Sport and Work - Bero Rigauer

December 6, 2018 | Author: Tiago Oviedo Frosi | Category: Sociology, Sports, Economics, Physics & Mathematics, Physics
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ESPORTE E TRABALHO

Bero Rigauer1 Allen Guttmann2

INTRODUÇÃO

Esportes são sistemas autônomos de comportamento, que aparecem juntamente com inúmeras outras incorporações sociais cujas origens estão no início da sociedade capitalista burguesa. Apesar dos esportes terem constituído um domínio específico de comportamento social, eles permanecem incorporados em processos sociais interdependentes que representam suas características

fundamentais

- disciplina, autoridade,

competição, realização,

racionalidade à metas, organização e burocratização, apenas para citar alguns. Na sociedade industrial moderna, certas técnicas de trabalho produtivo se tornaram modelos dominantes de conduta que impõem suas normas, mesmo em atividades chamadas de lazer. Os esportes não têm sido capazes de escapar desta imposição de normas. A divisão do trabalho, a mecanização, a automação, a burocratização - em suma, a racionalização da produção de bens e serviços – influenciam a consciência e o comportamento, mesmo naquelas áreas que parecem independentes do mundo do trabalho industrial. Cada vez mais, os esportes integram tendências de racionalização dentro de suas estruturas de conduta. A objetivação progressiva do trabalho aparece nos esportes e carrega suas consequências organizacionais tanto para a forma quanto o conteúdo dos esportes, com ele.

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Bero Rigauer é professor de Sociologia da Universidade de Oldenburgo, Alemanha.

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Allen Guttmann é professor de Estudos Americanos da Faculdade de Amherst.

RIGAUER, Bero. Sport and Work: Translated with an introduction by Allen Guttman. Tradução de Tiago Oviedo Frosi em abr. 2010. Nova Iorque: Columbia University Press, 1981. p. 1-62.

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Concedida, essa hipótese sobre o contexto social do esporte e do trabalho tem sido contestada. Hans Linde procurou recentemente testar duas teorias sociológicas sobre as formas esportivas de comportamento: a primeira é a tese de Helmuth Plessner de que o esporte pode servir como uma compensação para as frustrações e agressões resultantes do insucesso vocacional; a segunda é a tese de Jürgen Habermas de que o comportamento do tempo de lazer é estruturado pela esfera profissional e demonstra o mesmo tipo de comportamento. Linde acredita que sua investigação empírica refutou ambas as teorias. Ele conclui que o esporte não pode compensar as falhas no trabalho nem as decepções. Muito pelo contrário. Ele argumenta que as pessoas com maior necessidade de compensação, participam menos do esporte. Em resposta a Habermas, Linde afirma que a “ditadura do trabalho” não aparece mais na esfera das atividades de lazer: a “relação de trabalho para estilo de vida pessoal” é hoje “essencialmente mais diferenciada e mais livre” do que nos dias em que castas ou classes tendiam a restringir as relações produtivas. O estudo de Linde é certamente uma importante contribuição para a investigação empírica da relação entre esporte e trabalho. Entretanto, a fraqueza metodológica de sua análise é óbvia. Seus métodos empíricos são insuficientes para a tarefa de desenterrar as mais profundas relações sociológicas entre comportamento no trabalho e comportamento no esporte. Sua coleta de dados é sócio-geograficamente demasiado estreita; a amostragem estatística não fornece um modelo representativo da população; o questionário que ele usou é inadequado. Além disso, empiricamente, os resultados obtidos sobre esportes são socialmente pré-determinados e não podem fornecer informações confiáveis sobre os esportes. Os padrões de comportamento de trabalho no lazer, genericamente, e no esporte, em particular, são historicamente condicionados e podem ser identificados como tal. A própria consciência da pessoa a quem o empirista questiona é determinada por um sistema de categorias sociais.

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Nossa análise começa com a suposição de que uma confrontação imediata com o objeto a ser investigado é uma condição essencial para a compreensão do problema diretamente e é, portanto, nossa primeira hipótese. Karl Popper vê o início da investigação sociológica em “(1) observações problemáticas”, que são expressas através de antecipações preliminares e hipóteses, e (2) sistemas teóricos que são, então, a testados através de controles empíricos. As formas nas quais os esportes aparecem não são percebidos por nós como um dado puro da maneira das ciências naturais, mas sim como realizado socialmente e historicamente: fenômeno em contínua mudança. Por meio da análise qualitativa de conteúdo orientada, estes regimes conceitualmente institucionalizados podem ser revelados e discutidos criticamente.

PARTE 1 – ESPORTE E TRABALHO

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DUAS INTERPRETAÇÕES CONTRASTANTES DO PROBLEMA ESPORTE-

TRABALHO

Duas hipóteses contraditórias dominam a literatura sobre a relação entre o esporte e o mundo do trabalho:

i Esporte e Trabalho são sistemas estruturados opostos de comportamento

Para Carl Diem, os esportes são “uma manifestação do mundo do jogo. Jogar é uma atividade realizada por si mesma, em contraste com o trabalho, que está preocupado com a

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luta incessante pela sobrevivência física”. Segundo Diem, o esporte profissional é, na verdade, trabalho porque os atletas profissionais ganham a vida através do esporte: “o esporte profissional... não é „Esporte‟, mas sim o seu contrário, um emprego. Esportes profissionais pertencem à categoria da indústria do entretenimento, que compartilha uma boa dose de disciplina e treinamento”. Para Diem, “puro” esporte é muito distinto de “trabalho diário”, que foi “uma vez realizado pelas classes mais baixas”. argumentos análogos podem ser encontrados em toda a literatura sobre esportes e educação física. Os esportes são equiparados ao jogo e desvinculados do mundo do trabalho e da finalidade. Por exemplo: "Nós entendemos o Esporte como Jogo e vemos neles um contraste com o Trabalho; por esse motivo, a realização atlética é, fundamentalmente, o contrário das conquistas do mundo do Trabalho, mesmo se a realização atlética se dê “trabalhado”. “Em nossa opinião, o esporte perderia sua essência se rompesse o contexto do jogo e se transformasse em puro trabalho no reino do comportamento intencional”. “No jogo, o homem liberta-se uma vez mais do mundo do trabalho, da coerção, da finalidade, e revive a mais profunda realidade do ser”. O representante oficial do esporte na Alemanha Ocidental, a Federação Alemã de Esportes (Deutscher Sport Bund), aceita esta definição quando ele clama que o esporte é “uma alternativa ao mundo do trabalho”, que o “Homo faber (homem que fabrica) não está autorizada a substituir o Homo ludens (homem que joga)”. Essa alternativa deve ser defendido “com unhas e dentes” para preservar “a liberdade dos esportes”.

ii Esporte e Trabalho são esquemas estruturais análogos de comportamento

“Por vezes ouve a opinião de que os esportes são um protesto contra a humanidade, o deslocamento da natureza e das condições naturais que são trazidas pela urbanização e pela industrialização. Duvido que se possa falar de em generalizações”. Arnold Gehlen chegou a

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esta conclusão, porque ele percebeu a “semelhança estrutural interna entre o esporte e a vida profissional”. Esportes permanecem “visivelmente um reflexo alterado do sério e do profissional”. Por exemplo, jogos de bola “preservam, em forma alterada, as regras, as exigências de disciplina e particularmente os traços morais do trabalho coletivo”. Max Horkheimer e Theodore Adorno também se referem à importância do coletivismo no esporte e para a resultante possibilidade social em que os homens podem ser degradados a uma mera “espécie biológica”. Em sua opinião, os esportes tipicamente promovem a adaptação para o sistema industrial. “Os remadores que não conseguem falar uns com os outros estão presos no mesmo ritmo que o operário moderno”. Muitos críticos do esporte veem o planejamento como um elemento de trabalho: “Os Esportes há muito se tornaram um aspecto da racionalização do trabalho”. Veem a verdade desta tese nos métodos de treinamento modernos, que imitam o mundo do trabalho, que toram o ciclo de treinamento em um processo de produção. A mecanização do trabalho teve um desenvolvimento notável “que também reduz o jogar e os sujeitos a condições mecânicas”. Helmuth Plessner usa o exemplo de “consciência do tempo de lazer” para ilustrar a intrusão do mundo do trabalho em todos os aspectos da vida. Uma tentativa em uma hora livre para construir o oposto do mundo do trabalho, “uma sociedade alternativa, um comportamento social que é como o jogar, mas a brincadeira se torna a base para um novo mundo do trabalho. Fica-se entre dois mundos do trabalho e não se tem nenhuma escolha a não ser ir de um para o outro, buscando a recuperação da carga de um indo esgotar-se no outro”. O princípio da especialização é parte integrante do esporte moderno e é sintomático do problema. A especialização tem ido tão longe que o atleta de alto nível precisa de férias - do esporte. Vozes desprezadas são ouvidas agora nas fileiras de funcionários do esporte. Eles são os mais críticos do fato de que o esporte contemporâneo assume os “atributos típicos da

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tecnocracia”. O Esporte tem imitado assiduamente a sociedade industrial (e seu princípio de realização) e tornou-se, tudo considerado, algo muito grave. Para trabalhar de forma eficaz contra esta tendência, os esportes precisam dar espaço mais uma vez para a atividade “não planejada e totalmente espontânea, para a alegria do momento, e... para o verdadeiro jogo”. A divisão da Alemanha (Alemanha Oriental e Alemanha Ocidental) tem consequências necessárias para o estudo científico dos esportes. A descrição do esporte como uma brincadeira não utilitária e como uma alternativa "para o mundo do trabalho" é predominante entre os autores da Alemanha Ocidental, mas os teóricos da Alemanha Oriental são decisivos para a sua rejeição a esta interpretação. Eles baseiam seus argumentos sobre os teoremas da sociologia marxista. Como dizem, o “processo de desenvolvimento do movimento humano não é apenas biológico, mas também ocorrência de um aspecto social que é, em última instância um desenvolvimento econômico determinado por relações de produção da sociedade”. Seu termo “cultura física” deve ser entendido como “a totalidade de relações sociais que visam o aperfeiçoamento físico da humanidade”. A Cultura Física é um componente “de toda cultura” e depende do seu nível de produção material e espiritual. “O Esporte não pode ser uma atividade com um fim em si mesmo, porque toda ação social é utilitária”, os esportes são antes “filhos dos modernos meios de produção” e “o seu necessário resultado”. Aqui vemos revelada a afinidade de comportamento entre os esportes e o trabalho. Historicamente, os esportes derivam das formas e funções do trabalho, podemos considerar que “a maioria dos exercícios físicos que conhecemos hoje já teve um caráter produtivo e satisfez necessidades humanas particulares. Contudo, este caráter produtivo foi perdido no curso do desenvolvimento do esporte”. O outro lado da moeda é que o esporte facilita as técnicas de movimento que podem ser aplicadas ao processo produtivo. Autores da Alemanha Ocidental, é claro, anulam esta linha de argumentação com o usual estereótipo negativo que é meramente o produto da

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ideologia comunista. Eles ignoram o fato de que eles próprios representam uma posição ideológica.

