Svmma D�emoniaca D�emoniaca TRATADO DE DEMONOLOGIA E MANUAL DE EXORCISTAS
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Rua Lopes Coutinho, 74 | Bairro Belenzinho | CEP 03054-010 | São Paulo, SP Tel.: +55 11 3322.0100 Site: www.livrarialoyola.com.br www.livrarialoyola.com.br | E-mail:
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Svmma D�emoniaca D�emoniaca TRATADO DE DEMONOLOGIA E MANUAL DE EXORCISTAS
Copyright desta desta edição © Palavra & Prece Editora, 2010. Edição brasileira autorizada por intermédio do Autor. Título original em espanhol: Svmma Daemoniaca Tratado de demonología e manual de exorcistas. Todos os direitos desta edição reservados.
C���������� ��������� Júlio César Porfírio R������ Patrícia Santos R������ � D���������� Equipe Palavra & Prece T������� Ana Paula Bertolini C��� Claudio Braghini Júnior Imagem: Istockphoto
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP SP,, Brasil) Fortea, José Antonio Summa daemoníaca daemoníaca : tratado de demonologia demonologia e manual de exorcistas / José Antonio Antonio Fortea ; [tradução Ana Paula Bertolini]. – São Paulo : Palavra & Prece, 2010.
Título original: Summa daemoniaca : tratado de demonología e manual de exorcístas Bibliografia ISBN 978-85-7763-1 978-85-7763-166-7 66-7 1. Demônio 2. Demonologia 3. Exorcismo 4. Possessão demoníaca I. Título.
10-09828
CDD-235.4
Índices para catálogo sistemático: 1. Demonologia : Teologia cristã 235.4
PALAVRA & PRECE EDITORA LTDA.
Parque Domingos Luiz, 505, Jardim São Paulo, Cep 02043-081, São Paulo, SP Tel./Fax: (11) 2978.7253 E-mail:
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Índ�ce Introdução ................. ................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ......................... ....... 13 TRATADO DE DEMONOLOGIA ..................................................... ....................................................................... ..................................... ..................................... ...................... .... 15 PARTE I – Natureza demoníaca ................. ................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ......................... ....... 17 Questão 1 – O que é um u m demônio? d emônio? ................ .................................. ..................................... ..................................... ..................................... ................................... ................ 17 Questão 2 – Por que Deus impôs uma u ma prova aos espíritos espí ritos angélicos? angélic os?.................. ..................................... ............................. ..........24 24 Questão 3 – Por que Deus não retirou a liberdade daqueles que começaram a pecar? ..................26 Questão 4 – Todos os demônios são s ão iguais?................ igua is?................................... ..................................... ..................................... ..................................... .................... 26 Questão 5 – Zoologia e demonologia demonologi a .................. .................................... ..................................... ..................................... ..................................... ............................. .......... 27 Questão 6 – Astronomia A stronomia e demonologia ....................................... .......................................................... ..................................... ..................................... ..................... 29 Questão 7 – Quais Quai s são os nomes dos demônios? ...................................... ........................................................ ..................................... .......................... ....... 30 Questão 8 – O tempo te mpo existe exi ste para par a os demônios? ......................... ........................................... .................................... ..................................... ....................... .... 32 Questão 9 – Em que pensa um u m demônio?......................................... demônio?............................................................ ..................................... ................................... ................. 33 Questão 10 – Qual Qua l a lingua l inguagem gem dos demônios? .................. ..................................... ..................................... ..................................... ............................. ..........34 34 Questão 11 – Onde estão os demônios? demôn ios? ................. ................................... ..................................... ..................................... ..................................... .......................... ....... 34 Questão 12 – Conhecem o futuro? f uturo? ............................ .............................................. ..................................... ..................................... ..................................... ....................... .... 35 Questão 13 – Um demônio pode po de fazer faz er algum alg um ato bom? .................... ...................................... ..................................... ................................ ............. 35 Questão 14 – O demônio pode experimenta exp erimentarr algum algu m prazer? ....................... .......................................... ..................................... .................... 36 Questão 15 – O demônio é livre liv re para fazer fa zer mais ou menos mal? ................. .................................... ..................................... .................... 36 Questão 16 – Quais são os mais malignos ma lignos de todos os demônios?........................................ demônios?..................................................... ............. 37 PARTE II – A tentação e o pecado ................................ .................................................. ..................................... ..................................... ..................................... .......................... ....... 39 Questão 17 – Por que peca pecamos? mos? .................. .................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... .................... 39 Questão 18 – Quantas tentações procedem do demônio? ...................................................................40 Questão 19 – Podemos ser tentados além de nossas possibilidades? .................................................40 Questão 20 – Por que o diabo tentou Jesus? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ................................... ................. 41 Questão 21 – O demônio sabe que Deus Deu s é impecável? imp ecável? ................ ................................... ..................................... ..................................... ..................... 42 Questão 22 – É possível distinguir as tentações que procedem de nós mesmos das tentações do demônio? ............................................... ................................................................. ..................................... ..................................... ................................... .................43 43 Questão 23 – O que fazer dia diante nte da tentação? tenta ção? .................. .................................... ..................................... ..................................... ................................4 ..............4 4 Questão 24 – O demônio pode ter alguma tática para nos tentar? ....................................................45 Questão 25 – Deus pode po de tentar?........... tenta r?.............................. ..................................... .................................... ..................................... ..................................... .......................... ........46 46 Questão 26 – Por que Deus Deu s permite perm ite a tentação? tentaç ão? ....................... ......................................... ..................................... ..................................... ....................... ..... 47 Questão 27 – O que é a morte eterna? e terna? ................ ................................... ..................................... ..................................... ..................................... ............................. ...........48 48 Questão 28 – Qual é o processo que leva à morte eterna? ...................................................................48
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SVMMA DAEMONIACA
PARTE III II I – A ação do demônio no homem e na natureza .................. .................................... ..................................... ................................... ................ 51 Questão 29 – Que diferença existe entre natural, natura l, preternatural preternatura l e sobrenatura sobrenatural? l? .................. ............................ .......... 51 Questão 30 – Os demônios aumentam aumenta m seu castigo pelo mal que causam causa m aos homens?................ .................. 52 Questão 31 – É possível poss ível fazer um u m pacto com o demônio? demôn io? .................... ...................................... ..................................... ............................. .......... 52 Questão 32 – O demônio pode provocar uma enfermidade mental? ................................................54 Questão 33 – O demônio demôn io pode provocar provoca r doenças no corpo? .................. ..................................... ..................................... ......................... ....... 55 Questão 34 – Como distinguir dist inguir se uma u ma visão é um u m problema problema demoníaco ou psiquiátrico? psiquiátrico? .......... ..........56 56 Questão 35 – Os demônios d emônios podem causa causarr pesadelos? .................. .................................... ..................................... ..................................... .................... 57 Questão 36 – Os demônios d emônios podem ler nossos pensamentos? pen samentos? ............................. ................................................ ................................ ............. 57 Questão 37 – Podem provocar catástrofes cat ástrofes ou acidentes? .................................................... .................................................................... ................58 58 Questão 38 – O demônio pode fazer milagres? mi lagres? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ............................ .......... 59 Questão 39 – Como sabemos que algo é causado pelo demônio? .................. ..................................... ...................................6 ................600 Questão 40 – O demônio pode causar causa r má sorte? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ......................... ....... 62 Questão 41 – O que é o malef malefício? ício? ................. ................................... ..................................... ..................................... ..................................... ................................... ................63 63 Questão 42 4 2 – O malefício malef ício tem eficácia? eficác ia? ................ ................................... ..................................... .................................... ..................................... .......................... ....... 63 Questão 43 – O que fazer em caso de malef ício? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ......................... .......64 64 Questão 44 – O que é o feitiço? ........................................ ........................................................... ..................................... ..................................... ................................... ................65 65 Questão 45 – O modo de fazer um malefício ou um feitiço é importante? .....................................66 Anexo à questão 45...................... 45......................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ................................ ............. 67 Questão 46 – Qual é a diferença entre magia branca e magia negra? ...............................................68 Questão 47 – Os magos adivinham adivinh am o futuro pela intervenção do demônio? .............................. .................................. .... 69 Questão 48 – O demônio intervém intervém no horóscopo, horóscopo, tarô e outras formas de adivinhar ad ivinhar o futuro?. 69 Questão 49 – Um demônio pode causar falsas fa lsas visões vis ões em um místico? ............................... ............................................ ............. 70 Questão 50 – Pode causar c ausar estigmas? est igmas? .................. .................................... ..................................... ..................................... ..................................... ............................. .......... 72 Questão 51 – Qual a forma forma que os demônios têm quando aparecem para os homens? ................ 73 Questão 52 – É o demônio d emônio quem provoca a noite do espírito? espí rito? ..................... ........................................ ..................................... .................... 74 Parte IV – Questões Q uestões teológicas ............................. ............................................... ..................................... ..................................... ..................................... ................................... ................77 77 Questão 53 – Deus Deu s odeia os demônios? de mônios? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ....................... .... 77 Questão 54 – Os demônios podem unir-se e concentrar os seus esforços para inf luenciar uma sociedade? sociedad e? .................. .................................... ..................................... ..................................... ..................................... ................................... ................ 78 Questão 55 – Por que Satanás não se manifesta manifes ta aos homens mostrando todo o seu poder? ........ 79 Questão 56 – Dentro da Igreja, a quem ele mais odeia? ......................................................................80 Questão 57 – Quando Jesus viveu na Terra como Homem, o demônio sabia que Ele era o Messias? Mess ias? ................ .................................. ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... .......................... ....... 81 Questão 58 5 8 – Jesus sofreu sof reu a tentação? ................... ..................................... ..................................... ..................................... ..................................... .......................... ....... 82 Questão 59 – Qual foi a criatura mais magnífica magní fica criada por Deus, a Virgem ou Lúcifer? Lúcifer?.............84 .............84 Questão 60 6 0 – Por que a água benta b enta atormenta o demônio? ................. ................................... ..................................... ............................. .......... 85 Questão 61 – Que outros objetos atormentam os demônios? ................... ..................................... ..................................... ....................... .... 86 Questão 62 – Qual é o demônio meridiano? merid iano? ................................................ ................................................................... ..................................... ...................... .... 87 Questão 63 – Como os anjos a njos ocupam o seu tempo? ................ ................................... ..................................... ..................................... ....................... .... 88 Questão 64 6 4 – Existe um sacerdócio sacerdóc io no mundo angélico? ................................... ...................................................... ................................ ............. 89
Índice
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Questão 65 – É certo pintar o demônio com chifres e corpo de um homem? ................................90 Questão 66 – Por que há água benta na entrada da Igreja? .................................................................90 Questão 67 – O demônio é um mero símbolo do mal ou ele realmente existe? .............................. 91 Nota a essa questão................................................................................................................................92 Parte V – Perguntas bíblicas ........................................................................................................................... 93 Questão 68 – Qual é a diferença entre o temor a Deus e ao demônio? ............................................. 93 Questão 69 – Que ordem seguem as três tentações que Jesus sofreu no deserto? .......................... 95 Questão 70 – O que são os mil anos em que o demônio ficará preso? .............................................97 Questão 71 – Que significado teria o envio dos bodes para Azazel no Livro de Levítico? ........... 98 Questão 72 – Por que a Sagrada Escritura diz que os demônios estão nas regiões do ar? ............ 99 Questão 73 – Por que na Bíblia Deus chama o demônio de “ o príncipe desse mundo”? ................99 Questão 74 – Por que o demônio Asmodeu fugiu após Tobias queimar o coração e o fígado do peixe? ................................................................................................................ 100 Questão 75 – Há algum significado nesse coração e no fígado do peixe de Tobias? .................... 101 Questão 76 – O que quer dizer São Paulo ao afirmar que Cristo levou os demônios em Seu cortejo triunfal? ......................................................................................................................... 102 Questão 77 – Por que o demônio é chamado de acusador? .............................................................. 103 Questão 78 – Deus e o demônio falam entre si? ..................................................................................104 Questão 79 – É permitido insultar os demônios? .............................................................................. 104 Questão 80 – Por que o Apóstolo Tiago diz que os demônios creem em Deus? ...........................106 Questão 81 – Os acontecimentos no Livro de Jó são históricos? ...................................................... 107 Questão 82 – Por que se diz que Leviatã tem muitas cabeças? ........................................................ 108 Questão 83 – Por que Satanás aparece com mais frequência no Novo Testamento do que no Antigo? ................................................................................................... 109 Questão 84 – O Anticristo é o diabo? .................................................................................................. 109 Questão 85 – Satanás pode ter um filho? ............................................................................................ 110 Questão 86 – Existe uma paternidade espiritual do demônio? ....................................................... 111 Questão 87 – A Besta do Apocalipse é o demônio? ........................................................................... 111 Questão 88 – O que signif ica o 666? .................................................................................................... 111 Parte VI – O Inferno ...................................................................................................................................... 113 Questão 89 – Quantos demônios se condenaram? ............................................................................ 113 Questão 90 – Por que Deus não aniquila o demônio? ....................................................................... 114 Questão 91 – Será que os demônios prefeririam deixar de existir? ................................................ 116 Questão 92 – A pior condenação é a dos demônios ou a dos homens? .......................................... 116 Questão 93 – Por que o Inferno deve ser eterno? ............................................................................... 117 Questão 94 – Deus pode perdoar os demônios? ................................................................................. 118 Questão 95 – Que punições há no Inferno? ........................................................................................ 119 Parte VII – Apêndices .................................................................................................................................... 121 Apêndice 1 ....................................................................................................................................................... 123 Apêndice 2 ....................................................................................................................................................... 133 Apêndice 3 ....................................................................................................................................................... 141
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SVMMA DAEMONIACA
MANUAL DO EXORCISTA ........................................................................................................................143 Capítulo I – A possessão ................................................................................................................................ 145 Questão 96 – O que é a possessão? ....................................................................................................... 145 Questão 97 – Quais são as características essenciais para se diagnosticar uma possessão? ....... 145 Questão 98 – Considerações da psiquiatria ......................................................................................... 147 Questão 99 – O demônio também tem a alma do possuído? ........................................................... 152 Questão 100 – Qual é a forma mais prática de saber se alguém está possuído? ........................... 152 Questão 101 – Que truques o demônio pode usar para esconder a sua presença no possuído? 153 Questão 102 – Quais são os demônios ocultos? .................................................................................154 Questão 103 – Que frase deve ser dita para saber se alguém está possuído? ................................. 157 Questão 104 – Quais são as causas da possessão? .............................................................................. 158 Questão 105 – Por que o demônio age por possessão? ...................................................................... 159 Questão 106 – Por que Deus permite que haja possessões? ............................................................. 160 Questão 107 – Qual é a diferença entre a dupla personalidade e a possessão? ............................. 161 Questão 108 – Que fenômenos extraordinários se dão na possessão? ........................................... 161 Questão 109 – No Evangelho, a possessão não poderia ser uma mera simbologia da libertação do mal? .............................................................................................................................. 162 Questão 110 – Houve possessões na época do Antigo Testamento? ............................................... 162 Questão 111 – Por que hoje há menos casos de possessão do que na época do Evangelho? ....... 163 Questão 112 – Quais são os tipos de demônios que aparecem nas possessões? ............................164 Questão 113 – O que acontece se um possuído morre antes do demônio ter saído? ....................164 Questão 114 – As almas dos condenados podem possuir? ............................................................... 165 Questão 115 – Um possesso pode se mat ar? ....................................................................................... 165 Questão 116 – Um possesso pode matar? ............................................................................................. 166 Questão 117 – Os assassinos seriais que cometem crimes hediondos são possuídos? .................166 Capítulo II – O exorcismo e o exorcista ..................................................................................................... 169 Questão 118 – O que é o exorcismo? .................................................................................................... 169 Questão 119 – Qual é a maneira ideal de organizar o ministério do exorcista? ........................... 171 Questão 120 – É obrigatório um relatório psiquiátrico para se proceder o exorcismo? .............. 173 Questão 121 – Por que é necessária a permissão do bispo para exorcizar? ................................... 174 Questão 122 – Qual era a ordem menor do exorcistado? .................................................................. 175 Questão 123 – O que fazer em caso de ausência absoluta de exorcista? ......................................... 175 Questão 124 – Um não católico pode ser exorcizado? ....................................................................... 178 Questão 125 – Os animais podem ser infectados? ............................................................................. 178 Questão 126 – É verdade que o demônio se vinga dos exorcistas? ................................................... 179 Questão 127 – É verdade que durante o exorcismo o possesso pode revelar os pecados dos presentes? ............................................................................................... 183 Questão 128 – Quem pode ser um exorcista? ..................................................................................... 183 Questão 129 – Existe exorcismos fora da Igreja Católica? ................................................................184 Questão 130 – Já existia o exorcismo antes de Cristo? ....................................................................... 185 Questão 131 – Por que alguns exorcismos duram bem mais tempo? ............................................. 185
Índice
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Questão 132 – É preferível continuar até o fim em uma sessão ou ter várias sessões? ................186 Questão 133 – Dicas para exorcismo..................................................................................................... 187 Questão 134 – Como você sabe quando o demônio é o último? .....................................................190 Questão 135 – Pode ser repossuída a pessoa que tenha sido exorcizada? ...................................... 190 Questão 136 – O que acontece se os demônios não saem por meio do exorcismo? ..................... 191 Questão 137 – O que faz um demônio deixar um corpo em um exorcismo? .................................192 Questão 138 – O que é mais importante: a confissão ou o exorcismo? .......................................... 193 Questão 139 – Glossário ......................................................................................................................... 193 Capítulo III – Fenomenologia demoníaca ................................................................................................. 197 Questão 140 – Qual é a fenomenologia demoníaca? .........................................................................197 Questão 141 – O que é a influência externa? ......................................................................................200 Questão 142 – O que é a inf luência interna? .......................................................................................200 Questão 143 – Qual é a diferença entre a inf luência interna e externa? ........................................202 Questão 144 – O que é a oração de libertação? ...................................................................................203 Questão 145 – Como fazer uma oração de libertação? .....................................................................205 Questão 146 – O que é a infestação? .....................................................................................................209 Questão 147 – Os fantasmas existem? .................................................................................................. 210 Questão 148 – O que é o mandatum? ................................................................................................... 210 Questão 149 – Quais são os demônios íncubos e súcubos? .............................................................. 211 Capítulo IV – Casos ....................................................................................................................................... 213 Caso 1 ........................................................................................................................................................ 214 Caso 2 ........................................................................................................................................................ 215 Caso 3 ........................................................................................................................................................225 Caso 4 ........................................................................................................................................................ 235 Caso 5 .........................................................................................................................................................240 Caso 6 .........................................................................................................................................................243 Capítulo V – Suplementos .............................................................................................................................245 Suplemento I – Casos especiais de possessão ............................................................................................. 247 Suplemento II – Legislação canônica .......................................................................................................... 251 Suplemento III – História do exorcismo no cristianismo ........................................................................253 Suplemento IV – A medalha de São Bento .................................................................................................257 Suplemento V - Escala SD de graus de possessão e influência ................................................................259 O MAL .............................................................................................................................................................263 Prefácio .............................................................................................................................................................265 Seção I – Questões sobre o mal .................................................................................................................... 267 Questão 150 – O que é o mal? ................................................................................................................267 Questão 151 – Existe o mal? ..................................................................................................................267 Questão 152 – Quais são os tipos de ma l? ...........................................................................................270 Questão 153 – Mal é um conceito religioso? .......................................................................................271 Questão 154 – Qual o limite do mal? ....................................................................................................272
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Questão 155 – Existe o mal infinito?.....................................................................................................272 Questão 156 – Será que Deus está acima do bem e do mal? .............................................................273 Questão 157 – Qual é o maior mal? ......................................................................................................273 Questão 158 – O pecado é um conceito religioso? ............................................................................. 273 Questão 159 – Existe um ma l imperdoável? ....................................................................................... 274 Questão 160 – Como sabemos que há condenação eterna? ..............................................................275 Questão 161 – Quem são aqueles que apenas querem condenar? ................................................... 276 Questão 162 – Um pequeno pecado pode condenar? ........................................................................ 276 Questão 163 – Onde está a linha divisória entre o mal extremo e a loucura? ...............................277 Questão 164 – Deus sonda o abismo? ................................................................................................... 278 Seção II – Estética do mal ............................................................................................................................. 281 Seção III – O mal no cristianismo ..............................................................................................................293 Seção IV – O Terceiro Reich e o mal ........................................................................................................... 295 Seção V – A cidade de Deus e a cidade do homem ................................................................................... 301 Seção VI – Doença psiquiátrica e cristianismo .........................................................................................305 Seção VII – Questões ..................................................................................................................................... 315 Questão 165 – Um homem condenado no Inferno ainda pode amar sua mãe? ........................... 315 Questão 166 – Você tem uma mãe no Céu, vendo seu filho sofrer a condenação eterna? .......... 316 Questão 167 – O que significa “desceu ao Inferno?” .......................................................................... 316 Questão 168 – Quais foram as moradas do Inferno em que Jesus desceu depois da morte? ...... 318 Questão 169 – Como se proteger dos ataques do demônio? ............................................................. 318 Questão 170 – Será que Judas Isca riotes foi condenado? ..................................................................320 Questão 171 – Por que os demônios usam os sentidos físicos quando estão em alguém? .......... 321 Questão 172 – O demônio odeia os judeus? .........................................................................................322 Questão 173 – Será que não há perigo de orgulho para o exorcista? ..............................................324 Questão 174 – Algum dia haverá um número suficiente de exorcistas? ........................................ 325 Questão 175 – E se um bispo se opõe a esse ministério? ...................................................................326 Questão 176 – Deus não poderia conceder anistia para os condenados ao Inferno como um mero ato de graça? ............................................................................................. 327 Questão 177 – Deus não poderia impedir a existência desses condenados por um ato de misericórdia divina? ......................................................................................................328 Questão 178 – Ao arrepender-se, o demônio seria perdoado? .......................................................... 329 Questão 179 – Toda a ciência sobre o demônio está contida neste tratado? ..................................330 Questão 180 – Será que Deus sabe de tudo que há de errado? ......................................................... 331 Questão 181 – Será que Deus está no Inferno? ................................................................................... 331 Questão 182 – O mal sempre existiu? .................................................................................................. 332 Questão 183 – O mal existirá pelos séculos dos séculos? .................................................................. 332 CONCLUSÃO ................................................................................................................................................ 335
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Por mim se vai à cidade do lamento; por mim se vai à eterna dor; por mim se vai para a raça condenada: a justiça incentivou a mim sublime arquiteto; me fez a Divina Potestade, a Suprema Sabedoria e o Primeiro Amor. Antes de mim não havia nada criado, com exceção do imortal, e eu existo eternamente. Ó vós que entrais, abandonai toda a esperança! Inscrição que D���� A�������� colocou no portal de entrada para o Inferno
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Introdução O
ptei por escrever um livro ao modo dos antigos tratados escolásticos, isto é, distribuir a obra em uma infinidade de questões de heterogênea extensão e desigual peso teológico. Por quê? Porque concluí ser o modo mais livre de poder tratar o tema sob todos os pontos de vista. Sobretudo, essa me pareceu a melhor maneira de poder abarcar o demônio em todos os seus aspectos e detalhes, que, em matéria como essa, são muito importantes. Cada detalhe da Bíblia sobre o demônio não é em vão.
Sempre me fascinaram aqueles velhos volumes escolásticos escritos em letras góticas, em que os temas teológicos apareciam com uma lógica inflexível segundo os interesses e desejos do monge ou outro religioso, que ditava ao secretário encurvado sobre sua escrivaninha. Entretanto, neste trabalho, quis fazer uma obra mais livre, menos sujeita a um esquema preconcebido, diferente de minha tese universitária sobre o exorcismo, que estava repleta de notas de rodapé, de citações eruditas e de temas que os acadêmicos consideram sérios e graves. Não me seria difícil aplicar a todo o conteúdo desse livro um outro aspecto formal, aparentemente mais orgânico, porém fiz uma obra tal qual gostaria de ler. Então, com o livro terminado, contemplo uma construção intelectual sobre o mundo dos anjos caídos. O leitor observará que há mínimas referências bibliográficas nessa obra. Isso se deve ao fato de que desde o princípio determinei que todo esse edifício conceitual se baseasse sobre dois únicos alicerces: a Bíblia e minha experiência. A partir daí se levantou toda, pedra por pedra, a base da lógica. O leitor não deve, portanto, ler esse livro como uma recopilação dos ensinos do magistério da Igreja, mas sim como algo que pode alcançar a razão humana partindo da Sagrada Escritura.
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Esse livro me recorda uma construção arquitetônica medieval. Com seus pilares, suas galerias e caminhos tortuosos. Um livro com seus capitéis, pórticos e criptas. Por essa obra sobre o demônio se pode ir e vir, pode-se percorrer a ela exaustivamente ou passear por ela; é uma obra teológica, uma espécie de labirinto demoníaco com suas questões, partes, apêndices, suplementos e anexos. Uma construção de todas as formas, levantada com conceitos em vez de pedras, ou, melhor dizendo, com as pedras dos conceitos. Uma construção erigida sobre as firmes leis da lógica, um falso labirinto submetido a uma estrutura férrea que se esconde sob a aparente selva de questões. Espero que o leitor não esqueça, durante sua leitura – pelo passeio ao âmago dessa construção –, o que não foi esquecido durante sua escrita: que toda construção teológica é erguida para a maior glória de Deus. É curioso como até uma construção teológica sobre o demônio pode proclamar o poder da onipotente mão divina. Nota: O título em latim desta obra, Svmma Daemoniaca, se traduz como Suma de questões relativas ao demônio. Em latim, o substantivo svmma significa suma, conjunto, generalidades. O adjetivo daemoniaca pode significar maligno, demoníaco, mas também o relativo ao demônio, o que concerne ao demônio, e é neste segundo sentido que se deve considerar o título.
Tratad� de demonolo�ia
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PARTE I
Natureza demoníaca Questão 1 O que é um demônio? Um demônio é um ser espiritual de natureza angélica condenado eternamente. Não tem corpo, não há em seu ser nenhum tipo de matéria sutil, nem nada semelhante à matéria, pois se trata de uma existência de caráter inteiramente espiritual. Spiritus, em latim, significa sopro, hálito. Uma vez que não têm corpo, os demônios não sentem a menor inclinação para nenhum pecado que se cometa com o corpo. Portanto, a gula ou a luxúria são impraticáveis para eles. Podem tentar os homens a pecar nesses campos, porém, só compreendem esses pecados de modo meramente intelectual, uma vez que não possuem sentidos corporais. Os pecados dos demônios, portanto, são exclusi vamente espirituais. Eles não nasceram maus, porém, depois de criados, foram submetidos a uma prova antes que lhes fosse oferecida a visão da essência da Divindade, pois viam a Deus, mas não viam Sua essência. Neste caso, o verbo ver é figurativo, já que a visão dos anjos é intelectual. Como, para muitos, será difícil compreender o fato de que puderam ver/conhecer a Deus, porém não ver/ conhecer Sua essência, poderíamos exemplificar que eles viam a Deus como uma luz, que O ouviam com uma voz majestosa e santa, mas Seu rosto permanecia sem se revelar. De todo modo, mesmo que não penetrassem em Sua essência, sabiam que era seu Criador e que era Santo, o Santo entre os Santos.
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Antes que penetrassem na visão beatífica dessa essência divina, Deus os pôs a prova. Nessa prova, uns obedeceram, outros, não. Os que desobedeceram de forma definitiva, tornaram-se demônios. Eles por si só se transformaram no que são. Ninguém os fez assim. A psicologia dos anjos atravessou uma série de fases antes que eles se transformassem em demônios. Essas fases não aconteceram no tempo material, mas sim na eternidade (evo)1. Para os humanos, por se dar na eternidade (evo), estas fases pareceram instantâneas. Porém, o que para nós parece breve, para eles, foi muito demorado. As fases de transformação de anjos em demônios foram as seguintes: No início ficaram em dúvida se a desobediência à Lei Divina talvez fosse o melhor. Nesse momento, em que voluntariamente aceitaram ser uma opção a considerar a possibilidade de desobediência a Deus, já cometeram um pecado. A partir daí, a aceitação da dúvida se constituiu um pecado venial, que pouco a pouco foi evoluindo para um pecado mais grave. Porém, nenhum deles, nessa primeira fase, estava disposto a se afastar definitivamente, nem mesmo o diabo. Já mais tarde, assentou-se neles o que suas vontades haviam escolhido, apesar dos conselhos da inteligência, a qual lhes recordava que a desobe diência era contra a razão. Suas vontades foram se afastando de Deus e, consequentemente, suas inteligências foram aceitando como verdadeiro o mal que haviam escolhido, consolidando-se no erro. A vontade de desobedecer foi se afirmando, fazendo-se cada vez mais profunda. Assim, suas inteligências passaram a buscar cada vez mais razões para que tudo se tornasse cada vez mais justificável. Finalmente, esse processo os levou ao pecado mortal, que se deu em um momento concreto, por meio de um ato da vontade. Cada anjo, em determinado momento, não quis só desobedecer, mas, inclusive, optou por ter uma existência à margem da Lei Divina. Não era um esfriamento com relação ao Amor de Deus, uma simples desobediência a algo que lhes fosse difícil de 1
Evo: Significa a eternidade que é o tempo dos espíritos. Uma explicação mais detalhada aparecerá mais adiante.
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aceitar; mas na vontade de muitos deles, encontrava-se a ideia de um destino separado da Santíssima Trindade, um destino autônomo. Os que perseveraram nesse pensamento e nessa decisão começaram um processo de justificação dessa escolha. Passaram a se autoconvencer de que Deus não era Deus. Ele era apenas mais um espírito. Até poderia ser seu Criador, porém n’Ele havia erros e falhas. Começaram a acalentar a ideia que havia surgido em seus pensamentos: a de uma existência separada de Deus e de Suas normas. A existência separada de Deus aparecia como uma existência mais livre. As normas de Deus, a obediência a Ele e à Sua vontade, apareciam progressivamente como uma opressão. Deus passava a ser visto como um tirano do qual deveriam se libertar. Nessa nova fase de distanciamento, já não buscavam simplesmente um destino fora de Deus, uma vez que Deus mesmo lhes parecia um obstáculo para alcançar a liberdade. Pensavam que a beleza e a felicidade do mundo angélico seriam muito melhores sem um opressor. Por que haveria um espírito que se elevava sobre os demais espíritos? Por que sua vontade devia se impor sobre a dos outros espíritos? Por que uma vontade deve se impor sobre outras vontades? Devem ter pensado: “Não somos crianças, não somos escravos!”. Deus já não era um elemento que tinham deixado para trás, mas que começava a se converter para eles em um mal. E assim começaram a odiá-l’O. O chamado de Deus para que estes anjos voltassem era visto como uma intromissão inaceitável. Nessa fase, o ódio cresceu mais em alguns espíritos e menos em outros. Pode surpreender que um anjo chegue a odiar a Deus, porém deve-se compreender que Deus já não era visto por eles como um bem, mas como um obstáculo, uma opressão; Ele representava as cadeias dos mandamentos, a falta de liberdade. Já não era visto como Pai, mas como fonte de ordens e mandamentos. O ódio nasceu com a energia de suas vontades, resistindo continuamente aos chamados de Deus que, como um pai, os buscava. O ódio nasceu como reação lógica de uma vontade que tem de firmar-se na decisão de abandonar a casa paterna, para dizer em termos que sejam inteligíveis para nós. É como alguém que deseja sair de casa; no início quer apenas partir, mas se o pai o chama mais de uma vez, o filho acaba dizendo que o deixe em paz.
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Deus os chamava, pois sabia que, quanto mais tempo suas vontades ficassem afastadas d’Ele, mais se afirmariam nesse afastamento. Contudo, muitos dos anjos que haviam se afastado, em um primeiro momento, voltaram. Essa é a grande luta nos Céus de que fala o Apocalipse 12: “Houve então uma batalha nos Céus: Miguel e seus anjos guerrearam contra o Dragão. O Dragão lutou, juntamente com os seus anjos, mas foi derrotado; e eles perderam seu lugar nos Céus. Assim foi expulso o grande Dragão, a antiga Serpente, que é chamado Demônio ou Satanás, o sedutor do mundo inteiro. Ele foi expulso para a Terra, e os seus anjos foram expulsos com ele” ( Ap 12,7-9).
Como os anjos podem lutar entre si? Se não têm corpo, quais armas foram usadas? O anjo é espírito, o único combate que se pode travar entre eles é o intelectual. As únicas armas que podem usar são os instrumentos intelectuais. Deus enviava a graça a cada anjo para que voltasse à fidelidade e se mantivesse nela. Os anjos davam argumentos aos rebeldes para que voltassem à obediência. No entanto, os anjos rebeldes mostravam suas razões para fundamentar sua postura e introduzir a rebelião entre os anjos fiéis. Nessa conversação entre milhares e milhares de anjos, houve baixas de todos os lados: anjos rebeldes regressaram à obediência; anjos fiéis foram con vencidos com a sedução dos argumentos malignos. A transformação em demônios foi progressiva. Com o passar do tempo – a eternidade é um tipo de tempo – uns odiaram mais a Deus, outros menos. Uns se fizeram mais soberbos, outros nem tanto. Cada anjo rebelde foi se deformando mais e mais em pecados específicos. Assim como, ao contrário, os anjos fiéis foram se santificando progressivamente. Uns se santificaram mais em uma virtude, outros em outra. Cada anjo se fixou em um aspecto ou outro da divindade, amou com uma medida de amor. Por isso entre os anjos fiéis surgiram muitas distinções, segundo a intensidade das virtudes que praticaram. Cada anjo tinha sua própria natureza dada por Deus, porém, cada um se santificou numa medida própria segundo a Graça de Deus e a correspondência de Sua vontade. Exatamente o contrário ocorreu no caso dos demônios. Cada um recebeu de Deus uma natureza, se deformou segundo seus próprios
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caminhos extraviados. Por isso, a batalha acabou quando cada um deles permaneceu enquadrado em sua postura de forma irreversível. Chegou um momento em que havia só mudanças acidentais em cada ser espiritual, cada demônio se manteve firme em sua imprudência, em seus ciúmes, em seu ódio, em sua inveja, soberba, em seu egoísmo… A batalha havia acabado. Podiam seguir discutindo, disputando, exortando-se durante milhões de anos, para dizer em termos humanos, porém havia somente mudanças acidentais. Foi então que os anjos foram admitidos na presença divina e se deixou que os demônios se afastassem, que ficassem abandonados à situação de prostração moral que haviam escolhido para si. Como se pode observar, não se trata de ter enviado os demônios a um lugar de chamas e aparatos de tortura, mas que fossem deixados como estavam, abandonados em sua liberdade, em sua vontade. Não foram levados a nenhuma parte. Eles não ocupam um lugar, não há onde levá-los. Não há instrumentos de tortura, nem chamas que possam atormentá-los, nem cadeias que os prendam. Tampouco os anjos fiéis entraram em algum lugar. Simplesmente receberam a graça da visão beatífica. Tanto o Céu dos anjos como o Inferno dos demônios são estados. Cada anjo tem em seu interior seu próprio Céu, esteja onde estiver. Cada demônio, esteja onde estiver, leva em seu espírito seu próprio Inferno. O momento em que não há como voltar atrás é quando um anjo vê a essência de Deus. Porque depois de ver Deus, já não poderá mudar de opinião, nem esconder a menor coisa que O ofenda, pois a inteligência assimilaria que esconder uma falta seria o mesmo que esconder esterco em frente a um tesouro. Pecar, a partir de então, torna-se impossível. O anjo, antes de entrar nos Céus, compreendia Deus, compreendia o que era, imaginava Sua santidade, Sua onipotência, sabedoria, amor… Depois de ser aceito para contemplar Sua essência, não só a compreende, como também a vê. Quer dizer, vê Sua santidade, Seu amor etc., se preenche de tal amor, de tal veneração, que jamais, por nada, quer se separar d’Ele. Por isso o pecado passa a ser impossível.
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O demônio fica irremediavelmente ligado ao que escolheu, desde o instante em que Deus decide não insistir mais. Chega um momento em que Deus toma a decisão de não enviar mais as graças de arrependimento, pois Ele compreende que enviar mais graças só serve para que o demônio se assegure mais naquilo que sua vontade escolheu. Porque cada graça de arrependimento só pode ser superada, só pode ser vencida, afirmando-se mais no ódio. Chega um momento em que Deus Amor dá as costas 2 e deixa Seu filho seguir seu caminho. Deixa o demônio seguir sua vida separado. Podemos dizer que não é de uma hora para outra que o anjo se transforma em demônio, já que se trata de um processo lento, gradual, evolutivo. Há um tempo certo em que o espírito angélico tem de tomar a decisão de desprezar ou não o seu Criador. Já foi dito que nesse processo pode-se voltar atrás, essa é a celestial batalha de que fala o Apocalipse (cf. Ap 12,7-9). Mas chega um momento em que os demônios se afastam cada vez mais. Não haveria sentido insistir. O Criador respeita a liberdade de cada um. Portanto, o demônio é um anjo que decidiu ter seu destino distante de Deus e quer viver livre, sem amarras. Frequentemente, ele é representado em pinturas e esculturas de modo disforme, uma forma muito adequada de representá-lo, pois se trata de um espírito angélico deformado. Segue sendo anjo; somente sua inteligência e sua vontade são deformadas. A solidão interior em que permanecerá, por séculos e séculos, os ciúmes ao compreender que os fiéis gozam da visão de um Ser Infinito levam-no a reprovar seu próprio pecado mais uma vez. Como odeia a si mesmo, odeia a Deus, odeia aos que lhe deram razões para afastar-se. Mas nem todos sofrem igualmente. Durante a batalha, uns anjos se deformaram mais que outros. Aqueles que mais sofrem são os que mais se 2
Um grande amigo meu, professor da Universidade de Alcalá de Henares, ficou um pouco surpreso com essa expressão de ‘dar as costas’ e, inclusive, me sugeriu a possibilidade de uma correção na formulação da frase. Pode, de verdade, o Amor Infinito, fazer tal coisa? Sem dúvida, sim. A rebeldia da criatura faz com que, finalmente, Deus a abandone a sua própria sorte. Que momento é esse em que a criatura é abandonada? É o momento em que Deus decide não lhe conceder mais nenhuma graça de arrependimento. Nesse instante podemos dizer que Deus deu as costas ao ser que criou. Quando ocorre essa terrível e temível decisão, a criatura já está julgada.
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deformaram. Porém, é necessário recordar novamente que essa é uma deformidade da inteligência e da vontade. A inteligência está deformada, obscurecida pelas mesmas razões que justificou seu caminho, sua libertação. A vontade impôs à inteligência sua decisão, e a inteligência se viu impelida a justificar tal decisão. A inteligência funcionou como um mecanismo de justificação, de argumentação daquilo que a vontade a estimulava aceitar. Como se vê, o processo tem uma extraordinária semelhança com o processo de aviltamento dos humanos. Não esqueçamos que nós, humanos, somos um espírito em um corpo. Se nos omitimos diante dos pecados relativos ao corpo, sofreremos o mesmo processo interno que leva uma pessoa boa a acabar na máfia, ou a tornar-se um soldado num campo de concentração ou um terrorista. Em princípio, o conceito de pecado, de tentação, de evolução da própria iniquidade é igual tanto no espírito angélico como no espírito do homem. Os pecados humanos são sempre pecados do espírito, ainda que os cometa com o corpo, já que este é tão somente um instrumento daquilo que o espírito decide com seu livre-arbítrio. Assim como um menino atravessa um período da infância, o anjo que acaba de ser criado não tem experiência. O ser humano tem tentações com outras pessoas, e os anjos também as têm. O homem pode pecar por ideais tais como a pátria, a honra da família, o bem-estar de um filho. O espírito angélico também tem por trás de si grandes causas, que, mesmo sendo distintas das humanas, presumem uma complexa correlação angélica de todo esse mundo humano que conhecemos. Nós, humanos, somos também espírito, apesar de possuirmos um corpo. Só temos de olhar nosso interior para compreender como se pode cair no pecado, como se pode degradar-se. Sendo assim, os pecados dos anjos começam a nos parecer mais próximos e já não são tão incompreensíveis.
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Questão 2 Por que Deus impôs uma prova aos espíritos angélicos? Por que não concedeu a visão beatífica a todos quando os criou? Por que se arriscou a que alguns se convertessem em demônios? Deus poderia ter criado os espíritos angélicos e diretamente ter-lhes concedido a graça da visão beatífica. Isto era perfeitamente possível à Sua onipotência e não cometeria nenhuma injustiça ao fazê-lo. Porém, tinha três poderosas razões para conceder-lhes uma fase de prova antes da visão beatífica. A razão menos importante de todas era que Deus teria que dar a cada ser racional um grau de felicidade. Todos no Céu veem a Deus, mas ninguém pode gozar d’Ele em um grau infinito, isso é impossível. Só Deus usufrui infinitamente. Cada ser finito usufrui ao máximo, sem desejar mais, de modo finito. Usufrui finitamente de um bem infinito. A comparação que se pode fazer para compreender esse conceito metafísico é que cada ser racional tem um vaso, Deus preenche esse vaso até a borda, plenamente. Porém, cada vaso tem uma determinada medida. Deus, em Sua sabedoria, determinou algo especialmente inteligente: que cada um determinasse o grau de glória que usufruiria durante a eternidade (evo). Dado que isto é para sempre e é algo muito importante, Deus deixou que tal decisão ficasse em nossas mãos. Logo, já que cada um tem um grau de glória, o mais lógico é que cada um decida esse grau. O modo? Uma prova. Segundo a generosidade, o amor, a constância e demais virtudes que manifestemos nessa prova, assim nessa medida será o grau. Como se vê, é uma disposição magnífica das coisas, uma disposição em que se manifesta a sabedoria infinita de Deus. Se essa razão exposta é importante, considero que ainda é mais considerar o fato de que o único momento no qual um espírito pode desenvolver sua fé, sua generosidade para com Deus, é enquanto ainda não O vê. Depois, ao vê-l’O, será grato pelo que contempla. Porém, esse amor generoso na fé, essa confiança em Deus mesmo na obscuridade, só é possível antes da visão. Tudo será possível, menos isso. Digamos que é um aspecto do espírito que, se não
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se desenvolve antes da visão física da essência de Deus, será absolutamente impossível depois. Por isso a prova é um dom de Deus. Um dom para que em nós germine e se desenvolva a flor da fé com todos os seus frutos. Essa flor em nós não poderá nascer durante toda a eternidade, pois não poderá haver fé onde existe visão. E atrás da fé e como consequência dela vêm as virtudes subsequentes. Cada anjo desenvolveria umas mais que outras. Antes de tudo, o tempo de prova dava a possibilidade de que nasceriam e se desenvolveriam as virtudes teologais. Alguns anjos desenvolveriam mais a virtude da perseverança, outros a virtude da humildade, da súplica, etc. Claro que conceder a um ser a possibilidade de que lhe nasça a fé supõe arriscar-se que germine nesse mesmo ser não a fé, mas o mal. Deus, ao dar a liberdade, sabe que, uma vez concedida, pode desencadear ao ser o bem ou o mal. Deus cria o cosmos como quer, como deseja, segundo Sua vontade, sem nenhuma dificuldade, sem nenhum limite. Porém, o santo não se cria, faz-se a si mesmo com a ação da graça. Conceder o dom da liberdade aos espíritos supõe que possa aparecer uma madre Teresa de Calcutá ou um Hitler. Uma vez que se concede o presente da liberdade, esta vem com todas as consequências. Querer que apareça o bem espiritual supõe de antemão aceitar a possibilidade de que apareça o mal espiritual. No cosmos material não há bem espiritual, nem a menor quantidade dele. O bem do cosmos material é um bem material; a glorificação do universo físico ao Criador é uma glorificação material e inconsciente. O bem espiritual é qualitativamente superior, porém supõe necessariamente ter que admitir esse risco. Por isso a aparição do mal não foi um transtorno aos planos divinos. A possibilidade da aparição do mal já fazia parte dos planos divinos antes da criação das criaturas pensantes. De todas as maneiras, apesar de a prova ser necessária para determinar o grau de glória, a razão mais importante, a razão mais poderosa para conceder o dom da liberdade, era obter o amor de um modo livre. Sem essa prova, Deus obteria a gratidão dos seres pela glória concedida. Porém, Deus é um Ser que ama e quer ser amado. O único modo de se obter esse amor na fé, esse amor que confia, esse amor desinteressado mesmo na obscuridade própria d’Aquele que não vê, era propor uma prova. Volto a repetir que o mesmo Deus que pode
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criar milhas de cosmos somente com um ato de Sua vontade não pode criar esse amor que nasce daquele que é provado no sofrimento da fé. O amor a Deus não se cria, é uma doação por parte da criatura.
Questão 3 Por que Deus não retirou a liberdade daqueles que começaram a pecar? Por que Deus não retira a liberdade quando vê que alguém avança pelo caminho do mal? Não o faz porque realizar tal coisa suporia que tal espírito penderia para sempre ao mal. Permitir que siga fazendo o mal oferece-lhe a possibilidade de que retorne ao bem. Retirar-lhe da prova faria com que cometesse menos pecados, porém o espírito de quem foi retirada a possibilidade da prova ficaria petrificado no mal para sempre. De modo que permitir que alguém mau siga fazendo o mal dá-lhe a possibilidade de retroceder.
Questão 4 Todos os demônios são iguais? Já vimos que cada demônio pecou com uma determinada intensidade. Além disso, cada demônio pecou em um ou em vários pecados em especial. A rebelião teve sua raiz na soberba, porém dessa raiz nasceram outros pecados. Observamos isso muito claramente nos exorcismos; há uns demônios que pecam mais pela ira, outros pelo egoísmo, outros pela cólera, etc. Cada demônio tem sua psicologia, sua forma de ser particular. Há os falantes, os mais irônicos e depreciativos; em um aparece de modo especial a soberba, em outro o pecado do ódio, etc. Apesar de todos terem se afastado de Deus, uns se afastaram mais do que outros. Temos de recordar que, como nos diz São Paulo, são nove as hierarquias de anjos. As hierarquias superiores são mais poderosas, belas e inteligentes que as inferiores. Cada anjo é completamente distinto de outro. Não há raças de anjos, para usar um termo zoológico, uma vez que cada um esgota sua
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espécie. Todavia, certamente é possível agrupar os anjos em distintos grandes grupos ou hierarquias, também chamadas coros, pois esses grupos formam uma espécie de coro que entoa louvores a Deus. Seu canto, certamente, não procede da voz, já que se trata mais de um louvor espiritual que emite sua vontade ao conhecer e amar a Santíssima Trindade. De cada uma das nove hierarquias caíram anjos que se transformaram em demônios. Digamos que há demônios que são virtudes, potestades, serafins, etc. Mesmo sendo demônios, conservam intacto seu poder e inteligência. Por tudo o que dissemos, está claro que existe uma hierarquia demoníaca. Os exorcistas comprovam que entre eles há os que têm poder superior sobre os outros. Em que consiste esse poder? Impossível saber, pois não se conhece como um demônio pode obrigar outro a fazer algo dado que não existe corpo para empurrar ou forçar. Aliás, é comprovado que um demônio superior pode forçar um inferior a não sair de um corpo durante um exorcismo. Mesmo que o inferior esteja sofrendo ou queira sair, o superior pode impedi-lo. Como um demônio pode forçar outro, sendo esse intangível, é algo que, repito, escapa à nossa compreensão.
Questão 5 Zoologia e demonologia Poderíamos dizer que existe um certo paralelismo entre a zoologia e a demonologia. Pois, mesmo que cada ser angélico seja completamente diferente de qualquer outro, já que é único em sua forma 3, é possível englobá-los em grandes grupos. Quer dizer, imaginemos que de cada espécie de mamífero 3
Aqui a palavra forma é usada em seu sentido filosófico, que é diferente do sentido usual que as pessoas dão a esse vocábulo. Quando se diz que cada anjo esgota em sua forma, se quer dizer o seguinte: entre os homens, por exemplo, a forma é a mesma (a forma humana), porém o que individualiza cada ser humano é a matéria. Uma mesma forma, porém com distinta matéria. Como os anjos não têm matéria, cada anjo precisa ter uma forma distinta pa ra distinguir-se dos outros. Isto vale para todos os seres que existem sem matéria. Por isso Deus tem de ser um, e nunca poderia haver dois. A forma divina do Ser Infinito não tem matéria que o individualize. Assim, se houvesse duas formas divinas, quem as distinguiria? Seria um só ser, não pode ser de outra maneira.
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existisse um único exemplar: um só cervo, um só gamo, um só cavalo, etc. Cada qual seria distinto, mas, dentro do mundo animal poderíamos agrupá-los em uma espécie, a dos mamíferos, não por serem eles iguais, mas porque são mais semelhantes entre si do que os pertencentes à espécie dos insetos, dos peixes, etc. Esses mamíferos seriam distintos entre si, porém se poderia agrupá-los entre os que têm mais semelhança. Pois o mesmo acontece com as naturezas angélicas. Cada uma delas é distinta, mas podem ser agrupadas em grandes grupos – no caso em nove deles – segundo diz a Bíblia: Serafins Querubins Tronos Dominações Virtudes Potestades Principados Arcanjos Anjos As diferenças entre os animais são, às vezes, muito grandes, porém no mundo angélico são ainda maiores, pois a forma está livre das leis da biologia e da matéria. E, portanto, se grande é a diferença entre uma libélula e uma águia, muito maiores são as diferenças entre as naturezas angélicas. Se grande é a diferença entre uma joaninha e uma baleia azul, infinitamente maior é a diferença entre um anjo da nona hierarquia e outro da primeira.
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Questão 6 Astronomia e demonologia Existe um certo paralelismo entre a astronomia e a demonologia. O sistema solar é como uma espécie de parábola do que é Deus, os anjos e os demônios. Deus seria o Astro Rei ao redor do qual giram todos os astros do sistema solar, pois Ele é o centro. Ele ilumina todos. O restante dos planetas, asteroides e satélites seriam os santos e os anjos. O sistema de rotação dos satélites ao redor dos planetas seria a imagem da iluminação de uns seres angélicos sobre outros. Mesmo que os satélites girem em torno de um planeta, também giram ao redor do Sol. Por mais intermediações que existam, Deus sempre é o centro. Aliás, os demônios seriam como esses corpos que vão se afastando do poder de atração solar. O Sol os atrai, não deixa de atrair nunca, não deixa de iluminar, de dar calor. Entretanto, esses corpos vão-se afastando tanto (livremente) que vivem nas trevas exteriores, no frio do vazio e da escuridão. Deus continua a atraí-los a cada instante, a cada segundo. Porém, eles já estão infinitamente fora do alcance de Sua atração e Sua luz. O Sol não os priva de sua luz; eles é que preferiram a direção oposta. Muitos homens se perguntam onde está a linha divisória entre a condenação eterna e a salvação. Essa parábola astronômica traz luz sobre o tema, pois essa linha é como o limite da força gravitacional. Um pode estar muito longe, porém, se ligado pela força gravitacional ao Sol, está unido a Ele. Entretanto, mesmo que um vague completamente livre, não se trata da condenação eterna. Se vemos essa parábola astronômica sob o prisma da Terra, devemos fazer certas mudanças (acrescentar as estrelas); também podemos acrescentar certos matizes (incluir a Lua). Deus seria o Sol, a Virgem a Lua e os anjos, as estrelas. A diferença entre a luz do Sol e a das estrelas seria a imagem da diferença entre o ser de Deus e o dos espíritos angélicos. Os anjos seriam um pálido e débil pontinho de luz diante da luz cegante e irresistível de Deus. A diferença entre a luz das estrelas e a da Lua seria a diferença entre os anjos e a
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luz de Deus. Sempre se vê em passagens bíblicas que as estrelas, luminosas e muito distantes da Terra, são imagens dos seres angélicos 4.
Questão 7 Quais são os nomes dos demônios? Satã: é o mais poderoso, inteligente e belo dos demônios que se rebelaram. Chama-se Satã ou Satanás no Antigo Testamento. Sua raiz primitiva significaria atacar, acusar, ser um adversário, resistir . Satã significaria adversário, inimigo, opositor . Diabo: é como o Novo Testamento chama a Satã. Diabo vem do verbo grego diaballo, acusar. As pessoas usam a palavra “diabo” e “demônio” como sinônimos, porém, a Bíblia, não. A Bíblia sempre usa essa palavra no singular e se referindo ao mais poderoso deles. A Sagrada Escritura também o chama de o Acusador, o Inimigo, o Tentador, o Maligno, o Assassino desde o princípio, o Pai da mentira, o Príncipe desse mundo, a Serpente. Belzebu: normalmente esse nome é utilizado como sinônimo do demônio e provém de Baal-zebul que significa senhor das moscas. Aparece em 2Reis 1,2. Lilith: aparece em Isaías 34,14. A tradição judaica o considerou como um ser demoníaco. Na mitologia mesopotâmica é um gênio com cabeça e corpo de mulher, porém com asas e pés de pássaro. Asmodeu: aparece no Livro de Tobias. O termo procede do persa aesma daeva, que significa espírito de cólera. Seirim: aparecem em Isaías 13,21, Levítico 17,7 e em Baruc 4,35 e se pode traduzir como os peludos. Deriva do hebraico sa’ir , que significa peludo ou bode. Demônio: do grego daimon, que significa gênio. Na mitologia greco-romana não era necessariamente uma entidade maléfica. Porém, no Novo Testamento, esse termo sempre é usado para designar seres espirituais malignos. 4
É no âmbito dessa parábola astronômica que temos de compreender passagens como Apocalipse 12,4; Isaías 14,12-15, entre muitas outras.
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Belial ou Beliar : da raiz baal , que significa senhor . Aparece, por exemplo, em 2Cor 6,15. Apolíon: significa destruidor , aparece em Apocalipse 9,11. Sobre ele, diz-se que seu nome em hebraico é Abadon, que significa perdição, destruição. Lúcifer : é um nome extrabíblico que significa estrela da manhã. A imensa maioria dos textos eclesiásticos usa o nome de Lúcifer como sinônimo do demônio. Entretanto, o padre Gabriele Amorth considera que é o nome próprio do demônio segundo em importância na hierarquia demoníaca. Sou inteiramente da mesma opinião, e o que conhecemos pelos exorcismos nos confirmaria que Lúcifer é alguém distinto de Satã. O nome se origina por ter sido um anjo de natureza especialmente privilegiada nos Céus angélicos, antes de se rebelar e se deformar. Alguns traduzem o nome de Lúcifer como “o que porta a luz”. Essa tradução é errônea, já que a palavra em latim era luciferarius. A título de curiosidade, direi que em um exorcismo um demônio revelou que os cinco demônios mais poderosos do Inferno eram nessa ordem: Satã, Lúcifer, Belzebu, Belial e Meridiano. É segura essa hierarquia? Só Deus sabe. O que é certo, e o sabemos pela Sagrada Escritura e pelos exorcismos, é que cada demônio tem um nome. Um nome dado por Deus e que expressa a natureza de seu pecado. Outros nomes diferentes de demônios ditos por eles em exorcismos são: Perversão, Morte, Porta, Morada, etc. Outros, entretanto, dizem nomes que não sabemos o que significam: Elisedei, Quobad, Jansen, Eishelij, etc. Em alguns livros de magos e bruxas colocam-se extensas listas de nomes. Estas listas inacabáveis são tão exaustivas como inventadas. Não têm mais valor que a imaginação de seus autores. Pois alguns não só oferecem a lista dos nomes, mas também o número de demônios que povoam o Inferno. Essas descrições detalhadas das legiões infernais são puramente inventadas. Ir mais além dos breves dados da Sagrada Escritura supõe adentrar no mundo da literatura, abandonando o terreno seguro e firme da Palavra de Deus. A Teologia pode dizer muitas coisas acerca dos demônios, porém sempre de modo geral,
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trabalhando com conceitos. A Teologia, ao trabalhar com essências, nada pode dizer sobre um demônio concreto. O autor de certa lista de demônios (tão exaustiva como inventada) disse que um deles, chamado Xaphán, foi quem sugeriu a Satã que ateasse fogo no Céu, porém foram arremessados ao Inferno antes que cometessem tal ato vil. Disse, também, que esse demônio está eternamente encarregado de manter acesas as chamas do Inferno. Não há mais o que dizer a tal inventor de mitos, além de aconselhá-lo a ler esse livro, onde descobrirá que não há forma de atear fogo no Céu, nem há uma maneira de manter acesas as chamas do Inferno.
Questão 8 O tempo existe para os demônios? Sim, o tempo transcorre para os demônios. Não é um tempo como o nosso (que é um tempo material), porém, trata-se de um tempo próprio dos espíritos, chamado “eternidade” (evo) (“aevum” , em latim). A eternidade é a sucessão de atos de entendimento e vontade em um ser espiritual. Os atos da razão e da vontade se sucedem provocando um antes e um depois, um antes de determinado ato do entendimento, ou de um ato de querer algo. Desde o momento em que há um antes e um depois, há algum tipo de tempo. Portanto, quando se diz que os espíritos no Céu e no Inferno estão na eternidade, deve-se compreender essa afirmação como uma interminável sucessão temporal, uma sucessão de tempo sem fim, entretanto, com um princípio (que é quando foram criados). Somente Deus está em um eterno presente, só n’Ele não há sucessão de tempo de nenhuma forma. N’Ele não transcorreu nunca nem um segundo, nem um só antes nem depois. A eternidade de Deus é qualitativamente distinta da eternidade do tempo material (com um princípio, porém sem fim) e da eternidade do eterno (evo) (também com um princípio e sem fim). Sobre esse tipo de tempo, a eternidade do eterno (evo), São Tomás de Aquino falou, já no século XIII, na Primeira Parte da Questão X, artigo V de sua Svmma Theologica, e talvez para alguns possa parecer que seu raciocínio era excessivamente teórico. Porém, depois de haver escutado relatos de pessoas
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que passaram por experiências próximas da morte, que viveram a experiência da separação do corpo, de entrar em um túnel, etc., comprovei que, quando se perguntava a eles se havia tempo nessa experiência, se notaram o tempo transcorrer, as explicações que davam concordavam perfeitamente com o que Santo Tomás de Aquino explica sobre a eternidade (o evo) ao falar dos espíritos sem matéria.
Questão 9 Em que pensa um demônio? Todo anjo caído conserva a inteligência da sua natureza angélica, e com ela segue tomando conhecimento. Conhece e indaga com sua mente o mundo material e o espiritual, o mundo real e o conceitual. Como ser espiritual, eminentemente intelectual, não há dúvida de que está profundamente interessado pelas questões conceituais. Ele sabe muito bem que a Filosofia é a mais elevada das ciências. Inclusive sabe que a Teologia está sobre a Filosofia, porém odeia Deus. No conhecimento encontra prazer, mas também sofrimento. Ele sofre cada vez que esse conhecimento o leva a considerar Deus. E o demônio percebe continuamente a ordem e a glória do Criador em todas as coisas. Até nas coisas aparentemente mais neutras ele encontra o reflexo e a lembrança dos atributos divinos. No entanto, o demônio não sofre o tempo todo. Muitas vezes, simplesmente, pensa. Sofre apenas em certos momentos, quando se lembra de Deus, quando volta a ter consciência de seu estado miserável, de sua separação de Deus, quando lhe atormenta a consciência. Umas vezes sofre mais e outras menos, pois seu sofrimento não é uniforme, entretanto estas variações se dão segundo a intensidade que marca a deformidade moral de cada demônio. Seria horrível pensar nos demônios como seres permanentemente em sofrimento, em cada instante, em cada momento. A separação de Deus produz sofrimento por toda a eternidade, mas é o sofrimento de uma máquina de tormento em ação constante. O demônio nem sempre está a tentar, nem sempre está contorcido de dores espirituais.
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Questão 10 Qual a linguagem dos demônios? A linguagem dos demônios é exatamente a mesma que a dos anjos. Os an jos não necessitam nenhuma língua, nenhum idioma para comunicar-se entre si, pois o fazem com espécies inteligíveis. As espécies inteligíveis são os pensamentos que se transmitem entre eles. Nós nos comunicamos por meio das palavras; eles se comunicam diretamente pelo pensamento em estado puro, sem necessidade de mediações sensíveis ou de signos. As espécies inteligíveis podem ter comunicação de pensamentos, de imagens, de sentimentos, etc. A transmissão dessas espécies inteligíveis é telepática, produz-se à vontade e pode dar lugar a diálogos como os que temos. As inteligências humanas comunicam nossos pensamentos por meio de palavras, que são sinais, enquanto os espíritos podem transmitir entre si o pensamento em estado puro.
Questão 11 Onde estão os demônios? Tanto as almas dos condenados como os demônios não podem situar-se nas coordenadas do espaço. Tampouco se pode dizer que estão em outra dimensão. Que significa estar ou não em outra dimensão para o espírito? Simplesmente não estão em nenhum lugar. Existem, porém não estão nem aqui nem ali. Dizemos que um demônio está em determinado lugar quando ele atua em determinado lugar. Se um demônio está tentando alguém aqui, significa que ele está aqui. Se um demônio possui um corpo ali, ele está ali. Se um demônio move uma cadeira em um fenômeno poltergeist , dizemos que está naquele lugar concreto. Porém, na realidade, não está ali, simplesmente está atuando naquele lugar. O Inferno, o Céu e o Purgatório são estados. Depois da ressurreição, os corpos dos condenados estarão em um lugar concreto e, por isso, o Inferno será um lugar. Os corpos dos bem-aventurados também ocuparão um lugar.
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Por isso a Bíblia diz: “…e vi um Céu novo e uma Terra nova” ( ( Ap 21,1). Ali os Ap 21,1). bem-aventurados habitarão na Terra restaurada de novo depois da destruição que narra o Apocalip o Apocalipse se.. E se os bembem-aven aventurados turados habitarão corporalment corpora lmentee esta Terra, onde estarão os homens condenados? Nada se pode afirmar com segurança. Alguns A lguns pensam pensa m que seu lugar estará no centro desse mesmo mundo. mundo.
Questão 12 Conhecem o futuro? Eles não veem o futuro, porém, às vezes, podem conjecturá-lo. Com sua inteligência, inteligên cia, muito superior superior à humana, podem deduzir pelas causas alguns a lguns fatos que sucederão no porvir. O que pertence somente à liberdade humana está indeterminado, e eles não têm conhecimento. Não sabem o que eu decidirei livremente. Porém, com sua inteligência superior, veem os efeitos das coisas onde nós não veríamos nada. Sem dúvida, há ocasiões em que eles sabem com toda segurança o que acontecerá, algo que nem o mais inteligente dos humanos poderia suspeitar, por mais que analisasse os fatores que estão no presente. prese nte. Em outras ocasiões, nem uma natureza angélica da maior hierarquia poderia deduzi-lo. deduzi-lo. A liberdade humana é um grande g rande fator de indeterminação em suas previsões.
Questão 13 Um demônio pode fazer algum ato bom? O demônio não está sempre fazendo o mal; muitas vezes, simplesmente, pensa. E nisso não realiza mal algum, é um mero ato de sua natureza. Aliás, o demônio demônio não pode fazer faz er atos morais sobrenaturais. sobrenaturais. Ou seja, não pode fazer um ato de caridade, de arrependimento sobrenatural, de glorificação sincera a Deus, etc., pois para tais atos se necessita de uma graça sobrenatural. Pode glorificar a Deus, porém, à força, não porque queira fazê-lo. Pode arrepender-se de ter se afastado de Deus, mas, sem pedir perdão, repelindo somente o mal que lhe sobreveio dessa ação, sem a dor de ter ofendido a Deus. E assim,
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com sua inteligência e sua vontade, é capaz de fazer muitos outros atos naturais. Entretanto, o demônio nunca mostrará a mínima compaixão, nem o menor ato de amor. Seu coração somente odeia, é insensível ao sofrimento dos demais.
Questão 14 O demônio pode experimentar algum prazer? O demônio não sente com nenhum de nossos cinco sentidos. Sente somente com sua inteligência e sua vontade. Só goza com a sua inteligência e a sua vontade. Pode parecer pouca pouca coisa, mas não é. Os prazeres intelectuais podem ser tão variados quanto os de nossos cinco sentidos. Na realidade, são muito mais variados. O gozo que nos proporciona proporciona uma ópera, uma sinfonia, uma partida par tida de xadrez ou um livro são prazeres eminentemente espirituais, uma vez que essa informação penetra em nosso espírito por meio de aparênci aparências as sensíveis. O mundo espiritual visto por nós através desse nosso mundo pode parecer sem sabor, sem cor, entediante, porém isso é um erro. O mundo espiritual é muito mais variado, var iado, rico e deleitável deleitável do que nos oferece o cosmo material. Os demônios demônios gozam dos prazeres, pois suas su as duas potências espirituais espiritua is (conhecimento e vontade) estão intactas. A ação de sua natureza ficou intacta apesar do afastamento de Deus. O que não podem fazer é amar a nada com amor sobrenatural. sobrenatural. A capacidade de amar foi aniquilada a niquilada na psicologia do demônio. Ele conhece o amor, porém não ama. O prazer que sente ao ter êxito em fazer um mal é exatamente o mesmo que sente uma pessoa na Terra ao vencer ven cer seu inimigo. Trata-se Trata-se de um prazer cheio de de ódio, sem sossego. sossego.
Questão 15 O demônio é livre para fazer mais ou menos mal? O demônio faz o mal ma l quando quer, quer, nada o obriga a fazê-lo. É um ser livre, suas ações ficam f icam a cargo ca rgo de sua vontade. vontade. Deseja fazer o mal, e para pa ra consegui-lo, terá de tentar. Porém, Porém, para tentar tenta r, terá que insisti insis tir. r. Uns Uns demônios insistem insi stem
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mais, outros desistem antes. Há demônios mais firmes e alguns mais preguiçosos. Há demônios que pelo ardor de sua cólera perseguem as almas como verdadeiros ver dadeiros predad predadores. ores. Outros estão abatidos numa espécie de depressão e não possuem tanto ódio para constantemente estarem perseguindo almas. Mas aqui falamos de vontades, já que todos odeiam a Deus e todos são caçadores dor es de almas. al mas.
Questão 16 Quais são os mais malignos de todos t odos os demônios? Poderia parecer que os demônios mais perversos têm de ser os de maior hierarquia, mas não é assim. Não há relação entre natureza e pecado. Uma natureza angélica da última ú ltima hierarquia pode ser muito mais perversa per versa que a de um anjo superior. O mal que pode cometer um ser livre não depende da inteligência nem do poder que possui. Colocamos como exemplo exemplo de malignidade ma lignidade o chefe da SS5 nazista, Heinrich Himmler. Poré Porém, m, não pode ser que algum de seus subordinados fosse pior? Certamente que sim. Entre os homens vemos que pode existir alguém menos inteligente em um posto muito menor, mas muito mais perverso que um grande ditador. E o dito para o mal vale para o bem. Um Um anjo da última hierarquia h ierarquia pode exercitar exercitar mais suas virtudes vi rtudes que um da mais alta hierarquia. Da mesma maneira que uma velhinha humilde sem estudos, que se dedicou aos serviços domésticos durante sua vida toda, pode ser mais santa que um arcebispo ou um sumo pontífice. Umaa pergunta interessante que surge de tudo isso é se a hierarquia que nos Um fornece a Bíblia Bíblia (anj (anjos, os, arcanjos, a rcanjos, principados… principados…)) é uma hierarquia h ierarquia da graça g raça ou da natureza. Ou seja, os serafins são os mais santos ou só os mais poderosos; é deles que mais brilha o fu fulgor lgor da inteligência. inteligência. Considero Considero que se trata de uma hierarquia segundo a natureza, pois as descrições visuais dos quatro viventes ao redor do Cordeiro (os anjos de maior hierarquia) transmitem a impressão de poder e conhecimento, tal qual os nomes das nove hierarquias. Os nomes de “ principado principado”” ou “ potestade potestade””, para citar dois exemplos, indicam mais poder. Além disso, é mais simples fazer hierarquia da natureza do que da graça. 5
SS é a sigla de Schützsta Schützstaffel, ffel, a “Tropa de Proteção” nazist nazista. a.
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PARTE II
A tentação e � peca�� Questão 17 Por que pecamos? A tentação é a situação em que a vontade tem de escolher entre duas opções, sabendo que uma opção é boa e a outra má, porém se sente atraída para a última. Sabe que se trata da má, mas, por alguma razão, sente atração para ela. O erro de cair na tentação não é falta de inteligência, não é um problema de debilidade da razão, pois se não soubesse que essa opção era a má, pecaria por ignorância e, portanto, não pecaria. Para pecar a pessoa deve saber o que está escolhendo. Não existe pecado sem má consciência. Isso é o que faz o pecado tão interessante do ponto de vista intelectual: por que escolhemos o mal sabendo que é mal? É um verdadeiro mistério. Uma resposta simples, que não é falsa, mas que tampouco explica o assunto, é contestar que pecamos por debilidade; o que é certo, mas também é certo que não somos tão débeis para não resistirmos. Se não fôssemos fôssemos capazes de resistir, aí não haveria pecado. Não teríamos escolha. Se existe pecado é porque podemos escolher. E sabemos por experiência que escolhemos o que queremos. Se queremos fazer algo, nada nem ninguém nos pode obrigar a querer outra coisa. Logo, por mais débeis que sejamos, sempre é possível resistir. Como se vê, não podemos nos desculpar nem pelo campo ca mpo da intelig i nteligência ência nem pelo da vontade. Fazemos o mal porque queremos. Poderíamos dizer que cometemos o mal pelo bem que conseguimos com ele. Mas devemos nos lembrar que a inteligência percebe que esse bem é uma
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maçã envenenada. Percebe que é um “pseudobem”, que acarreta mais mal que o bem que possui. Por isso, por mais desejável que nos pareça esse bem, a consciência nos diz: “Não deves escolher essa opção”. Assim dizer que fazemos o mal porque nos parece um bem é bem é certo, mas também ta mbém é igualmen igual mente te certo que sabemos sabemos que esse bem oferecido oferecido é, no final fina l das contas, um u m mal. De modo que a explicação de que fazemos o mal pelo bem que nos oferece, é uma explicação adequada, é algo que nos ajuda a compreender o pecado, mas não o explica completamente. Talvez nunca possamos, enquanto estivermos na Terra, explicar completamente esse mistério da maçã envenenada que comemos cientes do veneno.
Questão 18 Quantas tentações procedem do demônio? Não há nada que possa dizer quantas tentações procedem do demônio e quantas de nosso interior. Mas parece razoável pensar que a maior parte das tentações procede de nós mesmos. Não necessitamos de ninguém para sermos tentados. Basta a liberdade para poder usá-la mal. Basta ter de tomar uma decisão em uma eleição para optar conscientemen conscientemente te pela decisão errada. Conscientemente, sem paliativos, sem poder culpar a ninguém, a não ser a nós mesmos. É certo que o demônio tentou a primeira mulher. Mas sem o demônio poderíamos pecar igualmente. A tentação não necessita dele; ela basta a si mesma. Se não, quem tentou o demônio?
Questão 19 Podemos ser tentados tent ados além de nossas possibilidades? possibilidades? O ser humano é fraco. Sendo assim, Deus cuida de nós como de crianças. Porr isso diz Po di z a Bíblia Bíblia:: “Não tendes sido provados além do que é humanamente suportável. Deus é fiel, e não permitirá per mitirá que sejais provados acima de vossas forças. Pelo contrário,
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junto com a provação ele providenciará o bom êxito, para que possais supor tá-la” (1Cor 10,13).
Que a tentação deve ser permitida por Deus é algo que aparece de maneira muito clara no Livro de Jó. Porém, em outro lugar da Bíblia, justo antes da Paixão, Jesus diz a São Pedro: “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo” (Lc 22,31).
“Pediu permissão”, logo a crença da tentação deve ser permitida. Não afirmar essa doutrina significaria que estamos nas mãos de um destino cego e que qualquer um, por mais fraco que for, pode ser tentado com um poder e uma intensidade acima das forças que tem para suportar. Portanto, a mensagem é tão clara como tranquilizadora: Deus, como Pai que é, vela para que nenhum de Seus filhos se veja pressionado mais do que pode suportar. De tudo isto se percebe a sabedoria que há por trás do velho ditado: Deus aperta, mas não afoga.
Questão 20 Por que o diabo tentou Jesus? O diabo sabia que Jesus era Deus, sabia, portanto, que era impossível que pecasse. Por que O tentou então? E mais, sabia que o feito de resistir a qualquer tentação O santificaria mais como Homem. E que, portanto, o demônio, ao tentá-l’O na realidade, por fim e sem querê-lo, se converteria em instrumento de santificação de Jesus. Por que então fazer algo inútil e que serviria para o bem? A resposta é simples: o diabo não pôde resistir. A tentação foi demasiadamente grande, mesmo para o diabo. Tentar a Deus! Não podia deixar escapar aquela ocasião. Sabia que era impossível fazê-l’O pecar, porém não pôde resistir à tentação de tentá-l’O. A situação era como a do fumante que sabe o mal que o cigarro faz, mas não pode deixar de fumar. Assim, o diabo sabia que tentá-l’O era um erro, porém caiu na tentação. A criatura tentando Deus! Era lógico que cairia no erro de tentar, pois para resistir a tal tentação o
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demônio teria necessitado da virtude da fortaleza. E qualquer coisa podemos pedir ao demônio, menos virtude. Da mesma maneira, às vezes, os demônios fazem coisas que a longo prazo os prejudicam, porém não resistem a fazer um mal agora, ainda que, contendo-se, poderiam conseguir um mal maior depois. Por tudo isso se vê que até o demônio sofre tentação. Tentação que procede do seu próprio interior.
Questão 21 O demônio sabe que Deus é impecável? Sabe-o perfeitamente, tão bem como o melhor dos teólogos, não tem a menor dúvida disso. Não obstante, quando o demônio tentou a Deus feito Homem, tentou se autoconvencer de que, talvez, não fosse tão bom como acreditava. Talvez Deus fosse fraco, talvez houvesse algum calcanhar de Aquiles na Divindade que o demônio desconhecia. Se fizesse cair algo na Perfeição, a Perfeição se desmoronaria. Conseguir que Deus pecasse parecia impossível, porém tinha de tentar. Se conseguisse desagradar a Deus, o demônio não seria um pecador, pois o bem e o mal não existiriam. Bastava um único pecado venial da Santíssima Trindade para que a linha divisória entre o bem e o mal ficasse desfigurada para sempre, para que pudesse afirmar que, na realidade, nunca existira. Porque a santidade de Deus era a garantia dessa divisão. Se Deus pecasse apenas uma vez durante toda a eternidade, já não seria Deus. Já não haveria garantia alguma dessa distinção; nem garantia, nem fundamento. A própria inteligência do demônio lhe dizia que tal empreitada seria impossível, mas seu desejo o levou a deformar seus próprios pensamentos. Precisava tentar o impossível.
