Sundfeld (Direito Administrativo Para Ce-ticos) (3)

June 19, 2019 | Author: Paulo Fazzi | Category: Public Interest, State (Polity), Brazil, Republic, Administrative Law
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Direito Administrativo. Carlos Ari Sundfeld...

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 Livros publicados nesta CoÍeção sob os auspícios da Socieda Sociedade de Brasil Brasileir eiraa de Direi Direito to Público Público - sbdp

CARLOSARISUNDFELD

Comentários à Lei -de -ppp ~_Fundamentos Econômico-Jurí Econômico-Jurídicos dicos (sbdp/Malheiro (sbdp/Malheiross Editore Editores, s, P. ed ed .• 2a   tir. tir., São Paulo, Paulo, 2010) 2010) - MAURÍCIo MAURÍCIo PORTUGALRIBE PORTUGALRIBEIRO IRO e LUCAS  NA VA RR OP RA Do Concessão   (sbdpl (sbdplMalh Malheir eiros os Editore Editores, s, São Paulo Paulo,, 2010) 2010) - VERA VERA MONTEIRO MONTEIRO Contratações Contratações Públicas Públicas e seu Controle Controle (sbdplDireito (sbdplDireito   GV /Malhei /Malheiros ros Editor Editores, es, São PauPau10,2013) 10,2013) - Org. CARLOSAro CARLOSAro SUNDFELD SUNDFELD

 Direito Administrativo

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 Direito Administrativo para Céticos (sbdplDireito   GV lMalhei lMalheiros ros

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 Direito da Regulação

e Políticas Públicas' (sbdplMalheiros   Editore Editores, s,

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 Direito das Concessões de Se",iço Público - Inteligência da Lei 8.987/ 8.987/199 19955 (Parte (Parte Geral)(sbdplMalheiros Editores Editores,, São Paulo, Paulo, 2010) - EooN BOCKMANNMOREI BOCKMANNMOREIRA RA  Direito Processual Público - A Fazenda Pública em Juízo (sbdplMalheiros   Editores, la 00., 00., 2a tir. tir.,, São Paulo, Paulo, 2003) 2003) - Coords Coords.. CARLOS ARI SUNDFELD SUNDFELD e CÁSSIO SCARPISCARPI NE LL AB uEN O Estatut Estatutoo da Cidade Cidade (sbdpl (sbdplMalh Malheir eiros os Editor Editores, es, 3 ed., ed., São Paulo, Paulo, 2010) 2010) -:- Coords Coords.. ADILSON ABREU ABREU DALLARIe SÉRGIO FERRAZ  Improbidade Administrativa - Questões Polirnicas e Atuais (sbdp/Malheiros   Editores, 2 1 1   ed., ed., São Paulo, Paulo, 2003) 2003) - Coords. Coords. CÁSSIO CÁSSIO SCARPlNELLA SCARPlNELLABUENO BUENO e PEDRO PAULO D E R E zE N D E P O R T O F IL H O  Jurisprudência Constitucional: Como Decide o STF? (sbdplMalheiros   Editor Editores, es, São Paulo, Paulo, 2009) 2009) - Coords. Coords. DIOGO R. CmJTINHO e ADRIANA ADRIANA VOJVODIC VOJVODIC  Jurisdição Constitucional no Brasil (sbdplMalheiros   E d itit or or es es , S ã o P au au lloo , 2 01 01 2) 2) Orgs: ADRIANAVONODIC, HENRIQUEMOTIA PINTO, PAULA GORZONI e RODRIGO PAGA NI DE SO UZ A  As Leis de Processo Administrativo - Lei Federal   9.784/1999   e Lei Paulist Paulistaa 10.17711998 10.17711998 (sbdplMalheiro (sbdplMalheiross Editores Editores,, l' ed., ed., 2' tir., r ., São Paulo, Paulo, 2006) - Coords. CARLOS ARI SUNDFELDe GillLLERMO ANDRÉ MuNOZ  Licitação no Brasil (sbdplMalheiros Editore Editores, s, São Paulo, Paulo, "2013) "2013) - ANDRÉ ROSILHO" ROSILHO" lM a lhlh eiei ro ro s E d itit or or es es , 2 a ed., ed., São Paulo, Paulo, Parcerias Parcerias Público-Privadas Público-Privadas (sbdplDireito (sbdplDireito G V lM 11

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Comunidades Comunidades Quilombolas: Quilombolas: Direito Direito à   Terra (Artigo (Artigo 68   do ADCT) ADCT) (sbdp/Centro (sbdp/Centro Pesquis Pesquisas as Aplicad Aplicadasl aslFun Fundaç dação ão Cultura Culturall Palrnar Palrnaresl eslMini Ministé stério rio da Cultur CulturalE alEdit ditora ora Abaré, Abaré, Brasíl Brasília, ia, 2002) 2002) - Coord. Coord. CARLOSAR! SUNDFELD SUNDFELD im on on ad ad , S ão ão P a ul ul o,o, 1 99 99 9) 9)  Direito Global (sbdp/School of Global Law/Max   L im Coords. Coords. CARLOS AR! SUNDFELDe OSCAR VILHENA VIEIRA

