Sem - Sobre a Inclusao e o Manejo Do Dinheiro Numa Psicanalise

February 7, 2019 | Author: dofeol | Category: Psychoanalysis, Money, Sigmund Freud, Experiment, Jacques Lacan
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Sem - Sobre a Inclusao e o Manejo Do Dinheiro Numa Psicanalise...

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Pulsional Revista de Psicanálise

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Clínica do Social

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Pulsional Revista de Psicanálise,

ano XIV, n o 142, 76-87

$em?* Karin Slemenson

O

 presente art ig igoo pretende preten de di discu scuti tirr a am ampl plia iaçã çãoo do acesso da comunidade à psicanálise. Neste contexto surge a circunstância da falta de dinheiro como elemento que interroga o conjunto da prática psicanalítica. A reflexão conduz à idéia de que a possibilidade de uma análise se estabelecer sem dinheiro é admitida em caráter transitório e pelo compromisso do analista com a  psicanálise. É considerado também que ambos critérios de admissão sejam decisivos para o estabelecimento da prática psicanalítica de forma geral, seja sem ou cem a cunhagem da cifra a ser incluída na experiência analítica. Palavras-chave: Clínica social, clínica psicanalítica, dinheiro, instituição psicanalítica



his article presents a discussion on making psychoanalytic procedures more accessible to the community at large. I this context, context, the circumstance of lack  of money comes up as an aspect that puts the field of psychoanalytical practice into question. This discussion leads in turn to the idea that the possibility of   psyc  ps ycho hoan anal alys ysis is ta taki king ng pl plac acee wi with thou outt mo mone neyy is ac acce cept pted ed as a te temp mpor orar aryy circumstance and through the analyst’s commitment to the psychoanalysis. The author also holds that both criteria for admission are decisive for establishing a  psychoanaly  psycho analytic tic proces processs in gener general, al, wheth whether er or not money is incl included uded in the  psychoanalytic experience. money,, psychoanalytic institute Key words: Social clinic, psychoanalytic clinic, money

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Este artigo aborda de forma condensada tema tratado em dissertação de mestrado apresentada à PUC-SP em setembro de 2000, sob o título “Sem ou Cem? Sobre a inclusão e o manejo do dinheiro numa psicanálise”.

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o contexto contemporâneo, deparamo-nos com algumas experiências institucionais que visaram a possi bilitar o acesso à psicanálise a parcelas mais amplas da sociedade. Inseridas em condições culturais ou de trabalho diferenciadas, estas instituições depararamse com a questão da “escassez” de dinheiro, uma vez que o tema escassez tem demonstrado ser tanto transcultural como transhistórico, vendo-se, assim, com a tarefa de produzir um posicionamento frente à questão. É possível considerar que tal posicionamento em relação à questão da escassez do dinheiro e de seu manejo nestas instituições impôs-se como “questão para a psicanálise”, em conseqüência de seus  propósitos institucionais, que pretenderam sustentar um destino para a clínica  psicanalítica voltado à sociedade num sentido mais ampliado, segundo critérios de inclusão/exclusão próprios à psicanálise. Colocando em perspectiva este destino da clínica psicanalítica, a inclusão das questões articuladas pelo dinheiro  precipita a elaboração de uma trajetória que desaloja o dinheiro das identificações imaginárias, produzidas no campo social, para inseri-lo no cam po clínico psicanalítico strictu senso, cuja ênfase recai sobre os efeitos Sim bólicos e do Real que estas questões  passam a engendrar. É no esteio destas idéias que proponho tomar o contexto da prática clínica que venho desenvolvendo no âmbito do Fórum de Psicanálise, instituição fundada em 1996, da qual participo, para tratar 

