Síntese da matéria de 12º. Ano de Português - Preparação para o Exame
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Fernando Pessoa Ortónimo Características temáticas - Identidade perdida e incapacidade de definição; - Consciência do absurdo da existência; - Para ele a realidade não é apenas aquilo que se vê superficialmente; - Tensão sinceridade / fingimento, consciência /inconsciência; - Oposição: sentir / pensar, pensamento / vontade, esperança e desilusão; - Anti-sensacionismo: intelectualização da emoção; - Estados negativos: solidão, cepticismo, tédio, angústia, cansaço, náusea, desespero; - Inquietação metafísica; - Neoplatismo; - Tentativa de superação da dor, do presente, etc., através da evocação da infância, idade de ouro, onde a felicidade ficou perdida e onde não existia o doloroso sentir; - Refúgio no sonho, no ocultismo (correspondência entre o visível e o invisível); - Criação dos heterónimos (“Sê plural como o Universo!”); - Intuição de um destino colectivo e épico para o seu País (Mensagem); - Renovador de mitos; - A visão do mundo exterior é fabricada em função do sentimento interior; - Reflexão sobre o problema do tempo como vivência e como factor de fragmentação do “eu”; - O presente é o único tempo por ele experimentado (em cada momento se é diferente do que se foi); - Tem uma visão negativa e pessimista da existência; o futuro aumentará a sua angústia porque é o resultado de sucessivos presentes carregados de negatividade; Características estilísticas - Simplicidade formal; rimas externas e internas; redondilha maior (gosto pelo popular) dá uma ideia de simplicidade e espontaneidade - Grande sensibilidade musical: o Eufonia – harmonia de sons; o Aliterações, encavalgamentos, transportes, rimas, ritmo; o Verso geralmente curto (2 a 7 sílabas); o Predomínio da quadra e da quintilha. - Adjectivação expressiva; - Economia de meios: o Linguagem sóbria e nobre – equilíbrio clássico. - Pontuação emotiva; - Uso frequente de frases nominais; - Associações inesperadas [por vezes desvios sintácticos – enálage]; - Comparações, metáforas originais, oximoros; - Uso de símbolos; - Reaproveitamento de símbolos tradicionais (água, rio, mar...). Temáticas O sonho, a intersecção entre o sonho e a realidade (exemplo: Chuva oblíqua – “E os navios passam por dentro dos troncos das árvores”); 1
A angustia existencial e a nostalgia da infância (exemplo: Pobre velha música – “Recordo outro ouvir-te./Não sei se te ouvi/Nessa minha infância/Que me lembra em ti.” ; Distância entre o idealizado e o realizado – e a consequente frustração (“Tudo o que faço ou medito”); A máscara e o fingimento como elaboração mental dos conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar (“Autopsicografia”, verso “O poeta é um fingidor”); A intelectualização das emoções e dos sentimentos para a elaboração da arte (exemplo: Não sei quantas almas tenho – “O que julguei que senti”) ; O ocultismo e o hermetismo (exemplo: Eros e Psique) O sebastianismo (a que chamou o seu nacionalismo místico e a que deu forma na obra Mensagem; Tradução dos sentimentos nas linguagem do leitor, pois o que se sente é incomunicável. Sinceridade/fingimento - Intelectualização do sentimento para exprimir a arte poeta fingidor; - Despersonalização do poeta fingidor que fala e que se identifica com a própria criação poética; - Uso da ironia para pôr tudo em causa, inclusive a própria sinceridade; - Crítica de sinceridade ou teoria do fingimento está bem patente na união de contrários; - Mentira: linguagem ideal da alma, pois usamos as palavras para traduzir emoções e pensamentos (incomunicável). Consciência/inconsciência - Aumento da auto-consciência humana (despersonalização); - Tentativa de resposta a várias inquietações que perturbam o poeta. Sentir/pensar - Concilia o pensar e o sentir; - Nega o que as suas percepções lhe transmitem; - Recusa o mundo sensível, privilegiando o mundo inteligível; - Fragmentação do eu interseccionismo entre o material e o sonho; a realidade e a idealidade; realidades psíquicas e físicas; interiores e exteriores; sonhos e paisagens reais; espiritual e material; tempos e espaços; horizontalidade e verticalidade. O tempo e a degradação: o regresso à infância - Desencanto e angústia acompanham o sentido da brevidade da vida e da passagem dos dias; - Busca múltiplas emoções e abraça sonhos impossíveis, mas acaba “sem alegria nem aspirações”, inquieto, só e ansioso; - O passado pesa “como a realidade de nada” e o futuro “como a possibilidade de tudo”. O tempo é para ele um factor de desagregação na medida em que tudo é breve e efémero; - Procura superar a angústia existencial através da evocação da infância e de saudade desse tempo feliz. O tédio, o cansaço de viver 2
O poeta constata que não é ninguém, ele é nada – o sonho de ir mais além desaparece. Diz que não sabe nada, não sabe sentir, não sabe pensar, não sabe querer, ele é um livro que ficou por escrever. Ele é o tédio de si próprio: está cansado da sua vida, está cansado de si. Poemas - “Meu coração é 1 pórtico partido” - Fragmentação do “eu”. - “Hora Absurda”
- Fragmentação do “eu”; - Interseccionismo.
- “Chuva Oblíqua” - Fragmentação do “eu”: o sujeito poético revela-se duplo, na busca de sensações que lhe permitem antever a felicidade ansiada, mas inacessível; - Interseccionismo impressionista: recria vivências que se interseccionam com outras que, por sua vez, dão origem a novas combinações de realidade/idealidade. - “Autopsicografia” - Dialéctica entre o eu do escritor e o eu poético, personalidade fictícia e criadora; - Criação de 1 personalidade livre nos seus sentidos e emoções e sinceridade de sentimentos; - O poeta codifica o poema q o receptor descodifica à sua maneira, sem necessidade de encontrar a pessoa real do escritor; - O acto poético apenas comunica 1 dor fingida, pois a dor real continua no sujeito que tenta 1 representação; - Os leitores tendem a considerar uma dor que não é sua, mas que apreendem de acordo com a sua experiência de dor; - A dor surge em 3 níveis: a dor real, a dor fingida e a “dor lida” ۰ A arte nasce da realidade; ۰ A poesia consiste no fingimento dessa realidade: a dor fingida ou intelectualizada; ۰ A intelectualização é expressa de forma tão artística que parece mais autêntica que a realidade; ۰ Relação do leitor com a obra de arte: ¤ Não sente a dor real (inicial): Essa pertence ao poeta; ¤ Não sente a dor imaginária: Essa pertence ao criador (poeta); ¤ Não sente a dor que ele (leitor) tem; ¤ Sente o que o objecto artístico lhe desperta: uma quarta dor, a dor lida ۰ A obra é autónoma, quer em relação ao leitor, quer em relação ao autor (vale por si). Há uma intelectualização da emoção: é recebido um estímulo (emoção) – dado pelo coração – que é intelectualizado – pela razão ; o que surge na criação são as emoções intelectualizadas. Ou seja, o pensar domina o sentir – a poesia é um acto intelectual. - Ela canta pobre ceifeira – a ceifeira representa os sensacionistas e o seu canto seduz o poeta, que mesmo assim não consegue deixar de pensar; o poeta quer o impossível: ser inconsciente mas saber que o é, sentir sem deixar de pensar – o seu ideal de felicidade; acaba por verificar que só os sensacionistas são felizes, pois 3
limitam-se a sentir, e tem então um desejo de aniquilamento; musicalidade produzida pelas aliterações, transporte, metáfora e quadra. - Não sei se é sonho, se realidade – exprime uma tensão entre o apelo do sonho (caracterizado pela tranquilidade, sossego, serenidade e afastamento) e o peso da realidade; a realidade fica sempre aquém do sonho e mesmo no sonho o mal permanece – frustração; conclui que a felicidade, a cura da dor de viver, de pensar, não se encontra no exterior mas no interior de cada um. - Não sei quantas almas tenho – o poeta confessa a sua desfragmentação em múltiplos “eus”, revelando a sua dor de pensar, porque esta divisão provém do facto de ele intelectualizar as emoções; a sucessiva mudança leva-o a ser estranho de si mesmo (não reconhece aquilo que escreveu); metáfora da vida como um livro: lê a sua própria história (despersonalização, distancia-se para se ver). - Entre o sono e o sonho - símbolo do rio: divisão, separação, fluir da vida – percurso da vida; é a imagem permanente da divisão e evidencia a incapacidade de alterar essa situação (o rio corre sem fim – efemeridade da vida); no presente, tal como no passado e no futuro (fatalidade), o eu está condenado à divisão porque condenado ao pensamento (se fosse inconsciente não pensava e por isso não havia possibilidade de haver divisão); tristeza, angústia por não poder fazer nada em relação à divisão que há dentro de si; metáfora da casa como a vida: o seu eu é uma casa com várias divisões – fragmentação. - Bóiam leves, desatentos - poema apresenta um conjunto de elementos que sugerem indefinição e estagnação, estados que provocam o tédio e o cansaço de viver (“bóiam”, “sono”, “corpo morto”, folhas mortas”, águas paradas”, casa abandonada”); todos estes elementos apontam para a dor, a incapacidade de viver, a angústia, o tédio; os seus pensamentos andam como que à deriva, não têm onde ficar, pois ele é nada; são insignificantes, sem consistência, vagos, sem conteúdo; impossibilidade do sujeito saír do estado de estagnação em que se encontra (entre a vida e a não vida); musicalidade: transporte, anáfora (repetição duma palavra), ritmo (lento, parado – como ele). - Aqui na orla da praia, mudo e contente do mar - sujeito não quer desejar muito mais para além do que é natural e espontâneo na vida; tudo aquilo a que o homem se pode agarrar é imperfeito e inútil (ex: amor); a melhor maneira de passar pela vida é não desejar, não se sentir atraído por nada (apatia, cansaço total); revela um certo desejo de morte porque já n quer nada; desejo de comunhão com a natureza. Fernando Pessoa conta e chora a insatisfação da alma humana. A sua precariedade, a sua limitação, a dor de pensar, a fome de se ultrapassar, a tristeza, a dor da alma humana que se sente incapaz de construir e que, comparando as possibilidades miseráveis com a ambição desmedida, desiste, adormece “num mar de sargaço” e dissipa a vida no tédio. Os remédios para esse mal são o sonho, a evasão pela viagem, o refúgio na infância, a crença num mundo ideal e oculto, situado no passado, a aventura do Sebastianismo messiânico, o estoicismo de Ricardo Reis, etc.. Todos estes remédios são tentativas frustradas porque o mal é a própria natureza humana e o tempo a sua condição fatal. É uma poesia cheia de desesperos e de entusiasmos febris, de náusea, tédios e angústias iluminados por uma inteligência lúcida – febre de absoluto e insatisfação do relativo. 4
A poesia está não na dor experimentada ou sentida mas no fingimento dela, apesar do poeta partir da dor real “a dor que deveras sente”. Não há arte sem imaginação, sem que o real seja imaginado de maneira a exprimir-se artisticamente e ser concretizado em arte. Esta concretização opera na memória a dor inicial fazendo parecer a dor imaginada mais autêntica do que a dor real. Podemos chegar à conclusão de que há 4 dores: a real (inicial), a que o poeta imagina (finge), a dor real do leitor e a dor lida, ou seja, intelectualizada, que provém da interpretação do leitor.
Quadro-Síntese: Temáticas - Consciência do absurdo da existência, recusa da realidade, incapacidade de viver; - Oposições pensar/sentir, consciência/inconsciência, pensamento/vontade, esperança/desilusão Conduzem a: - Tédio; angustia; melancolia; desespero; náusea; nostalgia de bem perdido (tema da perda); abdicação, desistência; abulia; dificuldade em distingir o sonho da realidade; - Solidão, egotismo, cepticismo, anti-sentimentalismo; - Inquietação metafísica, dor de pensar, dor de viver Busca de superação através de: - Evocação da infância (enquanto símbolo de uma felicidade); - Ilusão no sonho; - Ocultismo (procura de uma correspondência entre o visível e o invisível); - Fingimento (enquanto alienação de si próprio, processo criativo e máscara) – heteronímia.
Estilísticas Nível Fónico Nível Morfossintático e semântico Musicalidade: - Linguagem sóbria o Versificação e nobre; - Expressividade dos regular e tradicional (vertente tradicionalista: modos e tempos verbais, predomínio da quadra e com preferência pelo da quintilha e do verso presente do indicativo; - Equilíbrio clássico; curto (duas a setes - Sintaxe simples; sílabas)); - Adjectivação o Rima, ritmo, expressiva aliteração, onomatopeia - Paralelismos e o Encavalgamento repetições - Uso de símbolos: reaproveitamento de símbolos tradicionais; passagem de uma imagem-símbolo nacional à reflexão sobre o símbolo; - Imprevisibilidade: metáforas inesperadas; desarticulação sintáctica; - Expressividade da pontuação; interrogações, exclamações, reticências; - Uso de frases nominais; - Metáforas, comparações e imagens; - Antíteses; - Paradoxos; - Oxímoros.
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“Mensagem” Contextualização Integração de Mensagem no universo poético Pessoano: Integra-se na corrente modernista, transmitindo uma visão épico-lírica do destino português, nela se salientando o Sebastianismo, o Mito do Encoberto e o V Império.
