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March 1, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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úsmíb AlmtidJ Rl!dn SO !Nus.""'~ " ".boa l"""' i\"Cid» ~~ MAJU(ffiliG - Aodr..'Periências" que ela vivenda- em outras palavras, quanto mais complexo for o objeto - maior sua "quantidade" de consciência. Um cérebro experimenta bilhões de impulsos elétricos por segundo. É a coisa mais frenética do Universo conhecido. Então ele tem um grau alto

Máquinas podem ter consciência? Imagine se a gente pudesse tirar um dos neurônios do cara da foto aí ao lado e substituí-lo por um chip com as mesmas funções. O cérebro dele ia continuar funcionando, certo? Agora, imagine que continuamos trocando células por chips equivalentes. O resultado seria uma máquina idêntica ao nosso cérebro, mas... ela teria alguma consciência? E seria essa consciência a mesma do cérebro original?

de consciência. Já uma pedra não passa por muitas emoções ao longo da vida. A única coisa que ela faz é esfarelar com o tempo, bem devagarinho. Então seu grau de consciência seria minúsculo. Uma estrela, digamos, é grande e agitada por dentro, mas não faz nada de complexo: é só uma bolona que gera energia fundindo hidrogênio, uma rotina bastante tediosa. Então seu grau de consciência não seria lá essas coisas. Por esse ponto de vista, a consciência é nada mais que uma propriedade do mundo físico, como a massa e a velocidade. Do mesmo jeito que uma coisa pode ser mais rápida ou mais pesada, ela também pode ser mais consciente que outra. Mas a teoria não faz sentido para todo mundo. Na verdade, Daniel Dennett, o arqui-inimigo de Chalmers, acha tudo isso tão absurdo que se preocupa basicamente em tirar sarro da teoria. Dennett propõe a seguinte cena: um bebê brincando com um filhote de cachorro. O que os dois têm em comum? São fofos. E muito. Assim como a consciência, a fofura é uma força poderosa, que pode estar em qualquer lugar e que é bem difícil de conceitualizar (tente, por exemplo, explicar o que é fofura sem usar -+ NOVEMBRO 201S SU PER

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Há como medir

o consciência? Aparelhos de ressonância JW.77:1:tí:t: magnética, tomografia e encefalogra ma são instrumentos com os quais os cientistas estudam a mente. Só que nenhum deles possibilita leitura direta do conteúdo da consciência de uma pessoa. A única a que um cientista tem acesso é a dele mesmo. O problema é que a ciência precisa de evidências do mundo físico para comprovar teorias. Se pensar a consciência a partir da própria consciência contraria os valores científicos fundamentais e e xtrapola os limites da ciência, como é possível explicá-la cientificamente?

os dedos. Difícil, não?) "Já que é assim, por que não considerar a fofura uma propriedade fundamental da matéria?", disse o filósofo, em um artigo de 2004. O problema é que não existem meios de provar nem a teoria de um, nem a do outro. A biologia fica de mãos atadas na hora de debater a consciência. Mas a física talvez não.

Você, atômico A gente pensa num cérebro como se fosse um grande computador. É até natural. Afinal, os dois têm memória, processam informações e travam de vez em quando. Além disso, a estrutura do cérebro, com bilhões de neurônios, axônios e sinapses, lembra o emaranhado de fios e microchips que temos nas nossas máquinas. E existe um sinal elétrico correndo lá dentro, seja na máquina, seja na cabeça. Mas existe uma coisa que os cérebros manjam e que computador nenhum consegue fazer: abstrações. Uma partida de xadrez, por exemplo, tem um número absurdo de caminhos diferentes. O que um computador faz na hora de jogar? Tenta um número enorme de jogadas até achar uma que tenha boas chances de sucesso. Já você, antes de cada lance,

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pensa só nas três ou quatro jogadas mais sensatas. Mesmo sem perceber, você de alguma forma conseguiu tirar um sentido do jogo e agir de acordo com alguma lógica -algo que fios, chips e eletricidade não conseguem fazer sozinhos. Outro ponto em que somos bem diferentes das máquinas é que nós nunca pensamos em apenas uma informaçãp por vez. Você pode até estar aqui processando as informações desse texto, mas ao mesmo tempo está ligando essas ideias ao cheiro que você está sentindo, às mem órias do que você fez nos últimos tempos, à sensação do lugar em que você está e aos barulhos que está ouvindo. Cada momento que você vive é processado ao mesmo tempo por vários neurônios, em diferentes partes do cérebro. É como se o mesmo sinal passasse por vários processadores intimamente ligados, como se todos fossem um só. E é claro que um computador não consegue fazer uma reprodução exata disso. Mas por que não? Para responder essa pergunta, o matemático Roger Penrose, da Universidade de Oxford, Inglaterra, buscou inspiração em um mundo quase tão estranho quanto nosso cérebro: o da física quântica, que descreve o comportamento das coisas ultramicroscópicas. Lembre-se do que acabamos de dizer sobre o cérebro: é uma máquina que processa informações como se elas estivessem em vários lugares ao mesmo tempo e que, de alguma forma, consegue extrair uma força maior, um sentido de tudo isso. É algo que poderia ser comparado a um elétron, por exemplo. Ele nunca está em um lugar definido. É como se estivesse sempre indeciso sobre onde ficar e, enquanto não "resolve", se mantém em vários lugares ao mesmo tempo. E, de alguma forma, é dessas interações que saem as leis da física com as quais lidamos no dia a dia. As estranhezas da física quântica não param por aí. As partículas podem se comportar como pequenos bonecos de vodu. Exatamente: se você "espetar" uma aqui, outra "sente a dor" em outro lugar, não importa a distância que separe as duas. Bizarro, não?

O mesmo aconteceria no cérebro. Dentro da sua cabeça, tudo o que você sente e pensa está espalhado em áreas distantes. O que você vê agora é processado perto da sua nuca, e as coisas de que você lembra ficam no meio do cérebro. Para Penrose, então, os sinais que os neurônios transmitem poderiam ficar em vários lugares ao mesmo tempo, que nem os elétrons dos experimentos quânticos, por uma fração de segundo. A junção dessas pequenas flutuações resultaria no jeito como você e eu sentimos a cor azul e a sensação de segurar esse papel simultaneamente. Em suma, ela formaria a sensação do "eu". O problema é que nenhum desses argumentos fez a ideia de Sir Penrose ganhar crédito. Uns contestam a matemática da teoria. Outros falam que os fenômenos quânticos não poderiam existir dentro de um cérebro, um ambiente grande e quente que não dá condições para que os átomos se comportem de um jeito tão estranho. Tem ainda quem diga que Penrose só substituiu um mistério por outro e não tem nada que tentar explicar o inexplicável. "Mas estou aberto para qualquer um que venha e me mostre que eu estou errado. E ainda estou esperando!", desafiou a matemático. Vai encarar? Com certeza, muita gente vai. Penrose continuou trabalhando em sua teoria e, em 2013, ele e o anestesiologista Stuart Hameroff afirmaram com todas as letras que o cérebro é um "computador quântico". Uma máquina que mal existe ainda. Mas essa é uma daquelas questões centrais a qualquer área da ciência - e que nunca vai morrer. Enquanto existir essa voz aí na sua cabeça que você se acostumou a chamar de "eu", existirá quem tente descobrir de onde ela vem, do que ela é feita. Quem sabe o "eu" de algum deles ainda desvende o seu? O PA~A

SA3fH MAIS

MENTE, CÉREBRO E COGNIÇÃO, João de Fernandes Teixeira, Vozes. OMISTÉRIO DA CONSCitNCIA. Antônio Da más io, Cia das Letras. CONTENT ANO CONSCIOUSNESS, Daniel Dennett, Rout ledge Classics.

VOCÊ NÃO TOMA AS PRÓPRIAS DECISÕES - E BOA PARTE DO QUE VÊ NÃO É REAL. É APENAS UMA ILUSÃO CRIADA PELO SEU CÉREBRO, QUE PASSA PELO MENOS 4 HORAS POR DIA ENGANANDO VOCÊ. CONHEÇA OS TRUQUES QUE ELE APLICA - E SAIBA O QUE REALMENTE ACONTECE DENTRO DA MENTE . Texto Alexandre de Santi"

Design Rafael Quick

4 horas por d ia. Já foi enganado por um rótulo nesta semana. Tem preconceitos sobre todos os assuntos (por mais que ache que não). Toma decisões irracionais, que vão contra os seus interesses. Você não está no controle da própria mente. Mas não se preocupe: você é normal. Não é maluco e possui um cérebro perfeito, como o de qualquer outra pessoa. Só que ele inventa coisas para iludir você. Não é por mal. E só uma maneira de economizar energia. O cérebro humano é o objeto mais complexo do Universo. Tem 86 bilhões de neurônios, que podem formar 100 trilhões de conexões. Se fosse possível criar um computador com o mesmo número de circuitos do cérebro, ele consumiria uma quantidade absurda de eletricidade: 6o milhões de watts por hora, segundo uma estimativa de cientistas da Universidade Stanford. É o equivalente a quatro usinas de Itaipu trabalhando simultaneamente. Mas o cérebro humano gasta pouquíssima energia - 20 watts, menos que uma lâmpada. E mesmo assim consegue fazer coisas extremam ente sofisticadas, de que nenhum computador é capaz. Só que isso tem um preço. O seu cérebro não consegue anal isar as situações de forma completamente racional, avaliando todas as variáveis envolvidas em cada caso. Para fazer isso, ele precisaria de ainda mais circuitos - e muito mais energia. Mas, ao longo da evolução, a natureza encontrou uma solução: o cérebro pode mentir para seu dono. Sim, mentir. Descartar informações, manipular raciocínios e até inventar coisas que não existem. Dessa forma, é possível s implificar a realidade- e redu zir drasticamente o nível de processamento exigido dos neurônios. "São efeitos colaterais do funcionamento normal do cérebro", diz Suzana Herculano-Houzel, neurocientista d a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). --+ VOCÊ FICA CEGO

• Colaboraram Bianca Carneiro c Cris tina Kist. NOVEMBRO 2015 SUPER

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Tudo começa pela visão. Você não percebe, mas o cérebro edita o que você vê. Das 16 horas por dia que uma pessoa passa acordada, em média, 4 horas são preenchidas por imagens "artificiais"- que não foram captadas pelos olhos, e sim criadas pelo cérebro. O olho humano só capta imagens com clareza em uma pequena parte, a fóvea, que tem l. milimetro de diâmetro e fica no centro da retina. Então, para compor a linda imagem que você está vendo agora, os seus olhos estão constantemente em movimento. Eles focam determinado ponto e depois pulam para o ponto seguinte. Cada um desses saltos tem duração de 0,2 segundo. Quer comprovar isso na prática? Na próxima vez em que você estiver conversando com uma pessoa, preste atenção nos olhos dela. Você irá perceber que eles se movimentam o tempo todo para escanear vários pontos do seu rosto. O problema é que a cada pulo desses, enquanto os olhos estão se movendo para a próxima posição, o cérebro deixa de receber informação visual por 0,1 segundo. Durante esse tempo, você está cego. E, como nossos olhos fazem pelo menos 150 mil pulos todos os dias, o resultado são 4 horas diárias de cegueira involuntária. Você não percebe isso porque o cérebro preenche esses momentos com imagens artificiais, que dão a sensação de movimento contínuo. Mas que, na prática, você não viu. Tem mais: o que você enxerga não é o que está acontecendo - e sim o que vai acontecer no futuro. É sério. Isso acontece porque a informação captada pelos olhos não é processada imediatamente. Ela tem de passar pelo nervo óptico e só depois chega ao cérebro. O processo leva frações de segundo, e você não pode esperar- um atraso na visão pode fazer com que você seja atropelado ao atravessar a rua, por exemplo. Então, o que faz o cérebro? Inventa. Analisa os movimentos de todas as coisas e fabrica uma imagem que não é real, contendo a posição em que cada coisa deverá estar 0,2 segundo no futuro. Você não vê o que está acontecendo agora, e sim uma estimativa do que irá acontecer daqui a 0,2 segundo.

VOCÊ NÃO ENXERGA O QUE ESTÁ ACONTECENDO AGORA, MAS VÊ O FUTURO. QUE SEU CÉREBRO INVENTA.