a questão do dinheiro ligada à clínica psicanalítica. A caracterização do Fórum de Psicanálise assumida pela Instituição não é a de uma instituição dedicada a uma “especialidade clínica” – como, por exemplo, tratamento infantil, drogadição... ou clínica sem dinheiro –, mas sim a de uma instituição marcada por uma singularidade, qual seja, a disposição de confrontar-se com particularidades e dilemas da clínica psicanalítica. Desta forma, por sua oferta de escuta  psicanalítica dirigida à ampla sociedade, inclusive àqueles com baixa ou mesmo nenhuma renda, o que o Fórum de Psicanálise pretende instituir, não é um traço identificatório para viabilizar sua prática, mas, como está sugerido desde a escolha de seu nome, instituir um fórum de discussões no qual as questões sobre o que é uma psicanálise, o que é um psicanalista e qual a responsabilidade social  própria à psicanálise e ao psicanalista  possam manter-se investidas a partir de uma prática. Disso segue a possibilidade de reconhecer o movimento de levar às últimas conseqüências o compromisso com as  particularidades envolvidas pela função  psicanalítica e de constituir um laço social entre analistas segundo as exigências destas particularidades e, a partir disto, relançar a questão da inclusão e do manejo do dinheiro como sendo da ordem da função significante para o Sujeito. Ao relançar assim tal questão, ou seja, ao  pensar o dinheiro como efeito, e não causa da especificidade da conjunção em que se instituiu o Fórum de Psicanáli-

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se, fica inexoravelmente posta a indagação sobre o que implica o dinheiro numa  psicanálise para todos aqueles comprometidos em fazer a psicanálise avançar. O que se configura neste contexto é a  pertinência da discussão que aponta para o dilema dinheiro vis a vis a possibilidade analítica. Assistimos a um confinamento da psicanálise a uma população delimitada, geralmente constituída por aqueles de  poder aquisitivo alto ou relativamente alto e por analistas em formação. Este confinamento tem como efeito uma redução da experiência psicanalítica, tanto no sentido qualitativo – pela imputação de um critério econômico de inclusão ou exclusão – como quantitativo: poucas  pessoas podem submeter-se a uma análise num país como Brasil. Assim sendo, se num primeiro momento a práxis  psicanalítica vem excluindo grande parte da população por este critério (econômico), ainda que estabelecido lateralmente, num segundo momento, esta exclusão induz ao questionamento de sua pertinência e coloca em pauta sua  própria exclusão como praxis. Particularmente, acredito que é o caso de nos  perguntarmos quais são as possibilidades da psicanálise se manter “viva” nessa condição tão restritiva? Saindo desse confinamento? Para tanto, parece premente pesquisar o que pode ser o fator  econômico para uma psicanálise e, dessa forma, procurar meios de ampliação da experiência analítica que concomitantemente zele por algo de legítimo que  possa estar implicado no estabelecimento de tal critério como sendo o de exclu-

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são/inclusão na experiência psicanalítica e que gerou o confinamento observado em sua práxis. Ao propor o enfrentamento da questão da ampliação do acesso à psicanálise, o Fórum de Psicanálise considera os riscos implicados nessa prática e nesta  perspectiva, pretende não recuar diante dos pedidos de análise que puderem ser  formulados, mesmo em condições onde o pagamento seja necessariamente formulado sem a presença da cédula monetária. Tal decisão implica questões concernentes ao analista, ao analisante e à própria ética envolvida na psicanálise. É exatamente esta discussão que encaminho sob o tema dinheiro numa  psicanálise. A perspectiva para esta reflexão é a de que o encaminhamento produtivo da questão proposta se faz possível apenas através de um duplo deslocamento, a saber, o deslocamento do dinheiro da arena socioeconômica para o domínio da economia psíquica; e do deslocamento da investigação do significado do dinheiro, para o privilégio da função significante do dinheiro o que nos remete ao próprio campo da pesquisa psicanalítica.  Nestes domínios, o dinheiro – em falta ou em excesso – é passível de outras tantas atribuições. Isto significa dizer  que, no que mais precisamente interessa ao recorte operado no trabalho, isto é, a falta de dinheiro, é possível aventar  que esta falta possa estar referida a toda e qualquer sorte de falta, mais exatamente toda e qualquer “coisa” que aponte  para a falta.