“Criar um novo Portugal, ou melhor, ressuscitar a Pátria Portuguesa, arrancando-a do túmulo onde a sepultaram alguns séculos de obscuridade (...) E isto leva a crer que deve estar para breve o inevitável aparecimento do poeta ou poetas supremos [...] porque fatalmente o Grande Poeta, que este movimento gerará, deslocará para segundo plano a figura até aqui principal de Camões” A citação transcrita aponta, logo de início, para o estado de desagregação em que se encontra a Nação portuguesa e que, de algum modo, fará despoletar a ânsia de renovação desejada por Fernando Pessoa e operacionalizada nos textos da Mensagem. Fernando Pessoa acreditava que, através dos seus textos, poderia despertar as consciências e fazê-las acreditar e desejar a grandeza outrora vivenciada. Espera poder contribuir parar o reerguer da Pátria, relembrando, nas1ª e 2ª partes da Mensagem, o passado histórico grandioso e anunciando a vinda do Encoberto (3ª parte), na figura mítica de D. Sebastião, que anunciaria o advento do Quinto Império. Preconizava para Portugal a construção de um novo império, espiritual, capaz de elevar os Portugueses ao lugar de destaque que outrora ocuparam a nível mundial. Esta projecção ficar-se-ia a dever a um “poeta ou poetas supremos” que, pela sua genialidade, colocariam Portugal, um país culturalmente evoluído, como líder de todos os outros. Na realidade, Fernando Pessoa antevê a possibilidade da supremacia de Portugal, não em termos materiais, como no tempo de Camões, mas em termos espirituais É nesta nova concepção de Império que assenta o carácter simbólico e mítico que enforma a epopeia pessoana e que, inevitavelmente, destacará a figura deste super-poeta, em detrimento da de Camões. O Sebastianismo O sebastianismo é um mito nacional de tipo religioso. «D. Sebastião voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco...» O sebastianismo, fundamentalmente, o que é? É um movimento religioso, feito em volta duma figura nacional, no sentido dum mito. No sentido simbólico D. Sebastião é Portugal: Portugal que perdeu a sua grandeza com D. Sebastião, e que só voltará a têla com o regresso dele, regresso simbólico (como, por um mistério espantoso e divino, a própria vida dele fora simbólica (mas em que não é absurdo confiar. D. Sebastião 6
voltará, diz a lenda, por uma manhã de névoa, no seu cavalo branco, vindo da ilha longínqua onde esteve esperando a hora da volta. A manhã de névoa indica, evidentemente, um renascimento anuviado por elementos de decadência, por restos da Noite onde viveu a nacionalidade. D. Sebastião não morreu porque os símbolos não morrem. O desaparecimento físico de D. Sebastião proporciona a libertação da alma portuguesa; D. Sebastião aparece cinco vezes explicitamente na Mensagem (uma vez nas Quinas, outra em Mar português e três vezes nos Símbolos). Aliás, pode mesmo dizer-se que o Brasão e o Mar português são a preparação para a chegada do Encoberto, na sua qualidade de Messias de Portugal. D. Sebastião faz uma espécie de elogio da loucura (condenação da matéria e sublimação do espírito). A vinda do Encoberto era apenas por ele encarada «no seu alto sentido simbólico» e não literal, como faziam os Sebastianistas tradicionais, de quem toma distância, e que esse Desejado não seria mais do que um «estimulador de almas O Quinto Império era afinal «o Império Português, subordinado ao espírito definido pela língua portuguesa O Quinto Império será «cultural», ou não será. E se diz, como Vieira, que o Império será português, isso significa que Portugal desempenhará um papel determinante na difusão dessa ideia apolínea e órfica do homem que toda a sua obra proclama. Os Símbolos e os Mitos Estrutura simbólica de Mensagem Mensagem é a expressão poética dos mitos – não se trata de uma narrativa sobre os grandes feitos dos portugueses no passado, como em Os Lusíadas, mas sim, de um cantar de um Império de teor espiritual, da construção de uma supra-nação, através da ligação ocidente/oriente: não são os factos históricos propriamente ditos sobre os nossos reis que mais importam; são sim as suas atitudes e o que eles representam, sendo o assunto de Mensagem a essência de Portugal e a sua missão a cumprir. Daí se interpretem as figuras dos reis nos poemas de Mensagem como heróis mas mais que isso, como símbolos, de diferentes significados. O três é um número que exprime a ordem intelectual e espiritual (o cosmos no homem). O 3 é a soma do um (céu) e do dois (a Terra). Trata-se da manifestação da divindade, é a manifestação da perfeição, da totalidade; O sete assume também uma extrema relevância, senão vejamos, sete foram os Castelos que D. Afonso III conquistou aos mouros, sete são os poemas de Os Castelos; O sete corresponde aos 7 dias da criação, assim como as 7 figuras evocadas são também as fundadoras da nacionalidade (Ulisses fundou Lisboa, Viriato uma nação, Conde D. Henrique um Condado, D. Dinis uma cultura, D. João uma dinastia, D. Tareja e D. Filipa fundaram duas dinastias). Pessoa manteve na sua obra a ideia do número sete como número da criação. O sete é o número da perfeição dinâmica. É o número de um ciclo completo; 7
O cinco está ligado às chagas de Cristo, às Quinas e aos cinco impérios sonhados por Nabucodonosar. Os quatro impérios já havidos foram a Grécia, roma, a Cristandade e a Europa pós-renascentista. Se o 5º império fosse material, Pessoa não teria dúvidas em apontar Inglaterra, mas como o 5º Império é o do ser, da essência, do imaterial, o poeta não tem dúvidas em apontar Portugal; Também os nomes dados a cada parte e alguns nomes referidos nos poemas são também simbólicos: • Brasão: o passado inalterável; • Campo: espaço de vida de acção; • Castelo: refúgio e segurança; • Quinas: chagas de Cristo – dimensão espiritual; • Coroa: perfeição e poder; • Timbre: marca – sagração do herói para missão transcendente; • Grifo: terra e céu – criação de uma obra terrestre e celeste; • Mar: vida e morte; ponto de partida; reflexo do céu; princípio masculino; • Terra: casa do homem; espelho do céu; paraíso mítico; princípio feminino; • Padrão: marco; sinal de presença; obra da civilização cristã; • Mostrengo: o desconhecido; as lendas do mar; os obstáculos a vencer; • Nau: viagem; iniciação; aquisição de conhecimentos; • Ilha: refúgio espiritual; espaço de conquista; recompensa do sacrifício; • Noite: morte; tempo de inércia; tempo de germinação; certeza da vida; • Manhã: luz; felicidade; vida; o novo mundo; • Nevoeiro: indefinição; promessa de vida; força criadora; novo dia; Síntese Temática da “Mensagem” • O mito é tudo: sem ele a realidade não existe, pois é dele que ela parte; • Deus é o agente da história; ou seja, é ele quem tem as vontades; nós somos os seus instrumentos que realizam a sua vontade. É assim que a obra nasce e se atinge a perfeição; • O sonho é aquilo que dá vida ao homem: sem ele a vida não tem sentido e limita-se à mediocridade; • A verdadeira grandeza está na alma; É através do sonho e da vontade de lutar que se alcança a glória; • Portugal encontra-se num estado de decadência. Por isso, é necessário voltar a sonhar, voltar a arriscar, de modo a que se possa construir um outro império, um império que não se destrói, por não ser material: é o Quinto Império, o Império Civilizacional-Espiritual; • D.Sebastião, além de ser o exemplo a seguir(pois deixa-se levar pela loucura/sonho), é também visto como o salvador, aquele que trará de novo a glória ao povo português e que virá completar o sonho, cumprindo-se assim Portugal. A estrutura tripartida da “Mensagem” 1ª Parte – BRASÃO: o princípio da nacionalidade (em que fundadores e antepassados criaram a pátria): “Ulisses” – símbolo da renovação dos mitos: Ulisses de facto não existiu mas bastou a sua lenda para nos inspirar. A lenda, ao penetrar na realidade, faz o milagre de tornar a vida “cá em baixo” insignificante. É irrelevante que as figuras de quem o poeta se vai ocupar tenham tido ou não existência histórica! (“Sem existir nos bastou/Por não ter vindo foi vindo/E nos criou.”). O que importa é o que elas 8
representam. Daí serem figuras incorpóreas, que servem para ilustrar o ideal de ser português. “D. Dinis” – símbolo da importância da poesia na construção do Mundo: Pessoa vê D. Dinis como o rei capaz de antever o futuro e interpreta isso através das suas acções – ele plantou o pinhal de Leiria, de onde foi retirada a madeira para as caravelas, e falou da “voz da terra ansiando pelo mar”, ou seja, do desejo de que a aventura ultrapasse a mediocridade. “D. Sebastião, rei de Portugal” – símbolo da loucura audaciosa e aventureira: o Homem sem a loucura não é nada; é simplesmente uma besta que nasce, procria e morre, sem viver! Ora, D. Sebastião, apesar de ter falhado o empreendimento épico, FOI em frente, e morreu por uma ideia de grandeza, e essa é a ideia que deve persistir, mesmo após sua morte (“Ficou meu ser que houve, não o que há./Minha loucura, outros que a tomem/Com o que nela ia.”) 2ª Parte – MAR PORTUGUÊS: a realização através do mar (em que heróis empossados da grande missão de descobrir foram construtores do grande destino da Nação): “O Infante” – símbolo do Homem universal, que realiza o sonho por vontade divina: ele reúne todas as qualidades, virtudes e valores para ser o intermediário entre os homens e Deus (“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.”) “Mar Português” – símbolo do sofrimento por que passaram todos os portugueses: a construção de uma supra-nação, de uma Nação mítica implica o sacrifício do povo (“Ó mar salgado, quanto do teu sal/São lágrimas de Portugal!”) “O Mostrengo” – símbolo dos obstáculos, dos perigos e dos medos que os portugueses tiveram que enfrentar para realizar o seu sonho: revoltado por alguém usurpar os seus domínios, “O Mostrengo” é uma alegoria do medo, que tenta impedir os portugueses de completarem o seu destino (“Quem é que ousou entrar/Nas minhas cavernas que não desvendo, /Meus tectos negros do fim do mundo?”) 3ª Parte – O ENCOBERTO: a morte ou fim das energias latentes (é o novo ciclo que se anuncia que trará a regeneração e instaurará um novo tempo): “O Quinto Império” – símbolo da inquietação necessária ao progresso, assim como o sonho: não se pode ficar sentado à espera que as coisas aconteçam; há que ser ousado, curioso, corajoso e aventureiro; há que estar inquieto e descontente com o que se tem e o que se é! (“Triste de quem vive em casa/Contente com o seu lar/Sem um sonho, no erguer da asa.../Triste de quem é feliz!”) O Quinto Império de Pessoa é a mística certeza do vir a ser pela lição do ter sido, o Portugal-espírito, ente de cultura e esperança, tanto mais forte quanto a hora da decadência a estimula. “Nevoeiro” – símbolo da nossa confusão, do estado caótico em que nos encontramos, tanto como um Estado, como emocionalmente, mentalmente, etc.: algo ficou consubstanciado, pois temos o desejo de voltarmos a ser o que éramos (“(Que ânsia distante perto chora?)”), mas não temos os meios (“Nem rei nem lei, nem paz nem guerra...”). -
O carácter épico-lírico Lírico Forma fragmentária Atitude introspectiva A interiorização O simbolismo (3ªparte) Épico: 9
O tom heróico (“O Monstrengo”) A evocação da história Trágico-Marítima (2ªparte)´
“Mensagem” vs. “Os Lusíadas” Semelhanças: concepção mística e missionária/missionante da história portuguesa, preocupação arquitectónica: ambas obedecem a um plano cuidadosamente elaborado, o reverso da vitória são as lágrimas. Diferenças: ۰ Os Lusíadas foram compostos no início do processo de dissolução do império e Mensagem publicada na fase terminal de dissolução do império; ۰ Os Lusíadas têm um carácter predominantemente narrativo e pouco abstractizante, enquanto que Mensagem tem um carácter menos narrativo e mais interpretativo e cerebral; ۰ No primeiro o Adamastor é sinónimo de lágrimas e mortes, sofrimento e audácia que as navegações exigiram, enquanto que no segundo simboliza os medos e terrores vencidos pela ousadia; ۰ Nos Lusíadas o tema é o real, o histórico, o factual (os acontecimentos, os lugares), em Mensagem o tema é a essência de Portugal e a necessidade de cumprir uma missão; ۰ Para Camões os deuses olímpicos regem os acidentes e as peripécias do real quotidiano, para Pessoa os deuses são superados pelo destino, que é força abstracta e inexorável; ۰ Nos Lusíadas os heróis são pessoas com limitações próprias da condição humana, mesmo se ajudados nos sonhos pela intervenção divina cristã ou pelos deuses do Olimpo, em Mensagem os heróis são mitificados e encarnam valores simbólicos, assumindo proporções gigantescas; ۰ Lusíadas: narrativa comentada da história de Portugal, Mensagem: metafísica do ser português; Lusíadas: heróis e mitos que narram as grandezas passadas. Mensagem: heróis e mitos que exaltam as façanhas do passado em função de um desesperado apelo para grandezas futuras; A comparação entre "Os Lusíadas" e a "Mensagem" impõe-se pelo próprio facto de esta ser, a alguns séculos de distância e num tempo de decadência - o novo mito de pátria portuguesa. Os Lusíadas Homens reais com dimensões heróicas mas verosímeis; Heróis de carne e osso, bravos mas nunca infalíveis;
