September 19, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
Download Sociologias Da Alimentação by Jean-Pierre Poulain...
Nu m contexto de “cri “crise se aalime limentar” ntar” , o sociólogo é hoje interpelado por seus colegas “proprietários” de territórios científicos vizinhos: nutricionistas, especialistas das ciências dos alimentos e da segurança alimentar, economistas, gestores, cientistas políticos, para tentar esclarecer o que estes designam, de seu ponto de vista, como a irracionalidade dos consumidores. Para o sociólogo, o ato alimentar não é somente biológico, ele é também uma representação concreta dos valores mais fundamentais de uma cultura ou de uma época. É por isso que a modernidade alimentar e as crises que a acompanham são lugares de leitura privilegiados para compreender as mutações sociais contemporâneas. Esclarecendo as questões identitárias e simbólicas que sustentam a alimentação, a sociologia participa da sua compreensão e coloca à disposição dos atores sociais engajados nos diferentes níveis da experiência alimentar instrumentos de gestão da crise. Esta obra faz o inventário das contribuições da sociologia para a compreensão da alimentação. Recorrendo à história da sociologia, ela mostra como, em torno de problemáticas consideradas como mais fundamentais, esta disciplina deparouse com a alimentação. Ela procura as condições para que o olhar sociológico concentrese sobre a alimentação. Este percurso passa pelo esclarecimento dos vínculos que se tecem entre as ciências sociais e a gastronomia, tomando a sociedade francesa como exemplo, acontecimento histórico e antrogológico que estru »
tura sempre, seja qual for a posição social dos atores, sua relação com a alimentação.
SOCIOLOGIAS DA ALIMENTAÇÃO OS C COMEDORES OMEDORES E O ESPAÇO SOCIAL SOCIAL ALIMENTAR
U N I V E R S ID ID A D E
F ED ERA L
DE
SANTA
Reitor
Lúcio José Botelho Vice-Reitor
Ar i oualdo oualdo Bolzan
E DIT OR A DA CJ CJ FS FSC C Diretor Executivo
Alci Al cides des B uss us s Conselho Editorial
Eu ni ce Sueli fi fiod odar arii ( Presid Preside ente nte) Jos é I saac Pilati Lui z Henri que de Ar Araú aújo jo Dutra Lui z Teixe Teixeir ir a do Vale Per Per eir a Sérgg i o Fernando Sér Fer nando Tor Tor r es de Freitas Tânia Tân ia Regi R egi na Oliueir Oliueira a Ramos Vera Lúcia Bazzo
CATARI IN NA
Jean-Pierre Poulain
SOCIOLOGIAS DA ALIMENTAÇÃO O S COM COMEDO EDORES RES E 0 ES ESPAÇ PAÇO O SOCIAL AL ALIIMENT MENTAR AR
Tradução de Rossana Pacheco da Costa Proença, Carmen Sílvia Rial e Jaimir Conte
Edit Ed itor ora a da da U F S C Florianópolis 2004
© 2002 Presses Universitaires de France- PUF
SodoJ doJ og i es derali dera lim m entati enta tion. on. Les mang man g eurs Título da edição edição origi original nal - So et Tespace socia l alimentaire Ouvrage pu bli é avec avec le concours concours du M in istèr e charg é de la la culture culture - Centre national national du du livre Livro Livr o publicado com o a auxílio uxílio do Min Ministério istério da Cultura Francês - Centro Nacional do Livr Livro o
da UFSC Campus Editora Universitário-Trindade Caixa Postal 476 88010-970 - Flo Flori ri anópolis anópolis - SC (D (48) (48) 331 -94 -9408, 08, 331 -960 -9605 5 e 331 -9686 1(48) 331-9680 (53
[email protected] Shttp:/Avww. Shttp:/Avw w. editora, ufsc.b ufsc.brr Direção editorial e capa:
Paulo Paul o Rober to da da Si Iva Ilustração da capa: Tela Les bananes (1891) , d e Paul Caug uin Editoração:
D aniel!a aniel!a Zatarian Supervisão técnico-editorial:
A ldy Verg es Mai M ai ng ué Ficha Catalográfica (Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina)
P874s
Poulain, Jean-Pier Jean-Pierre re Sociologias da alimentação : os comedores e o espaço social alimentar/Jean-Pierre Poulain ; tradução de Rossana Pacheco da Costa Proença, Carmen Sívia Rialjaimir Conte. - Florianópolis : Ed. da UFSC, 2004. 3llp. Inclui bibliografia Tradução de: Sociologies de ralimentation: les mangeurs et Pespace social alimentaire
.
1. Hábitos alimentares. 2. Alimentos-Consumo-Aspectos sociológicos. I. Título. CDU:: 392.8 CDU Reservados todos os direitos de publicação total ou parcial pela Editora da UFSC Impresso no Brasil
Ac.iiAdi^ciMrN Ac.ii Adi^ciMrN ios
Este livro não teria vindo à luz sem os trabalhos de pesquisa conduzidos com alguns parceiros e as longas conversas com outros pesquisadores interessados pela alimentação. Entre os sociólogos: - Edgar Morin Morin,, que, nos anos 1980, 1980, quand qu andoo o tema tem a não estav estavaa muito em moda, acolheu e defendeu a redação de minha tese. - Georges Condôminas, pela dí dívi vida da teórica, mas m as também tamb ém pelo Vi Vietn etnã, ã, com seus tornados e com a comida da cidadela de Hué... - Claude Fisch Fischler, ler, pela dívid dívidaa comum com um para com Edgar Mor Morin in,, pelos territórios abertos na França e no estrangeiro, por todos os apertos de mãos trocados numa amigável confiança. - Jean-Pierre Corbeau, amigo, amigo , cúmplice cú mplice do Comitê de pesq pesquis uisaa “sociologia e antropologia da alimentação” da AISLF. - François Françoisee PaulPaul-Lév Lévy, y, amig a miga, a, ser radical radical cuja intransigênci intransigênciaa teórica teórica e as longas trocas me ajudaram a construir ou reconstruir minhas posições. - Annie Hubert, Hubert, aopor pomesmo r sua solidariedade, se u conhecim conh neste ecimento ento da tecnologia da cozinha, tempo erudito, seu herdeira sentido de André Haudricourt, mas também concreto e saboroso, pela Ásia do sudoeste, La Reunion e a boucané. - Jean-Lo Jean -Louis uis Lambert, cuja participação nos diferente diferentess programa programass de pesquisa do Ministério da Agricultura sempre foi frutífera e amigável. - Claude Riviè Rivière re,, por seus encor e ncorajame ajamentos ntos e suas observações bastante estimulantes, pelo interesse comum em relação à Guinée Conakry.
- Je an-M ichel Berthelot, Berthelot, companheiro de de uma reconversão reconversão profissional, cujos conselhos foram poderosos instigadores. - Christiane Christiane Rondi, incentivadora da AISLF, AISLF , sempre atenta aos trabalhos do CR 17. - Dominique Desjeux, Desjeux, editor editor que me m e ofereceu sua confiança, confianç a, mas m as também antropólogo cujos trabalhos foram uma fonte de inspiração. No universo médico, minhas dívidas são numerosas. Como agradecer a todos os que batalharam para que a voz dos sociólogos encontre seu lugar nas ciências da nutrição? Pierre Barbe e Jean-Pierre Louvet, que me abriram as tribunas dos primeiros colóquios. Monique Romon, Bernard Guy-Grand, Arnaud Basdevant e Luc Méjan, que foram meus advogados no comitê de redação dos Cahiers de Nutrition et de de Diététique. O relatório do INSERM sobre a obesidade da criança foi para mim, ao mesm o tempo, uma ocasião de um trabalh trabalho o sociológico sobre sobre a obesidade e um terreno de observação das ciências da nutrição em ação. Que todos os participantes encontrem aqui o testemunho de minha gratidão, Gérard Ailhaud, Bernard Beck, Pierre-François Bougnères, MarieAline Charles, Marie-Laure Frelut, Marina Martinosky, Marie-Françoise Rolland-Cachera, Daniel Rivière, Daniel Ricquier, Christian Waisse, Olivier Ziegler e Jeanne Etiemble. No mundo da pesquisa agronômica, Jean-Claude Flamand, Georges Borie, Jean-Marie Guilloux, Valérie Péan e a equipe da missão das agrobiociências do INRA foram os personagens de um diálogo apaixonado entre as ciências consideradas duras e as ciências sociais. No setor do marketing encontramos em Moramed Merdji e Geneviève Cazes-Valette interlocutores preocupados em fazer a ponte entre nossas disciplinas, e também amigos. Num campo como o da sociologia da alimentação, as atividades de pesquisa não podem se desenvolver a não ser graças a parcerias com o mundo econômico. Os trabalhos conduzidos com o C1D1L e para o mesmo sob a autoridade de Yves Boutonnat e de Mijo Vernay; o grupo Compass,"com Patrick Bérnard, Christophe Mériot, Roger Genty, Pierre Auberger; a Nestlé France com Simone Pringent... representaram uma oportunidade de coletar os dados empíricos indispensáveis para um trabalho científico.
Devo igualmente muito aos membros do comitê científico do Observatório CIDIL da harmonia alimentar (OCHA): Marian Apfelbaum, Claude Fischle Fischler, r, Martty Martty Chiva, Jean Je an-L -Lou ouis is Flandrin, Marie-Christi Marie-Christine ne e Didie Didierr Clément, Francês Huffer, Maggy Bieulac, incansável incentivadora. Finalmente, os membros da equipe do CRITHA, Jacinthe Bessière, Jean-Marie Delorme, Muriel Gineste, Sandrine Jeanneau, Cyrille Laporte, Frédéric Zancanaro, Paul-Emmanuel Pichon, Jean-Marc Vanhoutte, Jean Zammit e, evidentemente, last but nos least, Laurence Tibère, estão plenamente associados a este trabalho.
f
-
S u m a r io
Lista de s i g l a s .......................................................................................................................................1 .......................................................................................................................................13 3 Pr efác ef ác io io....................................................................................................................................... ....................................................................................................................................................... ................ 15 Ap resen re sen taç ão ão............................................................................................................................................1 ............................................................................................................................................19 9
Primeira parte Peimanênciasetran Peimanênc iasetransfoimaçõ sfoimações es da alimen alimentaçã tação o conte mpo râne rânea a
.........................................
23
Capítulo Capít ulo 1 - A mundiali mundialização zação e os movimentos de deslocalização e de relocalização da al im e n ta çã o ........... ................. ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............29 ......29 1.1
Internaci Internacionalização onalização da alime ntaçã o, sim, ma s através dos parti particulacularismos locais................................................................................................................................29
1. 1.2 2
As cult culturas uras aliment alimentares ares locais co m o lugar de resis resistência tência identitária
1.3
D o tradicio tradicional nal reenco reencontrado ntrado ao e x o ti sm o ...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ........ 38
1.4
Da ma ssif ssificaç icaç ão às m e st iç a ge n s.......... s................ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ..........4 ....41 1
.......
Capítulo 2 - Ent Entre re o doméstico e o eco nôm ico: flu fluxo xo e ref reflux luxo o do culiná rio
......
32
49
2.1 A industrializ industrialização ação da alim en ta çã o.......... o................ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ........ .. 50 2.1.1 Indu Industri strializ alização ação da pro duç ão e novas formas de au to pr od uç ão .... ....... ...... ....... ......5 ..50 0 2.1 .2 Industri Industrialização alização da dis trib uiç ão ão...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ......... ... 52 2.2
Cozinha de mo ntagem e cozinha-pra zer
2.3
A alime alimentaç ntaç ão fora de c a s a ...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ........ 56
2.4
O comedor, o sis sistema tema de produção de re refei feições ções e a d ec is ã o
2.5
A apos aposentado entado ria ou o reto mo ao d o m é s ti ticc o ...... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ ............ .........63 ...63
.......................................................................
Capít Cap ítulo ulo 3 - A evolu evolução ção das ma manei neiras ras d de e com er
.........................
..............................................................
53
58
67
3.1 A tese da gas gastrotro- ano mia e seus se us d e b a te s ...... ............ ............ ........... ........... ............ ............ ............ ............ ............ ............ ......... ... 67 3.1.1 3.1 .1 ü m a situa ção de supe rabu ndâ ndância ncia alim ali m en tar ...... ............ ........... ........... ............ ............ ............ ............ ............ .........6 ...67 7
3.1. 3. 1.2 2 3.1.3 3.2
A diminu diminuição ição dos contr controles oles s o c ia is ...... ........... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... .......68 .68 A multip multiplicaç licação ão dos discursos sobre o ali alimen mentar tar e as suas dimensões contraditórias..........................................................;............................................................69 A perm anên cia das cla classe sse s s o c ia is ...... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ..........70 .....70
3.3 As m uta çõe s das práticas ali alim m en entar tar es..... es ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ............ ........... ........... ..........73 ....73 3.3.1 3.3 .1 A es estrutur truturaa das refeiçõ refeições es se sim simplific plifica....... a............. ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........ 74 3.3 .2 A ali alim m en ta taçã çã o.......... o............... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ .......... 76 3.3.3 3.3 .3 Geo Geografi grafiaa dos cons co ns um os ali alim m en ta tare res......... s............... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ..........78 .....78 3. 3.3. 3.4 4 O s per perfis fis das jorn ada adass ali alime me nt ntar ares........... es................ ........... ............ ........... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... .........7 ....79 9 3.4
A defa sag em ent entre re as norm normas as e as prát práticas icas alim en entar tar es...... es......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ......8 ...82 2
3.5
Da anom ia à crise de llegitimidade egitimidade do aparelho apare lho nor normat mativo.......... ivo............... ........... ........... ...........88 ......88
3.6
A superabu superabundâ ndância ncia e a nova pob reza........... re za................ ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... .......... 90
Capítulo Capítul o 4 - Dos riscos ali alimentar mentares es à gestã o da an sie da de
......................................
93
4.1
O mal-ent mal-entendid endido o da qu alidad e
4.2
O risco e as so socied cied ad ades es m od er n a s................ s..................... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... .........98 ....98
4.3
O risco dos especialistas e o risco do doss le leig ig o s ...... ............ ........... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........99 ...99
..........................................................................................
96
4.4 O ris risco co com o uma constante da alimentação alimentação hum ana 102 102 4.4.1 As ambiva ambivalênci lências as da alimentação h u m an a 103 103 4.4.2 A exacerbação do rris isco co com o ero erosão são dos modos d dee gestão da dass ambivalências ambiv alências da alim ent entaçã ação o h u m a n a ........... ................ ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ...........107 ......107 ...................................
.........................................................
4.5
Da gestão democrática do rrisco isco à reconstrução social dos alim ent os. ... 111
Capítulo Capítul o 5 - A obesidade e a medicalizaç medicalização ão da alimentação cot idia na
.............
113 113
5.1 A obesidade e os sta status tus socioeconômicos.............................................................. 118 5.1.1 5.1 .1 A natureza do doss ví vín n cu lo s................ s...................... ........... ........... ............ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ .......... 11 118 8 5.1.2 Os st atus socioeconômicos co m o det determ ermin inant antes es da obesid ade 121 5.1 .3 A estigm atiza atização ção do doss o b e s o s ..... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ............ ........... ........... ..........12 123 3 ...............
5.2 Desenvolvimen Desenvolvimento to da obes obesidade idade e modernidade modernid ade alime ali me nta r........ r.............. ............ ........... ........12 ...126 6 5.2.1 5.2 .1 O modelo da transição ep id idem em io ioló lógi gica ca...... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ .........12 ...127 7 5.2.2 O s papé papéis is da alimentação na transi transição ção ep ide m ioló gica 12 129 9 5.2.3 A mod modernida ernidade de alim aliment entar ar,, um fa fator tor de ri sc o? 135 135 ...............................
.....................................................
5.3 É a obes obesidade idade um a con str struçã uçã o s o c ia l? ...... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ..........13 138 8 5.3.1 A transforma transformação ção das re repre presen sentaç taçõe% õe% sociais do gordo e da go rd ur a.. . 13 139 9 5.3.2 Òs par paradox adoxos os da medical medicalizaç ização ão da obe sida de 141 ................................................
5.4
Do s perigos de um discurso discurso de saúde pública sobre a perda de peso .... .. .. 14 145 5
Segunda parte Do interes interesse se sociológico pela alimentação às sociologias da alim en ta çã o
........................
148
Capítulo Capítu lo 6 - As grandes corrent correntes es socioantropológ icas e o seu encontr encontro o c o m o “fat “fato o ali alime me ntar nt ar"....................................................................................... "....................................................................................... 155 155 6.1
A perspectiva fu nc ncion ion ali sta ...... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ...... 156 156
6.2
A pers perspec pectiv tiva a da antrop antropologi ologia a das té cn ica s
6.3
A perspec perspectiva tiva cu cultu ltura ralist list a.....................................................................................................15 a.....................................................................................................159 9
6.4
A perspectiva estrutur estruturalista......... alista.............. ........... ......... ...
6.5
A alimentaç alimentação ão nos tterr erritó itóri rios os so ci o ló gi co s.......... s................ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........ .. 164 164
..............................................................
......................................................................
Capít Cap ítul ulo o 7 - Os obs obstác táculo uloss ep istemológ icos
....................................................................
158 158
161
167 167
7.1
A “com ida " e sua aparente futi futilid lid ad e......... e............... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ......... .... 167
7.2
O impensado do ffato ato social e a dupl dupla a tradição d durkhei urkheimiana miana e m a u s si a n a ...................................................................... ..................................................................................................................................170 ............................................................170
Capítulo Capít ulo 8 - Do int intere eresse sse sociológico pel pela a alime ntação às sociologias da alimentação................................................................................................................175 8. 8.1 1 A sociologi sociologia a dos cons um os alimentares 8.1.1 8.1 .1 Os det deter ermi minan nante tess dos consu mo s alim entar es
175 175 176 176
.....................................................................
8.1 .2 8.1 .3 8.2
.................................................
O s prolongamen tos co nte m po râ râne ne os ..... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ....... 180 A soc iolo gia dos go s to s ........... ................. ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ......... ... 186 186 A perspecti perspectiva va “d “dese esenvo nvolvim lvim entis entista".......... ta"............... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ......... ... 188
8.2.1
A influênci influência a de Norbert El Elia ia s................ s...................... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ......... ... 188
8. 8.2.2 2.2
O material materialismo ismo cu lt ltu u ra l................................................................................................... l...................................................................................................1 191
sociologi logia a do cco o m ed o r ..... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ..... 193 8.3 O honívoro ou a socio 8.3.1 O pens am amento ento classif classificáf icáfc^ri c^rio o 196 .....................................................................................
8.3.2 8.3.3
O princípio princípio de in inco co rp or aç ão ................................................................. ...........................................................................................19 ..........................196 6 Do parad paradoxo oxo do h honí onívor voro o às ambivalê ambivalências ncias da alimentação humana .. .. 19 198 8
8.3.4
Retorno à in co rp or aç ão ........... ................. ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... .......... .....
199
8.4 A sociologia in interac teracion ionist ista a dos com ed or es h u m a n o s...... s......... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... ...... .....20 ..204 4 8.4.1 8.4. 1 Socialidade, soci sociabil abilidade idade e mu dan ça so ci al 204 8. 8.4.2 4.2 O co com m edo r pl plur ur al...... al ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ....... .. 205 8.4.3 O s qua quatro tro ethos do doss comedor es 206 ....................................................
..............................................................................
8.4 .4
A ca deia do c om er ...... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ....... 209
Capítulo Capítul o 9 - As sociologias da alimentação e a s tenta tentativ tivas as de articul articulação ação .... 211 9.1 O retorno a Du rk he im ................................................................. ..........................................................................................................213 .........................................213 9.1.1 9.1 .1 A indi individu vidu aliz alizaçã ação.......................................................................................... o.............................................................................................................. ....................214 214
9.1 .2
A informalização ou a deses de ses tru tur aç ação ão..... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ......... ....215 215
9.1.3 9.1 .4
A “comunitari “comunitarizaçã zação” o” ......................................................215 A es tili tiliza zaçá çá o............... o..................... ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ..........216 ....216 ................................................
9.2 As escala esc ala s de an áli álise se s............... s..................... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........ .. 218 9.2.1 A esca la ma cr os so cial ci al ..... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ......219 .219 9.2 .2 A esc escala ala m e so ss o ci a l.......... l............... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........ ...220 220 9.2.3 A escala microssocial microssocial ou microindividual 220 ...........................................................
9.2. 9. 2.4 4
A escala b io ló g ic a ........... ................. ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........ .. 221 221
Capítulo 10 - A sociolo gia da gastron omia fr an ce sa ....... .......... ....... ....... ...... ....... ....... ...... ...... ...... ....... ....... ...... ....... ....... ...223 223 10.1 10 .1 A complexidad comple xidad e da gas tron omia om ia fra nc es a................ a...................... ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........ 224 10.2 Por que a gastro ga stronom nomia ia é fr a n c e s a ?................ ?..................... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ .......... .... 227 10.2.1 10. 2.1 O lugar do alimentar na cultura e ru d ita.......... it a................ ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ........ 228 10.2.2 O mo delo del o da distinção so c ia l................ l..................... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ...... 230 10.2.3 10. 2.3 O gos to com o eixo eixo de desenvolvim ento
..............................................................
10.2.4 A moral católica católica e o espír espírit ito o gas tro nô m ico 10.2.5 10. 2.5 A cr crít ítica ica gastronômica: um a pass age m entre entre dois dois mu nd os
........................................................
.....................
232 234 240
Capítulo 1 1 - 0 espa ço soci social al alim aliment entar: ar: um instrument instrumento o para para o estudo dos modelos mode los alim entare ent ares........ s.............. ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........ .. 243 11.1 O espaço social social e o duplo duplo espaço de liber liberda dade de dos comedores hu ma no s... 24 244 4 11.2 As A s dim ensões ens ões do “esp aç o social alimentar” ........... ................. ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........250 ..250 11.2.1 11.2 .1 O esp aç aço o do co com m estíve est ível....... l............. ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... .......251 .251 11.2.2 O sistema alim en tar ..... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ..........252 ....252 11.2.3 O es espa pa ço do culin ário...... ário ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ....... 256 11.2.4 O espaço dos hábitos 11.2.4 hábitos de cons um o alimentar alimentar '.... 256 11.2.5 Atem pora lidad e alim enta r............. r................... ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ....... 257 11.2.6 O esp aço de d e diferen ciação ciaçã o s o c ia l............... l..................... ........... ........... ............ ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... .......258 .258 ..........................................
11.3 O alimento e sua cons tru çã o s o c ia l................ 11.3 l..................... ........... ........... ........... ............ ........... ........... ........... ........... ............258 ......258 11 11.3 .3.1 .1 A pa ssag em do estado de vegetal para para o de alimen to 260 11.3.2 11.3 .2 A pas sagem do estado de animal animal para o de alim ent o 261 11.3.3 O leite leite e seus se us de riva ri va do s..................................................................................................266 .................................
.................................
11 11.4 .4
Objeto e questões de uma socioantropologia socioantropologia da alim en taç ão
.................
267
A título de co nc lu sã o - Por um positivism pos itivismo o cons co nstr truti utivis vista ta.........................................269 .........................................269 Referências bibliográficas...............................................................................................................273
lí
M
a dl
s ig l
as
A F S S A
Agên cia Francesa de Se Agência Segu gura ranç nça a Sanitária dos Alimentos A Agg en ence ce Fr ançai se de Sécur i té Sani tai r e des A li ment mentss
A F E R O
As sociaç Assoc iação ão Francesa de Estudo Est udo e Pesquisa sobre a Obesidad Obe sidade e As soci ati on Fr ançai se d fE tu de et de R echer che sur 1' 1'Ob Obésité ésité
A IS L F
Ass ociação Associa ção Intern Internacion acional al dos So ciól ci ólog og os de Língua Francesa As soci ati on I nter nati onale des d es Soc Socii oi og u es de L ang an g ues Fr ançai ses
As sociaç iação ão de Língua Francesa Fra ncesa para o Estudo Est udo do Diabetes e das ALFED ALF ED1A 1AM M Assoc Doenças Metabólicas As soci ati on de Lan g ue Fr ançai se pou pourr 1’E tu de du D i abète et des Mala M aladi di es Mét Métaboli aboli ques AN A N A E S
Agência Agên cia Nacional de Acre Acreditaç ditação ão e Avaliação Avali ação em Saúde Saú de A Agg ence en ce Na Nati ti ona onale le dA ccr édi ta tati ti on et dE va luat lu at i on en San Santé té
A O C
Apela ção de Origem Apelação Or igem Controlada Controla da Appellati Ap pellati on d Or i g i ne Cont Contrr ôlée
C M AC AC
C on selh o N Na acional da das Artes Cu Culinárias Conseil Co nseil Nati ona onall de dess Ar ts Cul Culinai inai r es
CNOÜS
Centro Nacional das Obras Universitárias e Escolares Centr Centr e Nati onal des des Oe Oeuur uur es Unive Univerr si tair es et Sc Scola olaii r es
CNRS
Centro Nacional de Pesquisa Científica Ce Centr ntr e Nati onal de la R echer che Sc Scii enti fi que
CRE DO C
Centro de Pe Pesquisa e de Es Estud udo o Ce Centr ntr e d de e R echer echer che e ett dE tu de
DLC
Data-limite de C o n s u m o Date Limite de Consommation
D Lü Lü O
Data-limite de Boa Utilização Date Limi Limi te d düti üti lisati on Optimal Optimale e
E SB SB
Encefalopatia E sp ong iform e Bovina Encéphal Encé phalop opathie athie Spo Spong ng ifor me B oo ooii ne
14
ESRC
SO SOC/OLO C/OLOGI GIASDA ASDA AL ALII MENTAÇÃO
Conselho Internacional de Pesquisa Econômica e Social
Economic and Social Research Council FA O
Organização para Alimentação e Agricultura
Food and Agriculture Organization GIRA
Instituto Gordon de Pesquisadores Associados
Gordon Institute Research Associates A P P C C HACCP IDC ID C
Análise de Perigos e Pontos Criticos de Controle
Hazard Analysis Classificação Internacional de Doenças
I nt nteer nation national al Classi Classi fication of D i seases seases IMC
índice de Massa Corporal
índice de Masse Corporelle I NSEE
Instituto Macional da Estatística e dos Estudos Econômicos
I nstitut nstitut National de la Statisti Statisti que et et des Etudes E conomi conomi ques Instituto Macional de Pesquisa Médica
INSERM
I ns nstitu titutt Nati onal R echer echer che Médicale
IOTF
International Obesity Task Force
IS O
Organização Internacional de Padronização
International Standard Organization M AN
Modelo Agronutricional
M Modèle odèle Ag r onutr i ti onnel NAAFA
Associ Ass ociaçã ação o Macion Macional al par para a a Ace Aceitaç itação ão do Gord Gordo o
National Association to Aduance Fat Acceptance NIH
Instituto Macional de Saúde
Nati onal I nstitute nstitute of Health Health OGM
Organismos Geneticamente Modificados
Org anisme Génétiqueme Génétiquement nt Modifi é OM C
Organização Mundial de Comércio
Organisation Mondiale du Commerce OMS
Organização Mundial de Saúde
Organisation Mondiale de la Santé RH F
Alimentação Alimen tação Fora de Casa Ca sa
Restaur Resta ur ation Hor Hor s Foyer SNDLF
Sociedade de Mutrição e de Dietética de Língua Francesa
Socii ét Soc étéé de Nutr Nu tr i ti on et de d e Di D i ététi que de Lan L angg ue Fr F r ançai se SR C
Empresas Produtoras de Alimentação Coletiva
Soci étés de R estaur ati on Collecti Collect i ve
P r e f á c i o
Este livro é a materialização de um sonho, dos tantos que buscamos nas nossas vidas e que apresentou-se para mim em, no mínimo, duas dimensões, üma delas foi a oportunidade de viver em família no interior da França, aproveitando os diversos sabores que esta experiência pode apresentar. A outra envolveu a faceta profissional e relaciona-se com a minha própria evolução como nutricionista e professora universitária, trabalhando na busca da qualidade na produção de refeições e vivenciando dúvidas quanto a esta qualidade, a partir de inquietações quanto às múltiplas dimensões através das quais os seres humanos podem perceber os alimentos. Assim, a busca por caminhos para auxiliar o tratamento desta questão nos levou à sociologia da alimentação, tema deste livro. Jean-Pierre Poulain, o autor, tem uma trajetória, no mínimo, interessante, pois cresceu no meio da fabricação de comidas, na charcuterie dos seus pais, em Tulle, no centro da França. Mas, no momento de assumir a sua "herança” gastronômica e econômica natural, por ser o homem da casa, resolveu, como muitos jovens das cidades menores do mundo inteiro, partir em busca de horizontes mais amplos, indo estudar na Ecole Hotélière em Toulouse. Lá, após os estudos que o transformaram em um chef de de mão cheia, tornou-se professor na escola e iniciou uma carreira brilhante na área de estruturação e inovação tecnológica tecno lógica em cozinhas profissionais, profissionais, que inclui inclui livr livros os,, colunas em revis revista tass especializadas, viagens, consultorias e participações em eventos. Porém, um dia, naquela inquietação típica dos que querem sempre estar est ar construindo, construindo, Jean-Pierre Jean-Pierr e deu uma um a guinada g uinada na sua carrei carreira ra e res resolv olveu eu
16
Soa O LO ClA S DA A AUMEN UMEN TAÇÁO TA ÇÁO
ir para Paris fazer doutorado. Definiu-se pela sociologia e pela antropologia, sendo aceito pelo professor Edgar Morin. Passou por aquelas experiências comuns a quem tem a coragem de mudar, de sair dos casulos científicos confortáveis em que vivemos nas supostas “divisões de áreas” do conhecimento humano e se expôs, literalménte, para uma outra área. Pois observa-se que, embora a discussão da multi e da transdisciplinaridade faça sucesso quando no discurso, a prática é um pouco mais complexa, com preocupações de manutenção de espaços e jargões bastante evidentes. E, assim, foi nascendo o chef socioantropólog socioantropólogo, o, que, no retorno do doutorado, começou a trilhar outros caminhos na busca do entendimento dos contextos e das escolhas alimentares humanas, começando pela transferência para a Uniuersité de Toulouse-Le Mirail. E assim, daquela maneira fantástica que os escritos escritos têm de aparecer para nós nos momentos em que estamos precisando deles e influenciar definitivamente o que estamos fazendo, utilizei os textos do Jean-Pierre daquela primeira fase em minha tese, pois eram evidentes as congruências dos nossos pensamentos. Mas, como eu também tinha inquietações diversas com relação às possibilidades e limitações do uso tecnológico, tanto que utilizei as referências da ergonomia e da antropotecnologia para tentar dar conta delas, os seus textos posteriores, já da segunda fase, como socioantropólogo, chegaram a mim e também começaram a me influenciar bastante. Neste sentido, no momento de decidir pelo pós-doutorado, a opção de trabalhar com Jean-Pierre ficou me rondando em todas as tentativas de identificar um local interessante, até materializar-se em 2003. E, neste ano passado em Toulouse, trabalhando e vivendo perto de Jean-Pierre e Laurence, num clima de parceria, amizade e, como não poderia deixar de ser, comidas maravilhosas, nasceu o projeto de tradução e publicação do livro pela nossa editora. Este livro é apresentado em duas partes. Na primeira, discute-se alimentação a partir dos grandes questionamentos atuais e busca-se, com uma abordagem mais simplificada, atingir um público mais geral. J á a segunda parte parte apresenta as discussões teóricas para para o entendimento da proposta, com abordagem e linguagem mais adequada para iniciados. Com estq estrutura, o livro pode atender tanto àquelas pessoas que buscam busca m le lerr sobre sobre alimentação, co com m uma abordagem diferen diferente te das receitas receitas
PfLEFÀCIO
17
gastronômicas e das receitas nutricionais, quanto aos especialistas na área que buscam aprofundar teoricamente os seus estudos. Ressalta-se, assim, que, com a sua publicação, a Série Nutrição da ED ÜF SC está, certamente, demarcando uma posição de vangua vanguarda rda ent entre re as publicações de língua portuguesa no que se refere a alimentação e nutrição. E, co com m o todo projeto, projeto, este envolveu diversas diversas pessoas e instituições instituições,, que merecem ser destacadas na forma de agradecimentos, lista não exaustiva, certamente incompleta, mas necessária: À minha família, Rogério, Lúcio e Fábio, que sempre me apóiam e aceitaram viver comigo a aventura de morar na França. Aos professo professores res Rodolfo Rodolfo Jo Joaq aqui uim m Pinto Pinto da Luz e Lúcio Jo s é Botelho, Botelho, re reit itoor e vic vice-r e-reit eitor or da Ü F S C em 2002, pelo apoio e compreens comp reensão ão da minha necessidade de aprimoramento acadêmico. À CAP ES - Coordenação de Aperfeiçoamento Aperfeiçoamen to de Pessoal Pessoal de de Nív Nível Superior, pela tão necessária ajuda financeira para viabilizar o pósdoutorado. À üniversité de Toulouse-Le Mirail, que através de uma ajuda à tradução, no contexto de um acordo de cooperação interuniversitário, viabilizou o pagamento dos direitos da editora francesa do livro. Ao amigo Alcides Buss, diretor da EDÜFSC, que acolheu entusiasticamente a idéia, e à sua equipe, que viabilizou a publicação do livro. À colega Carmen Sílvia Rial, que aceitou dividir comigo a responsabilidade pela revisão científica da tradução e, com este convívio, certamente estamos iniciando uma ótima parceria nos caminhos da alimentação. Aos colegas do Departamento de Nutrição da ÜFSC. Ao Ministé Ministério rio da Cultura Francês Franc ês - Centr Ce ntroo Nacional Nacion al do Livro Livro,, que acolheu o nosso no sso dossiê de ajuda à publicaç pu blicação ão de obras francesas traduzi traduzidas das.. À Marion Colas, diretora de Gestão Internacional da Editora Presses üniversitaires de France - PUF, que atravessou conosco os labirintos da burocracia francesa.
18
SOCIOLOGIASDA SOCIOL OGIASDA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
À acadêmica de Nutrição Bianca Emmendoerfer Dutra, que, com a disponibilidade e o entusiasmo que lhe são peculiares, nos auxiliou nos momentos decisivos da revisão dos originais. Desejo aos leitores uma boa degustação na leitura deste livro! Rossana Pacheco da Costa Proença Florianópolis, junho de 2004
A pr eess en t a ç ã o
O r eal é é,, à pr imeir a vista, sempr sempr e um aliment alimento. o. G. Bachelard, A
f or m a ção for çã o do espí espírr i to ci cient entíí fi co
Se o homem tem necessidade de nutrientes: de glicídios, de lipídios, de proteínas, de sais minerais, de vitaminas, de água... que ele encontra nos produ produtos tos natu naturais rais que fazem parte de seu meio me io ambiente, ambiente , ele somente pode ingeri-los e incorporá-los na forma de alimentos, ou seja, de produtos naturais culturalmente construídos e valorizados, transformados e consumidos respeitando um protocolo de uso fortemente socializado. A cozinha e as maneiras à mesa são atividades sociais que se desenvolvem num espaço deixado livre por um conjunto de condicionantes materiais: ecológicas, tecnológicas e biológicas. A maneira como os homens concebem a satisfação de suas necessidades alimentares não poderia reduzir-se a lógicas utilitárias ou tecnológicas estritas. A alimentação tem uma função estruturante da organização social de um grupo humano. Quer se trate de atividades de produção, de distribuição, de preparação, de consumo, ela é um objeto crucial do saber socioantropológico. Apontada como tal por um grande número de pesquisadores das ciências sociais e humanas, por etnólogos, sociólogos, antropólogos, geógrafos, historiadores, psicólogos..., ela enfrentou, entretanto, algumas dificuldades ao se situar como uma categoria totalmente à parte no interior destas disciplinas. Na sociologia, as práticas alimentares aparecem, à primeira vista, como um tema banal, poder-se-ia dizer quase clássico, um tema sobre o qual as diferentes escolas de pensamento aplicaram seus “paradigmas
20
SOCIOLOCIASD SOCIOLOC IASD A AL MEN TAÇÁ TA ÇÁO O 1
explicativos”. Entretanto, elas são, ao mesmo tempo, objeto de um paradoxo teórico. Lugar quase sistemático de desdobramento do olhar sociológico, estas práticas, que são na França, talvez mais que em qualquer outra parte, marcadores identitários e pelas quais se desenvolvem códigos de diferenciação social, tiveram dificuldades para se constituírem como verdade verd adeiro iro objeto sociológic so ciológico. o. Num contexto de “crise alimentar”,1o sociólogo contemporâneo é interpelado por seus colegas “proprietários” de territórios científicos vizinhos: nutricionistas, especialistas das ciências dos alimentos e da segurança alimentar, economistas, gestores..., para tentar esclarecer o que estes designam co m o “a irrac irracion ionali alidad dade" e" dos comensais2 com ensais2 ou dos consumidores. Durante muito tempo isolada nas categorias “saúde”, “gastronomia”, “cozinha” e considerada como um “lugar-comum”, ou seja, como um tema recorrente do tipo: “Como perder seus quilos a mais antes de tirar férias?”, a alimentação ocupa atualmente, na mídia, um lugar de destaque, aquele que ela reserva para as grandes questões sociais ou, no extremo, para os escândalos. Ei-la, então, como o primeiro tema das grandes revistas e jornais e como assunto de dossiês nos jornais televisivos ou da imprensa escrita. Os políticos, ainda sob o choque da gestão do caso do “sangue contaminado”, convocam os especialistas para tentar esclarecer as questões científicas e sociais que aparecem por detrás deste contexto de crise. A Agência Francesa de Segurança Sanitária dos Alimentos (AFSSA) é estabelecida. As "Conferências cidadãs”, os “Estados gerais” da alimentação são organizados para serem colocados como dispositivos 1 O aut autor or pro provav vavelm elment ente e está se refe referin rindo do à denomjnada “c “cris rise e d da a vaca louca" que assolou a Europa e, depois, o mundo, nas décadas de 80 e 90 do século XX, gerando um repensar sobre as formas de produção de alimentos, principalmente aqueles de origem animal. (Nota de tradução) 2
Tra Tradu duzi zimo moss po porr "come "comedor" dor" a pal palav avra ra fra france ncesa sa mangeur, que representa, para a sociologia da alimentação atual, o homem que come. A utilização deste termo surgiu 19éme, de Jean-Paul Aron (1976). E foi a partir da publicação de Le mang eur du 19éme, re reite iterad rada a em seminário re realiza alizado do em 1998, tendo co com m o um dos te temas mas justa justamente mente a discussão de como designar o mangeur humano de modo a distingui-lo do commensal, palavra que remete a uma dimensão biológica e coletiva do comer. Segundo o dicionário francês Petit Robert, a palavra commensal designa uma pessoa que come habitualmente na mesma mesa que outros. Em português, segundo o dicionário Houaiss, “comensal" é um ou cada um dos que comem juntos. E “comedor" é aquele que come (Houaiss).
A pu esen esen t aç áo
21
de gestão democrática dos riscos e como novos instrumentos de governabilidade. Há mais de vinte anos, sob a pressão de uma intensa demanda social emanando ao mesmo tempo do grande público e das instituições privadas ou públicas, capazes de financiar pesquisas em ciências sociais e humanas,3os sinais de uma atividade e de um interesse científicos novos são reconhecidos (realização de teses, publicação de obras e de artigos científicos, encomendas institucionais de pesquisas e de estudos, questionamentos mais insistentes do grande público e da imprensa...), que poderíam resultar na redefinição do estatuto teórico desta temática. Esta obra propõe-se precisar a situação em que se encontra a sociologia da alimentação ou, mais exatamente, as sociologias da alimentação, pois no momento o plural se impõe. Nosso percurso irá se organizar em duas etapas. Nos interessaremos inicialmente pela alimentação contemporânea, pelas mudanças que atravessa e pelas permanências que nela se manifestam. Quais são os impactos da mundialização? Entre McDonalização e reinvenção das cozinhas regionais, como se transformam os modelos alimentares? Quais são os efeitos da transformação da organização da vida cotidiana sobre as formas de comer, efeitos efe itos que alguns alguns descrevem com c om o sendo sen do de desestruturação? d esestruturação? O que oculta este sentimento de crise, de risco exacerbado na alimentação moderna? Procuraremos ver como a sociologia pode contribuir para compreender estes fenômenos e para descobrir as questões sociais que os sustentam. Tomaremos o caso da obesidade e de seu desenvolvimento nas sociedades ocidentais como base analítica das transformações da maneira de pensar a alimentação. A medicalização da alimentação cotidiana nos servirá de ponto de partida para um diálogo entre as ciências sociais e as ciências da nutrição humana. Numa segunda parte, recorrendo à história da sociologia, veremos como as grandes correntes do pensamento desta disciplina depararamse com a alimentação nos meandros de problemáticas consideradas como mais fundamentais. Estudaremos, em seguida, o caminho que seguiu, 3
Ver Ver os p programas rogramas sucessivos de pesquisa financiados pelo Min Minist istér ério io da A Agri gricult cultura ura francês a par partir tir de 1990 ((““Alimento 200 2000", 0", “Alimento Ali mento am amanh anhã" ã",, ‘Alimento-quali ‘Alimento-qualidadedade- segurança"), bem como o quinto programa comunitário de pesquisa e desenvolvimento da (Jnião Européia, que definiu como um dos eixos prioritários a relação entre alimentação e saúde.
22
SoaOLOGIA Soa OLOGIA SDA AL ALIME IMENTAÇÃO NTAÇÃO
pouco a pouco, de um interesse geral da sociologia pelas práticas alimentares para tentativas de constituição de uma sociologia da alimentação. Com efeito, a partir dos anos 1970, alguns sociólogos e antropólogos irão fazer deste objeto o tema central de seu trabalho: Igor de Garine, Claude Fischler, Annie Hubert, Claude Grignon, Nicolas Herpin, Jean-Pierre Corbeau, Jean-Louis Lambert, Jean-Pierre Poulain... Entretanto Entre tanto,, os percursos são múltiplos e se inscrevem no prolongame prolongamento, nto, quer da sociologia do consumo, quer de uma reflexão sobre as técnicas do corpo, quer de uma sociologia da cultura ou quer ainda de uma sociologia do imaginário. Contudo, considera-se mais justo falar de movimentos da sociologia em direção à alimentação em vez de uma sociologia da alimentação. Nós nos interessaremos então pelo estatuto epistemológico da alimentação na sociologia e, mais amplamente, na cultura francesa. Na França, a história da disciplina sociológica e de sua institucionalização universitária no jogo da concorrência com as outras disciplinas pesou muito na definição de seu objeto: os fatos sociais. Ela, deste modo, tomou delicado o estudo de objetos complexos nos quais estão em interação as dimensões sociológicas, biológicas e psicológicas. A gastronomia, grande marco da identidade francesa, é um acontecimento sócio-histórico que se constituiu em objeto de poucos trabalhos sociológicos. Sua extrema complexidade e as funções sociais que ela assegura constituem, na medida em que elas não foram elucidadas, obstáculos centrais para o desenvolvimento do pensamento sociológico sobre a alimentação. Procuraremos enfim, através do conceito de “espaço social alimentar” desenvolvido a partir dos trabalhos de Georges Condôminas (1980), as condições de uma concentração do olhar sociológico sobre a alimentação.
P r im e ir a p a r t e Pe r m a n ê n c i a s e t r a n s f o r m a ç õ e s d a a l im e n t a ç ã o CONTEMPORÂNEA
o término da Segunda Guerra Mundial, quando as privações estavam ainda nas memórias, estabeleceu-se entre o mundo agrícola e a naçào francesa um pacto produtivista cujo desafio não é outro senão o de alimentar a população. Ao mesmo tempo "queridinhos” e "ovelhas negras” dos meios políticos, os camponeses franceses conseguem, em menos de duas gerações, com o apoio da pesquisa agronômica, uma verdad ver dadeir eira a revolução tecnológ tecn ológica. ica. Ela lhes permitirá, permitirá, enquanto enqua nto seu número não pára de reduzir-se, não somente ter o engajamento, mas ainda assegurar o desenvolvimento de um setor agroindustrial, hoje destaque das exportações do país.
A
Na história da alimentação ocidental, esta segunda parte do século XX é o tempo de uma ruptura fundamental das relações do homem com o seu meio. Após séculos de má nutrição atávica, todo mundo agora come suficientemente, alguns de maneira socialmente diferenciada, mas enfim todo mundo come com e (J.-R (J .-R Aron, 1987 1987). ). D De e mod m odo o durável durável,, instala-se instala-se um sentimento de abundância, e logo de superabundância.4 Estas transformações estruturais da cadeia produtiva alimentar são acompanhadas de uma mudança da paisagem imaginária. Quando, no início dos anos 1980, emerge uma “nova pobreza” que mal tem o que comer, enquanto se acumulam nos frigoríficos da comunidade econômica européia milhares de toneladas de carne de boi ou de manteiga retiradas do mercado para manter os preços, artistas, cantores e músicos, mobilizados em benefício dos “albergues”, cantam: “Agora não temos mais mais direito de ter fome nem de ter frio”. Por detrás da generosidade destaca4
Ob Obser servar var que o a auto utorr re refe fere re-s -se e à rea realid lidad ade e france francesa sa ou ou,, em alguns momentos, à realidade européia. (Nota de tradução)
26
SOCIOLOGIASD SOCIOL OGIASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
se uma transformação fundamental no sistema de valores das sociedades ocidentais: comer deixa de ser o objetivo principal da organização social para tornar-se um direito. Deixa-se o registro da caridade, que se enraiza num sentimento religioso ou num pensamento político social, que prevaleceu durante muito tempo em voga, para entrar no registro do direito. De agora em e m diante diante o direito direito à alimen a limentação tação erige-se erige-se em e m valo valorr fundamental como, nos anos 1930, o direito à saúde e ao lazer se impôs. Em 1996 estoura a crise da “vaca louca", seguida, alguns meses mais tarde, tarde, pela pela crise crise dos Organism O rganism os Geneticam Ge neticamente ente Modificados Modificados (OGM). (OGM ). Manchete do Liberation: “Depois da vaca louca, a soja louca...". A alimentação é exposta pela mídia. A listeriose e mais globalmente as intoxicações alimentares são fatos dos quais se fala comumente nos jornais. Descobre-se, na alimentação de nossas vacas, farinhas animais fabricadas a partir de produtos originados do esquartejamento de outros bovinos bov inos;; o choque choqu e simbólico é imenso. Eis que se fazem animais herbívor herbívoros os comerem produtos animais e, pior ainda, produtos provenientes de animais da mesma espécie (quando não de placenta humana). Alguns jornais ousam: “Da vaca louca à vaca canibal". O pesadelo continua. Anuncia-se a presença de lama de estação de tratamento de esgoto e gordura de fossas nos alimentos para frangos. Os menores detalhes da alimentação animal, as condições de criação, de transformação dos produtos, são expostos à luz do dia. Este mundo desconhecido dos comedores urbanos salta aos olhos no horário do telejornal, em plena refeição familiar: um mundo de tecnologias cada vez mais sofisticadas nas mãos de aprendizes de feiticeiros prestes a transgredir “as regras da natureza” sobre o altar do rendimento e do lucro. A ansiedade da incorporação se exacerba. “Mão sabemos mais o que comemos” e se não sabemos mais o que comemos, “não sabemos o que irá acon ac ontec tecer” er” (Fischler, (Fischler, 1990). 1990). La mal boufje5 - a má ali alimen menta taçã ção oos anglo-saxões falam de fran franken kenfoo food, d, contração de Frankenstein e de food fo od - torna-se o referência referência de uma u ma modernidade perve perverti rtida da.. Da crise, caímos, pouco a pouco, no escândalo, no impensável. 5
Term Termo o pro proposto posto nos anos 70 po porr Steila e Jo él de Rosnay pa para ra de designar signar a alimentação excessivamente calórica e processada, e promover uma alimentação sadia próxima de um vegetarianismo revisitado pelas ciências da nutrição. (Nota de tradução: Atualmen Atual mente, te, est este e term termo o pop popular ularizou izou-se, -se, sendo uti tiliz lizad ado o comumente pa para ra desig designar nar guloseimas sem valor nutritivo, uma das acepções segundo o dicionário Houaiss da palavra ''porcaria").
P r i me m e i r a p p a r t e - P e r m a n E n c iia a e t r a n s f o r m a ç õ e ess d a a l i me m e n t a ç ã o c o n t e m p po or ânea
27
Os industriais gostariam muito de aprender a “administrar” os riscos alimentares, a tranqüilizar, dizem eles, os consumidores. Mas instalados numa cultura técnico-científica da qualidade, procedem mal em compreender comp reender as reações destes comedores comed ores contemporâneos contemporâne os considerado consideradoss muito irracionais e acusados de ceder à psicose. Além disso, eles não compreendem a insistência, culpável a seus olhos, com a qual a imprensa dá conta do menor incidente. Pois depois do capítulo da “vaca louca” na mídia, a comida e principalmente a má alimentação tornaram-se um "tema permanente” que é preciso regularmente alimentar. Os políticos “escaldados” pelo caso do sangue contaminado tornam-se cautelosos. Em nome do princípio de precaução, retiram-se do mercado, às vezes na precipitação, os produtos suspeitos, sem preocupar-se todavia com as consequências desastrosas para alg u m as cadeias de produção. Comissões de especialistas são convocadas para dizer a verdade. Mas os conhecimentos sãotão incompletos, não contraditórios, principalmente sobre assuntos novos comoquando o da doença do príon. A situação aconselha à prudência e as conclusões são expressas no modo probabilístico da ciência. Mão há absolutamente como “tranqüilizar” uma opinião pública e jornalistas que esperam, para uma questão simples simples como com o - é perigoso? - uma resposta resposta simples simples com um sim ou com um não. Um sentimento de crise se instala de modo durável; sentimento que a multiplicação dos colóquios e conferências sobre a “segurança alimentar” amplia, mais do que diminui. Como um mal nunca chega sozinho, eis que a França, outrora exemplar em relação à obesidade, com suas taxas de ocorrência surpreendentemente entre os 6%), parece atingida pelo rhal. Com efeito, baixas a obesidade da adultos criança (apenas se desenvolve a um ritmo tal que em vinte anos ela podería alcançar o nível dos Estados Unidos (INSERM, 2000). Os especialistas franceses da obesidade, seguindo seus colegas americanos, falam de epidemia, alguns ousam mesmo o termo “pandemia”. A transformação transformação dos hábitos hábitos alimentares, alimentares, “a americanização america nização dos costumes", costum es", são apontados com o dedo. O orgulho orgulho nacional embalado embala do pelos discurs discursos os nutricionais sobre o “paradoxo francês”6e outros “regimes mediterrâneos” mais ou menos men os imaginários (Hubert, (Hubert, 1998 1998)) encontra-se encontr a-se atingido. 6
Design a-se co m o termo “paradoxo franc ês” o fato de que a mortali mortalidade dade cardiovascu cardiovascular lar alcança taxas surpreendentemente baixas nos países em que o consumo de lipídios, de vinho e de álcool estão entre os mais elevados do mundo (Renaud, 1995).
28
SOC IO LOCI A SD A a u men t a ç A o
Dos confins do Aveyron, deste lugar mítico da resistência “de maio de 68”, até a modernidade prometéica que é o planalto de Larzac, erguese uma voz contra a mundialização. A resistência se organiza. Em Millau, quebra-se, perdão, desmonta-se um restaurante McDonald’s em construção! José Bové, o líder da confederação camponesa, detido, depois preso, assume o papel de capitão da luta contra a mundialização. Armado com alguns quilos de roquefort, ele impede a conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC) de Seattle. Em alguns dias, a confederação camponesa passa do estatuto de organização mais ou menos saudosista para o de defensora das vítimas da mundialização. No início do verão de 2000, o processo Bové faz a pequena cidade de Millau sair de sua letargia provinciana, e faz dela a “capital mundial” da luta contra “a má alimentação”. Manchete da revista Marianne : “E preciso canonizar José Bové?” Bov é?” . O próprio próprio Pi Pierr erre e Bourdieu Bourdie u viaja p para ara Millau Millau para explic explicar, ar, a um público que talvez não lhe pede tanto, que “os sociólogos irão ajudá-los a se organizarem para conduzir a resistência!”. A ambição deste livro é muito mais modesta. Ele procurará, de modo mais simples, ver como a sociologia da alimentação pode ajudar a compreender as mutações em curso e a esclarecer as questões que apoiam a crise alimentar contemporânea.
C a p ít u l o 1
A MUNDIALIZAÇÃO E OS MOVIMENTOS DE DESLOCALIZAÇÂO E DE RELOCALIZAÇÃO DA ALIMENTAÇÃO
1.1 Internacionali Internacion alização zação da al alimenta imentação, ção, si sim, m, m mas as atrav através és dos par particulaticularismos locais Nunca, no âmbito da história, um comedor teve acesso a uma tal diversidade alimentar como agora no Ocidente. Os progressos dos agronegócios no nível das técnicas de conservação, de acondicionamento, de transporte, reduzem consideravelmente a pressão do nicho ecológico. Agora, os mercados não raciocinam mais em âmbito nacional. As empresas agroalimentáres transnacionais distribuem em todo o planeta carnes e peixes congelados, conservas enlatadas, queijos, Coca-Cola, ketchup, hambúrguer, pi pizza zza... ... Os alimentos se deslocam de um país para outro e fazem, no curso de sua vida, que vai da semente para os vegetais ou do nascimento para os animais, até os pratos cozidos, viagens consideráveis. Para os que dispõem de recursos recursos financeiros, financeiros, os feijões-verdes feijões-verdes do Sene S enegal gal e as cerejas do Chile, por exemplo, são apresentados nas prateleiras européias em pleno inverno, inverno, no mês de dezembro. dezem bro. O suco su co de laranja laranja produz produzido ido na na Califórnia chega na Europa como um produto fresco acondicionado em caixinhas. O alimento moderno está deslocado, ou seja, desconectado de seu enraizamento geográfico e das dificuldades climáticas que lhe eram tradicionalmente associadas.
30
Soa O LO G lA S DA ALIMEN TAÇÃ O
Na França, por exemplo, vários produtos desconhecidos há trinta anos, como o abacate, o kiwi , o abacaxi, tornaram-se alimentos de consumo corrente. As prateleiras exóticas se desenvolvem nos grandes locais de distribuição distribuição e o número de produtos não nã o pára de aumentar. O shoyu ,78o nuoc-mâm,Qo guacam gua cam ole,9 ole ,91 0os tacos,'? o o tarama, 11sã 1são o expos ex postos tos nos supermercados. supermer cados. O s pratos pratos cozidos, outrora outrora exóticos, com c om o o cuscu cus cuz, z,1 12 a p a e l l a , 13 o tabu le,1 le, 14os ne n e m s1 s15 5, os carangu cara nguejos ejos reche r echeados ados,, os bolinhos no vapor vapor asiáticos, a mus m ussa saca ca1 16.. . já fazem faz em parte dos cardápios cotidianos franceses. Surgiu, inclusive, um salão profissional denominado ethnicfood , inteiramente dedicado aos produtos exóticos. Entretanto, no reverso da mundialização e da industrialização da esfera alimentar, os produtos se padronizam, se homogeneizam. As regulamentações sobre a higiene e as “políticas de qualidade” colocadas em prática pelo setor industrial procuram garantir a estabilidade das características sensoriais e microbiológicas dos produtos ao longo o degosto toda sua vida. A caça ao microrganismo está aberta. Freqüentemente, passa pela análise de “perdas e ganhos” destes progressos agroindustriais. Os frutos e os legumes são selecionados, algumas variedades colocadas 7
Molho Molho d dee soja soja uti utiliz lizado ado na cozi cozinha nha orient oriental. al. ((No Nota ta de tradução)
8
Molh Molho o de peixe peixe mace rado numa salmoura, condimen condimento to mui muito to empregado empreg ado na cozinha vietnamita. (Nota de tradução)
9
Pu Purê rê de abac abacate ate temperado com sal sal,, limão, aze azeite ite,, cebola, cebola, tom tomate ate e pimenta pimenta,, tí típic pico o da cozinha mexicana. (Nota de tradução)
10 No Mé México xico,, bolo ffei eito to de pão de fari farinha nha de milho ou tri trigo, go, com cobertura ou recheio principalmente de carne moída ou de queijo. (Nota de tradução) 11 Pra Prato to cculinári ulinário o grego à base de ovos de peix peixe, e, com o os de bacalhau bacalhau,, de óleo de oli oliva va e de limão. (Nota de tradução) 12 Preparação orig originá inária ria dos países do norte norte da Áfr África, ica, cconsti onstituída tuída de sêmola de tr trigo igo preparada em grãos, cozida no vapor e ser servida vida com carnes , ve vegetais getais e molhos. (Nota (Nota de tradução) 13 Prat Prato o espa espanhol nhol composto de arroz arroz temperado com especi especiarias arias co cozido zido com vegetais, vegetais, carnes variadas e frutos do mar. (Nota de tradução) 14 Preparação culiná culinária ria à base de grãos de trig trigo o queb quebrados rados e crus, de folhas verdes (hortelã, salsa), de cebola e tomate picados, temperada com azeite de oliva, suco de limão e especiarias. (Nota de tradução) 15 Igu Iguari ariaa de origem viet vietnamita namita constituída de um rol rolinho inho de ar arroz roz recheado de carn es, de legumes ou de frutos do mar que se come frito. (Nota de tradução) 16 Igu Iguari ariaa de origem origem turca que co nsiste de beringel beringelaa preparada ao fo forno rno com carne picada (geralmente de carneiro), tomate e queijo. (Nota de tradução)
C a p í t u l o /
-A
m u n d i a l iizz a ç a o e o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a u z a ç A o e d e r e l o c a u z a ç A o d a a l i m en en t a ç ã o
31
à disposição pela pesquisa agronômica se impõem pelo seu rendimento e pela sua aptidão para a conservação. E lamenta-se o desaparecimento de várias dezenas de variedades de maçã ou de pêras. OMcDonalds tornou-se o primeiro proprietário de um restaurante mundial. Primeiro proprietário de restaurante, na França, “país da gastronomia", onde suas primeiras implantações, em 1974, tinham apenas provocado sorrisos condescendentes e desprezo. No imaginário francês, o McDonald’s ocupa hoje uma posição paradoxal, ao mesmo tempo símbolo da “má alimentação”, da industrialização da alimentação, e uma fórmula de produção de refeições completamente integrada nas práticas de um número crescente de nossos contemporâneos. Levar um auditório aos aplausos ao criticar o McDonalds tornou-se uma brincadeira de crianças,, e, no entanto, com crianças co m mais de 800 restaurantes no hexágon hexá gono,1 o,17no ano 2000, deve muito bem haver nele alguns franceses que freqüentam os famosos fast-food fastfood e consomem a suposta "má comida” mesmo entre os que aplaudem. Mas é sobretudo um erro acreditar que os particularismos nacionais e regionais desaparecem tão rapidamente. Eles são ainda muito fortes e as sociedades transnacionais da alimentação são obrigadas a dar conta deles. O próprio McDonald’s, que aparece como uma caricatura da homogeneização, tem de colocar em prática estratégias de microdiversificação para adaptar-se aos gostos dos mercados locais. A estratégia de partida desta cadeia de restaurantes rápidos, de inspiração “marketing da da oferta” oferta”,, considerou considerou sua oferta - ou seja, sua gam a de produtos que resultou de uma organização bastante sofisticada -, como imutável, estabelecendo como na objetivo próprio Entretanto, eliminar os em obstáculos para sua aceitação ao apostar comunicação. face da resistência dos mercados, pouco a pouco, uma série de modificações da oferta foi introduzida para adaptá-la aos hábitos locais; verdadeira revolução coperniana para os homens de marketing. Na França, por exemplo, serve-se cerveja nos restaurantes McDonald’s, enquanto que, nos Estados tinidos, há apenas bebidas não alcoolizadas. Na França, na Holanda, na Bélgica... a maionese sempre acompanha as batatas fritas, enquanto que nos Estados tinidos o ketchup é rei neste uso (Lupton, 1996, 94). A adaptação mais surpreendente é, sem dúvida, a 17 Designaç Designação ão dada à Fr França ança me metrop tropolita olitana na em funç função ão da forma do seu mapa, que pode ser inscrita num hexágono. (Nota de tradução)
32
SOCJOL OCIAS DA AUMENTA AUME NTA ÇÃ O
criação, para os mercados franceses, de um hambúrguer particular denominado royal... parece que no país da revolução temos estranhas nostalgias. Em Quebec, todas as batatas fritas regadas ao molho pardo e de queijo procuram se parecer com a po p o u ti tin n e . 18 Regularmen te, pequenos truques transformam a lagosta canadense em Mchomard... Além destas pequenas adaptações próximas de invenções com pouca utilidade, nas áreas culturais de prescrições alimentares religiosas fortes, a carne de boi torna-se lícita19pelo método mé todo de abate. aba te. O ca café fé é um outro exemplo interessante destas microadaptações. Se no início do McDonalds as máquinas de café produziam, à base de concentrado, um café leve de tipo americano, hoje as tecnologias foram adaptadas para oferecer produtos que respeitem os hábitos locais. Sobre o mesmo tema, a Nestlé, a líder mundial do café liofilizado, fabrica várias centenas de misturas para atender aos gostos de diferentes mercados nos quais está implantada. Pois o café para um italiano não tem nada a ver com o que um dinamarquês consome sob o mesmo nome. Aos preocupados com a “McDonalização” poderiamos lembrar que os particularismos nacionais são ainda muito fortes. Que um italiano, um espanhol, um alemão e um francês, mesmo que às vezes consumam um hambúrguer do McDonald’s ou Quick e pizzas da Pizza Hut, estão muito longe de ter hábitos alimentares homogêneos. Os espanhóis continuam a fazer suas refeições numa hora que os franceses ou os ingleses consideram muito tarde e se regalam com presunto “pata negra”, do quall somente eles têm o segredo. A noção qua noçã o de refeição refeição não cobre cobre a mesma me sma realidade no âmbito da Europa. Os alemães dão a ela uma definição muito diferente diferente daquela daquel a dada pelos francese franc esess (Pfirsch, 1997 1997). ).
