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June 15, 2019 | Author: Firmino Emilio | Category: Crimes, Crime e justiça, Criminal Law, Theft, Homicide
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Direito Penal...

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PARTE V- DO CONCURSO DE PESSOAS E DE CRIMES 1. Concurso de pessoas (agentes de crimes)

Quando o Código penal, na parte especial, descreve um tipo legal de crime, regra geral, trata de “ factos realizáveis por uma única pessoa ”105, sem descurar o facto de existirem crimes de  participação necessária necessária em que, o próprio tipo penal, penal, exige a existência de mais do que um sujeito (crimes plurisubjectivos). Porém, não são poucas vezes em que o facto punível pode ser obra de vários agentes, sendo  por isso a acção criminosa “ produto da concorrência de várias condutas praticadas por  sujeitos distintos”106  e essa reunião de pessoas no cometimento de uma infracção penal se designa de “concursus delinquentium”. 1.1. Teoria da comparticipação criminosa

Quando falamos de comparticipação criminosa, nos ocupamos da cooperação desenvolvida  por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infracção penal. Chama-se, Chama-se, ainda, em sentido lato, co-autoria, participação, concurso de delinquentes, concurso de agentes, cumplicidade107. “ Dentro das modalidades de autoria, a figura da comparticipação destaca-se por ser constituída por uma pluralidade de acções, em que cada agente desempenha a sua tarefa em conexão com as dos outros, na prossecução do resultado comum. ”108 vária s pessoas colaborem Como atrás nos referimos “ pode suceder e muitas vezes sucede que várias  para dar vida a um crime”.

A comparticipação criminosa requer que várias pessoas concorram para a prática de um facto  penalmente relevante. Pode-se genericamente definir a comparticipação criminosa como co mo uma situação de pluralidade de intervenientes num facto. O fundamento da punição dos comparticipantes é defendida em duas vertentes, sendo uma que sustenta que a “ imputação objectiva a um ou vários sujeitos deverá determinar-se  segundo as regras da causalidade: o autor de um crime será todo aquele que tiver dado causa à sua realização ”. 109  Assim, a punição da comparticipação resultaria implícita, mas

directamente dos tipos legais de crime, não sendo necessária qualquer disposição na parte geral. Mas outros criticam essa entendimento afirmando que este conceito extensivo de autoria não responde cabalmente a situações de colaboração na produção do facto criminoso, sem contudo, haver execução. Defendem então que o fundamento da punição da comparticipação se situe no alargamento da punição e outras formas de colaboração no facto criminoso que não são autoria, numa perspectiva de concei co nceito to restritivo da autoria 110. 105  BITENCOURT,

Cezar Roberto, op. cit.  Idem, op. cit. 107  Idem. 108  Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-01-1997, Relator: JOAQUIM DIAS. 109  CORREIA, Eduardo, op. cit., p. 246. 110  Cfr. Idem. 106

Correia defende que “ a participação tem natureza acessória, derivando a sua criminalidade no alargamento da punição do facto punível: exige-se assim, para punir o cúmplice ou o instigador que o executor tenha praticado um facto punível (acessoriedade rigorosa) ou apenas um facto típico e ilícito (acessoriedade mínima) ”.111

Temos por correcto o conceito extensivo de autoria, e por exacto que a causalidade deve continuar a considerar-se o fulcro à volta do qual gira a teoria da participação e de fundamentar a punição de todos aqueles que, com a sua conduta, dão causa à realização de um crime (sentido positivo) e ainda que, sempre que tal nexo não se verifique, não se pode falar de participação criminosa a qualquer título 112. Parece-nos de admitir que as regras dos artigos 19 a 24 do CP são regras de extensão da tipicidade, ou seja, são regras que visem tornar típicos comportamentos que não eram típicos. Dito de outra forma, a actuação de um cúmplice não preenche a tipicidade do crime como descrito na parte especial do Código Penal, mas a previsão da punição da instigação ou conselho, amplia a tipicidade prevista naqueles tipos legais.  Na verdade, na punição da comparticipação criminosa pretende-se valorar contributos que não são imediatamente subsumíveis aos tipos de ilicitude da parte especial e em conjunto com as regras da parte especial, criam uma nova regra de valoração jurídica, nesse sentido estendem a tipicidade da parte especial. 1.2. Conceito de autoria

