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April 24, 2019 | Author: Fernanda | Category: Sociology, Ciência, Social Movements, Knowledge, Reality
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Pesquisa Militante e Produção de Conhecimentos: o enquadramento de uma perspectiva

Breno Bringel e Renata Versiani Scott Varella

1. Notas introdutórias

Este breve texto pretende embasar as discussões a serem realizadas no Seminário  Diálogos Universidade e Movimentos Sociais na América Latina: pesquisa militante, construção de conhecimentos e bens comuns  (Rio de Janeiro, 9 e 10 de maio de 2014) e

contribuir para uma reflexão coletiva sobre as possibilidades e os limites, na atualidade, da pesquisa militante 1. Esta é entendida como um espaço amplo de produção de conhecimento orientado para a ação transformadora, que articula ativamente  pesquisadores,  pesquisadores, comunidades organizadas, movimentos sociais e organizações políticas, em espaços formais ou não de ensino, de pesquisa e de extensão. Referida modalidade de pesquisa está presente de maneira contínua na América Latina, possuindo, em suas variadas configurações geográficas e históricas, diferentes contornos, matrizes políticoideológicas, contextos de ação e possibilidades. Para além do rico debate teórico-epistêmico acerca do processo de produção de conhecimento, existe uma gama de experiências de profícua articulação entre teoria e  prática, que podem nos ajudar a pensar os contornos e as potencialidades da pesquisa militante hoje. Para isso, é necessário recuperar as iniciativas históricas e suas reflexões críticas produzidas para interpretar e transformar a realidade, bem como conhecer as diferentes experiências em curso hoje em dia, que, apesar de possuírem uma atuação significativa e exemplar, exemplar, se encontram muitas vezes desarticuladas e fragmentadas, fragmentadas, atuando com frequência de maneira isolada no que concerne à construção de formas não-hegemônicas não-hegemônicas de produção e reprodução dos conhecimentos.  Nesse sentido, o presente texto faz parte de um esforço para o avanço, a articulação e a construção de concepções teórico-metodológicas de pesquisa e de ação capazes de orientar e produzir, de maneira responsável e ética, conhecimentos, atuações e interações que contribuam para a mudança social, política e econômica e para a

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  Embora a responsabilidade das palavras que seguem é nossa, o acúmulo desta discussão é certamente coletivo. Boa parte deste debate tem sido desenvolvido a partir de nossa atuação na universidade e nos movimentos sociais, bem como em espaços que conectam ambas as realidades na busca pela transformação social.

construção de uma sociedade justa e solidária, livre de todas as formas de opressões e dominações. 2. Breve enquadramento histórico

Pesquisa participante, compromisso com a mudança social, pensamento transformador, pesquisa-ação ( investigación-acción), educação popular, intelectualidade orgânica e radical, pesquisa educativa, etnografia ativista, extensão popular... Tantos são os termos, as formas e as consignas para expressar o anseio e o compromisso de  pesquisadores, professores, profissionais e integrantes de movimentos sociais em contribuir efetivamente para a transformação de uma realidade social marcadamente desigual. Ao longo da história latino-americana, este anseio esteve presente nos espaços de educação formais, não formais e informais e, mesmo que minoritariamente, no  processo de construção de nossas Universidades, gerando contribuições teóricas e  práticas que propiciaram a compreensão de conjunturas complexas e a produção de conhecimentos e ações significativas para a transformação social. Assim, em nossa região existem iniciativas que empreenderam esforços sistemáticos para vincular a compreensão histórico-social à prática de organizações locais, políticas, comunidades e movimentos sociais. Foram experiências que, partindo de referenciais políticos, intelectuais e pedagógicos prévios, levaram a sério a articulação entre a teoria e a prática, concedendo à ação um lugar de destaque tanto no  processo de produção e de validação do conhecimento quanto na construção de resultados, planos e/ou intervenções na realidade concreta. Contrariando o distanciamento e a neutralidade do pesquisador apregoados pela ciência moderna, foi evidenciada a tomada de posição do intelectual perante a ordem social vigente e seu compromisso com a mudança, colocando, em relevo, questionamentos, há muito distantes dos campos acadêmicos, acerca não somente do como, mas também do  para que e para quem produzir conhecimentos.

