Teoria Do Fato Jurídico - Plano Da Existência - Marcos Bernardes de Mello -CAP 2

March 26, 2019 | Author: Rodrigo Bernardo | Category: Statutory Law, Law Of Obligations, Constitution, Power (Social And Political), Legislation
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Livro de Marcos Bernardes de Mello, Teoria Do Fato Jurídico - Plano Da Existência. Capítulo 2...

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Teoria do fato jur’dico; plano da exist•ncia

CAPêTULO II - Norma e Fato Jur’dico

CAPÍTULO II

Norma e Fato Jurídico

§ 9º A previsão normativa do fato jurídico 1. Norma jurídica e definição do mundo jurídico

Como procuramos deixar claro, o mundo jurídico é formado pelos fatos jurídicos e estes, por sua vez, são o resultado da incidência da norma jurídica sobre o seu suporte fáctico quando concretizado no mundo dos fatos. Disso se conclui que a norma jurídica é quem define o fato  jurídico e, por força de sua incidência, gera o mundo m undo jurídico, possibilitando o nascimento de situações jurídicas, que se desdobram em relações jurídicas com a produção de toda a sua eficácia constituída por direitos → deveres, pretensões → obrigações, ações e exceções, bem ← ← assim de outras categorias eficaciais como sanções, ônus e prêmios. (Da categoria eficacial ônus são as espécies de retribuições pecuniárias obrigatórias impostas por órgãos oficiais de representação e fiscalização do exercício de profissões [OAB, CREA, e. g.], ou exigidas para que se possa desenvolver certa atividade [como o seguro obrigatório para que se tenha um automóvel, e. g.], tão bem analisada por Eros Roberto Grau in Ônus, dever e obrigação: conceitos e distinções,  RT  559/50  559/50 e s.) Desse modo, a norma jurídica constitui uma proposição 20 através da qual se estabelece que, ocorrendo determinado fato ou conjunto de fatos (= suporte fáctico) a ele devem ser atribuídas certas consequências no plano do relacionamento intersubjetivo (= efeitos jurídicos). Então, proposição jurídica, para ser completa, há de conter, conter, ao menos: (a) a descrição de um suporte fáctico do qual resultará o fato jurídico; (b) a prescrição dos efeitos jurídicos atribuídos esse fato jurídico 21. 20. A questão da estrutura lógica da norma jurídica não é simples e, por isso, dela trataremos mais detalhadamente adiante, no § 10. 21. Nossa concepção do que se deve entender por norma jurídica se encontra fat o jurídico : plano da eficácia, § 3º, 3, i. Conforme anotamos em nosso Teoria do fato

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Parece mais do que evidente que uma norma jurídica que apenas descrevesse um suporte fáctico, sem imputar uma consequência jurídica ao fato jurídico correspondente, ou que prescrevesse certa eficácia jurídica, sem relacioná-la a determinado fato jurídico, seria uma proposição sem sentido, do ponto de vista lógico-jurídico, embora até pudesse ser uma proposição linguística completa, com sentido. 2. Norma e ordenamento jurídico  2.1. Normas Normas explícitas

Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, em geral, são expressadas através de proposições formuladas em textos sintéticos 22,

antes, neste estudo não levaremos em consideração a diferenciação que juristas fazem entre regras e normas, mesmo porque não há entre eles concordância quanto ao sentido desses vocábulos. Para alguns, regras seriam aquelas ditadas pelo legislador, meros enunciados ou textos sem sentido próprio, enquanto normas seriam as criadas pelo aplicador do direito (juiz, autoridade administrativa) a partir da interpretação das regras (realismo linguístico). linguístico) . Para Kelsen, regras seriam proposições descritivas das normas feitas pela Ciência Jurídica, enquanto normas seriam as postas pelo legislador (normas gerais e abstratas) e as criadas pelo juiz e autoridades ao aplicarem as normas gerais (normas individuais). Ainda há quem afirme que a norma seria gênero de que seriam espécies as regras (aquelas com disposições determinadas) e os princípios (aquelas com disposições com alto grau de indeterminação). Finalmente, para a doutrina clássica, não haveria distinção entre normas, que seriam as disposições legais específicas, e regras: seriam denominações diferentes para o mesmo objeto, seriam vocábulos sinônimos. Esta última corrente às vezes distingue normas e princípios. Filiamo-nos a esta última vertente doutrinária, com a ressalva de que para nós os princípios são iguais a normas quaisquer, quaisquer, como veremos no texto. 22. Sob o aspecto da criação de normas jurídicas há dois principais sistemas conhecidos hoje em dia: os sistemas de direito escrito , também ditos de direito legislado ou ainda, como preferem os ingleses, sistema de direito continental (que revela a distinção quanto ao direito vigente na ilha, a Grã-Bretanha), e os sistemas de direito consuetudinário ou não escrito . Ao sistema de direito escrito estão vinculados quase todos os países civilizados, com exceção dos Estados Unidos da América, da Inglaterra e países cujos sistemas jurídicos foram estruturados sob a égide da C ommonwealth , que adotam o sistema consuetudinário, e, com alguma reserva, os países muçulmanos, que têm um direito basicamente de origem religiosa. Nos sistemas de direito escrito, as normas jurídicas, na sua quase totalidade, são expressadas sob a forma de proposições abstratas que se destinam, em geral, a

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ordenados segundo uma metodologia própria com a finalidade de fazer deles um conjunto harmônico, ordenado e coerente, em que as diversas normas que o compõem se integram e se completam entre si 23. Por isso, é mesmo comum haver proposições jurídicas em cuja formulação linguística, geralmente elíptica, não se encontra expressa a descrição de suporte fáctico, ou a correspondente prescrição dos efeitos jurídicos. Tais proposições, evidentemente, se examinadas isoladamente aparentam ser sem sentido lógico-jurídico; na verdade, v erdade, porém, não no são, se consideradas integradamente dentro do conjunto das normas jurídicas que constituem o sistema jurídico . Essas situações são comumente regular situações futuras e consubstanciadas em documentos escritos, denominados, geralmente, diplomas legais ou legislativos. A sua elaboração exige a observância de normas procedimentais específicas pela autoridade que tenha a competência (= atribuição de poder) para tanto: o detentor do Poder Legislativo. De regra, esse poder de legislar (= de estabelecer normas jurídicas) ju rídicas) é dividido entre vários órgãos que integram a estrutura estatal, que, em relação a alguns tipos de normas, podem agir isoladamente e para outros somente em conjunto. Tudo isso depende, naturalmente, de como está organizado o poder de legislar em si e quanto ao seu exercício. (No Brasil essa matéria está regulada na Constituição Federal, arts. 59/69 e 166, basicamente.) direito consuetudinário, diferentemente, as normas jurídicas Nos sistemas de direito são elaboradas, de ordinário, pelos órgãos judiciais que, analisando os costumes e as tradições do comportamento social, as revelam nas decisões de casos concretos. Essas decisões se tornam  precedentes  precedentes judiciais que, na seguida reiteração, passam a consubstanciar as normas de direito positivo daquele povo. É necessário destacar, porém, que nem os diplomas legislativos do direito escrito nem os precedentes do direito consuetudinário esgotam as situações possíveis de ser encontradas nas relações sociais. Por isso, nos sistemas de direito escrito admite-se, na falta de dispositivo legal expresso, a aplicação do costume, dos princípios gerais do direito, da analogia e, até, excepcionalmente, da equidade como norma jurídica. Da mesma forma, nos sistemas de direito consuetudinário há normas jurídicas que são expressadas em diplomas legais escritos. Não há, assim, um sistema puramente escrito ou exclusivamente consuetudinário. O que os caracteriza e os distingue é a predominância de determinada espécie de expressão das normas jurídicas. 23. É preciso ressaltar que as normas jurídicas nem sempre correspondem a um certo dispositivo legal. É possível, e comum, vários dispositivos legais se referirem à mesma norma (por exemplo: os dispositivos do Código Civil sobre proteção possessória), como é possível, embora menos comum, um mesmo dispositivo legal conter mais de uma norma (por exemplo: o art. 2º do 2º  do Código Civil: uma norma se refere à aquisição da personalidade em decorrência do nascimento com vida; outra protege os direitos do nascituro, em decorrência da concepção).

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encontradas quando se trata de instituições jurídicas que, por definição 24, constituem um conjunto de normas que regula determinada relação jurídica 25. Nessas espécies, por uma questão de técnica redacional, com objetivo de evitar repetições inúteis (e deselegantes para a linguagem), as proposições jurídicas são formalizadas de modo que umas pressupõem as outras, o que permite, em decorrência da ordenação, que aquelas normas cujo suporte fáctico não esteja expresso no seu texto, sejam relacionadas relacio nadas ao suporte fáctico de outra norma que lhes corresponder. corresponder. Exemplifiquemos. Exemplifiquemos. O Código Civil26 dispõe que “Salvo as exceções expressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar”. Esse dispositivo não menciona, explicitamente, um suporte fáctico, mas, apenas, define a abrangência da expressão  perdas e danos. Não define em que casos as perdas e danos são devidas. Esta seria uma norma incompleta se não fosse considerada como complemencomplem ento do art. 389 do Código Civil, o qual, ao dispor que, “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”, define a indenizabilidade por “perdas e danos” como uma sanção aplicável ao inadimplemento das obrigações de caráter econômico. Há, ainda, normas jurídicas que são formuladas, precisamente, para integrar outras normas jurídicas, sem determinar efeitos jurídicos próprios. O Código Civil 27 define: considera-se possuidor todo aquele priva do, t. I, § 41, 6; Lehmann, 24. Vide Pontes de Miranda, Tratado de direito privado Tratado de derecho civil, v. I, p. 116. Essa é a concepção comum de instituição jurídica. No entanto, doutrina elaborada por Hauriou ( La teoría de la institución y de la fundación) de influência, especialmente, no direito de família e no direito comercial, notadamente na área das sociedades anônimas, concebe a instituição como sendo um produto das relações sociais e, por isso mesmo, algo que estaria acima do direito positivo legislado que a recepciona por imposição mesma dos fatos sociais. Trata-se, Trata-se, como se vê, de uma concepção sociológica da instituição. Sobre isso, vide, institucionales além da obra citada, Gurvitch, Sociology of law, e Briseño, Categorias institucionales del proceso. 25. Exemplos de instituições jurídicas: casamento, posse, propriedade, contrato. 26. Art. 402 do Código Civil. 27. Código Civil, art.1.196.