As mentiras invadem a razão Com R$ 2,2o, você pode comprar um café e uma bala. O café custa R$ 2 a mais do que a bala. Quanto 26 S UP ER NOVEMBRO 2015

cu sta a bala? Responda rápido. Vinte centavos, certo? Errado. Você acaba de ser enganado pelo próprio cérebro. Mas não está sozinho - m ais da metade dos estudantes de universidades prestigiadas como Harvard, MIT e Princeton responderam a essa mes ma pergunta e também erraram (entre alunos de instituições menos badaladas, o índice de erro é ainda maior, cerca de 8o%). Essa charada é um dos exemplos citados no livro Thinking, Fast and Slow (Pensando, Rápido e Devagar, ainda sem versão em português), do psicólogo israelense Daniel Kahneman, que ganhou o Prêmio Nobel de Economia de 2002 por suas pesquisas sobre o comportamento humano. Para Kahneman, o cérebro tem dois tipos de pensamento. O primeiro é rápido e intuitivo e confia na experiência, na memória e nos sentimentos para tomar decisões. O segundo é lento e analítico - e serve como uma espécie de guardião do primeiro. Se estamos decidindo sobre o que comer, podemos ficar em dúvida entre um sanduíche e um prato de feijão. Mas por que essas duas opções, justo elas, surgiram como as alternativas válidas para o momento? Por que você não considerou um bacalhau com batatas? Por que não um sorvete de abacaxi? Porque o seu pensamento intuitivo já estava inclinado para optar pelo sanduba ou pelo feijão e restringiu previamente as escolhas, antes mesmo que você se desse conta de que estava chegando a hora de almoçar. Do contrário, passaríamos horas avaliando todas as possíveis opções de refeição - e morreríamos de fome. Se o pensamento intuitivo não existisse, seria extremamente difícil escolher uma roupa ou responder a perguntas banais, do tipo "como você está?" ou "gostou do filme?". De certa forma, o pensamento intuitivo é o que nos diferencia dos robôs. E é ele que permite ao cérebro processar informações na velocidade necessária. "Ele é mais influente. É o autor secreto de muitas decisões e julgamentos que você faz", explica Kah neman no livro. Foi o pensamento intuitivo que apontou os R$ 0,20 como resposta para o enigma do café. Só que ele mentiu para você. A resposta certa é R$ 0,10. Se a bala custasse R$ 0,20, o café custaria R$ 2,20 - e o total daria R$ 2,40. Esse duelo entre os dois tipos de pensamento, o rápido-intuitivo e o lento-analítico, também tem uma explicação evolutiva. O córtex pré-frontal, região do cérebro responsável pelo processamento lógico, surgiu relativamente tarde na evolução da espécie humana -já as emoções e os instintos estavam com nossos ancestrais há muito mais tempo. Por isso elas são tão fortes e nos influenciam tanto. "A filosofia considera o ser humano um animal racional. Mas o que sabemos é que apenas em certas circunstâncias e __.

à custa de muito esforço conseguimos ser racionais", Ele está no controle afirma Vitor Haase, médico e professor de psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O pensamento intuitivo está sempre presente, até nas situações em que a racionalidade é supremamenteimportante. Um estudo de pesquisadores das universidades de Ben Gurion, em Israel, e Columbia, nos EUA, analisou o comportamento de juízes que deveriam decidir sobre a liberdade condicional de presos (um processo rápido, que leva 6 minutos). Em média, somente 35% dos condenados ganhavam a condicional. Mas os cientistas perceberam que os juízes eram muito mais benevolentes depois de comer. Quando eles tinham acabado de fazer uma refeição, a taxa de aprovação subia para 65%. Com o passar do tempo, a fome vinha chegando, e a concessão de liberdade condicional ia caindo. Minutos antes do próximo lanche, o índice de aprovação era quase zero. Decidir sobre liberdade condicional e julgar a própria felicidade são tarefas complexas. Para avaliar todas as variáveis envolvidas, muitas delas subjetivas, o cérebro tenderia a ficar sobrecarregado. Por isso, ele usa atalhos. "Os nossos problemas são resolvidos no piloto automático, por meio de soluções que a cultura já embutiu no nosso cérebro", diz Haase. Estudos têm revelado outra distorção: toda pessoa sempre tende ao otimismo, mesmo quando não há motivos para isso. A pesquisadora Tali Sharot, da University College London, gravou a atividade cerebral de voluntários enquanto eles imaginavam situações banais - como tirar uma carteira de identidade. Ela também pediu que os voluntários pensassem em coisas do passado. Os testes mostraram que as mesmas estruturas cerebrais são ativadas para recordar o passado e imaginar o futuro. Só que, ao imaginar o futuro, os voluntários criavam cenários magníficos - era o cérebro tentando colorir os eventos sem graça. "Cerca de 8o% das pessoas têm tendência ao otimismo, algumas mais do que outras", diz ela. Para Tal i, autora do livro Oplimism Bias (O Viés do Otimismo, ainda sem versão em português), o otimismo é sempre mais comum que o pessimismo - seja qual for a faixa etária ou o grupo socioeconômico da pessoa. Assim, nunca acreditamos que algo vá dar errado - mesmo quando o mais racional seria pensar que sim. "As taxas de divórcio, por exemplo, chegam a 40%, so%. Mas as pessoas que estão para casar sempre estimam s uas chances de separação em o%", exemplifica Tali. Segundo ela, a inclinação natural ao otimismo também é um dos fatores que levaram à crise econômica global de 2008. "As pessoas achavam que o mercado continuaria subindo cada vez mais e ignoraram as evidências contrárias", afirma.

O SEU CÉREBRO DECIDE AS COISAS SOZINHO. DEZ SEGUNDOS ANTES QUE VOCÊ SEQUER PENSE.

As manipulações criadas pelo cérebro afetam até a capacidade mais essencial do ser humano: tomar as próprias decisões. Quando você decide alguma coisa, na verdade o cérebro já decidiu -com uma antecedência que pode chegar a 10 segundos. Uma experiência feita no Centro Bernstein de Neurociência Computacional, em Berlim, comprovou que as nossas escolhas são resolvidas pelo cérebro antes mesmo de chegarem à consciência. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na qual era exibida uma sequência aleatória de letras. O voluntário tinha que escolher uma das letras e apertar um botão sempre que ela aparecesse. Os cientistas monitoraram o cérebro dos participantes durante o experimento. E chegaram a uma descoberta impressionante: 10 segundos antes de os voluntários escolherem uma letra, sinais elétricos correspondentes a essa decisão já apareciam nos córtices frontopolar e mediai, as regiões do cérebro ligadas à tomada de decisões. Cinco segundos antes de o voluntário apertar o botão, o cérebro ativava os córtices motores, que controlam os movimentos do corpo. Isso significa que, 10 segundos antes de você fazer conscientemente uma escolha, o seu cérebro já tomou a decisão para você - e até já começou a mexer a sua mão. "O indivíduo não é livre para escolher", afirma Renato Zamora Flores, professor de genética do comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). O cérebro restringe previamente as suas possíveis opções e, pior ainda, escolhe uma delas antes mesmo que você se dê conta. É possível lutar contra isso. Lembra-se daquele outro tipo de pensamento, o lento-analitico? Basta colocá-lo em ação. E isso você consegue tendo calma, refletindo sobre as coisas e duvidando das suas escolhas e opiniões. Os truques do cérebro são poderosos, mas não invencíveis. Agora que você sabe como funcionam, está muito mais preparado para lidar com eles- e se tornar realmente livre para tomar as próprias decisões.

e

PARA SABfH MAIS COMO A MENTE FUNCIONA, Steven Pinker, Companhia das Letras. RÁPIDO E DEVAGAR, Daniel Kahneman, Objetiva.

NOV EMBRO 2015 S U PER

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ATE NÇÃO

MI NHA

V I OA

Esta reportagem demorou dois anos para ser escrita. E a culpa não é (só) da minha desorganização. Eu tenho Transtorno de Déficit de Atenção. Aqui você vai entender como meu cérebro funciona. Texto Rodrigo Rezende Fotos Somuel Esteves BUZINA DE CARRo, latido de cachorro, choro de bebê, "Que horas são?", "Rola algo no Facebook?", "Que programa de TV é esse?", "O que tem para comer?", "Por que alguém vai ler esta matéria mesmo?". Apenas 5 minutos sentado em frente ao computador e tudo isso já passou pela minha cabeça. Tudo ao meu redor fala mais alto do que escrever este texto. Fecho a janela, checo o relógio, surfo na net, desligo a TV; como chocolate. Só então consigo voltar para explicar o que você ganha ao continuar lendo esta matéria: uma visão sobre como funciona uma mente inquieta. Nas próximas páginas, você vai enxergar o mundo pelos meus olhos. Bem-vindo ao cérebro TDAH. A redação da SUPER não é exatamente o melhor lugar para manter a atenção. Pilhas de livros, revistas importad as nas paredes, gente falando ao telefone. Enquanto rabisco no bloquinho, o diretor de redação me explica a pauta: "Quero que você escreva sobre TDAH. Mas em primeira pessoa. Sua experiência pode ser interessante para o leitor". Topo imediatamente. Marcamos o prazo de um mês para entregar o texto que você lê agora. Prazo real de entrega: dois a nos.

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SUPE R NOVEM BRO 2015

Se você tem TDAH, não é difícil se identificar com a história acima. Ela expõe um dos traços mais característicos do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade: dificuldade em gerenciar o tempo. O paciente TDAH também se reconhece facilmente na brincadeira de Douglas Adams, autor do Guia do Mochileiro das Galáxias: "Amo prazos de entrega. Adoro o som que faze m quando passam voando pela minha janela". Somos tachados de avoados ou incapazes. Mas julgamentos como esses não explicam as nuances do TDAH. Eu perco as contas de quantas vezes ch ego atrasado a compromissos e esqueço datas de aniversário. Ao mesmo tempo, tenho a capacidade de ler textos que me inte ressam por horas a fio nos ambientes mais caóticos possíveis. É bem provável que você conheça mais pessoas com esse perfil. Estima-se que um em cada 20 adultos apresente sintomas - t

O cérebro de alguém com TDAH não consegue filtrar os est•mu · los·. recebe tudo ao mesmo tempo.

NOVEM B RO 2015 SUPER

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suficientes para ser diagnosticado com TDAH. Um estudo de 2012 estimou que o impacto da doença na produtividade dos EUA era de até US$ 138 bilhões por ano, com mais 56 bilhões no tratamento. Somando também os custos em crianças,a cifra chega a astronômicos U$ 266 bihões. Isso supera a depressão, cujo prejuízo foi medido em U$ 210 bilhões este ano. Por isso, entender o TDAH é uma tarefa cada vez mais importante. E é isso que eu fiz, procurando alguém que conhece o assunto bem de dentro. Mais exatamente, de dentro de seu próprio cérebro. Uma pilha de exames com cérebros coloridos. É o que mais chama atenção na mesa da psiquiatra e autora de livros Ana Beatriz Barbosa. Mas não consigo tirar os olhos de um outro objeto: um bloco de anotações. Dentro dele, vejo a prova física do que já sabia antes: não sou o único com problemas de atenção na sala. Os rabiscos caóticos só podem ter vindo de um lugar: outro cérebro TDAH. Enquanto enche de riscos o seu bloquinho, Ana Beatriz explica o que há de errado em nossas cabeças: "O defeito está numa parte do cérebro chamada lobo frontal, que fica próxima à testa". O lobo frontal é uma espécie de gerente executivo do cérebro. A função dele é coletar informações e enviar ordens em forma de impulsos elétricos para as outras partes do órgão. Mas, como todo bom gerente, exige um pagamento adequado para trabalhar. No caso, o pagamento é em dopamina, uma substância que regula a interação entre neurônios. Sem ela, os neurônios do lobo frontal não conseguem conversar direito. Quando isso acontece, o cérebro começa a funcionar como uma empresa sem CEO: ganha o setor que grita mais alto. Com medo da falência, a empresa cerebral ainda pode tentar criar uma espécie de caixa dois de dopamina. Aí começa uma busca desesperada por tudo que promove a produção do neurotransmissor. açúcar, sexo, nicotina, jogo, álcool, drogas ilegais. Entre 17% e 45% dos adultos com IDAH apresentam problemas com álcool. O risco de se viciar em drogas é o dobro. Mas como diagnosticar alguém assim? "Primeiro, é preciso sorte", diz a psiquiatra. "Pessoas com TDAH muitas vezes não 32 SUPER NOVEMBRO 2015

OS PREJUÍZOS DO TDAH SÃO ENORMES: ATÉ US$ 266 Bl AO ANO NOS ESTADOS UNIDOS. BEM MAIS DO QUE ADEPRESSÃO. têm ideia de que sofrem de uma doença". Sorte foi exatamente o que levou Ana Beatriz a ser diagnosticada. Atrasada para um curso na Universidade Berkeley (EUA) -"Começava às 8h. Cheguei 9h15"-, foi obrigada a assistir à única palestra disponível no horário. O palestrante era Russell Barldey, um dos pioneiros no estudo do TDAH. Ao ouvir os sintomas da doença, Ana Beatriz não teve dúvidas: "Sou eu!". Logo que a palestra acabou, foi atrás de Barldey e pediu para fazer um teste psicológico. Ele voltou com o resultado positivo. Assim que começou a se tratar, Ana Beatriz,que cursou ao mesmo tempo Medicina, Física e Odontologia, conseguiu pisar no freio da mente e seguir uma estrada só: especializou-se em TDAH e hoje é autora de best-sellers sobre o tema.

