tese indios potiguaras
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tese do Professor Lusival Barcelos sobre os índios potiguaras...
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Lusival Antonio Barcellos
PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS DOS ÍNDIOS POTIGUARA DA PARAÍBA
Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em Educação – Núcleo: Educação, Política e Cultura – Base de Pesquisa: Educação, História e Práticas Culturais -, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Doutor em Educação.
Orientadora: Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva
Natal 2005
Lusival Antonio Barcellos
PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS DOS ÍNDIOS POTIGUARA DA PARAÍBA
Tese apresentada ao Programa de Pósgraduação em Educação – Núcleo: Educação, Política e Cultura – Base de Pesquisa: Educação, História e Práticas Culturais -, do Centro de Ciências Sociais Aplicadas – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em cumprimento às exigências para obtenção do grau de Doutor em Educação.
Aprovada em _____/____/_____
BANCA EXAMINADORA
______________________________________ Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva (Orientadora) Universidade Federal do Rio Grande do Norte ______________________________________ Prof. Dr. Álder Júlio Ferreira Calado Universidade Federal da Paraíba Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru _______________________________________ Profª. Drª. Maria Eliete Santiago Universidade Federal de Pernambuco ________________________________________ Profª. Drª. Julie Antoinette Cavignac Universidade Federal do Rio Grande do Norte _______________________________________ Prof. Dr. Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes Universidade Federal do Rio Grande do Norte
B242 p
Barcellos, Lusival Antonio Práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara da Paraíba / Lusival Antonio Barcellos. – Natal, 2005. 310 p. il. color. Orientadora: Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Programa de Pós-Graduação em Educação. 1. Educação – Tese. 2. Práticas educativo-religiosas - Tese. 3. Índios Potiguara – Tese. 4. Rituais – Tese. I. Paiva, Marlúcia Menezes de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. CDU 376.74
Ao povo Potiguara!
AGRADECIMENTOS Às mulheres da minha vida: Inez, Bartira, Endira e Potira que, durante esse período de gestação acadêmica, souberam, cada uma a sua maneira, ser cúmplices e co-responsáveis pelos meus estudos. De coração, aqui vão meus sinceros agradecimentos!; À amiga Orientadora, Profª. Marlúcia Paiva, pelas horas que tem dedicado e acompanhado todo meu processo de paixão e de amadurecimento acadêmico com muito carinho, competência, confiança e, sobretudo, sensibilidade em cuidar, mas também em podar os excessos praticados durante a pesquisa; Aos funcionários do PPGE do CCSA: Alessandra, Radi e, especialmente, Milton, pela sua presteza e atenção para conosco. Não poderia esquecer da Bibliotecária, Albanita de Oliveira Lins, pelo carisma e pelo carinho com que trata os estudantes e pela forma como presta ajuda a quem precisa de “socorro” das normas da ABNT; Aos mestrandos e doutorandos da base de pesquisa: a chargista Lindaci, as “religiosas” Márcia e Keila, a “bandoleira” Salete, a “doméstica” Andréa, a “boneca” Nivaldete, ao “pequeno” Mateus, a Neide, a Otêmia, a Soraia e a todos os que, por opção, estiverem no ninho acadêmico da “mãe-canguru”, Marlúcia; À Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES, pela bolsa de estudo que nos foi concedida; Aos professores da Universidade Federal da Paraíba, Charlingtom e Wilson, pelo incentivo e pelo apoio para a nossa entrada no Doutorado; À Dulce, da Secretaria da Educação do Estado da Paraíba; à Célia, Lula e Petrônio da FUNAI, pela colaboração dada durante a pesquisa; A todo o pessoal do Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO), Fernando, Mirna, Gretha, Hosana, Suelyta e Kelly, que sempre estiveram nos ajudando; A todo o pessoal do Pio XI: a direção, todos os funcionários, especialmente a Karina, pela compreensão e pelo apoio que sempre nos foi dado;
À Rejane, pela presteza em nos socorrer, fazendo a revisão com competência, num espaço curtíssimo de tempo; A Leo, pela amizade e pela disponibilidade profissional para montar a parte ilustrativa desta tese; Ao amigo Edson Silva, professor da Universidade Federal de Pernambuco, por ter sido decisivo nos rumos que demos à tese e também pelos bons papos que sempre nos têm feito muito bem; A Estevão Palitot, meu “anjo da guarda”, que sempre esteve perto de mim, incentivando, orientando, repassando material, sempre dialogando, discutindo e debatendo sobre a temática dos Potiguara. Em todos os momentos em que o convidei para irmos a campo juntos, nunca pensava duas vezes. A você, Estevão, muito obrigado!; A toda a família dos Barcellos, a começar por meu pai e minha mãe, razão de minha existência e, especialmente, a Fortaleza, pelo desafio um dia lançado numa de nossas conversas que acabou nos levando a realizar o quase “impossível” objetivo de elaborar um dia esta tese sobre os índios Potiguara; Aos índios Potiguara, de coração, meus sinceros agradecimentos! Cada um que conhece o professor sinta-se aqui contemplado. Minha vida, minha maneira de pensar e de viver mudou depois que pude ter o privilégio de me aproximar do povo indígena. A cada Potiguara, mais uma vez, muito OBRIGADO!
RESUMO
Esta pesquisa, volta-se para a pluralidade das práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara, com caráter educativo, as quais estão acontecendo desde o início do século XXI, na Paraíba. O índio Potiguara não vive, no seu cotidiano, sem a dimensão religiosa, que está interligada a todo o contexto político, econômico, social e cultural. O estudo mostra que as fronteiras étnicas não impedem os Potiguara de realizarem rituais variados para cultuar a religião indígena e de participar de outras denominações religiosas, como o cristianismo. Ao longo de três anos, desenvolvemos um processo constante de observação nas aldeias, realizando as entrevistas, onde coletamos os dados necessários, para realização da pesquisa. Durante a garimpagem acadêmica, constatamos que a terra, as matas, as águas, as furnas, as ocas, as igrejas são os principais lugares sagrados dos Potiguara. Os resultados do trabalho revelam que as práticas educativoreligiosas católicas e evangélicas estão presentes na vida Potiguara e crescem de forma acentuada na atualidade. Por outro lado, ficou, também, evidenciado que as práticas educativo-religiosas Potiguara, tais como, o Toré, as rezas, a partilha se mantêm na etnia, tendo no Toré seu principal referencial e também um dos sinais diacríticos e paradigmáticos de etnicidade Potiguara. Constatou-se ainda que outros rituais indígenas, de forma discreta e quase despercebida, são “brasas ardentes” na aldeia.
Palavras-chave: Práticas educativo-religiosas. Índios Potiguara. Rituais (Rito). Toré.
RESUMEN
Esta investigación es volcada para la pluralidad de las prácticas educativoreligiosas de los índios Potiguara, con carácter educativo, las cuales están aconteciendo desde el inicio del siglo XXI, en Paraíba. El indio Potiguara no vive, en su cotidiano, sin la dimensión religiosa, que está interligada a todo el contexto político, económico, social y cultural. El estudio muestra que las fronteras étnicas no impiden a los Potiguara de realizar rituales variados para cultuar la religión indígena y de participar de otras denominaciones religiosas, como el cristianismo. A lo largo de tres años, desarrollamos un proceso constante de observación en las aldeas, realizando las entrevistas donde recolectamos los datos necesarios para la realización de la investigación. Durante la excavación académica, constatamos que la tierra, las selvas, las aguas, las cavernas, las ocas, las iglesias son los principales lugares sagrados de los Potiguara. Los resultados de la investigación revelan que las prácticas educativo-religiosas católicas y evangélicas están presentes en la vida Potiguara y crecen de forma acentuada en la actualidad. Por otro lado, quedó tambén evidenciado que las prácticas educativo-religiosas Potiguara tales como el Toré, los rezos, la partición se mantiene en la etnia, teniedo en el Toré su principal referencial y también uno de los señales diacríticos y paradigmáticos de etnicidad Potiguara. Se constató además que otros rituales indígenas, de forma discreta y casi desapercibida, son “brasas ardientes” en la aldea.
Palabras-clave:Prácticas educativo-religiosas. Índios Potiguara. Rituais (Rito). Toré.
ABSTRACT
This research is related to the plurality of the religion-educative practices of the Potiguara Indians, with an educative character, that have been developing since the beginning of the XXI century, in Paraíba. The Potiguara Indian does not live, in his everyday, without a religious dimension, that is integrated with all the politic, economic, social and culture context. The research shows that ethnics borders do not interfere in the Potiguara, to perform a variety of rituals, to adore the Indian religion and to participate of other religious forms as the Christianity. Throughout three years we have developed a constant process of observation in the villages, realizing the interviews where we collected the necessary data for the research achievement. During the academic prospect, we noticed that forest, water, caves, malocas and churches are the main holy places of the Potiguara people. The research result shows that the catholic and evangelic educative and religious practices, are presented in the Potiguara people life and they increase sharply nowadays. On the other hand, it was also evidenced that the Potiguara educativereligious practices like the Toré, the prayers, the share-out is maintained in the ethnic group, using the Toré as the mainly referential and as well as a diacritic and paradigmatic sign of the Potiguara ethnicity. It was still noticed that other indigenous rituals, in a very discreet way, almost unnoticed, are “burned ember” in the village.
Key words: Educative-religious practices. Potiguara Indians. Rituals (Rite). Toré.
LISTA DOS PRINCIPAIS DEPOENTES
Foto 01 - Antônio Pessoa Gomes (Caboquinho) é o Cacique Geral do povo Potiguara, uma das principais lideranças indígenas do Nordeste, conhecido nacionalmente pela militância no movimento indígena. É o representante oficial da etnia junto a todas as agências e instituições da sociedade (Baía da Traição, set. 2004).
Foto 02 - José Ciríaco Sobrinho (Capitão) é uma das principais lideranças Potiguara, conhecida em todo o Nordeste e a nível nacional; ex-vereador pelo PT da Baía da
Traição;
é
funcionário
da
UFPB
(Assembléia
Legislativa, abr. 2005).
Foto 03 - Joana Ferreira da Silva (Dona Joana) - Anciã de sabedoria e credibilidade entre os Potiguara. Nascida na aldeia São Francisco, mora atualmente na Aldeia do Galelo. É a principal liderança religiosa católica e uma das referências da etnia Potiguara (São Francisco, dez. 2004).
Foto 04 - Iolanda dos Santos Mendonça - Pedagoga, membro da Comissão Nacional em Educação Indígena; membro do Conselho Estadual de Educação do Estado da Paraíba; Coordenadora da Educação Estadual Indígena; Presidente da Conselho da Mulher Indígena Potiguara (COPIP); Membro da Organização dos Professores Indígenas Potiguara (OPIP); Uma das principais referências em educação indígena no Nordeste. Está concluindo o Curso de Terceiro Grau em Educação Indígena, na UNEMAT Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Aldeia São Francisco, dez. 2004).
Foto 05 - Maria de Fátima da Conceição - Pajé e rezadeira da Aldeia de São Francisco, conhecida pelos trabalhos que faz, com rituais, dentro e fora da área indígena. Ritual do Toré no dia do índio, no terreiro da Aldeia São Francisco (abr. 2002).
Foto 06 - Maria Nilda Batista Faustino (Está à direita, acompanhada da professora Joelma, Presidente da OPIP) - É a vice-diretora da Escola Estatual Indígena Pedro Poti e uma das principais lideranças religiosas da igreja católica da Aldeia São Francisco (dez. 2004).
Foto 07 João Batista Faustino - Ex-Cacique-Geral dos Potiguara por dois períodos diferentes. Ancião de muito conhecimento sobre a dimensão religiosa, étnica e cultural do povo Potiguara (Aldeia São Francisco, abr. 2004).
Foto 08 Djalma Domingos da Silva - Ex-Cacique-Geral dos Potiguara e atual Cacique da aldeia São Francisco. Ritual de colação de grau, da Escola Estadual Indígena Pedro Poti - Aldeia São Francisco (dez. 2004).
Foto 09 Manuel Eufrásio Rodrigues (Néo) - Cacique da Aldeia de São Miguel e professor de tupi antigo. É uma das principais lideranças do povo Potiguara. Missa do Crisma, realizada no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, na Aldeia do Forte (dez. 2004).
Foto 10 Pedro Eduardo Pereira (Pedro Ka’aguâssu) Professor, parteiro, agente de saúde, artesão e uma das principais lideranças da aldeia Ibykuara (Nova Brasília). Ritual do Toré do dia do índio, no terreiro da Aldeia de São Francisco (abr. 2002).
Foto 11 Aníbal Cordeiro Campos - Cacique, benzedor e uma das principais lideranças da Aldeia Jaraguá e do povo Potiguara (set. 2004).
Foto 12 José Máximo (Zé Espinho) - Pajé e liderança da aldeia Três Rios (set. 2004).
Foto 13 José Roberto de Azevedo Silva (Bel) - Cacique dos índios da cidade de Marcação, da Aldeia Três Rios, e uma das principais lideranças do povo Potiguara atualmente. (A criança no colo é seu filho Guilherme (set. 2004).
Foto 14 Josafá Padilha Freire - Funcionário da FUNAI, conhecido por todos os índios como Chefe do Posto, devido à função que exerce. Uma das principais lideranças do povo Potiguara. Ritual do dia do Índio, no terreiro de São Francisco (abr. 2002).
LISTA DE FOTOGRAFIAS
Foto 01 – Posto indígena Nísia Floresta................................................................ 49 Foto 02 – Trator apreendido durante a retomada da terra – Aldeia Três Rios ...... 55 Foto 03 – Três coqueiros da Aldeia Três Rios ...................................................... 56 Foto 04 – Árvore Sapucaia da Aldeia Três Rios ..................................................... 56 Foto 05 – Ônibus com índios das aldeias de Jaraguá e Monte-Mór ...................... 57 Foto 06 – Bolo da festa de dois anos da Aldeia Três Rios .................................... 57 Foto 07 – Pajé Zé Espinho recebendo os convidados da Festa ............................ 57 Foto 08 – Apresentação do Grupo Teatral Mirim “Fala Curumim” ......................... 58 Foto 09 – Apresentação do Grupo Teatral Mirim “Anama-Guaçu” ......................... 58 Foto 10 – Cacique Bel fazendo a partilha durante a Festa da Aldeia Três Rios .... 58 Foto 11 – Visão panorâmica da praia de Baía da Traição ..................................... 63 Foto 12 – Falésias na praia de Baía da Traição .................................................... 63 Foto 13 – Falésias na praia de Baía da Traição .................................................... 63 Foto 14 – Falésias na praia de Baía da Traição .................................................... 63 Foto 15 – Falésias na praia de Baía da Traição .................................................... 63 Foto 16 – Olho D’água na Aldeia Jaraguá .............................................................. 64 Foto 17 – Visão panorâmica do Rio Sinibu ........................................................... 64 Foto 18 – Rio Jacaré ............................................................................................ 64 Foto 19 – Cata de marisco na foz do Rio Mamanguape; praia de Coqueirinho ..... 64 Foto 20 – Mata de “renova”, na nascente do Rio Vermelho .................................. 65 Foto 21 – Terra pronta para fazer roçado; Aldeia Laranjeira ................................. 66 Foto 22 – Viveiro de Camarão; praia de Coqueirinho ........................................... 67 Foto 23 – Artesanato Potiguara feito por Sandro de Jaraguá ............................... 68
Foto 24 – Escola Estadual Indígena Cacique Iniguaçu; Aldeia Tramataia ............ 68 Foto 25 – Escola Estadual Indígena Pedro Poti; Aldeia São Francisco ................ 70 Foto 26 – Caboquinho; Cacique Geral Potiguara ................................................... 72 Foto 27 – Terra Potiguara ...................................................................................... 78 Foto 28 – Mata da Igreja Velha, próxima da Aldeia Silva de Belém ...................... 88 Foto 29 – Mata na nascente do Rio Vermelho ...................................................... 91 Foto 30 – Queimada; Aldeia Três Rios ................................................................. 91 Foto 31 – Cachoeira na nascente do Rio Vermelho .............................................. 94 Foto 32 – Cachoeira na nascente do Rio Vermelho .............................................. 95 Foto 33 – Banho de Cachoeira de Paulo e João, Filhos do Pajé Zé Espinho ....... 95 Foto 34 – Nascente do Rio Vermelho .................................................................... 96 Foto 35 – Furna do Terreiro; Aldeia São Francisco ............................................. 101 Foto 36 – Furna do Guagiru ................................................................................ 102 Foto 37 – Furna do Guagiru ............................................................................... 102 Foto 38 – Furna do Guagiru ................................................................................ 102 Foto 39 – Furna do Capim ................................................................................... 103 Foto 40 – Furna do Capim ................................................................................... 103 Foto 41 – Furna do Capim ................................................................................... 104 Foto 42 – Furna do Capim ................................................................................... 104 Foto 43 – Oca; Aldeia Monte-Mór ........................................................................ 106 Foto 44 – Oca; Aldeia Três Rios .......................................................................... 107 Foto 45 – Local da futura Oca da Aldeia Jaraguá ............................................... 109 Foto 46 – Igreja N. S. da Conceição; Aldeia São Francisco ................................ 111 Foto 47 – Igreja N. S. da Conceição; Aldeia Jacaré de César ............................ 111 Foto 48 – Igreja N. S. dos Prazeres; Aldeia Monte-Mór ...................................... 113
Foto 49 – Igreja São Miguel; Aldeia São Miguel .................................................. 113 Foto 50 – Igreja N. S. do Guadalupe; Aldeia do Forte ......................................... 113 Foto 51 – Igreja Batista Potiguara; Aldeia do Gagelo .......................................... 113 Foto 52 – Igreja do Betel Brasileiro; Aldeia Santa Rita ....................................... 114 Foto 53 – Igreja da Assembléia de Deus; Aldeia Camurupim ............................. 114 Foto 54 – Igreja da Assembléia de Deus; Baía da Traição .................................. 114 Foto 55 – Cemitério da cidade de Marcação ....................................................... 115 Foto 56 – Casa em construção; Aldeia São Francisco ........................................ 116 Foto 57 – Criança; Aldeia Ibykuara ..................................................................... 117 Foto 58 – Ritual indígena dentro de uma escola ................................................. 118 Foto 59 – Via Sacra na rua; Aldeia São Francisco .............................................. 119 Foto 60 – Cajueiro em Monte-Mór ...................................................................... 119 Foto 61 – Lagoa Encantada ................................................................................ 120 Foto 62 – Manuel Juvita na Lagoa Encantada .................................................... 121 Foto 63 – Terra Potiguara .................................................................................... 125 Foto 64 – Igreja da Assembléia de Deus de Marcação ....................................... 130 Foto 65 – Igreja Batista Potiguara de Marcação ................................................. 131 Foto 66 – Igreja do Betel Brasileiro da Baía da Traição ...................................... 131 Foto 67 – Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes .......................................... 136 Foto 68 – Crisma – Santuário de Nossa Senhora do Guadalupe ....................... 136 Foto 69 – Nossa Senhora dos Prazeres .............................................................. 142 Foto 70 – Igreja da Assembléia de Deus da Aldeia Silva .................................... 142 Foto 71 – I Cruzada Indígena Evangélica ........................................................... 143 Foto 72 – Pastor Samuel com as crianças ........................................................... 147 Foto 73 – Irmã Rosália com as crianças ............................................................. 148
Foto 74 – Louvor do grupo das Senhoras do Betel .............................................. 148 Foto 75 – Testemunho de uma mãe de família no culto do Betel ....................... 148 Foto 76 – Culto dominical do Betel ...................................................................... 149 Foto 77 – Irmã Ivonete do Betel .......................................................................... 150 Foto 78 – Tocadores do Betel ............................................................................. 150 Foto 79 – Família do Betel ................................................................................... 150 Foto 80 – Crianças do Betel ................................................................................ 152 Foto 81 – Ícone da Misericórdia da Comunidade Rainha da Paz ....................... 155 Foto 82 – Grupo de Jovens da Rainha da Paz .................................................... 157 Foto 83 – Jornadas espirituais da Rainha da Paz ............................................... 157 Foto 84 – Três Missionários índios da Rainha da Paz ........................................ 158 Foto 85 – Confraternização das pessoas dos ícones da Misericórdia ................ 158 Foto 86 – Celebração da Sexta-Feira Santa feita por jovens da Rainha da Paz. 160 Foto 87 – Ir Juvanete na Retomada da Aldeia Três Rios .................................... 161 Foto 88 – Lava-pés .............................................................................................. 164 Foto 89 – Via Sacra ............................................................................................. 165 Foto 90 – Celebração da Morte de Cristo ............................................................ 166 Foto 91 – Judas “moto boy”.................................................................................. 167 Foto 92 – “Cinema na rua” ................................................................................... 169 Foto 93 – “Cinema na escola” ............................................................................. 169 Foto 94 – Vigília Pascal em 2003 ....................................................................... 169 Foto 95 – Mês de Maio; coroação de Nossa Senhora ........................................ 172 Foto 96 – Anjos do mês de maio ......................................................................... 172 Foto 97 – Anjos chegando na igreja .................................................................... 173 Foto 98 – Anjos em destaque para coroar Nossa Senhora ................................. 173
Foto 99 – Devotos do mês de maio ...................................................................... 173 Foto 100 – Fogueira de São João ....................................................................... 174 Foto 101 – São Miguel: Padroeiro dso Potiguara ............................................... 176 Foto 102 – Pátio da igreja de São Miguel, na Aldeia São Miguel ........................ 177 Foto 103 – Mastro da igreja da Aldeia de São Francisco .................................... 180 Foto 104 – Mastro da igreja da Aldeia de São Miguel .......................................... 180 Foto 105 – Nilda rezando em latim ..................................................................... 181 Foto 106 – Índios “trajados” na novena de São Miguel ........................................ 182 Foto 107 – Alvorada ............................................................................................ 182 Foto 108 – Mãe e filho na Alvorada ..................................................................... 182 Foto 109 – Batismo em São Francisco ................................................................ 184 Foto 110 – Nossa Senhora da Conceição: Padroeira da aldeia São Francisco... 185 Foto 111 – Velas .................................................................................................. 186 Foto 112 – Fogueteiro ......................................................................................... 186 Foto 113 – Ornamentação da festa da Conceição .............................................. 187 Foto 114 – Criança sorrindo ................................................................................ 200 Foto 115 – Dia dos pais ....................................................................................... 204 Foto 116 – Dia dos pais ....................................................................................... 206 Foto 117 – Goma de mandioca ........................................................................... 207 Foto 118 – Beiju na casa de farinha .................................................................... 209 Foto 119 – Beiju na casa de farinha .................................................................... 209 Foto 120 – Tapioca .............................................................................................. 209 Foto 121 – Tapioca na casa de farinha ................................................................ 209 Foto 122 – Bolo pé-de-moleque .......................................................................... 210 Foto 123 – Trator da FUNAI ................................................................................ 211
Foto 124 – Criança sendo rezada ...................................................................... 219 Foto 125 – Adulto sendo rezado ......................................................................... 222 Foto 126 – Cemitério de Marcação ..................................................................... 228 Foto 127 – Toré no Terreiro da Aldeia São Francisco ......................................... 229 Foto 128 – Toré na Aldeia Monte-Mór ................................................................. 234 Foto 129 – Toré mirim no pavilhão da Aldeia São Francisco .............................. 234 Foto 130 – Toré Potiguara ................................................................................... 235 Foto 131 – Toré Potiguara ................................................................................... 236 Foto 132 – Instrumentos do Toré ........................................................................ 238 Foto 133 – Instrumentos do Toré ........................................................................ 239 Foto 134 – Instrumentos do Toré ........................................................................ 240 Foto 135 – Criança com traje do Toré ................................................................. 241 Foto 136 – Lavagem da jangada ......................................................................... 242 Foto 137 – Criança com saiote ............................................................................ 243 Foto 138 – Crianças com diferentes trajes do Toré ............................................. 243 Foto 139 – Tipos de adornos usados no Toré ..................................................... 244 Foto 140 – Adornos usados no Toré .................................................................... 244 Foto 141 – Pintura Potiguara ................................................................................ 244 Foto 142 – Pintura Potiguara ............................................................................... 245 Foto 143 – Pintura Potiguara ............................................................................... 245 Foto 144 – Pintura Potiguara ............................................................................... 245 Foto 145 – Pintura Potiguara ............................................................................... 246 Foto 146 – Irmã Juvanete com traje de Toré ....................................................... 248 Foto 147 – Ritual do Toré .................................................................................... 252 Foto 148 – Ritual do Toré .................................................................................... 254
Foto 149 – Ritual do Toré .................................................................................... 254 Foto 150 – Ritual do Toré .................................................................................... 254 Foto 151 – Ritual do Toré .................................................................................... 255 Foto 152 – Ritual de posse do Cacique Geral .................................................... 256 Foto 153 – Cacique Geral do povo Xukuru – Marcos .......................................... 257 Foto 154 – Ritual de posse do Cacique Geral ..................................................... 258 Foto 155 – Ritual de Formatura do Ensino Fundamental Indígena ..................... 259 Foto 156 – Ritual de Formatura do Ensino Fundamental Indígena .................... 261 Foto 157 – Incensação dos diplomas .................................................................. 262 Foto 158 – Juramento dos concluintes................................................................. 263 Foto 159 – Entrega dos diplomas ........................................................................ 263 Foto 160 – Entrega do anel de formatura ............................................................ 264 Foto 161 – Ritual Xukuru ..................................................................................... 264 Foto 162 – Toré Potiguara ................................................................................... 265
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – População indígena do Município de Rio Tinto .................................. 60 Quadro 2 – População indígena do Município de Marcação ................................. 61 Quadro 3 – População indígena do Município da Baía da Traição ...................... 61 Quadro 4 - Templos encontrados nas ALDEIAS POTIGUARA ........................... 112 Quadro 5 - Quadro das Igrejas CRISTÃS presentes nas ALDEIAS Potiguar...... 129 Quadro 6 - Evangélicos, católicos e sem religião em 1940, 1991 e 2000 .......... 134 Quadro 7 - Evolução da afiliação religiosa no Brasil em % ................................. 134 Quadro 8 - Atividades eclesiais católicas presentes nas ALDEIAS Potiguara ..... 135 Quadro 9 - Festas dos santos PADROEIROS (AS) católicos (as) Potiguara ...... 137
LISTA DE MAPAS
Mapa 01 – Mapa de localização da Terra Indígena Potiguara ............................. 51 Mapa 02 – Mapa de localização das 26 aldeias Potiguara .................................. 59
LISTA DE FIGURAS
Figura 01 – Terço da Misericórdia ....................................................................... 156
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 01 1.1 O nascimento ................................................................................................ 1.2 Na trilha Potiguara .......................................................................................... 1.3 Nosso jeito de garimpar ................................................................................. 1.4 Algumas referências sobre os Potiguara ........................................................ 1.5 Apontamentos teórico-conceituais....................................................................
02 09 17 23 25
1.5.1 Mitos e ritos................................................................................................... 26 1.5.2 Memória ........................................................................................................ 33 2 O POVO POTIGUARA ......................................................................................... 42 2.1 A atualidade Potiguara .................................................................................... 58 2.1.1 A educação escolar ...................................................................................... 69 2.1.2 A administração nas aldeias ........................................................................ 72 3 LUGAR SAGRADO POTIGUARA ..................................................................... 76 3.1 Terra ................................................................................................................ 78 3.1.1 O uso da terra ............................................................................................. 82 3.1.2 Mudanças .................................................................................................... 85 3.2 Matas ............................................................................................................... 88 3.2.1 As matas e suas dádivas ............................................................................. 92 3.3 Águas ............................................................................................................... 94 3.4 Furnas ........................................................................................................... 101 3.5 Ocas ............................................................................................................... 106 3.6 Igrejas ............................................................................................................. 111 3.7 Outros lugares sagrados ................................................................................. 115 3.8 Lugar de encantos ......................................................................................... 119 4 PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS CRISTÃS POTIGUARA .................... 126 4.1 Práticas CRISTÃS presentes nas ALDEIAS Potiguara ................................. 128 4.1.1 Jaraguá ....................................................................................................... 138 4.1.2 Monte-Mór ................................................................................................... 139 4.1.3 Silva ............................................................................................................. 142 4.2 Práticas CRISTÃS das igrejas EVANGÉLICAS.............................................. 144 4.3 Práticas CRISTÃS da igreja CATÓLICA ........................................................ 152
4.3.1 Práticas dos agentes de pastoral católicos ................................................... 154 4.3.1.1 Os missionários da Rainha da Paz ............................................................ 155 4.3.1.2 A representante do CIMI: a irmã Juvanete................................................ 160 4.3.2 Semana Santa.............................................................................................. 162 4.3.3 O mês de Maio ........................................................................................... 172 4.3.4 As festas juninas ......................................................................................... 174 4.3.5 A festa do padroeiro São Miguel ................................................................. 176 4.3.5.1 A festa do padroeiro em São Francisco .....................................................180 4.3.5.2 Hoje é dia de novena ............................................................................... 181 4.3.5.3 O dia da festa .......................................................................................... 183 4.3.6 A Festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição.................................... 185 4.3.6.1 A reconstrução da capela ........................................................................ 189 4.3.6.2 As mudanças na festa da padroeira ......................................................... 190 4.4 Práticas cristãs da hierarquia católica ............................................................ 197 5 PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS POTIGUARA .................................... 262 5.1 A Partilha ....................................................................................................... 202 5.1.1 O dia dos pais ............................................................................................ 204 5.1.2 A ceia Potiguara ........................................................................................ 207 5.2 O rito da sabedoria ......................................................................................... 212 5.3 O rito da morte .............................................................................................. 226 5.4 O rito do Toré ................................................................................................ 229 5.4.1 O Toré na história ....................................................................................... 231 5.4.2 Coreografias e letras ................................................................................... 233 5.4.3 Os instrumentos ......................................................................................... 238 5.4.4 Vestuário e ornamentação ......................................................................... 241 5.4.5 A pintura ..................................................................................................... 243 5.4.6 A dimensão religiosa/cultural ..................................................................... 246 5.5 Performance do Rito do Toré na atualidade Potiguara .................................. 255 5.5.1 O rito da posse de uma nova liderança ...................................................... 256 5.5.2 O rito de formatura ..................................................................................... 259 CONSIDERAÇÕES FINAIS: BRAsas ArdenteS Sob cINZAs ......................... 262 REFERÊNCIAS ................................................................................................... 275 ANEXO A LETRAS DO TORÉ POTIGUARA ...................................................... 291 ANEXO B ORAÇÃO DO ANJO CUSTÓDIO ....................................................... 294 ANEXO C NOVENAS E LADAINHAS.................................................................. 295
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1 INTRODUÇÃO
A dimensão religiosa é parte constitutiva no cotidiano da vida Potiguara e, sem ela, o índio não vive. Nesse sentido, como você, caro leitor, se imaginaria vendo rituais indígenas realizados numa furna, debaixo das árvores, dentro de uma oca, em volta de um cruzeiro ou dentro de um shopping? O que faria diante de rituais indígenas que são cristãos evangélicos, de batizar seus novos membros num rio de águas cristalinas, de freqüentar os cultos e as escolas dominicais ou de participar da ceia sagrada? Teria curiosidade de assistir a rituais de índios católicos1, tais como: rezar novenas em latim, pagar promessas na festa do padroeiro ou orar em línguas2? Em qualquer lugar do território Potiguara, você poderá encontrar essas e muitas outras práticas religiosas e haverá sempre um índio Potiguara cultuando a Deus, orando, pagando promessa, falando em língua ou dançando Toré quer seja, na sua aldeia, dentro da área indígena ou, muito provavelmente, no seu entorno, nos municípios paraibanos de Baía da Traição, Marcação, Rio Tinto, Mamanguape, Mataraca, podendo chegar até a João Pessoa e a outras cidades da região. Foi essa pluralidade de práticas educativo-religiosas Potiguara, que motivou esta pesquisa, procurando dar uma contribuição com um olhar acadêmico, sobre o cotidiano dos índios Potiguara, no universo das relações religiosas, no início do século XXI. Nossa proposta é investigar os Potiguara enquanto uma população que desenvolve práticas religiosas plurais, identificando seu caráter educativo e rituais variados, para fazer a mediação do humano com o divino, dentro de um campo intersocial que tem diferentes denominações religiosas. As fronteiras 1 2
Os católicos e a Igreja Católica, nesta tese, referem-se aos católicos romanos. Maneira de os membros da Renovação Católica Carismática (RCC) louvarem a Deus.
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étnicas não impedem o índio de cultuar um Deus, nem de participar de uma ou mais denominação religiosa. Esse fato não é determinante para definir sozinho a etnicidade Potiguara.
1.1 O nascimento A religião e suas práticas sempre ocuparam importante espaço em nossa vida. Por muito tempo, trabalhamos nas pastorais sacramentais (batismo, eucaristia, crisma, matrimônio) e sociais (criança, saúde, terra, sem tetos, operária) da Igreja Católica e, simultaneamente, na área educacional. Conseqüência dessa militância eclesial, em 1986, foi nossa saída da cidade de João Neiva-ES (80 Km de Vitória/ES), para fazermos um ano de missão na Diocese de Campina GrandeParaíba/PB, na qual permanecemos por quase uma década. Convivemos com uma infinidade de experiências religiosas que marcaram profundamente nossa trajetória de vida e nos impulsionaram a cursar Teologia3 e, posteriormente, o Mestrado em Educação. A dissertação realizada no Programa de Pós-graduação em Educação, na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa, teve por objeto de estudo os agentes de pastorais leigos da Diocese de Campina Grande/PB. “A pesquisa tenta contribuir para fortalecer e alimentar as esperanças dos agentes e dos ex-agentes de pastoral leigos, na perspectiva de que vale a pena lutar por aquilo de que se gosta, dá prazer e sonha realizar [...]” (BARCELLOS,1998, p. 7). Ter concluído esse desafio foi muito importante na nossa vida pessoal/profissional, mas persistiu o desejo de aprofundar o tema sobre as relações entre religião e educação.
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Nosso primeiro curso de graduação foi Filosofia (1980), depois, Pedagogia (1984).
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A oportunidade apareceu quando tomamos conhecimento de que o Núcleo de Estudos e Pesquisas: Educação, Política e Cultura (NEPEPC), do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGED) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) tinha, na linha de pesquisa Cultura e História da Educação, a temática que nós procurávamos. A utopia se tornou realidade com a nossa aprovação na seleção para o Doutorado, em 2002, na qual, concorremos com o Projeto de Tese intitulado: Ressurgir do Povo Potiguara. Nossa primeira proposta era estudar as várias iniciativas que estavam acontecendo entre os Potiguara com relação à educação e à religião, como o „resgate‟ da língua tupi; a implantação da educação indígena diferenciada nas escolas municipais e a criação da segunda fase da educação escolar indígena diferenciada para o Ensino Fundamental e para o Ensino Médio; o Toré e a sua expansão nas aldeias que não realizavam o ritual; a presença e atuação das várias igrejas cristãs na área indígena. Pensávamos já haver delimitado a temática a ser investigada. Só que essa certeza transformou-se em incertezas no processo de construção da Tese, quando conversamos com pesquisadores externos da UFRN e, durante a apresentação do trabalho aos colegas do grupo de pesquisa (NEPEPC), do qual somos integrantes no PPGED/UFRN. Havia um consenso nas críticas apresentadas de que deveríamos optar ou por estudar a religião ou a educação dos Potiguara. Nosso entendimento sobre a questão religiosa é a mesma de Berger (1985, p.38), quando afirma que “A religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmo sagrado. Ou por outra, a religião é a cosmificação4 feita de maneira sagrada”. Decidimos então debruçar sobre a questão religiosa, por causa da 4
Temos o mesmo entendimento de Berger (1985, p. 40) quando afirma que “A cosmificação importa na significação desse mundo humanamente incompreensível com o mundo como tal, fundando-se agora o primeiro neste último, refletindo-o ou derivando dele nas suas estruturas fundamentais”.
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nossa afinidade com o tema, por ser uma opção de pesquisa com relevância para a academia e para os índios e por não ter estudos específicos sobre o campo religioso Potiguara. A Tese, então, foi batizada com o nome de práticas educativoreligiosas dos índios Potiguara da Paraíba. Toda prática religiosa é educativa porque sempre estão ocorrendo novas aprendizagens durante o culto, o terço, a procissão, o batismo ou o Toré. Nesse sentido, concordamos com Brandão (1987, p. 128) quando afirma que “o povo não aprende com a sabedoria direta do educador a não ser aquilo que aprendeu antes com a própria prática. Então a escola é a rua, [...] as reuniões de mães e de mulheres,[...]”. Isso não significa dizer que essas práticas religiosas sejam educativas formais. Libâneo (2001, p. 7) faz um estudo minucioso mostrando que as práticas educativas ocorrem de várias maneiras: “as práticas educativas ocorrem em muitos lugares, em muitas instâncias formais, não-formais, informais. Elas acontecem nas famílias [...] A ação pedagógica não se resume a ações docentes [...]”. Nas
práticas
educativo-religiosas
Potiguara,
sempre
alguém
está
ensinando e há sempre alguém aprendendo sem a formalidade acadêmica. Esse é o eixo central da didática de Paulo Freire, na questão do aprender e do ensinar. “Ninguém se educa sozinho; todos se educam entre si, mediatizados pelo mundo” (CONTRERAS, 1997, 21). As práticas educativo-religiosas, diariamente presentes na aldeia, são ações pedagógicas que atravessam toda a vida Potiguara, mas não são as únicas maneiras de aprendizagem. “Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender. Quem ensina, ensina alguma coisa a alguém” (FREIRE, 2002, p. 25). Nessa mesma linha de pensamento, também nos apoiamos em Gramsci (1981, p. 37) quando este afirma que:
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[...] a relação pedagógica não pode ser limitada às relações especificamente escolásticas, [pois] esta relação existe em toda sociedade no seu conjunto e em todo indivíduo em relação aos outros indivíduos, bem como, entre camadas intelectuais e não intelectuais, entre governantes e governados.
Entre os Potiguara, a relação pedagógica está sempre acontecendo e pode ser observada na convivência das crianças e dos jovens com os pais e com os anciãos, assim como a orientação das lideranças religiosas, que vão incutindo nas novas gerações todo um aprendizado dos rituais que acontecem em casa, na oca, na igreja, nas furnas, tornando-se celeiro de fertilidade da fé e da crença Potiguara. É muito comum a mãe levar a criança para os eventos religiosos, para o Toré e, sem que ela „explicitamente ensine‟, essa criança vai sendo iniciada na crença dos pais de maneira significativa. Para Celso Antunes (2001, p. 15), “A aprendizagem significativa é o processo pelo qual uma nova informação se relaciona de maneira não arbitrária e substantiva (não–literal) à estrutura cognitiva do aprendiz”. De acordo com Champagnat, fundador da Comunidade dos Irmãos Maristas (INSTITUTO DOS IRMÃOS MARISTAS DAS ESCOLAS, 1998), para se educar uma criança, é preciso amá-la. O teólogo Comblin (2005a, p. 141) acrescenta que “O amor não deriva do conhecimento como acontece na vida diária; mas o amor vem primeiro e dele deriva o conhecimento”. A dimensão do amor, na concepção de Boff (2004a, p. 111), “[...] é sempre uma abertura ao outro e uma con-vivência e co-munhão com o outro”. O amor tem um sentido amplo, nem sempre fácil de se praticar por apresentar vários níveis em diferentes situações. Frei Betto sintetiza o amor, na educação, criando um adjetivo para Paulo Freire, o de educamor. “Paulo não ensinava, exceto que educar é amar” (BETTO, 2005). As práticas religiosas Potiguara sedimentam na vida indígena princípios educacionais
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com a dimensão amorosa, diariamente utilizados de maneira individual ou coletivamente pelos índios. Essa dimensão atravessa toda a vida Potiguara. Entre
os
índios
evangélicos,
por
exemplo,
semanalmente
estão
acontecendo as práticas educativas nos encontros com as senhoras, com os homens, no grupo de jovem, de canto, das crianças, nas equipes bíblicas etc. O mesmo procedimento acontece com os cristãos católicos, que têm todo um planejamento de formação permanente para os seus quadros. O Toré e as práticas cristãs (missas, ceias, batismos, exéquias) são ações educativas que acontecem no campo religioso Potiguara, essenciais para aquela etnia, que, em alguns momentos, podem até ter uma formação sistemática, mas não são práticas necessariamente formais. A aprendizagem indígena tem, na instância religiosa, um dos seus principais pilares, mas não a única via, uma vez que existem várias maneiras de se processar a educação na aldeia (LIBÂNEO, 2001). Se perguntássemos ao índio se a dimensão sagrada é essencial para o povo Potiguara, ele poderia até ter dúvidas na resposta, num primeiro momento. Mas, se perguntássemos sobre a terra, a resposta consensual e imediata da etnia é a mesma do índio José Ciríaco Sobrinho, mais conhecido como Capitão, de que a terra é sagrada. Ora, é exatamente essa dimensão sagrado-transcendental que brota e surge o elemento primordial do ser índio Potiguara, que é a sua crença, sua fé, fonte que alimenta as práticas religiosas na aldeia. Não é possível conceber um índio Potiguara sem a dimensão sagrada. Isso fica muito evidente numa síntese feita por Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2005), dizendo que “a religião indígena é o que realmente fortalece o índio. O eixo de tudo é a religião. O esteio que segura a cultura é a sua religião. Através dessa religião você consegue informações, você sabe como vai enfrentar uma demanda lá na frente.”
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A religião entre os Potiguara tem essa dimensão de sustentáculo da cultura e da vida, como bem afirmou Iolanda na sua fala. Nilda (set. 2004), referindo-se aos antigos parentes, fala: “hoje a gente cultua Deus, chama Deus; mas eles não sabiam chamar Deus. Pra eles tinha um Ser. Os índios mais velhos (Tia Severina) recebem a mensagem dos antigos espíritos5. Índio não conhece a Bíblia e sim a natureza. Eles tinha aquela fé e não sabia também o que era fé como a gente sabe hoje”. Segundo Seu Batista (dez. 2004), “agora chamam de Deus, mas antigamente chamavam Tupã6”. Os Potiguara têm rica tradição religiosa que não é fácil de ser percebida por quem não comunga da sua crença. Segundo Berger (1985, p. 41), A religião representa um ponto máximo da auto-exteriorização do homem pela infusão, dos seus próprios sentidos sobre a realidade. A religião supõe que a ordem humana é projetada na totalidade do ser. Ou por outra, a religião é a ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo.
As
práticas
educativo-religiosas
Potiguara
resultam
das
relações
intersociais que se processam no cotidiano da aldeia e podem ser realizadas individualmente, em pequenos grupos ou envolvendo um grande número de pessoas. Não existe um horário determinado para praticá-las, podendo ocorrer pela manhã, à tarde, à noite ou de madrugada; em qualquer dia da semana, do mês ou do ano. Em locais públicos e privados: em casa, na oca, nas escolas, nas igrejas, nas ruas, nas praças e nas quadras esportivas, no meio do mato, nas grutas ou dentro d‟água. Por permanentemente estarem acontecendo novas práticas religiosas, tivemos que atualizar várias vezes os textos que vínhamos elaborando. Teríamos
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Segundo Hoornaert (1991, p. 110), “Tradicionalmente a religião indígena já é bastante “espírita”, isto é: o índio já vive convencido de forças superiores que determinam a sua vida”. 6 Segundo Clastres (1978), Tupã é o nome inventado pelos brancos para chamar a divindade dos índios de Deus.
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cometido equívocos se tivéssemos concluído o estudo há um ano. E o acabamos de escrever, porém, é possível, em breve, haver necessidade de novas atualizações. Dentro do nosso limite histórico e acadêmico, conseguimos chegar aos resultados, aqui sintetizados, uma vez que é impossível o pesquisador ter a pretensão de esgotar todos os conhecimentos sobre uma temática em estudo. “Como nenhuma interpretação é completa, haverá sempre espaço para novas possibilidades, que, novamente, não darão conta da totalidade, e assim por diante” (ALBERTI, 2004, p. 19). A nossa pretensão é investigar as práticas educativo-religiosas indígenas, priorizando o que é mais visível no coletivo Potiguara, identificando-as na sua dimensão educativa. Não é nosso objetivo falar das questões mais subjetivas muito presentes na aldeia. Foi necessário realizar recortes no universo pesquisado, pois, a todo momento, nos deparávamos com importantes informações, tanto extraídas da fala dos depoentes, quanto de observações. A dimensão individual será aqui apresentada para dar uma referência religiosa de como se encontra o índio Potiguara no seu atual momento histórico. O fio condutor da tese é mostrar a pluralidade das práticas educativo-religiosas existentes entre os índios Potiguara, dando ênfase ao caráter educativo.
1.2 Na trilha Potiguara Os Potiguara possuem importante riqueza geográfica, histórica, ambiental, ecológica, turística, religiosa e cultural, muito cobiçada por diferentes interesses pessoais e coletivos que desejam fazer desde uma pequena visita, apenas para ver índios, até grandes grupos econômicos que utilizam as mais diferentes estratégias para seu enriquecimento. Segundo Certeau (2002, p. 99), “A estratégia postula um
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lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio e ser a base de onde se podem gerir as relações com uma exterioridade de alvos ou ameaças”. Fazendeiros e usineiros, maiores representantes das elites dominantes locais, travam uma constante guerra de invasão no território indígena. As madeireiras e as padarias disputam a pouca vegetação nativa que ainda resta (PERES, 2004). As empresas de turismo e de hotelaria cobiçam a região que possui praias belíssimas. As empresas de criação de camarão em cativeiro “invadem” os manguezais, as encostas dos Rios e acabam com a fauna, a flora, a pesca de água doce e salgada, além de contribuir para o assoreamento dos rios, das lagoas e do mar, numa área rica de mananciais d‟água doce. Universitários, professores, estudiosos, cientistas, turistas, representantes de Organizações Não Governamentais (ONGs) e de instituições públicas e privadas, missionários e representantes de várias igrejas têm diferentes interesses em se aproximar, visitar, estudar, doutrinar e pesquisar os Potiguara. O grande desafio, enquanto pesquisador, foi nos tornarmos conhecido e aceito diante de tantas disputas e interesses diferentes. Afinal, somos mais um invasor, com o codinome de pesquisador, interessado em investigar um objeto de estudo sagrado dos Potiguara, que são as suas práticas educativo-religiosas, na sua dimensão educativa. Sobre essa vontade de desvendar o desconhecido, Paulo Freire (1993, p. 79) afirma que “ninguém nasce feito: é experimentando-nos no mundo que nós nos fazemos”. No primeiro momento, não nos demos conta do que significaria realizar uma pesquisa junto aos Potiguara. O que conhecíamos era muito superficial e advinha de conversas informais sobre os habitantes do município da Baía da Traição. Na verdade, tínhamos não só uma idéia completamente equivocada sobre
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os povos indígenas na Paraíba, como também, medo e receio de chegar perto deles ou de não entender o que estivessem falando. Mas, em nenhum momento, tivemos dúvida da nossa opção acadêmica, e isso foi decisivo para nos aproximarmos da problemática indígena. Geertz (2001, p. 105-106) faz um alerta para o pesquisador que não conhece a realidade investigada, dizendo que
[...] para acompanhar um jogo de beisebol temos que saber o que é um bastão, uma bastonada, um turno, um jogador de esquerda, um lance de pressão, uma trajetória curva pendente, e um centro de campo fechado, e também como funciona o jogo que contém todos estes elementos.
Ao iniciarmos o estudo, tudo era muito novo e não sabíamos ao certo por onde começar o trabalho. “É impossível que um cientista, um buscador ou fazedor de verdades inicie seu trabalho despojado de princípios, de idéias gerais básicas” (TRIVIÑOS, 1994, p.123). O contexto emocional, familiar e profissional/acadêmico foi fundamental para a nossa tomada de decisão em estudar o desconhecido povo Potiguara e nos estimulou a utilizar de táticas para realizar a pesquisa.
A tática é um movimento „dentro do campo de visão do inimigo‟ [...] Ela opera golpe por golpe, lance por lance. Aproveita as „ocasiões‟ e delas depende, sem base para estocar benefícios, aumentar a propriedade e prever saídas [...] A tática é a arte do fraco (CERTEAU, 1994, p. 100-101).
Através da „arte do fraco‟, nos aproximamos das agências e instituições que têm ligação com a questão indígena, tais como: o Setor de Estudos e Assessoria a Movimentos Populares (SEAMPO) da UFPB; a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), em João Pessoa; o Núcleo de Educação Escolar Indígena (NEEI), da Secretaria da Educação e Cultura do Estado da Paraíba; a Igreja Católica e as
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Igrejas Evangélicas; o Serviço de Documentação (SEDOP), em João Pessoa; o Centro de Cultura Luís Freire, em Olinda/PE e o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em Recife/PE. Via internet, entramos em contato com estudiosos do assunto e navegamos por links relacionados com a questão indígena. O pesquisador que persegue sua meta “[...] vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia” (CERTEAU, 1994, p. 101). Em março de 2002, pela primeira vez, pisamos em solo Potiguara, durante uma audiência pública7 entre os representantes da Secretaria de Educação e Cultura, o Conselho Estadual da Educação do Estado da Paraíba, os professores e as lideranças Potiguara. Foi um espaço importante porque aproveitamos a ocasião para nos aproximar da representante da FUNAI, da Coordenadora do NEEI/PB e, sobretudo, das lideranças indígenas presentes. Segundo Cruz Neto (2003, p. 5455), “[...] devemos buscar uma aproximação com as pessoas da área selecionada para o estudo [...] É fundamental consolidarmos uma relação de respeito efetivo pelas pessoas e pelas suas manifestações no interior da comunidade pesquisada”. Uma semana depois, estávamos novamente na área indígena para a posse do atual Cacique Geral, Antônio Pessoa Gomes, mais conhecido como Caboquinho. Desde então, passamos a freqüentar assiduamente as práticas religiosas dos Potiguara, principalmente na Aldeia São Francisco. Alugamos, num primeiro momento, uma casa na Aldeia do Forte, como ponto de apoio para fazer a pesquisa, lugar onde aprofundávamos as reflexões, as intuições e os estudos sistemáticos. Cada visita era como se fosse a primeira vez, tamanha vontade para compreendermos toda a realidade Potiguara.
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A audiência, realizada na Aldeia São Miguel, tinha como finalidade colher sugestões para a Educação Escolar Indígena, a ser contemplada no Plano Estadual de Educação.
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A proposta inicial era de percorrer todas as 26 aldeias, meta que foi apresentada durante a defesa no Seminário Doutoral I8, em fevereiro de 2003. Um dos aspectos sugeridos pela banca examinadora foi o de delimitar o objeto de estudo para uma ou, no máximo, duas aldeias. A nossa primeira reação foi ignorar essa sugestão. Logo depois, percebemos que as críticas apresentadas eram consistentes e decidimos realizar a pesquisa priorizando uma aldeia, pois, segundo Cruz Neto (2003, p. 52),
Definindo bem o nosso campo de interesse, nos é possível partir para um rico diálogo com a realidade. Assim, o trabalho de campo deve estar ligado a uma vontade e a uma identificação com o tema estudado, permitindo uma melhor realização da pesquisa proposta.
Estabelecemos alguns critérios para escolher a aldeia que possibilitasse dar a maior quantidade de elementos para a problemática do estudo. São Francisco foi a escolhida porque, além de ser uma das maiores, em população, ali residem várias lideranças indígenas, católicos, evangélicos e sábios anciãos Potiguara. É a aldeia de referência para as tomadas de decisões político-administrativas e religiosas, “conhecida como a aldeia mãe, lugar onde tem mais caboco legítimo” (Cacique Djalma, jul. 2003). Azevedo (1986, p.171) faz referência a essa temática afirmando que
São Francisco remete à continuidade histórica do grupo, à sua manutenção, reconstrução ou reavivamento da identidade étnica. Os próprios habitantes do local se percebem como os mais tradicionais sendo necessário conteudizar essa tradição que eles entendem preservar, sobretudo em se tratando de um grupo na situação dos Potiguara. [...] registra-se um elevado número de intercasamentos, há uma preocupação em reconstruir manifestações que fariam parte da cultura tradicional, como é o caso da festa do toré, que é ali realizada no dia do índio.
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Esta é a primeira etapa, de três que são adotadas pelo PPGED da UFRN, para defender uma tese.
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A partir de então, o estudo esteve mais focado nessa aldeia, embora existisse uma efervescência, muito grande, em toda a área indígena, de práticas religiosas. Cada aldeia tem suas especificidades, suas festas, seus rituais e sua história. Diante de tamanha riqueza cultural Potiguara, apesar da decisão anterior, ampliamos o horizonte da pesquisa para outras aldeias, porque o desenrolar da pesquisa praticamente nos “obrigou” a considerar outras práticas educativoreligiosas existentes no universo Potiguara. Essa ampliação do foco de estudo foi essencial para podermos analisar as práticas educativo-religiosas Potiguara com mais propriedade, uma vez que a Aldeia São Francisco não está isolada do contexto de toda a vida indígena. Optamos pelo recorte de estudar uma Aldeia dentro de uma visão global da etnia. Adotamos, como procedimento investigativo, escutar, observar e deixar a “realidade falar” (OLIVEIRA, 1998). Através do exercício da paciência, esperamos pelo tempo oportuno para conversar com os depoentes e entrevistá-los. “É necessário respeitar o desenrolar natural das actividades e obter a autorização dos intervenientes para serem filmados” (RAMOS, 2004, p. 226). Nossa postura foi de nos inserirmos no evento, no acontecimento, como rotineiramente fazem os índios e, só então, e a partir de, é que realizamos o trabalho de pesquisa discretamente pois, a exemplo do que diz Trivinos (1994, p. 121), “[...] o pesquisador não fica fora da realidade estudada, à margem dela, dos fenômenos aos quais procura captar seus significados e compreender”. O exemplo que ocorreu no dia 19/04/03, no terreiro das Furnas, na Aldeia São Francisco, durante um dos eventos coletivos dos Potiguara, mostra a nossa atitude enquanto pesquisador. Todos os anos, diversos estudiosos, pesquisadores e curiosos que acompanham os Potiguara comparecem ao terreiro. As lideranças
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combinaram que não seria permitida a presença de não-índios no espaço do Toré, para não atrapalhar o ritual. No entanto, assim que iniciou o ritual, jornalistas, membros do CIMI, da FUNAI, da UFPB e de outras instituições presentes, numa total falta de sensibilidade e respeito, “invadiram” o espaço sagrado indígena para fotografar e filmar, sem nenhum constrangimento. A nossa postura enquanto pesquisador, após a autorização da liderança, foi ficar num lugar estratégico, em cima de uma árvore, como espectador, fazendo nosso trabalho da forma mais discreta possível, seguindo as orientações de Geertz (2001, p. 89), quando este sabiamente fala:
A meu ver, o etnógrafo não percebe - principalmente não é capaz de perceber - aquilo que seus informantes percebem. O que ele percebe, e mesmo com bastante insegurança, é o „com que‟, ou „por meios de que‟, ou através de que‟ (ou seja, lá o que for a expressão) os outros percebem. Em país de cegos, que, por sinal, são mais observadores que parecem, quem tem um olho não é rei, é espectador.
Outra tática utilizada na pesquisa foi a de conquistar a amizade dos índios: às vezes, com pequenos favores, às vezes, pelo simples respeito às suas práticas religiosas. No primeiro caso, podemos exemplificar com o que ocorreu em dezembro de 2003, quando a Pajé Fátima, da aldeia São Francisco, estava perdida num bairro de João Pessoa. Passávamos, por acaso, na rua, e a socorremos, levando-a até o seu destino. No dia seguinte, fomos novamente cordiais e a levamos de carona até a Aldeia São Francisco. Ela, para demonstrar sua gratidão, presenteou-nos com uma refeição, servindo-nos uma moqueca de peixe e, ainda, com uma caixa de mangaba, fruta muito conhecida da região. Nesse dia, fizemos descobertas riquíssimas de várias práticas religiosas indígenas. O episódio ocorrido
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muito contribuiu para aumentar a confiança no professor9, nome que nos foi carinhosamente colocado. Fizemos
a
pesquisa10
nos
deslocando
de
carro,
percorrendo
semanalmente mais de 300 Km, quase sempre sozinho. Tivemos o prazer de contar, algumas vezes, com a companhia de Estevão Palitot, pesquisador competente e incansável dos Potiguara, da UFPB. O veículo foi uma das táticas eficazes para ganharmos confiança e ampliarmos nossos conhecimentos específicos sobre um determinado assunto com os índios que pegavam carona. Assim, ficamos cada vez mais conhecido entre eles, com boa reputação, por ser alguém bem aceito na aldeia. Ramos (2004, p. 226) nos alerta que “É fundamental a relação de confiança e de aceitação que se estabelece entre o investigador e os intervenientes no processo de observação”. No entanto, nosso trabalho ficou bem mais enriquecido devido às informações e os ensinamentos que nos foram repassados. Ocorreram depoimentos inéditos, praticamente impossíveis de serem conseguidos em outras circunstâncias. A aproximação que estabelecemos nas aldeias, sobretudo, com algumas lideranças, foi decisiva durante a garimpagem acadêmica. Geertz (2001, p. 88) lembra que “O truque é não se deixar envolver por nenhum tipo de empatia espiritual interna com seus informantes”. Utilizando da confiança, conseguimos informações sobre a existência de práticas bastante reservadas, algumas, inclusive,
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Nosso nome, além de ser muito diferente, poucas vezes, era dito nas aldeias. Todas as pessoas nos conhecem como professor. Com nossa presença constante na área indígena, era só o carro aparecer, e todo o pessoal já sabia que era o professor que estava chegando. 10 Ocasionalmente contamos com a presença de outros pesquisadores do Grupo de Trabalho Indígena do SEAMPO/UFPB, como Fernando Barbosa, Mirna Nóbrega, Gretha Viana, Suelyta Alves, Fernanda Alves, Hosana Santos. Também tivemos o privilégio de acompanhar nossa orientadora, a Profª. Drª. Marlúcia Menezes de Paiva, por ocasião de sua visita, com os alunos da turma de Pedagogia do PROBÁSICA (Convênio da UFRN com a Prefeitura Municipal de Parnamirim/RN), em junho de 2004. O Prof. Dr. Almicar Martins, da Universidade Aberta de Lisboa/Portugual, também nos acompanhou numa de nossas idas à área indígena, classificada por ele como “magnífica”.
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não reveladas. Quando isso ocorreu, em algumas circunstâncias, tivemos a autorização para gravar os depoimentos, outras vezes, não. Por diversas vezes, estivemos prestando atenção, percebendo os movimentos das pessoas, os gestos, o semblante, o sorriso, o tom de voz, o olhar, o lugar, etc. para perceber o que se passava naquela ocasião pois, como diz Bourdieu (1997, p. 710), “Existem as demoras, as repetições, as frases interrompidas e prolongadas por gestos, olhares, suspiros ou exclamações [...]”. Com o passar do tempo, fomos percebendo que aquilo que era dito, sobretudo, quando do uso do gravador, nem sempre correspondia à realidade. Caso o pesquisador não tenha tempo para perder com o informante, serão dadas informações para não-índio ouvir, mas que, de fato, não acontecem. “A história, como toda atividade de pensamento, opera por descontinuidades: selecionamos acontecimentos, conjunturas e modos de viver, para conhecer e explicar o que se passou” (ALBERTI, 2004, p. 14). Foi necessário aprender a intuir e a nos desfazer de conceitos já elaborados, de conhecimentos cristalizados e de fé sedimentada. Nascemos de novo11, num verdadeiro parto intelectual/religioso. A tática de observar mais do que interagir, num primeiro momento, dificultou a aproximação com as pessoas. Nossa condição de pesquisador do PPGED da UFRN não dava parâmetros para os índios nos vincularem a nenhuma agência conhecida entre eles. As referências advindas do Padre da Paróquia e dos pesquisadores da UFPB foram muito importantes para nos tornarmos conhecidos como o „professor‟. Dessa forma, moderaram as interrogações, mas não eliminaram as desconfianças sobre a nossa presença na
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“Como pode um homem nascer, sendo já velho?” (BÍBLIA, 1994, Jo 3,4).
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área. Isso porque os índios, talvez desenvolveram táticas para driblar os curiosos, os visitantes e os inoportunos .
1.3 Nosso jeito de garimpar Num primeiro momento, utilizamos algumas sugestões da metodologia compreensiva do discurso, do francês Kaufmann (1996), que é pouco conhecida no Brasil12. Nessa metodologia, a palavra do sujeito é suporte antropológico, eixo de partida para entender os demais aspectos da pesquisa. A idéia, nessa abordagem, é a do artesão intelectual (MILLS, 1982), que parte imediatamente para garimpar o material empírico e, uma vez envolvido concretamente com a realidade pesquisada, vai se aprofundando nas leituras para dar uma ancoragem teórica à pesquisa. As leituras surgem a partir da escuta da realidade pesquisada. Na construção do trabalho acadêmico, empregamos os dados qualitativos por estarmos trabalhando com valores, crenças, subjetividade, aspirações e atitudes (MINAYO, 2003). Os dados quantitativos também foram contemplados, porque realizamos estudos com dados estatísticos e probabilísticos. Segundo Gamboa (1995), as duas dimensões não se opõem, mas se inter-relacionam como duas fases do real, num movimento cumulativo e transformador, de tal maneira que não podemos concebê-las uma sem a outra, nem uma separada da outra. Em outras palavras, toda mudança qualitativa é o resultado de certas mudanças quantitativas. Uma qualidade nova, surgida em decorrência de mudanças quantitativas determinadas, não se comporta de maneira passiva em relação a essas últimas, mas, pelo contrário, exerce uma influência de volta, acarretando também mudanças características (sic) quantitativas rigorosamente determinadas. (GAMBOA, 1995, p.105). 12
A Profª. Drª. Rosália de Fátima e Silva trabalhou essa metodologia na sua tese (SILVA, 2000) e a utiliza nos cursos e orientações no PPGED da UFRN.
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As técnicas de pesquisa que orientaram a coleta e a interpretação dos dados contemplaram tanto os aspectos qualitativos como os quantitativos. Durante todo o estudo, utilizamos a observação participante pois, segundo Cruz Neto, essa técnica “[...] se realiza através do contato direto do pesquisador com o fenômeno observado para obter informações sobre a realidade dos atores sociais em seus próprios contextos” (CRUZ NETO, 2003, p. 59). As práticas religiosas foram observadas tanto no cotidiano quanto nos momentos celebrativos, nas festividades, nas capacitações, na luta pela retomada da terra, enfim, onde havia presença de índio Potiguara realizando seus rituais, dentro do possível, procuramos estar presentes. Uma experiência ímpar de convivência e aprendizado muito rico para o nosso crescimento pessoal, profissional e acadêmico. Concomitantemente com a observação sistemática, fomos anotando no Diário de Campo os comportamentos, as conversas e discussões, os lugares, a maneira como se davam as relações, etc. Para Cruz Neto (2003, p. 64), é sobre ele que “[...] o pesquisador se debruça no intuito de construir detalhes que no seu somatório vai congregar os diferentes momentos da pesquisa”. Muitas anotações foram rabiscadas em folha com hinos, cartazes, panfletos, pedaços de jornais, tudo que tínhamos em mãos e, depois, colocados em pastas de arquivos no computador. Certas dúvidas e esclarecimentos foram equacionados no final da tese, com as consultas a esses alfarrábios. As Entrevistas foram surgindo dentro do contexto onde estávamos inseridos. Elas foram realizadas no carro, na igreja, na calçada de casa, dentro das Furnas, no meio da mata, dentro de casa; onde sentíamos que era possível aprofundar a nossa pesquisa, nós o fazíamos.
As escolhas dos entrevistados
também surgiram do contexto onde nos encontrávamos e foram realizadas com
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crianças, jovens, adultos e anciãos desde que fossem contribuir significativamente para a pesquisa. Zaluar (1985) mostra que a relação com os atores no campo implica o ato de cultivarmos um envolvimento compreensivo, com uma participação marcante em seus dramas diários. “É fundamental consolidarmos uma relação de respeito efetivo pelas pessoas e pelas suas manifestações no interior da comunidade pesquisada” (CRUZ NETO, 2003, p. 55). Tínhamos sempre um roteiro semi-estruturado para aproveitar as ocasiões em que iam surgindo certos momentos ímpares. Passada aquela oportunidade, tudo mudava. Ocorreram situações em que procuramos aprofundar certos assuntos pendentes num segundo momento, mas todas as tentativas foram em vão. Quando o informante não quer, o pesquisador nada consegue. E isso feito com toda fineza e cordialidade extrema. Nada de cara feia nem de tratar mal o pesquisador pois, segundo Alberti (2004, p. 18-19),
[...] o que fascina numa entrevista é a possibilidade de tornar a vivenciar as experiências do outro, a que se tem acesso sabendo compreender as expressões de sua vivência. Saber compreender significa realizar um verdadeiro trabalho de hermeneuta, de interpretação.
Sempre quando íamos às aldeias, ficávamos atentos para estar com o gravador, máquina fotográfica e, às vezes, com a filmadora. Gravamos mais de uma centena de fitas cassetes para não perder detalhes das práticas realizadas. Em certas ocasiões, utilizamos simultaneamente os três equipamentos para registrar, de diferentes maneiras, o que estava acontecendo.
Fotografias e filmagens se apresentam também como recursos de registro aos quais podemos recorrer. Esse registro [...] nos proporciona documentar momentos ou situações que ilustram o cotidiano vivenciado [...] nos permite reter vários aspectos do
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universo pesquisado, tais como: as pessoas, as moradias, as festas e as reuniões (CRUZ NETO, 2003, p. 63).
Ao longo da pesquisa, a fotografia foi um recurso bastante utilizado e nos ajudou a registrar momentos inesquecíveis que nos trouxeram grandes vantagens para analisar as informações e compreender melhor as práticas educativoreligiosas. Assim, foi possível perceber, não só o que era dito, mas observar os estilos, as posturas, o comportamento, enfim, o cotidiano Potiguara. Por mais que se faça uma descrição ou uma narração, dificilmente se consegue definir o que uma fotografia ou uma filmagem13 é capaz de realizar. Segundo Ramos (2004, p. 225 apud RAMOS 1993, 1998),
O filme vem captar, desvendar essa outra linguagem, a linguagem corporal, a memória do corpo, as técnicas do corpo, a comunicação não verbal, vem facilitar a compreensão da relação entre as representações e as práticas e colocar em relevo a comunicação nas suas diferentes dimensões.
Tivemos todo o cuidado e paciência possível para fotografar 14 e filmar as práticas religiosas15, evitando causar maiores transtornos para os protagonistas. Toda nossa técnica de investigação acadêmica contou com a ancoragem da universidade da vida, de muitos anos de trabalho na esfera eclesial, no movimento social e na academia, exercitando sempre como perceber os detalhes, as diversas fontes, as diferentes opiniões, os vários ângulos de uma problemática focada. Para fazer o estudo das práticas educativo-religiosas, foi preciso ver o contexto da vida Potiguara na atualidade. Não se pode fazer um recorte de um
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Ver melhor sobre esse assunto nos autores: France (1982), Comolli (1995), Stork (1986), Govindama (2000), Ramos (1993), Mead (1975). 14 Todas as fotos aqui apresentadas são inéditas e de nossa autoria. 15 A maioria do material coletado está disponível na Escola Estadual Indígena Pedro Poti, para ser consultado e pesquisado, como também, para ser utilizado em cartilhas, banners, organogramas, etc. Foram tiradas mais de1500 fotos, além de uma dezena de fitas de vídeos.
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objeto de estudo, partindo do nada, totalmente descontextualizado, “pois não podemos pensar como os índios; podemos, no máximo, pensar com eles” (VIVEIROS DE CASTRO, 2001, p. 42). As configurações na aldeia não são fáceis de ser compreendidas. Há interferência e divergência entre as lideranças, entre grupos adversários e até entre aldeias. Os interesses pessoais, muitas vezes, sobrepõem-se aos da comunidade. As concessões são feitas para uns e não, para outros. Os grupos se dividem e subdividem, defendendo esta ou aquela proposta.
[...] como em um jogo de xadrez, cada ação decidida de maneira relativamente independente por um indivíduo representa um movimento no tabuleiro social, jogada que por sua vez acarreta um movimento de outro indivíduo – ou na realidade, de muitos outros indivíduos [...] (ELIAS, 2001, p. 158).
Essas questões de fundo, difíceis de ser percebidas, não difundidas, quase não comentadas, interferem na vida das pessoas e nas práticas educativoreligiosas. Há, por parte de certas lideranças, uma grande preocupação em manter os segredos entre o grupo, de não ficar dizendo o que prejudique a imagem da etnia para os agentes externos. Os anciãos são sábios na hora de revelar as informações e seus conhecimentos sobre as questões sagradas. Há sempre muita prudência, associada com a desconfiança, para se conversar e ludibriar os forasteiros que por lá aparecem. Os resultados da pesquisa foram gestados dentro de uma reflexão crítica que fomos amadurecendo à medida que penetrávamos no conhecimento das práticas educativo-religiosas Potiguara. Sobre esse posicionamento adotado, Viveiro de Castro assevera (2001, p. 31-32): “[...] meu ponto de vista não pode ser o do nativo, mas o de minha relação com o ponto de vista nativo. O que envolve
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uma dimensão essencial de ficção16, pois trata-se de pôr em ressonância interna dois pontos de vista completamente heterogêneos”. Existem muitos olhares a respeito de um mesmo objeto de estudo. Tudo depende de como os dados são interpretados e a partir de qual contexto analisados. “O perigo, neste caso, é menos o de fazer os índios dizerem outra coisa que o que eles pensam, e mais o de insistir que eles dizem outra coisa que o que nós pensamos” (VIVEIROS DE CASTRO, 2001, p. 3). Os dados analisados tiveram, num primeiro momento, um pesquisador apaixonado em busca de elementos autóctones, passando, em seguida, para uma análise dicotômica entre as práticas religiosas dos índios puros e dos contaminados pelas crenças cristãs, terminando numa postura equilibrada, mostrando que há índios que seguem as práticas religiosas dos antepassados, de cultuar os espíritos das matas, das águas, das cachoeiras, das furnas, mas também existem os que professam sua fé no Deus Cristão. O nosso olhar esteve atento para evitar juízo equivocado das práticas analisadas. Nossa postura não foi de fazer julgamento, nem de priorizar uma prática em detrimento da outra, mas de apresentar, dentro do possível, a realidade das práticas educativo-religiosas no cotidiano da aldeia. Estabelecemos como meta principal deixar a tese falar a linguagem das práticas educativo-religiosas Potiguara. Isso parece ser simples, mas não é tão fácil, porque o cotidiano indígena é rico em sabedoria, e pequenos detalhes fazem a diferença no campo religioso e nas relações interpessoais da aldeia. Conseqüência dessa abordagem foi a análise de uma quantidade maior de dados sobre as práticas eclesiais católicas por terem, não só um número maior de seguidores, como também apresentar maior visibilidade nas aldeias. As práticas pentecostais são 16
Segundo Viveiros de Castro (2001), ficção aqui consiste em tomar as idéias indígenas como conceitos, e em extrair dessa decisão suas conseqüências.