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Aventa-se aqui que seja possível uma certa inclusão e manejo do significante dinheiro que o leve em conta como ca paz de engendrar a série de objet os marcados pela castração e que, portanto, se referindo ao ponto de interseção entre necessidade (ou seja, satisfação  pulsional na imediaticidade do corpo), demanda (como transcrição do desejo no  plano da linguagem) e desejo (como pressão da força gerada pela falta-a-ser). Se for assim, a questão do dinheiro circunscreve a própria “arquitetura” e a  própria “economia” do desejo do sujeito, do ciframento que permite a construção da condição de deciframento. A idéia envolvida aqui é a de uma operação mais complexa do que uma sim ples transposição de campos, de uma “tradução”, mas de estabelecer parâmetros para a construção de uma condição de possibilidade de “deciframento”, tal como concerne a uma psicanálise. Outro ponto importante para a discussão é o de que na relação transferencial estabelecida em uma análise, o dinheiro, em sua dimensão significante, circula no espaço entre as partes envolvidas no processo, não se fixando nem de um nem de outro lado dessa relação, mas na sua mediação. Tratando-se de uma função significante do dinheiro, tal como apontada anteriormente, mediar implica agenciar, como um terceiro elemento, irredutível, que intervém e até mesmo divide ou faz furo nos dois primeiros envolvidos na relação. A circulação do dinheiro marca limites para o analista e  para o analisante, justamente pela impossibilidade de constituir um sentido, um

significado comum entre ambos. Então, o que circula e faz função é o significante [dinheiro] e não o significado [do dinheiro]. Resta saber como operar e sustentar este limite pela circulação de dinheiro, algumas vezes, exclusivamente na realidade do discurso em análise, como seria o caso de uma análise na qual a cédula falta. É imprescindível notar que o que é colocado visa fundamentar uma proposta que pretende marcar um campo de escuta da questão do dinheiro em  psicanálise, sem pretender inscrever-se como uma discussão sobre a essência do dinheiro. Até porque, ao definir-se aqui por uma doutrina do significante, está-se abdicando da idéia de substância em benefício da apreensão da estrutura. Se aceitarmos estas idéias, concordaremos que, na condução de um processo analítico, não se pode restringir o dinheiro à presença física da moeda ou às quantidades previamente definidas num contrato ou mesmo ao cumprimento  pontual do pagamento; menos ainda  prescrever segundo tal critério, o da presença ou ausência da cédula monetária, a possibilidade do tratamento psicanalítico. É possível considerar que cédula e pagamento podem não coincidir (sem ou cem?). O que está em foco é o que disso é falado e que está na dependência de uma escuta diferenciada. Como o dinheiro é incluído e manejado em uma análise?  Nesta direção, é possível articular o dinheiro em relação aos deslocamentos de investimentos entre os diferentes obje-

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tos, dos investimentos pulsionais/libidinais em sua dimensão de grandeza, os quais [paradoxalmente] não podem ser  quantificados, medidos, ou identificados aos objetos que evoca.  Nestas circunstâncias, o dinheiro promove um ciframento dessa grandeza quantitativa que só é apreensível em sua manifestação dinâmica de satisfação realizada de forma parcial, por exemplo, no sintoma e na transferência analítica, ou seja, nas operações que incluem os índices do desejo. A possibilidade de ciframento abre a  perspectiva de pensarmos metaforicamente a idéia de libido como capital e do dinheiro como operador do montante das realizações “libidinais” para o inconsciente (o Outro capitalista). Se o dinheiro oferece-se como significante, sobretudo dos deslocamentos do desejo gerados pela condição de falta-aser, em que o desejo é sempre desejo de outra coisa, seu sentido de valor de troca ou de utilidade atribuído pela mercadoria e pelas leis de seu mercado está perdido de vista (ou de escuta). O que vemos manifestar-se pelos parâmetros estabelecidos da economia libidinal refere-se ao trabalho gerado pelas operações pulsionais, cujo valor é de inutilidade, já que está referido a um ob jeto (mercadoria?) mítico. O dinheiro abordado em sua dimensão significante introduz, justamente, o caráter suplementar da relação de desejo e objeto, quer dizer, ocupando o lugar do objeto faltante (fálico) sem preencher a falta, a denúncia. O dinheiro, então, metaforiza a incom-

