Robbins Patologia Básica, 9E [PDF][tahir99] VRG
February 26, 2017 | Author: Avelino Correia | Category: N/A
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C APÍTULO
Pulmão
12
S U M Á R I O D O C A P Í T U LO Atelectasia (Colapso) 460 Lesão Pulmonar Aguda 460
Doenças Pulmonares de Origem Vascular 482
Síndrome da Angústia Respiratória Aguda 461 Embolismo Pulmonar, Hemorragia e Infarto 482 Doenças Pulmonares Obstrutivas Hipertensão Pulmonar 484 Versus Restritivas 462 Síndromes Hemorrágicas Alveolares Doenças Pulmonares Obstrutivas Difusas 485 (Vias Aéreas) 463 Infecções Pulmonares 486 Enfisema 463 Pneumonias Agudas Adquiridas Bronquite Crônica 467 em Comunidade 486 Asma 468 Pneumonias Atípicas Adquiridas Bronquiectasia 471 em Comunidade 490 Doenças Pulmonares Crônicas Pneumonias Adquiridas Intersticiais (Restritivas, em Hospital 491 Infiltrativas) 472 Pneumonia por Aspiração 492 Doenças Fibrosantes 472 Abcessos Pulmonares 492 Doenças Granulomatosas 478 Pneumonias Crônicas 492 Eosinofilia Pulmonar 481 Histoplasmose, Coccidioidomicose Doenças Intersticiais Relacionadas e Blastomicose 499 com o Tabagismo 481
A principal função do pulmão é suprir oxigênio e excretar dióxido de carbono do sangue. Embriologicamente, o sistema respiratório é um produto da parede ventral do intestino anterior. A linha média da traqueia desenvolve dois bolsões laterais externos denominados brotos pulmonares. O broto pulmonar direito eventualmente divide-se em três brônquios principais, e o esquerdo em dois brônquios principais, dando origem a três lobos direitos e dois esquerdos. Os brônquios principais ramificam-se dicotomicamente, dando origem a vias aéreas progressivamente menores denominadas bronquíolos, que são diferenciados dos brônquios pela ausência de cartilagem e glândulas submucosas na parede. As ramificações adicionais dos bronquíolos geram bronquíolos terminais; a porção pulmonar distal ao bronquíolo terminal é denominada ácino. Os ácinos pulmonares são compostos por bronquíolos respiratórios (emanando do bronquíolo terminal), que geram os ductos alveolares que imediatamente geram os sacos alveolares; os últimos são fundos de saco cegos das vias respiratórias formados por paredes que constituem os alvéolos, local das trocas gasosas. A estrutura microscópica das paredes alveolares (ou septos alveolares) consiste nos seguintes componentes, procedendo do sangue em direção ao ar (Fig.12-1):
Pneumonia em Hospedeiro Imunocomprometido 500 Infecções Fúngicas Oportunistas 502 Doença Pulmonar e Vírus da Imunodeficiência Humana 504
Tumores Pulmonares 504 Carcinomas 505 Tumores Carcinoides 510
Lesões Pleurais 511 Efusão Pleural e Pleurite 511 Pneumotórax, Hemotórax e Quilotórax 511 Mesotelioma Maligno 512
Lesões do Trato Respiratório Superior 512 Infecções Agudas 512 Carcinoma Nasofaríngeo 513 Tumores Laringianos 513
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gadas, pequenos feixes de colágeno, poucas células similares a fibroblastos, células musculares lisas, mastócitos e raras células mononucleares. É mais proeminente nas porções pulmonares mais espessas do septo alveolar.
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por dois tipos de células principais: pneumócitos pavimentosos do tipo I, que revestem 95% da superfície alveolar, e pneumócitos redondos do tipo II. O último sintetiza surfactante pulmonar e é o principal tipo de célula envolvida no reparo do epitélio alveolar após o dano aos pneumócitos do tipo I. As paredes alveolares não são sólidas, mas são perfuradas por numerosos poros de Kohn, que permitem a passagem de ar, bactérias e exsudatos entre os alvéolos.
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espaço alveolar. No adulto, tais macrófagos frequentemente contêm partículas de carbono fagocitadas.
Existem inúmeras doenças pulmonares primárias que podem ser amplamente divididas naquelas que afetam primariamente
460 C A P Í T U L O 12 Pulmão em pacientes acamados, com ascite e durante e após procedimentos cirúrgicos. Atelectasia por contração. A atelectasia por contração (ou cicatrização) ocorre nos casos em que há fibrose local ou generalizada no pulmão ou pleura, a qual dificulta a expansão e aumenta o recolhimento elástico durante a expiração. A atelectasia (exceto quando causada por contração) é potencialmente reversível e deve ser tratada prontamente para prevenir hipoxemia e infecção superimposta no tecido pulmonar colapsado.
LESÃO PULMONAR AGUDA
Figura 12-1 Estrutura microscópica da parede alveolar. Note que a membrana basal (amarelo) é delgada de um lado e mais ampla onde é contínua com o espaço intersticial. Porções das células intersticiais são mostradas.
(1) as vias aéreas, (2) o interstício e (3) o sistema vascular pulmonar. A divisão em compartimentos distintos é, obviamente, enganosa. Na realidade, a doença em um compartimento frequentemente causa alterações secundárias na morfologia e função de outras áreas.
A expressão lesão pulmonar aguda engloba um espectro de danos pulmonares bilaterais (endoteliais e epiteliais) que pode ser iniciado por numerosas condições. Clinicamente, a lesão pulmonar aguda manifesta-se como (1) início agudo de dispneia, (2) diminição da pressão parcial de oxigênio arterial (hipoxemia) e (3) desenvolvimento de infiltrados pulmonares bilaterais nas radiografias torácicas; todos os sinais descritos ocorrem na ausência de evidência clínica de insuficiência cardíaca esquerda primária. Uma vez que os infiltrados pulmonares na lesão pulmonar aguda são causados usualmente por dano às membranas capilares alveolares em vez de insuficiência cardíaca esquerda (Capítulo10), tais acúmulos constituem exemplo de edema pulmonar não cardiogênico. A lesão pulmonar aguda pode
ATELECTASIA (COLAPSO) A atelectasia, também conhecida como colapso, é a perda de volume pulmonar causada pela expansão inadequada dos espaços aéreos. A atelectasia resulta em desvio de sangue oxigenado inadequadamente das artérias pulmonares às veias, dando origem a um desequilíbrio na ventilação-perfusão e hipóxia. Com base no mecanismo subjacente ou na distribuição do colapso alveolar, a atelectasia pode ser classificada em três formas (Fig.12-2) Atelectasia de reabsorção. A reabsorção ocorre quando uma obstrução previne a entrada de ar nas vias aéreas distais. O ar presente anteriormente sofre reabsorção gradual seguida de colapso alveolar. Dependendo do nível de obstrução das vias aéreas, pode haver envolvimento de um pulmão completo, um lobo completo ou um ou mais segmentos. A causa mais comum de colapso por reabsorção é a obstrução de um brônquio por plug mucoso ou mucopurulento. Esse tipo de oclusão ocorre frequentemente no pós-operatório, porém pode também complicar asma brônquica, broquiectasia, bronquite crônica, tumores ou aspiração de corpos estranhos, particularmente em crianças. Atelectasia por compressão. A atelectasia por compressão (algumas vezes denominada atelectasia passiva ou por relaxamento) está usulamente associada a acúmulo de fluido, sangue ou ar no interior da cavidade pleural que colapsa os pulmões adjacentes de forma mecânica. Isso ocorre frequentemente nos casos de efusão pleural causada comumente por insuficiência cardíaca congestiva (ICC). O vazamento de ar para o interior da cavidade pleural (pneumotórax) também induz a atelectasia por compressão. A atelectasia basal resultante do posicionamento elevado do diafragma ocorre comumente
Figura 12-2 Várias formas de atelectasia adquirida.
Lesão pulmonar aguda Tabela 12-1 Desordens Clínicas Associadas ao Desenvolvimento de Lesão da Angústia Respiratória Aguda/Síndrome das Alterações Respiratórias Agudas
Lesão Pulmonar Direta
Lesão Pulmonar Indireta
Causas Comuns Pneumonia
Sepse
Aspiração de conteúdo gástrico
Trauma severo e choque
Causas Incomuns Contusão pulmonar
Bypass cardiopulmonar
Embolia gordurosa
Pancreatite aguda
Quase afogamento
Overdose de drogas
Lesão por inalação
Transfusão de produtos sanguíneos
Lesão por reperfusão após transplante pulmonar
Uremia
Modificada de Ware LB, Matthay MA: Thje ecute respiratory distress syndrome. N Engl J Med 342:1334, 2000.
desses e outros mediadores similares, como a IL-1 e o fator de necrose tumoral, induz a ativação endotelial, o sequestro e a ativação de neutrófilos nos capilares pulmonares. Acredita-se que os neutrófilos apresentem um importante papel na patogenia da SARA. O exame histológico dos pulmões nas fases precoces da doença demonstra aumento no número de neutrófilos no espaço vascular, interstício e alvéolos. Os neutrófilos ativados liberam uma série de produtos (p. ex., oxidantes, proteases, fator ativador de plaquetas, leucotrienos) que causam dano ao epitélio e ao endotélio alveolar. A lesão combinada ao epitélio e ao endotélio perpetua a exsudação vascular, e a perda do surfactante dificulta a expansão da unidade alveolar. A força destrutiva liberada pelos neutrófilos pode ser contrabalanceada por uma série de antiproteases endógenas, antioxidantes e citocinas anti-inflamatórias (p. ex., IL-10), que são estimuladas por citocinas pró-inflamatórias. No final, é o balanço entre os fatores destrutivos e protetores que determina o grau de lesão tecidual e da severidade clínica da SARA.
progredir para a mais agressiva síndrome da angústia respiratória aguda, descrita a seguir.
Síndrome da Angústia Respiratória Aguda A síndrome da angústia respiratória aguda (SARA) é uma síndrome clínica causada por dano capilar e epitelial alveolar difuso. A evolução usual é caracterizada por início rápido de insuficiência respiratória com risco de morte, cianose e hipoxemia arterial severa refratária à oxigenioterapia e que pode progredir para falência múltipla de órgãos. As alterações histológicas da SARA nos pulmões são denominadas dano alveolar difuso (DAD). A SARA pode ocorrer em uma série de contextos clínicos e está associada à lesão direta ao pulmão ou lesão indireta em processos sistêmicos (Tabela12-1). É importante relembrar que a síndrome da angústia respiratória nos recém-nascidos é patologicamente distinta; é causada por deficiência primária do surfactante.
MORFOLOG I A Na fase aguda da SARA, os pulmões estão vermelho-escuros, firmes, sem ar e pesados. O exame microscópico revela congestão capilar, necrose das células epiteliais alveolares, edema e hemorragia intersticial e intra-alveolar, e (particularmente na sepse) acúmulo de neutrófilos nos capilares. O achado mais característico é a presença de membrana hialina revestindo os ductos alveolares distentidos (Fig. 12-4). A membrana hialina consiste em fluido de edema rico em fibrina misturado com remanescentes de células epiteliais necróticas. O quadro geral é muito similar ao visto na síndrome da angústia respiratória dos recém-nascidos (Capítulo 6). No estágio de organização, ocorre vigorosa proliferação de pneumócitos do tipo II em uma tentativa de regenerar o revestimento alveolar. A resolução é incomum; mais comumente há organização dos exsudatos de fibrina com fibrose intra-alveolar. O espessamento marcado dos septos alveolares ocorre em consequência da proliferação das células intersticiais e deposição de colágeno.
PATOG EN IA A membrana capilar-alveolar é formada por duas barreiras separadas: o endotélio microvascular e o epitélio alveolar. Na SARA, a integridade dessa barreira está comprometida por lesão endotelial ou epitelial, ou, mais comumente, ambas. As consequências agudas do dano à membrana capilar alveolar incluem aumento da permeabilidade vascular e transudação alveolar, perda da capacidade de difusão e anormalidades do surfactante disseminadas causadas por dano aos pneumócitos do tipo II (Fig. 12-3). Embora as bases celular e molecular da lesão pulmonar aguda e da SARA permaneçam áreas de investigação ativa, trabalhos recentes sugerem que, na SARA, a lesão pulmonar é causada por um desequilíbrio dos mediadores pró e anti-inflamatórios. Após 30 minutos da lesão aguda há aumento na síntese de interleucina 8 (IL-8) pelos macrófagos pulmonares; a IL-8 é um potente agente quimiotático de neutrófilos. A liberação
Características Clínicas Aproximadamente 85% dos pacientes desenvolvem a síndrome clínica da angústia respiratória aguda ou SARA dentro de 72 horas após a lesão inicial. Com as melhorias na terapia de suporte, a taxa de mortalidade dos 190.000 casos de SARA que ocorrem anualmente diminuiu de 60% para 40% na última década. Os fatores preditivos de um prognóstico ruim incluem idade avançada, bacteremia subjacente (sepse) e desenvolvimento de falência multissistêmica (especialmente cardíaca, renal e hepática). Caso o paciente sobreviva ao estágio agudo, pode ocorrer fibrose intersticial difusa com comprometimento contínuo da função respiratória. Entretanto, na maioria dos pacientes que sobrevivem ao episódio agudo e são poupados das sequelas crônicas, a função respisratória normal retorna dentro de 6-12 meses.
461
462 C A P Í T U L O 12 Pulmão
Figura 12-3 Alvéolo normal (esquerda) comparado ao alvéolo lesionado na fase precoce da lesão pulmonar aguda e na síndrome da angústia respiratória aguda. Sob a influência de citocinas pró-inflamatórios, como as interleucinas IL-8 e IL-1, e o fator de necrose tumoral (TNF) — liberados pelos macrófagos —, os neutrófilos inicialmente sofrem sequestro na microvasculatura pulmonar, seguidos de marginação e saída para o espaço alveolar, onde são ativados. Os neutrófilos ativados liberam uma série de fatores, como leucotrienos, oxidantes, proteases e fator ativador plaquetário (FAP), que contribuem para o dano local, acúmulo de fluido de edema nos espaços aéreos, inativação do surfactante e formação de membrana hialina. Subsequentemente, há liberação de citocinas fibrogênicas derivadas dos macrófagos, como o fator transformador b (TGF-b) e o fator de crescimento derivado de plaquetas (PGDF), que estimulam o crescimento de fibroblastos e a deposição de colágeno associada à fase de reparação da lesão. (Modificada de Ware LB: Pathophysiology of acute lung injury and the acute respiratory distress syndrome. Semin Respir Crit Care Med 27:337, 2006.)
R ESUM O Síndrome da Angústia Respiratória Aguda
progressiva causada por dano alveolar difuso no contexto de sepse, trauma severo ou infecção pulmonar difusa. patogenia da SARA por causar lesão epitelial e endotelial. necrose epitelial, acúmulo de neutrófilos e presença de membrana hialina revestindo os ductos alveolares.
DOENÇAS PULMONARES OBSTRUTIVAS VERSUS RESTRITIVAS As doenças pulmonares difusas podem ser classificadas em duas categorias: (1) doenças (das vias aéreas) obstrutivas caracterizadas pela limitação do fluxo de ar, usualmente resultado do
aumento da resistência causada pela obstrução completa ou incompleta em qualquer nível e (2) doença restritiva caracterizada por expansão reduzida do parênquima pulmonar acompanhada por diminuição da capacidade pulmonar total. As principais doenças obstrutivas difusas são o enfisema, a bronquite crônica, a bronquiectasia e a asma. Em pacientes com essas doenças, a capacidade vital forçada (CVF) está normal ou discretamente diminuída, enquanto a taxa de fluxo expiratório, medida em termos de volume expiratório forçado em um segundo (VEF1), está significativamente diminuída. Portanto, a razão VEF:CVF está diminuída. A obstrução expiratória pode resultar do estreitamento anatômico das vias aéreas classicamente observada na asma ou da perda da capacidade de recolhimento elástico, característica do enfisema. Em contrapartida, nas doenças restritivas difusas, a CVF está diminuída e a taxa de fluxo expiratório está normal ou reduzida proporcionalmente. Portanto, a razão VEF:CVF está próxima do normal. O defeito restritivo ocorre em duas condições gerais: (1) desordens da parede torácica na presença de pulmões normais (p.ex., obesidade severa, doenças pleurais e desordens neuromusculares, como a síndrome de Guillain-Barré [Capítulo21], que afetam os músculos respiratórios) e (2) doenças pulmonares intersticiais agudas ou crônicas. A doença restritiva aguda clássica é a SARA, discutida anteriormente. As doenças restritivas
Doenças pulmonares obstrutivas (vias aéreas) crônicas (discutidas adiante) incluem pneumoconiose, fibrose intersticial de etiologia desconhecida e a maioria das condições infiltrativas (p.ex., sarcoidose).
DOENÇAS PULMONARES OBSTRUTIVAS (VIAS AÉREAS)
Figura 12-4 A, Dano alveolar difuso na lesão pulmonar aguda e síndrome da angústia pulmonar aguda. Alguns alvéolos estão colapsados; outros estão distendidos. Muitos estão revestidos por membranas hialinas róseas e brilhantes (seta). B, O estágio de reparação é marcado por reabsorção das membranas hialinas com espessamento dos septos alveolares contendo células inflamatórias, fibroblastos e colágeno. Numerosos pneumócitos reativos do tipo II são observados nesse estágio (setas) associados à regeneração e reparo.
Em suas formas prototípicas, as quatro doenças desse grupo — enfisema, bronquite crônica, asma e bronquiectasia — apresentam características clínicas e patológicas distintas (Tabela12-2); entretanto, consideráveis sobreposições entre o enfisema, bronquite e asma são comuns. Primeiramente, é importante reconhecer que a definição de enfisema é morfológica, enquanto a de bronquite crônica é definida com base nas características clínicas, como a presença de tosse recorrente e crônica com excessiva secreção de muco. Em segundo lugar, a distribuição anatômica é parcialmente diferente; a bronquite crônica envolve inicialmente as vias aéreas maiores, enquanto o enfisema acomete o ácino. Em casos avançados ou severos de ambos, a doença das vias aéreas menores (bronquiolite crônica) é característica. Embora a bronquite crônica possa existir sem enfisema demonstrável, e um enfisema quase puro possa ocorrer (principalmente em pacientes com deficiência de a1-antitripsina — discutida adiante), as duas doenças usualmente coexistem. Isso é quase certo, uma vez que a principal causa — tabagismo, especialmente a longo prazo — é comum em ambas as desordens. Em vista da propensão para coexistência, o enfisema e a bronquite crônica frequentemente são agrupados juntos sob a denominação doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). A DPOC afeta mais de 10% da população adulta do Estados Unidos e é a quarta causa de óbito nesse país. A obstrução ao fluxo de ar primariamente irreversível na DPOC a distingue da asma que, como descrito adiante, é caracterizada por obstrução reversível ao fluxo aéreo; entretanto, os pacientes com DPOC comumente apresentam algum grau de obstrução reversível (Fig.12-5).
Enfisema O enfisema é caracterizado por dilatação anormal e permanente das vias aéreas distais aos bronquíolos terminais, acompanhada por destruição de suas paredes na ausência de fibrose significativa.
Tabela 12-2 Desordens Associadas à Obstrução do Fluxo de Ar: Espectro da Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
Principais Alterações Patológicas
Entidade Clínica
Local Anatômico
Etiologia
Sinais/Sintomas
Bronquite crônica
Brônquios
+LSHUWURÀDHKLSHUSODVLD das glândulas mucosas, hipersecreção
Fumaça do tabaco, poluentes aéreos
Tosse, produção de esputo
Bronquiectasia
Brônquio
Dilatação de vias aéreas e cicatrização
Infecções severas e persistentes
Tosse, esputo purulento, febre
Asma
Brônquio
+LSHUWURÀDHKLSHUSODVLDGR músculo liso, muco excessivo, LQÁDPDomR
,PXQROyJLFDVRXFDXVDVLQGHÀQLGDV
Chiado episódico, tosse, dispneia
(QÀVHPD
ÉFLQRV
Dilatação de espaços aéreos, destruição das paredes
Tabagismo
Dispneia
Doença das vias aéreas menores, bronquiolite*
Bronquíolo
&LFDWUL]DomRLQÁDPDWyULD obliteração parcial dos bronquíolos
Tabagismo, poluentes aéreos
Tosse, dispneia
*Pode estar presente em todas as formas de doença pulmonar obstrutiva ou isoladamente.
463
464 C A P Í T U L O 12 Pulmão espaços aéreos dilatados, múltiplos e contínuos medindo menos de 0,5mm até mais de 2 cm de diâmetro; algumas vezes há a formação de estruturas císticas que, com a progressiva dilatação, são denominadas bolhas. As causas do enfisema acinar distal são desconhecidas; é mais comumente observado nos casos de pneumotórax espontâneo em adultos jovens.
Enfisema Irregular No enfisema irregular, o ácino apresenta envolvimento irregular e está invariavelmente associado à cicatrização resultante de doenças inflamatórias. Embora clinicamente assintomática, essa pode ser a forma mais comum de enfisema.
PATOGEN I A Figura 12-5 Representação esquemática da sobreposição entre as doenças pulmonares obstrutivas crônicas.
7LSRVGH(QÀVHPD O enfisema é classificado de acordo com a distribuição anatômica lobular; como descrito anteriormente, o ácino é a estrutura distal ao bronquíolo terminal; um grupo de 3-5 ácinos é denominado lóbulo (Fig.12-6, A). Existem quatro tipos principais de enfisemas: (1) centroacinar, (2) pan-acinar, (3) acinar distal e (4) irregular. Apenas os dois primeiros tipos causam obstrução do fluxo de ar clinicamente significativa; o enfisema centroacinar é 20 vezes mais comum quando comparado à doença pan-acinar.
A exposição a substâncias tóxicas, como a fumaça do tabaco e poluentes inalados, induz inflamação ativa com acúmulo de neutrófilos, macrófagos e linfócitos no pulmão. Elastases, citocinas (incluindo IL-8) e oxidantes são liberados, causando lesão epitelial e proteólise da matriz extracelular (MEC). Os produtos da degradação da elastina perpetuam a inflamação. O ciclo inflamatório e proteolítico continua a menos que antielastases (p. ex., a1-antitripsina) e antioxidantes o inibam. Mais de
Enfisema Centroacinar (Centrolobular) A característica que define o enfisema centroacinar (centrolobular) é o padrão de acometimento dos lóbulos: as porções central ou proximal dos ácinos, formadas pelos bronquíolos respiratórios, são afetadas, enquanto os alvéolos distais permanecem normais. Portanto, os espaços respiratórios normais e enfisematosos existem no mesmo ácino e lóbulo (Fig.12-6, B). As lesões são mais comuns e severas nos lobos superiores, particularmente nos segmentos apicais. No enfisema centroacinar severo, o ácino distal também se torna acometido, dificultando a diferenciação com o enfisema pan-acinar. Comumente, o enfisema centroacinar é uma consequência do tabagismo, sendo observado em pacientes que não apresentam deficiência congênita de a1-antitripsina.
Enfisema Pan-acinar (Panlobular) No enfisema pan-acinar (panlobular), os ácinos estão uniformemente dilatados desde os bronquíolos respiratórios até os alvéolos terminais (Fig.12-6, C). Ao contrário do enfisema centroacinar, o enfisema pan-acinar ocorre mais comumente em zonas pulmonares inferiores e em pacientes com deficiência de a1-antitripsina.
Enfisema Acinar Distal (Parasseptal) No enfisema acinar distal (parasseptal), as porções proximal e distal do ácino estão normais e alteradas, respectivamente. O enfisema é mais severo nas regiões adjacentes à pleura, ao longo dos septos de tecido conjuntivo lobular e das margens dos lóbulos. O enfisema acinar distal ocorre adjacente a áreas de fibrose, cicatrização ou atelectasia, sendo mais severo nas porções pulmonares superiores. As características incluem a presença de
Figura 12-6 Principais padrão de enfisema. A, Diagrama da estrutura normal do ácino, a unidade fundamental do pulmão. B, Enfisema centroacinar representado por dilatação dos bronquíolos respiratórios (fase inicial). C, Enfisema pan-acinar representado por distensão inicial das estruturas periféricas (isto é, alvéolos e ductos alveolares); posteriormente, a doença progride e acomete os bronquíolos respiratórios.
Doenças pulmonares obstrutivas (vias aéreas) tipo de processo (citados anteriormente) que prevalecerá. No enfisema há a perda não somente das células epiteliais e endoteliais, mas também das células mesenquimais, levando à perda da matriz extracelular, considerada o arcabouço no qual as células epiteliais deveriam crescer. Portanto, o enfisema pode ser considerado o resultado de um reparo insuficiente. No outro extremo, os pacientes com doença pulmonar fibrosante apresentam excessiva resposta miofibroblática ou fibroblástica à lesão, levando à cicatrização não controlada.
MORFOLOG I A
Figura 12-7 Perda da homeostase celular na patogenia do enfisema. A exposição a toxinas inaladas (p. ex., tabagismo) induz a morte celular epitelial, inflamação e proteólise da matriz extracelular. Em pacientes suscetíveis, a sobrevivência das células mesenquimais e as funções reparativas estão impedidas pelos efeitos diretos das substâncias tóxicas inaladas, mediadores inflamatórios e perda de matriz pericelular e extracelular. O resultado é a perda de células estruturais da parede alveolar e dos componentes asociados à matriz. (Reproduzida com permissão de Horowitz JC, Martinez FJ, Thannickal VJ: Mesenchymal cell fate and phenotypes in the pathogenesis of enphysema. COPD 6: 201, 2009.)
80% dos pacientes com deficiência congênita de a1-antitripsina deselvolvem enfisema pan-acinar sintomático em idade precoce e que se acentua em pacientes com hábito tabágico. Há marcada variação individual com relação à suscetibilidade ao desenvolvimento de enfisema/DPOC. Múltiplos fatores genéticos controlam a resposta à lesão pós-tabagismo. Por exemplo, o gene TGFb apresenta polimorfismos que infuenciam a suscetibilidade à DPOC, regulando a resposta das células mesenquimais à lesão. Por exemplo, em certos polimorfismos, a resposta das células mesenquimais ao TGFb está reduzida, resultando no reparo inadequado da lesão à elastina causada por toxinas inaladas. As metaloproteinases da matriz (MMPs), em especial a MMP-9 e a MMP-12, também têm demonstrado apresentar papel patogênico no enfisema. Polimorfismos no gene MMP-9 e altos níveis de MMP-9 e MMP-12 têm sido encontrados em pacientes com enfisema. Ademais, camundongos deficientes em MMP-12 não desenvolvem enfisema induzido pelo tabagismo. Embora ainda exista a necessidade de maiores estudos, o conhecimento atual da patogenia do enfisema está resumido na Figura 12-7. As interações complexas entre mediadores inflamatórios, sinalização celular e ativação inapropriada dos mecanismos de reparo podem resultar em diferentes doenças: destruição tecidual na ausência de fibrose (enfisema) ou fibrose intersticial. Dados recentes indicam que a resposta das células mesenquimais pode constituir um ponto-chave na determinação do
O diagnóstico e a classificação do enfisema dependem da aparência macroscópica do pulmão. O enfisema pan-acinar, quando o processo patológico está bem desenvolvido, manifesta-se por pulmões pálidos e volumosos que frequentemente obscurecem o coração na ocasião da remoção da parede torácica anterior durante a necropsia. As características macroscópicas do enfisema centroacinar são menos marcadas. Os pulmões são mais róseos em relação ao enfisema pan-acinar e menos volumosos, a menos que a doença já se apresente em estágio avançado. Geralmente, no enfisema centroacinar, os dois terços superiores dos pulmões estão mais severamente acometidos em relação aos inferiores. O exame histológico revela destruição das paredes alveolares e aumento dos espaços aéreos na ausência de fibrose (Fig. 12-8). Além da perda alveolar, há também diminuição do número de capilares alveolares. Os bronquíolos terminais e respiratórios podem apresentar deformidades secundárias à perda dos septos que auxiliam na manutenção da integridade do parênquima. A perda do tecido elástico dos septos alveolares circundantes reduz a tração radial das vias aéreas menores resultando em tendência aumentada ao colapso durante a expiração, o que constitui importante causa de obstrução crônica ao fluxo de ar no enfisema severo. A inflamação bronquiolar e a fibrose da submucosa estão consistentemente presentes na doença avançada.
Figura 12-8 Enfisema pulmonar. Há aumento marcado dos espaços aéreos com destruição dos septos alveolares na ausência de fibrose. Note a presença de pigmento negro antracótico.
