[SEVERINO, Antonio Joaquim] A consolidação da Ideologia Liberal, 1889-1964
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EDUCAÇÃO, IDEOLOGIA E CONTRA-IDEOLOGIA
Temas em as Básicos de Educação Educação e Ensino Ensino 'i 'i
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Temas Básicos de Educação e Ensino Coordenadora: Loyde A. Faustini
Dados de Catalogação na Publicação (CIP) Internacional (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
S525e
Severino, Antônio Joaquim, 1941Edu cação, ideologia e contra-ideo logia / Antonio Joaquim Severino. — São Paulo : EPU, 1986. (Temas básicos de educação e ensino) Bibliografia. 1. Educação — Brasil — História 2. Educação — Filosofia 3. Id eolo gia I. T ítulo . II . Série.
CDD-370.1 -145 -370.981
86-1041
tndices para catálogo sistemático:
1. 2. 3. 4. 5. 6.
Brasil : Ed uca ção : H istó ria 370.981 Educação : Filosofia 370.1 Educação e ideologia 370.1 Filosofia da educação 370.1 Ideologia : Filosofia 145 Ideologia e educação 370.1
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S /O./
Gu ' ' Sobre o autor
Anto nio Jo aq uim Sc vc rino é bacharel
e mestre em filosofia nel Católica de Louvain-Bélgica (19 64); doutor em filosofia pela P n V r ^ ^ fo a d e sidade Católica de São Paulo (1971). 1 ° m,r'cia u niVer. Nesta mesma Universidade, à qual está ligado desde 1966 ' professor de Filosofia da Educação nos Pro gramas de Pós-G ° atUa,rTlenic Educação (M estrado e D ou tora do ). H o atual Coord enad or do ? duaçío em Doutorado. Diretor Científico da revista Veredas, da Universidade r° SrarT1a de Membro do Conselho Estadual de Educação, presidindo a C-ím de 2.° Grau: triénio 83/86 . ara Ensino Especializado em filosofia e filosofia da educação, vem desenvolv e pesquisas sobre temáticas relacionadas com educação em gerT ^0 eslllc,0s educação brasileira em particu lar. e c°ni a É autor, dentre outros, dos seguintes trabalhos: Pessoa e Ex istén ci ao personalismo de Mounier (Editora Cortez); M etodoloqia do Científico, 13.a ed.; M éto dos de estudo pa ra o 2.° grau (Editora Corte i r ^ Cn'se da educação brasileira e as exigências da formação do professor ( I r Santos, n.° 13: 7-13); Educação e despersonalização na realidade so t? ‘/ T 1“11’ leira (in Construção Social da Enfermidade. Cortez & Mo raes)- o " político da educação universitária ( Cadernos PUC , n.° 3); O papel d no Brasil: compromissos e desafios ( R eflexão. Campinas, n » 1 7 ).% fia importância de uma metodologia de estudos frente aos ’desafios d '• 6 superior brasileiro ( Tradução e Comunicação. São Paulo, n.° 5 )- A f° CnS'n° do especialista em educação ( Veredas . PU C/S P, n.° 10 1/10 2)- Edu ° rmaçr‘° proposta para a Constituinte ( Ed ucaç ão Brasileira. Brasília.' CR U B^ n o
Capa:
Luis Díaz
ISBN 85-12-30400-6 S Edlt0‘l'a Pedagógica e Universitária Ltda., São Paulo, 1986. Todos qualauer°Sm p ^erVa ° S A reP[°duçao desta ob ra, no todo ou em parte, por lermos da e 186 Hn Póriír, E.PU
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Ed,i.,.°r?' suiei!ará ° infraIor- í “ ,5 i 7-12-1980, a penalidade prevista nos artigos 184
!_ prac8° n ' na ; a -Sí er: r£Cll' sr' ° de
01051 ’ São P a u L - ! mB “ n Impresso no Brasil
a « “ t ó, anos.