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que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade . Essa norma, evidentemente, não imputa de modo

específico efeitos jurídicos a certo fato, uma vez que não atribui direitos ou deveres a alguém em decorrência de um fato, mas, estabelecendo quem deve ser considerado possuidor, para os fns de direito, constitui norma integrativa de toda a instituição jurídica da posse. Assim é que,

por exemplo, quando o Código Civil (art. 1.210) assegura que “o possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”, está em verdade a dispor que todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à propriedade, tem direito a ser manutenido na posse, em caso de turbação, restituído, no de esbulho e segurado contra violência iminente que tiver  justo receio de sofrer .

Sempre que, no sistema jurídico brasileiro, mesmo em situações não reguladas pelo Código Civil (salvo, naturalmente, norma especial) houver alguma norma que se refira à posse de coisas, aquela definição há de ser entendida como integrando-a. Do mesmo mes mo modo, o fato jurídico da morte de alguém constitui elemento dos suportes fácticos das normas do direito das sucessões, dentre outras; por isso, mesmo quando não mencionado expressamente nas normas, as integra 28. Parecidas com essas, as normas jurídicas remissivas não integram outras, mas as fazem integrantes suas, quer dizer: as normas jurídicas remissivas apanham outras normas e as consideram parte de seu conteúdo. O parágrafo único do art. 436 do Código Civil faz, no seu texto, expressa remissão ao art. 438, também do Código Civil, donde se deve entender que as suas normas (do art. 438) compõem o conteúdo do art. 436. O mesmo ocorre com as normas dos arts. 240 e 241 que fazem remissão aos arts. 239 e 238, respectivamente, todos do Código Civil. Há, também, normas jurídicas que apenas complementam outras, ampliando ou restringindo os efeitos nelas definidos, ou modificando, parcialmente, a situação de fato prevista, como ocorre, por exemplo, no Código Penal, art. 121 e seus parágrafos, no que se refere a circunstâncias agravantes e atenuantes da pena.

28. São normas jurídicas  integrativas, ainda como exemplo, as que compõem o Livro II da Parte Geral G eral do Código Civil, que definem as várias espécies de coisas (ditas impropriamente bens).

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A integração integração das normas tem como com o pressuposto o sistema jurídico como um todo, não apenas a sua topologia nos textos legais. Assim, não importa que as normas jurídicas que se integram estejam colocadas em textos legais diferentes; o que importa, realmente, é que componham um mesmo sistema jurídico 29. Quando o Código Civil se refere à indenização

29. Embora os sistemas jurídicos tenham a sua vigência restrita a determinado território (princípio da limitação espacial do poder estatal), é possível que norma de um sistema jurídico seja aplicada em espaço jurídico onde vige outro sistema  jurídico  juríd ico (vide, sobre o assunto, Pontes de Miranda, Comentários à Constituição de 1946 , 3. ed., t. I, p. 50, e Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n. 1/69, t. I, p. 57, e nosso Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, § 7º.3.iv). As regras dos arts. 8º a 11 do Decreto-lei n. 4.657, de 4-9-1942 (anteriormente denominado, adequadamente, Lei de Introdução ao Código Civil e hoje apelidado, com absoluta impropriedade, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), por exemplo, admitem a aplicação no Brasil de normas jurídicas de outros países. A questão da aplicabilidade de normas de outros sistemas jurídicos se torna cada vez mais comum em vista da integração de países em razão de organizações de cunho econômico e político, como a Comunidade Europeia e o Mercosul, mas que conduzem à necessidade de uniformização legislativa e, mais ainda, jurisdicional. Em doutrina, é comum ver-se o emprego indistinto das expressões ordenamento jurídico e sistema jurídico para designar o conjunto de normas jurídicas de uma comunidade jurídica . No entanto, nos parece indiscutível que designam objetos de diferentes ordens. Vejamos. Não há dúvida de que, considerando o complexo de normas, aí incluídos as regras e os princípios, que integram o direito de uma comunidade, por sua magnitude e multiplicidade de aspectos regulados, é impossível não ocorrerem conflitos de conteúdo entre algumas delas, ou que normas não sejam produzidas com violação de normas do processo legislativo. Do mesmo modo, modo , é de todo evidente ser inadmissível inadmis sível que possam existir normas conflitantes vigendo, simultaneamente, no mesmo ambiente social, sob pena de nele instaurar-se o caos. Por isso, o próprio direito adota formas de eliminar as antinomias (= conflitos de normas do mesmo nível hierárquico) e as divergências entre normas de hierarquias diferentes, ou para repelir as violações ao processo legislativo. (a) No primeiro caso, resolvem-se as antinomias de conformidade com as regras que regulam a vigência das normas no tempo (= direito intertemporal), segundo as quais, não havendo revogação expressa pela norma posterior, a norma mais nova revoga a anterior, completamente ( ab-rogação), ou parcialmente (derrogação). Aqui não importa o nível hierárquico hier árquico da norma. A posterior sempre revoga revo ga a anterior, mesmo que a mais antiga seja uma norma legislativa ordinária e a mais nova seja a constitucional. Se, porém, a lei ordinária nova conflita com anterior norma constitucional, não tem efeito revocatório, pois será inconstitucional e, portanto, inválida, como se mostrará a seguir.

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(b) No segundo caso, não se cuida de revogação. Diferentemente, consideraconsidera-se inválida a norma hierarquicamente inferior, inferior, ou, quando possível salvar-lhe algo do seu conteúdo, se lhe dá interpretação, com ou sem redução de texto, que a torne conforme com a norma superior; quando se trata de infração de norma do processo legislativo, a solução é a invalidação da norma resultante (= invalidade formal). Tanto a declaração de revogação da norma anterior, quanto a de invalidade da norma inferior ou de que essa deve ser interpretada conforme a norma superior, com ou sem redução de texto, são de competência privativa do Poder Judiciário, de modo que sua exclusão do ordenamento ou sua modificação dependem de decisão judicial pela autoridade competente (STF, e. g., para as questões de conflitos com a Constituição). Por isso, enquanto não reconhecida sua revogação ou não decretada sua invalidade pelo órgão judiciário competente, considera-se vigente a norma jurídica, donde, nesse meio tempo, conviverem as normas conflitantes dentro do ordenamento. Há outro aspecto a considerar. As normas jurídicas se referem, sempre, a situações fáticas, sejam elas criadas por condutas humanas, sejam por fatos da natureza, estes quando, de alguma forma, interferem no relacionamento intersubjetivo dos seres humanos. Por isso, além dos conflitos das normas entre si, existe a possibilidade de que seus conteúdos sejam incompatíveis com os fatos (condutas ou eventos) que regulam (= norma que contrarie a natureza das coisas, como a que pretendesse normatizar o uso da luz solar, solar, do ar atmosférico pelos seres humanos, o horário de nascimento e por do sol, o fluxo das marés, p. ex.). Enquanto existem incompatibilidade de contúdo das normas entre si, bem como do conteúdo da norma com a realidade fática a que ele se refere, falta coerência ao conjunto das normas jurídicas. Quando o conflito é apenas das normas entre si, diz-se que há incoerência, simplesmente; diz-se haver inconsistência quando o conflito é do conteúdo da norma com os fatos por ela regidos. (Em última análise e sem maior rigor terminológico, podemos dizer que consistência nomeia a coerência da proposição normativa com os fatos nela relatados, em que podemos chamá-la de coerência externa, para distinguí-la da coerência interna, das proposições normativas entre si.) Como visto, tanto a incoerência quanto a inconsistência podem ocorrer no conjunto normativo de uma comunidade jurídica, sem que isto o afete em sua inteireza e integridade. A esse conjunto de todas toda s as normas vigentes em uma u ma comunidade jurídica, independentemente independentemente de que haja entre elas coerência ou de que sejam ordenamento jurídico. consistentes, denominamos ordenamento Diferentemente, os sistemas lógicos são regidos, necessariamente, pelo  princípio da coerência, segundo o qual são inadmissíveis incompatibilidades entre os elementos que o compõem. A incoerência desfigura o sistema. Pontes de Miranda várias vezes em sua obra se refere a que o sistema jurídico é sistema lógico que deve atender aos princípios da coerência e da consistência. Em rigor, porém, o sistema  jurídico não não é um sistema lógico, lógico, mas, sim, sim, um sistema sistema nomoempírico, considerando que suas proposições (= normas) se referem a coisas. A sua natureza nomoempírica, porém, não o exclui da necessidade de atender à exigência lógica da coerência interna (das normas entre si), mas lhe impõe observar outra exigência, exig ência, a consistência,