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466 C A P Í T U L O 12 Pulmão Características Clínicas Usualmente, a dispneia é o primeiro sintoma; apresenta início insidioso, porém é rapidamente progressiva. A tosse e o chiado podem ser as queixas iniciais em pacientes com bronquite crônica ou bronquite asmática crônica subjacentes. A perda de peso é comum e pode ser severa a ponto de sugerir a presença de neoplasia maligna oculta. Os testes de função pulmonar revelam VEF1 reduzido com CVF normal ou próxima do normal. Portanto, a razão VEF1: CVF está reduzida. Na forma clássica do enfisema sem o componente bronquite, os pacientes apresentam abaulamento torácico e dispneia com tempo expiratório prolongado. Ao sentar, os pacientes tendem a curvar-se para a frente em posição de “corcunda” na tentativa de expulsar o ar dos pulmões a cada esforço expiratório. Nesses pacientes, a distensão dos espaços aéreos é severa e a capacidade de difusão é baixa. A dispneia e a hiperventilação são proeminentes; por tal motivo, as trocas gasosas e as concentrações sanguíneas dos gases são relativamente normais até o estágio avançado da doença. Os pacientes com dispneia proeminente e oxigenação adequada da hemoglobina são conhecidos como “sopradores rosados”. No outro extremo da apresentação clínica do enfisema está o paciente que apresenta bronquite crônica e histórico recorrente de infecções com esputo purulento. Normalmente, a dispneia é menos proeminente, com movimentos respiratórios diminuídos, retenção de dióxido de carbono, hipóxia e cianose. Por motivos não compreendidos, os pacientes apresentam tendência à obesidade e são denominados “inchados azuis”. Frequentemente, os pacientes procuram auxílio médico após o início de insuficiência cardíaca congestiva (cor pulmonale) (Capítulo10) e edema concomitante. A maioria dos pacientes com enfisema e DPOC é classificada entre os dois extremos clássicos descritos. Em todos os casos, há o desenvolvimento gradual de hipertensão pulmonar secundária gerada por espasmo da musculatura vascular pulmonar induzida por hipóxia e pela perda da área de superfície capilar associada à destruição alveolar. No enfisema, o óbito está relacionado com a falência pulmonar acompanhada de acidose respiratória, hipóxia e coma ou, ainda, à insuficiência cardíaca direita (cor pulmonale).
&RQGLo}HV5HODFLRQDGDVFRPR(QÀVHPD Diversas condições relembram superficialmente o enfisema e, não obstante, são referidas (inapropriadamente) como tal:
Enfisema compensatório é a expressão utilizada para designar a dilatação compensatória dos alvéolos em resposta à perda de tecido pulmonar em condições tais como ocorre no parênquima pulmonar residual após remoção cirúrgica de um lobo ou pulmão doente. Superinflação obstrutiva refere-se à condição em que o pulmão se expande devido ao aprisionamento de gás em seu interior. Destruição subtotal por neoplasia ou corpo estranho é causa comum. A superinflação obstrutiva pode ser emergencial e apresentar risco de morte caso a parte acometida estenda-se o necessário para comprimir o restante do pulmão normal. Enfisema bolhoso refere-se meramente a qualquer forma de enfisema que produza grandes bolhas subpleurais (espaços maiores que 1cm de diâmetro no estado distendido) (Fig.12-9). Tais bolhas representam a acentuação local de uma das quatro formas de enfisema; na maioria das vezes, as bolhas são subpleurais e, ocasionalmente, podem romper-se e ocasionar pneumotórax. 2enfisema mediastinal (intersticial) é uma condição resultante da entrada de ar no tecido conjuntivo estromal pulmonar, mediastinal ou subcutâneo. O enfisema intersticial pode ocorrer espontaneamente em casos nos quais haja aumento súbito da pressão intra-alveolar (êmese ou tosse violenta), resultando em ruptura e acúmulo de ar no insterstício. Por vezes, desenvolve-se em crianças com coqueluche. Ocorre também em pacientes com obstrução bronquiolar parcial submetidos à respiração artificial ou naqueles com lesão perfurante (p.ex., fratura de costela). Os pacientes com ar no subcutâneo literalmente incham como um balão, com distensão marcada da cabeça e pescoço, e crepitação ao longo de todo o tórax. Na maioria das vezes, o ar é reabsorvido espontaneamente após o fechamento da porta de entrada.
R ESUM O Enfisema
caracterizada por dilatação permanente dos espaços aéreos distais aos bronquíolos terminais. relacionado com o tabagismo), pan-acinar (observado na deficiência de a1-antitripsina), acinar distal e irregular. células inflamatórias, liberação de elastases e oxidantes que destroem as paredes alveolares na ausência de resposta mesenquimal de reparo adequada. tos relacionados com a bronquite crônica concomitante, uma vez que o tabagismo constitui fator de risco para ambos; os pacientes com enfisema puro são denominados “sopradores rosados”.
Figura 12-9 Enfisema bolhoso com bolhas apicais e subpleurais grandes. (Da Coleção Didática do Departamento de Patologia, University of Texas Southwestern Medical School, Dallas, Texas.)
Doenças pulmonares obstrutivas (vias aéreas)
Bronquite Crônica A bronquite crônica é comum entre os tabagistas e moradores urbanos de cidades com altos níveis de poluição; alguns estudos indicam que 20-25% dos homens com idade entre 40-65 anos apresentam a doença. O diagnóstico da bronquite crônica é realizado clinicamente; é definido pela presença de tosse produtiva persistente nos últimos três meses consecutivos e pelo menos dois anos consecutivos. Nos estágios iniciais da doença, a tosse produtiva apresenta esputo mucoide, porém não há obstrução ao fluxo de ar. Alguns pacientes com bronquite crônica podem demonstrar vias aéreas hiper-responsivas com broncoespasmo intermitente e chiado. Um subgrupo de pacientes, especialmente aqueles com hábitos tabágicos excessivos, desenvolve obstrução crônica ao fluxo de ar, usualmente com enfisema.
PATOG EN IA A característica que define a bronquite crônica é a hipersecreção de muco inicialmente restrita às vias aéreas maiores. Embora a principal causa esteja relacionada com o tabagismo, outros poluentes aéreos, como o dióxido de enxofre e nitrogênio, podem também contribuir. Os poluentes ambientais induzem à hipertrofia das glândulas secretoras de muco na traqueia e brônquios principais, levando a aumento acentuado das células caliciformes secretoras de muco na superfície epitelial dos brônquios menores e bronquíolos. Ademais, tais irritantes causam inflamação com aporte de linfócitos CD8+, macrófagos e neutrófilos. Ao contrário da asma, não existem eosinófilos na bronquite crônica. Enquanto a característica que define a bronquite crônica (hipersecreção de muco) é primariamente um reflexo do envolvimento dos brônquios maiores, a base morfológica da obstrução das vias aéreas na bronquite crônica é mais periférica e resultado da (1) doença das vias aéreas menores induzida pela metaplasia das células caliciformes com obstrução da luz bronquiolar por plugs de muco, inflamação e fibrose das paredes bronquiolares e (2) enfisema coexistente. De forma geral, enquanto a doença das vias aéreas menores (também conhecida como bronquiolite crônica) é um componente importante da precoce e relativamente discreta obstrução ao fluxo de ar, a bronquite crônica com obstrução significativa do fluxo aéreo é quase sempre complicada pelo enfisema. Acredita-se que muitos dos efeitos dos irritantes ambientais sob o epitélio respiratório (p. ex., hipersecreção de muco) são mediados pela liberação local de citocinas de linfócitos T, como a IL-13. A transcrição do gene relacionado com a mucina, MUC5AC, no epitélio brônquico e a produção de elastase pelos neutrófilos estão aumentadas como consequência da exposição à fumaça do tabaco. As infecções microbianas frequentemente estão presentes, porém desempenham papel secundário, perpetuando a inflamação e exarcebando os sintomas.
MORFOLOG I A Macroscopicamente, a mucosa das vias aéreas maiores comumente está hiperêmica e túrgida devido ao fluido de edema; além disso, frequentemente está coberta por uma camada de secreção mucinosa ou mucopurulenta. Os brônquios menores e bronquíolos podem também estar cobertos por secreções similares. Histologicamente, o aumento das glândulas secretoras de muco (Fig. 12-10) na traqueia e
Figura 12-10 Bronquite crônica. A luz brônquica está em cima. Observe o espessamento marcado da camada de glândulas mucosas (aproximadamente três vezes o normal) e metaplasia escamosa do epitélio pulmonar. (Da Coleção Didática do Departamento de Patologia, University of Texas, Southwestern Medical School, Dallas, Texas.)
brônquios maiores constitui a lesão patognomônica da bronquite crônica. A magnitude do aumento no tamanho é avaliada através da razão entre a espessura da camada de glândulas submucosas e da parede brônquica (índice de Reid — o normal é 0,4). O predomínio de células inflamatórias mononucleares, às vezes associadas a neutrófilos, está frequentemente presente na mucosa brônquica em densidade variável. A bronquiolite crônica (doença das vias aéreas menores), caracterizada por metaplasia das células caliciformes, plugs de muco, inflamação e fibrose, também está presente. Nos casos mais graves, pode haver obliteração completa do lúmen como consequência de fibrose (bronquiolite obliterans). O estreitamento da luz e a obstrução das vias aéreas são causados pela fibrose da submucosa. Alterações enfisematosas também coexistem.
Características Clínicas Nos pacientes com bronquite crônica há tosse proeminente e produção de esputo que podem persistir indefinidamente na ausência de disfunção ventilatória. Entretanto, como descrito anteriormente, alguns pacientes desenvolvem DPOC com obstrução significativa ao fluxo de ar. A síndrome clínica é acompanhada por hipercapnia, hipoxemia e (nos casos severos) cianose (daí a denominação “inchados azuis”). A diferenciação dessa forma de DPOC daquela causada por enfisema pode ser realizada através do reconhecimento dos casos clássicos; entretanto, muitos pacientes apresentam ambas as formas. A progressão da bronquite crônica é caracterizada por complicações relacionadas com a hipertensão pulmonar e com a insuficiência cardíaca (Capítulo10). As infecções recorrentes e a falência respiratória são ameaças constantes.
RESUM O Bronquite Crônica
sistente por pelo menos três meses consecutivos e pelo menos dois anos consecutivos. os poluentes aéreos também contribuem.
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468 C A P Í T U L O 12 Pulmão
resultado da doença das vias aéreas menores (bronquiolite crônica) e do enfisema coexistente. ras de muco, metaplasia das células caliciformes e fibrose da parede bronquiolar.
Asma A asma é uma desordem inflamatória crônica das vias aéreas que causa episódios recorrentes de chiado, falta de ar, aperto torácico e tosse, particularmente à noite e/ou cedo pela manhã. Os pontos-chave da doença são obstrução intermitente e reversível das vias aéreas, inflamação crônica dos brônquios com eosinófilos, hipertrofia e hiper-reatividade das células musculares lisas brônquicas e aumento na secreção de muco. Alguns dos estímulos que desencadeiam a doença nos pacientes asmáticos não apresentam efeitos em pessoas com as vias aéreas normais. Diversas células participam da resposta inflamatória, incluindo eosinófilos, mastócitos, macrófagos, linfócitos, neutrófilos e células epiteliais. Nas últimas quatro décadas, é importante ressaltar que tem havido aumento significativo na incidência de asma no Ocidente. A “hipótese da higiene”, fruto dessa observação epidemiológica, postula que a erradicação das infecções pode alterar a homeostase imunológica e promover respostas imunes alérgicas, entre outras. A asma pode ser classificada como atópica (evidência de sensibilização a alérgenos; frequente em pacientes com histórico de rinite alérgica, eczema) e não atópica. Em ambos os tipos, os episódios de broncoespasmo podem ser desencadeados por diversos mecanismos, como infecções respiratórias (especialmente virais), exposição a irritantes ambientais (p.ex., fumaça de tabaco, fumo), ar frio, estresse e exercício. Existe considerável evidência com relação aos diferentes padrões de inflamação: eosinofílica, neutrofílica, mista e pauci granulocítica. Esses subgrupos podem diferir na etiologia, imunopatologia e resposta ao tratamento. A asma pode também ser classificada de acordo com os agentes ou eventos que desencadeiam a broncoconstrição.
riável. A broncoconstrição é desencadeada por estímulo direto dos receptores vagais no epitélio. A reação tardia consiste em inflamação, com ativação de eosinófilos, neutrófilos e linfócitos T. Ademais, as células epiteliais são estimuladas a produzir quimiocinas que promovem o recrutamento de mais linfócitos TH2 e eosinófilos (incluindo a eotaxina, um potente quimiotático e ativador de eosinófilos), além de outros leucócitos, ampliando o processo inflamatório. Processos inflamatórios repetidos levam a mudanças estruturais na parede brônquica coletivamente denominadas remodelamento das vias aéreas. Tais mudanças incluem hipertrofia da musculatura lisa brônquica e de glândulas produtoras de muco, aumento da vascularização e deposição de colágeno subepitelial que pode ocorrer diversos anos antes do início dos sintomas. A asma é uma desordem genética complexa em que múltiplos genes de suscetibilidade interagem com fatores ambientais na iniciação da reação patológica. Existe variação significativa na expressão desses genes e na combinação de polimorfismos que acometem a resposta imune ou remodelamento tecidual. Um desses lócus de suscetibilidade é o braço longo do cromossomo 5 (5q) no qual diversos genes estão relacionados à regulação da síntese de IgE, ao crescimento e à diferenciação de mastócitos e eosinófilos. Os genes desse lócus incluem IL13 (polimorfismos genéticos ligados à suscetibilidade ao desenvolvimento de asma atópica), CD14 (polimorfismos de nucleotídeo único associado a asma ocupacional), alelos HLA da classe II (tendência a produzir imunoglobulinas IgE), gene do receptor b2- adrenérgico e gene do receptor de IL4 (atopia, nível sérico total de IgE e asma). Outro lócus importante está no 20q, no qual está localizado o ADAM-33, que regula a proliferação do músculo liso brônquico e fibroblastos, e, em última instância, o remodelamento das vias aéreas. A super-regulação de diversas enzimas da família das quitinases tem demonstrado ser importante na inflamação mediada por TH2 e na severidade da asma; os altos níveis séricos de YKL-40 (um membro da família das quitinases sem atividade enzimática) correlacionam-se à severidade da asma.
Tipos de Asma Asma Atópica
PATOG EN IA Os principais fatores etiológicos da asma estão relacionados com a predisposição genética à hipersensibilidade do tipo I (atopia), inflamação aguda ou crônica das vias aéreas e hiper-responsividade a uma variedade de estímulos. O processo inflamatório envolve uma série de células e numerosos mediadores inflamatórios, porém o papel dos linfócitos T auxiliares tipo 2 (TH2) pode ser crítico na patogenia da asma. A forma clássica da atopia está associada à excessiva resposta TH2 contra antígenos ambientais. As citocinas produzidas pelas células TH2 são responsáveis pela maioria das características da asma — a IL-4 estimula a produção de IgE, a IL-5 ativa os eosinófilos, e a IL-13 estimula a produção de muco e também promove a produção de IgE pelos linfócitos B. A IgE recobre os mastócitos da submucosa que, quando expostos a alérgenos, liberam seus grânulos. Dessa forma têm -se duas ondas de reação: uma fase precoce (imediata) e outra tardia (Fig. 12-11). A reação imediata é dominada por broncoconstrição, aumento na produção de muco e vasodilatação va-
A asma atópica é o tipo mais comum de asma, com início na infância, e representa um exemplo clássico de reação de hipersensibilidade tipo I mediada por IgE (Capítulo4). História familiar positiva de atopia e/ou asma é comum; frequentemente, as crises asmáticas são precedidas por rinite alérgica, urticária ou eczema. A doença é desencadeada por antígenos ambientais, como poeira, pólen, pelos de animais e alimentos. Infecções também podem desencadear a asma atópica. O teste cutâneo com o alérgeno resulta em reação papuloeritematosa imediata. A asma atópica pode também ser diagnosticada com base em testes radioalergoadsorventes (RASTs) que identificam a presença de IgE específica para um painel de alérgenos.
Asma Não Atópica Os pacientes com a forma não atópica da asma não apresentam evidência de sensibilização a alérgenos; os resultados dos testes cutâneos alérgicos são geralmente negativos. A história familiar positiva de asma é menos comum. Infecções respiratórias associadas à etiologia viral (p.ex., rinovírus, parainfluenza) e poluentes aéreos inalados (p.ex., dióxido de enxofre, ozônio, dióxido de nitrogênio) são estímulos comuns. Acredita-se que a
Doenças pulmonares obstrutivas (vias aéreas)
Figura 12-11 A e B, Comparação entre os brônquios de pacientes normais e asmáticos. Observe o acúmulo de muco na luz brônquica, resultado direto do aumento do número de células caliciformes secretoras de muco na mucosa e hipertrofia das glândulas submucosas. Ademais, há inflamação crônica intensa associada ao recrutamento de eosinófilos, macrófagos e outras células inflamatórias. A membrana basal abaixo do epitélio da mucosa apresenta-se espessada, e a musculatura lisa exibe hipertrofia e hiperplasia. C, Os alérgenos inalados desencadeiam uma resposta com predomínio de células TH2 favorecendo a produção de IgE e o recrutamento de eosinófilos (iniciação e sensibilização). D, Mediante a reexposição ao alérgeno (antígeno), a reação imediata é estimulada pela ligação cruzada induzida por antígeno; a reação ocorre entre a IgE e seus receptores nos mastócitos das vias aéreas. Os mastócitos liberam mediadores pré-formados. Os mediadores induzem broncoespasmo, aumento da permeabilidade vascular e produção de muco diretamente ou através de estímulos neuronais, além de recrutar células sanguíneas adicionais, também capazes de liberar mediadores. E, O aporte dos leucócitos recrutados (neutrófilos, eosinófilos, basófilos, linfócitos e monócitos) sinaliza a iniciação da fase tardia da asma e um novo ciclo de liberação de mediadores dos leucócitos, endotélio e células epiteliais. Fatores, principalmente dos eosinófilos (p. ex., proteína principal básica, proteína catiônica dos eosinófilos), também danificam o epitélio. IgE, imunoglobulina E.
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470 C A P Í T U L O 12 Pulmão inflamação da membrana mucosa induzida por vírus reduza o limite de tolerância dos receptores vagais subepiteliais aos irritantes. Embora as relações não sejam bem compreendidas, os mediadores humorais e celulares da obstrução aérea (p.ex., eosinófilos) são comuns na asma atópica e não atópica; portanto, ambas recebem tratamentos similares.
Asma Induzida por Drogas Diversos agentes farmacológicos provocam asma, sendo a aspirina o exemplo clássico. Os pacientes com sensibilidade à aspirina apresentam sinais recorrentes de rinite e pólipos nasais, urticária e broncoespasmo. O mecanismo preciso permanece desconhecido, porém presume-se que a aspirina iniba a via da cicloxigenase do metabolismo do ácido araquidônico, entretanto, sem afetar a via da lipoxigenase; em última instância, há uma mudança em direção à produção de leucotrienos que causam broncoespasmo.
Asma Ocupacional A asma ocupacional é estimulada por vapores (resinas de epóxi, plásticos), pós químicos e orgânicos (madeira, algodão, platina), gases (tolueno) e outros compostos químicos. Os ataques de asma usualmente desenvolvem-se após exposição repetida ao(s) antígeno(s) incitante(s).
MORFOLOGI A As alterações morfológicas na asma foram descritas em pacientes que vieram a óbito após ataques severos e prolongados (estado asmático) e em amostras de biópsia da mucosa de pacientes provocados com antígenos. Nas amostras de necropsia obtidas de casos fatais, os pulmões estão hiperdistendidos devido à hiperinflação, podendo haver áreas de atelectasia. A característica macroscópica mais evidente é a oclusão dos brônquios e bronquíolos por plugs de muco tenazes e espessos. Histologicamente, os plugs de muco contêm espirais de epitélio descamado (espirais de Curschmann). Numerosos eosinófilos e cristais de Charcot-Leyden (coleções de cristaloides compostos por proteínas de eosinófilos) também estão presentes. Outras alterações características da asma e coletivamente denominadas “remodelamento das vias aéreas” incluem (Fig. 12-11, B): } 4b_TbbP\T]c^SP_PaTSTSPbeXPbPÎaTPb } 5XQa^bTSP\T\QaP]PbdQQPbP[Fig. 12-12) } 0d\T]c^SPePbRd[PaXiPÌÈ^]PbdQ\dR^bP } 0d\T]c^]^cP\P]W^SPbV[Ç]Sd[PbbdQ\dR^bPbT\TcPplasia caliciforme do epitélio das vias aéreas } 7X_Taca^UXPT^dWX_Ta_[PbXPSP\dbRd[PcdaPQaÙ]`dXRP (a base para a nova terapia denominada termoplastia brônquica, que envolve a aplicação controlada de energia térmica durante a broncoscopia; isso reduz a massa de músculo liso, reduzindo a hiper-responsividade das vias aéreas).
Características Clínicas Os ataques de asma são caracterizados por dispneia severa com chiado; a principal dificuldade é a expiração. O paciente com asma esforça-se por enviar ar para dentro dos pulmões, porém não consegue expeli-lo, o que leva à
Figura 12-12 Amostra de biópsia brôquica de paciente asmático demonstrando fibrose sob a membrana basal, inflamação eosinofílica e hiperplasia do músculo liso.
hiperinflação dos pulmões e aprisionamento do ar nas regiões distais dos brônquios, ocluídos e estreitados por muco e debris. Normalmente, os ataques de asma duram de uma a diversas horas e resolvem-se espontaneamente ou com terapia de suporte com broncodilatadores e corticoesteroides. Nos intervalos entre os ataques, os pacientes estão livres de dificuldade respiratória; entretanto, déficits subclínicos podem ser detectados por espirometria. Ocasionalmente, ocorre paroxismo severo que não responde à terapia e persiste por dias ou semanas (estado asmático). Hipercapnia, acidose e hipóxia severa associadas podem ser fatais, embora na maioria dos casos a condição seja mais debilitante que fatal.
R ESUM O Asma
causada por hiper-responsividade das vias aéreas a uma variedade de estímulos. H2 e mediada por IgE a alérgenos ambientais, sendo caracterizada por uma fase aguda (imediata) e tardia. As citocinas TH2 (IL-4, IL-5, IL-13) são mediadores importantes. totalmente conhecidos, porém incluem infecções virais e poluentes aéreos inalados que também são passíveis de desencadear a asma atópica. tradas em quase todos os tipos de asma; os produtos dos eosinófilos, como a proteína principal básica, são responsáveis pelo dano às vias aéreas. brana sub-basal, hipertrofia das glândulas brônquicas e músculo liso) funciona como um componente irreversível para a doença obstrutiva.
Doenças pulmonares obstrutivas (vias aéreas)
Bronquiectasia A bronquiectasia é a dilatação permanente dos brônquicos e bronquíolos causada pela destruição do músculo e tecido elástico de suporte, associada a infecções necrosantes crônicas ou resultante delas. A bronquiectasia não é considerada doença primária, mas uma desordem associada à infecção persistente ou obstrução causada por uma variedade de condições. A bronquiectasia apresenta um complexo de sintomas característicos dominados por tosse e expectoração de copiosa quantidade de esputo purulento. O diagnóstico depende do histórico clínico detalhado e da demonstração radiográfica da dilatação brônquica. As condições predisponentes mais comumente associadas à bronquiectasia incluem: Obstrução brônquica. Entre as causas comuns encontram-se tumores, corpos estranhos e, ocasionalmente, impactação de muco. A bronquiectasia está localizada no segmento brônquico obstruído. Também pode complicar a asma atópica e a bronquite crônica. &RQGLo}HVFRQJrQLWDVRXKHUHGLWiULDVSRUH[HPSOR
Fibrose cística: a bronquiectasia severa disseminada resulta da obstrução causada pela secreção de muco viscoso anormal que predispõe à infecção da árvore brônquica. Essa é uma complicação séria e importante (Capítulo6). s Estados de imunodeficiência: particularmente nas deficiências imunoglobulínicas, a bronquiectasia localizada ou difusa pode desenvolver-se devido a aumento na suscetibilidade às infecções bacterianas repetidas. s A síndrome de Kartagener é uma desordem autossômica recessiva rara que está frequentemente associada à bronquiectasia e esterilidade em homens. A síndrome apresenta anormalidades estruturais dos cílios que impedem a limpeza mucociliar das vias aéreas, levando a infecções persistentes e à redução da motilidade dos espermatozoides. $ pneumonia necrosante ou supurativa, particularmente associada à infecção com microrganismos virulentos, como Staphylococcus aureus ou Klebsiella spp., pode predispor os pacientes afetados ao desenvolvimento de bronquiectasia. A bronquiectasia pós-tuberculosa continua a ser uma causa significativa de morbidade em áreas endêmicas. s
MORFOLOG I A A bronquiectasia acomete geralmente os lobos inferiores bilateralmente, particularmente as passagens aéreas mais verticais. Estruturalmente, os pulmões podem apresentar apenas um segmento simples e bem delimitado acometido nos casos de broonquiectasia associada a tumores ou aspiração de corpos estranhos. Comumente, o envolvimento mais severo ocorre nos brônquios e bronquíolos mais distais. As vias aéreas podem apresentar-se dilatadas em até quatro vezes o seu diâmetro original e ser seguidas até a superfície pleural no exame macroscópico dos pulmões (Fig. 12-13). Ao contrário, no pulmão normal, os bronquíolos não podem ser seguidos além do ponto de 2-3 cm da superfície pleural durante o exame macroscópico comum. Os achados histológicos variam de acordo com a atividade e a cronicidade da doença. Nos casos completamente maduros e ativos, um exsudato inflamatório intenso agudo e crônico na parede dos brônquios e bronquíolos e a descamação do epitélio de revestimento causam extensas áreas de ulceração. Usualmente, pode-se cultivar uma microbiota mista dos brônquios acometidos, incluindo estafilococos, estreptococos, pneumococos, microrganismos entéricos, bactérias anaeróbicas e microaerófilas, e (particularmente em crianças) Haemophilus influenzae e Pseudomonas aeruginosa. O epitélio de revestimento pode regenerar completamente; entretanto, a dilatação anormal e a fibrose persistem como reflexo do excesso de lesão observada na maioria das vezes. A fibrose das paredes brônquicas e bronquiolares, além da fibrose peribronquiolar, desenvolve-se em casos mais crônicos. Em alguns casos, a necrose destrói as paredes brônquicas ou bronquiolares, resultando na formação de um abscesso cavitário no qual podem desenvolver-se fungos.
PATOG EN IA Dois processos são cruciais e interligados na patogenia da bronquiectasia: a obstrução e a infecção crônica persistente. Qualquer um dos dois pode ocorrer primeiro. O mecanismo normal de limpeza pode ser impedido pela obstrução, ocasionando infecção secundária rápida; ao contrário, a infecção crônica a longo prazo causa dano às paredes brônquicas, levando a enfraquecimento e dilatação. Por exemplo, a obstrução causada por neoplasia pulmonar primária ou corpo estranho prejudica a limpeza das secreções, providenciando um substrato para a infecção secundária. O dano inflamatório às paredes brônquicas e o acúmulo de exsudato contribuem para a distensão adicional das vias aéreas e dilatação irreversível. Ao contrário, a inflamação necrosante persistente dos brônquios e bronquíolos pode gerar secreções obstrutivas, inflamação mural (com fibrose peribrônquica e tração das paredes) e, eventualmente, os eventos já descritos.
Figura 12-13 Bronquiectasia em paciente com fibrose cística submetido à ressecção para transplante. A superfície de secção pulmonar demonstra brônquios marcadamente dilatados preenchidos com muco purulento estendendo-se até as regiões subpleurais.
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472 C A P Í T U L O 12 Pulmão Características Clínicas As manifestações clínicas consistem em tosse persistente e severa, com expectoração de esputo mucopurulento, por vezes fétido. O esputo pode conter listras de sangue; hemoptise franca pode ocorrer. Os sintomas frequentemente são episódicos e precipitados por infecções do trato respiratório superior ou introdução de novos agentes patogênicos. Defeitos ventilatórios obstrutivos significativos associados à hipoxemia, hipercapnia, hipertensão pulmonar e (raramente) cor pulmonale são comuns nos casos de bronquiectasia severa e disseminada. Outras complicações menos frequentes incluem abcessos metastáticos cerebrais e amiloidose reativa (Capítulo4).
DOENÇAS PULMONARES CRÔNICAS INSTERSTICIAIS (RESTRITIVAS, INFILTRATIVAS) As doenças intersticiais crônicas são um grupo heterogêneo de desordens caracterizadas predominantemente por envolvimento bilateral e usualmente assimétrico do tecido conjuntivo pulmonar, principalmente o interstício mais periférico e delicado das paredes alveolares. O interstício pulmonar é composto pela membrana basal das células endoteliais e epiteliais (fundida nas porções mais finas), fibras colágenas, tecido elástico, fibroblastos, poucos mastócitos e células mononucleares ocasionais (Fig.12-1). Muitas das entidades nesse grupo apresentam causas e patogenia desconhecidas; algumas apresentam um componente intra-alveolar e intersticial, e há sobreposição considerável nas características histológicas entre as diferentes condições. Não obstante, a similaridade nos sinais clínicos, sintomas, alterações radiográficas e mudanças fisiopatológicas justifica considerá-las como um grupo. A característica-chave dessas desordens é a redução na complacência (isto é, pressões superiores são necessárias para expandir os pulmões mais firmes), que leva à necessidade de esforços respiratórios maiores (dispneia). Ademais, danos ao epitélio alveolar e à vasculatura intersticial produzem anormalidades da razão ventilação:perfusão e hipóxia. As radiografias torácicas demonstram infiltração difusa por pequenos nódulos, linhas irregulares ou sombras em “vidro fosco”. Os pacientes podem desenvolver insuficiência respiratória, frequentemente em associação à hipertensão pulmonar e cor pulmonale (Capítulo10) durante a progressão da doença. As formas avançadas de tais doenças podem ser de difícil distinção, uma vez que causam cicatrização e destruição macroscópica do pulmão denominada pulmão em estágio final ou em “favo de mel”. As doenças pulmonares intersticiais crônicas são classificadas de acordo com as características clinicopatológicas e histológicas (Tabela12-3).