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Capí tulo 5
A consolidaç ã o da Ideologia Liberal: 1889-1964
Este período se caracterizou pelo abandono da ideologia católica por parte da política educacional do Estado e pelo progressivo pre domínio da ideologia liberal, própria de uma burguesia leiga. Este processo de superação da ideologia católica e de afirmação da ideolo gia liberal se deu mediante uma longa e lenta luta, característica de um real confronto entre as novas camadas dominantes e a Igreja. Embora no que diz respeito aos conteúdos muitos valores do ideário humanístico-cristão tenham permanecido no ideário humanístico-liberal, eles permanecem enquanto laicizados, desvinculados de sua signi ficação religiosa originária. E embora a ideologia católica não tenha, evidentemente, desaparecido, é fato que ela perdeu sua hegemonia na década de 60, sobrevivendo na medida em que se exprime sob novas formas de existência e de organização social. Por outro lado, o que ocorreu no final do século XIX e primeira metade do século XX foi uma significativa mudança do sistema eco nômico no Brasil, resultante de vários fatores atuando simultaneamente. 1. A classe dominante no Brasil, além da camada senhorial agrária tradicional, incorporou então a oligarquia cafeeira, segmento que adquiria importância específica, dado o papel que a cultura do café iria representar para a economia brasileira. Mas, além dessa burguesia agrário-exportadora, que formava a oligarquia rural, a própria evolu ção do capitalismo levou à formação de um novo segmento nessa classe dominante, a burguesia urbano-industrial, detentora do capital 75
da industrialização que enta o com eçava a se implan tar no dois setores da classe burguesa dominante, sem prejufcT!?* alianças pa ra sua m an ute nç ão , en tra ra m cons tante me nte em SUa* no decorrer do processo de m ode rniz açã o da economia brasil ^ nflito 2. As classes subalternas sao representadas: pelo campesi*' mente empobrecido e desarticulado, reduzido à sua cond-°-t0ta,‘ mão-de-obra explorada, sendo politicamente manipulado pelo*930 de jismo, não tendo nenhum a expressão como força política; D i C° r° ne' tariado, que começ a a se fo rm ar nas cidades em *deco P~ °le' do processo de urb aniza ção e industrializaç ão, sendo seu c o n t ^ 059 refo rçad o por im igrantes eu ro pe us já po rtad ore s de alguma Co*186" 16 cia política. Sua presença na história social do país será c a d a ^ mais atua nte. Vez 3. As camadas médias da população já constituíam elemento ' ficativo no período . N ão só for am agentes imp ortan tes já na pròcí1' mação da República, como estiveram atuando politicamente durarn todo esse período. São constituídas pelos profissionais liberais, milita res, pequenos comerciantes, artesãos, funcionários públicos, assala riados, intelectuais etc. Tiveram papel relevante como força de pressão no que se refere à demanda da educação, uma vez que para estes segmentos a educação formal é um dos poucos instrumentos a que podem ter acesso para sua ascensão social. Por isso estarão sempre reivindicando-a, em concorrência com as classes dominantes (Basbaum 1962, p. 428). 4. No final do Império, a camada senhorial ligada à lavoura do café dominava o aparelho do Estado, mas aceitando a colaboração da camada ligada à lavoura tradicional (cana, algodão, fumo). As ca madas médias, embora sem condição de assumir sozinhas o poder, já se manifestavam politicamente e participavam de setores do governo. Sobretudo, através dos militares, conseguiram participar da implemen tação da República, concebida sob o modelo norte-americano. Mas como não tinham sustentação de classe, não detendo os meios de produção, logo seriam afastadas do poder. 5. Do ponto de vista do ideário, a República nasceu sob a influên cia e inspiração do positivismo, que marca sobretudo sua visão educacional. Com isto, opunha-se explicitamente ao ideário católico, propondo a liberdade e a laicidade da educação, investindo na publicização do ensino e em sua gratuidade. Além disso, buscava-se superar a tradição clássica das hum an ida de s, acu sad a de responsável pel° academicismo do ensino brasileiro, mediante a inclusão das disciplinas 76