2 A NECESSIDADE DO TRABALHO SOCIAL

O homem é incapaz em um sentido biológico: ele não possui armas naturais, não tem meios de fuga de perigo, e seus sentidos são inferiores aos dos “especialistas” do mundo animal. O homem cria o que chamamos de cultura, ou “segunda natureza”, e tem capacidade de sobreviver no presente como uma “criatura que encena”. Desde que o mundo, “como vamos encontrá-lo antes de nós, nunca pode satisfazer as nossas necessidades”. Precisamos de “instituições permanentes ... simplesmente para sobreviver”. Trabalho é, portanto, a atividade utilitária, orientada, cujo objetivo é satisfazer as nossas necessidades. Esta atividade é dialética, incluindo produção e reprodução, aparecendo como uma auto-criação e autoobjetivando o ato humano. “Trabalho humano, simplesmente como uma forma de ser, não pode ser separado do ser humano - nem mesmo no „produto‟ desse tipo de trabalho”. Isso significa que o trabalho social não pode ser compreendido de forma isolada ou determinada pela situação social concreta em que ocorre. Ele ocorre em várias condições econômicas com a ajuda de diferentes meios técnico-racionais e no contexto de diferentes formas sociais com diferentes tipos de autoridade política. Os sociólogos estudam o Trabalho definem emprego como as atividades humanas de comportamento voltado para metas, para o sucesso. “O objetivo do trabalho pode ser o produto da atividade em si ou algum outro sucesso ligado ao produto da atividade, por exemplo, um salário”. O fator crucial é a atividade humana. O homem é reduzido a uma força mensurável de produção. No contexto desta

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interpretação da atividade humana, a relação entre esporte e trabalho é clara: os dois sistemas de comportamento reforçam o estatuto e prestígio do conceito de realização. Assim, analogamente comportamento e consciência podem ser esperados em ambos os setores.

3 O PRINCÍPIO DA REALIZAÇÃO NO ESPORTE E NO TRABALHO

Em uma sociedade industrial economicamente organizada, os indivíduos produzem bens e serviços e competem com outros no mercado. Este fato implica que o comportamento é orientado para as realizações de indivíduos e grupos, para individuais ou grupos em que a capacidade produtiva determina o status socioeconômico. Toda ação que serve a fins econômicos visa a produção ótima de bens e serviços realmente necessários ou em excesso de produção de bens e serviços que devem ser anunciados pela publicidade. Esta interligação funcional pode ser ilustrada através de três relações objetivas: (1) O homem é uma criatura biologicamente inadequada, preocupando-se constantemente com sua sobrevivência física, mas quanto mais ele produz mais parece infundada sua preocupação. (2) Quanto mais extensas suas posses materiais, mais elevado é seu status econômico e social. (3) A visão dogmática motiva os homens a maior realização. Este esforço para a realização é institucionalizado no mundo do trabalho e das profissões. “A característica mais essencial do sistema profissional é o primado da realização funcionalmente bem sucedido. Isso significa que a seleção de candidatos para uma determinada posição decorre de sua capacidade para cumprir determinadas tarefas, ou seja, de sua educação”. Desde o início, as

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pessoas menos qualificadas profissionalmente terão níveis mais baixos de capacidade reconhecida socialmente e atribuídos a eles do que para os mais qualificados. O status social se correlaciona com o grau e a diferenciação da realização de objetivos profissionais. “Cada categoria individual de trabalho possui uma escala mais ou menos determinada para medir a qualidade do seu desempenho individual. Normalmente, encontramos uma hierarquia quantificada de papéis ocupacionais que expressam a realização profissional de um homem em termos monetários. Parece inevitável “que os ganhos pecuniários sejam comumente tidos como a medida de realização”. Desta forma, uma exigência abstrata funciona como símbolo de reconhecimento de “status profissional”. Realização tornou-se assim um modelo socialmente sancionado de comportamento relacionado à alta produtividade, à competição econômica, às recompensas materiais, prática profissional e mobilidade social.

4 ESPORTE DE ALTO NÍVEL

Hoje os fãs reagem com polêmica, raiva, e até mesmo ódio quando um atleta ou equipe idolatrada atinge suas expectativas. O fundador dos Jogos Olímpicos modernos, Pierre de Coubertin, ajudou a criar essa questão quando ele marcou os esportes com o lema citius, altius, fortius (mais rápido, mais alto, mais forte). O lema corresponde a “crença no progresso e na ênfase na realização, com os princípios da sociedade industrial”. A pessoa simplesmente não pode “fazer” esportes “medianamente” e “com moderação”, pois “na liberdade de exteriorização está escondida uma força cativante”. A busca de recordes. Coubertin procurou justificar essa força, com referências ao “poder de emulação”. A realização foi apresentada

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como uma característica típica do esporte. A realização “é o elemento mais marcante e essencial no esporte [ ... ] : lutar pela sua realização, para a maior realização, para o recorde”. “O desejo de estabelecer recordes é notável porque o atleta se empreende voluntariamente esforços físicos fantásticos, que normalmente são evitados a todo custo”. Falar em esforço físico "voluntariamente" aceito é bastante problemático, o indivíduo que resolve participar de esportes de alto nível já se subordina em alto grau ao sistema vigente de valores e convenções de comportamento. Praticar esportes de alto nível significa ser obrigado a realizar - a fim de satisfazer as expectativas da sociedade de realização. Na "teoria da cultura física e do esporte", como é concebida na República Democrática da Alemanha [Alemanha Oriental], os esportes de alto nível aparecem como uma categoria social determinada por fatores políticos e econômicos. "A realização Biológica [ ... ] é socialmente determinada. Os limites de realização são definidos pelo desenvolvimento da sociedade e de suas forças produtivas. Normas de desempenho são estabelecidas pelas ciências relevantes da medicina e da economia política". Cultura física é, portanto, um "processo social do aperfeiçoamento consciente das qualidades físicas e psíquicas da humanidade como um agente de produtividade [ ... ]" e também um setor importante da sociedade socialista e da cultura. Os jovens identificam suas próprias habilidades atléticas com os valores específicos do esporte. Podemos ver isso nas respostas a um questionário dado a estudantes com idade entre 10 e 16 anos de uma escola da Alemanha Ocidental: uma grande porcentagem dos meninos afirmaram o princípio de realização nos esportes e idolatram atletas famosos. Entre as meninas, no entanto, a resposta foi menos afirmativa. Mostramos como o conceito de realização assumiu funções ideológicas na esfera dos esportes. O próximo passo é ilustrar as conexões sociológicas e ideológicas entre o esporte e o trabalho, descrevendo a realização de certas formas de orientação de comportamento e

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consciência. Ao fazer isso, vamos nos concentrar em esportes de alto nível, que entendemos como a complexidade de comportamentos sociais voltada para a melhor possibilidade de realização atlética de um indivíduo ou equipe. Esportes de alto nível podem incluir tanto amadores como profissionais. O conceito de "trabalho social", como usamos aqui se refere à ação individual ou coletiva, independentemente do ganho econômico, que visa a realização máxima. Nos produtos do trabalho, o indivíduo procura realizar ideias características socialmente transmitidas. Um paralelo entre os produtos do trabalho e do esporte pode facilmente ser discernido: em ambos os casos, a definição de cada produto aparece como a meta mais elevada. Praticar esportes e trabalhar são baseados na realização humana. Em termos sociológicos, "realização" envolve valores materiais e morais do comportamento humano que são expressos em fatores de qualidade ideal ou quantidades. No que diz respeito à realização, há uma correlação entre a orientação do indivíduo e a expectativa de seu ambiente. Embora a realização atlética atenda às expectativas sociais, não será aceita como tal. Da mesma forma as normas da vida econômica devem ser seguidas se as realizações forem reconhecidas como tal. Os dados da realização são estabelecidos, substituídos e administradas pelos grupos dominantes da sociedade. Eles são rapidamente dissociados de seus iniciadores e, tal como valores impessoais institucionalizados, exercem coerção social sobre todos nós. O objetivo desta forma de coerção é a ideologia da realização.