1.2 Asculturas culturas alim alimen entares tares locais como como lugarderesis resistência tênciaiden identitária titária O debate sobre a Europa E uropa de 1993 1993 vi viu u o camembert ao leite cru instituir-se como símbolo da nação francesa e os excessos que acompanham regularmente as negociações agrícolas do GATT, depois 18 Preparação cul culiná inária ria tr tradicio adicional nal na regiã região o de Que Quebe becc (Canadá) constituída d de e batatas fritas reçpbertas de queijo ralado e um molho especial. (Nota de tradução) 19 Halal, no original, i.e., carne de um animal morto segundo o rito muçulmano. (Nota de tradução)
C ap I t u l o J - A m u n d i a l iizz a ç á o e o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a u z a ç á o e d e r e l o c a l i z a ç á o d a a l i m en en t a ç á o
3 3
da OMC, tomam por alvos expiatórios os restaurantes McDonalds e reatua rea tualiz lizam am comportamentos comportamento s sociais - o ataque ataqu e ao fas fast-f t-foo ood d , a imolação de bandeiras bandeiras americanas - que acreditávamos acreditávam os desaparecidos desapar ecidos de nossos espaços culturais ocidentais. Por detrás destes fenômenos econômicos e sociais descobrem-se os sinais, e às vezes os sintomas, de uma crise identitária queum encontra esfera alimentar, prejudicada pela industrialização, lugar dena cristalização. Em relação compensatória à mundialização dos mercados alimentares, os produtos regionais enfeitamse de mil atrativos. Tudo começa no fim dos anos 1960, quando, em contraponto ao crescimento contínuo e do progressismo desenfreado, emerge o que Edgar Morin chamará de a mentalidade “neo-arcaica”. Ela produz, “por meio de um duplo retorno aos valores da ‘natureza’ exaltada em oposição oposiç ão ao mundo artifici artificial al das cidad ci dades es e da arkhé’ rejeitad rejeitada a pela pela modernidade como rotina e atraso, uma inversão parcial das hierarquias gastronômicas a favor de pratos rústicos e naturais. Assim os cozidos, os pães do campo, a broa de manteiga, surgem na mesa burguesa; as batatas assadas, os diversos assados em fogo à lenha, os legumes ‘naturais1 ‘natur ais1, a procur procura a gou gourm rmand and de vinhos, azeites, embutidos, produtos coloniais em oposição aos produtos industriais; tudo isso traduz a nova valorização da simplicidade rústica e da qualidade natural que deixam de ser desprezadas em relação à sofisticação e à arte complexa da alta gastronomia. A antiga oposição: alta gastronomia/alimentos rústicos é substituída por uma nova oposição: alta gastronomia e gastronomia rústica/alimentação rústica/ali mentação industrializada” (Morin, (Morin, 1975). 1975). No início dos anos 1980, no centro do que se denominava na época nouvelle cuisine - a nova nova cozinha cozinha -, - , o movimento movime nto toma amplitu amplitude de e se se regionaliza. Sob o impulso de guias como Gault et Millau, que concede lauriers du terroir - honrarias regionais, ou o Champérard , a quem se deve a expressão nouvelle cuisine de terroir - nova cozinha reg regiona ional, l, os grandes cozinheiros profissionais falam abertamente, com ardor, sobre o tema da “cozinha regional”. Livros Livros de receitas eruditos adotam adot am uma atitud atitude e decididamente regional (Bras, 1992; Vanel, 1992). Alguns editores tradicionais de ciências humanas se lançam na aventura das etnocozinhas... A linha editorial da coleção.que nós coordenamos nessa época é poca na editora editora francesa france sa Priv Privat at é característic característica a deste movimento. “Se existe uma urgência nestes tempos de homogeneização dos gostos alimentares, escrevíamos em 1984, é justamente a de fazer o inven inv entá tário rio do patrimônio patrimônio gastronômico gastron ômico das províncias províncias da França. Recolocar
34
SOCI OLOGI AS DA A LI MEN TAÇÃO
as práticas culinárias tradicionais no contexto cultural que as fez nascer: os costumes, as crenças, as mentalidades regionais; transcrever as receitas numa linguagem simples e moderna, suscetível de permitir sua realização, são os objetivos coleçãoestudam, ‘Itinerários As obras, que estes se articulam em duasdapartes, em gourmands’." primeiro lugar, numa perspectiva patrimonial, as tradições culinárias, a sedimentação das receitas e hábitos à mesa no curso da história da região, antes de apresentar os grandes chefs contemporâneos que “reatualizam suas práticas aos sabores sabor es region reg ionais” ais” (Bourrec, (Bourrec , 1983; 1983; Poulin, Poulin, 1984; 1984; Poulain e Rouyer, 1987; Drischel, Poulain e Truchelut, 1988; Clavel etal., 1990). Mas versões “cozinhas de mulheres para mulheres”, não há mais uma região francesa que não disponha, hoje, de um livro de receitas “autênticas". Da “tia Toinette” aos “segredos de nossas fazendas do Périgord noir”... algumas palavras em dialetos regionais, uma boa dezena de fotos antigas, algumas anedotas ... “é uma a receita que não tem erro”... A rede hoteleira Logis de France organiza, desde 1989, um concurso de cozinha regional entre seus associados e edita as melhores receitas. Originado dos grandes restaurantes, o movimento se difunde sobre o conjunto conjun to da cadeia produtiv produtiva a alimentar. alimentar. O artesanato alimenta alimentar, r, as PME agroalimentares e vinícolas encontram na terra um novo eixo de valorização, um recurso estratégico tanto mais interessante que o novo turismo se desenvolve (Poulain, 1997-1). 1997-1). Co m efeito, numero n umerosas sas são as estruturas institucionais ligadas ao turismo (comitês regionais ou departamentais de turismo, agências de turismo, sindicato de iniciativas, câmaras de comércio...) que comunicam e mobilizam os proprietários de restaurantes e os artesãos de nogócios de alimentação em torno desta temática. “Com e-se bem nas regiões francesas”, não somente porque “Come-se porque se está próximo do lugar de produção, mas também porque os que ali vivem parecem, aos olhos dos habitantes das cidades, guardiões de um patrimônio gastronômico, talvez até mesmo de uma “sabedoria”, na qual intimamente o sentido e os sabores se misturam. O interesse contemporâneo pelas cozinhas regionais deve ser situado na nostalgia de um “espaço social” em que o comedor vivia sem angústia, ao abrigo de uma cultura culinária claramente identificada e identificante. Muma relação de causalidade circular, a crise alimentar associa-se a uma crise identitária, reforçada pelo contexto da construção européia e
C a p i t u l o / - A m u n d i a l iizz a ç á o e o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a u z a ç à o e d e p p el o c a u z a ç A o d a a l i m en en t a ç ã o
35
o risco de diluição da França numa entidade mais ampla. A partir disso, o culinário torna-se um lugar em que se concentram questões que ultrapassam o campo do alimentar. Nas turbulências da crise do mundo agrícola, o McDonalds encarna o grau zero da cultura gastronômica, a antítese da alimentação francesa, da “verdadeira alimentação"... Em face da Europa em vias de constituição, o queijo ao leite cru emerge como o símbolo de uma questão identitária. Com a urgência que lembra o frenesi dos censos etnográficas de culturas cultu ras em vias vias de desapare desap arecime cimento nto nos ano a noss 1960, 1960, os ministérios ministérios da Agricultura e da Cultura lançam, em 1990, um vasto inventário do patrimônio gastronômico francês. A missão é confiada ao Conselho Nacional das Artes Culinárias (CNAC) e os trabalhos editados pela editora Albin Michel, numa série intitulada Inuentário do patrimônio culinário da França. Curiosa reviravolta das coisas! Eis a grande cozinha agora atenta às tradições alimentares locais. A gastronomia aristocrática do antigo regime caracteriza-se pelo distanciamento em relação à necessidade, a nobreza afirma sua posição social através do consumo de produtos caros e distantes (as especiarias, por exemplo) e assim procedendo opõe-se às práticas alimentares populares mais submetidas à pressão do nicho ecológico. Com a centralização política e a instalação da corte em Versailles, que faz afluir para a capital uma grande parte da aristocracia provinciana, a gastronomia francesa fundamenta-se sobre a repressão das práticas regionais e populares; toda referência a uma região nas denominações culinárias remete no máximo apenas à origem do produto. As regiões não têm interesse a não ser pelos produtos que elas oferecem, como testemunha esta sentença de Grimod de la Reynière: “A mais amável galanteria que os provincianos possam lhes fazer (aos parisienses), é sem dúvida uma cesta de ostras cujo porte está pago" (1802 [1978], 231). Pois no início do século XIX não se sabia cozinhar bem a não ser em Paris. Se a cozinha burguesa pode parecer mais marcada por sua inscrição regional, ela é muito dependente do modelo aristocrático que não deixará de copiar. Esta atitude se lê nos livros de receitas, a partir do fim do século XVII. A burguesia provinciana tem o gosto indissoluvelmente ligado às práticas aristocráticas parisienses. Somente as cozinhas camponesas, porque mais dependentes em relação à necessidade, têm uma marca regional (Poulain, 1997-1). A departamentalização
36
SOOOLOOA SDA AUME AUMENTAÇÁO NTAÇÁO
revolucionária de 1790 desmantela as províncias do antigo regime. Aparece, então, um primeiro movimento de regionalismo da mesa. As tradições alimentares, na sua função emblemática, tornam-se um lugar de resistência cultural. Consequentemente, o félibrige félibrige2 20 e as diferentes correntes folcloristas verão nelas um dos traços fundamentais da identidade regional, com a mesma importância que a língua ou as práticas vestuárias. Fato extremamente expressivo, quando os pioneiros do félibrige (Mistral, Roumanille, AubaneL.) fundam a grande revista militante da Occitânia, eles escolhem como título o nome de um prato emblemático da cozinha provençal: /’azo/z'.21 Entretanto, nos discursos espontâneos dos consumidores, mas também com freqüência no dos atores da produção de refeições ou do turismo, a terra e as cozinhas locais são colocadas como um “universo tradicion trad icional”, al”, no sentido origin original al do termo. O u seja: “estável”, “estável”, fundado numa num a tradição imutável em oposição às transformações e aosao ciclos dos modos da economia de mercado, e “autêntica” em oposição “artificial” dos meios urbanizados onde o “construído” avança sobre o natural (Warnier, 1994; Cuisenier, 1995). Neste “espaço autêntico”, os produtos e as práticas repousariam em valores de uso e não em lógicas de distinção. Emerge, da demanda do consumidor, uma visão paradisíaca da ruralidade e a alteridade, elevada à classe de universo antropológico da harmonia dos homens entre si e com a natureza, uma utopia da ruralidade feliz. Cima abordagem sociológica, histórica, antropológica das cozinhas regiona regi onais is desmonta esta conc co ncep epção ção folclorist folcloristaa ingênua. O s grandes pratos pratos emblemáticos de nossas cozinhas ditas “da terra” utilizam, na maioria das vezes, produtos originários do novoantes mundo, queintrodução, se instalaram nos nichos técnico-culinários já em vigência de sua ou seja, técnicas de preparação e sistemas de consumo construídos sobre produtos autóctones. É o caso do ca casso ssoule ulett toulousain22 (Poulain, 1996), do millas 20 Félibrige foi foi um movime movimento nto liter literári ário o regionalista funda fundado do em 1854 co com m o objetivo de fazer renascer a língua e a cultura da região da Provence, no sul da França. (Nota de tradução)
Aii oli : molho pastoso de alho socado com azeite de oliva, gema de ovo e suco de limão 21 A que acompanha peixe, carne fria ou legumes cozidos, típico do sul da França. (Nota de tradução) 22 Pr Prato ato pfeparado com feijão-bran feijão-branco, co, carnes de porco ou de car carneir neiro, o, às v vezes ezes de aves (ganso, pato), típico da região de Toulouse, no sul da França. (Nota de tradução)
CvtTUlO
1- A
m u n d i a u z a ç A o e o s m o v i m en en t o s d e d e ess l o c a u z a ç a o e d e r el o c a u z a ç A o d a a u m en en t a ç a o
37
lan guedo langu edocie cien,2 n,23 32 4da rata ratatoui touille lle provenqal pro venqalee24 (Poulain (Poulai n e Rouyer, 1987), dos gau g au d es fr a n c o m t o is e s ,25 ,25 do gra g rati tin n d a u p h in o is ,2 ,26 6 dos fa farc rced ed ures ur es limousines27 (Poulain, 1984). Esta mitologia do "paraíso culinário perdido” convoca o sociólogo e o antropólogo numa dupla perspectiva. Coloca-se, em primeiro lugar, a questão das condições da participação do pesquisador em ciências humanas na “reconstrução” destes patrimônios. A resposta, certamente, passa por uma subversão da demanda, pela revelação dos seus significa signi ficados dos e de de suas funções s ociais, e faz aparecer - graças às experiências experiên cias da etnologia da Fran França ça (Cuisenier (Cuisen ier e Sega Se gale len, n, 1986 1986)) e d da a Europa (Cuise (Cuisenier nier,, 1995 1995)) - as culturas ditas tradicionais sob um ângulo â ngulo menos mitificante. No plano da pesquisa fundamental, além da emergência do turismo (Corbon, (Corbo n, 1995 1995;; Amirou, 2000) 2000) e do alimentar com co m o objetos antropológicos autônomos e reais oportunidades de valorização dos conhecimentos que oferece oferec e a atualidade atualidade destas duas tem ática s, o fenôme no da patrimonialização da alimentação coloca-se como lugar de leitura privilegiada das mutações sociais. Ela consiste numa transformação das representações associadas ao espaço social alimentar e coloca os produtos alimentares (quer sejam ou não elaborados), os objetos e habilidades utilizadas em sua produção, em sua transformação, em sua conservação e em seu consumo, assim como os códigos sociais, “os modos de cozi cozinha nhar” r” ou “os modos de come co merr e de beber” - o que no Ocidente Ocide nte cham amos de “maneiras “maneiras à m esa ” - com o objetos objetos cult cultur urai aiss portadores de uma parte da história e da identidade de um grupo social. Num mundo em mutação, convém então preservá-las como testemunhos de uma identidade cultural. A idéia de que habilidades, técnicas, produtos 23 Espéc Espécie ie de polenta, preparada com co m farinha de milho e farin farinha ha de trigo, ttípic ípica a da região de Languedoc, no sul da França. (Mota de tradução) 24 Preparação culiná culinária ria constituída de uma mistura de abobri abobrinhas, nhas, tomates tomates,, beringe beringelas, las, pimentões e cebolas, cozidas em azeite de oliva e especiarias, típica da região da Provence, no sul da França. (Mota de tradução) 25 Preparação cculin ulinária ária cozida de far farinh inha a de milho, típica da região francesa de Franche- Conté. (Nota de tradução) 26 Pr Prat ato o pr prepa eparad rado o com bata batatas tas em ca camad madas, as, manteiga e temperos, assado no for forno no.. (Mota de tradução) 27 de Espécie de pão de batatas batatas,, típic típico o da região de Limousin, no cen centro tro da França. (M (Mot ota a tradução)
38
Soa OL OG lA S DA a u m en en t a ç á o
possam ser objetos passíveis de ser protegidos, conservados, supõe o sentimento de seu desaparecimento próximo, pelo menos o medo de seu desaparecimento. A patrimonialização do alimentar e do gastronômico emerge num contexto de transformação das práticas alimentares vividas no modo da degradação e mais amplamentè no do risco de perda da identidade. A história da alimentação mostrou que cada vez que identidades locais são postas em perigo, a cozinha e as maneiras à mesa são os lugares privilegiados de resistência. A gastronomia alsaciana é, sobre este ponto, exemplar. Quando essa província está sob o domínio francês, ela exibe os particularismos alemães, quando está sob tutela alemã, eis que a mesa torna-se francesa (Drischel, Poulain e Truchelut, 1988). A patrimonialização contemporânea da alimentação inscreve-se no vasto movimento que faz a noção de patrimônio passar da esfera privada para a esfera pública, do econômico para o cultural (Fabre, 1998; PaulLévy Lé vy,, 2000). 200 0).amplia, Mas elaem é oprimeiro sinal sinal de outras transformaç ões das representações representa ções sociais. Ela lugar, transformações a noção de patrimônio do material para o imaterial, um imaterial modesto, o das práticas cotidianas e populares, longe das prestigiosas obras de arte ditas “maiores”, que são a música, músic a, a pintu pintura, ra, a poesia (Condômin (Cond ôminas, as, 1997 1997-1 -1 e 1997-2). 1997-2). A sociologia sociologi a contemporânea, reconciliando-se com as intuições de Simmel (1910), apoderou-se apoderou-s e deste espa e spaço ço social, durante durante muito muito tempo visto visto com desprezo desprezo e condes con descen cendên dência cia pela sociolog soci ologia ia erudita erudita (Maffes (Maffesoli, oli, 1979; 1979; Schütz, Schü tz, 1987; 1987; de Certeau, Certea u, 1980 1980;; Girard, 1980 1980). ). Mas a tendência tend ência mais surpreendente é o movimento transocial que coloca como patrimônio comum práticas oriundas de espaços sociais populares, burgueses e aristocráticos, dos quais alguns se inscreviam explicitamente nas lógicas da distinção social. A gastronomia, no sentido aristocrático ou burguês, aparece hoje como um bem com um do conjunto conjunto da comunidade comunidade francesa. francesa. Ao mesm m esmo o tempo, as culturas alimentares locais são rotuladas de “gastronomia” e fala-se agora de patrimônios gastronômicos regionais (Poulain, 1997-2 e 2000).
1.3 Dotrad tradiciona icional reen reencon contrado tradoaoexo exotism tismo No fim da década de 1990, 1990, quando a prim primeir eira a crise crise da da “vaca louca lo uca”” di dimi minu nuii jim ji m pouco, a qual os Organismos Geneticamente Modificado Modificadoss (OGM) não haviam ainda substituído, instala-se um debate na gastronomia francesa no qual se afrontam os defensores da cozinha francesa tradicional
C a p í t u l o l -
A
m u n d i a l íízz a ç a o
£ os m o v i me m en t o s d e d e s l o c a u z a ç A o e d e p p el o c a u z a ç A o d a a u m en en t a ç a o
3 9
(tradições gastronômicas e regionais inclusive) com os defensores de uma cozinha internacional aberta às mestiçagens, às misturas de elementos de diferentes etnias, que alguns denominarão World Cuisine. Os primeiros se colocam na defesa da “arte culinária francesa”, considerada como sendo o objeto dos ataques da indústria agroalimentícia controlada pelas grandes empresas internacionais de origem americana, e censuram os segundos por sacrificar o patrimônio gastronômico francês tanto clássico como regional. Por detrás da mundialização da alimentação, aparece o medo de um neocolonialismo americano. Os segundos lembram que a cozinha francesa foi construída a partir de influências múltiplas e que não deixou de fazer empréstimos de produtos ou de técnicas ao longo de toda sua história, sem, contudo, perder sua identidade. O gosto pelas cozinhas exóticas e pelas mestiçagens de nossos grandes chefs enraíza-se no mesmo movimento que os levou para a terra, paar o regional. Com efeito, após um início mais ou menos turbulento, marcado pela vontade vontade de rupt ruptur uraa com os câno c ânones nes da gastronomia clássica do século XIX, a “nova cozinha francesa” tinha aceito como fontes de inspiração, ao mesmo tempo, a tradição erudita e as cozinhas regionais, populares (Poulain e Neirink, 2000). É com esta concepção que, nos anos 1980, os grandes chefs franceses percorrem o mundo, convidados a promover a cozinha francesa, ou, os mais eminentes, a servir de consultores para redes de hotelaria internacionais ou para grandes grupos industriais agroalimentares: Verger e Blanc em Bangkoc; Robuchon, Gagnaire, Loiseau, Bras no Japão; Guérard nos Estados tinidos; Bocuse um pouco em toda parte... revezado atualmente por Ducasse. As grandes escolas hoteleiras estrangeiras (européias, norteamericanas e asiát asiáticas icas)) acolhem a nata da cozinha francesa. francesa . Os “melhores “melhores operários da França" e os felizes titulares das famosas três insígnias do guia Michelin vêm trazer as novidades da “nova cozinha francesa” e de seu retorno à terra, ao regional. Certamente, o interesse pelas cozinhas estrangeiras não é uma completa novidade na gastronomia francesa, tlrbain Dubois, um dos grandes mestres do século XIX, tinha escrito uma obra intitulada La cuisine de tous les pays (1868). Sua perspectiva era, entretanto, um pouco colonialista e pelo menos francamente etnocêntrica, não hesitando em
40
So a O L OCÍA S DA AUMEN TA ÇÁ O
repensar as cozinhas, consideradas como “carecendo de qualidades gastronômicas”, a partir das regras da “verdadeira” cozinha: a cozinha francesa. O que hoje diferencia diferencia os cozinheiros cozinheiros franceses contemporâne contem porâneos os de seus predecessores é que eles deixam de considerar as outras tradições culinárias como “subculturas” a ser civilizadas e vêem nelas novas fontes de inspiração. Estes encontros com outras culturas alimentares irão a princípio contribuir para o desenvolvimento de cozinhas eruditas de inspiração local e permitir o nascimento das “novas cozinhas" quebequense, japonesa, austral australiana iana,, califomiana, califomiana, alem ã... que defendem, agora com um verdadeiro brio, vários chefs jovens. Como retorno, eles terão uma influência sobre a própria cozinha francesa. Assim emergirá uma “nova cozinha mestiça” que se enriquece com a utilização de produtos e de técnicas exóticas. A influência mais visível se situa na decoração. Os pratos contemporâneos devem muito à arte art e de de decoração asiática, asiá tica, principalmente a jap on es a.28 a.28 No plano culinário, entre numerosas transformações, assinalemos a ampliação da gama de especiarias, cujo uso, de quase homeopático, tornou-se tão importante a ponto de elevá-las, às vezes, à classe de verdadeiros ingredientes, ou ainda a diversificação das técnicas de cozimento a vapor qraças principalmente ao uso das panelas a vapor asiáticas (Poulain e Neirink, 2000). O “sabor da terra” se internacionaliza e encontra-se hoje um interesse pelos patrimônios gastronômicos locais em todos os países ocidentais. Com a ajuda da comunidade européia, o programa do “inventário do patrimônio gastronômico” foi ampliado, em 1996, para toda a Europa. Num contexto de expansão do turismo internacional, as tradições gastronômicas das zonas receptoras são agora consideradas, pelos atores atores da indústria turística, como um patrimônio a ser valorizado e como uma alavanca alavanc a do desenvolvimento desenvolvimento local (Poulain, (Poulain, 1997-1 1997-1;; Tibère, 1997 1997;; Bessière, B essière, 2000). A querela da world cuisine deve ser recolocada no contexto da modernidade alimentar. A supervalorização da tradição popular, da terra e dos produtos “autênticos” opõe-se às angústias ligadas ao desenvolvimento da industrialização alimentar e aos riscos de diluição das identidades locais e nacionais na mundialização ou no interior de espaços mais amplos, como a Europa. 28 Ver Ver o nosso prefác prefácio io ao liv livro ro de Habsch Hab sch,, 1992, Lar Lar t de pr pré ésente senterr les les plats, Lanore.
C a p í t u l o i
-A
m u n d i a l iizz a ç ã o e o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a l i z a ç ã o e d e r e l o c a l i z a ç á o d a a l i m en en t a ç ã o
41
1.4 Damassifi assificação caçãoàsmestiçagens estiçagens A idéia segundo a qual a modernidade alimentar depende de um processo de massificação que extingue os particularismos nacionais e region reg ionais ais é largamente difundida difundida entre alguns sociólo soci ólogos gos que se interessam interessam pela alimentação. Mennell considera duas leituras possíveis do fenômeno. Para a primeira, que poderiamos qualificar de conservadora, “a ameaça viria de baixo..., o poder crescente das massas esmagando a elite criadora”. Na alimentação contemporânea, ela daria conta do gosto “da massa” pelos alimentos instantâneos e pelo denominado ju j u n k foo f ood, d, causando o desaparecimento dos “bons e honestos cozinheiros artesãos” e o dos profissio profi ssionais nais dos açoug aço ugue uess (Mennell, 1985, 454). A segunda leitura, que se inscreve no prolongamento dos trabalhos da Escola de Frankfurt, acentua a “manipulação dos gostos e dos desejos” do consumidor por uma "indústria capitalista à procura de lucro”, que utiliza para este fim todos os recursos do marketing e da mídia. Ela considera que “as ameaças vêm do alto, não de baixo”, e que "é a indústria da cultura própria do capitalismo que é culpada”. Mas Mennell recusa simultaneamente estas duas leituras e propõe apelar aos trabalhos de Adorno, relativos aos efeitos da cultura de massa sobre a música, para compreender as características profundas da modernidade alimentar. Dois mecanismos lhe parecem pertinentes e sobretudo transferíveis para o domínio da alimentação: o fetichismo e a regressão da escuta. O fetichismo dá conta um fenômeno através do aparecimento de um "panteão de de best-sellers ", tende aque, reduzir o número das obras escutadas. Movimento característico que se chama agora pela expressão Best of... “Os programas reduzem, e estes processos redutores não excluem somente os músicos um pouco menos bons; mesmo os clássicos reconhecidos sofrem uma seleção que não tem nada a ver com a qualidade. Na América, a quarta sinfonia de Beethoven é uma raridade. Esta própria seleção se reproduz num círculo vicioso: os trechos mais conhecidos têm mais sucesso; eles são então tocados e repetidos, o que os toma mais familiares ainda” (Adorno, 1938, 276 2 76,, citad citado o por por Menne Mennell). ll). Após os trabalhos de Adorno, é forçoso constatar que, para o domínio musical, a tendência aos best of não deixou de se desenvolver, atingindo hoje os mais variados artistas.
42
SoaOLOGlA Soa OLOGlA SDA ALI ALIME MENTAÇÁO NTAÇÁO
Ma alimentação, o movimento de fetichização tenderia "para a padronização padroniz ação de um número núme ro limitado de pratos”. pratos” . Por detrás de sua aparente apare nte diversidade, a “grande cozinha contemporânea”, ainda quando ela revisitasse alguns pratos clássicos, caracterizar-se-ia por uma relativa redução do registro do comestível. O que aconteceu com os 7.000 pratos da cozinha clássica do fim do século XIX e do início do século XX de Carême e de Escoffier? Mesmo nos raros restaurantes de luxo que se autodenominam explicitamente de clássicos, o registro das “obras interpretadas” se reduz a algumas dezenas de best-sellers (Poulain e Meirink, 2000). Este movimento encontra sua resposta na alimentação cotidiana e nos restaurantes empresariais, indo até o McDonals’s que nos propõe os best of. A regressão da escuta seria, segundo Adorno, a segunda característica da cultura musical moderna. Este fenômeno não remete a um processo psicológico de regressão do indivíduo, mas de regressão da própria “aprisionada a uma fase infantilcomo na qual o ouvinte é dócil e teme aaudição novidade”. O fcist-food pode pode aparecer o exemplo típico de regressão da alimentação. Regressão dos gostos com um pequeno número de alimentos mais ou menos gad gadget, get, alguns produtos-fetiches e regressão das maneiras à mesa, com o abandono dos talheres, facas e garfos. Mas sociedades ocidentais, comer com os dedos, sem prato, aparece ao olhar do “processo civilizatório” de Elias como um verdadeiro retrocesso. Esta infantilização do gosto poderia igualmente corresponder à baixa do consumo de produtos tradicionalmente masculinos, notadamente os miúdos dos animais mortos e os embutidos (Moulin, 1975, 197 5, 1988 1988), ), e ao su cess ce sso o paralelo dos produtos produtos lácteos ultrafrescos (iogurtes e sobremesas lácteas), considerados como femininos ou infantis... Rejeitando o conceito “liberal” do gosto individual, a concepção crítica da sociedade de consumo, herdeira da Escola de Frankfurt (Horkheimer, Marcuse, Adorno...), interpreta estes fenômenos como o resultado da manipulação dos indivíduos, até nos seus instintos mais profundos, pela indústria agroalimentícia e seu braço armado que é a publicidade. A tese da grande manipulação foi recentemente retomada, desenvolvida e ampliada para toda a sociedade por Ritzer, nos Estados tinidos (1995). Pára ele, a McDonalização extrapolaria os limites estritos da alimentação para tocar a sociedade como um todo. Ba traduziría ao mesmo tempo um movimento de gadgetização do consumo e a influência crescente na organização da sociedade do modelo neotaylorista empregado nos famosos fast-food. Ma França, Ariès tornou-se o porta-voz desta teoria (1997-1 e 1997-2).
C a p i t u l o I - A m u n d i a u z a ç á o c o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a l i z a ç a o e d e r e l o c a u z a ç a o d a a u m en en t a ç A o
43
Mas, para Mennell, fetichsimo e regressão não bastam para dar conta plenamente da modernidade alimentar. Pois se constatamos claramente uma homogeneização, ele sublinha igualmente um crescimento da variedade alimentar; o que ele resume numa fórmula: “Os contrastes desaparecem, a variedade aumenta... (Jma tendência e não duas, precisa ele, apesar de sua aparente contradição: a diminuição dos contrastes e o aumento da variedade não passam de duas faces de um mesmo processo; é o que aparecerá claramente se nós os examinarmos um após o outro” (1985, 460). Fischler retoma a análise da massificação a partir dos trabalhos de Mor orin in sobre a cultura de m as assa sa,, relativos à indústria cultural (Mo (Morin rin,, 19 1975 75). ). Sua leitura, muito mais otimista, o leva a ver, na modernidade alimentar, um mecanismo de mestiçagem. “Seria um erro acreditar que a industrialização da alimentação, o progresso dos transportes, o advento da distribuição em massa não póssam senão desagregar e destruir as particularidades locais e regionais”. Ele apresenta a hipótese do aparecimento de uma cultura alimentícia de massa perpassada por uma dupla tendência: “Integração-desintegração que produz uma espécie de mosaico sincrético universal” (Fischler, 1990, 190). Desintegração, pois existe uma diminuição da influência dos modelos alimentares e dos particularismos que os acompanham, e integração, pois criou-se um espaço social partilhado por um número consideravelmente maior de indivíduos. Esta mestiçagem assume formas múltiplas, estudadas por Corbeau, que vão da mestiçagem imposta à mestiçagem desejada, passando pelas mestiçagens inesperadas (1994-2 e 1997-3). Nossa leitura propõe-se prolongar as de Fischler e Corbeau. Ela postula que a mundialização dos mercados gera um triplo movimento: desaparecimento de alguns particularismos, emergência de novas formas alimentares resultantes do processo de mestiçagem e difusão em escala transcultural de alguns produtos e práticas alimentares; três mecanismos que não devem somente ser lidos como destruidores das culturas alimentares, mas que participam também de suas recomposições. Para melhor entender os movimentos em jogo na modernidade, realizamos um retomo à história da alimentação, mais particularmente ao período que se segue à descoberta do Novo Mundo. A aceitaçã ace itação o de novos produt produtos os alimentares, condicionada pelas complexas técnicas culinárias então em voga, fez-se de maneira bastante diferenciada.
44
SOCIOLOGIASD SOCIOL OGIASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
A batata é aceita aqui, rejeitada ali. Não somente devido a algumas irraciona irrac ionalidad lidades es das culturas alimentares alimentares locais, mas porque estas dispõem dispõe m ou não de um conjunto de receitas e de usos socialmente valorizados, suscetíveis de ser aplicados a ela com sucesso. Na França, no século XVII, o modelo alimentar mais valorizado coloca o pão como elemento central. A mesa, são os queijos e os embutidos que o acompanham, e não o contrá contrário rio,, ümedec üme decido, ido, é o ingrediente ingrediente prin princi cipa pall do consumo consu mo de sopas. s opas. A importância do pão enraíza-se no universo simbólico da cristandade. Nas regiões que dispõem de um solo suficientemente rico para cultivar cereais que podem ser panificados, este modelo se impõe maciçamente. Quando a batata chega, vai-se então tentar aplicar a ela tratamentos suscetíveis de integrá-la no processo de panificação, e isso será um fracasso. O produto produto assim obtido não se conserva e provoca intoxicações intoxicações alimentares. Durante vários séculos, as batatas servirão de alimento para os porcos. Nas regiões de solo muito pobre para cultivar suficientemente trigo ou centeio, os modelos alimentares tinham conservado técnicas culinárias aplicáveis aos cereais não panificáveis: aveia, sorgo... Aqui, a batata é implantada rapidamente graças à aplicação bem-sucedida de técnicas de cozimento ao forno em camadas (galette) ou em molho (Poulain, 1984). Os particularismos de nossas cozinhas regionais são devidos em grande parte à originalidade da integração destes novos produtos: tomate, feijão, milho etc. Longe de desaparecer sob os efeitos da chegada dos novos produtos e de novas técnicas culturais, ao contrário, as diferenças se acentuam. Voltemos das à época contemporânea. A mundialização dos mercados, as mestiçagens populações (pelas migrações e pelo desenvolvimento do turismo internacional) favorecem as trocas de produtos e de técnicas culinárias e participam de uma vasta mestiçagem de modelos alimentares, criadores da diversidade, üm restaurante vietnamita na França é sem dúvida mais perturbador para um vietnamita do que para nossos compatriotas (Poulain, 1997-2). É certo que o que se come nele se parece um pouco p ouco com c om o que se com co m e no Vietnã Vietnã e que nele se utiliz utilizam am baguet bag uetes,2 es,29 9 mas foram necessárias transformações para tomá-lo aceitável no modelo alimentar francês. 29 acompanhar Pão francês fino e longo, muito uti utiliza lizado do na e em m todas refeições, inclu inclusive sive para o almoço eo jantar. (Nota de França, tradução)
C a p í t u l o / - A m u n d i a l iizz a ç á o e o s m o v i me men t o s d e d e s l o c a u z a ç á o e d e r el o c a l l z a ç a o d a a l l m en en t a ç A o
45
Se para nós o exotismo está assegurado, ponto de desordem entretanto; os pratos nesse restaurante são servidos em porções e os cardápios desenvolvidos nas estruturas francesas: aperitivo, entrada, prato principal, serviço seguepratos, as nossas maneiras à mesa, cada qual tem sobremesa. sua porção, Oseus próprios só para ele. Em um local assim, um asiático recém-chegado encontrar-se-á, e talvez mais ainda do que o ocidental, num universo exótico. Certamente, há a decoração, com fotos típicas do Vietnã, e certamente os pratos têm alguma coisa a ver com o que se come no Vietnã. "Mas enfim, uma refeição vietnamita não se desenvolve assim!” Ao mudar de espaço cultural, a cozinha vietnamita sofreu profundas transformações. De alimento central, o arroz tornou-se periférico: um simples “acompanhamento", e os pratos que no país são comuns ao conjunto dos comedores e devem ser partilhados tornaram-se, ao mesmo tempo, elementos principais e unidades individuais. Desaparecem os pratos de acompanhamento (non an), como intermediários entre o arroz e o prato principal e cuja função é variar o gosto do arroz, como por exemplo os cozidos de legumes (canh ) nos quais se molha o arroz e que se tornam, na França, simples caldos servidos de entrada. Deixam de existir igualmente os pratos de legumes locais, no entanto disponíveis na França: folhas de mostarda (cai cay), batatasdoces (khoai lang) ou ainda legumes na salmoura (muor); beringelas, cenouras, nabos... (Krowolski, 1993). As maneiras à mesa são uma representação concreta dos valores fundamentais de uma cultura. Ma França, o individualismo estrutura a mesa em torno do comedor, que é sua unidade de base. Ma Ásia, o comunitário toma o lugar do indivíduo e a partilha se dá ao longo de toda a refeição. Ma refeição vietnamita, o bolo de arroz desempenha o papel de prato e cada um se serve, à vontade, numa série de pratos dispostos em comum no centro da mesa. Mesmo que existam algumas regras de seqüência dos pratos, estes são, na maior parte das vezes, servidos simultaneamente. Vários foram os observadores que, retomando o vocabulá voca bulário rio de Lévi-Strauss, lançaram o olhar sobre este es te caráter sincrônico em oposição à diacronia da refeição francesa. O encontro entre as culturas alimentares francesa e vietnamita deu nascimento, pois, a uma nova forma alimentar original. Ela escandalizará sem dúvida os “puristas”, que esquecem que aquilo que eles consideram como a maneira de comer vietnamita é já o resultado de múltiplas influências e não é tão unificada como se poderia pensar
46
SoaOLOClASD SoaOL OClASD A ALI ALIME MENTAÇÃO NTAÇÃO
(Poulain, 1997-2; Nguyen Tung, 1997). Mas os restaurantes vietnamitas ocidentais, para permanecer neste exemplo, que poderíam ter-se inclinado para outras formas de exotismo, constituem ao mesmo tempo um lugar deposterior iniciação, umaprecisa passagem, uma primeira para uma descoberta mais da cultura alimentaretapa em questão. O turismo internacional desempenha aqui um papel de primeiro plano. Se a mundialização nivela certas diferenças, ela é ao mesmo tempo o motor de um processo de diversificação-integração. Ela implica, ao mesmo tempo, novas diferenciações, resultando formas originais de apropriação de produtos ou de técnicas e o desenvolvimento de espaços comuns que servem de ponte entre os modelos alimentares. Deste ponto de vista, os restaurantes de hambúrguer, de piz pizza za .,. aparecem como espaços intermediários comuns, como produtos transculturais. O estudo de formas de mestiçagem nos locais em que se encontram grandes culturas alimentícias, alimentí cias, com co m o por exemplo exem plo a ilha ilha de La Réunion,3 Réun ion,30 0 onde coabitam as influências européia, africana, indiana, asiática, é um dos temas mais promissores da sociologia da alimentação. Compreender com o as diferen diferentes tes comunidades empregam e mpregam um espaço es paço culiná culinário rio com um no qual se exprime a créolité 31 réunionnaise, conservando, ao mesmo tempo, alguns traços específicos de sua origem cultural, ver o que é conservado nos produtos, nas técnicas, nas maneiras à mesa, e o que é abandonado, abre novas perspectivas no estudo da construção das identidades (Cohen, 1993 e 2000; Tibère, 2000). Longe das ideologias simplistas e ingênuas da mestiçagem generalizada estigmatizadas com justa razão por Chérubin (1992), a créolisation réunionnaise coloca-se como modelo avançado para o estudo do que Bastide (1958) chamou de “entrecruzamento das civilizações” e mais precisamente da complexidade dos mecanismos de mestiçagem dos modelos alimentares que acompanh acom panham am a mundialização. mundialização. O conceito conce ito lingüíst lingüístico ico de créolisation (Chaudenson, (Chauden son, 1979 1979)) permite, permite, ao mesm me sm o tempo, tem po, integra integrarr uma dimensão dime nsão dinâmica na compreensão dos processos de mestiçagem e colocá-los como um todo organizado, sistematizando as formas dele derivadas. Ele permite a localização de diferentes espaços alimentares: espaço comum, mas também de oposição, traduzindo os movimentos de uma 30 Te Terr rritó itóri rio ou ultram ltramarin arino o francês localizado no Oc Ocea eano no Índico. (Mo (Mota ta de tradução tradução)) 31 Processos d dee mestiçagens cultur culturais ais que resul resulta tam m na criação d dee novos modelos, originais.
C a p í t u l o / ~A m u n d i a l iizz a ç á o e o s m o v i me m en t o s d e d e s l o c a l i z a ç ã o e d e r e l o c a u z a ç ã o d a a l i me m en t a ç ã o
47
dialética de integração/diferenciação. A análise das diferentes formas de trocas, de aceitação ou de rejeição de uma prática na base de lógicas de equivalência funcional ou de equivalência simbólica, mas também de reorganização, reabre uma série de questões teóricas centrais da antropologia americana da primeira parte do século XX, um pouco rapidamente abandonadas com a crítica das teorias difusionistas. Estas questões, perpassadas pela perda e ganho do conflito teórico, que nos anos 1960 opôs funcionalismo, evolucionismo e estruturalismo e viu este último, saído vitorioso, monopolizar as ciências humanas da década de 1970 (Lévi-Strauss, 1958), pareciam cruciais no estudo da modernidade alimentar. Graças à sua capacidade de colocar os resultados da mestiçagem como um novo todo organizado e não como resíduo do processo de decomposição, o conceito de créolisation substitui vantajosamente a noção noç ão de acultura acult uração ção (Baré, 1991; 1991; Poulain e Tibère Tibère,,
2000- 2).
C a p ít u l o 2 E n t r e o d o m é s t ic o e o e c o n ô m ic o :
FLUXO E REFLUXO DO CULINÁRIO
Para compreender a evolução das práticas alimentares, é interessante analisar os movimentos de oscilação de certas atividades, de uma parte e de outra de uma linha que separa o interior e o exterior dos lares. Este ponto de vista pode ser utiliza utilizado do numa nu ma leitura leitura antropológ antrop ológica ica (S (Sign ignaut, aut, 1993, 1993, 73). Nas sociedades que praticam uma agricultura itinerante sobre queimadas, “a agricultura e a colheita fazem parte da cozinha ou a cozinha da agricultura. Na realidade, não é necessário fazer distinção alguma entre as duas porque tudo o que depende da produção dos vegetais depende de um só e mesmo conjunto de tarefas domésticas”. Ao contrário, nas sociedades industriais um número muito grande de tarefas saem do espaço doméstico e são assumidas pelo setor do mercado, reduzindo a importância da atividade produtiva do lar. “Este esquema nos dá dois pontos extremos, dois pontos-limites entre os quais é possível, pelo menos teoricamente, colocar cada uma das agriculturas do globo.” Esta linha de divisão entre o interior e o exterior do lar permite bem ve verr os movimentos de fluxo e de refluxo da atividade culinária, culinária, características das mutações da alimentação contemporânea. A industrialização dos sistemas de produção e de distribuição desenvolvem as relações entre os comedores e seus alimentos. Paralelamente, alguns circuitos de abastecimento tradicionais como a caça, a horticultura, inscritos nas lógicas dos lazeres, são chamados a desempenhar novos papéis sociais. O setor da alimentação fora de casa se desenvolve, utilizando sistemas
50
SoaOLOGIA Soa OLOGIA SDA ALI ALIME MENTAÇÃO NTAÇÃO
técnicos de distribuição, notadamente os self-seruice, que colocam à disposição dos comedores uma escolha cada vez mais ampla de produtos. Estes novos dispositivos técnicos modificam profundamente os sistemas de decisões alimentares.
2.1 Aindustri ustriali alizaçã zação odaal aliimentação 2.1.1 2.1. 1
Industrializa Industrialização ção da produção prod ução e novas formas de autoproduçã autop rodução o
Paralelamente à mundialização que a desloca, a industrialização corta o vínculo entre o alimento e a natureza. Atingindo as funções sociais da cozinha, ela desconecta parcialmente o comedor de seu universo biocultural. Distingamos as duas vertentes da industrialização alimentar: a produção e a transformação. A produção animal é neste plano particularmente particularm ente signific significativa ativa da modernidade alimentícia. alimentícia. Conceb Conc ebida ida num modo taylorizado, mesmo no momento em que este modelo é profundamente rejeitado na esfera da organização das atividades produtivas humanas, ela contribui para uma coisificação do animal destinado à alimentação. Reduzida à ordem de matéria-prima, a carne encontra-se desanimalizada, desvitalizada. Simultaneamente e de maneira paradoxalmente compensatória, o animal que vive no “estado de natureza” encontra-se personificado. Roubando Rouba ndo os papéis princi principais pais das estrelas de cinem cin ema,3 a,32 2 é ele que nos dá lições de ética natural natural,, co m o em O urso, de Jean-Jacques Annaud; estamos longe das fábulas de La Fontaine, em que os animais personificam figuras humanas. Conseqüência desta personificação, o ticula animal estimação des exorbitantes. uma condição completamente completa mente partic par ularr e de torna-se objetodesfruta de atenções atençõe exorbita ntes. O merca me rcado do alimentício para os animais explode literalmente literalmente (Neffusi, (Neffusi, 1989) 1989) e os especialistas do marketing exploram, com a maior seriedade do mundo, os “estilos de vida” de nossos cães e de nossos gatos. Este fenômeno de “coisificação-personificação” que poderia aparecer, à primeira vista, como o prolongamento do fenômeno da repressão da corporalidade e do espetáculo da carne morta, identificado por Norbert Elias (1939) como o motor do “processo de civilização”, é, sem dúvida, mais fundamental, o sinal de uma dessacralização da
32 O filme Instinto, de Turteltaub, baseado no romance Ishmael, de D. Quinn, é também também exemplar das transformações das relações entre os homens e os animais.
C a p i t u l o 2 - E n t r e o d o m é s t i c o e o e c o n ô m i c o : f l u x o e r e f l u x o d o c u l i n á r i o
51
alimentação e da dificuldade de administrar a morte alimentar. Ele traduz, em primeiro lugar, uma desordem na percepção do lugar do homem moderno na natureza e a ordem das espécies animais, da qual a crise atual atu al também da “vacaser louca lo uca” é apenas revelado r.33 Mas amplamente amp pode lido” como uma um criserevelador.3 de confiança nosmais valores dalamente, ciência, mobilizados nas sociedades laicas para a administração da morte alimentar. Paralelamente, a transformação culinária se industrializa. A mudança da valorização social das atividades domésticas leva as indústrias agroalimentícias a se desenvolver no espaço de autoprodução que representava a cozinha familiar. Propondo produtos cada vez mais perto do estado estado de consum o, a indúst indústri ria a ataca atac a a funçã fun ção o socializadora socializadora da da cozinha, sem, no entanto, chegar a assumi-la. Assim, o alimento é visto pelo consumidor como “sem identidade”, “sem qualidade simbólica”, como “anônimo”, “sem alma”, “saído de um local industrial não identificado”, numa palavra, dessocializad dessocializado. o. E possível tomar tom ar empres em prestada tada da psicanálise kleiniana a noção de “fantasma da incorporação do mau objeto” (Klein, 1952) para explicar a angústia gerada pela alimentação industrial. A incorporação, que já é um ato de uma certa gravidade, porque respondendo a questões, ao mesmo tempo vitais e simbólicas, é acompanhada, quando se trata de um produto industrial “sem identidade”, de uma profunda ansiedade (Fischler, 1990). Sociólogos e publicitários encontram-se então convocados para tentar conter o fenômeno. As respostas passam na maior parte do tempo por um enraizamento afetivo, rural ou cultural do produto; as cozinhas regionais tradicionais, em oposição, sendo experimentadas pelos consumidores como sendo o “bom objeto”. Quer nos refiramos às imagens afetivas da “Tartelière”, da compota "Bonne-Maman”, à “arvore da tradição” de William Saurin, que se enraiza simultaneamente na terra e na cultura gastronômica francesa, ou ainda ainda ao “gosto das coisas cois as simples” simp les” de Herta,3 Herta ,34 que flertam flertam com co m a memória de nossas férias, quando não de nossa infância campestre. Tudo tendo tend o com o pano de fundo a representação da transmissão interger intergeraci acional onal de valores ou de habilidades. 33 Ver o cap capítulo ítulo 4, ““Risco Risco e segurança alime alimentar”. ntar”. 34 O autor ttrab rabalh alha, a, neste pará parágrafo, grafo, com vár vários ios exemplos de marcas de prod produto utoss alimentícios franceses que utilizam a transmissão intergeracional de valores e habilidades como estratégia de marketing. (Nota de tradução)
52
SoaOLOGÍAS DA A LIMENTAÇÃO
Em contrapartida, a autoprodução alimentícia, cuja importância não deixou de diminuir até os anos 1980 para tornar-se um particularismo dos agricultores, em forte regressão numérica, reorganiza-se, inscrevendose nas lógicas da qualidade (Bages (Bage s e Rieu, Rieu, 1988 1988). ). Com Co m a urbanização horizontal, ela atinge novas camadas da população, como atividade de lazer. Assim, o setor da hortifruticultura, que vende plantas ornamentais mas também árvores frutíferas e hortaliças, está em plena expansão. Numa pesquisa sobre a alimentação entre 50-60 anos realizada em 1998 1998 (Poulain, 1998), 1998), 32% 32% dos indivíduos da amostra estud es tudada ada dispunham de uma horta, aos quais acrescentava-se mais de 10% que declaravam beneficiar-se regularmente dos produtos de uma horta de um vizinho. Entre os aposentados, o número de pessoas que dispunha de uma horta chegava a 50%. Bricolagem e horticultura tornam-se os domínios privilegiados dos homens. A autoprodução alimentar se desenvolve consideravelmente a partir do término das atividades. Bastante longe de um estrito interesse econômico, ela se inscreve numa lógica do tempo livre e da qualidade dos produtos. Ela transforma as lógicas do abastecimento e permite, sobretudo pela redistribuição dos excedentes, a instalação ou a manutenção de redes relacionais de proximidade. 2.1. 2. 1.2 2
Industrialização Industrialização da distribuição
Em 1930 1930,, na França, a relação entre entre população urbana urbana e população popula ção rural se inverte. No espaço de um século e meio, de 1846 a 1990, operouse uma verdadeira inversão simétrica. Mudanças sociológicas sem precedentes, que modificam os modos de vida e sobretudo alteram fundamentalmente os vínculos que unem os comedores aos alimentos. Produção, transformação e comercialização alimentar organizam, estruturam e dão ritmo à sociedade rural. O alimento claramente identificado e valorizado faz-se presente e aparece em diferentes estágios da cadeia: do campo de trigo ao forno do padeiro, do pasto ao balcão do açougueiro, da horta ou do mercado para a cozinha, da vinha para a mesa... As próprias paisagens se transformam segundo os ciclos de produção. A urbanização, ao desconectar o alimento de seu universo de produção, coloca-o num estado de mercadoria e destrói parcialmente seu enraizamento natural e suas funções sociais.
C a p í t u l o 2 - E n t r e o d o m é s t i c o e o e c o n ô m i c o : f l u x o e r e f l u x o d o c u l i n á r i o
53
O alimento toma-se pouco a pouco uma simples mercadoria, a grande distribuição distribuição dá nascim nas ciment ento o ao comedor-c comed or-consu onsumid midor. or. No início dos anos 1960, os hipermercados aparecem e ganham, em uma geração, uma posição dominante. Entre 1969 e 1991, eles passam a representar de 10,4% para 62,2% das compras alimentícias. Se as feiras livres resistem (8,6% em 1991 a 6,2% em 1991), o pequeno comércio, principalmente de especiarias, desmorona literalmente, passando de 24% das compras em 1961 para 3,8% em 1961. Conseqüência da perda de contato com a cadeia de produção, o alimento torna-se um simples objeto de consumo sobre o qual reinam “chefes de produtos” e “especialistas em marketing". Inflação numérica, mais de 18.000 referências alimentares são oferecidas nas prateleiras de nossos hipermercados. Alimentos em abundância, certamente, mas cada vez menos identificados, conhecidos e sobretudo cada vez mais preocupantes. Pois o alimento não é um produto de consumo banal, ele é incorporado. Ele entra ent ra no corpo do comedor, com edor, torna-se o próprio próprio comedor, comed or, participando participando física e simbolicamente da manutenção de sua integridade e da construção de sua identidade. Comer é também um ato que religa o homem à natureza, ao real. A cozinha e as maneiras à mesa de uma sociedade são uma maneira original de regular as relações entre a natureza e a cultura. Industrializada, a alimentação suscita questões que podem rapidamente transformar-se em angústias. De onde ela vem? Que transformação ela sofreu? Por quem ela foi manipulada?
2.2 Cozi Cozinh nha ademontageme ontagemecoánha-prazer coánha-prazer O trabalho feminino vai igualmente modificar as práticas domésticas; em 1950, uma francesa passava aproximadamente quatro horas por dia nas atividades domésticas alimentares (compras, preparação culinária, louça), em 1992, menos de uma hora. Nesta redução das funções produtivas do lar, que não se reduz à influência dos eletrodomésticos, nem a uma nova divisão sexual dos papéis dentro dos lares, a indústria agroalimentícia encontra uma de suas principais redes de desenvolvimento econômico. As compras de produtos alimentícios incluindo transformações realizadas fora do lar passam em volume de 50% em 1960 para 83% em 1991. 991. Na alimentação alimen tação cotidiana, a fu funçã nção o culinária diminui diminui;; são sã o comprados comprado s prontos ou pré-prontos os pratos cozidos e outras preparações, desde
54
SOC IO L OGiA S DA AUMEN TA ÇA O
crepes recheados com cogumelos até as sobremesas, passando pelas “caçarolas de legumes”. A cozinheira contenta-se no máximo em juntar, em terminar, quando não simplesmente em esquentar os pratos. A história da alimentação nos mostra uma evolução que, apesar das várias voltas e reviravoltas, faz passar um conjunto de tarefas do setor doméstico para o setor econômico. Existe uma transferência da atividade de um setor para o outro. O exemplo das massas alimentares fala por si sobre este ponto; considerados hoje como um alimento básico que todo mundo tem em estoque na sua cozinha, cozinha, eram, há um século s éculo apenas, apena s, um produto produto fabricado fabricado em casa com farinha e ovos. Num mercado em que os volumes estão estagnados, a indústria alimentícia faz seu crescimento por adição, ou seja, oferecendo oferecen do produto produtoss que integram valore valoress agregados. agre gados. “A preparação prepara ção dos alimentos, na medida em que ela é concebida como a tarefa doméstica por excelência, dá hoje a impressão de ser atacada de todos os lados por empreendimentos procedentes proceden tes do setor extern externo: o: restaurantes, restaurantes, entregas a domicílio, supermercados...” (Signaut, 1993). Entretant Entret anto, o, os grupos sociais sociais não estão preocupados com a m esm a intensidade e este movimento inverte-se no fim de semana ou em certas ocasiões. A cozinha cozinha assum e então um forte forte sig significado nificado simbólico. Na pesquisa entre as pessoas de 50-60 anos, a cozinha aparece como uma atividade doméstica acompanhada de uma forte implicação e cujas dimensões sociais se impõem. Cozinhar é, à primeira vista, uma atividade voltada para os outros (67%). Cozinhar é dar; “causar prazer” e “partilhar”. Mas, ao lado deste conjunto de associações positivas, aparecem dimensões mais negativas ligadas à repetitividade e aos incômodos desta tarefa doméstica. As dimensões incômodas, a “obrigação”, “a necessidade”, “o hábito”, hábito”, aparecem em segundo se gundo plano tanto tanto em freqüência como principalmente na ordem das citações (51%). As dimensões nitidamente negativas de “trabalho penoso e inevitável”, de “perda de tempo” e “de tédio” dizem respeito apenas a 18% das pessoas interrogadas. Finalmente, apenas 5% acentuam o custo. Notemos, a título de paradoxo, que as mulheres que mantêm no cotidiano a maior parte desta atividade lhe associam mais valores positivos e menos valores negativos do que os homens, que apenas de vez em quando assumem seu encargo. A análise por regiões faz aparecer representações muito mais positivas da atividade culinár cul inária ia na lle-de-France3 lle-d e-France35 do que em outras outras regiões francesas. 35
Departamento central da França onde se localiza a região metropolitana de Paris. (Nota de tradução)
C a p i t u l o 2 - E n t r e o d o m ééss t i c o e o e c o n ô m i c o : f l u x o e r e f l u x o d o c u l i n á r i o
55
A comparação com os resultados obtidos trinta anos mais tarde reserva algumas surpresas. Em 1996, constata-se uma rejeição do modelo culin culinári ário o da da mãe. mãe . Esta atitude atitude co com m um ao conjunto con junto das da s mulheres era era mais forte ainda entre as mulheres jovens; 65% dizem “não” entre as de menos de 30 anos, contra 60% entre as de 50-60. Para além da cozinha, era o modo de vida da mulher em casa, da doméstica que era rejeitada e, numa certa medida, da ama-de-Ieite. Ela entrava em conflito com as representações da “mulher moderna” promovidas pelo movimento feminista e amplamente retomadas e recuperadas pelo discurso publicitário da época. Foi adiantada a necessidade de reduzir o tempo consagrado à alimentação, de cozinhar mais rapidamente, ao mesmo tempo que se ostentava a vontade de levar em conta novas exigências nutricionais. já vimos, tanto na análise dasatravés aspirações alimentícias quanto na dasComo hierarquias nutricionais estudadas da questão sobre “os alimentos essenciais”, mudanças estavam em curso na concepção qualitat qua litativa iva e qu quantitativ antitativa a do que convinha conv inha com c om er (Poulain, (Poulain, 1998-2 1998-2). ). Assim se justificava uma ruptura em relação ao modelo culinário transmitido pela mãe. Tabela Tab ela 1 - “Você Você fa fazz a mesma com ida que a sua mãe fazia fazia?” ?” 1966
1998
1996
M u lh lh e re re s d e 3 30 0 a n o s M u llh h e re re s d e 5 0 --6 60 anos S im
35 %
40 %
N ão !
65%
60 %
M u llh h e re re s d e 5 50 0-6 60 0 ano os s
}!
53% 47%
Fonte: OC OCHA, HA, Pou Poulain, lain, 1998.
Hoje, para as pessoas de 50-60 anos, a referência ao modelo culinário da mãe é revalorizada. Esta inversão deve ser compreendida num contexto de industrialização da experiência alimentar e do desenvolvimento correlativo do sentimento de ameaça do “bem comer à moda francesa”. Na amostra qualitativa, as pessoas entrevistadas enfatizavam a necessidade de conservar e de transmitir as “tradições”, um conjunto de habilidades descritas como o “patrimônio alimentar familiar”.
56
ALIMENTAÇÃO SoaOl So aOlOGIASDA ALIMENTAÇÃO
2.3 2. 3 Aalim alimentaçãoforadecasa casa A alimentação fora de casa3 casa 36 desempe dese mpenha nha um papel decisivo decisivo nas modificações da alimentação da esfera doméstica no domínio domínio ecomô eco mômico mico.. Ela se decompõe em dois grandes setores. Trabalhando com clientelas mais ou menos cativas, o setor da alimentação coletiva reagrupa os estabelecimentos da alimentação escolar e universitária, da alimentação em empresas e do grande setor da saúde. A administração destes restaurantes é assegurada seja pelas próprias instituições, seja concedida a empresas empresa s produtoras produtoras de alimenta alim entação ção coletiva.3 cole tiva.37 7 O segundo setor, setor, o da produção de alimentação alimen tação comercial, reúne as fórmulas abertas a todos os públicos, desde a alimentação rápida (fast-food) até os grandes restaurantes gastronômicos. Neste setor, na França, as estatísticas produzidas pelo INSEE não são sempre facilmente exploráveis. Até 1970 elas misturam, por exemplo, as despesas “de hotel, de café, caf é, de restaurante e de cantina” cant ina” (Lambert, (Lambe rt, 19 1992; 92; Combris, 1995 1995); ); após essa data, estudos específicos “alimentação fora de casa” são realizados, mas infelizmente de maneira muito irregular. Em trinta anos, o setor de alimentação fora de casa (setor coletivo e setor comercial inclusive) desenvolveu-se consideravelmente, com uma progressão das despesas de 30% em francos constantes entre 1970 e 1990. A parte da alimentação fora de casa no orçamento alimentar dos lares passou de 15,3% em 1980 para 20,2% em 1991 (INSEE, 1993). Entre En tre 1984 e 1998 1998,, o crescime cre scimento nto deste posto da despesa despe sa diminuiu diminuiu em valor, ostentando até 1995 e 1996 uma curvatura, depois voltou a ser nitidamente positivo em 1999. Isso não quer dizer que durante estes dois anos de diminuição em valor o número de refeições feitas fora de casa tenha diminuído, longe disso. Este fenômeno oculta na verdade várias tendências contraditórias: os efeitos do aumento do número de refeições feitas em restaurante nas lógicas não profissionais (e não levando em conta a alimentação coletiva nas empresas) são encobertas por uma baixa da despesa proporcional resultante ao mesmo tempo: -
de uma simplificaç simplificação ão da estrut estrutur ura a das refeiçõe refeições. s. Abandona-se freqüentemente a estrutu estrutura ra do cardápio clássico - entrada, prato prin pr inci cipa pall com acomp anham ento, queij queijo, o, sobremesa - ou,
36 Resta Restaur ur ation hor hor s foyer (RHF), no original. (Nota de tradução) 37 Soci étés de r estaur staur ati ati on collecti collecti ve (SRC), no original. (Nota de tradução)
C a p I t u l o
E n t r e o d o m ééss t i c o e o e c o n ô m i c o : f l u x o e r e f l u x o d o c u l i n á r i o
2 -
57
simplesmente, sobremesa para estruturas simplificadas, que são recompostas em duas, ou até uma só destas categorias: ou entrada, prato principal com acompanhamento e café; ou prato principal com acompanhamento e sobremesa, às vezes mesmo prato principal com acompanhamento; -
de uma baix baixa a do consum con sumo o de vinho vinho;;
-
de uma diminuição diminuição dos preços preços das refeições. refeições.
Os restaurantes que mais se beneficiam com esta progressão são os que propõem fórmulas simplificadas, a bom preço. A análise deste setor deve pois, igualmente, ser conduzida em número de refeições. Sobre este ponto, os dados mais confiáveis são produzidos por agências de pesquisas privadas especializadas, como o GIRA. Tabela Tabe la 2 - Evolução do setor setor de alimentação fora de casa 1985 Restaurante coletivo Restaurante comercial
1996
Evolução Evolução Evolução ! 2000 anual anual » " » • ' 1 1999 previsões 20< 1996/ 20 perda de auto-estima => ingestões alimentares de compensação =>
148
SOO OLOG IA S DA A LIMEN TAÇÃ O
manutenção ou desenvolvimento da obesidade. O reconhecimento da dimensão socialmente construída da obesidade deve permitir distinguir o que depende do médico e a estigmatização dos obesos que resulta de uma transformação dos sistemas de valores.
De um ponto de vista metodológico, a obesidade mostra o interesse de diferentes leituras sociológicas possíveis e de sua articulação. Ela pode ser tomada como uma questão da epidemiologia social e mobilizar as interpretações macrossociológica e microssociológica a serviço de uma compreensão de sua etiologia. Mas ela constitui também um excelente instrumento de transformação das representações sociais. A leitura sóciohistórica e antropológica mostra que o problema da obesidade resulta, por um lado, da transformação das representações que acompanham os corpos gordos e os produtos gordurosos. A dimensão problemática da obesidade e seu transbordamento sobre o sobrepeso e a alimentação cotidiana coti diana são construções sociais. Esta contribuição da sociologia tempera tempera a leitu leitura ra naturali naturalizant zante e do discurso médico méd ico.. O ato alimentar alimentar e os gosto go stoss estão sujeitos a fortes determinações sociais e as modalidades congnitivas de construção das escolhas são múltiplas: racionalidades em valor, em finalidade, representações simbólicas... (Fischler, 1993, 1996-1; Lahlou, 1997; 19 97; Desjeux, 1996 1996;; Rozin e col., co l., 1999) 1999).. ü üm m cam c ampo po de pesquisa novo se abre à interface das ciências da nutrição e da socioantropologia da alimentação cujo objeto é compreender a complexidade das decisões alimentares. Seu desenvolvimento tem por objetivo a superação dos reducionismos, quer sejam eles biológicos, dietético-psicológicos ou sociológicos, que constituem obstáculos epistemológicos para a compreensão deste fenômeno de saúde pública próprio das sociedades modernas.