científicas no currículo escolar, segundo o modelo posilivista (Ribeiro, 1 9 7 1 , p. 7 6. Por volta de 1920, já se assistia no Brasil a importante desenvol vimento do parque industrial (Sodré, 1973, p. 310), estando consoli dada a presença dos dois grandes componentes sociais: a burguesía industrial e o proletariado, duas grandes forças político-sociais. Consolida-se, também, o setor médio da população. O movimento tenentista, que teve participação marcante na Revolução de 1930, era basicamente formado por elementos do setor médio que, nessa Revo lução, também se uniam à burguesia. 7. Com a Revolução de 1930, a sociedade brasileira teve seu grande despertar político, tomando consciência de seu subdesenvolvimento e de que dele não poderia sair se não fosse além de sua economia de agricultura de exportação. Passou a reivindicar também a supera ção de sua dependência em relação à economia externa. Daí a con clusão da necessidade da industrialização do país e da substituição das importações de produtos manufaturados. A Aliança Liberal, resultante da união de todas as forças progressistas do momento, leva avante a revolução, desalojando do poder a oligarquia latifundiária. Contudo, apesar de toda sua habilidade política, Getúlio Vargas tem dificuldades em levar avante o programa da Aliança Liberal. Acabou sendo coagido, pelas pressões das forças econômico-sociais decorren tes do estágio de evolução do modelo capitalista-industrial dependente, a instalar um regime ditatorial. Não dispondo de base social, tal governo só poderia mesmo governar pela força (Basbaum, 1962, p. 15). 8. Após a S egunda Gu erra M undial, findo o Estado Novo, o modelo nacional-desenvolvimentista prosseguiu seu processo de industrializa ção, sob a influência direta dos Estados Unidos, cujos capitais passa ram a ser injetados na economia brasileira. O desenvolvimentismo a qualquer preço era a meta dos governos que se sucedem e que pro curam realizá-lo num clima de democracia política, com muita abertura para a inte rv enção do capital internacional. Esta política econômica ampliava a dependência em relação às economias estrangeiras, enfra quecia a burguesia industrial do país, gerava muita inflação, além de concentrar a renda nacional. Tudo isto provocava grande insatis fação social, com fortes repercussões nos movimentos de pressão política. Foi justa mente o embate que estava acontecendo entre a orientação da econo mia, dom ina da pelas exigências do desenvo vimento do capitalismo, e a orientação do movimento político de sigm ficativas parcelas da sociedade brasileira, que provocou nova 77
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intervenção político-militar no Estado brasileiro, em 1964, COm v¡„ à própria reorientação de todo o processo, dando início ao terceiro período.
Mas o que ocorre com a educação brasileira de 1889 a 1 9 5 4 qual sua significação ideológica? Já se disse no início deste capftj,]! que, do ponto de vista ideológico, a modernização econômica e cultUra| do país levou a um paulatino abandono da ideologia religiosa do cato licismo e a uma afirmação de uma ideologia liberal leiga autônoma A nova configuração da sociedade brasileira, consolidada sobretudo a partir da Primeira Guerra Mundial, fortaleceu a valorização da educação como processo de formação cultural e profissional. A ex pansão das camadas médias aumentará a demanda por educação na busca de caminhos de ascensão social, bem como a expansão industrial exigirá a preparação profissional de mão-de-obra. Tudo isso em clima geral da valorização da cultura e de identificação do desenvolvimento cultural com a ilustração. Ora, esta laicização da ideologia liberal encontrou resistência por parte da Igreja que, obviamente, não podia aceitá-la sem ferir todo seu arcabouço teológico. Por isso, esse período histórico será caracte rizado por um confronto entre os defensores das duas ideologias, no interior do qual se encontrava o Estado, sempre desenvolvendo um esforço de conciliação, uma vez que as duas tendências ideológicas representavam duas facções dominantes, de cujo consenso o próprio Estado dependia. As duas facções representavam sustentáculos do capitalismo vigente, do qual dependia a estabilidade