Apesar de todas as produções científicas estarem conectadas com certas concepções de mundo que legitimam ou não o  status quo, o discurso científico moderno se externaliza como se fosse universal, superior e neutro. Contudo, a nosso ver, a  produção de conhecimento científico está em intrínseca relação com a estruturação desigual da dinâmica capitalista, notadamente em formações dependentes como as dos  países latino-americanos, nos quais a referida produção assume contornos que acirram e

aprofundam o caráter periférico e dependente de sua estruturação. Assim, o processo de valorização do saber científico como cânone exclusivo da produção de conhecimento, incluindo a necessidade de crescente tecnificação e profissionalização do saber, associado à simultânea subordinação e invisibilização de outras formas de entendimento da realidade e de produção de conhecimento, inclusive científico, na periferia do sistema, exercem papel central e constitutivo na sistemática global do capitalismo e na  perpetuação de suas enormes desigualdades.  No entanto, considerando a postura política crítica do pesquisador perante as condições sociais, os parâmetros da ciência moderna e os grupos subalternos, é possível uma leitura crítica da estrutura vigente; a consideração e incorporação de outras formas e práticas de conhecimento para a produção do saber científico, em diálogo com os conhecimentos submetidos e subalternizados pela visão eurocêntrica do mundo; e a contribuição e consecução, em conexão com a reflexão social e histórica, de ações  políticas transformadoras. Com isso, sublinha-se o fato de que os conhecimentos científicos são construções sociais, historicamente localizadas e, portanto, ligadas a forças sociais e interesses concretos de setores da sociedade. Neste sentido, cabe a nós, construir e fortalecer cotidianamente este campo crítico de construção de conhecimento transformador, a partir das circunstâncias e condições construídas historicamente. Observa-se que a busca por padrões alternativos de produção de conhecimento foi bastante dinâmica a partir dos anos 1960, na América Latina, havendo importantes contribuições, com destaque para autores como Orlando Fals-Borda, Paulo Freire, Carlos Rodrigues Brandão, Rodolfo Stavenhagen, entre outros. Cumpre salientar que os anos 1960 e 1970 foram marcados por um maior compromisso dos acadêmicos latinoamericanos com a realidade política e social e uma maior abertura crítica das universidades da região. É possível dizer que houve, através de uma politização das temáticas e da expansão da autonomia acadêmica na maioria dos países da região, uma forma de intelectualidade mais militante que foi adquirindo crescente protagonismo em um momento de imbricação entre a institucionalização das ciências sociais, sua busca de alinhamentos com o campo popular e a criatividade metodológica para a pesquisa com fins transformadores. Contudo, na sequência, observa-se um processo de refluxo do pensamento crítico e criativo e de despolitização da atividade acadêmica, proporcionado, primeiro,  pelas ditaduras militares e, a partir da década de 1990, pela emergência de políticas

