TCC_A Manipulação da Imagem na Publicidade

April 12, 2018 | Author: Fabíola Lourenço | Category: Propaganda, Advertising, Charles Sanders Peirce, Image, Industrial Revolution
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Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Socia...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

FABÍOLA MESCOUTO LOURENÇO

A Manipulação da Imagem na Publicidade: realidade fotográfica distorcida?

BELÉM, PA 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

FABÍOLA MESCOUTO LOURENÇO

A Manipulação da Imagem na Publicidade: realidade fotográfica distorcida?

Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará, sob orientação da Profª MSc. Carolina Maria Mártyres Venturini.

BELÉM, PA 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

FABÍOLA MESCOUTO LOURENÇO

A Manipulação da Imagem na Publicidade: realidade fotográfica distorcida?

Monografia apresentada para obtenção do grau de Bacharel em Publicidade e Propaganda pela Faculdade de Comunicação Social da Universidade Federal do Pará, examinada pela banca constituída:

________________________________________ Profª MSc. Carolina Maria Mártyres Venturini Orientadora ________________________________________ Prof. Dr. Otacílio Amaral Filho UFPA/FACOM ________________________________________ Profª Drª Lívia Lopes Barbosa UFPA/FACOM

BELÉM, PA 2011

Aos meus pais, Liane e Jaime, por serem a imagem mais marcante, sincera e linda da minha vida.

AGRADECIMENTOS

Àqueles que sempre me incentivaram a seguir meu caminho, aconselhando, me segurando e levantando quando caía: meus pais. A vocês eu dedico este trabalho e todos os outros momentos de superação, pois foi graças aos seus conselhos e amor incondicional que eu consegui ir em frente e alcançar tudo isso. Obrigada, eu amo muito vocês! Às minhas avós Ilda e Esther, que sempre torceram muito por mim em todos os momentos da minha vida e comemoraram cada conquista como se fosse delas. Ao meu avô José Maria, que apesar de não estar mais entre nós eu sei que também sempre torceu e desejou meu bem, e se transformou em um anjo que me deu forças quando precisei. Aos meus padrinhos Sandra e Sebastião por serem meus segundos pais, protagonistas das melhores conversas em família, se preocuparem comigo e desejarem meu sucesso a cada passo da minha vida. À minha tia Rosa, que me incentivou e ajudou a continuar escrevendo quando as dúvidas começaram a aparecer. Seu apoio, torcida e carinho foram muito importantes, muito obrigada! Às minhas amigas Verônica Monteiro, Gabriela Dantas e Juliana Rodrigues. Em diferentes momentos da minha vida vocês me ajudaram a construir esse caminho, me deram o carinho e a amizade aos quais eu serei eternamente grata. Àqueles que, durante a minha estadia na Universidade, foram meus companheiros de Muvuca na Cumbuca, de Intercom(s), de sala de aula, de trabalhos e de alegrias: Anne Beatriz, Manuella Reale, Paloma Wilm, Mayara Albuquerque, Diego Dalmaso, Flávio Meireles, Weverton Raiol, Erik Paiva, Zek Nascimento, Petterson Farias e Jeniffer Rattis. À minha orientadora Carolina Venturini, que ao longo do curso me incentivou e partilhou comigo projetos e alegrias. Obrigada pela paciência e confiança em todos os meus passos, especialmente este.

“É necessário admitirmos que a imagem fotográfica pode se prestar a utilizações interesseiras – o que não é nenhuma novidade -, justamente em função de sua pretensa credibilidade enquanto registro visual “neutro” dos fatos. Sempre houve um condicionamento quanto à “certeza” de a fotografia ser uma prova irrefutável da verdade. Existe um consenso generalizado acerca do mito da fotografia ser uma espécie de “sinônimo” da realidade. O rastro indicial gravado na foto possibilita, certamente, a objetiva constatação da existência do assunto: o “isto aconteceu”, uma vez que a “foto leva sempre seu referente consigo”, como assinalou Barthes. Aqui, entretanto, nos situamos ainda no ponto de partida. São constantes os equívocos conceituais que se comete na medida em que não se percebe que a fotografia é uma representação elaborada cultural/estética/tecnicamente e que, o índice e o ícone, inerentes ao registro fotográfico – embora diretamente ligados ao referente no contexto da realidade –, não podem ser compreendidos isoladamente, ou seja, desvinculados do processo de construção da representação”.

Boris Kossoy.

SUMÁRIO

RESUMO..............................................................................................................

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ABSTRACT.......................................................................................................... 10 LISTA DE FIGURAS..........................................................................................

11

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 16 1

PROPAGANDA E PUBLICIDADE....................................................... 20

1.1

PROPAGANDA..........................................................................................

20

1.2

PUBLICIDADE...........................................................................................

22

1.3

A LINGUAGEM DA PUBLICIDADE.......................................................

24

A IMAGEM.............................................................................................

30

2.1

O SURGIMENTO DA IMAGEM...............................................................

33

2.2

A IMAGEM NA PUBLICIDADE............................................................... 34

2

2.2.1 A Imagem como ilusão............................................................................. 37 3

FOTOGRAFIA........................................................................................ 45

3.1

A FOTOGRAFIA COMO REPRESENTAÇÃO DO REAL.....................

45

3.2

O SURGIMENTO DA FOTOGRAFIA.....................................................

47

3.3

A FOTOGRAFIA NA PUBLICIDADE.....................................................

51

3.3.1 A Fotografia causadora do interesse......................................................

55

3.3.2 Manipulação de imagens.........................................................................

58

3.3.3 Maquiagem vs. Manipulação..................................................................

72

3.3.3.1 Dermablend..............................................................................................

73

3.3.3.2 Make Up For Ever...................................................................................

76

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................

92

REFERÊNCIAS...................................................................................................

95

9

RESUMO

Este estudo procura analisar e avaliar como a imagem, mais especificamente a fotografia é utilizada na publicidade, bem como os diferentes tipos de manipulação que nela vem sendo aplicados nas últimas duas décadas. Por meio da análise da linguagem publicitária é possível destacar os motivos que levam as empresas a adotar a manipulação fotográfica como um importante meio de comunicação. Aliado a isto, é possível enxergar a mudança de comportamento do consumidor devido a tais manipulações, e a trajetória do uso da fotografia no meio desses dois terrenos. Baseando-se em uma análise minuciosa da evolução da publicidade, imagem e fotografia, investiga-se a natureza simbólica e perceptual do consumidor contemporâneo no que tange à imagem fotográfica, estabelecendo os laços entre sua subjetividade e o comportamento de algumas marcas com a fotografia. Para complementar esta análise, são utilizados dois exemplos principais de marcas de produtos cosméticos, a Dermablend e a Make Up For Ever, fazendo-se um apanhado de suas abordagens fotográficas nos últimos anos e as recentes ações comunicacionais adotadas, fundamentadas na não-manipulação gráfica. Palavras-chave: Fotografia; Manipulação; Consumidor; Dermablend; Make Up For Ever.

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ABSTRACT This study proposes to analyze and evaluate how image, more specifically the photography is used in advertising, as well as the different types of manipulation that have been applied on it over the past two decades. Through the analysis of the advertising‟s language it‟s possible to detach the reasons that leads business companies to adopt the photography manipulation as a important method of communication. Allied to this, it‟s possible to see the consumer behavior change due to such manipulations, and the trajectory of photography uses in the middle of these two fields. Based on a detailed analysis of the evolution of advertising, image and photography, we intend to investigate the symbolic and perceptual nature of the modern consumer as far as the photographic image, establishing links between its subjectivity and some brands photography behavior. To complement such analysis, two main examples of cosmetic brands are used: Dermablend and Make Up For Ever, with photographic overview of their approaches over the past years and its recent ones, based on the non-graphic manipulation. Keywords: Photography; Manipulation; Consumer; Dermablend; Make Up For Ever.

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LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Pintura rupestre, na Caverna de Altamira, em Cantabria, nordeste da Espanha (Disponível em: < http://aimagemcomunica.blogspot.com/2010/11/historiadas-imagens.html>. Acesso em: 1 nov. 2011.) 33 Figura 2 – Propaganda Nazista anti-comunismo (Disponível em: < http://cafehistoria.ning.com/photo/propaganda-nazista?context=latest>. Acesso em 21 Out 2011.) 35 Figura 3 – Anúncio feito em 1889, publicado no jornal Diário Popular (Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2011) 36 Figura 4 – Anúncio do cereal matinal “Alpha Bits” dos anos 50 (Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2011.) 36 Figura 5 – A campanha “Real Curves” contou com seis mulheres de perfis físicos diferentes dos sempre divulgados pela mídia. (Disponível em:. Acesso em: 25 out. 2011.) 41 Figura 6 – Parte da mesma campanha da DOVE, mas com um mote para o verão (Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2011) 42 Figura 7 – Primeira câmara escura no século XVI (Disponível em: . Acesso em 06 Out. 2011.) 48 Figura 8 – Uma reprodução da primeira fotografia conhecida, produzida por Nièpce em aproximadamente 1826 (Disponível em: . Acesso em 06 Out. 2011.) 49 Figura 9 – Imagem a qual Daguerre considerava seu primeiro daguerreótipo bemsucedido (Disponível em: . Acesso em 08 Out 2011) 50

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Figura 10 – Anúncio dos cigarros Fon-Fon em 1910, com um misto de fotografia e Art Nouveau (Disponível em: . Acesso em 12 Out 2011.) 52 Figura 11 – Câmera Brownie-Kodak, produzida entre 1950 e 1959 (Disponível em: . Acesso em 12 Out 2011) 53 Figura 12 – Campanha da Calvin Klein estrelada pela atriz norte-americana Eva Mendes (Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.) 59 Figura 13 – Campanha da Ellus estrelada por Jesus Luz (Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.) 60 Figura 14 – Exemplo de proporções irreais causadas pela manipulação do Photoshop na fotografia (Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.) 63 Figura 15 – A atriz Emma Watson tem parte de sua perna direita mutilada no Photoshop (Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.) 64 Figura 16 – Atriz Julia Roberts tem suas linhas de expressão faciais totalmente removidas no Photoshop (Disponível em: < http://www.modismonet.com/2011/07/photoshop-fail-julia-roberts-e-christy-turlingtonbanidas/>. Acesso em 17 Out 2011.) 64 Figura 17 – Exemplo do efeito proporcionado pela câmera Panasonic (Disponível em: . Acesso 18 Out 2011.) 65 Figura 18 – Toscani fotografa roupa utilizada pelo soldado Marinko Gagro. (Disponível em: . Acesso 18 Out 2011.) 67

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Figura 19 – Toscani fotografa uma beata e um padre se beijando, o que causou polêmica no Vaticano (Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011.) 67 Figura 20 – Toscani fotografa recém-nascido branco mamando em uma mulher negra (Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011.) 68 Figura 21 – Crianças de etnias diferentes posam juntas para Toscani (Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011) 68 Figura 22 – Anúncios da marca Samsung anunciando zoom óptico de até 24x em sua câmera (Disponível em: < http://ctrlpels.blogspot.com/2011/01/cabeconas.html>. Acesso em 18 Out 2011.) 69 Figura 23 – Anúncios promovidos pela WWF (Disponível em: . Acesso em 19 Out 2011.) 69 Figura 24 – Imagens The UNHATE campaign (Disponível . Acesso em 19 Out 2011.) 70

em:

Figura 25 – Exemplos disponibilizados pela Dermablend para ilustrar a ação de seus produtos (1 Disponível em: . Acesso em 21 Out 2011.) 73 Figura 26 – Destaque ao aviso na parte inferior de cada fotografia (Elaboração própria. Imagem disponível em: . Acesso em 21 Out 2011.) 74 Figura 27 – Imagens retiradas no vídeo “Go Beyond The Cover” no canal da Dermablend no Youtube (Elaboração própria. Imagens disponíveis em: . Acesso em 22 Out. 2011.) 75 Figura 28 – Comentários feitos no canal da Dermablend no Youtube (Disponível em: . Acesso em 22 Out. 2011.) 75 Figura 29 – Imagens de divulgação produzidas pela Make Up For Ever (Elaboração própria. Imagens disponíveis em:

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. Acesso em 22 Out. 2011.) 77 Figura 30 – Peça de divulgação do batom da linha “Rouge” (Disponível em: . Acesso em 22 Out. 2011.) 79 Figura 31 – Fotografias enviadas por consumidoras da China, para o concurso “Aqua Cream Competition” (Disponível em: . Acesso em 22 Out. 2011.) 80 Figura 32 – Fotografia para divulgação da linha “Aqua Smoky”, em 2009 (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 81 Figura 33 – Peça de divulgação para a linha de sombras “Smooky Eyes” (Disponível em:. Acesso em 23 Out. 2011.) 82 Figura 34 – Peça de divulgação do batom linha “A Colorfull Kiss”, em 2010 (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 82 Figura 35 – Peças que configuram o exemplo da textura da pele padronizada: a da esquerda foi lançada em 2008, e a da direita em 2009 (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 83 Figura 36 – Em 2010, a marca lança a “Bronze Makeup Collection”, na esquerda; em 2011, a “Spring Look”, com um toque Pin Up, na direita (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 84 Figura 37 – Peça principal da campanha “HD Not Retouched” (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 86

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Figura 38 – Screen-shot tirado do hotsite da campanha, com as quatro modelos escolhidas (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 87 Figura 39 – Modelos Maud e Francine tiram suas próprias fotos para a campanha “HD Not Retouched” (Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.) 88 Figura 40 – Screen-shots tirados do vídeo e do making-off da campanha (Elaboração própria. Imagens disponíveis em: e . Acesso em 23 Out. 2011.) 90

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INTRODUÇÃO

Um instrumento da comunicação, a imagem é um suporte, um meio que sustenta aquilo que deve ser dito: a mensagem. A rápida interpretação e identificação de quem a enxerga é inegável, e torna qualquer forma de comunicação mais fácil de ser entendida. O presente trabalho pretende estudar a maneira pela qual a imagem evoluiu ao ponto de se tornar tão comercializável, como um sinônimo de empresas que, no mundo contemporâneo, deflagram na mente do consumidor ideias de um mundo perfeito. A fotografia é reconhecida desde sua invenção como instrumento de representação do real, como cita Barthes (1984, p. 127): “A Fotografia não fala (forçosamente) daquilo que não é mais, mas apenas e com certeza daquilo que foi”, e a publicidade apropria-se de tal conceito para destacar uma realidade apoteótica. Fotografar é escrever com a luz, treinar a observação e a sensibilidade para enxergar e mostrar uma cena que ninguém mais vê. Com a popularização e rápida mecanização da fotografia, ela ganhou uma maior importância no mundo da comunicação, importância essa que, em certo ponto, a fez perder sua particularidade. É notável que, para satisfazer a ânsia mercadológica da publicidade, que já não se bastava na simples divulgação de uma ideia, serviço ou produto, a manipulação foi incorporada ao ato de fotografar. Após o invento da câmera fotográfica digital – da qual o conteúdo comumente é transferido para um computador, onde ficará armazenado até que possa ser impresso, ou onde sofrerá algum tipo de modificação que seja pertinente com o objetivo do fotógrafo – a manipulação é cada vez mais utilizada entre os fotógrafos profissionais e amadores, em nome da beleza e facilidade de adequação à sua demanda. É muito mais fácil produzir digitalmente a fotografia da maneira que se deseja do que produzi-la realmente. Para tanto, existem vários softwares de edição como: Adobe Photoshop, Adobe Lightroom, Picasa, PhotoScape, GIMP etc, sendo que o primeiro é o mais completo e comumente mais utilizado pelos profissionais da área. A publicidade moderna exerce considerável influência na subjetividade humana, produzida por meio do personalismo prometido aos consumidores. Esse personalismo pode vir pelos sons, cheiros, texturas, elementos visuais etc. Na publicidade impressa, são os elementos visuais os responsáveis por aproximar o

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consumidor da marca, levando-o a uma identificação imediata com esta ou ao desejo de consumir.

Todavia, como as palavras podem ser muito prolixas, dissertivas e de interpretações variadas, de tempos em tempos o seu significado é alterado. Para serem globalizadas, dependem – as palavras – do modo de vida, do país, das traduções. Imagens têm um papel mais direto, emocional. Imagens dos séculos passados, ainda hoje, têm o mesmo significado (CESAR, 2006, p. 201).