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 pletude implicada no desejo (Quinet, 1991) que marca uma condição de falta-a-ser (não completo). Há, no entanto, uma outra vertente que interessa na apreensão do dinheiro como metáfora dessa falta-a-ser. Se em uma análise o dinheiro é tomado como um elemento significante da condição desejante do analisando, isto é, destituído de substância, este será oferecido segundo uma referência particular  de valor e na medida em que o sujeito esteja disposto a livrar-se dos ganhos advindos do sofrimento gerado por seu sintoma [seu gozo]. Tal disposição de  pagar por uma análise envolve, do ponto de vista da economia psíquica do sujeito, perda narcísica. Então, em uma análise, paga-se para perder. O trabalho de elaboração implicado numa análise incide justamente na modificação da economia psíquica (pulsional/libidinal) envolvida na manutenção do sintoma do  paciente. Talvez isso possa dirigir-nos  para a idéia de que, no que tange uma análise, o que importa é que o que o su jeito em análise paga, seja pago desde seu narcisismo. O que o sujeito perde numa análise é  parte de seu narcisismo, o que lhe im põe uma nova economia libidinal na assunção de sua condição “faltante”, desejante. Levando em conta os aspectos apontados, é pertinente dizer: se há uma análise em curso, esta é sempre cara,  pelo narcisismo que se perde [ainda que no senso comum esta possa ser dita “gratuita”, por não envolver a circulação da cédula monetária]; o valor a ser pago é sempre simbólico, pois é dado por um

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ciframento em referência a esta perda; e o dinheiro [cifra] é um dado do Real,  pela impossibilidade de efetivar-se como objeto e com isso encerrar a dívida [que é simbólica].

Há algo na idéia de gratuidade que só  pode ser escutado na transferência e que, portanto, exige seu estabelecimento para um posicionamento quanto a inclusão e manejo da questão em uma  psicanálise. DEIXANDO-SE ENGANAR Certamente não é possível considerar a  Na perspectiva exposta, trata-se de in- idéia de uma psicanálise sem dinheiro de cluir o dinheiro também através da idéia forma ingênua e apressada. Mas devede gratuidade; inclusão esta que se cons- se considerar que a questão do pagatitui em um ato. Muitas vezes o ato mento em uma psicanálise não pode ser  inaugural do estabelecimento da transfe- reduzida ao fato e ao momento da enrência. O ato de ouvir algo “disso”. Por  trega de dinheiro ao analista, uma vez outro lado, a exclusão da possibilidade que articula questões relevantes para o de se admitir uma análise segundo uma trabalho psíquico, o qual pretende-se idéia preestabelecida e definitiva de que seja produzido na relação transferengratuidade1 estaria alinhada à decisão de cial estabelecida. O dinheiro e o paganada querer saber “disso”; da exclusão mento tampouco poderiam ser eliminada falta, tal como esta encontra-se arti- dos de tal cenário. Trata-se de que forculada pela falta de dinheiro, do limite mas tais elementos se fazem presentes como aparece colocado, do inaudito e, numa análise. Se é assim, há que se perguntar se as  por que não dizer, da morte. Então, como sugere Martin (1984): “O questões articuladas pelo dinheiro, aponque a morte deve ao dinheiro?” ou “o que tadas aqui, encontram-se lá, sempre que a cédula esteja e, por outro lado, se há o dinheiro deve à morte”? Perda narcísica? Supõe-se que do lado do analista este a possibilidade dessas questões ganha[seu narcisismo] já tenha sido abalado... rem voz, entrarem em circulação, em circunstâncias nas quais a cédula não esOra, não seria um engodo tomar qualteja, se levamos em conta que o que o quer elemento como preestabelecido e definitivo no estabelecimento de uma  pagamento implica é concernente ao  psicanálise? Não seria esta medida cor- analista, ao analisante e à própria ética relata ao estabelecimento de um candi- envolvida na psicanálise, e não ao merdato ideal para a experiência analítica e, cado. Esta é uma pergunta a ser  conseqüentemente, uma idealização da respondida por uma prática.  própria psicanálise e porque não dizer do Este caminho de reflexão conduz à idéia de que a possibilidade de uma análise se  psicanalista? 1. Não seria isto tomar um significante por significado, gratuidade = não pagar. Por exemplo, como num possível desdobramento, é possível considerar que “pagar nada” seja o mesmo que “nada pagar” ou “não pagar”?