neoliberais (que envolveram, dentre outras, a mercantilização da educação, a  privatização do ensino com o crescimento das Universidades particulares e a individualização e a tecnificação da atividade intelectual). Esse momento ocasionou um forte processo de desinstitucionalização e de esvaziamento de algumas disciplinas, com consequências diretas nas políticas científicas e de educação superior em geral. Há, assim, a despeito de algumas brechas facilmente identificáveis, uma diminuição considerável no debate e na reflexão mais politizada e articulada com movimentos sociais nos espaços universitários, observando-se uma crescente especialização e tecnificação do saber e uma profissionalização das ciências sociais na região. Sem diferenciações das distintas correntes existentes, as pesquisas que transpareciam posicionamentos políticos mais radicais foram objetos de acusações, fundadas ou infundadas, de manipulação política, de parcialidade, de desrespeito às exigências acadêmicas, de idealizações em relação aos atores coletivos e de reprodução acrítica das vozes dos movimentos sociais. Firmou-se, assim, um certo distanciamento entre o saber acadêmico e o compromisso militante na América Latina, reduzindo, por um período, a reflexão acerca das possibilidades e dos limites da produção de conhecimento socialmente comprometido e politicamente posicionado, bem como sobre a construção de metodologias para viabilizar referidas pesquisas. É importante ressaltar que os diferentes momentos históricos de produção acadêmica estiveram condicionados tanto por fatores econômicos e sociopolíticos, que incidiram na reconfiguração do modus operandi  das universidades latino-americanas, como por correntes e matrizes político-ideológicas e forças sociais, que inspiraram os seus processos de transformação. Assim, entender as transformações sociais, políticas e econômicas ocorridas na história e na atualidade mostra-se essencial para compreender as disputas sucedidas e as funções cumpridas pelas Universidades e pelos espaços de formação e articulação. Ou seja, é preciso compreender os movimentos históricos de atualização do padrão de dominação capitalista e como este passa, necessariamente, por formas, particularmente determinadas, de produção e difusão de conhecimento. Atualmente, percebe-se que diversas mudanças nos campos políticoinstitucionais na América Latina, a partir do fortalecimento de setores populares organizados, bem como a irrupção e o ressurgimento de diversos protestos e importantes movimentos sociais na mudança de século, avivaram sinergias e atualizações dos vínculos entre o investigador/intelectual e o compromisso militante,

que tem tomado rumos para além do “intelectual orgânico” gramsciano, tanto no interior das Universidades, quanto em espaços não-formais de produção de conhecimento. Desse modo, estamos diante de novos e diversificados desafios marcados por uma crescente demanda por democratização do acesso à educação e dos  processos de pesquisa pelos movimentos sociais e organizações políticas, pela visibilização e organização do conhecimento indígena e ancestral, pela progressiva  pressão por uma maior e efetiva contribuição da Universidade na realidade concreta  para além do extensionismo clássico (onde, em tese, “estende-se” o conhecimento  produzido na universidade à sociedade) e pela complexificação das inter-relações entre organizações, movimentos e instituições. Observa-se, em consequência, a retomada do debate sobre a produção de conhecimento socialmente comprometido e acerca das  possibilidades da pesquisa militante. Nesse sentido, são necessárias reflexões teóricas, metodológicas e epistemológicas renovadas que permitam a compreensão da conjuntura atual e, ao mesmo tempo, indiquem caminhos para a construção de um saber, de fato, coletivo, socialmente comprometido e transformador. 3.

Pesquisa Militante: em busca de uma conceituação

Para essa discussão, retoma-se e rediscute-se o termo  pesquisa militante,  já amplamente discutido por várias organizações e autores 2, para contemplar as linhas de  pesquisas associadas a diversas formas de ação coletiva, que são orientadas em função de objetivos de transformação social. Nesse sentido, militância seria o compromisso ético e político com a mudança social e que, por isso, envolve posicionamentos e atuações pró-ativas em várias áreas da vida, como a profissional e a acadêmica, envolvendo a inserção em espaços coletivos de discussão, articulação e mobilização com objetivo de viabilizar e potencializar lutas políticas que representem a construção de uma sociedade justa e igualitária. Portanto, a pesquisa militante recoloca, em um  patamar digno e legítimo, tanto as pesquisas que envolvam a produção de conhecimento e a mudança da realidade social como as militâncias engajadas em questionar os sentidos de como transformar o mundo de hoje.

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 O termo pesquisa militante é utilizado, por exemplo, em 1972 no livro Causa Popular, Ciencia Popular , de Víctor D. Bonilla, Orlando Fals Borda, Gonzalo Castillo e Augusto Libreros. Mobilizado também por outros autores e coletivos, as vezes de forma mais intuitiva que sistemática, encontra desenvolvimentos mais aprofundados em livros como Teoría e Investigación Militante , de Raúl Rojas Soriano, publicado em 1989.

