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July 31, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA e

DESENVOL DESE NVOLVIM VIMENTO ENTO SUSTENT SUSTENTÁ ÁVEL Cynthia Roncaglio Nadja Janke

 

Cynthia Roncaglio  Nadja Janke

Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

Edição revisada

IESDE Brasil S.A. Curitiba 2012

 

© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ  ____  __ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____ ____  __  R676s   Roncaglio, Cynthia, 1964  Sociedade contemporânea contemporânea e desenvolvimento sustentável / Cynthia Roncaglio, Nadja Janke. - [1.ed., rev.]. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2012. 234p. : 28 cm   Inclui bibliograa   ISBN 978-85-387-2973-0   1. Gestão ambiental. 2. Desenvolvimento sustentável. 3. Política ambiental - Brasil. 4. Proteção ambiental - Brasil. 5. Civilização moderna - Século XXI. I. Janke, Nadja 12-5047.  

CDD: 363.7 CDU: 504.06

16.07.12 30.07.12

037464

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Capa: IESDE Brasil S.A. Imagem da capa: IESDE Brasil S.A.

Todos Todo s os direitos reservados.

IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br

 

Sumário Teoria Teo ria socia sociall e ambiente ambiente I .................... ......................................... ........................................... ............................................ ........................................... ..................... 9 Sociedade e natureza....................................................................................................................................9 natureza....................................................................................................................................9 Teoria social clássica .................................................................................................................................10 Marx, Durkheim e Weber: entre o social e o natural .................................................................................13

Teoria social e ambiente II .....................................................................................................17 Sociedade contemporânea e degradação ambiental ...................................................................................17 Teoria social contemporânea .....................................................................................................................19

Modernidade, racionalidade e ordem .....................................................................................29 Os preceitos da racionalidade política, econômica e cultural da sociedade moderna ...............................29 Capitalismo, transformação da natureza e a sociedade de risco ................................................................34 O mal-estar na modernidade ......................................................................................................................35

Pós-modernidade, irracionalidade e desordem ......................................................................39 As incertezas da racionalidade política, econômica e cultural ..................................................................39 Globalização e políticas ambientais ...........................................................................................................41 O mal-estar na “pós-modernidade” ...........................................................................................................43 A natureza como sujeito ............................................................................................................................44

Desenvolvimento sustentável.................................................................................................47 sustentável.................................................................................................47 Desenvolvimento e ambiente .....................................................................................................................47 Compreendendo conceitos: ecologia, meio ambiente, ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável ..................................................................................49  Nosso futuro comum e os princípios de sustentabilidade ..........................................................................53

Sustentabilidade para quem?..................................................................................................59 quem?..................................................................................................59 Desenvolvimento econômico X desenvolvimento sustentável............... ............................... ............................... ............................... ....................59 ....59 Globalização e discursos de sustentabilidade ............................................................................................61 É possível sustentabilidade como alternativa de desenvolvimento? .........................................................64

Políticas públicas e desenvolvimento sustentável .................................................................69 A política e seus signicados  signicados  .....................................................................................................................69 Política Polít ica e multidimen multidimensionali sionalidade dade dos problemas humanos ....................................... ....................... ................................ ............................... .................71 ..71 Globalização e políticas ambientais ...........................................................................................................73 O esverdeamento das políticas públicas ...................................................................................................74

Estado e ambiente no Brasil ...................................................................................................79 A emergência da questão ambiental no Brasil ...........................................................................................79 Evolução das políticas públicas ambientais ...............................................................................................81 Posicionamentos do Estado brasileiro face à questão ambiental ...............................................................84

 

Sociedade e ambiente no Brasil .............................................................................................91 A força do ambientalismo na sociedade contemporânea ...........................................................................91 A criação de organizações não governamentais ambientalistas.................................................................95 ambientalistas.................................................................95 Movimentos sociais e ambientalismo no Brasil ........................................................................................97

Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I .............................................................101 Origens e transformações das cidades .....................................................................................................101 Representações do campo e da cidade .....................................................................................................103 Problemas urbanos ...................................................................................................................................104 Limites da sustentabilidade urbana ..........................................................................................................106

Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II ............................................................109 Transformações urbanas ..........................................................................................................................109 Práticas de sustentabilidade urbana em cidades brasileiras .....................................................................110 Desaos para as cidades contemporâneas  contemporâneas  ...............................................................................................117

Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I .................................................................119 O mundo rural ..........................................................................................................................................119 Desenvolvimento rural no Brasil .............................................................................................................120 Desenvolvimento territorial sustentável: uma nova abordagem ..............................................................123 Os atores do desenvolvimento rural sustentável ......................................................................................126

Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II ................................................................131 Sistemas de produção sustentáveis ..........................................................................................................131 Práticas de sustentabilidade rural no Brasil .............................................................................................135 Desaos para a vida rural contemporânea no Brasil  Brasil   ...............................................................................138

Cuidando da natureza ...........................................................................................................143 Preservação ou conservação? ..................................................................................................................143 Preservando o ambiente ...........................................................................................................................143 O movimento conservacionista................................................................................................................145 conservacionista................................................................................................................145 A natureza como recurso .........................................................................................................................147 Gerenciamento sustentável dos ecossistemas ..........................................................................................148 A natureza como patrimônio ....................................................................................................................150

Saberes em jogo na qualidade ambiental .............................................................................153 Saberes cientícos e tecnológicos  tecnológicos  ...........................................................................................................153 Saberes tradicionais e modernos ..............................................................................................................155 Quem detém o saber ambiental? ..............................................................................................................157

Gestão participativa e ambiente ...........................................................................................161 Sustentabilidade: conciliando participação social e cuidado com o ambiente ....................................................161 Agenda 21: uma proposta de gestão ........................................................................................................164 Gestão de unidades de conservação: o papel dos atores sociais ..............................................................165

 

Ações ambientais globais .....................................................................................................173 Relatório Brundtland ...............................................................................................................................174 Eco-92, Agenda 21e a Convenção da Biodiversidade .............................................................................175 Dez anos depois: a Rio+10 ......................................................................................................................177 Protocolo de Kyoto ..................................................................................................................................178 O Projeto do Milênio das Nações Unidas ................................................................................................179

Experiências de ações ambientais nas políticas públicas locais ..........................................185 Políticas públicas em unidades de conservação .......................................................................................186 Políticas públicas e desenvolvimento rural..............................................................................................187 rural ..............................................................................................187 Políticas públicas em educação ...............................................................................................................189

Experiências de ações ambientais envolvendo participação popular e cidadania ............... ...............195 195 Exemplos de construção da Agenda 21 ...................................................................................................195 Exemplos de ONGs da área socioambiental ............................................................................................198 Exemplos institucionaisnas áreas da educação e da saúde ......................................................................200 Concluindo... ............................................................................................................................................202

Experiências de ações ambientais nas empresas privadas ...................................................205 O papel dos estudos de impacto ambiental / relatórios de impacto ambiental ........................................205 Exemplos de relatórios de impacto em grandes empresas .......................................................................207 Exemplos de ações ambientais em empresas...........................................................................................208 empresas...........................................................................................208 Concluindo... ............................................................................................................................................210

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade .................... ........................213 213 Conceituando Educação Ambiental .........................................................................................................213 Educação Ambiental no âmbito escolar ...................................................................................................217 Educação Ambiental em espaços não formais .........................................................................................218 Educação Ambiental e cidadania .............................................................................................................220

Educação Ambientalem perspectiva ....................................................................................223 Educação Ambiental em escolas ..............................................................................................................223 Educação Ambiental e movimentos sociais .............................................................................................225 Educação Ambiental e políticas públicas ................................................................................................227 Educação Ambiental e empresas privadas ...............................................................................................231

 

 Apresentação Caro aluno,  

 A 

 partir deste material, deste faremos juntos uma viagem um tema um tema fascinante fascinante e complexo: complexo: a sociesociedade ocidental contemporânea e a perspectiva dopor desenvolvimento sustentável.

Para compreender os problemas sociais e ambientais contemporâneos, precisamos fazer uma travessia que inclua algumas paradas em lugares e tempos estratégicos, onde e quando transformações históricas importantes anunciaram mudanças no modo de nos relacionar e de compreender a natureza. Assim, faremos logo no início da nossa viagem um passeio pela teoria social a m de apreender as reexões reexões essenciais acerca da relação entre sociedade e natureza que surgiram surgira m num tempo em que a natureza ainda não se sentia ameaçada pelas nossas ações e nós não tínhamos tí nhamos a consciência coletiva coletiva de que podíamos colocar em risco não somente a natureza mas também a natureza natu reza humana. Tendo em mente essas ferramentas teóricas essenciais, faremos uma incursão pela sociedade ocidental ociden tal moderna moder na e pós-moderna, buscando alguns elemen elementos tos que nos ajude ajudem m a compreend compreender er como se estabeleceram a ordem e o caos, as racionalidades e as irracionalidades no âmbito da política, da economia e da cultura contemporâneas contemporâneas.. A abordagem que aqui faremos, de alguns momentos cruciais da evolução da ciência e da sociedade, é fundamental para compreendermos o tipo de contato que estabelecemos com a natureza e o ambiente que cercamos e que nos cerca. A partir disso, poderemos compreender melhor porque a questão ambiental se colocou como um dos principais problemas, senão o principal e mais abrangente, no decorrer do século XX e no sustentável, ecodesenvolvimento ecodesenvolvimento e início do XXI. A análise de conceitos como como desenvolvimento sustentável,  e sustentabilidade,, usados com frequência por políticos, cientistas e cidadãos em geral, será apresentada tentabilidade aqui com o intuito de estimular a sua reexão sobre um tema que desperta muitas polêmicas e ações diversas no âmbito do governo, governo, das empresas privadas, das organizações sociais sociais..

As experiências globais e locais na área ambiental, quer ocorram no campo ou na cidade, re presentam uma ponte entre a teoria e a prática, a sociedade e a natureza, natu reza, os interesses individuais e os coletivos, coletivos, a destruição destr uição e a preservação. Você Você terá oportun oportunidade, idade, em vários momentos de leitura e reexão,, assim como no decorrer das atividades propostas, de fazer essa ligação entre os conteúdos. reexão  Não poderíamos deixar de salientar salientar também a importância import ância da Educação Ambiental Ambiental para a forformação de cidadãos mais sensíveis e atentos aos problemas ambientais e o fato de ela poder estar presente em todas as instâncias da vida social, na educação formal e na informal. Certamente, quando chegarmos ao m da nossa viagem, você perceberá que o assunto trata do é vasto e profundo e que o nosso objetivo aqui é tão somente despertar, por meio dos conteúdos abordados, da indicação de leituras, lmes l mes e atividades, o desenvolvimento desenvolvimento da consciência crítica e a curiosidade para você continuar nos seus estudos a expl explorar orar e desven desvendar dar o mundo social e natural em toda a sua diversidade.

Boa viagem! Cynthia Roncaglio

 

Teoria social e ambiente I Cynthia Roncaglio Roncaglio**

Sociedade e denatureza urante milhares anos, a existência e a sobrevivência da humanidade de-

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 penderam das condições ditadas pela natureza. Isolados, fracos, repletos de necessidades e assustados diante da grandeza e da imprevisibilidade dos fenômenos naturais, durante muito tempo os seres humanos submeteram-se às forças da natureza e as trataram com respeito e temor temor.. Até poucos séculos atrás, a natureza abrigava o homem, constituía o seu habitat . Ao longo da história da humanidade, porém, a relação entre sociedade e natureza foi se alterando na medida em que o homem se percebe diferenciado (a natureza humana como diferente da natureza) ou até mesmo afastado do mundo natural (quando surgem, por exemplo, as cidades e acelera-se o processo de urbanização). Essa transformação lenta, mas progressiva, propicia uma reexão – um movimento de retorno sobre o saber, sobre o que é o ser, como as coisas funcionam e para que servem. Desse questionamento, surgem a losoa e as ciências, que, dentro dos lili mites do conhecimento de cada época, especularam e formularam diversas concepções sobre o que é o homem, o que é a natureza e o que um tem a ver com a outra. Em linhas gerais, pode-se dizer que a losoa, as ciências e as teorias da sociedade contemporânea contemporânea herdaram a inuência in uência de duas concepções de ciência e losoa universais: a grega e a hebraica. monista,, parte do princípio da imanência do A losoa grega, denominada monista ser, ou seja, homem homem e natureza natu reza são inseparáveis, pertencem ao mundo das da s coisas concretas, materiais, e formam um u m todo. A losoa hebraica, hebraica, denominada dualista,, ao contrário, ta contrár io, baseia-se baseia-se na transcendência, isto é, o homem pertence à natureza, mas a natureza foi criada por Deus, que é um ser superior que se coloca acima das coisas materiais. Como o homem foi foi criado à imagem de Deus, ele pode se transformar em senhor da natureza natu reza para respeitar a von vontade tade divina. Na epistemologia epistemologia1 antiga (século V a.C. até século XVI d.C.), predomina o monismo; na epistemologia moderna (século XVII a século XIX), XI X), predomina a concepção dualista, baseada na dominação da natureza, evidenciada no pensamento de Descartes, Kant, Hegel. Na parte nal do Discurso do Discurso do método método (1637),  (1637), Descartes diz o seguinte: [... ...]] conhecendo a força e ações do fogo, da água, do ar, dos astros, astro s, dos céus e de d e todos os outros corpos que nos cercam, tão distintamente como conhecemos os diversos misteres de nossos artíces, poderíamos empregá-los da mesma maneira em todos os usos para os quais são próprios , e assim nos n os tornar torna r como que senhores se nhores e possuidores p ossuidores da natureza. nature za.   (DESCARTES, 1983, p. 63, grifo nosso).

  Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvim ento pela U niversidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em História do Brasil. Professora do curso de História das Faculdades Integradas Espírita. H istoriadora. Epistemologia é a teoria Epistemologia é do conhecimento – reeree xão geral sobre o desenvolvimento do conhecimento humano em suas diferentes etapas.

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Teoria social e ambiente I

Pode-se dizer que o desenvolvimento da técnica e da ciência no contexto das relações de produção e reprodução das sociedades capitalistas nos séculos seguintes foi permeado pela ideia cartesiana de que é possível explorar a natureza (entendida como uma quantidade de recursos disponíveis e ilimitados) e dominá-la (a partir do uso ecaz de instrumentos técnicos e conhecimentos cientícos). Tal atitude em relação aos recursos naturais, no entanto, tem provocado, ao longo do tempo, danos irreparáveis ao ambiente. Em graus variáveis, e em épocas e espaços diferentes, pode-se tomar como exemplo de degradação do ambiente a escassez de recursos naturais não renováveis renováveis na era industrial, i ndustrial, a alteração das eses tações e do clima, a erosão do sol soloo e o desmatamento desmatamento.. Diante dessas constatações surgiu, entre o nal do século XIX e o início in ício do século XX, a epistemologia epistemologia sociosocioeconômica e uma crise ecológica, que podem ser caracterizadas losocamente como a tensão constante entre modos monista e dualista de compreender e viver a relação entre sociedade e natureza.

 A mesma civilizaç civilização ão que construiu o progresso tecnológico e científico baseado na exploraç exploração ão e na dominação da natureza encontra-se diante de uma crise de paradigmas.

A mesma civilização que construiu o progresso tecnológico e cientíco baseado na exploração e na dominação da natureza encontra-se diante de uma crise cr ise de paradigmas. A crise ecológica ecológica é uma crise da razão, uma crise de ligação e limite: o que nos liga à natureza, o que liga o homem, os animais os seresdavivos? O que distinguereatualizam dos animais,a dos serese vivos, natureza? Osnos ecologistas discussão sobre a relação entre sociedade e natureza modicando a frase de Descartes: o homem deve ser mestre e  protetor da natureza. natureza.

Teoria social clássica O que signica a teoria social e por que estudá-la para compreender o amam  biente?? Como foi visto até aqui, existiram muitas correntes da loso  biente losoaa que, de certa forma, pensaram a relação entre o homem e a natureza. Ou melhor, conce beram determinadas deter minadas ideias sobre a natureza natu reza e a humanidade a partir par tir de uma ou outra concepção losóca.

 A fil filoso osofia fia,, ass assim im com comoo a ciência, constitui um modo de conhecimento produzido historicamente por sociedades que a reconhecem como válida.

A losoa, assim como a ciência, constitui um modo de conhecimento produzido historicamente por sociedades que a reconhecem como válida. O mundo ocidental, ao longo dos séculos XIX e XX, conferiu ao saber produzido pela ciência um estatuto superior aos demais, assim como possibilitou o pleno desenvolvimento e a consequen consequente te especialização do conhecimento cientíco. A ciência ciência obteve, obteve, a partir par tir daí, a possibilidade de aprofundar conhecimentos sobre o universo, a vida, os seres humanos e a sociedade em um grau que não poderia ser abrangido por uma única disciplina ou pelo estudo de um

único indivíduo. O surgimento e o desenvolvimento da biologia, da lologia, da economia, da psicologia e da sociologia, entre outras, no campo epistemológico,  propici  prop iciou ou igualme igualmente nte aperf aperfeiç eiçoamen oamento to teóricoteórico-meto metodol dológic ógico, o, rigo rigorr intel intelectual ectual e sissistematização de conhecimentos sem igual. 10

 

Teoria social e ambiente I

A ciência, entretanto, é tecida pelas e nas relações sociais. Em nome da razão,  Não paira sobre os indivíduos – ao contrário, é entremeada de constituiu-se uma ciência representações, crenças e valores subjacentes à sociedade e aos poderosa para alcançar indivíduos que a legitimam. Ou, em outras palavras, o fazer-se os seus fins e uma ciência da ciência não ocorre separado dos interesses sociopolíticos e do aparato tecnológico tecnológico que lhe dá suporte e sustentação. É fruto determinista para justificar do conhecimento dos homens e ligada à necessidade de produ- os seus meios. ção material dos homens. Em nome da razão, r azão, constituiu-se uma ciênciaa poderosa para alcançar os seus ns e uma ciência determinista para justiciênci justicar os seus meios. Portanto, a teoria social clássica, clássica, desenvolvida desenvolvida no decorrer do século XIX na Europa, construiu um modelo explicativo explicativo da realidade que, sob determinada pers pectiva, ampliou ampliou a compreensão compreensão sobre sua própria própria época, mas, ao mesmo mesmo tempo, foi condicionada condicionada por ela. No decorrer do século XIX e até meados do século XX, a teoria social voltou-se voltou-se fundamentalmente para o estudo dos fenômenos fenômenos sociais, inclusive porque a crescente especialização e a competitividade das ciências exigia a demarcação da estrutura conceitual e metodológica de cada disciplina, até certo ponto impedindo que orescessem questionamentos mais profundos sobre as relações entre a sociedade e o seu substrato “natural” ou “material”. Isso quer dizer que houve defensores deade. uma estreita relação  biologia  biolog ia e não a soc sociol iologi ogia a par para a senão compr compreen eender der a soc socied iedade . Aug August ustoo Com Comte te2,entre assima como Herbert Spencer 3, considerava que os princípios e os procedimentos metodológicos da biologia deveriam ser aplicados na análise sociológica. Comte esta beleceu,  belece u, por exemplo, exemplo, analogia entre a forma e a função f unção dos organismos vivos e seus órgãos para explicar a correlação entre indivíduos e instituições nas sociedades modernas. Spencer transpôs os modelos de evolução, seleção e variação de Darwin para o desenv desenvolvimen olvimento to social. Os economistas políticos clássicos (1770-1830), em especial, procuraram apontar a relação entre as possibilidades econômicas do homem e as limitações limita ções es4 tabelecidas pelas condições ambientais. Malthus , de modo mais direto, dedicou-se aa estudar estuda r os efeitos sociais crescimento demográco escassez deagrícola reprodução biológica dos do pobres seria mais rápida que eo aincremento agalimentos rícola para– abastecer a população. Tanto David Ricardo5 como John John Stuart Stuar t Mill6 identicaram os potenciais limites do crescimento e dos recursos naturais em uma economia agrícola em expansão. Baseados em argumentos diferentes, ambos concluem que o crescimento econômico explosivo do século XIX redundaria num esgotamento da fertilidade dos solos e na queda das taxas de rendimento da terra. Em meados do século XIX, o crescente ritmo da industrialização tornou os prognósticos de Malthus e de Ricardo redundantes. As taxas de crescimento demográco continuavam a aumentar, assim como a produtividade agrária, mas esta produtividade apresentava um papel cada vez mais reduzido no processo de crescimento econômico. econômico. Com a crescente importância da industrialização no destino da humanidade, juntamente com a especialização das ciênc ciências, ias, é compreensível que esses estudos – que, de um modo ou de outro, outr o, procuravam entender ent ender os elos entre a sociedade e o ambiente – fossem desviados para outros enfoques.

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Augusto Comte (17981857): considerado o pai da sociologia e fundador da doutrina positivista, que consiste na crença em uma ciência objetiva que seria o estágio mais avançado da civilização.

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Herbert Spencer (18201903): entendia a humanidade na sua realidade social, psíquica, moral, como  produto da evolução, evoluç ão, tal ta l qual qua l a deniu Darwin.

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Thomas Robert Malthus (1766-1884): economista inglês. Suas ideias se tornaram uma doutrina. O malthusianismo   armava malthusianismo ser o controle da natalidade necessário, tendo em vista a desproporção entre o crescimento da população e o aumento da produção dos  bens de consu mo. Hoje, os  princípios  prin cípios malthu malthusianos sianos têm sido rejeitados pelo mundo cientíco, sendo considerados falsos e em desacordo com o desenvolvimento da humanidade.

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David Ricardo (17721823): economista inglês.

John Stuart Mill (18061873): lósofo e econoecono mista inglês. 11

 

Teoria social e ambiente I

A m de compreender as origens e os efeitos da degradação ambiental na sociedade contemporânea, contemporânea, cabe analisar, ainda que de modo amplo e geral, a contribuição da teoria social clássica, que não tomou como principal viés de análise a relação entre sociedade e natureza, seja porque havia uma disjunção entre os conhecimentos do mundo natural e do mundo social, seja seja porque a percepção dos  potenciais problemas problemas ecológico ecológicoss não tinha tin ha ainda contornos claros como hoje. hoje. De acordo com Goldblatt (1996, p. 21), [...] para a teoria social clássica, o problema ecológico fundamental não era as origens da degradação do seus ambiente, mas onaturais, modo como sociedades haviam sido controladas pelos ambientes e o as modo como aspré-modernas sociedades modernas haviam conseguido ultrapassar esses limites ou, em certa medida, se haviam desligado das suas origens “naturais”.

Teoria social sob o signo da Revolução Industrial Dá-se o nome de Revolução Revolução Industrial às profundas transfo tran sformações rmações econômicas e sociais que ocorreram na Europa a partir da segunda metade do século XVIII. Basicamente, a Revolução Industrial consistiu, e ainda hoje consiste, na  busca de novas novas fontes fontes de energia energia e sua aplicação aplicação em máquinas capazes de de produzir bens. Iniciada na Inglaterra, Inglaterr a, a industrialização estendeu-se à França em torno de 1810 e, em seguida, à Alemanha. Aproximadamente em 1840, começava a industrialização dos Estados Unidos da América; a partir da segunda metade do século XIX, também se transformavam a Rússia, o Japão e a Itália. O processo de industrialização tornou-se um fenômeno mundial e consolidou denitivamente o modo de produção capitalista. A mecanização do processo de  produção  produ ção de de bens bens alterou alterou drast drasticame icamente nte a natur natureza eza e a socieda sociedade, de, com a intro introdução dução da maquinaria e de novas formas de organização do trabalho. Na Inglaterra do início do século XVIII, por exemplo, ainda predominava uma forma de trabalho baseada na produção familiar. Uma das principais atividades da época era a produção de tecidos. A família funcionava como uma pequena unidade industrial em que cada membro dedicava-se a uma ocupação – uns avam, outros cardavam, outros tete ciam. A família era então proprietária da d a produção, dos dos instrumentos instr umentos de trabalho que utilizava e das matérias-primas que transformava. As peças de tecido eram depois comercializadas nas cidades próximas pelo chefe da família. Com a ex pansão do mercado consumidor consumidor,, e com o surgimento dos comercian comerciantes tes manufatumanufatureiros, que intermediavam inter mediavam as relações comerciais, modicaram-se pouco a pouco as relações de trabalho e a vida social. Surgiram as fábricas e muitos camponeses deslocaram-se do campo para a cidade em busca de emprego. As condições de vida nas cidades industriais, no entanto, causaram sérias alterações na rotina de camponeses e artesãos. Num primeiro momento momento,, a urbanização u rbanização não acompanhou o grande contingen contingente te de pessoas que migravam para as cidades. Péssimas Péssimas condições de higiene e saneamento básico, moradias insalubres e falta de água eram alguns dos fatores negativos negativos do processo inicial da industrialização, assim como os operários eram submetid submetidos os a condições de trabalhos sub-humanas. Do ponto de vista tecnológico, o impulso denitivo dado à Revolução InIn dustrial foi a invenção do tear mecânico (que antecedeu antecedeu todas as máquinas indus12

 

Teoria social e ambiente I

triais modernas), o coque metalúrgico (usado como combustível nos altos-fornos  para a produção de ferro e aço) e a máquina a vapor vapor.. Um dos maiores impactos causados pela industrialização, no entanto, foi a invenção da locomotiva e o consequente desenvolvimen desenvolvimento to das estradas de ferro. Paralelamente à produção têxtil, cresceram a mineração, a siderurgia e as indústrias metalúrgica e mecânica (que  produziam as máquinas para as demais indústrias) indústrias).. Houv Houvee também um grande avanço na indústria de construção constr ução naval e em todos os setores ligados aos meios de transporte, tra nsporte, indispensáveis ao escoamento das mercadorias. Como a produção de máquinas exigia grandes somas de dinheiro, desenvolveu-se também toda uma rede de relações comerciais, sistemas bancários e a participação direta dos governos para arrecadação das quantias necessárias. O Estado assumiu ainda o papel de regulador das leis trabalhistas e de entidades de classe, fornecendo subsídios à indústria e formulando regulamentos bancários. Todas essas transformações causaram impacto também sobre a produção do conhecimento e geraram reexões teóricas acerca do modo como as sociesocie dades modernas haviam conseguido ultrapassar os limites naturais ou, em certa medida, haviam se desligado de suas origens “naturais”, embora os problemas ambientais não se colocassem ainda como variáveis importantes para a análise social. Cabe, no entanto, analisar alguns aspectos da contribuição de três pensadores clássicos da sociologia moderna para os posteriores modelos de análise que surgirão no século XX.

Marx, Durkheim e Weber: entre o social e o natural Para Karl Marx7, o homem é um animal racional, r acional, mas o que o distingue dos outros animais, mais do que a razão, é o trabalho. Por meio do trabalho, o homem transforma a natureza. Os animais fabricam instrumentos, instr umentos, mas não trabalham. Os homens fabricam meios suprir suas sua que mudam tempo e no espaço. A divisão os social dode trabalho levas necessidades, à divisão de classes sociais.noEsta divisão só ocorre em sociedades que produzem excedentes, excedentes, isto é, que obtêm mais do que o necessário para garantir garanti r a sua subsis subsistência tência e, dessa forma, geram lucro sobre o que produzem.  Nessa linha de interpretação, a sociedade de classes classes inevitav inevitavelmente elmente produz a luta de classes – a luta entre aqueles que não detêm os meios de produção e, portanto, são obrigados a vender a sua força de trabalho para aqueles que detêm os meios de produção produção e o capital. Segundo Segundo Marx, é possível possível construir uma sociedade rica sem divisão de classes porque os trabalhadores podem trabalhar e participar da gestão da sociedade sociedade.. As ideias que os homens têm estão sempre denidas pela  posição no espaço do trabalho: há aquele aqueles s que vivem o tempo do trabalho que e háocupam aqueles que têm o tempo para pensar no trabalho.

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Karl Marx (1818, Trier, Alemanha – 1883, Londres, Inglaterra): fundador do materialismo dialético e do materialismo cientíco. Seus estudos e sua atuação junto aos movimentos operários europeus gerou o Marxismo – conjunto de concepções e reexões rearea lizado com Friedrich Engels que atraiu muitos seguidores. Marx considera que as causas da exploração humana ocorrem por causa condições materiais da das existência e a consciência dos homens é determinada pela realidade social, ou seja, pelo conjunto dos meios de produção. 13

 

Teoria social e ambiente I

Para Marx, a natureza é compreendida enquanto objeto de transformação do homem por meio do trabalho para obter as condições naturais desse trabalho e como meio como meio de subsistência. Conforme Conforme os estudiosos da losoa marxista, essa visão estática da natureza, ou de submissão aos interesses do homem, decorre do fato de Marx se dedicar essencialmente essencialmente à compreensão do sistema capitalista, no qual a natureza nat ureza já aparecia como simples mercadoria, mercadoria, e secundariamente secundar iamente com as sociedades primitivas, nas quais o mundo natural natu ral foi pouco modicado por causa do escasso desenvolvimento das forças produtivas e da veneração com que era tratado. sociedades cap a natureza não é revestida nem consideradaNas como sujeito, e capitalistas, simitalistas, como objeto de consumo ou meio de de poder produção.

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Durkheim (1858, Épinal, Alsácia – 1917, Paris, França): considerado fundador da escola francesa de sociologia.

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Conceito cunhado por Durkheim para explicar a construção da consciência individual e coletiva. A solidariedade orgânica é uma característica das sociedades em quedoocorre a divisão econômica trabalho. Uma estrutura segmentária pressu põe uma diferencia diferenciação ção social s ocial que possibilita o crescimento da individualidade. Nessa sociedade, o indivíduo é visto como uma coisa de que a sociedade dispõe. Nas sociedades primitivas, prevalece a solidariedade mecânica,  pois a consciência individu individual al decorre do próprio desenvolvimento histórico, cada indivíduo é o que os outros são,  praticamentee não havendo  praticament divisão do trabalho, somente a divisão sexual do trabalho.  Nas sociedad sociedades es primit primitivas, ivas, dominadas pela solidariedade mecânica, a consciência coletiva é maior que a consciência individual. Já nas sociedades em que ocorre a diferenciação dos indivíduos, a consciência individual se sobrepõe à consciência coletiva.

 

Assim como Marx, Durkheim rejeita o determinismo biológico, armando que os fenômenos sociais não podem ser estudados a partir do evolucionismo biológico ou de variáveis como raça, instinto, clima etc. Ao contrário, ambos os autores salientam o ponto de contato econômico entre as sociedades humanas e o mundo natural e a sua importância para as transformações históricas. Durkheim, em suas análises, deteve-se mais sobre o papel da industrialização do que na escassez de recursos, evidentemente  porque  por que esta estava va mais mais inter interess essado ado em em descob descobrir rir como como a indus industria trializ lizaçã açãoo inuen inuencia ciava va a sociedade e não como a sociedade inuenciava o meio ambiente.

Weber nasceu em Erfurt, em 1864, e morreu em Munique, 1920. Economista, lósofo e sociólogo alemão. Foi um dos autores mais inuentes no estudo do surgimento e do funcionamento do capitalismo e da burocracia, bem como da sociologia da religião. Deteve sua análise na tendência à racionalização progressiva da sociedade moderna. Evi-

Entre os teóricos sociais clássicos, Weber 10 é o que menos se volta para as questões referentes ao mundo natural. Inserido no rol dos cientistas sociais que se opunham a utilizar os marcos metodológicos metodológicos denidos pelas ciências ciências naturais, entende o objeto da sociologia como, fundamentalmente, “a captação da relação de sentido” da ação humana. Ou, O u, em outras outra s palavras, Weber Weber diz que não basta ex plicar um fenômeno fenômeno social: social: é preciso compreender compreender o conteúdo simbólico simbólico da ação ou das ações que o conguram. Nessa perspectiva, não é possível explicar pro  priamente o fato social como como resultado de um relacionamento relacionamento de causas causas e efeitos efeitos (procedimento das ciências naturais), e sim compreendê-lo como fato carregado de sentido, isto é, como algo que aponta para outros fatos e somente em função dos quais poderia ser conhecido em toda a sua amplitude.

dencia que as sociedades industrialmente desenvolvidas são cada vez mais racionais. A consequência disso seria uma crescente desagregação religiosa.

Em alguns dos seus estudos, encontram-se algumas referências indiretas sobre o mundo natural, como na sua análise sobre o judaísmo, na qual faz algumas reexões sobre as origens e as consequências ecológicas do nomadismo; ou nas

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Durkheim 8 compreende a divisão divisão do trabalho como sendo uma estrutura estrutu ra de toda a sociedade moderna, calcada na propriedade privada e na diferenciaç diferenciação ão social das pessoas, sendo a divisão técnica ou econômica apenas uma manifestação dessa realidade histórica. Assim, discorda-se de que os homens teriam anteriormente consciência consciência da sua individualidade e dividiriam o trabalho atribuindo atr ibuindo uma ocupação especíca para cada um a m de aumentar o rendimento coletivo. coletivo. Para Durkheim, a consciência da individualidade não poderia existir antes da solidariedade orgânica9 e da divisão d ivisão do trabalho. Em seu conhecido estudo Da estudo Da divisão do trabalho social, social, o autor analisa e destaca o papel de fatores como a densidade demográca e a escassez de recursos no processo de divisão do trabalho. Ou seja, identica a importância do mundo natural na evolução das sociedades humanas, na medida em que relaciona relaciona a densidade populacional populacional com os recursos materiais disponíveis disponíve is e daí d aí surge a estraticação social.

Teoria social e ambiente I

suas investigações históricas sobre sobre os modos de produção agrária agrár ia da Antiguidade A ntiguidade  – mas não são são estudos que indicam algum tipo de reconhecimento reconhecimento do impacto impacto das atividades sociais sobre os diversos ambientes naturais. Nos seus trabalhos t rabalhos mais Capitalismo e Economia e conhecidos, como A como A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo Sociedade,, não existem referências ecológicas, mas em sua Histórica Sociedade Econômica sua  Histórica Econômica Geral ele desenvolveu alguns elementos que certamente apontam para a direção de uma ecolo ecologia gia humana11. Nesse estudo, Weber indica alguns fatores ambientais que podem ser considerados, dentro de modelos multicausais, como prováveis fatores de sobrevivência sobrevivência de algumas camadas sociais sobre as outras. Em suma, embora entre suas concepções teóricas haja divergências, Marx, Durkheim e Weber Weber contribuíram signicativamen signicativamente te para a compreensão das relações sociais sob o sistema capitalista e das inuências da industrialização na forma de as sociedades se organizarem do ponto de vista econômico e político, assim como indicaram possibilidades de transformações culturais a partir do socialismo. A limitação das suas análises sobre a relação entre sociedade e natureza se dá muito mais em função de que na sociedade em que viveram o capitalismo e a tecnologia industrial se colocavam colocavam como capacidade de criar abundância material e não havia nas sociedades modernas limitações naturais evidentes. Esse trio de pensadores clássicos reagiu contra teorias sociais de fundo biológico, mas não necessariamente negou o papel da natureza natu reza nas transformações t ransformações históricas. Por certo, desenvolveram desenvolveram um pensamento relativamente relativamen te antropocêntrico12 em que a natureza aparecia muito mais como cenário onde se realizava a trama histórica do que como sujeito/objeto ativo do processo histórico. Suas teorias, no entanto, não apresentam um retrocesso em relação às anteriores: ao contrário, representam um avanço sobre as teorias sociais de sua época  porque colocaram colocaram a questão social no centro da reexão sobre sobre a humanidade. Se as estruturas conceituais desses pensadores já não parecem sucientes para comcom preenderr e explicar o século  preende século em que as inovações inovações sociais, sociais, tecnológ tecnológicas icas e comunicomunicacionais alteraram sensivelmente as estruturas sociais, as formas de produção, a organização institucional, as relações de trabalho, a percepção de tempo e espaço, a degradação dos ecossistemas, entre tantas outras mudanças inusitadas, constituí-

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Ramo das ciências humanas que estuda a estrutura e o desenvolvimento das comunidades humanas em suas relações com o meio ambiente e a sua consequente adaptação a ele, assim como novos aspectos que os processos tecnológicos ou sistemas de organização social possam acarretar para as condições de vida do homem.

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O pensamento antro pocên tricoo consid  pocêntric considera era que a natureza não tem valor em si, pois constitui os “recursos naturais” a serem explorados pelos homens. Baseia-se numa visão dicotômica de homem e natureza, na qual o primeiro tem domínio, por meio da ciência e da técnica, sobre a última.

ram um ponto de partida fundamental para a epistemologia do século XX.

  Os temas da ecologia ecologia humana e do meio ambien ambiente te estão estão tornando-se rapidamente o assunto dos anos vindouros v indouros do século XX, e são considerados como tais não somente pelas organizações governamentais governamentais e internacionais, mas por milhões de pessoas que descobriram que suas lutas econômicas, sociais, políticas e culturais, tendo em vista sua sobrevivência contra a pobreza e a miséria, são simultaneamente lutas ecológicas. ecológicas. O sinal práticododeséculo que a XXI ecologia humanacrescimento pode transfo tra to nsformar-se rmar-se nos temas dominantes XX I é o rápido crescimen dos movimentos sociais que de uma maneira ou de outra estão combaten combatendo do a tendência mundial de destruição da natureza no universo. Os temas mundiais da ecologia 15

 

Teoria social e ambiente I

e do meio ambiente vão certamente ter maior importância no futuro. Os povos do mundo estão começando, começando, de formas variadas var iadas e às vezes contraditórias, a levar em conta as relações CAPITALISM, ALISM, NATURE, SOCIALISM SOCIA LISM apud   entre si e com o resto da natureza. (REVISTA CAPIT DIEGUES, 1996, p. 50-51).

 

Discuta em grupo g rupo essa citação, relacionando-a relacionando-a com o texto apresentado, identicando identicando as razões r azões  pelas quais somente a parti partirr do século XX as questões ecológicas ecológicas passam a ser relaci relacionadas onadas com as questões sociais.

 In:: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim: DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho.  In sociologia. São Paulo: Ática, Ática , 1968. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosócos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores).

Economia mia. São Paulo: Mestre Jou, 198 WEBER, Max. História Geral da Econo 1985. 5.

DESCARTES, René. Discurso do Método. 3. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os PenDESCARTES, sadores). DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. DURKHEIM, Émile. Da divisão social do trabalho.  In  In:: RODRIGUES, José Albertino. Durkheim: sociologia. São Paulo: Ática. GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. LEIS, HéctorPetrópolis/Florianópolis: Ricardo. A Modernidade : as críticas do ambientalismo à sociedade conInsustentável temporânea. Vozes/UFSC, 1999. MARX, Karl. Manuscritos Econômicos-Filosócos e Outros Textos. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores). WEBER, Max. História Geral da Econo Economia mia. São Paulo: Mestre Jou, 198 1985. 5.

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Teoria social e ambiente II Cynthia Roncaglio

Sociedade contemporânea e degradação ambiental Revolução Industrial, iniciada no século XVIII na Inglaterra e expandida para vastas regiões

 A 

do planeta no decorrer do século XIX e no início do século XX, transformou de modo signisignicativo, e inigualável a qualquer outro momento anterior, a história das sociedades humanas. O impacto das atividades humanas sobre a natureza também ocorreu em uma escala e uma intensidade sem precedentes na história do mundo natural.

Especialmente no “breve” século XX, como conceitua o historiador inglês Eric Hobsbawm referindo-se ao período da história mundial que compreende do início da Primeira Guerra Mundial (1914) até o m da Era Soviética (1991), a aceleração das mudanças sociais e econômicas corresponcorrespon deu à aceleração da degradação degrada ção do ambiente. Isso, Isso, porém, não era uma u ma evidência para a maioria das  pessoas que viveram no século XX. X X. Apenas alguns algu ns entusiastas da vida silvestre e outros protetores de raridades humanas e naturais preocupavam-se com os problemas ambientais derivados do progresso industrial e tecnológico (HOBSBAWM, 1995, p. 257). Pode-se atrelar esse fato, por um lado, ao efeito do crescimento econômico – entre os anos 1950 e 1970 – que expandia a crença na ideologia do progresso dominante, sendo a natureza representada como uma fonte de recursos inesgotáveis a satisfazer as “necessidades” humanas. Por outro lado, as estratégias de modernização e desenvolvimento desse período – organizados em dois modelos: um centrado no papel do mercado e o outro no do Estado – começavam a propiciar em âmbito mundial inquietações de ordem cultural, social e polític políticaa que iriam ir iam deagrar movimentos sociais voltados voltados para lutas especícas como os movimentos pela paz, a fav favor or da emancipação feminina, contra o racismo,  pela conservação conservação da natureza. dourados, a economia mundial crescia a uma  Nos ditos anos dourados, u ma taxa expl explosiv osivaa e o mundo industrial avançava por todo o globo terrestre: terrest re: nas regiões capitalistas, capitalistas, nas regiões socialistas e no chamado Terceiro Mundo. Nas regiões socialistas e no Terceiro Mundo, a industrialização maciça se deu sob um sistema industrial arcaico baseado em ferro e fumaça. Os países socialistas, socialistas, ainda que imbuídos de uma ideologia oposta ao capitalismo, ignoraram as consequências ecológicas do sistema industrial que estavam implantando. Mesmo no Ocidente, o velho lema do homem de negócios do século XIX, “onde tem lama, tem grana” (ou seja,  poluição quer dizer dinheiro), ainda era convincente, sobretudo para construtores de estradas e “incorporadores” “incorporadore s” imobiliários, que descobriram os incríveis lucros a serem obtidos numa era de boom secular de especulação que não podia pod ia dar erra errado. do. (HOBSBA (HOBSBAWM, 1995, p. 257)

 Nesse período, a paisagem paisagem natural foi drasticamente alterada pela pela especulação especulação imobiliária, que, que, usando métodos industriais inovadores, construía a curto prazo conjuntos habitacionais baratos nos arredores das cidades, erguendo prédios que alterariam para sempre o processo de urbanização. urbani zação.

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Teoria social e ambiente II

Os processos revolucionários do século  XXX estão ligados  X ligados diretamente às duas grandes guerras mundiais.

Os processos revolucionários do século XX estão ligados diretamente às duas grandes guerras mundiais, que demandavam altas tecnologias. As inovações tecnológicas militares do  breve século século XX, portanto, preparam o terreno para o uso civil de vários artefatos industriais: o radar, o motor a jato e várias outras ideias e técnicas que culminaram na invenção da eletrônieletrônica e da d a tecnologia de informação, como os primeiros computadores digitais civis e o transistor na década de 1940, os circuitos integrados na década de 1950 e os lasers na década de 1960, e ainda os vários subprodutos subpr odutos dos foguetes. Antes disso, no período entre as guerras, guer ras, já haviam aparecido alguns produtos revoluci revolucionários: onários: os materiais sintéticos, mais conhecido con hecidoss como plásticos como plásticos,, que começaram a entrar em produção comercial, como o náilon (1935) (1935)1, o poliestireno2 e o polietileno3. No campo da diversão e dos meios de comunicação, o triunfo do rádio de massa e da indústria indústr ia do cinema em Holl Hollywood ywood e no mundo anglo-saxônico, anglo-saxônico, assim como a televisão e a gravação em ta magnética.

Como salienta Hobsbawm, essas revoluções tecnológicas transformaram o cotidiano do mundo rico e também, embora com menos impacto, o do mundo  pobre. O rádio, r ádio, graças ao transistor t ransistor e a miniatur m iniaturizada izada bateria de longa duração,  podia chegar chegar às mais mais remotas remotas regiões; regiões; a revo revolução lução verde4 tr  transformou ansformou o cultivo do arroz e do trigo tr igo;; e as sandálias de plástico substituíram os pés descalç descalços. os. A maior  parte dos que tinham tin ham geladeira e freezer e  freezer no mundo europeu, somente após 1945  pôde experimentar produtos produtos nov novos: os: comida desidratada conge congelada, lada, hortigranjeiros industrializados, carne recheada de enzimas, en zimas, bem como vários produtos químicos  para alterar o seu gosto gosto (HOBSB (HOBSBA AWM, 1995 1995,, p. 260 260). ).

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Fibra têxtil sintética, derivada da resina poliamida, e que se caracteriza por ser imputrescível, elástica e de notável resistência aos agentes atmosféricos.

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Estireno polimerizado que pode ser produzido sob forma rígida, para uso em peças e utensílios domésticos, ou sob forma celular,  para uso em embala embalagens gens e isolantes térmicos (isopor).

3

Polímero de etileno usado para isolamento em condutores de corrente elétrica, tubos, próteses, materiais de embalagem, tanques etc.

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Transformação tecnológica e econômica da agricultur a dos países do TerTerceiro Mundo nos anos 1960,  promovid a por organ ismos nacionais, internacionais e multinacionais, baseada no desenvolvimento e na distri buição de varie v ariedade dadess genetige neticamente alteradas do trigo, arroz e milho, além de fertilizantes químicos, inseticidas,  pesticidas  pest icidas e he rbicida s.

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Portanto, o impacto das atividades industriais e urbanas, mas também das atividades agrícolas, aumentou aumentou acentuadamente a partir par tir de meados do século XX, assim como aumentou o uso de combustíveis fósseis (carvão, petróleo, gás natural etc.). Descobriam-se, inclusive, novas fontes de energia mais rapidamente do que se podia usá-las. Após a Segunda Guerra Mundial, houve ainda, conforme destaca Fritjof Capra (1995, p. 190-221), investimento na construção de usinas A para anucleares. paz, passou paz, energia nuclear, chamada um pelos líderes mundiais de átomos a ser considerada a fonte energética do futuro: conável, limpa e barata. Hoje, sabe-se que a energia nuclear nuclear não é segura, nem limpa li mpa e nem barata. Os elementos radiativos liberados por centenas de reatores nucleares nucleares que operam no mundo inteiro são os mesmos que caem sobre a terra após a explosão de bombas atômicas. Vários acidentes, como explosões nucleares e vazamentos de reatores, já ocorreram no mundo, tendo como consequência o despejo de milhões de toneladas de material mater ial tóxico no ambiente. Esses elementos radiativos se acumulam no ar que os seres humanos respiram, nos alimentos que comem e na água ág ua que bebem. O risco r isco de contrair câncer e doenças genéticas aumentou. Entre 1950 e 1973, o consumo de energia triplicou nos Estados Unidos da América. Só depois da crise mundial do petróleo, em 1973, os ecologistas

Teoria social e ambiente II

 passaram a dar séria atenção às consequências do impacto do Havia uma crença de que tráfego movido a petróleo. As emissões de dióxido de carbono a tecnologia e a própria que aquecem a atmosfera também quase triplicaram entre 1950 consciência ecológica e 1973, ou seja, a concentração de gás na atmosfera cresceu resolveriam os antigos quase 1% ao ano. A produção de clorouorcarbonato, produto químico que afeta a camada de ozônio, subiu quase que verti- problemas. calmente. Ao mesmo tempo, havia uma crença de que a tecnologia e a própria consciência ecológica resolveriam os antigos problemas.

Teoria social contemporânea Todas essas inovações tecnológicas e os processos econômicos, sociais e culturais que lhes deram condições de existir provocaram, mais uma vez, a necessidade de se buscar novos modelos de explicação e interpretação pela teoria social. A teoria social clássica, embora tivesse estabelecido algumas correlações entre o mundo social, a partir da análise econômica, e o mundo natural, a partir da análise demográca e do desenvolvimento desenvolvimento agrário, produziu um saber compar timentado, dissociado das disciplinas das ciências naturais e das ciências exatas. Esse desenvolvimento desenvolvimento cientíco baseado na compartimentação compart imentação dos saberes – em  busca de precisar melhor melhor os fenômenos, fenômenos, enquadrá-los, dissecá-los, dissecá-los, esmiuçá-l esmiuçá-los os –  permaneceu ou até mesmo mesmo se acentuou durante boa parte do século XX.  No lugar de teorias abrangentes, surgiram surgi ram teorias t eorias especializadas, vo voltadas ltadas  para aspectos da natureza ou da sociedade sociedade,, buscando maior aprofundamento aprofundamento so bre cada objeto objeto de análise. Em conjunto com a criação de de diversos diversos aparelhos e instrumentos de investigação e perscrutação, isso propiciou a criação de um banco de conhecimentos inigualável ao de qualquer momento histórico anterior. Porém, um conhecimento profundo sobre assuntos especícos. Assim, neste último quarto de século, com a crescente e rápida transformação da história mundial, impulsionada pela urbanização, o ressurgimento de conitos étnico-religiosos, as novas descobertas cientícas e tecnológicas e a eclosão de propro blemas  ble mas amb ambien ientai taiss sem pre preced cedent entes, es, sur surgiu giu,, não por aca acaso, so, a int interd erdisc iscipl iplina inarid ridade ade5. A história da sociedade e de suas inter-relações com a natureza provoca a revisão dos paradigmas cientícos, éticos, políticos e sociais que norteiam a ação humana e que mais ou menos contribuíram para o processo de degradação degrad ação socioambiental socioambiental que se percebe nos quatro cantos do planeta. Nesse contexto, não é possível dar respostas (ou soluções) antigas para novos problemas. Ou, segundo Edgar Morin (1995, p. 165), um dos aspectos do problema planetário é que as respostas cientícientícas e losócas às quais se recorre para solucionar os problemas são um dos probleproblemas mais graves e urgentes a resolver.

5

 In te rd is ci pl in ar id ad e : estabelecimento de relações entre duas ou mais ciências.

Portanto, para dar conta de problemas complexos, também é preciso desenvolver um conhecimento complexo. E essa complexicação do conhecimento, de acordo com Morin (1995, (1995, p. 159-1 159-170 70), ), está insepar i nseparavelmente avelmente ligada a uma reforma

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Teoria social e ambiente II

 A questão questão ambi ambiental ental tem apresentado o mérito de impulsionar a discussão interdisciplinar.

do pensamento, entendida como o desenvolvimento de um conhecimento complexo e contextualizado6.

Que os probl problemas emas tornaram-se torna ram-se mais complexos, complexos, a história h istória não deixa dúvidas. Que caminha-se em direção a essa reforma do pensamento, é ainda uma possibilidade. Mas, se há possibilidade de êxito nessa empreitada, a questão ambiental ambiental tem apresentado o mérito de impulsionar impulsio nar a discussão interdisciplinar, mobilizar diversos diversos setores da sociedade e, o que parece mais fundamental, interligar teoria e prática, não apenas no sentido da produção do saberes conhecimento contextualizado mascompreendidos também da necessidade de cooperação entre e experiências, geralmente como excludentes.

 No campo da teoria soci social, al, a partir dos anos 1980 princ principalm ipalmente ente,, algun algunss pensadores cuja formação foi inuenciada por autores como Marx, Durkheim e Weber  procuram  procu ram revisitar revisitar os clássicos clássicos não mais mais como modelo teórico teórico a ser seguido, seguido, mas como ponto de partida para negar, reformular ou ampliar os modelos de explicação que dessem conta dessas lacunas do conhecimento disciplinar. Certamente ainda não houve muitos avanços, mas, como se perceberá por meio da análise de alguns  pensadores  pensa dores conte contemporâ mporâneos neos,, a ques questão tão ambien ambiental tal já já não não pode pode mais mais ser ser ignorad ignorada. a. Os autores aqui abordados – Anthony Giddens, Ulrich Beck e Jürgen Ha bermas – possuem uma extensa e compl complexa exa obra. obra. Trata-se, Trata-se, no âmbito deste deste texto, texto, de indicar apenas algumas reexões da teoria social contemporânea contemporânea relacionadas à questão ambiental e perceber suas contribuições e limites.

Giddens, industrialismo e degradação ambiental

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Anthony Giddens7, em seus primeiros estudos, em especial The nationalstate and violence, violence, explica a degradação do ambiente a partir da interação que ocorreu historicamente entre capitalismo e industrialismo. Dedica-se especialmente ao estudo de como o espaço geográco inuenciou os processos sociais e como os fenômenos fenômenos do urbanismo u rbanismo e da globalização contribuíra contribuíram m para os problemas ambientais. Posteriormente, Posteriormente, seus estudos vo voltaram-se ltaram-se para o tema da modernidade em detrimento do capitalismo, que continua sendo o tema por excelência da teoria social contemporânea. contemporânea.

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Giddens rejeita as explicações do materialismo histórico, especialmente os modelos evolutivos de progresso social ou de explicação histórica. Sua tese aponta, ao contrário, para a descontinuidade dos processos sociais e considera que ocorreram diferentes percursos de progresso social. Rejeita igualmente as teorias que apontam o fato econômico como única causa do progresso social, salientando em seu lugar o papel da relação entre diferentes organizações sociais ao longo dos limites de tempo e espaço. Em outras palavras, analisa como a concepção de tempo e espaço inuiu na consticonsti tuição de estruturas sociais (calendários e a invenção do relógio mecânico), a natu-

Cabe ao pensamento contextual, segundo Morin,  buscarr a inse parab  busca parabilida ilida de e a inter-retroação entre todo fenômeno e o seu contexto, e de todo contexto com o contexto planetário. Ou seja, reconhecer que os problemas são interdependentes e a causalidade é cíclica. Nota-se no  pensamento  pens amento de Morin a inuência da física (a realidade contextual de Bohr). Anthony Giddens (1938), sociólogo inglês, diretor da London School of Economics. Publicou mais de 20 obras acerca de temas políticos, sociológicos e psicológicos inerentes às sociedades contemporâneas.

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Teoria social e ambiente II

reza das cidades, a natureza do dinheiro, a importância do Estado absolutista e do Estado-nação na formação do capitalismo ocidental e o fenômeno da globalização. Conforme análise de Goldblatt (1998, p. 38), ao mudar o seu foco de interesse do capitalismo para a modernidade, em seu livro  As Consequências da  Modernidade,, Giddens reavalia a origem das causas da degradação do ambiente  Modernidade e demonstra que, seja qual for a origem da modernidade8, o mundo moderno é o arauto da maior transformação da natureza natu reza que as sociedades humanas humanas conseguiram atingir. Giddens considera o industrialismo como responsável pelos atuais  probl  problemas emasdo ambientais e não osobretudo capitalismo ou oascapitalis capitalismo industr postoapreque os países Leste Europeu, entre décadasmo deindustrial, 1940 eial,1980, sentaram crescimento econômico e demográco insustentável do ponto de vista ambiental. Embora baseados em regime de propriedade e estrutura econômica diferentes daqueles das sociedades europeias capitalistas, eles apresentam semelhantes problemas de degradação ambiental decorrentes do aumento dos níveis de produção de matéria-prima. Como indica Goldblatt (1998, p. 78), nos países socialistas o crescimento industrial representou a solução para dois problemas  políticos:: satisfazer a necessidade  políticos necessidade da população, propician propiciando do níveis de vida com paráveiss aos do Ociden  parávei Ocidente, te, e obter segurança segur ança por meio de níveis de ocupação militar comparáveis aos do Ocidente. Mas, retornando à reexão inicial de Giddens (1991, p. 66),

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O conceito geral de modernidade   usado por modernidade Giddens refere-se “às instituições e modos de comportamento estabelecidos pela  primeira  prime ira vez na Europ Europaa de pois do feuda feudalismo, lismo, mas que no século XX se tornaram mundiais em seu impacto” (GIDDENS, 2002. p. 21).

[...] o industrialismo se torna o eixo principal da interação dos seres humanos com a natureza em condições da modernidade. Na maior parte das culturas pré-modernas, mesmo nas grandes civilizações, os seres humanos se viam em continuidade com a natureza. Suas vidas estavam atadas aos movimentos e disposições da natureza – a disponibilidade das fontes naturais de sustento, a prosperidade das plantações e dos animais de pasto, e o impacto dos desastres naturais. A indústria moderna, modelada pela aliança da ciência com a tecnologia, transforma o mundo da natureza de maneiras inimagináveis in imagináveis às gerações anteriores.

O impacto globalizante do industrialismo, diz ainda o autor, é a difusão mundial das tecnologias modernas. Esse impacto não se limita à esfera da produção, mas afeta vários aspectos da vida cotidiana e a interação, de modo mais geral, do ser humano com a natureza. Mesmo nas sociedades de caráter eminentemente agrícola, a aplicação tecnologia por exemplo, o uso de de fertilizantes e outros métodosdaarticiais demoderna lavoura, como, assim como a introdução máquinas agrícol agr ícolas, as, repercute na organização social humana e no ambiente. ambiente. Goldblatt, ao fazer uma análise crítica da obra de Giddens, considera que a ênfase dada ao industrialismo como principal causa das transformações da natureza limita a contribuição da obra de Giddens: segundo Goldblatt, é necessário religar o industrialismo ao capitalismo, ao socialismo de Estado, à política e à cultura  para se entend entender er as origens origens da degradação degradação ambiental ambiental.. Conforme Conforme suas pala palavras, vras, [... ...]] é possível acreditar acredita r que o capitalismo e o socialismo de d e Estado tenham te nham provocado p rovocado os mesmos efeitos no meio ambiente, ambiente, por razões diferentes, que se devem às naturezas nat urezas pecupecu liares de sua organização econômica e política, e não em virtude da tecnologia industrial que lhes é comum. (GOLDBLATT, 1995, p. 44)

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Teoria social e ambiente II

Beck, sociedade de risco e ambiente Ulrich Beck 9 é o teórico social que se dedica mais diretamente a analisar o  potencial catastróco da degradação ambiental global. Ele argumenta que a mo mo-dernidade descrita pelos teóricos sociais clássicos transformou-se numa sociedade de risco. Mas que riscos são esses? Beck se utiliza das noções de risco e  perigo para se referir referir a muitas áreas da vida social (justiça, ( justiça, mercado mercado de trabalho, família). Em consonância com o modelo teórico de Giddens, Beck constata que certos perigos e azares sempre acompanharam as sociedades humanas. O fato de determinadas circunstâncias ou eventos serem considerados riscos reside no fato de que são riscos e perigos conhecidos, cuja ocorrência pode ser prevista e cuja  probabilidade  probab ilidade pode ser calculada. Para explicar o modelo de desenvolvimento social segundo as noções de risco e perigo per igo,, Beck caracteriza-os segundo três t rês fases históricas distintas.  Na primeira fase, das sociedades pré-industriais ou pré-modernas, o risco se reveste de perigos naturais como os tremores de terra, terr a, a seca, as enchentes. Os  perigos, nesse caso, são externos e inevitáv inevitáveis. eis. Não ocorrem intencio intencionalmente nalmente nem são voluntariamente produzidos pelos indivíduos. O âmbito de inuência desses perigos pode ser tanto localizado como ultrapassar fronteiras regionais. É oanos. caso,Apor exemplo,social da Peste quedesses assolouperigos a Europa durante em cerca de 400 explicação paraNegra, a origem é buscada, geral, em forças externas, divinas. Portanto, para Beck, as sociedades pré-industriais são visivelmente visiv elmente inseguras. in seguras.  Na segunda fase, fase, das soci sociedades edades industriais industriais clássica clássicas, s, as caract característi erísticas cas dos riscos mudam, como também suas origens e explicações sociais. Os riscos e os acidentes são derivados da ação dos indivíduos ou de forças sociais mais amplas. Podem ser riscos decorrentes do trabalho, como acidentes provocados pelo manuseio de máquinas ou produtos químicos perigosos, ou a ameaça do desemprego e da carestia ocasionados pelas incertezas dos ciclos ciclos econômicos ou pela transformação t ransformação econômica. Então Então os riscos r iscos já não são causados pelas forças externas externas ou irresponsa bili  bilidades dades indivi individuais duais. . As As soci sociedades edades industriais, indus triais, segun segundo do Bec Beck, previnem-se previn em-se, , criancriando instituições que partilhem as responsabilidades coletivas ek,leis a m de tratar e atenuar o impacto i mpacto dos riscos e dos perigos localizados, como, como, por exemplo, exemplo, a criação de indenizações e apólices de seguro contra acidentes de trabalho e desemprego. Já na terceira fase, das sociedades contemporâneas, consideradas sociedades de risco, segundo Beck, os impactos dos riscos e perigos não são passíveis de se determinar e perceber tal como nas sociedades industriais, tornando difícil ou mesmo impossível impossível detectar as causas ou pagar indenizações. Primeiramente, Pr imeiramente, porque os riscos nas sociedades industriais clássicas, clássicas, embora fossem importantes em âmbito local e devastadores do ponto de vista pessoal, tinham os seus efeitos efeitos limitados no espaço, não ameaçavam sociedades inteiras. Tomemos o exemplo dado

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Ulrich Beck (1944), sociólogo alemão, chefe do Instituto de Sociologia da Universidade de Munique.