Homo desatentus Savana africana, 30 mil a.C. Em um pequeno grupo de Homo sapiens, alguém se esforça para entender a conversa. Não é tarefa fácil. Folhas balançando ao vento, pilhas de ossos ao lado, trilhas de animais no chão. Tudo capta seu olhar. Mas o IDAH pode ter sido uma vantagem para nossos ancestrais. Na luta pela sobrevivência entre caçadores-coletores, levava vantagem quem possuía uma misteriosa habilidade presente no cérebro TDAH: o hiperfoco. Hiperfoco é uma capacidade de superconcentração característica de muitas mentes desatentas. Você já deve ter topado com gente assim: o menino que não para quieto, mas joga dez horas de videogame, ou a pessoa que não vai à aula, mas passa a tarde tocando violão. Seriam todos descendentes diretos docaçador distraído, mas supereficaz. Para ele, um animal na savana é como um videogame ou um violão: algo que monopoliza o

cérebro. Essa capacidade de ver uma presa e apagar o resto do mundo conferiu vantagens evolutivas. E possibilitou que os genes do caçador TDAH chegassem até nós. "Estima-se que 8o% dos casos de TDAH têm origens genéticas", diz o psiquiatra da New York University Lenard Adler. Mas voltemos ao presente. Faz quatro horas que escrevo sem parar. Não batuco na mesa, como de costume. Nenhuma janela aberta no navegador. Quem me conhece pode achar que estou possuído. E estou: por uma pílula. O mecanismo exato de funcionamento dos medicamentos para TDAH é desconhecido. Mas os efeitos mentais são bem familiares. Em alguns minutos, o cérebro, que funcionava como um rádio fora de estação, entra em sintonia. E o impossível se toma possível: executar uma só tarefa por vez. Ritalin, Aderall, Concerta, Venvanse. Esses formam a primeira linha de combate na guerra contra os problemas de atenção (e têm sido abusados por gente sem o transtorno, como "anabolizante" do cérebro). Mas essas armas não são exatamente precisas. É possível, por exemplo, ingerir um medicamento com um alvo em mente e acertar outro: engolir uma pílula com a intenção de escrever um texto e terminar arrumando a gaveta de meias. Muito menos existe uma espécie de bomba atômica contra o TDAH: um medicamento que funcione com 100%dos pacientes. Para tratar o TDAH, ainda é necessário alguém que entenda de estratégia de guerra: um psiquiatra capaz de testar os medicamentos adequados a cada caso. Mas agora a pergunta que realmente interessa: como saber se você tem TDAH? Se você chegou sem interrupções até aqui, a resposta mais provável é não. (Mas pode ser que sim. E você está em hiperfoco agora). A verdade é que só um profissional vai saber responder. Mas, se a resposta for sim, não se desespere. Afinal, um simples TDAH não impediu você de ler este tex= to até o final, não é mesmo? E nem me impedirá de escrever muitos outros. O PARA

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MAIS

MENTES INQUIETAS Ana Beatriz Barbosa, Principium.

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MARIANA ALMEIDA É APENAS UM ANO

mais nova que o irmão, Pedro. Na escola, ela não era brilhante, mas estudava um pouquinho todos os dias e conseguia manter as notas altas, enquanto ele raramente era aprovado em algu ma matéria sem fazer recuperação. Na família de gordinhos, Mariana lutava contra a balança, enquanto Pedro gastava a mesada em biscoitos recheados. Quando ela arrumou o primeiro emprego, como secretária numa multi nacional, indicou Pedro para um cargo de office-boy. Mas o trabalho era puxado, o chefe era nervoso, e ele não demorou a pedir demissão. Nos últimos dez anos, Pedro trabalhou numa padaria, foi garçom de um bar, alugou um carrinho de cachorro-quente, e agora está desempregado, mas pensando em comprar um táxi. Mariana continua na mesma empresa, onde foi promovida a secretária executiva, e vive emprestando dinheiro para o irmão. Quando se encontram na casa da mãe aos domingos, ela fica na saladinha, enquanto ele se farta na macarronada, mas garante que naquela semana mesmo vai começar a jogar futebol com os amigos. Esta história talvez soe familiar para você: dois irmãos ou amigos que tiveram oportunidades muito parecidas na vida, mas seguiram caminhos completamente diferentes. O manual de uma vida bem-sucedida não é segredo para ninguém - devemos comer verduras, praticar esportes, man ter a calma no trabalh o, economizar dinheiro. Se algum dia você já fez uma lista de resoluções de ano-novo, é possível que alguns desses itens estivessem presentes nela. Mas é provável que muitos deles nunca tenham virado parte da sua rotina. Andar na linha não é tão simples quanto pode parecer à primeira vista: por trás das tentações há um intricado sistema cerebral que tenta

Sentir prazer é tão viciante para o cérebro quanto usar drogas. Por isso é tão perigoso. 36

SU PE R NOVEMBRO 2015

o tem po inteiro nos levar para o mau caminho. Se vamos ceder às vontades ou não, depende do nosso autocontrole, um dos fatores mais decisivos para o desempenho da nossa vida.

Por que falar "não"? A clássica imagem dos desenhos a nimados em que o personagem tem um anjo num o mbro e um diabo no outro não é exagero. De acordo com as últimas pesquisas, é assim mesmo que nos comportamos diante das tentações. É realmente uma batalha o que acontece entre a vontade de sentir prazer im ediato contra o esforço de adiá-lo. Algumas pessoas são naturalmente mais descontroladas do que outras, mas, de maneira geral, todos temos coisas que conseguimos manter nos trilhos e outras que descarrilam de vez em quando. Tem quem seja impecável no trabalho, por exemplo, mas não consiga levar uma dieta a sério. Ou quem pratique esportes regularmente, mas não aguente ser contrariado sem partir para a briga. Mas qual é o problema de ceder às tentações? Bem, a existência do futuro. Se você soubesse que vai morrer amanhã, não teria por que guardar dinheiro ou passar o sábado à noite estudando. Nem ficar comendo salada para não entupir as veias de colesterol aos 50 anos. Essas preocupações só fazem sentido porque imaginamos que vamos viver muitos anos ainda. "Seguir nossos impulsos seria adaptável biologicamente se nós fôssemos projetados para viver apenas por hoje. E sem preocupação com o bem-estar dos ou tros", definiram os psicólogos alemães Wilhelm Hofmann, Malte Friese e Fritz Strack no artigo Impulso e Autocontrole a Partir de uma Perspectiva Dual de Sistemas, de 2009. O homem não é o único animal que precisa lidar com a tentação do prazer imediato contra os planos de futuro. (O joão-de-barro passa dias montando uma casinha no capricho, por exemplo, e as abelhas constroem colmeias complicadíssimas para armazenar alimento.) Mas nós somos os únicos com interesses e necessidades --+

muito mais complexos do que simplesmente comer e procriar. Queremos, por exemplo, ter uma vida em sociedade. Manter relações amigáveis seria praticamente impossível se todo mundo resolvesse levar o hedonismo às últimas consequências. Fazer tudo o que dá na telha afasta as pessoas próximas. Por isso cada grupo na história da humanidade criou suas próprias leis e códigos morais pararegular sexo, drogas, comida e jogos. Na Grécia Antiga, alguns prazeres eram socialmente aceitos e cultuados na figura do deus Dionís io, aquele das orgias e bebedeiras. Na Idade Média, por outro lado, quase todas as formas de prazer eram proibidas: as tentações deveriam ser pun idas com penitências, e todos viviam sob a ameaça da Inquisição (Está Já no fim do pai-nosso: "Não nos deixei cair em tentação, amém"). Mas o cerceamento do prazer está presente em todas as sociedades humanas, de maneira mais ou menos radical. (No nosso mundo, essas regras se aplicam na hora de pegar a última empadinha do prato, por exemplo -todo mundo se controla para não fazer a desfeita com os outros.) Esse cuidado para regular as tentações faz sentido: poucas coisas são biologicamente tão poderosas quanto a sensação de prazer.

Já é tentação Nos anos 1950, os psicólogos Peter Mi lne r e Ja mes Olds, da Universidade McGill, no Canadá, estavam testando o cérebro de ratos. A ideia era implantar eletrodos em uma área chamada sistema reticular do mesencéfalo para examinar o controle do sono. O teste consistia em deixar os roedores explorarem livremente uma caixa retangular com os cantos etiquetados como A, B, C e D. Cada vez que os ratos chegavam ao canto A, recebiam um pequeno choque do eletrodo. Durante um experimento com um rato em especial, entretanto, o eletrodo acabou escorregando e se acomodando em outra área cerebral, uma região chamada septo. Milner e Olds perceberam que esse ratinho adquiriu o hábito de voltar

O centro de prazer do cérebro é tão poderoso que ratos que conseguem estimulá-lo deixam de comer e quase morrem de fome. freque ntemente ao canto A, passando por Já até 7 mil vezes por hora. Ele abandonou a comida, a água, os fi lhotes, e teve de ser retirado do aparato para não morrer de fome. Sem querer, os cientistas fizeram um dos mais radicais experimentos da neurociência: encontraram o centro de prazer no cérebro. No livro The Compass of Pleasure ("A Bússola do Prazer", inédito no Brasil), o neurologista amer icano David Linden conta que m ais tarde descobriu-se que não havia somente um pequeno ponto capaz de produzir prazer: havia um grupo de estruturas conectadas, todas na base do cérebro e distribuídas ao longo da linha média. Quando os neurônios dessas regiões estão ativos, incentivam a liberação de um neurotransmissor ch a mado dopamina, responsável pela sensação de prazer. Diversas áreas do cérebro são então inundadas pela dopamina, incluindo as que controlam as emoções, o aprendizado e, claro, o julgamento e o planejamento - ou seja, o autocontrole. A dopam ina causa uma sensação de prazer tão poderosa que você terá vontade de senti-la de novo e de novo. Por isso qualquer coisa que estimule essas estruturas cerebrais - comida, sexo, preguiça - é tão tentadora.

Parece cocaína, mas é só comida Para piorar, a vontade de chutar o balde foi moldada em nós ao longo de milênios e milênios de evolução. Na pré-história, os homens nem sempre eram bem-sucedidos na hora de caçar o jantar. Então comidas calóricas, que proporcionassem um estoque de energia por mais tempo, eram ideais para a sobrevivência. Hoje em dia, qualquer pessoa acima da linha de miséria tem uma alimentação regular a seu alcance, mas o nosso cérebro ainda está condicionado a preferir as comidas mais gordurosas ou açucaradas. De fato, o processo é parecido com um vício. Em cérebro tanto de viciados em drogas quanto de obesos, é comum haver um número reduzido de receptores de dopamina, o que faz com que circule mais dessa su bstância no corpo. A lógica é a de uma rua sem bueiros que alaga durante uma tempestade. Sem receptores para absorver a dopam ina, ela sobra no cérebro. É possível que esses indivíduos tenham nascido com menos receptores o que os tornaria mais vulneráveis ao vício, ou seja, ao descontrole. Quase todas as tentações podem potencialmente ser viciantes: a preguiça, a procrastinação, a vontade de fazer compras - e o sexo. Entre nossos antepassados, qualquer possibilidade de procriação da espécie deveria ser agarrada com unhas e dentes (literalmente) - afinal, morria-se cedo, a concorrência era braba e as ameaças eram mu itas. Hoje em dia, quando a m aior parte do sexo não tem função reprodutiva, muitos já aprenderam que não é qualquer noite de amor que vale a pena (recaídas com ex-namorados? Bebedeiras?). A tentação está lá, afinal o prazer sexual também libera dopamina. Mas o homem moderno já aprendeu que às vezes vale a pena evitá-la. A modernidade, aliás, é péssima para quem quer se controlar. São tantas as possibilidades que fica difícil optar por algo sem pensar em todas as opções incríveis deixadas de lado. Por que preparar uma salada, se posso pedir hambúrguer no meio da noite? Por que economizar dinheiro, se dá para pagar em dez vezes? Com a internet, o excesso de informações disponível manda para o __. NOVEMBRO 2015 SUPER

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espaço qualquer tentativa de controle. Docinhos explodindo gloriosamente na tela, a 123 música no YouTube, mais um quadrinho de memes no Facebook, isso faz as vezes do diabinho na hora em que você precisa trabalhar. O mundo modemo foi feito para os descontrolados. Os genes têm sua dose de culpa. Diversos estudos, a partir da década passada, ligaram versões do gene da monoamina oxidase (MAOA) ao baixo autocontrole - o que inclui, talvez o ponto mais polêmico, a propensão à violência. Mas ainda está longe de estar escrito na pedra."Apesar da evidência de que o gene MAOA leva ao risco para a violência ser relativamente forte, possuir uma variante menos funcional não é, de forma alguma, determinístico", escreveu o professor de psicologia Paul Denson, da University of New South Wales, na Austrália. Denson é autor de um desses estudos, que verificou em pessoas com baixo autocontrole uma atividade exagerada em duas partes do cérebro responsáveis pela regulação das emoções, a amígdala e o córtex anterior cingulado dorsal. "Não é determinístico" quer dizer que, não importa com o que você tenha sido premiado na loteria genética, ainda assim é possível melhorar seu autocontrole.