 Nos termos do artigo 19 CP, “os agentes do crime são autores, cúmplices ou encobridores ”. Já o conceito de autor nos é fornecido pelo artigo 20 do CP.  Na concepção de Maia Goncalves, o autor é aquele que “ pratica o crime ou determina outrem que o pratique ”113. É, pois, aquele que pratica por si os actos de execução do crime ou de forma decisiva, faz com que uma outra pessoa execute esses actos.  No conceito da autoria se tem vincado a causalidade da actuação do agente, num prisma de que se porventura alguém fosse causal para o facto, mas o seu contributo não fosse essencial,  já não se teria autor. 114 Por isso podemos afirmar que a ideia essencial que está implícita a um conceito extensivo de autoria é a da equiparação causal dos diversos contributos : quem é causa de um facto, ou quem se torna causal por um facto, é o autor do mesmo. Por seu turno, Henriques Secco 115  define os autores como “os que dão a causa primária,  geradora ou eficiente do delito”. Uma das teorias seguidas na definição da autoria é a teoria do domínio do facto, a qual foi formulada pela primeira vez por Welzel. Considera este autor segundo a sua concepção 111  Idem,

p. 247.  Nestes termos, CORREIA, Eduardo, op. cit. 113  Op. cit. 114  Cfr. CORREIA, Eduardo, op. cit. 115  HENRIQUES SECCO, António Luís de Sousa, Direito criminal, Revista de Legislação e juri sprudência, imp. da Universidade, Coimbra, S/D. 112

 finalista,  que

o autor é a  pessoa que exerce o domínio final do facto, quem não tem esse domínio final do facto então deve ser punido apenas como participante 116. A teoria em alusão depois foi retomada e aperfeiçoada por Roxin e detém vantagens porque, a ideia do domínio do facto parte desta ideia fundamental: o autor de um facto ilícito é aquele que tem o poder de fazer avançar o facto ilícito, isto é, que tem o poder de provocar a agressão no bem jurídico.

Para Teresa Beleza 117 e segundo as teorias formais-objectivas, “o autor de um crime é quem,  pessoal e directamente, executa os actos descritos num tipo legal do crime”. Mas esta é apenas uma forma de autoria que entre nós está patente no n° 1 do artigo 20 CP. Ainda, segundo as teorias subjectivas, é autor de um crime quem actua com animus auctoris, ou seja, aquele que comete o crime “ no seu próprio interesse e com intenção de se considerar seu verdadeiro autor ”. E já as teorias materiais-objectivas, será considerada autor de um crime aquele que lhe dá causa 118, rectius, quem lhe dá causa essencial, teoria aceite por Eduardo Correia. Por isso, a autoria pode ser material (imediata) ou moral (mediata),  sendo considerados os autores materiais ou imediatos “ os que executam o crime (…) ” (1ª parte do n° 1 do artigo 20 CP). Os autores materiais ou imediatos são então os que praticam os actos de execução do crime ou participação nesses actos e, portanto, executam os actos que resultarão na consumação do crime, mas independentemente dessa consumação. São aqueles que executam a acção ilícita descrita na norma incriminadora. E os autores morais ou  mediatos  são os que determinaram outro a ser autor o crime, por violência física, ameaça, abuso de autoridade ou de poder, seja ou não vencível o constrangimento (n° 2º artigo 20 CP), ou por ajuste, dádiva, promessa, ordem, pedido, ou por qualquer meio fraudulento e directo (n° 3º artigo 20 CP). Também são autores morais ou mediatos os que aconselharam ou instigaram outro a cometer o crime e os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que, sem essa instigação ou sem esse concurso, não tivesse sido cometido o crime. (n°s 4º e 5º CP). Os autores morais ou mediatos não executam os actos da consumação do crime, mas são causa, ou sejam, actuam de forma determinante para que outro seja agente de um crime e, sem a actuação deles, o crime não teria sido praticado. Ou seja, o crime se verifica devido a sua contribuição (através de ameaça, promessa, dádiva, conselho ou instigação, entre outros).  Na doutrina de Henriques Seco, “ uns são chamados delinquentes imediatos, principais cúmplices, ou melhor, autores do delito, outros cúmplices acessórios, cúmplices secundários, auxiliares do delito, ou antes, cúmplices propriamente tais”119 .