Doenças Fibrosantes Fibrose Pulmonar Idiopática A fibrose pulmonar idiopática (FPI), também conhecida como alveolite fibrosante criptogênica, refere-se a uma desordem pulmonar de etiologia desconhecida. A FPI é caracterizada por fibrose intersticial bilateral progressiva assimétrica que, em casos avançados, resulta em hipoxemia severa e cianose. O sexo masculino é mais afetado em relação ao feminino, sendo que aproximadamente dois terços dos pacientes apresentam idade superior a 60 anos. Os padrões de fibrose, tanto radiológicos como histológicos, são denominados pneumonia intersticial usual, que é necessária para o diagnóstico de FPI. Entretanto, é interessante notar que alterações patológicas similares podem estar presentes em outras condições, como asbestose, doenças do
Tabela 12-3 Principais Categorias da Doença Pulmonar Intersticial Crônica
Fibrosantes 3QHXPRQLDXVXDOLQWHUVWLFLDOÀEURVHSXOPRQDULGLRSiWLFD 3QHXPRQLDLQWHUVWLFLDOLQHVSHFtÀFD 3QHXPRQLDFULSWRJrQLFDHPRUJDQL]DomR Associada à doença vascular do colágeno Pneumoconiose Associada a terapias (drogas, radiação)
Granulomatosas Sarcoidose Pneumonia por hipersensibilidade
Eosinofílica 6tQGURPHGH/RHIÁHU Relacionada com a alergia a drogas Pneumonia idiopática eosinofílica crônica
Relacionada com o tabagismo Pneumonia intersticial descamativa Bronquiolite respiratória
colágeno vascular e inúmeras outras doenças. Portanto, causas conhecidas devem ser excluídas antes de o termo idiopático ser utilizado.
PATOGEN I A O conceito atual postula que a FPI é causada por ciclos repetidos de ativação/lesão epitelial por algum agente não identificado (Fig. 12-14). As características histopatológicas incluem inflamação e indução da resposta de linfócitos TH2 com eosinófilos, mastócitos, IL-4 e IL-3 nas lesões. Existe considerável interesse na ideia de que “macrófagos alternativamente ativados” são dominantes em pacientes com fibrose pulmonar e podem ser importantes em sua patogenia (Capítulo 2). A reparação epitelial anormal em locais de dano e inflamação gera proliferação fibroblástica ou miofibroblástica exuberante, levando aos focos fibroblásticos característicos. Embora incompletamente compreendidos, acredita-se que os mecanismos envolvidos no reparo anormal estejam relacionados com o TGF-b1 liberados de pneumócitos do tipo 1 lesados que são capazes de induzir a transformação de fibroblastos em miofibroblastos, levando à deposição contínua e excessiva de colágeno e de MEC. Alguns pacientes com FIP apresentam mutações que encurtam os telômeros (Capítulo 1) levando à rápida senescência e apoptose dos pneumócitos. O TGF-b1 também reduz os níveis de expressão de caveolina-1 fibroblástica que age como um inibidor da fibrose pulmonar.
MORFOLOGI A Macroscopicamente, a superfície pleural dos pulmões tem aparência de paralelepípedos devido à retração das cicatrizes ao longo do septo interlobular. Na superfície de corte há fibrose (áreas firmes, elásticas e brancas), principalmente nos lobos inferiores, e distribuição distinta nas regiões subpleurais e ao
Doenças pulmonares crônicas instersticiais (restritivas, infiltrativas)
Figura 12-14 Representação esquemática do conhecimento atual a respeito da patogenia da fibrose pulmonar intersticial idiopática.
longo do septo interlobular. O padrão de fibrose na FPI é denominado pneumonia intersticial usual (PIU). A característica histológica da PIU é a fibrose intersticial irregular, que varia em intensidade (Fig. 12-15) e piora com o tempo. As lesões mais precoces demonstram proliferação fibroblástica exuberante e aparecem como focos fibroblásticos (Fig. 12-16). Com o tempo, tais áreas tornam-se mais colagenosas e menos celulares. Tipicamente, existem lesões precoces e tardias (heterogeneidade temporal). A fibrose densa causa o colapso das paredes alveolares e a formação de espaços císticos revestidos por pneumócitos tipo II hiperplásicos ou epitélio bronquiolar (fibrose em favo de mel). A inflamação intersticial usualmente é assimétrica e consiste em um infiltrado septal alveolar composto predominantemente por linfócitos e plasmócitos, mastócitos e eosinófilos ocasionais. Alterações hipertensivas pulmonares secundárias (fibrose da íntima e espessamento da camada média das artérias pulmonares) são frequentes.
Figura 12-16 Pneumonia intersticial usual. Foco fibroblástico com fibras paralelas à superfície e matriz extracelular azulada. O padrão em favos de mel está presente à esquerda.
Características Clínicas Normalmente, a FPI manifesta-se insidiosamente, com início gradual caracterizado por tosse não produtiva e dispneia progressiva. A maioria dos pacientes com FPI apresenta crepitações secas ou similares a “Velcro” durante a inspiração. Cianose, cor pulmonale e edema periférico podem se desenvolver nos estágios finais da doença. Os achados clínicos e radiográficos frequentemente são diagnósticos; biópsia cirúrgica é necessária em alguns casos. Infelizmente, a progressão da FPI é incessante, apesar da terapia médica; o tempo médio de sobrevida é de três anos ou menos. O transplante de pulmão é a única terapia definitiva disponível.
3QHXPRQLD,QWHUVWLFLDO,QHVSHFtÀFD A pneumonia intersticial inespecífica (PII) é uma doença pulmonar instersticial bilateral crônica de etiologia desconhecida que, apesar de denominada inespecífica, apresenta características clínicas, radiológicas e histológicas distintas. O reconhecimento da PII é fundamental, uma vez que a doença apresenta melhor prognóstico em relação à FPI. Histologicamente, a PII é dividida nos padrões celular e fibrosante. O padrão celular é caracterizado por inflamação intersticial crônica discreta a moderada (linfócitos e poucos plasmócitos) em distribuição uniforme ou assimétrica. O padrão fibrosante consiste em fibrose intersticial assimétrica ou difusa sem a heterogeneidade temporal característica da PIU. Os focos fibroblásticos e padrão em favo de mel estão tipicamente ausentes em ambas as variantes. Os pacientes apresentam dispneia e tosse com duração de diversos meses. Os pacientes com o padrão celular possuem melhor prognóstico em relação àqueles com o padrão fibrosante.
Pneumonia Criptogênica em Organização
Figura 12-15 Pneumonia intersticial usual. A fibrose é mais pronunciada na região subpleural, embora varie em intensidade.
Pneumonia criptogênica em organização é sinônimo da denominação popular prévia bronquiolite obliterante com pneumonia em organização (BOPO); atualmente, prefere-se utilizar o primeiro nome, que enfatiza a etiologia desconhecida da entidade clinicopatológica. Os pacientes apresentam-se com tosse e dispneia; as radiografias torácicas demonstram áreas assimétricas subpleurais ou peribrônquicas de consolidação do espaço aéreo. Histologicamente, a pneumonia criptogênica em organização
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474 C A P Í T U L O 12 Pulmão
R ESUM O Doenças Pulmonares Intersticiais Crônicas
pulmonares restritivas caracterizadas por complacência pulmonar reduzida e capacidade vital forçada (CVF) reduzida. A razão FEV:CVF está normal. rogêneas. O fator patogênico unificante é a lesão alveolar com ativação de macrófagos e liberação de citocinas fibrogênicas, como TGF-b. pulmonares restritivas, sendo caracterizada por fibrose intersticial assimétrica, focos fibroblásticos e formação de espaços císticos (pulmão em favo de mel). O padrão histológico é conhecido como pneumonia intersticial usual (PIU).
Figura 12-17 Pneumonia criptogênica em organização. Alguns espaços alveolares estão preenchidos com esferas de fibroblastos (corpúsculos de Masson). Embora comprimidos, os alvéolos adjacentes estão relativamente normais.
é caracterizada pela presença de plugs polipoides de tecido conjuntivo frouxo em organização no interior dos ductos alveolares, alvéolos e bronquíolos (Fig.12-17). O tecido conjuntivo apresenta o mesmo tempo de evolução, e a arquitetura pulmonar subjacente é normal. Alguns pacientes recuperam-se espontaneamente, porém a maioria requer tratamento oral com esteroides por seis meses ou mais. É importante destacar que a pneumonia em organização com fibrose intra-alveolar também pode ser observada em resposta a infecções (p.ex., pneumonia) ou lesão inflamatória (p ex., doença do colágeno vascular, lesão da transplantação) ao pulmão; em tais casos, a etiologia obviamente não é “criptogênica”, e a evolução e o prognóstico são determinados pela doença de base.
Pneumoconioses O termo pneumoconiose foi inicialmente cunhado para descrever a reação pulmonar não neoplásica secundária à inalação de poeira de minerais. O termo foi expandido para incluir as doenças induzidas por partículas orgânicas e inorgânicas; alguns especialistas ainda atribuem o termo pneumoconiose às doenças pulmonares não neoplásicas induzidas por gases químicos e vapores. As pneumoconioses associadas à poeira mineral — as três mais comuns resultantes da exposição à poeira de carvão, sílica e asbesto — quase sempre são resultado da exposição profissional. Entretanto, o risco aumentado de câncer devido à exposição ao asbesto, estende-se aos membros da família dos trabalhadores e outras pessoas expostas ao ambiente externo ao local de trabalho. A Tabela12-4 indica as condições patológicas associadas à cada poeira mineral e às principais indústrias nas quais a exposição à poeira é suficiente para causar a doença.
Envolvimento Pulmonar nas Doenças do Colágeno Vascular Inúmeras doenças do colágeno vascular (p.ex., lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide, esclerose sistêmica, dermatomiosite-polimiosite) estão associadas a manifestações pulmonares. Diversas variantes histológicas podem ser observadas, dependendo da desordem subjacente. Os padrões mais comuns são aqueles relacionados com a PII, PIU (similar ao observado na FPI), esclerose vascular, pneumonia em organização e bronquiolite (doença das vias aéreas menores, com ou sem fibrose). O acometimento pleural (pleurite, nódulos pleurais e efusão pleural) pode também estar presente. O envolvimento pulmonar nessas doenças está usualmente associado a prognóstico ruim, porém melhor do que na FPI.
PATOGEN I A A reação dos pulmões às poeiras minerais é variável e depende do tamanho, forma, solubilidade e reatividade das partículas. Por exemplo, é improvável que partículas maiores que 5-10 mm alcancem as vias aéreas distais, enquanto partículas menores que 0,5 mm movem-se livremente pelos alvéolos, comumente sem deposição e lesão substanciais. As partículas de 1-5 mm de diâmetro são as mais perigosas, pois podem estabelecer-se na bifurcação das vias aéreas distais. A poeira do carvão é relativamente inerte, e grande quan-
Tabela 12-4 Doença Pulmonar Induzida por Poeira Mineral
Agente
Doença
Exposição
Poeira de carvão
Pneumoconiose simples dos mineiros de carvão: máculas e nódulos Pneumoconiose complicada dos mineiros de carvão: FMP
Mineração de carvão
Sílica
Silicose
Jateamento, pedreiras, mineração, corte de pedras, trabalho de fundição, cerâmica
Asbesto
$VEHVWRVHHIXVmRSOHXUDOSODFDVSOHXUDLVRXÀEURVHGLIXVD mesotelioma; carcinoma pulmonar e da laringe
Mineração, moagem, fabricação de minérios e materiais; instalação e remoção de isolantes
FMP, fibrose maciça progressiva.
Doenças pulmonares crônicas instersticiais (restritivas, infiltrativas) tidade pode ser depositada nos pulmões antes de a doença pulmonar ser detectável clinicamente. Sílica, asbesto e berílio são mais reativos em comparação à poeira de carvão; por isso são capazes de gerar reações fibróticas mesmo em baixas concentrações. A maioria da poeira inalada é retida pela camada de muco e rapidamente removida dos pulmões pelo movimento ciliar. Entretanto, algumas partículas ficam retidas na bifurcação do ducto alveolar e são fagocitadas por macrófagos. O macrófago pulmonar alveolar é a célula-chave na iniciação e perpetuação da lesão pulmonar e fibrose. Diversas partículas ativam a inflamação e induzem a produção de IL-1. As partículas mais reativas estimulam os macrófagos a liberar uma série de produtos responsáveis por mediar a resposta inflamatória e iniciar a proliferação fibroblástica e a deposição de colágeno. Algumas partículas inaladas podem alcançar os linfáticos através da drenagem direta ou ser transportadas por macrófagos, iniciando dessa forma uma resposta imunológica aos componentes particulados e/ou às proteínas modificadas pelas partículas, levando à amplificação e extensão da reação local. O tabagismo piora os efeitos de todas as partículas minerais inaladas, particularmente o asbesto.
Pneumoconiose dos Mineiros de Carvão A redução mundial de poeira nas minas de carvão reduziu enormemente a incidência de doença induzida pela poeira do carvão. O espectro de achados pulmonares nos mineiros de carvão é amplo e inclui: antracose assintomática com deposição de pigmento e ausência de reação celular perceptível; pneumoconiose dos mineiros de carvão (PMC) simples com acúmulo de macrófagos com pouca ou nenhuma disfunção pulmonar; PMC complicada; ou fibrose maciça progressiva (FMP) caracterizada por fibrose extensa e comprometimento da função pulmonar (Tabela12-4). Embora os dados estatísticos variem, menos de 10% dos casos de PMC simples progridem para FMP. É interessante notar que FMP é um nome genérico que se aplica à reação fibrosante pulmonar, a qual pode ser a complicação de qualquer pneumoconiose discutida aqui. Embora as partículas de carvão sejam compostas principalmente por carbono, as partículas de poeira das minas de carvão apresentam uma variedade de traços de metais, minerais inorgânicos e sílica cristalina. A razão carbono:contaminantes químicos:minerais (“escala de carvão”) apresenta valor crescente do carvão betuminoso ao antracita; em geral, a mineração de antracita tem sido associada a um risco maior de PMC.
distribuídas por todo o pulmão, os lobos superiores e as regiões superiores dos lobos inferiores são mais densamente pigmentadas. O enfisema centrolobular pode ocorrer durante o curso da doença. O enfisema funcionalmente significativo é mais comum no Reino Unido e Europa, provavelmente devido aos “postos de carvão” que são maiores quando comparados aos dos Estados Unidos. A PMC complicada ocorre em um ambiente de PMC simples através da coalescência de nódulos de carvão e geralmente requer muitos anos para desenvolver-se. Geralmente, é caracterizada por múltiplas cicatrizes intensamente pigmentadas maiores que 2 cm, algumas vezes alcançando até 10 cm de diâmetro. Microscopicamente, as lesões observadas consistem em colágeno denso e pigmento (Fig. 12-18).
Características Clínicas Normalmente, a PMC é uma doença benigna que produz pouca diminuição da função pulmonar. Nos pacientes com FMP há aumento da disfunção pulmonar, hipertensão pulmonar e cor pulmonale. A progressão da PMC para FMP tem sido associada a uma variedade de condições, incluindo o nível de exposição à poeira de carvão e a carga total de poeira. Infelizmente, a FMP apresenta tendência em progredir mesmo na ausência de exposição posterior. A frequência de carcinomas pulmonares em mineiros de carvão não é superior, uma vez considerado o risco relacionado com o tabagisto; tal fato permite a distinção entre a PMC da exposição a asbesto e sílica (discutidos adiante).
MORFOLOG I A A antrocose pulmonar induzida por carvão é a lesão pulmonar mais inócua em mineiros de carvão, comumente observada em todos os moradores de zonas urbanas e fumantes. O pigmento de carbono inalado é fagocitado por macrófagos intersticiais e alveolares que se acumulam no tecido conjuntivo ao longo do sistema linfático, incluindo os vasos linfáticos pleurais ou linfonodos. A PMC simples é caracterizada por máculas de carvão e, às vezes, nódulos de carvão maiores. A mácula de carvão consiste em macrófagos preenchidos por poeira; ademais, o nódulo contém pequena quantidade de fibras colágenas arranjadas em uma rede delicada. Embora tais lesões estejam
Figura 12-18 Fibrose maciça progressiva em trabalhador de carvão. Grande quantidade de pigmento negro está associado à fibrose. (De Klatt EC: Robbins and Cotran atlas of pathology, ed 2, Elsevier, p. 121.)
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476 C A P Í T U L O 12 Pulmão Silicose A silicose é atualmente a doença ocupacional crônica mais prevalente no mundo. É causada pela inalação de sílica cristalina em ambientes ocupacionais. Os trabalhadores de diversas ocupações, especialmente aqueles envolvidos no jateamento e mineração de rochas, apresentam maior risco. A sílica ocorre nas formas cristalina e amorfa, porém as formas cristalinas (incluindo quartzo, cristobalita e tridimita) são as mais tóxicas e fibrogênicas. O quartzo é a forma mais comumente implicada na silicose. Após a inalação, as partículas interagem com as células epiteliais e macrófagos. As partículas de sílica inaladas causam a ativação e liberação de mediadores dos macrófagos pulmonares, incluindo IL-1, TNF, fibronectina, mediadores lipídicos, radicais livres derivados do oxigênio e citocinas fibrogênicas. Atualmente, existe considerável evidência da participação do TNF, uma vez que anticorpos monoclonais anti-TNF podem bloquear a fibrose pulmonar em camundongos submetidos à administração de sílica intratraqueal. O quartzo apresenta efeito fibrogênico reduzido quando misturado a outros minerais. Esse fenômeno apresenta importância clínica prática, uma vez que o quartzo raramente é encontrado na forma pura no local de trabalho. Portanto, os mineradores de minério de ferro (hematita) podem conter mais quartzo pulmonar em relação aos expostos ao quartzo e ainda apresentar doença pulmonar discreta, uma vez que a hematita apresenta efeito protetor.
MORFOLOGI A Macroscopicamente, os nódulos silicóticos são caracterizados em seus estágios iniciais por nódulos pequenos, dificilmente palpáveis, redondos, pálidos a enegrecidos (associados à poeira de carvão) nas zonas superiores dos pulmões (Fig. 12-19). Microscopicamente, os nódulos silicóticos demonstram fibras colágenas hialinizadas em arranjo concêntrico ao redor de um centro amorfo. A aparência em espiral das fibras colágenas é característica na silicose (Fig. 12-20). O exame dos nódulos sob luz polarizada revela partículas de sílica discretamente birrefringentes, principalmente no centro dos nódulos. Os nódulos individuais podem progredir e coalescer em cicatrizes colagenosas duras e eventual FMP. O parênquima pulmonar adjacente pode estar comprimido, hiperexpandido ou com aspecto de favo de mel. Lesões fibróticas podem ocorrer também nos linfonodos hilares e pleura. Algumas vezes, lâminas delgadas de calcificação podem ocorrer nos linfonodos; tais lâminas apresentam um padrão em “casca de ovo” (p. ex., cálcio circundando uma zona com ausência de calcificação) ao exame radiográfico.
Figura 12-19 Silicose avançada observada na superfície de corte pulmonar. A cicatrização contraiu o lobo superior em uma massa pequena e escura (seta). Note o espessamento pleural marcado. (Cortesia do Dr. John Godleski, Brigham and Women's Hospital, Boston, Massachusetts.)
doença afeta severamente a função pulmonar e limita a atividade. A silicose está associada a maior suscetibilidade à tuberculose. Acredita-se que a silicose resulte em depressão da imunidade celular mediada por células; a sílica cristalina pode inibir a habilidade dos macrófagos pulmonares em matar as micobactérias fagocitadas. Frequentemente, os nódulos da silicotuberculose apresentam zona central de caseificação. A relação entre a sílica e o câncer pulmonar tem sido uma questão controversa. Em 1997, e com base em diversos estudos epidemiológicos, a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer concluiu que a sílica cristalina de origem ocupacional é carcinogênica para seres humanos. Entretanto, o tema continua controverso.
Características Clínicas A silicose é comumente detectada em radiografias torácicas de rotina obtidas de trabalhadores assintomáticos. As radiografias normalmente demonstram nodularidade fina nas zonas superiores dos pulmões; entretanto, a função pulmonar está normal ou apenas moderadamente afetada. A maioria dos pacientes não desenvolve falta de ar até os estágios avançados da doença, na qual há FMP. Nesse estágio, a doença pode ser progressiva mesmo que o paciente não esteja mais exposto. Muitos pacientes com FMP desenvolvem hipertensão pulmonar e cor pulmonale em consequência da vasoconstrição induzida por hipóxia e destruição do parêquima. Apesar de apresentar curso lento, a
Figura 12-20 Diversos nódulos coalescentes silicóticos e colagenosos. (Cortesia do Dr. John Godleski, Brigham and Women's Hospital, Boston, Massachusetts.)
Doenças pulmonares crônicas instersticiais (restritivas, infiltrativas) Asbestose e Doenças Relacionadas ao Asbesto Os asbestos são uma família de silicatos cristalinos hidratados com geometria fibrosa. Com base em estudos epidemiológicos, a exposição ocupacional aos asbestos está relacionada a (1) fibrose intersticial parenquimatosa (asbestose); (2) placas fibróticas localizadas ou, raramente, fibrose difusa pleural; (3) efusão pleural; (4) carcinomas pulmonares; (5) mesoteliomas malignos peritoneal e pleural; e (6) carcinoma laríngeo. A incidência aumentada de câncer relacionado com o abesto em membros de família de trabalhadores alertou o público geral ao potenciais riscos dos asbestos no ambiente.
PATOG EN IA A concentração, o tamanho, a forma e a solubilidade das diferentes formas de asbesto determinam se o material inalado causará doença. Há duas diferentes formas de asbesto: serpiginosa (as fibras são espiraladas e flexíveis) e anfibólica (fibras retas, rígidas e frágeis). Diversos subtipos de fibras espiraladas e retas de asbesto são conhecidas. As fibras serpiginosas de crisotila são responsáveis pela maioria dos asbestos utilizados nas indústrias. As fibras anfibólicas, embora menos prevalentes, são mais patogênicas que as de crisotila; apesar disso, ambos os tipos podem causar asbestose, câncer pulmonar e mesotelioma. A maior patogenicidade das fibras anfibólicas retas e rígidas está aparentemente relacionada com sua estrutura. As crisotilas serpiginosas mais flexíveis e espiraladas tendem a ficar retidas nas passagens aéreas superiores e ser removidas pelo sistema mucociliar. Aquelas retidas nos pulmões são gradualmente lixiviadas dos tecidos, pois são mais solúveis em relação às anfibólicas. Em contrapartida, as fibras anfibólicas retas e rígidas alinham-se ao fluxo de ar e, portanto, são levadas às porções mais profundas do pulmão, onde penetram as células epiteliais e alcançam o interstício. Apesar dessas diferenças, ambas as formas de asbesto são fibrogênicas, e a exposição aumentada a ambas está associada à maior incidência de doenças relacionadas com os asbestos. A asbestose, semelhantemente à pneumoconiose, causa fibrose por um processo envolvendo a interação das partículas com os macrófagos pulmonares. Além das reações celulares e fibróticas pulmonares, os asbestos provavelmente funcionam também como iniciadores e promotores tumorais. Alguns dos efeitos oncogênicos dos asbestos no mesotélio são mediados por radicais livres reativos gerados pelas fibras de asbesto que se localizam preferencialmente nas porções distais do pulmão próximo à pleura. Entretanto, substâncias químicas potencialmente tóxicas adsorvidas às fibras de asbesto indubitavelmente contribuem para a sua patogenicidade. Por exemplo, a adsorção de carcinógenos da fumaça de tabaco às fibras de asbesto pode também ser importante pela impressionante sinergia entre o tabagismo e o desenvolvimento de carcinoma pulmonar em pessoas que trabalham com asbesto.
MORFOLOG I A A asbestose é marcada por fibrose pulmonar intersticial difusa. As alterações são indistintas da PIU, exceto pela presença dos corpos de asbesto, que são observados como bastonetes marrom-dourados, fusiformes ou frisados com um centro translúcido. Os corpos consistem em fibras de
Figura 12-21 Detalhe do corpo de asbesto demonstrando o aspecto em contas típico e extremidades globosas (seta).
asbesto com material proteináceo contendo ferro (Fig. 12-21). Aparentemente, os corpos de asbesto são formados durante a tentativa de fagocitose por parte dos macrófagos; o ferro é derivado da ferritina fagocitária. Os corpos de asbesto podem, às vezes, ser encontrados em pulmões de pessoas normais, entretanto, em baixas concentrações e na ausência de fibrose intersticial. Ao contrário da PMC e da silicose, a asbestose começa nos lobos inferiores e em região subpleural; porém, os lobos pulmonares médios e superiores são acometidos à medida que a fibrose progride. A contração do tecido fibroso distorce a arquitetura normal, criando espaços aéreos aumentados circundados por paredes fibrosas espessas, conferindo o aspecto de favo de mel. Simultaneamente, há o desenvolvimento de fibrose na pleura visceral, causando adesões entre os pulmões e a parede torácica. A cicatrização pode aprisionar e estreitar as artérias e arteríolas pulmonares, causando hipertensão pulmonar e cor pulmonale. As placas pleurais, placas de colágeno denso que comumente contêm cálcio, constituem as manifestações mais comuns da exposição ao asbesto (Fig. 12-22). Normalmente, desenvolvem-se nos apectos anterior e posterolateral da pleura parietal e sob os domos do diafragma. As placas não apresentam corpos de asbesto e raramente ocorrem em pessoas sem histórico ou evidência de exposição ao asbesto. Infrequentemente, a exposição ao asbesto induz efusão pleural e fibrose pleural difusa.
Características Clínicas Os achados clínicos na abestose são indistintos daqueles relacionados a outras doenças pulmonares intersticiais crônicas. Tipicamente, dispneia progressiva aparece 10-20 anos pós-exposição. Usualmente, a dispneia é acompanhada por tosse associada à produção de esputo. A doença pode permanecer estática ou progredir para insuficiência cardíaca congestiva, cor pulmonale e óbito. Usualmente, as placas pleurais são assintomáticas e detectadas nas radiografias como densidades circunscritas. O carcinoma pulmonar e o mesotelioma maligno desenvolvem-se em trabalhadores expostos ao asbesto. O risco de carcinoma pulmonar é cinco vezes maior para os trabalhadores de asbesto; o risco relativo de mesotelioma, normalmente um
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478 C A P Í T U L O 12 Pulmão A relação entre a exposição à sílica e o câncer pulmonar subsequente é controversa. anfibólicas rígidas são mais fibrogênicas e carcinogênicas que as crisotilas serpiginosas. gicos: 1) fibrose intersticial parênquica motora (asbestose); 2) placas fibrosas localizadas ou, raramente, fibrose pleural difusa; 3) efusão pleural; 4) câncer pulmonar; 5) mesoteliomas malignos pleural e peritoneal; 6) câncer laríngeo. em pessoas expostas ao asbesto; além disso, membros da família de trabalhadores expostos ao asbesto apresentam risco aumentado para o câncer.
Doenças Pulmonares Induzidas por Drogas e Radiação
Figura 12-22 Asbestose. A superfície pulmonar lateral e diafragmática está revestida por pleura visceral espessa. Notar também a fibrose intersticial severa acometendo o lobo pulmonar inferior de forma difusa.
tumor muito raro (2-17casos/um milhão de pessoas) é mil vezes maior. O tabagismo concomitante aumenta o risco de carcinoma pulmonar, porém não de mesotelioma. O câncer pleural ou pulmonar associado à exposição ao asbesto apresenta prognóstico ruim.
As drogas podem causar uma variedade de alterações agudas e crônicas na estrutura e função respiratória. Por exemplo, a bleomicina, um agente antineoplásico, causa pneumonite e fibrose intersticial como resultado da toxicidade direta da droga e estímulo do influxo de células inflamatórias nos alvéolos. Similarmente, a amiodarona, um agente antiarrítmico, também está associada ao risco de pneumonite e fibrose. A pneumonite por radiação é uma complicação bem conhecida da irradiação terapêutica de tumores torácicos e pulmonares. A pneumonite aguda por radiação ocorre tipicamente 1-6 meses pós-terapia em 20% dos pacientes; clinicamente, manifesta-se por febre, dispneia não proporcional ao volume de pulmão irradiado, efusão pleural e infiltrados pulmonares que correspondem à área de radiação. Os sinais e sintomas podem resolver-se com corticoterapia ou progredir para a pneumonite crônica por radiação associada à fibrose pulmonar.