Eles estão controlados Nos anos 1990, o cientista Roy Baumeister, da Florida State University, resolveu testar se o autocontrole era um recurso ilimitado. A lógica é a seguinte: por que, depois de se forçar a ir à academia, muitas pessoas não conseguem resistir a um brigadeiro de sobremesa? Será que elas gastaram todo o autocontrole que tinham? Para isso, Baumeister desenvolveu um experimento cruel: preparou uma fornada de cookies com gotas de chocolate, e deixou que somente alguns dos participantes os saboreassem. Aos outros, foram servidos insossos rabanetes. Mais tarde, ele pediu ao grupo todo que tentasse responder a alguns exercícios - que, na verdade, eram insolúveis. Ele observou que aqueles que foram forçados a resistir à tentação dos cookies desistiram mais rapidamente 'f.O SUP ER NOVEMBRO 201S

dos problemas, ficaram apenas 8 minutos tentando resolvê-los. Por outro lado, aqueles que puderam se empanturrar de biscoitos insistiram nos problemas durante uma média de 19 minutos. A conclusão é a de que nossa habilidade de nos comprometermos com objetivos a longo prazo depende da nossa reserva de d isciplina. Se o professor Baumeister estiver certo, e o nosso autocontrole for limitado, eis aí a primeira técnica para melhorar seu desempenho. Bastaria aprender a gastá-lo o mínimo possível no dia a dia para poder lançar mão dele no que realmente importa. Por isso, use-o com parcimônia. Por exemplo, se no trabalho você gasta o seu autocontrole tentando evitar brigas com aquele seu colega folgado, é possível que de noite você não consiga resistir à porção de torresmo no bar. Você simplesmente gastou toda a disciplina que tin ha disponível. Aos poucos, foi ficando claro que o autocontrole não é uma característica constante e bem definida, que alguns têm a sorte de ter e outros não. O sucesso do autocontrole depende de muitas variáveis. Uma delas é a dificuldade que a pessoa sente em se privar de uma coisa específica. Um chocólatra vai sofrer mais para fazer dieta do que alguém que não liga para chocolate; ou alguém que não gosta de ler dificilmente vai tirar notas altas nas aulas de história. Se precisamos do autocontrole apenas porque temos planos para o futuro, é de se esperar também que a capacidade de manter o foco em um objetivo seja importante. Se você cair na primeira possibilidade de prazer imediato, não vai chegar a lugar nenhum. Pense no exemplo: você está meio insatisfeito com a barriga e decide começar a dieta na segunda-feira. Na terça é aniversário de um amigo, e ele marca num bar. Além da tentação do chope, vem tudo o que o acompanha: salaminho, amendoim, provolone à milanesa, frituras em geral. Você segura a vontade e pede uma salada e um suco? E como lidar com a pressão dos amigos? "Mesmo a pessoa que quer economizar, se olhar para uma vitrine em promoção, ficará tentada a

As dicas de ouro VÃ COM CALMA O autocontrole não é infinito. Por isso não o desperdice se expondo a tentações, como ir ao bar se você quer emagrecer.

ESTUDE O INIMIGO Entenda as consequências negativas de um comportamento. Bote na cabeça que, sim, cigarro mata.

ESPALHE AO VENTO Assuma o compromisso em público. Se você contar a todos que está prestando concurso, eles vão perguntar como vão os estudos, a data das provas ...

SEJA PRECISO Transforme objetivos abstratos em metas. "Perder 2 kg este mês" é mais concreto do que manter o objetivo de emagrecer indefinidamente.

CAIA NA GANDAIA Comemore cada meta cumprida. Vale comer um quadradinho de chocolate depois de uma semana de dieta ou cair na balada depois de meses estudando para o vestibular.

ENCARE O PERIGO Ensaie para não ser pego desprevenido. Assim: "Se meu parceiro me chamar para uma rodada de pôquer, eu vou falar que não posso ir".

PERMITA-SE Às vezes você merece uma trégua. Se você seguir as metas com uma rigidez nazista, a chance de desistir é enorme.

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Isso acendeu uma luz na comunidade científica. Sempre se falou muito sobre como o status e o QI i n.fluenciam no sucesso de alguém, mas tudo indica que o autocontrole é um pedaço importante da questão. Não faltam histórias de pessoas brilhantes que, por falta de disciplina, não conseguiram passar em um teste A T importante. Mas a boa notícia é que, ao contrário do status e do QI. que são dois fatores altamente resistentes a mudanças, o autocontrole pode ser melhorado com alguns treinamentos simples. Em seu experimento com o marshmallow, Walter Mischel fez uma observação: as crianças que conseguiam esperar pelo segundo doce utilizavam alguma estratégia de autoproibição: fosse física (sentando sobre as mãos ou escondendo o doce, por exemplo), fosse de distração (como olhando para outro gastar. Se você quer poupar, não é lado ou cantando uma canção). Assim, uma boa ideia passear no shopping", ele percebeu que o autocontrole tinha diz Patrícia Fonseca, pesquisadora de menos a ver com um comportamento economia psicológica. naturalmente "zen'' das crianças, e mais Os benefícios de se segurar de vez a ver com uma estratégia ou esforço em quando são claros. E também já consciente. (Lembra-se do que o herói fora m testados, no mais famoso es- grego Ulisses fez para se defender das tudo sobre autocontrole, conduzido sereias? Como ele sabia que o canto pelo psicólogo austríaco radicado nos das sereias poderia seduzi-lo a ponto EUA, Walter Mischel. Mischel elabo- de fazê-lo jogar-se ao mar e morrer rou um experimento bastante simples. afogado, ele pediu que os marinheiros Convidou um grupo de crianças para entupissem seus ouvidos de cera para u ma brincadeira. Elas se sentariam de que ele não pudesse ouvir o canto delas frente para uma mesa, o nde jazia um e o amarrassem ao mastro do navio.) Foi marshmallow, e tinham duas opções: isso que fez Mischel: ele sugeriu essas ou esperar pacientemente durante um técnicas às outras crianças que tinham tempo e ganhar um segundo marsh- mais dificuldade em esperar pelo segunmallow, ou come r imediatamente o do marshmallow, e muitas conseguiram doce e ficar sem o segundo. Apenas se segurar depois de instruídas. um terço das crianças conseguiu esperar. Inspirados pelos testes de Mischel, Controle traz felicidade? pesquisadores da Universidade Duke Isso não quer dizer, no entanto, que o acompanharam mil pessoas durante 30 segredo para uma vída bem-sucedida anos, avaliando os efeitos da disciplina esteja em sempre abrir mão de suas e m s ua saúde, finanças,e segurança. vontades. O excesso de controle pode O estudo concluiu que quem t inha ser tão prejudicial quanto a falta dele. problemas de autocontrole na infância Dois pesquisadores da Tufts Universi(que comeria imediatamente o primei- ty resolveram testar as desvantagens ro marshmallow, por exemplo) acabava do exagero do autocontrole. A expetendo maior incidência de DSTs, de- riência era no complicado assunto das pendência de drogas, problemas finan- relações inter- raciais, e mostrou que ceiros, filhos sem planejamento e até pessoas bem intencionadas podem ser tão cuidadosas para não dizer bobagens envolvimento em crimes.

Junto com QI e status, o autocontrole define se vocesera bem-sucedido ounão.Mas ele é o único que pode ser aprendido.

que podem parecer artificiais- a ponto de parecerem racistas. Na e>."Periência, alguns voluntários eram submetidos a exercícios mentais tão desafiadores que gastavam seu estoque limitado de autocontrole. Em seguida, exaustos de tanto se segurar, eram convidados por um entrevistador negro para responderem sobre a diversidade racial nas universidades. Os resultados foram curiosos: os que estavam mentalmente esgotados ficaram muito mais relaxados durante a entrevista e conseguiram falar naturalmente sobre o assunto. Já aqueles que não foram submetidos aos exercícios, e cujo autocontrole estava intacto, foram considerados artificiais. Mas nem é preciso ir tão longe. Às vezes o prazer que uma hora a mais de sono proporciona não vale o sacrifício necessário para acordar mais cedo. Em outras palavras, de vez em quando é bom ceder às tentações e simplesmente desfrutar o momento. "O autocontrole não é meramente o ato de ser uma boa pessoa ou ser alguém responsável. É escolher a quais das tentações você vai ceder - e depois viver de acordo com essa escolha", diz Daniel Akst, autor do livro We

Have Met the Enemy: Self-Control in an Age of Excess ("Encontramos o Inimigo: Autocontrole na Era do Excesso", sem versão em português). De fato, vocês se lembram do Pedro, irmão da Mariana, no começo desta reportagem? Ele não se arrepende das tardes em que jogava pique-esconde na rua com os amigos, enquanto a irmã não saía de cima dos cadernos. E ela, que não se diz exatamente realizada no cargo de secretária de multi nacional, às vezes pensa como teria sido se tivesse arriscado abrir uma escola de inglês em sociedade com uma amiga, vários anos atrás, em vez de perseverar na mesma rotina de sempre. Ela não poderia ser mais feliz?

e

PARA SABH

~AAIS

THE COMPASS OF PLEASURE. David J. linden, Viking, 2011 WE HAVE MET THE ENEMY: SELF-CONTROL IN AN AGE OF EXCESS.Daniel Akst, Penguin, 2011 TO DO OR NOT TO DO: THE NEURAL S/GNATURE OF SELF-CONTROL. Mareei Brass e Patrick Haggard

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SEXTA-FEIRA Acordo com um pouco de sono. E cadê aquele foco dos outros dias? Será que a droga está perdendo o efeito? Assim que termino de pensar isso, ela bate com tudo- e meu cérebro entra no modo superconcentrado. O problema é que ele superconcentra na primeira informação que aparece: um e-mail dos meus amigos, que estão combinando de sair para tomar umas cervejas hoje à noite. Quero ir, mas é melhor não (não existem estudos sobre os efeitos da mistura modafinil· álcool) . Fico frustrado e resolvo tomar um cafezinho. Pra quê... meia hora depois, fico extremamente irritado (sem nenhum motivo). E a parte superior esquerda da minha cabeça começa a formigar! Cruz-credo.

Eu tomei a droga Levo uma vida s audável e me considero bem normal. Por isso , decidi fazer uma experiência arriscada passar uma semana tomando modafinil. Veja no que deu .

SÁBADO Uma droga que aumenta a inteligência não serve só para trabalhar, certo? Teoricamente, ela serve para qualquer coisa que envolva inteligência - inclusive as divertidas. Decido pegar para ler um livro meio cabeçudo, que há tempos estou querendo começar. A leitura flui depressa, mais do que seria normaL Mas isso não elimina o fato de que o livro é chato. Logo desisto.

DOMINGO Domingo é dia de descanso. Resolvo não tomar a droga e aproveitar para cair em prazeres mundanos. Saio, como, bebo e converso a valer, e vou dormir bem tarde.

SEGUNDA-FEIRA QUARTA-FEIRA Onze da manhã. Faz duas horas que tomei o comprimido. A droga está começando a bater. Não dá nenhum barato nem alteração de humor. Mas algo estranho acontece na minha cabeça. Ela fica silenciosa ... e percebo que, pela primeira vez na vida, não estou pensando em absolutamente nada. Zero. Parece que o meu cérebro apagou. Chega a dar medo. Alguns instantes depois, tento pensa r em alguma coisa - e consigo. Ufa ... A diferença é que, quando começo algum raciocínio, ele preenche completamente a minha consciência - não existe sensação, inspiração, lembrança nem coisa capaz de me distrair. Eum estado de superconcentração. Bem impressionante. Tão impressionante que perw o dia todo refletindo a respeito, e acabo não produzindo quase nada. Vou para casa, jogo videogame (um passatempo nada intelectual). deito à 1 da manhã . Não tenho nenhum sono, mas durmo sem a menor dificuldade. Estranho.

QUINTA-FEIRA Tive uma noite meio agitada: acordei três vezes. Mas levanto bem-disposto e cheio de energia para fazer qualquer coisa - inclusive enrolar no trabalho. (Ainda não inventaram uma droga capaz de curar a vagabundagem.) Quando finalmente começo a trabalhar, sinto diferença. Meu trabalho não ficou mais fáciL Mas ficou menos cansativo - muito menos. Será que é um efeito psicológico, causado não pela droga, mas pela expectativa que tenho dela? Talvez. Mas é fato que o modafinil está agindo no meu corpo. Tanto que eu, que sempre fico sonolento depois do almoço, só dou meu primeiro bocejo à noite. Também ganhei uma espinha bem feia, daquelas que não tinha desde a adolescência. Eum efeito colateral típico.

l1ustro1ção iStock/palau8]

Acho que exagerei na minha folga. Acordo cansado, lesado, com a cabeça patina ndo ... Bem segunda-feira. Bem que a tal pílula da inteligência podia me ajudar agora. E ajuda. Duas horas depois de tomar o comprimido, estou 100%. Na verdade, mais que isso. Parece que faço o trabalho de quatro dias em apenas um. Não estou mais inteligente. Mas estou mais funcional

TERÇA-FEIRA Hoje é dia de fazer meu segundo teste de Ql. Não contei para vocês, mas antes de começar esta experiência meu Q l foi avaliado, numa prova com dezenas de testes, por uma neuro logista. E hoje, sob o efeito do modafinil, vou refazer a avaliação. É uma sequê ncia de tarefas mentais bem e xigentes, que leva duas horas. Em alguns testes, que avaliam e forçam a atenção de m aneira mecânica (encontrar certas figuras numa lista, por exemplo), sinto que estou arrebentando. Outros testes, como os de m emória e raciocínio verbal, ficam mais difíceis.

QUARTA-FEIRA Hoje é o último dia da experiência. Mas decido jogar fora o último comprimido e para r por aqui. Sim, o modafinil me deixou mais focado. E me ajudou a pensar mais. Mas o estado de superconcentração não é natural - eu senti, o tempo todo, minha mente sendo modificada à força pela d roga. É bem ruim. Recebo um e-mail da neurologista, com o resultado dos testes e duas surpresas. Primeira: sob o efeito do modafinil, meu Ql abaixou 8 pontos. Segunda: tecnicamente, sou superdotado - sem tomar o remédio, meu Ql é 150 (a média da população é 100). Eo suficiente, né. E sem drogas. O

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TERAPIA

Nunca tanta gente consultou um psicólogo para falar de sua vida no divã. Mas será que vale a pena gastar tempo e dinheiro contando nossa intimidade a alguém que mal conhecemos? Texto Denize Guedes Ilustrocão Corlo Giovoni

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na namorada. De repente, por causa de uma discussão ou por terem esquecido uma das sacolas de compras no supermercado, ele dava tapas e pancadas na mulher que amava. Dois anos de namoro e algumas s ituações de violência depois, ela deu queixa na delegacia e terminou com ele. Os dois estariam separ ados até hoje se Jean não tivesse procurado um analista e ingressado num grupo de reflexão de homens com o mesmo problema. Na terapia, entendeu por que, em um de seus sonhos que tinha a namorada como personagem, ela assumiu a forma de um arame que ele dobrava sem parar. "Eu não podia dobrá-la metendo a mão", diz. Depois das sessões de psicoterapia, os dois voltaram. Estão juntos -e em paz - há três anos.