"S
e g u n d a
p
a r t e
DO INTERESSE SOCIOLÓGICO PELA ALIMENTAÇÃO ÀS SOCIOLOGIAS DA ALIMENTAÇÃO
esde que os fundadores da sociologia abriram a janela para o real, produz-se uma primeira divisão “geográfica” nos campos: o trabalho, a religião, a saúde, a educação, a arte, os operários, os cam pon eses... ese s... Depois, c ada ad a terr territó itório rio encontra-se enco ntra-se por sua vez vez atra atravessad vessado o por uma segunda divisão, ligada, desta vez, às posturas epistemológicas
D
que se propõem examinar examinar o mesm m esm o objeto objet o a partir partir de persp perspectivas ectivas e modos de explicação diferentes. Esta dupla linha de fragmentação (em campos e em paradigmas explicativos) provoca uma certa “babelização” da sociologia que deixa às vezes o não-sociólogo em dúvida diante de uma disciplina tão polimórfica. A aquisição da cultura de um campo, freqüentemente, no inter interio iorr deste, a de um objeto preciso, e de uma posição metodológica, é um investimento muito longo que torna difícil a comunicação entre os pesquisadores. “O estado da questão” da sociologia da alimentação foi várias vezes realizado por autores anglo-saxões: Goody (1982), Murcott (1988), Mennell, Murcott e Van Otterloo (1992), Mclntosh (1996), Beardsworth e Keil (1997). Jack Goody inaugura esta série ao balizar três correntes principais: o funcionalismo, o culturalismo e o estruturalismo. Após uma apresentação crítica destas mapas de leitura interpretativos, ele enfatiza o interesse de uma combinação das abordagens histórica e comparativa suscetíveis, segundo ele, de captar as mutações das práticas alimentares vistas como determinadas pelas transformações dos sistemas técnicos de produção e de consumo. Ele não qualifica esta perspectiva de quarta corrente, considerando que não se trata na verdade de um novo paradigma, mas simplesmente de uma atitude de pesquisa que combina pontos de vista. Mennell, Murcott e Van Otterloo dão o salto e batizam a perspectiva proposta por Goody de "desenvolvimentismo”, movimento no qual eles
152
SOCIOLOGI SOCIOLOGI ASDA ALIMENTAÇÃO
incluem seus próprios trabalhos. Considerando a abordagem culturalista como "muito geral” e dependente do bem comum, a sociologia da alimentação é então apresentada em três correntes principais: o funcionalismo, o estruturalismo e o “desenvolvimentismo”. Entretanto, os autores destas classificações têm todos certas dificuldades em levar em conta as contribuições da tradição sociológica francesa, com exceção dos primeiros artigos de Fischler traduzidos para o inglês. O tratamento desse autor é exemplar destas dificuldades. Classificado por Goody e Mennell entre os estruturalistas, ele é, para
Beardsworth, representativo da atitude desenvolvimentista . E claro que o enquadramento de um sociólogo tem alguma coisa de caricatural e raros são os que se referem a um único modo de explicação, mesmo quando eles são os promotores de um “novo” paradigma. Mas estas dificuldades na organização do conhecimento, que poderíam aparecer como anedóticas, são, ao contrário, características do status da alimentação no domínio das ciências sociais. Para dar conta do estado da questão, parece-nos necessário distinguir dois grandes períodos na história do pensamento social sobre a alimentação. Durante a primeira fase, que vai do nascimento da disciplina até a metade dos anos 1960, a alimentação não é, ou apenas o é raramente, o centro de interesse do olhar olhar socioló soc iológico gico.. Ela é um lugar de leitura, um lugar de indexação de outros fenômenos sociais. A segunda fase caracteriza-se pela vontade de fundar um território tendo a alimentação alimentaçã o por por objeto. Ela se anuncia an uncia co m os trabalhos de de LéviLéviStrauss (1964), inicia claramente com os de Moulin (1967), de Aron (1967, 1976) e se prolonga com os de de Garine (1978), de Fischler (1979), de Grignon (1980), de Hubert (1984), de Poulain (1985), de Lambert (1987), de Herpin (1988), de Corbeau (1991). Consideramos então que há uma ruptura histórica entre o interesse que a sociologia clássica pôde ter pela alimentação e as tentativas de estabelecer uma sociologia da alimentação. A análise em termos de paradigma revela-se pertinente para dar conta do primeiro período. Nós nos propusemos estudar, numa perspectiva histórica, a maneira como as grandes corrent correntes es do pensamen p ensamento to socioantropológico socioantropológico se depararam depararam com o fato alimentar. Completaremos em seguida esta abordagem com uma análise a partir dos grandes territórios da sociologia. Aqui veremos que o tema da alimentação estará extremamente presente. Mas não se trata ainda, efetivamente, de uma sociologia da alimentação.
S eg u n d a pp a r t e- D o i n t er es s e s o c io l ó g ic o pel pel a a l i me m en t a ç ã o A s s o c / o l o g í a s d a a l i me m en t a ç ã o
153
Para o segundo período, dois movimentos distintos se encontram na emergência da alimentação co m o objeto sociológico. sociológ ico. O prim primeir eiro, o, fiel fiel à postura sociológica clássica da autonomia do social, parte do estudo dos consumos alimentare alimentaress ou da diver diversid sidade ade de gostos. O segundo segund o coloca o ato alimentar como um fato social total e adota uma posição sociológica aberta aber ta ao estudo das interfaces interfaces com o biológico biol ógico e o psicológico. p sicológico. Ele centra centra seu trabalho sobre as características sociais do comedor humano, acentuando as particularidades do ato alimentar e a formatação de suas dimensões fisiológicas e psicológicas pelo sociocultural.
Entretanto, colocar a cozinha e as maneiras à mesa como representação e teatralização dos valores de uma cultura e, consequentemente, como lugar de leitura das identidades culturais, é um programa sociológico que apresenta já um certo interesse, mas que não basta, contudo, para fundar uma sociologia ou uma antropologia da alimentação. Pois, em última análise, o que através dos fenômenos alimentares é objeto de estudo não é outra coisa senão a cultura e seus modos de atualização e de transmissão. Deste ponto de vista, uma socioantro socio antropolog pologia ia da alimentação a limentação designaria antes, ante s, com o sugere Berthe Berthelot lot - num artig artigo o em que procura procura os fundamentos fundamen tos epistemológicos de uma sociologia do corpo “um conjunto de interesses mais do que um campo cam po real de investigação" (1982, 63). Assim, ela se dissolvería numa sociologia da cultura cultura ou numa antropologia cultural. cultural. E exatam exa tamente ente nesta perspectiva perspectiva que uma obra como La distinctiori, de Bourdieu, é, com justa razão, identificada como pertencente à sociologia da cultura. Ou, ainda, que o livro Les mythologiques, de Lévi-Strauss, é lido como uma reflexão antropológica sobre as modalidades do funcionamento do pensamento humano, do qual se conserva sobretudo a ambição de isolar invariantes: oposições binárias, jogos de permutações e de comutações... esquecendo totalmente a natureza do material empírico sobre o qual ele trabalha. Se este ponto de vista não deixa de ter interesse, não parece, entretanto, esgotar, longe disso, a riqueza do fato alimentar. Mas, antes, precisamos tentar descobrir e levantar os obstáculos epistemológicos que impediram fazer da alimentação um objeto sociológico legitimamente aceito. Nós voltaremos às condições da fundação da sociologia para medir as conseqüências da definição de “fato social” para Durkheim e do postulado da autonomia do social. Abordaremos em seguida a importância do fenômeno social que constitui a gastronomia francesa.
15 154 4
SOCIOI OGIASD OGI ASD A ALIMENTAÇAO
Cima vez estes obstáculos levantados, tentaremos mostrar como podemos tirar partido da antropossociologia da alimentação e perseguir a operacionalização do conceito de “espaço social" proposto por Condôminas (1980) para superar as oposições teóricas entre o ponto de vista culturalista, mais ou menos regido pelo monismo de valores, e as posições materialistas, que consideram os sistemas de produção como o fundamento do cultural. Nosso objetivo não é tanto definir uma nova corrente como buscar as condições cond ições de uma redefinição redefinição do objeto da sociologia e da antropologia antropologia da alimentação, suscetível de permitir a articulação das interpretações existentes. Esta temática, uma vez que ela não é ainda um campo completamente instituído, encontra-se momentaneamente excluída das problemáticas de poder subterrâneas às estratégias de conquistas de cargos ou de recursos que estruturam o mundo da pesquisa universitária. Se resulta desta situação um certo desconforto institucional, ele apresenta a vantagem de estar livre das influências atomizantes. A alimentação constitui, assim, um terreno de exercício privilegiado para a articulação de esquemas explicativos.
C apítulo 6 ÁS GRANDES CORRENTES SOCIOANTROPOLÓGICAS E O SEU ENCON TRO CO M O “ FATO ALI ALIMENT MENTAR” AR”
É a partir das temáticas do sacrifício, do totemismo e das proibições que lhe são associadas que os primeiros etnólogos e sociólogos se deparam com a alimentação. Esta perspectiva articulada sobre categorias religiosas prevalece até a primeira quarta parte do século XX. Ela se interessa, por exemplo, pelas oferendas alimentares feitas aos mortos e às divindades (Smith, 1889; Frazer, 1911) e de maneira mais atenta ainda pelas práticas canibais, que servirão de indicador do grau de desenvolvimento, nas concepções evolucionistas do início da disciplina. Emile Durkheim, em As formas forma s elementa elem entares res da vida religiosa, religios a, nota que “as refeições feitas em comum passam, em múltiplas sociedades, a criar, entre os que delas participam, um vínculo de parentesco artificial. Parentes, com efeito, são seres que são naturalmente feitos da mesma carne, do mesmo sangue. Mas a alimentação refaz sem cessar a substância do organismo. Cima alimentação comum pode portanto produzir os mesmos efeitos que uma origem comum”. Comentando os trabalhos de Smith, ele os prolonga ao mostrar que a refeição sacrifical não poderia ser reduzida à partilha e aos vínculos que ela tece. Ao comer, os participantes incorporam as qualidades do animal consumido. “Eles (os comensais) comungam então com o princípio sagrado que reside nele (no animal) e eles o assimilam” (Durkheim, 1998 [1894], 481-482). Mas a análise permanece restrita às sociedades ditas “primitivas”. Em 1930, numa obra de síntese intitulada Etat social des peuples sauvages, Descamps dá prova de um interesse novo pelas técnicas de aquisição alimentar (pesca,
156 156
SoaOLOCM SD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
caça, agricultura...), mas concentra sempre uma atenção principal sobre o sacrifical e as proibições alimentares. Nenhuma palavra sobre as maneiras de comer, os rituais de mesa, nem sobre a culinária (técnicas de preparação ou de cozimento...), cujas formas não aparecem nem como descritores do “estado social”, nem como indicadores de desenvolvimento, num livro, todavia, de inspiração ainda muito fortemente evolucionista.
6.1 Apers rsp pectiva ctivafu fun ncio cion nalista
Na França, a extrema precaução com a qual Durkheim, nas Regras do método sociológico, procura distinguir os “fatos sociais” do biológico por um lado, e do psicológico por outro lado, irá, ou relegar o alimentar do lado de uma antropologia física e médica, ou submetê-lo a problemáticas sociológicas mais fortes. Na primeira tendência, é preciso citar os trabalhos de Pales,53médico e antropólogo francês que dirigiu a missão antropológica da África ocidental francesa de 1945 a 1950 e conduziu durante esse período um estudo de grande envergadura sobre a nutrição das populações africanas que é a este respeito exemplar (Pales e Tassin de Saint-Pierre, 1954). Tomar esta obra em mãos hoje surpreende. Como um tal trabalho pôde cair no esquecimento do pensamento antropológico? Como ele pôde estar ausente de toda bibliografia? Existe no hermetismo da cultura francesa em relação a este tipo de trabalho um enigma que não poderiamos desconsiderar. Na segunda tendência, o alimentar encontra-se reduzido à sua parte mais facilmente “sociologizável” e torna-se um tema de aplicação de problemáticas mais fortes como a sociologia das necessidades, largamente dominada por uma perspectiva funcionalista, ou ainda a problemática da doação, que Mauss contribuirá para teorizar. É por isso que Halbwachs, numa leitura durkheimiana, coloca a refeição como uma “instituição" que desempenha um papel fundamental no processo de socialização e de transmissão das normas. “O essencial da vida familiar parece ser exatamente a refeição feita em comum com a mulher e as crianças... O operário sabe bem que a ordem das refeições, o hábito de consumir alguns alimentos e o valor que se atribui a cada um deles são verdadeiras instituições sociais” (Halbwachs, 1912). Numa atitude próxima, Chombart de Lauwe, estudando “a vida cotidiana das famílias operárias”, constata 53
Léon Pales f fo oi subdir subdireto etor r do Museu Museu do Home m em 195 1950. 0.
CAPÍTULO 6 ~Á S GRANDE GRANDES S CO CORRENTE RRENTES S SOCIOANTROPOL SOCIOANTROPOLÔG/C ÔG/CASE ASE O SEU ENCONTR ENCONTR O COM O “FAT FATO OAUMENTAR’
157
que uma “boa alimentação” deve ser antes de tudo "nutritiva", ou seja, “abundante” e “saciante” (1956). É por isso, também, que na análise das lógicas da doação e da retribuição que sustentam a instituição do “potlatch” dos índios Nookta da costa noroeste dos Estados tinidos, estudados por Boas, as trocas de alimento alime nto têm um lugar lugar determinante determinante e fornece forn ecem m uma um a matéria de prime primeira ira importância para “Lessai sur le don”, de Mauss (1925). E preciso lembrar que “Potlatch quer dizer dizer essen ess encialm cialment entee ‘nutri ‘nutrir’, r’, consum con sumir’” ir’” (1966, 153) 153)..
O desenvolvimento, na Inglaterra, de uma etnologia empírica, privilegiando os estudos de campo, irá permitir a primeira verdadeira tomada de consciência da alimentação como atividade geradora de sociabilidade. Radcliffe-Brown notará que “a atividade social mais importante é de longe a busca de alimento” (1922, 227). A noção de “necessidade derivada” de Malinowski acentua os elementos sociais do contexto no qual se exprime e se realiza a satisfação de uma necessidade. “A rigor, precisa Malinowski, a história do garfo resume-se na fórmula: o garfo aparece onde a sua necessidade se faz sentir e muda de forma e de função ao capricho das necessidade dos novos co-determinantes da cultura e do lugar” (1944 [1970], [197 0], 100) 100).. Mas é Audrey Richards que se apresenta aprese nta com c om o verdad verdadeira eira pioneira da antropologia alimentar. Assinalemos inicialmente a publicação, em 1932, de um primeiro livro, Hunger and work in a savage tribe, no prefácio do qual Malinowski, de quem ela é aluna, escreveu: “Ele (o livro) é o primeiro a reunir fatos a respeito dos aspectos culturais dos alimentos e de seu consumo”... e estabelece “as bases de uma teoria sociológica da nutrição" (1932, IX e X). De maneira particularmente inovadora, Richards não hesita em afirmar que “a nutrição enquanto processo biológico é mais fundamental do que a sexualidade, üm homem pode viver sem satisfações sexuais, mas sem alimento ele morre inevitavelmente”. Em trabalhos posteriores, ela dá atenção aos determinantes culturais do alimento e da alimentação e considera seus trabalhos contribuem para provar “quenoa fome é o principal fator que determinante nas relações humanas, primeiro seio da famí família lia e, em seguida, nos grupos sociais maiores, na cidade, numa classe de idade ou nos estados políticos” (1939, IX). Aqui se dá uma verdadeira inversão de perspectiva, a alimentação é colocada como uma atividade estruturante e organizadora do social. De formação científica, ela será uma das primeiras etnólogas a buscar as condições de uma verdadeira “cooperação entre antropólogo e nutricionista no estudo dos regimes alimentares indígenas” indíge nas” (Richards, 1937 19 37,3) ,3) e participará de várias várias pesquisas
15 158 8
SOC SOCII OLOGIASD OLOGIASDA A ALIMENTAÇÃO
pluridisciplina pluridisc iplinares res em territó território rio africano. african o. Richards é precisamen preci samente te a pioneira pioneira de uma sociologia do comedor, no entanto ela não chegará a fazer escola. Seus trabalhos serão vítimas da crítica do funcionalismo e permanecerão praticamente ignorados54 até o início dos anos 1980, 1980, e devemos devemo s a Good Go ody y sua recente descoberta (1982).
6.2 6. 2 Aperspecti erspectiva vadaantropol antropologia das das técnicas técnicas
Leroi-Gourhan irá, ao término da Segunda Guerra Mundial, transformar o problema abordando a alimentação sob o ângulo das “técnicas de consumo”. Na grande tradição classificatória de Linné, ele traça um panorama geral das técnicas que permitem a gestão das relações do homem com a matéria. Apoiando-se num material de extrema riqueza, ele identifica as técnicas de preparação alimentar, desde a debulha, a filtragem, os cortes, a raspagem... até os cozimentos, depois estuda os modos de conservação: secagem, defumagem, conservação úmida, recipientes... Ele se interessa em seguida pelos próprios produtos alimentares alimen tares classificados classificados em e m grandes famílias, animais, vegetais, minerais, minerais, temperos, bebidas, estimulantes, entorpecentes, para terminar pelas técnicas de consumo propriamente ditas e os materiais que lhe são associadas: prato, colher, concha... (Leroi-Gourhan, 1943, 1945). Mesmo se a parte teórica da obra, que se reduz, em resumo, a uma reflexão bastante curta sobre “a invenção e o empréstimo e sobre os problemas da origem e da difusão” das técnicas, é datada, a obra classificatória constitui uma etapa determinante da emergência da “antropolo “antro pologia gia econôm ica e da tecnologia comparada” compar ada” - aos própr próprios ios olhos olhos do autor autor (Leroi-Gourhan, (Leroi-Gourhan, 1945 1945)) - e continua ainda um fundamento fundame nto sobre o qual repousam estas es tas disciplinas.5 disciplina s.55 Muito além de d e uma antropologia Estruturas 54 Co m e xceç ão da lei leitura tura que Lévi-Stra uss fez nos primeiros capítulos de Estruturas elementares ele mentares do parentesco, estes trabalhos trabalhos passaram quase despercebidos na França. A contribuição de Richards, a mais frequentemente lembrada, para a história da antropologia, sendo o estudo do parentesco matrilinear, a partir do exemplo dos Bembas da Rodésia. 55 Em 1996, o Museu do Hom em organizou, com a in inic iciat iativa iva do Laboratório de Etnologia, uma exposição intitulada "Histórias das cozinhas". A estrutura da organização organizaç ão repousa amplamente sobre as categoria categoriass técnicas descobertas por Leroi- de e Cuisines, Muséum National d’Histoire Gourhan. Ver o catálogo resumido, H istoires d Naturelle, Paris, 1996.
CAPtTULO 6
-As GRA GRANDE NDES SC CORR ORRENTE ENTES S SOC SOCII OANTROPOLÓGICAS E OSE U ENCONTR O C COM OM O
“FATOAU FATOAUMENTAR MENTAR ’
15 159 9
econ ômica, econôm ica, pela prim primei eira ra vez vez na França a alimentação a limentação assume assum e plenamente seu lugar na cultura material, no prolongamento de categorias estabelecidas por Mauss. Após a Segunda Guerra Mundial, ela se torna um capítulo clássico da descrição etnológica de uma sociedade. E por isso que, por exemplo, Cuisinier lhe dedica nada menos que 34 páginas em sua obra sobre os Muong do Vietnã, desta vez com um conjunto de descritores precisos. Vejamos os títulos dos capítulos: “As refeições: frequências, abundância, composição”. “Recursos alimentares”. “Refeições cotidianas e refeições
cerimoniais”. “A cozinha: tratamento preliminar do arroz; cozimento; as marmitas”. "Mate "Materi riai aiss que são usados usado s no cons co nsum um o” o”.. “A hospitalidade” hospitalidade”.. “As bebidas”. "Escassez anual, escassez excepcional”. “Alimentação das crianças”. "Tabus alimentares...” (Cuisinier, 1948). Ma Etnologia da União União fr fra a nc es esa, a, obra de síntese em d ois tom os, editada às vésperas do do surgimento da tal Clnião nas trincheiras de Dien Bien Phu, Leroi-Gourhan, Pourier, Haudricourt e Condôminas utilizam a alimentação como categoria de descrição etnológica (1953). Desde então, a alimentação é sempre apresentada como elemento da rubrica “vida material”, junto com a agricultura ou as técnicas de aquisição alimentar, a criação de animais, a pesca, o vestuário e a habitação. A trama habitual sendo uma descrição em três temp tempos: os: a cultura cultura materi m aterial, al, a organização organ ização social so cial e a vi vida da intelectu intelectual al e espiritual (as crenças, as artes e a literatura oral ou escrita). Raybaut afinará os métodos de coletas de dados ao redigir um “guia de estudo da antropologia da alimentação” (1977). Esta perspectiva fará nascer uma etnologia da cozinha da qual Condôminas será um dos primeiros promotores promoto res ao favorecer favorecer trabalhos trabalhos de ca m po (Asemi, (Asem i, 1978 1978)) e a realização realização de teses como a de Hubert, defendida em 1980, sobre “A alimentação numa cidade Yao da Tailândia do Morte: do além ao cozido” (1985) ou a de Mathias, “Liberação e convívio: o sistema culinário Jaina” (1985).
6.3 6. 3 Aperspectiva erspectivacult cultura uralilista sta A antropologia cultural interessar-se-á pela extrema variabilidade das formas e das técnicas alimentares. Lowie, no seu Manual de de antropologia cultural, escreve um capítulo cap ítulo intit intitulado: ulado: “O fog o, a cozinha e os alimentos”, cujo conteúdo é bem mais amplo do que o título permite pensar, pois nele ele trata não somente da cozinha e das múltiplas técnicas
160
SOCÍOLOGI SOCÍ OLOGI A S DA A LIMEN TAÇÃ O
de cozimento, mas também das refeições e da etiqueta. Ele mostra assim que “a hora e a natureza das refeições diferem consideravelmente segundo as nações civilizadas (...) e ainda mais segundo “os povos primitivos” (Lowie, 1936, 81). Em Costumes e sexualidade na Oceania, Mead mostra como as atitudes parentais, mais ou menos liberais, na distribuição dos alimentos para as crianças, participam da construção do que Linton chamará, mais tarde, de “personalidade de base” (Mead, 1928). Mead é sem dúvida aAantropóloga queemais trabalhou questão das práticas alimentares. partir de 1942 durante váriossobre anos, aela foi secretária-geral
do Comitê sobre os hábitos alimentares da Academia das Ciências dos Estadoss CInidos,5 Estado CInidos,56 cheg ch egan ando do até a té a deixar deixar proviso provisoriamente riamente seu carg c argoo no National Natio nal Muséum para se instal instalar ar em Washington, W ashington, nesta função. fun ção. O “Comitê “Com itê sobre os hábitos alimentares” alimentare s” nasceu nas ceu em dezem d ezembro bro de 194057e se inscreve numa política de preparação para a guerra. Trata-se de conhecer melhor os hábitos alimentares para otimizar os esforços que o país deverá adotar se a “liberdade e o modo de vida democrático tiverem que ser preservados", precisa Wilson, o responsável pela WarFoodAdministration, no prefácio da primeira publicação do Comitê. Mead publicará, em colaboração com Guthe, um Manual de pesquisa alimentar. A definição dos hábitos alimentares (food habits), proposta por essa obra, dá conta da concepção culturalista: estas são “as maneiras segundo as quais os indivíduos ou os grupos de indivíduos, em resposta às pressões sociais e culturais, escolhem, consomem e disponibilizam certas porções dos produtos alimentares existentes” (Guthe e Mead, 1945,13). É pois a cultura, ou o sistema cultural, que determina a originalidade das práticas alimentares. Esta perspectiva será desenvolvida pela escola neofreudiana “Cultura e personalidade" sob a direção de Kardiner e Linton (1945) e de Benedict (1946), que se esforçaram para mostrar a importância do domínio alimentar na construção da “personalidade” e do que de Garine propõe chamar de “estilo étnico” alimentar (de Garine, 1996, 25). Trabalhando sobre um material etnológico, no qual o alimentar tem um lugar preponderante, Marshall Sahlins desenvolve a tese segundo a qual as culturas humanas não são “elaboradas a partir de atividades práticas”, como as técnicas de produção, por exemplo, e não dependem de “preocupações utilitárias”, mas de lógicas que se enraizam nas “ordens 56
Commi ttee on food habits of N ational R esearch C oncil, National Academy of Sciences.
57 Sobre a hist histór ória ia do CHA, CH A, ver Guthe, Guth e, 1943, e Mead, 1964, 1964, e a rreediçã eedição o do M an u al o f foo f ood d hab habii ts sob o título Écrits sur r alimen alimentat tation ion por Hubert e Poulain (2002).
CA Pr Pr W LO LO 6 - À S GR j WDES CORRENTES SOaOAN TKOPOLÒGlCAS E O SEU ENCONTRO COM O “FAT FA TO AUM ENTA R.'
161
simbólicas" (Sahlins, 1976, 7). O interesse destas perspectivas perspe ctivas deve-se ao apontamento da influência do cultural e de sua arbitrariedade, mas seu ponto fraco permanece o de não dar conta verdadeiramente das interações entre pressões biológicas e culturais. Na Europa, Moulin irá irá desenvolver esta abor a bordag dagem em (Moulin, (Moulin, 1967 1967,, 1974,1975). Observando os problemas problemas da construção construç ão do esp espaço aço europeu, ele capta as diferenças dos modos alimentares e dos gostos para tentar compreender ao mesmo compreender me smo tem po o problema da construção con strução das identida identidades des e de sua transformação. Dotado de uma grande cultura gastronômica,
ele irá privilegiar uma abordagem sociolingüística. “Não comemos com nossos dentes e não digerimos com nosso estômago; comemos com nosso espírito, degustamos segundo as normas culturais ligadas ao sistema de trocas recíprocas que está na base de toda vida social. E por isso que cada povo se define por suas práticas alimentares e suas maneiras à mesa tão claramente, tão certamente, quanto por sua língua, suas crenças ou suas práticas sexuais (Moulin, 1975).
6.4 6.4 Aperspe perspecti ctiva vaestruturalista ralista O estruturalismo, rapidamente, encontra nesta temática um espaço de pesquisa fecundo. Tem-se às vezes a tendência de considerar que o interesse pelo alimentar em Lévi-Strauss é inaugurado com o famoso artigo arti go “O triângulo culinário” culinário”,, publicad pu blicado o na revista revista HArc, em 1965. Na realidade, desde 1947, no seio da obra que vai lhe conferir sua maior legitimidade científica, As estru estruturas turas elem element entares ares do parente par entesco sco,, ela já está fortemente presente. Richards é aliás várias vezes citada. Nos capítulos intitulad inti tulados os “O universo das regras” e “O “ O princípio da reciprocidade recipr ocidade”” , que estabelecem os princípios das lógicas da doação e retribuição e de suas transgressões, no curso de uma digressão da qual ele tem o segredo, Lévi-Strauss decodifica os ritos de trocas e de polidez que acompanham as refeições cotidianas nos restaurantes operários do sul da França. “Nestes estabelecimentos em que o vinho está incluído no preço das refeições, cada conviva conviva encontra diante diante de seu prato uma m odesta garrafa garrafa com um líquido na maioria das vezes ruim. Esta garrafa é parecida com a do vizinho, como o são as porções de carne e de legumes que uma criada distribui à volta, e, entretanto, uma singular diferença de atitude se manifesta logo em relação ao alimento líquido e ao alimento sólido. Este
16 162 2
Sod O LO ClA S DA AUM EN TAÇA O
representa as submissões do corpo e aquele, seu luxo. (Jm serve em primeiro lugar para alimentar, o outro para celebrar (...). É que, com efeito, diferentemente dos pratos do dia, bastante pessoais, o vinho é bastante social. A pequena garrafa pode conter exatamente um copo, o conteúdo será vertido não no copo daquele que o possui, mas no copo do vizinho, e este efetuará logo um gesto correspondente de reciprocidade. O que se passou? As duas garrafas são idênticas em volume, seu conteúdo semelhante qualidade. Cada dos nada participantes reveladora, noemfinal das contas, não um recebeu a mais dodesta que secena ele
tivesse consumido sua parte pessoal. De um ponto de vista econômico, ninguém ganhou e ninguém perdeu. Mas acontece que existe muito mais na troca do que as coisas trocadas” (Lévi-Strauss, 1981 (1947], 68 e 69). Com este exemplo, Lévi-Strauss mostra a diferença entre a economia, que se interessa pelas trocas de valores, e a sociologia, que leva em conta as formas de troca que escapam à ordem da valorização econômica, participando igualmente da construção dos vínculos sociais. Ao considerar que as regras do parentesco servem para assegurar a comunicação das mulheres numa sociedade, Lévi-Strauss começa uma verdadeira "revolução copernicana”, emunicação interpretar sociedade em seu conjunto, em funçã função o de uma um aque teori teoconsiste riaa da com (Haudr (Haaudric icour ourtt e Granai, 1955). Desde então, para os estruturalistas, a lingüística coloca-se como ciência-modelo para a análise dos fatos sociais no conjunto das ciências humanas. “O sociólogo se vê numa situação formalmente parecida com a do lingüista fonólogo: como os fonemas, os termos do parentesco são elementos de significação; como eles, eles adquirem esta significação apenas na condição de se integrarem em sistemas” (Lévi-Strauss, 1958, 40 e 41).5 41 ).50 Se Sem m reduzi reduzirr a socied soc iedad adee ou a cultura à língua, “a part partir ir de agora ag ora esta tentativa é possível em três níveis: pois as regras do parentesco e do casamento servem para assegurar a comunicação das mulheres entre grupos, com o as regr regras as econômicas econôm icas servem servem para assegura assegurarr a comunicaç com unicação ão dos bens e dos serviços e as regras linguísticas, a comunicação das mensagens” (id., 95). 95). Para Para exemplificar exemplificar esta idéia geral, Lévi-Strauss propõe, ecoando o conceito de “fonema” e de “mitema”, o de “gustema”, e tenta um primeiro emprego da análise estrutural sobre o fato alimentar para comparar as cozinhas de tradição francesa e inglesa.58 59 “Como “Com o a língua, língua, 58 Capítulo publicado pe pela la pri prim meir eira a ve vez z sob a form forma a de um artig artigo o em 1945. 59 Este te texto xto edita editado do em 1958 data de 1956.
C a p í t u l o 6 - As c r a n d es e s c o r r e n t es s o c ío a n t r o po l ô g ic a s e o s eu en c o n t r o c o m o “t a t o a u m en en t a r ’'
163
parece-me que a cozinha de uma sociedade é analisável em elementos constitutivos, que poderiamos chamar neste caso de ‘gustemas’, os quais são organizados segundo certas estruturas de oposição e de correlação.” Poderiamos então distinguir a cozinha francesa da cozinha inglesa por meio de três oposições: endógena/exógena (ou seja, matérias-primas nacionais ou exóticas); central/periférica (base da refeição e acompanhamentos); marcada/não marcada (ou seja, saborosa ou insípida). Atribuindo-se como objetivo interpretar a sociedade, em seu conjunto, em função de uma teoria da comunicação, Lévi-Strauss aplica-se à decodificação das estruturas
inconscientes do culinário, como ele tinha feito, alguns anos mais cedo, para as estrutur estruturas as do parentesco parente sco (1964, 1966, 1968). 1968). O hom ho m em aparece ap arece como um "animal cozinheiro”, e a cultura encontra sua origem no uso do fogo para cozinhar... “A cozinha, da qual não sublinhamos o bastante que, com o linguagem, linguagem , constitui constitui uma forma form a de ativid atividade ade human hu mana a verdade verdadeira iramente mente universal: assim como não existe sociedade humana sem linguagem, não existe nenhuma que, de uma maneira ou de outra, deixa de cozinhar alguns de seus alimentos...” (Lévi-Strauss, 1965, 22). Ou ainda, “a cozinha de uma sociedade é uma linguagem linguagem na qual ela traduz traduz inconscientemente sua estrutura, a não ser que, sem que o saiba, ela não descubra aí suas contradições” (Lévi-Strauss, 1968, 411). Pouco a pouco, o alimentar, o alimento e, principalmente, a cozinha tornam-se, na perspectiva de Lévi-Strauss, um elemento tão fundamental quanto a análise das instituições que cercam e estruturam a sexualidade: incesto, casam casam ento, p aren tesco.. tesco .... O alimentar alimentar consolida seu “estatut “estatuto o sociológico” ou, antes, antropológico, pois o material sobre o qual irá trabalhar esse autor permanece essencialmente exótico, mesmo que ele queira fazer obra de erudição gastronômica ao indicar os pontos de entrada possíveis de seu modelo no universo gastronômico francês, mas sem jamais se confrontar com a tarefa. Entretanto, não nos enganemos, o que interessa a Lévi-Strauss, para além culinárias das maneiras à mesa, é a combinação lógicadas daspráticas estruturas e, por ou detrás delas, as invari invariant antes es “deste hóspede hósp ede presente sem se m ter sido sido convidado para nossos debates: o espírito humano" (Lévi-Strauss, 1958,95). Como Goody observa, a análise de Lévi-Strauss L évi-Strauss tem um “objetivo muito diferent diferente e daquele que se propunha Richards quando ela fez uma descrição completa (ou ‘estrita’) dos Bembas. Ele não procura alcançar um conhecimento total das sociedades, mas somente extrair, de uma riqueza e de uma diversidade empíricas que ultrapassarão sempre nossos esforços de observação e de
164
So a O L OCIA S DA A UMENTA ÇAO
descrição, constantes que são recorrentes em outros lugares e em outras épocas” (Goody, 1982, 46). Os debates que suscitaram o estruturalismo lévi-straussiano se concentram em tomo de dois temas: a teoria das invariantes, com pano de fundo a universalidade do modelo do triângulo culinário, e a relação entre a superfície e a profundeza dos fatos sociais. Quanto ao primeiro ponto, a sustentação do triângulo culinário sobre o triângulo das vogais e das consoantes da fonologia estr estrut utur ural al da escola de Fraga, que estabelece uma homologia entre as modalidades de vocalização que sustentam a função
de diferenciação da língua, cai por terra a partir dos primeiros desenvolvimentos do próprio Lévi-Strauss. Confrontado com fatos “aberrantes”, ele é rapidamente conduzido a encarar a transformação de seu modelo e a substituir o triângulo por um tetraedro. Nós mostramos como, sob reserva de complexificação e de historicização, o modelo lévistraussiano podia explicar o sistema de cozimentos da gastronomia francesa, m as perdendo seu caráter universal, universal, nesta operaçã ope ração o (Poulain, (Poulain, 1985-1). 1985-1). Quanto ao segundo ponto, Heusch volta sua atenção para a diferença de concepção da estrutura nas perspectivas funcionalista e estruturalista, indicando que se trata aqui de nível do fato social e que convém não negligenciar a “superfície” em benefício das “profundezas" (Heusch, 1971, 14). Menos sensível aos problemas filosóficos e da epistemologia geral, Mary Douglas persegue a análise estrutural da alimentação, considerando que o abandono da perspectiva das invariantes - que é o coração do que se cham ou de querela querela dos estr estrutu utural ralis ismos mos não coloca de modo algum em causa sua pertinência e sua dimensão heurísti heurís tica. ca. “Cada “Cad a refeição é um aconte a contecim cimen ento to social estrut estruturado urado que estrutura estr utura os outros outros à sua própria própria im a g e m ...", afirma el ela. a. Prolongan P rolongando do a perspectiva lévi-straussiana, ela postula que a significação da estrutura da refeição deve ser buscada numa rede de analogias recorrentes e “que existe correspondência entre uma estrutura social 1971, dada e61 a estrutura símbolos pelos quais ela se manifesta” (Douglas, e 1979). dos
6. 6.5 5 Aalim alimentaçãonosterritórios territóriossociol sociológi ógicos cos Em quase todos os campos da sociologia, é possível encontrar dimensões do ato alimentar: a sociologia rural, a sociologia do desenvolvimento, a sociologia do trabalho, a sociologia das mobilidades,
CAPITULO
6 ~As GRAN DES CORREN TESSOOOAN TROPOLOGICA SE O SE SEU U ENCON TRO COM O
“FAT FATO O AUMEN TAR"
165
a sociologia urbana, a sociologia das religiões, a sociologia do cotidiano, a sociologia dos gêneros, a sociologia da saúde... a lista sai do catálogo. Mas a alimentação não é aqui um elemento de indexação de fenômenos soc iais, de problem áticas áticas m ai aiss gera is, com o a identidade identidade , o desenvolvimento, a divisão sexual dos papéis sociais... e não podemos na verdade falar falar de so ciolog ia da alim en taç ão . O inventário nventário dos dos conhecimentos adquiridos pelos diferentes campos da sociologia poderia tomar dezenas de páginas e, ainda que deixe de ter interesse, ele suscitaria rapidamente um sentimento de não fracionamento e de atomização.
Sem nenhuma preocupação de exaustividade, indicamos alguns trabalhos significativos. O alimentar constitui pano de fundo de um grande número de trabalhos da sociologia rural e da sociologia do desenvolvimento. Klatzmann se interessa pelos consumos alimentares e por suas transformações para buscar a adequação entre a evolução das necessidades das populações e os modos de produção alimentar (1978, 1991) 199 1).. “Alimentar a hum anidade anid ade”, ”, “Alimentar Alimen tar os hom h om ens” en s”,, eis o desafio do mundo agrícola. Mas os contextos tecnológicos, demográficos, culturais, transformam-se aos caprichos das descobertas científicas e das crises históricas e políticas. Agrônomos, economistas e sociólogos são convocados para estudar os problemas que o desenvolvimento apresenta (Malassis e Padilha, 1987; Malassis, 1994; Olivier de Sardan, 1995). No setor da sociologia do trabalho, os trabalhos são pouco numerosos, mas de grande qualidade. Retel, especialista da vida operária, se emprega em um restaurante de temporada, num palácio de Biarritz, e irá assim participar da vida das brigadas de cozinha e do serviço de restaurante. Por detrás das relações profissionais, é todo o pano de fundo do sistema de valor da gastronomia francesa que aparece. Les gens de de ihôtelleríe permanece ainda hoje, neste domínio, um trabalho de referência (Retel, 1965). Numa perspectiva inicial bastante próxima, convém assinalar, por sua vontade de sair do quadro estrito definido pelos recortes tradicionais da sociologia do trabalho, a tese de Vanhoutte (1984). Para compreender as mutações dos conteúdos profissionais dos serviços de cozinheiro e servente, ele estuda as transformações da cadeia agroalimentar e suas repercussões sobre a organização do setor de restaurantes. Ao fazer isso, ele levanta um quadro muito sugestivo da influência dos sistemas de produção sobre as práticas práticas alimentares. alimentares. Na m esm a direção, direçã o, Terence ((19 1996 96)) interessar-se-á pelo mundo da grande cozinha, o dos restaurantes gastronômicos estrelados pelo guia Michelin, e Mériot (2000) pelo setor de
166
SOCIOLOC/ASDA SOCIOL OC/ASDA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
alimentação coletiva. coletiva. O s restaurante restaurantess e cafés constit con stituem uem elementos elem entos cruciais cruciais da organização da cidade. A sociologia urbana interessar-se-á pois por
sua distribuição na cidade, pelas formas de sociabilidade que eles geram e pelos imaginário imaginárioss que eles mobil m obilizam izam (Membrado, 19 1989; 89; Clément Cléme nt e Megdich, Me gdich, 1987; Vanhoutte, 1989; Sansot, 1990). Os homens mudam-se de um lugar para outro no interior das sociedades e entre os países do mundo levando consigo suas práticas alimentares e suas maneiras à mesa. A sociologia dos deslocamentos depara-se com a alimentação como um elemento central da construção das identidades e constata que os particularismos alimentares estão entre os últimos últimos traços diacríticos diacríticos a desaparecer (Calvo, 1982; 1982; Hassoun Hass oun,, 1997). 1997). A sociologia do cotidiano, ao acentuar as práticas simples que dizem respeito à vida de todos os dias na sua forma mais concreta, descobre a alimentação com o um lugar de lei leitur tura a das diferenças sociais e das formas de sociabilidade (Strourdze-Plessis e Stõhl, 1979; Maffesoli, 1979, 1985; de Certeau e col., 1980). Ela se interessa hoje pelas utilizações sociais dos objetos domésticos e por suas conseqüências na vida dos casais ou da família, como, por exemplo, o estudo de Zelem (1999) sobre os usos dos refrigeradores, que se inscreve no prolongamento dos trabalhos de Kaufmann (1992) e de Singly (1996,2000). Os conhecimentos adquiridos pela sociologia sobre a alimentação, nos meandros de um outro objeto sociológico, são numerosos e abundantes, mas, entretanto, não é possível articulá-los para fazer deles uma sociologia da alimentação.
C apítulo 7
Os OBSTÁCULOS EPISTEMOLÔGICOS
7.1 A“comida”60esuaap apare arente ntefutilidad futilidadee Há assuntos que o pensamento erudito considera como menores. A alimentação e a cozinha estão entre eles. “Ainda que no Ocidente, e particularmente na França, escreve Revel, não seja malvisto para um autor literário mostrar que ele se interessa pela gastronomia, não seria contudo considerado como sério de sua parte escrever tratados de cozinha da cozinha, de ditos. O Grande Alexandre Dumas, épropriamente uma exceção, mas Dumasdicionário não é precisamente considerado como pertencendo perten cendo à litera literatura tura no que ela tem de m ais puro” pu ro” (Revel, 1979, 1979, 143) 143).. O culinário não é um tema sério, e não apenas os tratados de cozinha. O próprio Revel, jornalista e filósofo “sério”, não escapa ao problema que ele levanta. “Apresso-me a acrescentar, anuncia ele na primeira página do prólogo de Un festin en parole, que escrever este livro foi para mim um divertimento” (1979).
Vigário, erudito e bibliófilo do século XIX, na advertência de sua notável Bibl Bibliogra iografia fia gastronômica, gastronôm ica, publicada em 1890, recusa-se quase a abordar “um tal assunto”. E ele se sente até obrigado, para valorizar seu empreendimento, a apelar para àosprimeira temas legítimos. de livros de receitas pode parecer vista um“Cima tantobibliografia fútil, e, no entanto, a ‘ciência da gula’, esta ciência tão cara a Montaigne e Rabelais, 60 Trad Traduzim uzimos os por por comida a palavra palavra bouffe, termo popular utilizado para designar a alimentação simples e comum. (Mota de tradução)
168
SOCIOLOGI SOCI OLOGI A S DA A LIMEN TAÇÃ O
não teve, desde que o mundo é mundo, um lugar considerável na vida das pessoas?” (1890, VII). Que a cultura erudita, a cultura literária, seja prisioneira de um certo número de categorias como as distinções corpoespírito, pensamento-ação... e de hierarquizações decorrentes delas, tudo bem.. É mais surpreendente bem surpreendente qu quee a sociologia so ciologia tenha ficado ficad o prisi prisione oneir iraa destas pré-noções sem fazer o esforço de questionar estas evidências. E, no entanto, todos os sociólogos e antropólogos que trabalham ou trabalharam sobre alimentação objeto. Temática crucial para aaarticulação doassinalam biológico oe paradoxo do social, deste do natural e do cultural... mas
também objeto fútil, secundário... A partir de 1910, na introdução a um artigo dedicado às dimensões sociais da alimentação, Simmel (1910) escreve: “Não é preciso deixar-se enganar pela... banalidade do domínio do qual trata estas linhas (...) Q u e devemos comer é uma realidade tão trivial, tão primitiva para o desenvolvimento de nossos valores vitais, que ela é sem dúvida alguma comum a todos os indivíduos. E isso mesmo que torna possível a reunião da refeição comum, e esta socialização mediadora permite assim que se efetue a superação do simples naturalismo da alimentação". "Para o pesquisador, a alimentação é um tema futilizadodaoudificuldade culpabilizado”, constata Barthes (1961), dando-se conta, ele também, de examinar intelectualmente o alimentar. Grignon constata num artigo recente que as coisas quase não melhoraram. "... o projeto de fazer sociologia séria a propósito da alimentação é duplamente contrariado. Em primeiro lugar, pelo pitoresco do assunto, do qual testemunha o favor constante de que ele se beneficia junto à mídia... Parece que a alimentação enquanto ‘fato da sociedade’, está sempre ameaçado de cair na “pequena sociologia” (Grignon, 1995, 63). Ser apenas uma sociologia mal-acabada, uma sociologia sociologia de segunda ordem, uma sociologia de fazer valer as ciências duras que se interessam pelo alimento ou pela alimentação alimentaçã o (as então ciênciaso dos seres vivo vida vosssociologia ou as ciências ciên cias da nutrição humana), este seria destino da alimentação. As recentes crises alimentares e a forte demanda social que as acompanham não parecem ter mudado grande coisa. Mesmo se o sociólogo da alimentação dispõe de meios e é muito solicitado pela mídia, porque porq ue convergem sobre seu objeto de estudo interesses interesses sociais, econ ec onôm ômicos icos e políticos que não deixam de aumentar, haja vista os problemas alimentares contemporâneos (vaca louca, dioxina, OGM, listeriose...), ele é reduzido, aos olhos de seus colegas “legítimos”, a um papel de avaliador.
C apítulo a pítulo 7 -O s obstáculos epi pist st emol ôg icos
16 169 9
“Além do mais, ma is, tudo o que di dizz respeito respeito à evoluçã e volução o presente e ao a o futuro futuro do consumo alimentar é uma questão econômica e política considerável. Deste ponto de vista, a situação do sociólogo é (...) pretexto por excelência para comissões e para comitês onde se encontram praticantes e pesquisadores, cozi cozinheiro nheiross e so sociólo ciólogo gos, s, merceeiros me rceeiros e econom istas etc. etc . O assunto requer uma sociologia de serviço, limitada nas suas exigências e suas ambições, levada a tomar noções triviais por conceitos, submetidos à concorrência ou, pior, à atração do pouco capaz de tomar distância em relação às problemáticas marketing, e às teorias naturais dos meios que
se presume que ela estuda” (Grignon (Gr ignon,, 1995, 63 e 64). Evitar deixar-se encerrar no papel de “sociólogo de serviço”, convidado a “falar mais ou menos cientificamente” em torno de idéias provindas do mundo do agroalimentar, do meio médico ou da gastronomia (as teorias naturais), eis segundo Grignon o escolho que o sociólogo da alimentação deve evitar. Mas este risco não é permanente para todo sociólogo? Os sociólogos da família, da organização ou da educação não são eles confrontados com as mesmas demandas e, portanto, com os mesmos perigos? Nestes diferentes campos da sociologia, esta questão é há muito tempo claramente colocada e não gera mais problema. O meio social que eles estudam formula questões que os sociólogos traduzem sob a forma de problemáticas problemáticas suscetíveis suscetíveis de dar lugar lugar a ações açõ es de pesquisa. Os resultados destas são em seguida objeto de uma segunda tradução em termos admissíveis por “seus meios”. Assim eles participam da reorganização das representações dos diferentes atores do território social do qual eles são os especialistas. Não, quanto à alimentação o que gera problema está em outro lu lugar gar.. O que incomoda incomo da aqui é que a própri própria a “com ida" não é um assunto sério, não é um assunto nobre. Além disso, todo mundo come e tem sobre esta questão convicções íntimas muito fortes, que resultam de suas experiências pessoais e que lhe dão o sentimento de um verdadeiro entendido sobre a questão (Lahlou, 1996). Por detrás desta desvalorização do alimentar, aparecem as velhas hierarquias do “corpo” e do “espírito”, do “aplicado” e do “teórico”. A expressão “pesquisa alimentar” (tão frequentemente utilizada nos meios da pesquisa científica) dá conta de trabalhos motivados não pelas descobertas prometidas pelo assunto estudado, mas pelos meios que lhe são concedidos e que poderão, nos melhores casos, ser utilizados, desviados para outros fins: os da pesquisa nobre, desta vez: a pesquisa
170
ÇÁ O Soaoi Soa oi OCIAS DA AUMENTA ÇÁ
“fundamental". Como e por que a sociologia científica permaneceu, sobre este ponto, tão amplamente prisioneira do senso comum? Para compreender este paradoxo, precisamos ao mesmo tempo voltar às condições do nascimento da sociologia e da antropologia e procurar compreender o lugar da alimentação na cultura francesa.
7.2 0 impensado do fato social social e a dupla dupla tradição tradição durkheim durkheimiana e maussiana
Quando, no primeiro capítulo de As regras regras do métod m étodo o soci so ciol ológ ógico ico,, Durkheim empenha-se na definição do “fato social”, ele constata em primeiro lugar a freqüente utilização do qualificativo social. “Ele é empregado correntemente para designar mais ou menos todos os fenômenos que se passam no interior de uma sociedade... Mas, neste caso, não há, por assim dizer, acontecimentos humanos que não possam ser chamados de sociais." Ele tenta então compreender os fatos sociais de maneira negativa, ou seja, designando o que não pode ser um fato social e não depende então desta categoria. Entre outros exemplos, saltalh lhe e aos olhos a alimentação; alimentação; o beber e o comer que, segundo seg undo ele, dependem do biológico. "(...) todo indivíduo bebe, dorme, come, raciocina, e a sociedade tem todo interesse de que estas funções se exerçam regularmente. Se, portanto, estes fatos fossem sociais, a sociologia não teria objeto que lhe fosse próprio e seu domínio se confundiría com o da biologia e o da psicologia" (Durkheim, 1894,95). A argumentação repousa na definição do próprio objeto da sociologia. Objeto para ser dominado por diferenciação com as outras ciências epistemologicamente mais avançadas e cuja institucionalização já está realizada ou em curso de realização. Em último plano, lêem-se as tensões que sustentam não somente a conquista de um disciplinarde distinto do biológico e do psicológico, mas ainda a espaço imperatividade afirmar a autonomia epistemológica do social. Duas páginas mais adiante, abandonando a perspectiva dos territórios disciplinares e procurando desta vez definir de maneira positi positiva va os fatos sociais soc iais por aquilo que os distingue, os caracteriza, ele indica que “eles consistem em maneiras de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo e que são dotados de um poder de coerção em virtud vir tude e do qual se impõe imp õe a este e ste (íd., (íd ., 97). Deste Des te estrit estrito o ponto de vista, como observa Paul-Lévy (1997), algumas dimensões do alimentar
C a p í t u l o 7 - O s o b s t á c u l o s e p l s t e m o l ó c l c o s
171
resultam bastante claramente dos fatos sociais, “as maneiras à mesa, as proibições e as obrigações alimentares, as instituições culinárias, por exemplo, podem depender sem dificuldade da sociologia e de sua definição durkheimiana." A ambiguidade da posição de Durkheim aparece algumas páginas mais adiante quando, num processo inverso à sua tentativa inicial de definição por exclusão, procurando dar exemplos, vemos reaparecer o comer e o beber, desta vez na categoria de fatos sociais. “Pode-se, aliás, diz ele, confirmar esta definição do fato social através de uma experiência
característica, basta observar a maneira como as crianças são criadas. (...) salta aos olhos que toda educação consiste num esforço contínuo para impor à criança maneiras de ver, de sentir e de agir às quais ela não saberia chegar espontaneamente. Desde os primeiros momentos de sua vida nós a obrigamos a comer, a beber... em horas regulares, nós a obrigamos ao asseio, à calma, à obediência; mais tarde, nós a obrigamos para que ela aprenda a levar em conta os outros, a respeitar os costumes, as conveniências...” (Paul-Lévy, 1997,99 e 100). Ora excluído porque muito próximo próxi mo do biológico, b iológico, ora incluído incluído porque p orque imposto im posto ao indivídu indivíduoo do exteri exterior or pela sociedade, sociedad e, o fato aliment alimentar ar é, desde a aurora da sociologia, um objeto paradoxal. Duas séries de questões tornam-se incontornáveis. A primeira é relativa às conseqüências destas ambigüidades teóricas sobre o estatuto do alimentar na sociologia. É em primeiro lugar o problema dos limites, das fronteiras entre o social e o biológico, por um lado, e entre o social e o psicológico, por outro lado. Qual é então a parte do beber e do comer que tem direito a entrar no campo da sociologia e qual é a que é excluída dele? Que distribuição de papéis ela pressupõe, no interior das ciências sociais, entre a economia, a geografia humana, a etnologia e a sociologia? Que divisão de papéis igualmente entre a fisiologia, a psicologia e a sociologia, no que conviría chamar as alimentação ou da nutrição? Coloca-se enfim o problema da ciências interaçãoda e da interdependência entre biológico, social e psicológico. A segunda série de questões remete para a infra-estrutura do pensamento durkheimiano, a seus contextos e a seu inconsciente, que não poderia se reduzir às estritas preocupações de territorialização da sociologia nascente. Sobre que pressupostos eles se articulam? Que pontos cegos eles determinam? Finalmente, talvez mais fundamentalmente ainda, sobre que paradigmas paradigm as não explícitos explícitos se artic articula ula a ciência sociológica no momento de sua fundação?
172
Soa O LO ClA S DA AUMEN A UMEN TAÇÁ O
Da ambiguidade da definição do fato social que aparece de maneira quase caricatural neste movimento contraditório de inclusão-exclusão, irá nascer nas ciências sociais francesas uma dupla tradição. Como observa Paul-Lévy, o comer e o beber permitem “estabelecer um dos pontos de desacordo empírico e teórico entre Durkheim e Mauss, entre o tio e o sobrinho” sobrinh o” (1997, 189). 189). A primeira tradição trad ição se inscreve na lógica da da exclusão e concentra seu interesse sobre o que aparece como o menos corporal, o menos biológico menos psicológico dasociedade, alimentação. Em outros termos, sobre o que é eo omais determinado pela o mais
imposto do exterior ao comedor, o mais facilmente “sociologizável". Exclui então toda reflexão sobre o gosto, embora largamente formado pelo cultural, cult ural, que será considerado muit m uito o psicofisiológico. Exclui Exclui igualmente o culinário e sua profusão de técnicas; muito próximo do alimento biológico, ele será visto apenas como processo de transformação físico-química, e sua dimensão social, embora ela também imposta do exterior e não se reduzindo ao tecnológico, será totalmente ocultada. Será preciso esperar muito tempo para que a tecnologia possa ser considerada como dependente das ciências humanas. As dificuldades de Haudricourt para editar seus trabalhos sobre esta questão testemunham a força deste reducionismo reducionism o so socioló ciológico gico no pensam pen sam ento francês6 francê s61 (Haudricourt, 198 1987). 7). Excluídos sempre da perspectiva estritamente sociológica, os processos de incorporação e as formações dos corpos pelo social, que bem mais tarde a sociolog soc iologia ia do corpo tentará analisar (Berthelot, 1983; 1983; Drulhe, 1996; 1996; Le Breton, B reton, 1990 1990). ). Excluída enfim a participação do alimentar alimentar da construção construçã o das identidades sociais, üma sociologia sem corpo, sem técnica; a “pureza” do fato social na sua autonomia. Somente os vínculos sociais que tecem o comer, os aparelhos normativos que o controlam e a interiorização das regras que acompanham e organizam as tomadas alimentares resistem à exclusão. As refeições e suas modalidades são colocadas como uma instituição da qual convém compreender suas funções sociais. E a compreendemos melhor porque é pela sociologia do consumo (nascida com Halbwachs, mas também quase desaparecida com ele) que a 61 Haud Haudricour ricourtt conta conta,, numa nota in intro trodu dutó tória ria a La technologie Science humaine, a seguinte anedota: “Qeorges Friedmann me pediu um volume sobre o H omm e e ett le less techniques, para uma coleção que ele dirigia na Gallimard. (...) este foi recusado por Edgar Morin, que tinha sucedido Friedmann como diretor da coleção por causa da insuficiência sociológica”. O texto encontrará consequentemente seu lugar no Ethnologg ie g énérale énérale,, editado por Jean Poirier, sob o título La primeiro volume de Ethnolo technologie, na coleção “La Pléiade”, pelo mesmo editor (1968).
C m í t u l o 7 - O s o b s t á c u l o s ep isis t e m mo ol óg lco s
173
alimentação encontrará um pequeno lugar no pensamento sociológico. O olhar se concentra sobre os determinismos sociais que pesam sobre os consumos alimentares. Ma sociologia clássica, as práticas alimentares podem, no máximo, esperar chegar ao estatuto de “lugar de leitura" da organização social. A segunda perspectiva, a da inclusão da alimentação no objeto das ciências sociais, interessa-se pela formação dos corpos pelo social. Ela se faz mais poderosa na tradição etnológica. Mós a encontramos na obra
do próprio Durkheim (1894), na reflexão sobre a incorporação mágica e as relações entre a alimentação e a construção das identidades sociais. Entretanto, a análise permanece restrita ao religioso (cristandade colocada à parte) e é relativa apenas aos “selvagens” ou aos “primitivos", como se, na alimentação das sociedades modernas desenvolvidas, o “pensamento mágico” não estivesse ativo. É em seguida com Mauss e Les techniques du corps que encontramos a alimentação e as bebidas na articulação do biológico, do social e do psicológico. "O nos que encontramos ressalta mais em claramente destas (das técnicas do corpo) que nós toda parte na presença de uma reuniãoé fisiopsicossociológica fisi opsicossociológica de uma um a série série de atos. ato s. Estes atos são sã o mais m ais ou ou menos habituais e mais ou menos antigos na vida do indivíduo e na história da sociedade. Vamos mais longe: uma das razões pelas quais estas séries podem ser montadas no indivíduo é precisamente porque elas são montadas para e pela autoridade social” (Mauss, 1966 (1925], 384). Afastando-se nitidamente de Durkheim sobre este ponto, Mauss considera que os progressos da ciência passam pela conquista de espaços onde se produz a articulação das perspectivas disciplinares. “Quando uma ciência natural progride, ela não o faz jamais no sentido do concreto, e sempre no sentido do desconhecido. Ora, o desconhecido nas fronteiras das ciências, lá onde os professores ‘se comemencontra-se entre eles’, como diz Qoethe (eu digo comem, mas Goethe não é tão polido). geralmente nestes domínios mal divididos que residem os problemas urgentes” (Mauss, 1966 [1925], 364). Ele se posiciona claramente sobre os papéis papéis das diferen diferentes tes dimen dimensões sões biológicas, b iológicas, psicológicas psicológ icas e sociológicas. so ciológicas. Opondo-se ao mesmo tempo à tradição comtiana e à autonomia do social durkheimiana, estas dimensões são para ele claramente articuladas. O psicológico desempenha o papel de engrenagem estabelecendo a conexão
174
SOC IO LOO A S DA A AUMEN UMEN TAÇÁ O
entre o social e o biológico. entre biológico . eu vejo vejo aqui os fatos psicológicos psicológico s com o engrenagem e (...) eu não os vejo como causas, salvo nos momentos de criação ou de reforma” (Mauss, 1966, 385). Esta contradição original marcou profundamente o estatuto do alimentar ali mentar na sociologia francesa, fran cesa, üm a primei primeira ra família família de trabalhos trabalhos se
organiza em torno da alimentação colocada como lugar de leitura do social e de suas mutações nas sociedades desenvolvidas. Aqui o fato alimentar não é um objeto sociológico em si, mas encontra-se submetido a outros objetos sociológicos mais amplos, do qual ele é, no máximo, um lugar de indexação. A partir disso, a objetivação, a positivação das dimensões sociais do fato alimentar, será apenas parcial e reduzida às perspectivas da problemática de partida. Esta falta de positivação pesa ainda muito em nossos dias sobre os conhecimentos. A segunda categoria de trabalhos se desdobra seja na etnologia e na antropologia, seja nestas disciplinares situadas às margens da sociologia, da história, no marís Land disciplinares da paleontologia paleontologia e das ciências m éd icas... ica s... que, um a vez passada a moda mod a da interdisciplinaridade, permanecem territórios desenquadrados e cientificamente mal organizados. E a Paul-Lévy (1986) que cabe o mérito de ter apontado a importância do que ela chama de “ideologia primitivista”, na divisão dos papéis entre sociologia e etnologia no momento da constituição e da institucionalização da sociologia. Ela mostra o peso da infra-estrutura paradigmática articulada sobre as oposições: o primitivo/o moderno, o corpo/o espírito, a natureza/a cultura. “E o que eu chamei, escreve ela (...) ‘a ideologia primitivista', procurando mostrar seu vínculo com o paradigma evolucionista e seu papel de fundação tanto para a sociologia quanto para a etnologia, seu papel também nas divisões disciplinares: para a etnologia tudo o que é ‘antes’, os primitivos e seus homólogos, os camponeses, as tradições etc., para a sociologia tudo o que é ‘depois’, as sociedades modernas e seus homólogos, a cidade, as inovações etc.” (Paul-Lévy, 1997, 171). Neste contexto, a alimentação é rejeitada no universo da corporalidade, da primitividade.
C apítulo 8 DO
INTERESSE SOCIOLÓGICO PELA ALIMENTAÇÃO ÀS SOCIOLOGIAS DA ALIMENTAÇÃO
8.1 8.1
A sociologia dos consum consumos os ali alimentar mentares es
O interesse pelo consumo doméstico tem sua origem no final do século XVIII nos trabalhos de um pastor inglês, David Davies. Seu objetivo é compreender com o vivem vivem os necessitados, nece ssitados, identi identifi ficar car o que eles com em, em , para poder melhor ajudá-los, assim ele estuda os orçamentos de mais de uma centena de famílias pobres. Na mesma lógica, Eden publica uma Histoire de la pauure pauureté té et les lois sur les le s pauures pauures,, que se apóia, ela também, no estudo de uma série de orçamentos familiares (Stigler, 1954). Podemos, com Herpin e Verger (1991), identificar três causas principais da emergência de uma sociologia do consumo. A primeira causa reside nesta atitude caridosa de inspiração religiosa caracterizada por Davies, substituída no século XX pelas idéias socialistas. A segunda causa é o desenvolvimento do pensamento higienista e da epidemiologia, que postulam que a morbidade é influenciada pelos modos de vida (Lecuyer, 1976). A terceira causa, enfim, é a difusão de instrumentos da estatística, notadamente da Assinalemos teoria das probabilidades, e de suas aplicaçõesmatemático na análise de fatos sociais. a influência decisiva de Quetelet, belga, sobre o pensamento de Durkheim e as modalidade do emprego do raciocíni raci ocínioo estatísti estatístico co sobre sobre os fenômeno fenôm enoss sociais: “. “... . o que di dizz respeito respeito à espécie humana considerada em massa é da ordem dos fatos físicos; quanto mais numerosos são os indivíduos, menos se percebe o indivíduo.