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Questão 22 É possível distinguir as tentações que procedem de nós mesmos das tentações do demônio? A tentação que provém do demônio não se distingue em nada dos nossos próprios pensamentos, já que o demônio tenta infundir em nós espécies inteligíveis. Ou seja, o demônio introduz em nossa inteligência, memória e imaginação objetos apropriados a nosso entendimento que em nada se distinguem dos nossos pensamentos. Uma espécie inteligível é justamente isso, o que há em nosso pensamento quando exercitamos a ação de pensar. Imaginar uma árvore, resolver uma equação matemática, desenvolver um raciocínio lógico, compor uma frase, tudo isso são espécies inteligíveis. Nós as produzimos no interior do nosso espírito racional, porém um anjo também pode produzi-las e comunicá-las silenciosamente. Comunicamos nossas espécies inteligíveis, sobretudo, pela linguagem, ainda que também possamos fazê-lo, por exemplo, com a pintura ou a música. Porém, sempre por um meio externo, enquanto o anjo pode transmitir essa espécie sem necessidade de meio algum. Por isso não existe maneira de distinguir o que vem de dentro de nós, de um anjo, de um demônio ou de Deus diretamente. Pois bem, as pessoas que levam muitos anos esforçando-se na vida espiritual, com uma vida de oração muito intensa, podem advertir que há tentações que aparecem com uma intensidade bastante surpreendente e com uma estranha persistência sem que tenha motivo para isso. Por exemplo, a leitura de um livro contra a fé produz tentações contra a fé, é lógico; porém, se essa tentação aparece logo no início muito intensa e persiste durante semanas, pode ser sinal de que seja uma tentação do demônio. Não é uma certeza. De modo geral, as tentações sem causa razoável, muito intensas e persistentes, podem proceder do demônio. No entanto, com essas características tão vagas nunca podemos estar cem por cento seguros. A nós sacerdotes chegam pessoas de intensa vida de oração e que, sem jamais haver tido nenhum problema psicológico, sentem desejos de blasfemar
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contra Deus ou de pisar num crucifixo, por exemplo. Se essas perturbações são crônicas, é razoável pensar que têm sua origem em uma enfermidade. Porém, se sua aparição é repentina e a pessoa parece ter mente sã, existe razão para suspeitar que sejam tentações procedentes do demônio. O psiquiatra que tiver lido essa explicação, seguramente pensará que o descrito se deve a um processo de ação-reação. A tais psiquiatras queremos dizer que conhecemos perfeitamente esses mecanismos do subconsciente, porém também os recordamos de que o demônio existe. E sua existência fica mais evidente quando a tentação obsessiva desaparece prontamente sem jamais voltar a aparecer. As tentações do demônio nunca são crônicas. E, por veementes que sejam, quando desaparecem, não deixam a mais leve sequela na psique que as padeceu.
Questão 23 O que fazer diante da tentação? Repeli-la de pronto. A tentação nada pode nos fazer se a repelimos; se não dialogamos com ela, é inofensiva. Porque desde o momento em que dialogamos com ela, em que ponderamos os prós e os contras do que nos diz, em que consideramos o que nos propõe, desde esse instante nossa fortaleza se enfraquece, nossa oposição se debilita. Uma vez iniciado o diálogo, necessitamos de muito mais força de vontade para repeli-la. Outra coisa que nós confessores observamos, é que alguns penitentes, muito devotos, às vezes se agoniam diante de certas tentações que os empurram a cometer grandes pecados. Essas pessoas, devotas e religiosas, não explicam como lhes vêm esses pensamentos e, além disso, se sentem muito culpadas; culpadas e impotentes. Tendo compreendido o que é uma espécie inteligível infundida por um demônio, compreende-se que o melhor modo de trabalhar contra ela é ignorá-la, fazer justamente o contrário do que nos propõe ou se pôr a rezar. Desesperar-se não serve para nada. Então, se um não se desespera, aquele que se desespera é o demônio.
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O demônio nos pode introduzir pensamentos, imagens ou recordações, porém não pode introduzir-se em nossa vontade. Podemos ser tentados, mas ao final fazemos o que queremos. Nem todos os poderes do Inferno podem forçar alguém a cometer o mais leve pecado.
Questão 24 O demônio pode ter alguma tática para nos tentar? O demônio é um ser inteligente, não é nenhuma força ou energia. Portanto, devemos compreender que a tentação tende a ser um diálogo. Um diálogo entre a pessoa que resiste e o tentador. Se a pessoa resiste a considerar a tentação, essa não será mais que a insistência por parte do demônio, porém sem resposta de nossa parte. O demônio pode estar ao nosso lado durante muito tempo, analisando-nos, conhecendo-nos e tentando-nos, atacando-nos em nosso ponto mais fraco. O demônio pode ser extraordinariamente pragmático, ou seja, sabe quando tem suas possibilidades de êxito, por isso tenta somente quando sabe que tem alguma possibilidade. Se ele percebe que uma pessoa não vai cometer um pecado grande, pode tentar para que cometa algo menos grave. Se ele sabe que nem sequer isso pode conseguir, tenta só para que cometa alguma imperfeição, nem sequer um pecado. E dentro do campo da imperfeição, ele tentará aquilo que sabe que é possível. Por exemplo, ele sabe que tentar a gula a um asceta pode ser perda de tempo. Porém, o demônio sabe talvez que tem maiores possibilidades de êxito se tentá-lo a exceder-se no jejum. E se vê que por esse caminho tem êxito, começará a tentá-lo para que se exceda no jejum de um modo que mais favoreça sua soberba ou de um modo que seja pior para sua saúde, etc. Outro exemplo: é sabido que não tem sentido tentar a uma monja para que deixe a oração; o que vê com melhor possibilidade é tentá-la para que prolongue o tempo de oração em detrimento do trabalho que tem obrigação de fazer. Em outras ocasiões, o demônio atua de maneira mais realista e procura conseguir que a alma creia que já não tem mais que obedecer seu confessor,
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já que é um homem menos espiritual que ela mesma. O demônio não tenta de qualquer maneira, mas analisa e ataca onde vê que tem alguma possibilidade. E, no geral, ele tem alguma possibilidade onde justamente o homem virtuoso crê que tem menos possibilidades. Coloquei exemplos de tentações dirigidas a homens de oração e ascéticos, porque o homem entregue ao pecado é um homem sem proteção, sem a proteção das virtudes. Sem essas couraças, todo seu espírito apresenta múltiplos flancos desguarnecidos, expostos à ação das tentações. Se Deus não protege essas almas, qualquer uma delas pode ser combustível do fogo de suas próprias paixões, ajudado pela ação dos demônios. Por isso pedimos no Pai-nosso que nos livre do mal . Isto demonstra que, mesmo dispondo da liberdade para resistir, convém que peçamos ao Criador que nos proteja. Por essa razão, Deus nos colocou um anjo da guarda, para que as inspirações malignas sejam compensadas pelas inspirações do bem. Além disso, se alguém é tentado e ora, a tentação desaparece. Ela é incompatível com a oração. A oração cria primeiro uma barreira contra a tentação, pois nossa vontade e nossa inteligência se centram em Deus. E, se insistirmos um pouco mais, o demônio não poderá resistir e fugirá.
Questão 25 Deus pode tentar? “Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: ‘É Deus que me tenta’, pois Deus não pode ser tentado pelo mal e tampouco tenta a alguém” (Tg 1,13).
Este versículo nos ensina duas coisas: a primeira, que Deus não pode ser tentado. O que se pode oferecer como tentação a Deus que Ele já não O tenha? Que desfrute, que prazer, que gozo Ele já não possui? Em Deus a tentação é metafisicamente impossível, pois não tem nada a oferecer-Lhe. A segunda coisa que nos ensina esse versículo é que Deus não tenta ninguém. Deus é bom, por isso não pode tentar ao mal. Deus só pode conduzir
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para o bem, nunca nos apresentará o mal como bem, nunca nos induzirá ao erro. Se Deus não pode ser tentado, por que o demônio tentou Jesus? Porque Deus feito Homem poderia, sim, ser tentado. Do mesmo modo, é impossível para Deus sofrer, mas Deus encarnado pôde sofrer.
Questão 26 Por que Deus permite a tentação? Se Deus não tenta, por que a permite? Teremos a resposta no versículo que diz: “Considerai uma grande alegria, meus irmãos, quando tiverdes de passar por diversas provações, pois sabeis que a prova da fé produz em vós a constância” (Tg 1,2-3).
Se não existisse a tentação, não poderia haver essa constância da virtude que resiste sempre contra toda sedução tentadora. Dito de outro modo, existem determinados tipos de virtudes que jamais existiriam sem ter antes resistido à tentação. Isto nos leva a pensar o seguinte: Deus poderia ter contido os demônios de maneira que nunca pudessem interferir na história dos homens. Porém, Deus sabia que os demônios, mesmo se por um lado fossem causa de males, também seriam uma oportunidade de maiores bens, pois fariam com que a virtude fosse mais valiosa. De um certo modo, poderíamos dizer que aceitou a possibilidade de que haveria mais obscuridade neste mundo se conseguisse com isso que a luz fosse mais pura e luminosa. Do contrário, bastaria uma simples ordem de Deus para que nem um só demônio pudesse entrar jamais em contato com algum ser humano. Logo, se permitiu esse contato, é porque sabia que disso se viriam bens.
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Questão 27 O que é a morte eterna? Um espírito (como uma alma) é indestrutível, não sofre rupturas, não sofre desgastes, não pode ser dividido. O espírito não pode morrer. Continuará existindo independentemente dos pecados que cometa, e, por mais que queira morrer, a vida permanecerá com ele. Porém, o que queremos dizer com “pecado mortal”, “morte eterna” e outras expressões similares é que a vida sobrenatural de uma alma ou espírito pode, sim, morrer. O pecado mortal acaba com a vida sobrenatural. O espírito segue existindo, mas com uma vida meramente natural. A vontade e a inteligência com todas as suas potências seguem operando. Mas não há mais a vida da graça. O espírito, enquanto estiver sem a graça, estará como um cadáver. Essa expressão pode parecer hiperbólica, mas é exata. O espírito que peca mortalmente é como um cadáver inanimado, inanimado pela graça santificante. Desde esse momento, só vive para a natureza e por sua natureza. Seu espírito está desprovido de sobrenatureza. Desde o momento em que a graça deixa de vivificar um espírito, como o que sucede com um corpo que já não está vivificado por uma alma, começa a corrupção. Assim como um corpo começa a transformar-se em corrupção, assim o espírito começa a corromper-se, à medida que sua vontade vai cedendo. São muitos os homens que vivem só para a natureza de seu ser, esquecendo-se completamente a sobrenatureza que Deus lhes daria de bom grado. O nível de corrupção varia muito segundo a pessoa. Mas se pudéssemos nos aproximar de alguns desses espíritos, veríamos que são verdadeiros cadáveres, que expelem um mau cheiro como aqueles em avançado estado de decomposição.
Questão 28 Qual é o processo que leva à morte eterna? “Antes, cada qual é tentado por sua própria concupiscência, que o arrasta e seduz. Em seguida, a concupiscência concebe o pecado e o dá à luz; e o pecado, uma vez maduro, gera a morte” (Tg 1,14-15).
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O Apóstolo São Tiago descreve em dois versículos com uma incrível profundidade, do início ao fim, o processo que produz a morte da alma. O pecado não se produz sem motivo, nem de súbito, nem é algo que surge abruptamente diante de nós sem que tenhamos culpa, uma vez que há, como bem descreve o Apóstolo, todo um processo. A tradução do grego destes dois versículos deve ser muito precisa para não perder as matizes que existem nos verbos. O processo descrito é o seguinte: As paixões ↓
Gestação do pecado ↓
Dá-se à luz o pecado ↓
O pecado recomeça uma gestação ↓
Dá-se à luz a morte A imagem de uma mulher gestando em seu ventre, durante meses, uma criança é a imagem da pessoa que gesta a iniquidade em seu interior. O pecado aparece em um dado momento, em um momento concreto, um segundo antes não existe o pecado, um segundo depois, sim. Mas esse pecado se produz, vem à luz porque antes houve uma prévia gestação. E assim como no mundo da zoologia, quanto mais longa é a gestação, maior é o que se dá à luz; assim também no campo espiritual: quanto maior é o pecado, maior é a gestação necessária para dar esse passo. Aqui está a resposta à pergunta que tantas pessoas se fazem sobre como é possível que tal indivíduo tenha cometido tal barbaridade. Nenhuma barbaridade moral aparece sem um processo que, ainda que oculto aos olhos dos demais, se vai desenrolando no interior da pessoa.
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O Apóstolo São Tiago usa a expressão “dar à luz” porque o pecado realmente foi “concebido” e “gestado” previamente. A sedução e a vontade atuam como o espermatozoide e o óvulo. A paixão trata de abrir caminho, de penetrar na vontade. Porém, se esta não a acolhe, a sedução fica estéril, não produz nada. Enquanto a vontade se fecha, nem milhares e nem milhões de espermatozoides conseguirão penetrar em seu seio. Se a vontade acolher a sedução, ocorrerá irremediavelmente a concepção do pecado. Mesmo assim, o pecado pode ser eliminado. Caso isso não aconteça, ele se reproduzirá. O pecado resulta em mais pecado, reproduz-se, aumenta em quantidade, muda qualitativamente, transformando-se em faltas piores. Se o primeiro pecado tem um processo anterior, o pecado que se deixa nascer também começa um novo processo, o qual leva à morte: a morte da alma. E a morte da alma leva à morte eterna. A alma invadida pelo pecado é como uma alma morta, pois não tem vida sobrenatural dentro de si. E se a alma morta decide permanecer até o final nesse estado de corrupção, está destinada à morte eterna, à condenação. Conhecer tudo isso nos leva a valorizar ainda mais a ação sobrenatural da graça divina, que em qualquer momento desse processo (enquanto ainda não ocorreu a morte eterna) pode vivificar a alma. O perdão de Deus não é somente perdão, mas vivificação. E o que já disse aqui para o pecado e as paixões, vale, só que ao contrário, para a graça e a virtude. A vida em Cristo é um processo, uma vida que se desenvolve.
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PARTE III
A �ção d� demônio no homem e na na�ureza Questão 29 Que diferença existe entre natural, preternatural e sobrenatural? Estes três termos são usados de forma bastante equívoca nos sermões. No entanto, o significado de cada um destes termos é preciso e inequívoco. Natural : é a atuação que se adequa ao trabalho da natureza. Se subentende, ao falar da natureza, que nos referimos à natureza do universo material. Preternatural : é a atuação que vai além das obras da natureza do universo material. O que é fruto da atuação de uma natureza angélica ou demoníaca é preternatural. A palavra provém de praeter naturam, mais além da natureza. Sobrenatural : é a atuação que vai além de qualquer natureza criada. Essa forma de trabalhar é própria de Deus somente. A natureza material pode realizar coisas surpreendentes, porém sempre segundo as leis do cosmo material. Os demônios podem fazer levitar um objeto no ar, transformar algo instantaneamente, etc. Eles podem fazer coisas que vão mais além das possibilidades do mundo material, porém não podem atuar além das leis da sua natureza angélica, pois não podem tudo, nem sequer no mundo material. Deus, entretanto, é capaz de criar um órgão do nada; um demônio não poderia.
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Estas diferenças também são válidas nas coisas que acontecem em nossa alma. Por exemplo, uma bela paisagem pode recordar a beleza de Deus, é algo natural. Porém, um anjo ou demônio podem enviar diretamente inspirações para nossa mente. Deus vai mais além, pode enviar graças espirituais (de arrependimento, de ação de graças, etc.) ao mais profundo de nosso espírito, produzindo mudanças radicais em um segundo. Toda a atuação da graça é sobrenatural. E a graça sempre é enviada diretamente por Deus.
Questão 30 Os demônios aumentam seu castigo pelo mal que causam aos homens? Já dissemos que cada demônio é livre para fazer mais mal ou menos mal contra os homens. Parece lógico, então, que isso acarrete algum tipo de castigo suplementar. Nunca pensei que o Juízo Final representasse algo além de uma proclamação pública de sua pena, porém, segundo o que aprendi nos exorcismos, parece que o Juízo Final será algo mais que uma mera declaração solene, pois, pelo que dizem os demônios, terão que dar conta do que fizeram contra os homens ou contra Deus até o momento em que estiverem totalmente fora do nosso caminho e destino. No Juízo Final nenhum condenado deixará de estar condenado, todos terão de prestar contas do mal infligido no exercício de sua liberdade.
Questão 31 É possível fazer um pacto com o demônio? As pessoas podem pensar que os pactos com o demônio só existem na literatura, mas estão equivocadas. Há pessoas que conscientemente pactuam com o demônio e lhe entregam a alma para conseguir algo nessa vida. A ideia de um pacto formal com o demônio aparece pela primeira vez no século V, nos escritos de São Jerônimo. Esse padre da Igreja conta como um jovem recorreu a um mago para obter favores de uma bela mulher, e como aquele lhe impôs
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como pagamento por seus serviços a renúncia a Cristo, por escrito. Uma segunda aparição desse tipo de pacto encontramos no século VI, na lenda de Teófilo; que aceita ser um servidor do demônio e assina um pacto formal. Essa lenda se expandiu pela Europa durante a Idade Média. É possível um pacto com o demônio. Certamente, uma pessoa pode assinar um papel, porém não vai se apresentar ao demônio nem para entregar-lhe o papel, nem para recolhê-lo. Quando uma pessoa faz um pacto desse tipo, sempre espera que apareça alguém, mas é ele mesmo quem tem de escrever os termos. Uma vez firmado o pacto, não lhe aparece nada, algo que pegue o papel nas mãos. Tudo isso deve ser muito desanimador para quem esperava que lhe sucedesse algo. Ainda assim, se alguém invoca repetidas vezes o demônio, coisas podem lhe acontecer. A essa cena tão pouco teatral, tão decepcionante para quem acreditava haver alguma aparição, deve-se avisar: I – Firmar um pacto não significa obter uma vida de riquezas, honras e luxúria desenfreada. Eu conheci pessoalmente duas pessoas que fizeram esse pacto e, francamente, seu nível de vida ficou pior. Tampouco parece que o demônio fosse especialmente generoso com eles no aspecto carnal. Isso acontece porque o demônio não é Deus nem pode dar tudo aquilo que quer; II – A alma pode arrepender-se sempre que quiser com um simples ato de sua vontade. Arrependendo-se, o pacto se desfaz como papel molhado, sejam quais sejam os termos do contrato. Inclusive, mesmo se houve a inclusão de uma cláusula contra a possibilidade de arrependimento, essa não serve para nada. Deus, que nos deu a liberdade para fazer o que quisermos, não nos deu liberdade para renunciar à liberdade. Isto é válido também na eternidade, no Céu ou no Inferno, onde seguiremos sendo livres. Quem está no Céu já não quer mais pecar, e quem está no Inferno já não quer arrepender-se. Muitos pensam que o demônio pode proporcionar o triunfo nos negócios. Porém, a razão pela qual o demônio não pode conceder nem ao menos isso aos seus servos é porque o êxito no trabalho depende da combinação de muitas causas e fatores. O demônio só pode tentar, por exemplo, um chefe que escolha um empregado em vez de outro. Mas a tentação pode ser superada, portanto, nem uma coisa tão simples como essa é segura em um pacto com o demônio.
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O grande poder do pacto com o demônio é fazer a pessoa pensar que já está condenada, faça o que fizer. É difícil fazer uma pessoa que firmou um pacto com o demônio continuar sendo livre como antes. Porém, é assim.
Questão 32 O demônio pode provocar uma enfermidade mental? Sim, o demônio pode tentar, também pode fazê-lo de forma contínua, intensa, sem cessar, e tratar de provocar tanto uma obsessão ou uma fobia, quanto uma depressão ou outras enfermidades. Costumamos dizer que pode transmitir espécies inteligíveis, transmiti-las com tal frequência que perturbaria seriamente a vida normal da pessoa, ao ponto de desequilibrá-la. Mas Deus impede sua livre ação sobre nós. Toda ação do demônio sobre os homens deve ser permitida por Deus. Acrescento, ainda, à questão inicial: podemos contrair uma enfermidade mental sem a intervenção do demônio? A resposta seria exatamente a mesma: sim, se Deus permitir. Essa é uma resposta de caráter quase universal, mas por mais abrangente que seja – na verdade, quase tudo cabe nela –, temo muito que não exista outra resposta para essa pergunta. Conhecido o mecanismo interno utilizado para provocar a tentação – a infusão de espécies inteligíveis em nossa inteligência, memória e imaginação –, esse modus operandi também pode ser usado de modo tão persistente que desequilibre a pessoa. Está no domínio do poder do demônio fazê-lo. A única coisa que pode impedi-lo é a vontade de Deus. No entanto, Ele sempre o impede? Certamente que não. Se Deus nem sempre impede a ação das causas naturais que provocam a enfermidade, tampouco impedirá sempre a ação do demônio. Entretanto, nessa área de atuação do demônio, para além do campo da tentação, o desempenho dele é excepcional. Toda doença mental é proveniente de causas naturais, até que se prove o contrário. De outro modo, se pusermos de um lado uma pessoa enferma de causas naturais e de outro uma pessoa
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com enfermidade mental de causa demoníaca, não haveria uma maneira de distinguir uma da outra, porque só vemos o efeito externo.
Questão 33 O demônio pode provocar doenças no corpo? Primeiramente, devemos deixar claro que as doenças aparecem devido a causas naturais. Pensar que as doenças têm suas causas no mundo dos espíritos, seria como regressar a um estado pré-científico, no qual a razão seria substituída pelo mito. Se os demônios existem, em vista disso, não se pode descartar absolutamente que eles possam agir algumas vezes neste campo. As regras gerais são como o próprio nome sugere, “gerais”, mas nada impede que aconteçam eventos especiais, por mais raros que estes sejam. Normalmente, do céu chove água, ou cai neve ou granizo, mas, algumas vezes, um meteorito também cai do céu. Assim, essa também é uma maneira extraordinária e incomum, pela qual Deus pode permitir que um demônio cause uma enfermidade. Na verdade, São Lucas menciona explicitamente o caso de “uma mulher que, havia dezoito anos, era possessa de um espírito que a detinha doente: andava curvada e não podia absolutamente erguer-se” (cf. Lc 13,10-14). Não se diz que essa mulher estivesse possuída, mas pode-se dizer que o demônio era a causa dessa enfermidade. Essa afirmação é categórica no Evangelho. A isso podemos acrescentar o caso da morte dos maridos de Sara, no Livro de Tobias, causados pelo demônio Asmodeus (Tb 3). Santa Teresa de Lisieux escreveu um capítulo muito interessante ao falar sobre sua vida: “A doença que veio me acometer provinha, na verdade, do demônio. Furioso com o vosso ingresso no Carmelo [...] desejou vingar-se em mim de todo o dano que nossa família haveria de causar-lhe no futuro, mas não me fez quase so frer; pude seguir meus estudos, e ninguém se preocupou por mim. Havia finais de ano que atravessei com uma contínua dor de cabeça. (...) Isso durou até a festa da Páscoa de 1883. (...) Ao despir-me, senti-me invadida por um estranho tremor. Eu não sei como descrever uma enfermidade tão estranha. Hoje estou convencida de que foi obra do demônio. (...) Quase sempre parecia estar
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delirando, pronunciando palavras sem sentido. (...) Muitas vezes parecia estar inconsciente, incapaz de executar o menor movimento. (...) Eu acredito que o demônio tinha recebido um poder externo sobre mim, mas não podia se aproximar da minha alma, nem do meu espírito, se não para inspirar-me imensos temores de certas coisas” (História de uma alma, cap. III).
Questão 34 Como distinguir se uma visão é um problema demoníaco ou psiquiátrico? O tempo é a melhor maneira de discernir se algo é um problema psiquiátrico ou se é ação do demônio. Se uma visão, voz ou algo que parece ser extraordinário for uma enfermidade mental, inevitavelmente, irá se desenvol ver. As psicoses tendem a desenvolver-se. Não ficam presas. E o tempo acaba desenvolvendo-as de maneira tal que tudo fica claro. Mas quando alguém se refere a um caso de visão e pede a um teólogo para discernir sobre ele, na maioria das vezes é absolutamente impossível. Depois de alguns meses, os casos mais obscuros tornam-se claros. E se deixarmos que a enfermidade siga o seu curso, no final de alguns anos, o assunto torna-se claro até mesmo para os membros da família mais neófitos nessa área. Para dar um exemplo: se um penitente desconhecido se ajoelha no confessionário e diz ao confessor que a Virgem lhe disse em alto som que o ama e que seja bom, o sacerdote não pode saber se tem diante de si uma pessoa que sofreu uma alucinação ou uma locução. Provavelmente, nem o melhor teólogo do mundo poderia saber. Mas se o confessasse durante um ano, as coisas ficariam cada vez mais claras, e em menos tempo. Pois, se o penitente está doente, paulatinamente vai desenvolver a enfermidade e dirá que a Virgem lhe revela mais e mais coisas, e estas serão cada vez mais e mais singulares. Passados cinco anos, a enfermidade ficará evidente não somente ao confessor, mas também aos seus familiares, pois a natureza absurda e ilógica das alucinações se desenvolverá normalmente, já que se trata de uma doença.
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E conforme avançam, os transtornos mentais tendem a desligar-se cada vez mais das leis da lógica.
Questão 35 Os demônios podem causar pesadelos? Sim, ainda que não haja uma maneira de saber quando um pesadelo tem causa natural ou quando é demoníaca. Nós só podemos suspeitar de que eles tenham uma origem demoníaca quando houver outros indícios no sono que assim o indiquem. Há casos em que nenhum psiquiatra encontra uma causa razoável, ou consciente ou subconsciente, para que uma pessoa normal sofra, todas as noites, terrores noturnos que a façam despertar encharcada de suor e gritando. Às vezes, estes períodos de pesadelos muito intensos estão ligados a ações, como ter feito um rito com crenças ocultas ou ter iniciado uma vida espiritual mais intensa. Nestes casos, aconselharia o uso de água benta e, antes de dormir, podemos pedir a Deus para nos proteger de qualquer influência maléfica durante a noite. Se fazendo isso os pesadelos cessarem completamente, teríamos um sinal de sua origem.
Questão 36 Os demônios podem ler nossos pensamentos? Os demônios podem nos tentar, mas não podem ler nossos pensamentos. Embora, dada sua inteligência, possam adivinhar o que pensamos. Por serem seres mais inteligentes do que nós, eles deduzem muito mais coisas com maior segurança do que deduziríamos com poucos sinais exteriores. Mas se deve sempre lembrar que eles estão fora de nossas almas; só Deus pode ler a nossa alma. Se mentalmente nos dirigimos a um santo, anjo ou demônio, eles podem nos escutar. Por isso, é indiferente fazer a oração tanto por via oral como mentalmente. Também, é indiferente ordenar mentalmente ou em voz alta para que um demônio saia. Nos casos distintos de possessão, foi observado que o demônio obedece ordens dadas mentalmente.
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Questão 37 Podem provocar catástrofes ou acidentes? Se os demônios tivessem as mãos livres para provocá-los, o mundo inteiro, de um extremo ao outro, cairia numa desordem irreparável. Os casos de poltergeist são uma prova de que um demônio pode suspender algo no ar ou mover um objeto. Se o demônio pudesse mover um parafuso de seu lugar, os aviões, automóveis, tanques de combustível ou de armas sofreriam acidentes contínuos. Apenas com deslocar um cabo, poderia causar um curto-circuito ou um incêndio. O demônio move as coisas nos fenômenos poltergeist , mas logo se vê que não pode mover nem um cabo ou um parafuso. Não pode pro vocar acidentes voluntários. Por quê? Porque Deus o impede. O mesmo é válido para as tempestades, os furacões, os terremotos e outros desastres que ocorrem na natureza. Deve ser afirmado categoricamente que os desastres e acidentes que ocorrem na natureza são provocados por causas naturais. Porém, isso não significa que, alguma vez, de forma extraordinária, excepcionalmente, o demônio não possa causar esse tipo de coisa, se Deus assim o permitir. A Bíblia nos ensina, em Apocalipse, que no fim dos tempos Deus permitirá uma manifestação mais livre dos poderes demoníacos. E assim, em Apocalipse 13,13-14 fala-se desses prodígios. Entretanto, não devemos pensar que os acidentes ou desastres são causados por ação demoníaca, a menos que haja algo objetivo que nos faça pensar sobre isso. Por exemplo, uma época comecei a rezar por uma senhora que sofria de influência demoníaca. Poucos minutos depois, começou a chover, depois a cair granizo, e o temporal foi ficando cada vez mais intenso. Finalmente, um vento típico de tempestade começou a bater contra o templo. O vento foi de tal intensidade que eu tive de parar a oração; o estrondo não impedia somente ouvir as orações, mas mesmo para falar era preciso quase gritar. Tudo começou a ranger; o templo inteiro rangia como um barco de madeira no oceano. Repentinamente, o teto da igreja cedeu e se abriu em um de seus extremos. Começamos a rezar para que o telhado inteiro não se levantasse. Aquela cena com o vento agitando com fúria as toalhas do altar – as quais saíram voando –,
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os tijolos caindo sobre o presbitério da parte mais alta do teto da igreja, e os trovões troando sem parar, formaram uma cena assustadora e inesquecível. Pois bem, aqui temos um episódio em que é razoável pensar que havia uma relação entre a oração sobre aquela pessoa e o que aconteceu em seguida. Como curiosidade, deve-se dizer que o departamento de meteorologia mais próximo não detectou nenhum vento anormal, razão pela qual, a princípio, a seguradora se negava a pagar pelos prejuízos.
Questão 38 O demônio pode fazer milagres? “Tendo Moisés e Aarão chegado à presença do faraó, fizeram o que o Senhor tinha ordenado. Aarão jogou sua vara diante do rei e de sua gente, e ela se tornou uma serpente. Mas o faraó, mandando vir os sábios, os encantadores e os mágicos, estes fizeram o mesmo com os seus encantamentos: jogaram cada um suas varas, que se transformaram em serpentes. Mas a vara de Aarão engoliu as deles” (Ex 7,10-12).
Na Idade Média, ao se falar aos teólogos, bastava que alguém apresentasse esse texto e tudo ficava claro. Hoje, no entanto, quando alguém apresenta um texto da Bíblia aos teólogos, é preciso depois provar que o texto significa o que diz. A autoridade da Bíblia nunca esteve tão baixa entre os teólogos. Em raros temas, como a demonologia, percebe-se de maneira mais clara o que diz a Bíblia. Quando a Sagrada Escritura trata da demonologia, não há que buscar sentidos raros e distorcidos. O texto apresentado no Êxodo mostra que os demônios são capazes de realizar coisas extraordinárias além das leis naturais que conhecemos. Eles não podem fazer ações impossíveis para a sua natureza angélica. Não podem criar algo do nada, não podem viver em um homem morto, não podem ignorar as leis da natureza. Os que agem devem fazê-lo segundo as leis da natureza. Deus, sim, pode agir além dessas leis: pode criar algo, pode devolver a visão a um cego apenas com o Seu desejo, pode restaurar um corpo que esteja corrompido. Um demônio pode curar a cegueira de alguém somente se, com a sua força e por meio das leis da natureza, for possível; assim como um médico
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pode curar certas enfermidades com o seu conhecimento e os meios ao seu alcance. Do mesmo modo, uma pequena enfermidade, por exemplo, em alguns casos pode curá-la e em outros não. O seu poder não é capaz de dar vida ao tecido morto, mas pode acelerar os processos, colocar fim em algo, etc. O que foi dito referente a esse assunto é válido para o restante dos fenômenos. Pode suspender algo no ar, pode conceder grande força física a alguém em um dado momento, pode provocar uma tempestade. Mas não pode tornar uma pessoa imortal, pois as leis biológicas seguem seu curso. Não pode transformar a água em vinho, mas pode extraí-la de um recipiente fechado e trocá-la por vinho. Não pode criar um olho em uma cavidade vazia no rosto, mas poderia tirar uma pedra do rim. Cada demônio age de acordo com o poder de sua natureza, sem sair dos limites que a lei cósmica lhe impõe. Deus é o único onipotente cujo limite é o impossível. E assim, nem mesmo Deus pode criar um círculo quadrado, tampouco pode pecar, esquecer de algo ou criar outro Deus. O fato de o demônio fazer coisas extraordinárias explica por que o faraó e sua corte permaneceram firmes em não deixar partir o povo hebreu, apesar de serem testemunhas dos prodígios que Deus fazia. O faraó via com seus próprios olhos que seus mágicos também faziam coisas extraordinárias, e por isso pensou que com a ajuda de todos os seus deuses poderia lutar contra o “deus” desconhecido e hebreu. Ele não entendeu que o deus desconhecido não era um deus, e sim Deus. Da mesma maneira que os mágicos dos faraós transformaram seus cajados em serpentes (Ex 7,12) ou fizeram aparecer as rãs (Ex 8,3), assim também, no final da História, Deus permitirá que os demônios façam feitos extraordinários, os quais narra o Apocalipse. Como se diz no último livro da Bíblia, no final dos tempos haverá pessoas que farão prodígios pela obra do demônio.
Questão 39 Como sabemos que algo é causado pelo demônio? O mundo material é regido por leis e causas materiais. Mas às vezes nos perguntamos se tal doença, catástrofe ou acidente foi causado pelo demônio. Para responder a essa pergunta poderíamos formular a seguinte máxima:
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NIHIL PER DAEMONIUM, NISI DEMONSTRATUM (nada é causado pelo demônio, até que se prove o contrário).
Essa regra não é perfeita, porque embora acredite que tal tentação tenha sua origem em mim, essa pode proceder do demônio sem que eu sequer possa suspeitá-lo. Isto também se aplica a qualquer outra área onde a causa exterior provenha de uma intervenção oculta do demônio. No entanto, há mais benefícios em seguir estritamente essa regra do que se deixar levar por uma contínua suspeita. Deve-se afirmar categoricamente que o natural tem uma causa natural. Um cientista só pode atribuir às causas não físicas aqueles fenômenos impossíveis de serem explicados pelas causas desse mundo material. Tampouco seria mais científico se todos resolvessem explicar os feitos preternaturais com as leis desse mundo. Por exemplo, um feito em que uma virgem de gesso chore sangue humano (caso de Civitavecchia, Itália) é um fato sobrenatural. Se um cientista insiste em explicar isso com razões naturais, a única coisa que demonstra é o quão pouco razoável pode ser. Quer dizer: demonstraria estar usando a razão a favor de seu capricho, como um meio para chegar a uma verdade que já tenha decidido de antemão. Um cientista que usa a razão para seu capricho, já não é um cientista, e sim uma espécie de bruxo ou mágico da razão. E assim, diante de determinados fatos, certas pessoas, apesar de suas qualificações, agem tão irracionalmente quanto um bruxo caribenho dançando ao redor do fogo. Dançam ao redor do fogo da razão, mas são as suas decisões tomadas de antemão que guiam seus movimentos nessa dança. Em geral, quando um ato é extremamente preternatural e não há como negá-lo, por mais racional que seja, esses tipos de cientistas teimosos tiram da manga uma solução que valha para todos: os poderes da mente podem fazer milagres. O cientista não crê nos milagres, e se você disser que o viu com seus próprios olhos, chama-o de louco. Mas se o milagre ocorrer diante dos olhos dele, a resposta é rápida: os poderes da mente... Ali, nesses poderes, há resposta para tudo. Não importa que seja uma estigmatização, a liquidificação de um sangue coagulado (caso do sangue de São Genaro e de São Pantaleão), não comer nada durante anos (caso de Teresa Newmann, Áustria), etc., etc.
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Os escribas e fariseus não levaram em consideração os milagres de Jesus, pois eles encontraram uma desculpa perfeita para tranquilizar sua consciência: disseram que Ele os realizava com o poder do demônio. Hoje, essa desculpa é inadequada, principalmente se quem o diz é ateu. Então, apelar para os poderes da mente, às forças do universo ou o famoso “só conhecemos cerca de 5% de tudo o que nos cerca”, fica melhor.
Questão 40 O demônio pode causar má sorte? Essa é uma das perguntas que mais frequentemente as pessoas que, em algum momento de suas vidas, acreditam estar sofrendo com os efeitos de algum tipo de magia fazem aos sacerdotes. A primeira coisa a ser respondida seria que, a partir de uma perspectiva cristã, falar de boa ou má sorte é um modo superficial de considerar as coisas. Digo superficial , embora deva precisar que, como modus loquendi seja admissível, teologicamente é incorreto. Tudo que externamente parece ser má sorte deve ser considerado como uma provação, e aquilo que aparenta ser boa sorte deve ser considerado como bênção. Deus permite o mal por meio de todo tipo de causa secundária, entre as quais a ação do demônio. Mas como saber se o demônio está envolvido em uma maré de azar que surge em nossa vida? Não há como responder, uma vez que se trata de uma causa real, mas invisível. Somente quando os acontecimentos são completamente inexplicáveis, tanto pelo modo como se sucederam como porque não há uma maneira racional para explicá-los, é que seria admissível pensar que por trás há uma causa demoníaca. O sacerdote deve responder que não há forma alguma de saber se o demônio está ou não por trás desses acontecimentos que lhe foram referidos. Mas, no caso de haver realmente a influência do demônio, o modo de combatê-lo é a oração. A oração é o que atrai a bênção divina e afasta o ser maligno. Normalmente, as pessoas perguntam quantas orações devem fazer, de que modo e quais são elas. A resposta que lhes dou é: quanto mais oração fizer, mais atrairá a bênção divina sobre você e os seus.
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As pessoas buscam modos complicados, quase mágicos, de voltar à paz. Devemos explicar-lhes que Deus é um Deus de simplicidade.
Questão 41 O que é o malefício? Malefício é aquela operação que se realiza com o objetivo de prejudicar o outro com o auxílio de demônios. Existem malefícios para matar, para causar a possessão, para que alguém vá mal nos negócios, para alguém ficar doente, etc. Como já foi dito, os malefícios só produzem efeitos se Deus o permitir. Quanto mais alguém reza, mais protegido está contra todas estas influências. O antigo rito de exorcismos dizia em sua praenotanda: mande o demônio dizer se permanece naquele corpo por alguma obra maléfica ou sinais ou instrumentos maléficos, os quais, se o possesso tiver comido, que os vomite. Ou que revele se estiverem em algum lugar fora do corpo. E, encontrados, que sejam queimados completamente. Se o possesso vomita um objeto maléfico, esse deve ser queimado. Mas é melhor que o exorcista não toque nele com as mãos. Se o tocar, convém que reze enquanto o faz e que depois lave as mãos com água benta. Do contrário, esse tipo de objeto pode lhe provocar, em determinado momento, alguns problemas de saúde durante certo tempo.
Questão 42 O malefício tem eficácia? Muitas pessoas perguntam se a maldição funciona; alguns a chamam inadequadamente de “mau olhado”, embora não tenha nada que ver com o olhar ou os olhos. A primeira coisa que deve ser dita é que aquele que faz o malefício, como quem o encomendou, será o primeiro prejudicado pelo demônio. Sem dúvida será prejudicado com algum tipo de influência demoníaca, com a possessão ou com enfermidades. Nunca se invoca o demônio em vão.
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Depois, as pessoas perguntam se existe proteção contra o que foi feito. Pois bem, isso depende da vontade de Deus, isto é, a esse respeito afirma-se o mesmo que de um acidente, enfermidade ou catástrofe. Em nossa existência sobre a Terra Deus permite bens e males, porque a vida é uma prova antes do Juízo. É fato que a pessoa que ora e vive na graça de Deus está protegida por Ele. Quanto mais orarmos e quanto mais desenvolvida estiver a nossa vida espiritual, mais protegidos nos encontraremos. Como é possível saber se alguém é vítima de um malefício? Não existe uma maneira de saber, uma vez que a ação do demônio é invisível. Só temos a certeza quando há uma possessão ou uma influência demoníaca na pessoa cujos sinais sejam visíveis ao exorcista. Também é possível deduzir que um mal seja fruto de um malefício, quando aquele vier acompanhado de feitos preternaturais malignos. Mas, salvo apareçam sinais externos que demonstrem ser uma causa demoníaca, nunca se poderá saber se algo tem sua origem ou não em causas naturais.
Questão 43 O que fazer em caso de malefício? O que fazer se alguém tiver qualquer suspeita de que tenham colocado uma maldição sobre ele? Como já foi dito, se é praticamente impossível chegar à certeza neste assunto, mesmo para um especialista, que dirá para uma pessoa com muito menos conhecimento sobre o tema. Mas, se o malefício foi praticado, o único modo de destruí-lo é fazendo o contrário. Quer dizer: se uma pessoa invocou o demônio para fazer o mal, a vítima deve invocar a Deus para que Ele a proteja, ajude e bendiga. O bem sempre é mais forte que o mal. Àqueles que vêm à minha paróquia dizendo que sofrem um malefício, sal vo em casos excepcionais, digo-lhes que é impossível comprovar a causa demoníaca, mas que se na realidade sofreram um malefício, o único remédio é o seguinte:
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• Rezar três mistérios do rosário; • Ler o Evangelho durante cinco minutos; • Orar por alguns instantes em uma igreja. Claro que poderia acrescentar outras coisas. Mas como a maior parte das pessoas que vem pedir ajuda não faz nenhuma oração, tampouco se pode impor-lhes muito mais. Sobretudo, nos casos de influência, nos casos em que não há uma possessão. Já quando há possessão, sentem-se mais necessitadas de ajuda e estão dispostas a orar mais. Aos três pontos anteriores se pode aconselhar-lhes, se os vir muito afligidos, outros pontos adicionais: • Ir à Missa (três vezes durante a semana, principalmente aos domingos); • Colocar em casa um crucifixo bento por um sacerdote; • Colocar uma imagem da Virgem Maria; • Rezar diariamente um Salmo. Ao fazer estas ações, se o mal que sofrem vem do demônio, esse irá se afastando. Mas se não cessa, seria sinal de que não estava sendo provocado por um malefício. Nos casos em que o sacerdote for exorcista, poderia rezar para comprovar se há alguma influência sobre a pessoa; e se o malefício ti ver alguma inf luência, o sacerdote pode fazer oração de libertação. Mas, em outras ocasiões, o demônio sai depois de ter causado o mal (por exemplo, na saúde). Quer dizer, se por causa de um malefício uma pessoa sofre um problema de saúde, mas o exorcista vê que não há nenhuma influência, então essa enfermidade é como outra qualquer, porque sua cura dependerá da medicina; em casos como esse o demônio chegou na pessoa, causou o mal e foi embora. Neste caso aplicam-se as causas naturais para justificar o mal provocado, e não é necessário mais nada.
Questão 44 O que é o feitiço? O feitiço é aquela operação feita para conseguir algo de positivo com o auxílio de demônios. Neste caso, a intenção é buscar algo de positivo no feitiço
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usado para prejudicar alguém, ou seja, que alguém enamore por quem o fez, que os negócios caminhem bem, que seja promovido no trabalho, etc. Como está claro que o demônio não pode tudo, ele apenas tenta. Logo, pode interferir em algo através da tentação. Não se pode conseguir aquilo que busca através dele. Assim, muitas vezes, ele acaba provocando a possessão ou algum tipo de inf luência. E ele sempre o faz, ou à pessoa ou à vítima do feitiço. Se durante o exorcismo for possível localizar o objeto do feitiço ou do malefício, deve-se destruí-lo. Mas caso não o encontre, será completamente indiferente, uma vez que a oração a Deus é que vai destruir toda a influência demoníaca daquele objeto. O mesmo procedimento deve ser aplicado para o malefício, pois o demônio está definitivamente agindo.
Questão 45 O modo de fazer um malefício ou um feitiço é importante? Não, dá na mesma usar vísceras de animais ou o cabelo da vítima, dá na mesma usar um boneco de cera ou desenhar um pentagrama no chão rodeado de velas. É indiferente a utilização de uns materiais ou de outros, de algumas conjurações ou de outras. O que realmente faz com que tudo dê resultado é a invocação do demônio. A maneira pela qual ele é invocado é irrelevante. No entanto, para o demônio interessa fazer que seus servidores acreditem que tais rituais e materiais tenham importância, pois assim faz as pessoas pensarem que elas têm a capacidade de dominar essas influências. Pelos ritos, os bruxos acreditam que mantêm o domínio da situação. O que eu falo sobre os malefícios e feitiços vale também aos exorcismos. São indiferentes os objetos e ritos com os quais exorcizamos o demônio. O importante é a fé em Deus. Podemos exorcizar o demônio munidos somente com o nome de Cristo e a fé. Ainda existem exorcistas que dão uma grande importância às maneiras e objetos com os quais se realizam o exorcismo. Em qualquer caso, ainda que o sacerdote esteja somente armado com o nome de Cristo, a oração fará que o demônio revele ao exorcista a existência de algumas coisas que o atormentam mais que outras, uma vez que certos
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símbolos o atormentam de determinado modo, pois os pecados que o levaram à reprovação e agora atormentam sua alma foram específicos.
Anexo à questão 45 Durante muitos anos sustentei a postura apresentada na questão 45, postura essa que me parecia a mais racional, uma vez que me agarrei a ela com unhas e dentes. No entanto, a prática do exorcismo foi desmentindo tal colocação de modo tão claro que mudei a minha opinião. Considerava que existia algum tipo de relação desconhecida entre determinados objetos e o espírito. Usar ou não algum tipo de material humano (unhas, fio de cabelo ou sangue, por exemplo) da pessoa contra a qual se vai fazer o malefício não é indiferente. Assim como tampouco é indiferente que esse objeto maléfico (aquele com o qual foi feito o malefício) seja queimado caso seja encontrado. Ademais, pensava que, se isso era válido para o mal, também o seria para o bem. Quer dizer: eu acreditava que, em um exorcismo, o mais importante era a fé, mas que não era a mesma coisa usar um objeto ou outro para exorcizar. Apresentarei alguns exemplos: em determinado momento em que Deus nos revelara (por meio do possesso) que teríamos de usar cinzas da Quarta-feira de Cinzas junto com o óleo do crisma sobre um possesso, teve fim uma grande possessão que, caso contrário, haveria de se prolongar por vários dias. Em outros casos, fazer sinais-da-cruz sobre determinada parte do corpo do possesso pode cortar o mal, inclusive em horas. A tese de que a única coisa que importa é a fé e de que o objeto ou o modo são indiferentes me parecia uma tese tão bela como despretensiosa e inofensi va. Eu considerava que o fato de o material ter certa relevância neste campo, tanto para fazer malefícios como para exorcizar, não significava que cairíamos na magia, e sim significava simplesmente reconhecer que entre o material e o espiritual existem relações muito mais complexas do que imaginamos, e todas elas regidas não pela irracionalidade, mas por uma racionalidade tal que nos supera.
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Mantive essa segunda postura durante três anos. Depois, houve novamente um progresso em mim com relação à compreensão dessas realidades, o que me fez voltar à primeira postura. Hoje em dia eu acredito que o objeto para fazer um malefício e o modo de fazê-lo são completamente indiferentes. São os demônios que nos fazem acreditar que importam. Os demônios têm maior interesse em atacar uma pessoa que os invocam de determinada maneira, sob certos rituais ou usando determinados objetos. Em si mesmos, os rituais são indiferentes, mas o Inferno quer nos convencer do contrário, para criar assim uma espécie de ciência maléfica. O que importa para a eficácia de um malefício são duas coisas: a vontade de quem o realiza e invoca os demônios, e a vontade dos demônios de atacar uma pessoa. A mesma doutrina é válida para conseguir um milagre ou uma intervenção de Deus. Os objetos de um ritual (um sacrifício do Antigo Testamento, uma liturgia de adoração) são indiferentes, importa apenas a vontade de quem pede e o desejo de Deus. Não existe uma fórmula para fazer um milagre. A vontade de quem invoca, clama e pede, a vontade de quem atua é que realiza todo o ato. Então, por que nos exorcismos determinados elementos parecem ter uma eficácia concreta para af ligir e afastar demônios? Somente porque são símbolos de realidades espirituais. E o símbolo pode afligir os demônios a ponto de expulsá-los.
Questão 46 Qual é a diferença entre magia branca e magia negra? A magia branca é aquela praticada para alcançar o bem, e magia negra é praticada para alcançar o mal. Ambas são ineficazes. E se alguma vez tiver eficácia será pela intervenção do demônio. Ninguém tem poderes mágicos, é o demônio que está por detrás disso, mesmo que os videntes, os homens santos, magos ou bruxos não saibam. E eles próprios, se invocam tais poderes, acabam sendo possuídos.
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Questão 47 Os magos adivinham o futuro pela intervenção do demônio? Certamente que não. E eu o nego de modo tão taxativo por duas razões. Primeira: os demônios não sabem tudo, somente aquilo o que podem deduzir, porque são incapazes de ver o futuro. Segunda: os demônios buscam o nosso mal, e mesmo que conheçam algum fato futuro, não vão nos ajudar revelando-os. Ainda assim, excepcionalmente, podem revelar algum fato concreto para que alguém se torne dependente desse tipo de pessoas. Nunca um cristão, em nenhuma circunstância, deve consultar esse tipo de pessoa. A consulta a um mago, vidente, constitui sempre um pecado grave. E ainda que essas pessoas digam que possuem poderes de vidência, o sacerdote jamais se deve dirigir até elas para ver se há ou não possessão. Aquilo que o sacerdote não vir com a sua ciência não deve supri-lo com a falsa ciência desses videntes.
Questão 48 O demônio intervém no horóscopo, tarô e outras formas de adivinhar o futuro? No início, o demônio somente intervém quando é invocado. Estas formas de adivinhação nas quais não se invocam as forças ocultas nem os seres espirituais não são demoníacas. São práticas supersticiosas, mas não demoníacas. Se bem que aqueles que as praticam sentirão cada vez mais tentação de invocar tais forças e seres desconhecidos. Não é irrelevante dizer que não é possível conhecer o futuro, nem mesmo invocando os demônios, muito menos com práticas de astrologia, cartomancia, etc. Quem as pratica é a prova concreta de que por meio delas não se pode obter nenhum benefício. Os únicos que podem obter algum benefício de tais adivinhações são os charlatões profissionais, que são os primeiros a não acreditar nelas e que sabem dosar suas previsões para não serem pegos de surpresa.
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Questão 49 Um demônio pode causar falsas visões em um místico? As naturezas angélicas têm o poder de inspirar visões e locuções em qualquer mente humana. Agora, para evitar a confusão que esses acontecimentos podem causar às almas, caso ocorram com frequência, Deus praticamente não permite que se ocorram. Apenas os permite em raríssimas ocasiões e quando a pessoa tem meios para descobrir a verdade. E se Deus não controlasse o poder do demônio, esse apareceria continuamente, como anjo ou santo. Há casos em que se revelou, inclusive, com a aparência de nosso Senhor Jesus Cristo. Num caso excepcional em que haja uma revelação mística a uma alma, e se o diretor espiritual entende que o demônio possa estar oculto, existem dois critérios que podem esclarecer: 1. Seguir toda inspiração que nos leve ao bem como se viesse de Deus; 2. Obedecer o diretor espiritual acima de toda revelação. Se uma revelação, aparição ou mensagem, seja verdadeira ou falsa, seja fruto da imaginação, do demônio ou de Deus, nos leva a fazer o bem, quer dizer, nos incita a executar obras de caridade, de oração, de sacrifício, etc., então a sigamos como se viesse diretamente de Deus. Na pior das hipóteses, se for o demônio que estiver predicando o bem, por que não fazê-lo? Se o demônio nos predica o bom caminho, não devemos fazê-lo porque é mal o predicador? Com essa regra de conduta se elimina todo tipo de escrúpulo e se evitam perdas de tempo de buscar a origem das inspirações da alma. Agora, sempre se deve colocar à frente dessas supostas revelações a ordem do confessor ou diretor espiritual. Não importa a bondade e a nobreza que nos são solicitadas com essa suposta revelação; tudo deverá seguir a obediência ao confessor. Acrescento que aquilo que provém diretamente de Deus decorre pelos caminhos da obediência aos legítimos pastores. Receber revelações é um dom menor que a obediência.
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Assim, se as revelações provierem do demônio, ou entrarão em conf lito com a obediência ao confessor, ou imediatamente deixarão de conduzir ao bem, intercalando incitação ao mal. O demônio pouco aguenta provocando o bem. Agora, se a revelação é de Deus, não há conflito entre revelação e diretor espiritual, pois a obediência a ele é obediência a Deus por intermédio desse clérigo. A obediência a uma revelação é sempre uma obediência a uma suposta re velação. Ao contrário, a obediência ao diretor espiritual sempre é algo santo, sempre é algo seguro. O dirigido deve recordar a máxima de obedecer sempre, desde que não seja pecado. O místico não somente não está liberado da obediência, como está sujeito a ela. E a razão disso é que o místico está sempre em perigo de cair em tentação. Por isso ele deve desconfiar mais de seu próprio juízo, deve submeter-se e ser mais humilde que um homem mais pecador que ele. Do contrário, ele pode tornar-se como o diabo, que, enamorado de si, corrompe tudo o que receber. Digo isso com especial conhecimento de causa, pois há alguns anos fui escolhido como diretor espiritual de uma alma que tinha vários dons extraordinários. Pude comprovar a veracidade desses dons em muitas ocasiões, sem que me restasse dúvida a seu respeito. Mas aquela pessoa passou a não escutar mais as direções. Considerava que estava tão avançada na perfeição que poderia ser guiada diretamente pelo Espírito Santo. Ao perceber que uma terrível soberba vinha no horizonte, mesmo distante, minhas indicações se converteram em ordens. Mas a pessoa optou por seguir suas próprias inspirações. De maneira tal que, lentamente, ao longo dos anos seguintes, pude contemplar, sentado na primeira fila, essa pessoa dizer como havia chegado à soberbia. Finalmente, dei-lhe um ultimato: ou me obedecia ou eu deixaria de ser seu diretor espiritual. Optou por seguir seu próprio caminho, o do Espírito Santo, segundo ela. Um ano mais tarde eu soube, por seus amigos, que ela acabou caindo em pecados cada vez mais graves. Tanto assim que perdeu seus dons; dons que eu havia conhecido e que eram reais e impressionantes. Uma terrível história que sempre me relembra o feito de que no caminho à santidade há muitos que caíram na sarjeta, cujos nomes nunca conheceremos.
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Questão 50 Pode causar estigmas? Sim, o demônio pode causar estigmas. Eu relutei em acreditar em tal coisa, embora o cardeal Bona argumentasse que tal fato “foi comprovado através de alguns exemplos incontestáveis” (Discret. Spir , c7, no11) e que havia sido testemunha desse, no caso do possuído de Loudum. Eu resistia a aceitá-lo, porque considerava que os estigmas eram um fenômeno de caráter essencialmente externo, que envolviam uma espécie de comprovação divina a respeito do su jeito que os carregava. Quer dizer: outros fenômenos místicos são ocultos e são dados para o bem da pessoa que os possui, mas a estigmatização se dá essencialmente aos demais [para mostrar aos demais]. Por isso são marcas externas. E são, acredite, uma espécie de confirmação divina da santidade de quem os carrega. Assim, São Paulo afirma: “De ora em diante ninguém me moleste, porque trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gl 6,17). A esse versículo cabem várias interpretações, todas elas igualmente plausíveis. Mas ao falar-se sobre estigmas, pareceria fortalecer que se trata de uma espécie de manifestação do favor divino, impressão espontânea, por outro lado, entre as pessoas que conhecem tal fenômeno. Porém, ainda que seja assim, o certo é que mais tarde conheci (não em primeira mão, mas através de vídeos) um caso de pseudomessias que sangrava em algumas partes do corpo. Não eram propriamente estigmas, mas a pele sangrava. Que conclusão tiramos de tudo isso? Talvez a grande lição do fato anedótico seja que o mesmo Deus que nos dá sinais para saber a verdade, também nos deu a inteligência para discernir os sinais. O Deus de inteligência tem o prazer de propor esse tipo de quebra-cabeça para resolvermos. A estigmatização é um sinal divino, mas mesmo os sinais divinos devem ser discernidos. A origem de qualquer caso de estigmatização, como de qualquer outro fenômeno místico, será deduzida dos frutos que produza na vida daquela pessoa. Nós os conheceremos por seus frutos. Os frutos do Maligno são soberba e desobediência; definitivamente, o pecado. Os frutos da alma de Deus são a humildade, a obediência, a vida de sacrifícios e a virtude.
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Torno a repetir que o fato de os estigmas poderem ser causados pelo demônio é muito esporádico e acidental, mas o aprendizado que se tira deles é muito importante para qualquer área eclesiástica: tudo pode ser falsificado, menos a virtude. Os sinais, os raciocínios dos teólogos, as boas razões, as intenções... tudo é suscetível de ser torcido ou manipulado. A única que não pode fingir as 24 horas do dia, os 365 dias do ano, é a virtude.
Questão 51 Qual a forma que os demônios têm quando aparecem para os homens? Os demônios não têm uma forma visível determinada; ela é imaterial. No entanto, caso eles se manifestassem de forma visível, poderiam adotar a aparência que desejassem. Qualquer forma, por mais bela que seja, humana ou angélica, está no âmbito da capacidade de seu poder. Poderiam mostrar-se com a aparência de um sacerdote conhecido, do nosso confessor, do Santo Padre. Como é lógica, tal situação criaria uma insegurança total, por isso Deus não a permite. E Deus, buscando o nosso bem, não somente não permite esse tipo de aparições tão enganosas como sequer permite que eles se mostrem de qualquer maneira, a não ser de determinados modos, com o objetivo de que nos fique claro que somos como crianças aos olhos deles. Assim, a ele, Deus somente permite aparecer como sombras em movimento, como coisas monstruosas, como homens pequenos de cor muito escura. Essa última forma de mostrar-se visualmente, como homenzinhos escuros e pequenos, aparece repetidas vezes na tradição literária cristã, desde a época dos Padres do Deserto. Não somente nesses casos, mas ainda com Santa Teresa de Jesus, Santa Teresa de Lisieux (em um de seus sonhos) e em outros casos como o da menina Alexia (1971-1985), tornaram a aparecer homens pequenos e de cor muito escura. Quando dizemos que Satanás é um dragão ou uma serpente, o que queremos dizer é que ele tem o caráter monstruoso, feroz, venenoso e astuto desses seres. Em caso algum tem essa forma visual, já que continua sendo um
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belíssimo anjo em sua natureza, ainda que repugnante em seu aspecto moral. Ele sofreu a deformação somente em sua personalidade, não em sua natureza. Seu ser foi deformado, mas a sua natureza permanece e permanecerá sempre intacta. Uma vez que ambas as coisas são inseparáveis, ele é realmente um monstro, um ser deformado, alguém que produz repugnância e aversão.
Questão 52 É o demônio quem provoca a noite do espírito? Qualquer pessoa que busque a Deus com todo o seu coração e dedique grandes esforços à oração e ao ascetismo penetrará, antes ou depois, em uma fase conhecida por todos os santos como a noite do espírito. É uma fase de evolução espiritual, e passar por ela é necessário para ingressar na vida mística. É impossível chegar a certos níveis de amor a Deus sem sofrer essa purificação, a qual se leva ao fim pelo sofrimento aceitado com o amor de Deus e perseverança. Essa noite consiste em uma série de tentações obsessivas de origem demoníaca. Nessa fase é como se o demônio se empenhasse a todo custo em deter o avanço espiritual dessa pessoa, fazendo-a sucumbir em graves pecados. O demônio sabe que, se não tentá-la a pecar, a alma se elevará irremediavelmente mais longe de seu alcance. A literatura dos santos é riquíssima em textos desse tipo; na sequência apresentarei a descrição que uma humilde costureira do século XIX, chamada Javiera del Valle, nos dá desta fase: “Quando a alma resolve não querer nada senão seguir ao seu amado Redentor, e colocando seu olhar fixo sobre Ele, se pudesse ver o que fez e sofreu por ela seu adorável Redentor, Satanás enfurecido prepara uma grande batalha e traz até ele todo o seu exército infernal. (...) Se propõe arrancar de nós as três virtudes teologais. Mas onde vai colocar diretamente o seu alvo é na fé, porque, obtida essa, fica mais fácil conseguir as outras duas coisas; porque a fé é como o fundamento sobre o qual se levanta todo o edifício espiritual, que é o que ele mais quer e deseja, e pretende destruir. Deus então silencia; não o impede em sua intenção; antes prepara o caminho para que a batalha seja mais dura.
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E também mantém Seus olhos firmes nele, pois prepara os caminhos para deixá-lo confuso na batalha, enganado e derrotá-lo completamente, para que saiamos vencedores desta batalha e nos tornemos invencíveis no que vier. Quando Satanás já se aproxima da luta, a primeira coisa que diminui é a luz clara e formosa que Deus havia nos dado, para com ela conhecermos a verdade. A escola [do Espírito Santo] Santo] se fecha; a memória e a razão razão pela força da dor e o sentimento que a alma tem parecem perdidos. Pobre alma! Quer buscar ao seu Deus e não sabe. Quer chamá-l’O e não pode articular uma palavra. Tudo Tudo o que sabia foi esquecido; com uma profunda profunda piedade, sente-se sozinha, sem companhia alguma. A quem me compararei neste estado? A nada, se não é a essas noites de verão que de repente se levantam esses nevoeiros tão fortes e horríveis, que por sua obscuridade tenebrosa nada se vê, senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam alguém tremendo, tufões que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parecem destruir tudo. Não digo ao que poderia comparar: somente, sem seu Deus, sentir ir até ela um exército furioso, que gritam a ela que está enganada, que não existe Deus, e a cercam por todos os lados, repletos de retórica que ministram conferências, mesmo sem ela o desejar. Mas não a deixam prontamente, e com raciocínios tão fortes e violentos, à força, querem fazer com que ela acredite que não existe Deus, e com horríveis deboches dizem que não há o tal Deus a quem ela busca e o fazem como com um poder sobre as potências, para não se poder nem refletir nem acreditar em outra coisa senão naquilo que a força e mais que a força querem fazer entender e crer; querem que não se acredite em mais nada além daquilo que eles dizem, e não acredite em nenhuma coisa mais. (...) (.. .) Nesta Nesta tão imensa imen sa e infinita piedade, a distância e como uma coisa que qu e se sonha e depois não se sabe se sonhou, se recorda da Igreja, e do amor que devemos ter a ela, e nesta recordação, como quando se falta conhecimento a alguém, volta-se e quer falar, e fala com palavras soltas. Assim é uma alma sem voz, e gaguejando, como que quisesse quise sse dizer: dize r: me uno a todo o credo de minha mãe, a Igreja e não quero crer em ninguém mais. E sem poder dizer mais nada, nem falar, nem entender, entender, assim se foram meses e meses, até se passarem dois anos. Eu tinha dezoito anos quando isso aconteceu, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, amanheceu para mim o dia claro e formoso.
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E assim como eu, sem saber de nada, nesse estado em que me vi metida, agora também vi e senti que me tiraram dele.” Javiera del Valle Valle (185 (1856-1 6-1930 930)) Decenário do Espírito Santo, oitavo dia
A noite do espírito supõe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou de depressão, e, em qualquer caso, são muito intensas. Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux sofreram tentações de suicídio. Madre Teresa de Calcutá sofreu terríveis tentações que colocavam em perigo a fé e a existência de Deus. O grande mestre sobre a noite do espírito é, sem dúvida, São João da Cruz. A subida ao Mont Montee Carmelo Carmelo será, será, sem dúvida, a melhor leitura leitura para os confessor confessores es destas almas a lmas atribuladas. Os diretores espirituais, sobr sobretudo etudo os das religiosas, devem recordar recordar a estas esta s almas sofredoras que não há nada que possa evitar o sofrimento da noite do espírito. É uma fase que só termina quando qua ndo Deus quiser. quiser. Devem consolar estas almas relembrando-as de que o demônio está ali, cumprindo a função de um ciclo. Mas que por piores que sejam as suas tentações, mais brev breves es serão. E quanto mais brandas, mais prolongadas. prolongadas.
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Parte IV
Que�tõess teoló� Que�tõe teoló�ic�s ic�s Questão 53 Deus odeia os o s demônios? A resposta é não. Deus não odeia nada nem ninguém; Ele é um u m ato de amor puro, não há ódio em Deus. O agir de Deus é um ato somente de amor, no qual todos nós estamos incluídos. Se Deus permite o castigo c astigo do pecador, pecador, dizediz emos que Deus castiga o pecador. Se Deus presenteia o virtuoso, dizemos que ama o virtuoso. Se Deus premia mais um santo no Céu, dizemos que Deus ama mais ao santo. E assim poderíamos seguir com todas as enormes possibilidades e todas as espécies de bênçãos, graças, sofrimentos e condenações. Mas isso é assim segundo nós mesmos (quoad (quoad nos, nos, como diria Santo Tomás de Aquino), porque em Deus existe somente um único ato de vontade, e Sua vontade von tade é amar somente. somente. E isso é terrível. Os condenados não podem pedir misericórdia de Deus, porque foi o Amor Infinito que os condenou a toda a eternidade. Na Divina Comédia,, Dante coloca essa descrição na entrada do Inferno Comédia I nferno:: “Por mim se vai à cidade dolente; por mim se vai à eterna dor; por mim se vai entre a raça perdida (...) fez-me a Divina Potestade, a Suma Sapiência e o Primeiro Amor. (... (...)) Oh! Deixai Deix ai toda a esperança, e sperança, vós que entrais!”
O terrível dessa descrição, por mais literária que seja, é que foi realmente o amor e não o ódio, que permitiu a existência ex istência do Inferno. Logo, não se pode
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apelar ao amor para que destrua o Inferno. Deus ama os demônios, mas os condena. Se Deus não sente ódio, tampouco o exorcista deve odiar quando realizar reali zar o exorcismo. exor cismo. O demônio demônio pode dizer di zer coisas que incitem i ncitem a odiá-lo, odiá-lo, para dif dificultar icultar o exorcismo. Recordo de um exorcismo em que a mãe perdeu p erdeu o controle sobre si e dirigiu-se furiosa contra o demônio que possuía sua filha. Então, com toda tranquilidade, o demônio sorriu maldosamente e disse: com ódio não me expulsará.
Questão 54 Os demônios podem unir-se e concentrar os seus esforços para influenciar uma sociedade? O grande poder do demônio é tentar, e como os demônios se comunicam entre si, podem colocar-se de acordo para tentar em uma mesma direção. Em 1932, os demônios compreenderam perfeitamente que para o cumprimento de seus fins era necessário tentar as pessoas para que se votasse em um candidato que até então era um completo desconhecido: desconhecido: Hitler. Isso significa signi fica que sua ascensão ao poder se deu pela ação dos demônios? Não, mas eles, sem dúvida, ajudaram. Do mesmo modo, devemos recordar-nos dos Santos Padres dos primeiros séculos da Igreja. Ao tratar sobre o tema de perseguição contra os cristãos, assinaram como primeira e principal causa, a instigação do demônio tanto sobre as massas como sobre os governantes. Outro exemplo poderia ser o do cardeal Nasalli Rocca, que escreveu em sua Carta Pastoral da Quaresma (Bolonha, 1946) que o secretário do Papa, monsenhor monse nhor Rinaldo Rina ldo Angeli, havia-lhe havia-lhe contado várias vezes que Leão XIII XI II teve uma visão na qual os espíritos se concentravam sobre Roma; pois bem, essa foi a origem da oração que pediu a toda a Igreja que rezasse, e que foi expedida aos Ordinários em 1886. Sim, de fato, os demônios também têm suas estratégias e se colocam de acordo para levá-las ao extremo. Podem concentrar-se em determinado lugar.
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Ademais, ambicionam todas as almas, mas sabem muito bem que algumas pessoas têm o dom de persuadir outras, por sua cultura, cu ltura, por seu poder ou por seu dinheiro. E, portanto, as forças do mal são conscientes de que essas elites são especialmente especia lmente desejáveis. desejáveis. Os demônios nunca são neutros em política, analisam a situação e estão seguros de quais serão as pessoas que mais favorecerão suas estratégias. Felizmente, o lado do bem tem os anjos e as muitas pessoas que com sua oração destroem os planos das trevas. Por isso a oração e o sacrifício são tão importantes. Os monastérios e as pessoas orantes são as forças invisíveis que, não somente combatem o poder do Inferno neste mundo, como também mandam abundantemente sobre nós todo tipo de bênçãos. Em qualquer caso, a explicação de uma luta invisível de poderes espirituais não nos deve fazer esquecer que os autores de nossa história somos nós mesmos. mesmo s. Essas forças invisíveis do mal não são mais que uma inf i nfluên luência, cia, e, ao final, cada homem faz o que quer e é responsável pelos seus atos. Nem todos os demônios do mundo podem obrigar alguém, ainda que seja um pecador, a tomar uma decisão se ele decidir tomar outra. A oração é tão t ão poderosa como os maiores exércitos exércitos ou as maiores ma iores fortu fortunas. nas. Uma pessoa humilde e desconhecida pode, apenas com a sua oração, evitar guerras, impedir i mpedir que ideologias malignas cheguem ao poder, poder, etc. Somen Somente te os demônios sabem até que ponto a oração é temível para eles.
Questão 55 Por que Satanás não se manifesta aos homens mostrando todo o seu poder? Assim como o Messias se manifestou man ifestou com milagres e muitos creram n’Ele, também o demônio poderia manifestar plen plenamente amente o seu poder para enganar e seduzir as multidões. Não há dúvida de que se Satanás se manifestasse mani festasse abertamente sob o disfarce de um anjo de luz, muitos o seguiriam. Poderia fazer maravilhas, curar algumas doenças, prever eventos futuros. São Paulo nos Paulo nos dá a razão pela qual Satanás não desenvolve desenvolve o seu poder a plena luz:
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“Agora, sabeis perfeitamente que algo o detém, de modo mod o que ele só se manim ani festará a seu tempo. Porque o mistério da iniquidade iniquida de já está em ação, aç ão, apenas apena s esperando o desaparecimento daquele que o detém. Então o tal ímpio se mani festará. Mas o Senhor Jesus o destruirá com o sopro de sua s ua boca e o aniquilará com o resplendor da sua vinda. A manifestação do ímpio será acompanhada, graças ao poder pode r de Satanás, Satanás , de toda a sorte sor te de portentos, sinais sinai s e prodígios en ganadores” (2Tes 2Tes 2, 2,6-9) 6-9)..
Em sua soberba, o diabo d iabo queria ser adorado; adorado; e em sua debilidade, a pessoa seria enganada. Mas ele não pode usar todo o seu poder, pois Deus retém a manifestação de sua força. Até Satanás, que odeia Deus e que procura fazer todo o mal possível, está atado aos desígnios da vontade de Deus. E o desígnio de Deus faz com que ele não se possa manifestar abertamente até que cheguem os finais dos tempos. Até que chegue o momento, os prodígios estarão limitados aos pequenos grupos satânicos nos quais, ao ser invocado, pode mostrar-se. Por Por essas reduzidas e extraordinárias ex traordinárias atuações, atu ações, por seu feito ordinário (ou seja, a tentação) e pela concentração das forças demoníacas em lugares e momentos concretos para unir forças e mudar algo, São Paulo diz Paulo diz em sua Epístola Epístola que que o mistério da iniquidade já está atuando, mas que, toda via, não deve ser revel revelado. ado.
Questão 56 Dentro da Igreja, a quem ele mais odeia? A Igreja conta entre os seus membros com cardeais, bispos, pastores de todos os tipos, teólogos, teólogos, pessoas que trabalham trabal ham na caridade, ca ridade, missionários etc., etc., mas o que o demônio odeia é o ascetismo. Isso nós podemos dizer com segurança, porque ninguém é tentado tanto quanto aquele que é dedicado à ascese. Caso aquele que realize uma função eclesial ou um ministério, leve nisso os anos a nos que for, for, se decide começar uma vida mais ascética, comp comprovará rovará que as tentações se multiplicam por cem. Isso se deve ao fato de o Maligno saber muito bem que a ascese é uma u ma força poderosíssima, poderosíssima, é a for força ça da Cruz, e a força for ça da Cruz quebra a inf luên luência cia dele no mundo. mundo. Alguém poderia dizer diz er que o demônio demô nio mais deveria temer é o amor e, portanto, port anto, o que mais ele deveria odiar
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seriam as obras de caridade. Mas ele sabe que àquele que inicia o caminho de ascese, se perseverar, Deus concederá o dom da caridade em grau supremo. Entretanto, aquele que se dedica exclusivamente a realizar as obras de caridade pode nunca chegar a uma vida ascética. Há pessoas que têm dedicado sua vida inteira às obras de caridade, e, contudo, abrigam muitos defeitos em sua alma. Alguém pode dedicar-se a ajudar os pobres e os enfermos, por exemplo, entretanto fazê-lo com murmurações, críticas, desobediências, etc. Porém, se o asceta perseverar na purificação gradual de sua alma, obterá todos os dons. Por isso o demônio odeia o asceta com maior intensidade que a hierarquia eclesiástica ou mesmo aos exorcistas. O exorcista expulsa um, dois, uma dúzia de demônios... O asceta quebra de um modo muito mais poderoso a influência demoníaca neste mundo, simplesmente por ostentar sobre seu corpo e seu espírito a paixão cotidiana de sua vida crucificada.
Questão 57 Quando Jesus viveu na Terra como Homem, o demônio sabia que Ele era o Messias? Como já foi dito, o demônio não sabe tudo. Nem sequer conhece tudo o que acontece na Terra. Os demônios caminham neste mundo, estão entre nós, mas indo e vindo. Os espíritos malignos, de modo muito especial, vigiam os santos; e não passou despercebido por eles que Jesus era um Homem extraordinariamente santo. O Maligno via que Jesus e Maria eram os humanos mais santos que habitavam a Terra. Não percebia neles cometimento de pecado algum, nem mesmo qualquer imperfeição moral. O demônio pode ser um pecador, mas conhece e pondera perfeitamente a virtude. Neste contexto, podemos dizer que é um apreciador da virtude, é um avaliador de joias espirituais. Essa tarefa, a de avaliador, ele a realiza como o mais perfeito mestre da vida espiritual. Em ambos os casos, e apesar de que Jesus e Maria estivessem sendo observados, ele via apenas seus corpos. A di vindade de Jesus é um atributo invisível. Quando começaram os milagres da
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vida pública de Jesus, os demônios cada vez mais insistentemente se perguntavam se Aquele era um profeta, ou era o Messias. A suspeita foi gradualmente dando lugar à certeza; foi aumentando não apenas por aquilo que Ele fazia, mas por aquilo que disse e ensinou. Pode ser que em alguma ocasião os Apóstolos escutassem Jesus sonolentos e entediados; no entanto, os demônios não perdiam uma só palavra. Depois de terem debatido e analisado muito entre si, a certeza de que Ele era Deus deve ter ficado clara muito depressa. Mas, embora ficasse claro para eles que Aquele Homem não era um homem, o assunto teria sido complexo para um teólogo humano. Moisés havia feito milagres mais espetaculares. É verdade que Jesus fez milagres que iam além de uma natureza angélica (ressuscitar mortos, por exemplo). Mas contra isso se podia argumentar que no fundo não era Ele, Jesus, que os fazia, e sim Seu Pai, Deus. E se Ele, Jesus, os fazia por Sua própria força e não Deus Pai, como era possível distinguir de onde vinha o milagre, uma vez que eles só viam o feito? A questão não era simples, mas como bons conhecedores que são aqueles ligados à Teologia, logo compreenderam que Aquele Homem era Deus encarnado. E assim se Lhe manifestaram as possessões quando, por exemplo, eles disseram: “Você veio nos atormentar antes do tempo?”. Ao dizerem isso demonstraram saber que Ele era Deus, o próprio Deus que no final dos tempos, no Juízo Final, os condenaria.