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DIREITO DIREITO ADMINISTRATIVO ADMINISTRATIVO

PARA CÉTICOS

o  primeiro colocou em xeque muitas das ideias sobre a especialidade lidade desse direito, direito, atingiu atingiu o conceito conceito de   serviço serviço público e introduziu introduziu as novi novida dade dess da regu regula laçã ção. o... . . O segund segundo o critic criticou ou o model modelo o burocr burocráti ático co que havia havia inspir inspirado ado as reform reformas as a partir partir da Era Era Vargas Vargas e que teve tanta tanta influê influênci nciaa em temas como como servid servidore oress públic públicos, os, regime regime da Admi Adminis nistra tração ção indire indireta ta e licita licita-ção. ção. A refo reforma rma da gestão gestão públic públicaa propõe propõe introd introduzi uzirr certas certas flexib flexibili ili-dades e trocar trocar alguns dos controles controles formais formais por controles controles de result resultado, ado, dentro dentro de um enfoqu enfoquee de   adminis administraçã tração o gerencial. gerencial. Por último, último, tem-se tem-se vivido, desde o surgim surgimento ento da Consti Constituiçã tuição o de 1988, 1988, uma maré maré montan montante te na judici judiciali alizaç zação ão de ques questõe tõess envolv envolvend endo o a administraç administração, ão, com o frequente frequente uso de princípios princípios bastante bastante imprecisos imprecisos  para controlá-la (como o   prin princíp cípio io da dignida dignidade de da pesso pessoa a humana humana). ). Isso Isso de algum algum modo modo coloca coloca em questão questão a própr própria ia noção noção de Direit Direito o (afina (afinal, l, ele agora agora inclui inclui esses esses princíp princípios ios todos, todos, assim assim aberto abertoss e indeindetermin terminado ados, s, com força força normat normativa iva?) ?) e, porta portanto nto,, também também de direit direito o administrativo. Por certo tudo isso é objeto objeto de intenso intenso debate debate no mundo mundo jurídico, jurídico, com choques choques releva relevante ntess de visão visão.. Mas ainda ainda não parece parece muito muito claro claro como como é que as coisas coisas vão se estabili estabilizar zar.. De modo que devo encerrar encerrar esse relato relato sobre a formação formação do direidireito administra administrativo tivo brasileiro brasileiro chamando chamando a atençã atenção o para a caracter característica ística do período período que estamos estamos vivend vivendo. o. As visões visões estão estão mudand mudando, o, há novos novos conceitos conceitos a elaborar, elaborar, há experiênc experiências ias a consol consolidar idar e muito muito debate ainda a fazer. fazer. Não é um moment momento o fácil fácil para quem quer quer entend entender er o direito direito administra administrativo, tivo, mas é fascina fascinante nte para influir influir em sua construção construção..

Capítu Capítulo lo 2

 A CONSTRUÇÃO DO DIREITO  ADMINISTRATIVO BRASILEIRO E SUAS /DElAS ] . Introduçã Introdução. o. 2. Direito  Direito administr administrativo ativo,, alicerce alicerce do País. 3.  Osjuris tas brasileiros e a mentalidade do Estado administrativo. 4.  Direito  administrativo, ferramenta do desenvolvimento. 5.   Um sistema sistema de  princípios contra a pluralidade do direito do desenvolvimento. 6.  Di reito administrativo, engrenagem da democracia. 7. O   "jurista cor dial" e sua peculiar visão de direito administrativo na democracia.

1. Introdução Este Este ensaio ensaio procur procuraa mostra mostrarr como, como, no curso curso da História História,, novos novos objeti objetivos vos,, não exclude excludente ntes, s, foram foram sendo sendo incorp incorpora orados dos pelo pelo Direit Direito o Brasileiro Brasileiro relativo relativo à Administra Administração. ção. Os tópicos tópicos a seguir destacam destacam estes três: primeiro, primeiro, o objetivo objetivo de construir construir um Estado administrativo administrativo,, em seguida o de desenvolv desenvolver er o País, País, depois depois o de controlar controlar a AdminisAdministração tração e democrati democratizar. zar. Portanto, Portanto, as figura figurass para iniciar iniciar a exposiç exposição ão de nosso direito administra administrativo tivo são as de alicerce alicerce do País, ferramenta ferramenta do desenvolvi desenvolvimento mento e engrena engrenagem gem da democrac democracia ia 1 Entremeada Entremeadass à exposi exposição ção mais factual, factual, são destacad destacadas as e discutidiscutidas as ideias que, em conjunto conjunto com as personalid personalidades ades dos administr administraativist tivistas, as, deram deram format formato o às concep concepçõe çõess doutri doutrinár nárias ias que vingar vingaram am e ainda influem na atualidade atualidade no Brasil. Brasil. 1. Para uma perspectiva perspectiva distinta distinta sobre a história do direito direito administra administrativo tivo no Brasil, Brasil, v. Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Pietro, "500 anos de direito administrati administrativo vo brasileiro", leiro", in Maria Sylvia Zanella Zanella Di Pietro e Carlos Carlos Ari Sundfeld  (orgs.),   Direito Admi nistrativo - Doutrinas Essenciais, vaI. I, São Paulo, Ed. RT, 2013, pp .  121-147.