de um Estado governável. Portanto, esse foi um confronto entre dois segmentos da mesma classe dominante, e as classes dominadas, como sempre, con tinuando marginalizadas e sendo as grandes prejudicadas socialmente. A diferença entre os dois grupos — o dos católicos e o dos liberais — é que o primeiro, identificando-se mais com a burguesia agrária tradicional, buscava recuperar a concepção religiosa de vida com uma visão ético-teológica, entendendo ser a educação instrumento adequado para isto; e o segundo, identificado mais com a burguesia industrial, buscava reconstruir a sociedade com base em ideais pura mente humanos de convivência e de solidariedade. Também para esse projeto a educação era vista como caminho eficaz. Assim, o grupo católico assumiu uma posição tradicionalista, conservadora, restaura dora, pois só nessa restauração via condições para uma nova reorenação social, já 0 grupo liberal assumia uma posição progressista, 78
transformadora, instauradora, pois só assim seria possível criar uma nova sociedade, livre, democrática e justa. O interessante é que nenhum dos grupos se questionou, radical mente, sobre a verdadeira natureza da sociedade capitalista e sobre seus mecanismos ideológicos, não percebendo, assim, que estavam desempenhando um papel eminentemente ideológico de reprodução e de sustentação dessa formação econômico-social então vigente no país. Por isso mesmo não explicitaram suas contradições básicas, não podendo então contribuir para sua superação histórica. Até 1950, a educação no Brasil não havia ainda evoluído significa tivamente, cumprindo suas funções ligadas apenas à satisfação dos interesses oligárquicos. Logo, no entanto, com o desenvolvimento urbano-industrial e com o crescimento das camadas médias, a demanda pela educação se expande, cabendo-lhe não só atender à divisão do trabalho, mas ainda formar o cidadão para a nova sociedade que se esperava, que se queria próspera e desenvolvida. E não bastava am pliar o número das escolas, era preciso que ela tivesse sua natureza também transformada. Com mudanças nos processos educacionais com base nos princípios científicos, seria possível construir uma escola nova. É o otimismo pedagógico do escolanovismo que repre senta toda uma nova concepção educacional, totalizadora, de acordo com a qual seria possível forjar uma nova sociedade. Ela exigia, no entanto, a superação do ensino tradicional, acadêmico, literário e formalista. Isto significava também uma crítica direta à pedagogia escolástica da escola católica. Além da fundamentação em processos científicos, a nova pedagogia identificava-se ainda com os pressupostos do liberalismo, defendendo a individualidade, a liberdade, a igualdade perante a lei e a solidariedade humana e criticando novamente a peda gogia tradicional por seu dogmatismo e autoritarismo de fundo teológico. A partir de 1930, o confronto entre os dois grupos se acirra, cada um com seus representantes intelectuais, defendendo seus princípios pedagógicos e suas propostas de reformulação da escola (Cury, 1978). E ambos queriam fazer valer suas propostas junto ao Estado, supos tamente o mediador da vontade nacional. Daí o empenho para influen ciar as constituições e as legislações educacionais subseqüentes. Cury sintetiza assim o significado das ideologias em confronto: A versão ideológica dos pioneiros representa a adaptação da política educa cional ao processo econômico gerado pelas novas forças produ tivas, bem como a adaptação do capitalismo dependente periférico 79
pela reforma educacional dentro do processo de urbanização” (1978. P' “Aversão ideológica do grupo católico representa a continuidade da eolítica educacional adequada ao modelo oligárquico, na medida cm tnma a defesa da escola particulai como nucko de icprodução cultural das classes mais ricas. Ao mestno tempo representa o seto,mais organizado na luta anticomunista, desconfiada de participação P° o F l t a d o P° orno estrutura de poder, que representa, em instância iiirídica e ideológica, os interesses da classe dominante como sendo 1 Tn^resses de toda a nação, é um Estado de compro miso entre 05 lí-L faccões de classe. Mediador de seus interesses, representa o compromisso e