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“DESEMPENHO” – um modelo dominante de comportamento no Sistema

Comportamental do Trabalho e do Esporte de Alto Nível

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No campo do esporte de alto nível como no do trabalho social, o princípio da realização domina. O sucesso das ações humanas é agora medido pelo alcance ou excelência do conjunto de normas de realização. Indivíduos, grupos e instituições são classificados de acordo com seu sucesso ou fracasso de realizar. Aqueles que não se esforçam para cumprir as normas reconhecidas de realização são desacreditados, não podendo reclamar elevado prestígio social. A capacidade de realizar e o sucesso na função de realização são os valores sociais mais elevados. Parece quase autoevidente que um dos imperativos da educação física moderna pede a melhor possibilidade de realização individual para qualquer potencial “psicofísico”. A relação deste imperativo para a definida concepção econômica de trabalho é óbvia. Assim, o “aumento sistemático do estímulo físico e espiritual a fim de alcançar a capacidade de funcionamento ótimo do organismo” é o objetivo real do treinamento atlético. A conexão com o mundo do trabalho é clara quando um dos fundamentos da educação física é que as melhorias na realização só são possíveis, “através do planejamento do trabalho”. Formulações semelhantes apareceram há muito tempo nos escritos do especialista em eficiência F. W. Taylor. Taylor argumentou que os indivíduos encontraram sua maior “prosperidade” lutando por realização profissional. Em outras palavras, “o desenvolvimento da capacidade individual para o seu mais completo cumprimento permite a cada indivíduo atingir a perfeição profissional”. Curiosamente, Taylor usa esportes de equipe para exemplificar sua tese: cada jogador tem que procurar “mobilizar todas as suas forças para ajudar seu time a vitória”, se ele falhar em fazer isso, “será desprezado por todos”. Implícito tanto nos esportes de alto nível quanto no trabalho social são as exigências que continuamente elevam o nível da nossa realização. Essa demanda se manifesta no estabelecimento de metas, que são continuamente elevadas. As normas de realização têm apenas uma validade provisória. “Nos esportes modernos a luta característica por níveis mais

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elevados de realização, nos recordes de velocidade, e no desenvolvimento multifacetado do movimento de habilidades, podemos ver espelhado o desenvolvimento da tecnologia industrial moderna, com todas suas demandas concomitantes”, ou seja, a demanda do setor produtivo de técnicas de movimento particulares que o trabalhador deve apresentar. Determinante é a realização profissional ideal, o que representa, por sua vez, produção ideal. E esse tipo de conquista foi aprovado a partir do modelo comportamental de esportes de alto nível. O pico de produção e o conceito de recorde, não importa de que forma, não importa em que campo do comportamento, são características típicas de uma sociedade orientada para a produtividade, industrial e mercadológica, onde o concorrente mais capaz recebe os melhores valores de troca por seus produtos. Hoje, os recordes não são fixados acidentalmente e sem preparação. “Em nossa época, um recorde mundial é normalmente o resultado do trabalho em equipe de cientistas, médicos, treinadores, massagistas, e às vezes marcadores (de desempenho), bem como dos próprios atletas”. Apesar deste trabalho em equipe, tentativas cientificamente preparadas de quebra de recordes são quase sempre frustradas pela imprevisibilidade humana, pela indecisão, e por lapsos repentinos de habilidade. Um recorde não pode ser totalmente planejado e previsto. Fenômenos similares são observados no mundo do trabalho, onde a realização individual está cada vez mais dependente da realização coletiva. Enquanto os fundadores das grandes empresas industriais dos séculos XIX e XX foram capazes de confiar no julgamento próprio para avaliar a situação econômica, hoje temos especialistas preocupados com o planejamento, estudo do mercado, análise do estado da concorrência. E esses especialistas muitas vezes trabalham em equipe, tomando o lugar dos ativistas onicompetentes de épocas anteriores. Eles criam órgãos especializados do conhecimento, que são a condição prévia para o aumento geral dos níveis de realização. Nos esportes, o corredor de 10.000 metros, é treinado e tratado por um especialista ou mesmo por uma equipe de especialistas. Os dados

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disponíveis são recolhidos e analisados, como parte do programa de treinamento. O atleta de alto nível tornou-se também um especialista. A relação entre o indivíduo e as reivindicações da sociedade por suas realizações parecem não problemáticas à primeira vista. Se dá, quando se assume muito acriticamente que cada um de nós é livre de aceitar ou rejeitar as cobranças da sociedade. Esse tipo de liberdade pode ser possível, mas é igualmente provável que os nossos objetivos causem pressão sobre nós e que nos tornemos dependentes deles nas nossas decisões. Ambas as situações são observáveis em esportes de alto nível. O atleta determina as normas de realização que pretende e pode atingir podendo fazer um ajustamento de objetivos quando parecer necessário; por outro lado, a maneira como ele se comporta é determinada pelas normas de realização. O programa de treinamento pede este tipo de ajustes. Além disso, a preparação sistemática, a formação “para a realização de nível superior implica a total adaptação do organismo para a realização de alto nível [ ... ] e assim todos os meios de treinamento são necessários para tornar possível a realização. Um estilo de vida deve ser subordinada ao desenvolvimento da realização [ ... ] Treinamento inclui, portanto, todas as medidas que são importantes para preparar a realização”. Em suma, o treinamento é o comportamento previsto, “segundo a qual a vida inteira é dedicada a atingir um único objetivo”. O atleta de alto nível supondo que ele se esforça para cumprir os melhores objetivos - deve, portanto, adaptar-se não só no plano do treinamento, mas também aos regimes prescritos de alimentação, de sono, e de abstinência sexual. O atleta moderno pratica o ascetismo “secular” descrito por Max Weber. Entretanto, as tendências masoquistas tornaram-se evidentes, a necessidade de sofrer agora ocorre. A aplicação do poder, que é iminente a todo o aparato de nosso comportamento social, ocorre no esporte de alto nível também. Poder que é dirigido contra outras pessoas torna-se poder que é dirigido contra si próprio também.

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O modelo para esse tipo de adaptação está na mão do sistema capitalista de produção. Enquanto o produtor é também o proprietário dos meios de produção, só ele determina o planejamento e a execução da obra, a duração da jornada de trabalho e os objetivos econômicos da empresa. Assim como o produtor é reduzido ao ponto onde ele se torna simplesmente o dono de sua própria força de trabalho, ele é subordinado a critérios estabelecidos por outros. Todo o sistema social de subordinação repousa sobre o poder superior do possuidor (seja de material ou de símbolos de status imaterial) sobre os sem posses. Hoje, essa relação já não é imediatamente perceptível, deve ser discernida em forma sublimada, de relações impessoais de poder. O plano de treinamento do atleta de alto nível e as descrições empregatícias dos fatores de trabalho as documentam. A forma dominante de comparação dos resultados alcançados é a luta da competição. Thomas Hobbes viu na competição as relações originalmente hostis do estado de natureza que o Estado político, através de sua força, tinha regulamentado e canalizado: homo homini lupus [“o homem é o lobo do homem”]. No competidor, reconhece-se um adversário a quem se deve tirar o melhor, contra quem se deve defender se quiser sobreviver. Esta forma primitiva de inimizade humana aparece deforma mais civilizada nas relações de câmbio do capitalismo. Quem deseja sucesso para competir no mercado contra outros produtores deve, em função da sua capacidade para atingir qualquer força de trabalho ou a posse de capital, assegurar-se de uma quota ideal de produção ou reprodução. Status social elevado é derivado do sucesso na luta competitiva. Assim, a luta competitiva se torna a “segunda natureza” do Homo faber [homem que fabrica]. Este modelo de comportamento para a afirmação da identidade existencial permeia também a competição atlética. “Um dos aspectos mais característicos do esporte contemporâneo é a luta por melhores resultados que se expressa na competição atlética”. Este aspecto é mais evidente na forma como o desporto profissional, um tipo especializado de alto nível do desporto, retomou o princípio da concorrência: o mais bem

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sucedido na competição recebe a maior remuneração, e a remuneração é a base de seu reprodução material pessoal. “Esportes de alto nível ocorrem durante ou em relação a um concurso em que uma comparação de desempenho entre os adversários competindo de acordo com uma regulamentação objetiva acontece. O objetivo do concurso é a melhoria do nível de realização e da vitória sobre o adversário”. A competição atlética é a base para um sistema de regras objetivas preparadas: regras de jogo, orientações para as competições, classes e divisões de realização, sequências de torneios e campeonatos estabelecidos, regras para a compensação material em caso de lesão. Além disso, o desporto profissional traz consigo salários, os contratos entre clubes e atletas e treinadores.* Os formulários do concurso são controladas de modo que toda transgressão das regras é punida. Um regulamento similar rege o mercado de trabalho, que também é orientado para as normas e escalas de compensação: as categorias de realização são determinadas e, uma vez determinadas, associadas com níveis constantes de vencimentos e salários, e com as regras estabelecidas do jogo, no sentido de limitações sobre o tipo de comportamento que são aceitos no mercado. Os trabalhadores vinculados por contratos legais não são mais “enganados” do que os jogadores de um clube de futebol profissional. Este sistema orientado para a realização das relações interpessoais é incorporado em um sistema maior de princípios de racionalização de ordem. “O objetivo do concurso é a melhoria do nível de realização e da vitória sobre o adversário”. A hipótese de Hobbes é confirmada e estendida aqui como o fim e o objetivo da competição atlética. A melhoria legitimada no nível de realização é a força motriz da ação social bem-sucedida. Em ambos, trabalho e esporte, a luta da competição demonstra os mesmos aspectos socialmente determinados: a concorrência promete ganhos de prestígio pessoal e no reconhecimento que segue o sucesso em sua atividade profissional. Para os clubes esportivos, equipes e indivíduos, um elevado nível de sucesso no esporte traz publicidade positiva e de