176
SOCIOLOGIASDA SOCIOL OGIASDA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
Predominam então séries de fatos gerais que dependem de causas gerais, ligadas à existência e à permanência da sociedade” (Quetelet, citado por Stigler, Stigle r, 1954, e por Herpin e Verger, 1991). 1991). 8.1.1
O s determinantes dos consum consu m os alimentares alimentares
Aluno de Le Play, que lhe transmite o interesse pelo estudo das condições de vida, o econom ista alemão alem ão Engel6 En gel62coloca em evidência evidência uma um a
lei, à qual seu nome permanece ligado. Refazendo uma pesquisa de Ducpetiaux (1855), sobre os orçamentos das famílias operárias belgas, ele constata que a parte dos orçamentos dedicada à alimentação evolui em função fun ção dos rendimentos. Segun Se gun do esta lei, lei, “quanto mais um indiví indivíduo, duo, uma família, um povo são pobres, maior é a porcentagem de seus rendimentos que eles devem dedicar para seu sustento físico, do qual a alimen alim entaçã tação o representa a parte mais importante" (Engel, (Eng el, 1857 1857). ). Em outros termos, quando o rendimento e o poder de compra aumentam, o orçamento alimentar aumenta igualmente em valor absoluto, mas sua parte relativa (em porcentagem), no orçamento global, diminui. Seus sucessores completaram esta lei com duas outras, às vezes atribuídas erradamente ao próprio Engel: -
a part parte e das despesas desp esas com vestuário e com aluguel não varia varia com o rendimento;
-
a par parte te das despesas com laz azer er e com saúde aumenta com o rendimento.
A partir destas ferramentas, os sociólogos da primeira geração irão trabalhar com o aparelho conceituai durkheimiano. Em 1912, Maurice Halbwachs defende uma tese intitulada A cla sse ss e operári operária a e os níve níveis is de vida, com o subtítulo “Pesquisas sobre as hierarquias das necessidades na sociedade industrial (1970)). Ele Segundo a definição do fato social, elecontemporânea” isola a parte social(1912 da alimentação. observa em primeiro lugar que a necessidade de alimento aparece como “a mais natural” de todas as outras, “porque de sua satisfação regular depende muito a conservação do organismo”, mas que é muito complexa, que ela envolve muitos sentidos e órgãos, que ela evoca muitas representações 62 Sobre a his histó tóri ria a dos trab trabalhos alhos de Enge l, suas relaç relações ões com a e empi mpiria ria e suas divers diversas as influências teóricas (Le Play, Ducpetiaux), ver Herpin e Verger (1991).
C a p í t u l o 8 - D o i n t er es s e s o c io l ó g ic o pel pel a a l i m e n t a ç ã o á s s s o o o l o g l a s d a a l i me m en t a ç ã o
177
que a provocam por sua vez, por não ter evoluído muito, por não ser, em grande medida, des desnat natura urada. da.6 63 Est Esta a desnaturação, desna turação, entendam os aqui aqui,, sua conformação pelo cultural, eis a dimensão social do fato alimentar que convém colocar em evidência e positivar ao utilizar os orçamentos domésticos. Halbwachs busca, segundo a fórmula de Durkheim, a explicação do fato social social alimentar alimentar em outros fatos sociais. soc iais. "S "Som om os então en tão conduzidos, escreve ele, a pesquisar se as causas sociais não explicam a regularidade
e a estabilidade das diversas despesas com alimento. Profissão, tamanho das famílias, salário, são as variáveis utilizadas para explicar as práticas de consumo objetivadas a partir dos orçamentos dos lares. Para fazer isso, é preciso então objetivar as práticas e estudar as relações estatísticas que elas mantêm com as características sociais dos indivíduos, colocadas como variáveis independentes. Halbwachs estuda alternativamente os problemas apresentados pela coleta de dados, pela representatividade de suas amostras e pelas modalidades do tratamento estatístico. Para separar da alimentação a parte que depende da definição do fato social e que pode ser ser colocada com o objeto da sociologia, sociolo gia, os prime primeir iros os sociólogos sociólogos se apoiam no conceito de instituição. Este se apóia na distinção, feita por Montesquieu em O espíri espírito to geral de uma nação, naçã o, entre as leis, os costumes e as maneiras. “As leis regulam mais as ações do cidadão, e os costumes mais as ações açõe s do homem (...) os costum co stumes es dizem respeit respeito o mais à conduta conduta interior, as maneiras mais à conduta exterior." A instituição, para os durkheimianos, durkhei mianos, remete a um conjunto co njunto de regras - distint distintas as das leis leis - que organizam a sociedade e, mais precisamente, algumas de suas instâncias. Na concepção funcionalista, uma instituição possui uma tripla função. Ela concorre para a socialização, ou seja, para a interiorização das regras de conduta. Ela permite o controle social, o não-respeito de uma regra reclamando, da parte do grupo, sanções. Finalmente, ela participa da regulação social, o conhecimento das regras tornando mais ou menos previsíveis os comportamentos dos indivíduos instituídos. A refeição famili familiar, ar, com seu sistem a normativo muito preciso preciso - que reclama, recl ama, em caso ca so de transgressão, transgressão, sanções san ções imediatas - , aparece como uma instituição central da sociedade. E através dela que as crianças interiorizam as regras e os valores da propriedade, do respeito aos outros, 63
Sublinhado pelo autor.
178 178
SoaO So aO LO O A S DA ALIMEN A LIMEN TAÇÃ O
da partilha (dimensão socializadora). Ela participa igualmente da definição dos papéis não somente no interior da família, mas muito além, ao tornar previsíveis os comportamentos em sociedade (dimensão reguladora). Podemos dizer dizer que é com Halbwachs que as práticas práticas alimentares alimentares adquirem verdadeiramente o estatuto de fato social. Durkheimiano, Halbwachs o é incontestavelmente, mas, como em outro outr o domínio domínio - a sociologia urbana, por exemplo - , esse autor autor abr abrir irá á pistas cujas dimensões heurísticas serão exploradas somente bem mais
tarde. Após ter discutido as teorias nutricionais de sua época, segundo as quais as necessidades alimentares são estritamente dependentes da atividade física, ele indica que a mecânica digestiva está sob a dependência das “disposições mentais”, que “resultam elas mesmas dos hábitos, da imaginação, do meio, das crenças e preconceitos relativos à excelência ou ao bom gosto dos alimentos...” (1912 (1970), 340 e 341). A perspectiva é aqui profundamente inovadora e retira a alimentação humana de uma estrita conduta de adaptação. Ela entreabre a porta da interação entre o biológico e o sociológico. Mesmo que ela não vá muito longe nesta via (os principais resultados resumindo-se na colocação em evidência da lei ligando o pertencimento a uma classe social a um nível de consumo de carne, de pão, de manteiga ou de legumes), Halbwachs indica que os comensais serão mais influenciados “ao modificar as representações pouco a pouco, propondo-lhes regimes que considerem principalmente suas preferências costumeiras mais do que lhes confrontar em nome da ciência pura e simples”. Convive já, nesse autor, a vontade de explicação e de compreensão das práticas, assim ele indica que é preciso se interessar por aquilo que “o operário pensa quando ele vai se alimentar”. E, se adotarmos este procedimento, compreenderemos então que “bem mais que uma quantidade dada de carbono, de gordura e de albumina, é a representação complexa de uma satisfação (onde entram, como veremos, mais elementos sociais) que ele evoca, a propósito de tais pratos, de tais alimentos" (1912 (1970), 343). Entretanto, encontramos nos trabalhos de Halbwachs as dificuldades da sociologia durkheimiana em se separar de uma perspectiva evolucionista. “Se retornássemos à barbárie ou à selvageria, se as regras e os costumes sociais desaparecessem, eles levariam sem dúvida consigo estas sensaç se nsações ões físicas artifi artificiai ciais; s; seu predomínio predomínio explica-se explica-se então apenas a penas pela pressão social” (id .,., 413). Para ele, o social é o evoluído e a natureza
CAPÍTULO 8 -D o INTER INTERESS ESSESO ESOCIOLÕ CIOLÕG/C G/COPELA OPELA ALME ALMENTAÇÃO NTAÇÃO ASSOOOL ASSOOOLOGI OGIASD ASDA A AL1MENTA AL1MENTAÇ ÇÀO
179
é o biológico. Ma organização social, os operários são os mais próximos do pólo pólo da natureza natureza,, portanto portanto “os menos m enos evoluídos evo luídos socialmente”. socialmen te”. .. “Assim, à medida que passamos aos grupos em que a vida social é mais intensa, melhor organizada, mais complicada, vemos as necessidades esvaziaremse de todo seu conteúdo “primitivo”, enfraquecerem-se e quase desaparecerem as impressões orgânicas naturais e as satisfações que delas derivam” (id., 413). Halbwachs percebe bem as dificuldades de sua posição teórica e as
contradições entre entre su suas as intenções inten ções e os o s dados dad os empíricos em píricos que sua su a interpretação interpretação apresenta, mas, como um positivista, ele cede àquilo que ele crê ser a realidade. “Bem entendido, não consideramos a classe operária como um grupo ou um conjunto de grupos mais primitivos que as outras partes da sociedade. Mas, quanto mais estudarmos esta classe, mais reconheceremos a uniform uniformida idade de e a simplicidade simplicidade de suas tendên ten dências, cias, e a que ponto as reações destes grupos são mecânicas e limitadas” (1912 (1970), XIII). Esta perspectiv perspec tiva a tende a remeter para os operários, m ais estritamente submetidos à necessidade orgânica, os determinantes das escolhas alimentares do lado da biologia. A alimentação das classes sociais mais baixas é então lida com o a mais próx próxima ima do biológico. “O s alimentos alim entos constituem a pri primei meira ra viuere (...) se nós nos colocamos no nível da classe necessidade primum viuere operária, é preciso então dizer que não há necessidade que tenha antes um caráter físico, orgânico, e para a qual o lado social propriamente dito passe para o segundo segun do plano” (Halbwachs, 1912). 1912). A análise das necessidades econômicas e sociais distingue as necessidades ditas “primárias”, que são ligadas à manutenção da vida do indivíduo, à alimentação e ao vestuário, e as necessidades secundárias não estritamente necessárias, como as que são associadas à cultura, aos lazeres ou à saúde. Nesta perspectiva, quanto mais os meios são raros, mais a expressão é sentida se aproximar das leis da biologia. Esta leitur lei tura a se encontra encon tra mais m ais uma u ma vez prisionei prisioneira ra da d a ideolo ideologia gia primit primitivi ivista sta (Paul(PaulLévy, Lév y, 1986), pois pois a definição definiçã o das nece n ecessid ssidad ades es primárias primárias não deixa deixa de colocar algumas dificuldades. E possível, com efeito, responder à necessidade alimentar, dita primária, de numerosas maneiras, e estas variam com os espaços culturais e as épocas. Um prato de arroz, alguns legumes e o nuoc-mâm parece para um camponês vietnamita dos anos 1980 uma ração capaz de alimentá-lo, de satisfazer suas necessidades alimentares. Não seria o mesmo em relação a um camponês francês da
18 180 0
SOCJOL OGIA S DA ALIMENTA A LIMENTA ÇÃ ÇÃO O
mesm a épo ca. O que é uma refeição refeição aceitável aceitável?? O que é uma alimentação alimentação suficiente? Estas questões encontram suas respostas apenas num espaço social dado. A variação da definição da necessidade considerada primária mostra que ela é também uma construção social. Como Boudon e Bourricaud observam, “a definição destas necessidades primárias constitui um problema. Inclui-se nelas certamente a alimentação. Mas há várias maneiras de se alimentar, umas aprovadas e outras condenadas pelos higienistas...” (1982, 43 e 44). A segunda parte desta frase levanta
imediatamente um segundo problema. Pois ela coloca o apelo ao biólogo ou, mais precisamente, ao nutricionista como incontornável, este sendo portador de uma verdade científica positiva última sobre a qual se apoiaria o fato social. Com entando os trabalhos trabalhos de Halbwachs - na esteir esteira a dos de Engel - os autores autores do Dictionnaire critique de la socioiogie precisam: “Poderiamos fazer valer que o operário, enquanto trabalhador braçal, tem necessidade de comer mais carne, de beber mais vinho que o empregado por detrás do balcão” (1982, 45). A necessidade em questão aqui não é, na realidade, definida tanto pelas ciências da nutrição quanto pelas representações sociais que colocam, na cultura francesa, a carne e o vinho como alimentos que dão energia. Esta concepção, atacada fortemente pela bioquímica alimentar moderna, tem no entanto estado presente no próprio seio da dietética científica em seu início, mostrando a interação entre as representações sociais e os “conhecimentos” biológicos. 8.1.2
Os prolongamentos prolongamentos contemporâneos
A sociologia do consumo vai encontrar no seio do INSEE um lugar de desenvolvimento privilegiado. A primeira pesquisa nacional sobre o “orçamento das famílias” será conduzida, em 1956, conjuntamente pelo INSEE e pelo CREDOC. Ela será renovada com o auxílio das “comunidades européias”, em 1963. No ano seguinte, o INSEE realiza duas pesquisas permanentes: a primeira sobre os orçamentos das famílias e a segunda sobre os próprios consumos alimentares (Vangrevelinghe, 1970). Realizada sobre uma amostra de 10.000 lares cada ano, esta última utiliza questionários auto-administrados. “Pede-se a cada lar que anote todas as compras de produtos alimentares durante uma semana: identificação dos produtos, quantidade, lugares de compra; observação das refeições (feitas em domicílio, no restaurante, na cantina, sob forma de refeição sumária); se houve compras excepcionais para os
a pítulo 8 - D o int er esse s so pel C apítulo o c io l ó g ic o pe l a alimentação á s so so c io l o g ia s da alimentação
181
convidados...” (id .,., 19). O escrutínio destas pesquisas é realizado graças a ferramentas da informática, os dados representam “mais de um milhão de cartas perfuradas”. O tratamento aumenta as informações obtidas com um pequeno número de variáveis descritivas, lugar de residência, idade do chefe de família, presença de criança no lar, categorias socioprofissionais e realiza uma análise dinâmica comparando as evoluções de um ano para o outro. Entretanto, o método de coleta utilizado (o questionário auto-
administrado), dado que ele exige um trabalho “não negligenciável para as pessoas interrogadas”, apresenta alguns grandes inconvenientes. Em primeir pri meiro o lugar, lugar, ele provoca um a taxa de não n ão-res -respo postas stas superior superior a 15% 15%, o que produz uma seleção no interior da amostra. Ele impede, em seguida, de alongar o período de referência de uma semana, sobre o qual a pesquisa diz respeito; mas, como admite o responsável deste projeto, “há compras alimentares que não se fazem todas as semanas". Finalmente, ele deixa de lado a questão da autoprodução. A observação dos consumos alimentares, realizada nesta grande pesquisa, “é então maculada por uma variabilidade aleatória”, reconhece Vangrevelinghe, diretor da divisão “Pesquisa de consumo doméstico” (1970, 20). A título de dificuldades, assinalamos igualmente que a nomenclatura funcional do INSEE reagrupa os produtos e serviços segundo as necessidades que eles devem satisfazer. Este tipo de corte introduz infalivelmente alguns reagrupamentos discutíveis. E assim que as despesas de restaurantes são classificadas entre as categorias dos “serviços comerciais" na subcategoria dos “hotéis, cafés, restaurantes e cantinas”. E assim assim igualm ente que os con sum os a lim lim entares dos doentes hospitalizados são agregados nas despesas de saúde. A forte forte dispari disparidade dade social das despes des pesas as com restaurante restaurante justificar justificaria, ia, por si só, uma releitura da primeira lei de Engel. Estas séries estatísticas apresentam, apesar de tudo, a vantagem incontestável de permitir comparações dinâmicas a partir de dados coletados sobre o mesmo modo e uma leitura das transformações do consumo francês. Na mesma época, Moulin se interessa pelos impactos sobre as práticas práti cas alimentares alimentares da da “sociedade “socieda de de co n su m o” num contexto de abundância. Sociedade na qual se consideram os produtos “menos pelo que eles são e mais pelo que eles representam”. Ele acentua o interesse do estudo detalhado das conse co nsequ quênc ências, ias, no nível nível dos lares, da baixa baixa relat relativ iva a
18 182 2
SOCJOLOGI AS DA ALIMEN A LIMEN TAÇÃ O
da parte da alimentação compreendida no nível da sociedade global, e a utilização da lei de Engel para compreender as diferenças culturais de um país para o outro e as dinâmicas de suas transformações. Professor no Colégio da Europa, ele desenvolve suas análises no âmbito deste novo espaço esp aço político político (Moul (Moulin, in, 1974) 1974).. O declínio do consu m o dos “alimen “alimentos tos pobres” (farináceos, pão) e o crescimento dos “alimentos ricos” (carne, peixe) encobrem em parte os contrastes sociais da alimentação. (Jm modelo burguês (carne em todas as refeições, cardápios organizados
com entrada, prato de carne, legumes, queijo e sobremesa) tende a se impor e homogeneizar as práticas alimentares dos europeus. O trabalho feminino, a urbanização, a pressão sobre os empregos do tempo transformam os modos de vida. O setor de alimentação coletiva nos lugares de trabalho e no setor escolar se desenvolve. As mulheres, encarregadas da função culinária doméstica, fazem cada vez mais apelo a alimentos alimentos transformados. transformados. O alimento torna-se torna-se “funcional”, ou seja, mais fácil de preparar. “A cozinha familiar reúne-se assim, pouco a pouco, ao bordado, à aquarela e ao tricô, obras pacientes das damas de outrora, nas masmorras do século XIX. (...) Somente as mulheres que acreditam não ter outros meios de se valorizar, ou seja, o mais freqüentemente as que não têm outras funções e outras aptidões a não ser as domésticas, defendem ainda a cozinha tradicional, tarefa absorvente, extenuante e ingrata” (Moulin, (Moulin, 1974, 16 169) 9).. Uma Um a parte parte cada cad a vez mais importante da atividade ativi dade culinária culinária é assum ida por profi profissionai ssionais: s: indústri indústria a alimentar e setor da alimentação coletiva. A dinâmica do orçamento marca um refluxo do gosto de comer em benefício do carro, da casa e das atividades de lazer. Enfim, a saúde acompanha doravante a alimentação. “A preocupação lancinante com a fome, velha companheira da humanidade, sucedeu, pela primeira vez na história, a preocupação também aguda, mas inversa, com o colesterol” (Moulin, 1974, 166). Estas tendências continuam hoje em dia, mesmo se, no início dos anos 1990, 1990, assisti assistiu-se u-se a um movimento de desqualificação da alim alim entação cotidiana (emergência dos “hard-discounters”, desenvolvimento de marcas de distribuidores...) e a um aumento compensatório do consumo de produtos de luxo. Desde 1985, a grande progressão de produtos prepar pre parados ados como os pratos pratos cozidos cozidos ou os peixes e legumes c on gelad ge lad os.. os .... confirma a transferência das atividades domésticas “da cozinha para a fábrica”, segundo a expressão consagrada.
a pítulo 8 - D o i nt er esse so pel so alimen n t ação C apítulo cj o l ó g i c o pe l a alimentação A s s o c / o l o g i a s da alime
18 183 3
Ev E volução do con conss um umo o por tipo de de s pe s a B 1960 □ 19 1980 80 □ 199 1997
i
:j: ■#.
2
3
4
5
6
7
Tipos de despesas Fonta: Fonta: IN INSEE SEE 1997 1997
LEGENDA
1: Arti Produ Produtos tos alimentar 5: Se rvi ço s médicos 2: Artigos gos dealimentares, vestuário vestuárioes, bebidas e cigarro 6: Transporte e comu nicação 3: Alugu Aluguel, el, aquecimento, aquecimento, iluminação 7: Laze r, espe tácu los, ensino, cultura cultura 4: Móveis, material de limpeza e de conservação
Figura Fig ura 4 - Evolução dos consu mos ali aliment mentare aress nos orçam entos doméstic domésticos os
Moulin constata que, em todos os países da Europa, as taxas de crescimento da categoria “lazer e divertimentos” e “despezas efetuadas no estrangeiro pelos nacionais” é “sensivelmente mais elevada que a taxa de crescimento do produto nacional bruto”. Neste contexto, a dimensão cultural dos particularismos alimentares emerge como um suplemento da alma. Na “sociedade de prazer” anunciada por Dumazedier (1962), o turismo turi smo assume uma parte cada vez mais importante. im portante. “O s particul particulari arismos smos alimentares são então chamados a mudar de status social e a tornar-se uma via de entrada na cultura dos outros e, portanto, razão dos mais vivos interesses pelo desejo de viajar. (...) o homem dos grandes aglomerados urbanos verá, então, cada vez mais, na emoção das descobertas gastronômicas uma razão adicional para viajar. Mas este homem fatigado, extenuado pela vida que ele leva num meio artificial e
18 184 4
SOCIOLOGIA SOCIOL OGIA SDA ALIM ALIMENTAÇ ENTAÇÁO ÁO
pelas preparações padronizadas que ele é fatalmente convocado a consumir, procurará principalmente nas cozinhas locais, regionais, nacionais (de outros países) a oportunidade para um exílio, para um retorno às origens, à simplicidade, à originalidade sem afetação, à autenticidade. A elevação do nível sociocultural o levará a recusar os sabores intercambiáveis, os pratos estereotipados, que lhe são apresentados muito frequentemente pelos restaurantes étnicos e estandardizados da Europa” 1974,147). Extraordinário de pratos previsão sociológica... mas o(Moulin, comedor contemporâneo recusa trabalho sempre os estereotipados?
Alguns sociólogos e socioeconomistas têm se especializado no tratamento dos dados das pesquisas de consumo alimentar (d’lribame, 1977; Combris, 1980, 1995, 1996, 1998; Lambert, 1987; Grignon, 1988; Herpin, 1980,1984,1988). Comecemos pelo trabalho bastante estimulante de Lambert (1987), que tenta reduzir os pontos cegos das séries estatísticas do INSEE por uma fina avaliação do peso da autoprodução. Ao aumentar estas séries assim completadas com variáveis sociológicas, extrai modelos de consumo alimentar e, graças à sua comparação dinâmica, desenha as tendências de suas evoluções. As diferenças sociais aparecem como sobreconsumo subconsumo de diferentes categorias alimentos. As classes sociais ou elevadas consomem duas vezes e meiademais carne de carneiro do que os operários, os quais consomem mais embutidos, farináceos, pão... A análise dinâmica mostra para os anos 1960 e 1970 um aumento do consumo de carne, de produtos lácteos frescos e uma diminuição diminui ção do de de pão e de farináceos. farináceos. “O modelo mode lo burguês burguês se impõe pouco a pouco a um número maior como o modelo dominante” (1987). üma questão entretanto continua aberta. As transformações estruturais do consumo francês são o resultado das mutações das práticas alimentares relativas ao conjunto da sociedade ou, mais simplesmente, o efeito da evolução da estrutura da população francesa, na qual as categorias dos operários e dos camponeses estão em forte regressão numérica, em benefício das categorias dos empregados do setor terciário e dos executivos? Em outros termos, será que as “subculturas alimentares” dos diferentes grupos sociais franceses se aproximaram, ou antes foram alguns grupos que ostentam particularismos alimentares que recuaram em benefício de novos grupos que adotam o famoso “modelo burguês"? Os trabalhos de Lambert encontraram continuidade na conexão das abordagens econômica e nutricional, permitindo calcular montantes energéticos* (Lambert e co c o l., 1987). 1987). É assim , por exem plo, que, qu e, se a alimentação dos anos 1960 e 1970 se caracteriza por uma baixa geral da
C apítulo a pítulo 8 - D o int er esse so cj o l ó g ic o pel pel a alimenta ç ã o à s so so c io l o g ia s da alimentação
18 185 5
ração energética, esta aparecendo como socialmente diversificada, as contribuições energéticas das classes populares baixam proporcio nalmente menos meno s que as das classe cla ssess superiores. Estes dados da dos irão permi permiti tirr ao autor iniciar com os nutricionistas uma reflexão sobre o desenvolvimento da obesidade nas classes populares. Ma mesma perspectiva, Combris, retomando os trabalhos de Toutain, analisará em escalas temporais de mais de dois séculos a evolução das contribuições energéticas numa série de países. Ele constata uma
evolução estruturalmente comparável na maior parte dos países desenvolvidos desenvol vidos,, m esm o se seu desenvolvimento se produz segundo ritmo ritmoss diferentes. Esta evolução se desdobra, segundo ele, em três fases. Num primeiro momento, constata-se um aumento do consumo de todos os alimentos, depois, num segundo momento, a estrutura da ração se transforma e, finalmente, a terceira fase se caracteriza por uma diferenciação generalizada generalizada no consum con sum o dos produtos (Combris, 1998 1998). ). Para a França, por exemplo, durante todo o século XIX a ração calórica “aumenta regularmente graças ao crescimento de todas as categorias de alimentos”. Depois, perto de 1890, o consumo dos cereais, dos farináceos e diminui, enquanto que dos produtos de origem delegumes frutas esecos legumes e principalmente deomatérias gordurosas e deanimal, açúcar continua a aumentar. No plano da composição em nutrientes, a parte das proteínas é quase constante entre 12 e 15% da contribuição energética, enquanto que a dos glicídios e dos lipídios segue tendências inversas. A parte par te dos dos primei primeiros ros di dimin minui ui em benefíci bene fício o dos segun se gun dos. do s. O crescimento crescimen to destas duas curvas acontece em 1975. Entretanto, este tipo de dados apresenta um inconveniente maior, que Lambert formula nestes termos: “Se é verdade que conhecemos bem o conteúdo das sacolas de feiras e dos carrinhos de supermercados, não sabem sabe m os de fato o que há nos pratos” (Lambert, (Lam bert, 1992) 1992).. Assinalemos, em seguida, o interesse dos trabalhos preparatórios no lançamento de uma “pesquisa doméstica” proposta pelo 1NSEE no fim dos anos 1970 1970 (Herpin, (Herpin, Chaudron Chau dron,, 1983; 1983; Chaudron Chau dron e co l., 199 1990 e 1995). Mesmo que este projeto nunca tenha sido executado, estas diferentes pesquisas preliminares contribuiríam para a elaboração de descritores das práticas alimentares e para a descoberta de suas diferentes dimensões. E assim que, questionando a hipótese da desestruturação da alimentação contemporânea, Herpin distingue cinco dimensões da instituição social da refeição familiar, contribuindo, assim, de maneira
18 186 6
So aO LO C lA SD A A U M EN TA ÇA O
decisiva, para a objetivação do sistema de tomada alimentar (Herpin, 1988). A concentração explica a organização das tomadas alimentares em refeições (café-da-manhã, almoço, jantar) e "pequenas refeições" m enos fortemente institucionalizadas institucionalizadas (cafezinho, lanche6 lanch e64 4). A implantação im plantação horária que remete às regras temporais que acompanham as tomadas alimentares e dão ritmo à jornada (almoço ao meio-dia, jantar entre 19 e 20 horas etc.). A sincronização social designa os pontos de encontro, no dos diferentes membros da família, lhe emprego partilhardoastempo refeições. A localização diz respeito aos permitindolugares das
ingestões alimentares em casa (na cozinha ou na sala de jantar), fora de casa (num café, num restaurante, numa cantina...). Enfim, a ritualização corresponde às regras que acompanham a alternância e as interações entre refeições cotidianas e festivas. Este quadro interpretativo tem por ambição, ao mesmo tempo, uma descrição da instituição da refeição e a medida das mudanças que a afetam. Ele foi empregado pelo próprio Herpin numa pesquisa sobre famílias populares da periferia de Lille e forneceu matéria para um artigo célebre, que tenta responder à questão da desestruturação desestrutura ção da alimen alim entação tação moderna6 m oderna65 5 (Herpin (Herpin 1988, retomado retomad o em Herpin e Verger, 1991). 8.1.3 A sociologia dos gostos Esta tendência da sociologia dos consumos alimentares nasceu da crítica do ponto de vista de Halbwachs e tenta sair de uma visão reducionista do “fato social” alimentar. Como o sublinham os Grignon: “Se nos colocarmos nesta perspectiva, só podemos constituir a alimentação como objeto sociológico, esvaziando-a de seus aspectos materiais econômicos e biológicos e escolhendo nela suas práticas mais seletivas; seremos levados a privilegiar a gastronomia em relação ao consumo corrente, a alimentação pública, cerimonial, em relação à alimentação ordinária ou cotidiana, o estudo das formas - ri ritu tuai aiss das refeições, maneira maneirass à mesa m esa etc. - em relação relação ao das técnicas” técnic as” (1980, (1980, 565). 565). A sociologia sociologia dos gostos go stos com co m eça eç a com c om Bourdie Bourdieu. u. É a part partir ir do estudo das práticas sociais concretas e cotidianas, na primeira classe das quais 64 Lan che aqui engloba o que os franceses designa m por casse-cruüte casse-cruüte e g oü ter . (Mota de tradução) 65 Ver capítulo 3: “A evolução da s man maneira eira s de com er".
C a p í t u l o 8
- D o i n t e r e s s e s o c io l ó g ic o pel a a l i me m en t a ç ã o à s s s o c io l o g ia s d a a l i m en en t a ç ã o
18 187 7
estão as práticas alimentares, que emerge, com efeito, a teoria bourdiana do “habitus”. Partindo dos gostos e do que os diferencia, ele descobre sua origem no “habitus”: “Estrutura perceptiva por trás da qual aparecem as condições materiais de existência objetivamente classificáveis”, liquidando, ou acreditando liq liqui uidar dar,, assim , toda uma um a tradição da estética. e stética. “O que eu gosto e o que eu acho bom seria, na realidade, aquilo que estou habituado a aquilo queàminha classe social origem consome.” é comer; assim remetida irracionalidade dede um processo naturalA gastronomia de distinção
pelo qual as elites elites afirmam afirmam sua diferença d iferença em relação às à s classes clas ses ascendentes. a scendentes. A posição de Bourdieu argumenta a favor de uma autonomia do modo alimentar ali mentar das classes class es populares. “A arte de beber e de comer com er continua sem dúvida um dos únicos terrenos sobre os quais as classes populares se opõem opõ em explicitamente exp licitamente à arte arte de viver viver legítima” legítim a” (Bourdieu, (Bo urdieu, 1979, 200). 200). Em perspectivas mais pragmáticas, os pesquisadores Grignon, do INRA, são encarregados por esta instituição da missão de estender o olhar sociológico sobre as lógicas do consumo alimentar. Inscritos em programas de pesquisa ligados às mutações do mundo agrícola, seus olhares se focalizam sobre os produtos e as lógicas de consumo ou de autoconsumo. Eles recusam a idéia de um modelo alimentar francês se difundindo, no corpo social, a partir das elites; modelo que domina ao mesmo tempo o senso comum, a sociologia de Elias e, em certa medida, a sociologia dos consumos de Moulin a Lambert. Eles tentam revelar uma cultura alimentar popular autônoma e distinta, nas suas formas e suas dinâmicas, da alimentação burguesa (Grignon e Grignon, 1980). Eles acentuam deste modo o peso dos determinismos socioeconômicos. “Falar de alimentação com um casal operário é, em primeiro lugar, falar de orçamento, de folha de pagamento (...) de alta de preços, de dificuldades de fechar as contas, de baixo nível de vida antes que de modo de vida; podemos dizer que as práticas alimentares dos operários são o produto de um pequeno número de obrigações econômicas brutais (...) os próprios ‘gostos’ são a expressão do poder de compra” (1980, 548). O que mais se ressalta de seus trabalhos é a permanência das classes sociais. As mudanças nas práticas de consumo são para eles apenas mutações de superfí super fíci cie e que não n ão afetam a organização profunda da sociedad e. Em suas publicações recentes, Grignon (1995) adota uma distância crítica em relação à tendência considerada muito “populista” de Bourdieu, que no entanto foi a sua, em seus primeiros trabalhos sobre a alimentação.
18 188 8
SOCÍ OLOG IA S DA A LIMEN TAÇÃ O
8.2 8. 2 Ape perspecti rspectiva va“desenvolvi “desenvolvim menti entist sta” a” Devemos a expressão “desenvolvimentista”, muito pouco utilizada em fran fr ancê cês,6 s,66a Mennell, Menn ell, Murcott e Van Van Otterloo (1992) (1992).. Ela reúne um certo número de autores anglo-saxões contemporâneos, após Goody, Mennell e Harris. Mão é entretanto possível extrair, para o funcionalismo como para o estruturalismo, um corpo de conhecimentos verdadeiramente coerente que caracterizaria estes autores. Estes sociólogos ou antropólogos têm antes
de tudo em comum uma posição crítica em relação ao estruturalismo de Lévi-Strauss e de Douglas considerado incapaz de explicar a dinâmica das mudanças sociais. Para pensar a mudança e de uma certa maneira as relações entre o social, o psicológico e o corporal, os desenvolvimentistas se referem aos trabalhos de Elias (1939). 8.2.1
A influência de Morbert Morbert Elias
É a partir do estudo dos “tratados das boas maneiras" e de obras sobre “civilidade” que Elias propõe o conceito de “processo de civilização”. Ele procura explicar a maneira como as normas sociais modificam os corpos e controlam os instintos. Com os tratados de etiqueta, escreve ele: “Eu me encontrava de repente em posse de um material que mostrava a diversidade das normas em vigor em épocas antigas e que permite analisar sua evolução de maneira segura” segu ra” (Elias, (Elias, 1990, 71). O que o interessa, neste tipo de documentos, são as transformações históricas que eles colocam em evidência e a possibilidade que eles oferecem de pensar “as normas atuais como o resultado de uma transformação sucessiva” (id., 72). “Para compreender a situação atual (...) devemos remontar à história com o objetivo de encontrar a situação da qual ela é resultante. A civilização é um processo, proce sso, do qual nós mesmos mesm os som os os sujeitos" sujeitos" (Elias, (Elias, 1974 1974). ). Ele mostra como o “limiar de convém sensibilidade” quee separa o limpo do sujo, o que se se ultrapassa pode mostrar do que ocultar, que gera a semelhança com a animalidade, com o instinto e com o desejo. O “processo de 66 O rótu rótulo lo “desenvolvimentista" “desenvolvimentista" cobre, cob re, em fran francês, cês, com o “criacionism “criacionismo", o", um sub subconju conju nto da corrente evolucionista que se interessa pelas origens da espécie humana e sobretudo pelas diferentes etapas pelas quais o desenvolvimento da humanidade passaria necessariamente (Rivière, 1978). A atitude teórica que designa a expressão inglesa de “deveiopementalista” não corresponde a este “desenvolvementalismo”, mas aproxima-se antes da “sociologia dinâmica” de Balandier (1971, 1988).
C a p í t u l o 8 - D o i n t e r e s s e s o c j o l ó g / c o pel pel a a l i m en en t a ç ã o à s s s o c j o l o g ia s d a a l i m en en t a ç ã o
18 189 9
civilização” aparece como um mecanismo de interiorização, de transferência da violência da esfera social soc ial para o sujeito. “Num “N um certo cer to sentido, sentid o, o cam camp>o p>o de batalha foi transposto ao foro interior do homem. E ali que ele deve se armar com uma parte das tensões e paixões que outrora se exteriorizavam no corpo a corpo, quando os homens se afrontavam diretamente” (1975). A aceitação das teses de Elias não foi imediata. No momento de sua publicação, em Bales, em 1939, seu livro über den Prozess der Zivilisation Zivilisat ion passa totalmente totalmente despercebido. Na França, Fran ça, somente somen te Raymond
Aron lhe consagra uma resenha, depois ele cai no esquecimento (Burguière et ai, 1995, 213). A iniciativa da reedição desse texto, nos anos 1970, deve ser ser creditada creditada aos sociólogos sociólog os francese fran ceses. s. Ele está traduzido traduzido e publicado, em dois tomos, La ciuilisation des moeurs (1974) e La dynamique de VOccident (1976),6 (1976),67 num a coleç co leção ão dirigida dirigida por Baechler, Baec hler, a quem a obra teria sido indicada por Aron. E graças a esta edição francesa que este texto ganhou notoriedade. No entanto, a sociologia francesa continuará durante muito tempo tem po curiosam ente herm ética ao p pensa ensam m ento de Elias,6 E lias,686 9 distinction, de Bourdieu - se excetuarmos excetuarm os sua influência prová provável vel sobre La distinction, (1979). É pelos historiadores da escola dos An na les, les , mais particularmente ahistórica”, tendência com que seFuret, afirma,Leroy-Ladurie, nos anos 1960,Aron, sob o Bennassar, rótulo “de antropologia Burguière, Vigarello..., que a obra de Elias será recebida na França. proc oc esso es so civiliza civ ilizador dor,, Furet lhe For ocasião da publicação de O pr consagra um longo artigo no Nouvel Observateur69 que vai assegurar a zador r (RJ, 67 Publ icado em portu português guês co m o títu título lo O processo ciuili zado (RJ, Jorge Zahar editor, 1990) em dois volumes , com os subtítulos: "Uma históri história a do s cost um es” e a “A Formação do Estado e Civilização". (Nota de tradução) 68 Até sua desc obert oberta a recente rotulada às vezes de "nova sociolog ia" (Corcuff, 19 95) ou de “sociologia “sociologia constr construtivi utivista". sta". Ap ontem os as etapas desta “redescoberta”, em prime primeiro iro lugar o número especial intitulado “Para Elias" da revista S o ci ét és (1991-3), em ntemationaux mationaux de sociolog ie (1995, vol. 99), que seguida o lançamento dos Cahiers i nte contém uma longa mesa-redonda sobre “A obra de Norbert Elias, seu conte údo, sua recepção", coordenada por Wieviorka, da qual participam Burguière, Chartier, Farge, Vigarello, seguida de um texto inédito do próprio Elias intitulado S u r le co n ce cept pt de de uie quotidienne (tradução de Javeau) e de alguns artigos, principalmente um de Singly. Assinalemos, finalmente, o livro de Corcuff Les nouue nouuelle lless sociologi es (1995). Entretanto, nos anos 80 as referências a Elias se multiplicam na sociologia da alimentação em curso de constituição (Mennell, 1985; Poulain, 1985).
des 69 “La ffourchet ourchette te d de e Byzance” , 26 nov nov.. 73, reimpr esso na reedição de L a ciuilisation des moeurs na coleção de bolso “Pluriel", Hachette, 395-401.
\ 19 190 0
AUMENTA NTA ÇÁO S o a O L OGIAS DA AUME
esse livro um sucesso muito além do público dos profissionais das ciências sociais. Com efeito, “esta corrente de historiadores franceses, que se beneficiava na época de uma crescente audiência internacional, foi para Elias uma espécie de alto-falante” e provocará traduções em inglês, por via dos Estados Unidos e não da Inglaterra, onde, no entanto, Elias residia e onde ensinava na “London School of Economics". Para Burguière, o sucesso do pensamento de Elias na “nova história francesa” repousa sobre o fato de que existe nesta obra uma maneira de
articular o que ele chama de “sociogênese” do Estado e uma “psicogênese" do indivíduo. Para os historiadores que queriam sair do paradigma socioeconômico dominante no início da “nova história", o pensamento de Elias permitia “reintroduzir o político, ou o Estado, e através do Estado, para Elias, a noção de poder. Ao mesmo tempo, com a psicogênese, eles tinham encontrado a pedra filosofal, ou seja, o meio de relacionar a evolução, digamos, estrutural do contexto e as transformações internas das maneiras de pensar, das mentalid me ntalidades ades”” (Burguière (Burguière e í a/., 1995, 215). A redescoberta redescobe rta de Elias pelos sociólogos ingleses realizou-se então por via da França. Mennel, em seu estudorecorre comparativo as maneiras à mesa inglesas e francesas (1985), a Elias entre e acentua “o processo de civilização” empregado no conjunto das sociedades ocidentais há vários século séc ulos, s, do qual um dos efeitos mais m ais notáveis é a inter interior iorizaç ização ão do controle das pulsões. Ele procura compreender como “as mudanças a longo prazo nas estruturas das sociedades (...) modificam os comportamentos, a expressão das emoções e a estrutura da personalidade, se traduzindo também na constituição e na expressão de uma pulsão tão fundamental quanto o apetite” (1987, 37-38). Para ele, uma cultura do gosto pode aparecer apenas quando estamos seguros de comer até a saciedade. A cultura gastronômica com suas normas precisas que controlam a representação social da fome é então “uma resposta às mudanças interpostas no domínio do abastecimento e da distribuição social dos alimentos” (1987, 37). Com referência à “civilização dos costumes”, Mennell propõe a expressão “civilização do apetite” para explicar o processo de controle do apetite em situação de abundância alimentar. Ainda que Goody trabalhe principalmente sobre um material exótico e mobilize seu perfeito conhecimento dos grupos étnicos do norte de Gana, sua re fle xa o . não se li limit mita a à etnologia m onográfica e se amplia para o ponto de vista antropológico. Para compreender as transformações nas
C a p í t u l o 8
- D o IN TERESSE en t a ç à o TERESSE S SOCIO OCIO LÓGICO PELA ALMENTAÇÀO à s s o c j o l o g ia s d a a l l m en
191
práticas alimentares destes grupos étnicos, é preciso não somente situálas em relação ao fenômeno da colonização que os levam a “comer à moda inglesa em contextos formais, como eles falam inglês nestas mesmas situações”, mas, além disso, a ver nestas mutações o resultado do fenômeno crescente de globalização dos sistemas de produção alimentar (1982). Ele revela, bem antes que o tema ocupe as manchetes da mídia, o impacto, no âmbito do planeta, da industrialização da produção e do desenvolvimento das tecnologias de conservação (conservação a
vácuo, congelamento...) sobre a alimentação cotidiana. 8.2.2 8.2 .2
0 materialism aterialismo o cu cultu ltura rall
Ainda que nomeando-se a si mesmo como um “materialista cultural”, Marvin Harris é frequentemente associado à corrente desenvolvimentista (Mennell et al., 1992; 1992; Beardsworth Beardsworth e Keil, 1997). 1997). O que sem se m dúvida mais aproxima Harris de Mennel e de Goody é sua crítica radical ao estruturalismo lévi-straussiano. Em seu livro mais completo, intitulado Good to eat: riddels riddels o ffo od and culture1 culture10 (1986), ele assume o oposto da tese lévi-straussiana segundo a qual para que um alimento seja "bom para comer”, é preciso que seja “bom “b om para pensar” (Lévi-Strauss, 1962-1) 1962-1).. Para Para ele, todos os tabus e proibições alimentares alimentares são justificáveis justificáveis a pa part rtir ir de um uma a análise em termos de vantagens ecológicas. Assim, a suposta irracionalidade das culturas desapareceríam diante da racionalidade dos processos de adaptação que escapa esc apam m à consciênc con sciência ia dos indivídu indivíduos. os. As verdadeiras verdadeiras causas causa s das da s proib proibiçõe içõess da carne de porco entre os judeus e os muçulmanos, da carne de vaca entre os hindus, por exemplo, deveríam ser procuradas nas performances performances ecológicas ou sanitárias destas escolhas e não no religioso ou na ordem simbólica, reduzidos, nesta perspectiva, a simples fenômenos de racionalização racionaliz ação no sentido psicanalítico psicanalíti co (Har (Harris, ris, 197 1977). 7). Em suma su ma,, a posição de Harris não é mais que um desenvolvimento mais ou menos sofisticado do funcionalismo de Merton e se articula sobre a distinção entre “função latente” e “funçã “fu nção o manifesta” introduzid introduzida a por por este est e (Merton, 1965 1965). ). Lembre Lem bremomonos de que uma das críticas formuladas contra o funcionalismo clássico incide sobre sua dificuldade de levar em conta as motivações dos atores sociais. Pois, como Bastide observava, se a estrutura funciona, ela o faz, “segundo modelos, valores, idéias ou ideais, que têm uma significação para7 para7 0 70
B om para para come comerr , enig mas da da alimentaçã alimentação o e da cultura. cultura.
192
SO CI OI OC IA S DA a u m en en t a ç A o
os elementos constitutivos desta estrutura” (Bastide, 1960, 11). Colocando a distinção entre função “manifesta” e função “latente", inspirada naquela realizada pela psicanálise freudiana, na análise do sonho, entre conteúdo manifesto (o que é contado pelo sonhador ao acordar) e conteúdo latente (o que foi verdadeiramente sonhado e que constitui o sentido inconsciente do sonho), Merton foi bem-sucedido ao reintegrar a significação na análise funcional. funcio nal. A funçã f unção o “manifesta" se refer refere e ao sentido que uma unidade unidade social determinada (indivíduo, grupo, sociedade global) dá, em plena consciência,
a uma instituição, e a função latente se refere às consequências objetivas, mas involu involuntá ntárias rias,, que esca es capa pam m à consc c onsciênc iência ia dos indivíd indivíduo uoss (Merto (Merton, n, 1965, 1965, 135). Do ponto de vista dos atores sociais, as razões simbólicas explicam e justificam as práticas, elas oferec of erecem em razões razões para respeita respeitarr tabus ou proibições proibições ou simplesmente para adotar práticas... Mas as verdadeiras razões que conferem a estes atos sua eficácia são de ordem material, ecológica ou nutricional. Assim, um traço cultural preciso seria, na realidade, apenas a face oculta de uma vantagem adaptativa, sem que os indivíduos que dela se beneficiam a compreendam verdadeiramente. Para Harris, todos os tabus alimentares e todos os particularismos são suscetíveis de um tratamento desta natureza. Poradaptativas. detrás da aparente arbitrariedade das culturas, ocultamse sempre lógicas Entretanto, são numerosos os exemplos que constituem uma razão a favor de uma relativa autonomia do cultural. Sejam os dos Massa, dos Moussey e dos Toupouris do norte de Camarões, estudados por Garine, que, vivendo vivendo todos no mesmo me smo biótopo, biótopo, dispondo das mesmas mesm as tecnologias, tecno logias, casando-se frequentemente entre eles, fazem um uso alimentar muito diferente dos recursos disponíveis. Isso na maioria das vezes em detrimento da eficácia eficác ia nutricional (Garine, 1978 e 1979; 1979; Fischler, 1990 1990). ). Outros Outr os traços traç os de culturas alimentares parecem francamente “contraprodutivos”. Os mais expressivos são sem dúvida os casos de abates em massa de porcos e do consumo ostentatório quando de grandes festas tradicionais na Melanésia (Lowie, (Lowie, 1942), 1942), ou ainda de búfalos quando qua ndo de enterros em certas etnias proto-indochinesas que vivem nas fronteiras da Tailândia, do Laos e do Vietnã (Hassoun, 1997). Em tais casos, o interesse nutricional, a longo prazo, dificilmente pode ser usado como argumento. Harris chega até a recorrer, a serviço de sua tese, a alguns trabalhos da antropologia ecológica (Katz, 1979 e 1982), que, no entanto, argumentam explicitameote, segundo seus autores, a favor de que se levem em conta as interações entre os níveis biossociocuitural. Num plano estritamente
C a p í t u l o 8 - D o i n t e r e s s e s o c j o l ó g / c o pel pel a a l i m en en t a ç ã o à s s s o c / o l o g / a s d a a l i m en en t a ç ã o
193
sociológico, a principal crítica que se pode endereçar à tese de Harris é de desprezar os processos de diferenciação social. O que reúne, na realidade, estes diferentes autores é, antes de tudo, a crítica da abordagem simbólica da cozinha e das maneiras à mesa, que eles consideram como muito desconectadas de suas dimensões materiais. Eles afirmam que não podemos compreender as práticas alimentares sem nos referirmos aos aspectos nutricionais, ecológicos e econômicos. Se esta interpretação convida a pensar as interações entre, por um lado, as dimensões sociais
e cognitivas da alimentação, e, por outro lado, os sistemas de produção (Goody e Mennell) e as relações com o meio ambiente (Harris), ela tende igualmente a privilegiar os pesos destas últimas na cadeia de causalidade.
8.3 0 hon honívoro ívoroouasoci sociolog ologiiadocomedor O movimento pluri, inter e até “indisciplinar” promovido por Morin nos anos 1970 1970 - tanto na pesquisa sobre a “natureza do homem hom em”” (197 (1973) 3) quanto na abordagem do "com "complex plexo” o” (1977 (1977)) - , vai per permi mitir tir a emergência emergên cia de uma comedor. vemos queéaquilo que é nado mais biológico biol ógicosociologia - o sexo, adomorte mor te - é ao“Como mesm m esmoonão tempo temp o o que mais impreg im pregnado de símbolos, de cultura! Nossas atividades biológicas mais elementares, o comer, o beber, o defecar, são estreitamente ligadas a normas, a proibições, valores, símbolos, mitos, ritos, ou seja, ao que há de mais especificamente cultural. E nós podemos, aqui, compreender que é o sistema único, federativamente integrado, fortemente intercomunicante do cérebro do sapiens que permite a integração federativa ou biológica, do cultural, do espiritual (elementos ao mesmo tempo complementares, concorrentes, antagonistas, cujos graus de integração serão muito diferentes segundo os indivíduos, as culturas, os momentos), em um sistema único biopsicossociocultural” (Morin, 1973, 146). É na esteira de Morin que aparecem na França os primeiros trabalhos deste tipo. O na 31 da revista Communications, dirigida por Fischler, em 1979, marca incontestavelmente o ponto de partida deste movimento. Na apresentação, Fischler anuncia claramente a vontade de vir a trabalhar nas margens, nas interfaces disciplinares. “Eis aqui pois um tema propriamente transdisciplinar, um objeto para múltiplas incursões, que seria preciso encarar de pontos de vistas múltiplos: biológico, econômico, antropológico, e etnológico, sociológico e psicossociológico,
19 194 4
SOCJOL OGIA S DA AUMEN TA ÇÁ O
psicanalítico, psicológico, histórico, arqueológico, geográfico e geopolítico e assim por diante. No entanto, estes olhares especializados não revelarão a verdade, justapondo-se, encaixando-se como as peças de um quebracabeça; cada um deles é portador não de uma parte da verdade, mas de uma verdade completa. Verdades aliás complementares e não concorrentes, pois interativas e irredutíveis umas às outras. Isso quer dizer que a transdisciplinaridade, mesmo que aventureira, deveria prevalecer sobre a simples simple s pluridisciplinaridade” (Fischler, 1979,1).
Diante da ambigüidade durkheimiana da definição de fato social, esta sociologia do comedor se posiciona claramente na herança maussiana e se propõe explorar os vínculos entre a psicologia, a fisiologia e a sociologia empregados na alimentação. “O que nós procuramos fazer..., é começar a derrubar as barreiras entre os latifundia, restabelecer a open range range sobre o território da alimentação, a circulação entre as disciplinas. Seria então menos necessário expor os resultados definitivos do que suscitar questões e interrogações, hipóteses ou especulações, curiosidades ou discussões, sugerir vias e temas de pesquisa a partir de estudos de casos, ou, ao contrário, de exames gerais. Não se trata, bem entendido, de ser exaustivo, de apresentar um panorama completo das disciplinas, nem de reduzir as questões colocadas pela alimentação a uma problemática única. Que não se espere ser convidado para uma festa suntuosa: no máximo pegaremos alguns salgadinhos, em volta de um aperitivo heurístico” (1979, 3). Em fase com a moda da interdisciplinaridade dos anos 1980, o número conheceu um vivo sucesso, tanto nas disciplinas que lidam com o fato alimentar quanto junto ao grande público, não sem provocar algumas polêmicas (Herpin, 1991; Gomez, 1992; Grignon, 1993). O artigo de Fischler “Gastronomia, gastro-anomia” torna-se um texto fundador para o movimento que se desenha. Ele engaja uma centralidade do “comedor”. E a ele que devemos a formulação da problemática do comedor humano. Ele acentua uma particularidade dos consumos alimentares, o fato de que eles são incorporados e atravessam a barre barreira ira do corp corpo, o, para tornarem-se o próprio próprio comedor. O alimento se diferencia dos outros consumos porque ele está incorporado e passa a fronteira do “eu”. A partir disso, as práticas alimentares deixam de ser lidas como formas de expressão, de afirmação de identidades sociais, como era o caso na sociologia do consumo ou na sociologia dos gostos, para inscrever-se no próprio centro do processo de construção de
C a p í t u l o 8 - D o i n t e r e s s e s o c io l ó g ic o pel pel a a l i m en en t a ç ã o à s s s o c io l o g ia s d a a l i me m en t a ç ã o
195
identidade. As dimensões cognitivas e imaginárias do ato alimentar tornam-se então centrais para a sociologia do comedor. Publicado em inglês numa forma form a simplifica simp lificada da (Fischler, 1980), 1980), este texto constitui o ponto de partida de uma série de colaborações entre sociólogos e psicólogos (Chiva, 1985, 1996; Rozin, 1994; Lahlou, 1996; Piattelli-Palmarini, 1996) e antropólogos (Garine, 1979; Barrau, 1983; Cohen, 1993), historiadores (Flandrin, 1996; Nahoum-Grappe, 1979; Levenstein, Levens tein, 1993 1993). ). E suscitará uma renovação renovaç ão das perspectivas perspectivas de pesquisa
no próprio próprio seio da so cio log ia (Poulain, 1985-1; Lam bert, 1987; 1987; Beardsworth, 1995; Falk, 1996; Lupton, 1996; Warde, 1997; Pfirsch, 1997). ✓
E neste movimento que aparecem as primeiras teses de sociologia. Em 1985, nossa Anthr Anthropo-so opo-sociolog ciologie ie de la cuisin cu isinee et des de s manières de de tables, orientada por Morin, inaugura esta série. Herdeira ao mesmo tempo do estruturalismo lévi-straussiano, da antropologia do imaginário (Durand, 1960) e da sociologia do comedor, ela coloca o gosto como a articulação dos componentes sociológicos, psicológicos e biológicos da alimentação; depois, concentra-se no esclarecimento das estruturas do imaginário alimentar e culinário da gastronomia francesa (Poulain, 1985-1), parcialmente retomada numa n uma versão publicada p ublicada em Poulain Poulain e Neirinck (198 (1988). 8). Em 1990, reunindo e sintetizando os resultados de mais de dez anos de pesquisa sobre o comedor humano, que ele designa agora pelo neologismo de “honívoro”, Fischler sustenta uma tese igualmente sob a orientação de Edgar Morin. Ele distingue um “comedor eterno" regido por leis, invariantes do comportamento alimentar71: pensamento classificatório, princípio de incorporação e paradoxo do honívoro. No entanto, estes princípios gerais se atualizam de maneiras variadas segundo os contextos culturais, o que lhe permite apresentar um “comedor moderno” vivendo nas sociedades industrializadas onde reina a abundância, até mesmo a superabundância superabu ndância alim aliment entar. ar. O colóquio “Com er Mágico”, Má gico”, organizado organizado por por Fischler em 1994, marca uma segunda etapa na sociologia do comedor. O pensamento mágico, durante longo tempo considerado como uma das características da mentalidade primitiva, aparece como um modo de funcionamento normal da cognição alimentar convivendo com o pensamento racional, no comedor contemporâneo (Fischler, 1994; Rozin, 1994; Chiva, 1994). 71 É este inte interess ressee pelas inva invarian riantes tes do comp c omport ortame amento nto alimentar que lev levar aráá M Menn ennelI elI a classificar Fischler como neo-estrutura lista.
196
SOCIOLOGIA SOC IOLOGIA SDA ALIMENTAÇÃO
8.3.1 O pensamento classifica classificatório tório (A primeira característica comum aos comensais humanos é a instalação de um sistema classificatório do comestível e do não comestível. Todas as culturas selecionam, no interior de um conjunto considera velmente grande de produtos que dispõem de uma carga nutricional, um número mais ou menos elevado dentre eles que irão, para esta cultura, tornar-se alimentos. “Não existe, atualmente, nenhuma cultura conhecida que seja completamente desprovida de um aparelho de categorias e de
regras alimentares, que não conheça nenhuma prescrição ou proibição relativa ao cjue é necessário comer e como é preciso comer” (Fischler, 1990, 58)3 Mesmo que algumas tentativas de redução a explicações materialistas mais ou menos funcionalistas tenham sido produzidas (Harri (Ha rris, s, 1985), 1985), o processo process o que transforma um produto natur natural al que contém con tém nutrientes em alimento não poderia ser reduzido às lógicas utilitárias ou de disponibilidade (Sahlins, 1976) e inscrever-se num sistema de classificação (Douglas, 1971). Ele remete a lógicas, racionalidades que se enraizam nas representações, o imaginário da cultura concernida. A necessidade biológica de comer encontra-se assim inserida num sistema de valores. Que eles se articulem sobre lógicas totêmica (Lévi-Strauss, 1962-2), 1962 -2), sacrifical (Detienne e Vema Ve mant nt,, 1979), 1979), higienista racionalista7 racionali sta72 ou estética73 ou sobre lógicas mistas que combin co mbinam am uma ou várias várias destas formas de racionalidade, todas as culturas estabelecem uma “ordem do comestível” que classifica os alimentos potenciais vegetais e animais em duas categorias categorias:: consumível consumível - não consumível. consumível.
8. 8.3. 3.2 2 O prin princíp cípio io de incorpor incorporação ação No prolongamento dos trabalhos da antropologia geral (Frazer, 1911; Lévi-Strauss, 1962), ou da antropossociologia da alimentação (Moulin, 1975; Aron, 1976; Poulain, 1985-1), baseando suas análises nas pesquisas de Rozin (1976) que oferecem uma abordagem experimental do conceito con ceito kleiniano kleiniano de incorporação, Fischler (199 (1990) 0) coloc coloca a o “princíp “princípio io de incorporação” como a segunda invariante do comportamento alimentar humano. Este princípio possui um duplo significado. 72 É a ati atitu tude de eepistemológica pistemológica d daa dieté dietética tica o ocidental. cidental. 73
Decisão da gastronomia.
C a p í t u l o 8
- D o i n t e r e s s e s s o c io l ó g ic o pel pel a a l i m en en t a ç á o à s s s o c io l o g ia s d a a l i me m en t a ç ã o
197
Na versão fisiológica, o comedor torna-se o que ele consome. Comer é incorporar, fazer suas as qualidades de um alimento. Isso é verdadeiro do ponto de de vist vista a objetivo; objetivo; os nutrientes torn am -se para alguns notadamente os aminoácidos - o próprio próprio corpo do comedor, mas isso é verdadeiro também no plano psicológico. De um ponto de vista subjetivo, imaginário, o comedor acredita ou teme, a partir de um mecanismo que depende do pensamento pensamen to “m ág ágico ico”, ”, apropr apropriariar-se se das qualidades qualidades simbólicas simbólicas do alimento segundo o princípio: “Eu me torno o que eu como”.
Numerosos são os antropólogos que colocaram em evidência este processo de pensamento. “O selvagem, escreve Frazer, acredita comumente que, comendo a carne de um animal ou de um homem, ele adquire as qualidades não somente físicas mas também morais e intelectuais que são características deste animal ou deste homem" (Frazer, 1911) 191 1).. Lévi-Strauss, Lévi-Stra uss, em O p pen en sa m e n to se lv a g e m , estuda os tabus alimentares à luz do totemismo. Passando em revista trabalhos antropológicos divers diversos, os, ele nos oferece ofer ece alguns algun s exemplos: “O esquilo (...) é proibido às mulheres grávidas pelos Fang do Gabão (porque) este animal se refugia nas cavidades dos troncos das árvores, e a futura mãe que consumisse sua carne correría o risco de que o feto imitasse o animal e se recusasse a sair do útero”. Num raciocínio inverso, os índios Hopi recomendam às mulheres grávidas a carne das doninhas ou dos texugos. “Eles consideram a came destes animais como favorável para o parto por causa da sua aptidão para cavarem para si no solo um caminho para escapar quando são perseguidos pelo caçador; eles ajudam então a criança a ‘descer rápido’” (Voth (Voth,, 1901; 1901; citado citad o por Lévi-Straus, 1962 1962). ). Culturalmente mais perto de nós, práticas tão diversas quanto a eucaristia no rito católico ou o uso dos nomes culinários da gastronomia francesa pós-revolucionár pós-revol ucionária ia (Poulain (Poulain,, 1985 1985-2) -2) dão conta con ta igualmente igualme nte desta dest a dimensão mágica da incorporação. ^Na versão psicossociológica, ao comer, o homem se incorpora ele m esr hc; se integra integra num esp aç aço o cultural. cultural. O alimento, alimen to, a cozinha cozinha e as maneiras à mesa, porque elas são culturalmente determinadas, inserem o comedor comedo r num univers universo o social, numa num a ordem orde m cultural. cultural. O ato alimentar alimentar é fundador da identidade coletiva e ao mesmo tempo, num jogo de identificação e distinção, da alteridade. De Barthes (1961) a Bourdieu (1979), de Aron (1976) a Fischler (1990), vários trabalhos de perspectivas teóricas divergentes dão conta desta função do ato alimentaíT^Quer ele seja percebid percebido o com o um sinal, um emb e mblem lema, a, um símbolo, o atcrali atcralime ment ntar ar insere e mantém por suas repetições cotidianas o comedor num sistema
19 198 8
SOCI OLOG IA S DA A LMEN TA ÇÁ O
de significados. É sobre as práticas alimentares, vitalmente essenciais e cotidianas, que se constrói o sentimento de inclusão ou de diferença social. É pela cozinha e pelas maneiras à mesa que se produzem as aprendizagens aprend izagens sociais sociais mais fundamentais, fundame ntais, e que uma sociedade sociedad e transmite transmite e permite permite a interioriza interiorização ção de seus se us valores. valores. E pela alimentação alime ntação que se tecem tec em e se mantêm mant êm os vínculos sociais. sociai s. 1 8.3. 8. 3.3 3
Do paradoxo paradoxo do honívoro às ambivalências ambivalências da da alimentação
humana
Para Fischler (1990) e Rozin (1976), o paradoxo do honívoro é regulado pelo “sistema culinário”, subconjunto do sistema cultural composto de uma série de regras definindo a ordem do comestível, os modos de preparação e de consumo. Ele permite assim a aceitação de um alimento novo “marcando-o” gustativamente, misturando-o literalmente “ao molho” de um espaço cultural. A introdução recente dos abacates na França é um bom exemplo disso. Eles são consumidos acompanhados de molho de maionese ou de vinagrete, dois marcadores gustativos da cozinha francesa (a ponto de este último ser designado no mundo anglo-saxão pela expressão Frertch dressing). O sistema culinário fixa igualmente as regras de associações de alimentos, permitindo assim criar variedades a partir de um mesmo alimento de base. A cozinha clássica francesa do século XIX conta por exemplo várias centenas de receitas de ovos associados a uma grande quantidade de alimentos secundários. O sistema culinário define enfim as combinações dos pratos no interior de um cardápio. Inserido numa cultura, o comedor tem então apenas algumas poucas decisões para tomar. É o sistema culinário de sua sociedade que os dita. O sistema culinário desfaz então esta double bind ou ou injunção paradoxal, própria da condição do honívoro. As angústias da modernidade alimentar são então interpretadas como sendo uma crise da função reguladora dos sistemas culinários. O enfraquecimento das pressões sociais que pesam sobre o comedor associado ao crescimento do individualismo por um lado, e, por outro lado, à industrialização da produção, da transformação e da comercialização alimentar que cortam o vínculo entre o homem e seus alimentos, geram um contexto de gastro-anomia no qual domina “a ansiedade alimentar". “Se não sabemos o que comemos, não sabemos o que iremos nos tornar tornar mas tamb ta mbém ém o que somos" somos " (Fischler, 1990, 1990, 70).