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mais restritas e direcionadas para os membros e congregados de suas denominações religiosas. Optamos por fazer uma narrativa detalhada das práticas religiosas. Para Lucília Delgado (2002, p. 13), “as narrativas possuem a potencialidade de fazer viajar o ouvinte através da viagem narrada [...] contém em si força ímpar, pois é também instrumento de retenção do passado e, por conseqüência, suporte do poder do olhar da memória”. Não se trata de um relatório de pesquisa, mas de uma pesquisa com densidade também para dados de relatório, até denso demais para ser lido, por causa de tanta informação com minúcias, à primeira vista, desnecessárias, mas que, a nosso ver, poderão contribuir de maneira peculiar para outros estudos.
1.4 Algumas referências sobre os Potiguara No levantamento que fizemos sobre as pesquisas realizadas, detectamos que a literatura sobre os Potiguara ainda é bastante tímida. O acervo bibliográfico consultado revela que existem apenas seis trabalhos com maior relevância etnológica: Amorim, (1970); Azevedo, (1986); Moonem & Maia, (1992); Vieira, (2001); Magalhães, (2004); Palitot, (2005). Nenhum deles trata com profundidade das questões religiosas. Apenas a monografia de Eloi dos Santos Magalhães (2004) e as dissertações de José Glebson Vieira (2001) e de Estevão Martins Palitot (2005) se debruçaram sobre o campo religioso Potiguara com mais intensidade. Os enfoques abordados pelos três autores apresentam elementos importantes sobre as práticas educativo-religiosas, como a Festa do Padroeiro São Miguel e o Toré, no Dia do Índio, dentre outros aspectos, mas não chegam a fazer um estudo mais exaustivo sobre os enfoques aqui abordados.
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Além dessas pesquisas citadas, existem outros trabalhos que versam também sobre os Potiguara. A dissertação de Serviço Social, de Maria Salete Horácio da Silva (1993), trata da luta pela demarcação da terra da Aldeia Jacaré de São Domingos; o trabalho de Fernando de Souza Barbosa Júnior (2002), de Especialização em Direitos Humanos, refere-se à mobilização dos índios de MonteMór para demarcar suas terras; a antropóloga Terezinha Baumann (1981), em seu Relatório para comprovar a imemorialidade da ocupação indígena na Baía da Traição e com isso instruir o processo de demarcação sobre a demarcação apresenta uma farta documentação historiográfica; Vânia Fialho de Paiva e Souza (1988), Maria de Fátima Campelo Brito (1995) e Sidnei Clemente Peres (2004) são autores dos Relatórios de Identificação da Terra Indígena, respectivamente, de Jacaré de São Domingos e Potiguara de Monte-Mór; a dissertação de Mestrado de Sidnei Peres (1992) apresenta um capítulo que trata do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) na Baía da Traição. Existem diversas publicações de artigos sobre os Potiguara. Frans Moonem17 foi um dos pioneiros a publicar, ainda na década de 1970. Nas publicações mais recentes, em periódicos na internet, Vieira (2004) e Sidnei Peres (2000, 2002) têm artigos publicados sobre os índios Potiguara. A produção textual etnológica vem sendo estimulada nos últimos anos, e diversas produções sobre os Potiguara têm aparecido em anais dos Congressos e Seminários promovidos pelas Universidades e demais agências de pesquisas. Também começam a surgir várias produções de vídeos sobre esses índios. Fernando Barbosa e Estevão Palitot (2004), numa coletânea organizada por Rodrigo Grünewald (2004a), têm um artigo sobre o Toré Potiguara. Os autores
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O autor publicou vários artigos sobre os Potiguara até a década de 1990.
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fazem um estudo sobre esse ritual, desde suas origens históricas, até toda a sua afirmação como ritual de identidade étnica e religiosa, sem aprofundar o aspecto eclesial com relação à presença das igrejas evangélicas.
1.5 Apontamentos teórico-conceituais A dimensão sagrada está na tenda da história indígena Potiguara, onipresente na terra, nas águas, nas furnas, nas cachoeiras, na natureza, na oca, nos templos, na aldeia, no sol, no cosmos. Segundo Berger (1985, p. 40-41, grifos nossos) “Historicamente considerados, os mundos do homem têm sido, na sua maioria, mundos sagrados. Na verdade, parece provável que só através do sagrado foi possível ao homem conceber um cosmos em primeiro lugar”. Tudo tem a dimensão divina, a força de Deus, a presença do criador que caminhou com os antepassados e caminha hoje na história Potiguara (KROEMER, 2002). A espiritualidade indígena, cálice inesgotável de sabedoria, é conservada e perpetuada por meio dos mitos, dos ritos e da memória. São essas três categorias que irão nortear toda a nossa pesquisa. O nosso olhar acadêmico será focado a partir desse prisma.
1.5.1 Mitos e ritos Em um recente estudo, Palitot (2005) inicia sua pesquisa se referindo ao mito de origem do povo Potiguara, deixando em aberto essa construção, porque está sendo pesquisado pelos professores18 indígenas, empenhados em se debruçar sobre suas origens. Os índios católicos têm uma devoção especial a São Miguel, Padroeiro dos Potiguara e o Santo protetor de todo o território 18
É o que Iolanda pretende fazer na sua Monografia de Conclusão de Curso do Terceiro Grau Indígena da Universidade do Estado do Mato Grosso – UNEMAT, em Barra do Bugres/MT.
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indígena. São Miguel era um “índio” que virou “santo” e que hoje está em Roma, segundo relato pesquisado (Capítulo III). Diferentemente é a devoção Potiguara a Nossa Senhora dos Prazeres, Padroeira da Aldeia Monte-Mór, pois São Miguel é índio, na cosmovisão Potiguara. A imagem da santa foi achada num tronco de jurema, e os índios afirmam que hoje ela está em Roma. Os Potiguara evangélicos não acreditam nessas versões dos parentes católicos, mas, também, não conseguimos identificar neles um mito da origem do seu povo. O que é muito comum no imaginário Potiguara são os encantos19 (Capítulo III), que têm uma variedade de significados e representam um patrimônio cultural muito importante para o povo indígena. A lembrança de Nilda (set. 2004), de como surgiram a Baía da Traição e a Aldeia São Francisco constitui-se num dos mitos Potiguara. Os portugueses vieram pelo mar e chegaram na Baía da Traição. Chegaram em 1501, na Praia de Coqueirinho e caminharam mais para cá, então viram um rio, onde fica a desembocadura, em Camurupim, que entra para o rio Sinibu. Vieram mais um pedaço e chegaram a essa grande ilha da Baía da Traição, muita cercada de caju, era Akajutibiró. E quando chegaram aqui, conta a lettera20, que é uma das histórias indígenas primitivas, apareceram aquelas índias bonitas. E essas pessoas que vinha, principalmente homens, muito tempo de caminhada, muito faminto com a história do sexo, aí vieram e viram as índias pelada e aí foram ao encontro com elas. Aí deu nessa revolta, nessa traição. E daí entraram na Baía da Traição. Vieram umas duas vezes e começou a invasão em troca de ouro, especiarias, pau Brasil. E aí começaram a afugentar os índios e eles começaram a sair. Travaram revoltas, guerras essas coisas. E ali vieram pelos matos, subiram as margens dos rios e vieram pra qui (São Francisco). Ali no Forte era aberto e era um porto de navio. Fecharam ali para ter acesso e subir para cá, procurar especiarias e também encontrar índio. E eles (índios) saíram escondidos na margem desse rio pra qui. Nas margens desse rio (Sinibu), em cima dessas ladeiras, desses morros, desses montes, você onde chega, encontra antigos vestígios de ostras, de mariscos, porque o povo sempre tinha o mangue para viver. Vieram e chegaram aqui, que se chamava cuam. Deram o nome de cuam, por causa de um pássaro, muito bonito. Ainda hoje tem (este pássaro). Chegaram os Franciscanos depois, num outro tempo. Anos atrás a igreja era vista como estranha. Por causa da revolta que houve, quando chegaram 19
Encantos são os espíritos de luz que se manifestam durante o Toré. Carta escrita por Américo Vespúcio. A transcrição desse documento é encontrada em Almeida (1996). 20
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os jesuítas, com esses holandeses e espanhóis a igreja veio já desmistificando a nação indígena. Quando voltaram os jesuítas, (para a Europa) vieram os franciscanos. Foi aí quando botaram o nome de São Francisco, aqui.
O mito é o responsável pela forma como a sociedade indígena se reproduz na maneira de ser, viver e de morrer. Detém as verdades das coisas e procura perpetuá-las para não serem esquecidas. O mito é assimilado pelos indígenas como verdade absoluta transmitida pelos “fundadores”, das respectivas culturas, num tempo „anterior ao tempo em que se vive‟. Sua credibilidade e veracidade são inquestionáveis. O mito vale por si mesmo e em si mesmo, segundo Caleffi (1997). Kroemer (2002) apresenta o mito como sendo discurso, pensamento, palavra, relato, mensagem, notícia, história exemplar, por meio do qual o ser humano se reintegra no eterno presente, no tempo sagrado, nas origens. A cultura indígena tem no mito seu conhecimento verdadeiro porque é portador de sabedoria. “Os mitos explicam a história e são destiladores da experiência coletiva; são normativos e portadores de mensagens” (KROEMER, 2002, p. 09). A história, os mitos, os ritos, as danças, os cantos indígenas não têm autoria individual entre os povos autóctones. A cultura indígena é comunitária, o mito é fonte interpretativa, a identidade é meta coletiva, e a espiritualidade, o resultado de uma consciência grupal. Kroemer (2002, p. 9, grifo nosso) assim apresenta:
[...] o mito como rememoração e o rito como atualização dos tempos primordiais, onde os membros presentes, ao voltarem para o tempo primordial, reatualizam o passado, vivenciam e dignificam o presente e projetam para o futuro escatológico. Pelos ritos a comunidade atualiza os mitos, fazendo acontecer as origens para restabelecer o equilíbrio perdido no presente.
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Os mitos são fundamentais porque contribuem para dar o significado da vida, da práxis cotidiana dos povos, delimitam territórios, trazem memórias das gerações antigas, dos conflitos, das guerras, das desgraças e de tudo o que aconteceu nos diferentes períodos históricos. Em suma, solidificam, perpetuam a identidade étnica pois, através do mito, o povo primeiramente se vê a si mesmo, relaciona-se com o outro, com a cultura, com a natureza, com a dimensão sagrada e consegue descobrir o equilíbrio e a plenitude da vida. São os mitos os responsáveis pela descrição da realidade cultural, social, histórica e da espiritualidade da aldeia, uma vez que provêm da sabedoria coletiva. “O mito configura sempre representação da consciência coletiva, ditas e reditas em cada geração” (BOFF, 2004a, p. 58). São conhecimentos tidos como verdadeiros porque atualizam os acontecimentos do passado cheios de sentidos para o presente. Explicam como surgiu o mundo, o povo, o lugar, os festejos, a identidade e a espiritualidade. “Os mitos são portadores de mensagens normativas, porque ensinam atitudes, valores, pautas de comportamento, formas de organização, formas de vida e de fé” (KROEMER, 2002, p. 9). Le Goff (1996, p. 424) observa que, nas sociedades de tradição oral, onde “[...] o processo de memória no homem faz intervir não só a ordenação de vestígios, mas também a releitura destes vestígios, [...]” há uma dinâmica na transmissão dos mitos, pois cada cultura tem sua historicidade, embora o mito e o rito não se separem, uma vez que o ritual é a própria reatualização da dimensão sagrada, é o cumprimento do modelo contido na mitologia. Para Caleffi (1997, p. 18),
[...] tanto na execução dos rituais quanto na transmissão oral dos mitos, temos a parte referente ao elemento arquetípico mais permanente, e o restante que faz parte de um processo mais dinâmico, vivo, que incorpora elementos novos e exclui elementos já
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obsoletos à respectiva representação de mundo dentro das pautas culturais de reprodução desta.
Os ritos têm uma proximidade com os mitos porque fazem parte do legado cultural de um povo e atualizam os significados e conteúdos dos mitos. “Durante as cerimônias rituais, os participantes têm a consciência de reproduzir, nos mínimos detalhes, os atos exemplares dos Ancestrais e dos heróis, assim como estes os executaram em „illo tempore‟” (ELIADE, 1973, p. 78). Através dos ritos, exteriorizase e se manifesta publicamente a espiritualidade, expressa-se a fé na divindade. Nas crenças, nos ritos, nos mitos, na celebração da presença de Deus, está presente a espiritualidade Potiguara. A celebração é o eixo central da espiritualidade indígena, que se concretiza na vida através de símbolos. Os rituais têm uma dimensão simbólica de “fazer perceber, perceber no sensível e por meio de uma experiência sensível o impacto, a evocação do inefável, ao mesmo tempo próximo e distante” (MALDONADO, 1990. p. 219). Segundo Turner (1991 apud VEIGA, 2000), o símbolo é a menor parte que contém as qualidades próprias do ritual. Os símbolos empiricamente são objetos materiais construídos pelos seres humanos ou adquiridos da natureza, através de gestos, movimentos, relações, momentos, representações, o que tem valor educativo ou religioso. O símbolo é algo que representa, tipifica, ou seja, apresenta qualidades semelhantes, em situações concretas ou no pensamento. Para Bourdieu (1989, p. 7-8), o sistema simbólico é gerador do “poder simbólico”, e ele adverte: [...] é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa vê menos, onde ele é mais completamente ignorado, portanto, reconhecido: o poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível que só é exercido com a cumplicidade daqueles que
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não querem saber que estão sujeitos ou mesmo que o exercem. Etimologicamente, símbolo (syn-ballein) significa união ou harmonia. No entanto, o símbolo não é o criador da união da harmonia, mas faz com que duas coisas, embora diferentes, sejam restabelecidas e passem a existir juntas. “O símbolo implica a presença da realidade simbolizada, de maneira figurada, porém real. É a presença de uma realidade oculta noutra realidade encarnada, sensível ou imaginável” (MALDONADO, 1990, p. 242). Segundo Borobio (1990), todo discurso sobre a divindade é simbólico. O símbolo é irredutível e insubstituível na linguagem teológica e, sendo diferente do simbolizado, o símbolo é também um segmento dessa realidade, que se vela e desvela, da qual participa e se distingue ao mesmo tempo. Ricoeur (apud BOROBIO, 1990, p. 329) assevera: “Denomino símbolo toda estrutura de sentido na qual, através de um sentido direto, imediato, dado, literal, é indicado outro sentido indireto, figurado, que só pode ser compreendido através do primeiro sentido”. Os rituais têm grande visibilidade de trocas e de crenças, como os símbolos que continuam nas lembranças vivas da identidade cultural e religiosa dos Potiguara. O ritual tem suas raízes fincadas na ancestralidade mítica. Segundo Eduardo Hoornaert (1990, p. 80),
Os antepassados e seus mitos demonstram que a vida merece ser vivida, mas sob a condição de se respeitarem as normas transmitidas, as palavras pronunciadas num passado anterior ao tempo humano e que devem ser continuamente reavivadas na memória pelos trabalhos de rememoração ritual ou mítica.
O ritual tem conotação do passado e do presente, ou seja, é tanto a expressão de atos construídos no passado como uma edificação do presente. Na
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“mitopraxis”, o ritual se configura como uma “ponte” entre o passado mítico, o passado “histórico” e o tempo presente, na perspectiva da inauguração do futuro (POMPA, 2003). A definição conceitual de rito mostra a harmonia entre o ser humano consigo mesmo, com os outros, com a natureza e com o cosmos. Tem como característica primordial a repetição. “Um gesto que não repetisse algo de outro gesto... ou que não tivesse nenhum elemento destinado à repetição... poderia ser um gesto religioso, mas não um rito” (CAZENEUVE, 1958, p. 2). Segundo Eliade (1974, p. 44), Todo ritual tem um modelo divino, um arquétipo. Dizem os adágios hindus: devemos fazer o que os deuses fizeram no princípio; assim fizeram os deuses, assim também fazem os homens [...] os poderes diante do ritual e da palavra, que os sacerdotes possuíam, deviam-se ao fato de estes imitarem o gesto primordial [...] os atos da criação.
A assembléia indígena celebra os ritos para expressar a dinâmica da vida, tanto a realidade positiva como a negativa. É na celebração que se restabelece a integração perdida, a harmonia consigo, com o próximo, com a cultura e com Deus. “Celebrar é sempre um „fazer ou tornar público‟ ligado a uma comunidade, que é geralmente realizado com certa solenidade e que se destaca do cotidiano” (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 186). São ações de pessoas que acreditam e que comungam de uma mesma fé e abraçam todas as dimensões do cotidiano indígena: a economia, a ecologia, o social, a política. Os ritos acontecem na comunidade, e uma vez partícipe desse momento sagrado, torna-se membro do grupo, do povo e da cultura. O rito é eminentemente comunitário e formador da identidade individual e da comunidade. O rito lhe recorda, fazendo-o viver, segundo as circunstâncias, quem ele é, de onde vem, para onde vai, permite-lhe reencontrar-se e reencontrar, oferecendo, ou melhor, facilitando as possibilidades de amadurecimento que atingem tanto o seu conhecimento quanto a
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sua vida prática, isto é, o seu „ethos‟: atitudes e valores (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 1024).
O rito marca ritmicamente o dia-a-dia, os tempos, as estações, os lugares, cada pessoa. Assim, dentro de uma cultura determinada, cria um campo simbólico que possibilita fomentar valores e estabelecer relações. O rito tem como finalidade estabelecer o ser humano ou a comunidade no seu habitat, na sua práxis, possibilitando encontrar-se, criar e recriar seus costumes, paixões, hábitos, valores. O rito atualiza e faz reviver a tradição indígena porque contempla toda a realidade da etnia. Na verdade, como diz Kroemer (2002, p. 10, grifo nosso), “[...] o mito é símbolo em palavras, e o rito é o símbolo em ação; ambos são portadores de significação humana e divina e são mediações de sua relação com Deus”. Na experiência cristã21, o rito não é da ordem do acessório, mas é modalidade de ser e de exprimir-se que medeia expressivamente, despertando as realidades silenciosas da fé: comprometendo o homem e o cosmos, nas articulações de toda „a linguagem‟ verbal e não-verbal, ele reatualiza o mitofundador22, de modo tal que efetivamente se realize por meio do „gesto‟ humano (SARTORE; TRIACCA, 1992, p. 1026). Nesta pesquisa, o rito é a categoria que estará mais presente nas práticas educativo-religiosas dos Potiguara uma vez que aparece em praticamente todos os rituais indígenas cristãos e não cristãos. 21
Segundo Sartore e Triacca (1992), na ritualidade cristã existem duas variáveis históricas culturais: o que é constante e o que é variável. Dentre o que é constante, podemos citar: a) as palavras e as coisas – fórmulas sacramentais; b) o ministro ou o presidente do grupo-igreja; c) a estrutura celebrativa – a leitura das Escrituras é a proclamação da fé no mito fundante, que é Jesus Cristo. Já entre as variáveis destacam-se: a) as ações gestuais: a linguagem não-verbal; de posição: de pé, ajoelhados, sentados [...]; de movimento: danças, procissões [...]; b) o dispositivo ecológico: distribuição e regulamentação do tempo e do espaço, habitar e possuir o espaço pelos protagonistas rituais em função das seqüências rituais; c) os objetos: vasos, vestimentas, objetos funcionais; d) os atos de linguagem: o uso diferente de estilos no ler ou no orar: a aclamação, o canto, o brado, a música [...]; e) os atores: alguns protagonistas particulares dentro do rito: o responsável pelo canto, quem recebe, os leitores. Os ritos cristãos são complexos e não têm um consenso entre os estudiosos. Podem ser vistos a partir de três eixos: 1) ritos litúrgicos sacramentais; 2) ritos da piedade popular; 3) ritos da religiosidade popular. 22 O rito cristão tem como seu „mito fundador‟, em sentido estrito, a morte-ressurreição de Jesus Cristo.
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1.5.2 - Memória Além dos mitos e dos ritos, uma outra categoria que norteará esta pesquisa será a memória, freqüentemente utilizada pelos índios para passar de geração a geração seus ensinamentos. Através do ato de rememorar e de relembrar, as pessoas tornam-se infinitamente ricas em suas manifestações. Isso porque a memória reacende as utopias e os sonhos de um tempo vivido no passado; relembra valores, costumes, hábitos e práticas do cotidiano; revigora toda a vida afetiva e emocional; revive situações de lazer, trabalho, lutas, vitórias. O conceito de memória vem sendo pesquisado por vários autores que seguem diferentes abordagens teóricas. Há autores que seguem uma abordagem sociológica, como Halbwachs (1990); outros seguem a linha histórica, como Le Goff (1996); ou ainda, como PollaK (1989); há autores importantes que não se pode esquecer quando o assunto é memória, tais como: Thompson (1992), Bosi (1994) e Nora (1984), dentre outros. O conceito de memória é muito abrangente, não homogêneo e apresenta várias dimensões. Segundo Marieta Ferreira (2000, p.111), memória “é a construção do passado pautada por emoções e vivências. É flexível, e os eventos são lembrados à luz da experiência subseqüente e das necessidades do presente”. David Lorwenthal (1998, p. 75), referindo-se à memória, afirma que “toda consciência do passado está fundada na memória. Através das lembranças, recuperamos consciência dos acontecimentos anteriores, distinguimos ontem de hoje, e confirmamos que já vivemos um passado”. A memória não só dos Potiguara, mas das outras pessoas é mutante, incomensurável, cheia de significados, caminho pelo qual a pessoa percorre a temporalidade da sua vida e
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reconstrói situações de religiosidade, de amizade, de companheirismo, enfim, convivências mútuas. No início desta pesquisa, não pensávamos em trabalhar com memória. Nossa meta era fazer um estudo sobre as conversas em torno dos rituais sagrados que acontecem nas aldeias, sem nos debruçarmos sobre as lembranças dos Potiguara. Lembrança é aqui entendida como “uma reconstrução do passado com a ajuda de dados emprestados do presente e, além disso, preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a imagem de outrora manifestou-se já bem alterada” (HALBWACHS, 1990, p. 71). Entretanto estudos sobre a temática, realizados em 2004 pela Base de Pesquisa Educação, História, Práticas Culturais da UFRN, à qual estamos vinculados, além de nossa participação em eventos, como o de “Memória e História”, promovido pela ANPUH/NE23, provocou-nos e nos fez optar por valorizar a riqueza Potiguara presente nos diversos relatos orais (memórias coletivas), sobre as práticas educativo-religiosas. Os relatos foram brotando espontaneamente e começaram a fazer referências sobre os lugares sagrados que, até então, não conhecíamos, como furnas, cachoeiras e matas. “Quando isso acontece é porque nela encontramos a “vivacidade” do passado, a possibilidade de revivê-lo pela experiência do entrevistado. Não é à toa que a isso muitos dão o nome de história (ou memória) “viva”‟” (ALBERTI, 2004, p. 15). Essa descoberta nos instigou a levarmos não só os anciãos, como também, os caciques, os professores, os jovens e as crianças Potiguara até esses espaços sagrados, resultando numa coleta de dados profunda e qualitativamente diferente porque, estando in loco, tanto o espaço vivido, quanto a dimensão coletiva 23
Associação Nacional de História (ANPUH) Nordeste (NE). Esse evento ocorreu em outubro de 2004, na cidade do Recife/PE.
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foram expressados de forma muito clara na fala, nos gestos, na emoção e maneira de os anciãos se expressarem, pois, como diz Halbwachs (1990, p. 79), Cada homem está mergulhado ao mesmo tempo ou sucessivamente em vários grupos. Cada grupo, aliás, se divide e se restringe no tempo e no espaço. É no interior dessas sociedades que se desenvolvem tantas memórias coletivas originais que mantêm por algum tempo a lembrança de acontecimentos que não tem importância senão para elas, mas que interessam tanto mais que seus membros, que são poucos numerosos.
Quando o ancião Potiguara falava das suas memórias, ele estava trazendo consigo a memória coletiva, e isso foi importante para a qualidade do depoimento. Ele não estava apenas fazendo referência ao espaço individual, mas também ao espaço coletivo vivido por ele. Nesse caso, não predominou a carga subjetiva de se estar falando a partir de uma conversa, como aconteceu com os depoimentos que nos foram dados no início da pesquisa. Pelo fato de estarmos na Furna, isso despertou, na memória dos presentes, toda a dimensão individual/coletiva que estava, até então, sem ser tocada. Os idosos conheciam os espaços, porém os demais índios que não os conheciam já tinham estruturas mentais próprias para acolher aquela nova informação (HALBWACHS, 1990, p. 79). Pelo fato de fazerem parte da mesma aldeia, eles tinham informações sobre aquele lugar, aquele espaço. A memória coletiva para Halbawchs (1990) envolve as memórias individuais, mas não se confunde com elas. Qualquer memória que nós tenhamos é perpassada por toda uma estrutura cultural e por um referencial no tempo e no espaço. O indivíduo é produto de uma cultura e, enquanto produto de uma cultura, ele tem um espaço temporal onde se situa. A importância do espaço temporal se reflete na dimensão das tradições, das diferentes vivências, em tudo que o cerca. Daí a importância da questão temporal e da dimensão coletiva na memória.
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O tempo é um dos principais elementos no estudo da memória coletiva. Porém, afirma Elias (1998, p. 7), “[...] o tempo não se deixa, ver, tocar, ouvir, saborear, nem respirar como um odor”. Trata-se de um eterno movimento com permanentes mudanças, referindo-se ao passado, com relação ao presente e em função do futuro. O tempo envolve diferentes ritmos, implica rupturas, durações, des(continuidades), relações individuais e coletivas, simultaneidades, múltiplas faces de um devir. Para Deleuze (1988, p. 142), “O fundamento do tempo é a memória [...] a memória é a síntese fundamental do tempo que constitui o ser do passado”. De acordo com D‟Aléssio (1998), tempo e espaço têm na memória sua salvação e confundem-se no resgate das lembranças. Ambos são esteios do ser no mundo, referenciais que fazem o ser humano protagonista do seu tempo. Para essa autora, existe sempre um entrelaçamento entre tempo, espaço e memória. Poulet (1992, p. 54-55) reforça essa idéia, afirmando que:
Graças à memória, o tempo não está perdido, e se não está perdido, também o espaço não está. Ao lado do tempo reencontrado está o espaço reencontrado ou para ser mais preciso, está um espaço, enfim reencontrado, um espaço que se encontra e se descobre em razão do movimento desencadeado pela lembrança.
Já Halbwachs (1990) nos apresenta a dimensão temporal da memória com o exemplo de Beethoven. O espaço fixa uma memória que parece ser individual e isolada. Beethoven, sentado à mesa escrevendo sinfonias, parece estar isolado, mas ele, como indivíduo, aprendeu música, ou seja, criou uma estrutura cognitiva e, mais que isso, criou uma linguagem e, no momento em que aprendeu essa linguagem, a linguagem das cifras, das notas, dos compassos, dividiu, naquele espaço temporal onde estava, um estilo, o modo de fazer música, característica do seu tempo. Ele não aprendeu só a linguagem da música, mas aprendeu uma forma
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musical, que não é só dele (Beethoven), mas de diferentes autores que, naquela mesma época, também faziam músicas. Isso aparecia no espaço, na exterioridade. Essa memória não é apenas interior a ele. É uma memória de um exterior, da convivência: espaço e tempo que teve, que absorveu e que, surdo, aparentemente estaria isolado. Mas, como nos explica Halbwachs (1990), se a memória dele fosse um foro individual, ele estaria isolado. Entretanto não vai estar isolado, vai estar acoplado a seu momento histórico, logo, embora inovador, criador, é um homem do seu tempo. O exemplo de Beethoven nos possibilitou investigarmos as práticas educativo-religiosas dos Potiguara no espaço e no tempo, não de forma isolada, mas integrada a todo contexto vivido pelos índios no início do século XXI. Fizemos um recorte de uma temática na atualidade, para ancorar a pesquisa científica. Segundo Halbwachs (1990, p. 109), a memória coletiva “é o único meio para permanecermos no interior de um tempo real, bastante contínuo, para que um pensamento possa percorrer todas as suas partes, permanecendo ele mesmo e delas guardando o sentimento de unidade”. O autor afirma que a memória coletiva “é uma corrente de pensamento contínuo, de uma continuidade que nada tem de artificial, já que retém do passado somente aquilo que ainda está vivo ou capaz de permanecer na consciência do grupo que a mantém” (HALBWACHS, 1990, p. 81). Enquanto o passado existe para o historiador, a memória coletiva não tem essa preocupação porquanto ela alcançará até onde a memória dos grupos que a compõem conseguir chegar. O maior espaço ocupado na memória dos homens é uma compilação de fatos históricos. A história normalmente é apresentada em quadro esquemático e tem uma longa abrangência. “A história é necessariamente um resumo e é por isso que ela resume e concentra em poucos momentos
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evoluções que se estendem por períodos inteiros: é nesse sentido que ela extrai as mudanças da duração” (HALBWACHS, 1990, p. 108). A presente pesquisa, pautada na memória coletiva, está referendada pelas lembranças que subsistem ao tempo. Quanto mais durar a vida humana, mais a memória coletiva tende a estender-se, porque ela vai renovando e modificando à medida que as pessoas vão se agrupando. Os grupos estão sempre se transformando porque novos indivíduos vão aderindo, outros se afastando ou se isolando e, mesmo na família, esse movimento é constante por causa do nascimento de novos membros, dos casamentos que vão surgindo e das separações que vão ocorrendo. Não se tem a precisão de quando uma memória coletiva desaparece, uma vez que, ficando alguém do grupo social, ela sempre estará sendo reatualizada. Com a superação da estreita visão positivista do século XIX, e a partir dos novos estudos historiográficos desenvolvidos no século XX, iniciados com a chamada “Nova História” (Escola dos Annales24), começa a existir uma mudança na maneira de se fazer e estudar História por causa do rompimento das fronteiras, da adoção da interdisciplinaridade e a renovação
das metodologias, etc. Essa
conjuntura histórica mostra um lugar onde “tudo é história”, onde se fala e se informa sobre “história”, onde o pesquisador capta a “história”, como nos diz Marc Bloch (1976, p. 60), “é quase infinita a diversidade dos testemunhos históricos. Tudo quanto o homem diz ou escreve, tudo quanto fabrica, tudo em que toca, pode e deve informar a seu respeito”. Segundo Halbwachs (1990), enquanto existem várias memórias coletivas, existe uma única história, embora se possa distinguir a História do Brasil, da
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Cf. Burke, (1991); Bloch, (1976).
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França, de uma cidade, de um lugar e até de uma pessoa. “O mundo histórico é como um oceano onde afluem todas as histórias parciais [...] A história pode apresentar-se como a memória universal do gênero humano” (HALBWACHS, 1990, p. 85-86). Para o autor, a história vivida não se confunde com história escrita, pois a primeira se apóia na memória. O passado vivido “tem tudo o que é preciso para constituir um quadro vivo e natural em que o pensamento pode se apoiar, para conservar e reencontrar a imagem de seu passado” (HALBWACHS, 1990, p. 71). Concordemos
com
Palitot
(2005),
quando
ele
afirma
que,
para
compreendermos os Potiguara hoje, é necessário olharmos para os processos históricos desde a demarcação feita por Antônio Gonçalves da Justa Araújo (década de sessenta do século XIX), a instalação da Companhia de Tecidos Rio Tinto (CTRT) e a vinda do Serviço de Proteção aos Índios (no início do século XX), a chegada de agentes missionários da Arquidiocese da Paraíba ligados ao CIMI e presença de pesquisadores da UFPB (décadas setenta e oitenta), a instalação das usinas canavieiras e a luta para demarcar o território indígena (da década de 1980 até a atualidade). As continuidades e descontinuidades históricas são de vital importância para a afirmação étnica dos Potiguara. Segundo Gouveia (2004, p. 151), “[...] diferentes culturas produzem, ao longo de suas histórias, diferentes expressões religiosas,
constituindo
infinitos
sistemas
simbólicos
de
significados
sociorreligiosos”. Porém, nesta pesquisa, toda riqueza histórica será trabalhada a partir dos relatos orais, das lembranças e das narrativas sobre as práticas educativo-religiosas, dando voz, ouvindo, dialogando e inteirando-se com o mundo da verbalização e dos universos subjetivos presentes nas memórias coletivas dos índios Potiguara da Paraíba.
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A tese foi dividida em quatro capítulos: no primeiro, faremos uma contextualização sócio-histórica dos índios Potiguara; no segundo, mostraremos um panorama global dos lugares sagrados Potiguara; no terceiro e quarto capítulos, apresentaremos as práticas educativo-religiosas Potiguara, eixo central deste trabalho, que foram aqui separados, apenas para se ter uma melhor sistematização da pesquisa, uma vez que, no cotidiano, o que há é uma circularidade das práticas religiosas e não essa separação por nós utilizada. Nas considerações finais, faremos uma síntese das questões axiais, tratadas dentro de um olhar avaliativo e dos encaminhamentos recolhidos, por força da pesquisa.
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O Povo Potiguara
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2 O POVO POTIGUARA
Potiguar é a denominação dada aos povos de língua Tupi, indígenas que, no século XVI, habitavam o litoral do Nordeste brasileiro. É uma palavra de origem tupinambá, termo de difícil tradução25 e, por isso, existem diversas versões adotadas pelos pesquisadores, como: comedores de camarão (MONEEN & MAIA, 1992), comedores de bosta (SAMPAIO, 1987) e mascadores de fumo (PINTO, 1935). Conhecidos historicamente desde 1501, os Potiguaras ocupavam um território que se estendia pela costa do Nordeste, entre as cidades de Fortaleza/CE até João Pessoa/PB, conforme Cunha (1992) e Schaden (1989). Na Paraíba, ocupavam todo o Vale do rio Mamanguape, do litoral até a atual Serra da Raiz (na época, Serra da Cupaoba). De acordo com Baumann (1981), os índios possuíam 50 aldeias na terra do caju azedo26, também conhecida como Acakutibiró, hoje, Baía da Traição. A Baía da Traição, tanto na história canônica, quanto na popular, tem, no imaginário local, semelhante parâmetro, se comparado a Porto Seguro e Coroa Vermelha, no Estado da Bahia, ao nível do imaginário histórico nacional (PALITOT, 2005; GRÜNEWALD, 2001). A cidade ficou assim conhecida, porque foi o local onde aconteceram os primeiros contatos entre os europeus e os ameríndios de maneira singular. Segundo episódio narrado por Américo Vespúcio, capitão da nau espanhola, alguns marinheiros aproximaram-se da costa paraibana e adentraram
25
Existem também diferentes grafias sobre o termo Potiguara: Pitikajara, Potiguar, Pitiguara, Potyuara, Pitaguary, Potivara, Pitagoar, Buttugaris, Petinguaras, Potygoar, Potyguara. Aqui optamos por Potiguara porque é o termo mais conhecido e adotado entre os índios. 26 Segundo o professor Pedro, da Aldeia Ibykuara, o termo „terra do caju azedo‟ está incorreto quando se refere à Baía da Traição. Para Ele, o termo correto seria „terra do cajueiro bravo‟, planta nativa encontrada facilmente em toda região até os dias atuais.
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para o Continente. Depois de um tempo, algumas índias, que estavam despidas, apareceram na praia, e um outro marinheiro, encantado pelas nativas, aproximouse delas, e, ali mesmo, foi esquartejado e devorado num rito de antropofagia. Esse fato ficou conhecido como uma traição por parte dos índios com relação aos tripulantes que chegaram com a melhor das intenções. Os Potiguara se denominam até hoje como índios guerreiros27, verdadeiros heróis nacionais, que eram muito temidos pelos portugueses. Os lusitanos precisaram fazer várias incursões para „conquistar‟ a Paraíba, na última década do século XVI. Segundo Terezinha Baumann (apud. MOONEN; MAIA, 1992, p. 158), os índios foram rechaçados para “além do rio Paraíba, em direção ao Rio Grande do Norte, exatamente para a região que ainda hoje ocupam, entre o Mamanguape e o Camaratuba, que se situa fronteiro aos limites daquele estado”. É a partir desse momento que se inicia o processo de catequização pelas ordens religiosas entre os Potiguara. A autora citada, fazendo referência a um documento deixado pelos holandeses, no início do século XVII, mostra que 14.000 índios Potiguara eram assistidos pelos padres franciscanos na Paraíba entre dezesseis e dezoito aldeias (BAUMANN, 1981). Não só os franciscanos como também os carmelitas foram congregações religiosas responsáveis pelo processo de catequização dos índios da Paraíba.
A autora relata que, no início do século XVIII, uma Carta Régia
determinava o poder espiritual dos missionários religiosos entre os Potiguara. “Em 9 de maio de 1703, outra Carta Régia determinava que se construísse uma igreja 27
Um dos maiores inimigos Potiguara foram as doenças trazidas pelos colonizadores europeus no século XVI, como a gripe, o sarampo, etc., uma poderosa arma de destruição que causou uma tragédia para a população indígena, na época. A epidemia provocada pelas doenças entre os índios teve com a devastação no meio ambiente um aliado mortal que quebrou um equilíbrio ecológico milenar do território latino-americano. O ecossistema que sempre fora equilibrado, servindo de fonte de espiritualidade e de vida para a população, começou a sofrer uma violenta intervenção humana com objetivos comerciais, sem a preocupação da preservação da natureza.
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na Baía da Traição, mencionando os índios daí e os de Camaratuba” (BAUMANN, apud. MOONEN; MAIA, 1992, p. 163). O cristianismo foi se expandindo por meio das ordens religiosas trazidas pelo invasor-dominador que, em nome de Deus, tinham suas estratégias de evangelização, para fertilizar a fé católica na colônia. A religião difundida no Brasil poderia ter sido completamente diferente se os holandeses ou os franceses aqui tivessem logrado êxito, pois, segundo Schalkwilk (1998, p.1),
[...] três vezes a igreja evangélica foi implantada no Brasil colônia e expulsa pelos portugueses: a igreja reformada dos franceses, no Rio de Janeiro (1577-1558), a dos holandeses, na Bahia (1624-1625), e dos holandeses, ingleses e franceses e índios do Nordeste, quase 30 anos depois. Após a expulsão dos holandeses, os índios que não foram exterminados foram reunidos em torno de aldeias missionárias por todo o litoral do Nordeste. Segundo Porto Alegre (1998), nas Capitanias do Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, em 1777, havia quase 40 mil índios aldeados. A política de aldeamento foi marcada por inúmeros conflitos entre índios, religiosos, governantes e barões da época. A presença missionária das ordens religiosas está diretamente associada ao primeiro processo de territorialização, que é definida por Oliveira Filho (2004b. p. 22)
[...] como um processo de reorganização social que implica: i) a criação de uma nova unidade sociocultural mediante o estabelecimento de uma identidade étnica diferenciadora; ii) a constituição de mecanismos políticos especializados; iii) a redefinição do controle social sobre os recursos ambientais; iv) a reelaboração da cultura e da relação com o passado.
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Junto com o processo de territorialização, é adotada a política de aldeamento, tendo a “intenção inicial explícita de promover uma acomodação entre diferentes culturas, homogeneizadas pelo processo de catequese e pelo disciplinamento do trabalho” (OLIVEIRA FILHO, 1999, p. 23). Na Paraíba, foram criadas as aldeias Preguiça e São Miguel, hoje Vila de Monte-Mór e Baía da Traição, respectivamente. E foi nessas aldeias que se deu o processo dito civilizador dos Potiguara. Segundo Estevão Palitot (2005, p. 20), “Estas instituições vão ser responsáveis pela conversão dos índios ao cristianismo, pela sua integração ao mercado e por associar de forma radical um rótulo étnico a um status jurídico possuidor de uma contrapartida territorial”. Os padres que administravam as aldeias contribuíram para apagar as crenças e a tradição indígena, obrigando-os a seguir rigorosamente o catolicismo oficial. O processo de catequese das congregações religiosas funcionou como grande aliada da Coroa Portuguesa, com o objetivo de converter os índios remanescentes das sucessivas conquistas em cristãos mansos para serem explorados como mão-de-obra nas atividades agrícolas. A categoria índio manso ou caboclo28, no período colonial, segundo Palitot (2005), é resultado da mistura de índios de várias etnias no espaço das missões. “Durante os séculos XVII, XVIII e XIX, ser caboclo era ser vinculado a um determinado espaço, referenciado pela igreja e pelo santo padroeiro, e que derivava de uma circunscrição administrativa do Estado, as aldeias, vilas ou povoações de índios” (PALITOT, 2005, p. 21). A associação que os Potiguara fazem, atualmente, com Nossa Senhora dos Prazeres, a Monte-Mór, e São Miguel à Baía da Traição, tem suas origens nesse contexto histórico, de aproximação do Santo Padroeiro ao território étnico. 28
Existem várias termos que são utilizados pelos Potiguar, como: caboco, caboco velho, caboco legítimo, caboco caranguejeiro. Ser caboco é ser índio. Ver melhor sobre essa categoria em Palitot (2005).
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Na segunda metade do século XVIII, quando começam a vigorar as leis do Diretório Pombalino, os aldeamentos passaram a Vilas, e os índios perderam a tutela eclesiástica. Segundo Baumann (1981), os aldeamentos de Baía da Traição e de Monte-Mór, pelo que tudo indica, passaram a ser Vilas e receberam terras em Sesmarias. Os índios, agora livres, são controlados pelos administradores dos povoados e da Coroa portuguesa. São estimulados os casamentos interétnicos, para acabar com todos os empecilhos em relação a questões fundiárias extremamente cobiçadas já naquela época. Uma vez brasileiros, seriam confundidos com a massa geral da população e acabariam todos os empecilhos em relação a questões fundiárias extremamente cobiçadas já naquela época. No século XIX, a tentativa de diluição dos povos indígenas na população brasileira é uma medida radical adotada na força legal e nas medidas oficiais de um projeto ideológico imperial muito poderoso. A mestiçagem tornou-se padrão oficial, e as populações indígenas passaram por profundas modificações no seu modo de vida, nas suas tradições e na maneira de lidar com a dimensão sagrada. Os índios, agora tidos como civilizados, pouco a pouco seriam despojados de suas terras e dos benefícios que lhes eram garantidos legalmente. Dos antigos aldeamentos, começa a surgir um campesinato indígena constantemente pressionado pelas pressões patronais e de particulares. Referindo-se ao século XIX, Cunha (1992, p. 133) afirma que “a questão indígena deixou de ser essencialmente uma questão de mão-de-obra para se tornar uma questão de terras”. O esbulho das terras indígenas estava impedindo até mesmo a sobrevivência daquela população. Na Paraíba, segundo Moonen, as terras dos Potiguara estavam sendo invadidas tendo inúmeras alegações:
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[...] de compra aos mesmos índios ou àqueles que estavam na obrigação rigorosa de defender a respectiva propriedade; de aforamentos que não tencionavam pagar; de doações, heranças e outros títulos de transferências, e, finalmente, de prescrições de mais ou menos anos de posse (MOONEN; MAIA, 1992, p. 99). Vários atores sociais, como legisladores, políticos, polícia, fazendeiros, vão se apoderando das terras dos Potiguara de forma lícita e ilícita, através de „compra‟, do arrendamento ou tomando a ferro e fogo. Dentro de um conjunto de processos políticos e sociais mais importantes do segundo Império, Palitot (2005) afirma que a Lei de Terras, criada em 1850, é um instrumento dessas políticas responsável pela regularização da propriedade fundiária no Império. No levantamento da situação fundiária das províncias, constata-se que “os governos provinciais vão, sucessivamente, declarando extintos os antigos aldeamentos indígenas e incorporando os seus terrenos a comarcas e municípios em formação” (OLIVEIRA FILHO, 1999, p. 23). Essas investidas sobre as terras indígenas estão situadas dentro de uma conjuntura que visa criar uma grande quantidade de mão-de-obra essencial para o latifúndio agroexportador (ARRUTI, 2001). Na segunda metade do século XIX, os índios Potiguara estavam com suas terras ameaçadas e apelaram para o Imperador D. Pedro II que, numa das suas passagens pela Paraíba, em dezembro 1859, segundo a memória indígena, “redoou” aos Potiguara 57.600 ha de suas terras, nas duas sesmarias de São Miguel e Monte-Mór. Essa área29 os Potiguara reconhecem como sendo seu território tradicional.
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O território „redoado‟ limitava-se ao Sul com o rio Mamanguape, ao Norte, com o rio Camaratuba, a Leste, com o Oceano Atlântico e, a Oeste, com uma linha seca um pouco depois da atual Rodovia Federal BR 101.
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Logo depois, em 1862, o Imperador, fazendo valer a questão da regularização fundiária das terras do Império, avisa para os presidentes das Províncias de Sergipe, Pernambuco, São Paulo e Paraíba que fossem extintos os aldeamentos onde “se acham usurpadas as terras, que primitivamente foram destinadas para o patrimônio de tais estabelecimentos, sob pretexto de compra, arrendamento ou aforamento” (CUNHA, 1992, p. 258). Os aldeamentos indígenas foram divididos em lotes, e cada família de índio recebeu um quinhão de terra. Procedimento semelhante é adotado para regularizar a situação do não-índio com arrendamento ou vendagem das terras que queriam. Na Paraíba, essa incumbência ficou a cargo do engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo que, na década de 1860, deveria fazer a medição e a demarcação das duas Sesmarias Potiguara. Por força das circunstâncias, o engenheiro acabou dividindo apenas as terras da Sesmaria de Monte-Mór. Baumann (1981), Moonen e Maia (1992), Peres (2004) e Magalhães (2004) afirmam em suas pesquisas30 que Justa Araújo morreu antes de terminar a divisão da Sesmaria de Baía da Traição e, por causa desse fato, as terras continuaram sendo ocupadas coletivamente, além de os índios permanecerem etnicamente identificados. Já Monte-Mór, além de ter suas terras divididas, sua população foi sendo incorporada à sociedade nacional, fracionando a identidade étnica. Em 1875, a situação fundiária de Monte-Mór tem um novo agravante por causa da venda legal das terras em aldeamentos extintos. Essa determinação atropelava as garantias do Decreto Imperial de 1831, que tornava as terras indígenas intransferíveis e não podiam ser vendidas. Mas, então, por que se descumpria a lei? Porque “os governos provinciais afirmam reiteradamente que não 30
Palitot (2005) traz referência desse engenheiro demarcando terras no Ceará, posteriormente à demarcação da Sesmaria de Monte-Mór.
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há mais „tribos selvagens‟, que as aldeias estão vazias ou foram extintas e os índios acham-se confundidos na massa da população” (PORTO ALEGRE, 1998, p. 13). Ao longo da história, os índios estão sempre enfrentando constantes e violentos confrontos de invasão e expropriação das suas terras, e, com elas, suas tradições, suas crenças, sua razão de ser e de viver. As diferenças que a história reservou para os Potiguara de Monte-Mór e da Baía da Traição serão palcos decisivos, segundo Palitot (2005), para duas poderosas agências entrarem em cena, tornando-se divisor d‟águas em duas distintas realidades vividas pelos índios da Paraíba durante todo o século XX: de um lado, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que procura conter o crescimento dos grileiros no território Potiguara (PERES, 1992); do outro, a Companhia de Tecidos Rio Tinto acentua e acelera a invasão das terras indígenas. Em 1910, é criado o SPI31 pelo governo federal, com um dos objetivos de integrar os índios à sociedade brasileira. Em 1913, acontece a primeira visita oficial de um representante do órgão na Baía da Traição. Mas é somente em 1932 que é fundado o Posto Indígena (PI) entre os Potiguara, na Aldeia São Francisco. Dez anos depois, em 1942, o posto foi transferido para a Aldeia do Forte, com o nome de PI
Foto 01 PI Nísia Floresta (abr. 03)
Nísia Brasileira, que permanece até hoje. Segundo Estevão Palitot (2005, p. 29), [...] o SPI vai estabelecer um regime tutelar de controle dos recursos territoriais e populacionais na Baía da Traição, normatizando o acesso de particulares às terras, através de arrendamentos e buscando controlar a população indígena através do regime de indianidade32. 31
Ver melhor sobre o SPI na Paraíba em Peres (1992) e Palitot (2005). O nosso entendimento é o mesmo de João Pacheco de Oliveira (1988, p. 14, grifos do autor) que define indianidade: “Em função do reconhecimento de sua condição de índios por parte do organismo competente, um grupo indígena específico recebe do Estado proteção oficial. A forma 32
50
Em fins da década de 1960, o SPI foi extinto, sendo substituído pela FUNAI. A CTRT, de propriedade da Família Lundgren, que ficou nacionalmente conhecida pela extinta rede de lojas denominadas de Casas Pernambucanas, foi instalada na Sesmaria de Monte-Mór, na década de 1920. Está muito presente na memória dos Potiguara daquela localidade por causa das violentas atrocidades, barbaridades, enfim, por um verdadeiro terror, praticado pelo Coronel Frederico Lundgren, sobretudo, nas décadas de 1930/40/50, época que ficou conhecida como Tempo da Amorosa33. Nesse tempo de terror, são muitas as lembranças de torturas e de execuções sumárias praticadas pelos vigias, capatazes do Coronel Frederico. Praticamente todas as terras indígenas de Monte-Mór foram apoderadas pelos Lundgrens que também passaram a imperar na região, controlando os recursos econômicos, os mandatos políticos, o aparelho repressor, as congregações religiosas e o lazer da cidade (Cf. PANET et. al, 2002). Palitot (2005), em pesquisa recente, mostra os impactos de violências brutais causadas aos índios de MonteMór pela CTRT. Na década de 1980, com a decadência da CTRT, as “terras da Companhia” foram repassadas para os usineiros de cana-de-açúcar, um poderoso grupo econômico industrial emergente que contou com o apoio do governo federal, através da criação do Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) que, no final da década de 1970, passa a ser fonte alternativa de combustível. Dessa forma, a Agropastoril Rio Vermelho, a Destilaria Miriri e a Usina Japungu passaram a controlar todas as posses de terras da antiga CTRT. O inimigo dos Potiguara típica dessa atuação/presença acarreta o surgimento de determinadas relações econômicas e políticas, que se repetem junto a muitos grupos assistidos igualmente pela FUNAI, apesar de diferenças de conteúdo derivadas das diferentes tradições culturais envolvidas. Desse conjunto de regularidades decorre um modo de ser característico de grupos indígenas assistidos pelo órgão tutor, modo de ser que se eu poderia chamar aqui de indianidade para distinguir do modo de vida resultante do arbitrário cultural de cada um”. 33 Alusão à fábrica de tecido de Rio Tinto, do Coronel Frederico Lundgren.
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mudou de nome e de estratégia. Os usineiros desmataram as áreas de terras agricultáveis, expulsaram um remanescente pequeno número de arrendatários, foreiros e agricultores (não-índios) que sobreviveram às pressões da CTRT, mudando todo o cenário geográfico, num imenso „mar de cana‟, e também o cenário político, por causa da organização das categorias dos grupos oprimidos, com o objetivo de defender o direito do uso pela terra. É nesse contexto que os índios reformulam suas mobilizações e organizações políticas para demarcar suas terras e expandir seus direitos. O povo Potiguara, no início dos anos 1980, é o primeiro no Brasil a fazer a auto demarcação de terras, conforme Palitot (2005), Moonen e Maia (1992), Vieira (2001), Peres (2002). Em 1983, no final da Ditadura Militar, a Terra Indígena (TI) Potiguara é demarcada pelos militares que, em consonância com a FUNAI, Mapa 01 Mapa localizando a terra Potiguara no litoral paraibano. Adaptado de Palitot (2005, p. XL)
deixaram de fora do território indígena
aproximadamente 14.000 ha de terra, ao longo do Rio Camaratuba, e 12.500 ha da antiga Sesmaria de Monte-Mór, que inclui Jacaré de São Domingos. Durante o processo da Constituinte (1986-1988), não só a sociedade brasileira esteve mobilizada para assegurar seus direitos constitucionais, como também os povos indígenas fizeram o mesmo. Como conseqüência desse momento histórico, após a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988, o movimento criou fôlego e fomentou uma maior e melhor organização e mobilização dos povos indígenas,
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com a criação, no Nordeste, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME)34. Isso deu uma nova dinâmica à luta pela demarcação das terras e ao fortalecimento das fronteiras interétnicas. Na segunda metade da década de 1980, os índios da aldeia Jacaré de São Domingos, liderados pelo Cacique Domingos Barbosa dos Santos, começam uma difícil luta pela demarcação de suas terras (SILVA, 1993). A mobilização começou por causa da tentativa de umas famílias índias venderem suas terras para a Usina Miriri. No ato da venda, foi descoberto que se tratava dos lotes recebidos na divisão fundiária do século XIX, feita pelo engenheiro Justa Araújo. O impedimento dessa transação foi o precedente para os índios de Jacaré de São Domingos, apoiados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), da Arquidiocese da Paraíba, iniciarem a demarcação de suas terras, conforme Azevedo (1986) e Moonen e Maia (1992). Em 1988, a Terra Indígena de Jacaré de São Domingos foi demarcada e tornou-se o estopim para o início do processo de demarcação da Terra Indígena de MonteMór. A gente comecemo... porque, quando Seu Domingos começou tirar ... as primeiras picadas de Jacaré de São Domingos. Aí nós vimos que tava na hora também de nós fazer do mesmo jeito que Seu Domingos fez, nós faça aqui também. (Aníbal Cordeiro Campos, Vila Regina, agosto de 2004. Acervo do GT Indígena - cf. transcrito em PALITOT, 2005, p.116).
Essa fala de Aníbal, hoje cacique da Aldeia Jaraguá, terá ecos nas mobilizações e nas ações da luta pela demarcação da tão sonhada terra de MonteMór, que continua até hoje em um processo tramitando na Justiça Federal. Por causa da conjuntura da CTRT, a sesmaria de Monte-Mór, que não contava com a assistência do órgão indigenista, ficou de fora da demarcação da Sesmaria de São 34
A última assembléia da APOIME foi realizada na Baía da Traição, no mês de junho de 2005. Dentre os vários temas discutidos, a terra teve um destaque especial.
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Miguel. Mas a nova realidade desencadeada em Jacaré de São Domingos faz com que os índios se unam em torno da identidade Potiguara, valendo-se dos documentos contidos no Relatório Baumann (1981), reunidos pela FUNAI, por ocasião da demarcação da Terra Indígena Potiguara. É nesse contexto de medo, tensão, coragem e ousadia que as famílias dos índios, conhecidos como caboco velhos, lembrando do seu passado genealógico, reafirmam sua identidade étnica a partir de diferentes referenciais.
Umas se vinculavam por descendência às famílias que habitaram a antiga Vila de Monte-Mór, que fora queimada pela Cia. Rio Tinto, tendo como principal ponto de referência a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres. Outras famílias se sustentavam a descendência de índios que haviam recebido lotes no século XIX – era o caso de várias famílias de Marcação, assim como as de Jacaré de São Domingos. Outras haviam migrado da área reconhecida pelo posto indígena em busca de empregos na CTRT (famílias espalhadas por Jaraguá e Monte-Mór). Há, ainda, aquelas que reivindicavam sua origem em Vila Flor, velho aldeamento missionário no Rio Grande do Norte, como justificativa para serem reconhecidos como índios [...] (PALITOT, 2005, p. 117).
O pequeno embrião gestado na luta pela demarcação da terra foi crescendo e, pouco a pouco, as pessoas foram aderindo, e o grupo indígena foi se fortalecendo. Atualmente a TI Potiguara de Monte-Mór é formada pelas aldeias Lagoa Grande, Marcação/Três Rios e Ibykuara, no Município de Marcação; Vila Monte-Mór e Jaraguá, no Município de Rio Tinto. A população de Marcação e das aldeias Ibykuara e Lagoa Grande, por causa da proximidade do posto indígena e do grau de parentesco, assim como, a presença nos noiteiros das festas de padroeiros, tornaram as fronteiras étnicas mais flexíveis na relação com o órgão indigenista. O mesmo não acontecia, num primeiro momento, com relação a MonteMór e Jaraguá, às quais a FUNAI praticamente não dava nenhuma assistência.
54
Em 1993, é encaminhado a FUNAI, por meio do Ministério Público Federal, um pedido de solicitação de alguns índios de Jaraguá e da Vila de Monte-Mór, para que fossem tomadas as providências de identificação e delimitação da Terra Indígena de Monte-Mór. Nos anos 1995-96, foram feitos os estudos de identificação de 5.300 ha da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mór. Em 1997, representantes da Companhia Rio Tinto e dos plantadores de cana-de-açúcar contestam administrativamente na FUNAI a identificação da Terra Indígena Potiguara de Monte-Mór. O órgão indigenista indefere as contestações, e o processo segue para o Ministério da Justiça. O então Ministro, Renan Calheiros35, no seu parecer, aceita as alegações dos contestantes e nega o reconhecimento da terra indígena. Em Julho de 1999, num despacho ministerial, desaprova a identificação e a delimitação da Terra Indígena de Monte-Mór e solicita que a FUNAI realize nova identificação e delimitação, excluindo todas as propriedades dos plantadores de cana e da Companhia Rio Tinto (Palitot, 2005). Posteriormente, novos estudos foram realizados, e a área territorial indígena foi ampliada para 7.487 ha, conforme o Relatório de Peres (2004).
O Ministro da Justiça [...] o Renan Calheiros, antes dele sair ele... deu um decreto desconhecendo Monte-Mór como área indigena, e sim, conhecia como área indígena e dava o avaral se fosse com os usineiros dentro. Então, pra deixar os usineiros dentro, nós só ficava somente com o cemitério, que é pra onde a gente ia se enterrar, o resto ficava com a Companhia e os usineiro. (Valdemar Paulo Ribeiro, vila Monte-Mór, agosto 2002 – cf. transcrito por PALITOT 2005, p. 126).
Esse duro golpe dado pelo Ministro da Justiça, conforme o depoimento de Valdemar Paulo Ribeiro, conhecido como seu Vado, adiou as esperanças de verem a terra demarcada, mas as mobilizações dos índios continuaram e, gradativamente, 35
Hoje, presidente do Congresso Nacional e do Senado Federal.
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pequenas conquistas foram acontecendo nesse embate com o poderoso grupo econômico agrário instalado na região. Um dos sinais mais evidentes das ações indígenas são as sucessivas retomadas de seus territórios. A aldeia Jaraguá, vanguarda nesse processo, vem ampliando constantemente a área retomada. Nos últimos anos, um dos momentos de grande repercussão social foi a retomada, pelos índios, no início de agosto de 2003, de dois talhões36 de cana da Usina Japungu, que ficam em frente à cidade de Marcação e contíguos com áreas que já haviam sido retomadas, no ano 2000. A Usina Japungu, desrespeitando uma liminar da Justiça Estadual de um Termo de Ajustamento de Conduta, realizado no Ministério Público Federal, que impedia qualquer plantio no terreno em questão, passou o trator e destruiu o roçado
dos
índios,
os
quais,
por
esse
motivo,
apreenderam o trator, um caminhão e uma saveiro (pick-up) da empresa, dando início a um acampamento
Foto 02 Trator apreendido pelos índios Potiguara durante a Retomada da Aldeia Três Rios (set. 04)
para retomada da terra. Os índios das aldeias de Jaraguá, Monte-Mór, Marcação, Ibikuara, Lagoa Grande e do Forte revezaram-se 24 horas por dia, enquanto as lideranças movimentavam-se para acionar a FUNAI, o Ministério Público Federal, o Conselho Estadual dos Direitos Humanos, o CIMI, a Universidade Federal da Paraíba, a Policia Federal e a imprensa, evitando assim qualquer repressão por parte da usina, chegando até a viajar com vários representantes para Brasília, a fim de resolver o impasse criado. Os índios de Marcação queriam um espaço, fora da zona urbana, para plantar e morar, uma vez que a cidade é território de não-índios, estabelecendo assim claramente as fronteiras de etnicidade. Três Rios é lugar de memória de 36
„Quarteirões‟ de cana que são feitos durante o plantio para facilitar o trabalho da monocultura açucareira.
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famílias indígenas que moravam até na década de 1980, quando foram expulsas pelo usineiro, de acordo com Palitot (2005). As marcas físicas da estrada velha e dos lugares das casas com seus quintais, a presença imponente de três coqueiros e de uma centenária árvore sapucaia são símbolos que testemunham a etnicidade Potiguara, que resistiu, por décadas, às chamas do fogo abrasador,
Foto 04 Árvore Sapucaia (set. 04)
anualmente,
Foto 03 Aldeia Três Rios (abr. 05)
ateado
pela
usina,
na
tentativa de apagar a memória dos caboco velhos. Durante a retomada, todo dia era dançado o Toré. Foi difícil de se conseguir o alimento material, porém o alimento espiritual, corporificado no Toré, era a fonte que sustentava a luta, aquecia o frio, fortalecia os fracos, unia e reunia os índios das várias aldeias e transformou-se em oxigênio vital por ocasião de tiros disparados na noite pelos capangas da usina, numa tentativa de amedrontar e espalhar o grupo. O centro do acampamento tornou-se foco de resistência, tendo o Toré como símbolo de etniciade, de fortaleza, de partilha e de referencial sagrado de um povo que tem na espiritualidade o combustível para lutar por seus direitos e evidenciar a vida. Passados dois anos, no início de agosto de 2005, centenas de pessoas vindas de todas as aldeias que participaram da retomada estavam reunidas para celebrar
a
conquista,
transformação
realizada
a
vitória
com a
e
a
vida
da
monocultura
do
canavial árido, em terra fértil, com uma pluralidade de culturas frutíferas, nativas e de subsistência, numa área com mais de 400 hectares de terra plantados. A
Foto 05 Índios das Aldeias de Jaraguá e Monte-Mór chegando para a festa (ago. 05)
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Aldeia Três Rios, hoje com 55 casas construídas e 36 famílias já residindo, é uma nova página da história de um povo que luta para ver regularizado o fornecimento de energia, o abastecimento d‟água e a construção de banheiros, enfim, que quer ver seus direitos constitucionais garantidos, embora não admitidos por órgãos competentes como a FUNAI e a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). O ViceCacique, Josesí, assim se expressa a esse respeito: “hoje nós estamos formando a aldeia, mostrando para o povo, o pessoal que passa vê e antes nós não tinha isso. Pra mim isso é uma vitória” (Aldeia Três Rios, ago. 2005). Toda festividade teve na partilha o seu principal oxigênio. Os índios da aldeia, os não-índios e diversos parceiros que apóiam a retomada contribuíram para a grande festa de ação de graças, que teve em Lena, esposa do Cacique Bel, com mais um mutirão de pessoas, a condução na preparação e distribuição de uma grande quantidade de comida, da qual todos se serviram. Um bolo com Foto 06 Bolo da festa (ago. 05)
dois metros de comprimento, refrigerantes e outras
bebidas completaram a fartura em uma das festas mais bem organizadas que pudemos presenciar durante toda a nossa pesquisa. O Cacique Bel e seu Vice, Josesí, incansavelmente, estavam acolhendo e servindo as pessoas; o Pajé Zé Espinho, com outros índios, controlavam a entrada das pessoas convidadas para a festa. O mesmo controle foi
Foto 07 Pajé Zé Espinho com outros índios controlando a en trada dos convidados (ago. 05)
feito diariamente durante os noventa dias da retomada. A oca, estampando a bandeira de São Juan Diego, índio mexicano canonizado há pouco tempo, foi o centro e a 37
referência
para
a
missa37, o
A missa foi celebrada pelo Padre Ailson e contou com a animação de um grupo de jovens músicos da cidade de Marcação. O Cacique Bel (ago. 2005) fez uma abertura com agradecimento a
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batizado, as falações das autoridades38, o pedido de bênçãos para todos os presentes e para o Cacique Bel, as apresentações de índios do teatro infantil Fala Curumim, de Marcação, do grupo Anama-Guaçu da Aldeia Monte-Mór e o animado parabéns pra você, com a distribuição de bolo e refrigerante para os presentes. O Toré, no final da tarde, foi dançado na frente da oca, por ser esse um espaço mais amplo para poder dar oportunidade de todos os presentes partilharem da alegria e do
Foto 08 Apresentação do grupo Fala Curumim (ago. 05)
agradecimento pelo surgimento da aldeia. A ciranda e o coco de roda, no final, completaram as festividades. Durante a celebração de ação de graças, o padre distribuiu a eucaristia para trinta e quatro pessoas comungarem, e o Cacique Bel, anfitrião da Aldeia, fez a partilha da “eucaristia” do Foto 09 Apresentação do grupo Anama-Guaçu (ago. 05)
beiju Potiguara, dando um
pedaço para todos os presentes, cerca de mais de duzentas
pessoas.
Essa
dimensão
simbólica,
comungada com muita presteza por todos os que ali
Foto 10 Cacique Bel fazendo a partilha durante a missa (ago. 05)
estavam, traz um sentido político e educacional, vital para a etnia, que tem na dimensão sagrada a sua raiz sempre fecundada.
toda comunidade indígena e também “aos vereadores [...], à Vice-Prefeita [...] e a todos os órgãos que foram convidados: a universidade, o CIMI, a irmã (Juvanete) que teve aqui junto com toda luta que já fez dois anos de retomada, agora dia quatro”. 38 Estiveram presentes também o Prefeito índio Potiguara do Município de Marcação Paulo Sérgio, alguns professores da UFPB, os caciques Robinho de Camurupim, Aníbal de Jaraguá, Dedé de Monte-Mór, Carioca de Estiva Velha, Carlos de Jacaré de São Domingos, lideranças indígenas como Capitão, Iolanda e Josafá Nenhum representante das igrejas evangélicas e do movimento carismático compareceu à Aldeia.
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2.1 A atualidade Potiguara Segundo a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), o território39 Potiguara ocupa atualmente um espaço de 33.757 hectares, distribuídos em três áreas contíguas, nos Municípios paraibanos de Rio Tinto, Baía da Traição e Marcação. A primeira, a Terra Indígena (TI) Potiguara, demarcada em 1983 e homologada em 1991, está situada nos três municípios e possui 21.238ha. A segunda é a TI Jacaré de São Domingos, homologada em 1993, tem 5.032 ha e está localizada no município de Marcação.
A
terceira
TI
Potiguara de Monte-Mór está localizada nos municípios de Marcação e Rio Tinto e tem uma área de 7.487ha. Desde a década de 1980, os conflitos fundiários vêm se agravando
de
maneira
contínua entre usineiros e Mapa 02 Mapa da localização das 26 Aldeias Potiguara. Adaptado do Atlas das Terras Indígenas do Nordeste, 1993, p. 41.
índios. Nessa disputa, os
índios gradativamente vêm retomando seu território, utilizando a tática de plantar lavouras no lugar onde só existia cana-de-açúcar, “expulsando assim, o usineiro da nossa terra” (Cacique Bel, Aldeia Três Rios, abr. 2005). Os grupos econômicos se utilizam de todos os mecanismos para fazer valer seus interesses mercadológicos, 39
Ao Norte da TI Potiguara, existe uma área com aproximadamente 14 mil hectares, que ficou fora da primeira demarcação realizada em 1983. Por se tratar de uma terra tradicionalmente ocupada por índios, garantia que é assegurada pela CF de 88, pode haver futura retomada desse território pelos Potiguara. A praia de Coqueirinho é uma outra área indígena que, recentemente, foi invadida e loteada por proprietários que construíram suas casas para veranear.
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em detrimento das garantias asseguradas no Artigo 231, da Constituição Federal de 1988, de que “as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, a eles pertencem”. O povo Potiguara é a maior população indígena do Nordeste etnográfico40, uma das maiores populações do Brasil. Atualmente tem aproximadamente 12.115 habitantes41, que vivem em 26 aldeias42, em três municípios. As aldeias, no atual contexto Potiguara, são os povoados que existem em toda a área indígena, independente da quantidade de pessoas existentes, tendo como representante local uma liderança chamada Cacique. No município de Rio Tinto, encontram-se as aldeias de Silva de Belém, Jaraguá e Monte-Mór.
Aldeias
População
Jaraguá
654
Silva de Belém Vila Monte-Mór Total
436 43
573 1.663
Quadro 1 População indígena no Município de Rio Tinto Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara. (Quadro adaptado de Palitot (2005, p. XL)
No município de Marcação, localizam-se as aldeias de Três Rios, Brejinho, Ibykuara (Nova Brasília), Grupiúna, Estiva Velha, Caieira, Jacaré de César, Lagoa Grande, Camurupim, Jacaré de São Domingos e Tramataia.
40
Ver maiores informações sobre esse espaço etnográfico em Oliveira Filho (2004), Ribeiro (1986) e Schettino (2005). Essa região compreende os estados nordestinos da Bahia (Oeste e Norte), Sergipe, Alagoas, Ceará, Pernambuco e Paraíba, onde vivem cerca de 50 povos indígenas. 41 Esses números resultam do cruzamento de dados demográficos da FUNAI com os do Distrito Sanitário Especial Indígena – (DSEI) Potiguara da FUNASA, feitos em 2004. 42 Ver, em anexo, gráfico com a divisão populacional Potiguara. 43 Peres (2004) dá uma estatística de 1.231 habitantes.