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no caso de homicídio faz componente seu a norma do Código Penal que define esse crime.  2.2. Normas Normas implícitas

Os ordenamentos jurídicos, no entanto, não conseguem ser plenos, isto é, atender com suas normas objetivamente postas todas as situações da vida social que tenham um conteúdo jurídico. Por isso, quando se trata da integração das normas jurídicas e de sua expressão, é necessário ter-se em vista que há mais normas vigentes numa comunidade do que aquelas explicitadas nos documentos legislativos que compõem o ordenamento jurídico 30. Atualmente, por força mesmo da investigação científica empregada no trato do direito, a melhor doutrina está de acordo em afirmar a impossibilidade de que a realização do direito no ambiente social possa prescindir em razão da qual os conteúdos das suas proposições devem guardar compatibilidade compatibili dade com os fatos a que concernem (= coerência externa, por assim dizer). A partir dessa exigência de coerência e de consistência para que se possa classificar um sistema nomoempírico, podemos definir o s istema jurídico como o conjunto das normas jurídicas vigentes em uma comunidade, livre de incoerências e inconsistências. É, portanto, o ordenamento purificado. Ordenamento e sistema  jurídico podem coexistir; não se excluem. Visto desse modo, se os imaginarmos como círculos concêntricos, constataremos que o ordenamento abrange o sistema, por conter mais elementos que esse, ser mais amplo. A purificação purificação do ordenamento para construção do sistema é obra da doutrina, que constata as incoerências e as aponta e, por isso, não depende das exclusões que devem ser feitas pelo Judiciário. O Judiciário efetiva a purificação, mas antes mesm esmo de que ocorra, o sistema já existe, pois são conceitos de ordens diferentes: o ordenamento é conceito próprio da Ciência do Direito, logo, dogmático, enquanto o sistema é conceito típico de Filosofia Jurídica, por conseguinte, pré-dogmático. 30. Essa problemática está ligada diretamente à questão das lacunas do direito positivo. Já em 1888, Ehrlich ( I  I fondamenti della sociologia del diritto, p. 80), chamava a atenção para o fato de que a lei não pode abranger a plenitude do direito, pois que este é constituído como uma ordem real da sociedade representada pela maneira como os homens se conduzem, verdadeiramente, em sua convivência. Desse modo, a lei criada pelo homem como regra abstrata, por ser incapaz de prever todas as hipóteses possíveis de ocorrer no relacionamento intersubjetivo, deixa situações sem regulamentação, ou as regulamenta parcial ou insatisfatoriamente. A insuficiência das normas jurídicas escritas, para prover todas as situações possíveis, torna inevitável que as proposições jurídico-positivas, as leis, não deixem áreas em branco, campos em que a regulamentação seja incompleta.

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da revelação de normas jurídicas que preencham os vazios deixados pela legislação. Essa atividade reveladora de normas jurídicas com a finalidade de suprir as lacunas do ordenamento jurídico não é nem pode ser considerada, em face dos dogmas do positivismo, uma atuação legislativa. O que ocorre, na verdade, é que o intérprete intérp rete (geralmente o juiz) na solução dos casos, tomando como fundamento os princípios que norteiam o sistema jurídico, extrai norma que torna torn a específico aquele princípio. Assim, não há criação de norma nova, mas, apenas, revelação de norma que existe de modo não expresso, implícito, no sistema jurídico. Como referimos anteriormente, o direito de uma comunidade deve refletir, sempre, os valores que a inspiram e orientam. Nesse sentido, o dado axiológico que existe no direito é determinante da orientação imprimida ao sistema jurídico, principalmente quanto à definição dos princípios que fundamentam suas instituições. Os microssistemas 31 que integram o universo jurídico de certa sociedade têm sua estrutura conceptual fundafunda da em princípios gerais que, de forma bastante ampla, com extrema generalidade, fixam a estimação (valoração) da comunidade sobre os fatos da vida. A legislação, quando quan do regulamenta os fatos, fato s, torna específico, em preceitos, aquilo que se encontra ínsito na generalidade dos princípios. Com essa afirmativa queremos dizer que há princípios que norteiam e que dão sentido ao sistema, e as normas são como uma tradução pormenorizada desses princípios. Quando, Quand o, por exemplo, o Código Civil dispõe sobre a indenização dos danos, haja ou não conduta ilícita de quem os causou, está detalhando em regras específicas o princípio da transubjetividade da responsabilidade civil 32; assim também quando regulamenta a 31. Empregamos a expressão microssistema  para designar as várias áreas em que se dividem as normas jurídicas, como direito civil, direito penal etc. 32. No direito brasileiro a responsabilidade de indenizar por dano não tem na culpa, portanto na ilicitude, um pressuposto necessário, de modo que há responsabilidade civil pelo dano que se causa sem ilicitude, como consequência ato-fato  jurídico (lícito) indenizativo ( Vide adiante no § 35, 2). Mesmo quando se trata de ato ilícito, a culpa não constitui elemento essencial. Nessas espécies a responsabilidade civil pode decorrer do que Pontes de Miranda ( Tratado de direito privado, t. II, § 163, 1 et passim) denomina  princípio da transubjetividade da responsabilidade civil porque: (a) não se limitando à culpa, vai além da subjetividade, mas, ( b) embora considere objetivamente o dano, não se cinge à pura objetividade. O princípio da transubjetividade supõe a possibilidade de o responsável eximir-se da obrigação de indenizar provando alguma circunstância atribuível à vítima ou a terceiro. Dessa espécie são exemplos as hipóteses previstas no art. 936 do Código Civil. Vide adiante sobre a transubjetividade no capítulo referente aos atos ilícitos.

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propriedade e a posse pormenoriza o princípio da propriedade privada. Do mesmo modo, quando a Constituição estabelece regras de convivência e de repartição de competências entre a União, Estados-membros, Territórios e Municípios, Municípios , está minudenciando minudenciand o o princípio federativo federativo que norteia a organização estatal 33. Diante disso, é claro que o direito de uma comunidade não se restringe à legislação, às normas jurídicas explicitadas em textos legislativos escritos, mas envolve outras que existem de modo implícito integrando o sistema jurídico 34.

33. Dentro dessa ordem de ideias parece claro que a integração do sistema, pelo juiz, quando não haja norma específica para o caso concreto, não pode ser considerada uma atividade legislativa, ou mesmo jurislativa autônoma, porque a liberdade que lhe é concedida se limita à busca de norma que dê sentido jurídico à conduta segundo a analogia, os costumes ou os princípios gerais de direito. A sua função, assim, não tem um caráter autônomo e muito menos impositivo de legislador (que manda até contra os costumes e os princípios e os reforma), mas de cientista que pesquisa a matéria social viva — os costumes, os valores comunitários etc. — ou no material jurídico — legislação, jurisprudência, doutrina — para extrair deles a norma que melhor possa realizar os valores da sociedade. Excepcionalmente, o sistema jurídico permite ao juiz decidir segundo a equidade, oportunidade em que lhe cabe a tarefa de revelar o direito segundo os valores que o inspiram (o sistema). Afora essa hipótese, ao juiz compete aplicar as normas postas pelo legislador, decidindo os casos concretos. No direito brasileiro há permissivo expresso para que o STF estabeleça normas jurídicas em certas circunstâncias (Lei n. 9.868/99, art. 27). 34. No entanto, após a sua especificação pela jurisprudência ou pela ciência (doutrina), desaparece a sua indeterminação indetermin ação e, portanto, passa ela a integrar o próprio sistema jurídico. Nos sistemas de direito escrito, as normas costumeiras somente são admissíveis com efeitos vinculativos da conduta, ou seja, com natureza jurídica, quando não haja normas escritas específicas sobre o fato, nem seja possível dar-lhe dar-lhe um sentido juríjurídico pela aplicação analógica de outras normas jurídicas. Disso resulta que a norma  jurídica  jurídica costumeira costumeira é completa, em si, pois contém a descrição do suporte suporte fáctico e os elementos de identificação do preceito. Não há necessidade de confronto com as demais normas e princípios escritos do sistema, precisamente precisam ente porque elas, as normas costumeiras, só existem como decorrência da inexistência de normas escritas. Nos sistemas de direito consuetudinário, consuetudinári o, a questão se coloca exatamente como nos sistemas de direito escrito. As normas jurídicas nesses sistemas não são indeterminadas permanentemente. Ao contrário, constituem documentos jurisprudenciais e até doutrinários, determinados e escritos; apenas não são documentos legislativos, no sentido de serem ditados pelo legislador. Integram, no entanto, um sistema e como tal devem ser tratados. A diferença, portanto, entre os dois sistemas parece residir, em última análise, no grau de especificação das hipóteses de fatos jurídicos e das