C a p í t u l o 8
- D o i n t e r e s s e s o c io l ó g ic o pel pel a a l i me m en t a ç ã o à s s s o c io l o g ia s d a a l i me m en t a ç ã o
8. 8.3. 3.4 4
199
Retorno à incorporação
As análises que conduzim cond uzimos os sobre o risco alimentar,74 com co m o auxílio auxílio de trabalhos recentes de Fischler, Rozin e Beardsworth, convidam a reconsiderar o “processo de incorporação” e a alargar a estrita perspectiva do “eu me torno o que eu como”, à qual ele é às vezes reduzido, colocando o comedor como unicamente influenciável pelas qualidades simbólicas do objeto consumido. Ou seja, como receptivo, diante de um alimento suscetível de contaminá-lo simbolicamente, para o bem ou para o mal. Voltando à
incorporação, é possível levantar a matriz da relação comedor-alimento, conforme o primeiro seja colocado como receptivo ou não receptivo e o segundo como simbolicamente perigoso ou não perigoso. A diversidade das formas do canibalism canib alismo,7 o,75com 5com o o estudo das d as estruturas estruturas do imaginário imaginário do engolir e do morder, pode nos n os servir servir de guia g uia (Poulain, (Po ulain, 1985-1). 1985-1). Seguiremos nesta via Bachelard, que, apoiando-se nas descobertas da psicanálise, distingue duas estruturas do inconsciente oral: o “engolir” e o “morder”. “A baleia de ‘Jo Jo n a s ’ e o ogro do d o ‘Pequeno ‘Peque no Polegar’ poderíam poderíam servir de imagens para estes dois estados”. O engolir corresponde ao sucking, ao período primitivo do estado oral, em que a criança suga o seio de sua mãe e desfruta do leite tépido que escorre na sua boca. Mesta fase psicológica, a “relação objetai” inexiste, e o mundo e os indivíduos não existem para a criança senão enquanto “alimento ou fonte de alimento, à qual, na sua fantasia, imagina-se unido ao ingeri-lo, ou ao incorporá-lo” (Housser, 1976). No plano mitológico, o engolir feliz remete ao paraíso anterior à queda, no qual o homem não está divid dividido ido entre entre as esferas do bem e do d o m al, e tira tira sua unidade unidade pessoal, com co m o sua unidade no mundo, mundo , do respeito ao projeto divi divino. no. Pois Pois o engoli engolirr não deteriora o engolido, ao contrário, muito freqüentemente, este ato “o valoriza, valor iza, ou melhor ainda, ainda , o sacraliza” (Durand, (Durand , 1960, 234). 234). Na tradição cristã, a hóstia, o corpo de Cristo, não se mastiga, ela é engolida inteiramente redonda ou se deixa desmanchar na boca. A experiência dos grandes míticos confirma igualmente a inocência e a sacralização do eng engoli olir. r. S ã o Francisco F rancisco de Sale S aless escreve: “Nosso senhor, senhor, 74 Ve Verr capítulo 4 da prim primeir eira a parte. 75 Pa Para ra um uma a apresentação g geral eral d do o canibalismo, ve ver, r, por exemplo, R R. Sanday, 19 1986, 86, Di uine Hung Hung en Cannibali sm as a cultural cultural sys tem , Cambridge Clniversity Press, e para uma exposição das estruturas imaginárias do canibalismo como fantasma fundamental da alimentação, Pouillon, 1972.
200
S o c j o l OCIAS d a a l i m en en t a ç ã o
mostrando o amável seio de seu amor à alma devota, ele a apanha, e, por assim dizer, ele dobra todas as potências dela no colo de sua doçura mais que maternal. Ele abraça a alma, ele a encontra, ele a cerra e cola sobre seus lábios de suavidade seus mamilos deliciosos, beijando o sagrado beijo de sua boca e fazendo-a saborear suas tetas melhores que o vinho...” Mesmas imagens em Santa Tereza, que compara a alma a uma criança de peito “regalada por sua mãe pelo leite destilado em sua boca”; ou ainda fala das almas que, “situadas nos mamilos divinos, só
sabem gozar” (exemplos citados por Durand, 1960, 295 e 296). A sucção aparece então com c omoo o protóti protótipo po do praz prazer er inocente. inocente. Bachelard indica que um “observador fisionomista” encontrará os “traços destes prazeres inconscientes e primitivos, que propiciam o retomo ao período da sucção, no olhar do comedor de ostras”76(1948, 155 e 156). Após esta primeira fase do estado oral, aparece o período sádico concomitante à dentição, na qual a criança tem prazer em morder: a idade da “mastigação”, que remete ao estado do homem decaído, o comedor de carne. O desejo de incorporação está sempre em jogo, mas ele se torna sádico, ou seja, destruidor, “o objeto incorporado é vivenciado fantasmagoricamente, como atacado, mutilado, absorvido...” A criança vai conhecer o dilema da sucção/mordida. Ela experimenta o desejo de morder o seio de sua mãe, mas se ela passa ao ato, a mãe lhe retira o seio. Ela entra então no mundo da ambivalência. Ambivalência de seu desejo que vai ser a base da “divisão do objeto” e do acesso ao “mundo objetai”, e ambivalência dos objetos que, a partir daí, podem ser, ao mesmo tempo, “bons” e “maus” (Klein, 1959). É interessante observar que a passagem do Éden para a terra do sofrimento acontece depois que Eva mordeu a maçã. A mastigação marca a entrada no mundo do bem e do mal. A dentição, precedendo de pouco o desmame, é a causa de um traumatismo inelutável, talvez ainda mais doloroso que o próprio desmame. É este traumatismo que reforça a negatividade da mastigação, e é nele que se firma a imagem do ogro (Durand, 1960, 1960, 13). O prazer prazer inocente inoc ente do d o sugar e do engolir e o prazer prazer culpabilizante, mas liberando uma forte carga agressiva, articulam todos os dois ao imaginário gastronômico. “A vontade de engolir é bem fraca em face da vontade de morder. O psicólogo que estuda a vontade deve 76
Mangeurr s dHuí tr es, (1825) B. N. Paris. Ver a litografia de Boilly (1761-1845), Les Mangeu
CAP/TllL CAP/Tl lLO O8
INTERESS SSEE SOCIOL SOCIOLÓGICO ÓGICO PEL PELA ALIME ALIMENTAÇÃO NTAÇÃO Á S SOCIOIO GIA S DA ALIME ALIMENTAÇÃO NTAÇÃO ~D o INTERE
2 01
integrar coeficientes diferentes nas imagens tão dinamicamente diferentes. Toda a gastronomia que tem tanta necessidade de preparações psíquicas como de preparações culinárias será renovada. Compreenderemos facilmente que uma refeição deve não somente ser estimada por um balanço nutritivo, mas ainda pelas justas satisfações oferecidas para a totalidade do ser inconsciente. É necessário que a boa refeição reuna valores conscientes e valores inconscientes. Ao lado de substanciais sacrifícios à vontade de morder, ela deve comportar uma homenagem ao feliz tempo
em que nós engolimos tudo, de olhos fechados” (Bachelard, 1948, 156). “Toda a gastronomia será renovada”, diz Bachelard, mas também a dietética que então sairia de uma visão mecanicista do comedor, reduzido ao estado de máquina de digerir. Tabela 12 - As dimensões da incorporação alimenta alimentarr Esqu ema dominante Esquema . da incorporação A contami contaminação nação
{
~ , Comed Comedor or
Alimento Alim ento
Significados da inc incorp orporaç oração ão
Positivo
Comer para se deixar penetrar pelas qualidades do objeto. O comedor
Receptivo i i
Engolir
i
A ap aprop ropria riação ção
Mastigg ar Masti
se deixa invadir, contaminar pelas qualidades positivas do alimento. Receptivo Negativo Recu Recusa sa de com comer er par para a evita evitarr a invasão, terminando em tabus, proibições provisórias ou permanentes, práticas do jejum... Não rec recep eptivo tivo Po Positi sitivo vo Com Comer er pa para ra se apro apropri priar ar dos elementos constitutivos do objeto e i re refor forçar çar o comedor comedor.. Não rece recept ptiv ivo o Negat Negativo ivo Comer p par ara a de dest stru ruir ir o obj objeto eto devorado.
Assim, liberam-se esquemas imaginário incorporação: o do “engolir”, no qual odois comedor deixadoentrar nele oda engolido na sua identidade simbólica integral e “o engolir não deteriora o engolido”, ao contrário, muito freqüentemente, ele “o valoriza, ou melhor ainda, o sacraliza” (Durand, 1960, 234), e o do “mastigar”, no qual o comedor reduz red uz anterior anteriorment mentee o comer come r a seus elementos elemen tos constituti constitutivos, vos, decompon de compondo do e recompondo sua ou suas significações simbólicas. Partindo destes dois esquemas de incorporação e de valorizações positivas e negativas do alimento, quatro situações podem então ser observadas:
2 0 2
SOCJOLOGIA SOCJOL OGIA SDA ALIMENTAÇÃO
- A contaminação contaminação po posi siti tiva va-, -, o comedor se deixa penetrar, invadir, contaminar pelas qualidades positivas do alimento. Esta atitude corresponde ao imaginário do endocanibalismo, que oferece, ao ancestral defunto, o corpo dos vivos como sepultura; as qualidades, a sabedoria do desaparecido se expressando na personalidade dos vivos. O objeto incorporado prima aqui sobre o comedor. Esta atitude é igualmente a da comunhão eucarística. - A con contam taminaç inação ão ne nega gativ tiva-, a-, o comedor comedo r viv vive e a incorporação incorporação como com o
sendo um risco, um perigo, porque as qualidades do objeto comido são suscetíveis de colocar em causa sua integridade, sua identidade. Existe uma incompatibilidade entre o comedor e o comido. Ela termina na recusa de comer para evitar a invasão, o tabu, a proibição, o jejum... - A apropriação posit positiva: iva: nesta percepção o comedor é ativo, dominante em relação ao objeto consumido. Comer é para ele a ocasião de reforçar sua própria estrutura ao se apropriar dos elementos constitutivos constitutivos do objeto. O exocanibalismo, exocanibalism o, que consiste em consumir uma um a vítima, aliás respeitada,7 respeitad a,77 para se apropriar apropriar de sua força, sem que a organização psicológica do comedor seja colocada em causa, é o seu tipo ideal. - A ap aprop rop ria riaçã ção o n eg egat ativ iva: a: aqui o comedor, seguro de sua integridade, consome alimentos negativamente valorizados, seja para fazer desaparecer o que eles representam simbolicamente, seja para os sublimar. Os canibalismos judiciários, nos quais a condenação à morte e a consumação de um membro desviante do grupo constituem uma maneira de fazê-lo entrar na ordem, representam o quarto tipo. Ele corresponde igualmente a certas práticas místicas, como as descritas por Albert, dos santos cristãos comendo produtos que não são considerados como alimentos na sua própria cultura ou, pior, as crostas ou o pus que verte das feridas dos doentes. Estes exercícios se inscrevem numa lógica da sublimação; não somente a pureza do espírito não é atingida pela negatividade do incorporado, mas ele dá a plena medida desta dest a pureza (Albert, (Albert, 1997). 1997). E igualmente igualm ente possível colocar nesta categoria o consumo, em doses fracas, de produtos mais ou menos perigosos ou tóxicos, que são considerados como 77
Co Como mo o canibalism canibalismo o dos tupinambás (Han (Hanss Staden 1979 1979). ).
C a p / t i iill o 8 - D o i n t e r e s s e s o c io l ó g ic o pel pel a a l i me m en t a ç ã o á s s s o c io l o g ia s d a a l i m en en t a ç ã o
203
capazes de corrigir, ou de reforçar as qualidades dos comensais, sobre o modo da lógica dos contrários. A dietética hipocrática do Renascimen Rena scimento to pode dar conta desta atitude atitude (Flandrin, (Flandrin, 1996 1996). ). Esta distinção permite identificar duas grandes famílias de cultura alimentar segundo a força das interdições. As culturas de interdições fortes são espaços culturais orientados sobre a dimensão invasiva do alimento, que adotam uma posição de proteção ao multiplica multiplicarr as interdições, os tab tabus, us, e ao a o regulamentar regulamentar
de maneira precisa o que pode ou/e deve ser comido. E o caso dos espaços alimentares judaicos, muçulmanos ou hindus. As culturas de interdições fracas estabelecem, por sua vez, uma ordem do comestível muito mas ampla, como, por exemplo, as culturas francesas ou chinesas. O provérbio chinês “Os chineses com em tudo o que tem duas patas, p atas, tudo o que tem quatro quatro patas patas exceto a mesa”, mostra que as prescrições incidem de maneira fraca sobre os próprios produtos, e mais sobre as modalidades de consumo. Mo interior de culturas descendentes do que é convencionado chamar "as religiões do Livro" (judaísmo, cristianismo, islamismo), o universo alimentar cristão é desta natureza. “Não é o que entra na boca mas o que sai dela que suja o Homem” mostra a ruptura produzida pela cristandade sobre as regras muito precisas da alimentação hebraica do antigo testamento. Aqui o acento será colocado sobre as formas alimentares. Todos estes esquemas atuam na incorporação humana quer ela seja uma incorporação alimentar ou medicamentosa. Este quadro interpretativo permite distinguir diferentes modos de regulação dos paradoxos e sobretudo de decompor e de fazer uma reformulação da noção de sistema culinário. Com efeito, parece-nos que Fischler alterna, com este conceito considerado como dando conta dos mecanismos de regulação da ambivalência da alimentação humana, entre uma definição muito operacional e encerrada sobre a dimensão culinária e uma segunda definição muito mais ampla, próxima daquela do culinário de Lévi-Strauss, com co m o articulação da natur natureza eza e da cultura. Nós propomos reser reserva varr a noção de “sistema culinário” a esta primeira dimensão e de utilizar a de “espaço social” alimentar para dar conta das modalidades de organização da conexão conexã o bioantropológic bioantropológica a de um grupo gru po huma hu mano no a seu biótopo (Fou (Foulai lain, n, 1997-5, 1999-2).
20 204 4
SOCIOLOGIASD SOCIOL OGIASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
8.4 8.4 Asoci sociol ologi ogia ainteracionista nteracionistadoscomedores humanos (^Nos anos 1940, nos Estados tinidos, Lewin mostrou que o consumo de um produto e mais amplamente as escolhas alimentares não são decisões individuais, mas o resultado de uma série de interações sociais. Para que um alimento seja consumido por um indivíduo, é preciso antes que chegue até ele. Num célebre estudo sobre o consumo do leite realizado pelo Ministério da Agricultura norte-americano, ele coloca em evidência o
fato de que o consumo ou o não consumo de leite não depende de uma escolha individual do “homem americano”, mas de uma série de decisões de sua esposa que determina o que é bom de ser comido para seu marido, para suas crianças e para ela mesma. Ele propõe assim a noção de “guardiã econômica" (gate keeper) cuja função é a abertura ou o fechamento de uma série de “canais” pelos quais os alimentos passam para chegar até a mesa familiar, atravessando toda a organização social alimentar. A distinção entre consumidores e compradores é assim estabelecida e se inicia o reino da “dona-de-casa” pesquisado pelos homens do marketing e por outros medidore med idoress de audiência audiên cia (Lewin, 1959). 1959). A teoria dos canais tenta explicar: como e por que os alimentos chegam à mesa? Por quais etapas eles passam? Quem controla estas diferentes etapas? E como o faz? Lewin, teorizando a partir de suas pesquisas sobre o consumo do leite e de animais de criação, na sociedade americana, apela para a imagem de um “canal” pelo qual o alimento passaria para chegar até o comedor e cujo acesso e funcionamento seriam controlados por “guardiões”. Estes agem ao mesmo tempo através de lógicas técnicoeconômicas e sociológicas sociológicas submetidas submetidas a representações representações.. Esta Esta conce co ncepçã pção o está presente em vários autores contemporâneos como Moulin (1975), Ledrut e sua equipe (1979), e será desenvolvida de maneira sistemática por Corbe Cor beau au.7 .78 8.4.1
Socialidade, Socialid ade, sociabilidade e mudança muda nça social
Corbeau distingue as noções de “socialidade” e de “sociabilidade”. A primeira dá conta do conjunto de determinantes sociais e culturais que pesam sobre um ator social, neste caso o comedor, e isso quer ele tenha 78 Lembramo Lembramoss finalm finalmente ente que é a Corbe Corbeau au e Mou Moulin lin que se d deve eve a criação do prim primeiro eiro grupo de pesquisa sociológica sobre a alimentação, o Comitê de Pesquisa n° 17, “Sociolo “Soc iologie gie et anthropologie de rralimentatio alimentation” n” da AIS AISLF, LF, e em m 198 1985. 5.
C a p í t u l o 8 - D o i n t e r e s s e s o c io l ó g ic o pel a a l i me m e n t a ç ã o à s s o c l o l o g ia s d a a l i m en en t a ç ã o
20 5
consciência delas ou não. “Mós consideramos a sociaiidade como o impacto cristalizado sobre os indivíduos de modelos culturais majoritários numa visão de mundo dada. Esta visão de mundo decide, no seio de uma cultura, o que deve ser adquirido por seus membros em função do lugar que eles ocupam, para uma dada amostra, numa situação portadora de hierarquias econômicas, sociais, de relações de gêneros, de acesso ao conhecimento e aos modos de experiência” (Corbeau 1997-1, 150). A sociaiidade encontra-se, pois, acima do sentido que um ator social dá à
suas próprias práticas. Podemos utilizar, precisa ele, para descrever a sociaiidade^ uma metáfora, "ela é uma espécie de “tatuagem”, um marcador às vezes aceito, valorizado, sublimado, outras vezes reprimido, oculto ou renegado, mas do qual os indivíduos não podem jamais se desfazer”. Ela corresponde à noção de "realidade objetiva exteriorizada” de Berger e Luckman (1986). A sociabilidade remete, por sua parte, para a maneira como os indivíduos em interação irão, num contexto preciso, colocar em cena as regras impostas pela sociaiidade. Em outros termos, ela corresponde à originalidade da atualização concreta de seus determinismos sociais. “A sociabilidade se afirma como um processo interativo no qual os indivíduos escolhem as formas de comunicação, de troca que os ligam aos outros. Eles podem, então, ou exibir uma vontade de reprodução social aceitando ser um simples objeto ou produto da sociaiidade, ou desenvolver dinâmicas criativas criativ as através de inter-relações inter-relaç ões que qu e eles ele s procu pr ocura ram m provo pr ovoca car.. r...” .” (z (z r
PADRO NIZAÇÃO M cJDonalLzaçio A L T R U Í S T A
Integraçãoforte
In fo rm a l i z a çã o Estilização F Fonte: onte: Selon Warde (1997).
Figura 7 - Forças sociais que influenciam influenciam as escolha s alimenta alimentares res
9.2 9. 2 As escalas escalas dean análi álises ses Ainda que presente na definição que Gurvitch deu, em 1958, da sociologia e de sua missão, a noção de escala de análise foi, até um passado recente, relativamente pouco utilizada. "A sociologia, escreveu ele, é a tipologia tipologia qualita qualitativa tiva e descontinuista - fundada na dialética - dos fenômenos sociais totais a-estruturados, estruturáveis e estruturados, que ela estuda de imediato em todos os degraus de profundidade, em todas as escalas e em todos os setores, a fim de seguir seus movimentos de estruturação, de desestruturação e de ruptura, encontrando sua explicação em colaboração com a história” (Gurvitch, 1958, 27). Elas constituem, desde recentemente, um eixo de pesquisa teórica da atualidade (Desjeux, 1998). Do mesmo modo que as escalas permitem na geografia ou na arquite arq uitetura tura explic explicar ar diferentes diferentes graus de detalhes de uma m esm a realidade, mas deixando ao mesmo tempo escapar alguns aspectos não visíveis a partir deste ponto de vista, as teorias sociológicas compreendem
a pítulo 9 - As so c C apítulo / o l o g i a s da alimentação e a s tentativas d e a r t i c u l a ç ã o
21 219 9
fenômenos sociais em escalas diferentes. Elas são apenas de divisões da observação e cada qual possui seus pontos cegos. A compreensão de um fato social passa pela articulação dos conhecimentos obtidos sobre ele a partir de diferentes escala de análises. E assim que, para Desjeux, as diferentes teorias sociológicas se opõem apenas artificialmente entre elas (1998). Elas correspondem a níveis de observação, de leituras produzidas
em escalas diferentes. E porque a realidadeésocial é contínua, complexa” enquanto que “a observação descontínua” queglobal temose necessidade de articular os níveis de observação (1999, 52). Numa obra coletiva recente que se propõe indicar a situação em que se encontra os conhecimentos da sociologia da alimentação e da nutrição anglo-saxã, Germov e Williams (1999) utilizam a noção de escala para organizar as diferentes tendências às quais está submetida a evolução das práticas alimentares. Eles distinguem três níveis de observação: o nível macrossociológico e os efeitos da McDonalização da alimentação, o nível mesossociológico e as lógicas da diferenciação social e, finalmente, o nível microssociológico e as formas de raciona lidade alimentar. A distinção macro, meso microssociológica, Dominique Desjeux propõeclássica acrescentar uma equarta escala de observação: a escala biológica (1996-2). 9.2.1
A escala macrossocial
Ela descreve e procura explicar as diferenciações sociais ao nível de agregados agrega dos estatísticos. estatísticos. E a perspectiva adotad adotadaa por Durkheim no suicídi suicídio. o. “Neste caso, os atores como sujeitos e como calculadores desaparecem a favor favor das grandes regularid regularidades ades das classes classe s sociais, so ciais, da idade, do sexo se xo...” ...” (Desjeux, 1996 1996-2) -2).. É a escala mobilizada pela análise análise macrossocioló macros sociológica, gica, econômica, marketing... Os conceitos de “classes sociais”, de “estilo de vida” ou ainda de “modo de vida” encontram aqui sua pertinência. Nesta escala, não é possível observar a vontade dos indivíduos, nem seus mecanismos de decisão. A explicação dominante é antes o condicionamento social. Os trabalhos de Bourdieu (1979), de Grignon (1980), de Douglas (1981), de Herpin (1984, Herpin e Verger, 1991), de Norbert Elias (1939), de Goody (1982), de Fischler sobre a “Gastroanomia” (1979), de Rivière (1995), de Combris e Volatier (1998) são representativos deste nível de análise.
SoaO Soa O LO G lA S DA ALIM EN TAÇÃ O
220
9.2.2
A escala mesossocial
Ela parte do ângulo cego dos estudos estatísticos e se interessa pelas relações entre os atores. “A hipótese metodológica é que a decisão, e através dela a vontade, participa destas diferentes dimensões que foram recortadas na realidade social pelos diferentes sociólogos em escala microssocial para explicar as interações sociais que são a base de processos decisórios. Mas
a vontade, a decisão, a ação, que participam deste processo, não são observáveis enquanto tais. Estas são caixas-pretas. O que é observável são os índices concretos de uma passagem à ação, como as redes ou os cálculos, ou determinantes acima desta passagem, como o imaginário, a identidade, a intenção, o sentido ou a aprendizagem (Desjeux, 1996, 28 e 29). Dominante na sociologia contemporânea, esta escala mobiliza cinco grandes categorias interpretativas nas quais podemos incluir alguns autores da sociologia da alimentação, ou, às vezes, alguns de seus trabalhos particulares. A primeira corresponde ao sentido, ao simbólico, à intenção ou à afetividade, cujos trabalhos de Fischler sobre a incorporação (1990), Desjeux e Taponier (1991) sobre as decisões de compra, de Beardsworth (199 (1995) 5) sobre sobre as ambivalências da alimentação alimen tação humana são represe representati ntativos vos.. A segund se gunda a forma interp interpret retati ativa va acentua o interesse, interesse, as a s relações de pode poder. r. O estudo da cadeia do comer de Corbeau (1995) e os sistemas de decisões da escolha de alimentos em alimentação coletiva de Poulain (1998) correspondem a esta interpretação. A terceira categoria é a análise em termos do imaginário. Ela é adotada por Maffesoli (1981 e 1988), Poulain para o estudo das funções dos nomes culinários e das estruturas imaginárias empregados na gastronomia francesa ou no interes interesse se contemporâneo pelos produtos “da terra” (1985-2, 1997-1), ou ainda por Warnier arnier na atraçã atr ação o exercida pelas mercadorias consideradas “autênticas" pelos consumidores modernos (1994). As construções identitárias constituem o quarto enfoque, muito amplamente amplament e utilizado utilizado pelos sociólog so ciólogos os da alimenta alimentação ção Moulin Moulin (1967, (1967, 1974), Fischler (1990), Pfirsch (1997) e Poulain (1997-1). Finalmente, a abordagem em termos de redes sociais foi adotada por Corbeau para explicar o funcionamento da cadeia do comer Poulain (1997-2) para a análise do serviço à moda francesa (1985-1). 9.2.3 9. 2.3
A escala microssocial ou microind icroindividu ividual al
Esta escala se concentra no indivíduo e faz aparecer uma outra dimensão da decisão, a das arbitragens. Ela se interessa pelos raciocínios,
C ap apI t u l o 9 - A s so ci o l o g ia sd aa l m men en t aç ão eas t ent ativ as d e a r t i c u l a ç ã o
221
pelas tomadas de decisão, pela cognição e pensa os fatos sociais em termos de necessidades (biológica ou psicanalítica), do gosto no sentido psicológico. “Neste caso a vontade como escolha, como produto de uma
arbitragem entre preferências, relativamente contrário, a cognitiva vontade desaparece se ela é éobservada comoobservável. resultante Ao do inconsciente, como ela desapareceu também na escala da observação macrossocial em termos de habitus” (Desjeux, 1996, 1996, 30). No N o domínio domínio da alimentação alimentaçã o encontramos esta escal es cala a no trabalhos de Chiva (1985, (1985, 1986 1986), ), Rozin, Hossenlopp, Aimez (1979), Le Barzic e Pouillon (1998). 9.2.4 9.2 .4
A escala biológica
De sua experiência do estudo do objeto alimentar e da pesquisa em cooperação com cientistas do meio médico, Desjeux (1993) retira a necessidade de integrar naeanálise fatosum sociais espaço de de interação das dimensões biológicas sociais,dos como nívelode estudo alguns fenômenos sociais. Ela a transforma na quarta escala de análise cujo objeto é compreender, ao nível dos dados bioquímicos e fisiológicos envolvidos no processo da nutrição ou das escolhas alimentares, o impacto de fenômenos fenômen os sociais. Encontramos Encontram os neste n este nível nível os trabalhos de inspiração inspiração cognitiva como os de Bellisle (1992 e 1999), de Louis-Sylvestre (19), Fantino (1992) Stylianos Nicolaidis (1992), Mac Leod (1992), Faurion (1993), (199 3), Vincent (1986), (1986), de B eck ec k (2000) (2000) ou as aborda abo rdagen genss pluridis pluridiscip ciplina linares res conduzidas por Hubert e ou ainda por Lambert e Dupin. Na realidade, a posição de Desjeux não é apenas uma abordagem em termos de escala no sentido geográfico, masde aoleitura mesmo combinação entre a análise em termos da escala e atempo, análiseuma em termos de paradigmas. A cada escala correspondem de maneira preferencial métodos, perspectivas teóricas, aparelhos conceituais. A análise em termos de escala é herdeira da concepção dos níveis do fato social de Gurvitch.
222
SOOOLOGÍAS SOOO LOGÍAS DA ALIMENTAÇÃO
A
Autores
Escalas / corte
A
Atores, ações
1Bourdíeu, P. Combris, ^Douglas, N. Elias, 1Grlgrton, 3. Goody, 0 Flschler, M. Halbwachs, 0 2Herpín, V. Scardigli, >Warde
Beardsworth, J.-P Corbeau, s. Lahlou, R. Ledrut,
> Desjeux, P
FLewln, M. PRMère, P.
Maffesoll, Warner V. Pflrsch
G. Bedcerj M. Chiva, A. Maslow
A. Basdevant, F. Beilisle, J.-F. Desjeux, H. Dupín, S. Hercberg, J. Loufe Sylvestre
O real é “contínuo”
é descontínua
complexo
Fonte: Poulam, a partir de um esquema esquema de O. O . Desjeux. Desjeux .
Figura Fig ura 8 - As escalas escalas de observação segun do Desjeux
- C a pít u l o 10 A SOCIOLOGIA
DA GASTRONOMIA FRANCESA
Antes de buscar as condições de uma redefinição do objeto da sociologia da alimentação para permitir a análise dos modelos alimentares, precisamos ter uma noção de uma dificuldade particular, de um novo obstáculo epistemológico que é a gastronomia francesa. Pela posição da temática alimentar na cultura francesa, pela grande complexidade da gastronomia, por sua influência internacional às vezes confundida com a ambição "pedagógica” da atitude colonial à moda francesa, a gastronomia é um fenômeno fenôm eno social social muito pouco abordado pela sociologia. Distingamos Distingamos em primeiro lugar a alimentação e a gastronomia. A gastronomia é uma estetização da cozinha e das maneiras à mesa, um a virada hedonista dos fins biológicos da alimentação, esta atividade muito amplamente cercada por por regra regrass sociais e no exercício da qual som s om os condena condenados dos vária váriass vezes por dia. Se todas as culturas apresentam formas de estetização da alimentação, raras são as que a colocaram num grau de sofisticação atingido pela gastronomia francesa. Na França, a atitude gastronômica não poderia ser reduzida à cozinha e às maneiras das elites. Ela constitui um “patrimônio” reivindicado com algum orgulho por todos os que participam da cultura francesa, quaisquer que sejam suas posições sociais. A gastronomia apresenta-se como “fato social” de primeira importância para compreender a originalidade da sociedade francesa e de sua organização. Por que, no âmbito da Europa, na sua versão mais desenvolvida, a gastronomia é francesa e não inglesa, alemã, espanhola, portuguesa ou italiana?... Pois se todo mundo está de acordo em dizer que estes alguns países enumerados, e a lista não está encerrada, reservam interessantes experiências gastronômicas, não há, entretanto, sombra de
224
SdaOLOGIA SdaOL OGIA SDA ALI ALIME MENTAÇÃO NTAÇÃO
dúvida, nem o menor elemento de discussão, que a gastronomia, a “a mais importante”, é justamente francesa. Antes de ver o que a gastronomia pode nos ensinar sobre a sociedade francesa, uma questão preliminar se impõe. Por qual surpreendente paradoxo é em primeiro lugar para pensadores estrangeiros como Simmel (1910), Elias (1939), Moulin (1967), Zeldin (1979), Goody (1982), Mennell (1985), que devemos ver apontado o fato gastronômico
como uma das grandes particularidades da cultura francesa? Parece Parece estranho, escreve uma pesquisadora de origem sueca, que um país com o a França França,, cuja alimentação alimentação possui poss ui um renome renome mundial, não possui pos sui uma uma literatura séria e penetrante sobre o que os franceses comem, por que e e quando (Valéri, 1971, 69).
10.1 Acomplexidad plexidadedagastrono gastronom miafranc francesa esa üm apresentador de televisão entrevistando o intérpr intérprete ete do imperador do Japão em visita à França, após ter se interessado pelo gosto de sua excelência pela cozinha cozinha francesa, coloca c oloca a questão: questão: “O Ja J a p ã o possui possui tamb também ém uma cultura alimentar muito prestigiosa, o senhor podería nos dize dizerr alguma algu mass palavras sobre a cerimônia do chá?”. A resposta é dada imediatamente, o que deixa o jornalista jornalista sem voz: voz: “E um assunto as sunto muito complexo, compl exo, infelizment infelizmente e não posso lhe responder, é preciso ter estudado esta questão durante anos antes de poder dizer alguma coisa de sério sobre ela...”. Que um estrangeiro venha a colocar uma questão simétrica a um francês, quer esta seja sobre o vinho, a cozinha ou as maneiras à mesa, este não hesita um segundo em formular uma resposta... na qual ele expõe, na maioria das vezes, uma série de banalidades... A cultura gastronômica seria ela, na França, um bem comum e, sem dúvida, como o espírito, “a coisa melhor partilhada”...? Quando se é francês, nem sempre nos damos conta exatamente da extrema complexidade do sistema sistem a de regras regras sociais que constitui constitui nossa própria gastronomia, devido a este “fenômeno de miopia” engendrado pela proximidade, pelo “é assim mesmo” e a lente de nossos próprios conceitos lingüísticos que impedem de compreender a dimensão do fenômeno,xle compreender os dados factuais e empíricos pertinentes na sua complexidade (Goody, 1982).
C a p í t u l o 1 0 ~ A s o c io l o g ia d a g a s t r o n o m ia ff r a n c es a
22 5
Mas igualmente, porque a gastronomia é um traço cultural que, além dos mecanism mec anismos os de diferenciação social nos quais ela está implicada, implicada, participa por seu modo de difusão da construção da identidade francesa. Para tentar circunscrever o grau de sofisticação da gastronomia francesa, nós manteremos duas características que a diferenciam: seu grau de complexidade e sua capacidade de se impor como modelo às elites de outros espaços culturais.
Se o termo que a designa entra em uso u so apenas apen as em e m 1800,81 data da da publicação da obra de Berchoux, La gastronomie ou 1’homme des champs champs à table, a disciplina gastronômica se desenvolve com uma certa originalidade a partir da segunda metade do século XVII. Ela se caracteriza por uma multiplicação do número de receitas e uma complexificação das maneiras à mesa. Certamente, as cozinhas populares conhecem também elas variações de pratos. Diante da multiplicidade das fórmulas e da busca ilusória da verdadeira receita, nós propusemos adotar, na démarche etnoculinária, um princípio metodológico emprestado de Lévi-Strauss e que mostrou sua eficácia no(Poulain, estudo dos6).mitos: mit os:s "uma popular é de a soma som a deco suas variantes” (Pou lain, 1996). 199 Estas Esta a partir partirreceita de agor a gora a deixa dei xam m ser lidas com mo “desvios” e tornam-se “versões” cuja função não é outra senão marcar, numa dialética integração/diferenciação, diferenças geográficas, sociais ou familiares. Mas diferentemente das cozinhas populares de tradição oral, as cozinhas savants são rigorosamente codificadas em obras escritas. A passagem para a escrita reduz esta variabilidade e fixa as fórmulas e as ínfimas variações como outras tantas receitas autônomas. Até a metade do século XVI, as cozinhas eruditas européias, como a cozinha espanhola, italiana, portuguesa e francesa (que nesta época quase não se diferenciavam umas das outras) contam entre 300 e 400 fórmulas originais, o que é já muito. Elas se organizam em grandes categorias de pratos nas quais se desenvolvem séries mais ou menos longas de receitas. Na França, a partir do Cuisinier Rogai et bourgeois, bourgeois, de Massialot (1691), seu número pouco a pouco aumenta. E assim que enumera-se 507 fórmulas neste livro que, inovação importante, apresentaRoberr t situa em 162 81 S e o Robe 1623 3 o prime primeiro iro apare apareciment cimento o da palavra, Courtine nos assinala que trata-se de uma alusão ao título de uma obra perdida do grego Arkhestratos: "Gastronomia ou Gastrologia" da qual sabemos da existência apenas por uma citação do poeta grego Ateneu, e em m seu ““Banquete Banquete dos Sof Sofistas" istas" (Court (Courtine, ine, 1970 1970). ).
2 2 6
SoaOLOGlAS SoaOLOGl AS DA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
se como um dicionário. Esta mudança de forma do livro de receitas atesta uma transformação fundamental, passa-se do livro "compêndio", simples lista de pratos, para uma ferramenta que permite fazer funcionar um código e quase já uma verdadeira linguagem, no sentido lingüístico do termo. Pois encontramos nele não somente receitas, mas também fórmulas de elementos inferiores ao prato (caldos, molhos, acompanhamentos...) e principalmente regras de combinações que permitem, juntando-as, criar novos pratos. O sistema das denominações culinárias que fixa as receitas
novos pratos. O sistema das denominações culinárias que fixa as receitas mas também os elementos intermediários vai permitir a explosão do Lã número de fórmulas fórmul as (Poulain, 1985-2). 1985-2). Em 1774, a primeira primeira ediçã ed ição o de Lã cuisinière bourgeoise, de Menon, contém não menos de 843 fórmulas. Lart de /a cuisine française, de Carême, estabelece 1347; com Dubois e Bernard alcançamos 3544 na La cuisine Classique-, 5531 no L e dictionnaire universal de cuisine, de Favre; 4568, noLe guid guidee culinaire, culinaire, la de Escoffier; para terminar com mais de 7000 no Le répertoire de la cuisine, de Gringoire e Saulnier, que se coloca explicitamente como Le Le dictionnaire diction naire pratique pratique de la gastronomie française. fra nçaise. Mais de 7000 fórmulas descritas, mas na realidade muito mais receitas possíveis, pois a obra é simultaneamente um livro de vocabulário e um manual de gramática. Ele expõe um código complexo que distingue os produtos de base, as técnicas de cozimento, as técnicas de combinações,, os acompanhamentos combinações acompanham entos de legumes, os molhos; molhos; outros outros tantos tantos elementos que se combinam entre si segundo regras de uma extrema precisão, para dar nascimento à novos pratos; ou seja, a pratos não descritos no livro mas contidos no código. Pois na cozinha francesa, desde o século XVII, o cozinheiro não cria um prato, ele fale uma língua. A gastronomia francesa se distingue portanto das cozinhas européias ou das cozinhas regionais por seu grau de complexidade; ela é uma verdadeira língua que dispõe de vários níveis de diferenciação. A passagem da lista de pratos para o código, sistema aberto capaz de criar novidades quase ao infinito, é uma revolução paradigmática sem equivalente na Europa (Poulain, 1985-1 e 1985-2). Dois universos gastronômicos caminharam neste sentido, sem no entanto alcançar o grau de sofisticação da cozinha francesa: a cozinha chinesa e a cozinha vietnamita que dispõem todas as duas de um código semi-elaborado e apresentam um número n úmero de fórmulas fórmulas que ultrapassam mil mil (Sabba (Sa bban, n, 1996, Poulain, Poulain, 1997-2 1997-2 e 1997-4). 1997-4). Some So ment nte e a gastronomia japonesa, na sua versão mais sofisticada que é o serviço kaiseki-ryori alcança um grau de complexidade comparável mais com modalidades funcionais diferentes (Ishige Maomichi, 1994).
C a p í t u l o 1 0 - A s o c io l o g ia d a gg a s t r o n o m ia f f r a n c es a
227
Beneficiando-se do prestígio de Versailles, a gastronomia francesa, desde o final do século XVII, brilha sobre a Europa. Elemento essencial do “gosto francês”, da arte de viver à moda francesa, ela serve de modelo paraa as elites par elites do mundo mun do ocidental. A revolução, longe de re redu duzi zirr o fenômeno fenôme no vai exacerbá-lo. Os chefs de cozinha até então a serviço da aristocracia estãoo diante estã diante de uma alternat alternativa iva:: seguir seu mestre mestr e no exílio, exílio, ou permanecer na França. Os que optam pela primeira solução chegando depois de seus
mestres a Londres, Madri, Genebra, Hamburgo ou Berlin... tomam-se rapidamente a coqueluche da cidade, “é preciso ir comer na casa do francês" e participam do desenvolvimento da influência francesa na Europa. Se eles decidem continuar na França, uma outra escolha se oferece a eles: emprestar seus serviços para os novos detentores do poder ou abrir restaurantes restaura ntes (Aron, (Aron, 1976) 1976).. É no ardor ardor da revoluç re volução ão que qu e a instituição do restaurante se estabelece e rapidamente é exportada para o mundo inteiro. A tal ponto que muito raras são, hoje, as línguas nas quais os termos franceses “restaurante” ou "café” não foram adotados para designar um lugar onde se serve refeições de cozinha erudita. Quando a tormenta revolucionária se acalma e que as repúblicas sucedem aos impérios e outras restaurações, a indústria dos grandes hotéis se desenvolve, nas cidades de água inicialmente, à beira-mar ou nas estações termais, objeto de um entusiasmo sem igual. A Europa se cobre de palácios nos quais se vende, tanto a uma burguesia em busca de legitimidade social como a uma aristocracia mais ou menos decaída, “a nostalgia da vida do castelo". O palácio do século XIX é a vida de corte revisitada. Lá ainda os cozinheiros franceses mantêm as alavancas e os fogões, impondo seu estilo de cozinha que se torna a cozinha internacional. Fala-se francês nas embaixadas, nos palácios, às mesas de jogos dos cassinos e, certamente, os cardápios dos restaurantes (Neirinck e Poulain, 2000). Numa leitura um pouco rápida, a influência internacional da gastronomia francesa pode ser confundida com o etnocentrismo da cultura colonial burguesa.
10..2 Porqueagastr 10 gastronom onomia ia éfr franc ancesa esa?? Para compreender como a gastronomia francesa pôde se tornar complexa e passa a desempenhar este papel de legitimação, precisamos esboçar a paisagem sociológica e imaginária de sua emergência e de seu
2 2 8
SoaOLOGI AS DÁ ALI ALIMENTAÇ MENTAÇÃO ÃO
desenvolvimento. Convém compreender, além das funções sociais que ela assume, e até nas suas estruturas, que ela fala da cultura que lhe deu nascimento e daqueles que a copiam. Fazendo isso, interessar-se pela gastronomia é igualmente fazer uma releitura sociológica da história francesa e européia.
10.2.1 O lugar l ugar do alimentar na cultura cultura erudita erudita Conseqüência da ruptura cartesiana, a reflexão sobre o culinário foi, durante séculos, considerada como um gênero literário menor. Coroando a separação entre o mundo e o homem iniciada pela revolução copernicana, colocando coloca ndo a distinção entr entre e o objeto e o sujeito sujeito - a verdade verdade a ser descoberta residindo no primeiro destes termos e o erro, do qual convém se desfazer graças ao método que encontra seu critério último na racionalidade, na subjetiv sub jetividad idade e - o pensamen pens amento to cartesiano car tesiano expulsa o alimentar alimentar da cultura cultura erudita. erud ita. Esta ruptura ruptura ontológic ontol ógica a entre o sujeito sujeito e o objeto, apoiad a poiada a no divórcio divórcio do corpo e da alma, do espírito e da matéria que já dividia o homem em duas entidades hierarquizadas, onde uma era o princípio do pensamento consciente e a outra dependia da pura mecânica, atesta, segundo a expressão de Bernard Valade “o divórcio da ciência e da subjetividade" (Valade (Va lade,, 1996 1996). ). H a dará a luz luz mais tarde ao pensa pe nsamen mento to científico. A part partir ir de de então a alimenta a limentação ção que, qu e, por suas dimensões dim ensões simbólicas e, principalmente o imaginário da incorporação que a sustenta, traduz a originalidade da “conexão bio-antropológica" de um grupo humano com seu meio mei o (Mor (Morin, in, 1973 1973;; Fischler, 1990), 1990), foi foi excluída do do cam po do pensável e reduzida à sua estrita dimensão mecânica e orgânica. O alcance simbólico da "Tabula rasa” ultrapassa o campo do filosófico. Tornada um assunto muito pesado, a comida fazia mau efeito nesta mesa que “limpa” servia apenas para a reconstrução intelectual do mundo. Eliminando, repelindo o alimentar para fora do campo da filosofia, os pensadores do século XVII rompiam assim com uma longa série de tradições nas quais, dos “Poemas dourados ” de Pitágoras até o “Gargântua" , de Rabelais, passando pelo “Banquete” platônico, alimentos espirituais e alimentos terrestres mantinham relações pacíficas, e onde o pensador podia abordar o alimento sem no entanto perder seu estatuto. Particularismo ocidental, tanto é verdade que a reflexão sobre o alimentar constitui para um filósofo chinês, por exemplo, uma passagem obrigatória de sua carreira.
C a p i t u l o 1 0 - A s o c io l o g ia d a gg a s t r o n o m ia ff r a n c es a
22 9
Projetado numa clandestinidade cultural, o discurso sobre o culinário, longe de empobrecer-se, conhecerá um desenvolvimento extraor extr aordin dinário ário.. Liberto Liberto da tutela do filosófico, filosóf ico, vários séculos sécu los antes o conjunto das ciências e principalmente das ciências ditas “humanas”, que esperam alcançar o aparecimento do método experimental para ousar reivindicar sua maioridade a uma mãe possessiva, a gastronomia vai se constituir em disciplina autônoma. E nós não hesitaremos, por mais paradoxal que
isso possa parecer, parecer, de fazer de Desca D escartes rtes o pai involuntár involuntário io da gastronomia. gas tronomia. Nada surpreendente então que “a grande arte culinária" seja francesa, já que o fundador do método que iria revolucionar o pensamento ocidental o era ele também. Filha natural dos filósofos do século XVII, a gastronomia continuará no esconderijo cultural até a segunda metade de nosso século XX e se ao longo de todos estes quatrocentos anos de exclusão ela receberá às vezes a visita de alguns gigantes da literatura (Chateaubriand, Baudelaire, Dumas...), as obras que nascerão destes breves encontros guardarão aos olhos de seus contemporâneos o aspecto de trabalhos menores, de divertimentos, cujo interesse essencial reside no sabor ilegítimo das ligações perigosas que lhe deram à luz. Como Barthes aponta, a comida França1967). é um assunto futilizado, uma coqueteria de fim de carreira na (Barthes, Muito corporalizada, ela não conquistou completamente o estatuto de disciplina artística. Simmel mostra a irredutível diferença de natureza da estética gastronômica articulada na incorporação. "... a mesa posta não deve aparecer como uma obra de arte fechada sobre si mesma, da qual não se ousaria destru destruir ir a forma. form a. Enquan Enq uanto to a obra de arte tira tira sua essência de sua beleza, de sua integridade, que nos mantém à distância, o refinamento da mesa é um convite ao arrombamento de sua beleza” (Simmel, 1910 [1992], 215). E, no entanto, como toda disciplina artística, a gastronomia é um espaço onde uma cultura constrói o sentido de sua época (Borillo e Sauvageot, 1996). Que reflexão é mais essencial para compreender a sociedade francesa do que aquela que se propõe examinar as mentalidades, o imaginário, as mitologias que deram nascimento à gastronomia, e que determinam a sua dinâmica dinâ mica interna interna (Zeld (Zeldin, in, 1979 1979;; Moulin, Mouli n, 1988 1988;; Maffesoli, 1981 1981)? )? A posiç po sição ão muito mu ito particular particular no mapa ma pa da geografia erudita que os pensadores do século XVII acabam organizando, faz da da gastronomia um u m discurso de resistência resistência ao reducionismo dominante dominante e das práticas práticas de m esa, esa , um u m lugar de retomo do d o reprimido reprimido - a figura figura do do
230
S o a ü L
OGI OGI AS DA ALIMENTA ALIMENTA ÇÁO
homem presen presente te no mundo - assegurando no imaginár imaginário io social social uma função fun ção catártica c atártica de equilíbrio equilíbrio (Durand, 1960 1960 [1969 [1969]). ]). A gastronomia gastron omia é um pouco o lapso do pensamento francês e poderia bem ser a “via real" para seu inconsciente cultural. Nossa abordagem da gastronomia recorre a uma série de interpretações: o processo de civilização de Norbert Elias que se prolonga para o modelo da distinção social, a alquimia como estrutura do pensamento da criatividade culinária, e, finalmente, as relações
que a gastronomia mantém com a moral religiosa católica. 10.2.2 O modelo mode lo da distinção distinção social Para Elias, o aparecimento do termo “civilidade”, em 1530, no texto de Erasmo de Rotterdam, intitulado “De ciuitate morum puerilium" é "a expressão e o símbolo de uma transformação da realidade social que vai constituir const ituir a espinha dorsal da sociedade socieda de da corte" (Elias, (Elias, 1939, 90 90). ). A civilidade recobre um conjunto de prescrições que permitem “orientar o comportamento do homem em sociedade", sobretudo, mas não exclusivamente, “externum corporis decoram", ou seja, as atitudes, as aparências exterio exteriores res do corpo. O objetivo objetivo é de “disti “distingu nguir ir as cam adas ad as superiores das camadas inferiores” (id .,., 92). As maneiras, na primeira classe das quais as maneiras à mesa m esa que q ue representam representam os corpos e definem as condições da incorporação alimentar, vão ser o objeto de prescrição a serviço da distinção social. Historicamente, este fenômeno “concerne e engloba nacionalidades diversas que se expressam numa língua comum, o italiano inicialmente, depois o francês, línguas novas que assumem doravante as funções do latim”. Estas línguas novas e esta nova realidade social, a civilidade, traduzem, na Renascença, uma certa unidade social européia (Elias, 1939). Na França, entretanto, a civilidade vai encontrar as condições de uma expressão particular. A instalação da corte da França em Versailles, perto do final do século XVII, anuncia o início de mutações sociais determinantes. Ela prolonga a centralização do Estado comandada por Henrique IV e atrai para a capital as aristocracias provincianas que a partir de então negligenciam suas funções políticas regionais. Diante do vazio do poder político local, a burguesia, cuja importância econômica vai crescendo, não cessa, numa atitude estigmatizada pelo Fidalgo Burguês, Burguês, de imitar as maneiras aristocráticas. A nobreza imitada se apressa então em ordenar a seus artistas, açougueiros, costureiros, perfumistas,
C a p í t u l o JO JO - A s o c io l o g ia d a gg a st r o n o mi a f f r a n c es a
231
peruqueiros... novas práticas sociais suscetíveis de marcar sua diferença; instala-se assim o “processo de civilização” posto em evidência por Elias (1939). A moda vestimentarária, a arte do perfume, a gastronomia, erigemse assim em sistemas distintivos, através deles se afirma a diferença social, produz-s prod uz-se e o reconhecimento. Sobre a sofistic so fisticaçã ação o crescente crescen te destas prática práticass que asseguram o deslocamento das classes ascendentes e a superioridade das elites, elites, funda-se “a arte arte de viv viver er à m oda france fra ncesa” sa”,, rapidamente rapidamente imitada imitada
pelas elites européias. E nestas questões de reconhecimento e de distinção, neste deslocamento entre imitadores e seguidores, que reside a dinâmica da moda. A literatura culinária vai se colocar a serviço deste mecanismo social. Em 1691, com Le cuisinier royal et bourgeois", de Massialot, aparece pela primeira vez, de maneira explícita, a referência à burguesia no título de um livro de receitas. Pois é doravante antes de tudo para esta categoria social que se escrevem as obras culinárias. Assim inaugura-se uma das principais funções da literatura gastronômica que, de Menon a Gault e Millau, passando por Grimod de La Reynière e Brillat-Savarin, propõe iniciar-se no “bom gosto” das classes médias em busca de ascensão social. Longe de interromper este fenômeno, a Revolução Francesa lhe dá um segundo sopro, oferecendo à burguesia a posição social com a qual ela sonha há dois séculos. A mercantilização da gastronomia através da criação de restaurantes pelos açougueiros em ruptura de emprego torna acessível a um maior número a experiência gourmand. Atravessando a sociedade num movimento descendente, o modelo gastronômico participa, além de nos jogos de diferenciação sociais, da construção da identidade francesa. Na análise da sociedade francesa dos anos 1970, Pierre Bourdieu apresentará variações sobre o mesmo tema. E a partir do estudo de práticas sociais concretas e cotidianas, na primeira classe das quais as práticas alimentares, que emerge a teoria do hábito. Partindo dos gostos e do que os diferencia, ele identifica sua origem no hábito: "Estrutura perceptiva, por detrás da qual aparecem as condições materiais de existência objetivamente classificáveis”. Entretanto, instalada na tradição crítica da sociologia, ele não vê na gastronomia e no discurso que a sustenta, mais que uma produção ideológica dependente da irracionalidade do processo de distinç distinção ão e dedica-se a acentuar a permanência das classes
232
SOCIOLOOASD A ALIMENTAÇÃO
sociais, sobre a autonomia dos gostos populares. “A arte de beber e de comer permanece sem dúvida um dos únicos terrenos sobre os quais as classes populares se opõem explicitamente à arte de viver legítima" (Bourdieu, 1979, 2000). Na esteira de Bourdieu, alguns sociólogos procuraram colocar em evidên evi dência cia uma autonomia da alimentação popular popular ou camponesa. campo nesa. Ficamos Ficam os surpresos às vezes ao ver, nos melhores trabalhos deste tipo e nos mais
atentos aos dados empíricos, o não tratamento de alguns dados que dão conta deste movimento descendente, como, por exemplo, a presença de “Bouché “B ouché à Ia Ia rein reine”8 e”82 nos cardápios cam poneses pon eses do d o sudoeste dos anos 1970, na pesquisa realizada por Bages e Rieu (1988). A posição de Bourdieu é prisioneira de um populismo militante que o impede de ver na gastronomia e nas práticas sociais que dela resultam, outra coisa senão as transformações e a irracionalidade da distinção. Outras dinâmicas sustentam o que uma sociologia do imaginário se propõe colocar à luz. “Numerosos são os sociólogos franceses, escreve Corbeau, que ‘ingenuamente’ confundem a linguagem do gou gourme rmet t com com sua expressão numa burguesia francesa etnocêntrica e que não chegam a perceber suas dimensões poéticas, até mesmo universalizáveis sob múltiplas formas, desde que se faça a aventura gastronômica e que se evite as codificações da reprodução social para não considerar senão a ‘ritualização’ de uma emoção sensorial” (Corbeau, 1991, 12). 10.2.3 O gosto g osto como eixo de desenvolvimen desenvolvimento to Durante a época medieval e na Renascença, as especiarias desempenham um papel papel central central na função de distinção.83 Quando Qua ndo,, no final do século XVI, após os progressos da navegação e da descoberta do Novo Mundo, ao mesmo tempo menos caras e mais banais, elas se tornaram o objeto de um consumo ostentatório por parte da burguesia, a cozinha aristocrática começou a desprezá-las. Abandonando as especiarias como sinal de raridade, de luxo, de destacamento em relação à necessidade, a sofisticação da gastronomia francesa vai doravante produ pro duzir zir-se -se sobre o gosto gos to dos alimentos. Em 1654, 1654, Nicolas de Bonnefon Bonn efons, s, 82 Massa folheada folheada recheada recheada de carne branca e molho. (Nota de de traduçã tradução) o) 83 Sobre Sobr e os debates debate s relativ relativos os aos papéis das especiarias na cozinha m medieval, edieval, ver ver F Flandrin landrin e Montanari, 1996, e Poulain Poulain e Neirinck, 2000. 200 0.
a pítulo 1 0 - A C apítulo
s o c io l o g ia da g a st r o n o mi a f f r a n c es a
23 3
numa obra fundadora, Les délices de la campagne, estabelece um princípio revolucionário: “é preciso, diz ele, que a sopa de couves sinta a couve; a de a alho porrô, o alho porrô; a de nabos, o nabo e assim quanto as demais... O que eu digo das sopas, entendo que seja comum e serve de lei lei para para tudo o que se co m e” (1654). Ap arec e aqui o princípio princípio fundamental da cozinha francesa. Passa-se de uma cozinha de mascaramento (como o foram todas as cozinhas eruditas da Europa) que superpõe ao gosto dos alimentos elementos secundários de presença gustativa muito forte, para uma cozinha de alimento onde se busca as associações e as harmonias segundo regras muito próximas da
associações e as harmonias segundo regras muito próximas da harmonização musical ou da teoria da complementaridade pictórica. Aparece então uma nova categoria culinária cuja função é avaliar o gosto dos alimentos: as bases de molho. Diferentemente dos molhos medievais, muito próximos de nossa atual mostarda ou do nuoc-màm vietnamita, os molhos tornam-se verdadeiras bases no sentido pictórico do termo. Eles servem para fazer ressaltar os contornos gustativos do alimento principal. Assim, Massialot o substitui pelo “caldo universal” de LSR, verdadeiro “molho mãe" de todos os molhos, não menos de vinte e três caldos diferentes, marcados por um sabor dominante e aos quais se aplicam usos precisos (1691). Nesta linha, de Marin a Carême, de Beauvilliers a Escoffier, de Gouffé a Robuchon, produz-se o desenvolvimento, o refinamento da cozinha francesa. Certamente, o gosto de Massialot Massialot não é o gosto de Robuchon, e quando o primeiro reivindica o sabor do produto, é preciso compreendêlo de maneira relativa, ou seja, em referência ao estilo culinário que precede. Se para um paladar contemporâneo o gosto dos alimentos da cozinha de Massialot aparecia terrivelmente encoberto por uma quantidade de elementos parasitas, ele não se diferencia menos em relação à cozinha medieval. Esta obsessão pelo gosto deve ser compreendida numa perspectiva dinâmica. Partindo da concepção culinária medieval na qual as especiarias se superpõem ao gosto dos alimentos, ela se desenvolve numa cozinha que associa, e combina de maneira cada vez mais sutil, os sabores dos diversos constituintes de um prato. Nós mostramos como o pensam ento alquímico - que postul postula a a correspondência e a interdependência simbólica do homem e do mundo - servi serviu u de modelo m odelo de pensam p ensamento ento para os cozinheiros dos séculos séc ulos XVI XVIII II e XIX, empenhados nesta busca do gosto. Sensíveis à magia do forno transformado em alambique, eles partem em conquista do ouro potável.