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estabelecer sem dinheiro seja admitida em caráter transitório e pelo compromisso do analista com a psicanálise. É considerado também que tanto o caráter transitório, quanto o compromisso do analista com a psicanálise sejam elementos decisivos para o estabelecimento da  prática psicanalítica de forma geral, seja sem ou cem a cunhagem da cifra a ser  incluída na experiência analítica. DO TRABALHO DE TRANSFERÊNCIA  À TRANSFERÊNCIA DE TRABALHO

Propõe-se aqui a possibilidade de pensarmos que a resposta para a pergunta sobre o que move um psicanalista para a ação, tal como proposta pelos analistas do Fórum de Psicanálise, em circunstâncias que incluem a possibilidade de não receber dinheiro por sua escuta, encontra sua legitimidade na perspectiva que a excede, ou seja, a de sua produção do discurso do psicanalista. É nesse âmbito, o do elo social, que reúne psicanalistas no Fórum de Psicanálise, que está fundamentada a circunscrição de um campo de transmissão, inclusive em seu propósito de admitir   para tal a possibilidade de análises sem  pagamento com dinheiro em certos casos, fato que, ao meu ver, só pode ser  sustentado por uma Transferência de trabalho com a psicanálise. Por uma Trans ferência de trabalho que visa fazer progredir ademais do sujeito em uma  psicanálise, a própria psicanálise. Se assim for, faz-se do “valor” entregue  pelo analisante um pagamento à psicanálise, e este há de ser buscado para além ou aquém da materialidade da cé-

dula, ou seja, nos preceitos da ética do desejo que circunscreve a psicanálise.  Nesse recorte cabe discernirmos uma tripla realização, no que tange o que se realiza como pagamento em uma análise: a) O que o psicanalisando paga nos diferentes momentos de sua análise; b) O que o psicanalista paga na direção de uma análise; e c) O que o psicanalisando paga através do psicanalista em uma análise. É reconhecível numa análise o momento no qual o próprio analisante vê-se comprometido com sua análise e não com o analista; neste contexto vê-se pagando por sua palavra, por sua análise. Mas quem faz possível este pagamento à psicanálise é o analista que assumiu um “custo” e, portanto, também algo paga:  paga com sua palavra, com sua pessoa e com seu juízo mais íntimo na ação que vai ao cerne do ser (Lacan, 1958). Trata-se do “custo” da própria psicanálise. E ainda seria possível pensar que seja na esfera da Transferência de trabalho que cabe demarcar uma função analítica para a própria instituição psicanalítica, como o é o Fórum de Psicanálise, a saber, a de implicar, para o analista ligado a esta, um limite à sua condição de, por um lado, não receber dinheiro por vir a desempenhar a função de analista e, por  outro lado, a de arcar com um custo  pago à psicanálise. Constituir-se numa reunião de psicanalistas, faz das questões concernentes à formação “pauta do dia”, sobretudo considerando-se que a posição e crítica que cada analista ligado ao Fórum de Psicanálise mantém em relação à concepção

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de formação e em relação à sua própria formação é implicada nesse momento da transmissão marcado por um laço institucional que pretende dar voz a uma outra particularidade da psicanálise: a de que cada analista responsabiliza-se por  seu desejo de analista. E qual é o desejo do analista? Uma res posta possível, embora careça de esclarecimentos, seria o desejo de fazer valer  a diferença. A diferença como sendo a  própria possibilidade de existência do inconsciente freudiano. A diferença que o  pai introduz entre uma mãe e seu bebê. A diferença que impõe ao psiquismo uma organização, um ponto de âncora, uma lei. A diferença operada pela linguagem em suas composições de pura diferença das letras, separando desejo e Gozo. A diferença que estabelece a possibilidade de algum acesso ao inconsciente, ao feminino, à inconsistência do ser... Considera-se que seja desta perspectiva, que se levada à certa exaustão, desdo br a- se um a ou tr a: a de in di ca r a  particularidade segundo a qual seja possível pensar uma responsabilidade social da psicanálise, do psicanalista. Se assim for, esta seria movida não por  culpa social ou por um furor sanandis, mas por conseqüência de um compromisso assumido, a saber, o compromisso de manter a psicanálise em causa. O desejo do analista circunscreve uma  prática cuja origem é reconhecível em um ato analítico do próprio Freud: “Fale tudo”. Como nos diz Serge Cottet (1989): O laço com Freud, para um analista, é tão includível que nada, nenhuma garantia, ne-

nhum terceiro, pode endossar a cientificidade da experiência. A tal título continua sendo não inefável, mas inverificável.