61
Aldeias Brejinho Caieira Camurupim Estiva Velha Grupiúna Jacaré de César Jacaré de São Domingos Lagoa Grande Ibykuara (Nova Brasília) Tramataia Três Rios/Marcação Total
População 232 268 577 308 275 338 410 363 268 752 1.110 4.901
Quadro 2 População indígena no Município de Marcação Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara (Adaptado de Palitot (2005, p. XL)
Na Baía da Traição, ficam as aldeias do Bento, Lagoa de Mato, Akajutibiró, Tracoeiras, Laranjeiras, Santa Rita, Silva, Cumaru, Forte, Galego, São Miguel e São Francisco.
Aldeias Akajutibiró Bento Cumaru Forte Galego Lagoa do Mato Laranjeira Santa Rita São Francisco São Miguel Silva Tracoeira Zona Urbana/cidade Total
População 247 37 235 462 598 55 201 189 906 865 201 148 1.407 5.551
Quadro 3 População indígena no Município de Baía da Traição Fontes: FUNAI – AER João Pessoa/PB e FUNASA – DSEI Potiguara (Adaptado de Palitot (2005, p. XL)
Nas vizinhanças de algumas aldeias, existe uma dezena de pequenos povoados que não têm oficialmente um líder local, mas são assistidos pelo cacique da aldeia mais próxima. São eles: Benfica, Sarrambi, Vau, Regina, Nova Esperança, Boréu, Morrinho, Tapuio, Carneira, Boa Vista e Coqueirinho. Palitot
62
(2005) tem esse mesmo entendimento e não considera os pequenos povoados sem a presença „oficial‟ de um cacique local como aldeias. Vieira (2001) considera todos os povoados como aldeias. Há um grande número de índios que vivem fora da área indígena, nas cidades vizinhas de Rio Tinto, Mamanguape, Mataraca e em capitais como João Pessoa, Rio de Janeiro e São Paulo. Entre os Potiguara as famílias são extensas, e a maioria é liderada pelo homem mas, em muitos casos, a mulher assume essa atribuição. Nas últimas décadas, tem havido um crescimento na população indígena, e novas aldeias surgiram, quase todas constituídas a partir de uma família que decide morar numa área sem nenhuma vizinhança. Com o passar dos anos, esse embrião vai crescendo, os filhos se casando, depois os netos e, assim, sucessivamente. Bento e Lagoa do Mato são exemplos recentes dessa realidade. Também pode ocorrer crescimento populacional através do ressurgimento de uma antiga aldeia, a partir da retomada do território invadido pelo usineiro, como é o caso da aldeia Três Rios. Toda a população Potiguara é falante do idioma Português. Em 2000, o Professor Eduardo Navarro44, da Universidade de São Paulo (USP), começou um estudo do tupi antigo, com um grupo de professores Potiguara. O “tupi antigo”45, que não era mais conhecido nas aldeias, atualmente está sendo ensinado nos colégios e é um dos componentes curriculares do Ensino Fundamental nas escolas diferenciadas indígenas. Em várias aldeias, está acontecendo a adesão de muitas pessoas adultas e idosas interessadas em aprender o tupi antigo. Muitas orações cristãs, como o Pai Nosso, e vários cantos do Toré fazem parte de uma nova
44
O Conselho Estadual da Defesa dos Direitos da Mulher Indígena foi a entidade responsável por trazer o professor Eduardo Navarro para junto dos Potiguara. Palitot (2005) dá mais informações sobre o tema. 45 O “tupi antigo”, que está sendo ensinado aos Potiguara, é que foi traduzido pelos Jesuítas na época dos aldeamentos.
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linguagem que, cada vez mais, constitui um sinal diacrítico muito expressivo de afirmação étnica e religiosa Potiguara. A terra Potiguara está localizada numa planície, no litoral Norte da Paraíba, e tem em seus limites 75% de águas: ao Norte, o rio Camaratuba; ao Sul, o rio Mamanguape, e a Leste, o Oceano Atlântico. Possui belas praias, que apresentam diferentes proporções e formas: algumas mais extensas; outras bem
Foto 11 Praia de Baía da Traição (abr. 05)
menores e sinuosas, esculpidas junto às baías ou ao mar aberto, contornadas pela ponta do amor46, próximas dos recifes naturais; existem aquelas que estão integradas a imponentes rochas desgastadas pela ação do tempo e das marés. Esse paraíso abarca também profundas grotas, multicoloridas
falésias, canais
e vales que se entrelaçam por chapadas com poucas elevações, cobertas com uma diversificada vegetação e um solo muito fértil.
Foto 12 Falésia...
Foto 13 de Baía da
Foto 14 Traição
Foto 15 (jan. 05)
Todo território é rico em um manancial de água doce, com muitas nascentes espalhadas ao longo dos vales, nas grotas, nos planaltos, formando dezenas de fontainhas (parte molhada entorno de um olho d‟água) que jorram de Foto 16 Olho d‟água Aldeia Jaraguá (jan. 05)
46
verão a verão, sem nenhuma vegetação ao redor. Ao
Ponta do amor é como é conhecida essa ponta, na área indígena.
64
longo do curso d‟água, são encontrados os tabuleiros, os paús (terrenos alagados), as camboas47 e os manguezais, formando uma vasta biodiversidade vegetal e animal de um rico ecossistema tropical. O jacaré do papo amarelo, uma das espécies em extinção, é encontrado fácil e fartamente num pântano da aldeia Cumaru. Existem várias bacias hidrográficas no território Potiguara, formadas pelos
rios
Sinimbu,
Jacaré, Estiva,
Foto 17 Rio Sinibu (abr. 03)
Vermelho e Grupiúna e os riachos São Francisco e Foto 18 Rio Jacaré (jan. 05)
do Silva. Não se pode esquecer também de várias
lagoas, como a Encantada, na Aldeia Monte-Mór, a Lagoa Azul, na Aldeia Lagoa do Mato. Nas últimas décadas, a ação humana, sobretudo dos usineiros, tem poluído de maneira violenta e agressiva os mananciais de águas Potiguara. “A agressão à água, portanto, é uma forma de agredir os sentimentos religiosos e simbólicos de povos e religiões. Os capitalistas da água conhecem esse fator e o tem como um empecilho para a transformação da água em mercadoria. “É preciso retirar da água seu valor sagrado” (TOFFOLI; SCHERER, 2004, p. 9). Há uma diversidade de biomas que, associados ao clima, tipo de solo, índice pluviométrico, formam restingas altas e baixas, caatingas litorâneas, mata atlântica e o mangue. Os Foto 19 Dona Maria Gomes e Iolanda catando mariscos na foz do Rio Mamanguape (maio 04)
47
manguezais sobrevivência
representam
fonte
de
importante para os índios que
Local onde o leito do rio fica cheio durante a maré alta e seca com o refluxo do mar.
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se alimentam e comercializam caranguejos, siris, mariscos, sururus, guaiamuns, aratus e diversos tipos de peixes (PERES, 2004). A maioria da população próxima do litoral pesca na maré de forma muito artesanal. Existem índios que são donos de barcos pesqueiros, mas a grande maioria vende sua força de trabalho em barcos alugados. As aldeias ribeirinhas complementam a alimentação familiar com a pesca dos rios e dos lagos. As matas são pouco encontradas porque a preservação da vegetação de toda a área Potiguara está muito comprometida. Praticamente existem poucas áreas onde são encontrados fragmentos da vegetação no seu estado natural. Nas Aldeias de Jacaré de São Domingos e em Grupiúna, é encontrada uma extensão considerável de dezenas de hectares
Foto 20 Mata de “renova”; à direita Seu Paulo Machadeiro; ao centro cacique Bel; à esquerda Vice-cacique Josesí (jan. 5)
de mata, que está novamente se recompondo com a vegetação original. Os índios chamam de mata de renova. Há uma grande variedade de madeira nobre, ainda nova (fina), como: sucupira, gororoba, ibiriba, pau d'arco (ipê), imbira, cocão, carne de vaca, pau cinza, massaranduba, massarandubinha, patiputá, cupiuba, mororoba, peroba, sapucaia, joão mole, pau candeia, pau sangue, capeira, oiti, etc. Também é encontrada uma grande variedade de cipós, dentre eles, o cipó d‟água. Com a mata renovada, a fauna também começa a dar sinal de vida, e animais em extinção, como a onça maracajá, podem novamente ser encontrados em terras Potiguara. Outros animais encontrados, segundo o índio Zé da Luz (Mata do Rio Vermelho, jan. 2005), são: tatu, preguiça, macaco, cutia, tejuaçu, timbu, quati, paca, nambu, juriti, galega, jacu, sabiá, pavão do mato, uru, chorão, cabocolinho, canário da terra.
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Mas, de maneira geral, o meio ambiente está muito afetado pela ação do ser humano. São inúmeros os fatores que contribuíram para o agravamento do atual estágio de devastação da vegetação natural Potiguara, dentre os quais, a monocultura canavieira, que tem provocado desaparecimento das restingas, das matas e dos tabuleiros costeiros, o empobrecimento do solo, bem como a gradativa extinção de toda a biodiversidade.
[...] Essa prática tem contribuído para o agravamento da qualidade ambiental, redução dos recursos florestais e das pastagens, dificultando a recuperação natural do ambiente e promovido alterações drásticas na paisagem, na estrutura das comunidades vegetais, nas relações trópicas e na redução dos habitats, com reflexos na biodiversidade [...] a principal conseqüência do desmatamento das florestas é a formação de uma paisagem muito fragmentada, em que as ilhas de florestas remanescentes ficam cercadas por um mar hostil formado por grandes áreas de pasto, plantação ou outros ambiente alterados [...] (PERES, 2004, p. 66).
Além da pesca marítima e fluvial, o extrativismo vegetal é a atividade econômica dos Potiguara, o qual consiste na coleta da mangaba, caju, dendê, batiputá etc; Essa coleta48 é feita de forma artesanal pelos membros da família. A agricultura de subsistência é uma outra atividade econômica Potiguara, realizada no início do período chuvoso, também chamado de inverno (mês de março). Tudo começa com a
Foto 21 Terra p/ fazer roçado Aldeia Laranjeira (abr. 03)
preparação dos roçados. Primeiramente se faz a broca (corte) do mato, depois deixa secar, e em seguida, faz-se a queimada. Existem roçados que são arados e gradeados pelo trator da FUNAI. Quando começam as primeiras chuvas e o roçado
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No tempo da colheita, semanalmente toda produção é vendida na aldeia, para um atravessador, por um valor bem abaixo do mercado.
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está preparado, é a hora de plantar feijão, inhame, milho, macaxeira, jerimum, melancia, mandioca, batata doce, abacaxi, mamão, etc. Próximo das residências nos quintais das casas existem muitas árvores frutíferas como manga, jaca, banana, coco, caju, goiaba etc. Também é possível encontrar o cultivo de hortaliças, plantas medicinais e até de pequenas lavouras, nos terreiros das casas ou no seu entorno. Nas encostas dos mangues e dos rios, em algumas aldeias, são encontrados tanques com criação
de
camarão
em
viveiros.
Os
viveiros
trouxeram um prejuízo para o meio ambiente Potiguara (PERES, 2004). A pecuária é bastante Foto 22 Viveiro de Camarão em Coqueirinho (abr. 03)
elementar e conta com a criação de pequenos
rebanhos de bovinos, caprinos, ovinos, muares, eqüinos e suínos. É muito comum, no quintal das casas, a criação de galinha, pato, guiné e peru. Em quase todas as aldeias, existem plantios da cana-de-açúcar para fins comerciais, normalmente feitos pelos usineiros. Muitos índios sobrevivem do trabalho como assalariados rurais, do empreguismo público municipal e estadual e das aposentadorias dos idosos. Com relação à política local, o município da Baía da Traição foi administrado por três legislaturas consecutivas, entre 1992 e 2004, por executivos indígenas. Atualmente o Vice-Prefeito é índio Potiguara. O município de Marcação, no atual mandato (2005-2008), tem um Prefeito índio. Tanto a Câmara de Vereadores de Marcação, quanto a Baía da Traição possuem seis vereadores indígenas em cada casa legislativa, na atual gestão. A política partidária causa divisões, desavenças entre os Potiguara e isso interfere diretamente nas práticas educativo-religiosas.
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Os Potiguara vivem em situação de pobreza. Segundo José Comblin (2005a, p. 139), “A sociedade atual procura isolar-se do mundo dos pobres e definir um sistema de relações sociais em que essa parte da humanidade não existe”. O território Potiguara é rico em água, e o solo é fértil,
mas faltam
políticas
públicas
que
incentivem a produtividade e a geração de renda que beneficiem a população indígena. Foto 23 Artesanato feito por Sandro. Aldeia Jaraguá (set. 04)
Em diversas aldeias, o artesanato é o meio de
sobrevivência de muitas famílias, mas elas necessitam de um incentivo para melhorar e escoar a produção. Existem conquistas com relação à educação e à saúde, mas ainda são muito tímidas as iniciativas para contemplar toda a área indígena. A FUNASA dá assistência „diferenciada‟ para os índios, mas está longe de atender a todas as necessidades da população. Segundo depoimento do padre índio Edvaldo49 (João Pessoa, mar. 2002), “o médico atende às pessoas pela cara, isto é, se for alguém que é conhecido ou tem influência na comunidade, tem um tratamento melhor, os demais é de qualquer jeito”.
1.1 - A educação escolar A escola desempenha um papel essencial para a formação cidadã de um povo. Em 2004, segundo os dados do setor de Educação da FUNAI, existiam 28 escolas de Ensino Fundamental, pertencentes à rede Foto 24 Escola Estadual Indígena Cacique Iniguaçu - Aldeia Tramataia (abr. 03)
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municipal, com 86 salas de aula: 02 em Rio
Ordenado em dezembro de 2000, padre Edvaldo atualmente é o pároco da cidade de Mogeiro/PB.
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Tinto, 32 em Marcação e 52 em Baía da Traição. Estudavam aproximadamente 3.480 alunos/jovens e adultos. O corpo docente, para suprir toda essa demanda, segundo Mendonça (2005), era de 196 professores, com diferentes graus de escolaridade: 46 com Licenciatura completa, 4 graduados em Teologia, 1 graduado em Artes, 1 graduado em Fisioterapia, 29 cursando licenciaturas no Ensino Superior50, 45 com Ensino Médio (Magistério) completo, 32 com Ensino Médio (Geral) completo, 9 cursando o Ensino Médio (Geral). Em 2003, depois de muita insistência e persistência junto aos órgãos competentes para fazer valer o cumprimento da Resolução 003/99 do Conselho Nacional de Educação, foram inauguradas duas Escolas Estaduais Indígenas Diferenciadas e Específicas: uma, na Aldeia Tramataia - Escola Cacique Iniguaçu, e a outra, na aldeia São Francisco - Escola Pedro Poti. Essas duas escolas passaram a atender a 365 estudantes, de um universo de 1.386 alunos matriculados, o que revela que 1.021 discentes freqüentam escolas nas cidades da Baía da Traição, Rio Tinto e até em Mamanguape. A partir de 2005, foi implantada o Ensino Médio na Escola Estadual Indígena Pedro Poti, na Aldeia São Francisco, atendendo a 53 alunos indígenas das Aldeias de Lagoa do Mato, Galego, Forte, Cumaru, Tracoeira, Laranjeira, São Francisco e Santa Rita. Um grande número de mais de 200 estudantes índios, para continuar seus estudos, precisam se deslocar para as Escolas de Ensino Médio das cidades vizinhas das aldeias.
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A maioria está fazendo o Curso de Pedagogia em Regime Especial, pela Universidade do Vale do Acaraú (UVA), na cidade de Mamanguape/PB. Um grupo estuda todas as noites na UFPB, em João Pessoa, fazendo o Programa de Estudo Complementar (PEC), modalidade só para professores que estão em sala de aula. A educadora Yolanda já concluiu o curso da UVA e faz um Curso de Terceiro Grau Indígena na UNEMAT, que é realizado no período de férias: janeiro e julho. Recentemente, um grupo de professores foi capacitado para ministrar o ensino da língua tupi antigo, na primeira fase do Ensino Fundamental.
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Apesar de o Plano Estadual de Educação do Estado da Paraíba demonstrar ações específicas para as Escolas Indígenas, apenas as duas já citadas estão contempladas. Em 2004, o Ministério Público Federal
estabeleceu
um
Termo
de
Compromisso de Ajustamento de Conduta e Assunção de Obrigações entre o Estado e os
Foto 25 Escola Estadual Indígena Pedro Poti (abr. 03)
três Municípios envolvidos, determinando que se cumprissem as obrigações na execução e oferta da educação escolar indígena. Para fiscalizar e supervisionar as políticas educacionais indígenas, foi constituída uma Comissão Estadual de Educação Escolar Indígena desde 2002, com representação dos professores, das lideranças indígenas e de várias Instituições afins, porém a Secretaria de Educação (SEDUC) não tem o devido interesse de operacionalizar o funcionamento desse segmento. Muito pelo contrário, há uma grande dificuldade da SEDUC quando o assunto é Educação indígena. Em janeiro de 2005, mesmo depois da nomeação da professora índia Iolanda para o Conselho Estadual de Educação (CEE), continua a morosidade nos encaminhamentos e nas decisões com relação à educação indígena. Mesmo com todas essas amarras estaduais e municipais, as conquistas educacionais na área indígena vão acontecendo, e ganhos, nos últimos anos, vêm paulatinamente mudando aquela realidade educacional. Em 2004, houve uma série de iniciativas que ampliaram os horizontes voltados para a ação dos docentes, como os Encontros de Formação51, na aldeia São Francisco e na aldeia Tramataia,
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Em Julho de 2004, por ocasião do Seminário sobre “Políticas de Educação Escolar Indígena”, estiveram presentes representações do Ministério da Educação e Cultura (MEC), das Universidades públicas da Paraíba, UFPB, Centro Federal de Educação Tecnológica/ PB (CEFET), Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), da Secretaria de
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período em que foi criada a Organização dos Professores Indígenas Potiguara (OPIP). Atualmente existe uma outra conjuntura educacional e, com o apoio dos pais e da OPIP, vai-se fortalecendo cada vez mais uma nova política educacional indígena. Encontros sistemáticos de formação para os docentes indígenas, mesmo sendo dificultados pela SEDUC, continuam fazendo parte de uma nova realidade educacional Potiguara. Também está em discussão, pela Universidade Federal de Campina Grande, a criação de cursos de formação em níveis Médio e Superior, pelo Departamento de Ciências Sociais, tendo como articulador o professor Rodrigo Grunewal. Conseqüência desse atual momento histórico educacional é o trabalho de „resgate‟ das tradições culturais indígenas, associado ao estudo dos principais problemas que hoje estão acontecendo com o povo Potiguara e que culminaram com várias apresentações dos discentes para toda a população presente, durante várias programações, como a semana do índio, em abril de 2005. Várias escolas protagonizaram diversas atividades culturais, tendo o Toré como eixo central que alimentava as apresentações.
1.2 – A administração nas aldeias A aldeia é liderada por um cacique local, podendo ser homem ou mulher. Não existe um período determinado e previamente estipulado para se cumprir um mandato. Alguém pode ficar na função por vários anos ou por apenas alguns dias. A permanência à frente da aldeia vai depender do seu compromisso e desempenho, enquanto representante do seu povo e da sua aceitação no meio dos índios. Educação e Cultura da Paraíba e das Secretarias Municipais de Rio Tinto, Marcação e Baía da Traição, da FUNAI e de outros povos com experiências educacionais mais sistematizadas. O CEFET sinalizou a possibilidade de criação de um curso de Recursos Naturais para os indígenas.
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Existem várias maneiras de escolher o novo cacique: pode ser por aclamação, quando os presentes se manifestam abertamente levantando a mão ou por aclamação; e por votação não secreta. Cada índio fala em voz alta seu voto para um outro candidato; pode ser também por votação secreta. Cada eleitor deposita seu voto numa urna. A comissão das eleições faz a contagem dos votos e apresenta o resultado do pleito para a aldeia. Nem sempre os resultados das urnas acabam com as desavenças entre os diferentes grupos. A capacidade da liderança eleita de lidar com seus pares vai acomodando ou não as arestas e as divergências que estão sempre surgindo. Poucas mulheres exerceram a função de cacique, mas não é algo exclusivo dos homens. Em diversas Aldeias, elas já conduziram os interesses gerais do seu povo. Atualmente, a Aldeia Silva de Belém é liderada por Dona Maria Hilário da Conceição. O cacique normalmente toma as decisões após ouvir as lideranças locais. Em algumas aldeias, há um conselho formado pelas lideranças e pelos anciãos, para ajudar a pensar e tomar as decisões de interesse de todos os índios. Além da organização local, os Potiguara têm um Cacique Geral que representa toda a etnia. O Cacique Geral e os demais caciques são responsáveis por tomar decisões, convocar assembléias, deliberar sobre normas e condutas para o bem-estar do seu povo. O Cacique Geral é o porta-voz da aldeia para a sociedade. Ele é quem faz as articulações externas e representa a etnia nas diferentes circunstâncias que se fizerem necessárias. Diante de algum empecilho ou
Foto 26 Caboquinho. Atual Cacique Geral Potiguara (nov. 04)
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imprevisto, quando solicitado, ele escolhe um representante de sua confiança para representar a etnia. Esse cuidado com o representante tem muita importância porque existe toda uma astúcia na hora de falar em nome do povo Potiguara, evitando que os problemas internos sejam repassados para uma sociedade preconceituosa e discriminadora sobre as questões indígenas. O atual Cacique Geral, Caboquinho, tem aspectos muito importantes a seu favor. Por ter uma base de apoio interno relevante de parentes e de caciques, em várias aldeias, mantém uma boa relação com o órgão indigenista e conhece perfeitamente do seu potencial enquanto liderança Potiguara. Tem o dom da palavra, da oratória, e sabe que os momentos de grande visibilidade são momentos fundamentais que representam uma imagem pública da etnia face aos outros contextos. Essas situações da imagem pública são extremamente importantes porque ele tem uma imagem de representação a criar para os não-índios quando fala nos meios de comunicação, nas conferências, nas universidades etc. Essa é uma dimensão prática que não é intrínseca ao povo indígena, mas que é interativa para a sociedade e muito importante para a questão indígena. Não é qualquer pessoa que pode ir para esse espaço público, uma vez que ela passa a imagem do índio, que é a imagem ideológica das aspirações que eles têm da etnia. É preciso preservar uma imagem positiva e, pela eloqüência, construir representações daquilo que ele quer dizer sobre o seu povo, para o não-índio. E isso Caboquinho faz muito bem devido ao talento para criar e ao dom da oratória, bastante refinada. Ao usar da palavra, ele é capaz de fazer as articulações filtrando o que não interessa ser revelado. E isso é uma prática. É evidente que existem as incoerências e os interesses pessoais, mas a imagem a ser repassada precisa de
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ser conjugada com os interesses de si e do seu povo, porque eles serão os grandes beneficiados com isso. Os índios necessitam de um porta-voz com grande habilidade, que utilize da palavra com uma corporalidade e com grau de presença carregado de suposta ancestralidade. Ele precisa apresentar-se com o eu/outro perante a comunidade pública, sobretudo, quando vai ajudar a modelar a imagem dos seus antepassados. É pessoa e personagem, modelando-se em dois eus. Portanto, ocorre, nesse momento, um processo que precisa ser bem aprimorado e muito bem articulado com sabedoria.
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3 LUGAR SAGRADO POTIGUARA
Acabamos de situar os protagonistas desta pesquisa, apresentando o povo Potiguara, cujo legado é muito rico e vai sendo lembrado pelos anciãos e repassado para as novas gerações, num movimento contínuo de cultuar a realidade terrena e o mundo sobrenatural. Tudo está interligado numa grande configuração 1 que envolve lugares sagrados da natureza2: terra, mata, água, furna; lugares sagrados construídos pelos próprios índios: oca, casa, igreja, cemitério, escola e alguns lugares de encantos. Nilda (set. 2004), referindo-se a esses lugares sagrados, afirma que: “Os mais velhos creava nessas coisas: a natureza, o relâmpago, o trovão, as águas, a força das águas, o espírito de luz, acreditava no sol, no raio, na água, nas matas”. Segundo Berger (1985, p. 38, grifo nosso), a qualidade sagrado,
[...] pode ser atribuída a objetos naturais e artificiais, a animais, ou a homens, ou às objetivações da cultura humana. Há rochedos sagrados, instrumentos sagrados, vacas sagradas. O chefe pode ser sagrado, como pode ser sagrado um costume ou instituição particular. Pode-se atribuir a mesma qualidade ao espaço e ao tempo, como nos lugares e tempos sagrados. A qualidade pode finalmente encarnar-se em seres sagrados, desde os espíritos eminentemente locais às grandes divindades cósmicas.
1
Temos a mesma concepção de Nobert Elias (1980, P. 142): “Por configuração, entendemos o padrão mutável criado pelo conjunto dos jogadores – não só pelos seus intelectos, mas pelo que eles são no seu todo, a totalidade das suas ações nas relações que sustentam uns com os outros. Podemos ver que esta configuração forma um entrançado flexível de tensões. A interdependência dos jogadores, que é uma condição prévia para que formem um configuração, pode ser uma interdependência de aliados ou de adversários”. 2 Compartilhamos com a mesma concepção de Boff (2004a, p. 114), com relação à natureza, por entendermos como “[...] o conjunto dos seres orgânicos e inorgânicos, as energias e os campos energéticos e morfogenéticos que existem organizados em sistemas dentro de outros sistemas maiores, sejam ou não afetados pela intervenção humana, constituindo um todo orgânico, dinâmico e em busca de um equilíbrio. O ser humano é parte e parcela da natureza e entretém com ela uma sofisticada rede de relações, fazendo com que ele co-pilote o processo de evolução junto com as forças diretivas da Terra”.
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Existem outros estudiosos que pesquisam sobre a experiência do sagrado, como o clássico Rudolfo Otto (1917), que define em duas palavras esse fenômeno: a primeira é a que produz tremedum, que quer dizer: o que nos leva a tremer pela magnitude e desdobramento da capacidade humana de suportar a sua presença, e isso nos leva a fugir por ter uma intensidade que amedronta; a segunda produz o fascinosum, que quer dizer o que fascina e atrai a pessoa como um imã irreprimível, levando a experimentar de forma absoluta (JÜNGEL, 1977). Segundo Leonardo Boff (2004b, p. 162), o sagrado “[...] é como o Sol: sua luz nos arrebata e nos enche de entusiasmo (fascinosum). E, ao mesmo tempo, nos obriga a desviar o olhar e a fugir ao abrigo de uma sombra porque pode nos cegar e queimar (tremendum)”. O autor faz uma referência mais específica aos povos originários, dizendo: É essa uma experiência ambivalente que os seres humanos originários fizeram em contato com a vida, com a Terra e com o cosmos, com as pessoas, com as crianças, com a atração amorosa entre um homem e uma mulher e com o mistério do universo. Sentiram comunicar-se nestas realidades uma força irrefragável, expressa classicamente pelos pesquisadores com a palavra melanésia de mana ou das religiões afro-americanas de axé. Potencialmente todas as coisas são portadoras de mana ou de axé, de grande energia transformadora (BOFF, 2004b, p. 162).
Passaram-se séculos, mas as raízes sagradas Potiguara continuam fecundas com toda seiva espiritual do Deus Tupã, da mãe natureza, da mãe terra e de todos os espíritos e ancestrais que habitam a cosmovisão Potiguara. Nesta pesquisa, diante das entrevistas realizadas e demais dados coletados, optamos por trabalhar com os seguintes lugares sagrados: 1) a terra, ou mãe terra, como os indígenas a chamam, que é a entidade suprema, o lugar sagrado maior; 2) matas: lugar onde moram os espíritos indígenas; 3) águas: fonte indígena de vida biológica e espiritual; 4) furnas: lugar onde os índios mantêm correntes espirituais com os
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ancestrais; 5) oca: lugar de identidade étnica e religiosa; 6) igreja: lugar confessional; 7) outros lugares onde se tornam espaços de fé; e, finalizando, os lugares de encantos.
3.1 Terra A terra é lugar sagrado do Potiguara, respeitosamente chamada de mãe terra3, epicentro da mãe natureza que, grávida
permanentemente,
faz
desabrochar o espetáculo da vida. Soares (apud BARROS, 2004, p. 14, Foto 27 Terra Potiguara (abr. 05)
grifo
nosso))
nos
apresenta
uma
imagem, mostrando que a chuva “[...] é „esperma dos deuses‟ que desce para fecundar a terra e produzir vida”. A terra é a razão de ser do povo indígena. O índio precisa da terra para ter saúde, educação, moradia, roçado, lugar de fazer seus rituais sagrados, enfim, é condição essencial da etnia. A terra é igual a índio; sem a terra o índio não vive! (PALITOT 2005; OLIVEIRA FILHO, 2004b; GRÜNEWALD, 2004a). Leonardo Boff (2004a, p.72), referindo-se ao ser humano, contempla plenamente essa dimensão indígena, dizendo que
“[...] pertencemos à Terra; somos filhos e filhas da Terra; somos Terra. Daí que homem vem de húmus. Viemos da Terra e a ela voltaremos. A Terra não está à nossa frente como algo 3
Segundo Boff, no período neolítico, a terra, junto com o céu, é uma parte da realidade. “Representa a Grande Mãe (Magna Mater, Bona Mater) aqui embaixo, esposa do Grande Pai, lá em cima no céu. Como toda mãe humana, ela gera, nutre, defende e continuamente dá vida. Sempre se compõe e contrapõe à outra parte do todo, ao Pai do Céu (Pater Coelorum). Do casamento entre o céu e a terra se originam todas as coisas. O céu representa o princípio masculino, o sêmem, a semente e o elemento organizador. A terra, o princípio feminino, o útero que recebe o sêmem, o elemento acolhedor” (BOFF, 2004a, p. 63).
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distinto de nós mesmos. Temos a Terra dentro de nós. Somos a própria Terra [...]”. A mãe terra é lugar sagrado onde acontece o Toré - o grande ritual Potiguara. O contato com o pé no chão gera uma integração do índio com a terra e com os espíritos. “Todo Toré é dançado com o pé na mãe terra. Ninguém dança calçado não. Todo mundo tem que dançar com o pé no chão, sentindo a mãe terra” (Pedro Ka‟aguassú, jun. 2003). Nesse instante, uma invisível energia contagia os presentes que passam a evocar, sentir e a entregar-se completamente à mãe terra. “Quando saímos para o ritual, nós temos que pedir força à natureza. A gente entrega a vida das pessoas à mãe natureza. É a natureza que vai manobrar tudo” (Cacique Djalma, dez. 2004). A grande anfitriã acolhe cada índio nas suas entranhas para estabelecer momento de densa espiritualidade. “Quando começa o Toré, o contato com a mãe terra me faz arrepiar todinho. Fico todo arrepiado!” (dez. 2004), concluiu Josafá. A energia do Toré que emana da natureza traz renovação para a vida Potiguara. Segundo Boff (2004a, p. 116),
Os povos indígenas nos dão o melhor exemplo de como escutar a natureza. Por uma afinidade profunda com ela, com os solos, as chuvas, as nuvens, os ventos, as águas, as plantas e os animais sabem, de golpe, o que vai acontecer e que atitude tomar. Estão tão unidos à Terra como seus filhos e filhas, como a própria Terra falante e pensante, que captam, imediatamente, o que vai ocorrer na natureza. Ou melhor, a natureza fala com eles e por eles.
A mãe terra é lugar sagrado e apresenta sinais vitais que são percebidos somente por quem está atento e escuta os segredos da natureza. “Pra os mais velhos, a terra significava coisa de muito poder, infinito poder. Só vê isso quem tem o espírito limpo, quem é puro de coração” (NILDA, set. 2004, grifo nosso). Essa pureza se refere ao índio, que tem a sensibilidade para perceber os sinais
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manifestados na natureza, como afirma o ancião Pedro Máximo (jan. 2005): “quando o arco-íris sai na boca da barra é uma experiência de muita chuva, pode esperar”. O Cacique Bel (jan. de 2005) complementa essa temática, falando sobre as experiências dos animais: “o sapo é o bicho mais cientista que tem. A semana passada eles estavam cantando e eu disse: vai chover, como de fato choveu. O rapa-coco (gia verde) aquele jeito que ela faz, é chuva na certa”. Segundo Nilda (set. 2003, grifo nosso), “os animais são os olhos da natureza”. O canto de um pássaro, aparentemente muito bonito, pode elucidar mais transformações que ocorrem na mãe terra.
Cauã é um pássaro indígena, muito bonito. Quando ele canta, ele dá sinal. Ele canta cauã! cauã! Quando ele canta na tarde de verão, é bom verão. E quando ele canta no inverno, é bom inverno. E quando ele canta num pau seco, é verão. E quando ele canta num pau verde, é inverno (NILDA, set. 2003).
A criação é algo divino. Não só os reinos animal e vegetal estão integrados nesse universo indígena. A comadre florzinha4 é uma entidade mitológica muito conhecida, não só dentro da etnia, como em toda a região.
Os Potiguara a
descrevem como uma índia que é do bem, um espírito de luz, mas quer respeito para não atrapalhar a vida de ninguém porque a natureza também exige ser respeitada.
A comadre florzinha é uma moça, uma jovem, é uma índia. Ela é mansa. Agora as pessoas não brincam com ela não. Ela corre nos cavalos, brinca com os cavalos, quando o povo amarra os cavalos lá nas capoeiras pra passar a noite. Ela vai, monta num e sai correndo. Ela depois volta e amarra no mesmo canto. Ela faz uma trança, mesmo que uma pessoa normal. Ela faz uma trança bem feita no cabelo do pescoço do cavalo. Impressionante! Ela é do bem, mas também ela pode atrapalhar as pessoas, caso as pessoas não
4
Também conhecida como caapora ou caipora.
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respeite ela. Ela quer respeito, a natureza quer respeito (NILDA, set. 2004).
A mãe terra abriga animais como a cobra grande, da Grota do Aratu que, segundo Seu Marcelino (nov. 2004), “ninguém até hoje teve coragem de atirar porque dá medo só em ver”. Dona Antônia, da Aldeia Monte-Mór (jan. 2005), acrescenta que essa cobra é cobra de encanto. “Mãe pegou nessa Cobra do Aratu, pensando que era uma outra coisa. É cobra de encanto, não é todo mundo que vê não. Ela desaparece e apresenta um homem todo de branco”. No mangue, o grande aliado da mãe terra, espírito de luz, é o pai do mangue.
O pai do mangue é feio, ruim e é malvado. As pessoas têm que respeitar ele. Se respeitar, ele é bonzinho. Tem que respeitar a mata, o mangue, a água do mangue, as horas que pode tá lá. Se não respeitar ele mata. A pessoa pode morrer afogada, sem destino nenhum, pode tá ali, na biqueira de casa. Mas se ele não quiser que a pessoa se toque onde tiver, a pessoa vai pra outro canto, bem longe, sem saber nem onde tá. Fica ariado, porque sempre pega as pessoas sozinhas. Então, tem que a pessoa ir atrás. Aí tem as pessoas que quando vão atrás, se achar que a pessoa tá assim ariado, tem um apito que faz assim (faz o gesto): fecha a mão e sopra com força, que se chama ciricora. Dá um assovio bem alto, aí a pessoa onde tiver, escuta. Ouve com daqui lá... lá no mangue escuta, tanto na beira do mangue, como lá pra dentro. Aí a pessoa vai saber onde é que o outro tá chamando. Aí vem em direção, vem, vem até chegar perto. Não tem quem veja ele não. Ele é invisível. Os primeiros índios eles deixavam fumo (NILDA, set. 2004).
A
mãe
terra
é
venerada
em
rituais sagrados realizados muito
discretamente. Dona Maria da Aldeia do Forte, muitas vezes, sem que as pessoas de casa fiquem sabendo, sai para os matos para esse contato direto com a divindade. Segundo a sua filha, Iolanda, ela “inventa que vai comprar alguma coisa na cidade, para não ficar dando explicações pra ninguém. Em algumas ocasiões, leva consigo um neto para fazer a iniciação junto à mãe terra” (Dona Maria Gomes, mar. 2003). O contato com a natureza renova a vida biológica e espiritual indígena.
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Os índios fazem essa integração planetária em comunhão com o universo, por perceber a vida na sua plenitude cósmica.
3.1.1 O uso da terra A terra Potiguara está sendo violentada e contaminada, sobretudo, por pessoas que querem enriquecimento rápido. Isso fere esse lugar sagrado porque está havendo uma inversão do epicentro da vida para o do lucro. O nosso objetivo, nesse estudo, não é fazer uma análise dos conflitos históricos nem dos impactos ambientais que a terra Potiguara vem sofrendo constantemente por causa das queimadas, dos desmatamentos, do uso de agrotóxicos, pesticidas e herbicidas que são detonados contra ela. O que queremos averiguar é a problemática do mau uso da terra relacionada às práticas educativo-religiosas indígenas. A Constituição Federal de 1988 estabelece que as terras indígenas “São bens da União: [...] as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios” (CF 88, Art. 20, XI), e reconhece aos índios a posse e o usufruto exclusivo do solo, dos lagos e dos rios nelas existentes. “As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios, dos lagos nelas existentes” (CF 88, Art. 231, 2). Com base nesse princípio, o Procurador da República, Luciano Maia da Paraíba, no início dos anos 1990, convocou a Associação dos Plantadores de Cana (ASPLAN), no Ministério Público, e determinou um prazo de cinco anos para a retirada deles do território5 Potiguara. Porém existe uma herança negativa, difícil de ser superada pelos índios, quando a questão é arrendamento (PERES, 1992). No início dos anos 1980, a FUNAI incentivava a plantação de cana dentro do território 5
Todo esse encaminhamento foi acompanhado pelo Ministério Público, e tudo ocorreu dentro do prazo estabelecido.
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indígena. Muitas das lideranças, que são caciques atualmente, repassavam nas aldeias as ínfimas quantias que os usineiros pagavam pelo uso da terra (MOONEN; MAIA, 2002). Na época das festas dos padroeiros, os latifundiários, que eram procurados pelos caciques (VIEIRA 2004), davam para o(a) Santo(a) uma quantia significativa, passando uma imagem de religioso e bonzinho. O padre reforçava essa situação, fazendo publicamente muitos agradecimentos pela generosidade, criando nos índios uma pseudo-imagem de um homem bom. Eles aproveitavam também outras oportunidades para estabelecer a conivência com as lideranças indígenas, oferecendo-lhes dinheiro, bois e bebidas por ocasião das grandes festas6. A Companhia Rio Tinto, segundo Palitot (2005), utilizava-se também de estratégias semelhantes de premiar uma liderança, com emprego ou dinheiro, colocando índio contra índio. Dessa forma, as lideranças, acostumadas pela bondade dos usineiros e por outros motivos, como o de que não existem outros meios de sobrevivência 7, continuam arrendando a terra na atualidade, descumprindo as leis constitucionais. De acordo com o Sr. Petrônio (Aldeia São Francisco, dez. 2004), administrador da FUNAI na Paraíba, “[...] o arrendamento não é mais a FUNAI que coordena, nem estimula, nem manda fazer. Agora são algumas lideranças que fazem isso em nome do povo e se a gente da FUNAI fosse correr atrás disso ia colocar os caciques nas cadeias”.
A terra está deixando de ser local sagrado para ser campo de disputas econômicas. A presença constante do não-índio, com intenção capitalista, acaba incutindo no índio uma outra maneira de pensar, criando no seu imaginário o sonho 6
São muitas as histórias contadas pelos índios, sobre ofertas de bois e de bebidas doadas, por exemplo, na época das festas juninas e fim de ano. 7 Com o arrendamento de cana, o índio recebe uma quantia muito pequena que “só serve para comprar roupa nova no final do ano. Será que as pessoas que recebem um trocado no final do ano sobrevivem o ano todo com aquela mixaria?” (Petrônio Machado Cavalcanti Filho - Administrador da FUNAI na Paraíba, Aldeia São Francisco, dez. 2004).
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de possuir bens para o seu conforto de maneira fácil. Segundo Nilda (set. 2004, grifo nosso), a terra passa a ser sacrificada por causa dessa mudança de atitude dos
parentes.
As pessoas querem ter uma casa cheia de móveis, querem ter um rádio, uma televisão, um sofá, uma coisa qualquer que tem o maior valor para eles sem pensar que isso aí quem ta pagando é a terra. Quem quer sua casa bem sofisticada, quer vender, quer arrendar para ter acesso aquele dinheiro, pra ter acesso aquilo, porque tem o desejo dentro dele, de mais roupa, mais sapato, sem pensar que no seu próprio dia-a-dia. Eles tomaram gosto por isso e só vão ter tudo isso tirando da terra.
O arrendamento de terra feito com o aval do cacique é um dos fatores que vêm causando uma grande divisão no grupo tradicional do Toré Potiguara da Aldeia São Francisco. Os tocadores não concordam com a prática do arrendamento de terra. Isso compromete a unidade do grupo para realização do Toré, pois os tocadores não reconhecem mais a liderança do cacique e nem tocam onde ele estiver presente. Os membros que hoje estão divididos são os mesmos que, por muitos anos, estiveram juntos praticando o Toré, conhecido como o mais “tradicional” por ser São Francisco o lugar que, por vários anos, era a única Aldeia onde se dançava o ritual sagrado Potiguara. Por causa das desavenças, o único tocador de gaita precisou sair da Aldeia, da terra onde sempre viveu.
Eu nasci e me criei aí dentro, minha mãe é era índia, [...] O que eu fiz pro Djalma, não existe quem faça não. Naquele tempo das procissão, nós cansemos de encher aquela calçada da igreja (São Francisco), de fruta, coco verde, laranja, cacho de banana. Até para Brasília, Rio de Janeiro eu viajava mais ele. Si nóis ia tirar auxílio, na Baía, olha a mochila de dinheiro. Quando ele ia contar o dinheiro, colocava as moedas por um canto a notas pro outro. Era seiscentos, setecentos conto. Repare quanta ajuda eu dei, e ele não agradecer isso rapaz. Em tudo eu tava presente. Até aí eu era índio, ta entendendo? A partir do momento que tomou partido aí ele começa a desconsiderar. Como é que pode uma coisa dessa? A pessoa conviveu toda a vida com a pessoa, aí depois despreza. A festa se
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acabou por causa disso. Eu não queria ir pro lado dele, aí ele chegou e fez essa comigo! E disse que eu não era índio, ia rasgar o título lá da FUNAI! Os terrenos que eu botava roça, eles cortaram tudinho e plantaram cana. Eu disse: homem, eu vou sair daqui! O Djalma é um caso sério! (Zé Bitu, Aldeia São Francisco, dez. 2004).
O arrendamento está interferindo no que há de mais sagrado e indispensável para a etnia, que é a terra. E, na atual conjuntura histórica Potiguara, está havendo dois procedimentos completamente diferentes entre os índios, com relação à mãe terra: enquanto os índios das Aldeias de Três Rios, em Monte-Mór, Jaraguá, Lagoa Grande e Ibykuara, lutam para retomar as terras da antiga Sesmaria de Monte-Mór, São Francisco e outras aldeias da área demarcada continuam arrendando a terra para o mesmo grupo agrário. O usineiro é inimigo ou é aliado? Essa pergunta não é fácil de ser respondida porque a realidade nas aldeias é de constantes denúncias de arrendamentos de terras. As lideranças e os caciques não têm uma unidade de ação conjunta para acabar com essa prática letal disseminada pelo usineiro.
Enquanto os índios da aldeia Três Rios
arrancaram 400 hectares de soca de cana da área que está em processo de retomada, as Aldeias como Grupiúna, Jacaré de César, São Francisco etc continuam, segundo Capitão (ago. 2005), “deixando o mesmo usineiro ampliar o plantio de cana-de-açúcar”. Essa é uma grande contradição, cuja resposta só as escolhas e as prioridades dos Potiguara futuramente poderão responder.
3.1.2 Mudanças A juventude Potiguara, no entanto, com muita vontade, está se mobilizando para dar respostas efetivas contra essa prática mortífera que está sendo imposta à mãe terra. Em dezembro de 2004, no primeiro encontro dos jovens Potiguara, com
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a presença de representantes de, praticamente, todas as aldeias8, ficou clara a vontade dessa juventude para decidir o futuro da etnia.
Um dos nossos deveres que eu acho essencial é proteger o meio ambiente, porque é dele que sai tudo que nós temos hoje: nossa água, nosso oxigênio, nossa comida, tudo sai da natureza. O mal que nós estamos fazendo à natureza, nós estamos fazendo a nós próprios, a cada um de nós (Neto, Aldeia São Francisco, dez. 2004).
Há esperanças também nas lideranças e nos caciques que estão conscientes em lutar, dando, se necessário, até a própria vida, para reverter essa situação interna de morte para a etnia. A fala9 do Cacique Aníbal de Jaraguá, no final de um dos seminários realizados com a UFPB, em setembro de 2004, na Aldeia Monte-Mór, revela como é traumática a luta pela mãe terra.
A nossa terra que é a nossa mãe. Pedimos ao IBAMA, cadê! Fomos lá falar com o governo; pedimos também, cadê! Até agora nada. Todo ano quando começa o mês de janeiro até fevereiro, a usina Monte Alegre solta a calda (vinhoto) e acaba com tudo que temos: é camarão, peixe e tudo mais. Nóis perdemos mais de 12 caminhão de peixe, lá dentro de Jaraguá. Tiremos retrato e mandemos para o IBAMA. Até hoje não tem a resposta de nada. A resposta que nóis temos é que a água fede. O IBAMA não fez nada. Nada resolvido, nem pela FUNAI, nem pelo IBAMA e nem por ninguém. O que é verdadeiro é quando um índio está numa mata tirando um toquim(toco) de lenha para cozinhar, é processado na mesma hora. A usina fez o que fez, destruiu todas as nossas matas, acabou com tudo e cadê o IBAMA? (grifo nosso).
O Cacique Aníbal tem consciência de que a agressão contra o meio ambiente reflete em toda a ecologia, contaminando o reino mineral e matando toda vida vegetal e animal. O ser humano sofre conseqüências diretas e imediatas com essa violência praticada contra a natureza. 8
Esse foi o encontro em que, durante todo o período da pesquisa (2002-2005), percebemos a maior concentração de representantes das aldeias. Nem nas grandes assembléias e celebrações encontramos delegações de tantas aldeias. 9 Para não ficar uma leitura cansativa da longa da fala do cacique, fizemos algumas considerações, deixando o texto mais leve.
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Os nossos rios tudo acabado, a destruição da nossa água, os passarinhos quando bebe daquela água hoje, amanhã tão tudo morto. Do mesmo jeito que os passarinhos morre, as crianças morre também. A situação é triste, lá nossa comunidade. Onde está a justiça?
Na continuação da sua fala, fica muito clara a insatisfação contra a posição adotada pelo órgão indigenista da Paraíba, de não tomar uma posição com relação a um fato grave e vital por ele denunciado.
Eu fui na FUNAI, denunciei e nóis estamos esperando até hoje. A FUNAI falou que ia mandar o documento, usa a própria gente e até hoje a gente não está vendo nada. Não sei se é culpa da FUNAI, se é culpa do IBAMA. Se nóis destruir um pouquinho de recanto de madeira do rio, nóis destrói a gente mesmo, os nossos filhos. Eu sou cacique, mas se eu ver uma coisa errada, pode ser a minha mãe, eu digo: a senhora está errada, nóis tamos destruindo uma coisa que amanhã vai fazer falta. Se nóis não se uni, não abrir as portas para nós se abraçar, todos nós abraçar mesmo, porque se nóis for esperar pela FUNAI, a FUNAI não resolve também nada nesse mundo. O que a FUNAI resolve é dizer, nóis vamos resolver.
Aníbal continua relatando como está sendo o processo de reconquista da terra, realizado com bravura e heroísmo, uma vez que contraria até a determinação judicial, mas a convicção é tamanha que vence o medo e desafia o inimigo.
Se eu tivesse medo mesmo, Jaraguá não estaria como hoje. Nóis tinha 32 ha. Hoje a FUNAI fez lá o relatório e nóis temos 146 ha. Se for hoje lá, em Jaraguá, nós já temos 280 hectares plantado de lavoura. O Juiz disse: vocês não plante nada. No outro dia, nóis tava plantando na nossa terra, porque é nossa terra (todos batem palmas). Se nóis abaixar a cabeça, o usineiro é o mais que quer, a justiça é a mais que quer. A justiça é nóis que fazemos e vamos lutar porque jamais eu vou abaixar a cabeça para um latifundiário. Nóis que somos cacique não ganha nada nesse mundo. O que a gente ganha é só enfrentar briga, enfrentar tudo, dando a nossa própria vida, para nóis ver a nossa terra demarcada. Portanto essa é as minhas palavras. Na hora que Monte-Mór, se manifestar, vamos plantar, eu trago o povo de Jaraguá, a minha comunidade para plantar (palmas, grifo nosso).
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Os resultados só serão alcançados se houver unidade nas ações das aldeias envolvidas. Os exemplos aqui citados, tanto da Aldeia Jaraguá, quanto de Três Rios, mostram que, com união, expulsa-se até o inimigo. A única certeza dos índios é a confiança depositada em Deus, alimentada nas práticas religiosas por eles realizadas, sempre quando situações como essas aparecem.
Porque é isso que nós queremos, é a união. Porque se nóis começasse como Jaraguá começou e Marcação começou, os usineiros hoje não estava fazendo isso aí. Nóis temos 530 ha de terra desocupada. Os usineiros vendo tudo isso aí começa o pegapega. Jaraguá está subindo para Marcação e Marcacão ta vindo pra Jaraguá. Tão fazendo o que? Expulsando os próprios usineiros. Bel (Cacique de Três Rios) expulsa de um lado e eu expulso do outro. Se Monte Mór tivesse fazendo isso já estava muito avançado. E com as graças de Deus, se nóis conseguir essa demarcação, se não conseguir, nóis começa arrancar cana pela cepa pra plantar, amostrar que nóis somos unido e vamos vencer a nossa luta, porque sem luta, nóis não vencemos nada. Se o ministro der ou se não der, com a confiança em Deus, chegou a nossa veis (grifo nosso).
Os índios não se calam e não se cansam de denunciar toda injustiça e de anunciar que a mãe terra é lugar sagrado onde eles realizam seus rituais e acontece o espetáculo da vida. A terra Potiguara tem uma dimensão afetiva, subjetiva, simbólica, inviolável, porque mexe com as entranhas e com o que há de mais íntimo do ser indígena.
3.2 Matas Além da mãe terra, um outro lugar sagrado da etnia Potiguara são as matas, local onde moram os espíritos e os ancestrais. O Cacique Aníbal afirma que “os espíritos estão todos dentro da
Foto 28 Mata onde está localizada a Igreja Velha próxima da Aldeia Silva de Belém (dez. 04)
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mata. Se derrubar as matas, tudo se acaba”. Essa dimensão sagrada é confirmada também pelo Cacique Djalma, quando diz que “as matas são onde os ancestrais vivem lá dentro”. A etnia Potiguara tem a convicção do valor sagrado presente nas matas. Nas várias oportunidades em que estivemos nas matas junto com caciques, anciãos, jovens, professores, mulheres e crianças Potiguara, durante a pesquisa de campo, sempre nos foi confirmada essa convicção desse lugar sagrado de maneira muito incisiva. Em muitos povos, no Nordeste, como Xukuru, Pancararu, Funi-ô, todos em Pernambuco, as matas são lugares onde acontecem os rituais sagrados (SOUZA 2004; SILVA, 2002). Entre os Potiguara, não existe a prática coletiva, mas as matas são lugares de rituais sagrados feitos pelos índios individualmente ou por pequenos grupos da mesma família. O exemplo citado pelo Cacique Djalma (dez. 2004) confirma a necessidade desse contato com a natureza.
Eu vou por lá, nos pé de árvores, perto de casa ou distante, converso, faço minhas orações e meus pedidos e aí eu me entrego. Me sinto livre: eu peço pela paz, para meu povo Potiguara. Eu peço muito a Deus Tupã, nosso Pai, que dê força a minha pessoa, que olhe para o meu povo.
Existe, na memória da maioria dos Potiguara, sobretudo, dos adultos e dos anciãos, a lembrança das inúmeras matas que cobriam todo o território indígena. O Cacique Néo (dez. 2004), falando para mais de uma centena de jovens Potiguara, na aldeia São Francisco, dizia:
Antigamente nós tínhamos de nome 22 matas, aqui na nossa região: mata redonda, do coqueiro; o mais interessante é que, as pessoas de fora, sabem o nome das matas que existiram aqui. Nós, às vezes, não sabemos, ou não perguntamos a ninguém. Por quê? Será que sempre foi assim? Não. Não foi! Ali em São Miguel mesmo, dizem os antigos que aquele pau que tem naquela igreja antiga, foi tirado ali
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perto. Muitas e muitas coisas, muitas histórias que a gente ouve, era verdade; nós saíamos de São Miguel para Estiva Velha, a pé essa hora (meio dia), nesse tempo (sol forte) e não tínhamos complicação nenhuma, porque era mata fechada.
Procuramos investigar se alguém saberia dizer os nomes das matas citadas pelo Cacique, mas as gerações atuais não souberam enumerá-las. Conversamos com vários anciãos para, finalmente, descobrirmos todas elas, que são as seguintes: Imbira, Jardim, Camaleão, Gurubu, Aratu, Pedra Preta, Chico Tavares, Piabuçu, Funda, Lagoa dos Patos, 18 Bocas, Escura, Guagiru, João Vito, Lagoinha, Barro Duro, Carro Quebrado, Cazuzinha, Praiá, além dos baixios dos Pilões, Ventura e do Jacaré. O Administrador da FUNAI/PB (dez. 2004, grifo nosso)10, aproveitando-se das colocações feitas pelo Cacique, faz reflexões sobre o poder simbólico sagrado das matas Potiguara:
Todo índio que se preza, ele preserva as matas, porque é na mata que moram os seus ancestrais, os espíritos dos seus avós. Onde estão os espíritos dos Potiguara? Não tem mais mata! Espírito não vive dentro da cana não. Cadê as matas dos Potiguara? Acabou! Onde é que estão os ancestrais de vocês? Onde é que estão os espíritos que protegem o povo indígena? Tá faltando! Um povo sem fé é um povo sem medo. Um povo sem medo é um povo degenerado. Ou vocês voltam a respeitar, não importa se é católico, se é evangélico, não importa se é umbandista. O que importa é saberem que vocês são índios. Ou vocês vivem a espiritualidade indígena, ou vocês mantém essa terra coletiva, ou vocês preservam as matas de vocês, ou nós da FUNAI estamos trabalhando num lugar errado. Porque por aí afora, os outros povos protegem suas matas, preservam seus espíritos, preservam seus rituais, preservem sua cultura. Ou vocês fazem isso, ou vocês fazem os pais de vocês fazerem isso, ou os filhos de vocês não vão herdar nada de índio. Só vão herdar o que aprenderam de ruim, a droga, a maldade, o conflito. [...] Vocês é quem podem salvar o povo Potiguara!
Segundo o Cacique Aníbal (jan. 2005), “A mata é um lugar ideal para purificar todas as energias”. Quando ele precisa transmutar as energias negativas, vai até as matas e lá permanece por algumas horas. "Para se purificar, eu vou para 10
Depoimento revelado em dezembro de 2004, na aldeia São Francisco.
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as matas, ou para o mangue, pedindo força aos espíritos. Eu me purifico pelas árvores e pelo vento" (jan. 2005). Os espíritos indígenas não vivem no meio das canas nem onde existem queimadas. No verão, muitos incêndios atingem a vegetação das nascentes e das encostas dos rios, das grotas e outras áreas Potiguara, acabando com o patrimônio sagrado Foto 29 Mata na nascente do Rio Vermelho (jan. 05)
indígena. O fogo é o maior inimigo das matas,
segundo o Cacique Néo (Aldeia São Francisco, dez. 2004).
O que acaba as matas é o fogo realmente. Porque você corta uma touceira de cocão, oiticica, imbiriba e nascem mais árvores que você cortou. Algumas não se recuperam, mas outras sim. As pessoas devastaram as matas com fogo e não houve nenhum reflorestamento. Eu conheço campo ali perto da Estiva Velha, que onde era mata, hoje só tem gengibre e tiririca; o que fazer?
Além das queimadas, a devastação das matas é praticada constantemente quando se faz carvão vegetal e quando se retiram lenha, estacas, caibros e linhas utilizados pelos próprios índios para o consumo na aldeia ou para ser comercializado por algum deles, na região.
Foto 30 Queimada nas encostas do rio Mamanguape. Aldeia Três Rios (dez. 04)
Segundo a ONU (GADOTTI 2000), atualmente o mundo conta com apenas 7% das matas que existiam e, cada dia, cresce mais a ameaça de sua devastação. Constantemente os meios de comunicação dão destaque para essa questão de crime mortal contra os índios e toda a humanidade. A FUNAI não realiza um trabalho de conscientização e de presença permanente para combater esse tipo de crime ambiental. O IBAMA não tem feito um trabalho preventivo nas aldeias. Os índios acusam o órgão ambientalista de
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conivência com os usineiros. Algumas lideranças indígenas se posicionam contra essa prática fatal para seu povo, mas ainda não aconteceram as mudanças efetivas para eliminar esses antigos hábitos arraigados nos parentes e não há um trabalho de fiscalização dos índios em cada aldeia, embora uma das atribuições das lideranças seja preservar o meio ambiente. Há uma omissão por parte das igrejas católica e evangélica, que pouco se envolvem com essa temática. As escolas têm dado a sua contribuição, mostrando as conseqüências que a devastação das matas traz para o meio ambiente, para a etnia, para a humanidade e para o planeta. Pesquisas, debates e seminários foram organizados com o objetivo de reverter essa realidade, que está matando o lugar sagrado onde vivem os espíritos e os ancestrais Potiguara.
3.2.1 As matas e suas dádivas As matas fornecem toda a ornamentação das celebrações e cerimônias religiosas, suscitando com as flores um colorido todo especial e deixando o lugar sagrado com uma bela aparência. É característica Potiguara cuidar da ornamentação nos momentos celebrativos. Das matas, são retirados raízes, troncos, galhos, cascas, folhas, flores e frutos, utilizados na produção de remédios caseiros, muito comuns na medicina tradicional indígena. “Os remédios de branco são muito desmantelados e sem futuro. Bom mesmo são as mesinhas que a gente faz em casa. Tem coisa espiritual que só se resolve no meio dos matos” (Dona Joana, Aldeia São Francisco, set. 2004). Muitos sinais sacramentais utilizados nas cerimônias religiosas são feitos da madeira, a saber: imagem, cruz, báculo, patena, âmbula, cibório, cálice, o
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mastro, que é colocado na frente das igrejas católicas no período das festas dos padroeiros, a lenha utilizada nas fogueiras (Betel – final do ano; católicos – sábado de páscoa). A imagem de Nossa Senhora dos Prazeres foi encontrada num tronco de madeira, ou toco de madeira, como dizem os Potiguara, no meio da mata, lugar onde foi construída a igreja, na Vila de Monte-Mór. Os Xukuru contam história semelhante se referindo a Nossa mãe Tamain, na Serra do Ororubá (SILVA, 2002). Os Potiguara herdaram dos antigos a capacidade de discernir as mudanças que acontecem com algumas plantas, códigos naturais que podem ajudar nas decisões que precisam ser tomadas para continuar o espetáculo da vida dentro da etnia. Seu Pedro Máximo (Aldeia Monte-Mór, jan. 2005) revela que,
[...] se depois de uma chuva, a roça (mandioca) virar a folhinha todinha, pode esperar que vem outra chuva pesada, logo em seguida. Também tem o carrapatinho (planta), quando cai aquele pozinho no chão, quando você vê isso, pode esperar que sol vai apertar.
A mata11 é, para os índios, lugar poderoso, capaz de renovar e transmutar tudo o que é ruim em energia vital. Quanto mais o índio penetra na natureza, mais solidifica e fortalece sua aliança sagrada com a mãe natureza. A sinfonia dos animais, agregada com a fertilidade da natureza, os aromas das plantas e toda a atmosfera espiritual dos ancestrais, dos encantos e dos espíritos de luz, renovam e purificam suas vidas. As matas são a garantia da circulação da água doce, não só nas aldeias Potiguara, mas em todo o mundo. 11
Segundo Brandão, entre os guaranis, as florestas nem sempre foram local místico e de religião. “Somente depois de submetidos ao poder colonial da Conquista, conduzidos contra a vontade à redução ou à encomenda, é que os guaranis transformaram um lugar conhecido da natureza – a floresta – em um local desejado da religião: uma terra desconhecida, mas simbolicamente real, livre, além de tudo e mais do que tudo, dos poderes da presença maléfica dos homens brancos. Assim, a terra sem brancos, lugar ancestral de caça, passa a ser o lugar místico da negação de todos os males, a começar pelo mal da morte” (BRANDÃO, 1994, p. 291).
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3.3 Águas Já vimos que os Potiguara têm como lugares sagrados a mãe terra e as matas. Agora mergulharemos nas águas, para falar desse lugar sagrado
da
etnia.
O
território
Potiguara apresenta uma grande riqueza, que é a água12. O Cacique Geral
Caboquinho
afirma:
“nós
somos os Pitikajara, que é a junção de várias palavras que tem o significado dos senhores dos vales. No passado, nós ocupávamos a maioria de todos os vales e as Foto 31 Cachoeira nas nascentes do Rio Vermelho(jan 05)
praias do Nordeste”13.
O povo Pitikajara (Potiguara), senhores dos vales, tem na água a sua fonte de criação uma vez que é gerado numa bolha de água, dentro de uma bolsa com líquido amniótico no ventre da mãe. O ser humano é 70% água, o planeta tem 70% de superfície coberta de água, e todas as formas de vida são dependentes da água pois, segundo Soares (apud BARROS, 2004, p. 14), “[...] as águas são nossa matriz, nascemos das águas. O mundo brota das águas, são elas a fonte da 12
Dados das pesquisas recentes da ONU revelam que, nas últimas cinco décadas, houve uma redução de mais de 60% da água doce disponível do planeta. O estresse hídrico já é uma realidade para mais de um bilhão de seres humanos que vivem com menos de dois litros de água potável. Os Potiguara vivem num paraíso aquático abundante, que precisa cuidados para não acabar com “ouro azul” nas próximas décadas. 13 Depoimento dado no vídeo Pitikajara: senhores dos vales, de Tetônio Roque, produzido pela Usina de Filmes, 1992, grifo nosso.
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criação, é por elas que vem „voando‟ o sopro de Deus”. Tudo lembra água, vem da água porque água, assim como a terra, é seiva da vida para a etnia e para a humanidade. O teólogo Marcelo Barros (2005a) nos traz uma bela imagem que mostra a dimensão sagrada, vital e simbólica desse líquido, considerado divino pelos índios e tão importante para a sobrevivência de todos os seres humanos. Para muitas culturas antigas, a água é literalmente a semente (esperma) que Deus, ao copular com a mãe-terra, nela derrama para que esta seja fértil. Esperma divino, a água tem a força de divinizar quem entra em comunhão com ela. Por isso, o ser humano precisa fundamentalmente de água e a ela tem direito sagrado. A água é essencial para a vida biológica, mas também para o aprofundamento de qualquer experiência espiritual.
A água sempre acompanhou a vida humana e é um dos elementos centrais quando os anciãos índios Potiguara fazem memória de seus rituais sagrados. Nas nascentes do rio Vermelho, próximo da BR 230, existem várias cachoeiras e cascatas, de rara beleza, no meio de uma mata de renova, quase intocada pelas pessoas da região. A maioria dos índios não conhece esse local sagrado que, segundo o Pajé Zé Espinho, "é o centro onde Foto 32 Cachoeira na nascente do Rio Vermelho (jan.05)
todos os espíritos têm o seu lugar de repouso" (Nascentes do Rio
Vermelho, jan. 2005). Há um consenso entre os Potiguara de que as cachoeiras têm um grande poder espiritual. "Os espíritos moram nas cachoeiras, lá é que é o lugar da morada dos espíritos, lugar de poder. O banho nessa água recupera o espírito, fortalece o espírito,
Foto 33 Paulo e João, filhos do Pajé Zé Espinho, tomando Banho de Cachoeira (jan 05)
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renova a vida" (Pajé ZÉ ESPINHO, Nascentes do Rio Vermelho, jan. 2005). Segundo Marcelo Barros (2003, p. 113), [...] todas as culturas antigas adoravam a água como manifestação divina, ou morada dos Espíritos. Do norte ao sul, cânticos e preces indígenas reverenciam o avô Sol, a avó Lua, a mãe Terra e a irmã água. Os rios e as fontes são lugares sagrados.
Um outro lugar considerado pelos índios de muita energia espiritual é um olho d'água localizado na mata do Pinga-Pinga. Segundo seu Paulo Machadeiro, liderança da aldeia Monte-Mór (Nascente do Rio Vermelho, jan. 2005), “é uma verdadeira obra da natureza. Está localizada dentro de uma grota profunda e, quando alguém se aproxima, ouve uma Foto 34 Machadeiro, Pajé Zé Espinho e o filho Paulo nascente do rio Vermelho (jan. 05)
zoada muito forte, parecida com um avião. O eco é
envolvente e encantador”. A água brota (foto ao lado) debaixo de uma barreira de aproximadamente 30 m de altura e já nasce majestosa, com toda força da natureza. Possui uma aparência imponente, contribuindo, muito provavelmente, pela sua transformação em lugar de muito poder espiritual. Nesse sentido, Marcelo Barros (2004, p. 178-179) afirma que “[...] devemos lidar com a terra e com a água, como vasos sagrados do templo cósmico de Deus. [...] Mantendo com ela uma relação de amor, participaremos do „cio da terra‟ e dela receberemos saúde e vida”. O fato de estar dentro da mata, ouvindo o murmúrio das águas, segundo a sabedoria indígena, há uma grande renovação espiritual em quem quer receber aquela energia vital. "O silêncio da mata, o barulho da água, a zoada da cachoeira fortalece o espírito", segundo o Pajé Zé Espinho (jan. 2005). Nem todos os índios se deixam guiar pelos espíritos presentes na mãe natureza. É preciso acreditar e
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ter conhecimento da tradição indígena para invocar os espíritos de luz, como comadre florzinha (POVINA CAVALCANTI, 1969). Na versão do Cacique Aníbal (jan. 2005), quando os espíritos são invocados, eles aparecem.
A comadre florzinha quando começa a vir, ela vai logo dando àqueles assobios dela, bem fortes, vai chegando e a gente logo sente. Quando a gente está colocando os covos no mangue pra pegar moreca (peixe), na mesma hora a gente vê ela assim, colocando junto com a gente. A gente sabe que é os espíritos que estão acolá.
Além da comadre florzinha, muitos índios acreditam e têm um grande respeito pela mãe d‟água, uma jovem índia, espírito de luz, grande aliada da natureza. Várias pessoas daqui já viram e aquelas mais puras ainda vê chegar na beira do rio a mãe d‟água. Ela chega como se fosse uma pessoa, uma menina, uma jovem, nova assim, aparentando uns 12, 13 anos, cabelo comprido, morena clara, que só tem a roupa como o cabelo, muito bonita (NILDA, set. 2004).
A prática indígena de ir para as matas, cachoeiras, mangues e rios invocar os espíritos e estabelecer contatos com os ancestrais não é algo fácil de ser exercitado e, muito menos, revelado. Isso porque a tradição deixada pelos antigos é conservada de forma muito reservada, mas é transmitida de geração para geração. As igrejas cristãs condenam essa prática, afirmando que o Espírito Santo enviado por Jesus Cristo é quem salva. A presença do cristianismo tem deixado a ancestralidade indígena em situação desigual. As pessoas que praticam o ritual tradicional indígena são tidas como “catimbozeiros14, gente do mal”. Segundo o Cacique Aníbal (jan. 2005, grifo nosso),
14
Souza (2004), referindo-se a essa temática, faz semelhantes comentários sobre o povo Xukuru.
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A igreja católica condena quando o índio fala em espírito. É própria igreja que está dizendo aquilo, mas só que não é Deus. Qualquer pessoa que reza, a igreja diz: acolá uma feiticeira. Condena a própria pessoa. A gente vê isso mesmo. A gente sente! Quando vou pra igreja acolá, eles dizem: lá vem a catimbozeira.
Os evangélicos e os católicos têm essa mesma posição com relação aos espíritos da natureza e só aceitam o que a bíblia diz, só acreditam no Espírito Santo. Os índios que têm mediunidade religiosa no universo sagrado Potiguara não são bem vistos nem bem aceitos na esfera eclesial cristã. O Cacique Aníbal (Aldeia Monte-Mór, jan. 2005) afirma: “sempre vou para igreja, mas eles não vêem com bons olhos”. Em todas as aldeias o cristianismo está muito presente e muito arraigado, razão pela qual há sempre alguém condenando as práticas locais; muitas vezes, familiares da mesma casa. Isso dificulta a prática dos ensinamentos deixados pelos antigos. São poucos os índios que conseguem vencer essa barreira imposta ao cacique Aníbal porque uma atitude dessa é ir contra a poderosa doutrina cristã. A escola indígena está contribuindo, de forma muito eficaz, para criar, no imaginário Potiguara, essa maturidade de praticar os rituais dos antepassados sem culpa e pecado, sem ser perseguido, desprezado e condenado. Isso, a curto prazo, não muda a conduta dos índios, mas a médio e a longo prazo poderá ser decisivo para a aldeia ter maioridade para beber dessa fonte da ancestralidade. Uma índia, já avó, da Aldeia de São Francisco, que não quis ser identificada, justamente por temer a repressão de seus pares, afirmou que “não existe coisa pior do que ser condenado. O senhor sabe o que é ser condenado? A gente não pode falar disso pra todo mundo não, professor. Deus que me livre!” E terminou dando um forte suspiro.