Ressalte-se que houve, no âmbito acadêmico, tentativas recorrentes de deslegitimar o termo “militante”, conectando-o com a existência de uma vinculação acrítica a organizações político-partidárias e a um sistema de pensamento supostamente dogmático. O movimento inverso também é verdadeiro na medida em que a falta de compromisso de boa parte dos pesquisadores (que entendem, por exemplo, os movimentos sociais como meros objetos de estudo e não como sujeitos políticos) também levou a um descrédito da pesquisa acadêmica no campo da militância. Isso contribuiu para a consolidação de uma fronteira entre pesquisador e militante que deve ser urgentemente superada a partir da ressignificação da pesquisa socialmente engajada, independente do lócus material de sua realização. Este é o esforço recente perpetrado por diversos autores e movimentos sociais ao  propiciar encontros criativos e produtivos entre as atividades de pesquisador e militante, as quais, na prática, se encontram imbricadas. Não se trata, como já diziam os companheiros do coletivo argentino Situaciones, de pensar a pesquisa militante como uma atitude de “intelectuais comprometidos” ou de intelectualizar as experiências, mas sim de sempre associar à práxis social uma dimensão reflexiva e crítica, onde a pesquisa se confunde com as experiências, as práticas e as dinâmicas sociais. Trata-se, como visto, de buscar uma definição ampla que abarca uma diversidade de experiências com diferentes matrizes político-ideológicas e de configurações prático-teóricas, mas que guardam, em comum, os pontos acima assinalados, notadamente a perspectiva da  práxis, ao imbricar a produção de saber com a geração de ações transformadoras em um processo multidirecional. Nesse sentido,  passamos da pesquisa  sobre os movimentos sociais à pesquisa com / nos / a partir   dos movimentos sociais, o que implica a abertura na relação entre objeto e sujeito, a democratização do processo de pesquisa, a assunção do lugar de enunciação do  pesquisador e a explicitação do compromisso ético-político com a transformação das condições sociais existentes. Referida articulação acadêmico-militante acaba por revelar uma abertura teórico-metodológica e epistemológica que modifica consideravelmente as noções, os termos e as categorias para a interpretação da realidade, em que pese nem sempre representar uma renovação radical das matrizes político-ideológicas presentes no debate científico. Vale dizer que este processo, em nosso continente, esteve conectado fortemente com esforços de superação do colonialismo interno e intelectual e com tentativas de recepções criativas e transformadores de marcos teóricos críticos construídos a partir

das realidades europeias e norte-americanas. Desse modo, a tentativa de construção de um conhecimento transformador e o compromisso com a ação política implicou a necessidade de ir além da dependência acadêmica tão presente nas Universidades e Centros de Pesquisa para construir uma perspectiva crítica latino-americana, em consideração à história regional e às especificidades de nossa conformação social. Nesse contexto, o saber ancestral, coletivo e popular torna-se central no cenário de produção do conhecimento, estando presente tanto de maneira autônoma, quanto, de maneira dialética, em perspectivas de construção de saber transformador.

4. Sete desafios para o enquadramento da pesquisa militante

Tendo em vista o cenário de reconfiguração da pesquisa militante na atualidade, alguns desafios (sete, em particular, por manter um número simbólico do pensamento e da ação transformadora na América Latina 3) emergem como pontos de partida cruciais  para a discussão:  Desafio 1 – Recuperação e atualização das contribuições históricas críticas  produzidas, a partir da reflexão/ação social e política, para interpretar e transformar a realidade.

Existem,

nas

experiências

e

pesquisas

latino-americanas,

posturas

epistemológicas e teórico-metodológicas que produziram noções e conceitos originais a  partir de mudanças significativas no processo de produção de conhecimentos. Estas expressaram interessantes possibilidades de diálogos, adaptações, rearranjos e recepções críticas de diferentes marcos teóricos. Contudo, pela radicalidade da ruptura proposta  por tais construções, estas pesquisas e autores permanecem pouco difundidos e utilizados pela Universidade; ao mesmo tempo, o distanciamento do saber acumulado nas Universidades da maioria dos movimentos sociais e organizações políticas impede a apropriação, mesmo que criticamente, de aportes importantes.  Desafio 2 – Articulação entre teoria e prática pela superação da dicotomia entre o sujeito e o objeto da pesquisa em todas as etapas da pesquisa e da extensão. 3

 Pensamos aqui, claro, no livro Siete Ensayos de Interpretación de la Realidad Peruana de José Carlos Mariátegui e no conhecido texto Siete Tesis Equivocadas sobre América Latina de Rodolfo Stavenhagen, mas também, mais recentemente, no texto El mundo en Siete Pensamientos, do Subcomandante Marcos, no qual o primeiro dos pensamentos está dedicado ao lugar da teoria (e da análise teórica) nos movimentos sociais e políticos contemporâneos.