É importante mencionar que o propósito de uma oferta de análise dirigida à ampla população excluída do acesso a esta experiência, se levada a sério, deve ser considerada segundo as condições que lhe são próprias. Isto é dizer: a ex pectativa da existência de uma “massa” que abraçaria com entusiasmo essa causa, a da psicanálise, está fadada à frustração. Ao contrário, o próprio fundador do campo analítico, Freud, sempre incluiu em suas considerações os vários níveis de resistência à psicanálise e, no final de sua vida, teria declarado a Binswanger  que “não há coisa alguma para a qual o homem, por sua organização, seria menos apto do que para a psicanálise” (Ibid.). Se, por um lado, o momento da transmissão da peste aqui recortado pode ser   pensado como o de contaminação da  polis, por outro é também o de “despertar”, sobretudo se considerarmos que o  propósito de promover uma análise frente aos pedidos de ajuda, dirigidos a um “profissional psi”, geram um campo que não pretende ser de utilidade pública, nem sequer de utilidade do indivíduo, uma vez que este, o indivíduo, implica um sujeito alienado em seu gozo. Visa a expressão de um Sujeito desejante. Sobre a inaptidão para uma análise, podemos acrescentar que a condição de desejo que depreende-se da demanda gerada pela oferta de um analista significa uma perda da possibilidade do

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Sujeito manter-se como Indivíduo. Ademais, a transferência analítica provocada  por este ato de escuta que dá “voz” ao inconsciente, faz obstáculo à intersub jetividade, empurrando o Sujeito para uma divisão que o separa de seu gozo. Inspirar esse duro desejo de despertar, no qual é condição perder para ganhar  e menos... Mas do adormecimento despertar para que? Não para a realidade, mas para o  Nada do desejo (wunsh), para a abertura do Inconsciente, para o impossível encontro com o Real? Se a psicanálise nos ensina que há no sintoma um certo adormecimento, e neste um decorrente prazer (lust/genuss) implicado, nos indica também que é por  meio do despertar gerado pelo desprazer (unlust ) envolvido no sintoma que dá-se a iminência do impossível encontro com o Real, o que, embora sem considerar-lhe condições de possibilidade, não impede que se faça deste encontro um fim; dito de outra forma, se o sintoma não cessa de inscrever-se e o Real não cessa de não se inscrever, temos na injunção dessas insistências a  possibilidade da realização do trabalho analítico. A realização ( Befriedigung/Erfüllung) primária de todo discurso é de adormecer, uma vez que o significante mestre trás esta virtude. Fala-se o tempo todo do que se quer ignorar: a castração. Encontramos na teoria lacaniana uma formulação na qual esta realização primária é elevada a um estatuto discursivo: o do discurso capitalista. Resta saber que laço social se faz possível a partir desse discurso.

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 Não é menos instigante para o tema pro posto aqui a proposição de um discurso nomeado como “capitalista”, que evoca tão prontamente o significante dinheiro. Pois bem, no discurso capitalista temos um sujeito instrumentalizado, que “não tem nada com que fazer laço social”, [assim como não tem “dinheiro” para fazer uma análise...]. Em Televisão (1979), Lacan aponta como desmontagem ou saída do discurso capitalista o discurso do analista. Vale dizer, que se do lado do psicanalisando o que subjaz a este momento da transmissão refere-se à sua finalidade terapêutica, do lado do psicanalista envolvido no trabalho, é possível, e até imprescindível, admitir que seu compromisso [do analista] com a concepção de finalidade e fim de análise encontrem-se lá desde o início, ou seja, a disposição do analista para levar a análise ao seu termo, para além da terapêutica, marca a posição em que este se introduz no  jogo analítico, por seu ato inaugural e na direção do tratamento. Então é possível considerar que tais questões, a da transferência de trabalho com a psicanálise e a do desejo do analista sejam de extrema relevância para admitir a idéia da oferta de análise em contextos onde dinheiro falta; e esta oferta, por sua vez, relevante para considerarmos o dinheiro como significante  para uma psicanálise, o que implica a  particularidade com que este deve ser incluído e manejado para e no trabalho de transferência. O que se pretende apontar aqui é o com promisso com as condições para haver 