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uma melhor posição na hierarquia socialmente sancionada de realizadores. É algo de valor no “mercado da realização”. Em outras palavras, a posse do título ou símbolos de um empreendedor garante o reconhecimento social geral. Essa relação vale para qualquer tipo de realização profissional, sucesso no trabalho ou no mercado de câmbio implica um elevado estatuto social e uma consciência da própria capacidade de realizar. Esse tipo de racionalização tem, naturalmente, uma base econômica concreta. Esportes de alto nível são empreendimentos sociais que podem garantir a sua reprodução quasimaterial apenas na base da mais alta realização possível. Apenas realizações repetidas podem garantir o reconhecimento e apoio do público. E aqui, no princípio da realização comparativa, vemos a ligação entre alto nível desportivo e competitivo mercado: esportes modernos são “um produto da sociedade industrial e simbolizam os princípios fundamentais da sociedade de forma concentrada”; o esporte, por isso, fascina “as massas em todas as terras industrializadas ou em industrialização”. Esportes de alto nível e trabalho social como subsistemas sociais não se apresentam fechados e não estruturados, mas abertos e estruturados em formas de classe social. Pode-se observar em ambos subsistemas a eficácia de uma hierarquia de resultados diferenciados segundo a qual “os indivíduos de um determinado sistema social são classificados de forma a significar que as interações sociais podem ser conduzidas através de subordinação e superordinação”. Aplicado ao mundo do trabalho, isto significa que as várias demandas para a realização profissional são meios simultâneos de avaliar diferentes tipos de trabalho. A realização profissional de um acadêmico será automaticamente mais valorizada do que a de um trabalhador manual. O atleta de alto nível é parte desta hierarquia de resultados. "Inconscientemente, o atleta avalia seu esporte acima dos outros". O vencedor do decatlo recebe o título de “rei dos atletas”, mas o campeão de golfe é conhecido como “homem velho”.

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Esportes de alto nível e o trabalho social são, na sua fixação comum em trabalho ou em modelos comportamentais de trabalho, desenvolvidos em sistemas abertos. Realização individual, não herdou símbolos de status, funcionando como critério para a mobilidade social. Este teorema possui ainda intacta validade, para que o fator material continue a mudança na condição de status social. Em um grau limitado, podemos observar uma relação de causaefeito entre o desempenho e mobilidade social em ambas as esferas, ou seja, no trabalho, bem como em competições esportivas, resultados de um bom desempenho na mobilidade social. O empregado empreendedor de um aparato burocrático pode ascender a uma melhor classificação de pagamentos tal como o atleta empreendedor consegue mover-se para uma equipe melhor. O ganho de prestígio social através de uma tal mudança de posição. Simultaneamente, porém, diminuindo a capacidade e o desempenho traz consigo o risco de mobilidade social e material para baixo ou mesmo o perigo de exclusão do concurso. Esportes de alto nível e trabalho social interiorizar o princípio da realização e o tornam a categoria central do repertório de metas. Eles percebem o princípio da realização dentro de um sistema racionalizado de comportamento que exige um elevado grau de conformidade.

6 O PARALELO DE RACIONALIZAÇÃO ATLÉTICA E COMPORTAMENTO DE TRABALHO

O conceito de racionalização tornou-se um imperativo da sociedade industrial. Racionalização em um grau crescente se tornou um fator determinante do comportamento econômico e tem se expandido da economia para áreas avocacionais do comportamento humano. Quem não se submete às leis da racionalização arrisca-se a perdas materiais. Por

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“racionalização” se entende a “orientação do comportamento dos princípios da ordem” ou a "adaptação consciente planejada para a situação material". O comportamento humano torna-se subsumido a determinados objetivos e metodicamente regulado de acordo com esses objetivos. Simbolicamente e instrumentalmente, racionalizar as medidas substitui a ação individual com os estereótipos de comportamento. Elas são funcionalmente parte do processo de socialização da sociedade. Os sociólogos falam do trabalho de racionalização “quando um processo deixa de ter lugar de acordo com os sentimentos, o talento, tradição e experiência, mas sim quando cada parte do processo é o pensamento - através de uma meta - dirigido, principalmente quando todo o processo tornou-se quantificado”. Dois problemas aparecem destacados na análise do trabalho: a questão da melhoria das chamadas “pré-condições de realização”, ou seja, “as medidas para aumentar a eficácia do esforço”, e a questão da “disponibilidade do trabalhador para realizar durante o tempo de seu emprego e o efeito sobre ele das alterações na técnica ou organização”.

7 MÉTODOS COMPLEXOS DE TRABALHO E TREINAMENTO

Na fase de produção artesanal, o produtor une em sua pessoa todos os procedimentos de produção, que é situada de forma a que ele pode “até um certo ponto, expressar a sua experiência profissional através de um comportamento hábil”. O processo de produção da matéria-prima até a conclusão é sequencial, orientada para a criação do produto. Esse tipo de trabalho é metodologicamente complexo e sintético ou determinado pela integridade do produto. A iniciativa do artesão, a abordagem pessoal e controle sobre o trabalho, e insight

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sobre a natureza do objeto produzido e responsabilidade para o trabalho realizado caracterizam o estágio de produção artesanal. A primeira fase do treinamento e ensino dos esportes modernos de alto nível se aproxima desta fase de produção de artesanato. Um exemplo histórico é muito útil. Em 1896, Robert Garrett, um atirador e paraquedista, foi capaz de ganhar o lançamento de disco apesar de ter visto um disco pela primeira vez em Atenas. A concepção de formação foi inicialmente dirigida quase exclusivamente para a própria disciplina, de modo que os velocistas de 100 metros correm este trecho nos treinamentos enquanto jogadores de futebol dedicam-se exclusivamente à prática do futebol. Em suma, as estruturas de trabalho artesanal estão por trás dos antigos métodos de ensino e treinamento no esporte. Diferenciava-se entre habilidades atléticas somente em suas formas elementares e praticava-se nesses treinamentos complexos. O saltador em altura focava em um modelo correto do salto em altura e imitava o movimento conjunto. Esse tipo de treinamento combinava independência pessoal com a falta de especialização motora. O atleta individual desenvolvia suas próprias ideias, planejadas e determinadas pelos seus próprios objetivos, e percebia-os pessoalmente. Era sua a responsabilidade pela adaptação dos métodos de treinamento.

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MÉTODOS ANALÍTICOS DE TRABALHO E TREINAMENTO: processos

repetitivos e incremento de cargas

Hoje, os métodos de trabalho e de treinamento, tem contraste flagrante com os métodos holísticos de ontem. O planejamento racional do trabalho continua a ser determinado pelo objeto produzido, mas o processo é dividido em segmentos o menor possível. Uma única

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pessoa já não pode realizar todas as etapas sucessivas de liderança para o fabrico do produto acabado; estas etapas estão divididas em partes ou em conjunto, e executado com um olho para a utilização ótima de trabalho. O processo de trabalho complexo foi atomizado. O trabalhador não pode dispor de suas habilidades; seu espaço para a escolha foi reduzido ao mínimo, e ele foi afastado de toda a responsabilidade para o produto acabado. Tais padrões de trabalhos sociais estão em conformidade com as leis do aumento da produtividade e racionalização progressiva. O padrão é típico para a esfera da produção industrial. Uma evolução semelhante pode ser observada na concepção de um ensino moderno e de treinamento no esporte de alto nível; o planejamento racional do comportamento atlético domina. É verdade que as metas complexas determinam os métodos de ensino e treinamento, mas essas metas são repartidas em partes individuais e em fases, que são realizados separadamente ou em pequenas sequências. Em contraste com o mundo do trabalho, o indivíduo ainda reúne essas sequências individuais durante o “momento da verdade” no concurso em si. Durante a ação atlética a análise racional desaparece. No entanto, a divisão do trabalho, a diferenciação do processo de ensino e treinamento, leva até mais tempo do que a competição.

Os princípios fundamentais de um programa racional de treinamento incluem a divisão das tarefas repetitivas de treinamento e a regra de alterar o incremento de carga psicofísica, os quais são copiados dos métodos de trabalho industrial. Repetições contínuas de temporalidade, espacialidade, e tarefas de treino quantificadas, interrompidas por pausas controladas para a recuperação, são exemplificadas no treinamento intervalado, o princípio fundamental de que é “a alternância periódica (ou sistemática e cíclica ou rítmica ou faseada) entre esforço e recuperação ou entre o trabalho e fazer uma pausa ou entre as cargas mais pesadas e mais leves“. Os quatro corolários do princípio do treinamento intervalado são “(1), duração (do trecho), (2) tempo (nível de carga), (3), intervalos ou pausas de vários tamanhos e tipos (4), número de repetições”. Estes corolários são especialmente válidos para corridas de média e longa distância, mas são aplicáveis de forma modificada em outras disciplinas. O RIGAUER, Bero. Sport and Work: Translated with an introduction by Allen Guttman. Tradução de Tiago Oviedo Frosi em abr. 2010. Nova Iorque: Columbia University Press, 1981. p. 1-62.