procurará o equilibrio entre as propostas em confino" (CAr wioT ogia^ ibeíal leiga, que fot se afirmando e ganhou presença educação brasileira, sobretudo a partir da Republica, tem suas raízes teódcas no üuminismo e no positivismo dos séculos anteriores. Estas duas orientações filosóficas chegaram ao Brasil na medida cm fWnciaram eruditos brasileiros que foram estudar na Europa f i e aqui divulgaram suas idéias. Na base dessas posições ««¡ uma f pnktem olósica fundam entalmente racionalista, que ja de longa C s contrapunha à visão metafísica da tradição católica. Estas influências se tornaram presentes no contexto cultural bras,L se Deríodo republicano, através do propr.o desenvolvimento i leiro, nesse p ^ ^ ciências humanas cm particular. Esta d a s ciencia g c¡éncia mocjerna era bem pertinente ao estágio verdadeira ap caoitalismo modelo econômico que necessitava n
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nrecTsava do racionalismo para a orgamzaçao de sua administra««,, de modo que pudesse garantir maior eficácia e produtividade. Este climTde valorização da ciência e a crença de que, através da tecnologia , :n(jústria seria possível superar a grave crise que a humanidade atravessava eram os novos mitos da mo dernidade ocidenta c e so !ua Inspiraçã o que os novos educadore s do país propuseram a reorganizacão da política educacional brasileira. Este era o sentido d.. luü assim chamados os Pioneiros da Escola Nova, os reformadores ou renovadores da educação brasileira. rqráter puraCriticavam a educação tradicional do Brasil po do mente literário e humanístico, alheada das n e c e s s i d a d e 2S .s ocia^ ^ país, academicista e elitista, não tendo con içoes d o s
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graves problemas da civilização brasileira em mudança. Só uma educaçao baseada no humanismo científico poderá levar o país a encontrar seu verdadeiro destino: fazer do homem brasileiro sujeito de sua história, senhor da* natureza e cidadão de uma sociedade democrática. A educação era considerada o grande instrumento de que dispunha a sociedade para se dotar do equipamento cultural que a evolução científica já colocara à sua disposição. Daí a necessidade premente do reaparelhamento da escola, lugar privilegiado da educação, para que ela pudesse desempenhar o seu imprescindível papel. As próprias ciências positivas — biologia, psicologia, sociologia, economia, administração etc. — forneceram as bases para o conteúdo e metodologia da educação, bem como para sua organização adminis trativa. Ela deveria fundar-se em princípios científicos e adotar pro cessos ativos, uma vez que não lhe cabia propriamente preparar as novas gerações para a vida, mas sim já fazê-las ter experiência da vida. Esta será uma escola nova, a única em condicão de formar o cidadão para a nova sociedade. A reconstrução educacional será instru mento da reconstrução social. Pública, obrigatória e gratuita, a ela teriam acesso todos os cidadãos, devendo, por isso, ser ainda laica, respeitando a pluralidade religiosa da sociedade e a autonomia das personalidades dos educandos. Dará importância também à educação para o trabalho, atendendo às exigências do processo econômico. A política educacional do Estado brasileiro levou em conta estes princípios educacionais e as propostas organizativas dos renovadores, sobretudo a partir de 1930. É verdade que ele ainda continua repre sentando um compromisso, uma vez que a pressão das propostas católicas dispunha ainda de muita força na sustentação do Estado e na definição dessa política. Mas não havia dúvidas, para os dirigentes do Estado, de que, como os demais setores da sociedade brasileira, a educação também deveria adequar-se cientificamente às exigências da nova situação econômica. Ela deveria estar no ritmo dessa vida económica, formando homens aptos a produzirem economicamente. Nessa linha, o Estado vai pen sando e implantando reformas educacionais que, em síntese, vão aglutinando as posições e os princípios do grupo renovador. Como acertadamente afirma Cury, falando do período 30-45: “Pelo apoio que dá à ordem democrática, ao espírito científico e às novas con quistas pedagógicas nos processos de ensino, na visão do mundo, na visão que tem de si como poder da União, o governo se identifica 81