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 por Goldbla Goldblatt 1996, 96, p. do 232século 232): ): a poluição no século XIX tt ou(19 meados XX. A gerada emissãopor de uma gasesindústria poluentessiderúrgica e a produção de dejetos poderiam afetar as pessoas que trabalhavam na fábrica, a população

Teoria social e ambiente II

local que vivia no entorno da fábrica e respirava o ar contaminado por partículas par tículas tóxicas e as pessoas que bebiam a água contaminada contaminad a da rede local. Essa indústria, indústr ia, no entanto, assim como todas as indústrias de siderurgia de todos os países industrializados, não ameaçav ameaçavaa populações inteiras nem o planeta todo.  Na sociedade sociedade contempo contemporânea, rânea, os problemas problemas ecoló ecológico gicoss sugerem que as im plicaçõ  pli cações es e os risco r iscoss con contempo temporâneos râneos são diferentes diferentes daqueles daqueles que ameaçavam ameaçavam as sociedades industriais modernas. Beck acena para o fato de que as toxidades causadas pelas formas de degradação degrad ação contemporânea extrapolam os espaços onde são  produz  produzidas, bem as comunidad comunidades esrâneas diretament diretamente e afetadas. primeiro lugar lugar,  porque  porq ueidas, a toxi toxidade dadecomo das fo formas rmas contempo con temporâneas de degradaç degradação ão sãoEm quantitativ quanti tativamen amente te, maiores do que as formas de degradação provocadas pelas indústrias. Em segundo lugar, o impacto dessas toxinas no corpo humano e em todos os ecossistemas são irreversíveiss e seus efei irreversívei efeitos, tos, cumulativos – portanto, excedendo também as fronteiras f ronteiras temporais, intensicando-se os riscos para as gerações futuras. Além dos efeitos tóxicos progressivos, Beck salienta os riscos de potenciais catástrofes ecológicas decorrentes, por exemplo, de acidentes nucleares e da libertação de químicos em grande escala e alterações e manipulações genéticas da ora e da fauna do planeta. O fato de os riscos ecológicos contemporâneos não se limitarem ao seu  ponto de origem, ou melhor melhor,, os seus potenciais impactos extrapolarem o seu seu ponto de origem, invisíveis e insondáveis na vida cotidiana. De acordo comtorna-os Goldblattmuitas (1996, (1 996,vezes p. 233 233), ), [...] esta invisibilidade social [reconhecida por Beck] signica que, ao contrário de muimuitas outras questões políticas, deve-se primeiro tomar claramente consciência dos riscos ecológicos, e só depois se pode dizer que estes constituem uma verdadeira ameaça, e isso compreende um processo de raciocínio cientíco e de constatação cultural.

Pode-se questionar questionar também o funcionamento e a legitimidade das burocracias, Estados, economia e ciência, que nas sociedades industriais podiam calcular os riscos e decretar medidas preventivas ou atestar responsabilidades. responsabilidades. Já a sociedade de risco não possui mais essas certezas e garantias. Cabe ainda considerar a comparação feita por Beck a respeito das posições de classe e as posições de risco nas sociedades industriais e nas sociedades de risco. Nas sociedades industriais, as posições de classe e de risco são mais ou menos relacionadas. Os ricos vivem em zonas urbanas e trabalham em locais onde não estão abertamente expostos aos perigos. Já as classes trabalhadoras e os pobres estão mais expostos. A partir do momento em que os riscos e perigos não se listatus social, mitam mais a um tempo e um espaço determinados, a riqueza, o status  social, o  privilégio econômico econômico deixam de ser garantias para a fuga. O envenenamento envenenamento por  pesticidas e a acumulação de gases gases tóxicos tóxicos na cadeia cadeia de alimentos, alimentos, assim como como a fusão nuclear, atingem todas as classes sociais. Se a política convencional, baseada nos interesses interes ses de classe, tem seu poder diminuído na sociedade de risco, a importância do conhecimento e a função daqueles que produzem, interpretam e divulgam o conhecimento aumentam de modo considerável, gerando a necessidade de se realizar uma u ma mudança na política do conhecimento e nos valores éticos dos prossionais que estudam os riscos na sociedade de risco. 23

 

Teoria social e ambiente II

Habermas, racionalidade e movimentos ambientalistas Jürgen Habermas10, famoso teórico da ação comunicativa11, é um dos críticos da obra de Marx. Segundo Habermas, a ênfase dada por Marx Mar x à exploração do homem sobre o homem pelas relações de trabalho e à necessidade de abolir as classes sociais pelo progresso contínuo das forças produtivas indica uma limitação do socialismo clássico12 em relação aos problemas e políticas de degradação ambiental. Ou seja, Marx condena conden a no capitalismo mas naturais. não o modelo de desenvolvimento econômico calcado naa exploração exploração humana, dos recursos Para Habermas, o desenvolvimento das sociedades humanas deveria ser considerado a partir de dois polos autônomos, mas interdependentes: sucesso na reprodução material e progressos na evolução moral. A obtenção de níveis superiores de consciência moral depende da capacidade de assumir a perspectiva de outros participantes, de reetir sobre os seus próprios interesses e de concordar com a justiça das normas com base na discussão e no consenso.

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0 Jürgen Habermas (1929), lósofo alemão,  pertence  per tence à segu nda geração da Escola de Frankfurt, conhecida como aquela que desenvolveu um teoria crítica da sociedade, e da qual fazem parte lósofos e cientistas sociais importantes como Walter Benjamim, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Herbert Marcuse e Erich Fromm. Habermas desenvolve sua teoria no sentido de que esta deve ser crítica, engajada nas lutas  políticas  políti cas do d o pre sente. Rejeita o positivismo e a ideologia dele resultante, o tecnicismo. Como analista da comunicação, Habermas busca promover normas para a relação de não dominação sobre os outros e uma noção mais ampla de razão.

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1A teoria da ação comunicativa consiste em uma crítica do uso da razão na modernidade. A razão deve ser criticada, mas deve ser também defendida no seu caráter universal, como ideal de comunicação entre os homens, independente das diferenças regionais.

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2O socialismo, no século XIX, passou a indicar um conjunto de doutrinas e teorias políticas e econômicas que visavam à transformação da sociedade por meio de u m novo conceito de propriedade. O socialismo critica a injustiça social inerente ao sistema capitalista, propondo-se substituí-lo por uma sociedade sem classes. 24

 

Esse potencial de racionalização, por meio da ação comunicacional, provocou a emergência das sociedades modernas. Habermas, porém, desenvolve a teoria da modernidade a partir par tir da distinção d istinção entre sistema e mundo natural. natural. O sistema é o domínio da d a ação instrumental instr umental e estratégica, que não se baseia na ação e na orientação individuais, nem na mediação da linguística. li nguística. O sistema é o dinheiro din heiro e o poder político institucionalizado. A crescente capacidade para se utilizar o discurso racional entre a população pode levar, segundo Habermas, a uma não aceitação dos sistemas atuais. Quanto maior é a racionalidade, maior é a perda de legitimação de um sistema que se baseia, por exemplo, no poder desigual de distribuição de riqueza. O mundo natural ou o mundo da vida é o domínio do ato de comunicação, na qual a reprodução social é alcançada por meio da cultura, cult ura, da da sociedade e da personalidade. Habermas diz que as crises contemporâneas das sociedades modernas resultam na colonização do mundo natural. Habermas observa a transformação política no Ocidente após a Segunda Guerra Mundial. O que declínio de dos políticas de classes a emergência de novos movimentos sociais diferem movimentos das eclasses trabalhadoras, não só na sua composição social mas também nas formas de organização, métodos de ação e objetivos políticos. Ao contrário das formas dominantes de política social democrática, [...] a questão principal não se trata das compensações que o Estado-previdência pode  proporcionar, mas de defender e recuperar formas de vida ameaçadas. Em suma, os novos conitos não são inamados por problemas de distribuição, mas por questões que têm a ver com a gramática das formas de vida. (HABERMAS apud  GOLDBLATT,   GOLDBLATT, 1998, p. 185)

Segundo Habermas, há duas categorias distintas de movimentos sociais: movimentos de emancipação e movimentos de resistência e retirada. O movimento das mulheres é um movimento de emancipação por excelência. O movimento ecológico é um movimento de resistência. Os movimentos de resistência podem se subdividir na defesa das classes sociais e tradicionais e uma defesa que já atua na base de um mundo natural natural racionalizado e experimenta novas formas de cooperação e de vida em conjunto.

Teoria social e ambiente II

Assim, por meio dessa distinção, Habermas separa os movimentos de  prote  pro testo sto da clas classe se méd m édia ia e os movi m ovimen mentos tos a favor f avor da aut autonom onomia ia regio r egional nal segundo os seus interesses i nteresses principais: pri ncipais: a juventude, juventude, a paz e os movimentos ecológicos. O autor salienta que esses movimentos assemelham-se pela “crítica do crescimento” (percepção da crescente complexidade do sistema e seus efeitos sobre o mundo natural). Essa crítica aumenta a resistência à colonização do mundo natural e as exigências quanto à descolonização do mundo natural. Os movimentos ecológicos inicialmente não estão interessados na integridade do mundo natural, mas estão sensibilizados para o problema da colonização. Estão sensibilizados com a dinâmica da economia e do Estado que levou a uma escala e uma complexidade quase incontroláveis – por exem plo, a energi ene rgiaa nuclear nuc lear e a engen e ngenhari hariaa genétic gen ética. a. Resumindo, em primeiro lugar, os movimentos ambientais se colocam contra os efeitos do desenvolvimento econômico e tecnológico descontrolado e contra a atividade política e econômica sem obstáculos morais. Em segundo lugar, a destruição tr uição material, tangível, do ambiente ambiente natural natur al e urbano u rbano propicia propicia o surgimento surgi mento de uma política ambiental que não se refere somente a preocupações de habitabilidade ou saúde, mas também a preocupações estéticas estéticas em relação ao mundo natural. nat ural. Em terceiro lugar, Habermas associa aspectos da política do movimento ecológico com uma resposta àquilo que chama de “sobrecarga “sobrecarga da infraestrut inf raestrutura ura comunicativa”.. A consciência fragmentada, a perda da compreensão totalizante do mundo e va” a burocratização do processo de formação de vontade na esfera pública produzem aspectos característicos dos movimen movimentos tos ambientalistas: revalorização revalorização do particular, do natural, do rústico, r ústico, de espaços sociais sociais pequenos que se tornam familiares, de formas descentralizadas de comércio etc. O lósofo arma ainda que as pessoas mais jovens, com mais acesso à eduedu cação formal, e as classes médias são mais suscetíveis a esses movimentos. Isso acontece porque esses segmentos não estão diretamente ligados aos centros de  produção das sociedades sociedades capi capitalistas talistas modernas, modernas, nem tiram proveito proveito ou estão comcom prometidas com negoc negociações iações políticas e seus interesses não estão incluído incluídoss em sistemas de tomada de decisão. De modo geral, pode-se dizer, di zer, em relação aos argumentos Tanto Giddens e Beck como e reexões dos autores aqui citados, que todos eles convergem Habermas entendem que quanto à necessidade de democratizar o poder do Estado e da so- a base democrática deve ciedade civil. Tanto Giddens e Beck como Habermas entendem sustentar a reafirmação do que a base democrática deve sustentar a rearmação do poder sobre o poder  político sobre sobre o poder econômico, econômico, das normas éticas e culturais cultur ais poder político sobre sobre os imperativos do sistema, para que se possa encontrar econômico, das normas uma resposta adequada e justa para o problema da degradação éticas e culturais sobre os ambiental. Beck, de acordo com Habermas, defende que a demo- imperativos do sistema. cracia, assim como a democratização, tanto do processo político político convencional como dos centros de decisão econômica, previamente despolitizados, constituem um elemen elemento to essencial de uma polític políticaa ambiental sustentada.

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A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial (BECK, 2001 2001))

Em 1986, o sociólogo alemão Ulrich Beck, da Universidade de Munique, Alemanha, publi A Sociedade de Risco Risco, cou seupela já clássico A clássico , que recalculava a extensão do evidente domínio depois da incerteza aberto tecnologia – o qual, desde então, só fez crescer, como se tornou de 11 de setembro, mas também de Chernobil, da vaca louca etc. Esse alargamento, para o sociólogo, é contemporâneo da mundialização da economia ocidental: “A ciência e a tecnologia são a causa dos principais problemas da sociedade industrial.” Como evoluiu a natureza dos riscos nesses 30 anos? S ociedade de Risco Risco,, eu desenvolvi uma argumentação segundo a qual a ciência  No livro A livro  A Sociedade e a tecnologia são hoje a causa dos principais problemas da sociedade industrial. A produção e a distribuição dos “bens” “ bens”,, das riquezas, baseiam-se num princípi pri ncípioo regulador de escassez. O problema vem do fato de que as instituições da sociedade industrial não foram pensadas para tratar da produção e da distribuição dos “males”, isto é, dos riscos e acasos ligados à produção industrial. Minha tese t ese principal é que esses riscos r iscos e acasos, que eram consequências latentes e não pesquisadas da industrialização em seu surgimento, surgi mento, começaram começaram a sabotar – ao se globalizar, globalizar, a partir parti r do início dos anos 1970 – as instituições i nstituições do Estado-nação moderno. moder no. Em resumo, em certo momento do passado recente, modicou-se a percepção da ordem social: ela não se basearia mais no intercâmbio apenas de bens, mas sim de bens e de “males” “males”.. Essa mutação da percepção conduziu a uma crise das instituições e do funcionamento das sociedades ocidentais. As posições tradicionais tradicionais da luta de classes se tornam irrisórias ir risórias diante das ameaças à saúde e à segurança. Diante da catástrofe nuclear nuclear ou de um desastre genético genético,, de um terremoto nanceiro ou, para ser atual, de ameaças terroristas globais, a luta de classes deixa de ser um conceito universal. Os especialistas e cientistas estão hoje em condições de identicar causas e probabilidades

desses riscos? Os administradores de riscos ri scos podem ajudar a reduzir consequências negativas? negativas?  Não!! O que torna a produção e a distribuição dos “males”  Não “males” tão determinantes no mundo contemporâneo é a impossibilidade de escapar de suas consequências. Os sistemas fechados de explicação que a ciência oferece, na forma da especialização, ou a política, na do direito, ou os meios de comunicação, na de “pânico moral”, não são mais opções válidas, na medida em que estamos todos retidos na malha mundial de riscos tecnológicos. tecnológicos. Pode parecer paradoxal, mas é precisamente o progresso da ciência que mina o papel dos especialistas. A ciência ciência e suas tecnologias de visualização dos “sinais tênues” transformaram de modo fundamental o princípio “não vejo o problema, portanto não há problema”, que por muito tempo focalizou a atenção nos aspectos quanticáveis e visíveis dos riscos industriais. “Deixe isso slogan tão com os especialistas” é um slogan  tão pouco aceitável quanto “Cone em mim, eu sou médico.”

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Teoria social e ambiente II

A invisibilidade não é mais uma desculpa para sempre adiar a decisão e a ação, na medida em que o poder de causar dano da produção industrial tem consequências crescentes para cada um de nós. Esse poder é engendrado pelo caráter indeterminado dos riscos, o qual já tornou quase caducas as políticas de segurança do complexo nanceiro-securitário sobre o qual repousa o capitalismo contemporâneo.  No que essas mutações modicam o equilíbrio dos poderes, da política e da democracia?

A sociedade de risco tem, de fato, um imenso impacto político. Pode-se até dizer que os riscos produzem uma situação quase revolucionária: a ordem social é invertida na medida em que o risco entra em contradição com o conceito de cidadania limitada à nação. A cidadania foi concebida no Ocidente em termos de riscos “nacionais”, quer dizer, que dizem respeito a todas as  pessoas que que habitam um dado território. A globalização dos riscos ilumina a imensa diculdade que o Estado-nação tem de prever, organizar e controlar o risco num mundo de redes mundiais interativas e de fenômen fenômenos os híbridos, sobretudo quando ninguém se responsabiliza pelos resultados. A crise da vaca louca é um lem brete explosi explosivo vo disso. disso. Os tomadores de decisão política armam ar mam que não são responsáveis: no máximo, eles “re“regulam o desenvo desenvolvimento” lvimento”.. Os especialistas cientícos dizem que criam novas oportunidades oport unidades tecnológicas, mas não decidem sobre a maneira como são utilizadas. uti lizadas. Os empresários explicam que estão apenas atendendo a demanda do consumidor. É o que eu chamo de irresponsabilidade organizada. organizada. A sociedade virou um laboratório onde ninguém se responsabiliza pelo resultado das experiências. Pode-se imaginar uma nova regulamentação dos riscos? As questões seguintes são cruciais cr uciais para regular os conitos con itos ligados à gestão dos riscos: quem deve provar o quê? A quem cabe o ônus da prova? O que pode ser considerado prova em condições de incerteza? Quais são as normas de responsabilidade em vigor? Quem é moralmente responsável? E, nalmente, quem paga a conta? Se uma política de gestão de riscos responder a essas interrogações, ela dará um u m caráter concreto à ideia de evolução social. Porque mudar as políticas de risco implica mudar as relações de  poder que atravessam atravessam hoje hoje em dia a regulamentação dos dos riscos. Precisamos de uma cultura da incerteza que seja claramente distinta das culturas do risco marginal, de um lado, e da segurança absoluta, do outro. Ela Ela difere profundamente da “cultura do não risco”, que consiste em barrar a inovação com dispositivos de segurança desde a origem.

 

Leia a entrevista “A ciência é causa dos principais problemas da sociedade industrial” conMonde, publicada pela Folha cedida por Ulrich Ulr ich Beck ao jornalista Antoine Reverchon, Reverchon, do Le do Le Monde, de S.Paulo (20 S.Paulo (20 nov. nov. 2001). 2001). Discuta com seu gr grupo upo quais são os “bens” “be ns” e os “males” que a sua cidade produz.

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Teoria social e ambiente II

Filme: Metrópolis Filme: Metrópolis Diretor: Fritz Lang Produção: Alemanha, 1926  Metrópolis é Sinopse: Metrópolis Sinopse:  é um lme clássico de cção cientíca da época do cinema mudo. A hishis tória se passa fundamentais em 2026 2026,, numapara cidade marcada pela d iferença diferença entre ascidade, classesvivem sociaisnos sociais. . Enquanto os operários, a manutenção dasbrutal máquinas e da própria subterrâneos de Metrópolis, os mestres (a classe dominadora) vivem na superfície, levando uma existência de prazeres e despreocupação. O lme também remete às consequências do industrialismo para o mundo social e natural.

BECK, Ulrich. A ciência é causa dos principais pri ncipais problemas problemas da sociedade industrial. industr ial. Folha de S.Paulo, 20 nov. 2001. Entrevista concedida a Antoine Reverchon. CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1995. GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. GIDDENS, Anthony A nthony.. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 199 1991. 1.  ______.. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.  ______ HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX – 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. MORIN, Edgar; KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

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Modernidade, racionalidade e ordem Cynthia Roncaglio

Os preceitos da racionalidade política, econômica e cultural da sociedade moderna

 A 

questão da razão ou da modernidade é inaugurada como problema histórico, pode-se dizer, na sociedade europeia do nal do século XVIII, quando Kant1, em 1784, pergunta-se: o que é o Iluminismo? A partir de então, boa parte do pensamento losóco ocidental tem sido perseguido por essas questões: o que é a razão? O que é ser moderno? Ser moderno é se colocar questões que os antigos não se colocaram ou ser moderno é pensar na sua  própria civilizaçã civilização? o? Michel Foucault 2 (1984, p. 103-112), na década de 1980, retoma a questão losóca colocada por Kant: o que são as Luzes? O que é ser culto? Está de acordo que ser culto é conhecer a si mesmo, mas reetir sobre os conhecimentos e os saberes é reetir sobre a sua própria civilização, é reetir sobre sua atualidade. O que é novo no mundo atual? Estamos numa sociedade técnico-cientíca que nos sujeita, somos governados pelo poder técnico. Ser culto é reetir sobre a modernidade e assumir ações que vão propiciar modimodicações dessa civilização. É necessário construir construi r que saberes para uma civilização tecnológica tecnológica?? O século XVIII, conhecido como o Século das Luzes ou do Iluminismo, é o período em que surgem as correntes de ideias de enciclopedistas como Voltaire3 e Diderot4, que discutem e propõem valores civilizatórios que inauguram a modernidade, não só como projeto losóco mas também como regras e normas a serem adotadas num determinado período histórico, quando surgem os “herdeiros” dessa corrente como o liberalismo e o socialismo, os quais – a ração,,  partir  par tir da incor incorporaçã poraçãoo de cer certas tas ideias do Enciclopedismo5, ou da Ilust da  Ilustração como é também denominado – levaram a cabo uma proposta de emancipação do homem. Mas quais são os valores civilizatórios propostos pela modernidade? Segundo Sérgio Paulo Rouanet, a herança do Iluminismo Ilumin ismo para a sociedade moderna consiste em três conceitos fundamentais: universalidade, individualidade e universalidade visa autonomia. A universalidade  visa a atingir todos os homens, independentemente de barreiras nacionais, étnicas ou culturais. A individualidade considera os seres humanos como pessoas concretas, e não como integrantes de uma coletiautonomia baseia-se vidade, e estimula a crescente individualização. individualização. A autonomia  baseia-se no prin-

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  Immanuel Kant (17241804), lósofo alemão.

2

  Michel Foucault (19261984), lósofo francês.

3

  Voltaire (1694-1778), escritor francês.

4 5

  Denis Diderot (17131784), escritor f rancês. 1784),  Nome dado ao sistema utilizado pelos pensadores do Iluminismo que elaboraram uma obra – a Enciclo pédia –  pédia  – na qual se registrava o conhecimento da humanidade. O projeto, impulsionado  por Diderot e D’ D’Alembert, Alembert, contou com a participação de numerosos intelectuais da burguesia francesa que na obra encontravam o espaço  para expor suas novas e polêmicas teorias, contrárias à monarquia e à Igreja Católica. A primeira edição da Enciclopédia   compunha-se de 35 clopédia volumes. O trabalho atravessou a Revolução Francesa, formando-se um verdadeiro estado de espírito – o enciclo pedismo. 29

 

Modernidade, racionalidade e ordem

cípio de que todos os indivíduos são aptos a pensar por si mesmos, sem a tutela da religião ou de uma ideologia, a agir no espaço público e pelo seu trabalho adquirir os bens e serviços necessários à sobrevivência sobrevivência material. Cabe observar que Rouanet compreende o Iluminismo não como uma época ou um movimento, mas como um projeto de civilização neomoderna capaz de manter o que há de positivo na modernidade e corrigir suas patologias (1993, p. 13). O Iluminismo, portanto, é entendido como um campo conceitual, um conjunto de ideias que emergiu da Ilustração no século XVIII, este sim um momento na história cultural doos Ocidente e que, assim como o liberalismo e o socialismo, realizou parcialmente ideais iluministas. Rouanet faz um balanço de como a Ilustração, o liberalismo e o socialismo se apropriaram das três concepções fundamentais do Iluminismo para fundar a modernidade. Por meio dessa análise, apresentada aqui sucintamente, pode-se compreender melhor as bases sobre as quais o antropocentrismo dos últimos dois séculos e meio levou a humanidade a perder de vista que não bastava buscar a emancipação do homem, mas compreender sua dependência e integração com a natureza.

Valores iluministas na Ilustração Os homens ilustrados ou enciclopedistas atacavam a monarquia e a Igreja Católica. Defendiam o primado da razão, do progresso Católica. progresso,, da tolerânci tolerânciaa e do humanismo. Todos Todos os homens eram er am considerados iguais, independentemente da cultura cultu ra ou da raça. Os homens que abdicavam da razão podiam ser considerados bárbaros6 (inclusive os europeus) porque estavam imbuídos de uma razão bárbara, movidos pela fé religiosa. religiosa. Mas todos os seres humanos podiam transitar tr ansitar da barbárie barbár ie à civilização, desde os “selvagens” da América aos europeus. Nenhuma época foi menos etnocêntrica, como diz Rouanet, porque não interessava a cor, o sexo, a origem social. Dentro do princípio da universalidade, há uma natureza natu reza humana igualmente universal, no sentido de que os homens têm uma estrutura passional idêntica, com afetos afetos e interesses constantes, e uma razão uniforme, un iforme, independente do lugar ou do tempo em que vivem. A força libertadora desse universalismo foi real. Rearmando a igualdade de todos os seres diante da razão, ela transpõe para o terreno secular da luta losóca e política a ideia religiosa de que todos são lhos de Deus e iguais diante do Criador, o que teve con sequências explosivas. (ROUANET, (ROUANET, 1993, p. 15)

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A palavra bárbaro bárbaro   era empregada originalmente  pelos gregos para indicar o estrangeiro, aquele que não falava o grego. Depois, passou a ser usada pelos romanos e também por outros povos  para desqualicar aquele que não possui a mesma língua, os mesmos costumes e crenças dos povos ditos civilizados. 30

 

Esse conceito conceito abstrato de homem, que de certa forma ignorou as diferenças reais entre os homens, foi a força e a fragilidade do universalismo. Força porque  propiciou  propic iou a visão revo revolucio lucionária nária dos direitos do homem, homem, condenando politicam politicamenente toda forma de racismo, colonialismo e sexismo. Fragilidade por não perceber que justamente as diferenças impedem os homens de agir racionalmen racionalmente. te. O conceito de individualidade também foi importante no enciclopedismo.  Nas sociedades sociedades tradicionais, tradicionais, o homem só existe como parte parte do seu clã, clã, da sua cocomunidade, da sua cidade, da sua nação. Tanto Tanto o cristianismo como a Reforma haviam contribuído para o processo de individualização no plano transcendente da relação do homem com Deus, mas somente com a Ilustração o homem se libertou

Modernidade, racionalidade e ordem

denitivamente da sua matriz matr iz coletiva. Partia-se da hipótese h ipótese de homens isolados, isolados, que uniam-se por razões utilitárias para formarem a sociedade civil. O contrato social rege a sociedade. As leis desse contrato podem ser severas e a elas devem se sujeitar todos os indivíduos, mas eles continuam sendo pensados como uma agregação mecânica de indivíduos e não como uma comunidade orgânica. O individualismo ilustrado gerou consequências importantes: o indivíduo  passou a ter direitos e não não só obrigações. obrigações. Entre Entre esses direitos, direitos, avultava avultava o direito à felicidade e à autorrealização. autorreal ização. Os homens passaram passar am a se colocar em posição de exexterioridade em própria relação sociedade ao mundo. social, o que lhes permitia serem confundiu-se, observadores e juízes da d a sua sociedade. Por outro lado, o individualismo no século XVIII, com o interesse pessoal, ignorando-se a sua utilidade coletiva. Perdeu-se Perdeu -se de vista também que todo indivíduo i ndivíduo é social social e que o resultado da individuação crescente só pode ser alcançado socialmente. Quanto à autonomia, os enciclopedistas a compreendiam de modo abrangenintelectual baseava-se em libertar a razão do preconceito, te. A autonomia intelectual baseava-se preconceito, isto é, da opinião sem julgamento. A religião, ou ideias supersticiosas, principalmente, era combatida por aprisionar a liberdade de pensar e por manter o homem num estágio de infantilização. infantili zação. Nesse Nesse sentido, sentido, a educação era fundamental f undamental na luta contra o obscura obscurantismo. ntismo. A ciência deveria substituir substitui r o dogma dogma pelo saber. Já a autonomia  política   consistia na liberdade de ação do homem no espaço público. Contra a  política tirania do Estado, era preciso garantir um sistema de proteção (na (na vertente liberal da Ilustração) ou contribuir para a formação do governo, fazer parte do governo (vertente democrática). A autonomia econômica só poderia ser obtida a partir do igualitarismo. igualitar ismo. Embora Embora se reconhecesse que o estado de civilização exigia a criação de desigualdades inexistentes no estado de natureza, reconhecia-se que todos tinham direito de garantir garanti r as condições mínimas de sobrevivência sobrevivência e que para garantir uma u ma ordem social era preciso garantir uma ordem de igualdade que consistiria minimamente, segundo segu ndo Rousseau7, em que “ninguém fosse tão pobre que precisasse vender-se nem tão rico que pudesse comprar os outros” (apud  (apud  ROUANET,  ROUANET, 1993, p. 18).

Valores iluministas no liberalismo

Para os liberais, a natureza humana era considerada igual em toda parte. Em bora algun algunss povos fosse fossem m cons considera iderados dos mais primi primitivos tivos do que outro outros, s, todos tinha tinham m seus talentos e sua capacidade de progredir, independentemente do sexo ou da raça. O liberalismo econômico pregava uma comunidade mundial interdependente, baseada na divisão internacional do trabalho. O liberalismo político combatia o imperialismo, a imposição da vontade de um povo sobre o outro. Na esfera do saber e da moral, havia uma preocupação com os direitos das mulheres (Stuart Mill apoiava as feministas na Inglaterra), dos negros (campanha contra a escravidão nos Estados Unidos da América e no Brasil) e dos povos subjugados, colocando-se contra o colonialismo. Na prática, porém, esse universalismo tornou-se extremamente pro blemático:  blemá tico: propaga propagaram-s ram-see teorias teorias baseadas baseadas numa numa suposta suposta hierarquia hierarquia,, separando separando os  povos europ europeus eus – no topo da esca escala la – dos povos não europ europeus. eus. Legiti Legitimou-s mou-see a supe supe-rioridade da raça branca, o cosmopolitismo ilustrado deu lugar aos nacionalismos,

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Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo francês. 31

 

Modernidade, racionalidade e ordem

o feminismo do século XVIII foi abafado pela moral burguesa, que sustentava a inferioridade da mulher. O pacismo foi substituído pela prática da guerra. Quanto à individualidade, as sociedades liberal-democráticas concretizaram em grande parte o ideal individualista do enciclopedismo. Com o triunfo da burguesia, a individualidade deixou de ser um privilégio de classe e, com a propagação da ideologia liberal em todos os países, a mobilidade social parecia – em muitos casos, especialmente nos Estados Unidos da América – um sonho passível de ser realizado. Um dos mitos da ideologia liberal norte-americana é que, dependendo de sua capaofce-boy poderia ocupar o principal cargo da Casa Branca. Na prática, cidade,  poré  porém, m, evid eum videnc encio iou-s u-see que que os her herdeir deiros os das das grandes grandes fo fortunas rtunas teriam teriam mais mais chan chances ces de chegar à presidência dos Estados Unidos da América do que os self-made men8.

A autonomia política nas sociedades liberal-democráticas foi a princípio restrita, tendo menos ênfase a democracia do que a garantia contra a ação arbitrária trár ia do Estado (havia mais preocupação com o direito do cidadão de ir e vir, de expressar opiniões, de se associar com outros). O acesso à liberdade política era também restrito aos proprietários ou aos homens instruídos. A primeira geração de liberais, como Benjamim Constant9 e Tocqueville10, temia a democracia – medo que a tirania de um só fosse substituída pela tirania da “vontade geral”. Mas tal receio diminuiu à medida que o concei conceito to de representação das minorias m inorias ganhava legitimidade contra o temor dagrandes tirania majoritária. A status instituição sufrágiopelos uniquo11do versal também não propiciou alterações do status do ,  temidas liberais, nem foi capaz de prov provocar ocar as transformações sonhadas pelos democratas. Anal, a liberdade de votar, por si só, como se sabe, não é sucien su ciente te para garantir autonomia política. Como disse Tocqueville, os indivíduos “consolam-se de estar sob tutela, pensando que escolheram eles próprios os seus tutores” t utores” (apud  (apud  ROUA ROUA NET,, 1993  NET 1993,, p. 25) 25)..

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Pessoas que se fazem por si mesmas, isto é, que alcançam uma situação social superior graças aos seus pró prios esforços. e sforços.

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Benjamim Constant de Rebecque (1767-1830), escritor e político francês.

10

Charles Alexis Henri Clérel de Tocqueville (1805-1859), político e historiador francês.

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Signica o estado em que se achava anteriormente certa questão. 32

 

A autonomia econômica, econômica, por sua vez, na perspectiva per spectiva liberal, pressupunha o livre exercício da atividade econômica. Os liberais contemporâneos da Revolução Industrial não ignoravam a extrema pobreza das classes trabalhadoras do início do século XIX, mas acreditavam que, se grande parte da massa de assalariados estava excluída do progresso econômico, a única saída seria eliminar todas as restrições à ação dos capitalistas e dos operários. operár ios. O desenvolvimento desenvolvimento da indústria, a livre concorrência e o próprio mercado regulariam as atividades econômicas e  permitiriam  permitir iam aumentos do salário real e melhores condições de vida para os operários. Certos liberais, como Ricardo e Malthus, eram pessimistas em relação a essa ascensão econômica, pois acreditavam que o progresso econômico levaria à explosão demográca, o que impeliria os salário ao seu nível “natural”, ou seja, o estritamente necessário para garantir a sobreviv sobrevivência ência dos trabalhadores. As previsões pessimistas de alguns economistas liberais do século XIX não se efetivaram. O capitalismo mantém-se dinâmico e, por meio do movimento sindical e da intervenção inter venção do Estado, conseguiu conseguiu evitar uma u ma pauperização irrevers ir reversíve ível,l,  bem como ele elevar var o padrão padrão de vida médio em muitos países, sobretudo nos de capitalismo avançado. avançado. Porém, paradoxalmente, persistem os contrastes de renda entre os países ricos e pobres, como também dentro dos próprios países desenvolvidos e “subdesenvolvidos”. De acordo com Rouanet (1993, p. 27-28),

Modernidade, racionalidade e ordem [... ...]] assim como explora a mão de obra sem reservas éticas, o capitalismo explora a natureza sem escrúpulos ambientais. a mbientais. Segundo seus críticos, ele se baseia num modelo produtivista intrinsecamente perdulário e destrutivo dos recursos naturais e dos ecossistemas. A despeito do extraordinário progresso material ocorrido nos países industrializados, portanto, podemos dizer que globalmente o modelo liberal-capitalista libera l-capitalista está muito longe de ter aproximado a humanidade como um todo da autonomia econômica.

Valores iluministas no socialismo Para o socialismo, a universalidade não é uma categoria genérica, como denida pela Ilustração, nem é o elo estabelecido entre indivíduo e nação sob a égide de nação livre proposta pelo liberalismo, mas é uma u ma universalidade mediada pela classe social. Também para o marxismo o homem tem uma natureza universal, mas a unidade un idade do homem não é um dado, d ado, mas sim uma conquista. Nesta perspectiva, o proletariado12 encarnava a classe universal, cujos interesses transcendiam as fronteiras nacionais. E a sua missão, segundo Marx, era abolir sua própria condição de classe classe trabalhadora para assim abolir em geral a sociedade de classes, emancipando o gênero humano enquanto sujeito unitário da história (ROUANET, 1993, p. 28). Já a individualidade, ao contrário do que se poderia supor, era considerada im portante  portan te para para os princ principa ipais is soci socialis alistas. tas. A crític críticaa de Marx ao ao “indiví “indivíduo duo eg egoí oísta sta”” das indivíduo.. O declarações dos direitos humanos13 não envolve crítica ao conceito de indivíduo que ele critica é uma concepção de indivíduo i ndivíduo que ignora o fato de que sempre se está inserido num conjunto denido de relações sociais. Na sociedade capitalista, essas relações levam ao declínio do indivíduo e à atroa das suas potencialidades. Não se trata, portanto, de ignorar ou desfazer o indivíduo, mas desfazer uma certa sociedade  para eman emancip cipar ar o indi indivídu víduo. o. O ideal da individualização socialista, na prática, foi deturpado pelo socialismo real . Nos países socialistas, assim como no Ocidente, prevaleceu o anti-individualismo e o hiperindividualismo. hiperi ndividualismo. O anti-individualismo consiste na ideia de que cada cada homem é membro da sua classe antes de ser um u m indivíduo, sua vontade subordinase à do partido, e cada membro do partido é funcionário do todo. O hiperindividu14

alismo consiste no oportunismo, no carreirismo e no consumo exacerbado. O socialismo real assumiu em parte a bandeira da autonomia intelectual. Essa autonomia se arma por meio da crítica à religião, por exemplo. Mas, para uma sosociedade que se vê como marxista, a crítica não se faz só à tradição (seja ela religiosa ou secular), mas também à classe que condena a razão a uma falsa consciência. A autonomia só pode ser alcançada pela classe proletária que tomar consciência de si e pelos membros de outras classes que assumirem a perspectiva proletária. A crítica da tradição se torna, portanto, a crítica da ideologia – entendida como um conjunto de ideias que apresenta a realidade como ela parece ser e não como é. O socialismo critica inclusive a ideologia ilustrada e liberal, cujos ideais são compreendidos como expressões particularistas de interesses de classe nos quais estão imersos. Sob o ponto de vista teórico, a crítica à ideologia signicou um avanço. Na  prática, porém, a autonomia intelectual foi apenas parcialmente conquistada, se for considerado, por exemplo, o signicativo desenvolvimento cientíco da URSS

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 Na acepçã a cepçãoo marx ista, é o nome dado aos assalariados industriais e agrícolas cujo trabalho, ex ploradoo pelo capita  plorad capital,l, provoca provo ca antagonismo e contradições com a categoria social que  possu i o capita capitall – no n o caso, c aso, a  burguesia  burg uesia.. Refere-se aqui ao con junto de princípios  presentes tanto na declaração de direitos oriunda da Revolução Americana (1776) quanto na declaração oriunda da Revolução Francesa (1789).

13 14

O socialismo, embora historicamente tenha se subdividido em várias correntes teóricas e políticas, possui alguns traços comuns, como a crença no  predom ínio do bem comum em detrimento do individual, a planicação da economia, a eliminação das classes sociais, a manutenção de certa modalidade de propriedade. O socialismo real é considerado aqui não a teoria ou a  política  políti ca ideal, ideal , mas o sociali so cialissmo praticado nas sociedades que tentaram implantar esse sistema social, como é o caso da URSS. 33

 

Modernidade, racionalidade e ordem

nas áreas das ciências exatas e biomédicas e da pesquisa espacial. Mas se no campo da ciência a autonomia intelectual foi estimulada, em outras áreas, como educação e artes, foi cerceada. Numa sociedade totalitária, como se mostrou ser a soviética, sovié tica, o ideal da razão livre foi submetido submetido à ideologia do partido, que denia o que ou quanto a população deveria saber. Sobre a autonomia econômica, a principal contribuição do socialismo foi priori de cada indivíduo para ter questionado a ideia da igualdade igu aldade de condições a priori de crescer e se desenvolver. Isso quer dizer, em tese, que qualquer indivíduo pode adquirir uma mansão em Miami ou comprar uma redeEm de vez hotéis em conceito Las Vegas, desde que enfrente a livre concorrência do mercado. desse de autonomia como liberdade liberdade,, o socialismo considera o conceito de autonomia como segurança:: “autônomo não é quem tem o direito abstrato de atuar como agente segurança econômico, mas quem tem poder efetivo de obter pelo trabalho os bens necessários à própria sobrevivência” (ROUANET, 1993, p. 31). Esse entendimento de que mais importante do que uma liberdade abstrata era a segurança de obter moradia, educação, saúde e emprego para todos mobilizou, em várias partes do mundo, as esperanças dos cidadãos, imbuídos de um  pensamento progressis progressista, ta, na Revo Revolução lução Russa. Mesmo quando o regime soviétic soviéticoo mostrou sua face totalitária, ainda ai nda acreditava-se que mais importante do que a autonomia intelectual política eram as conquistas sociaiseconômica a serem obtidas. Todavia, o que aconteceu foieque não se obteve nem autonomia nem segurança econômica, pois este conceito conceito não inclui apenas as conquistas sociais mas também o acesso a bens e serviços. E nesse ponto o regime socialista falhou: não conseguiu produzir produzi r mercadorias em escala comparável comparável à do capitalis capitalismo, mo, como também não eliminou elimi nou os privilégios político-econômicos. político-econômicos.

Capitalismo, transformação da natureza e a sociedade de risco Como foi visto até aqui, as concepções teóricas de uma civilização moderna, racional, baseada na manutenção de uma suposta ordem social, política e cultural, efetivou-se de diferentes formas na história mundial nos últimos 200 anos. Cada racionalidade instaurada concretamente, seja a da Ilustração, a do liberalismo ou a do socialismo, causou impactos positivos ou negativos na humanidade e revelou também as contrad contradições ições da própria razão, ou as “insanidades” da própria razão humana. Mais do que isso, revelou-se incapaz de perceber que os “males” produzidos por essas concepções de razão e modernidade não trouxeram prejuízos somente para grande parte da população humana – a qual não alcançou nem liberdade, nem autonomia, nem segur segurança ança – mas também causou prejuízos e riscos para a própria preservação da natureza, na qual se inclui a  preservação da espécie humana.

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Modernidade, racionalidade e ordem

A natureza tem sua própria história, sua própria dinâmica, ordens e desordens. As alterações e transformações naturais que, em geral, ocorreram em milhares de anos, como as eras glaciais, o aparecimento e o desaparecimento de espécies de animais e plantas, entre outros acontecimentos, existiram inde pendentemente  pendentemen te da ação humana. A intervenção humana no curso da natureza começou lentamente, há pouco mais de dez mil anos. Porém, sobretudo com o desenvolvimento do capitalismo nos últimos 200 anos, a natureza passou a sofrer uma grande gr ande alteração alteraçã o dos seus ciclos biológicos e a sua crescente exploração pelas atividades humanas gerou uma avass avassaladora aladora destruição dos ecossistem ecossistemas as15. Entre as transformações da natureza causadas pelo capitalismo, independentemente das características e feições que esse sistema socioeconômico assumiu em diversas partes do planeta, pode-se apontar o uso intensivo dos recursos e da energia encontrados na natureza (terra, sementes, madeira, vento, água e animais) para satisfazer a crescente e complexa demanda da população mundial. O uso da natureza primeiramente para alimentar, aquecer, vestir e transportar a  população humana gerou gerou impactos sobre as orestas, orestas, as águas águas e os animais, ainda que fatores climáticos, sociais e políticos não tenham conseguido até hoje erradicar a fome e a desnutrição de milhares m ilhares de pessoas em todo o mundo. O aumento demográco, a urbanização e a industrialização propiciaram a  busca novas tecnol ogias agrícol agrícolas e industriai industriais que aumentaram aindademais  pressão  press ãodesobr sobre e ostecnologias recursos naturais –as a expans expansão ão dasagricul agricultura tura e da criação gado,a, gado o uso de combustív combustíveis eis fósseis (lenha, carvão car vão e petróleo pet róleo); ); a exploração dos animais (pelos, peles e a própria caça como diversão cultural); a extração de metais (matéria-prima para indústrias metalúrgicas); a construção de barragens e hidrelétricas. Em consequência desse crescente “progresso” produzido pela modernidade, moder nidade, tudo que é intrínseco à história da natureza – a curva dos rios, a distribuição da fauna e da ora, a morfologia do solo, as ondulações do relevo e até mesmo as variações climáticas – foi submetido a procedimentos técnicos, racionais e econômicos com consequências consequências crescentes e indeterminadas indetermi nadas para a natureza (diminuição da fertilidade e erosão dos solos, extermínio de espécies animais e vegetais,  poluiç  poluição águas, chuvas chuvas ácidas de etc.) etc. ) e para os moradia, seres humanos acesso desigual desi gual riquezaãoedas ao alimento, problemas saúde e de riscos(de contami contaminação naçãoà causados por acidentes nucleares etc.).

O mal-estar na modernidade Desde o início do século XX, vários pensadores têm se referido ao mal-estar na civilização, ao mal-estar na modernidade. Esse mal-estar tem se manifestado sob várias formas na natureza (poluição atmosférica, envenenamento do solo, alterações climáticas, extinção de espécies animais) e na sociedade (guerras civis, terrorismo, corrupção nas instituições públicas, depressão, síndrome do pânico etc.). De certa forma, é como se esse mal-estar fosse um ressentimento contra o modelo civilizatório proposto pelo Iluminismo. O projeto iluminista, calcado nos ideais de racionalismo, universalismo e individualismo de civilização, prometia a emancipação do

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Um ecossistema é constituído por elementos vivos e inorgânicos como a ora, a fauna, mimi croorganismos, solo, água e atmosfera, os quais estão ligados entre si por um processo dinâmico e interde pen den dente te como as cad eia s alimentares, os ciclos minerais e hidrológicos e pela circulação de energia. 35

 

Modernidade, racionalidade e ordem

homem – um salto para a felicidade eterna por meio do progresso econômico e social ilimitado e irreversível. Como isso não aconteceu – ou aconteceu de modo enviesado e com consequências positivas e negativas para a própria humanidade e, de modo geral, negativas para a natureza –, há uma tendência “regressiva” ou um certo cer to “desconforto” “desconforto” individual e social pairando sobre o mundo atual. atu al. De acordo com Rouanet (1993, p. 97), o universalismo foi sabotado pelos  particularismos – naciona nacionais, is, raciais, culturais, religiosos religiosos.. O racionalism racionalismoo consistia consistia em ter fé na razão e na capaci capacidade dade de estabelecer a ordem social a partir da razão, crença na ciência tran sformar rmarpoderiam a natureza e satisfazer as necessidades humanas. Tanto Tanto a razãopara comotransfo a ciência emancipar o homem, libertandolibertando-o o da religião, da tradição e dos valores herdados historicamente que tolhiam, na concepção dos iluministas, a liberdade do homem “como produtor e consumidor de cultura, como agente econômico e como cidadão”. E, sobretudo, razão e ciência combatiam todos os preconceitos de raça, cor, religião, sexo ou nação que pudessem gerar a guerra guer ra e a violência. violência. O individualismo, que não signicava egoísmo ou satisfação dos interesses individuais sem limites, mas um desprendimento de velhas formas comunitárias de vida, em que o indivíduo só existia como parte do clã ou da tribo, submerge cada vez mais no anonimato do conformismo e da sociedade de consumo. No lugar de um laços indivíduo emancipado, que pudesse exercer a intersubjetividade desenvolver de cooperação e objetivos comuns na sociedade da qual faze  parte, há um indivíduo que sente-se conformado em ele eleger ger seus representantes  para assuntos dos quais não participa efeti efetivamente, vamente, assim como o concei conceito to de felicidade consiste em adquirir o último CD que todos vão ouvir, assistir ao llme que todos veem ou comprar o novo modelo de carro que todos cobiçam. A autonomia intelectual, por sua vez, está sendo subvertida pelo reencantamento, no sentido negativo do termo, como uma volta ao passado mágico, quando os homens acreditavam que todos os fenômenos fenômenos ocorriam pela graça ou pela fúria fú ria dos deuses. Redescobrem-se assim os poderes mágicos no culto a duendes, nos livros de autoajuda que se tornam best sellers, sellers, nos efeitos benécos da pirâmide para equilibrar a energia espiritual. Enm, esses são algumas sintomas do mal-estar na modernidade que rerevelam uma fúria contra a razão, um repúdio a uma promessa não cumprida de felicidade. O que não quer dizer que o homem não deva ter uma religião, se isso de alguma forma lhe torna menos infeliz, ou, como diz Rouanet, que consultar um baralho de tarô t arô seja tão grave quanto incendiar uma aldeia croata. O que está em discussão aqui é o colapso de uma forma de modernidade, da crença na razão como projeto projeto civilizatório, de um model modeloo de racionalidade que já não serve para compreender e viver o mundo do século XXI. No entanto, a velha pergunta feita  por Kant e reeditada por Fou Foucault cault continua atual: o que é ser moderno hoj hoje? e? E que modernidade serve para o mundo atual? Se estamos vivendo no limite entre a civilização e a barbárie, se as noções de progresso e desenvolvimento colocam sob risco a natureza e a própria humanidade, se os valores éticos e morais do Iluminismo servem ou não para a atualidade são questões das quais não se pode escapar se pretendemos continuar habitando o planeta Terra. 36

 

Modernidade, racionalidade e ordem

 

Feira de conceitos: a turma Feira tur ma divide-se em vários grupos gr upos que vão discutir e elabo elaborar rar conceitos de modernidade,, racionalidade modernidade  racionalidade,, individualidade e sociedade  sociedade para  para o século XXI. Em seguida, será feito um debate debate na turma tu rma sobre as propostas elaboradas por cada grupo.

Filme: Powaaqatsi Diretor: Godfrey Reggio Duração: 90 minutos Produção: EUA, 1988

ESCOBAR, Carlos Henrique (Org.). Michel Foucalt: o dossier – últimas entrevistas. Rio de Janeiro: Taur aurus, us, 1984. GIDDENS, Anthony A nthony.. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, Edunes p, 1991. 1991. ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Mode Modernidade rnidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem Cynthia Roncaglio

As incertezas da racionalidade  política, econômica e cultural

 A 

té pouco tempo atrás, entre o nal dos anos 1960 e início dos 70, sabia-   -se que o mundo estava mudando muito rapidamente. Evidência maior, Herbert Marshall MacLuhan (1911-1980), professor cae mais diretamente perceptível para a maioria das pessoas, eram as ino- nadense considerado “guru vações tecnológicas difundidas após a Segunda Guerra Mundial, incrementadas da comunicação” nos anos 1960. Naquela época, suas especialmente pelos meios de comunicação de massa como rádio, televisão, cine- ideias sobre os impactos das tecnologias no cotima e livros (traduzidos quase simultaneamente em vários países), que difundiam novas diano do homem causaram informações e propagandas das mais variadas: ideologias de partidos políticos, controvérsias e polêmicas no comportamento individual, moda, carros, aparelhos eletrônicos, refrigerantes e meio acadêmico. Diz-se que a expressão sabonetes. O turismo tornava-se uma atividade lucrativa, relativamente barata e foi cunhada em 1952  para desig nar as deze dezenas nas de  banal. Incluía-se no cotidiano cotidiano de milhares de pessoas o cruzamento cruzamento de continentes continentes Estados pós-coloniais que surgiram depois da Segunda e oceanos. Ir de São Paulo a Paris, de Praga a La Paz, de Nova York York a Madri fazia Guerra Mundial, junto com a  parte do roteiro comum comum de estudantes, estudantes, executivos, executivos, políticos, cientistas e cidadãos maior parte da América Latina, que também pertencia de classe média em geral. Realizava-se então a profecia de Marshall McLuhan1, às regiões dependentes do mundo imperial e industrial, que disse que o mundo estava se transformando numa aldeia global. em contraste com o “pri-

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Politicamente, o globo se dividia em dois blocos hegemônicos e antagônicos ant agônicos que disputavam o domínios domín ios territoriais terr itoriais:: os sistemas capitalista capitalista (EU ( EUA A) e socialista (URSS). A chamada Guerra Fria mantinha a população do planeta em constante estado de alerta, pois a hipótese de um dos inimigos apertar o botão e detonar uma  bomba nuclear nuclear com capacidade capacidade para destruir o planeta era considerada plausíve plausível.l. 2  No chamado Terceiro Mundo  (Ási  (Ásia, a, África Áfr ica e América Latina), Latina), vivia-se um período de descolonização e revolução. Como diz o historiador inglês Eric Hobsbawm (1995, (1 995, p. 337) 337) sobre a descolonização, descoloni zação, [...] o número de Estados internacionalmente reconhecidos como independentes na Ásia quintuplicou. Na África, onde havia um em 1939, agora eram cerca de 50. Mesmo nas Américas, onde a descolonização no início do século XIX deixara para pa ra trás umas uma s 20 repú blicas latinas, a de então acrescentou mais uma dúzia.

O êxito da Revolução Cubana 3 entusiasmou muitos países do Terceiro Mundo e sobretudo os países da América Latina viram-se vi ram-se sacudidos por golpes golpes militares apoiados pelos Estados Unidos da América, a m de combater o comunismo. Em 1973, a crise mundial do petróleo 4  acabava com a crença dos anos dourados em uma prosperidade e um progresso crescentes, bem como revelava a instabilidade e as incertezas econômicas, políticas e ecológicas das sociedades

meiro mundo”, dos países capitalistas desenvolvidos e o “segundo mundo”, dos  paíse s dese desenvolvid nvolvidos os comunistas. Movimento político-mili-

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tar que em 1959 derrubou o regime ditatorial de Fulgencio Batista, substituindo-o  pelo socialismo marxista liderado por Fidel Castro.

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Crise mundial ocorrida em 1973, provocada pelo embargo ao fornecimento de  petróleo  petr óleo aos Esta Estados dos Unidos e às potências europeias esta belecidoo pelas nações  belecid naç ões árabes, ára bes, membros da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). A medida é tomada em represália ao apoio dos Estados Unidos da América e da Europa Ocidental à ocupação, no mesmo ano, de territórios palestinos  por Israel, Isra el,Kipur. dura nte a Guer Guerra ra do Yom Após o em bargo, a Opep estab estabelece elece cotas de produção e quadru plica os preços. pr eços. 39

 

Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

industriais modernas. Assim como o carvão havia sido a principal fonte de energia para a expansão industrial do século XIX, o petróleo tornou-se, junto com o carvão e o gás natural, o principal combustível para a geração de energia elétrica, produção industrial e transporte de mercadorias do século XX. O consumo mundial de petróleo cresceu vertiginosamente entre 1890 (aproximadamente dez milhões mil hões de toneladas) e a década de 1970 (cerca (cerca de 2 500 milhões mi lhões de toneladas tonelad as por ano). Em 1900, o uso do petróleo para suprir as necessidades de energia mundial vericava-se em torno de 4%. Na década de 1970, alcançava aproximadamente 50% (PONTING, (PONTI NG, 1995, 1995, p. 462). 462). Posteriormente, Posterior mente, em 1979, 1979, ocorreu ocor reu uma nova crise mundial do petróleo, causada pela Revolução Iraniana, que derrubou o xá Reza Pahlevi e instalou uma república islâmica. A produção de petróleo foi gravemente afetada e não conseguiu atender sequer às necessidades do próprio país. O preço do barril barr il de petróleo atingiu níveis recordes e agravou a recessão econômica mundial no início da década de 1980. Do ponto de vista demográco, os números cresceram espantosamente no decorrer dos últimos dois séculos. O total de habitantes do mundo alcançou o  primeiro bilhão em 1825 825.. O segundo bilhão foi alcançado 100 100 anos depois. Já o terceiro bilhão foi alcançado apenas em 35 anos, em torno de 1960. Em 1975, ou seja, 15 anos depois, já havia 4 bilhões de pessoas no mundo. As taxas de maior crescimento se vericaram, sobretudo, nos países do Terceiro Mundo, os quais, entre as décadas de 1950 e 1970, tiveram crescimento de 2,5%. A passagem dos 4  para os 5 bilhões levou apenas 12 12 anos. No entanto, ao contrár contrário io das estimativas alarmantes da década de 1970, o crescimento da população tem se reduzido no mundo todo em 1,3%. Durante os últimos dois séculos, variaram muito o padrão e a distribuição geográca do crescimento demográco, assim como as razões históricas para essas diferenças. Contudo, em 2001, o mundo contava com uma população de cerca de 6 bilhões de pessoas, ou seja, um crescimento em torno de 75 milhões ao ano. Apenas 20% vivem nas regiões mais desenvolvidas do planeta. O restante, cerca de 80% (4,8 bilhões de pessoas), vive em países em desenvolvimento. Países desenvolvidos como Alemanha, Inglaterra e França, onde as taxas de natalidade são baixas, são obrigados a apelar para a mão de obra imigrante para não estagnarem suas economias. E para os jovens dos países pobres a imigração  para os países ricos é a única saída para obter melhores oport oportunidades. unidades. Desse modo, assim como um crescimento constante da população é uma preocupação  por causa da instabilidade econômica e social mundial, uma queda na população global pode também introduzir complexidades ainda maiores em decorrência do desequilíbrio entre as regiões.

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Os problemas ecológicos, ignorados pela maioria dos cidadãos nos anos

Os problemas ecológicos, ignorados pela maioria dos cidadãos nos anos dourados, passaram a constituir uma ameaça crescente e a tomada de consciência do cidadão comum, bem como os debates públicos, assumiram um tom apocalíptico na

dourados,uma passaram constituir ameaçaa crescente.

década deda 1970. O ritmo com queaumentaram o crescimento econômico ea aplicação aplica ção tecnologia tecnolo gia moderna a capaci capacidade dade das sociedades humanas para transformar a natureza demonstra que,

Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

mesmo que se leve em consideração a possibilidade de não ocorrer uma aceleração da degradação ambie a mbiental, ntal, o tempo para tratar dos problemas problemas deve ser medido em décadas e não em séculos (HOBSBAWM, 1995, p. 547). Levando-se em conta apenas a poluição do ar, entre 1960 e 1996, a emissão de dióxido de carbono (CO (C O2), gás resultante resultant e da queima de combustíveis fósseis como o petróleo, mais que dobrou. O transporte rodoviário é responsável por uma das maiores emissões de CO2. Em 1950, havia 70 milhões de veículos no mundo. Em 1994, havia 630 milhões. A frota em circulação no mundo joga mais de 900 milhões m ilhões de toneladas de CO2 na atmosfera por ano, sendo que os países desenvolvidos são evidentemente os maiores responsáveis pela poluição. Tais transformações, observadas no século XX, de várias maneiras destoam e solapam o modelo clássico de sociedade, reetido nos movimentos revolucionárevolucioná rios europeus dos séculos XVII e XVIII, que defendiam o primado da razão sobre a fé religiosa, a conquista dos direitos coletivos e individuais, a distinção entre a vida pública pública e a vida privada, um progresso que atingisse toda a humanidade, em que a igualdade se impusesse sobre as desigualdades. Todos esses ideais foram superados no decorrer do século XIX e, sobretudo, no século XX por guerras mundiais, uso de armas nucleares, busca desenfreada do lucro, competitividade extremada, ascensão dos nacionalismos e totalitarismos 5, exploração das classes trabalhadoras. O princípio da racionalidade e da ordem social das primeiras sociedades modernas, inuenci in uenciadas adas pelos ideais iluministas, baseav baseava-se a-se em um u m conjunto de instituições que funcionavam segundo os princípios princípios de um Estado de direito di reito – direito universalista e individualista, em que cada indivíduo, concebido como um ser racional, consciente de seus deveres e direitos na vida pública e na privada, deveria se submeter às leis que respeitam seus interesses legítimos e a liberdade de sua vida privada, pr ivada, garantindo por sua vez a solidez da sociedade, mantida sadia  pelo funcionamento funcionamento normal das suas instituições. instituições. Do século XVIII até meados do século XX, o Estado Est ado desempenhou o papel de agente ativo da modernização social. As atividades dos cidadãos eram quase que exclusivamente determinadas pelo Estado, fossem os governos liberais, conservadores, social-democratas, fascistas ou comunistas. Então, a manutenção da lei e da ordem pública foi solapada pela desordem da economia mundial. mundia l. As forças econômicas conquistaram conquistaram cada cad a vez mais autonomia, escaparam das regulações e das prioridades impostas i mpostas pelo Estado. “O espírito da empresa, o lucro capitalista, capitalista, o próprio dinheiro, segundo Georg Simmel, destroem as construções, os princí pios e os valores valores da ordem social anterior” anterior” (TOURAINE, (TOURAIN E, 1999 1999,, p. 35). 35).