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objetivo do treinamento intervalado é o aumento da eficácia do treinamento. Supõe-se que o princípio do intervalo “possibilita uma maior quantidade de trabalho realizado com maior intensidade”. Alguns exemplos são ilustrativos: “30 x 100 metros de 15,5 - 16,5 segundos”, “15 x 200 metros em 30-31 segundos”, “90 segundos de pausa”, “3 x 2000 metros em 5: 51,4 minutos”, “3 x 2000 metros em 5: 51,4 minutos”, “em 5: 51,0 minutos”, “em 5: 57,5 minutos“, cada vez “3 - minutos de pausa”. Traduzido, isto significa que um corredor deve executar 100 metros trinta vezes separadamente, com uma pausa de um minuto entre cada série, e durante as pausas ele não deve descansar, mas manter-se em movimento leve. O princípio da repetição e do incremento das cargas é óbvio. Já não é deixada para o atleta decidir como ele vai treinar. Com o rigor “taylorista”, o plano exato “substitui o processo de pensamento do trabalhador individual” ou atleta. Treinamento, agora comparável à produção de linha de montagem, tem lugar nas “mais ou menos simples operações realizadas em intervalos regulares”. Assim como na organização do trabalho industrial, as pausas são planejadas com a intenção de "figurar na utilidade oculta de „tempo livre‟ entre os momentos distintos do processo [de trabalho ou programa de treinamento] de modo que uma maior produtividade possa ser alcançada". No trabalho, como no esporte, “o intervalo racionalizado se torna a „pausa que paga‟ em ambos os sentidos da palavra. Disfarçado como jogar e como o desencadeamento voluntário de energias, o esporte simplesmente duplica o mundo do trabalho”. O treinamento que se deve realizar é tão coercitivamente descrito como o trabalho que deve ser feito na linha de montagem, que “dá as diretrizes de trabalho, com cuja ajuda ele pode a qualquer momento medir seu progresso e cujo cumprimento lhe oferece o maior prazer”. Os exemplos de treinamento dados acima, com sua divisão formal em unidades quantificáveis de repetições, distâncias, tempos e pausas, demonstram uma conexão direta com a aceleração industrial combinada com a promessa de um pagamento mais elevado.

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Ambos os sistemas de comportamento podem ser incluídos no conceito de produção da linha de montagem planejada como um “bom fluxo série de operações realizadas com base na divisão do trabalho, unidos em um só lugar, e realizadas em sequência”. Ainda mais expressiva é a expressão francesa Travail à la Chaine [corrente de trabalho] aplicado às características de produção da linha de montagem, como os elos de uma corrente, o mesmo trabalho é feito mais e mais: esta é uma corrente em um segundo sentido, claro, pois o trabalhador está preso a uma sequência de conjunto de ações repetitivas. Um método semelhante, utilizando também o princípio da repetição e da evolução das cargas, conduz à adoção do chamado treinamento em circuito. Dentro de um “círculo” há uma série de “estações”, cada um com sua tarefa específica a ser realizada. Em cada estação, se faz o exercício prescrito (levantamento de peso, extensão do joelho, agachamentos, etc). Pausas não são permitidas entre as estações, com exceção, claro, do tempo exigido para ir de uma para outra. Como regra, o “treinado” começa com uma rodada do círculo e aumenta o número de rounds de acordo com sua capacidade individual. Como ilustração, um ciclo pode consistir de: (1) “subir um banco ou caixa e caminhar ao longo dela”, (2) “agachar e pular saindo da posição de apoio”, (3) “pular e fazer barras”, etc. O número de repetições irá variar de acordo com o indivíduo. Ao olhar mais de perto o treinamento em circuito, podemos perceber os fatores familiares do trabalho repetitivo: um número exato de repetições de cada movimento, incremento de carga psicofísica, ordenando formalmente os exercícios a serem realizados, as indicações para o comportamento motor. Em suma, vemos como o treinado está vinculado a um plano definitivo do trabalho. Os elementos do circuito profissional metódico lembram um dos métodos de produção usados ainda para os produtos que não podem ser economicamente produzidos por técnicas de linha de montagem. Por exemplo, suponha que um trabalhador deve reunir 100 peças de um determinado objeto. Várias abordagens são possíveis: ele pode abrir as cavidades necessárias em cada objeto (primeira estação), dobrar os objetos em um

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ângulo (segunda estação), alisar todas as bordas afiadas (terceira estação), etc. Ele também pode repetir no círculo muitas vezes através da preparação de apenas 10 peças de cada vez, portanto, passar pelo círculo 10 vezes. Em ambas as situações, treinamento em circuito e séries de produção, vemos os sinais característicos de uma variedade de operações realizadas nas estações padronizadas de uma obra ou do processo de treinamento. A prática do treinamento tático da equipe moderna não é estruturalmente diferente, de forma geral, à tendência para imitar a racionalização, a palavra padrão de comportamento no campo dos esportes de alto nível. O conceito de ação, com base em movimentos analisados nas etapas elementares que são dominados, por vez se tornou o modelo de treinamento para os jogos de bola. Sistemas defensivos e ofensivos são abstraídos do seu contexto total e isolados e praticados como manobras continuamente repetidas até se tornarem uma questão de hábito. A literatura está cheia de exemplos de peças estritamente esquematizadas em que cada jogador tem seu papel “G passa para G¹ e protege. G¹ dribla e passa para F. G protege para F. F passa para G e protege para ele. G passa para C que conduz. G¹ corta atrás de G e C com uma barreira quádrupla, recebendo um passe de C”. Qualquer jogador que procura sair do sistema tático será - pelo menos durante o treinamento - forçado pelo treinador para voltar ao estereótipo comportamental. Na competição em si, o padrão de comportamento social é aplicada em peças complexas e pode até mesmo ser improvisado. Em contraste com a determinação estreita, as demandas do trabalho analítico, o campo de jogo oferece a possibilidade de soluções independentes para os problemas. No entanto, o método de „quebrar em partes‟ de treinamento tático da equipe continua sendo a base para a aprendizagem do comportamento de jogo. No treinamento, os esportes de equipe copiam as formas da divisão do trabalho, mesmo se o esquema analítico puder ser retirado durante a competição em si para que novas soluções para situações de jogo possam ser encontradas.

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A crítica aos métodos de treinamento descritos acima mal começou. É revelador que a crítica concorda em muitos pontos com a crítica da divisão do trabalho na indústria e das consequências dessa divisão do trabalho, e isto apesar da dissimilaridade externa de esporte e trabalho. A objeção do treinador P. W. Cerutty de que o chamado “treinamento científico” é na verdade um “treinamento pseudocientífico” é paralela a denúncia de Georges Friedmann contra o status científico do sistema tecnocrático inventado por F. W. Taylor, ou seja, que “o sistema de planos fixos é desenvolvido fora da o processo de treinamento, sem permitir qualquer escolha do próprio atleta. O plano é pré-determinado e é simplesmente assumido que o atleta irá seguir o plano”. Uma crítica comparativa dos métodos de racionalização de alto nível esportivo e no trabalho industrial conduz, como já foi demonstrado, a pontos similares: intervalo de formação e de trabalho da linha de montagem tanto pode ser descrito como sistemas repressivos (no termo “rígido” de Friedmann) de orientações de comportamento que contraem ao mínimo o espaço individual de escolha e de se comportar. O “fator humano” (Friedmann) é incorporado a formação tecnocrática ou planejamento de trabalho. Friedmann fala de “retirar a alma do trabalho”. Theodor Adorno escreve que o esporte dá ao homem, de volta, “uma parte das funções de que a máquina privou-o”, mas “apenas para que os homens possam ser ainda mais impiedosamente colocados a serviço da máquina. O esporte começa mesmo a transformar o corpo em uma máquina”. Esta evolução transforma o processo de racionalização no oposto da sua intenção original, que foi para elevar a produtividade e realização, pois tem sido empiricamente estabelecido que o “excesso de pequenas unidades de trabalho levam ao tédio, infelicidade e até mesmo uma queda no desempenho”. Uma das causas de tal declínio é certamente a monotonia. Nos casos em que divisão idealizada e tarefas mal estruturadas jogam rapidamente um sobre o outro, a consciência não pode mais ver o significado da situação. “Não há mais indivíduo” agora “que pode estar relacionada a

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um „antes‟ e um „depois‟. O sujeito se coloca em nenhum lugar no tempo, mas as experiências apenas um sentido de duração [ ... ] A redução da dimensão temporal de uma situação a um mero sentimento de duração - é o fator de monotonia”. Este perigo ameaça sempre a divisão racional da atividade e a redução da situação a “mera duração” ocorre, na formação de atletas, bem como nas formas de trabalho industrial. A alegação do Esporte é o cumprimento de funções, que é contrária a esse trabalho que não mais se sustenta, pois aqui também técnicas racionalizadas

foram

introduzidas,

que

levam

a

comportamentos

monotonamente

esquematizados e à dissolução da estrutura temporal experimentada conscientemente. Como Jürgen Habermas exprime, esportes de alto nível existem “há muito tempo desde que se tornaram um aspecto da racionalização do trabalho”. A história da divisão do trabalho demonstra uma oscilação entre atividades complexas e simples. Hoje os métodos de treinamento atlético estão passando por uma mudança semelhante. Se os métodos de treinamento atlético, até 1960 enfatizaram o método analítico intervalado concebido para corredores de média e longa distância, agora há uma tendência para mudar para o princípio mais complexo de duração - ou seja, um temporal e espacialmente tipo mais solto de treinamento, com trechos mais longos. É historicamente relevante para a investigação sobre as ligações entre o esporte e o trabalho que o esporte de alto nível tenha se originado na fase da divisão industrial do trabalho. Com a progressiva “fragmentação do trabalho” (Friedmann) começou-se a trabalhar em esportes, como treinamento e métodos de ensino - de qualquer forma, após um certo lapso de tempo. Genericamente, porém, é claro que o esporte cresceu em uma relação causal, social, histórica com o desenvolvimento industrial de racionalizar o trabalho humano.