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DIREITO DIREITO ADMINISTRATI ADMINISTRATIVO VO

PARA CÉTICOS CÉTICOS

2. Direito Direito administrat administrativo, ivo, alicerce alicerce do País

 Na medida em que ia' sendo inventado entre nós, o 'direito administra nistrativ tivoo foi servi servindo ndo de alice alicerce rce da obra obra de constru construção ção do Estado Estado ' Brasileiro Brasileiro e do País. País. O Impéri Impérioo do Brasil Brasil surgiu surgiu formalmente formalmente com a Independên Independência cia em 1822, herdando herdando alguma alguma estrutura estrutura administra administrativa tiva que ha havia via sido criada criada após após a trans transfer ferênc ência ia da sede do Reino Reino de Portug Portugal al para para o Rio de Janeiro, neiro, em 180 1808. 8. Mas, Mas, além além de precá precária ria,, era uma estrutur estruturaa do An Antig tigoo Regime, Regime, que a nova ordem tinha de superar. superar. Ademais, tomaria tomaria tempo  para, por meio do Estado e do Direito, reunir em um só País, bem amarra amarrados dos,, regiõe regiõess e grupos grupos que no pa passa ssado do tinham tinham tido tido escasso escasso vínvínculo entre si. A tarefa tarefa consumiu consumiu 110 anos: atravessou atravessou todo o período período do ImpéImpério Brasileir Brasileiroo (até 1889) e a primeira primeira República República (até 1930) e termino terminouu simbolicam simbolicamente ente quand quandoo da vitóri vitóriaa do Govern Governoo Federal Federal sobre a Revolução Constitucio Constitucionalis nalista ta do Estado Estado de São Paulo Paulo (em 1932). A partir partir daí se deu a nacionaliz nacionalização ação definitiva definitiva do Estado Estado BrasileiBrasileiro, pela pela consolidação consolidação de uma estrutura estrutura federal federal abrangente abrangente e forte, forte, que não teve teve mais oposição oposição regional. regional. Também Também ficou sepultada sepultada uma visão visão mais liberal, liberal, menos estatista, estatista, que tentara tentara influir influir na organiza organização ção política do Brasil Brasil nas décadas décadas anteriores anteriores,, quand quandoo da passagem passagem do Impéri Impérioo  para a República. ' De outro lado, em todo esse século século de iniciação iniciação pouco a pouco se haviam haviam definido definido os papéis papéis e a organi organização zação das instituiçõe instituiçõess públicas públicas brasileiras, sileiras, segundo as orientaçõ orientações es de Estado Estado contemporâ contemporâneo, neo, e disso resulresultou nosso estilo de Administ Administração ração Pública Pública e seu corresponden correspondente te direito. direito. O estabele estabelecimen cimento to do direito direito administr administrativo ativo brasileiro brasileiro,, no decordecorrer desse desse período, por certo não foi uma uma reação ao Estado, Estado, seus poderes poderes e excesso excessos, s, mas um esforço esforço desse Estado por se estabel estabelecer ecer e impor. impor.  Nesses primeiros tempos era preciso inventar juridicamente a Admini Administr straçã açãoo Públic Pública, a, em bases bases consti constituc tucion ionais ais e como como parte parte espeespecífica e fundamenta fundamentall de um um novo Estado Estado soberano. soberano. Natural, Natural, então, então, que a atenção atenção dos juristas juristas se voltasse voltasse para os problema problemass da estrutura estrutura e das relaçõ relações es intern internas as das insti institui tuiçõe çõess púb públic licas, as, de modo modo a defi definir nir para para a Administraç Administração ão um espaço espaço próprio próprio no interio interiorr da máquina máquina estatal estatal e um conjunto conjunto de poderes poderes no confronto confronto com os particulare particulares. s.

A CONSTRUÇ CONSTRUÇÃO ÃO DO DIREITOADMINlSl DIREITOADMINlSlRATIVO RATIVO BRASILEIRO BRASILEIRO E SUAS lDEIAS lDEIAS

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Esse esforço de criação veio desde o ato fundador: a Constituição de 1824, com separação separação de Poderes Poderes e Conselho Conselho de Estado, Estado, e também também Com uma Declaração Declaração de Direitos. Direitos. Passou em 1827 pela pela instalação instalação de duas Escolas de Direito Direito para gerar uma elite jurídica, jurídica, que deveria deveria ser a responsáve responsávell peÍo novo novo Estado e por carregar carregar sua ideolog ideologia. ia. Chegou Chegou em Ensaio de  Di1862 a seu primeiro primeiro livro importante importante em nossa área, o   Ensaio reito Administrativo, do Visconde do Uruguai, à época uma das personalidades nalidades públicas públicas centrais centrais do País, País, cuja declara declarada da preocupaçã preocupaçãoo era organizaci organizacional, onal, era colocar colocar "cada uma das peças da nossa organizaçã organizaçãoo administrat administrativa iva (...) no lugar que lhe corresp corresponde" onde".'.' Depois, Depois, quand quandoo da implantaçã implantaçãoo da Repúbli República, ca, no final final do século XIX, foram estabeleci estabelecidas das novas bases para a Justiça Justiça e para o controle controle da Adminis Administraçã tração. o. Daí se seguiu uma sucessão de iniciativas iniciativas (normativa (normativass e intelecintelectuais) tuais) para para organi organizar zar a Admi Adminis nistra tração ção como como alicer alicerce ce do Estado Estado e do País, aÍmnar suas competênc competências ias e estabele estabelecer cer suas formas formas jurídicas. jurídicas.  Nesse longo período, sem contar as Constituições de 1824 e 1891, que trataram trataram das estrutura estruturass mais gerais gerais do Estado, Estado, algumas algumas leis influíram influíram na construção construção das instituiçõe instituiçõess e no arranjo arranjo político. político.  Nos primeiros anos da República, a Lei da Justiça Federal (Lei 22111894), 22111 894), dispondo dispondo sobre controie controie judicial, judicial, adotou adotou noções noções técnicas técnicas em que o papel e  O   espaço espaço da Admini Administraçã straçãoo Pública Pública já estavam estavam bem estabelecid estabelecidos os (e, não por acaso, acaso, essas noções ainda hoje estão no re pertório do direito administrativo). Para definir definir as competênci competências as judiciais judiciais em relação relação à Adminis Administratração Pública, Pública, a lei lei (art. 13) falou em "atos "atos administrativo administrativos", s", "autorida"autoridades administ administrat rativa ivas", s", "lesão "lesão de direito direitoss indivi individua duais" is" e "anulaç "anulação" ão":: "Os juízes juízes e tribuna tribunais is federais federais processarã processarãoo e julgarão julgarão as causas causas que se fundarem fundarem na lesão lesão de direitos individuais individuais por atos atos ou decisão das au,toridades administra administrativas tivas da União" União";; "Verifican "Verificando do a autórida autóridade de judiciária ciária que o ato ou resolu resolução ção em questão questão é ilegal, ilegal, o anulará anulará no todo todo ou em parte, parte, para para o fim de assegu assegurar rar o direito direito do autor" autor";; "Consi "Considederam-se ram-se ilegai ilegaiss os atos atos ou decisõe decisõess admini administr strati ativas vas em razão razão da não aplicação aplicação ou indevida indevida aplicação aplicação do Direito Direito vigente".  Visconde do Uruguai, Uruguai,  São 2. José Murilo Murilo de Carvalho Carvalho (org. e "Introdução "Introdução"), "),  Visconde Paulo, Editora 34, 2002, p.  70.