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análise. Compromisso de que o que quer  três vezes e então dorme. De forma geque esteja em jogo através dessa imral sempre acreditava estar esquecendo  possibilidade do dinheiro, aquilo que algo importante. Sentia até pouco temconcerne à miséria neurótica, seja toca-  po atrás um bolo na garganta, tremor nas do, tratado. É preciso considerar que o mãos, frio, palpitações; já em tratamenque será feito “disso” é responsabilida- to, passa a sentir vontade constante de de de cada sujeito em análise. Para que fazer xixi, principalmente durante o peuma análise se produza cabe ao analista ríodo em que está na escola. Acreditava responsabilizar-se pela direção do trata- que chegaria a pedir para a professora mento e não pela direção do analisante.  para ir ao banheiro e que ela não permitiria e, então, ele perderia o controle e Enquanto isso... Um menino encontra-se em entrevistas faria xixi na calça... portanto, evitava pe preliminares há vários meses. Veio com dir para ir ao banheiro... isso também já a mãe numa primeira vez. É filho do se- não acontece mais, desde há algumas gundo casamento de seu pai. Vive com semanas. Mas o que se impunha era seu medo de morrer. Muitas vezes vem à sua mãe que trabalha como faxineira. sua cabeça cenas de morte... sua mãe Mantém uma relação freqüente e familiar com uma irmã, filha do primeiro ca- morta... ele morto... Quando na cena da samento do pai. Este casou-se, pela ter- morte ele é o morto, imagina sua mãe sofrendo e se vê deitado no caixão... ceira vez, com uma vizinha. Chegou a visitar o pai depois deste ter se separa-  procura não pensar nisso. Tenta dominar a imagem... imagina-se levantando do da mãe, mas não fala mais com ele. Foi deixando de falar com o pai aos pou- do caixão e vivendo. Entende que ir à cos. Lembra como o pai agredia a mãe igreja e rezar são providências que o proquando moravam juntos. Estuda em tegem e o livram da culpa de imaginar a uma boa escola técnica pública, trata-se mãe morta... com acupuntura numa instituição, mora O gás que escapava, o xixi que escapasó com a mãe, com quem aprendeu o va, ainda depois, nas idéias de sofrer um caminho da igreja. Toma quatro ônibus derrame, o sangue que escapava, derra para chegar ao consultório o que, infor- mava... as coisas que escapavam convergiam para a crença na existência ma a mãe, significa para a família um gasto importante. Decido prosseguir  do exercício de num controle capaz de com as entrevistas admitindo a possibi- situá-lo na posição de um senhor da lidade de não receber dinheiro por estas. morte, que também lhe escapa. O sanTem 15 anos, menino de poucas pala- gue, o xixi, o gás... Fala de suas fantasias de se sentir culpado pelas morvras... Toda noite antes de dormir vai à cozi- tes das quais tomava conhecimento... de nha verificar o gás. Trata de se certificar  um cantor sertanejo, um corredor de que este não está escapando. Até con- Fórmula Um, um tio. vencer-se faz a tal operação uma, duas, Então, certa vez, pouco antes dos assun-

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tos de morte serem trazidos mais explicitamente, comentou que havia partici pado de uma cerimônia religiosa onde entregam-lhe uma medalha que simboliza a posição do fiel em relação àquela igreja... estava ansioso por recebê-la... sua mãe já havia recebido a sua. Havia  passado o domingo com o grupo da igreja. Uma confraternização. Ônibus fretado, um almoço... Esses eventos sempre acontecem, uma vez por mês. Então a analista pergunta:  — O que se faz para participar da cerimônia?  — Tem que pagar.  — E para a confraternização você tam bém paga?  — Pago.  — Quanto?  — O ônibus é 5 e o almoço é 10.  — Que outras coisas você paga?  — Isso e o inglês.  — E aqui, po rque é que você não paga?  — Eu não sei, eu também acho estranho. Eu achei que porque eu não pago eu fico pouco tempo e a única coisa é que vai demorar mais para eu ficar   bom...  — A partir da próxima sessão você paga.  — Quanto?  — É verdade... quanto?... é importante falar sobre isso... (corte da sessão). Quando o pai foi embora, a mãe com prou um fogão. Ele se lembra da caixa grande chegando. O pai morava perto e  brigas aconteciam no portão. As brigas anunciavam as ameaças. O pai ameaçava pôr fogo na casa com mãe e filho dentro. O fogão, o gás, a ameaça, o pai... Formas de presença, ausência, presen-