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9 DESMEMBRANDO MÉTODOS DE ENSINO

No treinamento atlético moderno e na educação física, o processo de aprendizado é dividido como a divisão do trabalho em único, movimentos e elementos de comportamento que são praticados de forma isolada e que o estudante deve reunir mais tarde em ações completas. Sequências de exercícios metódicos têm sido desenvolvidas, rotinas com base nos princípios da educação física. O objetivo é facilitar o domínio das tarefas motoras e sociais passo a passo. Por exemplo, não se aprende a lançar o disco imediatamente, mas controlam-se as diferentes partes da sequência de jogar e aprende-se progressivamente a juntar todas as peças. O mesmo é verdade para jogos onde as táticas são aprendidas uma de cada vez e, em seguida, reunida em sistemas completos de comportamento social. Métodos de Ensino no desporto foram modelados após o sistema de aprendizagem artesanal e produção industrial. As habilidades a serem aprendidas são divididas em seus elementos, que o aprendiz deve dominar passo a passo de acordo com sua dificuldade crescente. Por exemplo, “suavização” deve ser aprendida por etapas começando com o planejamento de superfícies planas e terminando com a forma complicada de superfícies irregulares. Nos esportes, como no artesanato e sistemas industriais de educação profissional, o princípio da repetição de tarefas é tão importante quanto o princípio da divisão de competências para inculcar comportamentos estereotipados. Essa forma do processo de ensino e aprendizagem é realmente baseado nas regras do jogo na competição de mercado. Há razão para suspeitar que estas regras aplicam-se mesmo dentro do mundo da pedagogia.

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10 TEMPO E BUROCRACIA

O desmembramento racional do conteúdo do trabalho social e os esportes de alto nível implica um planejamento orientado para metas de suas dimensões temporais. Os programas de treinamento e planos de trabalho são submetidos ao momento exato. Uma consequência disto é que o atleta de alto nível não pode treinar de acordo com seu plano de tempo próprio. Arbitrária e espontaneamente a atividade atlética é restrita para ajustar o plano de treinamento. O prognóstico de F. W. Taylor parece tão válido para o esporte de alto nível como para o trabalho industrial: “Até agora, a personalidade veio primeiro, a partir de agora, a organização e o sistema tomaram conta”. Não é diferente para o trabalhador: seu horário é determinado pelo seu empregador. Em ambos, esporte e trabalho, o indivíduo é, literalmente, empregado de alguém durante o período da atividade produtiva. Não é simplesmente o dia de trabalho que é moldado e fixado, o futuro também tem seus programas de treinamento e planos de trabalho projetados de acordo com objetivos específicos (colocação atlética e recordes industriais). Um programa de treinamento com base científica abrange semanas, meses e até anos. Teóricos do treinamento falam de “planos de treinos diários (manhã e tarde)”, programas de treinamento semanal, “planos anuais”, planos “de longo alcance”. Durante esses períodos o atleta ou a equipe é “modelado” ou “construído” para alcançar o nível desejado de desempenho como uma preocupação econômica é dedicado a alcançar um nível ótimo de produção. Programas de treinamento atlético mostram claramente os traços de racionalização, orientação de metas e comportamento planejado. A racionalização assume formas logicamente necessárias quando falamos de uma burocratização e a administração dos esportes de alto nível. Pode-se perceber a influência dos princípios burocráticos nos seguintes fenômenos: o crescimento da burocracia no esporte que exerce uma regra limitadora na base de seu poder para tomar decisões, a aceitação do

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princípio da burocratização funcional, como descrito por Max Weber para que uma “ampliação intensiva e qualitativa e desdobramento da esfera de responsabilidade da administração” tem lugar, sob a liderança de especialistas atuando com autorização legal e semilegal conceitualmente sistematizada e racionalizada. Burocratização é um aspecto necessário para a racionalização dos esportes modernos; para o aumento do número daqueles “fazendo” esportes diminuiu as oportunidades para eles “fazerem” o esporte de forma livre e sem uma organização formal. Depois de certo ponto, uma série de interesses e grupos se opõe uns aos outros de uma forma que exige legítima regulamentação. Burocracias especiais do esporte, distinguido pela sua “elaboração de normas, por suas competências de delimitação e, assim, a ordem dos relacionamentos”, ato de fornecer o membro de estrutura e ordem, “por exemplo, definindo os direitos e deveres dos membros. A burocracia do esporte comprometese a tarefas de administração. Na Alemanha Ocidental, a federação alemã de esportes (Deutscher Sportbund - DSB) tem essas funções burocráticas. No DSB as várias associações de diferentes disciplinas (por exemplo, associações de futebol ou esqui) se reúnem em uma organização abrangente. As seguintes divisões de jurisdições foram desenvolvidas (esquematizadas aqui): a DSB aplica, programa e representa os interesses e objetivos de todos os esportes, enquanto as diversas associações tem responsabilidades delegadas. A organização geral e as especializadas funcionam como grupos de pressão que incorporam uma posição ideológica definida vis-à-vis dos esportes de alto nível e suas categorias funcionais. A racionalização assume formas logicamente necessárias quando falamos de uma burocratização e a administração dos esportes de alto nível. Pode-se perceber a influência dos princípios burocráticos nos seguintes fenômenos: o crescimento da burocracia no esporte que exerce uma regra limitadora na base de seu poder para tomar decisões, a aceitação do princípio da burocratização funcional, como descrito por Max Weber para que uma “ampliação intensiva e qualitativa e desdobramento da esfera de responsabilidade da administração” tem lugar, sob a

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liderança de especialistas atuando com autorização legal e semilegal conceitualmente sistematizada e racionalizada. Burocratização é um aspecto necessário para a racionalização dos esportes modernos; para o aumento do número daqueles “fazendo” esportes diminuiu as oportunidades para eles “fazerem” o esporte de forma livre e sem uma organização formal. Depois de certo ponto, uma série de interesses e grupos se opõe uns aos outros de uma forma que exige legítima regulamentação. Burocracias especiais do esporte, distinguido pela sua “elaboração de normas, por suas competências de delimitação e, assim, a ordem dos relacionamentos”, ato de fornecer o membro de estrutura e ordem, “por exemplo, definindo os direitos e deveres dos membros. A burocracia do esporte compromete-se a tarefas de administração. Na Alemanha Ocidental, a federação alemã de esportes (Deutscher Sportbund - DSB) tem essas funções burocráticas. No DSB as várias associações de diferentes disciplinas (por exemplo, associações de futebol ou esqui) se reúnem em uma organização abrangente. As seguintes divisões de jurisdições foram desenvolvidas (esquematizadas aqui): a DSB aplica, programa e representa os interesses e objetivos de todos os esportes, enquanto as diversas associações tem responsabilidades delegadas. A organização geral e as especializadas funcionam como grupos de pressão que incorporam uma posição ideológica definida vis-à-vis dos esportes de alto nível e suas categorias funcionais. A postura manifesta-se na regulamentação específica: estabelecer normas de realização (por exemplo, as qualificações de entrada), que codifica as tabelas de resultados para o cálculo de conquistas esportivas, formulação de regulamentos administrativos para as competições, a divisão em categorias concorrentes e, além disso, regula as relações entre os clubes esportivos e as associações, a criação de um sistema judicial interno para fiscalizar a constituição das associações e punir as violações das mesmas, nomear as equipes nacionais, e empregando cientistas e treinadores na investigação sobre métodos de treinamento para a melhoria da realização.

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Assim como no mundo burocratizado do trabalho, vários grupos de interesse, entram em conflito: os administradores em relação ao administrado. Nos esportes, bem como no trabalho, um modelo típico do nosso sistema social é a regra de uma organização burocrática, administrado por um pequeno grupo de administradores. Obviamente, este novo sistema burocrático “estabelece uma grande responsabilidade sobre os ombros da administração” e aperta o grau de escolha deixada ao indivíduo. O mundo do trabalho experimenta uma constrição similar das iniciativas econômicas do indivíduo por parte de associações que atuam para estabelecer normas de comportamento, tipos e quantidades de produção, salários e preços de venda, regras de trabalho, etc. Os portadores da carga das formas burocráticas acima mencionadas são a Associação Esportiva e da organização econômica, respectivamente. Ambas as instituições desenvolvem e aplicam as medidas administrativas que são estruturalmente e funcionalmente similares. Em ambos os casos, temos um “sistema social cooperativo”, exigindo “o exercício de inúmeras atividades caracterizadas pela divisão do trabalho. As atividades devem estar subordinadas aos objetivos da empresa, o que exige um sistema de direção e controles. Partir destas necessidades eleva um sistema hierarquicamente organizado, sistema formalmente definido de funções técnico-organizacionais”. As interações dentro de um clube desportivo demonstram a divisão do trabalho no âmbito de uma organização formal, fixa. Escritórios hierarquicamente organizados interagem de acordo com as responsabilidades definidas com precisão. Estes serviços constituem o comitê executivo do clube no qual vários dirigentes da empresa elaboram comitês para tratar de problemas e tarefas especiais. Há também uma “legislatura”, que consiste de todos os membros com direito a voto. O legislador determina os objetivos do clube e elege os vários oficiais. Uma Constituição do clube escrita codifica as “leis” do clube, cuja execução é vigiada por um tribunal especial ou judicial. Ramos e setores com base em diferentes disciplinas desportivas são fundados e dividem o clube em setores

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que, como seu modelo de empresa industrial, podem possuir certa independência dentro da estrutura geral do clube. Além disso, a construção de comitês assessores administrativos, composto por peritos de cargos públicos administrativos e da iniciativa privada, ambos servindo a título consultivo, caracterizam um desenvolvimento de abordagens que nos maiores clubes esportivos se aproxima de uma indústria administrativa dos esportes. Todas as marcas de um quadro técnico-organizacionais têm muito que distinguem a estrutura básica do sistema econômico capitalista e foram transferidos do capitalismo para outras áreas do comportamento racional. Na verdade, a burocratização aparece hoje como um marco da sociedade industrial e sua divisão do trabalho. A burocratização desenvolveu as técnicas específicas de regra orientadas por metas, racionalmente planejadas. Burocracia significa aqui mais do que simplesmente um “meio para executar uma organização”. Cada aspecto da vida social está subordinado à administração planejada. O resultado é que a burocracia constantemente diminua a oportunidade de escolha do indivíduo. E esportes de alto nível há muito tempo tomaram esse passo para serem esportes administrados.