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DIREITO AD1fiN1STRATIVO

A CONSTRUÇÃO DO DIREITOADMINISTRATIVOBRASILEIROE SUAS IDEIAS

PARA CÉTICOS

De outro lado, para preservar a autonomia da Administração, a lei adotou a ideiade discricionariedade: "A autoridade judiciária fundar-se-á em razões jurídicas, abstendo-se de apreciar o merecimento de atos administrativos, sob o ponto de vista de sua conveniência ou oportnnidade"; "A medida administrativa tomada em virtnde de uma faculdade ou poder discricionário somente será havida por ilegal em razão da incompetência da autoridade respectiva ou do excesso de poder".

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regulamentar, e no seu mecanismo administrativo é mola essencial o Poder Judicial. "A francesa parte em geral do princípio oposto: regular para prevenir que O abuso se dê, removê-lo antes que apareça. Por isso é muito regulamentar, e o Poder Judicial reduz-se em geral a julgar  questões privadas e criminais. (...). "O sistema francês, inteiramente diverso do anglo-saxônico, mais ou menos modificado, é o mais simples, mais metódico, mais claro e compreensivo, e o que mais facilmente pode ser adotado por um País que arrasa, de um só golpe, todas as suas antigas institnições, para adotar as constitucionais ou representativas, e isto muito principalmente quando esse País larga as faixas do sistema absoluto, e, abrindo  pela primeira vez os olhos à luz da liberdade, está mal ou não está de todo preparado para se governar em tndo e por tudo a si mesmo."3 A partir de então, a mentalidade jurídica brasileira pareceu se acomodar a esta ideia: a de que seria necessário um Estado administrativo como centro do País (disse o Visconde do Uruguai: "As necessidades comuns ... o Poder Público deve satisfazer"),' com seu direito  próprio, especial, viabilizando essa missão essencial (mais uma vez Uruguai: "O exercício da Administração, o direito administrativo, é  portanto uma condição essencial de toda a existência coletiva"'). A influência francesa na adoção, desde as primeiras décadas do século XIX, dessa ideia de Estado administrativo não foi destruída  pela Constituição da República, de 1891,de espírito norte-americano. É   verdade que nesse momento o 'Brasil deu uma guinada para o modelo jurisdicional à   americana, de Justiça Comum, abandonando o Conselho de Estado, que tinha sido tomado da França. Também incorporou o presidencialismo e o federalismo. Ademais, o debate jurídico foi apimentado com teses mais liberais em matéria econômica e de liberdade  pessoal (teses para limitar as medidas de.autoridade administrativa). Mas, no caminhar dos anos, a base "à  francesa" - o estatismo, a superioridade do Estado administrativo e a especialidade de seu direi-

3. Osjuristas brasileiros e a mentalidade do Estado administrativo

Todavia, a consolidação do direito administrativo no Brasil nesse  período, com seu vasto leque temático, provavelmente foi obra menos legislativa do que intelectnal e jurisprudencial. O direito que, nesse século inicial, de fato se consolidou pela via legislativa foi o privado, com a edição, em 1916, do primeiro Código Civil brasileiro - o que, aliás, teria impacto no campo público: primeiro, porque o Código tratou não só da propriedade privada, mas das espécies e regimes dos bens públicos; depois, porque a consolidação do direito civil estimularia os publicistas a fazerem esforços de inter pretação para afastar a incidência de certos dispositivos do Código a  problemas da Administração Pública. . Esse movimento veio de uma visão bem menos liberal que a dos mgleses e norte-americanos quanto ao papel da Administração na SOCIedade; no Brasil, a visão que acabaria por prevalecer seria mais estatista, de privilégio e superioridade do Estado, a sugerir um direito especial, administrativo.  Nessa longa fase de construção, a influência francesa foi decisiva, especialmente na absorção da ideia de Estado e de direito administrativo "à   francesa" como melhor solução para um País novo, sem tradição de liberdade. Aliás, é simbólico que o Visconde do Uruguai, pai fundador, tivesse nascido na França (em 1807), escrito seu famoso livro com bi bliografia francesa e defendido com ênfase a aplicação entre nós do que chamou de "sistema francês". Suas ideias eram enfáticas: "A legislação inglesa e americana parte em geral do seguinte  princípio: deixar toda a liberdade e punÜ"o abuso. Por isso é pouco

3.   J o s é   Murilo de Carvalho (org. e "Introdução"),   Visconde

t

474 e   502. 4. Idem, p. 86 5. Idem, p. 110.

1

do Uruguai,   cit.,

pp.