Globalização e políticas ambientais As duas últimas décadas do século XX e a primeira do século XXI, consubstanciam-se como décadas de crise e, mais uma vez, de turbulência e aceleração das mudanças. A crise evidencia-se no paradigma de desenvolvimento que vinha se impondo desde a década de 1970, o qual prova que as tendências

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Totalitarismo: é um reTotalitarismo: gime político não democrático, no qual não existe a separação de poderes, sendo a totalidade do poder do Estado concentrada numa só  pessoaa ou num só par  pesso partido. tido. A justicativa usada pelos governantes para esse tipo de regime é a incapacidade da soberania popular Opara governar a si mesma. totalitarismo é encarnado em regimes ditatoriais como o nazismo e o fascismo. 41

 

Pós modernidade, irracionalidade e desordem

à desigualdade não poderiam ser resolvidas pelo livre mercado e que “o grande  problema  probl ema político mundial, e certamente cer tamente do mundo desenvolvido, desenvolvido, não era como multiplicar multipli car a riqueza r iqueza das nações, mas como distribuí-la em benefício de seus ha bitantes” (HOB (HOBSB SBA AWM, 1995 1995,, p. 555 555). ). Até o nal da Era de Ouro (1947-1973), o compromisso político dos gover nos com o pleno emprego e, em menor medida, com a diminuição da desigualdade econômica, estabelecendo planos de seguridade social e de previdência,  proporcionou um u m mercado de consumo de massa para bens de luxo que agora  podiam ser aceitos como deque consumo diário. Assim, países ricos os Estados Unidos, por exemplo, na década de 1930 detinham gastoscomo domésticos com comida em torno de 30%, no início da década de 1980 gastavam apenas 13% (HOBSBAWM, 1995, p. 264). Na maior parte das sociedades industriais, dos países desenvolvidos, desenvolvidos, as políticas de bem-estar bem-e star social6 e pessoal e a economia de mercado são combinadas graças à intervenção do Estado democrático, que garante as exigências da economia e das demandas sociais.  Nas duas últimas últimas décadas décadas do século XX, no entanto, vários fatores contribuíram para par a uma “des “desordem” ordem” econômica econômica mundial. A queda do Muro de Berlim7, em 1989, e o m da URSS, em 1991, desestatizando a economia dos países do Leste Europeu e introduzindo introduzi ndo reformas reformas políticas e econômicas, simbolizam o m do co co--

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Políticas de controle direto ou indireto das sociedades capitalistas que  protege m o trab trabalha alhador dor e seus dependentes quando este perde sua fonte de renda,  por problemas probl emas de saúde, sa úde, falt a de oportunidade de emprego, velhice ou morte. O eixo  principal  prin cipal dessa s políticas polí ticas é o sistema de seguridade social, que garantem uma pensão aos desempregados. Essas  políticas  polític as integ ram també m, em geral, sistemas de educação e saúde.

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Muro construído em Berlim, Alemanha, em 1961,

 por tropas da União Soviética e da República Democrática da Alemanha (RDA). O muro era o símbolo da divisão ideológica da Europa e do mundo entre as superpotências, Estados Unidos da América e URSS, durante a Guerra Fria.

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Associações de países que estabelecem relações econômicas privilegiadas entre si. Podem ser classicados em zonas livre de comércio, união aduaneira, mercado comum e união econômica e monetária. Exemplos de blocos econômicos são o Nafta e o Mercosul nas Américas, a CEE, atual UE, na Europa, SADC na Ásia.na África e o Asean,

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Alain Touraine (1925), sociólogo francês.

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munismo, a entrada desses países na economia de amercado e o fortalecimento de blocos econômicos econômic os8 regionais. A crescente abertur abertura dos Estados nacionais ao uu xo internacional de mercadorias e capitais, bem como a transferência geográca de fábricas e a inovação nas tecnologias tecnologias da informação, têm gerado desemprego e inação em maior ou menor escala em todos os países industrializados. industr ializados. De modo geral, a economia mundial, por meio da tecnologia, continua a forçar a mão de obra na produção de bens e serviços, mas não gera crescimento econômico suciente para evitar a grande gra nde massa de desempregados. desempregados. Para aumentar sua produtiviprodutividade e seus lucros, transfere as indústrias dos países ricos, onde a mão de obra é mais cara, para os países pobres, onde ela é mais barata. Há um recuo das intervenções estatais e ameaças aos sistemas de seguridade social e previdenciária. No lugar de emprego estável, estável, previsão de carreira carreir a ou de aposentadoria, vive-se v ive-se uma mudança permanente, as regras do jogo não são mais preestabelecidas e tudo se resume a conviver com possibilidades, oportunidades e riscos. A crença da economia neoclássica neoclássica de que o comércio internacional irrestrito permitiria aos países pobres chegar mais perto do desenvolvimento desenv olvimento dos países ricos, sem dúvida, não se conrmou con rmou historicamente histor icamente.. O termo globalização globalização,, na sociedade contemporânea, passou a ser usado comumente para explicar essas mudanças da modernidade. Embora seja impreciso, é usado com diversas conotações, ora como resultado da mundialização da economia, ora como efeito das inovações tecnológicas, e alguns teóricos sociais têm  procurado denir esse esse fenôm fenômeno eno concei conceitualmente. tualmente. Para Alain Touraine9, a globalização é mais do que a mundialização das trocas econômicas: signica a destruição das mediações sociais e políticas que uniam a economia e a cultura e garantiam, de acordo com o modelo clássico, uma forte integração de todos os elementos da vida social. É a liberalização das trocas e das condições de produção e também um  processo de dessocialização dessocialização e de despolitizaçã despolitização. o. Segundo Segundo o autor, autor, é também

Pós-modernidade, irracionalidade e desordem [... ...]] uma ideologia que mascara as relações r elações de dominação econômicas ec onômicas introduzindo introdu zindo a imagem de um conjunto econômico mundial autorregulado autorreg ulado ou fora de alcance da intervenção dos centros de decisão políticos. (TOURAINE, (TOURAI NE, 1999, p. 40) 40)

Para Antony Giddens (1991, p. 69-70), globalização é a intensicação das relações sociais em escala mundial, os quais ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distância (como dinheiro mundial e mercado de bens) e vice-versa. É uma consequência e não uma superação da modernidade.  Na sociedade globalizada, a percepção dos riscos globais torna-se tor na-se maior maior,, daí o surgimento de movimentos ambientalistas em escala mundial. Um maior número de seres humanos tem acesso a informações sobre os problemas ecológicos e tem consciência das limitações do saber. Como diz Giddens, existe um reconhecimento geral de que os sistemas de conhecimento de peritos, embora especializados, são incapazes de prever as múltiplas consequências inesperadas dos seus atos. Entre as décadas déca das de 1970 e 1980, 1980, os Estados Unidos da América A mérica e os demais demai s  países altamente industrializados industr ializados estabeleceram dezenas de políticas ambientais e criaram instituições públicas e privadas para desenvolver programas voltados  para a questão ambien ambiental. tal. Os países em desenv desenvolvimento olvimento também caminham para isso, sobretudo sobretudo a partir par tir da d a década de 1990. Mas as políticas políticas ambientais internacionais reetem as profundas diferenças sobre o entendimento do processo de globaglobalização e dos seus efeitos sobre o ambiente. De modo simplicado, pode-se dizer que a dinâmica da polític políticaa internacional se divide em duas linhas li nhas de interesses e orientações. A primeira se estabelece entre forças que se localizam dentro do Estado-nação tado -nação (nacionalistas) e os que se localiza localizam m na escala mundial (globalistas) (globalist as).. A segunda, entre forças que assumem a preservação ambiental como uma dimensão fundamental (globalis (globalistas tas ambientalistas) ambientalistas) contra os que são indiferentes ou contrários à preservação ambiental. As soluções para os problemas ambientais, locais ou globais, nessa sociedade globalizada e caracterizada pela constante inovação cientíca e tecnológica, tecnológica, são um desao para a própria ciência, para o Estado, para par a o mercado e para a sociedade civil.

O mal-estar na “pós-modernidade”  Nas últimas décadas do século XX, o acesso à informática e à internet por um grande número de pessoas em todo mundo tornou as noções de tempo e espaço quase inexistentes. O mundo não se tornou mais igual do ponto de vista da distribuição de renda, nem mais universal por conta disso. Ao contrário, multi plicam-se identidades identi dades culturais (étnicas, sexuais, regionais, religiosas) religio sas) legitimadas pela sociedade de consumo. Segundo Touraine (1999, p. 47), nestes tempos modernos experimenta-se o que ele denomina de desmodernizaç desmodernização, ão, uma degradação dupla: da atividade econômica, que deixou deixou de unir técnicas, relações relações sociais de  produçãoo e merc  produçã mercado ado e redu reduz-se z-se a um merc mercado ado inte internac rnaciona ionaliza lizado; do; e a deg degrada radação ção das identidades culturais, que servem para legitimar poderes autoritários. autoritário s. A perversão é a economia reduzida ao mercado e as culturas utilizadas como ideologias. 43

 

Pós modernidade, irracionalidade e desordem

A sociedade de produção, nessa perspectiva, deu lugar à sociedade de consumo. A sociedade não é mais um mundo de instituições instit uições que regulam as atividades humanas, mas um mundo de mercados, de comunidades e de indivíduos que interagem de acordo com suas necessidades de consumo. O cidadão dá lugar ao consumidor, preocupado menos com seus direitos sociais e políticos e mais com o direito de consumo. Importa muito mais ter direito ao consumo que exercer exercer direitos sociais. sociais. Touraine Touraine arma ar ma que não se trata de condenar ou exaltar a sociedade da informação, como se fosse uma época de perturbações ou um novo período de vitórias técnicas, mas de tentar entender qual será a nova síntese decorrente dessas mutações. “Poderemos fugir da escolha entre duas soluções igualmente destruidoras, a saber, viver juntos pondo de lado nossas diferenças, ou viver separadamente em comunidades homogêneas homogêneas que só se comunicarão pelo mercado e  pela violência violência?” ?” (TOURAINE, (TOURAIN E, 1999 1999,, p. 63 63). Mas anal, esses são sintomas da modernidade ou da pós-modernidade? rnidade é Giddens diz que o termo pós-mode termo  pós-modernidade  é usado como se fosse sinônimo de  pós-industrial  pós-indu strial ou  pós-modernismo rnismo.. Pós-modernismo é mais apropriado quando  ou pós-mode se refere a estilos e movimentos literários, artísticos ou da arquitetura e tem a ver com aspectos da reexão estética sobre a natureza da modernidade. A  pós-modernidade  pós-mode rnidade,, de acordo com Giddens, signica que a trajetória do desendesenvolvimento vo lvimento social está nos tirando das instituições da modernidade rumo ru mo a um  pós-modernismo rnismo pode novo e diferente tipo de ordem social. O  pós-mode  pode exprimir uma consciência de tal transição, mas não mostra que ela existe. O termo pode ter, entre outros signicados, os seguintes: nada pode ser conhecido com alguma certeza, desde que todos os “fundamentos” “f undamentos” preexistentes preexistentes da epistemologia se revelaram sem credibilidade; que a história é destituída de teleologia10  e consequentemente nenhuma versão de “progresso” pode ser plausivelmente defendida; que uma nova agenda política e social surgiu com a crescente proeminência de preocupações ecológicas e de novos movimentos sociais em geral. Ou seja, Giddens acredita que a modernidade modern idade está nesta fase buscando entender a si mesma, em vez de superar-se enquanto tal.

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 No sentid sentidoo de que o  processo  proce sso histórico histó rico da humanidade caminha em direção a uma nalidade que, em última instância, é o desenvolvimento desenvolvimento pleno do ser humano.

 pós-modernismo rnismo como Touraine, por sua vez, considera útil a noção de  pós-mode  como instrumento crítico que ajuda a compreender a crise e o m do modelo racioracio nalista do Iluminismo, mas considera o termo incapaz de dar conta das consequências do estilhaçamento da modernidade com a separação da economia e da cultura, das da s redes de trocas e das d as experiências culturais vividas. Prefere usar o desmodernização para termo desmodernização  para essa crise de um modelo de modernidade e tam bém para o próprio próp rio movimento dessa moder modernidade nidade que aprofunda apr ofunda a separação sep aração entre uma economia globalizada, cada vez menos controlada pelos Estados e  pelas identidades identida des privadas privad as ou comunitár comun itárias ias que se fecham sobre sobr e si mesmas.

A natureza como sujeito A análise de vários pensadores contemporâneos acerca dos problemas da modernidade ou da pós-modernidade, que atingem de um modo ou de outro

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Pós modernidade, irracionalidade e desordem

sul,, ricos ou pobres, pobres, todos os países, quer os chamemos  países do norte e do sul na verdade discute qual futuro queremos para a humanidade e para a Terra ou o que podemos esperar de um futuro próximo caminhando nessa direção que ninguém hoje sabe exatamente qual é. Michel Serres11, entre esses pensadores, apresenta uma perspectiva original natural. Sua tese pretende, mais do que inspirar a reexão em seu livro Contrato natural. teórica, lançar as bases de um contrato natural nat ural que seja compreendido por todos, que substitua ou reforce o contrato social fundado pelos homens. homens. O autor parte part e do  princípio detrégua que aentre guerra o motor motornações da história e a paz sido entendida apenno apenas as como umade oséhomens, e povos que tem se sentem como únicos mundo. Nada e ninguém estariam acima deles. O contrato social foi uma forma de deter a violência entre os homens, estabelecendo estabelecendo algumas regras para evitar a guerra ou dirimi-la. Durante séculos, a natureza serviu apenas como cenário das  batalhas travadas entre os homens. homens. O que há de novo no mundo contemporâneo, segundo a tese de Serres, é que a Terra corre risco de vida em sua totalidade, total idade, e os homens, em seu conjunto. Assim, a história global entra na natureza e a natureza global entra na história. A natureza torna-se sujeito da história e não mais mero objeto. Hoje, conforme Serres, é preciso denir um contrato natural que substitua o contrato exclusivaexclusivamente social, estabelecendo reciprocidade reciprocidade e simbiose com o mundo, e não a sua dominação e apropriação. A própria expressão meio ambiente  pressupõe pressupõe que estamos no centro das coisas que gravitam em torno de nós, senhores e possuidores da natureza, como dizia Descartes. A razão tecnocien tecnocientíca tíca e suas práticas, sobretudo a partir parti r da ReRe volução vol ução Industrial, levam-nos a enfrentar um conito viol v iolento ento em que o inimigo não é mais um grupo g rupo ou uma nação situada situad a numa região ou local especícos, especícos, mas é o próprio clima, a alta concentração de gás carbônico na atmosfera, a chuva ácida, o desmatamento, a poluição dos mares. O local afeta o global e vice-versa. A natureza se impõe como sujeito. Paradoxalmente, a mesma ciência que por meio das suas técnicas e remédios nos preserva da d a morte coloca-nos a possibilidade possibilida de do m de nós mesmos e do mundo. Não  podemos mais pensar em soluções de curto cur to prazo. Se quisermos salvaguardar o  planeta Terra Terra e a humanidade, precisamos pensar a vida a longo prazo, pensar o tempo da natureza. nat ureza. Se durante dura nte séculos condicionamos condicionamos a natureza para satisfazer e realizar a natureza humana, agora somos condicionados condicionados por ela. Serres descreve um mundo dilacerado, dividido, bipartido, exíguo. Mas aponta uma saída, tem uma u ma proposta, convida à aliança, à criação de novos laços, imagina um novo homem político. Apesar de toda crítica à ciência, considera-a o único projeto de futuro futu ro que nos resta. E, seguindo segui ndo uma tendência de lósofos lósofos e cientistas contemporâneos, contemporâneos, defende a trans tr ans e a interdisciplinaridade, o desenv desenvololvimento de uma visão integrada i ntegrada em que o maior objeto das ciências e das práticas  políticas seja o planeta Terra. Terra.

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Michel Serres (1930) é professor de história das ciências da Universidade de Stanford e membro da Academia Francesa.

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Pós-modernidade, irracionalidade e desordem

Filme: Naqoyqatsi Direção: Godfrey Reggio Duração: 92 min Produção: EUA, 2002 qatsi (signica da os trilogia “vida” no idioma da tribo indígena  Koyaanisqatsi  e Powaqqatsi hopi). Último Discute,lme como outrosqatsi dois (signica lmes ( Koyaanisqatsi Powaqqatsi), ), temas norte-americana contemporâneos como modernização, globalização, globalização, guerra, guer ra, sociedade e natureza.

BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. GIDDENS, Anthony A nthony.. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994.

BERMAN, Marshall. Tudo o que É Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1991. GIDDENS, A  Anthony nthony.. As Consequências da Modernidade. São Paulo: Edunesp, 1991.  ______.. Modernidade e Identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.  ______ HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1994. HOBSBAWM, Eric. Era dos Extremos: o breve século XX - 1914-1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. PONTING, Clive. Uma História Verde do Mundo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. ROUANET, Sérgio Paulo. Mal-Estar na Modernidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. SERRES, Michel. Contrato Natural. Rio de Janeiro: Janeir o: Nova Fronteira, 199 1991. 1. TOURAINE, Alain. Poderemos Viver Juntos? Petrópolis: Vozes, 1999.

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Desenvolvimento sustentável Cynthia Roncaglio

Desenvolvimento e ambiente

 A 

ideia de desenvolvimento e o agravamento ou a percepção do agravamento dos problemas ambientais ganhou força e expressão principalmente após a Segunda Guerra Mundial, quando emergiu no cenário internacional o confronto entre duas superpotências: Estados Unidos da América e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Embora a história mundial desse período não fosse homogênea e facilmente compreensível, pode-se dizer, genericamente, genericamente, que a Guerra Fria entre esses dois blocos hegemônicos e antagônicos dividiu o globo em duas partes: uma controlada pela URSS, que abrangia os territórios ocupados pelo Exército Vermelho Vermelho e as forças armadas comunistas ao m da guerra; e a outra, com os Estados Unidos da América América dominando o resto do mundo capitacapita-

lista. Ambos propunham ao Terceiro Terceiro Mundo o seu modelo de desenvolvimento desenvolvimento.. Embora sob ameaça constante de uma guerra nuclear, que se acreditava possível resultar do confronto entre as superpotências, super potências, as atividades econômicas econômicas prosperaram em muitas partes do mundo entre os anos 1950 e 1970, renovando as esperanças de progresso e prosperidade da humanidade, seja  pelo viés viés da ideologia ideologia comunista comunista ou da capitalista. No No então denominado Terceiro Terceiro Mundo, Mundo, a ideia ideia de desenvolvimento desenv olvimento parecia embutir embutir a ideia de um futuro f uturo liberto liber to dos piores entraves que pesam sobre a condição humana, como a pobreza e o desemprego. Contudo, já no início da década de 1970, o sistema político e econômico internacional entrou em colapso e as disparidades entre os países desenvolvidos e subdesenvolvidos demonstrou a esgotabilidade de um futuro grandioso e pleno de alternativas diante dos resultados da revolução socialista na China, na URSS, no Vietnã e até mesmo em Cuba (considerada por muitos a revolução que deu certo) e das fases depressivas das economias ocidentais. As crises do desenvolvimento no Terceiro Mundo reetiam-se na estagnação econômica, na fome e nas guerras civis. Sob a ótica do ambiente, desde que os Estados Unidos jogaram bombas atômicas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, no Japão, constatou-se constatou-se que o ser humano podia intervir intervi r radicalmente no curso da natureza, nat ureza, a ponto de modicar ou colocar em risco a existênci existênciaa do planeta. Algumas iniciati in iciati-vas, como a criação da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), ( IUCN), em 1948, 1948, apontavam para os problemas ambientais que a crise político-econômica (dissociada de outras instâncias) e um forte antropocentrismo impediam, e ainda impedem, i mpedem, de considerar relevante. relevante. O reconhecimento do agravamento se dá progressivamente prog ressivamente com o anúncio da morte mor te do oceano pelo biólogo biólogo Paul Ehrlich,

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Desenvolvimento sustentável

crescimento, encomendado pelo em 1969, e a divulgação do relatório Limites relatório  Limites do crescimento, 1 Clube de Roma , em 1972. Também conhecido como Relatório Meadows, por ter sido o estudo coordenado pelo professor Dennis Meadows, esse documento apontava o problema do aumento do consumo mundial em relação à capacidade do ecossistema global. Utilizando um modelo de análise sistêmico, o estudo assinalava a preocupação com as principais tendências do ecossistema mundial, baseado em cinco parâmetros: par âmetros: industrialização acelerada, forte crescimento populacional, insuciência crescente crescente da produção de alimentos, esgotamento esgotamento dos recursos natu nat urais não renováveis e degradação irreversível do meio ambiente. Em síntese, o relatório, fortemente marcado por uma visão catastróca e neneomalthusiana, previa que, se fosse mantido o ritmo de crescimento, os alimentos e a produção industrial iriam declinar até 2010, sendo inevitáveis o esgotamento dos recursos naturais, a poluição industrial e a diminuição da população. A divulgação  Limites do crescimento crescimento teve de Limites de  teve repercussão mundial, sobretudo pela radicalidade da sua tese de crescimento, favorável à limitação do crescimento da população e da economia e pela previsão alarmante quanto à mortandade da população por volta de 2050, provocada pelo esgotamento dos recursos naturais. As análises do Clube de Roma foram bem recebidas entre os ambientalistas radicais ou reformistas nos países do Norte, países capitalistas avançados, mas, por outro lado, nos países em desenvolvimento, países do Sul, a tese do limite do crescimento suscitou severas críticas e desconança quanto ao que rere almente se pretendia apontando os problemas ambientais do crescimento. Para muitos países do Sul, tratava-se de uma estratégia dos países do Norte para im pedir o seu rápido rápid o desenvolvimento. desenvol vimento. Também não faltaram reações contrárias à tese do crescimento zero, como a dos chamados tecnocentristas extremados, que minimizavam as previsões do Relatório Meadows, assegurando que o livre funcionamento do mercado, conjugado à inovação tecnológica, evitaria a escassez a longo prazo dos recursos naturais. Entre 1969 e 1972, proliferaram retóricas apocalípticas, como a do Clube de Roma, sobre os desastres ecológicos mundiais e a possibilidade de destruição do planeta caso não se tomassem apocalípticas, do Clube decomo Roma,a medidas drásticas para salvar a natureza e conter sobre os desastres o crescimento populacional. Tais manifestações, ecológicos mundiais. embora exageradas e fundamentadas apenas nos limites naturais, sem levar em conta que os pro blemas ecológicos ecológicos não podiam ser dissociados dos problemas problemas políticos políticos e sociais, foram importantes porque incluíram i ncluíram a questão ambiental no debate global sobre o desenvolvimento desenv olvimento social e econômico, econômico, tornando-se tor nando-se um desao ao qual teriam que reagir pensadores sociais, políticos e economistas nas décadas seguintes.

Entre 1969 e 1972, proliferaram retóricas

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O Clube de Roma, fundado em 1968, consistia em uma associação de cientistas,  políticos  políti cos e empres ários preo preo-cupados com a governabilidade dos problemas globais. Essa agremiação encomendou um ambicioso plano de trabalho ao Massachussets Institute of Technology (MIT), baseado no método da dinâmica de sistemas de Forrester, quede permitiu oJayprocessamento grandes quantidades de variáveis por meio da utilização de computadores.

Os movimentos ambientalistas ambientalistas radicais rad icais e a crescente preocupação das autoridades ociais e dos cientistas não impediram, entretanto, que se multiplicassem os desastres e degradações ambientais dos oceanos, lagos e rios, das orestas e campos, dos aglomerados urbanos. Nos anos 1980, novos alertas foram dados por catástrofes locais com consequências, que às vezes, extrapolavam as fronteiras

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Desenvolvimento sustentável

nacionais: Edgar Morin (1995), entre outros autores, lembra Bhopal 2, Three Mile Island e Chernobyl3, secagem do mar de Aral4, poluição do lago Baikal5, altos índices de poluição atmosférica em cidades como Atenas e México. Esses eventos e suas consequências consequência s para os diversos ecossistemas, incluindo o ser humano, remetem a outros probl problemas emas mais gerais que já vinham vin ham ocorrendo nos países industrializados e não industrializados. Nos primeiros, evidencia-se a contaminação das águas ág uas superciais e subterrâneas, envenenamento dos solos solos por  pesticidas e fertilizantes, urbanização maciça maciça das zonas zonas costeiras, costeiras, proliferação proliferação de dejetos industriais. Nos dos países nãoasindustrializados, aumentada deserticação, desmatamento, desmatamento , a erosão solos, sol os, inundações e o aumento d aa emissão de gaseso tóxicos com o desenvolvimento das megalópoles. Globalmente, a antropização antropiz ação dos meios naturais se reete no aumento do efeito estufa, que altera os ciclos vitais, decomposição decompos ição gradativa da camada de ozônio estratosférica, buraco de ozônio na Antártida, excesso de ozônio na troposfera (camada mais baixa da atmosfera). A (re)incidência desses eventos, cada vez mais salientes e perceptíveis, faz com que a consciência ecológica torne-se, como diz Morin, “a tomada de consciência do problema global e do perigo global que ameaçam o planeta”. Se, a princí pio, as reações reações diante desses problemas problemas são locais locais e técnicas, ao longo longo do tempo, com a intensicaçã i ntensicaçãoo e a universalização dos problemas, surgem associações, par tidos ecológicos ecológicos e instituições governamentais nacionais nacionais e internacionais criadas especicamente para gerenciar os problemas referentes ao ambiente. Ministérios do Meio Ambiente, por exemplo, foram criados em 70 países. Vários programas internacionais são estabelecidos a m de realizar pesquisas e denir ações que  possam conter conter ou retardar os efeitos efeitos da degradação ambiental. ambiental. Ao mesmo tempo em que a dinâmica econômica do pós-guerra renovava as esperanças de se construir um mundo mais justo, menos desigual, a noção de desenvolvimento parecia se tornar, acentuadamente ao longo das décadas de 1960 e 70, incapaz de dar conta da complexidade do mundo. Outras noções, outros termos e outras propostas de desenvolvimento precisariam surgir para ser  possível  possív el compreender o ponto em que havia chegado a relação entre sociedade e natureza.

Compreendendo conceitos: ecologia, meio ambiente, ecodesenvolvimento, ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável A noção de desenvolvimento é muito valiosa, supostamente, para todos aqueles que estão imbuídos da vontade de melhorar, promover mudanças, aperfeiçoar, crescer. No entanto, usada inadvertidamente por governantes, políticos e intelectuais durante séculos, tornou-se uma expressão desgastada e amiúde controvertida. Como diz Morin (1995, p. 83),

[...] de um lado é um mito global no qual as sociedades industrializadas atingem o bemestar, reduzem suas desigualdades e dispensam aos indivíduos o máximo de felicidade

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Em dezembro de 1984, 40 toneladas de gases letais vazaram da fábrica de agrotóxicos da Union Carbide Corporation, em Bhopal, Índia. Estima-se que cerca de oito mil pessoas morreram devido à exposição direta aos gases. Hoje, estima-se que cerca de 150 000 sobreviventes adquiriram doenças crônicas e necessitam de cuidados médicos e uma segunda geração de crianças continua a sofrer os efeitos da herança tóxica deixada pela indústria. Foi considerado o maior desastre químico da história.

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Acidentes nos reatores nucleares em Three Mile Island, na Pennsilvânia, EUA, em 1979, e em Chernobyl, na Ucrânia, em 1986,  parte  par te da d a União Soviét Soviética. ica. Na usina de Chernobyl, a quantidade de radiação foi equivalente a dez vezes a bomba de Hiroshima e Nagasaki. A poeira radioativa se espalhou pela Europa Oriental e,  pela circu lação atmosf atmosférica érica normal, chegou poucos dias depoisocial à Groelândia. mero de mortos O foinúde 31 pessoas, entre funcionários da usina e bombeiro, os afetados pela explosão ou por doenças derivadas da exposição à radiação. Estima-se,  porém, extraocia extr aocialmente lmente,, valores entre cinco mil e dez mil mortes. Entre 1986 e 1994, houve um crescimento de câncer de tireoide, sobretudo em crianças, nas três regiões mais afetadas: Rússia, Bielo-Rússia e Ucrânia.

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O mar de Aral situa-se entre o Uzbzequistão e o Cazaquistão e constituía o quarto maior mar interior da Terra, com cerca de 66 mil quilômetros quadrados. Suas águas eram renovadas e alimentadas pelos rios Amu Daria e Sir Daria. O desvio da água desses dois rios para os projetos de irrigação das  plantações  plant ações de a lgodão lgodão,, realire alizados pelo governo da URSS, consumiram e secaram 90% da água que chegava ao Aral, sendo considerado um dos  piores desa desastre stress ambient ambientais ais do século XX.

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Localizado na Sibéria, com 636 quilômetros de comprimento, é um dos lagos com águas mais profundas, sendo responsável por 20% da água doce do planeta. No  processo  proce sso de indus industri trializ alização ação da URSS, foi contaminado e teve uma redução massiva de sua extensão. 49

 

Desenvolvimento sustentável

que uma sociedade pode dispensar. dispensa r. De outro, é uma concepção redutora, em que o crescimento econômico é o motor necessário necessár io e suciente de todos os desenvolvimentos sociais,  psíquicos e morais. Essa concepção tecnoeconômica ignora os problemas humanos da identidade, comunidade, da solidariedade, solidarieda de, da cultura. Assim, a noção de desenvolvimento se apresenta gravemente subdesenvolvida. A noção de subdesenvolvimento é um produto  pobre e abstrato da noção pobre e abstrata de desenvolvimento.

Assim, buscando ampliar o sentido restrito do termo ao longo das últimas duas décadas do século XX, conceitos antigos como o de ecologia foram reformulados ou ampliados ampliados e outros passaram a ser adotados para exprimir e dar conta da com plexidade  ple xidade que envo envolve lve o desenv desenvolvimen olvimento to das sociedade sociedadess humanas e a preservação da natureza. Tratar-se-á aqui de referenciar algumas denições. Tanto as expresexpres sões ecologia ecologia,, meio ambiente  ambiente  e ambiente ambiente quanto  quanto as expressões desenvolvimento sustentável e sustentável sustentabilidade,, por exemplo, são usadas ora como sinônimas, ora  e sustentabilidade com diferentes acepções acepçõ es por políticos, cientistas e lósofos. Cabe ao leitor identiidenticar nos discursos, caso não sejam evidentes evidentes as utilizações utili zações conceituais, conceituais, as liações ideológicas ou políticas dos autores e os sentidos e signicados implícitos.

Conceito de ecologia oikos (“casa”) logos (“estudo”) O termo ecologia deriva de oikos  (“casa”) + logos  (“estudo”) e signica “es“estudo da d a casa”. casa”. O termo foi cunhado cu nhado pelo p elo biólogo biólogo Ernst Haeckel em 1870 1870 para criar cr iar uma disciplina cientíca que se tornaria um ramo da biologia. Essa disciplina, a ecologia, serviria para investigar as relações totais dos animais, tanto com seu ambiente ambien te inorgânico quanto qua nto com o orgânico orgânico.. O conceito conceito passou a ser reconhecido e utilizado entre o nal do século XIX XI X e o início do século XX. Com algumas variações, o conceito de ecologia foi sinteticamente denido na década de 1960 pelo ecólogo norte-americano Eugene Odum como “o estudo da estrutura e função dos ecossistemas” (ODUM apud KORMONDY KORMOND Y, 2002, p. 29). 29). Os ecossistemas, e cossistemas, para Odum (1 (1988) 988),, abrangem abra ngem todos os organismos que funcionam em conjunto em uma determinada área, as interações biológicas que eles estabelecem e todos os processos físico-químicos que sobre eles se reetem. Porém, a tendência dessa disciplina disciplina das ciências naturais, em decorrência do estudo de sistemas complexos e da sua necessária relação com a geologia, a física, a química e a matemática, foi foi a de transpor t ranspor fronteiras discip d isciplinares. linares. Com isso, foi se ampliando a noção de ecologia na medida em que se pode estabelecer, inclusive, interfaces com as sociedades humanas em vários aspectos (sociologia, economia, ética, política etc.). Dessa forma, a ecologia pode signicar desde um estudo de espécies individualizadas quanto a totalidade dos ambientes do planeta Terra (KORMONDY, 2002, p. 28). Daí derivaram especializações e expressões como ecologia humana, humana, ecologia cultural, cultural, ecologia sociológica. sociológica. Na área das ciências sociais, da losoa e da história, há uma tendência a usar as expressões ecologia ecologia,, meio ambiente  ambiente  ou ambiente como sinônimas e entendidas genericamente como as interações que se estabelecem da sociedade com a natureza. Há controvérsias sobre os limites e a abrangência da ecologia. Para alguns estudiosos, a ecologia é uma ciência aplicada aplicada que se dedica ao estudo de uma enorme e difusa dif usa variedade de 50

 

Desenvolvimento sustentável

 problemas ambien  problemas ambientais. tais. Dispõe de princípios e métodos métodos de investig investigação ação que podem servir para a solução de problemas problemas práticos ou para ajudar a sociedade a escolher entre ações alternativas. Para outros, como a ecologia se situa na perspectiva do sistema global – porque analisa as interações dos sistemas vivos (no qual se inclui os seres humanos) com o ambiente –, ela constitui uma abordagem ampla, múlti pla e restabelece restabelece o diálogo diálogo e a confrontação confrontação entre homens homens e natureza.

Conceito de meio ambiente Como demonstram Marcel Jollivet e Alain Pavé (1995), a denição do ambiente ou a sua denição enquanto objeto que é meio ambiente ou objeto cientíco é uma operação complicada. A noção de meio ambiente está ambiente está relacionada a um objeto central e este objeto obje to difere segundo as disciplinas cientícas. Ou seja, a noção de ambiente ambiente ou  ou meio ambiente pressupõe ambiente pressupõe a necessidade de um sujeito ou referencial central que  percebe ou interage interage com com o entorno. Esse suje sujeito ito pode pode ser uma população população humana, humana, animal ou vegetal, um indivíduo, um ecossistema. Esse sujeito interage com o meio de maneira mais ou menos intensa e pode perturbá-lo ou ser inuenciado  por ele ele.. Ambien Ambiente te ou meio ambien ambiente, te, portanto, por tanto, é aquilo que está em vol volta, ta, mas necessariamente, de algo ou alguém. ambiente seja complexa, polissêmica, mutável no Embora a expressão meio ambiente seja tempo e no espaço, envolvendo fenômenos de características cientícas e técnicas difíceis de precisar, em geral tem sido usada como tudo aquilo aqu ilo que circunscreve os seres vivos e as coisas e a percepção e a intervenção inter venção do homem sobre o meio natural. Para Jollivet e Pavé (1995, p. 7), meio ambiente é ambiente é o “[...] conjunto de meios naturais ou articializados arti cializados da ecosfera onde onde o homem se instalou, que explora explora e administra, admi nistra, e os conjuntos dos meios não antropizados necessários à sua sobrevivência”. Em outros termos, o economista francês Ignacy Sachs (1986, p. 12) dene o ambiente   ou meio ambiente  ambiente  como a articulação entre três subconconceito de ambiente  juntos: o meio natural, natu ral, as tecnoestrutu tecnoestruturas ras criadas pelo homem e o meio social.  Ambiente,, portanto, abrange o equilíbrio dos recursos naturais e a qualidade do  Ambiente ambiente e implica o reconhecimento das inter-relações dos processos naturais com os processos sociais.é A partdimensão partir ir do reconhecimento dessas inter-relações, inter-re Sachs defende que o ambiente uma do desenvolvimento e que, lações, por meio das técnicas disponíveis, disponíveis, o homem transforma tr ansforma os recursos em produto apropriado ao consumo e à reprodução social. social.

Conceito de ecodesenvolvimento  No ano seguinte à primeira pri meira Conferência sobre o Meio Ambiente em Estocolmo, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), o termo ecodesenvolvimento foi senvolvimento  foi lançado pelo canadense Maurice Strong6, em reunião realizada em Genebra em junho de 1973. Mas o conceito, com princípios reformulados, foi consolidado consoli dado e disseminado pelo economista francês Ignacy Sachs. A origem do conceito se deve a uma polêmica entre duas correntes teóricas com ideais extremos: os partidários do crescimento selvagem, que o defendem

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Diretor executivo do Programa das Nações Unidas para o Ambiente. 51

 

Desenvolvimento sustentável

 zeristas,, que defendem o como meio para corrigir os seus próprios males, e os  zeristas crescimento zero com a nalidade de preservar a natureza. Colocando-se entre essas duas linhas extremas, o ecodesenvolvimento, no lugar de postular o não crescimento, defende novas modalidades de crescimento, baseadas tanto na revisão de suas nalidades como nos seus instrumentais, procurando aproveitar as contribuições culturais das populações e os recursos recu rsos do seu meio. meio. Em síntese, ecodesenvolvimento é “um estilo de desenvolvimento que, em cada ecorregião, insiste nas soluções especícas de seus problemas particulares, levando em conta os dados ecológicos da mesma forma que os culturais, as necessidades imediatas como também aquelas a longo prazo.” (SACHS, 1986, p. 15).

Conceito de desenvolvimento sustentável A expressão tem sua origem or igem nos debates sobre o ecodesenvolvimento. Sachs utiliza esse conceito no contexto de uma dura crítica ao modelo de desenvolvimento forjado pelas sociedades industriais e às condições de desenvolvimen desenvolvimento to das d as regiões subdesenvolvidas. Para as sociedades alcançarem o desenvolvimento de modo ecologicamente satisfatório, segundo Sachs, é necessário levar em consideração seis aspectos:   a satisfação das necessidades necessidades básicas básicas das pessoas; pessoas; a solidariedade com as gerações futuras; a participação da população envolvida nas decisões; a preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; a elaboração de um sistema social que garanta emprego, segurança social e respeito à diversidade cultural; o estabelecimento de programas de educação. Ainda nos anos 1970, a Declaração de Cocoyok, das Nações Unidas, introduz a análise da pobreza7 como causa da expl explosão osão demográca e principal pr incipal indutoindutora da rápida r ápida deterioração dos recursos naturais. O modelo de consumo dos países

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industrializados também é apontado fator edemínimos desse quadro,  podendo-se, portanto, falar em limites li mitescomo máximos míagravamento nimos de crescimento crescimento. . Em 1975, outro relatório internacional, o da Fundação Dag-Hammarskjold, com a  participação de políticos políticos e pesquisadores pesquisadores de 48 48 países, compl complementa ementa as recomenrecomendações de mudanças nas estruturas de propriedade rural e o repúdio às posturas governamentais gov ernamentais dos países industrializados.

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Esse panorama prepara terreno ter reno fértil para que, em 1987, 1987, com a intensica intensica-ção da preocupação mundial sobre as questões ambientais, o conceito de desenvolvimento sustentável ganhe sustentável ganhe contornos mais denidos, porém ainda genéricos. comum, conhecido como Relatório Brundtland8, a Co No relatório Nosso relatório Nosso futuro comum, missão Mundial da ONU9 sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Unced),

A pobreza “é o nível de renda abaixo do qual uma  pessoaa ou uma famíl ia não  pesso é capaz de atender regularmente às necessidades da vida” (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 54). O Relatório Brundtland recebeu esse nome em referência à primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, que presidiu a Comissão.

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A Organização das Nações Unidas (ONU) tem como objetivos manter a paz, defender os direitos humanos e as liberdades fundamentais, funda mentais,  bem como promover o desendese nvolvimento dos países em escala mundial.

ao examinar a ligação entre desenvolvimento econômico proteção ambiental, arma: “desenvolvimento sustentável é aquele que atende àse necessidades do prepre sente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem a suas

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Desenvolvimento sustentável

 próprias necessidades necessidades””. Essa Essa denição contém dois concei conceitos-chav tos-chave: e: 1) o concei conceito to necessidades,, sobretudo as essenciais dos pobres de necessidades pobre s do mundo, que devem receber a máxima prioridade; 2) a noção das limitações que o estágio da tecnologia e da organização social impõe ao meio ambiente, ambiente, impedindo-o de atender às necessidades presentes e futuras fut uras (COMISSÃ (COMISSÃO O MUNDIAL MU NDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO, 1991, p. 46).

 Nosso futuro comum futuro e os princípios de sustentabilidade desenvolvimento mento sustentável sustentável pelo A partir da denição de desenvolvi  pelo relatório Nosso relatório  Nosso  futuro comum, comum, entender-se-á que, ao se denirem os objetivos do desenvolvimendesenvolvimen sustentabilidade   to econômico e social, faz-se necessário levar em conta a sua  sustentabilidade em todos os países – desenvolvidos ou em desenvolvimento, com economia de mercado ou de planejamento central. Entre os princípios básicos de sustentabilidade apontados pelo relatório, estão os que apresentamos abaixo. básicas e devem   Que todos devem devem ter atendidas as as suas necessidades básicas e ser proporcionadas oportunidades de concretizar suas aspirações a uma vida melhor. Essas necessidades são determinadas social e culturalmente, e o desenvolvimento sustentável requer a promoção de valores que mantenham os padrões de consumo dentro do limite das possibilidades ecológicas a que todos podem aspirar. econômico em regiões onde as necessidades básicas   Que haja crescimento econômico em não estão sendo atendidas. Onde já são atendidas, o desenvolvimento sustentável é compatível com o crescimento econômico, desde que ele reita os princípios amplos da sustentabilidade e da não exploração dos outros. Mas o simples desenvolvimento econômico não basta: o desenvolvimento sustentável exige que as sociedades atendam às necessidades necessid ades humanas, tanto aumentando o potencial de produção quanto assegurando a todos as mesmas oportunidades. oportunidades. Aponta-se que muitos problemas derivam de desigualdades de acesso aos recursos, como por exemplo uma estrutura não equitativa de propriedade da terra que pode levar à exploração excessiva dos recursos das propriedades menores, com efeitos danosos para o meio ambiente e para o desenvolvimento. Destaca-se que “quando um sistema se aproxima de seus limites ecológicos, as desigualdades se acentuam”.   Que, no mínimo, não sejam postos em risco os sistemas naturais que sustentam a vida na Terra: a atmosfera, as águas, os solos e os seres vivos. O desenvolvimento sustentável exige que o índice de destruição dos recursos não renováveis mantenha o máximo de opções futuras possíveis. É preciso que se minimizem os impactos adversos adversos sobre a qualidade do ar, da água e de outros elementos naturais, a m de manter a integridade global do ecossistema (a Terra não deve ser deteriorada além de um limite razoável de recuperação). 53

 

Desenvolvimento sustentável

  Que o desenvolvimento desenvolvimento tecnológico seja orientado para para as premissas premissas anteriores. Em síntese, o relatório Nosso relatório Nosso futuro comum aponta comum aponta que o desenvolvimento sustentável [...] é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a m de atender às necessidades e aspirações humanas. (1991, p. 49)

Ou seja, para a Comissão, o desenvolvimento sustentável não é um estado mudança, que depende do empe permanente de harmonia, ha rmonia, mas um processo de mudança, nho político. político. A Comissão certamente cer tamente avançou na reexão e no diagnóstico sobre global das maa questão econômico-ambiental ao destacar a interdependência global das nifestações físicas e econômicas, tais como a relação entre os efeitos globais da  poluição  poluiç ão e os preços preços dos produtos agrícolas em uma economia internacionalizada. Por isso defende, além do fortalecimento político e comunitário local e regional, a cooperação internacional inter nacional.. Mas a principal contribuição desse relatório, conforme Leis (1999, p. 150), não são as formulações técnicas sobre o que deve ser o desenvolvimento sustentável e as recomendações de ações para os governos, até porque havia diferenças de critérios entre os membros dos países participantes, participantes, mas o principal mérito do relatório foi o seu posicionamento ético. Leis lembra que, em geral, os princípios éticos são lembrados em grandes documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, após o m da Segunda Guerra Mundial, mas não em textos técnicos voltados voltados para instru i nstrumentalizar mentalizar ações políticas e econômicas de instituições governamentais. Ao armar os princípios do desenvolvimento sustentável, entendendo que o desenvolvimento deve atender às necessidades presentes sem prejudicar as possibilidades sibili dades de atender às das da s gerações futuras, futu ras, o relatório vai além do reconhecimento da complexidade e interdependência dos países e dos fenômenos naturais e sociais:: os homens têm responsabilidade frente à natureza sociais natu reza e o ser humano não é a medida de todas as coisas coisas..

Estratégias de transição para o século XXI (SACHS, 1994)

Os cinco aspectos do ecodesenvolvimento Qualquer planicação do desenvolvimento deve tomar em consideração simultaneamente os seguintes cinco aspectos de viabilidade viabilidade.. social,, considerada como a instauração de um processo de desenvolvimento 1 – A – A viabilidade social desenvolvimento apoiando-se apoiand o-se sobre um “ou “outro” tro” crescimento e inspirando-se em uma nova concepção sobre o que deveria ser uma sociedade melhor. melhor. O objetivo objetivo é o de construir uma civilização caracterizada caracteri zada por uma maior justiça na repartição das riquezas e das rendas, tendo como objetivo a redução da distância no nível de vida entre providos e deserdados. 54

 

Desenvolvimento sustentável

viabilidade lidade econôm econômica, ica, torna 2 – A viabi  tornada da possível pela pela repartição repart ição e pela gestão mais eciente dos rerecursos, e por um uxo regular de investimentos públicos e privados. É essencial essencial superar as congura congu ra-ções externas negativas criadas cria das pelo peso da dívida e as saídas líquidas dos recursos nanceiros  nanceiros do Sul  para o Norte, assim como pel pelos os termos de troca desf desfav avoráv oráveis, eis, as barreiras protec protecionistas ionistas ainda em vo voga ga no Norte e as restrições restr ições de acesso à ciência ciência e à tecnologia. tecnologia. A eciência econômica deveria ser avaliada avaliad a de preferência preferência em função f unção de critérios cr itérios macrossociais macrossociais e não no micronível micronível do benefício das empresas. ecológica,, que poderia ser melhorada com as seguintes medidas: 3 – A – A viabilidade ecológica   aumentar a capacidad capacidadee de carga da nave Terra, procuran procurando do os meios de intensi intensicar car a ex ex- ploração do potencial potencial dos dos recursos recursos dos dos diversos diversos ecossistemas, ecossistemas, causando os menores menores danos  possíveis aos sistemas de manutenção da vida;   limitar o consumo consumo de combustíveis fósseis e outros recursos recursos e produtos produtos em via via de esgotaesgotamento, ou cuja utilização seja nefasta ao meio ambiente, substituindo-os por recursos ou produtos renováveis e/ou abundantes, abundantes, utilizados de modo a respeitar o meio ambiente, reduzir o volume dos resíduos e o nível de poluição, economizando e reciclando energia e recursos;   incitar os ricos, em escala nacional e individual, a limitar voluntariamente o consumo de  bens materiais;   intensicar a pesquisa pesquisa de tecnologias que produzam produzam poucos resíduos e que assegurem um  bom rendimento dos dos recursos para para o desenvolvimento desenvolvimento urbano, rural rural e industrial;   denir as regras para para uma adequada proteção do meio ambiente, elaborar os mecanismos mecanismos institucionais e escolher a combinação de instrumentos econômicos, jurídicos e administrativos necessários a sua aplicação. 4 – A – A viabilidade espacial, espacial, que deverá ter como objetivo obter um melhor equilíbrio entre cidade e campo, e uma u ma melhor repartição populacional e da atividade econômica sob o conjunto do território, terr itório, enfatizando os seguintes pontos: pontos:   reduzir a alta densidade nas zonas metropolitanas;   cessar a destruição destruição pela colonização incontrolada dos ecossistemas ecossistemas frágeis cuja importânimportância é vital;   promover o emprego de métodos modernos modernos de agricultura e de agroorestamento regene regene-rativos pelos pequenos exploradores, fornecendo particularmente módulos técnicos apro priados e possibilidades possibilidades de crédito crédito e de acesso acesso aos mercados; mercados;   explorar as possibilidades de industrialização descentralizad descentralizadaa oferecidas oferecidas pelas tecnologias de nova geração, em se tratando particularmente de indústrias utilizando a biomassa, que  podem contribuir contribuir à criação de empregos rurais rurais não agrícolas – M. S. Swaminathan estima que uma nova forma de civilização baseada na utilização ecologicamente viável de recursos renováveis é não somente possível como indispensável (MCNEELY);   criar uma rede de reservas naturais da biosfera a m de preservar preservar a biodiversidade. cultural, que implica a pesquisa das raízes endógenas dos modelos de mo5 – A –  A viabilidade cultural, que dernização e dos sistemas agrícolas integrados, assim como dos processos que buscam mudança na continuidade cultural, e tradução dos conceitos normativos de ecodesenvolvimento ecodesenvolvimento em uma pluralidade de soluções locais especícas para cada ecossistema, cada cultura cultu ra e cada situação.

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Desenvolvimento sustentável

Do conceito à ação  Na prática, prática, a imaginação ecológic ecológicaa deve deve guiar a reexão reexão sobre o desenvolvimento desenvolvimento.. O objetiv objetivoo é o de melhorar o destino de mais de um bilhão de indivíduos que vivem vivem abaixo do limiar da pobreza, começando por assegurar-lhes “meios viáveis de existência” (CHAMBERS), qualquer que seja o contexto ambiental ou cultural em que vivam, mostrando que as populações locais são capazes de respeitar o meio ambiente, desde desde que sejam eliminados os obstáculos que as impedem i mpedem de adotar uma visão a long longoo prazo de conservação conser vação da sua base de recursos. recur sos. Tais obstáculos são principalmente de ordem política e institucional. Esses são frequentemente ligados a regimes agrários desiguais, ausência de reformas tributárias adequadas, privatização de propriedades comunais, marginalização das populações das regiões orestais, ou exploração  predatória dos recursos naturais que visam a maximizar lucros imediatos. É somente nas regiões de alta densidade populacional que as pressões impostas pelo meio ambiente e o nível de recursos constituem um limite absoluto. Gallopin, Gutman e Winograd, por exemplo, mostram que a América Latina dispõe de um enorme potencial de biomassa cuja exploração poderia levar em conta os imperativos ecológicos, o que contribuiria para atender a necessidades sociais, satisfazendo ainda o critério da eciência econômica. A Índia, por outro lado, é menos rica em recursos. Alagh cita, no entanto, vários exemplos de projetos de organização de bacias hidrográcas que permitem recuperar rapidamente o capital investido. investid o. As técnicas necessárias à exec execução ução de tais t ais projetos são conhecidas, e as repercussões no nível das coletividades podem ser muito interessantes. Esses projetos exigem porém um nancia mento dos poderes públicos para atender aos inves i nvestimentos timentos iniciais. Alagh defende uma planicaplanicação agroclimática, usando sistemas de exploração inovadores, para superar os inconvenientes de uma visão que privilegia uma cultura ou uma u ma região. A garantia de meios de existência viáveis viáveis deve tornar-se parte integrante das estratégias de desenvolvimento senv olvimento,, mas a realização desse objetivo objetivo supõe que os grupos locais adquiram a capaci capacidade dade de se responsabilizar e de valorizar seus próprios produtos. produtos. A noção de proteção primária pri mária do meio ambiente (HOLMBERG), por analogia aos cuidados primários de saúde, repousa essa premissa. Por mais importante que seja, o desenvolvimento rural não conseguirá assegurar meios de sobrevivência viáveis a todos os habitantes dos países do Sul; a população ativa destes países, em 1990, aproximava-se de 1,8 1,8 bilhões de habitantes habit antes (dos quais mais de meio bilhão de d e desempregados ou subempregados), cifra que deverá atingir 2,1 bilhões no ano 2000, e 3,1 bilhões em 2025. Daí a importância dada ao trata mento dos tratamento problemas urbanos. problemas Administrar a exploração urbana Uma das mais marcantes características da nossa época é uma expl explosão osão urbana sem precedentes, que se manifesta sobretudo no Sul. No começo do século XXI, os habitantes de baixa renda das cidades do Terceiro Terceiro Mundo formarão a nova maioria maioria da população do globo terrestre. Segundo as estimativas mais recentes, o número de cidadãos dos países do Sul terá ter á dobrado durante o período de 1980 a 2000, passando de um a dois bilhões. Durante os 25 anos seguintes, podemos contar com uma nova duplicação, o que signica que em menos de meio século três bilhões de pessoas virão somar-se à população urbana do Sul. Só a amplidão dessa explosão urbana, agravada pelo atraso das necessidades não satisfeitas, mostra que a imitação por esses países dos métodos utilizados pelo Norte só aumentaria as desigualdades atuais, beneciando uma minoria de privilegiados e marginalizando a maior parte dos habitantes das cidades. Além disso, o modelo do Norte não pode ser tomado como um êxito total. A proliferação dos dos guetos intraurbanos, as periferias deserdadas agravando a exclusão exclusão,, a segregação social associada ao desemprego crônico, as tensões raciais e étnicas, a violência urbana, o 56

 

Desenvolvimento sustentável

consumo de drogas, a situação de quase falência de algumas das cidades mais ricas r icas do mundo, são elementos que não ajudam a testemunhar a capacidade dos países industrializados de administrar suas aglomerações aglomerações.. É claro que a urbanização acompanha e, em grande medida, promove promove o progresso econômico, social e cultural cultur al dos países principalmen pri ncipalmente te agrícol agr ícolas, as, mas ela não tem só consequências positivas. positivas. Lembremos a esse respeito o debate sobre as cidades tentaculares e parasitas e sobre o “viés urbano” das políticas de desenvolvimento, viés ampliado ainda pelo crescimento urbano sem precedentes devido ao auxo de “refugiados” do campo. A tendência atual do nosso planeta em transformar-s t ransformar-see em um arquipélago urbano não deve porportanto ser considerada como uma fatalidade. A noção de “economias de aglomeração” necessita ser revisada para considerar as possibili possibilidades dades de especialização exível e de industrialização descentra descentra-lizada oferecidas pelas novas tecnologias. Daí a necessidade de encontrar no Sul, no Leste, e até no  Norte,  No rte, estratégias estratégias ativas ativas e inovado inovadoras ras de desenv desenvol olvimen vimento to urbano. urbano. Essa busca busca deve deve centrar-se centrar-se sobre sobre vários elementos ao mesmo tempo:   os modelos institucionais e modelos de gestão;   novas formas de colaboração colaboração entre a sociedade sociedade civil, as as empresas e os poderes poderes públicos; públicos;   a passagem passagem de uma política assistencial assistencial a uma política que vise a estimular a iniciativa e a criatividade das populações locais, tornando-as aptas a se autogerenciarem;   constantes esforços para economizar recursos e suprimir suprimir o desperdício;   uma hábil gestão do pluralismo tecnológico tecnológico e da pesquisa pesquisa mais ativa ativa das novas novas soluções soluções tecnológicas, por um preço acessível aos países em desenvolvimento. Cada grande cidade é em si um ecossistema dotado de um certo potencial de recursos. Muitos desses recursos são latentes, subutilizados ou mal utilizados: utili zados: terras suscetíveis de serem destinadas ao cultivo no centro das cidades, resíduos recicláveis, possibilidades de economia de energia e de recursos em água e em capital mediante uma melhor manutenção dos equipamentos, das infraestruturas e do conjunto de habitações. A exploração desses recursos poderia fornecer numerosos empregos nanciados graças à economia realizada e permitiria o melhoramelhora mento do meio ambiente. Um grau de prioridade deve então ser dado d ado às tarefas seguintes:   melhorar o estado do meio ambiente ambiente e a condição social social da maior parte dos cidadãos cidadãos pela reabilitação urbana, baseada em estratégias de ecodesenvolvimento de forte intensidade de mão de obra;   estudar e concretizar novos tipos de aglomerações, aglomerações, concebidas concebidas de maneira a permitir a economia de recursos;   reduzir o uxo dos “refugiados” das regiões rurais, aproveitando as novas possibilidades de industrialização descentralizada para reequilibrar as congurações entre cidade e campo. As grandes cidades são como os seres humanos: cada uma tem sua personalidade. Para su perar o desao urbano, deve-se deve-se levar em conta a conguração dos fatores naturais, naturais, culturais cultur ais e sosociopolíticos próprios convém de cada ver cidade, como seu e suas tradições. Ao invés de propor soluções soluç ões uniformes, nessaassim diversidade umpassado valor cultural da maior importância. import ância. Deve-se tirar duas du as conclusões conclusões do que foi dito anteriormente: 57

 

Desenvolvimento sustentável

  as estratégias estratégias do desenvolvimento desenvolvimento urbano não podem ser impostas de cima para baixo, mas sim elaboradas e concretizadas pelas populações interessadas, com o apoio de uma  política ecaz para a emancipação emancipação destas populações;   as trocas de experiência experiência entre cidades e estudos comparativos deveriam ocupar um lugar importante nas políticas de cooperação, a ideia não sendo tanto a de fornecer modelos  prontos, mas sim a de estimular a imaginação social, permitindo encontrar nos acertos e erros dos outros um reexo de suas próprias interrogações.

 

ecologia,, meio ambiente, ambiente,  ecodesenvol ecodesenvolvimento vimento e desenAnalise as denições dos conceitos de ecologia volvimento sustentável e sustentável e estabeleça suas semelhanças e diferenças.

FOLADORI, Guillermo. Los Límites del Desarollo Sustentable FOLADORI, Sustentable. Montevideo: Ediciones de La Banda Oriental, 1999. RESENDE, Paulo-Edgar Almeida (Org.). Ecologia, Sociedade e Estado. São Paulo: Educ/PUC-SP, 1995.

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Sustentabilidade para quem? Cynthia Roncaglio

Desenvolvimento econômico X desenvolvimento sustentável

O

desenvolvimento das sociedades modernas, há pelo menos 200 anos, tem se baseado essencialmente no desenvolvimento econômico. econ ômico. Teorias Teorias e práticas econômicas empenharam-se em compreender e aplicar fórmulas e modelos de administração da casa (oikos (oikos), ), as quais seriam mais ou menos ecientes para garantir a ordem da produção, da distribuição e do consumo de tudo aquilo que se tornou necessidade para a sobrevivência e o bem-estar dos seres humanos. Evidentemente, taisdesencadeadas necessidades não sãosociedades intrinsecamente necessárias natureza humana, mas foram pelas capitalistas, consti-à tuídas pela riqueza, baseadas no valor de troca e na obtenção do lucro. O desenvolvimento econômico passou a ser considerado a medida do projeto civilizatório e do progresso humano, o meio pelo qual o homem se desprenderia das limitações impostas pela natureza e alcançaria a sua emancipação. Todavia, restrito à lógica da economia, o conceito de desenvolvimento se mostrou historicamente limitado, a civilização tornou-se tor nou-se um projeto inacabado (e (e corre o risco de se transformar em barbárie) e a ideia de progresso econômico se evidenciou um mito, uma racionalidade insustentável. insustentável.

Ora, o progresso econômico é insustentável porque se baseia na acumulação de riqueza, e nas sociedades modernas ele se  baseia na acumulação exponencia exponenciall de riqueza. Mas

O progresso econômico ébaseia insustentável porque se na acumulação de riqueza.

[...] para um indivíduo, uma família ou um país manter, sustentar certo nível de enriquecimento material requer uma sequência crítica permanente de esforços dirigidos à neutralização de ameaças e perturbações que tendem a pairar permanentemente sobre a riqueza. (CAVALCANTI, 1996, p. 325)

Tais esforços são notoriamente evidentes, por exemplo, quando se observa a dinâmica dinâm ica das economias mundiais. Os governos, sob a direção de especialistas, elaboram planos econômicos, delineiam estratégias de crescimento, executam cálculos mirabolantes para controle dos juros e vericam as alterações que possam colocar em risco o planejamento econômico. Porém, uma pequena elevação no nível dos preços, inesperado desaquecimento detosumsucientes setor-chave datirar produção ouuma utuação do omercado de câmbio são elementos elemen para a econoecono mia do rumo, r umo, gerar a necessidade de um ajuste, estimular a ocorrência de inação 59

 

Sustentabilidade para quem?

 As formas de desenvolvimento na natureza não se baseiam no crescimento, mas sim na evolução biológica.

ou recessão, dois inimigos mortais de qualquer plano econômico e da economia de d e qualquer qualque r país (C (CA AVALCANT ALCANTI, I, 1996).

Ou seja, o progresso econômico, nas sociedades modernas, baseia-se no crescimento e na percepção de que esse crescimento é ilimitado. Dessa forma, o desenvolvimento não ui naturalmente porque as formas de desenvolvimento desenvolvimento na natureza não se baseiam no crescimento, mas sim na evolução biológica, a qual comporta mudança e transformação homeostática1. A crise ecológica, a partir dos anos 1960, evidencia os limites do crescimento e as desordens globais globais derivadas de uma u ma racionalidade técnica e econômica que se mostrou incapaz de garantir, em âmbito mundial, a produtividade crescente sem que ocorressem danos para o ambie a mbiente nte e para sociedade. E, certamente, isso não aconteceu porque não foram empregadas medidas econômicas adequadas, mas porque se dissociou a economia (administração da casa) da ecologia (estudo da casa), ignorando suas interações e interdependências.

É preciso compreender que o sistema econômico é um subsistema aberto nos ecossistemas. Para suprir as suas necessidades, os seres humanos se apro priam dos elementos elementos disponíveis disponíveis (matéria e energia), energia), transformam a natureza e a utilizam ainda como espaço onde lançam os dejetos dejetos resultantes de todas as atividades de produção e de consumo. Em outras palavras, a economia, nas sociedades modernas, marcadas pelo crescimento da produção em escala industrial e pela substantiva densidade demográca global, global, sobrecarrega a capaci capacidade dade de suporte da natureza, seja como fornecedora de recursos, retirados intensivamente, seja como receptáculo do lixo reciclável ou não reciclável, que, em última instância, demanda mais matéria e energia para ser destruído. destr uído. O nível nível de capacidade capacidade de regeneração e assimilação de elementos elementos contaminantes tem se mostrado mostra do limitado2. Depreende-se daí que o processo econômico mundial, tal como se concon gura hoj hoje, e, fundamenta-se na acumulação acu mulação de riquezas por meio da produção e do consumo de bens e serviços em larga escala com emprego de alta quantidade de matéria e energia. O processo natural baseia-se, no entanto, no estoque de riqueza

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 Homoe stático  Homoestáti co:: que se refere à homeostase, pro pried ade autor regu regulador ladoraa de um sistema ou organismo que o permite manter em um estado de equilíbrio dinâmico.

