um dos mestres como podia ser que Jesus tivesse

 passado três dias e três noites na tumba, se tinha sido crucificado na Sexta e se reerguido no Domingo. Ele não pode explicar e disse  que isto nunca havia sido explicado. Então eu formulei a ambição de me tornar uma luz resplandecente na Cristandade fazendo esta coisa que nunca havia sido feita antes. Apenas me fale de uma pretensa impossibilidade; e saúde, riqueza, mesmo a vida são como nada. Eu saio para fazê -la.114

O garoto parece ter desprezado desde o começo a ausência de hierarquia entre os irmãos, embora ao mesmo tempo eles formassem o mais exclusivo grupo da terra, sendo as únicas pessoas que iriam para o céu. Existe portanto uma extrema contradição psicológica inerente à situação. É improvável que Alick estivesse consciente dos reais sentimentos que haviam sido implantados nele por este ambiente; mas o principal

resultado parece ter sido sem dúvida o de estimular seu orgulho e ambição a um grau muito doentio. Sua posição social e financeira, a óbvia inveja de seus associados, suas inquestionáveisl proezas, físicas e intelectuais, tudo se combinou para tornar impossível para ele estar 112

 Na última parte deste livro, veremos a semelhança simbólica entre este raciocínio e a ordália na assunção do Grau de Ipssissimus, o maior alcance possível no sistema de iniciação seguido por Crowley. 113 Confessions, Capítulo 5. 114  Idem.

que não fosse o topo. A Irmandade de Plymouth se recusava a tomar qualquer parte na política. Entre eles, o nobre e o camponês se encontravam teoricamente como satisfeito em tomar qualquer lugar no mundo

iguais, de forma que o sistema social da Inglaterra era simplesmene ignorado. O garoto não podia  aspirar a ser primeiro ministro ou mesmo

rei; ele já estava à parte e além disto tudo. Vamos ver que assim que ele atingiu a idade onde as ambições são compelidas a assumir uma forma concreta, sua posição se tornou extremamente difícil. A terra não era gr ande o bastante para contê -lo.115 Doente de albuminúria 116, perseguido e mal-tratado, mas com o espírito altivo e determinado, o menino Alick foi levado para casa, para travar sua segunda batalha

contra as forças que o oprimiam, em uma guerra que iria sustentar até o dia de sua morte.

115

Confessions, Capítulo 3.

116

Albuminúria é uma condição patológica na qual a proteína albumina se apresenta na urina, o que é

indicativo de problemas renais.

BATISMO E VITÓRIA

O fato de ter salvo Alick dos terrores do internato não foi suficiente para angariar simpatias. Se, na Introdução da propaganda anti -cristã em forma de poema intitulada The World’s Tragedy, escrita em 1908, o tio foi brevemente mencionado, ou, melhor, “desculpado” por ser “um degenerado sexual típico”, nas Confessions iniciadas na década de vinte já mereceu quase duas páginas de ofensas: Tom Bond Bishop era uma proeminente figura nos círculos religiosos e filantrópicos de Londres. Ele tinha uma posição mais ou menos importante na Casa de Costumes, mas não tinha ambições conexas ao Serviço Civil. Ele devotou todo seu tempo e energia livres na propagação de um Evangelismo extraordinariamente estreito, ignorante e bitolado no qual acreditava. Ele havia fundado a União da Escritura para Crianças e a

Missão de Serviço Especial para Crianças. A primeira ditava às crianças que passagens da Bíblia elas deveriam ler diariamente; a segunda as arrastava de suas brincadeiras à beira -mar e as entregava ao delirar de  piedosos não -graduados ou geisers de evangelho contratados. Dentro de seus limites, ele era um homem de inteligência aguda e grande

habilidadeexecutiva e organizadora. Um Manning 117  com sinceridade  bitolada: um Cotton Mather 118 sem imaginação; poderia-se até dizer um Paulo119  privado de habilidade lógica, e este defeito suprido com uma auto-confiança invulnerável. Ele era inacessível à dúvida; ele sabia que estava certo em todos os pontos. Certa vez coloquei a ele: suponha que um alpinista esteja amarrado a outro que caiu. Ele não pode salvá -lo e deve cair também a não ser que

corte a corda. O que ele deveria fazer? Meu tio replicou, ‘Deus nunca  permitiria que um homemfosse colocado em tal situação’!!!! Esta falta de razão o fazia mental e moralmente mais baixo do que o gado dos campos. Ele obedecia impulsos cegos e selvagens e o tomava por sanções do Altíssimo. Às glândulas lacrimais do crocodilo ele acrescentava as entranhas da compaixão de um rinoceronte de ferro; com a mesquinharia e a crueldade de um eunuco ele combinava a avareza calculista de um Judeu Escocês, sem o whisky de um ou a imaginação simpática do outro 120. Pérfido e hipócrita como o Jesuíta da fábula Protestante, ele era oleoso como Uriah 117

 Henry Edward Manning (1808-1892) foi Arquediácono da Igreja Anglicana em Chichester, antes de romper com o anglicanismo e se tornar Arcebispo e Cardeal da Igreja Católica Romana. Como

católico, advogou a superioridade hierárquica papal e foi defensor da tese maluca de que o Papa é infalível. 118  Cotton Mather (1663 – 1728) estudou em Harvard e Glasgow, tendo se tornado um ministro Puritano  bastante influente. Foi um dos responsáveis pelo massacre de 14 mulheres e 6 homens condenados por  bruxaria durante a perseguição em Salem, Massachusetts. 119   Paulo de Tarsus (circa 3 a 14- 62 a 69), também conhecido como o Apóstolo Paulo. Paulo foi o criador do Cristianismo, a partir dos obscuros ensinamentos deixados por um herege judeu chamado

Jesus. Paulo nunca viu ou ouviu Jesus, e suas idéias muitas vezes estavam contra a dos apóstolos verdadeiros, que teriam acompanhado Jesus durante suas pregações. Os problemas sexuais de Paulo, que ele metaforicamente menciona como “um espinho na carne” ( II Cor 12:7),  o levaram a propor a castidade como no rma ideal de vida, uma concepção doentia e anti -natural que traria terríveis conseqüencias para a saúde psicológica do Ocidente. 120 O whisky do Escocês e a imaginação do Judeu, não do rinoceronte…

Heep121, e Tartufo123;

de resto possuia os vícios d e um Joseph Surface122 e embora, não tendo a fraqueza humana que os tornava  possíveis, ele era um vilão mais virtuoso, e, portanto, mais odioso. Em traços lembrando um macaco barbeado, na figura um dachshund 124, sua aparência pessoal à primeira vista não era atraente. Mas as roupas feitas por um alfaiate da Cidade davam tal harmonia ao todo que

reconciliavam o observador com o fenômeno observado.  Nenhum fanático mais cruel, nenhum vilão mais mesquinho, jamais caminhou esta terra. Em sua própria cas a ele era um pequeno tirano sem  piedade; e foi neste antro de amarga escravidão que eu fui subitamente  jogado da minha posição de ar fresco, liberdade e herança. 125 O resgate do menino, entretanto, parecia ter chegado demasiado tarde, pois a

maldição de Alastor havia já transformado sua natureza e condenado a sua saúde: Em relação a mim o dano já havia sido feito. Eu, que havia sido um garoto feliz, saudável, de boa natureza e popular, havia aprendido a suportar a solidão completa por meses seguidos. Eu não falava com nenhum garoto e os mestres sempre se dirigiam a mim, quando a

necessidade os obrigava, com um horror santimonial. A dieta de pão e água, e a punição de caminhada perpétua ao redor do pátio durante o horário escolar, quebrou a minha constituição. Fui levado a um médico, que descobriu que eu estava sofrendo severamente de albuminuria, e

 predisse que eu não viveria até a idade adulta. 126 Um regime de vida ao ar livre acompanhado de dietas especiais foi prescrito, e, durante os dois anos seguintes, tutores escolhido pelo tio (tipos sawny , anêmicos, meticulosos, que na melhor das hipóteses só podia se gabar de faculdades menores

em Cambridge) o acompanharam em viagens por Gales e Escócia, subindo montanhas e pescando trutas. Ele aprendeu a jogar com golfe com o campeão Andrew Kirkaldy. Sua saúde melhorou, e seu estudo progrediu. Ele melhorou tanto que pode freqüentar uma escola diurna em Streatham, onde o “grande segredo” que ele buscava desde os tempos do internato, foi afinal revelado: Em minha busca por um pecado adequado que pudesse me veler o meu

V.C. diabólico, eu, de forma bastate óbvia, tomei contato com a coisa usual. Champney estava sempre farejando-a, mas  –   para mim  –   ele era completamente ininteligível. Eu frequentava os garotos cuja reputação  para a maldade estava bem estabelecida, e fui dirigido em minha pesquisa

 por um senso intuitivo de magnetismo ou apreciação da fisiognomia. Mas o reinado de terror esgava tão firmemente estabelecido na escola que que 121

Uriah Heep é um dos vilões da novela  David Copperfield, famoso pela falsa humildade,

obsequiosidade e falsidade. A novela foi um dos maiores sucessos de Charles Dickens (1812-1870), considerado um dos maiores escritores da Língua Inglesa, que alcançou em vida enorme popularida de

mundial com seus personagens memoráveis. 122 Joseph Surface é um patife astuto, malicioso embora sentimetal, na comédia de costumes   The School for Scandal de Richard Brinsley Sheridan (1751- 1816), escritor e político irlandês. 123 Tartufo é o personagem que dá nome a uma peça de Moliére, um hipócrita que finge grande piedade religiosa para poder enganar e roubar as pessoas. Moliére era o nome artístico de Jean-Baptiste Poquelin (1622 – 1673), escritor, diretor e ator de teatro francês, e um dos mestres da comédia satiríca. 124 Dachshund é um cão pequeno, de patas muito curtas e de corpo alongado. 125 Confessions, Capítulo 4. 126 Idem, Capítulo 6.

ninguém ousava dizer claramen te a natureza deste pecado, mesmo quando o seu conhecimento era admitido. Dicas misteriosas eram dadas;

e afinal um garoto chamado Gibson me disse qual a ação a ser feita, mas não me disse qual o objeto a se aplicar o processo. Parece extraordinário que a natureza não tivesse me dado nenhuma indicação. Eu de forma alguam ligava o órgão de reprodução a qualquer ato voluntário. Eu fiz conjecturas ditadas por considerações puramente intelectuais, e levei a frente experimentos baseados em seus resultados; mas eles foram absolutamente mal-direcionados. Eu nunca advinhei qual o órgão em

questão. A descoberta foi atrasada por anos. 127 Mas, afinal, na escola de Streatham:

As coisas iam de mal a pior à medida em que eu crescia em poder moral. Parte do tempo eu estava bem o bastante para ir a uma escola

diurna em Streatham, onde eu aprendi afinal o terrível segredo que eu havia revirado meu cérebro para descobrir por quase três anos. Aqui certamente estava um pecado que valia a pena cometer e eu me apliquei com vigor característico à sua prática. 128

O terrível pecado (na ótica da época) era a masturbação. De fato, sabe -se que a histeria da época em relação a este ato simplesmente natural chegava ao ponto em que garotos, entrando na adolescência, frequentemente eram a marrados ao dormir para se evitar o ato perigoso, que acreditava-se poder arruinar a saúde do homem. É importante, em nosso estudo, termos em mente essa associação que o jovem Crowley criou em sua mente entre pecado como afirmação simbólica, mesmo mágica, e o ato sexual, pois pode explicar a sua eleição, mais tarde, da técnica tantrica ensinada pela O.T.O. como sendo o método mais eficiente de realização mágica, e o grande valor que deu a esse segredo, que, assim como a mastrubação no final da sua infãncia,  foi tardiamente descoberto:

Logo após a publicação 129, o O.H.O. (Outer Head of the O.T.O.) veio a mim. (Nesta época eu não percebia haver na O.T.O. qualquer coisa além de um compendium conveniente das mais importantes verdades da

Maçonaria Livre.) Ele disse que já que eu estava informado do segredo supremo da Ordem, eu deveria ser admitido ao IX grau e obrigado em

relação a ele. Eu protestei que não conhecia tal segredo. Ele disse ‘Mas você o imprimiu na mais clara linguagem’. Eu disse que não podia tê -lo feito por que não o conhecia. Ele foi até a estante; pegando uma cópia do The Book of Lies ele apontou paa a passagem no capítulo desprezado 130. Ela instantanemente resplandeceu para mim. Todo o simbolismo não apenas da Maçonaria Livre mas de muitas outras tradições brilhou em minha visão espiritual. A partir deste momento a O.T.O. assumiu sua importância apropriada em minha mente. Eu entendi que tinha em minhas mãos a chave para o progresso futuro da humanidade. 131 A nova descoberta deu ainda a ele a ocasião  de ironizar o tio: 127 128

Idem, Capítulo 5. Confessions, Capítulo 6.

129

 Do The Book of Lies.

130 131

Crowley estava insatisfeito com esse capítulo, Confessions, Capítulo

Este tio, aliás, alguns anos depois, contribuiu para a  Boy’s Magazine,  o órgão de uma tentativa Evangélica de se destruir a masculinidade em nossas escolas públicas, com o que ele considerava um artigo  brilhantemente espirituoso. Chama-se Os Dois Reis Malvados [The Two Wicked Kings]. Estes eram os tiranos que arruinavam as vidas dos meninos e os escravizavam. Seus nomes eram Smo-King e Drin-King [um jogo de palavras com Fumar e Beber]. Tio Tom chamou minha atenção para essa obra -prima e eu disse, com uma surpresa chocada,

‘Mas, querido Tio, você se esqueceu de mencionar um terceiro, o mais  perigoso e mortal de todos!’ Ele não pode imaginar qual fosse. Eu lhe disse. Agora, eu pergunto a vocês, não é deplorável que uma adição tão importante e acurada a sua tese não tenha sido aceita com piedoso júbilo? 132

É claro que sua relação com os tutores era difícil: “É claro, eu considerava minha obrigação passar a perna neles de todas as maneiras possíveis e caçar algum tipo de pecado.” 133 Um deles, o Reverendo Fothergill, tentou afogá -lo, depois de ter sua vara de pesca, e a si mesmo, jogados fora do bote. Na seqüencia da disputa, é  possível que Crowley tenha tido sua primeira experiência sexual, embora sua descrição não seja conclusiva: Esta noite os deuses me favoreceram ainda mais, pois uma garota da vila chamada Belle Mckay se encontrou sem nada melhor para fazer do

que perambular comigo pela urze. Nós voltamos juntos de maneira bem visível e Fothergill jogou a toalha. Ele me levou de volta a Londres na manhã seguinte. Parando em Carlisle, repeti minha vitória com uma camareira 134

O fato também foi descrito na Introdução do The World’s Tragedy:  Na mesma noite ele me encontrou na urze com Belle McKay, a beleza local (Deus a abençoe!), e des isitu de mim como um trabalho ruim.

As intenções de um outro tutor, entretanto, já forma de uma natureza bem diversa:

Mas assassinato não é o único passatempo para os tutores piedosos. O irmão do Diácono de Westminster (ele a seguir se tornou um missionário e morreu em Lokoja) havia sido ensinado que, se você não pode ser bom, deve ser cuidadoso. Quando ele estava de fato cuidando de mim sua

conduta era irreparável, mas depois de desistir de mim ele me convidou à casa de sua mãe em Maze Hill pafra passa r a noite, e fez seu melhor para honrar a reputação de sua laia. Eu não permiti que ele tivesse sucesso, não por que eu não pudesse ver pecado nisto, mas por que pensei ser uma armadilha pafra me trair com minha família. Pouco antes de partir paa a Africa ele me convidou novamente, rezou comigo, confessou sua ofensa, desculpando-se com base de que seu irmão mais velho Jack, também um 132

Idem. O garoto fez também um jogo de palavras com Wan-King (wanking) , uma forma vulgar de se referir à masturbação. 133

 Idem.  Idem.

134

missionário, o havia desencaminhado, e pediu o meu perdão. Mais uma vez eu adotei a atitude de homem do mundo, ‘Tsk, tsk, meu   querido companheiro, esqueça isso,’ o que muito o incomodou, por que ele queriaser levado a sériocomo o chefe dos pecadores. 135  Na Introdução do The World’s Tragedy,  ele foi um pouco menos cavalheiresco: Mas afinal eu devo cuidar para que este livro cai a

às mãos do Reverendíssimo Armitage Robinson, Diácono de Westminster; pois embora eu suponha que ele saiba como seu missionário irmão Jack seduziu à sodomia seu missionário irmão Fred, ele talvez ainda seja ignorante sobre como esse irmão Fred (um dos meu s tutores) tentou me seduzir na própria casa de sua mãe em Maze Hill. Isto aconteceu um  pouco depois; e eu sabiaexatamente o que ele estava fazendo, quando

aconteceu. Eu o deixei ir tão longe como foi, com a intenção deliberada de certificar sobre este ponto.

À medida em que se desenvolvia, Crowley ia elaborando melhor suas idéias religiosas, percebendo, aos poucos, a falácia existente na oposição maniqueísta enste as idéias cristãs sobre o Bem e o Mal: Era como se eu possuisse uma teologia própria que   era, para todos os intentos e propósitos, Cristianismo. Meu satanismo não interferia de forma alguma com isto; eu estava tentando ter o ponto de vista de que o

Cristianismo da hipocrisia e crueldade não era verdadeiro Cristianismo. Eu não odiava Deus ou C risto, mas apenas o Deus e o Cristo das pessoas que eu odiava. Foi só quando o desenvolvimento de minhas capacidades lógicas supriu a demonstração de que as Escrituras apoiavam a teologia e a prática dos Cristãos professos que eu fui compelido a colocar -me em oposição à própria Bíblia. Não importa se a literatura é às vezes magnífica e que em algumas passagens isoladas a filosofia e a ética sejam admiráveis. A soma da questão é que o Judaísmo é uma selvagem, e o Cristianismo perversa, superstições. 136 Data

desta época o famoso incidente que, tantas vezes, foi mostrado como atestando a malignidade inata de Crowley, mas que, de fato, é um exemplo isolado, que mais demonstra a capacidade que ele tinha de levar a cabo qualquer coisa a que se propusesse. O fato também, mais uma vez, mostra ainclinação empirista da sua mente:

Me disseram que ‘Um gato tem nove vidas’. Eu deduzi que seria  praticamente impossível matar um gato. Como de costume, eu fiquei cheio de ambição de realizar a proeza (observem que eu tomei   minha informação inquestionavelmente ao pied de la lettre). Talvez através de alguma analogia com a estória de Hércules e da hidra, pus na minha cabeça que as nove vidas deveriam ser tomadas mais ou menos simultãneamente. Eu portanto apanhei um gato, e te ndo administrado uma grande dose de arsênico eu o cloroformizei, o enforquei sobre a máquina de gás, esfaqueei -o, cortei sua garganta, esmaguei sua cabeça e, 135

Confessions, Capítulo 6.  Idem.

136

quando já estava bem queimado, afoguei -o e o joguei pela janela para que a queda pudesse remover s ua nona vida. De fato, a operação foi bem sucedida; eu matei o gato. Eu me lembro que o tempo todo eu estva genuinamente sentido pelo animal; eu simplesmente me forcei a

continuar o experimento no interesse da ciência. 137

Tio Tom, aquela “astuta mistura de rato e macaco” 138, por fim, cometeu um erro, e deu ao sobrinho a oportunidade de conhecer o primeiro de uma pequena, mas

seleta, lista de mestres, sem os quais não teríamos tido o Crowley que tanto admiramos. Ele contratou como tutor um Archibald Douglas, um homem de Oxford,

que havia viajado pela Pérsia a serviço da Sociedade Bíblica. O garoto havia acabado de se recuperar de uma crise pulmonar, e foi acertado que uma viagem de bicicleta até Torquay seria um exercício salutar, mas ele só aguentou até Guil dford, onde pegaram o trem. Tão logo se viram longe da tirania familiar, Archibald jogou fora a máscara de  piedade, e tratou de dar a seu pupilo uma nova visão do mundo: Embora Douglas se dissesse um Cristão, ele provou ser tanto um homem quanto um cavalheiro. Eu presumo que a pobreza tenha compelido a camuflagem. A partir do momento em que ficamos sozinhos

ele produziu uma completa revolução na minha maneira e ver a vida, mostrando-me pela primeira vez um mundo são, limpo, alegre eem que valia a pena viver. Fumar e beber era natural. Ele me alertou contra os

 perigos do excesso do ponto de vista atlético. Ele me introduziu às corridas, sinuca, apostas, cartas e mulheres. Ele me disse como essas coisas podiam ser usufruidas sem se prejudicar ou fazer mal aos outros. Ele me colocou a par de todos os truques. Ele me mostrou o significado da honra. Eu imediatamente aceitei seu ponto de vista e comecei a me

comportar como um ser humano normal, saudável. O mundo de pesadelo do Cristianismo desvaneceu com a aurora. Eu me envolvi com uma garota de teatro nos primeiros dez dias em Torquay, e ao toque do amor

humano os detestáveis mistérios do sexo se transformaram em alegria e  beleza. A obssessão do pecadocaiu de meus ombros no mar do esquecimento. Eu tinha estado quase que sobrecarregado pela assustadora

responsabilidade de assegurar a minha própria danação e ajudar os outros a escaparem de Jesus. Eu descobri que o mundo estva, afinal, repleto de

adoráveis almas danadas; de pessoas que aceitavam a natureza como ela é, aceitavam seu lugar próprio na natureza e o usufruiam, enfrentando coisas mesquinhas e desprezíveis com graça e frimeza sempre que as encontravam. Foi um período de felicidade sem limites para mim. (…) Pela primeira vez amizade honesta, amor pleno, franco, alegre e corajoso, tornou-se possível e real. Eu havia amado a natureza como um refúgio contra a humanidade. Agora eu percebia a beleza do mundo em

conjunção com a beleza da minha espécie. Pela primeira vez o mar  brilhava, as brisas sussurravam outras canções além do louvor à solidão, as flores emprestavam suas fragrâncias e sua alegria para a leve, risonha femininidade; a lua, ao invés de Artemis, era Afrodite. 139 A primavera do jovem Crowley, entretanto, durou pouco. Ele estava tão feliz que suas cartas despertaram a desconfiança da família. O zeloso tio (cumprindo bem 137

Confessions, Capítulo 6.

138

Idem, Capítulo 7. Confessions, Capítulo 7.

139

com seu papel de vilão…) apareceu na cena, roubou a correspondência privada do tutor e encontrou evidências o bastante para demití -lo. Mas, o dano, ou, melhor, o  benefício, já havia sido feito. Uma nova etapa na batalha estava por começar: Era tarde demais; meus olhos foram abertos e eu havia me tornado

como um deus, conhecendo o bem e o mal. Eu estva em posição de tomar a iniciativa. Até então, eu apenas podia almejar escapar do horrível inferno em casa. Agora eu tinha um objetivo; agora eu podia atacar. 140

E deveria ser uma guerra levada à últimas conseqüencias: Tendo dado uma idéia da atmosfera em casa, deve ser entendível que eu estava preparado a sair do meu caminho para realizar qualquer ato que

 pudesse servir como afrimação mágica à minha revolta. Eu estava, de fato, restringido de desenvolver minha mente de qualquer maneira

saudável. Eu não tinah oportunidade de pensar em nada que não fosse combater fogo com fogo. 141

A afirmação mágica escolhida pelo rapaz foi fornicar com uma das criadas na

cama da mãe. Esta passagem da sua autohagiografia, obviamente, traz à mente dos leigos a imediata associação com a idéia freudiana do Complexo de Édipo. Assim, toda a aversão que ele sentia pela mãe passa a ser vista como um recalque de  proporção equivalente à intensidade do desejo que negava. Colin Wilson, entretanto, em sua biografia The Nature of the Beast, apresenta uma contra-argumentação mais  pertinente: Em seu livro sobre Crowley, Israel Regardie 142 argumenta que Crowley

tinha desejos incestuosos em relação à sua mãe 143, e que a consumação em sua cama prova que ele queria violá -la. Esta parece ser uma interpretação desnecessariamente Freudiana da obssessão sexual  perfeitamente direta de Crowley. O sexo havia se tornado para ele outra maneira de afrontar a autoridade, e se ele podia combinar isto com um ato de desafio, o prazer se tornava dez vezes maior. A chave para se entender Crowley é a mesma chave para se entender o Marquês de Sade . Ambos gastaram uma quantidade imensa de energia gritando em desafio

contra a autoridade de que eles tanto se ressentiam, e não tinha o insight  para ver que estavam brandindo seus punhos contra uma abstração. 144 Agora, dizer que a censura a que Crowley estava submetido era apenas uma

“abstração”, por sua vez, é ignorar várias passagens contundentes do seu testemunho: Para ilustrar os princípios domésticos do meu criticismo literário: 140

 Idem.  Idem.

141 142

O livro em questão é The Eye in the Triangle. De fato, a proposição de Freud é a de que todas as crianças tem esse desejo, e que a forma como ele vai se desenvolver depende , em boa parte, da maneira como a criança vai lidar com a presença do pai como rival. A etapa crítica desse processo se dá por volta dos 4 anos, e já vimos bem que, nessa época, Crowley já havia aceitado completamente a autoridade paterna e recalcado forte mente o desejo pela mãe. 144  Colin Wilson, The Nature of the Beast, Capítulo 2. 143

Eu era proibido de ler David Copperfield por causa da “pequena Emily”  – Emily sendo o nome de minha Mãe, eu podia deixar de respeitá -la. Pela mesma razão ela proscreveu as Bab Ballads, recomendadas por um tutor  precipitado, por que “Emily Jane era uma enfermeira!” O Ancient Mariner de Coleridge foi condenado por causa das serpentes marinhas

que ele “desatentamente abençoou”; serpentes tendo sido amaldiçoadas no Genesis!145

Minha prima Agnes tinha uma casa em Dorset Square. Minha mãe me levou lá uma tarde para o chá. Uma cópia de Dr Pascal estava na sala. A  palavra ‘Zola’ chamou a atenção da minha mãe e ela fez um assalto verbal de fúria histérica contra sua anfitriã. Ambas as mulheres gritaram e berraram simultaneamente, entre rios de lágrimas. Não é preciso dizer, minha mãe nunca leu uma linha de Zola 146 - seu nome era simplesmente um pano para uma vaca. 147

É claro, eu não podia ser totalmente impedido de ler. Eu era mantido com muito pouco dinheiro nos bolsos, de forma que eu não podia de forma alguma comprar livros. Mas eu costumava conseguí -los vez por outra, infiltrá-los em casa escondidos na roupa, e me trancar na casa de  banho para lê -los. Um desse livros, me recordo, era The Mystery of a Hansom Cab. Minha mãe considerava o hansom cab 148 uma invenção especialmente criada pelo diabo e qualquer referência a isto era considerada obscena.149

Crowley identificava essa censura histérica, de forma alguma confinada ao seu círculo familiar (veremos, mais a frente, como a máquina de repressão vitoriana atuou contra ele, na fase adulta), como um dos sintomas resultantes da repressao sexual, a  partir de idéias de Sigmund Freud 150, que ele conhecia bem, ao ponto de poder criticá -

las de uma forma que anrtecedeu, por décadas, várias reavaliações que iriam surgir dentro do próprio movimento psicanalítico: Aqui, aliás, está um ponto curioso. E sses bitolados são tão inconsistentes que eu nunca pude seguir o funcionamento de suas mentes.