99
Por outro lado, as igrejas cristãs, ao utilizarem elementos naturais nas suas práticas religiosas, fortalecem a dimensão sagrada encontrada na natureza. Os evangélicos15, durante o batismo de seus novos membros, fazem a imersão dos filhos de Deus nas águas de um rio, assim como os cristãos se apropriam desse elemento natural, para dar o seu simbolismo sagrado. Os Potiguara, sobretudo as pessoas mais velhas, têm o hábito de pedir licença para os espíritos, antes de entrar na água.
Tem os dias pra pessoa brincar com a água, sem se machucar. Na segunda, na quinta e no domingo. Esses três dias. Os outros são sagrados pra a água. Tem que ter respeito pra água, principalmente o mar e o rio. É água, tudo tem que ser respeitado” (NILDA, set. 2004).
Mesmo com o trabalho exaustivo de doutrinação e catequese cristã, muitos índios que freqüentam as igrejas professam a fé em Deus, mas não abandonam seus antigos hábitos de pedido de permissão aos espíritos, antes de entrar na água, de sair de casa, de viajar, de dormir ou de entrar num lugar diferente (POMPA, 2003). O exemplo que aconteceu com a filha de Dona Joana (Aldeia São Francisco, dez. 2004) exemplifica a conduta religiosa dos índios em relação às coisas
sagradas da natureza: Um dia minha filha foi para o rio lavar roupa e não se benzeu (pediu permissão aos espíritos) antes de entrar na água. Só deu tempo para chegar em casa e começou uma dor no estômago muito forte. Eu pedi ajuda a Deus, mas foi preciso chamar a ambulância e internar no hospital em João Pessoa. Ficou dois dias internada e cada dia piorava mais. Eu sentia que o remédio não fazia nenhum efeito e até eu comecei a passar mal. Cheguei e disse para o doutor que aquilo não era coisa de doutor não e que tinha que ser resolvido em casa. Chamei a ambulância e levei direto para a oca da Pajé. 15
Os católicos também se utilizam desse mesmo simbolismo para realizar o batismo, jogando água da cabeça no novo membro, só que isso é feito no templo.
100
Começamos um ritual no início da noite e a menina ficou calma, dormiu até 4 horas da manhã quando novamente a dor voltou mais forte ainda. A Pajé saiu para o terreiro e os parentes (espíritos) vieram e disseram que para ela ficar boa teria que passar 3 lagartixas vivas, em cruz, no estômago e soltar viva para levar todo mal. Só foi terminar de fazer e ela ficou boa.
Essa situação revela a sabedoria de quem carrega consigo tanto os ensinamentos das práticas cristãs como dos espíritos da natureza. Dona Joana recorreu primeiramente aos ensinamentos cristãos, mas não conseguiu resultado. Em seguida, os cuidados médicos também não resolveram. Foi preciso a invocação espiritual dos “parentes” para trazer a vida para a filha que estava perturbada. Os índios têm essa flexibilidade de recorrer a diferentes sistemas religiosos e terapêuticos (SOUZA, 2004). Não existe uma rigidez nem contradição nos Potiguara em participar das práticas cristãs e dos rituais nas matas, nas cachoeiras e nas águas (POMPA, 2003). Segundo Brandão (1994, p. 310),
[...] não se trata de um puro e simples sincretismo religioso, mas de uma duplicidade confessional que sugere a cada sistema de crença e culto não apenas uma função, mas a atribuição de significados a uma dimensão desigual de experiência de relações sociais e simbólicas da própria vida cotidiana.
O Potiguara, sabiamente reconhecendo-se cristão, atualiza, diante do nãoíndio, a legitimidade do relacionamento entre as duas culturas.
Por muito tempo, ali, a adoção de elementos do cristianismo não decorreu de um real confronto de dois sistemas religiosos, mas reflete uma estratégia para melhor conservar as crenças e os valores tradicionais. É uma forma de conceder para não ceder (CHEROBIM, 1986, 124).
101
Situação semelhante à dos Potiguara acontece com os índios guaranis, “Pois se, em absoluto, não cabe ao branco converter-se a, ou mesmo reconhecer a religião guarani, ao índio é necessário proclamar-se cristão para se reconhecer capaz de colocar-se diante do branco” (BRANDÃO, 1994, p. 310). Para o índio que “não se contaminou com cristianismo, a natureza é sagrada” segundo Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2003). A terra, a água, as matas são riquezas culturais, simbólicas e religiosas do índio e também têm um valor vital para toda a humanidade.
3.4 Furnas A furna (gruta, caverna) é um outro
lugar
sagrado
muito
especial dos Potiguara, onde as correntes
espirituais
tornam-se
aguçadas, e os índios que se deixam natureza Foto 35 – Furna do Terreiro - Aldeia São Francisco (abr. 03)
conduzir
pela
ficam
tomados
ancestralidade.
No
mãe da
nosso
garimpar acadêmico, procuramos investigar quais eram esses lugares poderosos dos Potiguara. Começamos perguntando se não havia furnas em algum lugar próximo da Aldeia São Francisco e, assim, ficamos sabendo da existência da Furna do Gagiru, denominada por Nilda como cidade da jurema16.
16
A jurema é um arbusto que é encontrado no litoral, mas é típico do agreste e caatinga nordestina. “A „jurema‟, como uma árvore sagrada, detém toda uma mística e ganha todo um simbolismo resultante das representações que porta. Representações essas geradas pelos grupos indígenas, difundidas e repensadas nos cultos afro-brasileiros” (ALBUQUERQUE, 2002, p. 177). Para ver melhor sobre o tema jurema, consultar também Mota e Barros (2002), Grünewald (2002); Nascimento (1994), Albuquerque (2005).
102
Foto 36 Furna do Guagiru (dez. 04)
Ali naquele recanto, era um canto que os índios cultuavam. Ali naquele canto chamava os espíritos indígenas a cidade da jurema. A jurema é uma planta indígena que atrai os espíritos da natureza. Ali quando as pessoas foram se distanciando do padrão da natureza, do respeito à natureza, aí a jurema também desapareceu. Mas ali é um canto de culto, culto indígena (NILDA, set. 2004).
Segundo a depoente, antigamente as furnas eram cercadas de plantas que completavam aquele ambiente espiritual.
Foto 37 Furna do Guagiru (dez. 04)
No Guagiru, num passado recente, existiam várias plantas que não se encontram mais. Antigamente nós tínhamos a jurema, nós tínhamos o manacá e nós tínhamos o catucá. Plantas sigilosas, que desapareceram e saiu pra longe, no meio das matas. Elas querem paz (NILDA, set. 2004).
Era nesses lugares que os índios mantinham correntes espirituais e se comunicavam uns com os outros.
Furna é um ponto indígena. Os índios mantinham correntes espirituais, com essas furnas. Uns cultuavam lá (terreiro) e outros respondiam aqui (guagiru). Os de lá chamavam os outros daqui. Ou os daqui chamavam os de lá. Eles sabiam quando era que podiam se encontrar. Mandavam o aviso” (NILDA, set. 2004).
Entre os Potiguara, a prática de rituais nas furnas era muito comum e fazia parte do cotidiano indígena. Tanto Nilda, quanto Josafá confirmam que, na década passada, toda a Aldeia de São Francisco escutou uma energia
Foto 38 Furna do Guagiru (dez. 05)
espiritual poderosa que ecoou da Furna do Guagiru.
Faz uns dez anos e morava uma tia, tia do meu pai, tia de quase todo mundo aqui. E quando ela morreu a essa hora assim (21 h) a gente estava ali sentada. Era muita gente. Aí a gente estava sentava
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ali, na porta de Raimunda e escutava os antigos índios cultuando ela (Dona Severina) lá na furna. Era impressionante, cultuando ela. Vozes, batidas do bombo, dançando no mato e ela morta ali. É como se fosse o espírito ligado à natureza. Eles davam o aviso que ela estava ali com eles (NILDA, set. 2004).
Dona Severina, segundo seu Zé Bitu (Aldeia São Francisco, dez. 2004),
[...] era uma índia que tinha correntes espirituais com os seus ancestrais e, no dia da sua morte, toda a nação estava ali presente, junto a ela. Ela tomava conta da igreja, puxava o Toré, muito respeitada dentro e fora da aldeia. Naquele tempo, o negócio tudo era com ela.
Esse depoimento mudou o rumo da nossa pesquisa porquanto não tínhamos pensado em investigar as furnas por não ser um assunto que aparece
no
cotidiano
indígena
Potiguara. A partir da furna do Gagiru,
Foto 39 Grupo dos aventureiros (dez. 04)
soubemos da existência da furna das 18 “bocas”, da Igreja Velha, do Gurubu e da Furna do Capim. Planejamos uma ida até esses locais, com um grupo indígena formado por dois anciãos, quatro professoras, seis jovens e fizemos uma garimpagem de um dia de aventura, numa grota de mata renovada de difícil acesso, até chegarmos à Furna do Capim, também conhecida como Furna do Flamengo. Alguns depoimentos dentro da Furna sintetizam a memória do estar nesse local Foto 40 Furna do Capim Visão interna (dez. 04)
considerado abençoado. A professora Cecília (dez. 2004),
conhecida como mãinha, propõe uma oração e, em seguida, faz seu comentário sobre aquele lugar.
104
Eu só tenho que agradecer principalmente a ele (Lusival), primeiramente a Deus, por estar aqui hoje. Eu não sabia que existia esse lugar. Estou muito feliz em estar aqui, descobrindo mais uma riqueza nossa, que foi tomada, mas quem sabe a gente não pode trazer de volta, junto com os outros professores, os alunos, os anciãos e a comunidade. A gente vai juntar as forças e vamos ver se gente retoma a nossa riqueza, que são muitas. E hoje, a gente vive sem nada praticamente. Eu gostei muito, foi um dia muito proveitoso, espero descobrir mais coisas e voltar aqui de novo, se Deus quiser.
A preocupação da professora em relação à retomada da furna do Capim é porque, atualmente, o local fica numa área fora da demarcação, feita em 1983, da Terra Indígena Potiguara. Hoje o lugar é uma área de assentamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). As professoras, os estudantes e os anciãos fizeram várias considerações sobre o local, como Rafael (dez. 2004), filho do Cacique Geral Caboquinho:
Foto 41 Furna do Capim Visão interna (dez. 04)
Numa
Gostei desse passeio hoje, porque se a pessoa tirar uma foto daqui e chegar num canto em São Francisco ou mesmo no colégio e mostrar isso aqui, eu acho que ninguém vai acreditar que é aqui pertinho, porque ninguém nunca viu isso aqui. Como Soninha (professora) falou, eles não acreditam. Mostrando essa realidade eles vão sentir aquilo dentro dele e vão querer conhecer também.
outra
oportunidade,
pudemos estar novamente na Furna do Capim com dois Caciques, o Pajé da Aldeia Três Rios e seus dois filhos e Estevão (pesquisador da UFPB). O fato de o Pajé José Máximo ter ido a esse lugar
Foto 42 Furna do Capim. Pajé Zé Espinho e seus filhos: Paulo e João (jan. 05)
sagrado criou nele um grande desejo de fazer o ritual de seu reconhecimento oficial como Pajé para toda a sociedade, nesse lugar sagrado. Durante todo o tempo em que esteve na Furna, contemplava tudo o que o ambiente oferecia, observando
105
cada detalhe minuciosamente. Num primeiro momento, faz um ritual com cachimbo, envolvendo seus filhos, e depois propõem um momento solene com todos nós que estávamos naquele espaço sagrado. Entremeando sua fala com o som do maracá sagrado, ele começou a dizer:
Esse lugar aqui é muito lindo. Foi um lugar que Deus reservou, Deus Tupã reservou pro seus filhos que são os índios. Deixou também para os animais, pássaros, ficou também para guardar, o espírito dos seus filhos que já se foram, guardar, a essência da beleza da natureza, e também o brilho do olhar, dos animais e de seus mais diversos amigos e aliados (Furna do Capim, jan. 2005).
Em seguida, começou a cantar três hinos do Toré. Sempre ritmado com o maracá na mão, parecia estar cantando com uma legião de vozes que proclamavam:
Minha cabocla de pena, eu chamei ela pra vir me ajudar; Pra ver a força da jurema, cadê a força que a jurema dá. Caboca de pena (2x) tem pena de mim tem dó (2x). Caboquinha da jurema, eu dancei o seu Toré, Para me livrá da flecha dos tapuias Canidé. Oh Reis Canidé (2x), palmas de jurema pra Reis Canidé. Sou Tupã, sou Tupã, sou Potiguara, Sou Potiguara nesta terra de Tupã, Tem arara, craúna e chechéu, Todos os pássaros do céu, Quem nos deu foi Tupã, Foi Tupã, foi Tupã, sou Potiguara.
A conclusão solene, revelada em poucas palavras pelo Pajé (jan. 2005), traduziu um momento de muita intimidade com a divindade. “Obrigado por esse espaço que Deus nos reservou! Obrigado também pela natureza. Muito obrigado, muito obrigado, muito obrigado”. A saudação final, várias vezes repetida, ao som bem forte do maracá, sintetizava o agradecimento de uma visita que há muito
106
tempo parecia ser esperada. O Cacique Bel e seu Vice Josesí também fazem seus agradecimentos. Existem diversas furnas espalhadas por todo o território indígena. Umas são mais conhecidas, e outras estão sendo apresentadas para os índios mais novos, pelos anciãos que já haviam freqüentado esses patrimônios sagrados nas décadas passadas. Por muito tempo esses lugares ficaram sem que ninguém os freqüentasse. Numa conversa que tivemos com o Cacique Djalma (dez. 2005) sobre a furna das 18 Bocas, sua reação imediata foi: “professor, vamos conhecer e fazer um Toré na furna”. As furnas têm essa atração pelo ritual além de todo simbolismo sagrado.
3.5 Ocas Vimos, até aqui, a terra, as matas, as águas
e
as
furnas
como
lugares
Potiguara.
Muito
sagrados
dos
conhecido
como
diacríticos
Potiguara,
um
dos a
oca,
sinais em
determinadas ocasiões, é um lugar Foto 43 Oca - Aldeia Monte-Mór (jan. 05)
sagrado indígena onde são realizadas
trocas recíprocas entre o humano e o divino. Para ser construída, a oca precisa de toda uma preparação, desde o local, à forma como é feita, a posição de cada um dos esteios, o tipo de palha, a dimensão do espaço interno, tudo é edificado em função do que se quer realizar. A oca pode ser idealizada para o uso mais restrito da família e dos parentes, como também, para ser utilizada coletivamente.
107
Quando a oca é coletiva, desde a sua construção, tudo vai sendo marcado e selado com a contribuição de todos os membros da aldeia, como protagonistas daquela obra, co-participantes e co-responsáveis por aquele lugar sagrado. Dessa forma, é edificada com a participação e com a unidade de seus membros, sinal da comunhão e da partilha das frações de um povo. A oca passa a ser um simbolismo para a aldeia e a ter de todos os seus membros o respeito e o orgulho de um patrimônio coletivo; é o lugar coletivo por excelência. Assim, a oca torna-se o lugar da conversa, do diálogo, de tomar as decisões, de se resolverem os conflitos, de fazer as reuniões, as assembléias, de receber os convidados, os parentes e os visitantes. Em algumas aldeias, a oca lembra a luta, a resistência, momentos de vitórias e de extrema fragilidade. A oca da Aldeia Três Rios, construída logo no início da retomada, em agosto de 2003, está marcada pelas noites e pelos dias em que a comunidade esteve junta, unida para reconquistar a terra. Tudo nessa aldeia foi dialogado, acertado e resolvido na oca. É a principal construção e a referência central da Aldeia. Cada vez mais, configura-se como lugar de rituais cristãos e do Toré. Algumas datas simbólicas, como o Dia do Índio, em 2004, tiveram na oca de Três Rios uma programação com diversas atividades que marcaram as fronteiras da etnicidade daquele grupo. As crianças, os jovens, homens, mulheres e os idosos, todos estavam unidos e reunidos na oca sagrada, realizando o ritual do Toré. Alguns convidados de Foto 44 Dia do Índio Aldeia Três Rios (abr. 04)
Jaraguá e de Monte-Mór também participaram
desse momento celebrativo de uma aldeia que renasceu com a retomada da terra.
108
Foi a primeira vez que a aldeia realizou o ritual na Semana do Índio. Nos anos anteriores, somente alguns representantes da Aldeia iam até São Francisco participar com os demais parentes desse momento de indianidade. A oca também é o lugar da aliança que os pais e os padrinhos fazem com o Deus, para educar o filho na fé católica, no dia do batizado, durante a missa que é rezada mensalmente na aldeia. É o único espaço na aldeia onde se realizam todos os rituais. Quando se dança Toré nos lugares onde existem igrejas, o ritual é realizado em volta do cruzeiro ou na frente da capela, jamais dentro da nave principal. Na Aldeia Três Rios, o espaço sagrado da oca é interconfessional, utilizado para todos os rituais sagrados. Em Monte-Mór, a oca da aldeia está situada no final de uma rua estrategicamente plantada para unificar e fortalecer o povo para lutar pelos seus interesses, para enfrentar diversas situações conflitantes em relação à terra, à moradia, à melhoria na saúde, na educação e em todas as necessidades da aldeia. É o lugar sagrado da realização do Toré. Foi em torno da oca que se iniciou toda a organização dos índios de lutarem por seus interesses e de fazer do Toré um momento de afirmação étnica e religiosa. Além de Três Rios e de Monte-Mór, a Aldeia Ibykuara está com um projeto de realizar uma oca comunitária de alvenaria, para todos os trabalhos culturais e religiosos da aldeia. A oca será o local onde as pessoas irão se reunir para a fabricação do artesanato. O artesanato indígena tem a marca do escultor, mas, segundo os índios, os ancestrais interferem nessa relação. Para eles, o artesão, a oca e o artesanato formam uma harmonia, um conjunto de elementos que têm uma comunicação com o transcendental. Essa dimensão de deixar-se guiar pela natureza gera a
109
inspiração e faz as mãos do artesão realizarem seu trabalho, verdadeiras obras de arte. A idéia vai sendo vagarosamente criada e talhada no traquejo de cada gesto, de cada movimento. A concentração é fundamental para essa intimidade que o artesão estabelece com a sua criação. Outras ocas coletivas serão construídas nas Aldeias Lagoa Grande e Jaraguá. Segundo Samuel, Cacique de Lagoa Grande, a oca será o local para realizar as atividades da comunidade.
Já Aníbal,
Cacique de Jaraguá, enfatizou que o lugar onde será construída a oca foi cuidadosamente escolhido porque será o epicentro da aldeia. Qualquer pessoa que chegar à Aldeia, verá primeiramente uma oca.
Foto 45 Cacique Aníbal no local onde será construída a oca da Aldeia Jaraguá (jan. 05)
Ela será a referência central da etnia. Na inauguração, haverá um ritual indígena especial, cuidadosamente orientado pela sua avó, uma anciã que está lhe repassando toda a sua ancestralidade para aquele momento de expressão da espiritualidade Potiguara. “Vou batizar meu filho. Será o primeiro índio da aldeia a ser batizado, seguindo a tradição dos antigos”, afirma o Cacique Aníbal (jan. 2005). Uma releitura das práticas religiosas pode ser feita nessas aldeias onde se tem ou terão as ocas coletivas, uma vez que a oca começa a se tornar o lugar de afirmação da identidade étnica e religiosa da aldeia. Num outro contexto, o padre, provavelmente, seria o convidado para fazer a inauguração da oca de Jaraguá. Aqui não, é o próprio cacique que está sendo orientado para reafirmar a identidade do seu povo, seguindo os rituais que eram usados pelos antepassados. Toda luta pela retomada da terra que envolve as Aldeias Monte-Mór, Jaraguá, Ibykuara, Lagoa Grande e Três Rios é alimentada pelo Toré e encontra na oca o espaço sagrado que permite e possibilita a etnia de se organizar e montar
110
suas táticas para vencer o usineiro. Isso fica bem evidente em Três Rios e em Monte-Mór, únicos lugares onde existem as ocas coletivas já edificadas. Em MonteMór, existem vários lugares onde as lideranças poderiam se reunir para discutir seus problemas, traçar suas metas e planejar suas retomadas. Até mesmo a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, um dos símbolos vitais de afirmação étnica e religiosa, poderia ser esse lugar ideal de juntar fé e luta para conseguir o objetivo de reconquistar a terra.
Mas é na oca que estão sendo gestadas as futuras
conquistas, ao som dos maracás, dos tambores e de toda a espiritual indígena. Um outro aspecto que chama a atenção nas práticas religiosas feita nas ocas é o fato de que somente no território onde está sendo retomada a terra é que podem ser construídas ocas coletivas. Em nenhuma outra aldeia elas existem nem há projetos para construí-las. Os espaços coletivos normalmente encontrados nas aldeias são as igrejas, as escolas e os pavilhões. Isso demonstra que o conflito mexe com a organização interna, e o povo começa a dar visibilidade àquilo que era comum num passado recente. A área indígena, loteada pelo Engenheiro Justa Araújo, no século XIX (PALITOT, 2005), penalizada pelas violentas atrocidades da Companhia Rio Tinto e, atualmente, disputada pelos usineiros, é o palco onde a oca coletiva agrega todos os seus membros para redimensionar a história e marcar as fronteiras étnicas e religiosas. As ocas utilizadas individualmente são encontradas nas Aldeias do Forte, Galego, São Francisco e Lagoa do Mato. Muitas delas têm função comercial de venda de artesanato. Mas também existem as que são usadas para fazer ritual. A Pajé Fátima, na Aldeia de São Francisco, tem, próximo da sua residência, duas ocas: uma menor, onde se realiza o ritual, com um grupo mais restrito, pessoas, muitas vezes, de fora da aldeia; a maior é local de fazer artesanato, de realizar
111
ritual para os turistas visitantes e para fazer trabalhos quando os parentes estão necessitados. Ela relata: “quando estou perturbada e não consigo dormir, saio de casa e vou para a oca e fico o tempo necessário pra se purificar. Quando chego carregada das viagens e dos contatos com os brancos, preciso ficar alguns dias na oca para me purificar de tudo o que não presta” (Pajé Fátima, abr. 2003). A oca tem esse poder de colocar o índio em sintonia com a mãe natureza e com os ancestrais.
3.6 Igrejas As igrejas cristãs tornaram-se um patrimônio cultural e simbólico respeitado por toda a comunidade indígena. A igreja, é uma das principais referências da aldeia, local de recolhimento e de intimidade com Deus. Foto 46 Igreja de N. S. da Conceição Aldeia São Francisco (abr. 03)
Desde o nascimento, é o lugar para onde os
pais católicos levam seus filhos para serem batizados, e os evangélicos levam suas crianças para seguirem os ensinamentos cristãos. É nela que as crianças vão fazendo a iniciação na fé desde a infância. A cada culto, a cada celebração, a cada participação no templo, a garotada vai adquirindo o embasamento necessário para a edificação da sua crença. Cada igreja (templo) evangélica ou católica tem suas
características
específicas.
arquitetônicas
Geralmente,
nas
próprias
igrejas
e
católicas
Potiguara, há uma divergência grande nas construções, em relação a tamanho, espaços e fachada.
Foto 47 Igreja de Nossa Senhora da Conceição; Aldeia Jacaré de César (jan. 05)
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Akajutibiró
-
-
-
-
-
Bento
-
-
-
-
Brejinho
-
-
-
Caieira
Santa Edvirges
As. de Deus
-
Batista Gênesis -
Santa Luzia
As. de Deus
-
-
São José
-
-
-
Missão Evan. Pent. do Brasil -
Santo Antônio Nossa Srª Guadalupe São João
-
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Batista Potiguara
Grupiúna
N. Srª Conceição
As. de Deus
Ibykuara
-
-
-
-
-
-
-
-
Jacaré S Domingos
Nossa Srª Conceição São Domingos
As. de Deus
-
-
-
Jaraguá
São Sebastião
-
-
-
-
Lagoa Grande
São Miguel
-
-
-
-
Lagoa do Mato
-
-
-
-
-
-
-
-
As. de Deus
Betel
Santa Rita
Santa Ana N. Srª Prazeres N. Srª de Fátima -
-
Betel
-
Evangélica Cristã -
São Francisco
N. Srª Conceição
-
Betel
-
-
São Miguel
-
-
-
-
-
As. de Deus
-
-
N. Srª Conceição
-
-
Batista Potiguara
Tracoeiras
-
-
-
-
Tramataia
São Sebastião
As. de Deus
-
Batista Potiguara -
Três Rios
-
-
-
-
-
Camurupim Cumaru Estiva Velha Forte Galego
Jacaré de César
Laranjeiras Monte-Mór
São Miguel Silva Silva de Belém
-
-
-
Quadro 4 Templos encontrados nas ALDEIAS POTIGUARA A religião católica está presente em todas as aldeias Potiguara desde o início do século XXI. Em 60% delas, ou seja, em 17 aldeias, conforme Quadro 4, existem templos construídos, e isso facilita a realização das práticas religiosas.
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Brejinho e Ibykuara, mesmo não tendo capelas edificadas, têm, no centro da aldeia, um cruzeiro, lugar onde mensalmente é celebrada a missa campal. Em Tracoeiras, não há capela, mas todo mês é celebrada a missa no grupo escolar, e a aldeia já escolheu São Sebastião como padroeiro. De todas as igrejas católicas construídas na área indígena, a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres é a que reúne, não só um
patrimônio
simbólico,
histórico
e
cultural
inquestionável para os índios da antiga Sesmaria de Monte-Mór, como também é uma das que melhores condições oferecem para a realização das práticas
Foto 48 Igreja N. S. dos Prazeres Aldeia Monte-Mór (jan. 05)
sacramentais e pastorais na atualidade. Mesmo tendo sido construída no início do século XVIII, a terceira igreja mais antiga da Paraíba continua em bom estado de conservação. A antiga Igreja de São Miguel, referência religiosa e de etnicidade Potiguara, hoje está em ruínas. As igrejas católicas das aldeias, na sua Foto 49 Igreja de São Miguel (abr. 03)
grande maioria, são pequenas e suas
construções muito simples. O Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, da Aldeia do Forte, é um dos poucos prédios atuais com capacidade para receber mais de uma centena de pessoas sentadas e tem uma arquitetura um pouco mais
Foto 50 Igreja de N. S. Guadalupe Aldeia Forte (dez. 04)
arrojada. Os templos das igrejas evangélicas, conforme o Quadro 4, são encontrados em 13 aldeias, sendo sete da Assembléia de Deus, três do Betel, três da Batista Potiguara, uma da Batista Gênesis, uma
Foto 51 Igreja Batista Potiguara Aldeia do Galego (abr. 03)
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Evangélica Cristã e uma da Missão Universal do Brasil. Elas
variam
em
diversas
formas,
tamanhos
e
arquitetura. Algumas são bastante simples e foram improvisadas a partir de antigas casas, como o Betel Foto 52 Igreja do Betel Aldeia Santa Rita (abr. 03)
da Aldeia Santa Rita ou a Assembléia de Deus, nas
Aldeias Grupiúna e Caieira. Outras foram construídas para ser templos cristãos e obedecem a uma padronização de acordo com cada denominação religiosa. Não há diferença na estrutura física de uma igreja dos cristãos índios para uma de nãoíndios. As igrejas evangélicas das aldeias são mais espaçosas e oferecem melhores acomodações físicas, se comparadas às construções católicas.
Foto 53 Igreja da Assembléia de Deus Aldeia Camurupim (abr. 03)
Foto 54 Igreja da Assembléia de Deus Baía da Traição (abr. 03)
A cidade, vizinha das aldeias, é o lugar onde está concentrado o maior número de habitantes e também o local onde as religiões constroem com mais freqüência seus espaços sagrados. Na Baía da Traição, a igreja católica é freqüentada por poucos índios, uma vez que, no bairro do Morrinho e nas aldeias vizinhas do Forte, Vila São Miguel e Caieiras existem capelas construídas. Em Marcação, muitas atividades eclesiais católicas são feitas na matriz, e muitos índios para lá convergem durante as práticas religiosas. Das aldeias próximas, apenas Lagoa Grande tem uma pequena capela com poucas atividades pastorais e sacramentais.
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A situação dos evangélicos que vivem na zona urbana e no seu entorno é totalmente diferente da dos católicos, porquanto não há templos construídos nas suas mediações. Os índios participam das práticas religiosas na cidade com os não-índios e não há uma pastoral específica para os pentecostais realizarem uma evangelização com as etnias. Na cidade de Baía da Traição, existem três denominações religiosas evangélicas próximas do centro: Assembléia de Deus, Universal do Reino de Deus e a Batista Gênesis. Bem perto da Aldeia do Forte, está construída a Igreja do Betel Brasileiro. Em Marcação, existem três igrejas evangélicas: A Batista Potiguara, a Assembléia de Deus e a Deus é Amor.
3.7 Outros lugares sagrados Até aqui nos debruçamos sobre os vários lugares sagrados encontrados na natureza: a mãe terra, as matas, as águas e as furnas, passando em seguida para os construídos pelos índios, como as ocas, as igrejas, mas existem outros lugares sagrados dos Potiguara, como os cemitérios, as encruzilhadas etc. Os cemitérios são os lugares sagrados onde são „plantados‟ os índios que já morreram. Atualmente existem três cemitérios na área indígena: um, na Baía da Traição, um, em Marcação e outro, na Vila de Monte-Mór. No dia de Finados, à semelhança do que ocorre com os Foto 55 Cemitério de Marcação (jan. 05)
não-índios, uma grande quantidade de pessoas
costuma visitar o cemitério e levar consigo flores e velas para homenagear o parente ou ente querido que já morreu17. Essa prática religiosa anualmente vai sendo repassada para as novas gerações. Segundo Rolim (1970, 346), “Ao pé das 17
Muitos índios são católicos e é uma tradição mandar rezar a missa no Dia de Finados. Segundo Dona Maria José, da Aldeia São Francisco, quem já morreu, os pastores orientam para não rezar. Eu mesma não rezo não.
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cruzes, ou à sombra de algumas igrejas, nas cidades como nas margens das estradas, as almas entregaram suas mensagens, tornaram-se guias, segundo a crença popular”. Os Potiguara têm muito respeito pelo lugar onde os mortos são enterrados. Eles enterram seus parentes de forma tradicional, ou seja, em covas cavadas no chão ou em túmulos feitos de alvenaria. Todas as sepulturas têm uma cruz, com data de nascimento e de morte do falecido. O cuidado com o lugar sagrado onde estão os ancestrais é muito importante para a etnia, que continua cultuando essa prática religiosa há vários séculos. Atualmente há um descaso por parte da prefeitura da Baía da Traição em manter o local condignamente18. Outro lugar sagrado as encruzilhadas, até recentemente, segundo o Cacique Djalma (dez. 2004), “eram locais onde muitas crianças (anjos) que nasciam mortas eram enterradas, e o local se tornava referência para a comunicação entre os índios. Encontrei fulano lá no anjo de fulano de tal. Às vezes, tinham vários anjos numa mesma encruzilhada”. De acordo com Josafá (dez. 2004), existia uma outra tradição: “que sempre que a pessoa passasse tinha que colocar um galho de mato onde o anjo foi enterrado. Porque se não colocasse, a pessoa ficava vulnerável a qualquer coisa. Tinha que colocar. Ou, então, o anjo de noite ia perturbar o sonho da pessoa”. Não
só
os
cemitérios
e
as
encruzilhadas, mas diversos locais das aldeias, como as casas, transformam-se em lugar sagrado
Potiguara.
aconchego, 18
da
A
casa
proteção,
da
é
lugar
do
oração,
da
Foto 56 casa de taipa em construção, feita de madeira e barro Aldeia São Francisco (abri.03)
Há vários anos, o muro caiu e ainda permanece do jeito que estava. O cemitério está abandonado.
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construção de inúmeras relações familiares, formativas, educativas e afetivas. No seio da família, as pessoas se encontram, crescem, constroem seus sonhos, suas paixões, seus desejos, estabelecem seus limites, têm suas contradições, aprendem a se relacionar, a construir suas convicções. Na casa, um conjunto de elementos
Foto 57 Suarã, filha do professor Pedro; Aldeia Ibykuara(jan05) 05)
estão diariamente interagindo, formando a personalidade das pessoas, lapidando a vida. Tudo vai sendo cuidado dentro de uma dinâmica interna individual/coletiva. Segundo Leonardo Boff (2004a, p. 96), “Cuidar é entrar em sintonia com, auscultarlhe o ritmo e afinar-se com ele. A razão analítico-instrumental abre caminho para a razão cordial, o esprit de finesse, o espírito de delicadeza, o sentimento profundo”. É a casa o lugar sagrado, quando a fé traz vida novamente ao ente querido. São muitas as histórias contadas de milagres conseguidos por pessoas que, com fé, alcançam a graça divina. Dona Maria Gomes (abr. 2005) faz um dos tantos relatos de milagres alcançados em casa por meio da fé:
Eu estava com um mês e alguns dias que tinha faltado a menstruação. Aí nesse meio eu tomei uma bezentacil e ela arrastou com tudo e eu abortei e fiquei perdendo muito sangue. Comadre Maria Grossa foi lá em casa fez um chá pra mim e parou. Ela disse: olha, a senhora fica em repouso, não vai fazer nada. Eu já estava com o peito doente e aí vem esse outro negócio. Aí Antonio precisou ir pra Baia. Um pedaço que ele tina saído eu escutei assim: ssrum. Daqui a pouco de novo: ssrum. Eu me levantei bem de devagarinho, quando cheguei no quarto o menino estava deitado na rede e não tinha mais cor. O sangue já estava em baixo, no chão. Ele derramando todo sangue pelo nariz, se acabando, não podia mais chorar, todo mole. O braço que eu podia pegar era esse o direito. Eu não podia pegar por causa do caroço. Eu fui queimar pano, pra ele cheirar, que é bom. Quando eu colocava o sangue jogava longe. Aí eu disse: me vala meu São Geraldo, pelas cinco chagas de nosso Senhor Jesus Cristo, não deixe meu filho morrer numa agonia dessa. Eu confio em Jesus que vou fazer uma visita a São Geraldo com ele, numa igreja que seja de São Geraldo. Foi eu fechar a boca e o sangue parar. Quando Antonio chegou viu aquilo tudo, aí eu contei pra ele o que tinha acontecido.
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Esse é um dos depoimentos que mostram como o imaginário indígena tem a capacidade de realizar o milagre da vida através da fé. Em cada casa indígena, há sempre um membro da família que conhece algumas receitas utilizadas para curar doenças. Quando a sabedoria dos membros da casa não resolve, procuramse as rezadeiras19 que, em casa, promovem o espetáculo da vida (Capítulo III). A casa é “lugar sagrado” onde acontecem cotidianamente muitas das práticas educativo-religiosas da vida dos Potiguara.
Também o pavilhão20 e as escolas, em determinadas ocasiões, como nas festas do Dia dos Pais, das Mães, das Crianças ou em determinados shows e certas homenagens, transformam-se em espaços sagrados para a realização de rituais.
Na inauguração da escola Estadual Indígena Pedro Poti, o Toré foi a
grande síntese de toda a programação da visita feita
na
Aldeia
São
Francisco pelo Governo Foto 58 Ritual indígena Coor-denado por Iolanda no Encon-tro da Juventude (dez. 04)
do Estado da Paraíba, em maio de 2003. No Primeiro Encontro de Jovens Potiguara, realizado na Escola Pedro Poti, em dezembro de 2004, os trabalhos foram iniciados com o Toré e com um ritual feito por Iolanda, evocando as quatro direções: Norte, Sul, Leste e Oeste. As escolas confessionais do Betel Brasileiro e das demais religiões presentes na área indígena, constantemente, realizam práticas sagradas em seus recintos.
19
Quando é necessário, as pessoas são levadas para o posto de saúde para receberem cuidados médicos. 20 Pavilhão é um espaço coberto, semelhante a uma quadra, onde acontecem os eventos e as festas da aldeia.
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Diversos outros lugares das aldeias, como as ruas, são utilizados pelos cristãos durante a semana santa ou nas procissões dos padroeiros para realizarem suas práticas Foto 59 Via Sacra católica feita no meio da rua; Aldeia São Francisco (abr. 03)
religiosas. Os índios evangélicos utilizam as ruas e as praças para proclamarem a
palavra de Deus. As sombras das árvores são locais que se transformam em local de culto para os evangélicos realizarem suas práticas religiosas, assim como lugar de se dançar o Toré. Não existe apenas
Foto 60 Cajueiro onde se dançava Toré em Monte-Mór, antes da construção da atual oca (jan. 05)
um único lugar sagrado para essas práticas. Dependendo das circunstâncias, qualquer ambiente pode se tornar um espaço sagrado para isso.
3.8 Lugar de encantos Até aqui nos deparamos com os lugares sagrados da natureza e os construídos pelos índios, cada um com sua grande densidade sagrada. Este último aspecto é completamente diferente da seqüência que vínhamos fazendo, por apresentar o perfil que precisa de ser analisado dentro de outros padrões de linguagem. Ao longo da pesquisa, fizemos várias incursões, buscando uma definição Potiguara para essa temática, mas não conseguimos chegar a uma afirmação que contemplasse todo o universo encantado. Optamos por deixar cada um dos relatos dar a sua resposta. Passaremos a elencar alguns dos vários e fascinantes encantos que povoam a cosmologia Potiguara. Segundo Josafá (dez. 2004), os encantos aparecem e desaparecem facilmente.
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Ele aparece e se a pessoa não fizer logo uma marca de sangue em cruz, ele desaparece. A pessoa está vendo aquilo na frente, vamos supor que seja uma botija de ouro, tá bem na frente da gente. Se tirar o olhar pra outra coisa, se olhar do lado, ele já não está mais. Tem fazer uma cruz de sangue; e se tirar, não pode contar para ninguém.
Em Monte-Mór, existe um lugar chamado de Encantada, por causa de uma lagoa que, em “certas horas, algumas pessoas não podiam se aproximar, porque tinham encantos. A pessoa via siri, corrente de ouro, barulho no mato. Era uma coisa muito linda.
Foto 61 Lagoa Encantada (jan. 05)
Era muito funda. Em volta era tudo mata” (Pajé ZÉ ESPINHO, Monte-Mór, jan. 2005). Hoje a lagoa está quase toda soterrada e bem reduzida, com pouca vegetação nativa em volta. Segundo o Pajé Zé Espinho (jan. 2005), “a CTRT foi responsável por acabar com a lagoa encantada porque começou a jogar dejetos e objetos dentro”. Do outro lado da Encantada, na Aldeia Jaraguá, existe uma mata de encanto. Segundo o Cacique Aníbal (jan. 2005), “as pessoas já viram uma moça bem bonita com uma corrente de ouro lá do olho d‟água. Muita gente já viu essa moça com essa corrente”. Há um relato que diz respeito a uma outra lagoa encantada, próximo da Aldeia Lagoa do Mato, que abriga, no fundo, uma porta que até hoje ninguém conseguiu abrir. Para poder abri-lá, é preciso toda uma preparação para não ser arrastado para dentro dela, segundo Josafá (set. 2004):
Segundo a história, tem uma porta no fundo da lagoa. Tem cerâmica embaixo e deságua no pinga-pinga, lá no tambá. Se a pessoa abrir tem que ficar atrás dela, que é pra água desaguar. Se não correr pra trás da porta, já era. Aí morre mesmo. Aí ela seca e onde é que está todo tesouro.
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Existe uma riqueza de detalhes em cada relato que os índios vão fazendo sobre essa lagoa encantada. Esses relatos sempre estão relacionados com tesouros em ouro. Segundo Nilda (set. 2004),
Foto 62 Manuel Juvita na Lagoa Encantada (abr. 04)
A lagoa encantada é uma mina. Tem um tesouro antigo. Tem armas. Já foi seca uma vez, como se fosse um mistério. Manoel Domingo um índio velho antigo, ainda tem família dele aqui em São Francisco. Ele foi para o mangue e quando chegou lá (na lagoa encantada), ele encontrou os peixes que tava batendo assim na lama; tinha só a lama. Não tinha água nenhuma. Ele viu que ali tinha muito ouro, brilhava assim! Tinha rifle, tinha revólveres, tinha metralhadora, tinha uma infinidade de armas, mas tudo era ouro, tudo, tudo era ouro. E ali tem uma corrente de ouro que atravessa de um lado para o outro. A pessoa que pegar e quebrar ela desemboca novamente no mar e se nunca ninguém quebrar, ela nunca se abrirá. Aí de repente, esse Manoel Domingo, ele veio em casa, para chamar gente para buscar peixe. Quando chegou lá, nem peixe, nem ouro, nem nada. Tava mar. Era pra ele, mas ele não sabia. Ficou lagoa encantada do índio que não tirou o dinheiro.
Diversas pessoas já viram vários objetos de ouro, como caixão, caranguejo, dentro dessa lagoa encantada. Por isso recebe esse nome. Minha irmã, Socorro, a mais velha, um tempo ela foi nadar, atravessar a lagoa. Quando ela olhou, viu aquela coisa brilhando embaixo. Era um caixão. Um caixão bem grande, de ouro. Várias pessoas já viram, né seu Zé, ali, na Lagoa encantada. Viram também um caranguejo de ouro (Josafá, dez. 2004).
A mãe terra, segundo Josafá (dez. 2004), abriga lugares de encantos, como o do carro quebrado. Na época em que não havia desmatamento, as pessoas escutavam o barulho do carro, mas quando procuravam, nada aparecia. Existia um carro que em certas horas da noite, tanto de tardezinha como a noite, aquele carro começava a zoar, só que não saia do canto. Só fazia zoar mesmo e podia vim atrás que ninguém via nada não. Tinha um período do ano que ele começava a passar direto. Zoava pra danar, mas não saia do canto não. É o carro encantado. Tem essa estória de que, antigamente, alguém pegava madeira, aí morreu e ficou isso. O pessoal que trabalhava lá perto, escutava aquele carro, aquela zoada e quando chegava no lugar, não passava carro nenhum não. Aí sumia a zoada e acabava tudo. Hoje não se vê mais nada (JOSAFÁ, dez. 2004).
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Um outro lugar encantado muito conhecido na Aldeia São Francisco é uma antiga casa de farinha que hoje já não existe mais. Muitas e muitas vezes, os índios passavam o dia fazendo farinha e, depois que terminavam, os encantos continuavam durante toda a noite, com todo processo de fabricação, sem ter ninguém por perto. Josafá (dez. 2004) assim relata:
Antigamente lá na casa de farinha de meu avô e da minha avó, ali em São Francisco, tinha uma casa antiga, casa de farinha e era mal assombrada. Isso eu digo porque eu já ouvi várias vezes, eu era pequeno, mais vi bater. Lá era tradicional, via bater a prensas, aí tinha que bater para prensar a massa. A partir de oito horas da noite, já começava a fazer farinha, os encantos. A gente via o povo falando, mexendo o forno, batendo na prensa, batendo o “brinquedo”(?) na chapa. Quando o pessoal saía, aí vinha uma outra turma, os antigos. Aí ia fazer farinha também. Aí rolava a noite todinha. Era a noite todinha fazendo farinha e não tinha ninguém lá. E todo mundo escutava. Via até os candieiros acesos, mas não tinha ninguém. Quando passava lá, não via nada. Até as taperas dela, quando tinha alguma coisa em terra, ainda via tudo isso. Depois derrubou completamente aí não vê mais não. Só que o local é ainda mal assombrado.
Hoje existem diversas casas por perto, mas não se escuta mais nada. Uma história muito comum em São Francisco é a de um rapaz que morreu e, em todas as noites do seu aniversário de morte, passa por dentro de São Francisco causando pânico nas pessoas.
Tem uma outra história de um aniversário de morte de uma pessoa que morreu em Tracoeiras. Todo ano umas pessoas escutam uma pessoa que carrega o outro na colcha (de forrar cama) puxando. Ele começa a gritar e diz que foi eles brigando. Ele matou mesmo, uma morte feia danada, que colocou a tripas todas para fora. Numa época do ano ele passava direto e escutava aqueles gritos. Agora não era todo mundo que escutava não. Tinha aquelas pessoas que escutava. Ele passava em São Francisco, subia, passava na Regina, no Galego e era aquela maior assombração. Era coisa feia mesmo. Ele tinha as paradas. Tinha uma parada no meio da ladeira de São Francisco. Quando alguém andava de bicicleta, aí o cara descia na
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carreira. Era aquele barulho e lá vem; podia olhar que a pessoa não via ninguém não. É assombração pra danar! (JOSAFÁ, dez. 2004).
Existem diversas histórias que falam sobre fatos que estão relacionados com encantos. Há dez anos, aproximadamente, um garoto encontrou uma chave de ouro, mostrou até para algumas pessoas, mas ela caiu de sua mão e desapareceu.
Na casa de Zé Cotia, o pessoal foram cavar e tirar barro pra tapar a casa. No meio do barro, o menino encontrou uma chave de ouro. Aí ele mostrou. O pessoal viram ainda a chave de ouro que chega brilhava. De repente, não sei como é que foi, caiu da mão dele. Quando ele foi pegar, ele não encontrou mais, ela sumiu. Era encantada (JOSAFÁ, dez. 2004).
Um dos lugares onde já foram cavadas botijas de ouro foi na Igreja de São Miguel. Os índios relatam várias histórias sobre esses tesouros, como esta: Ali na igreja foi tirado ouro. As almas davam para a pessoa. Agora se a pessoa não souber, tem que ser na terceira vez, né seu Zé. Ela diz na primeira, a pessoa fica calada, não diz a ninguém. Ela diz com um certo tempo, num sonho de novo, a pessoa sonha pela segunda vez. A pessoa não diz a ninguém. Ela já diz com quem é o parceiro. E a pessoa vai chamar pra tirar o ouro. Aí na terceira vez a pessoa já pode chamar a pessoa, tem um local, a hora. Agora tem uma coisa, tem que ir com a mente limpa. Porque se for pensando já em carro, comprar alguma coisa, na hora de tirar só sai caixa de abelha e a coisa some (JOSAFÁ, dez. 2004).
Outro relato mostra os detalhes de como se deve fazer para tirar um tesouro encantado. As pessoas são escolhidas pelos encantos.
Um certo tempo um índio de São Francisco foi tirar o ouro... só que lá, a pessoa vê tudo! Aparece alma, aparece tudo; a pessoa vê falando, passa por perto, que é pra pessoa não tirar. Assim que tirar, tem que tirar uma marca de sangue e fazer em cruz, senão o ouro não desencanta. Tem que botar o sangue em cima da botija. A gente sabe falar, mas não diz. São os encantos que escolhem as pessoas (JOSAFÁ, dez. 2004).
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Existem diversas histórias de pescadores que também falam de assombração, de alma, fantasmas, etc. como está, de um índio pescador de Três Rios.
Ali antigamente, da camboa da caninanda, na Boca Rasa até o Camurim, muita gente viu um candeeiro grande pra cima e para baixo. Eu também já vi! Oh meu Jesus, como é que vem aí uma canoa com uma luz e não houve nem barulho da canoa? Eu estava no bote, sozinho, e disse: puta que pariu, lá vem, lá vem, lá vem; é um fantasma. Na hora eu fiquei lá, quietinho, me apegando com Deus. Aí tirou por longe assim. Se viesse para cima de mim eu estava todo cagado. Sumiu, entrou para dentro do mangue (Aldeia Três Rios, jan. 2005).
O medo faz a pessoa enxergar coisa que não existe. O relato de um outro pescador índio, de Três Rios, mostra como até um peixe pode assustar:
Eu não tenho medo não. Acho que é besteira! A alma mais feia que me fez um medo foi um camurim que tinha na rede, lá em Boca Rasa, no lugar onde mataram um cara. Na boca da noite, Néo estava tirando caranguejo e, às 4h da manhã, ele veio embora. Ele disse: camarada você tem coragem de ficar aqui sozinho? Eu disse: isso não faz medo a ninguém rapaz! Aí eu fiquei. A maré tava meio dura eu fui para o bote e aguarei no sono. Quando me acordei, fui olhar se a maré estava seca. Eu olhei e vi aquele homem branco, deitado. Era uma noite parda, aí eu disse: Virgem Maria, tem um homem deitado ali, será que foi o homem que morreu? Aí fui, me armei, peguei a foice e a faca. Eu não vou correr com medo, eu não vou deixar minha rede aqui, eu não vou embora não. Eu pensei; será que esse cabra quer me matar? Ou é o morto? Aí eu fui falando e o cabra não falava nada. Ei rapaz, o que é que você faz aí na minha rede? Sai daí rapaz! Aí ninguém falava. Eu fui mais pra perto, fui me encostando, quando cheguei perto era um camurim de 12 kg. Peguei, botei dentro da canoa! O que assusta o cara é ele ter medo! (Aldeia Três Rios, jan. 2005).
Para os Potiguara, os encantos, os aliados que protegem a natureza e os lugares dos rituais fazem parte da cosmovisão indígena. Na mãe terra, existe vida mineral, vegetal, animal; é onde moram os espíritos, os ancestrais e os encantados. O índio quer ver seu protagonismo reconhecido dentro do cenário nacional, uma
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vez que o poder econômico prevalece sobre os mitos, os encantos, os espíritos, as espécies nativas e todos os ensinamentos de natureza indígena. Para os Potiguara, a terra é sagrada, lugar onde existe vida mineral, vegetal, animal e sobrenatural, lugar onde moram os espíritos, os ancestrais e os encantados. Toca no fundo da alma, mexe com a estrutura emocional, psíquica, subjetiva do índio. É algo que está arraigado, marcado nas entranhas e na vida indígena. Mexer com algo sagrado é tocar na essência do ser. Isso porque, na mãe terra, povoam os encantos, os espíritos e os aliados que protegem a natureza e os lugares dos rituais. É da mãe terra que provêm todos os alimentos da humanidade. Essa dupla dimensão é vital para os Potiguara e não pode estar dissociada uma da outra.
Foto 63 Terra Potiguara ( abr. 05)
Práticas Educativo-Religiosas Cristãs Potiguara
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4 PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS CRISTÃS POTIGUARA
Acabamos de fazer uma viagem por vários lugares sagrados Potiguara, patrimônios de valor simbólico inafiançável. Com certeza, não são somente os que aqui apresentamos, muitas outras heranças valiosas constituem referenciais de espiritualidade de um povo que tem no sagrado um dos seus grandes valores. Discutiremos, a partir de agora, as práticas educativo-religiosas cristãs expressas pelos Potiguara. As práticas cristãs começaram a existir em solo brasileiro, desde o início da colonização, no século XVI, com a chegada dos primeiros evangelizadores. Diversos autores, como Metraux (1979); Nimuendaju (1978); Cadogan (1946) e Pompa (2003) tratam dessa problemática, que não é objeto desta pesquisa. O nosso foco de estudo são as práticas educativo-religiosas dos índios Potiguara, que acontecem no início do século XXI. A condução dos ritos cristãos nas aldeias sempre foi orientada por padres, pastores, diáconos, missionários, freiras, enfim, por agentes responsáveis pelas atividades eclesiais existentes naquela área indígena. A socióloga Regina Novaes (1993, p. 92) define agente como “[...] denominação dada a padres, religiosos ou leigos que se engajam regionalmente no projeto de construção de uma „Igreja dos pobres e oprimidos”. Nos últimos anos, a presença de agentes entre os Potiguara tem aumentado consideravelmente, e isso tem um reflexo direto nas práticas educativoreligiosas, como nos lembra Gouveia (2004, p. 153) ao dizer que:
Neste contexto, percebem-se as fronteiras étnico-religiosas fechadas, antes definidoras das exclusividades dos saberes religiosos, tal qual as fronteiras dos Estados; hoje, em tempos de globalização das economias e dos encontros multiculturais, tornarem-se borradas, disformes e indefinidas.
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Iniciaremos este capítulo mostrando um panorama geral da presença de todas as denominações cristãs encontradas nas aldeias, destacando onde existem os templos construídos, bem como a localização de suas sedes. As Aldeias de Jaraguá, Monte-Mór e Silva terão destaque por apresentar características importantes para nosso objeto de estudo. A Aldeia Jaraguá, por haver um dos Terreiros de Umbanda, pelo fato de praticar um ritual de cura, no Dia de São João, e pela maneira diferente de realizar a festa do padroeiro; a Aldeia de Monte-Mór, por causa da existência da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, um dos patrimônios simbólicos, culturais e identitários do povo Potiguara (PERES, 2004; PALITOT, 2005); e a Aldeia Silva, por ser uma das que têm maior número de evangélicos, praticamente toda a aldeia. Os demais aspectos do capítulo estarão relacionados às práticas educativo-religiosas cristãs presentes na Aldeia São Francisco. Faremos um estudo sobre o envolvimento dos agentes evangélicos e suas práticas eclesiais na Igreja do Betel Brasileiro, por ser a única local. Em seguida, abordaremos como se processa a atuação dos agentes católicos, nesse meio eclesial, e nos debruçaremos sobre alguns registros de práticas educativo-religiosas católicas mais visíveis na aldeia focada. Finalizaremos fazendo considerações gerais sobre as práticas hierárquicas da Igreja Católica, na atualidade.
4.1 Práticas CRISTÃS presentes nas ALDEIAS Potiguara Conforme o Quadro 5, tanto a Igreja Católica, quanto as igrejas evangélicas têm presença de membros em todas as aldeias. A principal diferença é que, em toda a área indígena, a Igreja Católica é conduzida por um único padre,
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enquanto as igrejas evangélicas contam com a orientação de dezesseis pastores pertencentes a nove diferentes denominações religiosas.
Aldeias Akajutibiró
Denominações CRISTÃS Católica
Assembléia de Deus
Caieira
t Católica
t Assembléia de Deus
Forte
t Católica
Assembléia de Deus
Betel
Batista
Universal do Reino de Deus - IURD
Galego
t Católica
Assembléia de Deus
Betel
t Batista *
IURD
São Miguel
t Católica
Assembléia de Deus
Betel
Batista
IURD
Lagoa do Mato
Católica
Assembléia de Deus
Betel
Batista
Brejinho
Católica
Assembléia de Deus
t Católica
t Assembléia de Deus
Católica
Assembléia de Deus
Batista
Lagoa Grande
t Católica
Assembléia de Deus
Batista
Deus é Amor
Tramataia
t Católica
Assembléia de Deus
Três Rios
Católica
t Assembléia de Deus
Batista
Deus é Amor
Bento
Católica
Assembléia de Deus
Cumaru
t Católica
Assembléia de Deus
Estiva Velha
t Católica
Assembléia de Deus
Grupiúna
t Católica
t Assembléia de Deus
Jacaré de César
t Católica
Assembléia de Deus
IURD
Camurupim Ibykuara
Betel
t Batista Gênesis t Missão Evangélica Pentecostal do Brasil
Jacaré S Domingos t Católica
t Assembléia de Deus
Silva
Católica
t Assembléia deDeus*
São Francisco
t Católica
Assembléia de Deus
t Betel *
Batista
Monte-Mór
t Católica t Católica
t Assembléia deDeus*
t Betel*
Batista
Jaraguá
t Católica
Assembléia de Deus
Betel
Tracoeiras
t Evangélica Cristã IURD Adventista Evangélica Cristã
Católica
Betel
t Batista
Silva de Belém
t Católica
Betel
t Batista
Laranjeiras
t Católica
Betel
Santa Rita
Católica
t Betel
Quadro 5 - Quadro das Igrejas CRISTÃS presentes nas ALDEIAS Potiguara Legenda: t templos construídos * Igreja matriz
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O quadro 5 indica, através das diferentes cores, a atuação eclesial de cada pastor. A Assembléia de Deus1 é a igreja evangélica que mais cresceu no território Potiguara e está presente em 85% das aldeias. As aldeias que aparecem no quadro, com a mesma cor, estão nucleadas em torno de uma matriz e formam um mesmo bloco eclesial, como é o exemplo da Assembléia de Deus, composta por Jacaré de São Domingos, Jacaré de César, Grupiúna, Estiva Velha, Cumaru e Bento, tendo a Aldeia Silva como sede. Em determinadas aldeias, existem membros que moram, mas freqüentam as atividades eclesiais na aldeia vizinha. Esse é o caso dos índios que residem na Aldeia de Jacaré de César, onde o cacique José Lima, porque é católico, proíbe qualquer manifestação pública de evangélicos naquela localidade. Um outro bloco da Assembléia de Deus é formado pelas Aldeias de Tramataia, Três Rios2, Monte-Mór, Lagoa Grande, Ibykuara, Camurupim e Brejinho, que seguem a orientação do pastor da
Foto 64 Igreja da Assembléia de Deus de Marcação (jan. 05)
Assembléia de Deus da igreja matriz de Marcação; contam com uma boa estrutura eclesial e estão crescendo, em expansão. Um terceiro bloco eclesial da Assembléia de Deus tem, em Monte-Mór, o seu núcleo central que atende também à Aldeia Jaraguá. O quarto bloco é formado pelas aldeias Akajutibiró, Caieira, Forte, Galego, Lagoa do Mato e São Miguel, que participam da Assembléia de Deus, na Baía da Traição, uma igreja já bem consolidada e presente na cidade desde a década de sessenta. 1
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1991, a Assembléia de Deus tinha 2,4 milhões de fiéis, isto é, 18,4% dos evangélicos do Brasil. Em 2000, esse número triplicou para 8,4 milhões, o que representa 47,78% dos evangélicos pentecostais. 2 A Aldeia de Três Rios tem a presença de moradores que são evangélicos, mas não têm a assistência na aldeia de agentes eclesiais porque, segundo o Pastor João Santana, as Congregações orientam seus quadros para evitar os lugares de conflitos. E a aldeia está sendo construída numa área de retomada da terra.
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Também é da mesma década, segundo Vieira (2001), a Igreja Batista Potiguara, cuja sede fica na Aldeia do Galego. O pastor atual conta com um rebanho presente nas aldeias do Forte, São Miguel, Lagoa do Mato, Silva de Belém, Tracoeiras e em São Francisco. Fruto do trabalho eclesial, a Batista Potiguara se expandiu e fundou, na cidade de Marcação, uma outra sede, tendo à sua frente o Pastor Índio João Santana, filho desse mesmo berço religioso. As duas igrejas
Foto 65 Igreja Batista Potiguara de Marcação (jan. 05)
têm muita afinidade, embora cada uma tenha sua autonomia e, dessa nova missão, participam os índios das aldeias de Três Rios, Lagoa Grande e Ibykuara. A Batista Gênesis, com sede na cidade da Baía da Traição, é ainda muito pequena e faz um trabalho na Aldeia Brejinho. O Betel Brasileiro, com sede na Baía da Traição, congrega índios que moram na cidade e nas aldeias vizinhas de São Miguel, Akajutibiró, Galelo e, sobretudo, do Forte. É uma igreja que tem uma vida eclesial bastante dinâmica. A Betel de Monte-Mór é
Foto 66 Igreja do Betel de Baía da Traição (abr. 03)
também bastante consistente e atende a índios que moram na aldeia Jaraguá. A IURD3 chegou à cidade da Baía da Traição em 2005 e já tem membros nas Aldeias do Forte, Galego e até em São Francisco. Em pouco tempo, tem tido grande aceitação de índios e não-índios. Em Monte-Mór, a IURD, todos os domingos, leva um ônibus de pessoas para as atividades eclesiais em Mamanguape. A Missão Universal do Brasil só tinha presença na Aldeia de Camurupim, mas atualmente
3
A IURD, segundo o censo do IBGE de 1991, contava com 268 mil fiéis, tendo, em 2000, um grandioso crescimento para dois milhões de seguidores, o que representa um aumento de mais de 490% na última década, chegando num patamar de 11,93% dos evangélicos do país.
132
encontra-se fechada. A Evangélica Cristã conta com uma pequena participação de índios das aldeias de Monte-Mór e de Jaraguá. A adventista também tem um núcleo pastoral em Monte-Mór. Os evangélicos realizam diversas atividades eclesiais durante a semana e, nos finais de semana, sempre tem escola dominical da fé, encontro com as crianças, com jovens e com os adultos. O Domingo é o grande dia de louvar e bendizer a Deus e, mensalmente, tem-se a Ceia, epicentro da espiritualidade evangélica. É muito comum haver confraternização nos momentos festivos e celebrativos, como na páscoa, no natal. Em aldeias, como Estiva Velha, onde o templo ainda não foi construído, os evangélicos se reúnem, em uma das casas dos irmãos, sob a liderança de um Diácono. Uma das metas do pastor índio Rosildo Terto, responsável pela evangelização dessa aldeia, é justamente melhorar a assistência espiritual dos irmãos das aldeias onde atua. Essa é uma meta unânime de todos os pastores: expandir sua evangelização e aumentar os operários para ceifar a messe do senhor Jesus. Geralmente, onde existem igrejas construídas, os congregados e membros evangélicos são assistidos por Diáconos, ou dirigentes locais, que seguem as orientações dos seus respectivos pastores no trabalho missionário.
Hoje em dia, missões evangélicas e, dentre elas, com muito mais ênfase e melhores resultados, as de grupos e igrejas pentecostais, disputam com as ordens de missionários católicos o direito e o suposto dever cristão de converter pessoas e culturas indígenas à sua fé (BRANDÃO, 1994, p. 299).
As igrejas evangélicas não têm uma proposta pastoral específica para a questão indígena. Muito pelo contrário, os índios é que têm que se adequar às normas hierárquicas e doutrinais de cada uma das igrejas. É nosso objetivo
133
investigar como as práticas educativo-religiosas se apresentam nesse universo, no início deste século. De acordo com o Quadro 5, podemos verificar que há uma grande invasão de igrejas nas aldeias, cada uma tentando converter novos membros para sua doutrina. Na Aldeia Monte-Mór, por exemplo, existem cinco templos, e os seus agentes buscam seduzir cotidianamente os índios para aceitarem Jesus como salvador. Em Marcação, o pastor João Santana (jan. 05) disse que “a igreja adversária é a Assembléia de Deus. Com a católica, há uma boa convivência”. Nessa competição religiosa, cada igreja quer aumentar o seu rebanho, e os índios acabam ficando num território de disputas eclesiais contínuas. Segundo Comblin (2002, p. 45), [...] o pentecostalismo é o fenômeno religioso mais importante do mundo desde a Reforma protestante do século XVI. Veio para provocar um maremoto e abalar as Igrejas Tradicionais com mais força do que Lutero ou Calvino no seu tempo, por ser muito mais radical.
Nos últimos anos, conforme os Quadros 6 e 7, há um grande crescimento do número de evangélicos no Brasil. Na década de quarenta, eles eram 2,6% da população brasileira. Cinqüenta anos depois, esse número passou para 9,05% e, no início do século XXI, saltou para 15,45%, em números absolutos, com um aumento de mais de 70%. Em contra partida, os católicos tiveram uma queda significativa de 11,4% em meio século, chegando a quase 122 milhões, em 1991. Na última década, esse número caiu mais 10%, com relação à década anterior, chegando ao patamar de 73,8% de católicos.
134
ANO
Evangélicos
Católicos
Sem Religião
1940
(2,6 %) 1.074,857
(95,2 %) 39.177.880
(0,2 %) 87.330
1991
(9 %) 13.000.000
(83,8 %) 121.800.000
(4,7 %) 8.100.000
2000
(15,4 %) 26.184,942
(73,8 %) 124.980.131
(7,2 %) 12.492,406
Quadro 6 - Evangélicos, católicos e sem religião em 1940, 1991 e 2000 Fonte: Recenseamentos demográficos do IBGE dos anos 1940, 1991 e 2000
Religião
1980
1991
2000
Católicos apostólicos romanos
89
83,8
73,8
Evangélicos
6,6
9,0
15,4
Espíritas
0,7
1,1
1,3
Afro-brasileiros
0,6
0,4
0,4
Outras religiões
1,3
1,0
1,9
Sem religião
1,9
4,7
7,2
Quadro 7 - Evolução da afiliação religiosa no Brasil em % Fonte: Recenseamentos demográficos do IBGE de 1980, 1991 e 2000
A queda da Igreja Católica, em nível nacional, é também percebida na área indígena, como demonstramos no Quadro 6 e 7. Se comparados com os evangélicos, os católicos têm uma outra dinâmica eclesial, mas também não seguem um projeto pastoral arquidiocesano específico para a etnia Potiguara. O que se tem praticado é a aplicação das diretrizes arquidiocesanas na área indígena, isto é, os índios são tratados como todos os católicos. O povo indígena tem suas especificidades, e isso resultou em problemas eclesiais sérios, como é o caso da Pastoral do Batismo, que exige de pais e padrinhos o casamento na Igreja para batizar as crianças. Ora, os índios Potiguara não têm costume de casar 4 nem no civil nem no religioso. O padre tenta contornar o impasse e já fez alguns
4
Segundo a Pajé Fátima (abr. 2003), o casamento na aldeia tem um ritual para acontecer. “Primeiro, vem o namoro. Ele joga uma pedrinha nela. Ela joga uma pedrinha nele. Aí ele vai dá uma flor a ela. Se ela aceitar a flor tá casado, tá feito o casamento. Aí ele carrega ela”.
135
mutirões com dezenas de casamentos, mas isso não resolve o problema, porque é cultural, e não, pastoral. O desafio continua.
Aldeias
Missas
Terços Anjos Prepara Prepara Prepara Grupo Cultos da no mês para o para 1ª para o de Conselho sem padre misericórdia de maio Batismo Eucaritia Crisma Jovem Pastoral
Akajutibiró
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Bento
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Ibykuara
-
-
-
-
-
-
-
-
Santa Rita
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Silva
-
-
-
-
-
-
-
-
-
Lagoa do Mato
mensal
-
-
-
-
sim
-
-
-
Três Rios
mensal
-
-
-
-
-
-
-
-
Brejinho
mensal
-
-
-
sim
sim
-
-
sim
Tracoeiras
mensal
-
diário
-
sim
sim
sim
-
-
Caieira
mensal
semanal
diário
final
sim
sim
-
-
sim
Cumaru
mensal
-
diário
final
sim
sim
sim
-
sim
Camurupim
mensal
semanal
diário
diário
sim
sim
-
-
sim
Estiva Velha
mensal
-
-
final
sim
-
-
-
sim
Forte
mensal
semanal
-
final
sim
sim
sim
-
sim
Galego
mensal
semanal
diário
diário
sim
sim
-
-
sim
Grupiúna
mensal
semanal
diário
final
sim
sim
sim
-
sim
Jacaré de Cesar
mensal
semanal
diário
final
sim
sim
-
-
sim
Jacaré S Domingos
mensal
-
diário
final
sim
sim
-
-
sim
Lagoa Grande
mensal
-
diário
final
sim
-
-
-
sim
Laranjeiras
mensal
-
diário
final
-
-
-
-
sim
Silva de Belém
mensal
-
-
final
sim
sim
-
-
sim
São Francisco
mensal
semanal
diário
diário
sim
sim
-
sim
sim
São Miguel
mensal
semanal
diário
final
sim
sim
sim
-
-
Tramataia
mensal
-
diário
final
sim
sim
-
-
Sim
Jaraguá
mensal
semanal
diário
final
sim
sim
-
-
-
Monte-Mór
2 x mês
semanal
3x sem
final
sim
-
-
-
sim
Quadro 8 - Atividades eclesiais católicas presentes nas ALDEIAS Potiguara
De acordo com o Quadro 8, praticamente não existem atividades eclesiais católicas
nas
aldeias
Silva,
Ibykuara,
Bento,
Santa
Rita
e
Akajutibiró.
Ocasionalmente o padre vai rezar uma missa nessas aldeias. Muitos católicos participam da vida eclesial nas aldeias vizinhas. Nas aldeias Lagoa do Mato, Brejinho, Três Rios e Tracoeiras, existem ações pastorais pequenas e se resumem
136
em apenas uma visita mensal do padre para rezar a missa e fazer batizado, quando aparece. Anualmente o padre reza uma missa dedicada a nossa Senhora dos Navegantes, na praia do Coqueirinho. Após a missa, a imagem é levada até o barco que, em procissão marítima, atravessa a foz do rio Mamanguape para ser acolhida por milhares de pessoas no povoado da Barra de Mamanguape.
Foto 67 Igreja de N S dos Navegantes em Coqueirinho (dez.03)
Depois dos peregrinos render-lhes todas as homenagens, a imagem volta novamente para a igreja do Coqueirinho. As aldeias de Caieira, Cumaru, Camurupim, Estiva Velha, Forte, Galego, Grupiúna, Jacaré de Cesar, Jacaré de São Domingos, Lagoa Grande, Laranjeiras, Silva de Belém, São Miguel, São Francisco e Tramataia (Quadro 8) apresentam uma ação pastoral católica muito semelhante, a começar pela missa mensal e pelo Terço Diário da Misericórdia. Todas fazem a Novena de Nossa Senhora no mês de maio e, no final, realizam a cerimônia da coroação da Santa. Esse é um momento de devoção popular muito presente na vida Potiguara. A
catequese
normalmente
é
feita
toda
semana, até as crianças estarem preparadas para a primeira eucaristia. Algumas aldeias têm
a
continuidade
desse
processo
catequético com o trabalho chamado de perseverança
para
os
adolescentes,
passando, em seguida, para a formação de
Foto 68 Cacique Irenildo da Aldeia do Forte, evangélico do Betel, agradecendo ao Arcepispo Dom Aldo Pagoto pela realização do Crisma no Santuário de N. S. de Guadalupe (dez. 04)
grupo de jovens, chegando até à realização do Crisma e à inserção dos membros na comunidade eclesial. Normalmente, em todas essas aldeias, há uma equipe ou
137
pessoas responsáveis pela preparação de pais e padrinhos que querem batizar seus filhos e afilhados.