116  Cfr.

WELZEL, Hans, op. cit. Penal, vol. II, op. cit. 118  Ideia formulada por Farinacio. 119  HENRIQUES SECCO, António Luís de Sousa, op. cit. 117  Direito

1.3. Conceito da coautoria

Refere Eduardo Correia que “ pode suceder (…) que um agente, por acordo e conjuntamente com outro ou outros, tome parte imediata na execução de um crime: estaremos então perante uma hipótese de coautoria ”120 .

A coautoria representa uma actuação conjunta de duas ou mais pessoas para a prática de uma infracção. Segundo Welzel 121, a coautoria é em si mesma uma forma de autoria, ao lado da autoria  principal e acresce que c oautoria é autoria”. Por isso, segundo ele, cada coautor deve ser autor ou que quer dizer que deve ter as condições pessoais - objectivas e subjectivas - de autor. A coautoria insere-se na comparticipação criminosa como nos referimos anteriormente e ainda no concurso de pessoas. Para Nucci, a coautoria corresponde ao concurso de pessoas em sentido lato, compreendendo assim a cooperação de mais de uma pessoa no cometimento do crime122. Do que estamos a tecer resulta que “ é coautor quem – possuindo as condições pessoais de autor – realiza uma acção de execução, no sentido técnico, sobre a base do plano comum do  facto, pois na realização finalista e voluntária da acção de execução, se manifesta mais claramente a própria vontade de concretização 123” do facto criminoso.

Por tanto, cada coautor deve subjectivamente ser co-portador da decisão comum da prática do facto, vale dizer, ter junto com os demais a vontade absoluta de realização, e objectivamente completar as contribuições dos demais ao facto, mediante sua contribuição de facto. Para Welzel124, na co-autoria deve existir a decisão comum da prática do facto, ou seja, o entendimento recíproco, expresso ou tácito, para a cometimento comum da infracção. Refere ainda que deve haver uma execução comum do facto, (realização conjunta de uma accao típica). O co-autor tem um domínio funcional do facto, isto é, de acordo com o contributo que presta, o sujeito, pelo papel que tem, pela função que desempenha dentro do plano, detém um domínio funcional do facto. É verdade que ele não detém o domínio total do facto, mas detém uma parcela importante do domínio por referência a um poder sobre o seu contributo, isto é, o co-autor detém realmente o domínio positivo do facto seu contributo: depende dele praticar ou não praticar aquele acto de envolvimento; mas não detém o domínio global do facto, a sua função é extremamente importante. A co-autoria está prevista na 2ª parte do artigo 20 CP quando se diz “ tomam parte directa na  sua execução”.

120  CORREIA,

Eduardo, op. cit.  WELZEL, Hans, op. cit. 122  NUCCI, Guilherme de Souza, Manual de Direito Penal, parte geral e parte especial, 7ª edição, ed. Revista dos tribunais, S. Paulo, 2011. 123  WELZEL, Hans, op. cit., tradução livre e não oficial, do espanhol. 124  Op. cit. 121

Para que possa existir co-autoria é necessário que haja uma concertação de vontades para a  prática do facto; pode ser uma decisão conjunta prévia, ou pode ser uma decisão no momento da prática do facto. É nisto que difere a autoria mediata (ou moral) da co-autoria, pois naquela existe uma vontade de dirigir o facto por parte do autor mediato, mas não há concertação de vontades. Como expende Correia, a diferença com a autoria mediata é “ precisamente o acordo” considerandoo como “consciência e vontade de colaboração de várias pessoas na reali zação do crime”125. A disposição legal refere a tomar parte directa na execução e este é um elemento de natureza objectiva muito importante, ou seja, é necessário que exista um acordo mas não basta esse acordo. Tomar parte directa na execução supõe que exista uma execução em curso e que o co-autor tome parte directa nela. Assim, a co-autoria possui uma delimitação objectiva que é a execução do facto pelos autores, e o acto típico do co-autor é o acto de tomar parte directa numa execução em curso. Para Maia Gonçalves 126, igualmente estão na situação da co-autoria o previsto no artigo 20, n° 5º CP, ou seja, são co-autores “ os que concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que, sem esse concurso, não tivesse sido cometido o crime”. 1.4. Conceito de cumplicidade