Mensagem Heróis mitificados, desincarnados, carregando dimensões simbólicas Brasão → Terra → Nun’Álvares Pereira Mar Português → Mar → Infante D. Henrique O encoberto → Ar → D. Sebastião (de uma terra de dimensões conhecidas parte-se à descoberta do mar e constrói-se um império. Depois 10
Herói colectivo: o povo português Virtudes e manhas
D. Sebastião (rei menino) a quem Os Lusíadas são dedicados; “tenro e novo ramo”
Celebração do passado – história
Narrativa comentada da história de Portugal (cf. Jorge Borges de Macedo) Teoria da história de Portugal Três mitos basilares: o Adamastor o Velho do Restelo o A ilha dos amores
Acção
Império feito e acabado
Façanhas dos barões assinalados Temporalidade Síntese pagã e cristã
D. Sebastião como enviado de Deus para alargar a Cristandade
Cabeça da Europa
o império se desfez e o sonhos e o Encoberto são a raiz a esperança de um Quinto Império) Heróis individuais exemplares (símbolos) D. Sebastião mito “loucura sadia” Sonho, ambição (repare-se que d. Sebastião é a última figura da história a ser mencionada, como se quisesse dizer que Portugal mergulhou, depois do seu desaparecimento num longo período de letargia) Glorificação do futuro – símbolos Messianismo a mola real de Portugal Metafísica do Ser português Tudo é mito “O mito é o nada que é tudo”
Contemplação Altiva rejeição do real Portugal indefinido, atemporal Saudade profética → saudades do futuro Matéria dos sonhos Atemporalidade mística Síntese total (sincretismo religioso) Portugal como instrumento de Deus (os heróis cumprem um destino que os ultrapassa) Rosto da Europa que aguarda expectante o que virá
O projecto da Mensagem é o de superar o carácter obsessivo e nacional d’Os Lusíadas no imaginário mítico-poético nacional. Os Lusíadas conquistaram o título de “evangelho nacional” e foram elevados à categoria de símbolo nacional. A 11
Mensagem logo no seu título aponta para um novo evangelho, num sentido místico, ideia de missão e de vocação universal. O próprio título indicia uma revelação, uma iniciação. Pessoa previa para breve o aparecimento do “Supra-Camões” que anunciará o “Supra-Portugal de amanhã”, a “busca de uma Índia Nova”, o tal “porto sempre por achar”. A Mensagem entrelaça-se, através de um complexo processo intertextual, com Os Lusíadas, que por sua vez são já um reflexo intertextual da Eneida e da Odisseia. Estabelece-se portanto um diálogo que perpassa múltiplos tempos históricos. Pessoa transforma-se num arquitecto que edifica uma obra nova, com modernidade, mas também com a herança da memória. Em Camões memória e esperança estão no mesmo plano. Em Pessoa, o objecto da esperança transferiu-se para o sonho, daí a diferente concepção de heroísmo. Pessoa identifica-se com os heróis da Mensagem ou neles se desdobra num processo lírico-dramático. O amor da pátria converte-se numa atitude metafísica, definível pela decepção do real, por uma loucura consciente. Revivendo a fé no Quinto Império, Pessoa reinventou uma razão de ser, um destino para fugir a um quotidiano absurdo. O assunto da Mensagem é a essência de Portugal e a sua missão por cumprir. Portugal é reduzido a um pensamento que descarna e especializa as personagens da história nacional. A Mensagem é o sonho de um império sem fronteiras nem ocaso. A viagem real é metamorfoseada na busca do “porto sempre por achar”. “A Mensagem comparada com Os Lusíadas é um passo em frente. Enquanto Camões, em Os Lusíadas, conseguiu fazer a síntese entre o mundo pagão e o mundo cristão, Pessoa na Mensagem conseguiu ir mais longe estabelecendo uma harmonia total, perfeita, entre o mundo pagão, o mundo cristão e o mundo esotérico.” Quadro-Síntese Estilísticas Temáticas Nível Fónico Nível Morfossintático e semântico - Nacionalismo mítico; - Musicalidade: - Expressão - Sebastianismo e - Rima; épico-lírica; saudosismo; - Ritmo; - Linguagem - Simbolismo templário e - Aliteração; metafórica, aforística, rosacruciano; - Versificação regular solene, simbólica; - A ideia de predestinação e tradicional: variedade - Paradoxo, nacional; atrófica, com predomínio da antítese e oxímoro; - A mitificação dos heróis; quadra e da quintilha; - Hiperbarto. - Intuição de um destino - Encavalgamento. colectivo; - Ocultismo procura de uma correspondência entre o visível e o invisível.
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Heterónimos Comparação entre Alberto Caeiro e Ricardo Reis: A nível de conteúdo estes dois heterónimos aproximma-se principalmente pelo modo como tentam encarar a vida: tanto Caeiro como Reis, além de considerarem que a felicidade só se alcança através de uma vida serena e em comunhão com a natureza (aurea mediocritas), defendem a vivência plena do presente, sem preocupação nem com o passado nem com o futuro (carpe diem, desfrutar de cada momento). No entanto, pode verificar-se que são grandes as diferenças entre eles. Enquanto que Reis é caracterizado pela intelectualização das emoções e pelo medo perante a morte, Caeiro é exactamente o poeta das sensações, considerando o pensamento como uma entrave à observação da natureza, e é o poeta que não se preocupa com a passagem do tempo. Outra grande diferença é que Caeiro acredita (num só) Deus enquanto elemento da natureza (tudo é divino), ao passo que Ricardo Reis crê em vários deuses pois identifica-se com a civilização grega. A nível formal estes dois heterónimos são o oposto: de um lado temos Caeiro com a sua linguagem simples e familiar, a sua despreocupação a nível fónico, a sua irregularidade estrófica, métrica e rítmica e as suas frases essencialmente coordenadas; e, de outro, temos Ricardo Reis com toda a sua complexidade – estrofes e métrica regulares, predomínio da subordinação e linguagem erudita, cheia de simbolismos clássicos. Comparação entre Alberto Caeiro e Álvaro de Campos: Não é de estranhar que estes dois poetas não tenham muito em comum, uma vez que um é o poeta natural e pacífico, e o outro é o poeta da modernidade, da técnica e é caracterizado por um certa violência e agressividade. No entanto, apesar destes contrastes, têm alguns pontos em comum, considerando a 2ªfase de A. Campos: ambos são poetas solitários, rejeitam a subjectividade da lírica tradicional, tentando ser objectivos na observação do real, e neles predominam as sensações visuais. As maiores divergências, a nível temático, verificam-se na concepção do tempo (para Caeiro só existe o presente, para Campos o presente é a concentração de todos os tempos), no objecto da sua poesia (Caeiro exulta as qualidades da natureza e Campos, na 2ªfase, exulta as da civilização moderna), e na atitude perante a vida (enquanto Caeiro é feliz, Campos – na 3ªfase – é um homem sem identidade e cansado de viver, pois a vida nunca lhe trouxe nada de bom). A nível formal, apesar de ambos se caracterizarem pela irregularidade estrófica, métrica e rítmica, verifica-se que, enquanto Caeiro utiliza uma linguagem simples e com poucos artifícios, Campos distingue-se pelo recurso a um grande número de figuras de estilo (que tornam a compreensão da mensagem mais difícil), e 13
por uma exuberância que choca evidentemente com a simplicidade e serenidade dos versos do mestre Caeiro. Comparação entre Álvaro de Campos e Ricardo Reis: Álvaro de Campos foi um poeta que, pelo seu estilo eufórico e, mais tarde, disfórico, se afastou dos outros heterónimos, já que estes procuravam a serenidade, que Campos também procurava, de uma forma mais tranquila. Assim, são poucas as semelhanças entre RR e Campos: tanto Canpos (na 3ªfase) como Reis se angustiam perante a efemeridade da vida, consideram a infância como momento de maior felicidade e aceitam o seu destino (conformismo). No entanto, neste último ponto, os motivos para essa aceitação são diferentes: enquanto que Reis o aceita pois considera que essa é a melhor forma de ser feliz, Campos fá-lo numa atitude de resignação perante a vida, não deixando de se sentir infeliz por aquilo que ela lhe reservou. Aquilo que mais os distancia é a sua relação com a realidade – campos vive em eterno conflito com a humanidade e reis “dá-lhe conselhos” (através da 1ªpessoa do plural no imperativo) – e a solidão que caracteriza campos na 3ªfase. A nível formal tanto um como outro apresentam versos brancos, embora Reis seja regular a nível estrófico e métrico. Pode verificar-se que Álvaro de campos, na 2ªfase, utiliza a ode como forma de expressão, tal como Ricardo Reis. Nestes dos heterónimos pode encontrar-se grande riqueza a nível estilístico, nomeadamente no que respeita a assonância e a aliteração, e uma utilização frequente do modo imperativo. No entanto, enquanto que Ricardo Reis submete a expressão ao conteúdo, Campos valoriza mais a expressividade dos seus poemas, sendo que esta acaba por se sobrepor ao seu conteúdo – ou acabar por resumir o último. Características comuns aos três: encontram-se, nos heterónimos, dois factores comuns a todos eles. Primeiro, a descoberta de um equilíbrio entre o sentir e o pensar: Caeiro encontra-se através da natureza; Reis encontra-se através do equilíbrio entre a dor e o prazer; e Campos não se encontra. Em segundo lugar, verifica-se que todos associam à infância o momento em que foram verdadeiramente felizes – porque ingénuos e inocentes. No entanto, enquanto que Reis e Caeiro acreditam poder voltar a ser felizes como foram em criança, campos considera essa felicidade perdida, pois só é feliz se for inconsciente, o que só aconteceu na sua infância, na pré-consciência.
Alberto Caeiro Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea, pois vive no presente, não querendo saber de outros tempos, e de impressões, sobretudo visuais, e porque recusa a introspecção, a subjectividade, sendo o poeta do real objectivo. Caeiro canta o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno, e não fragmentado. • Discurso poético de características oralizantes (de acordo com a simplicidade das ideias que apresenta): vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas, recurso a perguntas e respostas, reticências; • Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver) • Relação de harmonia com a Natureza (poeta da natureza) • Rejeita o pensamento, os sentimentos, e a linguagem porque desvirtuam a realidade (a nostalgia, o anseio, o receio são emoções que perturbam a nitidez da visão de que depende a clareza de espírito) 14
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Características da escrita Verso livre; Métrica irregular; Pobreza lexical; Adjectivação objectiva; Pontuação lógica; Predomínio da coordenação; Comparações simples; Características orais: vocabulário corrente, simples, frases curtas, repetições, frases interrogativas, recursos a perguntas e respostas, reticências; Pouca subordinação; Ausência de preocupações estilísticas; Número reduzido de vocábulos e de classes de palavras: pouca adjectivação, predomínio de substantivos concretos, uso de verbos no presente do indicativo ou no gerúndio; Polissíndeto: Frases incorrectas.
Objectivismo - Apagamento do sujeito; - Atitude antilírica; - Atenção à “eterna novidade do mundo”; - Integração e comunhão com a Natureza; - Poeta deambulatório. Sensacionismo - Poeta das sensações tal como elas são; - Poeta do olhar; - Predomínio das sensações visuais e das auditivas. Anti-metafísico - Recusa do pensamento; - Recusa do mistério; - Recusa do misticismo. Panteísmo Naturalista - Tudo é Deus, as coisas são divinas; - Paganismo; - Desvalorização do tempo enquanto categoria conceptual; - Contradição entre “teoria” e a “prática”. Ideologia da poesia de Caeiro -
Para Caeiro fazer poesia é uma atitude involuntária, espontânea e de impressões visuais, sobretudo; Recusa a introspecção e a subjectividade, sendo poeta do real objectivo; Caeiro “canta” o viver sem dor, o envelhecer sem angústia, o morrer sem desespero, o fazer coincidir o ser com o estar, o combate ao vício de pensar, o ser um ser uno e não fragmentado; 15
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Apologia da visão como valor essencial (ciência de ver); Relação de harmonia com a natureza 8poeta da natureza); Rejeita o pensamento e a linguagem porque alteram a realidade; Inocência e constante novidade das coisas; Mestre de pessoa e dos outros heterónimos; Elimina a dor de pensar de Pessoa; Ele não quer pensar, mas não consegue evitar; Escreve intuitivamente; Para ele a natureza é para usufruir não para pensar; Desejo de despersonificação (de fusão com a natureza); Valorização das sensações; Preocupação apenas com o presente; É anti-religião; É anti-metafísica; É anti-filosofia.
Características estilísticas - Verso livre; - Métrica irregular; - Despreocupação a nível fónico; - Pobreza lexical (linguagem simples, familiar); - Adjectivação objectiva; - Pontuação lógica; - Predomínio do presente do indicativo; - Frases simples; - Predomínio da coordenação; - Comparações simples; - Raras metáforas. Biografia A partir da carta a Adolfo Casais Monteiro: * Nasceu em Lisboa (1889); * Morreu tuberculoso em 1915; * Viveu quase toda a sua vida no campo; * Só teve instrução primária; * Não teve educação, nem profissão; * Escreve por inspiração. Filosofia de Caeiro: * É anti-religião; * É anti-metafísica; * É anti-filosofia. Fisicamente: * Estatura média; * Frágil; * Louro, quase sem cor; * Olhos azuis; * Cara rapada.
