Sociologia

March 26, 2017 | Author: Antonio Carlos Guimaraes | Category: N/A
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Sociologia Paul B. Horton Chester L. Hunt

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Tradução de Auriphebo Barranca Simões

Revisor Técnico Sérgio Pessoa de Barros Micelli

Prof. da Fundação Getúlio Vargas

McGRAW-HILL São Paulo Rua Tabapuã, 1.105, Itaim-Bibi CEP 04533 (011) 881-8604 e (011) 881-8528 Rio de Janeiro • Lisboa • Porto • Bogotá • Buenos Aires • Guatemala • Madrid • México • N e w York • Panamá • San Juan • Santiago Auckland • Hamburg • Kuala Lumpur • London • Milan • Montreal • New Delhi • Paris • Singapore • Sydney • Tokyo • Toronto

Do original: Sociology Copyright © 1964, 1968, 1972, 1976 by McGraw-Hill, Inc. Copyright © 1980 da Editora McGraw-Hill do Brasil

1981

Todos os direitos para língua portuguesa reservados pela EDITORA M CGRAW -HILL DO BRASIL Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida, guardada pelo sistema “ retrieval” ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, seja este eletrônico, mecânico, de fotocópia, de gravação, ou outros, sem prévia autorização por escrito da Editora.

Planejamento Visual da Capa: Minoru Naruto

CIP-Brasil. C atalogação-na-Fonte C âm ara Brasileira do Livro, SP

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H orton, P aul Burleigh, 1916Sociologia / Paul B. H orton & C hester L. H unt; tradução de A uriphebo Berrance Simões; revisor técnico Sérgio Pessoa de Barros Micelli. — São Paulo : M cG raw -H ill do Brasil, 1980. Bibliografia. 1. Sociologia I.

H unt, C hester Leigh, 1912- II. T ítulo.

80-0201

CDD-301

índice para catálogo sistemático: 1. Sociologia 301

Sum ário

Prefácio

IX

Um — Sociologia e Sociedade

1

1. A ciência e a busca da verdade

3

Algumas fontes da verdade Características do conhecimento científico Observação - a técnica básica do método científico 0 método científico de investigação Métodos normativos de investigação Sociologia como ciência 0 desenvolvimento da Sociologia Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

3 6 8 14 14 14 15 15 16 16

2. Campos e métodos da Sociologia

19

0 campo da Sociologia Os métodos da pesquisa sociológica Algumas dificuldades na pesquisa sociológica 0 debate sobre o empirismo positivista Sociologia pura e aplicada Os papéis do sociólogo 0 estudo da Sociologia Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

19 21 26 28 28 29 33 35 35 35

Dois — Cultura e Personalidade

37

3. Estrutura da cultura

39

Cultura como sistema de normas Estrutura da cultura Etnocentrismo Relativismo cultural Cultura real e ideal Cultura e ajustamento humano Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

41 44 46 50 51 53 54 55 55

4. Evolução da cultura

57

Desenvolvimento da cultura Evolução social Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

58 63 67 68 68

5. Personalidade e Socialização

71

Significado da personalidade Fatores no desenvolvimento da personalidade Socialização e o eu Sumário

71 71 77 83

VI

S U M Á R IO

Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

6. Papel e status Socialização através de papel e status Status atribuído e adquirido Tens2o motivada por papéis Revolta contra a atribuição de status e papel Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

84 85

87 87 89 93 98 100 100 101

7. Controle social e desvio social

103

Controle social e ordem social Desvio social Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

104 111 122 123 124

Três — Organização Social

126

8. Grupos sociais

127

O grupo e o indivíduo Algumas das principais classificações de grupo Tendência moderna à associação em grupos secundários Dinâmica de grupo Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

129 130 135 138 142 142 143

9. Instituições sociais

145

Desenvolvimento das instituições Traços institucionais Funções institucionais Inter-relações das instituições Função dual dos intelectuais Estruturas institucionais Instituições religiosas Instituições educacionais Instituições governamentais e econômicas Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

147 148 149 150 151 152 152 156 158 161 162 162

10. A família

165

Estrutura da família Funções da família A família norte-americana em mudança Evolução da família Futuro da família Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

166 170 172 178 182 183 184 184

11. Organizações formais

187

Associações voluntárias Estruturas organizacionais A tendência à oligarquia Natureza da burocracia Liberdade versus sujeição Dinâmica organizacional Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

188 191 192 193 197 199 199 200 201

12. Classe social

203

Existem classes sociais? O que é classe social? Gênese das classes sociais Tamanho de cada classe social Significância das classes sociais Futuro das classes sociais: do “proletariado” aos “caçadores de status” Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

204 204 205 212 214 222 226 226 227

13. Mobilidade social

229

Natureza da mobilidade social Mobilidade e estrutura social Processo da mobilidade social Custos e ganhos da mobilidade Mobilidade e igualdade Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

229 231 235 242 243 245 246 246

Quatro — Interação Social

249

14. Processos sociais

251

Natureza dos processos sociais Cooperação

251 252

S U M A R IO

Competição Conflito Alternativas ao conflito Encadeamento sistêmico Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

254 257 261 266 267 268 268

15. Poder social

271

Natureza do poder social Poder da elite Poder organizacional Poder social de massas nffo-organizadas Sociologia do Direito Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

271 272 278 282 284 286 287 288

16. Raça e relações étnicas

289

Conceito de raça Visão científica das diferenças de raça Resposta da minoria à Patologia Padrões de relacionamentos étnicos Fatores determinantes de padrões étnicos Perspectivas para o futuro Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

289 291 295 297 309 310 311 312 313

17. Comportamento coletivo na sociedade de massa 315 Natureza do comportamento coletivo Comportamento de multidão Sociedade de massa Comportamento de massa Públicos e opinião pública Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

316 316 325 326 329 332 333 334

Cinco — Ecologia Humana

335

18. População Conceitos demográficos Composição da população em mudança Migração

V II

Aspectos sociais e culturais da mudança populacional Fome e a reação triagem Perspectivas da população Sociologia da morte Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

343 347 352 354 355 356 356

19. A comunidade na sociedade de massa

359

A comunidade rural A comunidade urbana Convergência rural e urbana Futuro das cidades Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

360 365 375 376 377 378 379

Seis — Mudança Social e Política Social

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381

20. Mudança social e cultural

383

Processos de mudança social Fatores na taxa de mudança Resistência e aceitação quanto à mudança social Desorganização social e pessoal Planejamento social: A mudança pode ser dirigida? Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

384 387 390 395 400 401 401 402 V

21. Movimentos sociais

403 403

337

Natureza e definição de movimentos sociais Situações sociais que propiciam movimentos sociais Suscetibilidade pessoal a movimentos sociais Tipos de movimentos sociais Ciclo de vida dos movimentos sociais Avaliação Sumário Perguntas e trabalhos Leitura sugerida

337 338 341

Bibliografia Glossário índice Onomástico índice Analítico

404 407 411 418 419 420 420 421 423 451 457 471



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AS.C

Ü JU O problema do leigo é encontrar uma autoridade qualificada.

A autoridade é de diversas espécies. A autoridade sagrada repousa sobre a fé de que uma certa tradiçío ou documento — a Bíblia, o Alcorão, os Vedas — é de origem sobrenatural. Ou é a fé de que um certo grupo ou instituiçío — os curandeiros, os padres, a Igreja — está constantemente recebendo orientaçío sobrenatural. A autoridade secular surge nío da revelação divina, mas da percepção humana. É de duas espécies: autori­ dade cientifica secular e autoridade humanista secular, com base na crença de que certos “grandes homens” tiveram notável introvisío no comportamento humano e na natureza do universo. A busca da verdade pela consulta de “grandes livros” é um exemplo do apelo à autoridade humanista secular. Alguns campos — serviços de aconselhamento e psicológicos, saúde e dieta, por exemplo — sío tumul­ tuados por muitas “autoridades” auto-estabelecidas, sem treinamento profissional para o que fazem. É provável que a mais reputada das autoridades se tome um tolo incompetente1 quando vai além de sua espe­

1 Nota sobre o problema do sexismo em livros didáticos: Todos os autores e editores estão perfeitamente cônscios do ressentimento disseminado contra o sexismo em livros didáticos. Os termos “homem” , “ele” , “ dele” , “seu” , são comumente usados para fazer referência à raça humana inteira e ao sexo masculino. A língua inglesa tem falta de um conjunto de equi­ valentes neutros para esses termos. Algumas vezes, termos tais como “indivíduo” , “pessoa” ou um plural podem ser usados, mas amiúde isso ocasiona certo embaraço e falta de clareza. O uso repetido de “ele ou ela” ou de “ele/ela” também é embaraçoso e interfere no livre curso das idéias. Mas o uso que muitos percebem como insultuoso também interfere com o livre curso das idéias. Os autores deste livro de ensino estão bem cônscios deste problema e eliminaram quase todos os usos genéricos dos termos do gênero masculino. Deverão as anedotas e ilustrações mostrar mulheres nos papéis que elas realmente ocupam (dona de casa, mãe, garçonete, secretária, enfermeira etc.)? Retratar as mulheres unica­ m ente em tais papéis estereotipados seria objetável. Tal uso da linguagem ajuda a perpetuar estes estereótipos e, assim,

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cialidade. O general que pontifica sobre a prevenção do crime, o executivo empresarial que endossa uma moda passageira sobre alimentos, o médico que dá receitas para problemas entre os trabalhadores e os responsáveis pela administração — cada um desses indivíduos está fazendo de si próprio um tolo. E pode estar fazendo o mesmo em relação a seus interlocutores. O leigo (e cada pessoa é leiga em todos os campos, exceto no de sua especialidade) nâó tem escolha; ele ou ela tem de confiar em uma autoridade, já que ele ou ela não pode tornar-se um experto (uma experta?)* em tudo. É presunção do leigo discordar das autori­ dades qualificadas sobre uma questão em que elas chegaram a um acordo. 0 problema do leigo é como encontrar e reconhecer uma autoridade qualificada numa dada área de interesse. Todavia, nenhuma autoridade científica tem a palavra final sobre o conhecimento humano. O cientista respeita a autoridade qualificada, mas ainda questiona seus pressupostos básicos e verifica suas conclusões. Uma pessoa considerada como experto em dado campo merece ter seus pontos de vista seriamente considerados, mas o peso da autoridade não fecha a porta a investi­ gação ulterior. A autoridade científica de hoje é o trampolim para a pesquisa de amanhã. Desta forma, o conhecimento cresce, convertendo inexoravelmente os pronunciamentos “finais” de hoje nos pontos inter­ mediários e ruelas transversais ao longo da estrada do conhecimento em expansão.

Tradição

De todas as fontes da verdade, a tradição é uma das mais tranqüilizadoras. Nela está acumulada a sabedoria das idades, e a pessoa que a desconsidera pode esperar

a limitar as escolhas da mulher. Todavia, retratar as mulheres somente em papéis não-convencionais (astronautas, engenheiras, motoristas de caminhão) seria uma distorção da realidade, porque se estaria falhando em “dizer as coisas como as coisas são” . Este livro procura evitar a formação inconsciente de estereótipos que ajudam a “aprisionar” as mulheres, ao mesmo tem po em que também se esforça em não construir “estereó­ tipos invertidos” que distorceriam a verdade de um modo inaceitável em um livro didático. * O termo “experta” entre parênteses é do tradutor. Faço o registro louvável da intenção dos autores mas, por razões óbvias, nem sempre poderei ser tão fiel quanto seria desejável. Já nas questões pronominais nesta nota de rodapé, foi necessário introduzir uma certa modificação. A língua portuguesa também não dispõe de muitos neutros e quando é feito uso de um termo no gênero masculino, está sendo abrangido o tão apre­ ciado outro - o feminino. O costume é tão velho quanto o mundo e, quando este nasceu, certamente não existia o conceito de sexismo. (N. do T.)

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ser qualificada como desatinada ou tola. Se um certo padrão “funcionou” no passado, por que não continuar a usá-lo? A tradição, porém, preserva tanto a sabedoria acumu­ lada como a parolagem vazia do passado. A tradição é o sótão da sociedade, entulhado com todas as espécies de costumes úteis e relíquias inúteis. Uma grande parte da “experiência prática” consiste em repetir os enganos de nossos ancestrais. Uma tarefa da Ciência Social é fazer uma separação entre o que é verdade e o que é meramente antigo.

Bom senso

Durante milhares de anos o bom senso das pessoas lhes disse que a te.ra era achatada e que os grandes objetos caem mais depressa do que os pequenos, que a pedra e o ferro eram minerais perfeitamente sólidos e que o verdadeiro caráter era traído pelas caracterís­ ticas faciais; no entanto, hoje sabemos que nenhuma dessas assertivas é verdadeira. Quando nãó sabemos de onde vêm nossas idéias ou em que se baseiam, algumas vezes chamamo-las de “bom senso”. Se as chamamos de bom senso não preci­ samos prová-las, porque, então, os outros se juntarão a nós no auto-engano de supor que elas já foram provadas. Se alguém faz pressão para uma prova, dizse-lhe que a idéia já foi prosada pela experiência. 0 termo “bom senso” coloca uma fachada respeitável em todas as espécies de idéias para as quais não há massa sistemática de evidência que possa ser citada. A TRADIÇÃO E O BOM SENSO DIZEM: Os homens são intelectualmente superiores às mu­ lheres. Os resfriados são causados por friagem e pés molha­ dos. O caráter de uma pessoa transparece no rosto. Quem trapaceia nas cartas trapaceia nos negócios. Poupe a chibata e estrague a criança. O gênio, ou o quase-gênio, geralmente é franzino, não é prático, é instável e não tem êxito. A literatura pornográfica encoraja crimes e perversões sexuais. A raça negra é especialmente talentosa em música, mas inferior em intelecto. A INVESTIGAÇÃO CIENTÍFICA CONSTATA QUE: Nenhum sexo é superior em capacidades intelectuais herdadas.

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S O C IO L O G IA E S O C IE D A D E

Os resfriados são causados por vírus, embora a expo­ sição ao frio possa diminuir a resistência. Não existe correlação definida entre as características faciais e as da personalidade. A honestidade em uma situação pouco diz sobre o comportamento de uma pessoa em uma situação diferente. Os delinqüentes sérios usualmente têm sido punidos com mais severidade do que a maioria dos não-delin­ qüentes. O grupo de gênios e quase-gênios está acima da média em saúde, ajustamento emocional e renda. Não existe prova de correlação entre consumo de literatura pornográfica e comportamento sexual desa­ provado. Os cientistas nío encontram evidência convincente de diferenças em capacidades raciais inatas. O bom senso e a tradição se acham estreitamente entrelaçados, com muitas proposições de bom senso tornando-se parte do saber tradicional de um povo. Se tiver de ser estabelecida uma distinção, esta pode ser que as verdades tradicionais são aquelas em que há muito se acredita, ao passo que as verdades do bom senso são conclusões aceitas sem crítica (recentes ou antigas), em que atualmente acreditam pessoas de características idênticas. O que freqüentemente passa por bom senso é a acumulaçío de conjeturas coletivas de um grupo e aprendizagens a esmo de ensaio e erro. Muitas propo­ sições do bom senso sío bocados de conhecimento sólido, grosseiros, úteis. “Uma resposta suave afasta a ira” e “Quem se parece se junta” sío observações práticas da vida social. Mas muitas conclusões do bom senso se baseiam em ignorância, preconceito e inter­ pretação errônea. Quando os europeus medievais perceberam que os pacientes febris estavam livres de piolhos, o que já não ocorria com a maioria das pessoas saudáveis, tiraram a conclusão de bom senso de que o piolho curava a febre e, por isso, salpicavam de piolhos a cabeça dos pacientes com febre. Enquanto esta não baixasse os piolhos não eram eliminados. O bom senso, assim com a tradição, preserva tanto a sabedoria do povo como sua falta de senso, e fazer a triagem é uma tarefa para a ciência.

Ciência

Somente nos últimos duzentos ou trezentos anos é que o método científico se tornou um modo comum de buscar respostas a respeito do mundo natural. A ciência passou a ser a fonte de conhecimento sobre

nosso mundo social em época ainda mais recente; e, no entanto, no breve período desde que começamos a confiar no método científico, aprendemos mais a respeito de nosso mundo do que tinha sido aprendido no dez mil anos precedentes. A espetacular explosío de conhecimento no mundo moderno encontra para­ lelo em nosso uso de métodos científicos. O que torna o método científico tio produtivo? De que modo é diferente dos outros métodos de procurar a verdade?

Características do conhecimento científico Evidência verificável

O conhecimento científico baseia-se em evidência verificável. Por evidência queremos dizer observações fatuais concretas que os outros observadores podem ver, pesar, medir, contar ou verificar quanto à exatidío. Podemos pensar que a definição é excessivamente óbvia para mencionar; a maioria de nós tem certa cons­ ciência do método científico. Entretanto, há apenas alguns anos os eruditos medievais mantinham longos debates sobre quantos dentes tinha um cavalo, sem se darem ao trabalho de abrir a boca do animal para contá-los. A esta altura, levantamos a perturbadora pergunta metodológica: “O que é um fato?” Conquanto a palavra pareça enganosamente simples, não é fácil distinguir um fato de uma ilusão largamente partilhada. Supo­ nhamos que definimos um fato como um enunciado descritivo sobre o qual todos os observadores quali­ ficados estão de acordo. Por esta definição, os fantasmas medievais eram um fato, já que todos os observadores da época concordavam que os fantasmas eram reais. Portanto, não existe maneira de se estar certo de que um fato é uma descrição exata e não uma impressão errônea. A pesquisa seria mais fácil se os fatos fossem certezas confiáveis, inabaláveis. Já que não o são, o melhor que podemos fazer é reconhecer que um fato é um enunciado descritivo da realidade que, depois de exames cuidadosos e muitas reverificações, os cientistas concordam em acreditar que é exato. Tendo em conta que a ciência se baseia em evidência fatual verificável, ela somente pode tratar de questões sobre as quais pode ser encontrada evidência. Perguntas como: “Deus existe?”, “Qual o propósito e o destino da raça humana?” ou “O que faz uma coisa ser bonita?”, não são questões científicas porque não podem ser tratadas fatualmente. Essas questões podem ser terrivel­ mente importantes, mas o método científico não dispõe de instrumentos para tratar delas. Os cientistas podem estudar as crenças humanas a respeito de Deus, do destino humano oú da beleza, ou de qualquer outra coisa, e podem estudar as conseqüências pessoais e

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sociais dessas crenças; são, porém, estudos do compor­ tamento humano, sem qualquer tentativa para estabe­ lecer a verdade ou o erro das próprias crenças. Portanto, a ciência não tem respostas para tudo e muitas questões importantes não são científicas. O método científico é nossa fonte mais confiável de conhecimento fatual a respeito do comportamento humano e do universo natural, mas a ciência, depen­ dendo de evidência fatual verificável, não pode res­ ponder a perguntas sobre valor, estética ou propósito e significado final, ou fenômenos sobrenaturais. As respostas a tais perguntas precisam ser procuradas na Filosofia, Metafísica ou Religião.

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ser reproduzida a partir de um disco. A circulação do sangue, de Harvey, os micróbios, de Pasteur, e o desco­ brimento de Simmelweis de que os médicos disseminam a febre puerperal foram rejeitados durante muitos anos após sua descoberta. Um levantamento mais recente [Warner, 1938]2 verificou que muitos dos psicólogos que rejeitaram as constatações de Rhine sobre a per­ cepção extra-sensorial não havia lido publicação alguma de sua pesquisa. Manter uma disposição de mentalidade aberta para examinar nova evidência é tarefa tão difícil que até os cientistas nem sempre logram êxito.

Neutralidade ética

A evidência consiste em fatos verificáveis.

Cada conclusão científica representa a interpretação mais razoável de todas as provas disponíveis — mas amanhã podem aparecer outras. Por conseguinte, a ciência não tem verdades absolutas. Verdade absoluta é aquela que se manterá verdadeira em todos os tempos, lugares ou circunstâncias. Toda verdade científica é tentativa, sujeita a revisão à luz de nova evidência. Algumas conclusões científicas (por exemplo, que a Terra é um esferóide, ou que os impulsos inatos são condicionados culturalmente) baseiam-se em uma massa tão grande e coerente de evidência, que os cientistas duvidam que jamais venham a ser derrubadas por nova evidência. E, no entanto, o método cientí­ fico exige que todas as conclusões permaneçam abertas a reexame toda vez que se constata que a nova evidência as contesta. Esta receptividade à nova evidência é fácil de enunciar, mas nem sempre tão fácil de manter. Os cientistas também são seres humanos; apesar de seu compromisso para com a imparcialidade, algumas vezes recusam-se a examinar uma nova evidência se esta colidir com as tradições científicas estabelecidas. Os colegas de Galileu recusaram-se a olhar através de seu telescópio e ver as luas de Júpiter; Lavoisier insistia em que pedras (meteoritos) não podiam cair do ar porque não havia nenhuma lá; todos os cientistas da Academia de Paris disseram que o fonógrafo de Edison era uma impostura porque a voz humana não podia

Ciência é conhecimento e este pode ser posto em diferentes usos. A fissão atômica pode ser usada para dar energia a uma cidade ou para incinerar uma nação. Cada uso de conhecimento científico envolve uma escolha entre valores. Nossos valores definem o que é mais importante para nós. A ciência nos diz que o excesso de calefação e o hábito de fumar encurtarão nossa expectativa de vida. Mas será que nos pode dizer o que devemos escolher: vida mais longa ou uma mais indulgente? A ciência pode responder a questões de fato, mas não tem maneira de provar que um valor é melhor que outro. Por conseguinte, a ciência é eticamente neutra. Procura conhecimento, enquanto os valores da socie­ dade determinam de que modo se deve usá-lo. O conhe­ cimento a respeito de bactérias pode ser usado para preservar a saúde ou para a guerra bacteriológica. O conhecimento de organização grupai pode ser usado para preservar uma democracia ou para estabelecer uma ditadura. Já que a ciência é eticamente neutra, nenhum campo de indagação é tão sagrado que não possa ser explorado. Algumas vezes as descobertas científicas destroem mitos reverenciados, erodem as instituições estabelecidas e contestam os valores apreciados. Quando Vesálio estava lançando os fundamentos da Anatomia pela dissecção do corpo humano, foi forçado a violar túmulos a fim de obter cadáveres para dissecar, já que o povo considerava o corpo humano como extrema­ mente “sagrado” para ser cortado. Há alguns anos, os estudos de Kinsey sobre o comportamento sexual humano e, mais recentemente, os de Masters e Johnson [1966; 1970] despertaram um coro de protesto dos que julgavam que o comportamento sexual humano é “muito íntimo” para indagação científica. Mas a ciência não reconhece perguntas “impróprias”. Quaisquer

2 As referências entre colchetes são das fontes descritas em seu todo na Bibliografia no final do livro.

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S O C IO L O G IA E S O C IE D A D E

perguntas para as quais possa ser obtida uma evidência verificável é própria para a ciência. Esta atua sob a crença de que, se o conhecimento científico corrói crenças, instituições e práticas estabelecidas, estas precisam ser revisadas. A ciência pode ser eticamente neutra, mas os cien­ tistas não o são. Cada cientista tem seu próprio sistema de valores, que não pode divorciar totalmente de seu trabalho. E talvez não deva. Existe um agudo debate entre os cientistas sobre se suas disciplinas científicas devem ou não voltar-se para uma pesquisa neutra em busca de conhecimento ou para a consecução de deter­ minadas metas sociais. Por exemplo, deve um físico aceitar a missão de desenvolver uma bomba mais mortal ou deve o sociólogo mostrar a um governo opressivo e não-democrático como manter seu povo escravizado? Estas questões são discutidas no próximo capítulo, em uma seção sobre os papéis do sociólogo.

Observação — a técnica básica do método científico A palavra “evidência” continua aparecendo aqui e ali nas discussões de método científico. O que é a evidência e onde se encontra? A evidência consiste em fatos verificáveis de todas as espécies e é encontrada através de observação científica. Mas esta não é a mesma coisa que olhar as coisas. Temos estado a olhar as coisas nossa vida inteira, mas esta atividade não nos faz observadores científicos, assim também como uma vida toda de matar moscas com uma baqueta não nos toma entomologistas. Em que ponto a observação científica difere de apenas olhar as coisas?

Exatidão

A observação científica é exata. O observador cientí­ fico é extremamente cuidadoso em ter a certeza de que as coisas são exatamente como foram descritas. A declaração: “Meu quintal está cheio de árvores mortas”, é de exatidão incerta, salvo se as árvores foram exami­ nadas por um experto para haver certeza de que estão mesmo mortas e não apenas dormentes. A assertiva: “As famílias são maiores do que costumavam ser”, é de baixa exatidão. Que tamanhos de família e onde são maiores do que eram quando? Se dissermos: “A proporção de famílias norte-americanas com quatro ou mais filhos cresceu substancialmente na última década” , a assertiva é mais exata. A penosa verificação, reverificação e contraverificação para a obtenção de proposições cuidadosamente enunciadas constituem o preço da exatidão científica.

Precisão

A observação científica é precisa. A declaração: “Meu quintal está cheio de árvores mortas”, não é precisa, embora possa ser exata. O que se quer dizer com “cheio de” árvores mortas? Se a frase for: ‘Todas as árvores em meu quintal estão mortas” ou “Há vinte árvores mortas em meu quintal”, a assertiva ganha em precisão. Enquanto a exatidão se refere à verdade ou correção de uma assertiva, a precisão refere-se a grau ou medida. Se a assertiva acima, a respeito de tamanho de família, for revisada para se ler: “A pro­ porção de famílias norte-americanas com quatro ou mais filhos, atualmente vivendo com eles, aumentou de 6,6% de todas as famílias em 1948 para 11,1% em 1965, depois declinando para 8,6% em 1972”, teremos uma declaração mais precisa. Em um experimento de laboratório o cientista pesa, mede, conta ou marca o tempo de cada desenvolvi­ mento com grande cuidado. Um relatório que dissesse: “Usei um pouco de água salgada quente, acrescentei uma pitada de sulfato de cobre e um pouco de ácido nítrico, deixei esfriar por uns m om entos.. . ”, seria quase inútil. Quanto de água? Quão quente? Quanto de sal, sulfato de cobre e ácido? Esfriar durante quanto tempo e até que temperatura? A menos que seja bastante precisa, uma observação é de valor limitado para a ciência. Já que os relatos científicos buscam precisão, a ciência evita linguagem colorida ou extravagante. En­ quanto a literatura pode visar a despertar os sentimentos do leitor, a ciência visa a transmitir informação exata. As linhas de Tennyson: “A cada momento morre um homem; a cada momento nasce um ”, são boa literatura. Para que fossem boa ciência, deveriam ser: “No mundo inteiro, de acordo com as cifras de 1972, a cada 0,5956 segundos, em média, morre um homem, mulher, ou criança; a cada 0,2448 segundos, em média, nasce uma criança”. A redação literária pode ser intencional­ mente vaga, imprecisa e fantasiosa, estimulando o leitor a ponderar seu significado (por exemplo, se Hamlet estava realmente louco). O alcance dramático do novelista e as imagens provocativas do poeta não têm lugar na redação científica. Não obstante, a redação científica não precisa ser monótona e jamais deve caminhar através de uma massa insuportável de detalhes mal dispostos. A boa redação científica é clara, facil­ mente entendida por um leitor qualificado e obtém seu suspense de uma série legível de fatos e interpre­ tações significantes. Quanto de precisão se necessita? Isto depende do que estivermos estudando. Na mensuração de átomos, um milionésimo de polegada pode constituir um erro muito grande, ao passo que em uma estação experi­ mental agrícola uma variação de algumas dezenas de

A C IÊ N C IA E A BU SC A DA V E R D A D E

centímetros talvez nío tenha importância. Um cientista social poderia observar o comportamento de uma turba de “diversas centenas” de pessoas sem contá-las, assim como um entomologista pode descrever um “grande” enxame de abelhas sem contá-las. A ciência, porém, sempre busca tanta precisão quanto o determinado problema exige. Se as condições da observação impos­ sibilitam este grau de precisão, o cientista deve suspender o julgamento até que possa conseguir observações mais precisas.

Sistema

A observação científica é sistemática. Uma investi­ gação científica define um problema e, depois, traça um plano organizado para coletar fatos a seu respeito. Suponhamos que a pergunta seja: “Qual a comparação entre a taxa de desistência de estudantes de faculdade que se casam quando ainda na faculdade e a de desis­ tentes solteiros?” Uma pessoa poderia tentar responder, simplesmente lembrando-se dos estudantes que conhe­ ceu; mas esta amostra seria pequena; poderia não ser típica; e a memória das pessoas é imperfeita. As conclusões baseadas em recordações casuais não são muito confiáveis. Se nosso plano de pesquisa solicita uma verificação sistemática nos registros da faculdade de diversos milhares de estudantes, nossas taxas de desistência para estudantes solteiros e casados baseiam-se em dados fatuais confiáveis. A menos que estes dados tenham sido coletados como parte de um programa sistemático e organizado de observação científica, provavelmente serão esporádicos e incompletos. As anedotas, as lembranças pessoais, as opiniões improvi­ sadas e as impressões de viagem podem sugerir hipóteses dignas de teste; mas nenhum cientista fundamentaria uma conclusão em tais dados.

Registros

A observação científica é registrada. A memória humana é notoriamente falível. Os dados que não são registrados n ío merecem confiança. Nenhum cientista de laboratório tentaria memorizar um experimento detalhado. Ele ou ela anota tudo completamente, regis­ trando cada operação e reação, de modo que os proce­ dimentos e constatações possam ser exatamente conhecidos e verificados por outros cientistas. No campo do comportamento humano, a necessidade de observaçío registrada é menos totalmente compreen­ dida. Suponhamos que um professor tivesse de dizer: “Numerosos estudantes do sexo feminino se graduaram neste campo e, embora alguns executem trabalho exce­ lente, em média nío alcançam os estudantes do sexo

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masculino”. O que, exatamente, este professor está dizendo? A menos que realmente tenha registrado e calculado os escores médios para os dois grupos, de fato está dizendo: “Lembrei-me — mentalmente — das notas de centenas de meus alunos e somei mental­ mente os escores, calculei mentalmente as médias para os alunos dos dois sexos; e constatei que a média feminina é mais baixa”. Tal feito de memória seria impossível. Todas as conclusões que se fundamentam na lembrança de uma massa de dados nío registrados nío sío dignas de crédito. De fato, tais conclusões baseadas em recordação informal podem ser piores que inúteis, porque geral­ mente expressam os preconceitos do observador, masca­ rados como conclusão científica. Já que a memória é imperfeita, muitas vezes “nos lembramos” das coisas do jeito que as preferimos e não como na realidade foram. O preconceito, o pensamento tendencioso e a atitude habitual, tudo opera para torcer nossas observações a fim de ajustar-se às nossas preferências. Por isso, é importante que a evidência seja registrada tão rapidamente quanto possível; quanto mais tempo esperamos, mais nossos preconceitos, preferências e reflexão posterior podem tê-la distorcido. Os seguintes relatos de um desastre, conforme a narração de um dos sobreviventes, mostram as mudanças progressivas feitas pelo tempo: As memórias do homem a seu próprio respeito não são exatas. Um mês depois do naufrágio do Litch /, interroguei os sobreviventes uma segunda vez. As estórias tinham-se alterado — em certos casos radicalmente. Quando o barco explodiu, era honroso e aceitável que cada um salvasse a própria pele. Mais tarde, quando chegamos mais perto da civili­ zação e da sociedade normal, muitos homens se lembraram de alguma coisa nova, de como tinham lutado para salvar os outros, com risco da própria vida. As notas que tomei de um sinaleiro, dez minutos depois que foi salvo, lêem: “Depois que saltei de bordo, nadei o mais rapidamente que pude, contra o vento, como o senhor sempre nos disse. Eu estava sem colete salva-vidas e fiquei assustado. Vi alguém flutuando com a cabeça sob a água. Era o s r.. . . Sua espinha estava quebrada; eu sabia disso pela maneira esquisita que ela formava um ângulo logo abaixo do pescoço. Disse a mim mesmo que, se estava morto, de nada valia ele estar desperdiçando seu salva-vidas. Tirei-lhe o salva-vidas, ao qual me agarrei. Não sei o que aconteceu ao corpo do sr. . . . ” Quando entrevistei o mesmo homem um mês mais tarde, ele me disse isto: “Nadei afastando-me do barco tão rapidamente quanto pude. Nadei contra o vento como o senhor sempre nos disse. Vi alguém

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flutuando com a cabeça sob a água. Era o sr. . . . Embora sua espinha estivesse quebrada e sua cabeça submersa, calculei que um médico talvez pudesse fazer alguma coisa por ele. Puxei sua cabeça para fora da água e amarrei os cordões do salva-vidas sob seu queixo, de modo que a cabeça permanecesse no ar. Fiquei na água cerca de uma hora, apenas agarrando-me ao salva-vidas do s r.. . . para um descanso ocasional. Vi uma jangada a cerca de quinhentos metros. Pensei que nela talvez houvesse um médico ou um enfermeiro. Nadei até ela. O médico não estava lá. Remamos até onde o s r.. .. tinha estado, mas não encontramos sinal dele.” Encontrei o sinaleiro numa rua em Washington, há dois meses — cinco anos após o naufrágio do Litch. Sua estória tinha mudado mais. Agora era ele, sinaleiro, que estava com o salva-vidas. Quando viu que o sr. . . . tinha a espinha quebrada, o sina­ leiro despiu-se do salva-vidas e deu-o ao oficial ferido. “Eu sabia que ele estava morto, mas imaginei que talvez houvesse uma chance em mil de que ele pu­ desse ser salvo. Era meu dever tentar ajudá-lo, por isso, dei-lhe meu salva-vidas.” (William J. Lederer. A li the Ships at Sea. Nova York, William Morrow, 1950. p. 203-204.)

Objetividade

A observação científica é objetiva. Isto significa que, tanto quanto seja humanamente possível, a obser­ vação não é afetada pela própria crença, preferências, desejos ou valores do observador. Por outras palavras, objetividade significa capacidade para ver e aceitar os fatos como são e não como alguém poderia desejar que fossem. É bastante fácil ser objetivo quando observamos algo sobre o que não temos preferências ou valores. E bastante fácil estudar objetivamente as práticas de cruzamento da mosca da fruta, mas menos fácil ver as práticas de cruzamento do ser humano, com frieza objetiva. Em qualquer matéria em que estejam envolvidas nossas emoções, crenças, hábitos e valores, é provável que vejamos o que quer que esteja de acordo com nossas necessidades e valores emocionais. Poucos norte-americanos, por exemplo, poderiam registrar uma descrição detalhada da atuação do sistema de família polígama sem incluir muitas palavras e frases que trairiam sua desaprovação. Se um conjunto de observações científicas for reportado objetivamente, o leitor não poderá dizer se o observador gosta ou não do que ele ou ela reportou. Entretanto, muitos expe­ rimentos têm demonstrado que até as mais simples de nossas observações são afetadas por nossos sentimentos e expectativas. Por exemplo, em uma investigação [Harvey, 1953] a maioria dos observadores julgou que

um disco branco, impresso com o nome “Eisenhower”, era maior do que os discos do mesmo tamanho com os nomes tirados aleatoriamente da lista telefônica; as crianças pobres geralmente atribuíam maior tamanho às moedas que as crianças de lares prósperos; e uma folha de árvore, feita com um pedaço de pano verde, foi julgada mais verde do que um pedaço do mesmo pano com a forma de um jumento. Muitas perguntas que deveriam ser nitidamente científicas despertam violenta controvérsia, porque achamos difícil ser objetivos ou, até mesmo, ter a certeza de quando estamos sendo objetivos. A pergunta: “Fumar cigarros favorece o câncer do pulmão?” , não é uma pergunta científica impossivelmente difícil; e, no entanto, cada novo estudo provoca amarga reação emocional. Atualmente os dados são bastante conclu­ sivos, mas esta conclusão é desagradável para muita gente. A indústria do fumo, que pode tirar uma mon­ tanha de conclusão de um montículo de evidência científica, quando prepara alegações de propaganda, insiste em que precisamos de mais evidência antes de tirarmos conclusões sobre esta questão. Os fumantes de cigarros, com apetite para defesa, também estão praticando seu recém-descoberto hábito de reter julgamento até que haja mais dados em disponibilidade. Alguns ardentes batalhadores contra o cigarro “sabiam” da resposta muito antes de serem efetuados quaisquer estudos. Sobre esta questão poucos estão desinteressados e poucos podem ser totalmente objetivos. Ser objetivo talvez constitua a mais pesada de todas as obrigações científicas. Não basta estarmos dispostos a ver os fatos como eles são. Precisamos conhecer nossos vieses para nos salvaguardarmos contra eles. Um viés é simplesmente uma tendência, usualmente inconsciente, de ver os fatos de uma certa maneira, em conseqüência dos hábitos, desejos, interesses e valores da pessoa. Assim, em um incidente racial, um observador vê um branco insultando ou abusando de um preto, enquanto outro observador vê um preto agindo presun­ çosa e provocadoramente. Um observador vê as pessoas negras afirmando corajosamente seus direitos demo-

Objetividade significa capacidade para ver e aceitar os fatos como são e não como alguém poderia desejar que fossem.

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cráticos, enquanto outro os vê fazendo exigências excessivas. Raramente os fatos são tão indiscutíveis que o viés não os distorça. Percepção seletiva é a tendência de ver ou ouvir somente os fatos que apóiam nossas crenças e omitir os demais. Muitos experimentos têm demons­ trado que a maioria das pessoas que observam uma situação social verá e ouvirá somente o que esperam ver e ouvir. Se a coisa que esperamos ver está ausente, nós a vemos mesmo assim! Isto foi demonstrado de modo impressionante em um famoso experimento [Allport e Postman, 1947], no qual se mostrou a obser­ vadores o quadro de um homem branco, mal vestido, segurando uma navalha aberta e discutindo violenta­ mente com um homem preto bem vestido cuja postura era apologética e conciliatória; depois, solicitou-se aos observadores que descrevessem a cena. Alguns “viram” a navalha na mão do preto, onde esperavam que esti­ vesse. Outros perceberam o quadro corretamente, mas passando adiante a descrição da cena (A descreveu-a a B, que a descreveu a C, e assim por diante), em breve fizeram com que a navalha estivessem na mão do preto, onde “devia estar” . Embora os observadores não estivessem emocionalmente envolvidos na situação, tivessem bastante tempo para estudá-la e fizessem um esforço consciente para serem exatos no que viram e reportaram ou ouviram, seus vieses inconscientes ainda levaram muitos deles a “ver” ou “ouvir” um fato ine­ xistente. Quem é propenso a duvidar de que as pessoas amiúde vêem e ouvem o que esperam ver e ouvir, deve tentar um experimento simples. Em uma festa, cumprimente cada convidado que chega com um amplo sorriso, um cordial aperto de mão e a frase murmurada: “É uma pena que você esteja aqui esta noite”, e despeça-se de cada um que parte com: “Muito contente de que você tenha de ir embora tão cedo!” Muitos ouvirão o que esperam ouvir e não o que na realidade foi dito. Por isso é que, se uma pessoa está convicta de que os pretos são preguiçosos, os judeus agressivos e persis­ tentes, os negociantes fraudulentos ou os policiais brutais, ela raramente “vê” qualquer coisa que esteja em conflito com estas expectativas. O viés é como uma peneira que áó deixa passar aquilo que se supõe deva passar. O viés impede nossas percepções, em geral admitindo à nossa consciência unicamente as que concordam com os vieses. Assim, algumas ameaças comuns à objetividade são interesses adquiridos, hábito e viés. A objetividade não chega facilmente a um observador, mas pode ser aprendida. Uma pessoa pode tornar-se mais objetiva quando se conscientiza dos vieses pessoais e dá margem para que sejam descontados. Por meio de rigoroso treinamento em metodologia científica, pelo estudo de muitos experimentos e notando uma boa quantidade

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de exemplos de usos objetivos e não-objetivos de dados, um observador pode, por fim, desenvolver uma certa habilidade em penetrar muitas camadas de auto-engano e perceber fatos com maior grau de objetividade científica. O cientista também tem um outro aliado poderoso — a crítica dos colegas. O cientista publica trabalhos para que estes possam ser verificados por outros cientistas, que talvez não partilhem de seus vieses e que enfrentem o problema com um ponto de vista diferente. Este processo de publicação e crítica significa que o trabalho inferior em breve é revelado, e o cientista que permite que os vieses ditem os usos de dados está sujeito a severas críticas. Ao redigir observações, o cientista usa linguagem objetiva. Por exemplo, consideremos estas assertivas: O crescente comprometimento militar norte-ame­ ricano no Vietnã foi acompanhado de demonstrações de paz mais freqüentes e por debate público cada vez maior sobre a sabedoria desta política. A crescente agressão norte-americana no Vietnã despertou um coro cada vez maior de indignação pública, por nossa negativa arrogante e brutal de autogovemo ao povo vietnamita. Nossa determinação cada vez maior de evitar a escravização do Vietnã pelos comunistas foi moles­ tada pelo crescente frenesi de nossos próprios simpa­ tizantes comunistas e pelos apaziguadores de paz-aqualquer-preço. A primeira destas declarações está escrita em lingua­ gem neutra e descritiva do cientista social, ao passo que as outras duas são ardentemente partidárias. A redação polêmica pode ser apropriada em debates, mas não em ciência. Nos últimos anos têm aparecido trabalhos polêmicos nas reuniões anuais das sociedades acadêmicas, tais como a American Sociological Association e nas novas revistas dedicadas à Sociologia “radical”. Nestes trabalhos, a objetividade, neutralidade e paixão rigorosa por exatidão são relegadas em favor de generalizações abrangentes e totalizantes, acusações estridentes e com­ prometimento apaixonado para com a ação social. Isto não significa que o método científico esteja mudando. Tais eventos refletem um debate que atualmente se desenvolve com violência em todas as ciências, sobre se o principal comprometimento dos autores é com o conhecimento científico ou com a ação social [Horton e Bouma, 1971].

Observação treinada

As observações científicas são feitas por observadores treinados. Um bilhão de pessoas vêem o Sol e a Lua

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cruzando o céu, porém os observadores mais sofisti­ cados possuem certo conhecimento que lhes diz que nío é isso exatamente o que acontece. Os observadores nío-treinados nío sabem o que olhar ou como inter­ pretar o que vêem. Nío conhecem as armadilhas que conduzem à observação inexata, nem tampouco estão plenamente conscientes dos truques que suas próprias limitações e vieses podem fazê-los sofrer. Relatórios surpreendentes de fenômenos estranhos geralmente provêm de pessoas de pouca instrução e não-sofisticadas e são descontados pelos expertos. Quando são relatadas algumas observações notáveis, o cientista desejará saber: (1) Qual o nível geral de instrução e sofisticação do observador? Tal pessoa é membro de um grupo eivado de superstições ou de uma população bem infor­ mada e algo cética? (2) Qual o seu conhecimento ou treinamento especial neste campo particular? Será que este observador tem o conhecimento necessário para discernir se este evento possui uma explicação perfei­ tamente natural? Assim, o biólogo entre os passageiros de um navio tem menos probabilidade de ver um monstro marinho do que os membros da tripulação, e o meteorologista vê menos discos voadores do que as pessoas que não têm conhecimento especial dos fenômenos atmosféricos. No momento, há uma explosão de interesse público por fenômenos psíquicos e ocultos. Um livro alegando que as plantas têm consciência e reagem aos sentimentos humanos tomou-se um best-seller [Tompkins e Bird, 1973], embora em geral os cientistas nío se tenham deixado impressionar [First, 1973], e não haja relatórios autenticados de que alguém tenha, com seu ódio, afastado o capim daninho do gramado. Uri Geller, que de certa feita trabalhou em teatro como mágico, atualmente está atraindo muita atenção como psíquico e chegou até a impressionar uma equipe de físicos do Stanford Research Institute [Science News, 20 jul. 1974, p. 46]. Mas os físicos e outros cientistas, quaisquer que sejam suas credenciais como cientistas, não sío observadores treinados de prestidigitaçío. Os mágicos de teatro consideram os cientistas tão fáceis de serem enganados como quaisquer outras pessoas e, em geral, consideram Geller e outros psíquicos como homens de espetáculo sem poderes psíquicos. [Weil, 1974; Business Week, 26 jan.1974, p. 76-78], Evidentemente, um “observador treinado” precisa ter treinamento na espécie de observação que está fazendo. Muitos eventos ocorrem sem que haja qualquer observador científico por perto. Se cada monstro ma­ rinho emergisse ante um painel de ictiólogos, cada fantasma se materializasse ante o olhar perscrutador de psicólogos e cada revolução fosse realizada ante uma equipe de sociólogos visitantes, nosso conheci­ mento seria muito mais completo. Mas, para muitos fenômenos, os únicos relatórios que temos são as

impressões casuais de observadores nío-treinados que presenciaram tais eventos; estes relatórios podem ser interessantes e possivelmente úteis, mas precisam ser interpretados com a maior cautela pelos cientistas.

Condições controladas

A observação científica é feita sob condições contro­ ladas. Os laboratórios desfrutam de popularidade com os cientistas porque são lugares apropriados para con­ trole de calor, luz, pressão, intervalos de tempo ou o que quer que seja importante. Temos um experimento científico quando controlamos todas as variáveis importantes exceto uma, e depois vemos o que acontece quando fazemos variar esta última. A menos que todas as variáveis exceto uma tenham sido controladas, não podemos estar certos de qual a que produziu os resul­ tados. Por exemplo, se desejarmos estudar os efeitos dos fosfatos no crescimento de uma planta, todos os demais fatores — semente, solo, água, luz solar, tempe­ ratura, umidade — precisarão ser os mesmos para todos os terrenos de amostra; depois, as quantidades variáveis de fosfatos nos diferentes terrenos de teste podem ser responsáveis pelas diferentes taxas de crescimento. Esta é a técnica básica em toda experimentação científica — permitir que uma variável varie mantendo constantes todas as demais variáveis. Existem procedimentos para análise multidimensional que permitem ao pesquisador trabalhar com duas ou mais variáveis de cada vez. Este, porém, é apenas um refinamento do procedimento básico de manter todas as demais variáveis constantes, visando a medir o impacto daquela (ou daquelas) sob estudo. A falha em controlar todas as variáveis é um erro dos mais comuns no método científico e responde pela maioria das falsas conclusões. Por exemplo, há alguns anos, a promoção de anti-histamínicos, como cura para resfriados, fundamentou-se em diversos experimentos, nos quais metade dos pacientes que diziam estar com sintomas de resfriado recebia uma pílula anti-histamínica, enquanto a outra metade recebia uma pílula sem medicamento algum. Esta última metade era o “grupo de controle”, usado como base para medir a eficácia da nova pílula no grupo-teste. Os resultados foram encorajadores, com muito mais pessoas do grupo de teste reportando que seus resfriados tinham desapa­ recido. Estas constatações foram relatadas com entu­ siasmo e sem crítica nas revistas populares, e dúzias de laboratórios fabricantes de “cortadores de resfriado” entraram “na onda” compensadora. Estes experimentos foram conduzidos com hones­ tidade, mas a pesquisa ulterior revelou um erro sério no método. Embora as pessoas que se apresentavam para tratamento acreditassem que estavam recebendo

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a mesma pílula, o médico sabia qual a que cada uma tinha recebido. Assim, quando o paciente fazia seus relatos “antes e depois” ao médico, aparentemente o viés inconsciente deste levava-o a encaminhar os relatos na direção que pudesse sustentar as constatações que esperava fazer. Quando foram tomadas providências para um teste nacional da vacina Salk contra a polio­ mielite, usaram-se as salvaguardas-padrão a fim de evitar viés inconsciente por parte das pessoas que faziam o experimento. Usando a técnica do teste “cego duplo”, doses .de vacina e doses inócuas de aparência igual foram numeradas e registradas em um livro-código secreto, de modo que nem os pacientes, nem os médicos que ministravam as injeções e reportavam cada caso, tinham qualquer maneira de saber de que modo deviam colorir seus relatos. Isto significava que podíamos saber que os resultados eram conseqüências da vacina e não de viés inconsciente. A desonestidade deliberada é extremamente rara entre os cientistas sérios, mas o vies inconsciente é um risco constante, exigindo controles de pesquisa que tornem mais difícil sua inter­ ferência. Já que os laboratórios são lugares tão convenientes para controlar as condições da observação, os cientistas os usam sempre que é possível. Porém, grande parte do que é importante nem sempre pode ser levado a um laboratório. Os vulcões e os terremotos não podem ser encenados em um tubo de ensaio, nem tampouco podemos estudar o processo de namoro reunindo alguns casais em um laboratório. Tanto os cientistas físicos como os sociais freqüentemente precisam observar os fenômenos em seus respectivos ambientes. As técnicas podem ir desde a descida de um batiscafo esférico ao fundo do oceano até a entrega de um questionário a ser respondido por um grupo de recrutas do exército. Se nos lembrarmos de que o procedimento científico básico é a realização de observações exatas, enquanto os laboratórios, instrumentos e cartões da IBM são simplesmente instrumentos de observação, esta dife­ rença em técnica não nos confundirá. Quando os fenômenos — arruaças, pânicos, desastres, avistamentos de discos voadores — precisam ser obser­ vados em seu ambiente ‘natural’, onde as condições de observação não estão sob o controle do cientista, este somente pode avaliar a observação à luz das condições e circunstâncias reinantes. O observador foi um espec­ tador interessado ou um participante emocionalmente envolvido? Foi um observador calmo, descontraído e à vontade ou excitado, aterrorizado, exausto, faminto ou de algum outro modo incapaz de observação exata? Quais eram as condições de iluminação e outras circuns­ tâncias visuais? Não é de causar admiração que os mari­ nheiros, tradicionalmente um grupo altamente supersti­ cioso que muitas vezes sofreu isolamento prolongado, perigo, fome, sede e exaustão, tenham olhado através

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dos respingos do mar ou da bruma da noite e visto atraentes sereias e monstros terrificantes que outros observadores têm sido incapazes de verificar. O crítico científico confiará em uma observação relatada, desde que as condições em que foi feita tenham sido controladas. Assim, a ciência é cética quanto às alegações do espiritismo e da leitura da mente. Os espíritas podem realizar sessões bastante convincentes em um ambiente por cujo arranjo são responsáveis, mas detestam realizá-las quando a sala, a mobília e a iluminação são controladas pelo cientista. 0 leitor de mentes profissional é bastante convincente no ambiente de um teatro, mas não se acha disposto a tentar uma leitura sob condições controladas cientifica­ mente. Enquanto os espíritas e os leitores da mente não fizeram demonstrações sob condições que eliminem a possibilidade de embuste, os cientistas os deixarão de lado como artistas da diversão ou embusteiros.

Os espíritas podem realizar sessões bastante convincentes em um ambiente de seu próprio arranjo.

Não é estranho que a maioria dos que elegam prever o futuro se estejam exibindo em espetáculos e nightclubs de baixa categoria, ao invés de estarem juntando milhões na Wall Street? Por que nenhum leitor de mentes jamais ganhou o campeonato mundial de xadrez ou de bridge? Se a telecinese (movimentação de objetos físicos pelo poder mental) é real, por que os psíquicos não estão tirando em segredo maços de notas trancados em caixas fortes, ao invés de estarem fazendo um rebuliço com xícaras e botões de colarinho? Embora haja reportagens ocasionais nos jornais de que algum psíquico “resolveu” um crime, não é significativo que os departamentos de polícia e de informações não empreguem psíquicos? Mas, apesar dos muitos desmascaramentos já publicados, dos truques dos psíquicos, leitores de mente, adivinhos, astrólogos e espíritas [Barber e Meeker, 1974], a popu­ laridade de que desfrutam parece ser maior hoje do que em qualquer outra época na história recente. Sob estes diversos aspectos, portanto, a observação científica é diferente de apenas olhar as coisas. Passamos nossas vidas olhando coisas e esta atividade nos traz muita informação, muitas impressões e numerosas conclusões. Mas estas conclusões são nubladas por

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acidentes de coincidência, por memória seletiva e por viés pessoal. Assim, antes de aceitar qualquer genera­ lização como verdadeira, o observador crítico quer saber em que ela se fundamenta. Será que esta conclusão se baseia na coleta de evidência científica ou é uma reação impulsiva a uma observação casual?

O método científico de investigação O método científico (há quem prefira dizer métodos científicos) inclui muita coisa. O cientista precisa acumular considerável informação relativa ao problema. Depois, formula uma hipótese. Esta consiste em uma declaração teórica cuidadosamente sopesada, que busca relacionar entre si todos os fatos conhecidos, de maneira lógica. A seguir, a hipótese é testada por pesquisa cientí­ fica. Por exemplo, a hipótese de que o câncer é uma moléstia virótica se baseia em boa dose de observação; a hipótese relaciona os fatos conhecidos de um modo lógico; e atualmente está sendo testada por muitos projetos de pesquisa. Por fim, uma hipótese é confir­ mada, rejeitada ou revisada e, desta maneira, uma ciência se desenvolve. Existem diversos estágios na pesquisa científica. Fáceis de arrolar, nem sempre fáceis de seguir. 1. Formular o problema, isto é, encontrar um problema de alguma importância científica aparente e defini-lo para que possa ser estudado cientifica­ mente. Suponhamos que se pergunte se a afiliação a fraternidades estudantis é ou não embaraço ao êxito acadêmico. Nossa hipótese poderia ser: “Os membros de uma fraternidade estudantil recebem notas mais baixas que os não-afiliados.” 2. Planejar-o esquema da pesquisa, esboçar exata­ mente o que deve ser estudado, que dados serão procurados e onde e como serão coletados, proces­ sados e analisados. No exemplo acima, é necessário decidir como selecionar e igualar as amostras dos membros e não-membros da fraternidade, onde obter os dados sobre as notas e que procedimentos mecânicos e estatísticos usar na análise dos dados para chegar a conclusões. 3. Coligir os dados consoante o esquema da pes­ quisa. Amiúde será necessário modificar o esquema para atender a alguma dificuldade imprevista. 4. Analisar os dados. Classificar, tabular e com­ parar os dados, fazendo todos os testes e cálculos necessários para encontrar resultados. 5. Tirar conclusões. A hipótese original foi confir­ mada ou rejeitada? Ou os resultados foram incon­ clusivos? O que foi que esta pesquisa acrescentou a nosso conhecimento? Que implicações tem para

a teoria sociológica? Que novas perguntas e sugestões para pesquisa ulterior surgiram desta investigação?

Métodos normativos de investigação O termo normativo significa “tomar conforme a/ou apoiar alguma norma ou padrão”. O método científico de investigação consiste em enunciar uma questão, coletar evidência e daí tirar conclusões, por mais sur­ preendentes e indesejáveis que possam ser. Em contraste, o método normativo enuncia a questão de tal modo que a conclusão é implicada e, a seguir, procura evi­ dência que apóie tal conclusão. Este é o método de “investigação” que a maioria das pessoas usa a maior parte do tempo e no qual até mesmo os cientistas às vezes caem. Por exemplo, a pergunta: “De que modo a família tradicional impede o crescimento emocional?” (ou, inversamente: “De que modo a família tradicional promove o crescimento emocional?”), na verdade enuncia uma conclusão e pede provas para apoiá-la. A maior parte do pensamento popular e uma boa parte de pesquisas científicas são do tipo normativo, porque há uma busca de evidência para apoiar uma conclusão a que já se chegou de antemão. A maior parte do conhe­ cimento marxista é normativo, porque começa com a conclusão de que a opressão de classe é a causa da maioria dos males sociais. Muita pesquisa com viés conservador é igualmente normativa, porque começa com a conclusão de que a maioria dos males sociais tem origem nos defeitos e falhas pessoais dos indivíduos envolvidos, enquanto a “pesquisa” consiste no esforço para identificar estas falhas. Os resultados da pesquisa normativa não são necessariamente “errados”, mas são sempre incompletos, porque o pesquisador busca apenas as espécies de provas que apóiem a conclusão preconcebida.

Sociologia como ciência Pode-se definir ciência pelo menos de duas maneiras: (1) uma ciência é uma massa de conhecimento organi­ zado, verificado, obtida através de investigação cientí­ fica; (2) uma ciência é um método de estudo por cujo intermédio é descoberta uma massa de conhecimento organizado e verificado. Naturalmente, estas são duas maneiras de dizer a mesma coisa. Se for aceita a primeira definição, a Sociologia é uma ciência na medida em que desenvolva uma massa de conhecimento organizado e verificado que se funda­ mente em investigação científica. Na medida em que a Sociologia abandone o mito, o folclore e o pensa­ mento tendencioso, baseando suas conclusões em

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evidência empírica, é uma ciência. Se se definir ciência como um método de estudo, então a Sociologia é uma ciência na medida em que use métodos científicos de estudo. Todos ús fenômenos naturais podem ser estudados cientificamente, desde que a pessoa se disponha a empregar métodos científicos. Qualquer espécie de comportamento — de átomos, animais ou adolescentes — é um campo apropriado para estudo científico. No curso da História humana, poucas de nossas ações se basearam em conhecimento verificado, porque através das eras os povos têm sido guiados principal­ mente por folclore, hábitos e conjeturas. Há alguns séculos, muito poucas pessoas aceitavam a idéia de que deveríamos descobrir o mundo natural por uma observação sistemática do próprio mundo natural, e não por consulta a oráculos, ancestrais ou intuição. Esta nova idéia criou o mundo moderno. Há poucas décadas começamos a agir sob a suposição de que esta mesma abordagem também poderia proporcionar conhecimento útil a respeito da vida social humana. Até que ponto substituímos o folclore por conheci­ mento nesta área, será o assunto que iremos explorar nos capítulos que se seguem.

O desenvolvimento da Sociologia A Sociologia é a mais jovem das Ciências Sociais. Auguste Comte, na França, cunhou a palavra “Socio­ logia” em sua Filosofia positiva publicada em 1838. Acreditava que a ciência Sociologia devia basear-se em observação e classificação sistemáticas, não em auto­ ridades e especulação. Na época, esta era uma idéia relativamente nova. Na Inglaterra, Herbert Spencer publicou em 1876 Princípios de Sociologia. Aplicou a teoria da evolução orgânica à sociedade humana e desenvolveu uma grande teoria da “evolução social”, que foi amplamente aceita durante várias décadas; descartada, depois, durante dezenas de anos, atualmente volta a ganhar aceitação parcial sob forma modificada. Lester F. Ward, norte-americano, publicou sua Socio­ logia dinâmica em 1883, que pregava progresso social por intermédio de ação social inteligente, cuja orien­ tação ficaria a cargo dos sociólogos. Todos estes fundadores da Sociologia eram basicamente filósofos sociais. Proclamavam que os sociólogos deviam coletar, organizar e classificar dados fatuais e derivar sólidas teorias sociais de tais fetos; mas com grande freqüência seu próprio método era formular um grande sistema teórico e depois procurar fatos que pudessem compro­ vá-lo. Assim, embora pregassem investigação científica, eles próprios pouco faziam nesse sentido. Mas, mesmo assim, deram os primeiros passos, porque a idéia de

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uma ciência da Sociologia tinha de preceder sua for­ mação. Um francês, Emile Durkheim, deu a mais notável demonstração pregressa de metodologia científica em Sociologia. Em seu livro Regras do método sociológico, publicado em 1895, esboçou a metodologia que seguiu em seu estudo O Suicídio, publicado em 1897. Em lugar de especular sobre as causas do suicídio, primeira­ mente planejou o esquema de pesquisa, depois coletou grande massa de dados sobre as características das pessoas que se suicidaram, e destes dados derivou uma teoria do suicídio. Na década de 1890 apareceram cursos de Sociologia em muitas universidades. O American Journal o f Socio­ logy começou a ser publicado em 1895, e a American Sociological Society (atualmente American Sociological Association) foi organizada em 1905. Enquanto a maioria dos primeiros sociólogos europeus provinha dos campos da História, Economia Política ou Filosofia, muitos dos sociólogos americanos pioneiros tinham sido assistentes sociais, ministros religiosos ou filhos destes; e quase todos tinham antecedentes rurais. A urbanização e a industrialização estavam criando graves problemas sociais e estes sociólogos pioneiros estavam tateando por soluções “científicas”. Viam a Sociologia como um guia para o progresso social. Os primeiros volumes do American Journal o f Sociology continham relativamente poucos artigos dedicados à descrição ou à pesquisa científica, mas estampavam muitos sermões cheios de exortação e conselhos. Por exemplo, um artigo bastante típico em 1903, “Os Efeitos sociais do dia de oito horas”, não contém dados fatuais ou experimentais, mas é inteiramente dedicado a um enunciado de todos os benefícios sociais que, garantenos o autor, advirão de um dia mais curto de trabalho [McVay, 1903], Já na década de 1930, as diversas revis­ tas sociológicas passaram a publicar inúmeros artigos de pesquisa e descrições científicas. A Sociologia estava tomando-se um corpo de conhecimento científico, com suas teorias fundamentadas em observação científica e não em especulação fútil ou observações impressionistas.

Sumário Em nossa busca da verdade temos confiado em (1) intuição, desde a imaginação brilhante até a conjetura ingênua; (2) autoridade, que nos diz o que é ver­ dade; (3) tradição, que encontra a verdade em qualquer asserção que há longo tempo tenha sido aceita como verdadeira; (4) bom senso, um conveniente “vale-tudo” que inclui observação casual mais qualquer ou todas as fontes acima citadas e (5) ciência, o mais novo método de procurar a verdade. A ciência difere das

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demais fontes de verdade porque (1) já que a verdade científica se baseia em evidência verificável, ela estuda somente as questões para as quais pode ser obtida evidência verificável, não fazendo qualquer tentativa para responder a muitas perguntas importantes de valor, propósito ou significação última; além disso, a ciência compreende que toda verdade científica é provisória, sujeita a revisão à luz de nova evidência e (2) eticamente a ciência é neutra, buscando descobrir conhecimento, não importando que valores ou insti­ tuições possa minar ou reforçar. A técnica básica da investigação científica é a obser­ vação. A observação científica difere de simplesmente olhar as coisas, porque é: (1) exata, procurando descrever o que realmente existe; (2) tS&precisa e exata quanto necessário; (3) sistemática, no esforço de encontrar todos os dados relevantes; (4) documentada com detalhes completos, tão rapidamente quanto possível; (5) objetiva, por ser tão livre de distorção por direitos que se julgam adquiridos, viés ou pensa-

mento tendencioso quanto é humanamente possível; (6) efetuada por observadores treinados, que sabem o que procurar e como reconhecer o que desejam; (7) realizada sob condições controladas, que reduzem o perigo de fraude, auto-engano ou interpretação errônea. Os diversos estágios em um projeto de pesquisa científica são: (1) formular o problema; (2) planejar o esquema de pesquisa; (3) coletar dados; (4) analisar os dados e (5) tirar conclusões. Enquanto o método científico parte da evidência para a conclusão, o método normativo, popularmente usado, começa com uma conclusão e busca evidência para apoiá-la. Se o estudo de nossos relacionamentos sociais é ou não uma ciência, é tema freqüentemente debatido. A Sociologia é uma disciplina muito nova, que surgiu recentemente de especulações dos filósofos e refor­ madores sociais do século XIX. Na medida em que a vida social humana seja estudada por métodos cientí­ ficos com vistas a construir um acervo de conhecimento verificado, estes estudos se tomam Ciências Sociais.

Perguntas e trabalhos 1.

O cientista rigorosamente treinado usa outras fontes de verdade que não a observação científica da vida cotidiana? Quais? Com que freqüência?

2.

Distinga entre os usos crítico e não-crítico da autoridade.

3.

Um cientista alguma vez fará uso da autoridade sagrada?

4.

Discuta a proposição: “Devemos descartar-nos de todas as idéias que não são cientificamente verificadas” . Devemos? Podemos?

5.

“inclinação” , usando linguagem polêmica e omitindo certos fatos, enquanto realça outros, a fim de dar apoio ao lado que você julga estar moralmente certo? 8.

Suponhamos que você deseje obter uma descrição exata de uma arruaça que ocorreu há cinco anos em uma cidade de 100 000 habitantes. Faça um esboço mostrando onde deve procurar os dados e sugira as limitações e inadequações de cada tipo ou fonte de dados.

Podem os cientistas provar que os fantasmas e espúitos não existem, e que a predição da sorte e a leitura da mente não funcionam? Por que os cientistas são tão céticos?

9.

Leia a novela Arrowsmith, de Sinclair Lewis. Quais foram algumas das dificuldades que Martin teve de vencer para tornar-se rigorosamente científico?

6.

Suponhamos que um contramestre diga: “Tenho supervi­ sionado todas as espécies de trabalhadores, mas os pretos simplesmente não atingem o padrão” . O que seria neces­ sário para que esta assertiva fosse uma conclusão cienti­ ficamente justificada?

7.

Suponhamos que você é repórter do jornal da universidade e está escrevendo a notícia de um confronto violento entre os estudantes e a polícia. Você deve procurar redi­ gi-la com objetividade estrita, ou deve dar-lhe uma certa

10. Suponhamos que você, estudante de curso superior, tivesse de aceitar um emprego durante as férias, como traba­ lhador em uma fábrica. Faça uma lista dos vieses que poderiam distorcer suas impressões dos operários, à medida que você os aquilata. Submeta esta lista à comparação e à crítica da classe. 11. Redija três declarações de alguma questão ou evento, uma escrita como cientista neutro, a segunda como defensor e a terceira como oponente.

Leitura sugerida Blume, Stuart S. Toward a Political Sociology o f Science. Nova York, The Free Press, 1974. Uma discussão de como a ciência é influenciada pela política e como pode ser usada para a tomada de decisões políticas. ♦Chase, Stuart, e Edmund de S. Brunner. The Proper Study o f Mankind: A n Inquiry In to the Science ofH um an Relations.

2? ed., Nova York, Harper & Row, 1962. Um pequeno livro que constitui excelente leitura sobre a contribuição da Ciência Social para a solução de problemas humanos. ♦Dunham, Barrows. Man Against M yth. Nova York, Hill and Wang, 1962. Exame crítico de alguns dos maiores mitos do mundo ocidental.

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*Evans, Bergen. The Natural History o f Nonsense. Nova York, Alfred A. Knopf, 1946. Exame interessante de muitos mitos e superstições populares, que são demolidos com imaginação e erudição.

♦Inkeles, Alex. What is Sociology: A n Introduction to the Discipline and the Profession. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1964. Breve descrição sobre o que é a Sociologia e o que os sociólogos fazem.

*Gardner, Martin. Fads and Fallacies in the Name o f Science. Nova York, Dover Publications, 1957. Relato interessante de muitas teorias não-científicas e pseudocientíficas e os cultos que as promovem.

•Kuhn, Thomas S. The Structure o f Scientific Revolutions. Chicago, University of Chicago Press, 1970. Discussão sofisticada de como se desenvolvem as principais variações em abordagem e método científico.

Homans, George E. The Nature o f Social Science. Nova York, Harcourt, Brace and World, 1967. Breve discussão filosó­ fica a respeito do que trata a Ciência Social.

•MacDougall, Curtis D. Hoaxes. Nova York, Dover Publications, 1958. Divertido levantamento de fraudes em Artes, His­ tória, Ciência, Literatura, Política e Jornalismo.

Hutecheon, Par Duffy. “ Sociology and the Objectivity Problem.” Sociology and Social Research, 54:153-171, jan. 1970. Sustenta o argumento de que a objetividade impar­ cial é obsoleta.

em brochura.

O asterisco indica que o livro tam bém se encontra disponível

2. C am pos e m éto d o s da Sociologia Este estudo representa um teste experimental de hipóteses de intimidação. Foram avaliados os efeitos relativos do apelo moral e da ameaça de sanção à "c o la " na sala de aula de uma faculdade. Constatou-se que o apelo não produziu efeito, mas observou-se um im­ pacto claro e substancial ocasionado pela ameaça de sanção. Constatou-se que a ameaça de sanção teve grande resultado em impedir a "c o la " entre as moças e que foi de menor eficácia para as que tinham o maior

incentivo para "colar". É discutida a aplicabilidade da teoria da intimidação. (Charles R. Tittle e Alan R.

Rowe. "Moral Appeal, Sanction Threat, and Deviance: An Experimental Text." Social Problems, 20:488, primavera 1973.) O parágrafo acima exemplifica o perfil de uma pesquisa, um sumário bastante condensado de uma investigação. Este capítulo trata justamente da Socio­ logia e da pesquisa sociológica.

uando você for para casa no próximo fim de parte do que dizem nesse sentido é absurdo. Um semana, o que vai responder quando sua irmã escritor de revista que deseje fazer alguma conjetura caçula perguntar: “Sociologia? 0 que é isso?” improvisada soar como chamariz, pode prefaciá-la com Se você responder: “Sociologia é o estudo a frase: “Os sociólogos temem q u e .. . ” , “Os sociólogos científico da sociedade humana, com ênfase especial estão alarmados co m .. . ” ou “Os sociólogos estão em grupos e instituições”, ela pode dizer: “A harrancando .. . ” , os cabelos a respeito d e .. . ” Este artifício e você perceberá que ela está tão confusa quanto você. jornalístico ajuda um escritor a falar de maneira autori­ Se você lhe disser: “Sociologia é o estudo científico zada sem conhecer muito a respeito do assunto. Muitas de problemas sociais, como os conflitos raciais, crime, vezes ele constrói um “biombo” ou um escudo, atri­ divórcio etc.” , sua definição dará a ela uma certa idéia buindo aos sociólogos os pontos de vista que pretende daquilo que a Sociologia se refere, e talvez seja uma demolir. Por exemplo, um resenhista do suplemento descrição razoável para alguém que possa assustar-se literário do New York Times (20 out. 1974, p. 34) com uma definição mais técnica. Porém, sua resposta escreve sobre “. . . o mito — ciosamente guardado pelos não será inteiramente correta, porque a Sociologia é professores de Sociologia em todos os lugares — de muito mais do que o estudo de problemas sociais. Como que somos uma sociedade de classe média”. Seria difícil estudante de Sociologia você precisa de uma definição encontrar até mesmo um único sociólogo de reputação que ensinasse uma coisa dessas. Uma semana mais melhor. tarde (27 out. 1974, p. 34), o resenhista do Times refere-se à revolucionária negra Angela Davis como “uma boa socióloga”. A pessoa em questão é sobretudo uma filósofa e uma crítica social, não uma socióloga. O campo da Sociologia Se o olímpico New York Times não sabe o que é ou Antes de mais nada, esqueça o que você leu a respeito o que faz um sociólogo, não é de admirar que outras de Sociologia em revistas e jornais populares. A maior pessoas estejam confusas.

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É muito comum o uso descuidado do termo “soció­ logo”. Os redatores de revistas e jornais, os assistentes sociais, líderes sindicais e próceres do governo ou qualquer pessoa que esteja interessada em relações sociais podem ser descritos como sociólogos. Isto é incorreto. Sociólogo é o indivíduo que obteve formação universitária ou realizou outros estudos avançados em Sociologia (não em Psicologia, Teologia, Assistência Social ou qualquer outro campo) e está empenhado em ensino, pesquisa ou outro trabalho profissional no campo da Sociologia.

A Sociologia interessa-se pela maneira em que os grupos intera­ gem.

Nenhuma definição formal de Sociologia é muito satisfatória. Definições curtas na realidade não definem, ao passo que definições longas e explícitas são quase sempre empoladas. Mesmo assim há necessidade de alguma espécie de definição e, por isso, muitas vezes a Sociologia é definida como o estudo cientifico da vida social humana. Os seres humanos comportam-se de modo diferente dos outros animais. Têm formas únicas de vida grupai, seguem costumes, criam insti­ tuições e valores. A Sociologia aplica métodos cientí­ ficos ao estudo destes fenômenos em busca de conhe­ cimento científico. A esta altura, talvez seja útil dis­ correr sobre as definições às avessas, ou seja, dizer por meio de comparação o que a Sociologia não é. Sociologia é ciência, não Filosofia Social. Uma ciência é um corpo de conhecimentos, uma fdosofia é um sistema de idéias e valores. Filosofia Social é um conjunto de idéias sobre como as pessoas deveriam comportar-se e tratar-se mutuamente; uma ciência social estuda como elas realmente se comportam e quais são as conseqüências desse comportamento. Sociologia é ciência social, não socialismo. Socia­ lismo é uma Filosofia Social que dispõe de um corpo de conhecimentos científicos. Algumas vezes os socia­ listas encontram na pesquisa sociológica algum material que podem usar em sua propaganda; o mesmo fazem

os republicanos e os democratas. Alguns sociólogos são socialistas; outros tantos, em número ainda maior, são republicanos ou democratas. A Sociologia concentra-se no estudo da vida grupai dos seres humanos e no produto do seu viver em con­ junto. O sociólogo está especialmente interessado em costumes, tradições e valores que emergem do viver em grupo e, por sua vez, a maneira em que a vida grupai afeta estes costumes, tradições e valores. A Sociologia interessa-se pela maneira em que os grupos interagem e pelos processos e instituições que desen­ volvem. Subdivide-se em muitos campos especializados, alguns dos quais se incluem na lista abaixo:

Sociologia Aplicada Comportamento Coletivo e Comunicação de Massa Comunidade Sociologia Comparada Crime e Delinqüência Sociologia Cultural Demografia Comportamento Desviante Organizações Formais e Complexas Ecologia Humana Sociologia Industrial Direito e Sociedade Lazer, Esportes, Recreação e Artes Casamento e Família Sociologia Matemática Sociologia Médica Metodologia e Estatística Sociologia Militar Sociologia Política Raça e Relações Étnicas Sociologia Rural Mudança Social Controle Social Organização Social Psicologia Social Teoria Sociológica Sociologia da Educação Sociologia das Ocupações e Profissões Sociologia da Religião Sociologia dos Pequenos Grupos Sociologia do Conhecimento e Ciência Estratificação e Mobilidade Sociologia Urbana

Estes tópicos nío são propriedade exclusiva da Sociologia, porque outros campos partilham de nosso interesse por eles. Por exemplo, nosso interesse em comunicação e opinião pública é partilhado pela Psico­ logia e pela Ciência Política; a Criminologia também

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é tratada pela Psicologia, Ciência Política, Direito e Ciência Policial, e assim por diante. Nenhuma ciência pode estabelecer uma linha divisória e separar-se das demais ciências e menos ainda a Sociologia. Nosso campo se aproxima especialmente dos campos da Psicologia e da Antropologia, superpondo-se a estes tão constantemente que quaisquer fronteiras firmes seriam arbitrárias e irrealísticas. Quanto mais apren­ demos sobre o comportamento humano, tanto mais compreendemos que nenhum campo único de conheci­ mento pode explicá-lo totalmente.

Os métodos da pésquisa sociológica Os métodos da pesquisa sociológica são basicamente os esboçados no capítulo precedente e usados por todos os cientistas. Conforme observou Karl Pearson, “A unidade de toda ciência consiste só em seu método, não em seu material. O homem que classifica fatos de qualquer espécie que sejam, que enxerga suas relações mútuas e que descreve suas conseqüências, está de fato aplicando o método científico, é um homem de ciência” [1900, p. 12]. Conquanto os métodos científicos sejam basica­ mente semelhantes em todas as ciências, as técnicas científicas são diferentes, por serem maneiras parti­ culares por cujo intermédio se aplicam métodos científicos a um problema particular. Portanto, cada ciência tem de desenvolver uma série de técnicas que se ajustem à massa de material que estuda. Quais são algumas das técnicas da pesquisa sociológica?

Estudos de corte transversal e longitudinal

Cada estudo estabelece alguma espécie de demar­ cação temporal. Um estudo que limite suas observações a um único ponto no tempo é chamado de estudo de corte transversal. Por exemplo, Freedman, Whelpton e Campbell [1959] entrevistaram as integrantes de uma amostra nacional de 2 713 jovens casadas para descobrir sua freqüência de gravidez e expectativas. Se o estudo se estende através do tempo, descrevendo uma tendência ou fazendo uma série de observações “antes e depois”, é chamado estudo longitudinal. As sondagens de opinião pública nacional (Gallup, Harris e outras) são estudos de corte transversal, mas se o mesmo conjunto de perguntas é repetido a intervalos durante um período de anos, podem ser traçadas compa­ rações longitudinais. Os estudos longitudinais podem ser prospectivos ou retrospectivos. Um estudo retrospectivo (muitas vezes chamado de estudo ex post factó) lida com uma

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conjuntura temporal pregressa, usando os dados que estão documentados em algum lugar. Por exemplo, Wynder e Graham [1950] utilizaram os registros hospi­ talares de 605 vítimas de câncer do pulmão e verificaram que todas, exceto oito, fumavam cigarros. Quando um estudo retrospectivo mostra forte evidência de relacionamento, o passo seguinte consiste amiúde em ver se um estudo prospectivo o confirmará. Um estudo prospectivo começa com o presente e desen­ volve as observações ao longo de certo período. Assim, Dom [1959] e Kahn [1966] seguiram o histórico de saúde de 200 000 veteranos durante onze anos, consta­ tando que os fumantes de um maço ou mais de cigarros por dia tinham dezesseis vezes mais probabilidade de morrer de câncer pulmonar do que os não-fumantes. Os estudos prospectivos levam grande tempo para serem completados e quase sempre são muito dispen­ diosos, o que faz com que sejam os tipos menos comuns de pesquisa. Todas as ciências usam experimentos. Estes podem ser de laboratório ou de campo. No experimento de laboratório os materiais ou pessoas são levados ao labo­ ratório para estudo. Quando se trata de pessoas, são recrutadas, reunidas e talvez pagas para se submeterem ao experimento. Os famosos estudos de Dollard [1939] sobre frustração e agressão foram feitos a partir de um grupo de estudantes que se submeteram aos testes experimentais, na crença de que estavam colaborando para um estudo a respeito dos efeitos provocados pela fadiga em relação ao desempenho de tarefas; depois, foram submetidos à intensa frustração por intermédio de tédio prolongado, falha na entrega de alimentos e na realização de jogos prometidos e outros aborreci­ mentos intencionais, enquanto suas respostas agressivas eram catalogadas. O experimento de campo leva a pesquisa às pessoas que estão fora, em lugar de reuni-las no laboratório. Um experimento maciço de campo envolvendo a vacinação de vários milhões de crianças estabeleceu o valor da vacina Salk contra a poliomielite. Uma série continuada de experimentos de campo está procurando encontrar maneiras eficazes de promover a prática de controle da natalidade em países subdesenvolvidos e entre os grupos menos privilegiados nos EUA [Berelson, 1966]. O conceito de qualquer experimento é bastante simples: manter constantes todas as variáveis, exceto uma; fazer com que esta varie, e ver o que acontece. Uma variável é qualquer coisa que seja diferente de pessoa para pessoa, grupo para grupo, tempo para tempo ou lugar para lugar — idade, instrução, renda e muitas outras coisas. Como exemplo, suponha-se que desejamos saber se a abolição de notas nas escolas aumentaria a aprendizagem ou a vadiagem. Para fazer o teste através de um experimento, necessitaríamos

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de um grupo de controle, cujos integrantes seriam recrutados nas classes que seguem os procedimentos usuais de ensino e atribuição de notas, e um grupo experimental, recrutado nas classes que usem o proce­ dimento experimental que está sendo testado. Para “manter todas as demais variáveis constantes”, os grupos de controle e experimental precisam ser iguais em termos do tipo de estudante, assunto estudado, qualidade do ensino, carga de trabalho dos estudantes, disponibilidade financeira e qualquer outra coisa que tenha a probabilidade de afetar seu desempenho. Também precisaríamos de um instrumento confiável para medir as conseqüências da aprendizagem (após termos chegado a um consenso sobre quais as conse­ qüências da aprendizagem que são importantes). Depois, devem ser objetivamente determinados. Se o grupo experimental mostrar maiores ou menores ganhos em aprendizagem do que o grupo de controle, e esta diferença for confirmada por repetições do experimento conduzido por outros pesquisadores, então podem ser tiradas conclusões significantes. Existem duas maneiras comuns de estabelecer grupos experimentais e de controle. Uma é a técnica do par igualado. Para cada pessoa no grupo experimental, é encontrada uma outra como ele ou ela em todas as variáveis importantes (como idade, religião, educação, ocupação ou qualquer coisa relevante para uma dada pesquisa) e colocada no grupo de controle. Uma outra técnica é a da designação aleatória, na qual são feitas designações estatisticamente aleatórias de pessoas para grupos experimentais e de controle — tais como designar a primeira para o grupo experimental, a seguinte para o de controle, e assim por diante. Supo­ nhamos que desejamos medir os resultados de um programa de tratamento experimental para delinqüentes em um reformatório. Usando a primeira técnica, devemos igualar cada delinqüente que recebeu o trata­ mento experimental (grupo experimental) com outro delinqüente, igualado, em , outras .variáveis julgadas importantes, que recebeu apenas o tratamento usual (grupo de controle). Usando a técnica de designação aleatória, cada segundo (ou terceiro ou décimo) delinqüenfe deve ser designado para o grupo experimental ao chegar ao reformatório, ficando os demais no grupo de controle. Sempre que o pesquisador puder fazer designações desta maneria, a técnica da designação aleatória é a mais fácil de todas e pelo menos tão exata como outras; por vezes, quando a situação de pesquisa impede esta técnica, a da igualação de pares pode ser usada. Os experimentos em Sociologia encontram certas dificuldades. Um que envolva milhares de pessoas pode ser proibitivamente caro. Pode levar anos para ser completado um estudo prospectivo. Nossos valores nos proíbem usar pessoas em quaisquer experimentos que

possam prejudicá-las. O mundo científico reage forte­ mente aos poucos casos em que sujeitos humanos têm sido usados de maneira arriscada ou nociva [Katz, 1972]. Quando as pessoas não se sentem dispostas a cooperar em um experimento, não podemos forçá-las (embora às vezes possamos atraí-las de maneira astu­ ciosa para cooperação inconsciente). Ademais, quando as pessoas se dão conta de que são objetos experi­ mentais, começam a agir de modo diferente e o expe­ rimento pode falhar. Quase toda espécie de estudo experimental ou de observação envolvendo pessoas que sabem que estão sendo estudadas dará alguns resul­ tados interessantes, que desaparecerão tão logo o estudo esteja terminado. Isto é conhecido como Efeito Hawthorne, assim chamado depois de alguns experi­ mentos com temperatura, umidade, períodos de des­ canso e outras condições de trabalho na fábrica da Western Electric Company, em Hawthorne [Roethlisberg, 1949], Verificou-se que qualquer mudança nas condições de trabalho — mais ou menos umidade, períodos de descanso mais longos ou mais curtos — era seguida de um ganho temporário em termos de produção. Em Medicina isto se chama “efeito placebo” . Em pesquisa médica, muitos membros do grupo de controle que recebem placebos (pílulas que não contêm medicamentos de qualquer espécie) declaram que se sentem muito melhor [Evans, 1974], Estas constatações mostram até que ponto os resultados de muitos expe­ rimentos podem decorrer dos cuidados dispensados aos participantes dos testes e não do fator que está sendo testado. Os experimentos planejados envolvendo sujeitos humanos são mais confiáveis quando as pessoas recru­ tadas não sabem qual o verdadeiro objeto do experi­ mento. Elas podem ter uma explicação lógica razoável sobre o que ,o experimentador está fazendo, mas tal arrazoado pode ser um embuste necessário e inofensivo que esconde o verdadeiro propósito do experimento. Por exemplo, McClelland [1971] desejou estudar os efeitos do álcool em pessoas normais em um ambiente de festa, mas disse às pessoas que estava estudando os efeitos de uma atmosfera de festa sobre a imaginação e depois lhes solicitou que escrevessem estórias imagi­ nativas sobre os quadros que lhes mostrava a certos intervalos. Mas, conforme diz Kelman [1966], o emprego do embuste em pesquisa social dá origem à questão ética de distinguir entre enganar inofensivamente e desonestidade intelectual, e pode até produzir erros nas conseqüências (as pessoas podem detectar o embuste e começar a criticar ou aconselhar o pesquisador!). Em decorrência de todas estas limitações, as Ciências Sociais (excetuando-se a Psicologia) fazem uso limitado de experimentos planejados. Usamo-los todas as vezes em que isso seja prático, mas confiamos muito mais em outras técnicas.

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Estudos por observação

Os estudos por observação são como experimentos sob todos os aspectos, exceto um: nos experimentos o cientista toma providências para que ocorra alguma coisa a fim de observar o que se segue, ao passo que no estudo pot observação observa algo que acontece ou já aconteceu, por si só. Os dois tipos de estudos confiam sistematicamente na observação sob condições controladas, em busca de seqüências e relacionamentos verificáveis. Ambos são usados em todas as ciências, mas ós procedimentos para usá-los variam de acordo com o ijiaterial em estudo. Os tipos de estudos que se seguem não se excluem mutuamente, porque um estudo pode enquadrar-se em mais de uma destas diversas categorias. Estudos impressionistas. São relatos descritivos informais e analíticos, fundamentados em observações menos plenamente controladas do que nos estudos mais formais. Não são de modo algum uma narrativa incoerente de quaisquer eventos que o observador se lembre de ter presenciado; consistem sobretudo na apresentação organizada de observações deliberadas e ponderadas. Suponhamos que um sociólogo com interesse especial pela família faça uma excursão pela Rússia. Ele está atento para coligjr informação sobre a família russa, e assim faz perguntas a respeito da vida familiar da maioria das pessoas que encontra, consulta trabalhos e revistas em busca de retratos da vida em família. Depois, volta para casa com certas impressões muito definidas da vida familiar russa, mas elas não se baseiam em uma investigação sistemática cientifica­ mente controlada — em uma busca ordenada da biblior grafia disponível sobre o assunto, em uma amostra de informantes montada cientificamente, e assim por diante. Se o sociólogo em apreço for um estudioso responsável, chamará seus julgamentos de impressões, e não os estabelecerá como conclusões cientificamente fundamentadas. Por mais elaborado, cuidadosamente planejado e sistematicamente realizado que um estudo seja, se os dados registrados consistirem em impressões do observador, ele é classificado como um estudo impres­ sionista. Assim, os Lynds ficaram [1929, 1937] muitos meses numa “cidade média” (Muncie, Indiana); vascu­ lharam sistematicamente os arquivos de jornais, entre­ vistaram virtualmente todas as pessoas que detinham posições de autoridade ou eram localmente consideradas importantes, e participaram da vida na comunidade. Terminaram com uma grande quantidade de impressões altamente perceptivas e provavelmente exatas, mas grandemente inverificáveis, exceto através de longa e cara pesquisa. Os estudos impressionistas são muito úteis em Ciência

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Social. Proporcionam muitas hipóteses e encaminha­ mentos para pesquisa, sugerindo muitas introvisões que poderiam ser omitidas por outros métodos. O melhor dos estudos impressionistas detém um lugar de honra na literatura sociológica. Estudos estatísticos comparativos. Se a informação obtida mediante um experimento já foi registrada em algum lugar, é sensato procurar ver os registros. Grande parte da pesquisa sociológica consiste em examinar fatos estatísticos documentados, compará-los e interpretá-los. Para um exemplo simples, conside­ remos a pergunta: “Agora que as mulheres têm maior liberdade para uma vida interessante e independente sem casamento, há mais mulheres que permanecem solteiras?” A resposta é facilmente derivada dos dados do censo, que mostram a proporção de mulheres solteiras baixando de 24,3% em 1890 para 12,3% em 1971. (Estes dados dão a percentagem de todas as mulheres norte-americanas de 14 anos ou mais que nunca foram casadas, com correções para mudanças na distribuição etária da população.) Muitas dessas perguntas podem ser respondidas rapidamente por consulta aos dados do anuário Statistical Abstract o f the United States, que resume os dados estatísticos coletados por muitos governos e outras agências, e deve ser encontrado em qualquer biblioteca. Outras perguntas podem exigir estudo de fontes estatísticas mais espe­ cializadas. Muitas perguntas de pesquisa envolvem uma compa­ ração das diversas espécies de dados estatísticos de várias fontes. Por exemplo, Lander [1954] ponderou sobre a relação entre delinqüência juvenil e a habitação popular superlotada. Dos registros dos tribunais com­ pilou índices de delinqüência para 155 distritos do censo em Baltimore; dos dados censitários descobriu o número médio de pessoas' por quarto e a percentagem de unidades habitacionais definidas oficialmente como populares para cada distrito do censo. Constatou que os índices de delinqüência seguiam de perto os de habitações populares e com excesso de moradores, mas que esta associação desaparecia quando ele contro­ lava outras variáveis, como raça, renda, instrução e ocupação. Todavia, entrou uma variável —casa própria — que permaneceu altamente associada, mesmo quando todas as demais eram controladas. Concluiu que a casa própria era um índice de estabilidade da família e que esta conexão ajudava a explicar as baixas taxas de delinqüência nas áreas em que prevaleciam as casas próprias. Algumas vezes o pesquisador precisa sair e coligjr dados estatísticos não-processados. Por exemplo, que fatores produziram a camada bastante grande de nãoestudantes que circula na periferia das principais univer­ sidades? Buscando uma resposta, Whittaker e Watts

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[1969] ministraram um teste psicológico-padrão a uma amostra de não-estudantes e a uma amostra de estu­ dantes em Berkeley. Constataram que os estudantes e os não-estudantes tinham antecedentes semelhantes, mas verificaram que os não-estudantes estavam muito mais interessados pelas artes do que pelas coisas práticas, eram mais impulsivos, menos disciplinados, menos integrados em termos de personalidade, menos caracterizadamente masculinos ou femininos (mais “unissex”) em termos de personalidade, e mais desajus­ tados em termos sociais e emocionais. Muitas pessoas “não sabem o que fazer com esta­ tísticas”. Freqüentemente não gostam de estatísticas porque não as entendem. As estatísticas, assim como as espingardas, são perigosas quando manejadas por ignorantes, conforme é demonstrado no divertido livro de Huff, How to Lie with Statistics [1954]. Os que conhecem os usos e abusos da Estatística com­ preendem que os dados estatísticos são apenas fatos organizados, medidos. São dignos de confiança ou não, do mesmo modo que o método científico da pessoa que os compilou. Rejeitar as estatísticas não é senão um modo de rejeitar fatos. Os sociólogos fazem grande quantidade de estudos estatísticos comparativos. E é provável que quase toda espécie de pesquisa envolva organização estatística e comparação de fatos em um ponto ou outro, o que faz com que o sociólogo seja um pouco estatístico; o cidadão que espera estar inteligentemente cônscio do mundo em que vive precisa ter um certo entendi­ mento da interpretação estatística. Estudos de questionários e entrevistas. Algumas vezes, os fatos de que necessitamos não se encontram registrados em lugar algum e só podemos obtê-los con­ sultando as pessoas. Por exemplo, qual é o “tamanho ideal da família” aos olhos dos jovens norte-americanos? Esta pergunta tem certa importância para o prognóstico da população, planejamento empresarial e educacional, além de muitos outros propósitos. Somente podemos ter a resposta perguntando às pessoas qual o tamanho de família que julgam ideal. Os estudos através de questionários e entrevistas são as maneiras sistemáticas de formular perguntas sob controles científicos. Um questionário é preenchido pessoalmente pelo infor­ mante; um roteiro de entrevistas é executado por um entrevistador treinado que formula as perguntas ao informante. Ambos os métodos têm pontos fracos, que o sociólogo treinado deve ser capaz de evitar. Apesar de ser bem fácil obter com bastante exatidão infor­ mação puramente fatual (por exemplo, “Sua casa é própria ou alugada?” “Você é casado?”), os levanta­ mentos de atitudes e opiniões têm maiores margens de erro. Os informantes podem não compreender a per­ gunta; podem escolher uma resposta, embora não

tenham opinião firme sobre o assunto; talvez dêem uma resposta “aceitável” , de preferência a uma que seja real; ou talvez sejam influenciados pelo modo como a pergunta é formulada. Um levantamento também pode levar a conclusões falsas, porque a amostra das pessoas talvez não seja representativa de uma seção transversal da população. Os estudos através de questio­ nários e entrevistas, assim como outros métodos de pesquisa, devem ser usados por estudiosos treinados e cônscios dos possíveis pontos fracos desses métodos. Embora os estudos dessa espécie impliquem uma certa margem de erro, ainda assim podem ser úteis, porque são mais confiáveis do que conjeturas. Por exemplo, depois da vitória sobre a Alemanha em 1945, o Exército norte-americano tinha mais homens do que o necessário. Quais os que deveriam ser desmobilizados? Esta foi uma questão explosiva, com graves conse­ qüências para o moral da tropa. 0 Exército fez um estudo através de questionários [Stouffer, 1949, cap. 11 ] onde se indagava a milhares de homens em serviço militar: Depois da guerra, quando o Exército começar a liberar os soldados de volta à vida civil, qual destes dois grupos você julga que deve ser liberado em primeiro lugar? (Marque apenas um.) - Homens com dependentes? ou - Homens com mais de 30 anos de idade? Esta pergunta foi feita diversas vezes, e em cada oportunidade as alternativas de resposta vinham associadas a critérios diferentes, tais como serviço em Ultramar, experiência de combate, extensão de tempo de serviço, idade e número de dependentes. As respostas mostraram que a maior quantidade de soldados daria prioridade aos homens que tinham estado em combate, em seguida aos casados com filhos, e assim por diante. Usando estas respostas, o Exército desenvolveu um sistema de pontos para determinar o encaminhamento das baixas. A melhor prova da eficácia desta abordagem reside no fato de que a política de baixas não suscitou críticas ou ressentimento por parte dos soldados e dos civis. Estudos por observação participante. Nenhum homem compreenderá completamente o que é ser mãe, nem tampouco qualquer civil compreenderá completa­ mente a vida no exército. Certas coisas só podem ser inteiramente captadas quando o indivíduo tem expe­ riência delas. O observador participante procura introvisão tomando parte naquilo que está estudando. Se desejar estudar os sindicatos trabalhistas, terá de tomar-se membro de um, trabalhar no local apropriado, freqüentar as reuniões e possivelmente se tomar um

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prócer ou organizador sindical. Se desejar estudar uma seita religiosa, terá de tornar-se membro e parti­ cipar de seu culto. Através da participação pessoal, juntamente com a oportunidade para observação bem de perto, obterá introvisão que nenhuma quantidade de observação externa poderia proporcionar. No pico da onda dos discos voadores, surgiu um culto interessante em uma cidade do Centro-oeste americano. Um pequeno grupo de crentes recebia certas “revelações” de que em breve a Terra iria ser destruída e que somente uns poucos fiéis seriam salvos por discos voadores e transportados para um planeta amigo. Diversos observadores participantes juntaram-se ao grupo, ocultando suas identidades científicas e tomando parte nas atividades grupais, até que o grupo se dissolveu alguns meses mais tarde [Festinger, 1956], Em outro caso, um novelista branco [Griffin, 1961] foi contratado pela revista Ebony para fazer um estudo de observador participante da vida dos negros. Com o cabelo cortado curto e a pele escurecida por uma droga, ele viajou para o Sul, onde todos òs identificaram como preto. Embora fosse um sulista, constatou que sua visão da vida negra por dentro produziu algumas revelações surpreendentes. Existem muitos riscos nesta técnica. O observador participante pode tomar-se tão emocionalmente envol­ vido a ponto de perder a objetividade e tornar-se partidário dedicado em lugar de observador neutro. Ou talvez passe a fazer generalizações demasiado abran­ gentes — isto é, supor que o que constata no grupo que está estudando também seja verdade para todos os demais grupos. Já que os dados são grandemente impressionistas, as conclusões não se prestam a uma verificação muito fácil. Ainda assim o observador parti­ cipante não está apenas “olhando as coisas” , está apli­ cando um método científico sofisticado [Bruyn, 1966] que já tem proporcionado inúmeras percepções instigantes e sugerido muitas hipóteses para outros estudos.

O observador participante busca introvisão, tomando parte pessoalmente.

E lícito de uma perspectiva ética fazer de conta que se é membro leal de um grupo a fim de poder estudá-lo? Será que este embuste é justificável? Não

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é fácil dizer quando um embuste deixa de ser nocivo. Talvez a melhor resposta seja a de um cientista respei­ tado que tomará precauções para não prejudicar as pessoas que está estudando. O relato da testemunha ocular é um estudo em pequena escala de um observador participante amador. De que modo as pessoas.agem depois de uma catástrofe como um tomado ou uma explosão? O que acontece em uma manifestação religiosa, uma arruaça ou um distúrbio no piquete de greve? Raramente se encontra lá um sociólogo, com lápis na mão, pronto para registrar o evento. Os cientistas sociais muitas vezes procuram testemunhas oculares para obterem seu relato. Um relato de uma testemunha ocular, obtido tão cedo quanto possível após o evento, é uma boa fonte de informação. Esses relatos precisam ser usados com cuidado, porque geralmente a testemunha ocular não é um observador treinado e seu próprio excitamento ou envolvimento pode prejudicar sua exatidão e objeti­ vidade. E, no entanto, o relato da testemunha ocular é uma fonte inestimável de dados para o cientista social. Estudos de caso. O estudo de caso é um relato com­ pleto de algum fenômeno. Pode ser a história da vida de uma pessoa, o relatório completo de um evento ou o estudo detalhado de uma organização. A história de caso de um grupo - de uma família, camarilha, sindicato ou movimento religioso - pode sugerir certas percepções novas quanto ao comportamento grupai. O relato exato e detalhado de uma arruaça, pânico, orgia, desastre ou qualquer evento social pode ter valor científico. Uma família feliz ou infeliz, uma comunidade, uma organização - quase qualquer fenômeno pode ser estudado pela técnica do estudo de caso. É possível que o maior valor do estudo de caso esteja na sugestão de hipóteses, que podem ser testadas por outros métodos. A maior parte de nosso conheci­ mento merecedor de confiança a respeito da delin­ qüência juvenil, por exemplo, desenvolveu-se por testes de hipótese sugeridas por estudos de casos anteriores [Thomas, 1923; Shaw, 1931]. Uma grande parcela de nosso atual conhecimento da desorganização da personalidade tem origem em hipóteses sugeridas por uma coletânea clássica de estudos de casos na obra de Thomas e Znaniecki, The Polish Peasant in Europe and America [1923]. Estas hipóteses não são testadas com muita freqüência pelo método de estudo de caso, mas por outros métodos. Uma generalização não pode basear-se em um único caso, na medida em que um caso pode “provar” quase que qualquer coisa. As generalizações precisam fundamentar-se em grande massa de dados cuidadosamente processados de estudos de caso, o que é dispendioso. Também é difícil fazer um somatório de estudos de

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0 imunologista e o entomologista precisam preocupar-se com as mudanças na tolerância ou resistência das bactérias, vírus e insetos. As Ciências Sociais, porém, estudam fenômenos que se alteram muito mais e com maior rapidez do que os fenômenos das Ciências Físicas. Algumas vezes os dados se alteram tão rapidamente, que uma pesquisa já está desatualizada antes de ser publicada. Um programa típico de pesquisa poderia levar um ano para obter fundos e ser implementado, um ano para coletar e processar os dados, um ano para analisar, interpretar e redigir os resultados e um ou dois anos mais para aceitaçãQ e aparecimento final em forma impressa. Assim, Farley e Tauber [1974] estudaram a segregação racial nas escolas públicas para o ano escolar de 1967-1968, mas na época da publicação, em 1974, isso já tinha se tornado História Algumas dificuldades na pesquisa sociológica e não pesquisa corrente. Mas, como já foi dito, não são os materiais, mas os Complexidade de fenômenos métodos de estudo que identificam uma ciência. Visto Os fenômenos sociais são tão complexos, sutis e que muitos fenômenos da Sociologia se estão alterando elusivos, que o sociólogo muitas vezes fica sem saber constantemente, cada generalização sociológica precisa por onde começar. Mas uma ciência é definida não se fazer acompanhar por indicações de tempo e lugar. pela simplicidade de sua matéria-prima, mas pelo rigor Por conseguinte, quando falamos “da família”, preci­ de seus métodos. Até certo ponto a sutileza e a natureza samos mostrar se estamos falando da família em todas fugidia dos fenômenos estão na razão direta de nossa as suas formas e variações ou se estamos falando de, ignorância a seu respeito. As causas da febre de um digamos, família contemporânea, urbana, norte-ameri­ paciente podem enganar o leigo, mas são facilmente cana, da classe média. Todos os cientistas precisam qualificar suas gene­ perceptíveis para um patologista. À medida que qualquer ciência ganha em maturidade e conhecimento, tais ralizações, declarando as condições sob as quais elas fenômenos complexos e confusos se tornam algo mais se mantêm verdadeiras. O físico precisa dizer: “A água ordenados e sistemáticos, e seus dados ficam algo menos entra em ebulição a 100 graus centígrados — desde que seja quimicamente pura e a uma pressão atmos­ surpreendentes e elusivos. Todavia, é improvável que qualquer quantidade de férica de 14,7 libras por polegada quadrada” . E o conhecimento venha a fazer com que nossos fenômenos sociólogo pode dizer: “O contato e associação entre pareçam tão ordenados quanto os das Ciências Naturais. membros de grupos com preconceitos, farão com que A Lei de Boyle-Mariotte lida somente com três variáveis, estes sejam reduzidos, sob a condição de que estes volume, temperatura e pressão dos gases, sendo tudo contatos sejam cooperativos e de natureza igualitária.” A mutabilidade e variabilidade bastante grandes facilmente controlado; o comportamento criminoso lida com duas ou três dúzias de variáveis, nenhuma dos fenômenos da Sociologia compelem o sociólogo das quais é facilmente controlada. A verdadeira comple­ a qualificar suas generalizações com cuidado especial. xidade dos fenômenos sociais coloca um desafio dura­ O estudante encontrará muitas assertivas cuidadosa­ mente qualificadas, tais como: “Na família contem­ douro à metodologia da pesquisa sociológica. porânea da classe médica norte-americana, a educação e o impulso para progredir são metas de grande impor­ tância” ou “Entre as pequenas amostras estudadas Mudança constante até o presente, os jovens casados norte-americanos Os fenômenos'sociais estão em mudança constante. que vivem com os sogros, freqüentemente são tão Como é que a verdade científica pode basear-se em felizes no casamento como os que vivem sós”. Estas dados tão escorregadios, que a verdade de hoje é a ressalvas constantes podem tomar-se cansativas para inverdade de amanhã? Esta dificuldade real não é o estudante, que pode sentir-se tentado a concordar peculiar às Ciências Sociais, porque muitas ciências com a definição de Sociologia como “a ciência que precisam prestar atenção aos fenômenos que se modi­ jamais está certa de coisa alguma” . Mas a ressalva cuida­ ficam. A paisagem do geógrafo está em alteração cons­ dosa é o preço da exatidão e o cientista jamais genera­ tante, embora muito lentamente. O meteorologista liza intencionalmente além dos limites possibilitados precisa levar em conta a variação do sistema de ventos. pelos dados disponíveis. casos para calcular médias ou outros cômputos esta­ tísticos. Por isso, raramente usamos estudos de caso quando procuramos testar uma hipótese. Mas depois que esta foi testada e chegamos a algumas generalizações sólidas, um bom estudo de caso pode dar uma bela ilustração dessas generalizações. Por exemplo, existe evidência conclusiva de que a delinqüência juvenil está intimamente associada a uma vida familial insatisfatória [Glueck e Glueck, 1959], Um estudo de caso mostrando como a vida familial insatisfatória aparentemente encorajou a delinqüência em determinada família, faz uma ilustração vivida desta generalização.

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Imprevisibilidade de comportamento

Alguns críticos sustentam que, sendo as pessoas diferentes, o comportamento humano é imprevisível. Há pessoas que até podem modificar deliberadamente seu comportamento para destruir nossos prognósticos. Uma ciência pode prognosticar e às vezes controlar. Será que a Sociologia também pode? É verdade que todas as pessoas são diferentes sob certos aspectos. Também é verdade que todas se parecem sob certos aspectos. A Sociologia busca aprender mais a respeito das maneiras pelas quais as pessoas são diferentes e daquelas pelas quais são pare­ cidas e agem igualmente, de modo que seu comporta­ mento possa ser compreendido e previsto.

O sociólogo raramente pode prognosticar o que uma pessoa qualquer irá fazer.

Ao consideíar o prognóstico científico, o estudante precisa apreender dois princípios. Primeiro, os prognós­ ticos se mantêm somente sob certas condições enun­ ciadas. O físico pode prognosticar com grande exatidão o comportamento de uma bola especialmente fabricada que desce por um plano inclinado perfeitamente liso em uma câmara de vácuo. Se for solicitado a prognos­ ticar o comportamento de um caminhão sem motorista, correndo ladeira abaixo, o prognóstico deve ser menos exato, porque as condições não são totalmente contro­ ladas. Em qualquer ciência, somente é possível um prognós­ tico exato quando todas as variáveis podem ser contro­ ladas ou calculadas matematicamente. O agrônomo pode prognosticar: “Cerca de 20% destas sementes não germinarão se forem colocadas em bom solo no Estado de Indiana ao redor de 15 de maio e se as con­ dições de temperatura e precipitação pluvial forem semelhantes às do ano passado”. Do mesmo modo, um sociólogo pode prognosticar: “Cerca de 20% dos rapazes nesta área favelada serão oficialmente registrados como delinqüentes este ano, se as influências e a fisca­ lização da lei nesta área continuarem como no ano passado”. Mas se diversas das variáveis não puderem ser controladas, então o prognóstico exato será impos­

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sível. Por exemplo, teremos um Natal com neve no próximo inverno? O meteorologista não pode fazer uma previsão sem conhecer o sistema de circulação dos ventos e as áreas de pressão no próximo mês de dezembro. Ou, qual será a população dos Estados Unidos no final do século? O demógrafo não pode fazer essa previsão sem saber quais são as taxas de natalidade e morte e as taxas de migração durante o resto do século; e estas, por sua vez, giram em torno de variáveis como idade no casamento, popularidade das famílias grandes, nível de prosperidade, progresso da ciência médica e diversas outras variáveis. O pro­ blema do prognóstico, portanto, é semelhante em todas as ciências. Nosso êxito em termos de previsão é propor­ cional à nossa habilidade para prognosticar ou controlar todas as variáveis envolvidas. Um segundo princípio da previsão científica deriva do fato de que a maior parte da previsão cientifica trata de coletividade c não de indivíduos. O agrônomo prevê que proporção de sementes germinará, sem dizer qual a pequena semente que irá morrer. O químico prevê o comportamento de diversos bilhões de átomos de hidrogênio e oxigênio, sem prognosticar o compor­ tamento de qualquer átomo isolado desses elementos. Raramente o sociólogo pode prognosticar o que uma pessoa qualquer irá fazer, embora possa prever o que a maioria dos membros de um grupo fará em dada situação. Em outras palavras, o sociólogo pode prever a probabilidade de uma ação, assim como o atuário do seguro de vida prevê a probabilidade de que um segurado morrerá. As previsões podem ser úteis mesmo quando não podem prognosticar o comportamento de qualquer indivíduo em particular. Não é necessário saber quais as pessoas que morrerão de febre tifóide para saber-se que a água poluída é mortal. Tampouco precisamos cessar de prever os movimentos da popu­ lação, porque não sabemos os nomes das pessoas que se vão mudar. O prognóstico sociológico poderá ser uma base útil para a política social, se puder dizer ante­ cipadamente o que certos grupos ou proporções de pessoas vão fazer; é perfeitamente dispensável prever o comportamento de cada indivíduo. Na formação de prognósticos socialmente significantes, nem as Ciências Naturais nem o cientista social podem alegar qualquer grande sucesso. O cientista natural pode prever até o minuto final o próximo eclipse do Sol, mas não pode prever tão exatamente a próxima enchente ou seca quanto o cientista social pode prever a próxima recessão. A previsão da Ciência Natural é da máxima exatidão em situações artificiais de laboratório, e menos exata quando dirigida a matéria sobre as quais giram importantes decisões sociais. Em perguntas como: “A partir de que momento podemos esperar um grande feito na pesquisa do câncer?” ou “Que matérias-primas serão indispensáveis e quais

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não serio essenciais no século XXI?”, a Ciência Natural não ajuda muito.

O debate sobre o empirismo positivista Há algumas décadas que a maioria dos sociólogos tem considerado a Sociologia como uma disciplina empírica positivista - isto é, fundada apenas em evidências objetivamente verificadas, segundo o modelo da Física ou da Química. Mas sempre existiram alguns sociólogos para os quais a coleta e o processamento desapaixonado de dados muitas vezes “passam por cima” de boa parcela do que é significante. Verstehen é uma palavra alemã que se traduz aproxi­ madamente como “compreensão” ou “entendimento”. Os porta-vozes da compreensão em Sociologia alegam que o empirismo positivista precisa ser suplementado por métodos menos formais de indagação, para que se possa conseguir entendimento completo. A dificul­ dade está em que não existe receita ou fórmula para a compreensão. Alguns estudiosos acreditam ter conse­ guido isso, mas não podem dizer exatamente aos outros como consegui-lo.

Somente os ricos é que podem entender os ricos?

Fenomenologia e etnometodologia são dois termos que descrevem tentativas mais ou menos semelhantes de levar um conjunto mais “verdadeiro” ou perceptivo de introvisões à pesquisa sociológica. Uma vez mais, não se pode conseguir uma receita ou um conjunto de “passos” para pesquisa. Fenomenologia e etnometo­ dologia não são procedimentos de pesquisa; são sistemas filosóficos globais que abrangem uma série de pres­ supostos a respeito da realidade social e da observação científica que diferem substancialmente daqueles adotados pelo empirismo positivista. Por exemplo, é provável que o positivista suponha que qualquer estu­ dioso competente, se apropriadamente treinado em métodos científicos, deve ser capaz de estudar qualquer tópico dentro de seu campo de estudo. Um etnometodólogo, no entanto, provavelmente defenderá a posição segundo a qual somente um estudioso negro se acha equipado para estudar a família negra ou que somente

alguém que seja pobre é que está equipado para estudar a pobreza. Os métodos tradicionais de observação podem descrever os fatos observáveis a respeito de dois homens brigando, mas (de acordo com os etnometodólogos e fenomenologistas) há necessidade de um método diferente para descobrir os motivos e senti­ mentos de cada homem e suas reações para com o outro. Segundo Denzin [1970, p. 28], “Os termos fenomenologia [e] etnometodologia.. . representam diferentes tentativas para confrontar a realidade empí­ rica da perspectiva daqueles que estão sendo estudados” . Tentar qualquer explicação satisfatória destas meto­ dologias alternativas em uns poucos parágrafos de um livro didático de introdução seria ilusório. Mencionamolas a fim de indicar que há metodologias alternativas na pesquisa sociológica, e que nenhuma perspectiva única pode ser inteiramente adequada.

Sociologia pura e aplicada Em cada campo científico estabelece-se uma distinção entre ciência pura e aplicada. Ciência pura é a busca de conhecimento sem interesse principal por seu uso prático. Ciência aplicada é a procura de meios de em­ prego do conhecimento científico para resolver pro­ blemas práticos. Um bioquímico que procura aprender como uma célula absorve alimento ou como envelhece, está trabalhando como cientista puro. Se, depois, tentar encontrar alguma substância ou procedimento que controle o processo de envelhecimento, estará traba­ lhando como cientista aplicado. O sociólogo que faz um estudo da “estrutura social de um bairro favelado” , está trabalhando como cientista puro; se, depois, der seguimento com um estudo de “como prevenir a delin­ qüência em um bairro favelado” , estará trabalhando como cientista aplicado. Muitas pessoas consideram a Sociologia inteiramente uma ciência aplicada — que busca resolver problemas sociais. Apropriadamente considerada, tanto é uma ciência pura como aplicada. A menos que uma ciência esteja constantemente bus­ cando mais conhecimento básico, suas “aplicações práticas do conhecimento” provavelmente não serão muito práticas. As aplicações práticas do conhecimento sociológico não são muito bem apreciadas. Alguns sociólogos são empregados por grandes empresas, órgãos governa­ mentais e agências sociais, geralmente como pesquisa­ dores; algumas vezes são consultados por comissões legislativas que estão planejando outro tipo de legislação. Mas o cidadão privado raramente baseia suas decisões sociais em conhecimento sociológico. Se desejamos saber como fertilizar alcachofras, geralmente coligimos alguns dados científicos antes de nos decidirmos. Mas, como são tomadas as decisões de política social?

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Durante muitos anos grupos de cidadãos têm feito cruzadas contra a pornografia, embora até 1970 virtual­ mente nío houvesse evidência cientifica sobre se a pornografia era um estimulante perigoso ou uma inofen­ siva válvula de saída para impulsos lascivos. Mas quando, finalmente, a primeira massa de evidência de pesquisa foi apresentada pelo Presidente da Comissão sobre Obscenidade e Pornografia, o relatório foi condenado e suas recomendações rejeitadas pelo Presidente Nixon e pelo Senado antes que a série inteira de relatórios fosse publicada. Em muitas questões sociais, tais como as causas e o tratamento do crime da delinqüência, vício em drogas e álcool, ofensas sexuais, as causas e as conseqüências da discriminação racial ou do ajustamento da família à sociedade que se modifica, há considerável conheci­ mento científico, mas este é rejeitado por muitas pessoas, que preferem seus preconceitos. Como nação, os EUA apenas começam a aplicar métodos científicos em seu modo de pensar sobre as questões sociais.

Sociologia popular

Grande quantidade de material sociológico vai para o prelo por iniciativa de pessoas que não trabalham em Sociologia. As revistas populares estão cheias de artigos sobre crime, vida familiar, sexo, educação, subúrbios, classe social —_ praticamente todos os tópicos sociológicos imagináveis. Esta é a Sociologia popular — tratamento de tópicos sociológicos, quase sempre por autores sem muito treinamento sociológico formal, visando a uma audiência popular. Em seu pior aspecto, a Sociologia popular é veiculada por artigos como as revelações de “sexo e pecado” tão a gosto de certas revistas para homens. Em geral, esses artigos são inexatos no plano descritivo e totalmente carentes de análise interpretativa que pudesse enquadrar os fatos em um contexto social relevante. No pólo oposto, muitos redatores de revistas realizam um trabalho razoável de popularização das constatações da Socio­ logia. Talvez o “sociólogo” popular mais conhecido veja Vance Packard, cujos livros sobre classe social [The Status Seekers, 1959; The Pyramid Qimbers, 1962] e outros tópicos [The Sexual Wildemess, 1968; A Nation o f Strangers, 1972] foram lidos por milhões de pessoas - e severamente criticados por sociólogos [Petersen, 1960; Goldner, 1963; Simon, 1969]. Os escritos dos popülarizadores sociológicos muitas vezes ccntêm impropriedades e casos de ênfase equívoca, interpretação duvidosa, supersimplificação e genera­ lizações demasiado abrangentes. No entanto, é provável que o entendimento popular dos tópicos sociológicos tenha sido grandemente ampliado por esses autores. Por que a Sociologia popular não é escrita por soció­

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logos profissionais? Pela mesma razão pela qual a Ciência popular é escrita por jornalistas e não por cientistas. Escrever de modo popular é uma habilidade especial que poucos cientistas ou professores conseguiram incorporar. Além disso, a paixão do cientista por exatidão e qualificação cuidadosa do que declara é uma desvantagem positiva para escrever em estilo popular. A recusa em supersimplificar, superdramatizár ou em fazer ampias generalizações avassaladoras, fazem com que a redação dos profissionais seja mais exata, porém menos excitante. Os sociólogos escrevem para uma audiência qualificada, ao passo que os jorna­ listas popularizam a Sociologia, de maneira mais ou menos acusada, para o público.

Os papéis do sociólogo Qual a tarefa apropriada do sociólogo? Será mera­ mente observar a ação humana com a curiosidade calma e desligada do ecologista que conta os lemingues à medida que estes mergulham no mar? Ou deve o sociólogo empenhar-se em ação social para evitar os perigos que antevê? Deve o professor de Sociologia enco­ rajar os estudantes a desenvolverem um entendimento imparcial dos fenômenos sociais ou inspirá-los a formar barricadas para reforma social? Qual o papel apropriado para o sociólogo em uma sociedade em mudança?

O sociólogo como um pesquisador científico

Como todos os cientistas, os sociólogos interessam-se pela coleta e uso do conhecimento. Partilham dessas tarefas de várias maneiras. Execução de pesquisa científica. Como cientista, a tarefa primordial do sociólogo é descobrir e organizar conhecimento a respeito da vida social. Numerosos sociólogos que trabalham em tempo integral são empre­ gados por universidades, órgãos governamentais, fundações ou grandes empresas, e muitos dividem seu tempo entre ensino e pesquisa. Muitos sociólogos que trabalham em universidades estão empenhados em pesquisas subsidiadas, com seus ordenados e despesas de pesquisa total ou parcialmente pagos com subvenções de órgãos do govemo, fundações ou grandes empresas. Estas subvenções são feitas a sociólogos que submetem uma proposta aceitável para pesquisa em determinado tópico. Já que pouca pesquisa pode ser efetuada sem fundos apropriados, isto confere aos órgãos doadores grande poder para influenciarem a direção da pesquisa sociológica. Os críticos radicais da Sociologia (inclusive alguns sociólogos) alegam que, por trás de uma fachada de

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neutralidade ética e objetividade, os sociólogos prosti­ tuíram seus talentos de pesquisa com vistas a apoiar os interesses dos órgãos de financiamento e, por isso, têm amparado militarismo, racismo e outras formas de opressão [Gouldner, 1962, 1970; Frederichs, 1970, p. 82-85; qualquer número de The Insurgent Sociologist ou Social Policy]. É discutível se a pesquisa sociológica foi ou não corrompida desta maneira [Horton e Bouma, 1971]. É indiscutível, no entanto, que os problemas de viés e partidarismo estão presentes em toda pesquisa e que seus resultados muitas vezes são úteis aos interesses de certas pessoas e nocivos aos de outras [Becker, 1967]. Até mesmo a definição de um problema de pesquisa pode conter um viés implícito. Por exemplo, se enunciarmos um problema como: “Que caracterís­ ticas dos pobres contribuem para sua pobreza?”, esta­ remos atribuindo a “culpa” sobretudo aos próprios pobres; mas se definirmos o problema como: “Que disposições sociais produzem probreza?” , então a culpa recai sobre a “sociedade”. Durante a maior parte da História da Sociologia, os sociólogos amiúde foram acusados de serem sub­ versivos radicais, cuja pesquisa e ensino constituíram uma ameaça às instituições estabelecidas e aos direitos adquiridos. Hoje, muitos sociólogos mais velhos, ostentando ainda as cicatrizes das “caçadas às bruxas” contra o comunismo na década de 1950, ficam per­ plexos e sentem-se ofendidos quando os estudantes e sociólogos mais jovens os acusam de terem sido lacaios da opressão capitalista durante toda a sua vida! Mas a questão da responsabilidade do cientista para com sua sociedade é tão velha quanto a própria ciência, e tão cedo não será dirimida. Correção de insensatez popular. Uma outra tarefa do sociólogo como cientista é limpar o refugo inte­ lectual de informações errôneas e superstições que tumultuam boa parte de nosso pensamento social. Os sociólogos ajudaram a enterrar grande quantidade de tolices a respeito de hereditariedade, raça, classe, diferenças de sexo, desvio e quase todos os demais aspectos do comportamento. É em parte conseqüência das constatações da Sociologia que hoje raramente ouvimos uma pessoa instruída argumentar que a raça branca é inatamente superior, que as mulheres são intelectualmente inferiores aos homens, que os traços do comportamento são herdados, que a punição reforma os criminosos ou que os habitantes rurais são menos “imorais” que os citadinos. Estas idéias eram aceitas por toda pessoa educada meio século atrás. Auxiliando a substituir superstições e informações errôneas por conhecimento exato sobre o compor­ tamento humano, os sociólogos talvez estejam desem­ penhando sua função mais importante.

Previsões sociológicas. Embora não sejam grande coisa os feitos dos sociólogos quando se dedicam a fazer previsões sociais, alguém tem de fazê-las. Cada decisão política se baseia em certos pressupostos acerca do estado presente e futuro da sociedade. Um legislador diz: “Precisamos de penas mais severas para impedir o tráfico de drogas”. Ele está prognosticando que penalidades mais severas irão realmente impedir o negócio de narcóticos sem criar problemas ainda maiores. Um outro legislador, que diz: “Legalizemos a maconha”, está fazendo um conjunto de previsões sobre as conseqüências desta ação. Assim, inevitavel­ mente cada recomendação política implica um conjunto de pressupostos e previsões. Que espécies de previsões os sociólogos oferecem? Damos, em seguida, alguns exemplos (carentes por enquanto de explicação ou documentação) das espécies de previsões que os soció­ logos podem fazer: O desenvolvimento urbano se espalhará rapida­ mente ao longo das estradas expressas e resultará, por fim, na criação de planejamento e autoridades administrativas a nível regional. A tendência de empregar as mães continuará até que a maioria esteja trabalhando durante uma parte substancial de suas vidas matrimoniais. Mais cedo ou mais tarde as taxas de natalidade cairão e se aproximarão das taxas de mortalidade, ou estas se elevarão e se aproximarão das de nata­ lidade. Apesar da experimentação com alternativas, a família nuclear monogâmica permanecerá como o tipo básico de família nos EUA, pelo menos nas próximas décadas. Sociólogo — Realiza pesquisa sobre a origem e o desenvolvimento de grupos de seres humanos e de padrões de cultura e organização social que surgiram da vida grupai em sociedade; cóleta e analisa dados científicos concernentes a fenô­ menos sociais, tais como a comunidade, associa­ ções, instituições sociais, minorias étnicas, classes sociais e mudança social. Pode ensinar Sociologia, dirigir uma pesquisa, preparar publicações técnicas ou agir como consultor de legisladores, administradores e outros próceres que tratam de problemas de política social. (Definição dada pelo Dictionary o f Occupational Titles, Departa­ mento do Trabalho dos EUA.) A maior parte da previsão em Ciência Social consiste não em prever desenvolvimentos específicos, assim como o astrônomo prevê um eclipse, mas em prognos­ ticar o padrão geral das tendências e mudanças que

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parecem mais prováveis [por exemplo, Bell. The Corning o f Post-Industrial Society: A Venture in Social Forecasting, 1973]. Todos estes prognósticos ou previsões devem ser feitos com certa humildade, pofque não há certeza sobre -eles. De qualquer maneira, os cientistas sociais apresentam tais prognósticos como as melhores e mais bem fundadas conjeturas disponíveis sobre as quais devemos basear nossas decisões políticas e expectativas quanto ao futuro.

O sociólogo como consultor político

A previsão sociológica também, pode ajudar a estimar os prováveis efeitos de uma política social. Toda decisão de política social é uma previsão. Uma política (por exemplo, doações federais para Head Start)* é iniciada com a esperança de que produzirá um efeito desejado (por exemplo, estreitamento do hiato educacional entre as crianças pobres e as mais prósperas). Muitas vezes as políticas têm falhado porque incorporam pressupostos e previsões infundados. Os sociólogos podem ajudar a prognosticar os efeitos de uma política e, assim, contribuem para a seleção de políticas que realizem os propósitos almejados. Por exemplo: Que efeito a criação ou a eliminação da pena de morte teria sobre a taxa de crimes? (Provavel­ mente nenhum.) Que efeitos os esforços da propaganda para a irmandade e “educação para irmandade” têm sobre os preconceitos de raça? (Praticamente nenhum.) Que efeito a desistência do curso do segundo grau tem sobre os ganhos futuros de um jovem? (Pouco ou nenhum, quando as demais condições não se alteram.) Qual seria o efeito de intensificar a fiscalização pela lei sobre o uso da maconha nas universidades? (Pouca ou nenhuma redução, com agravamento de outros problemas entre os estudantes e a polícia.) Taxas de natalidade mais baixas e a norma da família pequena aumentariam a felicidade conjugal? (Sim; há evidências de que as famílias menores são melhores sob todos os aspectos.)

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A publicação dos nomes dos delinqüentes juvenis ajudaria a reduzir a delinqüência? (Não; muito provavelmente, o efeito seria inverso.) A supressão da literatura obscena ajudaria a reduzir os crimes e a imoralidade sexuais? (As evi­ dências disponíveis, conquanto limitadas, sugerem que não.) Estas são algumas das muitas questões de política social que os sociólogos poderiam ajudar a qualificar. Até agora nossa sociedade não concedeu ao sociólogo um status como experto técnico em matérias de política social. A imagem do sociólogo como um profissional de coração aos pedaços, tantas vezes refletido na im­ prensa popular, não ajuda o público a visualizá-lo como um experto técnico. Entretanto, as comissões do Con­ gresso freqüentemente consultam os sociólogos e outros cientistas sociais, quando há audiências sobre ante­ projetos de legislação. Em algumas áreas, especialmente em criminologia e relações raciais, as conclusões dos sociólogos (e de outros cientistas sociais) têm tido considerável influência. Em grande parte, foram as constatações dos sociólogos e psicólogos que levaram o Supremo Tribunal dos EUA à decisão de que “as escolas segregadas são inerentemente desiguais” [Brown versus Board o f Education o f Topeka, 1954]. Um dos maiores serviços que qualquer grupo de estudiosos pode oferecer é mostrar à sociedade que políticas têm melhor probabilidade de alcançar seus objetivos. Este é um serviço que os sociólogos estão qualificados para prestar.

O sociólogo como técnico

Atualmente, os sociólogos estão cada vez mais encon­ trando emprego nos departamentos do govemo, grandes empresas, hospitais, grandes órgãos do bem-estar e outras grandes organizações. Afora o trabalho de pesquisa, estão empenhados em planejamento e direção de programas de ação da comunidade; assessoria em relações públicas, relações empregatícias, problemas de moral ou “relações intergrupos” dentro da organi­ zação; trabalho em relações humanas de muitas espécies. O “sociólogo de assessoria” é encontrado em todas as espécies de grandes organizações [Business Week, 1959]. Muitas vezes tal assessor especializou-se em Psicologia * Os autores referem-se ao Projeto Head Start, programa Social, Sociologia Industrial, Sociologia Urbana ou federal de desenvolvimento da criança pré-escolar, sob os auspí­ Rural, ou Sociologia das Organizações Complexas. cios do Escritório de Oportunidade Econômica, que proporciona Em tais posições o sociólogo está trabalhando como um programa global de educação, assistência médica, merenda escolar para crianças pré-escolares com antecedentes de desvan­ cientista aplicado. Foi contratado para empenhar-se tagens; esses programas são organizados e administrados pelas no uso de conhecimento científico em prol de certos comunidades municipais, que devem prover as instalações valores — força de trabalho harmoniosa e eficiente, para um centro de desenvolvimento da criança. Tal projeto foi estendido à escola elementar, sob o nome de Projeto Follow- imagem pública atrativa da indústria ou programa eficaz de ação comunitária. Tal papel suscita questões Through. (N. do T.)

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éticas. Quando um sociólogo aceita um emprego como técnico, seguindo valores escolhidos por um empregador, será que a integridade científica ficou comprometida? Tomando um exemplo extremo, existe evidência de que os operadores de casas de jogo contrataram cien­ tistas sociais para descobrirem por que as pessoas jogam ou não, de modo que eles, os operadores, pudessem saber como atrair mais clientes [Monroe, 1962], (Não sabemos se foram incluídos quaisquer sociólogos.) Seria esta uma forma de prostituição científica? Os críticos radicais da “sociologia conservadora” fazem a acusação de que os sociólogos “traíram” sempre que servem como técnicos ou pesquisadores em qualquer espécie de esforço para manter ou melhorar a eficiência dos estabelecimentos do governo, militares, capitalistas ou do bem-estar. Assim, não somente os sociólogos (se houver algum) trabalhando em ativi­ dades relacionadas à guerra é que são condenados, mas também os que trabalham em programas para melhorar a saúde das crianças pobres no Mississípi, para aumentar a produção agrícola no Peru ou para ensinar controle de natalidade em vilas indianas são acusados de apoiarem a “opressão”. Este é o ponto de vista clássico do revolucionário — qualquer tenta­ tiva para fazer o atual sistema funcionar melhor ou para auxiliar as pessoas a encontrarem vidas melhores dentro do sistema é “opressiva”, porque ajuda a perpetuar o sistema. Não existe uma resposta simples à questão de que encargos técnicos são passíveis de aceitação por parte dos sociólogos. A resposta de cada um dependerá em parte dos pontos de vista dominantes numa dada conjun­ tura do mundo acadêmico e, em parte, de sua própria consciência.

O sociólogo como mestre

Ensinar é a principal carreira da maioria dos soció­ logos. Além das preocupações e dos problemas de ensino em qualquer campo, o problema da neutra­ lidade axiológica versus engajamento é uma questão particularmente grave. Por exemplo, em um curso sobre “pobreza”, deve o sociólogo supervisionar um estudo objetivo dos fatos, teorias e políticas, possivel­ mente com simpatia, mas tão objetivo quanto possível? Ou deve ele esquematizar o curso para produzir defen­ sores dedicados de um determinado programa de ação? Deve o sociólogo procurar converter os estudantes ao conservadorismo, ao reformismo liberal ou ao ativismo revolucionário? Durante algumas décadas, a Ética do ensino universitário exigiu que o professor evitasse toda “doutrinação” consciente, mas esta questão é hoje amplamente debatida. [Horton e Bouma, 1971],

O sociólogo e a ação social

Os cientistas procuram descobrir conhecimento. Devem também dizer à sociedade como este conheci­ mento deve ser usado? Por exemplo, os geneticistas já sabem alguma coisa a respeito da hereditariedade humana e não falta muito para que seja possível controlar a formação genética dos bebês e “pedir” filhos de acordo com uma lista de especificações. Quem deve decidir que espécie de bebê deve ir para quem? Os cientistas? Os pais? O governo? A questão básica é se a ciência - especificamente, a Sociologia — deve ser isenta de valores. Por exemplo, os sociólogos sabem certas coisas a respeito do cresci­ mento populacional, relações raciais, desenvolvimento urbano e muitas outras matérias que envolvem questões de política pública. Deverão tornar-se defensores públicos dos programas de controle de natalidade, aborto legalizado, liberação da mulher, legalização da maconha, integração racial e muitos outros programas que talvez considerem como socialmente desejáveis? Os sociólogos pioneiros deram um “sim” caloroso a esta questão. Sem um fundamento adequado de conhecimento científico, apressaram-se em apoiar todas as espécies de políticas públicas que julgavam acertadas. Entre 1920 e 1940, muitos sociólogos adotaram o ponto de vista de que a Sociologia devia ser uma ciência mais “pura”, descobrindo conheci­ mento mas sem a pretensão de indicar de que modo tal conhecimento deveria ser usado. Procuraram moldar a Sociologia à imagem da Física ou da Química, como uma ciência infensa a valores. Como tal, ela não estaria comprometida com valores, exceto aqueles da livre investigação científica. Geralmente os sociólogos evitavam envolver-se em questões controvertidas e procuravam o status de cientistas sociais “puros”. Mais recentemente, este ponto de vista foi contes­ tado tanto na Ciência Física como Social. O Boletim dos Cientistas Atômicos contém muitos artigos escritos por cientistas, conclamando seus colegas para que reivindiquem um papel maior na tomada de decisões relativas aos usos das descobertas da Ciência Nuclear. Hoje muitos sociólogos acreditam que devem reivindicar maior papel nas decisões sobre política pública e devem envolver-se nas principais questões de nossa sociedade [Lindesmith, 1960; Horowitz, 1964; Stein e Vidich, 1964; A. Lee, 1966, 1973; Becker, 1967], Fazem a acusação de que os sociólogos vivem chafurdados em meio a tópicos de pesquisa “inócuos”, deixando as questões realmente importantes para os não-sociólogos - questões tais como: “De que modo se pode reduzir a pobreza?”, “Como integrar as escolas?” , “Como as comunidades podem ser organizadas para um viver social mais civilizado?”, “As metas e valores da sociedade americana devem ser alterados para a

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promoção do bem-estar humano?” Julgam que os sociólogos devem nío apenas dizer o que a sociedade poderia fazer a respeito do conflito racial, crescimento da população, controle da natalidade, dependência de drogas, divórcio, desvio sexual, assistência médica etc.; julgam que os sociólogos têm o dever de dizer o que a sociedade tem a obrigação de fazer sobre tais problemas. Livros como o de Shostak, Putting Sociology to Work [1974], proporcionam exemplos concretos de como os sociólogos estão se envolvendo em questões sociais e açío social construtiva, e mostram o que aprenderam com essa experiência. Hoje, a exemplo das demais Ciências Sociais, a Sociologia tem algups membros que insistem que, tanto individualmente como em termos de uma disci­ plina acadêmica, os sociólogos devem aberta e publica­ mente apoiar a “reconstrução radical da sociedade” [Szymanski, 1970; Colfax e Roach, 1971; D. Horowitz, 1971]. Esta questão está recebendo muita atenção na literatura sociológica [Douglas, 1970; Lee, 1973], Se a Sociologia deve ou nío ser isenta de valores é questão que ainda nío está resolvida, mas os sociólogos con­ cordam com as seguintes proposições: (1) Os sociólogos devem mostrar os relacionamentos entre valores. Em suma, podem dizer: “Se isto é o que você quer, aqui está o que deve fazer para consegui-lo”. Se os casamentos estáveis e duradouros são mais impor­ tantes do que a felicidade no casamento, então o divórcio deve ser dificultado; se os casamentos felizes representam o valor mais importante, entío o divórcio bem facilitado deve permitir que os que têm casamentos infelizes se separem e tentem outra vez. Se desejarmos conter a destruiçío urbana e o alastramento dos subúrbios, alguns direitos privados terío de ser sacri­ ficados. Se desejarmos limpar os rios poluídos, preci­ samos estar preparados para gastar boa quantidade de dinheiro dos tributos para tanto. Os sociólogos podem esclarecer que valores devem ser sacrificados se é que desejamos implementar outros valores. (2) O sociólogo como indivíduo pode sem dúvida emitir juízos de valor, apoiar causas e juntar-se a movi­ mentos de reforma como qualquer outro cidadío. Como cientista talvez nío saiba se a violência veiculada pela televisão é nociva às crianças e, por conseguinte, deve-se abster de recomendações públicas; mas como pai tomará uma decisão de acordo com suas crenças e valores pessoais. Como cientista, o sociólogo pode não ser capaz de dizer se o jogo ou a maconha devem ser proibidos, mas como cidadão é livre para expressar opiniões e apoiar juízos de valor pessoais. Além disto, não existe acordo completo entre os sociólogos quanto ao papel que devem assumir. A maioria tem algumas opiniões firmes sobre que políticas a sociedade deveria seguir, e todos estão de acordo entre si a respeito de muitas. Possivelmente chegará

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Como cidadão, o sociólogo está perfeitamente justificado em apoiai causas.

a ocasião em que as políticas sociais que parecem melhores à maioria dos sociólogos também serão as melhores para o resto da sociedade. Como pessoas que não podem nem devem divorciar-se da sociedade em que vivem, é o que espera a maioria dos sociólogos.