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DIREITO ADMINISTRATIVO PARA CÉTICOS

A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO BRASILEIRO E SUAS IDEIAS

to - iria permanecer como predominante na ideologia do direito administrativo substantivo do Brasil Já,   quanto ao direito administrativo contencioso, à organização da Justiça, aos tipos processuais, prevaleceu a base norte-americana, acrescida da noção de direito público subjetivo de inspiração alemã.

(as terras devolutas) e a aquisição das propriedades pelos particulares, definindo a estrutura fundiária que marcaria a história econômica  brasileira. Da mesma época, a Lei das Estradas de Ferro (Lei 641/1852) regulou o contrato de concessão de serviço público e seus  privilégios, com certas características que ainda hoje conserva, e deu início a uma história de parcerias contratuais de investimento entre  particulares e Estado que seria decisiva no desenvolvimento do País. A vinculação do direito administrativo com a questão do desenvolvimento iria se tornar bem mais intensa a partir dos anos 1930. Logo nos primeiros anos desse período, a Administração Federal  passou por grande transformação. De um lado, pela absorção de novas soluções de administração  burocrática: organização das carreiras públicas (com concurso público e regime jurídico funcional especial), planejamento, primeiras entidades administrativas autônomas (as autarquias) etc. Para tanto, reformas legislativas foram feitas, inclusive com pretensões parcialmente sistematizadoras . Os marcos legais iniciais da organização burocrática foram estes: o primeiro Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União (Decreto-lei 1.713/1939), que sistematizou o regime especial do trabalho na esfera pública; a primeira grande lei de direito financeiro, sobre a ela boração e controle dos orçamentos públicos (Lei 4.320/1964, cujos conceitos ainda hoje são aplicados); e a lei que estabeleceu a organização geral da Administração da União e  O  primeiro conjunto de normas gerais nacionais de licitação (Decreto-lei 200/1967, hoje afetado em muitas de suas disposições, mas com conceitos atuais, como os de Administração direta e indireta, sociedades de economia mista etc.). De outro lado, houve aumento da presença estatal na economia, com a criação de empresas estatais (a Cia. Siderúrgica Nacional, inaugurada em 1946, e depois, entre os anos 1950 e 1970, as grandes estatais nas áreas de petróleo, energia elétrica e telecomunicações) e a expansão dos bancos públicos (os mais antigos o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal e, desde 1952, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialIBNDES, todos controlados pela União), entre outras medidas. Por certo que as tendências em matéria de organização e atuação administrativa para o desenvolvimento, nos campos tanto econômico como social, foram se alternando nas muitas décadas seguinte~.

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Um sistema jurídico com essas características merece bem a descrição que lhe deu Michel Fromon!: "O direito administrativo brasileiro é um pouco como uma abelha. Ele foi bicar em todas as flores do mundo, tanto sobre as flores da   Common Law  norte-americana como sobre as dos direitos romanistas do Continente Europeu".' 4. Direito administrativo, ferramenta do desenvolvimento

 Na segunda fase, a partir mais ou menos da década de 1930 a legislação administrativa brasileira assumiria de modo mais intens~ a feição de ferramenta do desenvolvimento, apoiando a articulação do Estado com o setor privado e também a modernização e o crescimento da Administração. Verdade que desde os primórdios a legislação administrativa já mostrara preocupação em viabilizar empreendimentos econômicos. Logo no início do Império, a lei de 9.9.1826 tratou da desapro priação de imóveis privados para empreendimentos de necessidade ou utilidade pública, prevendo suas hipóteses, garantindo ampla indenização e dispondo sobre a intervenção judicial, em um estilo normativo que se manteria nas atualizações legais posteriores. Anos após, a im portante Lei de Terras (Lei 601/1850) disciplinou o domínio público 6. A análise da jurispru~ncia do STF sobre temas administrativos do período entre 1891 e 1930, com o ambIente aberto às teses liberais norte-americanas, mostra a Corte pouco propensa a afInnações radicais em favor de um principio geral de su premacia do interesse público sobre o privado, especialmente em matéria contratual. Mas o discurso dos administrativistas, de invocar O interesse público para reconhecer  caso a caso poderes para a Administração, esteve presente em boa parte das decisões. A respeito, José Guilherme Giacomuzzi, "A supremacia do interesse público na juris prudência do Supremo Tribunal Federal durante a República Velha",  Revista de Direito Administrafivo/RDA 263/251-290, Rio de Janeiro, maio-agosto/20l3. 7. Michel Fromont e outros (dirs.), "Le reoard d'unjuriste européen sur le Droit Perspectives Nationales et Compa~ Brésilien", in   Droit Français ef Droit Brésilien rées, Bruxelas, Bruylant, 2012, p. 53. . 0 _

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DIREITO ADMINISTRATIVO PARA cÉTIcos