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No sistema jurídico brasileiro essas normas implícitas são reveladas a partir da aplicação analógica (analogia) de normas explícitas, do costume, dos princípios gerais do direito e, em casos excepcionais, da equidade. Dessas, as que se prestam à integração de outras normas do ordenamento são os princípios gerais que embasam o sistema jurídico. jurídico. Esses, até quando, muitas vezes, não constando de normas expressas, devem sempre ser considerados integrantes de normas com eles compatíveis. Assim, por exemplo, o princípio da ilicitude do enriquecimento sem causa, segundo o qual a ninguém é dado obter vantagens patrimoniais sem que haja uma causa jurídica lícita que as justifique, é norma que há de ser considerada integrante de todas as demais normas jurídicas do sistema nas quais se estime a possibilidade de ocorrer o enriquecimento injustificado. Igualmente, o princípio da boa-fé no tráfico jurídico. Em alguns sistemas jurídicos, esse princípio é explicitado em norma jurídica 35, podendo implicar, até, nulidade do ato jurídico a sua violação, como ocorre hoje no direito brasileiro em face do Código de Defesa do Consumidor, art. 51, IV. IV. Em outros, embora em bora não haja norma norm a expressa, a boaboa -fé constitui princípio fundamental de todo o direito contratual. Por isso a boa-fé dos figurantes na formação e na execução do contrato representa questão limite, motivo pelo qual há de ser atendida sempre que haja necessidade de interpretação das relações contratuais podendo, inclusive, ser causa de nulidade de negócios jurídicos. O sistema jurídico não continha qualquer regra expressa sobre a boa-fé. O Código Civil de 2002, no entanto, adotou norma semelhante à do BGB, estabelecendo no art.113 que os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração. Segundo nos parece, apesar dessa norma explícita, uma interpre-

tação sistemática do Código Civil nos leva à conclusão de que o legislador de 2002 não se limitou a considerar a boa-fé apenas um princípio de interpretação negocial. Isto constituiria evidente retrocesso, em face do avanço alcançado no campo do direito do consumo em que foi erigido a elemento de validade dos negócios jurídicos. Em verdade, conforme mostramos em nosso Teoria do fato jurídico ; plano da validade, §§ 13, 30 e 31, embora no art. 166 não haja explícita indicação consequências jurídicas correspondentes, que é maior no direito escrito. De resto, deve-se proceder considerando-se a norma em sua condição de parte de um sistema, sujeita, assim, à interação de outras normas e princípios gerais. 35. Código Civil alemão (BGB), § 157, e Código Civil italiano, art. 1.337, por exemplo.

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da boa-fé como pressuposto de validade dos negócios jurídicos, ao considerar, no art.187, a má-fé (= falta boa-fé), juntamente com a imoralidade do objeto (contrariedade aos bons costumes), causas de ilicitude no exercício dos direitos (= abuso de direito), e ter a contrariedade aos bons costumes (= imoralidade) como motivo de ilicitude e nulidade das determinações inexas (= condições negociais), nos arts. 122 e 123, II, as erigiu (boa-fé e moralidade) m oralidade) como requisitos de validade dos negócios jurídicos. Essas considerações servem para demonstrar que as normas jurídicas analisadas como parte do sistema jamais podem constituir  proposições jurídicas incompletas , como pretende Larenz 36, uma vez que, integrando, remitindo, ampliando, restringindo ou modificando outras normas, terão sempre o sentido jurídico de ordenar a conduta humana. Por isso não se pode considerar norma jurídica cada dispositivo de uma lei — do Código Civil, por exemplo — mas, sim, o conjunto de proposições que no seu todo, sistematicamente, constituam uma norma completa, com descrição de uma situação fáctica (= suporte fáctico) e a prescrição de uma consequência (= preceito), portanto, uma proposição com sentido lógico-jurídico. Por isso, podemos dizer que as normas jurídicas não existem sem conexão entre si, mas se encadeiam de modo a constituir a unidade do sistema jurídico que, afinal, integrado por normas e princípios, torna-se pleno e abrange todo o direito de uma comunidade. Qualquer atitude de análise científica do direito, portanto, tem de dar a ênfase devida a essa conexão e harmonia internas do sistema, sem maiores considerações ao exame preocupado apenas com as regras vistas isoladamente.  2.3. A normatividade normatividade dos princípios princípios jurídicos jurídicos

Várias são as objeções à ideia de princípio com força normativa. Alguns se referem a que os princípios não atenderiam os requisitos caracterizadores de normas jurídicas, pois não conteriam em sua enunciação um preceito que definisse sua eficácia jurídica, muito menos uma sanção para a hipótese de descumprimento, nem teriam efeito vinculante, porque não incidiriam. Tais objeções não têm substância, como passaremos a demonstrar.

la ciencia del derecho derecho, p. 174. 36. Metodología de la

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(a) A fonte dos princípios Há doutrinadores que asseveram que os princípios jurídicos princípios jurídicos seriam valores, tão somente. Sem razão, no entanto. Em verdade, os princípios  jurídicos não são valores em si,  mas, sim, grosso modo, constituem a expressão dos valores que inspiram o direito de uma comunidade jurídica determinada, o repositório desses valores. Os O s valores representam dado axiológico essencial na estruturação do ordenamento jurídico de uma comunidade. São, portanto, eleitos pela comunidade ao longo de sua existência e sedimentados em seu comportamento. Por isso, devem ser os elementos-guia determinantes do comportamento de quem detenha na comunidade o poder de revelar as normas jurídicas, atribuindo essência  jurídica às normas comportamentais existentes existentes na sociedade. Daí, é possível afirmar, afirmar, sem receio de errar, que os princípios jurídicos, mesmo quando não têm seu reconhecimento pela autoridade normativa (= constituinte, legislador), expressando-os em normas explícitas nas constituições e leis, estão presentes, implicitamente, no sistema através da enunciação das leis neles inspirados, como já mencionado. Por isso, é preciso destacar que existem princípios explícitos e princípios implícitos, como ocorre com as normas em geral. (b) A estrutura estrutura formal dos princípios princípios Conforme analisamos no § 10, a seguir, duas são as principais correntes doutrinárias que divergem quando se trata de caracterizar uma norma jurídica por sua estrutura formal: (i) não sancionista, segundo a qual para ser considerada norma jurídica, do ponto de vista lógico-formal, é tão somente necessário que tenha uma estrutura proposicional composta, essencialmente, pela descrição de um suporte fáctico e a prescrição de um preceito; e (ii) sancionistas que entendem ser indispensável que a proposição contenha uma sanção. Analisada a estrutura lógico-formal dos princípios, chegaremos à conclusão de que atende aos pressupostos de completude, seja qual for a óptica adotada para considerá-la. Vejamos. (i) Examinada a estrutura lógico-formal do ponto de vista da doutrina não sancionista, constatar-se-á constatar-se-á que os princípios atendem os requisitos para que se considere uma proposição normativa completa, pois sempre contêm a descrição de um antecedente (= suporte fáctico) e a prescrição prescrição de um consequente (= preceito), embora, em geral, sejam formulados com acentuado grau de indeterminação, o que não é bastante

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para descaracterizar o seu caráter normativo. Seja qual for o nível de generalidade linguística da proposição que enuncia enunc ia o princípio, é possível identificar o seu suporte fáctico e seu preceito, relacionando-o a dados da realidade, completa está sua estrutura lógico-formal. É verdade, a grande generalidade com que, em regra, são formulados os princípios pode induzir a que nem sempre sejam vistos (= identificados) os elementos de sua estrutura normativa, e nisto reside o maior problep roblema para que se admita que o princípio constitui uma norma jurídica completa. Se, entretanto, considerarmos considerarmos que o maior ou menor grau de determinação, tanto em relação ao suporte fáctico, como ao preceito, é absolutamente irrelevante quando se trata de caracterizar normas  jurídicas  jurídi cas e que, por isso, não pode ser erigido erigid o à categoria catego ria de pressupressu posto configurador da normatividade, temos de concluir, à evidência, que os princípios são apenas casos de normas em que existe indeterminação na expressão dos elementos de sua estrutura lógica ( vide, adiante, o § 15). Tomemos alguns exemplos para demonstrar a afirmativa: (i.a) o princípio constitucional da isonomia  (CF, art. 5º 5º,, caput ), isonomia (CF, ), ao enunciar que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, descreve como suporte fáctico a existência de pessoas em situações fácticas ou jurídicas iguais , e por  preceito o deferimento de direito direito às pessoas nessas situações de serem tratadas com igualdade e do correlato dever das autoridades públicas (inclusive o legislador) e, em geral, de qualquer particular , pessoa física ou jurídica, jurídica, de não darem às outras pessoas, sejam quais forem, em leis, em atos administrativos e em relações sociais, tratamento diferenciado quando estiverem em iguais situações fácticas ou jurídicas ; e, inversamente, impõem-lhes vedação de tratar com igualdade pessoas em posições que sejam desiguais. O direito que decorre da eficácia jurídica desse princípio tem

caráter de direito subjetivo absoluto (porque se dirige a todos); (i.b) o princípio  princípio da universalidade universalidade da capacidade capacidade jurídica jurídica (Código Civil, art. 1º) 1º ) tem por suporte fáctico a existência de seres humanos, independentemente de seu grau de sanidade física, intelectual ou mental, de sexo, cor, raça, religião, ideologia política etc. , e por preceito a atribuição a todos da capacidade de ser sujeito em uma situação jurídica

(= possibilidade de ser titular de direitos e deveres); (i.c) o princípio da presunção de inocência do acusado criminal5º , LVII) LVII) , tem por suporte fáctico a existência de alguém mente (CF, art. 5º, acusado da prática de um crime  e por  preceito  preceito a atribuição do direito

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subjetivo de não poder ser considerado criminoso enquanto não transitada em julgado sentença em que seja condenado;

(i.d ) o princípio da indenizabilidade dos danos causados por erro  judiciário tem por suporte fáctico o fato de alguém, por erro, ser condenado criminalmente, constituindo seu  preceito o direito subjetivo daquele que assim for condenado de ser ressarcido pelos danos materiais e morais que lhe advierem da condenação.