O estudo da sociologia Alguns estudantes aprenderão pouco em um curso de Sociologia, porque julgam que já sabem tudo que vale a pena saber a respeito da vida social. Confiantes de que se encontra mais sabedoria abrindo um olho do que um livro, já sabem de tudo a respeito da VIDA. Os que pensam deste modo aprenderão muito pouco, tanto aqui como em qualquer outro lugar. Uma vida inteira de ingestão de alimentos não faz de uma pessoa um dietista. É verdade que cada estudante está tendo experiências sociais durante a vida toda e delas aprendeu muitas coisas, algumas das quais falsas e outras verda­ deiras. Separar o que é verdadeiro do que é falso constitui um dos objetivos da Sociologia. Somente os estudantes dispostos a aprender - dispostos e capazes de sujeitar suas crenças, pressupostos e práticas a um exame científico objetivo — é que ganharão muito com o estudo de qualquer das Ciências Sociais.

O uso de conceitos em sociologia

Cada campo de estudo faz o estudante memorizar muitas palavras às quais tal campo atribui significados especiais. Não se trata de um ritual ocioso; faz-se isso porque os conceitos precisos são necessários. Primeiro, necessitamos de conceitos cuidadosamente expressados para podermos ter uma discussão cientifica. Como explicaríamos maquinaria a uma pessoa que não tivesse o conceito de “roda”? Que utilidade teria para um especialista o histórico médico de um paciente se seu médico o tivesse registrado em linguagem leiga? As várias dúzias de conceitos que motivarão o interesse

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do estudante neste livro são necessárias para uma discussão clara dos fenômenos sociais. Segundo, a formulação de conceitos conduz a maior conhecimento. Antes que um conceito possa ser formulado é preciso dispor de algum conhecimento descritivo exato. Depois, a análise e a crítica deste novo conceito indicam as lacunas e erros no conhecimento presente. O uso dos conceitos muitas vezes chama a atenção para fatos e relacionamentos que podem ter sido omitidos. Há anos, quando estudava migração, Park [1928] formulou o conceito do homem marginal, que se encontra no limbo de dois grupos ou de dois modos de vida, não pertencendo totalmente a qualquer deles. O uso deste conceito levou rapidamente ao reconhecimento de que havia muitas espécies de pessoas marginais — a com ancestrais raciais mistos, que evidentemente não pertence a raça alguma; o contramestre, que não se enquadra claramente nem na “administração” nem na “mão-de-obra” ; o arrivista ambicioso, que já não está mais na classe trabalhadora, mas ainda não se firmou como pessoa da classe média; e muitos outros. Conceitos sólidos como o de homem marginal levam a maior conhecimento. A maioria dos conceitos sociológicos são expressos em palavras que também têm um significado corriqueiro, assim como o termo ordem tem um significado em Zoologia, um outro na arrumação da casa e outro ainda em uma reunião política. Cada ciência se apropria de algumas palavras comuns e as transforma em con­ ceitos científicos, dando-lhes uma definição específica. A Sociologia não é exceção.

Carreiras em sociologia

Se um assunto interessa a um estudante, ele ou ela pode ponderar sobre suas possibilidades para uma carreira. Uma combinação de cursos que constitua graduação principal ou não em Sociologia não é, por si só, preparação para uma carreira profissional como sociólogo. A boa formação em algumas disciplinas é útil principalmente como antecedente na preparação para outras carreiras: (1) Em Assistência Social, os melhores cargos exigem graduação em Assistência Social, e usualmente recomendam um forte estudo de disciplinas eletivas e optativas em Sociologia. (2) Nas profissões liberais - Medicina, Direito, Engenharia já se constatou que os cursos em Ciências Sociais são úteis. (3) As escolas secundárias apresentam uma demanda crescente de professores de Sociologia, e cerca de um quarto oferece Sociologia como um curso separado e outro quarto inclui Sociologia em um curso composto [S. Anderson e col., 1964; Wright, 1965], (4) As posições no funcionalismo público muitas vezes

incluem Sociologia entre as qualificações educacionais aceitáveis para uma ampla variedade de cargos entre as faixas mais baixas e médias. (5) Há surgimento de novas carreiras em muitas espécies de programas de ação — conselhos municipais de relações humanas, comissões de práticas justas de emprego, programas de oportunidade econômica, programas de auxílio externo e muitas outras. Estas carreiras são tão novas e expandem-se tão rapidamente que ainda não desen­ volveram quaisquer cursos rigidamente padronizados de preparação profissional, mas os que escolheram muitos créditos de Sociologia nas faculdades, muitas vezes são procurados para estas posições. Geralmente, o título de mestre é suficiente para obter uma posição de ensino em uma faculdade do interior ou em uma comunidade, mas as promoções e as nomeações para universidades usualmente exigem doutoramento, ainda mais necessário para uma carreira destacada em Sociologia do que nas outras ciências. Entre os cientistas com “posição profissional destacada na comunidade científica” para ser incluídos no National Register of Scientific and Technical Personnel de 1970, possuíam grau de doutor 76% dos sociólogos, em comparação a 66% de psicólogos, 42% de econo­ mistas, 41% de físicos, 36% de químicos; os sociólogos foram ultrapassados apenas pelos antropólogos, 90% dos quais tinham doutoramento. De todos os sociólogos, cerca de 84% estão empregados por instituições educa­ cionais, com o restante distribuído entre muitos empre­ gadores, dentre os quais principalmente os órgãos governamentais e as fundações privadas. O ensino é a principal atividade de 58% dos sociólogos, com 22% principalmente em pesquisa e 16% em gerência e admi­ nistração, com maior freqüência em pesquisa. Até pouco tempo, a demanda excedia a oferta de pessoas com doutoramento em praticamente todos os campos. Ao redor de 1970, os cortes nas verbas do governo e na pesquisa de armas e do espaço custaram a muitos doutores seus empregos, especialmente em Ciências Físicas e Engenharia. Entrementes, o índice de matrículas nas faculdades começou a declinar, ao passo que os cursos de pós-graduação continuaram a produzir cada vez mais. Em conseqüência, as perspec­ tivas de emprego para os doutores durante a década de 1970 não são muito encorajadoras [McGinnis e Solomon, 1973]. Para a maioria dos estudantes a Sociologia não será uma carreira, mas meramente parte de sua educação geral humanista. Em qualquer carreira que ingressem, serão membros de uma sociedade, residentes de uma comunidade, participantes de muitos grupos e transmis­ sores de cultura para a próxima geração. O estudo da Sociologia pode ajudá-los a ocupar com maior discernimento os variados papéis que comporão seu destino.

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Sumário A Sociologia tenta estudar a sociedade cientifica­ mente. Cada ciência social tem seu próprio foco, e a Sociologia tem por alvo a vida grupai da raça humana e os produtos sociais desta vida em grupo. Os métodos da pesquisa sociológica incluem estudos experimentais e por observação. Estes são de diversas espécies: estudos impressionistas, estudos por obser­ vação participante, estudos de casos, estudos de corte transversal, estudos longitudinais (que podem ser prospectivos ou retrospectivos), estudos por questio­ nário e por entrevistas, e estudos de Estatística Compa­ rada. Um único estudo pode enquadrar-se em mais de uma destas categorias (por exemplo, um estudo longitudinal por observação participante). Certas dificuldades na pesquisa sociológica apresentam um desafio à nossa metodologia — a complexidade dos fenômenos sociais e as limitações do prognóstico possível quando se trabalha com muitas variáveis. Como todas as ciências, a Sociologia pode ser pura ou aplicada. A Sociologia Pura pesquisa em busca de

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novos conhecimentos, ao passo que a Aplicada tenta aplicar o conhecimento sociológico a problemas práticos. Uma boa dose de Sociologia mais ou menos exata é popularizada por jornalistas profissionais, que algumas vezes são incorretamente chamados de sociólogos. O sociólogo no papel profissional de cientista social, tende a ser um cientista puro dedicado à descoberta e ao ensino da verdade e, ocasionalmente, a fazer prognósticos sociológicos. O sociólogo pode atuar como um cientista aplicado quando empregado como técnico ou consultor, ou no papel de cidadão privado. Se os sociólogos, como cientistas e mestres, devem selecionar, recomendar e promover ativamente as políticas que, segundo acreditam, a sociedade deve seguir, é uma questão ainda pendente. O estudo da Sociologia terá êxito somente se o estudante estiver disposto a aprender a respeito de matérias que já lhe parecem conhecidas. Precisa aprender alguns conceitos necessários a uma discussão científica precisa. Desde que haja disposição para um sério envolvimento, pode até encontrar uma carreira em Sociologia no futuro.

Perguntas e trabalhos 1.

Como é que você define Sociologia para uma pessoa sem instrução e sem entendimento dos campos de conheci­ mento acadêmico? Como você a definiria a uma pessoa bem instruída, cuja educação não tivesse incluído cursos de Sociologia?

2.

O que é um sociólogo? De que modo o termo é freqüente­ m ente usado de forma errada?

3.

Qual a diferença entre Ciência Social e Filosofia Social? Qual você julga mais importante?

4.

Os sociólogos estão interessados por reforma social?

5.

Por que algumas vezes os sociólogos são confundidos com socialistas? Qual a diferença? Pode-se ser as duas coisas?

6.

Como você “controla” uma variável? Ao estudar os pos­ síveis efeitos do casamento do estudante no desempenho escolar, que outras variáveis precisariam ser controladas? De que modo poderiam ser controladas?

7.

Por que em Sociologia os estudantes experimentais são bastante raros?

8.

Que precauções são necessárias no uso dos relatos das testemunhas oculares como fontes de dados científicos?

9.

De que modo a técnica de observação participante é dife­ rente de simplesmente olhar as coisas? Não somos todos nós observadores participantes?

10. Quais são os prós e os contras em definir que o papel de professor de Sociologia inclui a promoção ativa, entre os estudantes, de valores, metas e políticas sociais que o próprio professor julga acertados? 11. Quando você participar de um bate-papo informal entre colegas, sobre qualquer assunto, ouça cada declaração com estas perguntas em mente: “Quão cientificamente soa esta assertiva? Baseia-se em fato científico ou em conjetura, folclore e pensamento tendencioso? Poderia ser documentada com fundamentos científicos adequados?” Na conclusão, procure estimar que proporção das assertivas poderia ser cientificamente recheada. 12. Escreva um breve relato impressionista de algum grupo ou comunidade que você observou. Depois arrole diversas de suas generalizações a respeito do grupo e delineie um projeto de pesquisa para coletar os dados empíricos que lhe permitiriam testar a exatidão dessas assertivas. 13. Uma comunidade faz um estudo de corte transversal do desempenho escolar em 1974 e constata que as crianças negras são iguais às brancas em desempenho nas séries mais baixas, mas vão-se atrasando progressiva­ m ente à medida que as séries se tom am mais altas. De que modo isto poderia ser interpretado: (a) como evi­ dência de fracasso escolar? (b) como evidência de melhoria escolar?

Leitura sugerida Adams, Samuel Hopkins. The Juke Myth. Saturday Review, 2 abr. 1955, p. 13 e segs; reimpresso em Edgar A. Schuler

e outros (orgs.). Readings in Sociology, 4? ed., Nova York, Thomas Y. Crowell, 1971. p. 47-51. Relato divertido do

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método por cujo intermédio o autor de um famoso estudo chegou a algumas conclusões altamente duvidosas a respeito de hereditariedade e crime. Allport, Gordon W., J. S. Brunner e E. M. Jandurf. Personality under Social Catastrophe: Ninety Life-histories of the Nazi Revolution. Character and Personality, 10:1-22, 1941; reimpresso em Clyde Kluckhohn e Henry A. Murray (orgs.). Personality in Nature, Society, and Culture. Nova York, A lfred.A . Knopf, 1953. p. 347-66. Mostra como uma coletânea de história de vida pode ser usada para chegar-se a generalizações cientificas. ♦Bates, Alan P. The Sociological Enterprise. Boston, Houghton Mifflin, 1967. Pequena brochura dizendo o que os soció­ logos fazem e como se tornaram sociólogos. O Cap. 5, “Training for Careers in Sociology” , e o Cap. 6, “Careers in Sociology” , são especialmente recomendados. Denzin, Norman K. The Research A c t in Sociology: A Theoretical Introduction to Sociological Methods, Chicago, Aldine, 1970. Discussão algo sofisticada das metodologias e seus pressupostos teóricos. O Cap. 9 tem uma boa apresentação da técnica por observação participante. ♦Douglas, Jack R. (org.). The Relevance o f Sociology. Appleton Century Crofts, 1970. Ensaios relevantes sobre a questão da objetividade, neutralidade axiológica e engajamento em Sociologia. Dynes, Russell R. Organized Behavior in Disaster. Lexington, Mass., D. C. Heath, 1970. Sumário de pesquisa sobre o comportamento e m ' situações de desastre, mostrando como são usados diferentes procedimentos de pesquisa. ♦Freeman, Howard E. e Clarence C. Sherwood. Social Research and Social Policy. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1970. Breve demonstração de como a pesquisa social pode ser destinada a contribuir para a política social humana.

♦Labovitz, Sanford e Robert Hagedorn. Introduction to Social Research. Nova York, McGraw-Hill, 1971. Breve e agra­ dável leitura explicativa da metodologia de pesquisa, com informação suficiente para que o estudante interprete bem pesquisas sofisticadas. Lantz, Herman R. People o f Coal Town. Carbondale, 111., Southern Illinois University Press, 1971. Extenso estudo de caso impressionista de uma comunidade. Dá poucos dados estatísticos e não faz generalizações abrangentes, mas apresenta algumas hipóteses e uma interessante des­ crição sociológica. Lazarsfeld, Paul F., William H. Sewell e Harold L. Wilensky. The Uses o f Sociology. Nova York, Basic Books, 1967. Exame global das aplicações práticas da Sociologia a uma vasta gama de problemas. ♦Petersen, William (org.). American Social Pattems. Garden City, N.Y., Doubleday, 1956. Uma brochura Anchor con­ tendo boa coletânea de exemplos de pesquisa sociológica. Phillips, Bernard S. Social Research. Nova York, The Macmillan Company, 1971. Texto-padrão em métodos de pesquisa social. Shostak, Arthur B. (org.). Putting Sociology to Work: Case Studies in the Application o f Sociology to M odem Social Problems. Nova York, David McKay, 1974. Mostra como os sociólogos podem participar de sólidos programas de ação. Statistical Abstract o f the United States, publicado anualmente pelo Bureau of the Census, e The World Almanac and B ook o f Facts, publicado anualmente pela Newspaper Enterprise Association. Duas úteis fontes de dados esta­ tísticos e informação real sobre praticamente qualquer assunto, disponível em qualquer biblioteca. Todo estudante deve familiarizar-se com elas.

DOIS / CULTURA E PERSONALIDADE

A Parte Dois mostra como os seres humanos criam um tipo intricado de ajustamento à vida chamado cultura e como esta, por sua vez, molda seu comportamento. O Capítulo 3, "Estrutura da Cultura” , diz o que é a cultura e como se torna uma parte da vida humana. O Capítulo 4, "Evolução da Cultura", trata dos processos através dos quais a cultura cresce e se desenvolve. O Capítulo 5, "Personalidade e Socialização", mostra como é desenvolvida a personalidade do indivíduo por interação de hereditariedade, ambiente, cultura e a experiência grupai e única. No Capítulo 6, "Papel e S tatus" , vemos de que modo se organiza a maioria dos comportamentos em uma série de papéis que os homens e as mulheres podem preencher facilmente, mas unicamente se para tanto estiverem preparados. O Capítulo 7, "Controle Social e Desvio Social", mostra como a maioria das pessoas é levada a agir como se espera que ajam, e procura explicar os desvios da minoria.

3. Estrutura da cultura Consideremos a manhã de um estudante de facul­ dade norte-americana. Desperta sobre um grande e macio acolchoado mantido acima do chão por uma armação de madeira e coberto com diversas camadas de tecido suave, entre os quais dorme. É despertado em um momento cuidadosamente predeterminado pelo retinir do som de uma diminuta caixa numa plata­ forma próxima de seu acolchoado para dormir. Estende o braço, silencia a caixa e depois de coçar-se várias vezes e grunhir, levanta-se e entra em um pequeno compartimento junto ao'quarto e olha fixamente para uma grande superfície brilhante que reflete sua imagem. Passa a mão pelo rosto e com os dedos pega um pequeno objeto com uma aguda superfície cortante, depois, coloca-a no lugar e sacode a cabeça. Torce alguns botões e a água jorra de pequenos pedúnculos e enche uma bacia, dentro da qual ele mergulha e se debate. Espreme uma coisa branca em um pequeno bastão com um tufo e esfrega na boca enquanto faz espuma e saliva. Enxuga-se em um grande tecido macio, volta e faz diversas escolhas de uma grande quantidade de tecidos de várias cores que estão moldados para se ajustarem a diferentes partes de seu corpo. Depois, deixa seu quarto e se encaminha para uma sala muito maior onde ele e muitos outros estudantes formam uma fila indiana. Cada um é servido de alimento que critica em voz alta e consome com avidez. Depois de comer, deixa o prédio e aproxima-se de uma larga passagem que está cheia de vagões de passageiros que se movi­ mentam com muita rapidez e passam muito perto entre si sem se tocarem, já que cada um permanece de um certo lado de sua trilha. Ele contempla uma luz colo­ rida acima da trilha até que ela muda de cor, o vagão pára e ele cruza a trilha. À sua frente observa uma jovem e pensa em pedir-lhe um encontro e ficarem

um frente ao outro e pular para cima e para baixo todas as vezes em que ruídos fortes são feitos por uma equipe de fazedores profissionais de barulho. Deixando tudo isso de lado, dirige-se com pressa para um grande prédio, procura uma determinada sala, despeja-se em uma cadeira e murmura para um outro estudante: "O que é esse troço chamado 'cultura' de que este prof. está sempre falando?" Um jovem Purari na Nova Guiné desperta de seu sono quando o sol se ergue. Estava dormindo em uma esteira de junco no chão da casa dos homens. Com outro jovem solteiro, dorme aqui porque seria chocante e indecente que dormisse na mesma casa com seus parentes do sexo feminino. Boceja, espicha-se e ergue-se para executar a primeira tarefa do dia que lhe foi atri­ buída — verifica a fileira de crânios humanos nas prateleiras de exibição, para ver se estão alinhadas e em ordem. Contempla-os e lembra-se dos poderosos inimigos que representam. Desejava ter idade suficiente para partilhar da próxima festa canibal. Assim, os poderes do inimigo surgiriam através de seus próprios músculos e sua astúcia, a do inimigo, se alojaria em seu próprio cérebro! Na verdade, deve ser formidável ser um guerreiro Purari! Mas, entrementes, há trabalho a ser feito. Dá um mergulho rápido na corrente barrenta e depois vai à casa do pai para um desjejum de sagu. Encontra a mãe e as irmãs na casa e, por isso, volta à casa dos homens para ingerir seu desjejum, como deve proceder qualquer jovem de boas maneiras. Já que o trabalho de hoje deve ser caçada aos porcos, ele apanha o arco e as flechas e junta-se a outros jovens, principalmente parentes do lado paterno da família. Enquanto estão esperando, uma donzela Purari passa casualmente com sua saia de palha balançando alegremente e- ele

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conversa com ela por um momento. Desconfia que ela pode gostar dele, mas seus dedos nem aos menos se tocam, porque ambos estão acima de qualquer exibição vulgar. Quando o bando parte para a selva, o irmão mais moço da jovem aparece e quietamente caminha junto com ele. Quieto e sem nada dizer, este menino coloca um pequeno presente — um rolo de folhas de fumo — na mão do moço e desaparece. Agora, o passo do jovem se torna mais elástico e a postura de seus ombros é mais segura. Agora sabe que a moça

gosta dele e que a cara mágica do amor que ele colocou sob sua esteira de dormir, na noite anterior, funcionou bem. Na verdade, deve ser bom ser um guerreiro Purari, mas nesse meio tempo é bom ser um jovem Purari! Para descrições dos Purari, ver F. E. Williams. The Natives of the Purari Delta. Anthropological Report NP 5, Port Moresby, Território da Papuásia, 1924; J. H. Holmes. In Primitive New Guinea. Nova York, G. P. Putnam's Sons, 1924. Robert F. Maher. The New Men of Papua. Madison, The University o f Wisconsin Press, 1961.

onforme indicam estes dois quadros, uma faturados, como ferramentas, mobília, automóveis, determinada situação social deriva seu signi­ prédios, canais de irrigação, fazendas cultivadas, ficado da cultura em que ocorre. Uma situação estradas, pontes e, na verdade, qualquer substância tem significados muito diferentes em duas física que foi modificada e usada pelo povo. Estes objetos manufaturados são chamados artefatos. No sociedades diferentes. Os membros de cada sociedade estão tão completamente imersos em sua própria massa jogo de beisebol, por exemplo, as luvas, bastões, uni­ de crenças e costumes, que geralmente deixam de formes e tribunas são alguns elementos da cultura sentir que estão obedecendo à crença e ao costume material. A cultura não-material deve incluir as regras e não ponderam porque acreditam e agem da maneira do jogo, a perícia dos jogadores, os conceitos de estra­ por que o fazem. Somente saindo imaginativamente tégia e o comportamento tradicional dos jogadores da própria massa de crenças e costumes é que uma e dos espectadores. A cultura material é sempre conse­ pessoa pode ter consciência de sua verdadeira natureza. qüência da cultura não-material e não tem significado Das experiências de sua vida, as pessoas desenvolvem sem ela. Se o jogo de beisebol for esquecido, um bastão um conjunto de regras e procedimentos para a satis­ torna-se apenas um pedaço de madeira. fação de suas necessidades. Este conjunto de regras e procedimentos, juntamente com um conjunto-suporte de idéias e valores é chamado de cultura. Este capítulo e o seguinte dedicam-se à explicação deste conceito muito importante. Comumente dizemos que uma pessoa tem cultura se pode identificar árias de óperas, ler um cardápio em francês e escolher o garfo certo. Mas as pessoas que se aborrecem com os clássicos, que comem ervilhas com a faca e falam intercalando palavras de cinco letras também têm cultura. Como a maioria dos con­ ceitos sociológicos, cultura é uma palavra que tem significados popular e sociológico. A cultura material consiste em qualquer substância física que foi A definição clássica de cultura, formulada por Sir modificada por intervenção humana. Edward Tylor [1871, v. 1, p. 1], diz: “Cultura ( .. .) é aquele todo complexo que inclui conhecimento, A destruição da Segunda Guerra Mundial, embora crença, arte, moral, direito, costume e outras capaci­ a mais extensa da História, deixou pouca impressão dades e hábitos adquiridos pelo homem como membro física duradoura, porque o povo reteve o conhecimento da sociedade”. Enunciada de maneira mais simples, e as habilidades (cultura não-material) necessárias cultura é tudo que é socialmente aprendido e partilhado à reconstrução de suas cidades arruinadas. Por outro pelos membros de uma sociedade. O indivíduo recebe lado, as pirâmides do Egito não seriam reconstruídas, cultura como parte de uma herança social e, por sua porque estão inteiramente divorciadas da cultura nãovez, pode remoldá-la e introduzir mudanças que, então, material que levou à sua construção — cultura que em parte se tornam a herança das gerações vindouras. devia incluir tanto os métodos de construção como Esta herança social pode ser dividida em cultura os valores que inspiraram os faraós a erigir tais monu­ material e não-material. A cultura não-material consiste mentos. Hoje, o sistema de valores que motivou seu nas palavras que o povo usa, idéias, costumes, crenças comportamento desapareceu, e as pirâmides são mera­ e hábitos. A cultura material consiste nos objetos manu- mente monumentos de uma cultura morta, de interesse

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apenas como atração turística. É provável que o povo dê grande valor às partes suntuosas da cultura material, ainda que possam ser facilmente substituídas, se a cultura não-material relevante for ativa, ou podem ser completamente inúteis, se a cultura não-material que as produziu desapareceu. Já que a herança de idéias é a parte mais importante da cultura humana, a ênfase principal deste livro será sobre esta cultura não-material. Enquanto uma cultura é um sistema de normas e valores, uma sociedade é um grupo humano relativa­ mente independente, que se autoperpetua, partilha de uma cultura e desenvolve a maioria de suas interações dentro deste grupo. Este grupo pode ter contato com outras, sociedades, mas se estas se tomarem muito numerosas, as fronteiras societárias tornam-se esmae­ cidas. Por exemplo, as tribos dos índios norte-americanos indubitavelmente foram sociedades antes da chegada dos europeus, mas hoje tantas de suas atividades são com outros grupos, que é duvidoso que cada tribo ainda seja uma sociedade. Conforme a definição de Lenski, “Uma sociedade existe na extensão em que a população territorialmente limitada mantenha vínculos de associação e independência e desfrute de autonomia” [Lenski, 1970, p. 9], Assim, as fronteiras societárias podem ser mais ou menos claramente definidas de acordo com o quanto de interação social ocorre com pessoas fora dessa sociedade. Os vínculos de associação e interdependência que juntam as pessoas em uma sociedade, obviamente são parte da cultura. Sem sociedades, a cultura não poderia desenvolver-se. E, no entanto, as fronteiras da cultura e da sociedade nem sempre são idênticas. Por exemplo, o Direito Romano é o fundamento do sistema legal tanto na França como na Alemanha e estas, no entanto, são consideradas sociedades separadas. Inversamente, certos aspectos de uma cultura podem deixar de disseminar-se através da sociedade inteira. Uma socie­ dade única pode incluir duas ou mais línguas e diversas religiões. As culturas existem dentro de sociedades; todavia, certos aspectos da cultura podem não ser partilhados por todos os seus membros, e outros aspectos podem estender-se além das fronteiras da sociedade.

Cultura como sistema de normas Já que a cultura nos diz a maneira pela qual as coisas devem ser feitas, dizemos que a cultura é normativa, um outro modo de dizer que proporciona padrões para a conduta apropriada. Para um aperto de mãos estendemos a mão direita; nossa cultura define isto como apropriado. Para coçar a cabeça, usamos qualquer de nossas mãos; nossa cultura não tem normas para

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isso. O termo “norma” tem dois significados possíveis. Uma norma estatística é um conceito do que se espera que exista. Os famosos estudos Kinsey procuraram encontrar algumas normas estatísticas do comporta­ mento sexual nos EUA. Esse esforço enfureceu muitas pessoas, que confundiram normas estatísticas com culturais. A norma estatística é uma medida de conduta real e não indica aprovação ou desaprovação da ação medida. A norma cultural é um conjunto de expectativas de comportamento, uma imagem cultural de como se supõe que as pessoas devem agir. Uma cultura é um sistema elaborado de tais normas — de maneiras padro­ nizadas e esperadas de sentir e de agir —que os membros de uma sociedade seguem mais ou menos perfeita­ mente. Exceto quando indicado, é às normas culturais que o sociólogo se refere. Estas são de diversas espécies e vários graus de compulsão, como se pode ver na classificação que vem a seguir.

Hábitos e tradições populares (Folkways)

A vida social em todos os lugares é cheia de pro­ blemas — como extrair o viver da natureza, como dividir os frutos do trabalho ou da boa sorte, como nos rela­ cionarmos agradavelmente uns com os outros, e muitos mais. Os seres humanos parecem ter tentado todas as maneiras possíveis de tratar desses problemas. Diferentes sociedades encontraram ampla variedade de padrões que funcionam. Um grupo pode alimentar-se uma, duas ou várias vezes por dia; pode fazê-lo de pé, sentado em cadeiras ou acocorado; seus componentes podem comer em conjunto, utilizando os dedos ou alguma espécie de utensílio; podem começar com vinho e terminar com peixe, começar com peixe e terminar com vinho, ou podem rejeitar as duas coisas como não-comestíveis. E assim a coisa se estende a milhares de itens do comportamento. Cada traço é uma seleção de numerosas possibilidades, todas elas funcionando mais ou menos. Por meio de ensaio e erro, ou por puro acidente, ou por alguma influência desconhecida, um grupo chega a uma dessas possibilidades, repete-a e aceita-a como a maneira normal de atender a determi­ nada necessidade. Isso é passado a gerações que se sucedem e se torna uma das maneiras do povo —donde um folkway. “Folkways" são simplesmente as maneiras normais e habituais de um grupo fazer as coisas. Apertar as mãos, comer com garfos e facas, usar gravatas em certas ocasiões e camisas-esporte em outras, dirigir do lado direito de uma via e comer torradas no desjejum são alguns dos muitos folkways norte-americanos. As novas gerações absorvem os folkways, parcial­ mente por ensinamento deliberado, mas principalmente por observação e por tomar parte na vida em relação a eles. As crianças estão cercadas de folkways. Já que

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de alimentos, que fazem com que bois, porcos e cavalos não sejam apropriados para comer; tabus de pudor, que proíbem expor o rosto, o calcanhar, o pulse, o seio ou o que quer que seja considerado “indecente” ; tabus de linguagem, que proíbem o uso de certas palavras sagradas ou obscenas; e muitos outros. Estes tabus parecem muito importantes para os que neles acreditam, mas podem ser completamente desco­ nhecidos em outras culturas e parecem não ter conexão necessária com o bem-estar do grupo. Não é necessário Folkways sao simplesmente as maneiras costumeiras de um que o ato proibido pelas normas seja realmente nocivo. grupo fazer as coisas. Se uma sociedade acredita que o ato é prejudicial, este é condenado pelas normas, que não passam de crenças constantemente vêem estas maneiras de fazer as a respeito do que os atos têm de certo ou de errado. coisas, estas se tornam as únicas reais. Se acontece As normas não são deliberadamente inventadas ou de a criança ouvir falar dos costumes de outros grupos, imaginadas porque alguém decide que devem ser uma estes parecem estranhas esquisitices e não modos boa idéia. Surgem gradualmente de práticas habituais práticos e rcalísticos de realizar as coisas. Até mesmo dos povos, cm grande parte sem escolha ou intenção a mais primitiva sociedade terá alguns milhares de consciente. As normas surgem de uma decisão de grupo folkways-, nas modernas sociedades industrializadas, de que um determinado ato parece nocivo e precisa eles se tornam mais numerosos e intermeados. Gassificar ser proibido (ou, inversamente, que um determinado o folkway apropriado torna-se tão difícil que Emily ato é necessário e tem de ser exigido). Originariamente, Post conseguiu ganhar imensa fortuna como intérprete portanto, as normas são um julgamento prático de um dos folkways norte-americanos, embora seu alentado grupo sobre o bem-estar grupai. Por exemplo, supo­ volume não catalogue os que são seguidos por todos nhamos que por alguma coincidência diversos membros os norte-americanos, mas arrole somente os folkways de uma tribo sofram acidentes graves depois de nadarem não-ocupacionais das classes urbanas superiores. em uma lagoa. A tribo tira a conclusão lógica de que há alguma coisa perigosa a respeito da lagoa. Assim que a tribo concordar firmemente que as pessoas devem Normas (mores) manter-se afastadas dela, as normas definiram este ato como errado. Daí por diante, os que nadarem nessa Alguns dos folkways são mais importantes que lagoa têm a probabilidade de se darem mal, e os outros outros. Se uma pessoa usa o garfo errado para uma que sabem de seu ato esperarão para ver como os salada, há um embaraço momentâneo, sem grande transgressores serão punidos. Assim, qualquer infor­ mal. Mas se, em nossa sociedade, uma mulher escolhe túnio será interpretado como uma punição e reforçará qualquer pessoa que não o marido para ser o pai de estas normas. Antes que decorra muito tempo, a origem seu filho, muitos aspectos da obrigação financeira, dessa norma ficará esquecida, e o povo pensará que um direitos de herança de propriedades, relacionamentos mergulho nesta lagoa é errado de si e por si, não apenas de família e ligação sentimental se perturbam. Por porque parece ter sido seguido de infortúnio. Desta conseguinte, reconhecemos duas classes de folkw ays: maneira, os mores, que se originam como julgamentos (1) os que devem ser seguidos como questão de boas práticos de um grupo, dos efeitos das ações, transfor­ maneiras e comportamento polido, e (2) os que têm mam-se em absolutos — em coisas que são certas porque de ser seguidos porque se acredita sejam essenciais são certas ou são erradas porque são erradas. Em outras ao bem-estar do grupo. Estas idéias do certo e do palavras, os “mores" ou as normas adquirem validade errado, que se vinculam a certos folkways, são chamadas própria e chances de autoperpetuação. Tornam-se sagra­ normas. Por normas queremos dizer as fortes idéias dos. Questioná-los é indecente e violá-los é intolerável. do que é certo e do que è errado, as quais exigem certos Toda sociedade pune os que violam suas normas. atos e proíbem outros. (Mores é o plural da palavra As normas são ensinadas aos jovens, não como um latina mos, porém a forma singular raramente aparece conjunto de expedientes práticos, mas como um con­ na literatura sociológica.) junto de princípios sagrados e absolutos. Todas as vezes Normalmente os membros de uma sociedade parti­ em que as normas se estabelecem firmemente, a obe­ lham de uma fé sublime de que a violação de suas diência é automática. Quando totalmente internalizadas, normas trará desastre para eles. Os de fora, porém, as normas controlam o comportamento, por tornarem muitas vezes vêem que pelo menos algumas das normas psicologicamente muito difícil cometer o ato proibido. do grupo são irracionais. Podem incluir tabus a respeito Por exemplo, não nos abstemos de comer nossos filhos

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ou nossos inimigos pela decisão intelectual de que o canibalismo não é prático ou desperdiçador, mas porque a idéia de canibalismo é tão repelente, que o pensa­ mento de comer carne humana nunca nos ocorre seria­ mente. Na maioria, seriamos incapazes de comer carne humana, ainda que o tentássemos. As normas funcionam tornando sua violação emocionalmente impossível. Em uma sociedade com um conjunto de normas clara­ mente definidas e firmemente implantadas, existe muito pouca conduta pessoal desviante. Algumas pessoas alegam que as normas são apenas um grupo de opiniões e não são a mesma coisa que o “real” certo ou errado. Argumentam em prol de padrões absolutos de moralidade, dizendo que a natureza do universo torna certas ações definitivamente erradas e outras definitivamente certas, não importando a ocasião, o lugar ou as circunstâncias. Esta é uma importante questão ética, mas que usualmente só teve significado para filósofos e teólogos. No que tange ao comportamento da maioria das pessoas, os mores são simplesmente uma outra palavra para o “real” certo ou errado. Porque, conforme Sumner [1906] observou, as normas podem tornar qualquer coisa certa e prevenir a condenação de qualquer coisa. Os exemplos de definições contrastantes de certo e de errado pelas normas são numerosos. Algumas destas opiniões morais com efeito parecem bizarras a um observador ocidental: Os Kurtachi defecam em público e alimentam-se privadamente; as balinesas expõem os seios e ocultam as pernas; os homens de Buganda precisam estar totalmente vestidos e as mulheres podem andar nuas [Stephens, 1940]. Igualmente, os mores das sociedades ocidentais muitas vezes endossaram padrões que parecem esqui­ sitos a um observador contemporâneo. Os mores medievais tornaram certo que a Igreja tolerasse a prostituição e até partilhasse de sua renda. A maioria dos eclesiásticos da Reforma, católicos e protestantes, que ordenaram a tortura e a cremação de hereges, não era constituída de homens maus ou cruéis, mas de homens decentes e muitas vezes bondosos que faziam o que as normas do tempo e do lugar exigiam que fizessem. Os mores de nosso passado recente aprovaram o trabalho da criança, a escravatura, a perseguição das minorias e condenaram o pacifismo, o voto das mulheres e a educação sexual. Em todas as ocasiões e lugares, os que são bons sentem-se puros e com razão quando seguem os mores, quaisquer que estes possam ser.

Instituições

Alguns aglomerados de folkways e mores são mais importantes do que outros; por exemplo, os que dizem

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respeito à formação de famílias e criação dos filhos são mais importantes do que os concernentes ao jogo de futebol. Os aglomerados organizados de hábitos, padrões e normas que tratam de funções que a sociedade considera como altamente importantes, são incorpo­ rados nas instituições sociais da sociedade. As insti­ tuições incluem normas de comportamento, valores, ideais e sistemas de relacionamentos sociais. Para uma definição formal sugerimos: Uma instituição é um sistema organizado de relacionamentos sociais que incorporam certos valores e procedimentos comuns e atendem a certas necessidades básicas da sociedade. Na maioria das sociedades complexas há cinco insti­ tuições “básicas” , a saber: família, religião, governo, educação e organização de atividades econômicas. Além destas, o conceito vai-se estreitando em aglome­ rados menos significantes de padrões de comportamento, como os que cercam o beisebol, a caça ou a apicultura, que algumas vezes são livremente chamadas de insti­ tuições, mas que provavelmente não devem ser incluídas por serem tão menos importantes. As instituições se encontram entre as normas mais formais e compulsórias de uma sociedade. Como já foi delineado, os hábitos ou folkways emergem da experiência de ensaio e erro do grupo; alguns desses hábitos ou folkways passam a ser considerados como essenciais ao bem-estar grupai e, por isso, são enqua­ drados pelas normas; quando os hábitos e normas que cercam uma atividade importante se tornam organi­ zados em um sistema bastante formal e obrigatório de crença e comportamento, desenvolve-se uma insti­ tuição. Por exemplo, o serviço bancário, a empresa de fundo acionário, os mercados de investimento, as contas bancárias de movimento e a negociação coletiva são instituições econômicas que começaram com o simples escambo há milhares de anos e passaram por muitos estágios de desenvolvimento. Assim, uma instituição inclui um conjunto de padrões de compor­ tamento que se tornaram altamente padronizados, um conjunto de normas, atitudes e valores e, geral­ mente, um corpo de tradições, rituais e cerimônias, símbolos e paramentos, e outras parafernálias. As instituições sociais serão tratadas com pormenores em capítulos posteriores, mas são aqui introduzidas porque o conceito precisa ser usado ao longo de nossa discussão.

Leis

Conquanto algumas das normas funcionem simples­ mente enquanto tais, há forte tendência para que sejam incorporadas às leis de uma sociedade. Muitas pessoas obedecerão às normas automaticamente, ou porque desejam fazer a coisa “certa”. Algumas, porém, sentem-

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se tentadas a violá-las. Elas podem ser forçadas a se conformarem pela ameaça de punição legal. Assim, a lei serve para reforçar as normas. Os que não quiserem conformar-se serão punidos, presos ou até mesmo executados. Algumas vezes as leis não se harmonizam com as normas, e sua imposição se torna difícil — tópico que discutiremos mais extensamente no Capí­ tulo 15.

sociólogos [Odum, 1947, p. 227-9] têm usado o termo stateways para incluir toda esta máquina regulamentadora do Estado, e é um rótulo útil, porque o termo lei é usado em muitos outros contextos. As leis cientí­ ficas, por exemplo, são enunciados de uma “seqüência ordenada e confiável, presumivelmente de caráter causativo” [Fairchild, 1957, p. 171].

Estrutura da cultura Uma cultura não é simplesmente uma acumulação de hábitos e normas; é um sistema organizado de comportamento. Examinemos algumas das maneiras pelas quais tal sistema se organiza.

Traços e complexos culturais Algumas vezes as leis não se harmonizam com as normas.

As normas se modificam, e as ações que estimulavam em uma dada época podem ser proibidas em outra. Contudo, a mudança raramente é consciente ou deli­ berada; é, de fato, uma adaptação gradual a circuns­ tâncias que se alteram. Nenhuma legislação, por exemplo, decretou o fim do acompanhamento de uma jovem em público por uma aia; o hábito simples­ mente foi deixando de ser seguido quando o surgimento do transporte automotivo limitou o controle das gerações mais velhas sobre as mais jovens. Igualmente, não foram as mudanças formais nas leis, mas o avanço do conhecimento científico que finalmente terminou com a cremação das infelizes mulheres tidas como bruxas. Por sua natureza, a mudança desse primeiro tipo é usualmente lenta, ao passo que as mudanças rápidas na vida modema amiúde parecem .exigir a modificação rápida de nossas práticas. Estas mudanças são geral­ mente decretadas, na medida em que resultam de escolha deliberada e não de tendências espontâneas. Em contraste com a variação gradual, a mudança decre­ tada pode parecer dura e abrupta e pode até encontrar resistências por parte de muitas pessoas. Entretanto, o ritmo da vida moderna exige decisão rápida em muitas áreas, e grande parte da legislação modema é um exemplo de mudança decretada. Foi desenvolvida uma vasta quantidade de leis e regulamentos — códigos de obras, decretos de zoneamento, leis comerciais, códigos de trânsito, e muitas outras - a fim de regulamentar matérias excessivamente detalhadas, especializadas, técnicas ou mutáveis para serem controladas com sucesso pelas normas. Alguns

A menor unidade de cultura é chamada de traço. É uma definição algo arbitrária, porque o que é uma única unidade para um indivíduo pode parecer uma combinação de unidades para outro. A definição de Hoebel [1949, p. 499] é pertinente neste ponto: “Uma unidade reconhecidamente irredutível de um padrão de comportamento aprendido ou um produto material desse padrão”. Os traços da cultura material devem incluir coisas tais como o prego, a chave de fenda, o lápis e o lenço. Os traços da cultura não-material devem incluir ações tais como os apertos de mãos, fazer acenos tirando os chapéus, a prática de dirigir do lado direito da via, o beijo como um gesto de afeição entre os sexos ou a saudação à bandeira. Cada cultura inclui milhares de traços e alguns dos mais disseminados são parte de muitas culturas. A dança é um traço? Não; é uma coletânea de traços, incluindo os passos de dança, algum critério para a escolha dos que vão dançar e um acompanhamento musical ou rítmico. Mais importante que tudo, a dança tem um significado — como um cerimonial religioso, um rito mágico, um namoro, uma orgia festiva ou alguma outra coisa. Todos estes elementos se combinam para formar um complexo de cultura, um aglomerado de traços relacionados. Um outro aglomerado de objetos, habilidades e atitudes forma o complexo do futebol.1 A oração de graças, a leitura da Bíblia, as preces da noite podem formar um complexo religioso da família. Igualmente, existe um complexo do namoro que inclui muitas atividades e atitudes com as quais òs estudantes podem estar familiarizados.

1 Este termo não deve ser confundido com o termo de Psicologia (por exemplo, complexo de inferioridade), no qual o significado é completamente diferente.

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0 complexo é algo intermediário entre traço e insti­ tuição. Uma instituição é uma série de complexos centrados em uma atividade importante. Assim, a família inclui o complexo do namoro, o complexo do noivado e casamento, o complexo da lua-de-mel, e diversos outros. Alguns complexos são partes de instituições; outros, girando em tom o de atividades menos importantes — como colecionar selos — são simplesmente complexos independentes.

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Entre os intelectuais, C. P. Snow acredita que existe um grande bloqueio de comunicação entre as culturas científica e literária. Julga ele que os cientistas rara­ mente lêem livros ou revistas em que figuras literárias argumentam as questões do dia, enquanto o mundo literário em geral não está cônscio até mesmo dos mais básicos desenvolvimentos científicos. Por isso, dois importantes segmentos de nossa sociedade estão tão confinados dentro de atitudes e padrões de compor­ tamento, mutuamente exclusivos, que qualquer inter­ câmbio de idéias é extremamente difícil [Snow, 1963],

Subculturas e contraculturas

Cada sociedade moderna inclui alguns grupos de pessoas que participam de alguns complexos, alguns dos quais não são partilhados pelo resto dessa socie­ dade. Os grupos imigrantes, por exemplo, desenvolvem uma mescla de cultura de sua nação anfitriã e da mãepátria. Os grupos econômicos, de status alto, baixo ou médio, usualmente desenvolvem maneiras de com­ portamento que os marcam, separando-os do resto da sociedade. O adolescente tem estilos especiais de comportamento, de pensamento e vestuário, e um vocabulário privado que dificilmente os adultos podem traduzir, podendo-se assim falar de uma “cultura da juventude” . As instituições tendem a produzir padrões de comportamento não exigidos fora do ambiente institucional, e as expressões “cultura da escola” ou “cultura da fábrica” sugerem conjuntos especiais de padrões de comportamento. Termos como ‘Vida de caserna” , “rato de igreja” e “torre de marfim” evocam quadros de um ambiente cultural especializado. Aglomerados de padrões como estes, que são rela­ cionados à cultura geral da sociedade e ainda assim se distinguem dela, são chamados de subcultura. As subculturas em nossa sociedade incluem as ocupacionais, religiosas, nacionais, regionais, classes sociais, etárias, de sexo, e muitas outras. A literatura é abundante em descrições de subculturas, que vão desde os estudos sérios de Howell acerca da vida em família nas classes baixas, Hard Living on Clay Street [1973], ou estudo de Liebow sobre os pretos em Talley’s Comer [1967], até a descrição descuidosa do carnaval, de Clausen, I Love You Honey, but the Season’s Over [1961]. As subculturas são importantes porque cada socie­ dade complexa tem, não uma única cultura uniforme, mas um núcleo comum de traços e complexos, mais um sortimento de subculturas. O indivíduo vive e atua principalmente dentro de algumas destas sub­ culturas. O imigrante pode viver dentro da subcultura imigrante, e a esposa de um militar em um lugar onde o marido serve pode ter muito pouco contato com as pessoas ou os valores civis. A criança passa por diversas subculturas etárias, muitas vezes afligindo a mãe, que aplica os valores de uma outra subcultura etária.

Existe um im portante bloqueio de comunicação entre a sub­ cultura científica e a lkerária.

Diversos sociólogos julgam que o termo contracul­ tura deve ser aplicado para designar os grupos que não apenas diferem dos padrões dominantes, mas que também contestam radicalmente tais padrões. O bando delinqüente, por exemplo, não é um grupo sem padrões ou valores morais; tem padrões muito definidos e um conjunto bastante obrigatório de valores morais, mas que são completamente opostos aos preceitos conven­ cionais da classe média. Os jovens treinados nesta cultura são influenciados contra as normas culturais dominantes; por isso são “contraculturais”. Igualmente, o hippie conforma-se a uma cultura que retrata o tra­ balho como indesejável, a castidade como “quadrada”, o patriotismo ostensivo como “ultrapassado”, e a acumulação de posses materiais como irrelevante [Yablonsky, 1968; Roszak, 1969], A maioria das subculturas serve para reforçar os padrões culturais predominantes, por oferecer uma variedade de maneiras pelas quais o indivíduo pode responder aos valores básicos da sociedade maior, ao mesmo tempo em que ainda retém fidelidade para com sua subcultura particular. Por outro lado, a contra­ cultura serve para reforçar a rejeição por parte do indivíduo das maneiras padronizadas da sociedade. Os delinqüentes podem ser acusados de deslealdade para com as normas e costumes convencionais, mas confortam-se pela aderência resoluta às normas do bando.

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As contraculturas surgem das necessidades de os indivíduos encontrarem apoio grupai para sua falha em seguir os padrões dominantes [Yinger, 1965, p. 233], O crescimento dessas contraculturas talvez expresse o teor da frustração dentro de uma sociedade.

um povo tende a rejeitar ou descartar-se de elementos desarmoniosos, ganhando com essa eliminação uma cultura razoavelmente integrada. A falha em compreender a integração da cultura leva a muitas outras no tratamento com outras culturas. Quando os índios norte-americanos foram postos em reservas e supridos de gado pelo governo, caçavam o gado em lugar de criá-los e ordenhá-los como se esperava. A idéia de criar e ordenhar não se enquadrava em coisa alguma de sua cultura; a introdução de um complexo completamente estranho era muito mais complicada do que a princípio se imaginava. Atual­ mente, a industrialização das áreas subdesenvolvidas do mundo está atrasada porque os padrões “atrasados” estão estreitamente imbricados na cultura nativa. Por exemplo, os bantos da África do Sul estão transfor­ mando suas terras em excesso de pastagens com rebanhos excessivamente grandes de gado esquelético e doente. A redução dos rebanhos e a criação seletiva são claramente indicadas; mas na cultura banto a riqueza e o status de um homem e sua capacidade para comprar esposas são medidos pelo número de cabeças e não pela qualidade de seu gado. A introdução de práticas cientí­ ficas na criação do gado exigirá mudanças em costumes e valores que se entrelaçam pela cultura inteira. Já que uma cultura é integrada, não podemos modificar uma parte dela sem produzir alguma mudança no todo.

Integração cultural

Etnocentrismo

A cultura dos índios das Planícies centrava-se no búfalo. De sua carcaça tiravam a maior parte de sua cultura material, ao usarem sua carne, couros, tendões, ossos, bexigas e membranas, e muitas outras partes para um propósito ou outro. Sua religião visava princi­ palmente a garantir sucesso na caça ao búfalo. Seu sistema de status media o êxito em grande parte de acordo com a perícia de um homem ao caçar. Sua vida nômade acompanhava o ritmo das migrações dos búfalos. Em outras palavras, as diferentes partes da cultura se ajustavam em um sistema inter-relacionado de práticas e valores. Quando o homem branco exterminou os búfalos, as tribos índias se desinte­ graram porque um ponto focal de sua cultura havia sido destruído. Assim como uma pilha de tijolos não é um lar, uma lista de traços nío é uma cultura. Cultura é um sistema integrado em que cada traço se ajusta ao resto da cultura. Não é por acaso que os povos que vivem da caça cultuam os deuses da caça, que os pescadores cultuam os deuses do mar e que os povos agrícolas cultuam os deuses do sol e da chuva. As diferentes partes de uma cultura precisam ajustar-se para que esta funcione eficientemente. No decorrer do tempo,

Existe uma tribo de esquimós da Groenlândia que chamam a si próprios de Inuit, que se traduz como “o povo real” [Herbert, 1973, p. 2], Sumner chamou a este ponto de vista etnocentrismo, formalmente definido como “a visão das coisas nas quais o grupo da própria pessoa é o centro de tudo, e todos os demais são graduados e classificados em referência a ele” [Sumner, 1906, p. 13]. Enunciado de maneira menos formal, etnocentrismo é o hábito de cada grupo de tomar como certa a superioridade de sua cultura. Supomos, sem pensar ou argumentar, que a monogamia é melhor que a poligamia, que os jovens devem escolher seus próprios cônjuges e que é melhor para os casais jovens viverem sós. Nossa sociedade é “progressista”, ao passo que o mundo não-ocidental é “atrasado” ; a nossa arte é nobre e bela, ao passo que a de outras sociedades é grotesca e deteriorada; nossa religião é verdadeira; as outras são superstições pagãs. O etno­ centrismo faz de nossa cultura um padrão de medida, com o qual medimos todas as demais culturas, que são boas ou más, altas ou baixas, certas ou esquisitas, na proporção em que se parecem com a nossa. Expressase positivamente em frases tais como “povo escolhido”, “progressista”, “raça superior”, “verdadeiros crentes”.

Tais normas os mantêm no comportamento desviante, proclamando que todos roubam, que a “delação” é o pior dos pecados possíveis e que somente os tolos vão à escola, economizam dinheiro ou tentam manter-se em empregos estáveis.

O indivíduo vive e atua principalmente dentro de certas subcultuias.

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e negativamente por epítetos como “demônios estran­ geiros”, “infiéis”, “idólatras”, “povo atrasado”, “bár­ baros” e “selvagens”. Assim como o nativo de Boston, que “não precisava viajar porque já estava lá” , usual­ mente somos rápidos em reconhecer o etnocentrismo nos outros e lentos em vê-lo em nós mesmos. Assim, muitas vezes foi observado que os norte-americanos não tinham a possibilidade de acreditar na alegação de Hitler de que os alemães constituíam uma nação de super-homens, porque sabiam que isso somente podia ser verdade em relação a eles, norte-americanos! Todas as sociedades conhecidas são etnocêntricas. Os povos nativos “atrasados”, ante os quais nos sentimos superiores, têm uma sensação de superioridade em relação a nós. Mesmo enquanto estão adotando nossa tecnologia, em geral consideram o resto de nossa cultura esquisito e absurdo. Worsley descreve a avaliação que os nativos da Nova Guiné fazem do homem branco: Os europeus não eram considerados como todopoderosos, mas sim gente patética e ignorante que facilmente se deixava enganar e roubar. Sua igno­ rância de feitiçaria era lamentável. “Estes não são homens; são meramente deuses”, diziam os nativos, julgando que os brancos eram seres cujas vidas eram inferiores às dos homens viventes. E, também, falavam muito mal as línguas indígenas; por que uma pessoa há de preocupar-se em tentar compreen­ der sua fala grosseira? (Reproduzido, com a per­ missão de Schocken Books, Inc., Nova York e Mac Gibbon & Kee, Ltd., Londres, de Peter Worsley. The Trumpet Shall Sound., 1968. p. 208-209.)

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12. Os norte-americanos sabem lidar com negó­ cios. 13. Os EUA têm a maior produção industrial dentre todas as naçOes. * Os itens 1 e 13 são simples enunciados de fatos. Os itens 4, 5 e 8 enunciam crenças ou preferências sem quaisquer reflexos etnocêntricos nas crenças ou preferências dos outros. Os demais itens são etnocêntricos.

A maioria dos grupos, senão todos, dentro de uma sociedade, também é etnocêntrica. Caplow [1958, p. 105] estudou 55 conjuntos de seis organizações cada, incluindo fraternidades, igrejas, companhias de seguros, faculdades e muitas outras. Descobriu que os membros superestimavam o prestígio de suas próprias organizações com freqüência oito vezes maior do que as subestimavam. Levine e Campbell [1972] apresentam uma lista de vinte e três facetas de uma “síndrome uni­ versal de etnocentrismo” , isto é, respostas etnocêntricas que encontraram em todas as sociedades. Etnocentrismo é uma reação humana universal, encontrada em todas as sociedades, em todos os grupos e praticamente em todos os indivíduos. Numa aparente demonstração algo excepcional de etnocentrismo, algumas pessoas rejeitam seu grupo ou uma certa parte de sua cultura. Existem judeus anti-semitas, pretos que rejeitam e negam sua identi­ dade negra, aristocratas que lideram revoluções, padres que abandonam sua fé, e assim por diante. Esta rejeição do grupo ou da cultura é uma forma de comportamento desviante que será discutida no Capítulo 7.

QUAIS DAS ASSERTIVAS ABAIXO SÃO ETNOCÊNTRICAS?* 1.

A produtividade da mão-de-obra é mais baixa na Guatemala do que nos EUA.

2.

Nunca confie em ninguém com mais de trinta anos.

3.

Desligue essa coisa para que eu possa estudar.

4.

Não gosto de música “rock”.

5.

Não gosto de música clássica.

6.

Os trabalhadores que usam capacete são interesseiros e de mentalidade estreita.

7.

Minha religião é a única que incorpora a verdade.

8.

Acredito em minha religião.

9.

Os políticos são trapaceiros.

10. Os sociólogos têm a resposta para os pro­ blemas sociais. 11. Os orientais são imperscrutáveis.

Ninguém pode deixar de ser etnocêntrico.

Embora o etnocentrismo seja parcialmente uma questão de hábito, é também um produto de cultivo deliberado e inconsciente. A tal ponto somos treinados para ser etnocêntricos que dificilmente qualquer pessoa consegue deixar de sê-lo. Esse complexo de traços culturais que constitui o patriotismo nacional ístico

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talvez seja a maior fonte de etnocentrismo delibera­ damente cultivado. Desde a meninice aprendemos a respeito dos heróis nacionais e da mitologia nacional. Organizações patrióticas por ação espontânea vasculham nossos livros didáticos e atacam quaisquer assertivas que não tenham colorido etnocêntrico. Qualquer pessoa cuja lealdade à nação seja posta em dúvida é denunciada como cidadão indesejável. Assim, os EUA e as Filipinas têm comissões de atividades antiamericanas e antifilipinas que investigam as pessoas suspeitas de se des­ viarem da verdadeira devoção etnocêntrica aos princípios nacionais. Os estudantes dos cursos superiores devem achar fácil de entender o etnocentrismo porque têm grande experiência sob este aspecto. Estão sujeitos a uma bateria de cultivo etnocêntrico desde o momento em que chegam até sua graduação — quando, então, a orga­ nização de ex-alunos passa a atuar. Os jornais e anuários das faculdades, as reuniões estimulantes, as discussões livres, as exibições de troféus, tudo se combina para convencer o neófito de que a “Siwash U.” * tem virtudes únicas que são negadas a todas as instituições menores. A reunião que antecede o convite para um indivíduo fazer parte de uma fraternidade alcança voltagem elevada em termos de doutrinação etnocêntrica. É encenado um drama elaborado para permitir ao candi­ dato perceber como somente uma dada fraternidade, masculina ou feminina, tem os valores sociais, a afiliação ilustre, as tradições brilhantes e o prestígio luminoso que faz da aceitação de seu nome um privilégio. Todas as demais são contrafações, bastando portanto mani­ festar condescendência em relação a seus membros; quanto aos estudantes que não foram cooptados por nenhuma agremiação, nem vale a pena levá-los em conta. Sem o êxito no cultivo do etnocentrismo, poucas agremiações universitárias, masculinas ou femininas, poderiam pagar o que prometem e as celebrações anuais dos ex-alunos seriam um fracasso! Existem muitas outras fontes de etnocentrismo. Quase toda raça, classe social, grupo regional ou de qualquer outra espécie encoraja o etnocentrismo de seus membros.

Personalidade e etnocentrismo

Todos os grupos estimulam o etnocentrismo, mas nem todos os seus membros são igualmente etnocêntricos. Há certa evidência de que muitas pessoas na sociedade norte-americana desenvolvem uma persona­

lidade que é basicamente mais etnocêntrica do que outras. Como podemos explicar isto? Uma resposta é que muitos de nós somos fortemente etnocêntricos como defesa contra nossas próprias inadequações. De certa feita, acreditou-se que a Ciência Social havia estabelecido um nexo definido entre padrões de personalidade e etnocentrismo. Em The Authoritarian Personality, Adorno [1950] constatou que as pessoas etnocêntricas tendiam a ser menos instruídas, socialmente mais retraídas e mais ortodoxas no plano religioso. Nesta abordagem, o etnocentrismo foi definido principalmente como lealdade intensa e sem críticas para com um grupo étnico ou nacional, acoplada a preconceito contra outros grupos étnicos ou nacionais. O problema com esta definição é que ela tende a excluir a consideração de alguns outros tipos de etnocentrismo. Se a lealdade intensa e sem críticas aos pontos de vista de um grupo for o critério de etnocentrismo, então os membros dos círculos tidos como liberais podem ser tão etnocêntricos como os dos círculos conserva­ dores. O conservador pode não ser crítico da ortodoxia religiosa e do patriotismo nacional e estar muito seguro da superioridade de seu próprio grupo étnico e da inferioridade dos outros. O liberal por escolha própria pode ser igualmente rígido em sentido oposto: seguro de que a política externa nacional está sempre errada, a religião ortodoxa é mera superstição e os empresários, operários e políticos invariavelmente são estúpidos ou corruptos [Greeley, 1970; Hoffer, 1969; Lemer, 1969; Lipset e Ladd, 1972], Em qualquer dos casos, a aparente atração do etno­ centrismo é que ele reafirma a pertinência do indivíduo ao grupo ao mesmo tempo em que oferece explicações confortadoramente simples dos fenômenos sociais complexos. Talvez existam características da persona­ lidade associadas a uma aderência excessivamente rígida aos padrões de julgamento dos grupos dos quais somos membros, mas até agora isso não foi provado. Os velhos, os segregados socialmente, os menos ins­ truídos e os politicamente conservadores podem ser etnocêntricos, mas freqüentemente os são também os jovens, os muito instruídos, os muito viajados, os que estão politicamente na “esquerda” e os ricos [Ray, 1971], E óbvio que diferentes tipos de pessoas variam nas idéias sobre os motivos por que são etnocêntricas, mas não se consegue ainda perceber -com clareza em que medida variações de peso se associam a antecedentes sociais ou a tipos de personalidade na determinação do grau em que as pessoas estão sujeitas ao etnocentrismo.

Efeitos do etnocentrismo * Nome de uma agremiação ou fraternidade acadêmica, O etnocentrismo é bom ou mau para as pessoas? dentre as centenas que existem em universidades norte-ameri­ canas. (N. do Revisor técnico.) Primeiramente precisamos definir o que é “bom” e o

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que é “mau” e, mesmo assim, a questão poderia ficar sem solução. 0 etnocentrismo nos coloca em muitas confusões; e, no entanto, é duvidoso que os grupos possam sobreviver sem ele. Promoção da unidade, lealdade e moral do grupo. Os grupos etnocêntricos parecem sobreviver melhor que os tolerantes. O etnocentrismo justifica o sacrifício e santifica o martírio. A atitude “prefiro meus costu­ mes, embora reconheça que, basicamente, talvez não sejam melhores que os seus”, não é a espécie de fé pela qual os crentes dedicados marcharão cantando para suas mortes. O etnocentrismo reforça o nacionalismo e o patrio­ tismo. Sem etnocentrismo, provavelmente será impos­ sível uma vigorosa consciência nacional. O nacionalismo não é senão um outro nível de lealdade de grupo. Os períodos de tensão e conflito nacionais são sempre acompanhados de intensa propaganda etnocêntrica. Talvez essa campanha seja uma preparação emocional necessária para os sacrifícios esperados. Proteção contra a mudança. Se nossa cultura já é a mais perfeita do mundo, então para que “reinar” com inovações alienígenas? Desde os hebreus bíblicos até o Japão do século XIX, o etnocentrismo foi usado para desencorajar a aceitação de elementos alienígenas na cultura. Estes esforços para evitar mudança na cultura jamais conseguem total êxito; a mudança chegou tanto para os hebreus como para os japoneses. Mas, se o povo partilha de uma fé serena e inquestionável no que sua cultura tem de bom — uma convicção tão completamente aceita que não há necessidade de provar coisa alguma —a mudança é retardada.

O etnocentrismo também atua para desencorajar a mudança.

Embora o etnocentrismo proporcione racionalização para os privilegiados, também traz compensação aos de baixo status. Pode-se ver um exemplo na atitude dos “brancos pobres” do Sul em relação aos negros. Myrdal [1944, p. 597-9] constatou que os brancos pobres, com renda e status social baixos, eram os maiores defensores da doutrina da supremacia branca. Conforme escreve Sinclair Lewis, ‘Todo homem é rei enquanto tiver alguém a quem possa olhar por cima”.

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Os defensores da “força negra” que atualmente pro­ movem o orgulho racial (“o preto é bonito”), estão essencialmente pleiteando maior grau de etnocentrismo entre os pretos como um modo de formar auto-estima e lealdade grupai, ao mesmo tempo em que propor­ cionam proteção emocional contra o desrespeito do branco. O progresso econômico do Japão expôs um pouco do pensamento possivelmente etnocêntrico nos círculos comerciais norte-americanos. As empresas norte-ame­ ricanas julgam que têm de dispensar empregados quando os negócios não vão bem e esperam que os empregados burocráticos se mudem freqüentemente de uma empresa para outra. Igualmente, amiúde procuram não dar muito valor aos direitos de antigüidade e a pagar de acordo com a contribuição ao invés de tomarem como critério o tempo de serviço. As empresas japonesas dão maior realce à antigüidade para promoção e paga; mento, encorajam permanência no serviço durante a vida toda e mantêm os empregados mesmo que os negócios estejam declinando. Segundo o estilo norteamericano, os padrões japoneses deveriam retardar o progresso econômico por tomarem dispendiosa a mãode-obra e por recompensarem o “tempo de serviço” em lugar do desempenho. Mas o fato de que a taxa de crescimento do Japão tem sido duas ou três vezes maior que a norte-americana durante a maior parte do tempo nos últimos anos, suscita certas perguntas a respeito da superioridade das práticas nos EUA. Agora, um consultor empresarial norte-americano sugere que os padrões tradicionais japoneses talvez tenham vantagens reais [Diebold, 1973]. Sugere que o emprego durante a vida toda dos japoneses (sushin koyó) livra os executivos do temor de o perderem se seu projeto particular for abandonado ou se for aceita a idéia brilhante de outrem. Portanto, podem aceitar desdobramentos que implicam retribuições que demoram muito mais para se concretizarem, pois têm a expectativa de ficarem na mesma empresa durante a vida toda. Finalmente o emprego para sempre aumenta a lealdade à empresa e o sentimento de que o que é bom para a empresa também é bom para o indivíduo. O desenvolvimento econômico é um processo compli­ cado e as práticas japonesas provocam certos problemas. Além disso, grande parte do êxito japonês decorreu da disposição de aprender com outros países. Não obstante, os exemplos precedentes parecem confirmar a possibilidade de que até mesmo os empresários norteamericanos, que se supõe terem a “cabeça fria”, não são imunes ao etnocentrismo. O fato de que unia prá­ tica aparentemente teve êxito no passado e ainda hoje parece lógica, não é garantia de que alguma outra abordagem não possa ser melhor. Aceitamos novas idéias com bastante facilidade quando vêm de pessoas como nós, cujas inovações são apenas uma modificação

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dos padrões existentes. O etnocentrismo tem a proba­ bilidade de tornar-se um grande risco quando estamos avaliando práticas originadas em sociedades que consi­ deramos exóticas, estranhas e de menor prestígio que a nossa. Ao desencorajar mudança na cultura, o etnocen­ trismo não discrimina. Desencoraja tanto as mudanças que perturbariam a cultura, como aquelas que poderiam ajudar uma sociedade na consecução de suas metas. O etnocentrismo levou os hebreus bíblicos a rejeitarem tanto os deuses pagãos, que teriam perturbado sua cultura, como as técnicas agrícolas superiores de seus vizinhos, as quais teriam feito sua cultura progredir. Já que nenhuma cultura é completamente estática, cada uma precisa fazer algumas mudanças para que possa sobreviver. Atualmente, o etnocentrismo na índia impede que o país se torne comunista, mas a índia não pode permanecer não-comunista a menos que modernize rapidamente sua tecnologia e controle o crescimento de sua população — mudanças que são atrasadas pelo etnocentrismo. Em uma era de bombas atômicas e de guerra de apertar botões, quando prova­ velmente as nações precisam viver juntas ou morrer juntas, o etnocentrismo ajuda a mantê-las vinculadas a conceitos de soberania nacional. Sob certas circuns­ tâncias, portanto, o etnocentrismo promove estabili­ dade cultural e sobrevivência do grupo; sob outras, condena a cultura ao colapso e à extinção grupai.

primitivas de caçar cabeças — que parece ser um passa­ tempo inútil e sanguinário. Mas este traço, aparente­ mente em todos os lugares, tem um significado bastante complexo. Os marindeses da Nova Guiné, povo bastante gentil e afetuoso, caçava cabeças a fim de conseguir nomes para seus filhos [Van der Kroef, 1952], Porque acreditavam firmemente que a única maneira pela qual uma criança podia obter um nome e uma identidade separada era tomando-os de uma pessoa vivente, caçavam cabeças entre as tribos vizinhas. Um marido marindês tinha a obrigação moral de ter um ou dois nomes-cabeça à mão, para o caso de ser presenteado com um filho. Assim, a caça a cabeças, como qualquer outro traço importante, achava-se profundamente integrada no sistema cultural total, onde era moral e necessária.

1*1------ f PI----0 bom ou o mau de um traço cultural depende de seu ambiente.

Relativismo cultural Não temos a possibilidade de compreender as ações de outros grupos se as analisarmos em termos de nossos motivos e valores; precisamos interpretar seu compor­ tamento à luz de seus motivos, hábitos e valores para que possamos compreendê-las. Consideremos, por exemplo, como se ministra justiça no Extremo Norte. A Polícia Montada do Canadá ocasionalmente é chamada para penetrar na região ártica e prender esqui­ mós que cometeram um assassinato. Em termos de nossa cultura, esta ação é um crime e o indivíduo violou as normas. Entretanto, na cultura de muitas tribos esquimós, matar pode ser justificado, já que suas normas exigem que um homem vingue uma ofensa cometida contra um parente. Este tipo de vingança não é consi­ derado como desordenado ou desviante; é a única espécie de ação que um homem honrado pode encetar. Nós condenaríamos o homem que toma a lei em suas próprias mãos e busca vingança, ao passo que eles condenariam o homem que tem tão pouca coragem e lealdade de grupo a ponto de permitir que seu parente não seja vingado. Poucos traços culturais são tão perturbadores para a maioria dos norte-americanos quanto as práticas

Estas ilustrações mostram o que queremos dizer com relativismo cultural — que a função e o significado de um traço são relativos a seu ambiente cultural. Em si mesmo, um traço não é bom nem mau. É bom ou mau apenas com referência à cultura em que deve funcionar. As roupas de pele são boas no Ártico, mas não nos trópicos. A gravidez pré-conjugal é coisa má em nossa sociedade, onde os costumes a condenam e onde não há condições favoráveis para cuidar de filhos ilegítimos; a gravidez pré-conjugal é boa em uma socie­ dade como a dos Bontocs, nas Filipinas, que consideram que uma mulher é tanto mais indicada para o casamento quando sua fertilidade já ficou comprovada, e que dispõe de um conjunto de costumes e valores que proporcionam segurança para os filhos. As adolescentes nos EUA são prevenidas de que melhorarão seu poder de barganha conjugal evitando a gravidez até que se casem. As adolescentes na Nova Guiné recebem conselho oposto e, em cada ambiente, provavelmente o conselho é correto. O individualismo nide e a simplicidade rural da primitiva América produziriam grande desemprego se fossem amplamente praticados em nossa atual economia de produção em massa. De tais exemplos

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vemos que qualquer traço cultural é socialmente “bom" se atuar harmoniosamente dentro de seu ambiente cultural para a consecução das metas que as pessoas estão buscando. Este é um teste não-etnocêntrico e eficaz sobre o 1que um traço cultural tem de bom ou de mau. O conceito de relativismo cultural não significa que todos os costumes são igualmente valiosos nem tam­ pouco implica que não haja costumes nocivos. Alguns padrões de comportamento podem ser prejudiciais em qualquer meio, mas até mesmo eles podem servir a algum propósito na cultura, e a sociedade sofrerá se lhe proporcionarem um substituto. Algumas vezes os sociólogos são acusados de corroer a moralidade com seu conceito de relativismo cultural e sua alegação de que praticamente “tudo está certo em algum lugar”. Se o certo e o errado são simples­ mente convenções sociais — dizem nossos críticos — poder-se-ia muito bem fazer o que se deseja. Esta é uma concepção totalmente errada. É aproximadamente verdade que “tudo está certo em algum lugar” — mas não em todos os lugares. 0 ponto focal em termos de relativismo cultural consiste no fato de que em um ambiente particular alguns traços estão certos porque nele funcionam bem, ao passo que outros traços estão errados porque colidem penosamente com partes dessa cultura. Isto não é senão uma outra maneira de dizer que uma cultura é integrada e que seus vários elementos precisam se harmonizar em alguma medida razoável para que ela funcione eficientemente servindo aos propósitos humanos. As pessoas que invocam o relati­ vismo cultural com vistas a justificarem seu compor­ tamento excêntrico, estão mostrando que não entendem o conceito, e talvez não tenham interesse pelo bem-estar da sociedade.

[Mas] do ponto de vista do nativo libertino, a suvasova (quebra da exogamia) é uma forma especial­ mente interessante e picante de experiência erótica. A maioria de meus informantes não apenas admitia, mas na realidade gabava-se de ter cometido esta ofensa ou a do adultério (kaylasi); e tenho sob registros muitos casos concretos e bem documen­ tados. (Bronislaw Malinowski. Crime and Custom in Savage Society. Londres, Routledge &Kegan Paul, 1926. p. 79, 84.) Como em todas as sociedades, os nativos trobrian­ deses têm alguns modos padronizados de furtar-se à punição. Malinowski [p. 81] observa, “A magia para desfazer as conseqüências de incesto no clã é talvez o caso mais definido de evasão metódica à lei”. Este caso ilustra a diferença entre a cultura real e a ideal. A cultura ideal inclui os hábitos e costumes formalmente aprovados que se supõe que as pessoas devem seguir (as normas culturais); a cultura real con­ siste naquilo que na realidade praticam (as normas estatísticas). Por exemplo, Warriner [1958] notou que muitos residentes de uma cidade em Kansas — Estado em que vigorava a “lei seca” na época de sua pesquisa — bebiam privadamente, enquanto em público apoiavam a moralidade da “temperança”. Concluiu que a moralidade oficial servia para impedir uma controvérsia pública perturbadora, sem interferir nas decisões e práticas privadas nessa esfera. Existem inúmeras divergências desse tipo entre a cultura real e a ideal em nossa sociedade. Como uma amostra, Williams arrola dez exemplos de “evasão padronizada” de nossas normas formalmente aprovadas:

1.

Proibição versus fabricação clandestina de bebidas e indústria de venda em bares clan­ destinos, antes da abolição da Décima Oitava Emenda; jogo organizado.

2.

Serviços governamentais impessoais e desin­ teressados versus suborno por politicagem, “arranjos”, “justiça consoante status”.

3.

Costumes familiares versus prostituição.

4.

Honestidade na sala de aula versus padrões aceitos de “cola”.

5.

Promoção por competência técnica versus nepotismo, discriminação racial (tal como se verifica no desrespeito sistemático às leis do funcionalismo público).

6.

Justiça legal universalista versus crimes da classe mais elevada, sistema público de defesa, tendenciosidade na escolha dos membros do júri, discriminação racial.

Cultura real e ideal Na maioria das sociedades, alguns padrões de com­ portamento são geralmente condenados, mas mesmo assim amplamente praticados. Em alguns lugares, esses comportamentos ilícitos existiram durante séculos lado a lado com as normas que supostamente os tornam ilegais. Malinowski cita como exemplo deste tipo de comportamento os nativos trobriandeses, cujos tabus de incesto se estendem aos primos em terceiro e quarto graus. Se você indagasse sobre o assunto entre os habi­ tantes das Ilhas Trobriand, constataria que ( . . . ) os nativos demonstram horror à idéia de violação das regras de exogamia e acreditam que as feridas, as moléstias e até a morte podem seguir-se a um incesto no c lã ...

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7.

Padrões prescritos de comportamento sexual versus padrões revelados por estudos do compor­ tamento real.

8.

Regras legais quanto ao divórcio versus prática real no tribunal (divórcios “nulos”, a “trama da pensão alimentícia”).

9.

Códigos profissionais versus práticas de divisão de honorários entre os médicos, violações das leis estaduais e federais e regulamentos adminis­ trativos pelas farmácias, emprego de corretores para angariar causas para advogados.

10. Conceitos éticos da verdade versus certo tipo de propaganda, transações financeiras etc. (“negócio é negócio”). (Robin M. Williams, Jr. American Society. Nova York, Alfred A. Knofp, 1970. p. 421-2.) Um choque entre os padrões da cultura real e ideal geralmente é evitado por alguma espécie de racionali­ zação que permite às pessoas “matar dois coelhos com uma só cajadada”. Por exemplo, Lowie [1940, p. 379] descreve algumas vilas birmanesas que são budistas e cujos habitantes, por conseguinte, estão proibidos de comer qualquer coisa viva e, no entanto, dependem da mortífera ocupação de pescadores. Furtam-se a esta contradição por não matarem deli­ beradamente os peixes, que “. . . são meramente colo­ cados na ribanceira para secarem de seu longo mergulho na água, e se forem suficientemente tolos e sem juízo para morrerem durante este proceSso, isto é culpa deles”. Nenhuma sociedade está livre de tais incongruências, e as sociedades complexas como a nossa têm muitos padrões que são formalmente condenados, entusiasti­ camente praticados e habilidosamente racionalizados. Apreciamos o casamento monogâmico, mas toleramos a prostituição quase-legalizada. As práticas parecem ser incompatíveis, mas há pouco conflito entre elas, já que nossa cultura nos treina para aplaudirmos a mulher virtuosa e tolerar a prostituta. A evasão tribu­ tária é legal e moralmente errada, mas aparentemente é praticada pela maioria das pessoas que encontram uma boa oportunidade. A vida comercial exige hones­ tidade rígida, mas juntamente com esta atitude correta pode ser encontrado um sistema de subornos e favores especiais que, segundo dizem, facilita o estabelecimento de acordos comerciais. Estas contradições poderiam formar uma lista impressionante para qualquer socie­ dade modema. De uma perspectiva a longo prazo, o choque entre os padrões de cultura real e ideal podem simplesmente ilustrar o fato de que caminhamos apenas uma parte do trajeto no desenvolvimento do controle social e que, por fim, talvez haja mais coerência entre o comporta­ mento real e os preceitos morais da cultura. A extensão

do privilégio do voto sem consideração de raça ou sexo estreita o hiato entre o preceito e a prática em nossos costumes democráticos. A abolição do trabalho infantil e o amparo da Previdência Social para os idosos e fisicamente incapazes estão preenchendo os requisitos dos costumes humanitários em áreas que muitas vezes foram negligenciadas. Estes e muitos outros desenvol­ vimentos exemplificam o que Sumner [1906, p. 66] chamou de “tensão em favor da consistência nos cos­ tumes”. Apesar das discrepâncias freqüentes, ainda existe uma forte tendência em qualquer sociedade para, mais cedo ou mais tarde, fazer com que suas várias idéias e práticas se harmonizem. Por outro lado, em certas circunstâncias talvez seja possível que os padrões ilícitos de comportamento para os quais não se conseguiu encontrar sanção moral permitam à sociedade empenhar-se em condutas que pareçam essenciais ao bem-estar grupai. Thurman Amold expressou este ponto de vista em The Folklore o f Capitalism [1937]. Argumentou que a consolidação da indústria em grande escala era parte essencial do mo­ derno desenvolvimento tecnológico. Esta tendência, porém, é incoerente com os valores norte-americanos, que estimulam a pequena empresa competitiva. A fim de solucionar tal descompasso, alegou que os EUA implementavam leis antitruste que são impraticáveis mas que servem para expressar nossa condenação moral de empresas de grande porte. Este procedimento é semelhante à prática em certas sociedades primitivas nas quais os regulamentos de namoro e casamento são tão complicados que a maioria dos casamentos ocorre através de um tipo de fuga que é vigorosamente condenado pelos costumes. Se o casal for incomumente desajeitado, pode ser apanhado e severamente surrado, mas geralmente consegue sair-se bem na fuga. Depois de um período de penitência, o casal é muito bem recebido por todo o grupo. Assim, a sociedade consegue manter a expressão dos sentimentos sagrados para com os costumes, juntamente com a existência de uma prática útil em sua violação, promovendo-se assim um tipo de ajustamento que parece ser necessário ao funcio­ namento da sociedade. Os padrões reais e ideais são parte integrante da cultura. Os padrões reais não são mencionados nos enunciados formais ou ensinados abertamente como parte do programa da Igreja e da escola, mas são transmitidos por uma rede informal de comunicação, de conversas e conselhos, que podem até ser mais eficazes que os canais formais. Por esta razão, algumas vezes se sugere [Yinger, 1965, p. 75] que os termos ostensivo e oculto poderiam indicar sua natureza. Os padrões ideais são ostensivos, isto é, abertamente anunciados, ao passo que os padrões reais muitas vezes são ocultos, transmitidos de modo não-oficial e de maneira até mesmo clandestina.

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Cultura e ajustamento humano A cultura é um auxílio ou um fardo para os sores humanos? Um pouco de cada. Ajuda-os a resolver alguns problemas, atrapalha seu caminho nas soluções de outros e ela própria cria alguns outros.

Cultura e ajustamento biológico

A cultura contém muitos acessórios que ajudam as pessoas em sua batalha incessante com a natureza. Já que as pessoas se congelam ou se queimam ao sol com facilidade, elas usam roupas e constroem casas. A natu­ reza oferece frutas silvestres, sementes e bagas; as pessoas tratam-nas e aumentam sua produção. As mãos são pás fracas, mas os tratores refazem a superfície da terra. Os seres humanos não podem correr rapidamente, nadar bem ou voar, de modo algum; não obstante, nada dentre os seres vivos viaja tão depressa quanto os humanos. Os homens e mulheres foram criados frágeis e fracos, facilmente presas da morte por meio do calor ou do frio, da sede ou da fome. Através da cultura podem umedecer o deserto e secar os alagadiços, podem sobreviver ao frio ártico e ao calor tropical, e podem até sobreviver a uma viagem espacial. Embora a cultura ajude as pessoas a ajustarem-se a seu ambiente, ela também interfere de muitos modos em seu ajustamento biológico. Toda cultura oferece muitos exemplos de padrões nocivos ao bem-estar físico. A crença hindu de que não se deve matar coisa alguma encheu a índia de cães vadios, gado esquelé­ tico e todos os tipos de parasitas, esbanjando alimento e disseminando moléstias. Através da cultura aperfei­ çoamos nossas armas a ponto de podermos destruir a raça humana inteira. Seguimos métodos agrícolas e adotamos certos usos da terra que destroem o solo e alagam as terras. Poluímos o ar, estragamos nossos rios e envenenamos nossos alimentos. Se formos sufi­ cientemente ricos, em geral comemos, bebemos e fumamos mais do que seria aconselhável. Comemos arroz descascado e polido ou pão branco, ambos desti­ tuídos de elementos alimentares vitais, ao mesmo tempo em que rejeitamos carne de vaca, de porco, de cavalo, de cobra, lesmas, leite ou qualquer outra fonte de nutrição sujeita a tabus em nossa sociedade. Se fôssemos descendentes de gatos e não de antropóides, estaríamos mais preparados para as vigílias noturnas de que tanto gostamos. Em quase todas as culturas os homens e mulheres torcem, espicham, apertam, atrofiam, pintam, aparam e ferem o corpo humano no esforço de se tornarem bonitos. As incômodas chapas colocadas nos lábios partidos dos Ubangi, a constrição dos pés como era praticada pelas meninas da classe superior na China

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Clássica, e os precários saltos altos das mulheres são esforços para melhorar a natureza, pela deformação e distorção dos contornos naturais do corpo — junta­ mente com aqueles interessantes dispositivos ocidentais destinados a apertar, mudar, erguer e suplementar várias partes da anatomia feminina. Nossa cultura faz com que os homens se enrolem em roupas inúteis durante o verão, enquanto no inverno as mulheres expõem suas pernas aos ventos gelados. Nossa cultura encoraja os homens a um excesso de esforço nos esportes, ao mesmo tempo em que acabam perdendo a oportunidade de fazerem saudáveis exercícios ao pegarem o carro para ir até a esquina ou, então, ao acompanharem seus filhos à escola quando melhor mesmo seria que fizessem essa trajeto a pé. Os que compram automóveis parecem mais interessados no estilo da carroceria do que na segurança do passageiro, e apenas uma minoria de motoristas usa os cintos de segurança. Nossa cultura inclui traços que levam as comunidades a construir hospitais, e outros traços que fazem com que haja oposição aos programas de emprego do flúor para reduzir a cárie dentária. A cultura norte-americana inclui tanto o meio científico que desenvolveu uma vacina eficaz contra a poliomielite, como os hábitos e direitos julgados adquiridos que dificultam um programa efetivo de imunização em massa para que a vacina seja usada de modo eficiente. Quando os valores da cultura não estão em harmonia com as necessidades de ajustamento biológico, a cultura pode fazer com que as pessoas atuem contra seu próprio bem-estar físico. Então a cultura é boa ou má para nós? Tanto pode ser uma coisa como a outra. O comportamento cultu­ ralmente sancionado pode prolongar a vida, ou pode impedir-nos de usar a natureza para nosso próprio bem-estar físico.

Cultura e ajustamento social

Assim como a cultura pode promover ou prejudicar a saúde física do indivíduo, também pode encorajar ou impedir a operação harmoniosa da sociedade e o desen­ volvimento de personalidades bem ajustadas. As taxas mundiais de natalidade apenas começam a baixar em resposta ao reconhecimento mundial de que o padrão da família extensa mergulhou o mundo em uma crise popu­ lacional. No Império Otomano, as atividades militares e agrícolas eram altamente valorizadas, enquanto o comér­ cio era desprezado a tal ponto que os turcos não pude­ ram manter sua liderança em um mundo cada vez mais dominado pelo industrialismo. A cultura dos filipinos confere um status extremamente alto à profissão jurí­ dica, ao passo que outras ocupações são negligenciadas. Assim, o país tem milhares de advogados sem clientes.

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As orientações culturais para a formação da família também podem ter efeitos mistos. Uma escolha de cônjuges determinada pela família pode levar a um domínio dos mais idosos, retardando a mudança social, enquanto a crença na escolha romântica dos parceiros pelos próprios interessados pode levá-los a uma série de divórcios e novos casamentos em busca da felicidade estática que provavelmente jamais será conseguida pela família humana. A cultura inclui padrões de comportamento orga­ nizados em uma série de papéis atribuídos e interna­ lizados, e assim propicia a realização do trabalho rotineiro da sociedade. A cultura pode atribuir papéis a pessoas sem lhes dar a preparação adequada ou exigir uma sucessão de papéis que impõem transições penosas aos indivíduos. Pode criar pressões conflitantes em um papel, de modo que poucos indivíduos têm a possibilidade de evitar o conflito mental, ou talvez exija que os indivíduos escolham papéis difíceis, ou encoraje expectativas de papel que condenam a maioria das pessoas ao fracasso. A cultura pode elaborar exces­ sivamente estes papéis a ponto de tomá-los imprati­ cáveis. Diz-se que Maria Antonieta não conseguia beber um copo de água fria; a etiqueta da corte exigia que ele passasse por tantas mãos que a água já estava tépida quando chegava a ela. Segundo Rivers [1912], na flha de Torres, na Melanésia, a construção de canoas era cercada de um conjunto tão elaborado de ritos mágicos e tabus, que somente um pequeno grupo de construtores hereditários se atrevia a construí-las. Os outros estavam familiarizados com as habilidades manuais para cons­ truí-las, mas já que não possuíam a mágica secreta, era impensável que se dispusessem a construir o barco. Por isso, quando as famílias que construíam canoas por herança morreram, os ilhéus de Torres ficaram sem canoas, apesar da necessidade desesperada por essas embarcações. Se esta frustração deliberada parece estúpida ao leitor, ele que procure explicar por que, em nossa sociedade, os códigos de construção, regras sindicais e outras práticas monopolísticas tomam a construção desnecessariamente complicada e cara. Em cada sociedade, a cultura organiza o trabalho da sociedade de maneiras por vezes embaraçosas e pouco práticas; ainda assim, sem um sistema culturalmente organizado para fazer as coisas, a maioria delas não seria feita absolutamente.

Sumário Cultura consiste no comportamento socialmente aprendido de normas e valores partilhados por um grupo humano. A cultura material é formada pelos artefatos que as pessoas fazem com base em normas culturais. A cultura não-material compreende os padrões

de comportamento, valores e relacionamentos sociais de um grupo humano. Folkways são tipos de compor­ tamento que têm a força do costume, mas não têm necessariamente uma conotação moral, ao passo que as normas vinculam a idéia do certo e do errado a determinadas espécies de comportamento. As normas podem tomar-se santificadas pela religião e reforçadas por medidas legais. Instituições são sistemas organi­ zados de relacionamentos sociais que incorporam valores e procedimentos comuns e atendem às necessidades básicas da sociedade. Traço é a mais simples unidade de cultura; os traços relacionados agrupam-se em complexos de cultura. Subcultura é o comportamento e o sistema de valores de um grupo que é parte da sociedade, mas que tem certos padrões culturais únicos. Contracultura é uma subcultura que não apenas difere, mas também é forte­ mente oposta aos valores predominantes da sociedade. A cultura é um sistema integrado de comportamento com suas idéias e valores de base. Em uma cultura alta­ mente integrada, todos os elementos se ajustam harmo­ niosamente entre si. Durante os períodos de mudança, uma cultura é imperfeitamente integrada até que se consiga nova integração. A adoção da tecnologia oci­ dental pelos países subdesenvolvidos inevitavelmente ocasionará muitas outras mudanças em sua cultura tradicional. Tal mudança pode tomar a forma de adap­ tação ou de políticas deliberadamente impostas. Todas as sociedades e grupos supõem a superiori­ dade de sua própria cultura; esta reação é chamada etnocentrismo. As idéias e costumes a cujo respeito as pessoas são etnocêntricas variam conforme os ante­ cedentes sociais, mas as pessoas de todos os tipos, tanto liberais como conservadoras, amiúde manifestam posturas eivadas de etnocentrismo. O relativismo cultural descreve o fato de que a função e o significado de um traço cultural dependem da cultura onde atuam. Os traços são julgados “bons” ou “maus” conforme funcionem bem ou mal dentro de sua própria cultura. Toda sociedade tem uma cultura ideal, inclusive os padrões que em princípio devem ser praticados, e uma cultura real, que inclui comportamento ilícito formalmente condenado, mas amplamente praticado. Os choques entre as duas são driblados mediante racio­ nalizações. Em certos casos, os padrões ilícitos são maneiras de realizar as tarefas necessárias e, assim, ainda que as normas desaprovem tais padrões, ainda assim eles realmente podem contribuir para a estabi­ lidade cultural. A cultura tanto ajuda como atrapalha o ajustamento humano. Permite que as pessoas sobrevivam em um am­ biente físico inóspito, embora sob muitos aspectos pre­ serve hábitos fisicamente nocivos. Não poderíamos viver sem cultura; algumas vezes não é fácil viver com ela.

ESTRUTURA D A CULTU RA

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Perguntas e trabalhos 1.

O que proporcionaria um maior entendimento da cultura dos romanos? Estudar as ruínas, a escultura, as obras públicas que foram escavadas, ou estudar os registros da cultura não-material preservados na literatura, cartas e documentos legais? Por quê?

atingir a meta do diploma. Pode-se defender esta posição em termos de relativismo cultural? Justifique. 11. Existem alguns aspectos sob os quais a verdadeira subcul­ tura da universidade difere da ideal? 12. Em uma cultura perfeitamente integrada, haveria alguma divergência entre as configurações de cultura real e ideal?

2.

De que modo você diferencia sociedade e cultura?

3.

Qual é o significado da afirmação: quando firmemente estabelecidas, as normas funcionam automaticamente? Isso acontece em nossa sociedade?

4.

Leia o livro The Two Cultures, de C. P. Snow. Percebeu a dificuldade de comunicação entre estudantes com dife­ rentes especializações em sua universidade? Isto se compara com os problemas de comunicação delineados por Snow? Os cursos cujo currículo é de educação geral podem resolver este problema?

5.

Aplique seu conhecimento da integração da cultura na avaliação da proposta de que nossa sociedade deve regressar à “vida simples” .

6.

O etnocentrismo é o oposto do relativismo cultural? Explique.

7.

Os liberais podem ser etnocêntricos? Justifique.

15. Selecione um grupo ocupacional e descreva o comporta­ mento especial típico dessa ocupação.

8.

De que maneiras o etnocentrismo ajuda a sobrevivência nacional no mundo moderno? De que maneira põe em risco a sobrevivência nacional?

16. Descreva os traços, complexos, atitudes e valores que formam uma subcultura com a qual esteja familiarizado.

9.

Ler o artigo de John Diebold. Management Can Learn from Japan. Business Week, set. 1973, p. 14-9. Seria dese­ jável desenvolver entre os norte-americanos a espécie de lealdade empresarial que, segundo o autor, existe entre os japoneses? Explique.

10. A cola na faculdade algumas vezes é defendida sob a ale­ gação de que é necessária para que o estudante possa

13. Leia Lerner. Respectable Bigotry. The American Scholar, v. 38, outono 1969, reproduzido em M. Friedman e col. Overcoming Middle Gasse Rage; ou o artigo de Greeley. Intellectuals as an Ethnic Group. New York Times Maga­ zine, 12 jul. 1970, reproduzido em Robert K. Yin. A Race, Creed, Color, or National Origin. 1973. Defenda ou ataque a opinião de que estes artigos descrevem atitudes etnocêntricas por parte dos estudantes universitários e do corpo docente. 14. Pode alguém ter opiniões e preferências sem ser etnocêntrico? Faça uma lista de diversas expressões etnocêntricas de opinião ou julgamento. Depois, faça uma lista de diversas assertivas não-etnocêntricas de opinião e julga­ mento.

17. Certos pensadores de antes da Guerra Civil argumentavam que as mudanças crescentes na sociedade, por si mesmas, fariam por fim com que a escravidão humana saísse de moda. Teria sido melhor ter confiado no processo auto­ mático do que na mudança deliberada representada pelo Manifesto da Emancipação? Por quê? Esta pergunta pode ser respondida cientificamente ou apenas especulativamente?

Leitura sugerida Armez, Nancy L., e Clara E. A nthony. Contemporary Negro Humor as Social Satire. Phylon, 29:339-436, inverno 1968. O papel dos humoristas ao retratarem a incon­ gruência entre a cultura real e a ideal.

Linton, Ralph. The S tudy o fM a n :A n Introduction. Nova York, Appleton-Century-Crofts, 1936. Análise clássica do papel da cultura nos afazeres humanos. Os Caps. 5, 6, 20 e 25 são especialmente recomendados.

Freilich, Morris (org.). The Meaning o f Culture: A Reader in Cultural A nthropology. Lexington, Kentucky, Xerox College Publishing, 1971. Coletânea de artigos sobre a maioria dos tópicos centrais relativos à interpretação da cultura.

Malmstrom, Jean. Language in Society. Nova York, Hayden Book, 1973. Pequena brochura de leitura fácil que contém muitos exemplos da interação da linguagem e outros aspectos culturais.

Kochman, Thomas. Rapping' and S ty lin ’ Out: Communication in Urban Black America. Urbana, University o f Illinois Press, 1972. Análise de comunicação entre norte-americanos pretos, inclusive comunicação não-verbal através de gestos e música. Langman, Lauren, Richard Block e Ineke Cunningham. Countercultural Values at a Catholic University. Social Problems, 20:521-532, primavera 1973. Descrição da difusão de valores contraculturais da elite-das classes média e superior das universidades seculares para as universidades católicas das classes baixa e média.

♦Michener, James A. Return to Paradise. Nova York, Random House, 1950; Bantam Books, 1952, seção intitulada “Povenaa’s Daughter” . Um conto hilariante acerca da incapacidade etnocêntrica dos norte-americanos de com­ preender os costumes da sociedade polinésia. Miner, Horace. Body Ritual among th e Nacirema. American Anthropologist, 58:503-507, jun. 1956; Indianapolis, Bobbs-Merrill, reimpressão S-185. Um antropólogo des­ creve os costumes e valores esquisitos de uma conhecida cultura modema que o estudante pode reconhecer. Podhoretz, Norman. The New Inquisitors. Commentary, 55:7-8,

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abr. 1973. Breve análise do desenvolvimento e imposiçío de atitudes etnocêntricas entre os intelectuais liberais no campus das faculdades. Reed, John Shelton. The Enduring South: Subcultural Persistence in Mass Society. Lexington, Mass., Heath Lexington Books, 1972. Esboço breve e contagiante dos fatores que

propiciam a persistência de uma subcultura característica no Sul dos EUA. Williams, Robin M. Jr. American Sòciety. Nova York, Alfred A. Knopf, 1970; Cap. 10, “ Institutional Variation and the Evasion o f Normative Patterns” . Discussão sensível das diferenças entre nossas culturas real e ideal.

4. Evolução da cultura Os carros dos migrantes se arrastaram penosamente dos caminhos auxiliares para a grande estrada que cruzava o país, encaminhando-se para o Oeste. Durante o dia, apressavam-se como insetos rumando para o Oeste; ao cair da noite, aglomeravam-se como insetos, perto de abrigo e de água. E porque se sentiam solitários e perplexos, por terem todos vindo de um lugar de tristeza, preocupação e derrota, e porque estavam todos indo para um lugar novo e misterioso, amontoa­ vam-se em desordem; conversavam juntos; partilhavam de suas vidas, de seu alimento e daquilo que esperavam conseguir na nova terra. Assim, podia acontecer que uma família acampasse nas proximidades de uma fonte, e uma outra também o fizesse, tanto pela fonte como pela companhia; e uma terceira família ali ficava tam­ bém, porque duas eram pioneiras no local e o tinham julgado bom. E quando o sol se escondia, talvez ali estivessem vinte famílias e vinte carros. ( . . . ) A cada noite criava-se um mundo completo, com mobília, amigos feitos e inimizades estabelecidas; um mundo completo, com charlatães e covardes, com homens quietos, outros humildes, outros bondosos. A cada noite entabulavam-se os relacionamentos que fazem um mundo; e a cada manhã o mundo era desmontado, como um circo que parte. De início, as famílias eram tímidas na montagem e desmontagem de seu universo, mas gradualmente a técnica de construí-lo passou a ser a sua técnica. Emergiram líderes, foram feitas leis e depois apareceram códigos. E à medida que os mundos se deslocavam para o oeste, eram mais completos, mais bem equipados, porque seus construtores haviam adquirido experiência em construí-los. A s famílias aprenderam que direitos tinham de ser observados: o direito da vida privada em uma tenda; o

direito de manterem o passado negro escondido no coração; o direito de falarem e de escutarem; o direito de recusarem auxílio ou de aceitá-lo, de oferecer auxílio ou não; o direito de o filho namorar e de a filha ser cortejada; o direito dos famintos de serem alimentados; os direitos das mulheres grávidas e dos doentes de transcenderem todos os demais direitos. Embora ninguém lhes tenha dito, todas as famílias aprenderam quais os direitos monstruosos que precisam ser destruídos: o direito de intrusão na vida privada; o direito de fazer barulho enquanto o acampamento dorme; o direito da sedução ou do estupro; o direito do adultério, do roubo e do assassinato. Estes dirsitos foram esmagados pois caso vigorassem os pequenos mundos não poderiam sobreviver nem mesmo uma única noite. E à medida que os mundos se deslocavam para o oeste, as regras se tornaram leis, embora ninguém tivesse dito às famílias que deveria ser assim. É ilegal a imundície nas proximidades do acampamento; é ilegal comer boa comida perto de quem está faminto, salvo se este for convidado a participar. E com as leis, as punições — e havia apenas duas — luta rápida e mortal ou ostracismo; e o ostracismo era a pior. Se uma pessoa violasse as leis, seu nome e seu brio caíam com a violação, e ela não tinha lugar em mundo algum, onde quer que este fosse criado. Nesses mundos, a conduta social tornou-se fixa e rígida, de modo que um homem precisa dizer "B o m d ia " quando instado a tanto, de modo que um homem possa ter uma mulher de boa vontade se ele decidiu ficar com ela, se ele se tornou o pai de seus filhos e os protegeu. Mas um homem não poderia ter uma moça uma noite e outra na noite seguinte, porque isto faria perigar tal universo. A s famílias deslocaram-se em direção oeste e a

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técnica de construir mundos foi melhorando, de modo que as pessoas podiam sentir-se seguras neles e a forma era tão estável que uma família seguindo as regras

sabia que estava garantida por elas. (John Steinbeck, The Grapes of Wrath (As Vinhas da Ira), Nova York, The

ste trecho de Steinbeck mostra como novas regras e padrões de comportamento se desen­ volvem entre pessoas forçadas a enfrentar um novo conjunto de problemas e experiências. A emergência de uma subcultura que incorpora e padrões definidos de comportamento entre uma horda aparentemente desorganizada de migrantes, ilustra nossa tendência universal de impor uma ordem cultural ao que, do contrário, seria o caos social. Neste capítulo, estamos interessados pela emergência da cultura e pela questão de poder ou não observar tendên­ cias marcantes de evolução em seu desenvolvimento. Visto que somos uma parte do mundo animal, começa­ mos com uma visão das diferenças entre nós e os outros animais, e com uma indagação quanto aos aspectos singulares da cultura humana.

Incapazes de confiar no instinto, têm de formar uma cultura para que possam sobreviver. Como animais, os seres humanos se encontram entre os maiores e mais poderosos. Dentre as demais regras espécies, talvez não haja uma dúzia que ordinariamente ataque os adultos humanos, salvo se estiverem feridos ou se forem provocados. A estrutura e os processos físicos humanos são semelhantes aos de outros animais e todos partilham de muitas moléstias. Nós temos certas desvantagens físicas. Estamos longe de ser o mais forte dos animais; não temos a agilidade física de nossos primos, os macacos; nossas garras e dentes são armas débeis; e não temos couro, escamas ou pêlo para nos protegerem. Não podemos hibernar ou ajustarmo-nos organicamente a grandes variações de temperatura. Mas temos algumas vantagens. Podemos digerir uma variedade muito maior de alimentos do que a maioria dos outros animais. Nossa visão é bastante boa em todas as distâncias, desde alguns centímetros a muitos quilômetros — características que falta a muitos animais. Entre os animais, somos os únicos que nos equilibramos bem em apenas dois pés, deixando os outros dois livres para todas as espécies de “reinações” . Podemos opor o polegar a cada dedo e somos capazes de manipulações mais delicadas do que qualquer outro animal. Nenhum chimpanzé, por mais brilhante que fosse, poderia executar uma cirurgia delicada, porque suas mãos têm falta de destreza.

E

Desenvolvimento da cultura Sociedades subumanas

Muitas espécies subumanas têm um sistema orde­ nado de vida social. Muitas espécies de pássaros acasalam-se para a vida toda e (em contraste com os homens) são absolutamente leais a seus parceiros. Muitas espécies de insetos, como formigas e abelhas, apresentam um padrão elaborado de vida social, inclu­ indo ocupações especializadas, linhas de autoridade e distribuição pormenorizada de deveres e privilégios. Porém, a vida social subumana basea-se no instinto, não na aprendizagem social. Numa dada espécie de formigas, todos os formigueiros são muito parecidos, ao passo que as habitações humanas variam tremen­ damente. Isso acontece porque os seres humanos são notoriamente carentes dos padrões inatos de compor­ tamento que chamamos de 'instinto nas espécies subumanas. Assim, herdam um conjunto de necessidades orgânicas, anseios e desejos que chamamos de tendências impulsivas,* as quais precisam ser satisfeitas de um modo ou outro. Em seus esforços de ensaio e erro para atender a tais anseios, criam cultura, com suas tremendas variações de uma sociedade para outra.

Viking Press, Inc., 1939. p. 264-6.)

Capacidade humana para aprendizagem

Estas vantagens pouco significariam se os seres humanos não tivessem maior capacidade para aprendi­ zagem. Isto não quer dizer que outros animais deixem de pensar, raciocinar e aprender, na verdade essas suas habilidades já ficaram demonstradas por muitos testes. Em certos experimentos, um chimpanzé precisa calcular que pode obter uma banana, colocada além de seu alcance, somente juntando duas varas para fazer uma mais longa. Em experimentos em que são levados a colo­ car fichas dentro de uma máquina a fim de obter ali­ mento, os chimpanzés aprendem rapidamente quais os tamanhos e cores das fichas que são valiosos; eles as clas­ sificam, acumulam, escondem e roubam-nas uns dos * No original, drive. A expressão “ tendência impulsiva” outros, de modo muito humano. Uma grande quanti­ é tirada de Henri Piéron, Dicionário de Psicologia. Porto Alegre, dade de experimentos com muitas espécies deixou Editora Globo, 1966. p. 130; tradução e notas de Dora de Barros Culliman. (N. do T.) claramente estabelecido que os animais realmente apren­

EVOLU ÇÃO DA CULTU RA

dem e, aparentemente, aprendem da mesma maneira que os seres humanos; apenas não aprendem tão rapi­ damente ou na mesma quantidade. Um famoso experi­ mento [Kellogg e Kellogg, 1933] no qual um bebê humano e um bebê chimpanzé foram criados e tratados do mesmo modo, mostrou que ambos se comportavam igualmente, de muitas maneiras, mas a partir de um certo momento o bebê humano deixava o chimpanzé à distância em termos de aprendizagem.

Comunicação

Os animais podem aprender; podem formar grupos de interação e ter uma vida social; podem até comunicar-se entre si em nível bastante simples. Estes fatos levaram alguns estudiosos a concluir que alguns animais têm uma cultura. Diversos experimentos demonstraram que a aprendizagem animal é afetada por seu ambiente social. Por exemplo, Kuo [1931] constatou que, quando os gatinhos podiam ver a mãe gata caçando ratos, 85% deles também os estavam caçando ao atingirem quatro meses de idade. Outros gatinhos foram criados com companheiros ratos; nenhum deles matou o tipo de rato com que tinham crescido e apenas 16% matavam qualquer espécie de rato. Isto sugere que os animais podem aprender através de exemplo, e que isso pode ser uma forma de aprendizagem social. Mas, se os gatos têm uma “cultura de matar ratos” , esta está muito distanciada do complexo de caça dos índios das Planícies ou da pequena nobreza da Inglaterra. A idéia de uma cultura animal se toma de alcance algo exagerado se tentarmos imaginar Leo, o Leão, agindo de modo regido por costumes, tradições, ou ideais sagrados. Conforme observa Myerson, Não podemos imaginá-lo, por exemplo, parando palpitante na perseguição de uma fulva fêmea porque um certo Leo, o Santo, há centenas de gerações leoninas, chegou à conclusão de que o desejo ardente apenas pode ser satisfeito sob circunstâncias muito especiais. Tampouco podemos visualizar este mesmo Leo varado de fome e ainda assim deixando de colocar sua poderosa pata sobre algum bocado, porque este foi reservado para um outro leão ou porque os velhos leões, em um congresso, cem anos antes, decretaram a posse privada de bons bocados e proibiram até mesmo os mais famintos de se satisfazerem, exceto sob regras e regulamentos estritos. Não podemos imaginar o jovem leão contem­ plando a vida de algum passado Leão o Grande e planejando sua carreira toda inspirado pelo herói desaparecido. ( . . . ) Não podemos imaginá-lo nas agonias da autocondenação porque não atingiu um

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ideal que havia incorporado pelo ensino e pregação de milhares de anos e de incontáveis leões. ( . . . ) Ele não prevê sua própria morte e nada sabe a respeito de seu nascimento. Para ele, sexo significa apenas a satisfação que um indivíduo do sexo oposto pode dar-lhe. Não significa paternidade, domestici­ dade, respeitabilidade, satisfação de um ideal, uma responsabilidade e o tomar-se parte de grande movi­ mento racial. (Abraham Myerson. Social Psychology. Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1934. p. 3-6.) Está na moda acreditar numa grande quantidade de insensatez a respeito do comportamento animal. Um cão fiel, olhando atentamente para o amo, inspira todas as espécies de noções fantasiosas sobre o que está pensando! Costuma-se atribuir aos cachorros um faro especial para encontrarem sua casa;, e, no entanto, para cada um que encontra o caminho de casa, os anúncios de achados e perdidos arrolam uma centena de cachorros que não conseguiram encontrar o caminho de casa, nem mesmo quando estavam no quarteirão vizinho. A mamãe ursa é retratada como “ensinando” pacientemente seus filhotes a pescar e, no entanto, não temos evidência de que esteja conscientemente tentando ensinar-lhes o que quer que seja. Talvez ela só esteja com fome! Apenas para a raça humana é que existe evidência conclusiva de ensino deliberado e comunicação intencional de idéias. Esta talvez seja nossa maior vantagem —capacidade para comunicar aos outros o que aprendemos. O chimpanzé pode aprender o modo de chegar às bananas, mas não tem um modo eficaz de comunicar aos outros seu discernimento; cada um de seus irmãos tem de obter a idéia por si próprio, através de imitação ou pela própria imaginação. Cada chimpanzé se apóia, ou melhor, ampara-se em seus próprios pés e tem de enfrentar o mundo sem a vantagem da aprendizagem símia. A raça humana está montada nos ombros de seus ancestrais e enfrenta os problemas com uma grande herança de sabedoria acumulada. Linguagem e comunicações simbólicas. Muitos animais podem intercambiar o que sentem através de rosnados, ronronar, chamados para acasalamento e outros sons. Alguns desprendem cheiros ou fazem movimentos com o corpo que transmitem significados entre si. Estes sons e movimentos não são linguagem, porque cada um deles é uma resposta inata, instintiva, e não uma resposta simbólica adquirida. Não existe evidência de que um cachorro rosna ou late porque deseja dizer alguma coisa a um outro cachorro; talvez o latido seja porque ele tem de latir. Tanto quanto se sabe, nenhum cachorro conseguiu desenvolver um código de latido (por exemplo, um latido curto para “vamos comer” , dois ganidos para “você primeiro”

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etc.). A linguagem é apenas um código dessa espécie — um conjunto de sons com um significado particular vinculado a cada som. Um conjunto de ganidos e uivos emocionais ou instintivos não é uma linguagem, ainda que sirva para transmitir alguns significados exatos a outros da espécie. Uma mãe logo aprende pelo choro de seu bebê se ele está com fome, doente ou com raiva; mas o bebê está simplesmente expressando suas emoções, não usando linguagem. Somente quando um significado artificial se acha vinculado a cada som, de modo que cada som se tome um símbolo - somente então é que temos uma linguagem. A idéia de “cadeira” poderia ser representada por qualquer dentre os milhares de sons vocais; quando os membros de uma sociedade concordam em reconhecer de maneira confiável um determinado som como significando “cadeira” , uma palavra passa a fazer parte da linguagem. Limitamos o termo linguagem à comunicação simbólica e excluímos o intercâmbio de significados por meio de gritos e sons instintivos como não sendo linguagem verdadeira. Algims livros e artigos de revistas populares cunharam o termo “linguagem do corpo” para o intercâmbio de significados por meio de gestos e posturas corporais [Fast, 1970; Scheflen, 1973]. Provavelmente alguns significados são intercambiados desta maneira. A questão foi objeto de estudos científicos [Ekman e Friesen, 1974], mas os trabalhos atuais de popularização baseiamse em grande parte em intuição e adivinhação, não em pesquisa científica. Além disso, embora a “linguagem do corpo” possa ser uma forma de comunicação, não é linguagem verdadeira, já que esta se limita à comuni­ cação por intermédio de símbolos. Somente os seres humanos usam símbolos; portanto, somente a comunicação humana vai além do nível de intercâmbio de sentimentos e intenções. Com a comunicação simbólica as pessoas podem intercambiar intenções pormenorizadas, partilhar descobertas, organizar atividades elaboradas. Sem ela, rapidamente reverteriam às cavernas e à copa das árvores. Assim como a fala de certo modo separa a raça humana dos animais, a linguagem escrita é uma linha divisória entre as culturas primitivas e as civilizadas. As pessoas em uma cultura pré-letrada precisam memorizar o saber tradicional, e os que têm boa memória são estimados como bibliotecas ambulantes. Os anciãos são úteis em uma sociedade que tem de confiar na memória humana para a preservação de sua cultura. Porém, a memória humana não é ilimitada. Uma cultura que depende da memória humana e da tradição oral tem de permanecer bastante simples. O uso da escrita permite uma expansão quase ilimitada da cultura, já que porções infindáveis de saber podem ser armazenadas dessa forma até que se façam necessárias. Técnicas e processos de infinita complexidade podem ser registrados com detalhes precisos e ampla variedade.

Somente a raça humana usa símbolos.

Mesmo a pessoa iletrada é afetada por viver em uma cultura letrada, já que sua vida inteira é marcada pelo fato de que os outros podem recorrer ao armazém da palavra escrita. O dito da corte dos faraós: “Assim está escrito, assim será feito” , é a base de cada sociedade civilizada. A linguagem se acha tão intimamente vinculada à cultura que cada novo acréscimo à herança cultural do grupo envolve modificações e acréscimos na lingua­ gem. Para conhecermos um grupo precisamos aprender a falar sua linguagem. Até mesmo os grupos especiais dentro de uma sociedade, como os vagabundos, soldados, ferroviários ou jovens, têm seus próprios vocabulários. Cada subcultura tem seu vocabulário. Os estudantes universitários são bastante conscientes de que cada novo campo de estudo força-os a aprenderem muitas novas palavras e novos significados para muitas das antigas. A linguagem está relacionada ao resto da cultura também de outras maneiras. Não apenas a cultura produz linguagem, mas a linguagem ajuda ou dificulta a disseminação da cultura. É difícil pensar sem lingua­ gem, porque é provável que os pensamentos de uma pessoa sejam vagos até que sejam postos em palavras. Talvez possamos visualizar objetos ou ações sem usarmos palavras, mas as idéias exigem linguagem. Tentemos visualizar idéias como “bondade” , “nunca” ou “necessário” sem usar palavras! Algumas vezes uma idéia ou conceito é difícil de ser traduzido porque a linguagem não tem palavras que possam expressá-lo. A tradução das encíclicas papais em latim clássico é complicada pela falta de termos latinos para palavras modernas como “automação” e “reator atômico” . O esforço da índia para limitar o uso do inglês e empregar o tradicional híndi como a língua nacional está encontrando dificuldades semelhantes. Ou se consegue formular rapidamente um novo conjunto

EVOLUÇÃO DA CULTURA

de expressões, ou o híndi terá de absorver uma quanti­ dade considerável de palavras tomadas de empréstimo de outras línguas. Por isso, à zelosa tentativa indiana de amparar o híndi seguiu-se uma admissão relutante de que o inglês teria de ser a língua para instrução universitária no futuro [Rao, 1956, p. 1-12]. Uma linguagem adequada é um meio indispensável de comunicação por cujo intermédio a cultura é partilhada, transmitida e acumulada. A linguagem está tão intimamente vinculada à cultura que os tradutores precisam ter um entendimento da cultura de ambas as sociedades para que possam traduzir uma linguagem para outra. A anedota abaixo é um exemplo:

Está correndo por aí a estória a respeito de alguns cientistas que desenharam uma máquina de traduzir inglês para o russo. Para testar a máquina, deram entrada na frase: “O espírito está disposto, mas a carne é fraca” . A tradução da máquina foi: “A bebida é boa, mas a comida é ruim” . (John G. Fuller. Trade Winds. Saturday Review, 45:12,17 fev. 1962.)

A acumulação de cultura

Um olhar à Pré-história mostra que os seres humanos em certa época viveram à maneira de seus primos animais.

Q U A D R O 1 Se um milhão de anos* fossem comprimidos na vida de um homem com 70 anos de idade.

1000000 de anos de História 1 000000

Comprimidos em uma vida de 70 anos

de anos atrás

Nasce o Pithecanthropus erectus.

500000 anos atrás

Passa a vida toda aprendendo a fazer e a usar grosseiros machados e facas de pedra.

50 000 anos atrás

E quase a maior parte da outra metade, passa melhorando tais utensílios.

40 000 anos» atrás

Há três anos começou a usar instrumentos de ossos e chifres.

10000 anos atrás

Há nove meses terminou a última era glacial e ele deixou sua habitação nas cavernas.

7000 anos atrás

Há seis ou oito meses começou a fazer cerâmica, tecer pano, plantar e domesticar animais.

5000 anos atrás

Faz cerca de três meses que começou a fundir e a usar metais e a construir as Pirâmides.

3000 anos atrás

Faz dez semanas que inventou a roda com raios e começou a fabricar vidro.

2000 anos atrás 700 anos atrás

200 anos atrás

Faz sete semanas que Cristo nasceu. As Cruzadas terminaram há duas semanas. Há cinco dias cruzou o Delaware com Washington.

65 anos atrás

Ontem inventou o aeroplano.

30-35 anos atrás

Esta manhã combateu na Segunda Guerra Mundial.

7-11 anos atrás

Esta tarde pousou na Lua.

No ano

2000

Esta noite celebrará a chegada do século X X II

* O u vários milhões de anoi, de acordo com algum antropólogos.

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C U L T U R A E P E R S O N A L ID A D E

As zonas de clima temperado, de fato, se correla­ Nossos ancestrais primitivos viviam ao relento, não vestiam roupas, não plantavam, não domesticavam cionam bastante no presente com a civilização adiantada, animais e não usavam o fogo. Os relatórios arqueológicos mas uma variação na perspectiva temporal dá um quadro dizem que centenas de milhares de anos se passaram muito diferente. As terras ensolaradas do Oriente Médio antes que os homens aprendessem a cozinhar os eram os locais de civilizações florescentes na época em alimentos, a plantar ou a construir abrigos. Nós, que que os povos na Europa se amontoavam em cavernas e passamos a esperar um “modelo novo” a cada ano, tendas. Na temperada América do Norte, as tribos mais encontramos dificuldade em visualizar uma era em adiantadas estavam muito atrás dos Maias do Iucatão que as pessoas não faziam grandes mudanças em seus e da América Central, que construíram grandes cidades hábitos talvez durante mil gerações, como os animais, e desenvolveram uma cultura comparável à do primitivo e viviam à mercê de uma natureza inclemente. Egito. Um olhar à História revela que as áreas de zona A raça humana levou eras para fazer as primitivas temperada que atualmente florescem, certa feita se descobertas e invenções, mas estas se tornaram a base encontravam em estado de estagnação cultural, ao cultural para maior rapidez em descobertas e invenções passo que civilizações esplêndidas floresceram e depois no futuro. A invenção da roda levou centenas de milha­ se extinguiram em climas mais quentes. Qualquer res de anos; depois de inventada, a roda pôde ser usada sociedade depende do clima e dos recursos naturais; em milhares de outras invenções. Por esta e outras mas não existe tipo especial de ambiente geográfico razões, a cultura humana procedeu a uma acumulação que garanta o progresso humano e, a não ser quanto extremamente vagarosa nos tempos pré-históricos, aos extremos anteriormente citados, não há ambiente mas rapidamente nos tempos históricos e com extrema natural que condene o esforço humano a um nível velocidade nos tempos modernos. Hoje, nosso maior limitado de realização. problema está em como nos ajustarmos, assim como A posse de terras aráveis e férteis ou de grandes nossas disposições sociais, à velocidade com que nossa recursos minerais é uma vantagem óbvia. O Koweit cultura se está modificando. A acumulação de cultura tem uma das maiores rendas per capita do mundo, é tratada com mais detalhes no Capítulo 20. mâs era uma terra de pobreza até que os engenheiros do mundo ocidental aproveitaram seus vastos recursos petrolíferos. O Japão, sem riqueza mineral e com pouca terra arável e fértil, tomou-se uma nação rica por meio Fatores geográficos no desenvolvimento cultural de organização social eficaz que fez do país uma oficina Indubitavelmente, o clima e a geografia são fatores para o mundo. Na verdade, parece que a falta de no desenvolvimento cultural. Os extremos de clima ou recursos naturais não constitui desvantagem insuperável, topografia são obstáculos sérios a muitas espécies de assim como recursos em abundância não são garantia desenvolvimento cultural. As grandes civilizações não automática de prosperidade. Ogbum e Nimkoff falam de variação cultural dentro florescem no Ártico gelado, no deserto tórrido, nas altas cadeias de montanhas ou na floresta emaranhada. do mesmo ambiente físico: Podemos viver nessas áreas e desenvolver meios enge­ ( . . . ) existem povos vivendo essencialmente no nhosos de enfrentar as forças naturais, mas tais áreas mesmo clima que têm culturas muito diferentes. não têm produzido grandes cidades ou civilizações Na parte sudoeste dos EUA, os índios Hopi e Navajo altamente desenvolvidas. Por outro lado, as grandes viveram durante séculos na mesma localidade, mas civilizações primitivas conhecidas do mundo se desen­ suas culturas são bastante diferentes. As casas dos volveram nas terras baixas das grandes bacias fluviais. Hopi são construídas de adobe e podem ter vários Quando falamos do Antigo Egito, da Mesopotâmia andares como prédios de apartamentos. Os Navajo ou da índia, estamos falando principalmente dos vales vivem em uma única sala, à semelhança de um iglu dos rios Nilo, Eufrates, Tigre e Indo [Ogbum e Nimkoff, dos esquimós, mas construída com ramos de árvores. 1964, p. 71]. Somente estas áreas atendiam aos requi­ Os Hopi são agricultores e têm colheitas. Os Navajo sitos para uma civilização primitiva: (1) terra fértil são nômades e apascentam ovelhas. A religião e a que podia alimentar uma população densa, com parte vida familiar dos dois grupos são bastante diferentes. das pessoas livres para se empenharem em trabalho Já que encontramos culturas amplamente diferentes não-agrícola, e (2) transporte fácil para ligar áreas extensas. sob as mesmas condições fisiográficas, temos de concluir que os climas não desempenham papel Contudo, dentro dos extremos geográficos é difícil encontrar qualquer relacionamento definido. A tentativa criativo ou determinante na formação da herança mais conhecida é a de Ellsworth Huntington, que social. (William F. Ogbum e Meyer F. Nimkoff. desenvolveu a teoria de que a civilização floresceu A Handbook o f Sociology. Londres, Routledge melhor nas zonas temperadas [Huntington, 1924]. & Kegan Paul, 1964. p. 77.)

EVOLUÇÃO DA CULTURA

Muitas normas e instituições que se originam em um clima são facilmente transportáveis para outro. O “chá completo” acompanhou os ingleses pelo mundo inteire. Muitas vezes a tradição cultural é mais impor­ tante do que o ambiente físico no comportamento humano. Nas últimas décadas, ficamos orgulhosos de nós mesmos pela habilidade em controlar nosso ambiente físico. Os açudes podem fazer com que os desertos floresçam, o condicionamento de ar pode esfriar os trópicos úmidos, e pelo aquecimento central podemos trabalhar confortavelmente no meio do inverno. Podemos sobreviver por breves períodos no vácuo frio do espaço externo ou profundamente sob o mar. Porém, essas realizações impressionantes têm de ser temporárias. Os reservatórios sedimentam-se, as terras irrigadas ficam salinadas e os combustíveis que levamos milhões de anos para criar podem desaparecer dentro de poucas gerações. Nossa capacidade para melhorar o ambiente também nos possibilitou destruí-lo. A erosão leva o solo embora, a poluição destrói rios, os inseticidas tanto são benéficos como nocivos a certas formas de vida, e os gases perniciosos tomam o ar uma “mercadoria” duvidosa em nossas grandes cidades. Já fizemos lagos onde a natureza não os colocou, mas também já os poluímos a ponto de alguns deles terem-se tomado águas “mortas” que não servem nem para o ser humano, nem para os peixes. E ocasionalmente nossos esforços mais ambiciosos para melhorar a natu­ reza desandam em monumental engano e desastre ambiental, como no caso da Represa de Assuã, no Egito [Sterling, 1971; Van der Schalie, 1974]. Estamos come­ çando a aprender que o ambiente natural consiste em uma série de sistemas ecológicos inter-relacionados, que atualmente estamos destruindo num ritmo tal que, caso se mantenha, certamente prejudicará a qualidade da vida e provavelmente ameaçará até nossa própria sobrevivência. Muitas espécies já pereceram em conse­ qüência de mudanças em seu habitat. Mas os seres humanos deverão ser a primeira a cometer suicídio ambiental [De Bell, 1970;Klausner, 1971].

Evolução social A evolução foi uma das idéias excitantes do século XIX. Embora muitos eruditos tefiham contribuído para a teoria evolucionista, seu patrocinador mais influente foi o naturalista Charles Darwin. Depois de viajar pelo mundo e classificar dezenas de milhares das formas atuais de vida e traços fósseis de formas de vida primitivas, desenvolveu em sua Origem das Espécies (1859) a teoria de que a raça humana tinha evolvido gradualmente de ordens de vida mais baixa em conseqüência da adaptação progressiva ao ambiente,

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através da sobrevivência das formas biológicas mais adaptadas à luta competitiva. Os primitivos sociólogos ficaram intrigados pela indagação quanto á possibilidade de se poder ou não discernir um padrão evolucionista no desenvolvimento da cultura e da vida social humanas. Auguste Comte, em sua Filosofia Positiva (18511854), escreveu a respeito de três estágios através dos quais, segundo acreditava, o pensamento humano se deslocava inevitavelmente: o teológico, o metafísico (ou filosófico) e finalmente o positivo (ou científico). Herbert Spencer, o “gigante” sociológico da última parte do século XIX, enamorou-se do “darwinismo social” . Via a evolução social como um conjunto de estágios através dos quais todas as sociedades passam de simples a complexas e de homogêneas a heterogêneas. No pensamento de Comte e de Spencer estava implícito um otimismo que via desdobrar-se o progresso da sociedade de um modo que gradualmente acabaria com a miséria e aumentaria a felicidade humana. As duas guerras mundiais, o aparecimento de depres­ sões econômicas e o surgimento de governos ditatoriais, contribuíram bastante para abrandar este otimismo e tomar a idéia de evolução social parecer uma ilusão infantil. Os relativistas culturais negaram que se pudesse falar de um tipo de cultura “superior” ou “inferior” e alegaram que cada cultura era simplesmente uma das diversas maneiras possíveis de fazer frente ao ambiente. Os antropólogos negaram que a direção da mudança fosse forçosamente do simples paia o mais complexo, e salientaram que muitas tribos primitivas tinham um sistema de classificação de parentesco muito mais elaborado do que as famílias modernas. Até mesmo o triunfo derradeiro da abordagem científica da vida sobre as demais abordagens foi posto em questão: os valores permanecem cruciais para a Teologia, Filosofia e Humanidades, e até parece que rastejam de volta à Ciência. Os historiadores culturais como Spengler e Toynbee negam a existência de qualquer progressão linear ascendente da cultura e alegam que as sociedades se movimentaram em ciclos nos quais a democracia e a ditadura se alternaram e as civilizações adiantadas, a exemplo do Império Romano, nasceram, floresceram e foram soterrados sob ondas sucessivas de bárbaros. Contudo, é difícil matar as idéias. A noção deevolução social1 que na metade do século XX parecia estar realmente morta, está bem viva hoje. Um dos fatores desse renascimento deriva do interesse pelo futuro dos países em desenvolvimento, que se lançaram na trajetória da industrialização. À medida que os países em desenvolvimento se tomam industrializados, não

1 Em nossa discussão da evolução social, devemos muito ao trabalho de Richard P. Appelbaum. Theories o f Social Change. Chicago, Markham Publishing, 1970.

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apenas estabelecem estruturas tecnológicas e econô­ micas semelhantes às dos países ocidentais, como também sofrem mudanças em termos de religiSo, govemo e família, como parte de sua “modernização” [Moore, 1963, p. 91-2; Levy, 1967, p. 190]. Estes desenvolvimentos parecem indicar que a mudança social não é simplesmente um processo aleatório e que a industrialização, de fato, provoca outras mudanças previsíveis. Nunca é demais lembrar que as culturas são integradas. Se essas nações, cujos antecedentes são tão diferentes das ocidentais, estão seguindo um curso de desenvol­ vimento semelhante, talvez, então, haja algumas linhas gerais de movimento que sejam parte de um padrão de evolução universal. Hesitamos em falar destas mudanças como “progresso” no sentido de um sistema social mais feliz ou mais justo, mas talvez possamos falar de progresso em termos do domínio sobre o ambiente. Assim, Lenski sugere que progresso seja definido como “elevação do nível mais alto da capaci­ dade da sociedade humana para mobilizar energia e informação no processo de adaptação [Lenski, 1970, p. 70]. Tal definição indica uma possível direção para a mudança social e cultural sem postular perguntas irrespondíveis, como por exemplo aquela que pretende comparar as taxas de felicidade logradas pelo operário na linha de montagem da fábrica, em confronto com o artesão na guilda medieval. Existem características comuns partilhadas por todas as sociedades industriais? Embora as instituições familiares, religiosas e governamentais das sociedades industrializadas possam diferir consideravelmente, tais diferenças são provavelmente menores do que há um século, ao passo que suas instituições industriais, comerciais e militares mostram grande semelhança. Todas as usinas de aço, por exemplo, precisam operar do mesmo modo e não podem ser fechadas para a sesta depois do meio-dia. Assim, a tecnologia modema impõe muitas características culturais a quaisquer povos que a adotem. Existem processos ou tendências universais de mu­ dança através das sociedades humanas? Parsons [1971, p. S] reconhece diversos, o primeiro dos quais consiste

na emergência de estratificação (ver o Capítulo 12) e o desenvolvimento de uma organização política independente de parentesco. Em outras palavras, o crescimento da tecnologia significa que alguém tem de ser chefe de cada operação e, também, que a autoridade não repousa nas ligações de família, mas em algum outro tipo de critério. Os dois passos seguintes são o aparecimento de uma burocracia na qual vários graus de autoridade são institucionalizados e o surgimento de moeda e mercados que constituem mecanismos para mobilização de riqueza e trabalho. Os últimos dois processos universais, no entender de Parsons, são mais passíveis de discussão: de um lado, a aceitação da lei e de uma ordem legal que se impõem coercitivamente sobre todos os membros da sociedade e, de outro lado, um governo democrático que comporta ao mesmo tempo uma ampla dose de consenso em meio a uma taxa inevitável de diversidade. O fato de Parsons ter ou não razão em todos os detalhes é menos importante do que o núcleo de seu argumento, qual seja o de que os arranjos sociais não são acidentais ou arbitrários, deslocando-se em algumas direções definidas. Quando as sociedades adotam modema tecnologia agrícola e industrial, estão fadadas a passarem pela experiência de mudanças inevitáveis, assim resumidas por Smelser: Em uma nação emergente podemos esperar mudanças profundas: ( l ) n a esfera política, à medida que os sistemas simples da autoridade tribal ou local sejam substituídos por sistemas de sufrágio, partidos políticos, representação e burocracias públicas; (2) na esfera educacional, à medida que a sociedade se esforça para reduzir o analfabetismo e aumentar as habilidades economicamente produtivas; (3) na esfera religiosa, à medida que os sistemas de crença secularizados começam a tomar o lugar das religiões tradicionalistas; (4) na esfera familiar, à medida que as unidades de parentesco extenso perdem sua penetração universal; (5) na esfera da estratificação, à medida que a mobilidade geográfica e social tende a afrouxar sistemas hierárquicos. (Neil J. Smelser. “The Modemization of Social Relations” . In: Myron Weiner (org.), Modemization. Nova York, Basic Books, 1966. p. 111.)

EvoluçSo social e biológica

Todas as sociedades industrializadas partilham de certas caracte­ rísticas comuns.