mais com as propostas dos reformadores. Entretanto ; seu apoio às propostas dos católicos, pois tratava-se d f r ? ne8oü amigos, já que portadores de forças morais indispensávei? S Co*o de R e c o n s t r u ç ã o N acional’ (1978, p. 111). l sto expHca £ na tarefa de compromisso da política educacional do Estado em tod ^ ° le°r legais, tanto nas Constituições como na legislação específic °S text°s Esta política educacional, fun dad a no compromisso e n a ^ de interesses até certo ponto divergentes, era possível p o r q u ^ 011^ 0 tendo assumido e assumindo-se como mediador da sociedade ° Estado> na realidade, sua identificação com a classe dom inanteV*13.™?01’ cindida, nesse largo período histórico, em dois grandes e r^SÍle5ra> grupos: o setor tradicional, da oligarquia agrária, apoiada pda t r°S°S e o setor moderno da nova burguesia urbano-industrial no ^ a’ educação, apoiada pelos educadores e intelectuais renovadores38?)^3 torial ou liberalmente, o Estado empenhava-se, mediante sua * r ^ 3' educacional, em garantir incólumes os interesses dessa classe^d^3 nante, ao mesmo tempo que não podia deixar de levar em fazendo as devidas concessões, os interesses da camada média camadas populares urbanas, segmentos que, na história da República cada , dia mais se firmavam como interlocutores que não era m •’ , . T. wid ITlcUs possível ignorar. Mas a essas camadas populares a política educacional do Estado as segurava, de fato, apenas concessões. É assim que, no período getulista, acabou se consolidando o dualismo da educação brasileira: para as elites, as escolas que classificavam socialmente, para os estratos popu lares, as escolas que preparavam mais imediatamente para o trabalho. .A política educacional brasileira, tal qual ficava fundamentada na Constituição de 1946, continuava enfatizando os princípios liberal-democráticos, reforçando em muito as posições dos educadores reformadores, sem comprometer as garantias dos grupos católicos. Foi com base nessa Constituição que se deu a grande discussão que culmi nou, em 1961, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Travou-se, então, um debate que durou treze anos, fazendo estado do confronto entre os vários setores dominantes e as novas forças sociais emergentes (Buffa, 1979; Saviani, 1973). “Na verdade , constata Otaiza Romanelli, “o que estava acontecendo era a retomada de uma luta iniciada décadas antes. Os aspectos ideológicos em jogo eram os mesmos de antes. No fundo, era uma nova investida das lideranças conservadoras contra a ação do Estado, que se separara da Igreja com a Proclamação da República, e vinha, desde entao, 82
assumindo um papel que antes cabia a esta, com prioridade: o da educação” (1978, p. 176). Do ponto de vista ideológico da luta que se travava, o dado novo era que as posições da Igreja eram agora encampadas por um novo grupo político-ideológico: os partidários leigos da iniciativa privada no campo da educação. Assim, a liberdade de ensino, assumida pelos representantes da Igreja como princípio ideológico doutrinário, foi apropriada pelos privatistas como princípio de autonomia empresarial. Este fato é muito importante para a compreensão da situação atual da educação brasileira. A Lei 4.024 acabou sendo aprovada, dando alguma vantagem às posições conservadoras (Romanelli, 1978, p. 179 ss.), mas ficou num plano muito geral e formal, não conseguindo dotar o país do sistema educacional de que carecia. Por isso, na prática, mantinha-se a defasagem profunda entre o sistema educacional e as necessidades objetivas da sociedade. Nem mesmo o sistema capitalista vigente era atendido, o sistema educacional não se modernizava, como era desejável àquele. A educação brasileira não se transformava profundamente, conservando instituições e regimes onerosos, inadequados e ineficien tes para atender às exigências do desenvolvimento social. Por mais que a lei fosse implementada através de planos e programas, o fato é que a política educacional do Estado brasileiro debatia-se em limites que cerceavam seu alcance. De qualquer modo, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a política