Quando a fotografia é comparada a outras formas de construção de imagem – como a ilustração e o design, por exemplo – seu maior diferencial provavelmente é o fato de ela naturalmente ser realista. Nós crescemos com a tendência a achar a fotografia algo palpável, real, verdadeiro. Se o produto é bonito na foto, assim a realidade vai nos parecer; se um local de trabalho e/ou uma empresa parece bem organizada e produtiva na foto, essa será a impressão que teremos dela. Como declara Newton Cesar (2006, p. 202), “na publicidade, a fotografia não apenas faz com que os consumidores se lembrem dos anunciantes, mas permitem que desejem seu produto”. Essa associação entre imagem fotográfica e realidade é o ponto forte da fotografia que permite passar conceitos tangíveis e intangíveis, e que serão diretamente associados àquilo que veremos ao pegar o produto em mãos, experimentar o serviço ou visitar uma empresa. Por isso, se há algo real que deva ser comunicado sobre uma empresa, produto ou serviço, a fotografia é a primeira forma de representação que deve ser pensada, e mesmo para questões intangíveis, como por exemplo, o conceito de seriedade. Por meio da fotografia, a empresa pode claramente mostrar seriedade ou descontração e leveza. Quando a fotografia por si só não produz quaisquer desses efeitos, a edição de imagens toma lugar. Entretanto, após anos de manipulação dessas imagens, o consumidor passa a não mais dar tanto crédito ao que vê, por saber se tratar de um efeito visual. Neste momento começam os estudos sobre o impacto visual e sobre quais efeitos a utilização de softwares de edição de imagens produz no consumidor. É perceptível o uso desenfreado em peças de moda e beleza, entretanto não foram identificados estudos completos, ou que trabalhassem especificamente os impactos da

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fotografia alterada neste nicho da publicidade. Surgiu então a necessidade de estudar por conta própria estas questões, a fim de sanar uma curiosidade e trazer novos conteúdos para futuras investigações. Para construir essa análise foi realizada uma extensa pesquisa bibliográfica, aliando o estudo da publicidade e sua linguagem ao estudo da fotografia, desde a sua invenção até os dias atuais, nos quais ela ganhou uma nova significação. Para exemplificar a trajetória das questões imagéticas e mais especificamente fotográficas da publicidade, foram usados exemplos de marcas em um recorte dos anos 1990 até o presente momento, e posteriormente uma análise mais profunda sobre duas marcas: a Dermablend e a Make Up For Ever, haja vista suas recentes – e diferentes – abordagens no que diz respeito à manipulação digital. Em um primeiro momento este trabalho procura estudar e delimitar as semelhanças e diferenças entre a publicidade e a propaganda, a fim de facilitar o entendimento dos rumos que a comunicação vem traçando nos últimos anos. Após compreender que o que leva a publicidade a desenhar o mundo ideal aos seus consumidores é a sua necessidade de satisfação mercadológica, partimos para analisar que elementos são aplicados para a obtenção de seus objetivos. A sedução e o desejo proporcionados por uma gama de fatores são os meios pelos quais a publicidade incide na mente do consumidor e, para ocorrerem, utilizam, dentre outros, a imagem. Em um segundo momento, pretende-se delinear o que é a imagem, como surgiu e a sua evolução até a inserção nos meios de comunicação. Neste capítulo, baseado principalmente em Martine Joly, em seu livro “Introdução à Análise da Imagem” e Jacques Aumont, em “A Imagem”, a partir do estudo da trajetória da imagem desde a imagem pictórica até a imagem mecanizada, é possível ver que, quando introduzida na publicidade, ela adotou papel de extremo valor e muitas vezes decisório de compra. Para tanto, é possível enxergar a sua manipulação nos sentidos de produção e significação. Este capítulo, bem como o primeiro, pretende deixar claros passos que, ao longo da história, foram tomados em nome da inserção da “realidade” no mundo publicitário. Como exemplo, introduz-se a análise da imagem em campanhas de produtos de beleza, em especial a Dove. O terceiro e último momento surge como um aprofundamento no estudo da imagem, dessa vez mais voltada à imagem fotográfica, objeto de estudo do trabalho.

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Aqui, após ter analisado os motivos e os meios pelos quais a publicidade age, e ter encontrado na imagem o instrumento de maior influência da comunicação, é recortado como objeto, dentre tantas possibilidades, o da imagem fotográfica publicitária. Procurou-se analisar a trajetória da fotografia, inicialmente um instrumento de registro utilizado por poucos, até chegar a um processo mecanizado e disponível para muitos. Suas implicações, características, sua aura e seu fascínio perante a sociedade são aqui estudados, baseados em Roland Barthes, Walter Benjamin, Boris Kossoy, Susan Sontag e Oliviero Toscani. Vinculada ao mundo publicitário, a fotografia também é avaliada como instrumento de manipulação das ideias de consumo, haja vista sua característica de representação do real tão condensada na mente do indivíduo moderno. Para tanto, autores como Solange Bigal, Arlindo Machado, Lucia Santaella e Cesar Newton ajudaram a construir esta parte da análise. Por fim, a título de elucidar as avaliações prévias, são utilizados alguns exemplos de marcas de roupas e produtos cosméticos adeptas à manipulação digital da fotografia, dentre as quais as marcas de maquiagem Dermablend e Make Up For Ever são as principais. Apresenta-se então um trabalho que, motivado pelo gosto pessoal pela fotografia e também pela fotografia publicitária, estuda mais profundamente os usos e consequências na sociedade atual, dando ênfase à sua manipulação, a fim de representar uma beleza e um mundo improváveis.

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PROPAGANDA E PUBLICIDADE

Comumente vemos em reportagens e conversas do dia a dia as designações de agências de publicidade e de propaganda misturaemr-se, confundirem-se. Aparentemente elas exercem a mesma função: criar meios de mostrar para o público um produto ou serviço. Essa não seria, entretanto, uma questão apenas contemporânea. Após a concorrência crescente no comércio na época da Revolução Industrial, vários empresários se viram forçados a sobressair de alguma maneira, para continuarem a obter seus lucros. A produção que antes era oferecida somente por um, agora estava sob o poder de vários, o que exigiu mudança de comportamento. Julio Ribeiro (2009, p. 156) relata: [...] as empresas responderam a essa explosão de demanda tratando de aumentar e diversificar a produção. Mas descobriram rapidamente que, uma vez que todos haviam tido a mesma idéia, tornava-se necessário induzir o consumidor a comprar os seus produtos em lugar dos produtos concorrentes.

Afinal de contas, a comparação entre publicidade e propaganda deve ser estudada, antes de tudo, historicamente e conceitualmente, para que possam ser entendidas suas diferenças e, posteriormente, suas semelhanças e aplicações.

1.1

PROPAGANDA

A propaganda teve seu início já no século XVII, advinda da Igreja Católica, que, desejando fundar seminários com o objetivo de formar missionários que pudessem difundir o conhecimento católico e imprimir livros religiosos, criou a Sagrada

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Congregação Católica Romana para a Propagação da Fé (Sagra Congregatio Christiano Nomini Propaganda).1 Sendo o Clero o centro do conhecimento na sociedade e, praticamente, o único detentor do poder da leitura e escrita, cabia a ele a disseminação do conhecimento, muitas vezes usada em favor próprio. Foi nessa época que a propaganda surgiu, assumindo a função de divulgar o catolicismo para a conversão dos povos pagãos. Assim como ocorreu com os artesãos detentores da produção manufaturada, a Revolução Industrial fez com que a Igreja Católica (MONTEIRO, 2011) perdesse o seu monopólio, nesse caso, a propagação de suas ideias. A sociedade começou a transformar-se rapidamente: o aumento na alfabetização, o avanço nas comunicações, a produção, distribuição e consumo de produtos e aceleração dos processos de produção, o surgimento de novos modos de pensar, doutrinas e ideias, tudo contribuiu para que a propaganda ganhasse uma importância que outrora não possuía. Foi a partir da Primeira Guerra Mundial (MONTEIRO, 2011) que o conceito de propaganda ganhou força. O governo americano contratou Walter Lippman (jornalista) e Edward Bernays (psicólogo) para fixar na mente do público que esse deveria querer que o país entrasse na guerra. O sucesso do trabalho realizado foi tanto que, em apenas seis meses já havia um repúdio massivo contra a Alemanha. Ainda segundo o mesmo autor, na Segunda Guerra, devido a Paul Joseph Goebbels, o Ministro do Povo, Alegria e Propaganda de Adolf Hitler, a propaganda ficou ainda mais reconhecida, diante de tantas imagens até hoje lembradas de vastas multidões servindo com louvor a Hitler e suas ideias. Até então, nunca houvera notícia de tanta devoção à doutrina como a nazista: é a chamada propaganda ideológica, aliada à propaganda política até hoje conhecida.

Os nazistas inventaram a propaganda publicitária da alegria ariana com filmes e série de fotos que louvavam um estilo de felicidade escoteira, corpo esculpido e desnudo, beleza loura, alegria de fazer parte de um grupo, grandes emoções simples, culto ao natural e do autêntico, céu sem nuvens, veículos poderosos. Era necessário assemelhar-se a essas imagens idílicas. 1

Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2011.

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A propaganda encarregava-se de difundi-las por toda a parte, cinema, revistas, cartazes, prospectos, a mesma coisa que a publicidade faz em nossos dias (TOSCANI, 1996, p. 31).

Assim, em meio a duas Guerras Mundiais, o século XX é marcado pelos adventos tecnológicos, que ajudaram a propaganda a persuadir grande diversidade de pessoas influenciáveis. Com a invenção da rotativa e o uso da publicidade como fonte de lucro, mais jornais e periódicos surgiram, propiciando textos carregados de ideologias e notícias. O rádio, a fotografia, o cinema e a televisão vêm juntamente contribuir cada vez mais para essa difusão do conhecimento entre indivíduos. Respaldados nos fatos históricos, podemos inferir que a propaganda, o gerúndio latino do verbo propagare, é aquela responsável pela simples propagação, difusão, multiplicação por reprodução ou geração de ideias, doutrinas, crenças. A publicidade (que deriva de “público”, do latim publicus) tem seu início da mesma maneira, procurando difundir conceitos e imagens, mas seguida por um objetivo a mais: culminar em ações de compra, em lucro. Se a propaganda é gratuita ao indivíduo, a publicidade já não o é.

A publicidade excita seus desejos, seduz os ingênuos, cria-lhes necessidades, torna-os culpáveis. Ela nos atrai para os seus encantos, nos “acende” através de técnicas experimentadas. Compra-nos os nossos desejos, como se compram votos em política (TOSCANI, 1996, p. 29).

1.2

PUBLICIDADE

Até que ponto se pode discutir quando essa ou aquela profissão surgiu? É perfeitamente aceitável que alguém aponte a publicidade como uma das mais antigas profissões, haja vista que quando os homens de Neandertal2, ou homens das cavernas, 2

A saber, os homens de Neandertal (ou “novos homens do vale”) eram uma espécie de hominídeos que viveram na Europa e partes da Ásia, e provavelmente competiram com os humanos modernos por recursos e território. Eles se extinguiram entre 30.000 e 50.000 anos atrás, acredita-se que por motivos de aquecimento na temperatura ambiente da Europa (Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2011).

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com poucos artifícios comunicacionais diferentes dos gestos e murmúrios, utilizavam os desenhos rupestres para compartilharem o que quisessem, inclusive fatos sobre eles mesmos. Está aí uma forma de se provar o que facilmente poderia ser considerada como publicidade. Entretanto, se tudo for analisado dessa forma, a publicidade poderia ser encarada como onipresente desde que a primeira relação de influência ou convencimento surgiu. Assim estuda-se a publicidade pelos vieses históricos e conceituais, que podem dar reais fatos determinantes do início da arte, o que pode ser recortado em três principais momentos: as tabuletas descobertas em Pompéia, a invenção da imprensa por Gutenberg e a Revolução Industrial. As tabuletas descobertas em Pompéia tinham como característica anunciar combates entre gladiadores, espetáculos teatrais e até mesmo algumas casas de banho presentes na cidade. Nesse período, a publicidade era principalmente oral, feita pelos pregoeiros, que anunciavam escravos, gados e outros produtos.

A publicidade quase não tem história. Foi nascendo com os em tornos [sic] que, como um big-bang, um dia a provocaram. Muito menos pré-história. Mas não há forma de escapar à intuição de que os excedentes foram os agentes do advento. Tendo acumulado mais que o necessário isto servia para [enfrentar] um futuro não venturoso ou se corria o risco da perda da produção. Exibir a mercadoria levá-la a outros, trocá-la por algo desejado e novo. O domínio sobre os mistérios da terra, o gado, o cultivo, a metalurgia, a confecção de prendas de couro, a cerâmica, foram definindo certas congregações, tanto como seus próprios idiomas. Cada grupo sentado em torno de um fogão criava formas de comunicação pessoal, jargões, mímicas, danças, histórias, lendas, códigos próprios, confraternizações que permitiam descobrir e manejar o estranho em sua torpeza (MELNIK apud MARTINO, 2010, p.8).

No século XV, com a invenção da imprensa mecânica por Gutenberg (MELO, 2005), a comunicação ganha mais força por meio do surgimento das primeiras folhas volantes (panfletos), predominantemente de caráter religioso. A publicidade vai tomando um pouco da forma como a conhecemos hoje, com o intuito de mostrar os produtos ou serviços e gerar algum tipo de lucro. De acordo com Dennys Monteiro

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(2011), no periódico inglês Mercurius Britannicus de 1625 apareceu o primeiro anúncio publicitário de um livro. Em 1631, Renaudot lança a sua Gazette de France, cuja novidade era uma pequena sessão de anúncios3; a partir de então, a publicidade passa para uma nova etapa de associação com jornais e periódicos, que antes sobreviviam apenas de venda de assinaturas. Pode-se dizer que no século XVIII, com a mecanização dos sistemas de produção, a Revolução Industrial “forçou” a publicidade a tomar novos rumos, diferentes daquele simples “chamar a atenção”. O modo de vida que antes se baseava na subsistência, então se pautou na produção de massa e na luta de interesses, centrada sobre qual comerciante conseguiria vender seu produto primeiro. Os artesãos que antes possuíam o domínio de todos os clientes a quem serviam e por isso mesmo não se preocupavam em marcar ou diferenciar seus produtos dos demais, agora se encontravam diante de várias fábricas abastecendo diferentes mercados, inclusive aquele que um dia fora exclusivo seu. Percebe-se que a técnica publicitária se aperfeiçoou, deixou de ser puramente informativa para renascer mais sugestiva e persuasiva.

1.3

A LINGUAGEM DA PUBLICIDADE

Para ter efeito satisfatório aos anunciantes e levar os consumidores a desejarem tão fortemente um produto a ponto de trabalharem para satisfazer seu desejo, a publicidade utiliza linguagem própria, carregada de elementos psicológicos, sociológicos, antropológicos e de forte influência no indivíduo. De acordo com Solange Bigal (1999), a cultura de massa e a publicidade trabalham com o desejo enquanto descompasso entre a necessidade verdadeira e o que é satisfeito após o consumo de bens simbólicos. Por que descompasso? Porque a real necessidade do sujeito, a partir da crença no consumo, se vê deslocada do objeto real de satisfação e, consequentemente, o sistema de crença no consumo 3

Disponível em: < http://www.rg9.org/historia.php>. Acesso em 25 Set. 2011.

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é realizado independentemente do sujeito; porque, em uma sociedade de troca, o sistema de crença no consumo opera sobre uma demanda excedente, isto é, opera sobre a diferença entre quantidade de bens que a pessoa deseja e a quantidade que ela possui inicialmente (BIGAL, 1999, p. 24).

De acordo com Sant‟Anna (2007), conceitos de psicologia comumente são aplicados em campanhas publicitárias, tais como a formação do interesse (quanto mais prestamos atenção a um objeto, mais ele nos interessa), a imagem (a representação daquilo que pensamos ou sentimos interiormente, nossos conceitos em torno de um produto, serviço e/ou empresa), a emoção (uma súbita perturbação em nosso estado mental naquele momento, causada por um elemento que nos é representativo de alguma maneira, seja ele novo ou inesperado), a vontade (a livre escolha do indivíduo de acordo com sua preferência), entre outros. Ainda Sant‟Anna (2007, p. 88) relata que estes quatro elementos são destacados neste estudo por serem os que ilustram os três principais objetivos da publicidade, a saber: i.

Incutir uma ideia na mente da massa;

ii.

Criar o desejo pela coisa anunciada;

iii.

Levar a massa ao ato da compra.

A publicidade que planeja incutir uma ideia ou valor na mente do indivíduo se vale dos artifícios para que se preste atenção pelo maior espaço de tempo possível ao produto ou serviço, desperte o interesse e consequentemente crie o desejo procurando desmistificar ou criar imagens na mente do consumidor, para finalmente levá-lo ao ato voluntário da compra (ação). “A missão da publicidade é acompanhar o consumidor em suas expectativas secretas. Trazendo-as à tona, ela cria a cobiça, o único motor de nossa sociedade de consumo à deriva” (SÉGUÉLA apud TOSCANI, 1996, p. 30).

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Armando Sant‟Anna (2007, p. 89) diz que o desejo é a expressão consciente da necessidade, e só quando a necessidade é percebida é que esta se manifesta em desejo. Sobre essa necessidade, Solange Bigal (1999) afirma:

[...] a necessidade é sempre real, e falsa é a exploração das necessidades reais e legítimas como força de atração do consumo, pois é essa força de atração que mantém o consumo reanimado, ao mesmo tempo que, constantemente, confirma o sistema de crença no consumo. Sendo assim, o desejo e a fantasia, em sociedades capitalistas, acabam se tornando meios de controle da consciência que responde à diversidade imaterial com a aquisição de bens simbólicos, expostos no interior de uma cena controladamente organizada para uma única imaginação (BIGAL, 1999, p. 26).