23 4
SoaOlOClA SD A ALI ALIME MENTAÇÃO NTAÇÃO
E o cuidado de melhorar as bases e os molhos se aparece nas obras de cozinha dos mestres do tempo numa linguagem verdadeiramente alquímica alquími ca (Neirinck (Neirinck e Poulain, 2000 e Poulian, 1994 1994). ). Mas para o cozinheiro do século XVIll a busca alquímica não se resume à busca do molho mais perfeito; melhorando sua cozinha, ele pensa em aperfeiçoar-se a si mesmo e, mais ainda, fazer a humanidade “progredir”. A arte culinária participa diretamente “dos progressos do espírito humano”. Esta é a opinião de
Menon: Seria então avançar demais colocar os preparativos da cozinha moderna entre as causas físicas, que no seio de barbárie, permitiram entre nós o reino da polidez, dos talentos do espírito, das artes e das ciências?” (1849). Mais claramente ainda Favre, fundador da Academia culinária, ilustra a magia do princípio de incorporação colocado em evidência por Fischler (1990): “Ao consumir estes molhos sublimes, este ‘ouro líquido’, a própria humanidade se transforma. É a eles que a França deve manter a tocha da gastronomia. Os molhos formam a base da boa cozinha, e é à sua excelência exc elência que a cozinha francesa deve sua superiorid superioridade ade sobre as das outras outras naçõe naç ões” s” (Favre, (Favre, 1883 1883). ). Em E m suma, sum a, ao a o comer come r o que é “bom” os franceses tornam-se melhores ainda: tornamo-nos, decididamente, o quedo comemos. A complexificação da cozinhapróprio vai então produzir-se na linha gosto, mas para que o sensualismo da estética gastronômica francesa possa se desenvolver, ainda lhe seria preciso um contexto filosófico e espiritual que torne possível uma valorização do prazer. E o que o universo católico vai lhe oferecer. 10.2.4 10.2 .4 A moral moral católica e o espí espírit ritoo gastro gastronômico nômico A tese que nos propomos defender inspira-se em parte e coloca-se como contraponto daquela sempre discutida de Weber sobre “A ética protestante e o espírito do capitalismo”. A estetização da alimentação, o aparecimento de um hedonismo alimentar deveomuito à atitude moral do catolicismo. Para resumir, podemos dizer que espírito da gastronomia não pôde emergir e sobretudo desenvolver-se senão no universo religioso católico da época clássica. O pr praz azer er é um pecado pec ado?? Esta questão incomoda incom oda a cris cristandade tandade desde suas origens. Em relação à alimentação, alimen tação, concorrem concor rem três três atitudes atitudes princ principa ipais: is: um ascetismo quase vegetariano que tende a conformar o comportamento alimentar do crente no plano inicial do Criador exposto no inicio do gênesis (Soler, (Sole r, 1973), 1973), o respeito respeito da medida med ida que encontra en contra sua expressão expres são mais
C a p í t u l o 10 1 0 - A s o c io l o g ia d a g a s t r o n o m ia ff r a n c es a
23 5
precisa na temperança agostiniana e, finalmente, uma atitude hedonista que coloca, para o homem empenhado a serviço da fé, o gozo dos bens terrestres como uma glorificação da obra de Deus. A partir do século XVI, a resposta a esta questão participa da separação entre a Reforma e o catolicismo. Ascetismo inquieto dirigido para o infinito da esperança paradisíaca, desvalorização do corpo e de seus sentidos mais grosseiros para pa ra a Reforma, Reforma, glorificação de Deus na estetização da presença no mundo
e nas outras partes para o cristianismo. Uma hipótese deste tipo foi já várias vezes examinada. Sob uma forma romanceada, ela está no centro do livro de Karen von Blixen, Le Diner de Babette, (levado à tela por Gabriel Axel), que é sem dúvida uma das melhores introduções à estética da gastronomia francesa. Os formidáveis desempenhos dos atores, as faces inquietas que pouco a pouco relaxam, a convivência, no sentido mais forte de “viver com”, que se instala sob o efeito do álcool e do acolhimento, são as mais eloqüentes traduções do que é o gosto na cultura francesa. Na sociologia, Stephen Ste phen Mennell Mennell faz apelo a esta hipótese para para tenta tentarr explicar as diferenças entre as aristocracias inglesa e francesa nas suas relações com a alimentação. Ele procura, num primeiro momento, a explicação da origem do suposto gosto da pequena nobreza inglesa por uma “cozinha simples”, que seria da ordem da mortificação no ethos anglicano, depois a rejeita porque a dita simplicidade "causa problema”. Ele conclui então que “se os ingleses comiam à moda inglesa no século XVIII, XV III, é porque eles gostavam gosta vam disso” diss o” (Mennell, (Mennell, 1985, 1985, 158) 158).. Q ue os ingleses tenham gostado de comer à moda inglesa determina determina apenas ape nas artifici artificialm alment ente e o problema, pois “gostar” recoloca a questão das representações no juízo de valor e requerería no mínimo uma análise mais fina do famoso “ethos anglicano”. Mennel abandona então esta hipótese para procurar a origem das diferenças entre as gastronomias inglesa e francesa nas formas de curialisation, notadamente no que lhe aparece como a principal diferença entre as aristocracias inglesas e francesas, a saber, o deslocamento das últimas para a capital ou para Versailles, enquanto que as primeiros fazem idas e vindas entre Londres e seus lugares de implantação regional. E ao geógrafo Pitte que devemos a análise mais detalhada desta hipótese. Ele conclui sua análise com estas palavras: “assim desaparece - no univ univers erso o da reforma reforma - a possibilidad possibilidade e de sacralizar sacralizar o alimento, de se apropriar um pouco de Deus ao comer boas coisas, velha idéia animista
23 6
SOCJ SOCJOLOCI OLOCIASD ASDA A ALI MENTAÇÃO
que o cristianismo tinha mais ou menos tacitamente retomado por sua conta” (Pitte, 1991, 75). Leites, num estudo sobre as concepções de felicidade e de sexualidade dos puritanos questiona a idéia de um puritanis puri tanismo mo que renuncia renuncia o mundo, m undo, e demonstra que o ideal ideal dos teólogos ingleses do século XVII, mais conhecidos sob o nome de “platônicos de Cambridge", é uma mistura de prazeres sensuais e de gozos espirituais (Leites, 1986 1986). ). Valade sugere, sugere , de d e sua parte, que q ue se existe diferença entre
católicos e protestantes, ela deve ser procurada antes na ruptura que a Reforma produz “do ciclo pecado/confissão/penitência/perdão instituído pela Igreja” (Valade 1996, 75). Nossa perspectiva tem em vista buscar o que a estética gastronômica deve à moral católica não somente na originalidade de sua relação com o prazer, mas sobretudo nas relações particulares que a alimentação e o sagrado mantém no universo católico. A comprovação exaustiva de nossa hipótese requerería desenvolvimentos que ultrapassam um pouc p ouco o o quadro deste capítulo capít ulo,8 ,84 principalmente para situar situar a posição posiçã o da cristandade em relação ao alimento. Nós nos propomos, entretanto, traçar aqui suas grandes linhas e manteremos três pontos constitutivos da infra-estrutura espiritual e imaginária que organiza a relação do catolicismo com o alimento e com o prazer alimentar. Em seu conjunto, a cristandade fez do ato eucarístico, que se articula numa prática alimentar concreta, o protótipo da relação com o divino. Fazendo isso, ela mobiliza o imaginário da incorporação com seu duplo componente: “eu me torno o que eu como”, portanto, o que eu como transforma minha própria substância e, ao consumir um alimento valorizado por um grupo social e ao partilhar este consumo, eu me integro nesta comunidade. Este imaginário é comum a um grande número de espaços espa ços culturais culturais e foi foi mobilizado por um número muito grande de culturas religiosas que a precederam. Entretanto, se a cristandade utiliza os meios imaginários da incorporação, ela vai atribuir muita importância em diferenciar a eucaristia das práticas tanto animistas como judaicas do sacrifício. Pela passagem do sacrifício ao(s) deus(es) na comemoração do sacrifício do “filho de Deus feito homem”, que toma inútil toda outra forma de sacrifício, ela 84 Indicamos go le leito itorr preocupado em aprofundar aprofundar-se -se os trabalh trabalhos os de So Soler, ler, 1973, e Daumas Dau mas,, 1986, assim co com m o a nossa tese (Poulain (Poulain,, 198 1985), 5), prin principalm cipalmente ente o capítulo "Elementoss par "Elemento para a uma fantasmática do culin culinário” ário”..
C a p i t u l o 10 1 0 - A s o c io l o g ia d a gg a s t r o n o m ia f f r a n c es a
237 23 7
produz uma rupt produz ruptur ura a fundamental em e m relação ao pensam pen samento ento sacrifical.65 A dimensão espiritual da refeição eucarística apaga seus componentes alimentares. Détienne mostra como os defensores da fé cristã, que foram levados a estudar o sacrifício grego, negam a corporalidade e a dimensão alimentar do sacrifício eucarístico: “Para evitar a confusão entre os ritos grosseiros dos povos primitivos e o mistério espiritual da eucaristia na única religião verdadeira, faz-se a divisão no interior do sacrifício entre
instintos pervertidos até as práticas abjetas da devoração de carnes sangrentas e, por outro lado, as nobres tendências de um comércio puramente espiritual em que as formas de manducação são negligenciáveis e cujos aspectos alimentares são destruídos e como que negados" (1979, 31). No in inte teri rior or da cristandade, cristanda de, o ritual ritual eucarístico eucarís tico é u uma ma das dificuld dificuldades ades mais difíceis entre o catolicismo e a Reforma. Não há dúvida de que conforme a mensagem evangélica: “Este é meu corpo, este é meu sangue” e: “Fazei isso em minha memória”, a comunhão realizou-se mais freqüentemente durante o primeiro milênio, sob as duas formas do pão e do vinho, correspondendo respectivamente ao corpo e ao sangue de Cristo. O vinho que representa o sangue deve ser tinto e o pão, pão fermentado, articulam-se simultaneamente na simbologia do Cristo “fermento da fé” e na oposição/distinção em relação aos judeus que são consumidores de pão ázimo para lembrar lembrar o êxodo do Egito (Dupuy, 1986 1986). ). Perto do final da Idade Média as formas rituais da comunhão irão conhecer uma primeira transformação que distingue a comunhão sob duas formas, reservada ao clero, e a comunhão sob a única forma do pão para os fiéis (Loret, 1982). Ela representa a hierarquização da comunidade católica e a separação entre os fiéis que são admitidos na repas eucarística apenas para a distribuição do pão e as hierarquias eclesiásticas que comungam sob as formas de pão e do vinho. Wycliffe, Huss, Lutero, Calvino, todas as tendências da Reforma reclamarão o retomo à comunhão sob as duas formas, para colocar todos os crentes em pé de igualdade diante diante de Deus. Deu s.8 5
85 A id idéi éia a de uma rup ruptu tura ra do pensamento cristão com co m as ccon oncep cepçõe çõess sa sacri criftc ftciai iaiss pr préé- cristãs está presente n na a antropologia n nasce ascente nte (Hubert e Maus Mauss, s, 1899 1899). ). Mas ela é nessa época inscrita numa ideologia evolucionista que impede de ver as relações que elas continuam a manter.
23 238 8
SOCIOLOGIASD SOCIOL OGIASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
A segunda transformação vai se produzir no momento da ascensão da Reforma. Ela consiste no abandono do pão fermentado pela hóstia, e do vinho tinto pelo vinho bran br anco8 co86 6 (Poulain e Rouyer, Rouyer, 1987; 1987; Albert, 1991; 1991; Fabre-Vassas, FabreVassas, 1991 1991). ). A passag p assagem em do vinho tinto para para o vinho vinho branco, bem além das explicações funcionalistas superficiais dadas por alguns eclesiásticos contemporâneos, “o vinho branco foi geralmente preferido por comodidade porque ele mancha menos as toalhas do altar”, relatadas
por Alber t a corresponde a um distanciamento distanciamen to simbólico o sangue sangdo ue epo or Albert vinho, uma eufemização da imagem do sangue. Aentre passagem pão fermentado, sinal distintivo forte dos cristãos dos primeiros séculos que marcam sua diferença em relação aos judeus, para a hóstia, constitui uma desrealização do pão “alimento”. Por detrás das modificações aparentemente anódinas do ritual que constituem distanciamentos em relação à dimensão alimentar da eucaristia, aparece uma transformação paradigmática da relação sagrado-profano. Para compreender toda a sua importância, é preciso ressituá-la no quadro da teoria da transubstanciação. A tese católica, sem cessar reafirmada87 até na última versão do Catecismo da igreja católica, que data dedo 1992, que no decorrer daconvertido celebraçãonoeucarística “o serapenas natural pão afirma e do vinho é totalmente corpo do Cristo ressuscitado”. É este o mistério da eucaristia, pão e vinho mudam de natureza para tornarem-se ontologicamente corpo e sangue do filho de Deus feito homem. O que explica que a profanação das hóstias consagradas tenha podido ser considerada como uma das faltas mais graves, bem mais graves, por exemplo, que a morte ou o estupro. A partir do século XII, Berenger de Tours ergue-se contra este “materialismo sacramental", que, segundo ele, apóia a tese da presença do Cristo no vinho e no pão eucarístico. Ele inaugura um debate que até a Reforma não deixará de aumentar e sobre o qual vai se produzir uma ruptura radical na cristandade. A Reforma esta mudança de natureza e defende concepções que podem ser nega agrupadas em duas grandes atitudes: de um lado Wycliffe e Lutero propõem a perspectiva da “consubstanciação” pela qual “o corpo de Cristo está no, com e sob o pão e o vinho, implicando então a permanência destes alimentos naturais”, 86 Este abandono não é sistem sistemático, ático, e a etnologia rregio egional nal colo colocou cou em evidê evidência ncia cas casos os de comunhão com o vinho tinto ou com o pão fermentado principalmente na Provença (ver TopaloV, 1985). 87 Ela sser erá á tema de cinco conc concílios ílios ssucessiv ucessivos. os.
C ap I t u l o Í O - A s o c io l o g ia d a gg a s t r o n o mi a f f r a n c es a
23 9
por outro lado, Calvino rejeita simultaneamente a transubstanciação, que ele compreende como uma aniquilação do pão e do vinho, e a consubstanciação percebida como uma posição muito espiritualista. “Ele pensa então numa presença espiritual e no entanto real, onde pão e vinho” são te ta tall modo sinais sinais que a verda verdade de é junto com co m . “O acento é colocado c olocado aqui, sobre a fé e somente nela, sem ela não existe presença, pois não existe vínculo ontológico entre o corpo e o sangue de Cristo por um lado e
orecebemos pão e o vinho outro lado: se(Josua, os comemos e bebemos com fé, assim por o dom espiritual” 1976; Daumas, 1986). Quando da descoberta do Novo Mundo e da revelação das práticas canibais de alguns de seus habitantes, o conflito teórico vai se exacerbar e tornar-se um lugar de afronta no coração da cristandade. O mundo da Reforma acusa os católicos de “teopaganismo” e estigmatiza este “deus de farinha” e” estes padres obtusos que destroem o corpo de Cristo” (Lestringant, 1981 e 1994). É então e em reação a esta crítica que o ritual foi transformado e o pão e o vinho tinto abandonados pela hóstia e pelo vinho branco. Para Para conservar conservar o essencial ess encial,, à seus se us olhos, do rit ritua uall eucarístico, a saber, a presença divina, os católicos produziram então o que nós chamamos de uma dessubstancialização das formas, sagrada uma ruptura entree a incorporação alimentar profana e a incorporação (Poulain Rouyer, 1987). Esta dessubstancialização se articula sobre uma tripla desmaterialização da eucaristia: recusa da dimensão alcoólica do vinho e da embriagues que ele provoca (Albert, 1991), passagem do vinho tinto (que representa excessivamente o sangue), para o vinho branco e abandono do pão fermentado (alimento verdadeiro), pela hóstia. O ritual católico produz assim um distanciamento em relação ao processo de incorporação incorporação alimen alimentar tar como com o dema d emasiado siado mágico mág ico e sobretudo sobretudo,, como demasiado canibal, já que é justamente o corpo e o sangue de um homem hom em,, quando justamente justamen te seria ele filho filho de Deus De us,, que se s e trata trata de incorp incorpor orar ar.. Alguns microrrituais estenadistanciamento: a hóstia não Mastigádeve ser mastigada, ela deve seconfirmam desmanchar boca e ser engolida inteira. la seria profaná-la, rebaixá-la ao nível do alimento humano. Assim se instala uma ruptu ruptura ra fundamental fundamen tal entre o sagrado sagr ado e o profano na n a esfera do aliment alimentar: ar: por um lado, a eucaristia com seu encontro do Cristo e a incorporação correla cor relativ tivaa do comunga comu ngante nte com c om a comunid comu nidade ade dos cristãos;88 cristãos;88 po porr outro outro lado, a alimentação cotidiana com o pão “verdadeiro" e o vinho "verdadeiro” 88 São Paulo, na Carta aos Coríntios, diz, dirigindo-se à jovem Igreja: “Sois o corpo de
Cristo, e seus membros, cada um por sua parte”.
24 0
SoaOiOGI ASD A ALIMENTA ALIMENTAÇ ÇÃO
que marcam a condição humana. A ruptura entre incorporação sagrada e incorporação profana coloca a alimentação cotidiana num espaço que escapa à tutela do sagrado, um espaço de fraco controle. Mas a gula permanece justamente um pecado capital e é preciso os extraordinários instrumentos de desculpabilização que são a confissão, as teorias do arrependimento e do purgatório, até a prática das indulgências, para permitir à sociedade católica valorizar “o aqui e agora” e fazer a experiência da
transgressão do proibido da gula e de sua estetização. A gastronomia vai poder tornar-se a celebração do mundo. Entretanto, o exercício é perigoso pois a gula continua uma dos sete pecados capitais, de onde a distinção entre o “gourmand” vulgar, inculto, dominado por seus sentidos e o “gourmet" instruído sobre as coisass que dão prazer coisa prazer (Croze, 1933). 1933). O imaginário da incorporação incorpor ação poderá então ser mobilizado a serviço da distinção, no exercício gastronômico. A gastronomia aparece como um dispositivo central da dinâmica social francesa que, além dos jogos de diferenciação, participa da construção da identidade nacional. E por isso que após a Revolução, quando uma parte da aristocracia foi expulsa da França e o rei acaba de ser guilhotinado, a burguesia que comanda a cozinha se regala com “Bouchèe à la Reine”, com “Poularde Royale”, com “Fruits Condé”, com “Potage Conti”... Fazendo isso, ela canibaliza metaforicamente a aristocracia para se incorporar esta qualidade: “a classe”, que deve lhe conferir a legitimidade que há séculos lhe fazia falta. Ao mesmo tempo, quando os cozinheiros batizam um prato com um nome de um dos novos detentores do poder, eles o erguem, o incorporam neste ‘panteão’ aristocrático" (Poulain, 1985-2). 10.2.5 A críti crítica ca gastronômi gastro nômica: ca: uma passagem passag em entre entre dois mundo mundoss A posição da burguesia, ao mesmo tempo próxima do poder e sempre em busca de legitimidad legitimidade, e, favorece a emergência de uma u ma instânci instância a nova do corpo social: o crítico crítico gastronôm gastro nômico. ico. E ele que define define o bom e o belo. Pois o gastrônomo burguês não sabe na verdade o que é bom, ele não têm critér critérios ios.. Personagens da articulação a rticulação destes dois dois mundos - a aristocracia e a burguesia - co m o Grimod Grim od de la Reyn Reynière ière e Brillat-Savarin, Brillat-Savarin, irão inst institu ituir ir esta função fun ção.. O primeiro primeiro tem um percurso social dos do s mais surpreendentes. Filho de um coletor de impostos e de uma mulher de uma importante família francesa (a dos Jarente), ele nasce na alta
C a p I t u l o 1 0 - A s o c io l o g ia d a gg a s t r o n o m ia ff r a n c es a
241
aristocracia. Seus pais são proprietários de um hotel particular na esquina da rua Boissyd’Anglas com a praça de la Concorde, no qual está instalada a atual Embaixada dos Estados ünidos. Mas Grimod é uma criança inquieta. Depois de uma série de fracassos, seu pai obtém de Luís XVI um decreto (lettre de cachet ) para encerrá-lo num convento, perto de Nancy. Alguns anos mais tarde, ele é liberado sob a condição de que não coloque mais os pés na capital nem na corte. Fica proibido de conviver com a
aristocracia. Quando chega a revolução, Grimod de la Reynière encontrase fora de Paris e resiste às desordens do terror. De volta alguns anos mais tarde, ele tem a noção do fenômeno social em curso e publica um livro, Lalmanach des gourmands (1802) que assume como missão explícita “guiar a burguesia no emaranhado de suas novas boutiques de carne (magasin de bouche), restaurantes, trai traiteur teurs8 s89 ...” que se desenvolvem, ao mesmo tempo que lhe transmite as regras da gastronomia. A obra faz sucesso e conhece várias edições de 1802 a 1812, e torna-se um verdadeiro guia hierarquizando os estabelecimentos, distribuindo as marcas. Seu Manuel des amphitryons, publicado alguns anos mais tarde, pretende ser uma “espécie de catecismo (...) na arte de bem viver e de fazer os outros viverem bem" e se dirige aos "novos proprietários da Revolução”, a qual, “ao fazê-las mudar de mãos, tinha colocado as novas riquezas à disposição de homens até aqui estrangeiros à arte de usá-las e de desfrutá-las de maneira nobre” nobre ” (Grimod (Grim od de la Reynière, 1808 1808,, 315). Graças à sua posição social articu articulado ladora, ra, - ao m esm o tempo temp o resu resulta ltante nte da aristo aristocra cracia cia e ao m esmo tempo temp o excluído, excluído, conhec con hecend end o os códigos, mas não os toman do totalmen te a sério - Grim od de la Reynièr Reynière e vai vai desempenhar um papel de mediador. Ele inventa simultaneamente a literatura gastronômica, os guias e os signos de qualidade. Da mesma forma, dispositivos de legitimação que são ainda determinantes na gastronomia e do consum o alimentar alimentar contempor contem porâne âneo o (Poulain (Poulain,, 1988 1988;; Poulain e Neirinck, 2000). Brillat-Savarin é o segundo personagem chave na articulação dos códigos alimentares da aristocracia e da burguesia pós-revolucionária. Suas origens são muito mais modestas. Ele pertence à aristocracia progressista da província. Advogado, deputado da constituinte, ele abandona a França pelos Estados Cinidos, em 1793, após a votação da condenação à morte de Luís XIV, da qual ele recusa tomar parte. Sua 89
é Tr aiteur aiteur é
uma pessoa ou empresa que prepara refeições, pratos para ser levados para para casa ou consumidos no local. (Nota de tradução)
242
SOCI OL OG1AS OG1ASDA A UMENTA ÇÃO
Fisiologia do gosto, editada em 1824, adota a mesma posição que a de
Grimod de la Reynière. Se a história da gastronomia reteve sobretudo a figura de Brillat-Savarin, aristocrata progressista, é porque ela é mais “apresentável”, mais adequada aos ideais da república e à moral. Pois Grimod de la Reynière é um personagem obscuro, que transgride em sua vidaa pessoal os códigos do antigo regime, - ele instal vid instala, a, por exemplo, em Lion, uma boutique de carne {magasin de bouche), mantém relações
com uma comediante , mas que tem sobretudo sobretud o uma vLyon idaa pessoal pes soalprópria pouco apresentável, dividindo -seus amores entre sua mulher devid e sua tia, a irmã de sua mãe.90 O interesse dos guias, das revistas e das obras de gastronomia dos comércios alimentares (métiers de bouche) é considerável. Relacionandoos e falando deles de um modo legitimador de suas criações, eles lhe conferem uma notoriedade inesperada. Mas o que conservamos neste caso é sobretudo a posição social destes críticos que não são cozinheiros, muitos menos donos de hotel, mas personagens entre dois extremos. Eles desempenham um papel de articuladores entre um grupo social ascendente e os antigos grupos legítimos, dando ao primeiro os meios de fazer da comida um lugar de expressão de sua nova posição social. Quando nos anos 1960 se desenvolverá na França a categoria dos executivo exec utivos9 s91 divididos divididos entre entre o capital capit al e o mund m undoo operário, tendo te ndo o primeiro uma delegação de poder e o segundo a condição assalariada, Gault e Millau desempenharão o mesmo papel ajudando-os a encontrar na “nova cozinha" um espaço de legitimidade (Poulain, 1985; Aron, 1986). A emergência eme rgência da gastronomia no século XV XVII II e seu desenvolvimento desenvolvimento na França aparecem como o resultado de um contexto social resultante: da autonomização do pensamento gastronômico em relação ao pensamento erudito, da dinâmica social da distinção, da busca do gosto como eixo de desenvolvimento da criatividade culinária, e, finalmente, da ética católica. Todos estes fenômenos sociais foram cada um por sua vez uma condição necessária mas não suficiente. Para que apareça a gastronomia, é preciso ainda que eles se organizem para formar uma configuração config uração social parti particu cular lar.. À questão que stão por que a gastronomia é francesa, france sa, uma resposta pode então ser proposta. A França foi o lugar em que estes diferentes elementos se conjugaram. 90 Sobre a bi biogra ografia fia de GD GDR, R, ver Riv Rival, al, 19S3, e Pou Poulain, lain, 1988. 91 No o origina riginal, l, cadres à la charnière charnière.. (Nota de tradução)
C a p í t u l o 11 O ESPA ESPAÇO ÇO SOC SOCIA IALL A ALIMENT LIMENTAR: AR: UM INSTR INSTRUM UMENTO ENTO PARA PAR A O ESTUDO D DOS OS MODE MODELOS LOS ALIME ALIMENT NTAR ARES ES
É em reação ao uso do termo “cultura” “cultura” - à definição flutua flutuante nte - e para sair das ambiguidades da posição da antropologia cultural americana, que Condôminas propõe o conceito “de espaço social". A recorrência ao “espaço social” teve como ponto de partida a preocupação de dar conta de um conjunto de fatos que o conceito de cultura não podia cobrir (...)" (1980, 77). Ele propõe a seguinte definição: “O espaço social é o espaço determinado pelo conjunto dos sistemas de relações, características do grupo considerado. Trata-se de uma acepção (...) que se apóia no sentido amplo da própria palavra “espaço”. Assim, para nós o habitat representa apenas uma parte do espaço social (...). Acrescentamos que não esquecemos de modo algum que seu primeiro uso francês, onde, como o latim spatium do qual ele deriva, designa uma extensão do tempo, e deste modo mo do constitui constitui uma noçã no çãoo dinâmic dinâ mica” a” (1980, 14 e 15). 15). Ele considera ter emprestado a expressão de Durkheim. A noção de espaço social é apresentada numa acepção restrita, “maneira como os fenômenos sociais se distribu distribuem em no mapa” (Lévi-Strauss, 1958,31 195 8,319) 9) entre vári vários os sociólogos, sociólo gos, etnólogos e geógrafos; Evans-Pritchard, Granet, Leroi-Gourhan, Lefebvre.. indica indi ca ele. ele. Construída Construída sobre a categoria de esp e spaç açoo ou de tempo tem po qualificad qualificadaa de “social”, ela traduz, segundo Condôminas, a vontade de autonomização do social, mas ao mesmo tempo, apoiando-se no conceito maussiano de “fato social total”, ele amplia a noção de espaço social e faz dele o lugar de articulação do natural e do cultural. Ela permite observar as lógicas de interaç interação ão do meio - com seus componen comp onentes tes físicos, climatológicos, climatológicos,
244
Soa O LO G IA S DA ALIM EN TAÇÃ O
biológicos - e do cultu biológicos cultural, ral, - com co m suas dimensões dimen sões linguíst linguísticas icas,, tecnológicas, tecnológ icas, imaginárias... E no espaço social que se desenvolvem os conhecimentos das etnociências. etnociências. Convém acrescentar no caso da alimentação - e desenvolveremos isso mais adiante - , que ele permite igu igualment almente e articula articularr as dimensões sociais, psicológicas e fisiológica (Poulain, 1985; Paul-Lévy, 199 19 97). 7). O espaço social remete, remete, então, ao a o mesmo mes mo tempo, para para um espaço espa ço físico que tem algum parentesco com aquele que os geógrafos estudam e
com um espaço lógico que é, em si, mais próximo daquilo que os sociólogos e os antropólogos chamam de sistemas de representações e de estruturas estruturas do imaginário (Durand, (D urand, 1960). 1960). A noção de espaço social alimentar já foi utilizada por outros sociólogos especialistas da alimentação, como Grignon (1980-2), mas num sentido um pouco diferente. Tratava-se, nos começos da utilização da análise facto factorial rial de correspondência (AFC), de explicar explicar a maneira com o se distribuem as práticas e as variáveis sociológicas explicativas no espaço definido pelos eixos estruturantes de uma representação gráfica. Os interesses do conceito “de espaço social”, no sentido que lhe dá Condôminas, são de trêsdeterminismo ordens. Ele permite, primeiro lugar,material, sair da oposição artificial entre culturalem e determinismo quer sejam geográfico (o clima ou os recursos do biótopo), tecnológico (os modos de produção) ou fisiológico (o funcionamento da mecânica digest dig estiv iva). a). Num segundo segun do momen mo mento, to, ele criou criou as condições condiçõe s de uma análise das relações relações do homem home m com co m a nature natureza. za. Finalmente, com o sent sentido ido amplo da noção de espaço, ou seja, incluindo o tempo, ela permite a abertura de uma perspectiva dinâmica. Sublinhamos, para terminar, que o espaço social assim colocado apresenta a vantagem de uma definição não sobredeterminada do ponto de vista metodológico e compatível com perspectivas, de outro modo mais ou menos contraditórias.
11.1 0 espaço social e o dup duplo lo espaço de de liberd liberdad ade d dos os comedores humanos alimentação humana esta submetida à duas séries de pressões mais ou menos fracas. As primeiras são as pressões biológicas, ligadas ao estado do onívoro e impostas aos comensais pelos mecanismos bioquímicos bioquími cos subjacentes à nutrição e às capacidades capa cidades do sistema digestiv digestivo; o;
CAPITULO I I ~ O ES ESPAÇO PAÇO SOCIAL SOCIAL ALIMENTAR: UM INSTRUM INSTRUMENTO ENTO P PARA ARA O ESTUDO D OS MODELOS ALIMENTARES
24 5
porém elas deixam um espaço de liberdade largamente ocupado pelo cultural, contribuindo assim para a socialização dos corpos e para a construção das formas das organizações sociais. As segundas, as pressões ecológicas do biótopo no qual é instalado o grupo de indivíduos, oferecem, elas também, uma zona de liberdade na gestão da dependência do meio natural/^
O comedor human h umano, o, por porgrande, seu estatuto depermitiu onívoro,viver desfruto desfrutou de uma adptabilidade alimentar muito que lhe em ubiótopos extremamente diferentes e de povoar quase que a totalidade do planeta. Para convencer-se da importância deste espaço de liberdade basta comparar as práticas alimentares dos Inuits cuja ração era essencialmente constituída de carne de foca e de peixe, na maior parte das vezes consumida crua, e a dos habitantes das montanhas da Nova Guiné, cuja alimentação é principa principalment lmente e composta comp osta de hydratos hydratos de carbon carbono o (de Garine, 1991 1991)/C )/C f comedor humano está submetido a algumas regras biológicas que as ciências da nutrição começam a conhecer cada vez melhor, mas as escolhas dos produtos nos quais ele encontra seus nutrimentos, a maneira de cozin cozinha har, r, de comer, comer, mais globalmente os o s gostos gos tos e a ausência de gostos, gost os, são muito amplamente determinados por fatores sociais.^ Com mais de um século de existência, a nutrição começa a cercar as pressões específicas do comedor humano. Entretanto, ela é ainda uma disciplina em formação e funciona na maioria das vezes de um modo dedutivo, generalizando a part partir ir dos conhe con hecim cimen entos tos fisiológicos fisiológ icos adquiridos9 adquiridos92 nas situações experiment experimentais ais que reduzem a complexidad com plexidade e da alimentação alimen tação humana. Mesmo que as ciências da nutrição humana façam todos os dias progresos, elas se chocam com o problema da articulação do fisiológico e do social. Elas nasceram e se constituiram, na sua versão científica, científ ica, no mundo mun do ocidental ocidental e repousam repou sam frequentemente frequentemen te - na falta falta de de uma base epistemológica que somente o ponto de vista antropológico pode assegurar93- sobre um certo número n úmero de preconceitos precon ceitos culturais culturais que
92 Ma Mais is frequ frequentem entemente ente ssobre obre modelos anim animais. ais. 93 Nos pri primó mórdi rdios os da disci disciplina, plina, a necess necessidade idade de uma refle reflexão xão epistemológic epistemológica a se fe fez z sentir, e devemos a Trémolières e a Claudian o fato de tê-la colocado em termos antropológ antrop ológicos icos (Trém (Trémolière olières, s, 1977 e 1988; Cla Claud udian ian e Trémolières, 197 1978). 8). Aron, de maneira muito Sugestiva, engajou-se, de sua parte, no estudo das representações históricas nas quais se enraizam os conceitos da biologia da alimentação no século XIX (J.-R Aron, 1969).
24 6
SOCI OLOCIA OLOC IA S DÁ a l i m en en t a ç A o
marcaram e ainda marcam seu desenvolvimento, o mais característico e o mais freqüente consistindo em um reducionismo organicista associado a uma perspectiva etnocentrica. Como, por exemplo, estas pesquisas que, tendo colocado em evidência as modalidades do funcionamento dos mecanismos reguladores do apetite, num universo cultural dado, tiram deles conclusões de alcance geral e universal. Esta atitude determina a história das ciências da nutrição, e, por mais grosseiramente etnocentrada
que ela possa parecer, pesa ainda sobre um grande número de trabalhos “científicos” contemporâneos. Para convencer-se da margem de incerteza de nossos conhecimentos em matéria de nutrição humana, basta observar, nos diz Garine, “a revis revisão ão pe periódica riódica das necessidades necessid ades calóricas e proté protéicas icas estabelecidas e constantemente reavaliadas, em baixa, pelos comitês de especialistas da FAO e da OMS", organizações todas as duas tão sérias quanto quant o prestigiosas (1991, 1449) 1449).. Apesar desta relativa imaturidade das ciências da nutrição, alguns princípios podem ser estabelecidos, ligados à incapacidade biológica da espécie humana de sintetizar certos nutrientes. A ração protéica deve apresentar de maneira alguns foram qualificados realmente de simultânea indispensáveis. Se aaminoácidos proporção deque um destes aminoácidos é muito fraca ela constitui um fator limitante e bloqueia a assimilação dos outros. Alguns ácidos gordurosos devem igualmente ser apresentados com uma relativa freqüência na ração alimentar cotidiana. Algumas vitaminas, principalmente a vitamina C, não estocáveis pelo organismo devem ser consumidas muito regularmente. A assimilação de alguns oligoelementos supõe sua presença simultânea em proporções particulares. Para se assegurar das contribuições regulares e porque não existem alimentos suscetíveis de responder completamente a estas diferentes exigências, o comedor humano deve diversificar sua ingestão alimentar. Ele é então biologicamente condenado à diversidade. Paralelamente, o homem pode consumir e sobretudo incorporar apenass produtos apena produtos culturalmente indentificados indentificados e valorizado valorizados. s. O sistema culinário, compreendido por Fischler como o conjunto de regras mais ou menos conscientes que organizam a preparação e o consumo dos alimentos, vai ter por função regular as contradições emergentes de uma dupla imperatividade: gerar a diversificação da ingestão alimentar ao mesmo tempo que satisfazer à necessidade cognitiva de consumir alimentos identificados (1990).
C a p í t u l o I I - O e s p a ç o s s o c ia l a l i m en en t a r : u m i n s t r u m en e n t o pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m en en t a r e s
O segundo espaço de liberdade dos comensais humanos está ligado às modalidades de sua conexão com a natureza. A relação com a natureza interessa tanto os geógrafos como os antropólogos. Lembremos, com Brunhes, que a alimentação inscreve os homens no espaço físico. Comer, é incorporar um território. “Quanto ao nosso alimento, ele é constituído de produtos vegetais ou animais, produtos que provém todos de seres que ocupam um espaço na superfície do
globo. Ou seja, os animais terrestres dos quais se alimentam os homens se alimentam de vegetais ou de outros animais que se alimentam eles mesmos de vegetais. (...) Devemos encontrar em quase todo alimento humano uma parcela da cobertura vegetal da terra. As ingestões de um ser humano representam, então, de uma maneira direta ou indireta, a tosa de uma extensão mais ou menos estreita da cobertura vegetal, natural ou cultivada” (Brunhes, 1942, 19). Por sua vez, vez, o que um grupo humano huma no gosta go sta de comer c omer e as técnicas que ele emprega para procurar ou produzir alimentos para si, transformam e modificam o meio natural. “Todas as vezes que os homens saciam a sede ou se alimentam, eles aproveitam então, de fato, as superfícies que eles modificam; e, pela repetição ininterrompida de suas ingestões, eles produzem modificaçõe modif icaçõess geográf geog ráficas icas ininterrompidas” (Brunhes, 1942,19). 1942 ,19). As teori teorias as da relação do homem home m com co m a natureza natureza aparecem apare cem no n o centro centro da geografia humana e se desenvolvem nesta disciplina que vai tornar-se a ecologia. Esboçam-se três atitudes. Para as teorias “deterministas”, é o meio e suas pressões (a disponibilidade dos recursos, a sazonalidade, os climas...) que determinam as formas e as modalidades da alimentação de um grupo humano. Razel, geógrafo e etnógrafo alemão, promotor de uma concepção batizada de “antropo-geográfica” “antropo-geogr áfica” , é um representante representante exemplar dela.9 dela .94Barrau dá uma definição muito muito concisa concis a desta de sta posição posi ção teórica: “Cima “Cima civiliza civilização ção dada é determinada pelas condições de seu meio ambiente físico e natural” (Barrau, 1991). A alimentação é percebida neste caso como um conjunto de condutas de adaptação ao meio. O homem come o que a natureza coloca à sua disposição em função de suas necessidades biológicas elas mesmas largamente influenciadas pelo clima. 94 Sobre as teo teoria riass acentuando a tendênci tendência a sociobiologizante, ve verr Ford Forde, e, 1934, 1934, Habitat, Economy, Society, Dutton and and C Co o , New Yo York, rk, 1963.
248
SOCIOLOOASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
As teorias “possibilistas” são uma reação à atitude determinista. Elas “negam a açã o mecâni me cânica ca dos fatores natu naturai raiss sobre sobre uma humanidade puramente receptora" e são representadas na França, principalmente por Febvre, fiel continuador sobre este ponto de Vidal de La Blache, fundador da escola de geografia humana francesa. “Necessidades em nenhuma parte, possibilidades em todo lugar; e o homem, mestre das possibilidades, juiz de si mesm me sm o! o!”” (Febvre, (Febvre, 1922). 1922). A história história das plantas cultivadas tem
exemplos em abundância mostrando a modificação da natureza pelas sociedades humanas (Haudicourt e Hédin, 1943). As teorias “meio-ambientalistas” das quais Sorre (1943) foi o precursor representam a terceira atitude, e tentam uma superação desta oposição postulando uma autoregulação entre a natureza e a cultura: os homens modificam seu meio natural e em troca são igualmente modificados por ele. Citemos sobre este ponto Gourou: “nem o ‘determinismo’, nem esta espécie de ‘possibilismo’ oferecem a chave da explicação geográfica. O homem não é obrigado por seu meio físico a dotar tal técnica de exploração da natureza ou tal técnica de organização do espaço; ele não faz uma escolha consciente entre as “possibilidades” naturais. O que conta para a explicação geográfica são as possibilidades oferecidas pelas técnicas que o grupo humano estudado dispõe. As possibilidades são do homem e não da natureza; elas são dadas ao homem p ela civilização à qua quall ele pertence95 (Gourou (Gourou 1953). Aparece, aqui, um segundo espaço de liberdade deixado pelas diferentes possibilida possi bilidades des de utilizaçã utilização o do m eio natural, natural, que a cultura cultura - no sentido maussiano do termo - reves revestiu tiu à sua maneira. O que sur surpreende preende quando se observa as escolhas que uma cultura dada faz no conjunto dos produtos natur nat urais ais suscetí suscetíveis veis de tornarem-se tornarem-se alimentos, - ou seja, que dispõem de uma carga car ga nutricio nutricional nal - é a utilização utilização não sistemática, a não otimização dos recursos colocados à disposição pelo biótopo, por menor que seja. Certamente, existem justamente dificuldades ecológicas para a cultura de alguns produtos: o trigo e a vinha, por exemplo, não são cultiváveis em todos os biótopos. Mas o interesse por estes produtos vai difundir sua cultura sobre espaços geográficos infinitamente mais amplos que seus espaços espaç os de origem, indo ao extremo limit limite e de suas condições condiçõ es de produção. O consumo de um vegetal ou de um animal não depende somente de sua disponibi disponibilidad lidade, e, nem mesm me smo o da existência existência de tecnologias suscetíveis suscetíveis 95 Os itá itálico licos s são de nossa auto autoria. ria.
C a p í t u l o 11-
o
ESPAÇO SOCIA L ALIMENTAR.: UM INSTRUMENTO I NSTRUMENTO PARA O ESTUDO D OS MODELOS ALIMENTARES
249
de serem aplicadas a ele, ou seja, de “razões utilitárias”, ela deve se referir igualmente a razões culturais. Salhins (1980) mostrou como a noção de necessidade é socialmente definida e sobretudo como a organização técnico-econômica é ela mesma determinada pela definição que uma comunidade humana tem de "suas” próprias necessidades. “(...) a relação produtiva da sociedade americana com o meio ambiente é organizada pelas estima estimativa tivass específicas de comestibilidade e de não n ão comestibilidade,
as quais são qualitativas e não são de maneira alguma justificáveis por uma vantagem biológica, ecológica ou econômica. As consequências funcionais se estendem da adapatação agrícola para o comércio internacional e para as relações políticas mundiais. A exploração do meio ambiente americano, o modo de relação com a natureza, depende de um modelo de refeição que compreende um prato de carne central, acompanhado ao seu redor de hidratos de carbono e de vegetais” (Sahlins, 1980, 216). Da mesma forma, as paisagens de arroz irrigado asiáticas são, ao mesmo tempo, o resultado do gosto pelo arroz, de sua valorização simbólica, da organização da refeição asiática e do domínio das técnicas de irrigação. Outras soluções culturais, outras organizações sociais articuladas sobre o consumo de outros produtos alimentares teriam naturalmente sido possíveis neste meio, mas é uma “civilização do arroz” que foi construída pelos homens que viviam nesta parte do mundo. Não foram apenas razões de produtividade que guiaram esta escolha, pois altos níveis de produtividade alimentar teriam podido ser obtidos com outros cereais e com outras técnicas de cultivo, é um conjunto de razões que se enraiza na interface cultura-meio. Em escala de longa duração, são possíveis mutações que transformem a paisagem e a organização social. Para a Ásia do sudoeste, é doravante admitido que a cultura da taioba na verdade precedeu a do arroz que teria aparecido como uma erva daninha nos campos de taioba (Condôminas, 1980, 198-221). “Abordar Abordar o problema da exploração do meio me io natural”, diz diz Condôminas, Condôm inas, “é evidentemente abordar abordar em primeiro primeiro lugar a tecnolog tecn ologia” ia”,, citando a definição bastante maussiana que Haudricourt Haudricourt oferece ofere ce da tecno tec nolog logia,9 ia,96 6 “o estudo da atividade material das populações, ou seja, de sua maneira de caçar, de pescar, de cultivar, de se vestir, de se alojar e de se alimentar” (Haudricourt 1968, 731, citado por Condôminas, 1980, 34). Entretanto, o estudo da alimentação continua sendo, na maior parte do tempo, uma abordagem 96 Ver, também, para para a aprof profund undar-s ar-se e nest nesta a con cepç ce pção ão da tecnologi tecnologia, a, Haudric Haudricourt, ourt, 1987 1987..
25 0
SOCIOLOGIASDA SOCIOL OGIASDA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
das técnicas de coleta e de preparação. O própri próprio o Condôm inas considera esta atitude comum aos etnólogos contemporâneos, como “uma primeira etapa”, mais rentável, diz ele, “ esperando poder dispor de meios de investigação aperfeiçoados necessários para a investigação da antropologia alimentar”... A segunda etapa supõe o aperfeiçoamento de instrumentos suscetíveis de compreender como “o regime alimentar constitui um elemento capital do espaço social pela oposição central que ele ocupa no
sistema de produção de onde ele comanda a tecnologia e a economia de um grupo” (1980, 32). Produz-se aqui uma inversão antitética, o regime alimentar deixa de ser colocado como consequência do meio (teorias deterministas da geografia), ou com c om o lugar de leitur leitura a das diversidade diversidadess culturais culturais (ao mesm o tempo as teorias possibilistas da geografia e o culturalismo antropológico) e aparece como uma dimensão estruturante da organização social, encontrando assim um das contribuições principais da antropologia lévistraussiana. Pois, como observam Paul-Lévy e Segaud, numa obra consagrada à antropologia do espaço, “é ainda para Lévi-Strauss que uma vez mais convém se voltar. (...) sejam quais forem as discussões que seus textos autorizam, (...) Ele com efeito ofereceu os meios para compreender que as configurações espaciais (basta substituir espaciais por alimentares ou culinárias) não são somente produtos, mas produtores de sistemas sociais ou, para oferecer uma imagem, não ocupam somente a posição de efeito mas també ta mbém m de cau sa” sa ” (Paul-L (Paul-Lévy évy e Seg au d, 1983, 1983, 19). Fazendo isso, Condôminas criou as condições para que se realize uma verdadeira revolução paradigmática suscetível de solidificar as bases epistemológicas da antropo-sociologia da alimentação. Ao mesmo tempo, ele lhe confere uma posição central, crucial, no sentido em que ela permite a articulação de dimensões até então dissociadas do conhecimento das ciências sócias e humanas; geografia humana, etnologia, sociologia, etnobotânica, etnozoologia...
11.2 Asdimensõesdo“espaç “espaço osoci social ali alim mentar” Mauss forjou, para algumas categorias de fatos sociais particularmente complexos, ou seja, que “impulsionam... a totalidade da sociedade e de suas instituições” a expressão de fato social total (Mauss,
C a p í t u l o //- O e s p a ç o s s o c ia l a u m en en t a r : u m i n s t r u m en e n t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m en en t a r e s
251
1950) na qual a alimentação se inclui com toda a evidência. Gurvitch, de sua parte, mostrou que “os fenômenos sociais totais são pluridimensionais, dispostos em camadas, em classes, degraus sobrepostos” (Gurvitch, 1958 19 58;; Corbea Cor beau, u, 1991). 1991). Sem Se m retomar inteiramente inteiram ente os degraus (“palier (“paliers") s") descritos por Gurvitch com um grau de generalização tal que sua execução coloca às vezes problemas de operacionalização, manteremos que “o espaço social alimentar" possui várias dimensões articuladas entre si. O
espa ço social alim espaço alimentar entar é um conce c onceito ito abrangen abr angente, te, que compreende comp reende vária váriass dimensões, encaixando-se umas nas outras, como bonecas russas. Nós nos propomos agora fazer uma rápida apresentação, üm inventário tendendo para a exaustividade não deixaria certamente de ter interesse mas seria mais um dicionário ou uma enciclopédia que, dada a imensidão do tema, tema , poderia poderia ser ser feito feito apenas por uma equipe. equipe . Nós nos limitare limitaremos mos então a uma perspectiva programática. 11.2.1 11.2 .1 0 espaço espaç o do comestível comestível (T^primeira dimensão do “espaço social alimentar” corresponde ao conjunto de escolhas que produz, no meio natural, um grupo humano para selecionar, adquirir (no sentido antropológico, ou seja, o conjunto de ações que vão da colheita colheita à produção) produção) - ou conservar seus alimentos alimentos^ ^O espanto nasce sempre do estudo das escolhas que um grupo humano faz no interior da gama de produtos colocados à sua disposição por seu biótopo para construir seu registro do comestível. Enquanto um número muito grande de substâncias naturais: minerais, vegetais e animais, podem potencialmente ser alimentos, ele retém destas apenas um pequeno número. Mesmo se esta escolha é suscetível de um tratamento funcionalista colocando às vezes em evidência a perf perform orman ance ce ecológica da solução escolhida escolh ida (Harri (Harris, s, 1985 1985), ), não nã o poderia reduzir-se reduzir-se a ela. Pois Pois esta seleção seleç ão se articula sobre representações simbólicas e participa da diferenciação cultural dos grupos sociais que vivem às vezes no mesmo biótopo. Sem dúvida alguma estas escolhas apresentam interesses adpatativos, mas elas os privam muito freqüentemente de fontes alimentares não negligenciáveis negligenciáv eis e os distanciam de uma utilização ideal ideal do do meio natural natural (Fischler, (Fisch ler, 1979; K Kilani, ilani, 1992). 1992). O esp e spaç aç o do comestí com estível vel é então o resultado de escolhas feitas por uma comunidade humana no interior do conjunto constituído pelos produtos nutritivos à sua disposição no meio natural, ou que poderíam estar estar se o hom em decidisse implantá-los nele (Condôminas,
25 252 2
SoaOLOGtA SDA AUME AUMENTAÇÁO NTAÇÁO
1980; Fischler, 1990). 1980; 1990). “Ao esta e stabel belece ecerr no interior interior do nutrit nutritivo ivo a distinção disti nção entre entr e o comestível e o nã não o comestível, o valor valor social investido investido cria o alimento no sentido cultural e ordena os alimentos numa hierarquia que transcende os gostos subjetivos individuais e se afirma como o valor cultural partilhado pelo conjunto do grupo” (Kila (Kilani ni,, 1992,157). 1992,15 7). O espaço esp aço do comestível oculta o conjunto de regras que concorrem para a definição social de um alimento. E o por que uma coletividade humana indica sua conexão com a natureza.
O processo de construção c onstrução social de identidad identidade e alimentar alimentar é o conjunto de regras de inclusão ou de exclusão de um produto que dispõe de uma carga nutricional no espaço do comestível. As qualidades simbólicas dos alimentos emergem no interior de sistemas de clasificação que lhe dão sentido e que são próprias a cada cultura. Estas representações definem ao mesmo tempo a ordem do comestível, as modalidades de realização do “assassinato alimentar”, da preparação, do consumo dos alimentos, da partilha e da troca, conectando assim o natural ao cultural.
11.2.2 11.2. 2 O sistema alimentar alimentar \^A segunda dimensão do “espaço social alimentar” corresponde ao conjunto de estruturas tecnológicas e sociais que, da coleta até a cozinha, passando por todas as estapas da produção-transformação, permitem permi tem ao alimento alimento chegar até o consumidor e ser reconhecido reconhecido com co m o comestíve]T)_ewin mostrou que para que um alimento seja consumido porr um comedor, po com edor, é preciso que ele cheg ch egue ue até ele. Entre Entre o universo universo natura naturall onde ele é produto e a mesa onde ele é consumido, o alimento se desloca na sociedade e sofre toda uma série de transformações. O sistema social alimentar é o equivalente do que os economistas designam sob o termo de cadeia.9 cade ia.97Ele 7Ele reún reúne e o conjunto de atores econôm eco nômicos icos que, q ue, da produção pro dução ao consumo, contribuem para a transformação, para a fabricação, para a distribuição dos produtos alimentares. A perspectiva sociológica amplia esta noção de cadeia incluindo nela os atores da casa que fazem a aquisição (compram mais frequentemente mas também cultivam, colhe m, ca ça m ...) e participam participam da transforma ção culinári culinária a e da organização das condições de consumo. O sistema alimentar pode ser
97 No ori origi gina nal, l, fi fi llière. (Nota de tradução)
C a p í t u l o 1 1 -O - O e s p a ç o s s o c ia l a l i m en en t a r : u m i n s t r u m en en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m en en t a r e s
25 3
representado por uma série de canais nos quais se deslocam os alimentos. A cada etapa do sistema alimentar atores sociais mobilizam conhecimentos tecnológicos, mas também representações para construir sua decisão e fazer avançar os alimentos na direção do consumidor, e assegurar a abertura ou o fechamento de “canais” pelos quais os alimentos passam para chegar até a mesa familiar. Prolonguemos por nossa vez esta descrição do sistema social alimentar distinguindo nele
os espaços de consumo alimentar e seus canais de abastecimento. Para o consumo, mostramos que a distinção clássica da economia alimentar entre alimentação em casa e alimentação fora de casa devia ser completada acrescentando-lhe os lugares de trabalho e de deslocamento. E assim que os alimentos são consumidos no espaço doméstico onde ao alimentos são cozinhados, servidos e consumidos na intimidade familiar; nos restaurantes, quer sejam coletivos ou comerciais, onde as transformações culinárias são profissionalizadas e o contexto de consumo público é mais ou menos transformado em espetáculo; enfim, nos lugares em que se vive, em que se trabalha, e no transporte, nos quais são consumidos alimentos que vem do espaço doméstico ou de unidades de alimentação. Os produtos alimentares podem chegar até o comedor transitando por múltiplos canais. E em primeiro lugar a colheita, a pesca, a caça, métodos de aquisição principais das sociedades de coletores caçadores, mas que, quaisquer que sejam as organizações sociais, jamais desaparecem desaparece m completamente. completam ente. Mesmo Mesm o nas sociedades socied ades in indu dust stri riai aiss este tip tipoo de atividade persiste, e até se manifesta nas lógicas de lazer (Larrére e de Ia Soudière, 1985). É em seguida o autoconsumo alimentar, no qual convirá distinguir a autoprodução de produtos alimentares brutos (cultura, horticultura, pequenas criações de animais...) e a transformação culinária, sob a forma de produtos conservados, realizada a partir de alimentos produzidos ou comprados. A compra de produtos mais ou menos transformados no pequeno comércio alimentar (métiers de bouche) ou nos grandes supermercados constitui o terceiro canal de abastecimento. Estas três primeiras vias de abastecimento desembocam no espaço doméstico no qual vão ser realizadas atividades técnicas de seleção, estocagem, de transformações... O restaurante constitui um outro meio de acesso ao alimento. Neste meio os alimentos são mais freqüentemente consumidos no local, mas
25 4
So SoaOLOG1ASD aOLOG1ASD A ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
ele pode às vezes desempenhar o papel de um simples lugar de compra
de produtos destinados ao universo doméstico como no caso de fórmulas de entrega à domicílio de pizza ou de fórmulas de drive-in dos fast fast-foo -foods. ds. Finalmente, os espaços em que se vive, como os lugares de trabalho, de lazer, de espetáculos, de deslocamento, são abastecidos pelos meios tradicionais da compra ou de alimentação aos quais se acrescentam os comércios especializados de pronta entrega e os distribuidores automáticos (vanding machine). Em cada canal o alimento passa por diferentes etapas técnicas regidas por leis físicas, econômicas. Entretanto, para compreender plenamente a dimensão sociológica do sistema alimentar, convém levar em conta o fato de que os alimentos não se deslocam sozinhos. O “funcionamento” dos canais é controlado por indivíduos que agem nas lógicas seja profissionais, seja familiares. A entrada num canal e a progressão de uma seção para uma outra se efetuam por, graças e sob o controle de indivíduos que estão em interação com o comensal e entre eles. A partir disso, suas representações das necessidades e desejos do outro (o comensal) e de seus papéis sociais (papéis do gardião e do comensal) sobredeterminam as decisões. E esta “função”, ao mesmo tempo técnica e sociológica, esta posição estratégica no sistema concreto de ação que Kurt Lewin qualifica de “guardiã”. Para compreender, por exemplo, quais são os alimentos que entram no canal “compra” e em quais lógicas de utilização, de consumo, nós devemos, num primeiro momento, saber se é o marido, a mulher ou algum outro que faz as escolhas e as compras para a casa, e numa segundo momento, identificar quem cozinha e em que contextos físicos, temporais e sociais os produtos serão consumidos.
C a p í t u l o
l í
O e
s p a ç o s o c i a l a l i m e n t a r
:
u m
i n s t r u m e n t o p a
r a o
e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m
A
Fonte: J.-P. Poulain.
OUTROS ESPAÇOS DE VIDA
2 5 5
F ig ig u r ra a 9 - 0 s iiss tte ema a all iim m e nt nt ar ar
25 6
e n t a r e s
SoaOLOGI AS DA ALIMENTAÇAO
11.2.3 O espaço do culinário A cozinha é o conjunto de operações simbólicas e de rituais que, articulando-se sobre ações técnicas, participam da construção da identidade alimentar de um produto natural e o tomam consumível. O espaço do culinário, terceira dimensão do espaço social alimentar, é ao mesmo tempo um espaço no sentido geográfico do termo, de distribuição nos lugares, esta será por exemplo a posição da cozinha, lugar onde se realizam as operações culinárias dentro ou fora da casa, um espaço no sentido social que dá conta da divisão sexual e social das atividades da cozinha, mas também um espaço no sentido lógico do termo, espaço de relações estruturais, o “triângulo culinário” de Lévi-Strauss, sendo o seu exemplo mais conhecido conhe cido (Lévi-Strauss, 1968 1968). ). 11.2.4 O espaço dos hábitos de consumo alimentar Quarta dimensão do “espaço social alimentar”, ela envolve o conjunto de rituais que cercam o ato alimentar no sentido estrito, ou seja, a incorporação. A estrutura da jornada alimentar (números de tomadas alimentares, formas, horários, contextos sociais), a definição da refeição, sua organização estrutural, as modalidades de consumo (comer com a mão, com palitos, com faca e garfo...), a localização das tomadas alimentares, as regras de colocação dos comensais... variam de uma cultura para outra e no interior de uma mesma cultura, segundo os grupos sociais.”^ Convém renuncia renunciarr à ilusão - resultant resultante e de um etnocentrismo e tnocentrismo ocidentall - de que a refeição é a única maneira de comer. Batailleocidenta BatailleBenguigui, num estudo consagrado à alimentação no Reino de Tonga (Polinésia ocidental) explica: "... Os Tonguianos não fazem uma refeição refeição propriamente propri amente falando. O m omento om ento da jornad jorn ada, a, a com co m posição po sição e a duração duração das tomadas alimentares são irregulares, mas parecem entretanto ter
respondido há séculos às exigências biológicas do corpo humano” (1996, (1996, 257). Falaremos mais facilmente de regimes alimentares, num sentido bastante próximo daquele que os geógrafos utilizam quando eles falam de “regime” de um rio. num primeiro momento as ingestões qualificadas deConvém refeiçõesdistinguir pelos próprios comensais, de outras ingestões alimentares. No Vietnã, por exemplo, a tomada alimentar diária compreende três refeições organizadas feitas em comum às quais podem
C a p í t u l o H - O es pa ç o s o c ia l a l i me m en t a r : u m i n s t r u m me en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m en en t a r es
257
se acrescentar tomadas mais ou menos individualizadas, submetidas a rituais menos estritos. Pois os asiáticos possuem dois espaços alimentares: o da refeição ref eição organizada orga nizada e o da bel b elis isca cada da9 989com 9com suas preparações específicas que que se consom con somem em ao longo de toda a jornada. O s vietnami vietnamitas tas designam esta alimentação fora da refeição com a elegante expressão, “an choi", literalmente “comer para se entreter" (Krowolski, 1993, 148) enquanto que os franceses utilizam o vocábulo mais culpabilizante de grigno grig notag tagee. " Em relação à China, Françoise Sabban mostrou a importância da alimentação fora da refeição. “A vida alimentar alimentar dos chineses chine ses não se reduz reduz ao sistema de refeições, que pode parecer fixo e restritivo, mas cujo objetivo é de contribuir para a suficiência alimentar. Quando as condições econômicas e/ou políticas o permitem, o entre refeições é o tempo dos consumos individualizados e sem regra; os que oferecem há séculos, ao longo das ruas e dos caminhos, os ambulantes, vendedores de especialidades alimentares que se degusta à vontade, sem etiqueta e não importa impo rta a que hora do dia ou ou da noite” (Aymard, Grign G rignon, on, Sa Sabb bban an,, 1993 1993). ). Trabalhos Trab alhos mais antigos de Dou D oume mes, s, sobre sob re a refeição ref eição dos do s Jò r a i1 i10 00do Centro do Vietnã, tinham já evidenciado esta dualidade alimentar entre a refeição instituída e a alimentação espontânea, consumida ao longo de toda a jornada. Ele enfatiza as funções destas tomadas alimentares fora das refeições, que longe de serem dessocializadas, participam do tecimento do vínculo social, acompanhando o encontro de um amigo, a pausa nos trabalhos de campo ou a descoberta feliz de um fruto ou de uma pequena presa... (Dournes, 1981, 180). 11.2.5 A temporalidade alimentar alimentar '~A alimentação se inscreve numa série de ciclos temporais socialmente determinados. É antes de tudo o ciclo da vida dos homens
com uma alimentação de bebê, de criança, de adolescente, de adulto, de 98 No o ori rigi gina nal, l, g r appillag appillage. e. (Nota de tradução) 99 Grigno Grignoter ter é uma táti tática ca de uso que consiste em ope operaçõ rações es pequenas e repe repetid tidas. as. E muito usado para se referir a um modo de tomada alimentar em pequenas porções, ao longo do dia. (Nota de tradução) 100 O u Jar Jarai, ai, etn etnia ia proto-indochinesa do grup grupo o malai malaio-polinésio o-polinésio q que ue vi vive ve nas p provín rovíncias cias de Gia Lai, Cantum e na região Dac Lac.
25 8
SoclOLOCtAS Socl OLOCtAS DA ALIMENTAÇÃO
velho. A cada etapa correspondente dos estilos alimentares com alimentos autorizados, outros proibidos, ritmos das refeições, statuts dos comensais, papéis, dificuldades, obrigações e direitos. A sucessão destas grandes etapas se faz por iniciações, ritos de passagem; o primeiro copo de vinho, a primeira embriaguez, os banquetes de casamento, de comunhão, até à refeição do enterro. enterro..... Os ancestrais morto mortoss têm, também també m eles, em algumas sociedades, sua parte das refeições cotidianas e dos festins. E em seguida dos tempos cíclicos. O ritmo das estações e dos trabalhos de campo entre ent re os agricu agricultores ltores,, o da m migraçã igração o das andorinh andorinhas as entr entres es os caçad caç adore ores... s... com seus estoques de primeiros alimentos do ano, a alternância de períodos períod os de abundân abundância cia e de penúria, quer elas sejam seja m naturais naturais - período de colheita colheita e de plantio... - ou decididas pelos homens - períodos períodos de farturaa em que todos os alimentos sã fartur são o auto autorizado rizadoss - e períod períodos os de jejum parcial parc ial ou tota total.l. Finalmente, um ritmo diá diário rio,, ccom om as alternâncias alternâncias de tempo temp o de trabalho, de repouso, as diferentes refeições, as tomadas fora das refeições e sua implantação horária respectivaT] 11.2.6 O espaço espa ço de diferenciação social '""Ã alimentação marca, no interior de uma mesma cultura, os contornos dos grupos sociais, quer isso seja em termos de categorias sociais ou em termos regionais. Tal alimento é um atributo para um grupo social e será rejeitado por um outro. Comer traça as fronteiras identitárias entre os grupos humanos de uma cultura para outra, mas também no interior de uma mesma cultura entre os subconjuntos que a constituem. Esta última dimensão do espaço social alimentar é muito mais clássica na sociologia ocidental^
11.3 0 alim alimen ento toesua const construção ruçãosoci social al
^Em latim, alere significa “nutrir”; o alimento é portanto o que nutre, o que traz ao homem os elementos que o dispêndio da vida lhe fez perder. “Tudo o que é capaz de reparar a perda das partes sólidas ou líquidas de nosso corpo merece o nome nom e de alimento”, nos d diz iz um dicio dicionári nário o do século sécu lo XVIII (Lemery, 1702, citado por Trémolières, 1970). Entretanto, o termo alimento, se ele apareceu bastante cedo, perto de 1120, não adquiriu seu uso atual senão a partir do século XVI, período no qual ele substitui o
C a p i t u l o / en t a r : u m i n s t r u m me en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i me m en t a r es / - O es pa ç o s o c ia l a u m en
25 9
termo que desdeantigo, entãocame refere-se apenas à ocarne carne,No comestíveisJ francês significa “tudo que édos bomanimais para o sustento da vida”: o conjunto dos alimentos, carnudos ou não.”Viande” deriva do latim vivenda (uiuere): “O que serve para a vida” vida”.. E por isso isso que que o primeiro livro de receitas francês, que data do século XIV, intitula-se Le Vimdier. (Mas, para que um alimento seja reconhecido como tal, ou seja, capaz de manter a vida, ele não deve somente possuir qualidades nutricion nutr icionais ais - conter uma certa quantida qua ntidade de de glic glicídios, ídios, de lipídio lipídios, s, de proteídeos prote ídeos,, de oligoelemen oligoele mentos... tos... - é preciso ainda que ele seja conhecido e/ ou aceito como co mo tal pelo comed comedor or e pelo grupo social ao qual ele pertence. “Para o homem, o alimento deve não somente ser um objeto que forneça nutrientes, ele deve dar prazer e possuir um prestígio, um valor evocador de reconforto. A nutrição e a etnologia mostraram muito bem o papel dos estímulo estí muloss sensori sensoriais ais no desencadeam desenca deam ento das secreções secre ções e da mobilid mobilidade ade digestiva, e o aspecto “gestalt”, simbólico do estímulo sinal que é o alimento” aliment o” (Trém (Trémolières olières,, 1970). 1970). Um alimen al imento to deve possuir quatro qualidades fundamentais: nutricionais, organolépticas, higiênicas e simbólicas. O alimento deve, em primeiro lugar, ser capaz de fornecer ao organismo do comedor, nas condições de equilíbrio mais ou menos satisfatórias: nutrientes energéticos (glicídios, lipídios), nutrientes energéticos estruturais (proteínas), elementos minerais (macro e oligoelementos), vitaminas, água. Sobre este primeiro critério, um número bastante grande de produtos naturais (ou não) poderíam ser alimentos. Os gafanhotos, as baratas, as serpentes, as raposas, o cão, as folhas de plátano... são, deste ponto de vista, alimentos potenciais. Se alguns dentre eles pertencem à gama dos alimentos reais em certas culturas, enquanto que entre nós despertam apenas aversão, isso prova que as qualidades nutricionais são necessárias, mas não suficientes para transformar um produto que contém princípios nutritivos, em alimento.