Aldeias
Padroeiros(as)
Dia da Festa
As aldeias Dias de participam Novena das novenas
Festa profana
Festa religiosa
Akajutibiró
-
-
-
-
-
-
Bento
-
--
-
-
-
-
Brejinho
-
-
-
-
-
-
Caieira
Santa Edvirges
16/10
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
Santa Luzia
13/12
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
São José
19/03
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
Santo Antônio
13/06
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
N Srª Guadalupe
12/12
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
São João
24/06
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
Grupiúna
N Srª Conceição
08/12
3
Não
C/ banda
Missa/procissão
Ibykuara
-
-
-
-
-
-
Jacaré de César
N Srª Conceição
08/12
9
Não
Não tem
Missa/procissão
J. São Domingos
São Domingos
08/08
-
Não
Não tem
Missa/procissão
Jaraguá
São Sebastião
20/01
9
Não
C/ banda
Missa/procissão
Lagoa Grande
São Miguel
29/09
9
Não
Não tem
Missa/procissão
Lagoa do Mato
-
-
-
-
-
-
Laranjeiras
Santa Ana
26/07
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
Monte-Mór
N Srª Prazeres
☺
3
Não
C/ banda
Missa/procissão
Santa Rita
-
-
-
-
-
-
N Srª Conceição
08/12
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
São Miguel
29/09
9
Sim
C/ banda
Missa/procissão
-
-
-
-
-
-
N Srª Conceição
08/12
9
Não
Não tem
Missa/procissão
Tracoeiras
-
-
-
-
-
-
Tramataia
São Sebastião
20/01
9
Não
C/ banda
Missa/procissão
-
-
-
-
-
-
Camurupim Cumaru Estiva Velha Forte Galego
São Francisco São Miguel Silva Silva de Belém
Três Rios
Quadro 9 - Festas dos santos PADROEIROS (AS) católicos (as) Potiguara Legenda:☺ Festa móvel: terceiro final de semana do mês de setembro São Miguel – Padroeiro dos Potiguara Nossa Senhora da Conceição – Padroeira da aldeia São Francisco Nossa Senhora dos Prazeres – Padroeira de Monte-Mór
Não é hábito dos índios católicos realizarem cultos dominicais sem a presença do padre nos finais de semana nas aldeias. Caieira, Camurupim e outras
138
aldeias começam a ensaiar mudanças nesse processo, fazendo seu momento de oração coletiva nos finais de semana. O que está impregnado no imaginário Potiguara é a novena de padroeiro, porque é ocasião de muita participação popular de índios Potiguara. Em algumas aldeias, são apenas três noites, mas, na maioria delas são nove noiteiros de devoção, normalmente animadas pelas aldeias especialmente convidadas para aquele momento de fé, alegria e devoção no padroeiro. Os shows, com bandas musicais, na última noite da novena, são atrações na maioria das aldeias (Cf. Quadro 9). No dia do padroeiro(a), é tradição a realização de missas,
batizados e até casamentos, encerrando a festa com a
procissão, no final da tarde.
4.1.1 Jaraguá A Aldeia Jaraguá, cujo padroeiro é São Sebastião, possui uma postura mais aberta, pois, no final das festividades religiosas, dança-se o Toré, na frente da Igreja, em volta do Cruzeiro. Durante três dias, faz-se o novenário, com a participação de muita gente e com muitos fogos. De acordo com Seu Ramos (Aldeia Jaraguá, jan. 2005), uma das lideranças da Aldeia Jaraguá, “novenário sem fogos é que nem festa sem bolo”. A festa profana é feita simultaneamente com a religiosa e tem várias atrações: parque de diversões, diversas barracas e banda5 musical a noite toda para animar a aldeia. No mês de maio, os índios rezam a Novena de Nossa Senhora e, no último dia, terminam com a coroação da imagem. No mês de junho, na véspera de São João, ocorre festa com pau-de-sebo, corrida de saco, corrida de jegue e uma grande fogueira. Depois vêm o forró, a ciranda e o coco de roda, mas não se dança
5
Em praticamente todas as aldeias, as apresentações musicais são pagas; em Jaraguá, é gratuita.
139
Toré. É também o grande dia de se fazer milagre. O Cacique Aníbal disse já ter curado várias pessoas nessa data. Segundo ele (jan. 2005), “para quem tem as pernas tortas, na véspera do São João, se faz um buraco no chão e enterra as pernas da pessoa até acender a fogueira”. Seu Ramos (Aldeia Jaraguá, jan. 2005) afirma: "não acreditava nisso não, até ver acontecer aqui no São João, as pessoas ficarem boas de verdade". Em Jaraguá, também ocorrem manifestações de Umbanda. Segundo depoimento de indígenas, tem um Terreiro em que, antes, seu Geraldo realizava trabalhos com pomba/gira. De uns anos para cá, ele só reza em casa. Segundo o Cacique Anibal (jan. 2005), seu Geraldo "teve uns 150 cortes num dos trabalhos com o pai Exu. Foi demasiado e ele ficou um mês num quarto, só comendo papa. Ninguém podia visitar. Depois disso, ele ficou assim". Sandro também faz trabalhos espirituais em casa.
4.1.2 Monte-Mór Atualmente existem duas igrejas católicas em Monte-Mór: uma construída há mais de três séculos, dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, marco de identidade cultural e religiosa dos Potiguara, e uma outra construída recentemente, no final dos anos 1990, conseqüência do resultado de um conflito entre os índios e o padre da Paróquia. Tudo começou por causa da sujeira que caía constantemente do telhado sobre os fiéis. O fato de o pároco ter problemas respiratórios contribuiu para acelerar o processo. Foram feitas algumas reuniões com a comunidade para conversar sobre como fazer a mudança do telhado, mas não houve consenso.
140
O padre fez uma campanha e conseguiu, com os vereadores da cidade, um tipo de telha de amianto, chamado popularmente de “Brasilit”6, para cobrir a igreja centenária, que tem o telhado tradicional de telha de barro. No dia em que o vigário marcou para destelhar a igreja, o Cacique Aníbal (jan. 2005) disse: “aqui é patrimônio histórico e não pode ser destruído assim não. O senhor, para tomar cachaça e beber cerveja, como eu já vi aqui no pavilhão, não tem cansaço (asma). Agora só tem isso (cansaço) pra rezar missa”. Esse acontecimento foi a gota d'água para começar a desavença entre índios e o padre. Os índios se organizaram e foram até o mangue, tiraram várias linhas de madeira para reformar a igreja. O padre se viu desafiado e, com a ajuda da polícia, tirou todas as linhas de dentro do templo e jogou no pátio da igreja. A confusão formada só terminou nas mãos do Juiz, que intimou e prendeu algumas lideranças indígenas e, sem ouvir ninguém, disse que "a maior autoridade era o padre e o que ele fizesse, estava bem feito" (Cacique Aníbal, jan. 2005). Os índios não se intimidaram e recorreram ao Arcebispo, que desaprovou a conduta do padre, apoiando o feito dos índios. "O padre ficou doido no meio da rua com muita raiva e as beatas dizendo: ele vai ganhar. Ave Maria, cheia de graça; ele vai ganhar. Tinha um grupo de índios que até já queria dar um cacete no padre" (Cacique Aníbal, jan. 2005). O padre então construiu uma outra igreja, distante aproximadamente 100 metros da anterior, com dinheiro vindo da Alemanha, dos usineiros, dos políticos e com ajuda da comunidade. Na versão das beatas, em quatro meses, a igreja estava pronta: [...] o padre não teve culpa. Os culpados foram os índios, porque são ignorantes e não sabem conversar. Padre João falou que não precisava ter duas igrejas aqui. Iria somente tirar o telhado para colocar outro porque estava muito ruim. Ele disse: Não quero 6
Marca de um fabricante.
141
confusão com ninguém; eles ficam lá na igrejinha deles, que eu vou construir uma outra para o pessoal (Zumira, Aldeia Monte-Mór, jan. 2005).
Esse episódio relata que, apesar da aparente submissão dos índios frente aos agentes religiosos, na realidade estão muito atentos na defesa dos interesses que consideram importantes para a etnia. Em diversos momentos observamos que apresentam um nível de organização para defender os interesses culturais, étnicos e religiosos do povo Potiguara. A construção da Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres foi bem diferente. A santa apareceu para três caboclos num toco (tronco) de jurema e pediu que fosse construída uma igreja naquele local. Os caboclos se organizaram e construíram uma capela feita de pedra. Homens e mulheres carregaram muitas pedras na cabeça, de um lugar próximo chamado Salemas, para edificar um dos símbolos religiosos e de etnicidade Potiguara (PALITOT 2005). Depois de pronta, convidaram para fazer a festa o Vigário de Mamanguape, da Igreja de Nossa Senhora do Rosário. No final da festa, o padre disse: “vou levar a imagem da Santa, porque era uma relíquia muito preciosa e tinha que levá-la para Roma. Os caboclos ficaram tristes, mas não puderam fazer nada” (Zumira, Aldeia Monte-Mór, jan. 2005). No dia seguinte, ela voltou para a Igreja da Vila de Monte-Mór. “Então o padre convidou os caboclos e disse que tinha que fazer uma réplica para deixar na igreja e que só depois levaria a original para Roma” (Zulmira, Aldeia Monte-Mór, jan. 2005). Os índios construíram então o Santuário de Nossa Senhora dos Prazeres. Essa é uma história muito comum em todo o Brasil, citada por Silva (2002) referindo-se a Mãe Tamain, do povo XuKuru (PE). Durante a Festa de Nossa Senhora dos Prazeres, há três dias de novenário (Cf. Quadro 9), no terceiro final de semana do mês de setembro, para
142
não coincidir com a Festa tradicional de São Miguel, na Baía da Traição, que é sempre no final do mês. As noites são bem movimentadas, muita gente faz promessas, acende velas e solta fogos. Na última noite, é realizada a festa profana, com muitas barracas e muita diversão. No último dia, tem a tradicional missa, sempre com batizados, terminando com a procissão pela cidade. Em 2004, a procissão foi até a saída para Marcação, contornou a oca e, na Foto 69 N. S. dos Prazeres, padroeira da Aldeia de Monte-Mór (jan. 05)
volta,
os
índios,
trajados,
cantaram
e
dançaram os hinos do Toré, carregando a santa. A festa terminou com um grande Toré na frente da igreja. Esse acontecimento foi interessante porque os índios que estão numa constante circularidade de ritos começam a „resgatar‟ uma tradição dos Potiguara de dançarem o Toré durante a festa da padroeira. 4.1.3 Silva A Aldeia Silva tem aproximadamente 150 índios, que professam a fé evangélica, entre membros e congregados, um dos maiores números de evangélicos Potiguara. Praticamente toda a aldeia participa da Assembléia de Deus.
Foto 70 Igreja da Assembléia de Deus da Aldeia Silva (jan. 05)
“Eu acredito que é a aldeia que dá menos trabalho à FUNAI e a outros órgãos, porque somos evangélicos. Você sabe, a palavra de Deus, onde ela entra, ela transforma de forma extraordinária” (Pastor Rosildo, Aldeia Silva, jan. 2005). Mesmo com toda essa convicção do pastor, a Aldeia também enfrenta seus problemas internos como qualquer outra. Toda transformação começou, segundo o pastor, há quase duas décadas atrás, quando houve uma cura milagrosa na aldeia.
143
Aqui ninguém acreditava na palavra de Deus. Minha mãe é testemunha disso. Há 18 anos atrás, nós gostávamos de ir para a macumba e candomblé, essas coisas. Ela adoeceu, ficou desenganada dos médicos e o Evangelho entrou aqui e ela foi curada. Hoje tem este templo aqui e o filho pastor (Pastor Rosildo, Aldeia Silva, jan. 2005).
A partir da cura da mãe, toda a família do Pastor Rosildo da Silva Terto, ordenado em junho de 2004, começou um trabalho espalhando “a semente da palavra de Deus”. O tempo foi passando e, cada vez mais, novos adeptos foram se convertendo, e a comunidade se fortalecendo. Por vários anos, Rosildo foi quem ajudou no trabalho pastoral da sua igreja local. Ele tem uma grande convicção de que o Evangelho transforma as pessoas. “O evangelho tira muitas pessoas do mal, da droga, do vício; isto me dá prazer em trabalhar na obra, até porque fui uma pessoa que farrei e bebi muito. E hoje vejo que o Evangelho de Cristo pode transformar as vidas” (Pastor Rosildo, aldeia Silva, jan. 2005). A aldeia Silva foi o local escolhido para sediar a I Cruzada Indígena Evangelista, no período de 20 a 22 de janeiro de 2005, num grande evento com centenas de pessoas, a maioria índios, vindos de várias igrejas de todas as aldeias, de várias cidades da Paraíba e de Goiás. Foi uma Foto 71 I Cruzada Indígena (jan. 05)
oportunidade também para apresentar aos irmãos o templo
recém construído com o envolvimento de toda a comunidade e com uma ajuda muito significativa da Congregação daquele Estado do Centro-Oeste. A igreja hoje está em expansão pastoral, e o pastor conta com a colaboração direta de três diáconos que o auxiliam em todo o processo eclesial, nas Aldeias de Estiva Velha, Grupiúna e Jacaré de São Domingos.
144
4.2 Práticas CRISTÃS das igrejas EVANGÉLICAS Como já citamos anteriormente, há um leque muito grande de atividades pastorais evangélicas na área indígena as quais, embora muito semelhantes, apresentam suas especificidades particulares. Não iremos aprofundar, neste trabalho, as ações eclesiais de todas as igrejas evangélicas por ser muito ampla a atuação evangelizadora protestante. Apenas estaremos, a partir de agora, direcionando o estudo sobre as práticas educativo-religiosas dos índios do Betel Brasileiro da aldeia São Francisco por ser a única instituição evangélica que tem atuação na aldeia. Existem índios que moram na Aldeia e participam da Assembléia de Deus, da Batista e da IURD, conforme a Quadro 5, mas que aqui não serão contemplados. A nossa aproximação com a Igreja do Betel foi demorada e bastante difícil. Primeiramente, porque o índio apresenta como uma das suas características a desconfiança para quem não conhecem e não convidam nem mesmo os amigos para suas programações7 internas, a não ser que seja também de interesses deles contar com aquela presença. Um outro fator é que os índios evangélicos formam uma família onde todos se conhecem mutuamente, e a presença de um forasteiro chama logo a atenção. Quando nos apresentamos para os responsáveis, falamos dos objetivos do nosso trabalho, mas, sem conhecer ninguém para ser nossa referência, foram difíceis os contatos iniciais. Segundo Josafá (maio 2003), “o professor causou muitas dúvidas e interrogações nos evangélicos”. Fomos sabatinados pelos anciãos para saber detalhes sobre nossas reais intenções em estudar a igreja. Apesar de ter explicado minuciosamente a proposta de trabalho,
7
Para saber das programações, nós tínhamos que estar na aldeia, ou então, ficávamos nas proximidades. No Dia das Mães, um ano depois do início da pesquisa, chegamos no final da tarde, a São Francisco para participar do evento, mas na aldeia estava tudo calmo. Ficamos sabendo, então, que a comemoração havia sido de manhã.
145
isso não foi suficiente, deixando as lideranças desconfiadas. Seu Chico Urubu (abr. 2003) expressa bem isso, dizendo: “nunca ninguém veio fazer pesquisa aqui na igreja”. Com o passar do tempo, essa conjuntura foi sendo completamente modificada. Os evangélicos estão presentes entre os Potiguara desde o final da década de sessenta (VIEIRA, 2001; MAGALHÃES, 2004). Segundo Dona Maria José (Aldeia São Francisco, dez. 2004), uma das primeiras índias que se converteram ao Betel, “os crentes chegaram aqui em 1969. Não foi a Betel, mas foi um Pastor da Batista. O Betel veio depois com Dona Lídia”. Dona Maria José não participa dos rituais indígenas: nunca foi numa furna, nem aos rituais feitos nas matas, não dançou Toré, mas lembra de algumas vezes, quando solteira, de ter ido à Festa de São Miguel na aldeia com o mesmo nome. Desde garotinha, segundo ela, sua mãe fazia várias coisas para acalmá-la: “fazia defumador, mandava rezar e eu rezava, rezava, rezava e nada de desaparecer o que eu sentia; puxava os cabelos, puxava os pés, era uma coisa horrível” (Maria José, Aldeia São Francisco, dez. 2004). Por ocasião da passagem de um pastor na aldeia, foi perguntada se queria se converter, e ela disse que não. Depois de um tempo, o pastor voltou, e ela ficava de longe escutando a pregação. “Quando ele pregava, eu me sentia bem e não sentia nadinha. Então eu falei para ele: “pastor, eu vou querer me converter. A senhora quer mesmo? Eu disse: quero!‟” (Maria José, Aldeia São Francisco, dez. 2004). O pastor deu-lhe uma Bíblia e um livro de canto. Os filhos, vendo a mudança da mãe, começaram a dizer: “mãe, agora é santa e só fica orando. Então eu cheguei pro pastor e disse: eu não quero mais ser crente não; tome sua Bíblia e seu canto. O pastor disse: faz isso não! Eu disse: quero mais não. E fui-me embora” (Maria José, Aldeia São
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Francisco, dez. 2004). Só que, com essa decisão, a Dona Maria José disse ter ficado uma semana com muita agonia, angustiada e decidiu novamente procurar o pastor, dizendo: “pastor eu vou receber de novo (uma risada). Então ele disse que meu nome estava escrito no livro da vida! Até hoje, graças a Deus, não sinto mais nada. Venho pra igreja e vou para casa e sou muito feliz” (Maria José, Aldeia São Francisco, dez. 2004). São muitas as histórias de conversão à Igreja Betel dos índios da Aldeia São Francisco. Às vezes, é a família toda que participa da Igreja, depois acaba saindo e, posteriormente, volta novamente, numa dinâmica muito grande dentro da Igreja. Segundo Dona Maria José, seu marido só se converteu antes de morrer. Ela continuamente convida pessoas para a igreja e tem como prática diária orar e pedir a Deus pela família. Mesmo assim, não consegue fazer com que seus filhos e netos freqüentem a Igreja. “Capitão mesmo não vai; Epitácio também não; quem vai mais é Carlinho. Os netos também não vão não”. As atividades pastorais da Igreja do Betel, em São Francisco, nos dois últimos anos, passam por um período eclesial atípico, por serem coordenadas por três agentes8: Rosália, Ivonete e Samuel. A missionária Rosália faz um trabalho há mais de 25 anos na Aldeia de São Francisco. É muito querida pelos índios, sobretudo pelos membros e congregados do Betel. Ela declara: “eu não sou índia de sangue, mas me considero índia de coração. A aldeia é a minha família! Quando tiro férias, depois de 15 dias, fico incomodada com o barulho de Salvador9. Aqui já acostumei com essa calma, com os pássaros, os bem-te-vis” (Aldeia São Francisco, dezembro de 2003). Rosália é a diretora da Escola da primeira fase do Ensino Fundamental, que a Igreja mantém na aldeia. 8 9
Geralmente as igrejas evangélicas e católicas são conduzidas por um pastor ou um padre. Essa missionária é natural do Estado da Bahia.
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A missionária índia Ivonete, prima do Pastor Samuel, dedica-se inteiramente à missão de semear a boa nova do Evangelho. Seu carisma em tocar violão está a serviço do ministério do canto. O índio Samuel é pastor provisionado do Betel, pois ainda está no processo de formação teológica no Seminário, em João Pessoa. Já está apto a exercer várias funções ministeriais como: presidir a ceia uma vez a cada mês; pregar a palavra nos cultos feitos durante a semana, não só na sua aldeia, como também nas aldeias vizinhas de Laranjeiras, Santa Rita e Tracoeiras; fazer o trabalho das escolas bíblicas com adultos e com as crianças durante a semana, mas, sobretudo, nos finais de semana. É educador da fé e da Escola mantida pela Igreja. Todas as atividades são discutidas e distribuídas entre a equipe missionária que, às vezes, está reunida, como nos cultos semanais, na ceia mensal ou nas ocasiões celebrativas e/ou festivas; mas também atuam sozinhos encontrando-se com os irmãos nas aldeias onde estão presentes. Os evangélicos fazem um trabalho de visitar as famílias para orar e dialogar com Foto 72 Pastor Samuel com as crianças. Aldeia Laranjeira (out. 04)
quem está necessitando, responsabilidade
que recai, normalmente, sobre a equipe missionária. Os missionários acompanham as crianças na Igreja, na escola e também nas aldeias. Nos domingos à tarde, eles se encontram com elas para rezar um salmo, cantar, orar, escutar história sobre a palavra de Deus e brincar fora da Igreja. Como motivação, os evangélicos, durante as brincadeiras, distribuem bombons e pipocas para a criançada. Segundo Rosália (dez. 2004), é preciso ter muito cuidado com as crianças, pois "hoje se tem um grande perigo que são as drogas. É preciso cativar as crianças. Eu me lembro
148
quando era eu era pequena eu ia para esses encontros para escutar a Palavra de Deus e não para ganhar bombons". No domingo em que tem festa da(o) padroeira(o), esse encontro fica comprometido, afirma a missionária, explicando que
“as
dindim,
crianças vendem qualquer
conseguir
dinheiro
castanhas,
coisa
para
e
divertir
se
poder nos
brinquedos do parque de diversão. A Festa da Padroeira mexe com a vida da aldeia” (Rosalia, Aldeia São Francisco,
Foto 73 A irmã Rosália com as crianças. Aldeia São Francisco (dez. 03)
dez. 2004). Esse mesmo trabalho é feito pela missionária Ivonete e pelo Pastor Samuel nas aldeias onde atuam. Uma prática educativo-religiosa muito comum do Betel de São Francisco é a animação constante durante os cultos, com cantos de louvores feitos pelas crianças, pelos adolescentes, jovens, pelas senhoras, pelos senhores, etc. É uma Foto 74 Louvor do grupo das senhoras (set. 04)
estratégia dos evangélicos valori-zarem os
seus congregados convidando-os para se apresentarem na frente de todos os demais membros, no lugar central da igreja. Isso traz satisfação pessoal por estar louvando a Deus e também colocando seu dom a serviço da igreja. O Betel também tem como prática facultar aos presentes, durante os cultos, a oportunidade
de
darem
seus
testemunhos,
apresentar seus depoimentos, demonstrar suas inquietações e alegrias, pedirem ajuda aos
Foto 75 Testemunho de uma mãe de família durante o culto (set 03)
149
presentes. Um dos membros sintetiza dizendo que “em um culto tudo pode acontecer,
Deus
pode
operar
e
as
maravilhas serem alcançadas por quem tem fé” (Aldeia São Francisco, set. 2004). É um espaço de muita energia espiritual, e a fé de cada participante é que vai determinar o Foto 76 Culto Dominical do Betel Brasileiro Aldeia São Francisco (set. 03)
grau de abrangência de uma cura, uma
benção ou um milagre. O culto tem uma seqüência que começa com os hinos, depois, orações, diversos louvores, para, em seguida, vir a pregação da Palavra de Deus, a homilia, o abraço da paz, um outro momento para orar, a bênção final e, encerrando, os avisos. Quando tem festa, termina com a confraternização. A seqüência do ritual é a mesma que se faz na igreja da Baía da Traição ou em qualquer outra Igreja do Betel Brasileiro. Os detalhes, durante o rito, a maneira de expressar, o jeito de tratar, enfim, os costumes Potiguara fazem uma grande diferença no ritual. Em diversos momentos especiais, no Betel, tem-se a prática de fazer as celebrações festivas como: Páscoa, Natal, fim de ano, Dia dos Pais, Dia das Mães, Dia da Criança e nos aniversários de alguns de seus membros e da igreja. Tudo é feito com muita simplicidade. O Dia das Mães é uma das datas de celebração festiva. Em 2003, o culto iniciou na hora marcada, com pouca gente no início. Gradativamente as pessoas10 vão chegando, e a Igreja fica cheia de crianças, de jovens, mulheres e homens. Afinal, todos já sabem o ritmo da Igreja e sempre esse dia acaba em festa. Essa é uma ocasião para mudar a ornamentação e enfeitar o ambiente com bolas coloridas e corações com a palavra “mãe”. Um dos destaques 10
Os evangélicos do Betel, em São Francisco, têm aproximadamente, entre 10% e 15% da população da aldeia.
150
da noite foi um jogral com uma coreografia feita por adolescentes. Além das homenagens e das orações, as mães ganharam presentes e um lanche com refrigerante para todos os presentes. Os
três
sempre frente
se da
missionários colocam
à
assembléia.
Ivonete fica mais do lado Foto 77 A irmã Ivonete fazendo pregação durante o culto(dez. 04)
esquerdo, utilizando uma
caixa de som amplificada, enquanto toca. Do lado direito, está a caixa acústica principal e os tocadores de violão, pandeiro e atabaque. Quando Josafá participa das
Foto 78 Josafá ao centro e o Pastor ao fundo (dez. 04)
celebrações, tem também a guitarra. A missionária Rosália e o Pastor Samuel permanecem sempre próximos da mesa central. A bíblia é parte fundamental do culto, está nas mãos de todos os presentes. A “irmã” Rosália tem grande carisma para se comunicar com os “irmãos”, tanto na oratória, como no canto, por ter vida e muito ânimo. A “irmã” Ivonete e o Pastor Samuel também são comunicativos e gentis com todos. Em geral, não há na equipe exagero e sensacionalismo para sensibilizar e anestesiar os presentes “em nome de Jesus”. Há uma catequese doutrinal forte, mas sem apelação. Os evangélicos vestem-se com roupas comuns, diferente do pastor que durante os cultos, está sempre usando camisa com mangas comprida e traje social, embora sem usar terno
Foto 79 A “família” do Betel durante o culto dominical (set. 03)
completo, como é comum entre os pastores evangélicos. Além desse diferenciador, um outro costume da aldeia é a ida das crianças à Igreja acompanhada da família
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e, aqui, acolá, uma dorme, outra chora e a assembléia não se incomoda com elas. Pelo contrário, são muito bem-vindas, e a Igreja, aparentemente, parece mais com uma reunião em família, e não, local de culto. Essa especificidade Potiguara é também uma forma das crianças assimilarem suas práticas educativas. Toda semana existem programações para as crianças, as mulheres, os jovens, o ministério do canto, de música, do grupo dos senhores, enfim, há uma oxigenação de práticas educativo-religiosas diariamente. Uma vez por mês, acontece a ceia, epicentro das práticas cristãs dos índios evangélicos do Betel em São Francisco. A data é escolhida pela equipe missionária e acontece geralmente no último domingo de cada mês. Oportunamente, quando novos membros já estão preparados, é realizado o Batismo no rio próximo da aldeia. Tem períodos em que esse ritual é feito anualmente. Tudo depende da adesão de novos congregados. Nas práticas educativo-religiosas do Betel Brasileiro, fica evidente, nas lideranças, a intenção de fortalecer o núcleo da fé e do compromisso dos membros para com a igreja. Algumas estratégias são utilizadas direta e indiretamente para seduzir ou aproximar os índios da religião. No final do ano, por exemplo, as professoras vão até as casas da aldeia para convencer os pais a fazerem a matrícula11 das crianças na escola da Igreja. Não só a escola pode aproximar as crianças e as famílias da Igreja Betel. Outra estratégia utilizada são os encontros com as crianças no domingo à tarde. É evidente que elas estão num local tendo formação de valores para a vida, evitando, como bem citou a missionária, as drogas e outros males sociais. O que desperta a atenção na criança, pelo seu interesse nesses encontros, podem não ser os bombons, como disse a irmã Rosália, mas onde tiver doce, pipoca ou coisa do
11
A escola do Município espera na escola os pais compareçam para fazer a matrícula.
152
gênero, a meninada está presente. Todo final de encontro, a garotada sai feliz por ganhar, mesmo que seja um pirulito e, com isso, vai espalhando para os colegas aqueles encontros da igreja. Essa preocupação da missionária é de fundamental importância, porém, junto com a preocupação de evitar as drogas, vai a intenção (estratégia) de propagar a palavra de Deus. A Igreja do Betel, envolvendo as crianças, trazendo-as para lá, valorizando o potencial de cada uma, vai criando raízes nas novas gerações. Dessa forma, ela está dando continuidade a sua vida eclesial com a garotada, que vai crescendo dentro da Igreja. Essa prática de festejar alguns acontecimentos que fazem parte da vida dos índios fortalece, através do valor simbólico, todo o ímpeto dos seus fiéis. A dimensão festiva está muito arraigada no cotidiano de índios e de não-
Foto 80 Encontro com as crianças Aldeia Santa Rita (out. 04)
índios. O fato de serem lembrados na família eclesial os acontecimentos cotidianos causa na aldeia uma corrida para participar das celebrações. Pudemos constatar que, tanto nos encontros das crianças quanto nessas festas, até membros assíduos da igreja católica lá comparecem. A recíproca também é verdadeira. Dona Joana disse que “onde tem festa, ela vai” mesmo que só volte na festa seguinte. O fato de, com essa abertura, a Igreja receber outras pessoas nos eventos pode cativar um novo membro.
4.3 Práticas CRISTÃS da igreja CATÓLICA A Aldeia São Francisco, como já fizemos referências ao longo desta pesquisa, é lugar onde acontecem diversas práticas educativo-religiosas que serão, neste capítulo, estudadas com mais especificidade. Não temos a pretensão
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de esgotar o assunto. Apenas selecionamos algumas das principais práticas coletivas mais visíveis da aldeia que, por serem católicas, serão aqui apresentadas neste bloco. Segundo Eduardo Hoornaert, verificam-se dois calendários católicos litúrgicos presentes no Brasil: o da igreja oficial e o da igreja popular12. Parecem duas rodas separadas que giram segundo impulsos distintos. O calendário popular gira em torno das festas de São João, São Pedro, Santa Ana, Natal, Semana Santa, Conceição, Boa Morte, Finados, São Sebastião, Rosário, São Francisco, São Miguel, São José e Santo Antônio (HOORNAERT, 1990, p. 127).
Com exceção da Boa Morte, todas as demais festas estão presentes entre os Potiguara, e os santos citados são padroeiros em algumas aldeias. O autor mostra que essas práticas “[...] que agem sob o impulso da igreja oficial designam o que na realidade constitui um modo diferente de se reunir em nome de Cristo” (HOORNAERT, 1990, p. 127). Para haver uma melhor compreensão, poderemos compará-las com outras aldeias, mostrando assim o conjunto das práticas educativo-religiosas num contexto mais amplo. Isso também poderá ocorrer em relação à Igreja do Betel Brasileiro para dar visibilidade das práticas religiosas com relação aos evangélicos. É de fundamental importância nos situarmos, logo no início, em relação aos agentes católicos romanos que atuam no território indígena, para percebermos, com mais precisão, como se processam as
12
Ao se fazer uma análise sociológica sobre a religião popular, não se pode deixar de fazer referência à tese clássica de Karl Marx (1976), definindo religião como ópio do povo e nem à de Max Weber (1964), mostrando como a religiosidade popular serve de legitimação e domesticação dos poderes dominantes. Ainda na Sociologia da Religião, tem uma grande contribuição a tese de Pedro A. Ribeiro de Oliveira Filho (1985). Na Antropologia, dentre os muitos trabalhos de pesquisas, destacamos as teses de Carlos Rodrigues Brandão (1986), Raymundo Heraldo Maués (1995) e a de Carlos Alberto Steil (1996).
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práticas educativo-religiosas da Igreja Católica na etnia, mas, sobretudo, em São Francisco.
4.3.1 Práticas dos agentes de pastoral católicos Há mais de seis anos, o atual padre realiza um trabalho de evangelização com os índios Potiguara, na Paróquia de São Miguel da Baía da Traição, numa área pastoral que abrange todas as aldeias, independente dos limites municipais. Tudo começou ainda quando fazia seu estágio pastoral, enquanto seminarista. Após ser ordenado, em outubro de 1997, faz a opção por morar13 na paróquia, ficando bem mais próximo do seu rebanho. Padre Ailson dos Santos é uma pessoa que conhece a realidade da etnia porque convive com os índios no seu cotidiano. Dentro do possível, realiza os trabalhos de sua função sacerdotal de batizar, casar, celebrar a eucaristia, visitar os doentes, confessar os féis, dialogar com as pessoas e escutá-las. Para estar um pouco mais atualizado em relação às questões indígenas, em Janeiro de 2004, fez uma capacitação sobre a questão indígena, promovida pelo CIMI, em Brasília. Sempre que pode, acompanha e apóia as iniciativas das lideranças Potiguara. Num primeiro momento de sua atuação pastoral, desenvolveu o trabalho praticamente sozinho. Atualmente, conta com a colaboração de dois modelos eclesiológicos e pastorais completamente diferentes: o dos missionários do movimento Jesus Misericordioso, da Comunidade Missionária Rainha da Paz14 e do CIMI, tendo como representante a irmã Juvanete.
13
Seus antecessores sempre faziam pastoral só nos finais de semana e estavam constantemente sendo transferidos para outras paróquias, o que contribuía ainda mais para não conhecer a específica realidade eclesial Potiguara. 14 É uma das comunidades do movimento da RCC. A RCC surgiu nos Estados Unidos da América (EUA), em 1966 e foi trazida para o Brasil em 1969, pelo Padre Harold Hams. A partir da década de 1990, ganhou força no cenário nacional e, atualmente, responde por uma grande parcela dos
155
4.3.1.1 Os missionários da Rainha da Paz Em 2000, um grupo de missionários da Rainha da Paz foi trabalhar com o Padre Ailson, com o objetivo de formar animadores nas aldeias, para a catequese, crisma, batismo, de acordo com os critérios da Arquidiocese de João Pessoa. Mas, por ter diretrizes específicas de trabalho pastoral diferentes da paróquia, na maioria das aldeias, houve, em pouco tempo, uma „revolução‟ religiosa com adesão da juventude e das mulheres a uma nova prática religiosa de acolher o ícone da misericórdia
15
Foto 81 Ícone da Misericórdia
e de rezar o terço da misericórdia16,
um rito completamente diferente do Terço tradicional. Os missionários da Rainha da Paz, segundo o padre Ailson (Baía da Traição, abr. 2005), “primeiramente envolveram as lideranças juvenis, com o objetivo de estar fazendo a formação para animadores da pastoral paroquial, mas, na realidade, preparavam a base de implantação do ícone e do terço da misericórdia”. Esse segmento eclesial dá ênfase a uma fé introspectiva, por meio de uma salvação individual, com exaltação ao Espírito Santo e uma intensa doutrina de cura, de devoção a Jesus e a Maria, de uma representação que abomina o satanás, praticada com hinos alegres e envolventes, com um novo jeito
católicos brasileiros. Uma comunidade de referência nacional é a Canção Nova, presidida pelo Padre Jonas Abib. Também é destaque nacional o Padre Marcelo Rossi, considerado fenômeno de mídia e de cultura de massa. 15 Espécie de oratório com a imagem de Jesus Misericordioso. Ver sobre o assunto em Campos (1999); Michalenko (1997); Kosicki (1999). 16 Início: Pai Nosso ... Ave Maria ... Creio ... Nas Contas Grandes: Eterno Pai, eu vos ofereço o Corpo e o Sangue, a Alma e a Divindade de Vosso diletíssimo Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, em expiação dos nossos pecados e os pecados do mundo inteiro. Nas Contas pequenas: Pela vossa dolorosa paixão, tende Miserirórdia de nós e do mundo inteiro. (três vezes). No final: Deus santo, Deus imortal, tende Misericórdia de nós e do mundo inteiro. Invocação à Misericórdia: “O Sangue e água que jorrastes do Coração de Jesus como Fonte de Misericórdia para todos nós! “JESUS EU CONFIO EM VÓS!” (três vezes) “Mãe da Divina Misericórdia rogai a Jesus por nós e pelo mundo inteiro”. Amém. (COMUNIDADE MISSIONÁRIA RAINHA DA PAZ, 2000, p. 71).
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de se vestir, de rezar, orando em línguas17 (gritos, sussurros, gemidos), fechando os olhos, levantando os braços, etc, utilizando um processo ritualístico semelhante às práticas de algumas igrejas evangélicas. Segundo Comblin (2002, p. 46), “Jesus torna-se naquele que oferece todos os bens desejados pela cultura pós-moderna: a saúde, o bem-estar corporal, a felicidade, a prosperidade, a riqueza, o êxito na vida”. Depois de cativar os jovens, o passo seguinte foi envolver as mulheres que, rezando, cantando e orando, estavam sendo preparadas para receber o ícone de Jesus Misericordioso e levá-lo para dentro de
casa18,
ficando
esse
lar
abençoado e livre de todos os males. Para dar continuidade a essa corrente de oração, no dia seguinte, uma outra família conta com a presença de Jesus Misericordioso em sua casa. E assim vai crescendo até
formar
um
grupo
com
30
Figura 01 – Terço da Misericórdia
famílias para, novamente, voltar a fazer o mesmo percurso a cada mês. O compromisso assumido por cada integrante é de rezar diariamente, às quinze horas, o Terço Misericordioso, com todo o grupo, para poder receber o ícone no 17
O fenômeno da glossolalia, comumente conhecido como orar ou falar em línguas, é muito amplo e vai além da esfera religiosa. Ver mais sobre este assunto em Maués (2000); Oliveira (1978); Csordas (1997); Pollak-Eltz (1999). 18 No catolicismo popular, “A casa, lugar de tranqüilidade e de paz, é protegida pelo santo” (PALEARI, 1990, p. 68).
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mês seguinte. O horário não favorecia muito os homens que, segundo Dona Carminha (jan. 2005), da Aldeia de Jacaré de César, “não participavam, mas também não impediam das mulheres freqüentarem”. Dessa forma, o Terço da Misericórdia foi semeado nas aldeias. O trabalho pastoral da Rainha da Paz é realizado através dos Grupos de Oração. Os missionários
reforçavam
e
estimulavam
as
participantes a cada vez se engajarem nessa nova
missão.
Muitas
pessoas
das
aldeias
começaram a freqüentar bem mais a igreja, local onde sempre era alimentada essa prática religiosa
Foto 82 Grupo jovem Rainha da Paz Aldeia São Francisco (out. 03)
por causa dos cantos, da linguagem de salvação, da animação e do louvor usados nas celebrações e nos encontros. As lideranças carismáticas conseguiram um grande êxito de revitalização da juventude. Todos os meses, durante uma semana, os jovens deixavam família, trabalho, escola, seus compromissos e ficavam em adoração ao Espírito Santo, no Santíssimo Sacramento, vinte e quatro horas por dia. O local era sempre o Centro Social Sagrado Coração de Jesus, na Baía da Traição, por ser mais central para as aldeias e por causa das condições físicas (igreja, cozinha, banheiros, quartos) que o local oferece. Essas jornadas espirituais contavam, em certos momentos, com a presença do padre. O início começava com todos os jovens juntos, no domingo à noite, e a continuidade ficava sob a responsabilidade das moças até quarta-feira, dia em que os rapazes assumiam e permaneciam até o sábado, quando
Foto 83 Jornadas espirituais (maio 04)
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novamente, todos juntos, tinham uma formação doutrinária bem direcionada, com objetivos previamente escolhidos para fazê-los louvar, chorar, orar em línguas, cantar os hinos, enfim, para fortalecer a prática religiosa carismática. Em menos de três anos, os frutos do movimento começam a aparecer. Em agosto de 2003, Rodrigo, da Aldeia do Forte, Ubiratã, da Aldeia Jacaré de César, e Lindineide, da Aldeia São Francisco, fizeram votos e receberam as vestes da Comunidade Missionária Rainha da Paz. E não só eles, mas outros jovens atualmente Foto 84 Ubiratã, Lindineide e Rodrigo no dia do recebimento das vestes (ago. 03)
estão sendo preparados para dedicar suas vidas em prol desse movimento.
A Aldeia São Francisco passa a ser o principal celeiro do movimento carismático. Em pouco tempo, são formados dois grupos de oração da misericórdia: um, na parte de cima (na Vila Regina) e outro, na parte de baixo. Em 2003, foram realizados vários shows de louvor
Foto 85 Confraternização no final do ano dos dois grupos do ícone da misericórdia. Aldeia São Francisco (dez. 03)
no pavilhão da aldeia, e o público feminino, sempre acompanhado das crianças, compareceu em massa. O grupo carismático assumiu a liderança de várias festas, como a de Nossa Senhora da Conceição. O movimento tomou uma proporção grandiosa que, segundo o Padre Ailson, “chegou a uma quantidade de sessenta ícones (cada um com 30 famílias, no mínimo), espalhados nas aldeias e na cidade da Baía da Traição”, com quase duas mil pessoas envolvidas diariamente. Isso demonstra que a pastoral, no ano de 2003 e no primeiro semestre de 2004, estava toda envolvida com o movimento da
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Rainha da Paz. A paróquia não conseguia realizar os encontros de formação com seus animadores porque, praticamente, todos participavam da doutrina carismática. As equipes paroquiais de crisma, catequese, batismo não seguiam as orientações e nem utilizavam o material da Arquidiocese para fazer o seu trabalho pastoral, mas o da Divina Misericórdia. Segundo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a RCC precisa assumir “[...] as opções, diretrizes e orientações da Igreja Particular (paróquia), onde se faz presente, evitando qualquer paralelismo e integrando-se na pastoral orgânica” (CNBB, 1994, Documento 53, número 22 ), mas isso não ocorria entre os agentes junto aos Potiguara. Porém o projeto carismático começou a apresentar diversos incômodos e até situações delicadas, com o desestímulo de alguns jovens e a preocupação das lideranças com a linha adotada pelos carismáticos de não se envolver com as questões sociais, nem culturais e, muito menos, com relação à terra. “Na Igreja de hoje há uma imensa carência de pessoas comprometidas e engajadas nas lutas sociais para a emancipação dos excluídos” (COMBLIN, 2000, p. 25). Os carismáticos têm seu projeto próprio, independente da etnia, da paróquia e de qualquer instância hierárquica. Com a chegada do atual arcebispo arquidiocesano de João Pessoa, em junho de 2004, foi mudada a condução pastoral e se passou a exigir que as diretrizes arquidiocesanas fossem aplicadas na paróquia da Baía da Traição. Isso desacelerou e desestabilizou completamente os trabalhos nas aldeias. Muitos ícones começaram a fracassar, e alguns se acabaram. Na Aldeia São Francisco, além desse agravante, a saída da índia Marcilene, principal líder daquela comunidade e da juventude carismática Potiguara, para consagrar-se inteiramente ao movimento, deixa ainda mais abalada toda a vida eclesial dos “cabocos do
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Sítio”. Os reflexos foram visíveis com a falta de participação das pessoas na igreja, nos grupos da Misericórdia, nas festas de São Miguel, de Nossa Senhora da Conceição, na Semana Santa, enfim, a aldeia19 passa por um momento de mudança
Foto 86 Sexta-Feira Santa. Pouca participação dos fiéis (abr. 05)
eclesial. Em 2005, o arcebispo esteve na Paróquia conversando com os animadores, para escutar dos índios propostas para o processo pastoral. Pela primeira vez, está se planejando uma assembléia paroquial, prevista para Setembro, com assessoria da Arquidiocese e do CIMI-Recife/PE, para se buscar uma pastoral que leve em conta toda a riqueza pluriétnica, pluricultural e plurirreligiosa. Quem sabe, novas diretrizes pastorais arquidiocesanas possam contribuir para um outro momento eclesial da igreja católica entre os Potiguara!
4.3.1.2 A representante do CIMI: a irmã Juvanete O CIMI conta com uma representação entre os Potiguara através da irmã Juvanete Justino dos Santos, freira da Congregação das Dorotéias. Essa freira tem uma longa experiência de viver em pequenas comunidades inseridas; uma opção que muitas religiosas fizeram de deixar os conventos para se inserir no meio popular (BARCELLOS, 1998). Trabalhou com vários segmentos sociais: menores, prostitutas, trabalhadores rurais e sentiu-se desafiada a dar uma contribuição junto aos índios. A oportunidade para tal desafio surgiu por ocasião da XIV Romaria da Terra, realizada em
19
terra
Potiguara, em outubro de 2002. A irmã foi
Somado a esse quadro interno, as eleições municipais foram catastróficas para a etnia Potiguara e, em particular, para São Francisco, principal foco dos partidos, por causa do número de eleitores e pela força política que representa. A aldeia teve vários candidatos e três candidaturas a VicePrefeito, uma das quais foi vencedora.
161
uma das organizadoras que acompanhou um grupo de missionários 20 da Arquidiocese de João Pessoa, num trabalho de motivação nas aldeias para os índios participarem da Romaria. Essa foi a sua porta de entrada na área indígena21. A Aldeia do Forte foi escolhida como ponto de apoio do seu trabalho de „formiguinha‟, de estar em todo lugar, sem aparecer. Essa aldeia é o núcleo atual onde estão as principais lideranças indígenas Potiguara e tem, não só divergências internas, mas também discordâncias partidárias acirradas e de disputa entre grupos familiares tradicionais: os Cassianos e os Gomes (PALITOT 2005). Sua inserção pastoral começou discretamente escutando os índios, visitando as pessoas, participando das programações religiosas e contribuindo com elas. Os católicos da aldeia tinham dificuldades para se reunir por não haver um lugar para realizar as atividades pastorais. Com a chegada da irmã, esse objetivo começou a ser alcançado: teve início a construção de uma capela. No mês de agosto de 2003, começou a construção. Nessa época, a irmã se desloca da aldeia do Forte e vai viver, dia e noite, no acampamento da retomada da Aldeia Três Rios, no Município de Marcação. O local não tinha nenhuma estrutura física, nem sequer lugar para dormir. A terra onde só havia socas de cana começa
a
ser
reocupada
com
plantios
agrícolas e com a construção de barracas e moradias improvisadas. Sua presença no meio dos índios foi de grande valor por estar Foto 87 Irmã na retomada da Aldeia Três Rios (out. 03)
20
sempre ajudando e incentivando a todos.
Esses missionários não tinham a orientação do movimento carismático. A Arquidiocese oferecia uma capacitação para as pessoas que queriam colocar seus dons a serviço da igreja. A maioria era de pessoas adultas ou da terceira idade. 21 Para estar mais preparada para o desafio do trabalho com os índios, aproveitou para fazer uma capacitação na questão indígena, promovida pelo CIMI, em Brasília, no início de 2003.
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Passou a ser admirada não só pelo Cacique da aldeia, como também pelas mulheres, os homens, os jovens e as crianças. Em todas as mobilizações e comemorações, dentro e fora da área indígena, ela continua sempre presente. Na Aldeia do Forte, os trabalhos da construção não pararam na sua ausência e, com sua volta, muitos índios foram estimulados a dar sua colaboração. Seu carisma de dialogar com todos, incentivar a cada um, respeitar as decisões tomadas e demonstrar que o mérito é coletivo, „revolucionou‟ as relações na aldeia. As divergências partidárias, religiosas e familiares foram acomodadas e, em apenas 15 meses, o Santuário de Nossa Senhora do Guadalupe estava construído, fruto do envolvimento de toda a aldeia. A “pedagogia humanizadora” utilizada pela irmã Juvanete, de acordo com Paulo Freire (1975, p. 60), faz com “[...] que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica permanente”. A irmã e os índios (educador e educandos), “[...] co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de recriar este conhecimento” (PAULO FREIRE, 1975, p. 61). As lideranças a respeitam e a têm como confidente e referência para conversar sobre questão até da intimidade matrimonial e familiar. Com seu carisma de conselheira, dá liberdade para cada índio viver sua vida. Não centraliza em si as atividades, muito pelo contrário, vai distribuindo as responsabilidades com todos, vendo o dom e o carisma que cada um possui. Ela defende a questão da identidade Potiguara de forma muito aguerrida, e a terra, como espaço sagrado Potiguara. Segundo Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2005), “é a única irmã que até hoje eu vejo dentro das aldeias que tem um trabalho como o que ela está trabalhando, mas
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também ela está sozinha”. Na sua missão pastoral, ela vai costurando na aldeia uma unidade para se viver melhor e mais plenamente.
4.3.2 Semana Santa A Semana Santa é cultuada nas aldeias e, muitas delas, mesmo sem a presença do padre, fazem as celebrações litúrgicas nesse período. Uma das dificuldades para a realização dessa prática religiosa é a falta de um material específico e a preparação dos animadores para esse tempo litúrgico. Nilda e Severina22 aprenderam essas orientações religiosas quando jovens e hoje são as principais responsáveis pela condução de todos os rituais católicos da Aldeia São Francisco. As lideranças jovens, como Marcilene, Agnaldo, Mércia e outros dirigentes, não tiveram preparação sobre a liturgia da Semana Santa. A movimentação popular da Semana Santa começa na quarta-feira à noite, com um costume antigo na Aldeia, denominado de “Serro o Velho”. Trata-se de uma brincadeira que é feita com as pessoas idosas. Os anciãos que moram sozinhos são os mais visados. Muitos deles fazem festas e entram na bagunça. Mas outros ficam chateados e até com muito medo. Quem participa da brincadeira são os rapazes, mas sempre tem alguns homens e, também, mulheres. Toda a noite é de aventura e de muita alegria, segundo o filho do Seu Severino Fernandes.
Quando chega em frente à casa de um velho cava uma cova, que nem de cemitério e bota a cruz no pé da cova e vela. Quando acaba, fica em volta e começa a rezar para o velho que está dentro de casa. Aí tem velho brabo da estopa. O pessoal de fora começa a dizer: vista a derradeira camisa, velho! Faça seu derradeiro pedido! Às vezes, o velho fica bravo. Às vezes o velho mais consciente, sai e começa a farrar mais eles também (Aldeia São Francisco, abr. 2004).
22
Diretora da escola municipal de Ensino Fundamental, Centro Social São Miguel e uma das principais lideranças religiosas da Aldeia São Francisco.
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São muitas as aldeias que brincam de “Serro o velho”: São Francisco, Galego, Cumaru, Tramataia e outras. Diversas histórias são contadas pelas pessoas que já participaram dessa brincadeira. Uma delas é a de Seu Veridiano, da Aldeia São Francisco. Os detalhes do relato mostram como o velho fica chateado, ouvindo insultos sobre a morte e os comentários. Quando acontece algo mais marcante com alguém, isso é lembrado e contado por muito tempo.
Eu já estava dormindo. E lá vem aquela zoada, lá vem aqueles caras. Mas deixa que o pinico de coisa (merda) já estava guardado. A mulher de seu Zé Mauricio, já tinha guardado, né. Mas rapaz quando dei fé deixaram na casa de seu Mauricio. Começaram a cantar: serra, serra, serrador (risadas) serra a cabeça... tem um palavriado da moringa, que eu não sei como era. Rapaz, a mulher abriu a janela e jogou aquele pinico de merda, saiu muita gente melado. Eu não aquentei não, ria tanto. Eu só vi dessa vez. De lá pra cá não vi serrar mais não. Mas diz que em Tramataia serra mesmo. Um chorando, outros gritando, outros rindo. Eu não agüentava ir serrar na porta de um camarada porque se eu fosse serrar eu ia fazer muita presepada. Eu dizia: rapaz eu estou serrando você, agora além de eu serrar você, você ainda vem dar em mim? (risadas) Você vem pegar eu? Deixa eu serrar você direito! (VERIDIANO, Aldeia São Francisco, abr. 2004).
Na Quinta-Feira Santa, na aldeia, o principal momento da celebração na Igreja é o lava-pés, que cada ano tem um significado diferente, seguindo o tema da Campanha da Fraternidade da CNBB. Não se faz referência
Foto 88 Rito do Lava-pés (abr. 03)
nesse dia à instituição da Eucaristia nem à partilha dos beijus, tapiocas e dos peixes, uma tradição entre eles na Aldeia São Francisco. Segundo Severina (abr. 2004), essa ligação não acontece porque “nunca ninguém teve essa idéia de fazer uma grande celebração da partilha. Quem sabe um dia a gente pode fazer isso?” Futuramente esse momento simbólico de partilha eclesial com uma grande ceia coletiva poderá acontecer.
165
A Sexta-Feira Santa é o principal dia santo dos índios Potiguara e a Via Sacra é a primeira prática religiosa na Aldeia São Francisco. Bem cedinho, a partir das quatro horas da madrugada, as pessoas acordam e seguem para o local combinado de onde sai a via sacra. Os Foto 89 Via Sacra; Aldeia São Francisco (abr. 03)
jovens
são
os
reponsáveis
por
confeccionar o principal símbolo utilizado nesse rito, que é a cruz. A cada estação, uma cruz, com 50 cm de tamanho, é fixada na frente da residência onde se faz o ritual. Os jovens são também os dirigentes que coordenam a Via Sacra e Severina e/ou Nilda, as responsáveis pelos hinos23 cantados durante todo o percurso. Terminada a Via Sacra, as pessoas voltam para seus lares, e muitos índios conservam o costume de não varrer a casa, não maltratar os animais e as crianças, não tomar banho, não comer doce, não olhar no espelho e nem pentear cabelo etc.
Antigamente todos respeitavam a Sexta-Feira Santa. Logo de manhã a criança dava bênção e se ajoelha, com os dois joelhos diante dos pais. Na Quinta-Feira de tarde tudo era fechado, não se comprava mais nada. Não se tirava leite dos animais, nem cortava o mato, não se matava animal para comer, não se andava em animal, não varria casa, nem alisava cabelo, não tomava banho. As crianças só comiam na hora certa. Não se podia bater em criança (quem batia em Jesus eram os soldados). A criança só iria apanhar no sábado. (interessante que o gesto só é respeitado no dia em que Jesus morreu e não é um exemplo a ser seguido diariamente). Todos faziam jejum e rezavam. Não podia comer doce. O café era sem açúcar. Não se jogava bola para não entrevar. Hoje tudo está diferente. Os bares ficam abertos, o pessoal joga, bebe, não respeita (Dona Daura, Aldeia São Francisco, abr. 2003).
Muitos fazem jejum absoluto, visitam os doentes, ajudam os necessitados. Ultimamente, os costumes vêm sendo modificados, e muita gente não respeita 23
Os hinos estão escritos num caderno que é conservado há muitos anos por Nilda e Severina, que continuam a tradição da mãe e da avó.
166
como antigamente a Sexta-Feira Santa. O relato de Dona Maria das Neves (abr. 2003) mostra esse novo contexto:
Comadre Maria com uma trouxa, Dona Zefa com outra, foram lavar roupa e jogaram rebolo. A comadre Maria disse: oh ghente, que é isso! Quando chegaram no lugar que se lava roupa, a água estava toda baldiada (suja). Aí jogaram outro rebolo. Ela só fez pegar a trouxa e disse: aqui não dá pra mim não. Tinha gente que SextaFeira da Paixão ia cortar madeira, saia sangue do pau. Se fosse lavar roupa, diz que uma vez ficou uma mulher pegada na tábua. Ninguém que tem o nome de Maria podia pentear o cabelo. Eu que sou Maria no certo mesmo eu não posso tomar banho na Sexta-Feira Santa porque foi a hora que nossa senhora tava penteando o cabelo e chegou a notícia que tinham pegado o filho dela, que era Jesus. Ela botou o pente lá e disse: maldita Maria, que pentear o cabelo nessa hora.
Na parte da tarde, acontecem dois ritos: o Terço da Misericórdia, que diariamente é rezado nas casas e, logo a seguir, a celebração da morte de Cristo na Cruz, na igreja24. Os dirigentes índios fazem algumas adaptações litúrgicas para a realidade local, como ficar sentados e/ou em pé durante o ritual, sem
Foto 90 Rito da morte de Cristo na Cruz. Aldeia São Francisco (abri. 03)
ajoelhar-se em nenhum momento; fazer saudação no início e no final; cantar hinos carismáticos, não próprios da celebração. Antes de terminar a celebração, as pessoas presentes25 foram consultadas sobre a mudança de fazer a vigília pascal, no domingo de madrugada, e não, no sábado, como é a tradição na aldeia. Fomos
24
Algumas jovens chegam à igreja e, vendo a capela suja, providenciam algumas vassouras e varrem toda a sujeira. De acordo com a tradição, esse é o único dia em que não se pode varrer a casa, quanto mais a igreja. Das pessoas que pesquisamos, todas disseram que não varreram a casa naquele dia santo. 25 Aproximadamente 80 pessoas.
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pego de surpresa26 para explicar sobre o sentido da Páscoa na tradição bíblica. Após nossos comentários, ficou decidido mudar a vigília pascal para o domingo. No começo da noite, há uma transformação na aldeia por causa da malhação do Judas e das histórias de trancoso, uma tradição muito conhecida na aldeia para esperar o Sábado de Aleluia. Existem pessoas que se organizam em grupos e fazem bonecos representando Judas (homem e mulher) para serem colocados em lugares estratégicos da aldeia. Os bonecos são feitos pelos homens, sobretudo os rapazes, embora as mulheres e as crianças também participem da brincadeira. Depois dos bonecos Foto 91 Judas “moto boy” Aldeia São Francisco (abr. 05)
prontos, são realizadas várias brincadeiras com eles,
como namorar no telefone público da aldeia, andar de moto, passear de carro, até chegar a madrugada, quando são cuidadosamente colocados na porta das casas das pessoas, que ficam chateadas, ou podem ser pendurados nos postes no centro da aldeia. No dia seguinte, bem cedinho, a criançada joga pedra, pau, põe fogo e faz a malhação do Judas até rasgar todo o boneco. Além da malhação do Judas, na noite da Sexta-Feira Santa, há um costume de, nesse dia, dar ênfase para se contarem „histórias de trancoso‟. Existem pessoas na aldeia talentosas para contar essas histórias. Seu Veridiano (Veri) é um dos contadores mais conhecidos em São Francisco. Em 2004, narrou várias delas, sentado na calçada da porta de casa. Para começar a contar sua sabedoria, precisou de muita insistência das pessoas presentes. Alguém lembroulhe de contar a da roda gigante, e ele começa a falar a seguinte história:
26
Sempre tivemos toda liberdade para conversar sobre nossa vida pessoal na aldeia. Por várias vezes, comentamos sobre nossa formação teológica e litúrgica e isso fez com que fôssemos chamado para dar uma contribuição sobre a questão litúrgica da Semana Santa.
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Era roda gigante com 800 cadeiras (risadas). Nesse dia eu estava em João Pessoa (risadas). Aí a roda não pára embaixo pra as pessoas descerem (para as pessoas saírem da roda gigante). O cabra fica parado lá em cima e o outro desce. O cabra lá em cima ouviu um anjo cantar: (muita risadas) „Teu pescoço tá ficando fino. Ora por nobilis (muitas risadas). Teu olho fundo. Ora por nobilis‟. O cara desceu e quando chegou em baixo era aquele aperreio, porque ficou muito assombrado. Disse pro pessoal que ouviu um anjo cantar, ele começou a contar como foi. Aí ele foi de novo. Quando chega em cima, de novo e o anjo: Manoel Faustino! Manoel Faustino! Aí essa roda saiu do eixo, carregada de gente, toda luminada e lá vem, cortava ônibus, passava por dentro dos matos e chegou em Mamanguape27 e bateu naquela barreira. Também não morreu ninguém, não saiu ninguém ferido. Veio lá de João Pessoa pra trazer o povo pra Mamanguape. Eu estava lá (Veridiano, Aldeia São Francisco, abr. 2004).
Depois de cada história, há um comentário entre as pessoas, que vão recriando em cima das partes que marcaram mais. O contador nem espera o pessoal terminar de rir e começa uma outra história da cobra, do pescador. Aqui, acolá, havia outros contadores que se lembravam de outras histórias conhecidas e contavam também ou pediam para Veri contar. Foram várias horas de muitas histórias contadas. É um costume que se utiliza para alegrar as pessoas da aldeia e, para o qual, não falta público. No sábado, andando pela aldeia, fomos até a casa de Seu Severino Fernandes, ex-Cacique de lá, e um dos anciãos muito respeitados em São Francisco. Conversamos sobre vários assuntos, e ele nos contou algumas „histórias de trancoso‟ interessantes, que sempre são lembradas entre eles, como a do rei e a do proprietário. Ele faz um comentário dizendo que o pessoal fica a noite todinha nessa conversa. Sai uma e entra outra. É um humor gostoso de se escutar e que tem a participação do público (constantemente).
27
Cidade que fica próxima da área indígena, distante de João Pessoa 50 Km.
169
Em 200528, além da malhação do Judas e das histórias de trancoso, a exibição do DVD da Paixão de Jesus Cristo, do ator Mel Gibson, foi a programação diferente realizada em dois locais diferentes da Aldeia São Francisco: um, na Escola Foto 92 “Cinema na rua” Aldeia São Francisco (abr. 05)
Estadual Indígena Pedro Poti, com a maior
presença de católicos, e o outro, na casa de um membro evangélico do Betel Brasileiro, o que foi chamado por Josafá (abr. 2005) de “cinema na rua”, com uma grande presença de evangélicos. Nitidamente houve uma divisão entre evangélicos e católicos para assistirem ao filme.
Foto 93 “Cinema na Escola” Aldeia São Francisco (abr. 05)
No sábado, em 2003, a Ressurreição de Cristo, na Aldeia São Francisco, aconteceu um dia mais cedo do que a celebrada oficialmente na Igreja Católica Romana. Ainda de madrugada, três mulheres aguardavam, na porta da igreja, pela festa maior dos cristãos: a Páscoa. O paralelo parece não ser por acaso, mas,
Foto 94 Vigília Pascal em 2003
novamente, as mulheres continuam sendo as testemunhas do Ressuscitado (Bíblia, Jo 20,1). Pouco a pouco, mais pessoas vão chegando para a celebração pascal. Seguindo o costume, todos (30 mulheres, 3 rapazes e 5 crianças) se ajoelham e rezam o Ofício de Nossa Senhora, prática religiosa muito conhecida no Nordeste.
28
Em 2005, poucas pessoas participaram da Via Sacra pela manhã, e a celebração da morte de Cristo na Cruz se fundiu com o Terço da Misericórdia. Apenas oito pessoas rezaram o Terço de Jesus Misericordioso na Igreja. O destaque sobre o altar não era o crucifixo, que normalmente deveria aparecer nesse ritual, e sim, o Oratório de Jesus Misericordioso.
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Dentro da Igreja, nenhuma vela acesa, nada de diferente do dia anterior (SextaFeira da Paixão). Quando a cerimônia termina, as pessoas vão para suas casas. No domingo, em 200429, a vigília pascal da Aldeia de São Francisco reuniu várias pessoas (11 mulheres, 9 rapazes e 20 moças; cerca de 5% da Aldeia). Na primeira parte, foi feita uma celebração da palavra com algumas mudanças litúrgicas, como cantar o Aleluia no início das leituras bíblicas. Na segunda parte, houve uma mudança na condução da Vigília Pascal com o Terço da Misericórdia, da Rainha da Paz. As pessoas que estavam fora da igreja entraram e começaram a participar ativamente. Quem estava cochilando acordou e também se envolveu. Aconteceu uma mudança repentina e, em poucos segundos, a igreja tinha nova vida. O último momento litúrgico foi o Ofício de Nossa Senhora, o mesmo rito realizado na Vigília Pascal no ano anterior. O Ofício terminou à 3h e 30‟ e os presentes foram para suas casas. A celebração e os cantos sem instrumentos musicais tiveram um fio condutor com teor carismático, uma vez que essa é a conjuntura em que a aldeia está envolvida. Sobre o altar, o ícone de Jesus Misericordioso, principal destaque da Vigília Pascal. Não houve nenhuma mudança na ornamentação que demonstrasse ser um dia festivo, como acontece no encerramento do mês de maio ou nas festas dos padroeiros. Chamou-nos a atenção o fato de esse momento pascal, rico em densidade religiosa, ter terminado com todos de joelhos e sem haver um momento do abraço da paz, de se desejar feliz páscoa ou mesmo a bênção do fogo e da água, rituais característicos da liturgia oficial da igreja. O que deu um tom pascal foi a sinfonia
29
Em 2005, o contexto eclesial foi completamente diferente dos anos anteriores, e a Semana Santa teve a participação de pouquíssimas pessoas. Até mesmo dirigentes que estão presentes em todos os momentos litúrgicos não compareceram. A aldeia vive um momento muito especial por causa do envolvimento das pessoas com o movimento carismático.
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dos pássaros, das aves e dos animais, que anunciavam alegremente a aurora de um novo dia. No entanto, a celebração pascal teve uma outra dimensão religiosa, por ser o momento síntese que unificou os três ritos religiosos eclesiais católicos que acontecem na vida da aldeia: a celebração, o Terço da Misericórdia e o Ofício de Nossa Senhora. Esses ritos fazem parte do cotidiano indígena e acontecem isoladamente ou, quando muito, em certas ocasiões, quando há a união de dois deles. Foi a união de ritos antigos com ritos novos: o ofício rezado trouxe toda riqueza da antiga liturgia em latim, extinta desde o Vaticano II (antigo); do Terço da Misericórdia, um embrião, com menos de três anos que está sendo difundido e rezado nas aldeias (novo); e da celebração que sempre foi o fundamento da fé, desde o tempo das catacumbas no início da era cristã. As dirigentes fizeram uma comum união (comunhão), um re ligare de todas as formas litúrgicas praticadas na aldeia.
Dependendo de cada situação social ou histórica, a religião assentada numa cultura popular pode ser fator de alienação, de identidade popular, de resistência diante da cultura dominante ou oficial, reforço étnico para uma ascensão social ou para um projeto de transformação social (PALEARI, 1990, p. 58).
Foi muito difícil para nós entendermos as seqüências dessas e de outras práticas religiosas, mesmo como pesquisador, uma vez que estávamos percebendo mudanças nos rituais católicos. As mudanças acontecem no ritmo da etnia, sem a preocupação de fazer cada detalhe corretamente, dentro de uma seqüência do cerimonial litúrgico oficial católico. Segundo Louis Schneider (apud Rolim, 1970, p. 342), a religião “[...] é um fenômeno não-racional. O conteúdo dos enunciados pode mesmo estar errado, pode parecer irrisório, pode ser facilmente refutado. Isso,
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porém, não tem importância. O que importa é o praticar”. O autor faz uma ressalva de que essa aplicação se refere ao catolicismo popular.
4.3.3 O mês de Maio A Novena de Nossa Senhora é uma das principais Potiguara,
práticas
religiosas
que
dos
acontece
simultaneamente em todas as aldeias no mês de maio. Segundo Rieth (2000, p. Foto 95 Coroação de N. S. da Conceição (maio 04)
831), “[...] apesar da religião cristã oficial,
imposta de cima para baixo, surgiram modelos de fé, ritos, crenças e práticas em meio aos povos dominados, o que tem sido chamado de „religiosidade popular‟ ou „religião do povo‟”30. Cada aldeia tem sua maneira de louvar a mãe de Deus. Nesse rito religioso, não é costume soltar fogos de artifício s. Como em outros ritos, a freqüência é praticamente das mulheres, que estão sempre acompanhadas dos filhos, mas tem também alguns jovens e, ocasionalmente, aparece um ou outro homem. Um dos destaques das
novenas é o fato de cada dia
haver uma criança caracterizada
de anjo, que pode ser do
sexo
sempre vestida com roupinha
masculino
ou
feminino,
branca ou azul-clara. Em algumas anjos,
que
são
chamadas de
aldeias, Foto 96 Anjos (maio 04)
essas
crianças/
anjinhos, só aparecem na
festa de encerramento do mês; noutras, à medida que os dias vão passando, aumenta o número de crianças/anjos, culminando com a coroação da imagem de
30
Ver sobre esse tema em: González; Brandão; Irarrázaval (1993); Suess (1979);
173
Nossa Senhora. Nessa ocasião, quase toda a aldeia se faz presente, pois só os anjinhos envolvidos (mais de trinta) e suas famílias perfazem um grande percentual de habitantes. Na Aldeia São Francisco, a grande expectativa do último dia começa na Escola Municipal para vestir os anjinhos. Depois de prontos, saem em fila e atravessam a rua principal, sendo assistidos pelos homens, que ficam nas calçadas e nas portas das casas. Quando os anjos entram na igreja, começa a novena. A igreja, que praticamente não tem nenhuma ornamentação durante todo o mês, transforma-se
num
Foto 97 Anjos chegando na igreja
Aldeia São Francisco (maio 04)
local bonito e acolhedor para receber os anjos que vão coroar a mãe de Deus. O momento mais esperado da noite é a coroação da mãe de Deus, Foto 98 Anjos que coroam a Santa. Aldeia São Francisco (maio 04)
quando um anjinho, que se encontra num plano de
destaque, começa a colocar a coroa sobre a cabeça da imagem de Nossa Senhora, enquanto é cantado um hino de Maria, próprio para essa ocasião. O ritual termina com a queima de todas as flores que enfeitaram a igreja no mês de maio. Essas práticas religiosas, segundo Pedro Oliveira
(1972,
p.
357),
são
chamadas
de
constelação devocional: “[...] a oração, as práticas de piedade para com os „santos‟, as comemorações festivas do dia do santo da devoção, o culto à
Foto 99 Devotos do mês de maio Aldeia São Francisco (maio 04)
imagem do santo, e tantos outros pelos quais o devoto estabelece ou reforça uma aliança com seres sagrados pessoais”.
174
Esse é o evento eclesial que tem a maior quantidade de índios reunidos, praticamente, só da aldeia. Essa prática religiosa é realizada exclusivamente com protagonistas indígenas, uma vez que não tem a presença de agentes externos, como padre, freira ou missionário. O mês de maio é um período de devoção da etnia Potiguara e, mesmo que seja muito conhecido em todo o Nordeste, nas aldeias tem uma performance própria, com o jeito indígena.
4.3.4 As festas juninas As festas juninas31 são conhecidas em todo o Nordeste brasileiro, festejadas em três datas, todas no mês de junho: Santo Antônio, no dia 13, São João, no dia 24, e São Pedro, no dia 29. É Foto 100 Fogueira de São João (jun. 04)
época da fartura do milho verde, da
fogueira, das danças típicas, de cantar e brincar, de improvisar coreografia, de contar histórias, de fazer juras, de reviver as tradições, de se encontrar com as comadres e os compadres, enfim, de deixar a alegria imperar na vida. Entre os Potiguara, as festas juninas também estão presentes, mantendo uma tradição na aldeia de se festejar, como em todo o Nordeste, com comidas típicas de milho verde, como a pamonha e a canjica, além do milho assado e do milho cozido. Segundo Dona Geralda, da Aldeia São Francisco, “o São João só 31
“As festas juninas estão no sangue do povo; suas raízes vêm de muito longe. Sabe-se que vieram para o Brasil trazidas pelos portuqueses. [...] A Igreja, que sempre se prreocupou em batizar as festas pagãs, marcou esse período do ano com a veneração de três santos muito significativos: Santo Antônio foi o grande pregador nascido em Lisboa (Portugual) e falecido em Pádua (Itália); São João Batista era primo de Jesus e teve o nome de Batista porque batizava no rio Jordão e São Pedro foi o primeiro dos apóstolos e o primeiro papa. Sem dúvida, a figura de São João é a que mais marca a celebração da festa junina” (PALEARI, 1990, p. 50).