Existe uma boa quantidade de doutrina em “The Ancient Mariner” que escandaliza cada ítem dos Irmãos de Plymouth, ms minha mãe não  parece ter se ofendido com isto . Minha única sugestão é que ela detestava serpentes por razões Freudianas; ela provavelmente as encontrou em sonhos e tinha portanto boas razões (em seu ponto de vista) para identificá-las com o diabo em sua forma mais condenável. Minha mãe era naturalmente um tipo sensual de mulher e não há dúvida de que a repressão sexual a levou o máximo possível da beira da insanidade. 151 145

The World’s Tragedy, Introdução. Émile Zola (1840 – 1902) novelista francês, principal representante da escola naturalista,  tendo sido também figura importante na liberalização política da França. 147 Confessions, Capítulo 7. 148 “Hansom Cab” era um tipo de carruagem fechada pequena. 149 Confessions, Capítulo 7. 150   Sigmund Freud (1856 – 1939)  foi neurologista austríaco e o fundador da escola psicanalítica de  psicologia, que centrou seus estudos no desejo sexual, na repressão e na mente inconsciente. Crowley cita Freud várias vezes em seus escritos, em geral concordando com a teoria da repressão, mas considerando a visão freudinana da sexualidade reducionista. 151 Confessions, Capítulo 7. 146

O fato, é claro, é que o puritano foi transformado pela repressão em um  pervertido e degenerado sexual, de forma que ele é insano so bre o assunto.152

Muitas pessoas, especialmente Freud, entendem mal a posição Freudiana. ‘A libido do inconsciente’ é realmente ‘a verdadeira vontade do eu mais íntimo’. As características sexuais de um indivíduo são, é verdade, indicações simbólicas de sua natureza, e quando esta são ‘anormais’, nós devemos suspeitar que o eu está dividido contra si mesmo de alguma forma. A experiência ensina as adeptos que iniciam a humanidade que quando qualquer complexo (dualidade) no eu é resolvido (unidade) o iniciado se torna completo. Os sintomas sexuais

mórbidos (que são meramente as queixas do animal doente) desaparecem, enquanto que a consciencia moral e mental é aliviada de sua guerra civil de dúvida e auto -obssessão. O homem completo, harmonizado, flui livremente em direção aos seu objetivo natural. 153 A criada tentou tirar proveito da situação, e, mesmotendo sido dispensada, continuou a chantagear a família. Crowley recorreu a uma pequena conspiração com o dono da tabacaria, que leh forneceu um álibi convincent e o bastante para enganar o tio e desacreditar a criada. O esquema resultou e Crowley teve uma tripla vitória: Eu voltei a ter com meu tio e propus um acordo. Eu lhe diria aonde eu

estava, mas ele não deveia me punir, pois eu havia sido desencaminhado  por más companheiros. Ele ficou bastante satisfeito, e eu confessei,

tremulo e lacrimoso, que eu estivera na tabacaria154. Ele teria duvidade de

um álibi meramente inocente. A garota foi, é claro, desacreditada, e nada mais se ouviu do assunto. E eu a tive na cama da minha mãe! 155 Apesar de tudo, ele ainda teve simpatia em relação à moça, que, aos seus olhos, era mais uma vítima da moral – ele diria “falta de moral” – da época: Este é o estado de coisas que é causado pelo puritanismo. Primeiro nós temos uma garota charmosa levada a tentar a chantagem, depois um

garoto forçado a menos masculina das duplicidades de forma a exercer seus direitos naturais com impunidade, incidentalmente prejudicar uma mulher por que ele não tinha nada além dos mais amistosos senti mentos.

Enquanto as relações sexuais forem complicadas por considerações religiosas, sociais e financeiras, irão elas ser a causa de todos os tipos de comportamento covarde, desonroso e desagradável. (…) Homens e mulheres nunca irão agir dignamente enquant o a moralidade corrente interferir com a legitima satisfação de suas necessidades fisiológicas. A

 Natureza sempre se vinga daqueles que a insultam.156

Mas, essa pequena vitória estava ainda longe de ser definitiva:

152

 Idem. Confessions, Capítulo 6.

153 154 155 156

Quer dizer, na ocasião em que a criada afirmava ter deitado com ele. Confessions, Capítulo 7.

 Idem.

geral, eu era tão bem guardado que   incidentes como esse eram acidentes raros. Eu fui ensinado pela amarga experiência que quase todo mundo podia ser um espião, de forma que a menor indiscrição ao falar  Em

com um estranho aparentemente inofensivo poderia resultar em algum

desastre. As fundações de uma exagerada timidez haviam sido lançadas, a qual nunca me deixou. Eu era praticamente barrado do intercurso

humano, mesmo o dos grandes homens do passado. Minha única consolação era escrever poesia. 157 Crowley nessa época descobriu Shakespeare, que a princípio havia rejeitado  por ser uma das poucas obras não censurads na casa (sua mãe tinha uma edição), e Milton158, cuja obra prima  Paraíso Perdido, apesar de lhe parecer enfadonha em várias partes, cativava sua imaginação em virtude do magnífico retrato de Satã. Nas Confessions, Crowley traça uma interessante análise da obra, que lança luz sobre suas  próprias idéia e tendências: Além de algumas peças regulares de recitação, havia Paraíso Perdido. Este me entediava na maior parte tanto quanto faz agora, mas me

 permitia exultar sobre as figuras de Satã e do pecado. Afinal, Milton era um grande poeta; e seu eu artístico subconsciente era portanto amargamente antagônico ao Cristianismo. Não apenas Satã é o herói, mas o herói triunfante. As ameaças de Deus não “pegaram”. São as forças do mal, assim chamado, que se manifestam em força e forma. As glórias dos santos são tinsel. É impossivel desenhar bondade com personalidade. Na teoria Cristã, a bondade é, de fato, nada mais do que ausência de  personalidade, pois ela implica na total submissão a Deus. A falta original de Satã não é o orgulho; este é secundário. Ela brota da consciência da separação. Agora, é claro que isto é, misticamente falando, pecaminoso, por que o místico mantém que toda manifestação é imperfeição. A teologia Cristã não têm lógica o suficiente para ver, como sua irmã mais velha, a teologia Hindu, que quaisquer atributos que hajam devem distinguir seu possuidor de qualque outro ser possível. Mas seu instinto foi tanto quanto possível nessa direção e consequentemente as  personalidades divinas em Milton são comparativamente descoloridas. Tal foi a transmutação na natureza de Deus efetuada pela construção de uma super-estrutura de filosofia Grega sobre a fundação do selvagem fantasma de Jeová. Minha própria atitude na questão deve ser vista em minhas tendências estéticas. Eu nunca pude tolerar a beleza calma e insípida. A feiura e a decrepitude me revoltam; mas a da força absorve toda a minha alma. (…) A ambição burguesa de passar a vida sem desprazeres me parecia a mais baixa vileza e totalmente de acordo com o

 povo celestial em Paraíso Perdido.159

157

 Ibidem.  John Milton (1608  – 1674) é um dos maiores poetas da Língua Inglesa, e é mais conhecido pelo seu

158

 poema épico  Paraíso Perdido. Milton desisitiu da carreira religiosa em razão do seu espírito independente. Estudou em Cambridge por sete anos, se formando como Mestre de Artes cum laude em 1632.  Enfrentou a prisão em razão de suas posições políticas a favor do parlamentarismo, e depois  perdeu a visão em razão de um glaucoma, tendo di tado tanto o  Paraiso Perdido quando sua continuação,  Paraíso Reconquistado, um feito considerado assombroso. Empobrecido e cego, ele vendeu sua obra maior por 10 libras em 1667. 159 Confessions, Capítulo 7.

É interessante notar que William Blake 160, muitos anos antes, já havia identificado aquilo que Crowley aponta como a rebelião do “eu artístico subconsciente” de Milton, subjacente à sua obra: A razão pela qual Milton escreveu em métrica quando ele escreveu sobre Anjos & Deus, e em liberdade quando dos Diabos & Inferno, é por que ele era um verdadeiro Poeta e da parte dos Diabos sem sabê -lo.161 É possível, mesmo provável, que Crowley tivesse Blake em mente quando fez sua crítica a Milton. Mas, para nós é importante reparar na sua teoria, que, também,  parece ter recebido algo da de Freud: a manifestação livre do gênio humano pode, e era, em seu tempo, ser severamente barrada pelas fórmulas sociais e religiosas que contrariam o livre curso da natureza humana, assim sufocando suas manifestações mais plenas, que são a criatividade e a sexualidade.  Não foi apenas a vocação poética que desabrochou nessa época , mas sua curiosidade científica dirigiu -se ao estudo da Química, no qual se saiu surpreendentemente bem. Ele tinha pouco interesse e paciência com as matérias escolares e desprezava os professores, considerando-os “tão inoportunos e  possivelmente perigoso s quanto os mendigos” 162 , embora sua memória excelente lhe  permitisse permanecer na média sem que fosse preciso o esforço que, entretanto, ele fingia fazer para evitar aborrecimentos.

Minha ativivdade intelctual sempre foi bastante intensa. É por esta mesma razão que eu não podia suportar desperediçar um momento sequer em assuntos que pareciam estranhos ao meu interesse, embora eu não tivesse nenhuma idéia sobre qual fosse esse interesse. Tãi logo eu ouvi falar de química, eu percebi que ela lidava coma re alidade da maneira como eu entendia a palavra. Portanto eu logo sabia o ‘Little Roscoe’ 163  praticamente de cor, embora não fosse matéria escolar. Eu montei um laboratório em Streatham, e gastava todo o meu tempo e dinheiro fazendo experiências. Pode ser inte ressante mencionar como minha mente trabalhava. Eu havia ouvido sobre o petardo como engenho de guerra; e 160

 William Blake (1757 – 1827) foi um dos mais importantes poetas e pintores ingleses, embora tenha vivido na pobreza e sem ser reconhecido. Blake era um visionário, desde criança reportando várias visões de anjos, e acreditava conversar com os profetas da Bíblia. 161

é um dos livros de Blake escritos em imitação aos livros de  profecia bíblicos, mas defendendo as opiniões radicais do seu autor. O livro descreve a visita do poeta ao Inferno, aonde em uma tipografia descobre que o método de impressão usado lá utiliza corrosivos,  pois este método ajuda a “limpar as portas da percepção.”   Uma das frases do livro se tornou extremamente popular durante a Contra-Cultura dos anos 70: "Se a portas da percepção fossem limpas, tudo apareceria  para o homem como é, infinito.”  Neste livro, Blake defende o dualismo moral que veremos depois no Livro da Lei,  pregando por exemplo que “Uma lei para o leão e o boi é opressão.” O livro termina com profecias e uma feroz exortação para que os diferentes p ovos do mundo quebrem as cadeias da opressão política e religiosa. The Marriage of Heaven and Hell

162

Confessions, Capítulo 4.  Little Roscoe foi um dos livros de Química elementar escritos por Sir Henry Enfield Roscoe (18331915), químico inglês que foi vice -chanceler da Universidade de Londres. Seu trabalho inclui uma série importante de pesquisas feitas com o químico alemão Robert Wilhelm Bunsen ( 1811 – 1899) entre 1855 e 1862, que lançaram as bases da fotoquímica comparativa. Bunsen, entre outros feitos importantes, foi 163

o descobridor do césio e do rubídio.

eu estava entusiasmado com isso. Roscoe me ensinou que o clorido de

nitrogênio era o mais poderoso e sensível explosivo conhecido. Minha idéia era dissolvê -lo em algum fluido volátil; alguem então poderia deixar um balde nos portões do inimigo. O fluido iria evaporar e o clorido explodir na primeira vibração. Depois de algumas desventuras menores, eu o misturei com benzina  –   mais um menos um quarto  –  e a coisa toda explodiu e quase queimou a casa toda.

Eu também tinha um plano para a fabricação de diamantes. Através de várias analogias eu cheguei a conclusão de que a verdadeira solução de carbono deveria ser feita em ferro e eu propus cristalizá -la da maneira regular. O aparato necessário era, entretanto, difícil de conseguir dentro das limitações de um garoto de catorze anos e meus diamantes são ainda teóricos. Falando sobre teoria, eu cheguei à conclusão, quena época era uma heresia danada e uma ilus ão perigosa, de que todos os elementos eram modificações de uma substância. Meu principal argumento era que o  peso atômico do cobalto e do níquel eram praticamente identicos e as cores características de seus sais sugeriam a mim que eles eram isomeros como a dextrose e a laevulose. Isto tudo é bastante óbvio hoje em dia, mas eu ainda acho que não foi nada mal para um garoto em sua adolescência no começo dos anos noventa, cuja única fonte era o ‘Little Roscoe’. 164 Além de quase queimar a casa, ele chegou mu ito perto de se matar em 5 de  Novembro de 1891, com um foguete experimental que lhe explodiu no rosto:

Sendo a estrela química da escola 165, eu resolvi me destacar no cinco de  Novembro, 1891. Eu procurei um jarro de dez libras na mercearia, coloquei duas libras de pólvora no fundo e enchi com várias camadas de “fogos” deiferentes e coloridos. Estes eram todos –   exceto pelos

 pequenos ingredientes de vários sais metálicos –  da mesma composição: açucar e clorato de potássio. Para que o sucesso fosse certo, eu revirei todo o pacote para misturar esses ingredientes, com o resultado que eles

foram tão intimamente misturados que, para todos os efeitos e intentos  práticos, produziram clorato em pó! Eu comprimi com bastante força, enterrei o jarro no pátio, coloquei   um foguete no topo e acendi no momento critíco. O foguete havia sido fixado firme demais para subir e o  papel de proteção queimou todo antes que eu pudesse me afastar. Eu não vi e nem ouvi nada. 166

Ele foi socorrido em estado de choque pela mãe e pelo tu tor, levado para o gabinete do diretor da escola para reeber os primeiros-socorros. A explosão abriu um  buraco considerável no chão, destruiu todas as janelas próximas e fez tremer as garrafas na loja de materiais químicos, que ficava a mais de um quarto d e milha do local. Crowley dormiu por noventa e seis horas consecutivas, com curtos intervá -los de semi-consciência. Um médico foi chamado por telegrama, a quem Crowley credita a salvação de sua visão. Ele só pode tirar a venda por alguns momentos no Natal, 164

Confessions, Capítulo 5.

165

Crowley costumava corrigir com freqüencia o professor, um certo Mr. Faber, durante seu período

em Malvern. 166 Confessions, Capítulo 8.

depois que mais de quatro mil fragmentos de cascalho haviam sido retirados de seu rosto.

Muito estranhamente, eu fui a única pessoa machucada. Mesmo assim eu usufrui do episódio; eu era o herói, eu havia feito minha marca! 167 Em Malvern ele ainda teve

que suportar abusos dos rufiões:

Eles logo me descobriram! A fraqueza dos rins causa depressão e covardia física, e os outros garotos não eram simpáticos em relação a rins, considerando-os as partes mais satisfatórias do corpo para socar. Imaginem a minha miséria! A mais poderosa de todas as minhas  paixões –   de longe  – é Orgulho; e aqui estava eu, o objeto de desprezo universal.168

Mas, se ele ainda não dispunha de força o suficente, ao menos havia ganho em astúcia: Assim lutei contra os porcos! Eles me mandaram para Malvern, onde

minha fraqueza me tornou a presa de todo rufião (…) Sodomia era a regra em Malvern; meu companheiro de estudos costumava mesmo ganhar dinheiro com isso. Eu astutamente usei o meu conhecimento do fato para ser tirado da escola.169 Quando ele foi colocado em Tonbridge, entretanto, o regime de vida no campo

havia operado melhoras consideráveis:  Nessa altura eu havia adquirido uma considerável facilidade em usar o melhor de minhas habilidades. Eu tinha em certas áreas muito mais experiência de vida do que muitos garotos de minha idade. Meus feriados, com pescarias, escaladas e corridas atrás de garotas eram cheios e aventuras de um tipo ou de outro, nas quais eu estava sempre dependendo de meus próprio recursos. Quando cheguei a T onbridge eu

havia desenvolvido um tipo de aristocracia natural. As pessoas já começavam a ter medo de mim e já não haviam mais abusos. Minha saíde devia estar muito melhor. A albuminuria gera melancolia e destróia coragem física. Eu estivera, sem dúvida, sujeito a uma constante irritação  por causa da minha fimose e a operação me aliviou. Eu estava, portanto, mais ou menos pronto para enfrentar qualquer um que me irritasse. E as

 pessoas tomavam bastante cuidado para que isso não acontecesse. 170

Em Tonbridge , ele contraiu gonorréia de uma prostituta de Glasgow, fato apenas indicado no texto de The World’s Tragedy, mas que ficou conhecido por uma anotação sua feita em uma das cópias 171. O relato discreto serviu, mais uma vez, de

denúncia contra a moralidade e a educação da época: 167

 Idem.  Citado por Gerald Suster em The Legacy of the Beast, Capítulo 1. 169 The World’s Tragedy, Introduction. 170 Confessions, Capítulo 9. 171  Em The King of the Shadow Real, Capítulo 2, lemos: “Uma nota escrita por Crowle y na margem da 168

sua própria cópia do The World’s Tragedy, onde ocorre esta obscura passagem, penetra o mistério: ‘Eu  peguei gonorréia de uma prostituta em Glasgow.”

Eles me mandaram para Tonbridge; minha saúde teve um colapso; em  parte, pode-se dizer, por causa do que seria minha própria culpa ou azar se eu tivesse sido apropriadamente educado; mas, da forma como foi, era o resultado direto do sis tema vil que, não contente em me torturar, me entregou amarrado e vendado para a ofendida magestade da Natureza. 172

Desta época data o apelido que sua mãe lhe outorgou, sem imaginar todas as conseqüencias futuras do ato. É improvável que ela estivesse a par das predisposições estéticas do seu filho em relação ao simbolismo do Apocalipse, o que teria, com certeza, sido a causa de crises memoráveis. Quando ela começou a chamá -lo de “A Besta”, provavelmente estava motivada pelo conhecimento de sua rebeldia se xual, mas Crowley mais tarde veria no fato a manifestação de uma intuição espiritual similar à que Champney teria tido ao perseguí -lo. Crowley aceitou o título a princípio em tom de brincadeira, mas, com o passar dos anos, tanto ele quanto a mãe passaram a dar uma importância cada vez maior a ele:  Não havia dúvida sobre um certo pairar  do Espírito Santo da Magick sobre as águas calmas da minha alma; mas há pouca evidência desta operação. Eu nunca perdi de vista o fato de que eu era em um sentido ou outro A Besta 666. Existe uma referência jocosa a isto em ‘Ascension Day’, linhas 98 a 111. 173 The Sword of a Song  traz o sub-título ‘chamado  pelos Cristãos o Livro da Besta’. A capa de proteção da edição original tem na frente um quadrado de nove seis e atrás out ro quadrado de dezesseis letras Hebraicas, sendo uma (bastante ruim) transliteração de meu nome de maneira que seu valor fosse 666. Quando fui a Russia para

aprender a linguagem para o Serviço Diplomático, minha mãe meio que acreditou que eu havia ‘ido ver  Gog e Magog’ (que se supunha serem gigantes Russos) para arranjar a data da Batalha de Armagedom.

De certa forma, minha mãe era insana, no sentido de que o são todas as  pessoas que tem compartimentos fechados no cérebro, e mantém com igual paixão idéias incompatíveis, e as mantém separadas para que seu encontro não destrúa a ambas. Pode -se dizer que todos nós somos insanos neste sentido; pois, no final, quaisquer duas idéias são incompatíveis.  Não, mais, qualquer idéia é incompatível com si mesma, pois contém em si mesmasua própria contradição. Minha mãe acreditava que eu era realmente o Anti -cristo do Apocalipse e também seu pobre filho perdido que podia ainda se arrepender e ser redimido pelo Sangue Precioso. 174

É importante ter em mente que Crowley ad ota o simbolismo do Apocalipse, a  princípio, durante sua infância, primeiro como uma reação estética aquilo que o entusiasma, a paixão e a força, o colorido com que essas figuras são apresentadas. No segundo momento, ele as idnetifica como as antagonistas do  status quo familiar e escolar que o decepcionou e que passou a perseguí -lo. Ele sofria, até esse momento, da falta de paradigmas típica do ambiente cristão, onde tudo deve ser necessariamente 172

The World’s Tragedy, Introdução. Parece que, afinal, Archibald Douglas não havia ensinado todos os truques aos seu pupilo. 173  Ascension Day é um dos poemas de The Sword of a Song,  publicado em 1904 antes da revelação do Livro da Lei no Cairo. Sword of a Song contém ainda dois textos importantes para se entender a evolução do pensamento de Crowle y, Berashit –  An Essay in Onthology e Science and Buddhism. 174 Confessions, Capítulo 48.

classificado como de Deus ou do Diabo. Foi apenas com Archibald Douglas que ele

descobriu uma percepção da realidade fora dessa dualidade fictícia: O vislumbre de uma vida normal dado por Archibald Douglas de deixou

completamente são no que diz respeito a minha vida consciente. O  problema da vida não era como a sa tanizar, como Huysmans 175  o teria chamado; era simplesmente escapar dos opressores e desfrutar o mundo

sem qualquer interferência de qualquer tipo de vida espiritual. Meus momentos mais felizes eram quando eu estava só nas montanhas; mas não há evidencia de maneira alguma que este prazer fosse derivado do misticismo. A beleza da forma e da cor, a exilaração física do exercício, e o estímulo mental de se encontrar o caminho em um terreno difícil, formavam os únicos elementos de meu extase. Se eu indulgia em so nhar acordado, isto se dava com sonhos exclusivamente do tipo sexual normal.

 Não ahvia necessidade de criar fantasias de uma satisfação perversa ou irrealizável. É importante enfatizar este ponto, por que eu sempre apareci aos meus contemporaneos como um individuo muito extraordinário obssecado por paixões fantásticas. Mas isto não era de forma alguma natural para mim.176

Crowley aceita e mantém o apelido dado pela mãe, portanto, por duas razões: satisfaz seu sentido poético, e serve como aguilhão contra a superstição cristã contra a qual irá se dedicar ativamente a combater: Eu concluo minha adoção ao 666: Ho! I adopt the number. Look At the quaint wrapper of this book! 177 I will deserve it if I can: It is the number of a Man. 178 Eu assim despedi minhas fantasias místicas sobre o número; eu o

aceitei  por puras razões morais e em termos puramente racionais. Eu queria ser um homem no sentido em que a palavra é usada por Swimburne em seu Hino do Homem. 179

175

  Charles-Marie-Georges Huysmans (1848 – 1907)  foi um novelista francês, que assinava com o  pseudônimo de Joris -Karl Huysmans. Sua associação com o Satanismo vem da publicação em 1891 de  Là-Bas, onde o personagem principal, Durtal, baseado no próprio autor, percorre os ambientes satanistas da Paris decadente. Huysmans em 1895 passou uma semana em um monastério Trapista, d e onde saiu profundamente impressionado. A mudança interior do autor se refletiu nas aventuras subsequentes de seu personagem.  En Route (1895),  La Cathédrale (1898) e  L’Oblat (1903) mostram o  progresso de Durtal, seu conflito durante a estada em um monasté rio Trapista, seus estudos sobre o simbolismo da Catedral de Chartres e sua conversão final a oblato beneditino. Huysmans fez confissão aberta de sua adesão ao Catolicismo, e deixou seu posto no Ministério do Interior, onde havia sido laureado Cavaleiro da Legião de Honra, para residir próximo ao monastério beneditino de Issigny, onde  permaneceu até a expulsão dos monges. Retornou a Paris onde faleceu, após ser promovido a Oficial da Legião de Honra em 1905, por seus méritos literários. 176 Confessions, Capítulo 8. 177

The Sword of a Song.

178

 Ho! Eu adoto o número. Veja/na pituresca capa deste livro!/Eu irei merecê -lo se puder/é o número

de um Homem. 179 Confessions, Capítulo 48.

Mas, como veremos mais a frente, as razões m orais e puramente racionais da adoção do número 666 seriam totalmente varridas durante o evento mais importante da sua vida… Mas, por hora, Crowley, afinal, conseguiu sua vitória. Ele foi mandado  para a casa de um novo tutor em Eastbourne, onde “tinha mais liberdade, e poderia ter sido feliz” 180. Entretanto, revoltado com as “crueldades” a que uma das filhas do tutor estava sendo submetida  –  a família era de Irmãos de Plymouth, e proibiram o noivado da moça, a não ser que o noivo se convertesse – , Crowley acabou causando uma cena de histeria coletiva ao dizer o que pensava, e, mesmo, se oferecendo para levar a “querida ‘irmã’ Isabelle” 181  para a proteção da família do noivo. A ‘irmã’ se recusou a partir, mas, segundo os relatos de Crowley, ele terminou por bater as

cabeças de alguns membros da família umas contra as outras, após o que deixou a casa e foi levado embora pelo tio, chamado às pressas por telegrama. A narrativa de The World’s Tragedy termina o período de forma efusiva: Eles me mandaram para Cambridge 182.

Eu me achei como meu próprio mestre, e me assentei para levar uma vida reta, sóbria e devota; e para recuperar o tempo perdido em educação. Além de assuntos puramente escolares, eles me ensinaram a lutar, a amar a verdade, a odiar a opressão, - e, por Deus! Eu acho que eles me ensinaram bem. Por minha alma, eu devo agradecer a eles!

180

183

The World’s Tragedy, Introdução.

181

 Idem.

182

A Universidade de Cambridge é a segunda m ais antiga universidade da Inglaterra. Sua origem data de 1209, quando um grupo de estudiosos abandonou a Universidade de Oxford, após uma briga com o  pessoal da cidade. A Universidade de Oxford, com suas origens remontando ao fim do século XI e.v., é a mais antiga universidade de língua inglesa. A rivalidade entre as duas universidades é longa e folclórica. 183 Anos mais tarde, depois da publicação de The World’s Tragedy, esses louvores a Cambridge seriam desmerecidos, pela conduta repressora de alguns de seus dirigentes contra o próprio Crowley.

A ESPOSA DECADENTE

O Crowley que chegou a Cambridge já não era o menino meio gorducho que os rufiões de Malvern gostavam de intimidar. À parte das caminhadas e pescarias, o  principal fator na sua transformação em um jovem atlético foi a desc oberta da escalada esportiva, durante uma estadia com a mãe em Sligachan Inn no Skye, no verão de 1892. Ele foi convidado a subir o Sgurr -nan-Gillean com um grupo de verdadeiros alpinistas, e a experiência foi reveladora para ele.  No verão seguinte ele te ntou com sucesso a celebrada caminhada de 24 horas, subindo os quatros principais precipícios em Langdale, um circuito que ele concluiu saíndo com o sol e retornando por volta das onze horas da noite, completente exausto, depois de se encontrar, já no final, com um grupo de resgate que saíra a sua procura. Ele concluiu a narrativa julgando que “fora um feito extraordinário para um garoto” - ele já havia feito dezoito. A partir daí Crowley se dedicou completamente ao esporte, e também a uma segunda atividade de natureza intelctual: o Xadrez.. O tempo em que passou em Eastbourne - antes de brigar cavalheirescamente pela ‘irmã’ Isabelle - era. na maior

 parte, dedicado ao jogo e às escaladas em Beachy Head. É interessante notar que a dedicação de Crowley am amb as as atividades - sua dedicação é uma das chaves para se entender o sucesso que ele alcançaria mais tarde, em outras áreas - o fizeram, ao mesmo tempo, reconhecido e detestado. É esse o Crowley com quem vamos conviver  pelo resto da nossa biografia: uma pessoa sempre atacada, direta ou veladamente, por

apresentar a odiosa combinação de superioridade técnica, louvor ao próprio mérito e crítica impiedosa. O que tornava Crowley difícil de engolir era que ele, em geral, era realmente tão competente e capaz qua nto gostava de alardear aos quatro ventos, fosse como alpinista, jogador de Xadrez, poeta ou magista. Sua estadia como membro da

comunidade de jogadores de Xadrez em Eastbourne é típica desse fenômeno: Eu editei uma coluna de Xadrez na Eastbourne Gazette e criei para mim uma hoste de inimigos por criticar a equipe. Eu queria despertar entusiasmo, insistir no estudo e na

 prática e fazer de Eastbourne a mais forte cidade na Inglaterra. O resultado quase acabou com o clube, mas faltou pouco . Eu usei minha p osição como editor para criticar a formação do clube e tudo mais que me parecesse errado. Eu era absolutamente incapaz de conceber que qualquer

um fosse ficar algo mais do que grato pela crítica contrutiva.