JEAN DE OLIVEIRA LEITE BATIA

No ano passado, a bancária Tatiana Dória não queria mais viver. No fundo de uma depressão, não se interessava por nada nem ninguém . Raramente saía: passava os dias na cama, dormindo ou assistindo a filmes. Foi quando decidiu bater à porta de um psiquiatra. Saiu de lá com uma receita de antidepressivos e um encaminhamento à psicoterapia. Durante seis meses, passou por dois terapeutas de abordagens diferentes, até o convênio médico cortar o benefício. Insistiu por dois meses, pagando as sessões do próprio bolso, mas resolveu abandonar o tratamento por achá-lo inútil. "Procuro o autoconhecimento há muito tempo, mas realmente não sei se um terapeuta tem algo a me acrescentar", diz Tatiana, que preferiu seguir com os remédios e se dedicar a práticas como meditação. -+

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Assim como Jean e Tatiana, milhares de pessoas estão insatisfeitas com o que são ou como estão. Querem se livrar de fobias, manias obsessivas, conseguir dormir direito, ter forças para sair da cama pela manhã, deixar para trás dificuldades sexuais ou simplesmente achar a vida mais interessante. Cada vez mais gente resolve desbravar a to rre de Babel que é o mundo das terapias, habitado por mais de 400 modelos. O número de psicólogos deu um salto de 48% desde 2000, de 123 mil para mais de 250 mil. Sem contar o crescimento do número de psicanalistas, psiquiatras e outros profissionais, como os filósofos clínicos. A Agência Nacional de Saúde Su plementar (ANS) exige que o s convênios ofereçam no mínimo 12 sessões anuais de psicoterapia a todos os conveniados. Se houve o dia em que ir a psicólogos era coisa de (usando um eufemismo educad o) "p roblemáticos", hoje falar da experiência parece ser um bom jeito de engatar uma conversa com os amigos no bar.

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A palavra terapia vem do grego the- Por dentro da terapia rapeúein, que carrega significados como A primeira pessoa tratada pela terapia da assistir e cuidar. Desabafar no omb ro do amigo e conversar com um médico atencioso pode até ser terapêutico - mas não é um método que afasta o sofrimento por meio de técnicas apoiadas em fund amentação teórica, como as terapias de verd ade. Entre quem frequenta u m psicoterapeu ta e quem está pensando em procurar um, é comum haver dúvidas, do tipo: vale a pena gastar tempo e dinheiro com isso? Não é besteira contar detalhes da intimidade a alguém que mal conhecemos e que não oferece nenhuma garantia de eficácia? Enfim, a grande pergunta: terapia funciona? Sim e não. Dezenas de pesquisas neurológicas provam que sessões de psicoterapia modificam conexões neu rais e padrões de comportamento, como aconteceu com Jean. Apesar disso, é grande a possibilidade de você conhecer terapia e, como Tatian a, ter achado o método inútil, ineficaz - ou até bizarro.

palavra se chamava Bertha Pappenheim, mas ela ficou conhecida como Anna O. Foi assim q ue os médicos Josef Breuer e Sigmu nd Freud a chamaram na hora de narrar o caso clínico que germinou a psicanálise. Anna o. sorria de alucinações histéricas, sonambulismo e se recusava a beber água. Já levava seis semanas ingerindo somente a água de frutas quando os sintomas começaram a desaparecer - sempre após falar em voz alta sobre o que a atormentava. "Depois de ter desabafado energicamente a raiva que ficara dentro dela, pediu para beber e bebeu sem inibição uma grande quantidade de água, acordando d a hipnose com o copo nos lábios. Com isso, o distúrbio desapareceu para sempre", escreveram os dois no livro Estudos sobre a Histeria, de 1895. Anna O. fez Freud ter uma sacada genial: expressar em voz alta pensamentos op ressores e resgatar lembranças traumáticas causam efeitos benéficos ao

corpo. Isso parece óbvio hoje em dia, mas não naquela época. As pessoas então enxergavam o corpo e a alma (o pensamento e o senti mento) como elementos que se opunham ou pelo menos não se comunicavam . Tratavam-se doenças mentais com procedimentos físicos, como eletrochoques ou incisões no cérebro. Com a criação do tratamento pela fala, Freud revolucionou a psiquiatria, criando a psicanálise. Primeiro, ele afirmou que todos temos problemas mentais de menor ou maior grau. Cada pessoa, para Freud, monta sua identidade em cima de conflitos do inconsciente - local dos traumas e desejos reprimidos na infância. Depois, para chegar a esses desejos e impulsos que operam abaixo do nível da consciência, ele criou todo um conjunto de técnicas. Colocou um divã para dentro do consultório (e do nosso imaginário), onde o paciente deveria sentar e falar fazendo associações livres, de modo que o psicanalista pudesse desvendar as reais motivações por trás daquela fala e dos sonhos que a pessoa narrava ter v ivido. "Não apenas Freud inventou sozinho o campo da psicoterapia, mas o fez de uma só vez", afirma, no livro Os Desafios da Terapia, o ps iquiatra lrvin D. Yalom, professor emérito de psiquiatria da Universidade Stanford (EUA) e autor de Quando Nietzsche Chorou. Nesses mais de cem anos, a psicanálise se multiplicou em diferentes teorias e abordagens, dando origem a uma área mais abrangente, a psicologia. Mas a criação de Freud permanece a fonte onde, de alguma forma, todas as correntes da psicoterapia ainda bebem. "Dá para considerar a psicanálise como o berço de todo o campo, pelo menos em relação à maioria das linhas de psicologia profunda", afirmou em entrevista à SUPER Franklin Goldgrub, que foi professor de psicologia da PUC-SP*. De modo geral, o terapeuta com alguma influência de Freud tenta provocar no paciente um processo de autoconhecimento, ou seja, de descoberta da raiz das s uas motivações e traços de personalidade. Um

processo que pode durar anos e envolve diversos passos, como os que se seguem: Rever o passado. Entre psicólogos, é comum ouvir a frase "o passado muda todo dia". A ideia é que podemos voltar aos fatos do passado que mais nos atormentam e reavaliá-los, dando a eles outro significado. Fazer urna "arqueologia da alma", como dizia Freud, passa por descobrir como nossos pais e os desejos deles influenciaram a nossa vida. Uma passagem de Cartas a um jovem Terapeuta, do psicanalista Contardo Calligaris, explica por que a infância assume papel tão importante na terapia: "Não é porque os eventos da infância sejam mais marcantes do que os de hoje, mas porque os eventos de hoje tomam relevância e sentido a partir de nosso passado e, portanto, de nossa infância". Tomar consciência. É quando o paciente descobre o que faz com a própria vida e tenta v islumbrar o motivo por trás de suas ações. Geralmente a tomada de consciência provoca descobertas revolucionárias sobre si próprio, do tipo: "Minha mulher morreu há três anos e desde então vivo fingindo que ela está viva" ou "Sou ranzinza e intolerante com as pessoas da mesma forma como ajo comigo mesmo". Responsabilizar-se. Depois que a pessoa se dá conta de seus traços de comportamento, vem a hora de tomar para si a responsabilidad e pelos problemas e deixar de culpar os outros - os pais, o chefe, a sociedade ou o marido que decidiu ir embora. Como diz o psiquiatra Irvin Yalom no livro O Carrasco do Amor: "Se a pessoa não se sente responsável pelas próprias dificuldades, como, então, ela será capaz d e modificar s ua situação?" Não significa se culpar pelos infortún ios da vida. "Culpar-se é querer se castigar. Responsabilizar-se é querer mudar. O objetivo é fazer a pessoa perceber o que quer e como ela própria se sabota", afirmou Franklin Goldgrub.

• Entrevista concedida em 2008; Franklin Goldgrub faleceu

O problema é que esse roteiro inspirado nas ideias de Freud pode demorar para se desenvolver - e ninguém garante que produza os resultados que o paciente espera. Tem mais: muitas das teorias de Freud e outros grandes psicanalistas não nasceram do método cientifico - aquele em que um cientista delimita um universo de pesquisa, faz análises e a partir dela tira conclusões. Suspeita-se até que Freud tenha exagerado histórias de seus pacientes para comprovar sua teoria. "Do nascimento da psicanálise até hoje, várias ideias de Freud foram descartadas", diz o neurocientista Renato Sabbatini, professor aposentado da Unicamp. "A neurociência, por exemplo, descobriu que os sonhos têm mais a ver com a memória do dia anterior do que com desejos reprimidos." À medida que as ideias d e Freud foram sendo questionadas, novos tratamentos surgiram. Das mais de 400 técnicas diferentes que existem hoje, a maioria apareceu a partir da década de 1960, quando a revolução sexual fez

Há mais de um século, Freud descobriu que falar cura. Estava inventada a psicoterapia.

&Q

as pessoas darem mais importância ao bem-estar do corpo e da mente. Enquanto a terapia baseada na psicanálise tradicional permaneceu um processo demorado, no qual falar de cura e eficácia soa estranho, sua hegemonia foi dando lugar a modelos mais curtos e facadas, as psicoterapias breves dinâmicas. Uma das correntes mais fortes é a terapia cognitivo-comportamental (TCC), recomendada sobretudo a quem sofre de fobias, como medo de dirigir, ou transtornos obsessivos, como o hábito de lavar as mãos várias vezes por hora. Bem diferente das terapias --.

j unho passado. NOVEMBRO 2015 SU PER

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baseadas em Freud, a TCC quer saber pouco do passado ou dos desejos reprimidos do paciente. O tratamento costuma ser mais curto e se concentra no que a pessoa pensa sobre si mesma e como esse pensamento se reflete nas ações. "Para a terapia cognitiva, os sintomas depressivos vêm de pensamentos e crenças negativas sobre si e sobre o mundo", diz o psiquiatra Aristides Volpato Cordioli, organizador de Psicoterapias- Abordagens Atuais, já em sua terceira edição. Assim como a TCC, existem técnicas mentais que fazem você se acostumar a ter pensamentos tranquilizantes, levando esse sentimento a situações de ansiedade. Freud também vem perdendo terreno porque se restringiu aos conflitos interiores de um indivíduo, dando pouca importância a influências sociais nos sentimentos dele. "O sofrimento psíquico varia de acordo com o contexto sociocultural", diz o psiquiatra e psicanalista Mário Eduardo Pereira, professor de psiquiatria da Unicamp. Se na época de Freud os casos de "histeria" (problemas

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femininos que hoje atendem por muitos no cérebro, estão provando que a terapia outros nomes) proliferavam, provavel- baseada na fala causa efeitos permanenmente em resposta à repressão sexual tes no sistema de aprendizagem, na medo século 19, a sociedade atual pode nos mória e no processamento de emoções. deixar mais narcisistas, competidores e Um estudo de 2007, feito na Univeransiosos por ter prazer. "Vive-se hoje em sidade de Amsterdã, analisou 20 pessoas uma sociedade nada solidária e muito com transtorno do estresse pós-traucompetitiva, na qual as posições con- mático, distúrbio que geralmente atinge quistadas são sempre incertas. Isso está quem passa por traumas como sequestro, fortemente relacionado aos casos, cada acidentes graves e abuso sexual. Elas fovez mais comuns, de pânico, insônia, ram submetidas a uma sessão semanal de ansiedade, estresse e depressão", diz psicoterapia breve- inspirada em Freud, Pereira. Se a raiz desses problemas está porém focada e mais curta - durante quano tipo de vida que levamos hoje em tro meses. Enquanto isso, outras 15 pesdia, eles não podem ser tratados apenas soas com o mesmo diagnóstico ficaram num grupo sem tratamento. No final, o pelas técnicas de Freud. cérebro de quem fez terapia mudou. Houve mais atividade em regiões do córtex Por dentro do cérebro Tantas correntes diferentes de psicote- pré-frontal, área relacionada a cálculos, rapia impõem uma questão: como saber pensamentos práticos e ações que toqual é a mais eficaz ou pelo menos se mamos conscientemente. Na prática, o alguma delas é eficaz? É aqui que entra tratamento deu alívio a sintomas que têm uma outra área da ciência que está se tudo a ver com traumas, como hipervíinteressando pelo que acontece no divã. gilância (estado de alerta permanente) e Pesquisas com neuroimagem funcional, recordações aflitivas, que se manifestam método que fotografa o fluxo sanguíneo em pesadelos e pensamentos recorrentes.

TERAPIA PARA AGUERRA Elo foi chamado de "coração de soldado" no Cuerro d e Secessão, de "choque do bombo" no :z!! Cuerro e d e "fodigo do combate" no Cuerro do Vietnã - quando foi batizado de tronstomo do estresse pós-traumático. Com os recentes conflitos, o distúrbio reapareceu. Poro trator os soldados que voltam troumotizodos do Iroque, os americanos usom oti videogomes. Bancado pelo Exúcito, o psicólogo clinico Albert Rizzo, do Universidade do Sul do Colifómio, adequou a terapia cognitivo-comportamentoI a um gome de guerra, trotando os soldados com realidade virtual.