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A explicação para os processos de degradação dos sistemas naturais baseia-se nos princípios da termodinâmica, vinculados à física newtoniana. O segundo princípio da termodinâmica, ou lei da entropia, baseia-se na explicação de que a energia mecânica irreversivelmente se transforma em ca lor, e que este só parcialmente pode se transformar em trabalho. A  par te da energ  parte energia ia que se degrada provoca não só perda física mas também desordem na natureza.

(recursos naturais) antes da utilização humana e, embora disponha de mecanismos autorreguladores e capacidade de regeneração, não consegue repor matéria e energia no desenfreado ritmo provocado pelo consumo das atividades humanas. Aludir ao desenvolvimento sustentável signica compreender que alguns comportamentos econômicos devem ser abandonados em favor de uma conduta mais equilibrada diante da natureza, o que signica, em última análise, buscar eciência eciên cia máxima dos recursos com o mínimo m ínimo de perdas físicas. Como os ideais ideais e as práticas de desenvolvimento econômico e social, delineados pelas sociedades europeia e norte-americana, tornaram-se parâmetros mundiais, as partes do globo que não alcançaram os mesmos patamares de desenvolvimento são forçadas a rever suas políticas econômicas e estabelecer políticas ambientais para não reproduzir localmente problemas problemas que as sociedades capitalistas capitalistas “av “avançadas” ançadas” geraram ecodesenvolvimento,, proposto por Sachs, e hoje mais em âmbito global. Daí ser o ecodesenvolvimento sustentável, a busca, para a sociedade contemconhecido como desenvolvimento sustentável,

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Sustentabilidade para quem?

 porânea, de uma razão que que respeite respeite os seus próprios próprios limites e que integre racionaracionalidades distintas, como a econômic econômica, a, a política, a cultural cult ural e a ecológica. ecológica. Um estilo de desenvolvimento, ou novos modelos de desenvolvimento, desenvolvimento, que, na concepção concepçã o de Sachs, apresentem as seguintes características:   valorização dos recursos especícos especícos de cada região para satisfazer satisfazer as necessidades fundamentais fundamentais da população em termos de alimentação, ha bitação, saúde saúde e educação; educação;   priorização da realização humana;   exploração dos recursos naturais naturais dentro de uma uma perspectiva de solidariedade sincrônica com todos os homens de nossa geração e diacrônica com as gerações futuras;   redução do impacto impacto das atividades humanas mediante adoção de proceprocedimentos de transformação de resíduos em insumos;   redução de consumo consumo de energia energia proveniente proveniente de fontes comerciais; comerciais;   adoção de estilo tecnológico particular, com aperfeiçoamento das ecotécnicas;   formação de quadro quadro institucional institucional que considere considere as especicidades especicidades locais, locais, a complementariedade das ações empreendidas, a participação efetiva das populações locais e a garantia da não espoliação dessas populações;   fortalecimento de um processo processo educativo que sensibilize sensibilize a população quanto aos aspectos ecológicos do desenvolvimento, modicando o sissistema de valores em relação à dominação da natureza. Em suma, a teoria do desenvolvimento sustentável é uma complexa equação entre eciência econômica, prudência ecológica e realização de uma sociedade justa e so so-lidária e, ao colocar a questão ambiental no centro do debate sobre o desenvolvimento, [...] problematiza as próprias bases da produção; aponta para a desconstrução do paradigma econômico da modernidade e para a construção de futuros possíveis, fundados nos limites das leis da natureza, nos potenciais ecológicos, na produção de sentidos sociais e na criatividade criativ idade humana. human a. (LEFF, 2001, 2001, p. 17)

Globalização e discursos de sustentabilidade O debate sobre a questão questão ambiental arma-se no cenário mundial a partir parti r da crise do paradigma de racionali r acionalidade dade da sociedade ocidental, ocidental, do modelo de desenvolvimento e do processo de globalização militar, econômica, política, cultural, tecnológica e informacional. A expressão desenvolvimento sustentável ganhou sustentável ganhou mais força com a elaboração e a ampla divulgação do Relatório Brundtland, no nal dos anos 1980, e a  partir de então vem sendo sendo usada, legitimada legitimada e ocializada ocializada por entidades públicas públicas esustentabilidade privadas, tornou-se um discurso, ou melhor, a base(1999, para diversos discursos de nem sempre convergentes. Acselrad p. 79), por exemplo, destaca cinco matrizes matri zes de discursos associado associadoss à noção de sustentabilidade: sustentabilidade: 61

 

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  matriz da eciência, que pretende combater o desperdício da base material do desenvolvimento, estendendo a racionalidade econômica ao “es paço não mercantil” mercantil” planetário; matriz da escala, escala,  que propugna um limite quantitativo ao crescimento econômico e à pressão que ele exerce sobre os “recursos ambientais”; matriz da equidade, equidade, que articula  analiticamente princípios de justiça e ecologia;   matriz da autossuciência, que prega a desvinculação de economias nacionais e sociedades tradicionais dos uxos do mercado mundial como estratégia para garantir a capacidade de autorregulação comunitária das condições de reprodução da base material de desenvolvimento; matriz da ética, ética, que inscreve a apropriação social do mundo material em um debate sobre os valores de bem e de mal, evidenciando as interações da base material do desenvolvimento com as condições de continuidade da vida no planeta. O autor, autor, ao apontar algumas matrizes matr izes de discursos de sustentabilidade, está a observar o seguinte: que os discursos de sustentabilidade não são neutros; Os discursos de que eles têm, implícita ou explicitamente, o poder de objetivar representasustentabilidade ções sociais de agências nanciadoras, técnicos, governantes, ideólogos do não são neutros. desenvolvimentismo, ecólogos, membros de organizações não governamentais (ONGs), entre outros atores sociais, que estabelecem uma luta simbólica  peloo reconh  pel reconhecim ecimento ento de quem pode falar em suste sustentab ntabilidad ilidade. e. As perce percepções pções dess desses es atores sociais são também produto das estratégias e práticas sociais que tendem a impor uma autoridade às custas das outras, justicar escolhas e posições individuindividu ais. Cabe, assim, de acordo com a perspectiva do autor, compreender que [... ...]] associar a noção de “sustentabilidade” “sustentabilid ade” à ideia de que existe uma forma social durável du rável de apropriação e uso do meio ambiente dada pela própria natureza das formações biológicas signica ignorar a diversidade de formas sociais de duração dos elementos da base material do desenvolvimento. Colocar o debate sobre sustentabilidade fora dos marcos do determinismo ecológico requer que se questione a ideia de que o espaço e os recursos ambientais possam ter um único modo sustentável de uso, inscrito na própria natureza do território. A perspectiva não determinística, portanto, pressupõe que se diferencie socialmente a temporalidade dos elementos da base material do desenvolvimento. Ou seja, que se reconheça que há várias maneiras de as coisas durarem, sejam elas ecossistemas, recursos naturais n aturais ou cidades. (ACSELRAD, 1999, 1999, p. 87)

Henri Acselrad considera que os discursos de sustentabilidade, desencadeados pela emergência da questão ambiental, geram novos nomes e novos conceitos sobre velhas práticas. Daí o esverdeamento das políticas públicas urbanas, por exemplo, que se apropriam de um discurso inovador para, às vezes, reproduzir práticas antigas. Sua preocupação é entender quais processos sociopolíticos estão por trás dessas práticas, sobretudo porque o meio ambiente, em geral, é pensado como algo que está fora, tem objetividade. Mas o entendimento dos fenômenos ambientais, a potencialidade dos recursos naturais ou o processo entrópico (processo de degradação) derivado de uma determinada forma de desenvolvimento são construídos  por discu discursos rsos técni técnicos, cos, cient cientícos ícos e polític políticos os que detêm ou conq conquista uistam m autorid autoridade ade e legitimidade para dizer qual é a prática “boa” ou “ruim” para o meio ambiente. 62

 

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Assim, por exemplo, o planejador aparece como intérprete legítimo da defesa do território na inserção mundial e não um u m debatedor de alternativas para o  processo de globalização. globaliz ação. E quando se pergunta, pergu nta, como Vandana Shiva3, o que é global? Preservar a biodiversidade é global e controlar o uso da energia nuclear não é? O controle da energia nuclear está nas mãos dos países centrais enquanto o da biodiversidade está nas mãos dos países periféricos? Essas perguntas remetem diretamente ao problema de quem decide o que deve ser sustentável e quais são os países que tem poder para decidir o que deve ser preservado e/ou degradado. Quando se refere ao limites do determinismo determin ismo ecológico ecológico e à necessidade de se diferenciar a sustentabilidade no tempo, Acselrad está chamando atenção para um cuidado que se deve tomar para não sucumbir à tentação de reconstruir um  presente a partir par tir de supostas exigências do futuro. f uturo. Quando se recorre à ideia de que uma coisa é sustentável, toma-se como referência a comparação entre dois momentos:: entre o passado e o presente, entre momentos entre o presente e o futuro. f uturo. O atual modelo de desenvolvimento mostrou-se insustentável comparando-se o passado e o presente. Então, parte-se para uma comparação do presente com o futuro. As  práticas de sustentabilidade adotadas no presente devem ser compatív compatíveis eis com a qualidade de vida desejá desejável vel no futuro ou para que sejam garantidas as condições satisfatórias satisfató rias das gerações futuras fut uras e assim por diante.  Nesse sentido, a sustentabilidade sustentabili dade se insere no campo da causalidade teleológica – ou seja, as causas se denem pelos seus ns. Determinadas práticas são consideradas sustentáveis hoje porque garantirão sustentabilidade no futuro. Esse tipo de recurso torna-se questionável se for observado à luz da experiência histórica que “registra exemplos no mínimo discutíveis dessa atualização política do futuro como: ‘é preciso crescer para depois distribuir’, ‘estabilizar a economia para depois crescer’, ‘sacricar o presente para conquistar o futuro’ etc.” (ACSELRAD, 1999, p. 81). Sob a ótica de Henrique Leff (2001, p. 15), que corrobora em certa medida a desenvolvimento imento sustentável análise política de Acselrad, o conceito ambivalente de desenvolv sustentabilidade acabam e a imprecisão do termo sustentabilidade  acabam por dissolver o potencial crítico ecrises transformador práticas do ecodesenvolvimento. se dá em no contexto de econômicasdasque ameaçam os países do TerceiroIsso Mundo, especial da América Latina, emparedados por dívida externa, externa , recessão e inação nas décadas de 1980 e 1990. Nesse processo, conguram-se programas neoliberais em diver sos países e, ao mesmo tempo, os problemas ambientais mundiais agravam-se e tornam-se mais complexos. Sem querer abrir mão do desenvolvimento por meio do crescimento ilimitado, as estratégias de poder da ordem econômica dominante submetem o discurso am biental  bien tal crític críticoo aos aos ditame ditamess da glob globaliz alizaçã açãoo econôm econômica, ica, e “o di disc scur urso so da ‘su ‘sust sten enta tabi bili li-dade’ leva portanto a lutar por um crescimento sustentado, sem uma justicação rigorosa da capacidade do sistema econômico de internalizar as condições ecológicas (de sustentabilidade, equidade, justiça e democracia) desse processo” (LEFF, 2001, p. 19-20).  Na verdade, a natureza, na perspectiva da economia neoliberal, não é considerada como um fator restritivo, rest ritivo, mas um fator de “externalidade” que deve deve ser calculado e embutido no custo nal dos produtos.  

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Vandana Shiva, doutora em física, é militante do movimento Chipko (Abraço) (Abraço),, na Índia, que é uma in iciativa de resistência das mulheres do norte do país, que abraçavam as árvores para impedir a destruição de seus bosques  por empresas empr esas madeire ma deireiras iras.. 63

A lógica que orienta a economia neoliberal pressupõe que a concorrência é o mecanismo para o equilíbrio geral e as travas do crescimento são provenientes das imperfeições do mercado. Nessa perspectiva, o mercado competitivo tende a incorporar os custos ambientais. No entanto, isso implica produção crescente, controle da contaminação e da degradação pelo mercado, papel secundário dos governos, sendo que a tecnologia daria conta de usar os recursos de forma mais eciente, gerando menos resíduo e buscando inovações tecnológicas que substitusubstituam as fontes de energia tradicionais t radicionais.. Mas essa tecnologia visa, em última instâni nstância, ao lucro e não à melhoria das condições de vida, do ambiente e do trabalho. Pode-se dizer que Leff enquadra os discursos da sustentabilidade ambiental em duas grandes correntes. Uma delas é a corrente dos ambientalistas que, a partir da década de 1970, motivados pelos limites da racionalidade e os desaos da degradação ambienambiental do projeto civilizatório da modernidade, colocaram a questão ambiental no centro de uma nova proposta de desenvolvimento humano, baseado baseado na valorização das potencialidades e na integração da natureza, na redescoberta de saberes subjugados, subjug ados, na diversidade de culturas, na construção de um mundo democrático, igualitário, mas que respeite a diversidade ecológica ecológica e cultural e admita a complexidade do mundo, sendo todos esses fatores negados pela racionalidade mecânica, mecanicista, simplicadora, simplicadora, unidimensional e fragmentadora fr agmentadora que conduziu o propro cesso de modernização. E a outra é a corrente dos neoliberais, em sua maioria representados por membros do Estado, grandes empresários e ideólogos do desenvolvimentismo, que articulam um discurso de sustentabilidade dissonante da proposta anterior,  permeado por sentidos contraditórios, contrad itórios, diferenciados e com interesses opostos na apropriação da natureza. A natureza é apropriada mais um vez – não só materialmente mas também t ambém simbolicamente – como valor valor de mercado, convertida em capital natural4 a ser assimilado pelo capital globalizado e pela ecologia generalizada (LEFF, 2001, p. 25).

É possível sustentabilidade como alternativa de desenvolvimento?

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Capital natural  natural  pode ser compreendido como o estoque de materiais naturais (vegetais, minerais,etc.)águas uviais, atmosfera disdis poníveis  poníve is em deter mina minado do lugar e momento.

 Desenvolvi  Desenv olviment mentoo sustent sustentáve ávell é um conceito em torno do qual se estabeleceu um certo consenso mundial, que se coloca, hoje, como única alternativa para o desenvolvimento baseado no crescimento econômico, material. Isso não signica a crença generalizada de que é preciso abolir o crescimento econômico, mas que é preciso revê-lo, modicá-lo, ajustá-lo às condições ditadas pela natureza, base material que sustenta e garante a continuidade da vida humana. Não há garantia de sustentabilidade total do planeta Terra. O processo de destruição e de degradação ambiental geradas pelas atividades humanas no decorrer da história já gerou muitas perdas de capital natural. O que se reconhece hoje é a necessidade de desacelerar o processo de degradação, evitando mais perdas em pouco tempo. Isso pode

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ser considerado, por exemplo, quando se faz referência ao uso dos recursos não nã o renováveis renováveis de modo sustentável. Se uma fonte de rer ecursos não é renovável, pode-se garantir alguma sustentabilidade fazendo uso dela? Alguns estudiosos, especialmente economistas, dizem que sim, sim , desde que se considere que a sustentabilidade não é um remédio para todos os males causada pela civilização, mas sim uma alternativa operacional para enfrentar enf rentar os problemas ambientais.

O processo de destruição e de degradação ambiental geradas pelas atividades humanas no decorrer da história já gerou muitas perdas de capital natural.

Grosso modo, dizem os especialistas, especialistas, não basta substituir o uso de recursos não renováveis por recursos renováveis. Substituir, por exemplo, energia fóssil  por energia solar (foto fotovol voltaica, taica, eólica, hidrelétrica etc. etc.)) para assegurar os atuais  padrões de consumo de energia das d as sociedades contemporâneas, contemporâneas, em última análise, redundaria no mesmo problema de restrição imposto pelo tempo acelerado em que ocorre a utilização (e destruição) destruição) dos recursos naturais natu rais e o tempo e a velocidade necessários para a regeneração (daquilo que sobrou) da natureza. Tanto o uso dos recursos não renováveis como o uso dos recursos renováveis precisam ser gerenciados sob outros pressupostos de produção e consumo. Em todo caso, como calcula Binswanger, reduzir a velocidade da extração de recursos não renováveis,  por exemplo exemplo,, seria um progresso progresso consideráve considerável.l. Supondo-se Supondo-se que, hoje hoje,, [... ...]] o estoque de d e uma fonte não renovável seja seja dez mil vezes o volume do consumo correncor rente. Se o consumo cresce 10% por ano, o estoque se esgota depois de 71 anos. Se ele cresce  por volta de apenas 1% p.a., p.a., o estoque esgotar-se-á somente após 463 anos. Se o nível n ível de consumo permanecer no patamar atual, o recurso durará dez mil anos. Mas se pudermos dar um jeito de reduzir o nível de consumo, o recurso estará disponível por um período ainda mais longo. (BINSWANGER, 1996, p. 51)

Tal armação, em concordância com o que vem sendo constatado por inúinú meros analistas, incide sempre sobre o mesmo ponto: para se obter um padrão mínimo de sustentabili sustentabilidade, dade, é preciso reduzir o consumo de matéria e energia em geral. Em outros termos, ter mos, isso signica inevitavelmente inevitavelmente mudar padrões pessoais e societários de consumo de bens e serviços. ser viços. O cálculo matemático apresentado apresentado acima é um dos muitos que têm sido formulados quando se trata de analisar as relações natural, inentre economia e ecologia. Expressões como capital natural, sumos naturais, naturais, valor incremental dos serviços dos ecossistemas e mas ambiental são usadas  e custo ambiental são usad as frequentemente para defender argumentos de racionalidade econômica econômica e ambien ambiental. tal.

Para se obter um padrão mínimo sustentabilidade, é precisode reduzir o consumo de matéria e energia.

São tentativas ou alternativas buscadas a m de dar concretude ao conceito conceito desenvolvimento mento sustentável sustentável.. Mas, como também foi visto aqui, não há uma de desenvolvi desenvolvimento ento sustentável ou da noção hegemonia em torno do conceito de desenvolvim sustentabilidade.. São ideias, representações e valores morais que coexistem, de sustentabilidade disputam espaços sociais e políticos, rearmam umas posições, rejeitam outras.  outras.   Entidades abstratas como Estado e mercado também se articulam, envolvem-se, fazem parte desse sistema social no qual se debatem pessoas, categorias prossioprossio nais, grupos com interesses diversos, convergentes ou divergentes.

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Em um mundo globalizado, orientado aparentemente aparentemente por forças econômicas econômicas supranacionais cuja concorrência nos mercados mundiais tende a baixar a proteção ambiental, percebendo-se uma deterioração crescente do papel do Estado como regulador das atividades econômicas econômicas e mediador de conitos e no horizonte não há, ainda, perspectivas de diminuição das desigualdades sociais, seja entre os países dos hemisférios Norte e Sul, seja no interior de um mesmo país, como o Brasil ou os Estados Unidos da América, ainda cabe uma pergunta de ordem geral: sustentabilidade para quem? Os países que alcançaram um determinado  patamar de riqueza r iqueza e, consequentemente consequentemente,, são os que mais contribuem para a degradação ambien ambiental, tal, como os chamados países do hemisfério Norte, do Primeiro Mundo ou ricos, estão dispostos a manter ma nter seus níveis de crescimento ou diminuir seus padrões de consumo? E os chamados países do hemisfério Sul, de Terceiro Mundo, em desenvolvimento ou pobres, estão dispostos a abrir mão do modelo de desenvolvimento adotado pelos países ricos para satisfazer as suas necessidades, manter ou redenir seu crescimento em benefício benefício da natureza? nat ureza? A globalização é um fenômeno ainda em curso e contém muitas variáveis e aspectos negativos e positivos que podem propiciar sustentabilidade ou favorecer o desenvolvimento de uma sociedade sustentável em âmbito local, regional ou nacional. Em alguns países, conforme Ferreira e Viola (1996, p. 13), a globalização tem favorecido a busca de sustentabilidade, como Costa Rica, Chile, Holanda, Dinamarca. Em outros, os potenciais de sustentabilidade têm sido minados pela globalização, como China, Tailândia e Israel. O Brasil tem se mostrado ambivalente, ora reagindo favoravelmente à especulação do capital estrangeiro, à promoção do consumismo e ao incremento do desemprego estrutural, ora realizando investimentos industriais transnacionais em tecnologias limpas, estimulando o crescimento da sociedade civil transnacionalizada e causando impacto na opinião  públicaa internacional ambientalizada.  públic ambientalizada. Ainda sobre problemas ambientais de ordem global, como é o caso do efeito estufa5, as reações de países como os Estados Unidos geram mais incertezas so bre quem está disposto a pagar a conta pelos processos processos de degradação ambiental acelerados pelo pelo sistema capitalista e a industrialização. Em reunião reun ião sobre o clima

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Aquecimento da atmosfera terrestre em decorrência da redução da camada vegetal e da diminuição das chuvas.

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O índice de redução de emissão de gases na atmosfera, atmos fera, em relação a 1990, foi denido em 8% para os  paísess da União Europ  paíse Europeia, eia, 7% para os Estados Unidos e 6% o Japão. Para países em para desenvolvimento, como China, Brasil, Índia e México, não foram estabelecidos índices de redução.

realizada em Kyoto, no Japão, em dezembro 1997, 159 países reduzir a emissão de dióxido de carbono e outros de gases similares que,decidiram segundo vários estudos, estão provocando provocando uma mudança climática global. global. O acordo rmado r mado enentre países desenvolvidos, conhecido como Protocolo de Kyoto, estabelece, para o  período de 2008 a 20 2012, 12, a redução da emissão de gases em cerca de 5,2 5,2% % com relação aos níveis de 1990. Os custos para adotar tal medida foram estimados entre ent re 10 e 50 bilhões de dólares6. Porém, o governo dos Estados Unidos em 2001 (então sob a presidência de George W. Bush), país que responde por quase 25% da emissão de gases poluentes, recusou-se a raticar o acordo, alegando que isto custaria cerca de 400  bilhões de dólares aos cofres norte-americanos; nort e-americanos; um abalo nanceiro que acarre acar re-taria fechamento de 4,9 milhões de postos de trabalho. t rabalho. Mes que talinclusive decisão tenhano encontrado repercussão negativa em todas as partesMesmo domo mundo, nos Estados Unidos, a medida não foi de todo impopular internamente porque o

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argumento utilizado contra a assinatura do acordo – aumento das taxas ta xas de desem prego – sensibiliza sensibiliza diretamente todos aqueles aqueles que veem veem ameaçada a dinâmica da economia. Tal como se colocou aqui, a compreensão da inter-relação da economia e da ecologia para a promoção de um desenvolvimento sustentável, a globalização em curso, não só dos problemas ambientais ou das inovações tecnológicas mas tam bém das diferentes formas de compreender a cultura, a economia e a sociedade, além das disputas pelo poder entre atores sociais diversos, diversos, são alguns dos princi pais desaos desaos enfrentados pelo pelo mundo contemporâneo na busca de uma sociedade sociedade economicamente viável e ecologicamente sustentável: combinar alternativas satisfatórias para a complexa manutenção da vida compreendida em sua plenitude tanto biofísica como social.

 

Discuta em grupo e indique dez atitudes que podem contribuir para que o cotidiano seu e do ambiente onde você vive possa se tornar sustentável.

GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)caminhos ( Des)caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Contexto, 1989. 1989.

ACSELRAD, AC SELRAD, Henri. Discursos da d a sustentabilidade urbana. Estudos Urbanos e Regionais, n. 1, maio, 1999, p. 79-88.  In:: FERREIRA, Leila da BINSWANGER, Hans Christoph. Fazendo a sustentabilidade funcionar.  In Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Unicamp, 1996. CAVALCANT CAV ALCANTI, I, Clóvis. Desenvolvimento Desenvolvimento e respeito à natureza: nat ureza: uma um a introdução introduçã o termodinâ termo dinâmica mica substantiva à economia da sustentabilidade. In sustentabilidade.  In:: FERREIRA, Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Unicamp, 1996. FERREIR A, Leila da FERREIRA, d a Costa; VIOLA, V IOLA, Eduardo (Orgs.). (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Unicamp, 1996. GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (Des)caminhos ( Des)caminhos do Meio Ambiente. São Paulo: Contexto, 1989. 1989. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2001. SACHS, Ignacy. Ecodesenvolvimento: crescer sem destruir. São Paulo: Vértice, 1986.  

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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável Cynthia Roncaglio

A política e seus signicados

Q

uando se ouve falar em política é quase impossível não se aperceber de alguns paradoxos. Se trabalhadores fazem uma passeata para exigir melhores salários, alguns dirão que “eles deviam estar no seu local de trabalho e não na rua, fazendo política, atrapalhando o trânsito.” Mas se os trabalhadores aceitam e se contentam com as suas condições de trabalho, haverá outros que dirão “esses trabalhadores são passivos, não sabem fazer política, não lutam por seus direitos.”

Observa-se implicitamente, nessas opiniões contraditórias, dois modos de compreender a  política:: no primeiro caso, ela é considerada uma atividade que deve ser realizada por pessoas espe política cializadas no assunto – os políticos prossionais –, enquanto no segundo compreende-se que é uma atividade da qual todos devem participar, pois todos os cidadãos devem se manifestar a respeito dos seus interesses. Ou seja, surge um paradoxo da política: ela é uma atividade especíca realizada por alguns prossionais ou ela é uma atividade praticada por todos que vivem em sociedade?  políticaa é uma palavra usada tanto como sinônimo De modo similar, pode-se dizer que  polític governo,, sendo este constituído por prossionais gabaritados para fazer política (os políticos) de governo quanto para indicar uma ação coletiva (a passeata dos trabalhadores nas ruas) ou qualquer outra reivindicação feita por membros da sociedade e dirigida ao governo ou ao Estado. Mas há ainda outras expressões que usamos usa mos para a política. É comum ouvir falar em “política da escola”, escola”, “política empresarial”, “política partidária” partidá ria”.. Nesses casos, tais expressões não remetem à ação daqueles  políticoss prossionai  político prossionaiss ou à ação do governo. Referem-se antes a um modo de geri gerir, r, admi a dminist nistrar rar as instituições. instit uições. Quando se fala em “política da escola escola””, por exemplo, exemplo, está-se referindo à denição de um caminho que esta instituição (pública ou privada) irá tomar para alcançar seus objetivos: como será feita a gestão escolar escolar,, como se dará dar á a participação par ticipação dos professores e alunos, como será a forma de avaliação de professores e alunos, como serão distribuídos d istribuídos os recursos recu rsos provenientes de fundos (c (caso aso seja pública) ou mensalidades (caso seja particular). par ticular).  No caso da “política empresarial”, trata-se de estabelecer como será o funcionamento funcioname nto de uma empresa, como se dará a divisão dos lucros e inves investimentos, timentos, quem tem poderes e autoridade para responder pela empresa, como serão estabelecidas as relações com outras empresas, a denição dos cargos e salários dos funcionários, as metas de produção etc. Já a “política partidária” irá denir o perl per l ideológico ideológico do partido, par tido, quais são seus planos e projetos prioritários, como angariar fundos, atrair militantes, divulgar suas ideias e conquistar posições no governo e apoio da sociedade na qual se insere. Mas, então, anal, o que é política é  política?? Política é uma atividade do governo, é uma atividade de  prossionais  prossi onais especializados, é tudo que diga respeito à organização organização e administ administração ração de uma empresa, empresa, 69

 

Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

 política,, em geral, pode ser entendida sob dois de um partido, de um grupo? A  política aspectos: é uma atividade de gestão e organização das instituições públicas ou  privadas e é também uma atividade atividade que envo envolve lve relações de poder para decidir os os rumos da gestão e da d a organização, seja seja do governo, governo, de um grupo gr upo partidário partidár io ou dos sócios de uma empresa privada. A palavra política palavra política foi  foi originalmente inventada pelos gregos e romanos. Em Política ( ta politika) politika) deriva de polis grego, Política  (ta de polis,, que quer dizer “cidade”, comunidade organizada, formada pelos cidadãos ( politikos ( politikos)) que nasceram no solo da cidade, isonomia,, ou igualdade perante a lei, e isegosão livres e iguais e têm direitos di reitos de isonomia ria,, ou direito de expor e discutir em público opiniões sobre como a cidade deve ria  política   era a res publica, publica, ser gerida (CHAUÍ, 2001, p. 371). Para os romanos,  política civitas (correspondente signicando os negócios públicos da civitas  (correspondente à polis à  polis), ), realizados  pelos romanos homens homens livres e iguais que nasceram nasceram no solo solo romano. romano. Ta politika e politika e res publica correspondem publica correspondem atualmente ao que se designa como governo,, programas e proje governo projetos tos que uma parte da sociedade (comunidade (comunidade política) política)  propõe ao todo que a compõe. compõe. Envo Envolve lve formas de participação no poder, conitos e acordos nas tomadas de decisão, denição das leis e sua aplicação, direitos e deveres dos membros da comunidade política e decisões referentes ao destino do Polis e erário público ou fundo público. Polis  e civitas civitas correspondem ao que atualmente Estado,, um conjun se designa como Estado conjunto to de instituições i nstituições públicas permanentes (leis, erário público1, serviços públicos) e sua administração pelos membros da cidade que permite a ação dos governos. A política, nesse sentido, refere-se “à ação dos governantes que detêm autoridade para dirigir a coletividade organizada em Estado, bem como às ações da coletividade em apoio ou contrárias à autoridade governamental e mesmo à forma do Estado” (CHAUÍ, 2001, p. 368).  No senso comum social, todavia, como já foi apontado, apontado , prevalece uma visão ora favorável, ora desfavorável sobre a política. Quanto à política realizada  pelo governo ou pelo pel o Estado, Estad o, não há discordância disc ordância de que é preciso pre ciso existir. exi stir. Porém, quanto à classe política, aqueles prossionais que disputam o direito de gogo vernar e de ocupar cargos e postos no Estado, surgem dúvidas e desconanças sobre a sua atuação, se são movidos por interesses pessoais e escusos, contrários contrário s aos interesses da sociedade, se usam de meios lícitos ou ilícitos para realizar obras e assim por diante. Nesse caso, “a política é feita por ‘eles’ [políticos prossionais] e não por ‘nós’, ainda que ‘eles’ se apresentem como representantes representantes ‘nossos’ ‘no ssos’”” (CHAUÍ, 2001, p. 369). 369). Dessa forma, a política, inventada pelos seres humanos justamente para ex pressar  pres sar suas dife diferenç renças as e con conitos itos de modo modo just justoo e demo democrát crático ico,, sem sem o uso uso da da força força e da violência, e sendo o instrumento de regulação e ordenação dos seus interesses conitantes, passa a ser considerada de modo pejorativo, na sociedade contemcontem  porânea, deparando-se deparando-se no cotidiano com comentários do tipo “Política “Política é um mal necessário” ou “Políticos são todos iguais” ig uais”,, “Eles só pensam em fazer política. política.””

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Recursos nanceiros do Poder Público.

Diante desse paradoxo, curiosamente, curiosame nte, percebe-se que não há outro modo de,  por exemplo, exemplo, ocorrer uma guerra civil ou uma revo revolução, lução, o impeachment de um  presidente  presiden te ou a mudança mudança de sistema de governo governo senão por meio meio da política, política, isto isto é,

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senão pela mudança na forma e no conteúdo do poder. Então, como observa Chauí (2001, p. 371), mesmo quando as pessoas, decepcionadas e desiludidas com o mal uso que se faz do poder político, recusam-se a ouvir falar em política ou a partici par de atividades sociais que possam possam ter nalidade ou cunho político, político, ainda assim assim tais pessoas estão fazendo política, porque estão aceitando que as coisas quem como estão e que a política existente permaneça da mesma forma. A apatia social, assim, é também uma u ma forma de fazer política.

Política e multidimensionalidade dos problemas humanos A política perpassa toda a sociedade e é perpassada por ela. Desde a sua invenção e durante séculos, a política tem apresentado muitas faces. Na história da sociedade ocidental, a política liberal do século XIX, implantada pelas revoluções burguesas2, deu origem ao Estado assistencialista, assim como as revoluções socialistas 3  do século XX, impregnadas de uma ideia mítica providencialista, baseada no pressuposto de que a revolução marxista-leninista colocaria um m à sociedade de classes e às injustiças sociais, acabaram inspirando o seu avesso: uma política totalitária. A política, baseada na lei e no direito, d ireito, estabeleceu estabeleceu os rumos das economias nacionais, estabelecendo estabelecendo primeiro as a s medidas protecionistas do século XIX, XI X, 4 depois as leis antitruste  e, em seguida, ditando a condução do crescimento e do desenvolvimento, estimulando hoje a globalização e a criação de uma sociedade da informação. A política passou a interferir cada vez mais e a estabelecer modos de atendimentoo às crescentes necessidades dos indivíduos e das populações. Haja atendiment vista alguns exemplos: a política de assistência aos trabalhadores pelo Estado previdenciário baseado em proteção e auxílios diversos (seguro de vida, auxílio à doença, morte ou velhice, salário-desemprego); serviços de creches, asilos, funerárias; estabelecimento estabelecimento de políticas públicas voltadas para a construção de obras (estradas, pontes, viadutos, hospitais, escolas etc.); educação, cultura e lazer dependente dependentess de incentivos e projetos governamentais para atender às populações carentes, que não dispõem dos recursos nanceiros para ter acesso à escola, a bibliotecas, computadores, espetáculos, arte e diversão. Os governos assumem a reparação de danos causados por catástrofes naturais (maremotos, terremotos, inundações etc.), enquanto a liberdade ou controle dos meios de comunicação atuais depende de uma política de acesso. Como diz Morin (1995, p. 142), o viver e o sobreviver , no sentido biológico dos termos, passaram a ter maior relevância política. A política de saúde substituiu a política assistencialista que, até pouco tempo atrás, voltava-se preferencialmente para o atendimento aos doentes e inválidos e hoje dedica-se ao conjunto da  população e ao comba combate te ao câncer câncer,, à Aids e até até mesmo mesmo ao tabagismo tabagismo.. Assim Assim como a política de garantia do mínimo vital tornou-se generalizada nos países ricos, o combate à fome nos países pobres passou a ser um caso de política internacional.

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Entre as revoluções burguesas, podem ser citadas a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, na Inglaterra, entre os séculos XVIII e XIX.

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Entre as revoluções socialistas do século XX,  podem ser citad citadas as a Revolução Russa, a Revolução Cultural Chinesa e a Revolução Cubana. Contra o acordo ou com-

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 binação entrecom empresas, geralme geralmente nte ilegal, o objetivo de restringir a concorrência e controlar os preços.

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A demograa também tornou-se tor nou-se uma preocupação política política forte, no que concerne a uma tendência tanto ao despovoamento despovoamento quanto à superpopulação. Crescem os problemas políticos relacionados às intervenções biomédicas que afetam e transformam a vida e a morte, a identidade e o comportamento social – fecundação articial, art icial, conservação de espermatozoides, aborto, eutanásia, doação de órgãos e manipulações genéticas – e poderão denir o sexo, as qualidades físicas e talvez até psicológicas de um ser humano, envolvem questões morais e éticas, relacionadas mãe,,  famí  família lia,, masculino masculino e  feminin ininoo. Ou seja, os pilares sobre os às noções de pai de  pai,, mãe  e fem quais se constituiu a organização da família e da sociedade estão sendo abalados e as inovações cientícas cientícas nessa área estão a exigir a criação de normas políticas políticas.. Do mesmo modo que as transformações na vida dos indivíduos e da sociedade reinventam a política e os problemas relacionados à natureza humana e à natureza da sociedade tornam-se uma preocupação política, os problemas ambientais, evidenciados nos últimos 30 anos, a nos, tornam-se também t ambém um probl problema ema político, seja em escala local (degradação dos ecossistemas) ou em escala global (alteração da biosfera). biosfera). A política do homem se planetariza planetari za e os problemas planetários, planetár ios, a vida em todas as suas dimensões (social e natural), colocam-se no centro da política. Assim, conclui Morin (1995, p. 143) “a política deve tratar da multidimensionalidade dos problemas humanos”.  Na sociedade soci co ntemporâne orânea, a,e aospolítica polític a adquiriu adquiri u característ caract icas totaliza totmais alizantes, ntes, no sentido de edade que ascontemp preocupações problemas políticos seerísticas tornaram am plos, mais mais complexo complexoss e interligados interligados.. No entanto, entanto, persiste persiste uma visão visão política política traditradicional que trata cada uma das dimensões separadamente, de modo estanque. Na esfera das políticas públicas, desempenhadas pelo governo e instituídas pelo Estado, as várias dimensões políticas – nanças, saúde, educação, obras, meio ambiente, urbanismo, administração, recursos humanos etc. – tendem a ser tratadas por técnicos e burocratas especializados (economistas, ecólogos, urbanistas, engenheiros, administradores) que abordam os problemas, frequentemente, de modo compartimentado, fragmentado e dissociado das políticas das outras áreas.

 A ár área ea de me meio io am ambi bien ente te

Sobretudo a área de meio ambiente envolve uma pluralidade de fatores que devem ser analisados, administrados e solucionados envolve de fatoresuma quepluralidade devem ser em consonância com outras áreas. Observe-se, por exemplo, a oferde água potável. Considerada um recurso renovável, a obtenção analisados,, administrados e ta analisados de água, com a crescente e diversicada demanda, passa a ter na solucionados soluciona dos em sua obtenção um desao para o suporte da vida e do bem-estar das consonânciaa com outras  pop consonânci  popula ulaçõe çõess atua atuais is e futu futuras ras do pla planet neta. a. O aces acesso so à água água e o seu uso áreas.  par  paraa as mai maiss diver diversas sas na nalid lidade adess está está ligad ligadoo a uma uma compl complexa exa red redee de ações (e relações de poder) que implica conhecimento técnico de engenheiros, arquitetos, médicos e sanitaristas que denem o traçado das ruas, exploexploram os espaços subterrâneos da cidade, constróem canos, tanques e diques, analisam o grau de pureza da água, denem padrões de higiene e saúde a serem seguidos pelos habitantes da cidade. No entanto, em geral, as políticas voltadas para a execução de  programas  progra mas de abast abasteci ecimen mento to e tratamen tratamento to da água água são setoriz setorizada adas, s, ignora ignorando ndo-se -se ou não, por exemplo, as relações existentes entre os problemas de saúde da população e 72

 

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as condições de potabilidade da água, a relação da potabilidade da água com a acumulação de lixo próximo a áreas de mananciais, a relação do lixo com a scalização de assentamentos irregulares e assim por diante.

política deve reaver reaver o Ou seja, a política deve reaver o seu papel de resolver  A política conitos de interesses, buscar atender aos interesses da sociesocie- seu papel de resolver dade e da natureza, sem contudo ser devorada pela técnica, conflitos de interesses.  pela economia, econom ia, pela admi administ nistração, ração, pela p ela burocracia. buro cracia. Estas são especialidades, instrumentos de apoio para se fazer política, mas não deve comandá-la, assim como a política não deve ser soberana, colocar-se acima da sociedade e de suas necessidades, mas interagir com ela, dessa forma reconstruindo tr uindo a si mesma. A evidência da degradação ambiental ambiental em escala mundial é um dos principai pri ncipaiss acontecimentos acontecimentos na história da humanidade e está a exigir um um novo homem político e uma política multidimensional.

Globalização e políticas ambientais Frequentemente, associa-se Frequentemente, associa-se a degradação ambiental às transformações t ransformações econômicas e demográcas, mas o processo de urbanização capitalista, a luta pelo  poder político e seu exerc exercício ício são fatores que também contribuíram tanto para aumentarde como para impedir ambiental. Emdos outras palavras, a ex ploração recursos naturais,a adegradação crescente complexidade sistemas de produção e consumo e o aumento explosivo da população nos últimos 200 anos por si só não justicam o modo como os indivíduos e as sociedades se apropriaram da natureza, mas só podem ser exaustivamente compreendidos compreendidos dentro de uma lógic lógicaa de acumulação da riqueza, r iqueza, de urbanização crescente, em que as relações sociais e as relações políticas – relações de poder – são tecidas e ganham autoridade para denir as estratégias de desenvolvimento desenvolvimento.. Como então surgem as políticas ambientais no século XX? Por que a natureza passa a ser uma preocupação do governo, do Estado, das empresas privadas, de associações diversas? Segundo Giddens (apud  (apud  GOLDBLATT,  GOLDBLATT, 1998, p. 110), as alterações das atitudes atit udesecológicos dos homensespecializados, em relação ao reconhecimento ambiente tem a ver a difusão de conhecimentos dascom forças glo balizantes que penetraram e transformaram os ambientes locais e a compreensão de que os estilos de vida da sociedade contemporânea ocidentais se tornaram tor naram um um instrumento poderoso de produção da degradação ambiental. Antes do século XX, existiram lutas políticas envolvendo  Antes do século século XX, X X, decisões ambientais. Embora no século XIX não se usassem ex- existiram lutas políticas ecologia ou ambiente, os industriais,  pressões  press ões com comoo ecologia  ou meio ambiente, industr iais, sindica- envolvendo decisões listas, organizações de contribuintes, biólogos biólogos e “amantes da natu- ambientais. reza”, entre outros, manifestavam-se sobre o tema e, dependendo da sua posição política, podiam intervir nos rumos que estavam sendo tomados. O resultado dessas lutas sempre causoude algum tipo detaxas, impacto tais como as intervenções no mercado (cobrança impostos, leisambiental, estabelecendo direitos 73

 

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e deveres da sociedade, regulação e scalização das atividades econômicas), nas indústrias (m (mediação ediação entre patrões e empregados, legislação legislação trabalhista, incentivo incentivoss tecnológicos, tecnoló gicos, uso de materiais poluentes, saúde saúde dos trabalhadores em particular e da  população  popu lação em geral) geral) e na demo demograa graa (inc (incenti entivo vo à imigração imigração,, contro controle le da natalidad natalidadee e da mortalidade, planejamento planejamento familiar), na provisão ou não de bens públicos (infraestrutura fraestr utura e serviços ser viços tais como sistema de esgoto, esgoto, fornecimento fornecimento de água e energia, coleta de lixo etc.). Ou seja, ações voltadas para avaliação, controle, proibição ou não de fatores que pudessem aumentar ou diminuir os problemas problemas ambientais já existiam, em graus variáveis, variávei s, em diversos países, especialmente os mais industrializados, mas tais medidas não se voltavam voltavam para a garantia de água ou ar mais puro, e sim para a denição dos índices máximos permitidos para determinados poluentes, e com penalidades mínimas para as prováveis infrações. A poluição, nesse sentido, é tratada como o  preço que se dev devee pagar pagar pelo pelo acess acessoo a bens e serviços serviços prod produzido uzidoss pela pela indústria. indústria. Em meados do século XX, no entanto, entant o, a poluição cresceu rapidamente, mais do que o aumento au mento populacional populacional e o consumo material no mundo industrializado. i ndustrializado. A indústria passou a produzir cada vez mais itens químicos sintéticos – em geral, mais tóxicos e resistentes à degradação por processos naturais, sendo assim acumulados no ambiente. Entre os produtos industriais que contribuíram para o aumento da poluição estão os plásticos, detergentes, detergentes, bras sintéticas, fertilizantes fertili zantes e pesticidas, que passaram a ser mais consumidos, no lugar de produtos naturais menos poluentes poluentes como o sabão, bras naturais e fertilizantes fertil izantes orgânicos. Os efeitos desses poluentes, individualmente ou combinados, nem sempre foram testados em animais, ou no meio ambiente, de modo que não se sabe até que ponto são letais  para os organismos organismos vivos vivos que os absorvem nos nos locais em que se acumulam. A crescente evidência da insustentabilidade ambiental mostrou, acima de tudo, que a poluição industrial, os acidentes nucleares e os riscos para a saúde humana não eram apenas um problema nacional, a ser tratado dentro dos limites político-administrativos de cada país, mas haviam se tornado um problema internacional, que exigia novas formas de exercer a política e de compreender os  problemas,  probl emas, locais locais e globais, globais, nas suas múltiplas múltiplas dimensões.

O esverdeamento das políticas públicas Embora evidências de degradação ambiental em escala mundial ameaçassem a vida na Terra Terra em diferentes graus, e estudantes, cientistas e pacistas, entre outros, nos anos 1960 e 70, assumissem posturas radicais e zessem previsões alarmistas e catastrócas sobre a durabilidade do planeta, não se pode dizer que são causas diretas do surgimento de uma preocupação do Estado com a preservação da natureza. Conforme Leis (1999, p. 116), “para chegar ao ponto onde o sistema político está disposto a encarar a solução de um problema é necessário  previamente chamar chamar a atenção do público, público,dejusticar justicar a necessidade necess intervenção  política e avaliar avali ar os custos e alternativas modo realista.” modo realista. ” idade de intervenção 74

 

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De certa forma, pode-se dizer que não foi o Estado que politizou o ambientalismo, mas o ambientalismo que se politizou gradativamente para alterar, ou ao menos obter inuência, sobre as formas tradicionais de governar e de atender às demandas provocadas pelos problemas ambientais. A singularidade do ambientalismo, que alcança a sua maturidade na década de 1970, como apontam alguns autores (LEIS, 1999 1999,, p. 117), 117), reside na capacidade de art articular icular fatores emocionais e argumentos racionais, pensamento e ação, numa intensidade que outras mobilizações sociais raramente conseguem. Mesmo aqueles partidários do ambientalismo que se consideram “apolíticos”, nem à esquerda nem à direita, mas à frente, cola boraram, talvez talvez sem saber saber que que eram portadores portadores de uma nova nova visão visão e sensib sensibilidade ilidade verdes que da política, para a disseminação d isseminação de ideias e valores verdes  que propiciaram posicionamentos tanto nas escolhas pessoais como a mobilização de ações coletivas que levaram a um crescente esverdeamento das políticas públicas. Cabe observar, obser var, segundo Leis (1999, (1999, p. 11 118) que as ideias verdes ou o ambientalismo como expressão política não se referem à política partidária e à criação de partidos verdes, embora estes partidos tenham sua importância política dentro do movimento ambientalista, especialmente especialmente em alguns países, como a Alemanha. Tanto é que os partidos part idos verdes em geral não recebem grande gr ande quantidade de votos em comparação com a adesão pública ao ambientalismo, nem são expressivos em termos de inuência sobre as políticas públicas ambientais, sobretudo em países como o Brasil ou os Estados Unidos. Outro fator preponderante para a premência de políticas ambientais é que o ambientalismo e, sobretudo, a assimilação do que posteriormente seria chamado de desenvolvimento desenvolvi mento sustentável sustentável incorporara  incorporaram m uma série de princípi pr incípios os à ideia de preservação da natureza, nat ureza, muito mais amplos em termos de direitos d ireitos e reivindicações. reivindicações. Entre esses princípi pr incípios, os, pode-se apontar, além da ecolo ecologia, gia, a questão da responsa bilidade ou justiça social, a democracia direta ou participativa e a não viol violência. ência. ecologia, de modo geral, engloba o conjunto de políticas voltadas O princípio da ecologia,  para a qualidade de vida ambiental ambiental que abranja a sustentabilidade da natureza natureza e da  princípio da da justiça social social,, que visa a atenuar os efeitos da economia sociedade; o princípio sobre a natureza e sobre os mais pobres, que indiretamente são levados a degradar da democracia dem ocracia participativa, participativa ocom ambiente paras sobreviver; o princípio , que emergiu os diversos diverso movimentoso princípio dos anos 1960 e 1970 (além (além do ambientalismo, ambienta lismo, pacismo, feminismo, direitos humanos, minorias étnicas etc.), que rejeitam o sistema  político existente e propugnam propugnam polític políticas as participativas e descentralizadas. O lema, lema, cunhado nos anos 1970, “pensar globalmente, agir localmente” expressa essa desconança no poder das políticas setoriais e centralizadas. O  princípio da não violência foi violência  foi aplicado aplicado também tamb ém como uma rejeição à política dominante, seja o viés da violência revolucionária ou a violência capitalista e das diversas diversa s elites contra as classes populares. Assim, emerge paulatinamente, de um movimento considerado considerado “apolítico”,, uma nova teorização “apolítico” teoriz ação política, ou uma nova forma e um novo conteúdo do poder, como já dito aqui, que se opõem ao sistema político tradicional.  No âmbito âmbi to do Estado, cresceuem o número de paísesAntes que criaram instit uições instituições e incluíram programas ambientais suas agendas. da Conferência da Organização das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano5, conhecida como

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Os assuntos tratados na Conferência de Estocolmo resultaram na Declaração sobre o Ambiente Humano e  produ ziu um Plano de Ação Mundial, com o objetivo de inuenciar e orientar o munmundo na preservação e melhoria do ambiente humano. As grandes preocupações, dentre elas a poluição e a questão da chuva ácida reexão na Europa, levaram à ampla sobre as questões políticas, sociais e econômicas envolvidas. 75

 

Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

Conferência de Estocolmo, realizada em 1972, somente 12 países tinham agências estatais relacionadas ao meio ambiente, a maioria constituída por países desenvolvidos. Em 1981, mais de 140 países haviam criado órgãos administrativos nessa área, sendo quase proporcional a relação entre os países mais “desenvolvidos” e os menos “desenvo “desenvolvidos” lvidos”.. Pode-se questionar a efetiva atuação e a eciência das instituições públicas criadas, assim como das d as políticas ambientais ambientais implantadas: serão essas apenas res postas “ociais” “ociais” à pressão dos setores organizados da d a sociedade? sociedade? Até que ponto os governos se apropriaram do discurso ambientalista ou estão repetindo velhos discursos com nova roupagem? De acordo com Castells (2000, p. 164-165), [... ...]] com o aumento extraordinár ext raordinário io da consciência, inuência e organização organ ização ambientalista, o movimento tornou-se, sobretudo, cada vez mais diversicado, tanto do ponto de vista social quanto temático, chegando às mesas de reuniões das grandes empresas, aos recônditos da contracultura contra cultura e às prefeituras e Assembleias Legislativas. Ao longo desse processo, os temas têm sofrido distorções, sendo às vezes submetidos a manipulações. manipulaçõ es. Contudo, essa é a marca de qualquer movimento social relevante.

A essa conclusão poder-se-ia acrescentar ainda que, se há riscos, por um lado, de as políticas públicas ambientais realizarem programas e projetos aquém sustentável, dos princípios desejáveis e implícitos no conceito de desenvolvimento sustentável,  por outro lado há também chances de se criarem e consolidarem novas alternativas de poder, a partir parti r da reconsid reconsideração eração da política como um espaço de poder democratizante, voltado voltado para os interesses da esfera pública, pública, que diz di z respeito a toda sociedade e não somente aos interesses privados ou aos políticos prossionais.

 

Discuta com seus colegas os signicados que cada um de vocês dá à política à  política..

MOENA, Sérgio Gonzalez. A complexidade da política e a política da complexidade.  In  In:: CASTRO, Gustavo; CARVALHO, Edgar de Assis; ALMEIDA, Maria da Conceição de. Ensaios de Complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997.

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Políticas públicas e desenvolvimento sustentável

CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: a era da informação i nformação – economia, sociedade sociedade e cultura. v. 2. São Paulo: Paz e Terra, 2000. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosoa. São Paulo: Ática, 2001. GOLDBLATT, David. Teoria Social e Ambiente. Lisboa: Instituto Piaget, 1998. LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentável: as críticas cr íticas do ambientalismo ambientalismo à sociedade contemporânea. Petrópolis/Florianópois: Vozes/UFSC, 1999.  In:: CASTRO, MOENA, Sérgio Gonzalez. A complexidade da política e a política da complexidade.  In Gustavo; CARVALHO, Edgar de Assis; ALMEIDA, Maria da Conceição de. Ensaios de Complexidade. Porto Alegre: Sulina, 1997. MORIN, Edgar; KERN, Anne An ne Brigitte. Terra-Pátria. Porto Alegre: Sulina, 1995.

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Estado e ambiente no Brasil Cynthia Roncaglio

A emergência da questão ambiental no Brasil

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o longo da sua história, durante vários vár ios séculos, o Brasil experimentou um desenvolvimento  baseado no cresci crescimento mento econôm econômico ico tempor temporário: ário: estoqu estoques es de recur recursos sos natura naturais is foram execonômicos (pau-brasil, açúcar,  plorados  plora dos à exaust exaustão ão no que cou conhec conhecido ido como ciclos econômicos (pau-brasil, café), baseados em uma produção de monocultura agroexportadora que propiciou prosperidade econômica às custas da devastação de grandes áreas orestais, apropriação criminosa de terras  públicas,  públi cas, explo exploração ração do trabal trabalho ho escravo indíg indígena ena e afric africano ano e, poster posteriorme iormente, nte, do trabal trabalho ho dos imigrantes europeus. Se nos períodos colonial e imperial essa forma de desenvolvimento foi considerada inevitável, por razões ligadas ao processo histórico de colonização e dominação do território brasileiro, a partir par tirdedogoverno momento em que o Brasil se constituiuo como um dos Estado soberano, sob o sistema republicano, o desenvolvimento desenvolviment passouuma a sernação, imbuído valores positivos de independência e autorrealização: o tradicionalismo daria lugar à modernização e a nação brasileira se faria representar no concerto das nações civilizadas. Apesar de ter continuado a exploração indiscriminada dos recursos naturais no decorrer da consolidação da República, surgiram várias instituições ociais e não ociais preocupadas em preservar a natureza ou evitar sua total degradação. Dentre as entidades conservacionistas, destacam-se, por exemplo, a Sociedade dos Amigos das Árvores (SP) em 1930; a Associação de Defesa da Flora e da Fauna (SP), depois Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (Ademasp) em 1954; e a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza (FBCN-RJ) em 1958. No âmbito das instituições i nstituições governamentais, foram criados o Serviço Florestal (192 (19211), o Instituto Instit uto Nacional do Mate (1938 (1938); ); o Serviço Florestal, responsável pelos parques nacionais (1944); (1944); o Instituto I nstituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal – IBDF (1967), entre outros. No plano das normas e da legislação visando à instauração instau ração de mecanismo de proteção e regulação do uso dos recursos naturais, nat urais, foram criados o Código Florestal Brasileiro (1934; 1965), o Código de Caça e de Pesca (1967), a Lei de Proteção à Fauna (1969), o Código de Mineração (1968) e, somente em 1980, o Código das Águas. A legislação nacional, ao longo do século XX, contribuiu para a denição de critérios de prepre servação da natureza por meio da criação da oresta nacional, de reservas biológicas, dos parques na cionais, das estações ecológicas e outras unidades de conservação como monumentos naturais, hortos orestais, jardins botânicos e zoológicos (URBAN, 1998; FERREIRA, 1998). Isso não foi suciente, no entanto, para impedir, a depleção1 de recursos naturais considerados in nitos innitos pelo na modelo de desenvolvimento desenvolvimento adotado p elo Brasil pelo a partir part da década deeconômico, 1950. Esse 1950. modelo, baseado industrialização como uma das principais metas deircrescimento 79

 

Estado e ambiente no Brasil

em sistemas industriais industr iais poluentes e intensa exploração exploração de mão de obra barata barat a e desqualicada, foi intensicado, durante dur ante a década de 1970, 1970, com a implantação de indústrias indústr ias muito poluentes, provenientes provenientes do Norte, onde o avanço da consciência ecológica já era signicativo (VIOLA, 1996, p. 39-40). A Conferência de Estocolmo, realizada na Assemble Assembleia ia Geral das da s Nações Unidas, em junho de 1972, foi a primeira reunião de governos internacionais, congregando países desenvolvidos e em desenvolvimento, em que o meio am biente se colocava como tema centr central al da agenda. O assu assunto nto gerou numer numerosas osas  polêmicas e discussõe di scussõess entre ent re os repre representa sentantes ntes dos d os 113 113 países paí ses presente pr esentes, s, espeesp ecialmente entre os dos países periféricos, como Brasil, Índia e China, que viam na proposta dos países do Norte – discutir d iscutir os problemas ambientais sob a óptica da poluição industrial e da conservação dos recursos naturais – uma tentativa de impedir o desenvo desenvolvimento lvimento dos países do Sul, que só se dispunham a discud iscutir meio ambiente para reivindicar seu direito ao uso dos recursos recur sos naturais para par a obter maior desenvo desenvolvimento lvimento econômico. É interessante notar que a proposta inicial da Conferência de Estocolmo era discutir o meio ambiente no sentido estrito da expressão, mas, diante da reação extremada dos países do Sul, acabou-se ampliando a noção de meio ambiente,, abrangendo também problemas relacionados à fome e à pobreza. Assim, biente ainda que com muitas desconanças e sem propor soluções para os problemas ambientais evidenciados nos países desenvolvidos e em desenvolvimento, foi obtido um consenso relativo à necessidade de rever as políticas internacionais, que a partir de então não poderiam ser guiadas somente por interesses nacionais e ideológicos, devendo se buscar consensos globais, incluindo ações am bientalistas  biental istas no cenário cená rio político p olítico dos d os governos governo s inter int ernacionais. nacionais. Outro aspecto notável, como salienta Leis (1999, p. 133), foi que [... ...]] nos anos 1970, enquanto os encontros encont ros para tratar t ratar das d as questões econômicas econôm icas faziam-se exclusivamente através de representantes dos governos, em Estocolmo (antecipando claramente o que depois iria ser um u m dos traços mais notáveis da Rio-92), a conferência ocial estava marcada pelo debate e ação ambientalista da d a sociedade civil mundial. mund ial. Tanto estava isto presente que q ue os setores do ambientalismo que já tinham ti nham emergido emerg ido no cenário público internacional (principalmente cientistas e não governamentais) zeze ram várias reuniões paralelas à conferência ocial.

Embora os princípios pr incípios evocados pela Declaração de Estocolmo não fossem mais do que uma declaração de intenções, pois não eram dispositivos legais, obrigatórios, indicavam a necessidade de políticas estatais com enfoque integrado e coordenado de planejamento do desenvolvimento desenvolvimento com medidas de proteção ambiental e melhoria da qualidade da vida da d a população e estimulavam a criação de políticas ambientais nos países que ainda não as tinham ti nham criado. cr iado.

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 Deple  Depleção ção: : estado ou condição de esgotamento dos recursos naturais provocado  por excessiv excessivaa perd perdaa de matéria.

O Brasil, vivendo então sob o governo militar e adotando com reservas as  preocupações  preocup ações ambient ambientalistas alistas internac internacionais, ionais, resolve resolveu, u, diante das críticas estrangeiras ao seu posicionamento na Conferência de Estocolmo, atenuar sua posição, instalando, em 1974, uma Secretaria Especial do Meio Ambiente (Sema), encarregada de monitorar e controlar a poluição assim como a prevenção da extinção de plantas e animais, em conjunto com o Instituto Brasileiro de Desenvol-

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vimento Florestal (IBDF). Foram nomeados ambientalistas comprometidos e capazes para dirigir essas instituições. Esses órgãos dedicaram quase toda sua atenção à região amazônica, em detrimento da Mata Atlântica, que já parecia  bastante  basta nte degrad deg radada ada e com pouco a proteger, protege r, sendo no máximo má ximo um lembrete lemb rete do que poderia acontecer se não fossem tomadas medidas urgentes u rgentes na região NorNorte. A Amazônia mostrava-se, além disso, ameaçada de imediato pelos planos agressivos de desenvolvimento de outros órgãos federais (DEAN, 1997, p. 319). O período que se seguiu, como diz Urban (1998, p. 108), [...] foram anos de ouro e de chumbo para a conservação da natureza no Brasil. De um lado, as áreas protegidas cresceram em número, extensão e organização. Do outro, a expansão da fronteira agrícola para a Amazônia abre um novo ciclo de destruição, seguindo a trilha já bem conhecida da Mata Atlântica, reduzida, a ferro e fogo, a pequenos fragmentos da sua área original.