Questão 58 Jesus sofreu a tentação? Jesus era impecável. Como autêntico Homem que era, nada O impedia de pecar; Ele estava livre para pecar, bastava apenas um ato de Sua vontade. Porém, ao mesmo tempo, era impossível que pecasse por causa de Sua bondade. No entanto, o fato de Jesus ter sido impecável não significa que não tenha sofrido a tentação. Sofreu. Como Homem, padeceu os dardos da tentação, e com força teve de resistir a ela. N’Ele não havia concupiscência, não havia inclinação ao mal, nem debilidade em Sua alma, mas para sentir os atormentadores dardos da tentação essas três coisas não fazem falta alguma.
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Muitas vezes, os cristãos ao meditar sobre a vida de Cristo, dando por certo que era Deus, não valorizam o suficiente o sofrimento da tentação sofrida por Ele. Deveríamos agradecê-l’O, em especial à Sua última tentação na Cruz, a mais forte de todas, a mais pungente: o abandono. Da Paixão, valorizamos os Seus sofrimentos físicos, mas não nos damos conta de que Seus sofrimentos espirituais foram muito mais dolorosos do que os externos. A Paixão interna foi muito pior do que a externa, a Paixão espiritual foi muito pior do que a corporal. Ali, diante da Cruz, estava o Inferno inteiro. Todos os demônios estavam lá, em torno da Cruz, contemplando com prazer o seu triunfo: Deus crucificado! Esse era o maior de seus sonhos, seus desejos mais afeiçoados se tornavam realidade! O que eles não poderiam imaginar, nesse momento de vingança e ódio, era que a maior derrota foi Sua maior vitória. A maior derrota neste mundo era a maior vitória do Reino dos Céus. A redenção estava consumada. E depois, a ressurreição foi algo que os deixou sem palavras. Sua vitória demoníaca não tinha servido para nada, e Ele regressava ao Céu mais sublime com todos os tesouros do Amor obtidos em Sua Paixão. A derrota foi como uma gratificação que dava uma completa reviravolta. E eles, os demônios, haviam sido os instrumentos nessa vitória de amor. Mas, se as coisas já não estiveram complicadas o suficiente para eles, houve outro acontecimento que foi a vitória do amor, e de repente tomaram consciência de que Deus Pai não havia perdoado a Paixão nem ao Seu próprio Filho. Esse feito teria consequências terríveis. Se Deus Pai, pela reparação dos pecados da humanidade, não havia perdoado nem ao Justo, então os demônios poderiam esquecer de ser perdoados no final dos tempos. A Paixão na Cruz supunha que a Justiça Divina não tinha sido transgredida em vão. Naquele exato momento todos os demônios ficaram completamente conscientes de que sua condenação não teria indulto algum por séculos e séculos. Por isso, da alegria de contemplar a Cruz por sua vitória maligna, eles passaram a entender que recordariam para sempre da Justiça Divina. E assim, acima de tudo, os demônios odeiam a imagem da Cruz, mais do que a imagem da
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Virgem Maria ou qualquer outra imagem santa ou uma representação de um mistério sagrado. A memória do que eles contemplaram como testemunhas há dois mil anos é uma recordação que gostariam de apagar de suas mentes, mas não podem. Vendo qualquer cruz recordam de sua derrota e recordam que ali perderam a esperança de qualquer anistia.
Questão 59 Qual foi a criatura mais magnífica criada por Deus, a Virgem ou Lúcifer? A palavra Lúcifer é originária do latim e significa “Estrela da manhã”.6 Ninguém deve estranhar que um ser maligno tenha um nome tão belo, pois este foi o nome que o Pai dos anjos colocou na criatura ao cria-la. O certo é que este era seu nome antes de cair. É preciso entender que a natureza mais magnífica criada por Deus foi a de Lúcifer. A Virgem se santificou dia a dia, com esforço. Ela, com o seu sacrifício, seus atos e a Graça de Deus, conseguiu ser a criatura mais magnífica. Mas sua magnificência não foi um ato da criação de Deus, e sim de santificação. Tanto, que a criatura mais magnífica que Deus criou foi a maior de todas as criaturas angélicas. Deus criou Lúcifer magnífico em sua natureza, e ele se corrompeu. Deus criou Maria humilde em sua natureza, uma simples mulher e, portanto, inferior aos anjos, mas foi ela quem se santificou. Como se vê, há um grande paralelo entre ambas as figuras, mas um paralelo inverso: • Uma delas é a criatura mais perfeita por natureza, a outra pela graça; • Uma delas se corrompe; a outra se santifica; • Uma delas quer ser rei e não servir, e, ao final, não é nada; a outra quer ser nada e servir e, no final, é rainha. Além disso, inclusive com relação aos nomes, há um paralelo entre a estrela da manhã angélica (Lúcifer) e a estrela da manhã da redenção (Maria): 6
Eu, o autor, não intento julgar os valores sobre as questões que escrevi, mas esta questão é a minha favorita dentre todas encontradas em Svmma Daemoniaca.
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• A primeira estrela caiu do firmamento angélico; a segunda estrela se elevou; • A primeira estrela, que era espírito, caiu na Terra; a segunda estrela, que era corpo, ascendeu aos Céus; • Lúcifer não quis aceitar o Filho de Deus feito Homem; a Virgem não somente O aceitou como O acolheu em seu ventre; • Lúcifer era um ser espiritual que, finalmente, se tornou pior do que uma Besta (sem deixar de ser espiritual); ela era um ser material que finalmente se fez melhor do que um anjo (sem deixar de ser material); • Lúcifer se bestializou; ela se espiritualizou. Agora existe apenas uma estrela da manhã, que é a Virgem. Pois, ainda que a primeira estrela tenha caído, a segunda brilhou com a luz da graça, muito mais bela e intensamente que a primeira estrela, que brilhou somente com a luz de sua natureza.
Questão 60 Por que a água benta atormenta o demônio? Como algo material pode ter alguma influência sobre algo espiritual? São campos tão distintos, tão independentes, que parece que o material não pode, de modo algum, expulsar, produzir incômodo ou qualquer efeito sobre um demônio. Há algum tempo escrevi que se o material (água benta, óleo do santo Crisma, etc.) tem capacidade para atormentar e expulsar os demônios, não é por sua própria materialidade, e sim porque a Igreja, ao abençoá-la, uniu a essa matéria um poder espiritual. Isso significa que a Igreja, com o poder recebido de Jesus Cristo, pode unir um efeito espiritual a um objeto. Portanto, o objeto não é nada em si, é o poder de Cristo que está ali, unido àquele objeto. De qualquer modo, a experiência dos últimos anos fez-me complementar essa opinião. Complementar, e não mudar. Sigo sustentando a mesma opinião, mas comprovei que não é o mesmo abençoar um objeto ou outro. Há ob jetos que, pelo que simbolizam em si, têm uma efetividade concreta. E a esse
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respeito, posso contar uma anedota. Em certa ocasião, não tínhamos água na paróquia. Fazia muito frio e a água estava congelada nos canos. Não se podia dar de beber à pessoa possessa a água benta das pias, uma vez que já estava há alguns dias ali e, sobretudo, porque colocamos os dedos nela. Assim, quando já estava a ponto de sair da paróquia em busca de água naquela frígida manhã, me dei conta de que havia uma garrafa de limonada que tinha sobrado de uma reunião de catequistas. Ocorreu-me abençoar o conteúdo da garrafa, pensando que o tipo de matéria era o de menos e que o importante era a oração que se vinculava a ela. Pois bem, logo observei que ainda que produzisse algum efeito, esse era muito menor. Passados alguns minutos, ordenei ao demônio em nome de Jesus que me dissesse por que estava agindo daquela maneira. Ele resistiu, mas ao final disse-me que a água era símbolo de pureza e limpeza, e que aquele outro líquido abençoado também lhe produzia algum efeito, mas menor. Se observarmos os objetos que a Igreja tem abençoado ou consagrado, vamos perceber que todos eles possuem um simbolismo inerente: sal, incenso, água, óleo, velas, pão.
Questão 61 Que outros objetos atormentam os demônios? As relíquias dos santos atormentam os demônios, porque elas estão cheias de unção espiritual desses santos. Um crucifixo atormenta o demônio, mesmo que não esteja abençoado, pois ele lembra a sua derrota no Calvário e a vitória de Deus; lembra que Ele será o seu Juiz no Dia do Juízo, etc. O mesmo é verdadeiro para todas as imagens religiosas que o assombram, mesmo sem estarem abençoadas, e mais ainda se forem abençoadas. Em especial se na bênção foi expressamente pedido a Deus que repelisse aos demônios.
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Questão 62 Qual é o demônio meridiano? A acedia é a contínua e intensa vontade pelas coisas espirituais que sofrem os ascetas em determinado momento da evolução de sua vida interior. O demônio que tenta aos que se mortificam com a acedia é chamado pela tradição demônio meridiano. O nome de meridiano vem de uma má tradução do versículo do Salmo 91,6 por São Jerônimo. O Salmo dizia em hebraico: “Não tenha medo (...) a destruição que assola no sul ”. Mas São Jerônimo o traduziu como: “Não tenha medo do demônio meridiano”. Meridianus em latim significa tanto “do sul” como “do meio-dia”. Desde que o versículo na Vulgata ficou assim, foram muitos os comentaristas que construíram suas exegeses sob a segunda acepção da palavra latina. E assim foi sendo criada toda uma literatura que falava do demônio que vinha para tentar os eremitas ao meio-dia. Por que ao meio-dia? Porque era essa a hora para descansarem do trabalho da parte da manhã, depois do almoço. Nesse tempo de descanso, na solidão, sem qualquer oração marcada para o momento, era quando sentiam o peso da vida ascética que tinham abraçado. Assim se explica porque era nesse momento do dia que sentiam as punhaladas da tentação. O demônio meridiano da literatura ascética não representa um demônio, mas sim um tipo de tentação. Ou seja, um sentimento contínuo e prolongado de desânimo que os eremitas sofrem ao sentir a dureza da vida que abraçaram, unido a uma despreocupação pelas coisas espirituais. Isso que acabo de escrever é o que a tradição espiritual entende por demônio meridiano. Pois bem, além disso, é o nome de algum demônio em particular? Todas as tentações de acedia procedem de um demônio? Se for um demônio em particular, isso é algo de que nunca poderemos ter plena certeza, mas em um caso de possessão um demônio havia dito que Meridiano era o quinto demônio na importância da hierarquia demoníaca. Mas uma vez que não está dito na Bíblia, não podemos estar certos, à pergunta sobre se a tentação acedia procede sempre do demônio, a resposta é que não necessariamente.
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Uma pessoa que se encontra em uma situação de renúncia total dos prazeres do mundo pode sofrer estas tentações, sem a necessidade da intervenção do demônio.
Questão 63 Como os anjos ocupam o seu tempo? No mundo dos anjos, como ocorre no dos seres humanos, alguns se ocupam com algumas coisas, e outros de outras. Embora os anjos não tenham de cultivar ou construir casas nem fazer artefatos, nem nada de tudo aquilo que ocupa o nosso tempo. Os anjos estão empenhados em glorificar a Deus, em se aprofundar no mundo do conhecimento, em se relacionar entre si e em ajudar os homens. O mundo intelectual é um mundo tão vasto que eles se ocupam de maneira bastante semelhante a nossa. Em uma universidade, por exemplo, pode haver centenas de professores, cada um especializado em um ramo da aprendizagem. Em uma universidade trabalham longas horas por dia centenas de professores e catedráticos, e todo esse trabalho, toda essa atividade, estão ordenados para produzir uma coisa: o conhecimento. O mesmo acontece no mundo dos espíritos angélicos. As relações entre os anjos podem parecer pouca coisa. Mas as relações entre os homens exigem eventos formais, como embaixadores, cônsules, visitas, reuniões. Uma centena de seres humanos se comunicam entre si de uma vez. Mas seis bilhões, não. Algo semelhante acontece com os anjos que formam uma verdadeira parceria, uma sociedade complexa. Além disso, essas relações entre os anjos não são apenas as relações de conhecimento, mas também de caridade. Os anjos não apenas se comunicam, também se reencontram, eles se querem bem, etc. Não esqueçamos de que somos homens, e como eles, com compreensão e vontade. E nossas relações nos servem muito bem para entender como são as interações entre os seres dotados dessas duas potências da alma.
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Questão 64 Existe um sacerdócio no mundo angélico? Em primeiro lugar, deve ficar claro que entre os homens há um sacerdócio natural. Melquisedeque era um sacerdote real, segundo a Bíblia afirma, e nem ao menos pertencia ao Povo Eleito. A essência do sacerdócio está em oferecer sacrifícios. O sacerdote é aquele que oferece sacrifícios em nome de toda a comunidade. É uma característica de todas as civilizações a nomeação de alguém para lidar com o culto da Divindade. E o sacerdócio, mesmo que não seja diretamente estabelecido por Deus, é verdadeiro, um exercício que dá glória à Divindade, pois se oferece uma adoração a Ele em nome de todos. Essa função litúrgica, cultural, sacrifical é uma instituição que não somente Deus condena em Apocalipse, como também a eleva: faça a sua escolha e Ele lhe concederá graças especiais. Como dissemos antes, há muitas ocupações entre os anjos, e não devemos esquecer da mais importante de todas: a glorificação da Divindade. Todos os anjos Lhe glorificam. Mas não há somente uma glorificação individual, há também uma coletiva, suficiente para que Deus seja glorificado, elogiado e exaltado para cada um dos seres inteligentes. O amor a Deus leva a glorificá-l’O de todos os modos e sentidos possíveis. E uma dessas formas é a glorificação coletiva. Quando várias pessoas que amam a Deus se colocam de comum acordo para honrá-l’O conjuntamente, a partir desse momento estão sendo colocadas as bases de um ato litúrgico. Quando esse ato já não é mais de algumas centenas de pessoas, mas de milhares, então temos uma verdadeira liturgia celestial. Nesse sentido sim, é que há anjos que cumprem função sacerdotal. Ou seja, existem espíritos angélicos, nessa liturgia eterna, que representam todos os anjos. Que sacrifício eles oferecem? O sacrifício de louvor a todos os espíritos que representam e cuja glória oferecem à Santíssima Trindade. Esse é um sacrifício incruento e imaterial. É uma oferta de glória 7. 7
Devo dizer que essa questão a respeito do sacerdócio dos anjos se me propôs pela primeira vez voltada à etimologia do nome Leviatã. No Antigo Testamento, Levi era o nome do sacerdote por
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Questão 65 É certo pintar o demônio com chifres e corpo de um homem? Já se disse que o demônio não tem forma alguma que se possa ver, porém esse modo de representação tradicional com cornos é bastante convencional. Isto é, trata-se de um sinal assentado pela tradição ocidental durante séculos, que é portador de um significado. De qualquer modo, é um sinal muito adequado, porque combina dois elementos: a racionalidade representada pela forma humana (única forma visual que conhecemos de ser racional) e a bestialidade simbolizada pelos cornos, rabos e garras. De modo que estamos diante de um símbolo muito simples, mas que reflete tanto a inteligência como o caráter cheio de fúria, de animalesca bestialidade que caracteriza as manifestações deles em todas as épocas por meio dos possessos. Igualmente, o modo de representar os anjos que tem decantado a tradição iconográfica é muito adequado. O anjo, ao ser representado como homem com asas, é um modo de significar pelo aspecto humano a racionalidade, e pelas asas a sutileza. Isto é, as asas representam a capacidade de transportar-se de um lugar a outro a vontade, sem obstáculos. Também é curioso observar que os anjos são representados vestidos, enquanto os demônios não, como sinal de seu caráter bestial.
Questão 66 Por que há água benta na entrada da Igreja? A purificação com água benta acompanha de devoção produz três efeitos: atrai a graça divina, purifica a alma e afasta o demônio. Esse gesto de purificar-se com água benta atrai para nós graças divinas pela oração da Igre ja. A Igreja orou sobre essa água com o poder da Cruz de Cristo. O poder excelência. Não poderia ser que o Leviatã fosse a corrupção de Levi, bem como Judas Iscariotes foi a corrupção de um Apóstolo? Teria cumprido Leviatã, antes de cair, uma função sacerdotal? Só Deus o sabe. Após a Bíblia os nomes não são casuais, todos encerram um mistério. E o mais terrível de todos os demônios tem o nome do sacerdote por excelência. Em minha opinião, Leviatã é a corrupção de Levi.
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sacerdotal deixou uma influência sobre essa água. Ao mesmo tempo, ela purifica parte de nossos pecados, tanto os veniais como o reato que fica em nossa alma. O terceiro poder da água benta é afastar o demônio. O demônio pode entrar perfeitamente numa igreja, seus muros não o retêm, o solo sagrado não o refreia. No entanto, a água benta é o que o afasta. As pessoas costumam se queixar de que se distraem muito na igreja; o demônio tem grande interesse em nos distrair justamente quando estamos em contato com as realidades sagradas. Por isso é tão útil a água benta da entrada. Ainda usando a água benta podemos nos distrair, mas teremos a segurança de que isso procede de nós e não do demônio. Ainda que, com os olhos do corpo, não possamos ver a cruz que a água benta forma em nosso corpo ao nos purificarmos, o demônio, sim, pode vê-la. Para ele, essa cruz é de fogo, é como um coração que não pode traspassar. Insisto que se purificar com água benta ao entrar numa igreja não é um mero símbolo, essa água tem um poder, um poder que Cristo ganhou com Seus sofrimentos na Cruz e que o sacerdote administra com toda facilidade.
Questão 67 O demônio é um mero símbolo do mal ou ele realmente existe? Sempre me admirou a capacidade de algumas pessoas para se fecharem à realidade. Compreendo aquelas que não creem e com humildade dizem que não viram nada extraordinário em toda sua vida, e que, portanto, suspendem seu julgamento. Mas é surpreendente encontrar pessoas que asseguram com firmeza absoluta, taxativa, que é impossível que o demônio exista. Chegaram a tal conclusão depois de revisar todos os rincões do universo com um dom extraordinário que lhes permite ver os espíritos? Ninguém, salvo por especial permissão de Deus, pode ver os espíritos. Mas os fenômenos que eles produzem (possessão de pessoas, infestação de lugares), sim, é possível vê-los. Quando um possesso, no meio de uma sessão de exorcismo, vomita pedaços de ferro, isso é uma prova. Quando o copo se move sem ser tocado em um tabuleiro de ouija, isso é uma prova ao menos da existência de espíritos.
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Quando toda uma família acorda no meio da noite por causa dos ruídos terríveis vindos de uma casa, que quando a abrem comprovam que está vazia, isso é uma prova. Mas nenhuma prova convencerá aos fanáticos do ateísmo. Porque neles o ateísmo não é só uma postura, senão uma fé, um dogma, uma religião à qual se agarram com todas suas forças. Não com as forças de sua razão, senão de seu espírito. Nesses casos não há nada o que fazer. Só rezar para que Deus envie Sua graça e se abram à verdade.
Nota a essa questão Faz anos, a primeira versão de Svmma Daemoniaca incluía aqui um pequeno iocus, um jogo irônico com os conceitos. Mas essa broma foi mal-interpretada pelos leitores mais humildes. Então, depois do último protesto, decidi mudar o conteúdo da questão e deixá-lo exatamente como está.
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Parte V
Pergun��s bíblic�s Questão 68 Qual é a diferença entre o temor a Deus e ao demônio? “Não temais aqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma; temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena” ( Mt 10,28).
Esse versículo, apesar de sua simplicidade, é de uma complexidade extraordinária. A grande questão subjacente é: de quem devo ter medo? Numa primeira leitura parece que o que se afirma é que teria que se temer ao demônio. A mensagem do versículo seria “não temais aos homens, não temais aos que vos podem fazer mal nesta vida; temei ao demônio, isto é, temei aos que vos podem fazer mal para a outra vida”. O ensinamento seria que não devemos nos preocupar pelos males dessa vida, senão pelos da futura e perpétua. Estou seguro de que essa leitura tem-se tornado mais frequente e popular ao longo da história. E não é errônea. O ensinamento que transmite é claro e singelo: se é verdade que nos preocupamos pelos que nos provocam males neste mundo, bem mais deveríamos nos preocupar por aquele que procura o nosso mal eterno. Mas acho que há um sentido bem mais profundo no versículo. E a mensagem mais sutil é a de que ninguém pode levar-nos ao Inferno, senão Deus. Nem homens, nem demônios, só Deus é o Juiz, só Ele pode nos enviar àquele lugar. Daí que o que nos diz o versículo é que se vivemos neste mundo para a
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eternidade não há razão para temer a ninguém. Só ao Juiz eterno. O versículo, portanto, seria uma incitação ao santo temor de Deus. O temor ao demônio é pelos males que nos possa causar na vida material (enfermidades, desgraças) ou na vida espiritual (nos fazer pecar ou nos condenar). Mas tais males não estão em sua mão. As desgraças e doenças só chegarão a nós se assim Deus o permitir. O pecado é a condenação somente se nós quisermos. Logo, o temor ao demônio não faz sentido, pois tudo está nas mãos de Deus. O temor ao demônio está, portanto, teologicamente infundado, não faz sentido. Com Deus não há razão para temer ao demônio. Ser crente e temer ao demônio supõe uma contradição. O temor ao demônio parte do pressuposto de uma verdadeira falta de fé na onipotência de Deus, uma verdadeira desconfiança em Seu cuidado amoroso, e uma verdadeira ofensa à Sua santidade, pois um Deus que permitisse sem razão alguma o sofrimento de Seus filhos seria um Deus injusto. O temor ao demônio, portanto, é negativo. Falo, certamente, do temor consentido, não do sentimento. O sentimento de medo para esse ser é inevitável para algumas pessoas e está acima de suas forças, como para outras é o temor às alturas ou às serpentes. Se o temor ao demônio é negativo, o santo temor de Deus é um dom do Espírito Santo. É o temor de ofender-Lhe, o temor de perder-Lhe e, sobretudo, o temor que nos produz comparecer ante à santidade de Sua presença, sabendo – como o sabemos – que somos nada e indignos. Chegará um dia em que, no Reino dos Céus, quando já não temeremos nem Lhe perder, nem Lhe ofender, pois será impossível, ainda manteremos, por toda a eternidade, o santo temor de Deus. Nem contemplando-O a cada dia, nem contemplando-O como Pai, perderemos esse santo dom. Pelo contrário, seremos ainda mais conscientes da infinita distância entre Sua grandeza e a nossa pequenez. Esse dom de Deus leva-nos a ser mais agradecidos por permitir-nos estar diante d’Ele sem merecê-l’O. É um temor bom que não é contrário ao amor, pois o aperfeiçoa. Claro que há um temor mau de Deus que leva ao desespero, e desse medo São João fala em sua Epístola. Esse medo o incita ao demônio, enquanto o temor de Deus é um dom do Espírito Santo. O maravilhoso e profundo versículo
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do capítulo 10 de Mateus é como se nos dissesse: não deveríeis temer a nada nem a ninguém, mas se temeis (porque sois débeis), temei aquele que provoca males eternos e não os males desse mundo. Mas as mesmas palavras, exatamente as mesmas, que nos dizem isso, nos dizem ao mesmo tempo: mas em verdade, temei só a Deus que é o Juiz da eternidade. Bem se vê, é um versículo com duas peças internas que parecem contraditórias, mas que formam um quebra-cabeça que se encaixa do modo mais inteligente possível.
Questão 69 Que ordem seguem as três tentações que Jesus sofreu no deserto? Todo mundo conhece as tentações que Satanás fez Jesus padecer no deserto. A tentação do pão, dos reinos e de ser reconhecido. Agora, por que ele Lhe tenta para que o adore, quando não conseguiu sequer que aceitasse a tentação de que quebrasse o jejum? Por que, finalmente, tenta que se retire do pináculo do Templo? Se Ele tinha desprezado a glória do mundo inteiro, por que a última tentação é a de menor tamanho? À primeira vista, pareceria lógico que a tentação começasse por um pecado maior. E como falha, tenta-O com pecados cada vez menores, de menor malícia. Se uma chave não se encaixa em uma fechadura, tenta-se com outra menor. Que lógica seguem essas tentações? Pareceria mais razoável que O tentasse com a idolatria primeiro, e ao não obter êxito, que O tentasse com algo intermediário e, finalmente, com aquilo que nem ao menos é um pecado venial, como romper com um jejum voluntário. No entanto, essa primeira impressão de que essa seria uma sequência ilógica de tentações é falsa. O ataque segue uma série de lógica mais sutil. Segue a ordem de tentações que sofre uma alma que decide viver uma vida espiritual. Por isso, há grande simbolismo nestas três tentações. O primeiro demônio tenta com as tentações da carne, simbolizadas pelo pão. Essa tentação de asceta simboliza o que é chamado a noite do sentido. Se a alma resiste a essa tentação (todos os apetites do corpo), não há razão para continuar tentando em um campo em que a alma já tenha sido suficientemente fortificada.
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Após a noite dos sentidos, o demônio tenta-O com o mundo. O Santo sente a beleza do mundo, as atrações desse mundo que Ele deixou. Esse é um símbolo da noite do espírito. Na noite do espírito não se tenta com essa ou aquela alegria particular. Mas a tentação é, então, todo o mundo em que vive, mas que já não goza. Se ele resiste a essa tentação, cai a soberba, pois, uma vez que atravessa a noite do espírito, o único perigo que resta é o orgulho pelos próprios dons recebidos. Assim, a última tentação vai contra a humildade. As três tentações são símbolos de uma das fases das tentações da vida espiritual. Para isso deve ser acrescentado que aquelas com as quais o demônio tentou Jesus foram particularmente sutis. Tenta-O primeiro, não ao pecado, senão à imperfeição, quer dizer, deixar de fazer um bem. Depois tenta com o bem espiritual dos povos. É como se lhe dissesse: “Faça um sinal de reconhecimento para mim que sou soberbo, e em pagamento me ponho de teu lado. Só te peço um sinal de reconhecimento e ajudar-te-ei em tua tarefa de salvar almas. É que não és humilde? É que não és capaz de se aniquilar um pouco mais pelo bem eterno das almas?”. A segunda tentação, como se vê, também admite um sentido tremendamente espiritual. Não pedia que Jesus deixasse de ser Deus, só se Lhe pedia o sacrifício de se humilhar um pouco. O Justo que tinha feito tantos sacrifícios pelas almas não poderia fazer um mais? É a tentação de fazer um pequeno mal por conseguir um grandessíssimo bem. A terceira tentação é a da soberbia, a de não se ocultar, a de ser reconhecido publicamente. Era prescindir do fato de que é Deus, no momento em que Ele determina o que engrandece aos Seus servidores. Mas ainda que Deus determine esse momento e essa hora, por que não adiantá-lo? Por que permanecer na escuridão quando se pode fazer tanto bem saindo à luz de modo tão grandioso e espetacular? A terceira tentação, como se vê, é a mais complexa de todas.
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Questão 70 O que são os mil anos em que o demônio ficará preso? “Ele apanhou o dragão, a primitiva serpente, que é o demônio e Satanás, e o acorrentou por mil anos. Atirou-o no abismo, que fechou e selou por cima, para que já não seduzisse as nações, até que se completassem mil anos. Depois disso, ele deve ser solto por um pouco de tempo” ( Ap 20,2-3).
Esses mil anos podem ser um símbolo da eternidade de condenação do demônio? Não, porque o texto que se segue diz que depois desse aprisionamento ele será solto por algum tempo. Na minha opinião, esse período de mil anos é um símbolo de tempo que decorre entre o fim das perseguições sofridas pela Igreja, no seu início, até as perseguições do final dos tempos. Isto é, desde o fim das perseguições romanas até que se iniciem outras por trás da Grande Apostasia. É evidente que a Igreja tem sofrido muitas perseguições a partir daquelas sofridas desde o Império, mas tanto as do início quanto as posteriores (como as descritas no Apocalipse) têm uma característica em comum: a sua universalidade. Também se poderia entender, mas de modo secundário, ou seja, como um símbolo acidental, que esses mil anos são o tempo da cristandade. A cristandade é um conceito técnico de significado muito específico, que durou desde a proclamação do cristianismo como religião oficial na época de Teodósio até a rebelião protestante. Depois de um milênio do cristianismo, essa realidade foi quebrada e os cristãos estão divididos, o que favorece a ação do demônio. Na minha opinião, esses mil anos são simbólicos do que foi dito no início dessa questão, mas seu segundo sentido também pode ser aplicado, ainda que como um símbolo secundário dentro do símbolo primário.
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Questão 71 Que significado teria o envio dos bodes para Azazel no Livro de Levítico? “Deitarão sortes os dois bodes, um para o Senhor, e outro para Azazel. Im porá as duas mãos sobre a sua cabeça, e confessará sobre ele todas as iniquidades dos israelitas, todas as suas desobediências, todos os seus pecados. Pô-los-á sobre a cabeça do bode e o enviará ao deserto pelas mãos de um homem encarregado disso. O bode levará, pois, sobre si, todas as iniquidades deles para uma terra selvagem. Quando o bode tiver sido mandado para o deserto, o homem que tiver conduzido o bode a Azazel no deserto lavará suas vestes e banhar-se-á. Depois disso poderá voltar ao acampamento” (Lv 16,8.21-22.26).
Essa estranha entidade chamada Azazel era misteriosa ainda poucos séculos depois, inclusive para os próprios judeus. Nem se sabe com precisão a origem etimológica da palavra, e não se repete esse nome em toda a Bíblia. Mas havia uma preocupação constante entre os judeus que os fazia pensar em se tratar de um espírito maligno. Isso ocorre porque o texto deixa claro que Azazel é o oposto d’Aquele para quem é oferecido o cordeiro sacrifical na tenda do encontro. Um cordeiro, o Yahvéh, o Cordeiro sem mancha, sem defeito, e que foi oferecido com todos os ritos. E o outro é um cordeiro ao qual se abandona, com todos os pecados. O significado do ritual do Levítico é que Azazel carrega todos os pecados do povo eleito, carrega o mal de Israel. O sacrifício imaculado para Yahvéh é o Cordeiro portador da iniquidade para Azazel. É como se o pecado se concentrasse em um ser que Satanás devorará, no estilo da bola de gordura e de cabelo que carrega o dragão do Livro de Daniel no capítulo 14. Essa passagem das ovelhas de Azazel e o dragão de Daniel, na minha opinião, são como duas peças que se encaixam à luz do Novo Testamento, são complementadas por um novo sentido muito mais profundo. Cristo seria a ovelha abandonada a Azazel, a ovelha que carrega todos os pecados e que é devorada pelo dragão, mas que, uma vez devorada, deve arrebentar o seio de Satanás.
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Questão 72 Por que a Sagrada Escritura diz que os demônios estão nas regiões do ar? “Revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do demônio. Pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares” (Ef 6,11-12).
A Sagrada Escritura ao falar dos demônios sempre os situa em dois lugares: ou no Inferno (isto é, no que está embaixo, pois isso significa Inferno) ou no ar. Ao dizer que estão no ar, o que se quer expressar é que podem estar em todas as partes, que não se deslocam como nós sobre a Terra, e sim que se movem com completa liberdade. São Paulo volta a mencionar isto ao chamar o diabo “ príncipe das potestades do ar ” (Ef 2,2). Ainda a esse versículo, cabe traduzi-lo também como “o dominador do poder do ar ”. Quando a Sagrada Escritura diz que alguns estão no Inferno, está querendo dizer que não estão tentando os homens? Provavelmente signifique isso. O que não parece é que tenha diferença de sofrimento entre esse “estar no Inferno” e “estar entre os homens tentando”.
Questão 73 Por que na Bíblia Deus chama o demônio de “o príncipe desse mundo”? Em certos momentos, a Bíblia utiliza para referir-se ao diabo expressões que podem parecer excessivas. No entanto, tudo no Livro Sagrado está perfeitamente medido. Deus é o Dominus (Senhor) e o Rex (Rei); estes dois termos sempre estão reservados a Deus na Sagrada Escritura. Só há um Rei e um único Senhor. Isto é, só há um detentor do poder e um único detentor dos direitos.
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Deus é o Rex , enquanto o diabo é o princeps. Essa palavra – princeps – em latim significa “o que ocupa o primeiro lugar, o primeiro, o mais importante, o principal”. Existe uma longa tradição, que remonta aos Santos Padres, que considera que o diabo, antes de se rebelar, era o mais poderoso e belo de todos os anjos. Ainda que essa tradição seja extrabíblica, há certos versículos que de um modo obscuro estariam em consonância com ela. Assim, pelo exemplo, a Sagrada Escritura ao denominar “príncipe deste mundo” quer dizer, sem deixar lugar a dúvidas: o mais importante desse mundo.
Questão 74 Por que o demônio Asmodeu fugiu após Tobias queimar o coração e o fígado do peixe? Já foi dito antes que não há poder algum na matéria que possa influenciar no espírito. Também já foram feitas as considerações pertinentes a essa afirmação. O que teria expulsado Asmodeu não seria, propriamente falando, a virtude inerente ao coração e fígado do peixe, senão a obediência de Tobias ao fazer o que o anjo lhe pediu. Foi a obediência, e não aquelas entranhas, o que provocou o exorcismo. Ou dito de outro modo, não foi aquela matéria senão o poder de Deus o que expulsou o demônio. Da mesma maneira, quando Deus no Antigo Testamento mandou que se sacrificasse um cordeiro no altar do Templo para a purificação dos pecados, Ele sabia que a materialidade dessa morte não perdoava nada, nem tinha qualquer efeito espiritual, era a obediência ao Deus que mandava esse rito que apurava e provocava efeitos espirituais. O rito em si não apurava, o rito era a verificação dessa obediência. Essa questão a respeito das entranhas do peixe é muito útil para recordar que, no exercício do ministério do exorcismo, há que se evitar toda tentação de cair em qualquer tipo de espécie de práticas mágicas, ainda que seu conteúdo tenha cunho cristão. É o poder de Deus o que expulsa o demônio, o que vai além da simplicidade de fazer questão da oração e da singela aplicação de objetos abençoados sobre o corpo do possesso, o que vai além da plena
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transparência da fé, é matéria não só perigosa, senão errada. Pois seria cair em práticas mágicas com a desculpa de que as estamos fazendo com objetos abençoados ou orações dirigidas a Deus. Seria uma espécie de rito mágico, por exemplo, se o sacerdote dissesse que para libertar alguém do demônio tivesse que aplicar nele uma mistura de óleo sagrado com água benta e incenso em pó durante quatro domingos seguidos, e que após cada sessão, seria necessário recitar um Pai-nosso de pé e outro de joelhos. Ou outro exemplo de prática mágica com elementos cristãos, seria dizer que é preciso rezar determinada oração sete vezes e que depois de cada uma tivesse que dar água benta para a pessoa beber e, em seguida, fazê-la olhar a imagem da Virgem com as mãos unidas e recitando três vezes o Glória ao Pai. Tudo isto, mesmo feito com o uso de objetos cristãos, seria, de fato, uma prática mágica, pois a eficácia da libertação já estaria na fé em Deus, na oração simples dirigida a Ele com a confiança de um menino que pede a seu pai; nestes casos, a eficácia teria passado à materialidade de um objeto que deve ser aplicado de modo extremamente determinado como condição para que a oração dê resultado.
Questão 75 Há algum significado nesse coração e no fígado do peixe de Tobias? Podemos fazer uma leitura simbólica do que faz Tobias com o demônio Asmodeu, entendendo-o como uma alegoria da ação de Jesus com respeito ao diabo. Não em vão tob em hebreu significa bom. A luta entre Tobias e o peixe seria ilustração da luta entre o Bom por excelência – Jesus – e Leviatã. O Leviatã é símbolo do diabo disfarçado com atributos de monstro marinho. Cristo vence e arranca-lhe o coração e o fígado, e queima-os. Isto produziria o exorcismo do mundo, a conjuração do mal no mundo humano. Isto é, o poder de Satanás fica quebrantado depois da vitória de Cristo na Cruz. “Vi Satanás cair como um raio”, dirá Jesus. Certamente, o mundo não estava possuído por Satanás, é uma imagem, embora jazesse nas trevas.
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O casamento entre Tobias e Sara, libertada do poder do demônio, seria uma metáfora do casamento místico entre Cristo e a Igreja. A recuperação da visão do pai de Tobias seria símbolo da visão espiritual recuperada. Visão perdida com o pecado. A simbologia messiânica da visão dos cegos produz-se já no Livro de Tobias com o fel do fígado do peixe derrotado. O fel é símbolo do sofrimento redentor. O sofrimento de Cristo devolveu-nos a visão. Mas para obter esse fel que nos produz a salvação foi necessária essa luta com Leviatã. O fel, símbolo do sofrimento de Cristo, aplicado por Sua própria mão, devolve a visão à humanidade. A visão que perdemos pela cegueira que nos produziu o Príncipe desse mundo. É interessante observar que o fel amargo é produzido pelo peixe, símbolo do diabo. Ele o produz e carrega essa amargura em seu seio. Mas esse mesmo fel (símbolo do sofrimento) nas mãos de Tobias (símbolo de Cristo) transforma-se em medicina. Cristo transforma o sofrimento em medicina de redenção. Também é curioso que em toda a Bíblia se mencione uma só vez o fato de salgar um peixe, e isso é em Tobias 6,5. Que símbolo há em salgar esse peixe que personifica o Leviatã? Acredito que esse é o símbolo da condenação eterna. O pescado salgado já não se corrompe. Está morto, completamente morto, não se corrompe. Esse peixe salgado seria representação da morte eterna do Leviatã.
Questão 76 O que quer dizer São Paulo ao afirmar que Cristo levou os demônios em Seu cortejo triunfal? “Jesus espoliou os principados e potestades, e os expôs ao ridículo, triunfando deles pela cruz” (Col 2,15).
Quando se fala de principados e potestades, refere-se aos anjos pertencentes a essas duas hierarquias que se rebelaram. Há uns principados e potestades angélicos que se mantiveram fiéis, e outros principados e potestades que se tornaram demoníacos. De que se lhes despoja aos rebeldes? Do poder sobre a
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humanidade. Os demônios graças aos pecados dos homens estavam exercendo sobre estes um verdadeiro poder. Essa influência exercida pela tentação foi quebrantada graças à Cruz. A Cruz não é o limite para limitar o poder do demônio sobre a Terra, caso contrário, ele seria completamente destruído. A Redenção é uma libertação como a do Povo Eleito do Egito. O Povo Eleito escapou do jugo do pecado. Esse é o racha dos principados e potestades. Quando São Paulo diz que Cristo os levou em Seu cortejo triunfal, está pensando na imagem dos generais vitoriosos entrando na Urbe, seguidos a pé pelos caudilhos (líderes) inimigos derrotados. O que essa imagem literária quer expressar é que entre o Messias e Satanás houve uma verdadeira luta. Luta essa espiritual, mas uma verdadeira e autêntica luta. De qualquer forma, o cortejo de vencidos não foi como os cortejos materiais, pois os espíritos não ocupam lugar nem se pode colocá-los em fila. A exibição pública de que fala São Paulo foi a exposição ante todos os anjos e bem-aventurados de todas as vitórias que conseguiu nessas batalhas espirituais contra os espíritos malignos.
Questão 77 Por que o demônio é chamado de acusador? “Porque foi precipitado o acusador de nossos irmãos, que os acusava, dia e noite, diante do nosso Deus” (Ap 12,10b).
Satanás alegra-se cada vez que os homens pecam, e não perde nenhuma oportunidade de dizer a Deus que tal ou qual alma caiu. Satanás cada vez que quer falar a seu Criador só tem que se dirigir a Ele. Deus escuta tudo o que se diz, isto é, conhece qualquer espécie inteligível que procede de qualquer demônio. O demônio não precisa ir a nenhum lugar, pois Deus está em todas as partes. Satanás recorda a Deus os pecados que cometemos, é o que deseja expressar quando nos acusa. Esse tipo de comunicação entre Deus e Satanás vem sendo refletida tanto no Livro de Jó, quando ambos falam, como no Livro de Zacarias (Zc 3,1).
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A única coisa que Satanás deseja com isso é recordar a Deus seus triunfos sobre nós. Depois do Julgamento Final, já não se cometerão mais pecados, assim, o diabo não poderá mais nos acusar de nada.
Questão 78 Deus e o demônio falam entre si? Na questão anterior, tornou-se evidente que é o próprio Satanás que fala, às vezes, censurando Deus pelos pecados que cometemos. Mas isso não é um diálogo verdadeiro e autêntico. Estas conversas acontecem? Ainda que ambos sejam dois seres espirituais, e os seres espirituais por sua própria natureza gostam da comunicação entre si, no entanto, estas conversas não acontecem. Por parte do diabo não há nenhum interesse em começar uma conversa com Aquele a quem odeia com todas as suas forças. E por parte de Deus, também não há interesse algum em falar com aquele que respira ódio contra Ele continuamente. Deus tem Sua dignidade, e por isso não quer conversar com quem Lhe insulta e blasfema continuamente. Não quer conversar porque na realidade não há nada sobre que falar.
Questão 79 É permitido insultar os demônios? Na Sagrada Escritura, podemos encontrar três versículos que estão indubitavelmente relacionados e se colocam um junto ao outro. “O (anjo do) Senhor disse a Satã: O Senhor te confunda, Satã! Confunda-te o Senhor que escolheu Jerusalém. (Josué) não é porventura um tição escapado ao incêndio?” (Zc 3,2). “Ora, quando o arcanjo Miguel discutia com o demônio e lhe disputava o corpo de Moisés, não ousou fulminar contra ele uma sentença de execração, mas disse somente: Que o próprio Senhor te repreenda!” ( Jud 1,9).
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“Audaciosos, arrogantes, não temem falar injuriosamente das glórias, embora os anjos, superiores em força e poder, não pronunciem contra elas, aos olhos do Senhor, o julgamento injurioso” (2Pd 2,10b-11).
Os textos tanto de São Pedro como da Epístola de São Judas Tadeu são provas de que, naquela época, existiu algum tipo de culto pagão que, entre as coisas que praticavam em seus ritos, também insultava entidades espirituais malignas. Trata-se de daemones (gênios) ou quiçá mais provavelmente de determinados eones, figuras espirituais que apareceram nas doutrinas gnósticas. Os textos deixam claro que só insultavam as entidades malignas. No entanto, ambos os Apóstolos censuram tal prática, pois dirão que nem os anjos insultam os demônios, pois estes, ainda que se tenham rebelado, seguem com uma natureza gloriosa, muito superior à natureza do cosmo material. E por isso os anjos não os insultam, não querem insultar seres que por sua natureza representam o ápice da criação de Deus. Estes versículos interessantíssimos nos mostram que é suficiente para atormentar os demônios apenas que os anjos peçam a Deus que lhes contenha ou lhes repreenda. Pois inclusive os demônios, seres rebeldes, não podem resistir ao poder divino quando esse refreia os poderes de sua natureza. A repreensão de Deus deve ser algo terrível, já que é com ela que os anjos ameaçam os demônios. Os anjos estão diante da presença do Altíssimo, e a santidade d’Ele é tamanha que não querem manchar sua boca proferindo sentenças ofensivas para nada nem ninguém. Por isso, nesses dois casos, os Apóstolos se limitam a lhes comunicar que vão pedir a Deus que os contenha ou repreenda. Os anjos não insultam, só desejam amar e abençoar. Por isso a lição desses versículos é clara: ninguém deve insultar os demônios. Ninguém deve insultar ninguém, nem mesmo os demônios. Nos exorcismos, eles são chamados de serpente, dragão, besta imunda, etc., mas tais termos não são insultos, pois apenas lhes dizem o que são, ainda que isso os atormente. Deve-se dizer-lhes a verdade para que não resistam mais ao sofrimento que lhes produz ouvir a verdade, e saiam. Mas isto lhes é dito sem
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ódio. Com autoridade e poder, mas sem ódio. O ódio não serviria para nada. O ódio não procede de Deus.
Questão 80 Por que o Apóstolo Tiago diz que os demônios creem em Deus? No seminário, quando eu era um jovem imberbe e ainda com bastante cabelo na cabeça, durante uma aula o professor nos mostrou o seguinte versículo da Sagrada Escritura: “Crês que há um só Deus. Fazes bem. Também os demônios creem e tremem” (Tg 2,19).
O professor disse-nos que, embora o original grego use o verbo “crer”, na realidade o Apóstolo queria dizer que até os demônios sabem que Deus existe e se estremecem. A explicação do professor satisfez-me completamente. Não só parecia congruente, como parecia ser a única explicação possível. Os demônios não podiam ter fé, já sabiam que Deus existia, eu pensava. No entanto, somente uma coisa não me deixava feliz nesse tema do verbo grego: por que o Apóstolo tinha usado uma palavra se queria usar outra? Por que ele tinha usado o verbo crer podendo usar perfeitamente o verbo saber ? O assunto ficou esquecido durante uns quinze anos em minha memória, até que a conversa com um demônio durante um exorcismo me deu a resposta; uma resposta que jamais teria me ocorrido, ainda que eu tivesse pensado sobre o tema durante quinze anos mais. Procurei aquele diálogo com esse demônio, mas infelizmente não o transcrevi ao acabar a sessão. Basicamente, a resposta a essa questão é a seguinte: Os demônios não veem Deus, sabem que Ele existe, mas não podem vê-l’O. Com sua inteligência conhecem que existe um ser espiritual que não é apenas um espírito, mas a Divindade. Porém, somente os bem-aventurados veem Sua essência.
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Os demônios O escutaram (isto é, têm conhecimento das espécies inteligentes que se comunicam diretamente com eles), viram Seus efeitos (por exemplo, a criação do cosmo), mas não veem Sua essência. Sua inteligência diz-lhes que o Criador, tem de ser um Ser infinito. Mas ainda que conheçam Sua existência, não viram o que veem os bem-aventurados. Nesse sentido, pode-se dizer que eles creem, ainda que não tenham visto. Mas não é uma fé sobrenatural, pois eles creem que existe o que sua inteligência lhes diz que deve existir e que Ele é do modo como sua inteligência lhes diz que tem de ser. Darei um exemplo dessa fé natural: eu não tenho a menor dúvida de que o continente asiático exista, ainda que nunca tenha estado nele, nem o tenha visto. Acredito em sua existência somente com a inteligência, de um modo natural. Algo assim sucede com os demônios. Assim como achar que a existência da Ásia não é um ato sobrenatural, os demônios creem em Deus de um modo natural. Mas saber que Ele existe não lhes causa gozo, mas pesar. Por que o Apóstolo diz que estremecem? Estremecem por saber que existe essa felicidade e não podem gozá-la. O que os aflige não é tanto o fato de já terem perdido Deus, senão a felicidade de Deus. Além disso, nunca viram essa felicidade, nem a gozaram, e, no entanto, sabem que existe. Também estremecem porque temem o castigo de Deus. Odeiam-n’O e temem que Ele aja como eles, de modo vingativo ante esse ódio. Porque eles O veem segundo a deformação de sua inteligência.
Questão 81 Os acontecimentos no Livro de Jó são históricos? Muitos afirmam que o Livro de Jó se trata de uma narração fictícia. Contra essa opinião estão os dados concretos do livro a respeito da região e tribo à qual pertencia, além da consideração contínua do povo judeu de que tal Livro era histórico. Não há dúvida de que o grande argumento na contramão de que seja um livro histórico tem suas raízes nos desastres que Satanás provoca contra o justo no capítulo 1. Se lemos o texto, reconheço que acontecem
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fatos difíceis de crer. Mas se o analisamos novamente, veremos que tudo o que ocorre se reduz a que: 1. as reses foram roubadas; 2. um raio mata o gado menor sem especificar número; 3. posteriormente, um acidente mata seus filhos. Isso é tudo. Depois disso, Jó cai doente. Em minha paróquia conheci casos de acidentes ou más notícias tão espetaculares como estes que aparecem na história de Jó. Inclusive o caso de um raio que mata um rebanho inteiro poderá parecer algo extraordinário, mas é algo que conheci na minha terra. Ali, nos arredores de Ganaderos dos Pirineus, antes de conhecer a história de Jó, eu já sabia que um raio poderia matar um rebanho inteiro. Portanto, sustento que os acontecimentos do Livro de Jó são históricos, pois o lugar geográfico onde sucedeu e os detalhes contidos nele podem perfeitamente ser históricos; não há detalhes que nos forcem a pensar que se trata de um texto de sabedoria.
Questão 82 Por que se diz que Leviatã tem muitas cabeças? Se o Leviatã é apenas um, se é um único ser individual, por que o Salmo 73(74),14 diz: “Quebrastes as cabeças do Leviatã ”? De modo semelhante, o Sumo Pontífice é a cabeça visível da Igreja. E como todo Papa é uma pessoa, cada um a sua vez é a cabeça da Igreja. De forma semelhante, também há personagens ao longo da história que são como cabeças visíveis e manifestas da iniquidade e poder de Satanás. Pode-se facilmente rastrear a história e encontrar “esses cabeças”: Antíoco Epifânio, Nero, Diocleciano, Napoleão, Hitler, Stalin, Pol Pot. Mas se em cada momento a Igreja tem apenas uma cabeça, o mal e a iniquidade podem ter múltiplas cabeças simultaneamente. A Igreja forma um corpo místico, o mal não. O bem é a ordem, a unidade. O mal é a desordem, a dispersão.
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Questão 83 Por que Satanás aparece com mais frequência no Novo Testamento do que no Antigo? A palavra “Satanás” aparece 18 vezes no Antigo Testamento. No Novo Testamento, “Satanás” aparece 35 vezes e “diabo” 36 vezes. O termo “demônio” aparece 21 vezes no Novo, enquanto no Antigo Testamento, os termos equivalentes a daemon (seirim, Lilith, etc.) aparecem muitas vezes menos. O Novo Testamento é bem menos extenso, entretanto os demônios aparecem mais vezes. Por quê? Acredito que seja porque Deus não iria infundir o medo no povo eleito. Também não quis dar vazão a que se implantasse a falsa crença de um dualismo em igualdade de condições: um Deus do bem e um deus do mal. O paralelismo a que se tivesse prestado esse dualismo talvez tivesse sido fácil: um Deus do bem com Seus anjos e um deus do mal também com seus anjos. Por isso Deus não só silencia bastante a figura dos demônios, como inclusive vai além. Não só a figura central será Deus, como também o mundo angélico aparecerá em contadas ocasiões, para não dar espaço a idolatrias. No entanto, no Novo Testamento, o Apocalipse já pode ser preenchido e apresentado de maneira mais profunda da existência do mundo espiritual.
Questão 84 O Anticristo é o diabo? Muitos, inclusive clérigos, identificam a figura bíblica do Anticristo com a do diabo; tal identificação é um erro. O Anticristo é apresentado no Apocalipse sempre como um homem. Expressamente em Ap 13,18 diz-se que o 666, o número do Anticristo, é número de um ser humano. Logo, se é um ser humano, não pode ser um espírito. O Anticristo não é o demônio; portanto, é um homem que propaga o ódio, a guerra e o mal. Nero, Napoleão e especialmente Hitler são figuras e esboços perfeitos do Anticristo.
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Seu próprio nome, “Anticristo”, também nos esclarece muito sobre a figura que representa. Isto é, trata-se da figura contrária a Cristo. Jesus era um Homem, o Anticristo também. Cristo estendeu o amor, a paz, a misericórdia. O Anticristo vai estender ódio, guerra, vingança. Ambos fizeram prodígios na vida, ambos têm os seus seguidores. Um deles é a figura humilde, que acaba crucificada, o outro é uma figura de orgulho e triunfo. Um deles tem um Pai que é Deus, o outro tem um pai que é Satanás.
Questão 85 Satanás pode ter um filho? Não, é absolutamente impossível que um espírito tenha um filho. Um espírito não pode procriar carnalmente. Um ser imaterial não pode fertilizar nada. A ideia que aparece em muitos romances e filmes de que, no final dos tempos, o demônio terá seu filho para ser o Anticristo não é apenas extrabíblica, mas teologicamente impossível. Se ele se mostrar com uma aparência corporal, não deixará de ser uma mera aparência. Essa aparência não é o seu corpo; ele não tem corpo. O aspecto com o qual se revela é algo completamente fora de seu ser. Alguém poderia pensar que é possível estar com uma aparência corporal e em seu interior carregar um óvulo tomado de uma mulher ou um espermatozoide tomado de um homem, e que assim seria possível manter uma relação. Essa possibilidade nunca se deu na realidade, mas, ainda que se desse, o problema da impossível paternidade do diabo segue sendo insolúvel, pois essa aparência corporal seria mera portadora de uma semente alheia. Ainda que tivesse uma relação em que fecundasse uma mulher ou fosse fecundado esse óvulo, o problema continuaria sendo o mesmo: ele só foi portador daquele óvulo alheio ou daquele espermatozoide. Não importa como seja, o diabo não pode ter um filho.
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Questão 86 Existe uma paternidade espiritual do demônio? Sim, o único caminho possível para a paternidade do demônio é a paternidade espiritual. Isto é, do mesmo modo que aquele que realiza as obras de Deus acaba se parecendo cada vez mais com seu Pai, assim também aquele que faz as obras da iniquidade, paulatinamente, vai-se parecendo mais com ela. Neste sentido, sim, existe uma paternidade espiritual. E por isso em At 13,10 se diz do mago Élimas que era filho do diabo. E por isso também São João diz em 1Jo 3,8: “ Aquele que peca é do demônio” . E em 1Jo 3,10: “Nisso se mostram os filhos de Deus e os filhos do diabo” . E o mesmo Jesus em 1Jo 8,44 diz: “Vocês sois filhos de vosso pai que é o diabo” .
Questão 87 A Besta do Apocalipse é o demônio? Não, o Apocalipse distingue muito bem entre três figuras: o Anticristo, a Besta e o Dragão (ou Serpente). O Anticristo é um homem, a Besta é um poder político, uma grande nação que leva a guerra aos confins do mundo, e o Dragão (ou Serpente), que é o diabo. Todos os versículos do Apocalipse estão escritos de acordo com essa distinção nítida e em nenhum momento do livro há conflitos nem ambiguidades entre estas três figuras. Embora, em algum momento entre a figura da Besta e do Anticristo há certa identificação, pois o Anticristo é a cabeça da Besta.
Questão 88 O que significa o 666? Todo mundo dá como certo que o 666 é o número ou símbolo do diabo. Mas desse número que aparece num só versículo ( Ap 13,18) se diz que é o número da Besta, pois é número de um ser humano. Logo, não é o número do diabo, senão o do Anticristo.
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Centenas de pessoas perguntaram-me, ao longo de minha vida, o que significa esse número e a quem corresponde. Sempre lhes respondo que está muito claro: quando chegar o fim dos tempos já se saberá. É uma mensagem codificada para reconhecer o Anticristo; até que ele chegue, não tem nenhum sentido fazer especulações. Essa profecia é como algumas profecias do Anti go Testamento com respeito ao Messias. Profecias que resultavam completamente incompreensíveis ante-eventum. Mas post-eventum ficam perfeitamente claras e iluminadas. O número dá-se como símbolo para reconhecê-lo, de maneira que, quando vier, ficará claro o sentido da profecia.
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Parte VI
O Inferno Questão 89 Quantos demônios se condenaram? Ninguém pode responder a essa pergunta. Sabemos que existem milhares de milhões de anjos, já que no Livro de Daniel se diz, referindo-se aos anjos, que “milhares e milhares o serviam, dezenas de milhares o assistiam” (Dn 7,10). Seria razoável pensar que os condenados sejam um número muito inferior ao número dos que se salvaram, inclusive que os condenados formem um número exíguo. A condenação eterna é algo tão terrível que pouquíssimos são os que perseveram no mal, apesar do convite da graça ao arrependimento. Aqui na Terra existe muito pecado porque em nós, os humanos, existe a fragilidade da carne. Entre as fileiras dos anjos houve menos pecados, pois neles não existe a concupiscência. Por outro lado, ainda que entre os anjos exista um número menor de pecados, os pecados que tiveram foram mais intensos e de maior culpabilidade, pois não existia o estímulo das paixões corporais. Poderíamos dizer que entre os anjos os pecados foram menos abundantes, mas mais demoníacos. Enquanto, neste mundo, os pecados são mais abundantes, mas menos intensos, pois procedem em sua maior parte da debilidade. Apesar dessa diferença, os paralelismos entre o mundo humano e o angélico são evidentes. A evolução da santidade ou a da iniquidade são similares, ainda que não idênticas. Podemos compreender como é a psicologia de um demônio, pois alguns homens entre nós chegam a ser como demônios. Um SS como Menguele, um mafioso que assassina por dinheiro, um terrorista
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que procura fazer o maior mal possível, são como demônios com corpo. E ainda que, enquanto estejam vivos, possam se arrepender, cada vez mais vão se assemelhando a verdadeiros demônios ainda em vida. De modo contrário, também entre nós há homens que chegam a tal grau de bondade que são como verdadeiros anjos com corpo. Como se vê, tanto a iniquidade como a santidade chegam em alguns homens a um grau tão elevado, que tanto a condenação como a beatitude já começam em vida. Também há homens que vivem num verdadeiro estado de ódio e raiva contínua, bem como há outros que vivem imersos num verdadeiro abismo de amor. A eternidade não é outra coisa senão a continuação nesse estado em que cada um se colocou. Para os santos a eternidade será esse amor que já possuem, mais Deus. Para os condenados, a condenação será deixar-lhes pela eternidade nesse estado em que já se encontram na Terra. Céu e Inferno já começam na Terra. Muitos, muitíssimos escritores eclesiásticos ao longo da história quiseram encontrar uma resposta à pergunta de quantos an jos se condenaram no versículo de Ap 12,4 onde se diz: “[o Dragão] varreu com sua cauda a terceira parte das estrelas do Céu e lançou-as a terra” . Eu interpretaria esse versículo no sentido de que, num primeiro momento, uma terceira parte dos anjos deixou-se seduzir pelas razões de Satanás. Mas depois, em minha opinião, muitos voltaram graças à grande batalha que houve nos Céus.
Questão 90 Por que Deus não aniquila o demônio? Os demônios são uma manifestação do poder de Deus em Seu atributo da justiça. A mera existência dos demônios proclama que a Lei de Deus não se ofende em vão. Eles são uma prova de que a santidade da Trindade é in violável. O que viola essa santidade deforma a si mesmo, transformando-se em demônio. Há uma violação dessa Lei e dessa santidade que é reversível, mas se a vontade opta por não retornar dessa transgressão, então a deformação torna-se eterna. Assim os demônios dão glória a Deus. Dão glória a Deus com sua existência. Glorificam-n’O sem querê-l’O, do único modo que podem: sendo demônios. Eles são a terrível prova da ordem divina. Sua
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existência mostra o poder de Deus que contém e castiga seres tão poderosos. Sua existência também é uma mostra da santidade divina, pois na história de cada um deles consta que Deus, como um Pai, chamou-os tantas e tantas vezes ao arrependimento. Sua existência mostra Sua sabedoria, a sabedoria de Sua ordem; uma ordem com limites. Seria melhor que jamais ti vessem existido demônios, mas a Criação é mais rica, mais variada, com a existência desse tipo de entes maléficos. Até os seres disformes enriquecem a Criação com sua mera presença. Uma catedral não seria mais bela se arrancássemos dela seus seres monstruosos e híbridos esculpidos em seus capitéis e gárgulas. Tudo tem seu lugar, sua razão de ser. Os demônios, como se disse, mostram a justiça de Deus, Sua santidade e Sua sabedoria ao criar tal ordem na Criação. Uma ordem tão perfeita do Universo, que nem o mal destrói essa arquitetura divina. Seria preferível que não existisse o mal, mas já que existe, até ele engrandece mais essa catedral disposta pela mente da Santíssima Trindade. A catedral tem suas altas torres, mas também suas criptas e subterrâneos sombrios. O dito pode parecer muito poético, mas há momentos em que a Teologia só pode expressar com poesia certos conceitos. Mas voltando à férrea lógica dos conceitos teológicos, há que considerar, por outro lado, que os demônios não sofrem em todos os momentos. De forma que, inclusive eles, gozam do dom da existência. A existência é um dom. E mesmo sofrendo em muitos momentos e ao viver uma vida longe de Deus, os demônios gozam do grau mais baixo de felicidade, a felicidade de existir. Gozam da potência racional do conhecimento. De modo que, para eles, é preferível existir a não existir. Até para os demônios Deus é bom, ao lhes conceder a existência. Existir é um bem, ainda que seja sofrendo. Se deixassem de existir deixariam de sofrer, mas perderiam a possibilidade de todo bem, por menor que fosse. O bem da existência no meio do sofrimento é pequeno, mas real. Quem perde a existência perde completamente tudo. Então por que na Sagrada Escritura se diz: “ Ai daquele por quem o Filho do homem é entregue! Era-lhe melhor não ter nascido” ( Mt 26,24). Sobre esse tema dei muitas voltas e reconheço que para ele não tenho uma solução. Por um lado, considero que meu raciocínio é verdadeiro e explica por que o
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Senhor os mantém na existência. Já que Deus não desejaria manter existências que são só sofrimento e dor em estado puro. Pelo menos, assim me parece. Mas por outra parte, as palavras de Jesus parecem indicar que, numa situação assim, é preferível não existir. Queira Deus que atinja luzes para entender esse paradoxo. Às vezes, em um livro, há que se deixar constância do que se sabe, e daquilo que se duvida.
Questão 91 Será que os demônios prefeririam deixar de existir? Nos séculos dos séculos sucedem-se os demônios sem esperança. Indubitavelmente, se pudessem suicidar-se, antes ou depois, desesperados, cheios de tristeza, acabariam com suas vidas para pôr fim a seus sofrimentos. Não têm órgãos, não podem se envenenar, não podem deixar de comer. Nem sequer podem morrer de tristeza. Faça o que façam, seguirão existindo. De qualquer jeito, já se disse que ainda que sofram por toda a eternidade, não sofrem em todos os instantes. De maneira que, ainda que eles não O reconheçam, sua existência é um dom de Deus. E embora vez ou outra caiam em atos de ódio, de raiva, de ressentimento, o resto do tempo conhecem e gozam de uma existência natural, a de sua própria natureza.
Questão 92 A pior condenação é a dos demônios ou a dos homens? Depende. Há homens que cometeram pecados piores do que os cometidos por alguns demônios, assim como existem homens que são maiores no Céu que alguns anjos. O pecado, como a virtude, não é dependente da natureza, mas, essencialmente, da vontade. Da mesma forma que aqui no mundo uma pessoa sem cultura e nenhum poder pode cometer um pecado mais intensamente do que um poderoso governante ou um filósofo reputado e de renome. Assim como uma mulher de idade avançada e analfabeta pode ser muito mais santa que o Papa. A ordem da graça não está relacionada com a ordem da natureza. Ou, dito de outra forma, os méritos ou deméritos são independentes
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da natureza recebida, só dependem da nossa vontade e da graça. Portanto, há homens que pecaram mais do que os demônios e eles vão sofrer mais do que estes. Assim, também existem anjos da hierarquia inferior que amaram mais que os serafins, e, portanto, desfrutaram mais do que estes.
Questão 93 Por que o Inferno deve ser eterno? O arrependimento só pode vir da graça. Se Deus não envia uma graça ao espírito, fazendo-o perceber o mal cometido, não pode haver arrependimento sobrenatural. Sem a graça, um demônio pode entender que foi uma má decisão ter se rebelado, pois tal decisão lhe causou males, portanto tem sido um tolo. Mas o arrependimento sobrenatural é, qualitativamente, outra coisa. Não é apenas um ato de nossa compreensão. É um dom de Deus enviado ao espírito para que dobremos os nossos joelhos e peçamos de coração perdão a Deus, com humildade. Sem essa graça invisível, tem lugar a dor de uma decisão errada, mas sem pedido de desculpas. Corresponde a admitir o erro que se cometeu, mas com soberba. Os demônios podem até admitir que sua escolha os levou ao sofrimento, mas nem por isso param de odiar a Deus. Deus não envia nenhuma graça de arrependimento aos demônios. Houve um tempo em que ainda lhes foi concedida uma última, mas agora não há mais. Os demônios sabem que o último trem partiu e não há mais nenhum outro. Nem por toda a eternidade. É nesse sentido que podemos dizer que os demônios foram abandonados por Deus, pois o Criador abandonou-os para sempre. Como se vê, a eternidade da pena não é dada por uma decisão Divina arbitrária, uma vez que ela é aplicada àqueles que se perderam e não quiseram mais voltar. Muitas vezes, muitos cristãos consideram que Deus é demasiadamente severo por impor a condenação eterna, e não percebem ser Ele, Deus, que foi abandonado e que é dado exatamente o que eles querem. Alguns, ao lerem isto, pensarão: “ Ah, pois eu, por mais que peque não quererei afastar-me de Deus, sempre quererei pedir perdão”. E com tal pensamento
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ficarão tranquilos sem sair do pecado. A esses há que lhes dizer que ninguém que está condenado por toda a eternidade pensou que o estaria algum dia. Se uma pessoa continua no pecado, esses pecados levar-lhe-ão a outros pecados piores. E esses a outros piores. E finalmente não irá mais pedir perdão. É o que acontece com os consumidores de droga: no princípio eles eram, todos, pessoas normais que quando viram os casos mais extremos se perguntaram como era possível chegar a tal necessidade e fragilidade. Pois o mesmo acontece com o pecado. Todo condenado achou que não chegaria a traspassar certos limites.
Questão 94 Deus pode perdoar os demônios? No ano 543 o Papa Virgílio proclamou: “Se alguém diz ou pensa que o castigo dos demônios ou dos homens ímpios é temporário e em algum momento terá fim, ou que dar-se-á a reabilitação ou restabelecimento dos demônios ou dos homens ímpios, seja anátema” (DS 411). Deus pode perdoar qualquer pecado por mais grave que seja. Mas Deus não pode perdoar um demônio. Porque Deus não pode perdoar quem não se arrepende de seu pecado. Fazer tal coisa seria uma desordem, e Deus não pode cometer desordens. Como se vê, o problema não está no pecado (Deus pode perdoar tudo), senão na vontade (Deus não força a vontade). Como se disse anteriormente, muita gente pensa que Deus não deveria ser tão severo e teria de perdoar os condenados. Mas pela razão já alegada, o mesmo Deus que pode criar um milhão de cosmos somente por querer, não pode perdoar um só demônio. Deus que pode tudo não pode o impossível. E é impossível que Deus, que cria uma vontade livre, depois a force. Terrível advertência essa aos que traspassam a Lei de Deus com toda tranquilidade, vez ou outra, dizendo em seu coração: “ Deus perdoar-me-á tudo”. Os que fazem assim desconhecem que há um limite para além do qual a misericórdia de Deus dá a volta e abandona o pecador à justiça. Ou em outras palavras, para esclarecer: há um limite para além do qual a alma se endurece a tal ponto que recusa toda graça. E ali, nesse ponto, o Criador não pode fazer outra coisa senão deixar a criatura seguir seu caminho.
O Inferno
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Questão 95 Que punições há no Inferno? Existe fogo? Sim, existe o fogo do remorso. Fogo material não, pois os demônios nem estão em nenhum lugar, nem nenhum castigo corporal lhes pode causar dano. Esse remorso que nada pode apagar, que arde no interior de cada espírito condenado, que atormenta espiritualmente os espíritos é o fogo que não se apaga ( Mc 9,48), o fogo eterno ( Mt 25,41), o forno de fogo ( Mt 13,42), o fogo ardente (Hb 10,27), o lago de fogo sulfuroso ( Ap 19,20), a geena de fogo ( Mt 5,22), o lume que atormenta (Lc 16,25). O verme que nunca morre de que se fala em Marcos 9,48 é igualmente o verme do arrependimento, que atravessa a consciência vez ou outra durante a eternidade. As trevas exteriores ( Mt 8,12) são as trevas e escuridão do afastamento de Deus. As penas do Inferno não são outras que o ódio, a tristeza, a ira, a solidão, a melancolia, o arrependimento e o sofrimento que produz a própria deformação do espírito; isto é a deformação de todos os pecados que contém cada anjo caído. Se analisarmos os termos que usa a Bíblia ao falar da condenação, veremos termos de afastamento, do fogo do arrependimento, mas nunca termos de tortura que seja aplicada por parte do Juiz. Ao falar da condenação, a Bíblia nunca apresenta Deus como o torturador. Usa termos impessoais, como fogo, trevas ou lago sulfuroso. A condenação, portanto, é o afastamento de Deus e é a tortura que cada espírito aplica a si mesmo pela própria deformação do espírito. Deus não criou os sofrimentos infernais; o Inferno é fruto da deformação de cada espírito.
Parte VII – Apêndices
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Apêndice 1
A mí�tica cid�de de Deus A
o falar do pecado dos demônios é necessário transcrever os escritos de uma monja concepcionista do século XVII, a Venerável Soror María de Jesús de Agreda (1602 -1665+), que afirmou ter recebido revelações sobre esse tema. O trabalho que nos fala dessas revelações foi intitulado A mística cidade de Deus . É surpreendente meditar sobre estes parágrafos escritos por uma humilde freira, que nunca estudou Teologia. É impressionante ver como as questões mais complexas e profundas da demonologia foram reveladas por Deus a essa humilde freira. Apresentamos a seguir as passagens essenciais relativas ao pecado dos demônios.
A mística Cidade de Deus Livro 1, cap. 7, nº 82 Da terra, diz Moisés, que estava vazia, e não o diz do Céu; porque neste criou os anjos. Disse Deus: seja feita a luz, e foi feita a luz ; porque não fala só da luz material, senão também das luzes angélicas ou intelectuais. E não os recordou mais claramente que fazê-los conhecer sob este nome, pela condição tão fácil dos hebreus em atribuir à divindade as coisas novas e de menor apreço que os espíritos angélicos; mas foi muito legítima a metáfora da luz para significar a natureza angélica, e misticamente a luz da ciência e graça com que foram iluminados em sua criação. Tinha de dividir logo o Senhor a luz das trevas e chamar à luz dia e as trevas noite; e isto não sucedeu só entre a noite e o dia naturais, mas entre os anjos bons e maus, que aos bons deu a luz eterna de Sua vista, e a chamou dia, e dia eterno; e aos maus chamou noite do pecado e foram arrastados para as
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eternas trevas do Inferno; para que todos entendamos quão juntas andaram a liberalidade misericordiosa do Criador e vivificador e a justiça de retíssimo Juiz no castigo.
Nº 83 Foram os anjos criados no Céu empíreo e em graça, para que com ela precedesse o merecimento ao prêmio da glória; que ainda que estivessem no lugar dela, não se lhes tinha mostrado a Divindade cara a cara e com clara notícia, até que com a graça o mereceram os que foram obedientes à vontade divina. E assim estes anjos santos, como os demais apóstatas, duraram muito pouco no primeiro estado de viadores; porque a criação, estado e termo, foram em três estadias ou mórulas divididas com algum intervalo em três instantes. No primeiro, foram todos criados e enfeitados com graça e dons, tornando formosas e perfeitas criaturas. A esse instante seguiu-se uma mórula, em que a todos foi proposta e intimada a vontade de Seu Criador, e se lhes estabeleceu lei e preceito de fazer, reconhecendo-O por supremo Senhor, e para que cumprissem com o fim para que os tinha criado. Nessa mórula, estadia ou intervalo sucedeu entre São Miguel e seus anjos, com o Dragão e os seus aquela grande batalha que diz São João no cap. 12 do Apocalipse; e os bons anjos, perseverando em graça, mereceram a felicidade eterna e os inobedientes, levantando-se contra Deus, mereceram o castigo que têm.
Nº 84 Posto que nessa segunda mórula pôde suceder tudo muito brevemente, segundo a natureza angélica e o poder divino, entendi que a piedade do Altíssimo se deteve um pouco e que com algum intervalo apresentou-lhes o bem e o mau, a verdade e a falsidade, o justo e o injusto, sua graça e amizade e a malícia do pecado e inimizade de Deus, o prêmio e o castigo eterno e a perdição para Lúcifer e os que lhe seguissem; e Sua Majestade mostrou-lhes o Inferno e suas penas e eles viram tudo, que em sua natureza tão superior e
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excelente todas as coisas se podem ver, como elas em si mesmas, sendo criadas e limitadas; de sorte que, antes de cair da graça, viram claramente o lugar do castigo. E embora não conhecessem por esse modo o prêmio da glória, tiveram dela outro conhecimento e a promessa manifesta e expressa do Senhor, com que o Altíssimo justificou sua causa e agiu com suma equidade e retidão. E porque toda essa bondade e justificativa não bastou para deter Lúcifer e seus seguidores, foram, como pertinazes, castigados e lançados na profundeza das cavernas infernais, e os bons confirmados na graça e glória eterna. E isto tudo foi no terceiro instante, em que se conheceu de fato que nenhuma criatura, exceto Deus, é impecável por natureza.
Nº 85 Segundo a má inclinação que então teve Lúcifer, acometeu-o desordenadíssimo amor por si mesmo; e passou a ver-se com maiores dons e formosura de natureza e graça que os outros anjos inferiores. Neste conhecimento dete ve-se demasiado; e o agrado que teve de si mesmo, retardou-lhe e o entibiou no agradecimento que devia a Deus, como a causa única de tudo o que tinha recebido. E voltando-se a remirar, deleitando-se novamente de sua formosura e graça, passou a atribuí-las e amá-las como suas; e esse amor próprio desmedido não só o fez engrandecer-se com o que tinha recebido de outra virtude superior, como também o forçou a invejar e cobiçar outros dons e excelências alheias que não tinha. E porque não as pôde conseguir, concebeu ódio mortal e indignação contra Deus, que do nada o tinha criado, e contra todas Suas criaturas.
Nº 86 Daqui se originaram a desobediência, presunção, injustiça, infidelidade, blasfêmia e quase uma espécie de idolatria, porque desejou para si a adoração e reverência devidas a Deus. Blasfemou de sua divina grandeza e santidade, faltou à fé e lealdade que devia, pretendeu destruir todas as criaturas e
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presumiu que poderia tudo isto e bem mais; e assim sempre sua soberba sobe e persevera, embora sua arrogância seja maior do que sua fortaleza, porque nessa não pode crescer e no pecado um abismo chama a outro abismo. O primeiro anjo que pecou foi Lúcifer, como consta do capítulo 14 de Isaías, e esse induziu a outros a que lhe seguissem; e assim se chama príncipe dos demônios, não por natureza, que por ela não pôde ter esse título, senão pela culpa. E os que pecaram não foram de uma só ordem ou hierarquia, pois de todas caíram muitos.