O imbricamento entre a teoria e a prática, a nosso ver, exige a democratização e a coletivização de todo o processo de pesquisa (incluindo a escolha do tema, as ferramentas, as reflexões e as ações), com o vínculo e a compatibilização entre os interesses dos pesquisadores e dos movimentos sociais, comunidades organizadas e organizações políticas. Este deve ser um processo dialógico e aberto, que pressupõe a tomada de posição do pesquisador e no qual os movimentos sociais e as coletividades deixam de ser meros objetos de estudo a serem observados de maneira distante e neutra e passam a ser considerados sujeitos produtores de conhecimento legítimo e  participantes ativos na construção do saber científico. Assim, a pesquisa se efetiva por meio de um processo dialético que inclui a interação entre a teoria e a prática para a  produção do saber, o que exige do pesquisador não somente a observação e a vivência dos lugares pesquisados –como é o caso da observação participante- como também uma atuação nos mesmos. É certo que existem diferentes níveis e lugares de prática política, contudo estes devem ser consensuados coletivamente entre os atores envolvidos. Isso exige, portanto, a construção de planos de pesquisa e de ações coletivos e comunitários; a produção horizontal e coletiva do conhecimento; e a construção de espaços e ferramentas que possibilitem o imbricamento entre a pesquisa social e a ação política  para que possam influir-se mutuamente aumentando tanto a efetividade da ação quanto o entendimento da realidade.  Desafio 3 – Abertura aos saberes ancestrais, coletivos e populares que possuem diferentes formas de entendimento da realidade, de produção de conhecimento e de narrativas históricas.

A institucionalização das Ciências Sociais na América Latina e dos saberes científicos, de maneira mais geral, gerou um campo de discussão cada vez mais específico e isolado, com a desvalorização e a subalternização dos conhecimentos ancestrais, coletivos e populares. Nesse contexto, faz parte da ruptura com a sistemática de produção de saber científico a abertura a novas formas de entender a realidade e de  produzir conhecimentos. Nesse sentido, a própria narrativa sobre a produção de conhecimentos deve ser modificada para incluir uma gama de experiências localizadas fora ou na periferia das Universidades. Esse tema está conectado a um desafio mais geral de não nos deixarmos encerrar em conceitos, categorias e fórmulas, transformando-os em dogmas, mas de estarmos abertos e dispostos à construção teórica,

analítica e prática a partir das novas conjunturas e situações sociais. Nas palavras do venezuelano Simon Rodriguez há mais de um século atrás, “ O inventamos o erramos”.  Desafio 4 – Superação da dependência na produção e circulação do conhecimento.

Torna-se, hoje mais que nunca, importante romper com o colonialismo interno e intelectual, como também com a dependência na produção e circulação de conhecimento que marca profundas assimetrias globais a partir de diversas formas de hegemonização da circulação de ideias, teorias, metodologias e bens diversos. Os países da América Latina e os povos da periferia mundial são os mais prejudicados por estas dinâmicas dependendistas concentradoras do poder capitalista contemporâneo, com implicações no plano teórico (por exemplo, de conceitos) e prático (caso, por exemplo, das ameaças ao conhecimento gerado nos territórios indígenas e camponeses pelo peso de certos lobbies políticos e empresas transnacionais).  Desafio 5 – Geração e consolidação de redes de confiança e espaços de convergências permanentes que possibilitem a efetivação da pesquisa militante