Em todas as espécies acima o direito que é atribuído se subjetiva e é acobertado por pretensão que o torna exigível, e por ação, que o faz impositivo. Vê-se, assim, que em face da doutrina não sancionista nada há que objetar quanto ao caráter normativo dos princípios em relação à estrutura lógico-formal da proposição. (ii) Da mesma maneira, se estudarmos o problema em face da concepção sancionista, que exige haver uma sanção punitiva como dado essencial para caracterizar uma norma jurídica, iremos, forçosamente, concluir que os princípios atendem a esse requisito. Realmente, na formulação linguística dos princípios não se encontra disposição expressa cominando uma sanção específica para a sua violação. No entanto, conforme já anotamos, a coercibilidade do direito, que constitui seu fundamento de impositividade, se materializa nas sanções e estas são de naturezas várias, incluindo-se aquelas que simplesmente privam certos atos de produzirem vantagens em favor de quem os pratica ( vide §§, 16, 2, e). A invalidade é exemplo dessas sanções que, genericamente, dão coercibilidade aos sistemas jurídicos para garantir sua integridade. No plano dos direitos privados, existe o princípio de que é nulo todo ato jurídico que infrinja norma jurídica cogente que não preveja outra sanção para a sua violação. Do mesmo modo, no campo do direito público é sujeito à nulidade o ato do Poder Público que viola norma jurídica impositiva. Quando se trata de leis ou atos normativos, rege o princípio de que são nulos os que violam disposições constitucionais, bem assim os atos normativos infralegais que conflitem com normas de hierarquia superior. A nulidade é, portanto, uma sanção específica para reprimir atos que conflitem com disposições constitucionais constitucion ais e legais (vide § 64, 3.3.2 e s.). Por isso, toda vez que o Poder Judiciário decreta a nulidade, por inconstitucionalidade, de uma lei ou ato do poder público por haver violado um princípio constitucional está aplicando uma sanção ao ato de violação. O mesmo ocorre quando o STF emite uma norma para regular situação em que haja omissão do poder público em dar efetividade a princípio constitucional fundamental, ou declare que a norma deve

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ser interpretada segundo a Constituição, com redução ou não do texto. Pode parecer incorreto, ou mesmo mesm o sem sentido, considerar a criação da norma pelo Judiciário como uma sanção. Se considerarmos, entretanto, o conceito amplo de sanção, chegaremos à conclusão de que, quando o Supremo Tribunal emite a norma reguladora, atuando em substituição ao órgão responsável pela omissão, exclui do ordenamento a norma no rma conflitante ou lhe dá interpretação conforme conform e a Constituição, reduzindo-lhe o texto, ou não, assume e exerce competência privativa do legislativo, o que, em última análise, constitui uma punição a esse órgão e um modo de impor o poder vinculante do princípio, fazendo cessar cess ar a sua violação representada pela omissão. Poder-se-ia alegar, em contrário, que a doutrina kelseniana não admitiria uma sanção não expressa na própria norma como suficiente para assegurar o caráter normativo da disposição, o que invalidaria nosso argumento. Isto, porém, não é verdadeiro, uma vez que é o próprio Kelsen quem afirma que há normas jurídicas que têm sua sanção definida em outras normas. Tais normas não deixariam de ter sua natureza  jurídica, apenas, em sua visão, seriam o que ele denomina normas não autônomas (Teoria pura do direito, v. I, 110). Concluindo, parece absolutamente correto afirmar que os princípios atendem aos pressupostos lógico-formais referentes às normas jurídicas, donde não se lhes poder, poder, por isso, negar o caráter normativo. (c) Princípios explícitos e princípios implícitos

Como ocorre com as normas jurídicas, há princípios que são enunciados explicitamente em dispositivos constantes de documentos legislativos. Nos últimos tempos, a necessidade de preservar e declarar impositivamente os valores que inspiram a comunidade jurídica fez com que os constituintes e os legisladores infraconstitucionais se preocupassem em positivar em textos legislativos os princípios que a regem: são os princípios explícitos. A par desses, no entanto, há muitos princípios que permanecem implícitos no sistema jurídico; alguns são reveláveis através das normas  jurídicas que constituem detalhamento detalhame nto de seu conteúdo, de que são exemplos o princípio  princípio da imutabilid imutabilidade ade relativ relativa a do prenome prenome (Lei n. 6.015, arts. 56 e 57), o princípio da essencialidade essencialidade de domicílio domicílio (Código Civil, art. 73), o princípio da boa-fé negocial (Código Civil, art. 422), o princí  princípio pio da função social do contrato (Código Civil, art. 421), o  princípio do autorregramento autorregramento da vontade (Código Civil, art. 421).

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A circunstância de ser explícito ou implícito um princípio não afeta sua normatividade, como não afeta as normas jurídicas em geral. Os princípios exigem generalidade, nunca especificidade. Por isso, é preciso receber com reservas a atitude de certos doutrinadores que veem em cada norma  jurídica um princípio, p rincípio, de modo m odo que tudo no sistema seriam seri am princípios. (d ) A característica da incidência Finalmente, os princípios incidem? Em relação a essa exigência, também não há como negar que os princípios são dotados do poder de incidir sobre seu suporte fáctico, criando fatos jurídicos, e, por isso, são vinculantes das condutas a que se referem. A aplicabilidade aplicabilidade das normas  jurídicas, já mostramos, depende de sua incidência, de modo que somente podem ser aplicadas quando incidem (a aplicação em desacordo com a incidência constitui ato contra legem). Pela incidência é que os fatos da vida são regrados e as condutas correspondentes ficam vinculadas à norma jurídica. Ora, quando o Judiciário decreta a inconstitucionalidade inconstitucionalidade de certa lei ou ato do poder público, por conflitar com determinado princípio constitucional, está, em última análise, a aplicar aquele princípio, que declara incidente sobre a situação concreta (ato legislativo ou administrativo) e, por conseguinte, que o comportamento do legislador ou do administrador público foi ilícito. Se o princípio não fosse vinculativo, se o poder político (ou qualquer um a quem se dirigisse o princípio) pudesse agir livremente, contrariando-os, sem que houvesse qualquer instrumento de reação (= sanção) do sistema jurídico destinado a repelir a violação e, portanto, apto a manter a sua integridade, como um todo, e a vigência de suas normas, em particular (conceito lato de sanção), então e somente então seria possível afirmar que os princípios não incidem e, por isso, não têm caráter normativo. Não é isso, no entanto, o que acontece, ao menos, atualmente. A doutrina do STF, STF, elaborada a partir da Constituição de 1988, firmou-se no sentido de que também há inconstitucionalidade quando ocorre infringência direta de princípio constitucional, bem assim até quando existe omissão do poder político em dar efetividade a um princípio fundamental. Disto resulta evidente que na decisão que decreta a inconstitucionalidade, quer anulando a lei ou ato do poder público, quer emitindo norma para regular o caso concreto, ou interpretando a norma segundo a Constituição, com ou sem redução de texto, substituindo-se ao órgão omisso, o STF dá aplicação ao princípio constitucional contra sua violação, por ato ou omissão, e constitui um reconhecimento de seu poder vinculante (de incidência).

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(e) O problema das normas ditas programáticas Essas observações, a nosso ver, ver, aplicam-se não somente a qualquer princípio constitucional ou infraconstitucional, mas, também, a outras normas expressadas genericamente e sem disporem textualmente sobre uma sanção específica, como as constitucionais denominadas programáticas. Em verdade, as normas programáticas, em geral, não podem gerar inconstitucionalidade inconstitucionalidade por omissão, porque, de ordinário, apenas definem o programa de governo sem impor sua realização efetiva. O mesmo não ocorre quanto à inconstitucionalidade por ação. Com efeito, se o poder político age de modo contrário ao  programa  programa nela definido há violação da norma constitucional, cabendo ao Poder Judiciário promover o controle da constitucionalidade do ato, decretando sua inconstitucionalidade. Acrescente-se que, se o programa constitucional for impositivo (v.g. norma que determine ao Executivo a implementação de certa política em determinado tempo), vencido o termo fixado sem que haja cumprimento do comando, há possibilidade de controle jurisdicional, em face da omissão. A nosso ver, ver, as normas programáticas não impositivas têm caráter de normas não cogentes, desde quando, ao permitirem ao governante decidir sobre sua aplicação segundo juízo de conveniência (= poder discricionário), oferecem opção entre realizá-las ou não. Finalmente, como parece evidente, os princípios, assim os constitucionais como também os infraconstitucionais, infraconstitucionais, preenchem os pressupostos lógico-formais e materiais exigidos para que uma proposição tenha caráter normativo. Apesar da generalidade como são formulados seus conteúdos, neles há a descrição de um suporte fáctico e a prescrição de um preceito. Do mesmo modo, não há como negar-lhes o poder de incidir sobre os fatos que eles preveem e, assim, de vincular condutas a eles relacionadas. Não há, portanto, como negar o caráter normativo dos princípios  jurídicos  jurídicos e das normas constitu constitucionais cionais programáticas. programáticas.