O processo comunicacional ainda possui, de acordo com Jakobson (apud SANTEE, 2010, p. 169), seis fatores envolvidos:

O REMETENTE envia uma MENSAGEM ao DESTINATÁRIO. Para ser eficaz, a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere (ou “referente”, em outra nomenclatura ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um CÓDIGO, total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário, que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação. Todos estes fatores inalienavelmente envolvidos na comunicação verbal podem ser esquematizados como segue: REMETENTE

CONTEXTO MENSAGEM

DESTINATÁRIO

.............................................................................................................. CONTACTO CÓDIGO

Na propaganda há uma pequena variação neste esquema feito por Jakobson (1987). Primeiramente, a comunicação passa ser também uma mensagem visual, ou

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seja, um conjunto de linguagem e imagens. Além disso, na propaganda, já que o emissor muitas vezes não é o fabricante do produto, e sim alguém contratado por ele para construir a mensagem e repassá-la ao consumidor, percebe-se a possibilidade de haver uma subdivisão no remetente, sendo este o emissor. Assim, subentende-se:

(Elaboração própria)

Citado anteriormente, o papel do emissor é construir um discurso nos moldes do que diz Baudrillard, (1995, p. 47): “todo o discurso sobre as necessidades assenta numa antropologia ingênua: a da propensão para a felicidade”. Assim, infere-se que geração da empatia vem por meio do espelhamento e da identificação com os fatos e situações cotidianas dramatizadas na publicidade. Deste modo, quanto mais familiar aquilo possa parecer, mais sentido há em consumir, e mais apelativa a peça se torna.

É preciso seduzir o grande público com um modelo de existência cujo padrão exige uma renovação constante do guarda-roupa, dos móveis, televisão, carro, eletrodomésticos, brinquedos das crianças, todos os objetos do dia-a-dia. Mesmo que não sejam verdadeiramente úteis (TOSCANI, 1996, p. 27).

O discurso da felicidade sempre tem por trás o ato da sedução. Desta vem a intimidade, a vontade, a emoção. Muitas vezes essa sedução é aplicada de forma tão sorrateira que é percebida como algo normal, cotidiano, sem perigo. No entanto, está ali. É por meio da dramatização feita em filmes publicitários, cartazes, revistas, comerciais de rádio, internet, que o emissor esconde pela obviedade os artifícios da linguagem, antropologia, sociologia e da psicologia para seduzir o consumidor. Como enfatiza Ivo Lucchesi (apud DIEGUEZ, 2006), “Quem seduz sabe que precisa negar a realidade das coisas para, por intermédio da ilusão, atingir o objetivo”. Não significa, entretanto, que

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a publicidade se valha de artifícios cem por cento ilusórios para construir seu meio de sedução; é necessário um mínimo de verossimilhança com a realidade, a já citada identificação com os fatos reais, para que haja a empatia necessária entre produtoconsumidor. Outro fator imprescindível para construir o discurso da sedução é estudar o contexto social. É a partir dele que ocorre a formulação das ideias, além da identificação das carências vigentes na sociedade; carências essas que, ao serem levadas à essência da mensagem, propiciam o investimento do olhar por parte do receptor. Como aponta Antônio Roberto Fava (2003, p. 12), em seu texto “O discurso da sedução”:

A sedução exige criatividade, inovação, se não [sic] fica completamente estagnada. Os desejos e as aspirações humanas vão se transformando constantemente e, com isso, modificam-se também o processo e o estilo de seduzir, acompanhando a evolução dos tempos.

Gilda Korff Dieguez, em seu artigo “O discurso publicitário: desvendando a sedução”, chama a “dramatização” feita na publicidade de intenção de aura, que é o valor simbólico atrelado ao produto sutilmente manipulado. Dieguez (2006) estabelece, ainda, a relação entre essa “intenção de aura” com a prevalência da noção do belo criada pela publicidade, lembrando que:

[...] o padrão estético do consumo é sempre ditado pela ideologia. Assim, contaminado por valores alheios, o objeto passa a desfrutar de um investimento capaz de promover uma sofisticação que atue ao máximo sobre todos os sentidos: olhar, tato, olfato, audição, paladar. Estamos no campo da excitação (DIEGUEZ, 2006, p. 104).

Contudo não basta o anunciante/emissor estimular a identificação e criar o desejo; o consumidor está cada vez mais atento e perspicaz. O “tentar convencer” não condiz mais com o indivíduo contemporâneo, que exige algo a mais para poder instigálo ao ato da compra. Que garantia o emissor pode dar para o consumidor de que seu produto é o certo para dar solução àquele problema de forma eficaz, simples e rápida? Previamente citada, a utilização da linguagem e psicologia encaixam-se perfeitamente nesta questão. Todavia, um artifício inserido no contexto da linguagem ainda não citado

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foi o da imagem. Para criar na mente do indivíduo a sensação de que determinado produto pode ser o certo, é necessário que tal sucesso seja ilustrado. A verossimilhança e a identificação do consumidor com a situação apresentada na peça publicitária, seja ela visual, olfativa, tátil, sonora ou gustativa, permeiam a imagem. De acordo com Solange Bigal:

A produção publicitária, então, orienta-se a partir de um recorte realizado no interior de um repertório constituído de imagens não só publicitárias, mas também de cenas oriundas dos mais diferentes meios de comunicação, das mais diversificadas linguagens e, principalmente, de fatos e ideias que podem ou não estar associados a marcas, produtos e serviços (BIGAL, 1999, p. 21).

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2

A IMAGEM

Os romanos afirmavam “o que a mente recebe pelos ouvidos estimula-a com menos força que o que se lhe apresenta pelos olhos e o que o espectador pode ver e crer para si”4. Um dos motivos pelos quais existe esse estímulo mais acurado pela imagem é a velocidade da sua interpretação em conjunto com o reconhecimento de seu conteúdo. Compreendem-se as imagens mais rapidamente que os conceitos por ela desejados. De todas as formas possíveis, a publicidade consiste na imagem. Mesmo aquela veiculada no rádio, sem qualquer aparato visual como um papel ou uma tela de televisão/computador, possui a mensagem visual. O homem contemporâneo é por excelência um consumidor ávido por imagens.

A imagem transmite ideias, emoções. Reproduz com fidelidade a verdade dos fatos ou, no caso da propaganda, do produto. Ainda na propaganda, inúmeras são as imagens que enfeitam, disfarçam o produto e enganam a realidade. Mas é por causa da imagem que a publicidade se tornou uma forma tão poderosa de comunicação, digo sem susto (CESAR, 2006, p. 201).

Como Joly (2008) diz, o termo “imagem” remete a noções que vão da imobilidade ao movimento, da ilustração à semelhança, da linguagem à sombra. São vários os contextos em que podemos nos referir à imagem: uma lembrança da reunião em família no passado que imediatamente traz à mente a imagem como se fosse um filme, interagindo o passado com o presente; a “imagem de uma marca” que alude ao aspecto identitário que possuímos com ela; uma metáfora verbal, que utilizamos no dia a dia sem perceber, aludindo a uma imagem semelhante (exemplo: o pé de pato que é utilizado para nadar possui esse nome por se assemelhar ao pé de um pato real). Em nossa cultura, o aprendizado de “ler as imagens” vem ao mesmo tempo em que aprendemos a falar ou nos comunicar. Na realidade, o aprendizado de um serve de complemento para o aprendizado do outro. Assim, a “imagem” está presente ao nosso 4

“Segnius irritant animos demissa per aurem, / Quam quae sunt oculis subiecta fidelibus, et quae / Ipse sibi tradit spectator”. Disponível em: . Acesso em: 19 Out. 2011.

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redor de forma contínua e incessante, contribuindo também para a construção das mensagens publicitárias. Em seu livro Introdução à Análise da Imagem, Martine Joly (2008, p. 14) diz: “já percebemos que a imagem seria um objeto segundo com relação a um outro que ela representaria de acordo com certas leis particulares”. Charles Sanders Peirce, por sua vez, diz que um signo é “algo que está no lugar de alguma coisa para alguém, em alguma relação ou alguma qualidade” (apud JOLY, 2008, p. 33). Se a imagem está para a representação de algo assim como o signo está no lugar de alguma coisa preenchendo a ausência desta “coisa”, então se pode inferir que a imagem é um signo. Partindo de princípio mais teórico e abrangente, a semiótica de Peirce ajuda a compreender as noções retiradas do termo “imagem” previamente citadas. Segundo Joly (2008), para Peirce existe uma relação triádica em todos os signos: o objeto (referente), o significante (representamen) e o significado (interpretante). O signo, por sua vez, possui três principais divisões, estabelecidas de acordo com a relação entre ele e seu objeto. Esta relação pode se dá de três maneiras: por semelhança, fisicamente ou por convenção, e vão definir três tipos de signos: ícones, índices e símbolos. Esta classificação, no entender de Peirce, é a mais importante. A partir de Peirce, entendem-se os ícones como todos aqueles que possuem relação de analogia com o objeto ao qual se refere. Se uma imagem, a exemplo de uma fotografia, possui um elemento que se “pareça” com um cachorro, então aquela fotografia é um ícone. Se os ícones são representados pela semelhança, os índices são representados pela relação de causalidade, não necessariamente configurando uma semelhança física (PEIRCE apud JOLY, 2008, p. 35). É o caso da nuvem escura, que representa a chuva, embora uma não seja parecida com a outra, ou um amontoado de tijolos que representa uma construção, embora esta ainda não tenha tomado forma. Ainda baseada em Peirce, Joly (2008) diz que os símbolos são todos aqueles signos que configuram uma convenção. O desenho de uma lâmpada em peças publicitárias convenciona o sentido de ideia, assim como a grafia “cadeira” em português significa o lugar onde normalmente se senta e, com este mesmo significado, temos “chair” na língua inglesa.

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A partir dos diferentes tipos de imagens (identitárias, mentais, visuais, virtuais etc.), o ponto em comum entre todos é o da analogia. Material ou imaterial, visual ou não visual, natural ou fabricada, a “imagem” é primordialmente algo que possui semelhança com outra coisa (JOLY, 2008, p. 38), ou seja, está no campo das representações. Neste sentido, a imagem podem ser de duas formas: registradas ou produzidas. Considera-se que as imagens produzidas partem do princípio da imitação. Esta é feita de forma tão real a ponto de confundir o que é criado com o que é verdadeiro, o que é produzido com o existente de fato. São ícones perfeitos, simulacros5. As

imagens

registradas,

gravadas,

são

consideradas

imagens

impecavelmente semelhantes, mais confiáveis, pois são justamente isso: registros. Tais registros ocorrem através de ondas eletromagnéticas, emitidas pelos objetos a serem gravados. Por essas características, estas imagens são antes de tudo um traço. O ícone cede lugar ao índice. Se as imagens possuem significados para toda e qualquer pessoa capaz de percebê-las, é porque de algum modo há uma convenção sócio-cultural entre o emissor e o espectador. Por mais banal ou lógico que seja o entendimento do indivíduo que reconhecer naquela imagem algo comum a ele, já será suficiente para lhe atribuirmos uma significação a que Peirce chama de símbolo. Temos, portanto, o caráter triádico do signo inserido na imagem.

A teoria semiótica permite-nos captar não apenas a complexidade, mas também a força da comunicação pela imagem, apontendo-nos essa circulação da imagem entre semelhança, traço e convenção, isto é, entre ícone, índice e símbolo (JOLY, 2008, p. 40).

5

Simulacro “faz o real parecer mais real, dá-lhe uma aparência desejável” (SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é Pós Moderno. São Paulo: Brasiliense, 2004. p. 97).

33

2.1

O SURGIMENTO DA IMAGEM

No tempo da pré-história, quando a linguagem dava seus primeiros passos, a imagem assumiu um poder de decisão na evolução humana. O homem desprovido de maneiras para comunicar-se com seus semelhantes além de murmúrios e gestos, encontrou na arte pictográfica a linguagem mais útil às suas necessidades – se é que naquela época já se poderia chamá-la arte, visto que a importância deferida ao ato era mais simbólica do que identitária. Considera-se que a pictografia foi o modo mais representativo que o indivíduo pré-histórico encontrou para comunicar-se representando situações que gerassem a compreensão daqueles que viviam em sua comunidade, e ainda daqueles que posteriormente passassem por determinada região outrora habitada. As cavernas de Altamira, Lascaux, Gargas, El Castillo6 e tantas outras, as tumbas egípcias e registros em relevos são atestados de que o homem há muito vive em um ambiente cercado de imagens. O ser humano começou a expressar seu mundo desenvolvendo formas de transmissão e apreensão de conhecimento – e, portanto, de cultura – por meio do traço, forma de representação mais naturalista e figurativa existente.

Figura 1. Pintura rupestre, na Caverna de Altamira, em Cantabria, nordeste da Espanha7.

6

Pré-História, 2011. Disponível em: < http://aimagemcomunica.blogspot.com/2010/11/historia-das-imagens.html>. Acesso em: 1 nov. 2011. 7

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2.2

A IMAGEM NA PUBLICIDADE

Ao avançar um pouco mais na linha histórica da publicidade, encontram-se os cartazes. Na antiga Pompeia, as paredes públicas abrigavam grande número de inscrições, divididas em dois tipos principais: cartazes eleitorais e anúncios de apresentações no anfiteatro8. Os cartazes eleitorais constituíam os anúncios feitos em letras capitais cursivas9 capazes de serem vistas a distância, ao passo que os anúncios de apresentações constituíam intervenções individuais, feitas pelos patrocinadores de tais eventos a fim de tornarem públicas suas ofertas de luta de gladiadores e caçadas (FUNARI, 1997). A partir deste momento, a imagem começou a representar um mundo onde o indivíduo podia reconhecer-se, espelhar-se. Templos pagãos e cristãos utilizavam-se da representação visual bidimensional (afrescos, pinturas) e tridimensional (estátuas e relevos) como recursos expressivos e instituidores de desejo (BAITELLO, 2007). Considera-se então que a imagem se tornou para os analfabetos o que a Bíblia era para os letrados: muitas vezes era mais fácil compreender uma imagem que os conceitos de uma nova doutrina. Na guerra, a imagem tornou-se instrumento de propaganda, uma arma psicológica, um mecanismo de manipulação das massas.

8

Havia, também, as propagandas de casas de banho e outras pequenas a respeito da vida pública na região. (Disponível em: < http://www.rg9.org/historia.php>. Acesso em 25 Set. 2011.) 9 Por letras capitais cursivas entende-se a forma das letras da Escrita Cursiva Romana Antiga, que poderiam se alterar pela posição, inicial ou final, por efeito estético, por contignatio, ou pelo uso de abreviaturas ou siglas. (Disponível em: . Acesso em: 31 out. 2011.)

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Figura 2. Propaganda Nazista anti-comunismo.10

Desde então, a estética configurada em cartazes e todo tipo de imagem visual era pensada no sentido de atrair a atenção do espectador e transmitir, da forma mais concisa possível, a sua mensagem. Subentende-se que a funcionalidade e a estética, abarcando um misto de desejos, sensações e motivações variadas, começaram a se complementar. Aumont (2002) explica que o homem, um observador nato, em praticamente todos os tempos serviu-se de imagens para satisfazer as necessidades individuais e coletivas, procurou explorar os mecanismos que as envolvem, e durante toda a história fez delas suas cúmplices. Percebe-se que antigamente a imagem era utilizada na propaganda para informar e anunciar, no sentido de fazer-se conhecer certas atividades. Para isso, empregavam imagens as mais fiéis possíveis, mostrando do que realmente tratava aquele produto. Sua linguagem era simples e direcionava-se à racionalidade de mostrar o produto e dizer suas funções e características.

10

Disponível em: < http://cafehistoria.ning.com/photo/propaganda-nazista?context=latest>. Acesso em 21 Out 2011.

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Figura 3. Anúncio feito em 1889, publicado no jornal Diário Popular11

Mais tarde, conforme as sociedades se desenvolviam junto ao comércio e a competitividade entre os produtos se acirrava, a publicidade começou a utilizar-se de artifícios subjetivos, com elementos visuais e verbais que demonstrassem a satisfação que o consumidor teria ao adquirir os produtos.

Figura 4. Anúncio do cereal matinal “Alpha Bits” dos anos 50.12

11

Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2011. 12

Disponível em: . Acesso em: 21 out. 2011.