184

Entre o Xadrez e as escaladas, entretanto, su a

preferência era decididamente  para com as segundas, talvez por que estas oferecessem um desafio maior e não dependessem tanto de uma socialização que ele achava difícil. Mais uma vez ele tipificando sua atitude já confessa, ele elegeu para a sua prática e treino o mais difícil e perigoso tipo de terreno: calcáreo: Calcário é provavelmente o mais perigoso e difícil de todos os tipos de rocha. Suas condições variam a cada passo. Muitas vezes é preciso limpar uma imensa quantidade de detritos para se conse guir um apoio. E ainda uma indiscreção nesta operação pode  jogar algumas centenas de tonelada sobre a sua cabeça. Dificilmente se pode estar certo de que qualquer apoio é seguro. 185 Seu primeiro companheiro de escaladas foi o primo Gregor Grant, uma  presença constante durante a sua infância, cuja imporância ele 184 185

Confessions, Capítulo 9. Confession, Capítulo 10.

reconheceu:

A influência do Primo Gregor era suprema. Quando Gregor era Rob Roy, Alick era Greumoch, o escudeiro do fora-da-lei na novela de James Grant. Os MacGregors  pareciam a Alick serem o mais real, injustiçado, bravo e solitário dos clâs. 186

Há um episódio bastante significante. Em alguma história do Motim Hindu havia o retrato de Nana Sahib, um perfil orgulhoso, feroz, cruel e sensual. Era o seu ideal de  beleza. Ele odiava saber que Nana Sahib havia sido capturado e morto. Ele queria encontrar Nana Sahib, tornar-se seu aliado, participando na tortura de prisioneiros, e

ainda sofrer em suas mãos. Quando Gregor Grant fingia ser Hyder Ali, e ele Tipu Sahib, uma vez ele pediu ao seu primo: ‘Seja cruel comigo’. 187

Mas Gregor seria, também, uma causa de desapontamento, o que, por sua vez, ajudou a sedimentar a opinião depreciativa que Crowley teria das mulheres em geral, a qual, entretanto, devemos reconhecer como típica da sua época: 188

Outro choque estava por vir  . Primo Gregor subitamente declarou que ele estava

comprometido com o casamento e que ele achava que não tinha mais o direito de escalar em Beachy Head. Meu ídolo da meninice foi destruído com um golpe. Eu recebi a minha primeira lição naquilo que as religiões do mundo havia decoberto há muito tempo, que nenhum homem que permita a uma mulher tomar qualquer lugar em sua

vida é capaz de fazer um bom trabalho. Um homem que é forte o bastante para usar as mulheres como escravas e brinquedos está  bem. Mesmo assim, sempre há um perigo, embora seja difícil de evitá -lo. Eu acho que um homem devia se treinar para dominar aquilo que é comumente chamado de vícios, de damas a morfina. É inegável que existem muito pouco homens assim. De novo e de novo eu tive os mais promissores  pupilos desistindo da grande obra de suas vidas por causa de alguma maldita mulher que

 podia ser duplicada em uma Loja de Dez Centavos. Não faz diferença que trabalho seja; se vale a pena ser feito, ele demanda toda a atenção, e uma mulher só é tolerável na vida de alguém se ela for treinada para ajudar o homem em seu trabalho sem a menor referência a qualquer outro tipo de interesse. (…) Um homem pode tornar -se seu trabalho, de forma que ele satisfaz a si ao satisfazê -lo; mas a mu lher é fundamentalmente incapaz de entender a natureza do trabalho em si. Ela deve consentir

em cooperar com ele no escuro. (…) A mulher é uma criatura de hábitos, ou seja, de impulsos solidificados. Ela não tem individualidade. 189

 No futuro, várias vezes,  Crowley lamentaria e se desculparia por ser um homem nascido no Velho Aeon, ou seja, nascido antes do Equinócio dos Deuses marcado pela revelação do Livro da Lei. Isto fazia dele um ser ambíguo, incapaz mesmo de compreender e aceitar com perfeição os ditames do seu próprio Livro, e a questão sobre a posição da mulher no Novo Aeon foi sempre um ponto nevralgico na maneira como ele tentou viver e transmitir os ensinamentos recebidos. O machismo vitoriano está sempre presente, por mais que ele defendesse o cr edo de que “todo

homem e toda mulher é uma estrela 190 ,” seus comentários sempre traem a noção

arraigada que ele tinha da mulher como um ser subalterno, uma auxiliar do homem.  No final de sua excelente novela  Diary of a Drug Fiend,  por exemplo, o herói, Sir Peter, se liberta do vício e descobre sua verdadeira Vontade, que era se dedicar à Engenharia; e a heroína Unlimited Lou , por sua vez, que a sua verdadeira Vontade era apoiar o homem que amava. Mas, havia em seu psiquismo uma segunda noção sobre o feminino , uma  percepção arcaica , mitológica - arquetípica,  para usarmos o termo de quem melhor 186

Idem, Capítulo 3.

187

 Ibidem.

188

O primeiro choque foi a reação a publicação de seus recordes em Beachy Head nos jornais locais, que apenas lhe renderam um artigo intitulado “Loucura Insensata Toma Muitas Formas”. 189 Confessions, Capítulo 10. 190 O Livro da Lei, Capítulo I verso 3.

descreveu este nível da nossa mente 191 - que provavelmente foi desperta na primeira infância pela fascinação da Mulher Escarlate do Apocalipse. Crowley nos dá outro testemunho da sua inclinação à idolatria dessa imagem arquetípica: Alguns anos antes, na plataforma de Redhill com meu pai, eu vi em uma  prateleira 192  Across Patagonia  de Lady Florence Dixie . O nome longo me fascinou; eu implorei que ele me compreasse o livro e ele o fez. O nome pegou e eu decidi ser o Rei da

Patagonia. A psicanálise vai ver com prazer que o nome da minha capital era Margaragstagregorstoryaka. ‘Margar’derivava de Margaret, rainha de Henry VI, que era meu personagem favorito na história. Isto é  bastante significante, indicando o tipo de mulher que eu sempre admirei. Eu a quero maligna, independente, corajosa, ambiciosa,

e por ai vai. Eu não posso identificar o ‘ragstag’, mas é provavelmente eufônico. ‘Gregor’ é, claro, meu primo; ‘story’ é o que então era a minha forma favorita de diversão. Eu não posso identificar o ‘yaka’, mas novamente é provavelmente eufônico.193

É tentador elaborar mais sobre as duas idéias opostas sobre a Mulher que Crowley albergava em sua cabeça, pois na seqüencia desse trecho de suas memórias ele confessa: Eu não posso imaginar por que, nessa tenra idade, eu cultivava uma profunda aversão, e desprezo, pela Rainha Vitória. Meramente, talvez, o instinto puro e inocente de uma criança! Eu anunciei minha intenção de liderar as forças da Patagonia contra ela. 194

Então, observemos: ele cria uma cidade imaginária a partir do nome de Margaret, a mulher “maligna” que ele  sempre admirou.195  Ora, no Apocalipse a Mulher Escarlate é associada à Babilônia, o reino famoso pelas maravilha s de sua cidade-estado principal, e uma versão desse nome - BABALON - foi associada por ele à imagem da mulher Escarlate descrita no Livro da Lei. Não apenas isso, assim como na infância ele desejou se aliar a um arquétipo contra seu oposto - liderando o exército da Patagônia contra a própria encarnação da virtude e do puritanismo, a rainha Vitória, o  Livro da Lei, quase uma década depois, se define como uma declaração de guerra contra os ideais até então reinantes. As passagens do Livro se

191

um psiquiatra suíço fundador da psicologia analítica. A  psicologia analítica parte do pressuposto de que o inconsciente é uma parte poderosa –  talvez a mais  poderosa –  do psiquismo humano, e distingue entre um incosnciente pessoal e um coletivo. Estabelecer ou restabelecer a relação do ser humano com o seu inconsciente é fundamental para a saúde psíquica e  para a busca de totalidade, um processo que Jung denominou de individuação.  Neste processo, que vai além da terapia e pressupõe já um estadoprévio de saúde psicológica, os arquétipos podem vir à consciência da pessoa a partir do inconsciente coletivo.  Arquétipo vem do grego arkhe (“primeiro” ou “original”) e typos (“modelo” ou “tipo”). Dentro do contexto Junguiano, os arquétipos são protótipos de idéias inatas e universais e podem ser usados para interpretar observações, passando a ser um modelo genérico, idealizado de uma pessoa, conceito ou objeto. Os quatro tipos funda mentais de arquétipos psicológicos definidos por Jung são o Self, a Sombra, a Anima e o Animus.   Crowley cita   Carl Gustav Jung

(1875 – 1961)  foi

Jung algumas vezes em seus escritos, e embora existam muitos pontos de contacto entre o pensamento de ambos, ele tendia a ver as teorias de Jung co mo sendo o resultado de uma percepção superficial do

 processo iniciático. 192

  Lady Florence Caroline Dixie (1857- 1905), escritora e viajante, visitou a Patagônia depois de casada, entre 1878 e 1879, publicando  Across Patagonia em 1880. Cobriu a Guerra Zulu n a África do Sul para o  Morning Post. Defendeu a igualdade feminina no casamento, divórcio, nas roupas e na

sucessão real, permitindo que a criança mais velha, independente do sexo, herdasse o trono. Lady Florence foi também caçadora, mas em 1891 mudou de posição, publicando The Horror of Sport, onde qualificou a caça como cruel. 193 Confessions, Capítulo 4. 194

 Idem.

195

Ao contrário da própria mãe, que ele afirma ter sempre desprezado.

 prestam tanto a de sua sombra:

retratar a mulher ideal para Crowley quanto a descrever a destruição

Que ela se erga em orgulho! Que ela me s iga em meu caminho! Que ela obre a obra da

maldade! Que ela mate seu coração! Que ela seja gritona e adúltera! Que ela seja coberta com jóias, e ricas vestes, e que ela seja desavergonhada diante dos homens! 196 Que Maria inviolada seja despedaçada sobre rodas: que por sua causa todas as mulheres castas sejam totalmente desprezadas entre vocês! 197 Crowley passaria a vida toda tentando encontrar essa mulher ideal e se

submeter masoquistamente a ela, mas, como se trata de uma imagem arquetípica, nenhuma das candidatas pôde suprir plenamente a sua ânsia, pois todas, invariavelmente, acabaram por se revelar meramente humanas. Em uma lista feita por ele em 1920 isto fica claro: Deixe-me considerar: a vidente Ouarda 198,

candidata Número 1 199 deu-me poder para conseguir O Livro da Lei. Virakam, Número 2, deu -me Livro Quatro 200, em parte, mas colapsou, certamente através da minha própria grande falta de fé nela, mais do que a sua  bastante justificada falta de confiança em mim. Nenhum de nós dois se entregou  plenamente sem reservas a Obra. Terceiro, Soror Hilarion deu- me a Criança da Promessa201, e provavelmente me ajudou a alcançar meu Grau de Magu s. Quarto, Soror 202 Ahitha   ajudou-me a construir o Templo de Juppiter. Eu talvez ainda não possa apreciar o efeito disto; mas se, no geral, a Obra foi arruinada, como aparece na superfície, eu devo novamente culpar a mim pelo destanciamento imperfeito. Eu te nho

certeza de que eu estava atrapalhando os planos dos Deuses enfiando minhas próprias idéias racionais sobre a maneira apropriada de se fazer as coisas. Quinto, Almeira 203, de cuja vocação eu não posso duvidar, parece ter falhado completamente, a não ser q ue ela tenha me dado o destanciamento que eu tanto precisava. Mas eu não sei dizer se ela ainda está no cargo. 204

A Mulher Escalate como representante de um princío mítico está bem

explicada no The Djeridensis Working 205 , durante a regencia de Leah Hirsig, a

 parceira que melhor encarnaria o arquétipo: Eu, A Besta 666, sou chamado para mostrar esta adoração e a enviar ao mundo; através de minha Mulher chamada a Mulher Escarlate, que é qualquer mulher que receba e transmita meu Ser e minha Palavra Solar, é esta minha Obra alcançada; pois sem Mulher o homem não têm poder. Por Nós que todos os homens aprendam que tudo o que pode ser é seu Caminho da Alegria para eles seguirem; e que todas as almas são da Alma da Verdadeira Luz. Eu sou um Sol, dando Luz e Vida ;

mas ela é a sua guia nas trevas, fazendo -os puros, simples de coração, despertos para o Altíssimo. Eu tenho o poder de acender em minha mente a Essência da Alma Abstrata; ela o de tomar tudo o que possa ser querido e próximo e claro para homens e mulhe res, para que eles todos possam encontrar sua alegria em tudo. 206

196

O Livro da Lei, Capítulo III, verso 44.  Idem, verso 55. 198  Rose Edith Kelly (1874-1932), primeira esposa de Crowley. 199  Candidata ao posto de Mulher Escarlate. 200  Magick in Theory and Practice. 197

201

Frater Achad (Charles Stanfeld Jones), Filho Mágico de Crowley por um tempo.

202

 Roddie Minor.  Berthe Almeira Bruce. 204 The Magical Record of the Beast 666. 205 Também chamado The Comment called D, 203

escrito na Tunisia após a sua expulsão de Cefalu.

O último aspecto que quero ressaltar sobre este ponto é que o antagonismo entre essas duas figuras (Maria-BABALON, Vitória-Margaret, Virgem-Protituta) é, de fato,  para ele, um conflito entre imaginação e realidade. Margaret é um personagem idealizado de um livro romântico; Vitória é uma mulher real cuja presença e influência é sentida, mais, ressentida pelo garoto. Vitória existe, e a mulher “maligna” que ele  sempre idealiza (lembrem-se que ele escreve suas memórias por voltas dos quarenta anos) nunca foi realmente encontrada. John Symonds, que nunca consegue

ser inteligente na sua descrição de Crowley, considerava que: Crowley não tinha imaginação. Esta afirmativa pode ser uma surpresa para os que tomam sua vida e comportamento bizarros como imaginação personificada; mas a imaginação surge da restrição aos impulsos, e Crowleynão tinha tais restrições; ele não sublimava nenhum de seus desejos. Se você representa todos os seus impulsos e instintos como ele fazia, você não precisa uma vida interior, imaginária. Ele externalizava a tal ponto que não dava a sua imaginação uma chance. 207

 Na verdade, o que Crowley tinha era uma imaginação extremamente fértil, e o conjunto de arquétipos que a fecundo u veio do Livro do Apocalipse. O segundo ponto que escapa completamente a Symonds 208 é que Crowley tinha uma visão mágica a respeito do homem e da realidade, o que significa, simplesmente, que ele acreditava que o homem podia impor sua imaginação sobre a realidade através de um esforço da sua vontade. Para melhor entendermos esse ponto, consideremos o trecho abaixo,

escrito por um membro da fraternidade oculta da qual Crowley irá participar em  breve: Para praticar magia, tanto a Imaginação quanto a Vontade devem ser chamadas à ação, elas são co -iguais no trabalho. Mais, a Imaginação deve preceder a Vontade para que se  produza o mairo efeito possível. A Vontade sem ajuda pode enviar uma corrente, e esta corrente pode não ser totalmente inoperativa; ainda ass im seu efeito é vago e indefinido, por que a Vontade sem ajuda não envia nada além da corrente de força A Imaginação sem ajuda pode criar uma imagem e esta imagem deve ter uma existência de duração variável. Mas ainda assim não pode fazer nada de importan te, a não ser que seja vitalizada e dirigida pela Vontade. Quando, entretanto, as duas estão unidas –  quando a Imaginação cria uma imagem  – e a Vontade dirige e usa essa imagem, maravilhosos efeitos mágicos podem ser obtidos.209

Esta é, no meu entender, a chave para se decifrar tudo aquilo que Crowley fará em sua vida, depois que receber o treinamento mágico que dará, ao que, como vimos, era uma tendência já existente de tentar lidar com a realidade através da força misteriosa dos símbolos que o inspiravam, uma maior consciência e um método  prático. Isso vai explicar a sua interpretação do Grau de Magus 210, o valor  paradigmático da sua vida como Logos do Aeon e, também, toda a ordália masoquista aos pés da sua melhor Mulher Escarlate: o que Crowley tentou, com toda a sua força e vontade, com todo o seu conhecimento e inteligência,  foi transformar o mundo em que vivia de acordo com sua imaginação.211 206

The Comment called D, comentários aos versos 15 e 16 do Capítulo I de O Livro da Lei. The King of the Shadow Real, Prefácio. 208  Alguns diriam q ue lhe escapava, justamente, por falta de imaginação... 209  Flying Roll Nr. V, publicado em Ritual Magic of the Golden Dawn, editado por Francis King. 210  Magus é um dos títulos de Iniciação usados na Aurora Dourada, como veremos depois. 211   John Symonds ao menos reconhece esta platitude: “Ele tentou controlar a realidade através  pensamento mágico.” Em The King of the Shadow Real, Prefácio. 207

do

Essa Grande Obra mágica, usando o termo preferido por ele, se inicia com o ataque e destruição daquilo tudo que a rainha Vitória tão bem representara, e a morte da velha regente deve ter tido um forte impacto em seu psiquismo: Quando voltamos a Amecameca, fomos imediatamente prestar nossos respeitos ao

Jefe Politico, convidá -lo para jantar e participar de nosso triunfo 212. Ele havia sido muito gentil e útil ajudando -nos em vários preparativos. Quando ele nos viu assumiu um ar de melancolia simpática. Nós nos perguntamos o que isto podia significar. Aos poucos ele nos deu as terríveis novas. A Rainha Vitória estava mor ta! Para surpresa do digno  prefeito, nós irrompemos em gritos de alegria e em uma improvisada dança de guerra. Eu considero este incidente bastante importante. Ao ler  Eminent Victorians  de Mr Lytton Strachey 213, e ainda mais o seu Queen Victoria, e também ao   discutir o

 período com as gerações mais jovens, eu encontro uma total falha em apreciar a atitude dos artistas e pensadores avançados que lembram do jubileu dela. Eles não podem  perceber que para nós Vitória era pura sufocação. Enquanto ela viveu era impossível dar um passo em qualquer direção. Ela era um grande e pesado nevoeiro; nós não podíamos ver, nós não podíamos respirar. (…) É difícil dizer por que Rainha Vitória deveria ter sido o símbolo deste extraordinário estado de animação suspensa. Mas havia   algo em sua aparência física e seu caráter moral que apontavam para ela como a imagem perfeita dessa idéia inibidora. 214

Embora Crowley não mencione os dois fatos em conjunto, é extremamente significativo que, 66 dias antes da morte da rainha Vitória, Cro wley teve a sua  primeira experiência profética, embora ele mesmo não o tivesse percebido na época. Trata-se da visão dos Aires TEX e RII, os dois planos mágicos do sistema enochiano215  utilizado pela Aurora Dourada 216, que Crowley invocou no México. A visão prenuncia o Fim do Mundo, que para Crowley teria um significado iniciático, diferente da interpretação literal do Apocalipse:  Nós começamos a conversar sobre o fim do mundo, um assunto que parecia fasciná -lo. Sua expressão se tornou pensativa e ele disse em voz baixa, ‘A História nos esclarece. Os antigos Hebreus acreditavam que o fim do mundo viria após sete mil anos da criação’. Ele parou, bebericou seu brandy. ‘Depois, nós temos as profecias do Evangelho: Cristo era para retornar dentro do tempo de vida de um ou mais de seus

discípulos e reinar na terra por mil anos.’ Outro gole de brandy. Este, obviamente, era um assunto que ele tinha na ponta da língua. ‘A morte do último Apóstolo, São João de Patmos, deixou as coisas um pouco confusas.’ Quando Crowle y falou de novo, foi com ironia. ‘A próxima coisa que vem à minha mente é a crença de que o fim do mundo chegaria em mil anos AD, e esta crença estava tão difundida que afetou o curso sa história secular. Quando esta predição falhou, houve de novo confusão.’ Ele continuou nesta linha por algum tempo, mencionando vários Falsos Profetas, como Joanna Southcott 217, Charles Piazzi Smyth 218, o Astrônomo Real, que baseou seus 212

 Crowley se refere a algumas escaladas bem sucedidas com Oscar Eckenstein.  Giles Lytton Strachey (1880 – 1932) foi escritor e crítico inglês, sendo conhecido por ter estabelecido

213

uma nova forma de biografia onde insight psicológico e simpatia se combinam com irreverência e humor.  Eminent Victorian de 1918 foi seu primeiro grande sucesso e sua realização mais famosa. Trata-se de quatro biografias de heróis vitorianos, cujas fraquezas humanas ele expões com humor seco, ao mesmo tempo em que denuncia a hipocrisia da moralidade vitoriana. 214 Confessions, Capítulo 25. 215   O sistema enochiano é o nome dado usualmente ao conjunto de prescrições

mágicas deixadas por John Dee, importante mago e filósofo do renascimento. Ver adiante Capítulo 9. 216 A  Hermética Ordem da Aurora Dourada foi uma das mais influentes organizações ocultistas modernas. Ver adiante Capítulo 10. 217  Joanna Southcott (1750-1814), era uma profetisa auto- proclamada. Foi empregada doméstica por  bastante tempo, até que 1792 passou a afirmar que possuía dons espirituais.   Joanna escreveu e ditou  profecias rimadas e anunciou ser a a mulher descrita no Livro do Apocalipse 12:1 -6. Vindo a Londres,

começou a marcar os 144.000 eleitos por um preço q variava de doze shillings à um guinéu. Aos sessenta e quatro anos Joanna afirmo i que daria à luz o Messias, mas na data marcada de 19 de Outubro

cálculos na Grande Pirâmide (a Pirâmide de Kheops), Anna Kingsford 219, e um cockney chamado Noribun 220; também o famoso Nostradamus 221, um profeta que ainda não se  provou ser falso.

‘Nostradamus’, ele disse, ‘computou que o fim do mundo chegaria em 1999.’ Ele não esgtava impressionado com esta predição. ‘De fato,’ ele disse, chegando afinal ao ponto, ‘o mundo foi destruído pelo fogo em 20 de Março, 1904.’ ‘Mas nós ainda estamos aqui,’ eu murmurei. ‘Isto é, de acordo com a Doutrina Iniciática.’ 222

Mas, aqui já nos adiantamos em demasia... Vamos seguir o aviso dado a Crowley na visão do Aire TEX: Até que o Livro do Leste seja aberto! Até que soe a hora. Até que a Voz vibre! Até que rasgue minha Profundidade  Não olhe para Cima!  Não olhe para Baixo!223

Guardemos, por enquanto, apenas a noção de que, para o magista, é possível usar o símbolo como meio para a materialização da Vontade; e que coincidências estranhas - Jung chamaria de sincronicidades - irão acontecer cada vez mais na vida de 1814 ela foi apenas encontrada em transe,tendo morrido pouco tempo depois. Joanna teve um número considerável de seguidores, beirando os 100.000 na época de sua morte. Ela deixou uma caix a fechada com profecias para ser aberta em uma epoca de crise pelos 24 bispos da Igreja da Inglaterra.

Em 1927, o bispo de Grantham abriu a caixa, mas dentro foram encontrados papéis sem importância, um bilhete de loteria e uma pistola. Um grupo de seguido res de Joanna, a  Panacea Society, formado em

1920, lançou uma campanha na década de 60 e 70 para que a “verdadeira caixa” fosse aberta. Joanna  predisse o fim do mundo para 2004. 218 Charles Piazzi Smyth (1819 – 1900)  foi

Astrônomo Real da Escócia entre 1846 e 1888,  bastante conhecido por suas inovações na astronomia. Smyth viajou ao Egito onde realizou as mais acuradas medições da Grande Pirâmide até então, e  foi o primeiro a fotografar as passagens interiores, usando luz de magnésio, além de utilizar instrumentos para determinar suas latitudes e longitudes exatas. Seus cálculo o levaram acreditar que os construtores haviam utilizado uma medida divinamente rev elada, entregue por Deus aos israelitas, conjecturando que estes seriam na verdade os invasores Hyksos, e que

terima construído a pirâmide sob o comando de Melchizedek. Ele acreditou que as medidas da  pirâmide contivessem informações proféticas. Suas teori as foram ridicularizadas depois que o eminente egiptologista Willian Matthew Flinders Petrie (1853- 1942) realizou novas medições que provaram que a pirâmide era vários pés menor do que havia se pensado. O nome de Smyth foi dado a uma cratera lunar. 219  Anna Bonus Kingsford (1846-1888) foi uma das primeiras médicas inglêsas, defensora dos direitos das mulheres, do vegetarianismo e da campanha anti- vivissecação. Tornou -se presidente da Sociedade Teosófica (ver Capítulo ??) em 1883. Afirmava ter recebido insights místicos em transe e no sono, os quais foram publicados após sua morte no livro Vestida com o Sol. É possível que Crowley tivesse

Anna ou a profetisa Joanna (ou ambas) em mente quando descreveu os delírios causados pela heroína na personagem Unlimited Lou, em  Diary of a Drug Fiend, que em determinado momento se identifica

também com a Mulher Vestida de Sol do Livro do Apocalipse. 220 221

 Nostradamus (1503 – 1566) é

o nome latinizado de Michel de Nostredame, um dos pseudo -profetas mais famosos da História. Ele é mais conhecido pelo livro  Les Propheties, publicado em 1555. Pesquisas acadêmicas recentes, principalmente na França, baseadas na redescoberta das edições originais de 1555 e 1557 e na análise da correspondência de Nostradamus, mostram que muitas das  predições atribuídas a ele simplesmente não batem com os fatos. Várias das associações feitas entre fatos mundiais e suas centúrias foram resultado de erros de interpretação e de tradução, muitos deles deliberados. E permanece o fato de que ninguém foi capaz de utilizar as centúrias para prever um acontecimento, mas apenas interpretar fatos já ocorridos. 222 The Great Beast, de John Symonds, Capítulo 31. Este é um relato do primeiro encontro de Symonds com Crowley, em 1945. 223 The Vision and the Voice.

revelação do Livro da Lei.

Eu interpreto esta parte da profecia como fazendo referência à futura

de Crowley; e que ele as tentaria causar e interpretar através de um sistema simbólico específico, a Cabala mág ica da Aurora Dourada. Se ele tivesse percebido, por exemplo, a coincidência da sua visão ter ocorrido 66 dias ants da morte da rainha, ele teria certamente raciocinado que 66 = 6 X 11, onde 6 é um número solar e 11 o número da Magick e do Arcano de Tarot associado ao Signo de Leão 224. Assim, 66 representado a entrada do Sol em sua Regência, profetizaria a sua futura consagração como Logos Solar, após o fim da Velha Era, representada pela morte da rainha. O Leão é um dos símbolos principais do Novo Aeon 225, em oposição ao Cordeiro, e já aparece na visão de RII: Eu me virei para o Sul e eis! Um grande leão 226 como se ferido e perplexo. Ele bradou: Eu conquistei! Que os Filhos da Terra guardem silêncio; pois meu Nome se tornou como Aquele da Morte!

Quando irão os homens aprender os Mistérios da Criação? 227

As escaladas do período anterior a sua entrada na universidade foram palco de dois eventos extraordinários. No primeiro, enquanto escalava a Chaminé do Diabo, ele “ouviu” o chamado psíquico de sua mãe: Eu tentava

fazer uma nova escalda no lado oesta da Chaminé do Diabo e tinha já descido alguma distância, quando de maneira bem distinta eu a escutei chamando por socorro. Nessa época eu não tinha nenhum contato com fenômenos psíquicos, mas mesmo assim eu reconheci o chamado como sendo deste tipo; ou seja, eu tive uma

intuição direta de que era assim. (...) Eu não tinha nenhuma razão para supor que o  perigo fosse urgente; mas eu corri como um louco ao topo do penhasco, sobre ele e para  baixo para a Grass Traverse. Eu a alcancei a tempo de salvar a sua vida, embora não 228 houvesse muitos segundos sobrando.

A sua análise sobre o fato é interessante para nós: Eu nunca dei muita atenção às estórias usuais de pessoas aparecendo à distância no momento da morte e outras do tipo; nem o fato de algo tão similar ter realmente acontecido comigo me torna inclinado a acreditar em tais estórias. Eu não posso oferecer qualquer explicação, além da teoria mágica convencional de que uma suprema explosão de vontade é às vezes capaz de colocar em movimento forças que não podem ser invocadas em circunstâncias ordinárias. 229

E, como não podia deixar de ser, fiel ao seu próprio estilo, ele se refere ao salvamento da mãe como um “lamentável incidente de impulso humanitário”.230 Talvez para camuflar o fato de que, ao pressentí -la em perigo, ele tenha “corrido como um louco”... 224

 No Tarot de Toth que Crowley criou já no fim da vida, esse Arcano recebeu o título de  Lust, ao invés do antigo que era Força.  Lust é um dos termos usados por ele impossíveis de serem traduzidos adequadamente ao Português, pois “Luxúria”, o termo mais próximo, serve melhor ao título do Quatro de Copas, que se chama Luxury no original. 225

 Novo Aeon é o período presente da evolução humana, de acordo com Crowley.  Em uma nota a esta passagem, Crowley escreveu: “Esta é a Besta 666, ainda despreparada para Sua Obra. Mas já (1900 e.v.) Ele era temido por Seus colegas Magis tas. Sul: lugar apropriado do Sol em sua força. 227 The Vision and the Voice. É interessante notar a possível correlação entre o ferimento do Leão e o da Primeira Besta mencionado em Apocalipse ???? , e também o testemunho de Lady Frieda Harrys, de que as últimas palavras que ouviu de Crowley, no final da vida, foram: ‘Eu estou perplexo.’ Ainda, a expressão “Eu conquistei” prenuncia seu motto mágico de Mestre de Templo, como depois veremos. 228 Confessions, CApítulo 10. 229 Confessions, Capítulo 10. 226

230

 Idem.