Doenças Granulomatosas Sarcoidose
R ESUM O Pneumoconiose
monares fibrosantes crônicas resultantes da exposição a partículas orgânicas e inorgânicas, mais comumente poeira mineral. da lesão pulmonar, promovendo inflamação e produzindo espécies reativas de oxigênio e citocinas fibrogênicas. desde antracose assintomática, pneumoconiose simples dos mineiros de carvão (máculas ou nódulos de carvão e enfisema centrolobular) até fibrose maciça progressiva (FMP) caracterizada por disfunção pulmonar progressiva, hipertensão pulmonar e cor pulmonale. talina (p. ex., quartzo) é o agente usual. cóticos assintomáticos até FMP; os pacientes com silicose também apresentam suscetibilidade aumentada à tuberculose.
Embora a sarcoidose seja considerada aqui como um exemplo de doença pulmonar restritiva, é importante notar que é uma doença multissistêmica de etiologia desconhecida caracterizada por granulomas não caseosos presentes em diversos órgãos e tecidos. Outras doenças, incluindo as infecções fúngicas ou micobacterianas e a beriliose, podem também produzir granulomas não caseosos; portanto, a sarcoidose é um diagnóstico de exclusão. Embora o envolvimento multissistêmico da sarcoidose possa manifestar-se em muitos contextos clínicos, a linfadenopatia hilar bilateral ou o envolvimento pulmonar (ou ambos), visíveis nas radiografias torácicas, são as principais manifestações na maioria dos casos. O envolvimento dos olhos e pele ocorre em até 25% dos casos, podendo ser as únicas características apresentadas na doença.
Epidemiologia A sarcoidose apresenta ocorrência mundial acometendo ambos os sexos de todas as raças e idades. Entretanto, há algumas tendências epidemiológicas interessantes, incluindo: &RQVLGHUiYHOSUHGLOHomRSRUDGXOWRVMRYHQVDEDL[RGRV
anos de idade.
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afro-americanas dos Estados Unidos (nas quais a frequência é 10 vezes superior à dos brancos).
Doenças pulmonares crônicas instersticiais (restritivas, infiltrativas) $VDUFRLGRVH pXPDGDVSRXFDV GRHQoDV SXOPRQDUHV TXH
apresenta alta prevalência entre os não fumantes.
ET IOL OG IA E PATOG EN I A Embora a etiologia da sarcoidose permaneça desconhecida, evidências sugerem que a doença seja oriunda da regulação imune desordenada em pessoas geneticamente predispostas e expostas a certos agentes ambientais. O papel de cada uma dessas influências contributórias está resumido na discussão a seguir. Diversas anormalidades imunológicas na sarcoidose sugerem que há o desenvolvimento de resposta mediada por células dirigida contra um antígeno não identificado. O processo é realizado por linfócitos T CD4 + . Tais anormalidades incluem: } 0Rß\d[^ST[X]UØRXc^bC23#CH1 intra-alveolares e intersticiais } 4g_P]bÈ^^[XV^R[^]P[STbdQcX_^bST[X]UØRXc^bCR^\^ determinado pela análise de rearranjos de receptores de linfócitos T } 0d\T]c^SPbRXc^RX]PbSTaXePSPbST[X]UØRXc^bCH1, como IL-2 e IFN-g, resultando em expansão de linfócitos T e na ativação de macrófagos, respectivamente } 0d\T]c^STSXeTabPbRXc^RX]Pb]^P\QXT]cT[^RP[8;' TNF, proteína inflamatória macrofágica Ia), que favorecem o recrutamento adicional de linfócitos T e monócitos, contribuindo para a formação de granulomas } 0]TaVXPP^bcTbcTbRdcÇ]T^bP]cXVÏ]XR^bR^\d]bR^\^ Candida ou PPD (derivado proteico purificado), resultantes do recrutamento pulmonar de linfócitos T CD4+ e consequente depleção periférica } 7X_TaVP\PV[^Qd[X]T\XP_^[XR[^]P[^dcaP\P]XUTbcPÌÈ^SP desregulação dos linfócitos TH } BdVTaTbT_PacXRX_PÌÈ^STUPc^aTbVT]ÎcXR^bR^\QPbT]^ agrupamento racial e familial dos casos e associação com certos genótipos relacionados aos antígenos leucocitários humanos (HLA) (p. ex., HLA-A1 da classe 1 e HLA-B8) A sarcoidose recorre nos pulmões normais de 75% dos pacientes, após o transplante pulmonar. Finalmente, propõe-se que diversos “antígenos” putativos possam ser agentes incitantes da sarcoidose (p. ex., vírus, micobactérias, Borrelia, pólen), porém não há evidência inequívoca sugerindo uma etiologia infecciosa para a sarcoidose.
M ORFOLOG IA A característica histopatológica diagnóstica da sarcoidose é o granuloma epitelioide não caseoso, independentemente do órgão envolvido (Fig. 12-23). O granuloma epitelioide não caseoso é uma coleção de células epitelioides margeadas por uma zona externa composta principalmente por linfócitos T CD4 + . As células epitelioides são derivadas de macrófagos e caracterizadas por citoplasma eosinofílico abundante e núcleo vesiculoso. Não é incomum observar células gigantes multinucleadas formadas pela fusão de macrófagos. Uma camada fina de fibroblastos laminados está presente na periferia do granuloma; com o progredir do processo inflamatório, os fibroblastos proliferam e produzem colágeno que substitui o granuloma por uma cicatriz hialinizada. Às vezes, duas outras características microscópicas são observadas nos
Figura 12-23 Sarcoide. Granulomas não caseosos peribrônquicos com muitas células gigantes são característicos.
granulomas: (1) corpúsculos de Schaumann, concreções laminadas compostas por cálcio e proteínas; e (2) corpúsculos asteroides, inclusões estreladas fagocitadas por células gigantes. A presença de tais estruturas não é necessária para o diagnóstico da sarcoidose — podem ocorrer também nos granulomas de outras origens. Raramente, focos centrais de necrose podem estar presentes nos granulomas sarcoides, sugerindo um processo infeccioso. A necrose de caseificação típica da tuberculose está ausente. Os pulmões estão envolvidos em algum estágio da doença em 90% dos pacientes. Predominantemente, os granulomas envolvem mais o interstício do que os espaços alveolares, com tendência a localizar-se no tecido conjuntivo ao redor dos bronquíolos, veias pulmonares e pleura (dsitribuição “linfangítica”). O fluido de lavagem bronquiolar contém linfócitos T CD4+ abundantes. Em 5-15% dos pacientes, os granulomas eventualmente são substituídos por fibrose intersticial difusa, resultando no pumão em favo de mel. Os linfonodos hilares e paratraqueais estão aumentados em 75-90% dos pacientes; um terço apresenta linfadenopatia periférica. Geralmente, os linfonodos são indolores e com textura firme e elástica. Diferentemente da tuberculose, os linfonodos na sarcoidose não estão aderidos e não ulceram. As lesões cutâneas são encontradas em aproximadamente 25% dos pacientes. O eritema nodoso, a característica-chave da sarcoidose aguda, consiste em nódulos vermelhos, elevados e macios localizados no aspecto anterior das pernas. Os granulomas sarcoidais são incomuns nessas lesões. Ao contrário, nódulos subcutâneos distintos e indolores podem também ocorrer na sarcoidose, sendo compostos por granulomas não caseosos abundantes. O envolvimento dos olhos e glândulas lacrimais ocorre em um quinto à metade dos pacientes. Os sinais oculares são irite e iridociclite unilaterais ou bilaterais. Em consequência, podem ocorrer opacidade corneana, glaucoma e, menos comumente, perda total da visão. O trato posterior uveal também é afetado, resultando em coroidite, retinite e envolvimento do nervo óptico. Frequentemente, as lesões oculares são acompanhadas por inflamação das glândulas lacrimais, com supressão do lacrimejamento (síndrome seca). Parotidite unilateral ou bilateral com aumento
479
480 C A P Í T U L O 12 Pulmão doloroso das glândulas parótidas ocorre em menos de 10% dos pacientes com sarcoidose; alguns desenvolvem xerostomia (boca seca). O envolvimento uveoparotídeo combinado é designado síndrome de Milkulicz. Macroscopicamente, o baço pode parecer não acometido, porém em três quartos dos casos contém granulomas. Em aproximadamente 10% dos casos há esplenomegalia. O fígado demonstra lesões granulomatosas microscópicas, comumente nas tríades portais; entretanto, apenas um terço dos pacientes demonstra hepatomegalia ou função hepática anormal. O envolvimento da medula óssea pelo sarcoide é relatado em até 40% dos pacientes, embora raramente cause manifestações severas. Outros achados incluem hipercalcemia e hipercalciúria. Tais alterações não estão relacionadas com a destruição óssea, mas ao aumento na absorção de cálcio secundária à produção de vitamina D ativa pelos fagócitos do sistema mononuclear nos granulomas.
remanescentes sucumbem à fibrose pulmonar progressiva e cor pulmonale.
R ESUM O Sarcoidose
conhecida; a característica histopatológica diagnóstica é a presença de granulomas não caseosos em diversos tecidos. linfócitos T CD4+ no pulmão que secretam citocinas locais relacionadas com a resposta THI, como IFN-g e IL-2. envolvimento ocular (síndrome seca [olhos secos], irite ou iridociclite), lesões cutâneas (eritema nodoso, nódulos subcutâneos indolores) e envolvimento visceral (fígado, pele e medula óssea). O envolvimento pulmonar ocorre em 90% dos casos com a formação de granulomas e fibrose intersticial.
Características Clínicas A doença é assintomática em muitas pessoas, sendo descoberta somente em exames radiográficos de rotina; radiologicamente manifesta-se como adenopatia hilar bilateral ou como achado incidental à necropsia. Em contrapartida, pode ser evidenciada como linfadenopatia periférica, lesões cutâneas, envolvimento ocular, esplenomegalia ou hepatomegalia. Em até dois terços dos casos sintomáticos, há o aparecimento gradual dos sinais respiratórios (brevidade da respiração, tosse seca ou desconforto subesternal vago) ou sinais e sintomas constitucionais (febre, fadiga, perda de peso, anorexia e sudorese noturna). Normalmente, recorre-se à biópsia pulmonar ou linfonodal devido às características clínicas não diagnósticas e variáveis. A presença de granulomas não caseosos é sugestiva de sarcoidose, porém outras causas identificáveis de inflamação granulomatosa devem ser excluídas. A sarcoidose apresenta curso imprevisível caracterizado por cronicidade progressiva ou períodos de atividade intercalados a períodos de remissão. As remissões podem ser espontâneas ou iniciadas por terapia esteroide, sendo comumente permanente. De forma geral, 65-70% dos pacientes recuperam-se sem manifestações mínimas ou residuais. Os outros 20% deselvolvem disfunção pulmonar permanente ou prejuízo da visão. Os 10-15%
Pneumonite por Hipersensibilidade A pneumonite por hipersensibilidade é uma doença inflamatória pulmonar imunologicamente mediada que afeta primariamente os alvéolos e é denominada alveolite alérgica. Comumente, é uma doença ocupacional caracterizada por aumento na sensibilidade a antígenos inalados, como os presentes no feno mofado (Tabela12-5). Ao contrário da asma brônquica, na qual o brônquio é o foco da lesão imunomediada, o dano na pneumonite por hipersensibilidade ocorre em nível alveolar. Portanto, manifesta-se predominantemente por doença restritiva pulmonar com diminuição na capacidade de difusão, complacência pulmonar e volume pulmonar total. As exposições ocupacionais são diversas, porém as síndromes compartilham achados clínicos e patológicos comuns; provavelmente apresentam uma base fisiopatológica comum. Diversas evidências sugerem que a pneumonite por hipersensibildiade é uma doença imunologicamente mediada: $PRVWUDVGHODYDGRVEURQFRDOYHRODUHVGHPRQVWUDPFRQVLVtentemente um aumento no número de linfócitos T CD4+ e CD8+.
Tabela 12-5 &DXVDV(VSHFtÀFDVGH3QHXPRQLWHSRU+LSHUVHQVLELOLGDGH
Síndrome
Exposição
Antígenos Micropolyspora faeni
Antígenos Fúngicos e Bacterianos Pulmão de fazendeiro
Feno mofado
Bagaçose
Cana-de-açúcar mofada e pressionada (bagaço)
Actinomicetos termofílicos
Doença da casca do bordo
Casca de bordo mofada
Cryptostroma corticale
3XOPmRGHXPLGLÀFDGRU
8QLGLÀFDGRUGHYDSRUIULR
Actinomicetos termofílicos, Aureobasidium pullulans
Pulmão dos trabalhadores de malte
Cevada mofada
Aspergillus clavatus
3XOPmRGRODYDGRUGHTXHLMRV
4XHLMRPRIDGR
Penicillium casei
Grãos contaminados com poeira
Sitophilus granarius (trigo-gorgulho)
Fezes de pombos
Proteínas séricas dos excrementos dos pombos
Indústria química
Anidrido trimetílico, isocianatos
Produtos de Insetos Pulmão dos trabalhadores de moinho
Produtos Animais Pulmão dos tratadores de pombos
Químicos Pulmão dos trabalhadores químicos
Doenças pulmonares crônicas instersticiais (restritivas, infiltrativas) $PDLRULDGRVSDFLHQWHVFRPSQHXPRQLWHSRUKLSHUVHQVLELOL
dade apresenta anticorpos séricos precipitantes específicos; imunoglobulinas e complemento têm sido demonstrados por imunofluorescência no interior da parede dos vasos, indicando reação de hipersensibilidade do tipo III. A presença de granulomas não caseosos em dois terços dos pacientes com a desordem sugere também participação da hipersensibilidade do tipo IV. Em resumo, a pneumonite por hipersensibilidade é uma resposta imunologicamente mediada a um antígeno que envolve reações de hipersensibildiade do tipo retardado e por imunocomplexos.
M ORFOLOG IA As características histopatológicas em ambas as formas da pneumonite por hipersensibildiade, aguda e crônica, incluem infiltrados de células mononucleares no interstício pulmonar e, mais acentuadamente, na região peribronquiolar. Há o predomínio de linfócitos, porém plasmócitos e células epitelioides também estão presentes. Nas formas agudas da doença, quantidade variável de neutrófilos pode ser observada. Granulomas não caseosos intersticiais estão presentes em mais de dois terços dos casos, usualmente em localização peribronquiolar (Fig. 12-24). Nos casos crônicos avançados, ocorre fibrose intersticial difusa.
Caraterísticas Clínicas A pneumonite por hipersensibilidade pode manifestar-se como reação aguda, incluindo febre, tosse e dispneia, com os sinais e sintomas constitucionais surgindo 4-8 horas pós-exposição ou, ainda, como doença crônica caracterizada por início insidioso de tosse, dispneia, indisposição e perda de peso. A forma aguda da doença apresenta diagnóstico óbvio devido à relação temporal entre o início dos sintomas e a exposição ao agente incitante. A não exposição ao antígeno após
Figura 12-24 Pneumonite por hipersensibilidade, aparência histológica. Granulomas intersticiais “frouxos” e inflamação crônica são característicos.
os ataques agudos da doença resolve os sintomas pulmonares em dias. A falha em remover o agente incitante do ambiente eventualmente resulta em doença pulmonar instersticial crônica irreversível.
Eosinofilia Pulmonar Inúmeras entidades clínicas e patológicas são caracterizadas por infiltração e ativação de eosinófilos induzidas por níveis elevados de IL-5 alveolar. Geralmente, essas doenças apresentam origem imunológica, porém a etiologia não é conhecida. A eosinofilia pulmonar é dividida nas seguintes categorias: Pneumonia eosinofílica aguda com falência respiratória caracterizada por início rápido de febre, dispneia, hipóxia e infiltrado pulmonar difuso nas radiografias torácicas. O fluido de lavagem broncoalveolar tipicamente contém mais de 25% de eosinófilos. Há resposta imediata à corticoterapia. Eosinofilia pulmonar simples (síndrome de Loeffler), caracterizada por lesões pulmonares transitórias, eosinofilia sanguínea e curso clínico benigno. Os septos alveolares estão espessados por um infiltrado composto por eosinófilos e células gigantes ocasionais. Eosinofilia tropical, causada por infecção com microfilárias e parasitas helmintos. Eosinofilia secundária, vista, por exemplo, em associação com asma, alergia a medicamentos e certas formas de vasculite. Pneumonia eosinofílica crônica idiopática caracterizada por agregados de linfócitos e eosinófilos nas paredes septais e espaços alveolares, tipicamente na periferia dos campos pulmonares, acompanhada por febre alta, sudorese noturna e dispneia. Essa doença é um diagnóstico de exclusão, uma vez que outras causas de eosinofilia pulmonar tenham sido excluídas.
Doenças Intersticiais Relacionadas com o Tabagismo O papel do tabagismo na doença pulmonar obstrutiva crônica (enfisema e bronquite crônica) foi discutido. O tabagismo está também associado a doenças pulmonares intersticiais e restritivas. A pneumonia intersticial descamativa (PID) e a bronquiolite respiratória constituem os dois exemplos de doença pulmonar intersticial associada ao tabagismo. A característica histológica mais importante na PID é o acúmulo de grande número de macrófagos com citoplasma abundante contendo pigmento marrom granular (macrófagos dos fumantes) nos espaços aéreos (Fig.12-25). O septo alveolar está espessado por um infiltrado inflamatório esparso (usualmente linfócitos); quando presente, a fibrose intersticial é discreta. Usualmente, as anormalidades nas funções pulmonares encontradas são restrição discreta, e os pacientes com PID tipicamente apresentam bom prognóstico e resposta excelente à terapia com esteroides e cessação dos hábitos tabagistas. A bronquiolite respiratória é uma lesão histológica comumente encontrada em fumantes e caracterizada pela presença de macrófagos intraluminais pigmentados similares àqueles encontrados na PID, porém em distribuição “bronquiolocêntrica” (bronquíolos respiratórios de primeira e segunda ordens). Fibrose peribronquiolar também é vista. Similarmente à PID, os pacientes acometidos apresentam início gradual de dispneia e tosse seca; os sintomas desaparecem com a cessação dos hábitos tabágicos.
481
482 C A P Í T U L O 12 Pulmão
Figura 12-25 Pneumonia intersticial descamativa. Há acúmulo de grande número de macrófagos no interior dos espaços alveolares com discreto espessamento fibroso das paredes alveolares.
DOENÇAS PULMONARES DE ORIGEM VASCULAR Embolismo Pulmonar, Hemorragia e Infarto Os coágulos sanguíneos que ocluem as grandes artérias pulmonares têm quase sempre origem embólica. Mais de 95% de todos os êmbolos pulmonares surgem de trombos no interior das grandes e profundas veias das porções inferiores das pernas, comumente a veia poplítea e as veias acima dela. O tromboembolismo causa aproximadamente 50.000 óbitos nos Estados Unidos. O tromboembolismo não fatal pode complicar a evolução de outras doenças. A verdadeira incidência de embolismo pulmonar não fatal não é conhecida. Indubitavelmente, alguns casos de embolismo ocorrem em pacientes ambulatoriais nos quais os êmbolos são pequenos e clinicamente silenciosos. O diagnóstico ante mortem é realizado em não mais de um terço dos pacientes hospitalizados. Os dados de necropsia relatando a incidência de embolismo pulmonar variam amplamente, desde 1% da população hospitalizada geral até 30% em pessoas que vão a óbito após queimaduras, traumas e fraturas. Os fatores predisponentes à trombose venosa nas pernas são discutidos no Capítulo3, porém os fatores de risco a seguir são sumamente importantes: (1) repouso prolongado (particularmente com imobilização das pernas); (2) cirurgia, em especial cirurgia ortopédica do joelho e quadril; (3) trauma severo (incluindo queimaduras ou fraturas múltiplas); (4) insuficiência cardíaca congestiva; (5) nas mulheres, período periparto ou de contracepção oral utilizando pílulas anticoncepcionais com altas concentrações de estrógenos; (6) câncer disseminado; e (7) desordens primárias de hipercoagulação (p.ex., fator V de Leiden) (Capítulo3). As consequências fisiopatológicas do tromboembolismo pulmonar dependem largamente do tamanho do êmbolo, que, por sua vez, dita o tamanho da artéria pulmonar ocluída e o status cardiopulmonar do paciente. Existem duas consequências importantes da oclusão arterial embólica pulmonar: (1) aumento na pressão arterial pulmonar secundária ao bloqueio do fluxo e possivelmente vasoespasmo causado por mecanismos neurogênicos e/ou liberação de mediadores (p.ex., tromboxano A2, serotonina); e (2) isquemia do parênquima pulmonar a jusante. Portanto, a oclusão de um grande vaso resulta no aumento súbito
da pressão arterial pulmonar, diminuição do fluxo de saída cardíaco, insuficiência cardíaca direita (cor pulmonale agudo) ou óbito. Comumente, desenvolve-se também hipoxemia como resultado de mecanismos múltiplos: Perfusão de zonas pulmonares atelectásicas. O colapso alveolar ocorre em áreas isquêmicas devido à redução na produção de surfactante e redução dos movimentos respiratórios por causa da dor associada ao embolismo; ademais, parte do fluxo sanguíneo pulmonar é redirecionada através de áreas pulmonares que normalmente estão hipoventiladas. 'LPLQXLomRGRGpELWRFDUGtDFRFDXVD ampliação da diferença na saturação de oxigênio arteriovenoso. Desvio sanguíneo da direita para a esquerda através do forame oval do paciente, que está presente em 30% das pessoas normais. Oclusão de vasos menores tem menor impacto, e o evento pode até ser clinicamente silencioso. Lembre-se de que o pulmão é oxigenado não somente pelas artérias pulmonares, porém também pelas artérias brônquicas e diretamente pelo ar alveolar. Portanto, a necrose isquêmica (infarto) é a exceção em vez da regra, ocorrendo em menos de 10% dos pacientes com tromboêmbolos. A necrose isquêmica ocorre se há comprometimento da função cardíaca e da circulação brônquica ou se a região pulmonar sob risco está hipoventilada como resultado de doença pulmonar subjacente.
MORFOLOGI A As consequências morfológicas da embolia pulmonar dependem do tamanho da massa embólica e do estado circulatório geral. Os grandes êmbolos podem alojar-se na artéria pulmonar principal e suas tributárias ou na bifurcação como êmbolo em sela (Fig. 12-26). Nesses casos, hipóxia ou insuficiência cardíaca congestiva direita (cor pulmonale agudo) leva ao óbito súbito sem alterações morfológicas pulmonares. Os êmbolos menores alojam-se em artérias pulmonares pequenas e médias. A manutenção da vitalidade do parênquima pulmonar é mantida com a circulação adequada e o fluxo arterial brônquico; entretanto, a hemorragia alveolar pode ocorrer como resultado de dano isquêmico às células endoteliais. O status cardiovascular comprometido devido à insuficiência cardíaca congestiva predispõe ao infarto. O risco de infarto é maior quanto mais periférica for a oclusão embólica. Os lobos inferiores estão acometidos em até três quartos de todos os infartos, sendo que mais da metade são múltiplos. Os infartos são caracteristicamente em cunha, com a base direcionada à superfície pleural e o ápice apontando para o hilo pulmonar. Os infartos pulmonares são tipicamente hemorrágicos e, nos estágios iniciais, apresentam-se como áreas vermelho-azuis elevadas (Fig. 12-27). A superfície pleural adjacente está frequentemente coberta por exsudato fibrinoso. O vaso ocluído normalemente encontra-se próximo ao ápice da área infartada. A hemólise dos eritrócitos inicia-se em 48 horas, inicialmente conferindo uma cor pálida ao infarto, que se torna vermelho-marrom à medida que é produzida hemossiderina. A substituição por tecido fibroso inicia-se nas margens como zonas periféricas branco-cinza, e eventualemente convertem o infarto em cicatriz. No exame histológico, a característica-chave que distingue os infartos recentes é a necrose de coagulação do parênquima pulmonar e hemorragia.
Doenças pulmonares de origem vascular ou múltiplos êmbolos pequenos e simultâneos. A embolia pulmonar maciça é uma das poucas causas de óbito instantâneo sem que o paciente experiencie dor torácica ou dispneia. $REVWUXomRGHUDPRVDUWHULDLVSXOPRQDUHVUHODWLYDPHQWH
pequenos a médios (10-15% dos casos) que se comportam como artérias terminais causa infarto pulmonar quando há algum elemento de insuficiência circulatória. Tipicamente, as pessoas com tais infartos apresentam dispneia.
(PSHTXHQDSDUFHODGRVSDFLHQWHVPHQRVGHGRVFDVRV
Figura 12-26 Grande êmbolo em sela oriundo da veia femoral alojado entre as artérias pulmonares direita e esquerda. (Cortesia da Dr. Linda Margraf, Departamento de Patologia, University of Texas Southwestern Medical School, Dallas, Texas.)
Características Clínicas As consequências clínicas do tromboembolismo pulmonar estão sumarizadas a seguir: $PDLRULDGRVrPERORVSXOPRQDUHV pFOLQLFDPHQWH
silenciosa, pois é pequena; a massa embólica é rapidamente removida pela atividade fibrinolítica, e a circulação brônquica sustenta a viabilidade do parênquima pulmonar acometido até a resolução.
(PGRVFDVRVSRGHRFRUUHUyELWRV~ELWRLQVXILFLrQFLD
cardíaca direita aguda (cor pulmonale agudo) ou colapso cardiovascular (choque) quando há obstrução de mais de 60% da vasculatura pulmonar total por um grande êmbolo
êmbolos múltiplos e recorrentes levam à hipertensão pulmonar, insuficiência cardíaca crônica (cor pulmonale crônica) e, com o tempo, esclerose vascular pulmonar com dispneia que piora progressivamente. Comumente, há a resolução dos êmbolos após o evento inicial agudo. Os êmbolos contraem-se, e a atividade fibrinolítica endógena pode causar lise total do trombo. Entretanto, um êmbolo pequeno e inócuo pode prenunciar a presença de outro maior na presença de um fator predisponente subjacente; os pacientes que experienciaram um episódio de embolia pulmonar têm 30% de chance de desenvolver um segundo. A terapia profilática deve incluir anticoagulantes, internação precoce de pacientes no período pós-parto e pós-operatório, aplicação de meias elásticas, compressão intermitente da panturrilha e exercícios isoméricos para as pernas em pacientes acamados. Os pacientes com embolia pulmonar maciça são candidatos à terapia trombolítica. As variantes não trombóticas de embolia pulmonar incluem formas potencialmente letais, porém incomuns, como embolia por ar, gordura e líquido amniótico (Capítulo3). O abuso de drogas intravenosas frequentemente está associado à embolia pulmonar por corpos estranhos; a presença de trissilicato de magnésio (talco) na mistura intravenosa provoca resposta granulomatosa no interstício ou artérias pulmonares. O envolvimento do interstício pode induzir fibrose, enquanto o acometimento das artérias pode levar a hipertensão pulmonar. Os resíduos dos cristais de talco podem ser demonstrados no interior dos granulomas utilizando-se luz polarizada. A embolia por componentes da medula óssea (presença de elementos hematopoiéticos e gordurosos na circulação pulmonar) pode ocorrer após trauma maciço e em pacientes com infarto ósseo secundário à anemia falciforme.
RESUM O Embolia Pulmonar
Figura 12-27 Pequeno infarto pulmonar hemorrágico e recente, grosseiramente em forma de cunha.
cos em sua origem, usualmente surgindo das veias profundas das porções inferiores das pernas. das pernas, trauma severo, CHF, uso de contraceptivos orais (principalmente com altas concentrações de estrógenos), câncer disseminado e causas genéticas de hipercoagulabilidade. silenciosa e uma minoria (5%) causa cor pulmonale agudo, choque ou óbito (tipicamente por grandes “êmbolos em sela”) e o restante causa infarto pulmonar.
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484 C A P Í T U L O 12 Pulmão
Hipertensão Pulmonar Normalmente, a circulação pulmonar apresenta baixa resistência; as pressões sanguíneas pulmonares representam a oitava parte das pressões sistêmicas. Frequentemente, a hipertensão pulmonar (quando as pressões pulmonares médias alcançam um quarto ou mais dos níveis sistêmicos) é secundária à diminuição da área transversal do leito vascular pulmonar ou aumento do fluxo sanguíneo vascular pulmonar. As causas da hipertensão pulmonar secundária incluem: Doença pulmonar intersticial ou obstrutiva crônica, acompanhada pela destruição do parênquima pulmonar e consequente redução nos capilares alveolares com aumento da resistência arterial pulmonar e elevação secundária da pressão arterial. Êmbolos pulmonares recorrentes. A presença de tais êmbolos leva à redução da área transversa funcional do leito vascular, aumentando a resistência vascular. Doença cardíaca antecedente, como a estenose mitral, que eleva a pressão atrial esquerda e as pressões venosas pulmonares, culminando em hipertensão arterial pulmonar. Desvios congênitos da esquerda para a direita são outra causa de hipertensão pulmonar secundária. Incomumente, a hipertensão pulmonar existe mesmo quando todas as causas conhecidas de aumento da pressão pulmonar foram excluídas; nesse caso, a hipertensão arterial pulmonar é dita primária ou idiopática, sendo esporádica na maioria dos casos; entretanto, apenas 6% são familiares e apresentam um modo de herança autossômico dominante.