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Quadro-Síntese: Estilísticas
Temáticas - Objectivismo - Apagamento do sujeito - Preferência pela exterioridade - Integração e comunhão com a natureza - Sensacionismo: predomínio das sensações visuais ( o olhar) e auditivas - Recusa do pensamento, do metafísico, do mistério, da filosofia e do misticismo. - A ruralidade e o deambulismo - O paganismo - A desvalorização do tempo: “Não quero incluir o tempo no meu esquema”
- Verso livre, portanto avesso a quaisquer esquenas métricos, rimáticos ou melódicos - Prosaísmo da linguagem (simples e familiar) - Raras assonâncias, aliterações ou onomatopeias - Pobreza lexical - Anáfora, anadiplose, paralelismo, assíndeto, polissíndeto, tautologia e comparação (figura de estilo predominante) - Adjectivação pobre, descritiva e objectiva - Raras metáforas, metonímias e sinestesias - Preponderância do Presente do Indicativo (por traduzir realidade) - Estilo discursivo - Marcas de oralidade - Predomínio da coordenação e das frases simples
Ricardo Reis Biografia: - Nasce a 1887, no Porto - É um pouco baixo, mais seco e mais forte que Caeiro. Tem a cara rapada e é moreno mate - Surge como produto do pensamento abstracto de Pessoa - Frequentou um colégio Jesuíta e estudou medicina; é latinista e semi helenista por auto – didactismo - Habita no Brasil desde 1919 Características de escrita: 17
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Exagerado Purismo da língua Pagão Disciplinado mentalmente O Verso não tem rima, porque se os pensamentos são elevados as palavras também fluem superiormente Todos os seus poemas são Odes Recurso à assonância, à rima interior e à aliteração Uso frequente do gerúndio e do imperativo Uso de latinismos Metáforas, eufemismos, comparações, imagens Importância dada ao ritmo Estilo construído com muito rigor e muito denso (Ode)
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Versos decassílabos e hexassílabos (geralmente alternados) Linguagem erudita (próxima do latim, muito cuidada) Hipérbato (desorganização dos elementos da frase) Transporte Tom Elevado
Ode:
Filosofia: * “Epicurista triste”- (Carpe Diem)- busca do prazer moderado a da ataraxia; * Busca do prazer relativo; * Estoicismo – aceitação calma e serena da ordem das coisas; * Moralista – pretende levar os outros a adoptar a sua filosofia de vida; * Intelectualiza as emoções; * Temática da miséria da condição humana do FATUM (destino), da velhice, da irreversibilidade da morte e da efemeridade da vida, do tempo; * Espírito grave, ansioso de perfeição; * Aceitação do Fado, da ordem natural das coisas; A filosofia de Reis rege-se pelo ideal “Carpe Diem”, a sabedoria consiste em saber-se aproveitar o presente, porque se sabe que a vida é breve. Há que nos contentarmos com o que o destino nos trouxe. Há que viver com moderação, sem nos apegarmos Às coisas, e por isso as paixões devem ser comedidas, para que a hora da morte não seja demasiado dolorosa. Aceita a relatividade e fugacidade das coisas. Intelectualiza as emoções. Temática da miséria da condição humana do destino, da velhice, da irreversibilidade da morte e da efemeridade da vida, do tempo. Espírito grave, ansioso de perfeição. Neoclassicismo - Poesia construída com base em ideias elevada - Odes (forma métrica por excelência Paganismo - Crença nos deuses - Crença na civilização da Grécia - Sente-se um “estrangeiro” fora da sua pátria, a Grécia Horacianismo - carpe diem: vive o momento 18
- aurea mediocritas: a felicidade possível no sossego do campo (proximidade de Caeiro) - Culto do Belo, como forma de superar a efermeridade dos bens e a miséria da vida - Intelectualização das emoções - Medo da morte - Quase ausência de erotismo, em contraste com o seu mestre Horácio Estoicismo - Aceitação das leis do destino (“... a vida/ passa e não fica, nada deixa e nunca regressa.”) - Indiferença face às paixões e à dor - Abdicação de lutar - Autodisciplina - Considera ser possível encontrar a felicidade desde que se viva em conformidade com as leis do destino que regem o mundo permanecendo indiferente aos males e às paixões, que são a perturbação da razão Classicismo erudito: - Precisão verbal - Recurso à mitologia (crença e culto aos deuses) - Princípio de moral e da estética epicurista e estóica - Tranquila resignação ao destino Epicurismo: -
Prazer do momento Caminho da felicidade, alcançada pela indiferença à perturbação Não cede aos impulsos dos instintos Ataraxia (tranquilidade sem qualquer perturbação) Calma, ou pelo menos a sua ilusão Ideal ético de apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade Busca da felicidade relativa Moderação nos prazeres Fuga à dor Ataraxia (tranquilidade capaz de evitar a perturbação)
“Reis […] manifesta uma aguda mas estóica sensibilidade em relação ao tema da passagem do tempo.” Ricardo Reis, heterónimo de Fernando Pessoa, é o poeta clássico, da serenidade epicurista, que aceita, com calma lucidez, a relatividade e a fugacidade de todas as coisas. “Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio”, “Prefiro rosas, meu amor, à pátria” ou “Segue o teu destino” são poemas que nos mostram que este discípulo de Caeiro aceita a antiga crença nos deuses, enquanto disciplinadora das nossas emoções e sentimentos, mas defende, sobretudo, a busca de uma felicidade relativa alcançada pela indiferença à perturbação. A filosofia de Ricardo Reis é a de um epicurismo triste, pois defende o prazer do momento, o “carpe diem”, como caminho da felicidade, mas sem ceder aos impulsos dos instintos. Apesar deste prazer que procura e da felicidade que deseja 19
alcançar, considera que nunca se consegue a verdadeira calma e tranquilidade – ataraxia. Ricardo Reis propõe, pois, uma filosofia moral de acordo com os princípios do epicurismo e uma filosofia estóica: - “Carpe diem” (aproveitai o dia), ou seja, aproveitai a vida em cada dia, como caminho da felicidade; - Buscar a felicidade com tranquilidade (ataraxia); - Não ceder aos impulsos dos instintos (estoicismo); - Procurar a calma, ou pelo menos, a sua ilusão; - Seguir o ideal ético da apatia que permite a ausência da paixão e a liberdade (sobre esta apenas pesa o Fado). Ricardo Reis, que adquiriu a lição do paganismo espontâneo de Caeiro, cultiva um neoclassicismo neo-pagão (crê nos deuses e nas presenças quase divinas que habitam todas as coisas), recorrendo à mitologia greco-latina, e considera a brevidade, a fugacidade e a transitoriedade da vida, pois sabe que o tempo passa e tudo é efémero. Daí fazer a apologia da indiferença solene diante o poder dos teus e do destino inelutável. Considera que a verdadeira sabedoria de vida é viver de forma equilibrada e serena, “sem desassossegos grandes”. A precisão verbal e o recurso à mitologia, associados aos princípios da moral e da estética epicuristas e estóicas ou à tranquila resignação ao destino, são marcas do classicismo erudito de Reis. Poeta clássico da serenidade, Ricardo Reis privilegia a ode, o epigrama e a elegia. A frase concisa e a sintaxe clássica latina, frequentemente com a inversão da ordem lógica (hipérbatos), favorecem o ritmo das suas ideias lúcidas e disciplinadas.
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Quadro-Síntese: Temáticas
Estilísticas
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- O Epicurismo, busca de uma felicidade relativa, sem desprazer ou dor, através de um estado de ataraxia, isto é, uma certa tranquilidade ou indiferença capaz de evitar a perturbação - O Estoicismo, crença de que a felicidade só é possível se atingirmos a apatia, isto é, a aceitação das leis do destino e da indiferença face às paixões a aos males - O Paganismo - A passagem inelutável do tempo - A precariedade da vida e a fatalidade da Morte - A moderação dos desejos e dos prazeres - O culto do belo, como forma de superar a transitoriedade da vida e dos bens terrenos - As ameaças do Fatum (entidade implacável que oprime deuses e homens), da Velhice e da Morte - O Elogio da vida rústica ( a “aurea mediocritas” de Horácio): a felicidade só é possível no sossego d campo - O gozo do momento que passa, o “carpe diem” horaciano - A tentativa de iludi o sofrimento resultante da consciência aguda da precariedade da vida, do fluir contínuo do tempo e da fatalidade da morte, através do sorriso, do vinho e das flores. - A intelectualização das emoções - A intemporalidade das suas preocupações: a angústia do homem perante a brevidade da vida e a inevitabilidade da Morte e a interminável busca de estratégias de limitação do sofrimento da vida humana - O autodomínio e a contenção dos sentimentos - A quase ausência de erotismo, de amor autêntico
- Submissão da expressão ao conteúdo, às ideias - A complexidade da sintaxe alatinada: o A antecipação do complemento directo ao verbo o A inesperada ordem das palavras que nos obriga a uma leitura silabada - O uso de latinismo: atro, ledo, ínfero, inscientes, volucres, vila, etc - A frequência da inversão (anástrofe e hipérbato) e da elipse - As perífrases que remetem para um contexto religioso e mitológico grego ou laitno - Estilo denso e rigorosamente elaborado. - A preferência pela ode, com estrofes regulares em verso decassílabo, alternando ou não com o hexassílabo - Uso frequente do gerúndio - Selecção cuidada de fonemas ou vocábulos sugestivos das ideias que pretende exprimir (a elevação, a nobreza, o classicismo da linguagem poética) - Verso branco ou solto, recorrendo embora, com frequência, à assonância, à aliteração e à rima interior - Uso frequente do imperativo ( de acordo com a feição moralista das odes)
Álvaro de Campos
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Álvaro de Campos surge quando Fernando Pessoa sente “um impulso para escrever”. O próprio Pessoa considera que Campos se encontra no «extremo oposto, inteiramente oposto, a Ricardo Reis”, apesar de ser como este um discípulo de Caeiro. Campos é o “filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte. O eu do poeta tenta integrar e unificar tudo o que tem ou teve existência ou possibilidade de existir. Este heterónimo aprende de Caeiro a urgência de sentir, mas não lhe basta a «sensação das coisas como são»: procura a totalização das sensações e das percepções conforme as sente, ou como ele próprio afirma “sentir tudo de todas as maneiras”. Engenheiro naval e viajante, Álvaro de Campos é figurado “biograficamente” por Pessoa como vanguardista e cosmopolita, espelhando-se este seu perfil particularmente nos poemas em que exalta, em tom futurista, a civilização moderna e os valores do progresso. Cantor do mundo moderno, o poeta procura incessantemente “sentir tudo de todas as maneiras”, seja a força explosiva dos mecanismos, seja a velocidade, seja o próprio desejo de partir. “Poeta da modernidade”, Campos tanto celebra, em poemas de estilo torrencial, amplo, delirante e até violento, a civilização industrial e mecânica, como expressa o desencanto do quotidiano citadino, adoptando sempre o ponto de vista do homem da cidade. O drama de Álvaro Campos concretiza-se num apelo dilacerante entre o amor do mundo e da humanidade; é uma espécie de frustração total feita de incapacidade de unificar em si pensamento e sentimento, mundo exterior e mundo interior. Revela, como Pessoa, a mesma inadaptação à existência e a mesma demissão da personalidade íntegra., o cepticismo, a dor de pensar e a nostalgia da infância. Biografia • • •
Nasce em Tavira, em 1890 Estuda engenharia mecânica e naval na Escócia “Filho indisciplinado da sensação e para ele a sensação é tudo. O sensacionismo faz da sensação a realidade da vida e a base da arte.” • “Sentir tudo de todas as maneiras” • Vanguardista e cosmopolita • Único heterónimo que comparticipa da vida extra literária de Fernando Pessoa heterónimo Fases Primeira – decadentismo (1914) Exprime o tédio, o cansaço e a necessidade de novas sensações (“Opiário”); o decadentismo surge como uma atitude estética finissecular que exprime o tédio, o enfado, a náusea, o cansaço, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. Com rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens apresenta-se marcado pelo Romantismo e pelo Simbolismo. • Tédio, cansaço, necessidade de novas sensações • Falta de um sentido para a vida • Romantismo e simbolismo • Nostalgia • Saturação 23
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Embriaguez do ópio Horror à vida Realismo satírico Vocabulário precioso e vulgar Imagens Símbolos Estilo confessional brusco Decassílabos agrupados em quadras “Opiário “
Segunda – Futurismo (1914 a 1916) Nesta fase, Álvaro de Campos celebra o triunfo da máquina, da energia mecânica e da civilização moderna. Sente-se nos poemas uma atracção quase erótica pelas máquinas, símbolo da vida moderna. Campos apresenta a beleza dos “maquinismos em fúria” e da força da máquina por oposição à beleza tradicionalmente concebida. Exalta o progresso técnico, essa “nova revelação metálica e dinâmica de Deus”. A “Ode Triunfal” ou a “Ode Marítima” são bem o exemplo desta intensidade e totalização das sensações. A par da paixão pela máquina, há a náusea, a neurastenia provocada pela poluição física e moral da vida moderna. • Elogio da civilização industrial e da técnica • Triunfo da máquina, beleza dos “maquinistas em fúria” • Intelectualização das sensações, delírio sensorial • Não aristotélica • Sado masoquismo • Cantar lúcido do mundo moderno • Influência de Walt Whitman • Vertigem das sensações modernas • Volúpia da imaginação • Hipertrofia ilimitada do eu • Energia explosiva • Impulsos inconscientes • Verso livre, longo • Estilo esfuziante, torrencial • Anáforas, exclamações, interjeições, apóstrofes e enumerações • Fantasia verbal • Volúpia de ser objecto • Vítima • Dispersão • “Ode triunfal” Terceira fase – Pessoal ou Intimista (1916 a 1935) Perante a incapacidade das realizações, traz de volta o abatimento, que provoca “Um supremíssimo cansaço, /íssimo, íssimo, íssimo, /Cansaço…”. Nesta fase, Campos sente-se vazio, um marginal, um incompreendido. Sofre fechado em si mesmo, angustiado e cansado. (“Esta velha angústia”; “Apontamento”; “Lisbon Revisited”). • Melancolia • Devaneio • Cosmopolitismo 24
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Cepticismo Dor de pensar Saudades da Infância ou do Irreal Dissolução do eu Conflito entre a realidade e o poeta Cansaço, tédio e abulia Angústia existencial Solidão “Aniversário” e a “Tabacaria”
Traços da sua poesia • • • • •
Poeta modernista Poeta sensacionista Cultor das sensações sem limite Poeta de verso livre Poeta de angústia existencial e da auto-ironia
Traços estilísticos • Verso livre em geral muito longo • Assonâncias, onomatopeias, aliterações • Grafismos expressivos • Mistura de níveis de língua • Enumerações excessivas, exclamações, interjeições e pontuação emotiva • Desvios sintácticos • Estrangeirismos e neologismos • Subordinação de fonemas • Construções nominais, infinitivas e gerundivas • Metáforas ousadas, oximoros, personificações, hipérboles • Estética não aristotélica na fase futurista.