Imagens do cérebro comprovam: a terapia faz as pessoas pensarem melhor. Alguém pode logo dizer que não é privilégio da psicoterapiaalterar redes neurais. E não é mesmo. Com maior ou menor intensidade, as experiências da nossa vida provocam mudanças na atividade cerebral- como na hora em que ouvimos a seleção de músicas da nossa banda favorita, recebemos a notícia triste da morte de alguém ou damos uma boa caminhada no parque. "O que é bastante recente é o reconhecimento da comunidade cientifica sobre a intensidade e a permanência das m udanças alcançadas pela psicoterapia. Não se imaginava que o funcionamento do cérebro pudesse ser alterado tão dramaticamente pelo tratamento, e com beneficios tão duradouros", diz o psicólogo e neurocientista Marco Montarroyos Callegaro. É como se o pensamento a lterado pela terapia fosse a tabuada que a gente não esquece m ais. "Os sistemas de memória e aprendizagem constituem a base de todas as psicoterapias. Como o cérebro é uma estrutura plástica, que se modifica de acordo com nossas --.

COMO ESSE TIPO DE TRATAMENTO COMEÇOU? No início, todos imaginavam que a Guerra do lraque seria rápida - e q ue por isso não haveria soldados com t ranstorno do estresse pós-tra umático. Em 2004, porém, uma revista médica publicou um artigo com números assustado res de gente tra umatizada voltando do lraque e do Afeganistão. Os militares reconheceram o problema e vieram até nós. Tínhamos adaptado o game Fui/ Spectrum Worrior, que se parece muito com o ambiente de guerra do lraque, para incluir nele elementos úteis à terapia. COMO A REALIDADE VIRTUAL CONTRIBUI PARA OTRATAMENTO? Trata-se de uma simulação em 3D em que o paciente, com um headset, pode dirigir um humvee o u andar por uma vila. É quando o terapeuta faz coisas acontecerem. No começo, muda o número de pessoas na rua. Depois, conforme o paciente fica mais confortável e sua resposta ao medo diminui, adiciona coisas como o barulho de uma arma a distâ ncia ou de uma bomba. Um helicóptero que sobrevoa um veículo q ue explodiu. Tudo bem gradual. Montamos um simulador do ambie nte de gue rra q ue inclui até o c heiro de combustfvel, pólvora, lixo, borracha q ueimada, todo tipo de cheiro da guerra. Quando um a bomba explode, eles sentem o chão tremer.

QUAL O PAPEL DA FALA NO TRATAMENTO? É o elemento principal. A tecnologia não cura ninguém. O paciente não fica simplesmente sentado olhando o que acontece no mundo virtual. Eles são encorajados a falar da experiência, a chorar e a contar os detalhes. O mundo da realidade virtual os ajuda a ter condições de voltar para aquele evento e a processar a memória emocional. Nós o uvimos a sua história repetidas vezes, gravamos e a entregamos em uma fita no final da sessão. QUE TIPOS DE SINTOMAS OS SOLDADOS ESTÃO ELIMINANDO? Os principais são os que chamamos de reexperiências. Elas aparecem em pesadelos e flashbacks, que talvez sejam os piores sintomas. Basicamente, o transtorno consiste e m ter atitudes extremas quando não é necessário. Por exemplo: o sujeito está sentado do lado de fora de um café e o escapamento do carro dá um estrondo. De repente, ele volta ao lraque. Eles t ambém evitam acontecimentos associados ao t rauma. Voltam para casa e não querem ir a canto nenhum, porque acham que uma bomba vai explodir. Ou, se estão dirigindo e veem uma pilha de lixo ao lado da estrada, relembram a guerra e, eventualmente, não dirigem mais. De 15 veteranos que completaram o programa desde 2005, 12 mostraram melhoras impressionantes. Não pretendemos eliminar a memória, mas ajudá-los a não ser assombrados pelos sintomas do TEPT, que fazem a guerra continuar dentro de cada um.

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10 GRANDES LINHAS DO AUTOCONHECIMENTD Desde que Freud inventou a terapia pela palavra, seu mitodo foi questionado, derrubado, reerguido e refonnado. Hoje, sua influindo está dlspetSD em antenas de correntes -algumas mais, outJ'Qs menos~udlanas. Veja abaixo como du grandes linhas da psicaterapia funcionam.

AlTA INFlUÊJtCIA DE FREUD PSICANÁUSE O analista acredita que os problemas vêm de impulsos reprimidos na infância do paciente, que passa a maior parte da sessão falando por meio de associações livres. O terapeuta geralmente fala pouco, sem emitir juízo, tentando analisar fala e os sonhos. Modelo mais antigo, foi ampliado e modernizado com os estudos de Jacques Lacan {1901-1981). PSICANÁUSE JUNGUIAHA Também chamada de psicoterapia anaUtica, foi criada por Carl Jung. discipulo de Freud, que introduziu na psicanálise o conceito de inconsciente coletivo- as imagens e as experiências comuns a todos os seres humanos. Por isso, o método junguiano leva em conta, além das questões individuais do paciente, as influências externas e coletivas que podem atormentá-lo. PSICODINÃMICA Chamada de psicanálise light, baseia-se em noções tradicionais da psicanálise, só que é mais breve, com o terapeuta tentando ativamente engajar o paciente em um diálogo que o faça reconhecer e resolver conflitos antigos. É também mais focada para atingir objetivos concretos preestabelecidos entre paciente e terapeuta.

INTERPESSOAL Recomendada a quem passa por depressão leve ligada a conflitos pessoais, luto ou mudança repentina de papéis (um casamento ou um novo cargo profissional). O tempo da terapia é predeterminado, e as sessões se concentram no tempo presente, sem ligar experiências atuais ao passado. CENTRADA NA PESSOA Foca na relação e ntre o paciente e o profissional Sem interpretar pensamentos e comportamentos, o terapeuta cria um clima de empatia que perm ite ao paciente explorar questões que o perturbam e desenvolver a autoestima. Por isso, é indicada a quem se sente oprimido pelo mundo e tem baixa aceitação de si próprio.

BAIXA INFLUÊNCIA DE FREUD TERAPIA COMPORTAMENTAL linha bem distante de Freud, é indicada para quem sofre reações indesejáveis do corpo diante de manias e fobia s (como medo de aranha o u de avião). Utiliza técnicas básicas de aprendizagem, como exposição e condicionamento, na tentativa de trocar o comportamento usual por reações mais agradáveis. Para os criticos, esse tipo de terapia tenta fazer um adestramento do paciente.

GESTALT Usando o teatro e outras expressões artísticas, explora técnicas dramáticas para construir pensamentos e atitudes criativas. Com blocos de espuma, bonecos o u almofadas, o paciente é encorajado a adotar novos papéis e expressar sentimentos, com o objetivo de compreendê-los melhor.

TERAPIA COGNITIVA Baseada na ideia de que "os homens se perturbam não pelas coisas, mas pela visão que têm delas", como disse o pensador romano Epíteto {60-117). A terapia cognitiva tenta reconhecer e alterar padrões de pensamento que incomodam o paciente, para ensiná-lo a vigiar ideias automáticas e corrigi-las. Indicada a quem sofre de depressão e precisa mudar o que pensa sobre si próprio.

TERAPIA DE GRUPO Abriga teorias e práticas de outras correntes, com a diferença de ser praticada em grupo. O convívio com os outros pacientes funciona como um microcosmo social- um ambiente seguro para um novo comportamento. É indicada para quem sofre de problemas comuns do seu ambiente e tem dificuldade de se relacionar com os outros.

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Utiliza técnicas das duas correntes ao lado para tentar fazer o paciente identificar pensamentos e crenças distorcidas que tem de si próprio. A ideia é fazer a pessoa perceber seus pensamentos e procurar corrigi-los, gerando novos padrões de raciocínio. Indicada para quem sofre de depressão, ansiedade e perturbações relacionadas a traumas.

MÍDIA IJIRUÉJICIA DE FABIO

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experiências, o tratamento consegue atuar em determinados circuitos", diz Jesus Landeira-Femandez, presidente do Instituto Brasileiro de Neuropsicologia e Comportamento (IBNeC). Meses antes da pesquisa holandesa, uma outra, realizada pela USP, mostrou resultados parecidos. O estudo envolveu 16 pacientes também com transtorno do estresse pós-traumático. Eram pessoas que tinham vivido eventos como a morte de parentes, sequestro e assalto. Em dois meses, elas passaram por sessões semanais de uma psicoterapia chamada exposição e reestruturação cognitiva, que consiste em revisitar o evento para então dar a ele um significado menos traumático. Outros 11 pacientes com o mesmo distúrbio ficaram numa lista de espera. Resultado: aqueles que foram às sessões tiveram mais atividade no córtex pré-frontal e menos na amígdala. Como esta parte do cérebro regula nossa sensação de medo, a relação é direta: a terapia redu ziu o medo e a ansiedade dos pacientes. Já quem ficou no grupo de controle não teve mudanças relevantes. "Novos arranjos das sinapses ocorrem durante o aprendizado promovido pela ps icoterapia", diz o psicólogo Julio Perez, o autor do estudo. "O tratamento modifica as redes associativas que antes estavam relacionadas à situação que causava dor e d ificuldade." Quer mais? Há ainda estudos provando a eficácia d a terapia para problemas especificas, como as fobias. Na Alemanha, em 2006, 2 8 voluntárias perderam o medo de ara nha em sessões sem anais, de 5 horas, de TCC. Elas tiveram menor atividade da ínsula e do giro do cíngulo anterior direito, áreas ligadas àquelas reaçõ es que nós não controlamo s, co mo ficar assustado e com o coração batendo rápido logo depois de ver u ma aranha. No Japão, também em 2006,12 pacientes com síndrome do pânico se livraram d o mal em dez sessões d e terapia comportamental ao longo de seis m eses. O cérebro deles também d eu uma recauchutad a nas áreas ligad as ao medo, à memória e ao

pensamento consciente. "Há indícios de que as psicoterapias promovem o fortalecimento das funções executivas, ligadas ao córtex pré-frontal", diz Landeira-Fernandez. Em outras palavras, a terapia fez as pessoas pensar melhor. As pesquisas de neuroimagem indicam que quem completa o tratamento sai, em geral, So% melhor do que os pacientes fora do consultório. É um resultado tão positivo que já está provocando mudanças na saúde pública de alguns países. Na Inglaterra, o governo anunciou um investimento de 170 milhões de libras para treinar 3 .6oo profissionais em terapia cognitivo-comportamental. "O valor inicial do tratamento com antidepressivos é inferior ao da psicoterapia. No entanto, no médio e no longo prazo, a melhor relação é a do tratamento psicoterápico, que tende a apresentar menor reincidência da depressão e efeitos mais duradouros", diz Callegaro. O resultado também fez até os mais céticos admitir as vantagens da terapia. "Uma coisa é a teoria ultrapassada de Freud, outra são os efeitos comprovados da prática", diz o neurocientista Sabbatini.

A conclusão, publicada em 2007: equivalência de novo. O fato de terapias diferentes funcionarem igualmente cria uma hipótese: talvez a psicoterapia não funcione pelo motivo que os terapeutas apontam, mas por razões não tão confortáveis à psicologia. Dylan Evans, pesquisador especializado em psicologia evolutiva, defende uma dessas razões incômodas: "Se as diferentes técnicas não têm qualquer impacto na recuperação, então é plausível que os beneficios se devam à única coisa que todas as abordagens têm em comum. A crença do paciente de que está recebendo ajuda médica de boa-fe"'. Ou seja: efeito placebo- o mesmo que faz as pessoas se sentirem melhor depois de tomarem um remédio de fa-

Enquanto Freud era questionado, novos tratamentos surgiram. Hoje, são mais de 400.

Por fora da terapia Mas tem um probleminha. A neuroimagem também levanta questões que incomodam a psicologia. Em grande parte das pesquisas, há um paradoxo aterrador: não importa se o paciente passou por um tratamento inspirado em Freud ou uma prática mais nova. No fim, o efeito de todas é muito parecido. Ou seja: em eficácia, abordagens disti ntas não fazem diferença nenhuma entre si. Inconformados com isso, pesquisadores da Universidade de Leeds, na Inglaterra, tentaram pôr fim ao mistério. Durante três anos, eles estudaram 5.500 pacientes que passaram por três tipos de terapia: cognitivo-comportamental, psicodinâmica e centrada na pessoa.

rinha ou passarem por uma benzedeira. Evans conta em seu livro Placebo (sem tradução para o português) que essa possibilidade teria assombrado Freud até a morte. O Pai da Psicanálise acreditava na supremacia do seu método e, tão logo diferentes linhas se formaram dentro da escola psicanalítica, passou a atribuir os efeitos provocados por essas dissidências à pura sugestão. "Logo se tomou claro que seus próprios pacientes não diferiam em recaídas daqueles tratados por heréticos como Jung e Adler", afirma Evans. Assim se desenrola um novelo de pontos fracos dos tratamentos psicológicos. Apesar de as pesqui sas neurológicas provarem os efeitos da terapia, não há provas de que isso acontece pelos motivos que os terapeutas apontam. "Na área da saúde mental, é difícil até saber qual é o distúrbio __.