O segundo fato extraordinário foi ter sido atingido por um raio, atraído pelo seu machado de alpinista: Resta um notável incidente de minhas escaladas em Cumberland.   Eu estaa tentando algumas novas rotas no Pillar Rock um dia, quando fui pego por uma terrível tempestade. Para minha sorte, da maneira como depois se viu, eu estava encharcado até os ossos em dez minutos. Qualquer outra escalada séria sendo impossível, eu  comecei a voltar para Wastdale. Ao se fazer isto se cruza a ponta da Pillar Mountain, na qual corre uma cerca de arame para ovelhas. Eu a atravessei; e, a tempestade aumentado em violência, minha atenção foi atraída pelas pequenas chamas de eletricidade q ue

 brincavam sobre as estacas de ferro. Eu esqueci sobre o meu machado. A próxima coisa que sei é que fiu jogado ao chão. Eu mal posso dizer que eu senti qualquer choque elétrico definível: mas eu sabia o que devia ter acontecido. Eu fui tomado por uma cur iosa mistura de exilaração e terror; e arremeti pela face da montanha a baixo pelo seu  ponto mais escarpado, saltando de rocha a rocha como um bode. Eu facilmente bati o

record do topo até o hotel! 231

Mas, voltemos a Cambridge. Após o incidente em Eastbourne com a família do tutor, Crowley viajou para a sua segunda visita aos Alpes (a primeira havia sido

em 1894, um ano antes), desta vez sob sua própria resposanbilidade. Ele considerou isto um sinal de seu triunfo sobre sua famíla que, depois do incidente citado, “começou a perceber que eu havia alcançado o estágio onde podia causar tantos aborrecimentos para eles como eles para mim” e “havia falhado em quebrar o meu espírito”.232 A prova definitiva da sua vitória foi o telegrama mandado por eles informando que haviam decidido deixá -lo ir para Trinity233. O exame de entrada seria dali há uma semana e, mesmo sem tempo para se preparar, ele passou sem dificuldades, seguindo o conselho de Browning de “saudar o Desconhecido com ânimo”.234 A mudança foi saudada por ele com júbilo: Quando fui para Cambridge no termo de Outubro de 1895, eu tive a sensação de tomar um grande fôlego, como faz alguém após nadar debaixo d’água, ou (uma analogia ainda melhor) como faz alguém após se atar contra ador causada pelo dentista. Eu não podia imaginar nada melhor na vida. Eu me encontrei subitamente em um mundo inteiramente

diferente. Eu era parte das glórias do passado; e fiz a firme resolução de ser uma das glórias do futuro. Eu gostaria que o quarto assombrado sobre o Grande Portã o de Trinity fosse transformado em uma catacumba como a de Christian Rosencreutz para receber o

meu sarcófago.235 Crowley imediadamente iniciou um intenso programa de estudo, ditado mais

 pelas suas idiosincracisas do que o currículo da faculdade: Até que o Grande Portão de Trinity abrisse para mim o caminho da liberdade eu sempre estive mais ou menos obssecado pela fraqueza física ou incubus da adolescência. Eu nunca soubera o que é poder trabalhar livre e alegremente. Agora, entretanto, eu  podia me entre gar com absoluta concentração à literatura e eu li absolutamente tudo que é importante na língua. Por exemplo, eu li todos os escritos de pessoas como Carlyle 236, 231

 Ibidem. Confessions, Capítulo 11.

232 233

Trinity College é uma das faculdades constituíntes da Universidade de Cambridge, de fato a maior

de todas. Foi fundada pelo rei Henry VIII (1491-1547) em 1546, atendendo ao pedido de sua sexta espôsa, Catherine Parr (1512 -1548 ), que intercedeu contra uma provável expropriação de Cambridge.

234

Confessions, Capítulo 11. Confessions, Capítulo 12. 236   Thomas Carlyle (1795 – 1881)  foi 235

ensaísta, satirista e historiador escocês. Criado em uma família Calvinista estrita, desistiu de seguir a carreira de pregador ao perder a fé no cristianismo, durante seus estudos na universidade de Edimburgo. Seu trabalho combinava a perda da fé com um temperamento

Swift237, Coleridge238, Fielding 239, Gibbon240, e por ai vai. Desta forma eu obti uma idéia muito mais compreensiva desses homens do que se eu tivesse, como as pessoas em geral 241 fazem, pego apenas as obras-primas.

Ele se recusava, com receio de ter seu estilo influenciado pelos autores

contemporâneos, a ler qualquer coisa escrita por alguém que não tivesse morrido há mais de cinquenta anos, a não ser que chamasse sua atenção por uma razão especial,

como foi o caso de Swinburne 242, por que um dos seus amigos era louco, e o reconheceu logo como um clássico. Ele abriu exceção também com a tradução de The  Arabian Nights243 feita por Sir Richard Burton244, por ser uma obra-prima

estabelecida e esta a sua melhor tradução. Burton, o grande aventureiro de inspiração mística, ficara famoso, entre muitas outras coisas, por ter sido o primeiro ocidental a entrar em Meca, disfarçado de muçulmano afegão. Ele serviu de modelo a Crowley em suas futuras aventuras e, quando o vemos trajado como árabe em várias

fotografias, viajando pelo deserto como mullah245 e assumindo a personalidade de um nobre Persa, imediatamente somos lembrados de Burton, uma das “Três Imortais

Memórias” a quem dedicou sua autohagiografia: “o perfeito pioneiro da aventura  física e espiritual”.

quê o tornou popular em uma época de crise de valores como foi a Vitoriana. Suas idéias foram influentes tanto no desenvolvimento do Socialismo como do Fascismo, tendo Carlyle tendido para este último na década de 1840. Ele defendeu a importância da liderança heróica em “Heroes and Hero Worship,” onde fez a comparaçào de diferentes tipos de herói. O herói  para Carlyle é o home que floresce no sentido pleno, enfrentando um mundo cheio de contradições. Todo herói tem faltas, mas seu heroísmo está no uso de su a energia criativa em face das dificuldades, não em sua perfeição moral. Desprezar tal pessoa é a filosofia dos que buscam conforto no convencional. Crowley pode ser considerado um herói carlyliano típico. 237  Jonathan Swift (1667 – 1745) foi um sacerdote anglo- irlandês, escritor, satirista, panfletário político e  poeta. Ele é mais conhecido por ser autor de  As Viagens de Gulliver, uma sátira mordaz aos costumes da época na forma de fábula. 238   Samuel Taylor Coleridge (1772 – 1834)  foi poeta, crítico e filósofo, um dos fundadores do Movimento Romântico na Inglaterra. Seus poemas mais famosos são The Rime of the Ancient Mariner  e Kubla Khan. Coleridge tentou criar uma utopia comunista chamada Pantisocracia, projeto que não foi adiante. Ele começou a usar ópio por volta de 1796, como anestésico para uma série de problemas crônicos, como neuragia facial. Seu poema  Kubla Khan foi escrito como resultado de um sonho de ópio. 239  Henry Fielding (1707 – 1754) foi novelista e dramaturgo inglês, conhecido pelo seu huomor e sátira. Foi também Juiz de Paz e o criador da primeira força policial de Londres. Sua obra mais famosa é Tom  Jones, uma meticulosa novela picaresca que narra as aventuras de uma criança de rua que acaba essencialmente religioso, o

ficando rica. 240   Edward Gibbon (1737 – 1794)  foi historiador e Membro do Parlamento inglês. Sua obra mais importante é The History of the Decline and Fall of the Roman Empire,  publicado em seis volumes entre  1776 and  1788. Esta obra é conhecida pela qualidade e ironia da sua prosa, seu uso de fontes  primárias e sua aberta denigração da religiã o organizada. 241 Confessions, Capítulo 13. 242  Algernon Charles Swinburne (1837 – 1909) foi poeta inglês, altamente controverso por seus temas sobre sadomasoquismo, desejo de morte, lesbianismo e irreligião.   Estudou em Oxford, onde foi rusticado, ou seja, temporariamente expulso. 243  As Mil e Uma Noites. 244 Sir Richard Francis Burton (1821 – 1890)  foi explorador, tradutor, escritor, soldado, orientalista, etnologista, linguistae poeta inglês. Suas façanhas mais famosas foram a entrada em Meca, disfarçado

de muçulmano, tenos sido o primeiro ocidental a conseguir o feito, e a expediçào aos Grande Lagos da África em busca da nascente do rio Nilo. Traduziu do árabe The Book of the Thousand Nights and a  Night e o Kama Sutra. 245  Mullah, palavra persa,

no sentido estrito se refere ao homens que estudaram o Corão e as tradições islamicas. Mullahs lideram as preces nas mesquitas, fazem sermões religiosos e ensinam nas madrasahs, escolas ou centros de estudo. Em sentido geral, indica um religioso estudado ou homem santo.

O método de leitura usado por ele, e suas motivações na época, são também dignos de nota: Meus três anos 246  foram determinados pela influência de um homem do quarto ano chamado Adamson, que eu acredito ter encontrado no clube de Xadrez. Ele começou a falar comigo sobre literatura Inglêsa. Pela primeira vez eu ouvi o nome de Shelley 247. 248 Wie gesagt, so gethan.   Nada mais me  pareceu valer a pena além de uma leitura completa das grandes mentes do passado. Eu comprei todos os autores clássicos. Sempre que encontrava uma referência de um a outro eu me apressava em encomendar suas obras. Eu gastava todo o meu empo lendo. Era muito raro ir para cama antes da luz do dia.249

Meu plano de ir de cada autor à aqueles que ele citou tinha uma grande vantagem. Ele estabeleceu uma consecução racional na minha busca; e tão logo au atingi certo ponto as curvas se tornaram re-entrantes, de forma que meu conhecimento adquiriu uma

compreensão que nunca poderia ter sido tão satisfatóriamente obtida por nenhum currículo arbitrário.250 É difícil dizer qual o motivo me impeliu a trabalhar tão desesperada e duramente como fiz. Boa parte do trabalho er a qualquer coisa menos agradável; na época, não menos do que agora, me parecia bastante inútil. Mas eu tinha um forte senso de obrigação sobre isto. Acho que a idéia era mais certificar que eu conhecesse tudo o que havia para ser conhecido, e incidentalmente evitar a possibilidade de plagiarismo. Havia um certo

toque de vaidade na questão também. Eu achava vergonhoso deixar qualquer coisa sem ler. Eu estava influenciado pela indicação imbecil de Ruskin 251  de que qualquer livro que valesse a pena ser lido vali a a pena ser comprado, e como conseqüencia adquiri livros literalmente a quilo. 252

Estudos de Psicologia há muito estabeleceram a existência de uma correlação entre genialidade e sexualidade, e Crowley deixou um testemunho típico: Mas em Cambridge descobri que eu era de uma natureza intensamente passional,

fisiologicamante falando. Meu instintos poéticos, também, transformavam a mais sórdida ligação em romance, de forma que a impossibilidade de se contrair uma ligação séria e adequada não me incomodava. Eu descobri, entretanto, que qualqeur tipo de satisfação agia como um poderoso estímulo espiritual. Toda aventura era a causa direta do meu escrever poesia. Em períodos de supressão meu cérebro ficava completamente entupido; eu era incapaz de qualquer tipo de pensamento como se tivesse uma dor-dedente.

Eu tinha um genuíno rancor contra o sistema por causa disto. Meses inteiros da minha vida, que poderiam ter sido proveitosamente gastos em todos tipos de trabalho, foram

tomados pelas mórbida regurgitações de um apetite insatisfeito. Repressão é mentalmente tão doentia quanto constipação, e eu estou furioso, até agora, que alguns dos melhores anos da minha vida , que poderiam ter sido gastos adquirindo conhecimento, forma esterilizados pelo sufocante estupo r da preocupação com sexo.

 Não é que minha mente estivesse trabalhando no assunto; ela estava simplesmente inapta para o trabalho. Era uma necessidade cega, horrível por alívio. As necessidades dos homens nesse sentido variam enormemente. Eu era, sem dúvid a, um caso excepcional. Mas eu com certeza achava mesmo quarenta e oito horas de abstinência suficiente para cegar o fino corte da minha mente. Ai daquele por quem a ofensa vem! A estupidez de ter que gastar incontáveis horas preciosas caçando aquilo que d everia ser

deixado na porta de trás todo dia, com o leite!

246

Crowley passou três anos em Cambridge.

247 248 249

Confessions, Capítulo 12.  Idem, Capítulo 13.

250 251 252

Confessions, Capítulo 13.

Cambridge é, claro, o lugar ideal para um rapaz na minha situação. A prostituição é,  para todos os intentos e propósitos, inexistente, mas quase todas as mulheres jovens do distrito estão prontas a cooperar no espírito apropriado –  o do romance e da paixão. 253

A visão machista e utilitarista de Crowley em relação às mulheres, entretanto, tinha suas compensações: Eu devo aqui indicar que o sistema social da Inglaterra torna impossível para um homem jovem de espírito e inteligência satisfazer sua natureza em relação ao sexo de qualquer maneira razoável. A garota jovem de posição semelhante à sua está sendo engordada para o mercado. Mesmo quando a sua própria situação torna possível para ele obtê-la ele tem que pagar um preço assustador; e se torna mais difícil do que nunca para ele desfrutar da companhia feminina. A monoginia é um absurdo para qualquer um com uma grama de imaginação. Quanto mais facetas ele têm em sua natureza, mais mulheres ele pr ecisa para satisfazê -las. O mesmo é, claro, verdadeiro, mutatis mutandis, para as mulheres. Uma mulher arrisca sua condição social por causa de um único experimento.254

As pessoas deveriam casar por conveniência e concordar em seguir seus caminhos separados sem ciúmes. Deveria ser uma questão de honra para a mulher evitar complicar a situação com filhos de outros homens, a não ser que seu marido esteja disposto, o que ele estaria se ele realmente a amasse. É monstruoso para um homem pretender ser devotado a assegurar a felicidade de sua mulher e ainda assim desejar privá -la da supremaalegria de uma mulher: a de ter um filho com o homem a quem ela deseja

sexualmente, e que é portanto indicado pela natureza como o pai apropriado, embora ele  possa ser totalmente inadequado como marido. (…) Nós temos ouvido muito nos anos recentes sobre a liberdade da mulher. Elas conseguiram aquilo que elas achavam que

queriam e isto não lhes serviu de nada. Elas devem adotar o slogam, ‘Não haverá  propriedade em carne humana’. Elas devem treinar os homens para satisfazer o egoísmo sexual delas, enquanto, é claro, permitindo a eles a mesma liberdade que elas mesmo irão desfrutar. As verdadeiras ofensas contra o casamento surgem quando a liberdade sexual resulta em causar dano pa ra a saúde ou fortuna do parceiro. Mas o dano sentimental da assim chamada infidelidade é um sintoma do infantilismo da raça. 255  É comumente suposto que as próprias mulheres são o maior obstáculo a tal arranjo.  Mas isto apenas por que elas foram treinadas a pensar que a felicidade e bem-estar dos

 filhos depende delas apoiarem o sistema existente. Quando você ataca uma mulher  sobre este assunto ela pretende estar muito chocada; e histericamente nega os fatos

mais óbvios. Mas ele cede sob examinação cruzada com as conclusões acima em curto espaço de tempo. Pois as mulheres não tem moralidade da forma como é ordinariamente entendida em Anglo-Saxonismo. As mulheres nunca deixam ideais

interferirem com seu bom senso prático. Elas também são influenciadas por seu egoísmo; é natural para elas colocar o interesse dos filhos angtes dos seus. Os homens,  por outro lado, são difíceis de convencer. Quando forçados a analisar a situação, eles não chegam à razão mas ao preconceito, e isto é puramente o desejo bestial e descerebrado pela possessão exclusiva. A Antropologia prova estes teoremas completamente. O primeiro passo na civilização é restringir as mulheres da infidelidade. As instituições do pardah 256, sati257 e as leis de casamento, todas mostram que os homens pensam que as mulheres devem ser guardadas

à chave, enquanto que as mulheres sempre perceberam que é impossível e indesejável  prevenir os homens de tomar sua felicidade aonde quer que eles a encontrem. A emancipação das mulheres, portanto, depende inteiramente em deixá -las livre para agir como fazem os homens. Seu bom senso vai impedi- las de causar danor reais; e além disso, sua completa independência e felicidade irá encorajá -las em nobreza e generosidade. 253

Confessions, Capítulo 13.

254

Idem, Capítulo 12. Confessions, Capítulo 12.

255 256 257

 Nós já vemos, na América, os resultados da emancipação das mulheres dos grilhões econômicos. Há uma imensa classe de garotas solteiras (e de mulheres casadas cujos maridos são estritamente máquinas de negócios) que pegam homens com a mesma desenvoltura que o “sangue novo” pegava mulheres em meu tempo em Cambridg e.258

Se fossemos tentar resumir as opiniões de Crowley sobre as mulheres, creio que elas se dividiriam em dois pólos, não necessariamente opostos ou contraditórios: as mulheres são seres inferiores ou subalternos mas, por outro lado, têm todo o direito à liberdade de ação e escolha. A adesão aos ensinamentos do Livro da Lei, mais tarde, o faria aceitar que elas também têm uma Vontade verdadeira a descobrir e realizar, e ele nunca discriminou uma mulher quando esta assumia a posição de discípula, sendo em geral tão exigente quanto com qualquer outro. Talvez, secretamente, ele tivesse baixas expectativas quanto aos resultados, mas suas alunas

tiveram tantas oportunidades quanto seus outros discípulos. A disciplina e esforço acadêmicos de Crowley eram ditados por suas opiniões e gostos particulares. Ele escolheu Ciência Moral como estudo, com a idéia de que iria lhe ajudar a entender algo sobre a natureza das coisas. Entretanto, se irritou quando descobriu que econômia política era um dos temas. Ao ouvir na p rimeira aula

que o assunto era difícil por não contar com dados confiáveis, ele fechou o caderno e nunca mais assitiu outra aula. Seu tutor aceitou sua argumentação de que seu objetivo na vida era estudar literatura Inglêsa, e o deixou à vontade, algo que não era usual  para a época. Crowley considerou que seu tutor sabia que seu conhecimento escolar era suficiente para passar nos exames e, de fato, ele teve primeira ou segunda classe em todos os assuntos. Ele decidiu que sua escolha profissional seria no S erviço Diplomático, algo

que apelava para seus sonhos românticos bem como para o uso de sua inteligência. Contando com indicações familiares paa conseguir um posto, ele viajou para São Petersburg, para aprender Russo, já que a côrte do Tzar era considerada   a mais  brilhante e interessante da Europa. Essa foi a viagem já mencionada, que sua mãe acreditava ser parte da sua missão como o Anticristo. Ele também passou férias na Holanda, Dinamarca, Noruega e Suiça, onde gostava de andar solitariamente, aproveitando o mistério e o “elemento de romance das longas noites, do frio e claro ar, do gelo”. 259  Alguns eventos importantes aconteceram nessas viagens, que o levariam, afinal, a encontrar seu caminho na vida. Dois eventos principais estavam destinados a colocar- me na estrada em direção à mim mesmo. O primeiro aconteceu em Stockolmo por volta da meia-noite de 31 de Dezembro de 1896. Eu fui despertado para o conhecimento de que eu possuia um meio

mágico de me tornar consciente e de satisfazer uma parte da minha natureza que até o momento se ocultara de mim. Foi uma experiência de horror e dor, combinada comu m certo terror fantasmagórico, e ainda assim ao mesmo tempo era a chave para o mais  puro e santo êxtase que existe. Na época, eu não estava cosnciente da supre ma importância do caso. Parecia a mim pouco mais do que o desenvolvimento de certos  processos mágicos com os quais eu já estava familiarizado. Foi uma experiência isolada, não repetida até exatamente doze meses depois, ao exato minuto. Mas esta segunda ocasião avivou meu espírito, sempre com o resultado de ‘afrouxar as girders da alma’, de forma que minha natureza animal permaneceu repreendida e manteve silêncio na  presença da imanente divindade do Espírito Santo; onipotente, oniciente, e onipresente, e ainda florecendo em minha alma como se todas as forças do universo por toda eternidade estivessem concentradas e manifestas em uma única rosa. 260

258 259 260

Confessions, Capítulo 12. Confessions, Capítulo 13.

Idem, Capítulo 14.

Symonds não conseguiu interpretar bem essa passagem, claramente criptica, o que, provavelmente, lhe tirou mais uma chance de denegrir Crowley: Isto não é claro, mas significa, eu acho, que ele teve uma iluminação de que ele podia controlar a realidade através do pensamento mágico. 261

Colin Wilson, entretanto, me parece ter dado a interpretação mais próxiam dos fatos: É óbvio que Crowley está bastante determinado a falar em charadas. Em A Grande Besta, Symonds sugere que ‘ele teve uma iluminação de que ele podia controlar a realidade através do pensamento mágico’. Se foi assim, por que ele não o diz? Quando Crowley é reticente nas Confessions, é geralmente por causa do censor (por exemplo, ele falha em mencionar que deixou a escola de Tonbridge por que pegou gonorréia). Ainda mais, o comentário de que itso parecia ser um ‘desenvolvimento de certos  processos mágicos já conhecidos por mim’ também parece dar uma pista, pois em 1896, quando ele tinha apenas vinte e um anos, Crowley ainda não sabia nada sobre magia –  isto apenas viria dois anos depois, quando ele encontrou o alquimista Julian Baker. A

única ‘magia’ a que ele se refere nas Confessions antes desta data é magia sexual, como,  por exemplo, quando ele diz que fez sua ‘afirmação mágica’ com a camareira na cama da mãe. Nós também devemos tomar nota das palavras ‘Eu possuia o meio mágico de me tornar consciente e de satisfazer uma parte da minha natureza a qual até então se ocultara de mim’. Qual parte de sua natureza tinha até então se ocultada dele? A resposta óbvia é certamente: sua homossexualidade.(…) Parece portanto provável que a revelação que veio a Crowley em Estocolmo foi a de suas tendências homossexuais, ou talvez seu masoquismo inerente e a possibilidade de satizfazê -lo se tornando o parceiro  passivo em atos de sodomia. O erro de Symonds provavelmente surgiu do fato de que Crowley diz que a revelação aconteceu na meia- noite de 31 de Dezembro de 1896, e que ele foi ‘desperto’

 para o conhecimento mágico; isso soa como se Crowley acordasse do sono. Mas 31 de Dezembro é a noite de Ano Novo e é mais provável que Crowley estivesse desfrutando das celebraçõe s de Ano Novo quando algum encontro homosexual o tornou consciente deste elemento em sua própria natureza. 262 Crowley adicionou mais tarde uma nota manuscrita a ess a passagem, dizendo:

“…” Esta nota pode ser uma referência dupla, tanto às técnicas de Magi a Sexual que ele aprenderia mais tarde na Ordo Templi Orientis, quanto às acusações de sodomia feitas contra os Templários originais. O cuidado de Crowley pode parecer estranho, quando, por exemplo, o vemos defendendo a sodomia abertamente no Prefácio do T he World’s Tragedy, mas precisamos saber que a época da escrita do Confessions foi a da maior campanha de difamação lançada contra ele, e que um dos

objetovos, não alcançados, da publicação de suas memórias era tentar melhorar sua imagem pública.  Eu irei lutar abertamente em segredo  –  sodomia!

por aquilo que nenhum Inglês vivo ousa defender, mesmo

 Na escola fui ensinado a admirar Platão e Aristóteles, que recomendam sodomia para  jovens. Eu não sou tão rebelde para me opor ao seu dictum; e na verdade não pa rece ahaver melhor maneira de se evitar a contaminação da mulher e os morosos prazeres do vício solitário. (Não que as mulheres em si sejam sujas. Éa adoração a elas que apodrece a alma). Novamente devemos dizer que todos os grandes homnes da antiguidade eram

sodomitas: Socrates, Cesar, Alexandre, Martial, Catulo, Virgílio, Aquiles; Napoleão, Frederico o Grande, Goethe, Shakespeare, Benvenuto Celline, Wilde, Symonds, 261 262

The King of the Shadow Realm, Capítulo 2. The Nature of the Beast, Capítulo 2.

Emerson, Pater, Fitz-Gerald, Leighton, Whitman, Miguelangelo, Leonardo, e uma hoste de outros –  mesmo hoje. 263

Entre as duas noites de Ano Novo de 1896 e 1897 outros dois eventos

importantes também ocorreram, embora eu não consiga discernir sua ordem cronológica. A doença em Outubro de 1897 é mencionada no Capítulo 14 das Confessions, e o episód io no Congresso de Xadrez “depois das longas férias de 1897”, após “ter estado em São Petersburg para aprender Russo para o Serviço  Diplomáticos” é mencionado no fim do Capítulo 16. Prefiro começar com o segundo. Crowley persisitiu em seu interesse pelo Xadrez, sendo ativo no Clube da

universidade, onde, logo no primeiro ano, derrotou o presidente. Ele foi então convidado a enfrentar H.E. Atkins, que viria a ser por sete vezes o campeão amador da Inglaterra, que o derrotou facilmente. A derrota não o desan imou, entretanto, e ele  passou a dedicar duas horas por dia a estudar, e mais ainda à prática, durante seu segundo ano. Ele tornou-se presidente do clube, venceu amadores de primeira categoria como Gunston and Cole, e, anos mais tarde, mesmo depois de ter desistido

do jogo, derrotou o campeão da Escócia. Entretanto, sua visita ao Congresso em Berlim teve outro efeito: Eu mal entrei no salão aonde os mestres estavam jogando quando fui tomado com o que pode ser com justiça chamado de uma experiência mística.  Eu parecia estar olhando  para o torneio como se for a de mim mesmo. Eu vi os mestres  –   um, shabby, snuffy e  blear-eyed; outro, in badly fitting would-be respectable shoddy; um terceiro uma mera  paródia da humanidade, e assim com o resto. Eram estas as pes soas a cujo rank eu

estava buscando admissão. ‘Ai vai, com a graça de Deus, Aleister Crowley’, eu admiti com desgosto, e ali mesmo eu registrei um voto de nunca mais jogar outro jogo sério de Xadrez. Eu percebi com praeter- natural lucidez que eu não havia  pousado neste planeta com o objetivo de jogar Xadrez.

264

O outro evento também participa da natureza da desilusão com as vaidades do mundo, e é um dos momentos chaves na vida de Crowley, ao qual voltaremos no  próximo capítulo: 265

A ocasião foi um ataque de doença. Não era nada muito sério e há muito eu estava acostumado a esperar morrer ante de chegar a maturidade. Mas por alguma razão ou outra eu m encontrei forçado a meditar sobre o fato da mortalidade. Ficou impresso em mim que eu não tinha um momento a perder. Não havia medo da morte ou de um possível ‘além’; mas eu estava apavorado com a idéia da futilidade de todo esforço humano. Suponha, eu disse a mim mesmo, que eufaça um grande sucesso na diplomacia e m e torne embaixador em Paris.  Não há muita graça nisto – eu não podia lembrar o nome de do embaixador de cem anos atrás. També, eu queira ser um grande poeta. Bom, aqui estava eu em um dos dois O segundo evento tomou parte em Outubro de 1897.

lugares da Inglaterra que faziam dos poetas uma especialidade, e ainda apenas uma

fração insignificante dos três mil homens em residência sabiam alguma coisa sobre um grande home com Ésquilo. Eu não era iluminado o bastante para entender que a fama de um homem tem pouco ou nada a ver com seu real sucesso, que a prova de seu valor jaz

na influência invisível que ele teve sobre as gerações dos homens. Minha imaginação deu um passo a mais. Suponha que eu faça mais do que Cesar e Napoleão em uma linha, ou que Homero e Shakespeare em outra  –   meu trabalho seria automaticamente cancelado quando o globo se tornar inabitável ao homem. Eu não entrei em um transe definido nesta meditação; mas uma consciência espiritual nasceu em mim correspondente ao que caracteriza a Visão do Sofrimento Universal,

263

The Word’s Tragedy, Prefácio. Confessions, Capítulo 16. 265 O primeiro evento a que o parágrafo alude foi o do Ano Novo de 1896, repetido depois no fim de 264

1897.

como mais tarde eu aprendi a cha má-la. Na fraseologia Budista, eu percebi a Primeira  Nobre Verdade – Sabbé Pi Dukkham – tudo é sofrimento. 266

Antes de prosseguirmos com este trecho, o que vai nos levar, afinal, ao

começo da grande aventura mágica da vida de Aleister Crowley, existem mais três fatos sobre o período de Cambridge que quero mencionar. Primeiro, foi nessa época que ele adotou o nome “Aleister”: Aleister Crowley, ora! Eu ainda não expliquei como eu vim a trocar meu nome. Por causa do som e aparência desagradáveis da palavra, em parte por que era o nome pelo qual minha mãe me chamava. Edward não parecia me servir e os diminutivos Ted e Ned eram ainda menos muitos anos eu detestei ser chamado Alick, em parte p or

apropriados. Alexander era muito longo. 267

Ele ouvira que o nome ma is

favorável para se tornar famoso deveria seguir regras métricas como as do fim de um hexâmetro, “Jeremy Taylor”sendo o exemplo que ele usa. “Aleister Crowley preenche essas condições e Aleister é a forma gaélica de Alexander. Adotá -lo satisfaria meus ideais românticos.” 268 “Aleister” foi sugerido  pelo primo Gregor Grant, que havia voltado a escalar nos Alpes com ele, mas estava

errado, a forma correta sendo “Alaisdair”, que, entretanto, não soava bem. Gregor voltara a escalar, segundo Crowley, porque “estava casado e a essa altura tinha descoberto que sua vida não valia mais a pena”… 269 Mas a vida de Crowley passaria a valer muito mais a pena, apesar das experiências que vinha tendo, ao conhecer Herbert Charles Jerome Pollit, um ex -aluno graduado de Cambridge, dez anos mais velho, e que for a bastante proeminente em

seu tempo de estudo como dançarino e ator de papéis femininos 270. Seu nome artístico era Diane de Rougy, baseado na famosa dançarina parisiense Liane de Rougy. Crowley se apressa nas Confessions em defender a masculinidade do amigo contra “a  grosseria das pessoas que não entendem arte [e] naturalmente interpretam erradamente este gesto estético e o conectam com uma tendência a androginia.” 271 Ele afirma que “nunca vi o menor sintoma de qualquer coisa  do tipo nele; embora o assunto algumas vezes fosse discutido” 272. Não que Crowley tivesse algo contra a androginia, já que se considerava, ele mesmo, um ser com marcadas características hermafroditas: Embora sua masculinidade esteja acima do normal, ele t em certamente características

femininas bem marcadas. Não apenas seus membros são delicados e graciosos como os de uma garota, mas seus peitos são desenvolvidos a um grau bem anormal. Há por tanto um tipo de hermafroditismo na sua estrutura física; e isto  se expressa naturalmente em sua mente. Mas aonde, em muitos casos similares, as qualidades femininas aparecem às custas da masculinidade, nele elas se somam a um tipo masculino perfeitamente normal. O principal efeito foi torná -lo apto a entender a psicologia da mulher, a olha qualquer teoria com olhos compreensivos e imparciais, e dotá -lo com instintos maternais nos 273  planos espirituais.