Quadro-Síntese:
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Temáticas
Estilísticas
- Apologia da civilização mecânica, da indústria, da técnica (futurismo e sensacionismo): tentativa de romper com o subjectivismo da lírica tradicional - Atitude escandalosa, chocante: transgressão de uma atitude moral estabelecida - Traços de anti-filosofia e antipoesia - Sadismo e masoquismo - Ilusão: sonho; retorno impossível à infância; viagem - Mais evolutivo que qualquer dos outros heterónimos (três fases) - Última fase: conflito realidade/poeta: cansaço existencial, náusea, tédio, abulia; estranheza da realidade solidão; isolamento; dissolução do “eu”; ritmo lento
- Exclamação, apóstrofe repetida, interjeição, gradação (ascendente e descendente) - Repetição, simetria de construção, assonância, aliteração, rima interior, enumeração desordenada, polissíndeto - Construções nominais e infinitivas - Verso livre e, em geral, muito longo (duas ou três linhas) e com encavalgamento - Onomatopeia - Grafismo inovador - Oxímoro - Uso expressivo da pontuação: exclamação, interrogação, reticências - Estrangeirismos, neologismos e susbstantivação de fonemas - Metáfora, personificação e hipérbole
“Os Lusíadas” Os elementos do género épico 26
Características gerais do género épico: o Uma acção épica expressiva de grandeza e heroísmo de uma forma solene o Um protagonista que, além da sua alta estirpe social, devia revelar grande valor moral o Unidade de acção o Os episódios dão extensão à epopeia, mas servem, sobretudo, para a enriquecer, sem quebrar a unidade de acção o A intervenção do maravilhoso na acção o A utilização do modo narrativo, pelo poeta em seu próprio nome ou assumindo personalidades diversas o A reduzida intervenção do poeta Características do género épico em “Os Lusíadas”: a) A acção é a descoberta do caminho marítimo para a Índia por Vasco da Gama, como acontecimento culminante da História de Portugal até à data da composição da obra e definidor do perfil do herói, isto é, o Povo Português, “o peito ilustre lusitano” Haviam determinadas qualidades que a acção de uma epopeia devia reunir: a unidade, a variedade, a verdade e a integridade. 1. A unidade é, porventura, a característica fundamental, dado que exige que todas as suas partes ou séries de acontecimentos constituam um todo harmonioso 2. A variedade é conseguida através da inserção de episódios, cuja função é embelezar a acção e quebrar a monotonia de uma narração continuada, mas sempre sem prejudicar a unidade, através do estabelecimento hábil de uma relação como o acontecimento ou a figura de que a acção se ocupa em cada momento. São variados os tipos de episódios que encontramos em “Os Lusíadas”: Mitológicos Bélicos Líricos Naturalistas Simbólicos Humorístico ou herói-cómico Cavalheiresco 3. A verdade consiste no tratamento de um assunto real ou, pelo menos, verosímil 4. A integridade exige a estruturação de uma narrativa com princípio, meio e fim (introdução, desenvolvimento e conclusão) b) A personagem - (os sujeitos ou heróis da acção) – o povo português, um herói colectivo, que na obra é simbolicamente representado por vasco da Gama c) O maravilhoso, que consiste na intervenção, de entidades sobrenaturais na acção, umas favorecendo, outras dificultando. Cada interventor tem as suas razões para desejar o sucesso ou o insucesso dos marinheiros portugueses. d) A forma: “Os Lusíadas” são uma narrativa em verso, dividida em dez cantos, com um número aproximado de cento e dez estrofes cada. As estrofes são oitavas em verso decassilábico, geralmente heróico O esquema rimático é fixo – ABABABCC – sendo, portanto, a rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos. 27
Quadro-Síntese: ELEMENTOS
CONCRETIZAÇÃO EM “OS LUSÍADAS”
CARACTERÍSTICAS
- Unidade ligação entre as diversas partes - A acção - Variedade inserção de - viagem de Vasco da acontecimentos episódios para quebrar a monotonia e Gama, acontecimento representados ao longo embelezar a acção culminante da história da obra - Verdade assunto real, ou, pelo de Portugal menos, verosímil - Integridade criação de uma intriga com principio, meio e fim - individual e principal, com uma dimensão simbólica ( um povo de - Vasco da gama marinheiros) - A personagem os - O Povo - herói colectivo, fundamental agentes ou heróis da Português numa epopeia acção - Camões - herói individual - Etc - Não são meros símbolos, têm paixões humaníssimas, identificam o êxito e o fracasso, a vitoria e a derrota - Júpiter, Vénus, - Pagão deuses pagãos - O maravilhoso Marte, Baco, etc. - Cristão desuses do intervenção de seres - Deus ( A cristianismo sobrenaturais na acção Divina Providência - Misto mistura dos dois Cristã) anteriores - dez cantos - narrativa em versos decassílabicos, geralmente heróicos, agrupados em oitavas A forma - rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos - esquema rimático: ABABABCC A estrutura externa A obra distribui-se por dez cantos, cada um deles com um número variável de estrofes (em média cento e dez). O número total de estrofes da epopeia é de mil cento e duas. As estrofes são oitavas, isto é, constituídas por oito versos. Os versos são decassilábicos, na sua maioria heróicos (acentuados nas 6º e 10ª sílabas), surgindo, também, por vezes, o verso sáfico (acentuado nas 4º, 8ª e 10ªsílabas). O esquema rimático é o mesmo em todas as estrofes da obra ABABABCC, sendo, portanto, a rima cruzada nos seis primeiros versos e emparelhada nos dois últimos. A estrutura interna 28
“Os Lusíadas” apresenta as tradicionais três partes lógicas: introdução, desenvolvimento e conclusão. Assim, das quatro partes de uma epopeia clássica (proposição, invocação, dedicatória e narração) constituem as três primeiras a introdução (I, 1-18 ); a narração constituirá o desenvolvimento; e considerar-se-á concluída quando os marinheiros entrarem “pela foz do Tejo ameno” (X, 144). A conclusão, ou epílogo, inclui as restantes doze estrofes do canto X (145-156) e exprime um desabafo desencantado perante a Musa e uma exortação final a D.Sebastião, prometendo cantar-lhe os feitos futuros. Introdução (proposição, invocação e dedicatória) A proposição Consiste na apresentação do assunto (Canto I, 1-3), em que Camões proclama cantar as grandes vitórias e os homens ilustres (“As armas e os barões assinalados”), as conquistas e navegações no Oriente (reinados de D. Manuel e de D. João III), as vitórias em África e na Ásia (desde D. João I a D. Manuel), que dilataram “a Fé e o Império” e, por último, todos aqueles que “por obras valorosas se vão da lei Morte libertando”, todos aqueles que, no passado, no presente e no futuro, mereceram, merecem ou vieram a merecer a imortalidade” na memória dos homens. Predomínio da função apelativa, pelo uso do conjuntivo com sentido de imperativo (cessem, cale-se, cesse) e pela repetição daquelas formas verbais sinónimas. A invocação Consiste em pedir ajuda a entidades mitológicas, chamadas Musas. Isso acontece várias vezes ao longo do poema, sempre que o sujeito da enunciação sente faltar-lhe a inspiração suficiente, seja em resultado da grandeza da tarefa que se lhe impõe, seja porque as condições são adversas. Todavia, no canto X, estrofe 145, Camões dirige-se, finalmente, à Musas (Calíope) para um lamento sincero e a confissão de “não mais” poder “cantar a gente surda e endurecida”. Predomínio, ainda, da função apelativa da linguagem, pelo uso do imperativo, do vocativo, e da repetição anafórica. Pretende Camões, nestas duas estrofes, que as tágides lhe dêem um estilo sublime, à altura dos feitos que se propõe narrar e de forma que a gesta lusíada se torne conhecida em todo o universo. Não lhe interessa, agora, a inspiração lírica e bucólica que as Musas lhe prodigalizaram. Pretende agora voar mais alto. A dedicatória A dedicatória (I, 6-18) é o oferecimento do poema a D. Sebastião. O carácter oratório do discurso é que determina o uso da 2ª pessoa do plural (“vós”), do modo imperativo (“inclinai”, “ponde”) e de numerosas apóstrofes. D. Sebastião encarna toda a esperança do poeta que quer ver nele um monarca poderoso, capaz de retomar a “dilatação da Fé e do Império” e de ultrapassar a crise do momento. Camões dirige-se a D. Sebastião, usando repetidamente a cerimoniosa 2ª pessoa do plural e sucessivas apóstrofes e perífrases altamente elogiosas, vendo nele o depositário providencial da independência da Pátria e a garantia 29
da dilatação da Fé Cristã e da construção dum Império onde sempre haveria Sol, porque se estenderia de Leste a Oeste do Universo. Desenvolvimento – os quatro planos de organização da narrativa: A viagem A quarta parte da epopeia, a narração, é que constitui a acção principal que, à maneira clássica, se inicia “in media res”, isto é, quando a viagem já vai a meio, encontrado-se já os marinheiros em pleno Oceano Índico. Este começo da acção central, a viagem de descoberta do caminho marítimo para a Índia, quando os Portugueses se encontram já a meio do percurso, no Canal de Moçambique, vai permitir: - a narração do percurso até Melinde pelo narrador heterodiegético (cantos I e II) a narração da História de Portugal até à viagem (cantos III, IV e V,85), em forma de discurso do Gama, dirigido ao Rei de Melinde e a pedido deste - A inclusão da narração da primeira parte da viagem e ao surgimento da “doença crua e feia” (escorbuto) na retrospectiva histórica atrás referida - A apresentação do último troço da viagem (canto VI), entre Melinde e Calecute, de novo por um narrador heterodiegético. Mas, simultaneamente, os deuses reúnem em consílio, para decidir “sobre as cousas futuras do Oriente” e, de vez em quando, tece o poeta considerações pessoais. A narrativa organiza-se em quatro planos: o da viagem e dos deuses, em alternância, ocupam uma posição fulcral; a História passada de Portugal está encaixada na viagem; as considerações pessoais aparecem normalmente nos fins de cantos e constituem, de um modo geral, a visão crítica do Poeta sobre o seu tempo. Já a Proposição aponta para os quatro planos do poema: a celebração de uma viagem a glorificação de um povo do poema: a celebração de uma viagem, a glorificação de um povo cuja histórica será narrada, por traduzir a vitória sobre os deuses, na interpretação pessoal do poeta: “Cantando espalharei por toda a parte”. A Histórica de Portugal: os discursos e as profecias A História de Portugal, exposta em discurso (de Vasco da Gama ao rei de Melinde e de Paulo da Gama ao Catual, para a histórica passada em relação à viagem – 1498) e em profecias (de Júpiter, de Adamastor, da ninfa Sirena e de Tétis, em relação à história futura em relação à viagem), não tem uma unidade intrínseca. Uma parte dessa história é dada em sequência cronológica e consta do discurso de vasco da Gama ao rei de Melinde. Outra parte é dada em quadros soltos, como são as pinturas (“bandeiras”) que Paulo da Gama explica ao Catual ou as profecias de Júpiter, do gigante Adamastor, de Tétis ou da Ninfa Sirena. Abundam, os discursos, ora dos narradores, ora dos protagonistas das histórias: o da “formosíssima Maria”, a seu pai; o de Inês de Castro ao sogro (Afonso IV); o de Nuno Álvares Pereira, no canto IV. A exposição dos feitos dos Portugueses caracteriza-se pela ausência de uma acção de conjunto. Não é, portanto, que encontrámos a mola do poema. 30
Os deuses A intriga dos deuses abre com o consílio, com que se inicia a acção do poema (I; 20-41) e fecha na ilha de Vénus, com que ele, praticamente, se encerra. Formalmente, a unidade de “Os Lusíadas” é estabelecida pela intriga dos deuses. Eles estão em cena desde o princípio até ao fim do poema, o qual abre com o consílio dos deuses e termina com a Ilha dos Amores. Não se trata de mero quadro externo, ou de uma sobreposição, mas da mola real do poema, que não tem outra. As personagens mitológicas têm uma vida que falta às personagens históricas: são elas as verdadeiras criaturas humanas, que sentem, que se apaixonam, intrigam e fazem rebuliço. O Gama é muito mais hirto e frio que o Gigante Adamastor, apesar de este ser um cabo, uma rocha. E ninguém tem o vulto, a irradiação, a força, a personalidade provocante de Vénus. Através da mitologia, Camões exprime algumas tendências profundas do Renascimento: A vitória dos homens sobre os deuses, que personificam os limites opostos pela tradição à iniciativa humana A confiança na capacidade humana para dominar a natureza A concepção da natureza como um ser vivo A afirmação (apenas virtual) de Deus coo uma imanência A crença na bondade da natureza A identificação da lei da razão com a lei da liberdade A proscrição da noção de pecado As considerações pessoais Este plano, é aquele em que o autor se permite tecer considerações, na maior parte das vezes de carácter satírico, sobre matérias muito diferenciadas: A fragilidade da vida humana face ais “grandes e gravíssimos perigos” tanto no mar como na terra (I, 105-106) O desprezo a que as Artes e as Letras muitas vezes são votadas pelos Portugueses (V, 91-100) O valor da glória e das honras por mérito próprio (VI, 95-99) A ingratidão de que se sente vítima por parte da sociedade (VII, 78-87) O poder corruptor do ouro, o “metal luzente e louro”, também motor de traições (VIII, 96-99) Os modos de atingir a imortalidade, condenado a cobiçam, a ambição e a tirania (IX, 92-95) A decadência da Pátria, a “austera, apagada e vil tristeza” (X, 145) A invectiva ao Rei, renovando os apelos da Dedicatória, e incentivando-o a tomar medidas no sentido de corrigir e repor o país na senda do êxito (X, 146-156)