§ 10. A estrutura lógico-formal da norma jurídica 1. Expressão essencial da norma jurídica

A norma jurídica, já dissemos, prevê fatos (suporte (supo rte fáctico) aos quais imputa certas consequências (= eficácia jurídica) com implicações no

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plano do relacionamento intersubjetivo. A primeira parte do art. 2º do Código Civil brasileiro (“a personali  personalidade dade civil da pessoa  pessoa começa do nascimento com vida”), por exemplo, constitui norma jurídica que atribui ao fato do nascimento de um ser humano com vida o efeito jurídico de considerá-lo pessoa para os fins de direito direito. Assim, por força dessa norma  jurídica, sempre que um homem nascer com vida será, a partir daquele momento, considerado capaz de ser titular de direitos e deveres na ordem ordem civil (o que constitui o conteúdo da capacidade jurídica). Do ponto de vista lógico-formal, a norma jurídica constitui uma proposição hipotética que, usando-se a linguagem da lógica tradicional, pode ser assim expressada: “se SF então deve ser P”, em que a hipótese (= antecedente) é representada pelo suporte fáctico (SF) e a tese (= consequente) pelo preceito (P) 37. 2. Sancionistas e não sancionistas38

O problema da estrutura lógica da norma jurídica, no entanto, não é tão simples como pode parecer; as questões que envolve, mercê de sua complexidade, têm provocado profundas divergências doutrinárias. Basicamente, porém, podemos sintetizar essas divergências em duas posições principais, a saber:  2.1. Norma primária e norma secundária secundária (sancionistas) (sancionistas)

Para Hans Kelsen 39, a norma jurídica completa teria uma estrutura dúplice, constituída por uma norma primária e uma norma secundária, 37. Um exemplo facilitará o entendimento. O Código Civil dispõe: “Art. 5º A menoridade menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil”. Nessa norma, temos: ( a) como hipótese SF (suporte fáctico) o fato de alguém completar dezoito anos de idade e (b) como tese P (preceito) a aquisição da maioridade, ou seja, da habilitação para a prática de todos os atos da vida civil. nor ma giuridica , p. 38. Expressões usadas por Norberto Bobbio, Teoria della norma 209 et  passim  passim. 39. A concepção normativista do direito, como construída por Hans Kelsen, tem como fundamentos as ideias de que ( a) o mundo do direito seria constituído, exclusivamente, por normas e ( b) uma norma social para ser considerada jurídica deveria conter, necessariamente, necessariamente, uma sanção punitiva. Em verdade,

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(a) segundo o normativismo kelseniano no plano da juridicidade, haveria (i) normas norm as gerais e abstratas postas pela comunidade jurídica através de seus órgãos legisferantes, segundo segund o procedimentos determinados pelas Constituições, Constitu ições, e (ii) normas individuais, consubstanciadas consubstan ciadas em atos de órgãos (= autoridades estatais, juízes e outros agentes públicos administrativos) competentes para aplicar as normas gerais, adequando-as às condutas ocorrentes no mundo social e aplicando as sanções cabíveis. Portanto, todo ato de autoridade, seja judicial judic ial (= sentenças), seja administrativo (= atos administrativos), que torna concretas as disposições de uma norma geral decretada pelo legislador, pela aplicação às situações que se materializam no meio social, constituiria uma norma jurídica. Por isso, diz-se que o juiz e outra autoridade competente criariam normas jurídicas. Mas não somente isto. Para Kelsen até os efeitos jurídicos também seriam normas jurídicas. Assim, o direito p ura do direito, p. 151 et passim. subjetivo e o dever seriam normas jurídicas ( Teoria pura A edição que citamos é a publicada por Martins Fontes). Pessoa do ponto de vista  jurídico seria s eria um complexo de normas (p. 193). Desse modo tudo o que integra o plano da juridicidade seria norma jurídica. Não haveria, assim, fatos jurídicos e atos jurídicos, com valor jurídico de criar direitos e deveres, precisamente porque os indivíduos, não sendo órgãos estatais competentes, não têm poder de criar norma  jurídica; os fatos e atos jurídicos, dessarte, seriam apenas atos de cumprimento e de observância das normas postas. (b) Também para Kelsen, constituiria dado essencial da juridicidade de uma norma que contenha a previsão de uma punição para aquele que realizar conduta contrária ao comando normativo. Essa necessidade estaria pressuposta pela própria norma fundamental (p. 56) que seria o fundamento de validade do ordenamento  jurídico. Conforme o pensamento kelseniano, haveria normas autônomas, assim consideradas aquelas que prescrevem uma sanção aplicável às condutas que a contrariem, e normas não autônomas, quando a sanção para punir sua violação esteja prevista em outra norma (p. 60). Essas concepções, a nosso ver, ver, consubstanciam tão somente uma ideia formal do fenômeno jurídico, destoante de sua realidade. Quando se admite que o universo  jurídico seja formado apenas por normas deixa-se deixa-se sem explicação explicação quase tudo o que ocorre em seu seio. O universo jurídico é, em verdade, criação dos fatos jurídicos que, por sua vez, são criação de normas jurídicas. Conforme já mencionamos, a norma sozinha não produz coisa alguma; somente sua incidência sobre o fato, fazendo-o jurídico, tem significado. Se os indivíduos não têm poder de criar normas e se somente normas geram efeitos jurídicos, como explicar os efeitos jurídicos decorrentes de atos praticados, segundo as leis, pelas pessoas, como, por exemplo, a aquisição da propriedade por Mário do relógio que era de João e a de João da bicicleta que era de Mário em razão de uma troca feita pelos dois? Depois, dizer que tudo no direito seja apenas punitivo e que cada norma deva ter sua sanção específica ou que, excepcionalmente, a busque em outra, também específica, exclui-se do mundo jurídico uma gama enorme das mais importantes normas jurídicas. Como, admitida essa ideia, justificar o poder normativo dos princípios, por exemplo? Vide algumas outras observações no texto, adiante.

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e configuraria um juízo hipotético cuja expressão em linguagem lógico-formal seria: se F  então  então deve ser P (norma secundária), se não P então deve ser S  (norma  (norma primária) 40. Nessa fórmula, as variáveis proposicionais representam: a) F a situação de fato prevista (= suporte fáctico); b) P, a conduta humana que a norma ordena como devida em decorrência da situação de fato F (= preceito); c) não P a conduta humana contrária ao preceito P, isto é: o descumprimento da norma (= suporte fáctico); d ) S a sanção pelo descumprimento (= preceito). Usemos um exemplo para melhor esclarecer. esclarecer. O art. 389 do Código Civil dispõe: “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos (...)”. Essa norma deve ser lida como se estivesse assim redigida:  Havendo  Havendo uma dívida, o devedor deve cumprir a sua obrigação como pactuada . Se não cumpri-la , responde por perdas e danos. Decompondo a norma segundo os elementos da fórmula, teremos:  A) norma secundária

a) F (suporte fáctico) = havendo uma dívida; b) P

(preceito) = o devedor deve cumprir a obrigação conforme

pactuada;  B) norma primária primária

c) não P (descumprimento da norma) = se o devedor não cumpre

a obrigação pelo modo e no tempo, conforme pactuada; d ) S (sanção) = então deve responder por perdas e danos. Como se vê, segundo a formulação kelseniana, a norma secundária é aquela que, para dada situação de fato ( F ), ), ordena certa conduta ( P), enquanto a norma primária é a que prescreve uma sanção ( S ) para o caso de não se realizar a conduta ordenada ( não P). Desse modo, a norma 40. Teoría general del estado, p. 66. Para expressar a sua concepção da proposição jurídica, Kelsen usa a fórmula elíptica “se  A então deve ser  B” (op. cit., p. 62). O emprego que fazemos de outras letras ( F  e P) para indicar as variáveis proposicionais não tem qualquer implicação, sendo, portanto, indiferente.

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secundária esgota-se com o cumprimento espontâneo pelo seu destinatário (= o devedor cumpre a obrigação conforme pactuada), enquanto a norma primária supõe conduta contrária à previsão da norma secundária (= o devedor descumpre a obrigação e deve ser punido) 41.

41. Essa é a concepção de Hans Kelsen, que vem de seus escritos publicados em vida. Em sua obra póstuma Allgemeine  Allgemeine theorie theorie der normen normen (Viena, Manz verlag Wein, 1979), no entanto, em seu Capítulo 35 encontra-se o seguinte texto: “Se se admite ser essencial à lei fazer-se uma distinção entre uma norma que ordena uma certa conduta e uma norma que prescreve uma sanção para a violação da primeira norma, então aquela ( a primeira  primeira norma) deve ser chamada a norma primária e essa (a segunda) a norma secundária — e não o contrário como expressei em capítulo anterior” (são nossas as interpolações entre parêntesis no texto, que traduzimos da edição inglesa dessa obra — General theory of norms, p. 142, Oxford: Clarendon Press, 1991, traduzida por Michael Hartney. Essa obra foi editada no Brasil por Sérgio Antonio Fabris Editor, traduzida por José Florentino Duarte — Teoria geral das normas, Porto Alegre, 1986. Há pequena diferença entre os textos das traduções inglesa e brasileira, na parte final, que, no entanto, não lhe afeta o conteúdo. É que na edição brasileira está escrito... “e não o contrário, como o foi por mim anteriormente formulado”, enquanto na tradução inglesa se faz menção a “capítulo anterior”). Baseado no trecho antes transcrito, José Florentino Duarte, no prefácio da edição brasileira da Teoria geral das normas, p. IX, afirma: “O muito que se divulgou no mundo com referência à norma primária e à norma secundária também não mais corresponde à última opinião de Kelsen. Ele modificou, radicalmente, o seu entendimento sobre a qualificação de duas normas que se interligam num núcleo de um preceito: uma descrevendo a conduta devida e a outra fixando a consequência  jurídica da infringência. infringência. A segunda norma, Kelsen qualificara primária e a primeira, secundária. No presente tratado, porém, retificou seu antigo modo de pensar: a primeira, hoje, em terminologia kelseniana, é a norma primária e a segunda, a norma secundária”. Esse entendimento, no entanto, a nosso ver, deve ser considerado com bastante reserva, pelas razões que passamos a expor: (i) primeiro, essa conclusão está em completa discordância discordânci a com as afirmativas contidas nos Capítulos 15 e 34 da mesma obra em que Kelsen exprime os mesmos conceitos originais, segundo os quais norma primária é a que prescreve uma sanção para o caso de transgressão da norma que ordena a conduta desejada pela comunidade jurídica, nomeada norma secundária. (ii) segundo, porque no desenvolvimento do próprio Capítulo 35 (onde se diz ter havido a modificação de seu pensamento), ao referir-se à expressão linguística da norma que, como é comum, (a) elide a menção à conduta ordenada ( b) para prescrever, expressamente, apenas a sanção para o caso de violação daquela conduta implicitamente ordenada, Kelsen afirma: “A expressa formulação da norma que proíbe o furto e da norma que impõe o pagamento de um empréstimo recebido, i. é, a norma que prescreve a conduta que evita a sanção é efetivamente efetivamen te supérflua, pois está — como