Os primitivos evôlucionistas sociais supunham que a raça humana completou sua evolução biológica em certo momento no passado, possivelmente 100 000 anos atrás, e depois começou sua evolução cultural. Hoje sabemos que a cultura tem uma história muito mais longa — que eram usadas ferramentas grosseiras de

EVOLUÇÃO DA CULTURA

pedra há pelo menos 500 000 anos, ao passo que a era de itens culturais tais como linguagem, costumes ou sistemas de parentesco, nem ao menos pode ser estimada. Parece que a evolução cultural começou antes de nosso nível atual de evolução biológica ter sido alcançado. Por exemplo, os primitivos hominidas, cujo desenvolvimento cultural era extremamente limitado, tinham uma capa­ cidade craniana entre 425 e 725 cm3, comparável à dos grandes macacos de hoje. Embora os primórdios da cultura remontem a esse período, a aceleração no progresso cultural só ocorreu após o aparecimento do homem de Neanderthal, há cerca de 150 000 anos. Este homem tinha uma capacidade craniana semelhante à dos seres humanos modernos, com a média de 1 500 cm3 , entre 1 300 e 1 600 cm3 [Lenski, 1970, p. 152]. Portanto, tanto a mudança biológica quanto a cultural movimentaram-se em conjunto e, presu­ mivelmente, ainda evolvem juntas. Por intermédio da procriação seletiva, a raça humana já produziu em espécies não-humanas “as mais rápidas mudanças evolucionárias jamais registradas” [Creed, 1969, p. 132]. As descobertas recentes em Genética sugerem que por fim haverá a possibilidade de produzir mudanças evolucionárias por meio de modificação do padrão genético, dando-nos assim maior controle sobre a hereditariedade, inclusive a nossa própria. Costumávamos pensar que as pessoas poderiam controlar seu ambiente, mas que sua hereditariedade era fixa. Assim, quem salientasse a influência da hereditariedade biológica poderia ser considerado “racista” , porque enfatizava um tipo de diferença entre povos que parecia estar além do controle humano. O “liberal” , por sua vez, foi quem minimizou a impor­ tância da hereditariedade e interpretou as diferenças humanas em termos de ambientes sociais variados. É possível que tais enunciados sejam invertidos. Sabe-se o quanto é difícil modificar a conduta humana pela manipulação do ambiente, mas parece que estamos no limiar do dia em que os seres humanos poderão fazer mudanças drásticas em sua hereditariedade biológica pela manipulação dos genes. É mesmo concebível que, em futuro próximo, o “liberal” esperançoso seja o que venha a salientar as possíveis mudanças na hereditariedade biológica, ao passo que o “racista” reacionário seja o que passe a realçar a extensão em que a natureza humana é moldada por um ambiente social amiúde desfavorável. Consideremos, por exemplo, a importância da seguinte declaração sobre o progresso atual e potencial no campo da Genética: ( . . . ) a decifração do código genético [é] uma realização tão pasmante por seu brilho intelectual é com toda a probabilidade tão importante para a História da Ciência quanto as primeiras descobertas

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em Física Nuclear. Já se conhece no essencial a maneira pela qual os genes enviam as “mensagens” que controlam o desenvolvimento do organismo. Por conseguinte, grande parte do que costumava ser chamado de “o segredo da vida” acha-se aberta à investigação e, presumivelmente, à manipulação e redesenho. Por exemplo, já se fez com que as células humanas que crescem em uma cultura de tecido sejam submetidas a mudanças passíveis de serem herdadas quando infectadas por um vírus ou tratadas com matéria genética estranha. Um outro exemplo é que a primeira semana da vida fetal humana já foi totalmente reproduzida em condições de laboratório: mais cedo ou mais tarde, segundo nos dizem, serão conseguidos bebês de proveta.* Há evidência, por exemplo, de que a ação do gene da anemia falciforme pode ser suprimida pela ativação ou desativação de outros genes aos quais seu funcionamento está ligado. Uma vez mais, foram realizados experimentos que indicam a possibilidade de compensardeficiências genéticas pela implantação dos genes necessários. A terapia do gene, química ou cirúrgica, parece, portanto, ser um procedimento médico bastante possível, senão imediato. (Charles Frankel. The Specter of Eugenics. Commentary, 57:25-26, mar. 1974.) Nossa habilidade crescente de desenvolver cultura pode ser igualada por nossa habilidade de controlar o potencial hereditário com o qual tratamos da cultura. No período pré-histórico, tanto nossa capacidade bioló­ gica como nosso equipamento cultural eram tão limitados que a mudança era lenta e difícil. Na era moderna, a acumulação da cultura e a perspectiva de controlar a qualidade genética estabelecem o cenário para um período em que os seres humanos terão maiores possibilidades de controlar o mundo — para o bem ou para o mal - como nunca antes foi possível.

Teorias de conflito versus teorias funcionalistas da mudança evolutiva

Embora muitos estudiosos atualmente aceitem a teoria de que todas as sociedades industrializadas por fim desenvolverão culturas com certas semelhanças,

* A partir de meados de 1978, na Inglaterra, concretizou-se a previsão de Frankel e destes autores, com o nascimento de um “bebê de proveta” . No momento desta tradução, 15 de janeiro de 1979, já se tem conhecimento de um outro bebê de proveta nascido na índia e de um terceiro na Escócia. (N. do T.)

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há grande controvérsia sobre a maneira pela qual estas mudanças surgem. Uma escola de pensamento agarra-se à idéia de balanceamento ou equilíbrio e realça a maneira pela qual as várias partes da sociedade atuam em conjunto [Davis, 1949; Parsons, 1964]. A ênfase em equilíbrio não significa que a sociedade não está mudando, mas implica que um relacionamento harmo­ nioso das suas diferentes partes é a situação normal, e que a desarmonia, ou desequilíbrio, é uma fase tempo­ rária de um processo de reajustamento. O termo funcionalismo é dado à abordagem que avalia os desenvolvimentos conforme provoquem equilíbrio ou desequilíbrio — se estabilizam ou desorganizam um sistema social. Se uma determinada mudança social promove equilíbrio, é vista como funcional; se não tem efeito particular sobre o equilíbrio, é não-funcional; se perturba o equilíbrio social, é disfuncional. Assim, os partidos políticos são funcionais em uma democracia, ao passo que os bombardeios, assassinatos e fraudes eleitorais são disfuncionais e, provavelmente, as mudanças no uso gramatical sejam consideradas nãofuncionais.

O conflito estimula a procura de novas abordagens.

Não é fácil prever os efeitos de longo prazo provo­ cados por qualquer mudança. Os desenvolvimentos que parecem funcionais sob um ponto de vista, podem parecer disfuncionais de um outro. O sistema norteamericano de rodovias interestaduais, por exemplo, é funcional porque simplifica a viagem, mas é disfuncional porque tem dividido as cidades, acelerado a ruína urbana e corroído a estabilidade citadina. O ponto importante, porém, não reside no fato de que uma dada mudança seja, em cotejo, “boa” (funcional) ou “má” (disfuncional); mas na tese principal de que o desenvolvimento social advém através de mudanças sucessivas que promovem a cooperação harmoniosa entre os homens.

Um ponto de vista oposto enxerga a sociedade caracterizada por conflito contínuo, no qual qualquer mudança social reflete interesses particulares de uma parte ou de outra [Aron, 1957; Kerr, 1954; Coser, 1956; Dahrendorf, 1959, 1964], Embora muitas vezes o conflito seja considerado como ocioso e disfuncional, também tem funções positivas (ver Capítulo 14). O conflito leva a fazer frente a questões e, por isso, conduz à sua solução. O conflito entre grupos produz coesão dentro de cada um dos grupos Conflitantes, estimula a procura de novas abordagens e leva a novas adaptações. Freqüentemente, novas idéias encontram melhor promoção por novos grupos, e o conflito que leva à sua vitória produz, por esta via, mudança social. O aparecimento da harmonia social é considerado como enganoso, já que a paz aparente é apenas um período em que as forças sociais oponentes estão se preparando para novas batalhas e para desafiarem o grupo que momentaneamente foi capaz de impor um sistema do qual esse mesmo grupo se beneficia. Há mais de um século Karl Marx ensinou que a evolução social era alcançada através de conflito contínuo entre as classes sociais em tom o da propriedade da riqueza produtiva [Marx e Engels, 1959, p. 18], Dahrendorf [1964, p. 107], por sua vez, julga que Marx exagerou a impor­ tância das questões de propriedade e salienta que a principal fonte de conflito é a luta pelo poder entre grupos rivais. Embora discutam a respeito de quais as fontes do conflito, os vários teóricos dessa escola concordam em que a evolução social se processa através do desenvolvimento e da resolução do conflito social e que, portanto, o ponto de partida essencial para a análise da evolução social não é a cooperação, mas o conflito. As diferenças entre a abordagem funcionalista e a teoria do conflito estão resumidas no Quadro 2. Os teóricos funcionalistas do equilíbrio privilegiam a sociedade e enfatizam a lei, os tratados, o comércio, a educação, as providências para o bem-estar, as medidas de conservação e outras disposições por cujo intermédio as pessoas trabalham em conjunto a fim de construírem uma vida melhor para todos. Os teóricos do conflito enfatizam a guerra, arruaças, repressão, revolução e outros indicadores de que o mundo é uma selva onde a luta de um grupo contra outros grupos é a principal realidade social. Eles não se sentem impressionados pelos mecanismos de cooperação e alegam que até mesmo a cooperação aparente é meramente uma fachada de ordem imposta por coerção de uma espécie ou outra. Obviamente a sociedade se caracteriza tanto por cooperação como pelo conflito (tópicos que serão analisados em maior extensão no Capítulo 14). Segue-se que a sociedade pode ser analisada do ponto de vista das tensões que acompanham até mesmo um sistema

EVO LU ÇÃO DA CU LTU RA

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Q U A D R O 2 Teorias do conflito e do equilíbrio quanto â mudança social (pressupostos e teses).

Teoria de equilíbrio

Teoria de conflito

1. Toda sociedade é uma configuração relativamente persistente de elementos.

1. Toda sociedade está sujeita a cada momento à mudança social: a mudança social é ubíqua.

2. Toda sociedade é uma configuração integrada de elementos.

2. Toda sociedade passa a cada momento por um conflito social: este é ubíquo.

3. Todo elemento em uma sociedade contribui para seu funcionamento.

3. Todo elemento em uma sociedade contribui para sua mudança.

4. Toda sociedade repousa no consenso de seus membros.

4. Toda sociedade repousa na coerção de alguns de seus membros imposta por outros.

F O N T E : Ralf D ahrendorf. "Tow ards a Th eo ry o f Social C o n flic t." In: A m itai E tzio ni e Eva E tzioni (orgs.l. Social Change. Nova Y o rk , Basic Books, 19 64. p. 103.

cooperativo ou de uma perspectiva em que a cooperação existe até mesmo em meio a um conflito persistente. Um excesso de ênfase sobre interesses comuns pode dar a ilusão de um otimismo sonhador, ao passo que a obliteração pelo conflito pode levar a uma rejeição cínica de todos os tipos de associação cooperativa. Em suma, ambos os pontos de vista são relevantes e úteis, mas nenhum oferece um entendimento completo da situação humana.

Sumário A acumulação de cultura pelo uso da linguagem é uma das principais características que distinguem a raça humana dos animais inferiores. Estes podem ter força física e destreza, mas são incapazes de se comu­ nicarem através da linguagem — o uso de símbolos, essencial para que a aprendizagem de uma geração possa ser transmitida à seguinte. Os fatores geográficos exigem adaptação humana, mas não ditam a forma que ela assumirá; permitem uma ampla variedade de formas culturais. Usualmente, as grandes cidades têm sido a sementeira da civilização, ao passo que o desenvolvimento cultural tem sido mais restrito nas áreas rurais isoladas. A alegação de que o clima temperado favorece importantes realizações culturais parece ser verdade nos dias que correm, mas a análise histórica indica que os climas tropicais muitas vezes deram origem a civilizações avançadas numa época em que as áreas temperadas eram os lares dos homens da caverna.

A idéia da evolução social ou cultural está voltando a ganhar peso. Em parte isso se explica pela tendência mundial para a industrialização, com as mudanças necessárias que tal processo impõe em todos os níveis da sociedade. A evolução social não exclui variações nem significa que a vida está inevitavelmente tomando-se melhor. Implica apenas que certos traços universais são encontrados em todas as sociedades que se indus­ trializam. Nos períodos pré-históricos, a evolução cultural e biológica ocorreu em conjunto, tendo a cultural começado antes de nosso atual nível de evolução biológica. A evolução cultural parece ter-se acelerado depois que o crânio do homem pré-histórico aumentou. As perspectivas para o controle dos genes indicam que em breve estaremos em posição de exercer certo controle sobre a evolução biológica na espécie humana. Está claro que as mudanças culturais e biológicas movimentaram-se em conjunto no passado e talvez continuem assim. A aceitação do ponto de vista evolucionista ainda deixa em aberto a questão de como ocorrerá o desen­ volvimento cultural. A explicação funcionalista vê a sociedade como um organismo cujas várias partes estão usualmente em estado de equilíbrio; os teóricos do conflito vêem a sociedade como uma luta contínua. Segundo a teoria funcionalista, a evolução conduz à maior integração e cooperação, enquanto as teorias do conflito insistem no fato de que novas formas de vida social surgirão em conseqüência do enfrentamento de grupos antagônicos que buscam obter ou manter domínio.

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Perguntas e trabalhos 1.

Distinga comunicação simbólica entre seres humanos e comunicação instintiva entre animais.

2.

Os animais têm cultura? Se sua resposta é afirmativa, que limites lhes são impostos?

3.

Já que a civilização adiantada é encontrada na zona tempe­ rada, Huntington argumenta que este tipo de clima deve favorecer o desenvolvimento cultural. Que crítica você pode fazer a esta tese?

4.

5.

6.

Geralmente, os países africanos independentes mantiveram a língua da antiga potência colonial, para uso nas escolas. Você acredita que esta prática tem a probabilidade de continuar? Será que os fatores geográficos determinam a natureza do desenvolvimento cultural? Será que os fatores geográ­ ficos e biológicos podem ser postos à margem quando fazemos prognósticos a respeito do desenvolvimento cultural? Leia o artigo de Frankel, citado na Bibliografia. Os perigos que ele arrola na obtenção de maior controle sobre a hereditariedade humana são sérios? Que efeito o controle da hereditariedade teria sobre a evolução social?

7.

Pode-se defender a idéia de evolução social e ao mesmo tempo duvidar que a raça humana esteja progredindo eticamente?

8.

Será que a evolução social conduz à uniformidade? Caso contrário, que limites ela impõe à variação?

9.

Karl Marx teria sido mais propenso a uma teoria do conflito da sociedade, ou de equilíbrio? Por quê?

10. Por que é difícil classificar determinados desenvolvimentos como funcionais ou disfuncionais? 11. Dentro em breve talvez seja possível a formação genética de bebês, “encomendando-se” uma combinação das carac­ terísticas que desejamos. Que conflitos isto poderia criar? Isto seria funcional ou disfuncional? 12. Leia o artigo de Bruce Eckland, Genetics and Sociology: A Reconsideration. American Sociological Review, 32: 173-194, abr. 1967. Do ponto de vista deste artigo, o que é que você pensa das perspectivas de um aumento drástico no êxito educacional?

Leitura sugerida ♦Appelbaum, Richard P. Theories o f Social Change. Chicago, Markham Publishing, 1970. Sumário conciso, mas ainda assim minucioso, do pensamento sociológico atual a respeito da teoria evolucionista.

Frankel, Charles. The Specter of Eugenics. Commentary, 57: 25-33, mar. 1974. Um filósofo considera a promessa e o perigo de produzir tipos humanos por encomenda, por alteração dos genes.

Dahrendorf, Ralf. “Conflict Groups, Group Conflicts, and Social Change.” Class and Class Conflict in Industrial Society. Stanford, Calif., Stanford University Press, 1959. p. 202-23. Reproduzido em Peter Orleans e Sonya Orleans (orgs.) Social Structure and Social Process. Boston, Allyn and Bacon, 1969 p. 437-52. Examina o conflito do ponto de vista de seu papel na promoção da integração societária e na estimulação da mudança social.

•Hall, Edward T. The Silent Language. Greenwich, Conn., Fawcett Publications, 1959. Um livrinho caloroso sobre a interação da linguagem e da cultura, arrolando maneiras pelas quais o significado é distorcido, porque as normas culturais fazem com que palavras idênticas variem de uma sociedade para outra.

Darlington, C. D. The Evolation o f Man and Society. Nova York, Simon & Schuster, 1970. Apresenta o ponto de vista de que princípios semelhantes determinam a evolução biológica e social. Eckland, Bruce K. Genetics and Sociology: A Reconsideration. American Sociological Review, 32:173-194, abr. 1967. Argumenta que os sociólogos deixaram de apreciar a importância do potencial geneticamente transmitido e que a hereditariedade e a cultura interagem na evolução das sociedades humanas.

Lenski, Gerhard, e Lenski, Jean. Human Societies. 2? ed. Nova York, McGraw-Hill, 1974. Livro didático de introdução, com uma nova abordagem evolucionista. Lemer, I. Michael. Heredity, Evolution, and Society. San Fran­ cisco, W. H. Freeman, 1968. Tratamento esplendidamente ilustrado do relacionamento da Genética com as decisões sociais.

Etzioni, Amitai. Genetic Fix. Nova York, Macmillan, 1973. Análise sociológica das questões envolvidas em “aconse­ lhamento genético” .

Lorenz, Konrad Z. “Morais and Weapons.” King S o lom on’s Ring. Nova York, Thomas Y. Crowell, 1954 p. 182-99; reproduzido em H. Laurece Ross (org.). Perspectives on the Social Order. McGraw-Hill, 1968 p. 120-6. Con­ trasta o comportamento instintivo dos animais e o compor­ tam ento cultural do homem como um meio de limitar a guerra dentro do grupo.

Feldman, Arnold S, e Christopher Hurn. The Experience of Modernization. Sociometry', 29:378-395, dez. 1966. Descreve as mudanças culturais que ocorrem quando as sociedades tradicionais modernizam seus procedimentos.

Parsons, Talcott. Evolutionary Universais in Society; Robert N. Bellah. Religious Evolution; S. N. Eisenstadt: Social Change, Differentiation, and Evolution. Três artigos sobre evolução social, em American Sociological Review, jun.

EVOLUÇÃO DA CULTURA

1954, v. 29. Os artigos de autoria de Parsons e Eisenstadt também foram reproduzidos em Lewis A. Coser e Bernard Rosenberg (orgs.) Sociological Theory: A B ook o f Readings. Nova York, Macmillan, 1969.

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♦Rostow, W. W. The Stages o f Economic Growth. Londres, Cambridge University Press, 1971. Tentativa bastante conhecida de descrever um padrão evolucionista de desen­ volvimento econômico.

5. P ersonalidade e socialização Sob certos aspectos, cada homem é a) Como todos os outros homens. b) Como alguns outros homens. c) Como nenhum outro homem.

xistem certos elementos da personalidade e socialização de uma pessoa que são parti­ lhados por todas as demais, alguns que são partilhados por algumas outras e alguns que não são partilhados com pessoa alguma. Quais elementos e como atuam é o tema deste capítulo.

(Clyde Kluckhohn e Henry A. Murray (orgs.). Personality in Nature, Society and Culture. Nova York, Alfred A. Knopf, 1949. p. 35.)

parecido dia após dia. Quando observamos: “Não é exatamente como a Ruth?” , estamos reconhecendo que Ruth apresenta um “sistema de tendências” de comportamento que lhe é bastante característico. são A frase: estes “interagindo com uma seqüência de situações” , indica que o comportamento é um produto conjugado das tendências de comportamento de uma pessoa e das situações de comportamento com que ela se defronta. Para entendermos personalidade, precisamos Significado da personalidade saber de que modo os sistemas de tendências de Personalidade é um daqueles termos que raramente comportamento se desenvolvem através da interação são definidos do mesmo'modo por mais de um autor do organismo biológico com as várias espécies de importante. Todas as definições de personalidade experiências sociais e culturais. sugerem que ela representa uma tendência de certa pessoa atuar de modo algo previsível e que lhe é peculiar. Conquanto certos autores estejam interessados pelas Fatores no desenvolvimento predisposições inatas que atribuem a cada pessoa, da personalidade outros supõem que o comportamento é em grande Os fatores no desenvolvimento da personalidade parte produto da experiência social. Uma definição bastante satisfatória é a de Yinger [1965, p. 141]. são: (1) herança biológica, (2) ambiente físico, (3) Este autor vê a personalidade como o efeito da interação cultura, (4) experiência de grupo e (5) experiência de ambos os elementos: “Personalidade é a totalidade única. do comportamento de um indivíduo com um dado sistema de tendências interagindo com uma seqüência Herança biológica e personalidade de situações” . A frase: “um dado sistema de tendências” , sugere Uma casa de tijolos não pode ser construída com que o comportamento de uma pessoa é bastante congruente. O indivíduo pode agir de modo bem pedras ou bambus; mas de uma pilha de tijolos pode

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ser construída uma grande variedade de casas. A herança biológica proporciona as matérias-primas da persona­ lidade, e estas matérias-primas podem ser moldadas de muitas maneiras diferentes. Ao contrário de muitas espécies, o animal humano é sexualmente ativo durante o ano todo. Esta caracte­ rística garante a associação mais ou menos constante dos sexos. O bebê humano por si só nasce desamparado e sobreviverá somente se receber cuidados carinhosos durante muitos anos. Estes fatos biológicos propor­ cionam a base para a vida do grupo humano. Algumas espécies são monogâmicas por instinto; o Homo sapiens definitivamente não o é. Este é um fato biológico que cada sociedade tem de enfrentar de algum modo. Algumas das similaridades em nossa personalidade e cultura decorrem de nossa herança comum. Tanto quanto se sabe, cada grupo humano no mundo herda o mesmo conjunto geral de necessidades e capacidades biológicas. Segundo Montagu [1958, p. 85], estas necessidades incluem oxigênio, alimento, líquido, descanso, atividade, sono, eliminação pelos intestinos e bexiga, fuga a situações assustadoras e empenhos em esquivar-se da dor. Assim, nossa herança comum explica algumas de nossas semelhanças em termos de personalidade, ao passo que as diferenças individuais em termos de herança explicam algumas das diferenças de personalidade. Mas as diferenças de grupo em personalidade não podem ser atribuídas à hereditarie­ dade, salvo se houver evidência convincente de que os grupos diferem em herança numa proporção idêntica. Os negros norte-americanos vieram de numerosas tribos, principalmente da África Ocidental. Assim que chegaram, começaram a absorver uma cultura e a desenvolver uma personalidade bem diferente da de seus parentes africanos. Os norte-americanos de origens raciais e nacionais as mais diversas partilham atualmente de uma cultura comum; suas diferenças em termos de personalidade não estão intimamente rela­ cionadas a suas diferentes origens étnicas. Poderíamos citar dúzias de exemplos de rápida mudança em cultura e personalidade sem qualquer mudança em hereditarie­ dade. Pelo que se sabe a esse respeito, a hereditariedade de um grupo não se modifica com rapidez suficiente a ponto de dar conta de tais mudanças no comporta­ mento de grupo. O que a hereditariedade faz é prover um conjunto de necessidades, limitações e capacidades, com as quais interagem outros fatores na formação da personalidade humana. Nos últimos anos tem-se desenvolvido a Etologia, como uma nova ciência dedicada ao “estudo compa­ rativo do comportamento” , especialmente o compor­ tamento animal (que não deve ser confundido com Etnologia, que é um ramo da Antropologia dedicado ao estudo comparativo das culturas). Os etólogos acreditam ter encontrado bases biológicas ou genéticas

para grande parte do comportamento humano. Alegam que os sociólogos subestimaram a importância das predisposições biológicas no comportamento humano. Inúmeros best-sellers [Ardrey, The TerritorialImperative, 1966; Lorenz, On Aggression, 1966; Morris, The Naked Ape, 1968; Tinbergen, The Study o f Instinct, 1969; Tiger e Fox, The Imperial Animal, 1972] sugerem que muitos aspectos do comportamento humano — como a tendência a agredir, a ocupar e a defender espaço e procurar dominar os outros — têm base biológica. Estas teorias são atrativas por proporcionarem desculpas confortáveis para grande parte de nossa sordidez de uns para com os outros. Os críticos dos etólogos [Alland, 1972; Binford, 1972; Philbeam, 1972] salientam que muitas das observações dos etólogos a respeito do comportamento animal resultaram de investigação no ambiente artificial de um jardim zoológico, ao passo que os animais em um ambiente totalmente natural exibem características de comportamento muito diferentes. Na literatura etológica, os sentimentos e motivos humanos são muitas vezes atribuídos aos animais, processo que é conhecido como antropomorfismo', mas a verdade é que realmente sabemos muito pouco a respeito dos motivos humanos e menos ainda sobre os dos animais. A longo prazo a Etologia poderá contribuir decisivamente para nosso entendimento do comportamento humano; por enquanto, as obras de maior repercussão nessa disciplina vêm tendo mais sucesso comercial do que científico. Elas são provocativas e estimulantes, oferecendo hipó­ teses interessantes, porém a maioria dos críticos considera inadequadas as evidências em que se fundam suas conclusões.

Ambiente físico e personalidade

Alguns dos trabalhos pioneiros são tentativas para explicar o comportamento humano em termos de clima e geografia. Sorokin [1928, Cap. 3] resume as teorias de centenas de autores, desde Confúcio, Aristóteles e Hipócrates, até o geógrafo moderno Ellsworth Huntington, todos eles empenhados em provar que as diferenças entre os grupos em termos de comportamento decorrem principalmente de diferenças climáticas, topográficas e de recursos. Estas teorias se ajustam muito bem a um arcabouço etnocêntrico, porque os fatores geográficos proporcionam uma explicação respeitável e aparentemente objetiva de nossas virtudes nacionais e dos defeitos dos outros povos. Como foi demonstrado no Cap. 4, o ambiente físico é um fator de certa importância na evolução cultural sobre a qual impõe certos limites, mas o mesmo não sucede em relação à personalidade. Em qualquer espécie de clima pode-se encontrar qualquer tipo de personalidade.

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Na verdade, o ambiente físico exerce certa influência sobre a personalidade. Os aborígines australianos lutaram desesperadamente para permanecer vivos, ao passo que os nativos de Samoa gastavam apenas alguns minutos diários para obter mais alimento do que a quantidade que poderiam ingerir. Mesmo atualmente, algumas regiões só podem abrigar uma população bastante dispersa, o que não deixa de acarretar alguns efeitos sobre a personalidade. Os Ik de Uganda estão pratica­ mente passando fome desde que perderam suas tradi­ cionais terras de caça e, segundo Tumbul [1973], tomaram-se um dos povos mais interesseiros e aprovei­ tadores sobre a face da terra, inteiramente despidos de bondade, de disposição em auxiliar, chegando a tirar alimento da boca dos filhos na luta pela sobre­ vivência. Os Qolla do Peru são descritos por Trotter [1973] como o povo mais violento da terra, atribuindo o fato àhipoglicemia resultante de deficiências dietéticas. Obviamente, o ambiente físico tem certa influência na personalidade e comportamento. Mas dos cinco fatores discutidos neste capítulo, o ambiente físico é freqüen­ temente o menos importante — muito menos do que a cultura, a experiência grupai ou a experiência única.

Cultura e personalidade

Algumas experiências são comuns a todas as culturas. Em todos os lugares, os bebês são cuidados ou alimen­ tados por pessoas mais velhas, vivem em grupos, aprendem a comunicar-se através da linguagem, enfren­ tam punições e recebem recompensas de alguma espécie, afora outras tantas comuns à espécie humana inteira. Também é verdade que cada sociedade propicia praticamente a todos os seus membros certas experiências únicas que muitas outras não proporcionam. Desse estoque de experiência comuns a todos os membros de uma dada sociedade resulta uma configuração de personalidade característica que é típica de muitos de seus componentes. DuBois [1944, p. 3-5] deu-lhe

Certas experiências são comuns a todas as culturas.

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o nome de “personalidade modal” (do termo estatístico “moda” , o qual se refere ao valor que aparece com maior freqüência em uma série). A personalidade modal pode variar entre duas sociedades diferentes conforme se pode constatar através do seguinte exemplo. O dobuano ansioso. [Fortune, 1932; Benedict, 1934, Cap. 5]. A criança dobuana na Melanésia poderia pensar duas vezes antes de vir a este mundo, se tivesse a possibilidade de escolher. Ela ingressa numa família na qual o único membro que tem a probabilidade de se interessar por ela é um tio, o irmão da mãe, do qual se tom a herdeira. O pai, que se interessa pelos filhos de sua própria irmã, geralmente fica aborrecido, porque terá de esperar até que a criança seja desmamada para voltar a ter relações sexuais com a mãe. Muitas vezes a criança também é rejeitada pela mãe, sendo o aborto bastante comum. Em Dobu, as crianças recebem pouco calor humano ou afeição. A criança dobuana logo aprende que vive em um mundo governado pela magia. Nada acontece por causas naturais; todos os fenômenos são controlados por bruxaria e feitiçaria. Doenças, acidentes e morte são evidência de que a bruxaria foi usada contra uma pessoa o que exige vingança por parte dos parentes. Os pesadelos são interpretados como sintomas de bruxaria, vale dizer, o espírito de quem está dormindo escapa por um triz dos espíritos malignos. Todos os heróis e vilões lendários ainda estão vivos como seres sobre­ naturais ativos, capazes de ajudar ou de prejudicar. As plantações somente crescem se as longas horas de canto mágico de uma pessoa lograrem êxito em atrair os inhames de uma horta para outra. Até mesmo o desejo sexual parece eclodir apenas em resposta às mágicas de amor de uma outra pessoa, o que orienta os passos do indivíduo para o parceiro, e vice-versa, os encantamentos desencadeados pelo próprio respondem pelo sucesso que possa vir a ter. A má vontade e a traição são virtudes em Dobu, e o medo domina seus habitantes. Cada dobuano vive no temor constante de ser envenenado. O alimento é cuidadosamente vigiado enquanto está sendo prepa­ rado e, com efeito, há poucas pessoas com as quais um dobuano se disponha a partilhar uma refeição. O casal dobuano passa anos alternados nas vilas da mulher e do marido, de modo que um deles é sempre um forasteiro humilhado e crivado de suspeitas, que vive na expecta­ tiva diária de ser envenenado ou de que lhe sobrevenha alguma outra desgraça. Em conseqüência de numerosos divórcios e novos casamentos, cada vila abriga homens de muitas outras; assim, nenhum deles confia nos anfitriões e todos desconfiam uns dos outros. De fato, não se pode confiar totalmente em quem quer que seja; os homens estão sempre angustiados com as possíveis bruxarias da mulher, além de temerem as sogras.

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Para os dobuanos, o êxito tem de ser invariavelmente obtido às expensas de alguma outra pessoa, do mesmo modo que toda desgraça é causada pela magia malévola dos outros. A magia eficiente é a chave do sucesso, medido por façanhas em termos de roubo e sedução. O adultério é praticamente universal e há grande admiração pelos adúlteros e ladrões bem sucedidos. Aparentemente as relações sociais em Dobu são cordiais e polidas, embora sombrias e sem humor. Existe muito pouca briga, porque ofender ou fazer um inimigo é perigoso. Mas os amigos também são perigosos; uma prova de amizade pode ser o prelúdio de um envenenamento ou da coleta de materiais (cabelos, unhas) exigidos para os trabalhos de feitiçaria. Que espécie de personalidade se desenvolve em tal ambiente cultural? Os dobuanos são hostis, descon­ fiados, ciumentos, desacreditados, sinuosos e enganosos. Estas são reações racionais, pois vivem em um mundo repleto de males, cercados de inimigos, de bruxas e feiticeiros. De repente, poderão ser aniquilados. Nesse ínterim, procuram proteger-se recorrendo à magia, porém jamais podem sentir qualquer confortável sensação de segurança. Um mau pesadelo pode mantê-los na cama durante dias. Segundo critérios e conceitos ocidentais de higiene mental, todos os dobuanos são paranóicos a ponto de terem de apelar para a psicoterapia. Mas chamá-los simplesmente de paranóicos seria incorreto, porque seus medos são justificados e não irracionais; os perigos que enfrentam são genuínos, não imaginários. Uma verdadeira personalidade paranóica imagina que outras pessoas a estão ameaçando, mas em Dobu os outros estão mesmo querendo dar cabo de seus semelhantes. Assim, a cultura molda um padrão de personalidade que é normal e útil para essa cultura. Os cooperativos Zuni. [Benedict, 1934, Cap. 4]. Os Zufíi do Novo México são um povo tranqüilo em um mundo emocionalmente apaziguado. O recém-nascido é calorosamente recebido, tratado com carinho e merece muitas provas e testemunhos de amor. Jamais é repreendido ou punido e, no entanto, toma-se um membro bem comportado de uma sociedade em que o crime é raro e as brigas são quase desconhecidas. A cooperação, a moderação e a falta de individua­ lismo fazem parte do comportamento de todos os Zufíi. As posses pessoais não são importantes e são emprestadas aos outros prontamente. Os membros de unidade domiciliar matrilinear trabalham em conjunto como um grupo, e as colheitas são armazenadas em um depósito comum. Trabalha-se pelo bem do grupo, não por glória pessoal. (As crianças Zufíi não vão bem nos exames competitivos das escolas mantidas pelo governo, porque é falta de educação responder a perguntas que os colegas de classe possam eventual­ mente desconhecer.)

As forças mágicas do mundo Zufíi jamais são malévolas e muitas vezes são úteis. Já que os sobrenaturais têm os mesmos gostos que os vivos, não é preciso temê-los. O auxílio sobrenatural e mágico é invocado através de muitas longas cerimônias, mas as danças cerimoniais nunca são frenéticas nem descambam em orgias. A violência ou a falta de moderação é coisa detestável, e até mesmo as discordâncias são acertadas sem contenda ostensiva. Por exemplo, uma esposa que se cansou dos muitos amores de seu marido, decidiu resolver a questão: “Por isso” , disse ela, “eu não lavei suas roupas, então ele ficou sabendo que eu sabia o que todos sabiam e acabou largando a moça.” A questão ficou resolvida sem uma palavra [Benedict, 1934, p. 108]. Ao contrário de outros povos, os Zufíi rejeitam o álcool porque aumenta as chances de os homens terem um comporta­ mento algo exacerbado e pouco digno. Não usam mescalina ou outras drogas, nem infligem a si mesmos punições ou jejum prolongado a fim de provocar êxtases, visões e outros fenômenos sensoriais. Desejam apenas a experiência sensorial a que faz jus o comportamento comedido. Individualmente, o Zufíi não anseia por poder ou liderança e é preciso que os papéis de liderança lhe sejam impostos. A responsabilidade e o poder são distribuídos; o grupo é a unidade real de funcionamento. Os Zuni não têm o sentido do pecado. Não têm uma visão do universo como um conflito entre o bem e o mal, nem tampouco conceituam a si próprios como desagradáveis ou indignos. O sexo não é uma série de tentações, mas parte de uma vida feliz. O adultério é suavemente desaprovado, mas é em grande parte uma questão privada e um prelúdio provável à troca de maridos. O divórcio é simples; a esposa simplesmente empilha as coisas do marido fora do “pueblo” ; depois que ele as encontra, chora um pouco e vai para a casa da mãe. Já que a descendência é matrilinear e matrilocal (ou seja, segue a linhagem materna e a residência familiar acompanha a residência da mãe) um divórcio e o desaparecimento do pai não perturbam seriamente a vida dos filhos. Mesmo assim o divórcio não é muito comum e a má conduta mais séria é muito rara. A personalidade normal entre os Zufíi contrasta flagrantemente com a dos dobuanos. Enquanto o dobuano é desconfiado, suspeitando de tudo, o Zuni é franco e confiante; enquanto o dobuano é apreensivo e inseguro, o Zufíi é seguro e sereno. O Zufíi típico está quase sempre pronto a ceder, é generoso, polido e cooperativo. Tendem, por pensamento e hábito, a ser conformistas, porque ser exageradamente diferente é algo que nem o indivíduo nem o grupo podem tolerar. Aparentemente isto serve para controlar o comporta­ mento sem o sentido do pecado e dos complexos de culpa encontrados em muitas sociedades, inclusive na nossa. Conforme demonstram as descrições precedentes, a

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personalidade difere marcadamente de uma sociedade para outra. Cada sociedade desenvolve um ou mais tipos básicos de personalidade que se ajustam à cultura. Os dobuanos não treinam consciente ou intencional­ mente os filhos para serem hostis e desconfiados; mas a atmosfera de traição e medo constantes produz este resultado. Cada cultura, sendo simplesmente o que é, molda a personalidade que se ajusta a ela. Consi­ deremos alguns aspectos da cultura que afetam o processo do desenvolvimento da personalidade. Normas da cultura. A partir do momento em que nasce, a criança é tratada de certas maneiras que moldam a personalidade. Cada cultura propicia um conjunto de influências gerais que variam infmdavelmente de uma sociedade para outra. De acordo com linton: Em algumas sociedades os bebês são amamentados no peito sempre que choram pedindo leite. Em outras, são alimentados em determinados horários. Em algumas, serão tratados por qualquer mulher que esteja por perto; em outras, somente por suas mães. Em algumas, os cuidados dispensados à criança são descontraídos, acompanhados de muita carícia e do máximo de prazer sensual tanto para a mãe como para o bebê. Em outras, o tratamento é dispen­ sado com desleixo e pressa, pois as mães consideram esse trabalho como uma interrupção em suas ativi­ dades regulares e acabam fazendo com que os filhos “acabem logo com isso” . Alguns grupos desmamam os bebês muito cedo; outros continuam a amamentá-los durante anos . . . Passando aos efeitos mais diretos que os padrões culturais exercem sobre o indivíduo que se desenvolve, há uma gama quase infinita de variações no grau em que ele é conscientemente treinado, vale dizer, o grau em que ocorre ou não a inculcação da disci­ plina e das responsabilidades que lhe são impostas. A sociedade pode assumir a criança quase desde o início da meninice e treiná-la deliberadamente para seu status adulto, ou pode permitir-lhe que viva à vontade até atingir a puberdade. As crianças podem estar sujeitas à punição corporal até mesmo pela menor ofensa, ou jamais serem passíveis de punição. As crianças podem fazer jus ou terem direito ao tempo e à atenção de todos os adultos com os quais entram em contato ou, ao contrário, todos os adultos podem ter direito a seus serviços. Uma criança pode ser levada a trabalhar e ser tratada como membro responsável que contribui desde o momento em que aprende a andar, e inculcada pelos outros de que a vida é real e séria. Assim, as crianças de algumas tribos de Madagáscar não apenas começam a trabalhar incrivelmente cedo, como também desfrutam dos direitos de propriedade. Freqüentemente negociei

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com uma criança de seis anos de idade para a obtenção de algum objeto que precisava para minha coleção; embora os pais pudessem aconselhar, não interferiam. Por outro lado, as crianças de uma vila das ilhas Marquesas não trabalham nem aceitam responsa­ bilidade. Formam uma unidade social distinta e intimamente integrada, com poucas interações com os adultos. Os meninos e meninas que ainda não são púberes estão constantemente juntos e muitas vezes não vão para casa, seja para comer ou para dormir. Partem em expedições que duram o dia inteiro, para as quais não há necessidade de apro­ vação dos pais, pescam e fazem incursões nas planta­ ções em busca de alimento e passam a noite em qualquer casa que encontrem perto, ao cair da noite. Os exemplos dessas diferenças culturais no trata­ mento das crianças poderiam ser multiplicados indefinidamente. Deve-se ressaltar, no entanto, o fato de que cada cultura exerce uma série de influ­ ências gerais sobre os indivíduos que nela crescem. Estas influências diferem de uma cultura para outra, mas proporcionam um denominador comum de experiências a todos os que pertencem a uma dada sociedade. (Ralph Linton. The Study o f Man. Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1936.) Certa corrente da literatura norte-americana sobre psicanálise e desenvolvimento da criança, amplamente fundada nas teorias de Freud, costuma atribuir grande importância às práticas específicas de treinamento da criança. A alimentação no peito, o desmame gradual, os horários e o escalonamento da alimentação, uma indução fácil e na época certa ao treinamento intestinal e da bexiga, amiúdetêm sido recomendadas. E as práticas que destoam desse receituário são tidas como responsá­ veis por todas as espécies de dificuldades da persona­ lidade. Estas recomendações em geral não derivam de quaisquer estudos comparativos cuidadosamente controlados, embora histórias de casos impressionantes possam ser citadas como ilustração. Um esforço sério [Sewell, 1952] para testar tais recomendações tratou de comparar crianças norte-americanas que estiveram sujeitas a diferentes práticas de treinamento. Este estudo constatou que não havia diferenças mensuráveis da personalidade adulta associadas a quaisquer práticas particulares de treinamento da criança. Do mesmo modo, os estudos de desenvolvimento da personalidade em outras culturas não confirmaram as teorias freudianas sobre os efeitos desencadeados por práticas específicas de treinamento infantil [Eggan, 1943; Dai, 1957]. Ao que tudo indica, é a atmosfera total e não uma prática específica que tem importância no desenvol­ vimento da personalidade. Importa menos saber se a criança é amamentada no peito ou na mamadeira; o importante é verificar se esta alimentação é um

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momento afetuoso de carinho, em um mundo aconche­ gante e seguro, ou um incidente apressado, casual, em um ambiente impessoal, destituído de sentimentos e de envolvimento. Tipos de personalidade cultural. Uma sociedade dispõe de um ou mais tipos de personalidade que as crianças são levadas a copiar. Entre a maioria dos índios das Planícies, a personalidade sancionada positivamente para o adulto do sexo masculino era a de um guerreiro vigoroso, seguro de si, agressivo. Assim, em muitas ocasiões, passava a ser uma virtude o fato de se apropriar de coisas que não lhe pertenciam e uma fraqueza dar importância a insultos ou entabular compromissos. Como somente estas características das personalidades eram admiradas e recompensadas entre os homens, eram as que os meninos mais desenvolviam. Provavelmente, a personalidade sancionada de maneira mais positiva em nossa cultura é amigável e sociável, algo cooperativa, mas mesmo assim bastante competitiva e agressivamente individualista, progressista, mas prática e eficiente. Muitos aspectos de nossa vida social contribuem para desenvolver estas características dentro de nós. Vivemos em uma sociedade em que a sociabi­ lidade tem valor de moeda corrente. A cordialidade é ensinada e cultivada como uma necessidade em quase todas as carreiras. A criança (da classe média) é treinada para fazer todos os seus pedidos com um “Por favor” e recebe todos os favores com um sorridente “Obrigado” . Os comerciais de televisão, os balconistas e vendedores criam uma enxurrada infindável de sorrisos e apelos que soam amigáveis. Embora grande parte desta exibição amigável seja falsa, nem por isso deixa de envolver as pessoas numa atmosfera de sociabilidade que prova­ velmente deixa algum resíduo. Nossa sociedade força as pessoas a desenvolverem uma aguda consciência do tempo, já que praticamente tudo é feito a prazos marcados. O sereno desinteresse dos índios norte-americanos pelo tempo era exasperante para os brancos que faziam transações com eles, assim como a constante preocu­

Insta-se para que as crianças imitem.

pação e a inevitável consulta ao relógio pelos brancos deixavam o índio perplexo e aborrecido. Parece inevitável um relacionamento íntimo entre personalidade e cultura, porque, em certo sentido, ambas são dois aspectos da mesma coisa. Conforme Spiro [1951] observou: “O desenvolvimento da persona­ lidade e a aquisição de cultura não são processos diferentes; fazem parte do mesmo processo de aprendi­ zagem . . . ” Em uma sociedade estável, bem integrada, a personalidade é um aspecto individual da cultura, ao passo que a cultura é um aspecto coletivo da persona­ lidade. Esta discussão poderia ser prolongada indefi­ nidamente; mas já dissemos o bastante para ilustrar o ponto de que cada cultura propicia ao indivíduo as experiências que tendem a desenvolver uma persona­ lidade normal, mais ou menos perfeitamente refletida pela maioria dos membros dessa sociedade. Subculturas e personalidade. Esta visão de um único tipo positivamente sancionado de personalidade (para cada sexo e nível etário) em uma sociedade, é bastante verdadeira quando se trata de uma sociedade simples com uma cultura bem integrada. Mas em uma sociedade complexa, com numerosas subculturas, o quadro se modifica. Existem diferenças de personalidade entre o norte-americano dos Estados do norte e o dos Estados tipicamente sulistas? Será que o meeiro agrícola pensa e sente do mesmo modo que o citadino de profissão liberal? Em uma sociedade complexa pode haver tantos “tipos de personalidade normal” quanto as subculturas existentes. Os EUA têm muitas subculturas — raciais, religiosas, étnicas, regionais, de classes sociais e talvez até mesmo ocupacionais. As linhas divisórias são indistintas e algumas subculturas são mais importantes do que outras. Por exemplo, as subculturas católica e protestante pro­ vavelmente afetam menos a vida de alguém sujeito a sua influência do que a subcultura judáica, e ainda menos do que a subcultura menonita.* Mas as subcul­ turas são reais e portanto é razoável falar em “perso­ nalidade urbana da classe média” , ou em “vendedor típico” . É claro, não devemos exagerar ;é provável que as semelhanças de personalidade em nossa cultura supe­ rem as diferenças de personalidade entre subculturas e que haja diferenças de personalidade individual dentro de cada subcultura. Mas o médico, o prelado, o traba­ lhador de “parquinho” ambulante e o migrante que colhe frutas ostentam algumas diferenças previsíveis de personalidade uns dos outros. Portanto, não podemos descrever a personalidade normal norte-americana sem primeiramente fazer referência à subcultura que temos em mente. * No original, “Amish” (derivado de Jacob Amman ou Amen), fundador da seita dos menonitas no século XVII, com adeptos que ainda subsistem em muitos países. (N. do T.)

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Desvio individual em relação à personalidade modal. Até na mais conformista das sociedades existe uma certa individualidade na personalidade. A personalidade modal representa meramente uma série de traços de personalidade‘que são os mais comuns entre os membros de um grupo, embora relativamente poucos membros desse grupo tenham atualizado cada um dos traços desse conjunto. Wallace [1952a] aplicou testes de Rorschach a uma amostra de índios Tuscarora e concluiu que somente 37% exibiam todos os vinte e um traços da personalidade modal que haviam sido estabelecidos como característicos da tribo. Outros estudos semelhantes [Wallace, 19526; Kaplan, 1954] mostram que, embora exista um tipo de personalidade modal característico de uma sociedade, este não é um molde uniforme em que todos os membros se enquadram perfeitamente. Do mesmo modo, ao discutirmos a personalidade “típica” de nações, tribos, classes sociais, grupos ocupacionais, regionais e outros tipos de grupos sociais, precisamos estar lembrados de que a persona­ lidade típica simplesmente descreve uma série de traços da personalidade, muitos dos quais são partilhados pela maioria dos membros desse grupo. Cada sociedade e cada grupo social permite um certo grau de desvio em relação à personalidade modal. Quando este desvio vai além do que o grupo ou a sociedade consideram “normal” , então a pessoa é considerada “desviante” . Tal desvio será examinado em detalhe no Cap. 7.

Socialização e o eu O bebê ingressa neste mundo como um organismo biológico preocupado com seu próprio conforto físico. Em breve toma-se um ser humano, com um conjunto de atitudes e valores, gostos e recusas, metas e propósitos, padrões de atuação e um conceito profundo e duradouro da espécie de pessoa que é. Cada pessoa incorpora todos esses traços e atributos mediante um processo que chamamos de socialização — o processo de aprendi­ zagem que, de animal, tom a o indivíduo uma pessoa com personalidade humana. De maneira mais formal, socialização é o processo pelo qual uma pessoa internaliza as normas dos grupos em que vive, de modo que surja um “eu ” distinto, único para um dado indivíduo. Experiôncia de grupo

Quando a vida de uma pessoa começa não existe eu, porque o indivíduo é simplesmente um embrião que partilha dos processos vitais do corpo da mãe. Tampouco o nascimento e o corte do cordão umbilical produzem qualquer consciência do eu. Até mesmo as distinções entre os limites do eu físico e o resto do mundo são uma questão de exploração gradual, à medida que o

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bebê descobre que o chocalho e as grades em seu berço pertencem ao mundo externo e não são parte de seu corpo, como o são seus artelhos e dedos. A atualização de uma personalidade distintiva é até um processo mais complicado que continua durante toda a vida. A criança aprende a diferenciar-se de outras pessoas pelos nomes — mamãe, papai e nenê. De início, qualquer homem é um “papai” e qualquer mulher é “mamãe” mas, por fim, a criança passa a nomes que distinguem um status para nomes específicos que identificam' indivíduos, inclusive o próprio eu. Com cerca de um ou dois anos de idade, a criança começa a usar “eu” , o que é um sinal definitivo de consciência própria — sinal de que está se tornando cônscia de si mesma como um ser humano distinto [Cooley, 1908; Bain, 1936]. À medida que o tempo passa e as expe­ riências se acumulam, a criança forma uma imagem do tipo de pessoa que é — uma imagem do eu. Um modo engenhoso de tentar obter uma certa impressão da auto-imagem da pessoa é através do “Teste de Vinte Perguntas” [Kuhn e McPartland, 1954] em que o informante é solicitado a escrever vinte respostas, exatamente como elas vêm à mente, à pergunta: “Quem sou eu?” A formação da auto-imagem de uma pessoa talvez seja o processo mais importante no desenvol­ vimento da personalidade. Isolados sociais. Há setecentos anos, Frederico II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico, efetuou um experimento para determinar que língua as crianças falariam quando crescessem se jamais tivessem ouvido uma única palavra falada. Falariam hebraico - que, então, se julgava ser a língua mais antiga — ou grego, ou latim, ou a língua dos pais? Deu instruções às amas e mães adotivas para que alimentassem e dessem banho nas crianças, mas que sob hipótese alguma falassem ou tagarelassem perto delas. O experimento fracassou, porque todas as crianças morreram. (Cass Canfield, carta promo­ cional sem data, Planned Parenthood Federation.) Até certo ponto a personalidade depende dos proces­ sos físicos de crescimento. Mas o desenvolvimento da personalidade não é simplesmente um desabrochar automático de potenciais inatos, conforme é demons­ trado pelos isolados. Diversas vezes por ano os jornais relatam casos de crianças abandonadas que foram acorrentadas ou trancafiadas fora do grupo normal da família. Sempre se constata que são retardadas e geralmente anti-sociais. Sem a experiência grupai a personalidade humana não se desenvolve. Os relatos mais impressionantes são os das chamadas crianças selvagens, separadas de suas famílias e, ao que tudo indica, criadas por animais [Singh e Zingg, 1942; Krout, 1942, p. 106-14]. Os cientistas sociais duvidam de

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que uma criança pudesse viver por muito tempo aos cuidados de animais e desconfiam de que as chamadas crianças selvagens simplesmente se perderam ou foram abandonadas pelos pais e, depois, descobertas por outros logo a seguir [Ogbum, 1959]. Portanto, é altamente duvidoso que as crianças selvagens sejam exemplos de criação por animais. Mas parece realmente ser procedente o fato de que as crianças emocionalmente rejeitadas e carentes de cuidados carinhosos não desenvolvem o tipo de persona­ lidade que usualmente consideramos humano. Esta conclusão é congruente com as constatações de nume­ rosos experimentos em que os animais foram criados isoladamente, longe de seus grupos normais. Harlow [1961] criou macacos isoladamente, tendo somente uma estrutura de arame coberta com tecido felpudo como “mãe”-substituta, da qual recebiam sua mamadeira e à qual se agarravam quando assustados. Como filhotes,* pareciam satisfeitos com essa “mãe” -substituta, mas como adultos eram quase totalmente insociáveis. Muitos eram apáticos e retraídos; outros eram hostis e agressivos. Nenhum apresentou o comportamento grupai corrente nos macacos adultos. Aparentemente, a mãe-substituta atendia às necessidades do filhote quanto à afeição e segurança, mas não conseguia levar o macaco através de estágios ulteriores de desenvolvimento psicossocial. Outros experimentos com animais mostram fracassos semelhantes de animais isolados para desenvolver o comportamento normal de suas espécies [Krout, 1942, p. 102-5]. Tanto os animais como os seres humanos necessitam de experiência de grupo para que possam desenvolver-se normalmente. Cooley e o eu do espelho. Como é que uma pessoa chega a uma noção da espécie de pessoa que é? Este conceito do eu é desenvolvido por meio de um processo gradual e complexo que continua a vida toda. O conceito é uma imagem que a pessoa forma somente com o auxilio de outras. Suponhamos que os pais e parentes de uma moça lhe digam o quanto é bonita. Se isto for repetido com freqüência suficiente, de modo bastante coerente e por um bom número de pessoas diferentes, ela por fim começará a sentir-se e a agir como uma pessoa bonita. Mas até mesmo uma moça bonita começará a sentir-se como um patinho feio se, logo no início de sua vida, os pais começarem a agir de maneira desapontada a seu respeito, como se não tivesse atrativos. A auto-imagem de uma pessoa não precisa ter relação com fatos objetivos. Uma criança bastante comum, cujos esforços são apreciados e recompensados, desenvolverá um sentimento de aceitação e autoconfiança, ao passo que uma outra realmente brilhante, cujos esforços são freqüentemente definidos como fracassos, quase sempre se tomará obcecada por sentimentos de incompetência, e suas

habilidades podem ser praticamente paralisadas. Ê através das respostas dos outros que uma criança decide se é inteligente ou estúpida, atraente ou feia, amada ou não, virtuosa ou pecadora, digna ou sem valor algum. Este “eu” que é descoberto por meio das reações dos outros foi rotulado como “eu do espelho” por Cooley [1902, p. 102-3], que analisou cuidadosamente este aspecto do autodescobrimento. Talvez tenha-se inspirado nas palavras de Thackeray em Feira da Vai­ dade: “O mundo é um espelho e dá de volta a cada homem o reflexo de sua própria face. Faça carranca e ele por sua vez olhará azedamente para você; ria dele e com ele, e ele será um companheiro alegre e bondoso” . Há três estágios no processo de formação do “eu do espelho” : (1) nossa percepção de como parecemos aos outros; (2) nossa percepção de seu julgamento sobre como parecemos; (3) nossas sensações a respeito destes julgamentos. Suponhamos que toda vez que você entra em uma sala e se aproxima de um pequeno grupo que conversa, os membros prontamente se afastam com desculpas esfarrapadas. Será que se esta experiência se repetisse muitas vezes ela afetaria os sentimentos que você tem a seu próprio respeito? Ou, se quando você aparece, um grupo logo se forma ao seu redor para conversar, de que modo esta atenção afeta seus sentimentos? Quem fica “fazendo crochê” aprendeu desde cedo na vida que não “sabe” conversar. Como foi que essa pessoa descobriu isso? Assim como o quadro no espelho dá uma imagem do eu físico, a percepção das reações dos outros dá uma imagem do eu social. “Sabemos” , por exemplo, que temos mais talento para certas coisas e menos para outras. Este conhecimento nos chega através das reações das outras pessoas. A criança cujos primeiros esforços artísticos são acremente criticados, dentro em pouco conclui que tem falta de talento artístico, ao passo que aquela cujos esforços recebem elogios por parte de um progenitor atencioso pode formar a crença em sua própria habilidade neste campo. À medida que a criança vai amadurecendo, outros também terão uma reação que poderá ser diferente da dos pais, porque o espelho social está constantemente diante de nós. Uma outra diferença entre o funcionamento do “espelho” no início da infância e em uma fase posterior da vida, é que a criança pode ser profundamente afetada pela resposta de qualquer pessoa' com quem tenha contato íntimo, ao passo que o indivíduo de mais idade é mais discriminativo na avaliação da importância da resposta que recebe de vários outros. As respostas da moça empregada como pajem afetam mais a criança do que o pai ou a mãe desta. Isto é, à medida que amadurecemos, desenvolvemos grupos de referência aos quais damos atenção especial [Rosen, 1955a]. Uma criança pode basear a estimativa de seu talento musical na opinião dos pais, não importando a sofisticação

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musical que possa ter; como adulto, provavelmente dará atenção às opiniões de expertos musicais e ignorará as reações dos outros. Não apenas nos tomamos mais seletivos na escolha dos grupos de referência que compreendem nosso espelho social, como também o somos na percepção das imagens que nos influenciam. Damos mais atenção a algumas reações do que a outras; ou podemos julgar erroneamente as reações dos outros. Pode acontecer que a observação infladora do ego, que consideramos por seu valor aparente, seja mera lisonja; uma repreensão pode ter sido causada por uma dor de cabeça do chefe e não por nossos próprios erros. Assim, o eu do espelho que o indivíduo percebe pode facilmente diferir da imagem que os outros realmente formaram sobre a personalidade do indivíduo em pauta. Diversos esforços de pesquisa têm procurado evidência empírica da percepção das respostas dos outros e dos juízos reais que formaram da pessoa. Estes estudos constatam que, amiúde, há uma variação significante entre a percepção do indivíduo de como os outros o retratam e as opiniões que realmente têm. Calvin e Holtzman [1953] constataram que os indivíduos variam consideravelmente em sua habilidade de perceber exatamente os juízos que os outros fazem a seu respeito, e que a pessoa menos ajustada era menos exata nestas percepções. Um outro experimento de Miyamoto e Dombusch [1956] verificou que a auto-imagem de um sujeito está mais perto de sua percepção da impres­ são que o grupo tem dele, do que da impressão real­ mente declarada do grupo a seu respeito, conforme demonstra o Quadro 3. Neste estudo de dez grupos totalizando 195 pessoas, a “percepção da resposta de grupo” é a estimativa de cada pessoa de como os outros membros do grupo a classificam de acordo, com quatro características: inteligência, autoconfiança, atratividade física e captação de estima. A “resposta real do grupo” é a

classificação realmente atribuída à pessoa pelos demais no grupo. Na maioria desses grupos (ou confrarias acadêmicas cujos membros, todos colegas de classe, se conheciam bem) as auto-imagens das pessoas estavam mais perto da resposta percebida do que da resposta real do grupo. Evidentemente, é nossa percepção das respostas dos outros e não suas respostas reais que molda nossa auto-imagem, e tais percepções com freqüência são inexatas. Mead e o “outro generalizado”. O processo de inter­ nalizar as atitudes dos outros foi muito bem descrito por George Herbert Mead [1934, Parte 3, p. 140-1 ], que desenvolveu o conceito de “o outro generalizado” . Este “outro generalizado” é um compósito das expecta­ tivas que uma pessoa acredita que os outros tenham a seu respeito. Esta pessoa olha a si própria como se fosse uma outra pessoa e julga suas ações e sua aparência segundo estes julgamentos de seu “outro generalizado” . Esta consciência do “outro generalizado” é desenvolvida pelos processos de “absorção de papel” e “desempenho de papel” . Absorção de papel é uma tentativa para assumir o comportamento de uma pessoa em outra situação de comportamento ou papel. (0 conceito de papel será mais amplamente explicado no Cap. 6). Nas atividades lúdicas das crianças há muita absorção de papel, como quando brincam de “casinha” (“Você é a mãe, eu sou o pai e ela é o bebê”), de “soldado e ladrão” , de boneca, etc. Desempenho de papel é “passar ao ato” o comportamento de um papel que a pessoa realmente detém (como quando o menino e a menina se tomam papai e mamãe), ao passo que em absorção de papel a pessoa apenas faz de conta que detém o papel. Mead reconhece um processo de três estágios através dos quais uma pessoa aprende a desempenhar papéis

Q U A D R O 3 Auto-imagem relacionada â resposta de grupo percebida e real.

Característica

Inteligência Autoconfiança Atratividade física Captação de estima

Número de grupos em que as auto-imagens dos sujeitos estiveram perto de suas percepções da resposta grupai 8 9 10 7

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Número de grupos em que as auto-imagens dos sujeitos estiveram perto da resposta real do grupo 2 0 (1 empate) 0 3

F O N T E : S. Frank M iya m oto a Sanford M. Dornbusch. A Test of Interactionist Hypothesis of Self-Conception. American Journal of Sociology, 6 1 :339-403, mar. 1956. ("1 em pate" no quadro significa que em um dos dez grupos de teste, as respostas foram tão igualmente divididas que este grupo nâío pôde ser colocado em qualquer coluna.)

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Nossa auto-imagem é moldada pelo que pensamos que os outios pensam de nós.

adultos. Primeiro, há o estágio preparatório (1-3 anos), durante o qual a criança imita o comportamento adulto sem qualquer entendimento real (como quando a menininha abraça a boneca e depois usa-a como um bastão para bater no irmão). A seguir, vem o estágio de atuação (3 4 anos), quando as crianças têm certo entendimento do comportamento, mas passam de um papel para o outro erraticamente. Em dado momento o menino é um construtor, empilhando blocos, e no seguinte os derruba; ou certa feita é um policial e no momento seguinte um astronauta. Finalmente, vem o estágio de atuação de acordo com as regras do jogo (4-5 anos e mais), quando o comportamento de papel se tom a coerente e deliberado, com uma habilidade para perceber o papel dos demais jogadores. Para jogar beisebol, cada jogador precisa internalizar seu próprio papel, bem como o dos demais jogadores. Assim, através da brincadeira infantil, a pessoa desenvolve a habilidade para ver seu próprio comportamento em sua relação com os outros, e sentir a reação das pessoas envolvidas. É através desta consciência dos papéis, sentimentos e valores dos outros que toma forma em nossas mentes o outro generalizado. Este outro generalizado é aproxi­ madamente equacionado com os padrões ou valores da comunidade. Tomando repetidamente “o papel do outro generalizado” , uma pessoa desenvolve o conceito do eu — da espécie de pessoa que é — ao mesmo tempo em que repetidamente aplica os julga­ mentos deste outro generalizado às suas próprias ações. A falha em desenvolver esta capacidade para adotar o ponto de vista de outrem (ou assumir o papel de outrem) parece fazer claudicar o desenvolvimento da personali­ dade. Chandler [1970] testou um grupo de meninos delinqüentes e verificou que tinham retardamento de diversos anos em suas habilidades para absorção de papel. Depois de várias semanas de um “teatrooficina” em que cada menino assumiu todos os papéis sucessivamente (agressor, vítima, policial, juiz), os

meninos ganharam vários anos em suas perícias quanto à absorção de papel. Tais evidências confirmam a teoria de Mead de que a absorção de papel é um processo essencial de aprendizagem para a socialização. Outros estudiosos acrescentaram o conceito do outro significante. O outro significante é a pessoa cuja aprovação desejamos e cuja orientação aceitamos. Segundo Woelfel e Haller [1971, p. 75] “os outros significantes são as pessoas que exercem grande influ­ ência nas atitudes dos indivíduos” . Podem ser os pais, os mestres admirados, certos companheiros e talvez certas celebridades populares. O conceito do outro significante e do grupo de referência têm muito em comum, embora os outros significantes sejam indivíduos, ao passo que os grupos de referência são grupos. Dois termos bastante difundidos que refletem o sentido do eu são identidade e auto-respeito. Identidade é o sentimento de ser um indivíduo único, distinto de todos os demais, ou de ser parte de um grupo único, que difere dos demais grupos em aspectos que aquele grupo considera relevantes. Assim, a “busca de iden­ tidade” entre os pretos norte-americanos de hoje envolve o esforço para estabelecer uma herança cultural “preta” , distinta dos elementos da cultura “branca” que os pretos absorveram. O problema no estabelecimento de um sentimento satisfatório de identidade reside no fato de que o indivíduo ou o grupo precisam se distinguir por características que sejam valorizadas aos olhos do outro generalizado. Muitas vezes as pessoas recebem uma atribuição de identidade em termos de raça, nacionalidade, religião ou ocupação, e estas suas características podem trazer-lhes pouco prestígio diante daqueles que “contam” . Por isso, a pessoa ou o grupo empenha-se num esforço vigoroso (mas às vezes inútil) para encoptrar uma identidade mais prestigiada e, portanto, capaz de lhe assegurar uma dose maior de respeito tanto para os outros como para si própria [Merrill, 1957], O sentimento de auto-respeito também é determinado socialmente. A capacidade de uma pessoa para adquiri-lo depende de sua percepção de como é classificada pelos outros, especialmente por aqueles que considera importantes. O homem ou a mulher cuja interpretação do outro generalizado leva à percepção de uma reação favorável de sua própria personalidade, desenvolverá o sentimento de autorespeito. Do contrário, é provável que se volte contra si mesmo, tenha falta de auto-respeito e se considere como indigno e deficiente. Freud e o eu anti-social. Até este ponto, nosso tratamento implicou uma harmonia básica entre o eu e a sociedade. Nas palavras de Cooley: Um indivíduo separado é uma abstração desco­ nhecida. ( . . . ) Em outras palavras, “sociedade” e

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“indivíduos” não denotam fenômenos separados; são simplesmente aspectos coletivos e distributivos da mesma coisa. ( . . . ) E assim como não há socie­ dade ou grypo que não seja uma visão coletiva de pessoas, também não há um indivíduo que não possa ser considerado como uma visão particular de grupos sociais. Ele não tem existência separada; através da hereditariedade e dos fatores sociais em sua vida, um homem é forçado a entrar no todo do qual é um membro; considerá-lo à parte deste todo é completamente artificial, do mesmo modo que considerar a sociedade à parte dos indivíduos. (Charles Horton Cooley. The Nature o f Human Nature. Nova York, Charles Scribner’s Sons, 1902 p. 1-3.) Este conceito do eu socializado foi contestado por Freud, que não via identidade do eu e da sociedade. Freud acreditava que a parte racional da conduta humana era como a parte visível de um iceberg, com a parte maior da motivação humana repousando nas forças invisíveis e inconscientes que afetam podero­ samente a conduta humana. Dividia o eu em três partes: o id, o superego e o ego. O id é o conjunto de desejos e impulsos instintivos e não-socializados, egoístas e anti-sociais; o superego é o complexo de idéias e valores sociais que uma pessoa intemalizou e que formam a consciência; o ego é a parte racional e consciente do eu que fiscaliza a restrição do id pelo superego. Já que a sociedade restringe a exteriorização da agressão, do desejo sexual e de outros impulsos, o id está conti­ nuamente em guerra com o superego. Usualmente o id é reprimido, mas ocasionalmente irrompe em desafio aberto ao superego, criando uma carga de culpa que é difícil de o eu suportar. Outras vezes, as forças do id encontram expressão em formas disfarçadas que permitem ao ego tomar-se inconsciente das verdadeiras razões subjacentes para suas ações, como por exemplo quando um dos progenitores alivia a agressão reprimida surrando o filho e acreditando que isso “é para seu próprio bem” . Assim, Freud constata que o eu e a sociedade amiúde são oponentes e não meramente diferentes expressões do mesmo fenômeno. Diz:

Freud acreditava que a maior parte da motivação humana repousa em forças invisíveis e inconscientes.

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Se a civilização impõe sacrifícios tão grandes não somente à sexualidade do homem, mas também à sua agressividade, podemos entender melhor por que lhe é difícil ser feliz nessa civilização. ( . . . ) Podemos esperar prosseguir gradualmente através das alterações em nossa civilização que satisfaçam mais nossas necessidades e escapem às nossas críticas. Mas talvez possamos nos familiarizar com a idéia de que existem dificuldades vinculadas à natureza da civilização, que não cederão a qualquer tentativa de reforma. ( . . . ) Em tudo o que se segue adotei, portanto, o ponto de vista de que a inclinação à agressão é uma dispo­ sição original, auto-regulada e instintiva no homem e prefiro voltar à minha opinião de que isto constitui o maior obstáculo à civilização. (Sigmund Freud. Civilization and Its Discontents. Standard Edition o f the Complete Psychological Worke o f Sigmund Freud, vol. XXI, traduzido e organizado por James Strachey. Nova York, W. W. Norton, 1961 p. 115, 122 .) As teorias de Freud estão na raiz de amargas contro­ vérsias, “escolas” rivais e numerosas interpretações e revisões. Seus conceitos representam maneiras de considerar a personalidade e não entidades reais que podem ser verificadas através de experimentos especí­ ficos. Não existe um teste empírico simples que possa ser usado para determinar se superego, ego e id são os melhores conceitos possíveis para descrever as partes componentes da personalidade humana. À medida que cresce nosso entendimento da natureza humana, podemos ter a esperança de desenvolver formas adicionais de análise, que relegarão os conceitos de Freud ao status de empreendimentos pioneiros e não de verdades últimas. Mas o fato de que as teorias estão sujeitas à revisão e modificação não diminui a importância de sua contribuição. Hoje, a maioria dos cientistas sociais concorda em que Freud provavelmente estava certo em sua alegação de que os motivos humanos são grande­ mente inconscientes e estão além de controle racional, nem sempre se harmonizando com as necessidades de uma sociedade ordeira. Conquanto Cooley e Mead descrevam o desenvol­ vimento do eu em termos um tanto diferentes, suas teorias mais se complementam do que se opõem. Ambas contradizem Freud, porque vêem o eu e a sociedade como dois aspectos da mesma realidade, ao passo que Freud enxerga o eu e a sociedade em eterno conflito. Porém, todos vêem o eu como um produto social, formado e moldado pela sociedade. Grupos múltiplos e socialização. Em uma sociedade complexa, a experiência de grupo de uma pessoa nem sempre é congruente e harmoniosa. Todas as sociedades

I

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complexas têm muitos grupos e subculturas com padrões diferentes e algumas vezes opostos. O indivíduo defronta-se com modelos de comportamento que são recompensados em uma ocasião e condenados em outra, ou aprovados por alguns grupos e criticados por outros. Assim, o menino aprende que deve ser duro e capaz de “lutar por seus direitos” e, ao mesmo tempo, deve ser ordeiro, criterioso e respeitoso. Algumas pessoas previnem a moça de que a sociedade exige modéstia e reserva apropriada ao sexo, ao passo que outras procuram mostrar como uma abordagem audaz e provocativa logra maiores recompensas. Em uma sociedade na qual o indivíduo participa de inúmeros grupos, freqüentemente com padrões e valores confli­ tantes, cada um deve encontrar um modo de fazer frente a estas pressões que se opõem. A falha em proceder dessa maneira tem a probabilidade de provocar desajustamento e até moléstia mental. As pessoas podem lidar com este problema compartimentando suas vidas, desenvolvendo um “eu” diferente para cada grupo em que ingressam. Ou podem dar preferência a um determinado grupo de referência em relação ao qual se conformam e em cujo âmbito passam a maior parte de sua vida real, rejeitando outros grupos, como no caso abaixo: “Preso treze vezes.” O juiz sacudiu a cabeça sobre a pasta com minha ficha. “Lutas de gangues, tiroteios, arrombamentos, roubo de um autom óvel. .. Não sei o que pensar de você. Seus pais são pessoas trabalhadoras, religiosas, em boa situação. Seu QI é extraordinariamente alto. Por que você faz essas coisas?” Encolhi os ombros. Que pergunta boba. Todo cara que eu conhecia fazia essas coisas. Talvez eu apenas fizesse mais e melhor. (A Gang Leader’s Redemption. Life, 28 abr. 1958, p. 69 e segs.) Este rapaz tinha adotado os padrões de um grupo de pares delinqüentes e não os de sua família. Em geral, as pesquisas [Warner e Lunt, 1941, p. 351; Rosen, 19556] têm enfatizado o poder do grupo de pares para o cultivo de padrões de comportamento contrários aos da família. Contudo, nem todos os jovens estão tão firmemente vinculados aos padrões do grupo de pares e nem sempre estes divergem tanto dos da família ou da sociedade. A maioria dos jovens encontra sua principal aliança fora do espaço familiar em equipes esportivas, nos grupos de jovens religiosos, nos clubes do bairro ou nas turmas e bandos de jovens que estão em harmonia com a maioria dos padrões da sociedade adulta convencional. Nos últimos anos, escreveu-se muito sobre a “revolta dos jovens” e sobre o “hiato entre gerações” . Mas os levantamentos cuidadosos mostram que, apesar de haver um forte anseio para

mudança entre os jovens de hoje, eles estão de acordo com seus pais quanto aos valores básicos ou, pelo menos, tendem com maior freqüência a concordar do que a divergir [Yankelovich, 1972; Erskine, 1973]. Por que certos jovens escolhem grupos de pares que geralmente apóiam os valores adultos socialmente aprovados, enquanto outros selecionam grupos de pares que estão em guerra com a sociedade adulta? Parece que a escolha está relacionada à auto-imagem. Em geral, os delinqüentes habituais são os que se vêem como malquistos, indignos, incapazes, rejeitados, relegados; juntam-se com outros jovens nessas mesmas condições em um grupo de pares delinqüentes que reforça e sanciona seu comportamento ressentido e agressivo. Os jovens que se ajustam às normas se consideram amados, dignos, capazes, aceitos, apreciados; juntam-se com outros jovens em condições idênticas em um grupo de pares de apoio que reforça o compor­ tamento socialmente aprovado. Na verdade, ver é com­ portar-se. Comportamo-nos da maneira que nos vemos.

Experiência única e personalidade

Por que é que crianças criadas na mesma família são tão diferentes entre si, apesar de terem as mesmas experiências? Elas não tiveram as mesmas experiências, ou melhor, tiveram experiências sociais semelhantes sob certos aspectos e diferentes em outros. Cada criança ingressa em uma unidade de família diferente. Uma é primogênita, sendo filho único até a chegada do segundo que, então, tem um irmão mais velho, ou irmã, com quem brigar, e assim por diante. Os pais se modificam e não tratam todos os filhos exatamente do mesmo modo. Os filhos ingressam em diferentes grupos de pares, podem ter mestres diferentes e sobre­ vivem a incidentes também desiguais. Os gêmeos idênticos, além de terem hereditariedade igual, são os que mais provavelmente terão a mesma experiência. Entram juntos na família, muitas vezes têm os mesmos grupos de pares, e são tratados de modo quase igual pelas demais pessoas; e, no entanto, até mesmo os gêmeos não partilham de todos os incidentes è expe­ riências. A experiência de cada pessoa é única porque nenhuma outra consegue duplicá-la perfeitamente. Um levantamento detalhado das experiências diárias de diversas crianças na mesma família revelará uma quantidade impressionante de diferenças. Portanto, cada criança (com exceção dos gêmeos idênticos) tem uma herança biológica única, que não é exatamente duplicada por pessoa alguma, e um conjunto único de experiências de vida, que também ninguém pode duplicar exatamente. Além disso, as experiências não se somam meramente umas às outras, elas se integram. A personalidade não

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é formada empilhando-se um incidente sobre o outro, como se fosse um muro de tijolos. 0 significado e o impacto de uma experiência dependem das outras experiências que a precederam. Quando uma garota popular ‘leva bolo” do namorado, essa experiência repercutirá sobre ela de modo diferente do que seria para uma garota que sempre “faz crochê” . Os psicana­ listas alegam que certos incidentes na experiência de uma pessoa são cruciais, porque dão o tom para a reação de uma pessoa a todas as experiências posteriores. Os filmes “psicológicos” muitas vezes operam com a suposição de que a Psicanálise consiste em sondar o inconsciente de uma pessoa e resgatar as experiências traumáticas que causaram toda a perturbação. Isto é, na verdade, uma simplificação grosseira. Não há mulher cuja personalidade esteja arruinada porque o pai estraçalhou sua boneca quando ela tinha cinco anos de idade. Mas é possível que tal episódio traumático se tenha tomado o primeiro de uma série de experiências de rejeição mútua e, assim, tenha acabado por se conver­ ter na paradigma em termos de significado de muitas experiências posteriores. Isto quer dizer que a experiência de cada pessoa é uma rede infinitamente complicada de milhões de incidentes, cada qual obtendo seu significado e impacto de todos os demais que o prece­ deram. Não é de admirar que a personalidade seja complexa! Surge ainda um outro fator na seleção de papéis a desempenhar dentro da família. As crianças imitam-se bastante, mas também se esforçam por terem identidades separadas. As mais jovens amiúde rejeitam as atividades que seus irmãos mais velhos já executam bem e procu­ ram reconhecimento em outras. Sem o saberem, os pais podem ajudar neste processo de seleção. A mãe pode dizer: “Susie é a ajudante da mamãe, mas acho que Annie vai ser traquinas” , após o que Susie começa a tirar a mesa enquanto Annie dá algumas cambalhotas. Algumas vezes, uma criança em uma família bem comportada seleciona o papel de um “garoto mau” e faz cara feia enquanto os pais descrevem o problema às visitas. Nas grandes famílias uma criança pode ser pressionada a encontrar um papel que não tenha sido assumido por um irmão mais velho. Assim, sob estes e muitos outros aspectos, a experiência de vida de cada pessoa é única — única porque ninguém mais teve exatamente o mesmo conjunto de experiências, e única porque ninguém mais tem os mesmos antecedentes de experiência sobre os quais cada novo incidente ressoará e dos quais tirará seu significado.

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muita pesquisa mostrando como a auto-imagem afeta o desempenho de tarefas. Por exemplo, o famoso estudo Equality o f Educational Opportunity [Coleman, 1966, p. 319-25] constatou que a variável mais importante associada à aprendizagem escolar era o autoconceito da criança e o sentido de controle sobre seu ambiente — isto é, o sentimento da criança de que seus esforços fariam diferença. O ensino de bons resultados na escola, fábrica ou exército, repousa no esforço de cultivar a confiança que o novato deve ter de que poderá se desincumbir de seus encargos! Inversamente, a falta de uma auto-imagem satisfatória quase sempre prejudica a aprendizagem ou o desempenho de tarefas e amiúde leva a um comportamento anti-social ou delinqüente [Schwartz e Tangri, 1965]. De fato, muitos comporta­ mentos, desde hábitos ligeiramente aborrecidos como “contar vantagens” , “saber de tudo” , até as neuroses sérias e delinqüências, podem ser considerados como esforços desesperados para reparar uma imagem intolerá­ vel do eu. E, na verdade, a imagem do eu está no núcleo do sistema de comportamento de uma pessoa.

Sumário

Personalidade é o sistema de tendências do compor­ tamento total de uma pessoa. Nossa hereditariedade nos dá um conjunto de necessidades e potencialidades que outros fatores podem canalizar e desenvolver; a nova ciência da Etologia desenvolveu o estudo de possíveis bases biológicas ou genéticas para grande parte do comportamento humano. Nosso ambiente físico é relativamente sem importância no desenvol­ vimento da personalidade. Nossa cultura proporciona certas experiências bastante uniformes para todos os membros de nossa sociedade. Nossa experiência de grupo desenvolve semelhanças de personalidade dentro de grupos e diferenças entre eles; a experiência única de cada pessoa molda sua individualidade. A personalidade normal difere de modo impres­ sionante de uma sociedade para outra, conforme é demonstrado pelo contraste entre o dobuano descon­ fiado, traiçoeiro e inseguro, e o Zufíi amistoso, seguro e cooperativo. Cada sociedade desenvolve uma perso­ nalidade normal, produzida pela experiência total de uma pessoa criada nessa sociedade. Estas influências culturais incluem as normas da cultura, os tipos de personalidade ideal apresentados como modelos e muitas outras espécies de experiência. Todas estas influências tendem a desenvolver um tipo de persona­ lidade modal para a sopedade. As sociedades mais complexas podem ter numerosas Dinâmica do eu subculturas, cada qual desenvolvendo sua personalidade Como se pode perceber, a auto-imagem pessoal característica e reduzindo a uniformidade global da é um fator altamente ativo no comportamento. Existe personalidade dentro da cultura. Até nas sociedades

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mais simples não existe uniformidade completa em personalidade; somente uma minoria dos membros partilha de todos os traços da personalidade modal. Nas sociedades complexas, as variações em personalidade são maiores ainda. A socialização exige experiência grupai, e os isolados sociais deixam de desenvolver uma personalidade humana normal. A socialização depende basicamente do desenvolvimento do conceito do eu. Cooley via uma pessoa formar sua imagem do eu — o eu do espelho — espelhando-se nas reações de outras pessoas em relação a ela e seus sentimentos (dela) em relação a tais reações. Mead enfatizou a absorção de papel nas brincadeiras das crianças como o processo de aprendizagem por cujo intermédio nos tomamos conscientes dos senti­ mentos dos outros. Aplicando os padrões deste outro generalizado às nossas próprias ações, podemos desen-. volver uma imagem de nosso eu. Freu considerava que o eu é composto de impulsos inatos que não foram socializados (o id), restrito por uma consciência adquirida socialmente (o superego), enquanto a parte consciente ou racional do eu (o ego) busca manter um equilíbrio entre o id e o superego. Cooley e Mead

viam o eu e a sociedade como dois aspectos da mesma coisa, ao passo que Freud considerava o eu como basicamente anti-social, sendo que a maioria das dificuldades da personalidade derivariam do choque entre os impulsos do eu e as restrições impostas pela sociedade. Em uma cultura complexa com muitas espécies de grupos, pode-se ter dificuldade no desenvolvimento de uma auto-imagem satisfatória e de um sistema de comportamento integrado. Pode-se resolver este problema compartimentando-se a própria vida e agindo de modo diferente em cada grupo, ou conformando-se a um grupo, ao mesmo tempo em que, se possível, se ignoram quaisquer outros cujos padrões colidam com os daquele grupo. A falha em fazer qualquer destas coisas pode trazer confusão e desajustamento. Embora haja elementos comuns na experiência de todas as pessoas, e mais ainda na experiência de pessoas dentro de uma determinada sociedade, cada pessoa continua sendo única. Assim, cada homem é socializado de tal modo que sua personalidade é ao mesmo tempo muito parecida com a dos outros em sua sociedade, mas ainda assim única.

Terguntas e trabalhos 1.

Como sabemos que a personalidade não é apenas a m atu­ ração e o desdobramento de tendências herdadas?

2.

Quais seriam algumas possíveis diferenças na vida social e na personalidade humana se os bebês costumassem nascer (e se criarem) em ninhadas e não um de cada vez?

3.

4.

5.

Já se disse que uma pessoa criada em uma cultura pode aprender a agir como as pessoas numa outra cultura para a qual se transfira, mas que jamais será capaz de pensar e sentir como uma pessoa dessa segunda cultura. Você concorda? Suponhamos que os dobuanos fossem visitados por um homem que agisse persistentemente de maneira franca e confiante. Diga por que os dobuanos: a) o admirariam ou não. c) o temeriam ou não. b) o imitariam ou não. d) se apiedariam dele ou não. Se a cultura desenvolve semelhanças em termos de perso­ nalidade dentro de uma sociedade, como explicamos as diferenças de personalidade em uma sociedade? Essas diferenças de personalidade são maiores dentro de uma sociedade simples ou complexa? Por quê?

percepção. De que modo você julga que foi afetado por este incidente? 8.

De que modo o eu é um produto social?

9.

De que modo os jogos contribuem para o desenvolvimento do eu?

10. Você acredita que Freud e Cooley divergem radicalmente quanto à natureza do eu? Explique. 11. De que modo as crianças na mesma família desenvolvem traços de personalidade tão flagrantemente diferentes? 12. Explique de que modo muitos dos tipos de pessoas chatas - gabolas, briguentos, tagarelas, conquistadores - podem estar procurando reparar uma auto-imagem insatisfatória? 13. Para que a escravidão fosse lucrativa, era necessário que os escravos se sentissem inferiores e aptos somente para serem escravos. De que modo os escravos no Brasil eram induzidos a se sentirem inferiores? Será que a auto-imagem dos pretos no Brasil vem mudando?

6.

Como você explica o fato de que os grupos que têm grande influência na socialização de uma pessoa podem não exercer qualquer efeito sobre uma outra na mesma vizinhança?

14. Quando a Shell Oil Company planejou um prédio de escritórios no Japão, os japoneses objetaram a respeito dos escritórios privados que os executivos norte-americanos tanto apreciam. Eles não gostam de trabalhar a sós. O que é que isto mostra a respeito de cultura e personalidade?

7.

Em sua experiência você consegue lembrar de algum inci­ dente específico em matéria de “espelho”? Escreva, descre­ vendo suas ações, as reações dos outros, sua percepção das reações deles, e seus sentimentos a respeito de tal

15. Escreva o relato de um dia típico em sua vida, arrolando todas as influências culturais padronizadas que você teve, a exemplo de qualquer outro brasileiro, e diga como você imagina que cada um ajudou a moldar sua personalidade.

P E R S O N A L ID A D E E S O C IA L IZ A Ç Ã O

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Leitura sugerida *Benedict, Ruth. Patterns o f Culture. Boston, Houghton Mifflin, 1961. Mostia como cada cultura desenvolve um compor­ tam ento e uma personalidade que são normais e úteis para essa sociédade. Berreman, Gerald D. Aleut Group Alienation, Mobility and Acculturation. American Anthropologist, 66:231-250, abr. 1964. Comparação dos aleutas que se alienaram da cultura aleuta, com os que permaneceram fiéis ao grupo aleuta, e comentários sobre as dificuldades em manter a lealdade em relação ao grupo étnico original ao mesmo tempo em que as pessoas se tornam aculturadas num outro grupo. ‘ Danziger, K. (org.). Readings in Child Socialization. Nova York, Pergamon Press, 1970. Onze estudos empíricos e dois trabalhos teóricos sobre socialização, escritos para o estudante adiantado. ♦Elkin, Frederick, e Gerald Handel. The Child and Society: The Process o f Socialization. Nova York, Random House, 1972. Descrição feita com simplicidade sobre o processo de socialização. Eysenck, Hans J. The Biological Basis o f Personality. Springfield, 111., Charles C. Thomas, 1970. Resumo global e bem fun­ dado das evidências disponíveis a respeito do fator bioló­ gico na personalidade. Garabedian, Peter G. Socialization in the Prison Community. Social Problems, 2:139-152, outono 1963. Como os “quadrados” aprendem a tomar-se “ sujeitos legais” de acordo com a definição dos presos. ♦Goffman, Irving. Presentation o f S e lf in Everyday Life. Social Science Research Center, Universidade de Edimburgo, 1956; Garden City, N. Y., Doubleday, 1959. Um quadro

detalhado de como o eu emerge através de experiências cotidianas. Havighurst, Robert J., e Allison Davis. A Comparison o f the Chicago and Harvard Studies o f Social Class Differences in Child Rearing. American Sociological Review , 20: 438-442, ago. 1955. Dois estudos separados mostram que as influências culturais sobre o desenvolvimento da personalidade diferem de um a subcultura de classe social para outra e também diferem por região, religião e grupo étnico dentro da mesma classe social. Kohn, Melvin. Class and Conformity. Homewood, 111., Dorsey Press, 1969. Estudo das diferenças de classe no processo de socialização e desenvolvimento da personalidade. Kuhn, Manford. Self-attitudes by Age, Sex, and Professional Training. Sociological Quarterly, 1:39-55, jan. 1960; Bobbs-Merrill, reimpressão S-156. Exploração das atitudes de membros de diferentes categorias sociais, através do Teste de Vinte Perguntas. Mazur, Allan, e Leon S. Robertson. Biology and Social Behavior. Nova York, The Free Press, 1972. Breve sumário das opiniões dos etólogos sobre o comportamento humano. *Mead, Margaret, e Martha Wolfenstein (orgs.). Childhood in Contemporary Cultures. Chicago, The University o f Chicago Press, 1955. Inúmeros estudos de padrões de desenvol­ vimento da criança em diferentes culturas. Merril, Francis E. The Self and the Other: An Emerging Field o f Social Problems. Social Problems, 4:200-207, jan. 1957. Análise da ansiedade a respeito da imagem que os outros têm do eu em uma sociedade que enfatiza o status adqui­ rido.

6. P apel e sta tu s A nova onda de feminismo também ajudou a manter baixas as taxas de natalidade, encorajando as mulheres a contestarem seus papéis tradicionais como mães e donas de casa. "U m a mulher já não sente mais que tem de criar filhos para tornar-se um ser humano completo", diz o Dr. John Blitzer, psiquiatra da Harvard Medicai School e do Children's Hospital Medicai Center, em Boston. Em lugar disso, a mulher agora pode julgar que tem de trabalhar para que possa sentir-se completa. Muitas acreditam que podem contribuir mais para a

sociedade ou lograr um sentimento maior de realização pessoal permanecendo no emprego em vez de ficarem no lar com os filhos. Este ponto de vista está sendo cada vez mais aceito. Diz a S r? Lyle Woellger, de 34 anos de idade, moradora em Seattle, mãe de sete filhos: "Hoje uma mulher é quase considerada como uma desistente intelectual se for mãe e dona de casa e gostar disso". (Reproduzido de Time, The Weekly Newsmagazine, 16 set. 1974,

p. 56.)

ste trecho de uma revista popular mostra As normas da cultura são aprendidas principalmente como algims dos mais importantes papéis através da aprendizagem de papéis. Embora algumas e status em nossa sociedade estão mudando. normas se apliquem a todos os membros da sociedade, Usualmente, status é definido como a classi­ a maioria delas varia de acordo com os status que temos; ficação ou posição de um indivíduo em um grupo, ou é correto para um status é errado para outro. o que de um grupo em relação a outros grupos. (De fato, Socialização, o processo que consiste em aprender o alguns sociólogos usam o termo posição em lugar de suficiente dos hábitos e costumes para fazer parte da status.) Papel é o comportamento esperado de uma sociedade, é em grande parte um processo de apren­ pessoa que detém um certo status. As crianças têm dizagem do comportamento de papéis. um status usualmente subordinado ao dos adultos e espeia-se que mostrem certo grau de deferência em relação à autoridade adulta. Os soldados têm um status Socialização através de papel e status diferente daquele dos civis, e seu papel envolve riscos e deveres que não se esperam dos membros da população Cada pessoa precisa aprender a preencher papéis em geral. As mulheres têm um status diferente do como criança, estudante, pai, empregado, membro status dos homens (e que elas desejam mudar). Cada de organização privada ou do governo, membro de pessoa pode ter inúmeros status e pode-se esperar determinada classe racial e social, cidadão, residente que ela execute os papéis que lhes são apropriados. de uma comunidade e muitos outros. A aprendizagem Em certo sentido, “status” e “papel” são dois aspectos de papéis envolve pelo menos dois aspectos: (1) apren­ do mesmo fenômeno. O status é um conjunto de demos a desempenhar os deveres e a reivindicar os privilégios e deveres; um papel é a “passagem ao ato” privilégios do papel, e (2) precisamos adquirir as atitudes, sentimentos e expectativas apropriados ao papel. deste conjunto de deveres e privilégios.

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Destes dois aspectos, o último é o mais importante. Quase toda pessoa (de ambos os sexos) pode aprender com bastante rapidez como alimentar, banhar e colocar fralda em um bebê; o que não se aprende rapidamente são as atitudes e sentimentos que fazem com que o cuidar do bebê seja uma atividade satisfatória e compen­ sadora. Não se pode ser feliz e ter sucesso no cumpri­ mento de um papel sem ter havido uma socialização capaz de nos levar a aceitá-lo como um papel de valor, satisfatório e apropriado. Imaginemos o estado mental de um jovem judeu alemão, criado em um lar próspero e educado, que se diplomou na Escola de Medicina exatamente quando o govemo nazista proibiu aos judeus o exercício de profissões liberais; na melhor das hipóteses, poderia exercer apenas tarefas triviais e viver somente como um renegado. Ou consideremos as dificuldades e o descontentamento de uma mulher que foi socializada para enxergar o papel de dona-de-casa como o único papel realmente compensador para uma mulher, mas que na realidade é uma mulher solteira, fazendo sua carreira, vivendo só e concorrendo no mundo dos homens. O treinamento de papel para a maioria dos papéis importantes começa desde cedo na meninice, quando a pessoa principia a formar atitudes para tais papéis e status. A maior parte do treinamento de papel não é penoso nem consciente. As crianças “brincam de casinha” com os brinquedos que lhes foram dados, observam e ajudam a mãe e o pai, ouvem e lêem estórias, escutam as conversas da família e partilham de incon­ táveis incidentes da vida familiar. De toda esta expe­ riência, gradualmente formam um quadro de como os homens e mulheres agem e de como os maridos e esposas se tratam.

Papéis sociais e personalidade

O garotinho que assume o papel de seu pai enquanto brinca de “casinha” , está cônscio de que precisa pensar e agir de um modo diferente daquele quando está somente desempenhando seu próprio papel, ou seja, o de uma criança. De início, pode ter pouca compreensão das razões subjacentes às ações do pai, mas esta vai aumentando e seus papéis “fingidos” ajudarão a prepará-lo para a época em que na realidade se tomará pai. Em nível mais amadurecido, “fingir” absorção de papel tem sido bastante útil para que as pessoas compreendam as reações dos outros em uma técnica terapêutica conhecida como psicodrama, desenvolvida por Moreno [1940] e outros. Um marido, por exemplo, pode assumir o papel da esposa enquanto ela assume o do marido, quando voltam a reviver, em um diálogo não ensaiado, alguma discussão ou conflito recente.

À medida que cada um procura desempenhar a parte do outro, expressando suas queixas e defesas, cada qual pode obter maior introvisão sobre os sentimentos e reações do interlocutor. O conceito de papel implica um conjunto de expecta­ tivas tanto de nosso próprio comportamento como do comportamento recíproco por parte de outras pessoas na mesma situação. Quer um novo papel seja assumido na base do “faz de conta” ou como resultado da aquisição de um novo status, a pessoa é forçada a analisar suas próprias atitudes e comportamento, assim como os dos que a cercam [Tumer, 1956]. Obviamente, o eu não permanece sem modificação depois desta espécie de experiência. A mulher casada dispõe de um status diferente da solteira. Seu papel é diferente e de muitos modos ela parecerá uma pessoa diferente. Os papéis ocupacionais também produzem mudanças na personalidade, de modo que há “efeitos recíprocos do homem sobre o cargo e do cargo sobre o homem” [Kohn e Schooler, 1973]. Certas características da personalidade propiciam a escolha e o desempenho de certos papéis, ao passo que estes, por seu turno, tendem a desenvolver e reforçar as características da personalidade apropriadas ao papel.

Conjuntos de papéis

O termo conjunto de papéis é usado para indicar que um status pode não ter apenas um papel, mas uma quantidade de papéis associados que se ajustam em conjunto [Merton, 1957a, p. 369]. Uma esposa, por exemplo, também é filha, parente, vizinha, cidadã e parceira sexual; provavelmente é mãe, anfitriã, cozinheira e dona-de-casa, além de ser uma trabalhadora e possivelmente membro de uma igreja, membro da Associação de Pais e Mestres, membro de um sindicato, empregadora ou personagem pública. Assim, seu conjunto de papéis envolve uma constelação de papéis relacionados, alguns dos quais podem exigir tipos drasticamente diferentes de ajustamento. Não é incomum que as pessoas deixem de atuar igualmente bem em todos os itens de seu conjunto de papéis. A mulher que trabalha como uma encantadora recepcionista talvez não atue bem como guarda-livros; o pai atencioso pode ser um fracasso na cama com a esposa; um clérigo que é pregador eloqüente talvez seja um fraco adminis­ trador. Freqüentemente o sucesso no desempenho de um papel requer competência em inúmeros compor­ tamentos relacionados. Entretanto, podemos desem­ penhar diversos conjuntos de papéis diferentes ao mesmo tempo. Um homem pode ser gerente de uma empresa, reservista da Guarda Nacional, líder cívico proeminente - um sortimento bem grande de papéis. Esta multiplicidade de papéis pode favorecer certas

PAPEI, E STATUS

tensões entre papéis mas não necessariamente, porque pode também aumentar a realização total de uma pessoa e sua satisfação na vida [Sieber, 1974].

Desempenho de papel

Conquanto um papel seja o comportamento esperado de alguém que ocupa determinado status, desempenho de papel é o comportamento real de quem o desempenha. O desempenho real de papel pode diferir do esperado por numerosas razões: diferenças de interpretação, características da personalidade que alteram um padrão de desempenho, variações no grau de comprometimento com um dado papel e possível conflito com outros papéis - tudo isso se combinando de tal modo, que não há dois indivíduos que desempenhem um dado papel exatamente da mesma maneira. Nem todos os soldados são corajosos, nem todos os padres são puros, tampouco os professores em sua totalidade são modelos de honestidade intelectual. Existe bastante diversidade no desempenho de papéis para dar variedade à vida humana e, no entanto, existe bastante uniformidade e previsibilidade no desempenho de papéis para que seja levado adiante o trabalho das organizações, ainda que seu pessoal esteja constantemente sendo mudado. Uniformes, distintivos, títulos e rituais são subsídios ao desempenho de papéis. Levam os observadores a esperar e a perceber o desempenho solicitado pelo papel e encorajam o agente a atuar de acordo com as expectativas associadas a um dado papel. Por exemplo, em um experimento, um instrutor fez preleções idênticas a dois segmentos da classe, em uma delas usando um colarinho de clérigo e na outra roupas comuns. Foi percebido pelos estudantes como “moralmente compro­ missado” quando usava o colarinho de eclesiástico [Coursey, 1973]. Um outro experimento mostrou que as pessoas são mais obedientes a um guarda uniformizado do que a um homem em traje comum de trabalho [Bickman, 1974]. Tanto o paciente como o médico se sentem mais à vontade quando este faz um exame físico íntimo vestindo roupa branca em um consultório esterilizado do que se estivesse usando calção de banho ao lado de uma piscina. Uniformes apropriados, distintivos, títulos, equipamento e ambiente são subsídios para o desempenho de papéis. Embora grande parte do desempenho de papéis se reduza ao desempenho inconsciente de papéis para os quais a pessoa foi socializada, há certos tipos de papel que exigem um desempenho bastante consciente, impli­ cando um esforço estudado para projetar a imagem desejada do eu. O conceito de representação dramática de papel refere-se a um esforço consciente para desem­ penhar um papel de um modo que produza uma certa impressão almejada entre os circunstantes. A conduta

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é regulada não apenas conforme os requisitos do papel funcional, mas também de acordo com o que o público espera. Poucos de nós jamais seremos astros de cinema, mas cada um é um ator com ampla variedade de públicos. As crianças no lar, os vizinhos, o pessoal do escritório, outros estudantes em uma escola — todos, e muitos outros, constituem públicos. Segundo Goffman [1959, 1967], fazemos uma apresentação de nós mesmos quando o público está presente, desempenhando os papéis para darmos um quadro dramático de nosso eu. A debutante fazendo grande entrada em uma festa, o policial controlando o trânsito, o vendedor fazendo uma oferta, o pai instruindo os filhos, o menino “durão” nos folguedos - cada um de nós, em alguma ocasião e lugar, é essencialmente um ator que faz uma apresentação pelo gosto da impressão que suscita no público. Algumas vezes, pessoas de ambos os sexos e de todas as idades alegam aventuras sexuais fictícias a fim de darem uma imagem mais “sofisticada” de si próprias. Muitos trajes apro­ priados ao uso nas empresas saem de seu esconderijo e muitos cortes de cabelo se tomam mais curtos quando os recrutadores de grandes corporações privadas visitam o campus, na primavera. Até mesmo entre os grupos em que a “naturalidade” e falta de afetação são apreciadas, as calças “rancheiras” de brim azul desfiadas e os pés descalços não deixam de ser uma representação estudada do eu, tanto quanto os temos de alfaiate exibidos no refeitório dos executivos.

Status atribuído e adquirido Os status são de duas espécies: os que nos são atribuí­ dos por nossa sociedade, não importando as qualidades ou esforços do indivíduo, e os que são adquiridos através de nossos próprios esforços [Linton, 1936, Cap. 8].

Status e papel atribuídos

Para que uma sociedade possa funcionar eficiente­ mente, as pessoas precisam executar vasta quantidade de tarefas diárias com boa disposição e competência. A maneira mais simples de garantir sua execução é parcelar a maior parte do trabalho rotineiro da socie­ dade em uma série de papéis atribuídos e socializar as pessoas para que aceitem e cumpram os papéis que lhes foram atribuídos. Por conseguinte, já que o treina­ mento de papel precisa começar bem cedo na infância, os papéis atribuídos têm de ser designados de acordo com algum critério que possa ser conhecido de antemão. O sexo e a idade são usados universalmente como base para atribuição de papéis; raça, nacionalidade,

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classe social e religião também são critérios vigentes em muitas sociedades. At.ibuição por sexo. Embora o treinamento de papel possa em grande parte ser inconsciente, nem por isso deixa de ser real. Conforme foi observado por um notável educador norte-americano: “Os adultos perguntam aos meninos o que desejam ser quando crescerem. Perguntam às meninas onde arranjaram aquele bonito vestido” . Não é de admirar que na época da adolescência os rapazes estejam preocupados a respeito de suas carreiras e as moças em colocar a isca na armadilha para um homem! Isto não acontece por acaso, já que grande parte do processo de socialização consiste em aprender as atividades distintas dos homens e das mulheres. A menina brinca com bonecas, ajuda a mãe no trabalho da casa e é recompensada por ser uma “jovem senhora” , ao passo que as atividades “traquinas” , embora possivelmente toleradas, não sejam adequadas e realmente “próprias de uma senhora” . 0 menino descobre que bonecas são para meninas e bebês, e que não poderia ter pior sorte do que ser “efeminado” . Muitos anos de treinamento diferencial, se coerente, levarão meninos e meninas à maturidade, com grandes diferenças em suas respostas, sentimentos e preferências. Cada sociedade lida com muitas tarefas inserindo-as como parte de um papel por sexo. Mas a maioria das funções vinculadas ao sexo pode ser desempenhada igualmente bem por homens ou por mulheres, desde que sejam socializados a aceitarem as tarefas como próprias para eles. Assim, no Paquistão, os homens são os servos das unidades domiciliares; nas Filipinas, os farmacêuticos em geral são do sexo feminino, ao passo que os homens são preferidos como secretários; nas ilhas Marquesas, os cuidados com o bebê, cozinhar e arrumar a casa são tarefas próprias do homem, ao passo que as mulheres gastam grande parte de seu tempo enfeitando-se; em muitas partes do mundo, o pesado trabalho agrícola é executado por mulheres. A definição de papéis masculinos e femininos está sujeita a variações infinitas, mas mesmo assim cada sociedade tem um padrão sancionado que as pessoas devem seguir. Pode-se permitir que os indivíduos contornem algumas vezes certas partes desse padrão, mas arriscam-se a serem afastados da sociedade a menos que consigam identificar-se com o papel que se espera de seu sexo. Algumas sociedades reconhecefam o status e o papel dos que não absorveram as identidades esperadas do sexo. Por exemplo, o nadle entre os navajos e o berdache entre os índios das Planícies são gêneros de status reconhecidos que diferem tanto do status masculino como do feminino [Hill, 1935; Lurie, 1953; Voorhies, 1972]. Mas na maioria das sociedades não há status confortável para os que não desenvolvem o comportamento esperado do sexo.

Muitas das considerações que presumivelmente amparam nossos papéis atribuídos por sexo, estão atualmente se alterando. Já caiu em descrédito a idéia de amplas diferenças inatas por sexo, em termos de intelecto ou de aptidões outras. A maior dependência e disponibilidade de contraceptivos e aborto serviram para desautorizar os argumentos invocados em favor de um “padrão duplo” de comportamento sexual. O tamanho declinante da família significa que a mulher gasta menos tempo com a educação e os cuidados das crianças. A crescente substituição da força humana pela máquina significa que aquela grande força física masculina passa a ter menor importância. 0 Movimento de Liberação Feminina está exigindo uma revisão total na atribuição de papéis por sexo (ver Capítulo 21). Ninguém duvida que os homens e as mulheres conti­ nuarão a ser diferentes de maneira reconhecível, mas os desenvolvimentos atuais estão estreitando as diferenças em seus papéis atribuídos e colocando mais papéis adquiridos ao alcance das mulheres. Nos EUA, os homossexuais (e alguns simpatizantes) têm feito campanha ativa para a (gay liberation) libe­ ração dos homossexuais e as penalidades mais brutais por homossexualidade já foram de certo modo suspensas. A Associação Psiquiátrica Americana, em 1973, mudou sua designação de homossexualidade, de “desordem mental” para “perturbação de orientação sexual” , expressão que é menos punitiva [Lyons, 1973]. Mas o movimento de liberação homossexual ainda não logrou êxito em conseguir um reconhecimento amplo da idéia de que a homossexualidade não é uma anorma­ lidade de comportamento, mas um estilo de vida alternativo, saudável e normal. Atribuição por idade: Em sociedade alguma as crian­ ças, os adutos e os idosos são tratados do mesmo modo. Os papéis para a idade variam muito entre as sociedades. As crianças norte-americanas gastam sua infância em folguedos mimados, enquanto os filhos dos navajos apascentam ovelhas e tecem desde muito cedo; os anciãos, na China pré-revolucionária, eram figuras de autoridade honradas durante o tempo em que vivessem, ao passo que os anciãos norte-americanos são empurrados para a inutilidade e a irrelevância. As pessoas cujo com­ portamento é impróprio para o status de idade provocam deboches e ressentimento. 0 jovem adolescente que reivindica privilégios de adulto é irritante, ao passo que a pessoa madura que age como jovem é ridícula. 0 sexo e a idade são universalmente usados como bases para atribuição de status. Outras bases comumente usadas incluem classe social, raça ou nacionalidade, grupo étnico e religião. Todos esses status atribuídos envolvem papéis que podem ser preenchidos com sucesso somente quando a pessoa tiver sido socializada para assumir e apreciar o papel.

PAPEL E STATUS

Hoje talvez tenhamos desenvolvido uma forma de quase-atribuição por meio de nossa inclinação para a meritocracia. Meritocracia é um sistema social em que o status é atribuído de acordo com o mérito, e o mérito é mais comumente medido por resultados obtidos em testes padronizados que controlam o acesso a progra­ mas educacionais e a papéis ocupacionais. Se estes testes são classificados como meios de atribuição de papel ou de consecução de papel, depende do grau em que os resultados são afetados por esforço cons­ ciente, depois que a pessoa passou o estágio da primeira infânda. Partindo-se da suposição de que estes resultados são razoavelmente estáveis para um indivíduo, então a conseqüência final é uma espécie de sistema de castas em que os resultados dos testes, geralmente depen­ dentes de hereditariedade e do ambiente da primeira infância, podem moldar a vida inteira de uma pessoa. Isto quer dizer que se desenvolveu um novo tipo de status atribuído, que não depende diretamente do status dos ancestrais da pessoa, mas talvez seja mais rígido.

Status e papel adquiridos

Uma posição social obtida através de escolha indivi­ dual e competição é conhecida como status adquirido. Assim como cada pessoa dispõe de certa quantidade de status atribuídos, designados sem se levar em conta a habilidade ou preferência do indivíduo, uma pessoa dispõe de inúmeros status adquiridos, que o são por sua própria capacidade, desempenho e, possivelmente, boa ou má sorte. A diferença ficou perfeitamente caracterizada por Young e Mack: “Princesa” é um status atribuído; quando existe realeza hereditária, uma moça não tem de trabalhar para ascender à posição de princesa. Ela nasce princesa e, seja ela bonita ou feia, alta ou baixa, inteligente ou estúpida, permanece princesa. Por outro lado, os status conseguidos ou adquiridos não são atribuí­ dos ao nascimento, mas são deixados em aberto para serem ocupados pelas pessoas que têm mais êxito na competição para tanto. Ser do sexo masculino é um status atribuído. Isso é determinado desde o nascimento, ou você é do sexo masculino ou não é. Ser marido é um status adquirido, pois não resulta automaticamente do fato de uma pessoa ter nascido com o sexo masculino; depende sobretudo do com­ portamento sexual dessa pessoa no futuro. Negro é um status atribuído. Uma pessoa não consegue mudar sua cor de preta para branca. Mas o policial é um status adquirido. Ninguém nasce policial; ele se tom a policial por seu próprio talento, ou escolha, ou ação. (Kimball Young e Raymond W. Mack.

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Sociology and Social Life. Nova York, American Book, 1959. p. 160-1.)

Nas sociedades tradicionais, em sua maioria os status são atribuídos; a ocupação e a posição social são em geral determinadas quando o indivíduo nasce. As sociedades industrializadas têm um leque maior de ocupações, exigem maior mobilidade da mão-de-obra e permitem maior amplitude para que o indivíduo mude de status por meio de seus próprios esforços. A sociedade que realça o status adquirido ganhará em flexibilidade e em sua habilidade para colocar as pessoas em ocupações mais adequadas a seus talentos. O preço que paga por estas vantagens transparece na insegurança dos que são incapazes de “se encontrarem” e na tensão do ajustamento constante a novos papéis. O status adquirido exige que o indivíduo faça escolhas, não somente da ocupação, mas também ae amigos, organizações, escolas e locais de residência. Além disso, leva o indivíduo a papéis que nem eram previstos ou desejados por seus pais. Na sociedade tradicional, onde os status e papéis são atribuídos, as pessoas são treinadas desde a mais tema infância e orientadas através da vida por regras de conduta que aprenderam cuidadosa­ mente na preparação para os papéis que estão destinados a desempenhar. Numa sociedade em mudança, onde estão livres para experimentar, os indivíduos enfrentam situações que estão muito distanciadas do modo de vida dos pais e podem ter de tatear seu caminho, desajei­ tadamente, em papéis que não lhes são familiares. Os status atribuído e adquirido são basicamente diferentes; e, no entanto, interagem e podem superporse. Assim, é mais fácil a uma pessoa com o status mascu­ lino que lhe foi atribuído alcançar o status adquirido de Presidente da República, do que a uma com o status feminino que lhe foi atribuído. O status adquirido de médico está ao alcance de pretos e brancos, mas nos EUA os brancos o alcançam mais facilmente do que os pretos. A posição social geral na comunidade (status de classe social) é parcialmente atribuída,

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refletindo o status dos pais da pessoa e, parcialmente adquirida através de suas realizações. Em muitos pontos as linhas divisórias entre status atribuído e adquirido são indistintas; mas os conceitos são úteis. Custos psíquicos do status adquirido. O ideal da sociedade que permite que a maioria dos status sejam adquiridos é colocar as pessoas consoante suas habi­ lidades. Até certo ponto, este esforço dá margem a que os altamente talentosos se desloquem em sentido ascendente, mas também destrói o álibi das falhas. Em uma sociedade onde os status em sua maioria são atribuídos, não se espera que os indivíduos melhorem sua sorte. Os que recebem baixas compensações e pouco prestígio não se sentem culpados ou envergo­ nhados. São ensinados que seu papel e status são certos e próprios. Podem ter orgulho em suas realizações sem a necessidade de compará-las com as de outras pessoas de status^ diferentes. Estão livres da sensação de insegu­ rança, do aguilhoar da ambição ou do tormento do fracasso. A socialização é facilitada porque não se espera que mudem seus status; têm somente de aprender e aceitar seus papéis sociais. É difícil racionalizar o status baixo se as barreiras da hereditariedade forem eliminadas e se as posições forem abertas a todos na base da competência. Se as posições forem preenchidas através de exames competitivos e se a escolaridade adequada estiver ao alcance de todos, então a razão para o baixo status deve ser incompetência — e esta não é uma explicação agradável. A pessoa de baixa casta na índia poderia culpar de seu status as leis inexoráveis do universo; o universitário norte-americano que não se diploma, encontra dificuldade em justificar-se de modo seme­ lhante. Em autodefesa, geralmente os medíocres ap-Siam a tentativa para limitar a realização, impondo regras de antiguidade, quotas de grupo, preferência para veteranos e técnicas parecidas. O status adquirido faz o máximo para a consecução de papéis com base na habilidade individual. Proporciona alto grau de escolha e flexibilidade às custas de insegu­ rança psíquica ao indivíduo que tem talentos limitados ou oportunidade desigual para desenvolvê-los e empregálos. Os papéis que acompanham os status adquiridos podem ser difíceis de aprender e talvez sejam conflitantes entre si. Em essência, o status adquirido provavelmente representa tanto uso mais eficiente do potencial humano como maior ameaça à paz de espírito do indivíduo.

Inconsistência de status Cada pessoa detém um certo número de status ao mesmo tempo, alguns podendo ser incompatíveis com

outros. Este conflito é designado por diversos termos usados de maneira mais ou menos intercambiável pelos sociólogos: inconsistência de status, incongruência de status e discrepância de status. Embora alguns sociólogos tentem traçar uma distinção entre estes termos, qualquer deles pode ser usado para dar conta de qualquer espécie de disparidade entre os diversos status de uma pessoa. Um status pode ter mais prestígio do que outros, como no caso do nobre empobrecido que vende suas terras ou monta uma loja de armarinho. Os status podem ser socialmente definidos como impropriamente ligados, como por exemplo, quando uma pessoa tem um tio que é mais jovem que ela, ou um sobrinho que é mais velho, os status etário e de parentesco são inconsistentes. Qualquer desvio dos relacionamentos etários habituais é considerado como inconsistência de status. De acordo com a Constituição dos EUA, um Presidente rapazola é uma impossibilidade; as pessoas idosas que se casam com jovens que poderiam ser seus filhos são criticadas; e o cinismo jocoso envolverá o velho que anuncia orgulhosamente o nascimento de um filho. Uma outra espécie de inconsistência de status ocorre quando não se dá a uma pessoa o status que ela julga merecer. Os novos-ricos podem não ter aceitação entre os aristocratas; o veterano que deu baixa honrosa, voltando para casa da Campanha do Vietnã, pode ser muito jovem para comprar uma cerveja em muitos Estados; o doutor em Quiroprática anseia pelo status de doutor em Medicina, que lhe é negado. As minorias étnicas e as mulheres muitas vezes descobrem que seu status atribuído limita o acesso de ambas aos status adquiridos e às recompensas que lhes são inerentes, ainda que possam vencer os obstáculos para tanto. O judeu próspero que não pode fazer parte do Clube de Campo e a brilhante profissional liberal que agüenta a condescendência dos homens, estão sofrendo os resultados da inconsistência de status. Aqueles cujos status são coerentemente baixos talvez possam aceitá-los, mas a pessoa que se classifica alto em alguns status e baixo em outros, tem a probabilidade de sentir-se injustiçada quando julgada não pelos status altos, mas pelos baixos [Lenski, 1967, p. 298], Foram efetuados diversos estudos sobre o compor­ tamento de pessoas com status geralmente percebidos pelos outros como inconsistentes [Lenski, 1954; Mitchell, 1964; Kelly e Chambliss, 1966; Treiman, 1966; Broom e Jones, 1970], mas não existe acordo definitivo sobre a espécie de resposta comportamental que se pode esperar [Hartman, 1974], É provável que as coisas se passem assim porque as pessoas colhidas no laço da inconsis­ tência de status talvez possam seguir qualquer dos dois cursos de ação mutuamente contraditórios. Já que estão parcialmente excluídas do status desejado, podem identificar-se com o grupo de status mais baixo e assumir

PA PEL E STATUS

as atitudes e o comportamento deste grupo. Assim, talvez possam obter liderança neste grupo e, depois, exigir certo grau de deferência do resto da sociedade. A História nos conta a respeito de muitos que obtiveram um tributo como líderes revolucionários, que lhes havia sido negado como candidatos a membros da ordem estabelecida. Os nacionais dos territórios coloniais na Ásia e na África que obtiveram um bom cargo, mas não o reconhecimento social, muitas vezes tomaram-se líderes nacionalistas do movimento de independência, do mesmo modo que hoje o Movimento de Liberação Feminina é quase inteiramente formado de mulheres instruídas que rejeitam como insultuoso o papel de dona de casa dócil. Uma reação diferente à inconsistência de status é negar qualquer ligação com o status indesejado; a pessoa identifica-se com os símbolos do status desejado e o faz mais rigidamente do que as que há muito o desfrutam sem serem questionadas. Os novos-ricos, aqueles cuja descendência humilde inibe sua aceitação social, muitas vezes fazem gastos de ostentação a fim de provarem sua riqueza e podem dar apoio a políticos reacionários visando a provar sua identidade ideológica com os baluartes do privilégio — processo observado há muito tempo entre os milionários do petróleo no Texas. Os imigrantes que “venceram” podem trocar seus nomes para ocultar a identidade étnica e, também, reduzir seus contatos com os de sua própria descen­ dência. A pessoa com status inconsistente pode procurar reduzir a tensão identificando-se com os aspectos mais baixos ou mais altos das características de seu status; mas, de um modo ou de outro, a situação afeta sua definição de status e o desempenho do papel.

Personalidade de papel e personalidade verdadeira

Se a preparação para o papel fosse inteiramente adequada, cada pessoa desenvolveria uma personalidade que se harmonizasse com o que o papel exige. Porém, as imperfeições na preparação, além da imprevisibilidade do que o papel solicitará no futuro, dão a certeza de que muitas pessoas criarão uma personalidade que difere muito do padrão de personalidade que o papel exige - a personalidade de papel. Para os papéis e status atribuídos, a divergência pode ser bastante pequena e, assim, não ocorrerá choque entre a personalidade de papel e a personalidade verdadeira. Na maioria das vezes, o homem adulto pode preencher o papel masculino simplesmente “sendo ele mesmo” . Para os papéis e status adquiridos, que muitas vezes não são selecionados senão depois de formada a personalidade adulta, é bastante comum uma divergência considerável entre as personalidades de papel e a verdadeira. Por exemplo, no papel de vendedor um

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homem precisa ser amigável, extrovertido e perceptivo das reações dos outros. Suponhamos que sua verdadeira personalidade seja acanhada, retraída, contemplativa e insensível à reação dos outros. É improvável que esse indivíduo se tome um vendedor ou que tenha êxito nessa profissão. Se tiver, ele o obtém mascarando sua verdadeira personalidade com uma aparência de afabili­ dade e sintonia deliberadamente cultivadas para captar os indicadores-chaves das reações dos outros. Este desempenho de papel não é fácil de ser bem execu­ tado e pode acarretar boa dose de tensão emocional. Contudo, se o desempenho de papel tiver êxito durante um longo período, a verdadeira personalidade pode modificar-se gradualmente e aproximar-se da persona­ lidade de papel. A Sr4 Eleanor Roosevelt era uma jovem algo tímida e, como oradora em público, hesitava e relutava. Em seu papel como esposa de um marido politicamente ambicioso, mas fisicamente estigmatizado, ela se forçou a uma vigorosa atividade política e passou a ser uma oradora eloqüente. Aparentemente constatou que o papel era compensador, porque muito depois da morte do marido aceitou uma nomeação diplomática, permaneceu como incansável viajante pelo mundo e oradora pública, tomando-se, talvez, uma das mais notáveis mulheres de sua época. Por outro lado, as esposas de diversos homens proeminentes na vida pública têm rejeitado o papel de esposa de político e divorciam-se. É provável que boa quantidade de êxito e de fracasso em papéis adquiridos seja explicada pelo grau em que a verdadeira personalidade coincide com a de papel. Atualmente, a administração de pessoal está muito interessada nesta coincidência e usa análises de cargo, testes psicológicos, entrevistas em profundidade e outros dispositivos, no esforço para ajustar as pessoas a cargos em que haja o mínimo de choque entre as personalidades verdadeira e de papel.

Tensão motivada por papéis O ideal seria que todas as pessoas se pudessem ajustar com a mesma facilidade, a todos os papéis em um con­ junto de papéis, porém poucos o conseguem. Tensão motivada por papel refere-se à dificuldade que as pessoas têm em atender às suas obrigações de papel. A tensão motivada por papéis pode surgir através de uma preparação inadequada para o papel, de dificuldades de transição entre papéis ou do fracasso no desempenho de papéis.

Preparação inadequada para o papel

A menina que canta canções de ninar para sua boneca, o menino que constrói um modelo de avião, a mulher

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solteira que está enchendo seu baú de esperança, o aprendiz que copia as técnicas de trabalho do mestre artesão — todos estão sendo submetidos a uma continui­ dade de socialização, pela aprendizagem de habilidades e atitudes em um período da vida que podem usar em outro. Entende-se por continuidade de socialização que as experiências em cada estágio da vida constituem uma preparação efetiva para o estágio seguinte. Um exemplo de como a continuidade de socialização proporciona uma transição suave para o papel adulto pode ser visto nas práticas de treinamento infantil dos índios Cheyenne, conforme a descrição de Benedict: O ponto essencial desse treinamento infantil é que desde a infância a criança é continuamente condicionada à participação social responsável, e ao mesmo tempo as tarefas que deverá cumprir são adaptadas à sua capacidade. ( . . . ) Ao nascer, o menino recebe um arco de brinquedo e, a partir da época em que pode correr de um lado para o outro, arcos utilizáveis são feitos especialmente para ele pelo chefe da família. Ensinam-lhe a respeito de animais e aves em doses graduais, começando pelos que podem ser mais, facilmente caçados, e cada vez que ele traz para casa o primeiro da espécie, a família comemora obrigatoriamente o fato, acei­ tando sua contribuição com a mesma seriedade com que foi recebido o búfalo trazido pelo pai. Quando finalmente mata um búfalo, este é apenas o passo final de seu condicionamento infantil e não um novo papel adulto com o qual sua experiência de menino não coincidia. (Ruth Benedict. Continuities and Discontinuities in Cultural Conditioning. Psychiatry, 1:161-167, maio. 1938.) Essa transição fácil de um status para o seguinte não é de modo algum universal. Nossa cultura se caracteriza por descontinuidades automáticas, fazendo com que a experiência de socialização de uma idade seja de pouco uso para a fase seguinte. Nos territórios que eram frentes de expansão na América do Norte, meninos e meninas aprendiam sem papéis adultos simplesmente observando e tomando parte em tudo que se passasse ao seu redor —limpando a terra, plantando, cuidando dos bebês, e assim por diante. Atualmente, há menos oportunidade para tal continuidade. A maior parte do trabalho adulto é feito fora de casa, onde as crianças não podem observar e participar. Muitos lares oferecem apenas oportunidades escassas para que a criança aprenda as habilidades, atitudes e recompensas emocionais oriundas do trabalho da casa e da progenitura. Na maioria das casas as crianças e os moços têm poucas tarefas importantes e grande parte das atividades lúdicas da criança não se acha relacionada de perto às atividades e responsa­

bilidades adultas. Uma outra imperfeição de nossa socialização é que o treinamento moral dos meninos e das meninas leva-os tão-somente a tomarem conheci­ mento das regras formais do comportamento social e não das modificações informais dessas regras, tal como ocorrem no mundo adulto. Em outras palavras, ensinam-lhes a cultura ideal, não a real. Em conseqüência, os jovens se tornam céticos quando encontram nos livros didáticos preceitos que não funcionam. O político não aparece como um servidor público que negocia um ajustamento a ser cumprido por oponentes ferrenhos, mas como alguém que transige sobre princípios sagrados; o homem de negócios parece ser um manipulador ávido e não um indivíduo que luta por encontrar seu lugar no mercado; o sacerdote, aparentemente, não é a pessoa que faz a mediação entre Deus e a huma­ nidade, mas sim um mercenário que não cumpre os ideais proclamados pela Igreja. Assim, muitos jovens passam de um cândido idealismo para um cinismo ingênuo sem jamais aprender a importância dos serviços dos que procuram lograr ajustamentos razoáveis com os problemas não resolvidos da sociedade. Provavelmente em todas as sociedades existe algum hiato entre as expressões formais dos costumes e os ajustamentos reais da vida social. E em todas as socie­ dades, a “maturidade” envolve um certo grau de acordo com estas incoerências, por meio de alguma espécie de compromisso viável.

Tais descontinuidades também são favorecidas pela rápida mudança social, já que os pais não têm a possibi­ lidade de prever o tipo de mundo que os filhos enfren­ tarão. Embora se admita que a emergência de novas invenções seja um dos fatores de transformação, o clima social que se modifica é igualmente imprevisível. Assim, um genitor no Ceilão, que na década de 1930 considerava o cristianismo como a religião dos esclare­ cidos e dos poderosos, criou os filhos nessa crença, mas estes agora julgam tal filiação religiosa como uma desvantagem se comparado ao budismo que passou

PAPEL E STATUS

a ser identificado com o ressurgimento do nacionalismo no país recém-independente. Muitos africanos por sua vez, treinados desde a infância no respeito das tradições tribais e da autoridade do chefe, podem crescer e viver como trabalhadores urbanos em uma cultura onde os chefes de tribo nada podem fazer e as tradições tribais são irrelevantes. O lavrador norte-americano pode treinar cuidadosamente seus filhos nas atitudes e técnicas apropriadas à lavoura, embora seja quase certo que muitas destas crianças se encaminharão para a vida e o trabalho urbanos. As atuais mudanças nos papéis por sexo criam pro­ blemas para o treinamento nesses mesmos papéis. Será que as meninas devem ser socialmente treinadas — socializadas — para enxergarem a maternidade e a formação do lar como sua realização principal, ou devem ser socializadas para acreditarem que essa perspectiva é um desperdício de seu potencial? Devem os meninos ser socializados tendo em vista a tarefa de “provedores” como seu dever principal, ou devem aceitar uma disposição idêntica para sacrificarem o progresso na carreira e partilharem igualmente dos deveres do lar e da criação dos filhos? Estes exemplos poderiam ser interminavelmente multiplicados. Mostram como é impossível preparar os jovens exatamente para os papéis que desempenharão como adultos em uma sociedade que se modifica. Já que os papéis adultos não podem ser previstos com exatidão, a socialização e a educação somente podem ser adequadas se prepararem a criança para quaisquer dentre uma variedade de papéis. Teoricamente, a apren­ dizagem por memorização foi substituída nas escolas por esforços para desenvolver habilidades na “solução de problemas” e em “técnicas de ajustamento” , mas não se sabe a rigor qual o êxito dessa mudança. Entre­ tanto, a rapidez da mudança e a incerteza das futuras atribuições do papel torparam a flexibilidade e a adaptabilidade, condições necessárias para a sobrevi­ vência.

Dificuldades na transição entre papéis Em muitas sociedades há transições entre papéis especialmente nos papéis atribuídos à idade — estrutu­ radas de tal maneira que se tomam inevitavelmente difíceis. Isto acontece por força de descontinuidades na preparação para papéis — na medida em que as experiências de aprendizagem no status etário da pessoa não proporcionam atitudes e valores necessários ao cumprimento dos papéis futuros que deverá assumir. Nas sociedades mais primitivas, a adolescência não é marcada por tensões exageradas. Nelas, em qualquer idade os indivíduos têm status e papel claramente definidos; eles, como quaisquer outras pessoas, sabem

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exatamente quais são seus deveres e privilégios. Nossa sociedade não dispõe de status etários claramente definidos, exceto no caso da maioridade relativa aos vinte e um anos, que atualmente está sendo modificada para os dezoito anos, provocando confusão ainda maior. A juventude norte-americana e seus pais não têm um conjunto padronizado de obrigações e privilégios para guiá-los. Os pais estão incertos sobre o quanto de “maturidade” a ser concedido aos filhos menores, e discutem sem parar a respeito dos mais diversos tópicos — a escolha de companheiros, as horas em que voltam para casa, a maneira pela qual usam o automóvel e o dinheiro, a idade apropriada para se casarem. Segundo Coleman, um excelente sociólogo educacional, na sociedade norte-americana a escolaridade prolongada tende a isolar o jovem dos adultos e a transferir o trabalho de socialização para o grupo de pares, tudo isso servindo para perpetuar as irresponsabilidades das crianças que quando jovens se sentem incapazes de assumir papéis adultos [Coleman, 1974], Na maioria das sociedades primitivas, os adolescentes ingressam em um período de treinamento coroado por uma cerimônia elaborada, na qual talvez tenham de suportar provações, estando sujeitos à circuncisão, a tatuagens, etc. Tais cerimônias, chamadas “ritos de passagem” , estabelecem seu status e anunciam que agora estão prontos para assumir responsabilidades adultas, garantindo em ampla medida seu êxito no desempenho de papéis. Nossos equivalentes mais próximos dessas cerimônias são encontrados em eventos tais como a crisma ou a primeira comunhão, a obtenção da carta de motorista, a obtenção de emprego em tempo integral, o diploma de conclusão do secundário ou o diploma universitário e casamento. Mas somos carentes de qualquer preparação sistemática ou qualquer consenso quanto à idade, realização ou tipo de cerimônia que estabeleça claramente o acesso ao status adulto. Em nossa sociedade, a transição para a meia-idade não é algo tranqüilo, principalmente para as mulheres. O realce que damos à juventude e ao charme condena cada mulher a sentir sua desejabilidade esvair-se. A menopausa é um anúncio implacável de que a juventude, o'charme e o fascínio são coisas do passado; doravante, a mulher se toma “matrona” . Os cirurgiões plásticos, os especialistas em cosméticos e beleza fazem fortunas faturando os esforços inúteis das mulheres para conter a devastação causada pelo tempo. Temos a impressão de que muitas das dificuldades físicas e emocionais que algumas vezes acompanham a menopausa decorrem desta penosa transição entre papéis. E, para os homens, a meia-idade é justamente chamada de “idade perigosa” , quando se sentem notoriamente inclinados a tempes­ tuosas aventuras românticas. A velhice em muitas sociedades primitivas ou tradi­ cionais é altamente valorizada, talvez porque em tais

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sociedades os velhos estejam mais próximos das fontes da tradição sagrada. Assim, na China pré-comunista, a avó era quem governava o lar de múltiplas famílias, e o avô era o patriarca cujos caprichos eram quase lei. Na sociedade industrializada contemporânea, a velhice é um estorvo. Uma sociedade que se modifica rapida­ mente raramente consulta os mais velhos para obter orientação, porque as pessoas socializadas duas gerações passadas provavelmente estarão atrasadas em relação ao tempo presente. A aposentadoria obrigatória aos sessenta e cinco anos de idade é um rápido expediente para pôr à margem os fósseis. Os lares com três gerações são cada vez mais escassos e, quando existem, os idosos provavelmente são devidamente tolerados e não reveren­ ciados como chefes da família. O papel dos idosos vem a ser uma aposentadoria com renda reduzida, responsabilidades declinantes e influência diminuta; sua principal função na vida são os divertimentos enquanto aguardam a morte. A posição infeliz de nossos velhos ilustra o fato de que a transição entre papéis se toma penosa quando as características que uma pessoa desenvolve em um papel podem tornar-se inúteis ou até perturbadoras quando ela se desloca para o papel seguinte. Entre os índios das Planícies, os guerreiros eram treinados desde a infância para se tomarem agressivos, hostis e intransigentes; depois, quando deixavam o status de guerreiro para assumir o de “homem velho” , esperava-se que se tomassem plácidos apaziguadores. Isto exigia uma reversão abrupta em personalidade, e poucos conseguiam fazer bem essa transição. Uma transição igualmente penosa é exigida em nossa socie­ dade. Para termos sucesso no papel de adulto ativo, precisamos desenvolver independência e autoconfiança, precisamos aprender a encontrar satisfação em trabalho útil, e a sermos conselheiro e protetor dos jovens. Como pessoa idosa, precisamos tornar-nos dependente e submisso, capaz de auto-respeito sem fazer trabalho útil, e precisamos aprender a viver por nós mesmos, ao mesmo tempo em que somos ignorados ou a depender da condescendência dos jovens. Não é de estranhar, portanto, que muitas pessoas idosas adoeçam e morram logo depois da aposentadoria, enquanto outras se tomam chatas e queixosas. O campo da Geriatria, que se desen­ volve com rapidez, preocupa-se seriamente com este problema. Mas, enquanto juventude conotar atividade, aventura e romance, enquanto idade conotar inutili­ dade e irrelevância, envelhecer continuará sendo uma experiência penosa. As transições entre papéis muitas vezes se tomam ainda mais difíceis pela necessidade de renúncia ao papel. Para aceitar um novo papel, muitas vezes precisamos desistir de um mais antigo, juntamente com as recompensas a ele inerentes. 0 solteirão contumaz que se casa, o alcoólatra que precisa reassumir suas

responsabilidades quando deixa de beber ou o proprie­ tário de um negócio que tem de abdicar de seu poder e autoridade quando desiste em favor do filho — são alguns exemplos da difícil renúncia ao papel. Assim como os índios das Planícies encontraram dificuldade em abandonar o papel de guerreiros, muitos pais encon­ tram dificuldade em desistir do controle que exercem sobre os filhos. Geralmente, os esforços para a reabi­ litação das prostitutas falham porque “a vida” é mais excitante do que quaisquer cargos “honestos” que essas mulheres possam vir a ter. Para ter sucesso em empregos “honestos” , os jovens de um gueto precisam esquecer suas habilidades de rua e perder muito do valor e da dignidade pessoais, tal como são definidos e medidos no mundo da vida de rua do gueto.1 Assim, a falta de disposição para renunciar às recom­ pensas de um papel atual pode impedir a aceitação de um novo papel.