Nº 87 E para manifestar, como se me tem mostrado, que honra e excelência foram o que com soberba apeteceu e causou inveja a Lúcifer, advirto que, como nas obras de Deus há equidade, peso e medida, antes que os anjos se pudessem inclinar a diversos fins, determinou sua providência lhes manifestar imediatamente após sua criação o fim para que os tinha criado de natureza tão ele vada e excelente. E de tudo isto tiveram ilustração dessa maneira: Em primeiro lugar, tiveram conhecimento muito expresso do ser de Deus, uno em substância e trino em pessoas, e receberam ordem de que o adorassem e reverenciassem como seu Criador e sumo Senhor, infinito em seu ser e com alguma diferença; porque os anjos bons obedeceram por amor e justiça, rendendo seu afeto de boa vontade, admitindo e crendo o que estava nas suas forças e obedecendo com alegria; mas Lúcifer rendeu-se por parecer-lhe ser impossível o contrário. E não o fez com caridade perfeita, porque dividiu a vontade em si mesmo e na verdade infalível do Senhor; e isto fez com que o mandato se lhe tornasse algo violento e dificultoso e não o cumpriu com afeto cheio de amor e justiça; e assim se dispôs para não perseverar nele; e embora não lhe tirasse a graça essa frouxidão e tibieza em fazer estes primeiros atos com dificuldade, começava aqui a sua má disposição, porque sofreu alguma debilidade e fraqueza na virtude e espírito, e sua formosura não resplandeceu como devia. E a meu parecer, o efeito que fez em Lúcifer essa frouxidão e dificuldade foi semelhante ao que faz na alma um pecado venial advertido;
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mas não afirmo que pecou venial nem mortalmente então, porque cumpriu o mandato de Deus; mas foi remisso e imperfeito esse cumprimento, mais por o compelir a força da razão do que por amor e vontade de obedecer; e assim se dispôs a cair.
Nº 88 Em segundo lugar, manifestou-lhes Deus, tinha de criar uma natureza humana e criaturas racionais inferiores, para que amassem, temessem e reverenciassem a Deus, como a seu autor e bem eterno, e que a essa natureza tinha de favorecer muito; e que a segunda pessoa da mesma Trindade Santíssima se tinha de humanizar e se fazer Homem, elevar a natureza humana à união hipostática e Pessoa divina, e que Àquele suposto Homem e Deus tinham de reconhecer por cabeça, não só enquanto Deus, mas também enquanto Homem, e Lhe tinham de reverenciar e adorar; e que os próprios anjos tinham de ser inferiores em dignidade e graças e Seus servos. E deu-lhes compreensão da conveniência e equidade, justiça e razão, que havia nisto; porque a aceitação dos merecimentos previstos d’Aquele Homem e Deus tinha-lhes merecido a graça que possuíam e a glória que possuiriam; e que para glória d’Ele próprio tinham sido criados eles e todas as outras criaturas sê-lo-iam, porque a todas tinha de ser superior; e todas as que fossem capazes de conhecer e gozar de Deus tinham de ser povo e membros daquela cabeça, para reconhecer-Lhe e reverenciar-Lhe. E de tudo isto deu logo mandato aos anjos.
Nº 89 A esse preceito todos os obedientes e santos anjos se renderam e prestaram assentimento e obséquio com humilde e amoroso afeto de toda sua vontade; mas Lúcifer com soberba e inveja resistiu e provocou aos anjos, seus seguidores, para que fizessem o mesmo, como de fato o fizeram, seguindo a ele e desobedecendo ao divino mandamento. Persuadindo-lhes, o mau Príncipe que seria sua cabeça e que teriam principado independente e separado de Cristo.
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Tanta cegueira pôde causar num anjo a inveja e a soberba e um afeto tão desordenado, que fosse causa e contágio para transmitir a tantos o pecado.
Nº 90 Foi aqui a grande batalha que São João diz ter acontecido no Céu; porque os anjos obedientes e santos, com ardente zelo de defender a glória do Altíssimo e a honra do previsto Verbo encarnado pediram licença e como beneplácito ao Senhor para resistir e contradizer o Dragão, e lhes foi concedida essa permissão. Mas nisto sucedeu outro mistério: quando se determinou a todos os anjos que tinham de obedecer ao Verbo encarnado, foi lhes imposto um terceiro mandato, de que tinham de ter simultaneamente por superiora uma mulher, em cujas entranhas tomaria carne humana esse Unigênito do Pai; e que essa mulher tinha de ser sua Rainha e de todas as criaturas e que se tinha de distinguir e sobressair a todas, angélicas e humanas, nos dons de graça e glória. Os anjos bons, por obedecerem a esse mandato do Senhor, adiantaram e engrandeceram sua humildade e com ela aceitaram e louvaram o poder e sacramentos do Altíssimo; mas Lúcifer e seus confederados, com esse mandato e mistério, elevaram-se à maior soberba e presunção; e com desordenado furor desejou para si a excelência de ser cabeça de toda a linhagem humana e ordens angélicas e que, se tinha de ser mediante a união hipostática, fosse com ele.
Nº 91 E em quanto ao ser inferior à Mãe do Verbo Encarnado e Senhora nossa, resistiu-o com horrendas blasfêmias, convertendo-se em desbocada indignação contra o Autor de tão grandes maravilhas; e provocando aos demais, disse esse Dragão: Injustos são estes mandatos e faz agravo à minha grandeza; e a essa natureza, que Tu, Senhor, olhas com tanto amor e propões a favorecer tanto, eu persegui-la-ei e destruirei e nisto empregarei todo meu poder e cuidado. E a essa mulher, Mãe do Verbo, derrubá-la-ei do estado em que a prometes pôr e a minhas mãos perecerá Teu plano.
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Nº 92 Essa soberba presunção enojou tanto ao Senhor que, humilhando Lúcifer, disse-lhe: Essa mulher, a quem não quiseste respeitar, quebrantar-te-á a cabeça e por ela serás vencido e aniquilado. E se por tua soberba entrar a morte no mundo, pela humildade dessa mulher entrará a vida e a saúde dos mortais; e de sua natureza e espécie destes dois gozarão o prêmio e coroas que tu e teus seguidores perdestes. E a tudo isto replicava o Dragão com indignada soberba contra o que entendia da divina vontade e Seus decretos; ameaçava toda a linhagem humana. E os anjos bons conheceram a justa indignação do Altíssimo contra Lúcifer e os demais apóstatas e com as armas do entendimento, da razão e verdade brigavam contra eles.
Cap. 8, nº 103 E foi visto no Céu outro sinal: avistou-se um Dragão grande e vermelho, que tinha sete cabeças e dez cornos e sete diademas em suas cabeças; e com a cauda arrastava a terceira parte das estrelas do Céu e lançou-as à Terra. Após o que está dito, se seguiu o castigo de Lúcifer e seus aliados. Porque às suas blasfêmias contra aquela assinalada mulher, seguiu-se a pena de achar-se convertido de anjo formoso em Dragão feroz e horroroso, aparecendo também o sinal sensível e exterior figura. E levantou com furor sete cabeças, que foram sete legiões ou esquadrões, em que se dividiram todos os que lhe seguiram e caíram; e a cada principado ou congregação destas lhe deu sua cabeça, ordenando-lhes que pecassem e tomassem por sua conta incitar e mover aos sete pecados mortais, que comumente se chamam capitais, porque neles estão contidos os demais pecados e são como cabeças dos bandos que se levantam contra Deus. Estes são: soberba, inveja, avareza, ira, luxúria, gula e preguiça; que foram os sete diademas com que Lúcifer convertido em Dragão foi coroado, dando-lhe o Altíssimo esse castigo e o tendo negociado ele, como prêmio de sua horrível maldade, para si e para seus anjos confederados; que a todos
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foi determinado castigo e penas correspondentes à sua malícia e a terem sido autores dos sete pecados capitais.
Nº 104 Os dez cornos das cabeças são os triunfos da iniquidade e malícia do Dragão e a glorificação e exaltação arrogante e vã que ele se atribui a si mesmo na execução dos vícios. E com estes depravados afetos, para conseguir o fim de sua arrogância, ofereceu aos infelizes anjos sua depravada e venenosa amizade e fingidos principados, maiorias e prêmios. E estas promessas, cheias de bestial ignorância e erro, foram a cauda com que o dragão arrastou a terceira parte das estrelas do Céu; que os anjos estrelas eram e, se perseverassem, luziriam depois com os demais anjos e justos, como o Sol, em perpétuas eternidades; mas lançou-os na Terra o castigo merecido de seu infortúnio até o centro dela, que é o Inferno, onde carecerão eternamente de luz e de alegria.
Cap. 9, nº 109 E aconteceu no Céu uma grande batalha: Miguel e seus anjos brigavam com o Dragão, e o Dragão e seus anjos brigavam. Tendo manifestado o Senhor o que está dito aos bons e maus anjos, o santo príncipe Miguel e seus colegas pela divina permissão brigaram com o Dragão e seus seguidores. E foi admirável essa batalha, porque se brigava com os entendimentos e vontades.
Nº 107 Com estas armas brigavam São Miguel e seus anjos e combatiam como com fortes raios ao Dragão e aos seus, que também brigavam com blasfêmias; mas à vista do santo Príncipe, e não podendo resistir, se desfazia em furor e por seu tormento quisesse fugir, mas a vontade divina ordenou que não só fosse castigado senão também fosse vencido, e a seu pesar conhecesse a verdade
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e poder de Deus; embora blasfemando, dizia: Injusto é Deus em levantar à natureza humana sobre a angélica. (...) Mas São Miguel replicou-lhe: Quem há que se possa igualar e comparar com o Senhor que habita nos Céus?
Livro 1, cap. 9, nº 110 O que em seu pensamento feria às gentes foi trazido aos infernos, como diz Isaías, capítulo 14, ao profundo do lago, e seu cadáver entregue à podridão e ao verme de sua má consciência; e se cumpriu em Lúcifer tudo quanto disse naquele lugar o profeta Isaías, capítulo 14.
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Apêndice 2
O Leviatã e Beemot H
á um texto da Escritura que os Santos Padres têm aplicado a Satanás. O texto do profeta Ezequiel é dirigido contra o príncipe de Tiro, mas o leitor vai logo perceber que estes versos são melhor aplicados a Satanás do que a um ser humano: “Eras um modelo de perfeição, cheio de sabedoria, de uma beleza acabada. Estavas no Éden, jardim de Deus, estavas coberto de gemas diversas: sardônica, topázio e diamante, crisólito, ônix e jaspe, safira, carbúnculo e esmeralda; trabalhados em ouro. Tamborins e flautas, estavam a teu serviço, prontos desde o dia em que foste criado. Eras um querubim protetor colocado sobre a montanha santa de Deus; passeavas entre as pedras de fogo. Foste irrepreensível em teu proceder desde o dia em que foste criado, até que a iniquidade apareceu em ti. (...) Teu coração se inflou de orgulho devido à tua beleza, arruinaste a tua sabedoria, por causa do teu esplendor (...) assim, de ti fiz jorrar o fogo que te devorou” (Ez 28,12 ss).
Existe um segundo texto, do profeta Isaías, ao qual acontece o mesmo que ao primeiro texto apresentado. Os versículos aplicam-se melhor a outra figura do mundo demoníaco do que ao príncipe babilônico ao qual eram destinados: “Como caíste do Céu, estrela brilhante, filho da manhã, foi lançado à terra, tu que derrotou as nações? Você disse em seu coração subir ao Céu, acima das estrelas de Deus irá levantar o meu trono. (...) Por outro lado, foi levado para o túmulo” (Is 14,12-15).
Se nos fixarmos nestes dois textos de Isaías e Ezequiel, dar-nos-emos conta de que ocultamente está se falando de Satanás (no de Ezequiel ) e de Lúcifer (no de Isaías). Por isso, no segundo texto, nos é dito que era um astro rutilante,
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filho da aurora, pois Lúcifer significa estrela da manhã. Normalmente, a tradição identifica a figura de Satanás e Lúcifer, no entanto, alguns exorcistas têm advertido (entre eles o padre Gabriele Amorth) que são dois demônios diferentes, os dois demônios mais altos na hierarquia demoníaca. Em apoio dessa distinção entre o diabo e Lúcifer viriam os textos do Livro de Jó referidos ao Leviatã e ao Beemot. A tradição judaica e patrística sempre entendeu que Leviatã era figura que representava a Satanás. Mas então, quem era Beemot? A figura de Lúcifer entendida não como sinônimo do diabo seria a resposta. Para ver tais diferenças apresento a seguir o texto de Jó 40,10-28; 41 referente a tais seres. “Vê Beemot, que criei contigo, nutre-se de erva como o boi. Sua força reside nos rins, e seu vigor nos músculos do ventre. Levanta sua cauda como (um ramo) de cedro, os nervos de suas coxas são entrelaçados. Seus ossos são tubos de bronze, sua estrutura é feita de barras de ferro. É obra-prima de Deus, foi criado como o soberano de seus companheiros. As montanhas fornecem-lhe a pastagem, os animais dos campos divertem-se em volta dele. Deita-se sob os lótus, no segredo dos caniços e dos brejos; os lótus cobrem-no com sua sombra, os salgueiros da margem o cercam. Quando o rio transborda, ele não se assusta ; mesmo que o Jordão levantasse até a sua boca, ele ficaria tranquilo. Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas? Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol, e amarrar-lhe a língua com uma corda? Serás capaz de passar um junco em suas ventas, ou de furar-lhe a mandíbula com um gancho? Ele te fará muitos rogos, e te dirigirá palavras ternas? Concluirá ele um pacto contigo, a fim de que faças dele sempre teu escravo? Brincarás com ele como com um pássaro, ou atá-lo-ás para divertir teus filhos? Será ele vendido por uma sociedade de pescadores, e dividido entre os negociantes? Crivar-lhe-ás a pele de dardos, fincar-lhe-ás um arpão na cabeça? Tenta pôr a mão nele, sempre te lembrarás disso, e não recomeçarás. Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar. Ninguém é bastante ousado para provocá-lo; quem lhe resistiria face a face? Quem pôde afrontá-lo e sair com vida, debaixo de toda a extensão do Céu? Não quero calar (a glória) de seus membros, direi seu vigor incomparável. Quem levantou a dianteira de sua couraça? Quem penetrou na dupla linha de sua dentadura? Quem lhe abriu os dois batentes da goela, em que seus dentes fazem reinar o terror? Sua costa é um aglomerado de escudos, cujas juntas são estreitamente
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ligadas; uma toca a outra, o ar não passa por entre elas; uma adere tão bem à outra, que são encaixadas sem se poderem desunir. Seu espirro faz jorrar a luz, seus olhos são como as pálpebras da aurora. De sua goela saem chamas, esca pam centelhas ardentes. De suas ventas sai uma fumaça, como de uma marmita que ferve entre chamas. Seu hálito queima como brasa, a chama jorra de sua goela. Em seu pescoço reside a força, diante dele salta o espanto. As barbelas de sua carne são aderentes, esticadas sobre ele, inabaláveis. Duro como a pedra é seu coração, sólido como a mó fixa de um moinho. Quando se levanta, tremem as ondas, as vagas do mar se afastam. Se uma espada o toca, ela não resiste, nem a lança, nem a azagaia, nem o dardo. O ferro para ele é palha; o bronze, pau podre. A flecha não o faz fugir, as pedras da funda são palhinhas para ele. O martelo lhe parece um fiapo de palha; ri-se do assobio da az agaia. Seu ventre é coberto de cacos de vidro pontudos, é uma grade de ferro que se estende sobre a lama. Faz ferver o abismo como uma panela, faz do mar um queimador de perfumes. Deixa atrás de si um sulco brilhante, como se o abismo tivesse cabelos brancos. Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada; afronta tudo o que é elevado, é o rei dos mais orgulhosos animais.”
Como se vê, a Bíblia dedica quase integralmente dois capítulos à descrição dos dois seres mais grandiosos criados pela mão de Deus. Yahvéh não terá inconveniente algum em elogiar em seu Livro Santo a grandeza da natureza da criatura que Sua mão criou. Estamos a falar nem mais nem menos da obra que coroava sua Criação visível e invisível. Eles, ex natura, nasceram como príncipes da Criação e, no entanto, outra criatura, uma serva, foi coroada como rainha dos anjos, ex gratia. Feita essa salvação e voltando aos capítulos 40 e 41 de Jó, Deus está falando da obra criada mais sublime, do ápice, de Sua Criação. De uma delas se diz que é a obra-prima. É tradição, extrabíblica, afirmar que se rebelou o mais belo dos anjos. De qualquer modo, ainda que a Palavra de Deus elogiasse o poderio que Ele lhes confiou e a grandeza que possuem, os descreve como monstros, como seres malignos, dignos de temor, seres dos quais há que se afastar. Estas duas naturezas angélicas, Satanás e Lúcifer, são descritas sob a aparência de duas figuras mitológicas, duas gigantescas figuras procedentes do caos inicial, duas figuras que já apareciam na mitologia ugarítica da metade do segundo milênio antes de Cristo. Leviatã (Satanás, a Serpente Antiga, o
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Dragão) aparece sob a forma de um monstro marítimo, habitante do Abismo. Beemot (Lúcifer) é nos descrito como um monstro gigantesco que, embora habite as profundezas dos pântanos, é um terrível monstro terrestre. Expressamente, nos é dito que ele é “a obra mestre de Deus”. É possível que embora Satanás fosse o que acabou sendo, o mais maligno de todos os anjos que se rebelaram, o que se fez o mais perverso de todos, no entanto, Lúcifer talvez fosse superior em natureza. O nome de estrela da manhã parece indicar essa preeminência de natureza, e a afirmação de que Beemot, e não Leviatã, fora a obra-prima do Criador, de novo parece confirmar essa hipótese. Se compararmos os textos referentes ao Leviatã e Beemot com Ezequiel e Isaías, certamente tiraríamos várias conclusões. O diabo era o modelo da perfeição, um querubim, consagrado como um escudo, sábio e belo. Enquanto Lúcifer foi a obra-prima de Deus, que lhe deu uma espada; o seu nome está relacionado à luz, logo brilhava como uma luz especial e única no Firmamento das naturezas angélicas. A tradição apresenta Satanás como o mais perverso; foi ele quem liderou a rebelião, enquanto que Lúcifer é a estrela da manhã. A existência de duas grandes figuras do Inferno, em vez de apenas uma, rompe a ideia que levaria ao pensamento de que Satanás é como o ‘deus’ do lado maligno. Assim, Satanás goste ou não, o que fica dito indicaria que, apesar da liderança do diabo, as multidões infernais têm duas grandes figuras demoníacas. Esse tipo de dualidades na cúpula é sempre uma mortificação para os orgulhosos. Não deixa de ter um pouco de graça o fato de que nem o diabo tenha podido ter tudo a seu gosto. Depois das seguintes considerações teológicas não resisto a tratar de fazer uma exegese espiritual do texto de Jó. De Beemot nos é falado de sua força, de seu vigor, dos músculos de seu ventre. É dito que possui uma cauda que é como um cedro, bem é sabido que um simples crocodilo com sua cauda poderia não só matar a um homem, senão partir uma barca sem problema. A cauda de um crocodilo é uma arma formidável, calçada de músculos, incontida por muitos homens. É dito que sua estrutura é como de bronze e ferro. E
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acrescenta-se que o Criador lhe deu sua espada. A espada só se dá a um guerreiro. Um espírito angélico só pode fazer a guerra de um modo intelectual. De modo que essa espada era uma espada intelectual. O versículo As montanhas fornecem-lhe a pastagem, os animais dos campos divertem-se em volta dele, poder-se-ia entender da seguinte maneira: as montanhas são símbolos dos mais elevados e grandiosos espíritos angélicos, que como montanhas se elevam sobre o resto. Todos reconhecem a grandeza que Deus derramou neles, esse é o tributo. Os animais dos campos são símbolos dos demônios, espíritos que se transformaram em seres bestiais. São tão poderosos que nada os assusta, no entanto, vivem em esconderijos e pântanos. No versículo, Quem o seguraria pela frente, e lhe furaria as ventas para nelas passar cordas? Poderás tu fisgar Leviatã com um anzol, e amarrar-lhe a língua com uma corda? , dado que o olho é símbolo do conhecimento, pode-se interpretar que nem com o conhecimento nem pela força se pode dominá-lo. De Leviatã diz-se que vive no “tehom”, o Oceano originário. Do mar no Apocalipse é dito que simboliza a multidão das gentes. No meio desse “mar” o Leviatã move-se e mergulha. Não é possível pescá-lo, nem apanhá-lo, nem amarrá-lo, como não é possível subjugar a sua língua. Jamais pedir-te-á algo, pois é altivo e soberbo. Não é possível fazer um pacto, nem aliança com ele, trata-se de um ser bestial que só procura devorar-te. Não é possível negociar com ele, ele não serve a teus fins, acabas ao final em suas garras. Crivar-lhe-ás a pele de dardos, fincar-lhe-ás um arpão na cabeça? É impossível atravessar sua pele, mas a Mulher esmagou sua cabeça. Tenta pôr a mão nele, sempre te lembrarás disso, e não recomeçarás. Não se pode dizer de um modo mais claro que não se pode jogar com o demônio. Aquele que se envolve ou pactue com o demônio comprovará que com ele não se brinca, que jamais alguém o invoca em vão. Tua esperança será lograda, bastaria seu aspecto para te arrasar. À vista do poder, força e furor de Satanás perde-se a esperança da salvação. Só ao vê-lo, fica-se desalentado, sem esperança de sobreviver ao combate. Os depoimentos de todos os santos que sofreram as tentações do diabo na noite escura são coincidentes. Se não houvesse Deus para lhe impor limite, o combate de uma
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alma com ele seria tão desigual que não haveria a possibilidade de resistir aos seus embates. Quem lhe resistiria face a face? Deus só permite a Satanás tentar uma alma quando esta já está muito curtida na luta ascética e fortalecida pela graça. E só com a ajuda de Cristo que a alma sai vitoriosa. Esse combate de que se fala é espiritual. Mas Deus põe-lhe limites à sua ação na alma e no corpo. Pois sua natureza angélica da mais alta hierarquia lhe permitiria provocar doenças, acidentes, desastres e, definitivamente, matar a vontade. Por isso diz a Bíblia: Ninguém é bastante ousado para provocá-lo. Os que lhe provocam são aqueles que lhe invocam. Os que fazem isso não sabem que forças estão despertando. Quem pôde afrontá-lo e sair com vida, debaixo de toda a extensão do Céu? [para que a interpretação seguinte desse versículo faça sentido, apresenta-se aqui a tradução da versão original em espanhol: Quem me adiantou algum serviço para que eu lhe pague? Quanto há baixo todos os Céus, meu é! ]. Esse versículo é uma intervenção de Satanás. Ele pergunta-se a quem deve pagar algo, pois acha que não deve nada a ninguém. Em sua soberba, afirma que quanto há debaixo dos Céus é seu em razão do pecado, ademais, é o Príncipe deste mundo. Sabe que os Céus são de Deus, mas reclama que conquistou a Terra com suas seduções, semeando o pecado, o ódio, a guerra. Mas apesar de toda presunção, Deus não sente mágoa na hora de elogiar o ápice de sua Criação, que é ele, e por isso diz Yahvéh: Não quero calar (a glória) de seus membros, direi seu vigor incomparável. Quem levantou a dianteira de sua couraça? Quem penetrou na dupla linha de sua dentadura? Quem lhe abriu os dois batentes da goela, em que seus dentes fazem reinar o terror? Sua costa é um aglomerado de escudos, cujas juntas são estreitamente ligadas; uma toca a outra, o ar não passa por entre elas; uma adere tão bem à outra, que são encaixadas sem se poderem desunir. Essa referência aos escudos dá-nos ideia de suas dimensões, cada escama é do tamanho de um escudo. Quando diz que nem o ar [sopro, na versão espanhola] passa entre elas, podemos recordar que ar (em latim spiritus) pode-se interpretar como o fato de
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que em Satanás o Espírito Santo com suas inspirações não pode penetrar. Está hermeticamente fechado (formam bloco, não se separam), nada entra nele. Seu espirro faz jorrar a luz, seus olhos são como as pálpebras da aurora. De sua goela saem chamas, escapam centelhas ardentes. De suas ventas sai uma fumaça, como de uma marmita que ferve entre chamas. Seu hálito queima como brasa, a chama jorra de sua goela. Essa figura mítica exala chamas de sua boca como um dragão. De fato esse é o Dragão de que se fala no Apocalipse. Duro como a pedra é seu coração, sólido como a mó fixa de um moinho. Esse versículo refere-se a sua fortaleza, mas também a seu coração duro e sem misericórdia. Alguns exegetas contra a tradição ininterrupta do povo hebreu, afirmaram que o Leviatã é o crocodilo. É surpreendente como os exegetas preservam suas teorias agarrando-se a elas e desprezando tudo o que no texto não lhes atrai. O texto afirma claramente coisas que não se associam com o crocodilo: diz-se que vive no mar, que exala lumes de sua boca, que faz ferver o abismo como um caldeirão. Estes são detalhes concretos, mas o texto integral indica que se trata de algo mais que um mero animal. Feito esse inciso para os exegetas, prossigamos com a análise da passagem bíblica. A todo ser altivo olha de frente, é rei sobre todas as bestas ferozes! Antes elogiou-se muito ao Beemot, mas em nenhum momento chama-o rei. Lúcifer é a obra mestre de Deus, mas Satanás é o rei sobre todas as Bestas ferozes. Acho que estas passagens de Jó deixam claro que um é superior em natureza e outro em perversidade e maldade. Para quem percebe, a espada nada representa, nem a lança, nem a arma arrojadiça, nem a ponta de uma lança; considera o ferro como palha, o bronze qual madeira carcomida . Há homens soberbos e poderosos que se creem invulneráveis. E não sabem que se uma natureza angélica maligna quer matar alguém (e Deus lhe permite), nem os muros poderão evitar que entre onde queira, nem as armas nem os guarda-costas conter-lhe-ão, nem todo o poder do mundo poderá evitar que faça seu dano. Seu ventre é coberto de cacos de vidro pontudos, é uma grade de ferro que se estende sobre a lama. Quando se vêem as terríveis paisagens de ruínas das guerras, metaforicamente, é como se por ali tivesse passado esse monstro com
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o seu ventre como um trilho, arrasando tudo. Além disso, já dissemos que o mar simboliza a multidão dos povos, de maneira que ele, o semeador da guerra e da morte, Faz ferver o abismo como uma panela, faz do mar um queimador de perfumes. Ele instiga para que o mar dos povos se inflame com o fogo do ódio e da guerra. Deixa atrás de si um sulco brilhante, como se o abismo tivesse cabelos brancos. Esse sulco brilhante, isto é, esse rastro (como o que deixam os barcos) são as vidas dos homens que arrasta e destrói no seu caminho pelas multidões. Não há nada igual a ele na terra, pois foi feito para não ter medo de nada. Sim, isso o comprovei nos exorcismos, o diabo aparenta não temer a ninguém, nem a Deus. Posso assegurar que não parece que exista nele temor de Deus, só ódio. Mas existe nele um verdadeiro conhecimento de que Deus pode tudo e o pode castigar, o fato é que não quer pensar nesta situação porque tal pensamento lhe tortura. Fala de Deus com fúria, e até blasfema d’Ele, mas ainda que não queira temê-lo e fale como se não o temesse, na realidade, sua inteligência lhe diz que Ele é onipotente. O diabo teme a Deus, mesmo que não queira admitir ou pensar sobre isso. Sua inteligência deformada recorda-lhe constantemente que deve temê-Lo, pois no final dos tempos será arrastado ao lago de fogo e enxofre, símbolo do sofrimento eterno que produzir-lhe-á sua própria iniquidade suportada pelos séculos dos séculos. Penso que esse lago não será outra coisa senão o símbolo desse sofrimento. Não será nada físico, nem algo criado por Deus para produzir sofrimento. Se o mar simboliza a multidão dos povos, desse mar só se condenará um lago que será de fogo e arrependimento.
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Apêndice 3
O demônio e �s Regr�s de S�nto Inácio de Loyola S
obre a forma de o demônio agir na hora de tentar um alma, transcrevemos as profundas palavras de Santo Inácio de Loyola em seus Exercícios espirituais, quando nas Regras para discernir espíritos escreveu:
Regra 1. Àqueles que vão de pecado mortal em pecado mortal costuma, geralmente, o inimigo propor gozos aparentes e despertar-lhes na imaginação prazeres e desejos impuros, para mais os conservar e mergulhar em seus vícios e pecados. Ao contrário, o bom espírito causa-lhes remorsos e estímulos de consciência para os retirar de tão lastimoso estado. Regra 2. Com aqueles que procuram intensamente purificar-se de seus pecados, e progredir no serviço de Deus, Nosso Senhor, dá-se o contrário do que foi dito na primeira Regra. Pois neles costuma o demônio suscitar perturbações de consciência, tristeza e desânimo, inquietando-os com falsas razões, para que não sigam adiante na sua santificação. Regra 12: O inimigo (...) mostra-se fraco contra o forte, e forte contra o fraco. (...) Do mesmo modo costuma o nosso inimigo enfraquecer e fugir, se aquele que se exercita nas coisas espirituais lhe resiste varonilmente e se opõe diametralmente às suas sugestões; se, pelo contrário, aquele que se exercita,
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começa a ter medo e a perder a coragem em lhe resistir, não há fera no mundo mais terrível, que este inimigo da natureza humana. Regra 14. Porta-se também o demônio como um general, quando quer apoderar-se duma fortaleza. Pois, à semelhança dum comandante ou chefe militar que, depois de assentar os arraiais, explora as fortificações e obras de defesa, para saber qual é a parte mais fraca, para começar por ela o ataque: assim o Maligno espírito anda rondando em volta de nós para explorar as nossas virtudes teologais, cardeais e morais, a fim de começar por onde nos achar mais fraco, e nos render.
Manual d� e�orci�ta
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Capítulo I
A possessão A
fim de evitar mal-entendidos e confusões, a numeração das questões do Manual continua a numeração do Tratado da Demonologia. Tanto o Tratado
quanto o Manual formam uma unidade temática, embora o Tratado aborde questões teóricas sobre a essência das coisas, enquanto o Manual aborda mais o tema dos fenômenos.
Questão 96 O que é a possessão? A possessão é o fenômeno pelo qual um espírito do mal reside em um corpo e em determinados momentos pode falar e se mover por meio desse mesmo corpo, sem que a pessoa possa evitá-lo. O espírito do mal não reside na alma, permanecendo esta livre e incapaz de ser possuída. Apenas o corpo é suscetível de possessão.
Questão 97 Quais são as características essenciais para se diagnosticar uma possessão? Os critérios diagnósticos que deveria apresentar um sujeito para que suspeitássemos de possessão seriam os seguintes:
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1. Ante o sagrado ou o religioso dá-se uma gama de sensações que vão, segundo o sujeito, desde o incômodo até o horror, desde a leve expressão de moléstia até a manifestação de ira e fúria. 2. Nesses casos mais extremos, o horror leva a acessos de fúria, acompanhados normalmente de blasfêmias ou insultos dirigidos para o objeto religioso que se encontra próximo. 3. O possesso, nos episódios agudos de manifestação de ira furiosa, perde a consciência. Quando volta a si não recorda de nada. A amnésia é total e absoluta. Enquanto tem lugar a crise de fúria, a pessoa sofre uma mudança de personalidade, é como se dela emergisse uma segunda personalidade. 4. Essa segunda personalidade sempre tem um caráter maligno. É comum nesses momentos que as pupilas se voltem para cima, ou para abaixo, deixando os olhos brancos. Os músculos faciais põem-se frequentemente em tensão. Também as mãos mostram rigidez. Nesses momentos de crise, a pessoa articula a voz cheia de ódio e raiva. 5. Acabada a crise furiosa, a pessoa volta lentamente à normalidade; o trânsito de volta à normalidade é praticamente similar quanto ao tempo e ao modo que se observa da volta do estado de hipnose ao estado normal de consciência. 6. Fora das crises furiosas em que emerge a segunda personalidade, a pessoa leva uma vida completamente normal, sem que essa patologia afete nada, nem seu trabalho nem suas relações sociais. O sujeito aparece como uma pessoa perfeitamente sensata. A todo momento distingue perfeitamente entre a realidade e o mundo intrapsíquico, não se observa uma conduta delirante. 7. Em alguns casos, expõem coisas que parecem alucinações sensoriais (expõem que, esporadicamente, veem sombras, sentem uma sensação estranha em alguma parte do corpo ou ouvem grunhidos). Pelo contrário, não ouvem vozes internas, nem sentem que algo lhes corre abaixo da pele.
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Questão 98 Considerações da psiquiatria8 Ao explicar esse fenômeno a psiquiatras, a esses sete critérios ter-se-ia que acrescentar que não se pode considerar dentro do campo da possessão os casos em que o sujeito meramente diz sentir uma presença. Na maior parte dos casos, esses fenômenos de possessão produzem-se depois de participar de algum tipo de rito envolvendo práticas ocultas, curandeiria, etc. Essas pessoas, tal como se mencionou no ponto 7, sofrem alucinações sensoriais sempre com uma temática muito precisa (a referida no citado ponto), mas não se veem afetadas por nenhum tipo de delírio. Pelo contrário, há uma total ausência de construção patológica de conjuntos de ideias que possam justificar esse tipo de transtornos explicados nos outros pontos anteriores. O paciente mantém um raciocínio claro e se mostra extremamente crítico com respeito aos sintomas que ele mesmo descreve ao médico. É muito frequente que comece sua exposição ao especialista médico ou ao sacerdote com as palavras “vai pensar que estou louco”, “você não vai acreditar em mim” ou “não sei por onde começar”. O próprio possesso é o primeiro a reconhecer que seu discurso vai parecer pouco digno de crédito. Ele situa perfeitamente no tempo o início de seus transtornos e costuma referir como causa deles a participação nesses ritos. Quando se diz de alguém que é um psicótico cabem várias definições: “A definição mais limitada de psicótico se restringe a ilusões ou alucinações notáveis, com as alucinações tendo lugar com ausência de conhecimento de sua natureza patológica”9. Como se vê, não consegue se encaixar esse tipo de paciente no conceito de psicótico, já que mantém uma contínua consciência crítica com respeito aos transtornos que refere. Poderíamos dizer que a possessão tem um ligeiro aspecto em comum com a esquizofrenia paranoide, dado que a característica essencial de uma esquizofrenia de tipo paranoide é a presença de notáveis ilusões ou alucinações no 8 9
Essa questão foi escrita para os psiquiatras, o leitor não especializado nessa área pode ignorá-la. DSM IV, p. 273. Neste livro, cita-as da obra Diagnostical and Statiscal Manual of Mental Disorders da American Psychiatric Association, far-se-ão seguindo a edição norte-americana de 1994.
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contexto de uma relativa preservação da função cognitiva e afetiva 10. O ponto 7 (exposto anteriormente) daria a impressão de que esse tipo de paciente entraria na classificação para tal tipo de doença. Embora haja que fazer notar que nesses tipos de alucinações manterão uma temática constante. Ainda que decorram em vários anos, as alucinações não mudarão de temática, nem também variarão em sua frequência, a qual será tão irrelevante que não levará a classificar a pessoa que as sofre de pessoa esquizóide. Nesse tipo de doente essa patologia alucinatória em nenhum caso deriva para o delírio. O que realmente é relevante, o fator predominante, será que nos momentos de maior fúria nos emerge essa segunda personalidade que dá todos os sinais de que o paciente deve sofrer uma desordem dissociativa da personalidade. A presença de uma identidade diferente que toma controle sobre a conduta da pessoa entra plenamente na descrição dessa patologia da dissociação. Essa segunda identidade sempre aparece com traços muito fixos: falará com rai va, com ira, expondo um grande ódio para tudo o que for relativo à religião, além de falar com a expressão facial manifestando uma grande tensão. Em alguns pacientes essa segunda identidade é loquaz, em cujo caso manifesta uma grande insolência em seu vocabulário e expressões blasfemas. Em outros pacientes essa segunda identidade é quase silenciosa, falando em contadas ocasiões e de um modo extremamente lacônico, suas intervenções carregadas de ódio e tensão têm em comum com o tipo anterior o fato de que a voz muda por efeito dessa ira contida. Falando da generalidade das patologias de personalidade dissociada, nesses casos, o paciente assume um segundo papel de modo inconsciente, e fruto da profunda assimilação inconsciente dessa segunda personalidade pode vir a prontitude e coerência das respostas adequadas. Mas há que se fazer notar que nos doentes de possessão essa segunda identidade sempre apresenta os mesmos impulsos, ainda que dividida nesses dois tipos citados (personalidade loquaz ou muda). Quais são esses impulsos? Essa segunda personalidade manifesta-se exclusivamente nos momentos de fúria, que produzirão a amnésia de tudo o que foi dito e realizado durante essa crise. Tal segunda personalidade 10
DSM, p. 287.
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sempre é maligna e manifesta uma terrível aversão a todo o sagrado (pessoas, objetos ou palavras). O horror que os possessos sentem por tudo o que é sagrado não supõe nenhuma fobia específica, já que, inclusive se aparecesse como sintoma isolado e completamente desligado de todo o quadro de sintomas que acompanham essa síndrome, apareceria claramente que essa rejeição não provoca ansiedade, mas uma reação automática de ira. O possesso não manifesta uma ansiedade provocada por uma exposição a qualquer objeto, pessoa ou palavra sagrada, antes essa exposição é causa de emergência da segunda personalidade. A ausência de fobia a essa reação também não provoca nenhuma desordem obsessivo-compulsiva, nem dá lugar a nenhum tipo de ritual de repreensão (usada aqui a palavra ritual em seu sentido psiquiátrico; dado o tema que tratamos, o esclarecimento não é desnecessário). O pensamento em todo momento (salvo nos momentos de transe) é claro, e essa é outra característica que costuma chamar a atenção dos especialistas que atendem tais pacientes: a clareza de pensamento, a capacidade de autocrítica, coexistindo com os outros traços patológicos que por sua gravidade deveriam implicar uma evolução para uma profunda desestruturação da personalidade e o raciocínio. Recapitulando, se um psiquiatra não soubesse nada de possessões, os sintomas que observaria num possesso típico levar-lhe-iam a ver nele uma desordem dissociativa da personalidade que provoca alucinações sensoriais (escassas), uma aversão aguda ao sagrado, junto com agitações próprias de uma crise histeriforme. Como se vê um complexo conjunto de sintomas, todos eles num mesmo sujeito e se manifestando com simultaneidade; isso nos leva a recusar as classificações simplistas daqueles que, sem ter visto um caso real, sentenciam que se trata de uma ou outra doença mental. O quadro sintomatológico aqui definido reflete uma síndrome tão especial que não podemos mantê-lo afastado da patologia psiquiátrica. Há que admitir que nos encontramos não ante uma desordem mental simples, senão ante uma síndrome para o que há que se procurar um lugar específico dentro da catalogação médica. E digo uma síndrome porque é um conjunto de sinais e sintomas que existem há um tempo e
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definem um quadro doentio determinado, que se repete de um modo milimétrico nos pacientes que dele padecem e cuja simultaneidade na concorrência desses traços (antes descritos) levam à perplexidade os especialistas que os atendem. Portanto, é totalmente inadequado falar desse fato como esquizofrenia, psicose, e muito menos como epilepsia, porque o quadro inteiro não se enquadra na catalogação de cada uma destas doenças. Essa síndrome só se enquadra em pequenas partes da sintomatologia dessas outras patologias. Penso que o melhor termo, já que há que criar uma denominação ex profeso, seria síndrome demoniopática de dissociação da personalidade. O DSM, no Apêndice I, oferece um glossário de síndromes relacionadas com culturas étnicas determinadas11, na p. 849 aparece o termo “zar” ao que se dá a seguinte definição descritiva: “Um termo geral da Etiópia, Somália, Egito, Sudão, Irã e outras sociedades do Médio Oriente aplicado à experiência de espíritos possuindo uma pessoa. As pessoas possuídas por um espírito podem experimentar episódios dissociativos que podem incluir gritos, risos, golpes da cabeça contra a parede, cantos ou prantos. As pessoas podem mostrar apatia e isolamento, recusando-se a comer ou a terminar as tarefas diárias, ou podem desenvolver uma relação em longo prazo com o espírito que os possuem”.
Mas, bem mais importante que esse termo, que tinha que resumir já que esta obra faz menção, o DSM, no anexo 300.15 dedicado a “ desordens não especificadas de outra maneira” (p. 490), trata de um modo confuso e misturado com outras desordens, o quadro que aqui se apresentou de um modo detalhado. Esse anexo trata esse tema de um modo que resume essa questão, e já adverte que há casos em que “a característica predominante é um sintoma dissociativo (...) e que [no entanto] não concordam com os critérios de nenhuma desordem específica”. É interessante observar quão categóricos se mostram alguns especialistas ao classificar a síndrome que descrevi (e das quais eles só tiveram referências) como uma mera e simples dissociação, quando o mesmo DSM, ante à evidência de casos conhecidos de primeira mão, adverte claramente que há casos que escapam aos critérios da mesma classificação. E 11
DSM, p. 849.
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de modo expresso o DSM menciona a possessão (ao final do ponto 4 do anexo 300.15) como um tipo de transe no qual a característica predominante é essa dissociação da personalidade, mas cujas características não coincidem com os critérios dados para nenhum tipo de desordem de dissociação. Denominemo-lo como o denominemos há que convir que o classificar em outra das categorias até agora existentes é podar o fenômeno de muitos de seus elementos específicos. Por isso é mais adequado criar um termo específico para uma realidade específica. Não basta dizer que é uma patologia demoniopática, pois são muitas as desordens psiquiátricas nas quais o doente crê ser um demônio, ou que a pessoa com a que convive se transformou num demônio, ou que ouve vozes de demônios, etc. Também não basta dizer que é uma mera dissociação da personalidade, porque a dissociação aqui descrita apresenta um quadro demasiado sui generis nas características que a acompanham (exemplo: fase convulsiva sem perda de consciência, uma fobia exacerbada no meio de uma crise de aparência histeriforme). No entanto, essa dissociação da personalidade, sendo só mais um sintoma diagnóstico, é o mais específico da possessão. Por isso acho que, psiquiatricamente, o termo mais adequado seria, como já disse antes, síndrome demoniopática de dissociação da personalidade , incluindo na pala vra síndrome de todas as fobias específicas e os outros aspectos dos que falei. Acho que, de todos os termos, é o mais descritivo de suas características essenciais. O adjetivo demoniopático não aparece em vão, já que designa o tema com o qual decorre a doença, e é necessário mencioná-lo para evitar confusões com o termo desordem de transe de dissociação, que é mencionado no DSM (anexo 300.15, ponto 4, p. 490) e que prestar-se-ia a confusão com outros casos, já que há transes (por exemplo, os hipnóticos) nos que se pode produzir essa dissociação temporária e induzida e que nada têm a ver com o quadro aqui descrito. Acrescentar-se o termo de dissociação de personalidade também é necessário, pois além de ser a característica mais patente e predominante nessa doença, ajuda-nos a não confundir tal patologia com outras em que o doente crê estar possesso mas cujo quadro é claramente esquizóide. O esquizóide apresentará quiçá um quadro histriônico, um quadro obsessivo e
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seu pensamento aparecerá desestruturado, características estas radicalmente diferentes do quadro que apresentam os afetados da síndrome já descrita.
Questão 99 O demônio também tem a alma do possuído? Não. Como se vê é um fenômeno que afeta ao corpo. A alma pode estar na graça de Deus. O raciocínio e a vontade seguem pensando e decidindo com liberdade. Se um possesso morre, e está em graça de Deus, a alma deveria ir ao Céu. Por tudo o que foi dito, também lhe é lícito comungar. Em alguns casos isto será possível, em outros, não será possível nem entrar no templo. Mas o possesso não é responsável, moralmente falando, pelo que faça ou diga durante os transes de possessão. Pelo contrário, o possesso é perfeitamente livre e, portanto, responsável pelo que faça fora desses transes.
Questão 100 Qual é a forma mais prática de saber se alguém está possuído? Falar com o suposto possesso para que nos explique o que se passa é importante, mas há que se recordar que o doente mental pode ter lido todos os livros sobre o tema e imitar perfeitamente os sinais que leu. Por isso, o melhor é que o suposto possesso nos explique o que lhe passa com grande brevidade e depois, sem mais preâmbulos, orar sobre ele. É a oração que dará a segurança de que se trata de uma possessão ou não. Se a pessoa está possessa, ao abençoá-la durante algum tempo, começará a crispar as mãos, a tensão ir-se-á refletindo em seu rosto, fechará os olhos, levantam-se as pálpebras. Se segue fazendo a oração, o possesso pode começar a gritar ou a falar, com uma voz maligna. Em outros casos, começa um riso maligno, ou a bufar. Há casos em que não se observa transe, o possesso no momento abre os olhos e fala. Sua voz é maligna e agoniada, e fala para ordenar que pare, que detenha a oração. Ainda que não se observe transe, ao voltar a si não recordará nada. Em outros casos o que não se observa é que surja essa segunda vontade. A única coisa
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que se percebe externamente é que a pessoa fica com os olhos brancos e não se move. Às vezes, quando muito, pode agitar um pouco as mãos ou o corpo, mas levemente. Esses são os demônios mudos, não falam, mas ainda que não falem durante muito tempo, ao começar o ritual de exorcismo a pessoa entra em transe.
Questão 101 Que truques o demônio pode usar para esconder a sua presença no possuído? Essa questão deve ser lida com muito cuidado por todos que irão se dedicar ao ministério do exorcismo de modo contínuo, porque é uma questão fundamental. Importante porque será neste aspecto que o demônio tentará enganar muitos exorcistas, fazendo-os acreditar que não há possessão. Existem dois truques que alguns demônios podem usar para evitar a identificação, dependendo se são demônios abertos ou fechados. Mais adiante será explicado que tipo de demônios são estes. Se é um demônio dos denominados abertos, tratará primeiro de ocultar-se, de não se manifestar. Alguns podem resistir sem se manifestar durante cinco minutos ou até mais. Por isso é importante falar com o suposto possesso antes de lhe abençoar, para ver se o caso é verossimilmente de possessão ou não. Porque se a possessão parece verossímil, há que insistir mais tempo na oração de bênção. O demônio que é dos abertos quando não resiste mais ao poder da oração, faz entrar em transe o possesso, o qual fecha os olhos e os deixa brancos por trás das pálpebras. Mas sem mover-se, sem chamar a atenção. Se o sacerdote deixasse de abençoar-lhe e não lhe tivesse levantado as pálpebras, o possesso voltaria imediatamente a si, sem recordar nada, e o sacerdote ficaria enganado achando que não tem nada. Se é um demônio dos fechados fará justo o contrário do que o explicado com os abertos. Abrirá os olhos e dirá que o que tem é psicológico, rirá do sacerdote enquanto reza, perguntar-lhe-á que tolice está recitando, se está tratando de convencê-lo de que está possesso.
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Mas, curiosamente, quando volta a si, se o sacerdote lhe pergunta por que lhe disse tal ou qual coisa, verá que não se recorda de nada. Quando o sacerdote ora por uma pessoa para discernir se está possessa e começa esse comportamento zombador ou depreciativo, ao acabar, o sacerdote deve lhe perguntar por que lhe disse isso ou aquilo, porque no espaço de tempo que orou sobre a pessoa é um intervalo de tempo em branco que passa completamente despercebido para o possesso. Costuma ser normal neste tipo de demônio que, durante a oração para discernir, o possesso ria do que está a fazer o sacerdote. Depois, inclusive, pede-lhe perdão: “ perdoe-me, mas é engraçado o que está fazendo, me parece uma tolice”. O possesso já está em transe, fala com voz completamente normal, com gestos e reações que dão a entender que é ele mesmo. Mas o sacerdote deve suspeitar de que ele veio vê-lo motu próprio para ver se está possesso, por que, de repente, ao rezar tudo lhe faz graça, por que não se pode aguentar o riso e comenta que acha que tudo o que se passa, na realidade, é psicológico? Tudo isso lhe deve fazer suspeitar, e se não recordar nada do que foi dito, tudo está claro: é possessão. E quando se procede ao exorcismo ver-se-á ainda mais claro 12. Às vezes essa estratégia o demônio usa inclusive durante o exorcismo. É gracioso que inclusive após ter entendido orações em latim e ter mostrado certa repulsa a todo objeto sagrado, faz uma desesperada tentativa de convencer a todos os presentes com voz normal de que na realidade o seu problema é uma doença mental e que lhe deixem. Mas se o exorcista insiste, volta a manifestar-se como aquilo que é, como um demônio.
Questão 102 Quais são os demônios ocultos? Os demônios abditi ou ocultos são os que se escondem no interior do possesso sem se manifestar de modo algum. A pessoa nota uma mudança em sua vida, sente coisas estranhas que a fazem suspeitar que uma força externa 12
Em ocasiões observei que essa hilaridade, essas dúvidas, procedem de uma tentação intensa do demônio, sem necessidade de entrar em transe, com perfeita consciência.
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entrou nela, e pode experimentar fenômenos preternaturais. Mas, para sua desgraça, quando o sacerdote ora, o demônio resiste e não dá nenhum sinal de estar ali. Nesses casos, o que tem de fazer é orar muito, durante semanas ou meses. Oração em geral não é demais e também não é necessária uma oração específica contra o demônio. Basta que reze o rosário diariamente, vá à Missa e fale com Deus por um momento. A oração é o que faz esses demônios ocultos saírem para fora do possesso, pois é como se estivessem no interior da pessoa e pouco a pouco fossem sendo sacados para fora. Por isso, qualquer pessoa a quem um exorcista tenha dito que não tem nada demoníaco, tem o direito a ser examinada de novo após um mês. E, inclusive, que se ore por ela mais três ou quatro vezes, levando um mês entre cada momento de oração. Nesse sentido, há possessos cujos demônios se ocultaram de forma tão absoluta que nenhum exorcista pôde detectar sua presença por, mais conhecimento e experiência que tivesse. Há casos, no entanto, em que se sucedeu algo preternatural diante de várias testemunhas. E que, depois de muita insistência, o demônio não pôde mais e se manifestou com toda sua raiva. Também houve casos de demônios ocultos que puderam resistir por mais de duas horas de exorcismo sem dar o menor sinal de estar ali. Conheci casos nos quais, durante a sessão de exorcismo, a pessoa não dava sinais nem se portava ligeiramente mal. Mas o exorcista e familiares estavam seguros de que o demônio estava presente pelas coisas das quais tinham sido testemunhas em ocasiões precedentes. No entanto, por mais que resista, quando um demônio oculto não pode mais e revela sua presença, agirá como todos os demônios nos possessos. Não obstante, um exorcista não deve insistir tanto tempo exorcizando uma pessoa sem sinais, salvo que não tenha a menor dúvida de que se trata de um caso de possessão. Nesse sentido, o exorcista pode afirmar sem a menor dúvida que alguém está possesso. O contrário não é tão fácil de afirmar. De certo modo, o que se pode assegurar é que a pessoa não dá sinais de possessão. No entanto, como norma geral, é preciso deixar a pessoa tranquila e convém ser firme ao dizer: você não tem nada. Fazer de outra maneira seria deixar em um constante
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desassossego psicológico todas as pessoas que vêm nos ver. Mas ser categórico ao dizer a alguém que não tem nada, não significa ter de aceitar voltar a vê-lo se esse o pede. Recordo de um caso de uma pessoa que afirmava que tinha visto umas luzes entrando em sua casa pela janela. Eu examinei e não vi sinal de possessão algum. O problema era que toda a família tinha visto aquele fenômeno, inclusive uma menina pequena. Todos os integrantes da família estavam presentes diante de mim e confirmaram a história. Assim, a minha resposta foi: 1. Se não tivesse tido mais testemunhas do que você me diz, estaria seguro de que o seu caso é meramente psicológico; 2. Mas dado que há mais pessoas que confirmam sua história, tenho minhas dúvidas; 3. Por outro lado, você não dá sinais de possessão; 4. Assim, faça o seguinte: — Tome a medicação que o psiquiatra lhe deu e siga todas suas indicações. — Ao mesmo tempo, ore, reze o rosário, vá a Missa. Se o seu problema for psiquiátrico, já estará tomando o remédio. Se for um problema que tem que ver com o demônio, Deus escutará a oração e ajudar-lhe-á. E pode voltar a me ver dentro de um mês, dois ou seis meses. Tenho segmentado todos os elementos da resposta porque essa valerá para todos os casos nos quais a possessão não está clara, e cada ponto da resposta tem sua razão de ser. Ao cabo de um tempo, a pessoa voltou e viu-se claramente que era um problema de possessão. Casos como estes infelizmente se dão. E digo “infelizmente” porque oxalá que tudo estivesse mais claro, que tudo fosse mais singelo. Mas esse tema tem o nível de complexidade que Deus quis. Nem mais, nem menos. Portanto, há demônios ocultos que podem resistir dez minutos, vinte, uma hora, duas... E há os que estão tão enraizados que precisarão de meses para
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que pela oração do sacerdote não possam mais resistir e tenham que se manifestar. Reconheço que esse tipo de demônio oculto introduz um nível de indeterminação em nossos diagnósticos que, para mim, pessoalmente, é muito desagradável. Mas as coisas são como são. E esse tipo de demônio, lamentavelmente, existe. A demonologia é como é, não se trata de uma fórmula que um teólogo tenha criado e na qual tudo seja tão facilmente delimitado, que nos movamos com a mais perfeita das seguranças na hora de dar-lhe uma ordem.
Questão 103 Que frase deve ser dita para saber se alguém está possuído? Basta apenas que o sacerdote abençoe a pessoa, com orações já feitas ou improvisadas. Ao cabo de certo tempo, podem-se intercalar as seguintes frases fáceis de memorizar: In nomine Iesu, exorcizo-te. In nomine Iesu, dic nomen tuum. In nomine Iesu, si es hic, manifesta te. Ao dirigir-se ao demônio, há que o fazer com autoridade. Ao demônio não se pede nada, se ordena. Fazê-lo em latim ajudará a que a pessoa não saiba em que momento estamos dirigindo ao demônio e deixamos de a abençoar. Se a pessoa não dá nenhum sinal nem de transe, nem de que emerja essa segunda personalidade, então não está possessa. De qualquer jeito, há demônios que se escondem muito, que com todas as suas forças resistem à oração. Por isso, convém insistir um pouco. Normalmente, não é necessário insistir mais de três ou quatro minutos. Em 95% dos casos de possessão, o demônio costuma manifestar-se em poucos segundos. Mas como há muitos tipos de demônios, convém que o sacerdote se encomende a Deus para que o ilumine. Se algo o faz suspeitar que ali há um demônio, pode insistir mais. Ainda que não precise de mais de quatro minutos, normalmente. Durante esse tempo em que está a abençoar a pessoa, é muito importante que o sacerdote se concentre muito na oração. Quanto mais se concentrar, mais força terá sua oração e mais obrigará ao demônio a
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manifestar-se. É muito conveniente que o sacerdote feche os olhos para não se distrair olhando a pessoa. Mas convém que tenha alguém mais atento ao possesso, no caso dele tentar se lançar sobre o sacerdote enquanto estiver com os olhos fechados, concentrado na oração. O sacerdote, ainda que esteja concentrado na oração, tem de se fixar, depois de um momento, nos olhos. Pois em alguns casos os olhos fecham-se para entrar em transe. Ou em outros, o demônio olha através deles, e o demônio tem um olhar especial, maligno. Se vir esse olhar, ao insistir, ele acabará se manifestando caso esteja presente.
Questão 104 Quais são as causas da possessão? As causas que sempre existiram para explicar porque houve a possessão são as seguintes: 1. O pacto com o demônio; 2. Assistir sessões a cultos satânicos ou a ritos de crenças ocultas; 3. Que uma criança tenha sido oferecida por sua mãe a Satanás; 4. A maldição. A possessão nunca é contagiosa. Viver com um possesso não supõe nenhum perigo de que se pegue algo desse tipo. Como se vê, fica possesso o que abre uma porta ao demônio. A gente pensa que os pecados provocam a possessão, mas não, há que abrir expressamente uma porta ao demônio para que entre. Uma coisa é o pecado e outra a possessão. Um não leva ao outro. Da mesma maneira que um pode abrir a porta ao demônio, ainda que não seja demasiado mau, assim também outro pode ser muito mau e não ficar possesso. Pode parecer lógico que fique possesso aquele que voluntariamente tenha aberto uma porta ao demônio, mas pode parecer mais estranho que alguém fique possesso por um malefício. Isto é, por alguém que tenha feito um rito para que fique ele possesso ou para matá-lo.
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Mas não nos esqueçamos que a possessão só afeta o corpo, não a alma, com o que não há nenhum problema com respeito à justiça divina. Do mesmo modo que alguém pode ir à máfia para encomendar uma morte, às vezes Deus também permite esse mal com respeito ao corpo. A possessão só se produzirá se Deus a permitir. Não importam os ritos que se façam para que alguém morra ou fique possesso, se Deus não o permite não ocorrerá nada. E quanto mais vida espiritual e de oração tiver a pessoa, mais protegida estará contra todas as influências do maligno. De qualquer jeito, que pessoa inocente e até na graça de Deus fique possessa sem culpa não é uma teoria, é algo comprovado há séculos. Deus permite-o porque muitas vezes os males do corpo são uma fonte de bênçãos muito grande para a alma. E depois de uma possessão a pessoa fica mais agradecida a Deus e com uma vida espiritual bem mais forte, para sempre. Por outro lado, há que dizer que as pessoas que praticam malefícios contra a saúde de outras pessoas, ou para que fiquem possessas, não costumam fazê-lo durante muito tempo, já que esse tipo de pessoa costuma encontrar o castigo divino muito cedo. Poucas coisas atraem tanto o castigo divino como praticar malefícios contra os outros. Esse tipo de pessoas pode praticar suas más artes por pouco tempo antes que Deus lhes reclame a vida e as chame ao Seu terrível julgamento.
Questão 105 Por que o demônio age por possessão? Se o demônio sabe que possuir alguém supõe o risco de que, ao final, essa possessão produza bens maiores para a alma da pessoa, então por que o faz? Ademais, a possessão não supõe um desmascaramento do demônio? Não lhe seria mais proveitoso se manter completamente oculto? Sem dúvida seria mais conveniente ao demônio não possuir ninguém. Mas ele possui por uma única e simples razão: fazer sofrer. Procura fazer sofrer e na possessão pode fazê-lo de um modo direto. A possessão em longo prazo supõe um prejuízo para os planos do Maligno, pois ele é descoberto, mas em curto prazo obtém o sofrimento da pessoa. E o demônio não se resiste a obter algo seguro aqui e agora.
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O que se disse antes a respeito do porquê o demônio não resistiu a tentar o Filho de Deus é igualmente válido para essa matéria. Resistir à tentação requer virtude, e não podemos pedir virtude ao demônio. Por isso ele procura sempre o benefício aqui e agora. A Igreja pensa em longo prazo, mas o demônio é impulsionado por suas próprias paixões. Ainda que pareça um contrassenso, o demônio é brinquedo de suas próprias paixões e impulsos que não controla.
Questão 106 Por que Deus permite que haja possessões? Deus permite esse estranho fenômeno por quatro motivos: 1. Mostra a verdade da religião católica; 2. É a punição dos pecadores; 3. É o benefício espiritual dos bons; 4. Produz saudáveis lições para os homens. Se Deus permite a doença, mais razões tem para permitir algo cuja existência é uma verdadeira razão para crer. Um fenômeno no que se comprova o poder de Deus, o poder de Cristo e o poder da Igreja. A possessão é como uma janela aberta pela qual podemos nos somar ao mundo de ódio e sofrimento demoníaco. Uma janela aberta pela qual podemos presenciar algo do poder invisível das naturezas angélicas. E o bem que vem de presenciar tudo isso ficará nos presentes e familiares normalmente para toda a vida. Digo “normalmente”, pois presenciar um exorcismo não significa que todas as pessoas que presenciam tal fenômeno a partir de então tenham fé. Há quem, após ser testemunha de um exorcismo, atribua a causas naturais ou, ao menos, desconhecidas. Se teve quem não creu em Jesus mesmo tendo presenciado as curas e milagres que realizava, não podemos nos estranhar de que isso aconteça. Temos de compreender que vejamos o que vejamos (um milagre, um exorcismo, o que seja) o que nos faz crer é a graça. Se livremente decidimos resistir a esse convite interior e invisível, não importa que vejamos a multiplicação dos pães e dos peixes. Ainda que se abrissem os céus e Deus nos falasse do alto entre as
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nuvens, pensaríamos se tratar de uma alucinação. Não é o que vemos, senão a graça, a que acende no interior de nossa alma imortal o lume da fé.
Questão 107 Qual é a diferença entre a dupla personalidade e a possessão? A doença de dupla personalidade tem uma causa natural, a possessão é causada pelo demônio. A doença surge por causas psiquiátricas, a possessão normalmente é causada por se participar de rituais ocultos. A doença é curada apenas com a ciência psiquiátrica; no exorcismo, a possessão simplesmente desaparece. Na doença não há fenômenos extraordinários; na possessão, algumas vezes existem.
Questão 108 Que fenômenos extraordinários se dão na possessão? Basta que tenha transe ou o aparecimento da personalidade demoníaca para que falemos de possessão. Há casos de possessão em que não haverá manifestação de fenômeno extraordinário algum. Mas os fenômenos mais frequentes são: o demônio entende qualquer idioma, inclusive as línguas já “extintas”. Obedecerá às ordens que se lhe sejam dadas em latim, grego, hebraico ou em outros idiomas de imediato, independentemente da idade ou inteligência do sujeito possesso. Ainda que não costume ser frequente, algumas vezes os possessos falam outros idiomas, mesmo que desconhecidos. Mostram uma grande força, às vezes durante muitas horas. E algumas vezes, uma força física claramente impossível, podendo levantar várias pessoas ao mesmo tempo. Também se pode conhecer coisas ocultas. Mas o fato mais extraordinário de todos, e o menos frequente, é a levitação.
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Questão 109 No Evangelho, a possessão não poderia ser uma mera simbologia da libertação do mal? Negar a realidade das possessões e dizer que são apenas um mero símbolo da libertação do mal é uma afirmação herética. Essa afirmação é contrária à tradição constante da Igreja. Os santos, os doutores da Igreja, os padres, a prática constante da Igreja no Oriente e no Ocidente ao longo de sua história são unânimes em dizer que a possessão é o domínio do demônio sobre o corpo. Os Evangelhos distinguem de forma muito clara doença e possessão. A distinção entre ambas realidades não deixa qualquer dúvida a qualquer evangelista. Sempre se deixou claro que a possessão é causada por um ser espiritual maligno. É um fenômeno de possessão tão sui generis que inclusive se usa um verbo especial quando Jesus vai expulsar esses daemonia; o verbo é exorkizo (conjurar), e as pessoas não serão chamadas enfermas, mas daimonizomenoi. A possessão não é curada, o possuído é libertado. O grupo de pessoas que foi apresentado pelos quatro evangelistas gritou, teve crises de agitação. Jesus se dirigia a estes daimonia, no imperativo, dando ordens sem demonstrar misericórdia alguma.
Questão 110 Houve possessões na época do Antigo Testamento? No Antigo Testamento, só é testemunhado um caso de possível possessão, que aparece no Primeiro Livro de Samuel : “O espírito do Senhor retirou-se de Saul. Entretanto veio sobre ele, da parte do Senhor, um espírito deprimente. Os oficiais de Saul disseram-lhe: ‘Estás sofrendo de um espírito deprimente enviado por Deus’. E sempre que o espírito deprimente de Deus acometia Saul, Davi tomava a cítara e tocava. Saul se acalmava, sentia-se melhor e o espírito deprimente o deixava” (1Sm 16,14.15.23).
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Esse texto parece um testemunho de possessão, porque fala de um espírito maligno que se agitou, que agrediu e que mais adiante se diz que se apoderava dele. Isso aparece em 1Sm 18,10, onde se afirma que o “espírito deprimente enviado por Deus apoderou-se de Saul, e teve um delírio em meio à sua casa. (...) Arremessou-a contra Davi, dizendo: ‘Vou cravar Davi na parede’. Mas Davi, por duas vezes, se esquivou”. Na época do Antigo Testamento, é claro, houve também casos de possessões, embora não tenham sido registrados na Bíblia. Onde houve prática de feitiçaria e invocação a forças malignas, houve possessões.
Questão 111 Por que hoje há menos casos de possessão do que na época do Evangelho? É comum escutar que depois que Cristo derramou Seu Sangue no Calvário, o poder do demônio sobre o mundo foi quebrado, e é por isso que hoje há menos casos de possessão. Bem, essa é uma afirmação muito difícil de provar. Porque nem de uma época ou de outra temos todas as estatísticas. Enfim, foram muitos os ritos da antiguidade em que se invocaram os espíritos e deuses e que favoreciam a possessão. Por isso, é claro que a possessão foi mais comum na Babilônia pagã da Europa de Carlos Magno. Não foi a redenção de Cristo, mas o crescimento da Igreja e o abandono de tais rituais de invocação de espíritos malignos que fez com que a possessão se tornasse algo realmente excepcional. Porque, embora Cristo nos tenha redimido, se invocam os demônios, provocam as possessões. Portanto, não é o fato da redenção o que reduziu o número de possessões, mas a erradicação dessas práticas de conjuração das forças do mal ao implantar-se o cristianismo.
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Questão 112 Quais são os tipos de demônios que aparecem nas possessões? Existem dois tipos principais de demônios que provocam dois tipos diferentes de possessão. Os aperti (abertos) e os clausi (fechados). Os demônios clausi fazem com que o possesso feche os olhos ao entrar em transe; sob as pálpebras os olhos estão brancos. Os demônios aperti provocam uma possessão em cujos transes o possesso mantém os olhos abertos, olhando com fúria e ódio, e falando volubilidade. Os aperti são volúveis e violentos, e temos de sujeitá-los entre várias das pessoas presentes. O grito dos clausi só ocorre depois de algum tempo e sempre sem abrir os olhos. Os clausi, ao fim de um momento de orações falam, mas outros são completamente mudos, entram em transe, mas não dizem nada. Um terceiro tipo de demônio seriam os demônios abditi, isto é, os ocultos. Sabe-se que estão ali, dentro do corpo dos possessos, porque alguma vez se manifestaram indubitavelmente. Mas depois se ocultam sem dar o menor sinal de sua presença. Esses demônios ocultos, uma vez que se manifestem, fá-lo-ão como demônios fechados ou abertos. Disse antes que são diferentes tipos de demônios, mas na realidade, para ser preciso, teria que dizer que os qualificamos assim segundo seu modo de reagir durante o exorcismo. Qualificamo-los assim segundo sua reação, mas sem chegar a penetrar na essência do que lhes distingue. Ainda que sejam diferentes tipos de demônios, o modo de proceder do sacerdote com eles no começo será o mesmo, seja o tipo que for. Depois se verá o que atormenta cada um de modo mais específico, e atuará especialmente sob este.
Questão 113 O que acontece se um possuído morre antes do demônio ter saído? Muitas pessoas acreditam que se ele morrer enquanto estiver possuído vai para o Inferno. Isso é um erro. Se a pessoa está na graça de Deus irá para o Céu. A possessão só afeta o corpo. E, morta a pessoa, o demônio sai e entra em outra.
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Questão 114 As almas dos condenados podem possuir? Sim, na minha opinião, as almas dos condenados podem possuir de forma exatamente igual que um demônio. Alguns possessos em transe insistem, durante as sessões de exorcismo, que não são demônios, mas sim falecidos. A pergunta que se fazem alguns exorcistas é se não estão mentindo, por isso, essa é uma questão debatida entre exorcistas. No entanto, há que levar em conta que, por mais que se lhes ordene no nome de Jesus que digam a verdade, não cedem nessa afirmação. Cederão em tudo (beijarão a cruz, aclamarão a Deus, etc.), mas não cederão na afirmação inicial de que não são demônios, mas pessoas humanas condenadas ao Inferno. Se obedecem em tudo, mas se mantêm firmes só em tal afirmação, é um indício mais que razoável para acreditar que dizem a verdade.
Questão 115 Um possesso pode se matar? Dado que o demônio toma posse de um corpo e pode movê-lo e falar atra vés dele, muitas pessoas se perguntam se em tal estado poderia chegar a matar. A experiência demonstra que o possesso em estado de transe pode fazer muitas coisas: ficar com os olhos parados, ter convulsões, gritar, etc. Mas não costuma fazer coisas contra si mesmo ou a outros, pela simples razão de que Deus não o permite. O demônio quer possuir todo o mal que possa ter, mas Deus estabelece limites à sua vontade, e ele não pode passar. Enfim, se a pessoa possuída tem um espírito suicida, aí sim há um perigo real de que, neste estado de transe, o demônio leve-a a atirar-se de uma janela ou lançar-se contra alguma coisa, etc. Os possessos com espírito suicida devem ser vigiados, e as autorizações episcopais para proceder ao seu exorcismo devem seguir os seus trâmites com a maior urgência.
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Questão 116 Um possesso pode matar? Embora alguns possessos em transe possam ser agressivos contra alguém em particular, é muito raro que eles possam fazer algum mal. A experiência mostra que o possesso grita com alguém, pode olhar com ódio ou usar as mãos como garras e coisas semelhantes. Mas é muito raro que tente atingi-lo ou golpeá-lo com algo. E, geralmente, quando se trata de um raríssimo caso que o faça, no final, tudo fica apenas na tentativa, como se uma força o impedisse de realizar seu desejo. Mas essas tentativas de agressão ocorrem raramente e, repito, sem nunca conseguir ter êxito.
Questão 117 Os assassinos seriais que cometem crimes hediondos são possuídos? Muitas pessoas se perguntam se certos serial killers que cometem crimes hediondos não são realmente possessos. A resposta é simples: uns são simplesmente doentes mentais, alguns podem ser loucos, outros não são nem doentes, nem possessos. Há certamente casos raros, que aparecem em jornais, de crimes horrendos que sugerem possessão. São os crimes cometidos por membros de seitas satânicas ou certos assassinatos em série, em que não é fácil distinguir a fronteira do que foi feito de forma consciente ou inconsciente. Nessas pessoas desalmadas e ao mesmo tempo possessas, não é simples delimitar a linha do que foi cometido em estado consciente ou inconsciente, pois realizaram coisas tão horríveis, sem arrependimento algum, que essa distinção não é simples de ser feita. Normalmente, as descrições desse tipo de caso costumam relatar que o fato começou de forma consciente e de que pouco a pouco o agressor parecia entrar num frenesi em que já não parecia ter domínio de seus atos. São crimes cometidos por pessoas realmente malignas, em estado consciente, e que ao mesmo tempo estão possessas. Pessoas nas
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quais é difícil distinguir onde acaba o dito ou feito voluntariamente e onde começa o dito ou feito em estado de possessão. Se depois, ao orar por um assassino em série, fosse descoberto que ele estava possesso, isso não mudaria sua situação de responsabilidade perante a lei. A lei não pode eximir alguém de sua responsabilidade penal pelo fato da possessão. Em todo caso, a possessão pode equiparar-se, para efeitos legais, a uma doença alienante. Mas o que não se pode é deixar impunes as faltas sob a desculpa de uma causa invisível. Introduzir tal imunidade representaria uma insegurança jurídica inaceitável que nenhum legislador sensato poderia aceitar.
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Capítulo II
O e�orcismo e � e�orci�ta Questão 118 O que é o exorcismo? Exorcismo é o rito de ordenação ao demônio para que saia do corpo de um homem possuído. A essência do exorcismo é a conjuração, ou seja, a ordem dada ao demônio em nome de Jesus a deixar o corpo. O ritual de exorcismo da Igreja contém muitos ritos menores (a ladainha dos santos, a liturgia da Palavra, rezando a oração do Senhor, etc.), mas a sua verdadeira essência é a conjuração do demônio. As orações dirigidas a Deus são deprecativas, ou seja, suplicamos a Ele, enquanto ao demônio nunca se pede nada, apenas se lhe conjura, ou seja, se lhe ordena. E se lhe ordena pelo poder sacerdotal ou pelo poder inerente ao próprio nome de nosso Redentor. Se não houvesse conjuração em um exorcismo, não haveria exorcismo real. A característica definitiva e específica do exorcismo é a conjuração. Na verdade, a palavra grega exorkizein significa apenas conjurar. Coloco dois exemplos do Ritual de Exorcismos de 1998. Fórmula de oração deprecativa a Deus: Deus, criador e defensor do gênero humano, volta Teus olhos sobre esse servo Teu [nome do possesso] que formaste à Tua imagem e o qual chamas à Tua amizade.
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O velho inimigo atormenta-o cruelmente, oprime-o com austera força, perturba-o com feroz terror. Envia sobre ele Teu Espírito Santo que o fortaleça nas tristezas, que lhe ensine a suplicar na tribulação e que o guarde com Tua poderosa proteção. Escuta, Pai Santo, o gemido da Igreja que Te suplica. Não permitas que o Teu filho seja possuído pelo pai da mentira. Não permitas que Teu servo, a quem Teu Filho redimiu com Seu sangue, seja retido no cativeiro do diabo. Não permitas que o templo do Espírito Santo seja habitado por um espírito imundo. Escuta, Deus misericordioso, as súplicas da ditosa Virgem Maria, cujo Filho morrendo na Cruz pisou a cabeça da Serpente Antiga e confiou-a como mãe de todos os homens. Que brilhe neste servo a luz da verdade, que entre nele o gozo da paz, que o possua o Espírito de santidade e que morando nele o torne sereno e puro. Fórmula de conjuração ao demônio: Conjuro-te, Satanás, inimigo da salvação humana, a que reconheças a justiça e bondade de Deus Pai, o qual, com justo julgamento, condenou tua soberba e inveja. Afasta-te desse servo [nome do possesso] que o Senhor fez à Sua imagem, que enalteceu com seus dons e que adotou como filho de misericórdia. Conjuro-te, Satanás, príncipe desse mundo, a que reconheças o poder e força de Jesus Cristo, o qual te venceu no deserto, te derrotou no horto, te despojou na Cruz, e ressuscitando do sepulcro levou consigo teus troféus ao Reino de Luz. Retrocede dessa criatura [nome do possesso] que nascendo a fez irmã sua e morrendo a adquiriu com seu sangue. Conjuro-te, Satanás, sedutor do gênero humano, a que reconheças o Espírito de verdade e graça, o qual repeliu tuas insídias e confundiu tuas mentiras.
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Saia dessa criatura de Deus [nome do possesso] a que Ele lacrou com o selo celestial. Saia desse homem que com a união espiritual Deus fez templo sagrado. Saia pois, Satanás, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Saia pela fé e pela oração da Igreja. Saia pelo sinal da santa cruz de nosso Senhor Jesus Cristo que vive e reina, pelos séculos dos séculos. Amém!
Questão 119 Qual é a maneira ideal de organizar o ministério do exorcista? O ideal é que esse ministério seja muito bem organizado com um número suficiente de pessoas treinadas para a missão a que serão confiadas. Se para isso se considera que é melhor concentrar o ministério na capital da arquidiocese, o melhor é que em cada diocese se faça dessa maneira. Depois não é obrigatório que em cada diocese tenha um exorcista. O modo que vou expor para organizar esse ministério está pensado para uma grande arquidiocese que possua uma grande afluência de casos a examinar. A parte mais delicada desse ministério não é o exorcismo, senão o discernimento. Porque se equivocamo-nos e dizemos que não está possessa uma pessoa, estaremos infligindo por omissão e causando dano terrível, que pode ter que levar sobre os ombros por toda uma vida. Mas, por outro lado, se dizemos que está possessa e não o está, a Igreja ficará muito desprestigiada. Um só descuido neste sentido pode ter péssimas consequências, pois a imprensa só se fixará no erro e não nos sucessos. Por isso convém concentrar experiência em poucas pessoas e não começar com novos grupos a cada caso. E, no caso de os especialistas em discernir deverem estar só na arquidiocese, não haveria problema dadas as facilidades de comunicação que existem hoje em dia. Uma vez que se comprovasse que o caso é verdadeiro, o especialista poderia dar as indicações oportunas para que, na diocese onde reside o possesso, um sacerdote autorizado procedesse ao exorcismo.