Muitas vezes, o termo cumplicidade pode ser entendido em dois sentidos diferentes: um genérico e outro restrito, especial e técnico. Alguma doutrina reconheceu que “ diz-se cumplicidade, no sentido lato ou filológico, a  participação de dois ou mais agentes no mesmo delito, ou a coexistência de dois OU mais agentes de um mesmo delito; e também o vinculo moral, que liga entre si os agentes de um mesmo delito, e por isso os deve unir no sofrimento da pena ”.127

Segundo Souza128, no sentido lato, “a cumplicidade exprime a associação, a concorrência de muitas pessoas para a prática de um mesmo delito, sem que aliás tenhamos necessidade de discriminar o grau de influência, a importância do papel que cada uma delas exerce ”. Neste

sentido, a cumplicidade coincide com a co-autoria. Já no sentido  stricto, “a cumplicidade exprime somente a concorrência daqueles que intervieram no crime de uma maneira pouco decisiva, exercendo uma influência e prestando um auxílio, de que em rigor ter-se-ia podido prescindir para a perpetração dele ”129 .

Por seu turno, Seco afirma que, no sentido  stricto a cumplicidade “toma-se pela participação  secundária ou auxiliar dos agentes do delito, em contraposição à participação principal de outro ou outros agentes”.130 125  CORREIA, 126

Eduardo, op. cit., p. 253.

 Op. cit.

SECO, António Luís de Sousa Henriques, Elementos de Direito Criminal , revista de legislação,1872-1876 Florentino Henriques, Lições de Direito Criminal , op. cit. 129  Idem. 130 Op. cit. 127

128  SOUZA, Braz

É neste sentido restrito que se fala de cúmplice neste ponto. A cumplicidade é uma outra forma de comparticipação criminosa que difere da autoria (imediata e mediata) e da co-autoria.  Na verdade, neste tipo de participação caracteriza-se por o cúmplice não ter o domínio do facto ilícito, apenas tem o domínio do seu contributo. Costumam-se fixar duas figuras da participação criminosa, sendo a instigação e a cumplicidade que, no nosso ordenamento jurídico se designam unicamente de cumplicidade. O instigador é aquele sujeito que determina outrem à prática de um facto e o cúmplice é o agente que presta auxílio material ou moral à prática do facto.  Nos termos do Código Penal vigente existem dois tipos de cúmplices: Os primeiros, são aqueles que “ directamente aconselharam ou instigaram outro a ser agente do crime”, nos casos em que esse conselho ou instigação é dispensável  (vide n° 1 do artigo 22 conjugado com o artigo 20 ambos do CP). Porque se o conselho ou instigação for indispensável para o cometimento da infracção, será uma questão de autoria mediata ou moral e não cumplicidade. São igualmente cúmplices aqueles que “ concorreram directamente para facilitar ou preparar a execução nos casos em que, sem esse concurso, pudesse ter sido cometido o crime ” (n° 2 do artigo 22 CP). Maia Gonçalves 131 escreve que o cúmplice é um “ auxiliator causam non dans ”, pois, se for um agente “causam dans” seria autor moral ou mediato e não cúmplice. Segundo este autor, “o entendimento de que o cúmplice não dá causa ao cometimento do crime significa tao só que o seu comportamento não é essencial para que o crime se pratique. De qualquer modo, exige-se que o tenha facilitado; aliás a sua actividade seria inócua, criminalmente irrelevante”132.

Trata-se, neste caso, de uma contribuição (através de actos de facilitação ou preparação do cometimento do crime). Porém, a intervenção do agente neste caso é dispensável, ou seja, mesmo se o agente não tivesse facilitado ou preparado o crime, aquele teria ocorrido. Como conclui a doutrina, os cúmplices são “ aqueles, cuja participação no delito não foi bastantemente importante e decisiva, para que possam ser considerados coautores ou codelinquentes. O cúmplice, como muito bem diz Rossi, provoca, mas por uma impulsão acessória, e que só não teria produzido efeito: auxilia, mas não por actos constitutivos da acção criminosa, ou indispensáveis à execução dessa acção ”133 .