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ça na ausência do pai? Riscos de estar  na casa com a mãe... Três reais... passa a pagar três reais a cada sessão. Vinha duas vezes na semana. Vinha sempre. Foi pegando gosto  pela palavra. Algumas vezes se apressava achando que a sessão ia terminar. A analista sempre dizia: há tempo... E chegou um tempo de poder mover-se do lugar onde se encontrava... de estar  na sala fechada do cinema, jogar vôlei sem morrer, passar pela morte da avó materna... os sintomas foram caindo e questões se erguendo. Curiosamente surgem novas formas de presença do pai. O pai é aquele com quem tem medo de encontrar pela rua, a quem poderia escrever, aquele que envia dinheiro para conta bancária da mãe todos os meses há onze anos... cento e cinqüenta reais... O que dá para fazer com isto?... Algumas vezes ele mandou menos. Certa vez noventa, certa vez setenta e cinco... Por  que será?... Será que ele não tinha... Um menino na escola estava conversando com uma menina e logo depois eles ficaram... como se faz isso? Nunca comentou com ninguém e até se esforça  para não pensar nisso, mas tem dúvidas se gosta mesmo de menina. Às vezes  pensa em meninos...  Não seriam perguntas comparáveis às questões próprias ao desejo? Qual é meu objeto? Qual é meu sexo? Qual é meu desejo? Diante de muitas das questões que foram possíveis de serem formuladas por  ele, o testemunho de um percurso que só posso reconhecer como pertencendo ao escopo de uma psicanálise.

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Clínica do Social

Uma vez contou a seguinte história: resolveu falar com uma menina que estudou com ele na escola há muito tempo e que de vez em quando toma o mesmo ônibus que ele. Quando estudavam juntos achava ela bonitinha e tudo. Sabe o horário que ela toma o ônibus, então calculou a hora e foi para o ponto. Ela deveria entrar no ônibus dois pontos depois. Tomou o ônibus e ficou atento,  pensando que desta vez ia sentar ao lado dela e puxar assunto. Quando o ônibus  parou no ponto que ela deveria subir... interrompe a narrativa e pergunta à analista: “Imagina quem entrou!... (suspense)... minha mãe (risos) acho que errei no cálculo... A história foi contada como um chiste.  Na possibilidade do chiste, a possibilidade de se incluir em outra posição ao incluir uma terceira, a de um Outro, a do Inconsciente. A esta altura da apresentação deste fragmento trazido da clínica, poderia ser   perguntado: mas qual a relevância da inclusão e do manejo do dinheiro nesta análise? Ou ainda, qual a relevância da apresentação deste trabalho clínico para a discussão sobre inclusão e manejo do dinheiro numa psicanálise? Ao meu ver, trata-se de um tratamento viabilizado pela proposta do Fórum de

Psicanálise, cujo critério de inclusão e manejo do dinheiro foi ponto capital para seu estabelecimento. Critério pautado  por um mercado diferente do habitual, a saber, o mercado aberto para o inconsciente. Neste sentido, a quantidade de dinheiro que vem sendo entregue à analista só pode ser visto como uma, entre muitas, particularidades desta análise, assim como existem particularidades em qualquer análise. Acredito que o que este fragmento clínico presentifica no atual contexto é o fato de que um dos fatores que mais exige consideração na decisão de produzir  a elaboração que procuro estabelecer  nesta discussão é, precisamente, o fato de que há análises acontecendo nas condições propostas pelo Fórum de Psicanálise; e que qualquer impedimento que se impusesse à produção de uma dessas análises não seria a expressão de uma restrição imposta pela psicanálise à condição cultural ou patrimonial do candidato a analisante, mas sim a imposição de uma restrição, provavelmente tam bém legítima, que deve ser reconhecida em outra instância.  REFERÊNCIA

BIBLIOGRÁFICA

QUINET, A.  As 4 + 1 condições da análise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991 .

 Artigo recebido em novembro/2000 Revisão final recebida em janeiro/2001

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