PATOG EN IA De acordo com a linha de pensamento atual, a disfunção do músculo liso vascular e/ou das células endoteliais pulmonares constituem as prováveis bases para a maioria das formas de hipertensão pulmonar. } =^bRPb^bSThipertensão pulmonar secundária, a disfunção das células endoteliais é consequência de desordem subjacente (p. ex., lesão por cisalhamento ou ação mecânica secundárias ao aumento no fluxo sanguíneo presente nos desvios da esquerda para a direita ou, ainda, lesão bioquímica produzida pela fibrina em episódios de tromboembolismo recorrente). A disfunção endotelial reduz a produção de agentes vasodilatadores (p. ex., óxido nítrico, prostaciclina) e aumenta a produção de agentes vasoconstritores, como a endotelina. Ademais, há a produção de fatores de crescimento e citocinas que induzem a migração e replicação do músculo liso vascular e a elaboração de matriz extracelular. } =Phipertensão pulmonar primária, especialmente na forma familiar, a via de sinalização TGF-b tem sido considerada o mediador-chave da disfunção do músculo liso e endotélio. Especificamente, as mutações no gene do receptor da proteína morfogenética óssea do tipo 2 (BMPR-2) na linhagem germinativa, uma molécula da superfície celular que se liga a uma variedade de ligantes da via TGF-b, têm sido demonstradas em 50% dos casos familiares. O produto do gene BMPR2 é inibitório da proliferação; portanto, mutações do tipo perda da função
resultam em proliferação do músculo liso vascular pulmonar e endotélio vascular. Em tais circunstâncias, as proliferações endoteliais usualmente são monoclonais, reiterando a base genética de sua origem. Entretanto, nem todas as pessoas com mutação do gene BMPR2 na linhagem germinativa desenvolvem hipertensão pulmonar primária, o que sugere a existência de genes modificadores que provavelmente afetam a penetrância desse fenótipo em particular. } 4bcdS^bT]e^[eT]S^PbU^a\PbTb_^aÆSXRPbSTWX_TacT]são pulmonar primária apontam para um possível papel do gene transportador de serotonina (5HTT). As células musculares lisas pulmonares de alguns pacientes com hipertensão pulmonar primária demonstram aumento na proliferação mediante a exposição à serotonina ou soro. Acredita-se que polimorfismos genéticos do 5HHTT podem induzir o aumento na expressão da proteína transportadora nas células musculares lisas e consequente proliferação.
MORFOLOGI A As alterações vasculares em todas as formas de hipertensão pulmonar (primária e secundária) envolvem a totalidade da árvore arterial (Fig. 12-28) e incluem: (1) ateromas nas artérias elásticas principais similares aos observados na aterosclerose sistêmica; (2) proliferação das células da íntima muscular e células musculares lisas nas artérias musculares médias, levando a espessamento da íntima e média com estreitamento da luz; e (3) espessamento, hipertrofia da média e reduplicação das membranas elásticas internas e externas das artérias menores e arteríolas. A espessura da parede dos vasos citados pode exceder o diâmetro da luz, estreitada a ponto da quase obliteração. Os pacientes com hipertensão pulmonar arterial idiopática apresentam lesões plexiformes nas quais as proliferações endoteliais formam múltiplos lumens no interior das pequenas artérias no ponto em que se ramificam nas artérias médias.
Características Clínicas A hipertensão pulmonar secundária pode desenvolver-se em qualquer idade. As características clínicas refletem a doença subjacente, usualmente pulmonar ou cardíaca, com acentuação da insuficiência respiratória e disfunção cardíaca direita. A hipertensão pulmonar primária, ao contrário, é quase sempre diagnosticada em adultos jovens, mais comumente mulheres; é caracterizada por fadiga, síncope (particularmente no exercício), dispneia durante o exercício e, algumas vezes, dor torácica. Eventualmente, desenvolvem-se cianose e insuficiência respiratória severa, culminando em óbito geralmente por insuficiência cardíaca direita (cor pulmonale descompensado) dentro de 2-5 anos do diagnóstico. Alguma melhora dos sinais respiratórios pode ser alcançada com vasodilatadores e agentes antitrombóticos; infusões contínuas de prostaciclinas podem prolongar a vida (meses a anos), porém o transplante pulmonar é imperativo para o bom prognóstico.
Doenças pulmonares de origem vascular
Síndrome de Goodpasture A síndrome de Goodpasture, doença protótipo desse grupo, é uma condição incomum, porém intrigante, caracterizada por glomerulonefrite proliferativa (Capítulo13) e pneumonite intersticial hemorrágica rapidamente progressivas. As lesões renais e pulmonares são causadas por anticorpos direcionados ao domínio não colagenoso da cadeia a3 do colágeno IV. Os anticorpos podem ser detectados no soro de mais de 90% dos pacientes com a síndrome de Goodpasture.
MORFOLOG I A Os pulmões estão pesados, com áreas de consolidação vermelho-marrom devido à hemorragia alveolar difusa. O exame microscópico demonstra necrose focal das paredes alveolares associada a hemorragias intra-alveolares, espessamento fibroso dos septos e pneumócitos do tipo 2 hipertrofiados. A presença de hemossiderina no interior dos macrófagos e extracelular é característica, indicando episódio(s) prévio(s) de hemorragia (Fig. 12-29). O padrão linear de deposição de imunoglobulinas (usualmente IgG, algumas vezes IgA ou IgM), ponto-chave para o diagnóstico e presente nas amostras de biópsia renal (Capítulo 13), também pode ser observado nos septos alveolares.
A plasmaférese e a terapia imunossupressora têm melhorado muito o mau prognóstico da doença. As trocas de plasma removem os anticorpos nocivos, e as drogas imunossupressoras inibem a produção de anticorpos. Eventualmente, os casos de doença renal severa requerem transplante renal.
Hemossiderose Pulmonar Idiopática
Figura 12-28 Alterações vasculares na hipertensão pulmonar. A, Fotografia de um ateroma, lesão normalmente limitada aos grandes vasos. B, Hipertrofia marcada da camada média. C, Lesão plexiforme característica da hipertensão pulmonar avançada vista em pequenas artérias.
Síndromes Hemorrágicas Alveolares Difusas Apesar de existirem diversas causas “secundárias” de hemorragia pulmonar (pneumonia bacteriana necrosante, congestão venosa passiva, diátese hemorrágica), as síndromes hemorrágicas alveolares difusas constituem um grupo de doenças imunomediadas primárias que se manifestam pela tríade hemoptise, anemia e infiltrados pulmonares difusos.
A hemossiderose pulmonar idiopática é uma doença rara de etiologia incerta e caracterizada por manifestações pulmonares e alterações histológicas similares àquelas da síndrome de Goopasture, entretanto sem doença renal associada ou anticorpos antimembrana basal circulantes. A maioria dos casos ocorre em crianças, embora a doença ocorra também em adultos, nos quais apresenta melhor prognóstico. A terapia imunosupressora e esteroidal aumentou o tempo de sobrevida histórico de 2,5 anos; portanto, postula-se uma etiologia imunomediada.
Angiite Pulmonar e Granulomatose (Granulomatose de Wegener) Mais de 80% dos pacientes com a granulomatose de Wegener (GW) desenvolvem sinais respiratórios superiores ou pulmonares durante a evolução da doença, descrita no Capítulo9. Neste capítulo salientamos e descrevemos as características pulmonares. As lesões pulmonares são caracterizadas por uma combinação de vasculite necrosante (“angiite”) e inflamação granulomatosa necrosante do parênquima. As manifestações da GW podem incluir sintomas respiratórios superiores (sinusite crônica, epistaxe, perfuração nasal) e sinais e sintomas pulmonares (tosse, hemoptise, dor torácica). PR3-ANCAs estão presentes em 95% dos casos (Capítulo9).
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486 C A P Í T U L O 12 Pulmão
Figura 12-29 A, A amostra de biópsia pulmonar de paciente com a síndrome hemorrágica alveolar difusa demonstra grande número de hemossiderófagos intra-alveolares em um fundo de septos fibrosos espessados. B, O tecido foi corado pela técnica do azul da Prússia, uma coloração para ferro que demonstra a hemossiderina intracelular abundante. (Da Coleção Didática do Departamento de Patologia, Children's Medical Center, Dallas, Texas.)
INFECÇÕES PULMONARES As infecções pulmonares na forma de pneumonias são responsáveis por um sexto de todos os casos de óbito no Estados Unidos. Porém, tal fato não é surpreendente, uma vez que (1) as superfícies epiteliais do pulmão são constantemente expostas a litros de ar contendo níveis variados de contaminates ambientais; (2) a microbiota nasofaríngea é regularmente aspirada durante o sono, mesmo em pessoas hígidas; (3) outras doenças pulmonares comuns tornam o parênquima pulmonar vulnerável a organismos virulentos. O parênquima pulmonar normal permanece estéril devido à eficiência dos mecanismos de defesa imunológicos e não imunológicos do sistema respiratório que se estendem da nasofaringe até os espaços alveolares (Fig.12-30). Apesar da diversidade dos mecanismos de defesa, existem “fendas na armadura” que predispõem mesmo as pessoas saudáveis às infecções. Os defeitos na imunidade inata (incluindo os defeitos nos neutrófilos e complemento) e a imunodeficiência humoral tipicamente levam a uma incidência aumentada de infecções com bactérias piogênicas. Por exemplo, tem sido demonstrado que pacientes com mutações no gene MyD88, proteína adaptadora downstream de muitos receptores do tipo Toll (sensores microbianos na imunidade inata), são extremamente suscetíveis a infecções pneumocócicas necrosantes. Ao contrário, defeitos na imunidade mediada por linfócitos T H1 levam, principalmente, a aumento de infecções com microrganismos intracelulares, como micobactérias atípicas. Além das anormalidades herdadas, diversos aspectos do estilo de vida interferem com os mecanismos de defesa imunológica do hospedeiro e facilitam as infecções. Por exemplo, o tabagismo compromete a limpeza mucociliar e a atividade de macrófagos pulmonares; o álcool prejudica os reflexos da tosse e epiglóticos, e aumenta o risco de aspiração, além de interferir na mobilização de neutrófilos e quimiotaxia. O termo pneumonia pode ser utilizado para definir qualquer infecção pulmonar. A apresentação clínica pode ser aguda e
fulminante ou crônica, com curso mais prolongado. O espectro de alterações histológicas nas pneumonias pode variar desde exsudação alveolar fibrinopurulenta, observada nas pneumonias bacterianas agudas, infiltrados intersticiais mononucleares, em pneumonias virais e atípicas, e granulomas e cavitação em pneumonias crônicas. As pneumonias bacterianas agudas podem manifestar-se em dois padrões anatômicos e radiográficos denominados broncopneumonia e pneumonia lobar. A broncopneumonia implica um padrão de distribuição inflamatório focal que geralmente envolve mais de um lobo (Fig.12-31). O padrão da broncopneumonia resulta de infecção inicial dos brônquios e bronquíolos com extensão para os alvéolos adjacentes. Ao contrário, na pneumonia lobar, os espaços aéreos contíguos de parte ou totalidade de um lobo estão homogeneamente preenchidos por um exsudato que pode ser visualizado em radiografias como consolidações segmentares ou lobares (Fig.12-31). O Streptococcus pneumoniae é responsável por mais de 90% das pneumonias lobares. A distinção anatômica entre a pneumonia lobar e a broncopneumonia pode ser confusa porque (1) muitos microrganismos causam infecções que podem se manifestar em ambos os padrões de distribuição e (2) a broncopneumonia confluente pode ser de difícil distinção radiográfica da pneumonia lobar. Portanto, é prudente classificar as pneumonias pelo agente etiológico específico ou pelo âmbito clínico no qual a infecção ocorre nos casos em que não há isolamento do agente. A última abordagem estreita consideravelmente a lista de patógenos suspeitos para a administração de terapia antimicrobiana empírica. A pneumonia pode surgir em sete contextos clínicos distintos, sendo o patógeno responsável razoavelmente específico para cada categoria, como resumido na Tabela12-6.
Pneumonias Agudas Adquiridas em Comunidade A maioria das pneumonias agudas adquiridas em comunidade apresenta etiologia bacteriana. Não incomumente, a infecção bacteriana sobrepõe-se a uma infecção viral das vias aéreas
Infecções pulmonares
Figura 12-30 Mecanismos de defesa pulmonar. A, Defesas inatas contra infecção: 1, A remoção de microrganismos do pulmão normal depende do contato com a camada de muco e remoção através do aparelho mucociliar; 2, fagocitose por macrófagos alveolares que podem degradar os microrganismos e removê-los dos espaços aéreos por migração ao longo do aparelho mucociliar; ou 3, fagocitose e degradação por neutrófilos recrutados por fatores macrofágicos. 4, O complemento sérico pode entrar nos alvéolos e ser ativado pela via alternativa gerando a opsonina C3b, que aumenta a fagocitose. 5, Microrganismos, incluindo aqueles fagocitados, podem alcançar os linfonodos drenantes iniciando as respostas imunes. B, Mecanismos adicionais operam após o desenvolvimento da imunidade adaptativa. 1, A IgA secretada pode bloquear a aderência do microrganismo ao epitélio do trato respiratório superior. 2, Os anticorpos séricos (IgM, IgG) estão presentes no fluido que recobre os alvéolos no trato respiratório inferior e ativam o complemento mais eficientemente pela via clássica, gerando C3b (não mostrado). Ademais, IgG é opsonizante. 3, O acúmulo de linfócitos T é importante no controle de infecções por vírus e outros microrganismos intracelulares. PMN, célula polimorfonuclear.
superiores. O início geralmente é abrupto, com febre alta, calafrios, dor torácica pleurítica e tosse produtiva mucopurulenta; alguns pacientes podem ter hemoptise. S. pneumonie (isto é, pneumococos) é a causa mais comum de pneumonia aguda adquirida em comunidade; portanto, a pneumonia pneumocócica é discutida como protótipo desse subgrupo.
Infecções por Streptococcus pneumoniae
Figura 12-31 Distribuição anatômica da broncopneumonia e pneumonia lobar.
As infecções pneumocócicas ocorrem com maior frequência em subgrupos de pacientes: (1) com doenças crônicas concomitantes, como CHF, DPOC ou diabetes; (2) com defeitos imunoglobulínicos adquiridos ou congênitos (p.ex., síndrome da imunodeficiência adquirida [AIDS]); e (3) com função esplênica diminuída ou ausente (p.ex., anemia falciforme ou após esplenectomia). O último grupo apresenta a maior probabilidade, uma vez que o baço contém a maior coleção de fagócitos e, portanto, é o principal órgão responsável pela remoção dos pneumococos sanguíneos. O baço é também um importante órgão na produção de anticorpos antipolissacarídeos; tais imunoglobulinas são predominantes na defesa contra bactérias encapsuladas.
487
488 C A P Í T U L O 12 Pulmão Tabela 12-6 Síndromes Pneumônicas e Patógenos Implicados
Pneumonia Aguda Adquirida em Comunidade Streptococcus pneumoniae +DHPRSKLOXVLQÁXHQ]DH Moraxella catarrhalis Staphylococcus aureus Legionella pneumophila Enterobacteriaceae (Klebsiella pneumoniae) e Pseudomonas spp.
Pneumonia Atípica Adquirida em Comunidade Mycoplasma pneumoniae Chlamydia spp. — Chlamydia pneumoniae, Chlamydia psittaci, Chlamydia trachomatis Coxiella burnetii (febre Q) Vírus: vírus sincicial respiratório, metapneumovírus humano, vírus da SDUDLQÁXHQ]DFULDQoDV LQÁXHQ]D$H%DGXOWRV DGHQRYtUXVUHFUXWDV militares)
Pneumonia Nosocomial Bastonetes gram-negativos pertencentes a Enterobacteriaceae (Klebsiella spp., Serratia marcescens, Escherichia coli) e Pseudomonas spp. S. aureus (usualmente resistente à meticilina)
Pneumonia por Aspiração Microbiota oral anaeróbia (Bacteroides, Prevotella, Fusobacterium, Peptostreptococcus), misturados a bactérias aeróbias (S. pneumoniae, S. DXUHXV+,QÁXHQ]DH e Pseudomonas aeruginosa)
Pneumonia Crônica Nocardia Actinomyces Granulomatosa: Mycobacterium tuberculosis e micobatérias atípicas, Histoplasma capsulatum, Coccidioides immitis, Blastomyces dermatitidis
Pneumonia Necrosante e Abcessos Pulmonares Bactérias anaeróbias (extremamente comum), com ou sem bactérias aeróbias associadas S. aureus, K. pneumoniae, Streptococcus pyogenes e pneumococos sorotipo LQFRPXP
Pneumonia no Hospedeiro Imunocomprometido Citomegalovírus Pneumocystis jiroveci Complexo Mycobacterium avium (MAC) Aspergilose invasiva Candidíase invasiva Bactérias “usuais”, vírus e fungos (listados acima)
MORFOLOGI A Nas infecções pneumocócicas pulmonares, ambos os padrões de pneumonia podem ocorrer; a broncopneumonia é mais prevalente nos extremos de idade. Independentemente da distribuição da pneumonia, os lobos inferiores ou o lobo médio direito estão frequentemente envolvidos, uma vez que as infecções pulmonares pneumocócicas usualmente são adquiridas pela aspiração da microbiota nasofaríngea (20% dos adultos hospedam S. pneumoniae na garganta). Antes da descoberta dos antibióticos, as pneumonias pneumocócicas envolviam a quase totalidade ou 100% dos lobos, evoluindo através de quatro estágios: congestão, hepatização vermelha, hepatização cinza e resolução. A antibioticoterapia precoce altera ou para a progressão típica.
No primeiro estágio denominado congestão, o(s) lobo(s) afetado(s) está(ão) pesado(s), vermelho(s) e úmido(s); histologicamente, observa-se congestão vascular com fluido proteináceo, neutrófilos disseminados e muitas bactérias nos alvéolos. Em alguns dias, sobrevém o estágio de hepatização vermelha caracterizado por lobos pulmonares com consistência hepática; os espaços alveolares estão preenchidos por neutrófilos, eritrócitos e fibrina (Fig. 12-32, A). No próximo estágio, denominado hepatização cinza, os pulmões estão secos, cinza e firmes, uma vez que os eritrócitos foram lisados e o exsudato fibrinossupurativo persiste no interior dos alvéolos (Fig. 12-33; Fig. 12-32, B). A resolução ocorre nos casos não complicados à medida que os exsudatos no interior dos alvéolos são digeridos enzimaticamente para produzir debris granulares e semifluidos que são reabsorvidos, fagocitados por macrófagos, expelidos pela tosse ou organizados por fibroblastos que proliferam em seu interior (Fig. 12-32, C). Semelhantemente, a reação pleural (pleurite fibrinopurulenta ou fibrinosa) pode resolver-se ou organizar-se, deixando espessamentos fibrosos ou adesões permanentes. No padrão broncopneumônico, os focos de consolidação inflamatória estão distribuídos em um ou mais lobos, mais frequentemente, em padrões bilateral e basal. Lesões bem desenvolvidas de até 3-4 cm em diâmetro estão discretamente elevadas e são cinza-vermelhas a amarelas; em casos severos pode ocorrer a confluência de tais focos, conferindo um aspecto de distribuição lobar. O tecido pulmonar adjacente que circunda as áreas de consolidação está usualmente hiperêmico e edematoso, porém as áreas intervenientes estão geralmente normais. O envolvimento pleural é menos comum em relação à pneumonia lobar. Microscopicamente, a reação consiste em exsudação supurativa que preenche os brônquios, bronquíolos e espaços alveolares adjacentes. A completa resolução das lesões pulmonares em ambos os tipos de pneumonia pneumocócica é possível com terapia apropriada; entretanto, podem ocorrer complicações: (1) a destruição e a necrose tecidual podem levar à formação de abcessos; (2) exsudato supurativo pode acumular-se na cavidade pleural, levando ao empiema; (3) a organização do exsudato intra-alveolar pode converter áreas pulmonares em tecido fibroso sólido; e (4) a disseminação bacteriana pode levar à meningite, artrite ou endocardite infecciosa. As complicações são mais frequentes com pneumococos do sorotipo 3.
O exame do esputo mediante a coloração de Gram é um importante passo no diagnóstico da pneumonia aguda. A presença de numerosos neutrófilos contendo diplococos tipicamente gram-positivos em forma de lança é uma boa evidência de pneumonia pneumocócica; entretanto, resultados falso-positivos podem ocorrer com tal método, uma vez que o S. pneumoniae faz parte da microbiota endógena. O isolamento de pneumococos de cultura microbiológica do sangue é mais específico. Durante as fases iniciais da doença, as culturas microbiológicas do sangue podem ser positivas em 20-30% dos pacientes com pneumonia. Sempre que possível, a sensibilidade aos antibióticos deve ser determinada. Vacinas antipneumococos contendo polissacarídeos capsulares dos sorotipos mais comuns de bactéria estão comercialmente disponíveis; sua eficácia comprovada dita sua utilização em pessoas sob risco de infecção pneumocócica.
Infecções pulmonares alto risco de morte em crianças, frequentemente após infecção respiratória viral. 2V DGXOWRV VRE ULVFR GH GHVHQYROYHU LQIHFo}HV LQFOXHP
aqueles com doenças pulmonares crônicas, como bronquite crônica, fibrose cística e bronquiectasia. H. influenzae é a causa bacteriana mais comum de exarcebação aguda da DPOC. $QWLJDPHQWHDYDULDQWHHQFDSVXODGDGRH. Influenzae tipo b constituía importante causa de epiglotite e meningite supurativa em crianças, porém a vacinação contra tal microrganismo na infância tem diminuído significativamente o risco.
Moraxella catarrhalis
M. catarrhalis vem sendo reconhecida como causa de pneumonia bacteriana, especialmente em pessoas idosas.
eDVHJXQGDFDXVDEDFWHULDQDPDLVFRPXPGHH[DUFHEDomR
aguda de DPOC em adultos. S. pneumoniae e H. influenzae, a M. catarrhalis constitui uma das três causas mais comuns de otite média (infecção do ouvido médio) em crianças.
-XQWDPHQWHFRP
Staphylococcus aureus
S. aureus é uma importante causa de pneumonia bacteriana secundária em crianças e adultos hígidos após doenças respiratórias (p.ex., sarampo em crianças e influenza em adultos e crianças).
$SQHXPRQLDHVWDILORFyFLFDHVWiDVVRFLDGDjDOWDLQFLGrQFLD
de complicações, como abcesso e empiema pulmonar.
$SQHXPRQLDHVWDILORFyFLFDHPDVVRFLDomRjHQGRFDUGLWHHV
tafilocócica direita constitui uma séria complicação do abuso de drogas intravenosas. eWDPEpPLPSRUWDQWHFDXVDGHSQHXPRQLDQRVRFRPLDOGLVcutida adiante).
Klebsiella pneumoniae $
Klebsiella pneumoniae é a causa mais frequente de pneumonia por bactérias gram-negativas.
Figura 12-32 A, Pneumonia aguda. Capilares septais congestos e exsudação de neutrófilos excessiva no interior dos alvéolos correspondem à fase de hepatização vermelha precoce. Os ninhos de fibrina ainda não foram formados. B, Estágio precoce da organização dos exsudatos intra-alveolares observados nas áreas de contato entre os poros de Kohn (seta). C, Pneumonia avançada em organização caracterizada pela transformação dos exsudatos em massas fibromixoides ricamente infiltradas por macrófagos e fibroblastos.
Pneumonias Causadas por Outros Importantes Patógenos Outros microrganismos comumente implicados nas pneumonias agudas adquiridas em comunidade são os seguintes.
+DHPRSKLOXVLQÁXHQ]DH $VIRUPDVHQFDSVXODGDHQmRHQFDSVXODGDVmRLPSRUWDQWHV
causas de pneumonias adquiridas em comunidade. As não encapsuladas podem causar uma forma de pneumonia com
Figura 12-33 Vista macroscópica da pneumonia lobar com hepatização cinza. O lobo inferior está uniformemente consolidado.
489
490 C A P Í T U L O 12 Pulmão $SQHXPRQLDUHODFLRQDGDj
Klebsiella frequentemente acomete pessoas debilitadas e malnutridas, em particular os alcoólatras crônicos.
2HVSXWRHVSHVVRHJHODWLQRVRpFDUDFWHUtVWLFRSRLVRPLFURU
ganismo produz um polissacarídeo capsular abundante e víscido que o paciente pode ter dificuldade em expelir pela tosse.
Pseudomonas aeruginosa (PERUDGLVFXWLGRDTXLQDVHomRGHSDWyJHQRVDGTXLULGRVHP
comunidade devido a sua associação a infecções na fibrose cística, a P. aeruginosa é vista mais comumente no âmbito nosocomial (discutido adiante). $SQHXPRQLDSRUPseudomonas também é comum em pessoas com neutropenia usualmente secundária à quimioterapia, em vítimas de queimaduras extensas e em pacientes que requerem ventilação mecânica. $ P. aeruginosa apresenta propensão a invadir os vasos sanguíneos no local da infecção com consequente disseminação extrapulmonar; a bacteremia por Pseudomonas é uma doença fulminante, com o óbito ocorrendo em questão de dias. 2H[DPHKLVWROyJLFRUHYHODQHFURVHFRDJXODWLYDGRSDUrQTXLma pulmonar com os microrganismos invadindo as paredes dos vasos sanguíneos necróticos (vasculite por Pseudomonas).
Legionella pneumophila $
L. pneumophila é o agente etiológico da doença dos legionários, um epônimo das formas epidêmicas e esporádicas de pneumonia causada por esse microrganismo. A febre de Pontiac é uma infecção do trato respiratório superior, autolimitante e relacionada com a infecção por L. pneumophila, porém sem os sintomas pneumônicos. A L. pneumophila prolifera em ambientes aquáticos artificiais, como torres de resfriamento de água e nos canos do sistema doméstico de abastecimento de água potável. Acredita-se que o modo de transmissão seja por inalação de microrganismos aerossolizados ou aspiração de água contaminada. $SQHXPRQLDSRULegionella é comum em pessoas com alguma condição predisponente, como doença cardíaca, renal, imunológica ou hematológica. Os receptores de órgãos transplantados são particularmente suscetíveis. $SQHXPRQLDSRULegionella pode ser muito severa, frequentemente necessitando de hospitalização; pacientes imunossuprimidos podem ter taxa de fatalidade de 30-50%. 2GLDJQyVWLFRUiSLGRpIDFLOLWDGRSHODGHPRQVWUDomRGHDQtígenos de Legionella na urina ou por um teste de anticorpo fluorescente positivo nas amostras de esputo; o cultivo é a modalidade de teste diagnóstico-padrão. Testes baseados em PCR podem ser utilizados em secreções brônquicas nos casos atípicos.
Pneumonias Atípicas Adquiridas em Comunidade O nome pneumonia atípica primária foi aplicado inicialmente para uma doença respiratória febril aguda caracterizada por alterações inflamatórias pulmonares focais, largamente confinadas ao septo alveolar e interstício pulmonar. A designação atípica denota a quantidade moderada de esputo, ausência de achados físicos de consolidação, elevação moderada da contagem de leucócitos e ausência de exsudatos alveolares. A pneumonia atípica é causada por uma variedade de microrganismos; o mais comum é o Mycoplasma pneumoniae. As infecções por Mycoplasma são particularmente comuns entre crianças e adultos
jovens, ocorrendo esporadicamente ou como epidemias locais em comunidades fechadas (escolas, campos militares, prisões). Outros agentes etiológicos incluem os vírus influenza tipos A e B, vírus sinciciais respiratórios, metapneumovírus humano, adenovírus, rinovírus, vírus da rubéola e varicela, além de Chlamydia pneumoniae e Coxiella burnetii (agente da febre Q) (Tabela12-6). Quase todos os agentes citados também podem causar uma infecção primária do trato respiratório superior (“resfriado comum”). O mecanismo patogênico comum é a aderência dos microrganismos ao epitélio respiratório seguido de necrose das células e resposta inflamatória. Nos casos em que o processo estende-se aos alvéolos, usualmente há inflamação intersticial, porém o acúmulo de efusão nos espaços alveolares pode mimetizar pneumonia bacteriana nas radiografias de tórax. O dano e a desnudação do epitélio respiratório inibem a limpeza mucociliar e predispõem a infecções bacterianas secundárias. As infecções virais do trato respiratório são complicações bem conhecidas. Infecções mais sérias do trato respiratório inferior têm maior probabilidade de ocorrer em crianças, idosos, pacientes malnutridos, alcoólatras e imunocomprometidos. De forma não surpreendente, vírus e micoplasmas frequentemente estão envolvidos em surtos de infecções em hospitais.