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que a pessoa apresenta", diz Sabbatini. Distúrbios mentais não são como dores de cabeça - não h á certeza do que o paciente tem e nem se o trata mento vai ser eficaz A falta de fundamentação faz das terapias um serviço estranho: elas oferecem um tratamento sem saber se ele vai dar certo. Por causa disso, "a psiquiatria é uma das últimas áreas da m edicina que ainda não conseguiu o status de ciência", diz Sabbatini. É o que os especialistas chamam de fase empírica não científica: quando se descobriu, pela prática, que uma erva ou uma atitude ajudam a prevenir ou curar uma doença, m as sem ninguém saber exatamente por quê. Por exemplo: no século 18, o médico italiano Giovanni Lancisi acr editava que a malária era contraída ao se respirar o ar fétido de pântanos - daí o nome da doença, que vem de "maus ares". De fato, deixar de circular em pântanos evita malária, mas não por causa dos maus ares, e sim porque o lugar é cheio de mosquitos - estes, sim, a verdadeira origem da doença. As psicoterapias podem estar nesse nivel. Baseiam-se numa crença forte e têm alguma eficiência, mas ninguém sabe exatamente como a m elhora acontece. E mais: pode haver uma causa e um tratamento mais acertados, que ainda não foram descobertos. Um exemplo é a genética. Por muito tempo, acreditou-se que a esquizofrenia era um mal psicológico que deveria ser tratado no divã. Quando vieram à tona su as raízes genéticas e químicas, a psicoterapia para tratar esquizofrenia virou coisa do passado. Do mesmo modo, cada vez mais pesquisas ligam os genes à predisposição ao comportamento depressivo. Em 2008, uma pesquisa de biólogos evolutivos dos EUA mostrou que a hiperatividadE' tem laços genéticos. Psicólogos costumam explicar esse distúrbio como uma estratégia de fil hos para chamar a atenção dos pais. Já os biólogos americanos descobriram que há uma razão evolutiva para a hiperatividade existir. Q uando o ser humano vivia em grupos nômades,

não conseguir parar quieto era uma vantagem competitiva para caçadores e pastores. Hoje, porém, a vida sedentária fez desse traço um problema. Pesquisas como essa mostram que, no futuro, os cientistas podem descobrir que tratar depressão ou hiperatividade no divã é tão equivocado quanto achar que os ares do lodaçal causam malária.

Trapalhadas no divã Para os psicoterapeutas, porém, a história é outra. Se linhas dife rentes de tratamento funcionam da mesma forma , não significa que o efeito da terapia seja placebo ou coisa parecida. E sim que a eficácia • A • não depende do tipo de tratamento, mas da vontade do paciente em amadurecer, da habilidade do terapeuta e sobretudo da relação que os dois desenvolvem. Pouca gente gostaria, por exemplo, de se tratar com quem se compromete mais com a doutrina em que se formou do que com o paciente. E passa as sessões tentando encaixar o pobre coitado na teoria. Críticos da psicanálise chamam essa prática de "cara eu ganho, coroa você perde". É o caso do analista convicto de que o rapaz sofre do clássico complexo de Édipo, quer matar o pai para ficar com a mãe. Se ele concorda com a interpretação, perfeito. Se não, é porque está reprimindo impulsos sexuais. "Um dos desafios é não tornar o nosso fazer um leito de Procusto", diz Julieta Quayle, um dos presidentes da Associação Brasileira de Psicoterapia. No mito grego, os hóspedes de Procusto não saíam vivos de sua casa, pois ele cortava ou esticava seus pés para que coubessem no tamanho exato da cama que oferecia. Também há o problema da má formação. A cada ano, o Bras il ganh a

milhares de novos psicólogos. Muitos saem de faculdades pouco prestigiadas, não fazem um curso de especialização num método ou num distúrbio e mesmo assim abrem seus ouv idos para tratar das razões individuais do ser humano - talvez o objeto de estudo mais complexo que existe. Além disso, terapeutas também têm seus problemas emocionais, que podem resvalar para o paciente. Nem todos mantêm uma necessidade básica: s ua própria terapia. "Como é possível uma pessoa guiar os outros num exame das estruturas profundas da existência sem examinar a si mesmo?", questiona Yalom. Entre os resultados da falta de análise do terapeuta, está o de seduzir ou deixar- se seduzir pelo paciente. Não raro terapeutas mal analisados têm relacioname ntos amorosos com clientes. "Se fôssemos submeter terapeutas a um controle estatístico, poucos sobreviveriam", diz o neurocientista Sabbatini . Mas, como grande parte do s ucesso do tratamento depende de quem está se tratando, é muito difícil avaliar um terapeuta. Para o profissional, fica fácil culpar o paciente pela ineficácia das sessões. Diante disso, faz sentido a metáfora que o psicólogo clínico americano Scott Miller usa para falar do paciente: cliente herói. "Quer o terapeuta funcione ou não, depende do cliente, e de suas habilidades heroicas, levantar-se contra as coisas horríveis que lhe aconteceram", afirma ele.

Dá para confiar numa c1enc1a quenao conhece bem a causado que tenta tratar?

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A terapia no futuro A falta de certeza do tratamento pelo menos tem uma vantage m: exigir terapeutas cada vez mais focados em res ultados, que usem técnicas mais científicas para descobrir o problema

do paciente. "No futuro, talvez possamos diagnosticar os transtornos por meio de exames de neuroimagem", diz Landeira-Fernandez. Na hora do tratamento, uma das tendências é que cada vez mais os profissionais se especiali ze m no d istúrbio e não numa doutrina intelectual. Um exemplo é o trabalho do psicólogo clínico Albert Rizzo, da Universidade do Sul da Califórnia. Ele adequou a terapia cognitivo-comportamental a um game de guerra e tratou soldados que sofreram traumas no Iraque. "Jovens acostumados à realidade virtual, eles se sentem incentivados a voltar aos eventos da guerra pelo computador", diz Rizzo. Mas também existe a tendência oposta: de que algumas correntes fiquem ainda mais distantes da ciência e próximas da fi losofia, criando sessões nas quais a cura seja um fator secundário. "Vivemos questões existenciais que acompanham o ser humano há séculos", diz o filósofo Lúcio Packter, pioneiro da filosofia clínica no Brasil. Não à toa, o psiquiatra lrvin Yalom dedicou o livro A Cura de Scllopenhauer aos filósofos clínicos - que ele chamou de terapeutas do futuro: "Nós [os psicólogos] fazemos parte de uma tradição que remonta não só aos nossos ancestrais imediatos da psicoterapia, começando com Freud e Jung, e todos os ancestrais deles Nietzsche, Schopenhauer, Kierkegaard -,mas também Jesus, Buda, Platão, Sócrates, Galeno, Hipócrates e todos os outros grandes líderes religiosos, filósofos e médicos que se ocuparam de cuidar do desespero humano". Essa é uma venerável agremiação. O

PARA HBfR 1.\AIS OS DESAFIOS DA TERAPIA. lrvin Yalom. Ediouro. PLACEBO. Oylan Evans. HarperCollins Publishers Ltd. PSICOTERAPIA$- ABORDAGENS ATUAIS. Aristides Volpato Cordioli. Artmed. ESTUDOS SOBRE A HISTERIA. Sigmund Freud. lmago.

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SAVANT

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OS MAIORES GEREBROS DO MUNDO

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As mentes mais extraordinárias da Terra pertencem a pessoas que mal conseguem falar ou calçar os próprios sapatos. Conheça os savants - e o que eles podem nos ensinar sobre os limites da inteligência humana. Text;g~il)_ql do_,)q_s_é

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300 páginas em 40 minutos. Uma página com cada olho. Desde a infância até sua morte em 2009, aos 58 anos, o americano leu mais de 9 mil livros, mais ou men os um a cada dois dias. E com uma diferença em relação a você: ele não esquecia nada do que lia. Kim sabia de cor a história de todos os países, seus p residentes, quando eles nasceram, quem foram as esposas deles. Recitava qualquer trecho da Bíblia, do Alcorão ou da estrutura interna de um ônibus espacial. Mas o que Kim fez era pouco perto do que o britânico Daniel Tammet faz. Tammet simplesmente inventou uma matemática particular. Pergunte para Daniel quanto é, digamos, 27 elevado à 5apotência. Ele vai responder rapidinho que isso dá 10.460-353.203. Só que sem ter feito uma conta nem decorado nada. Os resultados surgem por mágica na cabeça desse inglês timido de 36 an os. E ele não é incrivel só com números. A rede americana de TV PBS o desafiou a aprender islandês, uma língua que até quem nasceu na Islândia acha complicada, em uma semana. Sete dias depois, Daniel estava num talk show em Reykjavik contando que o idioma deles era "mjog fallegur" ("muito bonito") - era a u adas línguas que ele aprendia a falar fluentemente. Daniel e Kim, diga-se, têm outra coisa em comum além desses superpoderes: os dois foram diagnosticados com transtornos mentais. Por muito tempo, ach ou-se que Kim era autista, mas um estudo em 2008 revelou que ele provavelmente tinha a rarissima síndrome FG, o que fez com que não tivesse um corpo caloso, parte que conecta os dois lados do cérebro. Ele mal conseguia falar, não sabia abotoar a camisa e, quando criança, lhe recomendaram internação para o resto da vida. Daniel tem sindrome de Asperger, um transtorno do esp ectro do autismo. Ele é mais comunicativo, um rapaz bem simpático até, mas se sente perturbado quando anda em ruas movimentadas e é tão desligado que n ão consegue pegar um ônibus sem se perder. E eles não são únicos. Isso de combinar algum transtorno com brilhantismo, ou até genialidade, em certas áreas, é conhecido como síndrome de savant ("sábio", em francês), uma condição raríssima que desafia as ideias sobre como a mente funciona. Kim era conhecido como o "m egasavant". Ninguém deveria ser capaz de decorar com precisão a quantidade de informações que os savants (vamos chamá-los assim, daqui para a frente) conseguem acessar sem o m enor esforço em seus "discos KIM PEEK LIA UM UVRO de

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CÁLCULO

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PENSE EM 30

Ele imaginou formas para todos os números entre o e 10 mil. Cada um ganhou identidade própria.

Daniel Tammetfoi o primeiro savant que conseguiu descrever como sua mente faz cálculos sobre-humanos sem fazer força. Veja como. (E nem pense em tentar você mesmo!)

ENCAIXE

Para multiplicar, ele aproxima mentalmente os "números" e deduz como preencher o espaço entre eles.

rígidos" cerebrais. Também não parece fazer sentido a maneira como muitos deles lidam com a matemática: fazer contas gigantes é, para eles, uma atividade não consciente, como andar de bicicleta. E se pessoas com mentes comuns aprendessem a fazer isso? Será que todo mundo tem um "savant adormecido" dentro do próprio cérebro? É o que veremos a seguir.

"Idiotas sábios" A primeira descrição que temos do savantismo foi feita em 1887 p or John Langdon Down, psiquiatra britânico mais conhecido por ter feito também o primeiro relato científico sobre a sindrome de Down. Uma das principais experiências de Down com savants envolveu um paciente que conseguia recitar de cabeça o livro O Declínio e Queda do Império Romano, um catatau de seis volumes. Down batizou os portadores do problema de "idiotas savants" (calma, na época "idiota" era um termo técnico). Alguma forma extraordin ária de memorização parece estar por trás de todos os casos de savantismo, mas é bom qualificar essa afirmação: trata-se de uma memória diferente da que você usaria para decorar um número de telefone, por exemplo. Parece envolver pouco pensamento consciente e, muitas vezes, nem exige compreensão do que está sendo decorado. Darold Treffert, psiquiatra da Universidade de Wisconsin em Madison (EUA), relata o caso de dois gêmeos americanos com dano cerebral congênito,

Daniel reconhece todos os números primos até.

PRONTO!

Então Tammet lembra que forma tem o número que se encaixa melhor no espaço vago. E dá a resposta certa.

George e Charles, que não conseguiam fazer contas de somar simples, mas se divertiam gritando um para o outro números primos (os que só são divisíveis por 1 e por eles mesmos) de 20 digitos, da ordem de quintilhões. Em comparação, a sua memória só conseguia lidar com sete ou oito algarismos. É inconcebível fazer operações mentais con scientes com números desse tamanho. George e Ch arles, assim como Kim Peek e vários outros savants, também eram calculadores de calendário. Se você dissesse a Peek em que dia do mês e ano nasceu, ele respondia imediatamente com o dia da semana em que você veio ao mundo. O preço que se paga para ser um savant é alto. Em geral, esses indivíduos são 10% dos autistas. Daniel Tammet é uma exceção. A síndrome de Asperger é uma forma moderada de autismo, e tem ganhado bastante visibilidade br i 1hanti s mo nos últimos anos, com seus portadores se excepcional combinado organizando em prol da aceitação. Os "ascom um transtorno pies", como chamam a si mesmos, têm boa capacidade verbal, embora se compliquem mental ganhou o nome em situações sociais. de "savant", dado pelo Além de ser um savant, Tarnmet também tem sinestesia, uma forma rara de percep- mesmo psiquiatra que ção que faz o cérebro misturar sentidos primeiro descreveu a sons podem ter cores associadas a eles, por Síndrome de Down. exemplo. E isso toma sua mente ainda mais fascinante. A sinestesia dele é numérica. Ele afirma que todos os números de o a 10 mil possuem formas visuais específicas e até personalidades, como se fossem indivíduos mesmo. "O 11 é amigável, o 5 é barulhento e o 4 é meu número favorito, porque é quieto e tímido como eu", conta Tammet em Nascido num Dia Azul, sua autobiografia. O britânico também reconhece todos os números primos até 9·973 porque eles lhe parecem "redondos e lisos, como os seixos numa praia". Ao fazer multiplicações enormes, seu tipo favorito de contas, Tarnmet visualiza _....