11 O SISTEMA DE REGRAS TIPO TRABALHO DOS ESPORTES DE ALTO NÍVEL

A burocratização do esporte de alto nível implica num sistema de papéis sociais, como o que existe no mundo do trabalho. Dentro de um clube esportivo, como em uma empresa industrial, cada pessoa adquire uma posição ativa que fixa sua área de atividade. Orientado por metas, social, mecanismo comportamental, cujo status é precisamente definido. Dependendo de suas metas, tarefas e responsabilidades, cada empresa cria subordinação e superordinação pela estrutura das suas funções. “Organização social formal é [ ... ] um

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sistema de papéis sociais hierarquicamente relacionados e organizados para viabilizar o cumprimento das metas da empresa”. Cada papel social está ligado à base de determinações objetivas para o comportamento esperado por parte de quem preencher o papel. Os esportes de alto nível copiaram o modelo de status ordenados e papéis nas suas formas elementares de organização social. Como o diretor de uma empresa econômica, o presidente de um clube desportivo (ou o presidente de seu comitê executivo), integra o maior nível de controle e tomada de decisão. Ele fala com autoridade, expressa nos princípios da política do clube, e aparece em público como representante do clube. Quando há conflitos de interesses com outras instituições, ele age como o intermediário das negociações. Em seu papel de liderança, se espera encontrar qualidades típicas - por exemplo, a informação especializada, a capacidade retórica, a identificação com as tarefas a serem realizadas, e tato organizacional. O presidente de um clube desportivo pode ser visto como um gerente geral que exerce um alto nível de coordenação dentro da função de gestão do clube. Ao lado dele estão os especialistas cuja esfera de atividade são determinadas objetivamente: o vicepresidente (ou segundo oficial), que é responsável pela administração e organização, o diretor de esportes e jogos que coordena todo o campo de atividade atlética, o secretário de imprensa, o tesoureiro, e outros papéis ainda mais especializados como consultor jurídico. Estes papéis correspondem aos dos diretores de uma empresa industrial. Cada divisão de um clube desportivo tem o seu chefe, cujas funções correspondem às do superintendente ou gerente divisional de uma empresa. Ele executa as instruções dos seus superiores hierárquicos na gestão e age de forma independente para realizar as tarefas que lhe são delegadas. A margem de autonomia para o líder da divisão de um clube desportivo é, no entanto, maior do que em um empreendimento econômico, porque, na maioria dos casos, o primeiro é um voluntário não remunerado em uma organização atlética cuja existência não é essencialmente orientado para metas ou dependentes decisões de sucesso. Não há um conjunto de normas estritamente

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formal. Por outro lado, o papel do treinador atlético é como a do atleta de alto nível mesmo claramente determinados pelas normas orientadas por metas, que definem o seu estatuto e as características de sua posição - as características, ou seja, de conhecimentos especializados, domínio prático da disciplina atlética específica, características de liderança como a empatia com a situação psíquica de um atleta, a capacidade de assumir a liderança do grupo, capacidade de tomar decisões objetivas. Em suma, o treinador deve ter pré-requisitos pessoais e objetivos que lhe permitam a formação direta ao nível ótimo de realização, a fim de realizar o objetivo central do especialista. Nos Estados Unidos existem equipes esportivas (beisebol, futebol americano, de basquete), com os instrutores como o único responsável pelo condicionamento físico da equipe, enquanto o treinador e seus assistentes ensinam estratégia e preparam os jogadores para a competição em si. O papel do próprio atleta de alto nível, como para o trabalhador e o empregado, é baseado em sua promessa de realização específica. Espera-se que o comportamento orientado para a realização dele: a formação (de trabalho), a indústria, a pontualidade, cumprimento das tarefas de formação (quociente de trabalho), etc. Todas estas expectativas são normalmente redigidas sob a forma de um compromisso formal ou de um contrato profissional, o que fixa o papel e se impõe a todos os signatários. Os esportes coletivos oferecem o exemplo mais típico da divisão de sistema de trabalho no esporte. Nas descrições das posições de jogo individual, pode-se ver de forma bastante clara da definição dos papéis: “armador”, “lateral direito”, “defensor esquerdo”, “goleiros”, etc. Estes nomes determinam a delimitação espacial do campo em que o jogo acontece (por exemplo, o guarda-redes), uma função prescrita para cada jogador (por exemplo, defensor), ou um papel específico a expectativa (para a frente). Cada descrição do cargo contém uma lista de características que implicam um padrão de comportamento prescritos para o jogador individual. papéis diferenciados aparecem, mas não de forma isolada uma da

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outra, eles aparecem dentro da equipe como parte de um sistema de papéis. Trabalho em equipe é o princípio norteador. Hoje em dia, socialmente e politicamente empresas industriais progressistas olham para o conceito sociológico de trabalho em equipe como um modelo de organização do trabalho efetivo.

12 COOPERAÇÃO TIPO-TIME E TIPO-ESTRUTURA

Podemos falar de cooperação entre os colegas ou colegas de trabalho quando a sua atividade “é imediatamente condicionada e guiada por outros, de modo que o indivíduo deve considerar explicitamente os outros a fim de completar sua própria atividade”. Um exemplo disto pode ser encontrado na técnica de trabalho do grupo de trabalhadores da indústria do aço, de acordo com a investigação empírica, os trabalhadores observados devem dirigir caminhões carregados com terra para uma fornalha. Eles não estão vinculados a nenhum padrão específico de trabalho e podem dividir a tarefa como preferirem, desde que eles cumpram com suas quotas estabelecidas. Eles são capazes de se apoiarem mutuamente, pois suas tarefas individuais não estão em conflito. Na base das regras de trabalho obrigatório e as tarefas a ser feitas, há uma “dependência indireta”, desenvolvido entre os trabalhadores. A colaboração de uma equipe desportiva assenta-se numa estrutura semelhante: o jogador individualmente não é obrigado a definir seu comportamento e pode, na maioria das situações de jogo, decidir sobre suas próprias táticas, porém ele está sujeito a regulamentações sobre o tempo do jogo, da intensidade e duração de treinamento. Uma vez que as manobras de jogo não estão relacionadas umas às outras de forma determinística; não é executada pela “ajuda” espontânea e, portanto, um alargamento do papel do jogador. Junto com a pressão das expectativas

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obrigatórias de papéis, há os objetivos comuns do jogo de exercer uma pressão social sobre a integração da equipe como um todo. Sobre esta base limitada e racional de planejamento de papéis, nos esportes e no trabalho, o princípio de organização do trabalho em equipe permite uma escolha individual das ações. Em outras palavras, um sistema informal de papéis existe junto com o formal. No

entanto,

com

a

intensificação

das

medidas

técnico-organizacionais-

racionalizantes, não ocorre com frequência em muitas situações comportamentais uma diminuição progressiva da liberdade do indivíduo para agir. Isso levou à criação de “uma cooperação estrutural”, cujas características podem ser lidas a partir do exemplo acima mencionado na indústria do aço: a força de trabalho coopera “em uma espécie de desvio em torno da estrutura técnica”, porque a maioria das atividades é projetada para serem feitas com dispositivos mecânicos. Consequentemente, cada trabalhador tem “seu próprio local de trabalho definido, e neste lugar, suas próprias funções especializadas claramente definidas”. Ele já não pode decidir livremente entre as atividades possíveis porque a ordem temporal do trabalho tem sido definida e não há possibilidade de ajuda mútua. Cooperação agora significa “divisão do trabalho e trabalho cooperativo tecnicamente condicionado”. Pode-se observar uma evolução similar no jogo de equipe moderno: ao invés da estrutura “técnica” da fábrica, temos uma concepção racional das táticas que força cada jogador a ter hábitos de cooperação predeterminada. A própria concepção de equipe coloca cada jogador em um lugar definido com tarefas especializadas e precisamente prescritas (por exemplo, para bloquear um adversário de alcançar seu campo de jogo). Decisões arbitrárias, não são mais possíveis. “Ajudas” espontâneas são intencionalmente mais difíceis porque eles trazem consigo o perigo da negligência das tarefas obrigatórias. Trabalho em equipe foi subordinado ao planejamento racional intencional, que transforma o jogo da equipe em um tipo de cooperação taticamente

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determinada com base na divisão do trabalho. A interação dos jogadores é, portanto, mediada por uma estrutura de regras táticas. A prática contemporânea mostra uma tendência, no entanto, de liberar a equipe das extremas limitações impostas ao movimento individual. O personagem principal não é o especialista estreito, mas sim o “jogador completo”. Ele tem a capacidade, dependendo da estrutura da situação, de preencher papéis diferentes. Um jogador de futebol pode, por exemplo, no chamado sistema 4-2-4 ou 4-3-3, alternar entre “defensor de direita” e “armador esquerdo”. Essa flexibilidade corresponde ao conceito de Georges Friedmann, de uma melhoria de produção da linha de montagem por conta do indivíduo trabalhador aprender diferentes “partes da obra, a fim de passar de um para o outro [ ... ]. A circulação de trabalhadores no âmbito deste sistema tem vindo a aumentar a produtividade para além dos métodos clássicos de tarefas individuais especializadas”. O ganho pode ser atribuído a “uma mudança de ritmo”, “um ritmo de trabalho que não está vinculado à esteira”, “maiores exigências para iniciativa e destreza”, “menos cansaço físico”, e a mobilidade [social]. O maior nível observado no desempenho numa equipe sob o sistema como um todo, sem dúvida, pode ser rastreado até os mesmos argumentos.