o papel empresarial dos Estados da Federação foi crescendo _  atingindo seu auge durante o período militar (1964-1985), sobretudo com bancos oficiais estaduais, empresas estaduais de energia elétrica e empresas estaduais de saneamento - para recuar parcialmente a  partir da década de 1990, com desestatizações (energia elétrica), federalizações (bancos) e, mesmo, algumas liquidações (saneamento). Também algumas empresas estatais da União viriam a ser desestatizadas na década de 1990 (especialmente em telecomunicações, siderurgia, petroquímica e indústria aeronáutica). Mas outras foram ampliadas e seguem importantes, como os Bancos e a PETROBRAS e mesmo a ELETROBRAS, do setor elétrico. ' Tem sido sempre crescente, em todo o período, a atuação das Administrações Estaduais em segurança pública e serviço penitenciário, bem como das Estaduais e Municipais em serviços sociais como saúde, educação e transporte público, e ainda na construção de moradias e grandes obras públicas (rodovias estaduais, infraestrutura urbana municipal). Mais voltados para a elite do País, os serviços de educação superior tomam impulso com a criação da Universidade de São Paulo/USP em 1934 (pelo Governo do Estado, que a mantém desde então) e, a  partir do início da década de 1950, de universidades federais, que se expandem continuamente até hoje. . A presença e o crescimento da União na área social também são fortes nesse largo período, sobretudo em previdência, cujas primeiras entidades oficiais aparecem no início dos anos 1930, para serem fundidas em 1966, levando à universalização paulatina dos benefícios, reforçados com a Constituição de 1988.  Nos anos 1990 o Poder Público incrementa seu esforço de regulação e de contratação, com particulares, de novos empreendimentos e da prestação de serviços públicos e sociais. Surgem aí as fortes agências reguladoras federais, aprofundando um modelo burocrático  para a regulação que havia sido iniciado em 1964 com o Banco Central do Brasil. Agências reguladoras também surgem nos Estados e mesmo em alguns Municípios maiores.' 8. Um panorama sobre o perfodo in Carlos Ari Sundfeld (org.),  Direito Admili ! ed., 3~tir., São Paulo, Malheiros Editores, 2006.

nistrah'vo Econômico,

A CONSTRUÇÃO DO DIREITO ADMINISlRATIVO BRASILEIRO E SUAS IDElAS

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Todas essas iniciativas dependeram de formas jurídicas sofisticadas, capazes de organizar uma atuação estatal bem diversificada. O direito administrativo foi se renovando e ampliando, tornando-se mais complexo, para atender a essa demanda, sobretudo pelo impulso de novas normas constitucionais e de leis.'  Nesse período, a legislação administrativa iria claramente se transformar em ferramenta pragmática do desenvolvimento. Sendo O poder de contratar de enorme relevãncia para o Estado direcionar a economia e gerar desenvolvimento, era natural que se fizesse esforço legislativo também quanto a isso. Várias leis setoriais, tratando de contratos de concessão e formas alternativas de negócios público-privados, vieraro se sucedendo desde a década de 1930, a partir do pioneiro Código de Águas (Decreto 24.643/1934), fundamental às concessões de geração de energia hidrelétrica.  Nos anos 1990, com os programas de privatização, iniciou-se nova onda de leis federais em muitos setores - portos, energia, telecomunicações, petróleo, gás, saneamento, transporte etc. -, sempre

apostando nas contratações públicas. Surgiram também leis gerais de concessões, para aplicação multissetorial (as Leis 8.987 e 9.074, am bas de 1995, e a Lei 11.079/2004). Além disso, foi sendo construída, a partir do final da década de 1960, ampla legislaçãO sobre contratos de obras, compras e serviços,  bem representada pela Lei 8.666/1993, com constantes alterações  posteriores .10 5. Um sistema de princípios contra a pluralidade do direito do desenvolvimento

A sistematização geral do direito administrativo e sua autonomia como ramo jurídico - especialmente pela contraposição ao direito 9. Floriano Azevedo Marques Neto, "Os serviços de interesse econômico geral e as recentes transformações dos serviços públicos", in Fernando Dias Menezes de Almeida e outros (orgs.),  Direito Público em Evolução - Estudos em Homenagem à Professora Odete Medauar,   Belo Horizonte, Fórum, 2013, pp. 531-547. 10. Para. a análise desse movimento legislativo, v.: Carlos Ari Sundfeld (erg.), Contratações Públicas e seu Controle,   São Paulo, Malheiros Editores, 2013 (em es pecial Carlos Ari Sundfeld, "Contratações públicas e o princípio da concorrência",  pp. 15-41); e Carlos Ari Sundfeld (org.), Parcerias Público-Privadas, 2 ed., São Paulo, Malheiros Editores, 2011. B

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DIREITO ADMINISTRATIVO PARA cÉTIcos

A CONSTRUÇÃO DO DIREITOADtvUNlSTRATIVOBRASILEIROE SUAS mElAS

 privado - jamais foram" projetos importantes do direito positivo brasileiro, antes, ao contrário; o legislador tem sido sempre muito pragmático, pouco simpático a fórmulas fechadas.

mesmo tempo, usá-los como principal utensílio da prática juridica (preocupação operacional).

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Isso muitas vezes provoca tensão e insegurança, pela falta de aderência entre o que o direito positivo efetivamente contém e o que os juristas dizem que ele é, ou deveria ser.

Em virtude, mesmo, da ampliação e dos objetivos desenvolvimentistas, o repertório do Direito aplicável à Administração se tomou sempre mais variado e eclético (quanto aos modelos de organização das entidades estatais, aos tipos de contratos, às soluções para a regulação econômica, aos regimes funcionais dos servidores públicos etc.).

Por outro lado, o certo é que, tanto por razões políticas como  pelas preferências doutrinárias, ainda se mantém viva uma tendência mais estatista, pouco liberal, dos primeiros tempos de uosso direito administrativo. E isso apesar da abertura a modelos privados (caso das empresas estatais, por exemplo) e das reformas regulatórias (introduzindo flexibilidade e competição em serviços públicos, por exemplo). Boa parte da ação do Estado tem sido sustentada por exclusividades,  privilégios, superioridades e especialidades, e isso está refletido no campo administrativo também nessa nova fase.

Os juristas, sim, têm se preocupado em defender e construir o direito administrativo como ramo autônomo e sistemático, e em seus tratados e manuais buscam estabilizar teorias e conceitos li   Esse tra balho de identificar e descrever institutos próprios dialoga talvez mais com a tradição doutrilJária do que com o direito positivo e a experiência jurídica, de modo que teorias e conceitos vêm deduzidos de ideias e valores muito abstratos: interesse público, oposição entre público e  privado etc.