Conflito de papéis

Há pelo menos duas espécies de conflito de papéis: conflitos entre papéis e conflitos no âmbito de um único papel. Muitas vezes dois ou mais papéis (indepen­ dentes ou partes de um conjunto de papéis) podem impor obrigações conflitantes a uma pessoa. A mulher que trabalha fora constata que as exigências de seu emprego podem estar em conflito com os deveres do lar; o estudante casado precisa conciliar as demandas do papel de estudante com os deveres de marido; o policial algumas vezes tem de escolher entre violar seu dever e prender um amigo. Ou, dentro de um único papel, pode haver um conflito estruturado (intrínseco). O capelão militar, que prega um evangelho de amor, precisa apoiar homens em suas disposições para matarem, um conflito de papel que muitos capelães julgam ser perturbador [Burchard, 1963; Zahn, 1969]. Entre o clero católico mais jovem, o conflito entre o voto de castidade e o desejo de casar é a maior fonte de tensão motivada pelo papel [Schoenherr e Greeley, 1974]. 0 “médico de empresa” , em qualquer indústria com riscos para a saúde, não ousa constatar que muitas doenças dos trabalhadores decorrem de más condições sanitárias no trabalho, se é que deseja continuar empregado como médico. Em muitos papéis ocupa­ cionais, desde o mecânico de carros ao médico, existe um “conflito de interesse” intrínseco, porque a obrigação de ser honesto com o cliente ou paciente pode estar em conflito com o desejo de ganhar dinheiro e, assim, são feitos numerosos reparos desnecessários

1 Ver Newsletter, Instituto de Pesquisa Social, Universidade de Michigan, outono 1973.

PAPEL E STATUS

ao carro e ao corpo. Muito poucos papéis estão comple­ tamente livres de conflitos de papel estruturados. As dificuldades em cuidar da tensão motivada pelo papel muitas vezes se expressam através de moléstias psicossomáticas ou pela dependência ao álcool ou drogas [Winick, 1961]. Existem diversos processos comuns que reduzem a tensão motivada pelo papel e protegem o eu contra a culpa: racionalização, compartimentalização e adjudicação. Os dois primeiros não são dispositivos conscientes nem intencionais de proteção; se fossem, não funcionariam. Somente quando as pessoas não os percebem é que estes processos funcionarão bem. Racionalização é um mecanismo de defesa por cujo intermédio uma pessoa redefine uma situação penosa em termos social e pessoalmente aceitáveis. A ilustração clássica é a do homem que começa a sentir-se feliz por não ter casado com a moça que o rejeitou, ou até mesmo passa a acreditar que foi ele quem a rejeitou! A racionalização oculta a realidade do conflito de papéis, impedindo a consciência de qüe tal conflito existe. Assim, nossa crença na democracia e nossa negação da igualdade das mulheres e dos pretos causaram poucas ansiedades, enquanto acreditamos que elas e eles estavam no nível intelectual de crianças. “Todos os homens são criados iguais” , mas os escravos não eram homens; eram propriedades. A doutrina católica (que Lutero e Calvino também seguiram) de guerras “justas” e “injustas” possibilita aos cristãos (dos dois lados) que cometam assassinatos em massa com a consciência tranqüila. Através da racionalização a situação é definida de tal modo que não há conflito de papéis e, portanto, não há tensão motivada pelos papéis. A compartimentalização reduz a tensão motivada pelo papel, encaixando os papéis de uma pessoa em partes separadas de sua vida e fazendo com que ela responda apenas às exigências de um conjunto de papéis de cada vez. Foi observado que muitos guardas cruéis e carrascos dos campos de concentração nazistas eram maridos e pais bondosos e afetuosos. Seus papéis de trabalho e de família estavam completamente estanques. O empresário que conspira para violar as leis antitruste durante a tarde, e à noite fala eloqüentemente em uma reunião de cidadãos em prol da lei e da ordem, não é necessariamente um hipócrita; está meramente passando de um papel para outro. Dentro de cada papei existem pressões e justificações que fazem com que o comportamento esperado pareça necessário e bom. Os uniformes, as roupas especiais dos juizes e médicos, e os títulos profissionais, servem para isolar os papéis entre si. Muitas pessoas não podem “relaxar” (isto é, não podem sair totalmente de um papel) enquanto não estiverem “fora do uniforme” . Se uma pessoa foi socializada com êxito, desenvolve um guarda-roupas de personalidades de papel, e passa

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de uma para outra de acordo com as exigências da situação. No escritório, a mulher trata os homens com eficiência rápida e formal; no lar ela é suave, calorosa e “feminina” . Este processo de passar de uma perso­ nalidade de papel para outra cria a possibilidade de tensão emocional sempre que não é completamente claro qual dentre diversos conjuntos de atitudes e linhas de orientação deve ser aplicado a uma determinada situação de comportamento. Muitos empresários, frente à necessidade de dispensar empregados, consideram penoso ignorar suas necessidades humanas e, por isso, tratam-nos impessoalmente como “fatores de custo de produção” . As desonestidades, embustes e explo­ rações inerentes a muitos papéis ocupacionais se revelam inconsistentes com o treinamento moral e religioso costumeiro. Se o indivíduo não tiver completo êxito ao enquadrar seu comportamento em comparti­ mentos, estas contradições culturais tomam-se conflitos mentais dentro do indivíduo. Alguns psiquiatras sustentam que tais conflitos culturais, e os conflitos mentais que produzem, são as principais causas das desordens da personalidade.

( . . .) desenvolve um guarda-roupas de personalidades.

Provavelmente os conflitos e as inconsistências culturais existem em todas as culturas. Nas que são bem integradas, estas inconsistências são tão bem racionalizadas, compartimentalizadas e estanques, que o indivíduo não chega a percebê-las. Assim, muitos primitivos que se tratavam com grande carinho entre si, foram impiedosamente cruéis para os de fora; seus costumes humanitários aplicavam-se somente aos companheiros tribais, ao passo que os estranhos eram considerados e tratados como quaisquer outros animais na floresta. Em contraste, nossa crença em um Deus universal de toda a humanidade faz com que nos seja difícil bombardear nossos inimigos com consciência tranqüila (mas, de um modo ou de outro, sempre o fazemos). As contradições culturais e os papéis múltiplos somente são perturbadores quando sujeitam o indivíduo a pressões conflitantes em uma situação que exige uma única ação. Por exemplo, a virgem deve

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responder às carinhosas persuasões do homem que a ama, ou deve lembrar-se do que a mãe lhe preveniu? Será que o empregado, funcionário público ou soldado, quando recebe uma ordem que julga desonesta ou imoral, deve seguir sua consciência ou proteger sua carreira e sua família? Sentindo-se dividida entre as exigências insistentes dos pais idosos e as necessidades do marido e dos filhos, o que é que uma esposa deve fazer? Para muitos conflitos de papel não existe arranjo satisfatório. Quando a tensão motivada pelo papel passa a ser insuportável, pode seguir-se um comporta­ mento neurótico ou psicótico. A adjudicação difere dos mecanismos de proteção acima examinados por ser consciente e intencional. É um procedimento formal que, consiste em delegar a terceiros uma decisão difícil em um possível conflito de papéis, livrando o indivíduo de responsabilidade ou culpa. Grande parte do trabalho das associações profissionais e dos códigos de Ética que desenvolvem é dedicada à solução de conflitos de papei. A Associação dos Advogados Americanos muitas vezes distribui declarações que servem como precedentes na decisão dos deveres dos advogados para com o tribunal, para com seus clientes e para consigo próprios. A Associação Médica Americana identifica como “não-ético” o comportamento de papel que constitua quebra de confiança tanto para com o cliente como para com outros médicos. Os céticos podem argumentar que essas associações em geral operam para defender os interesses da profissão. Em muitos códigos de Ética, as cláusulas que protegem os membros uns dos outros são em maior número do que aquelas que protegem clientes e fregueses. Mesmo assim, os membros de certas profissões têm sido impedidos de exercê-las por terem violado o comportamento de papel que deles se esperava. Ademais, a necessidade de uma pessoa justificar o que fez perante seus pares impõe certas limitações ao comportamento. De qualquer modo, uma decisão sobre o comportamento apropriado ao papel por uma associação de classe ou sindicato trabalhista significa que o indivíduo está livre do dever de tomar sua própria decisão nos casos difíceis.

Fracasso no desempenho de papéis

Em uma sociedade estável, bem integrada, com grande proporção de papéis atribuídos, a maioria das pessoas tem êxito no desempenho. A maioria dos papéis em qualquer sociedade pode ser cumprida por quase todo membro adequadamente preparado. Mas em uma sociedade em mudança rápida e não tão bem integrada, como é a nossa, onde além de não podermos prever todos os papéis adultos também as descontinuidades limitam a preparação para o papel, é inevitável

boa dose de fracassos no desempenho de papéis. Algumas pessoas falham até em seus papéis atribuídos em qualquer dos sexos, como é o caso do homossexual ou da mulher com o complexo de atitudes hostis, ressentidas e agressivas em relação aos homens, o chamado padrão de protesto masculino, ou do homem que odeia a mulher ou que jamais se livra de sua dependência da mãe. Mais pessoas ainda falham em alguns de seus papéis adquiridos. Algumas não conseguem adquirir o papel que almejam — o rapaz (ou a moça) não consegue tornar-se médico ou executivo, ou a moça deixa de conseguir um marido e tornar-se esposa e mãe. Outros adquirem um papel, mas não o desempenham com êxito. Muitos maridos e esposas fracassam como parceiros conjugais e enfrentam a experiência muitas vezes penosa do divórcio ou toda uma vida de frustração mútua. Muitos pais não conseguem socializar bem os filhos. Somente poucas pessoas em qualquer ocupação ou profissão é que podem ser espetacularmente vencedo­ ras, porque para cada gerente é preciso haver muitos subordinados. Os que anseiam pelos mais altos níveis de excelência em determinado papel, em geral sentem-se frustrados. Os fracassos de muitas espécies e graus em um papel continuam engrossando as fileiras das pessoas infelizes e frustradas.

Revolta contra a atribuição de status e papel Em grande parte do mundo há um fogo cerrado contra todas as espécies de atribuição de status. A “discriminação racial” é uma outra forma de atribuição de status pela raça. Os grupos raciais e étnicos estão-se rebelando contra a atribuição de status subordinado. Não existe um ímpeto universal para a igualdade racial porque em certas partes do mundo as perseguições raciais e étnicas têm aumentado. Mas, em muitas áreas, as minorias raciais e étnicas estão querendo pôr fim à atribuição de status por raça e têm encontrado muitos defensores e aliados entre a população geral. As diferenças em termos de status de classe, não importando se esse status é atribuído ou adquirido, têm sido dura­ mente combatidas como não-democráticas e opressivas. A atribuição por idade é amplamente contestada, já que os jovens exigem privilégios de adulto e não têm a tradicional deferência pelos mais velhos, ao passo que estes estão iradamente rejeitando seu papel atribuído de cadáveres incipientes. Os papéis atribuídos ao sexo estão especialmente sob a mira de violentos ataques. O Movimento de Liberação Feminina está exigindo não apenas que os papéis por sexo sejam mudados, mas que também sejam abolidos, de modo que não haja deveres e privilégios de espécie alguma atribuídos com base no sexo. A maioria das jovens norte-americanas ainda deseja

PA PEL E STATUS

maridos e famílias, e suas escolhas de carreira seguem canais relativamente tradicionais [Gump, 1972], Entretanto, as aspirações ocupacionais das mulheres estão claramente se expandindo, com as diferenças de antecedentes familiares respondendo em grande parte pelas preferências tradicionais ou não-tradicionais [Klemmack e Édwards, 1973]. Até mesmo o compor­ tamento nos encontros de namoro tem mudado; as mulheres têm assumido papel mais agressivo, anterior­ mente reservado aos homens [Winick, 1968, p. 18-24]. Inegavelmente os papéis atribuídos ao sexo estão mudando, e os levantamentos mostram que estas mudanças recebem quase tanto apoio verbal dos homens como das mulheres [McElroy, 1974]. Não deve causar surpresa que muitas mulheres atual­ mente recusem a serem identificadas apenas em termos de seu status conjugal. Quando uma revista de âmbito nacional descreve uma família com as palavras: Seu filho é advogado em Houston; suas filhas, Joanie e Claire, são casadas, o “sexismo” desta descrição avulta ainda mais quando lemos: Sua filha Joanie cria cavalos e a filha Claire trabalha na igreja; seu filho Joe é casado. {Time, 8 abr. 1974, p. 5.) Muitas mulheres fazem severas objeções a estes estereótipos do papel por sexo.2 Mas, embora a tradi­ cional atribuição de papel pelo sexo esteja claramente desgastada, ainda não se sabe, ao certo, como esse pro­ blema será resolvido. As porta-vozes mais extremadas da liberação das mulheres procuram papéis sexuais andróginos. Os papéis andróginos seriam tão parecidos

quanto fisicamente possível. Dessa forma não haveria atribuição de papel com base em sexo. Os bebês nas­ ceriam necessariamente de mulheres (no presente), mas seriam cuidados igualmente por pais e mães. Todos os deveres e privilégios seriam igualmente partilhados pelos sexos mediante o cumprimento de papéis andróginos. São possíveis os papéis andróginos? Nenhuma socie­ dade conhecida jamais os teve, mas são pelo menos teoricamente possíveis. Se podem ser adquiridos e mantidos, é coisa que não se pode prever. Serão desejáveis os papéis andróginos? Não existe evidência em que se possa basear uma resposta. Muitos profissionais da saúde mental acreditam que são neces­ sárias identidades de sexo claramente diferenciadas para ajustamento mental e da personalidade, mas alguns discordam [Broverman, 1972; Black, 1974; Woodward, 1974]. A tendência atual é nitidamente em direção à androginia, mas tais mudanças estão longe de ter-se completado. A questão de saber se tal tendência deve ou não prosseguir não cabe à Sociologia responder e a questão de saber se essa mesma tendência vai-se consolidar também é uma incógnita. Em conclusão, a atribuição de papel oferece um modo simples de dividir o trabalho da sociedade e

2 Isto cria um problema para os autores de livros didáticos. Devem eles dizer “como a coisa é” ou “como deveria ser”? O fato é que a maioria das mulheres são donas-de-casa e mães, que a maioria das mulheres que trabalham se incumbem de ocupações tradicionalmente reservadas às mulheres e que a maioria das que trabalham fora dão preferência ao papel conjugal e não ao trabalho. O autor que diz “a coisa como ela é” , é acusado de perpetuar estereótipos de papéis por sexo. Mas as feministas não são as únicas pessoas que têm idéias firmes a respeito de “como deveria ser” . Não im porta o que o autor escreva, algumas se sentirão descontentes.

Q U A D R O 4 Total de prisões efetuadas por crimes violentos, 1960-1973.

Crime

Assassinato Roubo Agressão Arromba mento Furto Roubo de automóvel Estelionato Narcóticos

Aumento percentual Homens 141 160 116 76 84 59 50 995

N O T A : Em muitas áreas as mulheres estão alcançando os homens. F O N T E : FBI Uniform Crime Reports, 19 73.

99

Mulheres 103 287 106 193 341 155 281 1 027

100

C U L T U R A E P E R S O N A L ID A D E

facilita a preparação logo cedo do desempenho de papéis com êxito. Mas a atribuição de papel só tem êxito quando a maioria das pessoas aceita de fato seus papéis atribuídos. Hoje, muita gente anda questionando ou rejeitando tais papéis. Embora os sociólogos custem a crer que toda e qualquer atribuição de status e papel acabará tendo um fim, com certeza haverá muitas mudanças nesse sentido.

Sumário A socialização ocorre em grande parte através da aprendizagem de papéis. “Status ” social é uma posição na sociedade com os conseqüentes privilégios e deveres; um papel é o comportamento que se espera da pessoa que ocupa um determinado status. Mesmo em um único status as pessoas se confrontam com um aglome­ rado de papéis relacionados, ou seja, um conjunto de papéis. Uma pessoa pode assumir diversos conjuntos de papéis ao mesmo tempo, com uma multiplicidade de papéis, o que tanto pode motivar tensão ou satisfação. Comportamento de papel é o comportamento real de quem desempenha um papel, e é afetado pela repre­ sentação dramática do papel, em que o indivíduo atua em um esforço deliberado para apresentar aos interlo­ cutores a imagem desejada. Os papéis e status são de duas espécies: os que são atribuídos de acordo com idade, sexo, classe, raça ou alguma outra característica herdada, e os que são adqui­ ridos por meio de escolha ou esforço pessoal. Os status adquiridos são muitas vezes obtidos com substancial custo psíquico, porque os esforços e frustrações podem ser intensos. Meritocracia é uma forma de quase-atribuição, na qual o status está aberto à consecução, mas as características geralmente herdadas dão às pessoas grandes vantagens na competição.

Quando os diversos status de uma pessoa são incon­ sistentes entre si, temos o que se chama inconsistência de status. Personalidade de papel refere-se ao complexo das características da personalidade apropriadas a um determinado papel. O papel e a personalidade interagem, sendo que as características da personalidade do indivíduo afetam a escolha e o comportamento de papel, ao mesmo tempo em que a experiência no desempenho de um papel, por seu turno, afeta a perso­ nalidade. Tensão motivada por papéis refere-se à dificuldade de atender às obrigações do papel. A preparação inadequada para o papel pode fazer com que a pessoa não fique bem equipada, principalmente em termos de atitudes e valores, para apreciar e desfrutar do papel. Muitas transições entre papéis são difíceis, em geral por força das descontinuidades em socialização, ou porque as necessárias renúncias ao papel exigem que certas satisfações correntes sejam sacrificadas. Surgem conflitos de papel, seja de deveres que coli­ dem dentro de um único papel, seja de exigências conflitantes impostas por papéis diferentes. Esses con­ flitos podem ser controlados por racionalização, fazendo com que uma situação seja redefinida na mente do ator, de modo que ele não tem consciência do conflito; através de compartimentalização, que permite a uma pessoa operar dentro de um único papel de cada vez; e por adjudicação, que consiste em delegar a terceiros uma dada decisão. O fracasso no desempenho de papéis é muito comum, especialmente em uma sociedade em mudança. Uma revolta geral contra a atribuição de status e papéis busca reduzir ou liquidar com a atribuição de quase todas as espécies. As feministas, por exemplo, desejam substituir a atribuição de papel conforme o sexo pelos papéis andróginos. Se essas coisas são possíveis ou desejáveis, ninguém saberia responder ao certo.

Perguntas e trabalhos um período difícil? Esse período é difícil em todas as culturas? Analise nosso problema de velhice em termos de descontinuidades e de papéis conflitantes.

1.

Papel e status são dois conceitos separados ou dois aspectos do mesmo fenômeno? Explique.

2.

Qual a função das atividades lúdicas das crianças na socia­ lização? De que modo isso ajuda na preparação para o papel?

5.

Por que é uma tarefa relativamente fácil assumir os papéis próprios da idade nas sociedades mais primitivas? Por que não temos um conjunto de papéis para a idade claramente definidos?

Descreva a transição de status e papel de um estudante do segundo grau para o de um estudante de faculdade, em termos de continuidades e descontinuidades culturais em socialização. De civil a soldado.

6.

Na preparação para a maioria dos papéis adultos, o que é mais im portante: as atitudes e valores que tornam esse papel aceitável, ou o conhecimento e as habilidades neces­ sárias ao cumprimento do papel? Ilustre tais processos

3.

4.

De que modo nossa cultura faz com que a velhice seja

PAPEL E STATUS

com relação ao indivíduo que forma um lar, um mestreescola, um oficial do exército e um cientista de pesquisa, em seus respectivos papéis. 7.

Existe algum conflito entre nossos papéis como estudante de faculdade e como filho ou filha? Se você for um estu­ dante casado, é possível que haja um terceiro papel (e possivelmente um quarto). Nesse caso, que possíveis confli­ tos de papel são adicionados?

8.

Que custos sociais acompanham uma ênfase sobre o status adquirido? E o atribuído?

9.

Sob que aspectos seu atual papel como estudante de curso superior está preparando você para papéis posteriores? Sob que aspectos sua presente experiência em papéis é irrelevante ou até disfuncional?

10. Existem alguns aspectos sob os quais você já esteja assu­ mindo personalidades de papel que diferem de sua verda-

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deira personalidade? Você está consciente de quaisquer tensões que esta representação de uma parte produz? 11. Quais são os prós e os contras de uma meritocracia, em comparação a métodos alternativos de atribuição ou aqui­ sição de status? 12. Descreva com alguns detalhes um papel e um status com os quais você esteja familiarizado e que envolva boa dose de pressão conflitante dentro do papel. De que modo as pessoas nesse papel usualmente resolvem estes conflitos? 13. Descreva alguma situação que você conheça em que uma pessoa esteve sob pressão para cumprir dois ou mais papéis conflitantes. De que modo ela resolveu o conflito? Você diria que ela se saiu bem ou não? 14. Se os papéis convencionais por sexo em nossa sociedade forem substituídos por papéis andróginos, o que cada sexo ganhará ou perderá?

Leitura sugerida Biddle, Bruce J., e Edwin J. Thomas (orgs.). Role Theory: Concepts and Research. Nova York, John Wiley and Sons, 1956. Coletânea global de enunciados e pesquisa sobre a teoria do papel. Broverman, Inge K., e cols. Sex-Role Stereotypes: A Current Appraisal. Journal o f Social Issues, 28, n. 2 ,1 9 7 2 , p. 59-78. Pesquisa mostrando que os estereótipos dos papéis por sexo claramente definidos persistem, apesar das aparências “unisex” . Burr, Weley A. Role Transitions: A Reformulation of Theory. Journal o f Marriage and the Family, 34:407-416, verão 1972. Exame teórico sofisticado de transições de papel como para a progenitura, aposentadoria e morte. Feldman, Saul D. Impediment or Stimulus: Marital Status and Graduate Education. American Journal o f Sociology, 7 8 :983-994, jan. 1973. Estudo do conflito entre os papéis de estudante de pós-graduação e de esposa, e de como o divórcio tem efeitos opostos sobre o progresso acadêmico para ambos os sexos. Goffman, Erving. Where the A ction Is. Garden City, N. Y., Doubleday, 1967. Habilidosa análise do comportamento em papéis. Gowman, Alan G. Blindness and the Role o f the Companion. Social Problems, 4:68-75, jul. 1956. Processo através do qual o companheiro desenvolve um relacionamento de papel satisfatório para um cego e as mudanças que ocorrem na definição da situação. ♦Gracey, Harry L. “ Learning the Student Role: Kindergarten as Academic Boot Camp” . In: Dennis H. Wrong e Harry L. Gracey (orgs.). Readings in Introductory Sociology. 2a. ed., Nova York, The Macmillan Company, 1972. Mostra como o jardim da infância ensina as crianças a desempe­ nharem o papel de estudante. Huber, John (org.): “Changing Women in a Changing Society”. American Journal o f Sociology, v. 78, n. 4, jan. 1973, n. especial inteiramente dedicado a artigos sobre as mudanças no papel e no status das mulheres.

Komarovsky, Mirra. Cultural Contradictions and Sex Roles. American Journal o f Sociology, 52:184-189, nov. 1946; Bobbs-Memll, reimpressão S-150; também, Cultural Contraditions and Sex Roles: The Masculine Case. American Journal o f Sociology, 78:873-884, jan. 1973. Discussão clássica dos conflitos de papel das mulheres com curso superior, seguida de uma consideração posterior sobre os conflitos de papel entre os homens. MacCoby, Eleanor Emmons, e Carol Nagy Jacklin. What We Know and Don’t Know About Sex Differences. Psychology Today, dez. 1974, p. 109-12. Sumário bastante sucinto das realidades e mitos quanto às diferenças de sexo. McCord, Joan, e William McCord. Effects of Parental Role Models on Criminality. Journal o f Social Issues, 15 :66-75, 1958. Estudo de relatórios de assistentes sociais sobre os pais de delinqüentes, mostrando que algumas idéias bastante difundidas não têm fundamento. Steinmann, Anne. Lack o f Communications between Men and Women. Marriage and Family Living, 20:350-352, nov. 1958. Análise centrada no papel das dificuldades de comunicação entre os sexos. Wardwell, William, e Arthur L. Wood. Extraprofessional Role of the Lawyer. American Journal o f Sociology, 6 1 :304-307, jan. 1956. Discussão das responsabilidades ligadas ao serviço prestado à comunidade envolvidas no papel de advogado. Weitzman, Lenore, J. e cols. Sex-Role Socialization in Picture Books for Preschool Children. American Journal o f Socio­ logy, 77:1125-2250, maio. 1972. Estudo de como os livros de figuras para crianças perpetuam os estereótipos dos papéis por sexo. Winick, Charles. Depolarization o f Sex. Annals o f the American Academy o f Political and Social Sciences, 376:18-24, mar. 1968. Descreve a distância decrescente entre os papéis masculino e feminino.

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7. C ontrole social e d e sv io social Há muito que os havaianos obedeciam a algumas das Kanaway [leis], Tinham sempre honrado pais e mães e tinham vivido durante muito tempo sobre a terra. Tinham abandonado completamente os ídolos antes da chegado dos pescoços compridos [os brancos]. Tinham lidado com o roubo de um modo que havia funcionado bastante bem, embora dificilmente pudesse ter sido coisa agradável para Jeová. Nos velhos tempos, se um homem tomava alguma coisa de alguém inferior na hierarquia social, isso não era roubo; porque o que havia sido tomado, na realidade, por força de sua posição social, pertencia ao tomador. E se uma das pessoas ccmuns saísse por aí com a cabaça ou a arma de um superior, o prejudicado podia ir à casa do ladrão e tomar de volta o que lhe pertencia, juntamente com mais alguma coisa que desejasse. Mas quando os haoles [mercadores brancos] chegaram com seus potes de contas e colheres de prata, suas chaves-inglesas e toalhas de linho, sua madeira serrada e seus machados de gume afiado, este método deixou de servir. A s queixas dos forasteiros soavam incessan­ temente nos ouvidos do governador. Os homens brancos não queriam intrometer-se nas cabanas nativas para encontrarem seus artigos perdidos. Queriam que o Boki prendesse o ladrão e tomasse providências para restituição e punição. Gradualmente, os chefes esclarecidos viram o que precisavam fazer. Alguns mandaram prender seus ho­ mens por roubo comprovado ou os deixavam livres para que trabalhassem e pagassem pelo que tinham roubado. O menino-príncipe Kauikeaouli, quando seu querido

kahu foi julgado como cúmplice de um roubo, consentiu rapidamente na demissão do homem. "M e u kahu tem de

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mudanças em uma sociedade exigem mudanças em suas maneiras de manter a ordem social. Quando os chefes havaianos relegaram seus costumes tradicionais em favor de prisSes e forcas, sugeridas pelos mercadores, estavam

desintegração do tradicional sistema de lei e ordem quando os mercadores europeus introdu­ ziram mudanças e novos problemas no Havaí, também aconteceu em muitas outras terras. As

ir embora," declarou, "o u aos poucos os forasteiros pensarão que eu próprio sou culpado." Os haoles aplaudiram essas providências. Esse era um Mandamento que eles gostavam de ver cumprido. Depois, havia o Mandamento que, em algumas poucas palavras, proibia matar. Antes, se um nativo matava em um acesso de ira súbita, era razoável que os parentes da vítima se vingassem, a não ser que o assassino se refugiasse em lugar seguro. Se o culpado desfrutasse de posição social idêntica àquela do vingador da vítima, poderia ser feito um apelo ao rei ou ao governador ou ao chefe do distrito. Nesse caso, o queixoso e o culpado sentavam-se de pernas cruzadas no pátio do juiz e cada um argumentaria com eloqüência sobre seu caso, até que o magistrado tomasse uma decisão. Mas estes costumes foram-se desgastando quando Honolulu se tornou um formigueiro de marinheiros de cabeça quente, e os pardos e brancos igualmente bebiam rum e ficavam huhu [muito zangados]. Nova­ mente, como havia acontecido em relação ao roubo, os mercadores desejavam leis severas, estritamente cumpridas, de modo que a ralé de todas as nações pudesse pensar duas vezes antes de quebrar a cabeça dos companheiros. Disseram aos chefes que construíssem uma máquina de morte que amarraria o assassino pelo pescoço, deixando-o pendurado, imóvel, preso por uma corda — um poderoso lembrete aos vivos para que se contivessem. (Albertine Loomis. Grapes of Canaan. Dodd, Mead & Company, 1951, p. 227-9.)

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buscando ajustar-se às técnicas de controle social de uma situação modificada — problema que é fonte de constante preocupação em cada sociedade moderna. O estudo do controle social — meio pelo qual as pessoas são levadas a cumprir seus papéis do modo esperado — começa pelo estudo da ordem social no interior da qual as pessoas interagem. Consideremos, por exemplo, as disposições de ordem subjacentes à azáfama confusa de uma grande cidade. Dezenas de milhares de pessoas tomam seus lugares e executam suas tarefas sem direção aparente. Milhares de veículos buscam seu caminho através de gargalos obstruídos, e só não se arranham por uma questão de centímetros, raramente colidindo. Milhares de espécies de mercadorias chegam aos lugares de destino, nas quantidades esperadas e nas ocasiões esperadas. Dezenas de milhares de pessoas que um indivíduo nunca vê trabalharão este dia para que as refeições estejam prontas para ele quando forem necessárias, os bebedouros fazem fluir água, os esgotos canalizam os resíduos, as lâmpadas se acendem, o trânsito parará para deixá-lo passar, e várias outras coisas convenientes irão ao encontro de suas necessi­ dades. Uma centena de pessoas o auxiliará dentro de uma hora, talvez sem uma palavra dele a qualquer delas. . Isto é o que se entende por ordem social — um sistema de pessoas, relacionamentos e costumes que opera suavemente para a realização do trabalho de uma sociedade. A menos que as pessoas saibam o que esperar uma da outra, não se fará muita coisa. Nenhuma sociedade, nem mesmo a mais simples, pode funcionar com êxito se, na maior parte do tempo, o compor­ tamento das pessoas não puder ser previsto de modo confiável. A menos que dependamos da polícia para nos proteger, que os trabalhadores sigam para seu trabalho na hora certa e que os motoristas permaneçam no lado certo da rua durante a maior parte do tempo, não pode haver ordem social. A ordem de uma sociedade -np apóia-se em uma rede de papéis, de acordo com os quais cada pessoa aceita certos deveres em relação aos outros e deles reivindica certos direitos. Uma sociedade ordeira pode operar somente enquanto a maioria das pessoas cumpre a maioria de seus deveres para com os outros e pode, com êxito, reivindicar deles a maioria de seus direitos. De que modo vigora esta rede de direitos e obrigações recíprocos? Os sociólogos usam o termo “controle social” para descrever todos os meios e processos através dos quais um grupo ou uma sociedade garante a conformidade de seus membros às suas expectativas.

Controle social e ordem social De que modo um grupo ou uma sociedade faz com que seus membros se comportem da maneira esperada?

De várias maneiras, cuja importância relativa é de mensuração difícil.

Controle social através de socialização

Segundo Fromm [1944], para que uma sociedade funcione eficientemente, “seus membros precisam adquirir a espécie de caráter que os faz quererem agir da maneira por que têm de agir como membros da sociedade. ( . . . ) Eles têm o desejo de fazer o que é objetivamente necessário que façam” . As pessoas são controladas principalmente por serem socializadas, de modo que possam cumprir seus papéis da maneira esperada, por hábito e prefe­ rência. Como foi que persuadimos as mulheres a aceitarem a infindável rotina dos cuidados do lar e dos filhos? Principalmente socializando-as, para que quisessem maridos e filhos e se sentissem logradas sem eles e, portanto, não vissem estes deveres como enfadonhos. De que modo um homem, ao contrário do macho da maioria das espécies, é persuadido a trocar sua liberdade pelo senso de responsabilidade social para com os filhos de que é pai? Principalmente cultivando nele sentimentos e anseios valorizados que esta pequena criatura promete cumprir. Conforme foi citado em capítulo anterior, a parte crucial na preparação do papel de uma pessoa é o desenvolvi­ mento de atitudes e desejos que tomam o papel mais atrativo. A maioria dos fracassos no desempenho de papéis ocorre não porque uma pessoa não seja capaz de executar as tarefas do papel, mas por cair na arma­ dilha de um papel que ela realmente não quer e do qual não gosta. A socialização molda nossos costumes, desejos e hábitos. Hábito e costume são grandes economizadores de tempo. Livram-nos da necessidade de tomar incon­ táveis decisões. Se tivéssemos de decidir como desem­ penhar cada ato - quando levantar, se e quando tomar banho, fazer a barba, pôr a roupa, e assim por diante — poucos estudantes conseguiriam chegar à classe! Os membros de uma sociedade são treinados nos mesmos costumes e tendem a desenvolver em grande parte o mesmo conjunto de hábitos. Assim, hábito e costume são grandes padronizadores do comportamento dentro do grupo. Se todos os membros de uma sociedade partilham de experiências idênticas de socialização, voluntariamente e sem terem de pensar, atuarão de maneira muito parecida. Eles se conformarão às expectativas sociais sem qualquer percepção consciente de que estão “se conformando” e sem qualquer pensamento sério de agirem de modo contrário. O desejo de um par de estudantes de se casarem tem origem em motivos menos acadêmicos do que o desejo de “conformar-se ao padrão monogâmico de família

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nuclear” , mas ainda assim tal conformidade é o que aparece como resultado.

Controle social através de pressão social

Em uma novela de Sinclair Lewis, George F. Babbitt, um corretor de imóveis de uma pequena cidade, de algum modo se enreda com noções “radicais” a respeito de govemo e política. Em breve seus negócios declinam, seus amigos começam a evitá-lo e ele começa a ficar desconfortavelmente consciente de que se está tomando um estranho. Lewis descreve como os associados de Babbitt aplicam estas pressões sutis até que, com um suspiro de alívio, Babbitt corre de volta para uma conformidade confortável [Lewis, 1922, Caps. 32, 33], Em todas as sociedades humanas, até mesmo em muitas espécies não-humanas, esta tendência de se ajustar à pressão e ao exemplo do grupo é evidente. David Thompson, um explorador do século XIX, ficou impressionauo pela fuga desabalada dos cavalos selvagens e, quando seu plácido e embotado cavalo de carga fugiu para juntar-se aos selvagens, ficou perplexo de ver com que rapidez o animal assumia o temperamento selvagem dos outros, “com as narinas distendidas, a crina esvoaçando e a cauda estirada horizontalmente [Ryden, 1971, p. 106]. LaPiere [1954] considera o controle social como sendo principalmente um processo que brota da necessidade que um indivíduo tem de status dentro dos grupos primários a que pertence. Alega que estes grupos são mais influentes quando pequenos e íntimos, quando o indivíduo espera permanecer no grupo por muito tempo e quando tem com tais grupos um contato freqüente. Todas as autoridades no assunto concordam em que nossa necessidade de aceitação dentro de grupos íntimos é a alavanca mais poderosa quando se trata de recorrer à pressão grupai em favor do cumprimento das normas do grupo. O indivíduo sente esta pressão grupai como um processo contínuo e amplamente inconsciente. E o modo com que opera tal pressão pode ser ilustrado pela vida de um dos conhecidos do autor. Ele passou a maior parte de sua vida profissional como pequeno lavrador na parte central de Michigan; assim como a maioria dos vizinhos, pensava de modo conservador, votava nos republicanos e era contra os sindicatos trabalhistas. Durante a Segunda Guerra Mundial, mudou-se para Detroit e trabalhou em uma fábrica que produzia para a guerra, filio a-se a um sindicato do qual se tornou representante e passou a votar nos democratas. Depois da guerra, retirou-se para uma pequena vila no centro de Michigan, onde novamente voltou a pensar de modo conservador, votando nos republicanos e falando mal dos sindicatos trabalhistas.

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Explicou essas atitudes alegando que eram os partidos e os sindicatos que se haviam modificado. Não percebeu que era ele que estava modificado. Assim como a maioria de nós, em breve passou a partilhar dos pontos de vista de seu grupo de associados. Esta tendência de conformidade às atitudes grupais é tão forte que a Igreja Católica na França julgou necessário abandonar seu programa de padres-trabalhadores. Tratava-se de um esforço para conter a crescente adesão de operários franceses ao comunismo, enviando padres que aceitavam trabalho e o executavam ao lado dos operários, ao mesmo tempo em que os incitavam a retomar à Igreja. Depois de uma tentativa que durou dez anos, quando se tornou evidente que os operários estavam conver­ tendo os padres ao ponto de vista marxista da luta de classes, o programa foi interrompido [Brady, 1954],

Nossa necessidade de aceitação dentro de grupos íntimos.

Psicólogos sociais [Sherif, 1935; Bovard, 1951] fizeram numerosos experimentos clássicos para mostrar como uma pessoa tende a fazer com que suas expressões pessoais se coadunem com as do grupo. Usualmente, o método em tais experimentos consiste em solicitar às pessoas estimativas individuais, atitudes ou observações sobre um tópico, depois recebem informações acerca das normas do grupo e, finalmente, cada uma delas é instada a externar novas opiniões. Muitos dos respondentes modificam sua segunda resposta, tentando ajustá-la às normas do grupo. Em uma série de experi­ mentos engenhosos, Asch [1951], Túddenham [1961] e outros demonstraram que muitas pessoas alterarão até uma observação que sabem ser a correta para não se oporem ao grupo. Nestes experimentos, cada sujeito era cercado por um grupo que, por combinação secreta, fazia observações a respeito de fatos que o sujeito sabia que estavam erradas; ainda assim, um terço destes sujeitos aceitou as observações erradas, quando des­ toavam da opinião contrária sustentada unanimemente por um grupo. Schachter [1951] também demonstrou experimentalmente como o membro que se desvia marcantemente das normas do grupo quanto às opiniões, é rejeitado pelo grupo. Amiúde percebemos que o novo membro de um grupo é exageradamente mais conformista e acentua-

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damente mais leal do que os membros antigos. Os conversos religiosos e os cidadãos naturalizados mostram freqüentemente um zelo que chega a constranger os que são membros durante a vida toda. Um experimento efetuado por Dittes e Kelley [1956] ajuda a explicá-lo. Constataram que entre os membros que valorizam igualmente sua filiação a um grupo, os que se sentem menos aceitos são os conformistas mais rígidos às normas grupais. A conformidade meticulosa é um instrumento para ganhar aceitação e status em um grupo, ao passo que a rejeição é o preço da não-conformidade. É provável que nenhuma outra estrutura nem de longe se assemelhe ao tremendo poder controlador do grupo sobre o indivíduo. Qualquer pai que tenha procurado contrariar o argumento de um rapazola, do tipo “Todos os caras estão usando!” , estará perfei­ tamente cônscio do poder controlador do grupo. Controles informais do grupo primário. Os grupos são de duas espécies: primários e secundários (conceitos que serão analisados mais pormenorizadamente em capítulo posterior). Por enquanto, basta notar que os grupos primários são pequenos, íntimos, informais, como a família, a camarilha ou o grupo de folguedos, ao passo que os grupos secundários são impessoais, formais e utilitários, como um sindicato trabalhista, uma associação de classe, a congregação de uma igreja ou a massa de estudantes. Dentro dos grupos primários o controle é informal, espontâneo e não-planejado. Os membros reagem às ações de cada membro. Quando um irrita ou aborrece os outros, demonstram seu desagrado através do ridículo, riso, críticas ou até ostracismo. Quando o compor­ tamento de um membro é aceitável, a recompensa habitual é a “pertinência” confortável e garantida. Muitos novelistas têm usado o enredo paralelo em que a personagem que viola de algum modo as normas do grupo, é disciplinada pela desaprovação grupai e tem de ganhar nova aceitação através de penitência e conformidade renovadas (como Babbitt, de Sinclair Lewis). Nas sociedades mais primitivas, onde virtualmente todos os grupos eram primários, havia muito pouca séria conduta desviante. Cada pessoa nascia dentro de certos grupos de parentesco — por exemplo, uma família, um clã e uma tribo. A pessoa não podia mudar-se para outra tribo ou clã, porque quem rompesse os laços de parentesco não tinha existência social — isto é, ninguém era obrigado a tratar essa pessoa como ser humano. Quem desejasse sobreviver tinha de viver com os grupos aos quais se achava vinculado. Já que havia pouca privacidade e não havia fuga, a penalidade para a não-conformidade era uma existência intolerável. Por exemplo, o esquimó polar institucionalizou o ridículo e

o riso como formas de controle social. Quem violasse as normas culturais era ridicularizado sem piedade. Birket-Smith escreve a respeito do esquimó Chugach: Certa vez, um ladrão habitual penetrou em uma casa, e uma mulher velha que lá estava sentada, começou a cantar: Analurshe Analurshe Faz-me ficar envergonhada Ele estava me olhando Enquanto eu estava comendo Analurshe Analurshe O ladrão deixou a casa imediatamente, mas as crianças costumavam cantar a canção todas as vezes que o viam. Assim, ele adquiriu o apelido de Analur­ she, isto é, Velho Excremento e, depois disso, parou de roubar. (Kaj Birket-Smith. Eskimos. Copenhague, Rhodes, 1971. p. 173.) Lowie descreve o uso do desprezo e do ridículo por numerosos povos indígenas da América do Norte: Quando um índio Fox no Illinois era ensinado a não roubar e jamais fazer desaforos à mulher, seu cacique não o castigava no momento ou mais tarde, nem lhe pregava qualquer abstrata regra de morali­ dade. O argumento significativo era: “Todos dirão muitas coisas a seu respeito, embora você nem venha a saber disso” . A tagarelice às vezes assumia certas formas espe­ ciais de ridículo. Assim, um jovem do Alasca relata sua experiência: “Se você não casar com alguém de sua vila, todos farão piadas a seu respeito - e fazem tanta piada que se torna desagradável” . O índio Crow cantava canções de escárnio a respeito de um avarento, de um brigão ou de um homem que se casasse com mulher divorciada — o auge da desgraça. Certos parentes tinham o privilégio de criticar publi­ camente um homem por quebras de etiquetas e éticas, e não havia nada que este mais temesse do que ficar exposto ao ridículo. Este sistema foi desen­ volvido pelos “pés-negros” , embora em sentido algo diferente. “Para má conduta ligeira persistente, algumas vezes é praticado um método formal de disciplina. Quando o transgressor deixou de perceber as insinuações e sugestões, os caciques podem decidir levar o caso a sério e recorrer à disciplina. Uma noite, quando todos estão em suas tendas, um cacique pergunta em voz alta a um vizinho se ele tem obser­ vado a conduta do sr. A. Isto dá início a uma conver­ sação geral entre as muitas tendas, na qual todas as características grotescas e horrendas dos atos

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do sr. A. são expostas ao ridículo coletivo, entre gargalhadas, continuando até altas horas. A morti­ ficação da vítima é extrema e usualmente leva-o a exílio temporário ou, como antigamente, à guerra para a execução de feitos desesperados.” Um homem primitivo prefere sacrificar metade de sua proprièdade para não ser chamado de avarento; cede até mesmo sua mulher favorita se o ciúme for contra o código; e arrisca a própria vida se esta for a maneira de obter honrarias e louvor público. É por isso que os selvagens da mesma tribo não ficam o tempo todo cortando as gargantas uns dos outros ou cortejando as mulheres disponíveis, ainda que não tenham constituições escritas, cadeias, força policial e religião revelada. (Robert H. Lowie. Are We Civilized? Harcourt, Brace and World, 1929, 1957.) Em muitos casos verídicos, em que os primitivos violaram normas importantes, eles se suicidaram porque não podiam suportar a penalidade da desaprovação grupai [Malinowski, 1926, p. 94-9]. Em tal ambiente grupai, a penalidade para a não-conformidade é tão insuportável que torna sua ocorrência extremamente rara. Do mesmo modo, em culturas complexas, sempre que as pessoas caem na armadilha de ambientes pri­ mários, dos quais não podem escapar facilmente, como na cela de uma prisão ou em uma unidade militar, este grande poder controlador do grupo primário entra em ação. Em muitas sociedades, o grupo é responsabilizado pelos atos de quaisquer de seus membros. Por exemplo, se um índio Tlingit do noroeste dos EUA assassinou um membro de outro clã, seu próprio clã pode provi­ denciar a execução de uma pessoa de status social igual ao da vítima, enquanto a punição do verdadeiro assassino consiste em viver sabendo que ele causou a eliminação de um membro de seu clã. Em nossas unidades militares, um fuzil sujo ou um armário desarrumado pode privar uma companhia inteira de seus passes de fim-de-semana. Estas formas de punição coletiva podem parecer injustas, mas funcionam'. Um soldado cuja indolência ocasionou certa feita a perda do passe de fim-de-semana para a companhia, prova­ velmente não repetirá seu erro — ou jamais terá oportu­ nidade para esquecê-lo! “Liderança” e “autoridade” fundam-se em grande medida na habilidosa manipulação do grupo como dispositivo de controle. Os bons professores, por exemplo, muitas vezes usam a classe para a manutenção de disciplina; manipulam a situação de tal modo que a criança que se comporta mal será ridicularizada perante os colegas. Mas se permitirem que se desenvolva uma situação na qual a criança que se conduz mal possa parecer herói ou mártir, seu controle estará perdido.

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Em todos os lugares as pessoas normais necessitam e procuram a aprovação dos outros, especialmente dos associados do grupb primário, de quem dependem para resposta humana íntima. Os operários ingleses algumas vezes punem um colega que violou as normas grupais, “mandando-o para Coventry” . Esta expressão significa que os operários não falarão com ele, não lhe responderão, não o olharão e agirão como se ele não existisse. Geralmente, essa punição é insuportável. Quase sempre a vítima faz a sua penitência ou deixa o emprego. Milhares de novelas, dramas e óperas tratam deste tema. A maioria das pessoas dará praticamente qualquer coisa, até mesmo suas vidas se for necessário, a fim de reter esta aprovação e a sensação confortável de “pertinência” ao grupo que, para elas, é da maior importância. É a necessidade avassaladora da aprovação e da resposta grupais que faz com que o grupo primário seja o órgão controlador mais poderoso que o homem conhece. Controles de grupo secundário. À medida que passa­ mos de situações de grupo primário para secundário, também passamos para controles sociais mais formais. Geralmente os grupos secundários são maiores, mais impessoais e especializados em seus propósitos. Não os usamos para atender à nossa necessidade de resposta humana íntima, mas sim para que nos ajudem na realização de algum encargo. Se um grupo secundário não satisfaz às nossas necessidades, em geral podemos retirar-nos sem grande angústia, porque nossas vidas emocionais não estão profundamente envolvidas. A manutenção de nosso status no grupo secundário é desejável, mas não uma necessidade emocional desesperada, como no caso do grupo primário. Em verdade, em nossa sociedade é possível às pessoas muda­ rem seus grupos primários - podem deixar suas famílias, divorciar-se dos cônjuges, encontrar novos amigos — mas, geralmente, o processo é penoso. O grupo secun­ dário é um órgão de controle menos coercitivo do que o grupo primário. Ainda assim, o grupo secundário é um controle efetivo. Nele ainda atuam alguns controles informais. Nenhuma pessoa normal deseja parecer ridícula na reunião sindical, nas cerimônias religiosas da igreja ou no banquete da câmara de comércio. Controles informais como o ridículo, o riso, o murmúrio e o ostracismo atuam em ambientes de grupo secundário, porém com impacto reduzido. Há outros controles mais formais característicos de grupos secundários — regras de ordem parlamentar, procedimentos e regu­ lamentos oficiais padronizados, propaganda, relações públicas e “Engenharia Humana” , promoções e títulos, recompensas e prêmios, penalidades e punições formais, etc. Estes controles formais do grupo secundário dão

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mais resultados quando reforçados por um grupo primá­ rio. Um prêmio ou condecoração é mais gratificante quando uma família admiradora e uma camarilha de amigos íntimos que aplaudem podem estar presentes à cerimônia. Dentro do grande grupo secundário e impessoal podem estar muitos grupos primários intima­ mente integrados, como os esquadrões dentro de um exército ou as equipes de trabalho em uma empresa. Estes grupos primários podem reforçar ou minar os controles formais do grupo secundário e afetar em muito seu desempenho. Grande parte da abordagem da “Engenharia Humana” na indústria é um esforço para usar estes grupos primários a fim de reforçarem os controles e objetivos das grandes empresas [Gross, 1953]. Linguagem especial como controle social. O jargão é uma linguagem especial de uma subcultura. Inclui palavras criadas especialmente, bem como as palavras comuns às quais está vinculado um significado especial. Por exemplo, Howard [1974, p. 44] relata que no gueto (naquele determinado momento), ser chamado de “inteiramente mau” (ali bad) significava que a pessoa tinha vivacidade, verve e estilo, ao passo que ser um “bom . . . filho . . . incestuoso” (bad m otherf . . . ) era um cumprimento. Um jargão cumpre funções importantes de controle social. Promove comunicação dentro do grupo, já que cada termo tem conotações que somente os membros do grupo podem entender. O jargão também exclui os estranhos; para entrar no grupo, a pessoa precisa “falar a linguagem” . A aprendi­ zagem do jargão não apenas fortalece o vínculo entre o indivíduo e o grupo, como também corta a comuni­ cação com o mundo exterior. Não há indivíduos que sejam totalmente excluídos dos contatos com a subcul-' tura externa, mas conforme Bemstein [1966] observa, o jargão serve para maximizar as barreiras sociais entre o grupo e o resto da sociedade. A linguagem é um modo de descrever a realidade, e as mudanças que nela ocorrem podem alterar as percepções que as pessoas têm quanto ao que é real. Uma redefinição que atribua novos significados a palavras familiares pode promover uma redefinição de atitudes e relacionamentos. Por exemplo, o uso recente do termo “direitos de bem-estar” teve certo êxito em descontaminar a imagem de “bem-estar” da idéia de caridade (que os pobres aceitam com gratidão em qualquer quantidade oferecida) e nela incutir a idéia de “direito” (pelo qual os beneficiários podem legitima­ mente negociar, barganhar e batalhar). Os grupos revolucionários e terroristas podem chamar a si próprios de “exército” e assumir títulos militares (“marechal-decampo” , “chefe do estado-maior”). Um marechal-decampo para um “exército” de dez pessoas pode ser um absurdo, mas se os membros do grupo puderem

ser persuadidos a usar estes termos, isso confere um ar de legitimidade ao grupo e às suas exigências. Palavras realmente definem situações.

Controle pela força Muitas sociedades primitivas conseguiram controlar o comportamento dos indivíduos pelos costumes e normas reforçados pelos controles informais do grupo primário, de modo que não foram necessárias leis formais ou punições. Mas as populações maiores e culturas mais complexas implicam complexos governos formais e punições. Sempre que se torna possível ao indivíduo perder-se na multidão, os controles formais são inade­ quados e há necessidade de controles formais. Por exemplo, em um clã de uma ou duas dúzias de pessoas aparentadas, é prática a partilha informal de alimento; as pessoas podem levar aquilo de que necessitam e contribuir com o que puderem, ao mesmo tempo em que as pressões do grupo informal servem para impedir a preguiça e controlar a avidez. Mas em uma vila de centenas de pessoas, seria impossível ficar de olho em cada pessoa informalmente; a ociosidade individual e a avidez fariam com que um sistema informal de partilha de alimento não funcionasse. Toma-se neces­ sário algum sistema para designação de trabalho e distribuição de recompensas. Assim, populações maiores e complexidade cultural envolvem a criação de controles impessoais do grupo secundário — leis, regulamentos, concelhos e procedimentos formalizados. '"'Q uando o indivíduo não deseja seguir estes regula­ mentos, o grupo tenta forçá-lo a isso. Nos grandes grupos, porém, o indivíduo é excessivamente anônimo para que as pressões do grupo informal possam ter influência. Além disso, nos grupos maiores, com culturas complexas, existe a probabilidade de se desenvolverem subculturas que colidem com a cultura da maioria. O indivíduo que rejeita os regulamentos convencionais da sociedade pode encontrar apoio emocional de outras “Man, that some fine stuff you mackin’ o n .. “I hear ya, brother. ‘Cept punk over there rankin’ my play. Nigger runnin’ off at the jibs ‘bout his ‘new shot’ and how it be decked out with lifts and some ole pimp rest and color bar. Chump better cool it, man, ‘cause I’m gonna bug his ticket, fo r sure\ (Edith Folb. ‘Rappin’ in the Black Vernacular. Human Behavior, ago. 1973, p. 16-7. Tradução: Um jovem recebe um cumprimento a respeito de sua atraente namorada; ele se queixa de que um outro homem está procurando atraí-la, gabando-se de seu novo automóvel e acessórios, e pode levar uma surra por sua intrusão.)

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pessoas que pensam e agem como ele. Alguns dos exemplos mais correntes poderiam induir a comunidade amish, a comuna hippie, a subcultura homossexual e, talvez, as comunidades de jovens não estudantes que circulam na periferia das principais universidades. Embora os participantes de qualquer destas subculturas possam imaginar com prazer que são “livres” , eles continuam sujeitos às pressões de grupo, ainda que sejam de um grupo não-conformista, que os isolam das pressões do grupo informal da sociedade conven­ cional. Por isso, a sociedade convencional algumas vezes usa a força — sob a forma de leis e punições formais — para compelir ao mínimo de conformidade exigido. Esta força nem sempre logra êxito, mas é usada em toda sociedade complexa.

Punição do desvio

Os desviantes (exceto certos tipos tolerados) são execrados em todas as sociedades e, como o Quadro 5 mostra, a sociedade norte-americana não constitui exceção. Nenhuma sociedade conhecida permitiu completa liberdade para algo semelhante a “faça o que quiser”. Todas as comunidades que tentaram chegar a esse ponto fracassaram. As únicas comunidades dura­ douras operaram sob o govemo de um líder carismático ou sob um sistema de regulamentos e procedimentos próprios [Roberts, 1971, Cap. 11]. Todas as sociedades e todos os grupos punem seus membros desviantes com penas que vão desde a não-aceitação e o ridículo Q U A D R O 5 Distância social média sentida em relação a vários grupos desviantes.

Grupos (em ordem de intolerância crescente) Intelectuais Ex-pacientes mentais Ateus Ex-presidiários Jogadores

Beatniks Alcoólatras Adúlteros Radicais políticos Fumantes de maconha Prostitutas Lésbicas Homossexuais

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até todas as formas imagináveis de tortura, mutilação, prisão e morte. Muitas vezes a punição tem mais o travo de vingança do que de controle intencional. Algumas vezes os desviantes aceitam a punição com estóica serenidade, a exemplo dos primitivos cristãos, e outras vezes protestam amargamente das perseguições e opressões de que são vítimas, como os hippies e os radicais políticos de hoje. O tema “perseguição” é uma tática promocional útil que os organizadores têm usado há séculos. Mas, embora muitas vezes exagerada e às vezes provocada, a perseguição aos desviantes é bastante real em cada sociedade. No mínimo, olhares hostis e observações malignas esperam aqueles que se afastam das normas culturais (ou o membro de um grupo desviante que se afasta das normas de seu grupo), mas dificilmente poder-se-ia caracterizar isso como perseguição. Entretanto, a cassação de direitos civis ou imposição desigual das leis poderia justificavelmente ser classificada como “perseguição” . Por exemplo, Hamersma [1970] tentou averiguar o tratamento dado a cartas seladas enviadas pelo correio aos Young Lords em Chicago, grupo de revolucionários de origem latina, e constatou que freqüentemente elas chegavam com atraso, eram abertas ou então jamais entregues. Heussenstamm [1971] constatou que, quando um grupo de estudantes pregou adesivos da Pantera Negra* em seus carros e tentou continuar dirigindo como faziam habitualmente, suas multas de trânsito multiplicaram-se astronomicamente. Estes são dois experimentos recentes que documentam o fato perfeitamente óbvio de que os desviantes sofrem certas formas e graus de punição em todas as sociedades. A severidade da punição varia conforme o nível de tolerância da sociedade ou grupo, e segundo o grau em que um determinado desvio parece ameaçar valores

Distância social média (Faixa de 1 a 7) 2,0 2,9 3,4 3,5 3,6 3,9 4,0 4,1 4,3 4,9 5,0 5,2 5,3

Respostas de uma amostra pública representativa. (U m escore de 1,0 mostraria pouca ou nenhuma distância social, ao passo que 7,0 mostraria grande distância social.) F O N T E : J. L. Sim m ons. Deviants. Berkely, Calif., Glendessary Press, 1969. p. 33.

* No original Black Panther, organização de pretos norteamericanos, que visa a estabelecer o “poder negro” . (N. do T.)

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das outras pessoas. As muitas centenas de norte-americanos condenados a longas sentenças e cumprindo penas nas prisões estrangeiras como criminosos primários por drogas [Weiner, 1972], reconhecem hoje, em termos comparativos, que provavelmente a sociedade norteamericana é mais tolerante com os desviantes do que muitas, possivelmente a maioria, das principais socie­ dades do mundo.

Determinantes contextuais do comportamento Quando os leigos observam um comportamento do qual não gostam, muitas vezes o atribuem à má natureza humana, a um impulso maligno, a um caráter fraco ou a alguma outra causa individual. O sociólogo se distingue do leigo pelo fato de estar disposto a procurar fatores sociais na causação do comportamento. Na verdade, quando um indivíduo ou poucas pessoas mudam de caráter ou comportamento, as explicações podem ser puramente individuais. Mas quando uma quantidade relevante de pessoas muda de caráter ou comportamento do mesmo modo, procuramos a causa provável em alguma alteração nas influências sociais e culturais sobre o comportamento. Em grau bem maior do que a maioria das pessoas percebe, o comportamento de um indivíduo em deter­ minada situação é o resultado de necessidades, pressões e tentações ligadas a essa situação. Existe ampla evidência de que muitas pessoas que não enganariam um jomaleiro cego, enganarão um supermercado se tiverem oportunidade para isso; praticamente todas as pessoas praticam um mínimo de fraude nas declarações do imposto de renda; veteranos de guerra que não roubavam seus vizinhos quando ainda estavam “em casa” , “liberaram” muitos artigos da população inimiga; quando fazem parte de uma multidão, as pesscas cometem atos que jamais cometeriam como indivíduos. As atrocidades de guerra são cometidas por todos os exércitos, inclusive pelo norte-americano [Taylor, 1970]. Um inimigo que se rende é morco ou levado como prisioneiro muito mais em função das circunstâncias do momento do que do caráter das tropas que o capturaram [Draper, 1945]. Os dados de lünsey mostram que a maioria dos maridos civis é fiel às esposas, pelo menos durante a maior parte do tempo; mas parece que a maioria do pessoal militar de Ultramar, quando separado das esposas por muito tempo, agarrava quase toda oportunidade atraente para a infidelidade. Os dirigentes de sindicatos trabalhistas acreditam em sindicatos trabalhistas — exceto no que tange a seus próprios empregados! Assim, quando os empregados da assessoria dos grandes sindicatos procuram organizarse e negociar coletivamente com seus patrões, estes dirigentes-patrões sindicais parecem reagir exatamente

como quaisquer outros empregadores, até mesmo cruzando as linhas de piquete quando seus empregados de escritório entram em greve.1 E quando os empregados sindicais entram em greve, agem do mesmo modo que quaisquer outros trabalhadores em greve; assim, em Michigan, diversas divisões locais da Associação Educacional de Michigan não conseguiram obter o auxílio da assessoria de negociadores dessa Associação no dissídio com as juntas escolares locais porque os assessores estavam em greve contra a Associação [Cote, 1974]. Argyris [1967] relata que “A título de experimento sociológico, dois pastores de Detroit foram trabalhar em uma linha de montagem e em breve se viram cometendo fraude em qualidade, mentindo aos superiores e xingando as máquinas” . Sua nova situação de trabalho desencadeava pressões e frustrações às quais respondiam como quaisquer outros trabalhadores. As ilustrações de como a situação de comportamento total afeta o resultado do comporta­ mento podem ser multiplicadas quase ao infinito. (Muitas são encontradas no Capítulo 16, “Comporta­ mento Coletivo” .) As pessoas tendem a obedecer a uma figura de auto­ ridade; por isso, os guardas se vestem com uniformes que impressionam [Beckman, 1974], Em um experi­ mento muito criticado, Milgram [1974] constatou que, em um ambiente de laboratório universitário, os parti­ cipantes voluntários da pesquisa obedeciam às ordens de um cientista, mesmo quando julgavam que tal obediência se traduzia em dores insuportáveis que estavam sendo infligidas aos demais participantes no experimento. As atrocidades de guerra, muitas vezes em obediência a ordens, tomam-se compreensíveis quando estudamos a maneira pela qual a situação de comportamento total afeta o comportamento. Na verdade, as normas internalizadas e outras caracte­ rísticas da personalidade que uma pessoa leva a uma dada situação, interferem em seu comportamento; algumas vezes constituem o fator determinante. Algumas pessoas são honestas em todas as situações; alguns maridos e esposas serão fiéis apesar de qualquer tentação. Mas com muito mais freqüência do que se costuma admitir uma dada situação pode propiciar o apareci­ mento de uma espécie característica de comportamento entre a maioria dos participantes. Por exemplo, as exposições-feiras municipais são freqüentadas princi­ palmente por gente local, muitas vezes por grupos de famílias, em locais apropriados e policiados, onde as pessoas se dividem em muitos pequenos grupos e multidões. Neste tipo de situação, geralmente o compor­ tamento é ordeiro. Os festivais de música “rock” são

1 Ver Pickets Cry ‘Scab’ at UAW Leaders. Business Week, 20 mar. 1971, p. 31.

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freqüentados principalmente por jovens sem vínculos locais ou responsabilidades de família, com pronta disponibilidade de drogas e um interesse obnubilante em ritmo quase hipnótico, tudo isso tendendo a unificá-los em uma multidão. Não é de causar surpresa que freqüentemente suijam comportamentos turbu­ lentos, um pouco de vandalismo e confrontações com os residentes loóais. Grande parte do controle social consiste em tentar manipular a situação de comportamento, porque a maioria das pessoas responderá com a espécie de comportamento que a situação encoraja. Por exemplo, se desejamos desencorajar o lançamento desordenado do que se considera lixo, os sermões a esse respeito são menos efetivos do que recipientes apropriados e colocados em pontos estratégicos; mas caso se permita que estes recipientes fiquem cheios em excesso e não sejam esvaziados regularmente, o efeito de controle desaparece [Finnie, 1974]. Muitas antigas favelas, com sua agitada vida de rua e portas bastante populosas, tinham menos crime do que os modernos projetos de habitações em edifícios imensos cujas calçadas e corredores vazios na verdade convidavam ao crime [Jacobs, 1961]. Atualmente vem sendo levado em conta o desenho arquitetônico, pois admite-se que ele afeta as taxas de crime [Jeffery, 1971], A manipu­ lação deliberada dos “determinantes contextuais do comportamento” é um dos principais meios de controle social. Muitos outros meios são descritos por Lumley [1925] e Landis [1956] — símbolos, tradições, mitos, lendas, ameaças, intimidações, torturas, etc. — mas seriam apenas uma elaboração do que acima foi esbo­ çado.

Desvio social Nenhuma sociedade consegue fazer com que toda a sua gente se comporte da forma esperada durante o tempo todo. 0 termo desvio é aplicado a qualquer falha na conformidade às normas costumeiras. O desvio assume muitas formas. O delinqüente juvenil, o eremita, o asceta, o hippie, o pecador e o santo, o artista que passa fome em uma água-furtad? e o avarento que exulta com a riqueza — todos se desviaram das normas sociais convencionais. Esse afastamento implica uma definição social do ato como desviante. Conforme observa Becker [1963, p. 9]: “( . . . ) o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma conseqüência da aplicação, por outrem, das regras e sanções a um transgressor. O desviante é a pessoa à qual o rótulo foi aplicado com êxito; comportamento desviante é o comporta­ mento que as pessoas assim rotulam.” Em uma sociedade simples, com um único conjunto

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de normas, o desvio é fácil de ser definido. Em uma sociedade complexa, com muitas normas diferentes que concorrem entre si, o problema se torna mais complicado. Em um bairro onde a maioria dos jovens é composta de delinqüentes e muitos adultos violam repetidamente a lei, quem é o desviante —o delinqüente ou o não-delinqüente? Obviamente, o desvio, ou afastamento das normas, necessita de definição mais detalhada.

Tipos básicos de desvio

Desvio cultural e psicológico. Uma pessoa pode desviar-se da norma em termos de comportamento social, em termos de organização da personalidade, ou em ambos. A Sociologia está principalmente inte­ ressada pelo desviante cultural que, em seu compor­ tamento, se desvia das normas da cultura. Os psicólogos estão interessados principalmente pelo desviante psicológico, que se desvia da norma na organização da personalidade — a personalidade psicótica, neurótica, paranóica e outras. Amiúde estas duas categorias convergem. O comportamento desviante pode surgir de anormalidade da personalidade; muitos estudos de comportamento desviante apresentam evidências de tal associação. O comportamento político radical é muitas vezes interpretado como uma saída para hostilidades emocionais [Emst e Loth, 1952; Almond, 1954; Hendin, 1971]. Muitas vezes se explica a prosti­ tuta como um produto de privação emocional na infância, quando ela teve pouca oportunidade de moldar uma personalidade segura [Greenwald, 1959]; e outros desvios sexuais, juntamente com o alcoolismo, depen­ dência de drogas, jogatina compulsiva, freqüentemente são atribuídos a alguma espécie de desordem da perso­ nalidade. Todavia, a desordem da personalidade está longe de ser a causa única do comportamento desviante, Embora Hendin apresente evidências de que os revolu­ cionários estudantis são provenientes de uma espécie particular de vida insatisfatória no lar, observa que “as forças psicológicas apenas [não podem] explicar por que se tomam revolucionários em uma determinada ocasião e lugar na História” [1971, p. 30]. E, conquanto algumas pessoas psicologicamente anormais sintam um anseio para serem más, outras sentem anseio para serem boas. Estas pessoas perturbadas tomam-se superconformistas. O neurótico inseguro e compulsivo que precisa executar seu trabalho perfeitamente, não pode suportar discordâncias, obedece a todos os costumes e normas e encontra gratificação ao seguir meticulosamente todas as regras e regulamentos na satisfação de uma neces­ sidade neurótica de se conformar. Isto mostra que o desvio cultural e o psicológico estão relacionados, mas

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não se trata de qualquer simples relacionamento de causa e efeito. A questão que causa perplexidade, qual seja a do motivo pelo qual a anormalidade da personalidade conduz por vezes a comportamento desviante e em outras a comportamento conformista, é um problema que continua interessando tanto aos psicólogos como aos sociólogos. Desvio individual e grupai. Um jovem proveniente de um “bom” bairro de famílias estáveis e pessoas convencionais pode rejeitar as normas da classe média e tornar-se um delinqüente. Neste caso, o indivíduo afasta-se das normas da subcultura: é um desviante individual. Porém, em uma sociedade complexa, pode haver numerosas subculturas desviantes cujas normas são condenadas pela moralidade convencional da sociedade. Assim, nas áreas decadentes da cidade, Cohen [1955] e W. Miller [1958] encontraram uma subcultura delinqüente da qual participam muitos jovens. Para grande quantidade deles, a vida do bando de rua é a única que parece real e importante. Nesses bairros, o comportamento “delinqüente” é tão “normal” quanto o de respeito às leis. Quando os jovens dos dois sexos destes bairros se tornam delinqüentes, não são individualmente desviantes de sua subcultura; sua subcultura (o grupo, não a pessoa) é que é desviante das normas convencionais da sociedade. Os episódios delinqüentes não são revoltas contra a subcultura de área, mas são “mecanismos de busca de status 'dentro do grupo” [Short e Strodtbeck, 1965, p. VIII]. Estes delinqüentes não são individualmente des­ viantes no início; estão-se conformando normalmente às normas de uma subcultura desviante. Esta subcultura tende a incutir neles certos padrões que por fim tomarão muitos deles desviantes individuais. Depois que passam do bando adolescente para a sociedade adulta, sua experiência de banco colocou-os em guerra com a sociedade convencional, de modo que muitas vezes se tomam e permanecem desviantes indi­ viduais.

Grupos desviantes tendem a formar subculturas.

Temos, portanto, dois tipos ideais de desviantes: (1) desviantes individuais que rejeitam as normas que os cercam e desviam-se de sua subcultura e (2) grupos desviantes nos quais o indivíduo é um membro confor­ mista do grupo desviante. Na prática, os desviantes não se dividem nitidamente em dois grupos assim tão estanques. O “tipo ideal” é sempre a expressão clara de uma idéia, ao passo que as pessoas de carne e osso sempre se situam em algum ponto entre as imagens niti­ damente contrastantes representadas pelos “tipos ideais” . É por isso que se constroem tipos ideais, porque expres­ sam claramente uma idéia. Entretanto, devemos estar lembrados de que muito poucas pessoas se ajustam per­ feitamente a um tipo ideal; elas são intermediárias; por exemplo, poucas pessoas são “dominantes” ou “submis­ sas” ; a maioria retém um pouco de cada característica. No caso dos desviantes, muitos não são exemplos perfeitos de qualquer desvio individual ou grupai; retêm elementos das duas alternativas. Raramente um indivíduo desviante é completamente envolvido por grupos e influências convencionais. Se fosse, é improvável que jamais se desviasse! Mas até mesmo as crianças mais cuidadosamente protegidas ouvem falar de crimes e imoralidade, encontram literatura que os pais censurariam e observam outras crianças violando as normas que seus pais reverenciam. Em outras palavras, mesmo uma subcultura altamente convencional não isola completamente a pessoa dos padrões desviantes que pode observar e seguir. Além disso, os desviantes tendem a juntar-se com pessoas semelhantes em grupos que se desviam. Os “maus” da sala de aula tendem a formar uma camarilha, reforçando mutuamente seu comportamento tempes­ tuoso. Os que vivem apostando corridas de automóveis, os hippies, os viciados em drogas ou os homossexuais tendem a juntar-se em grupos de desviantes. Estes grupos reforçam e sancionam o afastamento das normas, dão aos participantes proteção emocional contra os críticos conformistas e possivelmente ajudam a recrutar novos desviantes. Tendem a criar uma linguagem privada e a estabelecer normas de comportamento rigidamente estereotipadas que lhes são próprias. Em suma, inclinamse a formar subculturas. Por isso, toma-se difícil dizer se o hippie da década de 1960 foi um desviante nãoconformista ou um membro rigidamente conformado a uma subcultura desviante. Na prática, portanto, a distinção entre o indivíduo e o grupo desviante torna-se esmaecida; mesmo assim a distinção teórica é importante e deverá ser retomada em seguida. Desvio primário e secundário. Os conceitos de desvio primário e secundário, propostos por Lemert [1951, p. 75-6; 1967], ajudam a mostrar como as pessoas se podem tom ar desviantes confirmadas. Desvio primário é o comportamento desviante de uma pessoa que é

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conformista nos demais setores de sua vida. Este comportamento é tão trivial, tão geralmente tolerado ou t f o bem dissimulado, que não chega a ser publica­ mente identificado como desviante; tampouco o próprio indivíduo se considera desviante; ele simplesmente vê a si mesmo como “pessoa decente” , destituído de mistério- ou excentricidade. Lemert escreve que “os desvios se mantêm primários ( . . . ) enquanto forem racionalizados ou, de algum outro modo, julgados como funções de um papel socialmente aceitável” [1951, p. 75], O desvio secundário é o que se segue à identificação pública de uma pessoa como desviante. Algumas vezes, a descoberta de um único ato desviante (estupro, incesto, homossexualidade, lesbianismo, arrombamento, uso de drogas), ou até uma falsa acusação, pode ser o suficiente para “se rotular” uma pessoa como desviante (estuprador, toxicômano etc.). Este processo de rotulação [Lemert, 1951, p. 77; Becker, 1963, C ap.l] é crucialmente relevante, por ser freqüen­ temente o “ponto irreversível” no desenvolvimento de uma organização de vida desviante. Enquanto estiver empenhada apenas em desvio primário, a pessoa ainda mantém um conjunto convencional de status e papel, e está sujeita principalmente à série normal de pressões e associações de grupo, de conformidade e reforço. Mas o rótulo de “desviante” tende a se fazer acompanhar por isolamento por parte destas influências de confor­ midade e reforço. As pessoas que são assim rotuladas podem ser demitidas de seus empregos ou excluídas de suas profissões, podem sofrer ostracismo por parte dos que são conformistas e possivelmente podem ser presas e marcadas para sempre como “criminosas” . São praticamente forçadas a se associarem aos demais desviantes por força de sua exclusão da sociedade conven­ cional. Quando uma pessoa se torna dependente dos círculos desviantes e começa a usar o desvio como defesa contra a sociedade convencional pela qual foi rotulada, o desvio torna-se o foco central da reorga­ nização de sua vida. Em grande parte do desvio secundário existe também um fator de auto-isolamento. Quando a pessoa continua a repetir um ato desviante, ela pode sentir-se cada vez mais entediada e deslocada entre as pessoas convencionais e, a partir daí, poderá começar voluntariamente a confi­ nar seus contatos aos círculos de desviantes. Desse modo, ocorre a passagem do desvio primário ao secundário. Esta progressão não é um processo inexorável, ou seja, o desviante não está irremediavelmente condenado a despencar sem qualquer possibilidade de escapar. Em lugar disso, como frisou Matza [1969], o desviante tem uma escolha. Em diversos estágios do processo a pessoa de fato prefere continuar desviante. Mas esta escolha é amplamente afetada pela reação social ao desvio, fazendo portanto com que essa decisão não seja completamente livre.

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É provável que grande parte da desorganização e desmoralização que freqüentemente acompanham o desvio decorram dos efeitos do desvio secundário. Por exemplo, já foi amplamente notado que os usuários de LSD tendem a tomar-se “desistentes” passivos e sem motivação. Muitos membros da subcultura hippie declaram que o LSD foi o momento decisivo em sua mudança de filosofia e estilo de vida [Freedman, 1968]. Estas, porém, são impressões subjetivas e não podem ser aceitas como conclusivas. Um estudo de acompa­ nhamento por dez anos, de 247 pessoas que receberam doses múltiplas de LSD sob supervisão médica, consta­ tou “pouca evidência de que as mudanças mensuráveis na personalidade duradoura, crença, valor, atitude ou comportamento, pudessem ser atribuídas ao LSD na amostra como um todo [e que o LSD] se tom a menos atraente com o uso continuado e, a longo prazo, é cada vez menos um recurso mobilizável” [McGothlin e Arnold, 1971, p. 35]. Isto sugere que muita falta de moti­ vação e desmoralização duradouras que acompanham o uso do LSD podem decorrer principalmente das con­ dições e associações que cercam seu uso, mais a possível auto-seleção de pessoas instáveis que se tomam usuá­ rias da droga. Neste e em muitos outros casos é difícil separar os efeitos do desvio primário e secundário. Simmons [1969, p. 122-4] salientou o fato de que muitas pessoas experimentam o desvio em certos momentos durante suas vidas. Por fim, a maioria volta à conformidade. A rotulação, o isolamento e o desvio secundário impedem este regresso à conformidade e, assim, ajudam a confirmar as pessoas em um padrão de organização de vida desviante.

Desvio culturalmente aprovado

O comportamento desviante é avaliado culturalmente. Alguns são condenados e outros consagrados. O santo pregador errante de uma sociedade é o vagabundo imprestável de outra; o robusto herói da fronteira selvagem é o camponês grosseiro de uma comunidade urbana. Em nossa sociedade, o gênio, o herói, o líder e a celebridade se encontram entre os desviantes culturalmente consagrados. Tem havido muitos estudos de liderança, a respeito de “grandes homens” e realizações extraordinárias. Todos falharam em isolar quaisquer “qualidades” de grandeza ou fatores altamente correlacionados a tais realizações. Talvez isto aconteça porque cada campo de atividade exige diferentes habilidades e caracte­ rísticas de personalidade; assim, as qualidades que asseguram êxito em um campo conduzem ao fracasso em outro. De qualquer modo, este tópico diz mais respeito à Psicologia do que à Sociologia.

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Conforme ressaltam os sociólogos, são os valores da cultura que determinam se um desviante deve ser elogiado ou criticado. Este é um bom exemplo de relativismo cultural. Certas culturas, como as dos índios Zufíi e Hopi, consentem apenas um grau mínimo de desvio de qualquer espécie; em culturas dessa espécie são raras as pessoas que se destacam de maneira excep­ cional. Outras culturas, como a dos Haida ou Kwakiutl ou a cultura contemporânea norte-americana, encorajam certos tipos consagrados de destaque individual. Nelas, as pessoas que conseguem sobressair são bastante nume­ rosas, altamente respeitadas e amplamente incentivadas. Assim, uma cultura pode encorajar ou desencorajar um amplo esforço de realização pessoal, orientá-la num ou noutro sentido, ou então bloqueá-la comple­ tamente. O que é que Einstein teria realizado em uma sociedade que não tivesse necessidade de contar além de dez? Entre os índios norte-americanos, Beethoven poderia ter inventado um novo ritmo de percussão, mas jamais teria escrito a Nona sinfonia. Alguns acreditam que o gênio em qualquer sociedade sempre encontrará algum jeito de expressar seus talentos por meio de grandes realizações. Como não podemos reencamar Einstein para uma segunda tentativa entre os hotentotes, tal assertiva não pode ser provada nem refutada. Mas acreditamos que uma nova idéia de um gênio primitivo somente logrou êxito e aceitação e passou a ser usada quando se ajustou às necessidades e valores da sociedade; do contrário, seria provavelmente suprimida, ignorada ou ridicularizada, perdendo-se ou caindo no esquecimento. O gênio em qualquer sociedade é capaz de fazer somente as espécies de contribuições que sejam aceitas prazeirosamente pelo menos por alguns grupos da sociedade.

Desvio culturalmente reprovável

Embora o desvio culturalmente aprovado seja uma característica importante de todas as sociedades moder­ nas, a maioria das abordagens sociológicas do desvio tratam exclusivamente das formas que são reprováveis. Desvio por incapacidade física. Os portadores de defeitos físicos ou mentais talvez não sejam capazes de realizações ou comportamento social normais. O termo defeito mental refere-se à capacidade limitada para aprender, seja por herança, dano cerebral ou alguma outra imperfeição orgânica. Recentemente foi observado que o diagnóstico dos defeitos mentais é muito difícil e freqüentemente inexato. Certas vezes pessoas de capacidade normal para aprender são incorretamente rotuladas como mentalmente carentes; depois disso, os caminhos para a aprendizagem normal e ajustamento à vida se fecham. Por isso a rotulação incorreta pode

provocar retardamento mental. [Mercer, 1973]. O diagnóstico e o tratamento de defeitos físicos ou mentais escapa em ampla medida do campo da Sociologia. Todavia, os sociólogos estão interessados pelas crenças a respeito dos defeitos mentais e pelas políticas sociais concernentes ao assunto. A crença popular de que os mentalmente carentes se multiplicam é incorreta. As taxas de natalidade são altas somente entre os “tolos de alto grau” ou entre os chamados “fronteiriços” ou retardados do “limiar” ; entre os mais seriamente atingidos, quanto maior o defeito, menor a taxa de natalidade e de sobrevivência. A maioria dos defeitos mentais graves transmitidos hereditariamente aparece entre os filhos de pais normais portadores de defeitos provocados por genes recessivos; portanto, apenas uma pequena fração dos defeitos mentais graves poderia ser remediada pela esterilização de todos os doentes mentais. Já que todos os defeitos verdadeiramente mentais e a maioria dos defeitos físicos são incuráveis no momento, a política social consiste sobretudo em preparar essas pessoas para serem tão socialmente úteis quanto suas habilidades o permitam. A moléstia mental é uma desorganização do compor­ tamento e não uma falta de capacidade para aprender. Na doença mental, as pessoas que podem estar dentro da faixa normal de capacidade para aprender são incapazes de perceber e responder às realidades de modo ordeiro e racional. Suas percepções da realidade podem ser tão distorcidas que elas imaginam estar sendo perseguidas, ouvem vozes e comandos estranhos, ou se tomam desorientadas e esquecem onde estão e o que fazem. Suas autopercencões podem tomar-se distorcidas e, assim, elas se tc nam obcecadas com sua própria falta de valor, sentindo-se cheias de pecado ou marcadas pela incompetência, ou talvez criem ilusões de grandeza e poder. Suas reações à realidade tendem a se tornar confusas e erráticas, ou então elas se afastam da realidade para um mundo interno de fantasia. Alguns psiquiatras rejeitam o modelo de “moléstia” , alegando que a mente não “adoece” e que o diagnóstico e o tratamento de “moléstias mentais” não deve ser uma especialização médica [Szasz, 1961, 1970; Kiester, 1972]. Scheff, um sociólogo, diz que a “moléstia mental” é na realidade uma forma de “desvio residual” , isto é, um termo que abrange quaisquer ações esquisitas ou incômodas que não se ajustam a outras categorias convenientes de comportamento [Scheff, 1963]. Essas pessoas, segundo Scheff e outros [por exemplo, Szasz, 1970], são rotuladas como mentalmente doentes e depois recompensadas para aceitarem o rótulo e assumirem, como se espera, o papel do enfermo mental. Estes estudiosos do assunto sugerem que a moléstia mental deve ser simplesmente tratada como compor­ tamento desviante, possivelmente por meio de técnicas de modificação do comportamento [Boisnert, 1974].

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Mas há outros que defendem o modelo de “moléstia” , sustentando que a mental é uma moléstia genuína e não um rótulo pregado nas pessoas por uma sociedade conspiradora [Siegler e Osmond, 1974]. Enfim, os pesos respectivos dos fatores médicos e sociais que incidem sobre a moléstia mental continuam sendo um amplo campo para debates. Teorias do desvio por tipo físico. A idéia de que certos tipos de corpo estão predispostos a assumir certas espécies de comportamento é quase tão velha quanto a História da humanidade. Inúmeras autoridades, inclusive Lombroso [1912], Kretschmer [1925], Hooton [1939], Von Hentig [1947] e Sheldon [1949], efetuaram estudos para constatar que certos tipos de corpo são mais propensos a um comportamento desviante do que outros. A teoria mais elaborada é a de Sheldon, que identifica três tipos básicos de corpo: endomórfico (redondo, mole, gordo); mesomórfico (muscular, atlé­ tico); e ectomórfico (magro, ossudo). Para cada tipo, Sheldon descreve uma série elaborada de traços da personalidade e tendências do comportamento. Por exemplo, constata que os delinqüentes e os alcoólatras geralmente são mesomórficos. Atribui a neurose em grande parte ao esforço de uma pessoa para ser dife­ rente do que seu corpo a predispõe a ser.

Alguns conflitos culturais podem encorajar conflitos mentais.

As teorias do tipo físico aparecem ocasionalmente como artigos “científicos” nas revistas populares e jornais domingueiros. Tornaram-se bastante difundidas, possivelmente porque parecem oferecer um modo científico simples de prever e classificar as pessoas e explicar seu comportamento. Contudo, os cientistas sociais sentem-se bastante céticos quanto às teorias do tipo físico [Clinard, 1968, p. 173-4]. Essas teorias procuram fundar-se em impressionantes evidências empíricas, mas os críticos têm notado sérios erros de método que levantam dúvidas sobre suas constatações. Por exemplo, o processo de classificar os sujeitos em diversos tipos físicos não se acautelou suficientemente contra o viés inconsciente; por conseguinte, um sujeito

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situado a meio caminho pode ter sido colocado em qualquer categoria de tipo físico a que teria de “perten­ cer” a fim de confirmar a teoria. Os grupos usados na maioria desses estudos se compunham de delin­ qüentes internados em instituições, não sendo nem mesmo representativos de todos os tipos de delinqüentes. Além disso, os grupos de controle de pessoas “normais” foram organizados sem as precauções de praxe e, portanto, é bastante provável que não representem a população em geral. Pesquisas mais rigorosas continuam sendo feitas e muitos insistem em estabelecer correlações entre tipo físico e comportamento [Cortez e Gatti, 1970], mas nenhuma dessas correlações logrou ampla receptividade junto aos cientistas sociais. Teorias psicanalíticas do comportamento desviante. A Psicanálise está solidamente enraizada nos conceitos de Freud do id, ego e superego (ver descrição no Capí­ tulo 5). O comportamento desviante é atribuído a conflitos entre o id e o ego, ou entre o id e o superego. O crime, por exemplo, ocorre quando o superego, o autocontrole civilizado do indivíduo, é incapaz de conter o impulso selvagem, primitivo, destrutivo do id [Zilboorg, 1943; Abrahamson, 1944], Será que id, ego e superego representam os principais aspectos da personalidade humana, ou são meramente palavras de circulação restrita entre os psicanalistas? Será que os desejos de morte, o complexo de castração e os estágios edípicos realmente existem na persona­ lidade normal, ou o psicanalista inconscientemente implanta os sintomas esperados na mente do paciente, desenterrando-os nas sessões subseqüentes? Não sabemos ao certo. A teoria psicanalítica não costuma se valer amplamente de pesquisas empíricas e as poucas vezes em que. isso ocorreu não logrou resultados conclusivos. No Capítulo 5, citamos as constatações de Sewell [1952] que lançaram dúvidas sobre a teoria psicanalítica acerca das práticas específicas de tratamento infantil. Bames [1952] procurou testar a teoria freudiana dos níveis sucessivos de desenvolvimento psicossexual, oral, anal e fálico, e concluiu que a “teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual não está comprovada como um todo” . Na verdade, seria bastante difícil projetar uma pesquisa que estabelecesse ou refutasse a utilidade de conceitos como id ou ego. Mas até que tal pesquisa venha a se realizar, a discussão da teoria psicanalítica continua em aberto, ainda que esse modelo de interpretação continue sendo amplamente usado no tratamento das desordens do comportamento. Por vezes, costuma-se invocar sucesso clínico como prova em favor da teoria psicanalítica, ou seja, o fato de que alguns pacientes melhoram com o tratamento mostra que a teoria deve ser boa. Mas estas alegações raramente estão contidas num argumento elaborado onde se inclua uma comparação destes pacientes com

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um grupo de controle dos que não foram tratados, muitos dos quais melhoram sem tratamento algum. Conseqüentemente, não podemos saber se os pacientes melhoraram por causa do tratamento ou em virtude de outros fatores. Sem lançar mão da terminologia psicanalítica, se afirmarmos simplesmente que a cultura freqüentemente frustra os impulsos biológicos, trata-se de algo indis­ cutível. Enquanto o id pode ser discutível, não há dúvida da existência de impulsos biológicos como a fome e o sexo, ou de reações orgânicas associadas ao medo e à ira. Evidentemente, a cultura muitas vezes também frustra estes impulsos e anseios. Nossa cultura, por exemplo, não toma providências socialmente aceitas em relação aos impulsos sexuais instintivos dos que não são casados, dos viúvos ou separados. Se uma pessoa satisfaz a estes impulsos desafiando os tabus culturais, está-se envolvendo em comportamento desviante. Se, entretanto, se livra do impulso reprimindo-o para o inconsciente (para voltar à teoria psicanalítica), este impulso em vez de desaparecer, permanece como parte da motivação inconsciente da pessoa e pode ainda dar origem a alguma espécie de comportamento desviante. Assim, a solteirona carente de sexo pode reprimir seus impulsos sexuais instintivos transferindo-os para o inconsciente, onde permanecem ativos, possivelmente impelindo-a para uma extrema afetação, fanatismo religioso, ansiedades quanto à saúde, ou para outras tantas “coberturas” e evasivas emocionais. Enunciada de maneira menos tortuosa, a teoria psicanalítica, ainda que sujeita à comprovação, toma-se uma explicação altamente plausível para certos comportamentos desviantes. Falhas na socialização e desvio. Cada membro de uma sociedade é frustrado pelo choque de seus impulsos biológicos com os tabus da cultura. Mas nem todas as pessoas se tomam desviantes. Se a maioria das pessoas se ajusta às normas da cultura, por que algumas se tomam desviantes? Não existe evidência convincente de que a maioria desses desviantes se diferencie em medida significativa dos adaptados em seus impulsos de comportamento herdados ou congênitos. Por conse­ guinte, os cientistas sociais supõem que são desviantes porque o processo de socialização falhou de algum modo no processo de integrar as normas culturais à personalidade do indivíduo. Quando o processo de socialização logra êxito, o indivíduo adota as normas que o cercam, e as metas e valores aprovados da cultura tomam-se necessidades emocionais, enquanto os tabus se tomam parte de sua consciência. O indivíduo intemaliza as normas da cultura para que possa automática e mecanicamente atuar da maneira esperada durante a maior parte do tempo [Scott, 1971]. Muitos estudos da atmosfera da família e das atitudes e valores das

crianças chegaram à conclusão de que de fato “os grupos de pares podem influenciar essas atitudes e comportamento em anos posteriores, atuando não como desencadeadores mas como fatores que reforçam os valores e os padrões de comportamento desenvolvidos anteriormente na família” [Mantell, 1974, p. 62], Quando as crianças são socializadas em uma família feliz, afetuosa e convencional, usualmente desenvol­ vem uma personalidade segura e bem-ajustada, compor­ tam-se de maneira conveniente sob a maioria dos aspectos, têm êxito no casamento e proporcionam um lar feliz, afetuoso e convencional para os filhos que, então, repetem o ciclo. Quando a vida familiar é insatisfatória, os filhos muitas vezes apresentam dificuldades em termos de personalidade e desvios no comportamento. Os Gluecks [1959], depois de muitos anos de comparações cuidadosamente contro­ ladas de jovens delinqüentes e não-delinqüentes, prevêem que a delinqüência juvenil é pelo menos uma probabilidade em 90% dos casos quando “cinco fatores altamente decisivos” na vida familiar são desfavoráveis: disciplina imposta pelo pai (dura, oscilante, rígida); supervisão da mãe (indiferente, desinteressada); afeição do pai (ausente); afeição da mãe (fria, indiferente, hostil); coesão da família (desintegrada, carente de companheirismo). Quando todos estes cinco fatores são favoráveis, esses pesquisadores raramente encontram delinqüência séria. A maneira exata através da qual a vida familiar de uma pessoa molda a personalidade numa direção conformista ou desviante varia imensamente. Algumas famílias não fazem esforço consciente para transmitir as normas culturais a seus filhos, enquanto outras tentam mas falham, como se poderá verificar através da seguinte história de vida (arquivo dos autores): Tanto quanto posso me lembrar, lembro-me das cenas que sempre terminavam com o lamento e as lágrimas de minha mãe: “Por que você não pode ser como seu irmão?” , enquanto eu pensava comigo mesmo, “Ser igual àquele grande efeminado? Nunca” . Ele era mais velho e esperava-se que tomasse conta de mim, o que me desagradava bastante. Assim eu fazia tudo ao contrário do que ele me havia acon­ selhado. Creio que para mim era emocionalmente necessário não fazer e não ser como ele fazia e era. Ele era estudioso; eu evitava os livros da escola como se fossem germes de doença. Ele era bem arrumado, ordeiro, pontual e metódico: eu me afastava dessas fraquezas. Ele fazia exatamente o que nossos pais e mestres pediam; eu não fazia nada disso. Ele era um “bom menino” , e a todos os momentos eles demonstravam o orgulho que sentiam por meu irmão; de mim nunca se orgu­ lhavam. Ele e meu pai eram confidentes e compa­

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nheiros íntimos; meus únicos companheiros eram outros “meninos maus” , dos quais meus pais faziam esforços incessantes — e sem êxito —para me separar. Quando, finalmente, com os olhos secos, ao lado do esquife de meu pai, meu irmão fungava contendo o nariz, meu único pensamento era, “Por que você também não morre, seu besta quadrado! ”

específicas podem ser de muitas espécies — negligência ou abuso dos pais, falta de compreensão e de afeição, disciplina rígida ou oscilante, falta de coesão familiar, exigências excessivas e padrões irrealísticos, ou qualquer dos inúmeros defeitos e falhas que impedem o lar de ser um lugar agradável e confortável. Pais inadequados podem falhar pelo menos de duas maneiras:

Não podemos estar certos de por que exatamente este menino rejeitava os valores e padrões de seus pais, enquanto seu irmão os aceitava. Poder-se-ia conjeturar que os pais mostravam algum favoritismo, talvez uma certa falta de interesse afetuoso e ademais faziam mau uso do irmão mais velho como modelo. Não obstante, uma atmosfera de família semelhante teve efeito oposto em uma outra criança, como bem o demonstra este outro caso (arquivo dos autores):

(1) Podem deixar de prover um modelo satisfatório de comportamento normal a ser imitado pelos filhos. Se os próprios pais forem desviantes, seus filhos terão pouca oportunidade para aprenderem as normas de comportamento convencional. Existe muita especu­ lação quanto à possibilidade de que grande parte do alcoolismo, vício em drogas, desvio sexual, inadequação conjugal e outras dificuldades do comportamento, tenha origem na incapacidade de um menino para identificar-se com seu pai fraco e omisso, a ponto de jamais conseguir formar uma auto-imagem masculina satisfatória. As dificuldades femininas muitas vezes são atribuídas, de maneira semelhante, a um modelo insatisfatório de mãe ou à omissão do pai em cumprir o papel de protetor e admirador. Estas teorias são plausíveis e amplamente aceitas pelos terapeutas do comportamento. (2) Os pais podem esforçar-se por apresentar um modelo satisfatório e instilar as normas culturais em seus filhos, mas ainda podem falhar como pais se forem muito exigentes, muito críticos, muito rígidos, muito oscilantes ou destituídos de afeto. De qualquer maneira, algumas vezes uma criança desenvolve uma forte necessidade emocional de resistir às metas e padrões dos pais, exibindo um comportamento desviante que acaba sendo chocante tanto para os de casa como para os de fora. Os psiquiatras estão convencidos de que alguns alcoólatras são pessoas ressentidas que, provavelmente, e sem que tenham disso plena consci­ ência, estão-se vingando de suas famílias destruindo-se a si próprios [Fox, 1956; Podalsky, 1960]. Um estudo de mães solteiras feito por L. Young [1954] concluiu que a maioria queria um filho ilegítimo como forma de vingança, em geral contra suas mães. Muitas vezes, uma variedade interminável de dificuldades do compor­ tamento pode ser atribuída em alguma medida a certas perturbações no relacionamento pais-filhos. Estas conclusões são difíceis de provar ou de refutar, porém são amplamente sustentadas pelos cientistas do compor­ tamento.

Toda a minha vida competi com meu irmão mais velho. De início eu julgava que ele era melhor, mais vivo e mais bem apessoado do que eu. Era a ele que meus pais amavam mais, criticavam mais gentilmente, faziam os maiores elogios e orgulhosa­ mente o exibiam perante parentes e visitas. Lembrome de que em tais momentos eu não ficava ressentido, tinha apenas o sentimento e o desejo ansioso de merecer também tal apreço. Tornei-me bastante cumpridor de meus deveres e obediente, e meus esforços intensos para fazer o que eles queriam algumas vezes eram recompensados. Hoje, já adulto de meia-idade, sinto boa dose de ressentimento em relação a eles. Suponho que meus esforços dedicados para obter sua afeição são responsáveis por meu êxito, que ultrapassa muito o de meu irmão, e por minhas ansiedades e tensões, que são consideráveis. Embora meus pais estejam mortos há anos, minha persistente necessi­ dade emocional de buscar aprovação por meio de um desempenho perfeito tem sido minha virtude e minha maldição. Muitas vezes fico a ponderar o que eu seria hoje se tivesse recebido a aceitação cálida que meu irmão sempre teve. Estes dois caos ilustram o fato de que não há situação social que tenha efeitos uniformemente previsíveis para todas as pessoas envolvidas em tal situação. Todas as tentativas para ligar de maneira previsível um determinado resultado no plano do comportamento a um determinado tipo de experiência familiar estão condenadas ao fracasso. O máximo que podemos dizer é que certas espécies de experiência familiar usualmente produzem pessoas bem ajustadas e conformistas, ao passo que a vida familiar deficiente sob certos aspectos tem maiores probabilidades de produzir personalidades mal ajustadas e compo .amento desviante. As deficiências

Conflitos culturais e desvio. Em uma cultura bem integrada, com um único conjunto de códigos de comportamento e valores morais, a socialização é suave e sem perturbações. Os pais expressam suas normas culturais em palavras e ações, que são reforçadas pelo resto da sociedade. Mas em uma sociedade que se

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modifica com rapidez, os antigos valores e normas estão sendo constantemente minados e substituídos por novos. Assim, a matrona que em menina foi aconselhada pela mie para preservar a castidade, hoje talvez procure lembrar sua filha para não esquecer de tomar a pílula! A heterogeneidade extrema da sociedade norteamericana produz muitas normas e valores conflitantes. Diversos grupos imigrantes trouxeram diferentes tradições culturais que são difíceis de fundir em um conjunto comum de normas. Mesmo os diferentes ramos da fé cristã não coincidem em diversas questões de moralidade. Alguns grupos protestantes condenam todas as bebidas alcoólicas, a dança e todas as espécies de jogos como pecaminosos, ao passo que outros grupos também protestantes, juntamente com os católicos, alegam que sob certas condições estas atividades são inofensivas. A Igreja Católica condena o divórcio e os métodos anticoncepcionais, ao passo que a maioria das entidades protestantes os permite. Todas as igrejas norte-americanas ensinam que uma pessoa deve ser generosa, compreensiva e disposta a se sacrificar, mas nosso sistema econômico recompensa os que são impiedosos, interesseiros e que agarram tudo para si. Esta lista de conflitos culturais poderia estender-se indefinidamente. Muitos atuais críticos sociais acusam iradamente a sociedade de “hipocrisia” e atribuem essas contradições culturais à insinceridade e duplicidade dos outros como se tivessem corações mais puros que os demais. Enem chegam a perceber que tais incoerências e conflitos culturais existem na maioria das sociedades, especialmente em todas as sociedades heterogêneas e que estão sofrendo modificações. O que é “hipocrisia”? Usualmente é definida como pretender ser o que não se é, e agir de forma contrária aos princípios que defende. Com que freqüência as pessoas sabida e conscientemente traem seus princípios em sua forma de agir? Não com muita freqüência, porque quase todas as inconsistências entre o que é professado e que é praticado usualmente são raciona­ lizadas a tal ponto que o ator não percebe qualquer inconsistência. Por exemplo, a pessoa que respeita a democracia e a liberdade, ao mesmo tempo em que ajuda a expulsar um residente preto do bairro, não se dá conta de sua incoerência; está meramente exercendo o direito e o dever democráticos de “proteger” a vizinhança. Portanto, geralmente a “hipocrisia” aparece do ponto de vista do observador e não no coração do ator. Os conflitos e inconsistências culturais criam uma necessidade de racionalização e de compromissos que certas pessoas percebem como hipocrisia e embuste, e esta percepção corrói e enfraquece o conjunto comum de normas e valores dos quais depende a ordem social. Um índice bastante grande de desvio pode ser a conse­ qüência inevitável produzida por uma cultura complexa em rápida modificação.

Anomia, alienação e desvio. Dessa variedade de normas conflitantes resulta uma situação que Durkheim [1897] chamou de anomia, isto é, ausência de norma” . Ele não quis dizer que as sociedades modernas não têm normas; na verdade, elas dispõem de muitos conjuntos de normas, sem que qualquer deles consiga impor-se obrigatoriamente a todos e, por isso, os indivíduos se tomam “carentes de normas” . Outros sociólogos ampliaram o uso do termo para abranger o estado mental em que a pessoa não tem um sentimento firme de pertencer a qualquer coisa confiável ou estável. Segundo Parsons, anomia é ( . . . ) o estado em que grande número de indivíduos se encontra seriamente carente de laços capazes de o fazerem sentir-se integrado em instituições estáveis, condição essencial à sua estabilidade pessoal e ao funcionamento do sistema social. ( . . . ) A reação típica do indivíduo é ( . . . ) insegurança. (Talcott Parsons. Essays in Sociological Theory. Nova York, The Free Press, 1954. p. 125,126.) Esta abordagem sugere que a anomia resulta da confusão e conflito da sociedade moderna. As pessoas se movimentam muito rapidamente para que possam vincular-se às normas de qualquer grupo em particular e, conseqüentemente, não dispõem de referências sólidas para suas tomadas de decisão. Neste sentido, a anomia é o resultado da liberdade de escolha sem o equilíbrio em princípio derivado de laços com a Igreja, o Estado, a família ou a comunidade. Merton [1938] sugere que a anomia não resulta da liberdade de escolha, mas da incapacidade de muitos indivíduos seguirem normas que estão perfeitamente dispostos a aceitar. As causas principais desta dificuldade estariam vinculadas à desarmonia entre as metas culturais e os meios institucionalizados para alcançá-las. Ainda segundo Merton, enquanto nossa sociedade encoraja todos os seus membros a aspirar à riqueza e à posição social, nossas modalidades legítimas para chegar a tanto são tão restritas que somente poucos têm qualquer perspectiva realística de alcançá-las. Um rapaz ou uma moça excepcionalmente pobre pode chegar a alcançar riqueza e fama, mas estas são as raras exceções que ajudam a preservar o mito das oportunidades iguais. Mas as crianças pobres com antecedentes familiares marcados por ignorância e apatia, carentes de contatos e apoios valiosos, têm de lutar pelo êxito, mesmo que sejam muito talentosas. Se tiverem apenas habilidades médias, têm ainda menos chance de alcançar as metas que nossa cultura lhes incutir, a menos que resolvam violar as regras. E assim, Merton conclui: O comportamento desviante se manifesta em grande escala somente quando um sistema de valores

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culturais exalta, acima de qualquer outra coisa, certas metas comuns de êxito para a população em geral, enquanto a estrutura social restringe rigo­ rosamente ou bloqueia completamente o acesso às modalidades aprovadas para alcançar tais metas a uma parte considerável desta mesma população. ( . . . ) A obrigação moral em lograr êxito exerce, assim, pressão para o êxito, por meios justos se possível, e por meios ilícitos se necessário. (Robert K. Merton. “Social Structure and Anomie” . In: Social Theory and Social Structure. Nova York, The Free Press, 1957. Cap. 3, p. 146,169.) A trajetória legítima para o êxito em nossa sociedade inclui educação e ascensão profissional. Porém, para muitas pessoas a educação é uma experiência aborrecida e frustrante, da qual fogem tão cedo quanto possível; a ascensão profissional está fora de seu alcance e a idéia de poupar e investir nem ao menos é seriamente considerada. Já que estas pessoas ainda assim se julgam com direito ao conforto, buscam meios distintos daqueles aprovados pela sociedade. Estes caminhos desviantes para fins legítimos podem incluir jogos de azar, fraude, participação em extorsões ou em crime violento. Quando a situação de anomia se dissemina a tal ponto que o desvio das normas passa a ser a regra e não a exceção, pode-se considerar que o controle social desmoronou completamente. Esta substituição de meios legítimos por ilegítimos é apenas uma das diversas reações possíveis à defasagem entre as metas universalizadas e os métodos restritos de alcançá-las. Um leque completo de respostas possíveis consta da tipologia de Merton [1957a, p. 140-57] que aparece no Quadro 6. (1) Conformidade é a acei­ tação tanto das metas convencionais como dos meios institucionalizados e convencionais de atingi-las. (2) Inovação é a tentativa de atingir as metas convencionais por meios não-convencionais (incluindo os ilícitos ou criminosos). (3) Ritualismo preserva os meios institu­ cionalizados, que se tomaram fins em si próprios, quando as metas são amplamente ignoradas ou esque­

cidas. Os rituais, cerimônias e rotinas são cumpridos mas os significados ou funções originais se perderam. (4) Derrotismo* implica abandonar tanto as metas como os meios institucionalizados para atingi-las, con­ forme bem o demonstram a maioria dos alcoólatras contumazes, os viciados em drogas, hippies, freqüenta­ dores de locais de vagabundos, eremitas e outros “desistentes” . (5) A rebelião envolve a desistência em relação às metas e meios convencionais, seguindo-se uma tentativa para institucionalizar um novo sistema de metas e meios. Os revolucionários são um exemplo. Enquanto Merton vê o desvio como resultante da incapacidade de uma pessoa para atingir as metas culturalmente validadas, Riesman [1950] enxerga o desvio como parte da tendência dominante na sociedade moderna para o comportamento alterdirigido (orientado pelos outros). Nas sociedades tradicionais, segundo Riesman, as pessoas são dirigidas pela tradição, isto é, são guiadas por um conjunto coerente de tra­ dições, que seguem com pouco desvio. Há alguns séculos, a sociedade ocidental tomou-se introdirigida, ou seja, as pessoas passaram a guiar-se por uma consciência que havia internalizado a doutrinação algo autoritária da família e de outros grupos em uma comunidade estável. Hoje, as pessoas estão-se tomando cada vez mais alterdirigidas porque a falta de uma tradição coe­ rente ou de uma comunidade estável deixa-as sem uma orientação clara para se conduzirem, dispondo apenas dos julgamentos das outras pessoas. Mas já que as sociedades modernas têm muitos grupamentos com diferentes normas, o comportamento alterdirigido não proporciona orientação confiável para a conduta. A pessoa dirigida pelos outros (alterdirlgida) no fundo é conformista e deseja fazer o que os outros esperam, embora não disponha de um modelo daro para seguir. Conseqüentemente, o comportamento do indivíduo ressente-se muitas vezes de consistência e não se ajusta a uma norma segura. Como em nossa complexa socie­

* No original, “retreatism ” . (N. do T.)

Q U A D R O 6 Uma tipologia de modalidades de adaptação individual.

Modalidades de adaptação 1. II. III. IV. V.

Conformidade Inovação Ritualismo Derrotismo Rebelião

Metas da cultura + +

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Meios institucionalizados + —



+





±

±

N O T A : N o quadro acima (+) significa "aceitação", (-) significa "rejeição" e 1±) significa "rejeição dos valores dom inantes e substituição por novos valores". F O N T E : Robert K. Merton. Social Theory and Social Structure. Nov8 Y o rk , The Free Press, 1957. p. 140.

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dade em mudança é impossível restabelecer comunidades estáveis, Riesman confia no desenvolvimento de pessoas “autônomas” que possam orientar suas vidas de modo responsável sem deitarem raízes em comuriidades es­ táveis ou serem fantoches de seus grupos de pares. Se esta autonomia é ou não possível, é uma questão que aguarda resposta. McClosky e Schaar [1965] sugerem que a carência de normas ou anomia pode ser simplesmente um aspecto de uma perspectiva negativa e desconfiada da vida e da sociedade. Para ambos, a anomia aparece não apenas entre os fracassos frustrados de Merton mas também entre os indivíduos muito bem sucedidos. Constatam que as pessoas que alcançam escores elevados em escalas anêmicas também logram escores significativos em termos de hostilidade, ansiedade, pessimismo, autorita­ rismo, cinismo político e outros sintomas de alienação. O conceito de alienação é mais inclusivo do que anomia, porque envolve componentes de carência de poder, falta de normas e isolamento social [Nettler, 1977; Dean, 1961; Sykes, 1964]. A pessoa alienada não apenas não tem um sistema totalmente internalizado de normas coercitivas, como também se sente como vítima impotente e desamparada de um sistema social brutal e impessoal, no qual não tem um lugar real. A pessoa alienada tem poucas filiações a grupos e lealdades precárias a instituições. Portanto, a alienação é uma separação emocional quase total da sociedade em que a pessoa vive. Os estudiosos marxistas enfatizam o conceito de alienação, sustentando que a sociedade capitalista inevitavelmente aliena seus trabalhadores e àté seus intelectuais, por isolá-los do controle das políticas trabalhistas, por impedi-los de interferir em suas condições de trabalho ou por exclui-los das decisões gerenciais [Blauner, 1964; Kon, 1969; Anderson, 1974]. Esta alienação enfraquece o poder coercitivo das normas e controles tradicionais e, por isso, encoraja compor­ tamento desviante. Os analistas marxistas vêem a alienação crescente como um sintoma da aproximação do fim do capitalismo. Se a alienação do trabalho está realmente aumentando ou não, é difícil de saber, porque não temos perspectivas históricas definidas para comparação. Numerosos levantamentos têm demonstrado que em sua maioria os trabalhadores norte-americanos estão bastante satisfeitos com seus empregos e que o nível de satisfação no trabalho não declinou significativamente na última década [Kahn, 1972; Form, 1973; Quinn e cols., 1974]. Uma compa­ ração recente da satisfação no trabalho nos EUA capitalista e na Iugoslávia socialista constatou um nível mais elevado de satisfação nos EUA e, também, que os padrões de insatisfação no trabalho eram bastante semelhantes nos dois países [Tannenbaum, 1974]. Estes resultados contradizem o pressuposto marxista

da alienação do trabalho como característica especial do capitalismo.

Significância do comportamento desviante

O desvio é relativo, não absoluto. As pessoas não são completamente conformistas ou completamente desviantes. A que fosse totalmente desviante encontraria dificuldade em permanecer viva. Até os desviantes maís espetaculares, como os piromaníacos, revolu­ cionários ou eremitas, são em geral bastante conven­ cionais em algumas de suas atividades. E quase todas as pessoas “normais” ocasionalmente são desviantes. Kinsey [1948, p. 392, 576] mostrou como mais da metade dos adultos norte-americanos poderia ir para a prisão por usar técnicas de fazer amor que eram (e ainda são) proibidas pelas leis da maioria dos Estados. Numerosos estudos demonstraram que a maioria das pessoas tem cometido inúmeros crimes pelos quais poderiam ser processados se as leis fossem totalmente cumpridas [Porterfíeld, 1946; Wallerstein e Wyle, 1947; Gold, 1970]. É claro que quase todas as pessoas em nossa sociedade são desviantes até certo ponto; algumas, porém, são mais freqüente e amplamente desviantes do que outras, e há as que ocultam melhor do que outras suas ações desviantes. Em certa medida, o desviante manifesto é o que faz abertamente o que os outros fazem secretamente. Desvio da cultura real ou ideal? Já que as culturas real e ideal muitas vezes divergem, conforme foi mencionado no Capítulo 3, a conformidade a uma pode ser considerada desvio em relação à outra. Por exemplo, a cultura ideal inclui a norma cultural de obediência a todas as leis, mas praticamente ninguém obedece a todas. Quando estão envolvidos valores importantes na defasagem entre o que o povo diz (cultura ideal) e o que faz (cultura real), esta distinção se tom a impor­ tante. Em qualquer discussão de desvio em que esta distinção se mostra importante, a base normativa — cultura real ou ideal — deveria estar subjacente ou expressamente enunciada. Por exemplo, em qualquer discussão a respeito de contato sexual pré-conjugal ou de certos “crimes” sexuais que são amplamente praticados por marido e mulher, a base normativa deve ser especificada. Normas de evasão. Sempre que costumes ou leis proíbem alguma coisa que muitas pessoas ansiam por fazer, é provável que apareçam normas de evasão. São padrões através dos quais as pessoas fazem o que desejam sem desafiar abertamente os costumes. Por exemplo, Roebuck e Spray [1967] mostram como o

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salão de cocktail funciona para facilitar transas sexuais discretas entre homens casados de elevado status e mulheres jovens disponíveis. Em nossa sociedade, as normas mais comuns de evasão incluem dirigir auto­ móvel em velocidade superior ao limite autorizado e fazer tantas deduções do imposto de renda quantas sejam “seguras” . O fato de que determinada norma muitas vezes é violada não cria uma norma de evasão. Somente quando existe um padrão de violação reconhecido e sancionado pelo grupo é que temos uma norma de evasão. Ser cliente de um fabricante clandestino de bebidas tomou-se uma norma de evasão quando se tom ou um expediente aprovado pelo grupo adquirir bebidas alcoólicas proibidas. Ao se tornar validada pelo grupo, a evasão relaxa a censura moral. Entre muitos grupos, o êxito em furtar-se às multas do trânsito ou em seduzir mulheres proporcionará a uma pessoa a admiração de outras. Assim, as normas de evasão são uma forma institucionalizada de comportamento desviante. Por vezes um padrão desviante não é suficientemente aceito a ponto de se converter em norma de evasão, nem suficientemente rechaçado a ponto de ser suprimido. Nessas situações, a tolerância a tais desvios passa a valer como uma forma de controle social. As prostitutas e os apostadores encontram facilidades para operar desde que proporcionem informação à polícia. Na maioria das prisões, os prisioneiros influentes podem conseguir uma cela em bloco sossegado e acabam obtendo permissão para cometer pequenas infrações às regras [Strange e McCrory, 1974], A tolerância a certo grau de desvio, e o risco subjacente de este privilégio vir a ser suprimido, obrigando o cumprimento das leis, são padrões que auxiliam a manter o controle social. Desvio e mudança social. O desvio é tanto ameaça como proteção à estabilidade social. De um lado, uma sociedade só pode funcionar eficientemente se houver ordem e previsibilidade na vida social. Precisamos saber dentro de limites razoáveis que comportamento esperar dos outros, o que estes esperam de nós e em que espécie de sociedade nossos filhos devem ser socia­ lizados para viver. O comportamento desviante ameaça esta ordem.e previsibilidade. Se muitas pessoas deixam de se comportar segundo as espectativas, a cultura se desorganiza e a ordem social entra em colapso. A ativi­ dade econômica pode ser perturbada e a escassez real pode surgir. Os costumes e normas perdem seu poder coercitivo e o núcleo de valores comuns da sociedade se esfarela. Os indivíduos se sentem inseguros e confusos em uma sociedade cujas normas já não merecem confi­ ança. Somente quando a maioria se ajusta a normas bem firmes durante a maior parte do tempo é que uma sociedade pode funcionar eficientemente.

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Por outro lado, o comportamento desviante é um modo de adaptar a cultiva à mudança social [Coser, 1962]. Atualmente nenhuma sociedade pode permanecer estática por muito tempo. Mesmo as mais isoladas sociedades do mundo enfrentam grandes mudanças sociais no espaço de uma geração. A explosão popula­ cional, a mudança tecnológica e o desaparecimento das culturas e sabedoria tribais estão exigindo que os povos mais primitivos aprendam novas normas, enquanto a tecnologia que se modifica continua a exigir adaptações dos povos mais adiantados. Mas as normas raramente são produzidas por assembléias deliberativas de pessoas que solenemente decretam que as velhas normas estão desgastadas havendo necessidade de outras. Embora as gravei deliberações dos congressos, conselhos reli­ giosos e associações profissionais possam acelerar ou retardar o desenvolvimento de novas normas, seus pronunciamentos com maior freqüência servem para legitimar novas normas que se oferecem à aceitação geral. As novas normas emergem do comportamento cotidiano dos indivíduos que passam a responder de maneiras semelhantes ao impacto das novas circuns­ tâncias sociais. O comportamento desviante de alguns indivíduos pode ser o início de uma nova norma: A medida que um número maior de pessoas adota em conjunto uma forma desviante de comportamento, por fim será estabelecida uma nova norma, e o compor­ tamento deixará de ser “desviante” .

O comportamento desviante de uma geração pode tornar-se a norma da geração seguinte.

O surgimento de novas normas é bem ilustrado pelo declínio da família patriarcal. Em uma sociedade agrária, onde a família inteira trabalhava em conjunto sob os olhos vigilantes do pai, era fácil manter a dominação masculina. Mas a tecnologia em mudança transferiu o emprego do pai para a oficina ou escritório, onde ele já não pode mais ficar de olho nas coisas; essa mesma tecnologia também começa a atrair a esposa para empregos onde começa a trabalhar longe do marido e ganha seu próprio ordenado. Quando isso acontece,

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o marido já não se acha mais em posição estratégica para impor sua autoridade masculina e, pouco a pouco, esta foge ao seu controle. No século XIX, a mulher relativamente independente e igualitária, com vontade própria e o hábito de expressá-la com firmeza, era uma desviante; hoje isso é banal, e o Movimento de liberação Feminina exige mudanças adicionais do status do sexo. Assim, o comportamento desviante de uma geração pode tomar-se a norma da geração seguinte. O comportamento desviante muitas vezes prefigura o deslanchar de adaptações do futuro. Sem qualquer comportamento desviante seria difícil adaptar uma cultura às necessidades e circunstâncias que se alteram. Por isso, uma sociedade em mudança necessita de comportamento desviante como uma espécie de sementeira de novas normas que tem de desenvolver para que possa operar com eficiência. A questão de quanto de desvio e de que espécies uma sociedade deve tolerar é um enigma perpétuo. Agora é fácil a muita gente concordar em que os republicanos do século XVIII e os defensores do sufrágio universal do século XIX foram desviantes socialmente úteis, ao passo que os utópicos foram inofensivos e os anarquistas socialmente destrutivos. Mas quais dos desviantes de hoje provarão amanhã terem sido os pioneiros de hoje — os nudistas, hippies, pacifistas, usuários de maconha, membros de comunidades, partidários do amor livre, “unimundistas” , ou quem? É difícil dizer. Nem todas as formas de desvio se enquadram na análise acima. Os comportamentos do assassino, do tarado obcecado por crianças ou do alcoólatra raramente contribuem para a construção de uma nova forma útil de norma social. Em qualquer momento, o compor­ tamento desviante assume muitas formas, somente algumas das quais prenunciam as normas de amanhã. Grande parte do desvio é inteiramente destrutivo em suas conseqüências pessoais e sociais. Mas certos desvios são socialmente úteis, como foi indicado acima. Separar os desvios socialmente nocivos dos socialmente úteis requer capacidade para prever as normas sociais que a sociedade de amanhã exigirá. Embora os sociólogos não possam prever normas futuras com qualquer margem de exatidão, podem prognosticá-las de modo mais acurado que outros não profissionais no estudo da cultura e da mudança social.

Sumário Uma sociedade deve ter uma ordem social para que possa funcionar. Uma sociedade exerce controle social sobre seus membros de três maneiras principais. Primeira, socializa-os para que desejem comportar-se como devem. Segunda, a sociedade impõe a pressão do grupo sobre

o indivíduo, de modo que ele tem de conformar-se ou ser punido pelo grupo. Esta pressão grupai pode ser expressa através de controles informais exercidos pelo grupo primário — aprovação e desaprovação, elogio, desprezo, ostracismo, etc.; ou pode operar através dos controles mais formais dos grupos secun­ dários — regras e regulamentos, procedimentos padro­ nizados, propaganda, recompensas, títulos e penalidades. Finalmente, controle através de força e punição, quando falham outros controles. Mas em muitas situações sociais o comportamento é bem mais controlado pelas necessidades e pressões da situação — determinantes contextuais do comportamento — do que pelo caráter que uma pessoa introduz na situação. Surge o desvio social sempre que uma pessoa deixa de conformar-se às normas usuais da sociedade. O desvio pode ser individual, quando a pessoa se desvia do comportamento normal do grupo; ou pode ser desvio grupai, quando o grupo inteiro se desvia das normas sociais, de modo que o indivíduo passa a ser um membro conformista do grupo ou da subcultura desviante. Na prática, estes dois tipos tendem a fundir-se, já que os desviantes se inclinam a procurar outros iguais e formam grupos desviantes. O desvio primário é o comportamento desviante de pessoas que detêm status convencionais e cumprem papéis convencionais na maior parte de seu comportamento, ao passo que o desvio secundário se desenvolve quando as pessoas são publicamente rotuladas como desviantes, são até certo ponto isoladas dos papéis e interações convencionais e usam o desvio como um “ajustamento” a seu isola­ mento social. Os desviantes também se dividem em desviantes culturais e desviantes psicológicos. Os des­ viantes culturais simplesmente se desviam das formas de comportamento esperadas. Os psicólogos desviam-se das normas em sua integração da personalidade; em seu com­ portamento social, podem ser desviantes ou conformistas. Algumas formas de desvio são aprovadas — o líder, o herói, o gênio e o santo muitas vezes (embora nem sempre) são consagrados e reverenciados. Muitas outras formas de desvio são reprováveis. O desvio por incapa­ cidade física — são muitas vezes causado por defeito ou moléstia física òu mental - usualmente é considerado com simpatia. O papel das influências sociais e culturais na produção da doença mental não pode ser medido com exatidão, mas existe certo consenso de que nossa cultura provoca conflitos mentais que contribuem para a moléstia mental. Quando não existe uma clara incapacidade física, as causas do desvio são discutíveis. As teorias do tipo físico que pretendem dar conta do desvio são difundidas mas não estão provadas. As teorias psicanalíticas são populares e plausíveis, mas também não estão provadas. Provavelmente a maioria dos desvios individuais reprováveis tem origem, em parte, senão inteiramente, nas falhas de socialização,

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de modo que as normas e os valores da cultura são imperfeitamente integrados na personalidade do indivíduo. A família desempenha papel-chave na socialização e constitui o canal principal através do qual a criança absorve as normas e valores da sociedade. Por conseguinte, a vida familiar insatisfatória é um fator muito importante no desvio individual. Contudo, a família é parte da cultura e a vida familiar insatis­ fatória muitas vezes é um reflexo de conflitos dentro da cultura. Tais conflitos cercam as normas culturais de incerteza e, impondo dessa maneira pressões sobre os indivíduos, ajudam a produzir um estado de carência de normas chamado anomia. A desarmonia entre nossas metas culturais e nossos meios para alcançá-las enco­ rajam a anomia e o desvio. Quando a anomia se conjuga com sentimentos de impotência e isolamento social,

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desenvolve-se um sentimento de alienação. Os estudiosos marxistas supõem que a alienação está aumentando e que ela condena o sistema capitalista, mas isto continua sendo uma incógnita. O desvio é relativo, porque a maioria das pessoas só é desviante até certo ponto. Sempre que um deter­ minado padrão desviante se tom a amplamente seguido e minimizado, temos o que se chama norma de evasão. Todas as vezes em que algum aspecto de uma cultura se tom a insuportavelmente coercitivo, é provável que suijam normas de evasão. Com o tempo, elas podem tomar-se novas normas. Conquanto o desvio seja inimigo da estabilidade social, é também um meio de introduzir as normas modificadas que se podem tom ar necessárias para que uma sociedade em mudança permaneça razoavelmente integrada e eficiente.

Perguntas e trabalhos 1.

De que modo a ordem social depende da previsibilidade do comportamento?

2.

Algumas sociedades antigas exigiam muitos sacrifícios humanos. Por que as vítimas consentiam sossegadamente em morrer em vez de se revoltarem?

3.

Avalie a seguinte afirmaçlo: “Somente os fracos seguem o rebanho. Uma pessoa com verdadeira força de caráter fará o que é certo sem ser manobrada pelo grupo.”

4.

Na fábrica, o “rompe-quota” é um operário que trabalha por peça que produz, e ganha tanto que a administração pode fazer uma revisão no pagamento em sentido descen­ dente. De que modo os demais operários tratam esta pessoa? Será que se parece com o “aplicado” na faculdade, que trabalha tão arduamente que o professor começa a esperar mais dos outros estudantes?

5.

O que você pensa da prática dos “Tlingit” em manter o grupo todo moralmente responsável pelos atos de cada membro? Será que isto propicia controle social efetivo? Em que amplitude poderíamos seguir tal prática? Seria coerente com nossa ética?

6.

Sob que circunstâncias praticamente todos os estudantes colam? Quando é que muito poucos estudantes colarão? De que modo isto contrasta com os “ determinantes contextuais do com portam ento”?

7.

Em uma comuna hippie, onde cada membro é “livre” , que controles de'' grupo poderiam estar em operação?

8.

Por que as sociedades “atrasadas” ou primitivas têm menos crimes e violações dos costumes do que as sociedades “progressistas” como a nossa?

9.

Distinga desviantes individuais dos grupais. De que modo estes dois tipos ideais tendem a fundir-se na prática?

10. O que você pensa da idéia de publicar os nomes de todos os delinqüentes juvenis?

11. De que modo o conceito de desvio secundário ajuda a interpretar a desorganização da vida dos dependentes de drogas? 12. Os teóricos da rotulação parecem estar sugerindo que o problema do desvio poderia ser resolvido simplesmente não se rotulando os desviantes. Isto seria prático para quaisquer espécies de desvio? Mas talvez não fosse prático para algumas espécies? 13. Como você interpretaria o alto índice de crimes no gueto segundo a teoria de Merton, de metas culturais e meios institucionalizados? E em termos da teoria marxista da alienação? 14. Discuta as seguintes proposições: (1) “As normas de evasão são uma ameaça à estabilidade social.” (2) “As normas de evasão são uma proteção à estabilidade de uma socie­ dade.” 15. Leia um dos estudos sobre catástrofe, como por exemplo: William Form e cols. Community in Disaster. Nova York, Harper & Row, 1958; Harry E. Moore Tomados over Texas. Austin, University o f Texas Press, 1958; Allen H. Barton. Communities in Disaster. Garden City, N. Y., Doubleday, 1969. Mostre como a ordem social se rompe e depois se restaura. 16. Compare e explique o êxito diferente de duas famílias em seus esforços para isolar os filhos das influências de uma vizinhança favelada, a partir da descrição de Betty Smith. Tree Grows in Brooklyn. Nova York, Harper & Row, 1943, e James T. Farrell. A World I Never Made. Nova York, Vanguard Press, 1936. 17. Leia Michael E. Brown. The Condemnation and Persecution of Hippies. Trans-action, set. 1969, p. 33-46. Você acredita que os hippies foram verdadeiramente perseguidos ou Brown exagerou?

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Leitura sugerida ♦Becker, Howard S. Outsiders: Studies in the Sociology o f Deviance. Nova York, The Free Press, 1963, 1966. Descri­ ção concisa de como as pessoas se tornam desviantes, aplicada principalmente aos usuários de maconha e músicos. Bell, Robert R. Social Deviance. Homewood, 111., The Dorsey Press, 1971. Livro didático com muitos capítulos sobre diversas espécies ue desvio. Bemstein, Basil. Elaborated and Restricted Codes: An Outline. Sociological Inquiry, 36:254-261, primavera 1966. Análise do papel da linguagem para facilitar a comunicação em um grupo e, simultaneamente, isolá-lo dos contatos externos. Brown, Paula. Changes in Ojibwa Social Control. American Anthropologist, 54:57-70, jan. 1954. Relata como a perda de controles tradicionais e falta de reposições efetivas deixaram os Ojibwa com um problema não solucionado de controle social. Bryan, James. Apprenticeships in Prostitution. Social Problems, 12:287-297, inverno 1965. Mostra como as call girls se socializam nesse papel. Clinard, Marshall. Sociology o f Deviant Behavior. Nova York, Holt, Rinehart and Winston, 1974. Livro didático global sobre desvio de normas. *Dinitz, Simon, Russel B. Dynes e Alfred C. Clark (orgs.). Deviance: Studies in the Process o f Stigmatization and Societal Reaction. Fair Lawn, N. J., Oxford University Press, 1969. Ensaios e pesquisas sobre muitas espécies de desvio de normas. Klapp, Orrin, E. The Folk Hero. Journal o f American Folklore, 62:17-25, jan. 1949; e Hero Worship in America. American Sociological Review, 14:53-62, fev. 1949. Estudo dos que se desviam através do cumprimento exacerbado de normas culturais e um estudo de seus admiradores.

Lemert, Edwin H. Social Pathology. Nova York, McGrawHill, 1951. caps. 1-3. Esboço clássico de desvio social. ♦McCaghy, Charles H., James K. Skipper Jr. e Mark Lifton. In Their Own Behalf: Voices from the Margin. Appleton Century Crofts, 1974. Ampla variedade de desviantes conta sua própria estória. Matza, David. Becoming Deviant. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1969. Argumenta que o desviante não é desamparado, tendo uma escolha em vários pontos no processo durante o qual se torna desviante. Merton, Robert K. Social Theory and Social Structure. ed. rev., Nova York, The Free Press, 1964. caps. 3 e 4: “Social Structure and Anomie” e “Continuities in the Theory o f Social Structure and Anomie” . Enunciado clássico sobre anomia e desvio na sociedade moderna; o cap. 11: “The Selffulfilling Prophecy” , é uma descrição da profecia que se cumpre como processo básico na sociedade. ♦Rainwater, Lee (org.). Social Problems: Deviance and Liberty. Chicago, Aldine Publishing, 1974. Coletânea de ensaios teóricos e descritivos sobre desvio. Sagarin, Edward. Odd Man In: Societies ofD eviants in America. Chicago, Quadrangle Books, 1970. Boa leitura da descrição de numerosas organizações que os desviantes formaram nos EUA. *Schur, Edwin M. Labeling Deviant Behavior. Nova York, Harper & Row, 1971. Breve discussão da teoria da rotu­ lação. *Simmons, J. L. Deviants. Berkeley, Cal., Glendessary Press, 1969. Brochura curta, escrita de modo simples, descre­ vendo compreensivamente o processo de desvio e a vida dos desviantes.

TRES / ORGANIZAÇAO SOCIAL

Esta seção descreve como a sociedade é organizada. As pessoas não são unidades independentes como grãos de areia na praia. Os membros de uma sociedade organizam-se em muitas espécies de grupos, organizações e relacionamentos. O Capítulo 8, "Grupos Sociais” , descreve as espécies de grupos que aparecem em qualquer sociedade — particularmente na nossa. O Capítulo 9, "Instituições Sociais", descreve como as normas da cultura e os relacionamentos de uma sociedade são organizados em sistemas que funcionam a fim de atenderem às necessidades das pessoas. O Capítulo 10, "A Família", é uma descricão detalhada de uma destas instituições sociais — provavelmente a mais importante. O Capítulo 11, "Organizações Formais", descreve as estruturas de associação através das quais atua uma sociedade complexa. O Capítulo 1 2, "Classe Social", descreve um conjunto extremamente importante de relacionamentos de status entre os indivíduos e mostra como tais relacionamentos afetam sua vida inteira. O Capítulo 13, "Mobilidade Social", mostra como as pessoas mudam seu status de classe. •



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8. G rupos sociais Examine cada um de nós isoladamente, um homem à parte do povo Cheyenne que se lembre das mesmas coisas e deseje as mesmas coisas. Examine cada um de nós dessa maneira, e você terá nada mais do que um homem que não se respeita, porque ele é um fracasso aos olhos do homem branco. Um homem que não se respeita não pode fazer um bom futuro. Agora, examine todos nós em conjunto como povo Cheyenne. Então, nossos nomes não são os nomes de fracassos. São os nomes de grandes e generosos caçadores que alimen­ taram as pessoas, combatentes que morreram pela liberdade, do mesmo modo que morreram os heróis brancos, homens santos que nos incutiram o poder de Deus. Examine-nos em conjunto dessa maneira e há um gole para cada homem na taça do auto-respeito, e teremos a força de espírito para decidir o que fazer e como. Faremos boas coisas como uma tribo que está crescendo e mudando, coisas que não pudemos fazer como homens individualmente, separados de seus ancestrais. (De uma introdução a um programa de

A os 24 anos Steve tinha um longo repertório de êxitos. Incomumente empreendedor, já estava ganhando dinheiro com a idade de 13 anos, na importação e venda de brinquedos japoneses durante o Natal. Tinha ido bem na faculdade e também nos negócios — tão bem que costumava gastar $ 300 com seus ternos e pôde deixar o trabalho e ir para a Califórnia tendo no bolso $ 25,00 em dinheiro vivo. Lá, decidiu se enfronhar com os grupos em Esalen, e logo deixou-se absorver pelo movimento, em tempo integral... Mais tarde tornou-se líder de grupo, construiu uma cabana nas montanhas das proximidades, ocasionalmente deixava-se levar pelo LSD, e escreveu em seu diário: "Este é um lugar tão estranho. (...) De certo modo, ainda não estou morto, embora pela primeira vez em minha vida tenha começado a considerar cuidadosa­ mente a possibilidade". Em 9 de fevereiro de 1971, em uma loja artesanal nos arredores de Esalen, Steve apanhou um revólver Hawes .357 Magnum e matou-se. (Adaptado de Bruce Maliver. The Encounter Game.

consolidação da terra Cheyenne do Norte, citada em Indian Affairs, Nova York, Association on American Indian Affairs, n ° 37, jun. 1960.)

Nova York, Stein & Day, 1973. p. 109-27.)