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Ainda que para cada caso seja suficiente uma pessoa, convém que sejam três as pessoas integrantes dessa equipe de discernimento. Três pessoas de diferentes idades para que se morrer uma não se vá todo o conhecimento com ela, pelo contrário o conhecimento se vá colocando em comum. Por mais que essa ciência do discernimento seja relatada por escrito, nada poderá suprir nessa matéria a experiência. Por isso, é muito benéfico que o exorcista jovem seja ensinado pelo de idade mais avançada. Depois, comprovado que um caso é de autêntica possessão e conseguida a autorização, o ideal é que o exorcista tenha uma equipe de leigos que lhe ajudem durante o exorcismo. Leigos que sujeitem ao possesso e que rezem durante o ato litúrgico. Podem ser entre cinco e dez. Dez pode parecer muito, mas se estão rezando, então não excedem esse número, pois a oração se soma. A oração dessa equipe de leigos que assistem às sessões não é algo sem muita importância. Pelo contrário, o poder da oração de um grupo é muito superior ao de um sacerdote sozinho. Não necessariamente a equipe de sacerdotes que discerne tem que ser a mesma que depois faz os exorcismos. Como já foi dito, o exorcismo é uma operação mais fácil de fazer que a ação de receber a pessoa e discernir, pois para o exorcismo basta seguir o manual. E se há dúvida, pode-se consultar com alguém da equipe de discernimento. No entanto, nenhum manual pode dar a ajuda necessária para discernir os casos verdadeiros dos falsos. É nesse labor de discernir que convém que se acumule a experiência e que as pessoas sejam fixas, sempre as mesmas, sem mudanças. Por outro lado, exorcizar faz-se com muita frequência, é um ministério muito pesado, e ainda que pareça paradoxo, é uma função de uma grande monotonia e que costuma cansar muito por ser sempre a mesma. Por isso, discernir é um labor e exorcizar é outro. Não necessariamente devem estar unidos. Resumindo, o ideal é que o ministério nas grandes arquidioceses que atendem muitos casos se organize com três grupos de pessoas:
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Os consultores, encarregados do discernimento; Os exorcistas, encarregados de levar a cabo o exorcismo; Os assistentes, a equipe de leigos que assistem com sua oração e ajudam nos exorcismos. Entre os assistentes poderia haver leigos mais fixos nesse ministério que se encarregassem do acompanhamento espiritual dos possessos e de suas famílias. Os possessos, na maior parte dos casos, precisam de uma verdadeira catequese para aproximar-se de Cristo. Alguns desses assistentes, com os anos, podem acumular tal experiência que, algum deles, poderiam chegar a ser um dos consultores. Se esse leigo é psiquiatra, seu julgamento parecerá mais justo à hora de discernir os casos. Mas digo, parecerá, porque em minha experiência nada é tão valioso como o sentido comum e a vida espiritual.
Questão 120 É obrigatório um relatório psiquiátrico para se proceder o exorcismo? Não, a ideia de que um relatório psiquiátrico seja obrigatório antes de prosseguir com um exorcismo não consta em qualquer legislação sobre este assunto. Se um bispo espera que um psiquiatra lhe diga: esse homem está possesso, normalmente não se fará nenhum exorcismo, ainda que ali estivesse o endemoninhado de Gerasa, que carregava dentro de si uma legião. O relatório psiquiátrico só vai falar de possibilidades. Se o exorcista está seguro de que a pessoa está possessa, por que precisaria de um relatório
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psiquiátrico? Além disso, em várias ocasiões, já me ocorreu que uma doença psiquiátrica de um possesso coexistia com uma verdadeira possessão. De que teria servido um relatório, nesse caso? A partir do momento em que pode coexistir uma doença psiquiátrica com a possessão, que sentido teria um relatório psiquiátrico? Se estiver enfermo, não pode estar possuído?
Questão 121 Por que é necessária a permissão do bispo para exorcizar? No início, na Igreja primitiva, não era preciso da permissão do bispo. Esse ministério era exercido sempre que necessário. No entanto, logo se impôs a regra de que ninguém o exerceria sem a permissão do bispo. E assim acontece desde o ano 416, quando o Papa Inocêncio I escreveu uma carta ao bispo de Gubbio, na qual disse: “Você tem solicitude caritativa por estes batizados, que depois do batismo são possuídos pelo demônio, por causa de algum vício ou pecado. E para esse fim, pode ser nomeado um padre ou diácono. Já que realizar exorcismo não é lícito a não ser com a autorização do bispo.” 13
Por que a Igreja impôs essa regra? A Igreja percebeu que essa área exigia cuidados especiais. Prudência para evitar que iluminados e visionários agissem por conta própria. Também era um campo extremamente delicado para que um ato imprudente de um clérigo causasse danos aos supostos possuídos e ao prestígio da Igreja em geral. Por isso se optou por estabelecer vigilância especial neste ministério; vigilância essa que resultou na restrição que já aparece no século V, na citada carta. É interessante acrescentar que no Oriente esse ministério era exercido como uma atividade carismática que não requeria da autorização expressa do bispo. 13
De his vero baptizatis, qui postea a demonio, vitio aliquo aut peccato interveniente, ARRIPIUNTUR, est sollicita dilectio tua, si a presbytero vel diacono possint aut debeant designari. Quod hoc, nisi episcopus praeceperit non licet. PL XX, 557-558.
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Questão 122 Qual era a ordem menor do exorcistado? A ordem menor do exorcistado era uma bênção que a Igreja dava através de um rito litúrgico, no qual se pedia a graça de Deus para exercer esse ministério. Então, embora tivessem recebido essa ordem menor, não poderiam exercer esse ministério sem a permissão do seu bispo. Com o documento Ministeria Quaedam, Paulo VI suprimiu esta ordem menor. Alguns acharam que isso significava a perda de uma arma para lutar contra o demônio. Mas não era. A mesma ordem menor era totalmente desconhecida nos primórdios da Igreja. Essa ordem menor não era um sacramento, mas um sacramental criado pela Igreja. O poder exorcístico está incluído na autoridade do Sacramento da Ordem. O Sacramento da Ordem que foi uma bênção simples, na qual se pedia a graça de Deus para exercer bem esse ministério, era apenas isso. Portanto, mesmo que esta ordem tenha sido extinta, a autoridade do exorcista não foi reduzida em nada. A autoridade da ordem, a fé e a oração do sacerdote serão as fontes de seu poder sobre os demônios.
Questão 123 O que fazer em caso de ausência absoluta de exorcista? Às vezes me perguntaram o que deve ser feito caso o sacerdote esteja ausente, por exemplo, em locais de missão. No início eu tentava responder à pergunta com respostas do tipo: deve-se conseguir chegar até um sacerdote. Mas os anos têm me mostrado situações que me fizeram entender, efetivamente, que existem casos em que não há possibilidade alguma para se chegar até um sacerdote. E situações nas quais, quando se chega até o sacerdote, este tem tanto trabalho acumulado que não pode se dedicar horas e horas a um exorcismo. Para esses casos completamente excepcionais, nos quais é impossível obter ajuda ordinária da Igreja, os cristãos do lugar devem reunir-se e rezar a seguinte oração exorcismus missionalis:
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Senhor Deus Todo Poderoso, misericordioso e onipotente, Pai, Filho e Espírito Santo, expulsa toda influência dos espíritos malignos. Pai, em nome de Cristo, peço-lhe para quebrar todas as cadeias que os demônios têm sobre esta pessoa. Despeje sobre ela o precioso Sangue de Seu Filho. Seu Sangue imaculado e redentor rompe todos os laços que existem no seu corpo e mente. Tudo isso, pedimos pela intercessão da Virgem Maria. São Miguel Arcanjo, intercedei, em seu auxílio. Em nome de Jesus eu ordeno a todo demônio que possa ter alguma influência sobre ele, que saia para sempre. Por Sua flagelação, por Sua coroa de espinhos, Sua Cruz, pelo Seu Sangue, por Sua ressurreição, eu ordeno que todo espírito maligno saia. Por Deus verdadeiro, por Deus santo, pelo Deus que tudo pode, eu lhe ordeno, demônio imundo, que saia em nome de Jesus, meu Salvador e Senhor. Amém.
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Essa oração deve ser repetida todos os dias durante um período que pode variar de alguns minutos a meia hora ou meia hora ou mais. Pede-se com humildade através das orações a Deus, para que o demônio saia, com o tom de uma ordem. Gritar não tem mais efeito. Se o demônio não se agita ao repeti-la, reza-se o rosário em grupo e em voz alta. Terminado o rosário, repete-se a oração. Se tornar a dar sinais de agitação, reza-se outro rosário. O ideal é prosseguir assim durante muito tempo. Essa oração, junto com o rosário, tem a vantagem de ser uma prece breve unida a uma maneira sincera de se exorcizar, que pode ser usada também fazendo-se ligeiras adaptações, nos casos de infestação. Inclusive, caso não seja um caso de possessão, a pessoa pode usá-lo para se libertar da influência que venha do demônio. Mas não é uma oração de proteção, e sim de expulsão. E, portanto, deve ser usada somente por pessoas que sem dúvida tenham esses tipos de distúrbios para a qual se destina. Em cada caso deverão ser feitas mudanças de sentença. Por exemplo, onde se diz: expulsa toda influência dos espíritos malignos, deverá ser dito expulsa desta casa toda influência... É preciso repetir que esta oração é sugerida para os lugares de missão, para não deixar desamparados aqueles possessos para os quais a aplicação das regras gerais representaria uma desproteção da fé cristã. Alguém pode ver este exorcismus missionalis como uma porta aberta para que qualquer um comece a praticar exorcismos. Acredito ser necessário insistir sobre as condições em que deve ser usado: na absoluta impossibilidade de acesso aos ministros sagrados durante meses. Não é próprio da caridade deixar essas pessoas desamparadas. Gostaria de fazer um comparativo: todo medicamento deve ser dispensado com receita médica; então, o que deve ser feito se um enfermo com cálculos no rim estiver em um lugar onde não tenha médico e nem hospitais? Logo, creio que deveria dizer algo para essas pessoas indefesas, mesmo com o risco do que digo para eles ser usado por aqueles que não estiverem nessa situação. Mas o risco de que existam pessoas que não sigam as normas canônicas e façam exorcismos quando não são autorizadas, não significa que
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não se deva dizer nada para os casos de fiéis, filhos da Igreja que se encontrem nessa penosa situação.
Questão 124 Um não católico pode ser exorcizado? Sim, os não batizados ou batizados em outros credos podem ser exorcizados. O exorcismo será uma grande oportunidade para se aproximarem de Deus e da Igreja. Aqueles que pertencem a religiões monoteístas não são obrigados a abandonar sua crença. Por exemplo, se um muçulmano pede exorcismo, não é necessária a fé em Cristo para ser exorcizado. Basta, por outro lado, que aumente sua fé no único Deus Verdadeiro, Criador e Juiz de todos os seres vivos, e viver uma vida justa e adequada à lei natural. Sim, pode-se pedir que ele aumente seu tempo de oração, a oração a Deus, sem exigir que ele ore ou à Virgem Maria ou aos santos, ainda que possa sugeri-lo. No entanto, a alguém que pertence a uma religião politeísta, deve-se exigir como condição para começar o exorcismo que abandone a sua falsa crença nos deuses e aceite a Deus.
Questão 125 Os animais podem ser infectados? A possessão de animais, objetos ou lugares é chamada infestação. A possessão de lugares é um fenômeno comum, mas nos animais é estranhíssima. Quase nunca acontece. Se ocorrer, o demônio sairia após o sacrifício do animal, e não voltaria novamente. Isto é, ao deixar o animal (porque ele está morto), o demônio já não pode mais possuir ou prejudicar a ninguém. Tenho tido conhecimento de raríssimos casos de infestação dos animais. Houve um caso de infestação de uma casa, em que fui o sacerdote a realizar o exorcismo do lugar. A partir daquele dia a casa foi libertada, mas o cão, um cão muito grande, começou a ter o seguinte comportamento estranho: sempre que se abrisse o portão ele saia correndo em direção a uma estrada movimentada e
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deitava no meio do asfalto. Poucas vezes tiveram que tirá-lo de lá, pois logo morreu atropelado por um carro. A infestação do lar pode ocorrer quando na casa têm sido continuamente praticado rituais satânicos, feitiçaria ou qualquer outra forma de ocultismo. A infestação de um objeto só ocorre se este tenha sido usado em um feitiço ou magia ritual. Podemos saber que um determinado objeto está infestado porque esse provoca fenômenos demoníacos no local onde se encontra; normalmente o faz com uma influência externa. Isto é, onde o objeto estiver, poderá haver coisas em movimento, ruídos inexplicáveis, odores, etc. O que você precisa fazer é queimá-lo. Enfim, apesar de eu ter explicado aqui a percepção quase unânime de exorcistas, tenho sérias dúvidas de que um objeto possa sofrer uma infestação. Eu acho que é muito difícil provar a relação entre um objeto e a influência externa. Os demônios possuem corpos ou estão em lugares, mas vejo claramente que se ligam a objetos. Não vejo nenhum problema teológico nisso, mas vejo que é difícil provar essa relação. Hoje eu sou cético, não acredito que haja algum objeto com as más influências. Os demônios nos exorcismos estão sempre falando que possuíam essa pessoa graças à combinação de um determinado objeto que tornou-se uma maldição, mas acredito ser muito difícil provar essa relação.
Questão 126 É verdade que o demônio se vinga dos exorcistas? O demônio já está tentando fazer o pior que pode. Se pudesse fazer mais mal, ele o faria. Se o sacerdote reza o terço todos os dias e pede a Deus para protegê-lo contra todas as ciladas do mal, nada tem a temer. O poder de Deus é infinito, já o do demônio não é. Enfim, São Paulo nos diz: “Ponha a armadura de Deus para que você possa resistir às ciladas do demônio” . E mais: “Sabemos que aquele que nasceu de Deus não peca, mas o que e gerado de Deus se acautela, e o Maligno não o toca” (1Jo 5,18). Jesus disse: “Eis que vos dei poder para pisar serpentes e escorpiões, todo o poder e autoridade contra o inimigo, e
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nada pode prejudicá-lo” (Lc 10,17-19). As palavras de Jesus são taxativas: nada pode prejudicá-lo. Para um cristão, temer o demônio está totalmente injustificado, pois a fé em Deus rechaça todo temor. Ainda menina, antes de ingressar no Carmelo, Santa Teresa de Lisieux, teve um sonho maravilhoso: “Sonhei uma noite que saía a passear sozinha pelo jardim. Chegando ao pé dos degraus que precisava subir para ali chegar, estaquei tomada de pavor. Diante de mim, rente ao caramanchão, havia uma barrica de cal e sobre a barrica dançavam, com espantosa agilidade, dois medonhos diabinhos, não obstante os ferros de engomar que tinham nos pés. De chofre lançaram sobre mim seus olhares chamejantes, mas ao mesmo instante, parecendo muito mais assustados do que eu, precipitaram-se da barrica abaixo e foram esconder-se na rouparia que ficava defronte. Ao vê-los tão pouco valorosos, quis saber o que iriam fazer e acerquei-me da janela. Lá estavam os míseros diabinhos a correr por sobre as mesas, não sabendo o que fazer para se esquivarem do meu olhar. De vez em quando chegavam até a janela, e olhavam com um ar inquieto, se eu ainda estava lá e como sempre me avistassem, começavam a correr de novo como desatinados. – Sem dúvida, este sonho nada tem de extraordinário, acredito, no entanto, que o Bom Deus permitiu que guarde sua lembrança, a fim de me provar que uma alma em estado de graça nada deve temer dos demônios, que são uns poltrões, capazes de fugir diante do olhar de uma criança...” (Santa Teresa de Lisieux, História de uma Alma, capítulo I).
E Santa Teresa de Jesus escreveu no Livro da Vida: “Pois, se este Senhor é poderoso, como vejo e sei que é, e se os demônios são seus escravos (e disto não há que duvidar pois é de fé), sendo eu serva deste Senhor e Rei, que mal me podem eles fazer a mim? Porque não hei-de ter fortaleza para bater-me com todo o inferno? Tomava uma cruz na mão e parecia-me verdadeiramente dar-me Deus ânimo, pois me vi outra em breve tempo, e não temeria lutar com eles a braços, parecia-me que facilmente, com aquela cruz, os venceria a todos. E assim disse: ‘agora vinde todos que, sendo eu serva do Senhor, quero ver o que me podeis fazer’. Sem dúvida me parecia que me tinham medo, porque fiquei sossegada e tão sem temor de todos eles que, até hoje, se me tiraram todos os medos que costumava ter. Pois, ainda que algumas vezes os veja, como depois direi, não mais lhes tenho tido medo, antes me parece que eles mo têm a mim. Ficou-me um tal domínio sobre eles, dádiva concedida pelo Senhor de todos, que deles não se me
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dá mais que de moscas. Parecem-me tão cobardes que, em vendo que os têm em pouco, perdem toda a força. Não sabem estes inimigos reais acometer, senão a quem veem que se lhes rende ou quando o permite Deus para maior bem de Seus servos que tentem e atormentem. Prouvera a Sua Majestade temêssemos a quem devemos temer e entendêssemos que nos pode vir maior dano dum pecado venial do que de todo o inferno junto, pois isso é mesmo assim; que espantados nos trazem estes demônios, porque nós nos queremos espantar. (...) Esta é a grande lástima; mas se tudo aborrecemos por Deus e nos abraçamos com a cruz e tratamos de O servir de verdade, o demônio foge destas verdades como de pestilência. É amigo de mentiras e a mesma mentira. Não fará pacto com quem anda na verdade. (...) Não entendo estes nossos medos: é demônio! é demônio! quando podemos dizer: Deus! Deus! e fazê-lo tremer. Sim, pois bem sabemos que não se pode mover se o Senhor não lho permite. Que é isto?! É, sem dúvida, ter eu mais medo aos que lhe têm tão grande medo do que a ele mesmo, porque o demônio não me pode fazer nada” (Santa Teresa de Jesus, Livro da Vida, capítulo 25, nº 19-22).
O cardeal Ratzinger escreveu a esse respeito: “O mistério da iniquidade está inserido na perspectiva cristã fundamental, ou seja, a partir da perspectiva da ressurreição de Jesus Cristo e sua vitória sobre o poder do mal. Nessa ótica, a liberdade do cristão e sua tranquila con fiança que rechaça o medo (1Jo 4,18) toma toda sua dimensão: a verdade exclui o medo assim permite conhecer o poder do Maligno” (Palavras do cardeal Ratzinger no livro do Cardeal Joseph Suenens, “Renovação e o poder das trevas”).
Como você vê, a nossa fé nos ensina que o demônio existe, mas também nos ensina que existe dentro da construção teológica da fé em Deus. E a fé em Deus, nosso Senhor, é incompatível com o medo. E a fé em Deus destrói todo o medo. Nota A. De todas as maneiras, a experiência tem me ensinado que muitas vezes os leigos que participam do exorcismo ajudando o sacerdote, naquele mesmo dia, são despertados pelo demônio no meio da noite. No início, ao
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ouvir essas coisas, pensava que era devido a preocupações do subconsciente. Mas depois de alguns anos, eu percebi que não, que certamente o demônio raivoso, pelo bem que foi feito às almas, era quem os despertava naquela mesma noite. Alguns, até mesmo por várias noites. Em todos estes anos, apenas uma única vez a ação foi um pouco mais extensa. Um dos leigos que participaram não acreditava em todas essas coisas; na verdade, não estava praticando a sua fé. Frequentou mais por curiosidade. Convidei-o porque sabia que ia fazer um grande bem para a alma. E, assim, ele teve um grande benefício para sua vida espiritual. O problema era que sua filha, no dia seguinte, à uma da manhã, em sua casa, começou a apresentar os mesmos sintomas de um possesso que durou por duas horas. Muito preocupado, o marido disse à esposa que não sabia o que era um possesso, mas aquilo o que via em sua filha era o mesmo que havia presenciado um dia antes na igreja. A menina chorou inconsolavelmente por duas horas, sem causa, e sem que nada pudesse ser feito para acabar com suas lágrimas. Inclusive, num dado momento começou a falar com uma voz rouca. Eles começaram a orar e em duas horas, aquela menina de seis anos, voltou ao normal. É um caso que mostra como o demônio sente raiva por ser descoberto. E isso mostra como ele tenta se vingar, mas que a vingança não pode ir além de alguém acordar no meio da noite. O que eu mencionei sobre a menina é uma exceção, e neste campo, às vezes há exceções. Nota B. Para mim, pessoalmente, a única coisa que aconteceu de natureza extraordinária foi que certa noite, já deitado, a luz se acendeu poucos minutos depois que eu havia deitado. E só aconteceu uma vez. Conheço mais sacerdotes que se dedicam a estas coisas e que, como eu, nunca lhes ocorreu nada, ou apenas algo tão trivial como o que acabo de contar. Mas, assim como a exceção da menina descrita na Nota 1, houve também um exorcista a quem o demônio incendiasse o carro, poucos dias depois. Como se vê, nesta matéria há coisas excepcionais que às vezes acontecem. Infelizmente, algumas pessoas pensam que isso é normal.
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Questão 127 É verdade que durante o exorcismo o possesso pode revelar os pecados dos presentes? É verdade que os demônios abertos costumam com frequência revelar os pecados das pessoas presentes. No entanto, o que eles dizem é pura invenção, embora o possesso diga muitos detalhes sobre o lugar e o tempo de tais pecados. Em muitas ocasiões, pensei que estava diante de determinado demônio que poderia revelar alguns dos meus pecados, mas ele não se rebelou, porque Deus protege a reputação dos sacerdotes e o demônio não tem permissão para falar por eles. Certa vez, em um exorcismo, um possesso teria dito a um rapaz que estava ali presente que este morreria dentro de um mês em um carro branco. E nada aconteceu. O demônio loquaz mente, só é fiável aquele a quem se pergunta em nome de Jesus. E mesmo este só é fiável caso se insista na ordem para que diga a verdade em nome de Jesus.
Questão 128 Quem pode ser um exorcista? É fortemente enfatizado que seja um homem virtuoso. Sem dúvida, o ideal é que quanto mais virtuoso melhor. Mas qualquer sacerdote pode fazer o ritual de exorcismo também. Mesmo os padres não muito edificantes podem expulsar os demônios sem nenhum problema. Precisará de mais tempo do que o virtuoso, mas eles se vão. E embora o que eu diga possa chocar alguém, posso garantir que até mesmo um padre em pecado mortal pode executar um exorcismo para expulsar o demônio. Por quê? Porque o exorcismo é uma oração litúrgica da Igreja. No exorcismo manifesta o poder da oração, o sacramento do poder sacerdotal e o poder do nome de Jesus. A santidade do padre pode ajudar, mas não é uma condição necessária. E considerar que o exorcismo é uma ação perigosa para o sacerdote é um erro grave, assim como é considerar que para exorcizar precise de um dom especial. O único dom que é necessário é o dom do sacerdócio.
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Se a santidade não é essencial para o exercício desse ministério, o que se faz necessário, neste caso, é que o exorcista seja uma pessoa com senso comum. O senso comum é a única coisa que não pode ser fornecida pela Igreja. Este senso ou se tem ou não. Os iluminados e visionários devem ser afastados desse ministério. Curiosamente, estes tipos de pessoa sentirão uma inclinação entusiasta para exercer, sinal evidente de que devem ser afastados dele. Isto acontece como no episcopado. O que manifesta um interesse entusiástico e irreprimível por ser bispo possui todos os sinais para não ser chamado para exercer tal função. Mas, além do senso comum, se vai exercer o ministério de exorcista de forma usual, deve ser uma pessoa que esteja disposta a dedicar tempo, interesse e carinho no desempenho desta função, pois, se tem muito conhecimento e virtude, mas vai atender com pressa ou sem interesse a pessoa que diz estar possessa, então exercerá mal tal função. Nesses casos é preferível um sacerdote menos virtuoso, mas com vontade de ajudar.
Questão 129 Existe exorcismos fora da Igreja Católica? Sim, há reais e eficazes exorcismos em distintas denominações cristãs. Por um lado, manter as raízes ortodoxas conserva o apostolado, com o qual os sacerdotes têm uma força verdadeira. Por outro lado, as raízes protestantes têm o nome de Jesus e a fé em Deus. E em nome de Jesus e através da fé se pode expulsar o demônio. Deus não desejou impor muitas condições para a sua validade. Assim, o batismo é válido em todas as denominações cristãs. Como o Redentor conhecia o grande sofrimento que a possessão causaria naqueles que padeceriam dela, Ele não quis impor condições muito restritas para a eficácia do exorcismo. No âmbito ortodoxo, os exorcismos são muito semelhantes aos do rito católico. No exorcismo pentecostal protestante é tipicamente um grupo de fiéis que se reúne para louvar a Deus e no meio desse louvor, é ordenado que o demônio saia em nome de Jesus. É a fé e o poder desse nome que irá expulsá-los. Infelizmente, fora do mundo pentecostal, os outros ramos protestantes têm
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perdido a tradição sobre como proceder em casos de possessão e muitas vezes se referem a eles como casos da Igreja Católica ou das igrejas pentecostais. É curioso que os seguidores de Cristo (luteranos, anglicanos, episcopais, etc.) não saibam o que fazer com os casos de opressão do mal. Depois de experimentar uma tradição de séculos, os métodos não podem ser inventados a partir do nada.
Questão 130 Já existia o exorcismo antes de Cristo? Naqueles tempos, existia quem dizia exorcizar. Mas o poder de expulsar os demônios foi dado por Jesus aos Seus seguidores. Assim, não havia exorcismos válidos antes de Cristo; e tampouco o há atualmente, fora do âmbito cristão. Hoje em dia bruxos e magos dizem exorcizar, mas seus exorcismos são taxativamente ineficazes. De qualquer maneira, tampouco podemos excluir taxativamente que antes de Cristo alguma pessoa pudesse ter recebido o dom de Deus para exercer esse ministério. Existiam santos antes de Cristo, homens justos que buscaram a Deus. É perfeitamente possível que algumas dessas poucas pessoas justas, dedicadas à oração e de vida ascética, pudessem expulsar demônios em nome do único e verdadeiro Deus.
Questão 131 Por que alguns exorcismos duram bem mais tempo? Isso já acontecia no tempo de Jesus e aparece na passagem de Mc 9,17-18. Os Apóstolos não foram capazes de expulsar um demônio, e Jesus perguntou: “Por que não podemos dirigir? ”. A resposta está na distinção entre poder e autoridade: “Chamando os Doze e lhes deu poder e autoridade sobre todos os tipos de demônios” (Lc 9,1).
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Os Apóstolos e seus sucessores tinham recebido toda a autoridade para expulsar demônios, mas não todo o poder. Quando os Apóstolos não puderam expulsar aquele demônio, a resposta de Jesus não foi o aumento da autoridade dada a eles, que já era plena, mas sim dizer-lhes: esta espécie de demônio só sai com jejum e oração. Ou seja, a autoridade não pode ser aumentada, mas o poder em si mesmo é suscetível de ser aumentado. A santidade da pessoa aumenta esse poder. E assim aparece em Mc 9,38: “ Mestre, vimos um homem expulsar demônios em teu nome e tentou detê-lo, porque ele não era daqueles que nos seguiram”. Aqui vemos uma pessoa que não tinha autoridade, mas tinha o poder sobre os demônios. Enfim, nem todos os demônios têm o mesmo poder, pois nem todos são da mesma hierarquia. Os mais altos na hierarquia, ou seja, as naturezas angélicas pertencentes ao mais alto coro, são os mais difíceis para sair do corpo. Satanás e Lúcifer são os mais difíceis de exorcizar. No entanto, por mais santo que seja o exorcista, estes exorcismos levam tempo. Cada operação leva tempo por sua própria natureza (um nascimento, que um osso se una, etc.), de modo que cada exorcismo leva tempo e não se deve ser impaciente.
Questão 132 É preferível continuar até o fim em uma sessão ou ter várias sessões? É preferível ter várias sessões a fim de dar tempo para que o indivíduo avance mais na vida espiritual. A vida de oração e de descoberta de Jesus deve ir de mãos dadas com as sessões. Caso contrário, após a saída do demônio, se a pessoa volta à sua antiga vida de pecado, o demônio pode entrar nela de novo. Enfim, há sessões em que se torna claro que o demônio está para sair. Logicamente, não faz sentido parar a sessão quando se vê que ele pode sair a qualquer momento. Conheço casos de sessões que duraram de seis a sete horas, mas não conheço ninguém que se dedica a esse ministério continuamente para se dedicar mais de uma hora a cada sessão. Quem gasta seis horas em cada sessão se esgota neste ministério e acaba pedindo para deixá-lo.
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Esse ministério se exercita por anos e deve ser realizado de um modo moderado e dentro de uma grande ordem. Cada sessão deve ser de uma hora ou duas no máximo. Então você tem que parar e dar a ordem para continuar na próxima semana. As sessões de uma hora serão a cada semana ou a cada duas semanas. O exorcista não deve se esgotar. Se você receber muitos casos, você não deve gastar mais do que metade do dia nesse ministério. E de preferência, não mais do que três ou quatro dias por semana. É bom que o exorcista tenha outras funções paroquiais. Batismos, confissões, escritório, casamentos e outros trabalhos envolvidos na vida da paróquia representam uma variação contínua que é um enriquecimento do sacerdócio. Passar tempo no ministério de exorcista seria um empobrecimento. Se há muitos casos devem ter outros exorcistas; tente não levar tudo sobre os seus ombros. Nisto é possível que, com os anos, invada o exorcista um certo orgulho, considerando-se uma espécie de homem providencial, de forma que não encontre ninguém adequado para formar e que o ajude neste ministério. O exorcista deve estar sempre em guarda contra as astutas ciladas do demônio, que vai tentá-lo com o orgulho. Talvez o orgulho seja o maior perigo do exorcista.
Questão 133 Dicas para exorcismo 1. O sacerdote deve começar com o ritual e, ao atingir o final dele, deve continuar com aquilo que mais atormenta o demônio. 2. O sacerdote pode retirar-se para fazer outros trabalhos enquanto o grupo de leigos reza o terço em voz alta para a libertação do indivíduo. Então, o padre, rezando o breviário pode descansar, dar um pequeno passeio, etc. 3. O ritual do exorcismo pode ser interrompido a qualquer momento no meio do seu decurso para insistir naquilo que pareça ter mais efeito.
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4. Só o exorcista deve se dirigir ao demônio. Mesmo que o demônio se dirigida a alguém, ninguém deve respondê-lo, nem pedir, nem repreender. Não porque haja perigo em tal coisa, mas porque permitir tais intervenções significaria que o ritual poderia cair em desordem. 5. O rosário tem um poder único de enfraquecer o demônio. O demônio pode não obedecer ao exorcista, mas após a recitação do rosário, beijará o crucifixo, olhará para uma imagem da Virgem ou fará qualquer coisa que o exorcista ordene. E se não obedecer, fá-lo-á após o segundo, ou até após o terceiro. Quando o demônio começa a obedecer, significa que já está severamente enfraquecido pelo poder da oração. E uma vez que ele está enfraquecido, sua saída estará mais próxima. 6. Quando ele começa a dizer coisas como “assassinos”, “vocês estão me matando”, “eu posso...”, a sua saída já é iminente. 7. É muito útil perguntar: em nome de Jesus, o que vai fazer você sair? Se você perguntar o que o atormenta, ou o que assombra mais, às vezes, ele diz alguma coisa. Mas quando perguntado o que vai fazê-lo sair , às vezes a resposta é outra. Embora, é claro, resista muito mais a responder aquilo que é mais importante. 8. Quando o demônio debilitado se nega a responder o que o vai fazer sair, convida-se os presentes para rezar uma Ave-Maria para que responda. Orar com fé e concentração é essencial. 9. Às vezes, se faz com que os demônios saiam antes de responder. 10. Convém percorrer em círculo e aspergir com água benta onde se vai exorcizar, para pedir a Deus Pai que derrame o Sangue de Seu Filho naquele local, a fim de evitar que os demônios de fora possam vir para se comunicar com os que estão dentro ou ajudá-los. Algumas vezes, durante um exorcismo, o demônio pode chamar outros para ajudá-lo. 11. É muito útil dar água benta para o demônio beber durante o exorcismo. Mas isso deve ser feito quando o demônio obedecer. Caso contrário, se for forçado, ou cuspirá tudo para fora ou de nada lhe terá servido.
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12. É muito útil dar a comunhão ao possuído durante o exorcismo. É claro que este deve estar na graça de Deus. Não deve ser dada a comunhão à força, mas quando ele obedecer. Em seguida, o mesmo homem possuído, pela ordem do padre, deve abrir a boca e não profanar a Eucaristia. A dica número 2, que afirma que o exorcista pode retirar-se para fazer outros trabalhos no meio da sessão, enquanto o grupo reza o rosário é muito importante. Porque com apenas meia hora de descanso, o exorcista chega novo e descansado, enquanto o demônio já está esgotado e enfraquecido ainda mais, porque não teve descanso. Tais rupturas podem ser repetidas várias vezes, permitindo ao exorcista dedicar-se a atividades completamente fora do exorcismo e em outros lugares na comunidade, ou mesmo na casa paroquial. Quando ele voltar, vai encontrar o demônio mais fraco pelo poder da oração, para que reinicie o exorcismo. No entanto, existem demônios que a mera reza do rosário em grupo não os afeta, de modo que o possesso sai do transe. Se isso acontecer, um membro leigo da equipe deve ir até o padre para que retome a sessão. Se o possesso sai do transe, não acontece nada, nada de mal pode lhe acontecer, mas isso significa que a oração do rosário não mortifica o demônio e o exorcismo fica suspenso até o sacerdote voltar e retomar suas orações. Existem alguns padres que se dedicam ao ministério do exorcismo que tem a graça do dom carismático de línguas, um dom concedido pelo Espírito Santo. Esse é claramente um dom que você não pode aprender, mas que Deus lhe dá. Se o sacerdote tem esse dom desenvolvido, será sempre útil usá-lo no ritual de exorcismo. Mas insisto que esse dom deve ter muito desenvolvimento carismático. Se assim for, então pode começar a orar em línguas após a ladainha dos santos e pedir a Deus Sua bênção e proteção. A sessão inteira deve estar sob a direção do padre, que tem permissão para esse exorcismo. Portanto, se um leigo ou outro sacerdote desobedecer a suas instruções, que esse seja expulso do local e de imediato. Por exemplo, quando um padre presente se colocar a interferir ou a perguntar ao demônio contra a vontade daquele que dirige a sessão.
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Questão 134 Como você sabe quando o demônio é o último? Dado que um possesso pode ter vários demônios, surge a dúvida de quando sai o último demônio. Toda vez que sai um demônio, a pessoa sente-se em paz, recobra a consciência e ao abrir os olhos, ainda sente a alegria espiritual. É fácil de saber: deve-se rezar para a pessoa mais dois ou três minutos. Se ainda houver um demônio dentro, a pessoa entra em transe ou se irrita. Mas se a pessoa ainda está consciente, pergunte-lhe se ela sente alguma coisa. Se responder não, então é hora de dar graças a Deus. Aconselho a todos se ajoelhar e agradecer a Deus pela libertação do demônio, e a todos os santos e os anjos pela ajuda. Se o padre não sabia nada sobre isso, depois que o demônio sair e o possesso recobrar a consciência, ele pensará que tudo acabou, mas não é assim, pois as pessoas vão ligar para você dizendo que ainda têm alguns dos sintomas que as levaram a solicitar um exorcismo. Então teria que repetir as orações para retirar o último demônio ou os que ainda permanecem.
Questão 135 Pode ser repossuída a pessoa que tenha sido exorcizada? Essa questão traz muito desespero ao possesso e sua família durante o processo de liberação. Deve-se responder a eles categoricamente que não, não voltará a ser possuído. Se a pessoa viver na graça de Deus, rezar, confessar, ir à Missa, não tem nada a temer; assim estará como que blindada e o mal não pode penetrá-la. Se a pessoa liberada, no entanto, volta à sua antiga vida de pecado, pode ser possuída novamente. E se for possuída, será ainda pior. Mas é preciso deixar a pessoa muito calma, dizendo que se ela tiver uma vida cristã, o demônio não pode querer entrar. Além disso, devemos assegurar-lhe que o demônio não vai voltar, apesar de que ela possa vir a cometer um pecado mortal ou mais. A possessão somente poderá voltar se a pessoa
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estiver em estado de pecado. Ou seja, afastar-se de Deus. Como exemplo de que um demônio não pode retornar ao corpo, recordo-me do caso de uma mulher que foi libertada de todos os seus demônios. Ela me ligou alguns dias depois dizendo que se sentia mal, que sentia um aperto no peito e alguns dos sintomas que a levaram a solicitar um exorcismo. Isso me intrigou muito, porque tinha certeza de que todos os demônios tinham saído, e aquela senhora afirmou que desde que foi liberta, tinha orado muito, passou a ler a Bíblia e outras coisas. Coloquei as mãos sobre ela e orei sobre o assunto. Não entrou em transe, mas começou a sentir mais forte a opressão no peito, conforme avançava a oração, que não durou mais de cinco minutos. Essa opressão ficou mais fraca e desapareceu completamente. Ela nunca mais teve problemas. O que tinha acontecido neste caso? Como era um caso de influência, o demônio tinha saído, mas tentou voltar a entrar. Ele não pode tê-la porque ela usava a armadura da vida espiritual. A oração do sacerdote quebrou a mera influência exercida pelo demônio no corpo e que se afastou para sempre e nunca mais voltou a incomodar. Esse é o caso em que vi mais claramente o esforço de um demônio para querer retornar a um corpo e não poder. A vida espiritual é a verdadeira armadura que nos protege.
Questão 136 O que acontece se os demônios não saem por meio do exorcismo? Se os meses passam e nem um só demônio sai, pode ser que a pessoa possessa não esteja cumprindo os conselhos do exorcista. O exorcista deve tê-la aconselhado antes de começar a primeira sessão que vá a Missa, que ore, que se confesse, que cumpra os dez mandamentos. Há quem vá ao exorcista como quem vai ao médico, pensa que é como tomar um remédio e que pode seguir com a vida que levava antes. Mas se alguém quer ser exorcizado, deve mudar de vida e cumprir tudo o que Jesus nos ensina. Caso contrário o demônio que saiu voltará a entrar. E em alguns casos nem chega a sair, porque tem onde se
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agarrar. Se a pessoa não está disposta a abandonar o pecado, o sacerdote deve interromper as sessões de exorcismo até que a possessa decida obedecer suas indicações. Por exemplo, se alguém está numa união ilícita, a pessoa deve dar um tempo para entender as razões pelas quais deve pôr em ordem sua vida. Mas se os exorcismos começam antes de tomar a decisão que deve tomar, eles serão ineficazes. Aqui não vale a boa intenção, a lei de Deus é objetiva. Se o demônio tem onde se agarrar, não sai. Nesses casos de oculta desobediência do possesso às indicações do exorcista costuma estar a causa dos casos de exorcismos que se prolongam para além do normal. Mas se o exorcista vê que a pessoa é sincera e que não parece ter nenhuma causa oculta, não terá outra solução que não seja insistir ou tentar com outro sacerdote para ver se ele tem mais sucesso. Um exorcista em seus primeiros casos pode fazer coisas que são ineficazes para com um determinado demônio; por isso tentar outro exorcista mais experimentado pode ser útil.
Questão 137 O que faz um demônio deixar um corpo em um exorcismo? São três as coisas que podem fazer um demônio deixar um corpo: 1. O próprio demônio que decide sair; 2. O poder sacerdotal que o obriga; 3. Um anjo enviado por Deus. No caso de demônios mais fracos, eles próprios é que saem. As coisas sagradas e a oração torturam-nos e chega um momento em que decidem sair para não seguirem sofrendo. Em certas ocasiões, ao saírem dizem coisas como: “Saio, não me expulsou, pois saio por minha vontade”. Outros demônios são mais fortes que estes primeiros e, por mais que se jam torturados, ficam como que colados à pessoa. Sofrem, mas não se soltam do corpo do possesso. O exorcismo desses demônios prolonga-se mais, mas
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finalmente a ordem do poder sacerdotal faz com que saiam. Com o exorcismo vão-se debilitando, e acabam sendo expulsos, arrastados pelo poder da oração. Outros ainda, os de maior força, sofrem terrivelmente no exorcismo, nesses casos é preciso vir um anjo para poder tirá-los do corpo. São tão poderosos por sua natureza angélica que é a oração deprecativa a Deus, que quando atinge a medida prevista, permite que Ele envie Seu anjo. E é ao final do exorcismo que, repentinamente, se produz como que uma luta invisível. O possesso olha para um lugar determinado e começa a golpear. É então que se produzem as piores agitações e gritos. Ainda que o sacerdote se cale, o anjo já está ali e a libertação se produz por obra dessa luta invisível.
Questão 138 O que é mais importante: a confissão ou o exorcismo? Nós, seres humanos somos como meninos, e nos maravilhamos com o que é mais espetacular a nossos olhos. A confissão é menos espetacular, sua obra é mais discreta, mais silenciosa. No entanto, a confissão é um dom divino bem maior que o exorcismo. O exorcismo só retira o demônio do corpo, a confissão retira o mal de nosso espírito. A confissão destrói nossas ataduras com a iniquidade. E não é só isso, nos concede a graça santif icante. A confissão não só perdoa, mas corrige nossa alma e enche-a de luz.
Questão 139 Glossário O glossário que aparece a seguir é uma tentativa de ordenar todo o conjunto de termos e expressões que foram aparecendo na literatura exorcística. A necessidade de um glossário que unifique e racionalize é evidente, pois cada autor usa os termos dando-lhes o significado que crê convenientes. E assim, muitas vezes, quanto ao campo que delimita um termo, não se sabe muito bem nem onde começa nem onde termina. Até mesmo a palavra “exorcismo”
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tem um significado diferente em algumas páginas de uns autores com relação a outros. Se isso ocorre com uma palavra tão clara, o desconcerto é maior em outros termos mais complexos. Assim, o glossário que aparece a seguir supõe uma tentativa de racionalizar e unificar esse léxico, evitando polissemias que deem lugares a equívocos. Palavras como “obsessão”, “obsessos pelo demônio”, “exorcismo maior e menor”, “público” e “privado”, para dar só alguns exemplos, devem ser esclarecidas a fim de evitá-las para não dar lugar a equívocos; no lugar destes termos tão polissêmicos se oferece o seguinte glossário: Possessão: é o fenômeno em que um espírito do mal reside em uma pessoa e em certos momentos pode falar e se mover por meio dela, sem que essa possa evitá-lo. Influência: é o fenômeno em que um demônio exerce certa influência sobre o corpo ou a mente de uma pessoa, mas sem chegar a possuir seu corpo. A influência pode ser interna ou externa. Influência interna: na influência interna, o demônio exerce sua influência de dentro do corpo da pessoa. E assim, essa pode sentir intensas e persistentes tentações que se prolongam durante semanas ou meses. Ou também pode sofrer problemas em sua saúde, cuja origem está nesse demônio. Influência externa: na influência externa, o demônio exerce sua influência de fora do corpo. A pessoa pode ver sombras, sofrer terríveis pesadelos e, sobretudo, tentações, mas tudo está fora dela; dentro não tem nenhum mau espírito. Na influência interna não há testemunhas, pois tudo se sucede de um modo interno. Na influência externa pode-se perceber ruídos, cheiros, ou movimento de coisas, isto é, fatos que ocorrem fora da pessoa. Ainda que, na imensa maioria das vezes, a influência externa reduz-se a tentar de um modo insistente.
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Infestação: o fenômeno em que os sinais de uma presença demoníaca não se manifestam em uma pessoa, mas somente em um lugar, objeto ou animal. Malefício: essa operação é feita para prejudicar o outro com o auxílio de demônios. Magia: essa operação é feita para conseguir algo bom, mas com a ajuda de demônios. Exorcismo: é o rito pelo qual se ordena ao demônio que saia do corpo do possuído. Exorcismo ritual : é o exorcismo que se faz seguindo o Ritual de Exorcismo. Exorcismo não ritual: é o exorcismo que se faz com orações particulares e não litúrgicas. Conjuro: é a ordem dada ao demônio, em nome de Jesus, para que abandone um corpo. Mandatum: quando alguém, particularmente e de modo pontual, ordena ao demônio, em nome de Jesus, para que se afaste. Oração de libertação: é a oração que se faz para acabar com a influência do demônio numa pessoa. Demonopatia: toda patologia psiquiátrica que cursa com uma temática demoníaca.
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Dimicatio: é o conjunto de orações feitas para afastar o demônio, não de uma pessoa, mas de uma comunidade, de um apostolado ou de um lugar amplo tal como uma cidade ou uma região. Todo esse glossário foi elaborado com a ideia de criar termos técnicos que evitem o uso de outras palavras que tragam erros de sentido. E por essa razão, neste glossário a cada termo tem um único significado. Por isso a palavra “obsessão”, de agora em diante, deverá ser usada sempre em seu sentido psiquiátrico. Caso contrário nunca estamos seguros de quando se usa em seu significado de perturbação mental e quando se usava no sentido latino de assédio. Na literatura de séculos passados sempre que se falava de uma pessoa que sofria uma obsessão diabólica, o que queriam dizer era que sofria um assédio demoníaco. O termo não podia ser mais propício a confusões. Quanto à expressão “possessão local” é preferível que seja designada como “infestação”, reservando a palavra “possessão” só para a possessão pessoal. Caso contrário, a cada vez que falamos de possessão sempre fica a dúvida se o dito vale também para a possessão de um lugar. “Exorcismo maior”, “exorcismo solene”, “exorcismo público”, são expressões que convêm que sejam substituídas a seco por “exorcismos”. E se quisermos ressaltar o fato de que se usou o ritual, diremos que foi um “exorcismo ritual”. Pois caso contrário, os termos são tão amplos e admitem tantas combinações que se pode dar realmente e sem faltar à verdade um verdadeiro “exorcismo menor público”, ou um “exorcismo maior privado”, etc. O que antes se designava como exorcismo não solene, menor ou privado agora se denominará como “mandatum” (mantemos esse termo em latim), “oração de libertação”, ou “exorcismo não ritual”, de acordo com o que seja em cada caso. A palavra “opressão” costuma ser usada por muitos exorcistas para significar influência. Nessa obra preferiu-se usar o termo “influência”. Tal preferência teve como razão meras questões de opinião, mas ambas são válidas.
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Capítulo III
Fenomenolo�ia demoníaca Questão 140 Qual é a fenomenologia demoníaca? A fenomenologia demoníaca pode ser enquadrada no seguinte diagrama:
tentação
pessoa
influência
Fenomenologia
normal intensa noite do espírito
interna
sobre o corpo sobre a mente sobre o espírito
externa
possessão lugar
infestação
de um demônio clausus de um demônio apertus de um demônio abdius
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A “influência interna” é o fenômeno no qual um demônio exerce certa influência sobre o corpo, a mente ou o espírito de uma pessoa. Na “influência externa”, ao atuar do lado de fora, o demônio tem menos poder. É muito difícil poder atuar sobre o corpo do lado de fora, quando muito, costumam-se produzir sensações: calafrios, sensação de ter algo colado ao corpo, coisas assim, mas não doenças. Já sobre a mente, a influência externa pode ser grande, pois o demônio pode tentar com lembranças, imaginações e pensamentos. Porém, do lado de fora é bem mais difícil influenciar o espírito da pessoa, infundindo nela sensação de desespero, tão característica das pessoas que sofrem uma influência interna. A possessão é o fenômeno no qual um demônio, em determinados momentos, possui o corpo de uma pessoa podendo movê-lo ou falar por meio dele. De certo modo, a possessão é uma influência interna que chegou ao seu grau máximo, já não somente influencia, mas também domina o corpo em certos momentos. Porém, observe-se que esse domínio se produz em alguns momentos. O demônio, nem mesmo na possessão, pode fazer o que quer com o corpo a qualquer hora. Devemos observar que na tentação o demônio vai e vem, enquanto na influência externa o demônio está vez ou outra ao lado da vítima. Na inf luência interna está dentro, mas não há a possessão do corpo, enquanto que na possessão leva-se em conta o poder que um demônio pode ter sobre uma pessoa, havendo uma verdadeira possessão do corpo, de tal maneira, que a pessoa ou perde a consciência quando o demônio se move ou fala por meio dela, ou, se estiver consciente, o possesso vê o que o demônio faz com seu próprio corpo sem poder agir. O demônio fechado é o que não fala, o aberto é o que fala e se manifesta abertamente. O demônio abditus é o que está dentro, mas não dá nenhum sinal de estar ali. Como sabemos, então, que está dentro um demônio abditus? Porque, em algum momento, ele manifestou sua presença, dando provas de que o que essa pessoa padecia era de natureza demoníaca.
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Para cada fenômeno demoníaco, há um tipo de oração específica: Para a tentação, o mandatum; Para a influência interna, a oração de libertação; Para a possessão, o exorcismo; Para a infestação, o exorcismo da casa; Para a influência externa, o único remédio é o aumento do tempo de oração. Sempre que formos tentados, podemos ordenar ao demônio que saia em nome de Deus. Mas se a inf luência é externa porque um demônio nos assedia, a única coisa que podemos fazer é aumentar nossa vida espiritual para que a oração, a graça, e a luz encham nossas almas e afastem esse demônio. Para esclarecer essa questão e se ter uma visão geral, pus no início dela o esquema completo de todos os fenômenos extraordinários que podem acontecer, enquanto que todos os fenômenos angélicos que podem suceder se enquadram no diagrama seguinte: para a vida sobrenatural inspirações
para a vida ordinária para a vida extraordinária
Fenômenos angélicos aparições
milagres
Há que notar que o mundo angélico e seus fenômenos são bem mais belos que os demoníacos. Mas entender bem o mundo demoníaco supõe entender o mundo angélico, pois um demônio é um anjo caído.
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Questão 141 O que é a influência externa? A influência externa é a situação na qual um demônio assedia de forma contínua uma pessoa. Esse assédio pode durar dias, semanas ou meses. Na influência externa, se movem coisas no local onde a pessoa está, ou provocam-se ruídos ou odores, e isso pode ser percebido por outras testemunhas e não só por quem sofre o assédio. Na inf luência interna, o demônio provoca visões ou sensações que só são vistas ou sentidas pela pessoa que sofre essa influência. Contra a influência externa a própria oração do interessado é sumamente eficaz e muitas vezes basta para acabar com tal fenômeno. Quanto mais assistir à Missa, ir à igreja, usar água benta e fazer atos de piedade, mais sofrimentos causará ao demônio que está ao seu lado. Porém, há casos em que a influência externa é usada por Deus como instrumento para a santificação, e o demônio acaba voltando, por mais que se ore.
Questão 142 O que é a influência interna? A influência, em geral, é o fenômeno no qual um demônio exerce certo domínio sobre o corpo, a mente ou o espírito de uma pessoa. Neste tipo de ataque demoníaco, o mau espírito não chega a possuir o corpo da pessoa, de forma que não fala por meio dela. E se chega a mover alguma parte do corpo durante as orações (por exemplo, as mãos), indica que a pessoa está consciente. Mas quando há uma influência interna, se houver uma movimentação no corpo, será ligeira: a pessoa fica rígida, agita os braços, faz caras estranhas, mas não passa disso. A influência interna pode estar sobre o corpo, provocando determinadas doenças, ou sobre a mente, provocando uma influência do demônio sobre as potências da alma, induzindo-a de forma obsessiva a determinados vícios ou pensamentos obsessivos.
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Quando se ora por uma pessoa que sofre uma influência, a reação é diferente à da possessão. A pessoa sente um mal-estar geral, não consegue controlar a tensão que lhe provoca a oração e faz movimentos estranhos com os membros, mas sem perder a consciência. Em outras ocasiões, a influência manifesta-se por uma grande contração que se manifesta nas mãos ou no rosto, contração essa que costuma ser a fase prévia à manifestação da possessão, mas que nesses casos nunca passa dessa fase prévia, isto é, nunca se chega a produzir o transe. E não se produz o transe porque não há possessão do corpo, só uma influência sobre ele. Para os casos de influência interna, a pessoa tem que receber oração de libertação. Deve ser bem feita pelo sacerdote ou por um grupo de leigos que orem por ela, para que a liberte. Sempre é preferível a oração comunitária à de uma pessoa sozinha, pois o poder da oração se soma. Há que se acrescentar que quanto menor for a influência do demônio sobre uma pessoa mais difícil é discernir se há realmente algo demoníaco ou não. Em matéria de discernimento das influências demoníacas, é onde o sacerdote costuma ter mais cautela ao dizer o que aflige aquela pessoa. A possessão costuma ter uma manifestação mais clara, mais perceptível. A influência demoníaca não, e quanto mais leve, mais difícil. Quando alguém me procura para me consultar sobre o que tem e percebo que só há uma influência demoníaca, e até que isto esteja claro, costumo lhe dizer: “Em matéria de possessão falo com segurança, se digo-lhe que está possesso é que o está, mas quando só há uma influência não posso opinar com a mesma segurança, porque eu só julgo o lado externo”. Depois disso lhe dou conselhos espirituais e digo que quanto mais se fortalecer na vida espiritual, menos poder terá o demônio sobre ela. Não obstante, em outros casos, a influência demoníaca sobre o corpo ou a mente de uma pessoa é evidente e inequívoca, a julgar pelos dados que já apresentei. Nesse caso, como no discernimento da possessão, a experiência permite opinar com total segurança nos casos em que esse nível de certeza é possível. Nem sempre é possível essa segurança, pois a possessão supõe isso: uma possessão sobre o corpo. Enquanto a influência interna supõe só uma
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influência, maior ou menor, mais ou menos segura segundo os sinais que se produzem quando se ora pela pessoa. Eu já disse que a influência interna pode influir sobre o corpo, a mente ou o espírito. Alguns se surpreenderão com o fato de que o demônio pode influir diretamente no espírito, sem passar pela mente, mas é assim. O demônio pode influir no corpo (produzindo sensações e inclusive enfermidades), na mente (colocando imagens, pensamentos, palavras, etc.) ou no espírito, fazendo que a pessoa sinta desespero. Esse é o sentimento mais frequente, uma tristeza que parece superar a pessoa, que não sabe de onde ela vem, mas que sente ser muito forte. Em outros casos, menos frequentes, a pessoa sente ira, ansiedade ou temor.
Questão 143 Qual é a diferença entre a influência interna e externa? Considero que essa é uma distinção na qual convém me aprofundar e esclarecer bem, pois neste campo das influências acha-se a maior parte das pessoas atendidas por um exorcista. Casos de possessões, há poucos, mas casos de influências muitos. Na influência externa o demônio está fora, na influência interna o demônio está dentro. Essa é a diferença radical entre ambos os fenômenos. Num caso de influência externa, a pessoa nunca dará nenhum sinal. Nem entrará em transe, nem se sentirá mal, nem nada, porque o demônio está fora dela. Na inf luência interna sim, há sinais, porque o demônio está dentro. Isto é, quando o sacerdote ora pela pessoa, ela sente que se lhe movem as pálpebras, os olhos ficam brancos, ou se lhe movem as mãos, ou começa arrotar, ou tem vontade de vomitar, ou sente dor numa determinada parte do corpo. Chama-se influência interna porque a pessoa sente o mau espírito dentro de sí quando se ora por ela. E, além disso, quando ela é libertada, sente que esse espírito vai subindo e que sai pela sua boca. A influência externa faz padecer até um santo. Exemplo de influência externa é o do Cura d’Ars, que foi arrastado pelo demônio pelo chão da casa. E
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não só os santos sofrem. Por exemplo, uma pessoa comum pode ver as coisas se moverem ou as portas se abrirem. Pode mudar de lugar, mas o fenômeno a persegue. Outros exemplos de influência externa são a noite escura do espírito, que sofrem as pessoas que se dedicam à oração; uma crise de escrúpulos, que pode durar meses; ou terríveis tentações de desespero, apesar de uma vida espiritual intensa, uma vez que na influência o demônio está em seu interior, mas sem possuir. A influência no corpo produz doenças, já na mente produz idéias fixas, temor ou algum impulso introduzido pelo demônio na mente da pessoa. Se o demônio estivesse fora seria uma tentação, mas quando está em seu interior, é bem mais intensa e persistente. Portanto, é bem mais fácil acabar com a inf luência externa do que com a influência interna. Na influência externa, com poucas orações, não importa quais sejam, o demônio se vê obrigado a se afastar, a menos que seja uma influência externa permitida por Deus para a edificação da alma, como é o caso da noite escura. Em casos assim, as orações não acabarão com ela. Para muitos sacerdotes, inclusive àqueles dedicados a esse campo, esses três fenômenos (possessão, influências externa e interna) formam um magma em que não se distingue um do outro. Mas se veem que em muitos casos, as características da cada fenômeno aparecem perfeitamente delimitadas.
Questão 144 O que é a oração de libertação? A oração de libertação é a oração que se faz para acabar com a influência do demônio numa pessoa. Costuma realizar-se por um sacerdote só ou por um grupo de leigos (com ou sem a presença de um sacerdote) que oram a Deus para que a pessoa seja liberada de toda inf luência demoníaca. Se no exorcismo se conjura ao demônio, na oração de libertação, pelo contrário, a oração é dirigida a Deus. Se for um grupo da Renovação Carismática, será muito útil que se ore em línguas. Se alguém do grupo quiser se dirigir ao demônio diretamente,
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essa pessoa deverá ter autorização do bispo do lugar para fazer tal coisa. Para a oração de exorcismo, requer-se uma autorização para cada caso. Mas para que um grupo possa fazer oração de libertação, basta uma permissão geral do bispo para os casos que se apresentem. Tendo deixado claro o tema sobre as permissões episcopais, há de se dizer que ainda que em algum momento se ordene ao demônio para sair de uma pessoa, não é um exorcismo. Não é um exorcismo, primeiro porque não há uma possessão, segundo porque não se dirige ao demônio em nenhum momento, só se ora a Deus para que libere a pessoa de qualquer má influência. Ainda no caso em que se tenha essa permissão para se dirigir ao demônio e lhe ordenar que saia, não é um exorcismo nem litúrgica nem juridicamente falando. Trata-se de uma oração de libertação na que se inserem ordens ao demônio. Mas se o grupo (ou quem dirige esse grupo) carece de tal autorização episcopal, bastará orar a Deus para que Ele destrua o poder do demônio sobre aquela pessoa. As orações de libertação, às vezes, conseguem seu efeito em poucos minutos, mas em outras ocasiões, podem ser necessárias muitas sessões. A influência, longe de ser algo leve, pode ser um fenômeno muito persistente e com graves consequências na saúde da pessoa. Por isso, pode haver casos em que o melhor a ser feito é que o sujeito passe por um desses grupos uma vez por semana, para que orem por ele alguns minutos de cada vez: cinco, dez ou quinze minutos. Nos casos de influência o aumento da vida de oração da pessoa pode romper essas ataduras do demônio sobre seu corpo e sua alma. O exorcismus missionalis que aparece nessa obra pode ser rezado pela mesma pessoa a cada dia, o qual constituiria uma oração de autolibertação. Os grupos de oração de libertação devem ensinar aos que se dirigem a eles pedindo ajuda como realizar as orações de autolibertação. Ocorre com certa frequência que as pessoas peçam a libertação por meio dos grupos, mas os interessados não costumam se esforçar muito. Nos casos de influência, os interessados podem fazer tanto por sua libertação como também o grupo.
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Questão 145 Como fazer uma oração de libertação? Não há nenhum rito especial para esse tipo de oração, embora o Ritual de exorcismo no Apêndice II ofereça algumas orações sob o título de Súplicas que podem ser usadas particularmente pelos fiéis na luta contra os poderes das trevas. O bom padre Orfila, sacerdote diocesano da Diocese de Gibraltar, com experiência no tema da libertação, escreveu-me uma certa ocasião: “Não existe uma oração específica para a libertação. Oramos pela libertação da mesma maneira que poderíamos fazer para a chuva ou para encontrar um estacionamento”. Sábias palavras. Nunca, em toda essa luta contra o demônio, devemos pôr nossa confiança nas coisas, mas em Deus. Além disso, o fato de não existir uma oração determinada e específica para a libertação dá a liberdade de se adaptar a cada caso com o que se crê ser mais adequado. De qualquer modo, sugiro aqui como organizar o ministério de libertação das influências do demônio: 1. Todos de joelhos podem começar com um pedido pessoal a Deus, em silêncio, para que Ele os ajude a levar adiante o ministério; 2. O coordenador do grupo deve pedir a Deus, nessa oração pessoal silenciosa, que o inspire sobre o que deve fazer, que o ajude a discernir e que não permita que se caia no erro no tratamento desse caso; 3. É conveniente que quem dirige o ministério faça uma oração improvisada em voz alta; 4. Invocar a todos os santos com a ladainha; 5. Rezar um Salmo ou ler um trecho da Sagrada Escritura. Sempre é bom pedir a Deus com suas próprias palavras ou escutar o que Ele nos tem a dizer; 6. Oração deprecativa a Deus, pedindo que livre de toda influência maligna a pessoa;
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7. Fazer questão das orações deprecativas, nas ordens, alternando-as com cantos, rosários, oração em línguas, etc., segundo o critério que julgue ser conveniente quem dirige o momento de oração. Disse antes que se deve pedir nessa oração pessoal silenciosa a Deus inspiração sobre o que se deve fazer. Isso é muito importante, porque tanto o exorcismo como a oração de libertação supõe uma autêntica luta com entes espirituais, e daí que devemos pedir a Deus que nos ilumine nessa batalha. Batalha na qual nós atacamos e eles só resistem. Ao recitar a ladainha dos santos, pedimos a nossos exércitos que venham em nossa ajuda. A oração dirigida a Deus (sem dar ordens ao demônio, nem dirigir-se a ele para lhe perguntar nada) é um remédio sem nenhuma contraindicação. É uma pena que a Igreja tenha esse tesouro de orações e às vezes fique infrutuoso. Mesmo se a pessoa não tiver nenhuma influência demoníaca, essas orações representarão não só uma inquietação psicológica para quem procura desesperadamente ajuda, mas uma verdadeira efusão de graça por parte de Deus. Se pedimos, a ação real de Deus atuará beneficamente tanto sobre o que padece um influxo do demônio, como sobre o que padece de um problema de sugestão ou medo patológico. Ofereço, a seguir, algumas dessas orações do Apêndice II do Ritual de exorcismo. Todas elas podem ser usadas na oração de libertação ou pela pessoa que precisa de ajuda. Oração “Deus Onipotente, que aos abandonados fazes habitar em Tua casa, e concedes a felicidade aos cativos, olha minha aflição, e vem em meu auxílio, vence ao inimigo iníquo, de maneira que superada a presença dele, minha liberdade atinja seu descanso e restituída a tranquila devoção, possa confessar que és admirável e que concedeste a Teu povo a força. Por Cristo nosso Senhor. Amém.”
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Invocações a nosso Senhor Jesus Cristo: Jesus, Filho do Deus vivo, tem misericórdia de mim. Jesus, Imagem do Pai, Jesus, Sabedoria Eterna, Jesus, Esplendor da Luz Eterna, Jesus, Filho da Virgem Maria, Jesus, Deus e Homem, Jesus, Sumo Sacerdote, Jesus, Herdeiro do Reino de Deus, Jesus, Caminho, Verdade e Vida, Jesus, Pão de Vida, Jesus, Vida Verdadeira, Jesus, Irmão dos Pobres, Jesus, Amigo dos Pecadores, Jesus, Médico da Alma e do corpo, Jesus, Salvação dos oprimidos, Jesus, Consolo dos abandonados, Tu que vieste a esse mundo, tende misericórdia de mim. Tu que liberaste os oprimidos pelo diabo, Tu que pendeste da Cruz, Tu que morreste por nós, Tu que jazeste no sepulcro, Tu que desceste aos infernos, Tu que ressuscitaste dentre os mortos, Tu que ascendeste aos Céus, Tu que enviaste o Espírito Santo aos Apóstolos, Teu que estás à direita do Pai, Tu que tens de vir a julgar aos vivos e aos mortos. Por Tua ressurreição, livra-me, Senhor, Por Teu nascimento, Por Teu batismo e Teu santo jejum,
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Por Tua cruz e Tua Paixão, Por Tua morte e ressurreição, Por Tua admirável ascensão, Pelaa efusão Pel efus ão do Espírito Santo, Sa nto, Por Tua gloriosa vinda. Salva-me, Cristo Salvador, pela força de Tua Cruz [o fiel pode fazer fa zer o sinal da Cruz], Tu que salvaste Pedro no mar, tende misericórdia de mim. Peloo sinal da Pel d a cruz, cruz , livra-nos de nossos inimigos, Deus nosso. Por Tua Cruz, salva-nos, Cristo redentor, Que morrendo morrendo destruíste destru íste nossa morte E ressuscitando restauraste a vida. Honramos Tua Cruz, Senhor. Recordamos Tua gloriosa Paixão. Tende compaixão de nós, Tu que padeceste por nós. Adoramo-Te, Cristo, Adoramo-T Cr isto, e Te Te bendizemos, bend izemos, que por Tua Santa Cruz remiste o mundo.
Invocações à bem-aventur be m-aventurada ada Virgem Maria Sob tua prot proteção eção acolhemo-nos, acolhemo-nos, Santa Mãe de Deus. Não ignorais nossas súplicas, bem antes livra-nos de todos os perigos, Virgem gloriosa e bendita. Consoladora dos aflitos, Consoladora af litos, rogai por nós. Auxílio dos cristãos, rogai por nós. Me concede te aclamar, Virgem santa, Dai-me força força contra teus inimigos. in imigos.
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Mãe minha, confiança minha. Virgem Mãe de Deus, Maria, suplica a Jesus em meu favor.
Questão 14 1466 O que é a infestação? A infestação é o fenômeno no qual um demônio possui um lugar. O demônio ao possuir um lugar pode mover coisas à vontade ou provocar ruídos ou cheiros. A infestação nunca provoca a possessão de nenhuma das pessoas que vivem nesse lugar. A causa de infestação costuma ser a prática frequente de ritos de crenças ocultas ou satânicas. Para acabar com a infestação de um lugar,, há orações específicas no ritual de exorcismos. lugar exorcismos. Ao sacerdote não é fácil crer nos depoimentos a respeito do que acontece numa casa, a não ser que tenha depoimentos concordantes de ao menos duas testemunhas. Quando um possesso vai até o sacerdote, pode-se orar e comprovar a manifestação do demônio; no caso da infestação, não ocorre nada quando o sacerdote ora no lugar infestado, de modo que tudo depende do que lhe digam. Po Porr isso, não há modo algum a lgum de se ter certeza sobr sobree o fato de haver uma verdadeira infestação ou não. A única forma de se ter alguma segurança é que obtenham vários depoimentos coincidentes a respeito dos fatos extraordinários que se referem. Nesses casos, o sacerdote pode orar uma vez na casa e depois incentivar a família a se reunir diariamente para todos orarem juntos. Podem rezar o rosário, ler a Bíblia Bíblia unidos, unidos, jogar uma vez ao dia água ág ua benta pela casa e reunir-se ante uma imagem sagrada e suplicar proteção, proteção, etc. Nesses casos, as famí famílias lias pedem ao sacerdote que que façam tudo, mas o sacerdote deve fazê-los entender que eles mesmos podem fazer o que pedem a ele. A oração unida de uma família pode perfeitamente quebrar o poder do demônio sobre o lugar, quando eles perseveram orando juntos durante semanas ou meses.
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Questão 147 Os fantasmas existem? Uma vez que distinguimos Uma disti nguimos bem possessão e infestação, aparece um terceiro fenômeno fenô meno diferente diferente dos outros dois: os fantasmas. Os fantasmas são aparições de pessoas que estão no Purgatório. As características desses aparecimentos são sempre as mesmas e muito diferentes da infestação: 1. A alma aparece com a forma humana; 2. Não diz nada; 3. Surge com aparência terrível. Nunca move objetos, nem produz ruídos. Quando aparece fica olhando, com cara de poucos amigos, a migos, e depois desaparece sem mais nem menos. Sabemos que não é um demônio porque o fenômeno nunca vai além e desaparece se são rezadas Missas e orações pela alma. Essas aparições são um modo de chamar a atenção para que se reze por essa alma.
Questão 14 1488 O que é o mandatum? Mandatum é a orde Mandatum é ordem m dada em particu pa rticular lar e de modo pontual, pontual, orde ordenando nando ao demônio, demô nio, em nome nome de Jesus, para que se afaste. Quando Q uando a tentação continua e é de grande intensidade, alguém, em silêncio interior, pode dar a ordem para que se vá o demônio da luxúria, a tentação contra contra a esperança, ou contra a fé, etc. Vou citar um exemplo. Basta apenas que mentalmente se lhe ordene: “ Em nome de Jesus, espírito de rancor, afasta-te”. afasta-te ”. Esse mandatum mandatum praticado praticado uma só vez e com fé costuma dar da r resultados tão imediatos como surpreendentes. surpreendentes. Mas ainda que o mandatum mandatum afaste afaste o demônio de forma automática, posteriormente ele pode voltar. E a pessoa deve entender que a tentação faz parte integrante de sua evolução espiritual. A tentação apura e fortalece, forta lece, e podemos ter a plena segurança de que Deus não permitirá que sejamos tentados para além de nossas forças. A tentação é um combate espiritual, somos soldados de Cristo, e essas lutas invisíveis são parte de nossa prova sobre a Terra. Os
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demônios tiveram sua pro demônios prova va e nós temos as nossas. Pode Podemos mos evitar o pecado, mas não há forma de evitar a tentação.
Questão 149 Quais são os demônios íncubos e súcubos súc ubos?? Existe uma tradição literária segundo a qual para alguns varões apareceriam demônios súcubos com os quais poderiam manter relações sexuais, enquanto às mulheres apareceriam demônios íncubos, adequados para que pudessem manter manter relações com elas. Inclusive, a tradição literária dizia que os demônios demô nios súcubos teriam a finalidade f inalidade de recolher a semente semente do homem para depois, por meio meio de um demônio íncubo, poder deixar as mulheres mul heres grávidas. A ideia da existência ex istência de gestações demoníacas é completamente completamente literária e fictícia, fict ícia, não conheço nenhum caso real nem no presente, presente, nem na história, aina inda que materialmente fosse possível. Isto é, materialmente, não haveria problema algum que um demônio recolhesse a semente de um homem por esse meio e a depositasse na mulher por intermédio de um íncubo. Mas, repito, nunca houve caso algum que tenha tido um mínimo de credibilidade. Deixo claro que, existem espíritos íncubos, í ncubos, isto é, os que têm relações com mulheres. E, em muito menor medida, espíritos súcubos, os que têm relações com homens. Se esses espíritos são demônios ou almas de seres humanos que não entraram no Céu, é algo difícil de saber. O que referem as pessoas que sofreram tais fenômenos é que os sentem com corpo, ainda que não possam vê-l vê-los. os. Em princípio eu pensava que os demônios íncubos eram uma ficção, até que me chegou o caso de uma senhora sen hora que me contou um fenômeno demoníademoníaco muito curioso que por suas características concretas eu nunca tinha tido conhecimento. Como estava certo de que aquela mulher era séria e sensata, tomei nota do caso, mas não lhe dei maior importância. Até que, ao fim de um ano me apareceu um segundo caso. Já o segundo caso me deixou muito pensativo, pois os detalhes deta lhes concordavam concordavam perfeitamen perfeitamente te com o primeiro relato. Mas quando deparei com o terceiro caso semelhante, me dei conta de que efetivamente podia existir esse fenômeno demoníaco.
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As três mulheres contaram que sentiram alguém tocá-las, inclusive que as penetrava, mas que não podiam se mover, queriam gritar, mas não podiam. Ainda que o marido estivesse ao lado na cama nessa noite, nenhuma pôde sequer fazer um gesto que pudesse acordá-lo. Os relatos dessas mulheres (e das muitas mais ma is que tenho escutado nos anos a nos posteriores posteriores)) não abundavam em mais detalhes, não ofereciam referências visuais, não eram relatos barrocos, mas muito sóbrios. Por Por conhecer bem essas mulheres e estar certo c erto de sua sensatez foi o que me fez pensar que havia algo mais que um fenômeno literário. Esse tipo de fenômeno é uma influência externa, e não tem por que ser sinal inequívoco i nequívoco de uma possessão. Uma Uma mulher pode sofrer isso uma vez na vida e o fato fato não não se repetir nunca nunca mais. Se o demônio demônio íncubo aparece aparece com com frequência, quên cia, será preciso examinar exa minar cuidadosamen c uidadosamente te a pessoa orando por ela, para averiguar se trata-se de uma influência ou de uma possessão. O espírito súcubo é bem mais incomum que o íncubo, isto é, é mais raro que esse tipo de espírito seja sentido 14 por homens que por mulheres. Ainda assim escutei, para citar só um exemplo, exemplo, o caso de um sacerdote que, quando seminarista, uma noite sofreu tal fenômeno. Nunca mais voltou a sofrê-lo, mas é totalmente verdadeiro que o que se deu naquela noite foi real. Sentiu uma presença sobre sua cama, notava que era uma mulher, podia apalpá-la; se tratava de uma mulher exuberante. O seminarista, que sempre tinha sido completamente casto, ficou quieto, mas deixou que essa mulher se aproximasse. Sentiu como esse espírito se unia a ele. Nunca mais voltou a sofrer tal experiência.
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Observe-se Obser ve-se que não util utilizo izo o verbo “aparecer”, mas o verbo “sentir”.
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Capítulo IV
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s casos de possessão que aparecem na maioria dos livros sobre o demônio apresentam o problema de não terem sido presenciados diretamente por aqueles que os transcreveram, baseiam-se em depoimentos. Portanto, sempre apresentam o problema da fiabilidade; até que ponto as coisas aconteceram tal como contam as testemunhas? A minha experiência é que neste campo as impressionadas testemunhas costumam aumentar as coisas, e há também o problema de passarem alguns anos entre o fato ocorrido e a transcrição dele. Por isso, o valor dessa parte pa rte do livro está est á na garantia do relato, já que conheci e tratei desses casos pessoalmente. Na relação que farei de cada pessoa tratada sempre distinguirei claramente entre o que ela me conta e aquilo do que fui testemunha direta. Evidentemente, só posso dar fé do que vi a respeito do que me contam, uma vez que nem eu mesmo, às vezes, posso fazer um julgamento claro. Acho que para os especialistas (tanto exorcistas como psiquiatras) será de utilidade dispor por escrito de um bom número de casos seguros e que reflitam a variedade va riedade de tipos de possessos que podem chegar a um departamen departa mento to diocesano de atendimen atendimento to a supostos possessos. Por outro lado, a utilidade dessa compilação de casos que duraram anos também esclarece aos exorcistas exorcistas que a imensa i mensa maioria das situações que chegam a nós estão bem longe de qualquer tipo de espetáculo espetác ulo e que, pelo contrário, requerem dos que que os atendem uma grande paciência paciênci a por serem tediosos. A realidade do dia a dia de nosso trabalho, t rabalho, frequentemen frequentemente, te, tem mais a ver com um labor de confessionário ou de assessoramento psicológico do que com trabalhos cinematográficos. Há casos espetaculares, mas são poucos. Inclusive, nos casos em que há a influência de uma ação demoníaca invisível, na maior parte deles, sua ação é tão invisível e sutil que não têm nada de extraordinário.