266

Confessions, Capítulo 14.  Idem, Ca pítulo 16 268  Idem. 267

269 270

Idem, Capítulo 15. Uma tradição da Idade Média e Renascença, quando as mulheres eram proibidas de representarem

nos palcos. 271 Confessions, Capítulo 17. 272  Idem. 273 Confessions, Capítulo 2.

O verdadeiro tom da amizade entre os dois é apenas indicado de maneira sutil nas Confessions, e Crowley se dá ao trab alho de, deliberadamente, procurar negar qualquer tipo envolvimento mais profundo: A relação entre nós era a intimidade ideal que os Gregos consideraram a maior glória da masculinidade e o mais precioso prêmio da vida. Diz muito do estado moral da Inglaterra que tais idéias estejam conectadas nas mentes de praticamente todos com a  paixão física.274

O verdadeiro tom dessa relação é dado pela inclusão do nome de Pollit e Crowley nas iniciais dos versos do seu poema místico, escrito com simbolismo

homosexual, chamado Bagh-a-Muattar  275 e, mais uma vez, em uma nota manuscrita  posterior que clarifica uma passagem obscura no The World’s Tragedy : Eu vivi com Pollit como sua esposa por uns seis meses e ele fez de mim um poeta.

E, de fato, 1898 foi um ano important e

276

para a carreira poética de Crowley,

com a publicação, financiada por ele mesmo, de  Aceldama e, a seguir, White Stains. Pollit o introduziu ao círculo dos intelectuais do movimento Decadente, onde ele conheceu Leonard Smithers, o único editor britânico qu e teve coragem de publicar as obras de Oscar Wilde277 depois de sua condenação. Quando Smithers faliu, ele lhe indicou a Chiswick Press, que ainda no mesmo ano publicou The Tale of Archais, Songs of the Spirit, The Poem e  Mysteries: Lyrical and Dramatic. No ano seguinte, ainda pela Chiswick Press ele lançaria  Jephthah and Other Mysteries.

Pollit é um caso excepcional na vida de Crowley, uma das poucas pessoas a quem ele dedicou uma afeição duradoura e, mais ainda, talvez a única relação cujo fracasso atribuiu a si mesmo e do qual manifestou arrependimento:  Era a mais pura e nobre relação que eu jamais tive com qualquer pessoa. Eu não havia imaginado a possibilidade de um desenvolvimento tão divino. Era, em um sentido,  passional, porque participava do calor branco da energia criativa e porque sua

intensidade absorvia todas outras emoções. Mas por esta mesma razão era impossível concebê-la como possível de contaminação por quaisquer qualidades grosseiras. De  fato, o universo do sentido estava inteiramente subordinado a sua santidade. Ela era

baseada sobre impressões como uma luz incandescente sobre seu filamento. Mas o mundo era transfigurado e consumido pela inefável intensidade da consciência espiritual.278 Tem sido o meu remorso de toda vida, pois uma camarada gem tão nobre e pura nunca existiu nesta terra, e sua influência poderia ter feito muito para temperar minhas  subsequentes provas. Entretanto, a fragrância desta amizade ainda persiste no  santuáriode minha alma. A eucaristia do espírito relembra -me constantemente de que o ingrediente necessário ao meu desenvolvimento estético foi suprido pelos deuses no  período da minha vida em que ele podia ser proveitosamente introduzido em meu equipamento.279

O maior testemunho da importância de Pollit na vida de Crowley,  entretanto, se encontra em uma de suas obras-primas, Liber Aleph  –   The Book of Wisdom or 274

Idem, Capítulo 7.

275

O Jardim Perfumado do Satirista de Xiraz.  Citado por Susan Roberts em The Magician of the Golden Dawn , Capítulo 4 e por Martin Booth em  A Magick Life, Capítulo 3. 276

277 278 279

Confessions, Capítulo 17. Confessions, Capítulo 17. É difícil não ver aqui um sutil duplo sentido na narrati va de Crowley.

é um compêndio de instruções de sabedoria mágica escrito em 1918 em forma de epístolas, estas endereçadas primariamente ao discípulo que, na época, ele considerou como sendo seu “filho mágico”. Pollit é citado em duas epístolas, junto com três outras pessoas que foram fundamentais no desenvolvimento de Crowley, e que encontraremos em breve. Na epístola 176, De Sua Initiatione (Sobre Sua Iniciação), l emos: Folly. Liber Aleph

 Primeiro, no Meio do Caminho, a Realização do Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião, onde foram estes Homens apontados para meu Auxílio, Jerome  Pollit de Kendal, Cecil Jones de Basingstoke, Allan Bennett da Fronteira, e Oscar  Eckenstein da Montanha.

E na epístola 185, Altera de sua Via (Mais sobre esta Senda):  Assim eu fui trazido ao Conhecimento de mim mesmo em uma certa Graça Secreta, e como Poeta, por Jerome Pollit de Kendal; Oscar Eckenstein da Montanha descobriu  Masculinidade em mi m, ensinando me a suportar Privação, e a ousar muitas Formas de

 Morte; também nutriu em mim Concentração, a Arte dos Místicos, mas em Ciência sem Trastes de Teologia. Allan Bennett bestowed sobre mim a correta Arte da Magia, e nossa Santa Cabala, com um grande Tesouro de Conhecimento sobre muitos Assuntos,

mas especialmente a respeito do Egito, e Asia, os Mistérios de sua Sabedoria Arcana.  Mas de Cecil Jones tive eu a Grande Dádiva da Santa Magia de Abramelin, e ele me induziu nesta Ordem que nós não nomeam os, por causa da Imbecilidade dos Profanos que a ela pretendem, e ele me trouxe ao Conhecimento e Conversação do Santo Anjo Guardião.

Entramos aqui, pela primeira vez, no terreno onde Crowley alcançou sua grande fama. É importante notar que ele considerou  sua amizade amorosa com Pollit uma preparação para uma da suas grande realizações espirituais, a realização do Conhecimento e Conversação com o Santo Anjo Guardião. A ironia é que foi  justamente por descobrir sua inclinação ao Misticismo e a Magia que Cro wley separou-se do amante. Pollit indulgia em um pessimismo concorde com o ambiente

Decadente que frequentava, e não tinha qualquer simpatia para com o novo interesse do amigo:  Embora Pollit tenah feito tanto pela minha educação ao me introduzir na atmosf era atual da idéias estéticas correntes, ao trabalho de Whistler 280 , Rops281 e Beardsley282 em arte, e dos assim chamados decadentes da literatura, tão bem quanto a muitos remotos e requintados mestres do passado a quem eu havia ignorado ou mal-entendido, minha

admiração e gratidão não impediram de me tornar consciente da aversão  profundamente arraigada de nossas almas. Ele não cometeu erro ao advinhar que minhas aspirações espirituais fossem hostis à sua aquiescência no desespero do universo. Assim eu senti em meu eu subconsciente que eu devia escolher entre minha

devoção a ele e à Secreta Assembléia dos Santos. 283  Eu disse franca e firmemente que eu havia entregue a minha vida à religião e que ele não cabia no esquema. Eu vejo agora o quanto imbecil eu fui, o quanto é horrivelmente errado e fraco rejeitar qualquer parte da personalidade de alguém. Ainda assim esses erros não são erros na época: deve - se passar por tais períodos; deve-se ser brutal na análise e completá -la, antes que se possa proceder para a síntese . Ele entendeu que eu não estava para ser desviado de meu propósito e nos separamos, para nunca mais nos encontrar. Eu me arrependi de minha decisão, meus olhos tendo sido iluminados, apenas um pouco depois, mas a reconciliação não foi escrita! Minha carta  perdeu-se; e

280 281 282 283

Confessions, Capítulo 17.

no outono, quando ele passou por mim em Bond Street, aconteceu de eu não o ver; ele  pensou que eu desejava cortar com ele e nossos destinos se separaram. 284

Crowley decidira entregar sua vida à religião, e devotar -se à “Secreta Assembléia dos Santos” e, para isto, não hesitou em romper com um dos grandes amores da sua vida. Vamos ver agora de onde surgiu esse ímpeto novo, e quem são os Santos de Assembléia Secreta.

284

 Idem.

A GRANDE OBRA

Como vimos, Crowley desconsiderou o currículo prescrito pela universidade e embarcou em uma busca autodidata e obssessiva por conhecimento, uma atitude que não era, de forma alguma, nova e que costumava ser tolerada peos tutores, desd e que

o aluno se mantivesse dentro da média em relação aos testes. O método de leitura de Crowley, entretanto, o acabou levando à áreas inesperadas: Eu acho que devo ter inconscientemente perguntado a mim mesmo qual o assunto que tratava da realidade no sentido mais íntimo e absoluto. Eu estava, é claro, longe da

concepção de que toda verdade é igualmente importante, ou de que nenhuma verdade  pode por si mesma cobrir todo o campo da existência. Minha tendência era descartar certos tipos de pesquisa como irrelevantes. Eu gradualmente cheguei à idéia de que a coisa que estava procurando era abtrusa; e um dos resultados disto foi me induzir a ler a

literatura da alquimia. É talvez natural para um homem jovem confundir obscuridade com profundidade.

285

Ao mesmo

tempo, ele foi atraído por organizações de caráter secreto ou esotérico. A primeira parece ter sido uma fraternidade de estudantes: Um dos docentes em Pembroke, um clérigo chamado Heriz Smith, dirigia uma espécie de culto secreto que era desrespeitosamente chamado pelos de fora como os Belly banders286. Dizia-se haver sete graus de iniciação, no mais alto dos quais o candidato era

flagelado. Eu tomei o primeiro grau por curiosidade. Isto me causou tão pouca impressão que eu esqueci totalmente o que acont eceu. Eu me lembro de estar sozinho no quarto do homem com ele. Ele me vendou. Eu esperei que alguma coisa acontecesse;

não aconteceu. Eu estava’é claro, totalmente incapaz de advinhar qual era o propósito  por trás do esquema. Isto era, é claro, visto como  cant  pelos prórpios colegas dele, que  provavelmente presumiam certas características indesejáveis. Eu estou bastante arrependido de não ter continuado. Tavez não houvesse nisso nad além de um misticismo sensual, mas por tudo que sei Heriz Smith pode ter desenvolvido um método de psico -análise de um valor possivelmente alto. Eu me inclino a pensar que o método mais científico e confiável de se explorar as mentes inconscientes das pessoas seria observar suas reações a uma bem elaborada série de circunstâncias não -familiares. Pode-se comparar suas qualidades, tais como força de vontade, paciência, dignidade, coragem, imperturbabilidade, e por ai vai. Tal informação seria de grande uso para responder a questão. ‘Com que recursos um homem  jovem pode corrigir seus modos?’ 287 A segunda foi a Igreja Celta 288. Crowley se uniu à conspiração em favor de Don Carlos289, onde aprendeu a usar o rifle, estudou montaria, tática e estratégia, obtendo o encargo de utilizar a metralhadora. O problema era que o movimento tinha uma forte base católica, o que criou um conflito ideológico para ele, cuja solução encontrou na Igreja Celta: Meu conservadorismo reacionário entrou em conflito com meu anti -Catolicismo. Uma reconciliação foi feita através daquilo que chamavam de Igreja Cel ta. Aqui estava uma idéia romântica e mística que servia às minhas noções políticas e religiosas 285

Confessions, Capítulo 13.  Belly = barriga; bander = faixa. 287 Confessions, Capítulo 12. Este princípios 286

são importantes para melhor se compreender os objetivos  por trás dos rituais de Iniciação que Crowley mais tarde elaboraria para a O.T.O., como veremos mais a frente. 288 289

completamente. Ela vivia e se movia em uma atmosfera de fadas, sereias e operações mágicas. Sacramentalismo era mantido em primeiro plano e o pecado era consid erado sem horror. Cavalheirismo e mistério eram seus pilares. Ela era livre de sacerdócio e tirania, pelo simples fato de que ela não existia realmente! Meu trancendentalismo inato saltou em diração a isto.  A Morte d’Arthur ,  Lohengrin e  Parsifal   eram meu mundo. Eu não apenas queria sair na busca do Santo Graal, eu tinha a intenção de fazê -lo. Eu tive a idéia da castidade como uma virtude  positiva. Era deleitoso ser puro. Antes, a castidade havia sido a minha abominação maior; o sinal da covardice, falta de ânimo e escravidão. Na Igreja Celta não havia medo de Deus, mas uma comunhão com Ele como um familiar nobre como nas relações de Rolando com Carlos Magno. Eu ainda levo as coisas muito literalmente. A citação de Browning:

 Infante Rolando à torre negra ve io Era tão real para mim como a Batalha de Waterloo. De uma forma, talvez, ainda mais. Creio que era apenas graças ao meu senso comum incosnciente que não fui ver Browning e perguntei a ele aonde encontrar a torre escura!

290

A conspiração teve seu fim  quando o barco que transportava as armas para a Espanha foi capturado próximo à costa, mas antes Crowley foi consagrado cavaleiro: Eu obtive a honra de cavaleiro de um dos tenentes de Don Carlos. (…) Eu tomei minha admissão na Ordem com seriedade absoluta, mantendo a vigília das minhas armas na floresta. A teoria da Igreja Celta era de que o Romanismo era uma heresia tardia, ou ao menos um cisma. A mais bela catedral no mundo era pequena para a Igreja, como Brand descobriu. As montanhas e florestas era locais consagrados. A coisa mais

 próxima a uma casa material seria um eremitério tal como era de se esperar encontrar enquanto se viajava na Busca.

291

Esses movimentos românticos, entretanto, não trouxeram a satisfação que ele  buscava, e não impediram que ele passasse pelo processo de desencanto filosófico que  já vimos, em Outubro de 1897. Vamos agora voltar à sua descrição do evento, citando a conclusão que se seguiu à sua percepção de que na vida tudo é sofrimento, ou vaidade e esforço vão. O trecho é longo, mas em razão da sua importância, escolhi colocá-lo na íntegra: A fatuidade de qualquer trabalho baseado na continuidade física era evidente. Mas eu não tinha nessa época nenhuma razão para supor que o mesmo criticismo se aplicava a qualquer universo transcendental. Eu formulei minha vontade mais ou menos como

segue: ‘Eu devo encontrar um material no qual trabalhar que seja imune às forças sa mudança.’ Eu suponho que eu ainda aceitasse a metafísica Cristã de uma maneira ou outra. Agora eu descobria que não havia satisfação aqui. Eu não estava contente em ser aniquilado. Fatos espirituais eram as únicas coisas que valiam a pena. O cérebro e o corpo eram sem valor a não ser como instrumentos da alma. O materialista ordinário usualmente falha em reconhecer   que apenas as questões espirituais contam para alguma coisa, mesmo nas mais grosseiras preocupações da vida. Os fatos de um assassinato não são nada em si mesmos; eles são aduzidos para se provar o intento criminoso. O bem- estar material só é importante p ara assistir os homens em direção à consciencia da satisfação. Da natureza das coisas, portanto, a vida é um sacramento; em outras palavras, todos nossos atos são atos mágicos. Nossa consciência espiritual age através da vontade e seus instrumentos sobre o s objetos materiais, de forma a produzir mudanças que irão resultar no estabelecimento das novas condições de consciência que nós desejamos. Esta é a definição de Magia. O exemplo óbvio de uma tal operação de sua forma mais simbólica e cerimonial é a Missa. A vontade do sacerdote transmuta a hóstia de tal 290

Confessions, Capítulo 13

291

Idem, Capítulo 14.

forma que ela se torna carregada com a substância divina de uma forma tão ativa que sua ingestão dá alimentação espiritual ao comunicado. Mas todas as nossas ações  preenchem esta equação. Um alfaiate com d or-de-dente toma uma porção da riqueza derivada de seu trabalho ao qual ele se consagrou, um símbolo da energia acumulada e armazenada, de forma a ter seu dente removido e assim recuperar a consciência de seu  bem-estar físico. Colocada assim, a teoria mágica da existência é auto -evidente. Eu não a apreendia claramente nesse tempo; mas eu inconscientemente agi sobre isto assim que

descobri a falta de valor do mundo. Mas eu estava tão longe de perceber que todo ato é mágico, que se goste ou não, que eu supus que o escape da matéria involvia uma definitiva invasão do mundo espiritual. De fato, eu estava muito longe de entender que a matéria era em sua natureza secundária e simbólica, que minha principal preocupação era obter evidência sensória em primeira -mão dos seres espirituais. Em outras palavras, eu queria evocar os habitantes dos outros planos à uma aparição visível e audível. Esta resolução foi a primeira manifestação da minha verdadeira vontade. Eu havia me lançado com todo entusiasmo em várias ocupações  de tempos em tempos, mas elas nunca ocuparam toda a minha atenção. Eu nunca havia me dado totalmente ao Xadrez, montanhismo ou mesmo poesia. Agora, pela primeira vez, eu me senti

 preparado para usar meus recursos de todo tipo para alcançar meu propósito.

292

Embora os eventos que antecederam esta escolha sejam, sem dúvida, importantes, é a escolha em si, a  solução que Crowley encontrou para o dilema do sentido da vida, que determina, até a sua morte, sua filosofia e sua trajetória de vida. Em  Magick Without Tears, uma de suas últimas obras, ele reafirma a importância desse conceito: Eu pensei ser um bom plano colocar a minha posição fundamental em um pós -escrito;  para destacá -la. A minha observação do Universo me convence de que existem seres de inteligência e poder de uma qualidade muito mais alta do que qualquer coisa que nós  podemos conceber como humanas; que eles não necessariamente se baseiam nas estruturas cerebrais e nervosas que nós conhecemos; e que a única chance para a humanidade avançar como um todo é com indivíduos fazendo contato com esses Seres.

293

O que parece ser o mais encorajador sintoma de tudo isto [as mudanças trazidas pelo  Novo Aeon] é: o próprio Livro [O Livro da Lei], e o sistema de Magia nele baseado, e a falência de todos os sitemas prévios (como mostradas em Oito Leituras de Yoga, O  Livro de Toth , e outras obras semelhantes) fornecem a todos nós com um Método claro, conciso e prático (livre das contaminações das farsas da fé e outras superstições) pelo qual qualquer um de nós pode alcançar o ‘Conhecimento e Conversação com o Santo Anjo Guardião’, e de muitos outros Seres de inteligência e poder indefininadamente mais exaltados do que qualquer coisa que nós reconhecemos como humanas –  e, tenhamos esperança, capazes de conceder a nós   um modicum de Sabedoria adequado  para nos tirar do lôdo no qual a crise temporariamente lançou a todos nós! 294 Em 1897, portanto, ele decidiu que o conhecimento e a sabedoria que  precisava se encontravam atrás do véu que separa a nossa realidade do mund o espiritual. Restava, entretanto, definir a quem ele dirigiria suas perguntas. A resposta

vem, mais uma vez, em um trecho longo, que também nos interessa pela análise lógica que ele faz do Cristianismo: Para mim o mundo espiritual consistia mais ou menos da Trindade e seus anjos de um

lado; o diabo e seus do outro. É absolutamente sofístico pretender que o Cristianismo não é Maniqueísta 295 em essência. A teoria Vedanta 296  do Advaitismo 297  nos 292

Confessions, Capítulo 14.  Magick Without Tears, Post Scriptum da Carta 30. 294  Idem, Carta 48. 293

295 296

Upanishades298 faz do mal  – e

de fato de toda existência manifesta –  M aia, pura ilusão. Mas mesmo nisto, não há explicação satisfatória sobre a aparição da ilusão. No Cristianismo o mal é apenas tão real quanto o bem; e enquanto os dois princípios existam eles devem ser iguais ou deve haver um terceiro componente para equili brá-los. Agora isto é em si mesmo sofístico, pois o terceiro componente apenas existe para fazer  peso; e é pura ficção discriinar entre duas coisas cuja única função é contra - balançar uma terceira coisa. A respeito do universo de discurso envolvido, uma pr oposição não  pode ter duas contradições. Se o oposto do bem existe de fato, como deve, se ‘bem’ deve ter algum significado qualquer, ele deve ser exatamente igual em quantidade e qualidade a esse bem. Na hipótese Cristã, a realidade do mal faz o diabo igua l a Deus.

Esta é a heresia de Manes, sem dúvida. Mas aqueles que condenam Manes devem, apesar de si mesmos, implicitamente afirmar seu teorema.

Eu pareço ter entendido isto instintivamente; e já que eu devia tomar o lado de um partido ou do outro não foi difícil me convencer. As forças do bem eram aquelas que haviam constantemente me oprimido. Eu as via diariamente destruindo a felicidade dos

meus companheiros. Já que, portanto, era meu negócio explorar o mundo espiritual, meu  primeiro passo devia ser entra r em comunicação pessoal com o diabo. 299

Em busca de um manual com instruções técnicas para realizar seu intento, ele foi apresentado por um livreiro ao The Book of Black Magic and Pacts, de A.E. Waite, que, como vimos no primeiro capítulo, se tornaria um desafeto para a vida toda, e que, obviamente, recebeu sua carga de desaforos também nas Confessions: Foi com grande desapontamento e desconfiança que li esta compilação. O autor era um pomposo, ignorante e afetado dipsomaníaco da América, e ele tratava o  seu assunto com a vulgaridade de Jerome K. Jerome, e a beery, leering frivolidade de um

comediante de salão de nariz vermelho fazendo piadas sobre sogras e inquilinos. 300

A crítica feroz de Crowley se estendeu também aos autores e textos citados no livro de Waite: Era, entretanto, claro, mesmo dos textos deturpados dos Grimórios que ele citava, que os diabolistas não tinham nenhuma concepção do Satã cantado por Milton e Huysmans. Eles não eram protagonistas no combate espiritual contra a restrição, contr a os opressores da alma humana, os blasfemadores que negavam a supremacia da vontade do

homem. Eles meramente almejavam alcançar resultados maliciosos ou desprezíveis, como impedir um caçador de matar sua presa, encontrar tesouros enterrados, enfeitiçar o gado do vizinho, ou ‘adquirir o afeto de um juíz’. 301

Crowley consegui, porém, identificar um ponto positivo na exposição das técnicas de Magia Cerimonial, que também seria uma característica marcante da sua obra futura: Apesar de todas a sua pretensa de voção a Lucifer ou Belial, eles eram Cristãos sinceros em espírito, e Cristãos inferiores de fato, pois seus métodos eram pueris. O livro de preces, com seus pedidos por chuva e sucesso na batalha, eram quase

 preferíveis. O ponto de superioridade entretanto era capital; seu método era em intenção científico. Ou seja, eles propunham uma técnica definida pela qual um homem poderia compelir os poderes da natureza a realizar seus comandos, não menos do que o engenheiro, o químico e o eletricista. Não havia nada   do wheedling, suborno e servilismo que é a essência deste tipo de prece que busca gratificação material. Sir J.G. Frazer 302 apontou a distinção no The Golden Bough. A Magia ele define como ciência 297 298 299

Confessions, Capítulo 14.  Idem.

300 301 302

Ibidem. Como um estudo em ironia humana, peço ao leitor que se lembre disto, mais a frente.

que não funciona. Seria melhor afirmar esta proposição em te rmos ligeiramente diferentes: magia é ciência in posse. 303

Apesar de todo o desapontamento, além dele ter identificado a afinidade entre Ciência e Magia, ele conseguiu tirar pelo menos uma informação importante, que o levou a escrever para Waite: O compilador do The Book of Black Magic and of Pacts não é apenas o mais  ponderadamente platitudioso e priggishly prosaico dos pretensiosamente pomposos

açogueiros de porcos da linguagem, mas o mais volumosamente volúvel. Eu não posso cavar através dos assustado res desertos de sua bobagem que me fez escrever para ele. Mas foi uma oracular obscuridade que indicou que ele sabia de uma Igreja Secreta

retirada do do mundoem cujos santuários estavam preservados os verdadeiros mistérios da iniciação. Esta era melhor qu e a Igreja Celta; eu imediatamente lhe pedi uma apresentação.304

Com um pouco mais de paciência, e também motivado por minha obssessão virginiana por detalhes, fui consultar o livro de Waite. A única passagem que pude identificar dentro deste contexto foi: Há, entretanto, ainda outro ponto de vista, e este é de alguma importância, já que se liga com esta questão dos Místicos sobre a qual já foi observado que muito pouco transpirou. Todos os estudantes de ocultismo estão perfeitamente bem conscientes da existência em tempos modernos de mais de uma Fraternidade Mística, derivando, ou que se acredita que derive, de outras associações do passado. Existem, é claro, muitos ocultistas não afiliados, mas as Fraternidades secretas existem, e se diz que as chaves do simbolismo místico estão em sua posse. 305 Waite respondeu “gentil e inteligivelmente” 306, sugerindo que ele lesse The Cloud Upon the Santuary 307 . Crowley consegui o livro e o levou consigo para

Wastdale Head, no feriado da Páscoa de 1898. O autor desse tr atado esotérico foi Karl Von Eckartshausen (1752 -1803), filho  bastardo de um conde da Baviera. As vantagens dadas por seu pai permitiram que

obtivesse uma educação esmerada e se tornasse um escritor importante e um grande representante da teosofia Alemã do Século XVIII. Além de The Cloud Upon the Santuary e outros tratados diversos, também escreveu um profundo estudo sobre a Magia chamado Principles of Higher Knowledge . Apoiado pelo pai, ele alcançou uma certa proeminência no serviço do imperador, sendo também membro ativo da Academia de Ciências de Munique. Ele estudou Filosofia e Lei na Universidade de Ingolstadt , alcançando o doutorado em Teologia. Também escreveu peças teatrais que alcançaram algum sucesso. The Cloud Upon the Santuary (A Nuvem Sobre o Santuário) é outro elemento seminal para se decifrar Crowley. De fato, é preciso um rigor extraordinário para se evitar ver no texto similaridades em demasia.

O livro é dividido em seis cartas. A primeira, seguindo de perto a tradição  profética, denuncia a época presente por sua confusão, imoralidade e egoísmo, que nunca foram tão predominantes. Eckartshausen denuncia como falsas as expectativas no progresso:

303

Confessions, Capítulo 14. ???????? Confessions, Capítulo 14. 305 The Book of Black Magic and of Pacts, 306 Confessions, Capítulo 14. 304

307

Capítulo 1.

Waite traduziu a obra do Francês, e escreveu a Introdução.