37

2.2.1

A Imagem como Ilusão

As imagens produzidas ou fabricadas podem facilmente ser conhecidas como uma ilusão. Desde que nascemos somos bombardeados com mensagens visuais. Joly (2008, p. 10) diz que “a utilização das imagens se generaliza e, contemplando-as ou fabricando-as, todos os dias acabamos sendo levados a utilizá-las, decifrá-las, interpretá-las”. Percebe-se só depois de algum tempo que muitas dessas mensagens possuem imagens ilusórias. O que o senso comum nos aponta é que a ilusão é um modo particular e não habitual de se compreenderem as imagens, e isso pode acontecer deliberadamente ou ao acaso. Contudo, dependendo do grau de importância que se confere àquela mensagem visual, essa ilusão surge muitas vezes consentida e consciente, conforme descreve Aumont (2002, p. 97): “A ilusão foi valorizada, de acordo com as épocas, como objetivo desejável da representação, ou ao contrário criticada como mau objetivo, enganoso e inútil”. Explorando a imagem ilusória e o indivíduo como seu espectador, em um sentido semiótico – primeiridade, secundidade, terceiridade – ocorrem muitas deliberações diferentes, por vezes até contraditórias, que podem influenciar o fluxo do pensamento e o modo como se dá a percepção desta imagem. Dentre elas, apresentamse duas: a condição sociocultural do indivíduo e a sua predisposição em receber tais imagens. Quando o espectador percebe uma imagem e a compreende, ele faz a imagem de fato existir. É esse, de acordo com Gombrich (apud AUMONT, 2002, p. 86), o “papel do espectador”. Esta percepção provém de experiências e do “alfabetismo visual”, ou seja, o conhecimento prévio que se tem das imagens no mundo, cercado de descobertas ao longo da vida. São esses os formadores da condição sociocultural do espectador que irá determinar se será atingido e como será atingido pelas mensagens visuais provenientes do exterior. Ainda para Gombrich (apud AUMONT, 2002, p. 86), a compreensão visual surge das expectativas convertidas em hipóteses que posteriormente são analisadas, confirmadas ou anuladas. Tais expectativas são alimentadas por nossa bagagem sociocultural de imagens.

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Sant‟Anna (2007, p.89) afirma: [...] para existir excitação, para que haja receptividade ao estímulo, é necessário que realmente exista, no momento, uma disposição a ser perturbada por esse estímulo. Embora as necessidades sejam o motor da conduta, são os desejos (ou interesses) que verdadeiramente põem o motor em ação.

Joly (2008, p. 63) ainda complementa que:

[...] essa noção de expectativa está vinculada à de contexto, que, por sua vez, se estende aos diversos movimentos da obra: o momento de sua produção, o que a precedeu e o momento de sua recepção. Todos relativos, pedem para ser considerados no momento da interpretação analítica. O jogo com o contexto pode ser uma maneira de burlar a expectativa do espectador surpreendendo-o, chocando-o ou divertindo-o.

Decorridas as características que repercutem na percepção e interpretação da imagem, o espectador está pronto para recebê-la. Percebe-se que nesta imagem recebida existe algum fator ilusório que estabelece aquela mensagem visual como sendo um simulacro do real. Este simulacro, de acordo com Muniz Sodré (1990, p. 33), é:

Como a imagem de Narciso no espelho, o simulacro é inicialmente um duplo ou uma duplicação do real. A imagem no espelho pode ser o reflexo de um certo grau de identidade do real, pode encobrir ou deformar essa realidade, mas também pode abolir qualquer idéia de identidade, na medida em que não se refira mais a nenhuma realidade externa, mas a si mesmo, a seu próprio jogo simulador. Neste caso, o espelho deixa de ser algo que transcendentemente reflita, duplicando, o real, para tornar-se espaço/tempo operacional, com uma lógica própria, imanente. Sem a necessidade de uma realidade externa para validar a si mesmo enquanto imagem, o simulacro é ao mesmo tempo imaginário e real, ou melhor, é o apagamento da diferença entre real e imaginário (entre o „verdadeiro‟ e o „falso‟). De fato, um certo imaginário, tecnologicamente produzido, impõe o seu próprio real (o da sociedade industrial), que implica um projeto de escamoteação de outras formas de experiência do real.

39

O simulacro a priori não provoca a ilusão total, mas a ilusão parcial, que possui força suficiente para ser funcional. Também é diferente do duplo perfeito, aquela representação que em algum momento será confundida com o seu objeto representado. A fotografia de um quadro não pode ser confundida com tal quadro, e nem a pintura nele confundida com a realidade. Entretanto, a articulação e o estímulo da publicidade a fim de obter um feedback positivo do consumidor possui uma ressalva: nem sempre o que se espera ser percebido o é de fato. Nem sempre empregar o uso de simulacros ou imagens baseadas nas expectativas do indivíduo será cem por cento eficaz, e para isso convém constante estudo sobre o mercado, reações, hábitos e motivos de compra do consumidor típico (Sant‟Anna, 2007). Por outro lado, muitas vezes fica evidente a interpretação que a publicidade deseja de seus consumidores: determinado produto e/ou serviço “é o melhor para você, veja! Olhe esta imagem impecável, isso é o que você terá, isso é o que você será.”. A promessa da perfeição e da satisfação evoluiu de tal forma que a realidade estampada no mundo da comunicação publicitária está muito além da vida real. A publicidade se encaminhou da informação à persuasão. Este caráter onírico da publicidade possui embasamento, é claro, no imaginário individual de todo ser humano: o que se quer é nada menos do que o melhor, do que o requinte. As empresas tornaram-se cúmplices do desejo humano e infiltraramse de tal forma na mente das pessoas no momento de falar de seus produtos que o resultado foi uma exagerada simulação da satisfação da massa consumidora. O “real” passou a misturar-se com o “ideal”. Na mídia, a coibição da realidade esvanece-se em nome do prazer sem maiores consequências para a vida do homem em sociedade, tal como no mundo dos sonhos. Um grande exemplo dessa “miscelânea” são as campanhas de produtos de beleza femininos. Tantas mulheres jovens e bonitas tomando a frente de comerciais de hidratantes, cremes antirrugas, shampoos, todos com fórmulas mágicas para uma aparência existente muitas vezes somente na imaginação das consumidoras, posteriormente frustradas ao perceberem que não é possível alcançar aquela beleza ideal projetada pela mídia. Começa então a surgir o questionamento, a descrença no que a publicidade promete. Forma-se um abismo entre “ter o produto” e “ter a imagem que o produto promete”.

40

Jean Baudrillard (apud LIMA, 2000, p. 291) se refere a isso como uma “reação por saturação”, quando as diversas publicidades se neutralizam umas às outras ou cada uma por seus excessos. Padecendo de novas abordagens, com a imagem do mundo ideal desgastada, as empresas começam a enxergar a necessidade de um reinvento em sua própria imagem. Ora, se tal produto promete efeitos que nunca aparecem, cedo ou tarde os consumidores se dão conta e, junto com o produto, a empresa também começa a afundar sua própria imagem de identificação junto à sociedade. A tática então passa a se inverter: antigamente a publicidade utilizava-se da imagem real de seus produtos e serviços; é hora de retomar tal estratégia. Projetar consumidores reais é a ordem da vez. Contudo, não passa disso: projeção. Exemplo que ilustra muito bem essa estratégia é a campanha da empresa de produtos para cuidados pessoais Dove, intitulada “Real Curves”, no Brasil traduzido para “Real Beleza”. Vista como uma empresa sem muita expressão, em 2004 a Dove investiu em uma larga pesquisa com cerca de três mil mulheres em dez países, das quais somente 2% das mulheres pesquisadas se achavam bonitas; 75% definiam sua beleza como sendo mediana; e 50% entendiam que seu peso estava acima do ideal13. A campanha que decorreu desse estudo procurou mostrar o uso de seus produtos por mulheres “reais”, com perfis diferentes daqueles sempre mostrados pela mídia de massa: mulheres altas, magras, com cabelos lisos e pele impecável. A Dove recrutou seis mulheres nas ruas com perfis físicos particulares (estatura baixa, corpo com mais curvas, pele com “defeitos”, cabelos enrolados) escolhidas pela sua auto-estima e confiança. Mulheres que causariam uma imagem mais palpável associada à mulher comum, que trabalha, possui família e responsabilidades outras que não exclusivamente cuidar de sua beleza física.

13

Dados retirados do blog Mundo das Marcas. Disponível em: . Acesso em: 29 out. 2011.

41

Figura 5. A campanha “Real Curves” contou com seis mulheres de perfis físicos diferentes dos sempre divulgados pela mídia 14.

O sucesso da campanha foi tamanho que a empresa continuou investindo na “Campanha pela Real Beleza”. Campanhas de verão e até mesmo um vídeo mostrando como ocorre a manipulação da imagem publicitária que vai às ruas fizeram parte desta. Mais do que conseguir agregar valor ao produto em si, a Dove conseguiu fazer com que os consumidores enxergassem na marca uma preocupação com a imagem da mulher “real”. Contudo, a imagem real que a marca Dove procurou alcançar por meio da diversidade de mulheres e situações em sua campanha foi em nome de um princípio mercadológico, a fim de integrar a mulher consumidora no sistema de consumo do mercado de beleza. A pluralidade ali oferecida por meio de uma campanha diferente das oferecidas até então fez com que culminasse no que Baudrillard (apud LIMA, 2000, p. 292) se refere como princípio de escolha e personalização, que gera a sensação de liberdade no consumidor, como se a marca não estivesse impondo nenhuma ação, ao mesmo tempo em que justifica o consumo por meio de uma imagem diferenciada e sedutora.

14

Disponível em:< http://www.brainstorm9.com.br/330/diversos/real-curves/>. Acesso em: 25 out. 2011.

42

Figura 6. Parte da mesma campanha da DOVE, mas com um mote para o verão15.

Ainda que a marca colocasse mulheres com um estereotipo diferente do comumente usado em campanhas de produtos de beleza em nome da realidade imagética, fica evidente que ela se vale de artifícios simuladores do real. A imagem da felicidade e da auto-estima não é o que ocorre de fato com todas as mulheres baixas, acima do peso ou com cabelos enrolados. Mesmo valendo-se do resgate da realidade, o anunciante não utiliza um real factual: tem-se um real subjetivado, simulado, tanto na construção gráfica das imagens quanto na imagem confiante transmitida pelas mulheres estampadas. A imagem usada ainda é diferente, esquiva da realidade factual. O aparecimento em grupos das mulheres representa a felicidade e a afirmação coletiva: é muito mais fácil aceitar-se diante de mulheres que também não são perfeitas, ao invés de aceitar-se ao olhar uma revista repleta de modelos.

Dentre as razões responsáveis por essa hipertrófica produção de imagens, uma das mais importantes é que o homem conseguiu conquistar, por meio das imagens, a chance de criar „sparepieces‟ [peças sobressalentes] de si mesmo; portanto pregar uma mentira em sua insuportável unicidade (ANDERS apud BAITELLO, 2007, p. 7).

15

Disponível em: . Acesso em: 25 out. 2011.

43

É, portanto, a criação da imagem perfeita em nome do objetivo mercadológico de agregar valor e vender que cria um paradoxo na mente do indivíduo, como afirma Joly (2008, p.10):

Por um lado, lemos as imagens de uma maneira que nos parece totalmente “natural”, que, aparentemente, não exige qualquer aprendizado e, por outro, temos a impressão de estar sofrendo de maneira mais inconsciente do que consciente a ciência de certos iniciados que conseguem nos “manipular”, afogando-nos com imagens em códigos secretos que zombam de nossa ingenuidade.

Assim, marcas como a Dove passam a investir em tal estratégia, na qual ao explorarem a idéia de que estão oferecendo a realidade, trazem a reboque seus produtos e serviços. É importante destacar também os chamados signos plásticos. Estes são signos que, juntamente com a mensagem linguística e mensagem icônica, compreendem a mensagem visual. Joly (2008) se refere a signos plásticos citando o conceito criado pelo Grupo Mu16 de que as formas, cores, composição, textura, posição, orientação, todos são signos plenos que consistem em boa parte da significação da mensagem visual, não sendo essa significação única e exclusiva dos signos icônicos (os agentes reconhecíveis da mensagem). Ou seja, as imagens na realidade têm um signo duplo: o papel da representação, na qual surge a percepção tridimensional do objeto (signo icônico) e uma junção de elementos tais quais cores, formas e composição que representam o signo plástico. Aumont (2002) explica que a noção de plasticidade significa a flexibilidade, a “modelabilidade” da imagem: ela será plástica, caso possa ser modelada de modo flexível. Antes, tal termo era empregado em imagens nas quais o material poderia ser modelado (como uma escultura, ou um quadro pintado, no qual o pintor através de suas pinceladas pudesse mudar o que estivesse a ser pintado). Hoje, a primeira ideia de flexibilidade se perdeu um pouco em detrimento de uma segunda ideia, a de abstração.

16

O Groupe μ (Centro de Estudos Poéticos, Universidade de Liège, Bélgica) é formado por Francis Edeline, Jean-Marie Klinkenberg e Philippe Minguet e desenvolve trabalhos interdisciplinares em estética, teoria da comunicação lingüística ou visual e semiótica (FERVENZA, 2006).

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É possível intuir que os signos plásticos tais como cores, composição, textura, orientação, todos estão presentes nas imagens, até mesmo nas imagens automáticas17, e podem sofrer mudanças. As fotografias, juntamente com o vídeo, são as imagens mais utilizadas hoje em dia pela publicidade e, como abordado anteriormente, necessitam configurar uma realidade que traga ao espectador, sentimento de identificação com o anunciante de forma a criar o desejo e levar ao ato do consumo.

17

De acordo com Jacques Aumont (2002, p. 179) a fotografia é uma imagem automática, por ser uma captação automática de uma marca do visível, e que escapa pelo menos em parte à intervenção humana, ultrapassando a intencionalidade do fotógrafo.

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3

FOTOGRAFIA

3.1

FOTOGRAFIA COMO REPRESENTAÇÃO DO REAL

Até o final do século XVIII, a imagem que traduzia a realidade era aquela produzida pelo pintor, pelo artista que se dispunha a tracejar o que via e o que sentia. Carregadas de subjetividade, as pinturas, os afrescos, as esculturas e as gravuras muitas vezes serviam como retratos perfeitos daqueles que pagavam para obter tal serviço, apesar de estarem intimamente ligadas ao sentimento daquele que as fazia. Como afirma Barthes (1984, p. 115), “A pintura pode simular a realidade sem tê-la visto”. A produção pictórica do século XV, denominado o Quattrocento18 da História das Artes, foi marcada pela expressão plástica tomada pelo espírito da imitação. Os artistas da época procuravam “o racional figurativo, o realismo pitoresco, e a fidelidade de representação” (RAPOSO, 1998/1999). Ainda segundo a autora, foi neste período do Renascimento que se desenvolveu um sistema de representação sob perspectiva, em que a luz assumiu importante papel, passando a ser reconhecida como elemento de valor, tanto quanto a forma. Gradativamente a linha foi substituída pelos efeitos de cores e luzes, que davam o volume característico dos corpos retratados. Instaurou-se também o uso do ponto de fuga, um ponto de encontro de todas as linhas saídas dos elementos na imagem que dá a nítida sensação do infinito para quem a vê. Tal sistema de ponto de fuga culminou com o maior uso do conceito de dimensões nas pinturas renascentistas, convertendo a intenção da mimese19 em possibilidade.

18

Precedido pelo Trecento, fase inicial do movimento Renascentista e referente ao século XIV, o Quattrocento ocorreu no século XV, marcado pelo grande apoio da família Médici e maiores expressões ligadas à cidade de Florença. Nesta fase, os artistas primavam pelo aprimoramento da perspectiva, além da exploração de elementos de natureza espiritual, religiosa e simbólica em várias obras. Como um dos maiores representantes dessa época, Leonardo Da Vinci surge ao seu final como um artista não especializado em nenhuma área específica, aventurando-se como escultor, pintor, urbanista, inventor e filósofo. Suas obras mais famosas dessa época são a Monalisa e a reprodução da Santa Ceia. Fonte: . Acesso em 21 Out. 2011. 19

De acordo com Aristóteles, mimese pode ser identificada como um sentido de cópia em conformidade e semelhança com o modelo real e natural. Contudo, essa “imitação” não estaria ligada somente à duplicação da imagem do referente, mas também à imitação de sua essência. Já para Platão, a mimese representa a imitação da realidade, valendo-se de que a realidade é uma mera imagem do plano das ideias

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Assim como o Renascimento, o Impressionismo desfaz-se de antigas técnicas de produção da imagem, e procura dar valor aos elementos ópticos, tais como variações de tons, mudanças na luminosidade, reflexos etc. A partir do invento da fotografia, a qual por meio de seu modus operandi configurou uma automatização do processo de registro do real, o mundo passou a ser fixado como uma imagem imóvel e comprovadamente existencial. A fotografia era tida, por meio de um dispositivo técnico que não envolvia a subjetividade do operador, como a comprovação de que o referente ali materializado de fato existiu e, portanto, prova irrefutável do real, um congelamento de um momento factual.

Desde seu surgimento e ao longo de sua trajetória, até os nossos dias, a fotografia tem sido aceita e utilizada como prova definitiva, “testemunho da verdade” do fato ou dos fatos. Graças a sua natureza fisicoquímica – e hoje também eletrônica, de registrar aspectos (selecionados) do real, tal como estes de fato se parecem, a fotografia ganhou elevado status de credibilidade (KOSSOY, 2009, p. 19).