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Num experimento na Austrália, pessoas tiveram partes de seu cérebro desligadas , simulando dano neurológico . Com isso, tornaram-se como os savants por um tempo.

as tais formas dos números que estão sendo multiplicados lado a lado, separados por um espaço. Essa brecha tem exatamente o formato do produto da multiplicação: basta preenchê-la para que ele saiba a resposta certa (veja na página anterior). O neurocientista Vilayanur Ramachandran, do Centro de Estudos do Cérebro de San Diego, testou as formas numéricas de Tammet, pedindo que ele as moldasse usando massinha de modelar e, no dia seguinte, as refizesse. O resultado foi consistente, ou seja, ele associa sempre a mesma forma ao mesmo número. As pessoas normais tendem a pensar nos números como abstrações puras. Tammet os transforma em objetos concretos, tão fáceis de entender quanto um cachorro ou um gato. Esse pode ser um segredo da inteligência savant, de acordo com Darold Treffert. A memória que mais usamos para atividades intelectuais é a consciente, que nos ajuda a lembrar se "espaço" se escreve com sou ;. Mas há outro tipo importantíssimo de memória: a implícita- aquela que nos permite trocar as marchas do carro sem pensar. Tammet se tornou um ícone do lado positivo da síndrome de Asperger. Depois de sua autobiografia de 2007, ele publicou dois outros best-sellers, que ainda não chegaram ao Brasil. Em 2012, ele foi aceito na Royal Society of Arts.

Você pode ser um savant Ao que parece, as complicações mentais que os savants têm os deixam sem acesso a grande parte da memória consciente. Então seu cérebro simplesmente transfere as funções dela para a implícita. E eles fazem automaticamente coisas que temos de pensar (e muito) para fazer. É uma capacidade não muito diferente de reconhecer um rosto. Nós nunca precisamos de uma descrição verbal da cara de um amigo para determinar que ele é o Paulo, e não o José: nosso cérebro simplesmente sabe. Para Tarnmet, os números funcionam assim. E talvez você seja mais parecido com ele do que imagina. É o que pensa o neurologista Allan Snyder, da Universidade de Sydney. Para ele, existe um Daniel Tarnmet dentro da sua cabeça. Esse "savant interior", segundo o australiano, foi quem fez você aprender a falar. Se você se mudar para a Islândia e tiver um filho lá, terá urna criança bilingue em casa. Ela vai aprender português em casa e islandês na escola, e falar os dois idiomas. Você pode até aprender a língua local, mas nunca terá a fluência do seu filho. Essa habilidade mágica de "sugar" um idioma existe apenas na infância porque a mente vai "calejando" com o tempo. Por exemplo: qm lê um txto scrito dste jto consegue entender a frase porque o cérebro criou 60 SUPER

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padrões para cada uma dessas palavras. Com os sons de um idioma estranho é o contrário: sua mente está tão calejada com o português que decifrar novas línguas de ouvido não é fácil. Já os savants não teriam esse problema. Para Snyder, o cérebro deles impede que esses calos mentais apareçam. Daí a capacidade de aprender islandês em uma semana. E a coisa mais maluca aqui é que Snyder tentou fazer com que esse savant que um dia esteve na sua cabeça apareça de novo para dar um oi. Como? Aplicando únãs no crânio. A ideia foi "desligar" temporariamente partes da massa cinzenta a fim de simular os danos que os savants têm no cérebro. E assim fazer com que você veja o mundo como se fosse um deles. E não é que deu certo? Em 2005, Snyder fez com que pessoas submetidas ao experimento "virassem savants" por algum tempo, desenhando de forma mais precisa ou encontrando com mais facilidade erros de digitação. Talvez Peek, Tarnmet e outros savants estejam em grande companhia: Isaac Newton e Albert Einstein. Não, não existe prova nenhuma de que eles portavam essa condição. Mas alguns neurologistas acham que os dois apresentavam, sim, pelo menos alguns sintomas da síndrome de Asperger- principalmente inabilidade social e obsessões compulsivas. De fato, Newton mal abria a boca e ficava imerso no trabalho a ponto de não comer. E Einstein, que se comportava como um autista até os 7 anos, repetindo frases sem parar, era tão desligado que certa vez não percebeu um terremoto enquanto divagava. Talvez nunca saibamos se eles eram ou não versões moderadas de Daniel Tammet. Mas Einstein pode ter deixado uma pista: "Uso sinais, imagens mais ou menos claras, como ferramentas para pensar. Elas se encaixam sozinhas, voluntariamente. Esse jogo de combinações me parece mais essencial que construções lógicas com palavras". Qualquer semelhança disso com o que você leu nestas páginas talvez não seja mera coincidência.

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PUA SHEH MAIS NASCIDO NUM DIA AZUL, Daniel Tammet, Estrela Polar

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de c hutômetro. Quem quisesse entender a mente humana só tinha uma coisa a fazer: especular. Mas eis que, na década de 1990, os cientistas puderam ver nosso cérebro em pleno funcionamento pela primeira vez na história. Tecnologias avançadas pareciam colocar ao alcance o fim dos mistérios da mente. Seguiram-se duas décadas de muitos progressos - ou não? Talvez não: começa a emergir, em um grupo eclético de pesquisadores, a sensação de que todas as imagens coloridas do sistema nervoso em ação não passam de miragem. Ainda estariamos muito longe de compreender como o cérebro produz a consciência. "Quando se fala em imagens do cérebro, ver pode equivaler a acreditar, mas não necessariamente a compreender", afirmam a psiquiatra Sally Satel e o psicólogo Scott Lilienfeld, autores de Brainwashed: 7he Seductive Appeal ofMindless Neuroscience ("Lavagem cerebral: O apelo sedutor da neurociência irrefletida"). O livro é apenas um de uma leva que busca baixar a bola dos neurocientistas. A grande questão é o que se pode e o que não se pode saber sobre o funcionamento do cérebro. Estamos falando de um sistema nervoso com mais de 100 trilhões de conexões paralelas, trabalhando de forma frenética para manter nosso corpo funcionando. O que chamamos de consciência é uma parte relativamente pequena dessa conta. Ironicamente, é onde tudo parece se complicar. FORAM MILÊNIOS

responsável por uma certa função. Mas as coisas não são tão simples assim. No cérebro, temos um fenômeno conhecido como plasticidade. É a capacidade de modificar as conexões cerebrais para adquirir novas habilidades. Graças a essa capacidade constante de reorganização, podemos aprender novas coisas e produzir memórias. Ou sofrer um acidente cerebral, mas recuperar movimentos na fisioterapia. Ou tocar piano muito bem- a área do cérebro responsável pelo movimento dos dedos se expande nos pianistas. A plasticidade foi confirmada e reforçada em anos recentes com técnicas que permitem ver o cérebro trabalhando em tempo real. O novo passo é, nessa tempestade de impulsos elétricos, conseguir ver imagens. Imagens mesmo: em 2011, pesquisadores da Universidade da Califórnia em Berkeley conseguiram reconstruir imagens coloridas obtidas a partir da visão de voluntários usando ressonância magnética funcional. Os vídeos gerados não são uma perfeição, mas permitem ver vultos das imagens a que as pessoas foram expostas enquanto estavam na máquina de ressonância. Eles esperam que, no futuro, seja possível gravar sonhos para rever na televisão qu ando estiver acordado. Inovações como essas fazem parecer que, finalmente, o entendimento de como fu nciona nosso pensamento está a apenas um passo ou dois de distância. Só que não.

Alguns acertos Um dos lampejos mais antigos da neurociência - obtido ainda na época em que o imageamento sofisticado não estava disponível - é o de que o cérebro é dividido em módulos. Cada pedaço seria

Várias falhas Às vezes, os neurocientistas se entusiasmam tanto que começam a imaginar ter explicado coisas que estão longe de ser resolvidas. "A despeito de

inferências bem informadas, o maior desafio do imageamento é que é muito difícil os cientistas olharem para um ponto ativo em uma imagem cerebral e concluírem com certeza o que está acontecendo na mente da pessoa", dizem Satel e Lilienfeld. Um exemplo eloquente de como eles podem escorregar na casca de banana aconteceu em 2008, quando um grupo de neurocientistas da empresa FKF Applied Research, de Washington, tentou enxergar o "posicionamento político" no cérebro de voluntários indecisos sobre sua preferência na eleição presidencial americana. Eles foram colocados em máquinas de ressonância magnética e expostos a imagens de diversos pré-candidatos democratas e republicanos. Segundo suas conclusões, publicadas em artigo no jornal The New York Times, os dois pré-candidatos mais impopulares eram John McCain e Barack Obama, meses depois indicados por seus partidos. Obama ganhou aquela eleição e era tão "impopular" que foi reeleito. Para a dupla de neurocéticos americanos, há fatores intangíveis na compreensão da mente que nunca surgirão em imagens cerebrais. "O domínio neurobiológico é de cérebros e causas físicas. O domínio psicológico é de pessoas e seus motivos. Ambos são essenciais para um entendimento completo de por que agi mos como agimos", escrevem a psiquiatra e o psicólogo. E o que pensa um neurologista, mais acostumado aos fatos nus e crus da fisiologia cerebral? Se esse neurologista for o americano Robert Burton, a opinião não é muito diferente. "Olhar para as mais detalhadas imagens do cérebro não capturará o que sentimos quando experimentamos amor ou desespero, tanto quanto examinar os pixels individuais numa pintura não lhe dará um senso geral do quadro", afirma. Um dos desafios das pesquisas de neurociência é que, para correlacionar um tipo de pensamento a um padrão de

atividade cerebral, é preciso que o voluntário relate o que está pensando. Aí fica fácil dizer que visualizaram "amor" ou "ódio" no cérebro. Mas é quase uma redundância. O voluntário já sabia o que estava sentindo, e não precisava de uma imagem cerebral para provar! Por outro lado, sem a informação de quem está "do lado de dentro" da mente, o padrão de atividade em si não permite mais que inferências muito gerais.

Mentes que mentem Em seu livro A Skeptic's Cuide to the

Mind: What Neuroscience Can and Cannot Te li Us About Ourselves ("Um guia cético para a mente: o que a neurociência pode e não pode nos dizer sobre nós mesmos", sem versão em português), Burton sugere que acreditar cegamente no poder da neurociência pode levar a situações dramáticas. Com ampla experiência na prática médica, ele lembra os casos em que a pessoa fica em coma profundo, ou em estado vegetativo, por vários anos. Alguns neurocientistas têm investigado o nível de atividade cerebral nesses pacientes e sugerido, a partir disso, que eles ainda estão conscientes, apesar de incomunicáveis. Burton defende que essa é uma conclusão precipitada, sem base em ciência sólida, e que pode levar ao sofrimento muitos parentes que tiveram de fazer a opção por desligar o suporte de vida a esses pacientes. Indo mais longe, Burton acredita que há uma fal h a essencial que impedirá os humanos de compreenderem sua própria mente. "Acho que todos nós - neurocientistas, cientistas cognitivos, psicólogos, filósofos e leigos - deveríamos estar cientes do paradoxo essencial", afirma. "Faz part e da condição humana experiment ar uma mente gerada de for ma involuntária, que acredita que pode explicar a si mesma de maneira racional. Esse paradoxo é inevitável e não contornável com ciência melhor ou novas tecnologias." Será? O

NEUROSSUCESSOS cl"' Já foram identificados o centro de recompensa, as áreas responsáveis pela memória, pela visão, pela audição e até mesmo que região é usada na leitura (uma atividade aprendida, em que o cérebro empresta uma área associada a reconhecimento de rostos).

Este ano, um homem pa raplégico conseguiu voltar a andar com eletrodos conectando os sinais elétricos emitidos pelo cérebro aos músculos de suas pernas, simulando a conexão da medula espinhal.

Estudos no Japão já mostraram que é possível interpretar sinais do córtex visual e t ransformá-los em imagens muito próximas do que os voluntários estão vendo. O passo seguinte é fazer a mesma coisa com sonhos.

NEUROFRACASSOS Um relatório de 2013 publicado na revista Noture Reviews Neuroscience demonstrou que os estudos de neurociência em geral têm uma confiabilidade estatística muito baixa. Como eles usam poucos voluntários, é difícil distinguir fenômenos reais de flutuações.

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Embora a compreensão de fenômenos neurológicos que levam a doenças como epilepsia e mal de Alzheimer tenha aumentado, pouquíssimas drogas eficazes surgiram como resultado dos avanços recentes da neurociência.

Na Índia, em 2008, eletroencefalogramas foram usados para condenar à prisão perpétua uma estudante de 25 anos, acusada de matar o ex-noivo envenenado. Outros dois foram condenados por assassinato pelo mesmo método, até que um relatório, naquele mesmo ano, mostrou que os exames eram absolutamente inconclusivos.

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Corvo gênio

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Humanos têm cérebro grande em relação ao peso do corpo. Mas não tanto quanto os corvos - esses sim são cabeções. Infográfico Alexandre Versignossi e Fabrício Mirando

Corvo da Nova Caledõnla

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corpo 340 gramas cérebro 8 gramas

Humanos corpo 70 quilos cérebro 1.345 gramas

Esquilo-Cinzento corpo 500 gramas cérebro 8 gramas

Chimpanzé corpo SO quilos cérebro 384 gramas

Golfinho Nariz-de-Garrafa corpo 250 quilos cérebro 1.700 gramas

Elefante Africano corpo S toneladas cérebro 5.400 gramas

Cachalote corpo 41 toneladas cérebro 7.800 gramas

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