Conclusão Camões lamenta perante a Musa (Calíope) a inutilidade do seu canto face à indiferença da sociedade do seu tempo (“gente surda e endurecida”), 31
afogada que está “no gosto da cobiça e na rudeza/Duma austera, apagada e vil tristeza”; da estrofe 146 até ao fim do, Camões dirige-se ao novo Rei, última esperança de regeneração da Pátria, aconselha-o a “favorecer” todos aqueles que estejam dispostos a servir desinteressadamente e conclui a sua obra oferecendo-se para cantar os feitos que D. Sebastião venha a praticar em África. A universalidade e actualidade da mensagem “Os Lusíadas” são o poema do mar, dos descobrimentos, das trocas internacionais? Sim, sem qualquer dúvida. Mas Camões defende, simultaneamente, o amor e a guerra, o império do amor e o amor do império. Tem-se a impressão de que Camões, poeta lírio, faz uma aposta – a aposta de escrever uma epopeia – cumpriu a sua palavra até ao fim, mas durante a realização de um trabalho de muitos anos sofreu momentos de dúvida e pôs em causa aquilo que exaltava. As contradições do poema são as contradições do seu século, e desta conclusão podemos inferir da sua universalidade, pois “OS Lusíadas” não são exclusivamente o canto do nacionalismo que se estruturava – mas também uma meditação sobre os valores. Trata-se, com efeito, das contradições dialécticas de uma voz que exprime a consciência moral, social e política da Europa num momento da sua evolução. “Os Lusíadas” – Poema simultaneamente épico e crítico, veiculam pois uma mensagem universal de humanismo generoso que contrabalança e ultrapassa a tolerância religiosa e um patriotismo estreito. A sua problemática, bem como a sua arte, interessam ainda aos nossos dias, aos homens de todo o mundo. Nele se descobre já a aspiração profunda ao conhecimento e ao amor do próximo, condição necessária quer para o desenvolvimento harmonioso do indivíduo quer para a criação cultural e o triunfo da paz. Os Dez Cantos d’Os Lusíadas Canto I O poeta indica o assunto global da obra, pede inspiração às ninfas do Tejo e dedica o poema ao Rei D. Sebastião. Na estrofe 19 inicia a narração de viagem de Vasco da Gama, referindo brevemente que a Armada já se encontra no Oceano Índico, no momento em que os deuses do Olimpo se reúnem em Consílio convocado por Júpiter, para decidirem se os Portugueses deverão chegar à Índia. Com o apoio de Vénus e Marte e apesar da oposição de Baco, a decisão é favorável aos Portugueses que, entretanto, chegam à Ilha de Moçambique. Aí Baco prepara-lhes várias ciladas que culminam com o fornecimento de um piloto por ele instruído para os conduzir ao perigoso porto de Quíloa. Vénus intervém, afastando a armada do perigo e fazendo-a retomar o caminho certo até Mombaça. No final do Canto, o poeta reflecte acerca dos perigos que em toda a parte espreitam o Homem. Canto II O rei de Mombaça, influenciado por Baco, convida os Portugueses a entrar no porto para os destruir. Vasco da Gama, ignorando as intenções, aceita o convite, pois os dois condenados que mandara a terra colher informações tinham regressado com uma boa notícia de ser aquela uma terra de cristãos. Na verdade, tinham sido enganados 32
por Baco, disfarçado de sacerdote. Vénus, ajudada pelas Nereidas, afasta a Armada, da qual se põem em fuga os emissários do Rei de Mombaça e o falso piloto. Vasco da Gama, apercebendo-se do perigo que corria, dirige uma prece a Deus. Vénus comove-se e vai pedir a Júpiter que proteja os Portugueses, ao que ele acede e, para a consolar, profetiza futuras glórias aos Lusitanos. Na sequência do pedido, Mercúrio é enviado a terra e, em sonhos, indica a Vasco da Gama o caminho até Melinde onde, entretanto, lhe prepara uma calorosa recepção. A chegada dos Portugueses a Melinde é efectivamente saudada com festejos e o Rei desta cidade visita a Armada, pedindo a Vasco da Gama que lhe conte a história do seu país. Canto III Após uma invocação do poeta a Calíope, Vasco da Gama inicia a narrativa da História de Portugal. Começa por referir a situação de Portugal na Europa e a lendária história de Luso a Viriato. Segue-se a formação da nacionalidade e depois a enumeração dos feitos guerreiros dos Reis da 1.ª Dinastia, de D. Afonso Henriques a D. Fernando. Destacam-se os episódios de Egas Moniz e da Batalha de Ourique, no reinado de D. Afonso Henriques, e o da Formosíssima Maria, da Batalha do Salado e de Inês de Castro, no reinado de D. Afonso IV. Canto IV Vasco da Gama prossegue a narrativa da História de Portugal. Conta agora a história da 2.ª Dinastia, desde a revolução de 1383-85, até ao momento, do reinado de D. Manuel, em que a Armada de Vasco da Gama parte para a Índia. Após a narrativa da Revolução de 1383-85 que incide fundamentalmente na figura de Nuno Álvares Pereira e na Batalha de Aljubarrota, seguem-se os acontecimentos dos reinados de D. João II, sobretudo os relacionados com a expansão para África. É assim que surge a narração dos preparativos da viagem à Índia, desejo que D. João II não conseguiu concretizar antes de morrer e que iria ser realizado por D. Manuel, a quem os rios Indo e Ganges apareceram em sonhos, profetizando as futuras glórias do Oriente. Este canto termina com a partida da Armada, cujos navegantes são surpreendidos pelas palavras profeticamente pessimistas de um velho que estava na praia, entre a multidão. É o episódio do Velho do Restelo. Canto V Vasco da Gama prossegue a sua narrativa ao Rei de Melinde, contando agora a viagem da Armada, de Lisboa a Melinde. É a narrativa da grande aventura marítima, em que os marinheiros observaram maravilhados ou inquietos o Cruzeiro do Sul, o Fogo-de-santelmo ou a Tromba Marítima e enfrentaram perigos e obstáculos enormes como a hostilidade dos nativos, no episódio de Fernão Veloso, a fúria de um monstro, no episódio do Gigante Adamastor, a doença e a morte provocadas pelo escorbuto. O canto termina com a censura do poeta aos seus contemporâneos que desprezam a poesia. Canto VI Finda a narrativa de Vasco da Gama, a Armada sai de Melinde guiada por um piloto que deverá ensinar-lhe o caminho até Calecut. Baco, vendo que os portugueses estão prestes a chegar à Índia, resolve pedir ajuda a Neptuno, que convoca um Consílio dos Deuses Marinhos cuja decisão é apoiar Baco e soltar os ventos para fazer afundar a Armada. É então que, enquanto os 33
marinheiros matam despreocupadamente o tempo ouvindo Fernão Veloso contar o episódio lendário e cavaleiresco de Os Doze de Inglaterra, surge uma violenta tempestade. Vasco da Gama vendo as suas caravelas quase perdidas, dirige uma prece a Deus e, mais uma vez, é Vénus que ajuda os Portugueses, mandando as Ninfas seduzir os ventos para os acalmar. Dissipada a tempestade, a Armada avista Calecut e Vasco da Gama agradece a Deus. O canto termina com considerações do Poeta sobre o valor da fama e da glória conseguidas através dos grandes feitos. Canto VII A Armada chega a Calecut. O poeta elogia a expansão portuguesa como cruzada, criticando as nações europeias que não seguem o exemplo português. Após a descrição da Índia, conta os primeiros contactos entre os portugueses e os indianos, através de um mensageiro enviado por Vasco da Gama a anunciar a sua chegada. O mouro Monçaíde visita a nau de Vasco da Gama e descreve Malabar, após o que o Capitão e outros nobres portugueses desembarcam e são recebidos pelo Catual e depois pelo Samorim. O Catual visita a Armada e pede a Paulo da Gama que lhe explique o significado das figuras das bandeiras portuguesas. O poeta invoca as Ninfas do Tejo e do Mondego, ao mesmo tempo que critica duramente os opressores e exploradores do povo. Canto VIII Paulo da Gama explica ao Catual o significado dos símbolos das bandeiras portuguesas, contando-lhe episódios da História de Portugal nelas representados. Baco intervém de novo contra os portugueses, aparecendo em sonhos a um sacerdote brâmane e instigando-o através da informação de que vêm com o intuito da pilhagem. O Samorim interroga Vasco da Gama, que acaba por regressar às naus, mas é retido no caminho pelo Catual subornado, que apenas deixa partir os portugueses depois destes lhes entregarem as fazendas que traziam. O poeta tece considerações sobre o vil poder do ouro. Canto IX Após vencerem algumas dificuldades, os portugueses saem de Calecut, iniciando a viagem de regresso à Pátria. Vénus decide preparar uma recompensa para os marinheiros, fazendo-os chegar à Ilha dos Amores. Para isso, manda o seu filho cúpido desfechar setas sobre as Ninfas que, feridas de Amor e pela Deusa instruídas, receberão apaixonadas os Portugueses. A Armada avista a Ilha dos Amores e, quando os marinheiros desembarcam para caçar, vêem as ninfas que se deixam perseguir e depois seduzir. Tétis explica a Vasco da Gama a razão daquele encontro (prémio merecido pelos “longos trabalhos”), referindo as futuras glórias que lhe serão dadas a conhecer. Após a explicação da simbologia da Ilha, o poeta termina, tecendo considerações sobre a forma de alcançar a Fama. Canto X As Ninfas oferecem um banquete aos portugueses. Após uma invocação do poeta a Calíope, uma ninfa faz profecias sobre as futuras vitórias dos portugueses no Oriente. Tétis conduz Vasco da Gama ao cume de um monte para lhe mostrar a Máquina do Mundo e indicar nela os lugares onde chegará o império português. Os portugueses despedem-se e regressam a Portugal. 34
O poeta termina, lamentando-se pelo seu destino infeliz de poeta incompreendido por aqueles a quem canta e exortando o Rei D. Sebastião a continuar a glória dos Portugueses.
Felizmente há Luar! A influência do teatro de Bretch em “Felizmente há Luar!” No teatro clássico pretende-se despertar as emoções, levando o espectador a identificar-se com as personagens. No teatro de épico de Bretch, defende-se a “distanciação” a fim de levar o espectador a pensar e a desenvolver o espírito crítico. Em “Felizmente há Luar!” pode-se estabelecer um paralelismo históricometafórico entre o tempo representado e o da escrita. Nas tragédias clássicas, a acção é marcada pelo Destino, ao contrário do teatro épico onde esta se deve a causas políticas e sociais que a sociedade pode combater. Na epígrafe, invoca-se um texto em que existe um conflito entre o indivíduo inconformista e a sociedade corrupta. Felizmente há luar! é um drama narrativo de carácter social dentro dos princípios do teatro épico. Defende as capacidades do homem, que tem o direito e o dever de transformar o mundo em que vive, oferecendo-nos uma análise crítica da sociedade em procurando mostrar a realidade em vez de a representar, para levar o espectador a reagir criticamente e a tomar posição Intenção didáctica: o espectador sai consciente de que há algo a mudar, o que levará a uma consciência crítica, socialmente empenhada, por exemplo, através da personagem de Matilde. Apoteose trágica (climax): desfecho trágico mas também apoteótico, transfigurador, de homenagem a Gomes Freire transformado em herói, dando esperança ao povo. Encenação: cenários neutros, pouco aparatosos; jogo de luzes; projecção de diapositivos – cicloramas: silhueta da cidade de lisboa ( situação espacial) A estrutura externa e interna da peça O texto principal é constituído pelas falas ou réplicas das personagens; o texto secundário fornece informações várias. O texto principal permite analisar a estrutura interna e a didascália, a estrutura externa. Estrutura externa: peça em dois actos, sem divisão gráfica de cenas. O primeiro acto divide-se em onze momentos O segundo acto começa precisamente como o primeiro e possui treze momentos. A obra apresenta todo o processo que conduziu à execução do general Gomes Freire de Andrade. No primeiro acto trama-se a sua prisão e, no segundo, verifica-se a sua execução.