Potencializar o diálogo horizontal, de saberes e disciplinas, que permita que sejam levantadas questões problemáticas e possíveis conciliações para uma atuação conjunta tanto pelo lado das Universidades como dos movimentos sociais. Vale dizer que o diálogo efetivo da academia com os movimentos sociais/comunidades organizadas/organizações políticas é algo complexo e, por que não dizer, raro. Alguns intelectuais tendem a falar problematicamente em nome dos movimentos sociais. Outros tendem a isolar-se das universidades para dedicar suas energias somente aos espaços militantes. Além disso, torna-se central articular as diversas iniciativas existentes a fim de possibilitar uma disputa contra-hegemônica em relação à conformação das instituições de ensino. Isso passa tanto pela confluência em posturas mais reativas e contestatórias (como o questionamento ao modelo produtivista e tecnicista da atividade intelectual) como em iniciativas mais proativas e propositivas (tais como, por exemplo, o compartilhamento de materiais, de temáticas de interesse e de referenciais teóricos).  Desafio 6 – Construção de padrões e ferramentas metodológicos diversos e alternativos à dogmática cientifica moderna.

Discutir e elaborar instrumentos metodológicos que orientem a atividade do  pesquisador militante em bases distintas das que estabelecem a necessidade de um

 posicionamento neutro e externo. Para este fim, é necessário repensar os critérios que levam ao pesquisador a delimitar o quê, por quê e o como pesquisar, atualizando estes questionamentos a partir das necessidades e das contradições do cenário sociopolítico, cultural e econômico contemporâneo. A questão da validação do conhecimento é central: a validação do trabalho apenas pode ser feita, de maneira definitiva, mediante o critério da ação concreta, ou seja, na dimensão teórico-prática. Sob esta ótica, apesar de as ferramentas (marcos de referência e técnicas para interpretar a realidade) de trabalho não possuírem vida própria, mas tomarem sentido nos efeitos que geram nos variados campos da vida e do conhecimento, tem-se que é necessária uma reflexão específica  para o desenvolvimento de novas ferramentas e técnicas que viabilizem, de maneira responsável e crítica, o trabalho, de fato coletivo, do pesquisador militante.  Desafio 7 – Entender a complexidade do momento atual e seus desdobramentos  sobre a produção de conhecimentos

Vivemos um momento delicado: para alguns crise paradigmática da ciência moderna, para outros crise civilizatória ou crise endêmica e permanente do modo de reprodução metabólico do capital. No geral, enfrentamos uma enorme dificuldade em conceituar o momento vivido, algo patente com a proliferação indiscriminada dos  prefixos “pós” na discussão intelectual. Estamos diante de uma realidade sócio-política, econômica e cultural marcada pela radicalização profunda das dinâmicas de mercantilização de todos os bens, incluindo a educação. Consideramos, em consonância com os postulados da pesquisa militante aqui apresentados, ser necessária a compreensão nuançada da situação societária atual e seus desdobramentos sobre a  produção de conhecimento para localizar os marcos atuais da disputa nesse campo e as  possibilidades de superação de seus limites. Isso não se dará, simplesmente, através da criação de novos conceitos, mas, através da práxis, pelo aprofundamento no entendimento da realidade e por meio da articulação de forças sociais capazes de  proporcionar, dentre outras questões, conhecimento coletivo e transformador. Isso envolve o debate sobre os formatos e os papéis das Universidades e outros centros de  produção de conhecimento, e nos conecta com uma luta mais geral para a superação do  status quo

e para a construção de uma sociedade justa e solidária, livre de todas as

formas de opressões e dominações.

Longe de esgotar todos os desafios epistemológicos, teóricos, práticos e políticos associados à pesquisa militante, pretendeu-se aqui somente iniciar um debate que contribua para a atualização das fórmulas de produção de conhecimento crítico tendo em vista a necessidade de criar uma sinergia criativa para potencializar as ferramentas de interpretação e transformação da sociedade. Certamente os debates do Seminário “Diálogos Universidades e Movimentos Sociais na América Latina” contribuirão a enriquecer e aprofundar estes debates e esperamos que, também, sua concreção prática.

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