 Nós vivemos nos tempos de idolatria do intelecto, nós colocamos uma tocha de luz comum sobre o a ltar e em voz alta proclamamos a aurora, que agora a luz do dia está mesmo por aparecer, e que o mundo está emergindo mais e mais da obscuridade ao dia  pleno da perfeição, através ds artes, ciências, gosto cultural, e mesmo de um entendimento mais puror da religião. Pobre humanidade! A que nível vocês ergueram a felicidade do homem? Houve já uma era que tenha contado tantas vítimas para a humanidade como a presente? 308

Eckartshausen considera que a razão científica fortalece a relação ilusória com os sentidos físicos309 e obscurece a realização da verdade absoluta, cuja apreensão depende de um sentido espiritual interior: A verdade absoluta não existe para o homem sensual; ela existe apenas para o homem interiorizado e espiritual que possui um sensorium adequado; ou, para falar mais corretamente, que possui um sentido interior para receber a verdade absoluta do mundo transcendental, uma faculdade espiritual que conhece objetos espirituais objetivamente e naturalmente como os sentidos exteriores percebem os f enômenos externos. 310

É fácil perceber como o texto pareceu responder diretamente aos anseios e conclusões que Crowley tivera. A idéia de que a experiência espiritual, pela qual a verdade absoluta é atingida, depende de se a) retirar a atenção dos sentido s e b) fazer funcionar o sentido espiritual, se tornará um dos pontos chaves da sua sabedoria. A  primeira parte do  Magick  –   Book 4 trata exatamente de técnicas emprestadas do Oriente para se nulificar a influência dos sentidos. Asana 311  e Pranayama312 são descritos e indicados como técnicas chaves para se criar o estado necessário à manifestação do gênio. Outro ponto importante é a aassociação que Crowley faz entre o efeito dessas práticas e a experiência que faz de um “ninguém” um profeta ou líder religioso:

Existe, entretanto, uma forma de milagre que certamente acontece, a influência do gênio.  Não existe uma analogia conhecida na Natureza. Não se pode sequer pensar em um “super -cão” transformando o mundo dos cães, enquanto na história do gênero humano isto acontece com regularidade e freqüencia. Agora aqui estão três “super homens”, todos loggerheads. O quê há em comum entre Cristo, Buda e Maomé? Existe algum ponto em que todos três estão de acordo?  Nenhum ponto de doutrina, nenhum ponto de ética, nenhuma teoria sobre o “além” eles compartilham, e mesmo assim na história de suas vidasnós encontramos uma identidade entre muitas diversidades.

Buda nasceu um Príncipe, e morreu um mendigo. Maomé nasceu um mendigo, e morreu um Príncipe. Cristo permaneceu obscu ro até muitos anos depois de sua morte. Elaboradas narrativas sobre cada um foram escritas por seus devotos,  e existe uma

coisa em comum aos três – uma omissão. Nós não ouvimos nada sobre Cristo entre as idades de doze e trinta. Maomé desapareceu em uma caverna. Buda deixou seu palácio, e passou um longo tempo no deserto.

Cada um deles, perfeitamente silenciosos na época do seu desaparecimento, voltaram e imediatamente começaram a pregar uma nova lei. (…) Fazendo toda dedução possível das fábulas e mitos, nós obtemos esta coincidência. Um ninguém parte, e volta um alguém. Isto não pode ser explicado das maneiras comuns.

(…) Qual era a natureza do seu poder? O quê aconteceu com eles em suas ausências? 308

 Carta I

309 310

A posição de Eckartshausen em relação à Ciência

 Carta I.

311 312

(…) Não há dificuldade em assumirmos que ests homens mesmos não entenderam claramente o quê aconteceu com eles. O único que explica seu sistema conpletamente é Buda, e Buda é o único que não é dogmático. Nós também podemos supor que os outros acharam desaconselhável explicar muito claramente aos seus seguidores; São P aulo evidentemente tomou esta linha.

 Nosso melhor documento será portanto o sistema de Buda; mas ele é tão complexo que nenhum sumário irá servir; e no caso dos outros, se nós não temos o relato dos Mestres, nós temos os de seus seguidores imedi atos. O método aconselhado por todas essas pessoas tem uma semelhança notável entre si. Eles recomendam “virtude” (de vários tipos), solidão, ausência de excitação, moderação na dieta, e finalmente uma prática que alguns chamam prece e outros chamam meditação. (As quatro primeiras pode ser vistas em exame como sendo meramente condições favoráveis a última.) Ao se investigar o quê é indicado por estas duas coisas, nós descobrimos que elas são apenas uma. Pois qual é o estado tanto da prece quanto da meditação? É a restrição da mente a um ato, estado ou pensamento único. (…) É ao se libertar a mente das influências externas, sejam casuais ou emocionais, que ela obtém poder para ver algo da verdade das coisas. 313

Eckartshausen enfatiza a importância da Revelação como única forma pela qual o ser humano pode ser informado e vir a desenvolver sua capacidade de

 percepção espiritual, e é com seu tratado que Crowley, muito provavelmente, passou a associar a necessidade de se libertar dos sentidos para que ocorra a Revelação e a Profecia. Diz a Carta I: Kant 314 demonstrou de maneira incontestável que a razão natural

não pode saber absolutamente nada do que é supernatural, e que não pode nunca entender analitica ou sinteticamente, e nem pode provar a possibilidade da realidade do Amor, do Espírito, ou da Divindade.

Esta é uma grande verdade, elevada e beneficial para nossa época, embora seja verdade que São Paulo já a havia enunciado (I Cor. 1.2 -24). Mas a filosofia pagã dos cientistas Cristãos foi capaz de ignorá -la até Kant. A virtude desta verdade é dupla. Primeiro, ela coloca limites insuperáveis ao sentimento, ao fanatismo e a extravagância da mente carnal. Depois ela mostra através de um contraste brilhante a necessidade e divindade da Revelação. Ela prova que nossa razão humana, em seu estado de desdobramento, não têm outra fonte objetiva para o supernatural além da revelação, a única fonte de de instrução sobre s coisas Divinas ou sobre o mundo espiritual, a alma e sua imortalidade; disto se segue que sem rev elação é absolutamente impossível supor ou conjecturar qualquer coisa em relação a esses assuntos.  Nós estamos, portanto, em débito com Kant por provar filosoficamente hoje, o que há muito tempo atrás foi ensinadoem uma escola mais avançada e iluminada, que sem revelação nenhum conhecimento de Deus, nem qualquer doutrina concernente a alma,  poderia ser possível de forma alguma. É portanto claro que a Revelação universal serve como base fundamental pra toda religião mundana. Daí, seguindo Kant, é claro que o conhecimento transmundano é totalmente inacessível a razão natural, e que Deus habita um mundo de luz, no qual nenhuma especulação da razão desdobrada pode penetrar. Por isto o homem racional, ou homem de razão humana, não tem nenhum sentido da realida de transcendente, e portanto era necessário que ela fosse revelada a ele, para o que fé é requerido, por que os meios são dados a ele pela fé com os quais seu sensorium interior desdobrasse, a através deste ele 313

Parte Um: Misticismo. Notas Preliminares. As partes em negrito repetem a formatação do texto conforme a segunda edição revisada publicada pela Weiser, e preparada pela O.T.O. 314

 Magick,

 pode apreender a realidade das verdades de outra forma incapazes de serem entendidas  pelo homem natural.

É bem certo que com novos sentidos nós podemos adquirir a percepção de uma nova realidade. Esta realidade já existe, mas não é conhecida a nós, por que nós temos falta do órgão com o qual reconhecê -la. Não se deve por a falta no percebido, mas no órgão  perceptivo.

Com, entretanto, o desenvolvimentodo novo órgão nós temos uma nova percepção, um sentido de nova realidade. Sem ele o mundo espiritual não pode existir para nós, por que o órgão que o torna objetivo a nós não está desenvolvido.

Agora, Crowley dedicou a sua vida a defender e divulgar a Revelação do Livro da Lei, por esta conter as fórmulas pelas quais a Humanidade pode alcançar a próxima etapa da sua evolução. 315 Ele definiu sua missão como sendo a de orientar as pessoas a desenvolver sua capacidade mágica a fim de alcançar a percepção da realidade espiritual: Aquele que se tornou O Mestre Therion foi uma vez confrontado com esta mesma dificuldade. Estando determinado a instruir a humanidade, Ele buscou uma afirmação simples do seu objetivo. Sua Vontade estava suficientemente informada pelo senso

comum para decidir que ele ensinasse ao homem O Próximo Passo, a coisa que estava imediatamente acima dele. Ele poderia ter chamado ist o “Deus”, ou o “Eu Superior”, ou “o augoeides”, 316 ou “ãdibuddha”, 317  ou 61 outras coisas  –   mas Ele havia descoberto que estas eram todas uma, embora cada uma representasse uma teoria do Universo que

seria no fim destroçada pelo criticismo –  pois Ele já havia passado pelo reino da Razão, e sabia que cada afirmação contém um absurdo. 318

Já na Carta I Eckartshausen menciona a comunidade dos Eleitos, a qual Crowley passaria a buscar sem descanso: Existem mistérios com os quais nossa filosofia não sonha, cuja chave não é encontrada na ciência escolástica. Entretanto, uma escola mais avançada sempre existiu a quem a guarda de toda ciência foi confiada, e esta escola era a comunidade interiormente iluminada pelo Salvador, a sociedade dos Eleitos, que continuou de sde o primeiro dia da criação até o tempo

 presente; seus membros, é verdade, estão dispersos por todo o mundo, mas eles estiveram sempre unidos em espírito e na verdade; eles têm apenas uma inteligência e uma fonte de verdade, apenas um doutor e apenas um mestre; mas em quem reside

substantivamente toda a plenitude de Deus, e que sozinho os inicia nos altos mistérios da Natureza e do Mundo Espiritual.

É fácil de notar o quanto a descrição desta Sociedade dos Eleitos deve ter tocado nas lembranças infantis de Crowley, em relação a sua afiliação inicial com os Irmãos de Plymouth. É possível que Eckartshausen tenha dado a Crowley a  possibilidade de reelaborar esses conceitos, e fazer as pazes com a idéia arquetípica  por trás deles ao transpô -los para a verdadeira cominidade dos Escolhidos. Como veremos no correr deste livro, sua devoção a esses Chefes Secretos da Humanidade foi absoluta, e ele consagrou sua vida à realização daquilo que acreditava ser a missão confiada por eles. A Carta II inicia descrevendo

a Igreja invisível: ela existe desde a criação do mundo e durará até o último dia do tempo; ela possui uma Escola “na qual todos que 315

É importante notar quanto o Esoterismo contemporâneo deve à Darwin. Estamos tão acostumados hoje com a idéia de evolução que esquecemos que este conceito não existia nas Tradições antigas, que determinavam como objetivo da busca espiritual idéias como  purificação, salvação, libertação. 316 317 318

 Magick, Parte Três – Capítulo 2.

tem sede por conhecimento são instruídos pelo próprio Espírito da Sabedoria; e todos os mistérios de Deus e da natureza sõ  preservados nesta Escola para as crianças da luz.” O texto prossegue: Conhecimento perfeito de Deus, da natureza, e da humanidade são os objetos de instrução nesta escola. É dela que todas as verdades penetram no mundo, ela é a Escola dos Profetas, e de todos os que buscam sabedoria, e é nesta comunidade apenas que a verdade e a explicação de todo mistério é encontrada. É a mais oculta das comunidades e ainda assim possui membros de muitos círculos; tal é esta Escola . A Carta II indica a natureza dos Eleitos, aqueles com maior capacidade para a luz, conceito que Crowley junta com o da Luz Astral, tirado de Eliphas Levi, para

criar o conceito dos Eleitos como Mestres da Magia. A argumentação de Eckartshausen sobre a relação entre a verdade interior, única e absoluta, e os símbolos e cerimônias externos também prefigura as técnicas mágicas que Crowley aprenderia mais tarde319:

Portanto, as verdades interiores foram envoltas em cerimônias externas e perceptíveis, de forma que os homens, pela percepção do ex terno, possam por graus se capacitar de forma segura para se aproximarem das verdades espirituais interiores. 320

Por meditação, eu não indico apenas “pensar sobre” qualquer coisa, por mais profunda que seja, mas a absoluta restrição da mente na comtemplação de um objeto único, por mais grosseiro, fino, ou totalmente espiritual.

Agora, o verdadeiro cerimonial mágico é inteiramente dirigido para alcançar este fim, e forma um magnífico ginásio para aqueles que ainda não são completos atletas mentais. Através do ato, palavra e pensamento, tanto em quantidade quanto em qualidade, o objeto único da cerimônia está sendo constantemente indicado. Cada fumigação,  purificação, banimento, invocação, é principalmente uma lembrança do propósito único, até que o momento supremo ocorra, e cada fibra do corpo, cada canal de força da mente, é extressado em um ímpeto avalassalador da Vontade na direção desejada. Tal e o real  propósitode todas as aparentemente fantásticas direções de Salomão, Abramelin, e outros sábios de nota. 321

Eckartshausen e Crowley concordam que as fórmulas externas –  os símbolos e as cerimônias –  podem se degradar com a passagem do tempo. Apenas Eckartshausen considerava que a degradação se dá através do afastamento da verdade absoluta, enquanto Crowl ey aceita a visão do Livro da Lei de que a mudança dos tempos, que acompanha as etapas do progresso humano, implica em uma alteração das forças que regem esse progresso e, por conseqüencia, na necessidade da reelaboração dos símbolos e dos ritos: mais a adoração externa das pessoas permanece unida com o espírito da verdade esotérica, mais pura é a sua religião; mas quanto maior a diferença entre a letra simbólica e a verdade invisível, mais imperfeita se torna a religião; até o ponto entre algumas nações de degenerar no politeísmo. Então a forma externa totalmente se afastou de sua verdade interior, quando as observações cerimoniais sem alma ou vida restam Quanto

sozinhas. 322

Abrogados estão todos os rituais, todos os ordálios, todas as palavras e sinais . 323

319

A Missa Gnóstica elaborada por Crowley, também intitulada  Liber XV, é um exemplo de uma cerimônia religiosa onde um Segredo é, ao mesmo tempo, oculto e revelado. 320

 Carta II.  Berashit. 322  Idem. 323 O Livro da Lei, 321

Capítulo I.49.

Comtemplem! Os rituais do velho tempo são negros. Que os malignos sejam jogados fora; que os bons sejam purgados pelo profeta!

324

em certo grau, a intervenção divina na forma de Revelação, como se se adequando à passagem do tempo; só que, como Cristão, ele considera que o processo  já atingiu seu ponto máximo. Para Crowley isto, entretanto, como já vimos, apenas constitui um erro de abordagem típico do Aeon passado. Assim, ele não deve ter tido dificuldades em se deixar insp irar por Eckartshausen, Mas Eckartshausen admite,

quando este afirma: Quando os germes das verdades mais importantes foram carregados a toda parte pelos agentes de Deus, Ele escolhe certas pessoas para erguer um  símbolo vital   destinado por Ele para manifestar os meios pelos quais Ele pretende governar a raça humana em sua

condição presente, e pelo qual ela seria erguida à completa purificação e perfeição. 325

A união íntima entre Revelação e Cerimônia é demonstrada na Carta II quando ela fala dos sacerdotes e dos profetas, e não é de se estranhar que o Livro da Lei se refira a Crowley exatamente como: o escolhido profeta & apóstolo do espaço infinito e o príncipe-sacerdote a Besta (AL I.15); o profeta e escravo da bela (AL I.26); o  sacerdote (AL I.27, I.33); meu profeta (AL I.32, I.48, I.57, II.78); o sacerdote dos  príncipes (AL I.36); escriba e profeta (AL I.53); ò profeta (AL II.10, II.53, II.61, II.76); profeta de Nu! profeta de Had! Profeta de Ra-Hoor-Khu! (AL II.64); o profeta (AL III.36).326 A Carta II diz: A sabedoria da alian ça do templo antigo era preservada por sacerdotes e por profetas. Para os sacerdotes era confiado o exterior, - a letra do símbolo, hieróglifos. O profeta

tinha a responsabilidadeda verdade interior, e sua ocupação era a de continuamente chamar o sacerdo te para o espírito da letra, quando ele se inclinava a perdê -lo. A ciência dos sacerdotes era a do conhecimento do símbolo exterior. Aquela dos profetas era a posse experimental da verdade dos símbolos. No interior o espírito vivia. Havia, portanto, na antiga aliança uma escola de profetas e de sacerdotes, um se ocupando com o espírito do emblema, o outro com o emblema em si. O sacerdote tinha a posse externa da Arca, do shewbread , dos candelabros, do maná, do bastão de Aarão, e os profetas estavam na poss e interior da verdade espiritual interior que era representada exteriormente pelos símbolos já mencionados.

A Carta III aprofunda o tema do significado interior, universal e único por trás de toda a variedade de símbolos e ritos das religiões e igrejas, c onceito que se estende ao de uma Ordem guardiã dessa verdade, que Eckartshausen chama de Santuário Interno, em contrapartida ao Templo exterior: Até o tempo presente o Santuário Interior esteve separado do Templo, e o Templo  beset com aqueles que pertencem apenas aos precintos, mas vem o tempo em que o

Mais Íntimo será reunido com o Templo, de forma que estes que estão no Templo  possam influenciar aqueles que estão nas cortes externas, de forma que o exterior adentre.

327

Sobre o Santuário, ele afirma: Em nosso santuário todos os mistérios ocultos são preservados intactos, eles nunca foram profanados.

324

Idem, Capítuo II.5.

325

 Carta II. 326  Observe-se que a 327  Carta III.

revelação do Livro da Lei dita normas para os rituais e cerimônias.

O santuário é invisível, como é a força que só é conhecida através de sua ação.

328

Eckartshausen ensina que é apenas a incapacidade do homem que o impede de contemplar a verdade e se unir a Fraternidade única e universal:  Deus e a natureza não têm mistérios para suas crianças. Eles são causados pela  fraqueza em nossa natureza, incapaz de suportar a luz, por que ainda não está organizada para tolerar a casta luz da verdade desvelada.

Esta fraqueza é a Nuvem que cobre o Santuário; esta é a cortina que vela o Santo dos Santos.329

Ele passa a seguir a descrever os Eleitos que conseguem atravessar o

véu, e a Fraternidade à qual pertencem: Os Mistérios, como vocês sabem, prometem coisas que são e que irão permanecer a herança de apenas um pequeno número de homens; estes são os mistériosque não  podem ser nem comprados e nem vendidos piblicamente, e podem apenas serem adquiridos por um coração que alcançou a sabedor ia e o amor.  Aquele em quem a flama santa foi despertada vive em verdadeira felicidade, contente

com tudo e em tudo livre. Ele vê a causa da corrupção humana e sabe que é inevitável.  Ele não odeia nenhum criminoso, ele se apieda dele, e procura levantar o que está caído330 , e restaurar o errante, por que ele sente que, apesar de toda corrupção, no todo não há mácula.  Filhos da verdade, há apenas uma ordem, apenas uma Irmandade, apenas uma associação de homens pensando em comum no único objetivo de adquirir a luz. A partir deste centro mal- entendidos causaram inumerávei Ordens, mas todas irão retornar da multiplicidade de opiniões, para a única verdade e para a verdadeira Ordem, a associação dos que estão aptos a receberem a luz, a Comunidade dos Eleitos.  Nós possímos a luz pela qual somos ungidos, e pela qual nós lemos as coisas ocultas e secretas da natureza.

 Nós possuímos um fogo que nos alimenta, e que nos dá a força para agir sobre tudo na natureza. Nós possuímos uma chave para abrir o portal do mistério, e   uma chave  para fechar o laboratório da natureza. Nós sabemos da existência de um elo que irá nos unir aos Mundos Superiores, e revelar para nós sua visão e seus sons. Todas as maravilhas da natureza estão subordinadas à nossa vontade por estar unida com a  Divindade.

 Nós dominamos uma ciência que tira diretamente da natureza, aonde não há erro, mas verdade e luz apenas.

 Em nossa Escola nós somos instruídos em todas as coisas porque nosso Mestre é a  Luz mesma e sua essência. A plenitude de nosss escolaridade é o conhecimento desta ligação entre os mundos divino e espiritual com o elementar, e do elementar com o mundo material.331

Eckartshausen também apresenta um profecia para a sua época: Logo o tempo para aqueles que buscam a luz será cumprido, pois vem o  dia quando o velho será unido ao novo, o exterior ao interior, o alto com o baixo, o coração com o cérebro, homem com Deus, e esta época é destinada para a era presente. Não perguntem, amados irmãos, … por quê a era presente? … 332

lembra, é claro, os tratados Rosacruz do Século ?? , com suas descrições da Fraternidade dos invisíveis, que veremos na segunda parte O tom geral de sua obra

deste livro. Mas, para podermos compreender melhor a autoridade com que descreve 328

 Idem.  Ibidem.

329 330 331

É interessante notar o paralelo bem próximo com o verso 21 do Capítulo II de O Livro da Lei.

The Cloud Upon the Sanctuary, Carta 3.  Idem.

332

a Fraternidade e as capacidades espirituais de seus membros, é preciso saber que ele, algumas vezes, confessou estar em contacto com seres espirituais, dos quais dizia

receber parte de sua inspiração. Sua descrição dos Eleitos vai entrar na composição dos Chefes Secretos da Aurora Dourada, como veremos, e este conceito se tornaria chave para Crowley, que em Magick Without Tears assim os descreveu: De que natureza é este Poder, esta Autoridade, este Entendimento, esta Sabedoria –  Vontade? (Vou de Geburah a Chokmah.)

333

 No lado passivoé comparativamente fácil formar alguma idéia; pois as qualidades essenciais são principalmente extensões daquelas que todos nós possuímos em algum grau. E se o Entendimento- Sabedoria está “certo” ou “errado” deve ser na maior parte uma questão de opinião; freqüentemente o Tempo só pode decidir tais pontos. Mas quanto ao lado ativo é neessário postular a existência de uma forma de Energia à sua disposição que é capaz de ‘causar mudança a ocorrer em conformidade com a Vontade’ – uma definição de ‘Magia’. 334 Estes poderes sã o estupendos. Estes poderes movem- se em dimensões do tempo e do espaço bem diferentes das com que estamos familiarizados. Seus valores são imcompreensíveis para nós. Para um Chefe Secreto, manejando esta arma, ‘The nice conduct of a clouded cane’ pode ser infinitamente mais importante que uma guerra, fome e pestilência tais que possam exterminar uma terça parte da raça, a quem promover o bem-estar é ponto crucial de Seu juramento, e a única razão de Sua existência! Mas quem são eles? 335 “Eles podem induzir uma garota a tecer uma tapeçaria 336, ou iniciar um movimento  político para culminar em uma guerra mundial 337; tudo em busca de algum plano totalmente além da previsão ou da compreensão dos mais profundos e sutiz pensadores. 338

A trajetória de Crowley em 1898 , elegendo o Diabo como interlocutor inicial,  para acabar escolhendo os Santos Secretos como seu objetivo de busca, se reflete mais

tarde na forma como ele vê a Magia Cerimonial: Com a baixa classe do feiticeiro que vende a si mesmo como escravo para algum

“diabo” nós nada temos a tratar aqui. Isto é a antítese da magia. O objetivo é comandar os espíritos. Muito bem; suponha que comecemos de uma maneira grosseira, egoísta e avarenta, e tentemos com que os espíritos nos tragam ouro. Nós chamamos Hismael, Es pírito de Júpiter. Nada acontece. Nós aprendemos que Hismael não será comandado a nào ser por sua própria Inteligência, Iophiel. Então nós chamamos Iophiel. Igual resistência da parte de Iophiel, que só é amistoso às ordens de Sachiel, seu Anjo. A mesma estória com Sachiel. Nós vamos a Tzadiquiel o Arcanjo. Ainda não está bom;  pois Tzadiquiel obedece a ninguém além de El. Bom, nós invocamos El, o Deus. Nós  precisamos então nos tornar El; e tendo feito isto, tendo entrado nesta vasta essência divina, não podemos mais nos aborrecer se não temos nenhum dinheiro. Nós deixamos tudo para trás. Então nós percebemos que para realizar qualquer milagre nós devemos mostrar uma razão divina para ele. 339

A Vontade, tão importante no sistema crowleyiano, é mencionada na Ca rta IV, de uma forma absolutamente harmônica com aquele, onde sempre se associa com a 333

Ele se refere às Sephiroth da Árvore da Vida..

334

 Magick Without Tears, Carta 9. 335  Idem. 336

Crowley faz menção a um evento que ele considerou singularmente em sua vida, que veremos mais

a frente. 337  Crowley associava as guerras que ocorreram a  partir

de 1904, a data da recepção do Livro da Lei,

com as sucessivar publicações do mesmo. 338

 Magick Without Tears, Carta 9. The Revival of Magick, publicado em 1917 no The International.

339

imagem do Anjo Guardião, cujo Conhecimento e Conversação considera o próximo  passo para a humanidade:  Neste mundo tudo é corruptível; é inútil procurar aqui por um  princípio puro de razão e moralidade ou motivo para a Vontade. Este deve ser buscado em um mundo mais exaltado  – lá, onde tudo é puro e indestrutível onde reina um Ser todo sabedoria e todo amor. Assim o mundo não pode e não irá se tornar feliz até que este Ser   Real possa ser recebido pela humanidade de todo e se torne seu Tudo em Tudo.

 Na Carta V Eckartshausen menciona uma “matéria viscosa”, oculta no sangue, que ele chama de “glútem”, e da qual diz: “Este glútem é o corpo do pecado.” Chamando a atenção para o complexo de idéias que Crowley havia desenvolvido –  a valorização do pecado como via de libertação, a associação do pecado com a masturbação, as idéias inatas sobre a natureza simbólica, mágica e eficaz dos atos sexuais, fica fácil entender sua posterior fascinação com o Segredo da O.T.O., onde o termo glútem também é mencionado. Eckartshausen é mesmo prolífico em afirmar as capacidades maravilhosas do glútem: Este material, esta matéria, pode ser modificada de várias maneiras, de acordo com o estímulo dos sentidos; e de acordo com o tipo de modificação e mudança ocorrendo neste corpo ou matéria do pecado, também variam as diversas tendencias pecaminosas do homem.

A mentalidade mágico -científica, que afirmava as doutrinas judaico -cristãs como supertições, vai simplesmente descartar aquilo que considera acréscimos morais errôneos sobre um conhecimento imperfeito da Natureza e da descrição do glútem, que Eckartshausen liga à sexualidade ao o associar, não só ao sangue mas também ao semen quando fala da sua transmissão de pai para filho, vai aceitar apenas a idéia de um agente capaz de feitos extraordinários. Neste contexto, é interessante citar o Teorema 15 de Crowley: Toda força no Universo é capaz de ser transformada em qualquer outro tipo de força usando-se os meios adequados. Existe portanto um inesgotável suprimento de qualquer tipo de força particular de que possamos precisar. 340

E o glútem de Eckartshausen se torna ainda mais interessante ao olhar do magista quando este o diz sujeito aos esforços da von tade: É bem verdade que o homem com sua força de vontade pode colocar limites para a ação deste corpo de pecado, e pode dominá -lo para que se torne menos ativo, mas destruí-lo e aniquilá -lo totalmente está além de seu poder. 341

A presença do glútem no sangue foi decorrência da ingestão do fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. Basta uma reversão deste simbolismo –  e o simbolismo thelemico de Crowley é repleto dessas inversões, como bem mostra a redefinição da Besta e da Mulher Escarlate 342  - para se considerar o glútem como o elemento responsável pela evolução do homem a partir do animal, cuja concentração seria diretamente proporcional ao gênio, o que acaba por concordar com as associações da Psicologia moderna entre geialidade, criatividade e ener gia sexual. Como o glútem do sangue se tranmite pelo semen ( “de pai para filho” ), fica fácil de 340

 Magick, Parte III – Introdução.  Carta V.

341 342

Crowley não foi original nisto, se pensarmos nos Ofitas, grupo gnóstico que identificava a Serpente do Gênesis com o Messias, libertando Adão e Eva da ignorância forçada pelo Demiurgo.

se entender porque Crowley, profundamente influenciado por Eckartshausen, consideraria algumas fórmulas de Alquimia Sexual tão importantes a ponto de indicá las em dois Arcanos do seu Tarot.

O débito de Crowley para com A Nuvem Sobre o Santuário é imenso; quando a Carta V fala de Melchizedek e da função sacerdotal, do pão e do vinho, por exemplo, encontramos prefigurado todo o ensinamento que Crowley velaria em sua

versão da Missa Gnóstica: Melchizedek foi o primeiro Rei Sacerdote; todos os verdadeiros sacedotes de Deus e

da natureza descendem dele, e o próprio Jesus Cristo foi unido a ele como “sacerdote” da ordem de Melchizedek. Esta palavra é literalmente da mais elevada e ampla significação e extensão –  qd - oyklm (MLKIZ-DQ). Ela Significa literalmente a introdução da verdadeira substância da vida vital, e a separação desta substância vital do envelope mortal que a envolve.

Um sacerdote é alguém que separa aquilo que é natureza pura daquilo que é de natureza impura, um separador da substância que contém tudo da matéria destrutível que ocasiona dor e miséria. O sacrifício ou aquilo que foi separado consiste em pãoe vinho. Pão significa literalmente a substância que contém tudo; vinho a substância que vitaliza tudo.