M

uitos norte-americanos de origem Cheyenne raça ou a cultura, encontram a realização da perso­ conseguiram êxito na vida sem participarem nalidade por meio da vida grupai. O bebê toma-se da vida tribal, e poucas pessoas participantes “humano” quando toma seu lugar na família. Quando de grupos tiveram a experiência desastrosa a criança se desloca além do círculo familiar, envolve-se outros relacionamentos grupais que continuamente de Steve. Algumas parecem ter sido auxiliadas. em É pro­ vável que poucos grupos sejam inteiramente positivos estarão modelando sua personalidade, até que a morte ou inteiramente negativos em seus efeitos sobre seus interrompa o processo. membros, mas os efeitos do grupo sobre o indivíduo Embora “grupo” seja um dos conceitos mais impor­ são profundos. Todas as pessoas, não importando a tantes em Sociologia, não existe consenso sobre uma

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definição única. Esta confusão não ocorre porque os sociólogos não possam resolver algo! As confusões persistem porque a maioria dos conceitos (em Socio­ logia) não é inventada e depois posta em uso; em sua maioria, os termos sociológicos são palavras que circu­ lam há muito tempo para uso geral e que os sociólogos passaram a usar com um significado especial. Alguns termos continuam a ser usados com mais de um signi­ ficado, porque inventar um conjunto inteiramente novo de palavras cobrindo diversos significados seria ainda mais confuso. Conseqüentemente, há diversos significados de “grupo” na literatura sociológica. Numa primeira acepção, o termo denota qualquer reunião física de pessoas (por exemplo, “um grupo de pessoas estava esperando.. . ”). Nesse sentido, um grupo não precisa partilhar de coisa alguma além de proximidade física. Muitos sociólogos chamariam tal reunião de pessoas uma agregação ou uma coletividade. Um segundo significado é o de numerosas pessoas que partilham de características comuns. Assim, os indivíduos do sexo masculino, os diplomados pela universidade, os médicos, os velhos, os milionários, os suburbanos e os fumantes de cigarros seriam grupos. Categoria seria um termo mais satisfatório, mas os sociólogos freqüentemente usam “grupo” em lugar de “categoria”, termo mais preciso mas que talvez soasse mais desajeitadamente. Uma outra forma de usar o termo define grupo como diversas pessoas que partilham de padrões orga­ nizados de interação recorrente. Isso excluiria todas as reuniões casuais e momentâneas de pessoas cuja interação é destituída de um padrão de organização ou repetição, como os espectadores de um acidente de trânsito. Esta definição incluiria a família, a “panela” de amizades, organizações como um clube ou igreja — qualquer espécie de contato coletivo entre pessoas que interagem repetidamente, consoante algum padrão de procedimentos e relacionamentos costumeiros. Um outro uso bastante comum (que é o de nossa preferência) é qualquer número de pessoas que par­ tilham de uma consciência de filiação e interação. Com esta definição, duas pessoas esperando o ônibus não seriam um grupo, mas tomar-se-iam um grupo se começassem uma conversa, uma luta, ou qualquer outra interação. Diversas pessoas caminhando por uma rua seriam uma agregação ou coletividade, não grupo, salvo se alguma coisa — um orador de rua, um acidente, um suicídio — captasse sua atenção e mantivesse seu interesse, transformando-as em uma audiência, que é uma espécie de grupo (ver p. 322). Um ônibus cheio de passageiros não seria um grupo, porque eles não têm consciência de interação entre si, simples­ mente acontece de estarem no mesmo lugar ao mesmo tempo. É possível que a interação possa desenvolver-se

durante a viagem e se formem grupos. Quando as crianças começam a brincar juntas, ou o menino encon­ tra a menina, ou os empresários descobrem um interesse comum no mercado de títulos, ou no jogo de beisebol, os grupos começam a se desenvolver — mesmo que sejam transitórios e amorfos. Ocasionalmente todo o agregado pode tornar-se um grupo, como neste caso relatado por Bierstedt. Os passageiros de metrô em Nova York, por exemplo, são notoriamente indiferentes entre si. Mas apenas o mais ligeiro estímulo basta para trans­ formá-los. . . em um grupo social. O autor estava em um vagão bastante cheio uma noite, na prima­ vera, quando entrou um marinheiro escandinavo, muito embriagado, vindo de um vagão próximo. Começou a cantar alto, em sua língua nativa, uma canção alegre e agradável, e os passageiros desper­ tados de seus devaneios e de seus jornais, respon­ deram calidamente aos esforços do marinheiro e começaram a trocar sorrisos entre si. Com solicitude inesperada e, de fato, incomum para passageiros de metrô, diversos homens no vagão perguntaram ao marinheiro onde desejava ir e certificaram-se de que ele não passaria da estação onde queria descer. Depois que o marinheiro se foi, os passageiros res­ tantes, agora aumentados pelos outros que eram estranhos ao episódio, voltaram aos seus devaneios e seus jornais. 0 encantamento tinha sido rompido. O que por alguns momentos transitórios tinha sido um grupo social voltou a ser ( . . . ) gente com nada mais em comum do que o fato de estarem aciden­ talmente juntos na mesma ocasião e lugar — o sufi­ ciente para dar-lhes uma consciência de espécie, mas não o suficiente, sem este estímulo extra, para induzi-los a se envolverem em relações sociais. (Robert Bierstedt. The Social Order. McGraw-Hill, 1970. p. 283.) A essência do grupo social não é a proximidade física, mas a consciência de interação conjunta. Os passageiros no vagão do metrô estavam juntos, mas até a entrada do marinheiro, que então lhes deu um interesse comum, não estavam empenhados em inte­ ração conjunta. Outras espécies de incidentes de estímulo podem mudar uma agregação em grupo. Por exemplo, um aumento nas tarifas ou a ameaça de interrupção do serviço de transporte entre a cidade e os subúrbios pode mudar uma agregação não-estruturada de passageiros em um grupo efetivo e dotado de consciência própria, que desenvolve os usuais padrões grupais, à medida que busca salvaguardar um privilégio que poderia perder. Esta consciência de interação depende de muitos fatores e pode estar presente mesmo quando não há interação pessoal dos indivíduos. Assim,

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somos membros de um grupo nacional e pensamos como nacionais do país ainda que somente conheçamos uma fração diminuta dos que compõem a nossa nação. Não obstante, interagimos através de campanhas polí­ ticas, pagamento de impostos, uso dos serviços do governo, resposta a símbolos tais como bandeira e hino nacionais, e, talvez acima de tudo, através de nossa consciência de que como cidadãos de uma nação estamos vinculados de um modo que nos distingue dos cidadãos de outras nações. Assim, o termo “grupo” cobre uma ampla variedade de espécies de associação humana.

e impedi-los de sentir quaisquer laços afetivos com a pátria. A informação casual obtida em . entrevistas era usada para convencê-los de que todos os demais norte-americanos eram informantes e que, portanto, os entrevistados também deveriam ceder. Se um prisioneiro resistisse ao que julgasse como exigências impróprias dos chineses, negava-se à unidade toda alimento ou oportunidade para dormir, até que o indivíduo que tivesse levantado objeções se visse forçado a mudar de idéia por seus próprios compa­ nheiros. Em contraste com a Guerra da Coréia, o Conflito do Vietnã produziu proporcionalmente menos exemplos de comportamento “incorreto” entre os prisioneiros de guerra norte-americanos. Isto não quer dizer que O grupo e o indivíduo todos os cativos norte-americanos fossem consistenteNosso “ethos” individualista leva-nos a supor que mente heróicos ao resistirem às exigências impróprias temos pleno comando de nosso comportamento e nos dos norte-vietnamitas. Tendo que enfrentar muitas impede de ver até que ponto o comportamento indi­ formas de tortura, alimentação inadequada, cuidados vidual é controlado pelas experiências de grupo. Esta médicos casuais e esporádicos, escassa correspondência suposição transparece através da reação popular ao com familiares e a possibilidade de punição adicional anúncio de que alguns soldados norte-americanos man­ de confinamento solitário em celas acanhadas, alguns tidos prisioneiros pelos chineses na Guerra da Coréia norte-americanos realmente fizeram declarações que haviam colaborado com o inimigo. Houve uma ten­ foram usadas em irradiações de propaganda no Vietnã dência geral de culpar as fraquezas individuais e os do Norte. Todavia, em comparação com a experiência defeitos de caráter, porém uma indagação mais cientí­ coreana, houve proporcionalmente menos colaboração fica constatou que os soldados capturados tinham sido aberta e menor número de mortes durante o tempo desmoralizados por um ataque sistemático a suas de aprisionamento, e um senso de moral e unidade de grupo mais elevados entre os prisioneiros de guerra.2 lealdades de grupo. Esta mudança é usualmente atribuída a um sistema Privações físicas, má alimentação, cuidados médicos limitados e abrigo inadequado, exerceram certa influên­ de treinamento instituído depois da Guerra da Coréia, cia para enfraquecer a resistência dos prisioneiros norte- o qual salientava, acima de tudo, que um prisioneiro americanos, mas estas condições não foram consideradas de guerra precisa manter-se em comunicação com suficientemente severas para darem conta de seu com­ outros prisioneiros e obedecer a um oficial em todas portamento. A tortura e, mais freqüentemente, as as ocasiões. Já não era mais um indivíduo solitário, ameaças de tortura ocorreram ocasionalmente, mas abandonado; era parte de um grupo em funcionamento. afetaram somente uma minoria dos prisioneiros. Os Isso não era fácil, porque os norte-vietnamitas freqüen­ principais meios de desmoralização usados pelos temente mudavam os prisioneiros, raramente os man­ chineses foi algo mais poderoso que a força física — tinham em grandes grupos e procuravam restringir a o ataque sistemático aos vínculos de grupo, descritos comunicação. por Biderman [1960] e Schein [1960]. Assim como Apesar destas dificuldades, os norte-americanos “morrer é fácil para qualquer pessoa deixada só em (na maioria, pessoal da aviação) organizaram-se em um campo de concentração” 1, a morte chegava facil­ estilo militar, autodenominando-se Esquadrilha Aliada mente para os prisioneiros de guerra isolados de seus dos Prisioneiros d e . Guerra (Allied Prisoner of War companheiros. Wing). Organizaram uma estrutura de comando que Os chineses usaram técnicas tais como confmamento tinha poder efetivo e podia dar ordens a prisioneiros solitário, isolamento de pequenos grupos de prisio­ de guerra ameaçados por seus captores. Uma alegação neiros e freqüente mudança de pessoal para impedir a que pode ser extrema, mas que parece ter sido con­ formação ou sobrevivência de grupos coesos. Mais firmada pelo comportamento de muitos homens, importante ainda, procuraram dividir os prisioneiros foi feita pelo oficial mais graduado no conjunto da no tocante às suas atitudes uns em relação aos outros prisão, conhecido jocosamente como “Hanoi Hilton” :

1 Um sobrevivente anônimo de um campo de concentração, 2 Korea Lessons Saved POWs, despacho da UPI de 15 de citado pela revista Life, 18 ago. 1958, p. 90. fevereiro de 1973.

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“Tínhamos uma camaradagem entre nós, uma leal­ dade, uma integridade que jamais encontramos outra vez em qualquer grupo de homens” [Risner, 1973]. O papel de manutenção da comunicação e dos vín­ culos de grupo no sustento do moral entre os prisio­ neiros de guerra norte-americanos é especialmente sur­ preendente, já que a opinião pública do país estava muito dividida a respeito da legitimidade da guerra no Vietnã. Os norte-vietnamitas constantemente relem­ bravam aos prisioneiros este sentimento antiguerra, mas isso aparentemente teve pouco efeito em sua atitude ou comportamento. Sob este aspecto, o comportamento dos prisioneiros de guerra no Vietnã é semelhante à maneira pela qual o Exército Alemão sobreviveu anos de derrotas inin­ terruptas na Segunda Guerra Mundial. Durante a guerra, os aliados nutriam a esperança de que a “guerra psico­ lógica” pudesse minar a fé do soldado alemão em sua causa e sua lealdade ao govemo, dessa maneira preju­ dicando seu moral combatente. Os estudos de pós-guerra [Shils e Janowitz, 1948] mostraram que esta abordagem não produziu os resultados esperados. Tal abordagem deitava raízes na teoria errônea de que o soldado é sustentado principalmente por lealdade a seu país e fé na legitimidade de sua causa, mas as investigações de pós-guerra constataram que ele é sustentado princi­ palmente por sua unidade e lealdade para com as pequenas unidades militares às quais se acha ligado. Enquanto o grupo imediato do soldado — o grupo primário que analisaremos dentro em breve — perma­ neceu integrado, ele continuou a resistir. Mesmo os que criticavam a causa da luta continuaram como soldados efetivos em conseqüência de suas lealdades grupais. Entre os relativamente poucos desertores alemães, o fato de não se sentirem totalmente absor­ vidos na vida do grupo primário do exército, foi muito mais importante do que quaisquer dúvidas políticas ou ideológicas. Muito depois de sua causa estar clara­ mente perdida, a maioria das unidades alemãs dos mais diversos tamanhos continuou a resistir, até que seus suprimentos se esgotassem ou que os homens fossem fisicamente dominados. Será somente na guerra que o indivíduo desenvolve uma lealdade de sacrifícios e uma coragem leonina? De modo algum. Citamos pesquisas acerca de grupos militares porque eles foram mais intensivamente estu­ dados do que a maioria das demais espécies de grupos, e deste estudo aprendemos alguma coisa sobre grupos de todas as espécies. Vemos como o grupo é uma reali­ dade social vital, com profundo efeito sobre o compor­ tamento dos indivíduos em todas as situações sociais. Se afastarmos um homem de todos os laços de grupo, em muitos casos ele em breve ficará doente e morrerá; se o integrarmos na lealdade de grupo, sua resistência e sacrifício serão quase inacreditáveis.

Algumas das principais classificações de grupo

Grupos pessoais e grupos externos* Existem certos grupos aos quais pertenço — minha família, minha igreja, minha turma, minha profissão, minha raça, meu sexo, minha nação — qualquer grupo a que se juntem os pronome “meu, minha, meus, minhas” . Estes são os grupos pessoais porque sinto que pertenço a eles. Existem outros grupos, aos quais não pertenço — outras famílias, turmas, ocupações, raças, nacionalidades, religiões e o outro sexo — que são os grupos externos, porque estou fora deles. As sociedades primitivas menos avançadas vivem em pequenos bandos isolados, que usualmente são clãs de parentes. Foi o parentesco que determinou a natureza do grupo pessoal e do grupo externo. Quando dois estranhos se encontravam, a primeira coisa que tinham de fazer era estabelecer relacionamento. Se o parentesco pudesse ser estabelecido, então eram amigos — ambos eram membros do grupo pessoal, ou que podiam chamar de nosso. Do contrário, em muitas sociedades eram inimigos e agiam de modo correspondente. A sociedade moderna firma-se em muitos laços além dos de parentesco, mas o estabelecimento e a definição de grupos pessoais são igualmente impor­ tantes. As pessoas colocadas em uma nova situação social, quase sempre farão cuidadosas explorações na conversa para descobrirem se “pertencem” ou não. Quando nos encontramos entre pessoas que são de nossa própria classe social, religião, que partilham de nossos pontos de vista políticos e que se interessam pelos mesmos tipos de esporte e música, podemos ter uma certa segurança de que estamos num grupo pessoal. É provável que os membros de um grupo externo par­ tilhem de certos sentimentos, riam das mesmas piadas e definam com relativa unanimidade atividades e metas da vida. Os membros do grupo externo podem partilhar de muitos dos mesmos traços culturais, mas não partilham do que quer que seja necessário para inclusão neste grupo pessoal. Na sociedade moderna, constatamos que os indi­ víduos pertencem a tantos grupos que inúmeros de seus relacionamentos em grupos pessoais e em grupos externos podem sobrepor-se. Um membro de uma classe de veteranos pode considerar que um calouro pertence a um grupo extemo; e, no entanto, este mesmo veterano e o mesmo calouro podem ser membros de uma equipe esportiva em que têm entre si um relacio­

* No original, respectivamente (N. do T.)

in-groups e out-groups.

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namento de grupo pessoal. Da mesma forma, os homens que têm um relacionamento de grupo pessoal como membros da mesma igreja, podem estar em diferentes partidos políticos; as mulheres que trabalham em con­ junto na Associação de Pais e Mestres podem descobrir que já não estão no mesmo grupo pessoal quando são feitos planos para uma festa no Clube de Campo. 0 fato de que as classificações de grupo pessoal e grupo externo se entrecruzam em muitas linhas, não interfere em sua intensidade; a sutileza de certas distinções fazem com que as exclusões sejam ainda mais penosas. Podemos ansiar por nos filiarmos a um grupo que nos exclui. Assim, os novos-ricos que superficialmente dispõem de todas as qualificações para ingresso na “sociedade”, podem continuar sendo excluídos do registro social. O rapazola que espera “desesperadamente” aceitação, pode constatar que nenhuma turma o acolhe; a dona de casa pode ser excluída de um “chá das cinco” informal; e o homem em um turma de trabalho pode constatar que é alvo de ridículo e não parte de um grupo de companheiros que se sentem bem entre si. A exclusão do grupo pessoal pode ser um processo brutal. A maioria das sociedades primitivas tratava os estranhos como parte do reino animal; muitas não tinham palavras que distinguissem entre “inimigo” e “estranho” , mostrando que não faziam distinção. Não era muito diferente a atitude dos nazistas que excluíam os judeus da raça humana. Rudolf Hoess, que comandou o campo de concentração de Auschwitz, no qual foram mortos 700 000 judeus, caracterizava esta matança como “a eliminação de corpos racial e biologicamente estranhos” .3 Os grupos pessoais e externos são importantes porque afetam o comportamento. Dos companheiros membros de um grupo pessoal esperamos reconhecimento, leal­ dade e auxílio. Em relação aos grupos externos nossas expectativas variam: de alguns grupos externos espe­ ramos hostilidade, de outros, uma concorrência mais ou menos hostil, e de outros, ainda, indiferença. Não podemos esperar do grupo externo sexual nem indife­ rença nem hostilidade; mas em nosso comportamento, inegavelmente subsiste uma diferença. O menino de doze anos de idade que se retrai diante das meninas, cresce para tomar-se um amante romântico e passa a maior parte de sua vida no matrimônio. E, no entanto, quando os homens e as mulheres se encontram em ocasiões sociais, a tendência é de se separarem em grupos por sexo, porque cada sexo está cansado de

3 Ver Rudolf Hoess. Commandant o f Auschw itz. Trad. de Constantine Fitzgibbon, Cleveland, The World Publishing, 1960, em que Hoess diz com orgulho nostálgico o quão eficiente­ mente ele organizou esta operação; livro resenhado pelo Time, 28 mar. 1960, p. 110.

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muitos dos tópicos de conversa que interessam ao outro sexo.

Distância social. Não estamos igualmente envolvidos em todos os nossos grupos pessoais. Por exemplo, alguém pode ser um democrata apaixonado e um rotariano algo indiferente. Tampouco nos sentimos igual­ mente distantes de todos os nossos grupos externos. Um democrata leal se sentirá muito mais perto dos republicanos do que dos comunistas. Bogardus [1958, 1959] e outros [Westie, 1959] desenvolveram o conceito de distância social para medir o grau de proximidade ou aceitação que sentimos em relação a outros grupos. Embora seja uma categoria usada com referência a grupos raciais na maior parte das vezes, a distância social refere-se à proximidade entre os grupos de todas as espécies. A distância social é medida por observação direta dos relacionamentos que as pessoas têm com outros grupos ou, mais freqüentemente, através de questio­ nários em que são solicitadas a responder sobre relacio­ namentos que aceitariam ou rejeitariam como membros de certos outros grupos. Nesses questionários, podem ser listados muitos grupos, e os informantes instados a marcarem se aceitariam um membro de cada grupo como vizinho, companheiro de trabalho, parceiro de casamento e assim por diante, através de uma série de relacionamentos. O Quadro 7 mostra um estudo de reações de dis­ tância social de dois grupos: (1) estudantes de uma faculdade do Texas, classificados como méxico-ame­ ricanos e como outros brancos, e (2) sul-africanos de língua nativa. Quanto mais baixo o escore, tanto mais favorável a reação. O escore 1 indica aceitação completa em todos os relacionamentos; um escore 2 indica mais indiferença do que aceitação, e escores mais altos indicam graus crescentes de rejeição. Por categorias, a maior aceitação foi como companheiro de trabalho e a rejeição mais freqüente foi como parceiro de casa­ mento. Em comparação com estudos anteriores, este teste deve indicar que a distância social nos EUA está dimi­ nuindo. O escore global para a escola do Texas (méxicoamericanos e outros brancos, combinados) foi de 1,43. Em 1926, uma amostra nacional mostrou um escore global de 2,14, ao passo que em um estudo realizado em 1966, foi de 1,92 [Brown, 1973 p. 276], Um levantamento semelhante de atitudes quanto à distância social em 1968, entre africanos brancos de língua africâner, demonstrou um escore de distância social de 5,40 em relação aos africanos pretos e um escore médio para quinze diferentes grupos étnicos de 3,86. Um teste igual em 1964 mostrou um escore de distância social ligeiramente mais baixo, de 3,65 [Lever, 1972],

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Ordem 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17.

Grupo étnico México-americanos Mexicanos Espanhóis Norte-americanos (brancos dos E U A ) Italianos Britânicos índios (norte-americanos) Holandeses Negros Alemães Judeus Chineses Japoneses T urcos Russos Coreanos Indianos

E. D. S. 1,08 1,09 1,12 1,28 1,38 1,39 1,57 1,88 1,95 1,95 2,41 2,44 2,54 2,61 2,76 2,80 2,94

Ordem 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17.

Grupo étnico Norte-americanos (brancos dos E U A ) Ingleses Canadenses Suecos Franceses Noruegueses Holandeses Finlandeses índios (norte-americanos) México-americanos Mexicanos Chineses Japoneses Russos T urcos Indianos Coreanos

Sul-africanos (de língua africâner) * E. D. S.

Ordem 1.

1,04 1,15 1,19 1,23 1,27 1,35 1,36 1,49 1,60 1,75 1,95 2,17 2,18 2,33 2,36 2,45 2,48

2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15.

Grupo étnico Sul-africanos (de língua africâner) Sul-africanos (de língua inglesa) Britânicos Holandeses Alemães Judeus Italianos Gregos Portugueses Chineses "D e cor" Africanos Japoneses índios Russos

E. D. S.

1,16 1,45 2,30 2,47 2,55 2,94 3,86 3,94 4,61 5,07 5,23 5,40 5,32 5,71 5,95

F O N T E : Adaptado de Robert L. Brown. Social Distance Perception as a Function of M exican-Am erican and Other E th n ic Identity. Sociology and Social Research. 57, abr. 1973, p. 278, e H. Lever. Changes in E th n ic Attitude in So u th Africa. Sociology and Social Research, 56, jan. 1972, p. 206. *

Africâner, língua oriunda do holandês do século X V I I , falada hoje pelos descendentes dos colonizadores holandeses na República Sul-africana. (N. do Revisor Técnico.)

S O C IA L

"Outros brancos"

México-americanos

O R G A N IZ A Ç Ã O

Q U A D R O 7 Classificação de grupos étnicos por escores de distância social (E. D.S.) assinalados por estudantes méxico-americanos por outros estudantes "brancos" em um campus de faculdade no Texas em 1971, e por sul-africanos de língua africâner em 1968.

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Presumivelmente, os escores mais altos para os sul-africanos devem indicar uma maior polarização de atitudes étnicas tanto entre os pretos e os brancos como entre os grupos étnicos em geral, do que no caso dos EUA. O aumento em escores de distância social na África do Sul é muito pequeno para ser estatistica­ mente significante e poderia resultar em um erro de amostragem. Mas, pelo menos, tenderia a indicar que não houve diminuição alguma em termos de polarização étnica da República Sul-Africana durante esse período de quatro anos. Tanto os testes sul-africanos como os texanos indicam uma tendência a aceitar o próprio grupo da pessoa em primeiro lugar, e a indicar uma elevada distância social em relação aos grupos que parecem ser nitidamente diferenciados, física ou cultu­ ralmente, daqueles a que a pessoa pertence. Também é interessante observar que, exceto em relação a seus próprios grupos e aos que com eles se relacionam de perto, os estudantes méxico-americanos e os outros brancos mostraram alto grau de similaridade nas classifi­ cações de distância social que deram os vários grupos étnicos. Esta similaridade entre as classificações dos dois grupos ilustra o fato de que o grupo minoritário tende a aceitar as definições sociais da maioria. Os questionários acerca de distância social talvez não apurem exatamente o que as pessoas realmente fariam se um membro de outro grupo procurasse tornar-se amigo ou vizinho. A escala de distância social é apenas uma tentativa de medir a sensação de indis­ posição para associar-se igualmente com um grupo. O que uma pessoa verdadeiramente fará numa situação concreta também vai depender das circunstâncias dessa situação (determinantes contextuais do comporta­ mento), o que será ilustrado amplamente no capítulo que trata de raça e relações étnicas. Grupos de referência. .Existem grupos que nos são importantes como modelos, ainda que nós próprios não façamos parte deles. As opiniões cia “alta socie­ dade” podem ser importantes para quem aspira às “alturas” mas ainda não alcançou destaque social. Em certas ocasiões o grupo pessoal e o de referência podem ser o mesmo, como quando o rapazola dá mais peso às opiniões de seu bando do que às dos mestres. Algumas vezes, um grupo externo é o grupo de referência: os índios norte-americanos pintavam-se para a guerra a fim de impressionar os inimigos, e meninos ou rapazes (de todas as idades!) exibem-se para impressionar as meninas e moças. Grupo de referência é qualquer grupo a que fazemos referência quando externamos julga­ mentos - qualquer grupo cujos parâmetros se tomam os nossos. O leitor está lembrado de que mencionamos o conceito de grupo de referência quando falamos do eu “ do espelho” , indicando que a criança jovem está interessada nas reações de cada pessoa com quem

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entra em contato, ao passo que a pessoa mais amadu­ recida seleciona determinados grupos cuja aprovação — ou desaprovação —deseja especialmente. Estereótipos. Geralmente os grupos externos são percebidos em termos-de estereótipos. Um estereótipo é uma imagem que um grupo partilha de um outro grupo ou categoria de pessoas. Os estereótipos podem ser positivos (o médico da família, bondoso e dedicado), negativos (o político oportunista, sem princípios), ou mistos (a velha mestra, dedicada, ruidosa e assexuada). Os estereótipos são aplicados indiscriminadamente a todos os membros do grupo estereotipado, sem que haja lugar para diferenças individuais. Os estereótipos nunca são totalmente inverídicos, porque precisam ter certa semelhança com as características da pessoa estereotipada, ou não seriam reconhecidos. Mas eles sempre são distorcidos, porque exageram e universa­ lizam algumas das características de alguns dos membros do grupo estereotipado. Não se sabe como tem início o estereótipo. Uma vez incorporado à cultura, é mantido por percepção seletiva (observação apenas dos incidentes capazes de confirmá-lo, relegando-se as exceções), por interpretação seletiva (interpretação das observações em termos do estereótipo: por exemplo, os judeus são “agressivos e persistentes”, ao passo que os não-judeus são “ambi­ ciosos”), por identificação seletiva ( “eles se parecem com mestres-escola.. . ”) e por exceção seletiva (“ele não age realmente como judeu”). Todos estes processos envolvem um lembrete do estereótipo, de modo que até mesmo as exceções e as identificações incorretas servem para cultivar e sustentar o estereótipo. Não obstante, os estereótipos estão constantemente mudando. A velha professora solteirona e em desalinho é tão rara hoje que este estereótipo está praticamente morto. Um estereótipo desaparece quando as ilustrações confirmatórias não podem mais ser encontradas. Os estereótipos raciais e étnicos pouco lisonjeiros caíram fora de moda nos meios de comunicação de massa de hoje (e, além disso, hoje os grupos atingidos estão preparados para protestarem efetivamente contra este­ reótipos inexatos ou pouco lisonjeiros). O humor racial e étnico desapareceu quase inteiramente do palco e da tela, enquanto o vilão raramente tem qualquer identidade reconhecível, seja racial, étnica, nacional, religiosa ou ocupacional. O processo de formação de estereótipos é contínuo. Qualquer jovem de cabelos compridos, barbudo e de calça “rancheira” azul tem a probabilidade de ser tratado como um hippie, ainda que poucos que se enquadram nessa descrição participem da subcultura hippie. Mas o processo de formação de estereótipos atua nos dois sentidos, conforme revela a seguinte carta da revista Playboy :

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Nasci muito tarde para fazer parte do movimento hippie. Simpatizo com suas metas e filosofia, mas du­ rante toda a minha vida me vesti como uma pessoa comum e nesse ponto seria falso mudar minha aparên­ cia. Uma noite, eu e um amigo, usando paletó e gra­ vata, tendo nossos cabelos relativamente curtos, visi­ tamos um café hippie popular em Los Angeles. Mal tínhamos sentado quando ouvimos alguém dizer em voz alta: ‘Temos aqui dentro dois “tiras” de repressão aos narcóticos” . As observações foram ficando cada vez mais ameaçadoras, até que decidimos, por honra e amor à paz, deixar nosso café inacabado e saímos. (John Hawkins, em Playboy, dez. 1970. p. 18.)

nalidades individuais. Isso ocorre através de contatos sociais que são íntimos, pessoais e totais, porque envolvem muitas partes da experiência de vida de uma pessoa. No grupo primário, como a família, “panela” ou conjunto de amigos íntimos, os relacionamentos sociais tendem a ser informais e descontraídos. Os membros estão interessados uns pelos outros como pessoas. Confidenciam esperanças e temores, partilham de experiências, conversam agradavelmente e satisfazem à necessidade de companhia humana íntima. No grupo secundário os contatos sociais são impessoais, segmentários e utilitários. Não se tem interesse por outra pessoa como pessoa, mas sim como funcionário que está cumprindo um papel. As qualidades pessoais não são importantes; é importante o desempenho —somente aquela parte ou segmento da personalidade total envol­ vida no cumprimento de um papel. O grupo secundário poderia ser um sindicato trabalhista, um clube de campo ou uma Associação de Pais e Mestres, ou poderiam ser duas pessoas negociando rapidamente sobre o balcão de uma loja. Em qualquer caso, o grupo existe para um propósito específico limitado, envolvendo apenas um segmento das personalidades de seus membros.

Os estereótipos são mantidos por percepção seletiva.

Os estereótipos são importantes porque tratamos os membros de outros grupos em termos das opiniões estereotipadas que temos deles. Pelo menos inicialmente interagimos com o estereótipo e não com a verdadeira pessoa. Isto resulta em muitas injustiças, porque somente algumas das pessoas em um grupo é que se enquadram totalmente no estereótipo. O mais impor­ tante, porém, é a tendência à interação em termos de estereótipos, que encoraja as pessoas a se tomarem mais próximas do estereótipo. Neste sentido, o este­ reótipo é um exemplo de “profecia que se realiza”. No Capítulo 5, vimos como as pessoas tendem a tomar-se o que as outras parecem pensar que elas são (o “eu do espelho”). Assim, o estereótipo tende a moldar o comportamento grupai em termos de este­ reótipos. É muito provável, por exemplo, que o este­ reótipo “brutal” do policial sirva para aumentar a brutalidade da polícia e não para suscitar uma sensi­ bilidade compreensiva entre seus membros.

Grupos primários e secundários

Grupos primários são aqueles nos quais ficamos conhecendo intimamente outras pessoas como perso­

Os grupos primários persistem em um mundo dominado pelo grupo secundário.

Os termos “primário” e “secundário” descrevem, portanto, um tipo de relacionamento e não a impor­ tância relativa do grupo. O grupo primário pode servir a funções objetivas como a provisão de alimentos e vestuário, mas é julgado pela qualidade de seus relacio­ namentos humanos e não por sua eficiência no aten­ dimento das necessidades materiais. O grupo secundário pode funcionar em uma ambiente agradável, mas seu propósito principal é cumprir uma função específica. Não consideramos o lar como “bom” apenas porque a casa está limpa. Os grupos primários não são julgados tanto por sua “eficiência” na execução de alguma tarefa, como pelas satisfações emocionais que propor­ cionam a seus membros. Assim o quarteto de senhoras que se reúnem para jogar bridge às terças-feiras pode jogar sofrivelmente, mas partilha de uma boa dose de papo agradável. Mas o torneio de bridge já é uma outra questão. Nestes casos, pessoas virtualmente estranhas reúnem-se para jogar e ganhar. Um “bom parceiro” é o jogador habilidoso que não perde tempo

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em conversa fútil que só serve para distrair. A meta principal é ganhar a partida (e marcar os pontos), não a sociabilidade. Uma boa turma na hora das refeições é aquela que se diverte; um bom sindicato trabalhista é aquele que consegue proteger os interesses de seus afiliados. Os grupos primários são julgados pela resposta -humana satisfatória que proporcionam; os secundários são julgados por sua capacidade na execução de uma tarefa ou consecução de uma meta. Embora os grupos secundários algumas vezes também proporcionem relacionamentos humanos agradáveis, comumente a sociabilidade não é sua meta. Em suma, os grupos primários são orientados para o relaciona­ mento, ao passo que os grupos secundários são orien­ tados para metas. Os dois grupos são importantes porque os senti­ mentos e o comportamento neles diferem. É no grupo primário que se forma a personalidade. É onde encon­ tramos intimidade, compreensão e uma participação confortável em muitos interesses e atividades. No grupo secundário encontramos um mecanismo efetivo para a realização de certos propósitos, mas muitas vezes ao preço da supressão dos sentimentos reais da pessoa. Por exemplo, a balconista precisa ser alegre e educada, ainda que esteja com grande dor de cabeça e o cliente seja um chato. Os conceitos são úteis porque descrevem diferenças importantes em termos de comportamento.

Comunidade e Sociedade

Comunidade e Sociedade são conceitos de certo modo semelhantes aos de grupos primário e secun­ dário, tendo sido desenvolvidos pelo sociólogo alemão Ferdinand Tõnnies [1877, tradução em 1957], Comuni­ dade é um sistema social em que a maioria dos relacio­ namentos são pessoais ou tradicionais e, freqüente­ mente, são as duas coisas. Um bom exemplo é o solar feudal ou uma pequena comunidade mantida por uma combinação de relacionamentos pessoais e obrigações de status. Embora existisse grande desigualdade, o senhor dessa propriedade era pessoalmente conhecido de seus “súditos”, enquanto os deveres destes para com ele tinham como contrapartida as obrigações do ano em relação ao bem-estar deles. Quando se usava a moeda, as transações econômicas eram regidas pelos conceitos de um justo preço; com maior freqüência as pessoas envolvidas simplesmente executavam uma série de obrigações costumeiras entre si. Os documentos escritos eram escassos, os contratos formais não eram conhecidos, as negociações eram raras e o comporta­ mento de todos os tipos operava segundo padrões tradicionais que eram conhecidos e aceitos por toda a comunidade. As crianças tinham poucas esperanças de superarem os pais e, igualmente, pouco medo de

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ficarem aquém do status familiar. Exceto nos ocasionais dias de festa, a vida era monótona; mas a solidão era rara em uma comunidade de vizinhos para a vida toda. No segundo tipo, a sociedade tradicional é substi­ tuída pela sociedade contratual. Nem os vínculos pessoais nem os direitos e deveres tradicionais são importantes. Os relacionamentos entre as pessoas são determinados por negociação e definidos em acordos escritos. Os parentes estão separados à medida que as pessoas se mudam e vivem entre estranhos. Os códigos de comportamento comumente aceitos têm menos força do que o cálculo racional — ou “a sangue frio” — de lucros e perdas. A sociedade do segundo tipo floresce na moderna cidade metropolitana. Algumas das características contrastantes da comunidade e sociedade estão resumidas abaixo: COMUNIDADE (RELACIONAMENTOS)

SOCIEDADE (RELACIONAMENTOS)

Pessoais Informais Tradicionais Sentimentais Gerais

Impessoais Formais, contratuais Utilitários Realísticos Especializados

Tendência moderna â associação em grupos secundários Nossos sentimentos e laços emocionais centram-se nos grupos primários, mas uma tendência acelerada à sociedade com base em grupos secundários parece um processo irresistível na era moderna. Os pequenos principados da Europa feudal cederam lugar a Estados nacionais, e a associação íntima do mestre e dos traba­ lhadores na oficina da corporação profissional cedeu lugar às sociedades anônimas gigantes, que empregam milhares de pessoas. A população mudou-se do campo para a cidade, e toda uma vida de residência em cercanias familiares tomou-se uma raridade, já que aproximada­ mente uma família norte-americana em cada cinco se muda a cada ano. Uma sociedade urbana industrializada investe contra o grupo primário pelo menos de duas maneiras. Primeiro, aumenta a proporção relativa de contatos com grupos secundários, quando sucessivas atividades deixam de ser cumpridas pelo grupo primário e passam à esfera dos grupos secundários. Segundo, as associações rema­ nescentes do grupo primário ficam à mercê das neces­ sidades do grupo secundário. As mudanças na indústria podem fazer o assalariado mudar-se, perturbando suas associações locais. As mudanças industriais também influenciam os papéis desempenhados pela família. Uma depressão prolongada, o resultado de um desajustamento nos relacionamentos secundários, podem

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privar o pai de suas fontes de renda e substituí-lo pela esposa e pelo provedor de auxílio como símbolos de autoridade. As mudanças no escritório e na fábrica levam ao emprego de mulheres, de modo que a mie tem a mesma espécie de carreira que o pai, e ambos partilham das tarefas domésticas no lar. As mudanças no cenário político internacional podem tirar o marido ou o filho do seio da família e levá-lo para o outro lado do mundo. A família do trabalhador tem de ajustar-se ao horário de trabalho que a empresa julga mais provei­ toso. As negociações entre o sindicato e a sociedade anônima podem resultar em mudanças de trabalho que rompem os grupos primários informais criados no cargo. A pequena casa da escola onde um pequeno grupo de crianças e a mestra formavam um grupo primário íntimo que durava anos, é substituída pela escola “empresarial”, atendendo a centenas de crianças de uma grande área, que vão sendo promovidas de classe para classe e de mestre para mestre. Dezenas de exemplos semelhantes mostram como os grupa­ mentos primários se tornaram unidades provisórias e sempre em mudança, superadas pelas tendências de mudanças que não levam em conta os indivíduos de uma sociedade. Durkheim [1897], em seu estudo sobre o suicídio, chegou à conclusão de que não somente os altos índices de suicídio mas também de muitas outras dificuldades do comportamento são explicados pela falta dos vín­ culos tradicionais e pessoais em uma sociedade domi­ nada por grupos secundários, onde o indivíduo é engolido por anomia. Muitos estudiosos da sociedade seguiram esse caminho, considerando as tendências secundárias da sociedade modema como uma força maléfica, destruidora dos relacionamentos que garantiam às pessoas participação numa sociedade cálida e segura, onde suas tendências ao crime ou ao desespero eram contidas por suas obrigações para com uma comunidade social estável e íntima.

Contribuições da sociedade

Conquanto a sociedade calcada em grupos secun­ dários tenha trazido problemas, também trouxe bene­ fícios. O mais óbvio é a eficiência das organizações impessoais de grande escala, em que o sentimento se subordina à necessidade de realizar o trabalho da ma­ neira mais prática. Os tremendos avanços em termos de conforto material e de expectativa de vida no mundo moderno teriam sido impossíveis sem o surgimento das organizações secundárias orientadas para metas, na qual o senhor de terras paternalista foi substituído pelo especialista em eficiência e pelo gerente de pro­ dução. Tampouco o surgimento da sociedade modema e

da correspondente divisão do trabalho trouxe apenas vantagens materialistas. Estas mudanças propiciaram novas oportunidades e estimularam especializações de função que, embora fragmentem a sociedade, também permitem maiores oportunidades para desenvolver talentos individuais. Já se escreveu muito sobre como as sociedades modernas são “opressivas” e “alienantes” ; mas as sociedades primitivas ofereciam menos escolhas e oportunidades para realização pessoal. O contraste entre as milhares de ocupações nas metrópoles e o punhado de ofícios e afazeres na vila rural mostram como uma sociedade dominada por grupos secundários abre as portas a carreiras especializadas. Este processo já progrediu tanto, atualmente, que não apenas o indi­ víduo de talento pode subir ainda que tenha ante­ cedentes obscuros, como a sociedade também procura ativamente aqueles cujas habilidades podem desenvol­ ver-se em linhas profissionais, artísticas, científicas ou gerenciais. O grupo secundário também tende a impor padrões de conformidade a seus membros. Desta maneira, oferece um contrapeso aos preconceitos ou direitos adquiridos da localidade imediata. Já que suas fronteiras se estendem além do grupo primário, isso força uma consideração dos eventos a partir de uma perspectiva mais ampla. Esta diferença em atitudes pode ser vista na tendência das organizações religiosas que operam em escala nacional ou internacional, de adotarem pontos de vista que podem não ser aceitos nas congregações locais. Nos EUA, a reação das Igrejas Batistas do Sul à integração escolar é um exemplo. Com uma afiliação predominante de sulistas brancos, a maioria das congre­ gações era fortemente segregacionista em suas crenças e práticas. Os membros de destaque, inclusive certos pastores, eram ativos no esforço para manter a sepa­ ração racial nas escolas. Não obstante, quando se reuniram como uma entidade nacional, algo distante das pressões dos grupos locais, a convenção das Igrejas Batistas do Sul votou o endosso da decisão de 1954 do Supremo Tribunal para acabar com a segregação escolar [Fey, 1954], Um tipo de reação semelhante ocorreu entre os católicos na Louisianna. A violenta posição segregacionista dos católicos locais contrastava de modo flagrante com o apoio às atitudes de integração por parte da Igreja como um todo, conforme a mani­ festação do Arcebispo [America, 1957]. Para que estes incidentes não sejam considerados como isolados e próprios de uma controvérsia racial especialmente violenta, devemos acrescentar que esta disparidade entre os pontos de vista nacionais e locais é comum em muitos grupos religiosos acerca de muitas questões. Por exemplo, um estudo [Glock e Ringer, 1956] da Igreja Protestante Episcopal mostrou grande divergência entre as declarações da entidade nacional e os pontos de vista das congregações locais em oito

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ou nove questões. Tal divergência entre o sentimento nacional e o local é algumas vezes atribuída à hipocrisia em nível local ou a uma falsa representação das opiniões “reais” da organização em nível nacional. Uma análise mais penetrante deve enfatizar o fato de que, enquanto o grupo local e a organização nacional interagem, a entidade nacional tem interesses que podem superar os sentimentos locais. É provável que essas divergências reflitam uma dife­ rença entre os que estão profissionalmente associados com o grupo secundário nacionalmente organizado e os que vêem sua conexão principal com o grupo local; no caso das igrejas, muitas vezes isto retraduz a oposição entre o clero e os leigos. Assim, um levantamento efetuado em 1967 constatou que 86% dos leigos, mas apenas 35% do clero, apoiavam uma declaração de que os pretos estariam em melhor situação se tirassem van­ tagem das oportunidades disponíveis em lugar de perde­ rem seu tempo protestando [Hadden, 1969, p. 141]. Esta tendência para que a organização nacional seja mais universal em seus julgamentos e que as unidades locais sejam mais particularistas — isto é, influenciadas por interesses locais e atitudes pessoais — não se limita às igrejas, podendo ser observada nas deliberações das organizações empresariais, trabalhistas e políticas. A ênfase em metas, e não em relacionamentos pessoais, e a necessidade de acomodar grande número de indi­ víduos e localidades tendem a moldar uma perspectiva que vai além do grupo primário. Contudo, tal perspectiva não é necessariamente mais liberal ou humanitária. A expulsão dos camponeses na Rússia e o uso em grande escala dos campos de concentração na Alemanha foram motivados por metas que estavam além do interesse usual da comunidade local, mas diminuíram em vez de aumentar o espaço de camaradagem humana. Os grupos secundários podem conter a avidez local e abalar os laços do provincianismo ou podem liberar uma força impiedosa que transgride os costumes tradicionais em prol das metas organizacionais.

Persistência dos grupos primários

O grupo secundário obscureceu mas não destruiu o grupo primário. De fato, os dois maiores grupos primários, a “turma” e a família, parecem ser mais fortes do que nunca. A “turma” ou “panela” é um pequeno grupo de íntimos com intensos sentimentos de grupo pessoal, com base em valores e interesses comuns. Pode desenvolver-se praticamente em qualquer situação, e quase todos os grupos secundários abrigam grande número de “panelas” , que adicionam uma nota alta­ mente pessoal a uma organização que, do contrário, seria impessoal. Quanto à família, apesar do alto índice de divórcios e do pouco de experimentação de vida

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comunitária, a maior parte da população do mundo ainda vive em famílias e provavelmente viverá sempre. Além disso, a família de hoje está-se tornando cada vez menos orientada para metas mundanas e mais interessada em relacionamentos humanos. A família de ontem era principalmente uma equipe de trabalho, algumas vezes brutalmente repressiva; a de hoje é princi­ palmente um grupo de companheiros e um exemplo perfeito da persistência do grupo primário. Os grupos primários persistem em um mundo domi­ nado pelo grupo secundário, em conseqüência da necessidade humana de associação contínua íntima e compreensiva. A maioria das pessoas não pode viver bem, salvo se pertencer a um pequeno grupo de pessoas que realmente se interessem pelo que lhes aconteça. Sempre que as pessoas são separadas da família e dos amigos e lançadas em grandes grupos impessoais e anônimos, como no dormitório do colégio ou no quartel do exército, elas sentem tamanha necessidade de grupos primários, que rapidamente os formam.

Grupos primários em ambiente secundário

Se classificássemos os grupos de acordo com a pre­ dominância de traços típicos de grupo primário ou secundário, o resultado seria uma listagem de grupos secundários como o exército, a grande empresa e o Estado nacional, e uma lista de grupos primários como a família, a “panela” e o bando. Agindo desta maneira, deveríamos, então, contrastar a natureza dirigida para metas da grande organização com o enfoque pessoal e orientado para relacionamento dos grupos íntimos menores. Supõe-se tal separação quando procuramos analisar a eficiência das grandes organizações. Se estamos interessados pela produtividade da mão-de-obra industrial, podemos estudar as metas, técnicas e recom­ pensas da fábrica e, depois, considerar o caráter e o treinamento dos indivíduos que formam a força de trabalho. A falácia desta abordagem é que ela não considera a extensão em que cada grande organização constitui uma rede de pequenos grupos primários. Uma pessoa não é simplesmente uma unidade em um organograma desenhado pela cúpula da administração; o indivíduo é também membro de um grupo informal menor com sua própria estrutura e sistema de status e papéis, que definem o comportamento de seus membros. Na fábrica, o trabalhador encontra um lugar em um grupo de pares com sua própria liderança, do qual em geral o contramestre está excluído pelo fato de sua posição impedir este relacionamento de grupo pessoal. Já que os traba­ lhadores necessitam da aprovação e apoio da “panela”, mais do que da aprovação de seus supervisores, eles respondem às exigências da administração somente

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As novas normas não podem produzir resultados, salvo se também forem aceitas pelo grupo.

na medida em que estas sejam coerentes com os rela­ cionamentos do grupo pessoal. A influência do grupo primário é uma das razões pelas quais os planos de pagamento com incentivo, que dão ao trabalhador uma bonificação por maior produção, freqüentemente não têm produzido resul­ tados. A lógica desses planos é que muitos trabalhadores que deixam de exercer o máximo de seus esforços, trabalharão mais arduamente se forem pagos em pro­ porção ao que produzirem. 0 defeito principal desses planos é que sua operação efetiva destrói a unidade dos grupos primários. Em vez de um número de iguais cooperando entre si, a turma de trabalho se tomaria uma quantidade de indivíduos concorrendo uns com os outros, cada qual se esforçando para fazer mais do que os outros. Afora a tensão da concorrência contínua, esta situação ameaça os relacionamentos sociais dos trabalhadores. Como defesa, as “turmas” das fábricas criam a norma de “um justo dia de trabalho”. O traba­ lhador que tenta ignorar esta norma é alvo de ridículo, ostracismo e possível violência. A administração pode empregar especialistas em estudos de tempos e movi­ mentos para decidir qual a produção “razoável”, mas as novas normas não poderão dar resultados, salvo se também forem aceitas pelo grupo [Davis, 1972, p. 48890], Embora o ambiente do grupo primário e do secun­ dário possa constituir um obstáculo, também pode ser um auxílio positivo na realização dos objetivos organizacionais. [Miller e Form, 1964 p. 282-3], Gross examinou a maneira pela qual as “panelas” informais que interferem com as missões formais de trabalho podem levar à cooperação e ao funcionamento mais suave da organização. Constata que a “panela” pode até reforçar a idéia de lealdade para com a organização, conforme revela o caso dessa secretária particular: Uma secretária particular está no topo da pilha. Você necessita de alguma coisa mais além de datilo­ grafar e anotar em estenografia. Você tem de sentir que está trabalhando para a empresa e não apenas para você. Atualmente, Mildred e Emma (outras

secretárias particulares), assim como eu, temos o mesmo ponto de vista. Louise é uma boa estenógrafa, mas nunca será uma secretária. Ela não se enquadra em nosso bando. Quando saímos para o café, geralmente ela se agarra e vem junto. Depois, queixa-se do chefe. Não pode aceitar a idéia de que não trabalhamos para um chefe, mas para a empresa. (Edward Gross. Some Functional Consequences of Primary Controls in Formal Work Organizations. American Sociological Review, 18:372, ago. 1953.) Ocasionalmente, os grupos primários podem até violar as regras da organização secundária maior, a fim de que as coisas sejam realizadas. Se as regras formais nem sempre funcionam em todas as situações, os grupos primários simplesmente aparam certas arestas — isto é, violam algumas regras — para que o trabalho seja feito [Roy, 1955], Assim como não podemos considerar realisticamente o indivíduo fora da sociedade, também não podemos compreender completamente os grupos secundário e primário, a não ser na relação de uns com os outros. Na sociedade moderna, as funções e a influência dos grupos primários foram enfraquecidas pelo crescimento de grupos secundários orientados para metas, que estão assumindo papel cada vez mais preponderante. Contudo, cada um destes grupos secundários cria nova rede de grupos primários, que proporcionam intimi­ dade e resposta pessoal, em uma situação que, do contrário, seria impessoal. Conquanto estes e outros grupos primários freqüentemente sejam destruídos ou modificados pelo impacto dos grupos secundários, aqueles, por sua vez, exercem grande influência sobre estes. Os grupos primários podem resistir aos esforços dirigidos para metas das organizações secundárias ou podem ajudar a integrar partes díspares da organização, e prover uma segurança emocional que reforça a habi­ lidade do indivíduo para desempenhar os papéis exigidos por seu status no grupo secundário.

Dinâmica de grupo Há muito tempo que os sociólogos vêm-se empe­ nhando em procurar convencer o mundo cético de que o grupo é real e não apenas uma porção de indivíduos. Apenas recentemente é que voltaram sua atenção para fatores específicos que afetam o funcionamento dos grupos. Dinâmica de grupo é o estudo dos relaciona­ mentos dos membros do grupo uns com os outros. Obviamente, podem ocorrer muitos padrões. Um grupo pode ser dominado por um ou dois indivíduos, ou pode envolver a participação de todos os seus membros; a liderança pode ser democrática ou autoritária, transi­ tória ou duradoura; o grupo pode estimular ou manter

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baixo o nível de produção; sua atmosfera pode ser distendida e amistosa ou tensa e carregada de hostili­ dade; pode suscitar novas abordagens ou ater-se a rotinas antigas. Estes e muitos outros padrões têm sido observados com freqüência. Surge a pergunta: “Que fatores produzem um ou outro tipo de vida grupai e como, esses fatores podem ser controlados?” O interesse acadêmico dos sociólogos na expansão das fronteiras do conhecimento nesta área foi estimu­ lado pelas exigências das organizações que querem auxílio para a solução de seus problemas. Diversas entidades e organismos desejam usar líderes mais efeti­ vamente e garantir participação mais intensa de seus membros. As entidades governamentais esperam tornar seus empregados mais eficientes e receptivos às neces­ sidades do povo. As forças armadas estão constante­ mente revisando suas políticas, em busca do tipo de organização que conduza ao uso mais efetivo do pessoal militar. As grandes empresas industriais procuram conhecimento que as auxilie a planejar seus grupos de trabalho de um modo que minimize o atrito e garanta o máximo de eficiência em suas operações. Os refor­ madores e revolucionários desejam saber como organizar e unificar os grupos cujo potencial desejam mobilizar. Estas necessidades práticas, às quais se junta a curio­ sidade intelectual dos estudiosos, levaram a um campo de pesquisa usualmente rotulado como “dinâmica de grupo” ou “pesquisa de pequenos grupos”. Tal pesquisa registra afanosamente a interação que real­ mente ocorre nas atividades de grupo, muitas vezes usando dispositivos como a sala de conferência, onde a visibilidade de via única permite aos observadores ver a interação e registrar conversações, sem que sejam percebidos pelos participantes. Os problemas a serem resolvidos são difíceis, porque os grupos são afetados tanto pela maneira específica com que são organizados, como também pelos ant.ecedentes culturais gerais de seus membros. Apesar das complexidades da tarefa, este tipo de pesquisa está gradualmente aumentando nosso entendimento de como os grupos funcionam [Strodtbeck e Hare, 1954; Bales, 1959; Cartwright e Zander, 1960; Mann, Gibbard e Hartman, 1967; T. Mills, 1967; Roby, 1968; Luft, 1970; Gibbard, Hartman e Mann, 1974], Os entusiastas pela pesquisa de pequenos grupos esperam que o discernimento sobre como estes operam possa levar ao entendimento das macro-sociedades. Por exemplo, Freilich [1964] argumenta que o rela­ cionamento triangular não é simplesmente caracterís­ tico de uma situação romântica com mais de dois participantes, mas é uma característica constante de todos os grupos humanos, grandes e pequenos. Freilich sustenta a existência de uma “tríade natural”, que se compõe de uma pessoa que é uma “autoridade de alto status”, uma outra que é um “amigo de alto status”

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e uma terceira que é um “subordinado de baixo status”. Ele enxerga a luta na vida humana como reflexo de uma constante mudança de alianças entre dois membros da tríade contra o terceiro. Os estudos de pesquisa desse gênero aumentam nossa compreensão da interação humana.

Padrões de comunicação

Um dos problemas mais importantes em qualquer grupo é a comunicação entre seus membros. A comu­ nicação não é simplesmente uma questão da linguagem falada e dos tipos de material impresso ou audiovisual usado para a transmissão de mensagens, ainda que possam ser dispositivos importantes. A comunicação é também uma questão da estrutura do grupo e da proximidade física e social de seus membros. Qualquer grupo precisa criar algum caminho para que seus membros partilhem de sua informação. Há muitas maneiras possíveis de engatar um fluxo de comunicação e, possivelmente, nem todos estes padrões têm o mesmo efeito sobre o trabalho do grupo e o relacionamento entre seus membros. A influência dos diferentes padrões de comunicação em um grupo para solução de um problema foi regis­ trada por Bavelas [1953], Este autor dispôs um grupo de cinco homens em diferentes padrões de comunicação, que podem ser descritos como o círculo, a corrente, o “Y ” e a roda. No círculo, todos têm uma chance igual de se comunicar com os demais; nos outros padrões, o homem que está no centro tem o máximo de comunicação, sendo os demais restritos. Conforme se verificou, o moral e a liderança revelaram-se intima­ mente ligados à posição de centralidade. A satisfação dos membros era maior no círculo, onde nenhum homem surgia como líder. Na roda, onde o homem no centro tomava-se o líder, a produção era maior, mas a satisfação grupai era menor. Como compensação para sua menor produção, o círculo adaptava-se mais rapidamente a novas tarefas do que os outros padrões. A comunicação efetiva promove a satisfação do indi­ víduo com o grupo e permite-lhe expressar-se livremente e receber as impressões dos outros. A centralização de comunicação orienta a atenção dos membros do grupo para tópicos específicos e propicia uma concen­ tração de esforços. A organização das salas de aula e planos de trabalho industrial dependem de a ênfase ser maior em produtividade de rotina ou no desenvol­ vimento de flexibilidade e consecução de satisfação na situação de grupo. A pesquisa sobre o método de preleção versus debate na instrução concedida em faculdades, por exemplo, revela que os estudantes memorizam em grupos muito grandes com o método de preleção (análogo ao padrão da roda), embora tenham

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maior estímulo para pensarem por si próprios através do debate (análogo ao padrão do círculo) [Bloom, 1954, p. 37-8], Estes são alguns exemplos de como a pesquisa de pequenos grupos pode ajudar na solução de problemas práticos.

Grupos terapêuticos e de encontros

Os Alcoólatras Anônimos organizam o apoio emo­ cional do grupo no esforço para auxiliarem um alcoó­ latra a controlar seu anseio para beber. Outros grupos usam técnicas semelhantes de terapia para os depen­ dentes de drogas; os “controladores de peso” ajudam as pessoas a perderem peso; até os fumantes de cigarros estão tentando uma abordagem através de grupo tera­ pêutico. Há também inúmeros grupos organizados para ajudar seus membros a enfrentarem uma situação difícil — parentes de alcoólatras ou viciados em drogas, parentes de pacientes mentais, pacientes com alta em hospitais mentais, homossexuais, anões, cegos e, recen­ temente, os portadores de defeitos físicos e outros [Sagarin, 1970], Esta tendência de as pessoas que par­ tilham de um problema aflitivo se juntarem para entendimento e apoio mútuo com o objetivo de superá-lo ou aceitá-lo, é bastante recente. Uma outra forma relativamente nova de experiência grupai é o grupo de encontros, definido de um modo geral para incluir “todas as experiências de sensibili­ dade, meditação, expressão corporal, ampliação da consciência e outras” [Burton, 1969, p. 8n]. O objetivo de um grupo de encontro pode ser educacional, dirigido principalmente para melhoria em aprendizagens emocionais e de atitudes, ou pode ser terapêutico, visando auxiliar os membros a se entenderem e a intera­ girem mais confortavelmente com os outros. Embora os grupos terapêuticos mencionados reúnam pessoas que partilham do mesmo problema, um simples grupo de encontros pode abranger pessoas com todos os tipos de problemas. O movimento do grupo de encontros é bastante novo, baseado numa teoria ainda pouco desenvolvida, com definição e vocabulário ainda provisórios. O termo “grupo de encontros” cobre, portanto, uma ampla variedade de tipos de experiência de grupo. O termo bastante usado, “grupo T”, abreviatura de “grupo de treinamento” , abrange a faixa toda de experiência grupai manipulada com a finalidade de aprender quais são as conseqüências [Egan, 1970, p. 10]. O grupo de treinamento de sensitividade é um grupo de encontro educacional que procura estruturar a comunicação dentro de um grupo a fim de maximizar intercâmbios de significados e de mudanças de atitude. Desenvolveu-se entre educadores que procuravam maneiras de esti­ mular a aprendizagem [Golembiewski e Blumberg,

1970]. Mais tarde, desenvolveu-se para incluir esforços com vistas a ampliar o entendimento mútuo entre grupos hostis, como por exemplo a administração e a força de trabalho, a polícia e os jovens, os pretos e os brancos, através de um confronto verbal honesto e sem rebuços, no qual cada um exterioriza atitudes e “queixas” em “nível de ousadia” e, presumivel­ mente, amplia sua percepção ao longo do processo [Bouma, 1969, p. 149-53], Estes confrontos podem aumentar o entendimento mútuo, com compreensão, se forem habilidosamente conduzidos; do contrário, podem facilmente confirmar preconceitos e intensificar hostilidades. Existe um movimento de grupo de encontros, de caráter comercial e largamente difundido, cujo objetivo consiste principalmente em melhorar o ajustamento pessoal. Estima-se que seis milhões de clientes estão freqüentando sessões de grupos de encontros organi­ zados por mais de uma centena de centros nos EUA [Maliver, 1971, 1973]. Sob a orientação de líderes mais ou menos treinados, um certo número de pessoas, que não se conhecem, devem reunir-se, sem invocarem ou recorrerem a nomes, títulos, status social e profis­ sional, despindo-se de todas as amenidades e gentilezas usuais e, algumas vezes, tirando a roupa, de modo que possam deixar de lado todos os pretextos, fingimentos e defesas, para interagirem com completa “honesti­ dade” . Pode haver uma série de exercícios ou “jogos” a fim de incrementar o contato e a receptividade. Tocar, segurar, acariciar e abraçar são atitudes encorajadas ou solicitadas, mas não se espera que tais atos sejam eróticos ou que levem a contato sexual. E encorajado o inter­ câmbio verbal e físico, com episódios ocasionais de gritaria e luta. Estas sessões de encontro podem ser breves, mas freqüentemente são “maratonas” que duram vinte e quatro horas, um fim-de-semana e, às vezes, até mais tempo [Bach, 1966; Shepard e Lee, 1970]. Espera-se que estas experiências aumentem as per­ cepções dentro do próprio eu, a fim de livrar a pessoa

Movimento comercial de grupos de encontros.

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de ansiedades e perturbações emocionais, e prestandolhe auxílio para se relacionar com os outros. Diversas questões a respeito do funcionamento dos grupos de encontros ainda estão sujeitas a debate. Uma delas é se os participantes devem ou não ser objeto de triagem, de modo que os indivíduos que pudessem estar emocionalmente perturbados pela ansiedade decorrente do processo de encontro possam ser man­ tidos fora de tais grupos. Uma questão algo semelhante indaga quanto à necessidade ou não de líderes especial­ mente habilitados para que esses grupos funcionem de maneira efetiva. Finalmente, há questões quanto à extensão em que um bem ou mal significativo possa advir das experiências dos grupos de encontros. Um dos projetos de pesquisa mais cuidadosamente elaborados até hoje — um estudo dos grupos de encon­ tros, envolvendo estudantes da Universidade Stanford — [Lieberman, Yalom e Miles, 1973, p. 107] constatou que proporções aproximadamente iguais de partici­ pantes se beneficiavam com a experiência desses encontros, não mostraram seqüelas nem foram preju­ dicadas. Embora concluíssem que “no global os grupos de encontro mostrassem impacto positivo modesto”, também constataram que mais de 9% dos participantes sofreram “dano psicológico significante” [Lieberman e cols., p. 174], Já que os grupos de encontros podem ter certa tendência a atrair os que têm problemas sérios, estes resultados negativos não indicam necessaria­ mente efeitos nocivos da experiência grupai em si mas decerto colocam algumas sérias questões. Por outro lado, Carl Rogers, que há muito tempo vem atuando como líder no movimento de grupos de encontros, relata suas experiências: Em todas as oito mil pessoas engajadas nestes grupos até agora, não houve qualquer colapso psico­ lógico de qualquer espécie durante os fins-de-semana. Muito mais tarde, houvé dois casos de crise psíquica em participantes do programa. A pergunta a se fazer é a seguinte: esse escore é superior ou não ao que ocorreria em qualquer outro grupo idêntico da população no mesmo período de tempo? (Carl R. Rogers, Carl Rogers on Encounter Groups, Evanston, Dl., Harper &Row, 1970, p. 155.) O papel do líder é um tema sempre controverso. Em princípio, é a interação do grupo e não a direção do grupo que leva à eliminação dos bloqueios emo­ cionais. Por outro lado, pode-se esperar que o líder “estabeleça o cenário” para uma intensa interação grupai, a fim de auxiliar o grupo a suportar os períodos de depressão ou frustração e reconhecer mudanças de personalidade que ocorrem entre os indivíduos. Apesar da suposta importância do líder — ou “facilitador de grupo” , que às vezes é o rótulo preferido -

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há muita dúvida sobre a natureza de sua contribuição. Os líderes de grupo não estão necessariamente mais conscientes do que seus membros das mudanças que estão ocorrendo na auto-imagem do participante, nem mesmo dos tipos de padrões que são considerados parte do desenvolvimento do grupo [Lieberman e cols., 1973, p. 72]. Até Rogers, que evidentemente tem muita fé na habilidade e contribuição potencial dos “facilitadores de grupo”, admite que os grupos sem líderes funcionam aproximadamente do mesmo modo que aqueles com um líder supostamente qualificado [Rogers, 1970, p. 8], Em sua maioria, os líderes de grupo não têm outro treinamento profissional a não ser alguma experiência em centros de encontros. As pessoas com treinamento profissional em Ciências do Comportamento não são as preferidas como líderes de grupo porque são tidas como “demasiado intelectuais e distantes”. Os psiquia­ tras e outros cientistas comportamentais, em sua maioria, são altamente críticos de qualquer forma de terapia de grupo conduzida por leigos sem treina­ mento e supervisão. Quando as defesas psicológicas de um paciente são destroçadas e a psique jaz nua, expondo culpas, ansiedades e impulsos reprimidos (como acontece em tratamento psiquiátrico), o tera­ peuta precisa saber como tratar daquilo que “desen­ terrou” para que o paciente possa melhorar em vez de ficar despedaçado. Os cientistas comportamentais ortodoxos são altamente críticos, mas ainda não se sabe se os grupos de encontros conduzidos por nãoprofissionais são uma terapia útil [Burton, 1969; Egan, 1970] ou uma trama altamente lucrativa [Rakstis, 1970; Maliver, 1971, 1973; Malcolm, 1973]. Os defensores mais ardentes da experiência intensiva de grupo acreditam que esta pode ter uma variedade de usos instrumentais. Assim, o grupo “T” pode ser um modo efetivo de fazer com que os empregados reconheçam maneiras pelas quais seu comportamento pessoal, apesar de bem intencionado, prejudica sua cooperação com outras pessoas; os grupos de terapia podem permitir que seus participantes se livrem de “dependência” e que passem a enfrentar sintomas de moléstia mental ou física; e os grupos de encontros podem proporcionar maior liberação emocional a pessoas inibidas pelas restrições maiores dos grupos mais convencionais. Pode ser que os entusiastas de experiência grupai tenham tentado alegar coisas demais e que seus críticos tenham sido excessivamente exigentes. Embora os grupos “T” nem sempre produzam executivos eficientes, os grupos de terapia não resolvam inevitavelmente as perturbações emocionais pessoais de seus membros ou os grupos de encontros nem sempre propiciem a liberação de longo prazo, pode ainda haver algum valor nestas formas de experiência grupai intensiva.

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Sem dúvida, alguns indivíduos conseguiram grandes mudanças em suas perspectivas e comportamentos através de sessões intensivas de grupos de encontros, ao passo que outros não sofreram praticamente modi­ ficação alguma. Todavia, a terapia direta não é tudo que tais grupos têm a oferecer. Um dos principais valores de tal experiência é que os solitários podem ser expostos ao estímulo da interação grupai, e em nossa sociedade impessoal isto não é algo irrelevante. 0 comentário de um autor sobre grupos de encontros provavelmente aplica-se a todas as formas de expe­ riência intensiva: Num contexto muito mais limitado, os grupos podem ter liberdade para buscarem metas mais modestas, como por exemplo auxiliar os amigos a falarem mais francamente, enfrentarem problemas de modo mais direto, serem mais abertos aos senti­ mentos e trabalharem com um senso de comuni­ dade. Comparada com as pretensões dos antigos calendários, esta agenda pode parecer desprezível, mas em comparação com o que de fato existe em disponibilidade, dentro ou fora do movimento do potencial humano, esse passadio é uma festa. (Ralph Keyes L., Fun and Therapy Together. Human Beha­ vior, set. 1973, p. 71.)

Sumário Tanto a força como a fraqueza são em grande parte resultado da maneira pela qual uma pessoa é integrada em uma rede de grupos. Uma distinção fundamental é a que existe entre os grupos externos e os grupos pessoais — distinção que já foi medida pelo conceito de distância social. Grupos de referência são aqueles

que aceitamos como modelos e guias para nossos julga­ mentos e ações. Estereótipos são impressões distorcidas das características dos grupos externos que se tornaram amplamente aceitas em uma sociedade. O condicio­ namento emocional é em grande parte resultado de contatos em grupos primários, mas nossa sociedade é cada vez mais afetada pelo crescimento de relacio­ namentos em grupos secundários. Conquanto muitos grupos possam ser facilmente caracterizados como primários ou secundários, os dois tipos de influência interagem, cada qual influenciando o outro. Desde a Revolução Industrial, a tendência domi­ nante tem sido passar da tradicional comunidade para a sociedade. Isto tem significado perda de intimidade e segurança, aue até certo ponto tem sido contrabalan­ çada pelo crescimento de novos grupos primários no espaço dos grupos secundários. A dinâmica de grupo estuda a interação dentro de grupos, tanto para entender como para resolver pro­ blemas organizacionais. Tanto as formas de grupo como a tríade e vários tipos de padrões de comunicação foram extensamente estu­ dados. Os grupos “T ” (grupos de treinamento) são usados para sensibilizar as pessoas a fatores interpessoais que afetam as relações grupais cooperativas. Os grupos de terapia, de muitas espécies, dão apoio e, possivel­ mente, ampliam o entendimento de pessoas que estão perturbadas por alguma coisa. Os grupos de encontros buscam proporcionar maior liberação pessoal a pessoas inibidas pelas restrições da vida convencional. A contro­ vérsia atual envolve tanto as técnicas mais úteis em tais grupos como a extensão em que suscitam mudanças construtivas em seus membros. Pode ser que o valor principal dessas experiências intensivas organizadas em grupo seja simplesmente promover interação social de pessoas solitárias que vivem em um tipo de sociedade impessoal.

Perguntas e trabalhos 1.

Por que os sociólogos têm tantas definições diferentes para o termo grupol

2.

Comente a seguinte afirmação: “Um grupo é formado de indivíduos, e as características de um grupo são a soma das características de seus membros” .

3.

A coragem é um traço individual do caráter ou uma res­ posta a influências de grupo?

4.

Que diferenças são encontradas na distinção entre grupo pessoal e grupo externo nas sociedades primitiva e mo­ derna?

5.

Por que os grupos primários e secundários são importantes? E os grupos pessoais e os grupos externos?

6.

Até que ponto você acredita que a distância social se rela­ ciona à distância geográfica?

7.

A faculdade freqüentemente é uma introdução às comple­ xidades dos relacionamentos no interior de grupos secun­ dários. Esta experiência vale a pena para um jovem cujos principais interesses se centram nos relacionamentos de grupo primário típicos da vida em família?

8.

Por que o moral da maioria dos prisioneiros de guerra norte-americanos no Vietnã conseguiu sobrepor-se tanto às vicissitudes da captura como à propaganda que enfati­ zava o caráter controverso da opinião pública norte-americana a respeito do conflito?

G RU PO S S O C IA IS

9.

Existe uma explicação sociológica de como um típico jovem norte-americano decente pudesse ter sido culpado por atrocidades no Vietnã?

10. Os primitivos cristãos algumas vezes eram amontoados em celas de grandes prisões e depois eram encaminhados ao Coliseu para serem crucificados ou ofertados como alimento aos leões, perante milhares de espectadores. Eles poderiam ter sido salvos se renegassem a fé, mas poucos o fizeram. Por quê? 11. De que modo um estereótipo se torna uma “profecia que se realiza”? 12. Em um experimento recente, estudantes de curso superior,

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convencionalmente trajados, que faziam entrega de mani­ festos sobre a paz em um aeroporto, foram tratados com afabilidade, enquanto estudantes hippies, agindo de modo idêntico, muitas vezes sofreram provocações, insultos ou ameaças físicas. Explique o caso em linguagem socio­ lógica. 13. Qual é, a seu ver, a verdadeira razão pela qual os líderes de grupos de encontros são pessoas sem treinamento profissional nas Ciências Comportamentais? 14. Como você explica o fato de alguns observadores julgarem que os grupos de encontros podem funcionar sem líderes treinados?

Leitura sugerida Appley, Dee G., e Alvin E. Winder. T-Groups and Therapy Groups in a Changing Society. San Francisco, Jossey-Bass, 1973. Livro de consulta erudito que apresenta uma análise baseada em pesquisa dos fundamentos teóricos e m etodo­ logias destes dois tipos de grupo. Athanasiou, Robert. French and American Sexuality. Psychology Today, jul. 1972, p. 53-6 e segs. Expõe a falsidade do estereótipo de que os costumes franceses são menos restritivos sexualmente do que os norte-americanos. Cons­ tatou-se que uma amostra de pessoas francesas e norteamericanas era muito semelhante em sua conduta e atitudes sexuais, sendo que os últimos eram em geral mais permissivos quando existia uma diferença significante. Bales, Robert F. How People Interact in Conferences. Scientific American, 192:31-35, mar. 1955. Descrição da inte­ ração social em conferências. Becker, Tamar. Black Africans and Black Americans on an American Campus: The African View. Sociology and Social Research, 56, jan. 1972, p. 202-11. Discussão da tensão entre dois grupos com uma aparência física comum, mas antecedentes culturais diferentes. *Egan, Gerard. Encounter: Group Processes fo r Interpersonal Growth. Belmont, Calif., Wadsworth Publishing, 1970. Descrição equilibrada do movimento de grupos de encon­ tros. Gibbard, Graham S., John J. Hartman e Richard D. Mann (orgs.). Analysis o f Groups. San Francisco, Jossey-Bass, 1974. Série de artigos sobre os vários aspectos da expe­ riência intensiva de grupo. A coletânea trata de grupos “T ” , grupos de terapia e grupos de encontros.

*Howard, Jane. Please Touch. Nova York, McGraw-Hill, 1971. Análise bastante acessível de muitos tipos de grupos de treinamento de sensitividade. Hunt, Chester L., e Luis L. Lacar. Social Distance and American Policy. Sociology and Social Research, 57, jul. 1974, p. 495-509. Descrição da distância social nas Filipinas, onde os norte-americanos ainda são um dos grupos mais aceitos. Jacobs, James R. Street Gangs Behind Bars. Social Problems, 2 1 :395-410, 1974. Análise dos resultados a que se chega quando o encarceramento de grande número de membros de um bando lhes permite assumir o controle da estrutura de grupo informal de uma prisão. Keyes, Ralph L., Fun and Therapy Together. Human Behavior, set. 1973. p. 67-72. Artigo breve, de fácil leitura, sobre os problemas e as possibilidades dos grupos de encontros. Mills, Theodore. The Sociology o f Small Groups. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1970. Relato breve mas global da pesquisa básica sobre pequenos grupos. Volkman, Rita, e Donald R. Cressey. Differential Association and th e Rehabilitation o f Drug Addicts. American Journal o f Sociology, 69:129-142, set. 1963. Descreve os prin­ cípios e os modos de operação de um grupo terapêutico. Warriner, Charles K. Groups Are Real: A reaffirmation. A m e­ rican Sociological Review, 2 1 :549-554, out. 1956; repro­ duzido em Milton Barron (org.). Contemporary Sociology. Nova York, Dodd, Mead & Company, 1964. p. 120-7. Mostra como a natureza do grupo não está completamente representada pelos indivíduos que o compõem.

9. In stitu ições sociais Há pouco tempo, a Igreja Kimbanguista (oficialmente chamada Igreja de Jesus Cristo na Terra, pelo Profeta Simon Kimbangu) foi aceita como filiada pelo Conselho Mundial de Igrejas; seus membros somam quase três milhões, principalmente na República Democrática do Congo. O fundador e pregador Bakongo, Simon Kimbangu, tinha cerca de 32 anos de idade em 1921, quando declarou ter tido visSes e sonhos que o mandavam pregar e orar para curar os doentes. A princípio relutou, mas temendo a ameaça de morte contida nas visões, começou sua pregação. Em breve estava cercado por milhares de pessoas que buscavam seus serviços, princi­ palmente a cura. A s multidões cresceram tanto, que Kimbangu teve de nomear "apóstolos" para auxiliá-lo. Os grandes ajuntamentos chamaram a atenção das autoridades belgas, dos líderes católicos romanos e protestantes. A s prisões de Kimbangu e de centenas de seus seguidores foram prontamente providenciadas, havendo sentenças sem debates apropriados pelos tribunais militares, cujos registros ainda não foram encontrados. Assim, o tempo completo das pregações de Simon Kimbangu durou menos de seis meses. Ele morreu na prisão em Lubumbashi em 1951. A triste história de Kimbangu exemplificou para os congoleses a mensagem de salvação daquele que viveu para fazer o bem mas morreu na cruz.

Seus seguidores passaram a agir secretamente e exilaram-se, sobrevivendo, com dificuldades, a vários tipos de repressão e discriminação. Com a independência do Congo, os kimbanguistas foram aceitos como movi­ mento religioso legítimo, que passou a ser considerado como uma forma de cristianismo aceitável, embora exótica. Uma vez aceita sua legitimidade, os kimban­ guistas dedicaram-se a trabalhos de melhoria social. Muitas vezes são empreendidas obras comunitárias de benefícios sociais e na agricultura. Locais de pesca e campos experimentais quimicamente fertilizados para mandioca estão sendo explorados na esperança de produzir alimento mais abundante e melhor. Os trabalhadores especializados dão horas após o trabalho para a construção de prédios escolares. A Igreja Kimbanguista não se tornou uma organi­ zação cristalizada com uma vasta massa de doutrinas tradicionais. Os Kimbanguistas ainda estão estudando a natureza e o significado do batismo e da Ceia do Senhor, esperando seguir as implicações deste estudo no trabalho futuro. Têm realmente alguns requisitos rígidos de moral, como a proibição da poligamia e do uso do álcool e do fumo. (Adaptado de Haldor E. Heimer. Kimbanguists in the Congo. World Call, 51,

m poucas décadas os kimbanguistas passaram de um culto febril, esotérico e ilegal envol­ vendo um líder carismático, a uma denomi­ nação religiosa aceita. Esta transição ilustra o processo de institucionalização emergente. A ração de que a Igreja Kimbanguista não se tomou

uma organização cristalizada com uma vasta massa de doutrinas tradicionais”, deve indicar que o processo de institucionalização ainda não está completo. Mas o surgimento de liderança formal, o desenvolvimento decla­ de um padrão bastante coerente de culto, o estabeleci­ mento de regras morais, o interesse pelas obras de

E

mar. 1970, p. 16-7.)

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bem-estar social da comunidade e a aceitação por um conselho internacional de entidades religiosas — são sinais de que o processo de institucionalização está bem -encaminhado. O que é institucionalização e o que são instituições? Talvez a primeira coisa a se dizer é que o uso sociológico difere bastante da linguagem corrente. Uma instituição não é um prédio onde ocorrem certas atividades; tam­ pouco é um determinado grupo de pessoas. Uma insti­ tuição é uma organização de normas e costumes para a consecução de alguma meta ou atividade que as pessoas julgam importante. Instituições são processos estrutu­ rados através dos quais grupos e indivíduos se esforçam para levar a cabo suas atividades. Bierstedt [1970, p. 321] dá a seguinte definição: “Em suma, uma insti­ tuição (. . .) é uma maneira definida, formal e regular de fazer alguma coisa” . Entretanto, o consenso sobre a definição de “instituição” não é completo nem mesmo entre os sociólogos. Assim, Broom e Selznik [1973, p. 232] incluem o processo e o grupo: “Na linguagem da Sociologia, uma instituição pode ser um grupo ou uma prática social, o Partido Republicano ou o voto secreto” . Os autores deste livro preferem evitar, tanto quanto possível, atribuir significados múltiplos à mesma palavra. Por conseguinte, restringem o termo “instituição” ao conjunto organizado de crenças e práticas, e o termo “associação” ao grupo que as incorpora. Desta forma, quando suas atividades se tornam sistemáticas e previ­ síveis, uma Igreja está em processo de “institucionali­ zação”, mas uma determinada Igreja, considerada como um grupo de pessoas, é uma “associação”. As crenças e práticas formam uma instituição, ao passo que o grupo de pessoas é uma associação que executa atividades institucionalmente relacionadas. Todas as definições de instituições implicam um conjunto de normas de comportamento e um sistema de reiações sociais, por cujo intermédio estas normas são implementadas. Vamos sugerir uma definição formal que inclui as duas idéias: Uma instituição é um sistema organizado de relações sociais que incorpora certos valores e procedimentos comuns e atende a certas necessidades básicas da sociedade. Nesta definição, “valores comuns” referem-se a idéias e metas parti­ lhadas; “procedimentos comuns” são padrões estandartizados de comportamento; e “sistema de relações” é a rede de papéis e status através da qual este compor­ tamento se atualiza. Assim, a família inclui um conjunto de valores comuns (a respeito de amor, filhos, vida familiar), um conjunto de procedimentos comuns (namoro, cuidados com as crianças, rotinas familiares) e uma rede de papéis e status (marido, esposa, bebê, filho adolescente, noiva), que formam o sistema de relações sociais através do qual se desenrola a vida da família. Cinco importantes instituições básicas nas

sociedades complexas são a família, a religião, o govemo, a economia e a educação. Hoje, os valores e procedimentos da ciência são tão importantes e tão altamente padronizados, que algumas pessoas acrescen­ tariam as “instituições científicas” à lista. As atividades envolvidas em assistência social ou médica também se tornaram tão definitivamente padronizadas que pode­ ríamos falar de qualquer destes sistemas de comporta­ mento como instituições. Em relação à Idade Média, poder-se-ia falar da cavalaria e da fidalguia como aspectos da instituição do feudalismo. Embora constituam conceitos separados, instituições e associações não se acham inteiramente estanques. Instituição é um conjunto de relações e um sistema de comportamento, tudo isso implicando pessoas. Embora a instituição em si consista em relações e normas, são as pessoas que assumem estas relações e praticam estas normas.

Uma instituição incorpora certos valores e procedimentos comuns.

Os estudantes numa sala de aula estão executando as normas e as práticas da educação. Do mesmo modo, os eleitores que dão seus votos estão manifestando o comportamento institucionalizado no govemo, e os fiéis que cantam hinos nas igrejas estão seguindo as práticas da religião institucionalizada. Estes exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente para indicar simplesmente que são as pessoas que assumem os processos sociais institucionalizados. A fim de levar a cabo o comportamento institucionalizado, as pessoas muitas vezes se organizam em associações. Algumas destas associações são quase sinônimos de uma determinada instituição. Assim, quando pensamos em religião, falamos de igreja e quando pen­ samos em educação, pensamos em escolas. Isto é apenas parcialmente exato, porque certos comportamentos religiosos ocorrem fora de igrejas e grande parte da educação é conduzida fora do ambiente escolar. Além disso, cada associação principal tem muitas associações-

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satélites que também têm comportamento institucio­ nalizado. A Igreja tem suas congregações locais orga­ nizadas, escolas dominicais, clubes e grupos de muitas espécies, efetuando o trabalho da igreja; a escola tem sua Associação de Pais e Mestres, associação de exalunos, associação atlética; o Estado tem suas organi­ zações políticas, ligas dos eleitores, associações dos contribuintes e grupos de pressão organizados. As instituições e associações estão bastante inter-relacionadas; no entanto, os conceitos são distintos e não devem ser confundidos. A religião é uma instituição social; a Primeira Igreja Metodista, na Rua Principal, é uma associação. A sociedade anônima é uma insti­ tuição social; o First National Bank e a Ford Motor Company são associações. A educação é uma instituição social; a Universidade Harvard e a APM são associações.

Desenvolvimento das instituições O processo de institucionalização

As instituições emergem como produtos grande­ mente não planejados da vivência social. As pessoas tateiam em busca de maneiras práticas de atender às suas necessidades; encontram alguns padrões que funcionam e que se enrijecem através da repetição e de costumes padronizados. À medida que o tempo passa, tais padrões adquirem um lastro de tradições e costumes que os justifica e sanciona. O costume do namoro desenvolveu-se como um meio de seleção do cônjuge. Gradualmente os bancos se desenvolveram à medida que a necessidade de armazenar, transferir, tomar emprestado e emprestar dinheiro deu origem a uma série de práticas para a realização destes propó­ sitos. De tempos em tempos, os homens podiam se reunir para codificar e dar endosso legal a estas práticas, à medida que estas continuavam a se desenvolver e a se alterar. Institucionalização consiste no estabelecimento de normas definidas que atribuem posições de status e funções de papel em conexão com tal comportamento. Uma norma é uma expectativa grupai de comporta­ mento. A institucionalização envolve a reposição de comportamento espontâneo ou experimental por comportamento esperado, padronizado, regular e previ­ sível. Assim, a fase pré-institucional de um movimento religioso se faz acompanhar por um comportamento entusiasta, espontâneo e muitas vezes confuso à medida que os seguidores do novo líder respondem a seu apelo dinâmico. Cada dia é uma aventura e cada reunião religiosa é uma seqüência imprevisível de eventos emocionais nos quais ninguém consegue prognosticar o que irá fazer. Quando surge a Igreja institucionalizada, os participantes adquirem papéis definidos e suas

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atividades começam a seguir um padrão rotineiro. Algumas pessoas são simplesmente os fiéis que freqüen­ tam as cerimônias, outras assumem papéis especiali­ zados, como membros do coro, sacerdote, mestre, arauto, secretário, porteiro, e assim por diante. A novi­ dade e o excitamento desaparecem à medida que os procedimentos passam a ser regidos por normas definidas e o comportamento de cada participante se torna padronizado e previsível. Assim, quando dizemos que a Igreja Kimbanguista está em processo de insti­ tucionalização emergente, não queremos dizer que se está tornando uma instituição, mas que as atividades que nela se desenvolvem estão-se tornando rotineiras e previsíveis e que as relações entre os vários tipos de membros estão ficando definitivamente padronizadas. São estas atividades e relações que constituem a insti­ tuição e não a Igreja como uma organização. Uma rixa de tavema é comportamento não-institucionalizado; uma partida de boxe profissional é institucionalizada. Um conjunto de relações sociais torna-se institucionalizado quando (1) se desenvolve um sistema regular de status e papéis e (2) quando este sistema de status e de expectativas de papéis foi amplamente aceito pela sociedade. Na sociedade norte-americana, os namoros atendem a estes dois requisitos. Surgiu um conjunto claramente definido de papéis de namoro em que deveres e privilégios de cada parceiro estão delineados (ele geralmente convida, ela aceita, ele usualmente paga, etc.) e resguardados por certas limitações ou restrições destinadas a evitar complicações; assim, o namoro passou a fazer parte de nossas instituições de casamento e família. Quando dizemos que o namoro se tomou institu­ cionalizado, queremos dizer que é geralmente aceito pela sociedade como atividade apropriada e necessária, por cujo intermédio os jovens amadurecem emocio­ nalmente e, por fim, encontram parceiros satisfatórios. Muitas sociedades também institucionalizaram o contato sexual pré-conjugal, tomando-o uma parte normal e esperada das atividades que conduzem ao casamento. Embora o contato sexual pré-conjugal sqa bastante comum na sociedade norte-americana, não foi insti­ tucionalizado. As atuais tendências, inclusive a provisão de anticoncepcionais para as mulheres solteiras, os privilégios de visita durante a noite toda nos dormi­ tórios escolares, podem estar levando à institucionali­ zação do contato sexual pré-conjugal, e isso significa que pode tomar-se um padrão de comportamento aceito e resguardado.

Papéis individuais no comportamento institucional

Nem todos os papéis são institucionalizados. Os papéis do “garoto levado” e da “pequena ajudante

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da mamãe” , na família, não são institucionalizados, ao passo que os papéis de filho e filha o são. Um papel institucionalizado é um conjunto de expectativas de comportamento que dá pequena margem à excentrici­ dade pessoal. Todos os juizes atuam de modo muito parecido no tribunal, por mais que possam ser dife­ rentes em outras ocasiões. Cada pastor metodista e cada padre católico constata que seus deveres e privi­ légios são precisamente definidos por seu papel insti­ tucional; afastar-se deste papel, de qualquer modo que seja, é arriscado. Até presidentes e reis, aparente­ mente tão poderosos, na verdade são extremamente tolhidos em sua liberdade de ação. Se deixarem de atuar dentro das expectativas de papel da instituição, em geral perdem sua influência. Um exemplo interessante da persistência dos papéis institucionais é visto na transição das minas de carvão inglesas, que passaram do contrç>le privado ao domínio público [Koening, 1948], Antes, os mineiros eram supervisionados pelo “capataz” , um agente dos capita­ listas privados que possuíam as minas. Atuando neste papel, o “capataz” procurava obter a maior produção ao menor custo possível. Quando o governo tomou posse das minas, alguns mineiros pensaram que os novos donos trariam a supressão das regras e regula­ mentos aborrecidos. Mas o “capataz” ainda estava entre eles. Embora fosse agora um agente do Estado, ainda tinha o encargo de fazer com que as minas nacio­ nalizadas produzissem a maior quantidade de carvão ao mais baixo custo possível. A propriedade e, ocasio­ nalmente, o pessoal, haviam mudado, mas o sistema de papéis que se havia estruturado em resposta às necessidades institucionais, continuava praticamente o mesmo. Esta falta de mudança no papel do supervisor nas minas nacionalizadas não constitui um exemplo isolado; ocorrem experiências semelhantes em outros ambientes institucionais. Ocasionalmente um homem contrasta a maneira suave e eficiente com que sua secretária prevê suas necessidades no escritório com as atitudes algo exigentes de sua esposa em casa. Algumas vezes um marido descontente divorcia-se da esposa e casa-se com a secretária, apenas para descobrir que quando esta assume o papel de esposa, começa a agir como esposa! Muitos empregados promovidos a papéis de supervisão procuram reter sua camaradagem com a equipe da qual faziam parte; e raramente são bem sucedidos, porque o novo papel inevitavelmente altera seu relacionamento com os antigos camaradas dos quais, agora, passou a ser chefe. De fato, as diferenças individuais de personalidade afetam até certo ponto o comportamento institucional. Um contramestre é taciturno e outro é alegre; um professor é estimulante e outro é monótono. Mas a faixa de variação individual é limitada e grandemente

orientada pelos requisitos do papel. Algumas vezes os conflitos que surgem dentro de uma associação decorrem de choques de personalidade, porém com maior freqüência do choque entre papéis institucionais. O contramestre e o inspetor se chocam porque o contra­ mestre precisa manter a produção em andamento, enquanto o inspetor continua a encontrar defeitos que precisam ser corrigidos. O vendedor sente-se frustrado quando o gerente de crédito se recusa a renovar emprés­ timos em favor de um cliente que atrasa seus paga­ mentos. O professor universitário que deseja estimular a controvérsia intelectual no campus pode entrar em choque com o reitor ou com o presidente, porque estes desejam evitar críticas vindas de fora. Muitos desses choques são inerentes à inter-relação dos papéis institucionais com uma associação. O famoso enunciado de Gertrude Stein: “Uma rosa é uma rosa” , pode ser aplicado em certa medida aos papéis insti­ tucionais. Uma esposa é sempre uma esposa; um marido é sempre um marido; e um supervisor é sempre um supervisor. A diferença produzida pelas personalidades individuais nos papéis institucionais é comparável à diferença entre um ator medíocre e outro de grande talento em uma encenação teatral. O ator de grande talento realiza mais amplamente as potencialidades do papel que está desempenhando, mas ao mesmo tempo sua expressão precisa ser canalizada dentro das limitações do papel. As organizações funcionam mais suavemente quando podem atrair pessoal compe­ tente e, algumas vezes, se vêem prejudicadas por elementos que não se ajustam aos papéis que lhes foram atribuídos. Contudo, sem levar em conta as diferenças de pessoal, a persistência dos requisitos do papel exigirá certo grau de uniformidade na conduta daqueles que têm determinado papel institucional.

Traços institucionais Conquanto cada instituição tenha suas peculiari­ dades, sob certos aspectos também é como as outras. Para que as instituições possam funcionar, precisam ser encontrados meios de atribuir responsabilidade a diferentes funcionários, formular padrões de compor­ tamento, manter a lealdade dos participantes e desen­ volver métodos de lidar com outras instituições. Já que estes são problemas comuns, não é surpreendente que se possam desenvolver técnicas semelhantes com metas muito diferentes.

Símbolos culturais

Todas as instituições adquirem símbolos que servem como lembrete da instituição. O cidadão é relembrado

IN S T IT U IÇ Õ E S S O C IA IS

de sua fidelidade ao governo pela bandeira; à religião, por um crucifixo, um crescente ou uma estrela de Davi; à família, por uma aliança no dedo; à educação, pelas cores da escola ou totem animal (mascote); e ao sistema de controles econômicos, por nomes e marcas registradas. A música também tem significados simbó­ licos. Os hinos nacionais, as canções escolares, os hinos religiosos e os' “comerciais” cantados, todos usam a arte da melodia para fortalecer vínculos institucionais. Os prédios podem tornar-se símbolos institucionais, de modo que é difícil pensar no lar sem uma casa, em religião sem o prédio da igreja, em educação sem o prédio escolar ou em govemo sem a sede governa­ mental ou no rei sem seu palácio.

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pelos que aprenderam plenamente as atitudes e o comportamento apropriados ao papel.

Funções institucionais A sociedade é tão complexa e suas forças tão interrelacionadas que é impossível prever todas as conse­ qüências de uma determinada ação. As instituições têm funções manifestas que são fáceis de reconhecer como parte de seus objetivos abertamente declarados, e funções latentes que não são intencionais e que podem nem ser admitidas, ou então, quando admitidas, podem ser consideradas como subprodutos [Merton, 19576, p. 19-84],

Códigos de comportamento Funções latentes

As pessoas envolvidas em atividades institucionais As pessoas com papéis institucionais importantes precisam estar preparadas para a execução de seus papéis apropriados. Estes são muitas vezes expressos freqüentemente deixam de compreender os efeitos por códigos formais, tais como um juramento de fide­ latentes das atividades que promovem. Henry Ford, lidade ao país, votos de casamento, o juramento de o fundador da empresa que tem seu nome, é um Hipócrates da profissão médica e os códigos de Ética exemplo. Ele detestava sem rompantes os sindicatos de diversos outros grupos. Como vimos no Capítulo 7, trabalhistas, as grandes cidades, o crédito em massa estes papéis definidos institucionalmente são parte e as compras a prestações; não obstante, através de sua promoção da linha de montagem e da produção importante do controle social. em massa, provavelmente fez mais do que qualquer Um código formal de comportamento, por mais outro homem para estimular estes mesmos desenvol­ compacto que seja, não constitui garantia de desem­ vimentos. As funções latentes de uma instituição podem penho apropriado do papel. Os maridos e as esposas podem manifestar infidelidade aos votos conjugais; sustentar os objetivos declarados, podem ser irrelevantes os cidadãos que invocam fervorosamente seus laços ou podem até mesmo levar a conseqüências bastante de lealdade podem cometer traição; e os membros prejudiciais às normas institucionais. Por exemplo, da Igreja que juraram fidelidade à sua religião podem cada instituição tem normas que favorecem pesadas tomar-se indiferentes. Se a afirmação de um código despesas com símbolos marcantes. A religião encoraja verbal ou escrito é o clímax de um longo processo a construção de catedrais, a educação é simbolizada de formação de atitudes e de preparação para o papel, por prédios que impressionam, o govemo pelo esplendor ele pode ser cumprido; se isso não acontecer e se não do palácio e a empresa pelo avião a jato que possui. houver punições rápidas e certas por violação, o código Espera-se que tais símbolos impressionem as pessoas poderá ser tranqüilamente ignorado. dando-lhes idéia da importância e do poder de associa­ Um código formal é apenas uma parte do compor­ ções que executam as atividades institucionais, tudo tamento total que compõe um papel institucional. isso com vistas a provocar um apoio que se reproduza Grande parte do comportamento em qualquer papel — constantemente. A função latente pode ser bem dife­ progenitor, soldado, padre, professor, político — con­ rente. Em lugar de se sentirem impressionadas, as pessoas siste em um corpo elaborado de tradições informais, podem acabar achando que os símbolos representam expectativas e rotinas, que uma pessoa absorve somente exploração. Os contribuintes podem resistir aos impostos através de longa observação e experiência com o papel. para a construção de escolas, os fiéis de um culto podem Crianças que nunca viveram em um ambiente familiar julgar que os grandes prédios e os ricos paramentos harmonioso provavelmente terão dificuldade em não se coadunam com o culto de Cristo, que viveu em cumprir os papéis de um dos genitores, marido ou pobreza, os súditos rebelados podem queimar o palácio esposa. Não tiveram boas oportunidades para obser­ do rei, e os consumidores podem atribuir a culpa pelos varem estes papéis operando com êxito, e não puderam altos preços ao luxo das empresas. Enquanto a função absorver as atitudes necessárias ao bom desempenho manifesta dos símbolos de ostentação seja promover do papel. Assim como os papéis de todas as espécies, lealdade para com as metas e associações institucionais, os institucionais podem ser cumpridos com maior êxito a função latente pode ser estimular crítica e ressenti­

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mento. A função manifesta das instituições ocidentais de saúde tem sido reduzir a doença, a morte prematura e a miséria humana; a função latente tem sido promover uma explosão populacional e fome em massa nos países subdesenvolvidos. Há, portanto, muitos exemplos em que as funções latentes poderiam ser chamadas mais exatamente de “disfunções latentes”, na medida em que por vezes tendem a minar e a enfraquecer a instituição ou impedir a consecução de suas funções manifestas.

Funções manifestas

As normas e práticas institucionais não sobreviverão, a menos que associações relacionadas consigam executar dois tipos de funções manifestas: (1) a busca de seus objetivos em um mundo muitas vezes indiferente ou hostil a estes objetivos, e (2) a preservação de sua própria coesão interna, para que tais associações possam sub­ sistir. Quando uma associação falha em qualquer destas funções manifestas, as normas e processos instituciona­ lizados serão revisados ou abandonados. A família, por exemplo, interessa-se tanto em criar os filhos como em manter a harmonia e a lealdade entre seus membros, de modo que não se dissolva nos tribunais de divórcio. O Estado nacional precisa servir a seus cidadãos e proteger suas fronteiras e, ao mesmo tempo, escapar aos perigos da revolução ou conquista. A Igreja, que procura converter estranhos e aumentar sua influência, também precisa manter a lealdade de seus membros e aumentar o sentimento de satisfação que possuem em relação à instituição.

Inter-relações das instituições Nenhuma instituição existe no vazio. As seções anteriores deste capítulo mostram que não se pode entender uma instituição social a menos que se estude também suas relações com o resto da cultura. A religião, o governo, a empresa, a educação e a família, tudo isso existe em um estado constante de interação mútua. A situação econômica afeta o número de pessoas que se sentem incapazes de se casar; as taxas de casamento e de natalidade afetam a demanda de bens. A educação cria atitudes que influenciam a aceitação ou rejeição do dogma religioso; a religião, por sua vez, pode exaltar o conhecimento, porque este revela as verdades de Deus, ou denunciar a indagação científica, porque ela ameaça a fé. Os empresários, educadores, sacerdotes e funcionários das demais instituições procuram influen­ ciar os ideais e práticas do governo, já que a ação gover­ namental pode determinar o êxito ou o fracasso de seus empreendimentos institucionais.

O inter-relacionamento das instituições explica por que as associações que expressam ideais institu­ cionais e executam práticas institucionalizadas rara­ mente conseguem controlar o comportamento de seus membros de modo totalmente coerente com os ideais institucionais. As escolas podem oferecer um currículopadrão a todas as crianças, mas a reação dos estudantes depende de muitos fatores que estão fora do controle dos educadores. As crianças de um lar que oferece conversação estimulante e materiais de leitura instigantes, tendem a adquirir interesses intelectuais mais amplos do que as de lares onde os livros cômicos e as revistas em quadrinhos são o material de leitura, e onde a televisão substitui a conversação. As igrejas professam ideais éticos elevados, mas seus membros muitas vezes se sentem obrigados a estabelecer um arranjo nestes ideais que lhes permitam certo nível de ajustamento aos negócios, à política ou ao processo de obter um cônjuge. O patriotismo glorifica o auto-sacrifício e a dedicação ao bem-estar do Estado, que conflitam com muitos desejos e obrigações individuais. A necessidade de harmonizar os papéis que as associações com diferentes comprometimentos insti­ tucionais procuram impor aos mesmos indivíduos, muitas vezes levou a um esforço deliberado para lograi alianças institucionais. A aliança entre a empresa e o governo no século XIX possibilitou à primeira buscar o máximo de lucros com a assistência governamental que não se imiscuía nos negócios privados. Uma Igreja oficial procura fazer com que a religião e o governo se apóiem reciprocamente em vez de se oporem ou de se destruírem. A educação tem tamanha influência no resto da sociedade, que as pessoas orientadas princi­ palmente por outras considerações institucionais procuram dominar a sociedade controlando as escolas. As empresas e as associações trabalhistas procuram influenciar as escolas através da propaganda veiculada sob a roupigem de material “educacional” gratuito; os políticos investigam as escolas para se certificarem de que elas respeitam os padrões vigentes de naciona­ lismo; e algumas igrejas gerem escolas confessionais com vistas a garantir que a educação possa alicerçar a doutrinação religiosa. Muitos papéis profissionais desencadeiam um con­ flito entre a lealdade à carreira e a lealdade à família por parte de seus funcionários. As empresas procuram incentivar as “esposas empresariais” que se disponham a ajustar seus interesses familiares de tal modo que se harmonizem com as exigências que essas empresas fazem a seus executivos. O exército desencoraja o casamento de soldados rasos e concede moradia aos oficiais para que possam ajustar sua vida de família às necessidades do serviço militar. O esforço mais completo para controlar a influência da família é obser­ vado na Igreja Católica Romana, que se empenha em

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Todas as instituições têm de adaptar-se a uma sociedade que se modifica.

liberar inteiramente seus padres dos vínculos familiares através da exigência de, celibato. Todas as instituiçõs enfrentam a necessidade de adaptação contínua a uma sociedade que se modifica. As mudanças em uma instituição forçam mudanças em outras. Já que os padrões familiares se alteram, o Estado estabelece um sistema de previdência social. À medida que os trabalhadores se transferem dos campos para a fábrica, a Igreja precisa revisar sua linguagem, seus procedimentos e possivelmente suas doutrinas, para que possa continuar “relevante” para as neces­ sidades de uma sociedade industrializada e urbanizada. Nenhuma instituição pode deixar de afetar ou de ser afetada por outras instituições.

Autonomia institucional

O fato de que as instituições sejam interdependentes não significa que os defensores de qualquer instituição desistirão facilmente de seu controle ideológico ou estrutural. Em lugar disso, estarão empenhados em preservar sua liberdade para agir dentro das normas e práticas de uma instituição específica, e ao mesmo tempo buscando influenciar, senão dominar, as pessoas comprometidas principalmente com outras instituições. Em todas as instituições básicas desenvolveram-se padrões de comportamento que têm por fim manter certo grau de independência e evitar dominação por pessoas associadas a outras instituições. Ao contrário dç outras sociedades, passadas e pre­ sentes, a sociedade norte-americana não tem encorajado a dominação completa de qualquer instituição por outra qualquer que seja. Propiciou a separação entre a Igreja e o Estado, a rejeição da propriedade geral do governo sobre a indústria, a preservação da livre empresa privada, e uma tradição algo incerta de liber­ dade acadêmica para os empreendimentos educacionais. Estes métodos visando garantir autonomia institucional não são completamente aceitos, e as associações com­ prometidas principalmente com cada instituição fazem

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um esforço contínuo para aumentar sua influência sobre as outras instituições sociais. Por exemplo, as organi­ zações empresariais refutam as críticas feitas pelas igrejas; estas, por sua vez, tentam fazer com que haja ensino religioso nas escolas, e assim por diante. Embora se desenvolvam atitudes e metas distintas em associações institucionalmente relacionadas, seus membros tendem a incorporar em suas disposições institucionais as atitudes apreendidas em outras instituições, tomando a ordem social o cenário para um ajustamento de contínuo intercâmbio e competição entre os diferentes grupos que institucionalmente se acham relacionados.

Função dual dos intelectuais Em todas as sociedades complexas, as instituições sociais são objeto de comentário constante por parte dos intelectuais. Intelectual é aquele que, indepen­ dentemente do nível de escolaridade ou da ocupação, dedica-se seriamente à análise de idéias. Seu poder é indireto. Raramente os intelectuais dispõem do “con­ trole” de alguma coisa, mas são influentes porque o que escrevem afeta o pensamento dos que detêm a autoridade [Kadushin, 1974]. Com freqüência os intelectuais são encontrados em ocupações “discursivas”, tais como religião, ensino, jornalismo e direito. Entretanto, muitas pessoas nessas ocupações não estão seriamente interessadas no exame de idéias; operam de modo rotineiro, ao passo que outras, em campos menos verbais, desenvolvem um interesse intelectual geral. Um exemplo de pessoa dessa espécie seria Eric Hoffer [1951], estivador que se tomou um conhecido analista social. O que faz de uma pessoa um intelectual não é a ocupação ou a instrução, mas suas atitudes em relação a idéias: “( . . . ) ele vive para as idéias — o que significa que tem um senso de dedicação à vida da mente que se assemelha bastante a um comprometimento religioso” [Hofstadter, 1964, p. 27], A importância da ideologia na manutenção da leal­ dade às normas institucionais leva todas as instituições a desenvolverem atitudes mistas de apreço e temor em relação àqueles que são capazes de manipular idéias. Os intelectuais são necessários para executarem o serviço vital de explicar os desenvolvimentos sociais em termos que estejam em harmonia com as normas institucionais. Os intelectuais comunistas, por exemplo, têm a tarefa de mostrar como toda a História recente realmente cumpre as previsões de Marx e Lenine, embora esta tarefa exija uma espetacular distorção dos fatos. A campanha da China em 1966 para destruir a influência dos intelectuais refletia o temor de Mao Tsé-tung de que eles estavam oscilando em seu apoio ao regime revolucionário [Bloodworth, 1966],

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Nío se pode confiar totalmente no intelectual porque o treinamento que o habilita a defender a ideologia também pode fazèr com que analise suas deficiências. Ele pode até desenvolver uma ideologia rival que seja mais satisfatória às exigências da época. São os inte­ lectuais que promovem revoluções e lideram o ataque contra a trincheira das instituições. Nenhuma instituição pode evitar a necessidade constante de justificar suas crenças e práticas básicas. Todas as instituições são resguardadas por intelectuais capazes de interpretar a situação social em termos harmoniosos com a ideologia institucional. As dificul­ dades do intelectual advêm do fato de que a dedicação à instituição pode não prevalecer em relação ao seu interesse pela verdade. O conflito é minimizado quando os dois tipos de interesse convergem, conforme foi ilustrado pelo argumento de Adam Smith, de que a busca de ganho privado pelos empresários servia ao bem público. Mas os economistas modernos e os ecologistas ambientais passaram a ser criticados quando sua pesquisa os levou à conclusão de que, atualmente, o bem público pode impor alguns limites à busca de ganho privado [Helfrich, 1970], Algumas vezes o intelectual é alternativamente elogiado e acusado durante a vida, como aconteceu com Platão, Galileu, Lutero, Trotsky e muitos outros. Em sua juventude, Milovan Djilas interpretou o comu­ nismo como a principal esperança para a consecução de justiça social. Seus escritos se tomaram amplamente citados a ele acabou sendo vice-presidente da Iugoslávia. Mais tarde, já maduro, escreveu um livro descrevendo o comunismo como uma nova forma de exploração humana [1957]; a publicação dessa obra redundou em seu encarceramento, ordenado pelas mesmas autori­ dades que haviam elogiado seus trabalhos anteriores. Recentemente, os traços básicos da democracia liberal norte-americana estiveram sob forte ataque por parte de críticos intelectuais, dentre os quais Herbert Marcuse [1969a] talvez seja o mais influente, ao mesmo tempo em que eram vigorosamente defendidos por outros intelectuais, como Sidney Hook [1969a; 19696]. Freqüentemente, os intelectuais são difíceis para que os defensores institucionais trabalhem com eles, pois o intelectual que é hoje um defensor da fé, pode tomar-se seu crítico amanhã. Não obstante, nenhuma instituição no mundo modemo escapa à avaliação constante dos críticos intelectuais, e nenhuma caracte­ rística da instituição pode sobreviver muito tempo sem algum grau de apoio intelectual. É fácil ver por que os países comunistas estão constantemente vacilando entre liberdade e maiores restrições a seus intelectuais. O intelectual mais capaz de defender as instituições estabelecidas é aquele que sabemos devotado à verdade, não importando os com­ prometimentos institucionais. Tal pessoa tanto pode

auxiliar como poderá vir a tornar-se um perigo para o bem-estar da instituição de um lado, porque seu apoio assegura o respeito por parte das instituições estabelecidas, e de outro porque sua busca da verdade pode levá-la a conclusões que servem como argumentos para os críticos institucionais, ao mesmo tempo em que enfraquecem as convicções de seus defensores. Este papel dual cria um problema de disciplina para a sociedade e de lealdades conflitantes para o intelectual.

Estruturas institucionais Visto que a família é tão básica para toda a vida social, o Capítulo 10 lhe é dedicado. O espaço não permite um tratamento igual de cada uma das demais instituições básicas, mas os esboços seguintes de insti­ tuições religiosas, educacionais, econômicas e gover­ namentais podem proporcionar uma idéia mais clara da estrutura e função institucionais. Freqüentemente estas estruturas e funções podem ser melhor observadas nas associações que são “institucionalizadas”.

Instituições religiosas Funções manifestas da religião

As funções da religião giram em tom o de três tipos de interesse: um padrão de crenças chamadas doutrinas, concernentes à natureza do relacionamento do Homem com a realidade última no universo; rituais, que simbo­ lizam essas doutrinas e mantêm as pessoas cônscias de sua significância; e uma série de normas de compor­ tamento, congruentes com as doutrinas. O trabalho de explicar e defender as doutrinas, executando os rituais e reforçando as normas de comportamento esperado, redunda num padrão complexo de culto, ensino, evangelização, exortação e obras filantrópicas que exigem considerável investimento em dinheiro e pessoal. Uma questão perene é se as igrejas serão tão viáveis no futuro quanto o foram no passado. Na maior parte da Europa, a proporção de pessoas que freqüentam cerimônias religiosas diminuiu constantemente desde 1900 [Tomassan, 1971, p. 112]. Nos EUA, as tendências têm sido mistas. De 1940 a 1962, houve aumento marcante, tanto proporcional como absoluto, no número de adesões a igrejas, elevando-se de 49% em 1940 para 64,4% em 1962 [S. Iipset, 1959; Yearbook o f American and Canadian Churches, 1964, p. 279]. A partir de 1962, o crescimento tendeu a nivelar-se; em 1973, a quantidade total de adesões a organizações religiosas mantinha-se virtualmente estática, embora a população continuasse a crescer [Yearbook o f American and Canadian Churches, 1974], Há inúmeros relatórios a

LIST A P A R C IA L DOS T R A Ç O S D A S P R IN C IP A IS IN ST IT U IÇ Õ E S S O C IA IS N O R T E -A M E R IC A N A S

Família

Religião

Governo

Empresa

Educação

Lealdade Obediência Subordinação Cooperação

Eficiência Parcimônia Perspicácia Obtenção de lucro

Am or ao conhecimento Freqüência às aulas Estudar Estudo à última hora

Bandeira Escudo Mascote H ino Nacional

Marca registrada Sinal de patente Comercial cantado

Cores da escola Mascote Canção da escola Escudo

Prédios públicos Obras públicas Equipamento de escritório Papéis e formulários

Oficina, fábrica Loja, escritório Equipamento de escritório Papéis e formulários

Salas de aula Biblioteca Estádio Livros

Credo Direito Canônico Livros sagrados Tabus

Carta-patente Constituição T ratados Leis

Contratos Licenças Franquias Contrato social

Credenciais Regras Currículos Requisitos para diploma

Tomismo Liberalismo Fundamentalismo Neo-ortodoxia

Nacionalismo Direitos dos Estados Democracia Republicanismo

Laissez-faire

Liberdade acadêmica Educação progressiva Ler, escrever, contar Classicismo

A T IT U D E S E P A D R Õ E S DE C O M P O R T A M E N T O Afeição Lealdade Responsabilidade Respeito

Reverência Lealdade Culto Generosidade

T R A Ç O S S IM B Ó L IC O S D A C U L T U R A Aliança de casamento Véu de noiva Brasão "N ossa Canção"

Cruz Imagem Templo Hino

Slogan

T R A Ç O S U T IL IT Á R IO S D A C U L T U R A Casa Apartamento Mobiliário Automóvel

Prédio da igreja Pertences da igreja Literatura Instrumentos litúrgicos

C Ó D IG O D E E S P E C IF IC A Ç Õ E S , V E R B A IS O U E S C R IT A S

ID E O L O G IA S

Responsabilidade gerencial Livre-empresa Direitos trabalhistas

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F O N T E : Adaptado do quadro "N ucleated Social Institutions", em F. Stuart Chapln. Contemporary American Institutions. Nova Y o rk , Harper & Row , 1935. p. 16.

SO C IA IS

Am or romântico "Com panheirism o" Familismo Individualismo

IN S T IT U IÇ Õ E S

Certidão de casamento Testamento Genealogia Legislação da família

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O R G A N IZ A Ç Ã O S O C IA L

respeito do interesse continuado por questões religiosas, especialmente sobre o bizarro e o oculto, mas a extensão em que os interesses religiosos continuarão a ser expressos através de igrejas é ainda uma questão em aberto. No momento, porém, as igrejas norte-americanas ainda atraem grande número de pessoas, e isso pode continuar indefinidamente.

Funções latentes da religião

Poucos norte-americanos objetarão às funções mani­ festas da religião — o culto de Deus e o treinamento em ideologia religiosa e comportamento moral. Con­ tudo, algumas das funções latentes das igrejas trazem conseqüências que muitas vezes surpreendem até os fiéis, ao mesmo tempo em que estimulam aprovação ou oposição por parte dos que não se consideram muito religiosos. As missões cristãs nas áreas coloniais muitas vezes serviram para estimular sentimento nacionalista. Não era esta a intenção dos missionários que, embora não estivessem interessados pelo governo, usualmente consideravam que a administração ocidental era essencial ao progresso de uma área subdesenvolvida. Em lugar de constituir uma meta direta, o estímulo ao senti­ mento nacionalista era um resultado latente do treina­ mento recebido em escolas missionárias e da necessidade de tratar os conversos potenciais com uma certa medida de igualdade. A função manifesta era simplesmente produzir cristãos, mas a função latente muitas vezes era treinar líderes nacionalistas que se tomavam inimigos ferrenhos do governo colonial. A ênfase cristã no casamento monogâmico tem algumas conseqüências latentes bem opostas aos desejos dos eclesiásticos. Nos países protestantes, onde o divórcio é relativamente fácil de ser conseguido, o desejo de trocar de cônjuge conduz a um alto índice de divórcios. Nos países católicos, o divórcio habitual­ mente é proibido ou dificultado. A conseqüência da restrição católica ao divórcio é uma quantidade consi­ derável de relacionamentos extraconjugais mais ou menos permanentes. Muitas pessoas entre as classes sociais mais baixas reagem à proibição, estabelecendo unidades familiares sem casamento legal e trocando de parceiros à medida de seus desejos. Em sua maior parte, as pessoas das classes média e alta casam-se apropriadamente, porém um marido descontente pode estabelecer relacionamento com uma amante, fato que a esposa não consegue impedir, já que o divórcio ou é completamente ilegal ou constitui tabu religioso. Assim, tanto a abordagem protestante como a católica quanto à vida familiar ideal têm conseqüências latentes que modificam o caráter monogâmico da família. Um dos efeitos latentes da religião mais citados é

a relação entre a “Ética Prostestante” e o “espírito do capitalismo”. Os líderes protestantes da Reforma não desejavam erigir os fundamentos espirituais para uma sociedade capitalista e muitas vezes, em sua época, denunciavam as tendências capitalistas. Entretanto, a Revolução Industrial e o crescimento de empresas de grande escala foram muito mais rápidos nas áreas predominantemente protestantes do que nas áreas grandemente católicas; e nas áreas mistas os protes­ tantes foram muito mais ativos no desenvolvimento empresarial. Esta circunstância ajuda a explicar a de­ pressão econômica na França em seguida à revogação da tolerância religiosa e à expulsão dos huguenotes. A expressão “rico como um huguenote” tomou-se um estereótipo popular, e a expulsão dos protestantes desacelerou o desenvolvimento da indústria francesa, ao mesmo tempo em que ampliou o desenvolvimento de empresas nos países onde eles se refugiaram. A Ética Protestante transformou em virtudes reli­ giosas o individualismo, o estilo de vida frugal, a parci­ mônia e a glorificação do trabalho — práticas que obviamente propiciaram a acumulação de riqueza. Estas práticas geralmente são atribuídas tanto à ênfase protestante em relação à responsabilidade individual, relegando a segundo plano os sacramentos eclesiásticos, como à interpretação do êxito no mundo como um sinal de que a pessoa se predestina à salvação, e à reação contra os símbolos de riqueza que havia sido acumulada pela Igreja tradicional. Nenhuma destas práticas protes­ tantes teve origem no desejo deliberado de encorajar o comércio e, talvez por isso mesmo, seu efeito foi tanto mais potente. A apresentação clássica desta teoria é encontrada em Max Weber. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. Conquanto a maioria dos cientistas sociais aceite a teoria de Weber como hipó­ tese plausível, alguns discordam [Fanfani, 1955, e Samuelson, 1961]. Hoje, os católicos estão cada vez mais aceitando os valores de uma sociedade empresarial, ao passo que o poder da Ética Protestante está sendo enfraquecido pelas compras a prestações e pela ênfase geral em lazer, recreação e luxo em uma sociedade opulenta. Há poucas décadas, era moda entre os líderes protestantes glori­ ficar a atividade empresarial, porém nos anos mais recentes o capitalismo passou a ser alvo de pesadas críticas, e os protestantes modernos estão incertos se sua identificação com o desenvolvimento empre­ sarial é uma virtude a ser proclamada ou uma ênfase errônea a ser corrigida. Certas pesquisas indicam que, independentemente da situação nos primeiros tempos da Revolução Industrial, a afiliação religiosa tem pouca relação com a ideologia econômica vigente na América do século XX [Greeley, 1964; G. Bouma, 1970], Por outro lado, um levantamento feito em Detroit constatou que a

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Ética Protestante era ainda viável. O estudo indicou maior comprometimento para com o trabalho, fruga­ lidade e individualismo entre os protestantes do que entre os católicos e, também, uma mobilidade social mais rápida [Lenski, 1961], A reaplicação do questio­ nário em data posterior confirmou as constatações sobre as atitudes de trabalho, mas não comprovou as outras diferenças entre protestantes e católicos fixadas pelo levantamento anterior [Lenski, 1971; Schuman, 1971]. Um relatório datado de 1971, a partir de uma amostra de homens protestantes e católicos em uma cidade norte-americana do Meio-oeste, indicou certa evidência de que a Ética Protestante ainda era viável. Nío foi encontrada qualquer diferença de educação entre católicos e protestantes, mas estes últimos tinham alcançado renda e status ocupacionais mais elevados [Crowley, 1971]. Outros estudos indicam nível econô­ mico mais elevado entre os católicos [Glenn e Hyland, 1967; Bode, 1970], Pode ser que a Ética Protestante ainda tenha alguma influência, mas parece evidente que quaisquer diferenças remanescentes entre católicos e protestantes estão diminuindo rapidamente. Uma outra função latente das instituições religiosas em certas sociedades é a promoção da sociabilidade. Através do culto e de atividades educacionais, bem como em celebrações especiais, as igrejas reúnem as pessoas. Proporcionam companheirismo e recreação “sadia” , juntamente com oportunidades para namoro e treinamento em liderança. Os feriados religiosos nos EUA são relativamente banais (com a possível exceção da Terça-feira Gorda em Nova Orleans), mas em muitas sociedades envolvem toda a comunidade em fausto elaborado. Entre as sociedades primitivas, muitas vezes os feriados religiosos são ocasião para orgias, quando as restrições costumeiras do excesso de bebida e licenciosidade sexual são temporariamente suspensas. Muitas vezes parece que uma das principais funções das insti­ tuições religiosas é tirar as pessoas de seu isolamento e quebrar a rotina cotidiana com celebrações marcantes.

Inter-relação de religião e sociedade

A História registra uma luta constante entre associa­ ções que representam diferentes instituições. Nesta luta, as igrejas desenvolveram quatro modalidades diferentes de organização, cada uma das quais teve certo êxito em garantir a autonomia das associações religiosas, embora cada uma delas implique certas concessões. A primeira e a mais importante é o Estadoigreja conhecido como ecclesia, que aceita apoio do Estado e, em troca, sanciona as práticas culturais básicas da sociedade. De maneira bastante residual, o Estado-igreja ainda sobrevive na Grã-Bretanha e nos países escandinavos. De forma muito mais vigorosa

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essa primeira modalidade existiu na Espanha sob o regime de Franco, na Itália, na Arábia Saudita e no Tibete antes do regime comunista. A seita e o culto estão em pólos opostos em relação à ecclesia. Ambos podem estar em fundo desacordo com a sociedade geral, e geralmente dispõem de poucos membros. Na verdade, tanto a seita como o culto desistiram de fazer qualquer tentativa para controlar as atividades influenciadas por outras instituições sociais. O culto tem pouca ligação com as atividades governa­ mentais, educacionais ou econômicas. Realça a expe­ riência emocional de seus membros e pede somente que a sociedade mais ampla tolere o que muitas vezes é considerado como comportamento esquisito. A seita se preocupa com todos os aspectos da vida e insiste para que seus membros sigam suas doutrinas sem qualquer desvio. Os costumes da seita podem ser muito diferentes dos da sociedade mais ampla. Pode ser pacifista em um Estado em pé de guerra, coletivista em uma economia individualizada e austera em uma sociedade opulenta. Todavia, a seita não faz qualquer tentativa séria para manobrar a sociedade mais ampla e pede somente o direito de viver à parte em enclaves estanques. Algumas vezes consegue ser tolerada porque é considerada como muito pequena para que constitua ameaça. Por exemplo, um govemo que não toleraria atitudes pacifistas em larga escala pode ignorar alguns quacres ou menonitas sem reduzir seriamente seu poder militar. A quarta categoria, a denominação, é um grupo amplo mas com menos do que a maioria dos cidadãos da nação. Usualmente é sustentada por doações privadas e não por subsídios governamentais; e pelo fato de se constituir numa minoria, não se sente nem se vê tão pressionada para aceitar todas as normas sociais da maioria, como acontece com a ecclesia. Assim, pelo menos até pouco tempo, os metodistas dissentiam da maioria ao criticarem os hábitos de beber e jogar, e os católicos divergiram bastante quando se opuseram ao controle da natalidade. Por outro lado, a denominação é muito grande para coibir desvios entre seus membros, cujo comportamento tende a seguir as práticas sociais gerais. Mas a denominação procura influenciar o com­ portamento tanto de seus membros como da sociedade mais ampla, e ao mesmo tempo resiste às influências institucionais que não estejam de acordo com suas normas comportamentais. A idéia da separação entre a Igreja e o Estado é aceita em teoria, porém, na prática, ocorrem muitos argumentos quanto à sua aplicação. A classificação de um grupo religioso como ecclesia, culto, seita ou denominação, não implica qualquer juízo de valor quanto à sua validade ou prestígio. A classificação é apenas uma indicação de diferença no tipo de ênfase e no padrão de relacionamento com a sociedade mais ampla. Todavia, não existem igrejas

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que sejam tipos “puros” e, por isso, a classificação é um contínuo com graus de diferença e não uma dicotomia com contrastes absolutos. Já que não há uma única Igreja que disponha da maioria dos norte-americanos como seus membros, provavelmente pode-se dizer que os EUA não têm uma ecclesia e que todos •os grupos relevantes são denominações.

Instituições educacionais Nas sociedades antigas e primitivas, não havia neces­ sidade de escolas. As crianças aprendiam o que preci­ savam saber olhando e tomando parte no que estava acontecendo. A educação, assim como tudo o mais, era manipulada pela família ou pelo clã. As escolas se tomaram necessárias quando a complexidade cultural criou a necessidade de conhecimento e habi­ lidade especializados que não poderiam ser facilmente adquiridos pelos métodos de olhar e ajudar. A complexidade da vida modema não diminuiu a importância das funções de ensino da família, mas trouxe a necessidade de muitos tipos de instrução que exigem órgãos educacionais especializados. Nos primitivos dias da vida norte-americana, até a educação elementar (ler, escrever e contar) estava longe de ser universal. Hoje, a conclusão do curso secundário é considerada como a preparação mínima necessária, ao passo que a educação superior se toma cada vez mais comum. Tampouco a educação termina na juven­ tude, já que as mudanças em ciências e tecnologia podem exigir novos treinamentos em qualquer estágio da vida de trabalho de uma pessoa. Em certa época, a instrução superior era necessária somente em pro­ fissões eclesiásticas, jurídicas e médicas, ou então como uma espécie de brilho ornamental para os ricos. Hoje, a educação avançada é considerada como necessária para uma grande parte da população.

bastante extensa: preservar a cultura, passando-a de uma geração para a seguinte; encorajar a participação democrática pelo ensino de habilidades verbais e desen­ volvimento da capacidade da pessoa para pensar racional e independentemente; enriquecer a vida, permi­ tindo ao estudante expandir seus horizontes intelectuais e estéticos; melhorar o ajustamento pessoal através de consultoria pessoal e cursos tais como Psicologia Aplicada, Educação Sexual, Viver em Família, Abuso de Drogas; melhoria da saúde da juventude da nação, proporcionando exercícios físicos e cursos de Higiene; produzir cidadãos patrióticos através de lições a respeito da glória do país; e, finalmente, “formando o caráter” . Algumas destas funções manifestas talvez não possam ser realmente cumpridas, mas são, mesmo assim, funções intencionais do sistema educacional. De fato, as funções manifestas da escola multiplicaram-se em tal extensão que muitas vezes tendemos a supor que a educação pode resolver todos os problemas da socie­ dade. Existe um certo temor de que o interesse da escola por grande quantidade de assuntos possa estar minando sua capacidade para desenvolver habilidades intelectuais básicas. Os encarregados do Serviço de Teste Educa­ cional relatam que os escores médios conseguidos pelos candidatos a cursos superiores vêm baixando firme­ mente há uma década. Baixaram de 478 nos testes verbais e de 502 em testes matemáticos no ano escolar de 1962-1963 para 445 na parte verbal e 481 na parte matemática durante o ano letivo de 1973-1974. Para alguns, os escores mais baixos estariam simplesmente refletindo o fato de que as matrículas em curso superior são menos seletivas agora do que eram antes, mas uma outra explicação é que as escolas elementares e do segundo grau talvez estejam tendo menos êxito no ensino de habilidades verbais e matemáticas [Maeroff, 1973],

Funções latentes da educação Funções manifestas da educação

Trate-se de educação geral básica ou de treinamento em habilidades específicas, a principal função manifesta da educação na sociedade norte-americana é preparar as pessoas para o desempenho de papéis ocupacionais. Praticamente todos esses papéis requerem instrução básica, ao passo que muitos exigem algum tipo de treinamento especializado. A revolução da Cibernética com máquinas controladas por computadores está fazendo baixar rapidamente a demanda de mão-de-obra não-especializada, enquanto o mercado para profis­ sionais, semiprofissionais e técnicos se expande rapida­ mente. A lista de outras funções manifestas da educação é

A educação também tem funções latentes, como por exemplo manter a juventude fora do mercado de trabalho, enfraquecer o controle dos pais,'acelerar a americanização dos imigrantes e modificar o sistema de classes. As queixas a respeito das escolas são, em ampla medida, uma reação a estas funções latentes. Manter a juventude fora do mercado de trabalho pode ser inte­ ressante para os sindicatos trabalhistas, mas isso aparece sob uma outra perspectiva para os lavradores que necessitam de trabalhadores sazonais e para os industriais remanescentes que ainda dependem de mão-de-obra barata e não-especializada. Os pais desejam que os filhos atinjam status mais elevado por meio da

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educação, mas ficam decepcionados quando os filhos aprendem idéias que colidem com as normas paternas; os pais imigrantes que desejam que os filhos sigam as práticas e os costumes de uma cultura estranha têm sentimentos ambíguos em relação ao processo de americanização em curso na escola. A alteração do sistema de classes, por permitir que as famílias de baixa renda obtenham a educação necessária para galgarem posições de status mais elevado, também provoca reações contro­ versas. Alguns louvam o fato como um passo em direção a uma sociedade melhor, outros temem o aumento da competição ou a falta de trabalhadores que não estarão contentes com cargos de baixo status. Alguns, porém, argumentam que na realidade a escola perpetua as desigualdades de classe [Rist, 1970; Greer, 1972], o que toma a função latente em relação à estrutura de classe uma questão em aberto para debate. O sistema escolar norte-americano está atualmente empenhado no que talvez seja a mais amarga controvérsia de sua História - trata-se de saber se suas funções latentes devem incluir a promoção da integração racial. (Alguns insistem em dizer que esta é uma função manifesta.)

Autonomia educacional

As crenças dos educadores são tão variadas quanto as dos norte-americanos em geral, e os educadores em todos os níveis muitas vezes argumentam com veemência entre si. Alguns levam vida altamente con­ vencional; outros poderiam ser classificados como ultra-sofisticados ou “emancipados” . Muitos educadores são freqüentadores assíduos de igreja, alguns são agnósticos e outros ateus. Alguns são críticos radicais do sistema econômico, outros gostariam de repelir a maior parte da legislação social dos últimos quarenta anos. Alguns educadores apoiaram a Guerra do Vietnã, outros se opuseram amargamente. Embora os educadores divirjam em questões sociais e estilos de vida, têm dois. pontos em comum. De um lado, seu papel na sala de aula e algumas vezes quando se dirigem a um público ou quando se publica o que escrevem, tudo isso faz com que fiquem sob a mira do público e se exponham a possíveis críticas. De outro lado, sem levar em conta diferenças eventuais em outras matérias, os educadores têm uma lógica própria e inquietam-se quando os líderes de outras associações institucionais tentam exercer controle sobre as escolas. Para os educadores, as escolas existem para disseminar a verdade tal como esta é formulada por cada disciplina acadêmica. Usualmente a busca da verdade não tem implicações revolucionárias, mas freqüentemente aparece sob uma forma algo diferente da preferida pelos que estão comprometidos sobretudo com outras associações institucionais. Além disso,

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o próprio processo de investigação intelectual causa perturbação aos que se comprometeram de modo absoluto com essas metas institucionais e suas corres­ pondentes ideologias. Por isso, as escolas estão sempre sob a suspeita de estarem minando a fé dos cidadãos e são rigorosamente vigiadas pelos representantes de outras associações institucionalmente relacionadas. A ideologia usada para salvaguardar a autonomia das associações educacionais é a liberdade acadêmica. Isto quer dizer que as escolas devem ser dirigidas por suas próprias autoridades e não diretamente subser­ vientes a outras instituições; significa também que os professores estão livres para fazer pesquisa, publicar e ensinar o que descobriram, sem medo de represálias se os resultados da pesquisa se revelarem impopulares. Do ponto de vista dos educadores, a liberdade aca­ dêmica é o passaporte em sua busca da verdade, aonde quer que isso possa levar. Do ponto de vista da socie­ dade, este modo de garantir a autonomia educacional pode, por vezes, ser embaraçoso a outras associações institucionais, cujos líderes julguem não estar recebendo o necessário apoio da escola. Seu mérito está na garantia de que tanto os estudantes como o público geral rece­ berão o que é realmente a verdade como o professor a compreende, e não terão uma situação em que o professor é obrigado a ceder sob pressão. Nos últimos anos a liberdade acadêmica está sob a mira de estudantes militantes que desejam que a universidade seja um órgão de reconstrução social. Tais estudantes têm idéias firmes sobre o tipo de mudança social que desejam presenciar, e consideram a universidade não como um lugar de indagação inte­ lectual, mas como uma arena em que suas forças podem ser mobilizadas. Em sua opinião, o bom professor é aquele cujo ensino é relevante — isto é, cujas matérias e idéias se prestem a reforçar o apoio aos objetivos sociais e políticos dos estudantes radicais. Qualquer relutância em atacar as instituições estabelecidas faz do professor um alvo certo para os estudantes mili­ tantes, de modo algo semelhante aos estudantes nazistas que tocaram para fora das universidades os professores liberais na época de Adolf Hitler na Alemanha. Já que a estabilidade acadêmica respalda a liberdade acadêmica, dificultando a demissão de professores que não são populares, a estabilidade também se encontra sob o jogo cerrado dos estudantes militantes que, como os arqui-reacionários de direita, só se dispõem a defender uma universidade de onde o ensino sirva de respaldo às suas próprias ideologias. Na década de 1970, surgiram outros ataques à esta­ bilidade acadêmica, quando as matrículas universitárias deixaram de aumentar e, em certos casos, até mesmo diminuíram. Os administradores estão criticando o mandato acadêmico estável como um dispositivo que “congela” o corpo docente, dificultando o lançamento

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de novos programas com pessoal apropriado. As mino­ rias étnicas também criticam por considerarem o mandato estável dos professores como um dispositivo que protege as posições do grupo étnico majoritário contra as demandas da minoria. Para o educador, essa posição estável é vista como um meio indispensável de proteger a autonomia exigida pelo magistério para prestar serviço efetivo. Para os críticos, a estabilidade do educador muitas vezes parece ser um artifício para proteger uma posição ideológica, frustrar a mudança educacional ou resistir às exigências econômicas externas. A longo prazo, os educadores minoritários constatarão que a estabilidade acadêmica serve tanto a seus interesses como aos da maioria, e os adminis­ tradores educacionais compreenderão a necessidade de um sistema de direitos ou de estabilidade a fim de proteger as escolas contra os críticos ideológicos. A curto prazo, porém, estas vantagens nem sempre são aparentes, e os direitos de estabilidade dos professores — e todos os demais dispositivos que garantem a auto­ nomia educacional — se encontram sob o fogo de críticas cerradas. Uma outra ameaça ao controle das escolas pelos educadores deriva do aumento de auxílio federal à educação. Este auxílio tem sido acompanhado de exigências no sentido de que as escolas se ajustem aos padrões federais, tais como foram estatuídos pelos próceres do Departamento de Saúde, Educação e Bem-estar [Seabury, 1972]. Estas exigências fizeram com que as escolas individualmente perdessem parte de seu controle sobre o pessoal e o currículo em favor de uma outra instituição — o govemo. Refletindo sobre estas tendências, o presidente do Sindicato dos Professores da Cidade de Nova York relembra o tempo em que o auxílio federal às escolas era objeto de debates e observa: ( . . . ) o conflito básico era entre os “liberais” e os “conservadores” sobre a questão de o auxílio federal implicar ou não controle federal das escolas. Em geral os liberais argumentavam que o auxílio federal não levaria a tal controle, ou então, na medida em que o poder monetário federal se fizesse sentir, ele seria usado a fim de promover objetivos educa­ cionais nacionais benéficos, que suplantariam os interesses locais e discriminatórios. Quando reto­ mamos esse debate do ponto de vista dominante em 1974, parece que os velhos conservadores não estavam assim tão errados (Shanker, 1974).

Instituições governamentais e econômicas Embora seja possível considerar as instituições governamentais e econômicas separadamente, acham-se

tão estreitamente entrelaçadas que parece mais apro­ priado examiná-las em conjunto. O govemo tem outros interesses além da atividade econômica, mas fomentar ou realizar a produção de bens e serviços é uma função tão importante dos governos modernos que as políticas governamental e econômica sempre estão intimamente relacionadas, e pouco importa se a ideologia que preva­ lece é socialista ou capitalista.

Desenvolvimento de instituições governamentais e econômicas

Quando a sociedade humana conseguia subsistência pela coleta de grãos e ervas, havia pouca necessidade de comércio ou govemo. A família extensa propor­ cionava toda a coordenação necessária a este estágio de atividade. Desenvolveu-se o comércio quando se sentiu a necessidade de um modo ordenado e estável de obter recursos controlados por outro grupo. Surgiram as instituições econômicas quando as pessoas organi­ zaram uma divisão do trabalho e reconheceram a propriedade privada. A domesticação de animais, o estabelecimento de agricultura em local permanente com direitos à terra, e o desenvolvimento final das indústrias, tudo isso levou ao desenvolvimento de sistemas econômicos e governamentais com vários graus de complexidade. Nos últimos anos, a especia­ lização da mão-de-obra atingiu um ponto em que 30 000 diferentes títulos ocupacionais estão listados na publicação do govemo Alphabetical Index o f Occupations in the United States, e desenvolveu-se um sistema econômico em que virtualmente ninguém subsiste por seus próprios esforços. As funções do govemo cresceram tanto que mais de 30% da renda nacional são gastos pelos diversos níveis de governo nos EUA. 0 PÃO-NOSSO PARA F/lM/lIflS FELIZES CLUBE DOS 3 0 ANOS

Até a empresa moderna faz uso da tradição, do ritual e do sentimento.