Esse reflexo pode ser medido pelo prestígio da doutrina que defendeu a   supremacia do interesse público sobre o privado não só como princípio geral, mas como verdadeira base de todo o direito admi"nistrativo. Pode parecer intrigante essa doutrina ter feito sucesso  justamente nas décadas finais do século XX, quando o Estado já estava envergando trajes empresariais e, por isso, a legislação administrativa ficara mais eclética.

Desde a década de 1960 a opção doutrinária comum é enunciar  mais e mais princípios, na esperança de obter deles a identidade e a autonomia do direito administrativo (preocupação teórica)12 e, ao 11. Para uma visão de conjunto a respeito dessas construções

teóricas na história

brasileira, v. Fernando Dias   Meneze~  de Almeida,   Fornwção da Teoria do Direito  Administrativo

no Brasil,   tese de titularidade,

Mas o fato é que essa doutrina vingou, e só recentemente surgiu no Brasil um movimento forte para contestá-la."

São Paulo, Faculdade de Direito da

USP,2013. 12. José CretelIa   Ir.,   Professor da Faculdade de Direito da USP, radicalizando a defesa da construção "científica" do direito administrativo pela identificação de seus princípios, deu início no Brasil, em 1966, à "onda principiológica" que viraria   epide~

mia nas décadas seguintes. Disse ele: "Cabe ao cultor do direito público reformular a experiência jurídica

à luz de princípios próprios, estremando o público do privado, submetendo a um tratamento adequado de direito público os institutos que lhe são típicos" ("As categorias jurídicas e o direito administrativo", RDA   85/28-33, Rio de Janeiro, FGV, juIho-setembro/1966) . Em outro trabalho da época insistiu na necessidade dos princípios: "Inúmeros institutos de direito administrativo têm sido mal-entendidos porque prevalece ainda a mentalidade privatística, que equaciona os problemas do direito público em termos próprios do direito comum, levando para o novo campo os próprios resultados alcançados" ("Regime jurídico das fundações públicas no Brasil", RDA 90/459-469, Rio de Janeiro, FGV, outubro-dezembro/1967). Logo a seguir, em J 968, no artigo "Princípios informativos do direito administrativo"   (RDA 93/1-10, Rio de Janeiro, FGV, outubro/1968), o autor lamentou o casuísmo doutrinário dominante: "Não se empreendeu ainda estudo sistemático dos pressupostos

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fIlosóficos do direito administrativo, subordinado ao título  princípios informativos do "direitoadministrativo,   encontrando~se   apenas, de maneira esparsa e assistemática, conforme as circunstâncias, a referência específica a um determinado princípio, que se põe na raiz do tema desenvolvido, garantindo-lhe a validade" (p. 2). E aí propôs: "Cumpre, então, descobrir uma série de princípios exclusivos do direito administrativo, proposições que fundamentem os institutos deste ramo jurídico e que lhe confiram traços inequívocos, que os estremem dos congêneres de outros campos" (p. 5). O lamento e as ideias encontraram um seguidor fiel e entusiasmado em Celso Antônio Bandeira de Mello, então Professor iniciante, que, em seu livro   Natureza e  Regime Jurídico das Autarquias,   usaria termos muito semelhantes para divulgá-las, embora sem citar o precursor (São Paulo, Ed. RT, 1968, pp. 292 e ss.). 13. Cretella Jr., o iniciador da "onda principiológica", perguntou: "Quais são os  princípios informativos do direito administrativo?" -   para logo constatar: "Uma primeira proposição acode à mente dos administrativistas que cogitam do tema -   o inte resse público prepondera sobre o interesse privado".   Conquanto o autor argumentasse não se tratar de princípio setorial, mas comum a todo o direito público, não deixou

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6. Direito administrativo, engrenagem da democracia

A rejeição do poder autocrático, com o duplo condicionamento da ação administrativa pela legalidade e pelo controle dos juízes, esteve presente desde o início do Estado Brasileiro, com a adoção da separação dos Poderes e de uma Declaração de Direitos pela Constituição imperial de 1824. Mas foi longo e cheio de acidentes O  percurso do direito administrativo brasileiro em direção à democracia.  Nos primeiros anos, limitar juridicamente a Administração não era fácil: pelas heranças políticas e sociais, pelas fragilidades institucionais, pelo Poder Moderador reservado ao monarca, entre outras causas. Depois, a República viria a institucionalizar em bases modernas o controle judicial da Administração, como vimos, e nas décadas seguintes surgiriam instrumentos processuais importantes (como o mandado de segurança), além de discursos doutrinários contra as imunidades da Administração.!4 Só que houve muitos períodos de exceção, em que os condicionamentos legislativos e judiciais à Administração ficaram bastante comprometidos, ao menos em temas politicamente mais sensíveis. de reconhecer: "Este princípio,   princípio da supremacia do interesse público (...)  informa todo o direito administrativo" ("Princípios informativos do direito administrativo", cit.,   RDA 93/4). Bandeira de Mello, discípulo de Cretella Jr. quanto a isso, acabou sendo o vulgarizador do princípio da supremacia, por conta de obra didática que lançou posteriormente   (Elementos de Direito Administrativo, São Paulo, Ed. RT, 1980, pp. 3-34). Tempos depois, quando já virara moda a "principiologia", o tal princípio seria contestado de modo consistente por Humberto Bergmann Á vila ('lJu atot;J.1idade do ordenamento jurídico em duas metades opostas: o direito privado, que disciplina relações igualitárias entre sujeitos livres, os particulares; e o direito público,  para a organização interna do Estado e a disciplina de suas relações com os particulares, baseadas na supremacia e na autoridade.