educacional brasileira, na década de 60, revelava um estágio que pode ser avaliado nos seguintes termos: 1. A Igreja conquista, na LDB, grande espaço ideológico, tendo, aparentemente, uma grande vitória. Mas esta foi uma vitória de Pirro, pois, como se verá em seguida, passará a perder a sua influência e sua hegemonia no campo da educação formal, a partir dessa década. A Igreja assegurava, na legislação e, conseqüentemente, no sistema educacional nela fundado, o seu espaço de atuação, conservando e reforçando seu direito à iniciativa educacional. Mas observa-se, desde então, que as escolas vinculadas à Igreja o são cada vez mais formal mente. Estas escolas são procuradas pelas elites não propriamente pelo conteúdo religioso de seu ensino, mas muito mais pela sua qualidade pedagógica. Com efeito, a pedagogia das escolas católicas foi-se trans formando, se modernizando e isto bem na linha da pedagogia moder na, totalmente inspirada no escolanovismo. As escolas católicas, do ponto de vista pedagógico, abriram-se totalmente às novas metodolo-
nrocessos educacionais do ensino moderno. QUa gias e ^ " ^ Z ó g i c a do ensino no Brasil recente, PrevaleCeram
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agora no ambito de form ação polític a das cama das subalternas lho este com tor ^ ^ jgreja tWesse se da do con ta de que ^ da populaçao. t nâo mais int eres savam às classes dominandoutrina e seus p ,egi tim ador a de sua hegemonia. Como vimos, a tes como justitica Es(ado qu erem , ago ra, um a ideologia moderna da,SSe ^°Fstastendências, tanto do lado da Igreja como do lado do e f ' A foram aumentar no terceiro período. Estado, so
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. O g^upo ^ aliança igteJ »jcados riam sera idenu 2
f eS a? n Õ p o s t e r io r
q pri vatistaj represen tado pelos que podeom os modernos ^empresários da ^ educação. ^
f>eríodo, e tiveram na LDB e na sua aplicação significativas conquistas, que ainda conttnuam aumentando t e r c e i r o
e E s r ^ an^ « a ^ m“ " ado fu eiras com a igreia na discus_ j ? nR o fez apenas em função de seus interesses comerciais. A ° a r tm e n tecão católica, sobretudo aquela voltada para a defesa da A argumenidç ^ ataque a supostas ameaças comunistas, r S t m l J r ^ r a ^ o b i e t i v o ^ relativos ao controle das fnicia ivas particulares do ensino pago. A ideologia católica, na sua S t e i d a d e doutrinária religiosa, não lhes interessava camuflando r S S e i c ã o do conteúdo religioso na defesa gener.ca d a liberdade de consciência e de culto. Religião, na sociedade como na escola, c um assunto de opções individuais. Na realidade, uma ideologia polí tica muito mais abrangente estará por trás e mais alem dessa alega d neutralidade. Este grupo será o gran de r esp onsá vel pela escola do regime” pós-64, na expressão de M aurí cio Tra gt sn be rg (ln : N artms,
3. Do ponto de vista da ideologia fundamental q u e prevaleceu na política educacional brasileira no final desse segun o peno . conquista é da ideologia liberal burguesa, laicizada, mo ern pretensamente fundada na ciência. Apesar dos conflitos e as ^ tências opostas pelo setor tra dic ion al na dé cad a de 60, a po i ^ a realidade educacionais estão, em última instância, fun a as 84
liberal do mundo e da educação, é esla a concepção que atende aos interesses da nova burguesia urbano-industrial, surgida na metade do século, cuja atuação econômica exige a modernização de todos os setores da vida social brasileira. Ná realidade, c uma ideolo gia neoliberal que entra em cena, adequada à evolução da economia brasileira rumo ao capitalismo monopolista, pela participação do Estado como agente efetivo do desenvolvimento econômico, com sua planificação estatal da economia e pela entrada maciça de capitais estrangeiros no país (Fernandes, 1974, p. 225; Bresser Pereira, 1975, 48-50). Foi esta ideologia neoliberal, por cujos fundamentos epistemológicos e axiológicos respondiam os princípios doutrinários dos renovadores, que afinal sustentou a concepção educacional que marcou a moderni zação da educação brasileira nas décadas de 50 e 60, e que serviu de vínculo e ponte à nova ideologia que começará a se compor mais explicitamente