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 já indicado indicado anteriormente — implicada na norma que estatui a sanção. Pois a norma que estatui um ato coercitivo como sanção então aparece como a norma primária, e a norma nela implícita (a qual não é de fato, nem necessita sê-lo, expressamente formulada), a norma secundária”. Nesse texto, está claro, volta Kelsen à sua concepção original, embora com uma diferença: tal classificação depende de que, na formulação legislativa da norma, somente esteja expressa a sanção para o caso de transgressão da conduta desejada, quando implícita na disposição legal. Parece-nos inadmissível que um autor do quilate de Kelsen pudesse cometer tais incoerências e imprecisões, especialmente ao longo de uma mesma obra. Este último texto transcrito mostra que, na verdade, Kelsen não renegou sua concepção original, ao menos de todo. Talvez, movido pelas críticas que lhe eram dirigidas à concepção original, estivesse a esboçar uma revisão, mas ainda sem convicção. A inconcebível confusão que faz no texto entre a norma e a sua formulação legislativa não é própria de Kelsen. É claro que a norma jurídica não pode ser analisada por sua expressão linguística, mas pelo seu conteúdo. Toda norma penal (= que prescreve uma sanção), por exemplo, pressupõe uma proibição ou uma imposição de certa conduta para cuja violação prescreve a punição. Como assinalamos antes, a técnica legislativa impõe que os textos legais penais (como, de resto, os demais, em sua maioria) sejam redigidos elipticamente, omitindo-se a referência expressa à conduta desejada, que, no entanto, é de ser considerada parte integrante da norma. O próprio Kelsen reconhece não ser necessário que esteja a proibição ou a imposição da conduta desejada (para cuja transgressão se estabelece a sanção) explicitamente expressada na formulação legislativa da norma, uma vez que constitui pressuposto necessário de sua incidência. Assim, quando o Código Penal prescreve: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena — reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa...”, na verdade está, essencialmente, proibindo a todos o ato de furtar. Essa norma, em sua completude, deve ser lida: (1) é proibido subtrair, para si ou para outrem, coisa móvel alheia (conduta desejada); (2) se alguém subtrair , para si ou  para outrem outrem, coisa móvel alheia, deve ser punido com pena de reclusão de um a quatro anos e multa... (punição para conduta contrária = violação da norma). Está claro, portanto, que tanto em sua formulação legislativa, com linguagem elíptica, como em sua expressão integral a norma penal (= que impõe uma sanção) contém, sempre, uma norma primária e uma norma secundária. E, numa atitude cientificamente correta, a norma há de ser analisada e classificada segundo seu conteúdo específico e completo, em sua integridade, e não somente conforme esteja expressada em textos legislativos. Por isso, ter-se como primária a norma que estabelece a sanção (= reclusão) por estar explícita em sua formulação formu lação legislativa e secundária a que proíbe pro íbe o comportamento criminoso somente porque está implícita constitui, além de grave imprecisão científica pela confusão que faz entre a norma e sua expressão, prova de que Kelsen não se despiu de suas convicções anteriores. Por esses motivos, parece-nos prudente e recomendável receber com reserva, como recebemos, essa mudança de posicionamento. É preciso ainda lembrar que a  Allgemeine theorie der normen é obra póstuma, construída a partir de uma grande quantidade de escritos produzidos esparsamente por Kelsen nos últimos anos de sua vida e ordenados para publicação sob a responsabilidade do Instituto Hans Kelsen, de Viena, Viena, que, apesar da inquestionável competência científica de seus integrantes, não poderia rever os escritos a ponto de escolher entre posições.

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Dentro dessa mesma orientação, Carlos Cossio aceita a estrutura dúplice da norma jurídica, sustentando, porém, que não se trata de um  juízo hipotético , mas de um juízo disjuntivo , porque entre a endonorma (que corresponde à norma secundária) e a  perinorma (que corresponde à norma primária) não haveria uma relação de antecedência e consequência (que tipifica o juízo hipotético: “dada a hipótese, então a tese”), mas uma alternatividade caracterizada pela conjunção OU, donde expressar-se: expressar-se: “dado F  deve  deve ser P, ou dado não P deve ser S ”. ”. Lourival Vilanova, em seu excelente  As estruturas lógicas lógicas e o sistema sistema do direito direito  positivo  positivo, p. 89, demonstra que, rigorosamente, Cossio não recusa a estrutura hipotética kelseniana, pois em sua fórmula “encontra-se a relação antecedente e consequente, característica da conexão hipótese/tese”. O próprio Lourival Vilanov Vilanovaa considera a norma jurídica uma proposição secundária , bimembre, integrada por uma norma primária e uma norma secundária, apesar de atribuir a essas expressões, com absoluta razão e propriedade, um sentido inverso àquele empregado por Kelsen; em outras palavras: para Lourival Vilanova Vilanova a norma primária, que constitui a hipótese (= anteceantecedente) da proposição normativa, corresponde àquela em que a comunidade  jurídica define a conduta desejada, prevendo seu espontâneo cumprimento pelos seus destinatários, enquanto a norma secundária, que é a tese (= consequente), corresponde à sanção a ser imposta àquele que realizar conduta contrária à prescrita.  2.2. Não sancionistas sancionistas

A outra posição, adotada por autores como Larenz, Von Tuhr, Pontes de Miranda, sustenta que a norma jurídica é uma  proposição  proposição completa quando contém, simplesmente, a descrição do suporte fáctico e a prescrição do preceito a ele correspondente 42, independentemente de que esse se refra, ou não, a uma sanção. De acordo com essa concepção,

tanto a norma primária como a norma secundária podem ser, cada qual, uma proposição jurídica completa. A menção a um suporte fáctico e a um preceito é bastante.

42. Para os que aceitam a estrutura dúplice da norma jurídica, a indicação do suporte fáctico e do preceito corresponde, apenas, ao que denominam estrutura interna da norma primária ou da norma secundária, de modo que cada uma delas teria um suporte fáctico e um preceito. Veja-se Veja-se sobre esse ponto de vista, por exemplo,  Introduzione allo studio del diritto privato privato, p. 45; Lourival Vilanova, Natalino Irti,  Introduzione  Lógica jurídica, p. 113.

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Se a norma prevê, ou não, uma sanção para o caso de ser transgredida não tem qualquer importância. A incompletude da norma reside, apenas, na falta de menção ao suporte fáctico ou ao preceito.

§ 11. Análise crítica das doutrinas A diferença diferença entre as duas posições doutrinárias reside, fundamentalmente, em que: (a) Para os kelsenianos 43, a coação, representada pela sanção, constitui o elemento essencial caracterizador da norma jurídica 44. As

43. Embora nos refiramos com destaque aos kelsenianos, essa posição é também a dos imperativistas (dentre os quais se incluem o próprio Kelsen, na sua última fase de vida, e Legaz e Lacambra, Filosofía del derecho, p. 387), dos relativistas, del la norma enfim, de todos aqueles que denominamos sancionistas (Bobbio, Teoria della giuridica, passim), porque consideram a sanção como condição necessária e essencial do direito. 44. Em sua Teoria pura do direito (tradução de João Baptista Machado, publicada em Portugal por Arménio Amado Ed., Sucessor, Coimbra, 1962, v. I, p. 48 e 66, e no Brasil por Martins Fontes, São Paulo, 2000, p. 26 e 37), Kelsen faz referência ao prêmio como incluído no conceito lato de sanções possíveis em uma ordem social. Querendo livrar-se da dificuldade para explicar a ideia do eminente autor de que somente se pode considerar jurídica a norma que instituir uma sanção consistente em ato de coação como punição para o indivíduo que tiver conduta contrária à determinação da norma ou que, ao menos, a ela, norma com sanção, estiver relacionada (norma não autônoma), o que deixa fora do direito um mundo de normas  jurídicas importantíssimas, sustentam, alguns kelsenianos, que isso importaria o reconhecimento por Kelsen da denominada sanção premial, demonstrando que não se poderia tomar em caráter absoluto a sua concepção de que a punição seria a única espécie de sanção que poderia conter uma norma para ser considerada jurídica. No restante de toda a obra e na sua Teoria geral das normas, no entanto, não há outra referência qualquer, por mais leve que seja, ao prêmio como possível consequência de uma norma jurídica. Ao que nos parece, bem analisados os textos em que há a referência ao prêmio como sanção, Kelsen não ligou  essa sanção premial às normas jurídicas, mas, genericamente, a quaisquer normas que integrem uma ordem social, como a moral, mantendo a ideia de que as sanções jurídicas são apenas aquelas punitivas. Com efeito, Kelsen desenvolve no primeiro texto (p. 48 ou 26) uma análise do que denomina ordem social, anotando que, de uma perspectiva psicossociológica, a função de qualquer ordem social consiste em fazer com que as pessoas a ela subordinadas omitam conduta socialmente prejudicial ou realizem ações socialmente úteis, utilizando-se para tanto de “normas que prescrevem ou proíbem determinadas ações humanas”. “A ordem social — prossegue dizendo — pode prescrever uma determinada conduta humana sem ligar à observância ou não