MORFOLOGI A Os padrões morfológicos nas pneumonias atípicas são similares, independentemente da causa. O processo pode ser focal ou envolver a totalidade dos lobos bilateral ou unilateralmente. Macroscopicamente, as áreas acometidas estão vermelho-azuis, congestas e subcrepitantes. O exame histológico revela reação inflamatória largamente confinada no interior das paredes dos alvéolos (Fig. 12-34). Os septos estão ampliados e edematosos, além de conter um infiltrado inflamatório de linfócitos, histiócitos e, ocasionalmente, plasmócitos. Ao contrário das pneumonias bacterianas, os espaços alveolares nas pneumonias atípicas estão livres de exsudato celular. Entretanto, nos casos severos, pode desenvolver-se dano alveolar difuso maduro com formação de membrana hialina. Em casos menos severos e não complicados, o abrandamento da doença é seguido da reconstituição da arquitetura original. A infecção bacteriana superimposta, como esperado, resulta em características histológicas mistas.
Características Clínicas A evolução clínica da pneumonia atípica primária é extremamente variável. A pneumonia atípica primária pode mimetizar uma infecção severa do trato respiratório superior ou “peito resfriado” que continua não diagnosticada, ou manifestar-se como infecção com risco de morte iminente em pacientes imunocomprometidos. Usualmente, a apresentação clínica inicial está relacionada com uma doença febril não específica caracterizada por febre, dor de cabeça e mal-estar; mais tarde, sobrevém a tosse com mínima quantidade de esputo. O edema e a exsudação localizam-se em posição estratégica causando bloqueio alveolocapilar, podendo levar a angústia respiratória aparentemente fora de proporção com os achados físicos e radiográficos. A identificação do agente causal pode ser difícil. Os testes direcionados aos antígenos de Mycoplasma e a reação em cadeia da
Infecções pulmonares uma pandemia que afetou mais de meio milhão de pacientes, com mais de 6.200 óbitos até novembro de 2009. A maioria dos pacientes apresenta apenas doença autolimitante em que a replicação viral é limitada à faringe e à árvore traqueobrônquica. A pneumonia ocorre nos casos severos. Doenças concomitantes, como obesidade, doença cardíaca e DPOC, são vistas nos casos fatais. Diferentemente da influenza sazonal,pela qual os pacientes idosos apresentam maior risco de morte, a pandemia de H1N1 levou ao óbito poucos pacientes acima dos 60 anos de idade, sugerindo que a imunidade é alcançada mediante a exposição prévia. Os achados anatomopatológicos incluem traqueobronquite aguda, bronquiolite, dano alveolar difuso, trombose pulmonar e hemorragia alveolar. Além disso, quase metade apresenta superinfecção bacteriana.
Figura 12-34 Pneumonia viral. As paredes alveolares espessadas estão infiltradas por linfócitos e alguns plasmócitos que estão penetrando nos espaços alveolares. Note as áreas focais de edema alveolar no centro e fibrose precoce no canto superior direito.
polimerase (PCR) para o DNA de Mycoplasma estão disponíveis. Em termos práticos, os pacientes com pneumonia adquirida em comunidade, nos quais a infecção bacteriana é improvável, são tratados com antibióticos macrolídeos efetivos contra Mycoplasma e Chlamydia pneumoniae, uma vez que ambos os patógenos são os mais comumente implicados na produção de doença tratável.
,QIHFo}HVSRU,QÁXHQ]D Uma epidemia por influenza talvez seja a doença cuja notificação cause um dos maiores estresses públicos no mundo desenvolvido. O vírus da influenza é um vírus de fita simples de RNA delimitado por nucleoproteínas que determinam o tipo viral — A, B ou C. A superfície esférica do vírus é composta por uma bicamada lipídica contendo a hemaglutinina viral e a neuraminidase que determina o subtipo (p.ex., H1N1, H3N2). Os anticorpos do hospedeiro contra a hemaglutinina e a neuraminidase previnem e melhoram, respectivamente, futuras infecções com o vírus da influenza. Os vírus do tipo A infectam seres humanos, suínos, equinos e aves, e são considerados a maior causa de infecções pandêmicas e epidêmicas por influenza. As epidemias por influenza ocorrem mediante mutações nos antígenos hemaglutinina e neuraminidase, que permitem que os vírus escapem da maioria dos anticorpos do hospedeiro (drift antigênico). As pandemias, que apresentam maior duração e extensão em relação às epidemias, podem ocorrer quando a hemaglutinina e a neuraminidase são substituídas através da recombinação de segmentos do RNA com vírus de animais, tornando todos os animais suscetíveis ao novo vírus da influenza (shift antigênico). Vacinas comerciais conferem proteção relativa contra a doença, especialmente em crianças vulneráveis e idosos. Um subtipo em particular de influenza aviária — “gripe aviária” causada pela cepa H5N1 — tem causado surtos maciços em aves domésticas em regiões do sudeste da Ásia nos últimos anos; a cepa é particularmente perigosa, uma vez que tem o potencial de “pular” para a espécie humana e causar uma pandemia mundial de influenza.
,QIHFomRSRU9tUXVGD,QÁXHQ]D7LSR$+1 Em março de 2009, um novo vírus da influenza A originado em suínos e denominado cepa H1N1 foi identificado e disseminou-se nos Estados Unidos e no restante do mundo, gerando
RESUM O Pneumonias Agudas S. pneumoniae (pneumococos) é a causa mais comum de pneumonia adquirida em comunidade; a inflamação apresenta distribuição lobar. de quatro estágios: congestão, hepatização vermelha, hepatização cinza e resolução. dade incluem H. influenzae e M. catarrhalis (ambas associadas a exarcebações agudas da DPOC), S. aureus (usualmente secundário a infecções respiratórias virais, K. pneumoniae (observada em pacientes alcoólatras crônicos), P. aeruginosa (visto em pacientes com fibrose cística, vítimas de queimaduras e pacientes com neutropenia) e L. pneumophila, observada principalmente em receptores de transplantes de órgãos. pneumonias atípicas são caracterizadas por angústia respiratória não condizente com os sinais clínicos e radiográficos, e por inflamação confinada ao septo alveolar; geralmente, os alvéolos estão limpos. fecções por M. pneumoniae, vírus da influenza tipos A e B, metapneumovírus humano, C. pneumoniae e C. burnetti (agente da febre Q).
Pneumonias Adquiridas em Hospital As pneumonias nosocomiais ou adquiridas em hospital são definidas como infecções pulmonares adquiridas durante a internação hospitalar. O espectro das pneumonias nosocomiais envolve enormes gastos em cuidados à saúde, além dos impactos adversos no desfecho das doenças. As infecções nosocomiais são comuns em pacientes hospitalizados portadores de doenças subjacentes e severas, imunossuprimidos e aqueles sob regime de antibioticoterapia prolongado. Os pacientes sob ventilação mecânica representam um grupo de alto risco; as infecções adquiridas por este último grupo são designadas pneumonia associada à ventilação mecânica. Bastonetes gram-negativos (membros da família Enterobacteriaceae e
491
492 C A P Í T U L O 12 Pulmão Pseudomonas spp.) e S. aureus são os isolados mais comuns; diferentemente das pneumonias adquiridas em comunidade, o S. pneumoniae não é o principal patógeno nas infecções nosocomiais.
casos são o isolado predominante. Os anaeróbios mais frequentemente encontrados são comensais da cavidade oral, principalmente as espécies de Prevotella, Fusobacterium, Bacteroides, Peptostreptococcus e estreptococos microaerófilos.
Pneumonia por Aspiração A pneumonia por aspiração ocorre em pacientes debilitados ou naqueles que aspiram conteúdo gástrico enquanto se encontram em estado de inconsciência (p.ex., após uma convulsão) ou durante episódios repetitivos de êmese. Tais pacientes apresentam reflexos da deglutição anormais que facilitam a aspiração. A pneumonia resultante é, em parte, química devido aos efeitos irritantes do ácido gástrico e, em parte, bacteriana. Embora se acredite que haja predomínio de bactérias anaeróbias, estudos recentes têm demonstrado que as aeróbias são mais predominantes (Tabela12-6). A pneumonia por aspiração é comumente necrosante, apresenta evolução clínica fulminante e é uma causa de óbito frequente em pessoas predispostas à aspiração. A formação de abcesso é uma complicação comum nos pacientes que sobrevivem. Ao contrário, a microaspiração ocorre em muitas pessoas, especialmente aquelas com refluxo gastroesofágico, podendo exarcebar outras doenças pulmonares; entretanto, não leva à pneumonia.
Abcessos Pulmonares Abcessos pulmonares referem-se a uma área localizada de necrose supurativa presente no parêquima pulmonar e que resulta na formação de uma ou mais grandes cavidades. O nome pneumonia necrosante tem sido usado para descrever um processo similar que resulta em múltiplas cavidades pequenas; a pneumonia necrosante frequentemente coexiste ou evolui para abcessos pulmonares, tornando a distinção arbitrária. Os agentes etiológicos podem ser introduzidos nos pulmões por qualquer dos mecanismos a seguir descritos: Aspiração de material infeccioso de dentes cariados, seios ou tonsilas infeccionados, particularmente durante cirurgias orais, anestesia, coma, intoxicação alcoólica e em pacientes debilitados que apresentam diminuição dos reflexos da tosse. Aspiração de conteúdo gástrico, usualmente acompanhado por microrganismos infecciosos da orofarínge. Como complicação de pneumonias bacterianas necrosantes, particularmente aquelas causadas por S. aureus, Streptococcus pyogenes, K. pneumoniae, Pseudomonas spp. e, mais raramamente, pneumococos do tipo 3. Infecções micóticas e bronquiectasia também podem levar à formação de abcessos pulmonares. Obstrução brônquica, particularmente nos carcinomas broncogênicos obstruindo brônquios ou bronquíolos. Drenagem prejudicada, atelectasia distal e aspiração de sangue e fragmentos neoplásicos contribuem para o desenvolvimento dos abcessos. Os abcessos podem formar-se também nas porções necróticas de um tumor. Embolia séptica originária de tromboflebite séptica ou endocardite infecciosa do lado direito do coração. $GHPDLVRVDEFHVVRVSXOPRQDUHVSRGHPVHUUHVXOWDQWHVGD
disseminação hematógena de bactérias em infecções piogênicas generalizadas. A última condição ocorre mais comumente na bacteremia estafilocócica e frequentemente resulta em múltiplos abcessos pulmonares. Bactérias anaeróbias estão presentes em quase todos os abcessos pulmonares, algumas vezes em grande número; em um terço a dois terços dos
MORFOLOGI A O diâmetro dos abcessos varia de poucos milímetros até grandes cavidades com 5-6 cm. A localização e o número de abcessos dependem do seu modo de desenvolvimento. Os abcessos pulmonares resultantes de aspiração de material infectante são muito mais comuns no lado direito (vias áereas mais verticais), e a maioria é solitária No lado direito tendem a ocorrer no segmento posterior do lobo superior e nos segmentos apicais do lobo inferior; tais localizações refletem o curso provável do material aspirado quando o paciente está em recumbência. Os abcessos que se desenvolvem durante o curso de uma pneumonia ou bronquiectasia comumente são múltiplos, basais e disseminados. Êmbolos sépticos e abcessos que surgem de implantação hematógena são comumente múltiplos e podem acometer qualquer região dos pulmões. À medida que o foco de supuração aumenta, inevitavelmente ocorre a ruptura no interior das vias aéreas. Portanto, o exsudato pode ser parcialmente drenado e produzir um nível ar-fluido no exame radiográfico. Ocasionalmente, ocorre ruptura dos abcessos na cavidade pleural, produzindo fístulas broncopleurais e consequente pneumotórax ou empiema. Outras complicações surgem da embolização de material séptico no cérebro, que gera meningite ou abcessos cerebrais. O exame histológico revela um foco supurativo circundado por quantidade variável de cicatrização fibrosa e infiltração por células mononucleares (linfócitos, plasmócitos, macrófagos), dependendo da cronicidade da lesão.
Características Clínicas As manifestações de um abcesso pulmonar estão muito mais relacionadas com a bronquiectasia e incluem tosse proeminente que normalmente rende copiosa quantidade de esputo malcheiroso, purulento ou sanguinolento; ocasionalmente, ocorre hemoptise. Febre em picos e mal-estar são comuns. Baqueteamento dos dedos, perda de peso e anemia podem ocorrer. Abcessos infectantes ocorrem em 10-15% dos pacientes com carcinoma broncogênico; portanto, quando há suspeita de abcesso em pacientes idosos, deve-se considerar a presença de carcinoma broncogênico concomitante. A amiloidose secundária (Capítulo4) pode desenvolver-se em casos crônicos. O tratamento inclui antibioticoterapia e drenagem cirúrgica, se necessário. A taxa de mortalidade geral é de 10%.
Pneumonias Crônicas A pneumonia crônica é frequentemente uma lesão localizada e ocorre em pacientes imunocomprometidos, com ou sem envolvimento dos linfonodos regionais. Tipicamente, há uma inflamação granulomatosa bacteriana (p.ex., M. tuberculosis) ou fúngica. A disseminação do microrganismo causador e a piora da doença são comuns em pacientes imunocomprometidos,
Infecções pulmonares como aqueles com doenças debilitantes, regimes imunosupressores ou infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV) (ver adiante). A tuberculose é de longe a mais importante entidade no espectro das pneumonias crônicas; a Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que a tubrculose cause 6% dos óbitos mundiais, tornando-a a causa de morte mais comum resultante da infecção com um único agente etiológico.
Tuberculose A tuberculose é uma doença granulomatosa crônica contagiosa, causada pelo Mycobacterium tuberculosis. Comumente, acomete os pulmões, mas pode afetar qualquer órgão ou tecido. Tipicamente, os centros dos granulomas tuberculosos são caracterizados por necrose de caseificação.
Epidemiologia A tuberculose permanece a principal causa de óbitos ao redor do mundo em pessoas privadas em termos econômicos e de saúde. Estima-se que 1,7 bilhão de pessoas estejam infectadas ao redor do mundo, sendo 8-10 milhões de novos casos e três milhões de óbitos por ano. No mundo ocidental, as mortes por tuberculose atingiram o auge em 1800, apresentando decréscimo entre os anos 1800 e 1900. Entretanto, em 1984, o declínio de novos casos estacionou abruptamente devido ao aumento na incidência de tuberculose em pacientes HIV-positivos. Desde 1992, a incidência de tuberculose em pessoas nascidas nos Estados Unidos apresenta declínio em consequência da intensa vigilância em saúde pública e profilaxia da tuberculose entre pacientes imunossuprimidos. Atualmente, estima-se que cerca de 25.000 novos casos de tubrculose ativa surjam nos Estados Unidos anualmente, com aproximadamente 40% em imigrantes de países nos quais a tuberculose é altamente prevalente. A tuberculose prospera em condições de pobreza, aglomeração e doença debilitante crônica. Pessoas idosas são vulneráveis devido à debilidade do sistema imunológico. Nos Estados Unidos, a tuberculose é uma doença de idosos, pobres urbanos, pacientes com AIDS e membros de comunidades menores. Afro-americanos, americanos nativos, inuítes (do Alasca), hispânicos e imigrantes do sudeste da Ásia apresentam maiores taxas de ocorrência em relação àquelas de outros segmentos populacionais. Certos estados mórbidos também aumentam o risco: diabetes melito, linfoma tipo Hodgkin, doença pulmonar crônica (particularmente silicose), insuficiência renal crônica, má nutrição, alcoolismo e imunossupressão. Nas áreas do mundo nas quais a AIDS é prevalente, o HIV tem se tornado o fator de risco isolado mais importante para o desenvolvimento de tuberculose. As condições infecção e doença devem ser diferenciadas. A infecção representa a nidação de um foco com microrganismos que podem ou não causar dano tecidual clinicamente significativo (isto é, doença). Embora outras vias de transmissão possam estar envolvidas, a maioria das infecções é adquirida diretamente de pessoa a pessoa através de gotículas oriundas de uma pessoa ativa para hospedeiros suscetíveis e dispersas no ar. Na maioria das pessoas ocorre um foco assintomático e autolimitante de infecção pulmonar; embora incomum, pode ocorrer tuberculose primária e desenvolvimento de febre e efusão pleural. Geralmente, a única evidência de infecção, se presente, é um minúsculo nódulo fibrocalcífico no local da infecção. Microrganismos podem permanecer viáveis em tais focos por décadas e, possivelmente, durante a vida do hospedeiro. Tais pacientes estão infectados, porém não apresentam doença ativa, e portanto não podem transmitir microrganismos a outras pessoas. Ainda assim, quando há debilidade do sistema imunológico pode haver reativação da infecção, com risco de tornar-se comunicável e, finalmente, da doença com risco de morte.
A infecção por M. tuberculosis tipicamente induz o desenvolvimento de hipersensibilidade retardada que pode ser detectada pelo teste da tuberculina (Mantoux). Após um período de 2-4 semanas após o início da infecção, a injeção intracutânea de 0,1mL de PPD induz uma induração visível e palpável (ao menos 5mm de diâmetro) que atinge o pico em 48-72 horas. Doses maiores de PPD são necessárias para desencadear a reação em alguns casos e, infelizmente em alguns pacientes, a dose-padrão já é suficiente para produzir uma lesão grande e necrosante. O resultado positivo do teste cutâneo de tuberculina significa que há hipersensibilidade mediada por células aos antígenos tuberculínicos. Entretanto, o teste não diferencia entre infecção e doença. Doenças como certas infecções virais, sarcoidose, má nutrição, linfoma de Hodgkin, imunossupressão e (notavelmente) tuberculose ativa grave podem gerar resultados falso-negativos (anergia ao teste cutâneo) e, portanto, constituem uma limitação do teste. Resultados falso-positivos podem advir da infecção com micobactérias atípicas. Cerca de 80% da população em certos países da Ásia e África são tuberculina-positivos. Ao contrário, em 1980, cerca de 5-10% da população dos Estados Unidos era positiva, indicando marcada diferença nas taxas de exposição ao bacilo tuberculínico. Em geral, 3-4% das pessoas previamente não expostas adquirem tuberculose ativa durante o primeiro ano após a “conversão tuberculínica”, e não mais de 15%, após. Portanto, apenas uma pequena fração daqueles que adquirem a infecção desenvolve doença ativa.
Etiologia As micobactérias são bacilos delgados, álcool-ácido resistentes (isto é, possuem alto conteúdo de lipídios complexos que prontamente coram-se pela técnica de Ziehl-Neelsen [fucsina carbol] e subsequentemente resistem à descoloração). O M. tuberculosis hominis é o responsável pela maioria dos casos de tuberculose; o reservatório da doença é tipicamente encontrado em pessoas com doença pulmonar ativa. A trasmissão usualmente é direta e por inalação de microrganismos aerossolizados gerados por expectoração ou exposição a secreções contaminadas oriundas de pessoas infectadas. A tuberculose orofaríngea e intestinal adquirida pela ingestão de leite contaminado com Mycobacterium bovis é rara em nações desenvolvidas, porém ainda é observada em países portadores de bovinos leiteiros tuberculosos e naqueles com venda de leite não pasteurizado. Outras micobactérias, em especial as do complexo Mycobacterium avium, são muito menos virulentas em relação ao M. tuberculosis e raramente causam doença em pessoas imunocompetentes. Entretanto, causam doença em 10-30% dos pacientes com AIDS.
PATOGEN I A A patogenia da tuberculose nas pessoas imunocompetentes e não expostas está relacionada com o desenvolvimento de imunidade mediada por células que confere resistência ao organismo e resulta no desenvolvimento de hipersensibilidade tecidual aos antígenos tuberculares. As características patológicas da tuberculose, como os granulomas caseosos e as cavitações, são resultantes da hipersensibilidade destrutiva tecidual que faz parte da resposta imune parcial do hospedeiro. Uma vez que as células efetoras de ambos os processos são as mesmas, o processo também sinaliza a aquisição de imunidade pelo hospedeiro. A sequência de
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494 C A P Í T U L O 12 Pulmão eventos desde a inalação do inóculo infeccioso até a nidação do foco primário está ilustrada na Fig. 12-35, A e B, e descrita no texto a seguir. } D\PeTi`dTd\PRT_PeXad[T]cPST\XR^QPRcÎaXPVP]WP acesso aos endossomos dos macrófagos (um processo mediado por diversos receptores, incluindo o receptor de manose dos macrófagos e receptores de complemento que reconhecem diversos componentes da parede celular micobacteriana), o microrganismo é capaz de inibir as respostas microbicidas normais, prevenindo a fusão dos lisossomos com os vacúolos fagocíticos. A prevenção da formação dos fagossomos permite a proliferação micobacteriana não controlada. Portanto, a fase mais precoce da tuberculose (primeiras três semanas) no paciente não sensibilizado é caracterizada por proliferação bacilar no interior dos macrófagos alveolares e espaços aéreos com bacteremia e nidação de múltiplos locais. Apesar da bacteremia, a maioria das pessoas nessa fase é assintomática ou apresenta doença similar a uma gripe discreta. } >_Ta [VT]ÎcXR^S^_PRXT]cT_^STX]dT]RXPaPTe^[dÌÈ^ da doença. Em algumas pessoas com polimorfismo do gene NRAMP1 (natural resistance-associated macrophage protein 1), a doença pode progredir desse ponto sem, no entanto,
uma resposta imune efetiva. O NRAMP1 é uma proteína transportadora de íon transmembrana encontrada em endossomos e lisossomos que, acredita-se, contribua para o efeito microbicida. } > STbT]e^[eX\T]c^ ST imunidade mediada por células ocorre aproximadamente três semanas após a exposição. Os antígenos micobacterianos processados alcançam os linfonodos de drenagem e são apresentados a linfócitos T CD4 pelas células dendríticas e macrófagos. Linfócitos T CD4+ do subtipo TH1 capazes de secretar IFN-g são gerados sob influência da IL-12 secretada de macrófagos. } O IFN-g liberado pelos linfócitos T CD4+ do subtipo TH1 é crucial na ativação de macrófagos. Os macrófagos ativados, por sua vez, liberam uma variedade de mediadores e superexpressam genes com importantes efeitos inibitórios, incluindo (1) TNF, que é responsável pelo recrutamento de monócitos que sofrem ativação e diferenciação em “histiócitos epitelioides” que caracterizam a resposta granulomatosa; (2) expressão do gene de óxido nítrico sintetase induzível (iNOS), que eleva os níveis de óxido nítrico e a atividade antibacteriana no local da infecção; (3) geração de espécies reativas de oxigênio que podem ter atividade antibacteriana. Lembre que o óxido
Figura 12-35 Sequência de eventos na história natural da tuberculose pulmonar primária. A sequência começa com a inalação de cepas virulentas de Mycobacterium e culmina no desenvolvimento de imunidade e hipersensibilidade retardada. A, Eventos que ocorrem nas três primeiras semanas após a exposição. B, Eventos após. O desenvolvimento de resistência ao microrganismo é acompanhado pela conversão positiva do teste cutâneo à tuberculina. Células e bactérias não estão em escala. IFN-g, interferon g; iNOS, sintetase induzível de óxido nítrico; MHC, complexo maior de histocompatibilidade; MTB, Mycobacterium tuberculosis; NRAMP1, gene codificante para natural resistance-associated macrophage protein 1; TNF, fator de necrose tumoral.
Infecções pulmonares nítrico é um potente agente oxidante que resulta na geração de intermediários reativos do nitrogênio e outros radicais livres capazes de destruição oxidativa de diversos constituintes micobacterianos compreendidos entre a parede celular até o DNA. } 3TUTXc^bT\`dP[`dTad\S^b_Pbb^bSPaTb_^bcPC H1 (incluindo IL-12, IFN-g, TNF ou a produção de óxido nítrico) resultam em granulomas pobremente formados, ausência de resistência e progressão da doença. Pessoas com mutações herdadas em qualquer componente da via T H1 são extremamente suscetíveis a infecções por micobactéria. Em resumo, a imunidade à infecção tuberculosa é primariamente mediada por células TH1 que estimulam a atividade bactericida dos macrófagos. A resposta imune, se amplamente efetiva, apresenta um ônus adicional relacionado com a hipersensibilidade e com a destruição tecidual. Reativação da infecção ou reexposição ao bacilo em hospedeiro previamente sensibilizado resulta em mobilização rápida da reação defensiva, porém também aumenta a necrose tecidual. Assim como a hipersensibilidade e a resistência aparecem em paralelo, a perda da hipersensibilidade (indicada pela negatividade à tuberculina em paciente turbeculina-positivo) pode constituir um sinal ominoso do enfraquecimento da resistência ao microrganismo.
Tuberculose Primária A tuberculose primária é uma forma de doença que se desenvolve em pacientes não expostos e, portanto, não sensibilizados. Pessoas idosas e pacientes profundamente imunossuprimidos podem perder a sensibilidade ao bacilo da tuberculose e desenvolver tuberculose primária mais de uma vez. Cerca de 5% desses pacientes novamente infectados adquirem doença siginificativa.
MORFOLOG I A Nos países nos quais a tuberculose bovina e o leite infectado desapareceram, a tuberculose primária quase sempre tem início nos pulmões. Tipicamente, os bacilos inalados implantam-se nos espaços aéreos distais da porção inferior do lobo superior ou porção superior do lobo inferior, usualmente próximo à pleura. À medida que a sensibilização se desenvolve, surge o foco de Ghon, caracterizado por uma área de consolidação inflamatória cinza-branca, medindo 1-1,5 cm. Na maioria dos casos, o centro desse foco sofre necrose caseosa. Os bacilos da tuberculose, livres ou no interior de fagócitos, seguem via drenagem linfática para os linfonodos regionais que também sofrem caseificação. A combinação de lesão parenquimatosa e linfonodal é denominada complexo de Ghon (Fig. 12-36). Durante as primeiras semanas há também disseminação linfática e hematógena para outras partes do corpo. O desenvolvimento de imunidade mediada por células controla a infeção em aproximadamente 95% dos casos. Portanto, o complexo de Ghon sofre fibrose progressiva, frequentemente seguida de calcificação detectável radiologicamente (complexo de Ranke) e, apesar da nidação de outros órgãos, não há desenvolvimento de lesões.
Figura 12-36 Tuberculose primária pulmonar; complexo de Ghon. O foco parenquimatoso cinza-branco (seta) está abaixo da pleura na porção inferior do lobo superior. Os linfonodos hilares com caseificação são visíveis à esquerda.
No exame histológico, os locais de envolvimento ativo são marcados por uma reação inflamatória granulomatosa característica que forma granulomas caseosos e não caseosos (Fig. 12-37, A e C ), que consistem em histiócitos epitelioides e células gigantes multinucleadas. As principais consequências da tuberculose primária (1) estão relacionadas com a indução de hipersensibilidade e aumento da resistência; (2) os focos de cicatrização podem portar bacilos viáveis por anos, talvez por toda a vida, e portanto constituir o ninho para a reativação posterior em condições de comprometimento da função imune do hospedeiro; e (3) incomumente, pode levar à tuberculose primária progressiva. Essa complicação ocorre em pacientes imunocomprometidos ou com diminuição inespecífica das defesas do hospedeiro, como a má nutrição em crianças e a idade em idosos. Certos grupos raciais, como os inuítes, também são mais propensos ao desenvolvimento de tuberculose primária progressiva. A incidência de tuberculose primária progressiva é particularmente alta em pacientes HIV-positivos com grau avançado de imunossupressão (isto é, contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 200células/mL). A imunossupressão resulta em inabilidade de montar uma reação imunológica mediada por linfócitos T CD4+ capaz de conter o foco primário; uma vez que a hipersensibilidade e a resistência são quase sempre fatores concomitantes, a ausência de reação de
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Figura 12-37 Espectro morfológico da tuberculose. A e B, Tubérculo característico no menor aumento (A) e no maior aumento (B) demonstra caseificação granular central circundada por células epitelioides e gigantes multinucleadas. Essa é a resposta usual observada em pacientes que desenvolveram resposta imune mediada por células. Detalhe: Coloração por corante específico demonstra raros microrganismos álcool-ácido resistentes positivos. C, Ocasionalmente, mesmo em pacientes imunocomprometidos, os granulomas tuberculínicos podem não demonstrar caseificação central; portanto, independentemente da presença ou ausência de necrose caseosa, é indicada a utilização de colorações especiais para microrganismos álcool-ácido resistentes nos casos em que há granulomas. D, Nessa amostra de um paciente imunossuprimido, podem ser observados mantos de macrófagos epitelioides preenchidos por bactérias álcool-ácido resistentes.
hipersensibilidade tecidual resulta na ausência dos granulomas caseosos característicos (tuberculose não reativa) (Fig.12-37, D).