Portanto, um sacedote da ordem de Melchizedek é alguém que sabe separar a substância que a tudo abarca e vitaliza da matéria impura, alguém que sabe como empregá-la como um meio real de reconcilia ção e de re -união para a humanidade caída, de forma a comunicar para ela seu verdadeiro e régio privilégio de poder sobre a natureza, e a dignidade Sacerdotal ou habilidade para unir a si mesma pela graça aos mundos superiores.

 Nestas poucas palavras está contido todo o mistério do Sacerdócio de Deus, e a ocupação e objetivo do Sacerdote.

Apesar de tudo, não considero que A Nuvem Sobre o Santuário tenha sido um divisor de águas na vida de Crowley. Ele já havia percorrido as etapas lógicas que o levaram atr avés da desilusão existencial à descoberta da Magia como método para se descobrir a verdade suprema e oculta. Mas, as cartas de Eckartshausen forma

fundamentais no desenvolvimento da visão sobre o fenômeno mágico que Crowley viria a seguir. Elas indicaram as condições em que o fenômeno mágico deveria ocorrer, condições estas que ele iria identificar depois nas técnicas de meditação orientais. Crowley também foi apresentado às noções de identidade entre iluminação e revelação, e à noção não ortodoxa de que a  profecia pode ser obtida pelo esforço humano343. Esta noções, entretanto, não eram novidade. O recurso ao auxílio de Inteligências espirituais como fonte de auxílio e conhecimento é tão antigo quanto o homem, e constitui uma parte fundamental das tradições mágicas do Ocidente. Ao  jovem Aleister Crowley restava, portanto, encontrar os mestres que lhe ensinariam as

técnicas consagradas pelo uso. Seu objetivo de vida, portanto, já era bem claro: Em meu terceiro ano em Cambridge, eu me devotei conciosamente à G rande Obra, entendendo deste modo a Obra de se tornar um Ser Espiritual, livre das limitações, acidentes, e decepções da existência material. 344

343

 Na Terceira Parte desta obra, veremos que esta idéia já havia sido defendida por vário s

representantes do Misticismo Judaico. 344  Magick, Parte III – Introdução.

O ALQUIMISTA

Crowley fora para Wastdale Head na Páscoa de 1898 acompanhado por

345

Pollit

 e o livro de Eckartshausen:

Ele estava [Pollit] em residência durante o termo da Páscoa de 1898 e nós nos víamos quase todo dia. Nas férias ele me acompanhou a Wastdale Head e costumava caminhar comigo sobre os penhascos, embora eu nunca pudesse persuadi-lo a fazer qualquer esc alada. Eu estava absorto com  A Nuvem sobre o Santuário, lendo de novo e de novo sem ser afastado pelas notas farisaicas, pedantes e pitecantrópicas

de sua tradutora, Madame de Steiger. Eu apelei com toda a força da minha vontade aos adeptos da Igreja Oculta para me prepararem como

um postulante para sua augusta companhia. Como será visto mais tarde, atos de vontade, realizados pela pessoa apropriada, nunca caem no vazio346, mesmo sendo impossível (no presente) se entender porque

meios a energia é transmitida. 347

A importância deste apelo, e a situação espiritual em que se encontrava, ficam  bem claros em outra passagem:

Eu pensei na Pásco a de 1898, quando vagava em Wastdale em desespero e gritei ao universo por alguém que me ensinasse a verdade, quando minha imaginação estava impotente para forjar o menor elo com qualquer auxiliador.348

Apesar deste intenso processo interior pelo qual passava, o ano de 1898 recebe nas Confessions uma atenção especial em razão de um outro acontecimento:

O evento crítico do ano foi meu encontro com Oscar Eckenstein em

Wastdale Head. 349

Oscar Eckenstein (1859- 1921)

foi um personagem importante na estória do alpinismo, sendo o pioneiro da técnica de  bouldering. Ele é lembrado   como um inovador, tendo redesenhado o crampon em 1908, em uma forma muito próxima a que é usada atualmente, redefinindo assim o estilo da ascensão no gelo. Ele também desenhou, construiu e difundiu uma machadinha de mão que estava mais de sessenta anos à frente do equipamento da época. Eckenstein tinha qualificações em Química, conseguidas em Bonn e Londres, e trabalhava como engenheiro ferroviário, qualificações que foram importantes no   desenvolvimento de suas teorias sobre escaladas. 345

A decisão de terminar o romance com Pollit surgiu no espírito de Crowley logo depois da Páscoa: “Esta determinação desenvolveu -se  gradualmente durante o último termo de Maio. Ele [Pollit] lutou muito desesperadamente contra minha preocupação crescente com a aspiração na qual ele reconheceu a executora de nossa amizade.” –  Confessions, Capítulo 17. 346  No original: “never fall to the ground.” 347 Confessions, Capítulo 17. 348 Idem, Capítulo 25. 349 Ibidem, Capítulo 18.

A importância de Eckenstein na vida de Crowley não pode ser desconsiderada em nenhum estudo biográfico. Ele é um dos quatro mentores mencionados no  Liber  Aleph (já vimos Pollit e, em breve, Cecil Jones e B ennet), e uma das seis pessoas a quem as Confessions foram dedicadas350:

OSCAR ECKENSTEIN

que me treinou para seguir a trilha

A primeira apresentação de Eckenstein na autobiografia de Crowley 351  já indica duas das três características que fizeram dele uma figura chave na sua formação, a disciplina técnica e o senso moral 352: Eckenstein era vinte anos mais velho do que eu. Seu negócio na vida era matemática e ciência, e seu único prazer alpinismo. Ele era  provavelmente o melhor all-round man na Inglaterra, mas suas realizaçõs eram pouco conhecidas por causa de sua quase fanática objeção à  publicidade. Ele odiava os charlatões que chamavam a atenção para si mesmos, como os principais membros do Clube Alpino, com tal intensidade que, mesmo sendo legitima, era quase exagerada. Sua

detestação de todo tipo de farsa e falsas pretensões era uma paixão avassaladora. Eu nunca encontrei nenhum homem que mantivesse os

mais altos ideais morais com tal candor infatigável. 353

Se de Pollit Crowley registrou que havia feito de si um poeta, de Eckenstein ele diria que “fez de mim um homem” 354, e isto a partir da sua postura moral:

O código moral de Eckenstein era mais nobre e elevado do que o de

qualquer outro homem que conheci. 355

 Não que Crowley, entretanto, aceitasse completamente a sua posição: Em vários pontos eu não posso concordar; pois algumas de suas idéias são baseadas no complexo de culpa. Eu não posso imaginar de onde ele as tirou, ele com sua mente racionalista da qual ele excluiu todas as

suposições das religiões estabelecidas. Mas ele com certeza tinha a idéia de que a virtude era incompatível com o desfrutar. Ele recusava admitir que escrever poesia fosse trabalho, embora ele admirasse e amasse [a Poesia] intensamente. Eu penso que seu argumento devia ser que, se um

homem desfruta do que está fazendo, ele não deveria esperar uma remuneração extra. 356

350

“Para três amigos: J.W.N. Sullivan, Augustus John, P.R. Stephensen; e para três memórias

imortais: Richard Francis Burton, Oscar  Eckenstein e Allan Bennet.” 351 352

Eckenstein é mencionado, entretanto, três vezes nos capítulos anteriores. A terceira característica, que foi uma surpresa providencial para Crowley, será vista no Capítulo 11

desta obra. 353 Confessions, Capítulo 18. 354 355

Confession, Capítulo 18.  Idem.

356

A vida de Eckenstein foi cercada de pequenos mistérios e enigmas 357, que certamente aumentaram em razão da sua discreção “puritana”. Uma das teorias a seu respeito era a de que ele fosse um espião a serviço da Prússia, o que poderia explicar os repetidos ataques contra a sua vida, que sofreu durante alguns anos, bem como o embaraço durante a expedição que fariam aos Himalaias em 19??. A admiração do  jovem pupilo se repete em várias passagens. A mais eloquente delas diz: Eu espero que Eckenstein tenha deixado material adequado para uma

 biografia e feito arranjos para sua publicação. Eu sempre quis tratar do assunto eu mesmo. Mas o infeliz término da sua vida em  phtisis e casamento, quando ele esperava passar seu outono e inverno em Kashmir

meditando sobre os mistérios que apelavam ao seu espírito sublime, tornou todos esses planos nulos. Eu sinto como um dos meus mais altos deveres recordar nestas

memórias o máximo possível sobre este homem que, com Allan Benett, se coloca a parte e acima de todos os outros com quem eu fui realmente

íntimo. A grandeza do seu espírito não era inferior a de grandes gigantes como Rodin 358; ele era um artista não menos do que se tivesse pro duzido qualquel monumento to his mind. Apenas seu constante manhandling por asma espasmódica o impedia de equiparar seu gênio  by obras-primas.359

Eckenstein como homem de ciência, era o tipo de alpinista que prezava acima de tudo método, preparação e disciplina. Em uma passagem da novela  Diary of a  Drug Fiend, Crowley na pele do seu personagem King Lamus testemunhou:

“O maior montanhista de sua geração, como você sabe, foi o falecido Oscar Eckenstein.” Ele fez um gesto complicado bastante incompreensível;  mas este vagamente sugeria  para mim alguma reverência cerimonial conectada a morte.

“Eu tive a grande boa fortuna de ser adotado por este homem; ele me ensinou como escalar; em particular, como glissar . Ele me fez começar abaixo da encosta a partir de todos os tipos de posições complicadas; cabeça primeiro e por ai vai; eu tinha que me deixar escorregar até que ele desse o sinal, e então eu tinha que me recuperar e terminar, em pé ou sentado, como ele escolhesse, para desviar ou parar; enquanto ele contava

até cinco. Ele me dava exercicíos progressivamente perigosos. É claro, isto tudo soa bastante óbvio, mas de fato, ele era o único homem que aprendeu e que ensinava a glissar desta forma completa.” O estilo de Crowley, que começara por conta própria, er a entretanto marcado  por um talento bizarro:

 Na técnica prática de escalar, Eckenstein e eu eramos ainda mais complementares. É impossível imaginar dois métodos mais opostos. Sua escalada era invariavelmente limpa, ordenada, e inteligível; a minha mal po de ser descrita como humana. Eu acho que meus primeiros esforços sem tutoramento, enfatizados pela minha experiência com calcário, contribuiu muito para formar o meu estilo. Seus movimentos eram uma série, 357

“Existe uma imensa parte da sua vida que é misteriosa e extraordinária além de qualquer coisa”,

Confessions, Capítulo 18. 358 359

 Idem.

os meus eram contínuos; ele usava músculos definid os, eu usava meu corpo todo. Devido sem dúvida a minha falta de saúde anterior, eu nunca desenvolvi força física; mas eu era muito leve, e possuia elasticidade e equilíbrio em um grau extraordinário. A combinação era ideal. Eckenstein tinha todas as quali dades civilizadas e eu tinha as selvagens. Ele era um atleta completo; seu braço direito, em particular, era tão forte que ele apenas precisava de um par de dedos em uma saliência inclinada de uma rocha  pendurada acima da sua cabeça e ele podia se erguer lentamente por ela até que seu ombro direito estivesse bem acima desses dedos.

O fato de ter sido aceito como parceiro de Eckenstein muito diz sobre a capacidade de Crowley como alpinista, e não podemos dizer que em suas Confessions ele estivesse se auto-elogiando indevidamente, ainda mais que existem outros testemunhos a esse respeito: Eckenstein reconheceu desde o início o valor de meus instintos naturais para o montanhismo, e também que eu era um dos mais tolos imbecis vivos. Fora algumas 360  poucas e preci osíssimas lições que eu tomara de Norman Collie , eu era ainda um amador do tipo mais callow . Eu não tinha idéia sobre sistema. Eu havia alcançado  bastante, é verdade, por uma mistura de gênio e senso comum; mas eu não tinha treinamento regular e era total mente ignorante da seriedade da adminsitração de um acampamento e outros ramos de exploração. 361 Crowley era um bom escalador, mesmo se de um estilo não convencional. Eu o vi subir o perigoso e difícil lado direito do grande precipício de gelo do Mer de Gla ce abaixo do Géant, sozinho, apenas para passear. Provavelmente a primeira e talvez única vez em que esta louca, perigosa e difícil rota foi tomada. 362

A menção posterior de Longstaff é bem interessante, pois confirma que Crowley não exagerava nas descrições de seus próprios méritos como alpinista, pois ele mesmo deixou registrada a sua versão do incidente: Em grande escala, também, eu havia provado suas possibilidades [das “garras” aperfeiçoadas por Eckenstein]. Um dia, Eckenstein estando doente, eu havia conbinado de ir com Longstaff e seus dois guias ao Col du Géant. Não me sentindo muito bem eu mesmo, pensei em começar uma hora a frente dos demais. Tendo inspecionado o  precipício de gelo, encontrei um caminho para o topo. Quando já estava na metade do caminho através dos séracs , eu ouvi os guias de Longstaff gritando como loucos. Eu havia tomado o “caminho errado”. A rota deles envolvia um contorno de uma milha ou mais. Eu não dei importância a sua ansiedade amigável e alcancei o topo com uma boa vantagem. Quando eles chegaram, eles me explicaram que o que eu fizera era

impossível. Para continuar com a piada, quando voltamos eu ofereci cento e cinquenta francos para qualquer grupo que repetisse a escalada pela minha rota. Ninguém o fez. Longstaff deixou t ambém

um testemunho sobre Eckenstein, que considerou “um diamante bruto, mas um diamante. 363” Mas, o registro seguinte, também do mesmo volume do Alpine Journal, acaba soando como uma puxada de tapete: Eckenstein, embora um escalador competente, e sempre disposto a discutir suas teorias, geralmente deixava a guia em uma escalada para outra pessoa.

O antagonismo entre Eckenstein e o Clube também era partilhado por Crowley, mas este, ao contrário de seu mentor, havia tentado a agremiação uma vez: 360 361

Confessions, Capítulo 18. This My Voyage, de Dr. Tom George Longstaff, Presidente do Clube Alpino de 1947 a 1949. Citado  por John Symonds na sua Introdução às Confessions. 363  Alpine Journal, Volume 65 de 1960. Este é uma publicação do Clube Alpino. 362

Eu descobri o fato extremamente desagradável de que o Clube Alpino Inglês era amargamente oposto ao montanhismo  –   seus membros eram incompetentes, insanamente invejosos de seus interesses vested e inacreditavelmente anti-esportivos. O Professor Norman Collie havia me proposto para o clube e Sir Martin Conway fora gentil o bastante para me secundar; mas o registro de escaladas que coloquei para

qualificar a minha admissão era bom demais. Era subversivo a toda autoridade. O sócio Alpino mediano se qualifica por pagar guias para o carregarem a alguns picos baixos.

 Não se espera que faça nenhuma escalada nova; e é um ultraje ao espírito do clube fazer qualquer coisa original. Mummery 364  foi rejeitado porque ele era o escalador mais famoso sa Inglaterra; e, embora ocasionalmente escalando com guias antes de conhecer 365 366 Collie  e Hastings , era de fato o líder do grupo. O clube estava, é claro, temeroso de dar suas reais razões para barrá -lo. Eles circularam a mentira de que ele era um sapateiro! Mais tarde, tornou- se um escandâlo público ele não ser um membro do clube e ele foi fraco o bastante para permitir-se ser eleito. No meu caso, Collie e Conway me

alertaram que minha eleição receberia oposição e eu retirei meu nome.

quase que do início ao fim 367, estão repletas de críticas ao Clube Alpino, e seria injusto descartá -las exclusivamente alegando o rancor de Crowley, já que um homem do calibre de Eckenstein também as partilhava. As críticas de Crowley se resumem bem no seguinte texto: As Confessions,

O montanhismo difere dos outr os esportes em um aspecto importante. Um

homem não  pode obter reputação no cricket ou no futebol contratando profissionais para jogar por ele. Seusfeitos são verificados por seus pares. Mas dificilmente qualquer um na Inglaterra nessa época sabia qualquer coisa sobre montanhismo. Vários velhos fogies, que não poderiam ter escalado as mais simples rochas em Cumberland, ou liderar através de uma passagem Alpina fácil, havia sido conduzidos pessoalmente por camponeses em algumas montanhas e escrito a si mesmos  para a fama. A aparição do escalador sem guia era portanto um desafio direto. Eles tentaram todos os truques sujos  para prevenir que os fatos vazassem. Eles se recusavam a registrar os feitos de homens sem guias no Jornal Alpino. Eles desconsideravam mesm o seus próprios membros, eles

tentaram ignorar a escalada em rocha Inglesa totalmente e não queriam ter nada haver com os Clubes Alpinos Continentais.

O resultado desta política foi dificultar o desenvolvimento do esporte na Inglaterra. Os eram ostracizados. Era um paralelo às tentativas da Igreja de  pretender que não havia tal coisa como a ciência. O resultado não era diferente. Em homens mais jovens

1901 todos os recordes mundiais, exceto um, eram mantidos por mim e por Eckenstein.

O Clube Alpino até mes mo tentou forjar recordes. Um grupo havia feito uma grande algazarra sobre uma subida ao Dent Blanche. Mais tarde foi provado que ele não havia estado na montanha de forma alguma e que pelo menos um do grupo sabia disto. 368

Mas, mesmo o Clube Alpino teve que reconhecer o valor das teorias que Eckenstein parecia sempre disposto a discutir. Lawrence Sutin369, citando ainda o Volume 65 do Jornal Alpino de 1960, menciona: Eckenstein foi o primeiro grande proponente do que viria a ser chamado “escalada equilibrada” –   um cuidadoso controle e uso do corpo que iria, no

 julgamento de um historiador do alpinismo, “no final revolucionar os padrões do

364 365 366 367

Começando na página 135, Capítulo 16, e indo até a página 760, Capítulo 76, em um total de 12 menções. A edição da editora Arkana tem 890 páginas de texto original. 368 Confessions, Capítulo 16. 369  Do What Thou Wilt, Capítulo 2.

trabalho em rocha” ao aplicar “aos problemas de escalar rochas difíceis os princípios de stress e desgaste que ele [Eckenstein] usava em seu trabalho [de engenharia]. Aleister Crowley e Oscar Eckenstein fizeram algumas escaladas juntos e

firmaram um acordo provisório de realizar uma expedição aos Himalaias assim que fosse possível. Para que Crowley se adequasse às condições que iriam enfrentar, no verão eles acamparam na geleira Schönbuhl sob o Dent Blanch. O mau tempo tornou impossível qualquer escalada séria, mas Crowley teve instruções importantes sobre a administração de acampamentos. Entretanto, um fato extraordinár io estava para acontecer: Eu havia sido levado, no curso de minhas leituras, para The  Kaballah Unveiled, de S.L. Mathers. Eu não entendia uma palavra do

livro, mas ele me fascinava ainda mais por esta razão, e era meu estudo constante na geleira. Minha s aúde não estava bem nesse verão e eu havia descido até Zermatt para descansar. Uma noite no salão de bebidas eu comecei a lay down the law sobre alquimia, o que eu não entendia de forma alguma. Mas era um assunto bastante seguro para me exibir e eu creio ter impressionado o grupo de homens com meu vasto conhecimento. Entretato, meu destino estava a espreita. Um do grupo,

chamado Julian L. Baker, era um analista químico. Ele me chamou de lado quando o grupo se separou e caminhou de volta ao hotel comigo. Ele

era ele mesmo um verdadeiro alquimista prático –  eu não sei se ele havia sido enganado pela minha loquaz exibição de erudição. Ele pode ter simpplesmente deduzido que um garoto, por mais vaidoso e tolo, que tenha se dado a tanto trabalho para ler sobre o assunto, deve ter um

interesserealmente honesto afinal de contas; e ele me levou a sério. Ele havia realizado algum trabalho notável em alquimia. Por exemplo, ele havia preparado ‘mercúrio fixo’; ou seja, o metal puro em alguma forma que era sólida em temp eraturas normais. Quanto a mim, eu não me enganei. Eu senti que o momento da oportunidade havia chegado. Eu havia mandado o chamado de S.O.S. por

um Mestre durante aquela Páscoa em Wastadale Head; e aqui estava um homem que ou era um ele mesmo ou poderia me colocar em contato com

um. Me pareceu mais do que coincidência que eu tivesse sido levado a encontrá-lo em parte por minha má saúde e em parte por minha fastidiosa vaidade. Essa noite eu resolvi renovar meu contato com Baker de manhã e tratar com ele ser iamente sobre a questão intricada que estava próxima do meu coração. 370 Mas, a determinação de Crowley sofreria um abalo. Ao procurar por Baker na manhã seguinte, descobriu que o alquimista havia partido sem deixar indicação do seu  paradeiro. O rapaz telegrafou para todo o vale, até o localizar em Corner Grat. Ele correu para lá, mas Baker se adiantara. A busca se extendeu aos hotéis e a estação de trem, até que alguem informou que um inglês que correspondia à sua descrição descera o vale em direção a Brigue. Desta vez, os esforços de Crowley foram recompensados: Eu o alcancei umas dez milhas abaixo de Zermatt. Eu lhe falei

da minha busca pelo Santuário Secreto dos Santos e o convenci de minha 370

Confessions, Capítulo 19.

desesperada sinceridade. Ele insinuou saber de uma Assembléia que  podia ser a que eu estava procurando. Ele falou de um Sacramento onde

os Elementos eram quatro ao invés de dois. Isto não significava nada para mim; mas eu senti que estava na trilha certa. Eu o fiz prometer me encontrar em Londres. Ele acrescentou, ‘Eu vou apresentá -lo a um

homem que é muito mais Magista do que eu sou.’ Para resumir o assunto com brevidade, ele manteve a sua A Assembléia Secreta materializou -se como a ‘Hermetica

 palavra. Ordem da G.:D.:’, e o Magista como um George Cecil Jones.

É agora necessário que voltemos no tempo alguns séculos, para sabermos quem, afinal, eram os Santos que Crowley tanto procurava.

A AURORA ROSACRUZ

O termo  Renascimento  foi utilizado pela primeira vez pelo artista italiano Giorgio Vasari371  (1511-1574) em sua obra de 1550 Vite372 , e passou a indicar o

 período da redescoberta dos textos e do conhecimento clássico na Europa após a queda de Constantinopla em 1453, a qual forçou os sábios bizantinos a emigrarem,  principalmente para a Itália. O Renascimento foi um período de grande difusão de idéias, principalmente após a invenção da imprensa por Gutemberg 373. Duas correntes de idéias s e uniram para caracterizar o movimento renascentista: Hermetismo e Ciência. O Hermetismo foi reintroduzido no Ocidente em 1460, através de um monge vindo da Macedônia, um dos agentes de Cosimo de Médici 374  (1389-1464) que investigavam os mosteiros europeus em busca de escritos antigos. Do grande número de textos herméticos atestados pela tradição 375, e queimados junto com o imenso

acervo da Biblioteca de Alexandria em 391 e.v. 376, dezesseis tratados foram resgatados, recebendo o seu conjunto o título de Corpus Hermeticum, aos quais se  junta a Tábua de Esmeralda, um texto breve cujo original mais antigo faz parte de um

tratado árabe do século X reeditado no século XIII, com traduções para o Latim feitas no séculos XII e XIII 377, e o  Asclépio, que sobrevivera na sua versão latina entre as obras de Apuleio378.

A grande importância destes textos para os renascentistas veio de um erro histórico. Os Padres da Igreja, em particular Lactâncio 379, acreditavam que Hermes Trismegisto380, o autor mítico dos tratados, tinha sido uma pessoa real, um sábio e um  profeta contemporâneo de Moisés e anterior a Platão e Pitágoras. Na verdade, os textos atribuídos a ele datam dos séculos II e III e.v 381. Estes textos eram fortemente carregados de magia, e a partir deles os magos renascentistas se voltaram contra a 371

 Giorgio Vasari foi um importante pintor e arquiteto, tendo sido comissionado para pintar as paredes

e o teto na Sala di Cosimo I no Palazzo Vechio de Florença, e os frescos do Duomo da cidade. Entre suas obras arquitetônicas está a longa passagem ligando o Uffizi com o Palácio Pitti. Foi fundador da Accademia del Disegno em 1563. 372

 Le Vite delle più eccellenti pittori, scultori, ed architettori . Esta obra de Vasari foi a primeira enciclopédia de biografias artísticas, e incluía um valioso tratado de métodos técnicos. Foi aumentada em uma nova edição em 1568. 373  Johannes Gensfleish zur Laden zum Gutenberg (1398-1468), impressor alemão que desenvolveu o sistema de tipos móveis, substituindo assim o processo de cópia manuscrita que caracterizou a cultura medieval. 374

Cosimo di Giovanni de Medici foi o fundador da dinastia dos Medici, que goveraram Florença durante o Renascimento na Itália. Foi um importante mecenas das Artes, e o financiador das primeiras traduções do Corpus Hermeticum e de Platão. 375   Fora as cifras fantásticas, Clemente de Alexandria,?????? atestou a existência de 42 tratados, mas este número pode ser simbólico, referindo -se aos 42 nomos do Egito para dar uma idéria de totalidade. 376 377

 De onde se infere que a Tábua de Esmeralda consta apen as da segunda tradução.  Lucius Apuleius (123-180), nasceu em Madaura, uma colônia romana na costa norte da África. Ele é famoso pela obra Metamorfoses, também conhecida como O Asno de Ouro, onde narra as desventuras de um aprendiz de Magia que acaba se transformando em um asno. Apuleius foi ele mesmo acusado de usar a Magia para fins pessoais, escrevendo uma  Apologia  famosa pela forma impiedosa com que 378

ironizou seus adversários. Apesar do  Asclépio ter sobrevivido junto com outros textos de Apuleius, é duvidoso que ele tenha sido o seu autor. 379 380

Hermes Trismegistus… A correção das datas dos textos herméticos, através da análise do seu estilo linguístico, foi feita pelo filologista linguístico Issac Casaubon (1559 -1614). 381

tradição dos grimórios medievais que, de acordo com a visão cristã, aceitavam a magia como interação diabólica, e passaram a defender a magia como atividade natural  e ofício sacerdotal , buscando inclusive apoio na passagem bíblica ond e se menciona os três reis magos. Os tratados herméticos foram traduzidos e publicados a mando de Cosimo de Medici por Marsilio Ficino 382 ( - ) em 1417, com o título de  De potestate et sapientia Dei.

A idéia de uma magia natural, que Ficino explicava   como “a submissão oportuna das matérias naturais a causas naturais, plasmando -as através de uma certa lei admirável” 383, abre caminho para uma separação da magia e da religião, e esta separação, de uma atividade prática baseada em uma concepção de mundo independente da religiosa, foi uma das causas que levou à Revolução Científica. Este

 ponto foi muito bem exposto por Frances A. Yates 384 (

-

):

Os gregos, que possuíam cérebros matemáticos e científicos de primeira ordem, fizeram muitas descobertas na mecânica e nas outras ciências aplicadas, porém jamais realizaram, de todo coração e com todas as suas forças, o momentoso passo dado pelo homem ocidental no  princípio do período moderno – o de cruzar a ponte entre o teórico e o  prático, o de se dedicar totalmente à aplicação dos conhecimentos, para  produzir operações. Qual a razão disso? Basicamente, era uma questão de vontade. Fundamentalmente, os gregos não queriam operar. Consideravam as operações coisas baixas e mecânicas, uma degeneração da única ocupação digna do homem, que ra a especulação filosófica, pura e racional. A Idade Média deu continuidade a essa atitude sob a forma de teologia  –   que julgavam ser o coroamento da filosofia, uma vez que a contemplação é a verdadeira finalidade do homem; o desejo de operar só podia ser inspirado pelo Diabo 385. Pondo de lado a questão de saber se a magia renascentista poderia ou não conduzir a processos genuinamente científicos, a real função do mago da Renascença, em relação ao período moderno (ou assim considero), é ter transformado a vontade. Era, então, digno e importante que um homem operasse; estava também conforme a religião e não era contrário à vontade de Deus que o homem, esse grande milagre, exercesse os seus poderes. Toda a diferença centrava -se nessa reor ientação psicológica básica para uma direção da vontade, que não era grega nem medieval no seu espírito. Quais foram as fontes emocionais dessa atitude? Talez se possa insinuar

que se encontravam na exaltação religiosa causada pela redescoberta da  Hermét ica e da sua acompanhante, a magia; ou nas emoções despertadas pela cabala e suas técnicas mágico -religiosas; foi a magia, com o auxílio da gnose, que começou a imprimir à vontade uma nova direção. 386

382 383

A “lei admirável” provavelmente se refere ao princípio hermético mais famoso, constando da Tábua de Esmeralda, e popularmente traduzido como “Aquilo que está acima é como aquilo que está abaixo.”  De Vita.