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Sem dúvida, conhecer em detalhe o dia a dia desse ministério por meio desses casos vai tirar muito de seu mistério, mas era preciso mostrar o mais fielmente possível a realidade, por mais desmistificadora que essa seja. Os casos que apresento a seguir tratam de mostrar com a maior amplitude possível a gama de fenômenos demoníacos que o exorcista pode ter que atender, a gama de casos que baterão à sua porta pedindo seu consolo e ajuda. Na compilação que segue, há casos extraordinários e surpreendentes, casos que seriam adequados para um filme, mas que não se equivoque o futuro exorcista: são casos recopilados, reunidos após anos atendendo a muitas pessoas, casos que não constituirão o labor ordinário de quem se dedique a esse ministério. A seguinte lista de casos trata de ser representativa, mas não a palavra final de tudo o que me chegou nestes anos. Transcrever aqui todos os meus arquivos a respeito dos casos seria tedioso e, sem dúvida, repetitivo. Preferi simplesmente mostrar a gama de fatos que podem chegar a acontecer.
Caso 1 O caso mais importante que tive na minha vida foi o de uma menina a quem chamarei Marta. Um caso pelo qual já estou rezando há cinco anos, e estou acompanhado de outro padre que reza comigo desde o terceiro ano. Rezamos três horas e meia por semana. Este caso, ainda inacabado, é tão longo e repleto de detalhes, que aqui só poderá ser resumido em termos gerais. Uma explicação completa exigiria um livro inteiro somente para detalhá-lo. Marta era uma universitária em quem apareceram os sinais de possessão: transes, convulsões, perfeita compreensão de línguas desconhecidas, falava línguas estranhas, mostrava aversão ao sagrado, e assim por diante. Às vezes sabia de coisas completamente ocultas que eu não havia contado a ninguém. Entendia o latim quando lhe falava nesse idioma. Inclusive, em três ocasiões, chegou a levitar, uma delas em cima de um cadeirão. Eu não fui testemunha de nenhuma dessas levitações, mas sim do resto dos fenômenos aqui descritos. Cinco anos de orações, com mais de três horas semanais como média, é algo que acaba com a paciência de qualquer um. Mas nem sua mãe, nem eu, temos a menor dúvida acerca do caráter sobrenatural do que ela padece. Nas sessões saíram muitos demônios, mas a razão para que o caso tenha sido tão
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longo, a princípio, estava na existência de um garoto obcecado por ela (obcecado por tê-la sexualmente) e o qual pertencia a uma seita satânica. Os demônios por meio dela, nas sessões de oração, nos diziam que esse jovem seguia invocando-os para conseguir o que desejava. A seita inteira, em ocasiões, in vocava ao demônio com esse propósito. Nós exorcizávamos os demônios, mas o garoto obcecado por ela voltava a invocá-los para que entrassem nela novamente, e foi assim, semana depois de semana. O Senhor deu-nos a entender, por meio da mesma possessa, que o único modo de acabar com essa situação era orar pelo membro da seita satânica, para que ele se convertesse. Se não se convertesse, Deus mesmo colocaria um fim a essa situação. O caso tinha-se alongado tanto para dar tempo ao membro da seita satânica, para que se arrependesse antes que a justiça divina caísse sobre ele com todo seu peso de eternidade. Também nos foi dito com frequência que o caso era tão longo porque Deus através dos sofrimentos dela estava a ajudar a muitos outros casos pelo mundo. Isto é a ideia da corredenção: a ideia cristã de que nossos sofrimentos (se são recebidos com amor ou, ao menos, com resignação cristã) são transformados em graças que ajudam outros seres humanos. O nome do garoto deixou de aparecer nas sessões, e esse segundo aspecto, o do valor sobrenatural da perseverança no sofrimento, parecia que era a única razão para que Deus permitisse uma duração tão prolongada. Nesse caso, por meio de Marta, em algumas ocasiões os anjos nos falaram, dando-nos alento, movendo-nos à fé e ao amor a Deus. Às vezes, sentimos perfumes numa determinada parte da capela. Seguimos orando por ela com a tranquilidade de que nenhuma oração é infrutuosa e que a obediência aos planos de Deus obterá seu prêmio.
Caso 2 Na noite de Halloween, um menino de onze anos notou que uma sombra se aproximava dele. Eu perguntei à família se nesse dia o menino tinha feito algo especial. Disseram-me que seu filho não tinha feito nada de especial relevância, salvo disfarçar-se de caveira com uma foice e com uma bola da qual saía sangue. Era uma fantasia para a festa do colégio que desagradou à sua mãe por
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ser excessivamente sangrenta, mas já estava comprada. Eu não entendi que a fantasia tivesse relação com o fato de que uma presença se manifestasse a ele. A verdade é que nessa noite foi quando se deu o primeiro sintoma de todos: o aparecimento da primeira figura humana. Em dois ou três dias começaram os pesadelos para o menino, tremores e muito medo; ele já via mais figuras humanas pela casa, especialmente por um corredor. Do seu quarto à cozinha tinha que ser levado nos braços, com a cabeça coberta por uma manta, porque tamanho era o pânico que as figuras do corredor lhe davam, que se negava a passar por ali. Num determinado lugar do corredor, via as pessoas que lhe queriam agredir. O fenômeno começava à noite e por volta das duas ou três horas da manhã ainda não podia dormir pelo medo terrível que lhe provocava a visão desses homens. Ele via homens normais que lhe diziam coisas, lhe insultavam e ameaçavam. Esses homens levavam um facão. O menino dizia que via um deles com sangue, e com a cara tampada por algo negro. Também apareciam em sonhos; um deles o perseguia para matá-lo. Esses sintomas foram se agravando. Assim, os pais decidiram consultar a uma taróloga. A mulher disse que ela podia solucionar o problema. Cobrou-lhes 300 euros e disse ao pai que fosse à casa dela naquela noite a sós que ela faria o que tinha que ser feito. O pai havia ido se consultar sozinho, sem levar o menino. Não se sabe o que ela fez, mas naquele mesmo dia o menino ficou possesso. Pela primeira vez ele já não via mais homens ao seu redor, mas um ser maligno falava por meio dele e movia-o furiosamente pela casa, como se o demônio tivesse entrado nele. Nos dias seguintes começou a ter um comportamento que o acompanhou durante cinco longos e intermináveis meses. Às vezes o menino se autoflagelava com cristais ou ferros. Desde que ficou possesso não podiam comer com ele na cozinha, porque se dirigia para as facas e as agarra va para tentar se matar ou ameaçar à família. Durante meses foi preciso fazer todas suas refeições só com colher e garfo, mas nunca com faca. Em outras ocasiões, perdia a voz e só podia sussurrar. Outras vezes não podia engolir nada e tinha que passar metade do dia ou um dia inteiro sem comer nem beber absolutamente nada. Chegou a ficar um dia e meio sem comer nem beber.
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Obviamente, poucos dias antes de começar essa conduta, os pais levaram o menino ao médico, que o encaminhou de imediato ao psiquiatra. Após fazer todos os testes, foi diagnosticado um quadro de alteração de conduta de início brusco. Durante meio ano de tratamento, o menino não melhorou. Depois de vários meses, após tentar de tudo, o psiquiatra acabou por receitar-lhe só tranquilizantes. Um tempo depois, finalmente, o especialista reconheceu sua impotência para curá-lo e limitou-se a ordenar que o menino já não poderia perder mais aulas e que, portanto, teria de ir ao colégio nesse estado. A mãe insistiu que o menino acabaria sendo uma atração entre os colegas na classe a cada dia. “Pois que o tranquem numa sala do colégio com chave até que se acalme”, foi a resposta que ela recebeu. A mãe tentou fazer o médico compreender que na sala ele quebraria algum vidro para se cortar. Mas o psiquiatra foi taxativo. O colégio, de nenhum modo, aceitou que o menino nesse estado assistisse às aulas. Os professores, após conversarem, decidiram por uma medida excepcional que em certos casos se praticava e que consistia em que o Ministério da Educação enviasse um professor particular à casa do menino. Foi nessa situação que os pais, que nunca tinham sido praticantes em matéria de religião e que inclusive tinham muitos preconceitos contra a Igreja e os sacerdotes, decidiram consultar um sacerdote. Esse sacerdote fui eu e vieram à minha paróquia. A história que a família inteira (os pais e um irmão de dezoito anos, mais o menino) me contou é a que relatei aqui. Meses depois pedi-lhes que me trouxessem os relatórios do hospital para eu ver com exatidão que sintomas tinham causado a possessão no menino. Cada possessão provoca sintomas determinados. Transcrevo aqui literalmente o relatório clínico da internação no hospital mais as anotações posteriores. Relatório clínico de internação Está sendo assistido neste centro por um quadro de medos noturnos, insônia de conciliação e alucinações visuais de tipo histeriforme e ansiosas. O diagnóstico que consta na história clínica é de SINTOMATOLOGIA DISSOCIATIVA E SOMATIZAÇÃO. (f45.0 e f44.0) Atualmente sem causa orgânica que o justifique (eeg e tac craneal normais). Em consequência de ditos sintomas, requer uma internação hospitalar para estudo e se pauta um tratamento psicofarmacológico com evolução positiva, mas
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lenta. A melhoria clínica é positiva, mas lenta. Dada a incapacidade que agora possui o menino, seria recomendável um apoio escolar em casa.
Aos pais, ao longo dos meses seguintes, pedi-lhes várias vezes que me voltassem a descrever o começo de todo o quadro e seus sintomas. Numa dessas vezes, pedi-lhes que se fixassem só e exclusivamente nos sintomas de tipo físico. Da conversa com toda a família presente (menos o menino), há que fazer os seguintes esclarecimentos externos ao relatório apresentado antes. O menino, três meses antes desse relatório, no começo de tudo, começou a sentir pontadas no intestino, tão fortes que deixou de comer progressivamente. A dor era tal que ante a vista de seus pais se dobrava de dor e não podia nem se mover. Para andar trechos longos e evitar estas pontadas tinha que carregá-lo. Ante essa situação foi internado durante dezessete dias num hospital, onde lhe diagnosticaram anemia e irritação no íleo 15. Essas pontadas foram-se reduzindo quando começaram as primeiras manifestações do demônio e as crises de fúria. Entre a redação do relatório psiquiátrico transcrito até que viessem me ver, decorreram dois meses. Só esteve internado no plantão de psiquiatria um fim de semana. Depois seu caso foi acompanhado do hospital, mas vivendo em casa com sua família. O menino foi tratado pelo chefe do plantão de psiquiatria, e inclusive foi caso de estudo para toda a equipe de psiquiatras, tamanho interesse que despertava. Finalmente, depois de dois meses de tratamento, como o menino dizia ver figuras humanas e demônios, consideraram o transtorno como uma obsessão que alguém lhe tivesse induzido, considerando o caso como um transtorno da personalidade. Ainda que no relatório transcrito diz-se que há uma evolução positiva, mas lenta, os pais a negam totalmente. Não teve nenhum tipo de melhora por menor que fosse. Infelizmente, o demônio que tinha dentro podia escolher os momentos para manifestar-se e os momentos em que sabia que devia permanecer oculto. E assim nunca se produziu nem uma só crise (uma das crises diárias em que a outra personalidade emergia) quando o médico estava presente, nem uma única vez. Inclusive quando estava internado no hospital caso se produzisse uma crise de fúria e chamassem a enfermeira para que avisasse o psiquiatra, o menino voltava a si antes que o médico chegasse. 15
O íleo é uma parte do intestino.
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As crises nunca foram vistas pelo médico, mas como eu comprovei, os pais e seu irmão de dezoito anos foram testemunhas delas. Esses foram os fatos que me contaram a respeito do caso quando chegaram pela primeira vez a minha paróquia. A primeira vez que vieram me ver, quando o carro dos pais estacionou diante de minha igreja, o pai me perguntou para onde poderia levar o menino, pois desde quando tinham estacionado diante da igreja o menino não podia andar, nem falar, salvo com um sussurro. O pai carregou o menino nas costas e levou-o à cripta, onde fazíamos as orações. Uma vez dentro da capela, o comportamento daquele menino mudou radicalmente: a voz era horrível, áspera e grosseira, como de alguém adulto, proferia insultos, cuspia em mim constantemente, ria de minhas orações, repetia depreciativamente que não serviriam para nada. A força do menino naquela primeira sessão de oração era surpreendente. Seu pai (um homem muito forte) e seu irmão de dezoito anos (muito aficionado às artes marciais) tiveram que se esforçar muito para mantê-lo deitado sobre o colchão. Mas o menino escorregava. Rezamos por ele uma hora, depois dei aos pais os conselhos habituais das orações que deveriam aconselhar que o menino fizesse diariamente. Na segunda sessão, o menino voltou a cuspir na imagem da Virgem Maria, ao sacrário. Repetia gritando o nome de Shambalá, como se fosse o nome de um demônio que pudesse vir a lhe ajudar. O demônio que falava por meio do menino sempre se mostrava depreciativo. Seguimos rezando um bom tempo pelo pequeno possesso, quando senti em meu interior que devia abraçar ao menino. O menino só manifestava ódio, assim senti de um modo muito profundo que o abraço amoroso seria algo que desarmaria o ódio. Os pais presentes perguntaram-me incrédulos se estava seguro de que eu queria que o soltassem para lhe dar um abraço. A verdade é que, interiormente, tive que resistir ao medo, porque o menino dava todo tipo de golpes aos que lhe sujeitavam e agredia-lhes com uma raiva e ferocidade incríveis. Aproximar-me dele sem que duas pessoas lhe segurassem era arriscar que meus óculos saíssem voando vários metros diante do soco que me esperava. O menino era certamente muito perigoso, fisicamente podia provocar danos muito sérios. Mas internamente sentia que tinha que fazer isso, assim pedi a São Miguel que intercedesse, que eu me concentraria em fazer um ato
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interno de caridade para essa pessoa atribulada. Ainda tive que repetir várias vezes a ordem para que o soltassem, ao final obedeceram. Para minha surpresa, o abraço e o meu ato interior de grande amor para com esse menino não pareciam perturbar nem um pouco o demônio que havia dentro daquele corpinho. O espírito maligno com o mesmo descaso e arrogância riu dessa nova medida. Curiosamente ainda tratou por todos os meios que não o abraçasse, uma vez que o fiz, se viu impossibilitado de fugir de meus braços que mal tiveram que fazer força para sujeitá-lo. Graças a Deus, não me arrancou o cabelo. Várias vezes agarrou uma mecha de minha cabeça com suas mãos e friamente disse-me: “E agora vais ver como o arranco de uma vez ”. No entanto, uma força invisível, no último instante, o impediu, pois ao fim de meio minuto soltava a mecha. Durante os três quartos de hora que o abracei, temi a possibilidade real de que de repente visse em sua mão uma grande mecha de meus cabelos arrancados, temi por meus óculos, por meus olhos, por meu nariz. Estar abraçado a esse menino diabólico era o mesmo de estar abraçado a alguém que queria fazer-lhe o maior dano possível, tinha-o à mão e tinha demonstrado ser incontrolável por dois adultos fortes. No entanto, por alguma razão, tinha a segurança de que nessa fase do exorcismo a única coisa que se podia fazer era isso: dar amor por meio desse abraço. Mas o mesmo Deus que não permitiu que me fizesse nenhuma ferida gra ve, permitiu que me desse golpes com a palma de sua mão sobre minha cabeça e sobre minha nuca. Os golpes eram muito fortes, com toda sua força. E antes de me bater, sadicamente, sem nenhuma pressa, ele ainda apontava o lugar onde ia me acertar. E depois com voz, zombadora, dizia-me coisas do estilo: “Hei, que pena, o golpe que vou te dar, se prepare porque esse sim que vai ser forte”. E em seguida golpeava-me ali com todas suas forças. Depois, zombadoramente, perguntava-me: “Doeu?”. Como eu não respondia a nenhuma de suas perguntas, acrescentava: “Bom, não importa, o seguinte vai ser pior”. E, efetivamente, voltava a apontar outro lugar da cabeça ou da nuca e depois de uns comentários jocosos socava a palma de sua mão com toda a sua força. Aquilo esteve o tempo todo à beira de minha resistência. Mas resisti porque dei-me conta de que para liberar o menino eu não podia fazer nada melhor que oferecer meu sofrimento. Vinha-me o pensamento de que se Jesus tinha não só orado por nos libertar, mas também tinha oferecido ao Pai Seus padecimentos físicos, assim também convinha que eu não só orasse, mas também
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oferecesse meus sofrimentos. E assim eu estava ali, sofrendo na mão desse demônio através desse corpo que dominava, para liberar o mesmo corpo desse demônio. Num dado momento, foi como se eu sentisse o amor de Deus para com esse menino, e foi então que o possesso pôde, pela primeira vez, repetir f rases de louvor a Deus. Devo dizer que as repetiu tranquilamente, sem ódio. Esse era o fruto do tempo de oração intensa unido a meu sofrimento corporal: os laços do demônio sobre aquele corpo tinham-se debilitado, ainda que esse enfraquecimento só se mostrasse durante alguns momentos breves, que mal completavam um minuto. Pouco mais de uma hora após o início, demos por terminada a sessão. Externamente parecia que não tínhamos conseguido quase nada. Na segunda sessão vimos o menino menos furioso, ofereceu menos resistência física: tinha começado o declive do espírito, e essa debilitação ia-se acentuando sessão após sessão: cada vez exercia menos força e suas crises eram menos furiosas. Insisti para que os pais conseguissem que o menino rezasse, assim que o fizesse sem prestar muita atenção. Também conseguimos que o padre ministrasse a Eucaristia a ele, em segredo, com a igreja vazia, para que não causasse nenhum escândalo na Missa. Durante os dias seguintes, o maior e mais preocupante problema era a alimentação do menino. O demônio não permitia que ele comesse ou bebesse. Perante um telefonema desesperado da mãe, angustiada por isso, sugeri que se ficasse mais um dia sem beber que fosse levado ao hospital. Eu teria rezado por ele antes que fosse ao hospital, mas eles moravam a horas da minha diocese. Até esse momento eu não o sabia, mas agora sei que a minha oração, à distância, também teria tido efeito. Não tanto como se estivesse presente, mas teria tido; se bem que nesse tipo de situações, a oração dos familiares podia forçar o demônio a que finalmente pudesse comer, como ocorreu muitas vezes durante esse período de tempo angustioso, que durou várias semanas. O demônio queria deixá-lo morrer desidratado, mas a oração forçava-o a não poder fazer isso mais que uma tarde ou um dia inteiro. Que a mãe me telefonasse para me dizer que estava há tanto tempo sem comer nem beber por mais que tentassem fazê-lo engolir um pouco de líquido com uma colher, era uma situação angustiosa não só para a mãe como também para mim. Eu insistia
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uma e outra vez que rezassem com muita intensidade para que pudesse voltar a engolir, mas que estabelecessem um limite para além do qual o levariam a um hospital. Disse-lhes que, em qualquer caso, por nenhuma razão deixassem passar mais de um dia sem que o menino bebesse. No verão isso era muito tempo. Foram horas angustiosas que decorreram lentamente para todos e nas quais não víamos o fruto das orações até que o menino por fim bebia algo, por pouco que fosse. Uma semana depois teve lugar a terceira sessão. Ele não estava não agressivo na capela. Fez o mesmo que nas sessões anteriores, mas com menos intensidade. Depois de orar um pouco, voltei a abraçá-lo, como na sessão anterior; agrediu-me menos. Se na primeira vez o que dava eram pancadas com a palma da mão, desta vez eram dentadas no pescoço e na face. Deus não lhe permitiu que chegasse a fechar a boca arrancando-me um bocado de carne, embora me tenha deixado várias dentadas superficiais. Deus não permitiu que fosse mais além. Ao abraçá-lo, sentia que estava fazendo o correto: orar em silêncio, muito concentrado, segurando-o enquanto o abraçava, o menino de pé e eu sentado. Entretanto, sentia internamente que através de mim era Jesus que o abraçava, transmitindo-lhe amor. Penso que numa inspiração interna existia uma teologia do corpo em que a ação de Deus se transmitia, não só pela oração, mas pela manifestação do amor d’Ele através do corpo. O demônio mostra o seu ódio através de uma corporalidade (o corpo do possesso), e nada podia ser mais torturador para esse espírito maligno do que receber carinho de um modo visível e tangível nessa mesma corporalidade sobre a qual exercia seu despotismo. O amor era como se o atasse primeiro e penetrasse nele depois. Ainda assim, atado e desarmado esse espírito (embora não de forma completa), a sessão acabou com o demônio rindo e repetindo que não tínhamos conseguido nada. O demônio fazia isso para nos desanimar, mas sabia que a cada sessão seu poder era debilitado. Embora jogássemos água benta, ele cantava para nos desmoralizar, como se estivesse no banho. “Bah! Isso não me faz nada! ”. Se o exorcizávamos de modo mais solene e fervoroso, desprezava-nos e dizia-me com tranquilidade: “Não tens poder algum sobre mim”. Depois da semana que se seguiu à terceira sessão, em sua casa, deu-se uma estranha mudança. O menino começou a comportar-se como um cão.
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Durante quinze minutos ou meia hora, ele andava de quatro, cheirava tudo, lambia qualquer coisa suja e latia. Nesses momentos não havia possibilidade de falar com ele, pois só respondia com latidos. Na quarta sessão não houve nada enumerável, salvo uma dentada que me deu no pescoço e que me deixou uma marca considerável. Creio que foi pela ajuda de Deus que a marca desapareceu logo, pois em seguida eu teria que fazer uma conferência sobre os conclaves; era tempo de sede vacante que levaria o cardeal Ratzinger ao sólio pontifício, e seria embaraçoso fazê-la com uma dentada no pescoço. Houve três ou quatro sessões de exorcismo na sua própria paróquia, já que por fim o sacerdote recebeu autorização do bispo para exorcizar o menino. Durante as últimas semanas da possessão, o menino já comia todos os dias, mas fazia-o num estado de consciência alterado, falando com outra voz e comento com as mãos, como um ‘animal’. Ele encontrava-se em contínuo estado de anormalidade; comportava-se como se fosse uma pessoa maligna e de mais idade. O seu verdadeiro ‘eu’ deveria estar inconsciente, como o de alguém adormecido ou em coma, pois quando foi libertado não se lembrava de nada. O curioso é que o menino já não atravessava por momentos em que o espírito se manifestasse e momentos de anormalidade; pelo contrário, este falava e manifestava-se através do menino durante todo o dia. Dia após dia, por várias semanas, comprovaram com terror como a personalidade dele tinha sido substituída pelo ‘eu’ de outra pessoa mais velha. Durante semanas falou com outra voz, comeu com avidez, mostrando péssimos modos à mesa. A libertação aconteceu quatro meses depois de iniciada a primeira sessão. Absolutamente nada nos fazia supor que aquela seria a sessão definitiva. O menino, sua família e o exorcista da diocese dele estavam na minha paróquia. Nesse dia íamos rezar por uma moça de trinta anos, possessa. Ela vinha à minha paróquia há vários meses e os pais estavam interessados em conhecer os pormenores de outro caso de alguém que passava pelo mesmo calvário como o de seu filho. Deixei-os conversar o tempo que quiseram. Horas depois, os pais estavam comentando entre eles que a moça seria exorcizada, quando seu filho disse que podia ajudar nesse outro caso. A segurança do filho surpreendeu o pai, nunca antes lhe tinha falado dessa maneira, nem havia manifestado
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qualquer interesse por esses assuntos. O pai relatou-me o que tinha acontecido e perguntou-me se queria que seu filho rezasse pela moça durante o exorcismo. Não é preciso dizer que fiquei surpreso diante do pedido, era a última coisa que poderia imaginar que acontecesse. Nunca pensei em toda a minha vida me encontrar diante de uma situação tão inesperada. Não pensei muito na resposta: — “Não vou pedir que seu filho assista ao exorcismo... Mas se você quer que ele assista, eu não vou impedir. Mas fique claro que eu não pedi nada”. Assim quando começou o exorcismo, o menino sentou-se num banco a dois metros de uma pessoa furiosa deitada em um pequeno colchão. Havia pessoas adultas que tinham passado noites sem dormir impressionadas pelo que tinham visto nos exorcismos, porém eu estava tranquilo como se soubesse que não tinha que preocupar-me, e que iria acontecer algo que estava nos planos de Deus. Ao começar o exorcismo, e apesar da manifestação furiosa do demônio através da possessa, o menino moveu-se pela capela com toda a tranquilidade, pedindo que o deixasse por as suas mãos sobre o corpo da possessa e ordenando ao demônio que saísse, recordando-lhe que não tinha nenhum poder e que reconhecesse a majestade de Deus. Foi maravilhoso ver um terno menino rezar pela possessa furiosa como se o tivesse feito durante toda a vida. Além disso, o menino sabia exatamente o que tinha de fazer. Ainda assim, naquele mês de Julho quente, o exorcismo prolongou-se durante mais de duas horas. A cripta, situada debaixo da terra, estava a princípio muito fresca, mas havia ali doze pessoas e, sem janelas, a temperatura foi aumentando de forma sufocante. Ao fim de meia hora estávamos todos molhados de suor. Passadas duas horas a moça começou a agitar-se tremendamente e com um grande grito o demônio saiu. O menino, minutos depois, começou-se a agitar e ficou igualmente liberto. É difícil esquecer a maravilhosa cena noturna de um pai saindo de uma igreja com os seus dois filhos (o de dezoito anos e o menino liberto) e dizendo à sua mulher: O nosso filho está liberto!
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Quase não pôde pronunciar as palavras pois, emocionado, começou a chorar. Os pais abraçaram-se, choraram, os filhos uniram-se aos pais. O pesadelo tinha acabado. O processo do exorcismo não só tinha salvado a vida física e mental do seu filho, como a família, muito pouco religiosa até que começou o processo de libertação, tinha mudado totalmente e já, a partir de então, começaram uma vida de verdadeiros crentes em Cristo. Ao doutor que havia um ano diagnosticado um “quadro de alteração de conduta de início brusco” haveria de dizer ironicamente que o exorcismo tinha conseguido um “quadro de restauração de conduta de final brusco”. Fui testemunha de todos os fatos que aqui se relatam, mas devo fazer uma observação. Depois de duas horas de oração estava cansado e me retirei para jantar, num quarto que tinha na torre da igreja, de forma que não fui testemunha desta libertação. Depois de meses a orar tanto pelo menino, como pela moça, não vi a libertação de nenhum dos dois. Lamentavelmente, das duas horas e meia que durou o exorcismo, não estive presente precisamente no momento da libertação, mas havia ali doze testemunhas que presenciaram a cena. O menino voltou à mais completa normalidade, se bem que neste, como nos outros casos, houve a necessidade de rezar por ele outras vezes na sua paróquia, pois alguns possessos uma vez libertados, os demônios tentam durante algumas semanas entrar novamente. Assim, algumas pessoas libertadas sofrem durante o mês seguinte pequenas possessões que terminam em breves sessões de dez ou quinze minutos. Estas possessões são cada vez mais curtas, cada vez menos intensas, até que finalmente não se voltam a acontecer. Eu denomino-as “possessões-eco”, pois são como um eco da grande possessão inicial.
Caso 3 Neste caso a possessão durou cinco anos e o exorcismo quase seis meses. O processo de exorcismo consistiu em doze sessões, distribuídas por cinco meses. Depois que a pessoa foi libertada, eu lhe pedi que colocasse sua
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experiência por escrito, para ajudar outras pessoas que estivessem na mesma situação. Aqui transcrevo a história da possessão e do exorcismo, narrada em primeira pessoa, como ela viveu. Atesto que tudo o que ela diz é verdade. No texto, eu apenas me limitei a incluir algumas notas explicativas. A longa carta que me enviou começa assim: “Era o ano de 2000, eu tinha 25 anos, havia me mudado com quase toda a minha família para os Estados Unidos e nós estávamos começando uma nova vida. Minha vida transcorreu normalmente, com dias bons e ruins. Como qualquer outra pessoa, tinha um emprego, fui estudar inglês, e lentamente me adaptava à minha nova situação. Quero esclarecer que nunca consumi qualquer droga ou álcool, nem tenho um histórico pessoal e familiar de problemas mentais. Estava apenas há cinco meses em solo americano e, de um momento a outro, comecei a experimentar as mudanças no meu comportamento, as mudanças que eu atribuí à minha nova situação. Acordava muito aflita e pensamentos suicidas passavam pela minha mente regularmente, algo que nunca tinha acontecido comigo. Pensei que fosse uma depressão, por conta do rompimento de um relacionamento meses atrás, e acreditava que iria superar. Eu sentia que algo em mim não funcionava como de costume, meus com portamentos mudaram, aumentou a ansiedade do dia a dia, e algo me dizia que eu tinha que deixar aquele país. Então tomei a decisão de regressar ao meu país por alguns meses e, em seguida, viajar para a Europa, pensando que iria acabar o meu Inferno, mas não foi assim. Quando cheguei ao meu país, a mesma angústia me assombrava, e pela primeira vez amaldiçoei a existência de Deus. Minha vida já não era viva, imaginei estar em um pesadelo sem fim de onde não podia sair. Eu estive viajando por vários lugares exóticos, pensando que umas férias no Caribe me fariam sentir muito bem. No entanto, dentro de mim foi libertado o Inferno, eu não estava bem em qualquer lugar, por melhor que fosse; estava sempre presente a mesma carga negativa, nada me fazia feliz, sentia cada vez mais essa angústia, qualquer evento negativo ou tolo já me fazia pensar em suicídio, só conseguia pensar em coisas que me causavam dor, perderam valor as coisas positivas e eu sentia que era mais difícil de superar qualquer problema que tivesse. Era como se algo dentro de mim só quisesse eliminar a minha vida, uma voz que nunca se cansou de repetir em minha cabeça que eu tinha de morrer, que eu era um incômodo.
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Agarrei-me à única ilusão que me restava, que era conhecer Madri e começar uma nova vida, mais uma vez; imaginava que ao chegar à Espanha tudo o que estava vivendo desapareceria. Com a novidade de chegar a um país que sempre quis conhecer, eu tive uma trégua de dois dias, mas no terceiro dia em Madri, a ansiedade começou, e mais vigorosamente. A certeza de que algo na minha cabeça não estava indo bem me assustou, mas eu não tinha ideia do que estava realmente acontecendo, sempre atribuía aquilo que estava acontecendo comigo ao lugar, a qualquer bobeira que me passasse ou ao que estava ao meu redor. Matriculei-me em uma escola de Madri para pedir um visto de estudante e fiz um grupo de amigos com quem costumava correr, mas eu ainda me sentia totalmente infeliz. Depois de viver vários meses em Madri e conhecer alguns lugares da Espanha, decidi ir para as Ilhas Canárias; pensei que o clima de ilha e uma cultura semelhante à minha seria bom, que deveria ser uma mudança positiva. Uma vez em Tenerife, eu comecei a estudar, consegui meu primeiro emprego e um novo relacionamento entrou em minha vida, mas nada disso me fez feliz; minha vida era um Inferno, eu tinha emagrecido e sentia um estresse permanente. Mentia constantemente para a minha mãe a fim de que ela acreditasse que eu estava feliz, mas o sofrimento foi uma constante, que não tinha uma razão lógica. Minha relação com Deus e a Igreja era nula há vários anos, também percebi que tinha perdido completamente a fé, acreditando que a existência de Deus era apenas uma criação do homem e me sentia constantemente sozinha. Eu havia perdido todo o respeito pelas tradições católicas e não deixava escapar uma oportunidade de discutir sua existência com as pessoas de fé, odiava ver as imagens religiosas e ficava furiosa porque os outros podiam acreditar em Cristo. Fui abrindo a porta para o demônio, pois, uma vez longe de Deus, você está totalmente vulnerável a qualquer presença do mal por causa do pecado. Apesar de perceber essa mudança em relação à religião professada até minha adolescência, atribuía essa mudança à maturidade e ao fato de estar em um país menos fiel que o meu. Voltei para o meu país e tive a ilusão de passar alguns dias sem aquele pesadelo, mas a situação permaneceu a mesma. Ao retornar à Espanha, decidi viajar com meu namorado de volta aos Estados Unidos para passar o Natal com minha família. Mas voltei ao pior momento da minha vida desde que havia pisado em solo americano; logo perdi o apetite, não dormia, acordava com
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o coração disparado e sentindo náuseas. Passei a sentir uns calafrios durante todas as noites que nunca havia sentido antes; era um frio estranho que não diminuía com nada. Eu acordava à noite com sobressaltos, tinha a sensação de que algo me oprimia o peito. Cada minuto era um verdadeiro Inferno e um vazio tornou-se parte cotidiana do que já era um pesadelo. Tornava-se mais forte a voz que me dizia para cometer o suicídio, foi um incômodo e eu estava tão desesperada que queria me jogar na frente de um carro, mas algo me segurou. Eu havia entrado num estado de agonia, sei que soa forte, mas o que sofri naquela época era um Inferno total. Fui convidada para dois casamentos nesse período; de um deles eu tive que fugir, pois o desejo de suicidar-me me levava a uma lagoa próxima à igreja. Minha mãe estava comigo, não entendeu nada, e eu estava convencida de que tal comportamento não era normal. Minha vida tinha saído do controle, estava literalmente enlouquecendo, só pensava em voltar para a Espanha para chegar às mãos de um psicólogo. Ao retornar à Espanha, ainda com a esperança de sair desse pesadelo, comecei a procurar aconselhamento especializado e me submeti a tratamento psicológico por oito meses, mas não obtive resultados, pois o psicólogo concluiu que era uma depressão. Fui submetida a um tratamento com um antidepressivo muito forte; também me foram receitadas pílulas para dormir, e, na verdade, o fato de ter de tomar comprimidos antidepressivos me causou uma angústia pior, principalmente porque eu nunca tive quaisquer sintomas como esses em toda minha a vida. Cada dia foi estressante, eu sonhava com a ideia de ser capaz de acabar com minha vida, passava o dia analisando cada detalhe do meu suicídio. Minuto a minuto a pensar sobre como cometer suicídio, mas algo dentro de mim não queria fazê-lo. Foi uma luta constante entre a obrigação de fazê-lo e não querer. Voltei para os Estados Unidos e fiquei pior. Concluí que algo queria que eu ficasse longe desse país, porque quando chegamos lá os sintomas eram mais fortes. Eu me senti totalmente sozinha com esse problema e tinha planejado suicidar-me assim que chegasse à Espanha. Tinha tudo planejado; estava claro na época que eu era louca e que ninguém poderia me ajudar. Os especialistas e as drogas não trouxeram nenhuma melhora, e de modo algum eu queria passar meus últimos dias de vida em um manicômio; pensava que chegaria o dia em que não teria lucidez suficiente para ser capaz de planejar a minha morte, por isso o meu suicídio tinha que ser o mais rápido possível.
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Felizmente, em um dos dias em que me encontrava pior, minha mãe, muito preocupada com meu comportamento, me pediu para acompanhá-la ao seu trabalho, pois temia que eu cometesse alguma loucura; na verdade, eu já havia pretendido me suicidar dois dias antes nos Estados Unidos, e talvez o fato de tê-la acompanhado ao trabalho nesse dia tenha me salvado a vida. Eu já tinha procurado vários meios para realizar meu desejo de deixar esse mundo. Primeiro tentei enganar um veterinário, dizendo que o meu cachorro estava morrendo, para que me facilitasse uma injeção para colocar fim ao sofrimento e não prolongar mais a sua agonia, mas ele me exigiu que levasse o cachorro. Então, tentei enganar um farmacêutico para me vender uma droga, mas tive que fugir porque ele iria chamar a polícia. Uma irmã de minha mãe, aproveitando um descuido dela, me levou a um passeio e disse que sabia o que se passava comigo, que ela e seu gerente me ajudariam. Perguntou-me se eu acreditava em coisas que não podia ver, e eu imediatamente soube a que se referia, ri do que dizia, mas por respeito, aceitei a sua ajuda pensando que já não era a única louca na família, já éramos duas. Minha tia fazia-o sem minha mãe saber, porque minha mãe nunca havia acreditado nesse tipo de coisa. No dia seguinte, minha tia chegou em casa trazendo uma Bíblia, e aproveitando que minha mãe estava dormindo, pediu-me que fôssemos orar. Após algumas orações e um passeio no qual falávamos sobre o que se passava, de uma hora para outra comecei a sentir um calafrio e uma espécie de formigamento que corria por todo meu corpo, minha voz mudou e estava perdendo o controle físico. A única coisa de que me lembro é de minhas mãos e pés, que olhei em um dado momento, estavam totalmente encolhidos, como em forma de garra. Assustei-me muito, não entendia o que se passava e só repetia o nome de uma garota que nesse momento vivia com o rapaz que era meu namorado na época em que cheguei pela primeira vez aos Estados Unidos. Não lembrava muito do que se passou, só dos gritos, a minha mãe de joelhos na cama onde eu estava deitada, a minha tia com a Bíblia numa mão lendo em voz alta e com a outra segurando a minha, e esse formigamento, que até minha tia pôde sentir. Pouco a pouco saí desse transe e dei-me conta do que realmente tinha se passado em minha vida durante esses anos, mas isso era só o começo do que seria finalmente a solução do pesadelo. Regressei à Espanha, com a alegria de saber qual era a causa de meus males e um alívio esporádico que me deu lucidez para procurar a ajuda que realmente precisava. Minha tia tinha conseguido uma trégua para meu tormento, mas a
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recaída foi atroz, os sintomas tornaram-se mais fortes, não tinha paz nem ao dormir, me dei conta que tinha deixado de viver durante muito tempo, já que durante a trégua que tive minha vida deu um giro total, era como voltar a nascer, saía à rua e via tudo diferente, pode parecer estranho, mas até a cor do Céu e das árvores era diferente, era como se uma sombra tivesse coberto minha vida nos últimos anos, e o mais estranho é que voltava a lugares em que já havia estado. Ao vê-los de novo enxergava-os diferentes, talvez só as pessoas que passaram por isso entendam, mas era como ter estado em outra realidade escura e triste. Eu não carregava a cruz sozinha, minha família também passava muito mal, sobretudo pela distância e pelo fato de lutar contra algo que nos era desconhecido. O pior foi que quando o que tinha dentro se sentiu descoberto, não perdeu um segundo em me mostrar seu Inferno, tratou de me fazer conhecer cada um de seus sofrimentos, amaldiçoava tudo o que fazia, experimentei a angústia que se sente ao odiar a Deus, mas com a certeza de que nada do que você faça fará que Ele deixe de existir. Religiosos, amigos e família começaram a orar fortemente para tirar-me desse abismo, foi horroroso o que tive que passar. Não podia entrar em uma Igreja porque a angústia era aterradora e em casa, quando estava sozinha, golpeava e cuspia nas imagens religiosas de minhas colegas de andar, sentia um ódio por Deus inexplicável, via-O como a um inimigo, me produzindo alívio a ideia de pensar que o mundo sem ele era melhor. Mas como eliminá-lo? Isso é o que mais ator mentava o que estava dentro de mim. Regressei a meu país e decidi suicidar-me. Com um nome e dados falsos consegui comprar meu tão almejado cianureto; tinha sonhado tanto tempo em tê-lo em minhas mãos, já que nos Estados Unidos e na Europa foi-me impossível obtê-lo. Mas quando já tinha tudo preparado, algo não me permitiu levar o meu plano adiante e me obrigou a devolvê-lo e passar uma grande vergonha. Com a ajuda de familiares e amigos, encontrei dois sacerdotes católicos que me realizaram vários exorcismos, mas minha residência permanente era na Espanha e não pude permanecer em meu país natal o tempo suficiente para minha libertação. Minha sorte nesse momento estava nas mãos de Deus, eu não podia fazer mais por mim, ninguém podia fazer mais por mim. Apesar de tudo isso, seguia trabalhando e rendia de forma normal na universidade; de fato levei minha carreira sem problema, penso que Deus sempre esteve comigo, me dando força, apesar de eu duvidar de Sua existência, assim como da Virgem
summa indd
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Maria, a qual foi fundamental em minha libertação. Eles nunca permitiram que eu conseguisse me suicidar. Uma vez na Espanha, percorri várias igrejas católicas de Tenerife a procura de ajuda, mas só encontrei incompreensão, incredulidade e às vezes até descaso. Comecei então a frequentar outra religião com pessoas muito boas, mas que em nada puderam me ajudar. Além disso, não tinham a Virgem como referência, e eu sabia que algo muito importante faltava. Mas segui lutando; algo em mim não me permitia deixar de seguir procurando minha libertação. Num dia de outubro assistindo a televisão, comecei a ver um programa sobre exorcismos; ali vi pela primeira vez o padre Fortea. Ele surpreendeu-me como descrevia o que padece um possuído e era exatamente o que eu estava a padecer. Então entreguei-me intensamente à tarefa de procurá-lo. Ainda que várias pessoas, entre eles sacerdotes, já me tinham assegurado que o meu caso era uma possessão, o julgamento do padre Fortea seria minha prova definitiva. Vale a pena dizer que eu não acreditava em nada dessas coisas, nem sequer em Deus, quiçá minha possessão foi a prova que Ele me ofereceu para compreender Sua existência. Cristo se vale até de Satanás para nos mostrar Seu grande poder e Seu infinito amor. Assim que localizei o padre Fortea, pedi-lhe que me ajudasse, ele me fez algumas perguntas e posteriormente realizou minha primeira entrevista no dia 5 de novembro do 2004. Mas antes de chegar esse dia, passei muito mal, não dormia e, ainda que conseguisse conciliar o sono, também sofria. A angústia e o desassossego eram permanentes, no fundo tinha a esperança de que tudo isso chegaria a seu fim, mas meu inquilino também o sabia e me transmitia todo seu sofrimento as 24 horas do dia. No fim de semana antes de entrevistar-me com o padre, os sintomas se aquietaram; algo me dizia que seria ele quem me tiraria desse Inferno, mas o que eu tinha dentro de mim também o sabia, porque o que vivi dias antes da viagem a Madri não se compara nem com tudo o que tinha sofrido nos quatro anos e quatro meses que levava arrastando esse pesadelo. É difícil explicar o que padeci nesses dias que antecederam à entrevista, só posso dizer que se os seres humanos tivessem uma vaga ideia do que é o Inferno, não pecariam. Além disso, não sofria só de forma espiritual, mas também fisicamente. Em 5 de novembro 2004, apresentei-me na igreja da Virgem de Zulema, eram sete da noite; estava subindo a rua que leva à porta do templo quando comecei a tremer. Um medo aterrador me consumia, tinha uma sensação estranha: por um lado pensava em minha libertação, mas por outro lado tinha pavor
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do que pudesse acontecer. Assim que entrei na igreja os sintomas se aquietaram, as pernas tremiam, sentia-as pesadíssimas. Só recordo que me dirigi diretamente ao padre, tremendo, com náuseas e a ponto de desmaiar, disse-lhe meu nome, nada mais. Ele me perguntou se me sentia mal, comecei a chorar. Pediu-me que me sentasse num banco e o esperasse. Ele me transmitia muita paz, estávamos ao lado de uma imagem da Virgem; não recordo como cheguei até esse lugar, só sei que me encontrava muito tranquila, a angústia tinha desaparecido e pouco a pouco me incorporava. Uma mulher que fazia parte da equipe do padre Fortea me deu uma mensagem em uma língua que eu desconhecia, mas ela não teve que traduzir, pois pude compreender o que me dizia. Sua voz era suave, e pude dar-me conta que essa mensagem vinha de Cristo. A mulher dirigiu-se ao padre e começaram a falar em inglês; notava que falavam de mim, e por suas expressões algo não ia bem. Pouco tempo se passou, o padre e aquela mulher retiraram-se e eu fiquei tratando de orar com duas senhoras que se encontravam na igreja; de uma hora para outra comecei a sentir raiva, muita raiva, queria sair dali, mas algo me impedia, comecei a gritar e outra vez perdi o controle de meu corpo; lembro que tratei de sair, e ao voltar a mim, me encontrava perto da saída . Não recordo bem o que ocorreu durante aquele tempo, talvez gritos, línguas desconhecidas, ima gens do padre Fortea se aproximando, de outras pessoas e daquela mulher me sustentando de novo em seus braços. Senti de novo paz, estava muito tranquila, no fundo sabia que o que tinha dentro estava fraco, mas permanecia comigo.
No dia seguinte, pelo mero fato de retornar à paróquia, algo não me deixava, a angústia se apoderou de mim, estava desesperada. Ao chegar à igreja observei que várias pessoas se encontravam do lado de fora, mas quando vi o padre Fortea perdi o controle físico. Não sei o que se passou, mas quando menos o pensei, em um instante, uns homens me introduziram na capela.
Nota: Ela não o recorda porque estava em transe. O carro estacionou e ela, ao ver-me, entrou na fase prévia a uma crise de fúria, embora naquele momento só me olhasse silenciosa, como um animal, encurralado que não sabe o que fazer. Sabia que se me pusesse a falar com ela, começaria a gritar, ainda que estivesse sentada no assento traseiro do carro que a tinha trazido. Minha equipe estava perfeitamente treinada para lidar com esse tipo de situações. Aproximei-me como a saudar e antes de que pudesse dizer uma só pala vra, quatro homens rapidamente a agarraram. A cada um dos quatro tinha atribuída uma parte do corpo: um braço inteiro, uma perna inteira. De forma
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que em um segundo se encontrou fora do carro, sendo levada carregada para a cripta da igreja. Isso pode parecer uma operação singela, mas lhes asseguro que tirar de um carro uma possessa e levá-la escada abaixo até fechar a porta dos salões paroquiais só é possível com uma equipe muito experiente. Uma vez dentro da cripta, vi de novo aquela mulher, ao vê-la, o que eu tinha dentro revolvia-se, uma voz masculina falava através de mim, gritava, amaldiçoava e não sei que outras coisas dizia. Algumas pessoas que estiveram presentes me contaram algumas coisas que se passaram, eu não estava muito consciente. Algo que me surpreendeu muitíssimo foi a perda da noção do tem po, para mim foram cinco minutos ou menos, mas para os que estavam realizando o exorcismo transcorreram aproximadamente duas horas. Esse era só o começo de minha libertação, tive que passar por pelo menos mais doze exorcismos para ser liberta, e me considero afortunada, pois na paróquia vi que há pessoas que passam vários anos antes de serem libertadas. Contar com detalhes cada exorcismo é muito difícil, sobretudo porque em muitas ocasiões não se está consciente do que se passa, e se as pessoas que se encontram presentes não comentam nada ao acabar, você não chega a saber realmente o que se passou. Recordo a angústia que me transmitia Satanás cada vez que estava perto da igreja ou falava o nome de Jesus ou da Virgem. Também tenho imagens do padre e daquela mulher que o ajudava, que foi tão importante durante a minha libertação, orando em línguas desconhecidas”.
Nota: a identidade da mulher citada nesse relato não aparece por desejo seu. Trata-se de uma mulher pertencente à equipe da paróquia e que passava muitas horas de oração ante o Santíssimo. Após seis meses, teve que regressar a seu país, os Estados Unidos. “Aprendi a saber quando o demônio falava através de mim e a distinguir quando eram meus pensamentos e quando era sua voz, e de fato se movia por meu corpo e se manifestava dentro de mim. Além disso, em algumas ocasiões movia partes de meu corpo a seu bel prazer. Lembro que em uma ocasião segurava um rosário e minha mão começou a se mover sozinha e a golpear a parede; pretendia que eu soltasse o rosário, e por isso me fazia dano, mas comecei a orar e teve que parar. A cada vez que terminava um exorcismo me enchia de paz, me sentia mais forte, e sabia que Satanás se debilitava. Dos exorcismos só tenho imagens de várias pessoas ao meu redor, a luz tênue da cripta, eu caída no chão, vários
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homens me sustentando, tentações sexuais, e o mais importante para mim: a presença da Virgem Maria, que muitas vezes vi representada na mulher que sempre estava em meus exorcismos. Também recordo que sempre tinham que me fazer entrar na capela forçada entre várias pessoas, porque o que eu tinha dentro se negava a entrar ali e adquiria uma força física inexplicável. Dois meses antes de minha libertação cometi um erro imenso, tive compaixão pelo demônio, algo me impulsionou a desejar que ficasse comigo um tempo mais, pensando que me deixaria tranquila, mas aquilo se converteu em uma espécie de pacto. Orava por ele com a ideia de que assim me faria menos dano e esse pacto lhe deu mais força. Força que aproveitou para usar contra mim, mas nada disso impediu minha libertação, que ocorreu no dia 14 de março do 2005, era o terceiro dia consecutivo que me realizavam exorcismos. Já nesse momento eu estava consciente de muitas coisas durante as sessões de exorcismo. O que mais lembro é que um formigamento percorria todo o meu corpo e com minhas mãos ia tirando-o de mim, era como se estivesse limpando meu espírito, sentia uma paz, uma tranquilidade indescritível. Esse dia foi muito especial para mim, senti a presença da Virgem com muita força. Dias antes de minha libertação, um sacerdote que esteve presente em alguns exorcismos comentou comigo que o demônio disse algumas coisas em latim, comentou algo sobre uma mensagem da Virgem, a qual sem dúvida esteve presente em todos meus exorcismos. Muito importante foi a ajuda desse sacerdote16 ; de fato esteve comigo no dia de minha libertação e foi crucial para o final dessa história. No dia de minha libertação saí para fazer uma caminhada com ele pelos arredores da paróquia e no meio dessa pequena excursão, de uma hora para outra entrei em transe. O sacerdote, no lugar solitário até onde tínhamos chegado (um rincão daquela montanha arborizada), começou a dizer orações exorcísticas e me fez renunciar expressamente ao fato de ter compaixão pelo demônio. Ali renunciei a essa espécie de pacto que tinha realizado com ele e a verdade é que já nesse momento senti que o demônio estava muito debilitado, que exercia menos influência sobre mim e, inclusive, que enquanto ele se mani festava eu já podia orar em meu interior. Minha libertação era um fato, no entanto o padre Fortea considerou conveniente que regressasse para certificá-la, para nos assegurarmos de que não ficava nada dentro de mim. E assim, no dia 5 de maio de 2005, pude entrar por 16
O nome do sacerdote fica oculto neste escrito por desejo seu, já que por ora crê ser melhor ocultar sua identidade para que possa exercer seu ministério de pároco com tranquilidade.
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meu próprio pé à igreja, só senti paz dentro dela e pude orar em voz alta com todos os presentes.”
Nota: Na última sessão, aquela realizada para assegurar-nos de que não ficava nada maligno dentro dela, efetivamente vimos que não tinha nada dentro, que tinha saído tudo. Mas ela, ainda durante uns minutos, sentiu a presença do maligno em seu corpo, mas já fora dela, não dentro. Sentiu como a oração a limpava dessa presença. E uma vez que ficou liberta sentiu uma grande paz e amor, uma verdadeira efusão de graça em seu coração. “Por culpa de quem e porque eu fiquei possessa, não desejo nem comentar, só me importa que agora posso entrar em igrejas com total tranquilidade, que creio em Deus e O amo, a ideia sobre o suicídio desapareceu, posso eliminar todo pensamento que não seja positivo para mim, experimentar momentos de paz e felicidade como qualquer outro ser humano e tirar proveito até das coisas não tão positivas, tanto de meu passado como de meu presente. Em poucas palavras, voltei a ser a de antes, mas com um firme depoimento da ação de Cristo e da Virgem Maria. Graças a Deu s, obrigada, Virgem Maria, obrigada colaboradores do padre Fortea, obrigada padre (nome), obrigada (outro nome), obrigado colaboradores do padre, graças a minha família e a todos aqueles que de alguma ou de outra maneira me devolveram à vida.”
Caso 4 Chegou uma mulher de uns quarenta anos acompanhada por alguém que me apresentou como seu marido. A mulher citou-me os típicos sintomas daqueles que podem ver espíritos. A impressão verossímil de seu relato vinha reforçada pelo fato de que sua bisavó e sua avó também podiam ver almas de defuntos. Mas o problema pelo qual veio me consultar tinha começado quatro anos antes, quando não só via essas almas, como também começaram a agarrá-la pelo braço e a ordenar que lhe seguisse. Pus-me a orar por ela e em seguida entrou na fase prévia ao transe. Ela se sentia incomodada e também com calafrios, apesar de desfrutarmos de uma agradável temperatura de verão. Mas, apesar desses sintomas persistirem, nada se manifestava por meio dela. Depois de mais de meia hora de
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oração, a única coisa que (a julgar pelos sintomas) parecia ter ficado clara era que dentro dela havia um espírito que se incomodava com minha imposição de mãos e minhas orações. Pus-me a rezar vésperas, deixando o marido e a outra pessoa rezando o rosário. Então, no início do rosário, a mulher começou a dar gritos e entrou em transe, sem perder a consciência apesar de não poder falar. Os gritos cada vez eram mais fortes. Em três quartos de hora, em uma situação que ia crescendo em mal-estar e gritos, vomitou uma massa com pedaços de carne. O curioso é que ela não tinha ingerido nada em oito horas, a comida tinha sido leve e também não se tinha sentido pesada depois do almoço. O vômito daquela carne, apesar do estômago vazio era a prova de que certamente essa mulher padecia de algo preternatural e não se queixava por mera sugestão ou outros problemas mentais. Já havia tido um vômito parecido quatro anos antes e também naquela ocasião tinha estado em jejum durante mais de doze horas, apesar de ter vomitado algo semelhante. Foi então que a mulher começou a explicar uma parte da história que tinha ocultado na conversa prévia às orações. O que estava ali a seu lado, na realidade, não era seu marido. Esse homem era casado com outra mulher, mas mantinha uma relação com ela. Sua esposa, ao descobrir esse relacionamento, tinha reagido com ódio, ligando para a amante para insultá-la e coisas semelhantes. Quem fez o malefício não o sabíamos, ainda que fosse lógico suspeitar que a esposa enganada cheia de ódio tivesse encarregado um bruxo disso. A verdade era que desde que a esposa descobrira a infidelidade e começaram os telefonemas foi que a amante passou não só a ver as almas, mas também senti-las corporalmente, a notar como a agarravam querendo levá-la. A isso seguiu-se o primeiro de quatro abortos não provocados. As crianças da amante morriam antes de nascer. Dado que o primeiro vômito com o estômago vazio coincidiu com a morte do primeiro filho que levava em seu seio, era razoável pensar sobre a possibilidade de o malefício ter provocado essas mortes. Expliquei a ambos, à amante (que a partir de agora chamarei Vanessa) e ao esposo infiel (que a partir de agora chamarei Victor), que deveriam pôr em ordem suas vidas. O que se tornava mais fácil pelo fato de o esposo adúltero viver com sua esposa, e assim,
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com tato e delicadeza, fui taxativo ao que se referia ao término imediato dessa relação ilícita. Pelas crianças mortas antes de nascer não devia se atormentar, já que teriam ido junto a Deus. Mas ela devia começar uma vida de mais oração, uma vida dentro dos Mandamentos de Deus. Sentado no banco da capela, o marido infiel escutava todos meus conselhos sem dizer nada. Mostrava-se comovido e disposto a realizar essa mudança também. Houve uma sucessão de fatos negativos: a paixão tinha levado à infidelidade, a infidelidade ao sofrimento da esposa, o sofrimento ao ódio, o ódio ao malefício. O pecado tinha dado seus frutos. Mas tudo tinha sido para o bem, pois, ao ver esses frutos, tão claros, tão patentes, isso devia lhes levar a abraçar uma vida totalmente diferente. Todo mal é permitido para um bem maior, expliquei. Sem esses frutos maus (os abortos, o malefício) eles não teriam ideia de quão errado era seu caminho e ter-se-iam encontrado tudo no dia do Juízo Final. Deus, em Sua misericórdia, tinha permitido que o mal chegasse a uma situação em que ficasse evidente para provocar uma mudança de vida. Ficaram ambos impressionados com minhas palavras e estiveram por um momento diante do Santíssimo Sacramento fazendo oração. Duas semanas depois, Vanessa e Victor voltaram outra vez. Oramos por Victor, que não padecia nenhuma influência. E voltamos a orar por Vanessa. Ela sentiu náuseas assim que orei por ela, teve que jogar a cabeça para trás e apoiar-se no banco. Saiu dela um espírito. Combinei com a mulher para que uma semana mais tarde voltasse para continuar as orações por ela. Adverti-a que tinha feito muito mal em vir de novo com Victor. Se tinha rompido com ele, não deveria dar chance para que a relação continuasse de nenhum modo, e acabaria sendo mais difícil para ela romper essa situação de adultério. Disse-lhe que tinha que escolher entre seguir com aquela relação ilícita ou seguir a Jesus. Em outros casos dou mais tempo à pessoa para que se fortaleça no amor a Deus e veja seu pecado, mas, nesse caso, a debilidade afetiva dela era tal, que podia passar panos quentes nessa situação sem romper com aquele homem casado, que continuava vivendo com sua legítima mulher. Qual não foi minha surpresa ao saber, um mês depois, que, apesar de tudo o que viu, de tudo o que sofreu, a mulher decidiu seguir com seu amante. Não voltou a pedir oração. Que mais tinham de passar para que abrissem os olhos?
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Outros pecam sem saber, mergulhados na ignorância, mas eles tinham visto bem às claras quais eram as consequências de seus atos contrários à Lei Di vina. Ainda assim, tinham decidido conscientemente seguir o mau caminho. É interessante observar que Victor tratava bastante mal sua amante, sem carinho, só para satisfazer seus desejos e sem pensar, nem por hombridade, em abandonar a sua esposa. E, no entanto, Vanessa preferiu aquela relação sem afeto, sem amor, aquela paixão carnal por parte de um homem que a abandonaria assim que ela envelhecesse, em vez de escolher o amor infinito de Jesus. Se ele fosse um homem extraordinariamente atraente, talvez isso tivesse me ajudado a entender um pouco essa situação. Mas nem ele nem ela estavam na juventude da vida, nenhum dos dois eram dotados de beleza corporal. Por que preferiam aquilo a Deus? Parece uma loucura, uma insensatez tamanha, mas encontrei mais casos nos quais nem a doença provocada por uma possessão evidente faz com que as pessoas abandonem uma relação na qual nem elas se sentem à vontade. Mas nesse, como em outros casos, aquilo com o que convivem vai-lhes minando a vontade semana após semana com a repetição da ideia de que poderiam experimentar com outra pessoa: “Tenho ouvido falar bem de um vidente”, “me contaram de uma mulher que impõe as mãos”, “esse padre é demasiado rígido, há outros mais humanos”. Alguns meses depois de não virem à igreja, lembrei-me de que tinha seu e-mail e lhe enviei esta mensagem: “Olá, sou o padre Fortea. Como não a vi por aqui, temi que tenha decidido não acabar com a vida de pecado. Enfim, só escrevi por isso. Até breve”. Não recebi resposta em várias semanas, até que, próximo ao Natal, ela me respondeu: “Olá, padre, agradeço de coração por toda a ajuda que me deu e pelo tempo todo que me dedicou. Essa experiência aproximou-me bem mais de Deus, mais do que eu sempre tinha querido. Estou muito contente por isso. Continuo lendo o Novo Testamento e sigo indo à Missa quase todos os dias. Na verdade, li que enquanto alguém tiver a Deus em seu coração será perdoado de todos os pecados e recebido no Céu à hora da morte. A mim me pareceu muito severo o que você me disse, muito radical, e não compartilho sua opinião a respeito. (…) Pretendia intimidar-me? Digo-lhe com todo o respeito que me merece. Obrigada por tudo e que tenha um feliz Natal.”
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Achei que o caso, no que dizia respeito a mim, estava concluído. Estava equivocado. Vários meses depois, ela apareceu de novo em minha paróquia. Vanessa, realmente, tinha continuado a ir à Missa. O ir à Missa e o não romper sua relação com Deus levou-a a frequentar um grupo carismático de oração. Nesse grupo, uma senhora (que era marquesa) lhe pediu que contasse sua história e ela, durante vários meses, fez um verdadeiro trabalho de amiga, aconselhando-a, levando-a pouco a pouco ao caminho do arrependimento. Quando chegou à minha paróquia, estava disposta a deixar Victor e a viver na graça de Deus. Dei por certo que o caso ia ser longo, dados os antecedentes. Equivoquei-me. Em mais duas sessões, foi libertada. Na segunda sessão, caiu ao solo diante do altar, gritou, agitou-se e em uns vinte minutos ficou liberta. Os que estavam presentes puderam sentir um perfume nessa parte da igre ja, sinal da presença de algum anjo. De joelhos, Vanessa, muito emocionada agradeceu a Jesus pela sua libertação. Nos meses seguintes, apesar de todo o sucedido, continuava sendo difícil que cortasse completamente o contato telefônico com o marido adúltero, que começou a cercá-la com telefonemas e indo até a casa dela. Insisti-lhe algumas vezes que, assim que ouvisse sua voz, desligasse o telefone, que não tinha que lhe dar nenhuma explicação, que não tinha que começar nenhuma conversa por breve que fosse, já que ela continuava sendo frágil para parar. O demônio tentou muito Vanessa com a ideia de que tinha que ajudá-lo, que não devia cortar toda comunicação, porque devia fazer um trabalho de apostolado com ele para o bem de sua alma. Essa cegueira continuou nela durante vários meses; ainda que ela sofresse algum tipo de pequena influência demoníaca, pela qual teve que orar, acabou por lhe abrir os olhos. Também ajudou que eu lhe dissesse claramente que era a última vez que rezava por ela: ou terminava a relação ou que se fosse buscar outro sacerdote. Terminou, finalmente terminou. Mas Deus ia dar-lhe uma extraordinária forma de purificar-se de seus pecados e fazer penitência. Após viver uma temporada completamente libertada, feliz e vivendo sem nenhum tipo de distúrbio preternatural, o Senhor permitiu que pudesse sofrer pelas almas do Purgatório. Nela entravam almas errantes que tinham que se apurar para entrar no Céu. Almas que não estavam condenadas ao Inferno, mas que por seus muitos
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pecados estavam nas moradas inferiores do Purgatório, almas que vagavam penando sobre a Terra. Quando entravam nela, Vanessa sentia sua tristeza. Seu sofrimento, suas orações e minhas orações faziam que finalmente essas almas (das que já ninguém se lembrava de rezar na Terra) pudessem ir para a Luz. Quando essas almas saíam de seu corpo, Vanessa se sentia complemente bem e feliz. Deus permitia-lhe uns dias de descanso e depois permitia que outra alma entrasse nela. Assim, nessa penitência, leva vários anos. Externamente tem uma vida normal com relação a trabalhos, amigas, etc. Mas internamente sua vida está completamente centrada na oração e expiação. Uma vez a cada semana ou duas semanas, oro por ela. Não é o único caso que tenho atendido nestes anos, em que esse mesmo fenômeno se deu, idêntico em todos seus detalhes. Há pessoas que têm a capacidade de ajudar as almas do Purgatório, concretamente as que estão mais abaixo, aquelas que podem estar séculos e séculos penando, esquecidas de todos. É como se Deus as destinasse a certas mães que, pelo sofrimento e pela oração, as levassem de novo para a Luz. Se aprendi algo de todos estes casos relacionados ao Purgatório, é que a Justiça de Deus é algo muito sério, algo que ninguém deveria tomar como brincadeira.
Caso 5 Chama-me o capelão de um hospital. Diz-me que há uma menina que vai ser transferida de hospital, porque os médicos não sabem o que ela tem nem como a curar. A menina estava há três dias internada porque não parava de chorar e de dizer horrorizada que lhe aparece um demônio que a assusta e lhe diz coisas. Antes de ser internada era uma menina completamente normal, mentalmente sã, que nunca havia se preocupado de modo doentio pelo religioso e menos ainda com o demoníaco. Desde logo, a preocupação com o demônio não tinha inculcado na sua família, já que seus pais não eram nada religiosos. Como mostra disso, sequer tinham batizado a menina. Os psiquiatras não entendiam o caso, pois a menina dizia que via um demônio, mas não tinha dado, de modo algum, manifestação nela: aquilo aparecera de modo brusco e repentino. Por outro lado, o pensamento da menina
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permanecia perfeitamente claro e lógico. O único problema era esse aparecimento que ela dizia ver e as coisas que lhe dizia essa figura demoníaca. A menina, algumas vezes, fazia questão de afirmar que o demônio lhe falava de todo tipo de aberrações sexuais: convidava-a para que fizesse com um cão, com um cavalo, etc. Os psiquiatras comprovaram que a medicação não fazia nenhum efeito, nem mesmo os tranquilizantes. Foi horrível para os pais comprovar como sua filha podia passar três dias chorando, parando só de tempos em tempos. Inclusive tiveram que tirar seu companheiro de quarto, um menino, porque o estado de pânico contínuo dela o assustava. A menina estava com seus pais em um quarto de hospital chorando todo o dia e com a única doença reconhecida: a de afirmar que via um demônio. Os psiquiatras renderam-se; já tinham decidido sua transferência a outro hospital, apesar de a tratarem vários catedráticos que davam aulas de psiquiatria na universidade próxima. Foi ante essa situação que os pais decidiram procurar um padre. Não era o que tivessem desejado, mas já que a menina falava de algo que tinha a ver com a temática religiosa e estavam desesperados, optaram por fazer a prova. Foi então, depois de uma semana de internação, que fui chamado pelo capelão do hospital para examinar o caso. Propus aos pais que minha primeira aproximação a sua filha fosse da seguinte maneira: vesti-me como um médico, com roupa branca e sem nada que me identificasse como sacerdote. Entrei no quarto de hospital como um médico que iria lhe fazer um teste psicológico, mais um dos tantos que já se lhe haviam aplicado. Logo vi uma menina encantadora, tranquila, sentada na cama. Pus-me a falar com ela amigavelmente. Ao fim de um minuto, a menina apontou horrorizada para um ponto do quarto e abraçou-se a sua mãe chorando. O pranto era realmente terrível, pois não se tratava de um choro de tristeza, de indignação ou outro tipo ao que estamos acostumados, senão um choro produzido pelo pânico. Custou um momento conseguir fazer com que ela saísse desse estado de pavor. Já mais calma, eu disse àquela doce menina que fechasse os olhos enquanto eu, sem que ela o soubesse, cantaria em outra língua uma oração exorcística, pondo o máximo de cuidado para que pelo tom não a identificasse como oração.
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Para que não suspeitasse que eu recitaria orações, disse que o teste consistia em ela dizer letras do alfabeto e números por ordem, enquanto eu lhe falava, mas ela não tinha que prestar atenção ao que eu dissesse. Expliquei-lhe que o teste consistia em não se desconcentrar daquela sucessão de números e letras. Ela seguiu repetindo aquilo que eu lhe falava. Demorei quase dois minutos em dizer algo que fosse uma oração, para que a menina não suspeitasse de nada. Foi nesse momento que, no meio de tudo o que eu estava dizendo, introduzi uma única ordem em latim. Minha surpresa (e a dos pais) foi grande quando a menina loira de onze anos me falou: “o demônio diz-me que estás lhe perguntando seu nome”. Era verdade. A partir desse momento, tanto os pais como eu não tivemos mais dúvida de qual era a origem do problema da menina. Despedi-me da família marcando hora no dia seguinte para dar-lhe uma síntese da catequese batismal e proceder para administrar-lhe o sacramento. Mas a oração que fiz de casa naquela noite pela menina bastou; uma oração a distância pedindo a Deus por ela, para que o demônio se afastasse da pobre vítima. Na realidade, não fui eu que rezei por ela essa noite, mas uma senhora, que rezou ao menos um rosário por ela. No dia seguinte, a menina estava completamente normal, pela primeira vez em cinco dias. E seguiu normal dali em diante. Não era preciso fazer outro tipo de oração por ela. O demônio não estava dentro dela, apenas a perseguia; essa foi a razão de que tudo acabasse de um modo tão fácil. Ante a evidente melhora, teve alta no dia seguinte, depois de ficar em observação vinte e quatro horas. Nos meses que se passaram, segui o caso de perto e a menina não voltou a ser molestada pelo demônio. Também não apresentou sinal de trauma algum pela experiência, pois a mãe me mostrou um desenho que tinha feito, com a aparência do monstro que ela viu durante aquela semana de pesadelo. Depois do desenho, a menina tinha comentado a aparência dessa figura maligna sem temor algum. Tal como observei nos anos seguintes, esse é um comentário geral: os possessos, uma vez libertados, não refletem sinal algum de trauma pela lembrança da experiência por que passaram. O que sofria essa menina não era o fenômeno da possessão. O demônio estava fora, rondando-a e por isso o demônio não tinha, digamos assim, onde se agarrar. Nunca soube, por mais que tenha lhe perguntado, o que pôde
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provocar esse ataque demoníaco, já que ninguém da família tivera o menor contato com o ocultismo.
Caso 6 Bem como há casos longos, há outros em que orar uma única vez é suficiente. Um destes casos breves foi o de uma senhora, que se resolveu em duas sessões, ainda que espaçadas ao longo de um ano. Quando ela veio me ver, disse que estava segura de que uma certa pessoa lhe tinha feito um malefício. “Como está tão certa?”, perguntei-lhe. Porque eu tinha uma empregada, respondeu-me, a quem um dia, num canto escondido do local de trabalho, surpreendi guardando muitas velas negras assim como outros objetos dos que se usam para realizar magia negra. Joguei tudo – disse-me a senhora –, e repreendi a essa empregada. Ao cabo de umas semanas, despedi-a. Foi então que a garota despedida me disse por telefone que me faria magia negra. Ela me disse: “Vou afundá-la. Vou deixá-la gorda como uma vaca.” Desde então, a patroa começou a ter paixão pelos doces e a engordar muitíssimo. Também, a partir desse momento, começou a sofrer os seguintes sintomas: não conseguia dormir, sofria constantes pesadelos com sangue, com mortes e tendo relações sexuais com a garota que lhe tinha feito o malefício, apesar de nunca ter tido tendências lesbianas. Além disso, desde que despediu aquela garota, notava em si alguns inexplicáveis desejos de fazer o mal. Se não bastasse, às vezes se lhe turvava a vista, chegando a cair ao chão. Depois voltava a si sem maiores problemas, ainda que ficasse muito cansada. Os médicos pensaram que pudessem sofrer de vertigens. Ela perdia a consciência, não sabia o que fazia depois que deixava de ver. A fase com esses sintomas tão fortes, em muitos casos, não costuma durar mais do que uns dias ou semanas, depois os sintomas vão desaparecendo. E como costuma suceder em muitos casos, finalmente não ficou possessa, só sofreu influência. É curioso que, quando se faz um malefício, às vezes, a pessoa sofre os sintomas de uma possessão durante uns dias, mesmo que depois só reste nela uma influência. Na primeira vez que veio a minha paróquia, orei sobre ela durante quase meia hora.
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Como não apresentou mais sinais de manifestações, recomendei o usual: que orasse a cada dia, que mudasse de vida, convertendo-se sinceramente a Deus, e que observasse se minhas orações desse dia e as suas orações quotidianas tinham acabado de uma vez com essa influência ou se o iam fazendo de forma progressiva. A partir daquele dia a mulher notou uma claríssima melhoria. A mudança foi tal que ela foi completamente curada. No entanto, voltou a me pedir oração quase um ano depois, porque a garota que lhe tinha feito o malefício, telefonou para insultá-la e ameaçá-la. O curioso foi que, por telefone, a garota lhe dissera que lhe faria mal onde mais lhe ia doer e que seria no rosto. E efetivamente, no dia seguinte, amanheceu com uma marca vermelha na face, como se fosse de uma grande cicatriz. A marca desapareceu em poucos dias, mas ela mostrou-me a foto que tinha feito de seu rosto na manhã em que apareceu a marca. Tinha pedido oração a mim depois do telefonema, logo que apareceu essa marca em sua pele. Veio à paróquia e orei de novo por ela. Ao começar a orar, a mulher sentiu mal-estar, vomitou saliva. Digo que vomitou saliva porque as sensações que sofria eram de vômitos, ainda que a única coisa que jorrasse pela boca fosse saliva. Finalmente, foi se sentindo melhor, até ficar completamente boa. Estava livre do malefício. Aconselhei-a, depois, que não tivesse nenhum medo dos malefícios de sua inimiga. Ela invocava o poder das trevas, mas o poder da Luz era superior, sem ponto de comparação. Tive contato com ela anos depois, e nunca mais voltou a sofrer de nenhum tipo de influência.
Capítulo V – Suplementos
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Suplemento I
C�sos especiais de possessão H
ouve vários casos especiais de possessão, como a possessão de grupos, e que foram permitidos por Deus como um sinal. Em caso de grupos é famoso o de Salem, Massachusetts, no qual no meio de uma comunidade de puritanos aconteceu a possessão de várias meninas por causa de uma mulher negra, que havia feito a invocação de entidades diferentes. A verificação da intervenção do mal nas meninas foi liderada por um caso de histeria em massa, que levou à morte de muitos inocentes. Para citar outro caso de possessão de um grupo como o que acabamos de mencionar, tivemos o recente Chamanga (Equador), em 2003: mais de uma dúzia de meninas entre 14 e 23 estavam possuídas. Os casos permitidos por Deus para sensibilizar as pessoas como um sinal são muito mais interessantes, pois envolvem um plano de Deus ao seu redor.