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Primeiro Acto: - O povo, vítima da miséria e da opressão, sonha com a sua salvação, motivado pela esperança que lhe inspira o general Gomes Freire de Andrade, figura que define como “amigo do Povo” - Vicente, um homem do povo, considera Gomes Freire um “estrangeirado” e tenta convencer os populares que o ouvem de que o general nunca será aliado do povo; mais tarde, será levado por dois polícias junto do governador, D. Miguel de Forjaz, manifestando-se um traidor para com a classe social a que pertence (esta atitude valer-lhe-á a ascensão social, pois o governador alicia-o com a promessa de que lhe dará o cargo de chefe da polícia) - D. Miguel, preocupado com a hipótese (para ele, eminente) de uma revolução, manda Vicente vigiar a casa de Gomes Freire - Beresford, governador do reino, informa D. Miguel e o Principal Sousa de que, em Lisboa, se prepara, efectivamente, uma revolução contra o poder instituído (o seu informador é o capitão Andrade Corvo, um ex-maçon, amigo de Morais Sarmento, também maçon). Os governadores do reino tomam a decisão de destruir o líder dos conspiradores. - Morais sarmento e Andrade Corvo dispõem-se a denunciar o chefe da conspiração em Lisboa,. Mediante a intimação de D. Miguel, no sentido do cumprimento de um “missão”. - Vicente informa os governadores (Beresford, D.Miguel e o Principal Sousa) do número de pessoas que entram em casa de Gomes Freire e anuncia a identidade de algumas; Andrade Corvo, por sua vez, revela aos governadores que são muitas as pessoas que partilham o ideal de revolução, afirmando que já tinham sido enviados emissários desta causa para a província; Andrade Corvo adianta o nome do chefe dos conspiradores: o general Gomes Freire de Andrade. - D.Miguel ordena que se prendam os conspiradores, abarcando um número significativo de pessoas; por outro lado, tenta que a sua atitude surja de uma forma justificada, pensando, assim, impedir a estranheza perante a sua decisão, cujo objectivo é a repressão e a eliminação de Gomes Freire ( os seus argumento baseiamse no patriotismo e na defesa do nome e da vontade de Deus).
Segunda Acto: - O acto inicia-se exactamente como o anterior, ou seja, Manuel interroga-se ”Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?” através do seu monólogo, o espectador (ou o leitor) tem conhecimento da prisão de Gomes Freire ocorrida na madrugada anterior -
A polícia proíbe os aglomerados populares
- Matilde exprime a sua dor revolta face À situação do marido, o general Gomes Freire; contudo, decide intervir, de modo a conseguir a sua libertação - António Sousa falcão, o “inseparável amigo” de Matilde e do general, surge como a voz que critica o poder instituído e o comportamento abusivo dos governantes, que tentam enganar o povo, mencionando o nome de Deus.
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- Matilde procura Beresford, a fim de interceder pelo marido; objectivo que não alcança, pois, através do diálogo com Matilde, o governador humilha Gomes Freire. - O padre dá a informação de que seria feita uma acção de graças em todas as paróquias e igrejas dos conventos por todos aqueles que se tinham insurgido contra o governo (esta ocorreria num domingo) - Matilde apercebe-se da indiferença dos populares perante a situação em que se encontra Gomes Freire (na realidade, eles não têm qualquer hipótese de o ajudar; a traição a que povo é obrigado é simbolizada na moeda que Manuel oferece a Matilde); sabe-se, entretanto, que Vicente é chefe da polícia. - António de Sousa Falcão transmite a notícia de que a situação de Gomes Freire é cada vez mais crítica (não são autorizadas visitas, encontra-se numa masmorra às escuras, não lhe permitiram escolher um advogado, descuida-se a sua higiene física e a sua alimentação) - Matilde tenta pedir a D. Miguel que liberte o marido; o governador não a recebe - Matilde pede ao Principal Sousa que liberte Gomes Freire; o Principal Sousa evoca “as razões de estado” como o motivo da morte do general, apesar de Matilde o acusar de cumplicidade em relação ao destino do seu marido - Frei Digo, que confessara Gomes Freire, revela a sua solidariedade para com Matilde - Matilde acusa o Principal Sousa de não adoptar o comportamento que seria de esperar de um bispo - Sousa Falcão informa a esposa do general de que já havia fogueiras em S. Julião da Barra, para onde Gomes Freire tinha sido levado, o que leva Matilde a implorar, de novo, ao Principal Sousa a vida do marido - Matilde tenta consolar-se através da religião; depois, lançará aos pés do Principal Sousa a moeda que Manuel lhe dera - Matilde assiste À execução do marido, vendo o seu corpo ser devorado pelas chamas, ainda que imagine que o seu espírito vem abraça-la; profetiza uma nova vida para Portugal, simboliza no clarão da fogueira, fruto de uma revolução que encerraria o período de ditadura. Paralelismo estrutural: -
Manuel interroga-se sobre o que fazer para alterar a sua situação e da sua classe social
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O povo lamenta a sua miséria
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A chegada dos polícias fazem dispersas os populares (no primeiro acto, dois polícias procuram Vicente para que este traia a sua classe; no segundo acto, a policia proíbe os “ajuntamentos”)
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No primeiro acto, os diálogos entre os governadores, Vicente, Andrade Corvo, e Morais Sarmento funcionam como o plano de preparação para a condenação de Gomes Freire; no segundo acto, os diálogos entre os governadores e Matilde significam a efectivação das intenções dos representantes do poder – destruir Gomes Freire. 37
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O primeiro acto termina com a prisão de populares que conspiravam contra o governo e com apelo de “morte ao traidor Gomes Freire d’Andrade”, feito por D. Miguel; o final do segundo acto apresenta-nos a morte do general( ainda que, em simultâneo, ecoe o grito de esperança de Matilde).
As personagens Gomes Freire de Andrade: Gomes Freire aparece-nos como um homem instruído, letrado, um estrangeirado, um militar que sempre lutou em prol da honestidade e da justiça. É também o símbolo da modernidade e do progresso, adepto das novas ideias liberais e, por isso, considerado subversivo e perigoso para o poder instituído. Assim, quando é necessário encontrar uma vítima que simbolize uma situação de revolta que se advinha, Gomes Freire é a personagem ideal. Ele é símbolo da luta pela liberdade, da defesa intransigente dos ideais – daí que a sua presença se torne incómoda não só para os reis do Rossio, mas também para os senhores do regime para os senhores do regime fascizante dos anos 60. A sua morte, duplamente aviltante para um militar seria o fuzilamento), servirá de lição a todos aqueles que ousem afrontar o poder político e também, de certa forma, económica representado pela tença que Beresford recebe e que se arriscaria a perder se Gomes Freire chegasse ao poder. Matilde de Melo: Todas as tiradas de Matilde revelam uma clara lucidez e uma verdadeira coragem na análise que toda a teia que envolve a prisão e condenação de Gomes freire. No entanto, a consciência da inevitabilidade do martírio do seu homem ( e daí o carácter épico personagem Gomes Freire) arrastaa para um delírio final em que, envergando a saia verde que o general lhe oferecera em paris (símbolo esperança num futuro diferente?), Matilde dialoga com Gomes Freire, vivendo momentos de alucinação intensa e dramática. Este momentos finais, pelo carácter surreal que transmitem, são também a denúncia do absurdo a que a intolerância e a violência dos homens conduzem. Sousa Falcão: Sousa Falcão é o amigo de todas as horas, é amigo fiel em que se pode confiar e que está sempre pronto a exprimir a sua solidariedade e amizade. No entanto, ele próprio tem a consciência de que, muitas vezes, não actuou de forma consentânea com os seus ideais, faltando-lhe coragem para passar à acção. Vicente, o traidor: Apesar da repulsa/ antipatia que as atitudes de Vicente possam provocar no público/leito, o que é facto é não se lhe pode negar nem lucidez nem acuidade na análise que faz da sua situação de origem e da força corruptora do poder. Vicente é uma personagem incómoda, talvez porque nos faça olhar para dentro de nós próprios, acordando más consciências adormecidas. Manuel e Rita: Manuel e Rita acabam também por simbolizar a desesperança, a desilusão, a frustração de toda uma legião face à quase impossibilidade de mudança da situação opressiva em que vivem. Beresford: Personagem cínica e controversa, aparece como alguém que, desassombradamente, assume o processo de Gomes Freire, não como um imperativo nacional ou militar, mas apenas motivado por interesses individuais: a manutenção do seu posto e da sua tença anual. 38
A sua posição, face a toda a trama que evolve Gomes Freire, é nitidamente de distanciamento crítico e irónico, acabando por revelar a sua antipatia face ao catolicismo caduco e ao exercício incompetente do poder, que marcam a realidade portuguesa. D.Miguel: é o protótipo do pequeno tirano, inseguro e prepotente, avesso ao progresso, insensível à injustiça e à miséria. Todo o seu discurso gira em torno de uma lógica oca e demagógica, construindo verdades falsas em que talvez acabe mesmo por acreditar. Os argumentos do ardor patriótico, da construção de um Portugal próspero e feliz, com um povo simples, bom e confiante, que viva lavrando e defendendo a terra, com os olhos postos no senhor, são o eco fiel do discurso político dos anos 60. D.Miguel e o Principal Sousa são talvez as duas personagens mais detestáveis de todo o texto pela falsidade e hipocrisia que veiculam. Principal Sousa: Para além da hipocrisia e da falta de valores éticos que esta personagem transmite, o Principal Sousa simboliza também o arranjo entre a Igreja, enquanto, enquanto instituição, e o poder e a demissão da primeira relação à denúncia das verdadeiras injustiças. Nas palavras do principal Sousa é igualmente possível detectar os fundamentos da política do “orgulhosamente sós” dos anos 60. Andrade Corvo e Morais Sarmento: São os delatores por excelência, aqueles a quem não repugna trair ou abdicar dos ideais para servirem obscuros propósitos patrióticos. O espaço O espaço cénico – outras linguagens estéticas O cenário assume, nesta peça, um valor fundamental e integra a construção do sentido do texto, pelas conotações implícitas à sua concepção. Os jogos de sombra/luz e a posição que as personagens cumprem em palco constituem formas de enfatizar aspectos que se pretendem relevantes em várias situações, ao longo da peça, e que servem a caracterização do espaço social, revelando a dimensão ideológica da obra. O espaço físico É, por vezes, a partir das didascálias e das falas das personagens que retiramos algumas ilações em relação aos espaços onde decorre a acção. Assim surge um macroespaço – Lisboa -, a Baixa, o Rato, o campo de Sant’Ana, a serra de Santo António e a zona do Tejo. Lisboa surge, pois, como o centro e símbolo do país, a capital do reino, onde está instalado o governo e onde se inicia a rebelião do povo contra a opressão: é deste espaço que emana a voz da revolução e a conspiração inicia-se em Lisboa e só depois se alarga à província. O espaço social O clima de opressão, de pobreza, de revolta está presente ao longo de toda a peça e é visível a intenção do autor, ao propor, à maneira de Bretch, que assistamos, distantes, a episódios que fizeram a nossa História e que merecem a nossa reflexão e a nossa análise crítica. 39
E a repressão fazia-se sentir a todos os níveis. Material, social e cultural. Paralelismo entre o passado e as condições históricas dos anos 60 Em “Felizmente há luar!” percebe-se, facilmente, que a história serve de pretexto para uma reflexão sobre os anos 60 do século XX. Sttau Monteiro, também ele perseguido pela PIDE, denuncia assim a situação portuguesa durante o regime de Salazar, interpretando as condições históricas que, anos mais tarde, contribuiriam para a “revolução dos Cravos”, em 25 de Abril de 1974. Tal como a agitação e conspiração de 1817, em vez de desaparecer com medo dos opressores, permitiu o triunfo do liberalismo em 1834, após uma guerra civil, também a oposição ao regime vigente nos anos 60, em vez de ceder perante ameaça e a mordaça, resistiu e levou à implantação da democracia. Tempo da História: séc. XIX (1817) Agitação social que levou à revolta liberal de 1820 – conspirações internas; revolta contra a presença da Corte no Brasil e a influência do exército britânico. Regime absolutista e tirânico Classes sociais fortemente hierarquizadas Classes dominantes com medo de perder privilégios
Tempo da Escrita: séc. XX (1961) Agitação social dos anos 60 – conspirações internas; principal irrupção da guerra colonial
Regime
ditatorial
de
Salazar
Maior desigualdades entre abastados e pobres Classes exploradoras com reforço do seu poder Povo reprimido e Povo oprimido e resignado explorado A miséria, o medo e a Miséria, medo e ignorância analfabetismo Obscurantismo, mas Obscurantismo mas crença felizmente há luar nas mudanças Luta contra a opressão do Luta contra o regime regime absolutista totalitário. Manuel, o mais consciente Agitação social e política dos populares, denuncia a opressão e a com militantes antifascistas a protestarem miséria Perseguições dos agentes Perseguições da PIDE de Beresford Denúncias dos chamados As denúncias de Vicente, “bufos”, que surgem na sombra e se Andrade Corvo e Morais sarmento, disfarçam pa colher informações e hipócritas e sem escrúpulos denunciar Censura à imprensa Censura Severa repressão dos Prisão e duras medidas de conspiradores repressão e de tortura Processos sumários e pena Condenação em processos de morte sem provas Execução do general Execução do general Gomes Freire, em 1817 Humberto Delgado, em1965