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presta quando tem comida de milho”. À noitinha, é hora de acender a fogueira, encontrada em, praticamente, toda casa. Em pouco tempo, toda a aldeia está iluminada com as chamas de dezenas de fogueiras; é tradição também, como em todo o Nordeste, os(as) compadres (comadres) de fogueira, que fazem um juramento dando as mãos sobre o fogo, dizendo três vezes: “São João disse, São Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, porque Jesus mandou”. Depois dessa data, consideram-se compadres para toda a vida. Entretanto, os Potiguara apresentam algumas particularidades em seus festejos, por exemplo, praticamente não existem fogos de artifícios, muito utilizados nas novenas dos padroeiros. Outra particularidade deles é o rito de andar descalço, à meia noite, sobre as brasas da fogueira, sem que nada lhes aconteça. Na aldeia, um índio ficou aleijado por tentar passar e duvidar da fé. “Se ele não tivesse duvidado, não teria se queimado” (Aldeia São Francisco, jun. 2003). Em diversas aldeias, são realizadas as novenas no mês de junho (aldeias do Galego e Estiva Velha). A Aldeia São Francisco apresenta a particularidade de rezar durante todo o mês a Trezena de Santo Antônio (do dia 01 até o dia 13), a Novena de São João (do dia 14 até 24) e a Novena de São Pedro (de 25 até 29). As novenas (em anexo) ainda continuam sendo rezadas em latim. Os cantos e as orações do Pai Nosso e da Ave Maria têm uma melodia semelhante às “incelências”, por causa do ritmo bem lento e sempre no mesmo diapasão. As pessoas mais idosas se lembram facilmente dessas melodias. A prática educativo-religiosa de se rezar trinta dias as novenas dos santos juninos, em latim, vai se constituindo na aldeia São Francisco como uma tradição, com um diferencial bem específico, por ser pouco comum nas igrejas católicas se rezar assim. A maneira como essa vai sendo ensinada para as novas gerações,
176
não é apenas uma transferência de conhecimento, mas, como afirma Paulo Freire (2002, p. 25), “[...] cria as possibilidades para a sua produção ou sua construção”. Mesmo com a presença das novas práticas religiosas carismáticas da Rainha da Paz, bem mais envolventes e dinâmicas, as novenas juninas cadenciadas sempre num mesmo ritmo vão sendo preservadas na Aldeia São Francisco. Além das novenas e das fogueiras, o São João dá uma visibilidade diferente à aldeia. Em algumas casas, o pavilhão e suas mediações ficam todos enfeitados com bandeirinhas, balões e palha de coco. Existe um envolvimento maior dos jovens na preparação da quadrilha junina. A quadrilha das crianças normalmente é feita na escola, e a dos jovens, no pavilhão. O São João é uma ocasião especial porque, segundo o puxador da quadrilha, Jailsom (Aldeia São Francisco, jun. 2003), “todo mundo comparece com animação total”. O ideal é contar com a animação de um trio de forró pé de serra (zabumba, triângulo e sanfona), mas quando não se consegue “a saída é improvisar com um som mecânico e aproveitar até o raiar do dia, porque é noite de São João” (JAILSON, Aldeia São Francisco, jun. 2003).
4.3.5 A festa do padroeiro São Miguel A Festa do Padroeiro São Miguel é uma
das
práticas
educativo-
religiosas de maior visibilidade entre os Potiguara. Segundo os cabocos mais
velhos
que
conhecem
a
tradição, tudo começou com a Foto 101 Padroeiro dos Potiguara São Miguel (centro) Aldeia São Francisco ( set. 04)
morte de um rapaz que, dias após
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ser enterrado, sua cova apareceu toda rachada. Foram até o pároco para saber o que fazer e se decidiu desenterrar o morto para ver o que estava acontecendo. A grande surpresa, após abrir o caixão, foi perceber que o corpo continuava igual a uma pessoa viva. Susto maior aconteceu quando se descobriu que até sangue o corpo tinha igual a uma pessoa normal. Essa história só terminou quando o rapaz foi levado para Roma, onde está até hoje. Como relíquia desse acontecimento, foi trazida uma imagem de madeira e colocada na Igreja de são Miguel. Dona Joana, da Aldeia Galego (Aldeia São Francisco, jun. 2003), faz um outro relato, dentre os vários existentes sobre São Miguel.
Esse aqui é o São Miguel anjo. Não é o verdadeiro da história. O outro era São Miguel Arcanjo. Mas é esse aqui que está dentro da história. Os bispos que trouxeram de Roma. O que era carne humana, que a minha avó contava era uma criança que morreu. Aí, de noite, poucos dias depois que o menino tinha sido enterrado, aí ele (Chefe do Posto) escutava aquelas pegadinhas, nem acordava, nem dormia e aí, ia saber quem era. Não era ninguém. Três vezes consecutivas ele pressentia essa diferença. Nem estava dormindo, nem estava acordada e escutava essas pegadinhas. Precisou que o bispo viesse e levou a criança perfeita pra Roma e hoje ainda, está lá em Roma.
A Aldeia São Miguel, até os anos 1980, segundo Moonen e Maia (1992), era o principal lugar onde ocorriam as práticas religiosas dos Potiguara. As práticas religiosas em torno do santo são um dos elementos fundamentais do catolicismo popular. “Tudo parece girar ao redor dele. É objeto de devoção pessoal do pequeno núcleo familiar (oratório),
Foto 102 Visão da igreja nova ao lado da velha; Aldeia São Miguel (abr. 03)
dos pequenos povoados (capela) ou das grandes massas (santuário). A vida de cada pessoa tem seu centro e seu referencial nessa devoção” (PALEARI, 1990, p.
178
68). Todas as aldeias esperavam o ano inteiro para participar da Festa do Padroeiro, por ser uma das poucas vezes em que o padre se fazia presente na área indígena. A Festa de São Miguel era o momento em que todas as aldeias se encontravam para festejar e celebrar a vida. No último dia, a noite era pequena para dançar coco, ciranda, lapinha, argolinha, vaquejada e o Toré. No dia de São Miguel, uma multidão assistia à missa, uns batizavam crianças, outros casavam, e muitos carregavam o andor com a imagem do Santo até a Igreja de Nossa Senhora da Penha no centro da cidade. “O santo está na imagem, mas não se confunde com ela, nem se identifica. Mesmo assim, a imagem está carregada de poder sagrado” (PALEARI, 1990, p. 68). Na década de oitenta, a igreja construída no século XVIII começa a ter sérios problemas nas suas estruturas físicas devido à ação do tempo. Num primeiro momento, são feitas algumas reformas provisórias, mas isso não impede o desabamento de todo o telhado da centenária Matriz. O órgão responsável, na Paraíba, pelo Patrimônio Histórico, prometeu reconstruir a Igreja. Seu Batista conta que foi até João Pessoa e ouviu do responsável pelo Instituto Patrimônio Histórico e Artístico do Estado da Paraíba (IPHAEP) que não precisaria colocar a mão em nenhuma pedra porque a igreja seria restaurada. Os índios começaram uma campanha em todas as aldeias para fazer a restauração e até formaram uma comissão para esse fim. Em 1986, com a indefinição da reconstrução da antiga igreja, começaram a aparecer assaltantes, tentando roubar os objetos de valor, sobretudo, a imagem
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de São Miguel32. Segundo Dona Raimunda, da Aldeia São Miguel (set. 2004), ninguém podia mexer na igreja, por determinação do Patrimônio Histórico. Ela afirma que, “na impossibilidade de reformar a igreja sem o aval do Patrimônio Histórico, muita coisa começou a sumir. Os cabocos do Sítio foram até a Vila São Miguel e dia e noite ficaram vigiando o Santo”. O tempo foi passando, e as lideranças, em comum acordo com os índios, optaram por levar a imagem de São Miguel para a Aldeia São Francisco, até que fosse restaurada a igreja da Vila de São Miguel. Uma multidão de pessoas em procissão, animadas com cantos e rezas, sempre saudadas com fogos de artifício, conduziu a imagem até o Sítio. “Foi uma procissão que contou com a presença até do Arcebispo D. José Maria Pires. Foi muito bonito, um dia maravilhoso” (Seu Batista, jun. 2003).
Na versão de alguns índios da Aldeia de São Miguel, o
Padroeiro foi roubado pelos cabocos do Sítio (referindo-se à Aldeia São Francisco). Na Aldeia São Miguel, depois de muitas reuniões e diversas arrecadações, decidiu-se construir uma nova igreja. Concluída a nova igreja, as lideranças da Aldeia de São Miguel reivindicaram a volta da imagem do Padroeiro, mas o acordo firmado era de que São Miguel só voltaria para a aldeia natal depois de reconstruída a velha igreja. Como isso não ocorrera, São Miguel permanece até hoje em São Francisco. Para contornar o impasse, os índios da vila São Miguel adquiriram uma outra imagem bem diferente da original, tanto no tamanho, como no formato e também no material33, e a tradição do Padroeiro continua na aldeia.
32
Na imagem original de São Miguel, havia uma balança de ouro, que desapareceu. Hoje existe uma réplica, cujo valor é bem inferior ao da original, segundo informação dos índios de São Francisco. 33 A original era de madeira, e a atual é de gesso.
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4.3.5.1 A festa do padroeiro em São Francisco A Festa de São Miguel começa a ser planejada com vários meses de antecedência. “A festa é sempre fonte de solidariedade; cria e intensifica a vivência comunitária” (TABORDA, 1990, p. 48). Quando se aproxima a data, é a hora de arrumar e fazer uma limpeza mais caprichada na casa, providenciar uma roupa melhor, prevenir-se com a alimentação para receber parentes e amigos, fazer umas economias porque vai começar a Festa de São Miguel. A aldeia fica diferente com a presença do parque de diversões e dos enfeites na rua e no pavilhão. A igreja é lavada, iluminada, ornamentada, além de ganhar nova pintura. A festa, oficialmente, inicia na manhã do dia 20 de setembro, quando o mastro Foto 103 Mastro e visão da igreja Aldeia São Francisco (set. 03)
é fincado na frente da igreja,
Foto 104 Mastro da Igreja de São Miguel Aldeia S. Miguel(set. 04)
um símbolo que dá visibilidade em toda a aldeia daquele momento religioso. Se comparado com o da Aldeia São Francisco, o mastro da Aldeia São Miguel tem uma grande diferença tanto na arte, como no tamanho, mas o sentido religioso é o mesmo. Por causa das duas festas simultâneas, existe uma divisão das aldeias, no sentido de freqüentar o de São Miguel e o de São Francisco. Isso tem um lado positivo porque descentraliza a festa, dá oportunidade para as pessoas mais próximas
participarem
(andam
menos),
mais
aldeias
se
apresentarem,
programações diferentes serem festejadas e vivenciadas. Mas também tem um outro lado, que é o de não haver uma única festividade ou momento que unia a
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etnia Potiguara. Até a década de oitenta, a Festa de São Miguel era um referencial para todas as aldeias34. No período da festa, o Cacique e as lideranças se reúnem para decidir como a aldeia deve participar da novena do padroeiro. Em São Francisco, existe o costume se pedir uma contribuição para usineiros, comerciantes, políticos ou para quem quiser ajudar o padroeiro35 e a prática de se fazer também uma arrecadação entre os membros de cada aldeia, às vezes, estipulando até quantias fixas para cada família36.
4.3.5.2 Hoje é dia de novena Nos dias de festa, Dona Lenita abre a igreja e, pouco a pouco, as pessoas vão chegando,
sobretudo,
as
mulheres,
as
crianças, os adolescentes e os jovens. A Novena de São Miguel é rezada em latim, uma tradição deixada pelos antigos, que
Foto 105 Nilda (direita) rezando a novena em latim. Aldeia São Francisco (set. 04)
continua sendo preservada até hoje. Nilda herdou da mãe esse costume e está à frente das novenas, sempre ajudada pelas irmãs Severina e Valda e algumas outras senhoras que estão sempre presentes nas novenas. Durante nove noites, tanto no Sítio como na Vila se tem o costume de convidar as aldeias da região para presidirem a novena, cada qual do seu jeito e no seu ritmo.
34
A etnia tinha dezesseis aldeias e um número bem menor de habitantes. Isso faz com que, às vezes, em troca dessa pretensa generosidade, se ofereçam para a liderança indígena algumas vantagens pessoais, que acabam prejudicando a organização e a mobilização nas aldeias. Nas últimas festas, as ofertas foram mínimas pois, segundo o Cacique Djalma, “esse ano foi fraco, por causa da retomada do território Potiguara de Marcação”. 36 Tem aldeia que estipula o valor de R$5,00 (cinco reais) por família. Outras não estipulam nenhum valor. 35
182
Na abertura da novena, na Aldeia São Francisco, em 2003, ocorreu uma coisa nunca vista antes por lá, segundo Seu Batista, por contar
com
a
presença
de
crianças,
adolescentes e jovens, todos vestidos com Foto 106 Índios trajados na novena(set.03)
trajes indígenas dentro da igreja, mudando
completamente o visual. Enquanto rezavam, algumas crianças estavam terminando de ser pintadas dentro da igreja para, em seguida, dançar o Toré. Não é costume os índios estarem assim nos cultos cristãos. Muito pelo contrário, a igreja, por muitos e muitos anos, sempre condenou toda e qualquer manifestação cultural dessa natureza, pois a doutrina católica sempre exigiu modelos ocidentais cristãos nas celebrações (POMPA, 2003). Foi a primeira experiência do Toré ser uma continuidade da novena do padroeiro, “coisa inédita”, segundo a índia Marcilene. A novena sempre é encerrada com a alvorada, uma procissão noturna que tem à frente a bandeira do padroeiro, carregada geralmente por uma criança, seguida por um grupo de mulheres que Foto 107 Alvorada de São Miguel Aldeia São Francisco (set. 04)
cantam os benditos de São Miguel e acompanhada
por multidão de pessoas. O início começa na frente da igreja, vai até o final da principal rua (após a casa de farinha), contorna e volta pela mesma rua até contornar por trás da igreja e terminar no mesmo lugar da saída. “A rua, mesmo com seu caráter profano e religioso, tem a proteção do santo de devoção” (PALEARI, 1990, p. 68). As pessoas acompanham a alvorada levando
Foto 108 Mãe e filho na alvorada Aldeia São Francisco (set. 04)
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velas, terços, santos e seguem o percurso rezando, cantando, conversando, pagando promessas a São Miguel. Muita gente fica nas calçadas vendo a movimentação dos romeiros, sempre saudada pelos fogos de artifício. No final, a vela que esteve presente em todo o percurso é depositada aos pés do santo protetor, pedindo por milagres ou agradecendo por graças alcançadas. Cada índio, à sua maneira, vive o seu momento de transcendência com o padroeiro.
A vinculação com o rito é forte, inquebrantável. É mesmo absorvente. O mundo religioso dos devotos está suspenso aos ritos. Estes não modificam a vida dos indivíduos. Negoviantes sem escrúpulo continuam explorando, apesar de suas devoções. Prostitutas continuam prostitutas. Ambiciosos andam pelo caminho da ambição. O problema não é religião e vida, mas homem e rito (ROLIM, 1970, p. 342).
As últimas noites são as mais movimentadas, sobretudo, a última, porque começa com a novena e só termina no outro dia, depois que várias bandas musicais se apresentam no pavilhão. Na Aldeia São Miguel, a quantidade de pessoas que prestigiam a festa profana é muito grande, a maior concentração popular da cidade de Baía da Traição.
4.3.5.3 O dia da festa No dia 29 de setembro, dia da festa de São Miguel, geralmente a missa é celebrada, pela manhã, na Aldeia São Francisco e, à tarde, na Aldeia São Miguel. Em 200237, quase no final da missa, o Cacique Néo, indignado por não ter homens suficientes para carregar o andor de São Miguel, disse: “Esta festa de São Miguel é uma tradição de mais de 300 anos. Quando eu era menino, mais de mil pessoas
37
Aproximadamente quarenta pessoas acompanharam o trajeto de dois km até a Matriz de Nossa Senhora da Penha, no centro da cidade. Em 2003 e 2004, não houve procissão, e esse fato quebra uma tradição centenária de fazer a festa do padroeiro.
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acompanhava a procissão e hoje eu não encontro quatro homens para carregar o andor. Vamos pelo menos dar uma volta aqui no pátio da igreja” (Aldeia São Miguel, setembro de 2002). Nesse ano, depois de certa indecisão, a procissão ainda foi realizada e teve início antes mesmo de o padre terminar a missa. O cacique e mais alguns índios iniciaram a procissão, e todo o povo acompanhou, deixando o vigário sozinho no altar pedindo “espera aí, vamos terminar a missa; espera aí, por favor...” (Padre Ailson, Aldeia São Miguel, set. 2002). É interessante perceber que, nessa prática religiosa, coexistem tempos e ritos diferentes. O padre, querendo terminar a missa, e o cacique, liderando o povo para o início da procissão. Uma tradição que continua sendo muito observada pelos pais é a de batizar criança no dia do santo padroeiro. Nesses últimos três anos, a quantidade de pais e padrinhos foi muito expressiva. Em 2002, durante o batizado, havia, na Igreja de São Miguel, mais de cem pessoas reunidas. Quando terminou o batizado e começou a missa, houve um esvaziamento de mais de 75% das pessoas, demonstrando com isso que, para pais e padrinhos, o importante é batizar as crianças na festa do padroeiro. O batizado é uma prática que mexe com a orientação e a educação religiosa das pessoas na aldeia. Existem certas crenças em torno do batismo que são contadas e recontadas pelos mais antigos, de que, se a criança não for batizada quando há temporal, o trovão fica em cima da casa. Uma outra
Foto 109 Batizado feito pelo padre Ailson, tendo como padrinho o Cacique Néo (out. 04)
crença é de que a criança pagã chora muito; se batizar, afasta os espíritos, e ela passa a ter saúde e deixa de chorar. Ou ainda, numa casa que tem sete filhos (as)
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consecutivos (as), o mais velho tem que ser padrinho do mais novo porque senão, em noite de lua, ele vira lobisomem. Todo esse contexto de crença religiosa influencia a escolha, principalmente, da festa do padroeiro para batizar a criança e, assim, ficar livre de todas essas perturbações. Essa prática educativo-religiosa de batizar as crianças católicas vai-se mantendo porque persistem as cobranças sociais entre os índios para batizar os curumins. É tanto que, quando morre uma criança pagã, há um grande desconforto dos pais.
4.3.6 A Festa da padroeira Nossa Senhora da Conceição A padroeira da Aldeia São Francisco é Nossa Senhora da Conceição38, que não tem a mesma tradição centenária que a de São Miguel, mas é muito conhecida e muito importante para os Potiguara. Entra Foto 110 N. S. da Conceição Padroeira da Aldeia São Francisco (dez. 03)
e sai geração, e o costume da festa da
padroeira vai sendo preservado. Muitas pessoas não vão à igreja durante o ano, mas, nesse período, participam dos rituais coletivos e dos momentos individuais de devoção com Nossa Senhora. Segundo Rolim (1970, 340-341),
“[...] a grande
massa dos que se dizem católicos, porque cultuam os Santos, fazem promessas, novenas, vão a romarias e acendem velas às Almas. A devoção aos Santos assume, por vezes, um caráter individual, por vezes um aspecto coletivo”. Alguns devotos entram na igreja de joelho. Tem aqueles que vão descalços ou vestidos com uma roupa bem diferente, para pagar a promessa feita. Há quem sente a 38
As aldeias de Grupiúna, Jacaré de César e Silva de Belém têm a mesma santa como padroeira, conforme Tabela 10.
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necessidade de tocar na imagem. Para uns, o maço de vela de Nossa Senhora é a esperança que lhe resta na vida. Segundo Frei Francisco C. Rolim (1970, p. 341),
Podemos dizer que naqueles que individualmente cultuam seus Santos subsiste um vínculo entre o Santo e os problemas temporais do fiel ou do devoto. Uns pedem saúde, curas de doenças. Outros imploram proteção [...] Juntam-se aos pés dos Santos dos devotos mais diversos, trazendo cada qual seu pedido de benefícios temporais. Este tipo de catolicismo está mais preso às crenças do que às normas, embora estas, transformadas em sua maior parte em costumes, subsistam. A crença é de que o Santo é o protetor.
A crença em Nossa Senhora está muito associada à questão dos novenários entre os Potiguara. São Francisco, dentre todas as aldeias, é a que conserva a tradição de fazer muitos novenários. É a única que tem duas festas de padroeiro no ano e, em cada uma dessas festas, são nove noites de novenários que acontecem nos meses de setembro e dezembro. Nos meses de maio e junho, todo dia é dia de novena. Nesse período, é rezado também o Terço da Misericórdia nas casas, todas as tardes. São mais de sessenta famílias que, diariamente, estão comprometidas em realizar esse rito religioso. Existem outros dias santos em que se faz também o novenário, como no dia de São Sebastião, de Santa Ana, etc. Cada aldeia tem suas especificidades para fazer seu novenário. Existe um ritual comum em todas, que é a saudação inicial e a final, cantos, orações, gestos (ficar
Foto 111 (dez 03)
em pé, sentados, de joelhos, erguendo os braços), de acender velas, soltar fogos, de se colocar a imagem do Foto 112 Fogueteiro soltando fogo (dez. 04)
padroeiro em destaque para ser tocada. “Segundo esta
crença, o Santo corporifica-se na imagem. Não é qualquer imagem do Santo que
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serve. Mas é a imagem considerada milagrosa, a imagem que está neste altar, “[...] Nela os fiéis querem tocar. Diante dela se prostram, olhos fitos no Santo corporificado na madeira ou no barro” (ROLIM, 1970, p. 341). Mas, em nenhuma outra aldeia, existe uma peculiaridade como em São Francisco, de rezar a novena em latim39. São quatro novenários diferentes: o de Nossa Senhora, de São Miguel, de Santo Antônio e o de São João (em anexo). Um dos componentes que integram a novena é a arrumação da igreja. No mês de maio, o destaque é o último dia, quando Nossa Senhora é o epicentro da liturgia. No novenário de São Miguel e de Nossa Senhora da Conceição, as aldeias convidadas são responsáveis por fazer a ornamentação. Cada aldeia faz a programação do novenário, de acordo com sua tradição e suas economias.
Foto 113 Ornamentação da Conceição (dez. 04)
No último dia40, há uma mudança significativa na ornamentação, e a capela fica muito bonita. Os novenários são os momentos das práticas educativo-religiosas de maior procura entre os Potiguara. Neles estão presentes pobres e ricos, velhos, adultos, jovens e crianças, beatos e pecadores, enfim, todos encontram nesse ritual o caminho de muita devoção. Nos novenários, as pessoas são contempladas e não há censura, nem constrangimento de cor, estado civil ou posição social. Segundo Rolim (1970, p. 343),
Há nessa religiosidade três elementos que geralmente se encontram interligados: a crença no protetor, que pode ser o Santo, a Alma ou 39
Ver, no final, os anexos. No último dia da novena, um devoto da Baía da Traição que alcançou um milagre, há vários anos, cumpre com a promessa de ornamentar a igreja de São Francisco. A cada ano, além da arrumação, essa pessoa doa novas toalhas e uma nova bandeira de Nossa Senhora da Conceição. 40
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as Almas, ou ainda algum penitente que se fez messias; os meios concretos e sensíveis, como promessas, novenas, velas; finalmente, a emoção com que os devotos cercam suas manifestações religiosas. De um lado a interligação destes elementos, e, do outro lado, o nexo com as necessidades concretas da vida, imprimem a esta religiosidade um cunho de consistência.
Já a participação das pessoas nos cultos e nas missas não tem essa dimensão dos novenários. Dos índios católicos que freqüentam a igreja, a maioria não participa da comunhão porque há restrições canônicas41 e, também, se a pessoa não tiver uma vida decente, o fato de ir comungar é motivo de comentários na aldeia. Em dezembro de 2004, por exemplo, na festa da padroeira, havia, aproximadamente, 30 pessoas na igreja, quase todas mulheres. Um número que não chega a 0,3% da população de São Francisco. Das presentes, apenas seis mulheres e oito moças comungaram. Um percentual de 0,1% da população porque, dentre as pessoas que receberam a Eucaristia, havia índias das aldeias de Tracoeiras e do Galego. Pouquíssima gente para uma aldeia que tem mais de oitocentas pessoas, cuja maioria se diz católica. Os novenários da padroeira em São Francisco, nos últimos anos, têm tido pouca participação das aldeias vizinhas, e esse número vem diminuindo consideravelmente. Nilda (dez. 2004) confirma esse dado afirmando que “esse ano foi uma desanimação muito grande. Vieram poucas pessoas das aldeias nas novenas, não teve parque, foi uma coisa séria”. Uma das causas em 2004 foi a desestruturação do movimento carismático, as seqüelas deixadas pelas eleições municipais e também a questão do arrendamento de terra.
4.3.6.1 A reconstrução da capela 41
A maioria não é casada, e o matrimônio é uma das exigências para comungar.
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Seu Batista começou a movimentar a festa da padroeira desde muito jovem e tem na memória detalhes de como foram acontecendo as mudanças nessa festa. Conta que, nos anos sessenta, a igreja, por falta de manutenção, caiu, e durante nove anos, não teve festa, e “as imagens ficaram levando fumaça de casa” (Seu Batista, dez. 2004). No final daquela década, o antropólogo Francisco Moonem (1992) iniciou estudos na aldeia, conquistando a amizade dos índios e sugerindo a reconstrução da capela. Segundo seu Batista (dez. 2003),
Ele disse que estava para ir a Holanda para passar 2 anos com a família. Era muito católico e fez uma petição (promessa). Se no período de 2 anos, saindo do Brasil para a Holanda, chegando em paz na Holanda, passando 2 anos em paz na Holanda com a família, voltando para o Brasil e chegando no Brasil em paz, ele tinha uma oferta para Nossa Senhora da Conceição. Então ele viajou e deu tudo certo. E de fato veio até aqui na aldeia para cumprir a petição.
Moonem voltou para a aldeia com o dinheiro que havia prometido e deu autonomia para os índios decidirem sobre o que fazer com a quantia arrecadada. Seu Batista (set. 2003), na presença do sogro Teo e na frente do seu compadre Manoel, disse: Eu vim aqui para decidir agora, não é nem amanhã, é hoje. O dinheiro não é meu, o dinheiro não é seu, o dinheiro não é de ninguém. Esse dinheiro deve ser empregado em material de construção para fazer a capela. Faz 9 anos que está sem festa da padroeira aqui na aldeia. Compadre, o senhor está certo.
Todo o material da capela foi comprado com esse dinheiro, e as pessoas da aldeia contribuíram para a construção da capela. Segundo Paleari (1990, p. 69), a capela “[...] quase sempre construída em mutirão, é propriedade e objeto de devoção comum. É ali que o povo faz suas rezas, organiza novenas, decora orações e espera o padre, quando ele vem celebrar a missa e dar os sacramentos”. Quando São Miguel chegou à Vila, na década de oitenta, Seu Batista (set. 2003)
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mandou fazer o nicho das três imagens, seguindo o mesmo formato da velha matriz. “Mandei o mestre tomar a altura e a largura em São Miguel dos nichos. O rapaz foi lá tirou toda medida, desenhou, veio e fez”. Atualmente, a igreja está sendo ampliada para dar melhor comodidade para as pessoas durante as práticas educativo-religiosas católicas Potiguara.
4.3.6.2 As mudanças na festa da padroeira A festa da padroeira vem tendo modificações significativas nas últimas décadas. Dona Joana, que hoje mora na Aldeia Galego, mas que é filha de São Francisco, conta que, antes, o padre que vinha celebrar a missa chegava no dia sete de dezembro para o encerramento da novena.
Ele vinha de Mamanguape rezava a novena no derradeiro dia e era muito amigo do Coronel Frederico Lundgren. O Coronel mandava naquele tempo, músicos de Rio Tinto para acompanhar a novena. Na aldeia havia uma casa para o padre passar a noite. No dia seguinte, ele celebrava a missa acompanhada pela banda de música, depois fazia os batizados e a procissão da padroeira e voltava para Mamanguape (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
A iluminação era bem diferente, uma vez que não existia luz elétrica. Tudo era feito com facho de pau d‟arco, uma madeira de lei conhecida na região, também chamada de ipê. Cada aldeia convidada era responsável por fazer a iluminação da novena e também por trazer as velas e os fogos da noite. Isso fazia com que cada noite sempre tivesse algo diferente, numa disputa muito saudável, de muita animação.
Antigamente fazia aquele candieiro. Pegava uma lata vazia, fazia um pavio de algodão, enchia de querosene e botava aquele pontalete de pau do tamanho de um banco (2 metros). Enchia daqui da porta da
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igreja até ali naquele colégio, na descida da ladeira, aquela carreira de pau, com aqueles candeeiros. Tinha uma fogueira de uns dois metros com os fachos de pau darco; isso tudo era iluminado que fazia gosto (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
Além da iluminação com a fogueira e os fachos de madeira, era costume, já naquele tempo, colorir as noites com “roda de fogo” (fogos de artifício). “Nesse tempo, tinha uma roda de fogo cheia daquelas bombas e de foguetões. Eles tocavam fogo lá no pé da ladeira, aí vinha aquele busca pé shhiiii pegava aqui na roda de fogo e saía aqueles fogos de lágrimas muito bonito” ( Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003). Depois do encerramento da novena, era uma
grande festa, momento em que cada um representava a sua dança. Lá em cima, acolá, onde tem uma casa de farinha, ali é onde dançava o coco de roda. Aqui atrás da igreja morava o finado Zé João, aí tinha o Reis. Quando terminava a primeira dança, eles faziam aquela relação: primeiro o coco de roda, depois o reis, depois da lapinha, depois ela ciranda e por último o toré. Todo mundo dançava toré e dançava aqui onde tem esse cruzeiro. Aqui era tudo plano. Eles mesmos passavam enxada era uma beleza (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
Dona Joana relata que, nessa época, não havia banda de fora. Era uma grande festa, quando as aldeias vinham todas para dançar o coco de roda, a ciranda, Reis, lapinha, muitos tipos de brincadeiras, e o encerramento era com o Toré. “Antigamente era bem mais animado e tinha esse negócio de vergonha não. Dançava moça, mulher, homem, todo mundo. Dessa turma só existe eu e uma comadre que tem aqui” (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003). As pessoas faziam diversos tipos de comida em casa e iam para a festa do padroeiro vender nos botequins.
Naquele tempo tinha os botequim feito de palha, com aqueles pauzinhos e mesinhas. Aí vendia bolo, pé de moleque, bolo de milho,
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cocada, tapiocas, pirulito, era de tudo. Cada um fazia suas vendinhas e levava pra festa pra vender a noite toda. Hoje é refrigerante, mas naquela época era vinho de caju, vinho de jurubeba, gazoza. Tudo vinha de Cabedelo/PB (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
Também é lembrado por Dona Joana que, na época da padroeira, na área de Cumaru, Mataraca, Catu, eles já sabiam que essa data sempre teve nove noites de novenas, e a primeira noite começava no dia 29 de dezembro.
Eles mandavam o cacho de coco, jaca, cacho de banana, abacaxi, caixa de laranja, garote e até ovelha. Eles mesmos davam pelas suas próprias mãos. Hoje está tudo revirado. Eu alcancei a maior boniteza. Todo esse pessoal apossado, eles pagavam renda pro santo. Depois que o avô de Marcos morreu, acabou tudo (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003).
Quando terminava a novena, começava a arrematação do coco verde, do cacho de banana, abacaxi e jaca. Quem tomava conta do dinheiro era o Regente (VIEIRA, 2001). “Hoje eles não ligam não, mas, naquele tempo, naquela época, todas essas aldeias eram regida pelo regente” (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003). Algumas aldeias como Cumaru, Tracoeiras, Tramataia,
Galego, Camurupim tinham rendeiros e pagavam a renda para a padroeira (cf. PALITOT, 2005). O dinheiro que arrecadava durante a noite na arrematação era para pagar querosene, fogos e os gastos da festa. Seu José Bitu (dez. 2004) confirma essa mesma história, lembrando que “antes existiam muitas doações de frutas dos sítios”. Seu Batista, Seu José Bitu, assim como Dona Joana e muitos outros anciãos não estão satisfeitos com a atual festa da padroeira. Todos são unânimes em dizer que antes era muito diferente. Tinha muito mais aldeias, muito mais gente e era bem mais animado. A esse respeito, seu Batista (dez. 2004) assim declarou:
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Eu nunca vi nesta festa, o que estou vendo hoje. Estão desrespeitando a cultura, a tradição. Como essa noite, acabaram com a festa; fizeram aquele curral, porque ficou gente para lá. Aqui ficou vazio. Ficou assim sem condição de acumular mais gente que chegava para participar. Ficou toda tronxa. Eu cheguei, olhei, fui me embora. Não quis ficar não. Fiquei descontente com isso, porque não é assim. Quem vem para assistir a festa vem para conhecer as tradições indígenas, o costume, o jeito de ser, a organização indígena. Tem gente que pode até vir tirar uma foto para levar como lembrança da Festa da Padroeira da Aldeia de São Francisco. As tradições, as culturas, os costumes tão jogando num caixote de lixo, no meu ponto de vista. As tradições de antigamente não tinha esse luxo de hoje, organização de pessoas estranhas que vem para aqui até negociar com barraca, com roda gigante, com banda.
As pessoas mais idosas estão preocupadas porque “de lá para cá, as coisas vão se acabando, e a renovação nova não liga”, diz Dona Joana (dez. 2004), comentando sobre a questão cultural que, segundo ela, seria bom se passasse novamente em cada aldeia convidando o pessoal para fazer uma apresentação na festa. “Hoje bota o convite na rádio, sai pedindo ajuda para deputado, prefeito e tem essas bandas. Mas no meu entendimento não era nada de banda não, era somente uma concertina, um pandeiro, um rapaz cantando e um reco-reco. Dançava todo mundo e pronto” (Dona Joana do Galego, Aldeia São Francisco, set. 2003). As tradições que eram cultivadas no dia da festa da padroeira atualmente não se fazem mais. O Toré também não é mais dançado nesse período 42. O que praticamente tem em todas as aldeias no encerramento do novenário é a apresentação com uma ou mais bandas musicais. Na festa, em 2003, foram contratadas duas atrações: a Banda Cara de Pau e o Forró do Litoral. A “festa profana”, que sempre foi organizada por um grupo que não tem nenhum vínculo com a igreja, mas, nesse ano, as lideranças eclesiais resolveram assumir a festa para arrecadar fundos e saldar as dívidas da igreja. Segundo Severina (dez. 2003), 42
Somente as aldeias de Monte-Mór e de Jaraguá dançaram o Toré durante as festas de padroeiro, em 2004.
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“[...] o pessoal sempre faz festa, mas nunca dá nenhum maço de vela para a igreja”. Isso causou desavenças e disputas internas na aldeia muito grande. Agnaldo e o grupo de jovens assumiram a organização da festa com o aval do Cacique Djalma que, embora não participe diretamente dos trabalhos eclesiais, está informado sobre tudo o que acontece na aldeia e, se for preciso, interfere nas decisões que são tomadas. Agnaldo sofreu muita pressão dos antigos organizadores da festa, além de ter contraído gastos e assumido uma grande responsabilidade.
É uma responsabilidade muito grande. Tem dois meses que gasto todo meu salário com passagens. O prefeito deu R$3.000,00 para a banda, mas tive que pagar o jantar, o hotel, o transporte da Baia até e aqui, 50% na bilheteria, meio mundo de exigência. É muito gasto e muita dor de cabeça. (Agnaldo, Aldeia São Francisco, dez. 2003).
Os jovens organizaram e trabalharam exaustivamente para que tudo transcorresse tranqüilo, mas tiveram problemas na bilheteria com os próprios índios da aldeia que queriam entrar no pavilhão de graça. “Eu entrei sem pagar. Agnaldo viu, baixou a cabeça e não disse nada. Eu queria ver se ele ia me barrar. O prefeito já pagou tudo isso”, disse Capitão (dez. 2003). O prefeito realmente pagara uma parte das despesas da Banda Litoral, mas foram feitos outros gastos como as despesas da festa, e o resto foi revertido em favor da igreja. Agnaldo ficou desgostoso com toda a situação criada e não voltou mais para os trabalhos eclesiais. Em 2004, as festas de São Miguel e de Nossa Senhora da Conceição voltaram a ser como eram antes. O fato de contratar uma banda famosa para tocar na aldeia, se observado do ponto de vista dos mais velhos, é enterrar a questão cultural e jogar no lixo todas as tradições indígenas. No entanto, não somente os jovens defendem a festa
195
com a participação das bandas musicais. O Padre Ailson (dez. 2004) reconhece que, “na atual conjuntura Potiguar, não se faz festa de padroeiro sem banda”. As lideranças indígenas43 estão sempre presentes em praticamente todas as festas, legitimando e reforçando a necessidade de fazer tal evento. Essa é uma realidade difícil de ser equacionada. Isso porque, de um lado, é crescente o objetivo de fortalecer as tradições culturais Potiguara. A escola diferenciada indígena é uma das grandes âncoras desse resgate cultural que já apresenta sinais concretos de mudança desse movimento cultural (cf. PALITOT 2005). As organizações indígenas, como a OPIP, a Conselho da Mulher Indígena Potiguara
(COPIP),
reforçam
esse
movimento
cultural,
assim
como
as
programações da Semana do Índio, o rito da colação de grau, da posse de uma nova liderança, do Toré etc. E como viabilizar uma saída para fortalecer a cultura e toda a tradição Potiguara dentro de um contexto atual com shows de vários estilos musicais? A forma encontrada no rito de formatura da 8ª série, da Escola Pedro Poti, em 2004, talvez sinalize uma saída para satisfazer a todos os índios, tanto na questão religiosa, como na cultural e no lazer. Professores e alunos fizeram uma festa de conclusão em três momentos diferentes: o primeiro, um agradecimento entre os alunos, os professores e a direção da escola; o segundo foi um momento cultural com ritual na furna e o Toré no Terreiro; o terceiro momento foi o lazer e muita diversão, com uma festa dançante, animada por uma banda musical. Assim a festa de padroeiro poderia ter também três etapas diferentes: a) o fortalecimento das práticas religiosas; b) a revitalização das práticas culturais; c) e a consolidação da alegria e da diversão com as bandas musicais. Primeiramente, no 43
O Cacique Néo, responsável por contratar as bandas musicais da festa do padroeiro da Vila São Miguel, é uma das principais lideranças que defende o fortalecimento cultural, as tradições dos antigos, o resgate da língua da aldeia.
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que diz respeito ao aspecto religioso, é chegado o momento de fazer uma oxigenação nas práticas religiosas capaz de revigorar a fé que habita dentro de cada cristão Potiguara. Uma ampla mobilização que envolva todas as aldeias, como fez a Aldeia Forte, em 2004, na sua primeira festa da padroeira. Essas e outras táticas adotadas poderão fazer da Festa de Nossa Senhora da Conceição, em São Francisco, um novo momento eclesial para a etnia. O Toré, enquanto rito religioso, poderia ser cuidadosamente analisado para congregar toda a sua força espiritual, nesse tempo de graça, a exemplo do que já acontece em Monte-Mór e Jaraguá. O segundo aspecto a ser pensado é o alerta de Dona Joana, de se passar pelas aldeias, motivando as lideranças para apresentarem seus diversos talentos culturais durante os novenários. As aldeias se organizariam para movimentar as festas dos padroeiros, primeiramente, com Toré, mas também com coco de roda, ciranda, lapinha e tudo o que, num passado recente, era o que animava as festas. A ciranda, a sapucaia, a mani e outras manifestações culturais conhecidas nas aldeias poderiam estar acontecendo no período das festas dos padroeiros, reatualizando a tradição cultural Potiguara. E o terceiro ponto é que, na conjuntura atual, é muito difícil fazer uma festa sem uma atração musical. Jaraguá, em 2005, fez uma programação com banda durante a festa do padroeiro, que trouxe satisfação para todas as pessoas que queriam se divertir, sem que ninguém precisasse pagar para dançar, uma vez que o show foi de graça para toda a aldeia, no meio da rua. Jaraguá pode estar assim apresentando saídas mais simples para o problema, como a 8ª série da Escola Pedro Poti, de se fazer um musical com banda, tendo como objetivo a alegria e a diversão da aldeia.
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4.4 Práticas cristãs da hierarquia católica Nas últimas décadas, a Igreja Católica foi responsável por muitas mudanças nas práticas religiosas Potiguara. Ela reconhece os erros contra a evangelização indígena, mas não assume uma postura profética de adotar uma teologia índia, segundo Ruffaldi (2002). Para Leonardo Boff, João Paulo II fora da igreja, tinha uma postura aberta:
[...] apresentava-se como um paladino do diálogo, das liberdades, da tolerância, da paz e do ecumenismo; pediu perdão em várias ocasiões pelos erros e condenações eclesiásticas no passado; reuniu-se com líderes de outras religiões para rezar, unidos, pela paz mundial (BOFF, 2005).
Na América Latina, as Conferências Gerais do Episcopado Latinoamericano de Medellín (1968) e Puebla (1979) delineiam as diretrizes de uma igreja ameríndia. Mas foi, sobretudo, na de Santo Domingo (1992), que a igreja pediu perdão pelos erros cometidos, na evangelização ameríndia. Na Paraíba, “a Arquidiocese nunca levou esta questão a sério” (Deputado Estadual Frei Anastácio, Aldeia Monte-Mór, out. 2002). Essa é uma realidade presente na Igreja local, usando de um discurso que não condiz com a prática. Segundo Comblin (2000, pgs. 10-11), “continua-se a fazer o discurso da opção pelos pobres e excluídos, no entanto, esse discurso fica cada vez mais distante da realidade. [...] O discurso serve para esconder a realidade e tranqüilizar a consciência”. Somente o CIMI44 é que tem dado uma contribuição significativa para os povos indígenas desde os anos 1970. Algumas Congregações Religiosas, a exemplo das Irmãzinhas de Foulcauld, também se dedicam à causa indígena.
44
O lastro teológico que deu suporte para a criação do CIMI está pulverizado em vários documentos da CNBB, do Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM) e do Concílio Vaticano II, quando fala em diálogo, missão, libertação, inculturação, povo de Deus, opção preferencial pelos pobres, etc. Na
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Marco de uma interação diferente, e não destrutiva, entre dois mundos culturais e pedra firme na construção de um Brasil novo, que se reconheça pluriétnico, plurilingüístico, pluricultural e plurirreligioso; marco de uma Igreja pobre, servidora e libertadora, capaz de aprender dos pequenos, de se deixar evangelizar pelo diferente e pelo outro e de reconhecer os ministérios, a profecia e a espiritualidade de suas mulheres (BEOZZO, 2002, p. 17).
Essa pequena fatia de trabalhos de inserção cultural serve de referência quando a hierarquia eclesiástica (Papa, bispos e padres) fala sobre o assunto. Hoje nem a CNBB e, muito menos, o Vaticano têm uma proposta pastoral para os povos indígenas. Os documentos oficiais falam sobre o assunto, mas apresentam um discurso que não condiz com a prática efetiva das Dioceses e das paróquias nas Américas. Acontecem experiências isoladas importantes, assumidas por um ou outro bispo e por poucos padres, mas ignoradas ou, até mesmo, completamente hostilizadas por Roma e por grande parte do episcopado. A evangelização dos católicos, no século XXI, deve seguir as orientações do Vaticano, que utiliza uma estratégia para manter o centralismo universal na Santidade do pontífice romano. Em abril de 2005, com a eleição de Bento XVI, conhecido mundialmente como guardião da fé tradicional, a igreja se fecha para os desafios do mundo moderno. Segundo Comblin (2005b, p. 6-7), a atual evangelização passa por dois caminhos: o do império americano:
[...] O império é cristão, fanaticamente cristão [...] a teologia da prosperidade [...] Deus resolve todos os problemas individuais; por conseguinte, não há mais problemas sociais. O cristianismo é a religião do dominador, e as outras são religiões dos dominados. época da criação do CIMI (1972), o Brasil estava em plena Ditadura Militar e havia uma previsão muito pessimista, de que, em poucos anos, os índios estariam extintos. Não se tinha a esperança de que a população indígena pudesse sobreviver, voltar a crescer e até ter um futuro como povo e como nação. Não existia uma pastoral de conjunto para as questões indígenas. As ordens e congregações religiosas eram quem assumia esse grande desafio, de responsabilidade das Prelazias, Dioceses e Arquidioceses.
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O outro caminho é a evangelização por meio do diálogo com as religiões dos dominados, que ainda não foi sequer iniciada. Segundo o autor.
Precisamos desfazer a fama do orgulho, da agressividade e da dominação que nos precedem no mundo. Precisamos comprovar que desistimos da conquista. A partir dessa mudança de atitude, com distanciamento claro de toda força militar, política, econômica e cultural do império, poderemos iniciar o diálogo (COMBLIM, 2005b, p. 10).
Na Arquidiocese da Paraíba, o diálogo com a religião dos dominados ainda está distante. Isso ficou evidente na Campanha da Fraternidade de 2002, lançada pela CNBB, tendo como tema Fraternidade e os Povos indígenas, e lema, Por uma terra sem males, que fez um planejamento minucioso seguindo o Método Ver, Julgar e Agir, bastante utilizado pela Ação Católica, estabelecendo metas, propostas importantes para os povos indígenas. Um discurso sintonizado com as propostas do CIMI, mas não assumido pelas dioceses e paróquias de todo o Brasil. Quem já tinha um trabalho direcionado para a questão indígena intensificou e aprofundou esse eixo pastoral, que é muito pequeno, levando em conta todo o rebanho no Brasil. A Arquidiocese de João Pessoa fez seu marketing eclesial, realizando o lançamento da Campanha de 2002, em solo Potiguara, na Aldeia São Miguel, no primeiro domingo da Quaresma. Continuou dando visibilidade, convidando alguns representantes indígenas, “devidamente trajados”, para a missa da Quinta-Feira Santa, na Catedral Metropolitana de João Pessoa. Logo depois, na celebração eucarística de Pentecostes, vários jovens, „fantasiados‟ de índios, apresentaram seus rituais sagrados. Durante esse período, todas as paróquias fizeram uma arrecadação substancial em dinheiro, com objetivos específicos de subsidiar
200
comissões, setores específicos de pastoral indígena, etc. Para onde foi o dinheiro? Infelizmente, nenhum centavo foi aplicado numa efetiva mudança pastoral indígena nem foi feito investimento para melhorar as condições de vida dos Potiguara. Em 2005, foi elaborado o Plano de Ação Evangelizadora (PAE) da Arquidiocese da Paraíba, para o período de 2005-2007, que contempla todos os movimentos, comissões e mais de duas dezenas de setores pastorais que atuam na igreja local. Não existe absolutamente nenhuma palavra sobre a questão indígena45. Como Igreja, continuará atuando junto ao povo Potiguara?
Foto 114 O sorriso de Guilherme, filho do Cacique Bel, deixa a pergunta em aberto... Aldeia Três Rios (ago. 05)
45
Tal „esquecimento‟ também ocorrera por ocasião da elaboração da Constituição Estadual da Paraíba e das Leis Orgânicas dos três municípios onde estão as aldeias. Até hoje, tal situação permanece sem nenhuma alteração e mais de uma década já se passou.
202
5 PRÁTICAS EDUCATIVO-RELIGIOSAS POTIGUARA
Até aqui, vimos as práticas educativo-religiosas cristãs Potiguara, muito comuns no cotidiano do povo indígena, realizadas em vários rituais de diferentes esferas eclesiais, sobretudo, presentes na Aldeia São Francisco, lugar privilegiado de nossa investigação. Passaremos a submergir, nas práticas educativo-religiosas Potiguara, algumas praticadas publicamente como o Toré, outras em círculos restritos, mas que são fontes sagradas da espiritualidade do povo Potiguara. Aqui, não temos a pretensão de apresentar todas as práticas educativoreligiosas Potiguara, por ser algo quase que inalcançável devido à dinâmica vital que vai tomando forma nas aldeias, cada vez que os índios realizam suas partilhas, “plantam” seus entes queridos, fazem seus rituais em diferentes situações, como as de benzer as pessoas, empossar um novo cacique, concluir uma etapa acadêmica, enfim, nas diversas realidades em que acontece a dimensão sagrada do Toré.
5.1 A Partilha A partilha é uma tradição dos índios Potiguara que está presente no cotidiano da vida dos índios, no ambiente familiar, nos diferentes grupos de interesses, nos momentos celebrativos e nas diversas ocasiões festivas. A vida na aldeia, em certas ocasiões, é movida por gestos de solidariedade e cordialidade, de reciprocidade e gratuidade. Isso não significa dizer que a aldeia seja um paraíso. Não chega a tanto, uma vez que, como em toda sociedade, nas indígenas também existem conflitos, diferenças, divergências e disputas internas e externas, alimentadas por interesses individualistas de membros da etnia e pela lógica capitalista do não-índio, por fatores exógenos etc.
203
Por partilha entendemos todos os modos de proceder cultivados na aldeia, que aproximam as pessoas, que contribuem para quebrar certas disputas internas, que superam as posições sectárias e geram novas relações. Trata-se de um costume presente no cotidiano Potiguara e, por mais simples e elementar que seja, na maioria das vezes, está sempre conjugado com alguma prática educativoreligiosa. Essa prática não é visível num primeiro momento, num primeiro olhar, mas, ao se submergir na rica dimensão religiosa Potiguara, é possível perceber uma multiplicidade de gestos praticados pelos índios, nos diferentes espaços e nas mais variadas situações de partilha, envolvendo a dimensão religiosa. Tanto pode ser feita por crianças, como por jovens, adultos ou anciãos, seja em casa, na escola, no campo de futebol, no roçado, no mangue, na igreja ou em qualquer lugar. Pode envolver duas ou mais pessoas, grupos, segmentos sociais, uma ou mais aldeias. As gerações mais jovens, como diz Durkheim (1977), educadas diariamente, edificam certos valores que se eternizam em todos os momentos de sua educação, fertilizam as relações entre as pessoas e são os pilares da vida na aldeia. A partilha, quase sempre, é palavra de ordem na educação dos filhos, no amparo à saúde, no socorro às necessidades básicas como alimentação, moradia, vestuário, transporte, mas, também nas festas. São inúmeros os momentos celebrativos e festivos que poderíamos aqui elucidar para dar visibilidade à dimensão da partilha na vida Potiguara. Pudemos observar demonstrações de amor, de afeto, situações que surpreendem pelo desapego como são praticadas. Para este estudo, fizemos apenas duas opções: a primeira é o Dia dos Pais, e a segunda, a Ceia Potiguara. A escolha pela primeira se deu pela importância e dimensão que a festa assumiu na Aldeia, conseguindo reunir a maioria dos pais; a segunda por ser um momento onde acontece a solidariedade.
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Não incluímos este último aspecto nas práticas cristãs da Quinta-Feira Santa, por ser um ritual que, embora acontecendo na mesma data, a dimensão da partilha incorpora aquele momento de religiosidade cristã, mas o contrário não acontece, ou seja, em nenhum instante, o rito católico faz referência a toda movimentação vivida e celebrada na aldeia. Em nenhum momento se faz um paralelo entre o culto litúrgico da ecclesia com a vivência no altar sagrado das casas de farinha e nas „mesas eucarísticas‟ de cada lar. É somente nas casas que esse sinal sacramental (BOFF, 1975) é vivido arduamente.
5.1.1 O dia dos pais O dia dos pais é uma prática que está em construção e envolve muitas pessoas da aldeia, tendo na partilha um dos elementos essenciais para a realização da festa. Seu Batista
sintetiza,
em
sua
simplicidade,
sintetiza com perspicácia, o resultado da comemoração como um dos momentos nobres que acontecem na vida da Aldeia São Francisco. “Eu nunca vi, até a minha idade, com 73 anos, tanto pai junto, coisa Foto 115 Seu Batista e a Neta (em pé) (ago. 04)
bonita como essa” (Seu Batista, ago. 2003).
Essa surpresa do velho ancião tem um caráter muito especial porque a homenagem aos pais supera as distâncias existentes na aldeia com relação a igrejas, escolas, questões partidárias, posições familiares etc.
205
A festa partilhada do dia dos pais foi o resultado de todo um trabalho planejado entre várias pessoas. É um trabalho comunitário que deve ser bem pensado para equacionar os obstáculos, minimizar as dificuldades e superar as divergências internas da aldeia durante sua realização. As lideranças das três escolas1 e das igrejas do Betel e da Católica Romana coordenam a partilha nesse dia. Mesmo sem dinheiro, as organizadoras2 conseguem fazer um banquete, com diversos tipos de bolos, salgados, doces, sanduíches e refrigerantes para todos os presentes. As crianças e os jovens ensaiam exaustivamente vários números para apresentar um belo espetáculo para os pais. Na abertura da festa, é feita uma saudação de boas vindas a todos os presentes, parabenizando os pais por aquele momento especial. Severina saúda os presentes e convida todos para fazerem uma oração. Aproveita a oportunidade para conversar com os pais sobre a árdua missão de não só cuidar dos filhos dando-lhes alimentação e remédio, como também de acompanhá-los à escola, à igreja e à vida inteira, dando exemplo de verdadeiro pai. Cobra dos filhos o respeito pelos pais, à valorização da família e de tudo que conduz para uma formação da vida. Termina agradecendo “a Deus por ele nos ter dado a vida e pelo dia dos pais” (SEVERINA, ago. 2003). O ambiente fica alegre. Muitas são as manifestações de apreço aos pais, faladas em sua presença, como os depoimentos seguintes: “Pai, você é a luz da minha vida”; “Pai, eu te amo, muito, muito; um beijo”; “Que Deus te dê muito anos de vida” (ago. 2003). Para finalizar, o grupo de jovens fez uma apresentação aproveitando a mensagem do canto Deus é Dez e, em seguida, foram
1
A escola municipal de Ensino Fundamental, Centro Social São Miguel, a escola da Igreja do Betel Brasileiro e a escola estadual indígena Pedro Poti. 2 As pessoas envolvidas na festa dividem em casa o trabalho de preparar os alimentos que serão consumidos, partilhando assim trabalho e despesas.
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publicamente externados depoimentos comoventes para vários pais presentes, sempre com sinais da presença de Deus, na relação vivida a exemplo dos seguintes: “Meu pai, sabemos que temos dificuldades. Mas sabemos que em tudo Deus está presente. Quero dizer que em tudo, sempre segui seus conselhos”; “Eu agradeço pelas coisas feitas na minha vida e gosto sempre de lembrar que mesmo na dificuldade, Deus está sempre presente com o senhor e com a nossa família. Feliz dia dos pais” (ago.
Foto 116 Papai Roberto, Diretor da Escola Pedro Poti, sendo homenageado pela filha (ago. 04)
2003). Essa foi uma das poucas oportunidades de contar com a presença de uma grande quantidade de homens reunidos3, aproximadamente 90% dos pais da aldeia. Nenhum outro evento consegue essa unidade, na diferença. As pessoas da própria aldeia se encontram para se confraternizar, tendo como protagonistas, os pais, como artistas, os filhos, sob a coordenação de várias lideranças femininas, de diferentes igrejas, escolas e famílias politicamente adversárias. Dentro e fora das aldeias, há muita competição entre os segmentos religiosos. Porém, no dia dos pais, das mães e das crianças, na Aldeia São Francisco, as opções religiosas, as brigas, os conflitos, as divergências ficam em segundo plano, e tudo gira em torno do evento. É um dia totalmente diferente porque não é comum os índios homens4 se encontrarem num mesmo lugar. As crianças e as mulheres facilmente estão juntas em eventos religiosos, escolares ou mesmo em casa, mas os homens, não. Não é comum os homens prestigiarem as festas realizadas no pavilhão da Aldeia. A festa do dia dos pais é exceção. Talvez pelo convite reforçado tanto da 3
As mulheres sempre estão juntas: na igreja, na casa de farinha, no dia das mães, na lavagem de roupa, etc. 4 Uma parte dos homens também se encontra constantemente no campo de futebol ou nos bares.
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família (mulheres, filhos, netos e até bisnetos), quanto das instituições (escola, igreja). Tudo isso contribuiu para a realização de um dos momentos solenes da importância dos pais na vida indígena. A ausência de alguns deles emocionou os presentes, quando os filhos declaram publicamente o amor por eles. Em outros eventos da aldeia, como a Formatura da 8ª série, do Dia do Índio, etc. a partilha desses momentos festivos está sempre interligada (associado) a uma prática religiosa. A vida na aldeia tem essa dinâmica da presença constante da dimensão religiosa, respaldando as ações do cotidiano da vida Potiguara. As divisões políticas e ideológicas são relativizadas em determinados momentos celebrativos/festivos, porque a PARTILHA consegue ultrapassar as barreiras e os vazios existentes, contribuindo eficazmente para a construção do processo de identidade étnica, amenizando, algumas vezes, acomodando outras e até possibilitando superações dos impasses criados com o passar do tempo.
5.1.2 A Ceia Potiguara Os Potiguara, seguindo a tradição dos antepassados, realizam uma prática celebrativa na Quinta-Feira da Semana Santa, partilhando o que denomino de Ceia Potiguara, com uma profunda dimensão de fraternidade e solidariedade, capaz de indicar caminhos em outra direção, que não seja da ordem econômica capitalista, justamente por apontar para uma outra concepção de mundo em que a vida humana possui, também, uma outra valoração mais digna, mais respeitada. Muitos padres, religiosas(os) e missionários(as), através do trabalho de evangelização, foram doutrinando a população indígena, seguindo todo o simbolismo e o ritual das principais festas litúrgicas dos cristãos (BOROBIO, 1990). Uma dessas datas é a ceia eucarística instituída por Jesus Cristo, na Quinta-Feira
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Santa, no mesmo dia em que, hoje, acontece a partilha do pão nosso de cada dia. Os índios se apropriaram do sentido religioso da Quinta-Feira Santa e recriaram a ceia Potiguara, fazendo adaptações para sua realidade cultural. “O processo de aculturação acompanha-se de mudanças culturais diversas, temporais e espaciais, e provoca a perda, a aquisição, a transformação, a substituição e a reinterpretação de traços culturais dos grupos em presença” (RAMOS, 2001, p.165). O processo da partilha da ceia Potiguara inicia-se com o plantio da mandioca5, aproximadamente um ano antes da ceia. Durante a Semana Santa, os Potiguara transformam a mandioca em farinha, durante a farinhada6. Os índios já têm como tradição reservar uma parte da mandioca para esse período. Mesmo as pessoas que deixaram de trabalhar na agricultura têm o cuidado, dentro do possível, de ter garantido a mandioca para essa ocasião. Os que não têm roçado recebem dos parentes e conhecidos gratuitamente uma quantidade suficiente para a partilha da Quinta-Feira da Semana Santa. Fazer a farinhada é um processo muito conhecido por índios e nãoíndios mas, nessa época, torna-se essencial, pois é durante a sua fabricação que se retiram a massa e a goma, matéria-prima utilizada para fazer o beiju e a tapioca, alimentos da ceia indígena. Essa é a alimentação básica de grande parte da população do Nordeste do Brasil, mas, nessa data, há um simbolismo todo especial para os índios, porque essa comida é feita em quantidade para saciar a fome da família, dos parentes, da vizinhança, de toda a aldeia, dos sítios circunvizinhos e até das cidades próximas. Na Quinta-Feira da Semana Santa, logo pela manhã, as mulheres (os homens praticamente não comparecem à casa de farinha) começam fazendo a 5
Existem diversas lendas sobre a origem desse tubérculo, conforme Cascudo 1979. Cf. leituras sobre a produção da farinha: Andrade (1999); Gândavo (1980); Medeiros (1997); Morais (2002); 6
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preparação do que é necessário para realizar a ceia Potiguara. Tudo é cuidadosamente pensado com
antecedência:
desde
as
bacias
para
misturar a massa, uma vasilha para colocar o leite de coco, uma outra para o coco ralado, os Foto 117 Goma da mandioca (abr. 03)
panos de cozinha, o carro de mão, a lenha para queimar no fogo e as folhas de bananeira. Estando tudo pronto e o forno aquecido, é hora de começar a assar a massa,
que
é
colocada sobre a folha da bananeira, numa porção de Foto 118 Forno com beijus. Casa de farinha da Regina (abr. 03)
aproximadamente
Foto 119 Forno com beijus. Casa de farinha de São Francisco (abr. 03)
30 centímetros. O tempo para assar vai depender da temperatura do forno. Com o auxílio de uma pá de madeira, vira-se o beiju para assar dos dois lados. Tudo é feito de modo artesanal, mas com extrema habilidade. Além do beiju, um outro alimento muito comum entre os índios é a tapioca, que é feita da goma da mandioca, mas diferente do beiju: não tem coco nem Foto 120 Tapiocas já prontas (abr. 03)
outros ingredientes.
Foto 121 Tapioca sendo assada Aldeia São Francisco (abr. 03)
Sua fabricação tem outro processo que consiste em colocar uma camada fina de goma sobre o forno e, uma vez estando assada, vira-se para assar o outro lado. Os
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resíduos que ficam são retirados com uma vassoura de cipó, para evitar que a fumaça incense o ambiente de odor de queimado. Existe beiju de vários tamanhos, desde os de menor proporção, na dimensão, até ao denominado „beiju de couro‟, que chega a um metro quadrado, com uma aparência cilíndrica, semelhante a um rocambole. Já as tapiocas são cilíndricas, sempre do tamanho de um prato de sopa, aproximadamente. É tradição de algumas famílias fazerem também, nesse
Foto 122 Pé-de-moleque (abr.03)
dia, o pé-de-moleque, um bolo caseiro, também feito de mandioca, muito apreciado pelos Potiguara, sobretudo, no final do ano. A mãe sabiamente envolve os filhos, levando-os para a casa de farinha desde pequeninos. E, enquanto as crianças brincam, vão aprendendo e participando desse processo de aprendizagem cultural. É através destas interações e comunicações variadas, de cuidados quotidianos prestados em contextos familiares [...] que se tecem laços, se alimentam afectos e emoções, se assimilam regras, se impregnam gestos e posturas, que a crianças se estrutura psíquica e culturalmente [...] (RAMOS, 2004, p. 190).
A dinâmica da Quinta-Feira Santa modifica, naquele dia, as relações entre as pessoas e as famílias das aldeias e chega a ter reflexos para além das fronteiras étnicas, porque se tem o prazer de dar e de receber o „pão nosso de cada dia‟. É o único dia do ano em que a multiplicação do alimento de fato se visibiliza e acontece. A partilha da ceia Potiguara apresenta muitos simbolismos que unificam a vida na aldeia. O cuidado dos índios em reservar uma quantidade de mandioca para a Semana Santa mostra o zelo em preservar e dar visibilidade a essa tradição. O tempo de espera para fazer a farinhada é a oportunidade para ajudar os parentes
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e os amigos que estão terminando o trabalho. O momento de partilha já acontece antes mesmo de o alimento estar pronto. Essa solidariedade vai fortalecendo as amizades, e as relações interpessoais tornam-se mais consistentes. Muitas das arestas e dos conflitos são superados ou acomodados nesses momentos fraternos. Essa prática de aquele que não tem mandioca receber do parente, do compadre, ou mesmo do vizinho a quantidade de raízes para fazer a farinhada, na atual conjuntura econômica capitalista em que vivemos, é um gesto concreto de os Potiguara darem um outro significado a uma prática do individualismo e do consumismo disseminada entre eles, sobretudo, pelo não-índio. É um momento de troca e de gratuidade. “O clima de festa é geral, na partilha e na fraternidade” (PALEARI, 1990, p. 51). Esse gesto de partilha aproxima as pessoas do coletivo, fortalece a comunhão e quebra as divisões internas. Um outro rito de partilha que acontece, nesse mesmo período, com muitos índios de São Francisco é a ida até o mangue, no carroção, puxado pelo trator da FUNAI. O carroção torna-se o ponto de encontro para colocar as conversas em dia, rever as pessoas e saber das novidades da aldeia. Quando voltam
Foto 123 Trator da FUNAI (abr. 04)
da pesca, há uma partilha na aldeia. Muitas vezes, quem não pode ir para o mangue recebe o peixe, o caranguejo ou o marisco de quem foi pescar. É a partilha fraterna acontecendo na vida comunitária. Quando se pesca, tem-se como horizonte um universo mais amplo do que a própria família. O compromisso é com as famílias da aldeia. A partilha é um processo de integração do trabalho comunitário com a participação dos homens, das mulheres e das crianças que dá um ritmo diferente,
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um ritmo novo, um único ritmo na aldeia, fazendo com que todo esse ritual passe a fazer da etnia o centro de uma nova relação. O coroamento acontece durante a ceia Potiguara com a presença de toda a família em torno da mesa no lar. Esse resultado é muito significativo dentro de uma aldeia que tem seus conflitos, suas divergências e seus antagonismos, mas que, em momentos como esses, é possível se estabelecer uma outra relação de convivência, de proximidade, do diálogo. É a oportunidade de superar o que o ser humano tem de mais elementar, que é a necessidade básica de se alimentar dignamente. Tudo está voltado para todos, tudo é de todos. A cada ano, a Ceia Sagrada Potiguara vai se configurando numa prática cultural e religiosa de grande importância e de referência para toda a etnia.
5.2 O Rito da sabedoria O Rito de Sabedoria entre os Potiguara refere-se a uma das principais práticas educativo-religiosas presentes em todas as aldeias, realizadas por rezadores e rezadeiras, que fazem curas e rezas sanadoras de diversos males, utilizando-se de conhecimentos sobre as propriedades curativas dos vegetais, animais e minerais, presentes na “Natureza” e no “Mundo dos Encantos”. Souza (2004, p. 40), observando a medicina indígena Xukuru, diz que a
[...] medicina indígena se baseia na “Natureza” e nos “encantos de luz”. A “Natureza” é sagrada; ela abarca tanto o meio ambiente matas, hortas, roças, lajedos, ventos, etc. - quanto o universo religioso habitado pelos “encantados”, ou seja, os “acó”, os “cabocos”, as “caboquinhas”, entre outros.
Para os Xukuru, os „Acó‟ e as „Caboquinhas‟, são categorias de „encantados‟, responsáveis pelo conhecimento acerca das propriedades medicinais das plantas. Os rezadores, em sonho, comunicam-se com os „Acó‟ e as „Caboquinhas‟ (SOUZA, 2004). A medicina indígena, a religião e a cosmologia do grupo constituem o cerne da “ciência do índio”. Segundo Souza (2004, p. 68),
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[...] a primeira forma de transmissão da “ciência do índio”, os saberes sagrados e médicos ancestrais, dá-se através da manifestação dos “encantados” nos rituais - pajelança e toré, em sonhos, estados extáticos, etc., vivenciados pelos especialistas. A segunda forma de transmissão é realizada através do socialização dos conhecimentos da “ciência do índio” [...] A troca de ensinamentos, tanto realizada pelos “encantados” quanto pelos especialistas mais experientes, representa a nutrição do sistema médico Xukuru[...].
Entre os Potiguara, além da medicina indígena, existe também a medicina popular não-indígena de origem européia e africana (LANGDON, 1991) e a medicina “científica” ou biomedicina7, praticada por profissionais (médicos, enfermeiros, dentistas) que são contratados pela FUNASA para atender à área indígena e trabalhar em postos de saúde e hospitais da região, sanando as doenças e os mal-estares, através de remédios alopáticos, cirurgias, exames, tratamentos dentários, vacinações, etc. Não é nosso objetivo aprofundar, nesta tese, as questões que envolvem a medicina popular e a biomedicina. O que iremos analisar são as práticas educativo-religiosas utilizadas pelos Potiguara para a cura dos mal-estares e das doenças causadas por fatores físicos, psíquicos, subjetivos, bem como espirituais. “Nem todo mal-estar é classificado como doença, existem aqueles que são tratados no âmbito doméstico sem o aflito necessitar de consultar algum tipo de especialista de cura” (SOUZA, 2004, p. 74). Segundo a autora, esses mal-estares considerados leves não trazem gravidade, são diagnosticados em casa, e o tratamento é feito no âmbito familiar. “Baseados no seu conhecimento comum e na sua experiência anterior com doenças, estes fazem um diagnóstico através da observação dos sintomas e da história que a família tem com outros casos parecidos” (LANGDON, 1991, p. 217). São
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Segundo Souza (2004, p. 77), os biomédicos tratam de doenças como: “anemias, hemorróide, hepatite, diabetes, hipertensão, etc .
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considerados mal-estares leves as feridas provocadas por quedas, queimaduras, tosse, gripes sem febre, cortes pequenos, dores de cabeça, azia, diarréia etc. Os aflitos normalmente ficam em repouso e, no tratamento terapêutico, são usados lambedores, mesinhas, chás, defumadores etc. As rezadeiras Potiguara realizam, de forma muito discreta, mas de fundamental importância para a etnia, curas de muitas doenças, mal-estares e diversos incômodos como: dor de cabeça, dor de dente, dor no estômago, dor no braço, erisipela (vermelhão), febre, diarréia, “espinhela caída”, “ventre caído”, “mau olhado”, íngua, “terçol”, “cobreiro” (herpes zoster), quebranto, males provocadas por catimbozeiros, picadas de bicho, entre outras. Segundo Souza (2004, p. 76), as causas dessas “doenças que rezador cura” são:
[...] espíritos; agressão de catimbozeiro; sentimentos como inveja, raiva e ódio; conduta moral desviante; não cumprimento da vítima de sua “missão”8 estabelecida pela “Natureza”; desobediência a restrições alimentares; picadas de cobras e de outros insetos; esforços físicos; condições naturais como frio, calor, ventos, sereno etc. Essas nosologias são curadas através de rezas e com a utilização de remédios caseiros feitos com ervas do mato e/ou dos quintais, bem como, em rituais religiosos. As curas são realizadas somente pelos rezadores. Segundo os Potiguara, alguns trabalhos de cura são feitos na aldeia sem a presença do biomédico. No sistema da medicina Potiguara, assim como no Xukuru,
[...] as noções de corpo, doença e cura estão intimamente ligadas à cosmologia, religião, organização social, política, economia, história, entre outras esferas da vida social do grupo. O aparecimento de uma doença pode ser desencadeada pela conjunção de inúmeros fatores
8
A exemplo das doenças iniciáticas, como “doença que ritual cura” etc.