Muitas vezes a diferença entre a autoria moral ou mediata e a cumplicidade empresa confusão. Na verdade, todos eles não executam o crime por si, mas criam condições para que outrem o pratique. A diferença essencial entre a autoria (particularmente moral) e a cumplicidade baseia-se na causalidade, numa visão de que, o cúmplice presta auxílio não essencial , fornecendo uma 131  Código

Penal Português, op. cit.  Idem. 133  SOUZA, Braz Florentino Henriques, op. cit. 132

condição, sem a qual, embora verificando-se o resultado, se produziria por forma ou em tempo diferente.134 Se a sua contribuição foi essencial, funcionando como a “ conditio sine qua non ” da prática da infracção, estamos então perante autoria e não cumplicidade. Correia termina conceituando a cumplicidade como “ a determinação ou auxílio a um crime que, todavia, sem aquela determinação ou auxílio teria sido também realizado – embora o  fosse então por modo, em tempo, lugar ou circunstancias diversas”.135

1.5. Conceito de encobrimento

O nosso Código Penal vigente não traz o conceito exacto do que seja o encobrimento, limitando-se no artigo 23 a uma enumeração das condutas consideradas como encobrimento.  Nos termos daquela disposição, é encobrimento a alteração ou eliminação dos vestígios do crime com o propósito de impedir ou prejudicar a formação do corpo de delito ou a dissimulação ou inutilização das provas, os instrumentos ou os objectos do crime com o intuito de concorrer para a impunidade. Também é encobrimento a modificação ou ocultação nos exames da verdade do facto com o  propósito de favorecer algum criminoso, praticado por profissionais. Igualmente o aproveitamento ou auxílio ao criminoso para que se aproveite dos produtos do crime, tendo conhecimento no acto da aquisição da sua criminosa proveniência, através compra, penhor, dádiva ou qualquer outro meio, constituirá encobrimento. São encobridores também aqueles que dão coito ao criminoso ou lhe facilitam a fuga, com o  propósito de o subtraírem à acção da justiça. Maia Gonçalves 136  considera as disposições dos n°s 1º, 2º, 3º e 5º do artigo 23 CP como “encobrimento ou favoritismo pessoal ”. Nestes casos de favoritismo pessoal (excepto do n° 3º), quando os actos são praticados pelo cônjuge, ascendentes, descendentes e os colaterais ou afins do criminoso até ao terceiro grau por direito civil, não se verifica o encobrimento (§ único do artigo 23 CP). Já a situação patente no n° 4, designa o autor de “  favorecimento real ou receptação”. Contrariamente aos autores, coautores e cúmplices que pré-existem à prática do crime ou emergem em simultâneo com o cometimento do crime, os encobridores actuam depois da consumação do crime. Por isso Ana Prata define os encobridores genericamente como os “ agentes cuja actuação visa a impunidade dos agentes do crime ”.137 Hoje, muitas legislações já abandonaram a punição do encobrimento nos moldes que trata o nosso Código, sem prejuízo da punição como crime autónomos dos comportamentos que consubstanciam o encobrimento. Alguma doutrina considera errada esta concepção do Código actual que considera o encobrimento como uma forma de participação criminosa, sugerindo-se a tipificação 134  Nestes

termos, Acórdão do Supremo Tribunal da Justiça, de 10 de Julho de 1968.  CORREIA, Eduardo, vol. II, op. cit., pg. 251. 136  Código Penal Português, op. cit. 137  Op. cit. 135

autónoma dos actos que constituem o encobrimento como a receptação ou acolhimento de malfeitores.138  Na verdade, não se compreende como é que um agente que intervém depois de consumado um crime será considerado “ participante” ou “agente” desse acto passado, já cometido. 1.6. Punição do cúmplice e do encobridor