Evolução das políticas públicas ambientais Entre as décadas de 1970 e 1980, afora as grandes trans- Em 1987, ganhou formações mundiais no plano econômico, político, social e amdestaque na mídia  biental, o governo g overno brasileir brasileiroo manteve m anteve a posição po sição defendida em Estocolmo: considerava o argumento da crise ambiental pelos internacional o grave  países do Norte uma tentativ tentativaa de ingerênci ingerênciaa nos assuntos in- problema do ternos do país e entendia que desenvolvimento e proteção am- desmatamento.  biental eram incompatí incompatíveis. veis. Tal atitude por parte da diplomacia brasileira não impediu, entretanto, a mobilização de vários setores da sociedade, na década de 1980, para que fossem criadas instituições voltadas especialmente para a questão ambiental e elaboradas e/ou redenidas leis sobre o meio a ambiente. Em 1987, ganhou destaque na mídia internacional o grave problema do desmatamento na Amazônia e nas regiões fronteiriças do Cerrado, em grande parte  por causa das queimadas2. Naquele ano, aproximadamente 20 mil quilômetros quadrados foram desmatados na Amazônia e no Cerrado. Organizações não Governamentais (ONGs) internacionais e nacionais, de cunho ambientalista e socioambientalista, ambien talista, mobilizaram-se contra o proje projeto to Polonoroeste Polonoroeste e a pavimentação da da BR-364 (trecho Porto Velho–Rio Branco) e suscitaram o alerta da opinião pública internacional para os probl problemas emas globais decorrentes do desmatamento da AmazôAma zônia. Por outro lado, o verão seco e quente quent e de 1988 1988 nos Estados Unidos da América, Amé rica, 3  junto com declarações alarmante de James Hansen  sobre alterações climáticas, despertou a preocupação da opinião pública norte-americana. Nesse contexto, o Brasil se transformou no grande vilão dos problemas ambientais globais, ainda que se saiba desde então que as principais emissões de dióxido de carbono são  produzidas pelos processos industriais e de transport transportee dos países ricos. Contribuiu ainda para piorar a imagem do governo brasileiro, tanto no âmbito internacional como no nacional, o assassinato, em dezembro de 1988, no Acre, do líder seringueiro Chico Mendes, quelse tor nou tornou um dos principais defensores defensores de um model modeloo de extrativismo sustentáve sustentável para a Amazônia.

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A queimada é uma das mais antigas técnicas  para limpez a e prepa ro do solo para plantio e pastagem. É a forma mais barata e tam bém a mais nociva de executar essa tarefa. A fumaça liberada causa danos à saúde das pessoas que moram e/ou trabalham nas proximidades, além de contribuir para o aquecimento do planeta. Renomado

climatolo-

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gista,que diretor do Instituto Godard, é o mais importante do centro de pesquisa especializado no tema em todo o mundo. 81

 

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 Naqu ele mesm  Naquele mesmoo ano ano,, foi pro promul mulgad gadaa a nov novaa Cons Constit tituiç uição ão Fed Federa eral,l, que simbolizou os esforços para restabelecer o processo de redemocratização do  paíss após 21 anos de dit  paí ditadu adura ra mil milita itarr e ded dedica ica um cap capítu ítulo lo ao tem temaa do meio ambiente. A Constituição de 1988 é considerada uma das legislações mais avançadas sobre o meio ambiente, embora muito dos seus princípios ainda não se jam cumpr cumpridos idos na n a prática. p rática. O governo brasileiro de então, mesmo respondendo lentamente às críticas à gestão ambiental, criou, em 1989, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis  (Ibama), fundindo a Sema, a Superintendência da Borracha (Sudhevea), a Superintendência da Pesca (Sudepe), e o IBDF. A criação do Ibama signicou uma reforma organizacional e conceitual, já que pela primeira vez se associou a proteção ambiental ao uso conservacionista conservacionis ta de alguns recursos naturais. A abordagem do governo brasileiro brasileir o durante durant e a década de 1980 caracteriza-se por uma u ma visão nacionalista, ignorando qualquer relação das problemáticas ambientais nacionais com os problemas globais. Em relação à Amazônia, tentou-se, inclusive no governo Sarney,, deslanchar uma campanha nacionalista na qual se enfatiSarney zava que a Amazônia era dos brasileiros e que somente eles eles teriam direito a desenvolver a região como bem quisessem. Embora essa campanha tivesse um conteúdo estreito e limitado li mitado da probl problemática emática ambiental, ambiental, apon-

 A abordagem do do governo brasileiro durante a década de 1980 1980 caracteriza-se caracterizase por uma visão nacionalista.

tava corretamente culpadosopela devastação das foram os países do Norte,que queoslograram desenvolvimento àsorestas custas dabrasileiras exploração dos recursos naturais do Brasil durante séculos. Esse argumento abriu um anco para a complexa discussão sobre quem devia pagar a conta pela proteção da biosfera4. Em 1989, o governo federal criou um programa de defesa do complexo de ecossistemas ecossis temas da Amazônia A mazônia Legal, denominado Programa Nossa Natureza, com a nalidade de estabelecer condições para a utilização e a preservação do meio amam biente e dos recursos naturais renová renováveis veis na Amazônia Legal, mediante a concenconcentração de esfo esforços rços de todos os órgãos governamentais e a cooperação dos demais segmentos da sociedade com atuação na preservação do meio ambiente. Com esse  programa, tentou-se, nesse período, criar a imagem de um gov governo erno ambien ambientaltal-

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 Biosfe ra:: conjunto de  Biosfera ecossistemas existentes no planeta Terra.

mente responsável. Em 1990, foi (re)criada a Secretaria do Meio Ambiente (Semam), ligada à Presidência Presidênc ia da República, que tinha no Ibama o órgão gerenciador da questão am biental, responsável responsável por formular, coordenar, coordenar, executar e fazer exec executar utar a polític políticaa nacional do meio ambiente e da preservação, da conservação e do uso racional, da scalização, do controle e do fomento dos recursos naturais renováveis. Dois anos depois, foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, da ONU, da qual participaram 170 países. No nal dos anos 1980, 19 80, o governo governo já havia apoiado partidários partidár ios a candidatar o Brasil para ser a sede da conferência. Esse evento cou conhecido conhecido como Eco-92. Sua conrmação con rmação e sua realização na cidade do Rio de Janeiro foram um importante marco de projeção do Brasil no cenário internacional. No início dos anos 1990, o ambientalismo havia aumentado sua força e sua expressão na opinião pública do hemisfério Norte, estando entre as três principais prioridades na maioria dos países, além de as

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questões ambientais ambientais terem obtido destaque na reunião dos sete países mais industrializados do mundo, o Grupo dos Sete (G7) (G7)5, realizada em Paris. Além disso, a Eco-92 mobilizou o movimento ambientalista local e vários setores da sociedade no período per íodo que antecedeu a sua realização. Nas vésperas do evento, o fórum brasileiro já tinha realizado sete encontros plenários nacionais e contava com a liação de 1 200 organizações (VIOLA, p. 50). A Eco-92 teve como principais objetivos:   identicar estratégias regionais e globais para ações referentes às principrinci pais questões ambientais; examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois da Conferência de Estocolmo; examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentado e de eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento desenvolvimento.. O governo brasileiro, brasileiro, preocupado com a repercussão internacional i nternacional das teses discutidas na Conferência Mundial sobre o Mei Meioo Ambiente, determinou, ainda em 1992, a criação do Ministério Minist ério do Meio Ambiente (MMA), com o objetivo objetivo de estruestru turarr a política do meio ambiente tura ambiente no Brasil. Além de iniciativas de preservação da Floresta Amazônica, outros projetos governamentais foram desenvolvidos, como, em parceria com bancos nacionais e internaciona inter nacionais, is, os de despol despoluição uição ambiental das águas dentre os quais se destacam baía de Guanabara, rio Tietê, baías baías Norte e Sul de Florianópolis, rio Guaíba Gu aíba (Porto Alegre Alegre)) e rio Iguaçu (Curitiba (Curitiba). ). Obras de saneamento passaram a ocupar lugar central no orçamento das políticas públicas públicas de vários estados, demonstrando se não a consciência ambiental por parte dos  político pelo menos o reconhecimento reconhecimento da importância da questão ecoló ecológica gica para a sociedade brasileira. brasileira. Em outros tempos, os políticos armavam que investimen investimentos tos em redes de esgoto e saneamento básico não valiam valia m a pena porque eram obras obra s que não apareciam, ou seja, canos e tubulações não davam votos. Outros projetos e programas vêm sendo desenvolvidos em parceria com ONGs, como o Projeto Biodiversidade do Brasil (Probio), que estuda todos os grandes biomas brasileiros e o Programa Nacional de Biodiversidade (Pronabio), que estabelece estabelece as diretrizes diret rizes nacionais para o cumprimento das metas denidas na Eco-92 para par a a biodiversidade. Em 2000, foi instituído instit uído pelo Decreto 3.420, de 20 de abril, e lançado pelo governo federal em 21 de setembro, o Programa Nacional de Florestass (PNF). Floresta ( PNF). Seu objetivo geral era “a promoção promoção do desenvol desenvolvimen vimento to sustentásustentável, conciliando a exploração com a proteção dos ecossistemas e a compatibilização da política orestal com os demais setores de modo a promover a ampliação do mer cado interno e externo e o desenvolvimento institucional do setor” setor”.. Envolvendo aspectos ambientais, sociais e econômicos do setor orestal brabrasileiro, o PNF estipulava, entre seus objetivos especícos, o estímulo do uso sustensustentável de orestas nativas e plantadas; o fomento das atividades de reorestamento, notadamente em pequenas propriedades rurais; a recuperação das orestas de  preservação permanente, de reserva legal legal e áreas alteradas; o apoio apoio às iniciativas iniciativas econômicas e sociais das populações que vivem em orestas; a repreensão de desdes matamentos ilegais e da extração predatória de produtos e subproduto subprodutoss orestais,

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São membros do grupo: Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Itália e Japão. A Federação Russa também par ticipa das das reuniões do grupo, mas não discussões econômicas. O G-7 tem como objetivo coordenar a política econômica e monetária mundial. 83

 

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fazendo contenção de queimadas acidentais e prevenindo incêndios orestais; o estímulo à proteção da biodiversidade e dos ecossistemas orestais. O documento básico do PNF armava que, ao longo do tempo, as ações de governo foram implementadas cometendo-se três tipos de falhas, causadoras de um descompasso com o desenvolvimento orestal sustentável. Essas falhas são apontadas e as suas ações corretivas são também premissas do Programa. A pripúblicas, voltadas ao favorecimento meira falha seria a inadequação das políticas públicas, da expansão agropecuária e ao desmatamento. Para correção, previa-se o apoio às atividades de uso sustentado da cobertura cobertur a orestal e a inibição das práticas de conversão conv ersão das áreas orestadas para outros ns. Instrumentos Inst rumentos econômicos, como crédito, deveriam ser dirigidos para o fortalecimento das iniciativas de uso sustentado das orestas nativas e reorestamento. A segunda falha seriam as dicul dades de informação informação,, ou seja, escassez de dados econômicos sobre custos e benefícios do manejo de orestas nativas e plantadas, bem como a falta de divulgação das informações existentes, gerando uma visão equivocada de que o manejo de orestas é economicamente menos atraente do que as atividades agropecuárias. A correção desse aspecto estava relacionada à disponibilização de dados sobre estoques orestais, pela efetivação efetivação de inventários; de diretrizes diretr izes e zoneamen zoneamento to amam  biental; de procedimentos e técnicas de manejo orestal; de dados econômic econômicos, os, envolvend envo lvendoo custos e benefíci benefícios; os; e de oportunidades oport unidades de mercado. A terceira falha, de mercado mercado, denominada denominada falha , referia-se ao fato de que os proprietários ruraisnão recebem falha compensação pelos serviços ambientais da oresta, como a conser  vação dos solos e recursos hídricos, hídr icos, conservação da biodiversidade, biodiversidade, regulação do clima etc. A correção das d as falhas de mercado seriam previstas pelo reconhecimento e a valorização dos serviços ambientais e sociais da oresta, pela instituição de mecanismos inovadores inovadores que permitam per mitam sua remuneração.

Posicionamentos do Estado  brasileiro face à questão ambiental  Na década década de 1970, 1970, o posici posiciona onamen mento to do Estado Estado brasi brasilei leiro ro diante diante da quest questão ão ambiental era ao mesmo tempo nacionalista e desenvolvimentista. Nacionalista porque, perante a política internacional e os seus respectivos acordos de cooperação, tinha-se receio de invasão de interesses estrangeiros sobre as riquezas nacionais e uma grande preocupação em manter a soberania nacional sobre o uso dos recursos naturais. Ademais, conforme Ferreira (1998, p. 84), os “líderes nacionais não reconhecem que a segurança da nação depende de estratégias de desenvolvimento ecologicamente sustentáveis; ao contrário, o critério ambiental é subordinado aos interesses da segurança nacional denidos militarmente”. Desenvolvimentista porque se baseava num modelo de crescimento econômico em que a alocação dos recursos naturais, considerados ilimitados, era dada como parte essencia essenciall desse desenvolvimento. desenvolvimento.  No decorrer década dede19 1980, 80, “nacionalismo-conservador”, persistiu no Estado Estado brasileiro, brasileiro,especialmente segundo Viola (1996, p. 48), o da predomínio um em alguns setores fundamentais, como as forças armadas. Sobretudo após o co84

 

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lapso do comunismo, em 1989, simbolizado pela queda do muro de Berlim, com a consequente política exterior norte-americana favorável à menor intervenção dos militares na América Latina, as forças armadas brasileiras perderam um dos seus principais elementos de justicativa histórica. Tenderam, por outro lado, a compor uma aliança com as elites amazônicas, colocando-se contra as políticas de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável defendidas pelo governo Collor 6, o que aponta já para uma mudança do posicionamento do Estado brasileiro, denominado por Viola de “globalismo conservador”. Tal posição das forças armadas, segundo o mesmo autor, cou evidente em duas ocasiões: 1) quando “vazou” um documento da Escola Guerra (ESG)de noforças qual movimentos indigenistas e ambientalistas eramSuperior denidosdecomo agentes internacio internacionais que pretendiam minar a soberania brasileira sobre a Amazônia e 2) quando, um ano depois, o comandante militar da Amazônia fez críticas públicas à atuação dos ambientalistas, posicionando-se em convergência com um movimento cívico antiambientalista antiambien talista em gestação, liderado pelo governador governador da Amazônia. A mazônia. Segundo Ferreira (1998, p. 87), a Escola Superior de Guerra, em 1990, [...] recomenda que se tratem as organizações não governamentais ambientalistas como objetivos nacionais estratégicos, a serem exterminados na celeuma que trava a respeito da Amazônia. Nessa perspectiva, as entidades ambientalistas são tão perigosas quanto os grupos de narcotracantes e, como tal, devem ser convertidas em alvos de guerra.

Mesmo assim, concomitante essas posições, a haver umdeprocesso de reorientação das forças armadasa quanto à questãocomeça ambiental, mais acordo com as posições políticas que vêm prevalecendo no sistema mundial, as quais, segundo Viola, são o globalismo conservador, o nacionalismo conservador sustentabilista e o globalis globalismo mo conservador sustentabilista. Em linhas lin has gerais, os aspectos dessas tendências são os que seguem.   O globalismo conservador defende defende economias abertas ao mercado mundial, um papel central para as corporações transnacionais, um desarmamento parcial e um avanço gradual da ONU limitando parcialmente o poder dos Estados-nação. Os globalistas conservadores são a força dominante no sistema neoliberalismo.. mundial e representam comumente o que se chama de neoliberalismo    bient O nacionalismo conservad sustentabilista é ofavorável am-s  biental al em esca escala laconservador nacional,l, or naciona é receos receoso o em relaçã relação à ONU ONU eààsproteção corporaçõe corpo rações transnacionais e favorável às forças armadas poderosas. O globalismo conservador sustentabilista defende uma economia aberta ao mercado mundial, um papel central para as corporações transnatransnacionais, um desarmamento parcial e uma rápida construção de instituições de governabilidade global, especialmente na área ambiental, com um caminho oligárquico tendo como eixo o princípio da capacidade nanceira dos países. A década de 1990, em termos da atuação do Estado na esfera ambiental, foi certamente marcada pela realização da Eco-92. O fato de o Brasil ter sido o antrião da conferência realizadadepelas Unidas até eaquele momento, reunindo maior 178 países, com ajápresença 114 Nações chefes de Estado centenas de participantes e observadores de organizações governamentais e não governamentais de todo

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Conforme análise de Viola, embora a história  política  políti ca de Ferna ndo Collor anterior a 1990 não registre nenhuma sensibilidade para a questão ambiental, a sua súbita defesa do ambientalismo durante a campanha  presidencial  presid encial de 1989 relacio na-se à sua necessidade de ganhar a conança da opiopinião pública do hemisfério  Norte (onde o ambiental amb iental ismo havia avançado signicativasignicativamente) para o seu programa econômico globalista conservador, baseado no estímulo de novos investimentos estrangeiros no Brasil. 85

 

Estado e ambiente no Brasil

o mundo, colocou o Brasil numa posição de destaque na política internacional e ao mesmo tempo corrigiu a imagem negativa deixada pela posição do governo brasileiro na Conferência de Estocolmo, em 1972. Sobretudo, o governo brasileiro conrmou uma posição política, adotada no nal de 1989, direcionada para uma postura responresponsável concernente aos problemas ambientais globais, atuando como um dos países líderes na elaboração de duas convenções multilaterais (a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas e a Convenção da Biodversidade) e participando da elaboração da Agenda 21, um programa de ação para o século XXI baseado no desenvolvimento sustentável.  No en enta tant nto, o, o mes mesmo mo an anoo da da reu reuni nião ão da Cú Cúpu pula la da Te Terr rra, a, 19 1992 92,, foi foi ma marc rcad adoo por por uma séria crise de continuidade na política ambiental decorrente de uma crise de governabilidade geral do país, em razão do impeachment  de   de Fernado Collor 7. A partir daí, gradativamente a questão ambiental foi sendo posta em segundo plano, diante de outros temas que se colocaram na arena política: novo plano de estabilização econômica (Plano Real), reformas constitucionais e outras demandas sociais, econômicas,  políti  po líticas cas e tecn tecnol ológi ógicas cas que, que, embora se inter-re inter-relac lacion ionem em com a que questão stão ambien ambiental, tal, nem sempre são devidamente relacionadas às políticas públicas ambientais. De modo geral, as críticas dos especialistas à atuação do Estado e do governo brasileiros na área ambiental dizem respeito às características de formação da sociedade brasileira, baseada no paternalismo e no autoritarismo. O paternalismo

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Após uma série de denúncias de tráco de inin uências e irregularidades nanceiras do governo, dede agrada pelo próprio irmão do presidente, Pedro Collor, a Câmara dos Deputados, em outubro de 1992, aprova a abertura do processo de impeachment   e o presidente é afastado. Em dezembro, Collor renuncia antes de o Senado destituí-lo das suas funções e suspender seus direitos políticos por oito anos.

implica a constituição de umapelas sociedade formalista, marcada leis, normas e regulamentos que são negadas práticas clientelistas. Isso sepor observa em relação r elação às leis ambientais brasileiras: condizem com a visão mais progressista sobre o am biente,  bient e, porém porém são solap solapadas adas na prática prática pelos inter interesse essess do merca mercado, do, de de elites elites locai locaiss e regionais e de segmentos do governo que estabelecem pactos de atuação opostos à preservação ambiental. O autoritarismo se manifesta na maneira concentrada e exclusivista como é exercido o poder. Há uma forte distância entre os indivíduos e o Estado. O modo como a sociedade brasileira se faz representar pelo Estado depende status social. de privilégios e status  social. Os grupos gr upos mais organizados, movidos por interesses  particulares, intervêm nos processos decisórios em detrimento da maioria, maioria, menos menos articulada e organizada socialmente, enfrentando o formalismo, a burocracia e a rigidez dos órgãos estatais para resol resolver ver seus conitos. Sob o ponto de vista ambien ambiental, tal, os conitos de interesse são inúmeros e o poder de negociação negociação entre os atores sociais sociais (ribei(ribeirinhos, seringueiros, indígenas, ambientalistas, associações de moradores, operários etc.) e protagonistas envolvidos (Estado, mercado e empresários) são prejudicados pelas desigualdades de condições do controle social social sobre os recursos recu rsos naturais. natur ais. Nesse sentido, sentido, ainda há um longo caminho a ser percorrido, sendo necessário brotar novas formas políticas de atuação e negociação dos diferentes atores sociais envolvidos para que os atuais padrões desejados de sustentabilidade socioambiental socioambiental possam ser alcançado alcançados. s.

Sob o ponto de vista ambiental, os conflitos de interesse são inúmeros.

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Estado e ambiente no Brasil

Conitos socioambientais (INSTITUTO BRASILEIRO DE ANÁLISES SOCIAIS E ECONÔMICAS, 1997, p. 25-28)

Os conitos entre interesses privados e interesses coletivos ou públicos relacionados aos propro blemas ambien ambientais tais são conitos sociais porque envo envolvem lvem a natureza natureza e a sociedade, sociedade, mas acontecem acontecem a partir de um tipo determinado de organização da sociedade. No exemplo dos agrotóxicos, o conito se dá entre o interesse do empresário em obter o maior ganho possível possível com a sua produção e os interesses das pessoas que trabalham na empresa – e cuja saúde se encontra ameaçada pela manipulação dos agrotóxicos –, das que vivem nas imediações e das que, vivendo nas cidades, compram o que foi produzido para comer. No caso de Cubatão, estão em jogo os interesses da indústria de transformação do petróleo contra os interesses da população pobre que mora nas imediações e os dos próprios trabalhadores da renaria. O conito surge mais claramente quando a comunidade de trabalhadores e/ou moradores  percebe que a empresa, a fábrica etc. está ganhando, enquanto a qualidade de suas su as vidas está se deteriorando. Mas essa percepção pode não ser direta (o caso do comprador de legumes e verduras nas cidades) nem imediata (o caso dos moradores de Vila Socó). Existem conitos de interesses que não são evidentes, ou explícitos. Nesse caso, as comunicomuni dades são agredidas por um processo de degradação ambien ambiental tal do qual elas não tomam consciência, ou do qual têm consciência, consciência, mas não conseguem relacionar relacionar de maneira direta com as práticas de certos agentes sociais. sociais. Isso porque algumas alterações do meio ambiente não aparecem imediatamente, ou não são percebidas percebidas à primeira vista. v ista.  Na Grande São Paulo Paulo,, 83 mil toneladas de lixo perigoso são depositados irregular irregularmente, mente,  por ano, nos solos solos ou nas águas. A população população que consome consome essas águas ou que vive próxima próxima aos depósitos sofre as consequências sem saber. Às vezes, ela só passa a saber quando aparecem os  primeiros sintomas de contaminação, sem que as verdadeiras causas sejam identicadas. Para que as coisas não cheguem a esse ponto, é preciso que os órgãos públicos de scalização sejam ecientes, ecien tes, ou que a própria população atingida exerça vigilância direta e reclame reclame.. Durante 45 anos, uma empresa do ramo químico, no Rio de Janeiro, usou mercúrio em seu  processo produtivo produtivo, , depositando os resíduos no subso subsolo da fábrica. Até que da aparecessem vár ias várias vezes os mesmos sin sintomas tomas de doença na população quelohabitava os arredores fábrica, ninguém  percebeu que que havia riscos para a saúde naquele local. A derrubada derr ubada das matas nas bacias de rios, riachos e córregos e a implantação de grandes pro jetos de irr irrigação igação estão estão esgotando esgotando as nascentes nascentes e diminuindo o nível nível de água água dos rios do norte norte de Minas Gerais. A morte dos rios r ios está obrigando as populações populações ribeirinhas ribeiri nhas a alterar suas atividades econômicas,, quando não a se mudarem. econômicas Calcula-se que sejam despejados por dia, no rio Paraíba do Sul, 47 mil toneladas de esgoto e de resíduos líquidos das indústrias. Cerca de 20 milhões de pessoas consomem a água que vem desse rio. A maioria delas desconhece as condições da água que bebe. A derrubada de árvores de oresta provocou, pr ovocou, nos últimos 25 anos, uma queda no volume anual das chuvas no Pará, aumentando o intervalo entre as chuvas. Os agricultores daquele estado,, que plantav estado plantavam am espécies de ciclo ciclo curto, cur to, foram obrigados a mudar suas rotinas roti nas de cultivo, já 87

 

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que não dispõem de água de chuva em volume suciente. Mas esses agricultores não sabem por que isso está acontecendo.  Nesses exemplo exemploss todos, comunidades urbanas e rurais r urais foram vítimas de mudanças no meio ambiente ambien te que alteraram suas condições de vida e de trabalho. t rabalho. Mas em geral essas mudanças não são identicadas como problemas ambientais. As pessoas por vezes não percebem as ligações entre a degradação ambiental e os efeitos que ela tem sobre suas atividades ou sua saúde. Mas existem também conitos explícitos e evidentes, evidentes, quando a comunidade conhece o vínvín culo entre os danos causados ao meio ambiente e a ação de certas cert as empresas. Os pescadores da baía de Sepetiba, no Rio de Janeiro, atribuíram a mortandade dos peixes aos despejos de minerais como sílica, ferro, zinco, cádmio e sulfato de cálcio por uma indústria local e exigiram medidas que protegessem seu direito de pescar.  Nesse  Nes se caso, os responsáv responsáveis eis procuraram mostrar mostrar que a contaminação contaminação era ocas ocasion ional, al, que fora resultado de um acidente. Mas, como no caso de Vila Socó, um acidente ambiental sempre é uma demonstração de que há um risco permanente. Em Igarassu, Pernambuco, a má vedação de um veículo de carga intoxicou 108 pessoas. A empresa responsável alegou um acidente. Na verdade, ela  já havia sido sido multada por lançar resíduos resíduos tóxicos tóxicos nos rios e por enterrar lixo químico químico de mane maneira ira inadequada. Poderíamos então chamar os conitos que têm elementos da natureza como objeto e que expressam relações de tensão entre interesses coletivos coletivos e interesses privados de conitos socioambientais.. Em geral, eles se dão pelo uso ou apropriação de espaços e recursos coletivos por agentes bientais econômicos particulares, econômicos par ticulares, pondo em jogo interesses que disputam o control controlee dos recursos recur sos naturais e o uso do meio ambiente comum, sejam esses conitos implícitos ou explícitos.

 

Realize uma pesquisa em sua cidade para saber quais são os projetos ou programas de políticas ambientais adotadas pelo município. Em grupo, discuta quais são os problemas e as soluções encontrados para viabilizar tais projetos ou programas.

BRASIL. Presidência da República. Comissão Interministerial para Preparação da Conferência das  Nações Unidas sobre Mei Meioo Ambiente Ambiente e Desenv Desenvolvimen olvimento. to. O Desao do Desenvolvimento Sustentá vel. Brasília: Brasíl ia: Cima, Cima , 1991. 1991.

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A força do ambientalismo na sociedade contemporânea

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s movimentos ambientalistas que surgiram no último quartel do século XX talvez sejam a maior expressão da revitalização cultural que invade os quatro cantos do planeta e a indicação de novos valores políticos, sociais, éticos e estéticos que orientam a sociedade contemporânea e convidam para a criação de novas formas de interação entre sociedade, indivíduo e natureza. Mas não é exclusividade do século XX a preocupação com a preservação da natureza, o sentimento de responsa bilidade  bili dade em relaç relação ão às outra outrass espé espécies cies e o ans anseio eio por uma qual qualida idade de de de vida vida mais sau saudáve dável.l. Já Já no séc século ulo XIX, embora restritos às elites econômicas e culturais dos países dominantes, surgiram movimentos  preserva  pres ervacion cionista istass que part partiam iam tant tantoo de elem elemento entoss de uma aris aristocr tocraci aciaa que que se via dila dilapida pidada da pela proc process essoo de industrialização como de grupos políticos socialistas e anarquistas que acreditavam na utopia de uma vida comunal em harmonia com a natureza e, ainda aind a – de grande importância para a disseminação dos ideid eais preservacionistas –, os escritores românticos que enalteciam o valor estético da “natureza selvagem”, lugar da descoberta da alma humana, paraíso perdido, refúgio da intimidade, da beleza e do sublime (CASTELLS, 1999, p. 148-153; DIEGUES, 1996, p. 23-25). Foi sobretudo nos Estados Unidos da América do século XIX que surgiram correntes teóricas defendendo duas posições distintas de proteção ao mundo natural, as quais inuenciaram outros conservacionista,, que pode ser sinte países e futuras gerações acerca do tema. Uma é a corrente conservacionista tizada na proposta de Gifford Pinchot, engenheiro orestal que criou o movimento de conservação dos recursos baseado no seu uso racional. Fundamentalmente, Pinchot criticava o desenvolvimento sustentável: o uso racioa qualquer custo e defendia o que hoje é conhecido como desenvolvimento sustentável: nal pela geração presente, a prevenção do desperdício e o uso adequado dos recursos naturais para  preservacionista ta,, sintetizada na proposta de  benefício da maioria dos cidadãos. A corrente oposta, oposta, preservacionis John Muir, que criou a organização Sierra Club, em 1891, baseava-se na reverência à natureza tanto no sentido espiritual como estético. A proteção da natureza se colocava contra a modernidade, a industrialização e a urbanização. Na história ambiental norte-americana, a diferença entre essas duas correntes é geralmente sintetizada como a diferença entre conservação dos recursos e preservação  pura da natureza (DIEGUES, 1996, 1996, p. p. 30). 30). A partir daí, foram criadas diversas organizações que, independentemente de suas abordagens e propostas de solução para os impasses ambientais, formaram alianças ao longo do século XX em defesa da preservação da natureza mediante os rumos incertos e descontrolados da economia, da política e das instituições contemporâneas. contemporâneas. 91

 

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Entretanto, foi somente no nal dos anos 1960 que os movimentos ambientalisambientalistas ampliaram as suas fronteiras – antes restritas a alguns membros das elites econômicas, das universidades universidades e de alguns entusiastas anônimos – para tornarem-se intei nteresse também das classe classess médias e populares, principalmente nos Estados Unidos, Unidos, na Alemanha e na Europa Ocidental. Nesse Nesse período, há uma grande efervescência efervescência de ideias e acontecimentos que alimentam diversos tipos de movimentos sociais como o pacismo, o feminismo femin ismo e o próprio ecologismo. A força do ambientalismo nas décadas seguintes, em detrimento dos movimentos sindicais e de trabalhahippies,, relacionados à questão dores, movimentos de contracultura1 como o dos hippies de gênero, à defesa minoriasoétnicas ou movimentos peladesses paz não signica, como sugerem algunsdeanalistas, esvaziamento ou a derrota der rota movimentos  políticoss e sociais  político sociais.. Esse argumento reve revela-se la-se apenas parcialmente verdadeiro verdadeiro.. O que se percebe com mais frequência não é um desmantelamento de outros movimentos sociais, mas um entrelaçamento dos interesses desses movimentos (ecofeminismo, indígenas, povos da oresta etc.) e a percepção mais abrangente dos valores éticos que norteiam a relação entre sociedade e natureza, tornando seu enfoque mais complexo e mais amplo do que os movimentos desencadeados pela sociedade moderna. Portanto, faz-se necessário considerar que não há um movimento ambientalista, mas diversos e multifacetados movimentos ambientalistas se Não há um movimento manifestam de diferentes formas e apresentam especicidades decorrentes do contexto social e cultural em que surgem. su rgem.

ambientalista, ambientalis ta, mas diversos e multifacetados movimentos  ambientalistas ambientalistas..

Alguns autores fazem inclusive uma distinção entre os movimentos ecologistas e ambientalistas que surgiram a partir da década de 1960, 1960, na tentativa de agrupar e distinguir disti nguir algumas dessas especicidades. Manuel Castells (1999, p. 143-144), por exemplo exem plo,, compreende que o ambientalismo inclui “todas as formas de comportamento coletivo coletivo que, tanto em seus discursos como em sua prática, visam a corrigir formas destrutivas destr utivas de relacionamento relacionamento entre o homem e seu ambiente natural, contrariando a lógica estrutural e institucional dominante”. Quanto à ecologia, sob a perspectiva sociológica, o autor entende que é “o conjunto de crenças, teorias e projetos que contempla o gênero humano como parte de um ecossistema mais amplo,, e visa a manter o equilíbrio desse sistema em uma perspectiva dinâmica e amplo evolucionária”. Já Enrique Leff (2001, p. 114) faz uma distinção em termos geográcos desses movimentos, comparando os “ecologistas do Norte” aos “ambientalistas do Sul”. O ecologismo dos países industrializados surgiu

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Segundo Castells (1999,  p. 147), contr contracult acult ura é toda tentativa deliberada de viver segundo normas diversas e, até certo ponto, contraditórias em relação às normas institucionalmente reconhecidas pela sociedade, e de se opor a essas instituições com  bases em pri ncípios e crenças crenç as alternativas.

[... ...]] como uma ética e uma u ma estética da natureza, natu reza, como uma busca de novos valores que surgiriam das condições da “pós-materialidade” que produziria uma sociedade da abundância, livre das necessidades básicas e da sobrevivência. São “movimentos de consciência” que desejariam salvar o planeta do desastre ecológico, recuperar o contato com a natureza, natu reza, mas que não questionam a ordem econômica dominante.

Por sua vez, os movimentos ambientalistas dos países do Sul surgem da destruição da natureza natu reza em decorrência da usurpação das suas formas de vida e de seus meios de produção. E, ainda,

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[... ...]] são movimentos desencadeados por conitos c onitos sobre o acesso e o controle cont role dos recursos; são movimentos pela reapropriação social da natureza vinculados a processos de democratização, à defesa dos seus territórios, territór ios, de suas identidades étnicas, de sua autonomia política e sua capacidade de autogerir suas formas de vida vid a e seus estilos de desenvolvimento. São movimentos que denem condições materiais de produção e os valores culturais das comunidades locais.

Todos esses movimentos originaram-se e deram origem a teorias e práticas que têm se consolidado no que se pode chamar de escolas atuais do pensamento ecológico.. Segundo Diegues (1996, p. 39-51), o novo ecologismo baseia-se na críecológico tica da sociedade tecnoindustrial, tecnoindustrial, cerceadora das d as liberdades individuais, i ndividuais, homogehomogeneizadora das culturas cultur as e, sobretudo, destruidora da natureza. nat ureza. Nos Estados Unidos, ele foi inspirado por escritores como Henry Thoreau e Gary Snyder, como tam bém por Barry Commoner Commoner,, Ehrlich e Rache Rachell Carson. Na França, por Ivan Illich, Serge Moscovici e René Dumont. Alguns temas, como a luta contra as centrais nucleares, uniu as diferentes concepções de ecologismo. Porém, outros, como a  proteção do mundo selvagem selvagem e o crescimento populacional, populacional, provocam provocam divergências inconciliáveis. Há atualmente dois principais enfoques sobre a relação entre homem e natureza. O primeiro, biocêntrico biocêntrico ou  ou ecocêntrico ecocêntrico,, considera a natureza como um valor em si mesma, independente do interesse humano. O ser humano é considerado como qualquer outro ser vivo. Os ecologistas biocêntricos advogam também uma diminuição do crescimento populacional e a redução da população antropocêntrico não antropocêntrico em ter mosem absolutos. Já o enfoque  não considera como um termos valor si, mas como “recursos naturais” a serem exploradosa natureza pelos homens. Baseia-se numa visão dicotômica de homem e natureza, na qual o primeiro tem domínio, por meio da ciência e da técnica, sobre a última. Com base nesses enfoques, ainda segundo Diegues (1996), pode-se considerar três principais correntes do ecologismo, surgidas a partir dos anos 1960, em contraposição à “proteção da natureza” nos moldes das instituições e pensamento do século XIX (sociedades de proteção da natureza, da d a vida selvagem, dos animais etc.). Sucintamente, essas correntes podem ser caracterizadas conforme abaixo. profundaa – A expressão foi cunhada pelo lósofo Arne Naess,   Ecologia profund em 1972, com o sentido de ampliar a noçãodadeconsciência ecologia somente como ciência e destacar um nível mais profundo ecológica. É um enfoque preponderantemente biocêntrico, mas inuenciado por rereligiões orientais e ocidentais, aproximando-se frequentemente de uma quase adoração da natureza. Adere aos princípios dos direitos intrínsecos da natureza, dando grande importância aos princípios éticos que devem reger as relações entre homem e natureza. Alguns princípios da ecologia profunda são criticados pelos ecologistas sociais, por serem consideradas posições neomalthusianas (defesa do decréscimo da população,  por exemplo) e o perigo do ecofascismo embutido na ideia de um certo  biologicismo das relações sociais que deveriam se inspirar na natureza como modelos para a sociedade humana.

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  Ecologia social – O principal mentor desta corrente é Murray Bookchin,  professor norte-americano de ecologia social e conhecido ativista am biental. Ele criou a expressão em 1964. Para esta corrente, a degradação degradação ambiental é vista como diretamente ligada ao capitalismo. Como os marxistas, os defensores da ecologia social veem na acumulação capitalista a força motriz da devastação do planeta, mas se afastam dos marxistas clássicos ao criticarem a noção de Estado e ao proporem uma sociedade democrática, descentralizada descentralizada e baseada na propriedade comunal da produção. São considerados, por isso, anarquistas e utópicos. Consideram os seres humanos como seres sociais e Sob não uma espécie diferenciada, comoprimeiramente o fazem os ecologistas profundos. um enfoque ecocêntrico, considera o equilíbrio e a integridade da biosfera como um m em si mesmo e que o homem deve mostrar respeito à natureza. Ecossocialismo/ecomarxismo – Decorre da crítica interna dos marxistas ao marxismo clássico, a partir da década de 1960, referente à concepção do mundo natural. Para os ecomarxistas, a visão de Marx sobre a natureza é estática, pois a considera apenas em virtude da ação transformadora do homem, por meio do processo do trabalho. Segundo Hobsbawm, um dos que defendem tal ponto de vista, Marx se preocupou fundamentalmente com a explicação do sistema capitalista, no qual a natureza já era mercadoria, objetoprimitivas, de consumo meioode produção, e marginalmente com as sociedades nasouquais mundo natural foi pouco modicado  por causa do pouco desenvolvimento das forças produtivas. Outros auprodutivas da natureza natureza (fotossíntese, tores denem o conceito de forças de  forças produtivas  (fotossíntese, cadeias trócas, depuração de ecossistemas) para entender as sociedades capitalistas. Um conclamado autor dessa corrente é o neomarxista Moscontree nature nature,, inuenciando covici, que em 1969 escreveu  La societé contr grande parte do movimento estudantil. Moscovici, na década de 1970, reaproveitou os trabalhos de juventude de Marx para entender a relação entre homem e natureza. Ele critica a oposição entre culturalismo e naturalismo. Situa o primeiro como uma visão ortodoxa na história das ideias ocidentais e o segundo como heterodoxa e minoritária no conjunto dessas ideias. Arma, Arma, porém, que o naturalismo está em plena mutação, deixando de ser uma negação do culturalismo, passando de uma proteção ingênua do mundo para a armação de uma nova relação entre homem e natureza. Esse novo naturalismo, segundo Moscovici, baseia-se em três ideias principais: 1) o homem produz o meio que o cerca e é ao mesmo tempo seu produto; 2) a natureza é histórica (o problema que se coloca hoje é encontrar o estado da natureza conforme nossa situação histórica); 3) a coletividade e não o indivíduo se relaciona com a natureza. O que Moscovici propõe é uma nova utopia, segundo Diegues, na qual é necessário não um retorno à natureza, mas uma nova relação entre homem e natureza, baseada numa nova aliança, na qual a separação seja substituída pela unidade. 94

 

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A criação de organizações não governamentais ambientalistas O crescente impacto que as atividades humanas geram na natureza e a percepção da degradação ambiental em escala local e mundial deu origem não só a movimentos de conscientização ecológica, com diferentes paradigmas de racionalidade ambiental, mas também a ações diversas com o objetivo de inuir na legislação, nas atitudes tomadas pelo Estado, pelos governos e pelo mercado. Tais ações surgem de grupos g rupos ambientalistas organizados, na sociedade civil, que organizações es não governament governamentais ais (ONGs)  passaram a usar a expressão organizaçõ  (ONGs) nos anos 1960 e 1970. Em âmbito mundial, a expressão foi usada pela primeira vez pela Organização das Nações Unidas (ONU) após a Segunda Guerra Mundial, para designar organizações supranacionais e internacionai inter nacionaiss que não foram estabelecidas por acordos governamentais. governamentais. A primeira ONG ambientalista internacional, a World Wildlife Fund (WWF), foi criada em 1961, para dar apoio a uma outra instituição ambiental cientíca, chamada  chamada  International Union for Conservation of Nature and Natural Resources (IUCN), que encontrava-se em diculdades nanceiras. Mas a WWF acabou por enveredar por caminhos camin hos mais autônomos, autônomos, menos subordinados à IUCN. Em poucos anos, já havia formado bases na Inglaterra, I nglaterra, Áustria, Estados Unidos da América, Suíça, Holanda e Alemanha. Em dez anos, possuía base em 20 países (LEIS, 1999, p. 102). A WWF é uma organização de caráter eminentemente conservacionista, com projetos voltados para espécies individuais, i ndividuais, áreas virgens, educação ambie a mbiental ntal etc. Outra organização mundial importante é o Greenpeace. Fundado em Vancouver, no Canadá, em 1971, e tendo sua sede transferida posteriormente para Amsterdã, na Holanda, é provavelmente a organização mundial mais conhecida  pelas ações espetaculares espetaculares e não violentas, violentas, orientadas propositadamente propositadamente para causar impacto na mídia mundial sobre os problemas ambientais globais e pressionar governos e empresas a tomarem iniciativas cabíveis diante das denúncias ou enfrentarem frenta rem a publicidade negativa em decorrência de suas ações prejudiciais ao am bien  biente te (CASTEL (CASTELLS, LS,movimentos 1999,, p. 150 1999 150). ). Oientalistas Greenpeace, Greenpeace, setrês gundo Castells, diferencia-s Castells, diferencia-see da maior parte dos amb ambientalistas porsegundo ra zões. razões. 1.a Noção de urgência em relação ao iminente desaparecimento da vida no  planeta, inspirada inspirada na lenda de de índios norte-americanos norte-americanos que diziam diziam que [......] quando a terra ter ra cair doente e os animais an imais tiverem desaparecido, desaparecido, surgirá uma u ma tribo de  pessoas de todos os credos, credos, raças e culturas que acreditará em ações e não em palavras e devolverá à Terra sua beleza perdida. A tribo se chamará Guerreiros do Arco-íris. (EYRMAN; JANISON apud  CASTELLS,  CASTELLS, 1999, p. 150)

2.a Coloca-se como testemunha dos fatos, tanto como princípio para a ação como estratégia de comunicação. 3.a Adota uma atitude pragmática, do tipo empresarial. Agir é fundamental: não há tempo para discussões losócas. 95

 

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Os guerreiros do arco íris , inimigos do modelo de desenvolvimento que ignora os seus efeitos sobre a vida no planeta, desenvolvem suas ações em torno do princípio da sustentabilidade ambiental e possuem uma rede de escritórios na América do Norte, na América A mérica Latina, na Europa Eu ropa e na região do Pacíco. Levantamentos realizados no início dos anos 1980 indicavam que as ONGs haviam se espalhado pelo mundo inteiro, sendo que cerca de 80% dessas ONGs eram atuantes at uantes nos países do Norte e 20% nos países do Sul. Tais estimativas evidentemente não incluem os inúmeros movimentos ambientalistas ambientalista s que i nformal, sem registro jurídico nos países do mundo inteiro. atuam de maneira informal, Sul. De qualquer modo, além da diferença dos números das organizações, as estratégias e ideologias dessas ONGs também diferem entre si. Conforme Leis (1999, p. 109), nos países do Norte, inicialmente predominava uma certa visão etnocêntrica, o que levava levava algumas organizações ambientalistas ambientalistas a consid considerarem erarem mais graves os problemas ambientais do Sul – crescimento da população ou desaparecimento das orestas tropicais – do que os modelos de consumo ou de uso intensivo de combustíveis fósseis exportados mundialmente pelos países do  Norte. Nos países do Sul, ao contrá contrário, rio, a percepção da crise cr ise ecológica era er a relativizada diante dos problemas da pobreza pobreza e da falta de infraestr i nfraestrutura utura e serviços  básicos. No Norte, também há uma tendência a enfocar os problemas globais,

Levantamentos realizados no início dos anos 1980 indicavam que as ONGs haviam se espalhado pelo

enquanto o Sul volta-se para os problemas domésticos.  Na década de de 1980, 1980, quando o processo processo de globalização globalização e do ambientalismo ambientalismo ainda não era tão visív visível el e/ou e/ou denitivo, podia-se pensar em alternativas para es es-ses impasses entre Norte e Sul. Hoje, no entanto, [... ...]] a partir part ir da progressiva progr essiva constituição de numerosas redes ambientalistas ambientalist as globais e da articulação mundial de diversos setores da sociedade em defesa do meio ambiente, não resta dúvida de que o ambientalismo é cada cad a vez mais uma realidade global na qual qu al seus diversos aspectos e setores se interpenetram profundamente, alterando assim suas identidades e visões orginais. (LEIS, 1999, p. 109)

 No Brasil, entre ent re as primeiras primeir as organizações organizaçõ es de caráter mais mai s conservacionista, constam a Associação de Defesa do Meio Ambiente de São Paulo (Ademasp), criada em 1954 por três joemdécadas grande de parte, nase vens estudantes, e a Fundação Brasileira para a Conservação da 1970  Natureza (FBCN), criada em 1958, no Rio de Janeiro, por um 1980. grupo variado de pessoas entre os quais botânicos, zoólogos,  jornalistas  jornalis tas e “amantes da natureza”. nat ureza”. Em 1986, 198 6, foi criada a SOS S OS Mata Atlântica. Atlânt ica. A maioria das ONGs brasileiras surgiu, em grande parte, nas décadas de 1970 e 1980, em geral vinculadas a outras organizações de apoio a movimentos sociais e organizações organi zações populares popula res e de base comunitária, comunitár ia, com o objetivo de promover a cidadania e lutar pela democracia política política e social. Os números acerca da quantidade de ONGs ambientalistas e ativistas são vagos e imprecisos. Dean (1996, p. 345) registra que em 1984 havia notícia de 55 organizações não governamentias preocupadas com meio ambiente. Em 1992, durante a Eco-92, contabilizava-se cerca

 A maio ma iorr ia da dass ON ONGs Gs brasileiras surgiu,

de mil organizações governamentais, dasmédia, quais no a SOS Mataseria Atlântica era duas a maior, com cerca de não cinco mil membros. A entanto, muito menor, em torno de cem membros. 96

 

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As primeiras ONGs ambientalistas ambientalistas brasileiras, portanto, são de caráter mais  preservacionista e, posteriormente, emergiram outras associadas a movimentos sociais diversos, buscando desenvolver ações ambientais, atuação atua ção política no cam po da construção e consolidação de direitos sociais sociais e do fortalecimento fortalecimento da sociedade civil. Ao longo da década de 1990, surgiram novas organizações privadas sem ns lucrativos com pers e perspectivas de atuação e transformação social ONG passou muito diversas. A expressão ONG  passou a encampar um grande conjunto de organizações que muitas vezes não guardam guarda m semelhanças entre si. Ainda que as ONGs tenham perdido suas características originais de uma espécie de contraponto às políticas públicas governamentais ou de coadjuvante na elaboração e monitoramento de projetos e programas de empresas e governos, não resta dúvida de que elas trouxeram uma contribuição original para par a a política mundial contemporânea, ampliando e dando um novo signicado ao papel dos indivíduos e dos grupos sociais na esfera pública. Mas, conforme Leis (1999, p. 11010-1111), o papel das da s ONGs no plano local, local , embora import i mportante, ante, não chega a ser tão t ão signicativoo quanto no plano mundial, porque signicativ O Estado ainda possui possu i (e seguir seguiráá possuindo) legitimidade e uma capacidade relativa (maior ou menor, dependendo dos casos) para enfrentar os problemas locais. Porém, frente aos  problemas globais socioambientais e a globalização econômica, o sistema político interi nternacional baseado em Estados soberanos não possui (nem possuirá) nenhuma capacidade efetiva para abordá-los no futuro futu ro fora do plano retórico. Por essa razão, a governabilidade dos problemas globais depende hoje mais da sociedade civil mundial do que dos Estados.

Movimentos sociais e ambientalismo no Brasil  No Brasil Brasil,, as entidad entidades es de conser conservaç vação ão mais mais antigas antigas como como a FBCN, FBCN, e outras mais recentes, como Fundação Biodiversitas, Pronatura etc., são mais mais ligadas a entidades internacionais de preservação e sofreram bastante inuência da corrente preser vacionista vacio nista norte-americana. Em geral, seus membros são constituídos por prossioprossionais provenientes da área de ciências naturais, para os quais qualquer interferência humana no curso da natureza natu reza é negativa negativa e permanece o mito da natureza natu reza intocada e intocável,l, que deve ser preservada a qualquer custo. Assim, as unidades intocáve un idades de conservação, para esses preservacionistas, não podem proteger a diversidade biológica e a diversidade cultural ao mesmo tempo. Tal posição tem gerado polêmicas e questionamentos num país como o Brasil, em que populações indígenas, ribeirinhos, seringueiros e pescadores dependem dos recursos naturais para sobreviv sobreviver er e, simultaneamente, mantêm fortes vínculos culturais com o mundo natural. natur al. Por outro lado, no início da década de 19 1970, 70, sob sob a ditadura ditadu ra militar que reprimia os movimentos sociais e todas as formas de protesto, surgiu uma brecha para um ecologismo de denúncia no Brasil, desvinculado dos partidos e movimentos  político  polí ticoss de esquerda, esquerda, então severamen severamente te combatid combatidos os pelo pelo governo. governo. Tais Tais entidades entidades e movimentos criticavam o modelo econômico brasileiro, baseado na implantação de projetos governamentais governamentais e de empresas privadas que causavam grandes impactos sobre a natureza, como a instalação i nstalação de centros químicos e petroquímicos, pet roquímicos, implantados ou ampliados nas zonas litorâneas do país (Cubatão, (Cubatão, Rio de Janeiro, e Aratu, Arat u, na Bahia). Bahia ). Outro alvo dos ambientalistas era o avanço da agroindústria, que aumentou au mentou 97

 

Sociedade e ambiente no Brasil

tanto o uso de biocidas e pesticidas como a concentração de terra e renda nas zonas

tanto o uso de biocidas e pesticidas como a concentração de terra e renda nas zonas rurais, rur ais, com a consequente consequente expulsão de milhares de trabalhadores do campo para as cidades, gerando aumento de favelas favelas e miséria nos grandes centros urbanos. Em 1976, José Lutzemberger (que mais tarde seria ministro do Meio Am biente, no governo governo Coll Collor or)) lançou lançou o Mani  Manifesto festo ecoló ecológico gico brasi brasileiro leiro:: o m m do futuro futuro  (1976), representando dez organizações ecologistas. Semelhante ao discurso das entidades preservacionistas norte-americanas e europeias, e inuenciado pelo relatórelató 2 rio do Clube de Roma, esse manifesto atacava a tecnocracia  bra  brasileira, sileira, responsável responsável  pelos  pel os grandes grandes proj projetos etos,, sobretud sobretudoo os que começ começav avam am a ser ser implantad implantados os na Amazônia, o militarismo, m ilitarismo, a sociedade do desperdício, o consumismo. consumismo. Destacava, em contraposição ao modelo de colonização colonização predatória, a relação entre homem e natureza estabelecida pelas sociedades tradicionais, como as dos índios e dos camponeses. Defendia ainda a criação de áreas naturais protegidas e criticava o abandono em que estavam os poucos parques nacionais brasileiros. O manifesto man ifesto propunha como solução soluç ão para os males da ideol ideologia ogia do progresso, seja de esquerda ou de direita, uma u ma sociedade que se assemelhasse ao funcionam fu ncionamento ento da natureza, nat ureza, homeostática, equilibrada, de acordo com as leis naturais. Em meados da década de 1980, com o m da ditadura milimiliEm meados da década tar e com o processo de redemocratização do país, desponta o ecode 1980, com o fim da logismo social (também denominado no Brasil como ambientalis-

ditadura militar e com o processo de redemocratização do país, desponta o ecologismo social.

mo camponês camponês) ) com umade crítica de desenvolvimento altamente concentrador rendaaoe modelo destruidor da natureza, que teve o seu apogeu durante os anos 1970 e foi conhecido como “milagre econômico”. A grande destruição da Floresta Amazônica por meio da construção de barragens, da destruição dos seringais etc. propiciou a emergência de um ecologismo entre aqueles que lutam  por manter manter o acesso aos recursos naturais naturais dos seus terr territórios, itórios, valorizam o extratiextrativismo e o sistema de produção baseado em tecnologias alternativas. O ecologismo social é representado pelo Conselho Nacional de Seringueiros, Movimentos dos Atingidos pelas Barragens, Movimento dos Pescadores Artesanais, movimentos indígenas etc. Para esses movimentos de cunho social e ambientalista, é preciso repensar a função dos parques nacionais e reservas ecológicas, incluindo os seus

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Tecnocracia: sistema de Tecnocracia: organização política e social fundado na supremacia de técnicos buscam apenas soluções que técnicas ou racionais para os problemas, sem levar em conta aspectos humanos ou sociais. 98

moradores tradicionais (DIEGUES, 1999, p. 130). Como se pode observar, o ambientalismo que emerge no Brasil é de cunho conservacionista, conservacionis ta, voltado para proteção da natureza, não da sociedade. Em parte, isso se deve aos vínculos e à inuência, inuência , nos ambientalistas locais, dos movimentos ambientalistas ambien talistas norte-americanos, norte-amer icanos, mas deve-se também à própria compartimentação da ciência. Como a maioria dessas organizações são criadas por estudantes ou cientistas, cabe (ou cabia) aos biólogos a defesa das plantas e dos animais; aos antropólogos, a defesa dos índios; aos engenheiros, das bacias hidrográcas; aos urbanistas, a defes defesaa dos ambientes criados e assim a ssim por diante. A complexidade da questão ambiental no Brasil começou a ser internalizada  pelos  pel os dive diversos rsos atores soci sociais ais somente no nal da década de 1990 990.. E o diálo diálogo go é quase sempre tenso, não só pelas diferentes abordagens ideológicas existentes so bre o tema tema mas sobretudo sobretudo porque porque do ponto ponto de vista vista econômico econômico e político político,, e apesar apesar de todos os discursos ociais e ociosos sobre sustentabilidade ambiental, o meio ambiente ainda é visto como uma pedra no caminho do desenvo desenvolvimento. lvimento. Somente

 

Sociedade e ambiente no Brasil

com a pressão de diversos segmentos sociais, nacionais e internainter na-

cionais, as empresas públicas e privadas passaram a formalizar, no discurso e na lei, a necessidade de pensar o desenvolvimento sustentado. No âmbito do planejamento e do gerenciamento do Estado e das empresas, incluindo aí a necessidade de recursos materiais e humanos, há um longo e difícil caminho a percorrer.

 A complexidade complexidade da questão ambiental no Brasil começou a ser internalizada pelos diversos atores sociais.

O joio e o trigo entre as ONGs Vilmar Berna1

A sociedade civil, ao se organizar em defesa de seus direitos, cria as chamadas ONGs, organizações não governamentais, que reúnem cidadãos quase sempre voluntários em torno de um conjunto de objetivos e princípios consolidados em estatutos, assembleias, assembleias, reuniões, diretorias. Entretanto, Ent retanto, o compromisso e a luta pelo  bem comum comum não tornam tornam os indivíd indivíduos uos nece necessa ssariam riamen ente te melho melhores res.. As ONGs ONGs são conduzidas por seres humanos e seres humanos erram. er ram. Um desses erros é a existência de “ONGs de cartório”, cartório”, ou seja, instituições que existem apenas em caixa postal, cujos diretores assinam atas de reuniões que não existiram etc. Essas falsas ONGs disputam poder de voto em igualdade de condições com outras ONGs realmente constituídas, gerando distorções no processo democrático e diculdades na conscons trução e fortalecimento desse segmento na sociedade, além de servirem de verdadeiros “laranjas” para desvio de dinheiro público. Existem Existem ainda empresas privadas que criam ONGs de cartório para beneciarem-se de isenções scais e agregarem valor às suas marcas institucionais, desvirtuando e confundindo a noção de ONGs como organizações que representam os interesses i nteresses da sociedade civil. Existem ainda as ONGs “de combate”, cujo objetivo principal é reivindicar melhor qualidade de vida e ambiental, e “ONGs prossionais”, que se propõem a irem além da simples reivindicação e buscam se capacitar para a elaboração ecursos a execução deou projetos emdestinados parceria com governos e empresas usando repúblicos privados a projetos. Nem sempre aou compreensão entre o trabalho de uma e de outra é bem entendido e não é raro verem-se como adversárias. As ONGs que optaram pela prossionalização argumentam que se elas têm a vontade de defender o meio ambiente, comprometimento cidadão com a causa ambiental, a compreensão sobre o que é preciso para o meio ambiente, e detêm ainda a capacitação técnica e a experiência em execução de  projetos, então por que têm de se limitar apenas a cobrar responsabilidade de governos e empresas. Por que as próprias ONGs não podem também capacitar-se para executar projetos e serviços ambientais? Por que as ONGs têm de se limitar apenas a dizer o que está errado? Por que não podem também se oferecer  para dar solução solução concreta aos aos problemas que que as próprias ONGs apontam? apontam? O problema é quando, para forçar os governos ou empresas a contratarem seus serviços, as ONGs prossionais se comportam num primeiro momento como

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Fundador e editor do  Jorna l do Meio Am Jornal biente e do site , considerados importantes referências na democratização da informação ambiental no Brasil. É autor de mais de 13 livros publicados. Como ambientalista, fundou diversas associações ambientalistas sem ns lucrativos, como os Defensores da Terra, Univerde e o IBVA – Instituto Brasileiro de Voluntários Voluntários Ambientais, do qual é o atual presidente. Em 1999, no Japão, recebeu pela Organização das Nações Unidas o Prêmio Global 500 para o Meio Ambiente, concedido antes a personalidades como Chico Mendes e Betinho. Em setembro de 2003, Vilmar recebeu também o Prêmio Verde das Américas. Contatos: vilmarberna @jornaldomeioambiente.com.br. Site: .

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Sociedade e ambiente no Brasil

“de combate”, pressionando e criando diculdades, e aliando-se a outras organizações de combate na sociedade, para num segundo momento abandonarem essas alianças e negociarem suas posições em troca de um contrato para prestação de serviços ou projetos, oferecendo aos empreendedores a falsa ilusão de que estarão limpando sua imagem ambiental ou pacicando suas relações com as ONGs. Saber a diferença, separar o joio do trigo tr igo,, ainda será um u m longo caminho.

 

Com base no texto principal e no texto complementar, relacione os aspectos negativos e positivos da constituição de ONGs para a preservação ambiental.

CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). (Coord.). Ambien Ambientalismo talismo no Brasil: passado, presente e futuro. futu ro. São Paulo: IEA/Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, 1997. VIOLA, Eduardo. O movimento ecológico no Brasil (1974-1986): do ambientalismo à ecopolítica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.1, n.3. VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctor Ricardo. O ambientalismo multissetorial no Brasil para além da Rioal. Meio Ambiente, Desen92: o desao de uma estratégia globalista viável. In viável.  In:: VIOLA, Eduardo et al.  volvimento e Cidadania: desaos para as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 1995.