As instituições governamentais e econômicas são mais do que maneiras padronizadas de fazer as coisas. A exemplo das demais instituições, também incluem idéias-suporte, sentimentos, tradições e valores. A

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construção de canoas entre os polinésios, a caça à morsa entre os esquimós, o plantio de arroz em canteiros encharcados no Sudeste da Ásia — todas essas coisas envolvem papéis atribuídos, tradições e rituais elabo­ rados. Estes rituais trazem as bênçãos dos deuses para o empreendimento e também solidificam a cooperação humana. O governo é apoiado por uma parafernália de bandeiras hasteadas, música marcial, prédios gran­ diosos e o sentimento ativador do patriotismo. Até a empresa moderna faz uso da tradição, do ritual e do sentimento. O comercial cantado, as estórias de líderes empresariais carismáticos, os donativos para caridade e para os serviços públicos, o banquete de homenagem aos empregados que se aposentam — tudo isso concorre para fazer com que o sistema empresarial assuma a aparência de um cálido agrupamento de seres humanos e não simplesmente uma máquina econômica insensível.

Padrões institucionais governamentais e econômicos

No Capítulo 4, notamos que a economia monetária e a estratiflcação social foram sugeridas como os dois desenvolvimentos inevitáveis em termos de evolução social. Este é um outro modo de dizer que a Economia modema exige um meio de troca mais flexível do que o escambo e, por isso, desenvolveu-se um sistema de moeda e crédito. Uma economia modema também exige a coordenação do trabalho de muitos funcionários especializados e o cumprimento das regras segundo as quais operam. Uma função da estratiflcação social é fornecer um sistema de líderes e seguidores que proporcione a coordenação do trabalho. Surgiram três tipos diferentes de sistemas econômico-govemamentais, cada qual tratando de modo diferente do problema de coordenação econômica. Economia mista. Este tipo de sistema pode tomar um rótulo capitalista ou socialista, mas estes rótulos fazem pouca diferença na maneira pela qual as insti­ tuições funcionam. Quer a sociedade em tela seja decla­ radamente capitalista, como nos EUA, quer seja aber­ tamente socialista, como na Suécia, a relação entre o governo e a economia é semelhante em espécie e difere um pouco em grau. Em qualquer dos casos, grande parte da atividade econômica da sociedade é executada por empresários cujas atividades são ditadas em boa parte pelo que parece ser a melhor maneira de obter lucros. Em cada país, porém, algumas empresas são ope­ radas pèlo governo. Igualmente, o governo controla a oferta de crédito e de moeda, o que influencia bastante a atividade econômica de cada país, ao mesmo tempo em que as variações nas despesas governamentais também afetam o nível dos negócios. Finalmente, ambos os países operam como Estados voltados para

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o bem-estar, em que a provisão de uma renda mínima e grande número de serviços como habitação, educação e assistência médica são de responsabilidade do governo. A Suécia tem um nível de tributação mais elevado e há muitos anos vem proporcionando uma faixa mais completa de tais serviços, mas atualmente os EUA estão-se deslocando na direção sueca, de maiores despesas em bem-estar e, conseqüentemente, impostos mais elevados. Os partidos socialistas na Suécia e em outros países escandinavos tiveram problemas nas eleições dos últimos anos e há evidência de que muitos suecos começaram a questionar se os benefícios rece­ bidos do governo pesam mais que o custo da tributação, a qual transfere 40% do Produto Nacional Bruto para o governo, e parecem dar-se conta da inconveniência de muitos regulamentos [Ross, 1974]. Já que os EUA têm uma demanda em crescimento constante para maiores despesas com bem-estar, pode ser que os dois países estejam convergindo para um padrão semelhante. Tal padrão implicaria uma diminuição do crescimento das atividades de bem-estar na Suécia e um aumento dessas atividades nos EUA, minorando-se dessa forma o contraste existente entre os dois países. Sociedades comunistas. O termo “democrático” é usado nas sociedades comunistas para descrever um sistema em que o povo não tem meios efetivos de controle, mas onde uma ditadura de partido único alega governar em benefício do povo. Muitas vezes a agricultura é organizada em fazendas coletivas que usualmente suscitam amarga oposição por parte dos lavradores, e a produção agrícola deixa muito a desejar em termos de produtividade. A coordenação global da economia, inclusive o nível de preços, de salários e a espécie de bens produzidos, é determinada por órgãçs de planificação central. Nos últimos anos, os países comunistas da Europa voltaram parcialmente ao modelo capitalista, onde cada indivíduo toma maior número de decisões empresariais e espera realizar um “lucro” em suas operações. Estes lucros são retidos pelo govemo e usados como julgar melhor. A Iugoslávia é o país comunista que permite maior grau de indepen­ dência ao empreendimento individual. Embora haja algumas variações entre os países, um certo tipo de sistema comunista funciona na União Soviética, nos países-satélites da Europa Oriental, Laos, Vietnã, China e Cuba. O comunismo na União Soviética produziu certo grau de desenvolvimento econômico, porém saber se o avanço econômico nesses países foi mais ou menos rápido do que poderia ter sido num sistema capitalista, ainda é coisa que se debate. Geralmente o comunismo chega ao poder em países pobres e subdesenvolvidos com um sistema social arcaico e constitui a forma que assume seu esforço de modernização [Kieman, 1972, p. 35]. Todavia,

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não é certo de modo algum que o comunismo ofereça o caminho mais rápido para a melhoria econômica dos países subdesenvolvidos. A maioria das nações que lograram recentemente sua independência rejeitou o padrão comunista em favor de uma economia mista. Algumas, como Cingapura, alcançaram alto grau de prosperidade com o sistema econômico misto, que é mais marcadamente capitalista do que coletivista. Sociedades fascistas. Uma sociedade fascista é gover­ nada por uma ditadura de partido único, organizada por um líder carismático. O povo praticamente não tem voz ativa nos assuntos governamentais e encontra sua satisfação no vigor glorioso da nação. O poder e a conquista militares foram as principais características da Alemanha de Hitler e da Itália de Mussolini, mas a Espanha de Franco e a Argentina de Perón funcio­ naram sem expansionismo militar. É tolerada a empresa privada, mas o empresário tem liberdade limitada e está sujeito à direção onipresente do Estado. Os benefícios do bem-estar são providenciados pelo Estado e são tão altos quanto o estágio de desenvolvimento industrial e as necessidades militares o permitirem. Todos os interesses privados estão subordinados ao Estado. Os sindicatos trabalhistas tomam-se órgãos para impor a política estatal aos trabalhadores, enquanto as Igrejas são forçadas a apoiar o regime sob pena de suas ativi­ dades serem severamente cerceadas. O fascismo se desenvolve em países com economia relativamente adiantada e um pouco de experiência democrática. Esses países podem tomar-se “fascistas” quando são incapazes de conciliar suas tensões sociais ou resolver democra­ ticamente seus problemas sociais [Ebenstein, 1973]. Comparação entre fascismo, comunismo e economias mistas. Todos estes três sistemas governamentais e econômicos são orientados para o aumento de produ­ tividade. As economias mistas proporcionam maior amplitude para a iniciativa individual, ao passo que o comunismo e o fascismo limitam drasticamente a liberdade individual e dependem de órgãos centrali­ zados do governo para o planejamento das metas e atividades econômicas. Desde que sejam industrializadas, tende a haver uma restrição à riqueza extrema e uma elevação dos padrões do nível de renda mais baixo. Ainda assim, nas três sociedades persistem as desigual­ dades de renda. Na sociedade comunista, as desigual­ dades de renda têm origem em escalas desiguais de salários e ordenados, que permitem a um profissional ou a um gerente ganhar diversas vezes mais que um trabalhador comum (ver a discussão na página 223-4), ao passo que na sociedade fascista e nas economias mistas, a propriedade privada e a herança conduzem a grandes diferenças de renda. A maioria dos países em desenvolvimento ainda não se firmou nitidamente em

qualquer destes padrões, e a tendência neles parece ser em direção à ditadura de um único partido ou à ditadura militar no governo, com um misto de empreendimento governamental e iniciativa privada na economia. Funções latentes das instituições governamentais e econômicas. As funções manifestas de todos os três sistemas — comunista, fascista e economia mista — são manter a ordem, conseguir consenso e maximizar a produção econômica. Nenhuma sociedade tem êxito completo em qualquer destas funções. O totalitarismo comunista ou as sociedades fascistas parecem mais bem sucedidas na manutenção da ordem, pelo menos temporariamente, enquanto as economias mistas levam a melhor para alcançar um consenso que ainda permite a expressão da opmião da minoria, além de terem logrado maior êxito em termos de produção econômica. Uma análise dos três tipos de sociedade indica alto grau de semelhança em suas funções latentes. Uma função latente de todas as instituições governamentais e econômicas modernas é a destruição da cultura tradicional. As formas costumeiras de ocupação da terra, crença religiosa, organização da família, loca­ lização residencial e muitos outros padrões firmados de vida social sofrem mudanças à medida que se desen­ volve o industrialismo. Ê encorajada a mobilidade social e, em conseqüência, ocorre um aumento de anomia e alienação. Outra função latente é a aceleração da deterioração ecológica. A menos que sejam tomadas precauções dispendiosas e complicadas, cada aumento de produção leva a um aumento em destruição ambiental. Algumas vezes os capitalistas são acusados disso, sob a alegação de que não estão dispostos a permitir que a preocupação com o equilíbrio ecológico interfira nos lucros. Entre­ tanto, a União Soviética, sem quaisquer capitalistas, exceto o Estado, tem o mesmo problema. Basicamente, a dificuldade está em que qualquer sistema reluta em pagar os custos de coibir a poluição. Provavelmente, uma redução de maior vulto da poluição exigiria aumentos nos custos de produção e nos impostos, com a queda conseqüente do padrão de vida, e certa­ mente se traduzirá num “basta” à explosão populacional do mundo. Nem os comunistas nem os capitalistas terão facilidade para implementar efetivamente políticas de combate e redução da poluição.

Cultura e governo

Os cientistas políticos sugerem que o êxito ou o fracasso dos governos democráticos depende em grande parte da compatibilidade do processo democrático com a cultura do país. É inútil que um país adote uma constituição que propicie dirigentes eleitos, salvo se as

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atitudes do povo lhe permitirem dar apoio a um regime democrático. Às atitudes desta espécie foi dado o nome de cultura cívica [Almond e Verba, 1963]. A cultura cívica é descrita como uma fusão de atitudes que apóiam diretamente a participação na estrutura política, combi­ nada com outras atitudes, tais como a confiança em outras pessoas e uma disposição geral em prol de coope­ ração e envolvimento sociais. A falta de disposição em participar das eleições ou das discussões políticas torna um sistema democrático sem sentido. Mas a participação não basta. Se as pessoas não confiam em si e nos processos do govemo, a participação política leva a conflito insolúvel. Dizemos, então, que o grupo foi “politizado” , significando que substituiu o esforço real para resolver as questões pelo partidarismo político. Em muitos países, tal “politização” trouxe desapreço pelo processo democrático e regimes ditatoriais. Almond e Verba analisaram comparativamente a Itália, México, Alemanha, EUA e Grã-Bretanha em termos do grau de presença da cultura cívica. Consta­ tou-se que a Itália tinha falta de confiança e de um padrão de participação. No México, também era aparente uma falta de confiança mútua, mas o govemo havia-se tornado um símbolo das esperanças e aspirações mexicanas e, assim, foi conseguido o consenso neces­ sário a seu funcionamento. A Alemanha foi vista como um país em que as atitudes propiciando participação política não estavam bem desenvolvidas, e a falta de confiança manifestava-se na amarga hostilidade entre os membros de diferentes partidos políticos. Os norteamericanos foram considerados como pessoas com um senso altamente desenvolvido de participação polí­ tica e confiança geral, mas com desconfiança bastante acentuada dos órgãos administrativos. A Grã-Bretanha é descrita como o país que mais se aproxima da cultura cívica. A participação política é altamente desenvolvida, e os ingleses combinam uma confiança geral no sistema com intensa lealdade a seus partidos políticos [Almond e Verba, 1963, p. 402-69]. É discutível se a presença ou ausência da cultura cívica é uma explicação adequada sobre por que a democracia floresce em certos países e vacila ou falha em sobreviver em outros. Uma premissa parece ser bastante certa: para que um conjunto de práticas floresça em uma sociedade, estas precisam integrar-se com o resto da cultura.

Sumário As instituições sociais são sistemas organizados de relações sociais que incorporam certos valores e proce­

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dimentos comuns e atendem a certas necessidades básicas da sociedade. As instituições se desenvolvem gradualmente da vida social de um povo. Quando certas atividades se tomam meios padronizados, rotinizados, esperados e aprovados para atingir metas importantes, este comportamento foi institucionalizado. Um papel institucionalizado é aquele que foi padronizado, aprovado e esperado e, normalmente, é cumprido de maneira bastante previsível, não importando a pessoa que o desempenhe. Cada instituição inclui um aglome­ rado de traços institucionais (códigos de comporta­ mento, atitudes, valores, símbolos, rituais, ideologias), funções manifestas (aquelas que a instituição tenciona executar ou se acredita que possa executar) e funções latentes (cujos resultados não são intencionais nem planejados). Os líderes de associações institucionalmente relacio­ nadas (escolas, igrejas, empresas, etc.) normalmente buscam um certo grau de autonomia institucional, ou independência em face de outras instituições. Os con­ flitos em tom o da autonomia institucional levaram a situações de Estado-igreja, tais como a seita, culto, denominação e ecclesia, e ao desenvolvimento do conceito de liberdade acadêmica nas instituições educa­ cionais. As instituições estão inter-relacionadas, de modo que as mudanças ocorridas numa delas afetam as demais em termos de uma relação constante de causa e efeito. A análise de determinadas instituições ilustra estas suas características. As funções latentes das instituições religiosas podem subverter suas normas formais, como nas regras que resultam em uma família vivendo fora do casamento “normal” . As funções latentes das insti­ tuições educacionais, como a promoção de mobilidade social ou a integração racial, podem envolver as escolas em sério conflito, ao passo que as funções latentes das instituições governamentais e econômicas podem levar à destruição ecológica. Na época modema, as instituições governamentais podem ter eclipsado as outras. Nos países comunistas, os dirigentes do govemo exercem controle direto sobre a economia; nos países fascistas, a economia é dominada indiretamente; e nas economias mistas, os líderes governamentais e empresariais partilham do controle societário. Os líderes em cada associação institucionalmente relacio­ nada procuram preservar sua autonomia institucional e estender sua influência às outras instituições. Os estudos sobre govemo e cultura sugerem que os valores e atitudes de uma cultura determinam a espécie de instituições governamentais que nela se desenvolverão. As atitudes favoráveis a uma forma democrática de govemo são conhecidas como cultura cívica.

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O R G A N IZ A Ç Ã O S O C IA L

Perguntas e trabalhos 1.

Quais as cinco instituições básicas encontradas em todas as sociedades complexas? De que modo uma instituição difere de uma associação?

2.

Qual o significado do processo de institucionalização? A arte é uma instituição? A recreação? As Nações Unidas? O casamento? O controle da natalidade? A ciência?

3.

Você acredita que o aumento no índice de divórcios na instituição da família está relacionado a mudanças em nossas instituições econômicas? Em caso afirmativo, de que maneira?

4.

E possível que uma Igreja possa ser uma ecclesia em um país e uma denominação em outro? Pode dar um exemplo?

5.

Qual o significado do argumento de Weber, segundo o qual a Ética Protestante refuta a ênfase marxista sobre a primazia dos fatores econômicos no inter-relacionamento das instituições?

6.

Existem razões pelas quais uma pessoa ansiosa em pro­ mover mudança social radical deva defender a liberdade acadêmica que se opõe a essa mesma mudança social radical?

7.

A instituição de ensino superior foi institucionalizada em termos do comportamento de papel esperado dos estu­ dantes, do corpo docente e dos administradores? E a respeito das “universidades livres” que apareceram no campus ou em suas proximidades?

8.

Leia o livro de Donald H. Bouma. *Kids and Cops: A Study in Mutual Hostility. Grand Rapids, Mich., Eerdmans, 1969, ou o artigo de Donald G. Bouma e Donald G.

Williams. Police-School Liaison: An Evaluation o f Programs. Intellect, nov. 1972, p. 119-22. Avalie o programa de ligação polícia-escola em termos de inter-relacionamentos institucionais. Será que o programa permite à polícia dominar a educação, ou é m utuamente útil tanto para a educação como para a polícia? 9.

O Partido dos Trabalhadores Socialistas nos EUA, um pequeno grupo sem esperanças de ganhar uma eleição, critica acerbamente os demais partidos que perderam o verdadeiro caminho do socialismo marxista e se sente muito orgulhoso de sua firme devoção aos princípios básicos. Com que tipo de grupo religioso se parece? Que espécie de motivação sustenta a existência desses partidos?

10. Faça uma comparação entre o Partido Comunista e as Igrejas cristãs como associações institucionalmente rela­ cionadas. (William Ebenstein. Today's Isms. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1973, cap. 1, é uma fonte sobre o Partido Comunista.) Para cada um a das entidades, identifique seus escritos sagrados, santos e mártires, verdades absolutas, códigos de comportam ento, funções manifestas e latentes, exigências feitas aos membros e exemplos recentes de desorganização e reorganização. 11. A partir das leituras abaixo indicadas, compare os artigos de Sidney Hook com o texto de Herbert Marcuse; ou compare Berger com Neuhaus em M ovement and Revolution. Em cada caso, um defende as instituições atuais ao passo que o outro prega uma revolução. Que ponto de vista você acha mais convincente? Por quê?

Leitura sugerida Abrecht, Milton C. A rt as a Social Institution. American Socio­ logical Review, 33:383-390, jun. 1968. Apresenta a Arte como uma instituição social, mas que não segue exata­ mente os parâmetros que geralmente caracterizam outras instituições. Bennett, Jr., William S., e R. Frank Falk. New Careers and Urban Schools. Nova York, Holt, Rinehart and Winston, 1970. Descreve a institucionalização do papel de mestreauxiliar. *Berger, Peter L., e Richard J. Neuhaus. Movement and Revolution. Garden City, N.J., Doubleday, 1970. Berger defende a viabilidade da atual estrutura da sociedade norte-ame­ ricana, enquanto Neuhaus prega a necessidade de uma revolução.

ções institucionalmente relacionadas às vezes combatem a tendência a lealdades múltiplas, exigindo completa dedicação das pessoas envolvidas. Os exemplos incluem os eunucos que desempenhavam tarefas para os gover­ nantes, o ativista no Partido Comunista, o clero católico, a empregada doméstica ou a dona-de-casa que considera subalternos todos os interesses que não os do lar. Leitura agradável revelando total comprometimento institucional. Edwards, Harry. “Sport as a Social Institution.” In: The Socio­ logy o f Sport. Homewood, 111., Dorsey, 1973. Apresen­ tação de aspectos institucionalizados do esporte. *Hadden, Jeffrey K. Religion in Radical Transition. Chicago, Society Books, 1973. Artigos da revista Trans-action (atualmente denominada Society) sobre o estado atual da religião nos EUA e outros lugares.

Brookover, Wilbur L., e Edsel L. Erickson. Society, Schools and Leaming. Michigan State University Press, 1973; *Susan Budd. Sociologists and Religion. Londres, Mac­ millan, 1971; *Neil J. Smelser. The Sociology o f Economic Life. Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1963. Breves descrições sociológicas destas instituições básicas.

Hammond, John L. Revival Religion and Anti-Slavery Politics. American Sociological Review, 39:174-186, abr. 1974. Revela a associação entre reflorescimento religioso e senti­ m ento antiescravagista, ilustrando a interação institu­ cional de religião, governo e economia.

Coser, Lewis A. Greedy Institutions: Patterns o f Undivided Commitment. Nova York, The Free Press, 1974. Associa­

*Hofstadter, Richard. Anti-Intellectualism in American Life. Nova York, Alfred A. Knopf, 1963. Discussão estimulante

IN S T IT U IÇ Õ E S S O C IA IS

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do relacionamento amor-ódio entre intelectuais e insti­ tuições sociais norte-americanas.

p. 137. Breve enunciado da acusação de Marcuse à socie­ dade norte-americana.

Hook, Sidney. Real Crisis on the Campus. Reader’s Digest, ago. 1969, p. 41-5; War against the Democratic Process., Atlantic, abr. 1969, p. 45-9. Dois breves artigos defen­ dendo as instituições liberal-democráticas norte-ameri­ canas. Hunt, Chester L. Social Aspects o f Economic Development. Nova York, McGraw-Hill, 1966. Análise breve e escrita com simplicidade sobre o inter-relacionamento de padrões econômicos com outras instituições nos países em desen­ volvimento.

Merton, Robert K. “ Manifest and Latent Functions: Toward the Codification of Functional Analysis in Sociology.” In: Social Theory and Social Structure. Nova York, The Free Press, 1968, p. 19-84; reproduzido em Merton, Robert K. On Theoretical Sociology. Nova York, The Free Press, 1967, p. 73-138. Discussão das funções manifestas e latentes das instituições.

Marcuse, Herbert. Student Protest Is Nonviolent Next to the Society Itself. N ew York Times Magazine, 4 maio 1969,

Turner, Jonathan H. Patterns o f Social Organization: A Survey o f Social Institutions. Nova York, McGraw-Hill, 1972. Tratamento sistemático das principais instituições da socie­ dade norte-americana, incluindo parentesco, economia, edu­ cação, direito, governo e religião, e da interação entre elas.

10. A fam ília Aconteceu, certa manhã, quando Johnny [ex-cornbatente norte-americano] chegou para trabalhar e encon­ trou Maggi, Kim Sing, Povenaaa e três outros homens jogando dados. Teuru [nativa, namorada de Johnny], está perto, de pé, observando o jogo com interesse e aconselhando Maggi: — É melhor você caprichar! Você ainda precisa de mais três seis! — Que jogo é esse?, perguntou Johnny. — Dados, respondeu Teuru. — Isso eu vejo. Mas para quê? Teuru ficou ruborizada e desviou o olhar, por isso, Johnny perguntou a Povenaaa. — Não me aborreça agora!, respondeu o homem excitado. Subitamente houve gritos de triunfo e Maggi começou a jurar que o chinês tinha roubado, mas Kim Sing sorriu, expressando alegria e apanhou os dados. — 0 safado do chinês fica com o bebê, disse Povenaaa cuspindo. — Fica com o quê?, indagou Johnny — Com o bebê. — Com o bebê de quem? — De Teuru. — Eu não sabia que Teuru tinha um bebê. — Ela não te m .. . por enquanto. — Você quer dizer.. . meu filho?, Johnny afastou-se um pouco, com a boca aberta. Depois gritou: — Espere aí! Que estória é essa a respeito de meu bebê? — O chinês ganhou-o no jogo, respondeu Maggi desconsoladamente. Agarrando Teuru, o americano gritou: — A respeito de quê eles estão falando? — Só quando a criança nascer, disse Teuru. Todos aqui em Raiatea queriam ficar com ela e, por isso, jogamos nos dados.

— Mas é seu próprio filho!, gritou. — Está certo, respondeu a moça, mas não posso ficar com ele. Eu não sou casada. — Sua própria carne! — O que é que ele está querendo dizer?, Teuru perguntou a Maggi. Johnny Roe olhou suplicante para a mulher gorda e perguntou: — Você daria seu próprio bebê? Você daria a Major? O bando na cabana caiu na risada e Johnny quis saber qual era a piada. — Pois é a Major!, respondeu Povenaaa às garga­ lhadas. Major não é filha dela. É de Hedy. — Você quer dizer que Hedy. .. — Naturalmente, explicou Maggi. Hedy teve de ir para Taiti, gozar um pouco a vida antes de sossegar. Por isso ela me deu a Major. Johnny Roe achou que já tinha escutado o bastante. Saiu atabalhoadamente e comprou duas garrafas de gin. Quando Teuru o encontrou, ele havia voltado a seus dias de Montparnasse, exceto'que agora choramin­ gava: — Nosso bebê! Você rifou nosso bebê com um par de dados! Ele se manteve assim durante um dia inteiro e Teuru ficou com medo de que a coisa fosse o início dé uma outra bebedeira épica. Por isso, quebrou as garrafas de gin e disse: — Todas as moças dão seus primeiros filhos. Do contrário, como é que poderiam casar? Johnny sentou-se de um salto, subitamente sóbrio: — O que é que você quer dizer? Casar? — Para que um homem em Raiatea quereria uma garota que não pudesse ter filhos? — Você quer dizer... que os homens não se inco­ modam?

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— Incomodam-se e muito! Já que as pessoas desco­ briram que vou ter um filho, diversos homens que nunca me notaram começaram a perguntar quando é que você vai embora. — Quando eu for, o que é que acontece?, indagou Johnny desconfiadamente.

— Daí eu me caso. Johnny caiu de volta sobre o travesseiro, gemendo: — Isso é indecente. Santo Deus, é indecente. (James A. Michener. Return to Paradise. Random House, 1951.)

s padrões familiares revelam uma variação fascinante de uma sociedade para outra, e as pessoas de uma delas, que se envolvem com padrões familiares de uma sociedade diferente, geralmente reagem de maneira previsivelmente cêntrica. Se a família é tão importante, por que não conseguimos encontrar e assentar de comum acordo algum padrão familiar ideal que sirva melhor às neces­ sidades humanas? Nas sociedades mais primitivas, a família é a única instituição. Entre os esquimós polares, não havia outras — nem chefes ou leis formais, nem padres ou pajés, assim também como não havia ocupações espe­ cializadas. No interior da família desenrolava-se todo o negócio de viver. Em outras palavras, os esquimós não tinham necessidades físicas ou sociais que solici­ tassem qualquer outra estrutura institucional além da proporcionada pela família. Quando uma cultura se torna mais complexa, suas estruturas institucionais se tornam mais elaboradas. A família é uma estrutura adequada para a produção econômica e o consumo dos primitivos caçadores e lavradores. Mas o que acontece quando desenvolvem comércio com as tribos vizinhas ou distantes? Não demora muito para que o grupo inclua mercadores, armadores e outros especialistas cujo trabalho já não é mais uma parte da vida de família da sociedade. Mais tarde, artífices especializados começam a produzir bens mercantis, dando origem à diferenciação ocupa­ cional ulterior. Existem instituições econômicas sempre que as funções pertinentes são executadas de maneira rotineira pelos especialistas, os quais operam fora de seus papéis e funções familiares. Nas sociedades mais primitivas, a ordem é mantida sem leis formais, polícia ou tribunais. A única autori­ dade conhecida em muitas sociedades simples é a da família; isto é, alguns membros da família têm certa autoridade sobre os demais. Com o aumento do tamanho tribal e da crescente complexidade cultural, há necessidade de mais organização política. Os chefes de família reúnem-se em conselhos tribais, as tribos se organizam em confederações e as burocracias come­ çam a se desenvolver. Nas sociedades primitivas e nas modernas, a guerra é um poderoso estímulo à orga­ nização política, porque somente por seu intermédio é que uma multidão desperta pode ser mobilizada para

um esforço militar efetivo. De modo semelhante, as instituições religiosas e educacionais se desenvolvem com funcionários profissionais que obedecem a proce­ dimentos padronizados, aliviam a família de certas atividades muito complicadas para que ela melhore etnoseu desempenho. A família, portanto, é a instituição social básica, a partir da qual outras se desenvolveram quando a maior complexidade cultural fez com que se tornassem necessárias. Um estudo da família nos dirá algo sobre ela e sobre as instituições em geral.

O

Estrutura da família Como todas as instituições, a família é um sistema de normas e procedimentos aceitos para a execução de trabalhos importantes. A família é definida como um grupamento de parentesco que se incumbe da criação dos filhos e do atendimento de certas outras necessidades humanas. Para que uma sociedade possa sobreviver, as pessoas precisam encontrar algumas maneiras que funcionem e sejam confiáveis para a formação de pares, concebendo e criando filhos, cuidando dos doentes e dos idosos e executando certas outras funções. Estas funções da família variam muito de uma sociedade para outra, enquanto as formas de família para o cumprimento dessas funções variam mais ainda. Na verdade, se fôssemos arrolar todas as maneiras possíveis de organizar a vida em família, uma busca na literatura antropológica provavelmente revelaria que cada forma de organização foi o padrão aceito pelo menos em uma sociedade. No que tange aos padrões familiares, com apenas poucas exceções, tudo se ajusta de alguma maneira.

Composição do grupo familiar

Quando falamos da família, comumente pensamos no marido, na esposa, nos filhos e, ocasionalmente, em algum parente extra. Já que a família tem por base o relacionamento “conjugal” , ela tem sido chamada de família conjugal. Hoje, porém, é mais comumente designada como família nuclear. A família consangüínea fundamenta-se não no relacionamento conjugal de

A F A M ÍL IA

A unidade familiar básica consiste no marido, esposa, filhos e uma certa faixa de parentes.

A unidade familiar básica consiste em um grupo de irmãs e irmãos, e nos filhos das irmãs, com uma certa faixa de cônjuges. (Na forma patrilocal, menos comum, são os filhos dos irmãos que constituem a família.) Fig. 1. Tipos de família conjugal e consangüínea.

marido e esposa, mas no relacionamento de sangue de um vasto número de pessoas aparentadas. A família consangüínea é um clã mais extenso de parentes de sangue em conjunto com seus cônjuges e filhos. O termo família extensa é usado para designar a família nuclear mais qualquer outro parente com quem sejam mantidos relacionamentos importantes. Embora os norte-americanos usem a família extensa para reuniões familiares e outros propósitos cerimoniais, a maioria das funções familiares de rotina deriva da família nuclear como base. Nosso folclore nos acautela contra os parentes por afinidade e exerce pressão para que o casal forme um lar próprio. Este tipo d? casamento é conhecido como neolocal, distinto do casamento patrilocal, em que o casal vive com a família do marido, e do casamento matrilocal, em que vive com a família da esposa. Nossas leis exigem que um marido sustente a esposa em um lar à parte dos demais parentes, se ela assim o desejar, o que muitas vezes acontece. Nossas leis exigem que os pais sustentem seus próprios filhos menores, mas impõem obrigações muito menores em relação aos pais, e nenhuma obrigação de cuidar dos irmãos e irmãs, primos, tios, sobrinhos ou outros parentes. A família consangüínea tem uma atmosfera muito diferente. Enquanto a família conjugal tem um casal como seu núcleo, cercado por uma faixa de parentes de sangue, a família consangüínea tem um grupo de irmãos e irmãs como seu núcleo, cercado por uma faixa de maridos e esposas. Na maioria dos casos da

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família consangüínea, a pessoa casada permanece vincu­ lada principalmente à família de um dos genitores e continua sendo pessoa quase estranha na família do cônjuge. Isto tem conseqüências importantes. As respon­ sabilidades principais de uma pessoa são para com a família dentro da qual nasceu e não para com a família da pessoa com a qual casou. Assim, uma mulher pode depender não do marido, mas de seus irmãos para proteção e auxílio na criação dos filhos. Mas o marido não escapa, porque lhe são impostos os filhos de sua irmã. [Para descrições da família consangüínea, ver Iinton, 1936, cap. 10;Murdock, 1949, cap. 3]. Nesse tipo de família, a afeição e a responsabilidade são bastante difundidas entre um grupo de pessoas bem grande. As crianças são objeto da responsabili­ dade conjunta da família inteira e uma criança pode desenvolver um relacionamento com suas tias muito parecido com o que tem com a mãe. Ela é cercada por muitos adultos, qualquer dos quais pode, momen­ taneamente, agir para com ela como um dos genitores. A família tende a produzir personalidades com menos individualidade do que a nossa, já que cada criança sofre aproximadamente a mesma experiência de socia­ lização. Tal família protege o indivíduo contra o infortúnio. Se a mãe da criança morre ou é negligente, há boas substitutas à mão. A família consangüínea oferece pouca oportunidade para a individualidade e pouco perigo de solidãõ ou negligência. Obviamente, a família consangüínea não é prática em todos os lugares. Quando a família dos laços de sangue e a família do cônjuge se acham na mesma vila, é fácil estar com o cônjuge ao mesmo tempo em que são cumpridas as obrigações em relação à família dos pais. Mas quando se acham em vilas diferentes, há algo que não anda bem. Em uma sociedade alta­ mente móvel, individualizada e especializada como a nossa, esse tipo de família não funcionaria. Mas para os Tanala de Madagáscar, cuja lavoura exige uma equipe cooperativa de meia dúzia ou mais de adultos, a família consangüínea é ideal [Linton, 1936, cap. 12].

Formas de casamento

O caminho até o casamento está marcado por uma variedade de impedimentos, requisitos, preliminares e cerimoniais que seriam simplesmente desencorajadores — não fosse o objetive tão atrativo. Rara é a sociedade em que um rapaz e uma moça se juntam sem mais e começam a “casa” . Embora isto aconteça com certa freqüência na sociedade norte-americana contemporânea, não é a maneira certa e esperada (e, portanto, institucionalizada) de fazer as coisas. O casa­ mento é excessivamente importante para que tudo seja assim tão casual. O casamento é o padrão social

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aprovado para que duas ou mais pessoas estabeleçam uma família. Envolve não apenas a concepção e a criação de filhos (que algumas vezes são concebidos como uma exigência preliminar e institucionalizada do casamento), mas também uma série de outras obri­ gações e privilégios que afetam uma boa parte das pessoas. Por conseguinte, cada sociedade desenvolveu um padrão para orientar estes casamentos. Nesta questão de orientação, é provável que nosso etnocentrismo seja evidente. Parece-nos monstruoso que os pais arrangem e obriguem o casamento de duas pessoas que talvez jamais se tenham visto. Como sabem se os dois se amarão? Por que os desejos dos “noivos” não são consultados? Nossa reação ilustra o erro comum do etnocentrismo — supor que as pessoas com uma outra cultura pensem e sintam como pensaríamos e sentiríamos se estivéssemos em sua situação. Isto não leva em conta o fato de que a maioria das pessoas deseja e sente somente o que sua sociedade faz com que venham a desejar e a sentir. Pensamos em casamento como uma aventura romântica com a pessoa que amamos. A moça na China clássica, prestes a ingressar em um casamento arranjado com um estranho, prevê avidamente seu casamento com um status desejável e um companheirismo confortável com um homem que ela amará, porque ele foi sabiamente escolhido pelos pais dela. Cada sociedade tem considerado a outra com piedade etnocêntrica; apiedamo-nos dos jovens por sua falta de liberdade; uma outra sociedade tem pena de nossos jovens por sua falta de assistência paterna. Em qualquer dos casos, os próprios jovens jamais sentiram necessidade de que deles se apiedassem. Hoje, naturalmente, a família chinesa mudou rápida e penosamente. [Levy, 1949; Chandrasekhar, 1959; Yang, 1959; Huang, 1961; Leslie, 1973, p. 113-8]. Endogamia e exogamia. Cada sociedade limita a escolha no casamento, exigindo que a pessoa selecione um parceiro no exterior de algum grupo especificado. Chama-se isto exogamia. Em nossa sociedade, a proi­ bição se aplica unicamente aos parentes de sangue próximos; não se pode casar com um irmão ou irmã, primo-irmão ou certos outros parentes próximos. Muitas sociedades estendem o círculo do parentesco proibido para impedir casamentos dentro do clã, da vila, ou até mesmo da tribo. A maioria das sociedades também exige que os cônjuges sejam escolhidos dentro de algum grupo espe­ cificado. Chama-se isto endogamia. A endogamia no clã, na vila e na tribo é bastante comum entre as sociedades primitivas. Na nossa, a endogamia racial foi exigida por lei em muitos Estados, até que o Supremo Tribunal dos EUA em 1967 declarou que tais leis eram inconstitucionais, mas o costume e a pressão social continuam a desencorajar o casamento

entre raças diferentes. Com vários graus de pressão, nos EUA também são encorajadas a endogamia de classe e de religião. Toda sociedade pratica tanto a exogamia como a endogamia, quando especifica os limites da proximidade de grupo (exogamia) e os limites da distância (endo­ gamia) dentro dos quais os cônjuges devem ser encon­ trados. Algumas vezes, entre estes dois limites, há um pouco de espaço para caçar! Os Aranda, da Austrália Central, apresentam um padrão conjugal complicado, que os antropólogos denominam “sistema de oito classes com exogamia e descendência patrilinear direta” . Sem enveredar por explicações detalhadas, isto quer dizer que um homem somente pode casar-se com uma mulher de determinado grupo dentro da subseção apropriada da metade oposta de sua tribo [Murdock, 1936, p. 27-30], Em numerosas sociedades, uma fórmula como esta toma desnecessária uma escolha real, porque somente uma pessoa pode estar na cate­ goria aceitável para que um rapaz ou uma moça com ela se case. Se não houver ninguém, então o casal que em princípio seriam os sogros normalmente adota um rapaz ou uma moça em idade de casamento de uma outra família que tenha excedentes. Afinal, a instituição é uma estrutura para satisfazer às necessidades humanas e, usualmente, o faz de um modo um de outro. Escolha conjugal. O processo de arranjar um casa­ mento mostra uma fascinante gama de possibilidades. Conforme foi mencionado acima, algumas sociedades seguem uma fórmula segundo a qual os filhos de parentes designados socialmente podem casar-se, de modo que as escolhas individuais se tomam inclusive desnecessárias. Quando as escolhas verdadeiras são necessárias, podem ser feitas de muitas maneiras. Os casais podem fazer sua própria escolha, algumas vezes com a orientação ou o veto dos pais. Estes podem combinar o casamento, considerando ou não os desejos do casal. Uma esposa pode ser comprada ou talvez haja uma série de trocas de presentes entre as famílias. A captura de uma esposa não é coisa desco­ nhecida. Cada um destes padrões constitui uma moda­ lidade típica de efetuar casamentos em algumas das sociedades do mundo. Tais modalidades sempre fun­ cionam — dentro da sociedade em que existem — e são sustentadas pelos valores e práticas que cercam a cultura. A captura de esposas funcionou muito bem para os habitantes da Tasmânia que praticavam a exogamia de vila e não se interessavam muito pelas diferenças entre uma mulher e todas as outras. Para nossa sociedade, isso seria menos prático. Isto ilustra o conceito de relatividade cultural — um padrão que funciona bem em um ambiente cultural pode funcionar muito mal em outro. Conforme demonstra Peters [1971], o noivado celebrado pelos pais de meninas

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de três anos, com rapazelhos, funciona muito bem para os Xirixana do Brasil, e qualquer tentativa para impor os conceitos ocidentais de casamento, destruiria a estabilidade Xirixana e ensejaria o caos. Monogamia e poligamia. Para todos os norte-ame­ ricanos propriamente etnocêntricos, existe apenas uma forma deóente e civilizada de casamento — mono­ gamia — um homem para uma mulher (de cada vez). No entanto, a maioria das sociedades do mundo já praticou a poligamia, permitindo a pluraridade de cônjuges. Teoricamente há três formas de poligamia. Uma é o matrimônio grupai, em que diversos homens e diversas mulheres estão em relacionamento conjugal entre si. Conquanto esta seja uma possibilidade teórica que intriga, não existe um exemplo autêntico de uma sociedade em que o matrimônio grupai tenha sido totalmente institucionalizado, com a possível exceção, em certa época, de habitantes das ilhas Marquesas. Uma forma muito rara é a poliandria, em que diversos maridos partilham de uma só esposa. Os Toda, da índia do Sul, proporcionam um de nossos poucos exemplos. Tanto neste caso como nos demais, a polian­ dria era fraternal, vale dizer, quando uma mulher se casava, ela automaticamente passava a ser esposa de todos os irmãos do marido e todos viviam junto com pouco ciúme ou discórdia. A poliandria Toda toma-se compreensível quando se fica sabendo que o fenômeno ocorreu paralelamente ao infanticídio feminino e à escassez de mulheres [Murdock, 1936, p. 120-1; Queen e cols., 1974, cap. 2], Somente quando alguma situação criou escassez de mulheres é que se tem a probabilidade de encontrar a poliandria [Unni, 1958]. Porém, as poucas sociedades que praticam a poliandria demons­ tram como uma prática que nos parece contrária à natu­ reza humana ainda pode ser o padrão aceito e preferido para pessoas que são socializadas com tais expectativas. A forma usual de poligafnia é a poliginia, isto é, uma pluralidade de esposas, geralmente não-irmãs, e quase sempre adquiridas em diferentes épocas durante a vida de uma pessoa. A menção de poliginia despertará uma resposta etnocêntrica previsível na maioria dos leitores. Todos tenderão a formar imagens de degradação feminina e de escravidão sem remissão, ficando altamente indig­ nados com tal brutalidade pagã (ou possivelmente com as delícias do harém retratadas pelos devaneios produzidos em massa por Hollywood). Os fatos são diferentes. Seria difícil mostrar que as mulheres geral­ mente dispunham de status mais satisfatório nas sociedades monogâmicas do que nas poligâmicas. Mesmo nas sociedades poligâmicas, na maioria das vezes os casamentos são monogâmicos. Geralmente são apenas os homens mais bem sucedidos e poderosos que se podem dar ao luxo de atrair mais de uma esposa. Em

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muitas sociedades onde há poliginia, a segunda esposa preenche a função de status de um segundo Cadillac em nossa sociedade. Longe de ressentir-se, a primeira esposa muitas vezes insiste com o marido para que tome mais esposas, sobre as quais ela geralmente reina como a abelha-rainha. Em operação, a poliginia assume muitas formas em diferentes sociedades, todas elas muito distantes da imaginação do norte-americano etnocêntrico normal. Divórcio. O que deve ser feito quando um casal não se tolera? Embora a maioria das sociedades tenha algumas providências para o divórcio, algumas o tomam muito difícil, ou talvez dêem o privilégio do divórcio somente ao homem. Outras tomam o divórcio muito simples. Entre os Hopi o divórcio é um tanto raro, mas sem complicação alguma. O marido simplesmente arruma o que é seu e vai embora, ou, em sua ausência, a esposa faz com que ele saiba que deve desaparecer, jogando seus pertences para fora da casa. A estrutura social e familiar de muitas sociedades faz com que o divórcio seja uma operação sem pesares e inofensiva. Em muitas, onde não há grande ênfase em amor romântico nem intensos vínculos individuais de amor, o divórcio não acarreta muito desgosto. Quando uma família consangüínea cerca a criança com o clã protetor do parentesco e designa o irmão da mãe como o homem responsável pela vida de uma criança, dificilmente a perda do pai biológico é perce­ bida. O significado do divórcio depende de como este se relaciona com outros aspectos da instituição familiar. Em nossa sociedade onde há tanta ênfase nos vínculos de amor individual dentro da unidade de uma família nuclear isolada, um divórcio pode completar o colapso do mundo emocional, tanto da criança quanto do adulto. Outras variações na estrutura familiar. Poderíamos estender indefinidamente a listagem de padrões “esqui­ sitos” de família. Certas sociedades, como a nossa, encorajam uma camaradagem informal entre irmão e irmã; em outras, como entre os Hotentote Nama, espera-se que irmão e irmã se tratem com grande forma­ lidade e respeito, que não se comuniquem diretamente nem mesmo que fiquem a sós quando estão juntos. Estas “proibições” são encontradas em muitas socie­ dades. Evitar a sogra é muito comum: o marido Crow não pode olhar ou falar com a sogra, nem mesmo usar uma frase em que o nome dela apareça. Em muitas sociedades, os tabus desse tipo exigem decoro extremo para com certos parentes, ao passo que os relaciona­ mentos privilegiados permitem familiaridades especiais com outros. Assim, o índio Crow, que precisa agir com grande decoro em relação à irmã, sogra, genro e cunhado, socialmente pode mostrar grande familiari­

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dade com a cunhada, brincar com ela e empenhar-se em vários atos considerados impudicos. Entre os Hotentote Nama, o incesto irmão-irmã é a pior de todas as ofensas, mas os primos cruzados1 desfrutam de um “relacionamento brincalhão” que inclui palavras livres, brincadeiras rudes e intimidade sexual. Tudo isto serve apenas para dizer que a família inclui um número variado de pessoas cujas relações são definidas de modo diverso em diferentes sociedades. Existe um sentido em tudo isto, ou a família é uma mistura irracional de noções esquisitas e acidentes históricos? De duas coisas devemos lembrar-nos. Primeira, muitos padrões diferentes “funcionarão” , desde que todos os membros da sociedade os aceitem. Compra de esposa, captura de esposa ou esposas a pedido — qualquer destes sistemas funciona aceitavel­ mente, desde que o povo os veja como a maneira apropriada de ter direito a uma parceira. Já existiram nas mais diversas épocas milhares de sociedades. Não é de causar surpresa que a maioria das maneiras possíveis de organizar os relacionamentos humanos tenha sido experimentada alguma vez em algum lugar. Muitas dessas sociedades sobreviveram, mostrando que as pessoas são animais altamente adaptáveis, capazes de absorver treinamento para encontrarem satisfação em uma notável variedade de maneiras. Segunda, invocamos o conceito de relativismo cul­ tural e repetimos que o modo de um costume funcionar depende de como se relaciona com o restante de seu ambiente cultural. Onde existe a compra de esposa, a transação não é meramente um meio de arranjar casamentos, mas um traço central do sistema econô­ mico e social mais amplo. Em certas sociedades, existe a família consangüínea porque esta é uma unidade econômica eficiente para tais sociedades e não mera­ mente porque é “bom” ter uma família reunida [Sahlins, 1957; Nimkoff e Middleton, 1960]. As sociedades que atualmente se estão tornando industrializadas e comercializadas também estão substituindo a família consangüínea pela nuclear, que satisfaz melhor às necessidades da sociedade móvel e individualizada [Leslie, 1973, p. 243-6], Como dissemos em um capí­ tulo anterior, as instituições estão inter-relacionadas.

Funções da família Em qualquer sociedade, a família é uma estrutura institucional que se desenvolve através dos esforços

de seus membros para que certas tarefas sejam reali­ zadas. Quais as tarefas que comumente são executadas pela família?

A função de regulação sexual

A família é a principal instituição através da qual as sociedades organizam e regulam a satisfação dos desejos sexuais. A maioria das sociedades proporciona algumas vias alternativas para os impulsos sexuais. Com vários graus de indulgência, cada sociedade também tolera certos comportamentos sexuais que violam suas normas. Em outras palavras, sempre existe algum desvio da cultura real para a ideal quando se trata de comportamentos relacionados ao sexo. Mas todas as sociedades esperam que a maioria dos contatos sexuais ocorra entre pessoas que suas normas institucionais definem como tendo acesso legítimo uma à outra. Algumas vezes essas normas dão margem a considerável variedade sexual; mesmo assim, nenhuma sociedade é inteiramente promíscua. Em cada uma delas, há costumes que proíbem o acesso de certas pessoas a outras. O que nos parece promiscuidade, é provavel­ mente um sistema complicado de permissões e tabus sexuais que não compreendemos completamente. Uma ampla maioria das sociedades do mundo permite que cs jovens experimentem o contato sexual antes de se casarem [Murdock, 1949, 1950]. Muitas pensam que a idéia do casamento virgem é um absurdo. Em tais sociedades, esta experiência do sexo pré-conjugal é considerada como uma preparação para o casamento e não como recreação para passar o tempo. Algumas vezes, a finalidade principal-é determinar a fertüidade; uma moça que concebe demonstra sua prontidão para o casamento. Na maioria das vezes, estas sociedades não apenas permitiram comportamento sexual pré-con­ jugal mas também institucionalizaram-no. Definiram-no como uma atividade própria e útil e desenvolveram um conjunto-suporte de disposições institucionais que o tomam seguro e inofensivo. Visto que há plena aprovação social, não há temor, vergonha ou desgraça. A estrutura familiar e as disposições para o viver nessas sociedades geralmente são tais que um filho a mais não é uma inconveniência ou um encargo especial. A experiência conjugal antes do cas?:nento pode ser uma preparação útil e inofensiva para o matrimônio em uma sociedade que institucionalizou tal experiência. A nossa não fez isso, mas está começando a fazê-lo.

1 Primos cruzados são os filhos de um irmão e de uma irmã A função reprodutiva com seus respectivos cônjuges também irmãos; quando os parentes relacionados são do mesmo sexo, como no caso de dois Cada sociedade depende principalmente da família irmãos ou de duas irmãs, seus filhos são chamados de primos paralelos. para a produção de filhos. Teoricamente são possíveis

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outros arranjos, e muitas sociedades têm sistemas para a aceitação de crianças produzidas fora de um relacio­ namento matrimonial. Porém, nenhuma estabeleceu um conjunto de normas para o suprimento de filhos, exceto como parte de uma família.

A função de socialização

Todas as sociedades dependem principalmente da família para a socialização das crianças na transição para se tornarem adultos que possam atuar com êxito. Pensadores, de Platão a Huxley [1932, 1958] especu­ laram a respeito de outras disposições, e dezenas de experimentos em criação comunitária da criança foram tentados e abandonados. Depois da Revolução Russa, a União Soviética experimentou criar crianças em instituições, esperando liberar as mães para o trabalho e, também, a fim de criar as crianças de modo mais “científico” . Mas a Rússia não chegou a implantar amplamente esta idéia, logo a abandonou e, depois, fez tudo quanto foi possível para fortalecer a família [Alt e Alt, 1959]. Na atual União Soviética, a escola e a família cooperam muito a fim de socializarem as crianças para a conformidade, a obediência e o altruísmo [Bronfenbrenner, 1970]. No moderno Estado de Israel, as crianças no kibbutz (fazenda coopera­ tiva) são criadas em cabanas comunais e tratadas por assistentes especializadas, enquanto as demais mulheres trabalham em algum outro lugar no kibbutz. Normal­ mente os pais ficam com seus filhos cerca de duas horas por dia e o dia inteiro aos sábados. Esta criação comunal parece funcionar muito bem no kibbutz [Bettelheim, 1964, 1969; Leon, 1970], embora alguns críticos discordem [Spiro, 1958], Entretanto, somente umas poucas dentre as crianças israelenses viveram no kibbutz, e essa proporção tende a diminuir ainda mais à medida que os fundadores morrem e os jovens acham o kibbutz monótono. Parafraseando uma balada americana, “Como mantê-las no kibbutz se elas já viram Tel-Aviv?” Hoje em Israel, a família está reivin­ dicando as funções do kibbutz [Talmon, 1972] e sobre­ vive como a instituição-padrão para cuidar dos filhos. A família é o primeiro grupo primário da criança e é onde começa o desenvolvimento da sua personalidade. Quando tiver idade suficiente para ingressar nos grupa­ mentos primários, fora da família, já estão firmemente lançados os fundamentos básicos de sua personalidade. A espécie de pessoa que será já foi profundamente marcada. Por exemplo, Mantell [1974] comparou os antecedentes familiares de uma amostra dos Boinas Verdes (unidade de elite voluntária na guerra do Vietnã, notória por sua impiedade) com uma amostra de resis­ tentes à guerra, encontrando muitas diferenças significantes.

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Uma das muitas maneiras de uma família socializar a criança consiste em lhes proporcionar modelos para imitar. O menino aprende a ser um homem, um marido e um pai, principalmente por ter vivido em uma família chefiada por um homem, um marido e um pai. As dificuldades de socialização ocorrem quando há falta de tal modelo e o menino tem de confiar em modelos de se^inda-mão que vê em outras famílias ou entre os parentes [Biller, 1960; Santrock, 1970; Hartnagel, 1970], Não existe um substituto satisfatório para mãe e pai, embora tais modelos não tenham de ser forçosa­ mente os pais biológicos. A importância da família no processo de socialização avulta tanto mais quando seu impacto é comparado com o de outras influências. Por exemplo, Mayeske [1973] estudou o grupo racial-étnico, a classe social e a qualidade da escola freqüentada, como as causas dos diferentes índices de aprendizagem das crianças. Constatou que nenhuma dessas coisas era tão impor­ tante quanto a presença ou a ausência de uma atmos­ fera familiar que encorajasse as aspirações de aprendi­ zagem e hábitos de estudo. Inúmeras dessas pesquisas estabeleceram a família como a determinante principal da socialização da criança. Socialização na família com problemas múltiplos. Uma família com problemas múltiplos é a que tem um sortimento depressivo de problemas e inadequações. Geralmente é pobre, cheia de conflitos, muitas vezes há falta do pai, e ainda é assolada por outros problemas, como desemprego e hábitos irregulares de trabalho, alcoolismo, dependência de drogas, ilegitimidade, dependência, delinqüência e doença física e mental. Essas famílias deixam de cumprir adequadamente qualquer das funções familiares e por isso socializam os filhos para que continuem no mesmo padrão de inadequação e dependência. A desnutrição prejudica permanentemente o crescimento físico e intelectual e contribui para o fracasso escolar [Birch e Gussow, 1970]. Cada favela, rural ou urbana, preta ou branca, está repleta de gente sem destino - crianças 'de famílias desorganizadas da classe baixa — privadas de amor e de afeição, alienadas da sociedade, sem finalidade e sem esperança [Pavenstedt, 1967].

A função afetiva

Seja o que for que as pessoas precisem, uma delas é resposta humana íntima. A opinião psiquiátrica sustenta que provavelmente a maior causa isolada de dificuldades emocionais, problemas de comportamento e até de moléstia física é a falta de amor, isto é, falta de um relacionamento cálido e afetuoso com um pequeno círculo de pessoa^ íntimas [Fromm, 1956;

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Schindler, 1954, cap. 10; Hayanagi, 1968]. Uma grande quantidade de dados mostra que o delinqüente sério é tipicamente uma criança a que ninguém dá muito apreço. Os bebês que obtêm bons cuidados físicos, mas não são acariciados, afagados e amados, têm a probabilidade de desenvolver uma condição médica conhecida como marasmo (da palavra grega que significa “declínio”). Perdem peso, queixam-se, choramingam indiferentemente, e algumas vezes morrem [Ribble, 1943, cap. 1; Evans, 1972]. Diversos estudos demons­ traram como as crianças na atmosfera esterüizada, mas impessoal, dos hospitais ou lares de crianças abando­ nadas sofrerão em termos de desenvolvimento emocional e muitas vezes manifestam taxas surpreendentemente altas de doença e mortalidade [Spitz, 1945]. A falta de afeição realmente prejudica a capacidade de sobre­ vivência de um bebê. É avassaladora a evidência de que nossa necessidade de companheirismo e resposta humana íntima e afetuosa é para nós de importância vital. Com efeito, esta, prova­ velmente, é nossa necessidade social mais forte - muito mais necessária, por exemplo, do que o sexo. Muitos celibatários têm vidas felizes, saudáveis e úteis, mas a pessoa que jamais foi amada, raramente é feliz, saudável ou útil. A maioria das sociedades confia inteiramente na família para uma resposta afetuosa. A necessidade de companheirismo é preenchida em parte pela família e em parte por outros grupamentos. Muitas sociedades primitivas tinham organizações e clubes algo parecidos com as colônias de férias e agremiações estudantis, preenchendo funções muito semelhantes. Mas eram freqüentemente organizadas com base em parentesco e, por isso, constituíam um prolongamento da família.

A função de status

Ao ingressar em uma família, a pessoa herda uma série de status. Dentro da família tem diversos status atribuídos — idade, sexo, ordem de nascimento e outros. A família também serve como base para atribuir diversos status sociais — como por exemplo, uma classe média, branca, urbana, católica. Em qualquer sociedade de classes, o status de classe da família de uma criança determina em grande parte as oportunidades e recom­ pensas a seu alcance e, também, as expectativas por cujo intermédio os outros podem inspirá-la ou desen­ corajá-la. O status de classe pode ser modificado por alguma combinação de sorte e esforços pessoais, conforme se descreve no Capítulo 13, “Mobilidade Social” . Mas cada criança começa com o status de classe de sua família; este posicionamento inicial prova­ velmente tem maior efeito sobre a realização e a recom­ pensa do que qualquer outro fator isolado. A atribuição

a uma classe pode parecer injusta, mas é inevitável. A família não pode deixar de preparar a criança para o status de classe semelhante ao seu próprio, porque o próprio processo de viver e crescer em tal família é uma preparação para esse status de classe. Normal­ mente a criança absorve da família um conjunto de interesses, valores e hábitos de vida que lhe facilitam continuar na classe de status da família e, de certo modo, dificultam o acesso a um status de classe mais elevado.

A função protetora

Em todas as sociedades, a família oferece um certo grau de proteção física, econômica e psicológica a seus membros. Em muitas, qualquer ataque a uma pessoa é o mesmo que atacar a família inteira, com todos os membros obrigados a defendê-la ou vingar a ofensa. Em muitas sociedades, a culpa e a vergonha são igualmente partilhadas por todos os membros da família. Nas sociedades mais primitivas, a família é uma unidade extensa que compartilha de alimentos, que sente fome ou engorda em conjunto; desde que um parente disponha de alimentos, ninguém tem medo de passar fome. E em muitas sociedades primitivas, e também na nossa, muito poucas pessoas fora do âmbito da família se importam realmente com o que acontece ao indivíduo.

A função econômica

Conforme foi mencionado anteriormente, a família é a unidade econômica básica na maioria das sociedades primitivas. Seus membros trabalham em conjunto como uma equipe e partilham conjuntamente daquilo que produzem. Em algumas sociedades, o clã é a unidade básica para trabalhar e compartilhar, mas freqüente­ mente é a família que desempenha essa função. Esta situação, no entanto, está mudando, como veremos a seguir.

A família norte-americana em mudança A família é um exemplo marcante da inter-relação das instituições, porque as mudartças que sofre espelham as mudanças nas outras instituições com as quais está em contato. Pot"exemplo, na maioria das sociedades caçadoras, os homens predominam claramente sobre as mulheres, que são caçadoras de qualidade inferior, em conseqüência de seu vigor limitado e do incessante estado de gravidez. Mas quando a base econômica passa da caça para a horta, o papel das mulheres na

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família fica um pouco mais influente, porque elas podem e de fato executam a maior parte da agricultura. Quando o arado substitui a enxada, o predomínio dos homens tende novamente a aumentar, porque arar requer o maior vigor do sexo masculino. Assim existe uma certa relação entre o poder dentro da família e a importância da contribuição que cada um faz. Seguem-se outros exemplos de inter-relação.

A estrutura da famííia em mudança

O tamanho da família norte-americana diminuiu. Não constitui segredo que as famílias de doze filhos, do século passado, atualmente são raras. A taxa de natalidade no mundo ocidental começou a baixar há cerca de um século. Alcançou o ponto mais baixo durante a Grande Depressão da década de 1930, quando nos EUA desceu para 16,6 nascimentos por mil em 1933, elevou-se para 26,6 em 1947 e baixou para 14,9 em 1973. Contudo, a atual “família menor” não signi­ fica que todas são proporcionalmente menores. Con­ forme é demonstrado pela Fig. 2, as pequenas famílias são tão comuns quanto o eram há meio século, mas as famílias bastante grandes estão-se tomando cada vez mais raras. A medida que o controle da natalidade está cada vez mais ao alcance dos pobre e não-instru.ídos, esta tendência provavelmente continuará. Por que o tamanho global da família declinou no mundo ocidental? Os anticoncepcionais proporcionaram os meios, mas não o motivo. Eles não são a causa de famílias menores, assim como a existência de cordas não é a causa de suicídios. Os motivos para o desejo de famílias menores levam-nos a muitos outros aspectos

1920 '25 '30

'35 ’40

'45 (8 )

(1) 1? parto (2) 29 parto (3 ) 3? parto

(4) 49 parto

'50

'55 '60

’6 5 ^ < 7 )

(5) 59 parto — (6) 69 parto — (7) 79 parto __ (8) 89 parto

Fig. 2. Tamanho da família nos EUA desde 1920. (Fonte: Vital Statistics o f the United States, 1964, v. 1, Natalidade. Departa­ mento de Saúde, Educação e Bem-estar dos EUA, p. 1-11; Statistical Abstract o f the United States, 1973, p. 56.)

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da cultura. A passagem de uma sociedade agrícola não-alfabetizada para uma sociedade alfabetizada, especializada e industrializada, fez com que as crianças deixassem de ser um bem econômico para se tomarem um encargo dispendioso. As mudanças nos padrões de recreação, em expectativas de educação e mobilidade social, e os conceitos de direitos individuais que se alteram, tudo contribuiu para conter a gravidez indis­ criminada. No momento, a idéia tradicional de que formar uma grande família é um nobre serviço em prol da sociedade está sendo rapidamente substituída pela idéia de que ter muitos filhos é um ato de auto-indulgência irresponsável. Também existe um reconhecimento crescente, amplamente fundado em evidências de pesquisa [Michel e Feyrabend, 1969], de que a fertili­ dade excessiva é nociva à felicidade conjugal. Assim, as mudanças em termos de tecnologia, economia e valores, todas elas contribuíram para a mudança de tamanho da família. O status do divórcio modificou-se. O divórcio é objeto de temor agoniado para os norte-americanos, que não podem aceitá-lo como parte integrante do moderno sistema de família norte-americana. O divórcio não é necessariamente um sintoma de decadência moral ou de instabilidade social. O camponês anamita médio casava-se três vezes e usualmente tinha alguns casos amorosos fora de casa, sem produzir quaisquer conse­ qüências terríveis [Freilich e Coser, 1972]. Invocando novamente o conceito de relatividade cultural, se o divórcio é ou não uma crise perturbadora ou um ajus­ tamento útil, depende da cultura. Uma sociedade pode conseguir uma taxa de divórcios muito baixa, pelo menos de cinco maneiras. Primeira, pode dar menos ênfase ao amor. Em muitas sociedades, o casamento é uma parceria de trabalho, mas não também uma aventura romântica. Quando se espera menos do casamento, haverá “êxito” em maior número de casamentos. Segunda, pode separar o amor do casa­ mento. Numerosas sociedades dispõem de uma série de clubes para homens e permitem a estes grande liber­ dade para saírem em busca de aventuras sexuais. Neste caso, uma vez mais, exige-se menos do casamento. Terceira, a sociedade pode socializar seus membros para que sejam tão parecidos em termos de personali­ dade e expectativas que, praticamente, todos os casa­ mentos funcionarão com êxito. A sociedade estável e bem integrada geralmente logra êxito em conseguir este nivelamento; com a nossa isso não acontece. Quarta, o “familismo” pode ser tão abrangente que o divórcio seja intolerável. Em outras palavras, tantas das neces­ sidades, privilégios e satisfações de uma pessoa podem estar ligadas aos laços conjugais e familiares que rompêlos eqüivale a cancelar quase todos os direitos e privi­ légios que tomam a vida tolerável. Este foi aproxi­

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madamente o caso na primitiva América, onde o divórcio era legalmente simples, mas não muito prático. Finalmente, o divórcio pode ser legalmente proibido ou tão dificultado, que a maioria dos casais infelizes não consiga ou não esteja disposta a procurar o divórcio como uma solução. Na realidade, nossa sociedade não fez nada disso. Ela social za as pessoas para que sejam cada vez mais diferentes em termos de personalidade e expectativas, infunde-'hes valores que as levam a esperar muito do casam ;nto e a exigir um alto nível de satisfação amorosa e não proporciona saídas para as necessidades conjugas frustradas quando o casa­ mento falha. Tudo iste torna o índice bastante alto de fracasso conjugal € divórcio parte inevitável de nossa moderna estrutun familiar. A taxa de divórcio nos EUA subiu até 1973, quando havia pouco mais de um divórcio em cala três casamentos. (Notar que essa taxa se refere a casamentos e não a pessoas.) Deixando de ser um eíemplo raro de desgraça moral, o divórcio tornou-se bastante comum, sendo uma maneira mais ou m enjs respeitável de lidar com um casamento intolerável. Quando há filhos m volvi dos, o divórcio cria um lar destruído. Mas ei quanto o divórcio tem criado mais lares destruídos, a queda nas taxas de mortali­ dade tem reduzido o número de lares desfeitos pela morte dos pais. Quando as duas causas de lares desfeitos se combinam, constatímos que atualmente há propor­ cionalmente menor número de lares nessa situação do que antes [Landis, 1970, p. 6], A proporção de crianças que atingem i idade adulta sob os cuidados dos pais é mais alta hoje do que “nos bons velhos tempos” quando as amüias, segundo a suposição, eram estáveis. Isto suj;ere que a tendência difundida de atribuir a elevação da delinqüência, e outros pro­ blemas, aos lares desísitos não encontra apoio nos fatos.

“teoria do recurso” , segundo a qual a autoridade da família é mantida pelos que “trazem o presunto para casa” [Blood e Wolfe, 1960; Fox, 1973]. Até entre os grupos cujas famílias muitas vezes são consideradas patriarcais, como os católicos, imigrantes ou lavradores, as pesquisas mostram que “a família patriarcal está morta” [Blood e Wolfe, 1960, p. 29]. Em sua investi­ gação de 909 matrimônios na área de Detroit, Blood e Wolfe constataram que o poder ou predomínio no processo dè tomada de decisões era aproximadamente dividido de maneira igual entre os maridos e as esposas [p. 35]. As famílias pretas da classe média parecem-se com as brancas da mesma classe, mas entre as pretas da classe baixa, há inúmeras evidências de que a esposa é mais preponderante [Lincoln, 1965; Moynihan, 19656; Aldous, 1969; Blood e Wolfe, 1969; Kephart, 1972, p. 252-4]. Todavia, há alguns estudos que con­ testam o “matriarcado negro” [Hyman e Reed, 1969; Mack, 1971; Babchuck e Ballweg, 1972; Hays e Mindel, 1973; Myers, 1975]. Estes críticos sustentam que uma rede extensa de parentesco entre as famílias pretas da classe baixa proporciona modelos masculinos e apoio masculinos na ausência do pai. No presente, o “matriar­ cado negro” é uma questão que ainda está em aberto [Bracey e cols., 1971]. Embora as famílias chefiadas por mulheres sejam três vezes e meia mais numerosas entre os pretos do que entre os brancos, a maioria das famílias chefiadas por mulheres é branca. Uma comparação de “função por função” das famílias chefiadas por mulheres com famílias intatas, sugere que estas últimas apresentam muitas vantagens. Por exemplo, a vantagem econômica é clara, porque as famílias chefiadas por mulheres são desproporcionalmente pobres e dependem de auxílio previdenciário. Outros parentes do sexo masculino podem ser úteis em certa medida, mas não parecem ser substitutos perfeitos para o marido-pai.

Houve mudanças na divisão de trabalho e autori­ dade. A tradicional família norte-americana era alta­ mente patriarcal. Mas hoje, de acordo com um dos principais estudiosos da família, O vitoriano pater-famílias, dominante e assustador dos filhos, tomou-se o lutador marido-pai de hoje ( . . . ) na porfia para manter sua auto-imagem frente a uma agressiva esposa-mãe e a um poderoso grupo de pares adolescentes — necessitando, mas muitas vezes não obtendo, o amor de sua família. (E. E. LeMasters. The Passing of the Dominant-HusbandFather. Impact o f Science Upon Society, 21:21, jan. 1971.) Quando as mulheres começaram a ser assalariadas, começaram também a ganhar poder. Isto ilustra a

Eles são cada vez mais diferentes em termos de personalidade e expectativas.

A “revolução silenciosa” no emprego das mulheres. Talvez a maior mudança de todas tenha sido o aumento de “esposas que trabalham” . As mulheres que trabalham constituem hoje mais de um terço da força de trabalho

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nos EUA. Metade de todas as mulheres entre 18 e 64 anos de idade estão na força de trabalho em qualquer momento, e cinco sextos (83%) são casadas e vivem com os maridos. Nove em cada dez mulheres casadas trabalham durante alguma parte de suas vidas de casadas. De todas as mulheres que trabalham, dois quintos (39%) têm filhos com menos de 18 anos, e um oitavo (14%) têm filhos com menos de seis anos de idade. Aproximadamente um terço de todas as mies com lílhos com menos de 18 anos estão empregadas e cerca de quatro milhões de crianças em idade pré-escolar têm mies que trabalham. [Todos os dados acima são do Women’s Bureau, 1972.] A partir destes dados, delineia-se o padrão de vida “normal” da mulher norteamericana. Tipicamente, ela começa a trabalhar antes do casamento, trabalha até o nascimento dos filhos, passa alguns anos sem emprego, depois volta a trabalhar quando os filhos entram na escola. Obviamente, tomou-se normal que a esposa norte-americana trabalhe durante a maior parte da vida.

Fig. 3. Mulheres na força de trabalho, EUA, 1920-1985. (Fonte: Departamento do Trabalho, Bureau o f Labor Statistics.)

Historicamente, a mulher que trabalhava era prova cabal de que não tinha um marido que pudesse e esti­ vesse disposto a sustentá-la. Um levantamento de mulheres casadas que trabalhavam fora, em 1908, constatou que das 140 entrevistadas, somente seis maridos tinham empregos superiores ao de trabalhador não-especializado [Bureau of Labor Statistics, 1916, p. 163-4]. A esposa trabalhadora, em certo momento um fenômeno tia classe baixa, é cada vez mais comum entre a classe média próspera. Não existe razão para acreditar que esta tendência venha a inverter-se. Atual­ mente, o “padrão de vida norte-americano” implica duas rendas. Quando padrão de vida “normal” se toma cada vez mais insuportável com uma renda única, é

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difícil resistir às pressões que se fazem sentir sobre a esposa que não trabalha no sentido de procurar um emprego. A maioria dos leitores deste livro se constitui decerto de esposas que trabalham ou de maridos das que trabalham durante grande parte de sua vida de casadas. Será que as esposas que trabalham são mais felizes do que as donas-de-casa? A evidência sobre este aspecto é oscilante, mas é claro que a esposa se sente mais feliz se for trabalhar por escolha e não por necessidade [Orden e Bradbum, 1969]. Esta revolução silenciosa transformou a divisão do trabalho doméstico. O tempo de trabalho das donasde-casa não se reduziu pelos dispositivos poupadores de trabalho; as donas-de-casa de hoje trabalham tanto quanto as de meio século atrás [Hall e Schroeder, 1970]. O tempo gasto em certa época para lavar roupas à mão e fazer conservas, agora é gasto em arrumar uma avrlancha diária de brinquedos, livros, revistas e equipa­ mentos de lazer, em levar as crianças de automóvel à escola, em comparecer às reuniões de pais e mestres, além de outras tarefas que a avó não tinha. Obviamente, quando a esposa trabalha, alguma coisa tem de acabar. Algumas das coisas agradáveis ligadas aos cuidados da casa têm de ser sacrificadas e algumas tarefas podem ser comercializadas (mandando a roupa a uma lavan­ deria e comprando alimentos preparados), mas a esposa que trabalha fora ainda labuta mais do que a donade-casa, em uma média de dez horas por semana. Um estudo recente sobre o uso do tempo em 12 países europeus e americanos [Converse, 1972] constatou que esta média de dez horas se mantinha dentro de uma variação muito pequena nos 12 países estudados. Em média, os maridos e os filhos tinham apenas uma modesta participação nas tarefas do lar quando as esposas trabalhavam fora, sendo a atitude do marido para com o emprego da esposa de importância crucial para os ajustamentos necessários [Amott, 1972]. Hoje, porém, as mulheres estão começando a rejeitar a idéia de fazerem todo o trabalho da casa ao mesmo tempo em que têm emprego fora. Muitos dos leitores mascu­ linos deste livro (se já não o fizeram) aprenderão, por fim, se sua masculinidade se dissolve ou não quando lavam os pratos!

Mudanças nas funções da família

Estrutura e função são dois aspectos da mesma coisa. As mudanças em uma são a causa e o efeito de mudanças na outra. Que mudanças em termos de função acompanham as mudanças na estrutura da família? As funções econômicas foiam as que mudaram mais. Há 100 anos a família norte-americana era uma unidade de produção econômica, cimentada pelo trabalho

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conjunto na lavoura. Hoje, apenas 1/19 de nossas famílias são de lavradores e até mesmo a que vive na fazenda não é a mesma unidade auto-suficiente do passado. Exceto na fazenda, a família já não é mais a unidade básica de produção econômica; esta passou para a loja, a fábrica, o escritório. A família já não está unida pelo trabalho em conjunto, porque seus membros trabalham separadamente. Tomou-se, na verdade, uma unidade de consumo econômico, fundada no companheirismo, afeição e recreação. As funções de regulação sexual diminuíram. Con­ quanto a maioria dos contatos sexuais ainda seja conjugal, a proporção provavelmente caiu abaixo dos 90% alegados por Kinsey em 1949 [p. 588], Os estudos realizados não mostram grandes mudanças no compor­ tamento sexual pré-conjugal entre 1948 e 1965, mas depois 'de 1965 as mulheres começaram a alcançar a cifra dos homens, sendo que três em cada quatro delas passaram a ter alguma experiência sexual antes do casamento [Robinson e cols., 1972]. Um levanta­ mento recente constata que mais de 90% dos estudantes superiores aprovam o contato sexual entre pessoas que se amaan ou com “forte afeição” , enquanto mais de dois terços chegam a aprovar o contato sexual entre os que não são “particularmente envolvidos afetiva­ mente” [Perlman, 1974]. Muitos outros estudos [Schmidt e Sigursch, 1972; Zelnik e Kantner, 1972; Hunt, 1974] chegam à mesma conclusão: o casamento virgem tomou-se relativamente incomum e, ao que tudo indica, provavelmente desaparecerá no futuro. Ainda não sabemos ao certo se tais mudanças caracte­ rizam uma “revolução sexual” , como dizem certos estudiosos [Skolnik, 1973, p. 410-3], ou se é uma das muitas variações históricas entre os limites da permissividade e da repressão [Hindus, 1971; Shorter, 1971]. Todavia, não há paralelo histórico recente para o rápido crescimento da “coabitação não-matrimonial” , cuja fórmula menos elegante seria a expressão “juntar os trapinhos” . O Censo dos EUA em 1960 arrolou 34 000 pessoas vivendo juntas sem estarem legalmente casadas (provavelmente um resultado muito inferior à situação efetiva) e 286 000 em 1970; desde então, quase certamente esta cifra terá aumentado. Os estudos em diversas faculdades mostram que esse tipo de arranjo se tom ou bastante comum em muitos campus, onde o fato é aceito como um padrão aceitável de viver pela maioria dos estudantes [Macklin, 1974], E não se trata sequer de um “matrimônio experimental” , porque a maioria destes casais não tem intenções con­ jugais definidas nem manifestam um intenso compro­ metimento mútuo; simplesmente consideram a coabi tação como uma extensão do “namoro firme” [Macklin, 1974]. Esse tipo de coabitação também está aumen­

tando entre os beneficiários idosos da Previdência Social, que procuram evitar a perda de renda que teriam com o casamento. Dessa forma, a função de “regu­ lação sexual” da família está sendo aparada nos dois extremos. A função reprodutiva diminuiu de importância. É verdade que as taxas de natalidade são muito mais baixas agora do que há cem anos, mas se considerarmos somente o tamanho da família sobrevivente, veremos que a função reprodutiva da família não se modificou tanto assim. Há alguns séculos, de metade a três quartos das crianças morriam na infância ou na meninice; hoje, mais de 96% alcançam a idade adulta. Hoje, a média da família norte-americana de três filhos sobreviventes (3,2, para sermos exatos) não está longe do que foi durante a maior parte da História Ocidental. No mo­ mento, a taxa de natalidade nos EUA está baixando e provavelmente baixará mais ainda. Pode-se esperar que um declínio ulterior no tamanho da família, apesar de suas implicações ecológicas, aumente a har­ monia familiar. Existem sólidas evidências de que as famílias menores são menos extenuantes, mais confor­ táveis e “mais satisfatórias para os cônjuges, pais e filhos” [Nye e cols., 1970], e são mais felizes e bem ajustadas [Hurley e Palonen, 1967; Schooler, 1972], Mantendo-se iguais outras variáveis (como renda, edu­ cação e ocupação), os filhos das famílias menores são mais saudáveis, criativos e inteligentes [Lieberman, 1970]. Mas se as pequenas famílias são boas para os filhos, não ter filhos parece bom para os adultos. Conforme demonstra a Fig. 4, as categorias de adultos mais felizes foram as que não tiveram filho algum. O casamento, mas não a progenitura, associa-se a um contentamento maior. A função de socialização requer atenção crescente. A família continua sendo a principal agência de socia­ lização, posto que a escola e o grupo de pares inquestio­ navelmente cumprem importantes funções de socia­ lização. Ocasionalmente são solicitadas outras agências para orientação. A principal mudança residiu, por­ tanto, na atenção que passamos a conferir à função de socialização. A geração anterior pouco sabia sobre o “desenvolvimento da personalidade” ; hoje, cada genitor que saiba ler, sabe algo a respeito do Dr. Spock [1945, 1957, 1974].* Hoje, sabemos alguma coisa acerca do papel do desenvolvimento emocional no progresso escolar, sucesso na carreira, bem-estar físico e pratica-

* Benjamin (McLane) Spock, pediatra, educador e escritor norte-americano, nascido em 1903, que originou o neologismo “spockismo” significando permissividade para as crianças. (N. tio T.)

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Solteiros, de 18 a 29 anos de idade Casados, entre 18 e 29 anos de idade, sem filhos Casados, filho menor com menos de 6 anos de idade Casados, filho menor entre 6 e 17 anos de idade Casados, filho menor acima de 17 anos de idade Viúvos Casados, acima de 29 anos de idade, sem filhos Solteiros, acima de 29 anos de idade Divorciados ou separados

Percentagem de satisfação na vida com o um todo

Fig. 4. Satisfação na vida de mulheres e homens nos estágios do ciclo de vida. (Fonte: Publicado pelo Institute o f Social Research, Universidade de Michigan; reimpresso com a permissão do ISR Newsletter.)

mente todos os outros aspectos de uma vida boa. Nossos bisavós preocupavam-se com a varíola e a cólera; preocupamo-nos com os ciúmes entre irmãos e com o ajustamento ao grupo de pares. De que modo a revolução silenciosa afetou a função de socialização? A criança sofre quando a mãe aceita emprego fora? Já houve dezenas de estudos sobre esta questão [revisados por Stoltz, 1960;Herzog, 1960; Nye e Hoffman, 1963; Schooler, 1972], Os primeiros estudos deixaram de controlar variáveis como por exemplo classe social ou composição da família. Assim, a amostra da mãe que trabalha fora tem uma proporção maior de mulheres pobres, habitantes de favela sem instrução, viúvas e divorciadas, do que a amostra da mãe que não trabalha fora. Estes estudos mal contro­ lados parecem mostrar que as crianças sofreram quando as mães trabalhavam fora. Estudos posteriores compa­ raram os filhos das mães trabalhadoras com os de mães não-trabalhadoras comparáveis. Embora não comple­ tamente conclusivos, estes estudos não mostram qualquer tendência geral de que os filhos sofram quando a mãe está empregada. Os Gluecks [1959] compararam 500 delinqüentes com 500 não-delinqüentes, cuidado­ samente igualados por classe social, idade, extração étnico-racial e inteligência. Não constataram diferença entre os índices de delinqüência de filhos de mães não-trabalhadoras e das regularmente empregadas, ao passo que os filhos das mães irregularmente empre­ gadas tinham um índice de delinqüência mais elevado. Atribuíram este índice de delinqüência mais elevado ao fato de que a mãe irregularmente empregada, com

maior freqüência tinha um marido instável e, conse­ qüentemente, não era boa mãe, trabalhasse ou não. Enquanto os Gluecks estudaram as mães da classe trabalhadora, Nye [1958] estudou as mães da classe média e constatou maior delinqüência entre os filhos das mães que trabalhavam. Por outro lado, diversos estudos [Nye, 1952, 1969; Douvan, 1963] constatam que o emprego da mãe, em tempo parcial, parece ser benéfico para a criança adolescente. Um estudo conclui que o emprego da mãe é benéfico para os filhos mas não para as filhas [Farley, 1968]. Apesar de as evidências serem um tanto dúplices, é claro que se a mãe trabalha ou não é de importância menor se compararmos esse fator com o tipo de mãe que ela é e com a espécie de lar que ela e o marido proporcionam, que parecem variáveis importantes [Hoffman, 1963]. As funções afetivas ganharam em importância rela­ tiva. A comunidade primária, o pequeno grupo de vizinhos que se conheciam bem e tinham muito em comum, desapareceu da vida da maioria dos norteamericanos. A urbanização e a especialização a destruí­ ram. Em um mundo cada vez mais desatencioso, impessoal e impiedoso, a família próxima torna-se o respaldo do apoio emocional. Um homem pode ser insultado por seu chefe, ter a condescendência dos colegas e ser ignorado pelos vizinhos, mas no lar ele pode ser o Rei Salomão para a esposa e Hércules para os filhos! Nisto está uma das maiores funções e forças da família. A importância das funções afetivas se amplia ainda

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mais em virtude da expansão do período posterior Fazem-no principalmente tentando incutir nos filhos ao crescimento dos filhos. Nas gerações anteriores, os tipos de ambições, atitudes e hábitos que os habi­ relatiyamente poucos pais viviam muito além da matu­ litem a lutarçm por um status de classe mais elevado ração dos filhos. Em 1870, conforme demonstra a e para que possam desempenhá-lo com êxito. Isto se Fig. 5, menos da metade dos pais e mães norte-ameri­ chama socialização antecipatória, por ser um esforço canos ainda viviam quando o filho caçula se casava. em socializar os filhos para um status de classe que, Em 1960, a extensão mediana desse período havia como esperam, um dia será alcançado. Na melhor das passado de zero para 16 anos de idade para as mulheres hipóteses, este esforço logra êxito apenas parcial. A e de 14 anos para os homens, e ainda se estendia mais. . criança pode adquirir as ambições e os hábitos de A extensão desse período como um estágio normal trabalho que a induzam a esforçar-se com êxito para da vida e não como algo excepcional é um desenvolvi­ a mobilidade ascendente, mas nenhuma família pode mento bem recente. A literatura bucólica a respeito ter êxito total em socializar uma criança para um modo de avós e bisavós afetuosos e veneráveis praticamente de vida que ela própria não tem. silencia sobre o quanto realmente eram raros. A recente consolidação desse novo estágio do ciclo de vida As funções de proteção declinaram. A família tradi­ significa que a maioria dos casais atinge agora o ponto cional da sociedade ocidental executava a maioria das em que já não existe necessidade para que permaneçam funções do trabalho social organizado hoje — cuidava juntos, a não ser que as afeições compartilhadas e o dos doentes, amparava os portadores de defeitos físicos companheirismo façam com que isso valha a pena. e abrigava os idosos. Hoje temos uma tecnologia médica que somente pode ser operada por especialistas e hospi­ A função de atribuição de status continua. Muitas tais. A unidade domiciliar de hoje não é lugar prático famílias continuam a preparar os filhos para a retenção para se cuidar de muitas espécies de pessoas com algum do status de classe da família; uma porção considerável problema físico. Cuidar dos idosos era coisa prática procura preparar os filhos para a mobilidade social. quando o casal que envelhecia permanecia na fazenda, em companhia de um filho casado e de seu cônjuge. 53 55 Os pais podiam aposentar-se gradualmente, assumindo 1890 tarefas menos fatigantes, mas permanecendo úteis e O c valorizados. Este padrão existe hoje apenas em uma 63 47 c diminuta minoria, e muitos casais idosos julgam — e E 1960 é o que acontece — que são inúteis e relegados nos x (Projeção) 19 27 lares de seus filhos. Nosso rápido índice de mudança $ 1980 I e de mobilidade sociais também significa que muitas tensões podem desenvolver-se quando três gerações 26 36 vivem sob um mesmo teto. Assim, por uma vantdade 57 59 1890 de razões — e a maioria delas nada tem a ver com interesse próprio ou irresponsabilidade pessoal —muitas 22 28 das funções de proteção da família tradír.on&l foram 1960 transferidas para outras instituições.

lllllllllll

(Projeção)

22

29

1980

Evolução da família I



Perfodo pré-conjugal

Período de gravidez

Período de criação dos filhos Período posterior è

A família norte-americana já completou em granda parte a transição “de instituição para companheirismo” *

j4A criação dos filhos

Para a coluna de 1890, a morte para os dois sexos prece­ deu em dois anos o casamento do último filho, signifi­ cando que metade dos pais não chegou ao último período em 1890.

Fig. 5. O novo período de vida (posterior à criação dos filhos) na família norte-americana. São mostradas as idades medianas no casamento, fim da gravidez, casamento do último filho e na ocasião da morte. EUA, 1890-1980. (Fonte: Adaptado de Gerald R. Leslie. The Family in Social Context. Oxford University Press, 1973. p. 263.)

* No original a expressão entre aspas é “from institution to companionate” . Por uma questão de facilidade e compreen­ são, o vocábulo “companionate” foi traduzido como “compa­ nheirismo”. Embora os autores não mencionem diretamente “companionate marriage” , que podemos traduzir como “casa­ mento de prova”, vale a pena assinalar que tal casamento, pelo menos nos EUA, é um sistema proposto de matrimônio experimental em que os cônjuges procuram não ter filhos e podem divorciar-se, por consentimento mútuo, até alcançarem a decisão final de permanecerem casados. (N. do T.)

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A família permeada de companheirismo leva em consideração as preferências e aptidões individuais.

[Burgess e Locke, 1953] - de uma família em que o papel de cada pessoa era rigidamente fixado por tradição e imposto por lei, costume e pressão social, para uma família em que os papéis e tarefas são dispostos de acordo com os desejos dos membros. Ela é unida não pelo trabalho e pressões externas, mas por interesses e afeições compartilhados. Ela apresenta uma variedade muito maior, já que não há um conjunto uniforme de regras e deveres conjugais impostos a todos sem levar em conta preferências e aptidões individuais. Tal família tem um potencial muito maior para desenvol­ vimento e realização individuais do que o padrão tradi­ cional. Este potencial, embora nem sempre realizado, influencia o perfil que nossa família vem assumindo. Existem diversos desenvolvimentos que revelam os dilemas da moderna família norte-americana.

O hiato geracional

Embora as discordâncias entre pais e filhos sejam tão velhas quanto a História, o atual “hiato geracional” resultou da moderna invenção da “adolescência” . Na maioria das vezes e lugares na História, as crianças começam a assumir papéis adultos mais ou menos na época da puberdade. Hoje, os jovens precisam esperar entre cinco a 15 anos enquanto presumivelmente se preparam para os papéis adultos. Durante este período de espera, os jovens muitas vezes se tornam impacientes, críticos e insatisfeitos [Bryan e Horton, 1974, p. 24-7]. Na verdade, a brecha algumas vezes parece ser tão intransponível que Margaret Mead propõe que seja transposta somente quando os pais concordarem em sentar-se aos pés dos filhos e aprenderem os fatos da vida [Mead, 1970]. Mas existe considerável evidência de que o hiato geracional é em grande parte um mito [Brunswick, 1970; Meisels e Canter, 1971; Fengler e Wood, 1972; Kandel e Lesser, 1972; Rigby, 1974]. Os estudos que pretendem dar conta dos pontos de vista dos pais e de seus próprios filhos, revelam que o verdadeiro hiato geracional é maior do que o estimado pelos pais, porém menor do que o estimado pelos

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filhos [Walsh, 1970; Bengtson e Kuypers, 1971; Freeman, 1972]. Embora a divergência de atitudes dentro das famílias seja bastante comum, a divergência entre as atitudes coletivas das gerações de pais e jovens é relativamente pequena [Connell, 1972], Assim, o hiato geracional é relativamente pequeno, mas o “hiato educacional” é muito maior. A juventude universitária difere da juventude não-universitária muito mais ampla­ mente em termos de atitudes do que qualquer um desses dois grupos difere de seus próprios pais [Seligman, 1969; Brunswick, 1970], Além disso, visto que somente um terço dos atuais estudantes universitários têm pais com curso superior, qualquer comparação de atitudes entre estudantes e pais é muito mais uma medida do hiato educacional do que do hiato geracional. Um certo grau de hiato geracional é inevitável em uma sociedade que se modifica rapidamente, porém nosso modesto hiato geracional de hoje não parece ter a probabilidade de ameaçar a família como instituição.

A comunidade

Um estilo de vida alternativo é a comunidade. Muitas comunidades são pouco mais do que uma combinação temporária de estudantes de cursos superiores ou de jovens que procuram viver com pouco dinheiro, ao passo que muitas outras envolvem a rejeição da família convencional e do sistema inteiro de valores de competição-êxito-consumo. Estas são muitas vezes chamadas de “comunidades da contracultura” . A comunidade não é uma coisa rigorosamente nova, porque a História dos EUA é pontilhada de dezenas de experimentos comunitários [Burton, 1939; Bestor, 1950, 1970; Halloway, 1951; Kanter, 1972; Veysey, 1974], Apenas algumas duraram o espaço de uma geração e quase todas se extinguiram. O atual movi­ mento comunitário é mais disseminado e variado do que os primeiros experimentos norte-americanos, e é possível que alguns possam sobreviver. Dentre as milhares de comunidades atuais existem as mais dife­ rentes espécies — políticas, religiosas, vegetarianas, hippies, artísticas, revolucionárias e outras ainda. Algumas são altamente estruturadas, com regras e proce­ dimentos detalhados; muitas são quase completamente desestruturadas, com cada pessoa fazendo “sua própria vida” . A organização pode ser democrática ou autori­ tária, mas em qualquer dos casos é geralmente informal. Freqüentemente a liderança é carismática, com uma personalidade forte dominando todas as demais. Algumas comunidades altamente estruturadas trabalham arduamente e algumas proíbem o sexo não-conjugal e o uso de drogas. Muitas comunidades, seguindo a contracultura, enfatizam o que é voluntário e a satis­ fação imediata de certos desejos, permitindo fácil

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mento de liberação Feminina está em plena revolta. Numerosos estudos têm demonstrado que as realizações de carreira das mulheres estão muito abaixo das dos homens. Quanto mais alto o nível do cargo, menor é o número de mulheres que o preenchem. Muitos levantamentos têm demonstrado que as mulheres ganham menos que os homens fazendo trabalho idêntico e com credenciais idênticas. E nas últimas décadas, as mulheres vêm perdendo, ao invés de estarem ganhando, em status ocupacional e renda [Knudson, 1969]. Um pouco deste diferencial de realização decorre da discri­ minação ostensiva do sexo, e um pouco resulta de diversos outros fatores, que podem constituir formas mais sutis de discriminação. Por exemplo, uma expli­ cação para os ganhos mais baixos das esposas pode estar no fato de que as mudanças geográficas, efetuadas em função do progresso na carreira do marido, muitas vezes prejudicam a carreira da esposa [Long, 1974]. As interrupções de carreira das mulheres, por gravidez e assistência ao filho, são um dos principais impedi­ mentos ao progresso de suas carreiras. Mas, possivel­ mente, o fator mais importante que determina o menor progresso da carreira das mulheres até o momento reside em sua menor motivação. Pesquisas recentes mostram que tanto os homens como as mulheres tendem a avaliar as mulheres de acordo com o status do marido e a ignorar as realizações da esposa [Felson e Knoke, 1974]. Tradicionalmente, o êxito de um homem como pessoa tem sido medido principalmente por suas realizações na carreira, ao passo que o êxito da mulher como pessoa tem sido medido por suas realizações “femininas” como objeto sexual, esposa, mãe, donade-casa e anfitriã. As realizações espetaculares de carreira podem até prejudicar a imagem de uma mulher. Os tentos em termos de carreira são recompensados no homem e punidos na mulher. As feministas vêem isto como coisa estropiada e injusta. Atualmente, suas exigências de igualdade em termos de emprego é reconhecida pela Lei dos Direitos Civis de 1964, que proíbe discriminação de sexo (e raça) na contratação, promoção e remuneração. No momento, numerosos programas de “ação afirmativa” estão levando o em­ prego para mais perto da realidade. Contudo, mais sutil que a discriminação em emprego Liberação feminina é a socialização diferencial que prepara os homens para Quando Susan Swanger ganhou o prêmio anual do assumirem os papéis preponderantes, mas persuade as Rensselaer Polytechnic Institute por excelência em mulheres a imaginarem que se sentem mais “contentes” Matemática e Ciência, seu prêmio foi um prendedor e “realizadas” no desempenho de quaisquer papéis de gravata! É contra coisas dessa espécie que o Movi­ subordinados que os homens esperam que assumam. Por conseguinte, o Movimento de liberação Femi­ nina sustenta que os dois sexos devem ser socializados * Nome derivado de Jacob Hutter, reformador austríacopara esperar direitos e deveres iguais tanto no que tange do século XVI; qualquer membro de um grupo de anabatistas à carreira, como no que se refere aos cuidados com os que vivem comunitariamente em Dakota, Montana e partes filhos e responsabilidades do lar. Quando o jovem do Canadá. Suas crenças são semelhantes às dos menonitas. casal tem filhos, por que deve ser automaticamente (N. do T.)

acesso ao sexo e às drogas, embora a promiscuidade orgiástica seja rara. Alguns membros de comunidades trabalham arduamente, especialmente na lavoura de subsistência, sendo o trabalho organizado informal­ mente e cercado de uma atmosfera festiva e brincalhona. Na maioria das comunidades, o trabalho visando a obtenção de renda monetária é esporádico, voluntário e não-organizado, e, em muitas, a principal fonte de renda monetária é aquela concedida pelo auxílio previdenciário. Na maioria dos casos, as comunidades são muito instáveis, com os “membros” entrando e saindo rapidamente, e o grupo logo acaba por se dissolver. Muito poucas duram mais do que alguns meses. Quase sempre os relatos que descrevem as comunidades são jornalísticos [Davidson, 1970; Hedgepeth, 1970; Houriet, 1971; Fairfíeld, 1972; Kinkade, 1974], embora também haja alguns relatos de estudiosos [Roberts, 1971; Zablocki, 1971; Kanter, 1972; Rigby, 1974; Veysey, 1974]. Os admiradores da comunidade vêem a família nuclear isolada como psicologicamente inadequada, emocionalmente vazia e permeada de materialismo estéril. Vêem a comunidade como um meio de recobrar a segurança e a saúde emocional da família consangüínea. Todavia, afora um punhado de comunidades religiosas, muito poucas duram o suficiente para serem mais do que uma “estação” sem importância, onde o trem só pára mediante sinal. As comunidades não unificadas por um forte senso de metas, dentro em breve se fragmentam. A maioria das comunidades da contracultura tenta unir os indivíduos ‘livres” , orien­ tados somente pelo “amor” , mas os sociólogos não conhecem exemplo algum em que a vida grupai tenha resistido através desta base “livre” . Em todas as comu­ nidades duradouras, como a dos hutteritas* ou o kibbutz, o indivíduo é estreitamente vinculado às normas do grupo. É duvidoso que uma comunidade de indivíduos “livres” possa durar. As comunidades podem continuar a proporcionar baldeações em estações sem importância para certos jovens, mas não oferecem concorrência séria à família.

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QUADRO 8

181

Diplomandas de faculdades: novas orientações de carreira e percepções de papel* (em percentagem).

Faculdade H

Faculdade D

1968

1972

1968

1972

Preferência de carreira a longo prazo Vida centrada no lar e na família Vida acadêmica, comercial, profissional

45 40

18 58

33 33

17 53

Meta de carreira para 15 anos Dona de casa com filhos Carreira, casamento, filhos Carreira, sem filhost Incertas

43 37 3 3

22 50 9 16

49 35 2 14

16 62 5 16

*

O s dados para duas faculdades ilustram as tendências em todas as faculdades onde foi feito o levantamento,

t

C om ou sem casamento.

F O N T E : Kenneth M. Wilson. T o d a y 's Women Students: New Outlooks, Options. Findings (revista trimestral do Educational Testing Service), v. 1, n. 4, 1974, p. 6.

a mulher que interrompe a carreira para cuidar do bebê? Entre as exigências da liberação feminina estão creches que funcionem 24 horas, emprego parcial para os genitores e plena igualdade em todas as espécies de oportunidades educacionais e ocupacionais. Mas até mesmo isto seria insuficiente, porque também estão em jogo muitas outras formas sutis de discriminação, entre as quais o uso na linguagem do gênero masculino para se referir à toda humanidade, a imagem suave e dúctil da “feminilidade” , a imagem de “companheira de folguedo” das mulheres como brinquedos sexuais, o padrão da desejabilidade sexual declinante com o avanço da idade [I. Bell, 1970] - , eis algumas das características de nossa sociedade que a Liberação Femi­ nina gostaria de mudar [Roszak e Roszak, 1970; Carden, 1973; Rossi, 1973], Entre as feministas mais extremadas encontram-se as que pleiteiam a abolição completa da família e uma revolução total nos papéis sexuais [Firestone, 1970; Greer, 1971; Martin e Lyon, 1972]. Até que ponto podem ser atingidas as metas da Liberação Feminina? O antropólogo Michael Harris [1975, p. 61] declara sem rebuços que “A supremacia masculina está se extinguindo. Era apenas uma fase da evolução da cultura” . O sociólogo Stephen Goldberg, no livro intitulado The Inevitability o f Patriarchy [1973], declara com igual firmeza que os homens sempre foram e sempre serão o sexo dominante em todas as sociedades. Os antropólogos geralmente concordam quanto ao fato de que em todas as sociedades conhe­ cidas, os cuidados com os filhos sempre foram princi­ palmente uma responsabilidade feminina. Os outros trabalhos das mulheres se enquadram geralmente naquelas modalidades que se ajustam às suas responsa­ bilidades na criação dos filhos — trabalhos que estão perto do lar, relativamente monótonos, que não exigem

concentração rigorosa, não são perigosos e podem ser executados apesar de freqüentes interrupções [Brown, 1970]. Ao exigir um envolvimento completamente igual de ambos qs sexos nos cuidados com os filhos e deveres de casa, com liberdade totalmente igual para a escolha de trabalho de todas as espécies, a Liberação Feminina está propondo um afastamento revolucionário da expe­ riência de todas as sociedades conhecidas através da História. Embora esta proposta não venha a ser imedia­ tamente aceita, as atuais tendências são nessa direção. As conseqüências finais sobre a sociedade serão substan­ ciais, mas não exatamente previsíveis, porque não temos experiência suficiente para fazermos um prognóstico. Irá a “liberação” aumentar a felicidade e a satisfação das mulheres? Os relatórios sobre a América Latina sugerèm que nessa região as esposas “não-liberadas” se acham mais contentes do que nossas mulheres parcial­ mente liberadas [Pescatello, 1973], Não existem compa­ rações satisfatórias dos níveis de felicidade das esposas ‘liberadas” e das “tradicionais” em nossa sociedade. E tal comparação pouco diria sobre os níveis futuros de felicidade na sociedade modificada que as feministas desejam. Mas as tendências atuais indicam que, embora não saibamos ainda se a liberação feminina aumentará ou não a felicidade humana, dentro em breve pode­ remos descobrir.

Liberação das crianças

Embora não tendo base suficientemente geral para constituir um “movimento”, já surgiu a sugestão de que as crianças também necessitam ser liberadas. Alega-se que a família convencional é opressiva porque nega às crianças o controle sobre suas vidas e, em alguns

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casos, sujeita-as a abusos físicos e emocionais que as prejudicam. Os defensores da liberação das crianças afirmam que elas devem ter todos os direitos dos adultos, tio logo os reivindiquem - para trabalhar, possuir propriedade, fazer contratos, dirigir sua própria educação, viver onde desejarem, acesso ao sexo, receber seus próprios cheques de auxílio previdenciário, além de fumar, beber, comer e viver como desejarem [Adams e cols., 1972; Farson, 1974; Holt, 1974]. Desta forma, o status da adolescência e da parte final da meninice seriam virtualmente abolidos, e as crianças passariam diretamente a papéis adultos, como de fato o fizeram em muitas sociedades através da História. Não resta dúvida de que a longa postergação do momento de assumir papéis adultos em nossa sociedade cria muitas dificuldades. Grande parte de nossa delin­ qüência juvenil consiste em atos que são legais quando praticados por adultos. Muitos cientistas sociais reco­ mendam que as crianças e os jovens percam menos tempo na sala de aula e mais na oficina, na loja, no escritório, onde está em andamento o trabalho real do mundo [Coleman, 1972]. Sempre que possível, a frase “olhe, escute, espere” deve ser temperada por envolvimento ativo em atividades que tenham sentido. Numerosas alterações recentes, como menor idade para votar, menor idade para a compra de bebidas alcoólicas e a concessão de mais direitos legais para as crianças em idade escolar e para os transgressores juvenis, são um reconhecimento desta idéia. A proposta de abolição da dependência infantil, porém, tem origem na ilusão romântica de que nos tempos antigos as crianças eram mais “livres” do que hoje. O fato de que as crianças sejam induzidas desde cedo a assumirem tarefas adultas não denota necessaria­ mente “liberdade” , como poderiam atestar muitas crianças trabalhadoras nas minas e fábricas do século XIX. E em algumas sociedades primitivas, onde as crianças tinham pouca orientação adulta, um código de conduta moral e fortes controles do grupo primário deixavam poucas escolhas ao indivíduo. A adoção desde a mais tenra meninice de papéis e responsabilidades de adultos é um traço característico somente de culturas muito simples, onde os papéis adultos são altamente uniformes e indiferenciados. Quando as culturas se tomam mais complexas e os papéis adultos mais diferenciados e especializados, é comum que haja períodos preparatórios mais longos. Sociologicamente é ingenuidade imaginar que esta tendência histórica possa ser ignorada ou minimizada.

Futuro da família Os prognósticos sobre a morte iminente da família são quase tão velhos quanto a História. Assim, livros

como The Death o f the Family [Cooper, 1970] estão desbravando caminho ao longo de uma estrada bastante percorrida. Os críticos retratam uma família nuclear monogâmica como uma armadilha opressiva onde as pessoas suportam o “santo impasse” , enquanto seu crescimento emocional definha e suas personalidades azedam [Cadwallader, 1966; Casler, 1974, cap. 5]. Para corrigir o “fracasso” da família tradicional, são propostas “formas alternativas de família” , como coabitação, casamento grupai, casamento aberto (aventuras extraconjugais permitidas a cada parte), swinging (troca mútua temporária de parceiros sexuais sem comprometimento emocional) e coabitação bissexual e homossexual. Estas “inovações” (a maioria delas foi experimentada e descartada no passado) recebem as boas vindas de um montante considerável de “pesquisa missionária” , isto é, pesquisa que é mais notável por seu entusiasmo promocional do que por sua objetividade [DeLora e DeLora, 1975; •Sussman, 1973; Skolnik e Skolnik, 1974], Conquanto seja verdade que atualmente há um divórcio em cada três casamentos, também é verdade que cinco entre cada seis pessoas2 permanecem em seu primeiro casamento, até que a morte as separe [Leslie, 1973, p. 58], e mais da metade delas se consi­ dera feliz no casamento. Nenhum outro relacionamento humano íntimo em nossa sociedade demonstra tamanha durabilidade — e certamente não é isso o que acontece com as comunidades de portas abertas e com os “estilos de vida íntimos” sobre os quais alguns estudiosos dis­ correm tão efusivamente. Mesmo quando aplaudem estas alternativas para a família, ao que tudo indica a experimentação dessas alternativas já passou da fasepico. Lá por 1974, os “clubes de sexo” estavam fechando, a troca de parceiros sexuais declinava, a mania do “casamento aberto” estava desaparecendo, e o pesquisador de opinião pública Daniel Yankelovich relatava que a opinião prevalecente no campus univer­ sitário de que o casamento era coisa obsoleta, no auge da moda em 1971, estava arrefecendo. [Time, 25 nov. 1974, p. 100-1]. Não se prevê um regresso ao comportamento sexual da Era Vitoriana, mas a “revolução sexual” da última década está produzindo menos mudanças duradouras na família do que era temido por seus críticos e espe­ rado por seus defensores. A atual tendência é iniludivelmente unissex, com diminuição de todas as diferenças de comportamento ligado ao sexo [Winick, 1969; Heisel, 1970]. Um estudo sugere que enquanto as

2 Segundo um estudo do Bureau of the Census, efetuado em 1967. Desde então, as proporções mudaram um pouco, mas não o suficiente para alterarem o fato de que a maioria das pessoas continua casada com seu primeiro cônjuge durante a vida toda.

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esposas (como donas-de-casa) e os maridos (como trabalhadores) tinham um trabalho cada um, hoje a esposa tem dois cargos (dona-de-casa e trabalhadora), ao passo que o marido tem um só, mas que no futuro tanto o marido como a esposa terâo dois [Young e Willmot, 1973], Embora alguns sociólogos duvidem de que a família tenha um futuro [Keller, 1971], a maioria discorda. É digno de nota que no kibbutz de Israel, depois de mais de uma geração ter vivido com êxito a experiência comunitária, incluindo um esforço deliberado para abolir a família como unidade fun­ cional, a tendência recente tem sido no sentido de ampliar a significação funcional da família [Shepher, 1969; Talmon, 1972]. Assim, as evidências disponíveis indicam que a família, por maior que seja a freqüência com que figure nos obituários, veio para ficar. A per­ gunta realmente importante não é: “ Será que a família durará?” , mas “De que maneira se modificará?” Recen­ temente, dois importantes teóricos da família prognos­ ticaram que nas próximas décadas presenciaremos um retorno a uma família mais altamente estruturada e menos permissiva do que as de hoje [Vincent, 1972; Zimmerman, 1972]. Uma vez mais, a onda do futuro pode demonstrar ser apenas uma leve ondulação à superfície. A mudança e a adaptação, em vez da subs­ tituição por alguma surpreendente alternativa, parecem ser o futuro da família.

A tendência atual é iniludivelmente unissex.

Sumário A família é a instituição social básica. Varia grande­ mente em sua forma. A família ocidental é normal­ mente conjugal, composta do marido, esposa e filhos. Porém, em muitas sociedades a unidade familiar é consangüinea, um grupo muito maior de parentes de sangue e uma faixa de cônjuges. Todas as sociedades praticam a endogamia, exigindo a seleção de cônjuges

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dentro de alguns grupos especificados, bem como a exogamia, exigindo que a pessoa faça sua seleção fora de certos grupos. Embora a maioria dos casamentos seja monogâmica, muitas sociedades permitem a poli­ gamia, geralmente a poliginia, na qual o marido tem mais de uma esposa de uma só vez. A maioria das socie­ dades toma providências para o divórcio, com ampla variação em motivos e procedimentos. A fascinante variedade de formas de família mostra como as neces­ sidades básicas humanas podem ser satisfatoriamente atendidas sob uma grande diversidade de disposições institucionais. Em todas as sociedades, a família executa certas funções — regula as relações~S5Xuais, incumbe-se da reprodução, socializa os filhos, oferece afeição e companhia, define status, protege seus membros e serve como equipe de trabalho e co-participação. A atual família norte-americana está em meio a vastas mudanças. Presentemente é menor do que há 100 anos. O divórcio tomou-se comum e quase respei­ tável. A autoridade masculina declinou e a divisão do trabalho alterou-se, já que hoje é normal que a esposa tenha um emprego durante grande parte de sua vida de casada. Este desenvolvimento despertou muito alarma sobre o bem-estar das crianças, mas a evidência sugere que tais alarmas eram geralmente injustificados. As funções reguladoras do sexo, as funções repro­ dutivas e de atribuição de status da família provavel­ mente foram as menos afetadas pelas recentes mudanças sociais. Na função econômica, as atividades de produção da família foram grandemente absorvidas por insti­ tuições econômicas separadas, deixando a família principalmente como uma unidade de consumo econô­ mico. As funções de proteção foram geralmente trans­ feridas para outras instituições. As funções de sociali­ zação e as funções afetivas da família ganharam muito em importância relativa, tanto pelas mudanças em outras instituições como pelo conhecimento cada vez maior a respeito de nossas necessidades pessoais e sociais. Provavelmente estas tendências continuarão e a família norte-americana de amanhã" será mais igualitária, provavelmente menor ainda que a de hoje e orientada para companheirismo e recreação familiar. Algumas pessoas supõem que o hiato geracional, a comunidade ou as exigências da liberação Feminina possam destruir a família. Mas o hiato geracional é em grande parte um mito. A comunidade é notoriamente instável e, embora as exigências da liberação Feminina pudessem mudar muito a família, não é certo que possam enfraquecê-la. Poderiam até mesmo fortalecê-la. Já foram propostas e seriamente discutidas por alguns estudiosos numerosas “alternativas” para a família, mas a maioria parece não ter a probabilidade de causar um impacto duradouro sobre a família.

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Perguntas e trabalhos 1.

Por que a família é encontrada em todas as sociedades? Com a tecnologia modema, seria possível dispensar a família?

permanecem casadas com seu primeiro cônjuge durante a vida toda. Como é que as duas coisas podem ser verda­ deiras?

2.

Por que os atuais pais norte-americanos desempenham apenas papel limitado na escolha dos parceiros amorosos de seus filhos? Seria desejável que tivessem papel maior na determinação das escolhas do parceiro para o casa­ mento?

12. Defenda cada uma destas afirmações: (1) “O divórcio é um a instituição necessária e ú til a um a sociedade como a nossa”. (2) “ O divórcio é causa e evidência da destruição da família e deve ser evitado.”

3.

Em uma sociedade como nas ilhas Trobriand, onde um homem não tem deveres especiais ou afeição particular por seus próprios filhos, como lhe seria possível ter inte­ resse verdadeiramente “paternal” pelos filhos de sua irmã?

4.

Usamos o termo “tio ” para os irmãos de nosso pai ou mãe. Entre os Toda, o termo “pai” inclui não apenas o pai de uma pessoa, mas todos os seus tios. Qual a importância de tais variações em terminologia? Algumas sociedades não têm uma palavra para significar “ilegítimo”. O que é que esta omissão significa?

5.

De que modo as recentes mudanças na família ilustram o inter-relacionamento das instituições?

6.

É possível que dentro em breve a fertilização dos seres humanos em proveta e a gestação em incubadoras se tom em realidade. Você julga que as mulheres irão prefe­ ri-las ao parto natural?

7.

O que você considera como prós e contras da atual ten­ dência para papéis unissex?

8.

De que maneira um certo tipo de pesquisa exagera o hiato geracional?

9.

Você acha provável que a comunidade substitua a família como o arranjo mais rotineiro de vida? Por que sim ou por que não?

10. Quais são alguns traços da personalidade que desencadeiam conflitos entre cônjuges? Esses traços também criariam perturbação em uma comunidade, casamento grupai e coabitação? 11. No texto está que há um divórcio para cada três casa­ mentos, mas que cerca de cinco em cada seis pessoas

13. Discutir estas duas proposições: (1) “ A socialização apro­ priada do filho exige a supervisão íntima, contínua e afetuosa que somente um a mãe em tempo integral pode proporcionar”. (2) “Um contato ininterrupto mãe-filho encoraja dependência excessiva; a criança se desenvolve de maneira mais saudável quando cuidada por diversos adultos calorosamente receptivos.” 14. Discuta estas duas proposições: (1) “A família norte-americana está m uito desorganizada pelas avassaladoras mu­ danças sociais do últim o século” . (2) “A família norteamericana está-se reorganizando a fim de enfrentar as necessidades humanas que se alteram em uma sociedade que se modifica.” 15. Prepare uma justificação das razões pelas quais você acredita: (1) que será ou não uma esposa trabalhadora, se você for do sexo feminino, ou (2) terá ou não uma esposa trabalhadora, se você for do sexo masculino. A seguir, procure identificar se cada uma das razões alegadas constitui ou não um juízo de valor - uma declaração do que você gosta ou não gosta — ou se se trata de uma declaração de forças e tendências sociais que podem afetar sua decisão. 16. Leia o livro de John P. Marquand. H. M. Pulham, Esq. Boston, Little, Brown, 1941. De que modo a família Pulham prepara Harry para seu papel sexual e status de classe, buscando socializá-lo para agir da maneira espe­ rada? 17. Leia o livro de Hans Ruesch. Top o f the World. Nova York, Harper & Row, 1950: Pocket Books, 1951. É uma novela sobre a vida dos esquimós. Avalie a família esquimó como uma estrutura institucional para atender às neces­ sidades das pessoas em um determinado ambiente.

Leitura sugerida Bernard, Jessie. The Future o f Motherhood. Nova York, Dial Press, 1974. Destacada socióloga analisa a função mater­ nidade em processo de mudança. *Blood Jr., Robert O., e Donald M. Wolfe. Husbands and Wives. 2? ed., Nova York, The Free Press, 1955. Pesquisa cujas evidências contrariam muitas noções amplamente difun­ didas a respeito da família norte-americana. Broderick, Carlfred B. Man and Woman: A Consumer’s Guide to Contemporary Pairing Patterns Including Marriage. Human Behavior, jul.-ago. 1972, p. 8-15. Sumário conciso de diferentes padrões de casamento e as questões envol­ vidas em cada um desses padrões.

Doten, Dana. The A rt o f Bundling. Nova York, Holt, Rinehart and Winston, 1938. Interessante relato da ascenção e queda de um esquisito costume norte-americano, mos­ trando como ele se relacionava com outras instituições do período. Folsom, Joseph K. The Family. Nova York, John Wiley &Sons, 1934, 1943. cap. 1, “The Family Pattern” . Interessante comparação em colunas paralelas dos padrões da família norte-americana e da família trobriandesa. *LeMasters, E. E. Parents in M odem America. Homewood, 111., Dorsey Press, 1970. Análise sociológica do papel dos genitores.

A F A M ÍL IA

*Linton, Ralph. The Study o f Man. Nova York, AppletonCentury-Crofts, 1936. cap. 10, “The Family” ; cap. 11, “ Marriage” , e cap. 12, “ Social Units Determined by Blood” , Descrição, por um antropólogo, das várias formas de matrimônio e vida familiar. *Queen, Stuart. A., Robert W. Habenstein e John B. Adams. The Family in Various Cultures. 4? ed. Filadélfia, J. B. Lippincott, , 1974. Agradáveis descrições da família em um a dúzia de sociedades, antigas e modemas.

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Veysey, Laurence. Individualism Busts the Commune Boom. Psychology Today, dez. 1974, p. 73-8. Tratamento breve do conflito entre individualismo e vivência comu­ nitária. Young, Kimball. Isn ’t One Wife Enough? The Story ofM orm on Polygamy. Nova York, Holt, Rinehart and Winston, 1954. Um sociólogo mórmon realiza um a interessante análise a respeito da única tentativa séria de poligamia nos EUA.

*Roberts, Ron E. The New Communes. Englewood Cliffs, N.J., Prentice-Hall, 1971. Breve análise das comunas histó­ ricas e atuais.

♦Zablocki, Benjamin. The Joyfu l Community. Baltimore, Penguin Books, 1972. Descrição detalhada e análise de uma comunidade bem sucedida, agora em sua terceira geração.

*Rossi, Alice S. (org.). The Feminist Papers: From Adams to DeBeauvoir. Nova York, Columbia University Press, 1973. Coletânea de trabalhos antigos e modernos sobre femi­ nismo, com comentários sensíveis de Rossi.

Zastrow, Charles H. Dramatic Changes Foreseen in the American Family o f Tomorrow. International Journal o f Sociology o f the Family, 3:93-101, mar. 1973. Tentativa de previsão das futuras mudanças na família.

11. O rganizações form ais

Minha análise de centenas de casos de competência ocupacional levou-me a formular O Princípio Peter-. E M U M A H IE R A R Q U IA C A D A E M P R E G A D O T E N D E A E L E V A R - S E A T É S E U N ÍV E L D E IN C O M P E T Ê N ­ C IA . Uma Nova Ciência! Depois de formular o Princípio, descobri que inadver­ tidamente havia fundado uma nova ciência — Hierarquiologia — o estudo das hierarquias. O termo "hierarquia" foi originariamente usado para descrever o sistema de governo da Igreja por padres graduados em categorias. O significado contemporâneo inclui qualquer nova organização cujos membros ou empregados são organizados por ordem de categoria, grau ou classe. A Hierarquiologia, embora disciplina relativamente nova, parece ter grande aplicabilidade nos campos da administração pública e privada.

Isto Significa Você'. Meu princípio é a chave para o entendimento de todos os sistemas hierárquicos e, por conseguinte, para o entendimento da estrutura toda da civilização. Uns poucos excêntricos tentam evitar envolver-se com hierarquias, mas cada pessoa no comércio, indústria, sindicalismo, política, governo, forças armadas, religião e educação está assim envolvida. Todos são controlados pelo Princípio Peter.

Muitos, com certeza, podem obter uma promoção ou duas, passando de um nível de competência para um nível mais elevado de competência. Mas competência nessa nova posição qualifica-os para uma outra promo­ ção. Para cada indivíduo, para você, para mim, a promoção final é de um nível de competência para um nível de incompetência. Portanto, dado um período de tempo suficiente — e supondo a existência de categorias suficientes na hierarquia — cada empregado se eleva até e se mantém em seu nível de incompetência. O Corolário de Peter enuncia: Com o tempo, cada posto tende a ser ocupado

por um empregado que é incompetente para executar seus deveres. Quem faz a Coisa Andar? Naturalmente, raramente você irá encontrar um sistema em que cada empregado alcançou seu nível de incompetência. Na maioria dos casos, alguma coisa está sendo feita para promover os propósitos ostensivos em nome dos quais a hierarquia existe.

O trabalho é realizado pelos empregados que ainda não alcançaram seu nível de incompetência. (Laurence J. Peter e Raymond Hull. The Peter Principie. William Morrow, 1969.)

este ensaio popular, o Professor Peter escreveu, que chamamos de comportamento “burocrático”. fazendo ironia, sobre a tendência para que O comportamento burocrático é importante, mas é a incompetência surja nas burocracias. As apenas um dos muitos aspectos da organização formal liberacionistas femininas têm sugerido que que interessam ao sociólogo. O que são as organizações formais as organizações continuam funcionando porque as e qual sua importância? secretárias deixam de ser promovidas para seus níveis Definição de organizações formais. As organizações de incompetência. Os processos de promoção e o efeito sobre o funcionamento da organização são parte do formais estão relacionadas à organização social como

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as partes se relacionam ao todo. Organização social é aquela rede de relacionamentos entre indivíduos e grupos que os enfeixa em uma sociedade. As organizações formais são um aspecto da organização social. Distinguem-se das pequenas organizações informais, tais como os grupos de amigos ou equipes de trabalho, e das instituições sociais, como a religião ou a família. A “panela” de amizades é unia organização informal que em geral surge casualmente e não opera de acordo com qualquer conjunto de regras em busca de algumas metas de companheirismo vagamente definidas. A organi­ zação formal é criada deliberadamente e opera de acordo com regras definidas em busca de uma ou mais metas específicas. Blau e Scott definem organização formal como “qualquer unidade social que tenha sido delibera­ damente organizada para o propósito explícito de alcan­ çar uma meta específica” [Blau e Scott, 1962, p. 5]. As organizações informais são grupos organizados, porque todos os grupos humanos têm alguma estrutura. Mas as organizações informais não têm estrutura organizacional formal. Têm líderes e seguidores, procedimentos e tabus, mas não existem regras escritas, títulos ou posições eletivas. Muitas vezes as organizações informais são grupos primários, ao passo que as formais são grupos secundários. Como todos os grupos secundá­ rios, as organizações formais são articuladas em segmen­ tos, utilitárias e orientadas para metas; mas podem ter grupos primários ou “panelas” de amizade entre seus membros. Surgem as organizações formais quando um grupo se toma muito grande para que seus assuntos sejam organizados informalmente. As organizações formais diferem das instituições sociais porque aquelas são associações de pessoas, ao passo que estas são sistemas de normas e valores. •Entretanto, como indicamos no Capítulo 9, muitas das atividades institucionalmente relacionadas são executadas por associações e estas, muitas vezes, são organizações formais. Embora a organização formal implique requisitos de afiliação e regras que a diferenciam do resto da sociedade, ela, não obstante, interage com o resto

da sociedade [Katze Kahn, 1966, p. 14-29], As atividades da organização formal estimulam uma resposta na sociedade que, por seu turno, as informa de volta e modifica suas operações. As empresas fabricantes de automóveis, por exemplo, afetaram profundamente a vida norte-americana; e, no entanto, a pressão pública forçou-as a mudanças que foram efetuadas de muito má vontade. Modelos impopulares como o Edsel foram descartados, automóveis menores foram comercializados em resposta à demanda do consumidor, e estão sendo introduzidas (com relutância) mudanças caras para aumentarem a segurança e reduzirem a poluição. A Igreja Católica Romana já foi uma poderosa influência na civilização ocidental, mas as tendências atuais do pensamento científico e da organização social a estão modificando profundamente. Embora a organização formal seja uma entidade separada, está muito envolvida na interação com o resto da sociedade. Talcott Parsons, um eminente sociólogo, classifica os tipos de organizações formais da seguinte maneira: (1) produção econômica, (2) poder político, (3) inte­ gração societária e (4) manutenção de padrões [Parsons, 1960, p. 45-6]. As organizações de produção econômica executam atividades que adicionam valor aos produtos ou proporcionam serviços (sociedades anônimas, cooperativas). As organizações de poder político são as que influenciam a alocação e operação do poder político (partidos políticos, grupos de pressão organi­ zados). As organizações integrativas procuram manter a ordem e a unidade da sociedade pela resolução de conflitos (Ordem dos Advogados, juntas de conciliação, comissões de Ética). As organizações de manutenção de padrões são as que oferecem canais de transmissão cultural, isto é, passam adiante os padrões culturais de uma geração para outra, como por exemplo as escolas e as igrejas. A lista de Parsons é incompleta porque omite o tipo de organização formal que possivelmente vem tendo o crescimento mais rápido, a saber, as organizações que se dedicam à diversão — por exemplo, a Associação Americana de Bridge de Contrato, o Clube do Auto­ móvel Antigo da América, e milhares de organizações locais e regionais, como a dos arqueiros, observadores de pássaros e motoristas da neve. Até mesmo as organizações dedicadas às diversões necessitam de uma estrutura formal. Independentemente do enfoque organizacional, a coordenação de suas atividades torna necessário um certo grau de organização formal para todas as grandes organizações.

Associações voluntárias Surgem as organizações formais quando um grupo se torna m uito grande para que seus assuntos sejam organizados infor­ malmente.

As associações voluntárias foram chamadas de terceiro setor [Levitt, 1973] porque não são exatamente privadas,

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no sentido de pertencerem a indivíduos, nem tampouco são parte do governo. São organizações formais que visam a alguma função definida, nas quais presumivel­ mente uma pessoa ingressa por decisão voluntária e não por atribuição (como no caso de nascer cidadão de um país). Usualmente as igrejas não são classificadas como associações voluntárias, embora possam ser totalmente voluntárias para certas pessoas, e as organizações-satélites usualmente são classificadas como voluntárias. Igualmente, nos EUA, os sindicatos traba­ lhistas muitas vezes são excluídos, sob a alegação de que a afiliação habitualmente não é inteiramente uma questão de escolha pessoal. Na associação voluntária típica, a maioria ou todos os membros são voluntários nos momentos de folga, algumas vezes com um pequeno núcleo de profissionais pagos em tempo integral para tratar das rotinas. Há muitas organizações locais voluntárias — organizações eclesiásticas, clubes recreativos, associações de bairros e outras — que têm dirigentes voluntários, um estatuto mínimo (se é que alguém o pode encontrar), e regula­ mentos ou procedimentos altamente “flexíveis” , às vezes esquecidos ou ignorados. Nessas organizações, os aspectos informais obscurecem muito os aspectos de “organização formal” , já que a associação opera vaga e livremente, de acordo com as necessidades do momento. Quando a quantidade de filiados é bastante pequena, havendo consenso geral sobre as metas simples, tal operação informal é bastante eficiente. Ela completa as tarefas desejadas com um mínimo de rebuliço burocrá­ tico. Quando o número de sócios é grande ou geografi­ camente espalhado, e quando as metas ou políticas são controvertidas, desenvolve-se uma organização mais formal e rígida. Uma grande associação com afiliação espalhada, como a Associação Nacional de Rifle ou o Rotary Internacional, precisa ter uma burocracia com assessoria paga para conduzir as rotinas e eleger uma diretoria, que determina as políticas. Na prática, porém, a função da diretoria é geralmente aprovar as políticas que a assessoria profissional desenvolveu e que conseguiu fazer com que os diretores aceitassem. Embora teoricamente sejam os membros que controlam a organização, o controle real é exercido por uma camarilha de próceres e profissionais em cumprimento à “lei de ferro da oligarquia” , de Michels, a ser discutida posteriormente neste capítulo. As associações voluntárias há muito que vêm tendo destaque nos EUA, conforme indica a seguinte decla­ ração feita no início do século XIX por um observador estrangeiro: Os norte-americanos de todas as idades, de todas as condições e de todas as disposições constantemente formam associações. Não apenas têm empresas comerciais e manufatureiras, em que tomam parte,

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como associações de mil outras espécies, religiosas, morais, fúteis, gerais ou restritas, enormes ou dimi­ nutas. Os norte-americanos fazem associações para entretenimento, para fundar seminários, para construir hospedarias, para erigir igrejas, para difundir livros, para enviar missionários aos antípodas; desta maneira, fundam hospitais, prisões e escolas. Se se propuser inculcar alguma verdade ou fomentar algum senti­ mento pelo encorajamento de um grande exemplo, eles formam uma sociedade. Se à frente de algum novo empreendimento vemos sempre o governo na França ou um homem de categoria na Inglaterra, nos EUA vemos, com certeza, uma associação. (Alexis de Tocqueville. Democracy in America. Org. por J. P. Mayer e Max Lemer. Nova York, Harper & Row, 1966. t. II, p. 106.)

Funções das associações voluntárias

Uma saída para interesses individuais. O principal atrativo da associação voluntária está em sua capacidade de prover um meio de satisfazer às inclinações de numerosos cidadãos, ainda que seus interesses não sejam partilhados pela sociedade total. Alguns homens que gostam de jogar golfe podem juntar-se e criar um Clube de Campo, ainda que a Câmara Municipal se mostre insensível quanto ao uso do dinheiro dos contribuintes para a diversão de adultos. Na época em que o governo norte-americano temia dar apoio ao controle da natalidade, ainda foi possível aos indiví­ duos promoverem a limitação da família pelo estabele­ cimento das Associações de Progenitura Planejada como associações voluntárias. Lane [1962, p. 143] afirma que uma variedade de associações voluntárias proporciona um tipo de “pluralismo cultural” em que podem ser apoiados diversos interesses dentro da mesma sociedade. Qualquer que seja o propósito, a associação voluntária tem o mérito supremo de permitir a ação de uma minoria de pessoas para atingir seus alvos, sem ser impedida por uma maioria hostil ou indiferente. Campo de prova para programas sociais. A associação voluntária pode desenvolver um programa e, assim, demonstrar seu valor que, por fim, é assumido pela Igreja ou pelo Estado. A Escola Dominical começou como um projeto individual de Robert Raikes, depois foi promovida pela Sociedade da Escola Dominical de Londres e, atualmente, é parte orgânica da maioria das igrejas protestantes. Os programas de progenitura planejada, que eram matéria controvertida quanto ao apoio com recursos tributários, hoje são parcialmente custeados por concessões federais. A maioria das funções de bem-estar do Estado moderno nasceu em associações

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voluntárias, que viram a necessidade social, foram pioneiras nos programas e educaram o público até o ponto em que se esperou que o govemo assumisse a responsabilidade. Canal para ação social deliberada. A associação voluntária permite ao cidadão privado tomar parte nas principais decisões sociais. Muitos observadores julgam que essa é uma parte vital do processo democrático. Um sociólogo observou: Mais especificamente, a hipótese é de que as associações voluntárias têm três funções importantes em apoiar a democracia política nos EUA: (Y) Distri­ buem poder sobre a vida social entre uma grande proporção dos cidadãos, em vez de permitirem que se concentre apenas no deputado eleito, de modo que os EUA têm um pouco do caráter da antiga cidade-Estado da Grécia, bem como da modema república européia centralizada. (2) As associações voluntárias proporcionam um sentido de satisfação com os modernos processos democráticos, porque ajudam os cidadãos comuns a ver como os processos funcionam em circunstâncias limitadas, de interesse direto para si próprio, e não como se arrastam de um modo distante, impessoal e incompreensível. (3) As associações voluntárias proporcionam um mecanismo social para instituir continuamente mudanças sociais, de modo que os EUA são uma sociedade em fluxo, procurando constantemente (nem sempre com êxito, mas sempre procurando) resolver problemas de longa duração e satisfazer a novas necessidades de grupos de cidadãos à medida que surgem. (Arnold Rose. Theory and Method in the Social Sciences. Minneapolis, The University of Minnesota Press, 1954. p. 52.)

Participantes em associações voluntárias

Embora as associações voluntárias proporcionem um meio para que os indivíduos aumentem seu poder social pelo fato de se juntarem, este é mais o caso de um certo tipo de pessoas do que de outras. As classes média e alta têm mais probabilidade do que as classes mais baixas de ingressar em associações voluntárias. Smith e Freedman [1972, p. 154] resumem a situação da seguinte maneira: ‘Todo o trabalho sobre esta questão indica uma única direção. O baixo status econômico ( . . . ) está altamente correlacionado com os baixos índices de participação e com taxas mais baixas de posições de liderança nas organizações” . Uma exceção à assertiva precedente aparece em uma análise da participação de pretos e brancos nos EUA. Apesar de uma proporção muito maior da popu­

lação negra ser de classe baixa, os pretos são mais ativos em associações voluntárias do que os brancos [Williams e cols., 1973]. Sugeriu-se que essa participação dos pretos pode ser uma “compensação” pelas incapacidades de status minoritário, mas esta explicação não se sustenta quando consideramos o baixo índice de participação em associações voluntárias por parte dos méxico-americanos. Até agora não se conseguiu dar qualquer explicação convincente para o alto índice de participação dos pretos, mas evidentemente a pobreza não impede tanto a sociabilidade organizada entre os pretos como entre os brancos. Nos últimos anos, a “guerra à pobreza” buscou esti­ mular a organização das pessoas pobres em associações voluntárias. O esforço não teve muito êxito, porque a maioria dos pobres jamais se envolveu [Moynihan, 1969]. Entre os que participaram, os “menos pobres” foram os mais representados, e a participação dos pretos foi maior que a dos brancos [Curtis e Zurcher, 1971]. As associações voluntárias são importantes em todos os países industrializados e, em menor extensão, também são encontradas em outras áreas, mas em nenhum país grande são tão numerosas como nos EUA e Canadá. No passado, muitos países europeus nutriam suspeita das associações voluntárias, julgando que poderiam representar uma conspiração contra o Estado ou a Igreja. Mesmo hoje, o aumento de associações voluntárias na Europa tem sido principalmente no sentido de cooperativas, sociedades patrocinadas por igrejas, partidos políticos e sindicatos trabalhistas. A idéia de que a participação ativa em grupos estritamente voluntários de finalidade única é tanto uma obrigação como uma oportunidade para o cidadão, continua sendo uma noção principalmente norte-americana, que não é vastamente compartilhada pelo resto do mundo [J. Curtis, 197111.

1 Kenneth Little (The Role o f Voluntary Associations in West African Urbanization. American Anthropologist, 59:579596, ago. 1957) declara que as cidades da África Ocidental podem ser uma exceção, com muitas associações, freqüente­ mente baseadas em linhas tribais ou de parentesco, envolvendo muitas pessoas e funcionando para prover sociabilidade e auxílio mútuo, bem como controle social. Mais típica das áreas em desenvolvimento é a situação relatada por Floyd Dotson (A N ote on Participation in Voluntary Associations in a Mexican City. American Sociological Review, 18:380-386, ago. 1953) em um estudo de Guadalajara, a segunda maior cidade do México, onde constatou que a organização volun­ tária era rudimentar e a participação muito menos disseminada do que nas cidades norte-americanas de tamanho comparável. Igualmente, Delbert C. Miller (International Community Power Structure: Comparative Studies o f Four World Cities. Bloomington, Indiana University Press, 1970) em um estudo do poder da comunidade em Seattie, Bristol, Lima e Córdoba, constatou que as associações voluntárias eram mais influentes em Seattie.