A medida da pena aplicável ao cúmplice “ é determinada por referência dupla à frustração e à tentativa”.139 Efectivamente, o artigo 103 CP refere que a “ a pena dos cúmplices do crime consumado será a mesma que caberia aos autores do crime frustrado ”. Ou seja, ao cúmplice de um crime consumado, se ao crime couber qualquer pena dos n°s 1º a 4º do artigo 55 CP, será aplicada a  pena imediatamente inferior. Assim, o cúmplice do crime consumado previsto no artigo 349 do CP será punido com a pena de prisão maior de 12 a 16 anos. Porém, se o crime consumado de que o agente é cúmplice couber pena de 2 a 8 anos ou qualquer pena correccional (do artigo 56 CP), o máximo da pena aplicável será reduzido a metade da sua duração máxima. Hipoteticamente, o cúmplice do crime previsto no artigo 337 CP será punido com pena de 2 a 4 anos (a metade de 8 é 4). Quando o crime de que o agente foi cúmplice ficou-se pela frustração, aplicar-se-á a pena que caberia à frustração se nele tivesse concorrido circunstâncias atenuantes. Ou seja, será a mesma pena indicada nos termos anteriores, mas atenuada. (artigos 103, 105 e 105 todos do CP). Já se se ficar apenas pena tentativa, seria aplicada a mesma penas, mas reduzida ao mínimo. Resulta assim a comparticipação na forma de cumplicidade, não é só em crime consumado, havendo cumplicidade no crime frustrado ou mesmo na tentativa. 140 Já no que se refere à punição do encobrimento, o artigo 106 CP fixa que no encobrimento, se se ao crime for aplicável qualquer pena maior, com excepção da indicada no nº. 5º do artigo 55º, ser-lhe-á aplicada pena de prisão. (n° 1º). Assim, o encobridor do crime do artigo 351 CP é pena de prisão de três dias a dois anos. E se for a pena maior de dois a oito anos, ser-lhe-á aplicada a de prisão por seis meses a um ano (n° 2º). Resulta ilógico aqui, porque da aplicação destas regras, a pena do n° 2 (em que o crime é  punido com prisão de dois a oito anos) é elevada relativamente aos casos em que a pena do crime consumado é acima de oito anos de prisão. Por isso, Cavaleiro de Ferreira 141 defende que esta disposição é aplicável ao número 1º, ou seja, nos casos de crime punível com pena de oito a doze anos ou superior, deve ser aplicada pena de seis meses a dois anos. 138  Vide,

nestes termos, BELEZA, Teresa, vol. II, op. cit. Manuel Lopes Maia, op. cit. 140  Ideia acolhida por Teresa Beleza. 141  Vide o que dispõe Maia Gonçalves em anotações ao artigo 106 CP. 139  GONÇALVES,

Se for a pena de prisão, ser-lhe-á aplicada a mesma pena, atenuada e nunca superior a três meses (n° 3º). Nesta última situação, quem for encobridor do crime patente no n° 1 do artigo 421 CP, será a de três dias a três meses. 2. Concurso de crimes

2.1. Conceito de concurso de crimes

Contrariamente com o que temos vindo até aqui, neste caso não temos vários agentes a  praticar um crime mas sim um agente a praticar vários crimes. Verifica-se quando o agente com o seu comportamento preenche mais do que um tipo de crime ou preenche várias vezes o mesmo tipo de crime. O concurso de crimes é a “ cooperação desenvolvida por mais de uma pessoa para o cometimento de uma infracção penal”. 142

Entre nós, o conceito do concurso de crimes resulta da 1ª parte do artigo 38 do CP, o qual, tratando de forma genérica com a acumulação de infracções, refere que “ dá-se a acumulação de crimes, quando o agente comete mais de um crime na mesma ocasião (…)”. (sublinhado nosso). E no § único expende que “quando o mesmo facto é previsto e punido em duas ou mais disposições legais, como constituindo crimes diversos (…) é igualmente o concurso de crimes,  pois, o preceito refere que, nestes casos, “não se dá acumulação de crimes ”. Eduardo Correia escreve que, de acordo com uma concepção normativista do conceito geral de crime, a unidade ou pluralidade de crimes é revelada pelo "número de valorações que, no mundo jurídico-criminal, correspondem a uma certa actividade. (...).  Pluralidade de crimes significa, assim, pluralidade de valores jurídicos negados. (...) Pelo que, deste modo, chegamos à primeira determinação essencial de solução do nosso problema: se a actividade do agente preenche diversos tipos legais de crime, necessariamente se negam diversos valores jurídicocriminais e estamos, por conseguinte, perante uma pluralidade de infracções; pelo contrário, se só um tipo legal é realizado, a actividade do agente só nega um valor jurídico-criminal e estamos, portanto,  perante uma única infracção" .