Aumont (2002) diz que os dispositivos fotográficos e cinematográficos são feitos para transmitir uma efígie da realidade, ou seja, uma figura que caracteriza o real, mas não o é; e o desejo de sentir nessa figura uma presença atual só pode derivar de um desejo inocente, de um fantasma ou da convenção. Ambos – cinema e foto – não revelam nada à sociedade, no sentido literal da palavra. Dubois (2010) complementa que a foto por si só não explica e não interpreta, permanece somente enigmática. Citando Henri Van Lier, em seu livro Philosophie de la photographie: “A foto pode ser uma prova instrutiva e irrefutável. É tão evidente que não é preciso insistir nisso. Mas, ao mesmo tempo, ocorre com freqüência que não se sabe bem o que ela prova” (LIER apud DUBOIS, 2010, p. 84).

eternas. Assim, a arte seria então um espectro da realidade, um simulacro que não mostraria reconhecimento verdadeiro em um plano de realidade. (ALVES, 2010).

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Como uma máquina que recorta o instante e o espaço, o ato de fotografar transforma um instante pleno, cheio de vida, em um quadro estático. Conclui-se que o lugar onde o referente é fotografado é sempre o pretérito, marcado pelo que Barthes (1984) denomina de “Isso foi”.

Quando se define a Foto como uma imagem imóvel, isso não quer dizer apenas que os personagens que ela representa não se mexem; isso quer dizer que eles não saem: estão anestesiados e fincados, como borboletas. (BARTHES, 1984, p. 86)

Contudo, não se pode afirmar que a foto tem em si uma noção de “morte do instante” como se fosse algo ruim. Ao contrário, ela pode não ser dotada de elementos vivos e animados tais quais os conhecemos, mas produz efeito de emoção em quem a vê, seja esta uma boa emoção – como a vontade de rir –, seja uma emoção ruim – como uma lembrança desagradável.

Nesse deserto lúgubre, me surge, de repente, tal foto; ela me anima e eu a animo. Portanto, é assim que devo nomear a atração que a faz existir: uma animação. A própria foto não é em nada animada (não acredito nas fotos “vivas”) mas ela me anima: é o que toda aventura produz (BARTHES, 1984, p. 37).

3.2

O SURGIMENTO DA FOTOGRAFIA

Percebe-se que quando o desenvolvimento tecnológico e as grandes indústrias tomaram conta da sociedade nas grandes capitais européias e nos Estados Unidos em meados do século XIX, o momento se tornou perfeito para a “criação” de um novo modo de lidar com as imagens, assim como novos espaços para a pesquisa na forma de reter as imagens. É muito difícil precisar as datas que levaram à descoberta da fotografia, tendo em vista os vários cientistas e químicos em variadas épocas e lugares que contribuíram para os estudos desse processo. Contudo, existem alguns momentos

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mais apontados pelos estudiosos como sendo os mais importantes para a construção dessa linha do tempo, que ao final do século XIX foi completamente montada. A litografia, procedimento no qual as imagens são impressas em uma pedra calcária, inaugurou nas artes gráficas o processo de produção em série (MAYA, 2008, p. 108), sendo talvez o primeiro processo mais “tecnológico” no que concerne à produção de imagens. Walter Benjamin, em seu texto “A Obra de Arte na era da sua reprodutibilidade técnica”, (1955) diz: Com a litografia, as técnicas de reprodução marcaram um progresso decisivo. Esse processo, muito mais fiel – que submete o desenho à pedra calcária, em vez de entalhá-lo na madeira ou de gravá-lo no metal – permite pela primeira vez às artes gráficas não apenas entregar-se ao comércio das reproduções em série, mas produzir, diariamente, obras novas.

Figura 7. Primeira câmara escura no século XVI.20

A fotografia surge e ultrapassa a litografia, substituindo a mão pelo olho, mais rápido em captar os detalhes. A partir de um estudo feito pelo francês Joseph Nicéphore Nièpce, que desejava melhorar o processo litográfico de impressão, por volta de 1826, ao colocar uma placa sensibilizada quimicamente com betume de Judeia (uma espécie de verniz capaz de secar rapidamente quando exposto à luz) dentro de uma

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Disponível em: . Acesso em 06 Out. 2011.

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câmara escura21 apontada para seu jardim, Nièpce conseguiu então fixar nela a imagem projetada no interior da câmara após aproximadamente oito horas de exposição (SALLES, 2008). Esta, portanto, foi a primeira fotografia reconhecida, por sua estabilidade com o passar do tempo. Assim como os estudos sobre a câmara escura, a sensibilidade dos objetos à luz já era reconhecida. Todos os corpos de alguma maneira são fotossensíveis, ou seja, sensíveis à luz, variando apenas o tempo em que esta irá demorar a produzir o efeito desejado. Contudo, para os fins da reprodução e impressão da imagem como era cobiçado na época, era necessário uma superfície sensível que não demorasse tanto para formar a imagem; neste momento os sais de prata ganharam mais atenção. A sensibilidade deste material diante da luz já era conhecida desde a época renascentista, mas os trabalhos realizados a partir dessa mistura química não obtiveram valor, já que as imagens formadas não eram estáveis, enegreciam conforme a exposição à luz, devido à sensibilidade ainda existente da prata (SALLES, 2008). Foi somente com a imagem produzida por Nièpce que a fotografia ganhou seu reconhecimento graças à estabilidade de fixação da imagem em uma superfície.

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O conceito de câmara escura, precursora da câmera fotográfica, é descrita já por Leonardo Da Vinci no século XVI. Na época, essa câmara escura consistia em um sala completamente escura, com um pequeno orifício em uma das paredes através do qual a luz passa, projetando imagens invertidas dos objetos externos na parede oposta à abertura. Posteriormente, tal dispositivo foi evoluindo até chegar em uma câmara escura portátil, uma caixa totalmente fechada com apenas um furo, tendo como princípio o mesmo da câmara escura em uma sala (SALLES, 2008).

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Figura 8. Uma reprodução da primeira fotografia conhecida, produzida por Nièpce em aproximadamente 1826.22

Entretanto, foi o francês Louis Jacques Mandé Daguerre o responsável pela disseminação da técnica fotográfica de maior qualidade. Os dois, Nièpce e Daguerre, formaram uma sociedade em nome da evolução do processo fotográfico iniciado naquele momento. Alguns anos depois, Nièpce faleceu e Daguerre e prosseguiu com as tentativas de uma melhor fixação da imagem sobre superfícies fotossensíveis e, assim como Nièpce, encontrou por acaso uma solução ao problema da nitidez e fixação na fotografia. De acordo com SALLES (2008), o processo consistia em uma chapa metálica tratada com vapores de iodo, que formavam um haleto de prata que, quando penetrado na chapa, tornava-a sensível. Posteriormente essa chapa era colocada na câmara escura, submetida a uma exposição que variava de 20 a 30 minutos em média. Decorrido o tempo após a exposição, o iodeto era colocado em contato com o vapor de mercúrio, fazendo com que a imagem surgisse na superfície, resultando no primeiro sistema de revelação fotográfica, o daguerreótipo, anunciado comercialmente quando François Arago, diretor do Observatório de Paris, comunicou a descoberta em 1839.

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Disponível em: . Acesso em 06 Out. 2011.

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Figura 9. Imagem a qual Daguerre considerava seu primeiro daguerreótipo bem-sucedido.23

O daguerreótipo ficou massivamente conhecido, e apesar de ter como limitação o caráter único da imagem produzida – afinal, era produzida em uma única superfície opaca, sem chances de reprodução –, ele possuía inquestionável qualidade e nitidez. Paralelamente, o inglês William Henry Fox Talbot, de acordo com Salles (2008), procurava desenvolver uma forma de fixar as imagens e ao mesmo tempo propiciar a sua reprodução. Seus estudos eram feitos utilizando o papel como superfície fixadora e, apesar de enfrentar muitos problemas inicialmente, conseguiu criar um sistema negativo-positivo, que chamou de calótipo. Este, inicialmente, não configurava quase nenhuma qualidade nas imagens se comparado ao daguerreótipo, haja vista sua característica propiciadora de várias cópias advindas de um mesmo negativo, culminando em certa vulgarização da imagem. Perante a elite, o daguerreótipo ainda era preferência. Entretanto, o fator que transformou o daguerreótipo em desejo da sociedade na época, foi o mesmo que causou seu declínio conforme as demandas de produção aumentavam. A unicidade perdeu vez para a indústria, que fez com que a reprodução em larga escala dos retratos tomasse a frente da qualidade. Tratou-se então de construir formas de reprodução através do sistema negativo-positivo que constituíssem tanta

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qualidade quanto o daguerreótipo, e que conseguissem suprir as demandas do mercado de produção. Benjamin (1955) fala que com o advento do século XX as técnicas de reprodução atingiram um nível tão amplo que fizeram com que elas mesmas ganhassem um status de formas originais de arte. Tal reprodução está estreitamente ligada ao abalo da tradição em que a sociedade vivia e vive desde então, uma forma de se renovar e responder às transformações sociais e capitalistas, das quais as formas de percepção não eram nada mais que reflexo.

3.3

A FOTOGRAFIA NA PUBLICIDADE

A publicidade neste momento utilizava-se de elementos estéticos do Art Nouveau24, que, definido por Argan (apud PALMA, 2007) era “um estilo ornamental que consiste no acréscimo de um elemento hedonista a um objeto útil”. Com isso, as mensagens visuais publicitárias iniciavam o uso do conceito de valor agregado do produto, ou seja, um algo a mais que se atribuía àquele objeto ou serviço em nome da satisfação do consumidor. De acordo com Palma, a fotografia neste momento só aparecia na publicidade em forma de colagens em meio a cenários ou molduras ornamentais, em razão de ainda não configurar uma qualidade compatível com a ilustração. marca

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O movimento Art Nouveau é uma manifestação típica do século XIX, e foi o primeiro movimento modernista a não ser dominado pela pintura, apesar de ter seus representantes nesse estilo, tais como Toulouse-Lautrec, Pierre Bonnard, Gustav Klimt. Pautado em grande parte para o design, possui um estilo marcado pelas formas sinuosas, influencia a criação de letras e marcas comerciais e influencia amplamente o design gráfico (ROCHO, 2011).

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Figura 10. Anúncio dos cigarros Fon-Fon em 1910, com um misto de fotografia e Art Nouveau25.

Timidamente, a fotografia foi chegando ao mundo publicitário. Nos primeiros anos do século XX (PALMA, 2007), o retrato, ainda nas graças da sociedade, passou a configurar a chamada propaganda testemunhal, na qual uma personalidade aconselhava o uso do produto. Assim, percebe-se que a característica de agregar valor ao produto através das imagens ainda não era possível na fotografia publicitária, por sua rigidez e falta de versatilidade, causada pela fraca reprodução de detalhes no momento da impressão, deixando a imagem que deveria ser nítida extremamente reticulada. Em uma espécie de volta ao passado, a publicidade utilizava a fotografia apenas para mostrar o produto – como antes era feito com as ilustrações. A postura dos fotógrafos na publicidade se viu forçada a mudar conforme o caráter de reprodução e qualidade da fotografia assumia uma nova face frente à população. A criação da câmera Kodak, que introduzia a vida dos indivíduos em um objeto em forma de caixote com um rolo de filme que dava margem a 100 fotografias e de preço acessível, tornou o ato de fotografar mais popular. As fotografias publicitárias não mais dependiam de fotógrafos profissionais contratados, mas estavam ao alcance de qualquer empregado das empresas que pudesse apertar um botão26. A arte moderna 25

Disponível em: . Acesso em 12 Out 2011. 26 Em 1890, George Eastman, fundador da Kodak Company, lançou a campanha “You press the button, we do the rest”, traduzida para “Você aperta o botão e nós fazemos o resto”, para lançar a câmera Kodak

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imprimiu na imagem publicitária um caráter muito mais simbólico que icônico, e os processos de leitura da fotografia publicitária ganhou caráter subjetivo e sedutor. Novamente, o valor agregado do produto ganhava força e era mostrado através da imagem, desta vez fotográfica, em nome do desenvolvimento mercadológico das grandes empresas.

Figura 11. Câmera Brownie-Kodak, produzida entre 1950 e 1959 27.

A informação visual obteve mais importância no processo comunicacional, o que culminou em uma valorização da empatia entre consumidor-produto. A simples demonstração de que certo produto existia juntamente com suas características físicas não era mais suficiente; a questão hedonista antes praticada pelo Art Nouveau retornava, muito embora não em forma de detalhes sinuosos e ornamentos na imagem, mas como uma necessidade de agrado do público ante o produto. O estreitamento da relação entre fotografia e publicidade foi tanto que resultou em um sentido diferente aplicado ao ato de fotografar. Segurar a câmera permitia não só registrar um momento e mantê-lo em um álbum de família ou portaretrato: significava recortar um pedaço da realidade para atingir um fim que não era a lembrança, mas o desejo. Acompanhando a evolução da publicidade que deixava de ser unicamente informativa para então ser persuasiva, a fotografia chegou ao seu ápice com a função de mostrar ao consumidor, através de uma imagem factual, a realidade que ele Love, que desmistificava o fato de que somente quem tivesse uma prévia formação poderia fotografar. Com esse lançamento, Eastman levou a todos a possibilidade de tornarem-se fotógrafos. 27 Disponível em: . Acesso em 12 Out 2011.

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poderia alcançar ao consumir este ou aquele produto. A fotografia se tornou uma espécie de realidade ainda mais viva que o real. De acordo com Sontag (2004): “Em lugar de simplesmente registrar a realidade, as fotos tornaram-se a norma para a maneira como as coisas se mostram a nós, alterando por conseguinte a própria ideia de realidade e realismo.”. E a autora prossegue:

[...] a câmera terminou por promover uma brutal ascensão do valor das aparências. As aparências como a câmera as registra. As fotos não se limitam a apresentar a realidade – realisticamente. A realidade é que é examinada, e avaliada, em função da sua fidelidade às fotos (SONTAG, 2004, p. 103).

Lúcia Santaella (2005) vê o processo de produção da imagem sob três paradigmas: o pré-fotográfico, o fotográfico e o pós-fotográfico. A saber, o préfotográfico nomeia todas as imagens produzidas artesanalmente, ou seja, as imagens pictográficas, os quadros no Quattrocento e toda e qualquer obra que fosse feita à mão, dependendo do talento manual de um indivíduo capaz de modelar de forma bi ou tridimensional tudo o que fosse visível, ou até mesmo fruto da imaginação. O fotográfico, por outro lado, é toda a imagem produzida que, para materializar-se, necessita de um instrumento técnico, uma máquina de registro. Para tanto, não é possível trabalhar com o que não é palpável: são necessários elementos reais preexistentes. Aqui estão as fotografias, o vídeo e até a holografia. Por fim, o pósfotográfico: não mais como as imagens óticas que se constituem em traços luminosos presentes em um objeto real capturados por um dispositivo fotossensível químico ou eletrônico, as imagens pós-fotográficas são aquelas que transformam uma matriz de números em pixels, visualizados em uma tela de vídeo ou impressora. Por ora, explicarse-á o paradigma fotográfico e suas implicações no mundo da publicidade, e posteriormente o pós-fotográfico, no mesmo contexto.

3.3.1

A Fotografia causadora do interesse

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Como afirma Barthes (1984, p. 115), na fotografia jamais se pode negar que “a coisa esteve lá”. A partir do momento em que o olhar do consumidor voltava-se para tal premissa, a confiança dele no que era mostrado ali aumentava. Se a fotografia que ele tirava de seu similar representava exatamente as características físicas presentes no fotografado, então a imagem fotográfica que ele observava nas revistas, jornais e outdoors também eram as características de determinado produto, não haveria como não ser. Tudo se tratava de uma lógica bem simples para aquele que via, e mais simples ainda para quem anunciava.

[...] já que costumeiramente asseguramo-nos das coisas antes de declará-las “verdadeiras”, sob o efeito de uma experiência nova, a da intensidade, eu induzira, da verdade da imagem, a realidade de sua origem; eu confundira verdade e realidade em uma emoção única, na qual eu colocava doravante a natureza – o gênio – da Fotografia, já que nenhum retrato pintado, supondo que ele me parecesse “verdadeiro”, podia impor-me que seu referente tivesse realmente existido (BARTHES, 1984, p. 116).

A linguagem publicitária agora era segmentada, pautada em estudos de comportamento do consumidor, e gastava tempo e recursos a fim de saber o que a sociedade precisava ver. A fotografia, agora parte importante da mensagem publicitária, servia como suporte principal para convencer todos aqueles que antes não tinham meios de confirmar a veracidade daquelas representações feitas em traços à mão. Tal convencimento era antecedido pelo que Barthes (1984) chama de aventura:

[...] não tenho necessidade de interrogar minha comoção para enumerar as diferentes razões que temos para nos interessarmos por uma foto; podemos: seja desejar o objeto, a paisagem, o corpo que ela representa; seja amar ou ter amado o ser que ela nos dá a reconhecer; seja espantarmo-nos com o que vemos; seja admirar ou discutir o desempenho do fotógrafo, etc; mas esses interesses são frouxos, heterogêneos; tal foto pode satisfazer a um deles e me interessar pouco; e se tal outra me interessa muito, eu gostaria de saber o que, nessa foto, me dá o estalo. Assim, parecia-me que a palavra mais adequada para designar (provisoriamente) a atração que sobre mim exercem certas fotos

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era aventura. Tal foto me advém, tal outra não (BARTHES, 1984, p. 35).