Tuberculose Secundária (Tuberculose Reativada) A tuberculose secundária é um padrão de doença que surge em hospedeiros previamente sensibilizados. A tuberculose secundária pode surgir logo após a primária, porém, mais comumente, surge da reativação de lesões primárias dormentes muitas décadas após a infecção inicial, particularmente quando há queda na resistência do hospedeiro. Também pode surgir após a reinfecção exógena devido à queda na proteção proporcionada pela doença primária ou devido à inoculação de um grande inóculo de bacilos virulentos. Independentemente da origem do microrganismo, poucos pacientes (menos de 5%) com a doença primária desenvolvem tuberculose secundária subsequente. Classicamente, a tuberculose pulmonar secundária localiza-se no ápice de um ou ambos os lobos superiores.A razão é obscura, porém pode estar relacionada com a alta pressão parcial de oxigênio nos ápices. O bacilo incita uma resposta tecidual rápida e marcada que tende a não se restringir ao foco. Como resultado dessa localização, os linfonodos regionais apresentam envolvimento menor nos estágios iniciais da doença quando comparada à
tuberculose primária. Por outro lado, a ocorrência de cavitação na forma secundária é rápida, induzindo à erosão das vias aéreas e disseminação aerógena. Tais alterações tornam-se uma importante fonte de infecção, uma vez que agora o paciente produz esputo com bacilos. A tuberculose secundária deve sempre ser uma importante consideração em pacientes HIV-positivos e que apresentem doença pulmonar. É importante destacar que, embora exista um risco aumentado de tuberculose em todos os estágios da AIDS, as manifestações estão relacionadas com o grau de imunossupressão. Por exemplo, pacientes com imunossupressão menos severa (contagem de linfócitos T CD4+ maiores que 300células/mm3) apresentam tuberculose secundária “usual” (doença apical com cavitação), enquanto aqueles com imunossupressão mais avançada (contagem de linfócitos T CD4+ abaixo de 200 células/mm3) comportam-se clinicamente como pacientes com tuberculose primária progressiva (consolidação de lobos médios e inferiores, linfadenopatia hilar e doença não cavitária). A extensão da imunossupressão também determina a frequência do envolvimento, que chega a 10-15% em pacientes com imunossupressão mediana até mais de 50% naqueles com deficiência imune severa.
Infecções pulmonares
MORFOLOG I A A lesão inicial, geralmente, é um pequeno foco de consolidação, menor que 2 cm de diâmetro, com 1-2 cm abaixo da pleura apical. Tais focos são nitidamente circunscritos, firmes, branco-acinzentados a amarelados, com quantidade variável de caseificação central e fibrose periférica. Em casos favoráveis, o foco inicial do parênquima sofre encapsulamento fibroso progressivo, deixando apenas cicatrizes fibrocalcificadas. Histologicamente, as lesões ativas mostram tubérculos característicos coalescentes com caseificação central. Embora os bacilos possam ser demonstrados por métodos apropriados em fases iniciais de formação de granulomas exsudativos e caseosos, é geralmente impossível achá-los mais tarde, em estágios fibrocalcificados. A tuberculose pulmonar secundária, apical, localizada, pode curar espontaneamente ou depois da terapia, resultando em fibrose, ou a doença pode progredir e se estender por várias vias diferentes. Tuberculose pulmonar progressiva pode surgir. A lesão apical aumenta com a expansão da área de caseificação. A erosão em um brônquio evacua um centro caseoso, criando uma irregularidade, a cavidade irregular é forrada por material caseoso e grosseiramente circundada por tecido fibroso (Fig. 12-38). A erosão de vasos sanguíneos resulta em hemoptise. Com o tratamento adequado, o processo pode ser debelado, embora a cura por fibrose frequentemente deforme a arquitetura pulmonar. Cavidades irregulares, agora livres de necrose caseosa, podem permanecer ou colapsar na fibrose circundante. Se o tratamento é inadequado ou se as defesas do hospedeiro são prejudicadas, a infecção pode se espalhar por expansão direta, por meios de disseminação através das vias aéreas, canais linfáticos ou sistema vascular. Doença pulmonar miliar ocorre quando o organismo é drenado através dos ductos linfáticos, que desembocam no retorno venoso para o lado direito do coração e daí para as artérias pulmonares. Lesões individuais são focos microscópicos ou pequenos, visíveis (2 mm) de consolidação amarelo-branca espalhados através do parênquima pulmonar (a palavra miliar é derivada desses focos, que se assemelham a sementes de milho). Com a tuberculose pulmonar progressiva, a cavidade pleural está invariavelmente envolvida e pode desenvolver
efusões pleurais serosas, empiema tuberculoso ou pleurite fibrosa obliterante. Tuberculose laríngea, endotraqueal e endobrônquica pode se desenvolver quando material infeccioso é disseminado através dos canais linfáticos ou é expectorado. O revestimento mucoso pode ser avaliado minuciosamente, mas às vezes as lesões somente aparecem no exame microscópico. Tuberculose miliar sistêmica segue-se quando os organismos se disseminam através do sistema arterial sistêmico para quase todos os órgãos do corpo. Os granulomas são os mesmos dos pulmões. A tuberculose miliar é mais proeminente no fígado, medula óssea, baço, suprarrenais, meninges, rins, tubas uterinas e epidídimo (Fig. 12-39). A tuberculose em órgão isolado pode aparecer em qualquer órgão ou tecido semeado hematogenicamente e ser a única manifestação apresentada na tuberculose. Os órgãos tipicamente envolvidos incluem meninges (meningite tuberculosa), rins (tuberculose renal), suprarrenais, ossos (osteomielite) e tubas uterinas (salpingite). Quando as vértebras são afetadas, a condição é referida como doença de Pott. Abcessos paravertebrais seguem ao longo dos planos de tecidos e se apresentam como massa pélvica ou abdominal. Linfadenite é a mais frequente forma de tuberculose extrapulmonar, geralmente ocorrendo na região cervical (“escrófula”). A linfadenopatia tende a ser unifocal, e a maioria dos pacientes não tem doença extranodal concorrente. Pacientes HIV-positivos, entretanto, quase sempre têm doença multifocal, sintomas sistêmicos e envolvimento pulmonar ou em outro órgão pela tuberculose ativa. Em tempos passados, a tuberculose intestinal contraída pela ingestão de leite contaminado foi bastante comum como foco de tuberculose primária. Entretanto, hoje, em países desenvolvidos, a tuberculose intestinal é mais frequentemente uma complicação da tuberculose secundária avançada prolongada, secundária ao ato de engolir o material infeccioso pela tosse. Tipicamente, os organismos estão presos em agregados linfoides das mucosas dos intestinos delgado e grosso, que então desenvolvem infiltrado inflamatório, com ulceração da mucosa sobrejacente, particularmente no íleo. Os muitos padrões de tuberculose são retratados na Figura 12-40.
Figura 12-38 Tuberculose pulmonar secundária. As partes superiores de ambos os pulmões apresentam áreas de caseificação cinza-esbranquiçadas e de amolecimento onde se observam cavitações.
Figura 12-39 Tuberculose miliar do baço. A superfície de corte mostra numerosos granulomas cinza-esbranquiçados.
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Figura 12-40 História natural e espectro da tuberculose. (Adaptada de um esboço fornecido pelo Dr. R. K. Kumar, The University of New South Wales, School of Pathology, Sydney, Austrália.)
Características Clínicas A tuberculose secundária localizada pode ser assintomática. Quando as manifestações aparecem, elas são geralmente insidiosas no começo, com desenvolvimento gradual de sinais e sintomas sistêmicos e locais. Manifestações sistêmicas provavelmente relacionadas com a liberação de citocinas por macrófagos ativos (p.ex., TNF e IL-1) frequentemente aparecem cedo no curso da doença e incluem mal-estar, anorexia, perda de peso e febre. Comumente, ocorre febre de baixo grau. Com o envolvimento pulmonar progressivo, aumenta a quantidade de escarros, que inicialmente se apresenta mucoide e mais tarde purulento. Quando a cavitação está presente, o escarro contém bacilos tuberculosos. Alguns graus de hemoptise estão presentes em cerca da metade de todos os casos de tuberculose pulmonar. A dor pleurítica pode resultar da extensão de infecções das superfícies pleurais. Manifestações extrapulmonares de tuberculose dependem do sistema do órgão envolvido (p.ex., salpigite tuberculosa pode se manifestar com infertilidade, meningite tuberculosa com dor de cabeça e déficits neurológicos, doença de Pott com dor nas costas e paraplegia). O diagnóstico de doença pulmonar é baseado, em parte, no histórico e nos achados radiográficos e físicos de consolidação ou cavitação nos ápices dos pulmões. Ultimamente, entretanto, bacilos tuberculosos podem ser identificados.
A mais comum metodologia para o diagnóstico da tuberculose continua sendo a demonstração de organismos ácido-resistentes em escarros por colorações ácido-resistentes ou pelo uso de rodamina auramina fluorescente. Culturas convencionais para micobactérias requerem 10 semanas, mas ensaios radiométricos que detectam metabolismos micobacterianos são capazes de fornecer o resultado em duas semanas. Amplificação por PCR pode ser realizada no meio líquido positivo, bem como nos cortes de tecidos para identificar micobactérias. Entretanto, a cultura permanece a modalidade diagnóstica padrão porque pode identificar ocasionais casos de PCR negativa e também permite teste de suscetibilidade a drogas. Multirresistência a drogas (MRD) é definida como resistência da micobactéria a duas ou mais drogas primárias usadas para o tratamento da tuberculose. É agora mais comumente relatada, e a WHO estima que 50 milhões de pessoas ao redor do mundo podem estar infectadas com micobactérias multirresitentes. O prognóstico para pacientes com tuberculose geralmente é favorável se a infecção está localizada nos pulmões, mas é significativamente pior quando a doença ocorre em pessoas idosas, debilitadas ou imunossuprimidas, que possuem alto fator de risco para o desenvolvimento de tuberculose miliar, e naquelas com tuberculose multirresistente a drogas. Amiloidose pode se desenvolver em casos persistentes.
Infecções pulmonares
R ESUM O Tuberculose
pelo M. tuberculosis, geralmente afetando os pulmões, mas visivelmente algum órgão extrapulmonar pode estar envolvido na infecção isolada. mento de resposta imune que confere resistência, mas também leva à hipersensibilidade (como determinada por um resultado positivo no teste da tuberculina). HI têm papel crucial na imunidade mediada por células contra micobactéria; mediadores de inflamação e contenção bacteriana incluem IFN-g, TNF e óxido nítrico. tuberculose em pessoas imunocompetentes são a presença de granulomas, geralmente com necrose caseosa central. previamente expostas quando as defesas imunes do hospedeiro estão comprometidas, e usualmente se manifestam como lesões cavitárias nos ápices dos pulmões. dária podem resultar em infecção sistêmica, causando risco de vida com formas da doença como tuberculose miliar e meningite tuberculosa. status de HIV-soropositivo é um fator de risco bem conhecido para desenvolvimento ou recrudescência de tuberculose ativa.
Histoplasmose, Coccidioidomicose e Blastomicose Infecções causadas por fungos dimórficos, que incluem Histoplasma capsulatum, Coccidioides immitis e Blastomyces dermatitidis, manifestam envolvimento pulmonar, mais comumente visto em pacientes imunocompetentes, ou doença disseminada em pessoas imunocomprometidas. Respostas imunes mediadas por células T são essenciais para conter a infecção, então pessoas com HIV são mais inclinadas para doença sistêmica. Em parte por causa da sobreposição de suas apresentações clínicas, as doenças infecciosas causadas por esses três fungos dimórficos serão discutidas juntas nesta seção.
Epidemiologia Cada fungo dimórfico tem distribuição geográfica típica como segue: H. capsulatum: Esse fungo é endêmico em Ohio e nos vales do rio Mississipi central e ao longo dos Montes Apalachies no sudeste dos Estados Unidos. O solo quente e úmido, enriquecido com excrementos de morcegos e pássaros, fornece o meio ideal para o crescimento de formas de micélio, que produzem esporos infecciosos. C. immitis: Esse organismo é endêmico no sudoeste e nas regiões do extremo oeste dos Estados Unidos, particularmente em San Joaquin Valley, na Califórnia, onde a infecção por C. immitis é conhecida como “febre do vale”. B. dermatitidis: A área endêmica é restrita nos Estados Unidos às áreas de sobreposição, como aquelas em que se encontra a histoplasmose.
MORFOLOG I A Doença Micobacteriana Não Tuberculosa Micobactérias não tuberculosas causam mais comumente doença pulmonar localizada crônica, clinicamente identificável em pessoas imunocompetentes. Nos Estados Unidos, as cepas implicadas mais frequentemente incluem Mycobacterium avium-intracelulare (também chamado de complexo M. avium), Mycobacterium kansasii e Mycobacaterium abscessus. É comum em infecções micobacterianas não tuberculosas a manifestação de doença cavitária do lobo superior, mimetizando tuberculose, especialmente em pacientes com longa história de tabagismo ou alcoolismo abusivo. Doença pulmonar crônica concomitante (COPD, fibrose cística, pneumoconiose) está frequentemente presente. Em pessoas imunossuprimidas (primariamente pacientes HIV-soropositivos), a infecção pelo complexo M. avium se manifesta como doença disseminada, associada a sinais e sintomas sistêmicos (febre, sudorese noturna, perda de peso). Hepatoesplenomegalia e linfadenopatia são comuns, significando envolvimento do sistema fagocítico mononuclear pelo patógeno oportunista, com sintomas gastrointestinais, como diarreia e má absorção. Envolvimento pulmonar é frequentemente indistinguível de tuberculose em paciente com AIDS. Infecção disseminada pelo complexo M. avium tende a ocorrer no curso clínico tardio, quando a contagem de CD4+ cai abaixo de 100células/mL. Por isso, o exame do tecido geralmente não revela granulomas, mas, em vez disso, histiócitos espumosos “recheados” com micobactérias são vistos.
As formas leveduriformes são bastante distintas, o que ajuda na identificação de fungos individuais nas secções de tecidos: } H. capsulatum: redondo a oval, formas leveduriformes pequenas medindo 2-5 mm de diâmetro (Fig. 12-41, A). } C. immitis: paredes espessas, esféricas e sem brotamentos, 20-60 mm de diâmetro, frequentemente preenchidas com pequenos endósporos (Fig. 12-41, B) } B. dermatitidis: redondo a oval e maior que Histoplasma (5-25 mm de diâmetro); reproduzido por ampla base de brotamentos característica (Fig. 12-41, C e D)
Características Clínicas As manifestações clínicas podem assumir as formas de (1) infecção pulmonar (primária) aguda, (2) doença pulmonar (granulomatosa) crônica ou (3) doença miliar disseminada. Os nódulos pulmonares primários, compostos de agregados de macrófagos recheados com organismos, são associados a lesões similares nos linfonodos regionais. Essas lesões evoluem para pequenos granulomas completos com células gigantes, podem desenvolver necrose central e, mais tarde, fibrose e calcificação. A semelhança com tuberculose primária é impressionante, e a diferenciação requer identificação de formas leveduriformes (mais bem vistas com colorações de prata). Os sintomas e sinais clínicos assemelham-se àqueles de síndrome “gripal”, mas frequentemente autolimitados. No hospedeiro vulnerável, a doença pulmonar cavitária crônica se desenvolve principalmente no lobo superior, lembrando a forma secundária da
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Figura 12-41 A, Estruturas leveduriformes de Histoplasma capsulatum preenchem fagócitos no linfonodo de paciente com histoplasmose disseminada (coloração pela prata). B, Coccidioidomicose com esférulas intactas dentro de células gigantes multinucleadas. C, Blastomicose, com fungos arredondados, maiores que os neutrófilos. Observe a parede espessa característica e o núcleo (não vistos em outros fungos). D, Coloração pela prata destaca a brotação de base ampla vista em Blastomyces immitis.
tuberculose. Não é raro para esses fungos dar origem a lesões peri-hilares em massa, que se assemelham radiologicamente ao carcinoma bronocogênico. Nesse estágio, as manifestações podem incluir tosse, hemoptise ou mesmo dispneia e dor no peito. Em crianças e adultos imunocomprometidos, particularmente aqueles com infecção pelo HIV, a doença disseminada (análoga à tuberculose miliar) pode se desenvolver. Nessas condições, não há granulomas bem formados. Em vez disso, coleções focais de fagócitos recheados com formas leveduriformes são vistas dentro de células do sistema fagocítico mononuclear, incluindo fígado, baço, linfonodos, tecido linfoide do trato gastrointestinal e medula óssea. Suprarrenais e meninges podem também estar envolvidas e, na minoria dos casos, úlceras se formam no nariz e na boca, na língua ou na laringe. A doença disseminada é uma doença febril agitada marcada por hepatoesplenomegalia, anemia, leucopenia e trombocitopenia. A infecção cutânea por organismos Blastomyces disseminados frequentemente induz hiperplasia epitelial marcante, que pode ser confundida com carcinoma de células escamosas.
Pneumonia em Hospedeiro Imunocomprometido A aparência do infiltrado pulmonar e os sinais de infecção (p.ex., febre) são algumas das mais comuns e sérias complicações em uma pessoa quando os sistemas de defesa e imune são
suprimidos pela doença, seja por transplante de órgãos, seja por terapia antitumoral ou por irradiação. Há uma ampla variedade de patógenos chamados oportunistas, uma vez que muitos deles raramente causam infecção em pessoas normais, mas podem ser agentes infecciosos dessas pneumonias e, frequentemente, mais de um agente está envolvido. Alguns patógenos pulmonares mais comuns são (1) os agentes bacterianos P. aeruginosa, Mycobacterium spp., L. pneumophila e Listeria monocytogenes; (2) os agentes virais citomegalovírus e herpesvírus; e (3) os agente fúngicos P. jiroveci, Candida spp., Aspergillus spp. e Cryptococcus neoformans.
Infecções por Citomegalovírus O citomegalovírus (CMV), um membro da família dos herpesvírus, pode produzir uma variedade de manifestações de doença, dependendo da idade do hospedeiro infectado e, principalmente, do seu status imunitário. As células infectadas pelo vírus exibem gigantismo de núcleo e citoplasma. No interior do núcleo há uma inclusão alargada rodeada por halo claro (“olho de coruja”), que dá nome à forma clássica da doença sintomática que ocorre em neonatos — doença de inclusão citomegálica. Embora a doença de inclusão citomegálica clássica envolva muitos órgãos, infecções pelo CMV são discutidas aqui, uma vez que a pneumonia por CMV é um sério problema em adultos imunossuprimidos, particularmente pacientes com AIDS e receptores de transplante alogênico de medula óssea.
Infecções pulmonares A transmissão de CMV pode ocorrer por vários mecanismos, dependendo da idade do grupo afetado: 8PIHWRSRGHVHULQIHFWDGRSRUYLDWUDQVSODFHQWiULDSHODPmH
com infecção reativada ou recentemente adquirida (infecção por CMV congênita).
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cervicais e vaginais no nascimento ou depois, através do leite da mãe com infecção ativa, durante a amamentação (infecção por CMV perinatal).
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infecção através da saliva. Essas crianças infectadas podem transmitir prontamente o vírus aos seus pais. (P SDFLHQWHV PDLRUHV GH DQRV D URWD YHQpUHD p D IRUma de transmissão dominante, mas também pode ocorrer através do contato com secreções respiratórias e pela rota fecal-oral.
Mononucleose por Citomegalovírus Em crianças saudáveis e adultos, a doença é quase assintomática. Pesquisas ao redor do mundo demonstram que 50-100% dos adultos apresentam anticorpos anti-CMV, indicando exposição prévia ao agente. A mais comum manifestação clínica da infecção pelo CMV em indivíduos imunocompetentes é similar à infecção por mononucleose, com febre, linfocitose atípica, linfadenopatia e hepatomegalia acompanhada de função hepática anormal, sugerindo discreta hepatite. Muitos pacientes recuperam-se da mononucleose sem nenhuma sequela, embora a excreção do vírus continue a ocorrer por meses a anos. Independentemente da presença ou ausência dos sintomas após a infecção, a pessoa infectada torna-se soropositiva por toda a vida. O vírus permanece latente nos leucócitos, que são seu maior reservatório.
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através do transplante de órgãos ou transfusão sanguínea.
M ORFOLOG IA Histologicamente, verifica-se o aumento característico da célula. Nos órgãos glandulares, as células epiteliais parenquimatosas podem ser afetadas; no cérebro, os neurônios; nos pulmões, os macrófagos alveolares, células epiteliais e endoteliais; e nos rins, o epitélio tubular e as células endoteliais glomerulares. As células afetadas apresentam-se notadamente aumentadas e frequentemente exibem diâmetro de 40 mm, além de polimorfismo nuclear e citoplasmático. Inclusões basofílicas intranucleares proeminentes abrangendo metade do diâmetro nuclear apresentam-se geralmente rodeadas por um halo claro paralelo à membrana nuclear (Fig. 12-42). Pequenas inclusões basofílicas também podem ser vistas no citoplasma dessas células.
Infecção pelo Citomegalovírus em Pessoas Imunossuprimidas A imunossupressão pela infecção CMV ocorre mais frequentemente em receptores de transplantes (como coração, fígado, rins, pulmões ou células-tronco alogênicas) e em pacientes com AIDS, seja por infecção primária, seja por reativação do vírus latente. O CMV é o patógeno oportunista mais comumente associado à AIDS. Em todas as formas graves, em que há risco de vida, a infecção disseminada pelo CMV primeiramente afeta os pulmões (pneumonia), trato gastrointestinal (colite) e retina (retinite); o sistema nervoso usualmente é poupado. Na pneumonia, desenvolve-se infiltrado intersticial mononuclear com focos de necrose, acompanhado de grandes células exibindo inclusões. Esse quadro pode progredir para síndrome da angústia respiratória aguda (SARA). Podem ainda se desenvolver necrose intestinal e ulceração extensa, com formação de “pseudomembrana” (Capítulo14) e diarreia debilitante. Retinite por CMV é de longe a forma mais comum de doença oportunista na infecção por CMV, podendo ocorrer solitária ou com envolvimento dos pulmões e do trato intestinal. O diagnóstico de infecção pelo CMV é realizado mediante a identificação de inclusões virais em cortes teciduais, cultivo viral, elevação dos títulos de anticorpos anti-CMV e exame de PCR para detecção do DNA viral, sendo que o último revolucionou o monitoramento de pacientes transplantados.
Pneumonia por Pneumocystis
Figura 12-42 Infecção pulmonar por citomegalovírus. Célula hipertrófica exibindo típica inclusão nuclear e múltiplas inclusões citoplasmáticas.
O P. jiroveci (anteriormente conhecido como P. carinii) é um agente patógeno oportunista inicialmente considerado um protozoário, mas atualmente é classificado como um fungo. Evidências sorológicas indicam que todas a pessoas são expostas durante os primeiros anos de vida, mas a maioria das infecções permanece latente. A reativação da infecção com manifestação clínica da doença ocorre quase exclusivamente em pessoas imunossuprimidas. De fato, o P. jiroveci é uma causa extremamente comum de infecção em pacientes com AIDS, além de causar infecção severa em crianças malnutridas e pessoas imunossuprimidas (especialmente após transplantes e quimioterapia por citotóxicos ou corticoesteroides). Em pacientes com AIDS, o risco de infecção por P. jirovecci aumenta em proporção inversa à contagem de CD4+; com contagem menor que 200células/mL, há grande risco de aquisição da doença. A infecção por Pneumocytis é, na maioria, restrita aos pulmões, onde produz pneumonia intersticial.
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Figura 12-43 Pneumonia por Pneumocystis. A, Os alvéolos são preenchidos por exsudato acelular e espumoso. B, Coloração pela prata demonstra cistos rendondos ou em taça característicos em meio ao exsudato.
MORFOLOGI A
MORFOLOGI A
Microscopicamente, o pulmão apresenta áreas intra-alveolares espumosas, com exsudato eosinofílico quando corado pela hematoxilina e eosina (aspecto de algodão-doce — Fig. 12-43, A). Os septos apresentam-se espessados por edema e infiltrado mononuclear. Colorações especiais são requeridas para visualização do agente. A coloração das secções teciduais pela prata revela cistos medindo 4-10 mm de diâmetro, muitas vezes com corpúsculos intracísticos, mas sem brotamentos, no exsudato alveolar (Fig. 12-43, B).
O diagnóstico de pneumonia por Pneumocystis deve ser considerado em pacientes imunossuprimidos com sintomatologia respiratória e características anormais na radiografia de tórax. Febre, tosse seca e dispneia ocorrem em 90-95% dos pacientes. Evidências radiográficas de infiltrado peri-hilar são típicos. Hipóxia é frequentemente observada, e alguns estudos demonstram que há restrição da capacidade respiratória do pulmão afetado. O método mais sensível e eficaz para diagnóstico é a identificação do microrganismo pela imunofluorescência em amostras de escarro e lavado broncoaveolar. Se o tratamento é iniciado antes da difusão do microrganismo, as perspectivas de cura são boas; entretanto, alguns organismos residuais podem tornar-se persistentes, particularmente em pacientes com AIDS. Nesses casos, as recaídas são comuns, a menos que a imunodeficiência seja corrigida ou seja realizada terapia profilática.
Infecções Fúngicas Oportunistas
Histologicamente, a C. albicans apresenta estrutura leveduriforme (blastoconídeo), pseudo-hifa e hifa verdadeira (Fig. 12-44, A). As pseudo-hifas são um importante indicativo diagnóstico de C. albicans e representam brotamentos da levedura com constrição das extremidades, simulando uma hifa verdadeira. Os organismos podem ser visualizados nas colorações rotineiras de HE, mas outros “corantes para fungo” (prata metenamina de Gomori, ácido periódico de Schiff ) podem ser usados para melhorar a visualização do patógeno.
Características Clínicas A candidíase pode envolver membranas mucosas, pele e órgãos viscerais (candidíase invasiva). $PDLVFRPXPDSUHVHQWDomRGDFDQGLGtDVHRFRUUHQDLQIHFomR
Candidíase Candida albicans é o mais comum causador de doença fúngica. A Candida é habitante normal da cavidade oral, trato gastrointestinal e vagina de muitas pessoas. Portanto, a candídiase sistêmica (com pneumonia associada) é uma doença restrita a pacientes imunossuprimidos. As manifestações de infecção por Candida spp. são descritas nesta seção.
da superfície mucosa da cavidade oral (sapinho). A proliferação do fungo cria uma superfície branco-acinzentada, com aspecto de pseudomembrana, contendo muitos organismos e restos inflamatórios. A mucosa apresenta-se hiperêmica e inflamada. Essa forma de candidíase é comumente vista em recém-nascidos, pacientes debilitados, crianças tratadas com corticoesteroides e após o uso duradouro de antibióticos que destroem a microflora competitiva da cavidade oral. O grupo de maior risco inclui pacientes HIV-positivos. Pacientes com infecção oral não associadas à imunossupressão óbvia devem ser avaliados para HIV. $YDJLQLWHSRUCandida é uma forma extremamente comum de infecção vaginal nas mulheres, especialmente nas diabéticas, grávidas ou nas que fazem uso de contraceptivos orais. $HVRIDJLWHSRU Candida é comum em pacientes com AIDS e nos portadores de neoplasias hematolinfoides malignas. Esses pacientes apresentam disfagia (dor ao engolir) e dor retroesternal. A endoscopia demonstra placas brancas e pseudomembranosas semelhantes às encontradas na cavidade oral.
Infecções pulmonares
Figura 12-44 Morfologia das infecções fúngicas. A, A Candida apresenta pseudo-hifas e leveduras com brotamentos (coloração pela prata). B, Aspergilose pulmonar invasiva (aparência macroscópica) em paciente receptor de transplante de medula óssea. C, Coloração pela prata metenamina de Gomori, mostrando septação das hifas e brotamentos em ângulo agudo, compatível com Aspergillus. D, Cryptococcus no pulmão de paciente com AIDS. Os microrganismos apresentam tamanhos variados. (Cortesia do Dr. Dominick Cavuoti, Departmento de Patologia, University of Texas Southwestern Medical School, Dallas, Texas.)