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Estruturas organizacionais Quase que por definição, as organizações têm estru­ tura. A estrutura normativa é o aglomerado de normas - de expectativas, regras e procedimentos - escritas ou não, formais ou informais. A estrutura de pessoal é a rede de pessoas, papéis e status, por cujo intermédio são executadas as atividades da organização. Tanto a estrutura normativa como a de pessoal podem estar rigorosa ou livremente organizadas. Algumas organizações são rigorosamente estruturadas, isto é, a autoridade é altamente centralizada e os procedimentos são muito padronizados, com pouca autonomia para os grupos locais ou individuais. Outras organizações, livremente estruturadas, têm menos centralização e permitem mais liberdade de ação. Na organização rigorosamente estruturada, os papéis são rigidamente definidos, chegando até à prescrição de regras específicas para a maioria das situações; na orga­ nização livremente estruturada, os papéis são menos definidos e podem ser ajustados pelo indivíduo ou grupo local, conforme a ocasião justifique. As associações com uma ideologia semelhante podem diferir em estrutura. A Igreja Católica é rigorosamente estruturada, com forte autoridade central, organização elaborada, regras e procedimentos pormenorizados. A Igreja Batista é estruturada de maneira muito mais flexível. As congregações batistas são altamente autônomas; selecionam e demitem seus próprios minis­ tros, dirigem seus próprios assuntos e estão vinculadas de maneira bastante flexível a uma denominação. Do mesmo modo, os comunistas e os socialistas baseiam sua ideologia nos trabalhos de Karl Marx. E, no entanto, o Partido Comunista é uma organização rigorosamente estruturada, ao passo que os partidos socialistas operam em um sistema livremente estruturado que, de certo modo, lembra as igrejas protestantes organizadas em congregações. Qual a mais efetiva — a organização rigorosamente estruturada ou aquela cuja estrutura é mais flexível? Isto depende do tamanho da organização e da natureza de suas atividades. Um grande exército precisa ser rigorosamente estruturado; uma unidade militar menor pode ser estruturada de modo mais flexível. Sob certas circunstâncias, as unidades de guerrilha fragilmente estruturadas são mais efetivas, como na derrota das tropas cuidadosamente organizadas do General Braddock diante de um punhado menos ordenado de franceses e índios, ou a falha das tropas norte-americanas e sul-vietnamitas, magnificamente equipadas, em derrotar as guerrilhas mal equipadas do Vietcongue. Aparente­ mente as igrejas e os partidos políticos podem operar bastante bem com vários graus de estruturação rigorosa ou flexível. É difícil provar qualquer superioridade intrínseca de uma sobre a outra. A organização estrutu­

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rada de modo mais flexível tende a orgulhar-se de liberdade, tolerância e responsabilidade individual, sendo muitas vezes criticada por inconsistência, falta de exatidão e desvios ideológicos. A unidade rigorosa­ mente estruturada orgulha-se da pureza e coerência de sua ideologia e da integração íntima de suas partes, sendo criticada como dogmática, intolerante, quase sempre fazendo pouco caso dos problemas locais que estão muito distanciados do escritório central.

Estruturas formais e informais

Nas forças armadas, um gráfico de organização mostra a categoria exata e os deveres de cada categoria de pessoal. O recruta em breve aprende que tem de “passar pelos canais competentes” , isto é, tratar de seu assunto com o oficial apropriado, sem “passar por cima” dele e dirigir-se aos superiores deste. Em curto prazo, porém, o soldado esperto aprenderá que o organograma não diz realmente como o exército funciona. Algumas vezes constatará que um sargento ou um secretário tem mais a ver com as tomadas de decisões do que o oficial comandante. À medida que continuar a carreira no exército, se tiver êxito, aprenderá que existe um organograma-“fantasma” diferente para cada unidade e que não está impresso em qualquer quartel, coisa que ele precisa ficar conhecendo para que as tarefas sejam realizadas. Este organograma-fantasma é uma lista dos homens que têm “influência” . Algumas vezes são os homens mencionados no organograma oficial, mas às vezes não; porém, o indivíduo que puder discernir a verdadeira configuração de poder terá fácil ajustamento nas forças armadas, ao passo que o homem que confia no organograma oficial enfrentará delongas e frustrações. Evidentemente, é preciso que se faça a distinção crucial entre autoridade e influência. Autoridade é

O indivíduo que puder discernir a verdadeira configuração de poder encontrará facilidade em seu ajustamento.

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um direito oficial de tomar e fazer cumprir decisões; influência é a habilidade para afetar as ações dos outros, independentemente de qualquer autoridade para tanto. A autoridade tem origem na categoria; a influência repousa em grande parte nos atributos pessoais. A autoridade baseia-se no status que a pessoa tem; a influência é baseada na estima que uma pessoa recebe. Os professores têm autoridade para designar missões e atribuir notas; podem ter muita ou pouca influência sobre seus alunos, dependendo de como estes os enxer­ gam. O prócer admirado de uma instituição terá auto­ ridade e influência; um prócer impopular tem autoridade, mas pouca influência; um subordinado competente, popular, pode ter muita influência ainda que tenha pouca autoridade. As interações de autoridade e influência nos níveis mais elevados do governo são agudamente descritas na obra de Halberstam, The Best and the Brightest [1972] e em diversas novelas de C. P. Snow. Esta estrutura informal deriva parcialmente das diferenças de personalidade entre os indivíduos e parcial­ mente do fato de que nenhum sistema de papéis é completamente eficaz em atender a todas as necessidades da organização. Para que as coisas sejam feitas, uma pessoa pode preferir sair dos canais regulares e usar a estrutura informal da organização. Algumas vezes este modo de proceder é arriscado e precisa ser tratado com perícia para que o tiro não saia pela culatra. Sem estruturas e procedimentos informais, muitas coisas não seriam feitas rápida e eficientemente.

A tendência à oligarquia Antes do século XIX a maioria dos grupos era orga­ nizada sob liderança autoritária, havendo a crença de que uns poucos homens sábios e experimentados, preferivelmente de berço nobre, poderiam dar direção mais capaz à massa das pessoas comuns. O século XIX presenciou a ascensão de numerosas associações dedicadas a um princípio diferente: controle democrá­ tico através das decisões dos membros comuns da sociedade. Contudo, até mesmo estas associações declaradamente democráticas constataram que o controle tendia a ir parar nas mãos de alguns líderes. Usualmente, esta tendência era explicada ou como a ação de diri­ gentes famintos de poder, que haviam deliberadamente distorcido as metas democráticas do grupo, ou como prova de que o homem comum não tinha ainda adquirido instrução e experiência para dirigir democraticamente uma organização. Há aproximadamente 65 anos, um cientista social europeu, Robert Michels, estudou a persistência das tendências autoritárias em uma organização que se considerava inimiga de todo poder ditatorial, o Partido

Social Democrático Alemão. Concluiu que a prepon­ derância de um pequeno número de líderes não decorria de imaturidade dos membros ou do desejo de poder por parte dos líderes; era, em lugar disso, resultado dos padrões inevitáveis em qualquer organização. Em suas palavras: “É a organização que dá origem ao domínio dos eleitos sobre os eleitores, dos mandatários sobre os mandantes, dos delegados sobre os delegantes. Quem diz organização diz oligarquia” [Michels, 1949, p. 41 ]. A isto ele chamava a “lei de ferro da oligarquia” . A oligarquia tende a desenvolver-se em todas as organizações formais, qualquer que seja seu tipo ou tamanho. Até as pequenas organizações, como a Associação de Pais e Mestres de uma localidade ou os “clubes” de igreja, tendem a ser dirigidos por uma camarilha bastante pequena. A oligarquia flui direta­ mente do padrão de participação do membro comum do grupo. Geralmente o indivíduo freqüenta irregular­ mente as reuniões, está mal informado sobre os proble­ mas da organização, e carece de meios para unir-se com outros membros a fim de exercer controle real. Nestas circunstâncias, as poucas pessoas capazes que estão dispostas a dar tempo e atenção à tarefa podem com facilidade assumir o controle. Elas rião o “tomam” , o controle é jogado em suas mãos pelos membros que não querem ter preocupações. A menos que seja particularmente inepta, uma oligarquia burocrática pode com facilidade perpetuar-se em sim posição. É provável que o êxito na revolta dos membros fique na dependência de uma divisão entre os oligarcas, com facções rivais procurando apoio nas bases. Uma revolta bem sucedida instala novos oligarcas que, geralmente, operam de maneira bastante semelhante à de seus antecessores.

Uma exceção à regra oligárquica

A “lei de feno da oligarquia” simplesmente expressa a tendência de todos os grupos de caírem sob uma forma oligárquica de controle. Será que este é necessariamente o caso de todas as organizações ou é simplesmente o mais fácil dentre diversos padrões que uma organi­ zação pode seguir? Um exemplo esclarecedor é encon­ trado em um estudo [Lipset e cols., 1956] do Sindicato Tipográfico Internacional. Este sindicato atraiu atenção porque, diferentemente dos outros sindicatos e da maioria das associações voluntárias de qualquer espécie, seus membros comuns eram ativos nos assuntos sindicais, e os dirigentes constantemente se encontravam sob a mira de uma oposição efetiva. Certos traços incomuns do Sindicato Tipográfico Internacional parecem estar relacionados à sua estrutura democrática, que inclui: ( l) u m sistema bipartidário; (2) fortes unidades locais suficientemente grandes para influenciarem o sindicato

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internacional, mas suficientemente pequenas para que a influência pessoal opere dentro do local; (3) uma rede de clubes sociais que reforçam as relações de grupo primário entre os gráficos e estimulam interesse e conhecimento dos assuntos sindicais; (4) dirigentes sindicais com salários mais ou menos semelhantes aos rendimentos dos gráficos empregados. Estes traçoá parecem dar conta de certos problemas que impedem muitas organizações de operarem de modo democrático. O sistema bipartidário oferece ao membro insatisfeito com a liderança sindical uma oportunidade à mão para expressar suas queixas e fazer pressão para uma mudança. Todo estudante de EducaçSo Cívica ouve falar que o sistema bipartidário é essencial a um govemo democrático, mas nas associa­ ções privadas em geral é condenado como “faccioso” , com o resultado de que quase sempre não há meios efetivos de organizar oposição aos que estão no poder. Geralmente, a oligarquia surge da indiferença da maioria dos membros, permitindo que a autoridade passe para as mãos dos que estão dispostos a dedicar seu tempo à organização. Mas ocasionalmente a oligar­ quia é consolidada por manipulação deliberada dos membros por parte dos oligarcas de sucesso. Durante muitos anos o Sindicato dos Mineiros foi dirigido por uma oligarquia que teve sucesso em resistir aos esforços visando ao controle por parte dos membros. Os diri­ gentes o fizeram concedendo direito de voto aos aposen­ tados, que já não pagavam mais o que era devido ao sindicato, mas dependiam dos dirigentes nacionais para suas pensões; colocavam dezenove dos vinte e três sindicatos locais sob o controle do escritório nacional e substituíam os dirigentes eleitos localmente por outros nomeados pelo sindicato nacional, usavam os fundos organizacionais para apoiar o poder político dos dirigentes nacionais e (de acordo com os oponentes dentro do sindicato) cometiam fraudes [0 ’Hanlon, 1971, p. 78-83]. Esta oligarquia somente caiu quando as atividades criminosas foram objeto de processo legal por parte do govemo.

Natureza da burocracia Papel do burocrata

Quando a engenhosidade humana enfrentou pela primeira vez projetos que exigiam uma organização da atividade humana além do que a família e o clã podiam proporcionar, foi, também, quando pela primeira vez apareceram os burocratas. Algumas pessoas julgam que os antigos projetos de irrigação e controle das enchentes foram os que primeiramente deram origem à necessidade de uma divisão do trabalho disciplinada e organizada [Wittfogel, 1957]. Os buro­

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cratas jamais são muito populares. Na maioria das vezes, certa ou erradamente, as pessoas se consideram como trabalhadores produtivos e olham com desconfi­ ança o burocrata que “não faz um trabalho real” — apenas organiza e registra o trabalho dos outros. Uma burocracia é uma pirâmide de pessoal que conduz racionalmente o trabalho de uma grande orga­ nização. Thompson [1961, p. 13-7] recorrendo princi­ palmente ao trabalho de Max Weber, apresenta as principais características de uma burocracia: (1) especia­ lização, para atribuir cada tarefa a um especialista; (2) nomeação por mérito e estabilidade no cargo, para garantir pessoal competente; (3) formalismo impessoal, a fim de que um conjunto formal de procedimentos seja executado imparcialmente; e (4) uma cadeia de comando, para definir autoridade e responsabilidade de cada pessoa. Inevitavelmente a burocracia desenvolve-se em todas as grandes organizações — departamentos do govemo, igrejas, universidades, associações voluntárias e empresas privadas com fins lucrativos. Suponhamos, por exemplo, uma empresa comercial com um quadro de funcionários de escritório composto de três pessoas. Elas podem dividir o trabalho casual e informalmente e cada qual pode apanhar no armário de suprimentos aquilo de que necessitar para o escritório. Suponhamos que o quadro de funcionários do escritório aumente para 3 000 pessoas. Agora há necessidade de uma divisão ordenada do trabalho e de autoridade para que se possa trabalhar; há necessidade de um conjunto de políticas para manter os suprimentos em ordem, juntamente com um sistema de controle de estoque e de requisi­ ções a fim de manter o estoque abastecido e evitar “desvios” . Assim, a burocracia tem pelo menos três raízes: as necessidades de eficiência, de uniformidade e de prevenção contra a corrupção.

O funcionalismo público como modelo burocrático

Embora os burocratas tenham conduzido as operações rotineiras do govemo no Egito, Roma e China de outrora, a grande expansão modema do funcionalismo público de cone tanto da expansão das funções do govemo como de um novo conceito da natureza do Estado. Este já não é m ais a propriedade hereditária de um governante ou de um político bem sucedido, mas toma-se um servo do povo. Como tal, executa muitas funções que não havia assumido em uma época anterior. Se os empregados governamentais não são apenas lacaios leais reivindicando suas justas recompensas, é preciso, então, que seja criado um sistema para conseguir pessoas que assumam suas responsabilidades de maneira impar­ cial e capaz. Para obter este tipo de empregado, as regras do funcionalismo público definem cuidadosamente

Organograma do Departamento de Agricultura dos E U A . M uitos órgãos governamentais de sociedades anônim as industriais tdm organogramas muito mais elaborados. A que escritório você pediria auxilio, se fosse um fazendeiro interessado em produzir carne para o mercado de exportação? Seria a Adm inistração de Frigoríficos & Currais? O Serviço de Desenvolvimento Econôm ico Exterior? O Serviço de Extensão? O Serviço de Marketing de Exportação? T odos eles? O u algum outro escritório? Este organograma dá a você uma idéia do que se entende por "com plexidade das organizações m odernas"? (Fonte: U .S. Organization Manual, 1971-1973. Washington, D. C., Nacional Archives and Research Service, General Services Adm inistration, 1974. p. 90.)

as qualificações, deveres, autoridade e remuneração. Comumente, os funcionários públicos tomam decisões, não para agradarem a um governante político ou para a satisfação de seus próprios preconceitos, mas sim de acordo com certas regras definidas. Sua renda não se baseia na habilidade que têm para coletar impostos ou conseguir a generosidade do governante; recebem um ordenado condizente com sua classificação na organização governamental. Usualmente, sua estabi­ lidade é para toda a vida e podem ser promovidos por antigüidade ou competência comprovada; podem ser demitidos apenas por cometerem faltas ou por ineficiência. O sistema do funcionalismo público destina-se a garantir uniformidade de administração por empregados que têm uma competência especial na tarefa particular para a qual foram designados. O fato de que ainda esteja sujeito a críticas, apesar de em grande parte ter conseguido alcançar os objetivos para os quais

foi estabelecido, revela alguns problemas da operação burocrática [Levitt, 1974] de um tal sistema. As críticas ao funcionalismo público são as seguintes: (1) criação de um status que causa hostilidade, (2) rigidez de desempenho, (3) divisão de responsabilidade e excessiva rotina escriturai, (4) bifurcação de responsa­ bilidade [Cohen, 1965, p. 14-6; Merton, 1949a, p. 15160]. Até certo ponto, estas tendências podem ser aparadas por mudanças estruturais, mas elas aparecem em todas as burocracias e provavelmente é impossível eliminá-las. Um status que causa hostilidade é aquele que automa­ ticamente tende a criar má disposição, ressentimento ou animosidade. Surge do fato de que, embora o empregado burocrático deva, como se supõe, ser um servo do público, muitas vezes se encontra em posição de tomar decisões que afetam vitalmente o bem-estar do cidadão. O funcionário que informa a um homem desempregado que não se acha qualificado para obtei

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os benefícios concedidos a desempregados, ou diz ao proprietário de um imóvel que o lançamento de seu imposto territorial foi aumentado, provavelmente está agindo de acordo com os regulamentos, mas está em posição de tomar uma decisão desagradável para o cidadão que, nominalmente, é um de seus emprega­ dores. Ao burocrata é fácil defender-se citando os regulamentos e seus deveres como funcionário público, mas sua indiferença olímpica pode simplesmente enfurecer o cidadão, que já se acredita vítima de uma decisão injusta. A rigidez de desempenho caracteriza as ações do pessoal que tem de seguir um conjunto de regras. Quando surgem condições que não são previstas pelas regras, o burocrata talvez não consiga agir construti­ vamente, porque os regulamentos não permitem exceções. Um exemplo interessante do hábito dos burocratas de seguirem cegamente as regras, ocorreu quando a onda de frio de 1962 levou temperaturas abaixo de zero a muitas cidades do Sul que há décadas não tinham tido uma geada. Pelo menos em uma cidade o Departamento de Ruas e Logradouros continuou com seu procedimento habitual de lavar as ruas. A água congelava imediatamente, fazendo parar o trânsito. Afinal, os regulamentos diziam que a rua devia ser lavada todos os dias e um bom funcionário público segue as regras. Alega-se muitas vezes que os burocratas criam o hábito de seguirem cegamente os regulamentos, com incapacidade emocional de verem além de um manual de regras. Tem sido feita muita sátira em relação ao burocrata míope, com o nariz enfiado no livro de regulamentos e orientado por toda a iniciativa e imagi­ nação de uma ostra. Embora possam ser citadas inúmeras confirmações divertidas da rigidez burocrática, há evidência de que a rigidez de desempenho é uma característica do sistema burocrático e não dos buro­ cratas em si. Uma comparação cuidadosa dos burocratas com outros membros do pessoal não-burocrata conclui que “existe uma tendência pequena, mas coerente, para que os que trabalham em posições burocráticas sejam intelectualmente mais flexíveis, mais abertos a novas experiências e mais áutodirigidos em seus valores do que os que trabalham em organizações não-burocráticas” [Kohn, 1971, p. 461]. Mas o esforço do buro­ crata para ser flexível pode levá-lo a fazer concessões aos clientes, eventualmente ao preço de sacrificar os objetivos da organização. Por exemplo, os escritórios do Serviço de Emprego dos EUA algumas vezes procu­ raram acompanhar as preferências dos empregadores ao lhes encaminharem candidatos, mas esta “flexibili­ dade” freqüentemente redundou em favorecimento dos brancos que os empregadores preferiam, abrindo mão, portanto, do compromisso de não-discriminação [Cohen, 1965]. Assim, a rigidez de desempenho é

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menos um produto de burocratas cegamente habituados do que um produto das necessárias regras de proce­ dimento através das quais qualquer grande organização tem de operar. As desvantagens da rigidez são reconhecidas pelos administradores governamentais, que a procuram reduzir dando mais espaço de manobra aos dirigentes subordinados, e deixando livres algumas posições que devem ser preenchidas por pessoas nomeadas sem levar em consideração os regulamentos usuais do emprego público. Porém, a concessão de muita autoridade discri­ cionária aos dirigentes aumenta o favoritismo e a corrupção, e isto, por sua vez, leva a um novo conjunto de regulamentos. A divisão de responsabilidade é um outro aspecto irritante da burocracia. Para que se tenha certeza de que está sendo seguida uma política uniforme e que todos os indivíduos são tratados igualmente, talvez seja necessário fazer um arquivo elaborado e consultar diversos dirigentes em diferentes níveis da hierarquia. Muitas vezes o cidadão julga que está sendo empurrado de um lado para o outro, quando procura algum chefe de seção a quem possa abordar para uma decisão. Se esta dificuldade for minimizada pela descentralização, a fim de dar mais poder aos chefes de seção, o escritório enfrentará o perigo da crítica, em conseqüência de favoritismo e de decisões incoerentes. A bifurcação de responsabilidade talvez seja uma das objeções de raízes mais profundas em qualquer burocracia, seja funcionalismo público ou não. Isso significa uma divisão em duas trajetórias divergentes. Na burocracia, pode tomar a forma de uma divisão entre o serviço à clientela e a aderência às normas e procedimentos característicos da estrutura buro­ crática. Presumivelmente a burocracia existe para servir à sua clientela, e os procedimentos são criados tendo em vista o serviço. Na realidade, algumas vezes os procedimentos se tomam um fim em si próprios. Por exemplo, a prisão e o hospital de alienados destinam-se a reabilitar os prisioneiros ou pacientes. Mas em cada instituição desenvolve-se uma cultura do empre­ gado, a qual se orienta para controlar os prisioneiros ou pacientes da maneira mais fácil, sabotando-se assim as metas formais da prisão ou do hospital [Dunham e Weinberg, 1960]. Cada burocracia oferece exemplos semelhantes em que os meios se tomam os fins. Um escritório pode “fazer os movimentos” sem que jamais resolva realmente um problema. Um burocrata pode tratar da queixa de um cidadão preenchendo um relatório e encaminhando-o ao Sr. X. O funcionário que age desta maneira pode julgar que fez o que dele se esperava, de acordo com as regras; mas o público sente-se insatisfeito porque suas necessidades não foram atendidas. Geral­ mente, os esforços para punir um funcionário são infrutíferos quando ele pode provar que seguiu os

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regulamentos ao pé da letra. Uma vez mais, se ele tivesse mais liberdade, embora isso lhe permitisse atender aos problemas mais realisticamente, seria destruída a uni­ formidade no tratamento e dar-se-iam asas à corrupção. Inúmeras destas tendências disfuncionais na buro­ cracia resumem-se sob o conceito de patologia de escritório, expressão que foi criada por Thompson [1961, Cap. 8]. Todas as grandes organizações produzem uma grande quantidade de tensões entre seu pessoal. As ansiedades e frustrações a respeito de promoções, críticas, falhas, falta de reconhecimento, exigências mal recebidas e pressões conflitantes de muitas espécies combinam-se para produzir grande tensão no indivíduo. Muitas vezes ele responde de um modo que reduz a tensão, mas que sabota as metas organizacionais. O empregado inseguro faz jogo garantido, concentrando-se em preenchimento de relatórios e fazendo registros. A transferência de culpa e a fuga à responsabilidade são maneiras de uma pessoa manter “limpa” sua ficha. O comportamento patológico dessa espécie é orientado para as necessidades pessoais e não para as metas institucio­ nais. Já que resulta da ansiedade e da insegurança criadas por todas as grandes organizações, trata-se de um proble­ ma em teoria organizacional e não em psicopatologia.

Reações à burocracia

É bem conhecida a tendência das burocracias de acumularem regras e procedimentos. De fato, muitas se tomam tão embaraçadas em formalidades, que seu trabalho diário somente pode ser realizado através de violação e evasão a algumas das regras. Os empregados podem levar a efeito uma forma limitada de greve — uma “greve-tartaruga” — simplesmente deixando de seguir seus “atalhos” e conformando-se ao livro de regulamentos. Desta maneira, os empregados do Correio Britânico fizeram a correspondência arrastar-se vagaro­ samente durante uma disputa em 1962 [Time, 19 jan. 1962, p. 35]. As dificuldades da organização burocrática conduzem a tentativas de melhorá-la ou de revolta. O estudo formal de administração, com uma análise cuidadosa das formas e funções burocráticas, é uma tentativa para tom ar a burocracia um instrumento eficiente no atendimento das necessidades organizacionais. Os programas de treinamento para empresários, educadores, próceres públicos e clérigos privilegiam cursos em “administração” (que é um termo mais popular para procedimentos burocráticos). Visto que a burocracia é ao mesmo tempo um traço necessário e aborrecido de todas as sociedades modernas, os esforços para melhorá-la são contínuos e logram êxito apenas parcial. As revoltas contra a burocracia assumem muitas formas. No govemo podem ser observadas na persistência

TODOS DESEMBOLSOS PRECISAM DO VISTO DAS PESSOAS ABAIXOS

As burocracias tendem a acumular regras e procedimentos.

da “política de máquina” . Algumas vezes a máquina política é considerada como um esforço para abrir flancos na burocracia, já que o cidadão frustrado pela burocracia pode estar sob os cuidados de um chefe político que dá tratamento preferencial em troca de votos. O chefe pode ser menos honesto do que o burocrata, porém mais habilidoso nas relações entre grupos primários. Embora ignore as formalidades e viole as regras, ele realiza as coisas. O descontentamento com as regras burocráticas se manifesta entre os membros ou clientes de todas as espécies de organizações formais. A estrutura eclesiástica elaborada da maioria das denominações é muitas vezes ameaçada pelo clero irregular ou por igrejas menos formais que proporcionam conforto religioso aos que desconfiam da organização forma­ lizada. A empresa altamente elaborada e organizada pode ser vencida em certos pontos por um competidor menor, que pode tirar proveito mais rapidamente das oportunidades lucrativas. As escolas defrontam-se com revoltas dos contribuintes, que decorrem em parte do desamparo do cidadão médio ao lidar com a administração educacional. Os líderes sindicais muitas vezes constatam que seu controle fica ameaçado por greves súbitas, nas quais as bases agem de um modo a que são hostis os dirigentes sindicais. O desconten­ tamento estudantil com as características burocráticas da universidade é tido como fator significante nos protestos do campus [Otten, 1970]. Várias espécies de “ação direta” buscam forçar modificações na atividade burocrática e ocasionaram um tipo de ação de grupo voluntário que é ruidoso e intolerante com a delonga burocrática: ( . . . ) os pais colocam carrinhos de bebê nas ruas, a fim de impedirem que as máquinas de terraplenagem abram novas vias expressas através de seus bairros ( . . . ) as mulheres profissionais entram

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em greve e marcham em busca dos direitos femi­ ninos ( . . . ) os internados nas penitenciárias fazem greves de fome. Os profissionais administrativos e os gerentes se juntam em boicotes contra os fabri­ cantes de armas e contra os plantadores de alface não-sindicalizados ( . . . ) as donas-de-casa suburbanas marcham contra a escalada dos preços da carne. Os operários fazem demonstrações contra o transporte de seus filhos pelas ruas da cidade (Iheodore Levitt. The Third Sector: New Tactics fo r a Responsive Society. Nova York, Amacom, 1973. p. 734.) Sejam ou não vitoriosas, estas táticas produzem uma “sociedade adversária” [Levitt, 1973, p. 72] que redunda em altos custos em termos de perda de con­ fiança e de maior desordem. O ombudsman*, uma repartição desenvolvida na Suécia em 1913 [Gellhorn, 1967, p. 194], foi adotado pelas empresas, governos e universidades, como uma maneira ordeira de enca­ minhar reivindicações e reclamações contra uma burocracia. Usualmente, o ombudsman tem poder para investigar queixas e muitas vezes pode compelir a inversão de uma decisão oficial. Embora possa demons­ trar ser um protetor efetivo do cidadão humilde, a operação dessa repartição provoca efeitos latentes que são um pouco diferentes em sua natureza. Por exemplo, os supervisores podem estar menos interessados em corrigir eventuais injustiças na crença de que o ombudsman pode tomar conta do caso. Igualmente, o temor de ser chamado a prestar contas por qualquer espécie de irregularidade pode tomar os chefes de seção ainda mais burocráticos e inflexíveis no esforço de provarem que seguem à risca os regulamentos. Qualquer que seja o efeito último da crescente aceitação do ombudsman, não há dúvida de que a existência desse tipo de repartição é um dos muitos esforços para tom ar a burocracia humana e eficiente. Ainda assim não existe uma resposta fácil aos problemas do abuso burocrático. 0 caráter uniforme e impessoal das burocracias é a base da sua utilidade; entretanto, estas mesmas qualidades às vezes fazem que sejam incapazes de responder às necessidades humanas únicas.

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asfixiar a liberdade individual. Se a organização se tomar uma vasta máquina burocrática com poucas pessoas na cúpula dando ordens, enquanto as demais são meros robôs seguindo rotinas padronizadas, os resultados são fatais para o sucesso organizacional e para o desenvolvimento individual. O mundo não é tão simples a ponto de um manual de regras poder prever cada situação, e qualquer organização em que a iniciativa seja sufocada em breve estará fora de contato com o mundo real, prejudicando inclusive a consecução de sua função. Da mesma forma, as pessoas são mais do que atendentes ou máquinas, e uma organização padecerá se seu pessoal for privado de voz ativa no processo decisório. A organização formal busca um alto grau de obediência, pelo menos quanto ao espírito de suas metas declaradas; mas se esta conformidade for obtida às custas de iniciativa sufocada e de pensa­ mento embotado, o custo para a organização será grande.

Problemas de comunicações

Notamos, no Capítulo 8, que a forma da cadeia de comunicação interfere com o tipo de resposta. O moral é mais elevado e a comunicação mais freqüente no círculo, sem líder designado; e é mais baixa no esquema da roda, onde a pessoa que está no centro atua como diretor. É também o que acontece na configuração hierárquica, em contraposição à igualitária. Um sistema no qual um superior dá ordens aos subordinados tem mais probabilidade de obter uniformidade de resposta, mas também tende a amortecer a iniciativa e a reprimir as respostas capazes de revelar problemas. É por esta razão que as organizações muitas vezes constatam haver grande quantidade de comunicação fluindo da cúpula para a base e muito pouca da base para a cúpula. Um livre fluxo de idéias, que estimule sugestões, exponha erros e alivie a ansiedade através de responsabilidade compartilhada, também fará com que seja difícil concordar com um plano-mestre ou com uma solução uniforme. O que se ganha em estimulação para maior criatividade precisa estar equilibrado com a possível perda de coordenação da atividade. Os padrões de comunicação que estimulam o fluxo Liberdade versus sujeição de idéias são um estímulo à criatividade, mas outras É possível que o problema crucial da organização atitudes que encorajam a aceitação de inovações também formal seja lograr obediência às políticas básicas sem são importantes [Strother, 1969, p. 7-16]. Por exemplo, sempre existe um risco bastante real de que uma inovação não seja prática. Por isso, uma organização * Palavra sueca derivada de om bud, que significa deputado que promova criatividade também precisa estar disposta ou representante. Geralmente é uma pessoa nomeada pelo a lidar com risco e incerteza. Além do mais, a maioria governo para investigar queixas e proteger os direitos dos das inovações são perturbadoras e dispendiosas a curto cidadãos privados. O termo também se refere a qualquer pessoa prazo, pelo menos durante o tempo em que os defeitos que defenda os direitos individuais. Essa espécie de “investigador estão sendo observados e eliminados. Uma organização de queixas” está se disseminando em todo o mundo.

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criativa exige uma perspectiva de longo prazo em que os custos de curto prazo sejam considerados de menor importância do que os ganhos futuros.

Competência profissional versus burocrática

Todas as organizações formais necessitam da perícia proporcionada pelos profissionais.2 Os economistas, sociólogos, biólogos e muitos outros são empregados por governos, empresas, sindicatos trabalhistas, partidos políticos e até por igrejas, assim como por muitas outras organizações. Quando estas se tomam muito grandes, mais centralizadas e burocráticas, a “profissio­ nalização” do pessoal tende a aumentar [Montagna, 1968, p. 13845].3 0 profissional difere dos demais burocratas em termos de seu quadro de referência. O burocrata consulta as regras e as políticas da orga­ nização para obter uma justificação para as decisões, ao passo que o profissional é dirigido pelas normas de sua profissão e pelas opiniões dos colegas profis­ sionais, que talvez estejam totalmente fora da organi­ zação. Assim, o empregado profissional de uma organização freqüentemente enfrenta um dilema entre as regras da burocracia e os padrões da profissão. Os professores universitários têm um problema semelhante, uma vez que seu primeiro comprometimento fez com que se vinculassem à universidade ou à disciplina que ensinam. Os que procuram reconhecimento nacional entre seus colegas, físicos, historiadores ou sociólogos, são chamados de “cosmopolitas” , e os que consideram principalmente sua própria universidade para reconhe­ cimento, são chamados de “locais” por um observador [Gouldner, 1957, p. 282]. O “locál” tem maior dedi­ cação para com sua faculdade ou universidade, mas algumas vezes menor interesse pelos colegas acadêmicos fora da escola, ao passo que o “cosmopolita” é inten­ samente interessado pelos assuntos da sociedade acadêmica internacional, mas pode sentir pouca lealdade para com a faculdade em que se acha empregado. Há necessidade dos dois tipos de professores, mas suas metas e valores são tão diferentes que o esforço para coordenar suas atividades muitas vezes conduz a conflitos difíceis. 2 Nesta seção, muito devemos a Peter M. Blau e W. Richard Scott. Formal Organizations. San Francisco, Chandler, 1962. p. 242-50, e a Victor A. Thompson. Bureaucracy and Innovation. Tuscaloosa, University of Alabama Press, 1969. p. 69-70, 104-6. 3 Para um a análise estimulante dos esforços desenvolvidos por uma ampla variedade de ocupações, desde bibliotecários a diretores de funerais, em busca de status para sua profissão, ver Harold L. Wilensky. The Professionalization o f Everyone? American Journal o f Sociology, 70:137-158, set. 1964.

Outras espécies de profissionais empregados pela universidade também podem sentir conflitos de papel. Será que o psiquiatra da universidade deve lealdade principalmente a seu paciente, observando a confidência estrita do modelo de papel médico-paciente? Ou a lealdade é devida aos administradores a quem deve revelar qualquer coisa que queiram saber a respeito do estudante [Szasz, 1967]? Será que o médico da faculdade ou alguma outra pessoa deve decidir se o serviço de saúde dá ou não anticoncepcionais ou provi­ dencia abortos para estudantes não-casadas? Estas perguntas não são totalmente solucionadas pelos códigos de Ética existentes nas profissões. Algumas autoridades julgam que a crescente profis­ sionalização da sociedade está tomando obsoletas as formas de organização hierárquico-burocráticas. Em lugar de uma organização se desenvolver a partir da cúpula, com políticas bastante rígidas fundadas em níveis hierárquicos ou antigüidade, alguns estudiosos privilegiam um número de forças-tarefa temporárias envolvendo diferentes habilidades profissionais; estas forças-tarefa seriam organizadas e reorganizadas con­ forme as necessidades de problemas específicos. Os executivos e os gerentes em tal esquema não seriam os que decidem; seriam pessoas de ligação com apren­ dizagem suficiente do jargão técnico para poderem comunicar-se entre grupos e, assim, lograrem uma coordenação [Toffler, 1970, p. 128-9]. Até hoje, nenhuma organização de grande escala conseguiu operar sem estrutura burocrática, mas o próprio fato de que outras alternativas estão sendo consideradas indica a seriedade do problema e a necessidade de criar melhores métodos para combinar a perícia profissional com a coordenação burocrática.

Controle centralizado versus iniciativa local

O padrão ideal de uma organização formal é aquele em que um grupo de especialistas na cúpula decide as políticas gerais, e funcionários locais procuram adaptálas a situações específicas. Na realidade, a organização tem dificuldade em evitar os perigos gêmeos de (1) subversão das diretrizes centrais pelos empregados locais, ou (2) sua implantação mecânica sem levar em conta a variação das condições. É provável que uma supervisão hierárquica estrita deixe aos empregados subordinados tão pouca liberdade que a inovação fica sufocada, ao passo que uma política mais descontraída pode redundar em defasagem crescente entre as políticas determinadas pelo escritório central e as práticas efetivas. Algumas empresas têm procurado evitar este dilema através do plano de organização “horizontal” que confere autonomia quase completa aos administradores

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de filiais, desde que sejam alcançados os resultados desejados. Os órgãos de serviços já descobriram que os relatórios permitem ao supervisor reagir à comuni­ cação dos escalões mais baixos, em vez de simplesmente executar as ordens que vêm de cima. De vez em quando, um mecanismo impessoal como a linha de montagem determina as operações de um modo tão completo que passa a haver pèquena margem para decisões por parte do supervisor. Todavia, não queremos afirmar que a direção ao nível da cúpula seja sempre restritiva e que o represen­ tante local promova sempre a liberdade humana. Em nossa discussão de grupos secundários, no Capítulo 8, notamos que a tomada de decisão ao nível da cúpula (representada pelo escritório central) muitas vezes é de caráter mais universalista e mais distanciada de preconceitos locais do que a ingênua reação das pessoas comuns. Os reis da Espanha, por exemplo, em geral planejavam as políticas humanas a respeito dos índios sul-americanos, mas estas eram frustradas pela incapa­ cidade de o rei controlar as ações do pessoal distante em sua administração colonial. Muitas vezes as políticas de alto nível são frustradas pelo pessoal comum, porque colidem com o que os que estão em campo foram treinados e remunerados para fazerem. Tais dificul­ dades são reveladas pelo seguinte trecho: O Secretário da Agricultura, Hardin, anunciou uma nova política radical em relação aos pesticidas. Daqui por diante o Departamento de Agricultura dos EUA “encorajará os meios de controle que proporcionem o mínimo de risco potencial para o homem, seus animais, a vida silvestre e outros componentes do ambiente natural” . Mas será que tal declaração de política redefine a realidade para o entomologista Durkin, para o agente municipal Woodbum e para seus colegas no país todo? Esta pergunta não é difícil de ser respondida. A Agricultura estava comprometida com o uso de pesticidas fortes em todos os níveis de govemo, mas especialmente no nível municipal. Os compro­ metimentos podem estar mudando lentamente em Washington, mas no centro do país, onde os 6 170 agentes municipais e 4 281 encarregados executam seus deveres de “educação” , pouco mudou. Eles se encontram marcados por 20 anos de experiência — na realidade, o trabalho de uma vida inteira — com um certo ponto de vista. O Secretário Hardin pode dizer tudo quanto deseja de Washington, e o Presidente Nixon pode reorganizar qualquer coisa que deseje. Ao nível municipal, nada vai se modificar, porque as mesmas pessoas ficarão nos mesmos cargos e elas não se acham preparadas para operarem de maneira diferente daquela que estão usando agora. (Peter Montague e Katherine Montague,

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Fig. 28. Mudança da população norte-americana paia os subúr­ bios, 1900-1970. (Fonte: Departamento de Comércio dos EUA, Bureau o f the Census, U. S. Census o f Population, 1960; Selected Area Reports, Standard Metropolitan Statistical Areas, Final Report DC (3>ID: Current Population Reports. Trends in Social and Economic Conditions in Metropolitan Areas. Série P-23, n. 27, fev. 1969; e Current Population Reports, Provisional Estimates o f the Population of 100 Large Metropo­ litan Areas. jul. 1967, Série P-25, n. 441, dez. 1968, Statistical Abstracts o f the United States.)

difíceis que não serão solucionados e que as maiores dentre essas áreas entrarão em relativo declínio [Vernon, 1960]. Alguns outros crêem que o planejamento ousado pode resolver os problemas do alastramento e da ruína urbanos [Jacobs, 1961; Gruen, 1964; Abrams, 1965; Erber, 1970; Griffin, 1974]. O alastramento urbano não é exclusivamente um problema norte-americano; está ocorrendo no mundo todo, e até mesmo na União Soviética, apesar dos esforços oficiais para conter o crescimento das cidades maiores [Anderson, 1966], O crescimento urbano prossegue pelas mesmas razões e tem em grande parte as mesmas conseqüências em todos os lugares do mundo.

Qualquer planejamento coerente se torna uma impossibilidade.

Estrutura racial em mudança. Desde 1940 que a população preta das cidades centrais dos EUA tem crescido rapidamente, enquanto a população branca vem fugindo para os subúrbios. Entre 1940 e 1950, enquanto a população branca de todas as cidades centrais cresceu 3,7%, a população preta cresceu 68%; entre 1950 e 1960, as cifras eram 4,9% para brancos e 49,8% para pretos. Entre 1960 e 1970, a população branca das cidades centrais declinou em 5,4%, ao passo que sua população preta aumentou 32%. De 1950 a 1970, os pretos passaram de 12,2 a 20,5% da população das cidades centrais, enquanto declinavam de 6,6 a 5,3% na população dos subúrbios. A maioria dos suburbanos pretos vive dentro de subúrbios predomi­ nantemente pretos [Farley, 1970], O crescimento da população negra das cidades centrais está diminuindo, parcialmente porque a quantidade de possíveis migrantes pretos urbanos está-se esgotando e porque a segregação racial nas cidades, embora ainda alta, está enfim declinando [Glazer, 1974], Oitenta e um por cento dos pretos norte-americanos atualmente são urbanos, tendo assim se tomado o segmento mais altamente urbanizado da população. Quatro grandes cidades

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centrais (centros de municipalidaade) atualmente têm maiorias pretas: Atlanta, Gary, Newark e Washington, D.C.

Processos ecológicos urbanos

A alteração é contínua na cidade norte-americana. Os meios pelos quais a distribuição das pessoas e das instituições se modifica são conhecidos como processos ecológicos. Para compreendê-los precisamos começar com a área natural, um conjunto de pessoas e atividades altamente imbricadas dentro de uma área limitada. O distrito de homens solteiros, de casas em ruínas, hotéis e restaurantes baratos, casas de penhores, espetáculos burlescos, tavemas e missões eclesiásticas, todos servindo às necessidades de homens sem lar, é um exemplo de área natural. Outras áreas naturais incluem a seção de grandes lojas, de entretenimento, as comunidades de imigrantes recentes, distrito de pensões, a área residencial para estudantes, o distrito de depósitos e trapiches e muitas outras. As áreas naturais não são planejadas. Surgem da livre escolha dos indivíduos. As pessoas que têm gostos e necessi­ dades semelhantes se juntam em uma área onde possam satisfazê-los com mais facilidade, e tal associação cria uma área natural. Diferentemente da área natural, a vizinhança pode ser planejada ou não. Vizinhança é uma área onde as pessoas estão próximas e nem todas as áreas são vizinhanças. Em certas áreas há muito pouco de vizinhança, como no distrito de casas com quartos para alugar, havendo mais nas comunidades étnicas e em áreas de residências familiares. Algumas vizinhanças suburbanas são conscientemente planejadas, com habitações, comunicações, centro de compras e insta­ lações recreativas deliberadamente dispostas para enco­ rajar a vizinhança. Com mais freqüência, a vizinhança é um produto não-planejado das necessidades que as pessoas têm de relações sociais. A vizinhança é maior nas áreas residenciais familiares, onde as pessoas enfrentam problemas comuns de criação dos filhos e combate às ervas daninhas. As vizinhanças e as áreas naturais estão constantemente sendo formadas, dissolvidas e transplantadas, através de processos ecológicos urbanos conhecidos como concentração, centralização, descen­ tralização, segregação e invasão. Concentração é a tendência das pessoas e instituições de se aglomerarem onde as condições são favoráveis. Produz o crescimento de cidades. Centralização é a aglomeração de funções econômicas e de serviços dentro da cidade. As pessoas se juntam para trabalhar, divertirse, fazer compras e depois voltam a outras áreas para viver. O distrito de compras, o distrito fabril e o de entretenimento ficam desertos em certas partes do

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dia ou da noite. O distrito empresarial central é um dos principais exemplos de centralização. Descentra­ lização refere-se à tendência das pessoas e organizações de desertarem o centro da cidade em busca de locais mais externos, onde o congestionamento é menor e os valores dos lotes são mais baixos. O automóvel e o caminhão, assim como a energia elétrica, encorajaram bastante a descentralização residencial, comercial e industrial — tendência que complica muito a tarefa de qualquer pessoa que procure fazer um diagrama do padrão urbano. Segregação refere-se à concentração de certos tipos de pessoas ou organizações dentro de uma determinada área. A “Costa do Ouro” *, o gueto e as áreas de comer­ cialização de produtos agrícolas são exemplos, junta­ mente com as áreas de hotéis e bancos, o bairro teatral e os “terreiros de carros usados” . A segregação pode ser voluntária ou involuntária. A maioria dos grupos imigrantes segregava-se voluntariamente porque a vida era mais confortável dessa maneira. A vizinhança étnica nas grandes cidades norte-americanas era parcialmente voluntária e parcialmente involuntária [Wirth, 1928], O gueto é um exemplo de segregação involuntária, já que a baixa renda, as práticas do corretor de imóveis, a ameaça de violência e as “associações de melhoria da vizinhança” se combinam para limitar a residência dos pretos às áreas onde acabam sendo despejados [Abrams, 1955; Grier e Grier, 1960]. Ocorre a invasão quando uma nova espécie de gente, organização ou atividade ingressa em uma área. As áreas residenciais podem ser invadidas pelas empresas; uma área empresarial pode ser invadida por uma nova espécie de empresa; os residentes de um nível diferente de classe ou grupo étnico podem mudar-se para uma área residencial. Geralmente, a invasão se traduz no acesso a uma área de elevado status por parte de um grupò ou de atividades de status mais baixo. Esta direção da invasão é uma conseqüência normal do processo de crescimento e de envelhecimento de uma cidade. Uma área residencial que em certa ocasião foi exclusiva, com lares que já não são elegantes ou da moda, é invadida por pessoas de um nível de classe que está abaixo daquele característico de seus atuais residentes. Uma geração mais tarde, esta mesma área pode ser invadida por pessoas de um nível de classe ainda mais baixo, ou por pretos e outros grupos étnicos, ou por lojas de artigos de segunda-mão e outras empresas comerciais. Ocasionalmente, a direção se inverte. Muitas grandes cidades de hoje contêm certas áreas onde as habitações em decadência estão sendo renovadas ou

* O termo “Costa do Ouro” quase sempre se refere às pessoas ricas, especialmente ao longo de praias ou à margem de um lago. (N. do T.)

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reconstruídas para se tomarem uma área residencial de classe alta. Muitas pessoas de elevadas rendas fugiram para os subúrbios porque as novas habitações atrativas se localizam lá. Há muitas que gostariam de permanecer nas proximidades do centro da cidade, se lá houvesse residências satisfatórias. Por conseguinte, algumas áreas fizeram o ciclo completo de residência de alta classe, passando a cortiços, e de novo se tornando a residência da classe alta. Com toda a probabilidade, o ciclo se repetirá. Estágios no ciclo de invasão. Diversos sociólogos buscaram definir os diversos estágios do ciclo de invasão [McKenzie, 1925, p. 25; Gibbard, 1938, p. 206-7; Lee, 1955, p. 257-60], O estágio inicial traz um pequeno número de pessoas para a área, e elas talvez nem sejam percebidas durante algum tempo. Quando os antigos ocupantes percebem a invasão, começa um estágio de reação, cuja intensidade depende das características culturais e raciais dos invasores, das atitudes dos antigos residentes e da solidariedade da vizinhança. Há muita probabilidade de oposição quando os invasores são pretos. Um dispositivo comum é a associação “cívica” , “protetora” ou de “melhoria da vizinhança” . Esta organização busca impedir que os residentes vendam ou aluguem casas aos invasores, de modo a desencorajá-los de alugar ou comprar imóveis nesta área. Tais associações produzem mais resultados quando a maioria das casas é de propriedade dos ocupantes. Se a reação não conseguir fazer sustar os invasores, segue-se em breve o estágio do influxo geral. Quando há um número suficiente de recémchegados para fazer com que os velhos residentes não desejem mais ficar, foi alcançado o “ponto de reversão” e os antigos ocupantes abandonam rapidamente a área. O clímax é a completa substituição dos antigos residentes pelos novos, ou pelo uso comercial ou institucional do espaço. O estágio final é a sucessão, seja quando a área permanece em estado desorganizado ou caótico, seja quando adquire organização razoável envolvendo seus novos residentes ou dando margem ao uso correto dos lotes. Este ciclo de invasão está operando constantemente em qualquer cidade norte-americana. Os processos de crescimento e envelhecimento tomam-no inevitável. É um processo caro — em termos de frustação humana e desperdício econômico — mas ninguém ainda sugeriu alguma alternativa prática. O zoneamento não é uma alternativa — é simplesmente uma técnica para tomar a invasão e a sucessão mais ordeiras, e para proteger os interesses adquiridos no processo [Babcock, 1966]. É através destes processos ecológicos que a cidade continua a mudar. Hoje, os planejadores urbanos estão tentando controlar e dirigir os processos com vistas a tomá-los menos desperdiçadores e penosos.

Vida urbana e personalidade

A cidade é um lugar de contrastes. As cidades são centros de ensino, das artes, de Ciência e Medicina, de excitamento, de glamour e de “progresso” , ao passo que as áreas rurais têm sido acusadas de provincianismo, superstição, ignorância e intolerância. As cidades também são centros de vício e crime, de extravagância frívola, de auto-indulgência incontida e de pretensão insincera. Em suma, a cidade revela em contraste nítido a maioria das características dominantes da cultura e tem sido uma fonte de infindável inspiração para artistas e escritores, como neste exemplo: Eis que Manila é uma cidade como todas as cidades — imutável e mudando. Dando e tomando de volta. Áspera e, no entanto, suave como a carícia de uma criança. E diferentemente de outras cidades, é, afinal, a reunião do este e do oeste. É o malaio e o latino. O americano e o chinês. ( . . . ) A cidade de voz estridente e de selvas de tijolo e cimento, e a cidade com as ocultas canções de berço e a mão cálida. Corroída pelo câncer da feiúra e do mal, aguilhoada pela violência e morte súbita, tem seus momentos de beleza e de inocência primeva que fazem prender a respiração. E se um homem pudesse ver seu caminho claro para o verdadeiro núcleo da cidade, poderia ainda aprender o significado final que poderia ser o germe de sua realização. (Vincente Rivera Jr. This is Manila. Sunday Times Magazine (Manila), 20 nov. 1953, p. 9-10.) Embora poética, em lugar de ser sociológica, esta descrição ainda contém um senso da heterogeneidade e contraste da cidade. Quais as características predo­ minantes da cidade e de que modo elas moldam a vida urbana e a personalidade? Rapidez e tensão. A cidade está sempre com pressa. O trabalho e o divertimento são marcados por um relógio à medida que passamos de uma ocasião-limite para outra. Os almoços tomam-se encontros para negócios, ou possivelmente o executivo empresarial

As férias são simplesmente uma mudança de cenário para ativi­ dades com horários rigorosamente marcados.

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almoça na própria escrivaninha, bradando comandos enquanto mastiga, enquanto até mesmo o mais humilde trabalhador tem de apanhar um ônibus e bater um cartão de ponto. O relaxamento genuíno é impossível para muitos habitantes urbanos e as férias são simples­ mente uma mudança de cenário para atividades com horários rigorosamente marcados. Anonimato. A pura pressão dos números propicia o anonimato. Naturalmente, existem grupos onde o habitante urbano é conhecido como pessoa, mas grande parte da rotina de sua vida é gasta em meio a multidão anônima — a Multidão Solitária (Lonely Crowd) de David Riesman [1950], A heterogeneidade da vida citadina, com sua mistura de gente de todas as raças, credos, classes, ocupações e origens étnicas, aumenta este senso de anonimato. Interesses diferentes separam as pessoas de qualquer conhecimento íntimo com os outros com que se encontram ao passar. Nas partes da cidade freqüentadas por vagabundos, gente sem destino, etc., localizam-se os extremos do anonimato urbano - os homens esquecidos e mulheres de passado obscuro e futuro incerto. Eles existem fora do traçado do viver convencional organizado, com suas vidas centradas em quartos de aluguel ou hotéis baratos, na tavema sem nome e, talvez, na missão religiosa de salvamento. Aqui, os desviantes podem aglomerar-se e seguir seu afastamento das normas com um mínimo de interferência. Eles são o refugo derrotado do sistema social, resignados e amiúde contentes com um papel social que pouco exige e pouco oferece [Bogue, 1963; Wallace, 1965, 1968]. Nos últimos anos, essas zonas velhas e decadentes têm diminuído e tendem em breve a desaparecer [VanderKooi, 1973]. Distância social. As pessoas citadinas estão fisicamente apertadas pela multidão, mas socialmente distantes. Distância social é um produto do anonimato, da impessoalidade e da heterogeneidade. As diferenças étnicas são uma forma de heterogeneidade, dividindo as pessoas em grupos que muitas vezes não se gostam e se desdenham. Mas as diferenças ocupacionais podem ser fontes ainda mais importantes de distância social. Diferentemente da comunidade agrícola, a cidade não dispõe de um foco ocupacional que sirva como interesse comum de seus habitantes. Os trabalhadores seguem quaisquer dentre milhares de ocupações diferentes e têm pouco entendimento ou interesse por outras linhas de trabalho. As variedades do trabalho atraem pessoas com inúmeras faixas distintas de educação, habilidades, treinamento e temperamento. Esta diver­ sidade de interesses, antecedentes e níveis econômicos significa que o indivíduo aprende a revelar somente o lado da personalidade que uma outra pessoa pode esperar compreender. Este mascaramento constante dos

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verdadeiros sentimentos aumenta a grande falta de entendimento. A cidade grande que multiplica contatos também produz solidão. Uma pessoa tenta muitas vezes escapar desta solidão num esforço desesperado para adaptar-se aos gostos populares que se modificam, a fim de provar a seus vizinhos acomodados que ela realmente “pertence” e merece, pelo menos, um naco de sua aten­ ção. A cidade é um lugar de conformidade externa e de re­ servas internas, de “fachada” e de consumo conspícuo, de fazer o mesmo que faz a família tida como padrão. Quan­ do as pessoas não podem conhecer-nos pelo que somos, precisam julgar-nos pelo que vêem. Daí a importância de uma boa aparência, de um automóvel que impressiona, de um título ocupacional e de um “bom” endereço. Os citadinos podem ter tantos companheiros de grupo primário quanto os rurais e podem vê-los com maior freqüência. Mas, enquanto, na sua maioria, os contatos diários das pessoas rurais são primários, os contatos sociais rotineiros na cidade são, em sua maioria, impessoais, segmentados e corretos. A polidez formal toma o lugar da manifestação amistosa genuína. O telefone e a lista telefônica possibilitam o contato impessoal das pessoas quando isso é necessário, ao mesmo tempo em que também serve para mantê-las à distância. Os habitantes da cidade tomam-se moradores próximos, não vizinhos* Os moradores de apartamentos podem viver durante anos com escasso ou nenhum conhecimento com muitos dos demais residentes. A geografia é uma base para grupamento entre as pessoas rurais da lavoura, tanto pela escassez de moradores próximos como por força da comunidade de interesses que derivam de problemas e estilos de vida comuns. Os citadinos, por sua vez, não enfrentam problemas derivados da escassez de vizinhos, embora também raramente se integrem numa comunidade de interesses comuns com eles. Na verdade, aquelas pessoas com as qüais qualquer um de nós partilha uma série de interesses encontram-se provavelmente espalhadas pela área. Assim, o interesse comum toma o lugar da proximidade geográfica como base para grupamento na cidade. Em relação a essa grande massa de pessoas com as quais nos acotovelamos diariamente, mas com as quais não temos parentesco nem interesses comuns somos formais e corretos. A capacidade dos moradores urbanos de passar pelas pessoas, olhando-as sem as ver é desconcertante para muitos visitantes rurais. Arregimentação. A pressão dos números exige que a vida urbana seja altamente arregimentada. A luz dos

* O leitor terá notado que o uso da palavra neighbor, vizi­ nho, e neighborhood, vizinhança, em inglês tem conotações de relações amistosas, apesar deste modo de emprego estar caindo em desuso. Neighborhood pode também ser compreen­ dido como distrito e até bairro. (N. do T.)

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•emáforos controla o fluxo de trânsito; os elevadores e as escadas rolantes funcionam num horário deter­ minado. O habitante da cidade aprende a trabalhar pelo relógio, sob supervisão rigorosa, muitas vezes seguindo instruções ao pé da letra, sem fazer qualquer esforço para entender o que está fazendo e por quê. As mudanças na rotina são decretadas pelos que estão acima e precisam ser coordenadas pelo computador eletrônico, que coloca cada robô humano no lugar certo, na ocasião própria, para executar a função certa. Até a recreação para as crianças é organizada, e a dona de casa atarefada corre para levar o filho a seu clube na hora certa, de modo que ele chegue a tempo para o período de “folguedos livres” . Tal controle algumas vezes é aborrecido, mas o verdadeiro citadino aprendeu a aceitar a idéia de que a maior parte da vida é planejada e a justificar a subserviência ao regulamento em benefício da eficiência. Que resultados estas condições da vida urbana têm sobre a personalidade? Tem havido muito pouca pesquisa real sobre esta questão, embora tenha atraído muita especulação sociológica. Alguns sociólogos imaginam que a vida urbana produz maior tensão e insegurança emocionais do que a vida rural, e uma certa evidência empírica apóia esta conclusão. Os índices de moléstias mentais são mais altos na cidade do que nas áreas rurais. Contudo, não está claro se a cidade causa de fato mais desordem mental, se atrai as pessoas desajustadas ou se meramente localiza e faz o diagnóstico mais exato da extensão em que as moléstias mentais incidem na população. Há alguns anos, um estudo bem controlado constatou que as crianças de fazendas e de pequenas povoações mostram um nível de ajustamento pessoal mais elevado do que as crianças urbanas, com maior autoconfiança, maior senso de valor pessoal e menores sentimentos de “exclu­ são” [Mangus, 1948]. Embora a insegurança e a rejeição sejam inteiramente possíveis em um ambiente rural, a natureza heterogênea e anônima da cidade provavelmente aumenta a insegurança e o senso de exclusão. A segmentação da personalidade é uma técnica necessária para fazer frente aos contatos humanos múltiplos de uma área urbana. A maioria dos contatos urbanos rotineiros é de tipo secundário e não primário. Quase todos os contatos são instrumentais; isto é, usamos uma outra pessoa como uma funcionária da qual necessitamos para o cumprimento de nossos propósitos. Comumente não interagimos com pessoas de carne e osso, em sua totalidade e inteireza, mas sim com seus papéis formais enquanto carteiros, motoristas de ônibus, ascensoristas, vendedores e outros funcio­ nários. Desse modo, interagimos apenas com um segmento da pessoa, não com a pessoa total. Estas relações casuais, superficiais e de curta duração com segmentos das pessoas constituem grande parte dos

contatos sociais do habitante urbano, em contraste com o rural, que tem relativamente menos contatos com qualquer pessoa que não conheça bem ou com quem deixe de interagir como pessoa completa [Sorokin e Zimmerman, 1929, p. 48-58], Mesmo a camaradagem superficial com o motorista de táxi não é uma interação social formal genuína, mas uma parte padronizada do serviço [Davis, 1959]. Todavia, tudo isto não significa que o morador urbano sinta algum senso menor de identidade local do que os moradores do campo. Um estudo recente constata que os sentimentos de ligação à comunidade são altamente afetados pelo tempo de residência na comunidade mas não por seu tamanho [Kasarda e Janowitz, 1974], Tampouco os habitantes urbanos são menos felizes, porque a pesquisa mostra que a felicidade também não depende do tamanho da comu­ nidade [Fischer, 19736]. Até certo ponto, a vida urbana e a personalidade são diferentes da vida e da personali­ dade rurais, mas não necessariamente menos desejáveis.

A cultura urbana mundial Haverá uma cultura urbana que se faz presente nas cidades em todos os lugares, ou estas condições de vida urbana e personalidade são exclusivas do mundo ocidental? As descrições de cidades, de vida citadina e de problemas urbanos mostram boa dose de seme­ lhança, onde quer que as cidades se localizem [Motwani, 1951; Miner, 1952, 1967; Abu-Lughod, 1961; Rose, 1967]. Uma sociedade urbana opera de modo mais ou menos semelhante onde quer que ocorra a urbani­ zação. Não importanto qual seja o ambiente cultural, a urbanização traz certas conseqüências inevitáveis densidade de população, anonimato, impessoalidade, arregünentação e segmentação da personalidade. As pessoas urbanas revelam certas diferenças em relação às do campo em todos os lugares. No mundo inteiro, as comunidades das vilas rurais estão mudando, as velhas tradições desmoronam e estão surgindo nova tecnologia e novos padrões de trabalho e vida social [Halpem, 1967].

O viés antiurbano

Desde o início de sua história, as cidades têm sido consideradas com desconfiança pelas pessoas rurais. Os profetas do Velho Testamento eram homens rurais que denunciavam os pecados e os vícios das cidades maléficas. Jefferson desprezava as cidades e julgava que somente uma nação de lavradores tinha a possibi­ lidade de permanecer como democracia. Até mesmo muitos citadinos partilham do viés antiurbano; vêem

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a cidade como um centro de pecado e de crimes, de trapaça e hipocrisia, de corrupção política, de frivolidade e superficialidade, em suma, de problemas aborrecidos de todas as espécies. Entrementes, supõe-se que o campo seja um abrigo de honestidade simples e de integridade austera, onde crescem as coisas boas e onde habita o -povo de Deus. 0 viés antiurbano trans­ parece na suposição disseminada de que o campo ou a povoação pequena é um lugar melhor para criar os filhos, que a lavoura e a produção de alimentos são mais nobres do que qualquer outro trabalho, que a “demócracia rural” é mais legítima e que seus eleitores são mais dignos de confiança, e que a vida e as pessoas rurais são mais simples e “melhores” praticamente em tudo. Até a pesquisa social segue o viés antiurbano. A maioria mostra que confusão é a cidade, enquanto a pesquisa fundada na vida rural geralmente sofre uma triagem para evitar quaisquer dados que possam contestar a suposição de que “a comunidade rural é um bom lugar para se viver” [Olson, 1964], Todas estas suposições são dúbias e muitas são demonstravelmente falsas. As vidas urbana e rural são diferentes, mas se uma é melhor que a outra é uma questão de valores. O que é “vida boa” em uma comunidade não pode ser medido enquanto não concordarmos sobre que medida usar. Se os altos níveis de saúde, altas rendas médias, altos níveis educacionais e muitas outras amenidades forem os valores escolhidos, a vida da cidade é melhor. Se for preferida uma vida sossegada, menos complicada, então a do campo leva vantagem. Obviamente, trata-se de uma questão filosófica e não científica, e deve-se lembrar de que a suposição de superioridade rural (ou urbana) representa um viés e não um fato.

Convergência rural e urbana Apesar de “rural” e “urbano” serem conceitos úteis, jamais houve entre eles uma linha divisória nítida. Mesmo antes do movimento suburbano e da urbanização da vida rural, os dois estilos de vida convergiam na comunidade local (town) ou povoado.

O povoado

O povoado é intermediário, situa-se entre as comuni­ dades rurais e urbanas. É muito grande para que todos os habitantes se conheçam e suficientemente pequeno para que predominem os relacionamentos informais. O comportamento social se assemelha mais ao padrão rural do que àquele típico da cidade metropolitana. Não existe definição censitária para o povoado (town)', o censo classifica qualquer estabelecimento de mais

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de 2.500 pessoas como “urbano” , tudo o mais sendo “rural” . Os estudos sociológicos do povoado raramente se deram ao trabalho de defini-lo, mas os que fo­ ram estudados jamais excederam alguns milhares de pessoas. Na maioria das vezes, os povoados são sedes de município ou centros rurais de comércio. Usualmente, os povoados que são sede de municipalidade (county) se encontram estagnados e quase sempre os centros comerciais rurais estão declinando à medida que diminui a população de lavradores rurais. Uma grande quantidade de jovens tem de ir para outros lugares em busca de emprego, dando ao povoado uma distribuição popula­ cional desequilibrada e uma atmosfera “morta” . Os únicos povoados que demonstram crescimento são os que estão suficientemente próximos das cidades para se tomarem subúrbios habitados pelos que vêm trabalhar na cidade, ou localizados de tal modo que atraem indústrias (dispondo de abastecimento de água, oferta de mão-de-obra, transportes e mercados próxi­ mos), ou aqueles onde florescem o turismo e a re­ creação. A autonomia local do pequeno povoado foi corroída pelo impacto da sociedade de massa. Martindale e Hanson [1969, p. 6] encontram as pessoas de povoados divididas entre “locais” , os que gostariam de preservar a auto-suficiência local, e os “cosmopolitas” , que orientariam a vida local para a economia nacional e para a sociedade de massa.

Os não-lavradores rurais

A categoria “rural não-lavrador” foi o segmento da população norte-americana de crescimento mais rápido, aumentando em 32% entre 1950 e 1960, e em 48% de 1960 a 1970, ocasião em que um quinto da popu­ lação se enquadrou nesta categoria. Embora muitas vezes chamadas de “suburbanas” , suas vilas são muito pequenas (abaixo de 2.500 habitantes) ou seu povoa­ mento é muito esparso para serem definidas como “áreas urbanizadas” . Esta gente não está engajada em lavoura e muitas pessoas fazem o trajeto até áreas urbanas para trabalhar, fazer compras e se divertirem. São “rurais” apenas na definição censitária; seu estilo de vida é uma mefccla de rural e urbano.

A evanescente distinção entre rural e urbano

As diferenças rurais-urbanas de todas as espécies estão diminuindo rapidamente no mundo ocidental e, em breve, isso estará ocorrendo em todos os lugares. Os suburbanos que procuraram fugir das tensões raciais, do congestionamento, da poluição e das crises

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tributárias da cidade, constatam que esses problemas já os estão alcançando. Mesmo esta diferença está desaparecendo. A distinção rural-urbana já se tom a secundária em relação à diferenciação ocupacional [Stewart, 1958; Dewey, 1960]. O padrão de vida rural peculiar prende-se muito mais a uma ocupação agrícola do que ao simples fato de residir numa área rural. Um estudo das diferenças rurais-urbanas em termos de relações interpessoais constatou que as pessoas residindo em fazendas diferiam consideravelmente dos habitantes urbanos, ao mesmo tempo em que havia comparativamente pouca diferença entre estes e as pessoas rurais que não trabalhavam na agricultura [Reiss, 1959]. Evidentemente, a ocupação tomou-se mais importante do que a residência rural ou urbana como indicador da personalidade e do modo de vida de uma pessoa. Hoje, muitos sociólogos con­ cluem que a distinção urbano-rural já não é mais tão importante para análise [Abrahamson, 1974]. Agora temos uma cultura urbana na qual o lugar de residência é um dos menos importantes dentre todos os indicadores sociais nos EUA. Nas sociedades menos desenvolvidas, no entanto, a distinção rural-urbana continua signifi­ cativa [Rosen, 1973]. Também não se deve supor que a urbanização traz necessariamente anomia, desorganização e falta de relacionamentos informais de tipo primário. Os primeiros observadores do urbanismo impressionaram-se com estes traços da vida urbana [Park e cols., 1925; Sorokin e Zimmerman, 1929; Wirth, 1938]. Mas, ou os observa­ dores exageraram estas características, ou os habitantes urbanos se modificaram. Alguns estudos modernos constataram que a alienação e a anomia são tão dissemi­ nadas nas áreas mais altamente urbanizadas do que naquelas que o são menos [Greer e Kube, 1959; Fischer, 1973a]. À medida que o urbanismo se expande, as relações vicinais e a participação em organizações formais declinam, mas os relacionamentos de tipo primário no espaço do parentesco e no interior dos grupos de amizade aumentam. Quando os habitantes rurais migram para a cidade, não ingressam em um vazio social; confiam muito nos parentes para interação social [Blumberg e Bell, 1959]. Em vez de a família extensa declinar em importância com a urbanização, a pesquisa verifica que ela passa a constituir uma unidade mais importante nas cidades grandes do que nas áreas rurais [Key, 1961]. Aparentemente, à medida que o urbanismo aumenta e as pessoas tendem a tomar-se membros anônimos da comunidade, elas se apóiam mais amplamente nos amigos mais chegados e nos parentes para uma resposta íntima, para reforço de sua identidade e de um senso de pertinência. O aumento na proporção de contatos secundários no meio urbano não implica enfraquecimento absoluto da vida nos grupos primários.

Futuro das cidades Grande parte da literatura popular sobre a “crise das cidades” partilha da crença de que a cidade está condenada. Isto é insensatez! A menos que a civilização modema desapareça, a cidade sobreviverá, porque a grande cidade é essencial à civilização moderna. É verdade que os problemas da sociedade modema são graves, mas serão encontradas maneiras de resolvê-los ou suportá-los.

O movimento de novos povoados

Já faz mais de um século que os primeiros “novos povoados” foram fundados na Inglaterra e nos EUA. A idéia era evitar a esqualidez lúgubre do crescimento interminável da cidade grande, pela fundação de muitos novos povoados auto-suficientes, planejados para eficiência e beleza. Alguns êxitos indiscutíveis, como Tapiola, Finlândia, mostram até que ponto uma cidade tanto pode ser eficiente como agradável [Clapp, 1971; Evans, 1972;Thomas e Cresswell, 1973]. Embora contendo a promessa de uma vida muito mais agradável para os que têm sorte suficiente para habitá-los, os novos povoados não constituem cura para os problemas das cidades existentes. Exigem um enorme investimento inicial e a maioria deles nos EUA se encontra em dificuldades financeiras. Eles geralmente têm uma atmosfera de “clube de campo” , excluindo todos os que não são moderadamente prósperos. Através do desenho, os novos povoados são mantidos em tamanho moderado e não podem atrair artistas, intelec­ tuais, os sedentos de poder, e muito menos os “eventos” que tomam a cidade grande menos segura, porém mais excitante para se viver. Alguns residentes dos novos povoados se queixam de que a vida lá, embora segura, eficiente e confortável, é um pouco monótona. Dessa forma, os novos povoados escapam a certos problemas urbanos ao mesmo tempo em que geram outros; mas comparativamente o novo povoado proporciona a algumas pessoas um padrão mais civilizado de viver urbano do que têm agora [Business Week, 22 nov. 1969, p. 130 e segs.; Canty, 1969; Schaffer, 1970; Knittel, 1973; Brooks, 1974]. Mas precisaria ser construído um novo povoado a cada semana para que pelo menos um terço do crescimento urbano nos EUA pudesse ser acomodado e, no momento em que estas palavras estão sendo escritas, a maioria dos novos povoados do país se encontra em sérias dificuldades financeiras [Business Week, 24 mar. 1975, p. 70-1]. Conseqüentemente, pode-se esperar que a maior parte do crescimento urbano nos EUA siga os padrões convencionais.

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Planejamento de cidade e renovação urbana

Um antídoto comumente recomendado para os problemas urbanos de hoje é o planejamento da cidade. Praticamente toda cidade tem uma junta ou conselho de planejamento, embora tal órgão não faça muito mais do que decidir sobre a localização de vias expressas, prédios públicos e mudanças em zoneamento. Com certeza, qualquer planejamento global encontrará a oposição de muitos interesses adquiridos. No entanto, sem planejamento global e execução desses planos, a cidade' norte-americana decerto enfrentará decadência de maneira acelerada. As favelas estão se espalhando mais depressa do que o ritmo de sua eliminação. O desenvolvimento descoordenado e a granel da periferia urbana e das cidades em “faixas” com certeza deverá trazer graves problemas futuros. Esgotos, adutoras de água e vias expressas construídos depois do acaba­ mento de muitas residências e prédios, exigirão demo­ lição dispendiosa. Um subúrbio acabará com grande quantidade de crianças para educar, um outro terá propriedades industriais que formarão a base tributária necessária ao financiamento de boas escolas. Certas áreas começarão a ter enchentes custosas quando o desenvolvimento de áreas adjacentes alterar o divisor de águas. As áreas residenciais sossegadas se tornarão vias ruidosas em conseqüência de obras em áreas vizinhas. Problemas como estes são o fruto de um desenvolvimento regional descoordenado e sem plane­ jamento. Existem apenas algumas poucas autoridades de planejamento com poder para fazer e menos ainda para impor planos envolvendo toda uma área metropo­ litana. Mas, no final, depois que os problemas se tomarem intoleráveis e a maioria dos enganos tiver sido cometida, provavelmente serão feitos planos. Estes precisam incluir instalações públicas adequadas, tais como centros de recreação, unidades de saúde pública e escolas; o suprimento necessário de ar puro, luz e água, além de providências para a disposição dos esgotos; orientação e controle dos jovens inquietos das cidades; e finalmente o problema avassalador do trânsito urbano. Em certos casos, a unidade de plane­ jamento é um bairro urbano, ao passo que outros problemas podem exigir atenção estadual, regional ou até nacional. Os programas de renovação urbana atualmente são característicos de quase todas as grandes cidades norte-americanas. Em 1966 o Congresso autorizou um programa de “cidades-modelo” , sob a Model Cities Administration do Departamento de Habitações e Desenvolvimento Urbano. Tal programa tinha a intenção de mostrar o que pode ser realizado em algumas cidades, por um ataque coordenado de seus problemas múltiplos. Até agora o êxito não foi impressionante. Muitos novos prédios cívicos e de escritório foram construídos em

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conjunto com algumas habitações para pessoas de renda média. New Haven, Connecticut, teve a série mais marcante de projetos de renovação urbana, destinados a salvar as áreas decadentes da cidade pela reconstrução, a salvar os grupos destituídos com treinamento para emprego e a prevenir arruaças e desordens civis. Não obstante, tudo isto não impediu que New Haven enfrentasse um conflito racial em 1967. Segundo alguns críticos, a falha em consultar os pobres que, em lugar de serem ajudados, foram deslocados por muitos “melhoramentos” , foi a principal causa. [Powledge, 1970]. Depois da onda de conflitos urbanos de 1967, muitas cidades lançaram programas destinados a aliviar as tensões urbanas, mas foram mais paliativos do que corretivos e, na melhor das hipóteses, lograram êxito apenas modesto [Bayton, 1969; Marshall Kaplan, 1970; Pressman e Wildausky, 1974], Em alguns casos, os planos de renovação e de cidades-modelo encontraram oposição violenta por parte de grupos de cidadãos locais, que acusaram os planos de favorecerem os interesses dos promotores e das empresas às expensas do povo [Frazier, 1972; Stein, 1972], As questões extremamente difíceis de como conter a decadência urbana e reconstruir a vida social das cidades norte-americanas são muito complexas para serem tratadas aqui. Estes problemas são objetos de outros livros didáticos em outros cursos. Entrementes, o debate sobre os meios e fins do planejamento e reconstrução urbanos continua [Bellush e Hausknecht, 1967; Erber, 1970; Chartrand, 1971; Carey e Mapes, 1972; Warren, 1973]. As cidades são tão velhas quanto a História, mas somente em tempos muito recentes, praticamente o tempo completo da vida dc um nosso semelhante adulto, é que começamos a viver em uma sociedade urbana. E somente dentro da memória dos que ainda não se diplomaram nas faculdades é que começamos a tratar seriamente de como podemos organizar a sociedade urbana para nosso conforto e contentamento.

Sumário Geralmente define-se como comunidade os residentes de uma área dentro da qual podem ser executadas todas as atividades da vida grupai. Os habitantes rurais e urbanos têm sido diferentes, porque as condições físicas e sociais da vida eram diferentes nas comunidades rurais e urbanas. A tradicional comunidade rural tendeu a ser uma sociedade de folk. Seu isolamento, homoge­ neidade, ocupação agrícola e economia de subsistência tendiam a desenvolver pessoas parcimoniosas, que trabalham arduamente, conservadoras e etnocêntricas. A mudança da tecnologia conduziu à revolução rural,

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reduzindo o isolamento, à lavoura comercializada em grande escala e a um modo de vida muito parecido em diversos aspectos aos padrões urbanos. As cidades tomam-se possíveis quando se desenvolve um excedente agrícola, juntamente com melhores meios de transporte, e portanto tendem a localizar-se nos pontos de interrupção das vias de transporte. As tentativas para explicar o padrão ecológico das cidades norte-americanas produziram as teorias de zona concên­ trica, setorial e de núcleos múltiplos, às quais nenhuma cidade se ajusta perfeitamente, embora todas sirvam para ilustrar partes dessas teorias. Os desenvolvimentos correntes mais significativos na estrutura citadina são a área metropolitana, que inclui o subúrbio-, este agora responde pela parcela decisiva do crescimento da população atual dos EUA. O crescimento rápido da população preta nas cidades centrais está diminuindo, visto que, em sua maioria, os pretos são agora urbanos. Sua migração para os subúrbios, até agora, tem sido pequena. Favelas são um produto da baixa renda de seus residentes, estabelecendo um movimento circular de causa e efeito de negligência das propriedades pelos senhorios e de sua decadência por negligência dos inquilinos. O sistema de habitações públicas teve apenas êxito limitado em conter a decadência urbana, em parte porque intensifica o isolamento dos pobres do resto da sociedade. A cidade é um conglomerado de áreas naturais, que se formam e variam constantemente através dos

processos ecológicos de concentração, centralização, descentralização, segregação e invasão. O ciclo de invasão tem diversos estágios: o influxo inicial, reação, influxo geral, clímax e sucessão. A vida e a personalidade urbanas são afetadas pelas condições físicas e sociais do viver urbano — rapidez e tensão, anonimato, distância social e arregimentação. Estas condições produzem impessoalidade, insegurança e segmentação da personalidade, características uni­ versais da urbanização no mundo inteiro. A suposição amplamente disseminada de que estas diferenças tomam a vida e o povo rurais “melhores” é conhecida como viés antiurbano. Hoje, as diferenças urbanas e rurais estão diminuindo rapidamente no mundo ocidental e, por fim, o mesmo acontecerá no restante do mundo. A distinção urbano-rural já é menos importante do que a classificação ocupacional como indicadora da persona­ lidade e do modo de vida de uma pessoa. O povoado é um exemplo de convergência rural-urbana, com as pessoas do povoado divididas em buscarem ou não manter a auto-suficiência da comunidade ou procurarem integração na economia nacional. A categoria rural não-agrícola está crescendo rapidamente e constitui uma mescla de vida rural e urbana. O movimento de novos povoados é uma tentativa para enquadrar as pessoas e a indústria em novas comunidades planejadas. A renovação urbana e o planejamento de cidade são tentativas — que ainda não tiveram grande êxito —de fazer frente aos problemas cada vez mais graves da cidade.

Perguntas e trabalhos 1.

Por que os povos pré-históricos não construíram cidades?

2.

Até que ponto a sociedade de fo lk norte-americana sobre­ vive no meio rural atual? Onde e por que quase desapa­ receu completamente?

3.

4.

De que modo as características de personalidade das pessoas rurais e urbanas são um produto de suas condições de vida física e social? Que espécie de problema enfrentam os que migram das zonas rurais para a cidade? O que foi que produziu a revolução rural? Em que medida afetou as diferenças rurais e urbanas?

5.

Por que o consumo conspícuo tem sido mais um padrão urbano do que rural? Esta relação está se modificando hoje? Como ou por quê?

6.

As pessoas “rurais não-agrícolas” estão mais próximas do padrão rural ou do urbano em termos de personalidade e estilo de vida?

7.

Os problemas sociais rurais são tão graves quanto os urba­ nos? Por que despertam menos interesse?

8.

O que ocasiona as favelas da cidade? O que causa a favela rural? De que modo as favelas rurais se parecem ou são diferentes das citadinas?

9.

A quem cabe a culpa pela decadência da propriedade e por seu abandono na zona central pobre da cidade?

10. Por que o planejamento urbano tem de ser tão difícil? Por que os planejadores não podem criar um plano que funcione e que sejam capazes de implementá-lo? 11. Considere a cidade que você conhece melhor e aplique cada uma das três teorias de estrutura urbana. Qual a que se ajusta melhor? Em que medida essa teoria descreve a disposição real dessa cidade? 12. Delineie os estágios do ciclo de invasão para uma área da cidade que você conheça melhor. Procure datar cada estágio. Quanto tem po durou cada estágio e quanto tempo foi necessário para cada ciclo completo? Foi um período feliz ou penoso? 13. Que dados reais você pode encontrar para medir o quanto a vida tem de bom na sociedade rural ou urbana? Que valores são usados nesta avaliação? 14. Leia o artigo de Edward T. Chase. Jam on the Côte d ’Azur. Repórter, 28 set. 1961, p. 44-6, ou o livro de Wilfred Owen. Cities in the M otor Age. Nova York, The Viking Press, 1959. Depois, prepare sua resposta à pergunta: Os automóveis são um bem ou uma praga para a sociedade moderna?

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Leitura sugerida ♦Banfield, Edward D. The Unheavenly City: The Nature and Future o f Our Urban Crisis. Boston, Little, Brown, 1970; *The Unheavenly City Revisited. Boston, Little, Brown, 1974. Diagnóstico dos males urbanos, que critica muito todos os remédios “liberais” . Bell, Wendall, e Marion D. Boat. Urban Neighborhoods and Informal Social Relations. American Journal o f Sociology, 62:391-398, jan. 1957; Reimpressão Bobbs-Merrill S-14. Dádos de pesquisa sobre a extensão e a intimidade dos contatos de vizinhança na cidade. Fuerst, J. S. Class, Family, and Housing. Society, nov.-dez. 1974. p. 48-53. Conta por que as habitações públicas que se encheram de pobres que vivem às custas do auxílio previdenciário, sem famílias estáveis de classe média, deverão falhar. Griffin, Charles W. Jr. Taming the Last Frontier: A Prescription fo r the Urban Crisis. Nova York, Pitman Publishing, 1974. Discussão das necessidades e planos para a sobrevivência da cidade. ♦Halpern, Joel M. The Changing Village Community. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1967. Breve descrição das mudanças revolucionárias na vida de pequenas vilas através do mundo. ♦Harrison, Bennett. Urban Economic Development. Washington, D. C., The Urban Institute, 1974. Discute o problema da reabilitação econômica do gueto. *Jacobs, Jane. The Death and Life o f Great American Cities. Nova York, Random House, 1961. Ataque ao planeja­

mento urbano convencional e uma solicitação de abor­ dagem diferente. Martindale, Don. “Prefatory Remarks: The Theory of the City.” Introdução à obra de Max Weber. The City. Nova York, The Free Press o f Glencoe, 1958. Exame penetrante da teoria sociológica da cidade. ♦Michelson, William H. Man and His Urban Environment. Reading, Mass., Addison-Wesley, 1970. Tentativa para integrar a teoria e a pesquisa significativa sobre o rela­ cionamento entre os ambientes urbanos e a vida social do homem. Conteúdo avançado mas escrito em linguagem simples. Rogers, Everett M., e Rabel J. Burdge. Social Change in Rural Societies. Nova York, Appleton-Century-Crofts, 1972. Livro didático sobre Sociologia Rural. Stemlieb, George, e Robert W. Burchell. Residential Abandonment: The Tenement Landlord Revisited. New Brunswick, N.J., Centro de Pesquisa de Política Urbana, Rutgers University, 1973. Por que e como a propriedade nas zonas faveladas decai e fica abandonada. ♦Wallace, Samuel E. Skid R ow as a Way o f Life. Nova York, Harper & Row, 1965. Análise agradável mas sociologi­ camente sofisticada da vagabundagem e da subcultura das zonas mal-freqüentadas. Wirth, Louis W. Urbanism as a Way o f Life. American Journal o f Sociology, 44:1-25, jul. 1938; reimpressão BobbsMerril S-320. Ensaio clássico que descreve a vida e a perso­ nalidade urbanas.

SEIS / MUDANÇA SOCIAL E POLÍTICA SOCIAL

A Parte Seis trata de mudança e do esforço para efetuá-la. 0 Capítulo 2 0, "Mudança Social e Cultural", discute as forças que encorajam e que resistem à mudança e as conseqüências sociais quando a mudança é realizada. 0 Capítulo 21, "Movimentos Sociais", descreve alguns esforços mais ou menos organizados das pessoas, a fim de promoverem as mudanças que desejam ou resistirem às mudanças que recusam.

20. Mudança social e cultural

Recentemente as noites de Hamoud Awadan têm sido inquietas, principalmente porque sua vaca já não dorme mais no mesmo quarto que ele. Awadan é um dos 2.000 camponeses que se mudaram no último verão das vilas superpopulosas de cabanas de pau-a-pique para íbis, uma vila moderna com casas de alvenaria, iluminação elétrica, água encanada e currais especiais para o gado. A operação é patrocinada pelo programa Ponto Quatro dos E U A e pelo Departamento de Agricultura do Egito. A vida na vila moderna tem apresentado muitos problemas para os camponeses, muitos dos quais vieram de vilas que haviam presenciado pouca mudança desde os dias dos faraós. Toda a sua vida Awadan tinha dormido com sua vaca, que era seu principal animal de trabalho e provedor de leite, iogurte e queijo branco. Mantendo o animal dentro de casa, o chão estava cheio de dejectos, mas Awadan não podia arriscar-se a que a vaca fosse roubada.

"N as últimas três noites levantei-me para ir verificar minha vaca na vila'', disse Awadan, ainda não acostumado à separação de sua posse mais querida. Awadan muitas vezes tem saudade da vida sem complicação na vila de cabanas de pau-a-pique, mas lembra-se dos dois hectares de terra que o governo lhe concedeu e decide ficar. Antes, nunca tinha possuído terra. Tinha de alugá-la de um grande latifundiário. 0 xeque Rashad, diretor da união cooperativa na vila de íbis, disse que havia necessidade de muito argu­ mento convincente para mudar os camponeses para a vila-modelo. Eles não se achavam inclinados à mudança, não importando o quão apertados estivessem. Apesar de todas as preparações, surgiram situações inesperadas, disse ele. Em breve começaram a aparecer pilhas de madeira seca nos telhados das casas, seme­ lhantes às que havia nas vilas de pau-a-pique. Em íbis, eles tinham locais para o armazenamento de lenha, mas os camponeses não os queriam usar. (Associated

Press,9nov. 1959.)

odas as culturas estão constantemente mu­ falhado. Nenhum dos esforços históricos para preservar dando — algumas com rapidez e outras muito uma cultura sem mudança teve mais do que êxito devagar. Mesmo quando tenta, uma sociedade parcial e temporário. A mudança social é contínua não consegue copiar e transmitir exatamente a e irresistível. Somente variam sua rapidez e direção. Existe uma distinção entre mudança social - mudan­ cultura de seus ancestrais. Esta fluidez é mais facilmente ilustrada pelas mudanças na linguagem. O inglês mudou ças na estrutura e relacionamentos sociais da sociedade tanto que a maioria dos estudantes tem problemas com — e mudança cultural — mudanças na cultura de uma Shakespeare e todos se sentem completamente perdidos sociedade. Algumas mudanças sociais poderiam incluir com Chaucer. Em 1755, Samuel Johnson publicou mudanças na distribuição etária, nível educacional seu dicionário com a esperança de que este estabilizaria médio ou taxa de natalidade de uma população; ou os significados das palavras e fizesse cessar as alterações declínio da informalidade ou das relações vicinais na linguagem, mas em breve confessou que havia quando as pessoas passam da vila para a cidade; ou

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a mudança no relacionamento entre trabalhadores e empregadores quando são organizados os sindicatos; ou a mudança do status do marido, de chefe a parceiro, na família democrática de hoje. As mudanças culturais poderiam incluir coisas tais como a invenção e a popularidade desfrutada pelo automóvel, o acréscimo de palavras novas à linguagem, a modificação dos conceitos de propriedade e moralidade, novas formas de música, “arte” ou dança, ou a tendência geral em prol dá igualdade dos sexos. Mas os conceitos se superpõem. A tendência à igualdade entre os sexos acarreta uma mudança no conjunto de normas culturais concernentes aos papéis masculino e feminino e algumas mudanças também nos relacionamentos sociais. Quase todas as mudanças importantes envolvem aspectos sociais e culturais. Na prática, portanto, raramente a distinção é muito importante; muitas vezes os dois termos são usados alternativamente. Às vezes usamos o termo mudança sociocultural para abranger as mudanças de ambas as espécies. Há uma distinção importante entre mudança social e progresso. Este termo contém um juízo de valor. Progresso significa mudança em uma direção desejável. Mas, desejável medido por que valores? Serão desejáveis automóveis mais velozes, edifícios mais altos, rendas mais elevadas e grande aceitação do divórcio e do aborto? Nem todos estão de acordo sobre estes pontos. Já que progresso é um termo normativo, os cientistas sociais preferem o termo descritivamente neutro “mudança” . Há inúmeras teorias diferentes de mudança social e cultural [Ryan, 1969, cap. 2; Applebaum, 1970; Allen, 1971], No Capítulo 4, examinamos as teorias do equilíbrio e do conflito. As teorias da mudança cíclica são tão antigas quanto Aristóteles, e entre os proponentes modernos estão as. de um filósofo, Spengler [1918], de um historiador, Toynbee [1935-1961], e de um sociólogo, Sorokin [1941], todos notáveis. Mas um estudo das grandes e conflitantes teorias da mudança pode ser menos útil para o estudante da disci­ plina em sua introdução do que um estudo das condições e do processo de mudança.

Processos de mudança social Descoberta

Descoberta é uma percepção humana partilhada de um aspecto da realidade que já existe. Os seres humanos descobriram o princípio da alavanca, a circulação do sangue e o reflexo condicionado. A descoberta é um acréscimo ao estoque de conhecimento mundial testado. Ela acrescenta alguma coisa nova à cultura, porque este aspecto da realidade, embora talvez sempre tenha

existido, tornou-se parte da cultura somente depois de ter sido descoberto. A descoberta toma-se um fator na mudança social somente quando posta em uso. Ela pode tornar-se parte do esquema de conhecimento que as pessoas usam na avaliação de suas práticas correntes. Destarte, as descobertas recentes da Fisiologia e da Psicologia, de que os homens e as mulheres são iguais em sua capacidade intelectual, não compeliu os homens à alteração de suas atitudes em relação ao status feminino; mas as descobertas fizeram com que o patriarcal século XIX parecesse ridículo e diluíram a determi­ nação masculina para preservar sua tradicional domi­ nação. Quando se usa o novo conhecimento para criar nova tecnologia, em geral seguem-se amplas mudanças. Os antigos gregos conheciam o poder do vapor e o Herói de Alexandria tinha construído como brinquedo uma pequena máquina a vapor; todavia, a potência do vapor não produziu mudanças sociais senão depois que foi posta em uso para valer, aproximadamente 2.000 anos mais tarde. As descobertas tornam-se um fator na mudança social quando o novo conhecimento é empregado em novos usos.

Invenção Muitas vezes se define invenção como uma nova combinação ou um novo uso do conhecimento existente. Assim, em 1895, George Selden combinou um motor de gás liqüefeito, um tanque desse gás, um mecanismo de engrenagens e uma embreagem intermediária, um eixo de transmissão e uma carroçaria, e patenteou este aparelho como um automóvel. Nenhuma dessas idéias era nova; a única novidade foi seu uso combinado. A patente de Selden foi atacada e, por fim, revogada pelos tribunais, sob a alegação de que ele não era o autor da idéia de combinar estes itens. Conquanto os elementos existentes sejam usados em uma invenção nova, é a idéia de combiná-los de modo útil que produz algo que não existia antes. Assim, o ferro, com acréscimo de pequenas quantidades de outros metais, tomou-se aço, um novo metal com propriedades que na ocasião nenhum metal conhecido podia igualar. Do mesmo modo, uma fatia redonda de um tronco de árvore e uma extensão de seu galho não eram novos, mas a roda e o eixo sim. A roda não existiu enquanto alguém não teve a idéia e foi capaz de executá-la com êxito desta maneira. As invenções podem ser classificadas como invenções materiais, como o arco e a flecha, o telefone ou avião, e as invenções sociais, como o alfabeto, o governo constitucional ou a sociedade anônima. Em cada caso, são usados velhos elementos, combinados e melhorados

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para uma nova aplicação. Portanto, a invenção é um processo que continua, sendo cada uma a última em uma longa série de invenções e descobertas precedentes. Em um livro escrito em linguagem acessível, Burlingame [1947] analisou numerosas invenções conhecidas, mostrando como cada uma começou há centenas ou milhares de anos e passou através de dezenas de invenções preliminares e estágios intermediários. A invenção não é estritamente uma questão individual; é um processo social que envolve uma série infindável de modificações, melhorias e recombinações. Conforme foi realçado por Gillin [1948, p. 158-63], cada invenção pode ser nova em termos de forma, função e significado. “Forma” refere-se ao molde do novo objeto ou às ações do novo traço do comportamento; “função” diz respeito ao que a invenção faz; “significado” refere-se às conseqüências de grande alcance de seu uso. A isto, poderíamos também acrescentar que uma invenção pode ser nova em principio, isto é, na lei científica básica em que se fundamenta. O motor a jato e o motor a explosão usam o mesmo princípio (expansão dos gases em combustão), mas diferem em forma (um usa os gases em expansão diretamente para o avanço, e o outro para empurrar um pistão em um cilindro). A máquina a vapor e o motor a gasolina, de pistão, são de forma semelhante, mas diferem em princípio (um cria gases em expansão pela água em ebulição, e o outro pela queima de gasolina). 0 arco e a flecha diferem em princípio e forma da primitiva lança, mas têm a mesma função e significado. A carroça com rodas era nova em todos os aspectos (em princípio, porque a carga era transpor­ tada pela roda e o eixo, e não-arrastada ou em dorso de algum animal; e.ra nova em forma, porque era nova em desenho; era nova em função, porque carregava tanto as pessoas como aquilo que possuíssem; era nova em significado, porque possibilitava o transporte em grande escala em longas distâncias sobre a terra). Muito poucas invenções são novas sob todos os aspectos. O termo inovação tem sido usado algumas vezes para incluir tanto as descobertas como as invenções [Bamett, 1953, p. 7-8]. Em qualquer dos casos, alguma coisa nova foi acrescentada à cultura.

Difusão

Até mesmo a sociedade mais inventiva inventa apenas uma proporção modesta de suas inovações. Quase todas as mudanças sociais em todas as sociedades conhecidas se desenvolveram pela difusão, ou seja, pela disseminação dos traços da cultura de um grupo para outro. A difusão atua tanto dentro das sociedades como entre elas. O jazz teve origem entre os músicos pretos de Nova Orleans e difundiu-se para outros

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grupos através da sociedade. Mais tarde, espalhou-se para outras sociedades e atualmente difundiu-se através do mundo civilizado. Ocorre a difusão sempre que as sociedades entram em contato. Elas podem prevenir a difusão proibindo o contato, como fizeram os hebreus do Velho Testa­ mento: Quando o Senhor teu Deus te tiver introduzido na terra, a qual vais a possuir, e tiver lançado fora muitas gentes de diante de ti ( . . . ) tu as destruirás; não farás com ela concerto nem terás piedade delas ( . . . ) Pois fariam desviar teus filhos de mim para que servissem a outros deuses ( . . . ) Mas derrubareis seus altares, quebrareis suas estátuas; e cortareis os seus bosques e queimareis a fogo as suas imagens de esculturas. (Deuteronômio 7:1-5.)*

A maior parte do conteúdo de qualquer cultura complexa foi difundida por outras sociedades.

Assim como a maioria dos esforços para proibir os contatos interculturais, esta proibição também fracassou. O Velho Testamento conta como os hebreus persistiram em mesclar-se e casar-se ccom pessoas de tribos circunvizinhas, adotando, no processo, fragmentos de suas culturas. Sempre que as culturas entram em contato, ocorre um certo intercâmbio de traços culturais. A maior parte do conteúdo de qualquer cultura complexa difundiu-se a partir de outras sociedades. Ralph Linton escreveu um famoso trecho que conta como os que são 100% norte-americanos tomaram de empréstimo quase toda a sua cultura de outras sociedades: Nosso sólido cidadão norte-americano desperta em um leito construído a partir de um modelo que se originou no Oriente Próximo, mas que foi modificado na Europa do Norte antes de ser trans­ mitido para a América. Afasta a coberta feita de algodão aclimatado na índia, ou linho, aclimatado no Oriente Próximo, ou seda, cujo uso foi descoberto

* Versículos abreviados da tradução de João Ferreira D’ Almeida, da Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira, para a Sociedade Bíblica do Brasil, Rio de Janeiro, 1955. (N. do T.)

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na China. Todos estes materiais foram fiados e tecidos por processos inventados no Oriente Próximo. Calça seus mocassins, inventados pelos índios das florestas do Leste e dirige-se ao banheiro, cujas peças são um misto de invenções européias e norte-americanas, ambas de data recente. Tira o pijama, uma peça de roupa inventada na índia, e lava-se com sabonete inventado pelos antigos gauleses. Depois barbeia-se, rito masoquista que parece ter derivado dos Sumérios ou do Antigo Egito. Voltando ao quarto de dormir, tira suas roupas de uma cadeira do tipo sul-europeu e passa a vestir-se. Veste as roupas cuja forma originariamente derivou da cobertura de pele dos nômades das estepes asiá­ ticas, calça os sapatos de couros curtidos por um processo inventado no Antigo Egito e cortado em um modelo derivado das civilizações clássicas do Mediterrâneo, e dá um laço ao redor do pescoço, de um tira de fazenda de cor viva, que é uma sobre­ vivência dos chales para os ombros usados pelos croatas do século XVII. Antes de seguir para o desjejum, olha pela janela, através do vidro inventado no Egito, e, se estiver chovendo, coloca galochas feitas de borracha descoberta pelos índios centroamericanos e apanha um guarda-chuvas, inventado no Sudeste da Ásia. Na cabeça, põe um chapéu feito de feltro, material inventado nas estepes asiá­ ticas. Em seu caminho para o desjejum, pára para comprar um jornal, pagando com moedas, um antigo invento lídio. No restaurante, defronta-se com toda uma nova série de elementos tomados de empréstimo. Seu prato é feito de uma forma de cerâmica inventada na China. Sua faca é de aço, uma liga que pela primeira vez foi feita na índia, seu garfo é uma invenção medieval italiana e sua colher é derivada de um original romano. Inicia o desjejum com uma laranja, do Mediterrâneo Oriental, um melão cantalupo da Pérsia, ou talvez um pedaço de melancia africana. Com isto, também tem café, uma planta da Abissínia, com creme e açúcar. Tanto a domesticação das vacas como a idéia de ordenhá-las originaram-se no Oriente Próximo, ao passo que o açúcar foi feito pela primeira vez na índia. Depois destas frutas e do primeiro café, segue para os waffles, bolos feitos por uma técnica escandinava, de trigo aclima­ tado na Ásia Menor. Sobre estes bolos, derrama xarope, inventado pelos índios das florestas ociden­ tais. Como um prato extra pode aceitar um ovo de uma espécie de pássaro domesticado na Indochina, ou fatias fmas da carne de um animal domesticado na Ásia Oriental, que foi salgada e defumada por um processo desenvolvido na Europa do Norte. Depois que nosso amigo terminou a refeição, passa a fumar, um hábito ameríndio, consumindo

uma planta aclimatada no Brasil, em um cachimbo derivado dos índios da Virgínia, ou um cigarro, derivado do México. Se for bastante robusto, pode até mesmo tentar um charuto, hábito que nos foi transmitido das Antilhas, via Espanha. Enquanto fuma, lê as notícias impressas em caracteres inven­ tados pelos antigos semitas, sobre um material inven­ tado na China, por um processo inventado na Alema­ nha. À medida que absorve os relatos dos problemas estrangeiros, se for um bom cidadão conservador, agradecerá a uma deidade hebraica em uma língua indo-européia, o fato de ser 100% norte-americano. (Ralph Linton. The Study o f Man. Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1936, 1964 p. 326-7.) A difusão é sempre um processo bidirecional. Os traços não podem ser difundidos, salvo se houver alguma espécie de contato entre os povos, e estes contatos sempre acarretam alguma difusão em ambas as direções. Os europeus proporcionaram cavalos, armas de fogo, cristianismo e uísque para os índios, em troca de milho, batatas, fumo e canoa. Ainda assim o intercâmbio é assimétrico. Quando duas culturas entram em contato, a sociedade com a tecnologia mais simples geralmente toma uma quantidade maior de “empréstimos” . Dentro das sociedades, os grupos de baixo status geralmente tomam mais emprestado dos grupos de alto status. Geralmente os grupos escravos absorvem a cultura de seus amos, ao passo que a sua própria é esquecida ou deliberadamente exinta. A difusão é um processo seletivo. Um grupo aceita certos traços da cultura de um vizinho, ao mesmo tempo em que rejeita outros. Aceitamos muito do alimento índio mas rejeitamos sua religião. Os índios aceitaram rapidamente o cavalo do homem branco, mas rejeitaram a vaca. Geralmente a difusão envolve alguma modificação do elemento tomado por empréstimo. Conforme foi observado antes, cada tr»ço cultural tem princípio, forma, função e significado. Qualquer um ou todos podem modificar-se quando um traço é difundido. Quando os europeus adotaram o fumo índio, fumavamno em um cachimbo algo parecido com o dos índios, dessa forma preservando a forma, embora também tivessem acrescentado outras — charutos, cigarros, fumo de mascar e rapé. Mas mudaram inteiramente a função e o significado. Os índios fumavam como um ritual de cerimônia; os europeus usavam o fumo primeiramente como medicamento e mais tarde para satisfação pessoal e no plano da sociabilidade. As formas externas do cristianismo foram mais prontamente difundidas do que as funções e os significados. Nas áreas missionárias, muitos conversos aceitaram as formas do culto cristão ao mesmo tempo em que retiveram muitas de suas crenças e práticas do sobrenatural. Os

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povos não-ocidentais adaptaram latas e outros artefatos ocidentais a uma variedade de usos, tanto utilitários como estéticos. Os colonizadores norte-americanos aceitaram o milho dos índios, sem modificação; o produto viajou para a Europa, onde foi usado como alimento para animais mas não para gente; depois, foi difundido para a África Ocidental, onde se tomou um alimento predileto e até uma oferenda aos deuses. Poderiam ser citados exemplos infindáveis para mostrar como os traços são quase sempre modificados à medida que são difundidos. Os sociólogos e os antropólogos fizeram muitos estudos do processo de difusão [Allen, 1971, cap. 12]. A maioria dos programas de auxílio norte-americano aos países subdesenvolvidos, bem como aos grupos “destituídos” nos EUA, é principalmente de esforços para promover difusão. Conseqüentemente, é um dos tópicos mais importantes em Sociologia.

Fatores na taxa de mudança A descoberta, a invenção e a difusão são processos de mudança. Mas quais os fatores causais de tais processos? Não poderemos responder sem primeira­ mente examinar o significado do termo causa. Algumas vezes se define causa como um fenômeno que tanto é necessário como suficiente para produzir um efeito previsível. É necessário porque jamais temos este efeito sem esta causa, e suficiente porque esta causa, por si só, sempre produz este efeito. Com esta definição, têm sido estabelecidas muito poucas causas em Ciência Social. A embriaguez causará divórcio? Muitas almas sofredoras se conformam com um cônjuge que se embriaga, ao passo que outras se divorciam de cônjuges absolutamente abstêmios. Obviamente, a embriaguez não é condição necessária ou suficiente para produzir um divórcio. Em Ciência Social boa parte da causação é múltipla — isto é, numerosos fatores interagem na produção de um resultado. Que fatores interagem na produção de uma mudança social? Antes de mais nada, notamos que os fatores na mudança social são predominantemente sociais e culturais, não biológicos ou geográficos. Nem todas as pessoas aceitam este ponto de vista. Algumas atribuem o surgimento e queda das grandes civilizações a mudanças nas características biológicas das nações. Muitas vezes estas teorias têm uma distorção racial; diz-se que uma grande civilização surge de uma raça vigorosa, criativa, e decai quando a raça se mescla com outras de menor importância e dilui seu gênio. De acordo com a versão oposta, há uma grande explosão de criatividade depois de uma mescla feliz de raças, que desaparece quando a cepa híbrida se esgota. A maioria dos cientistas rejeita essas teorias. Não há evidência científica convincente

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de que qualquer raça seja diferente de qualquer outra em sua base biológica para a aprendizagem humana, ou que a biologia humana se tenha modificado significa­ tivamente durante os últimos 25.000 anos aproximada­ mente. Em termos históricos, nossos atributos biológicos parecem ter sido uma constante e não uma variável em nosso comportamento. Ambiente físico

Grandes mudanças no ambiente físico são muito raras, mas bastante compulsórias quando ocorrem. As vastidões dos desertos da África do Norte certa vez foram verdes e bem povoadas. Os climas mudam, o solo sofré erosão e os lagos gradualmente se transformam em pântanos e finalmente em planícies. Uma cultura é grandemente afetada por essas mudanças, embora algumas vezes suijam tão lentamente que em grande parte passam despercebidas. A má utilização humana pode ocasionar mudanças muito rápidas que, por sua vez, mudam a vida social e cultural de um povo. A devastação das florestas traz a erosão da terra e reduz a precipitação pluvial; o excesso de gado nas pastagens destrói a cobertura de vegetação e promove erosão. Grande parte das terras inúteis e desertas do mundo é um atestado da ignorância e mau uso por parte do homem [Mikesell, 1969; Horton e Leslie, 1974, cap. 20]. A destruição do ambiente pelo homem tem sido pelo menos um fator que contribuiu para o declínio da maioria das grandes civilizações. Através da História, muitos grupos humanos modi­ ficaram seus ambientes físicos por meio da migração. Especialmente nas sociedades primitivas, cujos membros dependem muito diretamente do ambiente físico, a migração para um ambiente diferente ocasiona grandes alterações na cultura. A civilização torna fácil o trans­ plante de uma cultura e sua prática em um ambiente novo e diverso. Os britânicos, nos postos coloniais nas selvas, muitas vezes persistiam em tomar o chá da tarde e vestirem-se a caráter para o jantar. E, no entanto, ninguém sugeriria que não eram afetados pelo ambiente da selva; até as culturas civilizadas são afetadas por uma mudança do ambiente físico [Hoffman, 1973]. Mudanças na população

Uma mudança na população é por si só uma mudança social, mas também se toma um fator causai ao propi­ ciar mudanças sociais e culturais. Quando uma área nova esparsamente povoada se enche de gente, desapa­ rece o padrão de hospitalidade, multiplicam-se as relações de grupo secundário, as estruturas institucionais ficam mais elaboradas e ocorrem muitas outras

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mudanças. Uma população em crescimento rápido precisa migrar ou melhorar suas técnicas produtivas. As grandes migrações e conquistas históricas — dos hunos, dos vikings e muitas outras —surgiram da pressão que uma população crescente exerce sobre recursos limitados. A migração encoraja mais mudança, porque leva um grupo a um novo ambiente, sujeita-o a novos contatos sociais e confronta-os com novos problemas. Nenhuma grande mudança de população deixa a cultura inalterada. No momento em que este trecho está sendo escrito, muitos estudiosos estão ponderando se a explosão populacional ameaça a destruição total da civilização moderna.

Isolamento e contato

As sociedades localizadas nas encruzilhadas do mundo sempre foram centros de mudança. Já que a maioria dos novos traços advém da difusão, as sociedades em contato íntimo com outras têm a probabilidade de se modificarem mais depressa. Nos tempos antigos de transporte sobre terra, a ponte terrestre que ligava a Ásia, África e Europa, era o centro da mudança civilizadora. Mais tarde, os navios a vela deslocaram o centro para as orlas do mar Mediterrâneo, e mais tarde para a costa noroeste da Europa. As áreas de maior contato intercultural são os centros de mudança. A guerra e o comércio sempre trouxeram contato intercultural e hoje o turismo está aumentando os contatos entre culturas [Greenwood, 1972]. Inversamente, as áreas isoladas são centros de esta­ bilidade, conservantismo e resistência à mudança. Quase sem exceção, as tribos mais primitivas foram as que se mantiveram mais isoladas, como os esquimós polares e os Aranda da Austrália Central. Mesmo entre os povos civilizados, o isolamento ocasiona estabilidade cul­ tural. Os grupos norte-americanos mais “atrasados” têm sido encontrados em montanhas inacessíveis e vales apalaquianos [Sherman e Henry, 1933; Surface, 1970]. Leybum [1935] demonstrou como os grupos euro­ peus que migraram para áreas remotas, isoladas, muitas vezes retiveram muitos elementos de sua cultura nativa, muito depois de estes elementos terem sido descartados pela sociedade de origem. Assim, no século XIX, a vida social dos boers no Transval parecia mais a vida do final do século XVII dos holandeses do que de seus contemporâneos na Holanda. Os enclaves étnicos, cujo isolamento é social e volun­ tário e não geográfico, mostra um conservantismo parecido, sejam eles americanos na Espanha [D. Nash, 1967], menonitas (amishes) na América [Hostettler, 1964] ou os ilhéus de Tristan na Inglaterra [Munch, 1964, 1970]. Invariavelmente o isolamento retarda a mudança social.

Estrutura social e cultura

A estrutura de uma sociedade afeta sua taxa de mudança de modo sutil e não imediatamente perceptível. Inkeles e Smith [1974] efetuaram entrevistas em profundidade em seis países em desenvolvimento, procurando descobrir o que tomava as pessoas receptivas à mudança. Constataram que as que trabalhavam em uma fábrica, tinham vários anos de educação e liam jornais, eram as mais receptivas. Uma sociedade que atribui grande autoridade às pessoas muito idosas, como ocorreu durante séculos na China clássica, provavelmente é conservadora e estável. Uma sociedade que enfatiza a conformidade e treina o indivíduo para ser altamente receptivo ao grupo, como os Zufii, é menos receptiva à mudança do que uma sociedade como a dos Deo, que é altamente individualista e tolera considerável variabilidade cultural [Ottenberg, 1959]. Uma burocracia muito centralizada é bastante favo­ rável à promoção e difusão da mudança [Dowdy, 1970], embora as burocracias algumas vezes tenham sido usadas na tentativa de suprimir a mudança, tendo logrado no máximo um sucesso temporário. Quando uma cultura é altamente integrada, de modo que cada elemento se encontra estreitamente entrelaçado com todos os demais em um sistema interdependente, a mudança é difícil e onerosa. Entre numerosos povos africanos do Nilo, como os Pakot, Masai e Kipsizi, a cultura se integra em tom o do complexo do gado. O gado é não apenas um meio de subsistência, mas também uma necessidade para a compra de uma noiva, uma medida de status e um objeto de intensa afeição [Schneider, 1959]. Esse sistema é fortemente resistente à mudança social. Mas quando a cultura não é tão integrada, de modo que o divertimento, a família, a religião e outras atividades são menos dependentes entre si, a mudança é mais fácil e freqüente. Uma sociedade rigorosamente estruturada, na qual os papéis, deveres, privilégios e obrigações de cada pessoa são definidos precisa e rigidamente, é menos dada a mudanças do que uma menos estruturada, na qual os papéis, linhas de autoridade, privilégios e obrigações estão mais abertos a uma nova disposição por parte do indivíduo. A estrutura da sociedade norte-americana é altamente conducente à mudança social. Seu individualismo, ou falta de estratificação social rígida, sua proporção relativamente alta de status adquirido e sua institu­ cionalização de pesquisa —tudo isso encoraja a mudança social. Hoje, dezenas de milhares de trabalhadores estão sistematicamente empregados no descobrimento de novidades e invenções. Esta exploração é algo novo na História do mundo. Uma das conseqüências é a taxa de mudança, que tonteia e à vezes perturba.

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Atitudes e valores

Para nós, a mudança parece normal e a maioria dos ocidentais se orgulha de ser progressista e atualizado. Em contraste, os ilhéus de Trobriand, na costa da Nova Guiné, não tinham o conceito de mudança nem ao menos palavras em sua língua para expressar ou descrever mudança [Lee, 1959a, p. 89-104]. Quando os ocidentais procuraram explicar o conceito de mudança, os ilhéus não podiam compreender a respeito de que estavam falando. Obviamente, as sociedades diferem muito em sua atitude geral relativamente à mudança. Um povo que reverencia o passado, cultua seus ancestrais, honra e obedece aos mais velhos, e se preocupa com tradições e rituais, modifica-se lenta­ mente e com muita resistência. Quando uma cultura foi relativamente estática durante muito tempo, é provável que o povo suponha que assim deva permanecer indefinidamente. Pessoas assim são intensa e incons­ cientemente etnocêntricas; supõem que seus costumes e técnicas são certos e duradouros. É improvável que uma mudança possível venha a ser considerada com seriedade. Uma mudança em uma sociedade dessa espécie ocorre principalmente quando é tão gradual que nem chega a ser percebida. Uma sociedade que se modifica tem uma atitude diferente para com a mudança, e esta atitude é causa e efeito das que já estão ocorrendo. As sociedades em rápida modificação estão cônscias da mudança social. Elas se sentem algo céticas e críticas de algumas partes de sua cultura tradicional e se dispõem a considerar e a experimentar inovações. Estas atitudes estimulam poderosamente a sugestão e a aceitação de mudanças propostas pelos indivíduos da sociedade. Na mudança de atitudes em relação à mudança, pode haver variações entre localidades. Um estudo constata que a aceitação pelos lavradores das inovações agrícolas é afetada pela impressão que têm da receptividade de sua comunidade local à idéia da mudança [Flinn, 1970]. Diferentes grupos dentro de uma localidade ou de uma sociedade podem mostrar receptividade diferente à mudança. Cada sociedade que se modifica tem seus liberais e seus conservadores. As pessoas letradas e educadas tendem a aceitar mudanças mais rapidamente do que os iletrados e sem instrução [Nwosu, 1971; Waisanen e Kumata, 1972], Os amish nos Estados Unidos têm sido notoriamente resistentes à mudança de qualquer espécie, exceto, algumas vezes, nas técnicas agrícolas. E um grupo pode ser muito receptivo à mudança de uma espécie, mas muito resistente a outras. Assim, podemos entrar em muitas igrejas de arquitetura nitidamente modema e ouvir um sermão basicamente inalterado desde os dias de Lutero. As atitudes e valores afetam tanto a quantidade quanto a direção da mudança social. Os gregos antigos

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fizeram grandes contribuições à arte e ao ensino, mas poucas à tecnologia. O trabalho era executado por escravos; preocupar-se com o trabalho de um escravo não era tarefa apropriada a um grego erudito. Nenhuma sociedade foi igualmente dinâmica em todos os aspectos, e seus valores determinam em que área - arte, música, guerra, tecnologia, filosofia ou religião - ela será inventiva.

Necessidades percebidas

O índice e a direção da mudança de uma sociedade são muito afetados pelas necessidades que seus membros percebem. As “necessidades” são subjetivas; são reais se as pessoas sentem que são reais. Em muitas partes do mundo subdesenvolvidas e mal nutridas, as pessoas não apenas necessitam de mais alimento, como também necessitam de alimentos diferentes, especialmente de vegetais e legumes. As mudanças agrícolas que trazem mais alimentos são as mais rapidamente aceitas em relação às que trazem alimentos diferentes, dos quais não se sente necessidade [Arensberg e Niehoff, 1971, p. 155]. Enquanto as pessoas não sentirem necessidade, nada se modifica; só são contadas as necessidades que uma sociedade percebe. Algumas invenções práticas são encostadas até que a sociedade descubra ou desenvolva uma necessidade para elas. O zíper foi inventado em 1891, mas ignorado durante um quarto de século. A câmara de ar para os pneumáticos foi inventada e patenteada por Thompson em 1845, mas sua existência foi ignorada até que a popularidade da bicicleta criou necessidade dela; depois, foi reinventada por Dunlop em 1888. Muitas vezes se diz que as condições que se modi­ ficam criam necessidades — genuínas, objetivas, não apenas necessidades subjetivamente “sentidas” . Dessa forma, a urbanização criou a necessidade de Engenharia Sanitária; o moderno sistema fabril criou a necessidade de sindicatos trabalhistas; e o automóvel de alta velocida­ de criou a necessidade de amplas vias expressas. Uma cul­ tura é integrada e, por conseguinte, quaisquer mudanças em uma de suas partes cria a necessidade de mudanças que se adaptem a partes relacionadas da cultura. Não há dúvida de que a falha em reconhecer uma necessidade objetiva pode ter conseqüências desagra­ dáveis. Durante séculos, a doença e a morte foram o preço de nossa falha em reconhecermos que o crescimento urbano tomava necessária a Engenharia Sanitária. Uma falha mais recente em reconhecer que o controle da mortalidade cria a necessidade de controle da natalidade levou metade do mundo às vésperas da fome. Tudo isso não altera o fato de que são somente as “necessidades” percebidas que estimulam a inovação e a mudança social.

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A necessidade, no entanto, não é garantia de que será feita a invenção ou descoberto aquilo de que se necessita. No momento, percebemos que necessitamos de cura para o câncer e para o resfriado comum, de uma fonte de energia livre de poluição e de proteção efetiva contra a radioatividade. Não há certeza de que possamos desenvolver qualquer uma delas. A necessidade pode ser a mãe da invenção, mas há necessidade de um pai também - de uma base cultural para prover o apoio necessário de conhecimento e técnica.

A base cultural

0 homem da caverna podia fazer muito poucas invenções materiais, porque dispunha de muito pouco com o que trabalhar. Mesmo o arco e a flecha combinam numerosas técnicas e invenções — cavar os encaixes nas extremidades do arco, ligar a corda, encabar e afiar a seta, mais a idéia e a técnica de disparar. Enquanto esses componentes não foram inventados, não foi possível criar o arco e a flecha. Por base cultural queremos dizer acumulação de conhecimento e técnica disponíveis para o inventor. À medida que a base cultural cresce, toma-se possível um número maior de invenções e descobertas. A invenção da engrenagem proporcionou um componente que tem sido usado em incontáveis invenções. A descoberta do eletromagnetismo e a invenção da válvula a vácuo proporcionaram os componentes necessários a centenas de invenções mais recentes. A menos que a base cultural proporcione as necessárias invenções e descobertas precedentes, uma invenção não pode ser completada. No final do século XV, Leonardo da Vinci esboçou muitas máquinas que funcionavam perfeitamente em princípio e pormenores, mas a tecnologia da época era incapaz de construí-las. Seus desenhos da bomba aérea, bomba hidráulica, unidade de ar condicionado, helicóptero, metralhadora, tanque militar, e muitos outros eram claros e poderiam funcionar, mas o século XV ressentia-se da falta de metais avançados, combustíveis, lubrificantes e habilidades técnicas para transformarem suas idéias brilhantes em realidade prática. Muitas idéias tiveram de esperar até que fossem eliminadas as lacunas em conhecimento e técnica. Depois que se desenvolveu todo o conhecimento de apoio, o aparecimento de uma invenção ou descoberta toma-se quase uma certeza. De fato, é bastante comum que uma invenção ou descoberta seja feita indepen­ dentemente por diversas pessoas ao mesmo tempo. Ogbum [1950, p. 90-102], sociólogo especializado no estudo da mudança social, arrolou 148 de tais invenções e descobertas, desde as manchas solares, que foram descobertas independentemente por Galileu,

Fabricius, Scheiner e Harriot, todas em 1611, até a invenção do aeroplano por Langley (1893-1897), Wright (1895-1901) e talvez outros. De fato, as disputas sobre quem foi o primeiro a fazer uma invenção ou uma descoberta científica são comuns e às vezes acirradas [Merton, 1957c]. Quando a base cultural proporciona todos os itens de apoio do conhecimento, é muito provável que uma ou mais pessoas imaginativas os coloquem em conjunto para uma nova invenção ou descoberta. Fertilização cruzada. A grande importância da base cultural é revelada pelo princípio da fertilização cruzada, segundo o qual as descobertas e as invenções em um campo se tornam úteis em um campo totalmente diverso. A teoria dos germes de Pasteur desenvolveu-se a partir de seus esforços para dizer aos fabricantes de vinho da França por que seus vinhos azedavam. A válvula de vácuo, desenvolvida para o rádio, possibilitou o computador eletrônico, que atualmente auxilia a pesquisa em quase tudo, desde a Astronomia à Zoologia. Certos materiais radioativos, subprodutos da pesquisa para armas mais letais, atualmente são de valor inesti­ mável em diagnóstico, terapêutica e pesquisa médica. Os estudos de Stouffer [1949], destinados a mostrar às forças armadas como obter combatentes mais efetivos, também proporcionaram conhecimento útil aos estudiosos de dinâmica de grupo, relações raciais e diversos outros campos da Sociologia. O princípio exponencial. Segundo este princípio, à medida que a base cultural cresce, seus usos possíveis tendem a crescer em razão geométrica. Por exemplo, se temos somente dois produtos químicos em um laboratório, apenas uma combinação (A-B) é possível; com três produtos, há a possibilidade de quatro combi­ nações (A-B-C, A-B, A-C e B-C); com quatro, são feitas dez combinações; com cinco, são feitas vinte e cinco, e assim por diante. Já que o tamanho da base cultural se amplia por acréscimo, as combinações possíveis destes elementos crescem por multiplicação. Isto ajuda a explicar a atual taxa elevada de invenções e descobertas [Hamblin e cols., 1973]. Uma vasta acumulação de conhecimento científico técnico é partilhada por todas as sociedades civilizadas, e desta base fluem invenções e descobertas em maré crescente.

Resistência e aceitação quanto à mudança social Nem todas as inovações propostas são aceitas pela sociedade. Funciona um processo de aceitação seletiva, quando algumas inovações são aceitas imediatamente e outras apenas depois de grandes delongas; algumas

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são totalmente rejeitadas; e outras são parcialmente aceitas. Assim, aceitamos completamente o milho índio, aceitamos e modificamos o uso do fumo, aceitamos de modo muito restrito e altamente modi­ ficado seus clãs totêmicos (o “castor” e as patrulhas de “lobinhos” dos Escoteiros), e rejeitamos totalmente sua religião. A aceitação de inovações jamais é automática e é sempre seletiva, de acordo com certa quantidade de considerações.

Atitudes e valores específicos

Afora suas atitudes gerais em relação à mudança, cada sociedade tem muitas atitudes e valores específicos que se vinculam a seus objetos e atividades. Quando os agentes do governo introduziram o milho híbrido para os fazendeiros hispano-americanos do Vale do Rio Grande há alguns anos, eles o adotaram prontamente por seu rendimento superior ; mas dentro de três anos já tinham voltado ao milho antigo. Não gostavam do milho híbrido, porque este não fazia boas “tortillas” [Apodaca, 1952]. As coisas de que as pessoas gostam ou não gostam são fatores importantes na mudança social. Se um objeto tem um valor puramente utilitário isto é, se é apreciado pelo que pode fazer — a mudança pode ser aceita com bastante presteza. Assim, um estudo [Fliegel e Kivlin, 1966] da aceitação de novas práticas agrícolas pelos lavradores norte-americanos constata que as que são percebidas como mais lucrativas e menos arriscadas são aceitas com maior presteza. Se algum traço da cultura tradicional for intrinsecamente valorizado - valorizado por si só, independen­ temente do que possa fazer — a mudança é aceita com menos presteza. Para o lavrador norte-americano, o gado é uma fonte de renda, para ser criado, apartado e abatido, quando for mais lucrativo. Mas para muitos povos do Nilo, o gado representa valores intrínsecos. O possuidor reconhece e ama cada vaca. Abater uma delas seria como matar uma pessoa da família. Um Pacot com cem cabeças de gado é rico e respeitado; um com apenas uma dúzia é pobre; o homem que não possui gado é ignorado como se estivesse morto. Os esforços dos oficiais coloniais para fazer tais povos administrarem seus rebanhos “racionalmente” separá-los, criar somente os melhores e não fazerem seus animais pastarem excessivamente - em geral fracassaram. O norte-americano médio, que geralmente assume um ponto de vista friamente racional e relativamente nãosentimental quanto a atividades econômicas, encontra dificuldade para compreender os sentimentos e valores dos povos não-ocidentais. Sente-se irritado com o Biaga da índia Central que se recusa a abandonar seus bastões de cavar em troca do arado de aiveca que é

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muito melhor. Por quê? Os Biaga amavam a terra como a uma mãe boa e generosa; eles a ajudavam suavemente com o bastão de cavar a dar o seu rendimento, mas não podiam decidir-se a cortá-la com “facas” [Elwin, 1939, p. 106-7]. O norte-americano fica aborrecido com os índios Ettwah porque estes não se dispõem a adotar o adubo verde (arar enterrando cânhamo verde como fertilizante). Mas para este índio, “adubo verde envolve o ato bastante cruel de arar enterrando a folha e o caule do cânhamo antes de estarem maduros. Este ato envolve violência” [Mayer, 1958, p. 209]. E no entanto, existirá alguma diferença básica entre estas ilustrações e a recusa norte-americana de comer carne de cavalo porque isso colide com seus valores? Que dizer a respeito dos grupos norte-americanos que rejeitam o aborto, o divórcio ou as bebidas alcoólicas, cinema ou jogo de cartas, porque estas coisas estão em conflito com seus valores? Para cada um de nós parece ser inteiramente lógico e certo rejeitar qualquer inovação que colida com nossos costumes ou valores; quando um outro grupo age do mesmo modo, sua recusa muitas vezes nos impressiona como ignorância obstinada. É isso o etnocentrismo!

Demonstrabilidade das inovações

Uma inovação é aceita com a máxima rapidez quando sua utilidade pode ser demonstrada com facilidade. Os índios norte-americanos aceitaram sofregamente a arma de fogo do homem branco, mas não sua medicina, cuja superioridade é demonstrada com menor facilidade. Muitas invenções são tão ineficientes em seus estágios iniciais, que a aceitação geral demora até que sejam aperfeiçoadas. Durante as três primeiras décadas do

Uma inovação é aceita com a máxima rapidez quando sua utili­ dade pode ser demonstrada com facilidade.

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aperfeiçoamento do automóvel, o escárnio público era expresso pelo conselho depreciativo para “arranjar um cavalo” . As primeiras imperfeições retardam mas raramente impedem a aceitação final de invenções que funcionem. Algumas inovações podem ser demonstradas com bastante facilidade, em uma pequena escala; outras não podem ser demonstradas sem tentativas onerosas de grande escala. Usualmente, a maioria das invenções mecânicas pode ser testada em poucas horas ou dias, e a um custo modesto. A maioria das invenções sociais, como a sociedade anônima, a organização social baseada em papel e não em parentesco, ou o governo mundial, não são facilmente experimentadas em laboratório ou escritório de testes. Muitas invenções sociais podem ser testadas somente a longo prazo, envolvendo pelo menos uma sociedade inteira. Hesitamos em adotar uma inovação até que tenhamos visto como funciona; mas podemos determinar o valor prático da maioria das invenções sociais apenas adotando-as. Estes dilemas atrasam sua aceitação.

Compatibilidade com a cultura existente

As inovações são aceitas com mais presteza quando se ajustam bem à cultura existente. O cavalo ajustou-se facilmente à cultura de caça dos apaches, porque lhes permitiu fazerem melhor o que sempre fizeram. Nem todas as inovações engrenam tão bem. Elas podem ser incompatíveis com a cultura existente, pelo menos de três maneiras. Em primeiro lugar, a inovação pode estar em conflito com os padrões existentes. Em muitos países em desen­ volvimento, a idéia de nomeação e promoção com base no mérito é incompatível com a tradicional obrigação da família de cuidar dos parentes. Muitas propostas atuais de conservação ecológica nos EUA estão em conflito com seus conceitos tradicionais de uso da terra, direito de propriedade e liberdades pessoais. Quando uma inovação colide com os padrões culturais existentes, há pelo menos três resultados possíveis: (1) ela pode ser rejeitada, assim como a maioria dos norte-americanos rejeitou o comunismo; (2) pode ser aceita, e os traços culturais podem ser ajustados, do mesmo modo que foram alteradas as práticas de trabalho da criança a fim de permitir a educação pública compulsória; (3) pode ser aceita, e seu conflito com o padrão cultural existente pode ser oculto ou dissimu­ lado por racionalização, como nas áreas (que incluem a França e até pouco tempo cinco Estados norteamericanos) onde os anticoncepcionais são vendidos livremente “para a prevenção de doenças” , embora sua venda seja proibida por lei como anticoncepcio­ nais. Embora nem sempre decisivo, o conflito com

a cultura existente desencoraja a aceitação de uma inovação. Algumas vezes pode ser evitado um conflito aparente pela compartimentalização de papéis. Como exemplo, os Kwaio das ilhas Salomão têm chefes toda terça-feira! Sua organização social não incluía chefes, mas tomou-se necessário inventar alguns para tratar com os oficiais brancos depois da Segunda Guerra Mundial. Para evitar conflito entre estes novos “chefes” e os tradicionais detentores de autoridade e influência, eles simplesmente concordam que os chefes devem “reinar” somente nas terças-feiras por ocasião das visitas dos oficiais brancos [Keesing, 1968], Deste modo, uma inovação poten­ cialmente perturbadora foi isolada do resto da cultura. Em segundo lugar, a inovação pode acarretar novos padrões que não se acham presentes na cultura. Os índios norte-americanos não tinham padrões para a cria de gado em que as vacas pudessem ser enquadradas. Quando pela primeira vez receberam vacas dos agentes governamentais, caçaram-nas como animais selvagens. Geralmente, uma sociedade procura usar uma inovação do mesmo modo antigo e conhecido. Quando isso falha, ela pode desenvolver novas maneiras de fazer uso efetivo do novo elemento. Assim, tendemos a disfarçar cada novo material de construção para fazê-lo parecer como um material antigo, já conhecido. Os primeiros blocos de concreto tinham faces como as de uma pedra com acabamento tosco; as telhas de asfalto e amianto tiveram acabamento para parecerem tijolo ou madeira; as coberturas laterais de alumínio ainda são feitas para parecerem de madeira. Depois, ao cabo de alguns anos, cada um desses materiais começa a ser usado em desenhos e maneiras que fazem pleno uso de suas propriedades e possibilidades. A maioria das inovações acarreta certos novos padrões culturais e há necessidade de tempo para desenvolvê-los. Em terceiro lugar, algumas inovações são substi­ tutivas, não aditivas, aceitas com menor presteza. E mais fácil aceitar inovações que podem ser acrescentadas à cultura sem implicar o descarte de algum conhecido traço complexo. O beisebol, o jazz e o filme do Oeste, foram difundidos na. maior parte do mundo. Cada um desses traços poderia ser acrescentado a pratica­ mente qualquer espécie de cultura sem exigir a renúncia dos traços nativos. Mas a igualdade aproximada dos sexos, a democracia ou a empresa comercial racional têm tido difusão mais lenta; cada qual requer a renúncia de valores e práticas tradicionais. Muitos povos nãoocidentais aceitaram prontamente os procedimentos e os materiais da Medicina científica — inoculações, antibióticos, analgésicos e até cirurgia — porque tais procedimentos puderam coexistir com sua tradicional Medicina doméstica. O índio Navajo doente poderia engolir a pílula do médico do governo enquanto prosseguisse a dança da cura. Mas muitas vezes estes

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povos não compreendem nem aceitam os fundamentos científicos da Medicina — os germes, os vírus, a ênfase sobre as teorias da moléstia ou o resto da subcultura médica - porque colidem com seu tradicional sistema de crenças [Gould, 1965; Wolff, 1965; J. Nash, 1967]. Cada vez que a natureza da escolha não permite que se possa ter as duas coisas — o novo e o velho — a aceitação do novo em geral se atrasa.

Custos da mudança

Os muito pobres resistem a toda mudança porque não podem dar-se ao luxo de assumir qualquer risco [Arensberg e Niehoff, 1971, p. 149-50], Quase sempre a mudança é cara. Não apenas perturba a cultura existente e destrói sentimentos e valores apreciados, como também envolve alguns custos específicos. Dificuldades técnicas da mudança. Muito poucas ino­ vações podem ser simplesmente adicionadas à cultura existente; a maioria requer certa modificação dessa cultura. Somente há pouco tempo é que a Inglaterra substituiu um sistema monetário desajeitado e incômodo por um sistema monetário decimal, ao passo que os EUA vêm debatendo e adiando uma passagem para o sistema métrico de medidas há mais de um século. Por que tais sistemas têm sido conservados por tanto tempo? Será que a mudança é tão difícil? Na Inglaterra, a mudança para a moeda decimal em 1967 demonstrou ser muito mais complicada do que simplesmente a aprendizagem de um novo sistema. Tal mudança abrangeu desde trocos na caixa registradora, alterações nas máquinas de moedas, nos registros contábeis, nos tamanhos padronizados de mercadoria, até argumentos sobre as frações da libra. Aprender o sistema métrico seria muito simples, mas a tarefa de fazer e estocar tudo, desde esquadrias de janelas a porcas e parafusos em faixas de tamanho em vigor por quase meio século aproximadamente, é avassaladora. As ferrovias seriam mais eficientes se os trilhos fossem de 30 a 60 centí­ metros mais separados a fim de permitirem vagões mais largos; mas o custo de reconstruir os trilhos e substituir o material rodante é proibitivo. As novas invenções e as máquinas aperfeiçoadas muitas vezes tomam obsoleta a maquinaria atual e destroem o mercado para as habilidades técnicas que os trabalha­ dores levaram anos para desenvolver. Interesses adquiridos e mudança social. Os custos da mudança social não se distribuem igualmente. A indústria que fica obsoleta e os trabalhadores cuja habilidade se torna dispensável no mercado, são forçados a arcar com os custos do progresso técnico, enquanto outros desfrutam dos produtos aperfeiçoados. Aqueles

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para quem o status quo é proveitoso, têm o que se chama de interesse adquirido. As comunidades com um quartel do exército ou uma estação naval nas proximidades acham que todo este dinheiro do governo é bom para os negócios e,por isso, têm interesse em reter estes estabelecimentos militares. Os estudantes que fre­ qüentam as universidades estaduais têm um interesse adquirido no ensino superior custeado pelos impostos. Quase todas as pessoas têm alguns interesses adquiridos — desde os ricos com suas apólices isentas de impostos até os pobres com seus cheques de pagamento previdenciário. A maioria das mudanças traz consigo uma ameaça, real ou imaginária, contra alguns interesses adquiridos que, então, se opõem a elas. Os exemplos são quase infindáveis. Em 1579, o Conselho de Dantzig, agindo em resposta à pressão dos tecelões, ordenou o estran­ gulamento do inventor de um tear aperfeiçoado; e as fiandeiras de Blackburn, Inglaterra, invadiram a casa de Hargreave para destruir suas máquinas de fiação [Stem, 1937]. As ferrovias primitivas encontraram oposição dos proprietários de terras que não desejavam ver suas terras cortadas e por proprietários de canais ou empresas que cobravam pedágio nas suas estradas; e depois, por sua vez, as estradas de ferro se tomaram oponentes vigorosas do automóvel e ajudaram a bloquear a construção da Saída Marítima do São Lourenço. A oposição do empregador à organização dos sindicatos trabalhistas foi longa e amarga, e ainda continua em alguns lugares, enquanto os sindicatos recorrem à manutenção de cargos desnecessários no esforço de reter posições tornadas inúteis pela mudança técnica. Cada grupo é um defensor ardente do progresso em geral, mas raramente às expensas de seus próprios interesses ou direitos adquiridos. Todavia, estes interesses tendem a se tom ar promo­ tores da mudança sempre que acreditam que a modifi­ cação proposta lhes será proveitosa. As sociedades anônimas norte-americanas gastam bilhões de dólares todos os anos para desenvolver novos produtos que possam vender lucrativamente. Muitos grupos empresa­ riais na área dos Grandes Lagos apoiaram com energia a proposta da Saída Marítima do São Lourenço. Tais empreendimentos governamentais normalmente são denunciados como socialismo pelos interesses adquiridos que com eles não se beneficiam, ao passo que os beneficiados pela proposta encontrarão outros termos para descrevê-la. (Aparentemente, opera o socialismo quando o governo gasta para beneficiar os outros, não nós!) Os interesses empresariais buscaram e conseguiram muitas espécies de regulamentação e “interferência” do govemo quando isso pareceu ser de seu interesse. Os sindicatos trabalhistas têm sido os defensores mais eloqüentes das leis que limitam o trabalho da criança. O grande incêndio de Chicago de 1871 mostrou a fraqueza de empresas privadas concorrentes no combate

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ao fogo e, mais importante, impôs prejuízos tio pesados às empresas de seguro contra incêndio que elas apoiaram a proposta para corpos de bombeiros sustentados por tributos municipais. Muitas reformas sociais foram, afinal, conseguidas depois de muita agitação, porque os poderosos interesses adquiridos os redefiniram e decidiram que a reforma lhes seria benéfica.