CAPOBIANCO, João Paulo R. (Coord.). Ambientalismo no Brasil: passado, presente e futuro. São Paulo:: IEA/Secretar Paulo I EA/Secretaria ia de Meio Ambiente A mbiente de São Paulo, 1997. 1997. CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade: a era da informação – economia, sociedade e cultura. Vol. 2. São Paulo: Paz e Terra, 1999. DEAN, Warren. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DIEGUES, Antonio Carlos Sant’Ana. O Mito Moderno da Natureza Natureza Intocada. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1996. LEFF, Enrique. Saber Ambiental: sustentabilidade, racionalidade, complexidade, poder. Petrópolis: Vozes, 2001. LEIS, Héctor Ricardo. A Modernidade Insustentáve Insustentávell: as críticas do ambientalismo à sociedade contemporânea. Petrópolis/Florianópolis: Vozes/UFSC, 1999. 1999. VIOLA, Eduardo. Edua rdo. O movimento ecológico no Brasil (197 (1974-1 4-1986): 986): do ambientalismo à ecopolítica. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, vol. 1, n.1. VIOLA, Eduardo; LEIS, Héctorglobalista Ricardo. viável. In O ambientalismo multissetorial no Meio BrasilAmbiente, para além da Rio- In:: VIOLA, al. 92: o desao de uma estratégia viável. Eduardo et al.  Desen volvimento e Cidadania: desaos para par a as ciências sociais. São Paulo: Cortez, 199 1995. 5. 100

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I Cynthia Roncaglio

Origens e transformações das cidades

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ão há uma denição única e simples do que seja a cidade, como surge, quais são as suas formas e funções. Para Lewis Munford (1998, p. 9-36), a origem das cidades ocorre sicamente a partir das últimas fases da culcultura neolítica1 e é sustentada pela última grande fase da revolução agrícola, com a domesticação dos cereais e a introdução da cultura do gado e da irrigação. No entanto, segundo o autor, o germe da cidade pode ser detectado em um período anterior e está relacionado a vários fatores de conteúdo social, religioso, econômico e cultural. Entre esses fatores, pode-se assinalar, assinalar, antes de tudo, a predisposição do homem, assim como de outras espécies animais, para a vida social; depois, a utilização de cavernas e os acampamentos como esconderijo e moradia ocasional; mais tarde, a necessidade de estabelecer santuários, aldeias e povoamentos, locais onde as nalidades espirituais e materiais levam ao surgimento das cidades – o  ponto de encontro cerimonial, para onde as pessoas voltam a intervalos determideterminados e regulares por encontrarem, além de quaisquer vantagens naturais, certas faculdades “espirituais” ou sobrenaturais, de signicado cósmico, mais amplo que os processos ordinários da vida. A revolução agrícola – como é frequentemente chamada a transição que durou cerca de cinco mil anos, efetuada pelos seres humanos que sobreviviam da coleta, da caça e do pastoreio pastoreio,, para a agricultura – baseava-se baseava-se na colonização e domesticação de plantas, animais, homem e paisagem natural. natur al. Essa transição implica duas mudanças signicativas para o surgimento das cidades. A primeira delas é a permanência per manência e a continuidade da residência: os homens combinam combinam a ocupação de um espaço e sua xidez, o que implica inclusive inclusive uma crescente valorização valorização da sexualidade e da reprodução com intervalos i ntervalos de mobilidade para a caça e a coleta e outras atividades. A segunda mudança é o crescente exercício do controle e a  previsão dos processos antes suje sujeitos itos aos capricho caprichoss da natureza, como como a utilização e o cuidados com o plantio de sementes, sementes, o acompanhamento do crescimento das árvores, a criação dos animais e assim por diante. Jacques Le Goff (1998, p. 9-21), por sua vez, considera que há muito mais semelhanças entre as funções da cidade medieval e a cidade contemporânea (ape-

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 Neolíti co ou Idade da  Neolítico Pedra Polida: Polida: o nal do  perío do neolít neolítico ico é també m chamado de Proto-história. Os vestígios mais antigos até hoje encontrados nas regiões onde atualmente situa-se o Iraque, a Palestina e a Turquia remetem a 8.000 a 5.000 anos a.C. o m do período neolítico, remetendo também ao início do uso dos metais, sendo o cobre o primeiro a ser utilizado. 101

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

sar das grandes transformações destas) do que daquela com a cidade antiga. As

funções e os monumentos das cidades antigas não podem ser comparados aos das cidades medievais, segundo Le Goff, por algumas razões: o templo foi substituído ou reutilizado reutiliza do pela Igreja. E com a Igreja surge o sino sino (e o campanár campanário io), ), que servirá servir á de ponto de referência da cidade, a partir parti r do século VII no Ocidente, sendo em parte responsável por uma nova forma de marcar e perceber o tempo; os anteatros e o estádio deixam de existir ou de apresentar a utilidade que tinham anteriormente, seja porque o cristianismo ocidental não admite ad mite mais o circo, seja porque os esporesportes assumem novas e diferentes formas; as termas onde as pessoas se lavavam nas cidades são abandonadas por novas formas relação com o corpo,pessoal com a higiene eantigas com novas formas de sociabilidade, formas preferide preferindo-se ndo-se fazer a higiene no âmbito privado e mais tarde em estabelecimentos especiais, como as saunas; as  praças também mudam mudam de função, não são mais lugares lugares onde onde os cidadãos se se reúnem para discutir os assuntos de interesse público. Em geral, na cidade medieval, os assuntos e negócios públicos ou privados, quando discutidos em conjunto, serão debatidos em lugares fechados, frequentemente nas dependências da igreja. A cidade medieval e a cidade contemporânea se assemelham porque a cidade medieval é um espaço concentrado onde as pessoas se encontram motivadas  por interesses diversos diversos e, e, como bem bem representa Le Goff Goff (19 (1998, 98, p. p. 25), 25), [...] um lugar de produção e de trocas em que se mesclam o artesanato e o comércio alimentados por uma economia monetária. É também o cadinho de um novo sistema de valores nascidos da prática laboriosa e criadora do trabalho, do gosto pelo negócio e pelo dinheiro. [...] Mas a cidade concentra também os prazeres, os da festa, os dos diálogos na rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos cemitérios.

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O que autor quer dizer é que mesmo nas sociedades rurais existem diferenciações de classe, quando um segmento, por exemplo, passa a se dedicar a uma atividade não produtiva, como a guerra ou a religião, recebendo do resto da sociedade o seu sustento material. Mas enquanto guerreiros e sacerdotes não criam fortes e templos e seus criados passam a viver ao seu redor, e deixam de ser produtores diretos, só então a estrutura de classe se consolida e a diferenciação entre campo e cidade se estabelece.

Em uma obra clássica sobre a urbanização na América Latina, escrita nos anos 1970, Paul Singer (1998), com sólida formação marxista, caracteriza o surgimento da cidade em oposição ao campo. Se o campo é o lugar por excelência de onde se retira o produto primário pri mário para a subsis subsistência tência dos seres humanos e pode ser considerado, como ainda muitas vezes tem sido, autossuciente, a cidade depende de uma produção alimentar excedente para vir a existir. No entanto, isso não é suciente para que surja sur ja a cidade. Faz-se necessário necessário ainda, nas palavras do autor autor,, [... ...]] que se criem cr iem instituições sociais, uma relação de dominação e de exploração, que assegure a transferência do mais-produto do campo à cidade. Isso signica quede a existência da cidade pressupõe uma participação diferenciada dos homens no processo produção e de distribuição, ou seja, uma sociedade de classes. Pois, de outro modo, a transferência do mais-produto não seria possível. (SINGER, (SINGER, 1998, p. 9)

Em torno dessa ideia, Singer fará um apanhado da origem da cidade e da sua forte imbricação com a origem da sociedade de classes. Embora esta a preceda historicamente2, a consolidação de uma sociedade de classes ocorre quando se estabelece uma diferenciação entre o campo e a cidade, que passa a se apresentar como uma nova técnica de dominação e de organização da produção produção..

 As cidades adquirem adquirem variados significados e funções tempo e nonoespaço.

Ou seja: as cidades adquirem variados signicados e funfunções no tempo e no espaço, mas, entre as funções essenciais que se  podem  pode m identic identicar ar como como carac caracterís terísticas ticas da cidade cidade,, além além das das condi condi-ções de produção e do trabalho, tr abalho, estão a troca, a informação, a vida cultural e o poder. Evidentemente que se comparadas às formas das cidades atuais, as cidades antigas e medievais não passariam

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

de pequenas aldeias ou vilas. Sobretudo, sob o ponto de vista demográco, apenas

uma pequena parte da população mundial vivia nas cidades até 1800. Em 1900, uma em cada dez pessoas no mundo vivia em cidade e no decorrer do século XX as cidades continuaram a crescer em número, tamanho e importância econômica e  política.  políti ca. Em 2000, 2000, 47% 47% da populaçã populaçãoo mundial mundial viviam viviam nas cidade cidades. s. Estima-s Estima-see que, em torno de 2030, cerca de 60% da população mundial viverão nas cidades, algo em torno de 4,9 bilhões de pessoas. Em alguns países, como Cingapura e Israel, mais de 90% da população já vivem em áreas urbanas. No Brasil, cerca de 80% da  população  popul ação vivem nas cidad cidades. es.

Representações do campo e da cidade Os temas da urbanização, urban ização, da produção da cidade, das relações entre campo e cidade cidade e das territorialidades têm inspirado a reexão de muitos historiadores, economistas, geógrafos e arquitetos nas últimas três décadas. O desao atual de se viver em grandes centros urbanos e os probl problemas emas com os quais se depara a sociedade contemporânea contemporânea propiciam a manifestação de discursos em geral antiurbanos que veem na aglomeração urbana, entre outros aspectos, a causa da viol violência, ência, do desemprego desemprego ou da baixíssima qualidade de vida. Mas como a humanidade matéria e energia da naturezasobre e delaa depende para sobreviver, não apenas extrai discursos cientícos se constroem cidade e o campo mas também mitos, conceitos, percepções, percepções, atitudes e práticas relacionados com a dinâmica e as inter-relações inter-relações do mundo natural com o mundo social, o que podem ser vericado desde a Pré-história. P ré-história.  Na Antiguidade, os termos relacionados à cidade denotavam a Na Antiguidade, os Urbanidade vem educação,, a cultura, os bons costumes, educação costu mes, a elegância. elegância. Urbanidade  vem termos relacionados à urbs,, “polidez”. A Idade Média herda e reforça o preconceito con- cidade denotavam a de urbs tra o campo, considerado considerado lugar dos bárbaros e rústicos. r ústicos. A cidade me- educação, a cultura, dieval é o lugar de produção e das trocas comerciais e monetárias e, os bons costumes, ao mesmo tempo, ideal de igualdade e divisão social (mercadores, ar- a elegância. tesãos e senhores feudais), concentração de prazeres, festas, diálogos, criatividade, lugar de civilização em oposi oposição ção à rusticidade r usticidade do campo.  Noss sé  No sécu culo loss XV XVII II e XV XVII III, I, re repl plet etos os de no novi vida dade dess tr traz azid idas as pe pela lass de desc scob ober erta tass ci cien en-tícas e tecnológicas, proliferaram pensamentos, imagens e valores acerca do mundo urbano e do mundo rural. As mutações produzidas pela urbanização sedimentaram e generalizaram atitudes emocionais poderosas em relação ao campo e a cidade. O campo passou a ser associado a uma forma natural de vida – de paz, inocência e virtudes simples. À cidade associou-se a ideia de centro de realizações – de saber, comunicações, luz. Também constelaram-se associações negativas: a cidade como lugar de  barulho, mundanidade mundan idade e ambição; o campo como lugar de atraso, ignorância ignorânci a e limitação. (WILLIAMS, 1989, p. 11)

 No sécul séculoo XX, X X, espe especial cialment mentee nos n os anos 1970 1970,, o ambi ambiente ente urba urbano no é desd esdenhado, sobretudo nos àEstados Unidos América, uma tendência queprovocando, seria chamada de “retorno natureza”. Comodasublinha Alphandérx (1992, p. 156), 103

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I [...] os ecologistas foram, mais que outros, nos anos 1970, progressivamente fantasiados

de [.. [....] valores negativos, imediatamente após os camponeses. Sua crítica cr ítica da agricultur agriculturaa industrial, do recurso maciço às energias fósseis, da sociedade de consumo e, mais geralmente, do produtivismo, sua defesa das culturas locais, dos “interiores” e das paisagens, das atividades “autônomas”, “autônomas”, do auxílio mútuo e das relações de vizinhança, vi zinhança, seu interesse, enm, pelas comunidades pós-68 pós- 68 levaram-nos a serem vistos como represenrepresentantes de um neorruralismo neorr uralismo nostálgico e reacionário.

Hoje, essas associações combinam-se com outras, não menos poderosas, como as que vinculam violência, poluição e estresse  estresse  ao urbano e qualidade de vida, saúde e longevidade ao rural. Mas o rural, especialmente em países do Sul, também baixa está associado meio uso intensivo de agrotóxicos, qualidadeade vidaambiente e saúde,degradado problemaspelo de sanidade mental, desemprego etc. De qualquer modo, prevalece uma percepção da cidade no mundo contemporâneo, como como resultado do trabalho t rabalho humano, expressão expressão material do progresso de uma civilização civilização,, símbolo da modernidade e da capaci capacidade dade de transt ransformar a natureza. natu reza. Como o trabalho humano é mediado pela técnica, a cidade expressa, ainda, o avançado grau de desenvolvimento da ciência e da tecnologia produzida na cidade. O tipo de organização política, econômica e social das cidades faz delas espaços privilegiados nas decisões da produção, difusão de valores e ideias.

Problemas urbanos Os problemas enfrentados pelas cidades têm se alterado ao longo da história. A partir do século XIX, observam-se melhorias na saúde dos seres humanos e ao mesmo tempo deterioração do ambiente. No início do século XX, mudanças socioeconômic socioeconômicas as e técnico-sanitárias técnico-sanitár ias tornaram possí possível vel o transporte de resíduos resíduos para as áreas rurais, ru rais, no entorno das cidades, e novas ideias urbanísticas provocaram a adoção de um zoneamento funcional, conforme assinalou, em 1933, a Carta de Atenas3. Isso força muitas indústrias a se localizarem longe de áreas residenciais e os problemas ambientais locais/urbanos passam a atingir  proporções regionais, alterando, inclusive, a noção de espaço urbano. Ou seja, o espaço urbano não é constituído apenas pelos limites político-administrativos de uma cidade, mas também abrange o espaço social e geográco (incluindo o rural) rur al) que permite a produção e o desenv desenvolvimen olvimento to da cidade.

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Carta de Atenas – Assembleia do Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (Ciam), Atenas, novembro de 1933. O zoneamento funcional, conforme conclusões obtidas nesse evento, deve harmonizar as quatro funções-chave da cidade: habitar, trabalhar, recrear-se (nas horas livres), circular.

Em muitos países desenvolvidos, esse fato fez da questão ambiental das cidades um problema não mais aparente – as cidades sob essa nova condição urbanística parecem ter eliminado os impactos negativos sobre o seu ambiente (poluição industrial, resíduos industriais e hospitalares, sub-habitações etc.). Diante do processo de globalização, unindo mercados e transformando a produção e o consumo em fatos espacialmente distintos, os impactos ambientais tornaram-se ainda maiores. Essa mudança tem feito dos problemas ambientais urbanos algo de difícil percepção, ou melhor, eles passam a ser mais facilmente observáveis fora dos limites das cidades.

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

 Nesse contexto, é preciso assinalar que a percepção dos problemas am-

 bientais é profundamente inuenciada pelas característ características icas so so-cioeconômicas e culturais de cada país e de sua população. De fato, os países desenvolvidos, ao contrário dos países em desenvolvimento, têm sido bem-sucedidos na transformação de pro blemas ambientais em fenômenos não aparentes nas na s áreas ár eas urbau rbanas – pelo simples fato de expandirem seu ecological footprint 4.  Isso pode explicar as diferenças entre as agendas ambientais dos  países desenvolvidos desenvolvidos e dos países em desenvo desenvolvimento. lvimento. A insus-

 A percepção dos dos problemas ambientais é profundamente influenciada pelas características socioeconômicas e culturais de cada país e de sua

tentabilidade de em cidades emmais países evidencia-se,  principalmente, regiões distdesenvolvidos distantes antes desses centros. É que população. a satisfação das crescentes necessidades das populações urbanas ur banas levam a impactos ambientais em áreas localizadas a muitos quilômetros das cidades. Muitos centros progrediram progredi ram no sentido do desenvo desenvolvimento lvimento sustentável, como reexo do desenvolvimento desenvo lvimento socioeconômico dos seus países, porém esses resultados result ados positivos são encontrados apenas no interior de suas próprias fronteiras. Assim, nos países desenvolvidos, os grupos preocupados com a questão ambiental ambien tal deixam de ter como prioridade os probl problemas emas ambientais não aparentes, dirigindo seus esforços esforços para uma u ma agenda de ações globai globaiss mais preocupada com os recursos naturais do planeta. Essa agenda, formulada sob inuência de polípolí ticas e ações epreconizadas organismos de ajuda internacional, multilaterais declarações por universais, é caracterizada por questõesempréstimos planetárias como a redução da camada de ozônio na atmosfera terrestre, a destruição destru ição de grandes ecossistemas como a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, A mazônica, a exportação do lixo tóxico, as mudanças climáticas.  Nos países em desenvo desenvolvimento, lvimento, as agendas agendas ambientais ambientais são ou ou deveriam deveriam ser ser mais voltadas para os problemas locais (ocupações irregulares, falta de saneamento básico, problemas de abastecimento de água etc.), os quais, por sua gravidade, são prioritários em relação às questões globais. Nesses países, os problemas sociais urbanos merecem uma ação urgente, muitas vezes às custas da d a exploração de recursos ou habitats habitats naturais.  naturais. São exemplos dessa realidade a necessidade de uma maior exibilidade das normas urbanísticas paramaior que setaxa viabilizem  programas de habitação populare–exigências menor tamanho ta manho dos lotes, de ocu pação, entre outros outros índices que exigem exigem crescentes demandas do ambien ambiente te natural. Também é exemplo exemplo disso a política de atração de unidades u nidades industriais, justicada justi cada  pela necessidade necessidade de criação de empregos e aumento da arrecadação de impostos e taxas t axas públicas. Conforme pesquisas divulgadas pelos meios de comunicação, entre os  principais  principa is problemas problema s das grandes cidades brasileiras brasi leiras 5 apresentam-se o acúmulo, manuseio e destinação nal do lixo urbano, a degradação do patrimônio histórihistóri co-cultural e a conservação dos equipamentos e espaços públicos; os problemas de trânsito e educação no trânsito tr ânsito;; a poluição sonora, visual, do ar e dos recursos hídricos; a falta e os problemas de transporte coletivo; a ocupação irregular de áreas ambientalmente frágeis; o desabastecimento e a contaminação da água; a

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Pegadas ecológicas  ecológicas  são uma ferramenta para medir e comunicar os impactos ambientais das atividades (produção de bens e serviços) no ambiente e a sustentabilidade dessas atividades.

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A partir de pesquisa feita no site da internet: Infraestrutura e meio ambiente.  In  In: : ,  julho de 1999 (apud   LIMA; RONCAGLIO, RONCA GLIO, 2001, p. 57). 105

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

diminuição da cobertura vegetal; a falta de espaços públicos de lazer; a falta de

infraest rutura infraestrutu ra e saneamento básico; básico; os problemas problemas de uso e ocupação irregular ou inadequada do solo.  No entanto, entanto, se exi existe stem m dif difere erença nçass ent entre re as agendas, agendas, determi determinad nadas as sobretud sobretudoo  peloo desc  pel descomp ompass assoo soci socioec oeconô onômic micoo entr entree país países es des desenv envolv olvido idoss e paí países ses em des desenv envololvimento, trata-se também de aprofundar a discussão da sustentabilidade em cidades. Uma das perguntas a ser feita é, pois, quais as ações possíveis para que se caminhe em direção ao desenvolvimento desenvolvimento sustentável sustentável nos espaços urbanos quando qu ando tais espaços são comumente caracterizados caracteri zados pela sua insustentabilidade i nsustentabilidade ambiental? ambiental?

Limites da sustentabilidade urbana urbana torna-se Com relação às cidades, o uso da noção noçã o de sustentabilidade urbana torna-se ainda mais complexa, pois os espaços urbanos são incapazes de satisfazer todas as necessidades humanas, sendo dependentes de outras espacialidades, próximas ou distantes; são grandes consumidores de energia; produzem enorme quantidade de resíduos, que não podem ser inteiramente eliminados ou reaproveitados; provocam profundas mudanças na ocupação da terra e no uso do solo, decorrentes da transformação de áreas naturais ou rurais em áreas urbanas, gerando diversos impactos ambientais e socioeconômicos. As diferentes noções de desenvolvimento sustentável em cidades têm sido empregadas pelo poder público e pelas empresas privadas no âmbito urbano. As sustentabilidade,, além de serem meios para se estratégias baseadas na noção de sustentabilidade alcançar uma pretendida combinação sustentável sustentável de desenv desenvolvimento olvimento e conservação ambiental, são também uma u ma forma participativa de planejamento planejamento e execução de políticas públicas que envolvem vários atores sociais do espaço urbano – Estado, ONGs, ONGs, empresas privadas, associação de moradores etc. Suas estratégias, instrumentos tr umentos e políticas para a construção constr ução da sustentabilidade ambiental ambiental nas cidades são fundamentais para se identicar o comprometimento de cada agente no pro cesso de degradação urbana e/o e/ouu na busca de equacionar os problemas decorrentes da interação i nteração do ambiente natural com o ambiente criado ou ambiente articial , como são denominadas as cidades por alguns autores.  No entanto, entanto, cidades são sistemas sistemas abertos, com uma u ma depenCidades são sistemas exter nos. Tal Tal característica abertos, com uma dência profunda e complexa de recursos externos. diculdade aos esforços esforços de se preparar o caminho camin ho para a sussusdependência profunda impõe tentabilidade ambiental urbana – um princípio relacionado com a e complexa de recur- autossuci autossuciência ência nas atividades de produção e de consumo de bens, sos externos. materiais e serviços e na disposição de resíduos gerados por esses  binômio  binô mio,, constituin constituindo do um cic ciclo lo que dev devee ocorrer ocorrer no interio interiorr de um mesmo mesmo espaç espaço. o. A proposta de desenvolvimento sustentável nas cidades contém contradições impostas por aspectos intrínsecos a esses espaços, aspectos estes que  parecem  pare cem const c onstitui ituirr pers per s contrá co ntrários rios ao deseja de sejado do e carac c aracteri terizam zam as cida cidades des enen quanto sistemas que não podem sobreviver se limitados às suas fronteiras. E quais são as características dos sistemas urbanos? Podem-se apontar quatro características essenciais: 106

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

satisfazer todas as necessidades necessidades humanas – portanto,   são incapazes de satisfazer

são dependentes de outras espacialidades, próximas ou distantes;   são grandes consumidores de energia (exemplos (exemplos de energia energia sendo produzida localmente são ainda raros e até o momento nunca experimentados em grande escala com resultados positivos);   produzem enorme quantidade de resíduos que não podem ser inteiramente eliminados ou reaproveitados;   provocam profundas mudanças na ocupação ocupação da terra e no uso do solo, solo, decorrentes transformações de áreas ou rurais em áreas ur banas, gerandas gerando do impactos ambientais ambientais e socioeconômicos. socnaturais ioeconômicos. A somatória desses aspectos e limitações sugere a conclusão de que a desenvolvimento ento urbano sustentável su stentável é contraditória em si mesma. Um expressão desenvolvim desenvolvimento imento sustentável em cidagrande número de concei conceitos tos atrelados ao de desenvolv des tem des  tem sido disseminado desde que as questões urbanas tornaram-se uma preocupação generalizada e amplamente divulgada pela mídia impressa e eletrônica: cidade ecológica, ecológica, cidade sustentável, sustentável, cidade saudável, saudável, ecossistema urbano durável.. Tais rável Tais conceitos vêm sendo usados para caracterizar algumas iniciativas dos  poderes públicos/ públicos/empresariais empresariais no âmbito urbano. No No entanto, eles só se efetivam efetivam em práticas quando acompanhados da ideia de transformação t ransformação contínua e de avanços nairreparávei e nas talvez irgestão reparáveis. s. práticas ambientais urbanas convivendo com deteriorações É preciso ver a urbanização, o crescimento das cidades e a consequente dinâmica da transformação da natureza como processo e não como produto. É  preciso valorizar os espaços públicos para a vida, como uma das formas de ver a natureza não somente como recurso ou paisagem para contemplação, mas como ambiente. Antes mesmo da discussão, da elaboração e da aplicação de leis que expressam um conjunto de atos, juízos e valores escolhidos por uma sociedade  para pautar suas formas de intervenção inter venção na realidade, é preciso reetir sobre qual é o ambiente urbano em que queremos viver.

 

Faça um levantamen Faça levantamento to em grupo g rupo de quais são os principais pr incipais problemas problemas ambientais ambientais percebidos na sua cidade.

SANTOS, Milton. Ensaios sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982. 1982. VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ihéus: Editus, 1999. 107

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável I

ALPHANDÉRY, Pierre; BITOUN, Pierre; DUPONT, Yves. O Equívoco Ecológico: riscos políticos da inconseqüência. São Paulo: Brasiliense, 1992. LE GOFF, Jacques. Por Amor às Cidades: conversações com Jean Lebrun. São Paulo: Edunesp, 1998. LIMA, Myriam del Vecchio de; RONCAGLIO, Cynthia. Degradação socioambiental urbana, políticas públicas e cidadania. Desenvolvimento e Meio Ambiente: cidade e ambiente urbano. Curitiba, n. 3, 2001. MUN FORD,, Lewis. A Cidade na História: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo: MUNFORD Martins Fontes, 1998. SANTOS, Milton. Ensaios Sobre a Urbanização Latino-Americana. São Paulo: Hucitec, 1982. SINGER, Paul. Economia Política da Urbanização. 14. ed. São Paulo: Contexto, 1998. VASCONCELOS, Pedro de Almeida. Dois Séculos de Pensamento sobre a Cidade. Ilhéus: Editus, 1999. WILLIAMS, Raymond. O Campo e a Cidade: na história e na literatura. São Paulo: Paulo: Companhia das Letras, Letr as, 19 1989 89..

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável II Cynthia Roncaglio

Transformações urbanas

 A 

s cidades, em especial as metrópoles, têm passado por grandes transformações nos últimos 200 anos. A modernidade modernidade e os princípios de racionalidade que as sustentaram tiveram reexos sobre os planos urbanos, o desenho da cidade e como ele foi traçado em decorrência das relações de poder que se conguraram sob a égide da regulação do Estado-nação, da atuação do mercado e da intervenção técnica que, aliada à ciência, realizou e ainda realiza reformas urbanas e projetos urbanísticos que transformam a natureza e a identidade dos cidadãos que habitam a cidade.

A urbanização, sob o ponto de vista histórico, tem um sentido mais amplo que o utilizado, por exemplo, exemp lo, na geograa. Para essa disciplina, a urbanização u rbanização surge, em geral, com a industrialização industr ialização e,  portanto, relaci relacionada onada ao crescimento populacional e à aglome aglomeração ração habitaci habitacional onal num determinado tempo e espaço. Entre os historiadores, entretanto, é comum se referir, por exemplo, exemplo, ao processo de urbanização das cidades brasileiras do início do século XX – as quais só experimentariam a industrialização efetivamente a partir dos anos 1950. A utilização mais exível do conceito de urbanização deve-se ao fato de que, independentemente independentemente do grau de industrialização, os espaços urbanos das cidades oitocentistas oitocentistas da Europa ou das cidades brasileiras do nal do século XIX XI X e do início in ício do século XX experimentaram alterações crescentes no ritmo das suas atividades, na sua densidade populacional, na intensidade com que circulavam as mercadorias, nas alterações físicas do seu ambiente. A esses aspectos visíveis, visíveis, soma-se o imaginário imaginár io de seus cidadãos, o qual, para além das condições materiais da sua existênci existência, a, forjam representações – ideias e valores – sobre o espaço em que vivem e projetam, motivados pelo pelo passado e pelo presente, o futuro f uturo que desejam. Para os historiadores, isso também é relevante relev ante para compreend compreender er o processo de urbanização. urbani zação. urbanismo,, em geral está-se referindo mais ao mundo das representações soQuando se fala em urbanismo ciais interagindo com o espaço físico da cidade e desta interação entre ent re sociedade e natureza extraem-se linhas, traços, t raços, ângulos que constituem os planos, projetos e ações de planejamento planejamento e intervenção i ntervenção urbana. Em síntese, teoricamente, a urbanização é o processo em que se desenrolam as interações das atividades humanas com as não humanas e o urbanismo é a concepção, historicamente determinada, de como se deve realizar essa interação. Na prática, como se verá aqui em alguns exemplos, exemplos, esses termos ter mos e as vivênv ivências decorrentes deles se confundem e se conuem na produção da cidade. O paradigma da racionalidade moderna buscou tornar viável a igualdade social, conjugando urbanização e urbanismo. Tal busca de uma racionalidade global evidencia-se, por exemplo, nos  planos de zoneamento urbano, que racionalizam as atividades individuais e coletivas e denem sua

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

O paradigma da racio-

organização espacial a partir de criação de zonas de serviços, zo-

nalidade moderna buscou tornar viável a igualdade social, conjugando urbanização e urbanismo.

nas industriais, industr iais, zonas residenciais residenciais etc. Mas, na sociedade contem porânea, o que se percebe é uma crise desse desse paradigma de moder moder-nidade. O processo de globalização, que gerou uma conuência de mercados, informações e pessoas, transforma a alienação da modernidade, assentada sobretudo na compulsão pelo trabalho, numa alienação do consumo.

O planejamento urbano, nessa nova conguração social, reduz o desenho urbano a um formalismo do consumo. O aumento da densidade humana, as alterações e divers d iversicações icações dos usos espaciais, a confusão entre espaços públicos e  privados geram geram amplas reformas reformas urbanas e novas novas concepções concepções territoriais. A metrópole, tão celebrada pelo modernismo, aponta para espaços pulverizados, concentração em áreas suburbanas, redes caracterizadas não mais pelo mote da produção industrial concentrada, mas por redes tecnológicas de informação e “áreas ambientalistas” de preservação e prevenção no uso de recursos naturais nas cidades mundiais dos países desenvolvidos. (VICENTINI, 2001, p. 11)

Percebe-se nas reformas urbanas Percebe-se u rbanas contemporâneas, de qualquer modo, modo, a exex clusão da população urbana não mais pertencente ao mundo do trabalho ou do consumo. Na periferia do mundo globalizado (não mais a periferia de um capitalismo do progresso extensivo), misturam-se a exclusão e os interesses  públicos e privados.

Práticas de sustentabilidade urbana em cidades brasileiras  A maioria maioria das cidades cidades brasileiras tem enfrentado um processo de crescimento acelerado e desordenado.

A maioria das cidades brasileiras tem enfrentado um processo de crescimento acelerado e desordenado ao longo da sua história e isso contribui para a tendência negativa de urbanização como carência de infraestrutura, degradação ambiental e segregação socioespacial. Esses fatores reetem-se substancialmente

na carente. qualidade vida dos seus habitantes e usuários, da população mais A de insustentabilidade do ambiente urbano sesobretudo apresenta, portanto, não só em decorrência da incapacidade das cidades para exercerem satisfatoriamente as suas funções estruturais urbanas, relacionadas à habitação, circulação, trabalho e recreação, mas também no que se refere aos impactos das transformações de uso e ocupação do solo, densidade populacional e relações sociais de produção do ambiente urbano que geram desigualdades evidenciadas, por exemplo, nas “ilhas de riqueza e bolsões de miséria” (PEREIRA, 2001, p. 33-39). Assim, a diferenciação socioeconômica é acentuada pela diferenciação espacial. Pode-se observar isso nos investimentos feitos em melhoria da infraestrutura nos espaços onde já se dispõe de condições muito boas ou razoáveis em detrimento daqueles onde os investimentos são raros ou inexistentes. Desse 110

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

modo, a diferenciação espacial agudiza a diferenciação socioeconômica. Essas

condições de produção e apropriação do espaço urbano u rbano levam ao aumento das formas de violência, à multiplicação de demandas socioespaciais e à desumanização da vida cotidiana.  No Brasil, especialmente especialmente na década de 1990, 1990, em consonância com tendências do pensamento urbanístico mundial, embora numa escala de execução execução ainda embrionária, vem ocorrendo um novo processo de planejamento e atuação nas cidades, o qual privilegia a descentralização da gestão urbana e as políticas urbanas vinculadas às políticas sociais e ambientais. ambientais. Assim, as cidades devem elaborar  planos estratégicos est ratégicos para par a obterem nanciamentos e empréstimos de instituições internacionais e nacionais. E, nesse contexto, a questão ambiental tem sido, em bora mais no plano plano retórico retórico do que na prática, um elemen elemento to fundamental nos pro jetos de renovação urbana. Planos estratégicos se baseiam em reformas urbanas que vêm sendo discutidas e implementadas a partir part ir das d as mudanças desencadeadas  pela era da informação. informação. Segundo Castells Castells (19 (1999 99,, p. 419 19), ), [... ...]] o desenvolvimento da comunicação eletrônica e dos sistemas de informação in formação propicia uma crescente dissociação entre a proximidade espacial e o desempenho das funções rotineiras: trabalho, compras, entretenimento, assistência à saúde, educação, serviços pú blicos, governo governo e assim por diante.

Apresentam-se a seguir alguns exemplos de práticas de sustentabilidade em cidades brasileiras, compreendendo-se que há várias formas de sustentabilidade das cidades. Cada cidade é constituída de um tecido urbano criado no tempo e no espaço por um processo histórico que lhe deu sentidos e signicados diferenciados, assim como detém peculiaridades territoriais e formas institucionais variadas. As intervenções urbanas e os projetos urbanísticos fazem parte desse processo. Por outro lado, “a interatividade entre os lugares rompe os padrões espaciais de comportamento em uma rede uida de intercâmbios que forma a base para o surgimento de um novo tipo de espaço, o espaço de uxos” (CASTELLS, 1999, p. 423). Tornar as cidades sustentáveis nesse contexto requer, portanto, estratégias urbanas que levem em consideração ao mesmo tempo o enfoque ambiental global das cidades mundiais e as singularidades políticas políticas,, econômicas, sociais e ambientais de cada cidade/região.

O planejamento urbano de Curitiba A metropolização de Curitiba, como em outras cidades, não é denida apeape nas pelo crescimento demográco ou pela aglomeração habitacional, habitacional, pois também t ambém abrange um complexo de riquezas, população e atividades atuando juntas e produzindo impactos ambientais diversos, de ordem natural ou social, em pequena ou grande escala, positivos ou negativos. Um dos aspectos mais visíveis da metropolização de Curitiba é o fenômeno de periferização, denida como “extrapolação dos limites de ocupação do solo sobre áreas limítrofes de municípios vizinhos,

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

nem sempre incorporando a ocupação das sedes” (ULTRAMARI, 1994, p. 129).

Com esse processo, demarca-se não apenas uma distância física entre o centro e a  periferia da cidade, mas uma diminuição dimi nuição da qualidade de vida dos moradores moradores na medida em que ocorre uma crescente distância das moradias em relação à cidade-polo. A desigualdade social, evidenciada na periferização, afeta em maior grau e, em primeiro lugar, aqueles que não têm condições de pagar o alto valor do solo e, portanto, também não dispõem da infraestrutura e dos serviços ofertados pela administração pública àqueles que pagam mais pelo uso do solo.  No entanto, considerando o problema numa perspectiva ambiental, os resultados da periferização podem atingir em longo, senão em médio prazo, todos os moradores da cidade, na medida em que o ambiente degradado se amplia e atinge, ainda que em diferentes graus, pobres e ricos, seja pela poluição das bacias hidrográcas, a contaminação do solo em virtude do não tratamento do lixo etc.  No ambiente urbano, um dos impactos mais evidentes dessa metropolização são os assentamentos humanos em conjuntos habitacionais e favelas em áreas inadequadas como fundos de vale e áreas alagadiças. Segundo levantamento realizado  pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc), entre 1971 e 1987, o número de barracos em favelas passou de 2 207 para cerca de 20 mil. O incremento mais expressivo ocorreu entre 1971-1979, 1971-1979, mas em 1984 houve um aumento de 40% na população favelada, em decorrência das grandes inundações de 1983 (INSTITUTO GAIA DO BRASIL, 1989). A estimativa do Ippuc era de 200 mil pessoas vivendo em “sub-habitações “sub-habitações”. ”. Organizações não governamentais, no entanto, calculavam 300 mil pessoas vivendo em favelas. Diante do agravamento do quadro socioambiental, uma das soluções encontradas pela administração admi nistração pública municipal, ao longo longo desses últimos 20 anos, foi a criação de parques e bosques. As áreas sujeitas a grandes enchentes e alagamentos transformaram-se em grandes parques com lagos, constituindo-se em solução solu ção para múltipl múltiplos os problemas: problemas: preservar fundos de vales, impedir a ocupação irregular e o favelamento, conter a especulação imobiliária (ou redirecioná-la),  promover  promo ver o saneamento saneamento urbano. urbano. A ação de preservar e criar cr iar áreas verdes em Curitiba coincide e foi inueninuenciada discurso ecológico escala planetária, dif undidoambiental difundido no Brasilecom mais ênfasepelo a partir dos anos 1980, em e pela política de preservação melhoria da qualidade de vida presente no Plano Nacional de Desenvolvimento de 1976, que contribuiu especialmente para justicar a conservação de parques, bosques,  praças e jardins em Curitiba, menos em termos de obras de saneamento e drenagem – questão ambiental de fundo – e mais com o que passou a ser associado à questão ambiental nos meios de comunicação: comunicação: preservação da natureza, natu reza, qualidade de vida, interação entre homem e natureza etc. A cidade de Curitiba, Cur itiba, ao longo da sua história, conviveu conviveu com intervenções inter venções urbanas moderadas e certa continuidade no planejamento urbano. Entretanto, as decisões político-econômicas político-econômicas e técnicas muitas vezes não levaram em consideração a questão ambiental, seja com qual nome ela tenha se colocado no passado. 112

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

Dessa forma, tudo aquilo que não foi prevenido ou controlado a tempo (ocupação

desordenada do solo, crescimento populacional, periferização) tomou grandes dimensões na década de 1990. O ambiente urbano de Curitiba, comparado a metrópoles nacionais como Rio de Janeiro e São Paulo, apresenta ainda um u m caráter reversível. Mas o recente boom de shopping centers constr construídos uídos nas regiões centrais da cidade, o incentivo à instalação de indústrias internacionais de automotores, a migração de novos contingentes populacionais1  e a pressão do mercado imobiliário sinalizam um crescimento econômico desvinculado de uma política ambiental consequente, embora seja enfatizada pela mídia local, e difundida em âmbito nacional, a imagem de uma “Curitiba “Cu ritiba ecológica” – combinação combinação entre entr e a satisfação das exigências humanas e um meio ambiente urbano saudável saudável.. Parece haver, portanto, duas imagens (reais) concorrentes e antagônicas so bre Curitiba. Uma é a da cidade que progride, oferecendo oferecendo novos novos equipamentos e serviços de infraestrutura para a população – enxerga-se apenas parcialmente os  problemas  probl emas ambientais (poluição do ar e sonora, congestionamentos congestionamentos de tráfego e, conforme as estações e o lugar, as enchentes). A outra é a da cidade cuja mancha urbana não se distingue muito bem dos arredores mal cuidados, das habitações  precárias, do esgo esgoto to a céu aberto, dos córregos usados como lixeira. Nesta imagem, todos os problemas ambientais são visíveis. Em setembro de 1990, durante o Congresso Mundial de Autoridades Locais para um Futuro Sustentável, Curitiba recebeu o prêmio, considerado o Oscar do Meio Ambiente, oferecido a programas progr amas e políticas sobre o gerenciamento de recursos sólidos – o lixo no contexto do planejamento urbano. Certamente, a partir dos anos 1970, as administrações municipais, como as de Jaime Lerner e Maurício Fruet, contribuíram para “institucionalizar”, por exemplo, o ofício dos catadores de papel – intermediários entre os compradores do “lixo que não é lixo” e as empresas de reciclagem. Os catadores, até então parcela considerável dos subempregados, ganharam um certo respeito da população, guiando seus carrinhos de madeira, às vezes com o auxílio de um cavalo, na maioria empurrados por homens, mulheres e seus lhos. Muitas vezes, a família se lança em uma viagem a pé, de dia ou de noite, carregando nos ombros toneladas de lixo reciclável. O habitante apressado da grande Curitiba parece, no entanto, já não ter mais paciência com os engarrafamentos causados pelos catadores, nem estes parecem ter melhorado a sua qualidade de vida nos últimos anos. De qualquer modo, o prêmio deve ter levado em consideração, entre outros fatores, a comparação com outras grandess cidades grande c idades e o fato de se “resolve “resolver” r” simultaneamente simultaneamente um problema problema sociosocioambiental e a integração social dos catadores e a “conscientização” e a colaboração da população para o problema do lixo. Há, no entanto, sérios problemas que ainda não foram bem resolvidos, referentes tanto à extensão dos benefícios da coleta de lixo para a população da região metropolitana de Curitiba Cur itiba quanto ao tratamento nal de resíduos hospitalar e industrial.

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É interessante ressaltar que, na década de 1990, a migração não é motivada pela expulsão do campo (como ocorria 1950), pela industrialização e a terceirização (como em 1970-1980), mas principalmente, além dos fatores socioeconômicos, pela ampla divulgação  publicit ária , em âmbito nacional, das vantagens de se morar em Curitiba, “a Capital ecológica”, de “primeiro mundo”, “da qualidade de vida”. Sobre a construção da imagem urbana, ver artigo de Fernanda Garcia (1997) (1997).. 113

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

As contradições urbanas de São Paulo

A cidade de São Paulo, uma das principais metrópoles da América Latina, concentra cerca de 10% da população do Brasil. O processo de deterioração dessa importante metrópole preocupa seus habitantes há muito tempo, embora o poder público tenha demonstrado uma negligência histórica com o seu desenvolvimento urbano. Um dos principais problemas que aige São Paulo hoje é a qualidade do ar. A grande circulação de veículos, somada à escassez de área verde, compromete drasticamente a qualidade do ar e, consequentemente, a saúde da população. O monitoramento do ar é feito há cerca de duas décadas e na região metropolitana os níveis de poluição do ar registrados estão acima da média aceitável pela legislação brasileira. Conforme expõe Ferreira (1996), embora haja controvérsias a respeito do índice recomendável de áreas verdes por habitante (entre 12 m²/hab e 16 m²/hab), m²/hab), o índice de São Paulo está muito abaixo. Segundo dados ociais de 1990, 300 favelas favelas encontram-se em áreas de proteção de mananciais. Além do que, elas carecem de serviços de infraestrutura básica: 60% têm esgoto a céu aberto e 60% localizam-se à beira de córregos. cór regos. Assim sendo, os próprios mananciais de água que abastecem a cidade estão comprometidos. Verica-se localmente uma evidência global: a água  para consumo consumo humano humano é um bem bem escasso escasso nas nas grandes áreas urbanizadas. urbanizadas. A ocupação desordenada do solo na região metropolitana, com sua alta concentração demográca, colabora substancialmente para o agravamento da poluipoluição hídrica, incluindo a região estuarina da Baixada Santista, cujo sistema hídrico integra os corpos receptores de esgoto da região metropolitana de São Paulo. Enm, são problemas ambientais de diversas ordens que aigem os habitantes de São Paulo, sendo o problema da degradação dos recursos hídricos talvez o que apresenta o quadro mais agravante. Mas há também outros problemas de ordem ambiental semelhantes às paisagens de outras grandes cidades, como a poluição sonora e visual e a deciência dos serviços de manutenção urbana. Conforme relata Ferreira (1996), durante a gestão da prefeita Luiza Erundina, entre 1989 e 1992, não havia ainda uma pasta especíca para lidar com a área ambiental nem um Conselho Municipal de Meio Ambiente (Condema). Optou-se, na época, por criar uma Asessoria de Meiocontasse Ambiente, ligada ao gabinete da prefeita. Embora Especial essa assessoria comdiretamente uma estrutura administrativa  pequena, coordenav coordenavaa a distância os os projetos projetos discutidos e desenvo desenvolvidos lvidos por outros outros órgãos municipais e os subsidia subsidiava va com informações i nformações especializadas. Em consulta à população, foi detectado um interesse por problemas urbanos e sociais de cunho mais tradicional, como saúde, habitação, educação etc. Os problemas de degradação ambiental, no processo tanto de discussão como de implementação implemen tação de políticas públicas, públicas, não entraram entrar am no rol de interesses chamados “prioritários”. O projeto de coleta seletiva do lixo foi talvez o que mais teve visi bilidade. Implemen Implementado tado desde o início da gestão, gestão, como como projeto-pilo projeto-piloto to em áreas de classe média intelectualizada – como o bairro de Vila Madalena, na Zona Oeste da cidade –, a cole coleta ta seletiva foi foi coordenada pela Secretaria de Serviços e Obras e teve apoio apoio de entidades ambientalistas do bairro, as quais participaram par ticiparam diretamente da organização do projeto. 114

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

A administração pública da época deu ênfase aos parques e áreas verdes do mu-

nicípio, buscando integrar uma atividade de preservação, por meio da conscientização da população, em torno da importância desses espaços e da necessidade do seu aproveitamento comunitário. A Secretaria de Serviços e Obras cou responsável por essa atividade também. A manutenção e o controle dessas áreas era a principal atribuição do órgão. Essa secretaria também coordenou programas de educação ambiental informais, promovendo trabalhos de sensibilização junto à comunidade em áreas públicas. Em relação aos problemas ambientais, a Secretaria de Habitação desenvolveu atividades relacionadas à problemática de urbanização de favelas, enfatizando problemas de saneamento básico e esgoto, além dos problemas vinculados aos altos índices de  precip  pre cipita itaçõe çõess que que prov provoca ocaram ram enc enchen hentes tes e desm desmoro oronam nament entos os de gran grande de rep reperc ercuss ussão. ão. A prefeitura dedicou-se mais especicamente aos problemas das encostas, encamiencaminhando pessoal técnico que scalizava as zonas de risco. Em suma, o que Ferreira procurou destacar é que por um lado, frente às demandas ambientais e em decorrência dos graves problemas socioambientais de São Paulo, a Assessoria criada não teve a eciência necessária e faltaram mecameca nismos de participação popular mais ecientes. Entretanto, no que pese a falta de importância política da questão ambiental em meio às prioridades da administração municipal, foi possível realizar alguns trabalhos, mobilizando órgãos municipais, ONGs e população em torno de um projeto comum. A criação, em momento posterior, de uma Secretaria Municipal do Meio Ambiente, assim como o Condema, por si só não garantem a otimização de polític políticas as públicas ambientais ambientais de âmbito municipal. Faz-se necessário, de qualquer modo, o diálogo permanente com os diversos atores sociais envolvidos na gestão urbana, inclusive com os órgãos das esferas estadual e federal, com os quais surgem ocasionalmente conitos de caráter legal, administrativo adm inistrativo ou mesmo político. político.  No caso do período analisado, o que surpreende, su rpreende, segundo segu ndo Ferreira (1 (1996, 996,  p. 15 156), 6), é a diculdade para se implantar uma política municipal de meio am am- biente em uma metrópole metrópole como São São Paulo, Paulo, uma “cidade “cidade globalizada” globalizada”,, que dispõe de recursos técnicos e humanos para tal, universidades altamente qualicadas, uma classe média intelectualizada que tem uma consciência ecológica renada: mesmo assim, a questão ambiental teve papel secundário, como se os problemas “prioritários” não estivessem vinculados ou zessem parte do processo de degradegradação ambiental da metrópole.

O plano estratégico do Rio de Janeiro Conforme Vicentini (2001, p. 28-29), o Rio de Janeiro foi uma das primeiras cidades brasileiras a assimilar as perspectivas contemporâneas contemporâneas internacionais de planejamento, baseada particularmente no modelo de planejamento estratégico de Barcelona. O Plano Estratégico I da cidade do Rio de Janeiro – Rio sempre Rio – foi elaborado no nal de 1995 em uma parceria do município com a iniciativa privada. Esse plano passou a ser uma referência nacional como forma inovadorae de planejar,novos ultrapassando limites daseintervenções urbanísticas anteriores indicando caminhos,ostendências aspirações. Segundo uma avaliação do Banco Mundial, em seu relatório de 1999, foi “um sucesso sem 115

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

 precedentes enquanto exercíci constr ução de consenso e parceria”2. O Plano exercícioo de construção

Estratégico II – As Cidades da Cidade – voltou-se para um estudo das suas regiões, buscando encontrar um caminho que permitisse respeitar e valorizar cada uma das suas regiões, identicando suas vocações regionais regionais e seu papel especíco na cidade, bem como as formas de desempenhar esse papel, denindo as suas es es-tratégias e formulando propostas para a consecução de seus objetivos objetivos centrais. As Cidades da Cidade buscou ainda os caminhos para fomentar o desenvolvimento local das 12 regiões, formadas por conjuntos de bairros agrupados segundo critérios geográcos, históricos e demográcos. Ao mesmo tempo em que visa a respeitar as diferenças regionais e potencializar suas características históricas e culturais, este método urbano entende que é preciso diminuir as desigualdades, de modo a possibilitar a construção de uma cidade mais solidária e com igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos. Foram elaborados 12 planos estratégicos regionais, tendo sido estabelecidos 12 objetivos objetivos centrais – um para par a cada região – e formuladas 68 estratégias, estr atégias, gerando 1 151 propostas que foram homologadas por pessoas de todos os segmentos da sociedade, estabelecendo-se assim o curso para a denição do futuro das 12 regiões da cidade. Segundo Vicentini (2001, p. 28), o plano estratégico para o Rio de Janeiro incluiu a possibilidade de reverter o quadro de desordem urbana e estabelecer uma nova matriz de poder social na cidade. Sobretudo, o modelo de gestão adotado passou a ver as favelas urbanas históricas do Rio de Janeiro como bairros, depois de quase um século de exclusão e tentativas de expulsão. O Programa Favela-Bairro, que surgiu em 1993 e posteriormente foi incorporado ao plano estratégico da cidade, resultou de um contrato de empréstimo entre prefeitura e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), abrangendo aspectos diversos como urbanização de favelas, regularização de ocupações em loteamentos, monitoramento e avaliação permanente, educação sanitária etc. Segundo o censo de 1991, até aquela data vivia, em favelas no Rio de Janeiro, cerca de um milhão de pessoas, 18% da população. Desse montante, cerca de 30 mil pessoas viviam em áreas de risco, à beira de rios, ou em áreas de desabamento nas encostas dos

Ver detalhes sobre o

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 pl an o es tr at ég ic o pa ra cidade do Rio de Janeiro em .

morros. A transposição de um modelo de planejamento estratégico europeu certamente exige algumas adequações e possui algumas diferenças no seu alcance, sobretudo no que concerne à participação democrática, posto que ainda ocorre no Brasil um abismo social que diculta a integração entre Estado e população e a melhoria da qualidade de vida em cidades como o Rio de Janeiro. A efetiva  participação  part icipação dos diversos atores sociais envo envolvidos lvidos nas decisões sobre o destino da cidade requer um renamento dos mecanismos de participação. Porém, indubitavelmente há um avanço signicativo, na medida em que se elabora um  plano estratégico est ratégico que envo envolve lve instituições inst ituições de pesquisa, universidades e centros de excelência existentes nas regiões e adota-se a perspectiva de que o processo de transformação da cidade envolvecom também de métodos permanentes e democráticos de interação os seusa implantação cidadãos, independentemente de mudanças administrativas e gestões políticas.

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 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

Desaos para as cidades contemporâneas

A produção da cidade, no tempo e no espaço, transforma a natureza. A desnaturalização da natureza nat ureza parece mesmo o fundamento da urbanização. Tudo Tudo que é intrínseco à história da natureza – a curva dos rios, a distribuição da fauna e da ora, a morfologia do solo, as ondulações do relevo e até mesmo as variações climáticas – é submetido a procedimentos técnicos, racionais e econômicos que constroem uma espécie de segunda natureza: a natureza urbana. Dentre os principais impactos ambientais aparentes ou não aparentes ex peri mentados com mais intensida  perimentados intensidade de nos últimos 30 anos a nos pela p ela natureza nat ureza e pelos cidadãos que vivem nas grandes e médias cidades do Brasil, destacam-se o das águas, do lixo e do transporte. Certamente esses problemas se entrelaçam e as soluções buscadas são, em geral, paliativas e temporárias. Além do que, os  projetos urbanos sofrem in inuência uência de nancia nanciamentos mentos inter internacionais, nacionais, das con con- junturas  juntu ras socioeconômicas, de decisões técnico técnico-adm -administ inistrativas rativas submetidas a injunções políticas, do respaldo popular e outras tantas variáveis, mais ou menos importantes, para reverter ou controlar o quadro de degradação do meio ambiente urbano. Conforme apontam diversos autores, a noção de sustentabilidade urbana implica urbana implica uma complexa inter-relação de justiça

Um dos principais desafios colocados para a sociedade brasileira como um todo é acelerar a democratização dos processos decisórios.

social, qualidade de vida, umsuporte estilo senvolvimento senvo lvimento baseado no equilíbrio respeito à ambiental capacidadeede supor te de da denatureza. tu reza. Quanto às grandes cidades brasileiras, fazem-se necessário investimentos em infraestrutura básica e em políticas públicas de recuperação da qualidade de vida urbana e de renda da população, assim como uma visão integrada das políticas urbanas, rompendo com a tradicional setorialização do planejamento urbano. Um dos principais desaos colocados para a sociedade brasileira como um todo é acelerar a democratidemocrati zação dos processos decisórios, desenvolvendo, por meio da educação ambiental formal e informal, a consciência ambiental de todos os cidadãos para que eles se reconheçam como agentes produtores da cidade e corresponsáveis pela scalizascaliza ção e o controle dos agentes responsáveis pela degradação socioambiental.

 

Entre os principais fatores relacionados à degradação ambiental urbana estão a água, o lixo e o transporte. Faça uma lista de atitudes pessoais que podem colaborar para diminuir esses  problema  prob lemass ambient amb ientais. ais.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. 117

 

 Ambiente urbano e desenvolvimento sustentável III I

GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 1997.

SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica-tempo, razão-emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983.  ______.. A Sociedade em R ede  ______ ede: a era da d a informação – economia, sociedade e cultura. São Paulo: Paulo: Paz e Terra, 1999. v. 1. FERREIRA, FERREIR A, Leila da Costa. A busca de alternativas de sustentabilidade sustentabilidade no poder local. In local. In:: FERREIRA, Leila da Costa; VIOLA, Eduardo (Orgs.). Incertezas de Sustentabilidade na Globalização. Campinas: Unicamp, 1996. GARCIA, Fernanda. Cidade e Informação: o papel organizado do city marketing. São Paulo: ExpeGARCIA, rimental, rime ntal, 1997 1997.. GOTTDIENER, Mark. A Produção Social do Espaço Urbano. São Paulo: Edusp, 1997. INSTITUTO GAIA DO BRASIL. Sugestões para uma Curitiba Ecológica. Curitiba: Instituto Gaia, 1989. PEREIRA, Gislene. A natureza (dos) nos fatos urbanos: produção do espaço e degradação ambiental. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 3, 2001. SANTOS, Milton. A Natureza do Espaço: técnica-tempo, razão-emoção. São Paulo: Hucitec, 1996. ULTRAMARI, Clóvis; MOURA, Rosa (Orgs.). Metrópole: Grande Curitiba – teoria e prática. Curitiba: Ipardes, 1994. VICENTINI, Yara. Teorias da cidade e as reformas urbanas contemporâneas. Desenvolvimento e Meio Ambiente. Curitiba, n. 3, 2001.

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I Cynthia Roncaglio

O mundo rural

É

quase impossível pensar as transformações do mundo rural sem considerá-lo em contra posição  posi ção ao mund mundoo urba urbano. no. Sobr Sobretud etudoo a part partir ir do sécul séculoo XIX, com a Segu Segunda nda Revo Revoluçã luçãoo Industrial na Europa, ocorreu um grande auxo de trabalhadores do campo para as cidades. Especialmente entre os trabalhadores de grandes propriedades, temporários e mal pagos, a cidade representava a chance de novas e melhores condições de vida.

Mesmo para aqueles que caram no campo, nas relações de trabalho ocorreram Mesmo ocor reram transformações tr ansformações decorrentes do modo de produção capitalista. Além da crescente falta de mão de obra campesina, as grandes propriedades exigiam um método mais complexo de controle e organização da produção agrícola e trabalhadores t rabalhadores assalariados mais qualicados, diferentemente diferentemente da pequena propriedade camponesa, controlada e administrada pela unidade familiar com mais domínio dos processos de trabalho e menos perdas e depredações dos produtos agrícolas. Diante dos problemas colocados pelas impessoais relações de produção capitalistas, que substituíram as relações de compromisso e enga jamento das sociedades feudais, feudais, a saída para enfrentar enf rentar a escassez de mão de obra foi reduzir ao mínimo esta necessidade e investir na monocultura, na qual as operações agrícolas eram simplicadas (ROMEIRO, 1992, p. 217). Com o processo de mecanização e expansão da monocultura, investe-se cada vez mais em uma mão de obra barata, pouco qualicada e transitória. tr ansitória. Portanto, naquele naquele período, a industrialização causou alterações profundas na forma de viver dos camponeses, muita pobreza e desmoralização da vida camponesa. Tais circunstâncias e o desenvolvimento das sociedades  A vida rural, rural, a ligação ligação industrializadas levaram à produção de discursos variados sobre a cidade e o campo. Num primeiro momento, o processo de in- o com o solo e enraizamento dustrialização e urbanização provocou uma rejeição da vida no significavam campo. A exaltação exaltação da razão, da ciênci ciênciaa e da técnica técn ica vinha acomuma vida obscura,  panhada de uma exaltação exaltação das cidades cidades e da vida urbana, fermento de todas as novidades, da mobilidade mobilidade social, da liberdade. A vida sedentária, imóvel. rural, ru ral, a ligação com o solo e o enraizamento signicavam uma vida obscura, sedentária, imóve imóvel,l, presa às tradições e à comunidade local, na qual não havia espaço para a individualidade e a autonomia. Mas, diante dos crescentes problemas em decorrência da vida nos centros urbanos, expressos com mais contundência no século século XX, e marcados até então pelo afastamento da terra terr a e pelo desenraizamento, surge uma necessidade de ligação com a terra e reenraizamento e também uma idealização

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

Bitoun e da vida dos camponeses e da natureza. Assim, como dizem Alphandéry, Bitoun

Dupont (1992, p. 159): [...] a imagem do camponês oscila, nas nossas sociedades tecnológicas, entre a gura de um ser rude, limitado e egoísta e, embelezado pela história e um pouquinho nostálgico, a de um sábio vivendo saudavelmente e cercado pelos seus em vilarejos onde as relações sociais permanecem cordiais e autênticas.

Atualmente, é mais difícil demarcar as fronteiras entre o rural e o urbano, entre a cidade e o campo. As novas formas de assentamento humano, sinalizadas pela desmetropolização (redenição do par centro-periferia), instalação de cidades-satélite, loteamentos de chácaras e investimentos em condomínios rurais  pelas class classes es médias médias e altas, desl deslocamento ocamentoss de indústrias e áreas de de serviços, serviços, entre entre tantas outras modicações na conguração do espaço e do ambiente, não permipermitem mais distinguir a morfologia morfologia urbana da rural. r ural. Qualquer previsão para o século XXI, como as que indicam o m do campo (sob o argumento de que a maior parte da população mundial vive nas cidades) ou o m das cidades (sob o argumento de que diante da era da informação as cidades perdem suas funções urbanas), corre o risco de se tornar obsoleta rapidamente. O afastamento ou a ligação com a terra, conforme Alphandéry, Alpha ndéry, Bitoun e Dupont (1992) (1992),, são antes de tudo t udo modos de expressão de como se constituem constitue m as relações entre as a s pessoas e o ambiente. A reinvenção dos espaços e do modo de os seres humanos se relacionarem com o ambiente ainda depende da emergência de novos modelos de desenvolvimento humano. Mesmo diante de um discurso sistemático sobre o m do rural, vericou-se nas últimas décadas do século XX a revitalização do meio social rural ou, como mencionam muitos autores, percebe-se hoje a emergência de novas ruralidades. A ideia de que o rural estaria denitivamente submetido ao urbano, como seu continuum, tem continuum,  tem sido cada vez mais contestada por muitos que estudam o rural em várias partes do planeta. O que a realidade vem demonstrando é que o meio rural é fundamentalmente um u m meio social, social, a partir part ir do qual os homens se veem, concebem-se como seres sociais, ao mesmo tempo em que é o espaço a partir do qual tais homens veem a vida. No meio rural, há formas de relações que são especícas, mas é na inter i nter-relação dele com o meio urbano que se completa a noção de sociedade, ou seja, é impossível impossív el falar ou pensar no rural r ural sem mencionar o urbano e vice-versa.