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pertencentes às dimensões física, social e espiritual (SOUZA, 2004, p. 109).
Diferentemente da maioria dos povos indígenas, os Potiguara não têm uma hierarquia de especialistas de cura nativa como o Pajé, que é a “grande autoridade religiosa, e do sistema médico nativo, detendo maior conhecimento sobre a „ciência do índio‟, conjunto de saberes sagrados, cosmológicos e médicos” (SOUZA, 2004, p. 108). De maneira geral,
[...] o Pajé é aquele que detém a ciência e a tradição indígena, conhecedor dos segredos da cura e do encontro com as forças da „mata sagrada‟, erigindo-se muitas vezes como símbolo focal da identidade étnica ativa na manutenção da fronteira que define o grupo (MAGALHÃES, 2004, p. 85).
Essa atribuição que, entre os Xukuru é exclusivamente masculina, com apenas um só especialista, não estabelece nenhuma relação com os Potiguara, que têm dois Pajés, sendo uma, mulher. A Pajé Fátima realiza rituais de cura, faz oficio de rezas em criança e adultos, prepara lambedores e garrafadas, faz trabalhos de purificação, mas não tem essa função
reconhecida em todas as
aldeias e, nem mesmo, dentro da própria aldeia. Já o Pajé Zé Espinho está ainda no começo das suas funções; não é rezador, não faz cura, mas tem uma maneira muito especial de tratar com a mãe terra, com a mãe natureza e com seu povo, fugindo completamente dos padrões clássicos dos Pajés. Entre os Potiguara, existem outras singularidades, como o professor e parteiro, Pedro Ka‟aguâssu. Dificilmente, entre os povos indígenas, é encontrada a função de parteiro, sendo assumida por um homem, como neste caso específico. Um outro diferencial Potiguara é o Cacique Aníbal e o Ex-Cacique Vicentinho
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serem rezadores da aldeia. É pouco comum o cacique da Aldeia ocupar essa função. Geralmente, as rezadeiras realizam suas práticas durante o dia, mas, em situações de emergência, também abrem exceções para qualquer hora da noite. Algumas preferem não rezar em determinadas horas, como Dona Maria da Luz, da Aldeia de Camurupim, que não gosta de rezar ao meio dia. Perguntada sobre a razão de tal procedimento, respondeu-nós, dizendo: “meu pai era rezador muito conhecido em toda região, deixou essa herança e sigo a tradição fazendo igual a ele” (abr. 2003). Já a Pajé Fátima (set. 2003) disse que “tem horas que são mais poderosas para se rezar alguém, como às seis da manhã, ao meio-dia, às seis da tarde e também à meia noite”. Muitas vezes, além das rezas, são necessários banhos de ervas para a pessoa ficar curada. Existe o “banho pra limpeza”, feito com plantas cheirosas: rosa branca, manjerona, manjericão, colônia, alecrim do tabuleiro. Mas há também o “banho do descarrego”, feito com sal grosso e com outros tipos de plantas: pião roxo (Jatropa gossypifolis), manjerioba, piqui, etc. Para preparar esse banho, colocamse sete pedras de sal grosso, sete folhas de cada planta, de seis qualidades de mato diferentes. Muitas vezes, é preciso também dar um defumador na casa com chifre,
amescla (planta), bejuim, para fazer a limpeza de tudo o que é nocivo. Pega-se um fogareiro com brasa e se colocam umas lascas de chifre para incensar toda a casa. Para cada situação, é dada uma orientação de como a pessoa deve proceder para ficar boa e purificada. Além da reza, dos banhos e do defumador, muitas rezadeiras aconselham a pessoa a tomar determinados tipos de chá de plantas medicinais. Muitos são conhecidos também fora da aldeia, como o chá do broto da goiabeira, para
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disenteria; chá da folha da laranjeira, para insônia; sabugueiro, para febre alta; romã, para dor de garganta; cajueiro roxo, para ferimentos. Mas existem conhecimentos de certas plantas só utilizadas na hora de fazer certos lambedores e mesinhas (garrafadas). Há casos de “doenças desenganadas” pelos médicos que são curadas na aldeia. Quando acontece uma cura, cresce a procura das pessoas da aldeia e de outros lugares pela rezadeira. A rezadeira precisa de se preparar para não ficar carregada com os males que a rondam. Segundo Aníbal (jan. 2005), sua avó morreu com um lado seco, “de tanta coisa pesada que ela rezava”. Já Dona Maria das Neves (Aldeia Camurupim, abr. 2003) diz que “o olhado quebrante pega na pessoa e a pessoa fica quebrada também. Ela precisa ter suas defesas pra livrar de todos os males”. E, mesmo com as defesas, ainda tem situações em que a pessoa é atingida. Alguns depoimentos confirmam essa assertiva:
Ave Maria, tem vez que vem assim, uma pessoa pra gente rezar, tá arriado, a gente pensa que é olhado, mas não é. É outras coisas invisível, aí pronto a gente pega os carregos forte. Quando a pessoa chega doente, a pessoa na reza encontra, se está pesadão ou não. Eu mesmo encontro. Quando eu encontro, eu rezo; se é uma coisa que eu puder tirar na reza, aí eu rezo. Quando eu não posso, eu mando sair fora (Maria das Neves, Aldeia Camurupim, abr. 2003). Quando a gente está rezando se percebe que a pessoa está com espírito, carregado, a gente já sabe que não é coisa boa. Aí se começa a rezar logo com a força do credo. Aí prende o que for três vezes. Aí começa a rezar, pronto. Ninguém erra mais não. A força do credo espanta qualquer coisa, nada resiste (Cacique Aníbal, Aldeia Jaraguá, jan. 2005).
Cada rezadeira busca uma maneira de se proteger das situações difíceis encontradas durante as rezas. O Cacique Aníbal toma banho com a flor do manacá, vai para as matas e para o mangue se purificar e, quando precisa, profere
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também orações deixadas pelos índios velhos, não reveladas. Segundo ele, “os índios mais velhos rezavam de forma diferente” (jan. 2005). São muitas as histórias de como as rezadeiras começaram a rezar. Umas aprenderam por si mesmas, como Dona Dacié, da Aldeia de Monte-Mór, que freqüentou o catecismo, fez a Primeira Comunhão, foi criada na igreja e, depois, começou a rezar. A Pajé Fátima não teve também quem lhe ensinasse a rezar. Depois de um sono que durou 24 horas, começou a desenvolver esse seu lado até então desconhecido. O Cacique Aníbal de Jaraguá aprendeu muita coisa só, mas conta com a avó, sábia rezadeira, que continua ensinando muita coisa para o neto. Dona Maria das Neves, também de Camurupim, só começou a rezar e curar com idade adulta. Segundo ela, se a pessoa quiser e se interessar, ela cura.
A pessoa não interessando nada, nada a pessoa arruma e nem faz. Só faz se querer. Agora se a pessoa tentar curar, cura mesmo! Eu parei com esse trabalho, curava tudo, mas eu não quero mais não. Eu só quero viver me potregendo e potregendo minha família de casa (Dona Maria das Neves, Aldeia Camurupim, abr. 2003).
Souza (2004, p. 59) nos diz que: As rezadeiras e os rezadores ao envelhecerem perdem a habilidade de curar, com a idade avançada não possuem mais disposição de realizar “rezas fortes” nem de irem à mata procurar ervas. Como uma forma de se pouparem permanecem apenas rezando e curando doenças infantis, as quais necessitam de “rezas fracas” e remédios à base de “plantas de casa”.
Segundo o Pajé9 Zé Espinho, recentemente, seu filho estava muito “agoniado”, e ele, depois de adiar por alguns dias esse desafio, foi motivado pela
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Entre os Xukuru, “O pajé entre todos os especialistas de cura é o que tem maior acesso à cosmologia do grupo e aos saberes médicos ancestrais, por isso está situado em cima do tronco da árvore e mais próximo às suas raízes, o „reino encantado‟” (SOUZA, 2004, p. 54).
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mulher, numa hora de necessidade, rezou, e o filho se acalmou. Mas, segundo ele, quem tem esse carisma é o filho João.
João é sobrenatural; a herança da minha avó, Mãe Danda, ela sempre dizia que quando ela passasse para o outro mundo, eu não vou deixar nada para você mais eu vou deixar uma herança de sabedoria, não posso deixar riqueza. O neto que ela mais se apegava era a mim. Ela morreu no sábado e a herança da sabedoria não ficou para mim, mas ficou para João. João adivinha. Uma vez eu estava em Brasília e tudo o que eu fazia ele disse para a mãe. Ele é pacato. Teve vários problemas com a idade de 4 anos. Ele começou a se assombrar. De noite ele se acordava assustado; quase toda noite. Papai, papai, estou aperriado! Mariinha disse: reze esse menino. Eu disse: eu não sei rezar, mulher. Daí uns dias, eu rezei e ele ficou bom. Depois de três dias eu fui ensinar João a rezar. Pense numa coisa absurda que aconteceu entre eu e João. Ele se ofendeu. Eu estava ensinando a João: Pai nosso que estais no Céu... Eu disse: sabe dizer? Ele disse: sei. Pai nosso que está no céu, corno, filho da puta... Eu disse sabe de uma coisa João: eu não vou mais te ensinar a rezar. Ele disse: oh meu pai, Deus está nos quatro cantos do mundo, sem eu perguntar nada a ele. Se eu estiver de baixo de um pé de árvore e eu pensar nele, ele me vale. Vale pra eu, vale pro senhor, vale pra qualquer um da nossa humanidade. Aí eu não ensinei mais reza para ele (Pajé Zé Espinho, jan. 2005).
A sabedoria da resposta de João mostra que não precisa repetir os manuais religiosos católicos para se comunicar com Deus. Existem diversas maneiras do índio rezar. Em algumas rezas, utilizam-se determinados tipos de galhos de plantas, que denominam de ramos, como pinhão roxo, manjerioba, vassourinha, alecrim do tabuleiro etc. Em outros casos, coloca-se a mão sobre o local onde irá rezar. Há situações em que é necessário tocar na pessoa para ficar com a postura correta, como no caso da “espinhela caída”10. A Pajé Fátima reza crianças e
10
Foto 124 Pajé Fátima rezando criança com maracá (ago. 03)
Segundo Ferreira (1986, p. 705) “Designação comum a numerosas doenças atribuídas pelo povo à queda da espinhela [de espinha + -ela] Designação vulgar do apêndice cartilagíneo do esterno”.
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adultos utilizando o maracá. Segundo dona Dacié (Monte-Mór, jan. 2005), ela reza de várias maneiras. Rezo um, de um jeito. Um outro, de outro. Vou apelando e vou rezando e ficam bom, com a força de Deus. Não é com a minha não, que eu não tenho esse merecimento não senhor. É com a força de Deus, que aquela pessoa fica boa. Primeiramente Deus. Ninguém não faz nada sem Deus.
Um dos motivos pelos quais as pessoas buscam as rezadeiras, segundo Dona Maria das Neves (Aldeia Camurupim, abr. 2003), é a maldade das pessoas. “Tem uma criatura aqui que quando olha, mata. Já matou muitos pés de planta, dando fruto. Quando ela aparece, as mulheres passam longe, na carreira para não serem vistas. Os olhos dela são maus, a áurea é muito pesada”. Da mesma maneira que acontece isso com as plantas e com os adultos, segundo ela, acontece com as crianças. “Só basta olhar pra uma criança, admirou, pronto, ficou o olhado quebrante, na criança e no adulto, também. Se os olhos daquela criatura são maus, quando olha, só traz maldade!” (Aldeia Camurupim, abr. 2003). E isso pode até acontecer também quando a casa é admirada. “Passa pela sua casa, olha, vê as coisas bonitas, admirou, já botou o olho, quer dizer que ali já ficou alguma coisa de mau” (Aldeia Camurupim, abr. 2003). Há unanimidade entre as rezadeiras, quando afirmam que o “mau olhado” só acontece por causa da maldade, gente de maus olhos, que quer o mal, que só pede derrota pros outros e fica mal também. O Cacique Aníbal (jan. 2005) revelou que a maldade é tanta, que se coloca areia do cemitério na casa do povo. “Se botar na cumeeira de uma casa, aquela família fica toda seca. Morre, se aperreia de um dia para o outro, vão tudo se embora e pronto”. Existem males que não são fáceis de ser identificados nem curados. O Cacique Aníbal (jan. 2005) disse: “quando vai caminhando, sente aquela pessoa
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perto da gente, andando junto com a gente, sabe se é do mal. Se eu vou pra um canto, a gente sente se tem algum perigo para a gente, se não tem, a gente sabe também”. Existem pessoas que trabalham com forças espirituais do bem e do mal. Segundo ele, “Seu Vicente, ex-cacique da aldeia, trabalha com magia negra, coisa do mal. Já Seu Geraldo, Dona Dacié e Seu Benedito trabalham com mesa branca que é do bem”. Segundo Dona Dacié (jan. 2005), o trabalho com a mesa branca é para puxar os mestres para trabalhar com eles. Eu não tenho que fazer nada. A pessoa chega na mesa e aqueles mestres da Mesa Branca chegam e resolvem. Eu não tenho fazer nada não senhor. Tenho que rezar no princípio, quando vai abrir a mesa e no fim quando vai terminar. No final os mestres se vão. Quando é daí um pedacinho eles vêm de novo, e assim vai. Eu não fico com nada (se referindo a mal quebrante). Eu só fico mesmo com meu corpo.
Esse trabalho é sempre realizado durante o dia. Todo mês, Dona Dacié participa de reuniões na Federação Espírita, em João Pessoa, e paga uma taxa mensal como associada. Quando tem eventos espíritas em Mamanguape e Rio Tinto, ela está sempre participando. Por cada trabalho com mesa branca, ela cobra uma taxa de R$ 30,00 (trinta reais). Quando reza, nem ela e nem as outras rezadeiras não cobram nenhum valor. Geralmente as pessoas gratificam com alguma coisa, espontaneamente. Os rezadores, diferente das lideranças político-religiosas, atêmse exclusivamente ao ofício da cura, dividindo o tempo destinado a esse ofício apenas com atividades domésticas e de subsistência, como plantar na “roça”, fazer farinha, ir à cidade comprar mantimentos etc. (SOUZA, 2004, p. 57). Dona Maria Gomes, da Aldeia do Forte, está sempre atenta para proteger seus filhos contra todos os males. Todas as suas filhas carregam dentro da bolsa um terço, e os filhos, um patuá de proteção. Poucos anos atrás, um dos seus filhos
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foi jurado de morte, por outros índios Potiguara de um grupo adversário. Ela, com o poder da oração, fez com que nada acontecesse com ele. Mais tarde, um dos genros escutou, na mesa de um bar, o pistoleiro dizer que não matou o índio encomendado, por achar que ele era um sujeito bom. São diversas as formas utilizadas pelos Potiguara para terem a proteção de um santo de devoção. Terços, imagens, sinal da cruz, ramo santo podem livrar da maldade. É comum, nos estabelecimentos, colocar-se também um chifre de boi para livrar o olho grande. Tem índios que, em casa, possuem um pé de jurema, de manacá e de outras plantas de poder para justamente afastar toda a maldade. Existem alguns sintomas que dão indicações para a rezadeira fazer suas orações: sonolência, abertura de boca, vômitos, dor de cabeça, febre, fastio são algumas características do mau olhado que podem ser encontrados em criança, jovens e adultos.
Normalmente
se
reza
durante
três
dias
consecutivos, utilizando o ramo de manjerioba, ou de vassourinha ou, ainda, de arruda. Após o ritual, se o ramo permanecer verde, não tem nenhum problema, mas, se murchar, é porque a pessoa estava carregada. Dona Maria
Foto 125 Dona Antonia Avó do Cacique Anibal, rezando com ramo Aldeia Jaraguá (out. 04)
das Neves, para tirar o “mau olhado”, reza assim:
Pelo sinal da santa cruz, livra nos Deus nosso senhor, dos nossos inimigos. Pai nosso que estai no céu, santificado..., Ave Maria cheia... Se eu puser minha mão direita sobre esta pessoa doente, pronunciando as seguintes palavras milagrosas. Jesus, Jesus me ajude aonde eu puser minha mão milagrosa. Jesus me bota a virtude. Assim como as águas tu reparaste, pararei olhado e quebrante, todo mal de cima de FULANO; se entrou por detrás, tiro com a força de São Brás; se botou de lado, tiro com São Bernardo; se botou de banda, tiro com a senhora Santana; se botaram nos olhos, se botaram no começo, se botaram na boniteza, será retirado por Santa Tereza; se botaram de coração será retirado com o
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senhor, São João. São Clemente, por onde andou, por si se curou, todos males ele curou, com a força de nosso Pai Senhor ele curou. Com Pai, Filho e Divino Espírito Santo, todos os males ele retirou. Tava sentado São Pedro, na sua Santa pedra, Jesus perguntou: o que estás fazendo Pedro? Senhor, eu tou curando, eu tou rezando FULANO. Ele disse, reza Pedro e oferece e joga pras ondas do mar sagrado, lá pra boca dos animais ferozes ninguém pra fazer mal a FULANO e nem nada. Salve Rainha, mãe de misericórdia, ... FULANO, Deus te fez, Deus te criou, neste mundo te botou, todos males Jesus vai curar, com a força de nosso pai celestial, Jesus de Nazaré que vai te ajudar, com o Pai, Filho e Espírito Santo, Amém (Camurupim, abr. 2003).
Quando a pessoa está com dor no estômago, “canseira nas pernas”, desanimada, é sintoma de que pode estar com “espinhela caída”. Geralmente acontece com pessoas adultas. A rezadeira faz algumas medidas com uma toalha ou com um barbante e, imediatamente, identifica se a pessoa está ou não precisando ser rezada. Segundo Dona Maria da Luz, ela reza essa oração:
Lá vem o sol saindo com seu resplendor. Peito aberto espinhela caída de FULANO, que ele levantou, em nome de Deus. (3x). (Depois vai para as costas a pessoa, ela fica de ponta de pés, com as mãos para cima). Assim como Jesus Cristo levantou-se do túmulo, Levanta peito aberto espinhela caída. (3x) (Depois reza no estômago). Cristo nasceu, Cristo morreu e Cristo ressuscitou, Espinhela caída ele levantou (3x) No intervalo a pessoa reza o Pai Nosso (3x). Faz isso durante 3 dias (Camurupim, abril de 2003).
De acordo com o Cacique Aníbal, há um outro jeito de rezar “espinhela caída”. Suspende-se a pessoa bem no alto, vai suspendendo os braços, vai levantando e vai rezando a pessoa. Primeiro pede força a Deus Tupã e a todos os espíritos naquela hora. Que com aquelas palavras ditas ao irmão, ele seja curado com as graças de Deus. E aí começa a reza.
Sou mestre corujão, curador da casa Santa, curai clemente, espinhela de FULANO. Se tiver torta desentortai. Se tiver colada,
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descolai. Se tiver pendida, desempenai. (Depois que reza, mede uma mão, depois a outra mão e o tronco. Se tiver diferença em alguns dos tamanhos, precisa voltar no outro dia para rezar novamente) (Cacique Aníbal, jan. 2005).
Quando a pessoa está perturbada, inquieta, impaciente, são alguns sintomas de que pode estar com um encosto11 no corpo. Dona Maria da Luz, da Aldeia Camurupim, afirma que se reza uma única vez a oração do anjo Custódio12, e os sintomas desaparecem. Quando a pessoa está com dor de cabeça, ela reza a Oração de São Bartolomeu, colocando a mão sobre a cabeça da pessoa e pedindo para que a mesma pense em Jesus.
São Bartolomeu, se levantou, seu caminho, caminhou. Seu pé direito coçou, para onde vai São Bartolomeu? Vou à casa da mãe de Deus. Venha cá que darei o seu cordão, na casa que você entrar nem menino será abafado, nem ladrão será morado. Deu sede, eu fui beber água na fontezinha da glória, escondeu com os anjos todos, da virgem nossa Senhora. Mil (inaudível), sete candeeiro lumiando, sete anjo lhe pegando e estava São Pedro no altar. Sua capa encravada e suas mãos dominadas, santa Madalena não acaba de enxugar. Que FULANO por essas cinco chagas, por elas há de passar. FULANO você está se curando, se você está com perigo, que Maria lhe feriu, mas Santa Joana D‟arc lhe põe as mãos e Nossa Senhora lhe cure de todas as doenças e de todos os males. Assim como Deus, nosso Senhor, Jesus Cristo, foi salvo no rio Jordão, fica FULANO livre e salvo como Deus, Nosso Senhor, Jesus Cristo, foi salvo em seu batizado, porque Jesus Cristo meu, eu amo e lhe adoro (Camurupim, abr. 2003).
Muitas outras orações são conhecidas para benzer as pessoas que, de alguma forma, estão afetadas por algum mal. Algumas enfermidades podem ser curadas por uma ou mais orações conhecidas pelo mesmo rezador. Para benzer o cobreiro brabo, o Cacique Aníbal (jan. 2005) pode utilizar uma destas duas opções:
11 12
Espírito ruim, algo que não é benéfico para a pessoa. Ver, em anexo, no final da tese.
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São Pedro ia pelo caminho e Jesus apareceu, Enzipra pelada, cobreiro brabo, sartador, fogo saguá, empinge braba. Pedro se cura, água das fontes, ramo dos montes, leite dos meus peitos, água da virgem pia, batendo em cruz, rezando a Ave Maria e benzendo com ramo. Em mim nasceu um cobreiro, em Nossa Senhora que nasceu outro, tem fé em nossa Senhora, que nem esse e nem outro. Vai dizendo, várias vezes, fazendo cruzes com o ramo verde.
Muitas das informações sobre as rezas não nos foram repassadas por serem segredos da etnia. Quando perguntamos a Iolanda, a Aníbal, a Dona Maria Gomes e a outras lideranças, elas disseram que não poderiam responder. Há uma presença de muitas orações católicas, como o Pai Nosso, a Ave Maria, a Salve Rainha e o Credo nas rezas pesquisadas, assim como, o culto a muitos santos católicos, apóstolos de Jesus, e o emprego de passagens bíblicas, que sempre estão presentes nas orações dos Potiguara. Outras orações são criadas pela rezadeira, a partir de sua devoção e fé em Deus, segundo os índios entrevistados. Muitas orações são aprendidas de livros contendo as mais diversas orações. São plurais as fontes que as rezadeiras utilizam para fazer suas práticas religiosas. A cura ou mesmo o alívio de certos males e dores corporais, dependem, sobretudo da fé que a pessoa tem na divindade. “Quem cura é Deus”, afirmam as rezadeiras. “O poder da fé é extraordinário e pode trazer maravilhas inesperadas na vida das pessoas”, afirma Dona Dacié (jan. 2005). Segundo Souza (2004, p. 57), “Antes de rezar o aflito, quando o especialista não o conhece, geralmente pergunta se ele tem „fé em Deus‟ e se acredita no poder de cura da reza, pois o tratamento somente funciona se o aflito acredita na eficácia dele”. Cada rezador é apenas um instrumento para operar os resultados.
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5.3 O Rito da morte A morte não é um assunto discutido comumente entre os Potiguara. Mesmo sendo parte essencial da existência humana, ela não é conversada e nem tratada no cotidiano da aldeia. Os índios preferem não comentar e nem dialogar sobre o tema da morte. “Ninguém quer amizade com ela, e ela (a morte) também não quer amizade não”, afirma Seu Batista (dez. 2003) que, em seguida, conta uma história para ilustrar esse assunto. O cara era pobre, não tinha nada na vida e aí ele fez negócio com a morte. Um dia, apareceu uma mulher, mas ele não sabia quem era. Ela disse: era você que queria enricar? De hoje em diante você vai trabalhar pouco e logo, logo, vai enricar. Como assim, disse ele. A mulher só fez falar e saiu. [Ele explica dizendo que acha que a palavra morte é uma palavra feminina, então com certeza ela é mulher]. Aí ela foi-se embora e o cara começou a trabalhar e lá vai. Um dia, enricou. Sim, ela disse: tem uma coisa. Tal dia eu venho te buscar. Marcou o dia. Tal dia eu venho aqui e você vai comigo. Tudo passou, ela foi embora. O camarada trabalhou pouco e ficou rico. Um dia ele ficou pensando, imaginando naquela mulher, naquela pessoa. Aí ele lembrou que tal dia ela ia buscar ele. Ele resolveu ficar todo diferente: mandou cortar o cabelo, raspou a cabeça. No dia marcado, fez uma reunião com o pessoal e ficou conversando com os outros. Aí chegou a mulher, ficou olhando e perguntou: cadê fulano? E disse o nome dele. Cada um olhou para o outro... ( era para negar que ele estava ali). A mulher disse: Ninguém sabe não? Já que eu não achei fulano, então vou levar esse careca aqui comigo. Moral da história: não tem como escapar da morte. Eu acho que a morte tem um caderno, com o nome de cada um e a data que ele tem direito.
A morte entre os Potiguara é sempre momento de muita dor, tristeza e até desespero por parte de quem perde um ente querido. A maioria dos Potiguara é católica ou evangélica, e isso faz, pelo menos teoricamente falando, com que a morte seja assumida como uma passagem para uma outra vida melhor, junto a Deus. Quando morre um índio, o corpo é velado com rezas e hinos que confortam amigos e familiares, por evangélicos e católicos. As letras dos benditos trazem a esperança em Deus e a certeza de que se tem alguém intervindo pelos familiares,
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junto ao pai eterno TUPÃ. O costume nordestino de se rezar as incelências nos velórios foi apropriado pelos Potiguara. Dona Daura conta que foi chamada, muitas vezes, para rezar as incelências na casa dos cabocos. A idade avançada hoje a impede de realizar essa prática religiosa que sempre fez com muito gosto e prazer. “A juventude não quer saber disso não” (Dona Daura, São Francisco, abr. 2003), complementa, ao responder por que não se cantam mais as incelências nos velórios. Quando morre uma liderança importante na aldeia, dança-se Toré para homenagear aquele querreiro. Segundo o Cacique Aníbal (jan. de 2005), “no ritual indígena se invocam os espíritos, os anciãos e pede a eles que não deixem de estar junto com a gente, é mais um guerreiro de luta. Depois faz aquele invocamento, se despede dele e enterra”. Numa clara interferência de ritos católicos, quando morre uma criança sem ser batizada, o Cacique Aníbal (jan. 2005) relata que se faz um ritual indígena para batizá-la antes de enterrar.
Se for indígena aquele curumim, invoca os nossos espíritos, pra que ilumine ele. Começa a cantar o ritual, com pouco mais a gente sente aquela criança perto da gente chorando. Aí nós batiza e pronto. Aí pára o choro. Tá batizado. Aí pode enterrar.
Na aldeia, quando morre alguém, todos se mobilizam para arrumar as flores e providenciar o caixão. No passado recente, tudo era bem diferente, segundo Seu Antônio Juvita (Aldeia São Miguel, dez. 2003), da Aldeia São Miguel. Ele recorda que existia um caixão preto que era usado para transportar todas as pessoas que morriam nas aldeias até o cemitério.
Quando mãe morreu, existia um caixão da caridade, preto e grande. Quando morria uma pessoa em São Francisco, Estiva Velha, lá no Cumaru, Lagoa Grande, Grupiuna, Val, Brejinho, Tramataia, Caieiria,
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o pessoal vinha buscar esse caixão pra trazer o defunto pra qui. Não existia outro cemitério. Botava o morto dentro do caixão com aqueles panos forrados e quando chegava no cemitério, a cova tava cavada, enterrava aquele morto com todos os panos. Quando aquele caixão ficava todo melado de sangue pisado, então passava água nele, lavava, botava para escorrer e botava dentro da igreja novamente para ser usado por uma outra pessoa.
Atualmente, todos os índios são enterrados em caixões individuais, e o translado do corpo até o cemitério é carregado pelas pessoas, tendo sempre à frente uma cruz, quase sempre levada por uma criança, com o nome, a data do nascimento e da morte daquela pessoa. Quando se aproxima da igreja, as pessoas são acolhidas pelas batidas fúnebres do sino. O caixão é levado para dentro da igreja13 e colocado bem próximo do altar para os parentes fazerem a última saudação. Em certas ocasiões, um grupo da comunidade faz as orações das exéquias. Terminado esse momento na igreja, como é comum nas regiões mais pobres, o caixão é levado por familiares e amigos para o cemitério. As pessoas que carregam homenagem
flores
fazem
colocando-as
sua com
última um
Foto 126 Cemitério de Marcação (jan. 05)
punhado de terra, sobre o caixão. O ritual termina aí. A morte para os Potiguara e para os povos indígenas do Nordeste não significa que os indivíduos não mais constituídos de materialidade do corpo deixam de existir. Segundo Vieira (1999, p. 101), “[...] quem morre pode voltar ao mundo dos “vivos” na forma de encantos, que na verdade são os espíritos dos fundadores da aldeia [...]”. É, sobretudo, durante o ritual do Toré, que os índios mantêm correntes com esses “encantos” e com os seus “espíritos dos guerreiros”
13
No caso de um evangélico, o defunto vai direto para o cemitério.
229
estabelecendo uma “continuidade” na comunicação com quem materialmente não está mais presente entre eles.
5.4 O rito do TORÉ Cada povo indígena tem seu jeito de ser, sua musicalidade, dança, coreografia, forma de estabelecer contatos com os ancestrais que, durante o ritual de Toré, estão ali constituídos. Trata-se de um conjunto de Foto 127 Ritual do Toré no Terreiro de São Francisco (abr. 03)
elementos presentes nas várias
etnias, mas cada grupo com suas especificidades locais e conservando sua singularidade, embora haja diálogo e troca de experiências entre povos distintos. Segundo Grünewald (2004b), o ritual do Toré é a principal característica dos povos indígenas do Nordeste. O Toré é uma expressão lúdica e organizadora, íntima e emblemática, definida pelos indígenas como „tradição‟, „união‟ e „brincadeira‟, que é atualmente uma prática conhecida e presente na maioria das coletividades que se reivindicam como indígenas (OLIVEIRA FILHO, 2004a). Entre os Potiguara, o Toré é uma das principais práticas religiosas, como também um dos principais sinais de diacriticidade e de referência paradigmática de etnicidade. Segundo Magalhães,
Além de sinais diacríticos de identidade indígena, interfaces semânticas que ritual que pode ser visto
evocados em mobilizações políticas este fenômeno social comporta incrementam a complexidade de um como tradição sagrada de unidade
230
étnica, espaço mediúnico de diálogo com espíritos ancestrais, ou mesmo a “brincadeira” dos índios (MAGALHAES, 2004, p. 74). De acordo com o entendimento de Barbosa Júnior e Palitot (2004), vários estudos na literatura antropológica foram feitos sobre os povos indígenas no Nordeste, nas últimas décadas, tendo duas fases consecutivas de análise. Numa primeira14 fase, as pesquisas realizadas sobre os processos políticos sociais de construção dos grupos étnicos e as referências do Toré são enfocadas para o papel político que o ritual apresenta. A dimensão cultural e religiosa do ritual é vista dentro de uma perspectiva política. Numa segunda15 fase, as políticas são compreendidas a partir da cultura, e novas abordagens são lançadas sobre os processos de invenção das tradições e do que estava sendo processado com as correntes culturais. A divisão desses dois eixos - política e cultura - foi aqui apresentada somente para melhor entendermos como foram realizadas as pesquisas, uma vez que não se pode separar o que está intimamente interligado. Em relação ao Toré Potiguara, Barbosa Júnior e Palitot (2004) mostram também que existem dois momentos na literatura disponível: no primeiro bloco, estão as pesquisas realizadas por Amorim (1970); Azevedo (1986); Moonen e Maia (1992); Silva (1993); Vieira, (1999, 2001); Barbosa Júnior (2002). Esses pesquisadores não analisaram o Toré como temática central de suas investigações. Foram abordadas outras questões importantes em seus trabalhos, como a luta pela conquista da terra, a economia, o contato e a mistura, a aculturação, as concepções nativas da história. Ultimamente novos estudos foram elaborados sobre a integração social e a construção cultural e religiosa, tendo no Toré um dos 14
Cf. Oliveira Filho (1999); Arruti (1995, 1999); Barreto Filho (1997); Brasileiro (1999); Carvalho (1984, 1994); Grünewald (1993); Souza (1998a); Valle (1999). 15 Cf. Andrade (2002); Barbosa (2003); Grünewald (1997, 2001); Neves (1999).
231
elementos principais de investigação, presentes nos trabalhos de Barbosa Júnior e Palitot (2004); Magalhães (2004) e Palitot (2005). Esta pesquisa pretende, também, contribuir com relação ao Toré, por ser uma das principais práticas religiosas Potiguara.
5.4.1 O Toré na história Em 1913, o funcionário do SPI, Alípio Bandeira, em seu relatório, faz os primeiros escritos sobre as práticas culturais dos Potiguara, mostrando traços de etnicidade, mas não apresenta muitos detalhes de como eram as danças, as letras e o vestuário indígena (MOONEN; MAIA, 1992). Em 1938, uma missão de pesquisa folclórica do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, coordenada pelo Diretor Mário de Andrade, que tinha como objetivo fazer um levantamento das manifestações folclóricas do Norte e Nordeste do Brasil, esteve na Paraíba, mais especificamente, na aldeia São Francisco e na cidade de Baía da Traição (CARLINI, 1994). A equipe fez vários registros utilizando-se de recursos como diário de campo, fotografia, filme, registro em discos e, pela primeira vez, documenta-se o Toré Potiguara (Cf. Acervo de pesquisas folclóricas de Mário de Andrade). Durante alguns anos, o Toré Potiguara esteve desarticulado entre os índios, passando a ser apresentado em festas e brincadeiras folclóricas. Seu Batista ilustra a situação de como se encontrava o Toré na metade do século XX:
Eu com a faixa, assim, dos 15 anos aproximadamente, escutava minha sogra falar que tinha Toré, uma tradição indígena, uma herança que nós devia considerar, que nosso antepassado tinha deixado para nós. Então aconteceu o seguinte: um dia veio o exDeputado José Fernandes Dias e o Major Castor, veio convidar o Manoel Pedro (regente da época) para uma festa folclórica, em João Pessoa, lá em Tambaú. Mas queria que fosse, como índio,
232
representar a sua dança, que é o Toré. Então seu Manoel Pedro aceitou o convite. Todo dia chamava as pessoas para ensaiar, para aprender o ritmo da dança e para saber cantar. Logo no início, não, mas com umas três veiz, aquilo me faltou à paciência. Essa dança não é do índio, porque não posso entrar? Era de noite, eu só fiz tirar a camisa, regacei a calça, joguei o chinelo e cai na dança. Aí dancei, aprendi cantar, aprendi marcar o passo da dança, sei como começa, sei como termina. Ainda hoje eu explico um pouco da nossa história, eu me sinto tranqüilo,eu me sinto feliz (Seu Batista, dez. 2004).
No final da década de 1960, o antropólogo Frans Moonen, que apresenta uma visão pessimista por enfatizar os conflitos de forma negativa com relação à cultura Potiguara, fez breves considerações sobre o Toré, transcrevendo16 algumas letras de músicas (MOONEN; MAIA, 1992). Na década de 1980, vários fatores contribuíram para o crescimento e a propagação do Toré na etnia Potiguara, tais como: a luta e o processo de retomada e demarcação da Terra Indígena Potiguar; a presença do CIMI entre os índios, articulando o contato de várias lideranças Potiguara com outros povos, tanto em reuniões locais, como em encontros regionais e até nacionais, e o envolvimento dos Potiguara na organização do movimento indígena. Todos esses elementos são apontados por Moonen como retomada do Toré porque os índios aprenderam que, para “[...] ter cultura indígena, precisa exibir símbolos de indianidade e, assim, o Toré passou a ser uma exibição pública de indianidade em encontros, festas e outros eventos que contam com a presença de pessoas estranhas à comunidade Potiguara” (MOONEN; MAIA, 1992, p. 112). E, nesse momento, os Potiguara começam a criar sinais diacríticos visíveis de indianidade e de afirmação étnica, utilizados durante o Toré, conhecidos atualmente como traje. De acordo com Barbosa Júnior e Palitot (2005, p. 164),
16
Ver transcrição das letras do toré Potiguara contendo um asterisco(*), em anexo.
233
Este registro é muito importante para a compreensão atual do toré, pois, é nesse momento de luta pela terra, que vai assumir a sua configuração atual com roupas de palha e cocares de penas, reforçando para os índios e não-índios a imagem da comunidade como possuidora de uma tradição indígena específica, fonte de orgulho e honra.
Há uma cobrança da sociedade para exigir dos índios sinais diacríticos, de acordo com imagens que são exigidas da „tradição indígena‟. Essa visibilidade indígena, criada a partir das trocas com os parentes de outras etnias, passou a ser fonte de orgulho e honra para os Potiguara, além de confirmar a sua etnicidade.
5.4.2 - Coreografias e letras Para iniciar o Toré, o cacique, deixando-se conduzir pelos espíritos de luzes, anuncia com o maracá17 que é chegado o momento do ritual. Todos se prostram diante da mãe terra e a veneram pedindo à mãe natureza proteção e permissão para a grande louvação do Toré. Em algumas situações, o Cacique faz um louvor em voz alta, em outros momentos, reza o Pai Nosso18, mas, em geral, é no silêncio que os índios entram em sintonia com a sua divindade e com os Encantados. Quando todos estão na sua intimidade, o som do maracá, seguido da batida do bombo, aprofunda essa dimensão de deixar-se seduzir pela mãe natureza. Alguns minutos depois dessa eternidade, o maracá tocado pelo Cacique, num ritmo um pouco mais acelerado e complementado pela batida envolvente do bombo, convida todos a ficarem de pé, para iniciar a grande solenidade sagrada. “Toda essa energia espiritual, seguindo a tradição dos antepassados, é para fazer o
17
Ailson, liderança do povo Truká (Apud WELLEN, 2002, p. 207-208, grifo nosso), afirma: “No Toré, usamos maracás - são eles que chamam atenção, em primeiro lugar, do nosso povo, e a atenção da natureza, de todos os nossos antepassados e encantados. [...] no Toré, os encantados de luz ficam rodeando a gente e nos protegendo de qualquer coisa má que venha contra nós naqueles momentos”. 18 Na 4ª Assembléia Geral dos Potiguara, em 2004, em voz alta, o Cacique Néo, da Aldeia São Miguel, iniciou o toré rezando o Pai Nosso em tupi.
234
bem e trazer benefício para os parentes e demais pessoas que estão precisando de algo naquele momento” (Djalma, set. 2004). No centro, ficam os tocadores que irradiam som em todas as direções e envolvem os presentes. As lideranças ficam bem próximas, servindo-lhes de proteção, luz e guia para os vários círculos concêntricos formados em seu redor. "A força do Círculo é conhecida há séculos, e é um poderoso símbolo de unidade e totalidade” (BARRETO, 2005). O primeiro círculo é o das crianças; depois, vêm os adolescentes e os jovens; os demais círculos são compostos pelos adultos. “Dançar em círculo é algo como
Foto 128 Os tocadores durante o Toré ficam na parte central. Aldeia Monte-Mór (set. 04)
conspirar - respirar junto - e conspirar é aspirar a um verdadeiro sentimento de comunhão, de cooperação, entre um e outro, entre indivíduo e grupo, entre eu e você”
(BARRETO,
2005).
Quando
a
música
começa
a
ser
tocada,
simultaneamente, todos os índios começam a cantar e dançar, sempre no sentido anti-horário, um atrás do outro19. O Toré Potiguara, diferente das outras etnias do Nordeste, como os Tuxá e Xukuru, é dançado individualmente e em nenhum momento se abraçam ou se dão as mãos. Existem várias coreografias, com seus respectivos ritmos, para se dançar o Toré Potiguara. A mais
dançada
entre
Potiguara consiste num
movimento
em
indivíduo
dançando
realiza
movimento
que
está
giratório,
está na frente, e depois 19
os que
o um
saudando a pessoa que Foto 129 Ritual do Toré no pavilhão da Aldeia São Francisco (set. 03)
gira de volta e saúda a
Só uma única vez, vimos o Toré sendo dançado no sentido horário, num ensaio com as crianças da Aldeia Ibykuara.
235
pessoa que está atrás; esse movimento é repetido inúmeras vezes, durante a realização da dança ritualística. “Através dos passos repetidos que cada Dança possui, se entra num estado meditativo, onde não se pensa em nada: a mente fica vazia” (BARRETO, 2005). É com esse ritmo que normalmente se faz a abertura do Toré, sempre iniciando com a mesma música (descrita logo abaixo), embora haja certas opiniões contrárias sobre a seqüência das músicas executadas.
Quem pintou a louça fina, foi à flor da maravilha (2X) Pai e Filho e Espírito Santo, Filho da Virgem Maria (2X) Eu estava na minha casa, e mandaram me chamar (2X) No dia do Santo Reis, na casa de João Pascal (2X) O sol entra pela porta e a lua pelo oitão (2X) Viva o dono da casa, com sua obrigação (2X)
Há uma outra forma de se dançar Toré (cf. letra logo a seguir) através da qual os índios ficam uns atrás dos outros e vão saltitando: enquanto um pé está no chão, o outro sobe; em seguida, o pé que estava no chão sobe, e o outro toca o chão. Toda a cadência é determinada pelos instrumentos
Foto 130 Cacique Djalma ritmando o Toré; Baía da Traição (nov. 02)
musicais, podendo ser mais lenta ou um pouco mais compassada. A boquinha da jurema eu dancei o seu Toré Para me livrar da flecha do tapuio Canidé(2x) Oh Rei Canidé, oh Rei Canidé! Por causa da jurema, pra Rei Canidé! (2x).
Há ainda uma outra maneira de dançar Toré (cf. letra logo a seguir), como se estivesse sessando (peneirando) a areia da praia para encontrar mariscos. Nesse momento, muda-se a maneira de se dançar: todos se voltam para o centro da roda, inclinam o tronco para a frente e, com as mãos estendidas, fazem os
236
gestos de quem está peneirando a areia no mar. “Os passos acima descritos são encontrados com maior freqüência, quando os índios de São Francisco realizam o Toré, principalmente se algumas mulheres mais idosas estiverem presentes” (BARBOSA JUNIOR; PALITOT, 2004, p. 168).
Guararapirá, oi Guararapirá! (2x) Vamos dançar, na alegria do mar! (2x).
Em situações quando se tem a presença de Dona Joana da Aldeia do Galego, velha cantadora do Toré, é possível se ver uma outra maneira de realizar o
ritual
Potiguara
uma
(cf.
letra
a
seguir).
É
coreografia que parece com pássaros voando.
Foto 131 coreografia do Toré Terreiro São Francisco (dez. 04)
As pessoas em fila, no círculo, abrem os braços, como se estivessem voando.
Cana, cana, oh canavial! (2x) Vamos dançar na alegria do mar! (2x)
O Toré tradicional dos Potiguara, que tem como referência a Aldeia São Francisco (PALITOT, 2005; VIEIRA, 2001), vem apresentando certas alterações porque, atualmente, está sendo dançado em várias aldeias. Nenhuma delas tem a gaita, e os passos, os ritmos, as letras e as coreografias podem apresentar ligeiras modificações, uma vez que a cultura é dinâmica. Em Monte-Mór, além do bombo, da caixa e dos maracás, um outro instrumento musical, o ganzá, foi acrescido no ritual, como afirmam Palitot e Souza Júnior (2004, p. 168):
Em Monte-Mór, durante a música de encerramento, que é do Pássaro Rei Cuã, segue-se um movimento coreográfico diferente
237
que acompanha a movimentação indicada no verso vai em cima, vai em baixo. Os índios esticam os braços para cima, juntando as mãos e os abaixam rapidamente para um lado, levantando-se e os abaixando para o outro lado, logo depois.
As letras cantadas no Toré são criações antigas que vão sendo transmitidas oralmente, de geração em geração. Não há um consenso sobre a origem desse patrimônio da memória coletiva nem existe uma instância deliberativa para aprovar uma letra do Toré Potiguara. Para a Pajé Fátima (maio 2003), “nunca teve mudança, nem para aumentar, nem para diminuir. São sempre as mesmas letras”. De acordo com Caboquinho e com Iolanda, algumas pessoas das aldeias criam novas letras, como as irmãs caranguejeiras Zuleide, Leda e Leza. As novas letras, segundo as caranguejeiras, são frutos de momentos especiais, reveladas pelos encantos, durante o ritual. “Quanto se está manifestado, os parentes ensinam novas letras pra gente” (Zuleide, Aldeia do Forte, maio 2003). Em Monte-Mór, a maioria das letras é de autoria do índio Marinésio Cardoso, conhecido como Neguinho. Os temas tratados nas letras do Toré têm uma grande variedade. Algumas fazem referências às coisas da natureza, aos animais, aos ancestrais, aos encantos de luz, à cabocla jurema, à luta pela terra, aos santos do catolicismo, Nossa Senhora, a Jesus Cristo, enfim, a uma grande e fértil imaginação na sua criação. Algumas são apropriações de outros povos indígenas no Nordeste, como os Xukuru/PE, e adaptadas à realidade Potiguara. Outras são cantos indígenas conhecidos em todo o Brasil, mas adequados ao ritmo paraibano. “O ritual toré revela intensos elos interculturais infundidos na relação histórica da cultura indígena com o catolicismo, num movimento de combinação de diversidade e inovação
que
atualmente
(MAGALHÃES, 2004, p. 75).
se
dispõe
como
leitmotiv
de
postura
étnica”
238
Quando se tem a disposição para dançar o Toré, afirma Dona Joana de São Francisco, é preciso ter muito cuidado porque o “ritual é coisa séria; é necessário fazer a abertura e o fechamento corretamente sob pena da pessoa ficar perturbada” (Joana, Aldeia São Francisco, maio 2003). Há uma seriedade muito profunda no momento em que se vai fazer a ligação com os ancestrais indígenas e não pode haver desarmonia entre o mundo dos encantos e o real. Dona Joana termina dizendo que, em certas situações, o Toré pode complicar a vida de quem dança. “Outro dia o Cacique fez um ritual e não fechou. Os parentes (que já morreram) de noite vieram perturbar o sono dele. Tem que prestar atenção e fazer a coisa certa” (Joana, Aldeia São Francisco, maio 2003).
5.4.3 Os Instrumentos Os instrumentos utilizados no Toré são: o bombo, a caixa, a gaita e os maracás. O bombo e a caixa, instrumentos de percussão do gênero do tambor, um,
Foto 132 Seu Tonhô (esquerda) e Seu Zé Bitu, gateiro (direita) com outros tocadores de bombos. Baía da Traição (jun. 05)
com o som mais agudo, e o outro, mais grave, são facilmente encontrados, dentro e fora da área indígena, e as pessoas aprendem a tocar com certa facilidade. Os ritmos podem ser os mais variados possíveis. Durante o ritual, o bombo é de fundamental importância porque é utilizado em diferentes momentos com significados diversos. Na abertura, no momento da louvação, cria-se um clima de passagem do cotidiano para um momento da espiritualidade mais profunda. Durante toda a jornada, com batidas cadenciadas, mais fracas e mais fortes, sozinho ou acompanhado por outro instrumento, vai processando uma energia que transforma e transmuta a vida de quem ousou estar naquele espaço sagrado.
239
“Ninguém é o mesmo depois que dança Toré”, afirma o Cacique Dijalma (abril de 2003). Mesmo depois de terminada a dança sagrada, o bombo e a caixa têm todo o brilhantismo para aproximar as pessoas para continuarem cantando músicas daquele contexto que está sendo vivido. Em alguns encontros e assembléias, as pessoas ficam cantando e brincando por várias horas, sempre animadas pelo bombo e pela caixa. A gaita é um instrumento de sopro, semelhante à flauta, feita de tapoca (planta nativa encontrada na região) ou de cano PVC de 25 milímetros de espessura, por 50 centímetros de comprimento, com quatro furos na parte central, um ao lado do outro; na extremidade superior, tem um pequeno orifício por onde passa o sopro do tocador; na parte de baixo, o cano é oco.
Foto 133 Seu Batista (esquerda), conversando com seu Zé Bitu no ritual do Toré, no dia do índio – Terreiro da Aldeia São Francisco (abr. 03)
Seu Zé Bitu (Aldeia São Francisco, abr. 2003), já idoso, da Aldeia de Cumaru, é o único entre os Potiguara que sabe tocar as músicas nesse tipo de gaita e diz com orgulho que acompanha qualquer tipo de música que tocar. Seu interesse pela gaita nasceu quando ainda era muito jovem. Vejamos seu depoimento:
Eu via quem tocava nas procissão... aí eu ficava: lá vem eles (deu uma demonstração fazendo os gestos com os dedos na gaita). Aí depois eu na minha casa, ainda rapazinho, muito novinho, eu ficava em casa (fazia o gesto na gaita). Aí me deram uma gaita, eu não sabia fazer nada... deitava na rede, aí foi procurando aqueles tons, depois eu fiz os tons, aí eu disse: agora é aqui. Já toquei em Brasília com uma sanfona, dois violão, seu Tonhô no Bombo e um no pandeiro. O cara disse: „Dá o tom do pife‟? (esse aqui só tem quatro furos – mostrando o instrumento). Aí eu fiz. Quando eu peguei foi tudo uma música só. Mas ninguém sabe o que é isso aqui não! (se referindo a gaita, que não é tocada por ninguém entre os Potiguara) (Zé Bitu, Aldeia São Francisco, abr. 2004).
240
É um instrumento difícil de ser aprendido, por ser desconhecido entre os músicos. É preciso ter muita habilidade para tocá-lo. O som dá uma harmonia encantadora durante o ritual, quando tocado só ou em conjunto com o bombo e os maracás. “Toré de verdade só presta se tiver gaita” (Zé Bitu, Aldeia São Francisco, abr. 2003).
O maracá, segundo Ferreira (1986,
p.1087,
grifo
nosso),
é
“Instrumento chocalhante que era usado pelos índios nas solenidades religiosas e guerreiras”. O que chama a atenção nessa definição é o fato de ser um instrumento que era usado, como se não existisse mais índio.
Foto 134 Caboquinho (esquerda) e Bel com maracá na mão, junto com os tocadores do Toré; Baía da Traição (jun. 05)
Trata-se de um instrumento que, juntamente com o bombo e a gaita, dá o ritmo e o compasso do Toré, e é utilizado pelo cacique para dar vida ao ritual, durante o qual, várias pessoas dançam com o maracá na mão. É com esse instrumento que o Cacique ou uma liderança anuncia quando é o momento de parar uma música e de iniciar uma outra, e todos fazem o mesmo gesto. “Sem maracá ninguém dança [...] quando a gente está tocando, a gente tá agradecendo a Deus Tupã pela saúde, pela paz, pela educação dos nossos curumins [...]” (Cacique Djalma, abr. 2003). É utilizado por todos os povos indígenas no Nordeste.
Seu manuseio requer habilidade do dançador ou dançadora que são, ao mesmo tempo, percussionista/ cantadores e coro (homens, mulheres e crianças que respondem aos versos). O som vibrante por ele produzido é fator determinante na comunicação com os Encantados (ARCANJO, 2003, p. 86).
241
O maracá pode ser feito de cuia da cabaça20, de cuité ou de quenga de coco seco. Ele tem um cabo que pode ser de madeira, de osso etc. Dentro, são colocadas sementes de plantas, pedrinhas, conchas da praia ou esferas. Segundo a Pajé Fátima (nov. 2003), “a cabaça representa o mundo, o universo; o cabo, a união do ser humano com o mundo; as sementes simbolizam o alimento, a fartura”. É enfeitado com penas de aves domésticas ou animais silvestres. “As penas delicadas, como do beija-flor, são colocadas nos maracás mirins, para as crianças e têm relação com o animal de poder. Quando se está fazendo maracá, ninguém fala com ninguém porque tem que está bem concentrada, invocando os ancestrais para junto da gente” (Pajé Fátima, nov. 2003).
5.4.4 Vestuário e ornamentação O povo Potiguara possui vestimenta própria para essas ocasiões. Normalmente se dança a caráter, com o traje ou trajo. Os saiotes são usados pelos homens,
mulheres
e
crianças,
cuidadosamente
confeccionados para serem usados no momento solene do ritual. Em cada aldeia, várias pessoas fazem o saiote, mas é interessante perceber que existem educadores e lideranças ensinando as crianças a fazerem os próprios
Foto 135 Apinajé apresentando seu traje; Terreiro de São Francisco (abr. 04)
trajes. O saiote é feito da casca de uma árvore chamada jangada. O processo consiste, primeiro, em tirar a embira (casca) da jangada, árvore nativa e muito comum em todo o território Potiguara. É preciso experiência para escolher as plantas mais 20
Planta rasteira com certa semelhança da melancia.
242
velhas e, assim, conseguir uma embira mais grossa e mais forte. Se a árvore for muito nova, além de a embira ser fina, é frágil e dificulta tanto na hora de lavar a fibra, como no momento de confeccionar o saiote. A segunda etapa é colocar a embira dentro da água por mais ou menos uns 15 dias. A casca fica parecendo com limo de uma cor escura e gosmenta. Esse é o ponto ideal para fazer a lavagem da fibra em água corrente. É uma festa fazer a lavagem porque se aproveita o dia de sol para tomar banho de rio, cantar as músicas
do
Toré,
colocar
as
conversas em dia. Quando termina todo o processo, é hora de limpar o local, jogar no rio as sobras das jangadas (serve de alimento para os
Foto 136 Professor Pedro com as crianças fazendo a lavagem da Jangada. Aldeia Ibykuara (ago. 03)
peixes) e tomar um delicioso banho. Finalmente, depois de muita alegria, em mutirão, as fibras são levadas para o quintal de casa para serem estendidas. Depois de uma semana, a fibra está seca e pronta para a etapa seguinte. Nesse momento, faz-se a seleção por espessura das fibras para se confeccionarem os saiotes de todos os tamanhos. O saiote é um trançado, semelhante a uma corda, que se amarra na cintura, e as fibras se estendem até o joelho, tanto para os homens, como para mulheres e crianças. A fibra tem duas tonalidades: uma mais clara, e outra um pouco mais escura. Se, por acaso, a jangada foi atingida pelo fogo, ela produz uma fibra mais escura. “Muitos parentes fazem saiotes mesclando a fibra mais clara com a escura ficando uma peça bem bonita e diferente” (Pedro Ka‟aguâssu, jun. 2003). Com a fibra da jangada, também se faz o sutiã, utilizado pelas mulheres nos rituais.
243
O professor Pedro Ka‟aguâssu, por diversas vezes, já se reuniu com várias crianças
da
sua
aldeia
para
fazer
o
saiote.
Primeiramente, há uma motivação e uma explicação detalhada de todas as etapas da confecção. As crianças vão assimilando todo o processo e, estimuladas pela liderança,
participam
cantando,
brincando
e
se
divertindo, desde a coleta da embira, até o término da peça que eles usarão com orgulho e com conhecimento
Foto 137 Crianças da Aldeia Ibykuara com seus trajes(jun05)
de causa, na hora de dançar Toré. Segundo Mead, 1963;trajes Mauss, 1985; Ramos, 1990; (apud, RAMOS, 2004, p. 216),
A cultura estrutura o indivíduo por intermédio de padrões culturais transmitidos, os quais constituem modelos, regras e lógicas culturais fornecidas às crianças, desde o seu nascimento, pela família e pela comunidade. Estas formas específicas de transmissão cultural processam-se através das técnicas do corpo, dos cuidados às crianças, das práticas educativas, dos modos relacionais e comunicacionais.
As tradição
crianças, dos
ornamentam-se
seguindo
mais dentro
a
velhos, dos
seus
padrões culturais. As mulheres usam um bustiê que pode ser feito de pano ou de uma planta nativa chamada jangada. Uma outra opção é o sutiã
Foto 138 Crianças com diferentes trajes. Terreiro da Aldeia São Francisco (abr. 04)
de quenga de coco. Por baixo do saiote, usam short, bermuda ou biquíni. Os homens sempre dançam sem camisa e, debaixo do saiote, usam sunga de praia, calção ou bermuda.
244
Todos os índios, praticamente, usam ou penacho ou cocar, que podem ser feitos de palha e de penas de aves domésticas e/ou silvestres. Podem ser coloridos e há uma grande variedade de formas e tamanhos. Outros adornos comuns são os cordões, usados no
Foto 139 Padre índio Edvaldo e o professor Pedro Ka‟aguâssu; Ritual do Toré no dia do Índio; Terreiro da Aldeia S Francisco (abr.03)
pescoço, nos braços, no tornozelo; as pulseiras, os brincos, objetos que são colocados no nariz, o tacape, a lança, a borduna, o arco, a flecha, etc. Cada adorno tem um ritual para ser fabricado. Alguns deles não são produções locais e foram importados de outras etnias. Essa variedade Foto 140 Adornos usados no ritual do Toré Baía da Traição (jun. 05)
de peças é uma característica essencial da
identidade cultural e religiosa Potiguara.
5.4.5 A pintura A pintura é um outro elemento primordial usado na Dança do Toré. Assim como nos adornos, a pintura não tem padrão específico que identifique a etnia Potiguara. Há liberdade de criação e recriação, e cada índio se Foto 141 Cacique Geral Caboquinho, pintando o filho Rafael para o ritual de formatura do Ensino Fundamental. Aldeia São Francisco (dez. 04)
apresenta do seu jeito no ritual. Os traços apresentam
uma
grande
variedade,
dependendo da autoria, do contexto e até mesmo do momento em que os índios
245
irão dançar. Existem situações, como nos treinamentos de professores, em que se improvisa a ornamentação com qualquer tipo de pintura. O vermelho e o preto são predominantemente as cores utilizadas pelos Potiguara. A cor vermelha é extraída do urucum, e a preta, do fruto (verde) do jenipapo. Existem diversas maneiras de se preparar tanto
a
cor
Foto 142 Pintura feita na cabeça do Pajé Zé Espinho (set. 04)
vermelha como a preta. Alguns utilizam um processo mais demorado de cozinhar, até formar uma pasta gelatinosa. Outros usam mistura com mel ou com álcool para ajudar a Foto 144 Cacique Geral pintando uma concluinte (8ª série) e a esquerda o filho Giga sendo pintado pela Irmã Juvanete (dez. 04)
fixar a cor na pele. A pintura fica mais de 15 dias na
pele, sem perder a coloração, mesmo sendo lavada normalmente. Outras maneiras de se obterem essas cores são através de certos tipos de argilas coloridas, do carvão vegetal, das tintas (guache, de tecido), de pincéis coloridos ou até mesmo do batom.
Foto 144 Capitão, sendo pintado por Robinho, na festa de dois anos, da Aldeia Três Rios (ago. 05)
Para as pinturas, são utilizados pincel de madeira (pau fino e pontiagudo) e pincel com cerdas de cabelo ou seda. As formas são variadas, às vezes, bem diferentes e ousadas. Dependendo de quem faz, são utilizados círculos, retas, curvas, vários tipos de traços. Isso porque a criatividade na pintura é livre e “não precisa ficar repetindo sempre a mesma coisa” (Pedro Ka‟aguâssu, jun. 2003). Não
246
existe uma definição oficial de como deve ser a pintura Potiguara nem o local que deve ser pintado: se no rosto, braço ou em outra parte do corpo. As interpretações das cores são muito interessantes e bastante diferentes umas das outras. Pelo fato de a etnia não ter sua marca oficial, cada índio interpreta como quer, a partir do seu contexto de vida, das experiências vividas, da tradição herdada. Para o Cacique Geral (maio 2003), “a cor vermelha representa a luta, a guerra, e a preta, a paz”. Para o professor Pedro Ka‟aguâssu (jun. 2003), “as cores vermelha e preta Foto 145 Seu Chico da Aldeia São Francisco. Baía da Traição (jun. 05)
têm ligações com um animal da região chamado
quati”. Segundo Iolanda (out. 2003), “a cor vermelha é o sangue que se mistura com a terra e dá a cor preta”. Sandro (Aldeia Três Rios, ago. 2005) afirma que “a cor vermelha é sangue e a paz; a cor preta é a terra”.
5.4.6 A dimensão religiosa/cultural A dimensão religiosa do Toré tem significados profundos para os índios, porque, de acordo com a Pajé Fátima (abr. 2003), eles mantêm “contato com os ancestrais, os parentes que já se foram. Aí a gente tá com uma energia muito boa”. Há um consenso de que, quando se está dançando, “não existe tristeza, não existe nada; tudo está bom” (Josafá, abr. 2003). O ritmo, a batida do bombo, alteram o estado de consciência: “a gente incorpora; quase todo mundo dança incorporado (manifestado). A dança traz muitos benefícios, pois quem tiver com problema de saúde, começa a suar e começa a sair as energias ruins” (PAJÉ FÁTIMA, abr. 2003).
247
Hoje o Toré Potiguara é uma das principais fontes de expressão de vida física (saúde, alegria) e espiritual. Para cada um tem um significado específico: para a criança, “traz alegria e felicidade” (Aldeia São Francisco, abr. 2003); para o jovem, “é maior alegria que sinto na minha vida. Gosto e acho bonito” (Aldeia São Francisco, abr. 2003); Josafá (abr. 2003), afirma: “expressa todo sentimento de alegria, todas as conquistas; quando estou dançando, parece que toda aquela coisa ruim, todos problemas, tristeza, tudo que está acontecendo, vai embora. Na hora que estou dançando, esqueço tudo”; para o tocador do bombo Veridiano (abr. 2003) é “uma alegria muito grande, porque é a canção da gente, dos meus pais, dos meus avós”; para o cacique Djalma (abr. 2003) “traz muita energia para meu povo, muita saúde. Eu me sinto muito feliz graça a Deus TUPÃ. Tem vez que estou preocupado com minha vida, mas quando danço fico muito feliz”; a Pajé Fátima (abr. 2003) se expressa dizendo: “quando estou dançando não existe tristeza, não existe nada. Tudo é alegria”. O Toré é um ritual expressivo, vivo, envolvente e mexe com as emoções, com a subjetividade, com a intimidade, com a espiritualidade, com o que há de mais sagrado e até possibilita às pessoas mais sensíveis passarem para a um outro nível de consciência e entrarem em transe. Entre os índios XuKuru, em Pernambuco, isso é absolutamente normal, e todos encaram com a maior naturalidade e até com muita admiração porque é coisa positiva. Entre os Potiguara, não é essa a leitura que se faz. Quem tem esse dom e se manifesta durante o Toré é reprimido e “tem que fazer de tudo para segurar a barra, se não quiser passar vergonha; é muito ruim dançar segurando as correntes, prendendo o canal das divindades e dos encantados” (Dona Joana, Aldeia São Francisco, abr. 2003). As pessoas mais sensíveis evitam participar ou dançam com
248
cuidado para não passar vexame. “Quando acontece de alguém se manifestar, sempre tem alguém mais experiente para acompanhar a pessoa até ela voltar ao normal” (Sandro, Aldeia Três Rios, out. 2003). Nesse contexto, a pessoa é vista com certas „reservas‟ na aldeia. Seu Tonhô (Aldeia São Francisco, nov. 2003) afirma que antigamente não existia essa cobrança entre os parentes. “Antigamente, esse ritual sagrado era dançado nas matas, debaixo das árvores, perto das cachoeiras, junto à natureza e não havia cobrança de ninguém. Cada um tinha toda liberdade de deixar as entidades se manifestarem”. Existem, nas aldeias, certas resistências, quase que imperceptíveis, acerca do Toré, dissimuladas por católicos e por evangélicos, como sendo “coisa de satanás”21, “culto ao demônio” ( MAGALHÃES, 2004, p. 79). Quando alguém se converte ao cristianismo, a doutrina determina que só a Jesus se deve prostrar, louvar e bendizer. Fica muito difícil e quase impossível seguir a Cristo e dançar Toré. O Cristo pregado pelos cristãos evangélicos e católicos nas aldeias é um Deus absoluto, que exige entrega total e irrestrita. Há restrições das lideranças religiosas em dançar o toré. A Irmã Juvanete dança e incentiva os índios a dançarem o ritual. O Padre Ailson nunca dança,
mas
aparece
nos
momentos em
que
acontecem os rituais. No Dia “oficial” do Índio, 19 de
Foto 146 A irmã Juvanete com seu traje no dia do índio (abr. 03)
abril de 2001, ele celebrou a missa, que era o primeiro momento de abertura daquela programação. Nos momentos importantes entre os parentes, o Padre
21
Depoimento feito por Agnaldo, da Aldeia de São Francisco, em setembro de 2003. “Toré é coisa de Satanás”. Ele se referia a uma expressão dita por autoridade evangélica indígena da igreja evangélica de São Francisco.
249
índio, Edvaldo22, participa sempre dos rituais trajado e com estola típica Potiguara. Os missionários da RCC não dançavam e nem se faziam presentes nos rituais indígenas. A linguagem dos carismáticos não proíbe a dança do Toré. Porém, a doutrina da Rainha da Paz é de só estar a serviço de Jesus Misericordioso. O apoio dado ao Toré é, na realidade, suplantado na prática pela catequese aguerrida do movimento. Todos os três pastores evangélicos que são índios Potiguara afirmam que não proíbem os parentes de dançarem o Toré. Muito pelo contrário, até incentivam os irmãos a participarem do ritual. O Pastor Rosildo (Aldeia Silva, jan. 2005, grifo nosso), da Assembléia de Deus da Aldeia Silva, hoje não dança mais Toré. “Eu mesmo não me acho mais em condições de dançar o Toré, não me sinto bem dançando. Talvez eu possa até me pintar, mas para dançar, tá lá, porque eu adoro Deus de outra forma”. Mas ele afirma: “não tenho nada contra, porque isso aí é uma cultura indígena. Toré eu não posso ser contra, não proíbo nenhum dos meus irmãos da igreja dançar o Toré. Isso é a cultura indígena eu dou maior valor para isso” (Pastor Rosildo, Aldeia Silva, jan. 2005). Ele sabe que, indo contra o ritual sagrado dos seus parentes, mesmo sendo índio, com certeza é motivo de pressão por parte das lideranças que não admitem essa postura de uma autoridade dentro da área indígena. O Pastor deixa bem claro que a única verdade é a palavra de Deus e que adora Deus de outra maneira, não no ritual do Toré, e assevera:
Se nós adorávamos espíritos, fazíamos preces àquelas coisas erradas antigamente e totalmente diferente da palavra de Deus, hoje a gente aprendeu pela Bíblia que é diferente aquilo. A gente tenta hoje tirar aquelas pessoas, destas coisas que, antes nós ingressava nela ou vivia nela. Mas hoje a gente tenta tirar aquelas pessoas
22
Pároco na cidade de Mogeiro, aproximadamente, 100 Km de João Pessoa. Foi ordenado no ano 2000.
250
porque aquilo ali não é verdade, verdade é a palavra de Deus (Aldeia Silva, jan. 2005).
O pastor João Santana (Marcação, jan. 2005), da igreja Batista Potiguara de Marcação, índio nascido na Aldeia Galego, tem orgulho da sua cultura. “Eu, como índio, pastor índio, eu até vou fazer um cocar para mim, pra quando me apresentar, mostrar que sou índio, sou Potiguara. Isso me tem deixado orgulhoso do que somos”. De acordo com seu entendimento, a questão religiosa pode estar interligada à questão cultural (WRIGHT, 2004). “Para nós que reconhece o evangelho, não é querendo desmerecer a nossa cultura não. Eu vejo diferente. Eu vejo que a minha cultura, o povo indígena Potiguara, eles não têm tido assim, o fortalecimento na cultura” (Pastor João Santana, Marcação, jan. 2005). O pastor não dança mais Toré e também não é mais convidado para os rituais. “Às vezes, eu não sou convidado, nas festividades, porque eles acham que eu como pastor, Pastor Batista, não posso participar porque é tradição deles. Mas eu como pastor, simplesmente, nada daquilo me contamina” (Pastor João Santana, Marcação, jan. 2005, grifo nosso). Por mais que o pastor tenha abertura com relação à questão cultural, ficam lacunas na sua prática pastoral com relação a essa “contaminação”. Ele expressa: “Eles acham que eu na palavra de Deus estou desmerecendo a cultura, isso é na mente deles. Pra mim, não. De jeito nenhum” (Pastor João Santana, Marcação, jan. 2005). Um de seus grandes objetivos com relação à questão cultural Potiguara é a criação, nos próximos dois anos, do Toré Santo.
Essa é uma das minhas idéias e eu já ensaio com minhas duas filhas, com minha esposa, nós temos esse tempo assim. Eu acho que vai mais uns dois anos. Eu creio que quando eles se juntam para dançar, eles invocam outros espíritos e a gente invoca o Deus eterno, o Deus maior. O Toré santo seria a nossa dança mesma, a
251
dança original indígena invocando a Deus. Nós não vamos pegar a mesma música deles, mas é uma música diferente, uma música que inspira o senhor Jesus Cristo. Eu creio que a partir daí nós vamos partir para um lado também de que o Evangelho cresça. O Toré santo leva nós que somos crentes, a ter nossa abertura como cultura para nós, sem perder a nossa cultura (Pastor João Santana, Marcação, jan. 2005).