Papel do agente da mudança

Quem propõe uma mudança e como age a esse respeito? A identidade do agente afeta muito a aceitação ou a rejeição. Nos EUA, qualquer proposta do Partido Comunista está condenada à derrota certa. Os oponentes de todas as espécies de propostas muitas vezes lhes dão o rótulo de comunista a fim de derrotá-las. As inovações que inicialmente são adotadas pelas pessoas no topo da escala de prestígio e de poder, provavelmente se filtram rapidamente em sentido descendente; as que são primeiramente adotadas por pessoas de baixo status têm a probabilidade de caminhar em sentido ascendente mais lentamente, se é que isso acontece. Os bons agentes de mudança amiúde procuram fazer com que ela pareça inócua, identificando-a com elementos culturais conhecidos. O rei Ibn Saud intro­ duziu o rádio e o telefone na Arábia Saudita, invocando o Alcorão a esse respeito. A liderança de Franklin D. Roosevelt apoiou-se parcialmente em sua habilidade para descrever reformas significativas em termos de sentimentos e valores próprios dos norte-americanos. Os agentes da mudança precisam conhecer a cultura em que atuam. Este ponto é salientado em muitos livros de orientação para ajudar os dirigentes oficiais no trabalho a implementar em programas de desenvol­ vimento nos países subdesenvolvidos [Arensberg e Niehoff, 1971; Leagins e Loomis, 1972; Loomis e Beagle, 1975]. O etnocentrismo impensado dos cientistas sociais e dos técnicos do Ocidente tem muitas vezes condenado ao fracasso os esforços que fazem [Alatas, 1972; Selwyn, 1973]. As tentativas do governo no estabelecer os índios Navajo como famílias individuais na terra irrigada não lograram êxito, porque os Navajo estavam acostumados a trabalhar cooperativamente na terra, seguindo linhas de parentesco. Uma ilustração interessante de como a ignorância e o etnocentrismo prejudicaram um agente da mudança é encontrada na Micronésia, onde um especialista norte-americano em relações trabalhistas procurou recrutar trabalhadores em Palau para se empregarem em uma mineração. Primeiramente, pediu para ver o “chefe” — pedido problemático, pois não havia chefes na estrutura social dos habitantes. Mas, por fim, apresentaram uma pessoa com a qual o especialista norte-americano procurou estabelecer rapport, passando-lhe o braço ao redor

do pescoço e risonhamente desarranjou-lhe os cabelos. Na cultura de Palau, isto constitui uma indignidade que eqüivale mais ou menos, em nossa cultura, a abrir a braguilha em público [Useem, 1952]. Nem é preciso dizer que o especialista não teve muito êxito. Algumas vezes um agente de mudança consegue promover uma alteração, mas somente para verificar que os resultados constituem uma desagradável surpresa. Em uma área sul-africana, os trabalhadores ocidentais perceberam que as mães nativas sentiam-se exaustas de amamentarem seus filhos até dois anos; introduziram a mamadeira com grande êxito. A inovação teve o efeito de liquidar o tabu das relações sexuais durante a lactação, de modo que em lugar de um filho a cada três ou quatro anos, as mulheres agora os têm cada ano aproximadamente, e se sentem mais exaustas do que nunca [Lee, 1959Ò]. Os agentes da mudança precisam compreender completamente as inter-relações da cultura para que possam prognosticar as conseqüên­ cias de uma determinada mudança. Neste momento, quando milhares de representantes norte-americanos estão atuando como agentes de mudança em quase todo país subdesenvolvido do mundo, precisam estar lembrados da necessidade de assumirem a postura de estudantes capazes de observar muito bem a sociedade que desejam ajudar, para evitar conseqüências funestas. Nem sempre são apreciados os esforços do agente da mudança. Freqüentemente, o inventor é ridiculari­ zado; o missionário pode ser comido; e o agitador ou reformador usualmente é perseguido. É provável que os radicais adquiram popularidade somente depois de mortos, e as organizações (como as Filhas da Revolução Americana) dedicadas à memória dos revolucionários mortos não têm apreço pelos que estão vivos. Os que procuraram mudar os padrões de segre­ gação racial da sociedade norte-americana podem tornar-se heróis nos livros de História, mas durante suas vidas enfrentaram a prisão e a violência física. Os agentes da mudança nem sempre observam as leis, mas ainda que estas sejam meticulosamente observadas, isso não significa proteção. Foi impossível ser organi­ zador de sindicato na década de 1930 ou trabalhador em prol dos direitos civis na década de 1950 sem que o agente fosse surrado, preso ou sofresse até coisa pior. A perseguição aos agentes da mudança e reforma­ dores sociais tem uma longa história. Huss e Servetus foram queimados, enquanto Lutero e Wycliff escaparam por pouco. Florence Nightingale combateu contra a oposição da família, o ridículo, o escárnio público e a difamação, quando tentou mudar a imagem da enfermeira, de mulher relaxada para profissional. Jane Addams recebeu honrarias em sua velhice, em reco­ nhecimento aos atos pelos quais foi injuriada. É provável que os agentes da mudança sejam alvo de honrarias somente depois que estiverem muito velhos ou mortos.

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O desviante como agente da mudança. Muitos agentes da mudança são de algum modo desviantes. O nãoconformista pode, sem o saber, lançar uma nova moda, modo de falar ou passo de dança. Os inventores são gente que gosta de mexer numa coisa ou outra; sentem-se mais excitados pelo desafio de uma nova idéia do que pela possibilidade de ficarem ricos [Bamett, 1953, p. 150-6]. Os reformadores sociais são necessariamente pessoas desencantadas com algum aspecto da situação atual. Sem desviantes não haveria muitas mudanças sociais.

Técnicas persuasivas e abrasivas de promover a mudança

Quase toda sabedoria convencional sobre mudança social recomenda que os agentes da mudança atuem com “tato ” sempre possível. As recomendações-padrão incluem, entre outras, não fazer exigências extremas que possam alarmar as pessoas ou despertar forte oposição; devem agir gradualmente e efetuar a mudança por partes; fazer solicitações que tenham boa finalidade e que sejam tão inócuas e inofensivas quanto possível; apresentá-las como pequenas continuações das tendências e tradições atuais e não como afastamentos radicais; evitar insultar ou antagonizar qualquer pessoa, se possível; supor boa fé e intenções honestas dos oponentes durante o máximo de tempo possível; procurar persu­ asão e consenso, e não confrontação e aspereza. Na década de 1960, numerosos grupos, inclusive ativistas universitários, militantes pretos, protestadores contra a guerra e ativistas dos direitos de bem-estar, inverteram esta sabedoria convencional, seguindo deliberadamente procedimentos abrasivos. O objetivo aparente é despertar, chocar, confundir, alarmar, intimidar e paralisar as figuras de autoridade e “abrandá-las” , até que se disponham a fazer grandes concessões. As táticas incluem o uso de linguagem direta, insultuosa e, algumas vezes, obscena; exigências extremas e amiúde ofensivas, que são táticas promocionais que despertam a consciência e não metas sérias; impugnar e negar a boa fé e os motivos das figuras de autoridade e outros oponentes; obstruir as atividades rotineiras, “sentando-se no meio do caminho” , interrompendo conferências, reuniões e outras formas de demonstração e confrontação [Searle, 1968; W. Anderson, 1969; Massimo, 1969; Etzioni, 1970;Kelman, 1970;Franklin, 1971;Green, 1971;Knott, 1971]. Qual o conjunto de técnicas mais efetivo? Muitas mudanças de política acompanharam as desordens da década de 1960. Pode-se argumentar que os estu­ dantes, mulheres e minorias, não teriam seus direitos tão ampliados se apenas confiassem ou procurassem persuasão de modo suave. Existe alguma evidência de pesquisa, por exemplo, mostrando que as concessões

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do governo e os pagamentos previdenciários aumentaram (temporariamente) nas cidades que tiveram arruaças no decorrer da década de 1960 [Betz, 1974]. É possível que haja algumas situações nas quais somente as técnicas persuasivas produzem resultados, tais como a de promover práticas agrícolas entre povos campesinos, e outras em que os resultados só são alcançados através de técnicas abrasivas. Por exemplo, quando se procura conseguir que alguém cesse de fazer alguma coisa (por exemplo, lograr a suspensão do cumprimento dos regulamentos nos dormitórios estudantis), as técnicas abrasivas podem ter impacto maior. Há necessidade de muito mais pesquisa antes que possam ser obtidas respostas seguras. Técnicas adversárias. A meio-caminho entre as alter­ nativas citadas acima, há uma série de técnicas contestatórias que estão se tornando cada vez mais populares. Por exemplo a negociação coletiva, greves e boicotes, ação afirmativa e processos judiciais coletivos de uma classe. Já não se pode mais esperar que o candidato rejeitado a um emprego, que o pós-graduado que não consegue inscrição para o doutoramento ou que o cliente mal servido se disponham a ficarem quietos como se estivessem mortos. Hoje, qualquer um pode lançar mão de um procedimento contestatório, que envolve tanto a persuasão como as táticas de pressão. Esses procedimentos não incluem o insulto deliberado ou a provocação desnecessária dos adversários, mas tampouco incluem qualquer interesse pelos sentimentos que estes possam ter. As negociações contestatórias freqüentemente se tomam ásperas, na medida em que fazem irromper o processo de conflito. Embora a meta seja a acomodação, toda interação desse tipo tende a descambar para a cólera, para um endurecimento das solidariedades do grupo a que uma pessoa pertence e para alinhamentos mais nítidos numa situação de conflito. Mas em uma sociedade democrática, com muitos interesses e pontos de vista opostos, os relacionamentos desse tipo aumentam juntamente com a crescente igualdade de poder destes diferentes grupos e categorias de pessoas.

Desorganização social e pessoal Efeitos sociais da descoberta e da invenção

Não há mudança social que deixe inalterado o resto da cultura. Até mesmo uma inovação “aditiva” absorve tempo e interesse dos demais elementos da cultura. Certas inovações têm um impacto duradouro. Quando os missionários deram machados de aço aos nativos Yir Yoront da Austrália, o presente pareceu ser um gesto inócuo, mas o machado de pedra estava tão

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fortemente integrado na cultura, que nesta se espalhou uma reação destrutiva em cadeia [Sharp, 1952], 0 machado de pedra era um símbolo da masculinidade adulta. Poderia ser emprestado às mulheres e aos jovens, e os procedimentos adequados para empréstimo do machado eram traços muito importantes da organização social. Quando os superiores machados de aço foram dados indiscriminadamente e se tornaram posses de mulheres e de jovens, o símbolo de autoridade se esvaziou a tal ponto que a própria autoridade ficou obscurecida, as relações se confundiram e as obrigações recíprocas ficaram incertas. A pedra para os machados era obtida muito ao sul e trocada no norte ao longo das rotas de trocas e de um sistema de parceiros de “comércio” que também partilhavam de cerimoniais importantes. Com a substituição pelo machado de aço, os relacionamentos de troca foram desvigorados e perdeu-se esta rica co-participação cerimonial. A perturbação séria e profunda na cultura Yir Yoront deve-se, pois, à simples introdução inovadora do machado de aço. A ilustração é impressionante, mas será que o efeito do automóvel ou do rádio na cultura norte-americana foi de menor alcance? Ogburn [1933, p. 153-6] compilou uma lista de 150 mudanças sociais que atribui ao rádio; e a televisão trouxe ainda mais. Ogburn distingue três formas de efeitos sociais provocados pela invenção: (1) Dispersão, ou os efeitos múltiplos de uma única invenção mecânica, ilustrada pelos muitos efeitos do rádio, ou pelo automóvel, que encurta o tempo de viagem, sustenta uma enorme indústria manufatureira e de serviços, proporciona um mercado para vastas quantidades de gasolina e óleo, aço, vidro, couro e outros materiais, exige um programa maciço de construção rodoviária, altera os costumes de namoro e recreação, promove subúrbios e “centros comerciais” e tem muitas outras conseqüências. (2) Sucessão, ou os efeitos sociais derivados de uma única invenção, significa que a invenção produz mudanças que, por sua vez, produzem outras e assim por diante. A invenção da máquina de descaroçar algodão: (a) simplificou o processamento e tom ou o algodão mais lucrativo; este resultado (b) encorajou o plantio de mais algodão; e (c) o plantio exigiu mais escravos; o aumento da escravatura e a crescente dependência do Sul da exportação de algodão (d) contribuíram para a Guerra Civil que (e) estimulou grandemente o crescimento da indústria de alta escala e o monopólio comercial; estas coisas, por sua vez, (f) encorajaram leis antitruste e sindicatos trabalhistas; e a corrente ainda continua. Conquanto estes acontecimentos não decorressem inteiramente da máquina de descaroçar algodão, ela ajudou a provocá-los. (3) Convergência, ou a reunião de diversas influências devidas a diferentes invenções, que pode ser ilustrada de vários modos. O revólver de seis tiros, a cerca de arame farpado e

o moinho de vento facilitaram a colonização das grandes planícies norte-americanas. O automóvel, a bomba elétrica e a fossa séptica possibilitaram o subúrbio moderno. As armas nucleares, os mísseis interconti­ nentais e os sistemas de detecção pelo radar, na opinião de muitos teóricos militares, tomaram obsoleta a guerra total. Muito se tem escrito a respeito dos efeitos sociais da invenção. Não importa se o novo traço foi inventado pela sociedade ou difundido dentro dela; os efeitos sociais são igualmente grandes por qualquer dos métodos. As armas de fogo “igualaram o tamanho dos homens” e liquidaram com a vantagem de poder do cavaleiro andante e sua armadura; os canhões terminaram com a inexpugnabilidade relativa do castelo medieval e deram mais força ao soberano às expensas da nobreza provinciana. Muitas vezes um traço difundido encontra uma sociedade completamente incapaz de lidar com ele com êxito. Por exemplo, as sociedades primitivas que destilavam suas próprias bebidas, geralmente dispunham de controles culturais quanto a seu uso, mas aquelas que receberam o álcool do homem branco não tinham tais controles e os efeitos em geral foram devastadores [Horton, 1943]. Para citar um exemplo, o esquimó da ilha de St. Lawrence, quando pela primeira vez experimentou o álcool, logo se afundou numa embriaguez que durou* um ano inteiro e não se deu conta da migração anual das morsas; no inverno seguinte, a maioria morreu de fome [Nelson, 1899], As inovações — descobertas, inventadas ou difundidas — podem ser igualmente destrutivas.

Taxas desiguais de mudança

Visto que uma cultura é inter-relacionada, as mudan­ ças em um de seus aspectos invariavelmente afetam outros. Usualmente, os traços afetados se adaptarão à mudança, mas somente depois de decorrido algum tempo. Este intervalo de tempo entre a chegada de uma mudança e o término das adaptações que instiga, é chamado de defasagem cultural, conceito criado por Ogburn [1922, p. 200-13]. Segundo o exemplo relatado por esse mesmo autor, por volta de 1870, uma grande quantidade de trabalhadores começou a ingressar nas fábricas onde sofriam muitas vezes inevitáveis acidentes do trabalho. Mas não foi senão depois de meio século que a maioria dos Estados norte-americanos decidiu promulgar leis de indenização aos trabalhadores. Neste caso, a defasagem cultural foi de aproximadamente cinqüenta anos. Existe uma defasagem cultural quando qualquer aspecto da cultura se atrasa em relação a outro ao qual se relaciona. Provavelmente, a forma mais “univer­ sal” de defasagem cultural nas atuais sociedades

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ocidentais é o atraso das instituições relativamente à tecnologia que se modifica. Por exemplo, na maioria dos Estados norte-americanos, o tamanho de um condado (municipalidade) baseou-se na distância que uma pessoa podia viajar de sua sede e voltar no mesmo dia; apesar da melhoria dos transportes, a unidade municipal ainda subsiste com seu antigo tamanho, o que se tom ou ineficiente para muitas de suas funções. A área metropolitana esparrama-se sobre a confusão de diferentes Estados, municipalidades, cidades e unidades submunicipais, de modo que um planejamento governamental eficiente e o cumprimento da lei se tomam uma impossibilidade. Durante um século inteiro, a urbanização e a industrialização destruíram a possibi­ lidade de que o trabalhador individual garantisse a segurança de sua família, por depender de si próprio, dos parentes e dos vizinhos; somente depois que a Grande Depressão da década de 1930 dramatizou este fato é que se estabeleceram a previdência social, o seguro contra desemprego e outras medidas de bem-estar. Certas defasagens culturais envolvem o atraso de uma parte da cultura material em relação a uma outra parte dela mesma. Durante um quarto de século depois que substituímos o cavalo pelo automóvel, continuamos a construir a garagem atrás da casa, onde costumavam ficar as cocheiras com seus cheiros peculiares. Algumas vezes a cultura material fica defasada em relação às mudanças na cultura não-material. Por exemplo, a pesquisa educacional há muito descobriu que a mobília móvel da sala de aula ajuda a organizar as atividades de aprendizagem; e, no entanto, milhares de salas de aula têm fileiras de carteiras inflexivelmente parafusadas no chão. Finalmente, um aspecto da cultura não-material pode ficar defasada em relação a outros aspectos. Conforme mostra a Fig. 29, a defasagem mundial no recurso ao controle da natalidade, depois dos êxitos brilhantes no controle da mortalidade, 50r Taxa de natalidade — 4 0 por 1 000 37,9 por 1 000 Taxa de mortalidade — 4 0 por 1 0 0 0 Defasagem

14,2 por 1 00 0 1930

1940

1950

_L _

-J___ L.

1960

1970 1973

Fig- 29. Defasagem cultural: controle de natalidade e de morta­ lidade nos países em desenvolvimento. (Fonte: Com base nos dados de Dorothy Nortman e Elizabeth Hofstatter. Population and Family Planning Programs: A Factbook. Reports on Popu­ lation Planning, 6:2, dez. 1974.)

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produziu a explosão populacional que é provavelmente a mais catastrófica defasagem cultural do mundo. O conceito de defasagem cultural aplica-se a diferentes índices de mudança dentro de uma sociedade e não a índices comparativos de mudança entre sociedades. Descreve a desarmonia entre as partes relacionadas de uma única cultura, provocada por taxas desiguais de mudança. As defasagens culturais são mais numerosas em uma cultura que se modifica rapidamente. Elas constituem sintomas, não de uma sociedade atrasada, mas de uma sociedade altamente dinâmica e cada vez mais complexa. Mas ainda que todas as pessoas fossem sábias, objetivas e adaptáveis, elas ainda necessitariam de algum tempo para descobrir quais as adaptações exigidas por uma nova mudança, e de outro tanto de tempo para operar e completar essas adaptações. Na maioria, porém, somos bastante ignorantes sobre matérias além de nossa especialidade, ou somos precon­ ceituosos e orientados por interesses adquiridos, além de não sermos tão adaptáveis como poderíamos pensar. As defasagens culturais são numerosas e persistentes.

Mudança social e problemas sociais

Pode-se definir problema social como uma condição que muitas pessoas consideram indesejável e desejam corrigir [Horton e Leslie, 1974, p. 4-7]. Uma sociedade perfeitamente integrada não teria problemas sociais, porque todas as instituições e comportamentos estariam muito bem harmonizados e definidos como aceitáveis pelos valores da sociedade. Uma sociedade em mudança inevitavelmente desenvolve problemas. Ou as próprias condições se modificam e se tomam inaceitáveis (crescimento da população, erosão do solo e desmatamento criam um problema de conservação), ou os valores que se modificam definem uma velha condição como intolerável (trabalho infantil, pobreza, racismo ou falta de instrução). Os problemas sociais são parte do preço da mudança social. Mas a análise detalhada desses problemas faz parte de um outro livro didático destinado a servir outros cursos.

Desorganização e desmoralização

Conforme foi repetidamente mencionado neste capítulo, todos os novos elementos perturbam até certo ponto a cultura existente. Se uma cultura é bem organizada, com todos os seus traços e instituições bem ajustados, a mudança em qualquer um deles desorganizará esta disposição. No mundo atual, a mudança é mais rápida nos países em desenvolvimento; à medida que um país se aproxima da plena “moder­ nização” , a taxa de mudança se tom a mais lenta

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[Fierabend e Fierabend, 1972], Por isso, são os países em desenvolvimento que estão sofrendo a maior desorganização, tanto por sua alta taxa de mudança como por sua relativa falta de familiarização com o processo de mudança. A modernização e o “progresso” trazem novas agruras a muitos pobres, que suportam o preço resultante da inflação sem partilharem dos benefícios [Scott e Kerkvliet, 1973], A modernização promove novos sistemas de estratificação social e encoraja competição étnica cada vez maior no interior dos países em desenvolvimento [Bates, 1974]. O “progresso” é uma “bênção mista” . Quando uma cultura se torna altamente desorga­ nizada, danificam-se o senso de segurança, o moral e a finalidade da vida de sua gente. Quando as pessoas se sentem confusas e inseguras, a tal ponto que seu comportamento se toma também incoerente, hesitante e contraditório, diz-se que estão pessoalmente desorga­ nizados. Se tal desorganização prosseguir até que percam o sentido de finalidade na vida e se tomem resignados e apáticos, diz-se que essa gente está desmo­ ralizada. Essas pessoas perderam seu moral e muitas vezes também perderam seus controles de comporta­ mento. Um povo desmoralizado provavelmente sofrerá declínio populacional através de menor taxa de natali­ dade, alta taxa de mortalidade, ou ambas as coisas. A possibilidade de um povo completamente desmoralizado simplesmente morrer tem atraído a atenção de numerosos antropólogos [Rivers, 1922; Maher, 1961]. O extermínio do búfalo desmoralizou os índios norte-americanos das Grandes Planícies [Lesser, 1933; Wissler, 1938; Sandoz, 1954; Deloria, 1970]. O búfalo proporcionava alimento, vestuário e abrigo; ao todo, mais de cinqüenta pártes da carcaça do animal eram usadas pelos índios. A caça ao búfalo oferecia o principal objeto dos cerimoniais religiosos do índio, a meta de sua maturação e o caminho paia status e reconhecimento. Seu outro caminho para status - a guerra - também dependia de um amplo suprimento de carne de búfalo. Quando o governo exterminou o animal, visando pacificar os índios, isso também os desmoralizou. Perderam-se as funções que integravam e davam status, do bando guerreiro e da caça ao búfalo. Então os cerimoniais religiosos eram vazios e sem sentido. A economia de caça foi totalmente destruída, e os índios passaram a viver, algumas vezes passando fome, com as dádivas do governo. As metas e valores tradicionais que davam sabor e significado à vida já não existiam mais, e ter como substitutos as metas e valores do homem branco era uma tarefa quase impossível de ser aprendida. Nos poucos casos em que os índios adotaram com êxito a economia do homem branco, isto também em breve foi destruído pela avidez que os brancos tinham pela terra dos índios [Foreman, 1932; Colher, 1947; p. 199-219; Deloria, 1970].

Sofrendo com a destruição de sua própria cultura, com acesso negado à do branco, assolados pelas moléstias que estes transmitiam, e corrompidas pelo álcool que traziam, muitas tribos índias se tornaram profundamente desmoralizadas. A diminuição da população era quase geral e somente em décadas recentes foi que começou a recobrar-se. Esta estória de mudança social devastadoramente destrutiva, desorganização da cultura e desmoralização do povo repetiu-se centenas de vezes na História do mundo. Porém, nem todos os povos nativos desmoralizados por seus contatos com as sociedades ocidentais. Os Palauan da Micronésia chegaram a uma mescla de cultura tradicional e comercialismo ocidental. Com prazer dirigiam caminhões e batiam as teclas de máquinas de escrever a fim de ganharem dinheiro e comprar os tradicionais presentes do clã, e usavam lanchas a motor para transportar batata doce por ocasião de seus festivais tradicionais [Mead, 1955; p. 128], Se a mudança perturba ou não uma sociedade ao ponto da desmoralização, depende da natureza das mudanças, do modo por que são introduzidas e da estrutura da sociedade em que se impõem. Será a mudança menos penosa quando vem lenta­ mente? Não necessariamente. Já que a cultura envolve inter-relações, geralmente é mais fácil aceitar um aglomerado de mudanças relacionadas do que aceitá-las isoladamente. Por exemplo, se um povo primitivo adquire roupa, sem sabão, são previsíveis a sujeira e a doença; se receber roupas sem máquinas de costura, vestir-se-ão com farrapos. Com chão de terra batida para sentarem-se, não havendo lugar para guardar as roupas e outros artefatos, a imundície e a desordem são uma certeza. Mas se todos estes elementos —roupas, sabão, máquinas de costura e casas com assoalhos, prateleiras e armários — forem adotados em conjunto no espaço de uma única geração, estas mudanças podem ser feitas com mais facilidade do que se ocorrerem ao longo de várias gerações. Geralmente, a difusão cultural ocidental converte a vila nativa em uma favela deprimente, não porque o povo adota novos traçòs em excesso mas porque adota muito poucos. Pode até ser psicologicamente mais fácil fazer muitas mudanças do que poucas. Conforme Margaret Mead observou [1956, p. 445-6]: “Um povo que escolhe praticar uma nova tecnologia ou se envolver drasticamente em novas espécies de relacionamentos econômicos, fará isso mais facilmente se viver em casas diferentes, se usar roupas diferentes e ingerir alimento diferente ou cozido de modo diferente” . Grande parte da desorganização social que acompanha a mudança social tem origem no fato de que um povo disposto a adotar novos complexos de traços é impedido de fazê-lo. Algumas vezes se vê bloqueado por seus próprios recursos limitados e outras pela indisposição

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dos brancos dominantes em admiti-los a participarem plenamente na civilização ocidental. 0 terrorismo Mau Mau no Quênia, na década de 1950, foi em grande parte causado pela frustração dos Kikuyu em seu desejo de participarem da civilização ocidental [Bascom e Herskovitz (orgs.), 1959, p. 4]. Portanto, precisamos revisar a noção de que a mudança lenta é necessariamente mais confortável do que a rápida. Em algumas situações, a veloz mudança por atacado de um modo de vida pode ser infinitamente menos perturbadora do que mudanças feitas aos poucos, conforme Mead [1956, cap. 18] demonstrou em seu estudo dos Manu, que se deslocaram da Idade da Pedra para a civilização ocidental em uma única geração. Em parte isso tende a ocorrer porque a mudança lenta permite que se acumulem defasagens culturais, que não serão corrigidas enquanto não se tomarem penosas. A mudança rápida pode realmente produzir menor número de defasagens, porque muitos dos itens rela­ cionados da cultura podem ser mudados ao mesmo tempo. A mudança chegou com estonteante velocidade às sociedades ocidentais contemporâneas. Dentro de poucas gerações, os povos ocidentais passaram de sociedades de fo lk, rurais e agrícolas, à vida em uma sociedade urbana de massa, imensamente complexa, industrial e impessoal. Existirão sociedades ocidentais contemporâneas desorganizadas? Certamente! As de­ fasagens culturais são numerosas em todos os pontos. A escola está constantemente se esforçando a fim de preparar crianças para uma sociedade que se modifica, ainda antes de elas se tomarem adultas. Há um século, o marido e a esposa podiam assumir um papel definido com bastante clareza; hoje, nenhum deles pode estar absolutamente certo do que um ou outro espera e fará em seu casamento. Cada nível de govemo está lutando com tarefas cuja existência poucos de nossos avós teriam imaginado. Emboía os controles tradicionais e informais da sociedade de fo lk estejam falhando em regular o comportamento dos indivíduos neste nosso mundo urbano impessoal, ainda estamos em busca de substitutos que produzam resultados. Não existe um consenso nacional sobre metas ou meios na sociedade norte-americana: a fé difundida em todas as instituições e profissões tem sido minada nos últimos tempos [Harris Poli, 30 set. 1974]. Estes são sintomas de desorganização social - de falha dos controles tradicionais, confusão de papéis e incerteza, de códigos morais conflitivos e de con­ fiança em declínio nas instituições estabelecidas. Em tal sociedade, o povo se toma desorganizado. Muita gente fracassa em internalizar um sistema coerente de valores e controles de comportamento. Um número menor se tom a seriamente desorganizado e fica tão errático e contraditório em termos de comportamento,

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que seus componentes são considerados como mental­ mente enfermos e necessitando de psicoterapia. Se os que adotam estilos de vida contraculturais estão pessoalmente desorganizados ou bem organizados em tomo de uma organização de vida desviante, é uma questão bastante debatida. Se nossa sociedade está assim tão desorganizada, por que não estamos todos mentalmente enfermos? Apesar de nosso índice acelerado de mudança social durante o século passado, a evidência disponível indica que a freqüência de enfermidade mental não aumentou significativamente [Goldhammer e Marshall, 1953; Dunham, 1969; Wagenfeld, 1972], Maior número de pessoas têm sido diagnosticadas e tratadas do que anteriormente, mas isso prova apenas que estão sendo localizados e tratados mais casos de moléstia mental. Medir a freqüência de moléstias mentais, no passado ou no presente, é um problema difícil de pesquisa [Manis e cols., 1964; Phillips e Clancy, 1970]. É possível que hoje haja menos moléstia mental porque fomos capazes de desenvolver personalidades adaptáveis à mudança social [Mead, 1947], As crianças em nossa sociedade estão sendo socializadas para prever e avaliar a mudança. A tensão da mudança pode ser conside­ ravelmente reduzida por uma socialização que busque preparar as pessoas para que elas próprias se adaptem. Visto que os papéis adultos são incertos, procuramos socializar e educar as crianças para funcionarem com êxito em diversos papéis e não apenas em um. Final­ mente, desenvolvemos terapia ocupacional e psiquiatria para as pessoas que não conseguem lograr um padrão de vida satisfatório para si próprias. Atualmente, em grande parte do mundo a taxa de mudança social está-se acelerando. Ainda é uma questão sem resposta se a raça humana pode adaptar-se tão rapidamente quanto, a mudança da vida social. Um escritor popular [Toffler, 1970] cunhou o termo “choque do futuro” para designar tensões e ansiedades

As crianças em nossas sociedades são socializadas para prever e avaliar a mudança.

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provocadas pela mudança rápida. Pesquisas recentes parecem confirmar a tese de que a tensão e a ansiedade estão associadas à taxa de mudança percebida [Lauer, 1974]. Alguns cientistas sociais duvidam que faremos as mudanças necessárias para enfrentar tais problemas como a explosão populacional, a poluição e a exaústão dos recursos naturais. Temem que a civilização possa entrar em colapso com depressão, fome, peste, guerra e caos [Heilbroner, 1974; Laqueur, 1974]. Tal pessimismo não tem nada de novo. O século XV, por exemplo, foi uma época de profundo pessimismo [Huizinga, 1924, p. 22]. O tempo dirá se os “homens de bom temor” de hoje estão mais certos.

Planejamento social: A mudança pode ser dirigida? Haverá possibilidade de controlar e dirigir as mudanças sociais, de modo que sejam menos penosas e onerosas? Os cientistas sociais discordam. Alguns julgam que a mudança social é causada por forças sociais que estão além de nosso controle efetivo [Sorokin, 1941, 1948; LaPiere, 1965], Por exemplo, quando se desenvolve o conhecimento básico necessário, alguém fará uma invenção, ainda que esta seja muito perturbadora para a existência humana. A bomba de hidrogênio é um exemplo. Embora tenhamos o temor de que nos possa destruir, continuamos a aperfeiçoá-la porque os outros farão isso, seja como for. Será que as guerras com os índios poderiam ter sido evitadas? Eles tinham a terra que queríamos para nossa população crescente e nosso progresso com certeza iria destruir seu modo de viver. Os inúmeros episódios brutais e desnecessários foram simplesmente os sintomas, não a causa, de um conflito que era inevitável, diante desses grupos com suas respectivas necessidades e antecedentes culturais. Praticamente qualquer grande mudança social pode ser assim descrita em termos de forças sociais cegas e, por isso, concluímos que o que aconteceu foi mais ou menos a única coisa que poderia acontecer em tal situação. Entretanto, alguns cientistas sociais acreditam que podemos exercer certa influência no curso da mudança social [Manheim, 1949; Bottomore, 1962, p. 283-4; Horowitz, 1966]. Eles acreditam ser possível um certo grau de planejamento. Planejamento social é definido [Himes, 1954, p. 18] como “um processo de interação consciente que combina investigação, discussão, acordo e ação, a fim de instaurar as condições, relacionamentos e valores considerados desejáveis” . Mais simplesmente, planejamento social é uma tentativa de dirigir com inteligência a mudança social [Riemer, 1947; Adams, 1950; Gross, 1967; Bennis e cols., 1969, cap. 1; Kahn, 1969; Havelock, 1973; Friedmann, 1973; Gü, 1973;

Kramer e Specht, 1975]. Em sua obra The Active Society [1968], Etzioni argumenta que, em vez de caminhar sem rumo, uma sociedade pode guiar a mudança social para a consecução de metas sociais humanitárias. Enxerga esta orientação social não como um padrão imposto pela elite governante, mas como resultado dos esforços de públicos de mentalidade ativa que se mobilizam para exigir mudanças conforme suas necessidades e interesses. De qualquer maneira, como os desejos conflitantes de diferentes públicos devem ser conciliados, continua sendo um problema que causa perplexidade. A direção do planejamento social pela elite é caracte­ rística das sociedades comunistas. A tomada de decisão foi altamente centralizada e os planos são extremamente intricados e pormenorizados. Recentemente houve um pouco de descentralização no processo de tomada de decisão na U.R.S.S., com menos ênfase na especi­ ficação de detalhes [Shaffer, 1968; Smolinski, 1968]. O planejamento empenhado em programar praticamente todas as atividades de uma sociedade tem menos êxito do que aquele que se limita somente a uma ou a um pequeno número de atividades ou metas. Esta espécie de planejamento social é uma velha tradição norteamericana. Quando os responsáveis pela Constituição rejeitaram a primogenitura (o procedimento europeu de que as terras passassem intatas ao filho mais velho) e o vínculo (a cláusula que o impede de vendê-las), estes planejadores norte-americanos estavam procurando formar uma sociedade de pequenos lavradores proprie­ tários de terras e não uma sociedade de latifundiários. Este propósito foi reforçado pela Lei de Colonização (Homestead Law) de 1862, que ofereceu pequenas porções de terra a lavradores individuais, em lugar de vendê-la maciçamente aos que pagassem mais. Os decretos de zoneamento, os códigos de obras, a educação pública e a freqüência obrigatória à escola são exemplos de planejamento social. Alguns problemas que solicitam planejamento em nível nacional ou internacional incluem o uso dos recursos hídricos e direitos de pesca no mundo, uso de recursos minerais em águas interna­ cionais e muitos outros. Um crítico do planejamento argumentaria que tais esforços de planejamento na realidade não mudam coisa alguma, sendo simplesmente um modo ligeiramente mais ordeiro de efetuar mudanças que, seja como for, são inevitáveis. O comentário talvez resuma o caso. Com certeza, nenhum planejamento social impedirá ou inverterá uma mudança que está sendo criada por conhecimento e tendências de longo prazo. Não há, por exemplo, maneira de regressar à “vida simples” , nem tampouco é possível através de planejamento imprimir à mudança uma direção contrária aos desejos e valores da maioria das pessoas. Provavelmente as grandes mudanças sociais são incontroláveis, mas o planejamento

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social pode ser capaz de reduzir delongas e custos de integrá-las na cultura.

Sumário Todas as sociedades estão continuamente em mudança. Surgem novos traços através de descoberta e invenção, ou através de difusão de outras sociedades. A taxa de mudança social varia enormemente de uma sociedade para outra e de uma ocasião para outra. Em raros casos, certas mudanças geográficas produzem grande mudança social. Com mais freqüência, a migração para um novo ambiente provoca mudanças na vida social. As mudanças em tamanho ou composição da população sempre produzem mudanças sociais. Já que o isolamento retarda e os contatos culturais cruzados promovem a mudança, os grupos física ou socialmente isolados apresentam poucas mudanças. A estrutura e a cultura da sociedade afetam a mudança. Uma sociedade tradicional altamente conformista ou uma cultura altamente integrada inclina-se menos à mudança do que a sociedade individualista e permissiva com uma cultura menos integrada. As atitudes e valores de uma sociedade encorajam ou retardam muito a mudança. As necessidades percebidas de um povo afetam a rapidez e a direção da mudança. Talvez mais importante de tudo seja a base cultural que proporciona o fundamento de conhecimentos e habilidades necessários ao desenvol­ vimento de novos elementos; quando a base cultural se expande, as possibilidades de novas combinações se multiplicam exponencialmente, enquanto o conheci­ mento em uma área muitas vezes suscita a fertilização cruzada em outras áreas de desenvolvimento. Nem todas as inovações são aceitas. As atitudes e valores de um grupo determinam que espécie de inovações ele tem a probabilidade de aceitar. Se a utilidade de uma inovação puder ser demonstrada com facilidade e sem altos custos, a prova é útil; mas muitas invenções sociais não podem ser testadas, exceto através de completa aceitação. As inovações compatíveis

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são mais prontamente aceitas do que aquelas que colidem com características importantes da cultura existente. As dificuldades técnicas de ajustar uma mudança à cultura existente amiúde causam grande custo econômico e inconveniência pessoal. Normal­ mente os interesses ou direitos que se julgam adquiridos opõem-se à mudança, mas ocasionalmente descobrem que a proposta lhes é vantajosa. A engenhosidade do agente da mudança e sua posição social afetam seu sucesso na introdução de mudanças. A menos que o agen­ te da mudança conheça bem a cultura, poderá falhar em seus esforços, porque geralmente calcula mal as conse­ qüências de suas mudanças e das técnicas necessárias à sua promoção. Promover a mudança através de persuasão com “tato” , insistência abrasiva, ou alguma combinação das duas modalidades em um procedimento abrasivo é escolha discutível, podendo variar com a situação da mudança. A desorganização pessoal e social é um custo da mudança social. As descobertas e invenções, bem como os novos traços e complexos difundidos muitas vezes fazem deslanchar uma reação em cadeia que perturba muitos aspectos da cultura. As diferentes partes da cultura, por mais interdependentes que sejam, não se alteram com o mesmo grau de rapidez. 0 intervalo de tempo entre o aparecimento de um novo traço e o término das adaptações que ele força, chama-se defasagem cultural. Todas as sociedades em mudança rápida têm muitas defasagens culturais e são de certo modo desorganizadas. Em uma sociedade desorgani­ zada, as pessoas que podem ter maior dificuldade em encontrar um sistema de comportamento confortável tomam-se desorganizadas. Quando perdem a esperança de encontrar um modo compensador de conduzir suas vidas e deixam de tentá-lo, tornam-se desmora­ lizadas, e podem na realidade extinguir-se como um grupo. No esforço para apresssar e simplificar este processo e reduzir custos e desperdícios inerentes à mudança social, cada vez mais está sendo tentado o planejamento social. Os cientistas sociais discordam quanto ao grau de êxito que se pode esperar da direção da mudança através do planejamento social.

Perguntas e trabalhos 1.

Por que os cientistas sociais hesitam em usar o termo “progresso”?

2.

Haverá probabilidade de que o processo de difusão reduza o etnocentrismo?

3.

Quais são algumas das características promotoras de mu­ dança na sociedade norte-americana? E algumas de suas características de resistência à mudança?

4.

Será provável que o índice de invenções continue a subir, a baixar ou a nivelar-se? Por quê?

5.

Por que uma pessoa que insiste nos últimos modelos de automóveis, modas e outras coisas, geralmente se sente inteiramente satisfeita com as filosofias sociais antigas?

6.

Por que muitas das pessoas que atualmente consideramos como “grandes” suscitaram controvérsias durante o tempo em que viveram? Quantas conseguiram ser consideradas “grandes” pela promoção de mudança e quantas por im­ pedi-las?

7.

Será possível a um agente da mudança promover uma de grande envergadura sem despertar hostilidades violentas?

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8.

Quais algumas das recentes mudanças sociais em nossa sociedade que você considera indesejáveis? Quais as que considera desejáveis? Que valores você está usando para formar estes juízos?

12. A integração racial substancial nos EUA foi realizada nos últimos anos por meio de ação isolada - uma questão de cada vez. Teria sido mais fácil ou mais difícil integrar rapi­ damente todas as atividades e serviços ao mesmo tempo?

9.

Por que a mudança social tem de ser tão difícil? Por que as pessoas simplesmente não se reúnem, decidem que mudanças são desejáveis e depois as promovem?

13. Poderá o planejamento social modificar a “ natureza humana”? Será preciso que isso aconteça para haver êxito?

10. Avalie a seguinte declaração: “Quanto mais progredimos, tanto menores as defasagens e os problemas culturais que tem os” . 11. Para cada uma das três técnicas alternativas de mudança persuasão, abrasão e ação contestatória - esboce uma mudança de situação em que uma dessas técnicas teria maior probabilidade de êxito.

14. Leia uma das seguintes novelas que descrevem os norteamericanos que atuam como agentes da mudança em outras sociedades, e explique seus êxitos ou fracassos nessa área: Ronald Hardy. The Place o f the Jackals\ Graham Greene. The Quiet Am erican; James Ullman. Windom's Way; Kathryn Grondahl. The Mango Season; Margaret Landon. Never Dies the Dream; Thomas Streissguth. Tigers in the House.

Leitura sugerida Adams, E. M. The Logic of Planning. Social Forces, 28:419. 423, maio 1950. Breve esboço dos princípios do planeja­ mento social em um a democracia. Allen, Francis R. Socio-cultural Dynamics: A n Introduction to Social Change. Nova York, Macmillan 1971. Livro didático sobre teorias de mudança social e cultural. *Appelbaum, Richard P. Theories o f Social Change. Chicago, Markham Publishing, 1970. Resumo conciso do atual pensamento sociológico sobre mudança social. •Bam ett, H. G. Innovation: The Basis o f Cultural Change. Nova York, McGraw-Hill, 1953. Análise de um antro­ pólogo do desenvolvimento e aceitação de inovações. *Bascom, William R., e Melville J. Herskovitz. (orgs.). Continuity and Change in African Cultures. Chicago, The University o f Chicago Press, 1959. Dois ensaios - Simon Ottenberg. “Ibo Receptivity to Change” (p. 130-43), e Harold K. Schneider. “Pakot Resistance to Change” (p. 144-67) - buscam explicar as reações opostas de duas sociedades à mudança social. Bennis, Warren G., Kenneth D. Benne e Robert Chin. The Planning o f Change. Nova York, Holt, Rinehart and Winston, 1969. Livro didático global sobre planejamento e mudança sociais. Breed, Warren. The Self-Guiding Society. Nova York, Free Press, 1971. Popularização da obra de Amitai Etzioni. The Active Society (Free Press, 1969), argumentando que a mudança social pode ser inteligentemente dirigida mobilizando-se grupos de pessoas.

Hanson, Mark. The Improbable Change Agent and the PhB. Rural Sociology, 38:237-242, verão 1973. Interessante relato de como um paciente agente de mudança trabalha para promovê-la em uma pobre municipalidade rural norte-americana. Lee, Dorothy. The Cultural Curtain. Annals o f the American Academ y o f Political and Social Science, 323:120-128, maio 1959. Artigo interessante mostrando, com muitas ilustrações, a necessidade de que os agentes da mudança compreendam a cultura no interior da qual atuam promo­ vendo mudanças. ♦Ogburn, William F. Social Change. Nova York, The Viking Press, 1922. O estudo clássico da mudança social. *Rochlin, Gene I. (org.). Scientific Technology and Social Change: Readings from Scientific American. São Francisco, W. H. Freeman, 1974. Coletânea de artigos sobre tec­ nologia, recursos e energia como fatores na mudança social. Ryan, Bruce F. Social and Cultural Change. Nova York, Ronald Press Co., 1969. Livro didático básico sobre mudança social e cultural. ♦Spicer, Edward H. (org.). Human Problems in Technological Change. Nova York, Russell Sage Foundation, 1952. Livro que descreve numerosas sociedades nas quais foram intro­ duzidas mudanças im portantes, mostrando o processo de adoção e as conseqüências sociais dessas mudanças. ‘ Swanson, Guy. Social Change. Glencoe, 111., Scott, Foresman, 1971. Tratamento conciso da mudança social.

21. M ovim entos sociais

Ontem à noite falei com Jim: "Olhe aqui, faz 10 anos que trabalho na mesma fábrica que você. Entramos e saímos na mesma hora. Mas quem tem de fazer todas as compras sou eu; tenho de aprontar o jantar, lavar os pratos e aos domingos arrebento as costas lavando o chão da cozinha. Já estou cansada de fazer isso tudo. Quero que você me ajude". Sabe o que ele fez? Deu risada. Ele sempre ria quando eu mencionava isso.

Mas ontem à noite eu não quis desistir. E, sabe de uma coisa? Pensei que ele fosse me bater. Parecia estar pronto para me punir. Não me importei, porque eu não ia voltar atrás, houvesse o que houvesse. Talvez você não acredite, mas ele me mataria se soubesse que eu estava contando agora a você que ele lavou os pratos. Pela primeira vez em toda a sua vida." (De Vivian Gornick. Consciousness. New York Times Magazine, 10 jan. 1971, p. 22.)

stas poucas frases introduzem um dos mais recentes e, no entanto, um dos mais antigos de nossos movimentos sociais. Que são movi­ mentos sociais? Por que surgem? Quais as condições sob as quais têm êxito ou fracassam?

o da liberação feminina; revolucionários como o comunismo ou a Nova Esquerda; e muitos outros. Os movimentos sociais não são instituições. As instituições sociais são relativamente permanentes, constituindo elementos estáveis em uma cultura, ao passo que os movimentos sociais são altamente dinâ­ micos e têm uma amplitude de duração incerta. As instituições mantêm status institucionais, isto é, quase todos as consideram como aspectos necessários e valiosos da cultura. Um movimento social carece de status institucional, porque muita gente o considera com indiferença ou hostilidade. Se um movimento obtém apoio geral ou quase universal, seu trabalho é realizado e sua vida ativa, como movimento, termina. Os movimentos sociais também se distinguem das associações. Geralmente, uma associação é uma organi­ zação formal, com membros, dirigentes e uma consti­ tuição escrita. Um movimento social muitas vezes inclui diversas organizações paralelas, mas os movimentos contam muitos participantes que não são membros destas associações de apoio. Alguns movimentos são quase totalmente destituídos de organização.

E

Natureza e definição de movimentos sociais Os sociólogos pioneiros viam os movimentos sociais como esforços para promover mudança. Os mais recentes consideram os movimentos sociais como um esforço para promover ou para resistir à mudança. Por exemplo, Turner e Killian [1957, p. 308] definem um movimento social como “uma coletividade agindo com certa continuidade a fim de promover ou resistir à mudança na sociedade ou grupo de que é parte". Esta definição abrange uma grande faixa de movi­ mentos: religiosos, como o Hare Krishna ou o Movimento de Jesus, ou o interesse popular em experiência psicodélica e ocultismo [Marty, 1970; McFerran, 1972; Zaretsky e Leone, 1974]; movimentos de reforma como

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Algumas vezes os movimentos sociais atuam como grupos de pressão, porém a maioria destes grupos não constitui movimentos sociais. Na maioria das vezes os grupos de pressão meramente desejam que as normas e valores da sociedade sejam interpretados em seu benefício. Mas os movimentos sociais concernem principal e conscientemente à promoção ou a resistência às mudanças reais nestas normas e valores sociais. Ocasionalmente, e só assim, é que os movimentos sociais funcionam como grupos de pressão. As tendências sociais, tais como a migração para os subúrbios ou o aumento do índice de divórcios, não são movimentos sociais; tampouco o são as mudanças em atitudes ou comportamentos, como a crescente aceitação da maconha, por estar faltando o elemento de ação coletiva. Os sociólogos e outros cientistas sociais interessam-se muito pela análise científica de movimentos sociais. Eles os têm estudado de diversas maneiras, inclusive: (1) estudos de observador participante, em que o sociólogo se junta ao movimento a fim de observá-lo por dentro [Festinger e cols., 1956; Lincoln, 1961; Ilfeld e Lauer, 1964]; (2) estudos históricos ou longi­ tudinais, combinando relatórios publicados, docu­ mentos históricos, arquivos dos jornais e outras fontes [Edwards, 1927; Gusfield, 1955; 0 ’Neill, 1969; Unger, 1974]; (3) estudos de filiação comparativa, analisando uma amostra dos membros ou líderes (a) estatistica­ mente, de acordo com idade, sexo, classe, ocupação, educação e outras características, num esforço para descobrir quem se une e por quê [Lipset, 1950; Almond e cols., 1954; Flacks, 1967; Lee, 1968; Aron, 1974] ou (b) por entrevistas e relatos biográficos, a fim de descobrir seus sentimentos e motivos comuns [Crossman, 1949; Emst e Loth, 1952; Kerpelman, 1969; Wilkes, 1970]; (4) análises de conteúdo das declarações e propaganda de um movimento [Lasswell e Blumenstock, 1939].

Situações sociais que propiciam movimentos sociais Os movimentos sociais não “surgem do nada” . Aparecem sempre que as condições sociais são favoráveis e estas terão produzido muitas pessoas que estão prontas e dispostas a promovê-los. Que espécies de condições sociais são favoráveis à emergência e disseminação de movimentos sociais?

Correntes culturais

Mudanças graduais, amplas e avassaladoras em valores ou comportamento estão ocorrendo constantemente

em todas as sociedades civilizadas de hoje (assim também como nas mais primitivas). Estas mudanças são chamadas de correntes culturais. O conceito foi cunhado por Herskovitz [1949, p. 581], que o descreve como um processo “onde as menores alterações modificam lentamente o caráter e a forma de um modo de vida, mas no qual a continuidade do evento é evidente” . No decurso de uma deriva cultural, a maioria das pessoas desenvolve novas idéias do que a sociedade deveria ser e como deveria tratá-las. O longo desenvolvimento da sociedade democrática é um exemplo de corrente cultural. Alguns outros exemplos incluem a emanci­ pação da mulher, a atitude modificada concernente ao lazer e à recreação, e a tendência para aumentar a igualdade em status e renda. Cada corrente cultural surge através da interação de muitos fatores causais. Cada uma delas é muito extensa para ser produzida apenas por um único movimento social, embora um ou mais movimentos possam estar envolvidos no processo de mudança. Assim, as correntes culturais amiúde proporcionam uma oportunidade para que os movimentos sociais impul­ sionem e apressem desenvolvimentos que já tiveram início. No último século, vem ocorrendo uma corrente cultural em prol de direitos mais iguais para todas as espécies de grupos - etários, de sexo, religiosos, políticos, raciais ou étnicos. Esta corrente cultural toma quase uma certeza que os atuais movimentos sociais em busca de igualdade social com os brancos para minorias raciais e étnicas acabarão tendo êxito, ao passo que os movimentos atuais de resistência a essas mudanças acabarão sendo derrotados. Desse modo, as correntes culturais auxiliam ou condenam um movi­ mento social.

Desorganização social e movimentos sociais

“Eu eliminei seu desespero” , disse Nasser ao explicar a dedicação de seus seguidores no mundo árabe. Antes que uma pessoa possa ser líder, é preciso que haja pessoas dispostas a serem lideradas. Não são muitas as pessoas desse tipo encontradas em sociedades estáveis e bem integradas, cujos membros em geral são compla­ centes e seguros, não se sentem descontentes e, portanto, não se interessam por mudança. Raramente esse tipo de pessoa se junta a movimentos sociais. É nas sociedades em mudança — simples ou complexas — que florescem tais movimentos. Até certo ponto, uma sociedade em mudança é sempre desorganizada. Conforme mencionamos no último capítulo, as sociedades diferem muito na rapidez com que se modificam e nos graus em que uma determi­ nada mudança desorganiza a cultura. A desorganização social traz confusão e incerteza aos membros de uma

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sociedade, já que suas tradições não constituem mais um guia confiável para o comportamento. Em uma sociedade desorganizada, os indivíduos tendem a não firmar raízes e a se tornarem anômicos. Leo Srole desenhou uma escala de anomia que revela algumas das características da mentalidade anômica. Em ordem ascendente de intensidade, estas características são: (1) uma sensação de que os líderes da comunidade são indiferentes às necessidades humanas; (2) uma impressão de que se pode realizar pouco em uma sociedade que tende a ser considerada basicamente como imprevisível e desordenada; (3) um sentimento de que a vida da pessoa está deslizando para fora de alcance; (4) um senso geral de inutilidade; e (5) uma convicção de que a pessoa não pode contar com os associados pessoais para apoio social e psicológico [Merton, 1957a, p. 164-9], Com freqüência a anomia é-acompanhada de alienação, que acrescenta sensações de desamparo e de isolamento social (ver a p. 118). Em uma sociedade desorganizada a alienação e a anomia se tornam estados de espírito disseminados. Seus sintomas são confusão, inquietação e sugestionabüidade. As regras que de certa feita foram cumpridas já não parecem mais obrigatórias, e as metas que uma vez foram tão apreciadas já não parecem mais atingíveis, ao mesmo tempo em que outras regras ou metas não parecem valer o esforço. Um ambiente confuso e frustrado dessa espécie é ideal para o surgimento e proliferação de movimentos sociais. A disseminação da Dança do Espectro entre os índios norte-americanos ilustra o relacionamento entre a desorganização social e os movimentos sociais [McKem e McKem, 1970]. Segundo as crenças, supunham os índios que, se esta dança fosse adequadamente execu­ tada, teria o condão de liquidar com o homem branco e assegurar o retorno do búfalo. Originou-se entre os Paiute ao norte de Nevada e disseminou-se em duas ondas, em 1870 e 1890. Todavia, dissseminou-se apenas entre os povos cuja vida tribal tinha sido seriamente perturbada, principalmente pela destruição do búfalo [Lesser, 1933]. Cada tribo participava da Dança do Espectro com intensidade aproximadamente propor­ cional à privação que havia sofrido pela destruição de sua vida tribal [Nash, 1937]. Os Sioux, animados por vitórias recentes e tratados favoráveis, sob o governo de Nuvem Vermelha, ignoraram a Dança do Espectro na década de 1870; mas em 1890, miseráveis e desespe­ rados em uma reserva, adotaram-na avidamente. Os Navajo, que continuaram prósperos e confortáveis durante este período, enfrentavam a Dança do Espectro com bom humor e com indiferença tolerante; mas quando a Grande Depressão da década de 1930 trouxe grande aflição à tribo, os cerimoniais aborígines tiveram notável revivescência [Kluckhohn, 1938], A frustração e a confusão, e não a pobreza e a miséria

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extremas, geram movimentos sociais. As pessoas podem estar emocionalmente seguras e contentes em nível miserável de mera subsistência, desde que seu sistema de valores defina esta privação como condição necessária e apropriada à vida. A corrupção, a desigualdade e a injustiça sociais não condenam necessariamente o sistema. Muitos sistemas sociais permaneceram estáveis e inabaláveis durante séculos, apesar da triste pobreza, corrupção crescente e grande exploração. Tal tipo de ordem social pode sobreviver enquanto a maioria dos membros puder atingir as metas que foi encorajada a buscar. Os seres humanos são tão dúcteis e educáveis que quase qualquer espécie de sistema social lhes parecerá bom se for dotado de um grau mínimo de coerência interna e se forem adequadamente socializados para viverem dentro dele. Portanto, muitas vezes as socie­ dades tradicionais são bastante estáveis até que comecem a mudar; de vez que os costumes e valores sejam questionados, o povo pode sentir uma tremenda inflação de desejos, algumas vezes chamada de “revo­ lução das expectativas crescentes” . As revoluções têm mais probabilidade de ocorrer, não quando as pessoas se sentem mais miseráveis, mas depois que as coisas começaram a melhorar [Brinton 1938, p. 40-4; Street e Street, 1961]. Aparentemente, o que acontece é que, embora as pessoas tenham começado a viver melhor, sua escala de carências se expande muito mais rapi­ damente, e se sentem mais frustradas do que nunca. As revoluções e outros levantes têm grande probabilidade de irromper depois que uma ‘Virada” descendente interrompe um período de melhoria, criando um hiato insuportável entre expectativas crescentes e queda das realizações [Davies, 1962;Geschwender, 1968],

Descontentamento social

O descontentamento social é uma insatisfação geral disseminada com a sociedade existente. Tem pelo menos três raízes: privação relativa, percepção de injus­ tiça e incoerência de status.

O conceito de privação relativa.

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Privação relativa. O conceito de privação relativa, proposto por Stouffer [1949], significa que uma pessoa se sente em privação, dependendo do hiato entre o que ela tem e o que julga que deveria ter [Morrison, 1971], Os lavradores na Organização Nacional de Fazendas sentiram-se lesados quando compararam sua renda e horas de trabalho com as dos operários [Morrison e Steeves, 1967]. Os maiores descontentamentos e protestos dos estudantes superiores na década de 1960 surgiram, não nas escolas inferiores com atmosfera conformista e pouca liberdade estudantil, mas nas escolas melhores e mais liberais, onde as expectativas dos estudantes eram altas. Conseqüentemente, as escolas onde os estudantes tinham a menor causa objetiva para queixa, foram não obstante as que mais se ressen­ tiram do hiato entre o que os estudantes esperavam e as realidades institucionais [Keniston, 1969, p. 238], Sempre que as esperanças e expectativas se elevam mais depressa do que as realizações, aumentam os sentimentos de privação relativa. A privação relativa está aumentando na maioria do mundo subdesenvolvido. As tradicionais sociedades de fo lk estão sendo desorganizadas rapidamente. No mundo inteiro, os povos empobrecidos estão adquirindo a noção de que a pobreza, a fome e a doença não são necessárias. Estão começando a ansiar por bicicletas, rádios, refrigeradores e todas as demais coisas que reluzem o longo da ladeira dos infindáveis desejos em ascensão. Estão sôfregos por estes tesouros, mas têm pouco entendimento real do que é necessário para consegui-los. Por isso, quando o povo está começando a conseguir algumas das coisas que almeja, as satisfações chegam com um vagar torturante e insuportavelmente frustrador. Geralmente, um enfraquecimento dos controles tradicionais e tribais acompanha esta enorme inflação de desejos. Será uma realização digna de nota se as áreas subdesenvolvidas conseguirem levar avante uhi programa ordeiro de desenvolvimento econômico e social. Entrementes, a explosão populacional nos países subdesenvolvidos, juntamente com as limitadas oportunidades rurais, está enviando hordas de campesinos para as cidades, onde se amontoam em esquálidas favelas suburbanas, conforme as descritas na p. 366. Sem instrução e treinamento, muitos estão desempre­ gados e amiúde passam a partilhar da “cultura da pobreza” que Oscar Lewis descreveu tão eloqüentemente [1959, 1963a, 19636, 1965, 1966a, 1966*]. Separados da família extensa e da vida da vila, que anteriormente tomavam sua pobreza tolerável, e incapazes de entrar com êxito na cultura urbana, estes infelizes alienados e sem raízes são a tropa de choque potencial para os movimentos revolucionários de amanhã. Percepção de injustiça. A injustiça social não é um fato social objetivo; é um juízo de valor subjetivo.

Será justo ou injusto que uma pessoa tenha dez ou dez mil vezes tanto quanto outra possui? Isto depende das crenças e valores da pessoa. Em muitos países as massas vivem em pobreza abjeta enquanto os ricos vivem em esplendor sibarítico, virtualmente não pagam impostos e bloqueiam todas as tentativas de reforma social. Será injusto um sistema social dessa espécie? Provavel­ mente é o que pensará a maioria dos leitores; mas o fato de um sistema social ser justo ou injusto não é uma questão crucial. Somente quando um sistema social é percebido como injusto por seus membros é que eles se frustram e se alienam. Assim, a injustiça social perce­ bida proporciona o desejo de mudança e a justificação moral para, se for necessário, quebrar cabeças para consegui-la [Turner, 1968], A sensação de injustiça não se limita aos miseravel­ mente pobres. Qualquer grupo, em qualquer nível de status, pode sentir-se vítima de injustiça social. Uma classe rica, acreditando firmemente que sua riqueza e privilégios são justos e próprios, pode sentir uma impressão intensa e justificada de injustiça quando se defronta com tributos “confiscatórios” ou com políticas de reforma agrária que tencionam beneficiar os outros. É impossível estabelecer se tais políticas são “objetivamente” justas, porque “justiça” é uma questão de valor. Mas uma sensação de injustiça social proporciona solo fértil para movimentos sociais, tanto entre ricos e pobres como entre os que se acham em situação intermediária. Incoerência áe status. A incoerência de status, descrita nas p. 92-93, desenvolve-se quando os diversos status de uma pessoa não são coincidentes [Lenski, 1954; Goffman, 1957; Malewski, 1966]. As pessoas com fortes sentimentos de incoerência de status têm a probabilidade de sentirem-se lesadas e impropria­ mente reconhecidas e recompensadas. Estes três fatores — privação relativa, percepção de injustiça e incoerência de status — quando presentes na mesma pessoa, propiciam o descontentamento e a disponibilidade para aderir a movimentos sociais.

Pró-condições estruturais dos movimentos sociais

Em uma síntese provocativa, Stockdale [1970] sugere cinco pré-condições para o aparecimento de ação coletiva: (1) descontentamento social-, (2) bloqueio estrutural (barreiras na estrutura social que impedem as pessoas de eliminar as suas fontes de desconten­ tamentos); (3) contato (interação dos descontentes); (4) eficácia (expectativa de que a ação proposta aliviará o descontentamento); e (5) ideologia (massa de crenças que justificam e apóiam a ação proposta). Quando estão presentes todos estes itens, é quase

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inevitável a ação coletiva. 0 Quadro 34 mostra a aplicação de Stockdale desta síntese de diversos movimentos sociais recentes. Uma síntese desta espécie, se sólida, deve permitir-nos prognosticar o surgimento de movimentos sociais no futuro próximo. Um estudo longitudinal seria condição necessária para testar as proposições de Stockdale.

Suscetibilidade pessoal a movimentos sociais Em uma sociedade estável, bem integrada, com muito poucas tensões sociais ou grupos alienados, há poucos movimentos sociais e poucas pessoas neles interessadas. As pessoas contentes raramente se juntam a movimentos sociais. Os que estão em paz consigo mesmos e com sua sociedade, provavelmente estarão totalmente absorvidos em suas próprias atividades. Em geral vêem os movimentos sociais de modo bemhumorado, indiferentes ou hostis. Mas em uma sociedade em mudança, constantemente desorganizada, a pessoa inteiramente contente é uma raridade. Nesse tipo de sociedade mais pessoas acreditam perceber injustiça social e se tornam insatisfeitas ou alienadas. São os insatisfeitos que formam os movimentos sociais. Os frustrados e os deslocados, os inquietos e sem raízes, os que na monotonia se ocupam com trivialidades, os que espumam hostilidade, os que se sentem oprimidos pela futilidade de suas vidas atuais, os que se enraivecem contra o que percebem como injustiça social - estes são o material de que se nutre a maioria dos movimentos sociais. Notemos algumas das circunstâncias aparente­ mente associadas a tais estados de espírito.

Mobilidade

As pessoas que se deslocam têm pouca chance de criar raízes e se tomarem integradas na vida da comuni­ dade. Sua mobilidade não apenas enfraquece o controle da comunidade sobre elas, mas também impede que tenham as satisfações emocionais de pertencerem realmente ao grupo local. A Califórnia, cuja população dobrou em menos de uma geração, parece ser o nasce­ douro de mais movimentos, cultos e seitas do que qualquer dos diversos Estados combinados, ao passo que em Estados de baixa mobilidade, como Vermont, um agitador pode dirigir-se às maiores multidões em um sussurro. Quando a mobilidade é impingida às pessoas por circunstâncias que se alteram, elas necessitam ainda mais de um movimento social como refúgio emocional. O estudo de Cohn [1975] dos movimentos messiânicos na Europa na Idade Média, constatou que as fantasias milenares eram mais fortes entre os camponeses

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erradicados que haviam sido expulsos das terras, passando a trabalhadores urbanos ou mendigos e desempregados, Sofriam os efeitos da mobilidade geográfica combinada com a mobilidade social descendente. Mas a mobilidade de qualquer espécie quase sempre produz movimentos sociais. Naturalmente, devemos estar lembrados de que isto é um relacionamento conjunto de causa e efeito. Isto é, muitas pessoas são móveis porque não têm raízes, e muitas não têm raízes porque são móveis. Não importa quais sejam as circunstâncias, os grupos de alta mobi­ lidade geralmente proporcionam mais do que seu quinhão de conversos de um movimento.

Marginalidade

Os que não são totalmente aceitos e integrados em um grupo, são chamados de marginais. O conceito de marginalidade está mais totalmente explicado na p. 264. As pessoas marginais têm a probabilidade de se sentirem inseguras, ansiosas por aceitação e acabam ressentidas com tudo que n lo lhes foi concedido. Em outras palavras, estão cônsdas de uma discrepância entre sua auto-imagem e a imagem do público a seu respeito; e esta incoerência causa frustração. Muitas vezes parece que a m arg in alidade produz superconformida.de, conforme demonstram o patrio­ tismo extremado de cidadãos recém-naturaliza dos, o zelo incansável do novo converso religioso ou a etiqueta meticulosa dos novos ricos. Porem, algumas vezes as pessoas marginais abandonam esta busca de aceitação e juntam-se a snt m n riimmtn sodal impopular, como que para dizer. "AiqjiL pelo mesas. alguém me com­ preende!”' de fetn: t —í~iàj fa rte dz e liderança de muitos rro^ —arcos jGcüÈa pance ter tido origem nos grupos o ite u íh s da. jc a e ú iõ f [L x s a d l e Blumenstoek. 1939. 2W-3W!; BBmilsr,. 1951). Isto não significa «çk jemeaae imeztt.3&. ÍN© a » ii£t CtoagmTÜw CasEoonwealth Federadog. r a ró n ia s i goMnii© s a a á tg g em Saskat-

As pessoas contentes raramente se juntam a movimentos sociais.

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quando este tópico interessou aos estudiosos, produ­ ziram boa quantidade de provas de que aqueles que julgam estar sofrendo mobilidade descendente são anormalmente hostis para com outros grupos e, com freqüência maior, são violentos e autoritários em suas atitudes sociais [Bettelheim e Janowitz, 1950, p. 55 e segs.; Srole, 1956; Kaufman, 1957], sendo portanto bons candidatos a movimentos sociais [Geschwender, 1968]. Na Alemanha, os lavradores que votaram mais pesadamente em Hitler entre 1932 e 1934 não foram os ricos nem os pobres, mas os tipos de lavradores comerciais mais vulneráveis às mudanças de mercado [Loomis e Beagle, 1946; Heberle, 1951, p. 222-34], Em outras palavras, os fazendeiros que temiam ficar pobres passaram a ser nazistas com mais regularidade do que os que já eram pobres. Mas todos os observadores do nazismo concordam em que o maior apoio antes de os nazistas terem conquistado o poder veio dos lojistas da classe média-baixa, de comerciantes e artesãos que, tendo perdido suas poupanças na inflação de Isolamento social pós-guerra, viam-se agora apertados entre os ganhos do trabalho organizado e a racionalização da produção Inúmeras pesquisas mostram que as pessoas e os e distribuição pelas grandes empresas e lojas de departa­ grupos isolados da comunidade são mais alienados e mentos [Gerth, 1940; Mannheim, 1940, p. 102 e segs.; mais receptivos aos movimentos de massa do que aqueles Fromm, 1941, p. 211-6]. Os mesmos grupos formaram cujo status e trabalho os integram na comunidade. o núcleo do movimento poujadista francês na década Komhauser [1959, p. 159] diz que “( • • • ) os intelectuais de 1950, movimento de revolta tributária com centro franco-atiradores parecem estar mais predispostos aos entre os pequenos lojistas, que se sentiam ameaçados movimentos de massa do que aqueles que pertencem pelo varejo das grandes organizações [Heberle, 1956; a entidades consolidadas, especialmente universidades” . Lipsedge, 1956]. A reação mais violenta às marchas Os grupos trabalhadores mais receptivos a movimentos e manifestações lideradas por Martin Luther King sociais, especialmente aos violentos, são aqueles cujo se fez sentir nos bairros da “aristocracia” da classe trabalho os afasta da sociedade maior, como mineiros, trabalhadora, cujos residentes, muitas vezes da primeira marítimos e estivadores [Komhauser, 1959, cap. 12]. ou segunda geração de imigrantes, tinham-se arrastado Seja pela localização geográfica ou por efeitos da para fora das favelas e temiam que os vizinhos pretos estrutura social, estes trabalhadores têm poucos voltassem a recriar a favela da qual haviam escapado contatos sociais com outros grupos da sociedade. [Giles, 1967]. Um estudo [Rother, 1967] dos membros Raramente pertencem a associações voluntárias de da Sociedade John Birch constatou que, em comparação filiação mista, que florescem entre outros grupos. Têm com um grupo de controle de não-membros, os que poucas oportunidades de participar na vida formal e pertenciam a essa sociedade tinham tido muito mais informal da comunidade; seus vínculos com a ordem mobilidade, principalmente descendente, e o estudo estabelecida são fracos, e se tornam assim mais facilmente concluiu atribuindo seu extremismo político às suas mobilizáveis para derrubá-la. frustrações quanto a status. Provavelmente nada pode mais inspirar um movimento social do que uma ameaça percebida à segurança econômica e ao status social Mudança de status social de algum segmento da sociedade. chewan, os líderes estabelecidos entre os lavradores tomaram-se membros ativos da CCF; e no entanto, entre os empresários da cidade, somente os marginais é que se juntaram [Lipset, 1950], Porém, já que o movi­ mento não refletia os valores predominantes da comuni­ dade empresarial, atraiu os empresários cuja aceitação marginal os havia impedido de internalizar totalmente os valores do grupo empresarial. A maioria dos movimentos extrai muitos de seus primeiros membros e líderes das pessoas ou grupos marginais da sociedade. As pessoas marginais são mais suscetíveis porque se sentem ansiosas por aceitação em algum lugar e estão menos firmemente solidárias com as normas e valores dos grupos que as aceitaram apenas parcialmente. Mas enquanto um movimento não tiver êxito em atrair também os líderes e decisores do grupo a que visa, em geral permanece fraco e sem produzir efeito.

Não há evidência de que a atividade em movimentos sociais seja mais intensa em um nível de classe do que em outro, mas ao que tudo indica uma mudança de status tende a aumentar a suscetibilidade. A mobilidade ascendente leva uma pessoa a novos grupamentos de classe, em que sua posição é marginal e onde se sente algo insegura. Mas uma perda de status social, ou ameaça de perda, é ainda mais perturbadora. Há alguns anos,

Falta de laços de família

O conselho “case-se e assente a cabeça” não é apenas uma peça de retórica; é na realidade o que acontece. Quando um casal consegue uma pequena casa com uma grande hipoteca e a responsabilidade de novas bocas a alimentar e pés a calçar, cada um pode perder

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Pré-condições estruturais para a emergência de ação coletiva — quatro exemplos.

V A R IÁ V E IS

Arruaças de gueto

Descontentamento (desigualdade)

Bloqueio estrutural

A lto nível de descontentamento. Insum os de educação. habilidades e energia tendem a ser desigualmente recompensados — baixos níveis de

Contato

Eficácia

Ideologia

Esforços individuais para melhorar a situação bloqueados por discriminação em emprego, habitação, etc.

A lto nível de contato entre habitantes alienados do gueto. Massa crítica de partidários potenciais.

A lto s custos de ação coletiva. embora os indivíduos possam perceber baixos custos potenciais pessoais. Baixas probabilidades de eliminar o descontentamento.* Satisfação provável em atuar contra o sistema.

Questionada a legitimidade do atual sistema tanto em níveis locais com o societários. Os brancos e a "burguesia preta" são retratados com o exploradores coloniais.

renda, privação cultural.

Greve das uvas de Oelano

A lto nível de descontentamento. Os insum os de esforço físico e de habilidades recebem menos compensações d o que poderiam ser conseguidas em emprego fora da lavoura.

0 indivíduo é incapaz de melhorar a situação por aumento de esforço. habilidades ou negociação. Discriminação.

Os migrantes na área de Delano são geograficamente menos móveis do que os migrantes em outras seções do país. M aior contato por períodos mais longos.

Custos baixos de participação em relação aos resultados potenciais.f A negociação coletiva obteve êxito na indústria.

O s plantadores são retratados com o capitalistas abastados e gananciosos que exploram os migrantes. Aceitação de negociação coletiva.

Protesto estudantil (ativo)

Altos níveis de descontentamento. Os estudantes se recusam a serem "p ro ce ssa d o s" por um sistema burocrático impessoal e "canalizados para uma sociedade injusta". M uitos estão altruisticamente preocupados com as situações de desigualdade das minorias.

O s esforços individuais para "trabalhar através dos canais" usualmente não produzem resultados.

Ocorrem protestos somente quando a "m assa crítica" de estudantes insatisfeitos se encontra em contato freqüente.

Geralmente as sanções não são severas nos primeiros casos de protesto estudantil.*

A universidade é retratada com o um sistema burocrático impessoal que processa os estudantes e os canaliza para uma sociedade injusta.

Organização dos Lavradores Nacionais (N F O )

A lto nível de descontentamento. Os insum os de

0 indivíduo quase não tem influência sobre os preços recebidos e somente exerce controle limitado sobre os custos de produção.

Os partidários potenciais são procurados pelos recrutadores. A s reuniões são "rito s de intensificação".

Custos baixos para os participantes em relação aos resultados

Os processadores e distribuidores de produtos agrícolas são retratados com o exploradores dos lavradores. Aceitação da negociação coletiva.

*

t

educação, habilidades, capital e energia recebem compensações mais baixas do que em trabalho fora da lavoura.

potenciais.f A negociação coletiva teve êxito na indústria.

Para qualquer dado nível de descontentamento, a emergência de ação coletiva em geral é positivamente relacionada à eficácia da ação coletiva (inversamente relacionada â severidade das sanções). Quando o nível de descontentamento é m uito grande, a ação coletiva pode ocorrer mesmo com a ameaça de sanções extremas, Os custos e recuperações para os grevistas das uvas e os membros da N F O são principalmente econômicos. O s líderes tentam convencer os partidários potenciais de que a probabilidade de sucesso é alta e as recuperações potenciais são grandes. O s custos para indivíduos específicos, porém, podem ser altos. F O N T E : Citado com a permissão de Jerry D. Stockdale. Structural Preconditions for Collective A c tio n ", trabalho apresentado na reunião anual de 1970 da Sociedade de Estudos de Problemas Sociais.

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o ânimo paia correr às barricadas! Quanto mais extre­ mista e impopular um movimento, tanto mais fortemente os laços de família desencorajam a participação de uma pessoa. A atividade em um movimento social consome tempo e compete com as responsabilidades familiares. Uma pessoa com uma vida de família cálida e satis­ fatória não tem necessidade emocional de encontrar uma causa para encher o vazio emocional de sua vida, a razão principal no entender dos estudiosos para que as pessoas acabem aderindo a movimenos sociais [Hoffer, 1951]. Geralmente, os estudos de filiação a movimentos sociais têm constatado uma parte desproporcional dentre os membros que não têm famílias ou delas se acham separados. É o que acontece especialmente com os movimentos mais radicais. Assim, o estudo de Emst e Loth [1952, p. 1-15] sobre o antigo Partido Comunista, verificou que a maioria de seus membros se juntaram ao partido antes dos 20 anos, quando ainda não eram casados e enquanto se debatiam em amargos conflitos de emancipação com os pais. Durante a década de 1930, os jovens com forte necessidade emocional de dizerem a seus devotos pais empresários, batistas e republicanos “Você não pode dirigir minha vida” , muitas vezes ingressaram no Partido Comunista. Há uma década poderiam ter entrado na Nova Esquerda ou engrossado as fileiras de hippies desistentes da escola; hoje estão se unindo ao movimento Hare Krishna ou de Jesus. Um psiquiatra, depois de entrevistas psicanalíticas com uma amostra de revolucionários dos campus, conclui que a maioria provém de lares que aparentemente eram permissivos, mas nos quais os pais se afastavam e abandonavam emocionalmente os filhos. Diz que a falha dos pais em prover segurança e orientação deixou estes filhos imaturos e carentes de confiança e capacidade para seguirem metas convencionais na vida [Hendin, 1971], Um outro estudo, apoiando a tese da imaturi­ dade, constatou que as percepções da realidade de uma amostra de ativistas do segundo grau, se assemelhavam mais às de crianças nas escolas primárias do que às de estudantes não-ativistas do segundo grau [Crain e Crain, 1974]. Mas alguns estudos discordam desta análise e constatam que tais fatores antecedentes não são muito importantes [Aron, 1974], Seja como for, não há pesquisa suficiente que permita generalizações psiquiátricas a respeito dos revolucionários do campus ou de outros movimentos ativistas. Serão eles pessoas imaturas ou instáveis que estão deslocando o foco de seus próprios conflitos emocionais para o âmbito da sociedade? Ou estãò destemerosamente desmascarando a hipocrisia e a exploração de uma sociedade injusta? É possível que as duas proposições estejam certas de algum modo. Já que uma vida de família, estável e estreitamente unida desencoraja atividade em movimentos sociais, a maioria dos movimentos revolucionários, desde a

primitiva cristandade até a Nova Esquerda, tem atacado a família. O Apóstolo Paulo aconselhou os cristãos a permanecerem solteiros e sem distrações. Um dos primeiros passos do novo governo comunista da China foi lançar um vigoroso ataque calculado à família extensa, visando minar a autoridade familiar, cortar as linhas de obrigação para com a família e transferir as lealdades pessoais e liames emocionais da família para o Partido Comunista [Chandrasekhar, 1959; Yang, 1959]. Mas um novo regime, depois de estar firme­ mente estabelecido, apóia e usa a família como força conservadora e estabilizadora. Assim, o primitivo regime comunista na URSS atacou a família, endossou o amor livre, ridicularizou a autoridade dos pais e encorajou o divórcio por “cartão postal” ; na URSS hoje, apóia-se a autoridade dos pais, o divórcio é extremamente difícil, a moral pública é puritana e a vida afeiçoada de família é oficialmente encorajada [Alt e Alt, 1959; Karchev, 1961; Leslie, 1973, p. 136-8], Não existe incoerência nesta meia-volta. Ela simplesmente revela um movimento revolucionário em diferentes estágios de sua evolução.

Desajustamento pessoal Nas páginas precôdentes insinuamos repetidamente que os desajustados são especialmente suscetíveis aos movimentos sociais. São os que não conseguiram encontrar um papel satisfatório na vida e um status seguro e confortável e que, conscientemente ou não, têm de buscar alguma coisa que dê finalidade e signifi­ cado às suas vidas. Em uma discussão muito penetrante, Hoffer [1951, p. 45-6] distinguiu os desajustados temporários dos permanentes. Os temporários são “pessoas que não encontraram seu lugar na vida, mas ainda esperam encontrá-lo” . Os adolescentes, os diplomados de cursos superiores que se vêem momen­ taneamente desempregados, os veteranos desmobili­ zados e os novos imigrantes são alguns exemplos. Inquietos, frustrados, temerosos de que a boa oportu­ nidade possa escapar constituem boa “carne” para movimentos, mas não são dignos de muita confiança. Tão logo possa a sociedade lhes oferecer cargos com­ pensadores e bons status, eles provavelmente perderão o interesse por movimentos sociais. Os desajustados permanentes são os que, em decorrência de seu talento limitado, ou de alguma barreira social intransponível, estão para sempre bloqueados no acesso ao papel e status pelos quais ansiam. O pintor ou escritor que não logra êxito, o artífice de meia-idade cujo ofício é destruído pela automação e que precisa competir como trabalhador não-especializado, o solteiro que deseja desesperadamente um lar e filhos mas sem a esperança de consegui-los — são desajustados perma­ nentes, já que há pouca perspectiva de que jamais

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encontrem um papel e status na vida capazes de canalizar e absorver seus interesses. Permanecem frustrados e com a necessidade emocional de algo que preencha o doloroso vazio de suas vidas. Serão, então, os movimentos sociais apenas um refúgio para os fracassados sem lar e para os desajustados da sociedade? ‘Será que essas pessoas se juntam a um movimento em uma espécie de reflexo emocional e não como um ato de julgamento intelectual? Até certo ponto, sim. Segundo Heberle [1951, p. 113], “os neuróticos, desajustados, desequilibrados ou psicopatas parecem ser atraídos não tanto pelas idéias [de um movimento] como pela sensação de identidade, de pertinência, que apazigua seus sentimentos de insegu­ rança, desamparo e isolamento” . Certamente há fatores racionais e não-racionais envolvendo a participação no movimento. Pelo menos em alguns casos, o autointeresse racional está na base do comportamento da pessoa engajada em movimentos sociais [Olson, 1965; Oberschall, 1973]. Em outros casos, os fatores não-racionais podem ser mais importantes. Uma jovem ativista que morreu em um acidente enquanto fabricava uma bomba, foi descrita por um de seus colegas nas seguintes palavras: “Angel não precisava necessariamente acreditar em revolução. Ela apenas queria acreditar. Penso que ela teria entrado em qualquer coisa, fascista ou revolucionária, desde que não tivesse uma linha ambígua e complicada” [Wolff, 1974, p. 18], Os membros de movimentos extremistas muitas vezes passam de um movimento que professa um conjunto de crenças para outro que professa um conjunto oposto de crenças com muito pouca dificul­ dade intelectual. Assim, “Hitler considerava os comu­ nistas alemães como nacionais socialistas em potencial. ( . . . ) O capitão [nazista] Roehm se jactava de que podia transformar o comunista mais vermelho em um nacionalista, dentro de quatro semanas. Por outro lado, Karl Radek [comunista] considerava os Camisas Pardas (S. A.) como uma reserva para os futuros recrutas comunistas” [Hoffer, 1951, p. 17]. Posterior­ mente a História demonstrou que todos estes homens estavam certos. Embora seja perigoso generalizar a respeito de motivos, tal evidência parece sustentar a crença de que muitas pessoas se juntam a movimentos extremistas a fim de satisfazerem suas compulsões emocionais, ao passo que os programas racionais destes movimentos são menos importantes à medida que os anseios emocionais dos membros sejam satisfeitos. Os movimentos menos extremistas são igualmente irracionais? Provavelmente não. Quando um movimento expressa um crescente consenso de opinião entre os membros mais influentes da sociedade, como o movimento da temperança no século XIX [Gusfield, 1955], como o fez a Federação Cooperativa daCommonwealth em Saskatchewan [Lipset, 1950] ou como o

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movimento dos direitos civis na década de 1950, tal movimento atrai os líderes responsáveis da comunidade, não os desajustados. Provavelmente, a maioria dos membros de um movimento encontra algum elemento de compensação emocional em sua atividade, como quase todos nós o encontramos em nosso próprio comportamento. Mas a evidência não justificaria uma conclusão de que os movimentos surgem unicamente da necessidade que as pessoas têm de mitigar suas coceiras emocionais. Todas as condições acima ajudam a preparar as pessoas receptivas ao apelo de um movimento social. Esta receptividade não “causa” importantes movi­ mentos de massa. A menos que haja profundo e disseminado descontentamento social, qualquer movimento resultante apenas da sofreguidão dos desajustados por uma cruzada não terá futuro. Mas quando a inquietação social é intensa e a alienação e a anomia se tomam normais, os sem-lar, os que estão pendurados nos penhascos de status e os desajustados se tomam tropas de choque de movimentos de massa que podem atear fogo a uma nação inteira. As conse­ qüências finais dependem das ações dos líderes respon­ sáveis da sociedade. Se perceberem injustiças sociais que necessitam de correção e tensões sociais que precisam de solução, assumem a liderança e canalizam este protesto de massa através de reformas sociais construtivas, e as características principais do sistema social podem ser conservadas. Mas se procurarem bloquear as reformas sociais apaixonadamente procu­ radas e que há muito estão atrasadas, como fizeram os franceses do século XVIII, ou os aristocratas russos do início do século XX, eles garantem a destruição eventual do sistema social.

Tipos de movimentos sociais Nem sempre é fácil classificar os movimentos sociais, porque algumas vezes um movimento é de natureza intermediária ou mista, ou é diferente em diversos estágios de seu curso. Como sempre, as categorias abaixo são “tipos ideais” , dentro das quais os movi­ mentos se ajustam mais ou menos perfeitamente.

Movimentos migratórios

Depois da Revolução Americana, estima-se que 100.000 simpatizantes britânicos fugiram ou foram exilados, principalmente para o Canadá [Brown, 1969]. Após a Guerra Civil, cerca de 10.000 sulistas deixaram o país em vez dè suportarem a Reconstrução ianque e estabeleceram colônias no México e no Brasil [Nunn, 1956; Ross e Kemer, 1958]. Algumas vezes, o descon­

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tentamento com as circunstâncias reinantes, juntamente com o engodo das distantes pastagens mais verdes, leva grande número de pessoas a migrar. O mero fato de que muitas pessoas migram não cria um movimento social migratório, nem tampouco se cria apenas pelo número de pessoas que se mudam, cada uma por razões as mais variadas. Temos um movimento social migratório quando há um foco comum de descontentamento, um propósito ou uma esperança partilhada para o futuro e uma dis­ cussão amplamente partilhada para mudança em direção a uma nova localização, não importando se a migração é de um grupo organizado ou de indivíduos e famílias. A migração rumo ao Norte pelos pretos do Sul começou a assumir as proporções de um movimento social por volta da Primeira Guerra Mundial, e somente há pouco tempo é que começou a diminuir. Um exemplo mais espetacular é a migração de mais de 750.000 irlandeses, já economicamente desesperados e politicamente descontentes, que deixaram seu país nos cinco anos seguintes aos grandes fracassos nas colheitas de batatas que tiveram início em 1845 [Morehouse, 1928], Em 17 anos, antes de ter sido erguido o Muro de Berlim em 1961, mais de 4 milhões de alemães orientais fugiram da monotonia cinzenta da República Democrática Alemã. Isto representou mais de um quarto da população desse país, o que fez com que se tomasse a maior das migrações em massa da História [Gilroy, 1961;Bailey, 1961], Hoje, freqüentemente a migração é difícil. Cada país comunista no mundo tem cercas, guardas armados e cães policiais para manter seu povo dentro, enquanto as democracias capitalistas, apesar de todas as suas imperfeições, têm guardas e cercas para manter fora possíveis migrantes. A migração nem sempre está ao alcance dos povos aflitos.

as Nações Unidas procuraram resolver a pendência árabe-judia, repartindo a Palestina em estados separados, a população judia na Palestina tinha apenas 35% de seus membros nascidos no novo país. Essa imigração continuou em índice bastante alto, com a fração da população judia de Israel baixando até 25% em 1951, elevando-se depois para 37% em 1960. A oposição árabe à migração dos judeus e ao estabe­ lecimento do Estado de Israel levou às guerras de 1947, 1956, 1967 e 1973, e este conflito permanece sem resolução. Há muitos relatos simpáticos à causa israelense [Hurewitz, 1968; Eckhardt e Eckhardt, 1970; Segre, 1971], com eventuais críticas [Lilienthal, 1965]; raramente aparece um ponto de vista árabe em inglês [Abu-Lughod, 1970], Entrementes, a migração de judeus para Israel continua, e a futura taxa de migração será em grande parte determinada pelo que acontece aos judeus em outros lugares, assim como pelo que acontece em Israel.

Movimentos expressivos

Quando as pessoas se acham engarrafadas em um sistema social confinante, do qual não podem fugir e ante o qual se sentem impotentes para mudar, geralmente o resultado é um movimento social expres­ sivo. Neste movimento, os indivíduos ajeitam-se a uma realidade externa desagradável, modificando suas reações à realidade em vez de modificar a própria realidade. Através de alguma espécie de atividade — sonhos, visões, rituais, danças, jogos, drogas alteradoras da consciência, ou outras formas de expressão emocional — um indivíduo encontra alívio emocional suficiente para tornar a vida suportável. Muitas vezes o movimento expressivo é messiânico. Dezenas de movimentos têm Sionismo: um movimento social migratório contem­ auxiliado as pessoas a ignorar um presente miserável, porâneo. Durante mais de 2.000 anos os judeus sonharam fixando o olhar em um glorioso milênio que está para com um regresso à “Terra Prometida” . Uma sucessão chegar [Cohn, 1957; Watson, 1973]. de pessoas que se intitularam messias, depois do final Na maioria das vezes os movimentos milenaristas da Idade Média, estimulou muito excitamento, mas ou messiânicos são puro escapismo que ocupa as pessoas nenhuma realização sólida. No entanto, o interesse com sonhos felizes, enquanto as realidades existentes continuou, e Theodore Herzl ajudou a converter este permanecem inalteradas. Todavia, o movimento impulso num movimento por ocasião do primeiro milenarista pode pavimentar o caminho para que, afinal, congresso sionista de 1897. Mas o fascínio exercido haja uma reforma ou revolta, porque corta os laços pelo sionismo só encontrou paralelo no grau de perse­ com o passado e pode funcionar como força unificadora guição aos judeus no mundo inteiro. A migração para e despertadora junto a uma população passiva. Assim, a Palestina (atualmente Israel) durante a década de pode servir como elo entre os movimentos pré-políticos 1920 foi limitada pelo Govemo Britânico que governava e os ativamente políticos [Talmon, 1962], a Palestina sob um mandato da Liga das Nações, e Os movimentos expressivos são muitos e variados. permitiu apenas uma pequena infiltração de imigrantes. Os flagelantes medievais procuravam alívio de seus Durante a década de 1930 a migração multiplicou-se sentimentos de pecado e indignidade pessoal (e possi­ grandemente, quando aumentou a perseguição aos velmente gratificavam outras compulsões) através de judeus na Europa, boa parte desta migração vindo orgias masoquistas [Cohn, 1957, cap. 6], Os movimentos transgredir os regulamentos britânicos. Em 1948, quando expressivos devem incluir grande ímpeto de interesse

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e atividade coletiva cercando preocupações pseudocientíficas, místicas e ocultistas, desde objetos voadores não-identificados até o satanismo [Evans, 1973; Sladek, 1973; simpósio The Humanist, set., 1974, p. 4-33], Alguns estudiosos incluem obsessões temporárias, manias passageiras e modas como movimentos expressivos [Blumer, 1969a, p. 114-9], mas os autores deste manual consideram-nos muito triviais para que sejam conside­ rados movimentos sociais e por isso preferiram discuti-los no cap. 17, “Comportamento Coletivo” . O Movimento Jesus: um movimento expressivo contemporâneo. A década de 1960 trouxe a contracultura juntamente com uma grande onda de idealismo e reformismo jovem em todas as democracias industria­ lizadas. A década de 1970 trouxe a desilusão. Os proble­ mas sociais mostraram-se resistentes a soluções fáceis; verificou-se que os confrontos eram perigosos e amiúde improdutivos. O colapso da Nova Esquerda (ver p. 416-417) foi seguido por uma reversão de pensamentos e preocupações para o íntimo, longe da sociedade e em direção ao eu. Afora as principais igrejas ortodoxas, praticamente cada espécie de experiência religiosa tem atraído novo interesse e apoio. O Movimento Jesus proclama um cristianismo simples, fundamentalista, evangelístico, juntamente com a rejeição do materialismo, violência, drogas e contato sexual extra-conjugal. Há muitas organizações filiadas ao movimento, desde a relativa­ mente ordeira e formal Cruzada do Campus por Cristo até os Filhos de Deus, de base comunal. Em 1971, esta última organização alegou ter aproximadamente 3.000 membros em cerca de 30 comunas. Os estilos pessoais de vida vão desde o “correto” até o hip\ os cabelos longos e os pés descalços são comuns, mas a regra é a limpeza pessoal. Os membros são quase exclusivamente brancos, com origem na classe média ou alta. A maioria experimentou e cansou-se de drogas, de sexo e do caos intelectual da contracultura. O Movimento Jesus é pesadamente pentecostal (falando em línguas), apocalíptico (prevendo para logo o Dia do Juízo, com a destruição do mundo e uma segunda chegada de Cristo), tendo fortes tonalidades de ocultismo [Ward, 1972, cap. 8]. As comunas dos Filhos de Deus “proporcionam uma comunidade alter­ nativa para uma classe que já sentiu alienação” [Ellwood, 1973, p. 12]. Em lugar da intoxicação com a droga, o Movimento Jesus proporciona um modo de intoxicação que dá “barato” com Jesus, com o êxtase emocional da cristandade fundamentalista e música “rock Jesus” , de ir avante para a salvação e adiantar-se ao Apocalipse [Howard, 1974, p. 208]. O movimento oferece o calor e o companheirismo que sustenta a contracultura e o alto senso de propósito característico do ativismo radical, mas sem violência, perigos e indulgências

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“pecaminosas” . Mas o Movimento Jesus nãoé puramente escapista. Conforme Howard observa, “O Movimento Jesus proporciona um meio para que o jovem dissidente seja reintegrado na sociedade” [p. 207], Os críticos objetam ao antiintelectualismo do movimento, sua Teologia primitiva e seu afastamento da ação política responsável [Ellwood, 1973, p. 132]. Os defensores contrastam as vidas serenas e ordeiras do “povo de Jesus” com a destrutibilidade vazia dos segmentos menos agradáveis da contracultura e julgam tratar-se de uma melhoria.

Movimentos utópicos Desde que Sir Thomas More escreveu sua Utopia, o termo tem significado uma sociedade de tal perfeição que somente pode ser encontrada na imaginação. Muitos outros escritores fizeram tentativas para descrever uma sociedade perfeita, desde Platão com a República até B. F. Skinner com WaldenlI. Muitas tentativas para criar tal sociedade perfeita foram feitas durante os séculos XVIII e XIX, quando, então, eram populares os movimentos utópicos [Nordhoff, 1875; Davis, 1930, cap. 2; Roberts, 1971, caps. 2-4; Leslie, 1973, cap. 5; Kinkade, 1974]. Já que estes idealistas nunca conseguem experimentar com uma sociedade inteira, o movimento utópico é uma tentativa para criar um sistema social ideal dentro de uma pequena comunidade de seguidores dedicados', mais tarde este sistema poderia expandir-se para incluir a sociedade inteira. Muitas das comunidades utópicas do passado, fortemente religiosas, sobreviveram durante mais tempo porque não tinham de “compensar” em termos de felicidade pessoal ou bem-estar material. Mas outras comunidades utópicas, como a Brook Farm e a Oneida Community, tinham ideologias seculares. Fundamentavam-se em uma concepção da Humanidade basicamente boa, cooperativa e altruísta, necessitando apenas de um ambiente favorável para liberar estas virtudes. A maioria dos movimentos religiosos e todos os utópicos fracassaram em decorrência de suas contra­ dições internas ou porque havia conflito com a sociedade externa [Burton, 1939; Halloway, 1951; Bestor, 1950, 1970;Kanter, 1972;Veysey, 1974]. Todavia, o ideal utópico continua bastante vivo. WaldenlI, de Skinner [1948], talvez seja o exemplo mais conhecido de literatura utópica contemporânea, mas há muitos outros utopistas modernos [Kateb, 1971]. É provável que as pessoas jamais cessem de tentar imaginar uma sociedade mais perfeita. A comuna: um movimento social utópico contempo­ râneo. A comuna, descrita na p. 179, é popular entre os que são chamados de hippies, desistentes, esquisitos ou membros da “sociedade alternativa” . Conquanto

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algumas das comunas estejam cheias de desajustados evidentes, que não podem “levar o barco” em qualquer sistema social, algumas outras são compostas de pessoas altamente talentosas e bem instruídas que parecem emocionalmente estáveis. Todas partilham da convicção de que a sociedade convencional é hipócrita, exploradora, destruidora de valores humanos, decadente e irremedia­ velmente condenada por suas próprias contradições. Elas consideram sua sociedade alternativa como uma resposta à solidão, alienação, exploração e injustiça social. Em algumas comunas os membros têm cargos regulares; mas em muitas, a fonte principal de fundos é a previdência social, mais alguma renda proveniente de serviços avulsos, trabalho ocasional, venda de artefatos feitos à mão e contribuições dos pais. Dessa forma, a comuna que não trabalha é um parasita da sociedade e, por conseguinte, não pode servir como modelo utópico a ser imitado pela sociedade inteira. Para que a sociedade alternativa da comuna seja geralmente aceita, a comuna em que a maioria das pessoas trabalha tem de ser o modelo. O movimento da sociedade alternativa, a exemplo de todos os movimentos utópicos, enfrenta o escárnio e a oposição das pessoas convencionais. São comuns os relatórios de inquietação por parte da polícia, e algumas comunas rurais foram literalmente “tocadas” pelos residentes locais que, entre outras objeções, podem ter temido a atração que a comuna poderia exercer sobre seus próprios jovens. Já que os comuneiros são pessoas tipicamente quietas, sem armas nem muita inclinação para lutar, têm sido vítimas de roubos e de provocação por parte de “motoqueiros valentões” para os quais aterrorizar a comuna é um esporte predileto. Até agora os comuneiros são originários principal­ mente da juventude branca da classe média ou alta. Haverá possibilidade de que a comuna se dissemine entre os pretos e os pobres, muitos dos quais há longo tempo vêm praticando uma partilha semicomunal de seus magros recursos [Davis, 1946]? Talvez, mas também é possível que a comuna atraia somente aqueles que já tiveram o estilo de vida confortável e convencional das classe média e alta e o acharam insatisfatório.

Movimentos reformistas

O movimento reformista é uma tentativa para melho­ rar a sociedade sem mudar muito sua estrutura social básica. Os movimentos reformistas são difíceis em uma sociedade autoritária, cujos governantes não toleram oposição ativa. Esses movimentos podem funcionar facilmente apenas em uma atmosfera democrática, onde as pessoas tenham considerável liberdade para criticar as instituições existentes e possam conseguir mudanças quando a maioria assim o deseje.

A história dos EUA está repleta de movimentos de reforma - abolição, feminismo, lei seca e muitos outros. A qualquer momento, dezenas de “organizações de mimeógrafo” (consistindo em um número de caixa postal, uma máquina de mimeografar, uma lista de endereços e um conjunto de esperanças otimistas) estão procurando despertar suficiente interesse público para iniciar um movimento reformista. Numerosas organizações e grupos de conservação ecológica traba­ lharam durante anos antes que se desenvolvesse interesse público suficiente para animar o movimento em defesa do ambiente. Um dos mais recentes movimentos refor­ mistas é o Gay Liberation Movement, no qual muitos homossexuais “saíram da toca” e se organizaram para exigir a aceitação do homossexualismo como um estilo de vida alternativo legítimo [Miller, 1971; Humphreys, 1972; Alvarez e March, 1974; Jay e Young, 1974], Nossa atmosfera democrática, nossos valores judaicocristãos e nossa tradição de voluntarismo acabaram-se combinando para tom ar os movimentos reformistas uma dimensão conspícua da história norte-americana passada e presente. Liberação Feminina: um movimento reformista con­ temporâneo. O movimento feminista do século XIX e do início do século XX, depois de considerável disputa sobre metas e táticas, finalmente uniu-se em tom o do sufrágio feminino e logo se dissolveu, depois que este alvo foi atingido [ 0 ’Neill, 1969], Hoje, o Movimento de Liberação Feminina encontrou sua ideologia em livros como os de Simone de Beauvoir, The Second Sex [1953], Betty Friedan, The Feminine Mystique [1963] e Kate Millet, Sexual Politics [1970], Uma das centelhas que acendeu o movimento foi o tratamento condes­ cendente das mulheres na Nova Esquerda [Piercy, 1970]. Conforme relata uma mulher: “De repente as mulheres se viram servindo como secretárias, mães e concubinas, enquanto somente os homens é que falavam, escreviam e negociavam — sendo estes os homens que professavam rejeitar a ‘opressiva’ maquinaria ritual de sua sociedade [Gottlieb, 1971, p. 27]. Embora o ressentimento possa ter provocado a centelha, esta caiu no barril de pólvora de inegável discriminação de sexo e do recente declínio no status da mulher na sociedade norte-americana (ver p. 180-181 para documentação e descrição da filosofia e metas da Liberação Feminina). O movimento consiste em centenas de grupos locais, muitos dos quais são filiados a uma organização de âmbito nacional. A Organização Nacional das Mulheres (National OrganizationofWomen —NOW)*

* As siglas NOW, WITCH e WRAP, coincidentemente ou não, podem ser lidas respectivamente como AGORA, BRUXA e AGASALHO.

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é provavelmente a maior e a mais conservadora, cuja meta é “levar as mulheres à corrente da sociedade norte-americana agora, exercendo todos os privilégios e responsabilidades inerentes, em parceria verdadeira­ mente igual com os homens” [Wilkes, 1970, p. 143], Alguns outros grupos são mais radicais, como por exemplo a Conspiração Internacional Terrorista das Mulheres do Inferno (Women’s International Terrorist Conspiracy From Hell - WITCH)* ou o Projeto de Ação Radical das Mulheres (Women’s Radical Action Project — WRAP)*, e pode-se esperar um remanejamento contínuo de estruturas organizacionais. Os membros mais radicais do Movimento de Liberação Feminina geralmente são novos esquerdistas entusiastas que vêem a libertação da mulher meramente como um aspecto de uma revolução total na sociedade. Os estudos sobre filiação mostram que os membros são predominantemente brancas, educadas, da classe média, relativamente jovens, atéias ou agnósticas e de aparência independente e “moderna” [Tavris, 1973; Dempewolff, 1974]. Uma socióloga membro alega que a conversão à Liberação Feminina exige que uma mulher tenha: (1) meios e recursos para adotar alguma alternativa ao tradicional papel do sexo feminino; (2) sofisticação política quanto aos usos do poder; (3) um senso de discrepância quanto à realização entre suas potenciali­ dades e seus feitos; e (4) um padrão consolidado de desafio aos valores tradicionais, sendo praticamente todos os membros incrédulas religiosas, sexualmente “emancipadas” e usuárias ou experimentadoras ilegais de drogas [Micossi, 1970]. A técnica principal de conversão é a sessão de “despertar da consciência” , na qual um grupo de dez a 15 mulheres, em presença de uma líder, são encorajadas a examinar e discutir suas experiências pessoais à luz do “sexismo” (a atribuição de papéis subordinados à mulher) e do “chauvinismo masculino” (condescendência protetora às mulheres) [Gomick, 1971]. As sessões de despertar da consciência visam a suscitar uma percepção das muitas maneiras sutis com que se mantém o papel subordinado da mulher. O movimento tem seus críticos [Mailer, 1971; Decter, 1972; Staines e cols., 1974] e muitos homens que dão seu assentimento verbal continuam a comportar-se da maneira tradicional [Tavris, 1973], Será a Liberação da Mulher uma resposta racional à defasagem cultural entre nosso ethos democrático igualitário e nossos padrões de discriminação de sexo? Ou trata-se do deslocamento dos problemas emocionais de mulheres infelizes e neuróticas? São elas infelizes e neuróticas em decorrência de defasagens culturais

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em status e tratamento das mulheres, ou em decorrência de dificuldades emocionais que as tomariam infelizes e neuróticas em qualquer ambiente cultural? Embora haja falta de evidência na qual se possa confiar, é provável que todas estas proposições sejam parcialmente verda­ deiras. Pelo menos, as metas relativamente moderadas da NOW se enquadram em ampla medida no ethos democrático e na Lei dos Direitos Civis de 1964. Também é provável que, a exemplo do que acontece com a maioria dos movimentos, os membros mais ativos — os “verdadeiros crentes” , segundo a descrição de Hoffer [1951] — derivam seu comprometimento de seus próprios descontentamentos emocionais. Os retratos biográficos e jornalísticos de alguns líderes e membros mostram alta proporção dos que têm um histórico de fracasso conjugal e de frustração e insatisfação com os papéis femininos tradicionais [Wilkes, 1970; Gomick, 1971], Alguns membros revelam hostilidade agressiva em relação aos homens e prefeririam muito mais uma faixa preta de karatê do que uma aliança de casamento. Contudo, embora seja provável que a Liberação Feminina atraia alta proporção de gente frustrada e hostil, isso também ocorre com muitos outros movimentos e não invalida as reivindicações feitas por qualquer um deles. Embora as metas mais radicais da Liberação Feminina talvez jamais sejam alcançadas, o movimento parece ter revivido uma corrente cultural em direção à igualdade dos sexos que há décadas não progredia. O status das mulheres na sociedade provavelmente será, em muitos sentidos, inteiramente outro no ano 2.000 [Tripp, 1974], É possível, porém, que o Movimento de Liberação Feminina tenha atingido seu apogeu no inído da década de 1970. No momento em que este trecho está sendo escrito, parece que o apoio à promulgação da Emenda de Direitos Iguais está vacilante. Pode ser que o best-seller de 1974 [Morgan, 1973] tenha-se dedicado a dizer às mulheres como serem “sexy” , bonitas, donas-de-casa submissas, e que dois cursos que ensinam às mulheres como não serem liberadas, vêm encontrando ampla audiência [Time, 10 mar. 1975, p. 77]. Pode ser que o segundo movimento feminista norte-americano esteja chegando ao fim.

Movimentos revolucionários

Revolução é uma mudança súbita, usualmente violenta e relativamente completa em um sistema social. Distingue-se do golpe de estado ou da revolta palaciana qus substitui os indivíduos governantes, mas deixa inalterados as instituições e o sistema de poder da sociedade. Algumas vezes o termo é aplicado a mudanças graduais, * As siglas NOW, WITCH e WRAP, coincidentemente ou abrangentes e pacíficas, tais como a Revolução Industrial não, podem set lidas respectivamente como AGORA, BRUXA ou a “revolução sexual” , porém este é um uso diferente e AGASALHO.

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do termo. O movimento revolucionário procura derrubar o sistema social existente e substituí-lo por outro muito diferente. Diferentemente do reformador que deseja corrigir certas imperfeições na atual ordem social, o revolucionário não considera o sistema como digno de ser salvo. Por conseguinte, o reformador é o pior inimigo do revolucionário, porque as reformas sociais podem drenar o descontentamento com o qual o revolucionário deseja fazer a revolução. A democracia não é um terreno fértil para revolução. Um movimento revolucionário precisa arraigar-se num tremendo descontentamento social; mas em uma democracia, a inquietação social leva geralmente à reforma social, e a reforma adia indefinidamente a revolução. Mas quando o governo autoritário bloqueia o desejo popular de reforma, o reformador precisa atacar o governo e, assim, torna-se um revolucionário. Os movimentos revolucionários florescem onde a reforma é bloqueada, de modo que o movimento é a única alternativa do povo perante sua atual miséria. Não é por acaso que o Partido Comunista tem sido mais fraco em países democráticos como os EUA, Inglaterra e países escandinavos, e muito mais forte em países com uma tradição de governo repressivo, ou onde o go­ verno é nominalmente democrático e, no entanto, estru­ turado de tal modo que se torna um instrumento inefi­ ciente para o desejo popular de reforma. Na França e na Itália, muitas pessoas já não esperam mais uma reforma e se voltam para partidos revolucionários [Cantril, 1958], Edwards [1927] e Brinton [1938] chegaram indepen­ dentemente a uma seqüência de estágios, praticamente idênticos, que acreditam caracterizar as revoluções de maior sucesso: (1) a acumulação de profunda inquietação durante muitos anos; (2) a defecção dos intelectuais, que criticam cada vez mais a situação vigente; (3) a emergência de um incentivo econômico para a revolta e um mito social ou um conjunto de crenças para justificá-la; (4) a eclosão revolucionária, ajudada pela hesitação e fraquezas do grupo governante; (5) o governo dos moderados que em breve deixam de controlar os vários grupos dentre os revolucionários ou que não satisfazem as paixões despertadas pelo povo; (6) a ascensão de radicais ou extremistas que galgam o poder e começam a exterminar toda oposição; (7) o reino do terror; (8) o retomo à normalidade, quando os moderados voltam ao poder, consolidam as realizações da revolução e restauram alguns aspectos da sociedade pré-revolucionária. Com alguns embeleza­ mentos, os teóricos mais recentes em geral têm apoiado a seqüência Edwards-Brinton [Schwartz, 1971;Methvin, 1973]. O esboço Edwards-Brinton "baseia-se em grande parte nas revoluções francesa e russa. A revolução mexicana mais recente seguiu esse esboço bem de perto, ao passo que as revoluções chinesa e cubana parece não se terem aproximado tanto.

Algumas vezes é difícil classificar um movimento claramente como reformista ou como revolucionário, pois os que lhe dão apoio cobrem um amplo espectro que vai desde os reformadores moderados aos revolu­ cionários violentos. A Liberação Feminina é um exemplo. O partido da Pantera Negra é revolucionário em metas e táticas, pelo menos no que diz respeito aos negros, embora pudesse deixar a sociedade relativamente inalterada [Foner, 1970; Howard, 1974, cap. 2], A Nova Esquerda: um movimento revolucionário recente. O espírito de protesto, principalmente entre os jovens, também vai de reformista a revolucionário. Os jovens reformadores e os jovens revolucionários mantêm amplo consenso em termos de sua acusação da sociedade presente como injusta, exploradora e destruidora da humanidade, mas diferem bastante em termos de receituário. Os reformadores trabalharam “dentro do sistema” para efetuar a mudança, usando como meios a demonstração não-violenta e a atividade política. Os reformadores admiraram os “Nader’s Raiders” , a equipe que trabalhava com Ralph Nader, e deram apoio ao movimento de proteção ao ambiente, ao passo que os revolucionários consideraram tais esforços irrelevantes ou até mesmo contraproducentes. A Nova Esquerda desprezava especialmente o liberal. Um obser­ vador relatou que ‘Todos os novos esquerdistas concor­ dam sobre o liberal. Este é universalmente definido como hipócrita, um vacilante que se vende, um moralista assolado de culpa, incapaz de agir decididamente, porque vê todos os lados de uma questão; um catador de migalhas de um problema e que, por isso, falha em resolvê-lo; um homem imoral” [Romm, 1970, p. 247], Existem numerosas descrições da Nova Esquerda revolucionária. Algumas são críticas [Feuer, 1968; Gerberding e Smith, 1970; Kelman, 1970], várias adotam uma postura descritiva ç analítica neutra [Cohen e Hale, 1966], e algumas são simpáticas [Hoffman, 1968; Lynd, 1969; Oglesby, 1969; Bone, 1975]. Algumas são compüações de declarações da Nova Esquerda, folhetins, cartazes e outros materiais [Berke, 1969; Romm, 1970]. Como a maioria dos revolucionários, os novos esquer­ distas em certas ocasiões não foram democráticos ao procurarem apresentar suas opiniões, mesmo quando estas eram minoritárias, valendo-se de quaisquer meios que considerassem efetivos. Algumas vezes, foram impiedosamente intolerantes quanto a dissensões [Kelman, 1970], fazendo silenciar oradores públicos e perturbando os comícios que desejavam paralisar.1

1 Procuramos incluir algumas publicações do Liberation News Service ilustrando o uso destas táticas, mas a Liberation News Service negou-nos permissão para reproduzi-las.

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Os Studerits for a Democratic Society (SDS) consti­ tuíram a organização-líder. Chegando a contarem 100.000 membros, o grupo SDS proporcionou um foco para o descontentamento da juventude, protesto contra a guerra e promoção da cultura da juventude hippie. Embora comprometido com o ideal da democracia participatória, o SDS passou ao controle por meio de uma hierarquia de elite, novamente ilustrando a “lei de ferro da oligarquia” formulada por Michels (ver p. 192) [Stone, 1972]. O SDS foi enfraquecido por seu chauvinismo masculino, pela estreita base de classe média( pela falta de programa coerente de longo alcance, e pelo ativismo ingênuo que passou rapidamente a ser um cinismo derrotista quando não obteve êxito imediato [ 0 ’Brien, 1972], O Movimento da Nova Esquerda desintegrou-se rapidamente depois de 1969, quando acabou dividindo-se em facções antagônicas [Unger, 1974, cap. 6]. Em meados da década de 1970, a contracultura tinha perdido muitos de seus seguidores, as universidades tomaram-se relativamente sossegadas e os veteranos que se diplomavam mais uma vez deram as boas-vindas aos recrutadores da ITT e da Dow Chemi­ cal — os demônios da Nova Esquerda. Mas o radicalismo não está morto. Até certo ponto, deslocou-se dos dormitórios e dos pátios para os escritórios da congre­ gação. Nas principais universidades professores marxistas convictos ensinam, usam livros didáticos marxistas e introduzem cursos de “Metodologia Marxista” . A maioria dos antigos ativistas radicais está agora traba­ lhando em escolas, órgãos sociais e grupos executivos das grandes empresas, porém quase todos continuam de liberais a radicais em suas atitudes e permanecem como recrutas potenciais para uma outra rodada de ativismo radical quando as condições forem favoráveis [Fendrich e Tarleau, 1973],

Movimentos de resistência

O movimento revolucionário surge entre pessoas que se acham insatisfeitas porque a mudança social é muito lenta. O movimento de resistência aparece entre os que estão insatisfeitos porque a mudança é muito rápida. Este movimento é um esforço para bloquear uma mudança proposta ou para erradicar a mudança já realizada. A Ku Klux Klan é talvez o movimento norte-americano de resistência mais conhecido, organi­ zado no Sul depois da Guerra Civil a fim de manter os pretos “em seu lugar” pelo terror e pela intimidação [Brown, 1902, parte 4; Mecklin, 1924], tendo renascido no Norte depois da Primeira Guerra Mundial como movimento nativista [VanderZanden, 1960; Alexander, 1965]. O movimento nativista é uma tentativa de prote­ ger a pureza do grupo e sua cultura de intrusões novas e estranhas [Higham, 1955; Friedman, 1967]. O Partido

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Nativo Americano e os movimentos Know-Nothing da década de 1830 e de 1840 eram antiimigrantes e anticatólicos, e coincidiam com um aumento da imigração alemã e irlandesa para os EUA. Como na maioria dos movimentos de resistência, havia um elemento do gênero “bode-expiatório” no enfoque das frustrações relativas à figura do imigrante, que se tom ou o culpado por praticamente todos os problemas. Em uma sociedade democrática, todos os períodos de mudança rápida estimularão movimentos de resis­ tência. A era do New Deal produziu grande número de organizações de resistência [Schlesinger, 1960, v. 3, cap. 1]. Algumas, como o Comitê de Governo Consti­ tucional e a Liga Americana de Liberdade, eram, em grande parte, escritórios de coleta de fundos para a distribuição de propaganda contra o New Deal. Outras como os Camisas de Prata, a Legião Preta e os Cristãos Americanos, eram potenciais movimentos de massa que juntavam oposição às reformas do New Deal com anti-semitismo, isolacionismo e sentimentos antiestrangeiros em uma organização de tipo fascista [Lowenthal e Guterman, 1949; Carlson, 1943, 1946]. Mais recentemente, o movimento de resistência extrema ao liberalismo, intemacionalismo e estatismo passou a ser conhecido como “direita radical” [Bell, 1963; Howard, 1974, cap. 11]. Ainda mais recentemente, a “Nova Direita” (algumas vezes chamada de Libertarians) tem aparecido, mas diferindo ligeiramente da direita radical por preocupar-se menos com anticomunismo e favore­ cendo um retorno constante à economia do laissez-faire e postulando uma atividade mínima do governo [Lipset, 1968;Lehre Rossetto, 1971]. O Conselho dos Cidadãos Brancos surgiu na esteira da decisão do Supremo Tribunal em 1954 para que houvesse dessegregação. Contrariamente a muitas outras organizações filiadas a movimentos, este Conselho mobilizou muitos dos “influentes da comunidade” e líderes políticos do Sul. Durante algum tempo, os gmpos dirigentes no Sul estavam solidamente unidos em oposição à dessegregação escolar e em apoio aos Conse­ lhos dos Cidadãos Brancos [Cater, 1956; Routh e Anthony, 1956; VanderZanden, 1959]. Como é habitu­ almente o caso com os movimentos de resistência, este fracassou e foi dissolvido. Durante alguns anos, a Socie­ dade John Birch foi uma destacada organização .de resistência, opondo-se ao “comunismo” , cuja definição era tão ampla a ponto de incluir todas as causas e programas ainda que levemente liberais [Grove, 1961; Mosk e Jewel, 1961; Epstein e Forster, 1967; Schamp, 1970]. Embora ainda ativa, esta sociedade tem atraído pouca atenção nos últimos tempos. Direito à vida: Um movimento contemporâneo de resistência. Praticar aborto é coisa mais velha do que a própria História documentada. A proibição legal do

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aborto nos EUA data da década de 1830, e teve por base os perigos médicos, numa época em que 30% de todos os abortos eram fatais para a mulher [Greenhouse, 1970]. Quando este índice declinou, até que o aborto se tom ou em termos médicos muito menos arriscado do que o parto normal, a oposição adotou o argumento de que o aborto é assassinato. Esta opinião apóia-se na suposição de que o ser humano é criado no momento da concepção — proposição teológica que não pode ser cientificamente avaliada. Ao redor de 1972, quase dois terços de todos os norte-americanos concordavam que “A decisão de abortar deve ser tomada unicamente por uma mulher e seu médico” [Pomeroy e Landman, 1973]. Em 1974, cerca de 70% de todos os norte-americanos católicos concordavam que os abortos legais deveriam estar ao alcance de quem os desejasse [Time, 13 jan. 1975]. Mas a decisão do Supremo Tribunal de 1973 legalizando o aborto bem no início da gravidez estimulou um movimento clássico de resistência visando a reverter tal decisão. Numerosos grupos e organizações contra o aborto (que preferem ser chamados de Pró-Vida) entraram em cena, incluindo Alternativas para o Aborto, Taxa de Natalidade EUA, Americanos Unidos pela Vida, Comitê Nacional de Direito à Vida, e outros. Os que patrocinam esses movimentos são na maior parte cató­ licos, mas não exclusivamente. O movimento também é muito novo e ainda não estão disponíveis os costu­ meiros estudos sobre filiação, mas parece que esta se concentra pesadamente entre os que são religiosa e politicamente conservadores. As táticas incluem apoio à emenda constitucional “pró-vida” dando poderes aos Estados para proibirem o aborto, uma campanha publicitária bastante enérgica que apresenta fotografias ensangüentadas de fetos abortados, e fazendo pressão para um litígio qualquer que possa reduzir a possibi­ lidade de abortar ou intimidar o pessoal médico [Times, 24 fev. 1975, p. 67]. São bastante usadas as reuniões locais para informação e cartas aos editores de jornais. O Movimento do Direito à Vida, ao tentar inverter a opinião pública da maioria sobre a legalização do aborto, pode parecer estar resistindo a numerosas e fortes correntes culturais e tendências sociais. É duvi­ doso que logre êxito.

Todos os movimentos se enraízam na inquietação social. Quando as pessoas ficam aborrecidas e agitadas, ou desenvolvem um senso de injustiça social, ou quando alguma mudança perturbou um modo de vida já firmado, elas criam uma volatilidade instável a que damos o nome de inquietação social. Quando se defron­ tam com situações que sua ideologia tradicional não pode explicar, ficam frustradas. Por exemplo, a Grande Depressão da década de 1930 levou desespero real a milhões de trabalhadores que haviam sido socializados para acreditar que deve haver alguma coisa errada com o homem incapaz de sustentar a família. A experiência emocional foi terrível para os desempregados, muitos dos quais sentiram penosas agonias antes de aceitarem o auxilio oficial quando este lhes foi oferecido. A mudança social, assim como a desorganização e a inquietação sociais, são inseparáveis. Este estágio pode ser bastante prolongado, durando até diversas gerações.

Ciclo de vida dos movimentos sociais

O estágio de excitamento

Não há dois movimentos que sejam exatamente iguais; e, no entanto, movimentos diferentes têm muito em comum. A maioria dos movimentos passa através do mesmo conjunto de quatro estágios - inquietação, excitamento, formalização e institucionalização — sugeridos primeiramente por W. E. Gettys [Dawson e

A inquietação é vaga, generalizada e destituída de um foco. Quando voltar seu foco sobre certas condições e quando são identificadas certas “causas” de miséria, de modo que as propostas para ação se multiplicam, chegou o estágio do excitamento. Neste estágio é fácil reunir uma audiência. Os agitadores parecem surgir

Os agitadores suigem de todos os lugares.

Gettys, 1934, p. 708-9], e aplicados no estudo de Gettys sobre o movimento metodista na Inglaterra. Alguns logram suas finalidades sem que precisem cumprir os estágios fmais. Outros ciclos de vida sugeridos por Zald e Ash [1969] e por Blumer [1969a, p. 113-4] são bastante parecidos, diferindo apenas em pormenores.

O estágio de inquietação

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de todos os lugares. São lançados muitos movimentos mal esquematizados, sendo que a maioria naufraga contra os rochedos de uma liderança desajeitada ou de apelos que não produzem resultado. Algumas vezes, um agitador com poderes magnéticos, atuando junto a pessoas cujas necessidades as tornaram receptivas, pode mobilizar enorme grupo de seguidores quase que da noite para o dia. Converter esta massa em um movimento efetivo exige um organizador habilidoso. O estágio de excitamento é tipicamente breve, levando rapidamente à ação ou à perda de interesse.

O estágio de formalização

Alguns dos movimentos migratórios e expressivos podem atuar sem organização formal, porém os que procuram modificar a sociedade precisam organizar-se. Uma massa de seguidores excitados se desfará, a menos que seja ordenada e dirigida. No estágio de formalização, formam-se uma ou mais organizações filiadas ao movi­ mento, são nomeados inúmeros dirigentes, o levanta­ mento de fundos é sistematizado e esclarecida a idelogia. Esta lembra o povo de seus descontentamentos, identifica os vilões, enuncia os objetivos do movimento, esboça a estratégia e as táticas para a consecução das finalidades manifestas e proporciona justificação moral para todas estas ações. A formalização converte uma massa excitada em uma espécie de filiação disciplinada e transforma uma causa vaga num empreendimento viável. Esta é também uma fase breve que leva rapidamente à institu­ cionalização. Amiúde a rivalidade e as discordâncias ideológicas entre as organizações do movimento fazem com que este seja subdividido e destruído. No esforço de evitar tal “facciosismo” , muitas organizações se tomam autoritárias, intolerantes e elitistas [Geschwender, 1974],

O estágio de institucionalização

No final, a institucionalização alcança a maioria dos movimentos se estes durarem tempo suficiente. O movimento se cristaliza em uma configuração definida, incluindo tradições a serem mantidas e possivelmente interesses adquiridos a defender. Os burocratas eficientes substituem os agitadores zelosos como líderes, e os membros se sentem defensores de uma organização digna e não batalhadores em uma cruzada de sacrifícios. A aquisição de conjuntos ou prédios de escritórios (como foi feito pelas organizações trabalhistas nos últimos tempos) é evidência de que a institucionalização do movimento está completa e sua fase ativa como movimento já passou. O estágio de institucionalização pode durar indefinidamente.

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O estágio de dissolução

A maioria dos estudiosos termina o ciclo do movi­ mento com o estágio de institucionalização. Mas este não é realmente o fim, porque diferentes movimentos chegam a diferentes desfechos. Um movimento pode perecer em qualquer estágio de sua carreira. Alguns atingem seus objetivos e depois desaparecem, como o movimento sufragista feminino. Os dirigentes de um movimento que pereceu por ter alcançado êxito podem tentar reavivá-lo através de um novo movimento, como o fez a Fundação Nacional depois da vitória sobre a poliomielite. Raramente tal mudança de direção dá certo. Mas alguns movimentos de fato passam por uma transição na qual seguem objetivos bem diferentes dos originais. Como exemplo, o movimento Townsend para pensões liberais aos idosos, na década de 1930, perdeu a maioria de seus membros quando o retomo da prosperidade e o crescimento de outros planos de pensões minaram este programa, mas os clubes Townsend sobreviveram por muitos anos como grupos recreativos de pessoas idosas que estavam apenas ligeira­ mente interessadas pelo plano de pensões [Messinger, 1955]. Um movimento pode reduzir-se a um bando ou seita de seguidores, perseguindo um objetivo que provavelmente é inatingível, como o movimento proibicionista incorporado na Women’s Christian Temperance Union [Gusfield, 1955], Alguns movimentos conseguem pleno status institucional e fazem uma contribuição às instituições da sociedade. Este progresso é ilustrado pelas muitas seitas religiosas que completaram a transição até se tomarem denominações.

Avaliação Será que os movimentos sociais fazem mais bens do que males? Isto é o mesmo que perguntar se o vento causa mais bem do que mal. Os movimentos sociais são uma das maneiras pelas quais uma sociedade se modifica. As mudanças, apesar de serem muitas vezes penosas, não ocorreriam se não houvesse alguma força social para produzi-las. Será que os membros são pessoas emocionalmente enfermas procurando uma saída para suas compulsões", ou são generosas e humanitárias, procurando aliviar o sofrimento humano? Um pouco de cada. Alguns movimentos têm mais uma característica do que outra, porém a maioria tem as duas, assim como cada pessoa pode ter as duas em sua própria personalidade. Haverá mais movimentos novos no futuro? Sim, porque inevitavelmente os movimentos sociais acompa­ nham a mudança social rápida. De que espécies? Isso não se pode prognosticar. A sociedade autoritária encoraja os movimentos migratórios, expressivos e

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talvez os revolucionários. Uma era de otimismo, como no século XVIII, é abundante em movimentos utópicos e reformistas, ao passo que, como observou Stephan Runciman [1956, p. 14], “uma era desiludida volta-se para a religião, como uma fuga às incertezas do mundo” . Podemos estar certos apenas de que os movimentos sociais continuarão a expressar a insatisfação do povo com a sociedade em que se encontra.

Sumário Os movimentos sociais são tentativas para promover ou resistir à mudança, seja na sociedade, seja em seus membros. As grandes correntes culturais proporcionam ambiente favorável para que os movimentos sociais sigam a mesma direção da corrente cultural. A mudança e a desorganização sociais produzem frustração, alienação, anomia e confusão, que tomam as pessoas mais receptivas a movimentos sociais. A injustiça social percebida proporciona o desejo de mudança e a justifi­ cação moral para as ações do movimento. A mobilidade, marginalidade, isolamento social, mudança de status social, falta de laços de família e desajustamentos pessoais tendem a tomar as pessoas mais receptivas.

Os movimentos são de diversos tipos: migratórios, quando as pessoas fogem fisicamente de uma sociedade frustradora; expressivos, quando elas se modificam ao invés de modificarem a sociedade e encontram uma saída emocional através de comportamento expressivo; utópicos, quando um pequeno bando busca criar uma sociedade perfeita em miniatura; reformista, quando um grupo procura persuadir uma sociedade democrática a corrigir suas imperfeições; revolucionários, quando as pessoas procuram substituir o sistema social existente por um novo; e de resistência, quando os conservadores tentam bloquear ou erradicar as mudanças sociais de que não gostam. Os sociólogos e historiadores procuram descrever um ciclo de vida “típico” em que se enquadrem os movimentos: um estágio de inquietação, de desconten­ tamento disseminado, mas não direcionado; um estágio de excitamento, durante o qual o descontentamento aumenta e acaba direcionado; um estágio de formali­ zação, quando o movimento se cristaliza em uma burocracia, e um estágio de dissolução, quando um movimento ativo acaba tendo algum tipo de desfecho ou morte. Conquanto nem sempre racionais e algumas vezes aborrecidos, os movimentos sociais ajudam a sociedade democrática a fazer frente às defasagens culturais e a permanecer razoavelmente integrada.

Perguntas e trabalhos 1.

Como se distingue um movimento social de instituições, associações, grupos de pressão, correntes culturais e ten­ dências sociais?

2.

De que modo as correntes culturais afetam os movimentos sociais? Considerando as atuais correntes culturais, qual você acredita que seja o sucesso final do movimento proibicionista, e do Movimento de Liberação Feminina? E do movimento para tornar o aborto ilegal?

3.

Poi que os movimentos sociais têm mais probabilidade de surgirem depois que uma sociedade começou a melhorar suas condições materiais e não quando se acha em pobreza abjeta?

4.

Em comparação com outros países ocidentais, os EUA tiveram poucos ou muitos movimentos sociais? Por quê?

5.

Que fatores afetam a receptividade de uma pessoa aos movimentos sociais?

6.

Entre os diversos tipos de movimentos sociais, quais os mais numerosos na atual sociedade norte-americana? Por quê?

7.

Você pode pensar em alguns movimentos sociais nos EUA que não foram mencionados neste capítulo? Em que classificação você colocaria cada um deles?

8.

O que determina a decisão de um a pessoa de apoiar um dos diversos movimentos? Trata-se de puro acaso? As

idéias e metas do determinado movimento? As neces­ sidades emocionais que preenche? Ou o quê? 9.

Um movimento tem a probabilidade de atrair diferentes espécies de pessoas em diferentes estágios de seu curso? Por quê?

10. Alguns movimentos parecem atrair principalmente desa­ justados e neuróticos, ao passo que outros atraem os “respeitáveis” da comunidade. Por quê? Algumas vezes um movimento atrai a opinião de líderes de um grupo e desajustados de um outro grupo. Como explicar este fenômeno? 11. Aplicando a síntese de Stockdale no Quadro 34, que prog­ nósticos você poderia fazer a respeito das perspectivas do Movimento de Liberação Feminina para conseguir inspirar “ação coletiva” em escala de massa? 12. Como você explica o fracasso do Partido Comunista em formar um movimento de massa nos EUA? 13. Os norte-americanos na Guerra do Vietnã tentaram proteger a população nativa das vilas “realojando-as” em áreas “seguras” . Com que eficiência isto as protegeu das idéias revolucionárias? 14. O Movimento da Nova Esquerda foi assunto de numerosos livros e artigos entre 1969 e 1971 e, desde então, pratica­ mente de nenhum. O que é que isto sugere?

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15. Caso se pudesse demonstrar que a maioria dos líderes de um determinado movimento é constituída de pessoas psicologicamente desajustadas, de que modo isto afetaria sua avaliação do movimento? Aplique sua resposta à Liberação Feminina, Movimento Jesus, Movimento do Direito à Vida e ao movimento de proteção ao ambiente. 16.

Suponhamos que você estivesse fazendo promoção, procu­ rando uma área favorável para lançar um movimento social. Que dados estatísticos você usaria para encontrar uma localização favorável?

17. Você conhece alguém que tenha um longo histórico de

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envolvimento em causas ou movimentos “muito avan­ çados”? Como é essa pessoa? Conhece alguma outra com longa atividade em movimentos e organizações mais mode­ rados? De que modo a segunda pessoa se compara com a primeira? 18. Distinga três ou quatro estudantes que você conhece muito bem e estime, de acordo com a informação deste capítulo, a receptividade de cada um a movimentos sociais. E a seu próprio respeito? Você é um candidato bom ou fraco para filiação? Em que espécie de movimento? Seus julgamentos seriam conclusões científicas ou impressões subjetivas?

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