Assim, o critério básico para aferir a unidade ou pluralidade  de crimes é a unidade ou  pluralidade de tipos legais que são preenchidos pelo comportamento do agente. O número de crimes conta-se pelos tipos legais de crime que se preenche. Se a pluralidade de crimes depende da pluralidade de tipos legais preenchidos o mesmo é dizer que se conta o número de bens jurídicos violados. 2.1.1. Concurso material (concurso real, puro, verdadeiro).

Este concurso divide-se em dois: 1) Concurso ideal – porque é através de uma mesma acção que se viola várias vezes a mesma norma jurídica ou diferentes normas jurídicas. 142  NUCCI,

Guilherme de Sousa, op. cit.

É ideal porque temos uma só conduta que viola várias vezes uma só norma (concurso ideal homogéneo) – Ex. uma granada – viola várias vezes a norma de homicídio. Contudo a mesma conduta pode violar várias normas jurídicas (concurso ideal heterogéneo) Ex. Violação de várias vidas e vários patrimónios. 2) Concurso real 

– Diz-se que o agente pratica vários crimes através de condutas

independentes. O que a nossa lei faz é uma comparação do concurso ideal ao concurso real, porque não é correcto tratar diferentemente dois ou mais agentes apenas porque um praticou dois homicídios com duas acções e outro praticou dois homicídios com uma acção.  No concurso ideal homogéneo para que se possa considerar que de facto o criminoso violou vários bens jurídicos com uma só acção, temos que fazer apelo a vários juízos de censura. Terá de ser formulada tantas vezes quantos os bens jurídicos violados. Assim se forem vários os juízos de censura também são vários os tipos legais aplicáveis. Os juízos de censura vão-se traduzir em resoluções criminais autónomas. Resumindo: O número de resoluções criminosas determina-se pelo nº de juízos de censura. 2.1.2. Efeitos jurídicos do concurso de crimes efectivo:

O sistema do nosso ordenamento jurídico é o sistema do cúmulo jurídico. Na sentença o juiz deve indicar a pena a aplicar a cada crime, no entanto a pena do concurso é uma pena unitária.  No regime actual, não existe a previsão do concurso de crimes no Código Penal. Porém, a doutrina (nesta linha, Maia Gonçalves), consideram o facto previsto no artigo 38 do CP (primeira parte), como sendo “quando o agente comete mais de um crime na mesma ocasião (…)”. A proposta de reforma do Código Penal no seu artigo 47 prevê o concurso de infracções. Segundo aquele documento, “ há concurso de infracções quando o agente, com o mesmo comportamento, ofende bens jurídicos diferentes, que não se encontram numa relação de consupção, nem tão pouco as normas que os protegem numa relação de especialidade ”. 2.1.3. - Concurso formal (concurso aparente)

Sucede quando, se considerarmos abstractamente os vários tipos legais preenchidos, temos um concurso de crimes, no entanto, em concurso vamos verificar que os crimes envolvidos têm entre si relações de hierarquia e a aplicação de uma das normas envolvidas vai afastar as outras normas. Para Jescheck, o concurso aparente assenta no pressuposto de que várias normas concorrem só em aparência, porquanto uma delas há-de excluir as outras por virtude da ocorrência, entre as normas de uma relação de especialidade, de subsidiariedade ou de consumpção. 143 A mera comparação dos elementos constitutivos dos tipos de crime descritos na lei não são, em si só, o único critério para determinar as relações de parentesco que se estabelecem entre

143

Cfr. Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, vol. II, pág. 1033.