üm alimento deve ser, em seguida, isento de toxidade. Seu consumo não deve provocar perturbações digestivas secundárias, sob pena de ser rejeitado por condicionamento negativo. A toxidez alimentar pode ter duas causas microbiológica e química. última submete podendoseus ser natural,principais: ou provocada pelos tratamentos a queEsta o homem futuros alimentos. Esta segunda qualidade é igualmente necessária mas não suficiente.
SOClOLO SOC lOLOGtAS GtAS DA ALIMENTAÇÃO
260
A terceira categoria de qualidades de um alimento é de ordem organológica. As características físicas dos produtos alimentares provocam, no curso do contato comedor/alimento, que vai da ingestão à defecação, sensações psicofisiológicas. Estas são sensações exteroceptivas em primeiro lugar: visuais, olfativas, gustativas, táteis, térmicas e mesmo auditivas. Mas também sensações proprioceptivas, como a percepção da maior ou menor resistência do alimento, ao nível dos músculos da mandíbula ou sua presença estomacal. Finalmente, os alimentos provocam sensações gerais secundárias: efeitos euforizantes do álcool, sentimento tranqüilizante da barriga cheia, excitação produzida pelo café ou pelos tônicos, efeitos estimulantes da carne. Estas diferentes características dos alimentos são apreciadas pelo comedor, através de categorias simples: agradável, desagradável. O conjunto destas sensações constitui um sistema de atração e de seleção tão fundamental, que um nutrimento que não conquista o "tônus emotivo” não é um alimento. “O homem normal não suporta, sem vomitar, um regime constituído de misturas de aminoácidos e nutrimentos dos quais ele tem necessid nec essidade ade”” (Trém (Trémolières olières,, 1971, 1971, 12). Mas para ser um alimento, alimen to, além destas três categorias de qualidades, um produto natural deve poder ser o objeto de projeções de significado por parte do comedor. Ele deve poder tornar-se significativo, inscrever-se numa rede de comunicações, numa constelação imaginária, imaginária, numa visão visão de mundo. “O homem é provavelmente consumidor de símbolos tanto quanto de nutrimentos" (Trémolières, 1971). 11.3.1 A passagem passa gem do estado de vegetal para o de alimento alimento A identificação, a seleção e o cultivo de um pequeno número de espécies vegetais é característica da revolução neolítica. Ela se produz segundo um esquema tridimensional colocado em evidência por Leroi-
Gourhan: pressões biológicas (relativa adaptação das plantas em questão para satisfa satisfazer zer as necessida nece ssidades des nutrimentais nutrimentais), ), inovações técnica té cnicass (cultu (culturai raiss mas sobretudo culinárias, transformação em sopa, mingaus, tortas ou panificação) e representações simbólicas. Como observa Maurizio (1932) “é forçoso constatar que o alimento, base quantitativa da ração, é quase sempre um farináceo” e muito frequentemente frequentemen te um cereal. O processo process o de produção que-se inscreve num ciclo natural sazonal gera esta “civilização do celeiro” que transforma a relação com o alimento, levando-o
C a p i t u l o I I - O espaço s s o c ia l a l i me men t a r : u m i n s t r u m me en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a u m en en t a r es
261
simultaneamente a pensarproduzidos. no tempo e Os a criar organizações capazes de proteger os estoques mitos associadossociais aos alimentos de origem vegetal vegetal lhe reserva reservam m um lugar lugar no esp e spaç açoo lógico lógi co de representação do mundo e do papel que se supõe que o homem desempenha nele. Os mitos ligados aos cereais, por exemplo, baseiam-se na maioria das vezes numa analogia entre o processo cultural ou as transformações técnico-culinárias que o cereal sofreu para tornar-se um alimento, e o percurso do homem na vida. Tomemos alguns exemplos. A imagem do “bom pão” para caracterizar os cristãos e do “fermento” para simbolizar o Cristo, as do pão e do vinho na prática eucarística. No universo asiático, o arroz e as diferentes etapas de sua transformação, para tornar-se o ar arro rozzcomo branco o percurso h omem em.. Éeinteressante interes sante ver no consumível, Vietnã esta simbolizam associação do destino do doshom homens do destino do arroz encontra-se até no discurso todavia não religioso do Hõ Chi Minch: "O arroz sob o pilão quanto ele deve sofrer! Mas logo ele tomará a brancura do algodão. Será o mesmo para nós na vida: O homem na desgraça torna-se polido como uma jade.” Os mitos fundadores da África do oeste vêem a origem do mundo num grão de “fonio". Entre os “Cherokee”, o mito da origem do milho se confunde com a origem da diferença sexual: a mulher tendo sido criada pelo “Grande espírito” a partir de uma espiga de milho. Ele organiza, ao mesmo tempo, a relação dos homens com o criador e os animais com os quais eles partilham mu ndo (Dibie, 1998, 15 0).. A extensã exetensão o do regis registro tro do comestível vegetal oé mundo variável segundo as 150) culturas as organizações sociais de predação: larga entre os coletores caçadores, mais restrita entre os agricultores. 11.3.2 A passagem do estado de animal para o de alimento
Para comer um animal, é preciso em primeiro lugar reconhecê lo como comestível, ou seja, numa posição particular no interior de um sistema classificatório das espécies animais e das relações que elas mantém com os homens; as simbologias dos animais, as lógicas de proximidades com os(Leach, homens participam inclusão ou dadeexclusão dal categoria comestível 1980 1980). ). Mas o cons coda nsum umoo da carne um animal anima supõe antes de tudo seu abate, e este não poderia ser feito sem precauções simbólicas.
262
SoaOLOGLASDA SoaOLOGLASD A ALIMENTAÇÃO
Leach mostrou como as relações que se estabelecem entre os animais e os homens determinam sua capacidade para tornarem-se alimentos. Os animais podem ser classificados em quatro categorias segundo a distância que os separam do homem; se começarmos do mais distanciado até o mais próximo, distinguimos as categorias do selvagem, dos animais de caça, dos domésticos e dos familiares. As duas categorias centrais remetem à ordem do comestível. A primeira e a última são atingidas pela proibição, pois são consideradas como muito distanciada ou muito próximas da humanidade. Entretanto, as fronteiras entre estas diferentes diferentes categorias variam segund seg undoo as culturas culturas (Leach, (Leach , 1980, 1980, 263-297). A “cinofagia”, ou seja, o consumo de carne de cão, é sobre este ponto exemplar. Por que em algumas culturas come-se carne de cão e em outras não? "O cão é o melhor amigo do homem”, “seu mais fiel companheiro”. E então por esta proximidade que se explicaria a proibição alimentar que o atinge nas sociedades ocidentais. Entretanto, têm-se observado numerosas culturas nas quais come-se também animais familiares. É o caso, por exemplo, dos aborígines da Austrália que consom con somem em o dingo. Alguns antropólogos antropólogos tentaram tentaram explic explicar ar este este fenômeno fenôme no como uma sub-estrutura “do canibalismo praticado nestas regiões” (Helm, 1896,, ccitado 1896 itado por Mille Millet,t, 1995, 1995, 82). Mas antes ant es de questionar a problemática problemátic a do canibalismo, convém co nvém aprofunda aprofundarr a lógica da proximid proximidade ade.. Certamente, Certamente , “não se come seu companheiro”, e portanto não os animais familiares, mas esta qualidade não é forçosamente estável. E se o animal vem a perdê-la, retornando à domesticidade ou à selvageria, ele reintegra a ordem do comestível. A etnologia alimentar européia conhece bem este fenômeno, pelo qual, na véspera do abate, produzem-se processos de distanciamento simbólico que rebaixam o animal, com quem se poderia ter relações familiares, ao nível de animal doméstico. Entre os camponeses franceses, o porco é frequentemente batizado com um prenome humano, “Artur”,
Júlio ... que, personificando-o, faz com que ele faça parte da família, por uma identificação simpática. Ele é alimentado, “cuidado com atenção, afeição”, e para ele se prepara “a sopa”. Quando chega a hora de matálo, fica-se fica-se descontente descontente com co m ele, acusando-o acusan do-o de alguns crimes, crimes, na maior maioria ia das vezes o tema “elesenão é sujoem como um gagnou” ou de não ter sobre domínio sobredasi,propriedade, “ele não pensa comer”... acusações que permitirão em primeiro lugar o distanciamento e, depois, matá-lo (Poulain, 1984 e 1996-2).
C a p í t u l o I I - O es pa ç o s o c ia l a u m en en t a r .: u m i n s t r u m en en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i m en en t a r es
26 3
CIm outro mecanismo, encontrado no centro da França, articula familiaridade e distanciamento. Atribui-se ao porco, num jogo semiderrisório, o sobrenome do dono, “lou seignur”, ele é o personagem mais importante da fazenda. Alguns folcloristas indicam que ele é, “como os nobres, coberto de seda”. Quando se aproxima o momento de abatêlo, as representações se invertem e o “senhor” se vê censurado por viver às custas da comunidade que “o engorda”, o abate podendo mesmo às vezes tomar ares de simulacros revolucionários. Num artigo recente, examinando a questão, Jacqueline Millet multiplica os exemplos provenientes de campos culturais diferentes, que para a cinofagia, atestam a reversibilidade reversibilidade do estatuto esta tuto de animal an imal familiar fam iliar (Millet, (Millet, 1995, 82, 83 e 84). 84). Nós mostramos que o papel do cão na organização agrícola ocidental, e principalmente nas culturas de criação de animais, o coloca numa posição intermediária entre o homem e os animais domésticos (mais ainda que a caça que o situa entre o homem e o animal selvagem) e pode em parte explicar a proibição alimentar que o atinge nestes espaços culturais cultu rais (Poulain (Poulain,, 1997-2) 1997-2).. Mas, o princípio de proximidade não nã o é suficiente para explicar explicar a duração duraçã o da reprovação dos não consumid con sumidores ores ocidentais ocide ntais1 101 que consideram os comedores de carne de cão como bárbaros, a ponto de que, nos inícios da antropologia, quando as perspectivas evolucionistas dominavam a disciplina, se tenha podido ver na cinofagia o sinal do grau de civilização. Pois sobre o consumo de carne de cão entrechocam-se os imaginários ocidentais e asiáticos. A origem do sentimento de aversão, até de horror que ela provoca entre os ocidentais deve ser procurada junto às representações simbólicas e da associação desta prática com o canibalismo. Frank Lestringant mostra como, no momento da descoberta do Novo Mundo, Cristóvão Colombo “inventa" a palavra “canibal”, sobre uma imbricação do termo arawak “caniba” (mau, feroz) de raiz latina “canis" (cão) e do nome próprio Kan, o nome de um soberano chinês que ele procura encontrar. No diário de viagem, tal qual ele nos foi transmitido
por Bartolomeu de Las Casas, na data de domingo, 4 de novembro de 1492, o Almirante, tendo chegado alguns dias mais tarde na costa norte de Cuba, observa, com base num intérprete, que “mais além (ou seja, continuando em direção ao leste), havia homens com um só olho e outros
101 O fato d de e que os hindus e os mu muçulm çulmanos anos ssejam ejam igual igualmente mente não consumidores mostra que a lógica da proximidade não poderia sozinha explicar a proibição alimentar que atinge o cão.
26 4
SOCIOLOGÍ SOC IOLOGÍAS AS DA ALIMENTAÇ ALIMENTAÇÃO ÃO
com focinhos de cães (que) comiam os seres humanos.” A palavra canibal aparecerá no diário apenas na data de 23 de novembro. “A analogia destes contextos com a mudança verbal de 4 de novembro, escreve Lestringant, permite ver na palavra canibal um equivalente exato dos homens de cabeça de cão” (Lestringant, 1994, 43 e 44). Este fundo imaginário remonta à mitologia grega, que situa, perto das índias, selvagens de cabeça de cão e que latem. Mão acedendo à linguagem, eles se colocam como símbolo do primitivo. Comer carne de cão para um ocidental, é ao mesmo tempo tornar-se canibal e primitivo. A angústia, o próprio pavor, que o canibalismo provoca nas culturas cristãs deve ser resituado na problemática da transubstanciação da eucaristia. Vários autores estudaram a exacerbação do imaginário canibal sobre a questão da presença real ou simbólica do corpo e do sangue de Cristo nas duas formas, pão e vinho, de consumo, no mome mo mento nto da ascens asce nsão ão da reforma (Lestringant, (Lestringant, 1981; 1981; Albert, 1991; 1991; Fabre-Vassas, 1991). Matar um animal não é um ato banal, através dele o homem intervém na ordem natural. A gestão do assassinato alimentar pode se dar segundo diferentes modalidades. A proibição ou a autorização de consumir carne é determinada pelo lugar atribuído aos seres humanos na classificação e na hierarquia das espécies animais. A proibição se justifica pelo respeito à vida, quer ela seja ou não endossada por concepções míticas (Ossipow, 1989 e 1994). No hinduísmo, por exemplo, a recusa do assassinato alimentar associado às castas superiores deve ser situada no quadro da teoria da metemp mete mpsico sicose se (Mahias, 19 1985 85). ). Quando ela é autorizada, nas sociedades tradicionais, o abate se inscreve nas lógicas sacrificais fortemente ritualizadas. Duas concepções podem ser distinguidas. Na primeira, comer carne é a consequência de uma prática sacrifical. Isso quer dizer que a motivação principal ostentada pelo grupo grupo é o sacrifício sacrifício e suas funçõe fun çõess religiosas. religiosas. O consum con sumo o de carne intervém em seguida apenas porque o grupo a tem à sua disposição,
uma vez o sacrifício sacrifício efetuado. E o ccas aso o entre os gregos greg os (Detienne (Detienne e Vemant, 1979), entre os proto-indochineses (Condôminas, 1954)... Para Pa ra a segunda concep con cepção ção , comer carne é justamente o objeti objetivo vo do abate, mas convém se proteger de eventuais consequências negativas da intervenção interv enção do homem na ordem da d a vida. vida. O abate é então entã o rituali ritualizad zado, o, colocado sob a tutela do espiritual e do religioso. E o caso nas culturas judaicas e muçulmanas. Quer o assassinato alimentar seja ostentado
en t a r .: u m i n s t r u m C a p í t u l o //- O es pa ç o s s o c ia l a u m en me en t o pa pa r a o e s t u d o d o s m o d e l o s a l i me m en t a r es
26 5
como fim ou quer ele seja oculto por detrás de um ritual sacrifical, ele faz pesar sobre a comunidade pesar comunida de a responsabilidade responsabilidade desta intromissão intromissão no mundo da vida. No universo cristão, nenhum controle espiritual pesa sobre o assassinato alimentar. A prática sacrifical é evocada na história, pelo sacrifício do “filho de Deus feito homem” e pela comemoração eucarística que toma todo sacrifício real inútil, ao mesmo tempo que ela ocupa seu lugar. O assasinato alimentar encontra-se assim projetado na ordem profana. Entretanto, a etnologia francesa colocou em evidência, nas regiões camponesas cristãs, a sobrevivência de práticas e de crenças que podemos qualificar de pagãs. E o caso, por exemplo, da cerimônia do porco que é cercada de um conjunto de rituais precisos. A ação de matar cabe ao dono da casa ou ainda a um matador profissional “lou Sanguinário” ou “lou Mazelier” que se desloca de propriedade em propriedade. Ela é a ocasião de um certo número de rituais e se prolonga através de uma série de presentes feitos aos próximos e aos amigos. For sua vez, numa lógica de contra-dom, eles retribuirão os presentes quando chegar a hora de matar o porco que possuem. Assim, os vínculos sociais se tornam mais estreitos, intensificam-se graças a esta morte, a este “sacrifício”. Nas sociedades industriais ocidentais modernas de origem cristã, o abate é portanto porta nto laiciz laicizado. ado. O crime alimentar alimentar é gerado ge rado por um duplo processo de evacuação-repressão e de cientifização, poderiamos quase dizer de “medicalização”. Vialles, (1987) e Méchin, (1992) mostraram como a organização taylorizada do trabalho dos abatedores participa de uma coisificação do animal. Como igualmente sua rejeição à periferia das cidades constitui um processo de mascaramento da morte equivalente à repressão do corpo do animal morto, colocado em evidência por Elias (1939) pelo abandono da prática de servir animais inteiros sobre a mesa. A presença e o papel do veterinário foram insuficientemente estudados pela sociologia da alimentação. A presença do veterinário no momento
preciso do assassinato alimentar não poderia reduzir-se á um estrito controle sanitário, ela inclui funções simbólicas, uma espécie de “rotularização” do animal morto como comestível em nome da ciência. Lê-se aqui o sistema de valores ocidental que faz da ciência e da racionalidade um valor central e nós vimos como a crise da vaca louca podia ser analisada em termos de dificuldades de gestão do assassinato alimentar.
26 6
Soa O LO CI A S DA ALIM EN TAÇÃ O
11.3.3 0 leite leite e seus derivados derivados Se o leite tem o estatuto de alimento universal para as crianças, os queijos são para os adultos poderosos marcadores identitários, eles indicam diferenças culturais alimentares. Na cultura francesa o leite e principalmente os queijos têm um papel pr privi ivileg legiad iado. o. A França é freqüentemente fre qüentemente apresentada com c om o o país do queijo. queijo. No decorrer das manifestações que acompanharam a reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio em Seattle, o roquefort teve um papel destacado. Os bonecos (gu Canal + , passando do (g uign ig n ols ls)X )XQZ do Canal país a seus habitantes, colocam na boca de Silvestre, o representante da voz dos Estados Unidos, a expressão “os queijos que fedem” para designar os próprios franceses. Procurou-se durante muito tempo explicar a aversão pelo leite de algumas culturas asiáticas através de razões genéticas. Um grande número de asiáticos adultos apresenta, com efeito, um déficit enzimático que bloqueia a digestão da lactose, um açúcar presente no leite. Adultos, os asiáticos não consomem leite e demonstram uma verdadeira aversão a este produto, pois eles não teriam, ou teriam perdido, a capacidade biológica de digeri-l digeri-lo. o. Entretanto, Entretanto, se o déficit enzimático é uma um a explicação explic ação possível da aversão em relação ao leite, ele não pode explicar o não consumo dos queijos fermentados, nos quais a lactose está ausente ou é transformada transf ormada em ácido lácteo, lácteo , tornando-os então perfeitamen perfeitamente te digerí digeríve veis is (Sabban, 1986). A explicação admitida hoje em dia, graças aos trabalhos da antropologia, considera a persistência da capacidade de digerir a lactose como um benefício adaptativo. A modificação do genótipo seria o resultado indiret ind ireto o do sistema sistem a alimentar das socied so ciedade adess pastorais (McCracken, (McCracke n, 1971; 1971; Fischler, 1990 1990). ). Ela é lida, lida, nas sociedade socied adess de criadores de animais, com c om o uma adaptação ao contexto alimentar e constitui um exemplo de interação
entre o cultural e o genético. Se alguns asiáticos não têm esta capacidade, é porque ela é inútil num espaço cultural em que os adultos não consomem leite. As causas do consumo ou do não-consumo de leite, e, mais amplamen ampl amente, te, do gosto gost o ou da aversão dos adultos adultos pelo leite leite e pelos produtos produtos 102 "Les guignol guignols" s" é um quadro humorístico que diaria diariamen mente te antecede a apresenta apresentação ção do noticiário da noite na emissora de TV a cabo privada Canal + e que caricatura as principai prin cipaiss informações jornalísticas do dia. (Nota de tradução)
CAPÍTULO 11- o ESPAÇOSOCIAL SOCIAL A AUMENTAR.: UMENTAR.: UMINSTR INSTRUMENTO UMENTOPARA O EST ESTUDO UDO D DOS OS MODELOS AU AUMENTAR MENTARES ES
267
lácteos, devem ser procuradas na ordem cultural (Barrau, 1983; Fischler, 1990; Poulain, 1997-2). Não é possível, certamente, fazer um inventário exaustivo das representações simbólicas ligadas ao leite em todas as culturas. Contentemo-nos em assinalar a grande variabilidade de seu estatuto no espaço. Assim, ele é excluído da ordem do comestível na China, no Vietnã do Norte, no Camboja..., prescrito sob condições no mundo judaico, fortemente valorizado no Ocidente cristão, ou ainda quase sacralizado no universo hinduísta. Mas os historiadores da alimentação nos ensinaram que no interior de uma mesma cultura, seu estatuto varia igualmente no tempo. Por exemplo, o leite e seus derivados não pertenceram sempre à mesma categoria na distinção católica entre produtos gordurosos e produtos magros (Flandrin e Montanari, 1926). Nas sociedades consumidoras, o leite e os produtos que dele são derivados formam uma categoria de alimentos particular. Produtos de origem animal que não necessitam do assassinato alimentar, eles simbolizam a vida em sua continuidade e mobilizam imagens de pureza, de inocência e de vitalidade. Numerosas são as mitologias que fazem do leite o alimento do paraíso.
11..4 Ob 11 Objjet etooequestões deum umaasoci socioantr oantropologi opologiaadaal aliimentação (|Iima sociologia ou, de preferência, uma socioantropologia da alimentação tem então por objeto a maneira como as culturas e as sociedades colonizam e organizam o espaço de liberdade deixado pelo funcionamento fisiológico do sistema digestivo do homem e pelas modalidades de exploração dos recursos colocados à sua disposição pelo meio natural ou suscetíveis de serem produzidos no quadro das limitações biofísicas e climatológicas do biótopo. A colonização pelo social desta zona de liberdade contribui para a construção de identidades e para a
socialização do corpo. Mas a socioantropologia da alimentação se interessa igualmente pelas interações entre o biológico, o ecológico e o social. Pois as comunidades humanas modificam por seus modos de vida e por suas técnicas, ao mesmo tempo seu próprio funcionamento biológico e seu meio natural. É portanto a originalidade da “conexão bioantropológica” de um grupo humano com seu meio que constitui o objeto da socioa socioantrop ntropologi ologiaa da alimentação. Coloca Col ocado do nestes n estes termos, "o espaço social alimentar" e as representações e o imaginário que o sustenta), é
26 8
SOC SOCIOLOGI IOLOGI ASDA ALIMENTAÇÃO
não somente como um “fenômeno social total” (Mauss), mas um “fenômeno “fenôme no humano h umano total", - segu ndo a feliz expressão de Mori Morin n (1973 (1973). ). A alimentação deixa então de ser considerada como uma conseqüência de fenômenos biológicos ou ecológicos para tornar-se um dos fatores estruturantes da organização social, tanto quanto, senão mais, que a sexualidade ou o parentesco. ' sexualidade GAs questões da socioantropologia da alimentação são então de duas ordens. Primeiramente por sua ancoragem epistemológica no “o espaço social alimentar”, que simultaneamente a inscreve nas ciências sociais e a abre para a interdisciplinaridade, ela permite a investigação das relações entre o cultural e o fisiológico por um lado, e o cultural e o meio natural, por outro lado. Em segundo lugar, por sua dimensão estruturante da organização social, “o espaço social alimentar” ocupa uma posição transversal, nas ciências sociais e humanas e cria as condições de uma metabolização do saber socioantropológico. Ele se apresenta em primeiro lugar como um objeto sociologicamente centrado com uma dimensão autônoma (o espaço de liberdade), ou seja, compatível com uma definição do objeto da sociologia como autônoma. Ele é em seguida um conceito que permite raciocinar em termos de fronteiras e ter uma noção das interações entre o biológico e o cultural. cultural. Finalmente, ele ilumina ilumina as dimensões dimen sões múltiplas múltiplas da alimentação, um guarda-chuva abrangente, um objeto em degraus (“paliers" de Gurvitch), sobre o qual a análise em termos de escalas encontra sua
pertinência.
A T ÍT ULO DE CON CLUSÃO Po r .
u m p o sit sit i vism vismoo c o n s t r u t i v i s t a
A análise dos movimentos que atravessam o espaço social alimentar (deslocalização e relocalização da alimentação, transformações das práticas, desenvolvimento da obesidade, exacerbação do sentimento de crise...), mostram como a necessidade biológica de comer, a expressão da fome, são socialmente conformadas. Ela nos permitiu sair destas questões ingênuas, como em um debate sobre a origem da galinha e do ovo, que ora concedem primazia ao biológico considerado como pre existente à alimentação, ora colocam o cultural como elemento primeiro. A alimentação, inclusive nas situações extremas como na doença ou no contexto de hospitalização, é sempre ao mesmo tempo socialmente construída e biologicamente determinada. Os modelos alimentares apareceram como o resultado de uma longa série de interações entre o social e o biológico, como a agregação complexa de conhecimentos empíricos. A partir disso sua investigação não se justifica mais somente pelo cuidado de conservação de um “patrimônio" que testemunha uma época, mas pelo interesse de compreender o funcionamento e a dinâmica de um corpo de conhecimento operatórios pelo qual as comunidades humanas se inscrevem em seu meio. Colocada como um “fato total humano”, a alimentação pode ser o objeto de uma dupla abordagem sociológica. A primeira, respeitando o
princípio de autonomia do social, interessa-se por suas dimensões socialmente impostas. A segunda, fiel à tradição do “fato social total”, abre-se ao diálogo com as ciências da nutrição e da epidemiologia. Fazendo isso, a alimentação questiona o corte epistemológico sobre o qual repousa a disciplina sociológica.
270 27 0
SOCJ SOCJOLOGI OLOGIASD ASDA A ALIMENTAÇÃO ALIME NTAÇÃO
Mas como dialogar com as disciplinas conexas? As ciências da nutrição são dominadas pelo modelo etiológico, empirista e positivista. Deste ponto de vista, supõe-se que a teoria resulta de uma série de leis obtidas a partir da análise dos dados coletados sem um a príori intelectual. Os dados são considerados como totalmente neutros e objetivos. O trabalho científico é apenas uma maneira de organizar esta matéria prima diretamente proveniente do real. A sociologia nasceu num contexto epistemológico marcado marc ado pelo posit positivis ivismo mo e pelo modelo de conhecimento conhe cimento derivado das ciências da natureza, que postula a existência de uma realidade que os pesquisadores devem descobrir (Comte, Durkheim). Nesta perspectiva, a objetivação dos fatos sociais é o primeiro trabalho do sociólogo, trabalho a partir do qual pode se conduzir a elaboração de princípios gerais, de leis de alcance geral. O diálogo entre a parcela positivista da sociologia e a epidemiologia ou as ciências da nutrição é fácil, pois elas partilham um certo número de postulados. Ele se inscreve na tradição da epidemiologia social, da qual o trabalho sobre o suicídio de Durkheim aparece como a obra fundadora. Mas a disciplina sociológica é hoje amplamente dominada por uma leitura construtivista. Ela considera que a maneira de coletar os dados é não somente uma seleção, mas também uma verdadeira organização do real, largamente sobredeterminada pelo quadro teórico do pesquisador. Nas suas versões mais radicais o construtivismo pode resultar num hiper-relativismo, ou seja, numa concepção segundo a qual a realidade se dissolve nos instrumentos de sua construção. O importante então não é mais tanto real, mas as maneiras de interrogá-lo, de questioná-lo, de construí-lo e deo lhe dar sentido. A antropologia, devido à sua posição posi ção intercultu intercultural, ral, contribuiu contribuiu amplamente ampla mente para a promoção prom oção desta leitu leitura ra rela relativ tivist ista. a. A análise dos modos m odos de construção dos descritores coloca parcialmente em causa a idéia de neutralidade dos dados. O aperfeiçoamento de um descritor é sempre dependente de uma perspectiva teórica (quando justamente ela estaria
implícita) e constitui justamente uma espécie de coup de /orce /orce sobre o real.l. É por isso que o esclarecime rea escla recimento nto dos processos de construção teórica dos dados constitui uma linha essencial da pesquisa sociológica contemporânea. Numa versão menos radical, considera-se que existe,doapesar da dimensão “construída” dos descritores, uma certa resistência real. Pois o confronto empírico dos instrumentos com o que é preciso ainda nomear de realidade, reserva frequentemente surpresas. Com efeito, numerosas
A t T Tw l o d e c o n c l u s ã o - P o r um po po sit iv ismo c o n s t r i i w i s t a
271
são as descobertas que contradizem os postulados originais que presidiam entretanto a divisão do objeto, a elaboração da problemática e dos descritores, mostrando assim que o objeto estudado não se reduz totalmente aos instrumentos de sua construção. O diálogo com as ciências da nutrição passa por uma dupla atitude: a primeira aceita o postulado positivista e contribui para a objetivação do fato alimentar e a segunda toma por objetos as diferentes formas de conhecimentos produzidos sobre a alimentação, inclusive os conhecimentos sociológicos, para refletir as condições de sua construção. Estudar o comedor é convocar os esclarecimentos de disciplinas diversas: química, bioquímica, microbiologia, biologia, fisiologia, psicologia, psicanálise, sociologia, etnologia, história, geografia humana, economia... Igualmente especialidades que possuem seu objeto e seus métodos segundo uma fórmula que estigmatiza o funcionamento da ciência contemporâneipComo fazer comunicar entre si disciplinas no interior das quais os pesquisadores já têm dificuldades em comunicar-se entre eles? A complexificação da pesquisa analítica, a hiperespecialização, o fracionamento dos objetos de pesquisa atomizam os saberes. Questionamentos emergem bem no centro de cada disciplina que interpelam os “proprietários de territórios de saberes vizinhos”. Mas os quadros de referência, nos quais eles se colocam, raramente permite respostas. Independentemente dos instrumentos nocionais diferentes que constituem os primeiros obstáculos, são os contextos teóricos, freqüentemente irredutíveis, que fazem com que os conceitos aparentemente comuns produzam desvios de sentidos que perturbam a comunicação. (Jm das questões da sociologia da alimentação consiste em descrever numa linguagem positiva as dimensões sociais dos comportamentos alimentares.(^sociologia da alimentação deve contribuir para a positivação dos fatos alimentares muito freqüentemente mal estudados porque mal descritos. Convém reabilitar a descrição. A descrição
é obra científica principalmente num domínio novo, ela tenta ordenar o real. A objetivação daspráticas é a base a partir da qual se pode iniciar o diálogo pluridisciplinar. Diante de um objeto de uma tal complexidade, o esforço de objetivação érdecisivo e seu interesse é ao mesmo tempo interno e externo à sociologia. Ma perspectiva disciplinar, ele é uma etapa indispens indis pensável ável para para o confronto - articulação articul ação dos do s diferentes paradigmas sociológicos suscetíveis de dar conta das práticas alimentares. Do ponto de vista interdisciplinar, ele constitui a base prévia para a comunicação,
272
SOCIOLOGIAS SOC IOLOGIAS DA ALIMENTAÇÃO
não som ente c om as ciências di ditas tas "duras”, mais habi habituadas tuadas a manejar os ob jetos jetos pos posit itiv ivos os ou con siderados com o ta tais, is, mas tam b ém co m as outras out ras cciên iên ci cias as sociai sociaiss e hu m an as, co m o a ec on o m ia, a h his istó tóri ria a ou a psicologia. A sociologia da alimen tação deve tamb ém desen volver um ponto de vista exterior tomando por objeto os conhecimentos científicos produzidos sob re a alimen tação. Os con ceitos existem apen as en q uan to elementos de proposições, eles são instrumentos heurísticos que procuram compreender uma realidade concreta. Também é indispensável mostrar a dim ensão socialm ente construída dos c onc eitos util utiliz izado adoss pelas ciências q u e “t “ t o c a m ” à a llii m e n t a ç ã o . O s c o n t e ú d o s d e s t a s c iiê ê n ci as e suas con dições de produção torn am- se en tão o ob jeto de uma sociologia das ciências da alimentação.
L a P a m p a - T o u llo ouse e,, 1 9 99 98 - março de 20 00 01
R e f e r ê n c i a s B ib l i o g r á f ic a s
Ad orno or no T , 1938, “O n the feti fetish sh-ch -char aract acter er in m us ic an d reg regres ression sion o f lis listening” tening” , in Arato A ., Ge bhar t E. (ed. (ed.), ), The essential Fr an ankfur kfur t sch ool r ead ade er , Oxford, Blackwell, 1978,270-299.
Aim ez R R,, 1979, “P n° sych sy chop opath ath olog ol ogie ie de 1alim enta tion qu oti otidie die nne” nn e” , in Communications 31, Seuil.
Aim ez R, G uy -G ra nd B ., Le Bar Barzic zic M ., Bo ur H. 1972 1972,, “Con “C on tro le du comp ortem ent al alime imentai ntaire. re. Rôle de 1’environnement dans lobé sité hu main e” ,
R euue d du up prr aticien , 22, 6,805-821. Albert J .- R , 1991, “ Le vin s an s 1’ivre ’ivresse sse”” , in F Fourn ourn ier D ., D ’On ofr io S . , L e Fe Ferr ment ment Divi n, MSH, Paris. Allon N ., 198 1981, 1, “ Th e st styg ygm ma of o over verwei weight ght in e ver yd yday ay life” , in Wo Wolm lman an B ., Ps ychol ycholog og ical aspect aspect ofobesity : a han dboo dbook k , New-York, Van Nostrand Reihold, 130-174. Ap fel felba baum um M., M. , 1995, “ La diète pru pruden dente te est-e est-elle lle bien rai raison son na nable ble ” , i n Man M an g er
Mag M ag i qu e, R euue Autr eme ment. nt. Ap fel felba baum um M . (di (dir.), r.), 1998 1998,, R is que quess et pe peur ur s alim enta entair ir es, Paris, O. Jacob. Apfel Ap felba baum um M ., Lep Lepout outre re R. 1978, Les mange mangeur ur s inég aux , Paris, Stock. Apfeld orfer G ., 2 0 0 0 Mai , Mai g r i r , c e s t f o u , Paris, O. Jacob. Ariès R, 1997-1 ,L a f i n des m an g eu eurr s , Paris, Desclée de Brouwer.
fils de M cD o, La McD onalisati on du mondet Paris, Ariès R, 199 1997 72 2,, Les fils Paris, LHarmattan. Aron Aro n J .- R , 1967, “E ssa ssaii sur la sensibilité alime alimentair ntaire e à Paris, au 19 19è ème siè cle ” ,
Cahier s de dess Annales n° 25, Paris, Colin. Aron Aro n J .- R , 1969, Essai s de depistémolo pistémologg ie b biologi iologi que , Paris, Bourgois.
274
Soa OL OG I A S DA ALIMENTAÇÃO
Aron J .- R , 197 1976, 6, Le mang eur du 19 ème, me, Paris, Laffont. Aron J .- R , 198 1984, 4, Les moder moder nes , Paris, Gallimard. Aron J .- R , 1987, “La “L a trag tragédie édie de lap la p pa re ren n ce à le p oq u e conte co ntemp mp ora orain ine", e", Communications nfl46,306-313. Aron J. J.-P -P ., 199 1997, 7, “ De la gglac laciat iation ion da dans ns la cculture ulture en généra gén érall et da dans ns la cuisi c uisine ne en particulier”, in Cultures, Nourritures , Internationa Intern ationale le de 1’imag ’imaginai inaire, re, Babel/ Babe l/ A c te s S u d , 1313-37. 37. Arrlpe M ..-L L ., 1990 1990,, ‘‘A Alimenta lim entation tion fin de siècle: sièc le: pe perm rm anen an en ces ce s ets etstr trat atég égie, ie, Monoprix”, Pa Pap pie iers rs du GR E SE , 7, PGM. At Attia tiass-Do Donf nfut ut C . (di (dir.), r.), 199 1995, 5, Les solidar solidar ités entre entre génér ations , Nathan. Aym ard M ., 1997 Aymard 1997,, “ Le Less pratiq pratiques ues de lalim lal imen entat tation ion carn ca rnée ée en Fran Fr an ce” ce ” , in L e mang eur et iani mai, Autr ement, ment, nQ172,87-102. Aym ard M ., Grign Aymard Gr ign on C ., Sa b b an F., 1993 19 93,, Le temps de mang er ; Ali A li m enta en tatiti on , emploii du temps emplo temps et r ythmes ythmes s ociaux , Paris, Éditions MSH-INRA. Bachelard G., 1948, La terr e et les les r êue uerr ies du r epost Paris, Paris, Corti. Bachelard G., 1957, La poéti poéti que de Vespace , Paris, PGF. Bachelard G., 1950, “La formation de lespritscientifique”, Paris, PGF. BagesR., RieuA., 1988,“Spécificitédumodedapprovisionnementalimentaire des agricul agriculteurs”, teurs”, Ethnolo Ethnologg ie fr ançaise ançaise, XVIII, 358-365. Ba ges R ., 1995, “Perm anences et innovat innovations ions dans Tal Talime imenta ntati tion on paysanne: du repas quotidien au menu de fête”, in Eizner N., Voyage en alim entation , AR F éditions.
Bahloul J., 1983, L e culte de la la table dr essée. Ri tes et traditi ons de la table table j ju u i u e alg ér i en enne ne , Paris, Métaillé. Baker J., 1984, “The rehabilitation actof 1973: protection for victims of weight discrimination?“, ( JCL A L aw R evi evi ew , 29,947-971. Balandier G. (dir.), 1983, “Sociologie des quotidiennetés", Cahiers
I nter nter natio nationa naux ux de Sociolog i e , vol. LXXIV, Paris, PGF. Balandier G., 1971, Se Sen n s et pu i s s a n ce , Paris, PGF. Balandier G., 1988, Le désordr désordr e, Paris, Fayard. Baré J.-F., “Acculturation”, in Bonte P., Izard M., Di ctionnai r e de Vethnologi Vethnologi e et de Vanthropologie, Paris, PGF. Barrau J. , 197 Barrau 1974, 4, “ Écos ystèm es, civi civilis lisati ations ons et sociétés humaines: le poi point nt d dee vue d’un naturaliste”, I nfor nfor mati matio on sur les Sciences Sciences sociales, soci ales, 14, 1, 21-34.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
27 5
Barrau Bar rau J ., 1983, 1983, Les hom mes et lears lears ali ments. Es qui ss e d ’une histo histoir ir e écolog éco log i que e ett ethnologi ethnologi que de Valim entation , Paris, Temps actuels. Barrau Bar rau J ., 1991, 1991, “Les hom me s dans lla a nature" nature" et T h o m m e et le végétal”, in J . Poirier, Hi sto stoir ir e de dess moe moeur ur s, La Pléiade, Gallimard, Paris.
Barthes R., 1957, M y t h olog ol og i es , Paris, Seuil. Barthes R. , 1961, 1961, “Pour une psychosocio logie de Talimen Talimentat tation ion contemporaine” , A Arr ma males les E S C , nfl 16, Paris. Barthes R., 1975, “Lecture de Brillat-Savarin”, in Brillat-Savarin, La physiologie du goüt, Rééditi Réédition on Herman . Basdevant A., Ba Barzi rzicc le M ., Guy-G rand B., 1993, Les ob obésités, ésités, Ardix Medicai, Paris Basdevant A., 1998, “Sém éiologie et clinique clinique de la restri restricti ction on alimentai alimentaire”, re”, Cahier Ca hier s de N Nutr utr iti on et de D i été ététi ti que , 33,4:235-241. Basdevant A., Benkimoun R, 1999, “Lobésité, une maladie du mode de vie mal tolérée toléré e par la société ” , Le Monde , 20-21 Juin 99. Basdevant A., Laville M., Ziegler O., 1998, “Recommandations pour le diagnostic, la prévention et le traitement de Tobésité”, Cahier s de Nutr iti on et et de Di ététique, 33sup. 1, 1-148. Bastide R., 1958, “Problèmes de Tentrecroisement des civilisations et de leurs oeuvres” oeuv res” in in Gurvitch G ., Tra Traité ité de soci olog i e , Paris PÜF. Bastide R., 1960, Les relig relig ions a afr fr ica icaines ines a au u Br ésil, Paris, PÜF. Bataille-Benguigui M .- C , 1996, “Lordinaire “Lordinaire et lexcep tion dans 1’al ’aliment imentatio ation n au royaume Tonga. (Polyné (Polynési sie e occidentale)” , in Bataille-Ben guigui M .-C ., C ousin F., 1996, Cuis in es, refl refle ets de dess soci étés , Sépia, Musée de Thomme. Baudelot C., Establet R., 1984, Dur k heim e ett lle e su ici de, Paris, PÜF. BaumanZ., 1990, Think ing sociol og ical l y, Oxford, Blackwell. Beardswort Beard sworth h A ., 1990, “Trans-science and moral panics: understanding fo food od
scares , Br itish Food JJourn ourn al al,, 92, 5, 11-16. Beardswor Beards worth th A ., 199 1995, 5, “The m ana gem ent of food ambivalence: Erosion an Reconstruction?”, in Maurer D., Sobal J.,E J. ,E a t i n g a g en da s . F Foo ood d an Nutr Nu tr i ti on as S Soc ocii a l P r oblem obl emss , New York, York, Aldine Aldine de Gruyter. Beardsworth A., Keil Keil E . T., T., 1992, “T he vegetarian option: varieties, varieties, conversions, motives and careers”, The Sociolo 253-293.. Sociologg i cal R euiew , 4 0,2 , 253-293 Beardsworth A., Keil E. T., 1997, So S o ci o lo g y on th e m en u . A n i nui nu i tat tatii on to th the e s stu tu dy o off f oo d an a n d s o ci et y , Routledge, Routledge, Londo n.
276
SOCIOI OGIASD OGI ASDA A ALIMENTAÇÃO
Beauvilliers A., 1814 ,L a r t du cu i s i n i er , ReprintMorcrettes. Beck B., 2000, “Comportement alimentaire et facteurs nutritionnels précoces” in INSERM,
Obési Obé si té déplsta déplstagg e et et pr pr éue uention ntion ch ezlen fan t , 131-163.
R i sk Society: towards towards a new mode moder nity , Londres, Sage, Gesellschaft haft , Suhrkamp, 1986. traduction traductio n anglaise de R isk o Gesellsc Beck Cl., 1992,
B ec ke rG . S ., 196 1965, 5, "A theory of tthe he all allocation ocation of time” , Economi c
Jour nal, 75,
493-517. Bellisle F., 1992, “Rôle etmécanismesde lapprentissagedanslesgoütsetles conduites alimentaires”, in Giachetti I.,
Plaisi Pla isi r etpr etpr éfér éfér ences ences alimentair alimentair es, Paris,
Polytechnica. Bellisle F., 1999, Le compor compor tement tement alimenta alimentair ir e humai n . App A pprr och ochee s ci en entiti fi que, qu e, Monographie chaire Danone, Bruxelles, Danone. Bellisl Bell isle e F., McDevitt R., Prentice A. M., 1977, “Meai frequency and energy balance”,
Br itishJo itishJournal ofnutri tion , 77, Sup. 1, 57-70.
Benedict R ., 1946,
Pattems Patte ms ofcultu ofcultu r e, Mentor Books, New York.
Bennassar B ., G o y J ., 1975 1975,, “Contribution à 1’hist ’histoi oire re de lla a consom matio n alimentaire du XlVe au XIXe siè siècle cle”” , in in An A n n ales al es
E SC.
Benoit J ., 1991 1991,, ‘‘Anth Anth ropo logie bio logiqu e” iin n Bonte R , IIzar zard d M ., 1991 1991,,
Di ctionnai r e de 1’ 1’ethnolog ethnolog i e et et de Vanthr opologi opologi e, Paris, PCJF. Benson P. P. L., Severs D ., Tatg Tatgenho enhorst rst J ., Loddengaa rd N ., 198 1980, 0, “The soci social al costs of obe obesi sity: ty: Anon-r eactive fiel field d study” , 8(1), 91-96. Berchoux J ., 18 1800 00,, La
S Soc oc i a l Beh B ehau auii ou ourr an a n dP er s onal on alii ty ,
g astr onomi onomi e ou Vhomme des des champs à table table,, Paris.
Berger R, Luckmann T., 1966, La constr ucti onsociale ffançaise 1986, Paris, Méridien-Klincksieck.
de la la réalité réalité,, traduction
Berthelo Bert helott J. -M ., 1982, 1982, “Une so ciologie du corps a-ta-t-ell elle e un sens?” , Recherches
Soci So ci olog ol og i qu es , Vol. Vol. X XII III, I, n° 1 et 2, Louv ain-La Neu ve.
Cahier hier s Berthelot Bert helot J. -M ., 1983 1983,, “Co rps et société ” , Ca
Intemationaux de Sociolog i e,
Vol. LXXIV, PUF. Berthelot Berthe lot J.- M ., 1990, 1990, Lin tell tellig ig ence ence Berthelot Berthel ot J.- M ., 199 1996, 6, Les Berthe Ber thelot lot J.- M ., 2000, La
du social, Paris, PUF.
uer uer tus de Vincer Vincer titude, Paris, PUF
sociolog i e franqaise franqaise contempo contemporr aine, Paris, PUF.
Berthom ieu C ., 1966 1966,, “L a lo loii et les travaux de E ng el ” ,
Consommation, nü4.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
277
Besnard, 1987, Lanom ie, ses u sag es et ses foncti foncti ons dans la dis cipline
soci s oci olog ol og i qu e depui depu i s D u r k h ei m t Paris, PÜF Bessi Bes sière ère J ., 2000, Val Valo or isation isation du du patr patr i moine gas tr onomi onomi que et et dynamiques de déueloppe déuel oppement ment te terr rr itori itori al, Le haut plateau de l 'Au A u br ac , le pay s de Roquefo Roqueforr t et et lePérigordNoir , Thèse de sociologie, üniversité de Toulouse Le Mirail. Best J. (ed.), 1989, I mages ofis su es: Typ Typifying ifying Co Conte ntempo mporr ar y Social Social Problems , New York, Aldine de Gruyter Blixen-Finecke von K., 19, Le Di ner de Babe Babette tte, Paris, Gallimard. Bloch F., Buisson M., 1991, “Du don à la dette: construction du lien social familial”, Reuue du du Maus s , 11, 54-71. Bloch M., 1954, “Lalimentation de Tancienne France”, in Febvre L.,
Lencyclopé Lencyc lopédi di e fr ança ançaise ise , t. XIV, Paris. Blumberg R, Mellis L. P, 1985, “Medicai students attitudes towards the obese and morbidly morbidly ob ese ” , I nter nter nationa nationalJ lJo our nal ofeati ofeati ng disorde disorderr s, 4,2, 169-175. Bonnefons (de) N., 1654, Les délices délices de lla a ccam am pag ne , Paris. Bonnet J.- C ., 1976, 1976, “Le réseau réseau culi culinai naire re dans rencyclopédie” , An A n n al ales es E S C , 31, 31 , nQ5. Bonnet J. -C ., 19 1978, 78, “Pr “Prés ésen enta tati tion on de ..." Écr its gastr ònomiques ònomiques de Gr im od de la Reynière, Paris, 10/18. Bonnet J .- C ., 1983, 1983, “Le vin vin des philosophes”, in in Limag inair e du u uint int Marseille, Marseille, Laffite. Bonte R, Izard M., 1991, Di ctionnai r e de Vethnolog Vethnolog i e et de 1'anthropolo 1'anthropologg ie, Paris, PCJF. Borillo M., Sauvageot A., 1996, Les ci nq sens de la cr cr éa éation tion , Paris, Champ Vallon. Bott E., 1971, Family and social networ k , Tavistok. Boudon R., Bourricaud F., 1982, Dictionnaire critique de la Sociologie, Paris, PUF
Boudon R., et coll., Di ctionnair ctionnair e de la soci olog i e , Larousse. Bourdieu P., 1976, “Anatomie du goüt”, A Act ctes es de la r echer ech er che en Sci Sc i en ces ce s soc s ocii a les le s t Octobre, Bourdieu P., 1979, La distinct distinction ion , Paris, éditions de Minuit. Bourrec Bour rec J.- R ., 19 1983, 83, La Gascog Gascog negour mande , Privat. Boutaud J.-J., 1997-1 (dir.), “Images du goüt”, Champs vis uels uels , nQ5, LHarmattan.
27 278 8
SOOOLOGIA SOOO LOGIA S DA A ALIMENTAÇÃO LIMENTAÇÃO
Boutaud J . - J . , 19971997-2, 2, “Sé miotique de la repré représent sentati ation on vi visue suelle lle du goüt",
Champs ui suels suels , LHarmattan, 5, 52-63. Bouvier Bouv ier A., 2000, “ La con naissa nce et lla a Scien ce", in, in, Berth Berthelot elot J.- M ., s soci oci olog i a fr anqai se contemp cont empor or ai r te , Paris, PüF. Bras M., 1992,
La
La cuisin e de Mi chel chel B r as, éditions du Rouergue.
Braudel F., 1961, “Vi “Vie e ma matéri térielle elle et com por tem ents biologiqu es” , An A n n al ales es 196, 545 à 548. Braudel F., 1979, Ciuili sation siècle,, Arm and Colin. siècle Brilla Bri llatt Savarin A ., 1824, La
matér matér i elle elle,, ééconomi conomi e et et capi capi talis me , 1515- 18 18è ème
physiolog ie du goüt, Réédition Herman, 1975. physiolog
Brown P J . , Konne Brown Konnerr M., 1987 r opol op ca lp9er-4s 6 pe pect An nals na ls o f the New-York A Aca ca d ,A emnyaonfth S Sci cien en olog ceog , 4i9calp 9 ,2 . ctii v e Brunel, S ., 1997,
o f obes obe s i ty ,
Ceux Ce ux qui vont mour ir de faim , Paris, Seuil.
Brune l, S ., Léo nar Brunel, nard d Y. ((di dir. r.), ), 199 1996, 6, Les pr oblè oblèmes mes alimenta alimentair ir es Cahiers français nQ278, La documentation franqaise. Brunhes J., 1942,
E S C ,
dans dans le mon de,
Lag éog éog r aphie humaine, édition abrégée, PCJF, Paris.
Burg at F , Dantzer R., 1997, “ün e nouvelle préoccup ation le bien êtr être e animal", Au tr ement, emen t, nQ172, Burgat F., 1997,
La pr otec otection tion de Vani mal, Paris, PCJF.
Burguière A ., Chartier R ., F arge A. , Vigarello G ., Wievio Wieviorka rka M., 1995, “Lo “Loeuvre euvre de Norbert Elias, Elias, son con tenu, sa réception”,
s soc ocii olog ol og i e, 99,213-235.
Cahier Ca hier s internationaux internationaux de
Soci ci ol olog og i ca l Cahnm an W W.. J ., 19 1968 68,, “The stygma of o obesi besity", ty", So 283-299.
quar qua r ter ly, 9, 3,
Callon M., 1998 1998,, “D es di différen fférentes tes formes de démoc ratie techniqu e” , An A n n al ales es M Mii n es, es , RRespor espor ts tsabi abi li té et envi en vi r or mem ent , 9, 63-72.
des
Callon M., Latour B., 1991,
L a Sci Science ence telle telle quell qu ellee se fa faii t: antholog antholog i e de la
soci olog i e des des Science Sci encess de langue lang ue ang lai se, Edition la découverte, Paris. Calvo M., 1980 1980,, “ De la contr contribut ibution ion act actuelle uelle des Scienc es sociales et huma ines à la conna issance de lalimentation", Ethn olog olog ie Fr anqaise anqaise,, X, 3,335-352. Calv o M., 1982 1982,, “Migration et Alimentation” , I nformationsur
Soci So ci a les le s 21 (3): 383-446.
les les Sciences
Cann ing H ., Mayêr J . , 196 1966, 6, “Ob esity- It Itss Po Possib ssible le EfF EfFect ect on College land Jour nal of M of M edi ed i ci n e 275, 1172-1174. A Acc cc ep ta n ce ” , New Eng land
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
27 9
modern dern ité al alimentair imentair e, Capatti A., 1989, Le gout du nouveau. Or ig in es de la mo Paris, Albin Michel. Carême A., 1833, La Larr t de la cuisin e Fr ançaise ançaise auXI Xèm esi ècle, ècle, Paris. Cazes-Valette Cazes-Valett e G ., 1997, “La vac he foli folie” e” in Cultur ultur e Nourr itur es , Internationale de r imaginair e nQ7, Babel Actes Sud, 205-233. Certeau M. de, Girard L., Mayol R, 1980, Lin vention du quotidi quotidi en, en, tome 2: Paris,, Gallimard, Folio, 1994. Habite Hab iterr , cuisi ner , Paris Champagne R, 2000, “Laffaire de la “vache folie” (ESB): les nouveaux risques de santé publique et leur gestion", in Garrigou A. L a san té dans tous se sess états, Biarritz, Atlantica, Food in C Chi hi nese cultur e, anthr opolo opo log g ical a and nd Chang K. C. (éd.), 1977, histori cal cal per spectives, spectives, London, Yale University Press.
Châteauraynaud F., Torny Torny D ., 1999, Les sombr sombr es pr pr écurseur s , une sociolog i e pr ag ma ti que qu e de i al er t e et du r i s qu e, Pari Paris, s, Edi Editi tions ons EH E S S . Cha rles M. A., 2000, “Prévalen cede 1’obésité obésité ch ez len fan t in Obésité, dépistag dépistag e et pr éventi éventi onchez Lenfant Lenfant,, Expertise collective, Paris, INSERM, 17-27. Charles N ., Ker Kerrr M ., 1998, W ome omen, n, foo food d and fami lies, Manchester, lies, Manchester, Manchester CJniversity Press. Chatelet N., 1977, Le cor cor ps à corps corps culinai r e} Paris, Seuil. Chaudenson R., 1979, Les cr éole éoless fr ançaist Paris, ançaist Paris, Nathan. temps m odemest Chaud ron M ., 1983, 1983, “ Heur et malheur de la cuisinière", cuisinière", Les temps 1349-1359. Chaudron M., Sluys C., Zaidman C., 1995, “Pratiques culinaires et organisation domestiqu e” , iin n Eizne Eiznerr N ., Voya Voyagg e en alimentati on, on , ARF éditions. Cherubini B. , 1992, “Du métissage généralisé à la la contre-culture: contre-culture: le chem inem ent de Têtr Têtre e antillo-guyanais” , in in M ét étii s s ag es , Li n g u i s ti qu e et et A An n th r opolog opol og i e, e, Paris, LHarmattan.
Chesnais J. -C ., 19 Chesnais 1986 86,, La trarvsit trarvsitio ion n démog démog r aphi que, étapes, étapes, for mes, i mplications mplications économi économi ques: études études des des sér sér ies tempor elles elles ( 1720 -1984) r elative lativess à 6 7 p a y s , Paris PÜF/INED. Chevassus-au-Louis B., “Quatre attitudes face aux controverses”, in La Recherche,, numéro spécial Le ri sq Recherche sque ue alimentair e, 2001,82-85. Chippaux C., 1990, “Des mutilations, déformations, tatouages rituels et intentionnels intent ionnels chez rh om m e” , in Poir Poirie ierr J . , Flisto Flistoir ir e des des moeur moeur s , Paris, Gallimard.
SOOOLOCIASD A ALIMENTAÇÃO
2 8 0
Tendance Tendances compor cons mpor temer teme r xtales et raltitudes enuer enuer s de r alimenta alimentatior tior x d Tune populati populati on descons co ommateur omma teur s à bas euenus, Ministère
Chiva Chi va M., Roux C , 19 1997, 97,
1’Agriculture, pro gram me Alim ent dema in. Chiva M., 1985,
Le dou x et Lame Lamerr , Paris, PGF
Chiva M., 1996 1996,, “L e ma nge ur et le m ang é: la subt subtile ile complexité", in Giachetti Ismène, I de dentité ntitéss des des martg eurs, i mag es des des ali mentsy Polytechnica, Polytechnica, 11-30. Chiva M., 1997, “Cultur “Cultural al aspe cts of meais and meai frequency", Bri Briti tish sh Jou rn al of Nutr Nutrit itio ion, n, 77, s u p .l, 21-28. Chomb art de Lau Lauwe we P -H ., 195 1956, 6, Paris, CNRS.
La uie quotidi enne des familles ouur ouur ièr es ,
Chom bart de Lauwe P.-H., 1969 , P our Gonthier Denoel. Chombart de Lauwe P.-H., 1981, culturelle, Paris, CNRS.
u ne soc s ocii ol olog og i e des
as aspi pi r at atii ons, ons , Paris,
Tr an ansfo sforr mations mations soci ales et dynami que
Claudian J., Trémolières J., 1978, “Psychologiedelalimentation”, Encyclçpédie Luniuerr s de la psy cholog i e , Paris, Lidis, tome 5, 67-97. Luniue Claudian J . , 1982, “Qu elq ue s réfl réflexion exionss ssur ur le less inquiét inquiétudes udes alime alimentaire ntairess de no notre tre temp s\Cahi er sd eNutr i ti onetd eDi ététi q ue, 16,4, 165-166. Claudian J . , Serv Serville ille Y., Y., Trémoli Trémolières ères F., 1969, “E nqu ête sur les ffacteurs acteurs de choix des aliments”, Bull Bulleetin de de LI NSE R M, 24, 5, 1277-1390. Clém ent S ., Meg dich C ., 198 1987, 7, “ La dis distri tribut bution ion des resta restauran urants ts dans lle e ce centre ntre de Toulouse”, R evue géog géog r aphique des des Pyrértée Pyrértées et du Sud-Ouest , n° 3, 58. Clém ent S. , 199 1990, 0, “Le s rest restauran aurants ts à Toulouse” , in Pi Pitt tte e J. - R ., Huetz de Lem ps A ., Les r estaur staur ants ants dans le monde et à tr au aueer s les les ag es , Grenoble, Glénant. Cobbi J., 1981, La uie alimentair alimentair e des des Japon Japon ai s , son s on de doctoratd ethnologie, Gniversité de Paris X. Cochoy F., 1999,
évolu évo lutiti on r écen te , Thèse
ün e histo histoir ir e du mar keting , Paris, La Découverte.
La r éuni on, une ile entre entre nourr nourr iture et et nourr nourr itur es: Appr oche an anthrop throp)) olo logi gi que que etbi o culturelle de Lalim entation , Thèse d anthropologie, Cohen P, 1993,
Gniversité d’Aix-Marseille 3. Cohen P., 1998, Gn champ urbain de lalimentaire: La vente des produits liés au souci du corps et de la santé”, Jou r n a l des anth an th r opolog opol og u es, es , 74, 29-46. Cohen R, 2000,
Le car i par par tag é. Ant hr opologi opologi e de de Lalimentation à Lite Lite de la la
Réuniont Paris, Paris, Karthala.
281
R ef er £ £n cia s bibl io g r áf ica s
Com bris R, 1980 1980,, “L es gra nds tr trait aitss de 1’évolution de la conso m m atio n dagg r icultur e de de Fr anc ance, e, 12, 1273- alimentaire en France 1956-1976 " Académi e da 1284. Combris R, 1995, “La consommation alimentaire en France de 1949 à 1988: continuité et ruptures” , in Eizner N ., Voyage en en alimentati on , AR F édition éditions. s. Com bris R, 199 1996, 6, “M angeurs et aliments: que nou s apprend Tan Tanaly alyse se économique?” in Giachetti 1., I dentité dentitéss des mang eurs, im ages des aliments, Paris, Polytechnica, 91-122. Combr is R, Vola Volati tier er J .- L ., 199 1998, 8, u uEvoI EvoIuti ution on des con som m ation s et des Lettrr e Scientifique Scientifique de iI nsti tuí Fr ançais ançais pour pour comportements alimentaires”, Lett Nutrition , 56, 1-12.
la
Nous avons man g e lla a fo forr êt, êt, Paris, Mercure de France. 19 1965, 65, Lexotique est quotidi en , Paris, Plon.
Condôminas G., 1954, Condôm inas G .,
Con dôm inas G ., 1972, “Marce “Marceii Mauss et 1’hom m e de ter terra rain in”” , LAr c Condôminas G ., 19 1980, 80, Flammarion.
n° n° 4 4 8.
Lespace social à propo proposs de VAsi e du Sud -E st ,
Paris,
Condô minas G ., 199 1994, 4, “Sau vegard e et promotion du pat patrimo rimoine ine ccult ulture urell immaté imm atériel riel des group es min minorit oritair aires es du Viê t-Na m" , Les Études Vi etnamiennes , nouvelle série, nQ42 (112), Hanoi. Con dôm inas G ., 1997-1, “Le s prati pratiques ques ali alimentai mentaires: res: un patri patrimoine moine ccult ulture urell à sauvegarder” in Pr atiques atiques alimentair es et et identités cultur ell elles, es, Les études études
vietnamiennes, nQ125 et 126, Hanoi, 21-30. Conrad R, 199 1992, 2, M Medica edicaliza lizatio tion n and Soc ial Con trol, An A n n u al Soc S oc i ol og y , 18,209-232. Conrad R, Schneid er J . W W.. 1992 1992,, Deui ance
R ev i ew o f
and Medicalization: Medicalization: fr om B adne adness ss
to Sick ness , Philadelphia: Temple University Press. Corbea u J. -R , 1986, 1986, “Lavale “Lavaleur ur n n’att ’attends ends pas lle e nom bre des année s, ou Féducation aliment alimentaire”, aire”, Les
Cahierr s de 1’ Cahie 1’lF OR E P n 0 49 49..
Féducation aliment alimentaire aire , Les
Cahierr s de 1lF Cahie 1lF OR E P n 0 49 49..
reconstr uction utopique des fo forr mes et et de dess j e u x du d u Corbeau J.-P ., 199 1991, 1, E ss ai de reconstr manger , Thès e d etat de So ciolo gie so u la di directi rection on de J . Duvign aud, à pa para raít ítre re sous le titre Le
mangeur imaginair e, Métaillé.
Corbea u J.- R , 1992 , “Rituel “Rituelss a limentair taires es et mutations socia les” , Cahiers intemationa intema tionaux ux1992, de sociolog i ealimen , vol. XC1I, PUF. Corbe au J. -R , 19941994-1, 1, “Le manger, lie lieu u de sociali socialité. té. Quell es formes d de e part partage age pourquelstypesdaliments?”, Prévenir , nQ26,203-217.
282
SOCJJOLOGIAS DA AL SOC ALIMENTAÇÃO IMENTAÇÃO
Corbeau J.-P., 1994-2, “Goüt des sages, sages dégoüts, métissage des goüts, in
Le métis métis cult cultur ur el, Inter Inter na natio tiona nall de ii mag in air e, nQ1, Paris, Babel/Actes Sud, 164-182.