Desenvolvimento rural no Brasil  Nos últimos cem anos, ocorreram algumas algumas mudanças mudanças signicativ signicativas as no no mun mun-do rural brasileiro. No início do século XX, a economia brasileira baseava-se nas grandes plantações voltadas para o abastecimento dos mercados internacionais,  particularmente Europa Europa e Estados Unidos da América. Lavo Lavouras uras de café, cana-de-açúcar, borracha, cacau e fumo foram responsáveis pelo desenvolvimento econômico baseado no sistema de plantation, de plantation, que  que ademais havia sido o modelo de exploração agrícola desde a colonização portuguesa, sendo responsável pela devastação das orestas e a deterioração irreversível de vastas parcelas do solo agrário. TrataTrata -

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

pedológica, que consiste em plantar uma única va-se basicamente de uma rotação pedológica,

cultura em uma u ma grande área até o esgo esgotamento tamento da terra ter ra pela erosão. erosão. Partia se então  para a ocupação de de uma nova nova área virgem. A monocultura monocultura do café café é um exemplo exemplo disso: iniciada no Rio de Janeiro no século XIX, ela se estendeu até o noroeste do Paraná um século depois, deixando um rastro de terras degradadas. Exemplo Exemplo mais recente é a monocultura da soja, que apresenta semelhante perl de amplitude geográca e alcance de devastação ambiental (ROMEIRO, 1992, p. 220). A riqueza e o poder social estiveram, portanto, desde o início da ocupação do território terr itório brasileiro, concentrados concentrados nas mãos de senhores sen hores de engenho, usineiros usineiros ou fazendeiros que estabeleceram (e em certas regiões ainda mantêm) uma relação de hierarquia e desigualdade social que caracteriza a origem or igem de vários conitos no campo, existentes até hoje. Diante da pressão internacional pelo m da escravidão e o incentivo dado a políticas de imigração que substituíssem o braço escravo (negros e índios), ocu passem os “vazios demográcos demográcos”” e possibilitassem possibilitassem o “branqueamento” “branqueamento” da popupopulação (ideologia (ideologia que teve forte forte penetração na região Sul – Paraná, Santa Catarina Catar ina e Rio Grande Gra nde do Sul), a questão social social foi ignorada, apontando para a tendência da elite brasileira para ver as questões socioeconômicas em termos exclusivamente legais, em vez de percebê-la em termos estruturais ou de classes sociais (SKIDMORE, 2000, p. 104). Ou seja: as relações sociais no campo permaneceram durante longolvimento tempo sob controle de grandes proprietários de terra terr a (latifundiários (latifundiár ios). ). O desenvolvimento desenvo doocampesinato só ocorreu em áreas periféricas ou marginais à “grande lavoura”, por inuência dos imigrantes europeus, que estabeleceram sistemas de pequenas propriedades familiares voltadas para a subsistência e para o mercado consumidor interno. Até 1930, o Brasil continuou a ser um país predominantemente agrícola. Conforme o censo de 1920, havia 9,1 milhões de pessoas em atividade, sendo que 6,3 milhões mil hões (69,7 (69,7%) %) se dedicavam à agricultu agr icultura; ra; 1,2 milhão mil hão (13,8% (13,8%), ), à indústria; indúst ria; e 1,5 milhão (16,5%), aos serviços. A partir daí, o excedente de capital acumulado  pela cafeicul cafeicultura tura (principal ( principal produto de exportação) exportação) e o nanciamento nanciamento estrangeiro favoreceram o desenvolvimento das indústrias nacionais e do comércio urbano e alação moder moderniza nização ção ainda da s cidades das (FAUSTO , 2000, p. 97-130 97130). ). Emanos 1940, 70% da popubrasileira viviam(FA noUSTO, ambiente rural. Quarenta depois, 70% da  população viviam, viviam, ao contrário, nas cidades. O inchaço das cidades se deu, sobretudo, a partir década de 1970, quando os países desenvolvidos zeram grandes investimentos em países em desenvolvidesenvolvimento. Recursos nanceiros exteriores foram deslocados para o estabelec estabelecimento imento de indústrias de bens de consumo e indústrias de bens de capitais no Brasil. A agricultura, incentivada pela industrialização, industrialização, passou a ser mecanizada e aumentaram as áreas de pastagem, voltadas voltadas para a criação extensiva, expulsando expulsando grande quantidade de trabalhadores para as grandes g randes cidades, em busca de novas novas oportunidades, principalmente com a instalação de indústrias nos grandes centros. Em 2000, apenas 22% da população residia no espaço rural.

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

Atualmente, portanto, grande parte da população brasileira vive nas cidades cidades

e o processo de industrialização, entre 1930 e 1980, fez dos grandes centros ur  banos o polo polo dinâmico da economia e dos poderes social, social, cultural e político. político. Nas  principais metrópoles do país, ocorreu a reestrutu reestruturação ração do Estado nacional e redeniram-se as suas áreas de intervenção, investiu-se investiu-se na criação de universi u niversidades dades e na reorganização do sistema de ensino em bases nacionais, surgiram os partidos par tidos  políticoss e os movimentos  político movimentos associati associativos vos em escala escala especicamen especicamente te nacional nacional (G (GAR  AR CIA; PALMEIRA, 2001, p. 41). O mundo rural não permaneceu alheio a essas mudanças. Ao contrário, ele incorporou estilos de vida, concepções de mundo,  processos dec isão eurbano de trabalho que se se constroem cons nos posto meiosque urbanos e também inuencioudeodecisão mundo na política, por troem exemplo, representantes  políticoss rurais ainda têm peso signicativo  político signicativo nas decisões políticas políticas nacionais. nacionais. Todavia, no ambiente rural brasileiro predomina um modelo político-econômico de desenvolvimento que resulta em dois processos sociais antagônicos, conforme Scherer-Warren (1990, p. 214): um de integração e outro de exclusão. A integração é resultado do incentivo dado pelo capitalismo no campo, por meio da agropecuária e da agroindústria, formando uma classe empresarial rural que se benecia dessa política e de uma classe de agricultores familiares integrados que se adapta às novas condições de produção no campo. Tais agricultores familiares possuem mais autonomia, fazem uso de crédito agrícola para modernizar sua produção e se apoiam em sistemas cooperativos para desenvolver seus negócios. Os agricultores familiares integrados à agroindústria (fumo, suínos, aves etc.) também se modernizam tecnicamente e têm a segurança da boa colocação do seu produto. Em ambos os casos, ocorre a utilização predatória dos recursos naturais e o abuso de agrotóxicos, em geral sem haver uma autocrítica acerca desse modelo de produção.

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O MST teve inuência de movimentos sociais rurais anteriores, como as Ligas Camponesas, surgidas em 1956, em Pernambuco, decorrentes de pequenas organizações de plantadores e foreiros (aqueles recebem pagamento por que dia de trabalho) dos grandes engenhos de açúcar da Zona da Mata. Em poucos anos, as Ligas espalharam-se por todo o Nordeste, com apoio do Partido Socialista, do Partido Comunista e de setores da Igreja Católica e conseguiram mobilizar milhares de trabalhadores ru rais em defedefesa dos direitos do homem do campo e da reforma agrária. A partir de 1964, com a ditadura militar, o movimento foi enfraquecido e desarticulado. O MST foi fundado em Cascavel (PR) em 1984, após ocupação de terras na região Sul, em São Paulo e em Mato Grosso do Sul. Tem apoio de setores da Igreja Católica,  por meio da C omissã omissãoo Pasto ral da Terra.

Porém, esse processo de integração do capitalismo no ambiente rural tem sua face igualmente excludente. Há uma parcela de agricultores familiares que  por insuciênc in suciência ia de terra ou endividamento não consegue se reproduzir reproduzi r nas no no-vas condições de competição. Ocorre, assim, a exclusão individual ou familiar, que pode formar uma identidade coletiva coletiva que se organiza em movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)1. E há também a exclusão exc lusão coletiva, coletiva, quando comunidades inteiras de agricultores ou indígenas são expulsas ou deslocadas deslocadas por causa da implantação de grandes projetos na área rural ru ral (hidrelétricas, mineração, madeireiras e agropecuária de grande escala). escala). Quando essas populações (agricultores, indígenas, seringueiros, ribeirinhos) r ibeirinhos)  percebem ameaçadas ameaçadas as suas suas terras, a sua fonte de sobreviv sobrevivência ência e a sua sua identidaidentidade cultural, passam a compreender melhor a necessidade necessidade de preservação do meio ambiente. ambien te. Ou, em outras palavras, quando defendem defendem suas terras, ter ras, as orestas e os rios como fonte de sua sobrevivência, percebem também que estão defendendo as fontes da vida planetár planetária ia (SCHERER-WARR (SCHERER-WARREN, EN, 1990, p. 216). 216). O que está em jogo, portanto, nas relações sociais que se reproduzem no campo, a defesa de um modelo desenvolvimento sustentável em que ao valor real da éterra (quanticável) seja de agregado o valor simbólico daquela terra e do espaço socialmente construído naquele território pela comunidade. Quando os se-

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

ringueiros (conforme exemplo citado por Scherer-Warren, 1990, p. 217), no docu-

mento nal do seu 2. Encontro Nacional defendem modelos de desenvolvimento que respeitem o modo de vida, as culturas e tradições dos povos das orestas, sem destruir destrui r a natureza natu reza e melhorando a sua qualidade de vida”, vida”, estão articulando ar ticulando a necessidade de preservação de um modo de vida (condição de sua humanização) com a defesa de seu meio ambiente (condição para sua reprodução). O mundo rural brasileiro, como se pode observar, não vive um processo único e linear, e tampouco é marcado pela imobilidade. Várias mudanças sociais têm ocorrido e hoje coexistem várias propostas de modelo de desenvolvimento do mundo rural, as quais, de certa forma, disputam signicados acerca do futuro do mundo rural, explícitos nos próprios debates entre os que defendem a agricultura familiar e os que defendem a agricultura empresarial e o complexo agroindustrial, os que defendem a agricultura convencional e os que defendem a agricultura orgânica. De qualquer modo, o que isso isso demonstra é a “intensidade “intensida de da competição  por terra, ter ra, por recursos recu rsos nanceiros, nancei ros, por força de trabalho trabal ho e, principalmente, principal mente, pela legitimidade de designar designar o futuro fut uro das relações no mundo rural e das congura congur ações cidadecid ade-campo” campo” (GARCIA; PALMEIRA, PALMEIR A, 2001 20 01,, p. 41). 41).

Desenvolvimento territorial sustentável: uma nova abordagem Como se destacou anteriormente, há novos olhares sobre o meio rural, ou seja, nas últimas décadas há uma emergência de novas ruralidades. O que isso signica? Entre os principais signicados, está o fato de que o rural já não  pode mais ser visto somente soment e como o lugar da produção agrícola, agríco la, ou seja, o rural não é somente o espaço onde se produzem os alimentos, a matéria-prima da agroindústria. O rural não é somente um setor produtivo, conhecido como setor  primário:  primári o: é muito muito mais do que isso, sendo cada cada vez vez mais valorizado como como o espaço do ambiente natural (n (nele ele é que estão as principais áreas de preservação preser vação e conservação ambiental, como as distintas unidades de conservação, os mananciais de águas, fundamentais para o abastecimento das populações urbanas e rurais), como um lugar de lazer (onde predomina a valorização da estética, da paisagem cênica, da qualidade do ar, das sensações de tranquilidade e de silêncio), como um lugar que guarda formas diferentes de se viver (cada vez se busca conhecer mais ou se reencontrar os modos de vida característicos car acterísticos das populações rurais por aqueles que vivem nas cidades, seja pelas lembranças que trazem, seja pela busca de uma outra qualidade de vida). vida). Se o rural for visto sob o ponto de vista da produção, perceber-se-á que os grandes conitos que persistem no ambiente rural brasileiro tem a ver, enen tre outros fatores, com as disparidades existentes entre a produção agrícola para exportação e a que atende o mercado interno. As lavouras pequenas e voltadas  basicamente para o mercado interno sofrem  basicamente sofrem com as altas taxas de juro, que invia bilizam nanciamentos e investimento investimentos, s, e pela própria abertu abertura ra comercia comercial,l, que oferece produtos importados, inclusive tradicionais, como arroz, milho e feijão, 123

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

a preços competitivos. Já as lavouras voltadas para exportação se beneciam de créditos concedidos concedidos por importadores, impor tadores, que cobram juros bem mais baixos do que

os praticados no Brasil. As inovações tecnológicas a partir da década de 1990 têm sido cada vez mais rápidas. As regiões Sul, Sudeste e parte do Centro-Oeste têm adquirido um alto padrão tecnológico, investindo em máquinas modernas, insumos e fertilizantes, ao contrário das regiões Norte e Nordeste. Paralelamente à inovação tecnológica, cresce também o desemprego. Entre 1985 e 1995, houve uma redução de 23% da mão de obra agrícola, cerca de quatro milhões de pessoas desempregadas, engrossando o número de pessoas e famílias marginalizadas ou subempregadas que vivem grandes cidades ou que participam dos movimentos sociais de luta pela reformanas agrária. O grande desao no Brasil continua a ser a diminuição da desigualdade social, buscando buscando soluções, soluções, quanto ao mundo rural, ru ral, para os probl problemas emas da reforma agrária, da marginalização de milhares de famílias que vivem em condições de extrema pobreza, das irregularidades irregular idades da ocupação territorial, dos danos causados ao solo por séculos de práticas agrícolas predatórias e pelas atuais formas de ex ploração agropecuária em larga escala. escala.  Na perspectiva destacada anteriormente, de ver ver o rural para além além do espaço da produção e em sintonia com a agenda internacional para o meio ambiente e o desenvolvimento (Agenda 21), no âmbito federal foi criada recentemente, ligada ao Ministério doTerritorial Desenvolvimento Agrário (MDA), a Secretaria Nacional de Desenvolvimento (SDT). Ela tem como objetivos promover e apoiar os  processos de construção e implemen implementação tação dos Planos Territoriais de Desenv Desenvololvimento Sustentável, contribuir para o desenvolvimento harmônico de regiões onde predominem agricultores familiares e benec beneciários iários da refo reforma rma e do reordereorde namento agrários, assim colabo colaborando rando para a ampliação das capaci capacidades dades humanas, institucionais e de autogestão autogestão dos territórios ter ritórios2. A meta da Secretaria Nacional de Desenvolvimento Territorial é apoiar a organização e o fortalecimento institucional dos atores sociais locais na gestão  participativa do desenv desenvolvimen olvimento to sustentáv sustentável el dos territórios rur rurais ais e promo promover ver a implantação e a integração de polític políticas as públicas. Nessa Nessa perspectiva, cabe aos pró prios habitantes dos terr territórios itórios rurais r urais denir e gerir a execu execução ção dos projetos. A abordagem territorial pressupõe que os vários setores da sociedade civil e dos movimentos sociais ampliem a sua capacidade de mobilização e organização e que estabeleçam um diálogo com representantes do Estado, a m  m de se planej planejar ar e  promover  promo ver o desenvo desenvolvimento lvimento rural sustentável. sustentável.

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Dados obtidos em .

Essa proposta divide o Brasil em 98 territórios, sendo cada um deles dede nido como espaço geográco caracterizado por aspectos comuns de cultura, cultu ra, solo, clima, rios, organização e coesão social, marcados pelo sentimento de pertencimento dos habitantes. Nessa visão, está implícita a ideia de fortalecer a relação entre espaço e identidade, tornando maior a possibilidade de desenvolver ações conjuntas e continuadas. Uma das estratégias dessa política implementada pela Secretaria é o fortalecimento e o crescimento da agricultura familiar, favorecendo um desenvolvimento territorial descentralizado, interiorizado e participativo como forma de contribuir para par a a inclusão social e combater a pobreza.

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

Para o professor Antonio Cesar Ortega, do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU), os princípios de acentuar a competiti-

vidade no mercado e ao mesmo tempo promover uma eqüidade social, política e econômica não se contradizem. Conforme sua análise, ao longo dos anos, o MDA vem incentivando a formação de conselhos municipais de desenvolvimento rural sustentável, cuja atribuição consiste em formular um plano de desenvolvimento municipal3. Arma Ortega: Or tega: A ideia é de que um plano realizado em um município muito pequeno ou com poucas condições não alcança os objetivos desejados, mas reunindo alguns municípios, numa forma de consórcio ou qualquer forma de arranjo institucional, podemos unir forças para se alcançar objetivos mais amplos.

O grande desao de uma política de desenvolvimento territorial, segundo Ortega, é unir, em torno de um eixo comum, municípios que apresentam projetos de desenvolvimento territorial diferentes. Para que seja possível elaborar um  plano comum, é necessário estabelecer um espaço de discussão d iscussão entre os setores representativos da sociedade local. Segundo Ronaldo Weigand, consultor do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural (Nead), ligado ao MDA, a Secretaria Nacional de Desenvolvimento Territorial está desenv desenvolv olvendo endo um estudo denominado Mapeamen Mapeamento to das d as Iniciativas de Desenvolvimento Territorial Rural Sustentável. Weigand arma que há iniciativas territoriais terr itoriais em todo o Brasil. Trezentas Trezentas delas já foram identicadas, mas o número pode ser bem maior, dependendo de como se dene o que seja desenvolvimento senvolvim ento territorial territorial.. São exemplos de desenvolvimento rural territorial sustentável o trabalho desenvolvido pela ONG Agreco junto aos agricultores que, na encosta da Serra Geral, em Santa Catarina, estão formulando juntos uma noção de território e a  promoção do desenv desenvolvimento olvimento sustentáv sustentável el da região região;; e o da Área de Proteção Ambiental (APA) de Itacaré, em Serra Grande, na Bahia. Como se trata de uma unidade de conservação de uso sustentável, sustentável, em que se permite a expl exploração oração racional e controlada, as ações têm se voltado voltado para o funcionamento de uma indústria indústr ia turística tur ística sustentável, sustentável, aos pequenos produtores sendo dado incentivo para o desenvolvimento de projetos de artesanato, sistemas agroorestais e recomposição de matas nativas. Essas experiências ainda se encontram encontram em uma fase inicial, in icial, não sendo possível identicar os principais problemas que os consórcios apresentam. Mas alalgumas questões iniciais já são vislumbradas, segundo Weigand, como as que se referem à aceitação dos projetos, posto que [...] as iniciativas territoriais arranjam o poder local de uma forma diferente, e leva um tempo para as pessoas se sentirem confortáveis no novo ambiente político criado pela iniciativa. Algumas pessoas, como os políticos mais tradicionais, devem se sentir ameaçadas, enquanto outras out ras (os participantes dos movimentos sociais, os políticos em ascensão etc.) podem sentir-se atraídas pelas oportunidades de participação e poder que são trazidas trabalhando de forma territorial. Chamamos esse aumento de poder dos atores locais, normalmente com uma promoção daqueles que não tinham muito poder anteriormente, de empoderamento empoderamento..

Os dados aqui apresentados, inclusive depoimentos, foram obtidos em .

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

O desao é harmonizar as estratégias de desenvolvimento territorial, ar ticulando políticas públicas nos diversos níveis de governo, em sintonia com as

necessidades das populações dos territórios e organizações da sociedade civil, tendo como eixo eixo a agricultura agricultur a familiar e a reforma agrária. agrár ia.

Os atores do desenvolvimento rural sustentável A partir parto irque dorepresenta nal da década de 1970, 197de 0, atores aumentou o número de manifestações no campo, pluralidade sociais e diversidade de interesses coletivos. A atitude de indignação e insatisfação face às condições de vida e aos caminhos da economia e das políticas públicas são expressas nos boicotes e  bloqueios  bloque ios de estradas pelos trabalhadores trabalhadores rurais (criadores de suínos, plantadores de soja etc.) que exigem melhor política agrícola e xação de preços mínimos; nas greves de assalariados assalar iados e boias-frias (cortadores (corta dores de cana e picadores picadores de laranja) pela melhoria de salário e das condições de trabalho tr abalho;; pelos acampamentos e passeatas dos trabalhadores rurais sem-terra que lutam por uma reforma agrária imediata; no movimento das mulheres agricultoras agr icultoras que reivindicam direto à sindicalização e à previdência social (SCHERER(SCHER ER-W WAR ARREN, REN, 1990, p. 209-210). 209-210). Todos esses movimentos marcam uma nova época do sindicalismo no campo, que se opõe ao sindicalismo assistencialista que predominou historicamente até então no Brasil. Trata-se de um sindicalismo combativo, que se une a outros movimentos sociais e a movimentos ecológicos e de defesa do meio ambiente, assumindo proporções regionais, nacionais e até mesmo internacionais. Dentre esses movimentos, destacam-se os de agricultores que foram atingidos por barragens e lutam por indenização justa ou tentam impedir a construção de tais obras, sob o argumento de não ser possível garantir a reprodução do seu grupo social em outras terras que não aquelas onde criaram raízes e estabeleceram sua identidade cultural; o movimento dos indígenas que foram atingidos  por grandes g randes obras obra s como barragens ba rragens e rodovias e lutam pela manutenção de suas terras, sua comunidade e identidade étnica; o movimento dos seringueiros que

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O conceito de gênero gênero    par te do press  parte pressupost upostoo de que as desigualdades entre homens e mulheres não são dadas biologicamente, mas sim construídas socialmente, a partir das denições estaesta belecid as do que sejam os  papéis mascu masculinos linos e femin feminiinos. Como as desigualdades entre homens e mulheres não são determinadas pela natureza, as relações sociais entre os gêneros construídas historicamente podem ser modicadas. 126

defendem preservação reservas extrativistas e dede umgênero modo4 peculiar se relacionar acom a FlorestadasAmazônica; o movimento que lutadepelo reconhecimento e a valorização do papel da mulher na agricultura familiar, não só como “ajudante” na unidade de consumo (parte da produção voltada para a subsistência da família) mas também como coadjuvante na unidade de produção (parte da produção voltada para o mercado). De modo geral, até pouco tempo atrás, entre as populações rurais, não havia uma grande penetração da consciência ecológica, que se tornava relevante apenas quando se colocava de algum modo em risco a sobrevivência do grupo. Especialmente entre os agricultores familiares, a consciência ecológica é despertada quando, por exemplo, o uso de agrotóxicos coloca em risco a sua própria saúde. Mesmo assim, há aqueles aqueles que continuam a utilizá-los util izá-los indiscriminadamente, para obter um aumento da produção e garantir a competitivi competitividade dade no mercado. Ou seja, a luta pela sobrevivência econômica obscurece possíveis lutas pelas condições de saúde e do meio ambiente (SCHERER-WARREN, 1990, p. 212).

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

Maior importância à agricultura familiar, no entanto, vem vem sendo dada pelas  políticas públic públicas as no Brasil a partir de meados meados da década de 1990, 1990, em decorrência decorrência

da reforma do Estado. Est ado. Dois fatores fatores foram fundamentais f undamentais para que isso ocorresse: a necessidade necessi dade de uma intervenção estatal frente f rente ao crescente quadro de exclusão exclusão social e o fortalecimento fort alecimento dos movimentos movimentos sociais rurais. De acordo com a Secretaria de Agricultura Familiar, em 2002 havia 13,8 milhões de pessoas em cerca de 4,1 milhões de estabelecimentos familiares, o que corresponde a 77% da população ocupada na agricultura. agr icultura. Cerca de 60% dos alimentos ali mentos consumidos pela população população  brasileira e 37 37,8% ,8% do Valor Valor Bruto da Produção Produção Agropecuária Agropecuária eram então então produzidos por agricultores familiares5. Espera-se que o século XXI não seja um prolongamento do século XX no que se refere às políticas de modernização agrícola que excluíram excluíram um u m vasto contingente de trabalhadores rurais do acesso à terra e/ou aos meios de comercialização dos seus produtos produtos e permitiram permiti ram a especulação fundiária fundiár ia e a degradação da terra pela utilização de técnicas agrícol agr ícolas as hoje consideradas consideradas incompa i ncompatíveis tíveis com a  proposta de um desenv desenvolvimento olvimento agrícola sustentáve sustentável.l. Da mesma forma, espera-se que o atual século reconheça denitivamente a relevância do meio rural para o conjunto societário. Entendê-lo na perspectiva do desenvolvimento territorial torna-se essencial, pois é a partir dela que se pode pensar na qualidade dos territórios, com suas identidades especícas em que se articu articu-lam os meios sociais rural e urbano. Cabe às populações de tais territórios assumir o compromisso com a feição do desenvolvimento para as distintas regiões, articulando os diversos recursos disponíveis, sejam eles econômicos, ambientais, sociais, culturais ou políticos, por meio da atuação nos diferentes conselhos existentes.

5

Dados obtidos em .

Desveland Desv elandoo a agricultura agr icultura familiar famil iar (ROSSETTO1, 2005)

Ainda hoje é possível identicar análises que usam como equivalentes as produção   e agricultura de baixa esxpressões agricultura familiar ,  pequena produção renda,, ou então que procuram caracterizar esse tipo de produtor como não prorenda  ssional ou não comercial. comercial. Existem também t ambém aquelas abordagens que associam atraso,, em oposição à modernidade. modernidade. Trata-se a produção familiar ao atraso  Trata-se de visões que podem induzir induzi r a um julgamento prévio sobre as possibilidades econômicas econômicas do segmento familiar no campo. [...] muitas delas condenam à marginalidade ou ao desaparecimento os agricultores que não possuem escala e tecnologia de  ponta. Em vários vários indicadores, isso não encontra encontra sustentação. sustentação. Estudo realizado pela Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), por solicitação do Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimen Desenvolvimento to Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário, revela que em 2003 as cadeias  produtiv as da agricultura  produtivas agricu ltura familiar fam iliar foram fo ram responsáveis responsá veis por 10,1% 10 ,1% do PIB

Miguel Soldatelli Rossetto é o ministro do Desenvolvimento Agrário. Foi vice-governador do Rio Grande do Sul (1999-2002).



127

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

nacional, o que corresponde a um valor adicionado de R$ 156,6 bilhões. A metodologia uti-

agronegócio,, segmento que deslizada parte do cálculo já realizado pela USP para o chamado agronegócio fruta de ampla divulgação nos meios de comunicação. Até então, essas apresentações, de forma injusticada, não consideravam a parcela que cabe à agricultura agr icultura familiar, inclus i nclusive ive na geração de saldos comerciais internacionais. Entre os anos de 2002 e 2003, a agricultura familiar apresentou maior dinamismo que a patronal Os dados complementam o estudo realizado pela FAO (Organização das Nações Unidas  para a Agricultura e Alimentação Alimentação)) e pelo Incra com base nas informações informações do Censo Agropecuário de 1995-96. O trabalho mostrou que, dispondo de só 30% da área, os estabelecimentos familiares foram responsáveis responsáveis por quase 38% do valor bruto da produção agropecuária agropecuár ia nacional. Na produção de feijão, leite, milho, mandioca, suínos, cebola, banana e fumo, essa proporção foi superior ou próxima a 50%. Apesar de a área média dos estabelecimentos patronais ser quase 17 vezes maior que a dos familiares, a renda total por hectare/ano nesses imóveis onde predomina o trabalho familiar foi aproximadamente 2,4 vezes maior que a dos demais. Os estabelecimentos familiares foram res ponsáveis  ponsáv eis por praticamente praticamente 77% 77% do pessoal pessoal ocupado ocupado no meio meio rural brasileiro. O estudo da Fipe revela revela ainda que, entre os anos de 2002 e 2003, a agricultura familiar fam iliar apresentou maior dinamismo que a patronal. A primeira pri meira aumentou em 9,4% 9,4% sua participação no PIB, enquanto a segunda, apenas 5,1%. O crescimento foi puxado pela agropecuária, especialmente as lavouras, que cresceram 18,4%, cerca de 3,8 pontos percentuais a mais que os demais empreendimentos. Isso indica que a agricultura familiar foi capaz de responder com eciência eciência aos estímulos  públicos  públi cos e privados, privados, inclusiv inclusivee em relação relação aos produtos produtos voltados voltados à exportação, exportação, como a soj soja. a. O dinamismo da agricultura agricultur a familiar no último período pode ser atribuído, em grande parte, ao resgate de diversas d iversas políticas políticas públicas, especialmente especialmente o crédito subsidiado disponibilizado por meio do Pronaf (Programa Naci Nacional onal de Fortalecimento da Agricultura Agr icultura Familiar). Familiar). Na safra 20032004, foram aplicados R$ 4,5 bilhões em 1,4 milhão de contratos, um crescimento de 100% e 47%, respectivamente, em relação à safra anterior. Da mesma forma que é equivocado homogeneizar os agentes do chamado agronegócio agronegócio   – como se todos eles produzissem com eciência –, também não é correto ignorar que entre os agricultores familiares há uma considerável do ponto dealcancem vista econômico e social. Em ambas as situações, a ação do Estado se faz diversidade necessária para que se novos patamares de crescimento com distribuição de renda. É preciso incluir agricultores que se encontram fora do circuito econômico em virtude da falta de acesso à terra suciente ou do acesso precário a ela. Isso pode ser viabilizado pela rere cuperação de ativos que não estão sendo utilizados em conformidade com a sua função social, consideradas as suas dimensões econômica, ambiental e trabalhista. É fundamental também garantir condições para que os agricultores familiares tenham minimizados os riscos para produzir e comercializar, bem como assegurar os meios para viabilizar o nanciamento, a infraestrutura, a pesquisa, a assistência técnica e a educação para desenvoldesenvol ver o seu elevado potencial de geração de riqueza e de ocupação no meio rural. O Programa de Aquisição Alimentos, o recém-criado Seguro da Agricultura Familiar e a universalização da assistência assistênc ia de técnica são alguns desses instrumentos. inst rumentos. 128

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

O reconhecimento da importância econômica da agricultura familiar não esgota, evidente-

mente, as suas possibilidades como agente fundamental do desenvolvimento do país. A ela devem ser agregados os componentes de valorização social, cultural e tecnológica das populações que vivem e trabalham no meio rural. A disponibilidade de boas informações e de avaliações abrangentes a seu respeito devem orientar as decisões dos setores público e privado. Na esfera das políticas públicas, o Plano Safra  para Agricultura Familiar e o 2.º 2.º Plano Nacional Nacional de Reforma Reforma Agrária representam compromissos compromissos do governo federal com o desenvolvimento sustentável e com a justiça social do país.

 

Discuta e elabore em grupo gr upo um quadro comparativo entre cidade e campo (aspectos (aspectos positivos positivos e negativos de cada um) e compare com as visões correntes apontadas no texto.

O cântico da terra

(Cora Coralina)

Eu sou a terra, eu sou a vida. Do meu barro primeiro veio o homem. De mim veio a mulher e veio o amor. Veio a árvore, veio a fonte. Vem o fruto e vem a or. Eu sou a fonte original de toda vida. v ida. Sou o chão que se prende à tua tu a casa. Sou a telha da coberta de teu lar. A mina constante de teu poço. Sou a espiga generosa de teu gado e certeza tranquila t ranquila ao teu esforço. Sou a razão de tua vida. De mim vieste pela mão do Criador, e a mim tu t u voltarás voltarás no m da lida. Só em mim acharás descanso e Paz. Eu sou a grande Mãe Universal. Tua lha, tua noiva e desposada. A mulher e o ventre que fecundas. Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor. 129

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável I

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu. Teu arado, tua foice, teu machado.

O berço pequenino de teu lho. O algodão de tua veste e o pão de tua tu a casa. E um dia bem distante a mim tu t u voltarás. voltarás. E no canteiro materno de meu seio tranquilo dormirás. Plantemos a roça. Lavremos a gleba. Cuidemos do ninho, do gado e da tulha. Fartura teremos e donos de sítio felizes seremos.

GRAZIANO, Francisco. A Tragédia da Terra: o fracasso da reforma agrária no Brasil. São Paulo: Iglu/Funep/ Iglu/ Funep/Unesp, Unesp, 1991. 1991. MEDEIROS, Leonilde S. de. História dos Movimentos Sociais no Campo. Rio de Janeiro: Fase, 1989.

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SKIDMORE, SKIDMO RE, Thomas E. Uma História do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável II Cynthia Roncaglio

Sistemas de produção sustentáveis

N

as sociedades industrializadas ou em processo de industrialização crescente, sobretudo a  partir dos anos 1950, o sistema de produção adotado na agricultura agri cultura baseou-se fundamentalmente no modelo agroquímico, isto é, no uso de conhecimentos cientícos e tecnológicos voltados para maior produtividade dos recursos agrícolas em menor tempo e com menos custos. A verde, baseia-se no uso intensivo de agricultura intensiva, que cou conhecida como revolução verde, maquinários e insumos químicos sintéticos como fertilizantes, pesticidas e herbicidas e no uso de extensas áreas de produção. Esse sistema desenvolvido primeiramente nos Estados Unidos da América e, nas décadas seguintes, expandido para outras regiões como Europa, Ásia e América Latina, apresentou por um lado um aumento signicativo na produção e na produtividade por

área, possibilitando em vários casos conciliar aumento da produção agrícola e crescimento po pulaci onal. Por outro lado, a promessa  pulacional. pr omessa de que qu e a revol revolução ução verde acabar acabaria ia com co m a fome nos países p aíses do Terceiro Terceiro Mundo não se concretizou. Além disso, do ponto de vista vi sta ambiental, tais métodos de  produção  produ ção causam probl problemas emas aos ecossis ecossistemas temas agríc agrícolas olas (solo, água, ores orestas tas e fauna) e à saú saú-de dos seres humanos, que, em contato direto ou indireto com os produtos químicos utilizados  para a produ produção ção de alimen alimentos, tos, vêm desenvo desenvolvend lvendoo uma série de doença doenças. s. Afora Afor a esses fator fatores, es, a mecanização da agricultura expulsou a população do campo e/ou excluiu aqueles que vivem da agricultura familiar. Os questionamentos sobre essas práticas agrícolas e os efeitos negativos que elas podiam ter sobre os seres humanos e sobre o ambiente existem desde o século XIX. Havia cientistas, técnicos e produtores que discordavam do processo de industrialização que tomava conta do campo, discordavam do uso de fertilizantes químicos sintéticos e pregavam o uso de biofertilizantes e a  produção controla controlada da por pequenos agriculto agricultores res que q ue usavam usav am técnicas técn icas de d e rotação rot ação de d e culturas cult uras e permitiam ao solo o descanso necessário para obter a sua regeneração. Entre 1920 e 1950, surgiram diversos movimentos de defesa da agricultura sustentável (embora o termo sustentável só tenha sido disseminado posteriormente) em várias regiões do planeta e sob nomes diversos: agricultura biodinâmi biodinâmica ca na  na Alemanha; as bases da agricultura orgânica orgânica,, na Índia, na Inglaterra I nglaterra e nos biológica  na Suíça e na França; agricultura natural  natural  no Japão; e Estados Unidos; agricultura biológica   permacu  per macultura ltura na  na Austrália.

131

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

Agroecologia

A agroecologia agroecologia,, ou agricultura alternativa, alternativa, é uma ciência que propõe um novo paradigma cientíco para o desenvolvimento da agricultura. Ao contrário das agriculturas industrial, agroquímica ou biotecnológica, voltadas para os interesses comerciais das empresas transnacionais, a agroecologia se baseia não somente nos métodos e técnicas da ciênci ciênciaa moderna, mas também na etnociência, ou seja, no conhecimento adquirido ao longo do tempo pelos próprios agricultores. O desenvolvimento inicial da agroecologia se deu na década de 1930, quando  pesquisadores já alertavam aler tavam sobre os equívocos do model modeloo conv convencion encional al de propro dução agrícola (uso de insumos químicos, alta mecanização das lavouras, entre outras práticas). A partir da análise das relações complexas entre a agricultura e os ecossistemas e de estudos sobre sistemas de produção das populações campoetnociência,, nesas e indígenas na América latina, desenvolveu-se a concepção de etnociência que é uma combinação de saberes que tem como resultado a adoção de uma u ma série de princípios que se transformam em modos tecnológicos que culminam no que investigação ão participativa participativa.. Os agricultores fazem parte do prose denomina hoje investigaç cesso de investigação juntamente com universi u niversitários tários e técnicos especializados. A agroecologia, agroecolo gia, que se fundamenta f undamenta com mais rigor r igor cientíco cientíco a partir par tir dos anos 1980, 1980, quando ocorreu maior mobilização para as questões ambientais no mundo inteiro, constitui uma mudança do paradigma para digma cientíco que se baseia em integrar princíprincí pios agronômicos, ecológicos ecoló gicososesistemas socioeconômicos socioecon ômicos eà sobre compreensão compreensão e à avaliaçã avaliação efeitoagronômicos, das tecnologias sobre agrícolas os sistemas sociais. o do

Agricultura orgânica A agricultura orgânica é um sistema de produção que exclui exclui o uso de fertilizantes sintéticos de alta solubilidade, solubilidade, agrotóxicos, reguladores de crescimento e aditivos para a alimentação animal. Também não usa nenhum tipo t ipo de corante ou conservante articial arti cial nem faz uso de sementes transgênicas1. Baseia-se no uso de estercos animais, rotação de culturas, adubação verde, compostagem e controle  biológic  bio lógicoo de pragas e doenças. doenças. Busca manter a estrutu estrutura ra e a produtividade produtividade do solo solo,, respeitando os ciclos ciclos da natureza. nat ureza.

1

Transgênico: organismo Transgênico: cujo material genético foi alterado articialmente. O objetivo inicial da modicamodica ção genética era aumentar a resistência da planta a doenças e pragas; hoje, advoga-se que os organismos geneticamente modicados possuem maior durabilidade e maior valor nutricional. O cultivo e o consumo de alimentos transgênicos, no entanto, suscitam polêmicas em virtude dos riscos à saúde humana e ao ambiente.

O conceito de agricultura orgânica foi utilizado primeiramente por sir  Al Al bert Howard, o inglês que, entre 1925 e 1930, 1930, desenvolv desenvolveu eu trabalhos e pesquisas sobre agricultura na Índia, sobre a importância impor tância da utilização da matéria matér ia orgânica  para a manutenção da vida biológica biológica do solo. solo. A crescente utilização de produtos químicos, após a Segunda Guerra Mundial, teve repercussão também na agricultura convencional, que passou a usar agrotóxicos para combater pragas e aumentar a produtividade. No entanto, a partir dos anos 1960, começaram a surgir indícios de que a agricultura convencional apresenta sérios problemas energéticos e econômicos e causa danos ambientais. Cresceu, a partir dos anos 1970, tanto por  parte dos produtores como dos consumidores, a consciência consciência dos riscos r iscos causados ao ambiente e à saúde das pessoas pela contaminação de agrotóxicos.  No Brasi Brasil,l, a produç produção ão orgâni orgânica ca tem tem crescid crescidoo cerca cerca de 50% ao ao ano. ano. EstimaEstima-se se

132

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

que ela ocupe cerca de 100 mil hectares em cerca de 4 500 unidades espalhadas  principalmente pelos estados do Paraná, São Paulo Paulo,, Rio Grande do Sul, Minas

Gerais e Espírito Santo. A maior parte da produção orgânica, cerca de 85%, é exportada para Europa, Estados Unidos e Japão, e cerca de 15% são voltados para o consumo interno. inter no. A alta porcentagem de exportação deve-se ao fato de que es pecialmente nos países países do Norte há maior conscientização ambiental ambiental e exigência exigência do consumidor quanto à origem dos produtos consumidos. No Brasil, os produtos orgânicos são utilizados ainda, preferencialmente, por consumidores que vivem nas regiões metropolitanas, possuem nível de instrução inst rução ele elevado vado e têm maior nível de renda familiar (DAROLT, 2005).

Agricultura biodinâmica  Na década de 1920, 1920, na Polônia, Polônia, o lósofo Rudolf Rudolf Steiner (186 (18611-19 1925) 25) apreapresentou uma nova concepção losóca que podia ser aplicada tanto na medicina, como na pedagogia e nas artes: a antroposoa. Tal losoa pretende captar, por meio de métodos experimentais, fatos suprassensoriais, ou elementos de natureza espiritual que estão além da matéria no meio natural. Na área da agricultura, o biodinâmica.. De acordo com essa corrente, nome dado a essa corrente losóca foi biodinâmica a saúde do solo, das plantas e dos animais depende da sua conexão com as forças de origem cósmica da natureza. Para restabelecer o elo entre as formas de matéria eagrícola de energia no ambiente é el. preciso considerar a propriedade comopresentes um organismo, um sernatural, i ndivisível. indivisív Por meio Por do equilíbrio entre as várias atividades (lavoura, criação de animais, uso de reservas naturais natur ais), ), busca-se alcançar a maior independência possível de energia e de materiais externos à fazenda. Esse é o princípio chamado de autossustentabilidade autossustentabilidade,, que vale tanto para a agricultura biodinâmica como para todas tod as as outras correntes da agroecologia.

Permacultura A permacultura foi desenvolvida no começo dos anos 1970, pelos australianos Bill Mollison e David Holmgren. O termo surge da expressão em inglês  permanent  permane nt agricult agriculture ure (“agricultura permanente”). Alarmados com as consequências ecológicas da sociedade de consumo, Mollison e Holmgren percebem que nem os cantos remotos do interior australiano onde moravam seriam pou pados do iminente i minente colapso planetário planet ário – o desapareci desaparecimento mento da d a ora e da d a fauna. fau na. Daí surgiu a ideia de implantar sistemas de orestas produtivas produtivas para substituir as monoculturas de trigo e soja, responsáveis pelo desmatamento mundial. Por meio da observação e da imitação das formas de orestas naturais do lugar, revelou-se possível a criação de sistemas altamente produtivos, estáveis e recu peradores  perador es dos ecossistemas ecossistema s locais. Os conceitos da agricultura permanente começaram a ser expandidos na Austrália como uma cultura permanente, envolvendo fatores sociais, econômicos e sanitários para desenvolver uma disciplina holística de organização de sistemas. Desde então, diversos países, países, como o Brasil, vêm adotando a permacultura per macultura como 133

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

metodologia agrícola e até mesmo escolas de todos os níveis estão incluindo a  permaculturaa no seu  permacultur seu currículo básico. básico.

Após ter implantado ao longo de dez anos esses sistemas orestais em diferentes continentes, Mollison e seus colaboradores perceberam que os sistemas naturais precisam ser considerados e interagir com outros sistemas igualmente vitais para a existência humana, como os sistemas monetários, os sistemas urbanos, os sistemas sociais e os sistemas de crenças que abrangem a cultura permanente. Baseada na prática de “cuidar da Terra, cuidar dos homens e compartilhar os excedentes” excedentes” (dinheiro, tempo ou informação), a permacultura permacultur a acredita na possibilidade da abundância para toda a humanidade por meio do uso intensivo de todos os espaços, do aproveitamento e da geração de energia, da reciclagem de todos os produtos (acabando assim com a poluição) e por meio da cooperação entre os homens para resolver os grandes e perigosos problemas planetários. A permacultura, permacultur a, tal como a agroecologia, é uma visão integrada da relação entre sociedade e natureza. Portanto, não se coloca apenas como uma técnica mas também como um conjun conjunto to de princípios princípios,, relativos à sociedade e à natureza, nat ureza, que devem ser combinados combinados para alcançar uma melhoria da forma de viver planetária.

Sistema de produção Características

Convencional Intenso revolvimento do solo (o solo apenas como suporte para as plantas plantas))

Hidropônico Utiliza apenas água (a planta não tem contato com o solo)

Orgânico Pouco revolvimento do solo (o solo como um organismo vivo)

Uso de adubos químicos altamente solúveis

Uso de adubos químicos altamente solúveis

Uso de adubos orgânicos

Uso de produtos químicos (inseticidas (insetici das e fungicidas f ungicidas))

Uso de produtos À base de medidas químicos (insetici (inseticidas das  preventivas e produtos pro dutos e fungicidas) naturais

O mato é considerado como uma erva daninha e

 Não existe o  problema, pois

O mato é considerado como um amigo e o

Controle do mato

se faz uso de herbici herbicidas, das, com controle mecânico ou manual

o ambiente é controlado (estufas  plásticas)

controle é preventivo, manual e mecânico

Teor de nitrato na  planta*

Médio

Alto

Baixo

Poluição das águas e Poluição degradação do solo

Poluição das águas Poluição ág uas (elementos químicos residuais)

Preservação do solo e das fontes de água

Preparo do solo

Adubação

Controle de pragas e doenças

Alterações no meio ambiente

* O teor de nitrato está relacionado ao aumento da incidência de câncer. Pesquisa do Instituto Agronômico do Paraná – Iapar (MIYAZAWA et al., al., 2001) Fonte: DAROLT, 2002.

134

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

Práticas de sustentabilidade rural no Brasil

 No Bra Brasil sil,, vár várias ias exp experi eriênc ências ias vêm sen sendo do bem bem-su -suced cedida idass em dem demons onstra trarr as pos pos-síveis formas de sustentabilidade rural que, em última instância, visam a promover a  justiç  jus tiçaa soci social, al, a qual qualida idade de de vid vidaa para para os agr agricu iculto ltores res fam famili iliare ares, s, o mane manejo jo ade adequa quado do dos recursos naturais visando não só ao produto e à produtividade mas também ao  processo  proce sso suste sustentáv ntável el de de produçã produção. o. Algumas dess dessas as práticas práticas já têm têm sido sido regulamen regulamen-tadas e apoiadas pelas políticas públicas, como é o caso das reservas extrativistas orestais na Amazônia e das reservas extrativistas marinhas. Outras são apoiadas  por ONGs ONGs,, como como é o caso da Associa Associação ção em em Áreas de Assentam Assentamento ento no Estado Estado do Maranhão (Assema), (Assema), entidade organizada e dirigida por pequenos produtores rurais e quebradeiras de coco babaçu que vivem na região do Médio Mearim Mearim e trabalham em sistemas cooperativistas e associativistas, estimulando a agricultura familiar  para a produ produção ção de alimentos, alimentos, tanto para o autoconsumo autoconsumo quanto para o merc mercado ado,,  bem como ativi atividades dades co coleti letivas vas para geraç geração ão de renda e dese desenv nvol olviment vimentoo soc social ial loc local al centradas no agroextrativismo ag roextrativismo e no beneciamento beneciamento do coco babaçu. São muitas as práticas e diferentes resultados têm se apresentado na busca da sustentabilidade sustentabilidade.. Serão apresentados aqui apenas alguns casos ilustrativos ilust rativos,, relacionados relaci onados aos sistemas de produção alternativos abordados, os quais, de certa cert a forma, exemplicam as contribuições e os esforços que vêm sendo feitos em todo o Brasil para uma vida rural r ural sustentável. sustentável.

Experiências da permacultura Um dos enfoques da permacultura permacultu ra é que os problemas problemas observados nos ecossistemas apontam para as possíveis soluções. Em uma área árida, por exemplo,  podem-se utilizar utiliza r plantas da família dos cactos, como o go-da-índia, ou a co co-chonilha, um inseto que produz uma tinta valiosa e que se desenvolve no cactos Opuntia.. No caso de uma propriedade que tenha uma encosta pedregosa, essa Opuntia encosta pode se tornar apropriada para o cultivo de certas plantas que não se adaptariam em outras áreas mais férteis da propriedade. Se as lavouras sofrem ataques de caracóis, isso é um indicativo para que a região seja adequada para a sua criação. Ou seja, todo eproblema aponta para uma solução. Assim, algumas pesquisas experiências práticas têm oportunidade sido feitas emde regiões do Brasil utilizando enfoque da permacultura. Em relação aos sistemas agroorestais, foram testadas, nos estados de Per nambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Bahia – regiões semiáridas brasileiras –, 25 espécies e 160 procedências de eucalipto. Constatou-se, a partir daí, que camaldulensis  e E. tereticornis se tereticornis se destacam das demais, com um as espécies E. camaldulensis  rendimento médio de 70 m³/ha, aos sete anos de idade, o que corresponde a uma  produtividade  produti vidade quatro vez vezes es maior que a da vege vegetação tação nativ nativa. a. Ness Nessaa região região,, também

135

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

Prosopis (algaroba),  (algaroba), se destacam pelo bom desempenho as espécies dos gêneros Prosopis  Leucaena (leucena),  Leucaena  (leucena), Mimos  Mimosaa (sabiá) e Gliciridia (glicirídia), com uma grande van-

tagem sobre as outras por serem árvores de múltiplo uso (lenha, carvão, estacas, forragem, cercas-vivas, ce rcas-vivas, quebra-ventos, quebra-ventos, xação de nitrogênio, nit rogênio, sombreamento etc.). etc.). Outra pesquisa, relativa aos sistemas silvipastoris, foi desenvolvida no estado de Minas Gerais. Na sua região sudeste, foi desenvolvido um experimento, iniciado no nal de 1986 e com duração de 24 meses, numa área pertencenpertencen te à Companhia Agrícola e Florestal Santa Bárbara, no município de Dionísio. Tratava-se de analisar o uso de extensas áreas de reorestamento r eorestamento com eucaliptos 2

como potencial forrageiro  para a alimentação de bovinos. A pesquisa levou ao seguinte resultado:   a consorciação3 de bovinos e ovinos com  Eucalyptus propicia redução de 52 a 93% do custo de implantação e de manutenção dos povoamentos orestais; nos primeiros 24 meses de vida do povoamento orestal, a adoção de qualquer um dos sistemas (pastejo de ovinos e/ou bovinos) não afetou o desenvolvimento da espécie orestal, no que diz respeito ao incremento em altura e DAP4; a compactação do solo é inuenciada pela carga animal, porém seu efeito só é percebido nas camadas superciais do solo; houve um aumento considerável na taxa de mortalidade dos formigueiros de acromyrmex nas parcelas pastejadas.  No sudes sudeste te da Bahi Bahia, a, regi região ão tro tropica picall úmida ú mida,, há h á vário v árioss siste s istemas mas agro agroo o-restais em desenvolvimento, entre os quais o sistema cacau, que é de grande importância agronômica, socioeconômica e ecológica. Outros sistemas multiculturais de destaque destaqu e envolvem as culturas de seringueira, seringueir a, banana e café, além de pasto, bem como cultivos de macadâmia macadâmia,, pupunha, pimenta-do-reino, cravo, citros e cultivos de ciclo curto. Tanto os sistemas desenvolvidos em larga escala, como o cacau, quanto os sistemas desenvolvidos em pequena escala, como consórcios com seringueira, macadâmia e cravo-da-índia, demonstram

2

que esses diversos sistemas agroorestais praticadosmonoculturais, pelos agricultores apre sentam uma série de vantagens sobre os sistemas comoapreporexemplo maiores lucros por unidade de superfície cultivada; uso diversicadiversicado mas racional dos fatores espaço e luz; mecanismos biológicos interativos; uxo de caixa mais favorável por causa das receitas obtidas com as culturas intercalares de ciclo curto, antecipando, dessa forma, o ponto de nivelamento econômico dos cultivos permanentes.

3

Experiências da biodinâmica

 Diâme tro à altura do peito:: medida utilizada para to

4

A biodinâmica tem sido disseminada no Brasil, especialmente a partir de 1982, com a fundação do Instituto Biodinâmico de Desenvolvimento Rural, hoje

ocies corte e/ou manejo de espéorestais.

denominado Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica (ABD), situa-

Forrageiro: relativo a forForrageiro: ragem, planta que serve  para alimentação aliment ação do gado. Consorciação: pastagem Consorciação: com mais de uma espécie forrageira.

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 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

da em Botucatu, estado de São Paulo. O seu objetivo principal é impulsionar o desenvolvimento da agricultura biodinâmica no Brasil. Por meio de pesquisas,

consultorias, publicações e cursos, e considerando a propriedade agrícola como um organismo, a ABD procura divulgar que a saúde do solo, dos vegetais e dos animais depende de um melhor inter-relacionamento da parte com o todo do organismo agrícol agr ícola. a. Assim, a ABD busca produzir alimentos de alto valor biológico, em quantidades sucientes e isentos de contaminantes; conservar a capacidade dos meios de produção, desgastando o mínimo das reservas de matérias-primas e energia;  preservar a qualidade do meio ambiente e estenderestimular suas possibilidades por meio da formação de paisagens culturais equilibradas; um relacionamento mais profundo do agricultor com a Terra e com a sociedade. Entre outras atividades, a ABD desenvolve pesquisas e propõe nova alternativa para a compreensão dos sistemas biológicos naturais, em particular para as condições do cerrado. Atua especialmente com o desenvolvimento de sistemas agrossilvopastoris em aleias, com um trabalho intenso de reconstrução da paisagem degradada. A ABD também desenvolveu a tecnologia do coquetel de adubos verdes e a dissemina para agricultores da região e alunos da área agronômica.

Iniciativa de consumidores orgânicos Entre o início da década de 19 1970 70 e o início da década de 1990, a agricultura orgânica se desenvolveu de forma muito lenta no Brasil, ligada a movimentos alternativos que se colocaram contra os métodos convencionais da agricultura  praticada no País. Esses movimento movimentoss manifestaram-se por meio da criação de instituições, realização de eventos e formação de associações de agricultores e consumidores ao longo das últimas décadas, tornando um pouco mais visível a agricultura orgânica no Brasil. Destacam-se, especialmente a partir dos anos 1990, a criação da Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio); a Cooperativa de Consumidores e Produtores (Coolmeia), de Porto Alegre; a Associação de Agricultura Ecológica (Aage), de Brasília; a Associação de Agricultura Natural de Cam pinas (ACN); (ACN); a Asso Associaç ciação ão Gurucaia de Londrina e a Asso Associaç ciação ão de Agric Agricultura ultura Orgânica do Paraná (Aopa). Segundo Adilson Paschoal (apud  (apud   DAROLT, 2005), um dos pioneiros  pioneiros do movimento orgânico brasileiro, apesar de todos os esfo esforços, rços, a agricultura orgânica, até meados da década de 1990, ainda não conseguiu se consolidar no Brasil, no sentido de demonstrar seus propósitos, métodos e técnicas e também no que se refere à organização do comérci comércioo de alimentos ali mentos orgânicos. orgânicos. Uma das iniciativ in iciativas as interessantes para a divulgação dos produtos orgânicos surgiu dos próprios consumidores. Em meados de 1999, um grupo de consumidores orgânicos que frequentavam a “feira “ feira verde”, verde”, na cidade de Curitiba, Cur itiba, Paraná,  passou a promo promover ver reuniões e atividades com o intuito de estimular e fortalecer a existênci existênciaa das associações já existentes, existentes, como a Associação de Agricultura Orgânica do Paraná e o então recém-criado Conselho Estadual de Agricultura 137

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

Orgânica do Paraná, e contribuir para a divulgação da agricultura orgânica entre os consumidores. Assim, foi criada ocialmente, em julho de 2002, a Associação

dos Consumidores de Produtos Orgânicos do Paraná (Acopa), que tem como objetivos promover e estimular a relação entre consumidores e produtores orgânicos; divulgar a importância import ância da produção orgânica e elevar elevar os padrões de qualidade de vida dos consumidores orgânicos (KARAM, 2005; DAROLT, 2002). Desde o seu início, a Acopa tem desenvolvido diversas atividades que têm contribuído para dar visibilidade à agricultura orgânica, como passeios coletivos às propriedades de agricultores orgânicos do estado; campanhas dos reciclados, para conscientizar os consumidores acerca das embalagens utilizadas para as compras na feira (estímulo ao uso de sacolas de pano, carrinhos etc., no lugar de sacolas plásticas e descartáveis); descartáveis ); participação em even eventos tos e divulgação de atividades e propostas da Associação nas mídias impressa i mpressa e eletrônica.

Desaos para a vida  vida  rural contemporânea no Brasil A agricultura alternativa, seja sob qual etiqueta se apresente (agroecológi(agroecológica,, orgânica ca orgânica,, biodinâmica biodinâmica,, natural natural etc.),  etc.), surgiu motivada pela contestação política, mística e/ou à agricultura baseada uma racionalidade instrumental quecientíca via a natureza apenas moderna, como recurso a serem cultivado de forma a se obter o máximo máxi mo de produtividade e lucro. Ao contrário da agricultura ag ricultura convencional, a agricultura alternativa não tem como nalidade última a rentabilidade econômica, mas é movida por racionalidades e dimensões diversas (econômica, social, moral, religiosa, afetiva etc.) que representam formas diferentes de com preender e vivenc vivenciar iar a relação entre sociedade e natureza (BRANDEMBUR (BRANDEMBURG, G, 2005, p. 15). Ao longo das últimas décadas, em diversos países, inclusive no Brasil, os movimentos alternativos cresceram, na medida em que as questões ambientais, em especial os riscos sociais ligados à saúde, passam a ser veiculadas insistentemente pelos meios de comunicação e os consumidores assumem uma postura mais responsável e atenta aos seus próprios hábitos alimentares e ao comportamento das empresas alimentícias em relação ao ambiente. Isso fez com que os movimentos de agricultura alternativa crescessem e também se articulassem e se organizassem perante a modernização conservadora representada pela agricultura agr icultura convencional. A agricultura ecológica foi reconhecida internacionalmente, em 1972, com a criação da Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica (Ifoam). Em 1991, foi regulamentada e estimulada est imulada pela União Europeia, por meio de políticas de subsídio que então pretendiam converter, até 2005, de 10 a 20% da área agrícola convencional em orgânica.  No Brasil, ainda há regulamentação da agricultura orgânica, que se faz necessário para que não se possa scalizar e controlar a produção. Há, nooentanto, a Instrução Normativa 7, de 17 de maio 1999, editada pelo então Ministério da 138

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

tipicaAgricultura e do Abastecimento, que estabelece as normas de produção, tipica ção, processamento, processamento, envase, distribuição, identicação e certicação de qualidade

 para os produtos produtos orgânicos de origem veg vegetal etal e animal. Várias instituições certicadoras e associações têm se responsabilizado em todo o Brasil pelo acompanhamento e a scalização da produção produção.. O Instituto I nstituto Biodinâmico (IBD) é o mais conhecido e tem abrangência nacional. Segundo Eduardo Ribeiro Machado (COM CIÊNCIA, 1999-2000), produtor e presidente da Associação da Agricultura Orgânica (AAO), há cerca de 17 mil produtores orgânicos em âmbito mundial, sendo sendo dez mil na Europa, cinco mil nos Estados Unidos e dois milPara nos comercializar demais países.um Noproduto Brasil, como há 1 500 com oe atestadoda deAmérica origem ecológica. orgânico obter o selo de garantia de uma instituição certicadora, certi cadora, o chamado selo verde, verde, o alimento precisa conter 95% ou mais de ingredientes da agricultura orgânica. Recentemente, os agricultores orgânicos já podem contar também com nannanciamento do crédito rural feito pelo Banco do Brasil. Para que isso ocorra, o agricultor deve ser certicado pelo IBD e pela AAO, A AO, que por sua vez são credenciadas pela Ifoam. Os alimentos orgânicos geraram formas alternativas alter nativas não apenas de produção mas também de comercialização. Nas grandes gr andes cidades, em geral os produtores orgânicos vendem diretamente seus produtos aos consumidores, por meio de espaços em exposiçõesgerou e eventos ou com a entregaede sacolas emfeiras casa. livres, Esse tipo de comercialização também proximidade maior solidariedade entre produtor e consumidor. Porém, diante do crescente interesse dos consumidores pelos produtos orgânicos, é cada vez mais comum encontrar  produtoss orgân  produto orgânicos icos nas gôndolas dos super supermercado mercados. s. Algu Algumas mas modi modicações cações,, como o sistema de distribuição impessoal, são inevitáveis na medida em que os ecoprodutos, para atingirem um número maior de consumidores, precisam competir nos espaços tradicionais de comercialização. Mas até que ponto, de acordo com Brandemburg (2005, p.16), para competir em preço, qualidade e apresentação, alguns princípios da agricultura ecológica (como as múltiplas racionalidades)) não serão diluídos para se adaptarem à agricultur racionalidades ag riculturaa do consumo massicado, regido pela racionalidade instrumental, na qual prevalece a lógilógi ca da produtividade e do lucro? O mais provável é que sistemas de produção agroecológica tradicionais caminhem lado a lado com sistemas de produção agroecológica mais voltados voltados para par a o mercado convenc convencional. ional. O que parece se destacar no cenário rural r ural contemporâneo no Brasil, mesmo que o processo de scalização e controle dos produtos orgânicos deva ser reguregu lamentado para que se possa obter garantia de procedência e qualidade desses  produtos e que ainda predominem em muitas regiões sistemas convenciona convencionais is de agricultura, é que há um esforço de diversos movimentos associativos associativos de produtores, técnicos e consumidores para cobrar mudanças nas políticas públicas de Estado, a m de propiciar um desenvolvimento rural sustentável. ângulo, de as gestão tecnologias de produção devem ser aplicadas em consonânciaSob comesse programas ambiental, assim como o foco de desenvolvimento 139

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

deve ser centrado na relação entre homem e natureza como partes do mesmo processo, no qual a garantia de sustentabilidade deve ser buscada, conforme Kitamura

(2001) num planejamento orientado para a segurança alimentar e a subsistência dos agricultores familiares, para sistemas de produção menos nocivos ao meio ambiente e capazes de atender a uma clientela cada vez mais consciente e demandante de  produtos  produ tos agríco agrícolas las e proce processos ssos de produçã produçãoo mais mais limpos. limpos.