O consumo das imagens deixou de ser uma atitude para poucos e foi se transformado em atividade comum do sujeito contemporâneo. Em decorrência, era cada vez mais necessário criar essa atração, ou aventura, como Barthes denomina, entre o consumidor e o produto anunciado. Posteriormente, tal aventura foi chamada por Barthes de Studium, um meio de vincular-se afetivamente com a fotografia:

[...] e por essas fotos posso, certamente, ter uma espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo revezamento judicioso de uma cultura moral e política. O que experimento em relação a essas fotos tem a ver com um afeto médio, quase como um amestramento [sic]. [...] é o studium, que não quer dizer, pelo menos de imediato, “estudo”, mas a aplicação a uma coisa, o gosto por alguém, uma espécie de investimento geral, ardoso, é verdade, mas sem acuidade particular. É pelo studium que me interesso por muitas fotografias, quer as receba como testemunhos políticos, quer as aprecie como bons quadros históricos: pois é culturalmente que participo das figuras, das caras, dos gestos, dos cenários, das ações (BARTHES, 1984, p. 45).

Em dado momento, a fotografia passou a ser sinônimo dos anunciantes que queriam imprimir a beleza em seus anúncios. Não bastava demonstrar o produto; haveria de ser um produto esteticamente agradável rodeado de signos outros que causassem a empatia e o desejo. Fora do mundo publicitário, o ato de fotografar o que fosse bonito chegava às casas de toda a sociedade, e a publicidade apoderou-se disso. Enxergar que o consumidor somente interessava-se pelas fotografias de tudo o que fosse belo e deleitoso foi o que impulsionou a linguagem publicitária a seduzir um maior número de indivíduos.

Ninguém jamais descobriu a feiúra por meio de fotos. Mas muitos, por meio de fotos, descobriram a beleza. Salvo nessas ocasiões em que a câmera é usada para documentar, ou para observar ritos sociais, o que move as pessoas a tirar fotos é descobrir algo belo. [...] Ninguém exclama: “Como isso é feio! Tenho de fotografá-lo”. Mesmo se alguém o dissesse, significaria

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o seguinte: “Acho essa coisa feia... bela” (SONTAG, 2004, p. 101).

A densidade simbólica do que era visto nas fotografias publicitárias atingiu os mais variados produtos e marcas, ganhando voz. Meios impressos recebiam um volume cada vez maior de imagens esteticamente perfeitas, e tal perfeição era buscada mais fortemente conforme o tempo passava. De acordo com Newton Cesar (2006, p. 39), “o anúncio em revista e jornais é visto como uma possibilidade poderosa de vitrine”, e por esta razão estes sentiam essa necessidade do perfeito. A iluminação ideal já não supria as expectativas, era preciso incluir cores que tivessem a ver com o produto. Alcançado isto, deveria então criar efeitos óticos inovadores, e assim caminhou a evolução fotográfica publicitária. O Operator decifrava o querer do Spectador28 e trabalhava para melhor servi-lo, ou seja, despejar nele a visão desejada. A reprodução em massa das imagens para saciar as expectativas dos anunciantes e consumidores consolidou, junto com o anseio de que a fotografia tornasse as pessoas fisicamente e humanamente mais próximas, o que Walter Benjamin chama de perda da aura. O conceito de aura de acordo com Benjamin, é uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais: a aparição única de uma coisa distante, por mais perto que ela esteja.

É aos objetos históricos que aplicaríamos mais amplamente essa noção de aura, porém, para melhor elucidação, seria necessário considerar a aura de um objeto natural. Poder-se-ia defini-la como a única aparição de uma realidade longínqua, por mais próxima que esteja. Num fim de tarde de verão, caso se siga com os olhos uma linha de montanhas ao longo do horizonte ou a de um galho, cuja sombra pousa sobre o nosso estado contemplativo, sente-se a aura dessas montanhas, desse galho (BENJAMIN, 1955).

Todavia, ao citar a perda da função ritualística como fator importante da perda da aura da obra de arte, percebe-se um paradoxo. Se o que faz uma imagem servir 28

Roland Barthes, em seu livro A Câmara Clara denomina como Operator o fotógrafo, e Spectador todos os indivíduos que compulsam, ou seja, examinam, manuseiam a fotografia. (1984, p. 20)

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ao culto é o fato de ser inatingível (“longínqua, por mais próxima que esteja”), então a fotografia publicitária estaria inserida neste grupo. Ela ainda teria sua aura, mesmo que evocada quantas vezes necessária à reprodução, para atingir seus fins lucrativos. Seu caráter sedutor, que transforma tantos indivíduos em devotos da “verdade” difundida por certo anunciante, a converte em modelo a ser seguido, em resultado a ser alcançado. O consumidor trata aquela imagem como se fosse um signo venerável e tivesse o poder de fazê-lo ser como ela: belo, atraente, sedutor.

A imagem de qualquer objeto ou situação documentada pode ser dramatizada ou estetizada, de acordo com a ênfase pretendida pelo fotógrafo em função da finalidade ou aplicação a que se destina.No universo da moda tem-se uma personagem-modelo representando no interior de um cenário criado: uma representação teatral. Não deixa de ser uma realidade imaginada, é verdade, mas também, ao mesmo tempo, se constitui num fato social que ocorre no espaço e no tempo. Temos agora uma segunda realidade que é a do mundo das imagens, dos documentos, das representações. Temos portanto uma fantasia que é tornada realidade concreta uma vez que veiculada pela mídia e consumida enquanto produto (KOSSOY, 2009, p. 52).

3.3.2

Manipulação de Imagens

Em meio a uma corrida colossal entre marcas e empresas para agregarem cada vez mais valor aos seus produtos, o mercado das imagens publicitárias se mostrava cada vez mais saturado. As estratégias para chegar primeiro e chamar mais a atenção do consumidor se dividia em jornais, revistas, televisão, internet e outros, resultando em uma mistura e confusão de ideias estranhamente similares, mas entre diferentes anunciantes. Um exemplo dessa abordagem tão similar são as fotografias usadas em campanhas publicitárias de moda. Prezando o luxo e sedução em suas peças, os anunciantes de produtos de moda e beleza são os mais conhecidos por utilizar as fotografias testemunhais, previamente citadas. Isso acaba por carregar as campanhas de imagens esteticamente e conceitualmente parecidas. As marcas Calvin Klein e Ellus, com apenas quatro meses de diferença, fizeram uma ação similar em suas campanhas.

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Em novembro de 2009, a Calvin Klein, marca criada em 1968, escolhe a atriz Eva Mendes para estrelar sua nova coleção de jeans.

Figura 12. Campanha da Calvin Klein estrelada pela atriz norte-americana Eva Mendes 29.

A marca Ellus, em março de 2010, lança nova campanha com o DJ e modelo brasileiro Jesus Luz, famoso por na época namorar a estrela da música pop Madonna.

Figura 13. Campanha da Ellus estrelada por Jesus Luz 30.

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Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011. 30 Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.

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Ambos utilizam o sex appeal dos sexos masculino e feminino, mas não somente isso. Fotografias em preto e branco, corpos praticamente desnudos vestindo somente o jeans, poses sensuais e pessoas famosas no centro da imagem: algumas características quase sempre presentes em fotografias de moda. Marcas como Colcci, Via Direta, Zoomp dentre outras, todas seguem o padrão do sensual, luxuoso, do “ser legal”. Aliás, inserir a sensualidade, o luxo e o conceito de descolado aos consumidores talvez seja o ponto mais comum entre fotografias de vários produtos, e não só de produtos de moda.

No mundo da publicidade, vimos durante décadas a disseminação de micro-histórias diabólicas destinadas à massa. Anúncios que promoviam, por exemplo, a imagem do cigarro associando o seu consumo à determinação, ao bem-estar e ao prazer. Mensagens codificadas pela retórica da propaganda de um estilo de vida a ser imitado. Mensagens veiculadas através de histórias em que contracenam personagens fortes, belas, introspectivas, extrovertidas, elegantes, despojadas, saudáveis... sempre representando em ambientes selecionados, em locações que mais se coadunam com a marca do cigarro. Mensagens sofisticadas carregadas dos mais ambíguos e sedutores apelos na sua proposta de alcançar o maior consumo possível, uma proposta que visa lucros não importando os meios – e isto é real. A ficção é o artifício. A morte o último ato (KOSSOY, 2009, p. 53).

Esse tipo de abordagem contribui para a perda da atenção e da apreensão do consumidor. Anúncios tão parecidos só dificultam a diferenciação entre as marcas, culminando na perda de sentido destas em anunciar. Partindo do princípio de que as empresas anunciam para serem lembradas, ao divulgarem abordagens tão parecidas umas com as outras elas conseguem justamente o contrário: a confusão e o esquecimento por parte do consumidor. No combate ao esquecimento, os anunciantes começaram a investir mais arduamente na persuasão por meio da fotografia. Apostavam na manipulação das ideias – valendo-se do conceito de realidade presente no imaginário do consumidor – e das imagens.

E tal manipulação tem sido possível justamente em função da mencionada credibilidade que as imagens têm junto à massa, para quem, seus conteúdos são aceitos e assimilados como a expressão

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da verdade. Comprova isso a larga utilização da fotografia para a veiculação da propaganda política, dos preconceitos raciais e religiosos, entre outros usos dirigidos (KOSSOY, 2009, p. 20).

A propaganda, no já citado sentido de propagar ideias, conceitos e crenças surgia de um lado, imprimia as ideias de consumo, dizendo a todos como certo produto ou serviço contribuiria para o upgrade no status do consumidor. Um jeans transformaria quem quer que fosse em uma máquina de sensualidade, semelhante àquela personalidade charmosa e segura de si da televisão. Do outro lado, a propagação dessas ideias usava um último e derradeiro artifício: você ficará assim como a pessoa nesta fotografia; afinal, a fotografia não mente, e esta pessoa está assim graças a nosso produto. É como Susan Sontag (2004, p. 101) diz: “O papel da câmera no embelezamento do mundo foi tão bem-sucedido que as fotos, mais do que o mundo, tornaram-se o padrão do belo”. Todavia, essa fotografia perfeita começou a mostrar-se desonesta; aos poucos, a inserção de efeitos digitais caía nas graças dos fotógrafos e diretores de arte. É o que Newton Cesar (2006) chama de Era do Photoshop.

Antes da Era Photoshop, muitos diretores de arte usavam nas fotografias uma técnica chamada retoque americano. O retoque americano era feito por ilustradores. Sobre um original revelado em papel, corrigiam as imperfeições das fotos, eliminavam fundos, valorizavam brilhos. Hoje, isso é feito no Photoshop. E se faz muito mais, ainda. O Photoshop é um programa tão versátil e poderoso que quase tudo o que você imaginar fazer numa foto é possível (CESAR, 2006, p. 208).

O software Adobe Photoshop foi desenvolvido pela Adobe Systems e lançado em 1990, sendo destinado à edição de imagens bidimensionais. Ganhou popularidade no mundo dos publicitários e designers graças à sua extensa lista de ferramentas para manipulação de imagens digitais e trabalhos de pré-impressão31. Associado à fotografia, o Photoshop era inicialmente utilizado de forma tímida, mas com o tempo tornou-se instrumento indispensável no mundo da imagem publicitária. 31

Dados disponíveis em: . Acesso em 17 Out 2011.

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Com isso alguns limites foram quebrados, e o que antes era para ser usado como uma pequena ajuda se transformou na ferramenta de manipulação mais poderosa entre os publicitários, arte-finalistas, designers e ilustradores.

Como veículo de determinada reação contra o convencionalmente belo, a fotografia serviu para ampliar imensamente a nossa ideia do que é esteticamente agradável. Às vezes essa reação se dá em nome da verdade. Outras vezes, em nome da sofisticação ou outras mentiras mais bonitas: assim, a fotografia de moda foi desenvolvendo, ao longo de mais de uma década, um repertório de gestos paroxísmicos que mostra a inegável influência do surrealismo (SONTAG, 2004, p. 121).

Kossoy (2009) também fala, sob um outro olhar, dessa surrealidade empregada pela fotografia com o passar dos anos.

Com a geração e reprodução eletrônica de imagens e os softwares especificamente desenvolvidos, as operações de manipulação das imagens fotográficas tornaram-se “sedutoras”, tais como retoques, aumento e diminuição de contrastes, eliminação ou introdução de elementos na cena, alteração de tonalidades, aplicação de texturas entre tantos outros artifícios. Ampliam-se cada vez mais, através dos laboratórios de pós-produção digital, sofisticadas possibilidades tecnológicas de montagens estéticas e ideológicas das imagens e, por conseguinte, de criações de novas realidades (KOSSOY, 2009, 55).

Proporções irreais, desaparecimento de elementos fundamentais, perda de sentido e mutilações são alguns dos efeitos que o Photoshop começou a causar na publicidade. Anunciantes de prestígio, marcas famosas e empresas sérias caíram na armadilha do exagero. Arlindo Machado (2005, p. 310) explica:

E mesmo nos meios impressos, como jornais e revistas de massa, já nos estamos acostumando a conviver com certo tipo de imagem que, apesar de muitas vezes lembrar estreitamente a familiar imagem fotográfica, pode já não ter sido captada por uma câmara ou, se o foi, pode estar de tal forma alterada que não

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guarda mais que pálidos traços de seu registro original em película.

Exemplo disso é uma fotografia veiculada pela grife Ralph Lauren, conceituada pelo luxo e sofisticação, a qual exagerou ao tentar tornar a modelo mais magra.

Figura 14. Exemplo de proporções irreais causadas pela manipulação do Photoshop na fotografia32.

Tais exageros ganharam com o tempo mais notoriedade conforme surgiam nas imagens de pessoas famosas ao redor do mundo. As atrizes Emma Watson e Julia Roberts estamparam dois exemplos de uso excessivo do Photoshop em nome da beleza do anúncio.

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Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011.

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Figura 15. A atriz Emma Watson tem parte de sua perna direita mutilada no Photoshop33.

Figura 16. Atriz Julia Roberts tem suas linhas de expressão faciais totalmente removidas no Photoshop34.

Através de ferramentas específicas para a correção de “erros” na fotografia, o Photoshop se tornou um programa desejado por toda a sociedade e largamente utilizado. Com o avanço da internet e da informática, bastava digitar em um site de busca o link para fazer o download do programa e pronto, em pouco tempo qualquer

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Disponível em: . Acesso em 17 Out 2011. 34

Disponível em: < http://www.modismonet.com/2011/07/photoshop-fail-julia-roberts-e-christyturlington-banidas/>. Acesso em 17 Out 2011.

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pessoa teria o Photoshop no seu computador de graça. Esse culto pela fotografia perfeita que se sobrepunha à essência real da fotografia assumiu proporções inimagináveis. No início do ano de 2011 a Panasonic lançou uma câmera fotográfica compacta capaz de aplicar ações pré-definidas após reconhecer o rosto em sua tela LCD. A Lumix DMCFX78 oferece para as fotos recém-tiradas a aplicação de efeitos como: batom, sombra, blush, clareamento dental e emagrecimento35.

Figura 17. Exemplo do efeito proporcionado pela câmera Panasonic 36.

Constata-se que tamanha popularidade dos softwares de edição de imagens contribuiu para o conhecimento prévio do consumidor sobre os poderes do Photoshop, e consequentemente para sua desconfiança quando uma fotografia parecia bonita demais. O fotógrafo italiano Oliviero Toscani, incomodado com essa abordagem por parte dos publicitários de que a fotografia estava ali somente para mostrar um produto bonito, despindo-o de qualquer essência, resolveu criar novos significados para a fotografia publicitária ao lado da marca Benetton. No livro “A Publicidade é um Cadáver que nos Sorri”, Toscani explica sua história com a fotografia e expõe opiniões e cases acerca do mundo publicitário.

Hoje a foto de publicidade está morrendo de insignificância e mediocridade por ter sempre querido fazer “publicidade”. A fotografia merece bem mais do que essas briguinhas de gênero. 35

Dados retirados de . Acesso 18 Out 2011. 36 Disponível em: . Acesso 18 Out 2011.

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Ela não é primo pobre da pintura nem do cinema. Ela é e continuará sendo por muito tempo a arte maior que a imagem moderna inventou. Nem mesmo a televisão conseguirá eliminá-la (TOSCANI, 1996, p. 115).

Nos anos de 1990, Toscani foi convidado por Luciano Benetton, idealizador e criador da marca, para construir uma campanha diferente dos moldes comumente vistos no mundo da moda. Decidido a adotar uma abordagem que não fossem os catálogos de roupas sem graça, com modelos desfilando as peças produzidas pela empresa, Toscani optou por utilizar a fotografia de forma a rememorar a reação das pessoas logo no início, no seu invento: o choque. Antes as pessoas se chocavam com a surpreendente realidade das imagens fotográficas, então por que não causar esse efeito novamente?