Por mais esforços que o pastor tenha demonstrado para mostrar uma aproximação com as práticas culturais do seu povo Potiguara, suas práticas religiosas são contrárias ao que seus parentes têm de mais sagrado, que é o Toré, segundo eles, santificado pela própria natureza por um Deus Tupã e pelos espíritos de luzes. Isso é uma maneira de dizer que o Toré tradicional não é santo, isto é, não é de Deus. Essa é uma postura bastante preocupante, pois cada vez mais, fortalece a soberania do Deus do não-índio e a história oficial do cristianismo dominante. O Pastor índio Samuel (abr. 2005), do Betel Brasileiro, da Aldeia São Francisco, tem convicção muito clara da importância do Toré para o seu povo: “A gente respeita o Toré. Se aquilo (Toré) é cultural de nós mesmos, nós não vamos mostrar textos isolados da Bíblia, mostrar o que não está na realidade. O cultural, nascido na cultura, o importante é preservar a cultura”. Quando questionado sobre como fica a questão central com relação à crença nos espíritos indígenas, ele argumenta: “pra mim não existe essa invocação mais aqui. Só alguns fazem. Eu insisto: o importante é a cultura. Se dança pra cultuar, pra se divertir, pra enriquecer e pra preservar sua cultura” (Aldeia São Francisco, abr. 2005). Até 2002, ele dançou Toré, hoje, não dança mais. Samuel faz uma denúncia com relação às demais igrejas presentes na área indígena, dizendo que:
O grande desafio para todas as denominações evangélicas seria lutar contra as culturas indígenas. Esse é o principal alvo:
252
a destruição, querer manipular e destruir as culturas. Eu tenho certeza que o Betel nunca cairá nisso. Ele (Betel) sempre tem a preservar. O grande objetivo é estar mais e mais em unanimidade, entre os parentes, independente de ser evangélicos ou não. Sempre é importante isso. Pela questão de tempo nós nos damos por completo. São tantas as atividades que nós não nos damos. É preciso reservar tempo. Se eu tenho tempo e não dou tempo, para o tempo, ficaremos sem tempo (Aldeia São Francisco, abr. 2005).
Os evangélicos, aparentemente, não fazem restrições sobre o Toré. “Eu sou evangélico, mas não deixo o meu ritual por nada. A igreja tem que me aceitar assim. Aqui ninguém é proibido de dançar Toré”, diz seu Chico (dez. 2004), um sábio ancião, membro do Betel Brasileiro da Aldeia São Francisco.
Foto 147 Seu Chico (centro) no ritual do Toré, durante o aniversário de 15 da APOIME. Baía da Traição ( jun. 05)
Em geral, essa não é a prática adotada pelos evangélicos. Não há uma proibição para evitar a incompatibilidade entre a religião e o Toré. Mas também não há incentivo da Igreja para o fortalecimento cultural da etnia e, dificilmente, as lideranças eclesiais participam nos rituais do Toré. Aqui entra uma questão fundamental do pluralismo religioso que, segundo Comblin (2005b, p. 20), é uma das questões centrais da reflexão teológica na atualidade.
Se as religiões do mundo podem ter um papel positivo na salvação dos seus membros, devemos nos perguntar: De onde vem o seu poder de salvar? [...] não será porque receberam também uma forma de revelação de Deus? Não haveria um dom de Deus nesse poder e salvação?
Segundo esse autor isso tem a ver com o conceito de revelação. “A revelação não é dom exclusivo do cristianismo. Ora, se todas as religiões receberam algo da revelação, pode haver diálogo e comunicação entre elas. Todas
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podem aprender a parte da verdade que lhes foi revelada” (COMBLIN, 2005b, p. 20). Entre os Potiguara, muitas lideranças que estão à frente das igrejas não dançam Toré. “As igrejas evangélicas não deixam os índios à vontade para a prática do nosso costume (o Toré), a nossa cultura. Não é que eles não deixam, fica a critério do índio, mas dentro do que eles querem, não é pra praticar a cultura do índio” (MAGALHÃES, 2004, p. 79). Por outro lado, quem está envolvido na luta da etnia pouco participa e não assume cargos na igreja. Isso significa que dançar Toré e ser cristão hoje, na aldeia, nem sempre são práticas conciliáveis. Ruffaldi (2002) acha que é possível beber das duas fontes. Os ritos cristãos têm uma atuação no cotidiano muito maior, se comparado ao Toré, que é dançado nas escolas pelas crianças, com uma certa freqüência, mas, em algumas aldeias, chega a ser só anualmente. Em contra-partida, os cristãos, todos os dias, rezam individual e/ou coletivamente. São situações bem diferentes, e o tempo vai se encarregando de fazer os contornos das práticas religiosas dos Potiguara. Um outro agravante que envolve o Toré são as divisões internas de grupos que têm posições políticas contrárias. As divergências externas não se unem no espaço sagrado do Toré. Isso porque os índios se conhecem mutuamente e sabem quando acontece qualquer divergência entre eles, como também, quando acontece alguma coisa boa, positiva que unifica. Se houver entendimento entre adversários, o Toré refletirá essa realidade, e todos se juntam, unem-se na dança sagrada. O contrário também é verdadeiro. Um exemplo mostra como isso é evidente entre os índios e, dificilmente, o não-índio fica percebendo. No Dia 19 de Abril23 de 2004, algumas lideranças da 23
Em 2005, todas as três lideranças estavam novamente juntas, no terreiro de São Francisco, sem a presença do Cacique Djalma.
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Aldeia São Francisco, que sempre tocavam juntas no Toré, desentenderam-se. Uma ficou em casa consertando rede, vendo o movimento dos que iam visitar a aldeia naquele dia; a outra participou do Toré numa aldeia vizinha; uma outra participou no terreiro em São Francisco. Com o passar do tempo, geralmente acontece uma acomodação entre os índios, e tudo se resolve sem maiores problemas.
Foto 148 Ritual do Toré no dia do índio. Aldeia do Forte (abr. 04)
A realidade na aldeia é muito dinâmica, flexível e está sempre em movimento, superando os impasses e os obstáculos. Em 2005, a Semana do Índio foi completamente diferente da dos anos anteriores, com muita participação e diversas Foto 149 Ritual do Toré - dia do índio Aldeia Três Rios (abr. 05)
programações em várias aldeias, como São
Francisco, Grupiúna, Laranjeiras, Akajutibiró, Camurupim, Jacaré de César, Três Rios, Jaraguá, Brejinho e Monte-Mór, com a presença de crianças, jovens, adultos e anciãos dançando o Toré. Esse salto qualitativo tem um significado especial para a etnia, uma vez que, dançando Toré, cada vez mais se fortalecem as raízes e se tonificam a seiva espiritual e as fronteiras de etinicidade do povo Potiguara. No mês de Junho de 2005, os Potiguara tiveram a oportunidade, diante de 43 etnias no Nordeste e dos Estados de Minas Gerais
e
Espírito
Santo,
durante
a
assembléia dos 15 anos da APOIME, de Foto 150 Toré no encerramento da APOIME. Baía da Traição (jun.05)
mostrar toda a sua força sagrada, fazendo
255
seu ritual na abertura e no fechamento do encontro. Essa proximidade e troca estabelecidas entre as etnias, de sempre estarem reverenciando suas divindades, no início e no final dos trabalhos, com a presença não só dos Pajés, mas das lideranças que
Foto 151 Congraçamento dos 15 anos da APOIME. Baía da Traição (jun.05)
invocavam todas as forças espirituais cada um no seu ritmo, no seu jeito, na sua linguagem, sela toda a aliança inseparável dos povos indígenas de colocarem, na dimensão sagrada, toda confiança, esperança e força transformadora/ libertadora. No final do encontro, num grande ritual, todos os povos fizeram um único Toré, reunindo todos os espíritos, os encantos e as entidades indígenas.
5.5 Performance do Rito do Toré na atualidade Potiguara Em diversas ocasiões, a dança sagrada do Toré faz abertura e/ou encerramento das atividades programadas nas escolas, nas igrejas, nas aldeias, nos encontros, nas assembléias, nos seminários, nas semanas de estudos e nos momentos em que estão presentes representantes do povo Potiguara. O Toré também é ensinado e ensaiado nas escolas, nas aldeias, no pavilhão; é utilizado em dramatizações teatrais, nos velórios, nas reivindicações, na luta pelos direitos indígenas. Em todas essas situações, o Toré segue sempre o mesmo cerimonial. Mas, em determinadas circunstâncias, esse ritual tem uma performance diferente da que normalmente é dançada na Aldeia, por ter objetivos específicos a serem alcançados. O nosso entendimento de performance é o mesmo de Costa (2005, p. 22), que relaciona o termo à “pedagogia performática, quer dizer, que se
256
realiza mediante o concurso do sensível, da imaginação, da arte; que afasta a exclusividade do racional, [...]”. O ritual passa a ter certas seqüências no cerimonial que não são utilizadas quando normalmente dançadas, além de, numa futura ocasião, essa mesma seqüência poder ser novamente utilizada durante o ritual. Isso poderá ser feito a cada ano ou num momento que for oportuno. Passaremos, agora, a apresentar dois ritos que têm essas características: o rito da posse de uma nova liderança e o rito de formatura.
5.5.1 O rito da posse de uma nova liderança Os
Potiguara,
longo
da
ao
história,
sempre
tiveram
muitas
lideranças
respeitadas dentro e fora
da
etnia
(PALITOT,
2005;
VIEIRA 2001). Cada Foto 152 Ritual de posse do novo Cacique Geral; Aldeia do Forte (mar.02)
líder
dá
uma
contribuição para o seu povo, de acordo com aquele contexto e com as prioridades traçadas. Sua conduta à frente da etnia é constantemente avaliada por seus pares, que têm interesses tanto pessoais como coletivos. Quando os anseios da maioria indígena não estão sendo mais observados pelo seu representante oficial, ele pode ser substituído. Essa mudança não é fácil de ser realizada nem de ser digerida internamente, por causa das diferentes motivações e divergências existentes nos grupos. Tudo vai depender da base de apoio, dos acordos políticos, do trabalho
257
realizado, das idéias que a nova liderança tem para apresentar. Em qualquer processo de escolha, ficam as arestas, cujas acomodações só o tempo se encarrega de fazer. Em 2002, depois de um disputado e difícil processo interno de reconhecimento e de aprovação, Antônio Pessoa Gomes, mais conhecido como Caboquinho24, foi escolhido para ser o novo Cacique Geral dos Potiguara. O contato com outros povos indígenas fez com que Caboquinho presenciasse vários rituais, ao longo dos últimos anos, e participasse deles. Além disso, nas últimas décadas, os Potiguara estão priorizando o fortalecimento dos seus ritos, das suas tradições culturais. Essa conjuntura histórica fez com que, a partir da intuição, da recriação, da escuta dos mais velhos, fosse organizado um cerimonial Potiguara, alicerçado na mãe natureza, para empossar o novo líder Potiguara.
No dia 20 de março de 2002, a Aldeia do Forte ficou pequena para acolher as várias lideranças e uma grande Foto 153 Cacique Marcos Xukuru
quantidade
de
índios
Potiguara,
como
também, representantes de diversos povos indígenas
do Nordeste, como o Cacique Marcos, do povo Xukuru/PE. A concentração saiu do posto da FUNAI, desceu a ladeira da aldeia, indo até as margens do rio Sinibu, local do grande ritual da posse do novo Cacique Geral, todo fundamentado no Toré. Primeiramente se evocou a terra: “Ali nós estava pedindo a mãe terra para que nós recebesse a energia da terra. A terra para a gente significa a força, a nossa mãe, tudo” (Caboquinho, maio 2002). O segundo elemento a ser 24
Desde os anos noventa, Caboquinho participa ativamente do movimento indígena regional e nacional, ocupando diversos cargos, como o de presidente da APOIME, tendo passado pela Europa como representante indígena e participado de diversas conferências em vários estados brasileiros. Constantemente tem sido chamado para proferir palestras e participar de seminários em diversas instituições escolares, igrejas, universidades, ONGs etc.
258
contemplado foi o fogo: “Eu fiquei contra o vento, colocamos o fumo e toda aquela fumaça que estava saindo tem um significado de deixar sair o espírito mal que temos dentro de nós” (Caboquinho, maio 2002). E a última parte terminou com o batismo do novo cacique nas águas do rio Sinibu. “Era assim que os nossos antepassados faziam... a água significa tirar todo mal que tem dentro do nosso corpo e ela se encarrega de levar para outras profundezas” (Caboquinho, maio 2002). Ainda nas margens do rio Sinibu, ao som dos tambores, dos maracás e da gaita, o Cacique Néo (maio 2002), da Aldeia São Miguel, primeiramente falando em tupi antigo, e depois, em português, proclama publicamente: “Agora TU és o nosso cacique. Teu nome é Fogo Grande. Que Deus esteja conosco, hoje, amanhã e sempre”. Todo ritual foi coordenado por Iolanda e pela Pajé Fátima que, em sintonia com todo os parentes, evocaram todos os espíritos de luzes e todos os ancestrais, num
cerimonial
simbólico
de
muita
densidade espiritual. O sol forte, o ritmo permanente dos instrumentos musicais, a
Foto 154 A Pajé Fátima (esquerda) coordenou a posse do novo Cacique (centro) ; No primeiro plano, Seu Zé Bitu tocando gaita (mar.02)
terra, o fogo e a água conspiram para a revelação pública do novo Tuxaua Potiguara (VIEIRA, 2001). O ritual teve um valor simbólico para os índios Potiguara por trazer novamente para a etnia a dimensão sagrada presente na terra, nas águas e no fogo, por ocasião do reconhecimento coletivo do seu representante maior. A prostração dos filhos da terra, dos senhores das águas e dos guerreiros da luz
259
transformou o vale do Sinibu num espaço sagrado, estabelecendo um novo momento histórico para os Potiguara, tendo a sua frente um representante nascido das águas, purificado no fogo e gerado no ventre da mãe terra. Esse novo guerreiro, em todos os Torés onde se faz presente, é mediador para abrir caminhos para as correntes espirituais. E não só internamente, como externamente, o novo Cacique Geral tem um poder simbólico determinante para representar seu povo com sabedoria.
5.5.2 O Rito de formatura Os Potiguara estão, cada vez mais, buscando reafirmar sua identidade étnica e cultural, dentro do atual momento
histórico
vivendo.
Novos
possibilitando Foto 155 Início do Ritual, na Furna do Terreiro da Aldeia São Francisco (dez. 04)
a
em
que
estão
tempos
vão
criação
e
resignificação de novos rituais, em função da necessidade que vai sendo
construída. O rito de formatura nasceu da vontade de educadores e de educandos indígenas marcarem um momento histórico, cujas raízes estivessem plantadas nos ensinamentos dos seus antepassados. É o novo sendo gestado dentro da tradição, algo que é sagrado na etnia. Esse momento ritualístico foi o coroamento de muitas etapas vencidas no processo ensino-aprendizagem. A partir de 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) 9.394, os índios de todo o Brasil têm assegurada nessa Lei, e na Constituição Federal, uma educação escolar diferenciada, específica e intercultural.
260
A partir de então, vários documentos oficiais vêm dando todo um embasamento legal para a implantação e o gerenciamento da educação indígena, determinando prazos para as esferas governamentais cumprirem a legislação vigente. Em 2004, depois de muita luta e de uma longa jornada de sucessivas etapas vencidas em defesa da educação escolar indígena Potiguara, aconteceu a formatura da primeira turma de concluintes do Ensino Fundamental da Escola Estadual Indígena Pedro Poti, da Aldeia São Francisco. A solenidade aconteceu no final do mês de dezembro, em três momentos distintos: a aula da saudade e o descerramento da placa, na escola indígena da Aldeia; a colação de grau com RITUAL indígena, realizado na FURNA e no Terreiro próximo da Aldeia São Francisco e o baile de formatura, ocorrido na escola indígena. Essa visão geral do evento dos concluintes nos remete ao coração da solenidade, que foi o rito de colação de grau. Não foi fácil criar algo novo que simbolicamente pudesse sintetizar todos os esforços realizados para chegar até aquele momento. Foi determinante para uma parte do corpo docente e do discente ter conhecido a Furna do Capim, num momento em que as conversas sobre a solenidade estavam no auge das discussões. O aprofundamento desse assunto, o estudo dos rituais, que foram feitos sobre outros povos indígenas, na escola, a escuta dos mais velhos e também a iniciativa dos professores, da direção e dos alunos resultou num dos momentos marcantes para os que fazem a Escola Pedro Poti. No dia marcado (29/12), logo pela manhã, a escola recebeu os concluintes, para a preparação do ritual indígena de colação de grau. Um clima festivo pairava sobre todos os presentes que, em um ambiente muito descontraído, começaram a colocar os saiotes, fazeram as pinturas, trajando-se assim, para o
261
ritual. Logo depois, todos prontos seguiram para o terreiro, local que já havia sido previamente preparado para receber os convidados, com uma faixa de acolhida e com uma fogueira. Segundo Cacique Aníbal (jan. 2005), “o fogo é para convocar os espíritos de luzes e os guerreiros para o ritual”. Do terreiro, concluintes e convidados seguiram para a Furna, e lá, professores e concluintes, pouco a pouco, foram se alojando dentro do seu “ventre”. Ao som do maracá, vive-se um momento de muita intimidade transcendental porque a mãe terra acolhe seus filhos. Ali os concluintes a reverenciaram com fogo e a saudaram com a
Foto 156 Ritual de Formatura na Furna do Terreiro da Aldeia São Francisco (dez. 04)
oração do Pai Nosso, rezado em Tupi.
Oré r-ub, yback-y-pe-t-ekó-ar I moete-pyr-amo nde r-era Tóîkó T‟o-ur nde Reino! T‟o-nhe-monhang nde r-emimotara yby-padre Yback-y-pe i nhe-monhang îabé! Oré r-eumi-‟u, ara îabiõndûara E-mî-me‟ eng Kori orébe Nde nhyrõ ore angaîpaba r-esé orébe, Ore r-erekó-memûã-sara-supé Oré nhyró îabe Oré mó ar-ukar umê îepe tentação pupé Oré pysyrô-te îepe mbá e-aíba súi Nosso Pai, o que está no céu Como o que é louvado teu nome seja Que venha teu Reino! Que se faça a tua Vontade na terra Como o fazer-se dela no céu! Nossa comida, a que é de cada dia Dá hoje para nós Perdoa Tu nossos pecados a nós, Como aos que nos tratam mal Nós perdoamos Não nos deixes tu fazer cair em tentação Mas livra-nos tu das coisas más.
262
Depois desse ritual, educadores e educandos, embalados pela música do Toré (logo abaixo), ao som dos maracás e dos tambores, deixam aquele lugar sagrado e, caminhando, chegam ao terreiro para continuar o ritual.
Caboquinha da jurema, eu dancei o seu Toré, Para me livrá da flecha dos tapuias Canidé. Oh Reis Canidé(2x), palmas de jurema pra Reis Canidé.
O fogo aceso no terreiro acolhe os concluintes, que vão formando um círculo e, ritmados pelos maracás e bombo, ficam cantando ao seu redor, enquanto se faz a incensação dos diplomas, invocando todos Foto 157 - Incensação dos Diplomas coordenado por Joelma, Roberto (diretor), Sônia e Caboquinho (dez. 04)
os
espíritos
e
os
ancestrais,
primeiramente, num lugar um pouco mais
reservado, e depois, dentro da roda. Os diplomas, logo em seguida, são entregues aos padrinhos dos concluintes. A música cantada por anciãos, caciques, professores e concluintes torna o lugar propício para aquela prática religiosa.
Oh! mãe de Deus, oh rei dos mares! (2x) Oh! mãe de Deus, minha mãe soberana (2x) Oh! mãe de Deus olha aqui meus curumins(2x) Eu sou morubixaba, ela é sinhá Tahim (2x) Reina, reiná, reina ê, reina ô (2x)
O ritual seguiu com o juramento. O Cacique Geral, Caboquinho, explicou que, inicialmente, seria feito em Tupi e, depois, traduzido para todos repetirem em voz alta. Os concluintes foram convocados a levantar o braço em direção ao fogo sagrado.
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Foto 158 Juramento (dez. 04)
Aimoeté mombe‟u xe retama, xe kuaba, xe rausupara, xe anamaabé ixe aikuab xe porabyky rese temime‟ em guira. Aimombe‟ u guyra, Ka‟ a y, iby iandê sy Tupã iandé ruba rosa ké. Pyta abakatu meme, moetebo. Mo ang tausuba, bebe abe rese mopy sasu, mokuaba moruaba, moupira rekaxe aba xe retema. Prometo dignificar e honrar minha TERRA, minha cultura, meus parentes, meus amigos, minha família, consciente de minha responsabilidade que são atribuídas. Prometo diante do nosso pai TUPÃ, de nossa mãe TERRA, dos PÁSSAROS, das MATAS e das ÁGUAS, defender minha identidade. Ao concluir junto com as pessoas do bem, mantendo sempre consciente as idéias boas, de amor e liberdade, em busca de renovações do progresso, desenvolvimento sustentável da minha terra e da minha Pátria (grifo nosso).
As pessoas presentes saudaram, batendo palmas, tocando tambor e maracás, numa atitude de muita alegria e felicidade. O Cacique Geral convidou os padrinhos para entregarem o diploma e o anel de formatura, enquanto foi cantado um outro hino do
Foto 159 A Professora Cecília entregando diploma (dez. 04)
Toré:
No pé do Cruzeiro jurema, Eu brinco com o meu maracá na mão(2x) De cima o meu Jesus Cristo, Oh Cristo no meu coração. (2x) Foto 160 – Concluinte recebendo o anel de formatura (dez. 04)
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Oh Ana rei, oh Ana rei, oh Ana rei! Oh Ana rei, oh Ana rei, oh Ana rôôô!
O Cacique Geral, para finalizar, pediu a três parentes do povo Xukuru/PE que estavam presentes, para também participarem daquele ritual solene sagrado. Os jovens foram até o centro do círculo e, de início, foi feita uma reverência à mãe terra, invocando seus ancestrais, para, em seguida começarem a dançar e cantar no seu
Foto 161 - Caboquinho dançando o ritual Xukuru (dez.04)
ritmo, acompanhados, no início, por Caboquinho e, depois, por vários Potiguara. Deus no céu e os índios na terra Vamos ver quem pode mais é Deus céu. Viva nosso Pai Tupã ! Viva. Viva Nossa Mãe Tamaim ! Viva. Viva todos os povos ! Viva.
A solenidade foi concluída com a partilha de churrasco que, depois, foi distribuído para todos os presentes. Os índios ficaram satisfeitos e orgulhosos pelo ritual criado, como bem demonstra a vice-diretora (dez. 2004) da Escola Indígena, Nilda: “Esse foi o primeiro. Valeu! O próximo vai ser melhor”. Mais de cem pessoas puderam ver algo novo e envolvente estar sendo reafirmado na etnia Potiguara. O Toré, o fogo, a Furna têm uma dimensão simbólica muito profunda na vida de jovens que receberam certificados e anel de formatura. Esse fato acadêmico foi inserido dentro do contexto de celebrar e festejar a vida Potiguara. A realização desse ritual de colação de grau marcou um novo momento de se fazer o encerramento de uma etapa na vida estudantil de jovens que, amanhã, serão a continuidade dessa geração que hoje está recebendo uma educação diferenciada, específica e intercultural. A escola hoje está mudando o ensino-
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aprendizagem indígena. É a principal instituição que está investindo no aprofundamento dos seus educandos, através de uma reflexão crítica, participativa, dinâmica, com projetos de pesquisas que motivam os alunos a realizarem novas pesquisas sobre a família, a aldeia, seus mitos, suas crenças, seus lugares sagrados, enfim, uma outra história escutada e contada a partir da sabedoria que anciãos trazem na memória. É nesse ambiente acadêmico que o Toré está sendo constantemente dançado e aprofundado, constituindo assim um dos elementos essenciais para que a nova geração esteja mais fortalecida e orgulhosa de ser e de viver, enquanto povo Potiguara.
Foto 162 Toré Potiguara: Seu Tonhô (direita); Seu Chico (centro); Cacique Robinho (esquerda) (jun. 05)
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CONSIDERAÇÕES FINAIS: BRAsas ArdenteS Sob cINZAs
Após percorrer todas essas páginas, é chegado o momento de tecermos algumas considerações sobre as questões axiais do percurso realizado, fazer uma avaliação sobre o trabalho e atrevermo-nos a levantar possíveis questionamentos que o campo empírico aponta com relação ao objeto de estudo. No começo da pesquisa, tínhamos muitas curiosidades e interrogações sobre as práticas educativo-religiosas Potiguara. Uma vez tomada a decisão de adentrar na esfera sagrada desse povo, aprendemos que, por mais que tentemos, não há como externar as mudanças que foram sendo processadas ao longo dessa jornada para condensar saberes teóricos e saberes populares, num trabalho que pudesse ser referencial para a etnia, para a academia e/ou para interessados sobre o assunto. O povo Potiguara apresenta uma riqueza material empírica muito grande, e após a definição do nosso objeto de estudo, percebemos, com mais clareza, que a dimensão sagrada é que move a etnia, embora seja impossível tratar a questão religiosa sem relacioná-la com toda a vida na aldeia. A conjuntura social está em conexão direta com a eclesial, e a eclesial, com a social. São duas realidades que se interpenetram e se interligam, de mesma fonte indígena. Iniciamos fazendo um preâmbulo da origem da pesquisa, mostrando que toda prática religiosa é educativa, mas nem toda prática educativa é religiosa. Esse foi o cerne do trabalho, o fio condutor que permeou toda a trajetória estudada. Pensávamos que, depois de conhecer o campo empírico, mantendo alguns contatos em momentos mais específicos com os índios, isso seria suficiente para levantar os dados. Só que o nosso jeito de garimpar precisou ser totalmente modificado, porquanto passamos a perceber que seria necessário freqüentar as
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práticas religiosas e, só a partir delas, coletar os dados. Alguns exemplos ocorridos nos mostraram que só assim poderíamos perceber o que acontece com as práticas educativo-religiosas Potiguara. A aproximação com o campo de pesquisa nos levou, num primeiro momento, a dialogar com pesquisadores que estudam os Potiguara. Isso foi muito relevante porque as trocas de informações sobre produção sistemática começaram a circular nas conversas. Essa postura nos ajudou a encontrar novas fontes teóricas sobre o foco de estudo e nos permitiu conhecer os autores que tratam da questão indígena no Nordeste, especificamente, do povo Potiguara. Elegemos três conceitos essenciais para serem os sustentáculos deste trabalho
acadêmico.
Primeiro,
um
aprofundamento
sobre
mitos,
seguido
imediatamente de um estudo sobre ritos, ambos analisados conjuntamente por estarem implicados um com o outro. Esses dois conceitos nada mais são do que o amálgama da pesquisa, visto que não se concebem práticas educativo-religiosas indígenas sem envolver as suas tradições e os seus rituais. Um outro conceito que elegemos foi o de memória, principal recurso utilizado pelos Potiguara para afirmar sua história, uma vez que o conhecimento dos mais velhos vai sendo repassado de geração em geração, através da oralidade. Nenhum outro lugar é mais sagrado para o povo indígena do que a Mãe Terra. Se se estabelecer uma relação de hierarquia, a Mãe Terra é sempre colocada pelos índios no mesmo patamar que o Deus Tupã, por causa do poder divino a Ela atribuído. Tudo na etnia gravita em torno desse epicentro sagrado chamado terra, razão de ser e de existir do índio. Atualmente, entre os Potiguara, existem duas situações díspares com relação à terra: os índios da antiga Sesmaria de Monte-Mór, lutando para ver todo o território demarcado e homologado, e os
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demais índios, enfrentando disputas internas por causa da presença de empresários que dizem semear o „joio‟, entre eles. Esse inimigo vem sendo combatido constantemente, apesar de encontrar, aqui, acolá, certos aliados dentro das aldeias. A terra, as águas, as matas, as furnas, as cachoeiras e tudo que integra a Mãe Natureza constituem, para os Potiguara, lugares sagrados. Na cosmovisão indígena, os elementos da natureza são lugares onde moram os espíritos e os ancestrais. O povo indígena tem, nesse território sagrado, sua fonte de inspiração, purificação e mediação do humano com o divino. Nas últimas décadas, a maior parte desse santuário tem sido violentado e brutalmente destruído por causa dos interesses econômicos de grupos industriais que visam somente ao lucro. As denúncias contra o poder econômico são feitas constantemente pelos índios e por seus parceiros (PALITOT 2005). Hoje as articulações e as organizações indígenas buscam reverter esse quadro de morte impetrado contra a etnia. Além dos lugares naturais, a oca constitui um lugar de referência étnica e religiosa dos Potiguara. Na Aldeia Três Rios, a oca é lugar onde acontecem todos os rituais; é o espaço de encontros, reuniões e de resistência na luta pela retomada da terra; é o local do cotidiano, para onde conflui toda a vida indígena. Segundo a Pajé Fátima, da Aldeia de São Francisco, “a oca é ambiente de purificação e de fazer rituais indígenas para libertar os males que afetam os parentes” (set. 2003). As igrejas cristãs estão presentes em praticamente todas as aldeias e são lugares que os Potiguara freqüentam e em que realizam seus rituais de visibilidade coletiva presentes nas festas de padroeiros, nos aniversários das igrejas, durante a Semana Santa, e dos meses de maio e junho, nas festas de fim de ano, nos cultos, nas ceias, nas missas, enfim, nos inúmeros momentos de intimidade com a
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diviindade. Hoje, praticamente todos os índios seguem uma denominação evangélica ou católica como qualquer batizado e não há entre os Potiguara a igreja da etnia, como ocorre em relação à educação escolar indígena diferenciada. As igrejas cristãs exigem dos índios fidelidade à sua doutrina e à Palavra de Deus. Os índios acatam essa determinação, mas não abandonam seus costumes antigos e continuam casando (se juntando) sem as bênçãos da igreja, dançando Toré, realizando rituais nas furnas, nas matas, nas ocas e, quando sentem necessidade, vão para uma “mesa-branca”, para um terreiro, enfim, as fronteiras religiosas para os índios são fluidas e existe uma liberdade religiosa para se ir e vir onde acontecem as práticas religiosas, independente das exigências eclesiais. Em todo o território Potiguara, é contínua a presença de diáconos, missionários(as), padres, pastores, freiras que circulam e, muitas vezes, permanecem dentro da área indígena, com os objetivos e propostas eclesiais os mais diferentes possíveis a saber: 1) há um segmento com o objetivo especificamente religioso e não faz nenhuma ligação com o resto da vida, sobretudo, com relação às questões sociais e culturais. A catequese visa à “entrega total a Jesus” e à cura de todos os males, ao abandono dos vícios, à libertação das doenças e de tudo que prejudica o ser humano. Estão nesse bloco os evangélicos e a RCC; 2) existe um outro segmento que realiza o trabalho pastoral, apóia as lutas sociais e as questões culturais, mas não é capaz de fazer uma extensão do trabalho pastoral juntando todas as dimensões. Está nesse bloco o atual padre da Baía da Traição; 3) um terceiro segmento tem, nas lutas sociais e na questão cultural, a âncora para fazer o trabalho pastoral. Há uma continuidade do que acontece no dia-a-dia da vida para o cotidiano eclesial, e a dimensão eclesial está
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voltada para a realidade da vida social. Tudo está inter-relacionado. Nesse patamar, está a Irmã Juvanete. Essas diferentes diretrizes pastorais interferem na maneira como são realizadas as práticas educativas e formativas das igrejas cristãs na etnia. De um lado, a Irmã Juvanete, sozinha, incentiva os índios a praticarem o Toré, a lutarem por uma educação e saúde diferenciadas e de qualidade, pela retomada da terra, por uma política pública de auto-sustentabilidade, enfim, pelos ideais culturais, religiosos e de sobrevivência dos Potiguara. De outro, os missionários (as), pastores e diáconos das diversas igrejas evangélicas e da RCC, têm como proposta eclesial uma catequese cristã sem envolvimento com as questões sociais econômicas e culturais. A presença dos agentes de pastoral determina a aproximação e/ou o distanciamento dos índios das práticas educativo-religiosas cristãs. Enquanto eles estão presentes nas aldeias, há uma estabilidade e até o crescimento de fiéis e de congregados. Quando acontece um afastamento e/ou a retirada dos agentes, muitos fiéis ficam desestimulados e até se desinteressam por isso. Às vezes, uma denominação religiosa começa o trabalho e, por causa dos conflitos e das desavenças, muda o nome e o endereço da igreja. Essa realidade de instabilidade pastoral é um outro fator que abala consideravelmente as práticas educativoreligiosas cristãs. O marketing utilizado pelas igrejas cristãs, no século XXI, busca seduzir, a qualquer preço, novos adeptos (COMBLIN, 2005a). Assim, as práticas educativoreligiosas nas aldeias são atualizadas com novas roupagens, tais como: Shows religiosos, Cruzadas Evangélicas, Campanhas da Fraternidade, Romaria da Terra, etc. Segundo Iolanda, “é a mesma metodologia de 500 anos atrás, só que, com um
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pouco de diferença - roupagem nova - e daí o pessoal se agarra a isso e eles ficam ganhando com isso, porque para eles estão ganhando almas” (Aldeia Três Rios, agosto de 2005). Esses “tsunami” religiosos que atingem a área indígena têm como aliado uma outra onda, que se irrompeu dentro da etnia, através da formação religiosa de índios nos seminários evangélicos e católicos, nos conventos, nas comunidades
religiosas
e
missionárias.
Os
pastores,
padres,
diáconos,
missionários (as), cada vez mais, não são agentes externos, mas os próprios índios, “que já não dançam mais Toré”, “que adoram Deus de outra forma” e que até estão pensando em criar o “Toré Santo”. O Toré é a vitalidade da etnia por solidificar não só as fronteiras étnicas, os sinais diacríticos, mas ser o oceano para onde confluem todas as águas do cotidiano Potiguara, traduzidos em rituais sagrados de agradecimento, luta, festa, brincadeira, contestação, comemoração, dor, reivindicação e esperanças. A partilha é uma prática educativo-religiosa crucial para a etnia porque gera vida, aproxima as pessoas, refaz laços de afinidades, acomoda as desavenças, traz alegria e felicidades. As rezadeiras sintetizam uma sabedoria vital para recuperar a saúde e o bem estar Potiguara. O ritual da morte é a manifestação para a entrega dos seus entes queridos à mãe terra. O rito de iniciação da liderança traduz uma necessidade dos Potiguara de marcarem um novo tempo na organização e condução da soberania indígena. O ritual de formatura sintetiza um momento de ação de graças na vida dos educandos, educadores, familiares e amigos dos concluintes. Existem também outros rituais que são realizados pelos Potiguara muito discretamente. O índio que pratica o ritual indígena sofre sanção da própria família, dos parentes e dos vizinhos por causa da doutrina cristã incutida no imaginário
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Potiguara para abandonar os rituais que envolvem “a religião da natureza” (Iolanda, Aldeia Três Rios, ago. 2005). Isso é feito de uma forma tão eficaz que não é fácil ir contra essa realidade na aldeia. De acordo com o Cacique Djalma (dez. 2004), “os rituais indígenas são diferentes da igreja e não se misturam”. Nilda (set. 2003) afirma que “a igreja impede dos índios praticarem seus rituais”. Para Iolanda (Aldeia Três Rios, ago. 2005), “A religião indígena ela difere dessas outras religiões que estão aí. Nós temos a nossa religião e nunca falamos que é superior ou inferior a nenhuma outra, porque mesmo sem igreja, mesmo sem padre, mesmo sem pastor, nós temos o contato com o divino.”. Entretanto, por mais que a igreja cristã tenha se utilizado de estratégias, não conseguiu apagar da memória dos Potiguara seus rituais religiosos. Na Aldeia, ninguém vê o fogo (ritos indígenas), mas, debaixo das cinzas, ele continua como brasas ardentes. “O fogo antigo não se extingue; ele conserva seu calor para poder estar preparado para acender uma nova fogueira. Esse processo de preservar a finalidade, a energia, o calor e a luz na escuridão é sagrado” (CHITTISTER, 2000, p. 49, grifo nosso). Só no final da pesquisa é que começamos a ter informações sobre esses rituais, que continuam sendo zelados e praticados. Lideranças que participam
da
igreja
católica
nos
confiaram
que
as
brasas
queimam
permanentemente dentro de si, mas precisam criar coragem para libertar-se das „cinzas‟ que impedem o fogo de iluminar suas vidas. Leonardo Boff (1993, p. 9) sintetiza essa chama indígena, dizendo: “O fogo interior arde e indica a direção certa”. Mediante a presença desse pluralismo religioso, como ficarão as novas gerações em relação ao fogo sagrado Potiguara? Até quando os guardiões do fogo sagrado Potiguara continuarão zelando pelas brasas ardentes da religião indígena?
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Até quando as denominações cristãs continuarão fazendo suas experiências religiosas entre os Potiguara sem levar em conta a dimensão pluriétnica, pluricultural e plurirreligiosa? Foi investigando esse universo religioso Potiguara que geramos esse „parto‟ durante três anos, com muita determinação, entusiasmo e persistência. E, junto com o nascimento da tese, renascemos para a vida pessoal/acadêmica, uma vez que, durante esse período, elegemos como prioridade esta pesquisa. Estamos felizes por ter enveredado pela fascinante dimensão das práticas educativoreligiosas Potiguara, muitas das quais não foram aqui analisadas nem citadas devido à falta de tempo para conhecê-las e investigá-las, embora vontade e motivação não nos faltassem. Mesmo precisando colocar um ponto final com a apresentação deste trabalho, o encantamento e a paixão pela temática continuam e, quiçá, novos mergulhos nesse mundo indígena poderão brevemente ser ousados.
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ANEXO A LETRAS DO TORÉ POTIGUARA As letras transcritas são frutos de uma riqueza transmitida oralmente, de geração em geração. As com asterisco(*) foram registradas no final da década de sessenta por Frans Moonen (MOONEM; MAIA, 1992, p. 238-239). Outras são criações mais recentes de autoria do Neguinho da aldeia Monte-Mór (**) e das Caranguejeiras da Aldeia Forte(***). As que não têm asterisco são patrimônios consagrados da coletividade Potiguara . Quem pintou a louça fina, foi a flor da maravilha (2X) Pai e Filho e Espírito Santo, Filho da Virgem Maria (2X) * Eu estava na minha casa, e mandaram me chamar (2X) No dia do Santo Reis, na casa de João Pascal (2X) * O sol entra pela porta e a lua pelo oitão (2X) Viva o dono da casa, com suas obrigações (2X) * Em tupi: Kuarasy asy berabá ase-só-ky-padre o-iké Kuarasy asy berabá ase-só-ky-padre o-iké Em cima deste telhado, canta pássaro patativo (2X) Viva o dono da casa, o dono da casa viva (2X) * Os caboclos lá aldeia, quando vão pro mar pescar (2X) Dos cabelos faz os fios, dos fios faz landuá (2X) * O Galo Preto, oh! manisco, o que cantou no meu terreiro (2X) Cantou no pé de Cristo, em cima deste madeiro (2X) * Em cima daquela serra, canta um pássaro cantador (2X) Vai em cima, vai em baixo, canta o pássaro canta (2X) * Ponha a laranja no chão tico, tico, seu Manoel vai e eu não fico (4X) * Cana, cana, oh! canavial, vamos folgar na alegria do mar (4X) * Em tupi: Takuare-e ê takuare-riba, Tha imary paranã ory-pupe Os cabocos lá no mar, cessando areia (4X) * Guarapirá está na praia, está pegando seus peixinhos (2X) Dando viva a São Miguel, a Deus pequeninho (2X) * Guarapirá, oi guarapirá! (2x) Vamos dançar, na alegria do mar! (2x). Eu bem disse a laranjeira, que ela não botasse a flor (2X) Ela passa sem laranja, eu também passo sem amor (2X) * Oh! minha Tapuia Coronga, bebe água no cuité (2X) Para me livrar, dos Tapuios Canidé (2X)* Eu estava no meio da mata no toquinho tirando mel (2x) Lá chegou meus caboclinhos dos Tapuio Canindé.(2x) *
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Eu tava no meio da mata, tava tirando cipó (2X) Lá chegou meus caboquinho, da aldeia de Monte-Mór. (2X) Eu tava no meio da mata, tava tirando mel (2X) Lá chegou meus caboquinho, da aldeia São Miguel (2X) A camisa do meu mano, não se lava com sabão (2X) Se lava com ramo verde, da raiz do coração (2X) * A camisa não se lava, como lava o coração (2x) Se lavar com sabonete, não se sai do coração! (2x). Minha cabocla de pena, eu chamei ela pra vir me ajudar (2X)
Pra ver a força da jurema, cadê a força que a jurema dá (2X) Caboca pena, caboca pena, tem pena, de mim tem dó (2X) Caboca pena, caboca pena, tem pena, de mim tem dó (2X) Caboquinha da jurema, eu dancei o seu Toré, Para me livrá da flecha dos tapuias canidé. Oh Reis Canidé(2x), palmas de jurema pra Reis Canidé.
Somos índios Potiguara, que moramos nas aldeias (2x) Quando pego em minha flecha, somos índios verdadeiros (2x) Vamos caboclos, vamos dançar no terreiro arco-íris lá dentro do mar (2x) *** Potiguara traz a flecha para nós atirar (2x) Tão bonito dá tiro das flechas no ar (2x) Orubá, Orubá, Orubá, tão bonito dá tiro das flechas no ar 2x) *** Potiguara são guerreiros, Potiguara que vão guerrear (2x) Guerreia na terra, guerreira no mar, os Potiquara que vão guerrear (2x) Salve, sol e salve lua, salve são Sebastião (2x) Salve, são Jorge guerreiro, daí a nossa proteção (2x) Viva, o sol e viva a lua, viva São Sebastião (2X) Viva, São Jorge guerreiro, para a nossa Proteção (2X) Aí! meu irmão, que uma noite não é nada! (2x) Aí! quem chegou Potiguara, no romper da madrugada! (2x) (Versão dos Xukuru/PE) Sou Potiguara, nessa terra de Tupã, tem uma arara, jaraúna e xexéu, Todos pássaros do céu, Quem nos deu, foi tupã, foi Tupã, sou Potiguara (2X) Os caboco não quer briga, os cabocos não quer guerra (2X) Salve, salve a padroeira, Monte-Mór é nossas terra (2X) ** Eu tava na minha casa, Iraê foi me avisar (2X) Pega a lança e as flechas, que o Pajé mandou chamar. (2X) ** Peguei a minha canoa, minha rede de pescar (2X) Fui buscar minha Iraê, que ficou no alto-mar (2X) ** O caboco Potiguara, nesta terra ele nasceu Ela é santa, ela é mãe, Ela é do índio, ela é de Deus. ** Olha o céu e olha a terra, Sol, estrela e luar (2X) Quem fez o vento, fez a chuva, fez o índio, fez o mar (2X) Tava na beira do rio, fazendo meu landuá (2X)
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E já chegou os caboquinho, da aldeia Jaraguá (2X) Os caboco quando pisa, estreme o chão (2X) E os passarinhos canta, com a sua proteção (2X) No pé daquela serra, tem um pé de mucunã (2X) Vai em cima, vai em baixo, Canta o passo Rei Cuã. (2X) Eu tava sentado na Pedra Fina, o Rei das índias, mandei chamar(2X) Cobaca índia, índia guerreira, caboca índia do juremá. (2X) Com meu bodoque eu sacudo a flecha, com meu bodoque eu vou atirar (2X) Caboca índia, índia guerreira, caboca índia do juremá (2X) Sou Tupã (2x), sou Potiguara/Sou Potiguara nesta terra de Tupã, Tem arara, craúna e chechéu, todos os pássaros do céu, Quem nos deu foi Tupã, foi Tupã, foi Tupã, sou Potiguara (2X) Em tupi: Xe Tupã, xe Tupã, xe Potigûara Xe Potigûara Kó Tupã endé pupé Oru arara Akaraúna Aru xxéu opaguyra ibakygara Aîm’eng Tupã xebe.
Oh mãe de Deus, oh rei dos mares! (2x) Oh mãe de Deus, minha mãe soberana (2x) Oh mãe de Deus olha aqui meus curumins (2x) Eu sou morubixaba, ela é sinhá Tahim (2x) Reina, reiná, reina ê, reina ô (2x) No pé do cruzeiro jurema, Eu brinco com o meu maracá na mão (2x) De cima o meu Jesus Cristo, Oh! Cristo no meu coração. (2x) Oh! Ana rei, oh Ana rei, oh Ana rei! Oh! Ana rei, oh Ana rei, oh Ana rôôô! Canto em tupi: XE POTIGUARA Xe rera Potiguara Xe retã, xe Abaeté Aba-pe „ara-pora o-îkobé ixé îabé Xe retama i porang Xe anama turusú Xe aba-eté Xe aba-atãngatu
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ANEXO B ORAÇÃO DO ANJO CUSTÓDIO 1. O meu Senhor Jesus Cristo. Em louvor das cinco chagas de meu Senhor Jesus Cristo. FULANO, você quer ser livre e salvo ? Responde: Quero sim, ser livre das cinco varas de Israel que significa uma É o meu senhor Jesus Cristo, com as três divinas pessoas da Santíssima Trindade: Pai Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro. Pai nosso que estais no céu ..... Ave Maria cheia de graça .... Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo ... 2. Em louvor das cinco Chagas do anjo Custódio FULANO, quer ser livre e salvo? Respode: Quero sim, ser livre das cinco varas de Israel que significa duas. São as duas tábuas de Moisés com as três divinas pessoas da Santíssima Trindade: Pai Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro. Pai nosso que estais no céu ..... Ave Maria cheia de graça .... Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo ... 3. Em louvor dos três patriarcas FULANO, você quer ser livre e salvo ? Responde: Quero sim, ser livre das três varas de Israel que significa três. É os três patriarcas: Elias, Isac, Isaías, com as três pessoas da Santíssima Trindade: Pai Filho e Espírito Santo, três pessoas distintas e um só Deus verdadeiro. Pai nosso que estais no céu ..... Ave Maria cheia de graça .... Gloria ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo ... 4. São os quatro evangelistas: São Marcos, São Mateus, São Lucas e São João. 5. São as cinco chagas do meu Senhor Jesus Cristo 6. São os seis filhos abençoados herdeiros do Monte Sinai 7. São os sete salmos penitenciais 8. São os oito corpos santos que vieram do Egito e foram para a terra da promissão 9. São os nove coros de anjos que acompanham meu Senhor Jesus Cristo de dia e de noite 10. São os dez mandamentos que Deus deixou no mundo para nos remir e salvar 11. São as onze mil virgens espalhadas no mundo. Elas que me valem e defendem dos meus inimigos e dos meus adversários e de todo mal e perigo. 12. São os doze apóstolos 13. São os trezes raios do sol que entraram no inferno fazendo arrebentar os demônios, assim rebentam o coração dos meus inimigos, seus ossos, suas juntas e todo aquele ou aquela que deseje mal hoje ou em qualquer tempo e ocasião (informação verbal).
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ANEXO C NOVENAS E LADAINHAS1 1 - NOVENA DE SANTO ANTÔNIO Pelo sinal, da santa cruz, livrai-nos Deus nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Pai Nosso cantado (tom da incelência) Ave Maria cantada (tom da incelência) Glória cantado (em Latim ) Ladainha de Santo Antônio Quirie eleisão (Kyrie, eleyson) Quirie eleisão Quirie eleisão Miserere nobis Miserere nobis Quirister audi nos (Christe, audi nos) Quirister exaudi nos Parte, de Coelis Deus (Pater, de Coelis Dei) Miserere nobis Filho redentor, (Filius redeptor) Mãe de Deus, (Mater Dei) Espírito Santo Deus (Spiritus Sanctus Dei) Santa Trinitas unus Deus (Sancta Trinitas, unus Dei) Miserere nobis (2x) Santo Antonio Santo admirável Santo glorioso Orai por nobis (2x) (Ora pro nobis) Fiel protetor Socorro dos fracos Coluna da igreja Orai por nobis (2x) Terror dos infiéis Flagelo dos vícios Mestre das virtudes Orai por nobis (2x) Assombro do demônio Antônio sagrado Autor evangélico Orai por nobis (2x) Martelo dos hereges Pregador da gente Oráculo dos céus Orai por nobis (2x) 1
Fizemos a opção em deixar a ladainha como está transcrita nos hinários (cadernos) da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na Aldeia São Francisco. Ao lado, entre parentes, fizemos algumas traduções de como é a ladainha oficial, em latim.
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Língua imortal Vaso de eleição Criador da Santa lei Orai por nobis (2x) Sustentador da fé Defensor da Pátria Estrela da Espanha Orai por nobis (2x) Luz do ensábio Honra dos menores Querido de Deus Orai por nobis (2x) Venerador dos homens Abrigo da inocência Favorecedor dos pobres Orai por nobis (2x) Amparo dos desgraçados Varão santo e justo Varão muito puro Orai por nobis (2x) Varão singular Varão obediente Varão continente Orai por nobis (2x) Varão apostólico Angélico varão Auxílio dos paraibanos Orai por nobis (2x) Explendor do Brasil O brasão de nossas almas Retrato de todos os santos Orai por nobis (2x) Agnus Dei, Dei gui tolis Peccata mundi, Pace nobis Domine Agnus Dei, Dei qui tolis Peccata mundi Exaudi nos Domine Agnus Dei, Dei qui tolis Peccata mundi Miserere nobis. Jaculatória de SANTO ANTÔNIO 01. Angélico Santo Antônio / Com Deus-menino nos braços Fazei com que ele me prenda / Com seu amoroso laço. Pai nosso ... 02. Angélico Santo Antônio / Espelho de Santidade Conservai meu coração / Livre de toda maldade. Pai nosso ...
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03. Angélico Santo Antônio / Se vossa alma é bendita Fazei que a vossa doutrina / Em minha alma seja escrita. Pai nosso ...
1º Canto – Salve Rainha 01. Salve o Antônio / Ouvi rogos meus A misericórdia / Alcançai de Deus 02. Sois vida doçura / Dos vossos devotos Esperança certa / Dos seus filhos e vossos 03. Salve ó Antônio / Atendei os brados Destes filhos de Eva / Destes degredados 04. Gemendo e chorando / Pelo seu retorno Vivemos nos vá / Neste cruel mundo 05. Volver vossos vistas / Antônio verie Para os vossos devotos / Do nosso Brasil. 06. Volta vossas faces / Olhos e carícias O frágil milagre / A vossa patrícia 07. Depois que acabamos / A vida presente Rogai piedoso / Pelas mães da gente 08. Ó doce Antônio / Sempre tão clemente Mostrai nossas almas / Ao onipotente 09. Para merecer / De Cristo também Gozar das promessas / Para sempre. Amém. Oração : Deus, vos suplicamos, que alegra a vossa igreja, solenidade de motivo do bem- aventurado Santo Antônio, nosso confessor, para que, fortalecidos, alcançarmos o perdão dos nossos pecados, por Jesus Cristo, nosso Senhor. Amém. 2º Canto – Vós sois da milícia 01. Vós sois da milícia / De uma grande luz Sois tão conquistador / Da lei de Jesus. Ref. Antônio Bendito / de Deus alegria Com gosto e festejo / O vosso santo dia. 02. Chamasse os peixes / Pregasse a verdade Destinado ao homem / Malícia, maldade 03. Vós fosses à Itália / Numa Ave Maria Livrar seu pai da morte / De tanta alegria 04. Assim como / Vós livrastes Numa ave Maria / E deu a glória
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3º canto – Devotos Cantemos 01. Devotos cantemos / Com o ofrage cante Os grandes louvores / de Antônio Santo Ref. Buscar milagre / De Antônio afugenta As penas e as dores / Tudo que nos tenta. 02. Nascesse em Lisboa / No prêmio da Igreja Me visse e louvasse / A vossa Pátria seja 03. Fugisses da Itália / Vosso nome mudasse Lograsse o de Fernando / E de Antônio Tomaz 04. Antônio que estais na Itália / Com seu sermão para sempre Vai livrar seu pai da morte / Que vai morrer inocente 05. Chegasses na Itália / Com grande arizia No meio dissestes / Uma ave Maria 06. Dizei-me meu fradinho / Dizei-me aonde morai Quero fazer uma visita / Já que não sirvo pra mais 07. Meu pai, mas minha mãe / Só quero a vossa bênção Que eu já vou para a Itália / Vou acabar o meu sermão. Oração: O anjo anunciou a Maria e ela concebeu no Espírito Santo Ave Maria... Eis aqui a serva do Senhor, faça em mim segundo a vossa palavra Ave Maria ... E o verbo divino se fez carne, e habitou entre nós. Ave Maria .... Oração 1: Oh Senhora minha, oh minha mãe, eu me ofereço todo a vós, e em prova de minha devoção para convosco, eu me consagro neste dia, os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser, porque por assim sois vós, oh incomparável mãe, guardai-me, defendei-me, como filho bem amado vosso. Amém. Oração 2: Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou, a piedade, divina, sempre me livre, me guarde, me governe, me ilumine, amém. Oh Maria concebida, sem pecado, rogai por nós que nós recorremos a vós (3x). Final: Em nome do pai, do filho e do Espírito Santo, Amém.
3.2 NOVENA DE SÃO JOÃO Pelo sinal, da santa cruz, livrai-nos Deus nosso Senhor, dos nossos inimigos. Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Pai Nosso cantado (tom da incelência) Ave Maria cantada (tom da incelência) Glória cantado (em Latim )
Ladainha de São João Quirie eleisão Quirie eleisão Quirie eleisão
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Miserere nobis Quirister audi nos Quirister exaudi nos Parte de Coeli Deus Miserere nobis Filho redentor, mãe de Deus Espírito Santo é Deus Santa Trinitas unus Deus Miserere nobis São João Batista Filho de Zacarias Filho de milagre Orais por nobis Enfante santificado O Prodígio das graças Maior dos nascidos Orais por nobis Nascidos sem culpa A casa de prazer Motivo de alegria Orais por nobis Bendito João Percário Batista Gozos de seu Pai Orais por nobis Glória dos parentes Justo da Judéia Oráculo da solidão Orais por nobis Honra dos Monarcas Estar na coreta Espelhos dos penitentes Orais por nobis Anjo do deserto Sagrado João Ditoso Batista Orais por nobis Trombeta celeste Anúncio da trindade Secretário de Deus Pai Orais por nobis
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Percussor de Deus Filho Oráculo do Espírito Santo Silêncio dos profetas Orais por nobis Profeta do altíssimo Fim do Judário Princípio da lei nova Orais por nobis João crê e cresce Supremo Batista Semente do Evangelho Orais por nobis Primeiro batizado Vós dos apóstolos Tochas luminosa Orais por nobis Luzerna do mundo Testemunha do Senhor Apontador de Cristo Orais por nobis Retrato do Messias Oh João sacrossanto Exemplo de todos os santos Orais por nobis Agnus dei, dei in gui tolis Pecata mundi, Pace nobis domine Agnus dei, dei in qui tolis Pecata mundi Exaudi nos domine Agnus dei, dei in qui tolis Pecata mundi Miserere nobis. Jaculatória de São João Ó São João glorioso / Vós sabes quanto vos amo Mandai-me a corte celeste / Que para isso vos chamo. Pai Nosso .... 1º canto – Salve Rainha Salve João Santo / Anúncio da concórdia Do divino Rei / Da misericórdia.
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Sois da nossa alma / Doçura excelente, Temos esperança / Temos firmemente. Salve João Batista / Que por vós bradamos, Quando as nossas Culpas / a Deus confessamos. Milhares de crimes / A nossa alma leva, Como degredados / Dos filhos de Eva. Por vós anunciamos / Ó doce expiramos, As nossas fadigas / Gemendo e chorando. Depois que morrer / Santo percussor, Mostrai nossas almas / A Deus redentor. As grandes promessas / De Cristo também, A Deus que roguemos / Para sempre. Amém. 2º canto – Desceu do Céu a terra Desceu do céu a terra / O anjo Gabriel Veio dá grande aviso / A Santa Isabel (2x) Ref. Batista floresce / No rio Jordão Batizasse a Cristo / Ditoso João (2x) Ela perguntou / A São Zacarias Que nome botava / Em João o vosso filho (2x) Ele ficou mudo / Sem poder falar, Seu pai Zacarias / Só por duvidar (2x) Apontou com o dedo / De Deus o Cordeiro Para remir o mundo / No sacro-madeiro (2x) Foi para montanhas / João inocente Passou sua vida / Sempre em penitência (2x) Percussor bendito / São João Batista, Vossa proteção / Por nós sempre assista (2x) Oferecemos este bendito / A São Zacarias A Santa Isabel / A mãe do Messias (2x). 3º canto - Salve São João Batista 01. Salve São João Batista / Que da culpa original, Não farei vossa inocência / Me livre do eterno mal (2x). Ref. Isabel maravilhosa / Virgem prima e saudosa, Que João ainda no ventre / E a Jesus Cristo adorou (2x). 02. Salve o dia em que Batista / No mesmo ventre encerra No ventre de Isabel / Adorava o verbo encarnado (2x).
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03. Foi no dia 24 / Que Isabel deu a luz Do venturoso João / O percussor de Jesus (2x). 04. O mudo Zacarias / No mundo ascende um farol, Que Maria dar sinal / Que nasceu de um girassol (2x). 05. Nas montanhas da Judéia / Vai Maria visitar, Isabel e Zacarias / E João santificar (2x). 06. Zacarias reconhece / As palavras do Senhor, A língua se lhe desata / É encanto de louvor (2x). Oração: O anjo anunciou a Maria e ela concebeu no Espírito Santo Ave Maria... Eis aqui a serva do Senhor, faça em mim segundo a vossa palavra Ave Maria ... E o verbo divino se fez carne, e habitou entre nós. Ave Maria .... Oração 1: Oh Senhora minha, oh minha mãe, eu me ofereço todo a vós, e em prova de minha devoção para convosco, eu me consagro neste dia, os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser, porque por assim sois vós, oh incomparável mãe, guardai-me, defendei-me, como filho bem amado vosso. Amém. Oração 2: Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou, a piedade, divina, sempre me livre, me guarde, me governe, me ilumine, amém. Oh Maria concebida, sem pecado, rogai por nós que nós recorremos a vós (3x). Final: Em nome do pai, do filho e do Espírito Santo, Amém.
3.3 – NOVENA DE SÃO PEDRO Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém. Creio em Deus Pai ... Salve Rainha Mãe de Misericórdia ... Ladainha de Nossa Senhora Ladainha de NOSSA SENHORA Quirye eleison Christe eleison Kyrie eleison Miserere nobis Christe audi nos Christe exaudi nos Pater Coelis Deus Miserere nobis
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Fili Redenptor mundi Deus Spiritus Sancte e Deus Sancta Trinitas unus Deus Miserere nobis Sancta Maria Sancta Dei Genetrix Sancta Virgo Virginum Orai por nobis Mater Christi Mater divinae gratiae Mater puríssima Orai por nobis Mater Castíssima Mater inviolata Mater intemerata Orai por nobis Mater amabili Mater admirabili Mater boni consili Orai por nobis Mater creatoris Mater salvatoris Virgo prudentíssima Orai por nobis Virgo veneranda Virgo proedicanda Virgo potens Orai por nobis Virgo Clemens Virgo Fidelis Speculum justitiae Orai por nobis Sede sapientiae Causa nostrae laelitae Vas spirituale Orai por nobis Vas honorabile Vas insignae devotionis Rosa mystica Orai por nobis Turris davidica Turis ebúrnea Domus áurea Orai por nobis Foederis arca Janua Coeli Stella Matutina Orai por nobis Salus infirmorum Refugium peccatorum
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Consolatrix aflictorum Orai por nobis Auxilium Christianorum Regina angelorum Regina patriarcharum Orai por nobis Regina profetarum Regina apostolorum Regina martyrum Orai por nobis Regina confessorum Regina Virginum Regina Sanctorum Orai por nobis Regina sine labi Regina sacratissimi rosarii Regina pacis Orai por nobis Agnus dei, dei in gui tollis Pecata mundi Exaudi nos domine Agnus dei, dei in qui tollis Pecata mundi Miserere nobis. Oração: Rogai por nós Santa mãe de Deus Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém. 1º Canto - Cântico de São Pedro e São Paulo 01. São Pedro e São Paulo / Nosso protetor Ouvi piedoso / Os nossos clamores (2x). Ref. São Pedro e São Paulo, de Jesus querido A glória dos anjos, do mundo o paraíso 02. Olhai para a terra / De Deus alcançai A sua misericórdia / Do inferno livrai-me (2x) 03. São Pedro e São Paulo / A vida acabamos A vossa clemência / Pedimos e rogamos (2x). 04. São Pedro a vós clamemos / São Paulo, a vós oremos Abrir as portas do céu / A vós imploremos (2x). 05. São Pedro, a vos roguemos / Que nos dar vitória Com os vossos louvores / A Deus lá na glória (2x). 06. Aceitai no céu / Esses nossos votos Que rogai por todos / Os vossos devotos (2x). 2º Canto - Perdão meu Deus 01. Perdão meu Deus a vossa Pátria amada Geme de dor ao pé do vosso altar No sacramento do amor sois ultrajado Perdão, piedade, viemos implorar.
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Ref. Deus de clemência / Tende compaixão Salvai nosso Brasil / Por nosso coração (2x) 02. Perdão meu Deus sobre o novo calvário Geme de dor a vossa igreja Santa Glorificai o sucessor de Pedro Por um triunfo igual a dores tantas. 03. Perdão meu Deus, se vossa mão castiga Vossa clemência viemos implorar Vós imperais sobre a vida e a morte Por um milagre nos poderei salvar. Oração: O anjo do Senhor anunciou a Maria, e Ela concebeu no Espírito Santo Ave Maria... Eis aqui a Serva do Senhor, Faça-se em mim segundo a vossa Palavra Ave Maria ... E o Verbo divino se fez homem, e habitou entre nós Ave Maria ... Rogai por nós Santa Mãe de Deus Para que sejamos dignos das promessas de Cristo. Amém. Oração 1: Oh Senhora minha, oh minha mãe, eu me ofereço todo a vós, e em prova de minha devoção para convosco, eu me consagro neste dia, os meus olhos, os meus ouvidos, a minha boca, o meu coração e inteiramente todo o meu ser, porque por assim sois vós, oh incomparável mãe, guardai-me, defendei-me, como filho bem amado vosso. Amém. Oração: Oh Maria concebida, sem pecado Rogai por nós que nós recorremos a vós (3x). Oração 2: Santo anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou, a piedade, divina, sempre me livre, me guarde, me governe, me ilumine, amém. Final: Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.
3.4 - NOVENA DE SÃO MIGUEL Em nome do pai e do filho e do Espírito Santo. Amém Creio em Deus Pai todo poderoso... Salve Rainha mãe da misericórdia ... Ladainha de SÃO MIGUEL Senhor, tende piedade de nós Jesus Cristo, tende piedade de nós Senhor, tende piedade de nós Jesus cristo ouvi-nos Jesus Cristo atendei-nos
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Deus Pai do céus, tende piedade de nós Deus Filho Redentor do mundo, tende piedade de nós Deus Espírito Santo, tende piedade de nós Santíssima Trindade, que sois um só Deus , tende piedade de nós Santa Maria, rainha dos anjos, rogai por nós São Miguel Arcanjo, rogai por nós. Adorador humilde do verbo divino, rogai por nós Primeiro modelo de obediência, rogai por nós Porta-estandarte da Santíssima Trindade, rogai por nós Anjo da paz por excelência, rogai por nós Guia consolador e defensor do povo de Deus, rogai por nós Protetor e baluarte da igreja militante, rogai por nós Honra e alegria da igreja triunfante, rogai por nós Vós que resplandescei entre os anjos, rogai por nós Força dos verdadeiros fiéis que combatem debaixo do estandarte da cruz, rogai por nós Vínculo de caridade mútua, rogai por nós Inimigo sempre triunfante dos hereges, rogai por nós Luz e confiança dos moribondos, rogai por nós Consolador das almas do purgatório, rogai por nós Arauto da sentença eterna, rogai por nós Nosso refúgio em todas as nossas tribulações, rogai por nós Vós que por vossa modéstia vingastes os direitos de Deus, rogai por nós Vós que fostes declarado poderoso e grande nele testemunha do Espírito Santo, rogai por nós Vós que por humilde vencestes os príncipes do orgulho e fostes colocado em seu lugar, rogai por nós Vós que por Deus fostes constituído para receber as almas perante ele, rogai .... Vós que pela escritura sagrada fostes declarado o primeiro dos príncipes do Exército celestial, rogai por nós Vós que sempre estais pronto para defender os filhos de Deus, rogai por nós São Miguel Arcanjo, nosso protetor especial, rogai por nós. ORAÇÃO Deus, que elevaste o Santo Arcanjo Miguel acima de todos os espíritos celestes e o escolhestes para defender a vossa honra e vencestes os anjos rebeldes, conceda a vossa graça de ser sempre protegido pelo poder deste príncipe celeste e daí-nos por auxílio sempre alcançarmos a vitória no combate contra satanás, o mundo e a carne. Santo e glorioso Arcanjo, príncipe da Santa igreja, a quem eu confio as almas dos seus escolhidos para protegê-los no derradeiro combate e conduzi-los aos céus, lembrai-vos de nós, agora e na hora da nossa morte, não permitais que o dragão infernal a quem vencestes triunfe sobre nós. Protegei-nos em todos os combates, em toda parte e sempre. Intercedei por nós, junto de Jesus Cristo, nosso Senhor, Amém. Ladainha de SÃO MIGUEL Senhor, tende piedade de nós Jesus cristo, tem piedade de nós
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Senhor, tem de piedade de nós Jesus Cristo, ouvi-nos, Jesus Cristo, atendei-nos Santíssima Trindade... Santa Maria... São Miguel Arcanjo... Oração de São Miguel Em nome do Pai, do filho e do Espírito Santo. Amém. Senhor Jesus, derramai sempre a vossa benção sobre nós. Defendei-nos pela intercessão de são Miguel, seja assistido particularmente, durante nossa excelência, com este poderoso protetor, em nossas faculdades e em nossa provas. E todos aqueles que neste momento em todas ocasiões difíceis e na hora da morte. Nós vos pedimos por nosso Senhor Jesus Cristo, são Miguel nosso poderoso protetor, ajudai-nos, são Miguel, amparai-nos, são Miguel ajudai-nos, são Miguel, rogai por nós. Hino de São Miguel Ref. BENDITO E LOUVADO SEJA NOSSO PRINCÍPE SÃO MIGUEL DEFENSOR DE NOSSAS ALMAS PELEJOU CONTRA LUSBEL. 1. Tendo Deus criado os anjos O Arcanjo São Miguel Para defender nossas almas Pelejou pela fé. 2. Deus fez toda a hierarquia Onde estimou São Miguel Que nos defendeu as almas Do dragão Lúcifer. 3. Lúcifer pela soberba Perdeu a graça de Deus Pai Perdeu o trono celeste Por Deus foi condenado. 4. Tremendo o triste dragão Que um Deus tão poderoso Hoje se vê no inferno Penetrante e horroroso. 5. Vinde por nós Miguel Santo Com o vosso braço forte Defendei-nos do dragão Em todo tempo até a morte. 6. Rogai por nós Miguel Santo, De Lúcifer a Vitória Merecendo de Deus por prêmio A mais sublime da glória
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7. Louvemos a São Miguel E a Jesus Cristo também Que nos livre do inferno Para todo o sempre, Amém. OFÍCIO DA IMACULADA CONCEIÇÃO As matinas: Agora lábios meus Dizei e anunciai Os grandes louvores Da virgem mãe de Deus Sede em meu Favor Virgem soberana Livrai-me do inimigo Com Vosso valor. Glória seja ao padre Ao Filho e ao amor também Que ele é um só Deus Em pessoas três Agora e sempre e sem fim. Amém. HINO Deus vos salve Virgem Senhora do mundo Rainha dos céus E das virgens, virgem Estrela da manhã Deus vos salve cheia De graça divina Formosa e louca Dai pressa Senhora Em favor do mundo Pois vos reconhece Como defensora. Deus vos nomeou Com decreto eterno Para a mãe do verbo Com o qual criou Terra, mar e céu E vos escolheu Quando Adão pecou Esposa de Deus
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Deus a escolheu E já muito antes Em seu tabernáculo Morada lhe deu Ouvi mãe de Deus Minha oração Toquem vosso peito Os clamores meus ORAÇÃO Santa Maria, rainha dos céus, mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do Mundo, que a nenhum pecador desamparai e nem desprezai, ponde, Senhora, em mim os olhos de vossa piedade, e alcançai-me de vosso amado Filho, o perdão de todos os meus pecados, para que eu que agora venero com devoção a vossa Santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho Jesus Cristo, nosso Senhor, que com o Padre, e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém. Sede em meu favor Virgem soberana Livrai-me do inimigo Com vosso valor. Glória seja ao Padre Ao Filho, e ao amor também Que ele é um só Deus em pessoas três Agora e sempre e sem fim. Amém. HINO Deus nos salve trono Do grão Salomão Arca do concerto Velo de Gedeão Íris do céu clara Sarça de visão Favo de Sansão Florescente vara. A qual escolheu Para ser mãe sua E de vós nasceu O filho de Deus.
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Assim vos livrou Da culpa original De nenhum pecado Há em vós sinal. Vós que habitais Lá nessas alturas E tendes vosso trono Sobre as nuvens puras. Ouvi, mãe de Deus Minha oração Toquem vosso peito Os clamores meus. ORAÇÃO Santa Maria, rainha dos céus, mãe de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhora do Mundo, que a nenhum pecador desamparai e nem desprezai, ponde, Senhora, em mim os olhos de vossa piedade, e alcançai-me de vosso amado Filho, o perdão de todos os meus pecados, para que eu, que agora venero com devoção a vossa Santa e Imaculada Conceição, mereça na outra vida alcançar o prêmio da bem aventurança, por mercê de Vosso benditíssimo Filho Jesus Cristo, nosso Senhor, que com o Padre, e o Espírito Santo, vive e reina para sempre. Amém.
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