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O direito administrativo seria, então, um dos ramos deduzidos da classificação subsequente, que fatiou esse direito público da supremacia usando o facão da separação de Poderes. Cada Poder teria sua função típica -legislativa, jurisdicional e administrativa -, produzindo seu tipo próprio de ato: lei, sentença e ato administrativo (em sentido amplo).



Segundo essa visão, o direito administrativo formaria um sistema unitário, articulado e coerente de princípios e regras, constituindo o ramo do direito público específico da função administrativa, isto é, da  produção de regulamentos, contratos e atos administrativos, todos dotados de prerrogativas públicas.12

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2012, p. XV).

11. Para a descrição e crítica contundente dessa construção doutrinária no Brasil, v. o Capítulo 7, "Crítica à Doutrina dos Princípios do Direito Administrativo" neste livro. ' 12. Bandeira de Mello definiu o direito administrativo como "o ramo do direito público que disciplina o exercício da função administrativa. bem como pessoas e  órgãos que a desempenham";   afmnando que a função administrativa "no sistema

Desde a metade do século XIX a ideia de direito administrativo foi recebida como natural no mundo jurídico brasileiro, de onde nunca mais saiu. No curso deste século e meio não se tem duvidado de sua  pertinência ou de seu valor para nosso desenvolvimento institucional. Só que a ideia original - que tanto nos ajudou na passagem para a Modemidade e no aprendizado da submissão estatal ao Direito está cada vez mais desajustada do direito positivo brasileiro, além de contaminada por uma ideologia antiliberal e estatista, quando não autoritária.

constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante   com~  portamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais, submissos todos a   controle de legalidade pelo Poder Judiciário" (Curso de Direito Administrativo,

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se,  2013, pp. 23 e  25).

Essas classificações são conhecidas. Mas será que se justifica mesmo, ainda hoje, basear nelas um ramo específico (o direito administrativo), e ainda considerá-lo como dotado de coerência e unidade interna?

A tese aqui defendida é que, hoje, o direito administrativo tem de ser visto em sentido amplo, como a área do conbecimento que estuda as normas jurídicas que se aplicam à Administração, independente-

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a doutrina do "neoconstitucionalismo" só fez reforçar a "onda principiológica". Em um manual bem recente, surgido em 2013, as primeiras frases do capítulo dos "Princípios do   Direito Administrativo" dizem justamente   que "o neoconstitucionalismo, ao aproximar o Direito e a Moral, abre caminho para superação da visão positivista e legalista do Direito", e "cede espaço a um novo paradigmajusfIlosófico; o 'pós-positivismo''', cujo "traço característico" seria a "normatividade primária dos  p~cíp~os~c~nstituci~n~s".  A s~~ir, o.livro, sem muita novidade, indica "os principaIS pnncIpIos do direIto admimstratlvo: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade, proporcionalidade, finalidade pública (supremacia do interesse público sobre o interesse privado), continuidade, autotutela, consensualidade/participação, segurança jurídica, confiança legítima e boa-fé" (Rafael Carvalho Rezende Oliveira,   Curso de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Foren-

9. Colocando em dúvida o dogma e as classificações

O presente ensaio critica os conceitos de direito administrativo  predominantes no Brasil, construídos sobre o dogma da harmonia e unicidade.

a propósito, que uma relevante coletânea, conquanto abrisse É significativo, espaço para as divergências de visão sobre o conteúdo dos vários princípios, não contenha qualquer estudo crítico à postura "principiológica" em si - a qual, como bem destacou o organizador na "Introdução" da obra, é uma originalidade dos administrativistas brasileiros (Thiago Marrara (org.),   Princípios de Direito Administrativo, São Paulo,Atlas,

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cit., 3P ed., pp. 29 e 36). Essa formulação faz o conceito de direito administrativo depender totalmente da separação de Poderes, pois é dela que .vem a ideia de "função administrativa" . A seguir, o autor aludiu ao "regime jurídico-administrativo" (p. 53), que estaria assentado sobre os  "princípios da supremacia do interesse público sobre o particular e   indisponibilidade do interesse público pela Administração"   (p. 57). Em coerência, ao tratar das  vias técnico-jurídicas da ação administrativa,   explicou o ato administrativo como produzido "no exercício de prerrogativas públicas"   (p. 389) e o contrato administrativo como sujeito às "cambiáveis imposições de interesse público" (p. 634). Portanto, o autor vincula com toda clareza a noção essencial de "regime jurídico-administrativo" à de "prerrogativas públicas", que estariam presentes nos regulamentos, nos atos e nos contratos ~ enrno, em todas as   vias técnico-jurídicas da ação  administrativa.   O fato de esse autor, seguindo inclusive a tendência da época em que escreveu, haver aderido ao discurso de defesa dos administrados contra os abusos da Administração de modo algum significou rompimento com a concepção segundo a qual o direito administrativo é o direito das prerrogativas públicas e da autoridade.

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CRíTICA

mente do ramo a que se ligam. Reduzir o direito administrativo ao sentido mais restrito ~ isto é, ao ecutiv()competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I -   ação nonnativa".   Agora, ficou proibida especificamente a   delegação de ação normativa. Mas seria eJ>agerado e artificial interpretar o dispositivo como uma eJ>igência de que o Legislativo esgote o tratamento normativo de todo e qualquer assunto que esteja em sua esfera possível de regulação. Em termos práticos, a fórmula da proibição de 1988 é semelhante à de Constituições anteriores, e também não eliminou
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