Na proporção em que a fotografia descasca o envoltório seco da visão rotineira, cria um outro hábito de ver: intenso e frio, solícito e desprendido; encantado pelo detalhe insignificante, viciado na incongruência. Mas a visão fotográfica tem de ser constantemente renovada por meio de novos choques, seja de tema, seja de técnica, de modo a produzir a impressão de violar a visão comum (SONTAG, 2004, p. 115).

Este contra-movimento na fotografia publicitária alcançou a notoriedade tanto por utilizar imagens chocantes à moral da sociedade quanto por recuperar o conceito de simplicidade da fotografia, sem impor manipulações digitais absurdas como estava se tornando comum.

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Figura 18. Toscani fotografa roupa utilizada pelo soldado Marinko Gagro37.

Figura 19. Toscani fotografia uma beata e um padre se beijando, o que causou polêmica no Vaticano38.

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Disponível em: . Acesso 18 Out 2011. 38 Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011.

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Figura 20. Toscani fotografa recém-nascido branco mamando em uma mulher negra 39.

Figura 21. Crianças de etnias diferentes posam juntas para Toscani40.

A sociedade contemporânea começava a prezar uma imagem publicitária diferente da que estava em voga. A partir disso, aos anunciantes restaram duas opções: utilizar com menos euforia a edição de suas imagens, ou empregar seu uso, exagerado ou não, de forma criativa.

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Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011. Disponível em: . Acesso em 18 Out 2011.

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Para seguir o conceito de inovação, percebe-se que algumas empresas procuraram assumir o uso do Photoshop para compor suas campanhas, deixando evidentes suas intenções e ao mesmo tempo aplicando a criatividade ao seu uso. A marca Samsung, por exemplo, ao anunciar sua câmera fotográfica com capacidade de zoom óptico de até 24x, utilizou de forma inteligente a manipulação da fotografia.

Figura 22. Anúncios da marca Samsung anunciando zoom óptico de até 24x em sua câmera41.

Outro exemplo é a organização WWF, comprometida com a conservação da natureza ao redor do mundo: ela utiliza a fotografia como forma de protestar e causar o choque, por meio de manipulações perspicazes.

Figura 23. Anúncios promovidos pela WWF42. 41

Disponível em: < http://ctrlpels.blogspot.com/2011/01/cabeconas.html>. Acesso em 18 Out 2011.

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Seguindo a lógica da manipulação em favor de causas outras que não sejam a beleza e retomando a antiga fórmula de unir as questões sociais ao nome da marca, a Benetton, no início de novembro de 2011, criou através de fotografias modificadas a campanha UNHATE. Empreendimento da The UNHATE Foundation43, criada pelo Grupo Benetton, esta campanha inicia a criação de uma nova cultura de tolerância, fazendo parte da estratégia social da marca: não apenas mais uma ação cosmética, mas uma contribuição que causará impacto na sociedade internacional44. Na primeira parte da campanha, surgem fotografias de líderes mundiais em voga na mídia por suas opiniões divergentes em uma situação pitoresca, por assim dizer: todos aparecem beijando-se na boca. Sabe-se que tal situação dificilmente aconteceria, haja vista as implicações morais investidas a cargos tão poderosos e conhecidos mundialmente. Todavia, com a utilização do software Photoshop, até as situações mais inimagináveis tornam-se “reais”.

Figura 24. Imagens The UNHATE campaign45.

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Disponível em: . Acesso em 19 Nov. 2011. 43 Procurando ser um “tanque de ideias”, a Fundação criada pelo grupo Benetton irá organizar iniciativas que unam desde as novas gerações até as instituições, organizações internacionais e ONGs, a fim de juntar todos (artistas, pensadores, líderes ou simples cidadãos) por meio de suas ideias e ações contra as causas e os efeitos do ódio. 44 Dados disponíveis em: < http://unhate.benetton.com/foundation/>. Acesso em 19 Nov. 2011. 45 Disponível em: . Acesso em 19 Nov. 2011.

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Dadas as devidas proporções, a publicidade contemporânea ainda traz muitos exemplos de manipulação desenfreada da fotografia, com o único propósito de se passarem por reais. Com isso, a desconfiança e o descontentamento do público aumentam. É notória a mudança no approach de certas empresas; contudo, aquelas que trabalham diretamente com a imagem do consumidor (a saber: cosméticos, produtos de beleza, moda, perfumaria etc.) ainda insistem em utilizar a manipulação gráfica de forma desmedida.

A fotografia não vive, portanto, uma situação especial nem particular: ela apenas corrobora um movimento maior, que se dá em todas as esferas da cultura, e que poderíamos caracterizar resumidamente como sendo um processo implacável de “pixelização” (conversão em informação eletrônica) e de informatização de todos os sistemas de expressão, de todos os meios de comunicação do homem contemporâneo (MACHADO, 2005, p. 311).

Cada vez mais difícil de acreditar nas imagens veiculadas na mídia, percebe-se que o consumo praticamente deixa de ser pautado no desejo de se tornar semelhante àquilo que se vê, e acontece simplesmente porque o consumidor precisa de certos produtos no seu dia a dia. Percebe-se que o mercado da beleza se configura como o maior utilizador das técnicas de manipulação da imagem. É como se, nessa era contemporânea, atingir e atrair o target só fosse possível utilizando o paradigma pós-fotográfico. A fotografia como evidência e árbitro da verdade (MACHADO, 2005) perde lugar para a eletrônica.

Não é nenhuma novidade que a produção da representação, tal como é empreendida pelo fotógrafo, tem seqüência ao longo da editoração da imagem. É o que poderíamos chamar de pósprodução, isto é, quando a imagem se vê objeto de uma série de “adaptações” visando sua inserção na página do jornal, da revista, do cartaz etc. Tratam-se de alterações físicas em sua forma, como por exemplo, os “cortes” ou mutilações que se fazem em seu formato original com o objetivo de que ela simplesmente “se encaixe” em determinado espaço da página, ou que mostre apenas parte do assunto, segundo algum interesse determinado do editor (KOSSOY, 2009, p. 54).

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Para tanto, são utilizadas ferramentas no Photoshop que excedem o já citado retoque americano. Agora, elas são capazes não somente de dar mais brilho à imagem, mas também aplicar efeitos de cores, sanar imperfeições no corpo das modelos, suavizar curvas, linhas e manchas na pele, aplicar cortes a fim de dar mais importância a determinado aspecto, além de recortar e modificar paisagens de fundo etc. Em níveis diferentes conforme a necessidade do cliente, o fotógrafo apropria-se da imagem fotográfica digital e modifica-a completamente, se assim desejar. Considera-se que, cientes de que o mercado cosmético permanece como o que menos se arrisca a demonstrar sua “verdadeira face”, nos mais variados sentidos da expressão, duas marcas resolveram colocar à prova seus produtos e tentar, através da imagem e da internet, mostrar aos consumidores que a qualidade não precisa de efeitos especiais.

3.3.3

Maquiagem vs. Manipulação

Para analisar e exemplificar esta última etapa tem-se duas marcas de produtos cosméticos diferentes em vários sentidos (produtos, abordagem, público-alvo, conceitos etc.), mas que fazem uso da maquiagem em sua publicidade. A primeira, Dermablend, mostrava-se pouco expressiva no mercado publicitário, mas pregava a qualidade de seus produtos como um meio de atingir a aparência desejada. Ainda que não fizesse uso de manipulação digital para falar de seus produtos, é válido refletir que a maquiagem em si já se trata de uma manipulação, mesmo que mais sutil e aceita pelos consumidores. A segunda, Make Up For Ever, uma empresa de maquiagem mais despojada e lançada no mercado publicitário com muito mais expressão, tem como característica notável a utilização da editoração em suas peças, pintando um mundo possível para seus consumidores que, em muitos momentos da realidade, acabam configurando-se como irreais.

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3.3.3.1

Dermablend

Especializada em produtos de cobertura, cuidados com desgaste e problemas de pele, a Dermablend, marca de maquiagens criada em 1981, sempre pautou sua publicidade por utilizar principalmente os benefícios médicos de seus produtos. Por meio de artigos em revistas americanas famosas, com dicas de beleza e perguntas de leitoras, a Dermablend ficou conhecida graças à sugestão de médicos e ícones famosos, fazendo dessa a sua publicidade. De forma tímida, utilizava fotografias para demonstrar o antes e o depois de quem havia utilizado os produtos da marca, mas sem configurar muita expressão no mundo publicitário.

Figura 25. Exemplos disponibilizados pela Dermablend para ilustrar a ação de seus produtos46.

Com um caráter mais sério, destinado principalmente àqueles com necessidades de cobrir imperfeições na pele e tatuagens, a Dermablend trabalha com uma abordagem diferenciada, sem modelar-se na beleza cosmética desmedida, mas na necessidade de utilizar tais produtos. Nota-se que ela não estabelece qualquer diferenciação quanto a gêneros, ou seja, seus produtos são destinados a homens e 46

Disponível em: . Acesso em 21 Nov. 2011.

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mulheres. Contudo, ainda que não seja conhecida por divulgar fotografias de celebridades ou atuar fortemente na mídia, a marca sabendo da atual onda de manipulações digitais desmesuradas, principalmente no que se refere a produtos de beleza, se resguarda, por meio de avisos “Fotografias não alteradas digitalmente”, presentes em todas as suas imagens.

Figura 26. Destaque ao aviso na parte inferior de cada fotografia 47.

Em outubro de 2011, a marca resolveu apostar alto para mostrar a qualidade de seus produtos, utilizando uma abordagem nova comparada ao seu histórico. Com a campanha “Go Beyond The Cover”, por meio de um vídeo lançado na internet, a Dermablend escolheu mostrar que não é preciso Photoshop ou edição de imagens para cobrir detalhes indesejados no corpo. Com o modelo Rico Genest, um canadense mundialmente conhecido como “Zombie Boy” por ter o corpo completamente tatuado na forma de um corpo humano em decomposição (ossos, músculos e teias de aranha), a Dermablend fez um vídeo que rapidamente se tornou um viral na internet. Nele, Rico Genest aparece sem tatuagens, como se fosse uma pessoa comum. Só é possível perceber de quem se trata quando, após quase um minuto de vídeo, ele começa a retirar sua maquiagem utilizando produtos da Dermablend. Na segunda metade do vídeo, é possível ver todo o processo ao qual Rico foi submetido, com três maquiadores e alguns vidros de produtos da Dermablend necessários para a cobertura de suas tatuagens. 47

Elaboração própria. Imagem disponível em: . Acesso em 21 Nov. 2011.

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É importante ressaltar a abordagem diferente da marca ao realizar tal campanha. Antes de tudo, um modelo masculino foi escolhido para ser o protagonista, o que é muito difícil de encontrar quando se trata de uma marca destinada a produtos cosméticos. Além disso, não houve qualquer apelo sexual e, percebe-se, também não houve qualquer intenção de fantasiar um mundo perfeito para a personagem. Trata-se de um único cenário, limpo e simples, no qual o protagonista surge sem qualquer discurso verbal fadado ao convencimento de quem esteja assistindo.

Figura 27. Imagens retiradas no vídeo “Go Beyond The Cover” no canal da Dermablend no Youtube48.

O resultado é surpreendente: de acordo com os comentários no Youtube, canal onde o vídeo foi disponibilizado, muitas pessoas se surpreenderam com o efeito provocado pelos produtos e parabenizaram a campanha.

Figura 28. Comentários feitos no canal da Dermablend no Youtube49.

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Elaboração própria. Imagens disponíveis em: . Acesso em 22 Nov. 2011.

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Tal reação ilustra a surpresa de quem se depara com um anúncio livre de manipulações digitais, e com a capacidade de cobrir tantas tatuagens, proporcionando um efeito tão real na pele. Isso mostra que o receptor e suas impressões a respeito da legitimidade de uma peça influenciam quase que completamente o ato de consumir.

Dos seis fatores que, segundo Jakobson, estruturam o ato de comunicação, o fator “receptor” predomina na estrutura publicitária, subordinando os demais fatores à sua condição de principal e resultando naquilo que Jakobson denominou função conativa (ou apelativa) da linguagem, que se revela, no discurso, por meio dos índices linguísticos de segunda pessoa (singular e plural) e em imagens visuais que tipificam o contorno do segmento que se quer atingir, de forma idealizada (BIGAL, 1999, p. 29).

3.3.3.2

Make Up For Ever

Outra marca de produtos cosméticos, especializada em maquiagem profissional, chamou a atenção no início de 2011: a Make Up For Ever. Idealizada pela artista Danny Sanz, a marca segue a linha de trabalho da pintora, que iniciou sua carreira fazendo pintura artística em cabarets por toda a França. De pigmentos especiais para o bodypainting até a maquiagem profissional, a marca sempre trabalhou com tonalidades fortes e traços marcantes.

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Disponível em: . Acesso em 22 Nov. 2011.

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Figura 29. Imagens de divulgação produzidas pela Make Up For Ever 50.

Percebe-se através das campanhas da marca que o interesse principal é atingir maquiadores profissionais e mulheres, com gosto pela maquiagem artística. A fim de criar a ideia de consumo, torna-se necessária a identificação do público-alvo com o produto e com a marca: surge, novamente, a presença da mulher jovem e confiante. Bigal (1999) diz que, para delinear o repertório do público-alvo, a agência de publicidade recorta um campo de interesse deste público, e orienta nele a sua pesquisa e criação. “A publicidade oferece aos nossos desejos um universo subliminar que insinua que a juventude, a saúde, a virilidade, bem como a feminilidade, dependem daquilo que compramos” (TOSCANI, 1996, p. 28).

Ainda que embebidos de fantasia, os elementos das campanhas da Make Up For Ever indubitavelmente refletem um mundo de beleza desejado por grande parte das mulheres e potenciais clientes da marca. Apesar de a marca estar concentrada na Europa e Estados Unidos, não possuindo matriz em todos os países e dificultando a compra para quem vive no Brasil, por exemplo, percebe-se a grande procura por seus produtos e notáveis elogios aos efeitos destes. Existem blogs destinados a testar produtos como 50

Elaboração própria. Imagens disponíveis em: . Acesso em 22 Out. 2011.

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estes e depois publicar um review para os leitores, a fim de conceituar a eficácia de tais produtos. Compreende-se que a Make Up For Ever está presente na grande maioria destes blogs, com os produtos mais básicos, tais como bases, corretivos e blushes. Tendo em vista essa aceitação do público, a marca procura, por meio de sua publicidade, mostrar os demais produtos, como sombras, delineadores e batons.

Se quisermos compreender o que constitui a originalidade da imagem fotográfica, devemos obrigatoriamente ver o processo bem mais do que o produto e isso num sentido extensivo: devemos encarregar-nos não apenas, no nível mais elementar, das modalidade técnicas de constituição da imagem (a impressão luminosa), mas igualmente, por uma extensão progressiva, do conjunto dos dados que definem, em todos os níveis, a relação desta com sua situação referencial, tanto no momento da produção (relação com o referente e com o sujeito-operador: o gesto do olhar sobre o objeto: momento da “tomada”) quanto no da recepção (relação com o sujeito-espectador: o gesto do olhar sobre o signo: momento da retomada – da surpresa ou do equívoco). Para cada imagem, portanto, entra em jogo todo o campo da referência. Nesse sentido, a fotografia é a necessidade absoluta do ponto de vista pragmático (DUBOIS, 2010, p. 66).

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Figura 30. Peça de divulgação do batom da linha “Rouge” 51.

Para compor sua publicidade, a Make Up For Ever utiliza, principalmente, fotografias de modelos fazendo uso de seus produtos. Valendo-se do conceito de que a fotografia “possui uma força intrínseca, suscita fantasias, desperta a memória, deslancha correspondências e interpretações diante do real” (TOSCANI, 1996, p. 167), a marca aposta neste artifício para construir seus anúncios, e até mesmo uma relação mais íntima com as consumidoras52.

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Disponível em: . Acesso em 22 Out. 2011. 52

A saber, a marca frequentemente promove concursos de maquiagem artística entre suas consumidoras, que enviam fotografias elaboradas de suas criações. Alguns exemplos estão disponíveis no Facebook oficial da marca, em: .

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Figura 31. Fotografias enviadas por consumidoras da China, para o concurso “Aqua Cream Competition” 53.