Só temos certeza de dois casos dados como sinal: o Mount Rainier (E.U.A.) em 1949 e Loudun (França) em 1632. No caso de Loudun, houve possessão de um grande grupo de freiras do convento das Ursulinas, nessa cidade. A possessão ocorreu porque o capelão do convento, Urban Grandier, um clérigo libertino e licencioso, praticava bruxaria. No final de setembro 1632, as freiras começaram a ver fenômenos estranhos no convento. Diziam que um espectro com a figura de Urban Grandier andava pelos corredores do convento à noite. Em seguida, as freiras começaram a sofrer convulsões e falar em voz estranha. Um ministro protestante, Nicolas Aubin, escreveu que “as freiras batiam suas cabeças em seus próprios seios e nos ombros, como se elas tivessem seu pescoço quebrado e com uma rapidez inconcebível. Que torciam seus braços nas articulações do ombro, do cotovelo ou do pulso, girando três ou quatro vezes. Encostavam-se sobre seus estômagos, enquanto suas mãos estavam
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agarradas às solas dos seus pés. Seus rostos estavam temerosos e seus olhos permaneciam abertos, sem piscar. Proferiram gritos como nunca ouvidos antes. Faziam uso de expressões tão indecentes que teriam constrangido o mais depravado dos homens, ao se exporem convidando a uma conduta lasciva”. Sete freiras foram possessas, além de quatro mulheres leigas e muitas outras que sofriam outros fenômenos. A lista de nomes de demônios que foram expulsos de lá são: Asmodeu, Zebulom, Issacar, Astaroth, Gresil, Amand, Leviatã, Beemot, Beherie, Easas, Celsus, Acaos, Cedon, Alex, Naphthalim, Cham, Achas e Ureil. Os exorcismos realizados na cidade foram terríveis, porque as contorções e vozes estranhas impressionaram toda a cidade. Todos esses ritos foram realizados em uma igreja com assistência de público. E constituíram um verdadeiro sinal para a sua época em toda a França, pois mostraram, entre outras coisas, a força inerente nos ritos católicos contra o que diziam os protestantes. Assistiram aos exorcismos muitos nobres, como o príncipe Luís de Bourbon, entre outros. Um dos demônios, Leviatã, revelou durante um exorcismo, em maio de 1634, com a voz da freira Joana dos Anjos, que Urban Grandier tinha feito um pacto com o demônio. O documento foi encontrado no local indicado durante o exorcismo. Em um exorcismo anterior, o demônio Asmodeu havia dito que ele tinha sido assinado com o sangue de Grandier. Uma investigação posterior descobriu uma cicatriz na mão dele. O acúmulo de provas contra o capelão levou-o a ser condenado à morte, queimado vivo. No entanto, alguns demônios ainda permaneceram em algumas freiras, embora em 1634, com a intervenção de um exorcista, o caso de Loudum Surin chegou ao fim. Muito diferente foi o famoso caso americano de possessão de Mount Rainier, em 1949, que chegou ao fim de forma muito diferente do que aparece no filme. Um fim tão extraordinário que decidi não apresentá-lo, uma vez que sinto que ninguém iria acreditar. A libertação do demônio na última sessão foi a seguinte: o demônio falando através da criança com uma voz horrível cheio de ódio disse: “Eu não vou deixar até que seja proferida determinada
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palavra, mas a criança nunca vai dizer. (...) Não basta ler uma palavra grande. Eu nunca vou dizer essa palavra, nunca direi tal palavra”. O exorcismo continuou e logo o menino falou com uma voz em um tom claramente autoritário: “Sou São Miguel e te ordeno, Satanás, que abandone o corpo em nome de Dominus, imediatamente, agora! Agora!” Dominus, em latim significa Senhor. Houve um som descrito como uma explosão muito forte e ouvida por muitas pessoas no hospital dos Irmãos de S. Aleixo, em St. Louis. As pessoas não sabiam que um exorcismo estava acontecendo, nem mesmo os trabalhadores que estavam na sede do hospital. Nessa altura, o possuído foi liberto e recuperou a consciência. O menino não se lembrava de nada, mas lembrou-se de uma visão de São Miguel lutando contra Satanás. Curiosamente, no mesmo dia, ao mesmo tempo em que o demônio o deixou, essa mesma visão foi vista por toda a cidade, na igreja de São Francisco Xavier, por vários padres jesuítas, que relataram ter visto uma luz intensa, de repente, iluminando o altar-mor e a abóbada acima do altar, onde São Miguel foi visto lutando com Satanás. Por que ele simplesmente saiu ao dizer a palavra? Por ter sido em latim? A única razão foi porque Deus assim o ordenou. A palavra Senhor certamente tinha sido mencionada nas fórmulas de exorcismo, mas o demônio havia dito (por um anjo, santo ou Deus), que quando dissesse essa palavra, ele sairia. Embora o que o expulsou foi a luta com São Miguel. Tudo o que ele sabia era que aquela palavra indicava que havia chegado a sua hora. Acredito que o caso de Mount Rainier foi um caso com muitos fenômenos extraordinários e que teve um grande impacto na imprensa da época, porque foi permitido por Deus para que essa geração tivesse conhecimento da veracidade do fenômeno da possessão. Quando parecia que a possessão era algo ultrapassado, algo medieval, neste caso o fenômeno apareceu. E algo arcaico se transformou em algo completamente moderno. Se o caso teve um impacto muito real, muito maior foi o do filme. Acredito que esse trabalho tem alcançado o que não tinha conseguido até mesmo milhares de sermões. O caso do Monte Rainier era um sinal, ou seja, um caso que poderia servir para abrir os olhos de muitos, de pelo menos, milhões de pessoas e gerado dúvida em mais de uma geração. Um sinal de que serviria essencialmente para sensibilizar a
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sociedade de seu tempo sobre a realidade da existência do mal e do poder do exorcismo. Em segundo lugar, para sensibilizar sobre a existência de Deus, a possibilidade de condenação, o que é o pecado, o poder da Igreja. Embora o filme O Exorcista termine com a morte do sacerdote, o que não aconteceu na realidade, não tenho dúvidas de que o romance, e em primeiro lugar o f ilme, foram os instrumentos que entraram no plano de Deus para dar a mensagem que Ele o queria transmitir.
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Suplemento II
Legislação canônica A
té hoje, toda a legislação existente atualmente em vigor sobre o tema do exorcismo é reduzida a três fontes: o Código de Direito Canônico, os Praenotanda do Ritual de Exorcismos e uma comunicação de 1985 da Congregação para a Doutrina da Fé. Além dos textos normativos que vou apresentar a seguir, há conselhos, recomendações e sugestões, mas não legislação, que se limita ao que se segue:
No Código de Direito Canônico aparece um único cânone relativo a esse assunto que é o Cânone 1172, dividido em dois parágrafos: n º 1. Sem licença especial e expressa do Ordinário do local ninguém pode legitimamente realizar exorcismos nos possessos. n º 2. O Ordinário concede essa licença somente para um sacerdote piedoso, sábio, prudente e com integridade de vida. Nos Praenotanda do Ritual de Exorcismos de 1998 oferecem-se muitos conselhos, mas com a intenção de mandar ou proibir, só há o que se diz nos ítens 13, 19, 37 e 38. No item de número 13 se repete palavra por palavra o que foi dito no cânone 1172 do Código, mas acrescenta que “a licença deve ser concedida apenas ao padre [...] que estiver preparado para essa função específica”. Não explica mais. Enfim, apesar de os Praenotanda não o expliquem, o que obviamente significa é que o padre deveria se formar com o exorcista de outra diocese antes de assumir o exercício do ministério. No item de número 19 é dito que “tanto antes como durante a realização do exorcismo não é permitida a intervenção dos meios de comunicação social. E uma vez que tenha sido realizado, tanto o exorcista como os que estiveram presentes não devem divulgar o que aconteceu, devendo agir com a devida discrição”.
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O item número 37 diz que as Conferências Episcopais “podem se adaptar, se considerarem necessário ou útil, sinais e gestos segundo a cultura de seu povo”. No item de número 38 também se diz que as Conferências Episcopais podem adicionar ao ritual um “diretório pastoral sobre o uso do exorcismo maior”17. A tudo isto devemos acrescentar uma carta datada de 29 de setembro de 1985, enviada pela Congregação para a Doutrina da Fé a todos os bispos diocesanos para lembrar as regras vigentes para os exorcismos. A carta diz que: a) Ninguém tem o direito de pronunciar o exorcismo em endemoninhados se ele não recebeu licença específica e expressa do bispo diocesano do lugar. b) Não é lícito aos fiéis usar a fórmula de exorcismo contra Satanás e os an jos rebeldes, tomada daquela que se tornou de direito público por disposição do Sumo Pontífice Leão XIII. c) Inclusive nos casos em que, embora não se trate de possessão diabólica propriamente dita, parece que se manifesta algum influxo diabólico, aqueles que não tem a devida licença que não conduzam as reuniões em que se usam orações para obter libertação, no decurso das quais se dirigem diretamente aos demônios e se esforçam por conhecer os seus nomes. Note-se que nenhuma legislação diz que é necessário um relatório psiquiátrico para se afirmar que se trata de possessão. Apenas se diz no item 17 dos Praenotanda do Ritual que, “na medida em que se veja que seja necessário se consultem os especialistas em medicina e psiquiatria que tenham sentido das coisas espirituais”.
17
Nos n. ° 37 e 38 contêm mais algumas normas, mas de caráter técnico, regras sobre a publicação do Ritual.
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Suplemento III
H��tória d� e�orcismo no cri��ianismo N
os começos da era cristã, no âmbito do Império Romano, existiam ritos ocultos praticados de diversas formas. Essas formas de ritos, assim como os ritos de iniciação de sacerdotes e sacerdotisas que a todo o custo queriam entrar em contato e comunicação com as divindades e gênios, de per se eram provocadoras de possessão. Este tipo de ritos conjuratórios de invocação de divindades para que usassem o sacerdote (e mais frequentemente a sacerdotisa) como médium está documentado em Roma, na Grécia e no Egito. Por tudo isto, possuímos abundantes textos dos primeiros séculos do cristianismo que nos mostram como o ministério do exorcismo era muito frequente nessa época. Ministério cristão, pois o exorcismo (eficaz) é um ato especificamente cristão. Os ritos invocatórios de seres desconhecidos foram desaparecendo no ambiente do Império Romano e também a prática do exorcismo foi crescendo. Mas o exorcismo continuou a praticar-se nos territórios de missão no norte da Europa. O fenômeno da possessão era referido pelos missionários que trabalhavam entre bárbaros. Pouco a pouco, o ministério do exorcismo vai sendo relegado paulatinamente para regiões mais ao norte, na zona de contato com pagãos convertidos. O avanço do cristianismo pressupõe o desaparecimento da bruxaria e da invocação pagã deste tipo de seres invisíveis. O desaparecimento destas práticas foi quase absoluto, e por isso a possessão também desapareceu. Ficaram
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superstições e elementos culturais pagãos nos povos que tinham abraçado a nova religião, mas a bruxaria foi praticada de um modo muito isolado e esporádico. E, quando se praticava, mais que como invocação de seres ocultos, tratava-se antes de uma bruxaria de fórmulas mágicas para recuperar a saúde, o amor, uma boa colheita, etc. Daí que a pouca magia que se continuava a praticar na Europa cristã estivesse mais relacionada com cozimentos do que com invocações. Era uma magia de fórmulas de utilização de substâncias eficazes, não uma magia de invocação de espíritos. Por isso, a possessão desapareceu totalmente da Europa cristã. Tratava-se de um fato desconhecido e recordava-se tão só como um fato grandioso da época evangélica recordado pela Bíblia. Essa era a tônica geral, ainda que com exceções, certamente. Uma ou outra vez aparecia em qualquer lugar da cristandade a possessão como resultado de bruxas que iam para além da magia de fórmulas e levavam a usar meramente cozimentos para invocar essas forças desconhecidas. Mas é evidente que a possessão era já um fato excepcional. A aparição de uma bruxa ou de um grupo de bruxas eram acontecimentos nada ordinários que emocionaram os cronistas. E com respeito à sua solução não havia nenhum problema, o ritual de exorcismos estava à mão e, quando apareciam casos de possessão, aplicava-se esse ritual e o fenômeno desaparecia. A partir da completa cristianização da Europa e o consequente desenraizamento das práticas de invocação a espíritos, pode dizer-se que a possessão deixou praticamente de existir na Europa. Tanto era assim que a partir do século XVIII se vai firmar cada vez mais no mundo intelectual a idéia de que nunca existiu a possessão. Este estado de coisas continua assim até a década de 70 do século XX. Nessa altura, muitos eclesiásticos sucumbem a teorias teológicas que afirmavam já abertamente que o demônio era só um símbolo, e na realidade não existia. Desde 1970 até a década de 90, na maior parte das dioceses do mundo não se praticará um único exorcismo, e todos os casos de suposta possessão não serão examinados, enviando-os diretamente para o psiquiatra. Seja dito de passagem que a diocese de Roma será uma das poucas exceções em que este
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ministério se continuou a praticar sem interrupção durante os piores anos da “desmitologização”. Curiosamente, o auge do esoterismo no Ocidente fará com que cada vez mais abundem os casos de possessão. Não obstante, durante a década de 90 começou um desenvolvimento no ministério, que se praticará progressivamente com maior frequência. Atualmente, em quase todos os países se pratica este ministério sem problemas de maior (Itália e Polônia, entre outros), apesar de existirem outros países onde este ministério continua a encontrar graves dificuldades. Nos países onde ainda não chegou o cristianismo, há possessões se há in vocações de espíritos malignos, mas não há exorcistas. Ou seja, há bruxos que dizem poder libertar ou controlar esses espíritos malignos que possuem alguém. Mas evidentemente não conseguem nada. O exorcismo que eles praticam é um exorcismo mágico. Tentam controlar esses seres pelos seus próprios poderes pessoais ou por meios materiais. O resultado é nulo. Esta descrição tão geral é válida para todos os lugares e épocas do mundo extracristão. No entanto, a possessão é um mal tão violento para o que o sofre, que Deus, que é sempre misericordioso, pode conceder a algumas pessoas o dom de expulsar demônios. E assim, em certos lugares de Marrocos para citar um exemplo, há pessoas itinerantes que vão de povoação em povoação e que se dedicam a caçar serpentes e a libertar os possessos dos maus yin que os possuem. São todos embusteiros, absolutamente todos? Não, é possível que algum tenha um dom de Deus para alívio dos seus filhos, os filhos de Deus. Assisti umas tantas filmagens acerca do modo de atuar deste tipo de pessoas. Não são santas, são evitadas pelos outros, elas afirmam simplesmente ter recebido este tipo de carisma. Desde logo, sim, libertam as povoações onde vão das serpentes venenosas. A sua capacidade para apanhá-las com as suas próprias mãos é grandiosa, vai para além do concebível. Os seus exorcismos são uma espécie de reunião das pessoas onde se toca música e se dirigem ao yin maligno ordenando-lhe que saia do possesso. A eficácia de tais práticas é mais do que duvidosa, pois não se trata de atos que em si tenham alguma força para fazer sair o demônio. Mas, insisto, Deus concede verdadeiros carismas
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também fora do cristianismo. Além disso, no âmbito das religiões monoteístas, os fiéis rezam ao único Deus verdadeiro para que os ajude nas suas necessidades. É mais lógico que, nesse âmbito, Deus escute essas súplicas e conceda com mais abundância este tipo de dons a algumas pessoas. No âmbito do protestantismo, o verdadeiro crente sim, tem armas para fazer sair o demônio: a sua fé e a Palavra de Deus. Mas carece de outras como o óleo sagrado, as imagens benzidas, as fórmulas do exorcismo e de outras orações (por exemplo, à Virgem ), e também o poder pedir a intercessão aos santos. Tudo isto pressupõe que empreendem uma batalha com o demônio com menos armas. Mas a fé pode tudo e, ainda que precisem de mais tempo, podem tirar o demônio. Além disso, esta carência de meios costuma ser ajudada pelo fato de em confissões pentecostais os exorcismos costumarem ser praticados no meio de celebrações de oração às quais assiste muita gente. Uma oração conjunta de tantas pessoas reunidas (orando, cantando, pedindo) é uma força muito poderosa, invisível, mas poderosíssima. As igrejas ortodoxas contam com as mesmas armas exorcísticas que os católicos (as orações à Virgem, os sacramentos, o poder sacerdotal, tudo). O exorcismo costuma ser praticado, sobretudo em mosteiros. Os sacerdotes que o fazem preparam-se durante a semana anterior com oração e jejum. E depois os ritos costumam ser feitos por vários sacerdotes ao mesmo tempo. No entanto, a grande especialista na matéria do demônio e do exorcismo é a Igreja Católica. Não só tem a mesma fé em Cristo que possam ter os protestantes, não só tem as mesmas armas que os ortodoxos, como, além disso, Deus lhe concedeu os mais profundos conhecimentos teológicos que existem no mundo acerca do demônio. A Escolástica (e especialmente a angeologia da São Tomás de Aquino) trouxe consigo um arranque no conhecimento da natureza dos espíritos angélicos absolutamente desconhecido para os nossos irmãos separados. Alguns irmãos ficaram ancorados na Bíblia, outros ficaram ancorados nos Santos Padres, só a Igreja avançou no aprofundamento do conhecimento desse ser caído.
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Suplemento IV
A me��lha de S�o Bento D
ada a ampla difusão entre os exorcistas da medalha de São Bento, vou explicar o simbolismo e sua história. A medalha tem de um lado a imagem do Santo Patriarca e, do outro, a Cruz. Traz algumas letras que são as letras iniciais de uma frase, onde se lê:
Em cada um dos quatro lados da cruz: C. S. P. B. Crux Sancti Patris Benedicti. Cruz do Santo Pai Bento Na vertical da cruz: C. S. S. M. L. Crux Sacra Sit Mihi Lux . Que a Santa Cruz seja minha luz Na horizontal da cruz: N. D. S. M. D. Non Draco Sit Mihi Dux . Que o demônio não seja o meu guia Começando pela parte superior, no sentido do relógio: V. R. S. Vade Retro Satana. Afasta-te Satanás N. S. M. V. Numquam Suade Mihi Vana. Não me aconselhes coisas vãs S. M. Q. L. Sunt Mala Quae Libas. É mau o que me ofereces I. V. B. Ipse Venena Bibas. Bebe tu mesmo teu veneno. A difusão dessa medalha originou-se de um processo de bruxaria na Ba viera em 1647. Em Natternberg, algumas mulheres foram julgadas como bruxas, e no processo declararam que não haviam conseguido prejudicar a abadia beneditina de Metten, porque ela estava protegida pelo sinal da Santa Cruz. Procurou-se então no mosteiro e encontraram-se pintadas antigas
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representações dessa cruz com a inscrição apresentada anteriormente, a qual sempre acompanha a medalha. Mas essas siglas misteriosas não puderam ser interpretadas até que, em um manuscrito da biblioteca, pintado no mesmo mosteiro de Metten em 1414 e conservado hoje na Biblioteca estadual de Munique, se viu uma imagem de São Bento com essas palavras. Um manuscrito anterior do século XIV, oriundo da Áustria, que se encontra na biblioteca de Wolfenbüttel, parece ter sido a origem da imagem e texto. No século XVII, J. B. Thiers, estudioso francês, julgou-a supersticiosa pelos enigmáticos caracteres que a acompanham, mas o Papa Bento XIV aprovou-a, em 1742, e a fórmula de sua bênção foi incorporada ao Ritual Romano.
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Suplemento V
Escala SD de �raus de possessão e �nfluência U
m elemento muito útil à hora de descrever em um relatório os graus de possessão é a escala que se apresenta a seguir. A escala começaria no grau 0, no que a pessoa refere que lhe sucedem feitos na vida ordinária que remetem ao demônio, mas ao rezar nem o exorcista observa nada, nem a pessoa diz sentir alguma coisa. Sofre algo de natureza demoníaca essa pessoa ou não? O exorcista tem que lhe dizer que não encontra sinais de nenhuma influência extraordinária. Esse seria o grau 0, e dele passaríamos aos diferentes graus de influência para ir chegando, pouco a pouco, aos diferentes graus de possessão. A graduação que aparece nesta escala se baseia só nas reações que o exorcista observa na pessoa quando ora por ela. Trata-se, portanto de uma escala baseada na reação, dado que o invisível não se pode observar. Os graus da escala SD são os seguintes:
1. Influência externa: Quando se reza pela pessoa, ela sente que lhe tocam, sente calafrios ou presenças. Mas nada há dentro de seu corpo. 2. Influência interna: A pessoa sente opressão em seu interior (frequentemente no peito ou na cabeça), ou nota que se move algo, ou sente dor em um membro determinado. Isto é, a pessoa, quando o sacerdote ora por ela, nota algo dentro de seu corpo. Porque nota-o dentro, dizemos que a influência é interna. 3. Movem-se-lhe só as pálpebras, de cima para baixo, com rapidez. Se o sacerdote levantar com cuidado as pálpebras, observará que os olhos ou estão em sua posição normal ou estão voltados para cima ou para baixo, e voltam
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à posição normal assim que o sacerdote levanta a pálpebra. A pessoa está consciente. 4. Quando levanta as pálpebras se observa que os olhos estão brancos sob elas. Sem levantar a pálpebra, a pupila volta ao lugar. A pessoa, embora esteja com os olhos brancos, está consciente. 5. Quando se apresentam sinais descritos no grau 4, mas se acrescenta que está inconsciente. O exorcista fala, mas a pessoa não responde e ao acabar a oração não recorda nada. 6. Movem-se ligeiramente as mãos, a cabeça ou alguma parte do corpo. Produz-se como um tremor involuntário desses membros. 7. A pessoa grita, geme ou soluça, mas não fala. Às vezes agita-se em silêncio, mas sem que tenha necessidade de segurá-la. 8. A pessoa fala em transe. O espírito pode agitar a pessoa em alguns momentos. 9. A pessoa agita-se fortemente. Se forem demônios mudos, podem estar em silêncio, mas o corpo move-se com violência. 10. A pessoa grita com todas as suas forças, urra; há que ser segurada por várias pessoas. Esta escala foi elaborada depois de examinar centenas de pessoas em diferentes países do mundo. Os graus de transcrição entre a inf luência e a possessão são sempre os mesmos, seja qual for o país ou a religião da pessoa examinada. Há que advertir também que a possessão se daria a partir do grau 8. A possessão dá-se apenas quando o espírito pode mover à vontade esse corpo. Advirta-se também que, durante um processo de exorcismo, uma pessoa pode passar de um grau para outro ao longo das diferentes sessões, avançando para cima na escala, ou, pelo contrário, ir baixando pouco a pouco na escala conforme avançam os dias. Deste modo, pode ser um grau que se observa ao fazer o relatório perante o bispo, e outro o que se manifeste durante o exorcismo. Tenha-se em conta que uma possessão do grau 8 pode acabar antes, com muito menos sessões, do que uma possessão do grau 10, e que pessoas que sofrem
Escala SD de graus de possessão e influência
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um grau de influência 6 podem necessitar de um processo muito mais longo de oração do que uma pessoa do grau 10. Por ser de alguma utilidade, acrescentamos um esquema simples dos graus de tentação, já que aos exorcistas chegam muitos casos de pessoas muito tentadas: 1. tentação normal 2. tentação muito insistente 3. tentação obsessiva 4. noite do espírito. O sacerdote pode orar a Deus para que Ele afaste o demônio de uma pessoa muito atribulada pela tentação. Também, por seu poder sacerdotal, pode ordenar a um demônio que se afaste de alguém a quem está tentando. Certamente essa ordem tem uma autoridade sacramental que produz efeito. O que não significa que, mais adiante, esse demônio não possa voltar a acercar aquela pessoa para tentá-la. Na noite do espírito, a pessoa sofre uma verdadeira agonia em sua alma. O sacerdote pode prestar-se a fazer esse tipo de orações a Deus para que afaste um demônio, ou dar ordens ao demônio para que se afaste, apesar de a alma, em definitivo, ter que sofrer essa prova para sua purificação.
O mal
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Prefácio E
ssa parte do trabalho (à exceção do anexo final) apresenta o mal apenas do ponto de vista da Filosofia. O mal é considerado só a partir da razão, independentemente dentem ente de qualquer qualquer religião, ainda a inda que se fale de Deus, uma vez que Deus é um conceito filosófico. A ideia de um Ser Infinito Onipotente é um conceito filosófico com o qual se pode trabalhar intelectualmente até um ateu. E se Deus existe, existe portanto uma recompe recompensa nsa post mortem. Ao falar do mal, ma l, porém incluindo incluindo a Deus, a salvação e a danação, pode parecer a alguns que estamos fazendo teologia, mas essa parte da obra tem uma firme f irme intenção de refletir sobre o conceito de mal em abstrato, sem recorrer a outros elementos que não a simples razão.
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Seção I
Que�tõ�tõeses sobre � mal Que Questão 150 O que é o mal? O mal é “a “a carência de um bem devido”. devido ”. Esta é a definição clássica de São Tomás de Aquino. Para chegar a essa definição foram necessárias muitas gerações. Conseguir uma definição defi nição objetiva e perfeita deste conceito conceito não é algo que foi alcançado em pouco tempo, mas, pelo contrário, foi necessário o pensamento consecutivo de muitos intelectua intelectuais is ao long longoo dos séculos sécu los para chegar a uma fórmula tão exata quanto precisa, além de breve. Portanto, Portanto, o mal ma l não é algo que tem existência em si, mas algo que existe em um u m ser. ser.
Questão 151 Existe o mal? A primeira questão que devemos fazer é se existe o mal. Não poderíamos estabelecer o bem e o mal com o nosso olhar? Não poderia ser uma questão inteiramente subjetiva? O que consideramos bem ou mal não dependeria de um mero aprendizado cultural? O que é ruim aqui pode ser bom em outro sistema de valores. Talvez o bom para nós, seja reprovável para os outros. Não pode ser que os íntegros esquemas de bondade e maldade não tenham mais fundamento que um código de educação à mesa durante a refe refeição? ição? Não pode ser que tudo seja neutro e seja, em última instância, i nstância, a nossa mente mente que é ensinada desde pequena para par a ver sob um aspecto ou outro? Talvez Talvez sejam seja m os nossos
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pais que nos ensinam desde pequenos o que é o bem e o mal ao dizerem-nos repetidamente: “isso é mau, isso é bom”; “mal, muito mal, bem, muito bem!”. A primeira coisa a saber é que o bem e o mal são objetivos, ainda que às vezes nos equivoquemos em nossos juízos juí zos a respeit respeitoo do bem e do mal. Mas o fato de nos equivocar não afeta a objetividade intrínseca do bem e do mal. A doença, o assassinato, a mutilação, o ódio, a pobreza, a guerra, a dor... são males, o mal ma l real e verdadeiro. verdadeiro. A lista list a poderia continuar chegando a centenas, milhares de aspectos. Nunca conseguiríamos uma lista completa. Mesmo os defensores mais entusiastas de que o bem e do mal não são conceitos objetivos, sentem cambalear seus esquemas quando, por exemplo, contemplam os campos de Auschwitz. Quando se vêem filmes sobre aquela época com barracões abrigando seres humanos, entende-se que o mal existe apesar de todo o condicionamento condicionamento cultural, de toda a concepção filosófica. Vendo essas barracas se percebe que não importam os motivos que os levaram a cometer tais crimes, não importa o percentual de pessoas que na retaguarda aprovou essas ações, não importa a finalidade para a qual eles acreditavam que justificavam essas ações nefandas, aquilo tudo foi mau, apesar de qualque qua lquerr opinião e consideração. consid eração. Um Um dos erros mais fatídicos e terríveis da cultura pós-m pós-moderna oderna foi a destruição do conceito de bem e de mal. Já não há mais o bem e o mal objetivos. Esse foi o erro mais trágico da nossa cultura. Uma vez que tudo é neutro, uma vez que nada é realmente mau em si mesmo, criamos um terreno perfeito para que germine qualquer aberração. Se tudo é relativo, até mesmo o conceito de aberração é muito relativo. Onde já não há o bem e o mal, também não há nada que seja uma u ma aberração. A destruição da objetividade do mal pode parecer natural, mas se pararmos para refletir sobre a razão fundamental pela qual pode existir um bem e um mal, descobriremos que essa última razão só pode ser Deus. Sem Deus não poderiam existir o bem e o mal objetivos. Por quê? Por exemplo, porque não faria sentido sacrificar a própria vida no altar da justiça, se não houver justiça após a vida. O hero heroísmo ísmo extremo seria uma insensatez. Perde Perderr a vida se não existe nada depois dela, representaria representaria perder tudo apenas pela possibilidade da fazer fa zer o bem a outros. O mundo, portanto, não seria justo. E se o mundo
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não é justo, quem está a ponto de sacrificar tudo por um mundo que, por si só não é justo? Sem uma garantia final do bem, sem uma justiça absoluta e infinita, tudo está sujeito a opinião. Sem uma vida depois dessa, o mundo por si só é injusto. Não é justo alguém morrer aos dezesseis anos, sofrendo terrí veis dores, enquanto outro morra aos oitenta sempre gozando de ótima saúde. Não é justo que se viva na pobreza e outro na maior das riquezas. Se o mundo é autoexplicativo, se não há nada mais que o mundo para explicar o mundo, devemos concluir que o mundo é injusto. E não valeria a pena sacrificar toda a existência, a vida, por um mundo que não é bom, mas mau e injusto, embora ele tenha coisas boas. O sacrifício seria um absurdo. O egoísmo seria o mais sensato. O egoísta, o ladino, aquele que desfrutasse ao máximo sua existência seria o mais inteligente. Isso foi compreendido por São Paulo ao dizer que se Cristo não ressuscitou, nós somos os mais tolos dos homens. Como se vê, mesmo em textos fundamentais do cristianismo, a ideia de que a luta até o sacrifício pelos mais elevados valores só faz sentido se houver uma recompensa post-mortem. Sem essa recompensa, o mundo seria injusto. Sem essa compensação, o epicurista seria o mais inteligente de todos. E o sanguinário seria apenas mais um personagem na variedade da fauna humana. Assim, faria sentido parar o homem sanguinário se eu tivesse que fazê-lo à custa de pôr em perigo a minha própria vida? Será que faz sentido uma coisa dessas se o mundo é uma selva regido pelas leis da selva? Querer mudar essas leis seria uma tarefa inútil. Tal mundo seria um mundo, por sua própria natureza, irredimível. A ideia de construir uma ética a partir da concepção de que tudo termina neste mundo poderia se sustentar apenas na vaga ideia de que quando se faz o bem, a pessoa sente-se bem consigo mesma. Mas o que acontece se a pessoa se sente bem sendo um perfeito egoísta? Para isso, teria que se concordar que o bem e o mal são relativos e estão sujeitos a mil e uma opiniões diferentes. Assim, o bem e o mal só podem ser objetivos se houver um fiador final, se houver uma justiça infinita e perfeita. Em suma, só existe o bem e o mal, se Deus existe. Só Deus garante a objetividade e intangibilidade destes dois conceitos de bondade e de iniquidade. É
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claro que aceitar que existe um bem e um mal objetivos tem muito a ver com a noção da possibilidade de se conhecer a verdade. Esse é outro fruto nefasto do pós-modernismo: pensar que não existe a verdade. Em um mundo onde não há verdade, mas milhares de pontos de vista, não pode haver um bem e um mal objetivos. Mas aqui, como antes, só pode existir a verdade se existe um fiador da verdade. O único fiador da verdade só pode ser Deus. Sem uma Divindade, viveríamos em um mundo onde nunca teríamos a certeza de nossos equívocos gerados pelos nossos projetos e fundamentos. E se nossas mais absolutas verdades estiverem erradas? O processo de dúvida sobre a verdade, inclusive acerca se existe a verdade, pode ser levado ao infinito. Só a existência de um ser que é o fundamento último da verdade pode pôr fim a esse interminável processo de dúvida. Só Ele pode dar um apoio definitivo para os fundamentos da verdade, os fundamentos da possibilidade da verdade.
Questão 152 Quais são os tipos de mal? A variedade possível do mal é infinita. O quadro A Monalisa é um bem, enquanto essa mesma pintura com um rasgão no rosto provocado por alguém é um mal. O quadro continua sendo um bem, o rasgão, um mal; o mal existe em um bem, em um ser. Um rosto feio é um mal. O rosto é um bem, mas é um mal que seja feio. A seca que provoca fome, um incêndio florestal, o desaparecimento de uma espécie animal, um vazamento de petróleo no mar, uma doença... a lista de males possíveis é infinita. Há infinitos males possíveis. Podemos imaginar infinitos seres possíveis, pois bem, a cada ser se admitem infinitas possibilidades de deformação, infinitos graus de degradação. Mas o mal por antonomásia, o pior mal de todos, é o mal moral, isto é, quando o homem faz o mal moral, quando o homem conscientemente decide fazer o mal. O mal que sucede por culpa da natureza, o mal que sucede por um erro, por uma imprevisão, é um mal inculpável. O pior mal, o mal qualitativamente distinto de todos os males inculpáveis, é o mal que se produz quando um ser livre decide assumir sobre si a culpa de cometer o mal.
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Questão 153 Mal é um conceito religioso? Foi o meu propósito escrever as considerações anteriores construir um sistema a respeito de bem e mal que se aplique a qualquer pessoa, independentemente de suas crenças e convicções. E eu queria que a construção de raciocínio fosse válida para todos, porque a lógica, se bem construída, deve ser válida para todos. No entanto, sem o conceito de Divindade não pode existir justiça infinita. Em um universo sem justiça não haveria o bem e, portanto, nem o mal. Então, o conceito de mal é um conceito ético. Sem Deus, a ética é apenas uma declaração de boas intenções. A ética sem Deus seria como um caminhão de bombeiros no meio de um incêndio de proporções cósmicas. O conceito do bem e do mal não exige o conceito cristão de redenção, mas precisa do conceito de Deus. O ateu e agnóstico podem ser boas pessoas, um cidadão honesto, um bom pai, mas na hora em que for colocado em uma situação heroica, em uma situação extrema, irá considerar se faz sentido não sucumbir ao mal se as coisas são levadas ao extremo. Até que ponto o bem continua a ser um bem se a sua defesa me provoca um mal máximo? Se ao julgar como um juiz, eu sei que através da emissão de uma sentença correta, vou matar minha esposa e filhos, em que medida o bem que faço não se converte, de fato, em um mal para mim? Só uma recompensa post mortem dá sentido ao bem. Sem essa recompensa, o exercício heroico do bem tornar-se uma injustiça para quem o pratica. Seria um ato heroico em prol de um mundo sem sentido e de egoístas. Sem uma “Justiça Infinita”, o exercício do bem heroico converte-se em algo tão louvável quanto desprovido de razão. Se Deus não existe, tudo é legal. Se tudo é permitido, só se admitiria como norma aquilo que obedecesse aos critérios de conveniência de cada um. Se tudo é lícito, nada é mau. E se algo é mau, “enfastias-te”. Esse raciocínio pode ser cruel, mas impecável do ponto de vista sem Deus, sem recompensa, sem justiça final. Na visão cristã, mulçumana, budista, platônica, maçônica, etc., existe uma visão de cosmos como ordem. No entanto, sem Deus, sem a possibilidade de conhecer a verdade, sem a existência de conceitos objetivos, o universo não é
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uma ordem. Nessa selva cósmica não haveria possibilidade alguma de pedir contas a ninguém, não podemos invocar uma razão superior para fazer ou não fazer algo. Na lei da selva, tudo é permitido. A lei da selva é o triunfo da vontade. O triunfo da vontade contra a Filosofia clássica, que é o triunfo da razão, a ordem da razão. Na ordem da razão, o mal é o mal porque é ruim. Na ordem da mera vontade (a vontade como o motivo final), o mal deixa de ser um mal se o desejo como bem.
Questão 154 Qual o limite do mal? O mal não tem limite. Não importa o quão ruim uma pessoa seja, pois ela pode se deteriorar ainda mais. Não existe fundo, não há um ponto em que não possa cair mais para baixo. Podemos encontrar diversas maneiras de causar mais danos ao próximo e outros modos de fazer uma pessoa sofrer mais.
Questão 155 Existe o mal infinito? Não, o mal sempre se assenta em um ente, sempre se trata da degradação de um ser concreto. O mal não existe em si mesmo como ente. Não existe a essência do mal como ser. Não existe o mal em estado puro. O mal existe sempre em uma medida, a medida da deformação, e, portanto, sempre é limitado. Por isso é impossível que exista um Deus do Mal. O conceito de Ser Infinito pode existir, não tem contradição em si mesmo. Mas o conceito de mal, já que é uma carência, não pode existir de um modo infinito. Refletindo sobre esta questão ao escrever estas páginas perguntei-me algo que nunca se me tinha proposto: do mesmo modo que existe um Ser Infinito, não poderia existir um Ser Infinito, mas que se tivesse deformado infinitamente? Só um Ser Infinito admitiria uma deformação infinita, uma infinita degradação de todo o seu ser ilimitado. Isso é assim. O problema é que para se degradar, esse Ser Infinito deveria desejar algo desordenado. E o Ser Infinito, ao ter toda a plenitude do
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Ser, nada pode desejar fora de si. Portanto, para Deus é impossível a tentação. Deus não pode pecar, porque nada pode Lhe atrair para o mal. Deus não pode desejar nada fora de si. De modo que, a possibilidade de uma carência infinita em um Ser infinito é metafisicamente impossível.
Questão 156 Será que Deus está acima do bem e do mal? Nem Deus está acima do bem e do mal. Nem Deus está acima da verdade. As coisas não são boas porque Deus disse, mas porque são boas. E são más, porque são más em si mesmas. Justiça, misericórdia, caridade, paciência... são coisas boas por si mesmas. Deus não poderia ter dito: “Eu decidi que o egoísmo, mentiras, traição, inveja... são as vossas virtudes”. Deus não é quem decide o que é a verdade. A verdade existe em si mesma. Que 1 + 1 = 2 é algo que nem mesmo Deus pode mudar, porque é assim. Nada nem ninguém está acima do bem ou do mal. A lógica é objetiva, é uma espécie de matemática dos conceitos, ninguém está acima dessa matemática conceitual.
Questão 157 Qual é o maior mal? Sem dúvida o ódio. O ódio pode descarregar-se contra quatro objetos: Deus, os homens, o que nos rodeia e a si mesmo. Há quem chega a odiar essas quatro coisas com todas as suas forças. É o grau final da maior degradação moral.
Questão 158 O pecado é um conceito religioso? Na verdade, sem Deus não haveria pecado. Se Deus não existe, tudo é lícito, escreveu Dostoiévski. E ele estava certo. Sem Deus não há nem para cima nem para baixo, disse Nietzsche. Sem Deus só não há pecado, como tampouco
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haveria a possibilidade de receber perdão de um pecado. Quem poderia perdoar o pecado? Quem poderia perdoar o conceito de mal arraigado em uma pessoa? Sob que autoridade poderia ser perdoada a dívida da culpa? Se eu fizer mal a uma pessoa e ela me perdoar, essa pessoa perdoa-me o seu sentimento de vingança, os seus sentimentos ruins para mim, mas não pode perdoar a mancha que está em minha vida por ter feito o mal. O conceito de perdão dos pecados é para apagar a mancha que ocorre dentro de uma pessoa por ter feito algo de errado. O perdão do ofendido pode ocorrer mesmo que o algoz ainda esteja rindo do mal que cometeu a sua vítima. O perdão do ofendido de forma alguma apaga o pecado, no máximo enaltece a vítima, mas nada mais. O carrasco pode fazer de tudo, desde então, para reparar o mal feito. Mas se alguém já matou milhares de judeus em campos de concentração, o que pode ser feito para remediar? O que pode dar em troca por ter destruído o futuro, os sentimentos e os projetos de centenas de pessoas? Isso nos faz entender que há pecados cuja possibilidade de reparação é impossível para as forças humanas. Assim, a capacidade de cometer certos males é, sem dúvida, a capacidade de cometer males irremediáveis que implicam uma culpa impossível de apagar pelo homem. Ao invés de classificar, como alguns fazem, de culpa “infinita”, deveríamos chamá-la de “irreparável”. Isto é, existem males tão terríveis que a reparação escapa totalmente de nossas mãos. Há males tão cruéis, tão aberrantes, cujo encargo está nas mãos de nossa liberdade, mas cuja reparação perfeita escapa à nossa liberdade. Somos livres para cometer um dano que sabemos que nunca poderemos reparar. Disto à compreensão da necessidade de redenção é apenas um passo.
Questão 159 Existe um mal imperdoável? Por pura lógica, sem necessidade de que Deus nos mostre, você pode entender que é impossível um mal em si mesmo não ser perdoado por um Ser infinito. O mal sempre será finito. Sendo assim, a partir do momento em que existe a liberdade, o livre-arbítrio pode manter-se em uma postura de não
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arrependimento. O Criador do livre-arbítrio respeita-o, caso contrário não o teria criado. Além disso, há pecados que exigem justiça infinita. Existem pecados de tal gravidade que exigem a restituição da ordem quebrada. A ordem do universo, das coisas, a harmonia de todas as coisas que existem, requer que uma grave violação dessa ordem, feita de forma consciente, teimosa e sem arrependimento seja reparada. Por isso, a exclusão eterna da felicidade celeste para aquele que por vontade própria se converteu em um iníquo e não se arrepende é uma consequência lógica do ser das coisas. Não poderia ser diferente. O Inferno não é uma criação de Deus, é uma consequência lógica do ser das coisas, uma reparação justa da ordem violada.
Questão 160 Como sabemos que há condenação eterna? Desde o momento em que consideramos que pode existir um Ser Infinito, desde o momento em que sabemos que existe o mal, é inevitável pensar que pode existir um estado de mal perpétuo que excluiria da felicidade eterna. A questão a respeito da existência de uma condenação eterna não é algo que necessariamente tenha que provir do contexto de revelações religiosas. Basta a mera razão natural para que a questão surja. Além disso, que existe o inferno sobre a terra é um fato evidente, utilizando a palavra inferno de um modo lato. Infernos pessoais indubitáveis são os espíritos dos homens que vivem carcomidos pelo ódio e pela agressividade. A questão é se este estado de inferno pessoal pode se prolongar de um modo indefinido ou se necessariamente em todos tem um final. Não importa como, a condenação eterna seria a consequência lógica de dois fatores simultâneos: 1. o cometimento de pecados muito graves; 2. a liberdade mantendo um estado de não-arrependimento de tais ações. Se estes dois fatores se dão simultaneamente, qualquer mente humana pode compreender que, com independência de toda religião, a exclusão da
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bem-aventurança seria uma consequência lógica. A alternativa a esta condenação seria a de um Deus que cria a liberdade, mas que a destrói quando não se faz o que Ele quer.
Questão 161 Quem são aqueles que apenas querem condenar? Ninguém quer se condenar voluntariamente, são nossas ações as que nos excluem da bem-aventurança. Da mesma maneira que ninguém quer passar seus anos de vida sobre a Terra desaparecido no ódio e no desejo do mal ao próximo (mas de fato há gente assim), da mesma maneira também há quem será excluído não porque queira se excluir, senão porque suas próprias ações lhe excluem.
Questão 162 Um pequeno pecado pode condenar? Sem dúvida, não. A condenação eterna é algo tão terrível, tão horrível, que só por graves pecados pode se perder o fim último da existência. Agora, cada pecado por menor que seja, é um passo para outro pecado maior. A cada pecado por ínfimo que seja, é um passo em direção à condenação. Ninguém pode dizer: pecarei só uma vez e depois não voltarei a fazê-lo. A cada pecado debilita a vontade, a cada falta escurece um pouco mais nossa inteligência. Os grandes pecados não existiriam sem os pequenos. Isso representa um passo para o precipício. Dá a sensação de que a luta contra os pequenos pecados seja uma cruzada própria de zelosos párocos e devotas freiras. E que, pelo contrário, a pessoa normal pudesse viver em uma alegre inconsciência, em uma feliz liberdade, se abstendo do que é grave. Isso é um erro. Todos a partir do momento em que somos conscientes de que existe a Divindade, devemos ser conscientes de que existe a possibilidade da eterna exclusão do gozo dessa Di vindade. E, portanto, desde esse momento devemos recapacitar de que o pequeno nos prepara para o maior. Cada passo, por si só, pode ser considerado
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algo sem gravidade, mas se há um precipício adiante, um pequeno passo para esse abismo é um perigo muito grave. Cada pecado não só deve ser considerado em si mesmo, como também um perigo para os maiores.
Questão 163 Onde está a linha divisória entre o mal extremo e a loucura? A pergunta surge espontaneamente ao analisar casos como o de Hitler, Nero, Pol-Pot ou outras personagens menos importantes, mas que fazem com que nos questionemos se eram homens iníquos ou doentes mentais. Primeiro de tudo, há de ter clara a distinção entre desordem mental e pecado. No mal moral, uma pessoa opta por fazer o mal. Na patologia mental, a capacidade de raciocínio vê-se alterada e a mente chega a conclusões errôneas. Na doença a razão chega a conclusões errôneas sem querer. O doente busca atingir a verdade através da razão, e a razão leva-o ao erro. No mal moral, a pessoa chega a uma conclusão correta: isto é mal. Mas deseja fazê-lo, bem seja porque considera que está justificado, por benefício próprio, ou por outro motivo. O doente tem um problema com a razão. O iníquo tem um problema com a vontade. Ambos podem fazer o mal, mas um o faz porque se equivoca, o outro porque quer. Insisto, o que faz o mal porque quer o pode fazer por dinheiro, por sofrer uma chantagem, por amor à pátria, pelo que seja, mas sabe que faz o mal. A distinção entre ambas realidades é nítida e clara. O problema é que o mal levado a seus piores limites, implica uma deformação da razão. Isto é, a razão é lentamente deformada pela vontade. Ao final, os pensamentos da mente estão escurecidos, deformados, degradados. A pessoa está firmemente convencida de estar fazendo o que deve, ou de que é inocente, ou de que seu ato é neutro, etc. Esses casos extremos, quando são levados a julgamento, se propõe a questão: estamos ante um doente ou ante um criminoso? A maldade consumada até seus máximos extremos leva a tal deformação do pensamento que exteriormente se assimila em muitos aspectos a uma patologia. Em minha opinião, a maneira de sair deste modo é analisar se essa deformação do pensamento produziu-se como fruto de um processo livre e deliberado, no qual a
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pessoa foi se acostumando a ir cometendo maldades cada vez maiores, ou se, pelo contrário, desde o começo tudo foi fruto de um deliberado mal funcionamento da mente que se foi acumulando. Acho que esse é o verdadeiro ‘x’ da questão: analisar o processo pelo qual a pessoa chegou a fazer o que fez. Pode parecer que ter tocado nesta questão a respeito de uma personagem tão concreta tenha um interesse mais histórico que espiritual, mas, pelo contrário, é uma questão de índole estritamente espiritual, cuja conclusão é evidente: o mal levado a seus extremos parece uma loucura. Já tenho deixado claro nas páginas anteriores que o doente mental não é responsável por suas ações, ou não o é plenamente. Mas há poucos doentes mentais. Com o que há que recordar à pessoa que o mal não é fruto da inadaptação social, traumas da infância, problemas subconscientes ou condicionamentos sociais, senão que antes de mais nada é fruto de uma decisão livre. Se quero faço o mal, se não quero não o faço. Simples assim.
Questão 164 Deus sonda o abismo?18 A Sagrada Escritura (Dn 3,55) dá-nos esse maravilhoso versículo: “Bendito és tu que sentado sobre querubins sondas as profundezas: a ti glória e louvor para sempre”. Que significado pode ter essa afirmação de que Ele está sentado, se é espírito? Que necessidade tem de sondar coisa alguma? Obviamente, a linguagem é antropomórfica. Deus sabe tudo perfeitamente e para isso não precisa ficar 18
Estritamente falando, essa questão deve estar no grupo de questões relacionadas com as Escrituras, e não no grupo de questões relacionadas com o mal em abstrato. No entanto, o autor escolheu especificamente esse assunto para coroar o edifício teológico do presente Tratado. Alguns se perguntam se há algum simbolismo o fato de haver 164 perguntas no livro, se esse número simboliza algo. Não significa nada. Se fossem pelo menos 165 questões, então sim. Porque, 1 + 6 + 5 = 12, número bíblico por excelência. Mas falta uma questão para alcançar esse número. Eu ainda estou procurando essa questão. Talvez essa seja a grande questão que me falta. [adendo a esta nota] É preciso explicar que a questão 164 era a última questão das edições anteriores desse Tratado. Como depois foram adicionadas outras, a justificativa para essa nota se tornou um pouco... perdida. Digo “perdida” se não “sem sentido”. É também possível que alguns já considerem a nota carregada de um maior sentido.
Questões sobre o mal
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sentado em qualquer lugar. Portanto, há um significado interior nestas pala vras, um significado que vai além das palavras. Na minha opinião, o que se quer dizer é que Deus está cercado pelo amor de querubins e serafins. Querubim significa “poderoso” e serafim significa “ardente”. O Senhor rodeado pelo imenso e poderoso ardor, sonda as profundezas. As profundezas do amor e do ódio. O conhecimento de Deus vê até onde chegou o poder da luz e da bondade, até onde pode ter descido a iniquidade. Para toda a eternidade, para sempre e sempre, diante d’Ele, diante do Seu trono, ambas as profundezas estão diante d’Ele. Um abismo vem transbordando de gratidão. O outro é um abismo profundo de trevas, onde impera a morte. Que Deus tenha piedade de nós. Kyrie eleison.
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Seção II
E�tética d� mal É
possível uma estética do mal? Existe uma beleza, não só no mal, mas do mal, a beleza do mal? A resposta, naturalmente, é complicada. Definamos antes os conceitos. A estética19 é a parte da Filosofia que estuda o conceito de beleza e regras de beleza.
O mal é a carência de um bem devido num ser. Se combinamos ambos os conceitos formamos uma composição que na aparência parece impossível, por contraditória. Ou estudamos o que é o mal, ou estudamos o que é a estética. Mas se misturamos ambos elementos conceituais, anulam-se. Ou, pelo menos, é isso que parece à primeira vista. Mas na realidade não se anulam, combinam-se. O que surge da combinação é, digamos assim, um aborto; um aborto lógico. Mas no mundo existem abortos. De início, julgo que poderíamos nos aventurar a dar uma terceira definição fruto das duas prévias. A estética do mal seria a parte da Filosofia que estuda o conceito de beleza deformada, e analisa as regras da beleza subjacentes na deformação da beleza. A beleza supõe a perfeição, o mal supõe imperfeição, deformação. Na medida em que uma obra bela abrigue um maior grau de deformação nessa mesma medida seria menos bela, da qual se deduz que o mal absoluto (metafisicamente impossível) seria absolutamente feio. Depois seria completamente impossível uma estética do mal absoluto. É possível, portanto, uma estética do mal? É possível um raciocínio filosófico da beleza da deformação? Não
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A estética do mal seria a parte da Filosofia que estuda o conceito de beleza deformada, e analisa as regras da beleza subjacentes na deformação da beleza.
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existirá quiçá unicamente uma estética do bem, e a estética do mal será tão somente um conceito do inexistente, como o é o mal absoluto? Bem, o problema está proposto. E não é pouca coisa propor um problema tão complexo. Há de dizer antes de mais nada que para tratar de resolver tal problema usarei os conceitos metafísicos aristotélicos. Sem esses conceitos (chamemo-los platônicos, aristotélicos ou tomistas) na mesma base desta reflexão, todo este assunto se tornaria um labirinto do qual nunca sairíamos. Já que a partir de outras filosofias, se a beleza é algo absolutamente relativo, se o bem e o mal são algo completamente culturais, então nunca poderíamos avançar nesta reflexão. Já seria bastante, com esses pressupostos, nos pôr de acordo em se existe ou não a estética, em se existe ou não o mal. Um relativismo absoluto nos conceitos suporia problematizar a questão até o infinito. Antes, perguntei-me se existe uma estética do mal, talvez o modo mais adequado de responder a esta pergunta é inquirir o que leva alguém a representar o mal. Por que representar o mal em vez do bem, o feio em vez do belo, o disforme em vez do uniforme? Quando aqui falo do mal, falo do mal metafísico e não só do moral, que só é um tipo de mal. Por que podendo representar o bom, o belo, o harmonioso, representamos o que não o é? Que fazemos isso é fato, pois há obras artísticas que buscam e pretendem a representação do mal. Há obras em que o mal (a deformação) não é um elemento mais da representação senão o elemento essencial. Há obras em que o verdadeiro objeto da representação não é o objeto representado, senão a deformação que padece o objeto. Sei que tudo isto do que tenho falado até agora parece extraordinariamente abstrato, mas vou apresentar exemplos concretos que começarão a esclarecer de que estamos falando. Qualquer um que tenha dado um passeio pela parte superior de Notre Dame, em Paris, terá observado que fora do alcance da vista dos passantes há toda uma pétrea população de moradores infernais. Alguém com boa intenção poderia tratar de explicar toda aquela variada fauna demoníaca, alegando que o que se pretendia tão somente era recordar o artigo de fé referente aos demônios, a íntegra do conjunto da fé. E o que dissesse tal coisa não estaria errado, tal era também sua pretensão. Agora, assim mesmo há que reconhecer que nessa catedral como em centenas de catedrais pelo mundo, há
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em abundância gárgulas, mísulas, capitéis, misericórdias de coros e circunferências de tímpanos representando o mal e o disforme, mostrando um verdadeiro deleite em criar aquelas formas. Sim, não há dúvida alguma que teve um especial interesse em representar o mal, ao Maligno, os pecados, a sem razão. Aquilo não era mera pedagogia. Qualquer que conheça em profundidade a iconografia medieval não poderá evitar se dar conta de que aqueles talhadores de blocos e iluminadores de pergaminhos não se limitaram a olhar o mal com repugnância e incomodidade. Senão que, pelo contrário, nessa observação do mal encontraremos uma experimentação estética que não encontramos na representação contemporânea da nobreza e da formosura. Não há nenhuma desonra para a fé dos criadores afirmar que eles fizeram um verdadeiro deleite quando tentaram capturar o mais distorcido da criação, até mesmo para criar o inexistente. Mas esse fenômeno não é especificamente medieval, mesmo no Ocidente. Encontramos essa mesma experiência nas áreas de estética do mal em todas as culturas. E descobrimos sem muita dificuldade também, porque a representação do mal é muito facilmente identificável. Não é preciso ter nenhum conhecimento dos conteúdos da cultura ocidental judaico-cristã para reconhecer a deformação, o mal, nas gárgulas de Notre Dame, como tampouco necessitará de conhecimentos étnicos especiais qualquer pessoa que contemple os seres bestiais e demoníacos de outras religiões ou culturas. Qualquer principiante sabe muito bem que representam o mal, embora não tenha nenhuma instrução sobre essas mitologias. É claro que eu também poderia apresentar aqui exceções às representações cuja ambiguidade poderia parecer que põe em dúvida essa generalização, mas parece-me que a representação deliberada do mal criou mecanismos que são bastante reconhecíveis. Especialmente porque a hibridação bestial com caras apavorantes mostradas nestas figuras já é uma linguagem universal. A representação de um homem bestial com uma cara que inspira terror, é um indicativo cujo significado imediatamente é interpretado pela inteligência. Isso tudo parece uma representação muito limitada a um único tipo de iconografia, mas a universalidade dos mecanismos de representação do mal
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é válida para qualquer arte. Por exemplo, quando Franz Liszt compôs sua Tottemhaum ou Dance Macabre fez uso de harmonia musical, mas de modo que o ouvinte percebesse que está ouvindo algo maligno. Neste caso, diga se de passagem, ele consegue um impressionante e poderoso resultado. Ele fez uso apenas de notas musicais, nem uma palavra aparece na partitura. A harmonia é usada para expressar o mal. A desarmonia não teria alcançado o mesmo efeito, teria apenas expressado a fealdade. Tottemhaum, através das paráfrases do Dies Irae, expressa o mal, não a desarmonia. O mesmo acontece com Danny Elfman sobre os temas da banda sonora Sleepy Hollow. Jerry Goldsmith também não necessita de palavras no tema principal de A Profecia. Soubemos posteriormente que o título desse tema é Ave Satani, mas não teria sido necessário que Goldsmith nos tivesse revelado o título ou posto letra nessa música, para que o ouvinte tivesse reconhecido esse pentagrama como uma harmonia que expressa malignidade. Como você pode ver, a estética do mal não é algo exclusivo para as gárgulas e similares. Não só a pintura, mas a literatura ou as notas musicais podem expressar o caráter de perversidade. Há também outros aspectos mais sutis da criação artística que poderia vir sob a classificação de uma estética do mal. Por exemplo, os filmes de Tim Burton; sabe-se muito bem que só um especialista em diálogos, um exegeta bíblico, pode entender se algumas alusões enigmáticas são satânicas. Alusões muito sutis, perfeitamente escondidas dos olhos do espectador normal, mas claras para o especialista. Além disso, o mal nos seus filmes é mais interessante e mais simpático do que o bem. Em seus filmes, o mal é mais atraente do que o bem. Na trama de qualquer obra literária é compreensível que os maus, na primeira parte, sejam mais poderosos, que predominem, isso acrescenta interesse ao script. Mas há obras, e Tim Burton é um exemplo clássico, em que a representação do mal, o discurso em favor do mal é mais convincente do que as boas obras construídas, tornando o mal mais fascinante do que o bem. São obras em que nos perguntamos sobre o sentido do bem. Não será o bem um mero elemento para a exaltação do mal? Isso também implica em uma determinada ramificação de uma certa estética do mal.
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Se essas mensagens são ocultas e implícitas na representação do mal, há outras obras em que o mal aparece de modo explícito, por exemplo, nos filmes de terror. Na série de filmes A hora do pesadelo, como em muitos outros filmes do gênero, o mal é o objeto de repulsa / prazer. A representação do mal, quanto mais brutal, quanto mais selvagem, quanto mais sádica, passa a ser o objetivo do filme. A arte desses filmes torna-se a personificação do que não é belo em si, mas absolutamente condenável e desumano. De certo modo, o cinema de terror é a mera filmagem da tortura e do sofrimento para o desgosto / prazer do espectador. Dado que as pessoas pagam entrada para ver isso, não há nenhuma dúvida de que elas se inquietam / desfrutam assistindo a esses tipos de cenas. Eu coloquei a barra entre os dois verbos, porque algumas pessoas não gostam nada de horror, apesar de ver uma sequencia após a outra. Ficam horrorizadas, mas pagam e enfrentam fila para voltar a sentar-se na poltrona. Outras pessoas, a minoria, gostam de ver estes filmes, sem a menor sombra de perturbação. Talvez esse aspecto da representação do mal, a dos filmes de terror, possa parecer muito grosseira. Mas a estética do mal pode ramificar-se em campos insuspeitos, e, alguns deles, nada grosseiros. E assim, quando o nacional-socialismo dava tanta ênfase no desenvolvimento de uma estética, estava bem consciente de que só a estética poderia tornar aceitável uma mensagem por si só inaceitável. O nazismo é um exemplo perfeito de como os instigadores do mal estavam plenamente conscientes de que uma mensagem horrível deve ser misturada com grandes doses de beleza; esse regime pediu ao povo para renunciar à sua liberdade, aos seus direitos, em troca de beleza. Da beleza de um ideal social encarnada em palavras e imagens. A feiúra daquela doutrina deveria estar inevitavelmente ligada nas mentes das pessoas à impressão de ordem e de força que as coreografias militares representavam esmeradamente nas ruas e nos noticiários. Hitler supervisionou pessoalmente as coisas, tais como banners, uniformes e muitas outras. Talvez nenhum regime tenha sido tão conscientemente estético. A população normal nunca teria aceitado o discurso nacional-socialista sem as bandeiras, os uniformes, os projetos neoclássicos da nova
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arquitetura de Berlim e todo o resto da parafernália imperial de uma nova ordem. Os noticiários mostraram as colossais estátuas que foram colocadas nas fronteiras da Grande Alemanha para que o resto do mundo soubesse quem eram os donos dessa terra. A entrada triunfal do Fuhrer em Danzig foi um exemplo único de encenação cinematográfica. As convenções de Nuremberg são autênticos quadros, visões artísticas de como plasmar o poder, o orgulho e a força de uma nação. Toda a estética do regime nazista é uma estética a ser viço do mal, uma estética que representava o mal, mas de uma forma muito bonita. A representação da força e da ordem também faziam parte da estética. Se alguém pensa que só um pastoreio de montanha suíça é bonito, e não o é O triunfo da vontade de Leni Riefenstahl, que mostra durante mais de duas horas a concentração do partido nacional-socialista em Nuremberg, está muito enganado. A beleza é muito diversa, há também uma estética da força e poder. Muitos sociólogos hoje estão se perguntando sobre as causas adjacentes do crescimento dos grupos neonazistas na Europa. São sempre muitas as razões dadas por eles, que eu considero totalmente válidas, mas sempre se esquecem do que é essencial: assistir com certa frequência aqueles desfiles da Alemanha nazista, os seus uniformes e tudo mais, desperta em alguns jovens um forte encanto estético. Os sociólogos esquecem-se que, por mais que as reportagens televisivas sejam antinazistas e que nos filmes de Hollywood ganhem sempre os aliados, a estética da força e do poder possui uma força inerente que lhes fica gravada no subconsciente. A visão daqueles documentários da época, com cenas nazistas, têm um efeito adverso em uma parcela da sociedade, embora sejam acompanhados de uma explicação antifascista. Para uma parte pequena, estatisticamente insignificante, essas cenas são matéria prejudicial, diga o que disser a voz em off . A estética fala por si, pois já é um discurso. O poder da estética é tão forte, tão avassalador, que até mesmo as construções filosóficas podem ser transbordadas como uma inundação pelo discurso da beleza. A obra de Nietzsche é um exemplo notável disso. Ao elogiar o super-homem sem consciência, ao defender sem pestanejar a remoção de todas as criaturas fracas e promulgar a força e a guerra como o meio
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para manter a superioridade do novo homem, Nietzsche não nos dá nenhuma razão. De fato, chamou a razão “prostituta”. No entanto, apesar de não dar motivos, porque ele não acredita mais na razão, escreve um discurso tão cheio de força, literariamente tão deslumbrante que bastou a beleza arrasadora da forma literária para disseminar seu conteúdo paupérrimo por todo o mundo. A História da Filosofia foi infectada por sua mensagem em por causa da beleza literária das suas páginas. Sem essa beleza, sua mensagem pode ser resumida em meia página, e vista assim, sem artifícios, é bastante pobre. Em Nietzsche tudo é forma, tudo é estética, com frases lapidares, contundentes. Bastou o Nietzsche literato para irromper nas mentes de milhares de pensadores e causar neles fascinação. Ainda é fascinante observar como os silogismos das mentes de uma geração centro-europeia não pode segurar o poder que habitava na beleza de algumas das suas páginas. Como mostrado, o campo da estética do mal é amplo. Ele varia da iconografia demoníaca à representação românica de pecados, desde a estética nazista ao cinema de terror. No entanto, não faz parte do estudo da estética do mal o estudo da estética do erro. Uma coisa é representar o mal e outra produzir obras que incluam em seu conteúdo o erro. Por exemplo, os filmes antigos de índios em que eles são sempre os maus, quando eram eles que estavam sendo exterminados, não fazem parte de uma estética do mal. Por quê? Porque os índios nesses filmes são tão ruins e por isso são aniquilados. No filme aniquila-se o mal, enquanto nos noticiários do Terceiro Reich aparece um enaltecimento do mal que se apresenta como tal. Nos noticiários, é exaltada a superioridade ariana, são insultados e escarnecidos os judeus, promove-se a eutanásia dos deficientes. Resumindo, é uma apologia artística do mal, é aí que mora a diferença. Uma coisa é o erro-na-estética e outra a estética do mal. Qualquer um de nós atiraria em um índio que na realidade fosse como aquele retratado nos filmes. Isso é a estética do erro. Mas na estética do mal o artista apresenta o mal e diz: ama-o. Também não devemos confundir a estética do mal com a estética da desordem. As pessoas pensavam na década de 1970 que o futuro tinha de ser como
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em “2001, uma Odisseia no Espaço” ou “Star Wars”, que é a beleza limpa, ordenada, a luz que reina em toda parte. Ridley Scott em “Blade Runner ” mostrou que o aparecimento de desordem, sujeira e pobreza poderia constituir uma obra de arte cinematográfica muito mais interessante do que a personificação do que era melhor ou mais impressionante. “Blade Runner ”, como um trabalho artístico é mais bonito do que outras obras que retratam um mundo belo e perfeito. Portanto, a representação da imperfeição pode ser muito mais bonita do que a representação da perfeição. É possível compor uma obra de arte mais bela com a feiura do que com a beleza. É possível criar mais beleza representando a feiura da Guerra do Vietnã do que mostrando o paraíso. No final há mais beleza na representação do Inferno no Jardim das Delícias de Bosch do que na representação banal de um rosto de mulher bonita. A desordem, o caos tem infinitas possibilidades de tradução. Mas a desordem em si não é assunto para a estética do mal. Por quê? Porque a imperfeição em si não implica mal, o mal moral. E assim, a estética da imperfeição não faz parte da estética do mal. O caos em “Duck Soup”, dos irmãos Marx, não é mal. Enquanto mostra-se civilizado, educado e suave; Hannibal Lecter em “O Silêncio dos Inocentes” , é certamente uma poderosa encarnação do mal. Também não devemos confundir a estética do mal com a arte imoral. Para começar, devemos lembrar que a representação do mal, por mais atrativa que seja, pode ser extremamente moral. Por outro lado, a representação do bem pode muito bem ser imoral. A Bíblia, afinal, é um bom catálogo de pecados, retratando centenas de performances de todo o mal em todas as suas variantes. E, no entanto, é um trabalho que visa incentivar os bons. Por exemplo, uma pessoa objetiva não influenciada previamente, ao ler todo o inventário dos pecados que consta nas páginas da Bíblia, finda a leitura (com a sua coleção de maldade humana) sente o desejo de odiar o mal e fazer o bem. Pelo contrário, um escritor poderia fazer com que em seu romance triunfe o bem, mas defende a bondade de uma forma tão descuidada, que acaba induzindo os leitores para que se sintam mais inclinados para o lado do mal. Além disso, existem livros que sob uma leitura moralista aparente pode estar implícita uma segunda leitura, que só é visível para os mais inteligentes, que
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seja demolidora daquilo que o livro defende explicitamente na primeira leitura. Em resumo, na Bíblia, certamente há muito pecado, mas a obra conduz ao bem. Noutras obras pode não haver nada de pecado, mas, pelo contrário, uma apaixonada defesa da virtude, e, no entanto, incitar-nos a todo o oposto. Por isso, estética do bem não seria a expressão do bem, e estética do mal a mera expressão do pecado. Há trabalhos com um monte de pecados que são bons, como já foi dito, e obras em que, aparentemente, há muita virtude e só virtude, e que, entretanto, são más. Neste catálogo das obras pertencentes ou não ao objeto de estudo da estética do mal, merecem menção especial os grupos de pessoas, nos quais já existe uma disfunção insana na percepção da beleza. Há pequenos grupos de jovens, chamados góticos, que cultivam a mais elevada forma de feiura como beleza. Eles se vestem de preto e usam uma maquiagem sombria (lábios pretos, maquiagem que desenhe olheiras escuras, usam inúmeros piercings na orelha, nos lábios e no nariz atravessados por objetos de metal, etc.), colocam como enfeites caveiras, mãos dissecadas, túmulos, em suma, usam um visual macabro e assim por diante. Isso realmente entra na estética do mal, mas está dentro da insana e ilógica estética do mal. É preciso entender que a estética do mal segue regras lógicas. E que tanto o que está envolvido com algumas ideias como de outras pode compartilhar a admiração pela obra de arte digna de louvor. Qualquer um pode entender a beleza das gárgulas, admirar valores puramente estéticos do III Reich, gostar do filme “O Bebê de Rosemary ”. Mas o que é que se pode encontrar nesta corrente dos chamados góticos? Uma coisa é valorizar a plasmação estética do mal e outra cultivar a feiura em si mesma. Sem dúvida, esse tipo de manifestação estética das manifestações do mal é insano. São grupos sociologicamente voltados para si mesmos nos quais se cultiva uma deformação da percepção mental da beleza. Esses grupos são como uma variante da coprofilia. A Filosofia (e, portanto, a Estética) analisa a realidade através da lógica, tanto indutiva como dedutivamente. Mas comportamentos como os descritos anteriormente não correspondem a qualquer lógica. Portanto, só é concebível o estudo sociológico da evolução de cada grupo, ou o estudo psiquiátrico de cada sujeito.
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Em conclusão, eu diria que como vemos, a representação do mal engloba todas as artes (incluindo arquitetura). Abrange a plasmação política do mal, a contemplação do sofrimento como deliberado objeto da arte, a voluntária deformação literária das construções filosóficas, e uma infinidade de primitivas hibridações entre bestas e homens-bestas. A estética do mal abrange um mundo infinito de possibilidades, porque as possibilidades de combinações são infinitas. A estética do mal, portanto, abrange uma área que vai de vampiros e lobisomens até Hannibal Lecter ou ao chefe do escritório de advocacia do filme “O Advogado do Diabo” . As regras da beleza do mal são utilizadas por alguns para levar ao bem, por outras pessoas para levar ao mal. O mal foi retratado tanto por beato Angélico como por Polanski. O que permite identificar o mal como mal, tanto em um como em outro são as regras universais inatas usadas por todos. Depois de refletir sobre as possibilidades da estética do mal, fica um ponto sobre o qual poderíamos refletir: por que nos deleitamos na distorção da beleza? Que mecanismos existem na mente humana para que não prefiramos sempre a representação do bem e não a do mal? Por que a estética algumas vezes escolhe como objeto o mal, para fazer do mal, da carência, da deformação, um objeto belo? Não é necessário rever os temas das novelas, nem dos filmes, para perceber que as sete musas parecem estar mais interessadas no pecaminoso, no sangrento, no distorcido, do que em nos contar sobre as vidas de santos. Se a estética é beleza, por que tantas vezes o objeto da estética são matérias distorcidas? Na minha opinião, isso se deve a mecanismos gnoseológicos normais inseridos na natureza humana. Quer dizer, o desejo natural de saber tende a estender-se a todas as áreas e assuntos. Quanto mais desconhecido é um assunto, mais nos instiga a vontade de conhecê-lo. Porque a partir de sua assimilação nasce essa fugaz e agradável sensação que é a surpresa. Um cordeiro recém-nascido com duas cabeças, não é exatamente bonito, mas se alguém se inclina para fora do celeiro e grita-nos que esse monstro nasceu, vamos correndo para nos aproximar dele. De modo geral, uma ovelha normal é portadora de maior beleza do que o animal de duas cabeças, mas o nosso conhecimento procura o fora do normal. Assim, deixaremos de contemplar um pasto verde com ovelhas para ver com prazer um ser disforme. O mesmo
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acontece na arte. A grande maioria tende a preferir assistir “O Silêncio dos Inocentes” a ver um filme alegre e moralizante. A grande maioria prefere ler os assassínios de “O Nome da Rosa” , em vez do bucólico “O Ourives e Eu”. Independente do juízo de cada um sobre essas obras, o gosto da imensa maioria não deixa dúvidas: não vejo nas estantes das livrarias muitas vidas de santos. Isso tudo significa que a obra de arte é, no fim das contas, um objeto do nosso afã cognoscitivo, e que o ser humano gosta mais de conhecer o extraordinário do que o quotidiano. Estimula-o mais aproximar-se do cordão policial após um acidente do que continuar contemplando o parque por onde passeava. Se Ulysses tivesse ficado em casa fazendo feliz sua Penélope, a obra que narra sua vida não haveria sido um best-seller da Antiguidade. Gradualmente, a arte teve de procurar novos campos para extrair deles objetos cognoscíveis surpreendentes. A arte foi esgotando as possibilidades criativas da deformidade. Tudo começou inocentemente ao cruzar homens e bestas. Depois, começou-se a explorar as capacidades do mal do homem e, em seguida, as capacidades patológicas do homem para fazer o mal. A arte tem explorado todas as possíveis ameaças ao nosso mundo, todos os horrores pessoais e coletivos. Todas as aberrações foram exploradas no campo da criação artística. Todos os infernos já foram pintados, ainda que nos apareçam subespécies do Inferno ou combinações de vários deles. É claro que se nunca tivesse existido o Terceiro Reich, alguém o teria imaginado como um tema literário, como razões estéticas. Colocou-se o mal em todos os campos possíveis: no preternatural, no político, no meramente criminal... Isso não indica que estamos doentes, ou que a nossa estética tenha sido desviada, não somos masoquistas por contemplar isso, nem sádicos por criar essas obras. A estética tem sido limitada a explorar todos os campos possíveis do bem e do mal, da beleza e do horror. Mas tudo isso não é uma estética do mal. Novamente, repito como no início, que a estética do mal é a parte da Filosofia que estuda o conceito distorcido de beleza, e as regras de beleza que estão subjacentes na deformação da beleza. Portanto, todo o mal acumulado de séculos na arte não está sujeito à estética do mal, nesse caso, teríamos de falar do mal na estética. Desde que uma vez o homem primitivo, na Grécia, decidiu pela primeira vez não pintar o homem ou a mulher o mais belos possível, mas começou a misturar espécies
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zoológicas e criar monstros, então esse pintor de vasos deu os primeiros passos em direção à estética do mal. Quando surgiu a primeira harpia, a primeira górgona, essa arte começou a ser uma obra que renunciava a representar a beleza e passava a representar a bestialidade. Desde aquelas cerâmicas, já vimos, lemos e ouvimos muitas coisas, muitas criações do intelecto, mas a única limitação que ainda conhece (e para sempre) a estética do mal é a incapacidade de representar o mal absoluto. Não importa o que representemos na tela, ou o que escrevemos em um romance, o mal absoluto continuará a ser possível de representar somente sob a combinação de dois conceitos: mal + absoluto. Na sua brevidade, quase de combinação química, apresenta-se nos o umbral impossível de alcançar. Que impotência tantas representações do mal e não poder representar isso.
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O mal no cri��ianismo N
o cristianismo, não há uma luta entre Deus e o mal, mas entre as forças da luz e da escuridão. Deus ajuda as forças da luz, mas não luta, porque a vontade do Todo-Poderoso é onipotente, não haveria possibilidade de combate; um simples comando de Deus e todas as criaturas do mal desapareceriam. O mal não é uma força impessoal, o mal é pecado. O mal não é uma espécie de magma etéreo e escuro, mas as más ações concretas e também, naturalmente, os seres que se tornaram portadores do pecado. Na Bíblia, há personagens que parecem encarnar o pecado por terem se orientado para ele de um modo permanente e intenso. Não só os demônios, não apenas os homens condenados no além, mas também na Terra já há homens que encarnam o mal, homens que parecem petrificados no pecado. O conceito de redenção não é um conceito simples de explicar em uma palavra. Afinal, até a própria Palavra veio nos explicar o que significa a redenção. No-la explicou e levou-a a cabo. Poderíamos dizer, quodammodo que toda a Bíblia é a explicação desse conceito. O conceito de redemptio supõe um resgate, o pagamento de um resgate para ser libertado, o montante que deveria pagar-se por um escravo para ser liberado de seu estado de escravidão. No cristianismo, Deus paga essa quantia. Isso implica a concepção do pecado como uma espécie de dívida objetiva, uma dívida que é pessoal. Mas a soma de todas as dívidas pessoais, a soma de todos os pecados (passados, presentes e futuros) da humanidade forma uma dívida que deve ser paga. Uma autêntica e verdadeira dívida. Uma dívida objetiva que nos amarra. Os pecados de toda a humanidade representam uma cadeia que prende aos seus culpados, uma cadeia que os amarra à culpa, que os amarra à obrigação de pagar, de reparar.
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Essa cadeia é quebrada por Cristo, a lousa que oprimia a humanidade é deslocada pelo Messias da Cruz. Já não importa o que fizemos, não importa o que possamos fazer, porque tudo foi apagado. Apagado e perdoado, sempre que aceitemos as condições que se nos impõem para ficar livres. Existem algumas condições, o perdão de Deus não é incondicional. A Redenção não significa a abolição do bem e do mal, é a satisfação da dívida pelo mal. O ser humano deve reconhecer a ordem divina, aceitar a sua culpa e redimir-se. Redenção não é uma oportunidade para continuar a pecar sem medo de punição. A necessidade da emenda (ou pelo menos o desejo sincero da emenda) é inevitável, caso contrário não teria entendido o conceito de redenção; precisamente o que sublinha, o que torna muito claro, é o caráter objetivo da iniquidade, que supõe a desordem moral na harmonia e na ordem do universo. Esse mal é tão objetivo, tão grave, que a Divindade dispôs dos complicados e árduos mecanismos da Redenção para extinguir a dívida.