Corb eau J.- R , 1995, “Limaginaire du gras associé à d div ivers ers type typess de consommation de gras et les perceptions de leurs qualités”, in Nicoláís F., Valceschini E A Agg r o-a o-alili men tai ta i r e: une u ne écon éc on om i e de la quali qua li té, Paris, Editions INRA-Economica. Corbeau J .- R , 1996, “De la prése présentatio ntation n dramatisée des alime aliments nts à la représentation de leur consommateurs”, in Giachetti I., I dentité dentitéss des des mangeur s, imag es des des alim ents , Polytechnica, 174-198. Corbeau J .- R , 1997-1, “So cialité, so sociab ciabili ilité té et sau ce toujours", toujours", iin n Cultures, Nourritures , Internat International ionalee de 1’imaginaire, Bab Babel-A el-Actes ctes S u d , 69-81 6 9-81.. Corbeau J.- R , 1997-2, “Po “Pour ur une rrepré eprésent sentati ation on sociologique sociologique du mangeu r” , ÉconomiesetSociétés , Développement agro-alimentaire, 23,147-162. Corbeau J.-P ., 1997-3, “ Lexoti Lexotisme sme au Ser Servi vice ce de legotis m e. Nourri Nourritur tures es vietnamiennes et métissages des go üts français français"" in Pr atiques alimentair alimentair es et identitéss cultur el identité elle less Les études vi etnami ennes, n° 125 et 126, Hanoi, 323-345. CorcufFR, 1995, Les nouvell nouvelles es sociolog i es , Paris, Nathan.
stoir es de Cuis in es , Cou sin F., 1996, catalo gue ré sumé de 1’exposition, Hi stoir Muséum National d’Histoire Naturelle. Cram er R, Steinwert T T.,., 1998, “Thin “ Thin is go od , fat is bad: how eearly arly doe s it begin?", J . A pp ppLL D ev ev.. P s y c h o i ., 19:429-451 Croze Austin de, 1933, La psy cholog i e de la table, Paris, Au sans pareil. Cser go J ., 199 1996, 6, Lémer gence d es cui cuisines sines régi régional onales, es, iin n Fland Flandri rin n J. -L ., Montanari M., édit., Hi stoir stoir e de Valimentation Valimentation , Paris, Fayard, 823-841. Cuin Ch., 1993, Les sociolog ues et la la mobilité soci ale , Paris, PC1F Cuisenie Cuis enierr J ., Segalen M., 198 1986, 6, Ethnolo Ethnologg ie de laFr ance, Paris, PÜF. Cuisenie Cuis enierr J . , 1991, 1991, Ethn ol ologi ogi e de VEur op opee, Paris, PGF.
Cuisenie Cuis enierr J . , 1991, 1991, Ethn ol ologi ogi e de VEur op opee, Paris, PGF. Cuisenier J., 1995, La tr ad adition ition populair e, Paris, PÜF. Cuisini Cuis inier er J . , 1948, Le Less M uong , Institut dethnologie, Musée de THomme. Da um as J . M., 1986 1986,, “L a cèn e dans la conce ption de 1’égl ’église ise réf réformée” ormée” iin n Rencontres de TÉcole du Louvre, La table et le le par tag e, Paris, La documentation Française. Davis D. M., 1795, The Cases ofLabour ofLabour er s in Hu sbandr y , Bath, cité par Stigler (1954).
R EFERÊNC EFERÊNC1ASBI BIBLI BLIOG OGRÁFI RÁFIC CAS
283
De Spiegelaere M., Dramaix M ., Hennart R, 1998a, “So cia l class and obes obesity ity in 12-year12-y ear-old old chil children dren in Brussels: influence o f gende r an d e thnic origin”, Eur. J. Pediatr., 157:432-435 De Spiegelaere M., Dramaix M., Hennart P P., ., 1998b, “T he influence of socio- economic status on the incidence and evolution of obesity during early elat. at. Metab. D i sor d., 22:268-274 adolescence”, I nt . J . Obes. R el De Spiegelaere M., Dramaix M., Hennart P., 1998 c, “S oc io-e co no m ic stat status us and changes in body mass from 3 to 5 years”, A Arr ch Debry G ., 199 1999, 9, ““A A qu i pr prof ofit ite e lobé sité ?” , 34, 3, 129.
D i s C h i ld .,
78:477-478
Cahiers de Nutr iti on et de D i été ététi ti que ,
Déchaux J.-H ., 19 1994 94:: “L es ttro rois is comp osantes de 1 1econom econom ie caché e de IIa a
Recherchessociologiques 2 5 , 3 . État social des des peuples peuples sauu ag est préface préface de Paul Rivet,
parent par enté: é: lexem plefrança is", Descamps R, 1930, Paris, Payot.
Desjeux D ., Tapo Taponi nier er S ., 199 1991, 1,
Le sens de Va Vautre, utre, Paris,
LHarmattan.
a auu poi poi r xt d ’un unee mét m éthh ode od e anthr op opol ologi ogi que dan aly se micr o-indi vi duelle duelle des compo comporr tements a alimenta limentair ir es, Desjeux D., Taponi Taponier er S ., Le Van Du c A. C ., 1990 1990,, M i s e
MRT, MR T, ünive üniversité rsité de Pari Pariss V-So rbo nne . Desjeux D., 1993, 1993, “La décision, ent entre re stra stratégi tégie e conscien te et forc force e aveugle” ,
Scii en ces Sc ce s H u m ai n es es,, 2. 2. DesjeuxD., 1996-1, "Lethnologie, une méthode pour comprendre les comportements alimentaires domestiques”, in Desjeux J.-F., Hercberg S. (dir.), a r echer echer che au Se 1996, La nulri tion humai ne, lla Serr vice de la san té, INSERM-Nathan. Desjeux D., 19961996-2, 2, “Tiens bon lle e conce pt, j* j*en enlèv lève e Téchelle... dobserva tion!”,
Utinam nü20,
Paris, 1’Har ’Harma mattan ttan , 15-44.
Desjeux D., 1997, 1997, “Lethnomarketin “Lethnomarketing, g, une ap proche anthropolo anthropologique gique de la consommation: entre fertilisation croisée et purification scientifique”, n° 21 -22 , Pari Paris, s, 1’Harm atta attan, n, 111-1 47.
Utinam
Desjeux D., 1998, “Les échelles d observation de la consommation”, in Compr Co mpr endr endr e le consommateur consommateur , Edi Editio tions ns Science s Hum aines. Desjeux J.- F ., Hercberg S . (d (diir.), r.), 1996, L a
nutrr iti on humaine, la recherche au nut
Servi Ser vi ce de la sant sa ntéé, INSERM-Nathan. Détienne Détienn e M., Ver Vernan nantt J. -R , 1979, La
cuisi ne d cuisi duu sa sacri cri fice au pays g r ect ect Paris, Paris,
Gallimard. Dibie, R, 1998,
La passion du r egard , Paris, Métailié.
28 284 4
SOCIOLOGJASDA SOC IOLOGJASDA ALIMENTAÇ ALIMENTAÇÃO ÃO
Digard Dig ard J. -P , 1999 1999,, Les fr an anqa qais is et le leur s ani mau x , Paris, Fayard. Dirn L., 1998, La société franqa franqaise ise eenn tendanc tendances es 197 5-199 5, Paris, PÜF. Douglas M., 1971, “Deciphering a meai” in C. Geertz (ed.), M y t h , S y m b o l , an d Culture, New York. Dou glas M ., 1979, “Le s struc structure turess du culi culinaire naire”, ”, Communications, 31, 145-169. Douglas M., 1981, D e la souill souillur ur e, Paris, Maspéro. Dournes J ., 198 1981, 1, “Lespac e d ’un rrepas”, epas”, iin nK Kupe uperr Jes sic a, La cui sine des ethnologues, Paris, Berger-Levrault. Dr Dris ishe hell J. -P , Po Poul ulai ain n J.- R , Truche Truchelut lut J.- M ., 1988 , H i s toi r es et r ecettes d dee LA ls lsace ace g ou ourr mand ma nde, e, Toulouse, Privat. Drouard A., 1998, “Le régime alimentaire du Dr Carton et les régimes “naturels””, Ca Cahier hier s de Nutr iti on eett de Di ététiqu ététiqu e, 33, 2,297-300. Drouard A., 1999 1999,, “ Naissa nce et év évolut olution ion du pet petit it déjeuner en Fran ce” , Cahiers de Nutri tion et et de Di ététique, ététique, 34, 3, 167-171. DrulheM., 1987, “Lincorporation”, So Soci ci ét és , 15,5-6. Drulhe M., 1996 Sa Sann té et ssoc ocii ét é . Le faqon nements ociétal de la santé santé,, Paris, PÜF Ducpetiaux E., 1955, Les budgets économiques des classes ouvrières en Belgique, Bruxelles. Du ff J . , 1990, “Nutrit “Nutrition ion and public health: di divis vision ion of labour in in the study of nutrition”, Co Commu mmu ni ty Health Health Studies, 14, 162-70. Dumazedier Dumaze dier J ., 196 1962, 2, Vers une ciuili sation des des loisi r s? Paris, Seuil. Dupin H ., 1980, “Évolution des h habitudes abitudes alimentaires et de la rat ratio ion n alimentaire des Français”, Eth nolog nolog ie franqaise, franqaise, 10,3, 319-324. Du puyy B ., 1986, “Leuchar Dupu “Leucharistie istie et le Sed er pasca p asca l juif” in Rencon tres de 1’Éco le du Louvre, La tab table le eett le par tag e, Paris, La Documentation Française.
Durand G., 1960, Les structur structur es anthr op opol ologi ogi que quess de Limagi nair e, Paris, Bordas. Durkheim E., 1894, Les for for mes él éléme émentai ntai r es de la uie r elig elig i euse euse,, Paris, PUF, 1998. Durkheim E., 1894, Les règles de la méth odesociolog i que, 1988, présentation de J. M. Berthelot, Paris, Flammarion. Durkheim E., 1897, Le suicide. Étu de sociolog sociolog iqu e, Paris, PÜF, 1969.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
28 5
des Fr anqais, Paris, Hachette. Duvignaud Duvignau d J ., Corbeau J.- R , 1981 1981,, Les tabous des Duvignaud Duvign aud J . (d (dir ir.) .),, 1979, So ci ol og i e de la ccon on n a i s s a n ce, ce , Paris, Payot.
Echaudemaison C.-D., 1996, Dic Di ctio ti or mai mai r e deconomi decon omi e et et de Sciences Sciences sociales soci ales, Paris, Nathan. Eden, F. M., 1797, The State ofth eP oor , Londres, cité par Herpin et Verger (1991). Eizner N., Talimentation entre diversité et normalisation”, in A Alí lí m enta en tati ti on et lien social, Pou Pour r nQ129, Paris, LHarmattan, 61-67. Elias N., 1939, La civi lisati on d des es mo moeurs eurs , Paris, Calmann-Lévy, 1973. Elias N., 1939, La dynami que de TOcci dent, Paris, Calmann-Lévy, 1974. Elias N., 1990, No Norr ber t Elias par lui -même, Paris, Fayard. Engel E., 1857, D ie Pr odu duktions ktions und Consumti Consumti onue onuerr halt haltnis nis se de dess K on onig ig r eichs Sa ch s en , réedité mDieLebenskostenbelgisherArbeiter-Familien, Dresde, 1895. Esterle-Hedibel M., 2000, “Le corps en force ou le corps en forme”, in Garrigou A ., La san té d dans ans tous ses états, Biarritz, Atlantica, 185-203. Escoffier A., 1902, Gui de Culin Culin air e, Paris, Flammarion. ESRC, 1999, The polit politii cs o f G M f o o d : r i sskk , Sci ence and publi c trust. Global environment envi ronment cha nge Program me, S pec ial briefing briefing nQ nQ5, 5, ünive üniversit rsityy of Sus sex , cit citéé parMarris 1999. Fabre-Vassas C ., 1991, ‘‘Lazyme ‘‘Lazy me des jjuifs uifs et 1’hostie de s chré chrétiens tiens”” , in in F Fourn ournier ier D., Salvatore D’Onofrio, 1991, Le Fer me ment nt diuin, Paris, MSH. Fabre-Vassas C., 1993, Lab ête sing ulière ulière,, Paris, Gallimard. Falk Fal k R, 1991, Hom o culina culinariu rius: s: towar towards ds an his histor torical ical anthropology o f taste”, S Soc ocii a l Sci Sc i en ce I nf nfor or ma mati ti on, 30, 4,757-790. Falk R, 1994, The consumi consumi ng body. body. T he heo or y, ccultu ulturr e & s ociety Book s, Londres,
Sage. Falk R, 1996, La magie des vitamines ou Tavenir exorcisé, in Fischler C., 1996- 3 , Pensée magi que e ett alimentat alimentation ion ai Ljourdhui, Cahiers de TOCHA, nQ5,54- 64. FantinoM., 1992, “Étatnutritionneletperceptionaffective delaliment”,in Giachetti I., Plaisir etpréfé tpréférr enc ences es al alimenta imentair ir es, Paris, Polytechnica. FAO, 1986, Plan indi catifmondial de développe développement ment ag r i col cole e, Rome.
28 6
Soa O LO G lA S DA A LIMEN TAÇÃ O
Farb Far bP P.., Armelagos G .f 198 1982, 2, Co Consum nsum ir tg passi ons, the anthropo anthropolo logg y o ofeating feating , Houghton Mifflin Compagny, Boston, traduit en français en 1985 sous le titre A An n th r opol opolog og i e des co cou u tu m es a ali li m en enta taii r es , Paris, Denoèl. Favre J., 1883, Di ctionna ctionnair ir e un uniuersel iuersel de la cui si ne , 1910, Paris. Faurion A ., 1993 1993,, “S ém anti que et physiologie du goüt: la rup ruptur ture e épistémologique”, Lettre Lettre Scienti fi que de 1 11 1nstítut Français pour la Nutr iti on, 21, 1- 6 .
Febvre Feb vre L , 192 1922, 2, La Tenre et Vé Vévol voluti uti on hum ain e: intr oduc oducti ti ong éog éog r aphi que à Vhistoire, Paris, Paris, Albin Mich Michel, el, 1970. Febvre Febvr e L., 1938, 1938, “Répart “Répartiti ition on géogr aph ique d es fonds de cuisine en France ", in Tr av avau auxx du l erco rcong ng r ès intemati onal de folklor e, Tours. Fischler C ., 198 1980, 0, "Food habit habits, s, social chan ge an d the n nat ature ure/c /cul ultu ture re dilemma” ,
So ci a l Sc Scii en ces ce s I nf nfor or nnati nn ati on, 19 (6), 937-953.
Fischler C ., 1986, "Diét "Diététique étique savante et diététiques sponta nées: la bonne nutrition enfantine selon des mères de famille française", Cult Cultur ur e te technique chnique 1986, 16:50-59 Fischler C., 1987, “La symbolique du gros”, Communications , 46, Fischler C ., 1989-1, “Peut-on cha nge r Tal Talimen imentat tation ion par décret?” , Cahiers de
Nutr iti on et de Di été ététique, tique, 24, 1,59:61. Fischler Fischl er C., 1989 1989-2, -2, “Le dégoüt: un phéno mène biobio-cultu culturel”, rel”, Ca Cahier hier s de Nutri tion e ett de D i été ététi ti que , 24, 5,381:384. Fischler C., 1990, LHomniuore, Paris, O. Jacob. Fischler C., 1993, Le B on et lle e Sai nt , éuo éuolution lution de lla a sensi bili té alimentair e
de dess fr anç ançais, ais, Cahiers de de TO CHA nQ 1. Fischler Fischl er C ., 1994, 1994, “Magie, Charm e et aliments”, A Au u tr em emen ent t , nQ149, 10-19. Fischler C., 1996-1, “Alimentation, morale etsociété”, in Giachettilsmène, I de dentité ntitéss de dess mangeur s, im ag es de dess alim ents , Paris, Polytechnica, 31-54.
Fischler C ., 1996Fischler 1996-2, 2, “La “M cdonalisati cdonalisation" on" des moeur moeurs” s” , in Fla Flandr ndrin in J. -L ., Montanari M., édit., 1996, Hi stoir e de 1 1’’alim entati on, Paris, Fayard, 859-879. Fischle Fisc hlerr C , 199 1996-3 6-3,, Pensée mag i que e ett a alim lim entation a aujourd'hui ujourd'hui , Cahiers de TOCHA, nQ5. Fischler C., 1997-1, Le repas repas familial uupar les 1010-11 11 ans , Cahiers de TOCHA nQ6. Fischler C., 1997-2, “Le consommateur partagé”, in Le mang eur et Va Vanimal nimal,,
A Au u tr emen t , nQ172, 135-148.
287
R ef er en c ia s bibl io g r áf ica s
Fischler C., 1998-1, “Raison et déraison dans les perception des risques Cahierr s de Nutr ition et de de D iététiqu e, 33, 5, 297-301. alimentaires”, Cahie Fischler C., 1998-2, “La maladie de la vache folie”, in Apfelbaum M., (dir.), 1998, R i s q u e s e t p eeu ur s alime en n ta i r e s , Paris, O. Jacob. Fisch ler C Fischler C.. (d (dir ir.) .),, 1979, ““La La nourritur nourriture, e, Pour un unee anthropo anthr opologi logiee cult culturelle urelle de om m m u n i c a ti ti o n s t 3 1. ralimentation”, C o FischlerC. (dir.), 1994, “Manger Magique”, A u tr em en t , Flan Flandr drin in J.- L ., Cobbi J ., 19 1999, 99, Table Tabless d ’hier, Tables Tables d fai lleur sy Paris, P aris, O. Jacob. Flandrin J.-L., Montanari M., édit., 1996, H i s to i r e de d e V a l i m e n ta ti ti o n , Paris, Fayard.
Hi stoir e de lla a uie pr iv ée, Flandla Flandrin rindirection J .- L ., 1987, “La dist distinct parG.,le267-309, go ü t” , in inParis, sous de Ariès Ph.inction et ion Duby Seuil.
Flandrin Flandri n J . - L , 1993 1993,, “ Les heures des repas en Fran ce avant llee 19 19èèmesiècle ”, iin n Aymard Aym ard M ., Grig Gr ign n on C . , S a b b a n F., 1993 19 93,, L e te m p s d e m a n g er ; A li m en t a t i on , emploi du temps temps et r ythmes sociau x, Paris, Éditions MSH-INRA. Foucault M., 1963, Naissance de la clinique, PÜF, Paris. Fraz Fr azer er J ., 191 l,L e R a m e a u d or , La Lafi fiffont, ont, rééd rééd.. 1981 1981.. Fr Frelu elutt M .-L., 2000, “Con séq uen ces de 1’obé ’obésit sitéé ch ez len fant", in Obésité, dépistag dépistag e e etpr tpr éuenti éuenti on chez Lenfant , Expertise collective, Paris, IMSERM, 29-50. Furet F., 1973, “La fourchette de Byzance”, Le Nouvel Observateur, 26 nov. 73,
repris dans la réédition de Elias N., “La civilisation des moeurs”, Pluriel, Hachette, 395-401. Gachet N., 1998, Eth no-c no-cin in émato-gr aphie d des es cuisi nes d'un r esta staur ur ant pa r i s i en f Thèse db thno-c iném atologie, Uni Unive versi rsité té de Paris Paris X-Nanterre, X-Nanterre, Septentrion. Galan P., P., Hercberg S. , 199 1994, 4, “Méthodes de mesure de la consom mation alimentaire et techniques des enquêtes alimentaires”, Cahier s de Nutr ition eett de
D i é té ti q u e , 30, qu u es e s e t Garabuau Moussaoui II.,., 2000, L a c u i s i n e d eess j e u n e s . P r a ti q r eprése présentatio ntations ns culinair es com m e r évé vélat lateurs eurs d ’une étape étapess de uie, CJniversité
René Descartes Pa Pari riss V-Sorbonn e. Garine (de) (de) I. I.,, 1978, ““Population, Population, produ production ction an d culture in the plains societies of northe northern rn Cam eroun and Tchad: The anthropologist iin n development projects”, projects”, C u r r e n tA n th r o p o l o g y , 19,42-65. Garine (de) I., 1979, “Culture et nutrition”, C o m m u n i c a t i o n s , nfl 31,70-91.
2 8 8
SOCIOLOGIAS SOC IOLOGIAS DA AL ALIMENTAÇÃO IMENTAÇÃO
ançaise: aise: Garine (de) I., 1980, “Pour une anthropologie alimentaire", Eth nologi e fr anç CIsages alimenta alimentair ir es des fr ança ançais, is, n° 3 T X.
Garine (de) I., 1991, "Les modes alimentaires: histoire de lalimentation et des manières man ières de tabl table” e” , iin n J . Po Poir irie ier, r, Hi sto stoir ir e de dess moe moeur ur s , Paris, La pléiade, Gallimard. Garine (de) 1., 1994-1, "Massa etMoussey: la question de rembonpoint", A Au u tr em emen ent t nQ91, 104-115. Garine (de) (de) II.,., 1994 1994-2, -2, “ The diet and nutri nutritio tion n of hum an pop ulations", in IIngold ngold T. (ed.), Co mpa nio n encyclo encyclo pa eedia dia o fa fa nthr o po po llo o gy. H uma ni ty , cult cultur ur e and s o ci a l llii fe. London, Routledge: 226-264.
u r eett Paris, Ga Garin rinee (de) 1. (di (dir.), r.), 1996 19 96,, B i e n m a n g e r e t b i e n u iiu P aris, ORSTOM et LHarmattan.
Garn S . M M.,., Sulli Sullivan van T T.. V , Ha Hawthorne wthorne V V.. M ., 1989, “Educa “E duca tional leve levei, i, fatness and fatness differences between husbands and wives”, A m er i ca n Jo Jou u r n a l o f Clini Clini ca i Nutritio n, 50, 740-745. Georges P, Géo Géogg r aphie aliment alimentair air e, Paris, PÜF. Gaudilli Gaudil lièr èree J .- P , 2001, “Ec ho s d’une crise crise centenaire centenaire”” , inL a R e c h e r c h e , numéro spécial Le r isq isque ue alimentair e, 2001, 14-18. Germ ov J , Willia Williams ms L. 1996, “The epidem ic of d dieti ieting ng women: The need for a sociological approach to food and nutrition", A pp et etii te te,, 27,97-108 Ger movv J , Williams L. (d Germo (dir ir.) .),, 1999, A s o c i o l o g y o f f o o d a n d n nut utrr i ti on on.. T he s oc i a l a pp eti et i te, te , Oxford CJniversity Press. Giddens A., 199 1991, 1, M o d em i t y a n d s el elff - i d en t i t y , Cambridge, Polity. Girard A ., 1977, “Le triomphe de la cuisine bourgeoise Girard bour geoise", ", in R euue dhisto ir e M od em e et con co n tem te m po r a i n e. Girard A ., 1979, “ Le liv livre re de la cuisin cuisinee à llaa ren ais aissan san ce" ce",, in Pr atique atiquess et discours disc ours alimenta alimentair ir es à la r enaissan ce, Maisonneuve et Larose.
Goffman E., 1963, S Stt i g m a : N o t es on th e m a n a g em en t o off s p o i l ed i d en t i t y , Englewood Cliffs. Traduction française S Stt i g m a t es , L es u s a g es s o ci a u x d es handicaps, Paris, Éditions de Minuit, 1975 Goffman E., 1974, Les rites rites din ter action, Paris, Éditions de Minuit. Gomez F., 1992, “Gastro-anomie: apparence ou réalité?", Cahiers interr natio inte nationaux naux de psych olog i e soci ale , 13.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
28 9
19 82,, Coo Cookk de ing Cambrige , cuisi cuisi ne and class. A study in compa compar sGood o ci olyoJg.,y , 1982 üniversité traduit en français Cuisi nes,r cuisi catiue uisi ne et et classes , collection A lor s , Cent Centre re Georges Pompidou, 198 1984. 4. Gouffé J., 1980, Le livre de la cui si ne , 6èm 6ème édition 188 1884, 4, Repr Reprint int Ba Baud udoin oin.. Gourou R, 1940, La terr terr e et Vhomme enExtr ême-Or ient, Paris, Colin. GrignonC.,GrignonCh., 1980-1, “Stylesdalimentationetgoütspopulaires”, R evue fr ançaise ançaise de sociolog i e , XXI, 531 -569. Grignon C ., G rignon Ch ., 1980-2, “Les pac e social des prat pratiqu iques es aalim liment entair aires”, es”, B ulletin ulletin d finfor infor mation mation du du dépar dépar te tement ment deconom i e et de sociolog sociolog ie r ur al alees , INRA nü6. C., Grignon Ch.,tiqu 1981, “Alimentation et stratification sociale”, Cahiers dGrignon e /Y utrition u trition et de Di ététiqu et été e, 15,4.
Grignon C., 1986, “Les modes gastronomiques à la Française”, LHistoire, 85, 85 , 128-134. Grignon C., 1987-1, “Lévolution des habitudes alimentaires des Français”, Sym posiu m ““Agroalimen Agroalimentaire taire”” - Co m pte rend rendu u de la réunio réunion n organisée par la Fondation üni üniver versita sitaire ire des Sc ie ienc nc es et Techniqu Techniques es du Vivant et 1’INRA , Pensières-Veyrier-du-Lac, 20 novembre 1987. Grignon C., 1987-2, Lalimentation des étudiants, Pari Paris, s, 1NR A-CNO CIS. Grignon C ., 1989, 1989, “Les consom mations aliment alimentaire aires”, s”, in Le g r and atl atlas as de la NRA et et S C E E S , 32 0-321, Par Pariis, De Monza,. Fr ance ance r ur ale ale, IINRA Grignon C., 1993, uLa règle, la mode et le travail”, in Aymard M., Grignon C., Sabba n F., Le temps de mang er , A li m en t a t i on , eem m p l oi d u t em ps et r yt h m es s oc i a u x . Par Paris, is, Éditi Éditions ons MSH -1NRA . Grignon C., 1995, “Lalimentation populaire et la question du naturel”, in Eizner N., Voyage en en alim entation , ARF éditions. Grignon C., 1997, “Évolution de la consommation de viande en France depuis
30 ans”, Cahiers Cahiers de V OCH A , nQ7. Grignon C., éd., 2000, Les conditi ons de vie de dess étudi ants , Paris PÜF. Grimod de la Reynière, 1803, “Almanach des gourmands”, É c r i t s g as tr on om i qu es , Paris, 10/18. Gringoire T., Saulnier L., 1914, Le r éper per to toir ir e de la la cui si ne , Dupont et Malgat, Guérin Gué rinysu ysucce ccesse sseur, ur, 37 37èèmeédition 1980. Grimod de la Reynière, 1978, “Ecrits gastronomiques”, GGE, Paris.
29 0
So a O L O G lA S DA ALIMENTAÇÃO ALIMENTAÇÃO
Grimo d de Ia Reyni Reynière ère A. B ., 18, 18, A lm a n a ch des de s g ou r m an d s et d des es b el elll es , Paris,. Guerard M., 1976, La Gr ande ande C Cuislne uislne Mi nce nceur ur , Paris, Robert Laffont. Guerard M., 1977, La Cuisi Cuisi ne Gour mande, Paris, Robert Laffont. Guillemard, A, 1988, “La na issance du troisième ag e” , in H. Mendras, M. Verret Verret,, Les champs de la la sociolog íe fr anqaise, Paris, Colin. Gurvitch G. (dir.), 1958, Trait Traitéé de sociolog í e, 2 tomes, Paris, PUF. Gurvitch Gurvit ch G. , 196 1962, 2, D ialect ialectique ique et et sociolog í e, Par Paris, is, Flamma rion. Gurvitch G ., 1966, Les cadr cadr es soci aux de la cconnai onnai ssan ce, ce, Paris, PUF. Guthe C . E ., 194 1943, 3, “Histo “History ry of the Com mittee on Food Habits” , in The pr oblem oblem o f ch ch a n g i n g f oo o o d h a bi bi t s , Report of th the e com mittee on food habi habits ts 1941-1943, Bulletin of National Research Council, National Academy of Sciences, nQ108 October 1943. Guy-G rand B. , Gozlan M ., 1998 Guy-Grand 1998,, “ 8% des adultes fra français nçais sont obès obèses” es” , IInt nter ervi view ew de Bernard Guy-Grand par M. Gozlan, Le Quotidi Quotidi en du du Médecin Médecin , nQ6234,3 mars 1998. Flaeusler L ., 1985, ““Alimen Alimen tation, aspira aspirations tions des Fran çais et réali réalités tés des co compor mportem tement entss - Len Lenquê quête te du CR ED O C ", Économ ie & Co Consommation nsommation (167): 4-5. Halbwachs M., 1912, La classe ouvri ère et et les les ni ueaux de uie, R echerches echerches sur la hiérar ch chie ie des des besoin besoin s dans le less sociétés industr íel íelle less contempor contempor ain es, Al Al ca can, n, rééd. Gordon and Breach, (1970). Halbwachs M., 1933, Léuol Léuoluti uti on de dess besoins dans les les classes ouur ièr es, Alcan. Halbwachs M., 1938, Lan alyse d des es mobiles do domi mi nants, rééd. E s q u i s s e d u n e
p pss y ch ol o g i e d es cl a s s es s oc i a l es , Paris, Marcei Rivière, 1964. Harris M., 1977, Cannibals Cannibals andK in g s - The or ig ins ofcultur ofcultur es, New-York, Ramdom House. Harris M., 1985, Go od to eat, R id dles o f food and culture, New-York, Simon &
Schuster. Hassoun J.- R , 19 1997 97,, H m o n g d u L a o s e n F r a n c e e.. Ch a n g e me n t s o occ i a l, i ni ni ttii a att i u es es
et adaptations , Paris, PUF Haudricourt A .-G ., 196 1968, 8, “La techn ologie cultu culturelle relle,, essai de mé thod ologie ” , in Po Poir irie ierr J . , Ethnologiegénérale, Gallimard, 731-822, en collaboration avec Igor de Garine. Haudricourt A.-G., 1987, La tec technolog hnolog ie Scien Scien ce humai ne, r echerches echerches dhi stoir e et dethn olog i e des des techni techni ques, Paris, MSH.
R ef eerr ên c ias bibl io g r áf ica s
291
Haudricout Haudri cout A .-G ., Granai G, 1955, “Li “Lingui nguisti stique que etso ciolo gie” , Cahiers interr nat inte nationa ionaux ux de Sociolog ie vol. 19. Haudricout A .-G ., Hédin L., 1943 Haudricout 1943,, Lh om m e et et le less plantes plantes culti uées , Paris, Gallimard. off t h e E l d er s ci en t i f i c e exx p ed i t i on , 1891, Helm R., 1896, A n t h r op ol og y : r epor t o Transaction ofthe Royal Society.
Hemardinquer J . - J . (d Hemardinquer (dir ir.) .),, 1970, 1970 , P our un e histo histoir ir e de Lalimentation, Paris, Colin. Hercberg S., S ., 199 1991, 1, “Les défis de lappr oche épidémiol épidémiologique ogique dans le domaine de llaa nutrition dans les pays industrialisés", Cahier s de nut nutrr ition e ett de diététiqu diététiqu e, 26,5. Herzli Her zlich ch C ., Pi Pier erre rett J . , 1989, M a la d es d h i er , m a l a d es d a u j o u r d h u i t Paris, Payot. Herzlich C., 1992, S Sa a n t é et m a l a d i e , a n a l ys e d u n e r ep r é s e en n ta tati ti o on n sociale, Paris, EHESS. Herman J., 1983, L e s l a n g a g es d e l a s o c i o l o g i e , Paris, PÜF. on s o m m a t i o n d e ess f r a n çça a i s , Paris, La Herpin N., Verger D., 1991, L a c on découverte.
Herpin N Herpin N.,., 1980, “Com por portem tem en ents ts aiimentaires aiimentaires et contraintes sur les emplois du temps”, R eu u e f r a n ç ai ai s e d e s o ci ci o l o g i e , XXIX, p. 599-621. Herpin N., 1984, “Alimentation et régionalisme”, D o n n é e s s o ccii a l e s , I N S E E , 340-341. HerpinN., 1988, “Lerepascommeinstitution,compterenduduneenquête exploratoire", R eu u e f r a n ça ça i s e de d e s o c i o l o g i e , XXIX, 503-521. Herzlich C., 1984, “Médecine moderne et quête de sens”, Le sens du mal - Anthr An throp opolo ologie gie,, histoire, socio so cio lo logi giee de la m alad al adie, ie, so u s la dire direction ction de M. A ug é et C. Herzlich, Montreux, Éditions des archives contemporaines. Heusch (de) L., 1971, P o ur ur q u uo oi l e p o u s e r ?, Paris.
Hil illl J . O ., Pete Peters rs J . C , 1998, “Environmental contri contributions butions to the obesity epidemic”, S c i e n c e, 280,1318-3. Hinkle L.E., Whitney L. H., Lehman E. W., Dunn J., Benjamin B., King R., Plakun A., Flehinger B., 1968, “Occupation, education, and coronary heart disease”, S c i e n c e , 161,238-46. Holl Ho llis is J .F , Carmody T. T.R, R, Co Connor nnor S.L ., F ey S . G ., Matar Mataraz azzo zo J . D., 1986 1986,, “ T he nutr ition attitud nutr attitude e sur uey: associati ons uoith dietary habits, psych olog i cal and ph p h y s i ca l w el elll- be beii n g a n d cor on a r y r i s k f a ct or s " , H ea lt h P s y ch o l o g y , 5,359-74.
292
SOCJJOLOG SOC OLOGIA IASS DA ALIMENTAÇ ALIMENTAÇÃO ÃO
Hos senlo pp J. , 1995, “Autre Hossenlo “Autre produi produit, t, autre autre go üt ” , Autrement, série série mutations mutations// mangeurs, n° 154. Housser M., 1976, in A br ég é d dee ps y ch o p a t h o lo g i e, Paris, Masson. Hubert A., Es tag er M .-P , 1999 1999,, “Anth “Anth ropo logiede lalimentation: lalimentation: quell quelle e util utilit ité é pour la nutrition humaine?”, Ca hier hier s de Nutr itio n et de D iétét iététiqu iqu e, 3 4 , 5 , 2 8 3 - 286. Hubert A ., 1985, Lalimentation dans un uilla uillagg e Yao de Thaíland Thaílandee du N or d: de La u-de u-delà a ucui si né, Paris, CNRS. Hubert A., 1990, ‘Applying ‘Applying anthropology to to the the epidemiology of cân cer ” , A An n th r op opol olog og g T oda oday, y, 5:62-78. Hubert A ., 1995, “Anthropologie “Anthropologie et recherch e bioméd icale” , in Barré Barré J.-F J. -F ., L es applications de Tanthr opo opolo logg ie, Paris, Karthala. Hubert A., 1997, “Adaptabilité humaine: biologie et culture. Du corps pesant au corps léger: approche anthropologique des formes”, Di été ététique tique eett m édecine , 1997,83-88. Hubert A., 1998, “Autour “Autour d un un conc ept: “[lalimentat “[lalimentation ion méditerranéenne”” méditerranéenne”” , Techniques et cultur e, 31 -32, 153-160. Hubert A., 2000, “Alimentation et santé: la Science et rimaginaire", Cahie Cahierr s de Nutri tion eett de D iététique , 35,35 3-356. igoin L., 1979, La boulim ie et son info inforr tune tune,, Paris, PÜF. INSERM Expertise collective, 1999, Car ence encess nutr iti onne onnelle lles, s, éétiologi tiologi es eet t dépistage, Pari Paris, s, éditions de 1’IN SE R M . INSERM Expertise collective, 2000, Obési té, dé dépistag pistag e eetpr tpr éuention éuention chez l e n f a n t , Paris, éditions de 1’IN SE R M . Ir Irib ibar arne ne d’ P, 1977, 1977, “Con som ma tions aliment alimentaire airess et comportem ents so cio- économiques”, Consommation, 2. Jo lyP .-B ., 1999, “Besoin d expert expertise ise etq uête d un e légitim légitimité ité nouveí nouveíle: le: quelle quelless
procédures pour réguler lexpertise scientifique?”, R euue Fr anqaise des af affair fair es p pol ol i ti q u es , 42, 2, 219-234. Joly P.-B-, Assouline, G., Kréziak D., Lemarié, J., Marris C., Roy A., 2000, Linnouation Linnouat ion ccont ontrr oo ooeer sé séee: Le débatpubli c sur les les OG M en F r an ce, Grenoble, CRIDE-1NRA. Joly R-B., Marris C., Assouline, G., Lemarié, J., 1999, “Quand les candides évaluent les OGM: nouveau modèle de “démocratie technique” ou mise en scène du débat public” , An A n n a les de dess M i n es , R es po n s a bi li té et en vi r on n em en ent, t, 9, 12-21.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
29 293 3
Jo su a J. -R , 1976, 1976, “Eucharistie”, Encyclo pédia ünive üniversali rsalis. s.
fr o nt nt i eerr s o f S o c i e t y , Kardin Kar diner er A., Unto n R ., et col ., 1945, T h e p s y c h o l o g i c a l fr Col um bia uni univer versit sity y Press, N ew York York.. Karris Kar ris L., 1977 1977,, “Prejudice Aga inst Ob es e Ren ters” , Jo u r n a l o f S o c i a l P s y c h o l o g y , 101,159-160. Kaufmann J . - C , 199 1992, 2, La tra trame me conjugale, Pari Paris, s, Nathan. Kaufmann Kauf mann J. -C ., 19 1993 93,, So S o c i o l o g i e d u c o u p l e , Paris, PCJF. Kent S ., 1989, 1989, “ Cross-Cultural perceptions o f ffarmers armers as hunter and the va value lue of
Farmerr s as h hunt unteer s: the im plications ofseden ti sm , meat", in KentS, Farme Cambridge, University Press, cité par Beardsworth, (1995). Kilani M., 1992, I ntr oductio oduction n à Vanthr opolo opologg ie, Payot, Lausanne.
ll ez Kilani Kila ni M ., 1996, “ La vac he folie ou le déclin de la raison sym sy m bol iqu eM, A llez sau s au oi r , n° 6, Université de Lausanne, 46-48. Kilani M ., 1999, “L e can niba le, le coc h on et la va ch e folie ou 1’ident Kilani ’identité ité culturelle en question”, inLe G o ü t , Act A ct es du 3 ème co llo qu e transfrontalier, Dij Dijon, on, 1999, 567-574.
iculture fr ançaise , Paris, Seuil. Klatzmann Klatz mann J . , 197 1978, 8, Lagr iculture ou r r i r T h u m a n i t é : es es p o i r e t i n q u i é t u d es es , Paris, KlatzmannJ., 1991, N ou Economica-INRA.
e s e n fa f a n t s , Paris, PUF. Klein M., 1959, L a p s y c h a n a l y s e d es ep as c h e z q u el q u es p op u la t i on s d A s i e Krowolski N., 1993, A u t ou r d u r i z: le r epas d u S u d - E s t , Paris, LHarmattan L.S.R., 1691 ,L a r t d e b i e n t r a i t e r , Paris.
o g i e A n t h r o po po lo lo g i e , Paris, PUF Laburthe-Tolra Laburthe-Tol ra R, Warn Warnier ier J R , 1993, E t h n o llo lo p e a d í a Ü n i v er e r s a l i s , Paris. Lacoste Y., 1968, “Genre de vie”, E n c y c lo
Laffay L, Basdevant A, Charles M.-A., Vray M, Balkau B, et coll. “Determinants of dietary underreporting in a free-living population”, I n t . J . O b e s . 1997, 21:567- 573 Lahlou S ., 199 1990, 0, “Qu and les les Français se m ettent à ttable", able", S c i e n c e s et A u en í r hors série n° 94. Lahlou S ., 1996, “Cuisinons la représentation so cia leM, in Fischler C ., 1996-3,
Penséee mag ique et Pensé et alimentatio alimentation n auj our dhui , Cahiers de TOCHA, nQ5, 10-17. ns er er m a n g e r , Paris, PUF. Lahlou S., 1998, P e ns
294
SOCIOLOGIAS SOC IOLOGIAS DA AL ALIMENTAÇÃO IMENTAÇÃO
Lahlou “Des et aliments tu feras ta médecine: Cahiers Cah iers S., de1999, Nutr ition de D iététiqu e, 34, 2, 108-113.Hippocrate revisité",
Lambert J.-L., 1987, Léuol Léuolution ution de dess m odèle odèless de cconsom onsom ma tion alim ent entair air es en F r a n c e , Paris, Lavoisier. Lamb ert J .- L ., 1992, ““A Lambert A ttable able!! La cuisine du statis statistici ticien” en” , in La cité des chi chi ffr es, Autrem Aut rement, ent, Sc ie ien n ce s en socié so ciété té,, 5, 77-8 77 -85. 5. Lambert J. - L ., 1994, “Évolu “Évolutio tion n de la conso mm ation de pro produi duits ts allégés en France, Cah Cahier ier s de Nutri tion et de D iététiqu e , 34, 29, 147-150. Lambert J. - L ., 199 1996, 6, “L es m angeur s ent entre re ttra radi diti tions ons et nouv nouveautés eautés:: quelques spécificités spécific ités du marketing alimentai alimentaire", re", in Giachetti Is Ismèn mène, e, I de dentités ntités des m a n g e u r s , ima g es des a llim im ents, Paris, Polytechnica, 151-173. Lambert J. - L ., 1997, 1997, “Quelq ues déte déterminan rminants ts socioc socioculture ulturels ls des consom mations de viandes en Europe. La “Vache folie" va-t-elle renforcer la tendance à la sarcophagie et au n éo-végétarisme?", R e v u e d e D r oi t R u r a , l, 252,240-243. Lamb ert J .- L ., 200 2000, 0, “ La sensibi sensibilité lité à 1’innovation et les dét déterminants erminants de la consommation de nouveaux produits alimentaires", N A F A S p r a t i q u e , 1,7-13. Lambert J .- L ., Bassecoulard-Zitt E., 1987, “La place de la res restau taurat ration ion dans la consom mation alime alimenta ntair iree en France” , Cahier s de Nutri tion eett de D i été ététiqu tiqu e, 22,210-219. Lambert J .- L , C hâteau L., Rouaud C ., Dupin H., Be Bert rthi hier er A.-M ., 198 1987, 7, E s s a i s dé déualuation ualuation des apports apports nutr itionnel itionnelss en Fr ance, Nantes, INRA, 2 tomes. Cueillir illir la montag ne, Lyon, La Larrère Lar rère R., de la Soud ière M., 1985, Cue Manufacture.
Lascoumes R, 1999-1, “Lexpertise peut elle être démocratique?”, Le m onde de dess débats , nQ8, nov., 20-21. Lascoumes P, 1999-2, Co rruptio ns, Paris, Presses de Sciences-Po. Le Barzic M., Pouillon M., 1998, La m eille eilleur ur e façon de manger, le less dé désar sar r ois du
Pari ris, s, O Ja co b . mang eur m od odeer ne, Pa Le Breton D., 1990, A n th r op olog ol og i e d du u ccor or ps et m od er n i té té,, Paris, PÜF Le Breton D., 1991, Passi on du r isque, Paris Métailié. Le Breton D., 1995, La so cio log log ie du r isque isque,, Paris, PÜF Le Play F., 1856, Les ou ouuri uri er s eur opé opéens: ens: étude étudess sur le less tr aua auaux, ux, la vie vie domestique et la ço çondi ndi tion m or ale des po popula pulatior tior ts o ouuri uuri èr es de iE ur ope. Pr écé écédée dée d ’un eexpos xpos ée de la m éthode dobser uat i on, Paris.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
29 5
L e P l a y F , \879, La méthodesociale, Paris, Méridiens-Klincksieck, 1989. et a autres utres essai s, Paris, Gallimard. Leach E. R., 1980, Luni té de Vhomm e et Lecuyer B., 1976 Lecuyer 1976,, “M édecinseto bservateu rssociaux : L es Annale Annaless d’hyg d’hygiè iène ne histoir e de la publique et de médecine légale (1820-1850)", in Volle lA.Pou r un e histo s sta ta ti s t i qu e, Paris, INSEE. Ledrut R. (d Ledrut (diir. r.), ), en col., avec Clém ent S ., Forne J . , Sain t Raymond O ., 19791979-2, 2, Lalim entation natur elle elle,, le less chang ement s cultur el elss dans le ser iti ment de Lexi stence eett lles es relations relations avec le m ond e natur el, Toulouse, CERS. Ledrut R. ((d Ledrut dir.), en co l., avec Clém ent S., Gorg e J.- R , Sa int Ray Raymond mond O ., 1979 1979-- Léuolution lution des des pratiques alimentair alimentair es sous le leur ur s as pects qualitatifs , 1, Léuo Toulouse, CERS.
oduction de Lespa ce, Paris, Anthropos. Lefebvre H., 1974, La pr oduction bonheur ur . Con scien ce pur pur itaine etsexualité etsexualité Leites E., 1986, La passion du bonhe m o der n e , traduction française, 1989, Paris, Éditions du Cerf. techni ques, tome 1, Lh omm e et et lla a Leroi-Gourhan A., 1943, 1945, Évolution et techni matière, et tome 2, M i li eu et t ec h n i q u es , réédition 1973, Paris, Albin Michel. Leroi-Gourhan Leroi-Gour han A., Po Poir irie ierr J ., Haudr Haudricou icourt rt A .-G ., Con dôm inas G ., 1953, Eth nolog ie de LCInion LCInion Fr anqaise, Paris, PÜF 2 tomes. Lesourd B., 1998, “Santé etaliments: le casdesseniors”, colloque “Comment mieux connaítre les consommateurs et communiquer dans la filière alimentaire?”, Paris. Lester I. H., 1994, A u s t r á li a s f o o d a n d n u t r i t i o n , Canberra, AGPS.
atiquess et Lestringant F., 1981, “Cannibalisme etguerre de religion", in Pr atique discour disco ur s alime alimentair ntair es à la R enai ss an ce , Maisonneuve et Larose. Lestringant F., 1994, Le canni bale, bale, gr ande andeur ur et déc décadence, adence, Paris, Perrin. Levenste Leve nstein in H., 198 1980, 0, “The n ewE ngla nd kitch kitchen en and the orig origins ins of mode m
Amer Am erica ican n eati eating ng hab habits its , A m er i ca n Q u a r t er ly , 32, 4, 369-386. Levenstein H., 1988, Revolution at the table. The transformation of the Am erica er ican n diet, Ne w York, Oxford Ox ford CJnivers CJniversity ity Pre Press. ss.
adox of ofplentg plentg . A social histor y o f eating eating in modem Levenstein H., 1993, Par adox A m er i ca , Ne w York York,, O Oxford xford CJni CJniver versity sity Press. Press . Levenstein H ., 1996, “Diététique contre gas Levenstein gastrono tronomie: mie: trad traditi itions ons cculina ulinaires ires,, sainteté et santé dans les modèles de vie américains", in Flandrin J.-L., Montanari IA., édit., 1996, Histoir e de Lalim Lalim entation , Fayard, 843-858.
296
SOCIOL SOC IOL OGIAS OGIAS DA AU AUMENTA MENTAÇÃO
Lévi-Strauss C., 1947, Les str ac actures tures éélé lémentair mentair es de llapar apar enté, Paris Mouton, 1981. Lévi-Strauss C., 1958, A n th r op olog ol og i es t r u ct u r a le le,, Paris, Plon. Lévi-Strauss C., 1962-1, L a p e n s é e s a u u ag a g e, Paris, Agora Pocket, 1990. Lévi-Straus LéviStrausss C , 1962-2, L e T oté otémi mi sme aujour d’hui , Paris, PÜF Lévi-S Lév i-Stra trauss uss C , 1964, 1964, Le cr u et lle e cult , Paris, Plon Lévi-Strauss C., 1965, “Le triangle culinaire”, V A r c, 26, 19-29. Lévi-Strauss C., 1966, D u mi ei a ux cce endr es es,, Paris, Plon. Lévi-Straus Lévi-S trausss C , 1968, 1968, Lor ig ine de dess mani ères de tables, Paris, Plon. Lévy P., P., 1956, “ Le sacrifice du buffle buffle et la la prédiction prédiction du tem ps à Vientiane” , Fr anc ancee -Asie -Asie,, Pr ése ésence nce du R oyaum e Lao, XII, nQ118-120,846-858. Lewin K., 1943, “Forces Behind food habits and methods of change”, Report of the committee on food habits. Washington, B u l l e ett i n N a t . R e s . C o ou u n c . CVIII, 35- 65. repris in P s y c h ol o l og og i e d y n a m i q u e, PÜF Lewin K., 1959, P s y c h ol o l og og i e d y n a m i q u e , Paris, PUF. Livi Bacci, M., 1987, Popolaz Popolazione ione e alim entazione entazione.. Sag g io sulla ssto torr ia de demog mog r áfica eur ope opea a, Bologne, traduit en anglais Population and nutri tion: An essa y onE onE ur o pe pea a n de demo mo g r a phic histo historr y, New York, Oxford University Press. Loret R, 1982, La m esse. D u Chr ist à Jean-P aul II , h histo istoir ir e de la liturg liturg ie eucha ristique, Novalis Salvator, Ottawa. Lowie R. H., 1936, M a n u el d ' a n th r op olog ol og i e cu lt u r el elle le,, traduction E. Métraux, Paris, Payot. Lowie R. H ., 1942, “The “ The transitions of civilizations civilizations in in primit primitive ive soc iety iety”” , A m er i ca n Jo u r n a l o f S o c i o l o g y , 47, 527-543. Lupton D., 1996, Food, the bod y a nd the self , London, Sage.
Maddox G . L , Bac k K. W, W, Liederman V. R. 1968, Overweight as Social Deviance and Disability”, Jo Jou u r n a l o f H ea llth th a nd So cia l B eha uio r , 9(4), 287-298 Maffesoli M., 1979, La co conquê nquête te dupr ése ésent nt , p pou ou r u n e so ci o lo g i e d dee la la u uii e quotidienne, Paris, PÜF Maffesoli M., 1981, Lo mbr mbr e de D io n yso s, Paris, Méridiens. Maffesoli M., 1985, La co nna issa nce o orr dina dinair ir e, Paris, Méridiens. Maffesoli M., 1988,*Le temps des des tr ibus. Le déclin de Lin diui dualism e dans le less s oc i ét és de m a s s e, Paris, Méridiens Klinsieck.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
297
Mahias M.-C., 1985, Délivr ance et et conviuialité: conviuialité: L e sys tème culinair ulinair e Jain a, Paris, MSH. MahoJ., PynsonR, 1989, “Cantinescommentsendébarrasser?”, in Hourritures,Autrement , nD108. Malassis L., Padilla M., 1987, É c o n o mi e a g r o - ali ali men men t ai ai r e, Paris, Cujas Malassis L., 1994, No Nouu rr i r le less h o mm e s , Paris, Flammarion. Malinowski B., 1944, Une théo théor ie scientifi scientifi que de la ccultur ultur e , 1970, Paris, Seuil. Malvy D., Djossou F., Le Bras M., 1999, “Toxi-infections alimentaires collectives”, Cahier Cahier s de Hutr ition et de Di ététlque ététlque , 34, HS 1, 166-178. Marin, 1739, Les dons de Com u s,ou les délices de la tabl table, e, Paris. Marris Marr is C ., Jo ly R-B ., 1999, 1999, "La gouvernance technocratique pa parr cconsult onsultatio ation? n? interrogation sur Ia première conférence de citoyens en France”, in “Risque et démocratie savoirs, pouvoir participation... vers un nouvel arbitrage?", L es ca cahier hier s de la la sécur sécur ité intéri eur e, 38,97-124. Marriss C. , L angford I. H ., 0 ’Riordan T., Marri T., 1998, “A quantitative quantitative test of the cultu cultural ral theory of risk perceptions: comparison with the psychometric paradigm”, R i s k A n a ly s i s , 18, 5, 635-647. Marr Ma rris is C , 1999, 1999, “OG M : com me nt a anal nalyser yser le less risques?”, risques?”, Biofutur , déc. 99,44-47. Marx K., 1857, “ Fonde Fondements ments de lla a cr cr itique de ié con om i e politi que”, que”, in Oeuvres économiques , Paris, Gallimard, La Pléiade, 1965. Massaliot, 1691, Le cuisini er r oyal oyal eett bour g eo eois is , Reprint Dessagnes, 1982. Matusewich E ., 1983 1983,, “ Em ploym ent discriminati discrimination on against the overwei overweight”. ght”. Personall Jour Persona Jour nal, 62,446-50. Maurer D., Sobal J., 1995, E a t i n g a g e n d a s . Food an íiutr ition as as Social Problems, New York, Aldine de Gruyter. Maurizio A., 1932, Hi sto stoir ir e de ia lim entation uég étale étale depuis depuis lapréhistoir e
j u s q u à n os j o u r s , Paris, Payot. Mauss M., 1925, “Les techniques du corps", in A n t h r op ol olog og i e et s oc i o lo g i e , Paris, PÜF. Mauss M., 1925, “Lessai sur le don”, in A n t h r op ol olog og i e et s o ci o lo g i e, Paris, PÜF. McClean R. A., Moon M ., 1980, “Healt “Health, h, obesity obesity and earning” , A m er i ca n
Jou Jo u r n a l o f P u b li c H ea lt h , 70(9), 1006-9.
McCracken, R. D., 1971, Lactase deficiency: an example of dietaryevolution, CurrentAnthropology 12:479-517.
29 298 8
SoaOLOGII AS DA ALIMENTAÇ SoaOLOG ALIMENTAÇÃO ÃO
McD onald , C ., 1978, 1978, “No tes sur les mo des de cuisson, le less goüts et le less odeu odeurs rs dans le vocabulaire Palawan”, ASEM/, Vol. IX nQ3-4: 29-42. Mclnto sch A., 1996, 1996, S o c i o l o g y o f f o o d a n d nu tr i ti on on,, New-York, Plenium. McKeownJ., 1976, The mode moderr n R is e ofpopulati on, Londres. McKeown J. , 198 1983, 3, “Food , infe infecti ction on and pop populati ulation” on” , Jou Jo u r n a l o f interr disc inte disciplinary iplinary Hi stor y, 14,2,227-247. McKie L. J ., Wood R .C ., Gre gory S ., 1993, Wom en def definin ining g h heal ealth th eati eating: ng: ffood ood diet and bodyimage, Hea lth lth Edu ca ttio io n R ese esea a r ch, 8,35-41. McLeod Patrick, 1992, “Circuits nerveux de la préférence alimentaire et du plaisir”, in Giachetti I., Plai sir et pr éf éférence érencess aliment alimentair air es es,, Paris, Polytechnica. Mead M., Guthe C.E, 1945, M a n u el f or th thee s t u d y o f f o o d h a bi ts , Bulletin of National Research Council, National Academy of Sciences, nQ111, édition français fran çaise e avec une prése présentat ntation ion d’ d’A. A. Hubert et J.- R Poul Poulain, ain, é éditi ditions ons OC T A R E S, sous presse. Mea d M., 192 1928 8 et 1935, M ceu r s et s ex u a l i t é e en n O cé a n i e , Paris, Terre humaine, Plon, 1963. Mead M., 194 1943, 3, “The problem of chan ging food habits”, iin n The pr oble oblem m of chang cha ng ing fo o d ha habits bits ,, Report of th the e com mittee on food habit habitss 1941-194 1941-1943, 3, Bulletin of National Research Council, National Academy of Sciences, nQ108, October 1943. Mead M., 1964, Food H abits R ese esear ar ch: Pr ob oble lems ms ofth e 19 60 ’s, s , publication 1225, National Academy of Sciences-National Research Council, Washington. Méchin C ., 1992, 1992, B êt êtes es à ma ng er , Presses universitaires de Nancy.
Cahierr s de Méjean L., 1998 1998,, “Pano ram a des enqu êtes alimentaires françaises” , Cahie Nutr ition et d dee Di été ététique tique , 33, 1, 25-28. Méjean L., L luch A., Kahn J.-P ., Ziegler O ., Drouin R, 199 1998, 8, “Lut “Lutili ilisat sation ion des gr grill illes es psychométriques pour la mise en évidence d etats comportem entaux
différenciés chez le sujet normal et chez le sujet obèse”, Let Lettr tr e Scientifi que de TInstitu TInst ituíí Fr a nç nça a is po ur la Nutr itio n , 53, 1-12. Membrado M., 1989, Poétique des des ca fés , Publisud. Mendras H., 1992, Voyag e au pay s de Tu topie topie r ustique ustique,, Aries, Arie s, A ct es -S u d . Mennell S., 1985, A AU U M a n n er s o f F o o d ( E a ti n g a n d T ast astee in i n E n g l a n d a n FFrr a n ce fr om the th e M i dd le A g es to tthe he pr es esen entt ) , Basil Blackwell, Oxford, traduit en français sous le titte, Fr anç ançais ais et anglai s à table table,, du m oyen âg e à no noss jour s, Flammarion, 1985.
R ef er ên c ia s bibl io g r áf ica s
29 9
Mennell S., 1993, “Les connexions s ocio-gé nétiq ues entre aalime Mennell limentat ntation ion eet t Torga To rgani nisat satio ion n du temps” , in Aymard M., Grignon C ., S ab ba n F., 1993 , L e te temps mps de manger, manger, Alimentation, emploí du temps temps et r ythmes sociaux , Paris, Éditions MSH-INRA. Mennell S ., et al., 1992, ‘T h e so ciolo gy of food: Ea ting, diet, and food ” , Current 40 . S So o c i o l o g y , 40. Mennell S. , Murcott A ., van Ot Mennell Otterloo terloo A., 1992, The sociolog y offood: eating eating , diet and cultur cultur e, London, Sage. Menon, 1749, La Sci S ci en ce d u m ai tr e d ’h ot el cu i s i n i er , Paris. Menon, 1774, La cuisiniè uisinièrr e bour g eo eoise ise , Bruxelles. Merdji M., Dion E., 2000, “Le goüt du lait, une approche anthropo- sociologique”, Colloque I magi nair es alimentair alimentair es et et ide identité ntitéss des des m ang eur s? L E S M A , E S C N a nntt es es . Merdji Merd ji M., Mathie Mathieu u J.J.-P P ., La mbert J.- L ., 1999, “Rep résentations et déter déterminant minantss des goüts: vers un enrichissement du concept d attitude en marketing alimentaire”, in E conomi e et mar keting alimentair alimentair es, Lavoi Lavoisier sier Te Tec. c. et D oc ., 101-115. MermetG., 1995, Francoscopie, Paris, Larousse. Merton R. K., 1949, É léments de thé théo or ie eett de m éthode sociolog i que , traduction française 1965, Paris, Plon. Michaud, 1997, "Lenfant et la nutrition: croyances, connaissances et comportements", Cahier Cahier s de Nut Nutrr ition et de D iététique, 32, 1. Michel F., 1995, E n r oute pour VA si e, le r êue or iental chez les les colonisateur colonisateur s, les les aventur ave ntur ier s et et les les tou tourr istes occid enta ux , Éditions “Histoire et Anthropologie”. Mill Millet et J ., 199 1995, 5, “Manger du chien? C e s t bon pour les sauv agesl” , L h o m m e 136. Montanari M., 1995, La faim et Vabondance , Paris, Seuil.
Morin E ., Piatte Piattelli-Palmarini lli-Palmarini M ., 1973, Lu n i t é d e T h o m m e , Point Seuil. Morin E., 1962, Le Lespri spri t du temps, Paris, Grasset 1975. Morin E., 1973, Le pa p a r a d i g m e p er du : la n at atuu r e h u m a i n e , Paris, Seuil. Morin E., 1977, La méthode, t. 1, t. 2, 1980; t. 3, 1986, Paris, Point Seuil. Morin E., 1996, Rationalité et rationalisation, in Fischler C., Pensée mag iqu e et alimentation alimenta tion aujour dhui, Cahiers de TOCHA, nQ5, 109-110. Moulin L., 1967, “LEurope à table”, L eess A n n al a l e s E S C .
Socio So cioii OGIAS DA AUMENTA AUMENTA ÇÁO
30 0
Moulin L., 1975, LE u r o p e â tab table le,, intr oduc oduction tion à uneps ychosoci olog ie des des pr ati at i qu es a li m en ta i r es , Bruxelles, Elsevier Séquoia. Moulin L., 1978, La uie quo quotidien tidienne ne des des r eligi eux au M oyen  g e , Paris, Hachette.
a tabl tablee , Paris, Albin Michel. Moulin L., 1988, Les Litur g ies de lla Murcottt A., 198 Murcot 1988, 8, “So ciolog ical and social anthropologic anthropological al approac hes to food and eating”, W o d dd dRewieu o off fifi u t r . a n d D i e t .,. , 55, 1-40 Murcott A., éd ., 199 1998, 8, The Nati or is diet: tthe he socia l Science offood Ch oi ce , London, Addison Wesley Longman. Myers A*, Rose Myers Rosen n J . C . 199 1999, 9, “O “Obesit besity y stigm stigmatiza atization tion and cop coping: ing: Rela Relatio tion n to to mental healt health h symptom s, bod y image, and selfesteem", Int. J . Obes ., 23:221 -230 Na ho um V., 1979, “La belle fem me , ou le stade du mi miro roir ir en histoire”, histoire”,
Communications , 31,22-32. Najman J . M., Munro C ., 1982 1982,, “ Pati Patient ent characteri characteristics stics neg negativ atively ely stere stereotype otyped d b y d o c t o r s So S o c i a l S c i e n c es a n d M ed i ci n e, 16, 1781-89. Naomichi I., 1994, “Nourriture, cuisine" et “Manières de table" in Berque A. (dir.), Di ctionnair ctionnair e de la la ccivi ivi lisation jap onai se, Paris, Hazan. N go c Hüu, 1997, 1997, Les repas végétari végétariens ens bouddhiques, in Pr atiques atiques alim alim entair entair es et identités identités cultur el elle les, s, Les étude étudess ui etnamiennes, nQ125 et 126, Hanoi, 515- 532. Ng uye n Tung, 1997, “Les cuisines régionales existent existent-elles -elles au Vietna m?" , iin n Pr atique atiquess alimentair es et et identités identités cultur el elles, les, Les études ui et etnami nami ennes, ennes, nQ 125 et 126, 515-532. Nicolaidiss S. , 1992, Nicolaidi 1992, “Q uelques mé canism es des préfér préférences ences a alime limentai ntaires", res", iin n Giachettil . t Plaisir P laisir et préfér préfér ence ences alimentair es Paris, Polytechnica.
,
NIH (National IInstit nstitutes utes of Health), 1985, H eal ealth th implicat implications ions of Obe Obesity. sity. Bethesda, National Institutes of Health.