É possível notar no decorrer das campanhas certa similaridade entre os signos que compõem as fotografias publicitárias da marca. Sob o aspecto dos signos plásticos previamente citados, três deles configuram um padrão: a composição, as cores e a textura. Quanto à composição, é perceptível a regularidade com a qual as modelos aparecem somente do busto para cima, dando ênfase, na maioria das vezes, somente ao rosto. Esta seleção, propositalmente feita a fim de direcionar o olhar do expectador para um elemento específico da fotografia – neste caso, a maquiagem –, é explicada por Dubois (2010): É claro que alguns dirão que existem muitos graus e modalidades nas práticas de designação, que uma foto pode atrair mais ou menos nossa atenção para seu objeto e que pode fazê-lo de muitas maneiras: seja de forma relativamente informal e aleatória, como em certos instantâneos de reportagem (William Klein), seja pelo jogo de um posicionamento muito deliberado dos elementos na foto, que visam forçar nosso olhar a se focalizar neste ou naquele dado, as informações parasitas tendo sido cuidadosamente afastadas (a foto publicitária, por exemplo, já domina há muito

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Disponível em: . Acesso em 22 Out. 2011.

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tempo os códigos da disposição demonstradora e do exibicionismo do produto ou da marca) (DUBOIS, 2010, p. 76).

Livre de objetos que possam ofuscar ou atrapalhar a visão da maquiagem e seus efeitos nas modelos, a fotografia é limpa, com um fundo sóbrio, dando volume ao elemento que se encontra em primeiro plano, forçando o olhar do espectador.

Figura 32. Fotografia para divulgação da linha “Aqua Smoky”, em 2009 54.

Em se tratando de uma marca que produz maquiagem também para artistas, a Make Up For Ever procura aliar em seus anúncios elementos que possam servir tanto para o público mais comum, como garotas e mulheres que procuram maquiagem para usar no dia a dia, quanto para seu público mais artístico, como atores e artistas performáticos. Assim, os anúncios são trabalhados minuciosamente para encaixar sempre algum elemento colorido, vivo, de destaque em comparação com o restante da composição, ajudando a determinar quais elementos são os mais importantes dentro de determinada fotografia. Em certas ocasiões, percebe-se que a marca utiliza recursos do 54

Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.

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Photoshop para dar mais destaque às cores; tais recursos podem ser: ajuste na saturação, ajuste de matizes, níveis e/ou cores.

Figura 33. Peça de divulgação para a linha de sombras “Smooky Eyes” 55.

Figura 34. Peça de divulgação do batom da linha “A Colorfull Kiss”, em 2010 56. 55

Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011. 56

Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.

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Outro elemento semelhante nas peças da Make Up For Ever é a textura. A fim de destacar a maquiagem, as fotografias são submetidas a uma padronização: a pele das modelos vezes ganha um tom mais fosco, às vezes um tom mais plastificado, como se fossem bonecas. Tais efeitos são obtidos por meio do Photoshop, que trabalha na retirada das “imperfeições” da pele, tais como poros, granulações, brilhos e eventuais diferenças de tonalidade em determinadas áreas. Esses efeitos contribuem para o pensamento de que a pele da modelo é perfeita, muitas vezes graças aos produtos da marca, escondendo a real causa: a manipulação fotográfica digital.

Figura 35. Peças que configuram o exemplo da textura da pele padronizada: a da esquerda foi lançada em 2008, e a da direita em 200957.

Acima, é possível notar o caráter fosco da pele das modelos, sem o brilho e iluminação natural da pele. Em seguida, o padrão adotado posteriormente, no qual a pele surge com brilho, mas semelhante ao brilho encontrado na pele de bonecas de plástico, também configurando a edição fotográfica digital para suavizar os poros e diferentes tonalidades normalmente presentes na pele.

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Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.

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As possibilidades de o fotógrafo interferir na imagem – e portanto na configuração própria do assunto no contexto da realidade – existem desde a invenção da fotografia. Dramatizando ou valorizando esteticamente os cenários, deformando a aparência de seus retratados, alterando o realismo físico da natureza e das coisas, omitindo ou introduzindo detalhes, o fotógrafo sempre manipulou seus temas de alguma forma. [...] Entre o assunto e a sua representação ocorrem uma sucessão de interferências ao nível da expressão que alteram a informação primeira (KOSSOY, 2009, p. 30).

Figura 36. Em 2010, a marca lança a “Bronze Makeup Collection”, na esquerda; em 2011, a “Spring Look”, com um toque Pin Up, na direita58.

Visto tantas características moldadas e manipuladas, a fotografia inicial, que supostamente seria usada como um registro do real efeito da maquiagem oferecida pela Make Up For Ever, perde seu efeito perante as consumidoras. É inegável a maneira com a qual essa manipulação cria na mente da consumidora uma fantasia agradável, repleta de cores vivas e possibilidade de pele perfeita. Sontag (2004) diz:

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Disponível em: . Acesso em 23 Out. 2011.

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O realismo das fotografias cria uma confusão a respeito do real, que é (a longo prazo) moralmente analgésica bem como (a longo e a curto prazo) sensorialmente estimulante. Portanto clareia nossos olhos. Esta é a visão de que todos falaram (SONTAG, 2004, p. 126).

Entretanto, essa abordagem da marca de mostrar em suas fotografias algo tão díspar da realidade é passível de muitas críticas e desconfianças. O momento no qual a publicidade se encontra, com tantas marcas utilizando a manipulação de forma exagerada, resulta em discussões ao redor do mundo sobre o que a imagem representa e quais os efeitos dela sobre o consumidor. Na Europa, parlamentares deflagram reflexões sobre a situação da edição fotográfica e a que nível isso pode chegar, causando certa pressão nos consumidores de seguirem determinado padrão de beleza, felicidade, comportamento, entre outros (PFANNER, 2011). Em vista disso, muitas marcas são obrigadas a retirarem seus anúncios de circulação, enquanto outras optam por uma abordagem mais sutil. Como diz Dieguez (2006), “Não podemos descontextualizar a publicidade: ao contrário, ela sempre é fortemente contextual, ela é feita para o momento”. A Make Up For Ever, influenciada por esse momento, resolveu trabalhar com uma prática inovadora dentro de seus padrões. Em março de 2011, a marca lançou a campanha “HD Not Retouched”, na qual utiliza os produtos da linha HD, dessa vez mostrando que, com eles, não é necessário nenhum retoque.

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Figura 37. Peça principal da campanha “HD Not Retouched” 59.

Nota-se que, diferente das outras peças anteriormente divulgadas pela marca, esta conta com uma fotografia diferente. Primeiro, são notáveis algumas “imperfeições” na modelo, tais como o brilho natural da pele, olheiras, a sobrancelha um pouco desregulada, a pele do braço com sombras e volumes díspares etc. Sob o preceito de “Você está olhando para o primeiro anúncio de maquiagem não retocado”, a Make Up For Ever trabalha com a fotografia publicitária como era em seus primórdios: sem manipulações digitais. Além do mote da campanha, é possível ver no site a inscrição “Certificado por um oficial de justiça”, o que complementa e enfatiza o objetivo da campanha. Contudo, mesmo livre de tais manipulações, as fotografias da

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campanha ainda trazem certas características decorrentes do modelo estético da publicidade.

Figura 38. Screen-shot tirado do hotsite da campanha, com as quatro modelos escolhidas. É possível ler “certified by a bailiff”, ou seja, “Certificado por um oficial de justiça”.60

Destinada ao público feminino jovem, a campanha traz quatro modelos de estereótipos diferentes, mas todas com uma ambientação em comum: o estilo noturno, de festas e diversão, representado pelo sofá de couro, sala de espelhos, salão de festas e carro. Ainda que a escolha pela não manipulação digital da fotografia fuja do padrão previamente utilizado pela marca, a figura da mulher jovem e sedutora persiste. A utilização do flash, ou ao menos a utilização de uma luz que imitasse bem a luz lançada do flash no momento da tomada fotográfica, contribui para o ar mais despojado e informal da imagem. Além disso, nota-se que a fotografia foi construída de forma que ficasse ilustrada uma ação comum às mulheres jovens que saem para festas de noite: elas gostam de se fotografar, mostrar sua produção para a câmera, e foi justamente esse o propósito a ser alcançado: expor nas peças fotografias tiradas pelas próprias modelos, como se fossem jovens comuns, que construíram seu look da noite, posaram e querem mostrá-lo ao mundo, a fim de eternizá-lo.

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As imagens fotográficas, entretanto, não se esgotam em si mesmas, pelo contrário, elas são apenas o ponto de partida, a pista para tentarmos desvendar o passado. Elas nos mostram um fragmento selecionado da aparência das coisas, das pessoas, dos fatos, tal como foram (estética/ideologicamente) congelados num dado momento de sua existência/ocorrência (KOSSOY, 2009, p. 21).

Barthes (1984) também fala do ato da pose:

Ora, a partir do momento que me sinto olhado pela objetiva, tudo muda: ponho-me a “posar”, fabrico-me instantaneamente um outro corpo, metamorfoseio-me antecipadamente em imagem (BARTHES, 1984, p. 22).

Figura 39. Modelos Maud e Francine tiram suas próprias fotos para a campanha “HD Not Retouched” 61.

Essa realidade prevista em tais imagens conta com o que Newton Cesar chama de dramaticidade, causada por dois fatores:

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Como as fotografias são bidimensionais, para conseguir sentido de profundidade é preciso criar uma sensação de terceira dimensão, para tal, usa-se a perspectiva. A perspectiva é uma ilusão causada pelo ângulo e distância com que as imagens são observadas. [...] Quando a imagem é retratada com perspectiva e iluminação contrastante, a foto ganha muito em dramaticidade (CESAR, 2006, p. 204).

A perspectiva e a iluminação acentuadas são características herdadas do Quattrocento, e aqui contribuem para uma abordagem mais realista e íntima com a consumidora.

A composição poético-estética publicitária, ao construir equivalências entre a materialidade e os semantemas dos signos selecionados, configura na mensagem um objeto que depende dos signos selecionados e associados por similaridade. Além da marca e do produto, do serviço e da marca, o receptor está diante de uma composição que o torna decifrador dessa configuração: o desenho realizado na tela é aquele que será interiorizado como desenho da marca, do produto, do serviço (BIGAL, 1999, p. 57).

É impossível, contudo, afirmar com certeza absoluta que as peças divulgadas estão completamente livres de edição gráfica. A marca procurou, através da legenda e da disponibilização das fotografias em HD, trazer este novo conceito de que, com seus produtos, não há necessidade de manipulações outras que não a própria maquiagem. Todavia, Arlindo Machado diz:

Hoje é extremamente difícil (senão impossível) saber se houve algum tipo de manipulação numa foto, pois o processamento digital, uma vez realizado numa resolução mais fina que a do próprio grão fotográfico, não deixa marca alguma da intervenção. Uma vez que agora se pode fazer qualquer tipo de alteração do registro fotográfico e com um grau de realismo que torna a manipulação impossível de ser verificada, a conclusão lógica é que, no limite, todas as fotos são suspeitas e, também no limite, nenhuma foto pode legal ou jornalisticamente provar coisa alguma. A foto perde o seu poder de produzir verossimilhança e, como tal, é bem provável que dentro de mais algum tempo ela seja excluída até mesmo de nossos documentos de identidade (MACHADO apud SANTAELLA, 2005, p. 312).

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Além das quatro fotografias, a Make Up For Ever construiu um vídeo, também com tecnologia HD, no qual mostra que em todos os lugares há a manipulação. Além disso, outro vídeo disponível pela marca mostra bastidores tanto do filme quanto das fotografias. Tudo isso em um esforço para estabelecer o caráter real da campanha, em resposta aos exageros cometidos anteriormente, que acabaram levando ao início das discussões sobre até que ponto a imagem retratada influencia os consumidores, e quais as consequências quando tal imagem foge à realidade possível.

Figura 40. Screen-shots tirados do vídeo e do making-off da campanha62.

É possível perceber que essa mudança no modo de lidar com os consumidores de um modo geral se faz necessária, a fim de renovar um ciclo já desgastado na publicidade, que é a distorção da realidade em nome da ideia de consumo como fonte de felicidade e satisfação. Ciente dessa distorção, o indivíduo já tem prefixado em sua mente a desconfiança a respeito da fotografia publicitária, e a utiliza mais como um modelo de deleite visual do que como um retrato da realidade a ser 62

Elaboração própria. Imagens disponíveis em: e . Acesso em 23 Out. 2011.

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alcançada. Torna-se então necessário, de acordo com Bigal (1999), uma produção de sentidos diferente.

Uma discussão estética da publicidade [...] requer uma criação publicitária não exclusivamente fundamentada nas pesquisas de mercado e de opinião pública, mas fundamentada, também, no universo sígnico do receptor; o que equivale a fundamentar-se no “fazer” publicidade: um fazer capaz de produzir peças que, ao se desfazerem de significados prefixados, estimulem a atividade mental do receptor para a produção de sentidos (BIGAL, 1999, p. 60).

Desta forma, percebe-se a tendência para diferentes abordagens a respeito da imagem na publicidade, especialmente a imagem fotográfica em peças que tratam diretamente da beleza e do bem-estar do consumidor.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este estudo, foi possível avaliar que a publicidade, como modelo de comunicação mercadológica, era inicialmente conceituada como ato de vender produtos, e hoje se atrela em grande parte à venda de conceitos. Muito mais do que mostrar a beleza ou as características de um produto, ela procura trazer à tona o conceito de perfeição e satisfação plena do indivíduo ao se transformar em consumidor. Ao decorrer da análise, algumas considerações foram feitas: a imagem, com sua característica tão direta de reconhecimento e identificação perante o indivíduo moderno, foi inserida no mundo publicitário a princípio como um elemento demonstrativo. Conforme as demandas do mercado cresciam junto com a concorrência, foi necessário que a imagem adotasse um papel mais subjetivo, responsável pela sedução e pelo desejo. Para atingir tal objetivo, a fotografia ganhou espaço por configurar no indivíduo a confiança de que o que por ela é representado de fato existe. Contudo, conforme a fotografia ganhava espaço, ganhava também ressignificações. Walter Benjamin (apud SONTAG, 2004, p. 123) observa em uma palestra, em 1934, que: É agora incapaz de fotografar um prédio residencial ou um monte de lixo sem transfigurá-lo. Para não falar de uma represa num rio ou de uma fábrica de cabos de eletricidade: diante disso, a fotografia só consegue dizer: “Que belo”. [...] Ela conseguiu tornar abjeta a própria pobreza, ao tratá-la de um modo elegante, tecnicamente perfeito, e transformá-la em objeto de prazer.

A mudança na fotografia protagonizada pelo mundo publicitário foi tanta que resultou na frustração e desconfiança do consumidor. Este, cansado de enxergar imagens que outrora considerava verdadeiras transformarem-se em ilusões, passou a lidar com a fotografia publicitária como sinônimo de falsidade. Essa ressignificação da fotografia ocorreu devido, principalmente, à desenfreada veiculação, por parte dos emissores (aqui classificados como publicitários e fotógrafos), de produtos cosméticos/produtos de moda de figuras totalmente modificadas e díspares do real.

A interpretação final, entretanto, ainda sofrerá interferências ao longo do processamento e elaboração final da imagem, seja no laboratório químico convencional, seja no eletrônico nas suas

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diversificadas formas. A imagem fotográfica é, enfim, uma representação resultante do processo de criação/construção do fotógrafo. (KOSSOY, 2009, p. 30)

Como resultado, além de discussões políticas a respeito do uso excessivo do Photoshop na publicidade, as marcas perceberam que uma mudança de atitude era necessária, face à atual descrença do consumidor. Deste modo, é possível notar que a publicidade começa a utilizar a fotografia como era no início, um instrumento de demonstração. Contudo, os objetivos são outros: o fato de não utilizarem (ou utilizarem muito pouco) a manipulação digital, é amplamente divulgado como forma de se sobressaírem no mercado. Tudo ainda gira em torno do destaque mercadológico, das vendas e do lucro. Os olhares do fotógrafo e do consumidor agora se voltam para um mundo lotado de signos de interesse, sedutores, e não mais de representação de um momento memorável. Sendo assim, percebe-se que o consumidor é o principal agente das mudanças ocorridas no mundo da imagem na publicidade. É o seu interesse e seu poder de compra que engrenam o modo pelo qual os signos publicitários serão usados. Quando este mostrou-se favorável à construção de um mundo livre de imperfeições, foi isso o que a publicidade mostrou; quando houve a necessidade de mais realidade, ela começou, timidamente, a voltar. O triângulo consumidor – manipulação – fotografia foi pretendido neste trabalho como forma de complementar estudos a respeito da imagem publicitária e seus efeitos no mundo contemporâneo. Até que ponto a distorção da realidade será empregada pela publicidade? Será que a fotografia, após tantas mudanças, ainda será vista como um pedaço da realidade ou será encarada como mais uma imagem falsa e repleta de signos subjetivos? Estas são algumas perguntas que, dotadas de tantos desdobramentos, pretende-se continuar a estudar e desenvolver após o término deste trabalho. “A Manipulação da Imagem na Publicidade: realidade fotográfica distorcida?” procurou recortar, entre tantas possibilidades imagéticas, a fotografia, e analisá-la sob um ponto de vista prático e teórico, colocando em questão o modo como o consumidor conduz seu olhar na relação fotografia – realidade, que hoje se

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transformou em fotografia – publicidade, transformação essa que fez o indivíduo enxergar a fotografia como uma instância sedutora, maleável e subjetiva.

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