13 RACIONALIDADE TÉCNICA: uma marca registrada dos Esportes Modernos

Os esportes modernos nasceram no século XIX, durante a transformação do trabalho de técnicas artesanais para as de fábrica e do sistema industrial. Naquela época, a trilha e esportes de campo, natação, remo, futebol e outras disciplinas foram desenvolvidas e organizadas na Inglaterra – a primeira sociedade industrial da história. Esses esportes

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apareceram como disputas regulamentadas. Com técnicas extraídas da produção industrial e do mundo em desenvolvimento das relações de mercado capitalistas, os esportes modernos constituíram-se primeiramente como um tipo não econômico de comportamento competitivo. Nesse ínterim, porém, o desenvolvimento tecnológico tem feito muitos progressos, “que os contatos humanos fora do mundo do trabalho são sempre acompanhados por um terceiro elemento, ou seja, a tecnologia com as suas estruturas” e máquinas. A tecnologia insere-se nas estruturas sociais e não apenas modificando-as, mas simultaneamente remodelando-as. A sociedade industrial criou uma consciência tecnológica que em contrapartida condiciona a forma dos campos não tecnológicos do comportamento. Para esportes modernos de alto nível, os números – com todo o peso do seu simbolismo técnico-racional – têm assumido uma importância central. Pela mediação dos números,

os

resultados

do treinamento

ou das

disputas podem

ser expressos

quantitativamente: escores de jogos, tempos de corridas, distâncias de arremesso e salto, etc. Debaixo dos números jaz a tentativa de encontrar um esquema para “calcular a vida”. Em números, o desejo é expresso para apresentar todos os fenômenos em termos de equivalência. Cada “incomparável” é feito comparável porque é “reduzido a sua dimensão abstrata”. Esportes de alto nível adotam o princípio da “responsabilidade final” do campo das relações de troca. Ao fazê-lo, os esportes participam da “racionalização cada vez mais claramente observável racionalização da nossa vida no modelo das ciências naturais contemporâneas; os esportes rejeitam o qualitativo, a fim de adotar o medido e o quantificado”. Os esportes não são mais meios para a educação; “quantificação e mensuração dos desempenhos se tornaram a própria essência do esporte”. “Lado a lado com o valor da experiência é o simples desempenho quantificado, o objetivo que é o todo”. Os esportes estão preocupados principalmente com “primeiros” e com a quebra de recordes. Igualar um recorde é meramente sentido como a repetição de uma quantidade já alcançada.

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Os organizadores do esporte de alto nível não têm nenhuma intenção de ignorar a natureza prática e desistir das unidades numericamente definidas de medida em favor da única alternativa: estabelecer uma ordem de classificação (primeiro, segundo, terceiro, etc), sem o cálculo exato de tempos e distâncias exatos em uma escala de intervalo de minutos e segundos ou em metros e centímetros. (Os gregos, no entanto, mostraram, através de pesquisas históricas de ter utilizado essa alternativa apenas em seus Jogos Olímpicos). Nesta era industrial, que trouxe à luz o esporte de alto nível, o uso do olho nu parece absurdo e impraticável. Nossa consciência é quantitativa. Os jogos olímpicos modernos poderiam, portanto, ser transformado em um espetacular festival de números sem qualquer resistência ideológica por parte dos funcionários Olímpicos. A classificação olímpica nacional é uma sinopse tabular do índice de sucesso atlético nacional, expressa em medalhas, que por sua vez são a afirmação quantificada das colocações. As classificações assumiram funções similares para a comparação das estatísticas de produção de economias nacionais competitivas e levaram similarmente a deduções ideológicas mal interpretadas. As luas políticas, econômicas, e outras dos povos do mundo parecem em formas sublimadas no estádio. As condições técnicas do esporte de alto nível também são expressas no equipamento padronizado usado na competição. Não se pode competir com o qualquer equipamento por ser seu favorito - pelo menos não em competições oficiais. As instalações esportivas como trilhas, piscinas, e campos também estão sujeitas a determinadas dimensões espaciais. Eventos esportivos não podem ocorrer em qualquer lugar, eles ocorrem apenas em circunstâncias padronizadas. Quem insiste em usar o seu próprio equipamento irregular ou trechos e lugares desmedidos simplesmente exclui-se do sistema de medidas comparáveis de desempenho. A normatização de equipamentos esportivos e instalações também têm paralelos no mundo do trabalho, onde a padronização de todas as condições de produção e de concorrência tem sido procurada. Hoje, os tempos e as distâncias dos desempenhos atléticos são medidos com o

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auxílio de cronômetros, trenas, travessas, medidas de distância oticamente construídas, anemômetros, filmes e aparelhos de fotografia, mesas móveis, etc. “Nesta medida exata de frações de segundos, encontramos o característica de controle de tempo e organização temporal, que é peculiar à idade técnica”. A máquina, símbolo da união do trabalho humano e da tecnologia, tem, entretanto, forçado sua adoção em muitas áreas do esporte de alto nível, a máquina parece - pôr aproximadamente - de duas formas: (1) simples, como ferramenta de dispositivos com um caráter essencialmente instrumental que serve para ampliar as atividades atléticas e habilidades físicas (máquinas que dão largadas, estacas de salto, máquinas de musculação, trampolins, bicicletas, tacos, raquetes de tênis, e bastões de hóquei); (2) Equipamentos de potência não-humana (automóveis , motocicletas, aviões, barcos a motor). A máquina é adaptada para o executante, o executante para a máquina. Neste último caso, os homens se adaptaram à máquina após terem fugido da mecanização do trabalho industrial para o mundo dos esportes, onde a máquina, em sentido figurado, os seguia. Com a integração dos instrumentos técnicos em esportes de alto nível, os esportes tornam-se parcialmente dependentes de todo o processo de desenvolvimento tecnológico. Alguns – automobilismo, asa-delta, mergulho – são simplesmente impossíveis sem o equipamento técnico especial. Desempenho nessas disciplinas é, obviamente, inseparável do desenvolvimento de instrumentos de alta qualidade bem construídos. O progresso do desempenho em muitos esportes tem sido muito acelerado pelas descobertas e inovações técnicas. Quando um salto com vara de 4,80 metros foi considerada excelente há uma década, agora [1968] já se saltou 50 centímetros mais alto, graças à vara de fibra de vidro. Esse fato nos faz lembrar do processo de produção econômica, cuja eficácia na produção de bens e serviços é continuamente reforçado pela evolução tecnológica. Novas disciplinas esportivas (disputas de trampolim, as corridas de kart, corridas de bobsled) seguem sobre a invenção de

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novos dispositivos. Há novas disciplinas para as quais a força muscular, coordenação motora e resistência são menos importantes do que a coordenação motora fina e a capacidade de concentração psicológica (tiro ao alvo, golfe, tênis de mesa). Esta reestruturação das demandas sobre o corpo humano tem sido estudada por Georges Friedmann, através de exemplos do trabalho industrial, onde a demanda por coordenação muscular fina está crescendo continuamente. Uma tendência similar no esporte, juntamente com os progressos nos níveis de desempenho e com a inventividade humana, traz o desenvolvimento de novos tipos de habilidades motoras e equipamentos técnicos esportivos. Há um desenvolvimento paralelo de novos padrões de comportamento. O conceito de “técnica” nos esportes modernos também pode ser indiretamente relacionado ao comportamento humano, porque cada disciplina esportiva tem suas técnicas específicas. Movimentos atléticos intencionais são chamados técnica de movimento. Para cada técnica há um sequencia de movimentos prescrita e otimamente econômicos (conservação de tempo, distância ou de energia). Nesse sentido, a técnica significa algo como um modo intencional e normativo de movimento. “É inegável que o desenvolvimento está em estreita relação com a mecanização progressiva e que o esporte em si é cada vez mais mecânico. Vemos isso [ ... ] mesmo nas disciplinas nas quais as máquinas tenham sido formalmente excluídas, como boxe, luta, natação, corrida, salto, arremesso e mini-golf. O próprio homem tornou-se uma espécie de máquina, cujos movimentos, controlados pelo seu equipamento, são mecânicos”. Se os movimentos humanos são forçados a um propósito, a estruturas racionais, uma concepção tecnocrática da atividade esportiva deve aparecer em cena.

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14 A “CIENTIFICAÇÃO” DOS ESPORTES DE ALTO NÍVEL E DO TRABALHO

“Cientificação”, o estágio mais elevado na racionalização do trabalho, é aplicação instrumental de métodos científicos na prática real. A tese de Taylor de que “há ciência na menor ação do trabalhador” é o fundamento para uma ciência técnico-analítica de trabalho concebida com um sistema de estabilização (funcional) de intenção. O objetivo desta ciência é usar as pesquisas exatas no trabalho humano, a fim de aumentar a produtividade. Este objetivo pode ser alcançado, “quando todos os movimentos desnecessários são eliminados, quando os movimentos lentos são substituídos por rápidos, quando controles e embargos nãoeconômicos são substituídas por econômicos”. Um estudante de Taylor, F. B. Gilbreth, fez as ligações entre as despesas da força de trabalho e o tempo de trabalho com mais precisão em seu livro Motion and Time Study. “Primeiro, a dimensão do espaço e depois a do tempo devem ser anunciadas. A orientação por metas e o sucesso do trabalho dizem, obviamente, respeito à forma e depois ao ritmo do movimento”. Gilbreth observou o trabalhador “mais preguiçoso” e “aprendeu a partir dele os movimentos mais econômicos o tornou [ ... ] um modelo”.

** A recorrência do termo “achievement” dificultava a tradução, aparecendo na maioria deste texto como “realização”. Pode-se entendê-lo, também, por desempenho, o que na maioria do texto parece mais adequado devido ao tema dos capítulos. A palavra “realização” é por isto, destacada em itálico ao longo desta tradução.

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