384 385

É típica desta visão a associação feita nos grimórios medievais, onde os diversos demônios são descritos como os que ensinam as Artes Liberais, como Geometria, Retórica, etc. 386 Giordano Bruno e a Tradição Hermética, Capítulo VIII.

Científica foi cunhado em 1939 por Al exandre Koyré387,  para indicar as mudanças de paradigma que ocorreram por volta de 1600. Em 1543 O termo  Revolução

 Nicolaus Copernicus388  (1473-1543) publicou  De revolutionibus orbium coelestium,

onde demonstrou matematicamente a teoria heliocêntrica. O livro só foi atacado em razão da contradição com o ensinamento geocêntrico da Igreja em 1546,  provavelmente graças ao prefácio do filósofo luterano Osiander 389, que apresentava a teoria matemática de Copernicus como sendo um exercício desvinculado da realidade. O dominicano Giovanni Maria Tolosani 390, entretanto, denunciou a teoria e defendeu a verdade absoluta das Escrituras. O livro de Copernicus foi colocado no Índex de Livros Proibidos 391 em 1616, logo após o Cardeal Belarmino 392  ter dado a Galileo Galilei393  (1564-1642) uma ordem do Papa para que afirmasse que o sistema heliocêntrico era apenas uma

hipótese, no mesmo sentido anteriormente defendido por Osiander, ou seja, uma conveniência matemática e não uma afirmação de fatos reais. Os problemas de Galileo com a Igreja haviam começad o em 1614, quando sua defesa do copernicanismo fora denunciada como perigosa e próxima da heresia, e teriam seu auge em 1632 após a publicação do  Diálogo Concernente aos Dois Principais Sistemas do Mundo, quando teve que comparecer diante da Inquisição, qu e o condenou e forçou a abjurar  Obviamente, formas alternativas de pensar e lidar com a realidade, como o

Hermetismo e a Ciência, teriam que enfrentar a oposição da Igreja e de seu aparato de repressão. A Inquisição, criada em 1184 para combater as heresias cátara e valdense, evoluira de adversária dialética para um mecanismo inescrupuloso de perseguição e tortura. Em 1600, os inquisidores mandaram para a fogueira o filósofo Giordano Bruno (1548-1600). Bruno havia viajado pela Europa divulgando as bases de um novo

movimento religioso, baseado nas idéias “egípcias” tiradas do hermetismo. Frances Yates, novamente, analisou:

O diálogo do  De Umbris idearum deixa bem claro que o instrutor de Filotimo  – e, portanto, de Filoteu, de Teófilo, de Nolano, e de Giorda no Bruno  –  é Hermes Trismegisto. Hermes é quem entrega o livro com a nova filosofia e a nova arte a Filotimo; e é este o livro  sobre as sombras das idéias, de Giordano Bruno, que foi, de fato, escrito por Hermes  –  ou antes, é um livro sobre magia, sobre uma magia solar poderosa. A alusão ao “Lamento” do Asclépio, em que se explica como a religião mágica dos egípcios chegou, nos últimos e maus tempos, a ser proibida por estatutos legais, revela que esta nova revelação hermética, concedida a Giordano Bruno da religião egípcia, a religião do intelecto, da inteligência, evoluiu  para além do culto ao sol visível. Aqueles que proibiram tal religião por lei foram, na interpretação agostiniana 394 do “Lamento”, os cristãos, cuja religião, mais pura, suplantou a dos egí pcios. Mas, segundo Bruno, os falsos “Mercúrios” cristãos suprimiram a superior religião egípcia –  o 387 388 389 390 391

 It remained on the Index until 1835.

392 393

Galileo Galilei foi um dos iniciadores da Revolução Científica, tendo aperfeiçoado o telescópio, descobrindo …. Ele definiu a primeira e a segunda leis do movimento, sendo por isto tudo muitas vezes chamado de pai da astr onomia e da física. 394

que é uma interpretação anti -cristã do hermetismo, da qual muito mais evidências, extraídas das obras de Bruno, serão aduzidas subseqüentemente.395 É importante aqui notar as semelhanças entre a pregação religiosa, filosófica e mágica de Bruno e a de Crowley, que ele antecipa em três séculos, e que ambas fazem uso de duas idéias chaves do Renascimento: Utopia e Reforma. A mais antiga utopia conhecida foi a República platônica 396, onde o problema  básico do aperfeiçoamento da sociedade já é identificado: a seleção e educação dos homens, principalmente dos líderes. Já  A Cidade de Deus, de Santo Agostinho, descrevia uma Jerusalém eterna, a cidade ideal que serviu   de modelo a todas as utopias cristãs397, sendo um tema presente de forma característica nas utopias renascentistas. A primeira utopia renascentista foi a de Thomas More 398 (1478-1535). More descreveu em De Optimo Reipublicae Statu deque Nova Insula Utopia de 1516 uma sociedade ideal, onde todos os males sociais havia desaparecido. Depois dele, Campanella (1568-1639) 399 publicou em 1623 A Cidade do Sol, obra escrita em 1602

na prisão, onde descreve uma cidade construída de acordo com princípios mágicos e astrológicos, governada por sacerdotes sábios. É claro que a transição do presente imperfeito para o futuro utópico só poderia se dar através de uma reforma radical dos assuntos humanos. A tensão entre os anseios de liberdade renacentista e o conservadorismo repressor católico iria culminar em 1517, com Martinho Lutero 400 ( - ) pregando nas portas da igreja de Wittenberg

as 95 teses que iriam rachar a Europa ao meio e reduzir a Igreja Católica, quatro séculos depois, à posição de retrógrada defensora de preconceitos medievais junto aos  países mais atrasados do Ocidente. Embora a intenção dos reformistas fosse inicialmente voltada para a melhoria da Igreja, o movimento rapidamente evoluiu,

dando origem a uma divisão definitiva e ao estabelecimento de novas instituições. A  propagação rápida da Reforma foi possível justamente pelo uso das novas técnicas de impressão.

395

Giordano Bruno e a Tradição Hermética, Capítulo XI.

396

 Plato's Republic (400 BC) was, at least on one level, a description of a political utopia ruled by an elite of  philosopher kings, conceived by Plato ( - ), filósofo 397

  Crowley escreveu uma de suas mais belas poesias baseado no tema da Cidade de Deus. Ver

Apêndice. 398 Thomas More foi advogado, escritor, estadista e um mártir católico, tendo sido Lorde Chanceler até se recusar a reconhecer o rei Henrique VIII como o chefe da Igreja da Inglaterra, o que levou ao fim de sua carreira política e a sua execução.  Foi canonizado pelo Papa Pio XI em 1935. Ele foi o criador da  palavra Utopia 399

O dominicano Tommaso Campanella havia se transformado de criança prodígio em filósofo, teólogo e poeta. Era versado em Astrologia e, ao colocar -se contra a sabedoria aristoté lica da Igreja, foi condenado pela Inquisição ao confinamento em um convento, até 1597. Após sua libertação, liderou uma conspiração anti -espanhola. Seu objetivo era fundar uma comunidade onde os bens e as mulheres fossem compartilhados, acreditando nas profecias de Joaquim de Fiori, que afirmavam que a Idade do

Espírito Santo estava por iniciar em 1600. Traído, escapou da pena de morte alegando insanidade. Durante os vinte e sete anos que passou no cárcere, escreveu obras importantes, a mais famosa sendo  A Cidade do Sol, e escreveu uma corajosa  Apologia por Galileo em 1616. Foi libertado em 1629, tornando-se astrólogo do Papa Urbano VIII por cinco anos. Em 1634 teve que fugir para França, onde

foi protegido por Luís XIII e o Cardeal Richelieu, vivendo com uma larga pensão real até o fim da vida no convento de Saint- Honoré in Paris. 400

É dentro deste panorama reformista e de sonhos utópicos que, em 1614, é

 publicado em Cassel401  um volume contendo o primeiro dos manifestos rosacruzes,  Fama Fraternitatis ou  Descoberta da Fraternidade da mais Nobre Ordem da  Rosacruz. O Fama narra as aventuras de Christian Rosenkreutz, um nobre criado em um convento que, ao se dirigir à Terra Santa, acabou encontrando um grupo   de mestres

misteriosos em Damasco, que o esperavam há muito tempo e lhe chamaram pelo nome. Eles lhe entregaram o Livro M para traduzir para o Latim, e ele o trouxe para a Alemanha, depois de viajar pelo Egito, Fez e Espanha. Em Fez aprendeu Magia e conheceu os Habitantes Elementais, e na Espanha teve sua sabedoria reformadora rejeitada: Conferenciou com os eruditos da Espanha, demonstrando-lhes os erros de nossas artes, como deveriam ser corrigidos, e de onde colheriam a verdadeira  Indicia do futuro, e em que ponto deveriam concordar com aquelas já passadas; e também como os erros da Igreja e toda  Philosophia  Moralis deveriam ser reformadas. Ele lhes mostrou a vegetação nova, os novos frutos e os animais, os quais se harmonizavam com a antiga filosofia, e recomendou-lhes a nova Axiomata, medianre a qual todas as coisas seriam integralmente restauradas. Todavia, para eles aquilo foi

motivo de caçoada; e sendo uma coisa nova, recearam que seus nomes importantes fossem rebaixados, caso agora tivessem novamente que

começar a aprender e reconhecer seus muitos erros, aos quais estavam habituados, e por meio dos quais haviam conseguido o suficiente. Aquele que tanto ama a intranquilidade deixe que seja reformado. 402

Christian retornou à Alemanha, onde levou uma existência retirada, dedicado à Matemática e à construção de instrumentos, mas “após cinco anos, o desejo da reforma tornou à voltar à sua mente.” Ele reuniu então três irmãos de seu antigo convento e formou a Fraternidade Rosacruz, criando uma linguagem e uma escrita

mágica, com um grande dicionário, que utilizavam em suas devoções diárias. A Fraternidade aumentou seu número para oito membros e, quando todos se tornaram “suficientemente instruídos e perfeitamente aptos para discutir a filosofia manifesta e secreta”, decidiram se separar e espalhar por diversos países, para que a  Axiomata  pudesse ser mais profundamente analisada em segredo pelos eruditos, e  para que, percebendo algum erro ou fazendo novas descobertas, pudessem os comunicar uns aos outros. Eles firmaram o seguinte acordo:

1.

Que se dedicariam apenas a tratar do enfermos, e gratuitamente.

2.

Que não teriam um hábito peculiar, mas que se vestiriam de acordo com o costume de cada país.

3.

Que a cada ano, no dia C, deveriam se reunir no Sancti Spiritus, a sede que haviam terminado de construir, ou escrever alegando o motivo da

ausência.

401 402

Utilizei aqui a tradução constando no Apêndice de O Iluminismo Rosa-Cruz, de Frances Yates.

4.

Cada um deveria cuidar de ter um sucessor, procurando para isto uma  pessoa digna.

5.

A palavra C.R. seria sua chancela, insígnia e símbolo.

6.

A Fraternidade ficaria secreta por cem anos.

A Fraternidade prosperou em segredo, passando a tocha do conhecimento

reformador de geração em geração até que, 120 anos depois da morte misteriosa de seu fundador, seus herdeiros descobriram por acaso a sua sepultura oculta:  Na manhã  seguinte abrimos a porta, e aos nosso olhos surgiu uma grande galeria abobadada de sete lados e cantos, cada um deles medindo, aproximadamente, 1,5 m de largura por 2,5 m de altura. Embora o sol jamais brilhasse dentro dela, estava iluminada com uma outra luz solar, a qual aprendera a fazer com o próprio sol, e

estava situada na parte superior e no centro do teto. No meio, em vez de uma lápide, havia um altar redondo coberto por uma chapa de bronze, tendo nela gravado:  A.C.R.C. Hoc universi compendium unius mihi sepulchrum

403

Dentro do túmulo estavam muitos tesouros, e debaixo do altar encontrou -se o cadáver de Christian Rosenkreutz, em perfeito estado de conservação, segurando o Livro I, considerado o maior tesouro da Fraternidade depois da Bíblia. A abertura da cripta foi considerada pelos rosacruzes um presságio, um anúncio de novos e melhores tempos prestes a começar: Pois, assim como nossa porta foi tão extraordinariamente descoberta após tantos anos, abrir-se-á também uma porta na Europa, quando a parede for retirada, a qual está começando a aparecer, e o que é ardentemente esperado por muitos. Sem embargo, passado algum tempo sabemos que agora ocorrerá uma reforma geral, não só das coisas divinas mas também das humanas, segundo nosso desejo, e d a expectativa dos outros. Pois está determinado que antes do nascer do sol, a Aurora deve surgir e irromper, ou então aparecer no céu alguma claridade ou luz divina.

O manifesto terminava com um convite aos sábios da Europa, para que dessem seu  parecer, acenando aos que o fizessem com uma promessa vaga: E embora neste momento não mencionemos nomes ou reuniões, apesar disso a opinião de todos certamente chegará a nós, seja qual for o idioma; e tampouco ninguém deverá fracassar, quem quer que assim aprese nte seu nome, e deixar de falar com algum de nós, seja verbalmente ou por escrito, caso isto seja permitido a alguns. E afirmamos isto como uma verdade; seja quem for que ardentemente e do fundo do coração manifeste -nos sua afeição, ao dirigir -se a nós deste modo, será por isso

 beneficiado no corpo e na alma; mas os traiçoeiros, ou apenas os ambiciosos de riquezas, esses mesmos, os primeiros de todos, não serão capazes de nos prejudicar  por qualquer meio, a não ser atrair para eles a ruína e destruição abso lutas. Quanto ao nosso prédio, embora ums cem mil pessoas tenha dele se aproximado, e o tenham contemplado, deverá permanecer eternamente inalterado, indestrutível e oculto para o mundo cruel.

403

  A nota de Frances Yates diz: “Em vez de unius  deve ser ser lido vivus. universo, fi-lo durante minha existência para ser meu túmulo.’”

‘Este compêndio do

Encontramos ecos desta descrição do edifício mítico dos rosacr uzes em O  Livro da Lei: Mas o teu lugar santo permanecerá intocado através dos séculos; embora pelo fogo e espada ele seja queimado e destruído, ainda uma casa invisível lá permanece, e irá  permanecer até a queda do Grande Equinócio. 404

sua abadia em Cefalú de Colégio do Espírito Santo , em alusão ao primeiro manifesto rosacruz, razão pela qual alguns dos seus seguidores, contrariando o que ele mesmo escreveu, consideram Cefalú e não Boleskine como sendo sua  Kiblah405. E veremos que o termo invisível  será logo indissoluvelmente Crowley batizou

associado aos rosacruzes.  No ano seguinte apareceu o segundo manifesto, Confessio Fraternitatis ou Confissão da Fraternidade Digna de Louvor da mais Ilustre Ordem da Rosa -Cruz, redigida para todos os eruditos da Europa. O Confessio defendia a realidade da exietência da Ordem, e fazia ainda maiores promessas: Todos os que sejam cultos, e se derem a conhecer a nós, e se apresentarem em nossa irmandade, junto a nós encontrarão segredos mais maravilhosos do que até ago ra tinham conseguido e conhecima, ou eram capazes de acreditar ou manifestar.

O segundo manifesto também acentuou bastante o tom anti -eclesiástico: Até mesmo deste modo, e tal qual no passado, muitas pessoas intimamente religiosas e completamente desesperadas sofreram a

opressão da tirania do Papa, o qual mais tarde, com o grande, ardente e característico entusiasmo da Alemanha, foi deposto de seu trono e espezinhado, e cuja queda final foi adiada e conservada para nossos

dias, quando ele também será eliminado e uma nova voz porá fim ao seu ornejar.

O que pensais, vós que amais, e de que modo pareceis influenciados vendo que agora compreendeis e sabeis que admitimosverdadeiramente e sinceramente reconhecer Cristo, condenar o Papa, dedicar-nos à Filosofia autêntica, levar uma vida cristã, e a cada dia convocar, suplicar e convidar muitos mais para a nossa Fraternidade, para os quais

a mesma Luz de Deus também apareceu? Em 1616 foi publicado em Estrasburgo, ao contrário dos dois primeiros manifestos que s airam em Cassel, o terceiro e último volume da série, O Casamento Químico de Christian Rosenkreutz 406 . Desta vez, Christian Rosenkreutz é o herói de uma alegoria alquímica, que inicia quando ele é interrompido em suas preces e meditações, na véspera da Pásco a, por uma mensageira alada, bela e gloriosa em seus trajes cor do céu ornados com estrelas douradas. Ela trazia em sua mão uma trombeta de ouro, na qual estava gravado um Nome que Christian leu mas foi proibido de revelar. Suas asas eram grandes e belas, repletas de olhos, e ela trazia um monte de

404 405 406

O Livro da Lei,

Capítulo III, verso 34.

cartas escritas em todas as línguas, do qual retirou e entregou uma, antes de levantar vôo e deixar o pobre rosacruz surdo por um quarto de hora ao fazer soar a trombeta. A aventura transcorre por sete dias, com Christian aceitando o convite do anjo

 para comparecer às núpcias de um casal real. Os convivas passam por várias provas e assistem a muitas maravilhas e mistérios, até o sétimo dia em que o casal real é ressuscitado e parte em uma nau rumo a um destino secreto.

Para entendermos melhor o significado e propósito dos manifestos, é preciso analisar os volumes em que foram publicados, e a situação política extraordinária que acontecia nos locais onde foi impresso.

Os dois primeiros manifestos não foram editados   como obras isoladas, mas foram encadernados com outros textos em um mesmo volume. O  Fama,  para

começar, estava entre a “resposta” dada ao próprio manifesto, escrita por um “Cristão das Igrejas Evangélicas” chamado Adam Haselmayer, e a tradução de um capít ulo do

 Ragguagli di Parnaso do liberal italiano Traiano Boccalini 407 ( Veneza em 1612.

-

), publicado em

A resposta de Haselmayer é importante, por que ele afirma ter visto o  Fama em forma manuscrita em 1610. Seu texto, a favor do conteúdo do manifesto, é obscuro, e sobre seu autor somos informados na epígrafe do volume que foi severamente punido por suas simpatias: Reforma Geral e Universal de todo vasto mundo; juntamente com a  Fama Fraternitatis da Louvável Fraternidadeda Rosa -Cruz, escrita para todos os Soberanos Eruditos da Europa; também uma curta réplica

enviada por Herr Haselmayer, pela qual foi preso pelos jesuítas e acorrentado em uma galera.

Tornem isto manifesto e comuniquem a todos os corações sinceros. Impresso em Cassel por Wilhelm Wessel, 1614 Embora Haselmayer seja uma figura desconhecida, provavelmente inventada, com Boccalini estamo novamente em terreno conhecido. Seu  Ragguagli é uma sátira

desesperançada sobre as vicissitudes de seu tempo. Nela, o deus Apolo têm sua corte no Parnasso, onde escuta a queixa de vários personagens, antigos e contemporâneos, sobre a situação do mundo. A parte do seu texto publicada junto com o  Fama narra a tentativa de Apolo reformar todo o mundo, com o auxílio de homens sábios, mas que acabam dando a coisa toda como impraticável. Qual foi a intenção dos organizadores do volume ao escolherem estes textos? A réplica do mártir da causa rosacruz, obviamente, têm por objetivo atacar os jesuítas e a Igreja, ao mesmo tempo em que busca angariar simpatias. É marca do o contraste entre a organização jesuíta, arbitrária e violenta, e as atitudes beneficientes da fraternidade rosacruz. E o tom de otimismo triunfante do  Fama, vindo logo após a mensagem desiludida de Boccalini, provavelmente tinha o objetivo de provocar uma

euforia de novas esperanças. O Confessio, publicado pelo mesmo editor do Fama, trazia a seguinte epígrafe

Uma Breve Consideração da mais Secreta Filosofia escrita por Philip à Gabella, um estudante de filosofia, agora publicada pela primeira vez  junto com a Confissão da Irmandade R. C. Editada em Cassel por

Wilhelm Wessel, editor do Mais Ilustre Príncipe, 1615. 408

407

 Traiano Boccalini  Frances A. Yates, O Iluminismo Rosacruz,

408

Capítulo IV.

Com Philip à Gabella, novamente estamos no reino dos personagens desconhecidos e provavelmente fictícios. Entretanto, sua Consideratio brevis têm uma origem muito fácil de identificar: ela cita literalmente vários trechos da  Monas hieroglyphica de John Dee409  (1527-1609), antes de terminar com uma oração em Latim assinada por um Philemon R.C. Esta é uma das evidências que Frances Yates utilizou para apoiar sua tese de que o mago inglês teria sido uma das inspirações para a criação dos manifestos: A Consideratio brevis termina com uma oração em Latim, em

um estilo de intensa piedade e inspiração, dirigida a Deus eterno e infinito, a única força, a Única perfeição, no qual todas as coisas são Unas, e que com seu Filho e o Espírito Santo é Três em Um. A oração é uma reminiscência das orações de Dee, e sua presença no fim de uma versão do  Monas, aproxima muito a Consideratio brevis da atmosfera de Dee, de uma ardente piedade combinada com o esforço mago -científico complexo.

A oração está assinada ‘Philemom R.C.’, isto é ‘Philemom Rosacruz’, e no outro lado da página segue -se o prefácio para o leitor, assinado ‘Frater R.C.’ do segundo manifesto rosacru ciano, a Confessio, que vem logo depois. Isto quer dizer que a Consideratio brevis, inspirada por Dee, com sua

oração, parece absolutamente semelhante ao manifesto rosacruciano, como uma parte integral do mesmo, revelando que “a mais secreta filosofia” –  base do movimento rosacruciano  –  era filosofia de John Dee, conforme explanada em sua Monas hieroglyphica.410

A tese de Frances Yates ganha ainda mais peso quando abrimos o último manifesto, e encontramos a Monas na capa e ao lado do convite entregue a Christian  pelo anjo.

411

John Dee havia viajado pelo continente entre 1583 e 1589, na companhia do alquimista e vidente Edward Kelley412  (1555-1597), através do qual se comunicava com uma gra nde quantidade de seres angélicos. O resultado dessas comunicações

foram vários sistemas de magia, anotados minuciosamente durante as comunicações.

Dee foi recebido pelo Imperador Rudolfo II 413 ( ), um interessado em 414 ocultismo e patrono de alquimista s, e pelo Rei Estevão ( - )da Polônia, a quem

409

  John Dee foi um dos princ ipais sábios da época, sendo um notável matemático, astronomo, cartógrafo e astrólogo da rainha Elizabeth I. Ele é mais conhecido pelos diários mágicos que deixou, onde relata o contato com seres angélicos e os ensinamentos recebidos através deles. 410

O Iluminismo Rosacruz,

411

Ilustração da Monas Hieroglyphica, publicada em Antuérpia em 1564.

412 413 414

Capítulo IV.

tentou interessar na importância das mensagens ditadas pelos anjos, sem muito sucesso.

Uma parte importânte das mensagens recebidas era de natureza claramente reformista:

O que eu falo ainda não foi revelado, não nesntes últimos tempos, sobre o segundo último mundo. Mas eu inicio novos mundos, novos povos, novos reis, & novo conhecimento de um novo Governo. Novos mundos

 brotarão destes. Novas maneiras: estranhos homens. 415

Os anjos entregaram a Dee e Kelley um novo alfabeto e uma nova linguagem, que foi identificada com a linguagem que teria sido falada pelo patriarca Enoque, de onde tirou seu nome. Isto nos traz de volta ao Fama e ao Confessio:

Foi deste modo que teve início a Fraternidade Rosacruz; pri meiro, com apenas quatro pessoas, e por elas foi criada a linguagem e a escrita

mágicas, com um grande dicionário, o qual usamos diariamente para louvar e glorificar a Deus, e para nele encontrar a sabedoria.

Deste modo houve épocas ou ocasiões que enxer garam, existiram també épocas que ouviram, pressentiram e experimentaram. Resta então aquele que em pouco tempo dignificará igualmente a língua, e por ela será dignificado; aquilo que anteriormente às épocas for a visto, ouvido, e pressentido, finalmente a gora será falado e publicamente declarado, quando o Mundo deverá despertar do seu sono pesado e letárgico, e com o coração aberto, a cabeça descoberta e de pés descalços deverá ir alegremente e prazerosamente ao encontro do Sol nascente. Esses caracteres letras, conforme Deus aquios associa às Sagradas Escrituras, assim ele as imprimira mais exteriormente na maravilhosa

criação do céu e da terra, e até mesmo em todos os animais. Portanto, assim como o matemático e o astrônomo vêem e sabem dos eclipses que estão por surgir, assim também nós podemos realmente ter  presciência do mistério das obnubilações da Igreja e prognosticar o tempo de sua duração. Desses caracteres ou letras tiramos nossa escrita mágica, e descobrimos e criamos uma nova língua para nosso   uso  próprio, na qual também está demonstrada e declarada a natureza de todas as coisas. Por isto não é de se admirar o fato de não sermos tão eloqüentes em outras línguas, aquelas que sabemos estarem inteiramente em desacordo com a linguagem de nossos antepasssados,

Adão e Enoque, e tinha ficado completamente ocultas através da confusão babilônica. Os manifestos rosacruzes causaram grande agitação na Europa. Vários intelctuais, muito de forma anônima, publicaram réplicas de apoio ou de censura. As atividades dos rosacruzes foram vistas como subversivas por alguns, e manchadas por

 práticas mágicas. Em 1623, surgiram em Paris cartazes anunciando uma estranha visitação:

415

 Nós, como deputados do primeiro Colégio de Irmãos da Rosa -Cruz , estamos fazendo uma estada, visível e invisível nesta cidade, através da Graça do Mais Sublime, para o qual se voltam oscoraçòes dos justos. Revelamos e ensinamos, sem livros ou provas, como falar todas as

línguas dos países nos quais desejamos estar, e como desviar o homem do erro e da morte. 416

Uma outra versão anônima falando sobre os cartazes, também de 1623, tentava associar os rosacruzes com o satanismo:

 Nós, deputados do Colégio da Rosa -Cruz, comunicamos a todos que desejem ingressar em nossa Sociedade e Congregação, que   lhes ensinaremos o mais perfeito conhecimento d’Aquele Mais Sublime, em nome do qual estamos hoje fazendo uma assembléia, e os tornaremos de visíveis em invisíveis; e de invisíveis em visíveis. Consta haver trinta e seis daqueles Invisíveis, espalhados pe lo mundo em grupos de seis. No último dia 23 de Junho, fizeram uma assembléia em Lião, na qual ficou decidido instituir seis deputados na capital. Essa reunião foi realizada duas horas antes do Grande Sabat, no qual um dos  príncipes da cortes infernais apareceu luminoso e magnífico. Os adeptos prostraram-se diante dele, e juraram renegar o cristianismo e a

todos os ritos e sacramentos da Igreja. Em retribuição receberam a  promessa de adquirir poder para se transportarem para onde desejassem, ter seus bolsos sempre cheios de dinheiro, residir em qualquer país, vestidos de acordo com o costume nele reinante, para assim serem

considerados habitantes nativos; ter o dom da eloqüencia, para assim  poderem atrair a criaturas, serem admirados pelos cultos, procurados

 pelos curiosos e reconhecidos como mais sábios que os antigos profetas. 417

Toda a descrição original dos manifestos é pervertida nesse texto, com ênfase especial na questão da invisibilidade, que evoluiu do fato simples de usarem as roupas do páis em que viviam, para um subterfúgio ardiloso ou a manifestação de poderes diabólicos. O jesuíta François Garasse 418 ( - ) afirmou categoricamente que os rosacruzes tinham sido condenados como feiticeiros em Maline, e mereciam a tortura na roda, ou a forca. 419

Os investigadores do mistério rosacruz, até o século XX, haviam notado e tentado explicar o desaparecimento do movimento original por volta de 1620. Waite,  por exemplo, se refere a este ano como “fechando os portões do passado” 420. A razão

do mistério fica clara quando acompanhamos as explicações de Frances Yates sobre a situação política da época. Em 1613, celebrou-se com grande pompa em Londres o casamento da Princesa Elisabete , filha do Rei Jaime I, com Frederico V, Eleitor Palatino do Reno, um pequeno es tado calvinista entre a França e a Alemanha. O Eleitor Palatino (assim 416

 De acordo com  Instruction à la France sur la verité de l’histoire des Frères de la Rose -Croix, citado em O Iluminismo Rosa-Cruz, Capítulo VIII 417  Effroyables pactions faites entre le Diable et les prétendus Invisibles, citado primeiro no Histoire des Rose-Croix de Arnold e no O Iluminismo Rosa-Cruz, Capítulo VIII. 418 419

O Iluminismo Rosa-Cruz, Capítulo VIII.  Brotherhood of Rosy Cross, citado em O Iluminismo Rosa-Cruz, Capítulo VII.

420

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