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A ambiguidade do título O título da peça de Sttau Monteiro reveste-se de um sentido ambíguo marcado pela dupla simbologia do fogo, que remete simultaneamente para a destruição e para a purificação, do luar que se liga à morte mas também à vida e dos diferentes pontos de vista das personagens que profere ma frase: “Felizmente há luar!”: D. Miguel e Matilde. As didascálias A peça é rica de marcações com referências concretas (sarcasmo, ironia, escárnio, indiferença, galhofa, desprezo, irritação – normalmente relacionadas com os opressores; tristeza, esperança, medo, desânimo – relacionadas com os oprimidos). As marcações são abundantes: tons de voz, movimentos, posições, cenários, gestos, vestuário, sons (o som dos tambores, o silêncio, a voz que fala antes de entrar no palco, o sino k toca a rebate, um murmúrio de vozes,...) e efeitos de luz (o contraste entre escuridão e luz: os dois actos terminam em sombra, de acordo com o desenlace trágico). De realçar que a peça termina ao som de fanfarra (“Ouve-se ao longe uma fanfarronada que vai num crescendo de intensidade ate ao cair do pano”) em oposição à luz (“Desaparece o clarão da fogueira”), no entanto, a escuridão não é total porque “felizmente há luar”. As didascálias funcionam na obra como: - Explicações do autor - Referência à posição das personagens em cena - Indicações aos actores - Caracterização do tom de voz das personagens e suas flexões - Indicação das pausas - Saída ou entrada de personagens - Apresentação da dimensão interior das personagens - Indicações sonoras ou ausência de som - Ilações que funcionam como informações e como forma de caracterização das personagens - Sugestão do aspecto - Exterior das personagens - Movimentação cénica das personagens - Expressão fisionómica dos actores; linguagem gestual a que, por vezes, se acrescenta a visão do autor - Expressão do estado de espírito das personagens Os símbolos A saia verde: a felicidade (a prenda comprada em Paris – terra da liberdade -, no Inverno, com o dinheiro da venda das duas medalhas); sendo um presente de Gomes Freire para a sua amada em “tempos de crise”, simboliza a sua coragem, altruísmo e o seu amor e carinho por Matilde; ao escolher aquela saia para esperar o companheiro após a morte, destaca a “alegria” do reencontro (“agora que se acabaram as batalhas, vem apertar-me contra o peito”); o facto de ser verde remete para a esperança e é uma cor tranquilizadora, refrescante e humana; O título/a luz/a noite/o luar: o título surge por duas vezes, ao longo da peça, inserido nas falas das personagens: 41
¤ D. Miguel salienta o efeito dissuasor que aquelas execuções poderão exercer sobre todos os que discutem as ordens dos Governadores (“Lisboa há-de cheirar toda a noite a carne assada, Excelência, e o cheiro hei-lhes ficar na memória durante muitos anos...Sempre que pensarem em discutir as nossas ordens, lembrase-ão do cheiro...” Logo de seguida afirma “é verdade que a execução se prolongará pela noite mas felizmente há luar...”); esta primeira referência ao título da peça, colocada na fala do governador, está relacionada com o desejo expresso de garantir a eficácia da execução pública: a noite é mais assustadora, as chamas seriam visíveis de vários pontos da cidade e o luar atrairia as pessoas à rua para assistirem ao castigo que se pretendia exemplar ¤ Na altura da execução, as últimas palavras de Matilde são de estímulo para que o povo se revolte contra a tirania dos governantes (“Olhem bem! Limpem os olhos no clarão (...)”) A luz, simbolicamente está associada à vida, à saúde, à felicidade, enquanto a noite e as trevas se associam ao mal, à infelicidade, ao castigo, à perdição e à morte. A lua, simbolicamente, por estar privada de luz própria, na dependência do sol, e por atravessar fases, mudando de forma, representa a dependência, a periodicidade e a renovação. Assim, é símbolo de transformação e de crescimento. A lua é ainda considerada como “o primeiro morto”, dado que durante três noites em cada ciclo lunar ela está desaparecida, como morta, depois reaparece e vai crescendo em tamanha e em luz... ao acreditar na vida para além da morte, o homem vê nela o símbolo desta passagem da vida para a morte e da morte para a vida... Por isso, na peça, nestes dois momentos em que se faz referência directa ao título, a expressão “Felizmente há luar!” pode indiciar duas perspectivas de análise e de posicionamento das personagens: ¤ A força das trevas, do obscurantismo, do anti-humanismo e a utilização do lume (fonte de luz e calor) para “purificar a sociedade” ¤ Se a luz é redentora, o luar poderá simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, em busca da luz e da liberdade. Assim, dado que o luar permitirá que as pessoas possam sair de suas casas (ajudando a vencer o medo e a insegurança na noite da cidade), quanto maior for a assistência, isso significará: ¤ Para uns, que mais pessoas ficarão avisadas e o efeito dissuasor. ¤ Para outros, que mais pessoas poderão um dia seguir essa luz e lutar pela liberdade. A fogueira/o lume: assume um papel de fonte de esperança, de apelo para a mobilização dos esforços do povo contra a opressão do regime, de luz que indica o caminho a seguir; pode também ter um papel dissuasor, na medida em que impressiona e mete medo aos menos convictos da causa liberal
Memorial do Convento Contextualização Memorial do Convento evoca a história Portuguesa do reinado de D. João V, no séc. XVIII, procurando estabelecer um paralelo c as situações políticas da actualidade. Relata essa época de luxo e de grandeza da corte de Portugal que procura imitar a corte francesa de Luís XIV. O ouro proveniente do Brasil permite a resolução de alguns problemas financeiros e permite ao rei investir no luxo de palácios e igrejas. Com o objectivo de ultrapassar a grandiosidade do “escorial de Madrid” e do palácio de Versalhes, e em acção de graças pelo nascimento do seu filho, manda construir o convento de Mafra, juntamente com um palácio e uma extraordinária basílica. 42
Romance O Memorial do Convento é um romance histórico na medida em que nos oferece uma minuciosa descrição da sociedade portuguesa do inicio do séc. XVIII, marcada pela sumptuosidade da corte, associada à inquisição e pela exploração dos operários. A referência à guerra da sucessão, em que Baltasar se vê amputado da mão esquerda, a imponência brutal dos autos de fé, a construção do convento, os esponsais da princesa Mª Barbara, a construção da Passarola pelo Padre Bartolomeu de Gusmão confirmam a correspondência aproximada ao que nessa época ocorre e conferem à obra a designação de romance histórico. Apresenta-se como romance social porque se preocupa com a realidade do operário oprimido. Nesta medida, afirma-se como romance social, uma vez que retracta a história repressiva Portuguesa do séc. XX. O passado presentifica-se pela intemporalidade de comportamentos, desejos e pela denúncia de situações de opressão, repressão e censura no momento da escrita. Há uma tentativa de encontrar um sentido para a história de uma época, que permite compreender o tempo presente e recolher ensinamentos para o futuro. Romance de espaço, porque representa uma época, interessando-se não só por apresentar um momento histórico, mas também por apresentar vários quadros sociais que permitem um melhor conhecimento do ser humano. Dimensão Simbólica/Histórica Observa-se que em Memorial do Convento há uma intenção de interferência do passado com o presente, com a particularidade de conseguir utilizar a reinvenção da História como estratégica discursiva para olhar a actualidade. A história torna-se matéria simbólica para reflectir sobre o presente, na perspectiva da denúncia e dela extrair uma moralidade que sirva de lição para o futuro. Estrutura A estrutura de o Memorial do Convento apresenta duas linhas condutoras de acção: a construção do convento de Mafra e a relação entre Baltasar e Blimunda (que se interliga com a construção da Passarola). Subjacente à acção principal estão os sentimentos: medo e engano. No desenrolar do romance denota-se o medo de Blimunda ao ver sua mãe morta num auto de fé ou enquanto o Padre Bartolomeu constrói a Passarola às escondidas com medo da inquisição. O engano faz-se notar principalmente com a atitude dos padres franciscanos que “chantagearam” o rei dizendo-lhe que só teria herdeiros se construísse um convento. Na obra são expostos, os excessos do rei ao “esbanjar” o ouro proveniente do Brasil em luxos (daí o seu cognome Magnânimo) contrastando com as dificuldades do povo e a crueldade dos autos de fé. É relatado impressionantemente as condições de trabalho dos trabalhadores e todo o seu sofrimento (“...a diferença que há entre tijolo e Homem é a diferença que se julga haver entre quinhentos e quinhentos”). Paralelamente à acção principal está o amor que une Baltasar e Blimunda. Amor este, verdadeiro, sentido e mútuo contrapondo-se ao de D. João e D. M.ª Ana: um amor pouco leal (o rei tem filhos bastardos de uma madre e de uma freira) e convencional. A construção do convento por sua vez, espelha bem o tremendo sofrimento do povo, as mortes de que resultou a edificação do convento e também a dessacralização matrimonial (separação das famílias). Saramago faz aqui uma crítica á igreja, uma vez que para servir a Deus não são precisas mortes e sacrifícios. Critica também a 43
brutalidade dos autos de fé – profano. Por outro lado a construção da Passarola (sagrado) simboliza uma esperança de fugir ao medo e obter liberdade (a arte e a escrita libertam-se da opressão do poder). A construção é a partilha de um sonho do Padre Bartolomeu com Blimunda e Baltasar e é com entusiasmo, cooperação e solidariedade que a Passarola é construída, contrapondo-se à construção do convento. Tempo As referências temporais são escassas, ou apresentam-se por dedução. As analepses são pouco significativas. A data de 1711, tempo cronológico do início da acção, não surge explícita na obra, mas facilmente se deduz. Narração Saramago rejeita a omnipotência do narrador, voz crítica. A voz narrativa controla a acção, as motivações e pensamentos das personagens, mas faz também as suas reflexões e juízos de valor. Os discursos facilmente passam da história à ficção. (Segundo Sartre, estamos perante um narrador privilegiado, com poder de ubiquidade (está dentro da consciência de cada personagem, mas também sabe o antes e o depois)). Carga Simbólica Sugere as memórias evocativas do passado + remete para o mítico e misterioso ao lado da história da construção do convento, surge o fantástico erudito e popular. Personagens: D. João V – Rei de Portugal, rico e poderoso, preocupado com a falta de descendentes, promete levantar convento em Mafra se tiver filhos da rainha. Orgulhoso, vaidoso, prepotente, absoluto D. Maria Ana Josefa - devota, humilde, passiva, submissa, infeliz, sente culpa pelos sonhos com o cunhado. Baltasar Sete-Sóis – maneta, chega a Lisboa como pedinte, conhece Blimunda, ajuda na construção da passarola, morre num auto-de-fé. Blimunda Sete-Luas – capacidades de vidente, vê entranhas e vontades, ajuda na construção da passarola, partilha a sua vida com Baltasar, o seu poder permite curar ou criar. Saramago consegue dotá-la de forças latentes e extraordinárias, que permitem ao povo a sobrevivência, mesmo quando as forças da repressão atingem requintes de sadismo. Intuitiva, extraordinária compreensão e força interior, personagem invulgar. É possuidora de um dom fantástico: vê dentro das pessoas e através de determinadas substâncias. É possuidora de um pensamento rigoroso e inteligente. Tem uma linguagem profética. Tem um código de valores não comuns. Tem iniciativa, segurança, segurança e superioridade moral; muitas vezes fala com autoridade e de modo sacudido. Nunca foi muito religiosa e, à medida que a história vai avançando vai se tornando progressivamente paganista. A pouco e pouco vai deixando de praticar os actos religiosos e só Bartolomeu a coloca na ordem do sobrenatural pelos poderes que possui. Ama o Baltasar com um amor incondicional, puro, espontâneo, natural, numa comunhão total de corpos e almas (amor verdadeiro). 44
Padre Bartolomeu de Gusmão – evita a Inquisição devido à amizade com o Rei, apoiado por Baltasar, Blimunda e Scarlatti, morre em Toledo. Personagem complexa, algo controversa, angustiada, em conflito. O facto de ser investigador e sonhador pode ajudar a compreender a sua evolução espiritual. Desde o seu aparecimento que apresenta alguma duplicidade ao nível da linguagem é representante do pensamento livre, moderno, com os seus sonhos, as usas fraquezas e, por isso mesmo, muito humano. O Povo – construiu o convento em Mafra, à custa de muitos sacrifícios e até mesmo algumas mortes. Definido pelo seu trabalho e miséria física e moral, surge como o verdadeiro obreiro da realização do sonho de D. João V.
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