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Seção IV
O Terceiro Reich e � mal H
á muitos estudos sobre a Alemanha nacional-socialista, estudos políticos, econômicos, sociais, militares... mas se houver uma análise da realidade que é essencial e inevitável será a análise da religião. Em minha opinião, a Alemanha de Hitler é o exemplo mais claro de como o mal pode estender-se não apenas a indivíduos, mas a toda uma sociedade, e iniciar um processo de degradação moral crescente cada vez mais aberrante. Houve outras sociedades em que o mal assumiu seu poder, mas o Terceiro Reich foi a versão mais completa de toda uma nação mergulhada nas trevas da iniquidade.
É importante deixar claro que, para o mal tomar as rédeas de uma sociedade, sem impedimentos, não é necessário que todos os cidadãos compartilhem desse mal. É suficiente que uma certa percentagem dos cidadãos plenamente em degradação, alcancem o que chamamos de uma massa crítica, cuja força joga a sociedade no abismo. Por exemplo, basta que 25% dos habitantes de uma nação sejam completamente dominados pelo mal, para que essa quarta parte da população convença a outra parte a apoiá-la, e, por sua vez, contamine a outra quarta parte. Nunca uma sociedade vai sucumbir aos 100%. A percentagem de totalmente envenenados por uma doutrina será sempre muito inferior a dos parcialmente intoxicados. E a parte dos que se calarão será considera velmente maior. Sempre que falamos sobre a Alemanha de Hitler falamos de uma situação geográfica e temporal, e mesmo no auge do nacional-socialismo foram inúmeros os que nunca apoiaram o programa. Deve ser lembrado que, antes de Hitler chegar ao poder, nunca conseguiu atingir mais de 37% dos votos em eleições livres. Mas alcançada a massa crítica, como infelizmente
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aconteceu; os 63% da população restante (querendo ou não) foram arrastados para o abismo nos anos seguintes. Feitas essas considerações, acredito que a sociedade de Hitler trouxe consigo um mal muito maior do que o mal que trouxe a União Soviética. O marxismo sempre foi uma doutrina mais benigna que o nacional-socialismo. Marx sempre foi melhor do que Nietzche. Pelo menos Marx procurou o bem dos pobres, uma sociedade justa. O nacional-socialismo, doutrina verdadeiramente demoníaca, nunca buscou isso. Desde o início, nunca escondeu a sociedade que pretendia no futuro, uma sociedade em que uns povos se submeteriam a outros povos, uma nova ordem na qual as elites dominariam, inclusive, o resto da população alemã. Uma sociedade militarista na qual as camadas mais fracas da população deveriam sucumbir pelo bem de uma nova ordem que foi apresentada a todos. O nacional-socialismo promoveu o ocultismo dentro das SS, começou uma verdadeira idolatria ao Fuhrer, ensinou as pessoas a violar os valores da religião como valores burgueses, rejeitou os Dez Mandamentos como os inconvenientes de uma mentalidade fraca. Se o marxismo trouxe uma opressão terrível, uma espantosa perseguição, do ponto de vista intelectual, o nacional-socialismo era uma doutrina que parecia ter sido tirada do Inferno e ensinada pelos próprios demônios. Na verdade, os campos de concentração não foram outra coisa que simplesmente a construção de infernos em miniatura, onde homens-demônios destruíam o homem moldado à imagem de Deus. O fato de que os uniformes da SS eram todos pretos, que tinha uma caveira sobre seus bonés e uma nova cruz (que não era cristão), em seus braceletes não eram casualidades para os crentes. Os membros das SS, que seriam a elite da Nova Ordem, aprendizes de assassinos, aprendizes de bruxos, inimigos ferozes do cristianismo, estavam debaixo das ordens desse arquidemônio que era Heinrich Himmler. Embora ao ler a biografia desses dois homens, Hitler e Himmler, claramente se descobrirá como o último, todavia, estava abaixo da maldade de seu Führer que exerceu algo parecido a um encantamento, um feitiço que subjugou com os laços da mentira as almas de toda a condição.
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Aos olhos de Hitler, se concentravam os destinos indubitáveis de uma iniquidade como poucas vezes foi vista. Sua boca tornou-se a boca através da qual o mal falava. Nos filmes ele é visto acariciando uma criança, sorrindo para uma garota que lhe dá um buquê de flores, mas por detrás desse sorriso há um rosto e um olhar para a arrogância em vigor, ódio, crueldade, raiva, mentiras, a rejeição de Deus, todos os pecados. Podemos ver uma parte de tudo isso em Stalin, um terrível Pol-Pot, podemos vislumbrar um esboço do Terceiro Reich no terror da Revolução Francesa, em fogo e sangue das colunas de dezenas de milhares de homens enviados para a morte, tudo para a glória de uma França napoleônica. Mas o modelo mais perfeito do domínio do mal encontra-se entre 1933 e 1945 na Alemanha. Um mal que não foi obra de um homem, mas o fruto da loucura coletiva que os homens, infelizmente, construíram. Esse império perfeito do mal, tudo de “perfeito” que esse império pode se tornar no mundo teve um dos protagonistas mais conhecidos perto das informações de como o Terceiro Reich foi, antes de tudo, uma questão moral, religiosa espiritual. Peter Padfield, em sua magnífica biografia de Himmler, iniciou seu livro de 840 páginas apresentando o futuro fundador das SS quando pequeno, como coroinha em um santuário na Baviera. E ele escreveu: “Imaginei o jovem Heinrich Himmler quando o coral de crianças se juntava à procissão. Eles vestiam roupas brancas e tinham os olhos muito gra ves. (...) Quando era um jovem de dezenove anos, havia escrito em seu diário: ‘Aconteça o que acontecer, Deus sempre te amarei e rezarei e obedecerei e defenderei a Igreja Católica, mesmo caso seja expulso dela’. A verdade é que logo encontrou outra fé oposta à Igreja, expulsou-se voluntariamente e logo a atacou com todas suas forças, declarando que os sacerdotes eram o maior câncer que um povo podia sofrer.” 20
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Peter Padfield, Himmler, p. 3 (Madri: Editorial La Esfera de los Livros, 2003).
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A questão é se não haveria uma maneira de evitar essa situação, pois o que aconteceu a um bom menino para que se transformasse num demônio? A resposta é repetida ao longo de dois mil anos nos livros de espiritualidade e moral da Igreja. Talvez essa apelação para os elementos cristãos para compreender o III Reich pode parecer a alguns a deformação destas linhas pelo autor, por se tratar de um padre. Mas, ao contrário, longe de ser um complemento aos elementos que distorcem nossa visão objetiva sobre o assunto, envolvendo alguns elementos essenciais para compreender o que realmente tinha em mente os autores da Nova Ordem. E para isso, entre os inúmeros exemplos que poderia oferecer deixo aqui apenas uma amostra. Em 12 de setembro de 1944, quando a guerra já estava perdida e as tropas se retiraram, Kersten, o médico pessoal do Chefe Supremo das SS, “fez um pedido de clemência para um grupo de 27 sacerdotes. No decurso da discussão, Himmler confessou o erro que fizeram os nazistas ao atacar a Igreja. Tornara-se claro que era mais forte do que eles o partido e perguntou: ‘quando eu estiver morto, os sacerdotes também rezarão por minha alma?’”. 21 Essa questão parecia a maior ironia que a história poderia render. Mas não foi só ele; Canaris no final do regime passava horas rezando em igrejas católicas. Ao contrário, Hitler foi visto ocasionalmente andando furioso e espumando pela boca 22. Em 1943, duas semanas após a queda de Stalingrado, o grupo chamado The White Rose imprimiu milhares de panfletos e jogou-os no pátio da Uni versidade de Munique. A Rosa Branca era um grupo cristão que atuou na uni versidade como um exemplo dos milhares de heróis alemães que fazia parte da mais nobre ala da Alemanha que nunca apoiou Hitler. Esse grupo escreveu nestes panfletos, as seguintes palavras, que são a mais lúcida síntese que já li sobre o que foi o nacional-socialismo: “Quem contou os mortos, Hitler ou 21
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Peter Padfield, Himmler, p. 678 (os dados foram retirados de A. Besgen, Der stille Befehl, 12.09.1944, Munique, 1960, p. 35). Peter Padfield, Himmler, p. 642.
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Goebbels? Certamente, nenhum dos dois. (...) A dor atravessa as casas de campo da Pátria-mãe, e ninguém limpou as lágrimas das mães, mas Hitler mente àqueles que ele tomou o seu tesouro mais precioso e que levou a uma morte sem sentido. Todas as palavras que saem da boca de Hitler são mentiras. Quando diz ‘paz’, refere-se à guerra, e se da forma mais sacrílega usa o nome do Todo-Poderoso, refere-se ao poder do mal, o anjo caído, Satanás. Sua boca é a porta fedorenta do Inferno e o seu poder é degradante. Certamente, temos que travar uma batalha contra o terrorismo de Estado nacional-socialista com todos os meios à nossa disposição racional, mas quem ainda abriga qualquer dúvida sobre a existência de poderes demoníacos absolutamente ignorou o fundo metafísico dessa guerra. Por trás do concreto, por trás de percepções materiais, por trás de todas as considerações expositivas e lógicas está escondido o irracional, ou seja, a batalha contra o demônio, contra os emissários do Anticristo.”23 Sim, nessa guerra que estava sendo travada na Europa e em outras parte do mundo houve muitas batalhas menores, mas a síntese de tudo, o fundo de tudo, estava na guerra entre o bem e o mal, entre os apoiadores da Árvore da Vida e seguidores da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O conteúdo daquele folheto, que resultou na morte após terríveis torturas dos dois irmãos autores do texto, foi a síntese mais lúcida do que estava acontecendo na Europa Central. A raiz de tudo aquilo era a essência moral, o resto eram questões acidentais. Por trás do concreto, por trás dos personagens, por trás das razões menores, estava a luta entre duas visões de mundo: a visão cristã e a visão de um mundo sem Deus nem moral. Em meio a essa luta, não poderia caber meias medidas nem neutralidades, uma das duas visões de mundo e da história prevalecia sobre a outra no Velho Continente. O silêncio seria culpado. A história não perdoaria o silêncio. Graças a Deus, a semente mais perniciosa foi erradicada na base de muito sangue, mas a história teria sido diferente se alguns homens em vários países optassem por ceder, não se opor, a não lutar quando já não resta mais nada a não ser lutar. Se os Estados Unidos tivessem 23
Peter Padfield, Himmler, p. 538.
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se abstido do problema, se o Reino Unido tivesse acordado uma “paz honrosa”, se alguns homens inf luentes optassem por uma via mais confortável, para o bem, a curto prazo; então uma nova mentalidade teria lançado suas raízes na mesma terra que viu erguer catedral atrás de catedral. Que uma nação civilizada e culta como a Alemanha pré-Hitler, defensora dos valores da razão, cultivadora da herança clássica, de repente, caísse sob a escuridão, nos lembra que qualquer sociedade que se afaste do caminho do bem, a qualquer tempo pode cair aos encantos da iniquidade. O III Reich é um aviso, um lembrete do que aconteceu com eles, pode acontecer de novo para nós. Somos muito condescendentes com o mal da sociedade, quando este se torna generalizado. Não percebemos que a cada renúncia ao que é o caminho certo da Lei Natural, estamos um passo mais perto da situação de uma nação enfraquecida na sua consciência, que como um corpo doente, pode sucumbir à doença, em uma nova noite.
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A cid�de de Deus e � cid�de d� homem A
Civitas Dei e a Civitas Hominis24, não são a Cidade do Bem e do Mal. Seria fácil em caso afirmativo, se tudo estivesse concentrado, agrupado e limitado. Mas o mundo é mais complexo e intrigante do que pode parecer à primeira vista. E ambas as cidades não estão apenas entrelaçadas, mas que nem tudo na Civitas hominis é ruim, nem tudo é bom na Civitas Dei, cidade de fundação divina, mas que continua a ser gerida pelos homens da terra.
Vendo de longe as duas cidades, não se pode deixar de pensar quão belo é esse mundo. Sim, a relação entre as duas cidades criou uma história fascinante de luta, conhecimento, amor e heroísmo. E percebemos, mais uma vez, que Deus escolheu esse mundo para permitir que fosse real entre todos os mundos possíveis. Da mesma forma, Deus escolheu esse mundo concreto em que nascemos: você, leitor, e eu, o autor. Embora ele só quisesse o bem que tem existido, e só permitisse o mal, o conjunto de decisões divinas configurou a criação tal como ela existe hoje, com tudo o que ela contém. Ele acabou escolhendo o que quis, o que Ele viu que era necessário. Poda inúmeras vezes sucessões de causas e efeitos que têm feito desse mundo um lugar não tão bom. Um mara vilhoso jogo de xadrez digno de ser jogado por uma mente divina. 24
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Mas Ele não joga. Deus apenas contempla as nossas jogadas. Não há páreo para o Ser Supremo. É verdade que as peças se tornam escuras apenas se quiserem. É verdade que Ele só coloca peças brancas no tabuleiro. Mas não é um mero espectador. Ocasionalmente, se o mal chega muito longe, Ele coloca um dique diante das ondas, e se intromete, permitindo que esse ou aquele fato como uma máquina implacável quebre todos os projetos iníquos. Às vezes, o melhor de todos os jogos, o mais inevitável de todos os planos é truncado, cai no vazio do nada, por causa de uma única célula cancerosa que começa a tocar insensível aos planos do jogador. Outras vezes, aos olhos do espectador um carro derrapa numa curva ou a terra treme no grau 8 na escala Richter. Deus não joga, mas Seus filhos estão no tabuleiro, Ele fez as regras e perante um assunto tão sério como a eternidade, se necessário, derruba parte do tabuleiro, ou coloca fogo nele ou as peças caem aos milhões, presas a uma peste que os médicos (que seguem curando com sangrias) atribuem à viciada toxicidade dos ares pútridos. Se o leitor não tenha percebido, nossos médicos, esses da nossa época, perante Ele, perante a Sua ciência infinita, continuam a ser os das sangrias. O grande jogo que é jogado na Terra não é entre impérios ou potências econômicas, mas de almas. É verdade que sobre o tabuleiro também se joga um jogo dos impérios e coroas, poder, reinos e repúblicas. Mas esse jogo geopolítico está subordinado ao bem das almas. Cada peça é uma alma. Sim, esse é um jogo onde a cada um é dado não ser derrotado, a menos que se deixou de ganhar. Uma peça pode ser removida do tabuleiro, mas não passar para o outro lado (o mal), salvo se deixar-se derrotar. É o prazer do jogo, sem a tristeza da derrota. E tudo porque dois mil anos atrás, em uma parte da quadrícula do tabuleiro, foi plantada a cruz redentora. Desde então, tornou-se claro para todos, nessa batalha entre o Bem e o Mal, perde quem quer perder. Desde então, a Cidade de Deus e a Cidade do Homem movem suas peças sobre o tabuleiro. Há dois mil anos as regras do Grande Jogo Universal foram explicadas na Palestina. Até o xeque-mate final, ainda podemos admirar a vista de ambas as cidades, nas planícies da história. Não nos sentiremos oprimidos perante o mal
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que multiplica-se diante dos nossos olhos se nos precavermos que a lista de desgraças potenciais é interminável. Eu me pergunto se eles percebem (aqueles que se queixam de como tudo vai mal) que a lista é interminável. A deformação possível de todos os bens, a combinação das degradações, é uma lista sem começo nem fim. Só Deus conhece toda a lista. Só Ele sabe a extensão total, em todos os seus detalhes, tipos e subtipos. Sob essa perspectiva (da perspectiva de que poderia ser) a contemplação das duas cidades é quase agradável. Nem tudo é tão ruim quanto poderia ser. Uma das duas cidades criou a conversão das creaturas25, a outro foi fundada como uma conversão a Deum26. Há muitos defensores hoje da Cidade Humana, uma cidade apenas de apologistas humano e apenas humana, em que a religião, já que não pode ser aniquilada, é relegada do âmbito pessoal e público. Os defensores dessa cidade do homem desconhecem plenamente a natureza da partida na qual estão inseridos. Eles acreditam que o que importa é a economia, o poder de sua nação, uma vitória de um partido político, cultura, arte. Contudo, não importa o que pensem, está solta no meio do tabuleiro a Serpente Antiga, o Grande Dragão, que não está procurando qualquer coisa que não seja almas. É a Bondade Suprema que permite que esteja solto semelhante monstro e tantos outros monstros menores, muitos deles humanos? Sim, Deus quer permitir o mal. Não se esqueça que a paciência dos mártires supõe a perseguição dos tiranos. A extensão do ódio do carrasco é um ato de amor, na paciência da vítima que sofre por amor a Deus. O terrível é que um será o carrasco e outro a vítima, um ganhará o Céu e outro o Inferno. Mas cada um escolhe seu papel na vida. O certo é que não é possível a vida do leão sem destruir outros animais. Não é possível o bem da existência do leão sem o mal da destruição de outros seres bons. Journet disse que “é muito provável que ninguém trabalhou tanto como o demônio na santidade de Jó, ainda que ninguém a tenha desejado menos”. Alguns vão perguntar: o plano divino necessitava que o mal desenvolvesse 25 26
Retorno às criaturas. De volta a Deus.
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tanto poder? Depois que a mente contemplar as infinitas possibilidades do mal, eu respondo: temos apenas de ler alguns parágrafos do primeiro capítulo da enciclopédia de possíveis males. Nós não devemos reclamar, damos graças. Uma inteligência maravilhosa de um Ser Supremo é permitida dentro de sua ordem, que violaram. Deus permite que Lhe ofendam. Deus permite que Lhe blasfemem. Deus permite o erro. Deus permite que tudo o que é bom seja permitido. Deus conhece a medida perfeita de que é bom que o mal seja permitido, e muito além do que é mau em si continua a ser permitido. Nenhuma criatura, até mesmo a mais rebeldes, ultrapassa essa medida passa para além do comando de Deus. Muitas vezes vemos essa medida como “a paciência de Deus”, mas na realidade Deus não perde a paciência. Tudo está sob controle e nada vai além de onde deve ir. A Justiça de Deus não vem tarde demais para aqueles que pedem, ou demasiadamente cedo, mas no momento certo. Essa afirmação sublime de Dante ajuda-nos a compreender as regras do jogo cósmico no qual estamos envolvidos. Se compreendermos essas regras, todas e não apenas algumas, entenderemos porque não é verdade que Deus é bom demais para que haja um Inferno. Pelo contrário, entenderemos que Deus não seria bom se não houvesse Inferno. Para certas profundidades do mal, com uma vontade que já tomou a sua decisão definitiva e irrevogável, só lhe cabe uma possibilidade. O Inferno não é a possibilidade de milhões de possibilidades, mas é a única possibilidade lógica, justa e humana. Porque o amor não se impõe. Seria desumano fazer alguém que não te ama gritar que o ama. Assim como seria terrível mostrar o Sol de Amor que é a Face de Deus diante daquele que deseja afastar-se d’Ele. Um Deus bom exige que possa existir um Inferno, pois o amor de Deus no Céu seria a maior das torturas para aqueles que querem sair da Sua presença. Uma compreensão mais profunda do abismo do mal exige e implica maior compreensão da sublimidade de Deus.
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D�ença �siquiátrica e cri��ianismo Perturbações do foro psiquiátrico bioenfermidades-psicoenfermidades-pnemoenfermidades Embora anteriormente já tenha abordado em duas questões o tema da psiquiatria, uma matéria em relação ao demônio, e outra em relação ao possuído, agora terminado todo o trabalho, vi que seria útil dizer mais algumas coisas em relação à vida cristã. Não acho que seja necessário insistir que uma coisa é uma doença mental e outra a vida espiritual. Alguém pode ser uma pessoa muito religiosa e, no entanto, sofrer de doenças mentais. Um indivíduo pode tornar-se um santo e sofrer um transtorno psiquiátrico ou santificar-se mesmo na doença. Desde o início, deixo clara a diferença entre a mente e o espírito, mas ao mesmo tempo quero aprofundar algo mais na relação íntima entre vida espiritual e saúde mental. A vida espiritual cristã influencia na maneira mais benéfica que possamos imaginar sobre a saúde mental. A obediência aos Dez Mandamentos, a submissão da vontade às mortificações que a Igreja dispôs para seus fiéis, a prática de mortificação e penitência são uma verdadeira escola de fortalecimento da vontade. A vontade fortalece-se, acostuma-se a impor-se sobre os movimentos desordenados que subjazem a todos os seres humanos. Estes desejos por si sós, sem uma vontade que os controlem, são a semente
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de pulsões que podem arrastar a psique a verdadeiras patologias que, com o tempo, se tornam incontroláveis. No momento em que os pacientes chegam ao consultório do psiquiatra, essas pulsões já estão incontroláveis para aquele que as sofre. Essa é a razão pela qual o doente procura ajuda médica: a impossibilidade de um domínio. Mas, no início, anos antes, na maioria dos casos, essas mesmas pulsões (antes de chegarem a sê-lo) eram uma tendência controlável através do conselho do sacerdote no confessionário e da ação da graça do Sacramento do Perdão. Todos os sacerdotes que exercem o ministério sagrado da confissão, sabem que há penitentes que, se durante anos e anos não fizessem contínuos atos de arrependimento, se não fosse essa a sua vontade dia após dia, se deixassem se abandonar a seus instintos, essas paixões iriam se transformar na força destruidora da pessoa em que estavam enraizadas. Mas graças ao esforço e ação da graça, o que com o tempo poderia ter se transformado em uma força obsessiva, é apenas uma simples tendência contra a qual o sujeito luta continuamente, sentindo que não avança, que não consegue vencer, sentido-se desmoralizado às vezes, mas inconsciente do que teria sido o seu futuro sem esse esforço. Ao contrário do que afirma grande parte dos psiquiatras, a supressão das paixões não é uma fonte de doença, mas o meio pelo qual a vontade se fortalece. A vontade, como um músculo, precisa ser reforçada e consolidada por meio da repetição de atos em cada ser humano. As paixões, quais sejam, especialmente a sexual, se não forem controladas tornam-se fonte de crescente insatisfação. A insatisfação não nasce da repressão, mas da paixão. Pode-se pensar que quanto mais satisfizermos uma pulsão, mais o apetite será abrandado. Muito pelo contrário. Quanto mais exacerbado e incontrolado for um impulso, maior será a insatisfação, independentemente de esse impulso obter mais ou menos vezes a consecução dos seus fins. Isso será indiferente. Quanto maior a paixão, maior a insatisfação. Por exemplo, quanto mais medidas de segurança tomar um paciente com pânico de aranhas, mais medo sentirá na presença delas. A insatisfação de ter alcançado uma segurança aceitável está direta e proporcionalmente relacionada às medidas tomadas. Quanto mais
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meios disponíveis para se proteger das aranhas, mais insatisfeito estará com a sua segurança. Quanto mais ceder a essa pulsão, mais aumentará a sua insatisfação. Para mencionar outro campo muito comum no mundo psiquiátrico, o mais insatisfeito sexualmente, paradoxalmente, não será o celibatário, mas o ninfomaníaco. Esse mesmo mecanismo da psique pode conduzir a todo tipo de pulsões. Do desejo desenfreado de proteger da síndrome de Munchausen, ao impulso de fugir de certos lugares na agorafobia ou ao impulso de satisfazer as fantasias sexuais de dominação. A paixão aparentemente mais inofensiva, medo ou impulso é uma semente de desequilíbrio sem uma vontade que a controle. Portanto, o fortalecimento da vontade é a primeira tarefa do psiquiatra no momento de controlar os impulsos, e é também a primeira tarefa de todo sacerdote na direção das almas. A prática da penitência corporal (jejuns, cilícios, as mortificações) representa o triunfo da vontade sobre os elementos rebeldes de nossa psique. A cruz face a insatisfação. A cruz é o remédio que cura a não resignação, que sana a não-aceitação da situação real, sujeitando a pessoa a sofrer por amor a Deus, isto é, a aceitar todas as suas limitações e combater estas partes negativas de um modo progressivo, otimista e continuado. O simples fato de ter que confessar seus pecados é uma fonte de higiene mental. Ter de admitir o que mais envergonha, os segredos mais obscuros da mente, supõe um processo de autoeducação desde a infância, a fim de evidenciar a nossa psique para submetê-la ao juízo alheio. Sei que a confissão é antes de tudo uma graça. Mas Deus poderia ter dado a graça sem ter que confessar os pecados, como acontece no batismo. Mas o Redentor, perfeito conhecedor da mente humana e seus mecanismos, colocou a nossa disposição essa saníssima norma de saúde psíquica: a confissão oral dos pecados com o seu número e espécies. Quanto mais difícil para alguém revelar essas intimidades, mais precisa de seu valor terapêutico. E insistir no discurso da confissão ou penitência de um ponto de vista natural (não sobrenatural), é mostrar como as práticas e ensinamentos da Igreja, longe de serem antinaturais, são os corretivos mais adequados à nossa natureza. Mas como eu disse, está acima disso o aspecto
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da graça, muito mais importante. Para os fiéis, a oração e os sacramentos são uma fonte invisível, diária e poderosa de correção desses aspectos da nossa natureza mental que poderia ser desviada. E entre todos os meios que a Igreja tem, sem dúvida, a comunhão diária, receber o Corpo de Cristo é o melhor remédio para a saúde mental de qualquer pessoa, independentemente da sua doença. Se o contato de Jesus curou os doentes, também esses pacientes, os doentes mentais, devem aproximar-se d’Ele em busca da saúde de sua mente. Embora a doença tivesse uma origem puramente química, Jesus é um médico de qualquer doença. Nosso Redentor continua curando todos os tipos de patologias. Mas, como se explicou, o fato de Ele curar, não significa que a origem da doença está no lado espiritual. Os remédios espirituais (sacramentos, a oração, as boas ações) não só trazem prêmio para a vida eterna, mas também atuam como remédio para a mente. Isso não significa que os remédios espirituais curem tudo, muito menos, substituam a psiquiatria, ou que os transtornos psiquiátricos têm sua origem em pecado ou fraqueza de vontade. Não é o que foi dito. Às vezes, uma afirmação é verdadeira, mas o inverso não. Se é verdade que os sacramentos são uma fonte de saúde, não é verdade que curamos tudo com eles. Se é verdade que o reforço da vontade é bom para a psique, não é verdade que a fraqueza da vontade seja a causa de todos os transtornos psiquiátricos. Um deles é o campo da doença e outro, o campo da virtude. O santo pode ficar louco, o pecador pode ser saudável, psiquiatricamente falando. São campos diferentes, mas não são incomunicáveis, pelo contrário, estão muito interligados. Essa conexão (e sua desconexão) é clara se levarmos em conta que existem três grupos de doenças, se olharmos para a sua origem: FISIOENFERMIDADES MENTAIS: de origem química ou biológica são as doenças que têm uma origem puramente material, não se esqueça de que o cérebro é um órgão. Um desequilíbrio químico ou de controle biológico dessas células é suficiente para danificar a máquina de produzir pensamentos, e o que o pensamento produzir a partir de então será falho. Sem dúvida, para
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dar apenas um exemplo, a esquizofrenia paranoide seria uma doença típica dessa categoria. PSICOENFERMIDADES MENTAIS: de origem psíquica são aquelas cuja causa procuraremos em vão no corpo físico, pois originam-se no funcionamento intangível da mente. Por exemplo, um trauma que gera uma fobia é uma doença dessa categoria. PNEMOENFERMIDADES MENTAIS: 27 essas são as que têm sua origem em uma paixão desordenada. Ou seja, sua origem é algo que nada tem de patológico e cujo caráter mórbido está em ter se imposto lentamente sobre a vontade de uma forma tirânica. É algo de uma etiologia que não tem mistério, do ponto de vista da psiquiatria e que é um mero e simples ato eticamente desordenado. Mas essa repetição dos atos, sem uma vontade de resistir, vem para mostrar a natureza patológica. Um exemplo disso é o jogador compulsivo. Nem é preciso dizer que grande parte das psicoenfermidades mentais se aliviariam muito com uma vida espiritual que seria uma fonte de saúde mental e contenção dos aspectos desordenados da psique. A origem das psicoenfermidades mentais pode estar apenas na psique (com total independência da vida espiritual da pessoa), mas a vida cristã é o melhor lugar para regular novamente esses aspectos desordenados. Por exemplo, um paranoico, mesmo delirante, pode recorrer ao apoio de Deus Pai, que protege contra o inimigo que está tramando. Mesmo a relação esquizofrênica com a imagem alucinatória de uma cobra solta em sua casa, poderá recorrer à ideia reconfortante de uma oração à Virgem Maria, que irá protegê-lo. As pnemoenfermidades mentais têm sua origem e causa inicial em um campo meramente espiritual, em um vício, para falar com clareza, ainda que esses pacientes não só encontrarão ajuda na psiquiatria, mas na maioria dos 27
O termo “pnemoenfermidade” opõe-se ao termo “psicoenfermidade”, o pneuma (espírito) sobre a psique.
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casos, exigirá a intervenção de especialistas psiquiátricos, mas há que pôr ordem nessa. E enquanto não restaurar a ordem, a fonte do transtorno mental permanecerá. E essa ordem tem mais a ver com o paciente e o trabalho artesanal do confessionário (em seguida a um psiquiatra), do que com o trabalho frio de um médico-técnico que aplica uma droga ou implementa uma nova terapia experimental trazida pela Universidade de Helsínquia. A origem da doença mental é sempre uma dessas três, não pode haver mais fontes. No entanto, deve-se ter em mente que uma pnemopatologia mental, quanto mais profunda for, mais desordens implicará de outro tipo no campo da psicopatologia mental. Em outras palavras, quanto maior um vício, mais isso pode se tornar uma doença mental (pnemopatologia). Ou seja, uma pnemoenfermidade vai se ramificando até outras partes da psique e mostrando novos traços que nada têm que ver com a origem espiritual da patologia que desencadeou o processo de desestruturação da psique. No final tudo é confuso e difícil de discernir onde começa. Mas nas pnemoenfermidades o tronco era inicialmente um transtorno de caráter moral. Além disso, em consulta com um psiquiatra o que mais pode chamar a atenção pode ser uma fobia, mas, como no caso dos galhos de uma árvore, a doença troncal pode ser algo menos vistoso que a ramagem. Os males das doenças psiquiátricas são: 1) em tais casos, os ramos, uma vez formados, têm vida própria, ainda que se corte o tronco. 2) Nunca é claro onde termina e começa um galho de árvore. Pelo contrário, todos parecem ramos interligados sem tronco. Por exemplo, no fato de uma pessoa decidir não colocar qualquer obstáculo ao exercício da satisfação sexual, não há nada de patológico. Mas, depois de alguns anos não só se abandona sem qualquer restrição para buscar o prazer sexual, como começa a procurá-lo de modo desavergonhado. Em uma terceira etapa na busca do prazer, passa a procurar objetos cada vez mais bizarro que satisfaçam esse desejo. A busca de mais objetos começou a provocar desvios e é muito antinatural. Esses desvios estão comprometendo outras áreas de restrição moral, começa a nascer um sentimento de culpa cada vez
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mais prejudicial. Não é a culpa que leva ao arrependimento e a alteração, mas a autoincriminação é cada vez mais intensa, mais prejudicial, o que leva a sentir-se irreformável. Sentindo-se irreformável passa a ter uma concepção de si mesmo cada vez pior, mais e mais infame, nasce uma outra ramificação patológica da doença troncal. A doença troncal leva ao medo de ser descoberta, o medo cada vez mais incontrolável leva a outra nova doença, a fobia social que se manifesta em situações muito específicas em que se sente descoberto por outros em outro aspecto oculto do seu ego obscuro; já temos uma fobia e um senso de culpa patológica. Da combinação de autoincriminação com essa fobia específica pode nascer uma incapacidade de ver suas fotos de quando era criança, porque vê nessa inocente imagem uma censura ao seu modo de vida atual, etc. O mundo das ramificações patológicas é quase infinito. Esse foi apenas um exemplo. Existem doenças que se originam, apesar da vida que se leve. Mas há muitas mais, a maioria, se fossem podadas desde o princípio, não teriam se desenvolvido. Devemos compreender que não é negar a ciência psiquiátrica afirmar que com uma vida moral sã, a maioria das doenças seria mera tendência contra a qual o sujeito deveria lutar e nada mais. Temos de aceitar que a maioria dos transtornos mentais em sua origem (antes da consolidação como doenças real) não exigem métodos complicados ou terapias comportamentais, ou alguma coisa especial para suprimir estas sementes perigosas da psique. É claro que quando o paciente chega ao psiquiatra já não pode resistir, mesmo que ele queira. Mas, no princípio, poderia. Em outras palavras, a doença não se desenvolve porque não pode resistir, mas não pode resistir porque deixou de ser consolidada como uma doença. Como se pode ver, se tivéssemos de resumir tudo diríamos que os velhos manuais de confessores continham uma ciência psicológica muito profunda, eram verdadeiros manuais de saúde mental. Enquanto Freud com sua verborragia revestiu de termos científicos e de complexidade o que desde o princípio era muito mais simples do que imaginaram, porque o austríaco não compreendeu que o que ele acreditava ser a causa da doença, era realmente o efeito
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de uma perturbação espiritual. A pulsão não é a causa da doença, mas o efeito de uma desordem anterior. Portanto, o especialista psiquiátrico não tem de passar a vida a apagar os fogos dessas pulsões, as quais voltarão a acender-se, mas o que deve tratar é de pôr em ordem toda a vida moral da pessoa. Vida moral que forma como que um edifício harmônico, proporcionado, em que todas as partes se sujeitam entre si. Vida moral em que a pessoa reforça a sua vontade e se enche da alegria de viver, vida moral sã na qual pede perdão das faltas, se sente perdoado e se esforça sob uma curativa direção espiritual em lutar por aumentar suas virtudes. Isso que disse não invalida as conquistas da ciência sobre o poder da medicação psiquiátrica sobre as patologias, ou o que sabemos hoje sobre o inconsciente, nem deixo de aceitar a verdadeira complexidade que supõe ter que mergulhar na psique do indivíduo por seus vincos e dobras em busca da combinação de causas que provocaram uma doença específica. Não, eu não posso negar as conquistas da ciência psiquiátrica. Tudo o que eu estou dizendo é que essas conquistas, esses sistemas devem se encaixar dentro desse panorama que descrevi. Esses mesmos avanços em ciência podem focar-se de um de outro modo. E mesmo os psiquiatras mais materialistas, aqueles que são mais propensos a não aceitar a tese de uma linha objetiva separadora do bem e do mal, tem que aceitar que a posição da moral cristã não é apenas para promover a saúde mental, mas também totalmente terapêutico. Falando de uma forma mais concreta, a mim, que recebo muitos casos de supostos possessos, quando me chega um caso de esquizofrenia paranoide, digo de forma clara e inequívoca que deve ir ao psiquiatra, que a solução para seu caso está no campo da medicina. Mas ao mesmo tempo que lhes explico que é necessário que continuem a tomar seus medicamentos, também recomendo que rezem e iniciem uma vida mais cristã, e, em seguida, dou-lhes conselhos práticos sobre o que fazer para começar a vida religiosa. Nunca penso que a religião irá piorar a sua paranoia. Talvez a alguém o mundo religioso possa trazer um pouco de combustível para a paranoia, um pouco, mas também tem efeitos salutares que superam os problemas do surgimento de um novo tema psicótico em sua vida já perturbada. Se a doença tinha uma origem espiritual, mas já deu origem a outros transtornos psiquiátricos, também lhes digo para ir a um psiquiatra. Porque, embora a sua origem no início pudesse
Doença psiquiátrica e cristianismo
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ter sido talhada por um confessor, no final precisará de um confessor e um psiquiatra. Não é fácil encontrar um confessor que conheça sobre psiquiatria. Mas é mais fácil que alguns psiquiatras façam o papel de diretor espiritual do paciente, e o façam bem. E nas doenças de origem físicas, animo-os a suportar essa cruz. A vida é um período de provação antes de ver a Deus, “aceite esta provação que o Senhor permitiu na sua peregrinação sobre a Terra” digo-lhes. Uma pessoa doente mental pode alcançar a santidade. Além disso, a doença mental muitas vezes é uma paixão terrível. Os doentes mentais, embora a sua responsabilidade seja atenuada, têm uma vida moral. E há doentes mentais muito profundos que são muito bons e há também aqueles que são maus, muito maus. A escrita aqui é fácil para simplificar, o que eu disse está cheio de nuances. Quem dera o mundo da psiquiatria fosse simples, mas não o é, é complicado como a própria doença que se tenta curar ou aliviar. Mas, com certeza, mesmo o mais ateu dos psiquiatras, até aqueles que negam de um modo mais categórico a objetividade das normas morais, deverão reconhecer que a clareza e a simplicidade do sistema de ensinamentos cristãos têm um caráter curativo, simplificador, tranquilizador e afiançador no meio de todas as complicações que se deslocam em toda a desordem mental.
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Seção VII
Que�tões O
problema (e o prazer) de um livro que foi escrito ao longo dos anos e continua a melhorar nos anos seguintes está sendo desenvolvido como um organismo vivo. Ou, para posterior comparação com o que começa a ser introduzido neste livro como uma estrutura arquitetônica que será ligada a outros nichos, mais confortáveis.
Nessa edição da Svmma Daemoniaca adicionei alguns outros pontos. Para tão poucos têm favorecido nos deslocar a numeração das edições anteriores. Portanto, temos aqui reunidos todos os novos problemas. Algum dia (talvez) serão colocados nas respectivas seções ao longo desse livro, agora formam uma espécie de conjunto de perguntas.
Questão 165 Um homem condenado no Inferno ainda pode amar sua mãe? A questão diante de nós é se um prisioneiro pode ter qualquer tipo de afeição ou amor por um ente querido do passado. A resposta, de acordo com as leis da lógica não pode ser diferente de dizer que depende do grau de corrupção moral que abriga o coração do condenado. É difícil imaginar que uma pessoa pode odiar Deus que é tão bom, e não odiar uma pessoa amada, que, sem dúvida, não é tão boa como Deus. Mas essa situação absurda ocorre na Terra. Isto é, alguém pode odiar o Criador e, ainda, amar a sua mãe ou uma criança. O mesmo acontece na vida após a morte. No entanto, se for condenado por corrupção, assim, chegamos a uma situação em que cada vez há menos coisas que você odeia. Sem chegar à pior fase de degradação, pode-se ver facilmente que você odeia todo mundo, incluindo o cosmo, incluindo a si mesmo. O
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desespero do Inferno é tal que é fácil para esse ódio não ser universal. Mesmo assim, não há contradição em estar condenado e amar alguém em particular; amar a um ou mais.
Questão 166 Você tem uma mãe no Céu, vendo seu filho sofrer a condenação eterna? A resposta é paralela, só em sentido inverso, à da pergunta anterior. Pode-se ser completamente feliz, e ter um pouco de dor por um ente querido condenado para sempre. Os dois sentimentos não são contraditórios. Para que o amor de Deus e amor dirigido a Deus vos encha de alegria o bem-aventurado, que não põe em causa o amor que uma mãe sente por um filho. A mãe do Céu vai ser feliz, completamente feliz, mas toda vez que se lembra do seu filho, mesmo entendendo que a sentença é justa, mesmo entendendo que nada pode ser feito, não pode deixar de lamentar a doença. Embora cada vez que me lembro, a sua vontade ser-se coerente com a de Deus, então de acordo com a ordem das coisas, ele vai ser como uma pequena nuvem que se derrete no meio de um Céu azul.
Questão 167 O que significa “desceu ao Inferno?” O Inferno é um estado. Cristo na Cruz teve o sofrimento do Inferno, mas ainda o amor de Deus, o Pai. Seu espírito caiu, especialmente nas três horas pendurado na Cruz, no estado de abandono em Deus; sentiu totalmente, com grande intensidade, Ele havia deixado o Pai. Jesus nunca deixou Seu Pai. Sem dúvida Satanás tentou enganá-lo várias vezes. Disse que Ele era apenas um homem, um homem que creu em Deus, mas era apenas humano, que os milagres, tudo o que Ele achava que tinha feito, foram frutos de Sua loucura. Foi abandonado, porque Deus era realmente o fruto de Sua imaginação. A
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realidade era essa: Roma, o poder dos oligarcas de Jerusalém, as paixões da multidão. O resto era uma fantasia. Cristo viu que os santos sofrem em um período de sua vida: a noite do espírito. Lá na Cruz, Ele foi premiado com o cálice do sofrimento humano, também nessa dimensão. Ele nunca deixou de amar, ainda era verdade, não fez nenhuma reclamação, mas não mentira quando chorou, sabachthani Eli, Eli, lama. Ele e a Verdade Suprema não se encontraram na Cruz. E não só sofreu a falta, mas uma presença: a falta de Deus, o Pai, a presença do Inferno no meio. Todo o Inferno, todos e cada um deles, todos os anjos caídos estavam lá, presentes, apreciando como piranhas sanguinárias aquela cena horrível de um Homem sangrando, coberto com feridas abertas. As condições espirituais eram muito piores do que o corpo: o cálice da redenção estava enchendo. Por meio do seu sofrimento toda a maldade do mundo, toda a sua perversidade, todos os pecados, mesmo os mais inimagináveis, seriam varridos como uma onda de expansão do arrastar e greves como a moinha perante uma explosão nuclear. O mal, o mal do mundo, estava em cima daquele madeiro. 28 Milhares de anos se passaram e milhares de anos estão por vir, seria para sempre incomparavelmente menor do que o amor. Até agora, nós explicamos o significado espiritual dessa descida aos infernos. Mas também tem outro significado, escatológico. E esse segundo sentido é a chave. Nesse sentido escatológico significa que o espírito de Jesus foi para a morada da outra vida, onde os justos foram para anunciar a boa notícia é que as portas do Céu estarão abertas.
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Por que, então, se a vitória foi completa, ainda existem pecado e pecadores? Porque, de acordo com a comparação proposta acima, se você pegar a palha e abrigo em uma caverna profunda para essa explosão de amor fulmine os pecados, então a pal ha permanece intacta. Mas quando se para para proteger o material e entregá-lo ao amor de Cristo, será varrido completamente.
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Questão 168 Quais foram as moradas do Inferno em que Jesus desceu depois da morte? O Inferno é “o que está embaixo”. Não é de admirar que se diga no Credo que Jesus desceu “ao Inferno” e não “no Inferno”, porque o Inferno para onde foi Jesus são as moradas que estava abaixo do Céu. Mas que moradas são estas? Elas são as seguintes: O seio de Abraão: onde estavam as almas dos justos, purificadas pelos castigos temporais, mas sem ainda ter visto a essência de Deus. Essa morada já não existe mais. O Purgatório: onde estão as almas daqueles que se purificavam de sua culpa reta. O limbo das almas perdidas: onde estão os falecidos que tinham morrido longe da luz, mas sem rejeitar a Deus. Inferno dos condenados: onde são os condenados por toda a eternidade. Alguns de vocês podem se perguntar se a alma de Jesus também desceu ao Inferno dos condenados. A resposta torna-se clara, se entendermos que essas moradas após a morte não são lugares físicos, mas estados. Ou seja, Jesus anuncia a redenção a todos mortos. Ele não faz distinções, ama a todos e fala a todos aqueles que morreram. O que acontece é que aqueles que rejeitaram a Deus não querem ouvi-l’O. Mas, assim como a pregação do Evangelho da Boa-nova, aqui na Terra se oferece a proclamação da redenção em seu sentido universal a todos os que quisessem ouvir, ainda que quem tenha tomado uma decisão definitiva de rejeição a Deus, sem dúvida, se afaste.
Questão 169 Como se proteger dos ataques do demônio? Já foi dito que a oração, as boas obras, a vida espiritual, protegem-nos como uma armadura, como um escudo contra os ataques do mal. Neste sentido, não
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há uma necessidade de oração específica, mas qualquer oração. As pessoas às vezes buscam orações muito específicas (e às vezes repetidas de modo preciso), que acabam associando um pensamento de magia no relacionamento com Deus. De fato, estritamente falando, embora eu sempre recomende que se faça a oração, deve ficar claro que nem sempre é a oração que protege: é Deus quem o faz. Assim, a prática da esmola, as obras de misericórdia, tudo que nos enche dessa luz espiritual, que chamamos de graça de Deus (a graça santificante), é o que move Deus a derramar mais bênçãos sobre nós; além de fazer-nos mais desagradáveis conosco mesmos como morado do demônio. Claro que, diante de um perigo que tenha a ver com esse campo demoníaco, invocar São Miguel é extremamente eficaz. Com um único chamado de fé, ele sempre vem. E vem nos proteger. Mas, enquanto São Miguel tem uma missão especial de Deus no que diz respeito ao demônio, você pode chamar um anjo da guarda, um outro santo ou diretamente a Deus. Repito que nessa questão da luta com o demônio, o importante é o essencial, não o acidental; embora não se possa desprezar o acidental. Felizmente, temos de lembrar também que ao lado de pessoas afastadas de Deus, há muitas vezes uma mãe ou uma avó, que pede a Deus todos os dias pelo seu filho ou neto. Essas mães e avós têm o papel de Maria na família. Elas estender seu manto de oração a todos os membros da casa. Eles são como a Virgem Maria nessa família. A mesma missão, que faz com que a Mãe de Deus sobre toda a Igreja, elas exercem um pouco sobre seus familiares. Digo “elas”, porque quase sempre são mulheres quem exercem esse papel. Para as pessoas que querem se proteger dos ataques dos demônios, vale recordar o mesmo que nós dizemos ao receber a Eucaristia em cada Missa: Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada . Fora da igreja, se oramos a Jesus, Ele nos ouve. Mas na Missa, na comunhão, Jesus entra em nossa morada corporal. É como se o corpo fosse uma casa, onde Ele entra. Seria errado dizer que é o contraste perfeito da possessão. Nada é mais perturbador que os grilhões da possessão ou da influência demoníaca que receber o Corpo de Cristo.
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Sob as asas do nosso anjo da guarda, sob o manto de Nossa Senhora, com Jesus entrando diariamente em nossos corações, quem teme ao demônio?
Questão 170 Será que Judas Iscariotes foi condenado? Essa questão parece ser banal, mas tem um ensinamento profundo e terrível. A Igreja tem afirmado que muitos foram salvos, mas nunca ninguém disse que tinham sido condenados. No entanto, muitos teólogos acreditam que Judas é uma exceção, porque Jesus disse que ganharia mais se não tivesse nascido e sido chamado o filho da perdição. Que ensino está por trás desses dois versículos da palavra de Deus? Nenhum versículo é inútil, todos contêm um ensinamento. Aqui, na minha opinião, Jesus quer que nós percebamos que a condenação eterna não é apenas uma possibilidade hipotética tão remota como quase impossível, mas algo que infelizmente acontece. Se Judas foi salvo, valeu a pena para ele ter nascido. A única possibilidade a alguém que não vale a pena ter nascido, é a condenação. Seja qual for o caminho que você vai seguir neste silogismo, não tem saída. Se Judas foi salvo, valeu a pena ter nascido. Judas era muito próximo de Jesus. Jesus muitas vezes conversaria com ele a sós, tocaria o seu coração, faria um alerta pedindo para que ele se corrigisse. Mas Judas não teve resistência ao mal. E ele acabou roubando, isso está implícito no Evangelho, quando ele diz que reclamou do dinheiro dado aos pobres e, o evangelista acrescenta: “Ele não disse isso porque ele se preocupava com os pobres, mas porque era ladrão e, como tinha a bolsa, carregava o que havia sido colocado nela” ( Jo 12,4-6). Muitos já tentaram fazer de Judas um herói, um verdadeiro crente, que fez sua traição para que Jesus fosse revelado, que O entregou somente com a ilusão de que Ele finalmente revelasse todo o seu poder. Um mártir que assumiu a própria traição para que o Messias se manifestasse. Infelizmente, nós podemos racionalmente acreditar que os seus objetivos eram mais vis, que ele era um ladrão. Devemos ignorar o fato além da oferta de dinheiro?
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Judas Iscariotes é uma recordação para todos os sacerdotes de que não pode ofender repetidas vezes e pensar que Deus é obrigado a perdoar. A única coisa que Jesus disse que valia mais do que nunca ter nascido, é justamente alguém de quem todos os feitos estiveram mais estreitamente ligados a quem traía a salvação. Judas é o lembrete perpétuo de que quem está mais estreitamente ligado ao serviço de Deus carrega uma responsabilidade maior.
Questão 171 Por que os demônios usam os sentidos físicos quando estão em alguém? Eu não tenho uma resposta sobre este assunto e vou apenas mencionar o fato. Essa é uma questão para a qual eu ofereço uma pergunta, mas não a resposta. O fato é que um demônio em uma pessoa possuída, por exemplo, sente que o padre se aproxima com um crucifixo, mas é torturado quando esse o colocada em seu corpo? Por que a reação ocorre se quando se coloca o objeto sacro sobre o corpo e não antes disso? Por que um demônio sendo um ser espiritual, incorpóreo, se atormenta com a água benta quando esse sacramental é aspergido sobre o físico do possuído, e não por estar perto dele? Por que o demônio se retorce e urra de horror quando volta seu olhar para uma imagem da Virgem Maria, e sinta esse horror mesmo quando o possesso tem os olhos fechados? Temos visto muitas vezes que o demônio sente a tortura das coisas sagradas através dos sentidos corporais do possuído: o aroma do incenso abençoado, ao toque de algo, ao ouvir algo, ao ver algo inesperado. Inclusive, devo acrescentar que se uma forte dor for provocada inesperadamente no corpo do possesso, há muitos deles (não todos) que saem do transe no mesmo momento. Se escorrer substância da mucosa do nariz, se sentir comichão em uma parte do corpo, no meio do exorcismo, algumas vezes o possesso começará a limpar essa parte do corpo ou começará a se esfregar como se isso não o deixasse nervoso. É como se o demônio ao usar o corpo da pessoa, pudesse sentir através do sistema sensorial dela, e irritar-se por aquele incômodo. Não
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é sempre que um possesso se limpa, por vezes, sem dúvida, isso já aconteceu em certos casos de possessão. A essa questão devemos acrescentar outra: por que os espíritos, muitas vezes, saem pela boca ou pelo nariz? Uma vez que não têm corpo, deveriam sair por qualquer parte do corpo. E ainda assim, muitos realmente saem dessa maneira. Que os demônios usam o corpo da pessoa para sentir parece claro. Mas é interessante observar que também usam esse corpo para expressar sentimentos. Isto é, involuntariamente, no meio do exorcismo do demônio o corpo manifesta a sua tristeza, sua raiva, sua alegria através de gritos, lágrimas ou riso maligno. Eu pensei que isso poderia ser apenas um meio de expressão voluntária, mas não. Por exemplo, o demônio (goste ou não) chora através do possesso. O demônio pode não querer mostrar a sua presença, e ainda no final do exorcismo, apenas expresse o seu sofrimento através da incorporação de que o sentimento é do possesso e não seu. Inclusive, ele deixar escapar frases típicas como “eu não posso mais”, “eu estou saindo”. Lamento não poder oferecer a resposta a esse feito constatado.
Questão 172 O demônio odeia os judeus? O demônio odeia os judeus 29. A razão é muito simples: os anjos caídos odeiam tudo que é sagrado e tudo que tem relação com a religião. O povo judeu foi fundado diretamente por Deus. É um povo criado pelo Todo Poderoso para entregar Sua revelação para o mundo. E ainda que as bênçãos do povo da segundo aliança (cristãos) sejam superiores às das pessoas do primeiro (os judeus), não foram tomadas a partir das bênçãos com que Deus derramou sobre eles. Todas essas bênçãos ainda estão presentes, por isso, elas sempre crescem. Sempre perseguidos, mas sempre prosperando. 29
Observe que o povo judeu não é o estado de Israel. Nessas linhas eu estou falando sobre o povo, não o país.
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A razão pela qual eles são sempre perseguidos está na fúria do demônio que está sempre pronto para criar e incitar o ódio contra eles. Mas ninguém poderá contra eles, pois trata-se de um povo destinado a sobreviver até o fim do mundo. Eles são a lembrança viva da aliança de Deus com os homens, representada em Abraão. Eles são, sem dúvida, um povo eleito. Sempre combatidos, mas nunca vencidos. A razão para essa perseguição constante é que a barreira que protegia as pessoas têm aumentado desde a morte de Cristo na Cruz. Desde esse dia, as bênçãos continuam, mas a cerca que os protegia contra a fúria do demônio não existe mais em torno deles. Assim, após a morte de nosso Senhor, Jerusalém foi destruída, o Templo destruído e o povo judeu vendido como escravo e espalhado por todo o Império Romano. Estão condenados a sofrer as ciladas do demônio, até o fim dos tempos, mas não serão derrotados. Estão condenados a sofrer perseguições, mas ir para onde elas crescem, porque as bênçãos dos patriarcas ainda estão neles. Infelizmente, alguns cristãos sofrem de mania visceral contra os judeus, não sei; eles não sabem, mas essa obsessão é uma semente plantada pelo semeador da iniquidade. Muitos se escondem atrás dessa obsessão com a desculpa de que é devida à política do Estado de Israel. Mas eles não percebem que há algo mais. Às vezes, eles tiveram a mania de sua prosperidade econômica, outros porque os seus costumes eram diferentes, agora é o Estado de Israel. Antissemitismo é uma reação espontânea de algum evento, é um incentivo constante para o mal; se eu pudesse o varreria da face da Terra. Porque para eles, sua mera existência, recorda dia após dia, essa impossibilidade de poder vencer os desígnios de Deus. A mera existência da descendência de Abraão em meio à humanidade é uma recordação constante do Antigo Testamento a todos os homens.
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Questão 173 Será que não há perigo de orgulho para o exorcista? Sim, há e é muito grande. É um ministério que, se praticado regularmente no meio da admiração geral, atrai os mais profundos agradecimentos a partir da visão liberal e aberta do poder de Deus através dos ritos. Por outro lado, o exercício permanente do ministério é um conhecimento muito especializado do demônio, muito profundo, que não pode ser aprendido em qualquer livro, ou na escola; a não ser na escola de luta direta com o demônio. Para compensar essa situação, muitas vezes Deus permite que o habitual exercício desse poder seja acompanhado pela incompreensão de muitas ordens religiosas. E o exorcista deve trabalhar toda a sua vida entre dois pontos: entre a admiração e profunda gratidão de alguns e o desprezo e a perseguição por outros mais amargos. Cada exorcista tem muitos sacerdotes que o consideram um louco, um visionário, um risco à reputação e à imagem da Igreja. E, infelizmente, não conheço nenhum exorcista que ainda não teve de suportar durante sua vida (às vezes anos) os esforços de grupos de padres envolvidos para movimentar todos os segmentos que forem precisos para acabar com esse “escândalo“. Além disso, eles atacam você “para o bem da Igreja”. E não pense que por realizar essa missão essa perseguição só vá durar um tempo, até que vejam os frutos e a sabedoria com que o opera. Não importa a sabedoria para que seja exercido. O Ministério Público vai passar por Satanás sem justa causa. Quero enfatizar que o escárnio e perseguição de exorcistas não é algo que acontece uma vez, mas com cada um dos nomeados para essa função. Deus quer que esse ministério seja exercido desde a Cruz. 30 30
Isto é verdadeiro mesmo em grandes exorcistas reconhecidos por todos. Se alguém pensa que, por exemplo, o exorcista de Roma, Padre Gabriele Amorth, pelo fato de ser o exorcista da diocese do Santo Padre está a salvo dessa perseguição está errado. Sem exceções. Os exorcistas santos eram admirados por todos apenas após a morte, em vida não. Um exorcista é perseguido tanto pelos inimigos da fé, como por seus irmãos sacerdotes. E muito mais poderia ser dito sobre essa perseguição que não vou mencionar. Mas eu também quero esclarecer que, por mais que alguns persigam, bramem e uivem, e se movam poderosas forças hierárquicas para parar a ação do homem de Deus, o Todo-Poderoso no final faz com que tudo seja um mero ruído e sofrimento do
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Após a morte do velho exorcista, o seguidor vê as coisas de forma diferente. Aceita que as coisas estão bem, estando disposto a assumir esse encargo, para não tomar para si esse ministério.
Questão 174 Algum dia haverá um número suficiente de exorcistas? Muitos se desesperam com a falta de exorcistas. Aqueles que estão desesperados para viver em um tempo considerado excepcional, no qual a falta de fé tem causado essa situação incrível de escassez. Dois milênios de existência da Igreja deixaram claro que esse ministério seja exercido, não apenas como uma exceção, mas, infelizmente, em uma fração dos casos que necessitam desse ministério. A maior parte dos possessos vivem e morrem possessos. E isso foi bem antes de Cristo e além. O possuído ou poderia lidar com uma vida normal, ou estaria isolado em casa só com a presença de familiares e acabaria em hospitais psiquiátricos ou se suicidariam. Cristo deu esse poder e autoridade sobre os demônios, mas o exercício sempre foi excepcional, muitas vezes do que seria necessário. Mas isso não é culpa de ninguém, em geral, exceto nos casos em que as circunstâncias são muito claras e poucos serão os sacerdotes que podem vir a perceber quando algo é ou não é uma causa invisível demoníaca. Além disso, o exercício desse poder sobre os demônios geralmente vem ligado a uma pessoa. Ou seja, apenas os sacerdotes que atingem certo nível de conhecimento sobre os demônios são os que exorcizam habitualmente. Se olhar para a vida dos santos, veremos em qualquer século e lugar que apenas havia exorcismos, mas ao redor dos santos aconteciam casos de possessão. Parece como se os possessos instintivamente se encaminharam em busca dos homens de Deus, como sendo eles aqueles que pudessem libertá-los da sua maldade. Mas não é instinto, é Deus quem dirige. Mas morto o santo, exorcista. O exorcista sofre, mas o ministério continua, ano após ano. Além disso, uma vez que a diocese abre as portas para esse ministério, continua até a morte do exorcista. Neste ministério, uma vez que você abrir a porta já não fecha.
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percebe-se que ninguém o substituiu em seu ministério. Essa tem sido a triste realidade. Assim, no futuro, vai acontecer como em séculos passados; muito de vez em quando se seguirão exorcizando em qualquer lugar. Mas o exercício continuado desse ministério vai estar ligado a pessoas específicas, cujo conhecimento vai morrer com elas. A experiência, a caridade com os possessos e os dons sobrenaturais morrerão com o exorcista. Digo dons sobrenaturais, sobretudo quando alguém exerce este ministério durante décadas, não é incomum que Deus conceda graças que constituam verdadeiras armas para lutar nessa batalha invisível. Mas isso depende da vontade de Deus, alguns recebem as graças e outros não, mesmo que se dediquem por muitos anos.
Questão 175 E se um bispo se opõe a esse ministério? Uma das perguntas que mais me fazem em muitas partes do mundo é como agir se um bispo não quer ouvir sobre essa questão. Nesses casos é preciso fazer três coisas: orar a Deus para abrir os olhos do bispo; submeter-se à sua autoridade; e orações particulares para o suposto possesso. Se orarmos por um possesso, por que não oramos para que Deus abra os olhos do prelado sobre esse ponto em particular, no qual pode haver um obstáculo interior pessoal ou teológico? Há pessoas que estão dispostas a usar as horas que leva para um possesso ser liberado, mas não são as mesmas pessoas propensas a usar o tempo de oração para que se comece esse ministério na diocese. O começo sempre parece ser mais problemático para as concepções pessoais que cada sacerdote tem do tema. Depois de orar para a hierarquia, devemos nos submeter à sua autoridade. O tempo de Deus virá. Às vezes, vem meses depois, às vezes se passa um longo tempo. Assim, um grupo de leigos pode reunir-se para rezar orações particulares. Pode-se rezar o terço, ler a Bíblia, pedir a Deus, mesmo em voz alta, para ajudar a pessoa necessitada. Ao fazer isso, Deus virá, sem dúvida.
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Claro, se um bispo consciente e intencionalmente nega o exorcismo de um fiel que precisa trata-se de uma omissão que caracteriza um pecado mortal. Negar esse direito é uma ação do mal, é uma ação muito séria é tomada friamente e não por fraqueza. E, embora o bispo tenha construído muitas paróquias, seminários e tenha milhares de horas de pregação, seu ato perverso terá de esperar até o Juízo Final. E nesse dia, Cristo dirá: “Eu estava naquele possesso”. E apesar de que prelado possa ter se confundido e responda que levantou muitas igrejas, pregou em muitos lugares e governou grande arquidiocese, Cristo poderá lhe responder acertadamente que essas coisas podem ter sido feitas para sua própria glória.
Questão 176 Deus não poderia conceder anistia para os condenados ao Inferno como um mero ato de graça? A anistia já foi dada, o ano da graça já aconteceu e está acontecendo. Dois mil anos atrás, foi concedido um ano de redenção, cujos efeitos são espalhados sobre o passado e o futuro. Os condenados são aqueles que não aceitaram, então não há anistia. Ou seja, cada ser humano que morreu foi capaz de tirar proveito dos efeitos da redenção dos seus pecados, através da graça que levam ao arrependimento. A anistia não veio para aqueles que nem sequer pediram desculpas a receber as graças de contrição que eles ganharam a Salvador com a sua paixão dolorosa. No caso da salvação pessoal, a anistia não poderia ser algo meramente externo, deve ser aceito, porque o pecado não é algo externo, mas uma distorção da vontade. Não pode ser concedido este perdão se não é primeiramente aceito. O perdão de Deus precisa ser aceito. É uma anistia que exige a aceitação para ser aplicada. Embora a anistia seja conquistada em um dado momento da história, os seus efeitos aplicam-se mesmo para aqueles que viveram antes de Cristo. O dinheiro recebido em forma de agradecimento a morrer. E alguns não aceitaram, não é uma medida precisa, mas um estado de vontade inabalável. Considere-se que eles são os que não querem ver Deus. O Céu não é cercado por muralhas. Os espíritos se movem na velocidade do
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pensamento, nenhum obstáculo pode pará-los, não existem muros no Céu. A diferença entre o Céus e o Inferno é o abismo de espíritos reprovados: um abismo de ódio. Jogando o abismo de ódio na presença de Deus seria como jogar um possesso no meio da água benta e colocá-lo em contato com crucifixos abençoados. Seria como atirar um bloco de gelo no centro do sol. A anistia foi dada, e ainda escolheram a escuridão. Somente o eu próprio pode se autorreformar com a ajuda da graça. O mal dessas pessoas não é como uma pérola dentro de uma ostra. Mas um modo de ser que podem dar forma a uma personalidade, ao eu próprio e único. Anteriormente foi dito que olhar para forçar um condenado a essência de Deus seria como lançar um bloco de gelo no centro do sol. O problema de se fazer isso, hipoteticamente, é que um réprobo é um pedaço de gelo eterno. A eterna contemplação por parte de um réprobo daquilo que ela odeia com todas as suas forças seria um ato de tortura, só faria sofrer. Como o bem pode causar sofrimento? Isto é como a situação do rancoroso e vingativo, que odeia com toda sua força, se essa pessoa recebe um bem, um ato sincero da caridade, quem odeia esse ato de amor ainda acaba preenchendo-o com mais raiva. Mas atos de amor, não iriam mudar esse alguém, porque o que tem de ser mudado é um estado permanente e desordenado de sua vontade. Ver a essência de Deus seria uma tortura, seria como cair no fogo do amor para aqueles que já são apenas gelo eterno e querem continuar assim.
Questão 177 Deus não poderia impedir a existência desses condenados por um ato de misericórdia divina? Uma vez que temos examinado a possibilidade de manter a essência e retirar a pena, agora temos de analisar se seria preferível suprimir diretamente o ser. Por Sua onipotência podia fazê-lo. Mas o amor não. Alguém poderia dizer que é melhor deixar de sofrer a sofrer para sempre. Mas os condenados não sofrem tão intensamente a cada momento, em cada um dos atos de sua vontade e compreensão. Sim, não há sofrimento contínuo, como o sofrimento
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surdo da desordem do seu ser. Mas o sofrimento mais ou menos intensifica os atos do seu entendimento e da sua vontade, experimentam altos e baixos e muitas vezes não sofrem. O ser é sempre um bem, embora ele sofra em muitas ocasiões. Retirar-lhe o ser acabaria por privá-lo do pouco bem que tem. Um bem ligado a muitos males, mas bem do início ao fim. Eu disse “não adianta”, mas isso não é totalmente preciso porque há sempre um grande bem. Não há dúvida que é uma forma finita, é um bem finito. Mas se existe indefinidamente, supõe um bem infinito. Um bem finito em cada momento, mas finito na sua totalidade. Parece incrível, mas Deus dá um bem infinito em sua totalidade. Parece incrível, mas Deus dá um bem infinito aos condenados. Portanto, Deus não lhes tira o pouco que têm, ou seja, o ser. Tal coisa é “pouco” quando comparada com os bem -aventurados, e “muita” quando comparada a nada. Como você vê, Deus é extremamente generoso com todas as Suas criaturas, mesmo os condenados. Há um Deus que se deleita na contemplação de Sua infinita justiça, há um Criador, que continuava sendo o sofrimento em sua forma mais pura. Meditemos e veremos que no sofrimento perfeito, constante e puro, não vale a pena ser mantido nesse ser. Mas o condenado ao Inferno também desfruta dos prazeres naturais dos poderes inerentes ao seu ser, são mantidos na sua existência. 31
Questão 178 Ao arrepender-se, o demônio seria perdoado? Sem dúvida, por que não poderia ser perdoado? Poderia fazer uma penitência intensa de milhões anos para se purificar de sua maldade. Deus pode perdoar tudo. Não há pecado que não possa perdoar. A questão da condenação 31
Como se associa isso com as palavras de Jesus que dizem de Judas que “mais valia não ter nascido”? Sinceramente eu não sei. Para mim, isso é como um problema matemático cuja solução ainda continuo buscando. Metafisicamente, é evidente que é melhor existir sofrendo do que não existir. Além disso, Deus não conservaria a existência de algo se não valesse a pena. A existência dos condenados após o Juízo Final já não servirá nem para a educação moral nem para a teológica dos caminhantes, pois já não haverá viandantes. Os bem-aventurados já vivem imersos na alegria de Deus e d’Ele podem saber de tudo sem que os outros tenham que sofrer eternamente para a edificação dos justos. Por que, então, manter a existência dos condenados? A única solução é a anteriormente explicada: a existência é um bem preferível à não existência.
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é um problema de vontade própria. A condenação é eterna, porque a vontade já foi determinada, de modo eterno. Assim fala o Redentor do pecado entre todos os pecados que não podem ser perdoados. E quando isso acontece não há como voltar atrás. E isso é absolutamente impossível, porque Deus depois de muitas tentativas já não envia mais graças para prevenir que o mal seja endurecido mais e mais. Se Ele continuasse enviando-as, certamente trariam o arrependimento. E sempre que se resiste ao arrependimento (medida adequada para o endurecimento ser superado), acaba se caminhando ainda mais rumo ao mal. Por isso, quando perde a esperança sobre o destino eterno de alguém, já não segue mais enviando graças, para evitar que se continue descendo ainda mais baixo na escala desse abismo. Assim, pode-se certamente dizer que nada impede o arrependimento de qualquer mal, por pior que seja, exceto a sua própria vontade. Mas também é verdade que nunca, jamais, por qualquer motivo, nenhum demônio e nenhuma alma condenada jamais se arrependerá. Pois sem a graça, o menor dos arrependimentos acaba se tornando impossível. E eles já tomaram sua decisão, eles já não recebem mais essa graça. Como você vê o círculo se fecha ao Inferno, que é todo espírito amaldiçoado para a eternidade.
Questão 179 Toda a ciência sobre o demônio está contida neste tratado? Não acredito que seja correto afirmar, com prudência, que quiçá, talvez não seja. Imagino que essa poderia ser a resposta de um espírito caído. Eu, na minha ingenuidade angélica, e não tendo provado – e se os provei, não foi com fruição dos frutos da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal, não posso considerar que sou um homem imperitus, ignarus et inscius.32
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Todas estas palavras significam ignorante. Há quem afirme que já que o autor se chama a si mesmo ignorante, o fazer em latim e de três formas diferentes mitiga, em verdadeiro modo, a dureza da afirmação.
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Questão 180 Será que Deus sabe de tudo que há de errado? Sim, Deus conhece em toda sua profundidade e intensidade não só de mal, como também a experiência que os iníquos têm de mal. Deus sabe perfeitamente como experimenta o sofrimento do mal a cada ser eternamente repro vado. Sabe a cada momento quanto sofre Satanás e cada condenado. Inclusive Sua onisciência conhece todas as infinitas possibilidades de sofrimento, sem que isso lhes faça sofrer mais.
Questão 181 Será que Deus está no Inferno? Deus também está no Inferno: em seu centro, em seus limites, em todos seus interstícios e em seus mais profundos, terríveis e escuros abismos. Não nos esqueçamos que o Inferno é, antes de mais nada, um estado. Não há nenhum lugar, nenhum ser, onde não esteja Deus. O Criador Ciente de todas as coisas está no mais profundo da cada alma condenada. Tudo é conhecido por Ele desde toda a eternidade, tudo é mantido por Ele. Os demônios não se livram da presença de Deus, nem mesmo no Inferno. Por mais que um demônio queira se afastar de Deus, sempre estará condenado a estar em Deus. O Todo-poderoso está no Inferno considerado esse lugar (onde estejam os corpos dos ressuscitados destinados à reprovação) como um estado. Isto é, também é testemunha dos pensamentos da cada um dos eternamente malditos. Mas ainda que Deus esteja no Inferno, como em todas as partes, os demônios não O sentem, ao contrário, se sentem totalmente afastados d’Ele. E Deus deixa-os nessa sensação para não atormentá-los. No entanto, ainda que os demônios não queiram pensar nisso e tratem de esquece-l’O, não há nenhum lugar, nenhum ser, que possa estar fora do alcance de Deus: nem de Sua visão, nem de Seu poder.
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Questão 182 O mal sempre existiu? Sim, sem nenhuma dúvida. Desde o momento em que sabemos que existem seres espirituais reprovados para toda a eternidade, esse mal existirá indefinidamente. E nem todo o bem do mundo, nem todo o bem possível, nem um bem infinito, porão fim a esse mal que quer persistir. O mal existirá infinitamente dentro desses anjos caídos. Em todo o cosmo se instaurará a ordem divina de modo perfeito. Mas no interior desses seres da escuridão arderá o fogo eterno do Inferno. Os demônios já estão condenados a algo sem esperança onde um segundo pode ser como um ano, e muitos anos como um segundo.
Questão 183 O mal existirá pelos séculos dos séculos? A quem tende a imaginar a eternidade como um êxtase em que o tempo deixa de existir e perdemos a consciência, devemos lhes dizer que isso é um erro. Tanto se estamos no Céu como no Inferno, seremos nós mesmos. E após a ressurreição, as almas serão reincorporadas ao tempo. Depois da ressurreição, o tempo e o espaço serão como agora. E passará uma hora e outra, em um dia, em um ano... O terrível da condenação, o horrível dela, é que passará um ano, cem anos, mil anos, um século e outro século, e saberemos que depois de mil séculos terão outros mil séculos. E depois de um milhão de séculos, outro milhão de séculos. Há uma comparação que me parece impressionante: se um pássaro posasse sobre a terra e com sua asa tocasse levemente o solo, e depois saísse a voar, e tornasse a regressar ao cabo de um século. E voltasse a rasar levemente o solo outra vez. E se esse pássaro retornasse só uma vez a cada século. Quantos séculos, quantos milênios, seriam necessários para que esse rasante desgastasse todas as montanhas, todas as rochas, todos os solos do planeta? Se isso acontecesse no primeiro segundo da eternidade não teria feito mais que dar começo? Irmão que compartilhas comigo o tempo, que vives
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sobre a Terra e lês esse livro, leva a sério a eternidade, porque nem sequer após ler esse livro até a última de suas questões, até a última de suas linhas e de suas letras, sabes o que é a condenação.33
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Parecia lógico começar essa obra perguntando pela origem do mal e acabar toda a obra perguntando ao final do tratado se ao final dos tempos seguirá exist indo o mal. Também parece lógico se perguntar se há algum simbolismo ou mensagem no número 183. E sim, a mensagem é muito clara: com o simbolismo dos números não há que passar. Fazer cabalas com os números é uma deformação da reta razão e ao final é como unir com linhas as estrelas do Céu. Alguém pode acabar vendo todo tipo de figuras onde só há pontos brilhantes. Ainda assim, meu secretário Adso não tem resistido a tentação de me passar uma nota na qual aparece a seguinte anotação: 183 1+8+3=12 (número dos Apóstolos) 1+2=3 (símbolo da Trindade) De modo que, ironia do destino, acabamos essa obra não resistindo a uma tentação. Se acabamos uma obra sobre o demônio não resistindo a uma tentação, pareceria lógico começar uma obra sobre os anjos sucumbindo a um ato de virtude.
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Conclusão D
eus é o único que importa. O demônio só nos serve para aprender coisas sobre aspectos de Deus. O mundo demoníaco é como o mundo abissal. A zoologia dos fundos abissais onde não chega jamais a luz do Sol, nem a mais débil, é um exemplo especialmente adequado para compreender o mundo demoníaco. Um mundo de silêncio e escuridão, de formas monstruosas. E, no entanto, essa zoologia longínqua e oculta a nossos olhos também mostra uma faceta da sabedoria divina. Deus não fez esse mundo demoníaco, mas sua vontade tem permitido sua existência. E sua existência manifesta o poder da mão onipotente de Deus, Sua justiça. O mundo infernal é uma prova contínua de que as sentenças de Deus podem ser eternas. O submundo infernal é uma prova de que com Deus não se joga, de que depois da última oportunidade já não há perdão de Deus. O conhecimento destas trevas exteriores, do lugar onde o verme nunca morre, tem que levar a nós os sacerdotes a valorizar mais o amor de Deus. Digo sacerdotes porque sou consciente de que essa obra será lida, sobretudo por sacerdotes. Ao recordar estas páginas que tendes lido meditem que somos homens de Deus, que devemos proclamar aos homens que temos sido isentados. Mas que todo homem pode condenar-se eternamente. A mensagem de Cristo é uma mensagem de esperança, de amor, de confiança, de redenção. Mas essa mesma mensagem recorda-nos essa horrível possibilidade: alguns de nós nunca verão a Deus. Acabo essa obra pedindo à Santíssima Virgem Maria que nos proteja sempre, que nos cubra com seu protetor manto de amor. São Bento, São Jorge, São Miguel, protejam a esse pobre autor destas pobres páginas. Páginas sobre o demônio escritas à maior glória do Criador. Que o Senhor reine em nossos corações e que possamos Lhe louvar por toda a eternidade cantando um cântico de louvor sempre novo. Cantando ao