a partir de 1968. Assim, dos primeiros confrontos do início da fase republicana entre maçonaria e Igreja, e entre o positivismo e o catolicismo, pas sando pelo Manifesto dos Pioneiros de 1932, pelos embates e debates das Constituições de 1934 e de 1946, pela longa discussão da Lei de Diretrizes e Bases, de 1961, ao que se assiste, na área da educação, é a uma luta entre o segmento conservador e o segmento modernizador da classe dominante brasileira, luta da qual os segmentos médios da sociedade participaram com suas alianças e reivindicações, obtendo concessões às vezes bastante significativas. Já as camadas populares, embora já conseguindo expressar suas necessidades, suas carências e suas reivindicações, pouco conseguem objetivamente. O atendimento a suas reivindicações era sempre apresentado, a nível do discurso polí tico explícito, como objetivo primordial mas, na realidade, no tecido da estrutura e da evolução do sistema sócio-econômico brasileiro, isto não passou de um apelo com efeito puramente ideológico. Por isso, quanto ao efetivo acesso à educação, via de acesso aos bens culturais, a política educacional brasileira, seja quando marcada pela ideologia católica, seja quando marcada pela ideologia liberal laica, não alcan çou as camadas populares do país que constituem a maioria da popu lação brasileira. A injusta distribuição dos bens culturais continua correspondendo à desigual distribuição dos bens econômicos. Continua válida para 1960 a conclusão de Cury referente a 1930: Em momento algum se questionou, por parte de ambos os segmentos em conflito, a estrutura do sistema vigente. As mudanças funcionais concepção
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far-se-iam dentro dos princípios do capitalismo, atingindo aspectos conjunturais do mesmo“ . . . não houve “nenhum a reflexão sobre S sociedade capitalista e seus mecanismos ideológicos de camuflagem de contradição’ (1978, p. 79). Por tudo isso, a educação brasileira de 1889 a 1964, a política educacional do Estado desenvolvida nesse período, continua reprodu zindo a estrutura social vigente, bem como os seus fundamentos ideo lógicos encarregados de legitimá-la. Mas esta conclusão precisa ser atenuada. Com efeito, contraditoria mente, apesar da marginalização das camadas populares, da inexis tência de uma atuação intencionalizada por parte do Estado com vistas a atender aos interesses reais dessas camadas, elas avançam em suas conquistas nesse segundo período em relação ao período anterior. A sua própria consolidação no âmbito de um proletariado urbano mais consistente já é um passo significativo, uma vez que nessa condição já pode lutar e reivindicar seus direitos, num espaco mais amplo. Embora só arrancando concessões, conseguiu ampliar seu universo, obtendo, por exemplo, a extensão da rede pública das escolas básicas na década de 60, nas quais seus filhos passaram a se apropriar de bens culturais e de outros recursos instrumentais para a melhoria de suas condições de vida, por mais precária que pudesse ter sido essa educação. Ao recrutar, nessas camadas, sua mão-de-obra, o sistema capitalista foi forçado a dar-lhe alguma instrução e, junto com essa, ao lado de muita inculcação ideológica, alguma conscienti zação sempre ocorria, potencializando, assim, criticamente, elementos delas oriundos. Na medida em que os governos (ainda que com finali dades demagógicas) desenvolveram políticas populistas, abriram espa ços de participação que iam sendo ocupados por elas. Leituras sugeridas ALVES, Márcio M. A Igreja e a Política no Bra sil. São Paulo, Brasiliense, 1979. BUFFA, Ester. Id eo lo gia s em C o n fl it o : escola pública e escola privada. São Paulo, Cortez & Moraes, 1979. CAPALBO, Creusa. Id eo lo gia e Educa ção . São Paulo, Convívio, 1978. CUNHA, Célio. Educa ção e A uto rit aris m o no E sta do N o v o . São Paulo, Autores Associados/Cortez, 1981. CURY, Carlos R. J. Id eolo gia e Educa ção Bra sile ira’, católicos e liberais. São Paulo, Cortez & Moraes, 1978. LIMA, Danilo M. de. Educa çã o, Igreja, Id eolo gia : uma análise sociológica da elaboração da Lei de Diretrizes e Bases. Rio, Francisco Alves, 1978. 86
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