os diversos preceitos penais. O interprete deve atender aos valores ou bens jurídicos tutelados  pelos diferentes tipos legais de crime. Alguns desses bens jurídicos são formados pela fusão de dois ou mais valores que já vários  preceitos penais protegem; outros resultam de se acrescentar um elemento novo ao valor ou  bem jurídico doutro tipo; e outros ainda são entre si diversos só porque exprimem no plano criminal a especifica significação de diferentes formas ou graus de ofensa de um mesmo interesse ou valor.  Na relações de hierarquia  entre as normas de direito para se falar de concurso aparente, temos a seguinte regra geral: O agente viola um bem jurídico – temos unidade criminosa – não há concurso de crimes. O agente viola dois ou mais tipos legais – temos pluralidade criminosa – há concurso de crimes. Por exemplo: António empurra uma pessoa que cai ao chão e arranca a mala: Aqui temos dois crimes porque há dois bens jurídicos violados: a integridade física devido ao empurrão (artigo 359 CP) e o patrimônio, por se apoderar da mala (artigo 421 CP). Da soma destes dois factos, temos o crime de roubo (artigo 432 CP). Aqui então temos o concurso aparente de normas. Há ainda as relações que se podem estabelecer entre as normas de Direito Penal: 1) Relação de especialidade – Em que um tipo legal que se vai aplicar ao caso está a repetir todos os elementos que caracterizam um outro tipo legal que, abstractamente é aplicável, mas que a esses elementos acrescem novos elementos. Elementos suplementares e especializadores que caracterizam a conduta do agente.  Nestes casos a 2ª norma afasta a aplicação da 1ª, isto é, a norma especial afasta a aplicação da norma geral. Por exemplo, o artigo 451 CP – 433 CP – Roubo qualificado. Ainda, o furto qualificado por introdução em casa alheia – Artigo 425, n° 4 CP e 380 CP. Anabela entra na casa de Benjamim e subtrai vários bens. Ora, o artigo 425, n° 4 é mais grave que o artigo 380 CP. Aqui o tipo objectivo de ilícito tem os elementos mas acrescenta outros de maior desvalor do ilícito (do mesmo ilícito). 2) Categoria consumpção – Neste tipo de relações de normas de direito

penal o que acontece é que se vai aplicar à situação prática a norma que contém a conduta e sanção mais grave, mas essa já inclui uma outra norma ou normas que hipoteticamente se poderiam aplicar e que ficam excluídas. Normas essas que seriam mais leves. Exemplo: Abel subtrai um cheque de Bela onde preenche um montante de 50.000,00Mt e imita a assinatura da titular da conta e por isso retira do banco aquela importância. Há o concurso do crime de falsificação de títulos de crédito (artigo 215 CP) e de furto simples (artigo 421 CP).

Porém, o crime de furto de pratica por meio de fraude e, a falsificação foi o meio (fraudulento) que o Abel usou para subtrair o dinheiro da Bela. O furto consome a falsificação, passando a punir-se apenas aquele (se couber pena mais grave). 3) Relação de subsidiariedade –

Prevê a hipótese de certas normas apenas se aplicarem de forma auxiliar ou subsidiária, porque o facto não é punido por uma outra norma mais grave, ou seja, punem-se competências especiais que se apresentam como uma forma prévia de outra lesão. Exemplo: Um crime de perigo e um crime de dano só se pune o primeiro se não se vier a produzir o dano. Ou, se alguém entra dentro de uma casa para subtrair bens não identificados e é neutralizado antes desse facto, será punido subsidiariamente pela introdução em casa alheia e não o crime de roubo.  Facto posterior não punível

 Não se trata de um concurso de normas. Quando os crimes são de aproveitamento de condutas criminosas anteriores. Estes crimes não devem ser punidos face as respectivos crimes de apropriação, este sim constitui o objecto da conduta criminosa do agente. Exemplo: Furto - crime pela apropriação e o aproveitamento, ou seja a utilidade que dá à coisa, salvo se o aproveitamento que se der à coisa vier a causar novo prejuízo no ofendido. Efeitos jurídicos do concurso formal de crimes: No concurso formal, se aplica a pena única

do crime mais grave. 2.2. Acumulação de infracções

A acumulação de infracções e o concurso de crimes estão tipificados no mesmo preceito normativo, sendo que, a designação legal é genericamente a acumulação, mas é possível destrincar entre o concurso e a acumulação de infracções. Assim, não resta dúvidas que o concurso de infracções é uma acumulação de infracções, “ lato  sensu”. O artigo 38 do CP refere que “ dá-se a acumulação de crimes (…) quando, tendo perpetrado um, comete outro antes de ter sido condenado pelo anterior, por sentença passada em  julgado”.

E no § único expende que “quando o mesmo facto é previsto e punido em duas ou mais disposições legais, como constituindo crimes diversos, não se dá acumulação de crimes”.

Henriques Secco define que a acumulação de delitos “ é a coexistência de dois ou mais,  perpetrados por um mesmo agente, nenhum dos quais ainda foi punido ”.

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