Agricultura natural: a natureza ofereceu à semente um ambiente perfeito (KAWAGUCI, 2005)

O agricultor japonês Yoshikazu Kawaguci utiliza técnicas naturais e herdou o manto do  pioneiro  pion eiro Masanob Masanobuu Fukuoka. Localizada ao sul de Nara, antiga capital do Japão Japão,, sua pequena fazenda ca em um u m povoado para onde estão mudando habitantes urbanos. A velha casa de pau a  pique onde onde vive vive com a mulher, mulher, a mãe e três lhos está rodeada de casas casas modernas e uma estrada movimentada atravessa um de seus campos. Antes da entrevista, Kawaguchi guiou-nos por sua fazenda. O arroz havia sido colhido e as cebolas, recentemente transplantadas. Diferentemente da terra nua de seus vizinhos, os campos de Kawaguchi estão cobertos por um tapete verde. Ele Ele arrancou arr ancou um tufo de capim revelando uma grossa camada de matéria orgânica em decomposição. decomposição. Era isso, disse, que fornecia toda a nutrição e umidade necessárias à vida de suas colheitas.  Na horta, horta, leiras e mais leiras de cenouras, rabanetes, rabanetes, repolho, repolho, brócolis brócolis e verduras folhosas folhosas crescem no meio da grama – um u m cenário de abundância e harmonia. har monia. Andamos ao lado de canais rasos de drenagem cavados para levar o excesso de água de chuva. Fora esses canais, a terra não é cavada nem o capim é retirado. retir ado. Mais tarde, em sua casa, tomamos chá acompanhado de bolinhos caseiros e conversamos sobre sua vida, loso losoaa e técnica.

Qual é a história de sua família? Por muitas gerações, os membros de minha família eram arrendatários. Eu, o lho mais velho, nasci em 1939. Meu pai morreu quando eu tinha 11 anos. Quando terminei a escola, tomei o seu lugar na fazenda da família. Naquela época, a agricultura mecanizada e os agroquímicos estavam surgindo. Logo, Logo, fertilizantes e pesticidas, tratores e outras máquinas dominavam a agriagr icultura. Em minha juventude, usei esses métodos durante mais de 20 anos. Por que passou para a agricultura natural? Fiquei sicamente doente por causa da maneira como vivia e trabalhava. Espiritualmente, eu havia perdido qualquer esperança no futuro. Era como bater contra uma parede. Não sabia o que osen (“Contaminação conjunta”), de Sawako Ariofazer. Foi nessa época que li o livro Fukugo no osen (“Contaminação yoshi. Esse livro foi um marco na história do ambien ambientalismo talismo japonês, com impacto no Japão simisilenciosa no Ocidente. Aquele livro me ajudou a compreender onde estava lar ao livro Primavera silenciosa no odestruía meu erro. Vi, pela primeira vez, que meu método de agricultura prejudicava o meio ambiente e a vida. 140

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

O que é agricultura natural? Cada semente que plantamos tem sua própria vida. Deixamos essa vida se desenvolver assim

como é, respeitando o seu processo de crescimento crescimento natural. natur al. A natureza deu à semente um ambiente perfeito; interferimos o mínimo possível. Isso quer dizer, não aramos a terra nem removemos os outros tipos de plantas e insetos i nsetos do campo.

Onde foi que a agricultura natural se originou?  No Japã Japão. o. Fo Foii iniciada por algumas pesso pessoas as que percebe perceberam ram que a agricultura orgânic orgânicaa ocid ocidenental não oferecia uma solução para a preservação do meio ambiente e seus recursos. Sua losoa e  prática foram desen desenvo volvidas lvidas por três pessoas pessoas:: Masanobu Masanobu Fukuoka, Hirashi Hirashi Fujii Fujii e Moki Mokichi chi Okada. Okada. Quais são as diferenças entre a agricultura orgânica e a agricultura natural? Embora os agricultores orgânicos evitem substâncias articiais, usam todo tipo de aditivos, tais como composto e esterco, pesticidas orgânicos etc. Além disso, quando aram o solo, frequentemente usam máquinas que exigem muita energia articial – não só o combustível usado para operar a máquina, como também a energia necessária para fabricá-la. Já a agricultura natural é isso mesmo, totalmente natural. Usa apenas o que se encontra no campo.

A agricultura natural pode ser praticada na Europa ou na América, onde os campos são muito maiores do que no Japão? Sim. Pode ser praticada em qualquer lugar. Em campos maiores, vai necessitar de mais gente. Porém, quando se considera considera o número de pessoas empregadas na fabricação de fertilizantes, fertil izantes, pesticidas, maquinário etc., o tempo total gasto para produzir safras safr as pelo método natural é menor. Como a pessoa que quer praticar a agricultura natural vai começar?  Não deve deve arar o solo. solo. Não deve deve usar composto, composto, fertilizantes orgânicos ou quaisquer aditivos. aditivos.  Não deve deve considerar considerar a grama nativa como como erva daninha que precisa precisa ser removida, removida, nem deve deve considerar os insetos como predadores que precisam ser exterminados. Eles não são inimigos, são essenciais à saúde do solo. Existem algumas variações segundo segu ndo as diferenças do solo e do clima. Por exemplo, exemplo, o método de  plantar  plan tar as as sem sementes entes.. Em alguns caso casos, s, ela elass podem ser espa espalhadas. lhadas. Em outro outros, s, preci precisam sam ser plan plantadas tadas no solo. solo. Em outras circunstâncias, circun stâncias, talvez talvez precisem ser criadas como mudas e protegidas até o trans plante.  plan te. Às vezes vezes,, pode pode ser ser necess necessário ário cortar cortar a grama grama ao redo redorr quando quando ela ela ameaça ameaça a jov jovem em planta planta.. Quanto os japoneses estão interessados em agricultura natural? O interesse aumentou nos últimos cinco anos, mas o número de agricultores dedicados em tempo integral à agricultura agricultur a natural é muito pequeno. A maioria maioria das pessoas interessadas é constituída de pequenos proprietários que plantam para consumo próprio. Eu estou em contato com 13 grupos que trabalham t rabalham em diversas partes par tes do Japão. O maior, maior, ao redor de Osaka, é formado por mais de 300 pessoas que plantam em campos nas montanhas. Você acha difícil viver em harmonia com o mundo moderno?  Na minha juventude juventude,, eu estava muito preocupado com as contradiçõ contradições es que via em volta. Hoje, aceito o fato de que nasci neste mundo e pronto. Talvez não seja possível mudar o mundo, mas podemos mudar a nós mesmos. Podemos Podemos tentar estabelecer nossas vidas naquilo que é natural nat ural e bom. 141

 

 Ambiente rural e desenvolvimento sustentável III I

 

Faça uma pesquisa identicando Faça identicando diferenças e semelhanças entre a agricultura ag ricultura orgânica, a agriagri cultura biodinâmica e a permacultura.

ALMEIDA, Jalcione. A Construção Social de uma Nova Agricultura. Porto Alegre: UFRGS, 1999. PASCHOAL, Adilson D. Produção Orgânica de A limentos: agricultura agricultu ra sustentável sustentável para os séculos XX e XXI X XI – guia g uia técnico e normativo para o produtor, o comerciante comerciante e o industrial industr ial de alimentos orgânicos e insumos naturais. Piracicaba: Esalq/USP, 1994.

ALMEIDA, Jalcione. A Construção Social de uma Nova Agricultura . Porto Alegre: UFRGS, 1999. BRANDEMBURG, Alo. Movimento Agroecológico: trajetó tr ajetórias, rias, contradições e perspectivas. Dis ponívell em: .. Acesso Acesso em: 25 25 jul. 2005. 2005. DAROLT, Moacir Roberto. Alimentos Orgânicos: um guia g uia para o consumidor inteligente. inteligente. Curitiba: Iapar, 2002.  __ _ _ _. A evolução evolução da agricultura orgânica no contexto contexto brasileiro. Disponíve Disponívell em: .. Acesso Acesso em: 20 20 ago. ago. 2005. 2005. PETROBRAS. Meio Ambiente. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2005. TAUK, Samia Maria. Análise Ambiental: uma visão multidisciplinar. São Paulo: Unesp, 2004. TEIXEIRA, Kharen de Araújo; SILVA JÚNIOR, Nelson Jorge. Análise Comparativa dos Estudos Ambientais Sobre a Fauna de Vertebrados Vertebrados Terrestres: o caso da UHE Corumbá Cor umbá I, Goiás. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2005.

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Educação Ambiental como instrumento de superação da

insustentabilidade Nadja Janke

Conceituando Educação Ambiental

E

ducação Ambiental talvez não seja a expressão mais correta. Não deve haver apenas um único educar porque conceito para um ato tão amplo como educar. Digo educar  porque me parece óbvio que Educação Ambiental e educação representam, em síntese, epistemologicamente, a mesma ação: educar. Aliás, quando falamos em Educação Ambiental, temos a É possível educar fora de nítida impressão de que estamos lidando com uma expressão um ambiente, de um redundante... Anal, é possível educar fora de um ambiente, de um espaço, de uma cultura? A impossibilidade é visível, mas a espaço, de uma cultura? expressão Educação Ambiental se Ambiental se justica, anal, pelo simples fato de que serve para destacar dimensões esquecidas pelo fazer educativo, no que se refere ao entendimento da vida e da natureza, natu reza, em suas dimensões di mensões físicas, históricas, políticas, políticas, culturais etc. Portanto, para entendermos Educação Ambiental, nosso primeiro olhar deve estar voltado à educação. Anal, qual o papel da educação? Saviani (1997) explica que o homem de hoje é resultado daquilo que criou como espécie, mas, sobretudo, como ser histórico. Ou seja, ao transformar a natureza para criar a humanidade em si, o homem construiu uma série de manifestações, de conhecimentos e técnicas cuja apropriação tornou-se imprescindível imprescindível à adequação dos indivíduos no conjunto da sociedade, para sobreviver no ambiente. Podemos entender essa apropriação, essa transmissão de conhecimentos de geração a geração como um ato educativo.

Assim, a educação tem como objetivo Assim, objetivo a identicaç identicação ão da cultura, que deve ser apropriada para que nos tornemos humanos. O fato de transcendermos as possib possibilidades ilidades de cada época, de modo que novos conhecimentos e atitudes atitude s sejam criados e repassados repassado s a outros indivíduos, faz com que nossa ca pacidade de transformação transformação seja intensa e constante constante e demonstra nossa dependência dependência do ato ato educacioeducacional. Ademais, do ponto de vista sociopolítico, todos têm direito à apropriação desses conhecimentos, fruto fr uto do trabalho t rabalho histórico, para que se desenv desenvolvam olvam e estejam seguros quanto aos constrangimentos constrangi mentos e discriminações discrim inações que a falta desses mesmos mesmos instrumentos instr umentos possa ocasionar. ocasionar. Daí a importância importâ ncia e o valor da educação. Em suma, a educação corresponde aos processos de transmissão/assimilação de conhecimentos, valores, condutas e práticas produzidos historicamente, necessários à compreensão das estruturas individuais e coletivas, sem as quais o ser humano jamais se produziria como tal. Educar é possibilitar a apreensão fundamental para a construção histórica humana em cada indivíduo. 213

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

“[...] o trabalho educativo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular,

context o? O ambiente sempre Onde ca o ambiente nesse contexto? existiu do ponto de vista educacional. Anal, o próprio saber/ fazer humano só existe em consequência da transformação/ construção/entendimento desse ambiente. Ambiente é o lugar onde vivemos, suas dimensões naturais, tanto quanto a cons-

a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 1997, p. 17).

truída pelo ser humano, individual e coletivamente, expressa sicamente, sicam ente, culturalmente, simbolicamente, simbolicamente, em termos de rere lações.

A educação nos ajudou, de certa forma, a construir nossa atual relação com o ambiente. Anal, do ponto de vista histórihistórico, podemos observar a existência de uma relação direta entre a educação e o ambiente, o que torna possível um melhor entendimento dos problemas ambientais com que hoje nos deparamos. Pois, se construímos ao longo dos anos uma relação de exploração com o ambiente, a educação repassou esse tipo de relação,, construída relação constr uída historicamente, até os dias d ias de hoje.

Saviani (1997) nos explica melhor essa relação ao abordar o conceito de trabalho.. Para esse autor, o homem, diferentemente dos demais animais, necessita trabalho  produzir continuamente sua existência para garantir garanti r a continuidade de sua espécie. Para Para tanto, ele transforma a natureza, adaptando-a ad aptando-a a sua realidade, e o faz por meio do trabalho. Constrói assim atividades de ação intencion intencional, al, transfo tra nsformando rmando a natureza de forma a criar um ambiente humano, o ambiente da cultura. Completa a ocupação humana espaçopara em que o ambiente não éoumais natural e sim aquele construído pelosdo homens, os homens. Danosa não,oessa ocupação humana do espaço é transmitida t ransmitida de geração a geração, pela pela necessidade de manutenção do modo de vida construído constr uído historicamente. Visto Visto dessa forma, ca claro trabalho,, e a própria organização do como a evolução histórica desse conceito de trabalho trabalho em nossa sociedade, transformou a natureza a ponto de colocar em risco o planeta e todos os seres que o habitam. Porém, se é possível possível reconhecermos reconhe cermos a fonte desse problema em nossa cultura cultu ra e nos princípios educacionais que nos fazem repassar, continuamente, essa forma de atuação humana que nos têm causado tantos ta ntos problemas, problemas, é possível possível também encontrarmos parâmetros para as mudanças desses paradigmas e a consolidação de uma forma de atuação mais respeitosa para com o ambiente. É nesse sentido sentido que a Educação Ambiental tornou-se uma necessi necessidade dade indiscutível, uma das principais formas participativas de incentivo às novas gerações para que estejam cientes e atuem criticamente na manutenção dos ambientes, possibilitando uma melhoria na qualidade de vida.  No processo educacional educacional,, em função da situação do ambiental atual, a emergência de novas ideias e valores tornaram necessária a inclusão de uma Educação Ambiental que se comprometa em formar indivíduos ambientalmente mais conscientes. No entanto, não se pode dizer que a ação da Educação Ambiental esteja ligada à questão educacional unicamente como uma forma de transmissão de conhecimentos, sem qualquer atuação prática. É preciso lembrar

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

que os problemas ambientais não são resultado apenas da nossa “falta de conhecimentos” mas também decorrem do tipo de interação, exploração e ocupação que o homem faz do ambiente e que tem impedido as possibilidades de reconstrução desse ambiente. Segundo Rousset (2000), a origem da crise ecológica contemporânea está

no produtivismo e, portanto, as soluções devem se basear na modicação do fun f un-cionamento ou produção das sociedades humanas, responsável pelas poluições, contaminação das águas, escassez de matérias-primas e recursos, destruição de ecossistemas ecossis temas naturais, natu rais, além dos fatores sociais e político políticos, s, todos intimamente i ntimamente ligados à desigualdade social, responsável por outra série de repercussões nas relações sociais e ambientais do nosso modo de vida.  Nesse contexto contexto,, é preciso que a educação forneça algo mais do que a formação da individualidade i ndividualidade,, sendo importante, dessa maneira, reformular parâmetros  para uma u ma educação cidadã. Segundo Porto-Gonçal Porto- Gonçalves ves (1990 (1990), ), o modo como conhecemos e identicamos a natureza se reete nas relações sociais e na cultura de nossa sociedade, servindo de suporte ao nosso modo de vida e de produção. Assim, a solução para os problemas ecológicos atuais está contida determinantemente na reformulação de nossos parâmetros de sociabilidade. Assim, não faz sentido separar a problemática ecológica da social. “A Educação Ambiental surge como uma necessidade quase inquestionável pelo simples fato de que não existe ambiente na educação moderna. Tudo se passa como se fôssemos educados e educássemos fora for a de um ambiente” a mbiente” (GRÜN, (GRÜN, 1996, p. 21 21). O próprio movimento ambientalista surgiu a partir de um questionamento sobre uma série de valores da sociedade capitalista. O consumismo exagerado, as guerras e a destruição da natureza nat ureza zeram com que os homens se questionassem questionassem sobre a relação intrínseca intrí nseca entre conservar e sobreviver. sobreviver. É preciso entender, no entanto, que a ação frente aos problemas ambientais demorou a se estruturar por depender, intrinsecamente, da concepção da relação entre homem e natureza, fator determinante determi nante para o tipo de interação que o ser humano manteve com o ambiente ao longo dos anos. Lembremos que a organização da sociedade moderna, inclusi inclusive ve na política, nas ciências e nas artes, ar tes, foi marcada  pelo cartesianismo, o dualismo dualismo entre homem homem e natureza. natureza. Nesse Nesse contexto contexto,, a natureza era vista apenas como um objeto de estudo, já que o homem era o único “sujeito” em relação ao conhecimento. Essa característica representa um dos princípios do antropocentrismo, do humanismo, pelo qual o homem congura o centro de todas as relações. O homem era o sujeito do estudo ambiental e contemplava o ambiente como algo externo a si. No entanto, a preocupação com a conservação do ambiente foi foi se tornando tor nando forte demais. Atrelada a ela, vinha vin ha a necessidade de se abandonar esse modelo maniqueísta, que distanciava o homem do ambiente nas ciências e na sociedade de uma forma geral. Ao nal dos anos 1980 e início dos anos 1990, a preocupação da Educação Ambiental era trabalhar em integração com a natureza. O homem é parte do ambiente e por isso reproduz em si toda a

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Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

historicidade e a cultura em que está inserido. A busca da contextualização histórica faz com que o indivíduo i ndivíduo se compreenda dentro da relação com o ambien ambiente, te, comprometendo-se comprom etendo-se com uma ética de respeito às gerações passadas e às futur futuras. as. Todas as transformações de parâmetros éticos sobre a relação entre homem e natureza, e a preocupação com as formas de implantação desses pensamentos no

decorrer das últimas décadas, foram fortemente inuenciadas por manifestações que reclamavam mudanças, incluindo incluindo entre elas as várias conferênc conferências, ias, congressos, textos e debates vinculados ao tema ambiental. E é no contexto dos documentos produzidos por esses eventos que encontramos a Educação Ambiental vista como fundamental para alcance da sustentabilidade. A Educação Ambiental surge como estratégia de ação, pela primeira vez, em junho de 1972, na Suécia, na primeira primei ra Conferência Mundial sobre Meio Am biente e Desenvo Desenvolvimento. lvimento. Num documento intitula intitulado do Declaração de Estocolmo, cuja elaboração propunha princípios básicos para a utilização racional dos recursos ambientais, relacionando-os ao aumento da população e todas as implicações sociais, econômicas e ambientais advindas desse processo, encontramos a recomendação de um programa internacional de Educação Ambiental a m de educar o cidadão comum para o importante papel do manejo e do controle do meio ambiente (DIAS, 1991). Posteriormente, organizada pela Organização da  Nações Unidas para a Educação, a Ciência Ciência e a Tecnolo ecnologia gia (Unesco (Unesco), ), a Conferência Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental, em Tbilisi (capital da Geórgia, na ex-União ex -União Soviética), Soviética), no ano de 1977, 1977, foi de grande g rande importâ i mportância ncia para o desenvolvimento da Educação Ambiental no mundo. Foram denidos objetivos e caractecaracte rísticas da Educação Ambiental: [... ...]] ainda que seja óbvio que os aspectos biológicos e físicos constituem a base natural natu ral do meio humano, as dimensões socioculturais sociocultur ais e econômicas, e os valores éticos denem, por sua parte, as orientações e os instrumentos com os quais o homem poderá compreender e utilizar melhor os recursos da natureza com o objetivo de satisfazer as suas necessidades. (COMUNIDADE DE ESTADOS INDEPENDENTES, 2001)

 Nessa s linh  Nessas linhas, as, ca clar claraa a inte intenção nção inte internac rnaciona ionall de traz trazer er a quest questão ão ambiental para o contexto educacional como princípio fundamental para a construção de sociedades soci edades sustentáveis. sustentávei s. Em 1992, a Conferência da ONU ON U sobre sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Eco-92, abriu importantes caminhos em prol da Educação A mbiental. aNo Ambiental. capítulotambém 36 da tão conhecida Agenda 21, 21,  podemos observar as diretr diretrizes izes gerais para a organização intenciona intencionall da Educação Ambiental. Em forma de síntese, podemos dizer que ali encontramos a Educação Ambiental voltada para o desenvolvimento sustentável. 36.3. O ensino, inclusive o ensino formal, a consciência pública e o treinamento devem ser reconhecidos como um processo pelo qual os seres humanos e as sociedades podem desenvolver plenamente suas potencialidades. O ensino tem fundamental importância na  promoção do desenvolvimento sustentável e para aumentar a capacidade do povo para abordar questões de meio ambiente e desenvolvimento. Ainda que o Ensino Básico sirva de fundamento para o ensino em matéria de ambiente e desenvolvimento, este último deve ser incorporado como parte par te essencial do aprendizado. Tanto o ensino formal como o informal são indispensáveis para modicar a atitude das pessoas, para que estas tenham capacidade avaliar os problemas do desenvolvimento sustentável e abordá-los. O ensino é tambémdefundamental para conferir consciência ambiental e ética, valores e atitudes, 216

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade técnicas e comportamentos em consonância com o desenvolvimento sustentável e que favoreçam a participação pública efetiva nas tomadas de decisão. Para ser ecaz, o ensino sobre meio ambiente e desenvolvimento deve abordar a dinâmica do desenvolvimento do meio físico/biológico e do socioeconômico e do desenvolvimento humano (que pode incluir o espiritual), deve integrar-se em todas as disciplinas e empregar métodos formais e informais e meios efetivos de comunicação. (MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE, 2005)

Portanto, a Educação Ambiental para a sustentabilida sustentabilidade de é muito mais do que a assimilação de conceitos e conhecimento sobre o ambiente. A Educação Ambiental será responsável por uma nova relação do eu com o outro e com o mundo. A preocupação é formar indivíduos e cidadãos comprometidos não só com as próprias necessidades e as necessidades dos outros, mas interessados em reformular essas necessidades, em reconhecer o que de valioso existe na vida, e na relação com o mundo. Isso implica um conhecimento interno muito aprofundando, losóco, existencial, mas também um forte engajamento na partilha da responsabilidade, responsabili dade, por meio da participação radical. Assim, a Educação Ambiental se traduz em um processo contínuo, constante, em busca da prática da democracia e da participação par ticipação radical dos indivíduos indivíduos em decisões que se traduzam, para todos nós, em qualidade de vida. A mudança, em termos t ermos práticos, começa pela transformação do nosso olhar sobre a educação, tanto em espaços formais como em caráter informal.

Educação Ambiental no âmbito escolar 

A Educação Ambiental Ambiental vem rmando r mando seu importante papel na formação do indivíduo, contribuindo contribuindo para par a o exerc exercício ício de sua cidadania.  Na Confer Conferência ência de Tbilis Tbilisii (1975), (1975), a Educa Educação ção Ambie Ambiental ntal foi pensa pensada da no âm bito educativ educativo, o, por sua sua inserção inserção no conteúdo conteúdo e na prática prática escola escolar, r, orientada orientada para para a resolução de problemas concretos do meio, com um enfoque interdisciplinar e uma  participaçã  partic ipaçãoo ativa ativa e resp responsáv onsável el de cada indiv indivíduo íduo e da colet coletivida ividade de (DIAS, (DIAS, 2000) 2000).. As questões ligadas ao meio ambiente foram introduzidas no panorama da Educação no Brasil por meio dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), como tema transversal a ser trabalhado permeando todas as áreas do conhecimento escolar. escolar. Ou seja, a Educação Ambiental deve deve estar inserida nos currícu rrículos de forma transdisciplinar, favorecendo assim a noção de complexidade das questões ambientais. Tendo, portanto, enfoque interdisciplinar e transdisciplinar. Sato (2003, p. 24) descreve que “o ambiente não pode ser considerado um objeto de cada disciplina, isolado de outros fatores, ele deve ser abordado como uma dimensão que sustenta todas as atividades e impulsiona os aspectos físicos, biolóbiológicos, sociais e culturais dos seres humanos”. Esse é um importante princípio da Educação Ambiental e deve ser levado em consideração na construção dos novos currículos. Além disso, essa visão desmistica aquela de alguns que ainda acreditam que a Educação Ambiental deve se transformar em uma disciplina escolar. Segundo Carvalho (2004), tanto nos PCN como na Política Nacional de Educação Ambiental a inclusão de uma disciplina da área é categoricamente rejeitada para os ensinos fundamental e 217

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

médio, podendo ser adotada, somente quando necessário, apenas no Ensino Su perior. O caráter da EA deve ser sistêmico sistêmico e integrador, integrador, e não acomodado a uma disciplina (CARVALHO, 2004). Sato (2003) ressalta ainda outra característica ou princípio da EA no que se refere ao currículo escolar. A EA deve favorecer a ludicidade, a brincadeira, o

dinamismo, como método para o favorecimento do engajamento e da participação na discussão ambiental. Nesse sentido, a autora ressalta que a inclusão da temática ambiental nos currículos escolares deve acontecer acontecer a partir part ir de atividades diferenciadas que possam conduzir conduzi r os alunos a serem agentes ativos no processo de formação de conceitos. Sendo o professor o mediador do processo de ensino e aprendizagem, cabe a ele propor novas metodologias que favoreçam a implementação da d a EA.  Nessa perspectiva, o uso de materiais materiais sobre os temas ambientais ambientais em sala de aula no processo de ensino e aprendizagem pode servir como fonte de informação. No entanto, não devem ser utilizados com exclusividade. A diversidade entre esses materiais deve ser a mais ampla possível. A utilização de materiais diversicados como revistas, jornais, propagandas, lmes, faz com que o aluno sinta-se inserido no mundo a sua volta (BRASIL, 1997). Além disso, é preciso dizer que os conteúdos devem ser discutidos e trabalhados de forma coletiva, buscando conhecimentos não somente do professor, que também possui uma leitura individual do mundo, mas também dos educandos, como nos sugere Meyer (1991, p. 42): Reconhecendo que a escola não é o único local de aprendizado e que o processo educativo não se inicia nem se esgota no espaço escolar, torna-se fundamental dialogar com o conhecimento que as pessoas têm acerca do ambiente, aprendido informalmente e empiricamente em sua vivência e prática social, respeitando-as, r espeitando-as, questionando-as, levando-as a repensarem o aprendido. Enm, possibilitando que elas formulem e expressem suas ideias e descobertas, e elaborem os seus próprios enunciados e propostas.

Essas e outras características devem ser levadas em consideração ao se incorporar a EA aos currículos escolares. No entanto, não existe uma fórmula, um método onívoro e completo. O educador também deve viver a experiência de construir essa possibilidade, agregando a ela o seu próprio modo de entender a Educação. A base primeira de um bom entendimento e treinamento está na discussão coletiva coletiva dos conteúd conteúdos, os, dos métodos, das experiências para uma Educação que seja o alicerce para um novo conceito de sociedade.

Educação Ambiental em espaços não formais Sabemos que educar não é exclusividade do ensino escolar. Todas as pessoas possuem uma leitura de mundo que é anterior e ulterior àquela do ambiente escolar: as vivências práticas, do cotidiano, do mundo do trabalho, da espiritualidade, que complementam o ser humano em todos os âmbitos de sua vida e de sua relação com o ambiente. a mbiente. A Educação Ambiental, nesse sentido, pode ser uma 218

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

 prática atrelada a qualquer grupo gr upo de trabalho, grupo gr upo social, ONG, ONG, associação de moradores, sindicatos, entre outros. Mas qual o papel da Educação Ambiental Ambiental para esses grupos, como deve ser estruturada? estrut urada? Quais são os princípi pr incípios os norteadores desse trabalho?

Obviamente que os princípios da Educação Ambiental são os mesmos para todo o trabalho na área. No entanto, as metodologias devem ser apropriadas ao  público-alvo, favorecendo a proximidade do tema com o grupo que pretende estudá-lo. Por exemplo, no caso de um grupo gr upo de sindicato, as metodologias devem ser iniciadas pelo próprio movimento de consciência de classe, sobre as questões relativas aos direito e deveres do trabalhador, então inserir grupos de discussão. No caso de um grupo de criançaspara de um bairro, poroutros exemplo, as metodologias devem ser trabalhadas de forma lúdica, como uma brincadeira, tentando buscar nesses indivíduos os temas mais interessantes para serem pro blematizados. Como esses, esses, outros exemplos demonstram que cada grupo merece uma atenção particular, especial, mas, de qualquer forma, o envolvimento com o conhecimento deve nortear esses trabalhos por um novo ambiente, internalizado, do saber. Em qualquer situação, tanto em cada pessoa, individualmente, quanto conectivamente, no interior de pequenos grupos ou equipes dentro de uma turma tu rma de alunos, ou envolvenenvolvendo toda a turma, há um trânsito contínuo entre o-que-já-se-sabe e o-que-se-vai-saber: um intervalo desigualmente sempre transponível entre aquilo que se reconhece como um-saber-da-turma um-saber-da-tur ma (de (de um grupo e, na sua unidade unida de menor, de um aluno individualmente), como algo já-aprendido, e aquilo, muito próximo, que-ainda-não-se-sabe: aquilo que está-para-ser-aprendido, que vai-ser-aprendido. vai-ser-aprendido. Que será aprendido como a fração f ração cultural do saber socialmente disponível. A fração de algum conhecimento, valor ou o que seja, vindo da experiência vivida, vindo de algum ramo da ciência, vindo da literatura, vindo v indo de... que o contexto das interações entre as pessoas “ali” criou. E que, então, cada um individualmente, cada pequena unidade afetiva e relacional de uma “turma de alunos” irá incorporar aos seus processos e às suas estruturas cognitivas de conhecimento-aprendido-e-agora-sabido. (BRANDÃO, 2003, p. 116-117)

Os objetivos, de uma forma geral, também são os mesmos, a Educação Ambiental deve capacitar o indivíduo a agir individual e coletivamente, amparado pelo olhar da sustentabilidade. Obviamente, cada grupo possui uma dinâmica e uma busca por uma

 A Educação Ambiental Ambiental deve capacitar o indivíduo a agir individual e coletivamente, amparado pelo olhar da sustentabilidade.

série respostas queexpectativas. é interna ao grupo, e o educador ambiental deve de respeitar essas O trabalho deve começar por satisfazer as necessidades dos grupos, de forma a fazer com que os indivíduos se sintam interessados pelo processo educativo e compartilhem com os outros esse momento, na internalização de novos conhecimentos construídos coletivamente.

Muitas vezes, os temas e objetivos desses grupos estão relacionados com seu fortalecimento interno, tanto t anto na promoção da participação par ticipação,, no engaj engajamento amento da comunidade nas questões ambientais ambientais em que se inserem, como na probl problemaematização e no enfrentamento enf rentamento das questões relacionadas relacionadas à qualidade de vida. Dessa maneira, os indivíduos i ndivíduos são convidados convidados a participar par ticipar do processo am biental, aprendendo aprendendo a dialogar dialogar com o outro na busca busca da compreensão do seu am219

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

 biente  biente.. O processo é o de troca de ideias, ideias, de valores, valores, de de conhecimentos, na busca busca  por um saber contextualizado, abrangente abrangente,, construído construído sob o ponto ponto de vista de toda a comunidade. Não se trata, portanto, port anto, de conhecer apenas como se estruturam as interações ecológicas, como reciclar resíduos, ou como diminuir o consumo de água: trata-se de conhecer as reais necessidades de conhecimento do grupo que

está inserido na ação, buscando buscando com isso trabalhar tr abalhar pela melhoria do seu ambiente e conhecer a melhor forma de atuação nesse ambiente. Por isso, os temas são muito variados, desde questões relacionadas aos indicadores de qualidade de vida, como o conhecimento da história do ambiente, buscando com isso adquirir uma sensação de pertencimento ao lugar. Para Brandão (2003, p. 91), a relação com aintenciona realidadel,que se possível procural estudar cresce quando a olhamos de forma coletiva: e intencional, sendo possíve u ma mistura uma mistu ra entre conhecimentos e subjetividades: subjetividades Ele está situado na tomada de consciência de que quando eu convoco aquilo que procuro estudar, a sair do lado da coisa e da estrutura formal para o lado da relação e do acontecimento vivenciado, a minha interpretação, inter pretação, qualquer que ela seja e de onde quer que venha, venha, não pode mais ser dada através atr avés de um discurso axiomático-dedutivo axiomático-dedut ivo e inevitavelmente redutivo, mas em uma compreensão fundada na aventura assumida da intersubjetividade.

De qualquer forma, grande parte desse trabalho só faz sentido se buscar inserir a participação como metodologia. A participação é o grande pilar dos  programass informais  programa inf ormais de Educação E ducação Ambiental. Principa Principalmente lmente com relação r elação aos trabalhos com adultos. A intenção, acima de tudo, é formar indivíduos empenhados em seu papel  participativo,, capazes de usar suas ideias, sua vontade  participativo vontade e sua voz na busca de cada vez mais espaço, de possibilidade de decisão, de luta reivindicatória. A luta é pela  plena e abso absoluta luta construção de cidadãos. cidadãos.

Educação Ambiental e cidadania  Na Educação Educação Ambiental, Ambiental, há uma grande distância entre informar e formar.  Não basta transmitir inúmeras informações sobre o que que se deve fazer e o que que pode melhorar o ambiente: é preciso formar cidadãos conhecedores dessas questões, indivíduos que não só ouçam mas que também procurem conhecer sobre a realidade ambiental. Indivíduos queautônoma se comprometam comprome tam com as mudanças necessárias à qualidade ambiental de forma e responsável. A Educação Ambiental tem, portanto, um caráter humanizador, formador, e deve favorecer favorecer a compreensão e desvelar desvelar as determinações impostas i mpostas pela realidade humana, de forma a reconstruir em si os valores de civilidade e humanidade construídos historicamente. Ou seja, deve instrumentalizar o indivíduo para compreender e agir de forma autônoma, por meio das relações sociais, sobre sua  própria realidade histórica. Deve contribuir contribuir na promoção de indivíduos indivíduos críticos e reexivos reexiv os capazes de pensar e repensar sua própria prática social. Segundo Loureiro (2004), é na construção de uma nova ética que se trabalha. Uma ética que tenha como base a reexão sobre a complexidade da prática social  par  para, a, part partind o represente dela, con dela, constr struíuí-la la sob um sob umdemocrático ponto de vist ponto vista a novo, noideias vo, eco ecológ ico.. Ecoló Ec ológic gicoo no sentido deindo que um “embate entre elógico projetos que buscam 220

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

a hegemonia na sociedade e no modo como esta se produz e se reproduz, problematizando valores vistos como absolutos e universais” (LOUREIRO, 2004, p. 51). Só assim a Educação Ambiental Ambiental pode construir na base do pensar e do agir o princípi pri ncípioo da responsab responsabilidade ilidade com o outro, do bom-senso, da cidadania e do res peito para para a resolução resolução dos problemas problemas que são são tanto individuais individuais como como coletiv coletivos, os, na

 busca por relações relações mais harmônicas harmônicas entre todos, e com o ambiente. ambiente. Dessa forma, forma, o respeito à diversi diversidade dade também ta mbém surge como manifestação autêntica, porque não há nada mais belo do que a versatilidade dos seres vivos, vivos, das culturas, das manifestações naturais (SATO, 2003). É para isso, anal, que nos serve o conhecimento: para ajudar na melhoria de nossas vidas, na elaboração de nossas vontades, de nossos desejos. O conhecimento apreendido a partir da experiência com o outro, buscando nessa relação uma nova ética de compromisso, de cidadania, de expectativas comuns, possui um alto  potencial  poten cial modic modicador ador e ordena ordenador dor da busca busca pela pela felicid felicidade ade comum. comum. Poetic Poeticamen amente, te, Brandão (2002, p. 18) nos diz que Pouco a pouco aprendemos a relativizar relativizar a história histór ia de longos ciclos, ciclos, centradas em grangr andes feitos, grandes momentos e grandes heróis, para nos voltarmos às múltiplas histórias culturais de antecedentes, contemporâneos e consócios como nós mesmos. Nós Nós ao lado de tantas pessoas “sem nome em placas de rua” mas de um passado remoto, os verdadeiros heróis da “nossa história”, porque a geração de mulheres e homens são os construtores cotidianos do que esteve e está aí como uma cultura. A nossa cultura. Habitantes de carne e osso da d a criação de cotidianos que são, de uma u ma comunidade de Belém Velho, Velho, a Porto Rio Grande Gr ande do Sul, ao Brasil, a outros out ros círculos antes eAlegre, agora,ao criadores de sociedades, de culturas e deamplos histórias, tantodeounosso maisMundo, do que heróis montados a cavalo. E então, poderemos descobrir, junto com as inúmeras pessoas das muitas comunidades populares, que aqueles heróis esporadicamente aparecem em momentos de uma história cujo dia a dia somos nós, as pessoas pe ssoas comuns, quem constrói e quem, portanto, por tanto, pode dar da r sentido e transformá-la. tr ansformá-la. (BRANDÃO, (BRANDÃO, 2002, p. 188) 188)

A Educação Ambiental procura, portanto, trazer ao indivíduo a importância de problematizar sobre suas necessidades reais, buscando no mundo muito mais do que a aquisição material, mas sim novas relações com os outros, novas formas de tratar a diversidade, numa crítica radical da modernidade por meio da  prática da cidadania cidadan ia e de d e uma ética é tica ecológica ecol ógica em que o outro e o ambiente ambie nte não sejam esquecidos e possam fazer parte do sonho de felicidade de todo nós.

1. 

Cada aluno deve criar um concei conceito to de Educação Ambien Ambiental. tal.

2. 

Depois, devem ser formados grupos em que serão discutidos esses concei conceitos tos e recriado um novo conceito, do grupo todo.

3. 

Os alunos devem representar esse concei conceito to do do grupo em forma de teatro, ou por meio de um desenho, uma frase, fr ase, um símbolo.

4. 

Apresentar a concl conclusão usão para os demais grupos. 221

 

Educação Ambiental como instrumento de superação da insustentabilidade

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BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Pergunta a Várias Mãos: a experiência da pesquisa no trabalho BRANDÃO,  tr abalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003.

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222

 

Educação Ambiental em perspectiva

Nadja Janke

Educação Ambiental em escolas

 A

Educação Ambiental em âmbito escolar tem sofrido muitas modicações ao longo dos anos. De fato, por muito tempo acreditou-se que fazer Educação Ambiental era uma prática para o ensino de ciências, de ecologia. Hoje, esse já é um conceito ultrapassado.

Outra questão que precisou ser ultrapassada ult rapassada é o falso entendimento entendiment o de que a Educação Am biental  bien tal é respo r esponsáve nsávell por p or consc conscient ientizar izar os indi indivídu víduos os para serem cidadãos mais responsáveis responsáveis am bientalmente.  bientalmen te. É preciso ter certa ressalva com o termo conscientizar . Ele imprime a falsa impressão de que as pessoas não têm consciência, não têm seus próprios valores de conduta. Isso não é verdade, e a EA deve se preocupar em atender às diferenciações culturais, éticas e morais existentes na sociedade para assim exercer um trabalho de respeito às diferenças, partindo delas para reformulá-las. Isso  precisa ser levado levado em conta conta na escol escola, a, local de tantas diversidades diversidades culturais, culturais, losócas, losócas, sociais, sociais, entre entre outras. Claro que é preciso trabalhar com as diferenças, respeitando-as, de modo a alcançar menor desigualdade nas relações, o que não signica que as diferenças precisem ser homogeneizadas. Pelo contrário, as diferenças precisam ser respeitadas para o alcance da igualdade.  No entanto, a Educação Ambiental escolar ainda tem seus pontos falhos. Em muitos casos, a questão transdisciplinar ainda não foi bem interpretada na prática, o que causa problemas na implementação dos trabalhos. Segundo Sato (2003), para se fazer Educação Ambiental de forma transdisciplinar é preciso trabalhar com a adoção adoç ão de temas geradores geradores,, assim facilitando a participação de muitas muitas disciplinas no contexto do trabalho, como demonstra o gráco a seguir, extraído de Sato (2003, p. 45).

223

 

Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável Português - exercícios devocabulário - debate sobre sobre a importância importânciada da árvore - inte interpret rpretação ação detextos,poesia detextos,poesiass Artes - pintura pintura de defolh folhas as

História - tempode vida dasárvores

meio me io de devida vida dospovosda ore oresta sta - culturaindígena

- formas formas dasfolhas - colagemcom colagemcom ores

Ciências - germi germinaçã naçãode ode seme sementes ntes - fotossínte fotossíntese se - desmatamen desmatamento to

Geograa - conservaçãodasorestas - orestastropicais   - clima

Árvores

EducaçãoFísica - movimen movimentos tos dos dosanimais animais - sonsdaoresta - jogos

Matemática - cont contagem agem de deárvo árvoresno resno ento entornoda rnoda esco escola la - pesodaspartesdaárvore - comp comparaçã aração o de detama tamanho nhoss e form formas as

Tentar inserir i nserir o aluno no ambiente de modo consciente, por meio de passeios, práticas, trabalhos de campo, também é outra maneira de trazê-los para o contexto das realidades ambientais. Uma boa ideia é a proposta de mapeamento ambiental (MEYER, 2001), em que os alunos visitam o entorno da escola, observando as características físicas e estruturais do ambiente, colhendo impressões, sentimentos e representações desse ambiente. Em seguida, eles  podem apresentar aprese ntar o que viram vira m em form formaa de maquete, desenho, qualquer qualqu er maneira lúdica que os faça transportarem as impressões para a sala de aula. A partir daí, os problemas daquele da quele ambiente ambiente vão sendo questionados quest ionados e o professor pode trabalhar sobre os temas ambientais de forma contextualizada, a partir do conhecimento dos próprios alunos. Segundo Smith (1995), o professor deve despertar nos alunos:   a sensibilização ambiental ambiental – processo de alerta, alerta, considerado como primeiro objetivo para alcançar o pensamento sistêmico da EA;   a compreensão compreensão ambiental – conhecimentos conhecimentos dos mecanismos mecanismos e dos conhecimentos que regem o sistema natural;   a responsabilidade ambiental ambiental – reconhecimento do ser humano como como  protagonista para determinar e garantir garantir a manutenção manutenção do planeta;   a competência ambiental – capacidade de avaliar e agir efetivamente no sistema (ambiental);   a cidadania ambiental ambiental – capacidade capacidade de participar ativamente, ativamente, resgatando resgatando os direitos e promovendo uma nova ética capaz de conciliar a natureza e a sociedade. 224

 

Educação Ambiental em perspectiva

Além disso, o professor deve a todo momento promover a participação ativa, o diálogo, a discussão na resolução dos problemas. Para isso, é preciso que ele esteja atento à intencionalidade da ação educativa. O professor não é uma gura neutra, alguém sem opinião, sem ideias: ele deve ter clareza nas suas ideias e opiniões para poder discuti-las e trabalhá-las com os alunos.

Educação Ambiental e movimentos sociais O trabalho de Educação Ambiental com movimentos sociais tem buscado ampliar poder e a para possibilidade de participação grupos dentrocio dada própria estrutura estrut uraodo grupo agir de forma responsável,desses responsável, por meio do exercício exercí cidadania e do direito reivindicatório. A intenção da Educação Ambiental deve ser a emancipação do sujeito em todas as esferas da vida social, individual e com o mundo, transformando tr ansformando as relações do ser humano com a vida. Em Loureiro (2004, p. 92), essa ideia é apresentada pela gura gur a abaixo. abaixo. O mundo O outro

Eu Construção de identidade

Construção de al alteri teridade dade Relações com o meio meio da vida

 Nesse esquema, ca clara a importância da reconstrução das relações do homem consigo mesmo, com o outro e com o mundo, no entendimento de suas  potencialidades  potenciali dades e das possibilidades possibilidades de atuação ambiental. ambiental. Isso só pode ser consconstruído por meio das relações e da participação radical do indivíduo no projeto ambiental. Por isso, os programas de Educação Ambiental, nesse âmbito, têm tra balhado com metodo metodologias logias participati par ticipativas, vas, que possib possibilitam ilitam a construção do conhecimento dos grupos gr upos por meio de seu crescimento organizacional. organizacional. Uma dessas metodologias metodol ogias é a pesquisa-ação-participa pesquisa-ação-participativa. tiva. 225

 

Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

A pesquisa-ação-participativa está amparada pelos princípios princípios de compreensão da interpretação inter pretação humana dos fatos. Porém, Porém, ela possui características próprias que precisam ser ressaltadas. Ela articula, radicalmente, a produção de conhecimentos (dimensão investigativa) à ação educativa (dimensão educativa), ou: Por baixo de uma simples mudança exterior de paradigmas cientícos e de métodos de

investigação, com predominância crescente entre nós das alternativas interativas, inter subjetivas, dialógicas, integrativas, compreensivas e tendentes a uma vocação transdisci plinar, o que está e stá acontecendo é uma passagem pa ssagem de uma acumulação de d e saberes reexos, em que uma dimensão inerte da realidade objetivada é reetida no meu conhecimento,  para uma integração entre conhecimentos reexivos, em que a presença pr esença chamada a ser ativa e interativa de uma dimensão d imensão do real obriga obr iga a reetir com ela e a pensar e pensar-me pen sar-me através dela. (BRANDÃO, 2003, p. 99)

Uma das grandes diculdades dessa metodologia reside no estabelecimento de parâmetros que delimitem as concepções teóricas e a atuação metodológica, o que tem dividido as opiniões. O tema da participação dos diferentes sujeitos sujeitos envolenvolvidos é mais um de seus pressupostos. Para Thiollent (2000), nem toda pesquisa participante pode ser considerada pesquisa-ação, embora ele defenda essa articulação. ar ticulação.  Na conc concepção epção de Ange Angell (2000 (2000), ), a pesquis pesquisa-açã a-açãoo pode pode ser ser colabo colaborativ rativaa ou ou participaparticipativa, dependendo do grau gr au de participação par ticipação dos envolvidos envolvidos no estudo, representando, dessa forma, o tipo de escolha conceitual do pesquisador. Tanto nesses como em outros casos, embora existam diferenças conceituais, alguns traços comuns podem ser observados. Devemos ressaltar quee oa tema pesquisa-ação-participativa a ão princípio,  produzir  produzir conhecimento conhecime nto sobre sobr a ser estudado. estudado. Porém, Porém, objetiva, a participaç participação efetiva efetiva do ator social, ou do sujeito diretamente envolvido, é fundamental, uma vez que somente a partir de sua própria observação sobre o ambiente e os problemas que direta e indiretamente o afetam é que se criam os conceitos que devem necessariamente culminar em ação. O conhecimento do senso comum, para essa metodologia, surge como um ponto de partida, é um primeiro olhar sobre a realidade a ser estudada e sobre os pontos que precisam ser observados. Mas é claro que, como um primeiro olhar, ele ainda carece de reexão, pois está muito mais relacionado ao viver cotidiacotidiano, à experiência ocorrida no dia a dia, do que a uma reexão construída sobre essa experiência, no que se refere ao conhecimento dos seus condicionantes, das opressões e repressões ocultas, dos valores e conceitos que determinam tais situações. É então que a vivência dos sujeitos participantes sobre essa metodologia contribui: o senso comum construído a partir das experiências sobre a realidade, em geral pouco reetida, pode ser ampliado pela realização de um novo conhecimento, resultado da investigação intensiva sobre essa realidade, de todas as determinações que a constroem, do papel do indivíduo nesse processo, do entendimento da responsabilidade de cada um. O avançar desse primeiro olhar, em parceria com o saber sistematizado do mundo acadêmico, fornece instrumentos para a elaboração sistemática para o conhecimento dessa realidade concreta que faz surgir um novo saber, o saber reetido. Esse saber que agora não é fruto só do cotidiano mas também da articulação dele com novos conhecimentos, da interação entre realidades diferentes, não apenas instrumentalizando o sujeito para compreender os mecanismos históricos, sociais e culturais o fazem oprimido como impr imprimindo imindo no sujeito a autonomia autonomia necessáriaque à possibilidade do fazer, dotambém agir sobre essa realidade. 226

 

Educação Ambiental em perspectiva A participação possui a característica de ser meio e m, porquanto é instrumento de autoproautopromoção, mas é igualmente a própria autopromoção. Prevalece, porém, a conotação instrumental, no sentido de que é vista como caminho para se alcançarem objetivos [...] Se usássemos outra linguagem, diríamos que participação é metodologia. (DEMO, 2001, p. 66)

Por outro lado, a observação direta das questões ambientais por parte dos sujeitos sociais faz com que elas se tornem muito mais nítidas e o apren-

dizado seja mais facilmente elaborado. Ao ressaltar a questão do aprendizado enfocamos, dessa forma, o objetivo imprescindível ao trabalho com esse tipo de metodologia: seu caráter educativo. Segundo Thiollent (2000), a pesquisa-ação não pode correr o risco de se transformar em ativismo e, no entanto, sua pretensão é possibilitar o desenvolvimento do “nível de consciência” e do conhecimento dos envolvidos. Portanto, os princípios teóricometodológicos da pesquisa-ação-participativa se aproximam dos princípios teórico-metodológicos da Educação Ambiental. A primeira pri meira etapa de elaboração do projeto de pesquisa-ação-participativa está na formação do próprio grupo de trabalho. Após a formação inicial do grupo, seguem os processos de escolha do tema, do tipo de atuação necessária  para trabal trabalhar har sobre ele, e quais qu ais serão as formas for mas de observação obse rvação dos resultados r esultados obtidos. Essas etapas foram sistematizadas por Angel (2000, p. 50): o desenho da investigação; o desenvolvimento da investigação por meio de um processo cíclico de planejamento, ação, observação e reexão; e, por último, a elaboração do informe nal. Essa metodologia favorece a ação de grupos e movimentos sociais porque  prioriza a probl problematização ematização dos temas, sua pesquisa e seu entendimento, entendimento, para facilitar a ação. Dessa maneira, produz novos conhecimentos para os grupos envolvidos vol vidos e possibilita a construção da d a cidadania de forma consciente consciente e estudada, est udada,  possibilitando  possib ilitando a ampla ampla estruturação estrutur ação dos princípios princípios da Educação Educação Ambiental: Ambiental:   participação efetiva efetiva de toda a comunidade na melhoria do ambiente; ambiente;   articulação entre o conhecimento cientico e o senso senso comum;   estruturação de uma práxis, isto isto é, a busca busca pela complementaridade complementaridade entre entre reexão e ação;   consciência da intencionalidade intencionalidade política da ação ambiental;   garantia da continuidade do processo processo educativo. educativo. Essa modalidade tem sido muito usada em diversos trabalhos de Educação Ambiental, inclusive inclusive em escolas e com grupos g rupos de moradores de bairros, bair ros, sindicatos de empresas, entre outros.

Educação Ambiental e políticas públicas É certo que as políticas públicas públicas estão diretamente ligadas à ação do govergoverno. De fato, o governo é o responsável pela criação e a execução de medidas que asseguram a efetivi efetividade dade das polític políticas as em Educação E ducação Ambiental. Ambiental. 227

 

Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

Educa O governo, em geral, tem agido no sentido de nanciar projetos de Educação Ambiental de outras entidades, como universidades e ONGs, entidades da sociedade civil organizada e de empresas. Isso tem acontecido também por meio da criação cr iação de cursos de capaci capacitação tação de prossionais e de nanciamento tanto em sensu, que têm fornívell de especialização como em cursos de pós-graduação lato sensu, níve mado educadores e gestores ambientais em todo o país. Segundo Carvalho (2001),

a produção de bibliograa na área ambiental tem aumentado muito, muitas vezes ligada a entidades públicas ou que recebem nanciamentos dos governos, como as universidades e órgãos estaduais e municipais. Em geral, os nanciamentos são a forma de atuação governamental mais  presente em políticas políticas públicas públicas de Educação Ambiental. Ambiental. Os projetos projetos na área, criados diretamente pelo Ministério Mi nistério do Mei Meioo Ambiente, ainda são muito incipientes incipientes e, em geral, estão localizados nas escolas públicas, em nível mais regional, como é o caso da formação da Agenda 21 escolar. A Política Nacional de Educação Ambiental, de 1999, é o documento que regulamenta as ações e políticas públicas do governo. O capítulo II desse documento especica qual a função da d a Política Nacional Nacional de Educação Ambiental, em suas dimensões formal e informal.

Capítulo II DA POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO EDUCAÇ ÃO AMBIENTAL AMBIENTAL

Seção I Disposições Gerais Art. 6.º É instituída a Política Nacional de Educação Ambiental. Ambiental. Art. 7.º A Política Nacional de Educação Ambiental envolve em sua esfera de ação, além dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, instituições educacionais públicas e privadas dos sistemas de ensino, os órgãos públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e organizações não governamentais com atuação atuação em Educação Ambiental. Ambien tal. Art. 8.º As atividades vinculadas à Política Nacional de Educação AmAm biental devem devem ser ser desenvolvidas desenvolvidas na na educação educação em geral e na educação educação escolar,, por meio das seguintes linhas de atuação inter-relacionadas: escolar inter-relacionadas: I - capacitação de recursos humanos; II - desenvolvimento de estudos, pesquisas e experimentações; III - produção e divulgação de material educativo; IV - acompanhamento e avaliação. §1.º Nas atividades vinculadas à Política Nacional de Educação AmbienAmbien228

 

Educação Ambiental em perspectiva

tal serão respeitados os princípios e objetivos xados por esta Lei. §2.º A capacitação de recursos humanos voltar-se-á para: I - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos educadores de todos os níveis e modalida-

des de ensino; II - a incorporação da dimensão ambiental na formação, especialização e atualização dos prossionais de todas as áreas; III - a preparação de prossionais orientados para as atividades de gestão ambiental; IV - a formação, especialização e atualização de prossionais na área de meio ambiente; V - o atendimento da demanda dos diversos segmentos da sociedade no que diz respeito à problemática ambiental. §3.º As ações de estudos, pesquisas e experimentações voltar-se-ão para: I - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando visando à incorporação da dimensão ambiental, de forma interdisciplinar, nos diferentes níveis e modalidades de ensino; II - a difusão de conhecimentos, tecnologias e informações sobre a questão ambiental; III - o desenvolvimento de instrumentos e metodologias, visando à  participação dos interessados na formulação e execução de pesquisas relacionadas à problemática ambiental; IV - a busca de alternativas curriculares e metodológicas de capacitação na área ambiental; V - o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais, incluindo a  produção de material material educativo; VI - a montagem de uma rede de banco de dados e imagens, para apoio às ações enumeradas nos incisos I a V.

Seção II Da Educação Ambiental no Ensino Formal Art. 9.º Entende-se por educação ambiental na educação escolar a desendesenvolvida no âmbito dos currículos das instituições de ensino públicas e privadas, englobando: I - educação básica: a) educação infantil;  b) ensino fundamental fundamental e c) ensino médio; 229

 

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II - educação superior; III - educação especial; IV - educação prossional; V - educação de jovens e adultos.

Art. 10 A educação ambiental será desenvolvida como uma prática educativa integrada, contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. §1.º A educação ambiental não deve ser implantada como disciplina eses pecíca no currículo currículo de ensino. ensino. §2.º Nos cursos de pós-graduação, extensão e nas áreas voltadas ao asas pecto metodológico metodológico da educação educação ambiental, quando se zer necessánecessário, é facultada a criação de disciplina especíca. §3.º Nos cursos de formação e especialização técnico-prossional, em todos os níveis, deve ser incorporado conteúdo que trate da ética am biental das atividades atividades prossionais prossionais a serem desenvolvidas. Art. 11. A dimensão ambiental deve constar dos currículos de formação de professores, em todos os níveis e em todas as disciplinas. Parágrafo único. Os professores em atividade devem receber formação complementar em suas áreas de atuação, com o propósito de atender adequadamente ao cumprimento dos princípios e objetivos da Política Nacional de Educação Ambiental. Ambiental. Art. 12. A autorização e supervisão do funcionamento de instituições de ensino e de seus cursos, nas redes pública e privada, observarão o cumprimento do disposto nos artigos 10 e 11 desta Lei.

Seção III Da Educação Ambiental Não formal Art. 13. Entendem-se por educação ambiental não formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente. Parágrafo único. O Poder Público, em níveis federal, estadual e munici pal, incentivará: incentivará: I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa, em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio ambiente; II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não governamentais na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não formal;

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Educação Ambiental em perspectiva

III - a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações não governamentais; IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação;

V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; VI - a sensibilização ambiental ambiental dos agricultores; VII - o ecoturismo. Dessa forma, estão atribuídas as funções fu nções do Estado nas políticas de EducaEducação Ambiental em nível federal. Assim, as políticas públicas estão amparadas por essas normas. No documento, ainda podemos encontrar, no capítulo III, as normas relativas à execução dessas políticas. Nesse capítulo, a Política Nacional de Educação Ambiental Ambiental estipula que o órgão gestor é responsável responsável por denir diretr diretriizes, articular art icular,, supervisionar e coordenar planos, programas e projetos em âmbito nacional, além de participar da negociação dos nanciamentos dos programas e  projetos.  proje tos.

Educação Ambiental e empresas privadas As empresas privadas ainda possuem uma certa diculdade em fundamenfundamentar programas de Educação Ambiental. Em geral, os incentivos scais dados a essas empresas facilitam a execução desses programas na área, porém as em presas não podem perder pe rder a capacidade capacidad e de lucro, o que muitas muit as vezes impede que seus programas sejam realmente baseados nos princípios da Educação Ambiental e, assim, sejam efetivos. Uma empresa de celulose, por exemplo, não pode deixar de cortar árvores e causar poluição, resultado de seu processo de produção. Em geral, nessas em presas são estr estrutu uturados rados programas prog ramas de Educação Ambiental em e m parques criado criadoss dentro da área da empresa, e que recebem visitas monitoradas. Em geral, esses  programas  progra mas de Educação Ambiental são muito pontuais e pouco problematizado problematizado-res, pois não contabilizam o peso da produção industrial para o ambiente, ambiente, ou o impacto que produzem. O fato é que é muito difícil compatibilizar produção e qualidade ambiental, sustentabilidade. Por isso, isso, algumas empresas procuram parcerias para par a efetuar  programas de Educação Ambien Ambiental. tal. Alguns programas, com nanciamento de empresas privadas, procuram capacitar os moradores do entorno para lidarem com seus problemas ambientais. Em geral, essas empresas contam com o apoio de ONGs para estruturar estrutura r o trabalho de Educação Ambiental.

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Sociedade Contemporânea e Desenvolvimento Sustentável

1. 

Separar os alunos em grupos.

2. 

Pesquisar metodologias de ensino diversicadas, como jogos, dinâmicas que possam favorecer

o aprendizado ambiental.

3. 

Criar uma aula baseada nessas metodologias e apresentar em sala.

LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez.

ANGEL, J.B. La Investigación-Acción: un reto para el profesorado. Barcelona: Inde Publicaciones, 2000. BRAN DÃO, BRANDÃ O, Carlos Rodrigues. A Pergunta a Várias Mãos: a experiência da pesquisa no trabalho tr abalho do educador. São Paulo: Cortez, 2003. CARVALHO, Isabel Cristina de Moura. A Invenção Ecológica: narrativas narr ativas e trajetórias da Educação ambiental. 2. ed. Porto Alegre: UFRGS, 2002. DEMO,, Pedro. DEMO Ped ro. Participaçã Participaçãoo É Conquista. 5. ed, São Paulo: Cortez, 2001. LOUREIRO, Carlos Frederico B. Trajetória e Fundamentos da Educação Ambiental. São Paulo: Cortez, 2004. MEYER, Mônica Ângela de Azevedo. Educação Ambiental: uma proposta pedagógica. Em Aberto, Brasília, v. 10, n. 49, p. 41-46, jan.-mar. 1991. MI NISTÉRIO MINIST ÉRIO DA EDUCAÇÃO EDUCAÇÃO.. Polític Políticaa Nacional de Educação Ambiental. Disponível em:
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