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proposições jurídicas que não especifiquem uma sanção para o caso de serem infringidas são proposições incompletas, imperfeitas, não autônomas ou simplesmente preceitos auxiliares ( leges imperfectae ). Assim, normas como a do art. 1º do Código Civil (“toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”), as outorgativas, as integrativas, as promocionais, as programáticas, por exemplo, não podem ser consideradas normas jurídicas completas, seriam meras normas auxiliares ou, na melhor das hipóteses, normas não autônomas ( vide, antes, nota 39). (b) Para os outros, o que importa, na caracterização de uma norma  jurídica completa, é, apenas, a descrição de um suporte fáctico e a presindepen dencrição de efeitos jurídicos a ele especificamente imputados, independentemente de serem esses efeitos uma sanção ou uma vantagem (= direito, prêmio).

observância deste imperativo quaisquer consequências. Também Também pode, porém, estatuir uma determinada conduta humana e, simultaneamente, ligar a esta conduta a concessão de uma vantagem, de um prêmio, ou ligar à conduta oposta uma desvantagem, uma pena (no sentido mais amplo da palavra). O princípio que conduz a reagir a uma determinada conduta com um prêmio ou uma pena é o princípio retributivo (Vergeltung). O prêmio e o castigo podem compreender-se no conceito de sanção. (...)” Após essas considerações que, claramente, são de ordem geral, Kelsen especifica a sanção punitiva como a única jurídica, quando diz: “Finalmente, uma ordem social pode —  e este é o caso da ordem jurídica — prescrever uma determinada conduta precisamente pelo fato de ligar à conduta oposta uma desvantagem, como a privação dos bens acima referidos, ou seja, uma pena no sentido mais amplo da palavra. Desta forma, uma determinada conduta apenas pode ser considerada, no sentido dessa ordem social, como prescrita — ou seja, na hipótese de uma ordem  jurídica, como juridicamente prescrita —, na medida em que a conduta oposta é pressuposto de uma sanção (no sentido estrito)”. No segundo texto, intitulado O Direito: uma ordem coativa (p. 66 ou 37), reconhece Kelsen que “as modernas ordens jurídicas também contêm, por vezes, normas através das quais são previstas recompensas para determinados serviços, títulos e condecorações”. No entanto, rechaça de imediato se possa considerar tal disposição uma sanção premial, afirmando que tais normas “desempenham apenas um papel inteiramente subalterno dentro destes sistemas que funcionam como ordens de coação” e que “de resto estão numa conexão essencial com as normas que estatuem, sanções”. A outorga de um título somente se poderia considerar um ato permitido, que, portanto, não sujeitaria a uma sanção punitiva. Daí se pode concluir, claramente, que Kelsen não admite, em hipótese alguma, possa haver norma jurídica sem que contenha uma sanção punitiva para o caso de não ser atendida, o que frustra o ávido anseio de alguns de seus seguidores em tentar negar o injustificável equívoco da teoria pura do direito em somente considerar jurídica a norma que for acobertada por uma sanção punitiva.

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Para esses, a conexão hipótese/tese do juízo hipotético, que é a norma jurídica, não se estabelece entre uma norma primária e uma norma secundária, mas, sim, entre um suporte fáctico e um preceito. A norma jurídica pode ter uma estrutura dúplice (bimembre), todavia somente quando a sanção for imanente a ela, em razão de sua peculiar natureza (norma penal, por exemplo). A nosso ver, a proposta kelseniana parece insuficiente para explicar, explicar, em sua plenitude, o fenômeno jurídico, porque: (i) Ao recusar às normas que não contêm sanção específica o caráter de normas jurídicas típicas, se não chega a excluir do universo do direito — porque as considera não autônomas, auxiliares — normas de altíssima relevância, como é o caso, e. g., das normas que definem os direitos fundamentais do homem, ao menos não lhes reconhece a importância e sua verdadeira posição no plano jurídico. Não há como negar, parece-nos, que é muito mais significativa para o direito e para a convivência social a norma segundo a qual “todos são iguais perante a lei”, do que aquela outra que estabelece a pena de prisão para a pessoa que furta, muitas vezes, para dar de comer a seus filhos. (ii) Depois, fazendo da sanção punitiva algo essencial ao direito, confunde a obrigatoriedade das normas jurídicas com a coação, quando essas não são expressões sinônimas. É evidente que o direito não pode deixar de ser obrigatório, mesmo porque nisso consiste a diferença substancial que o distingue dos demais processos de adaptação social. Mas o ser obrigatório não significa que seja necessariamente punitivo: obrigatoriedade quer dizer  possibilidade de imposição da norma , pela comunidade jurídica , mais precisamente pela autoridade que detenha o poder de realizar, forçadamente, o direito (o juiz, por exemplo), no caso de ser transgredida. Na obrigatoriedade  pode haver coação, pena, sanção, sempre, portanto, com caráter de  probabilidade  probabilidade, nunca, porém, de necessidade. As normas penais são necessariamente coativas (= punitivas), não assim normas como as que compõem os Livros I e II do Código Civil, e. g. Todas, no entanto, são obrigatórias. Se alguém comete homicídio, o juiz cumpre o art. 121 do Código Penal punindo o infrator com reclusão; se, de outro lado, alguém que haja abandonado um imóvel que lhe pertencia, resolve reavê-lo, dele expulsando, à força, quem o esteja possuindo como seu próprio, há mais de quinze anos, mansa e pacificamente, o juiz cumpre o art. 1.238 do Código Civil assegurando, simplesmente, simplesmente, ao

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possuidor a sua permanência na posse do bem, reconhecendo-lhe o direito de propriedade adquirido pela usucapião. Desses exemplos comparativos parece resultar evidente que as normas jurídicas nem sempre necessitam de sanção punitiva e de coação para realizar-se. Há situações, até, em que o direito se efetiva premiando, como acontece com co m as normas promocionais. promo cionais. A obrigatoriedade das normas jurídicas reside, em última análise, na sua incidência. Se o fato previsto (suporte fáctico hipotético) acontece no mundo, a norma jurídica incide e a partir daí subordina a seus preceitos as condutas a ela relacionadas. Essa subordinação da conduta à norma geral traz, em consequência, consequênci a, o dever da comunidade jurídica de fazer realizar o direito do modo o mais coincidente possível com as prescrições de suas normas45. Sempre que há incidência = aplicação, ocorre a plenitude na realização do direito. (iii) E, finalmente, nega uma das funções típicas das normas jurídicas, qual seja, precisamente, a de obter a adaptação social do homem, o que envolve, essencialmente, um cunho educativo e promocional. As normas jurídicas, apesar de muitos o negar, mais do que a obrigar, proibir e  permitir, destinam-se a alcançar dos homens, em suas relações intersubjetivas, um determinado comportamento julgado conveniente e necessário à harmonia social. Esse fim do direito revela certo sentido educacional de suas normas, uma vez que através delas a comunidade procura moldar o comportamento humano a seus valores 46. Por isso, os significados deônticos do dever-ser , seja o de obrigar, o de permitir ou o de proibir  proibir, expressam meios de que se utiliza a sociedade para alcançar um fim, a convivência harmônica no meio social,

45. Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, § 14, 1. 46. Nega-se, muito comumente, como anotamos na nota 17, esse caráter educacional das normas jurídicas. Isto, porém, exprime uma visão puramente dogmática do direito que, por isso mesmo, não leva em consideração as consequências sociopsicológicas das normas jurídicas. E sob esse ponto de vista não se pode negar que as normas jurídicas fazem com que o comportamento social se modifique, ajustando-se aos seus comandos. É evidente que ocorre, muitas vezes, reação contra o modelo traçado pela norma, norm a, pelo que ela não conseguirá realizar-se efetivamente. Mas essas hipóteses são excepcionais e, por isso mesmo, não invalidam a regra geral.

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mas não constituem um fim em si mesmos 47. Desde quando os meios são erigidos à posição de essencialidade, invertem-se os termos da questão e se distorce a realidade científica.

47. Sobre isso, E. García Maynez, Filosofía del derecho, p. 29, escreve: “As ordens estabelecidas pelo homem tendem sempre a um propósito. De acordo com a concepção cristã, a da natureza serve, por sua parte, aos desígnios de Deus. Os ordenamentos humanos (únicos a que agora desejamos dedicar a nossa análise) assumem, em todo caso, caráter medial quer se trate dos de índole técnica, quer dos de natureza normativa. A partir desse ponto de vista, aparecem como meios realização dos propósitos de seu criador. ou instrumentos de realização criador. Ordena-se por ordenar, mas para conseguir, através da ordenação, determinados objetivos”.

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