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formas, incluindo infecções ungueais (onicomicose), periungueais (paroníquia), do folículo piloso (foliculite), da pele intertriginosa, como axilas úmidas ou entre os dedos das mãos e dos pés (intertrigo), do prepúcio (balanite). Assaduras frequentemente estão associadas à candidíase cutânea em lactentes, principalmente nas regiões onde a pele mantém contato com a umidade da fralda. $FDQGLGtDVHPXFRFXWkQHDFU{QLFDpXPDGRHQoDUHIUDWi ria que afeta superfícies mucosas, pele, cabelos e unhas, e está associada a defeitos na defesa pelos linfócitos T. Condições associadas incluem endocrinopatias (mais comumente hipoparatireoidismo e doença de Addison) e a presença de autoanticorpos. Candidíase disseminada é rara nessa doença. Recentemente descobriu-se que um subgrupo de células T CD4 + , o T H 17, desempenha um papel fundamental na defesa contra a Candida e outros agentes micóticos. Pacientes com mutações afetando TH17 são altamente sensíveis à candidíase mucocutânea severa (p.ex., “síndrome de Job”). $FDQGLGtDVHLQYDVLYDLPSOLFDDGLVVHPLQDomRKHPDWRJr nica do organismo com acometimento de vários órgãos e
tecidos. Achados comuns incluem (1) abcessos renais, (2) abcessos no miocárdio e endocardite, (3) envolvimento cerebral (comumente meningite, mas ocorrem microabcessos parenquimatosos), (4) endoftalmite (alguma estrutura ocular pode estar envolvida), (5) abcessos hepáticos e (6) pneumonia por Candida, que geralmente se manifesta como infiltrado nodular bilateral, semelhante à pneumonia por Pneumocystis (ver anteriormente). Pacientes com leucemia aguda, que se apresentam severamente leucopênicos após quimioterapia, estão particularmente inclinados ao desenvolvimento de doença sistêmica. A endocardite por Candida é a endocardite fúngica mais comum, e usualmente ocorre em indivíduos portadores de próteses valvares ou usuários de drogas endovenosas.
Criptococose A criptococose, causada pelo C. neoformans, raramente ocorre em pessoas saudáveis. Manifesta-se quase exclusivamente como doença oportunista em pacientes imunossuprimidos, particularmente portadores de AIDS e de neoplasias hematolinfoides.
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MORFOLOGI A O fungo apresenta de 5-10 mm de diâmetro, possui espessa cápsula gelatinosa e reproduz-se por brotamento (Fig. 12-44, D). Ao contrário da infecção por Candida, não são visualizadas pseudo-hifas ou hifas verdadeiras. A cápsula é bastante importante para o diagnóstico: (1) no HE, a cápsula se apresenta como um “halo” claro que pode ser visto rodeando o fungo. Tinta da Índia ou coloração pelo ácido periódico de Schiff evidenciam o microrganismo. (2) Os antígenos polissacarídeos da cápsula são o substrato para o teste de aglutinação em látex, que demonstra positividade em 95% dos pacientes infectados com o microrganismo.
doença pulmonar pode apresentar-se localizada (p.ex., lesões cavitárias) ou difusa com padrão miliar. A aspergilose invasiva ocorre quase exclusivamente em pacientes imunossuprimidos. O fungo se localiza preferencialmente nos pulmões e se manifesta como pneumonia necrosante (Fig.12-44, B). A disseminação sistêmica, especialmente para o cérebro, é uma complicação frequentemete fatal. A aspergilose broncopulmonar alérgica ocorre em pacientes com asma que desenvolvem sintomatologia exacerbada causada por hipersensibilidade tipo I contra o crescimento fúngico nos brônquios. Alguns pacientes desenvolvem eosinofilia e anticorpos circulantes contra Aspergillus. A formação do aspergiloma (“bola fúngica”) ocorre por colonização fúngica de cavidades pulmonares preexistentes (p.ex., ectasia brônquica, cistos pulmonares ou lesões cavitárias pós-tuberculose). Essas massas podem atuar como válvulas, ocluindo a cavidade e predispondo o paciente a infecções e hemoptise.
Características Clínicas A criptococose humana usualmente se manifesta como doença pulmonar, do sistema nervoso central ou disseminada. O Cryptococcus é provavelmente adquirido a partir da inalação de material contaminado, do solo ou de excrementos de aves. A infecção inicialmente se restringe aos pulmões e mais tarde se dissemina para outros sítios, particularmente meninges. Os locais afetados são caracterizados por resposta tecidual que varia de proliferação de organismos gelatinosos com mínima ou nenhuma resposta inflamatória (pacientes imunodeprimidos) a resposta inflamatória granulomatosa (pacientes mais responsivos). Em indivíduos imunossuprimidos, o organismo cresce como massa gelatinosa nas meninges ou por expansão nos espaços perivasculares de Virchow-Robin, produzindo as chamadas “lesões em bolha de sabão”.
Fungos do Mofo Mucormicose e aspergilose invasiva são infecções incomuns, quase sempre limitadas a indivíduos imunossuprimidos, particularmente aqueles que apresentam neoplasia hematolinfoide ou neutropenia profunda, ou ainda aqueles submetidos à terapia corticosteroide ou transplante alogênico de células-tronco.
MORFOLOGI A A mucormicose é causada por um grupo de fungos conhecido como zigomicetos. Suas hifas são não septadas, com brotamentos em ângulo reto. Em contraste, as hifas de Aspergillus são septadas e mantêm seus brotamentos em ângulos agudos (Fig. 12-44, C ). Rhizopus e Mucor são dois fungos de importância médica dentro dos grupos dos zigomicetos. Tanto os Aspergillus como os zigomicetos induzem uma reação supurativa, às vezes granulomatosa, com predileção por invadir a parede dos vasos sanguíneos, causando necrose vascular e infarto.
Características Clínicas Na murcomicose rinocerebral e pulmonar, os zigomicetos têm propensão por colonizar a cavidade, bem como os seios nasais, a partir dos quais se espalham por extensão direta para o cérebro, órbita e outras estruturas da cabeça e do pescoço. Pacientes com diabetes estão mais propensos ao desenvolvimento de uma forma invasiva fulminante de mucormicose rinocerebral. A
Doença Pulmonar e Vírus da Imunodeficiência Humana As doenças pulmonares continuam a ser os maiores contribuidores para a mortalidade de pessoas infectadas com HIV. Embora o uso de potentes agentes antirretrovirais e tratamento profilático tenha diminuído a incidência de infecções e melhorado os resultados, a multiplicidade de entidades envolvidas na doença torna seu diagnóstico e tratamento um desafio. $SHVDUGDrQIDVHGDGDjVGRHQoDVSXOPRQDUHVRSRUWXQLVWDV
as infecções respiratórias causadas por bactérias são uma das mais sérias desordens pulmonares na infecção pelo HIV. Os principais microrganimos envolvidos nessa infecção são S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae e bastonetes gram-negativos. Pneumonias bacterianas em pacientes com HIV são mais comuns, mais graves e mais frequentemente associadas a bacteremia do que as infecções em pacientes sem HIV.
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são infecciosos. Com frequência, ocorre uma série de doenças não infecciosas, incluindo sarcoma de Kaposi (Capítulos 4 e 9), linfoma pulmonar não Hodgkin (Capítulo11) e neoplasias malignas primárias de pulmão, e devem ser excluídas. A contagem de células CD4+ muitas vezes é útil para estreitar o diagnóstico diferencial. Como regra de ouro, infecções bacterianas e tuberculosas demonstram maiores contagens de células CD4+ (maior que 200células/mm3). A pneumonia por Pneumocystis usualmente evidencia contagem de CD4+ menor que 200células/mm3, enquanto infecções por CMV e pelo complexo M. avium são incomuns até em estágios tardios de imunossupressão (contagem de células CD4+ menores que 50células/mm3). Finalmente, um importante ponto é que as doenças pulmonares em pessoas infectadas pelo HIV podem resultar de mais de uma causa, e até mesmo patógenos comuns podem ser responsáveis pela doença com manifestações atípicas.
TUMORES PULMONARES Embora os pulmões sejam considerados sítios frequentes de metástases de tumores extratorácicos, o câncer primário de pulmão também é uma doença comum. Grosso modo, 95% dos tumores pulmonares são carcinomas e apenas 5% constituem uma miscelânea de outras neoplasias, que incluem carcinoides, tumores mesenquimais malignos (p.ex., fibrossarcomas,
Tumores pulmonares leiomiossarcomas), linfomas e pequena quantidade de lesões benignas. O mais comum tumor benigno é o hamartoma, que se apresenta como lesão esférica, pequena (3-4cm), visualizada ao exame radiográfico de tórax como lesão em moeda. O hamartoma comumente é constituído por cartilagem madura, associada a tecido adiposo, tecido fibroso e vasos sanguíneos em variada proporção. Anormalidades citogenéticas clonais têm sido demonstradas, indicando tratar-se de neoplasia benigna.
Carcinomas Os carcinomas de pulmão (também conhecidos como “câncer de pulmão”) são sem dúvida a mais importante causa de morte por câncer nos países industrializados. Por muito tempo, os carcinomas de pulmão ocuparam essa posição, sendo responsáveis por um terço das mortes por câncer entre os homens, e nos últimos anos têm se tornado a principal causa de óbito por neoplasia também entre as mulheres, nos Estados Unidos. A American Cancer Society estima que, em 2011, tenha havido cerca de 221.100 novos casos de câncer de pulmão e cerca de 156.900 mortes. A sua incidência entre os homens tem caído gradativamente, mas continua aumentando entre as mulheres, com maior número de óbitos por câncer de pulmão do que por câncer de mama, desde 1987. Esses dados refletem, sem dúvida, a relação causal entre o tabagismo e o câncer de pulmão. O pico de incidência da doença ocorre em pessoas entre 50-60 anos de idade. No momento do diagnóstico, mais de 50% dos pacientes já apresentam metástases a distância e cerca de 25% têm células tumorais em linfonodos regionais. O prognóstico do câncer de pulmão é sombrio: 16% dos pacientes apresentam taxa de sobrevida de cinco anos, valor que pouco mudou ao longo dos últimos 30 anos. Mesmo quando se trata de doença restrita aos pulmões, apenas 45% dos pacientes apresentam taxa de sobrevida de cinco anos. Os quatro principais tipos histológicos de carcinoma de pulmão são adenocarcinoma, carcinoma de células escamosas, carcinoma de pequenas células e carcinoma de grandes células (Tabela12-7). Em alguns casos pode haver combinação de diferentes tipos histológicos (p.ex., carcinoma de pequenas células e adenocarcinoma). Dentre esses tipos, o carcinoma de células escamosas e o de pequenas células demonstram maior associação ao tabagismo. Possivelmente devido a mudanças no consumo de cigarros nos últimos anos nos Estados Unidos, o adenocarcinoma tem substituído o carcinoma de células escamosas como a neoplasia pulmonar primária mais comum. Os adenocarcinomas também são de longe o tumor primário mais comum em mulheres, em não fumantes e em pessoas abaixo de 45 anos. $WpUHFHQWHPHQWHRVFDUFLQRPDVGHSXOPmRHUDPFODVVLILcados em dois grandes grupos: câncer de pulmão de células pequenas (CPCP) e câncer de pulmão de células não pequenas (CPCNP), com o último incluindo adenocarcinomas, carcinoma de células escamosas e carcinoma de grandes células. A principal razão para essa antiga divisão é que virtualmente todos os CPCP apresentam metástase no momento do diagnóstico e, por isso, não são curáveis por cirurgia. Portanto, são mais bem tratados por quimioterapia, com ou sem radioterapia. Em contraste, os CPCNP são mais propensos à ressecção cirúrgica, uma vez que respondem pobremente à quimioterapia; entretanto, novas terapias estão disponíveis e têm como alvo os genes mutados presentes em vários tipos de CPCNP, principalmente em adenocarcinomas. Assim, os CPCNP podem ser mais bem classificados com base no seu tipo histológico e subtipos moleculares.
Tabela 12-7 &ODVVLÀFDomR+LVWROyJLFDGRV7XPRUHV3XOPRQDUHV Epiteliais Malignos Adenocarcinoma* Subtipos acinar, papilar, micropapilar, sólido, lepídico, mucinoso Carcinoma de células escamosas Carcinoma de grandes células Carcinoma de grandes células neuroendócrinas Carcinoma de pequenas células Carcinoma combinado de pequenas células Carcinoma adenoescamoso &DUFLQRPDVSOHRPyUÀFRVVDUFRPDWRLGHRXFRPHOHPHQWRV sarcomatosos Carcinoma de células fusiformes Carcinoma de células gigantes Tumor carcinoide Típico e atípico Carcinomas do tipo glândula salivar &DUFLQRPDVQmRFODVVLÀFDGRV *Adenocarcinoma, carcinoma de células escamosas e carcinoma de grandes células são coletivamente referidos como carcinoma de pulmão de células não pequenas (CPCNP).
ET IOL OG I A E PATOG EN I A Os carcinomas relacionados com o tabagismo podem surgir pelo acúmulo de sucessivas alterações genéticas (estimadas em 1.000 no carcinoma de pequenas células). Essas alterações resultam na transformação de células progenitoras pulmonares em células neoplásicas. A sequência de alterações moleculares não é aleatória, mas segue uma sequência previsível que se assemelha à progressão histológica para o câncer. Assim, a inativação dos genes supressores de tumores localizados no braço curto do cromossomo 3 (3p) é um evento muito precoce, ao passo que mutações no TP53 ou a ativação do oncogene KRAS ocorre relativamente tarde. Ao que parece, certas modificações genéticas, como a perda de material cromossômico em 3p, podem ser encontradas no epitélio brônquico de pessoas com câncer de pulmão, bem como no epitélio respiratório de tabagistas sem câncer de pulmão, o que sugere que grandes áreas de mucosa respiratória sofrem mutação após a exposição a agentes cancerígenos (“efeito de campo”). Nesse solo fértil, as células que acumulam mutações desenvolvem-se originando o câncer. Um subconjunto de adenocarcinomas, particularmente aqueles que se desenvolvem em mulheres não fumantes do Extremo Oriente, abriga mutações ativadoras do receptor de fator de crescimento epidérmico (EGFR). Esses tumores são sensíveis à classe de agentes que inibe a sinalização do EGFR, embora a resposta seja de curta duração. Mutações de EGFR e K-RAS (em 30% dos adenocarcinomas) são mutuamente exclusivas. Outras mutações que ocorrem em 4-6% dos adenocacinomas são a fusão dos genes EML4-ALK ativadores da tirosina quinase e do gene c-MET amplificador da cascata de tirosina quinase. Essas anormalidades, embora raras, são importantes devido às suas implicações terapêuticas, uma vez que podem ser alvos de inibidores da tirosina quinase. De fato, a identificação de alterações genéticas que produzem hiperatividade de EGFR, ALK e MET abre uma nova era de terapia personalizada do câncer de pulmão, no qual a genética dos tumores orienta a seleção de drogas. Com relação aos agentes carcinogênicos, há fortes evidências de que o consumo de cigarros e, em menor proporção,
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506 C A P Í T U L O 12 Pulmão outros fatores ambientais sejam os principais fatores causadores de mutações genéticas que conduzem ao desenvolvimento do câncer de pulmão. Cerca de 90% das neoplasias de pulmão ocorrem em fumantes ativos ou em pacientes que deixaram de fumar recentemente. Atualmente reconhece-se uma correlação quase linear entre quantidade/tempo de consumo de cigarro e a frequência de câncer de pulmão. O aumento no risco de neoplasias aumenta 60 vezes quando são comparados fumantes inveterados (dois maços/dia por 20 anos) e não fumantes. Apesar disso, apenas 11% dos fumantes inveterados desenvolvem câncer de pulmão, sugerindo que outros fatores estejam relacionados com a patogenia da doença. Por motivos ainda desconhecidos, as mulheres apresentam maior suscetibilidade à carcinogênese pelo tabaco do que os homens. Embora a cessação do hábito de fumar diminua o risco de desenvolvimento de câncer de pulmão ao longo do tempo, os níveis basais jamais poderão ser retomados. De fato, as mudanças genéticas que antecedem o câncer de pulmão podem persistir por muitos anos no epitélio brônquico de ex-fumantes. Fumantes passivos (os que vivem próximos de fumantes) aumentam o risco de câncer de pulmão em aproximadamente duas vezes quando comparados a não fumantes. Fumantes de cachimbos e charutos também têm o risco aumentado, mas em menor grau que os fumantes de cigarro. Outras influências podem atuar em conjunto com o tabagismo ou por si sós serem responsáveis pelo câncer de pulmão, como observado em trabalhadores de minas radioativas, que lidam com asbesto ou arsênico, cromo, urânio, níquel, cloreto de vinil e gás mostarda. A exposição ao asbesto aumenta em cinco vezes o risco em não fumantes. Por outro lado, fumantes expostos ao asbesto apresentam 55 vezes maior chance de desenvolver câncer pulmonar do que os não fumantes e os não expostos ao asbesto. Embora o fumo e outras influências ambientais sejam importantes causas de câncer de pulmão, sabe-se que nem todas as pessoas expostas ao tabaco desenvolvem neoplasia. É muito provável que o efeito mutagênico de algumas substâncias cancerígenas esteja condicionado a fatores hereditários (genéticos). Vale lembrar que muitos produtos químicos (pró-carcinógenos) requerem ativação metabólica pelo sistema enzimático monoxigenase P-450, para conversão em um carcinógeno definitivo (Capítulo 5). Existem evidências de que pessoas com determinados polimorfismos gênicos envolvendo os genes P-450 têm maior capacidade de metabolizar pró-carcinógenos derivados do tabaco e, portanto, correm maior risco de desenvolver câncer de pulmão. Do mesmo modo, pessoas cujos linfócitos do sangue periférico sofrem quebras cromossômicas após exposição a cancerígenos relacionados com o tabaco (genótipo de sensibilidade a mutágenos) têm risco 10 vezes maior de desenvolvimento de câncer de pulmão em relação a outros indivíduos. As mudanças sequenciais que levam ao câncer têm sido mais bem documentadas em carcinomas de células escamosas, mas também estão presentes em outros subtipos histológicos. Na essência, há uma correlação linear entre a intensidade de exposição ao tabaco e o aparecimento de alterações epiteliais que se iniciam como hiperplasia das células basais e metaplasia escamosa, progridem para displasia escamosa e carcinoma in situ até culminar em câncer invasivo. Entre os subtipos histológicos principais de câncer de pulmão, os carcinomas escamosos e de células pequenas mostram a associação mais forte com a exposição ao tabaco.
MORFOLOGI A Os carcinomas de pulmão se iniciam como uma pequena lesão na mucosa que tipicamente se apresenta firme e cinza-esbranquiçada. Esses tumores podem surgir como massas intraluminais, invadir a mucosa brônquica ou formar grandes massas volumosas, empurrando o parênquima pulmonar adjacente. Algumas massas grandes podem apresentar cavitação secundária à necrose central ou desenvolver áreas focais de hemorragia. Finalmente, esses tumores podem estender-se à pleura, invadir a cavidade e a parede torácica, e se espalhar para estruturas intratorácicas adjacentes. As metástases podem ocorrer por via linfática ou hematogênica. Os carcinomas de células escamosas são mais comuns em homens do que em mulheres e estão estreitamente correlacionados ao histórico de tabagismo. Tendem a surgir centralmente nos brônquios principais e eventualmente se espalham para linfonodos hilares; entretanto, apresentam disseminação para fora do tórax mais tardiamente do que os outros tipos histológicos. Tumores maiores podem apresentar necrose central, originando cavitações. As lesões pré -neoplásicas que antecedem, e normalmente acompanham o carcinoma de células escamosas invasivo, estão bem caracterizadas. Esses tumores muitas vezes são precedidos por desenvolvimento duradouro de metaplasia escamosa e displasia do epitélio brônquico, que, em seguida, transforma-se em carcinoma in situ, uma fase que pode durar vários anos (Fig. 12-45). Nesse tempo, células atípicas podem ser identificadas no exame citológico de esfregaços de escarro, lavados ou escovados brônquicos, embora sejam assintomáticas e não detectáveis ao exame radiográfico. Eventualmente, pequenos tumores tornam-se sintomáticos, quando obstruem grandes brônquios, frequentemente produzindo atelectasia distal e infecções. Simultaneamente, a lesão pode invadir o tecido pulmonar circundante (Fig. 12-46, A). Ao exame histológico, os carcinomas de células escamosas variam de neoplasias bem diferenciadas exibindo pérolas de queratina (Fig. 12-46, B) e pontes intercelulares a neoplasias mal diferenciadas, exibindo apenas o mínimo de características de células escamosas residuais. Adenocarcinomas podem ocorrer como lesão central semelhante ao carcinoma de células escamosas, entretanto mais perifericamente, muitas vezes exibindo cicatriz central. Os adenocarcinomas são o mais comum tipo de câncer de pulmão nas mulheres e em não fumantes. Geralmente, os adenocarcinomas crescem lentamente e formam massas menores do que os outros subtipos tumorais, mas eles tendem a sofrer metástase amplamente ainda em um estágio inicial de desenvolvimento. Ao exame histológico podem assumir variada forma, incluindo a acinar (em forma de glândula; Fig. 12-47, C ), papilar, mucinosa (anteriormente chamada bronquioloalveolar mucinosa, que muitas vezes é multifocal e pode se manifestar como uma pneumonia) e o tipo sólido. O tipo sólido frequentemente requer a demonstração de produção de mucina intracelular por colorações especiais para estabelecer sua origem glandular. Embora focos de metaplasia e displasia escamosa possam estar presentes no epitélio proximal aos adenocarcinomas, não são as lesões precursoras para esse tumor. Acredita-se que a lesão precursora dos adenocarcinomas periféricos seja a hiperplasia adenomatosa atípica (AAH; Fig. 12-47, A), com progressão para o adenocarcinoma in situ (anteriormente chamado carcinoma bronquioloalveolar), adenocarcinoma minimamente
Tumores pulmonares
Figura 12-45 Lesões precursoras do carcinoma de células escamosas que podem anteceder por anos o aparecimento de tumor invasivo. A−C, Algumas das primeiras (e discretas) alterações no epitélio respiratório danificado pelo fumo incluem hiperplasia das células caliciformes (A), hiperplasia de células basais (ou células de reserva; B) e metaplasia escamosas (C). D, Alterações mais severas incluem o aparecimento de displasia escamosa, caracterizada pela presença de epitélio escamoso desordenado, com perda da polaridade nuclear, hipercromasia nuclear, pleomorfismo e figuras mitóticas. E e F, A displasia escamosa pode, por sua vez, progredir através de estágios de displasia leve, moderada e grave. Carcinoma in situ (CIS; E) é a etapa que precede imediatamente o carcinoma escamoso invasivo (F). Apesar da falta de ruptura da membrana basal em CIS, as características citológicas são semelhantes às encontradas no carcinoma invasivo. Se não for tratado, o CIS, eventualmente, evolui para carcinoma invasivo. (A−E, Cortesia do Dr. Adi Gazdar, Departamento de Patologia, University of Texas Southwestern Medical School, Dallas. F, Reproduzida com permissão de Travis WD, Colby TV, Corrin B,et al [eds]: World Health Organization Histological Typing of Lung and Pleural Tumors. Heidenberg, Springer, 1999.)
Figura 12-46 A, O carcinoma de células escamosas usualmente se inicia como massa central (hilar) e cresce continuamente em direção ao parênquima periférico, como visto aqui. B, Carcinoma de células escamosas bem diferenciado, mostrando queratinização e pérolas córneas.
507
508 C A P Í T U L O 12 Pulmão
Figura 12-47 Lesões glandulares do pulmão. A, Hiperplasia adenomatosa atípica com epitélio cuboidal e moderada fibrose intersticial. B, Adenocarcinoma in situ, subtipo mucinoso, com características de crescimento ao longo do septo alveolar preexistente, sem invasão. C, Adenocarcinoma com formação em glândula; o detalhe mostra marcação positiva para o fator de transcrição da tireoide (TTF-I), que é vista na maioria dos adenocarcinomas pulmonares.
invasivo (tumores menores que 3 cm e com componente invasivo medindo 5 mm ou menos) e adenocarcinoma invasivo (tumor de qualquer tamanho, invadindo áreas mais profundas que 5 mm). Ao exame microscópico, a hiperplasia adenomatosa atípica se organiza como um foco bem demarcado de proliferação epitelial (com espessura de até 5 mm), composto por epitélio cuboidal ou colunar baixo, demonstrando atipia citológica de variado grau, como hipercromasia nuclear, pleomorfismo e nucléolo proeminente. Análises genéticas têm demonstrado que as lesões da hiperplasia adenomatosa atípica são monoclonais e compartilham muitas das aberrações moleculares associadas aos adenocarcinomas (p. ex., mutações no K-RAS). O adenocarcinoma in situ (AIS), formalmente chamado carcinoma bronquioalveolar, com frequência afeta partes periféricas dos pulmões, como um único nódulo. As principais características do AIS são diâmetro menor que 3 cm, crescimento ao longo de estruturas preexistentes e preservação da arquitetura alveolar (Fig. 1247, B). As células tumorais, que podem ser não mucinosas, mucinosas ou mistas, crescem em uma monocamada ao longo dos septos alveolares, que serve como um andaime (chamado de padrão de crescimento “lepídico”, uma alusão à semelhança
das células neoplásicas com borboletas pousadas em uma cerca). Por definição, o AIS não demonstra destruição da arquitetura alveolar ou invasão estromal com desmoplasia, características típicas de adenocarcinoma. Por analogia com a sequência de adenoma − carcinoma de cólon, propõe-se que alguns adenocarcinomas invasivos do pulmão possam surgir através de uma sequência de hiperplasia adenomatosa típica − adenocarcinoma in situ− adenocarcinoma invasivo. Estudos em modelos de lesão pulmonar de ratos identificaram uma população de células multipotentes na junção bronquooloalveolar, denominadas células-tronco bronquioloalveolares (CTBA). Após a lesão pulmonar periférica, as CTBA multipotentes sofrem expansão nos tipos célulares normais (células bronquiolares e células alveolares) encontrados nesse local, o que facilita a regeneração epitelial. Postula-se que as CTBA incorrem no evento inicial oncogênico (p. ex., uma mutação somática no K-RAS) que permite que essas células “escapem” dos mecanismos normais de checagem, resultando em adenocarcinomas pulmonares. Carcinomas de grandes células são tumores epiteliais malignos indiferenciados com ausência de características citológicas de carcinoma de células pequenas e sem diferenciação glandular ou escamosa. As células normalmente têm grandes
Tumores pulmonares núcleos, nucléolos proeminentes e moderada quantidade de citoplasma. Os carcinomas de células grandes provavelmente representam células escamosas ou adenocarcinomas tão indiferenciados que já não podem ser reconhecidos por meio de microscopia óptica. Ao exame ultraestrutural, no entanto, a diferenciação glandular ou escamosa mínima é comum. Os carcinomas de pequenas células do pulmão geralmente apresentam-se cinza-claro, de localização central, com extensão para o parênquima pulmonar e envolvimento precoce dos linfonodos hilares e mediastinais. Esses tumores são compostos por células que variam de redondas a fusiformes, com pouco citoplasma e cromatina finamente granular. Figuras de mitoses são frequentemente encontradas (Fig. 1248). Apesar da denominação pequenas, as células neoplásicas são geralmente duas vezes o tamanho de linfócitos típicos. A necrose invariavelmente está presente e pode ser extensa. As células tumorais são marcadamente frágeis e, muitas vezes, mostram fragmentação e “artefatos de esmagamento” em amostras de biópsia. Outra característica dos carcinomas de pequenas células, mais bem apreciada em espécimes citológicos, é resultante do amoldamento nulclear e aposição de células tumorais que têm pouco citoplasma. Esses tumores frequentemente expressam uma variedade de marcadores neuroendócrinos (Tabela 12-8), além da secreção de uma variedade de hormônios polipeptídicos, que podem resultar em síndromes paraneoplásicas (veja adiante). Padrões combinados não requerem mais comentário. Minoria significativa de carcinomas pulmonares demonstra mais de uma linha de diferenciação celular, algumas vezes várias
Figura 12-48 Carcinoma de pequenas células com células basofílicas e áreas de necrose (canto superior esquerdo). Observe a coloração basofílica das paredes vasculares devido à incrustação de DNA de células tumorais necróticas (efeito Azzopardi).
(Tabela 12-7), sugerindo que todos sejam derivados de uma célula progenitora multipotente. Para todas esses neoplasmas, é possível traçar o envolvimento de cadeias sucessivas de linfonodos sobre a carina, no mediastino e no pescoço (linfonodos escalenos) e regiões claviculares e, mais cedo ou mais tarde, metástases à distância. Envolvimento do linfonodo supraclavicular esquerdo (linfonodo de Virchow) é particularmente característico e, às vezes, chama a atenção para um tumor primário oculto. Esses tumores, quan-
Tabela 12-8 Comparação entre o Carcinoma Pulmonar de Células Pequenas (CPCP) e o Carcinoma Pulmonar de Células Não Pequenas (CPCNP)
Característica
CPCP
CPCNP
Histologia
Citoplasma escasso; núcleos pequenos hipercromáticos FRPSDGUmRGHFURPDWLQDÀQDQXFOpRORVLQGLVWLQWRV
$EXQGDQWHFLWRSODVPDQ~FOHRSOHRPyUÀFR com padrão de cromatina grosseiro; nucléolo frequentemente proeminente; arquitetura glandular ou escamosa
Marcadores neuroendócrinos Por exemplo, grânulos com centros densos na microscopia eletrônica; expressão da cromogranina, enolase QHXU{QLRHVSHFtÀFDHVLQDSWRÀVLQD
Normalmente presentes
Normalmente presentes
Marcadores epiteliais Antígeno de membrana epitelial, antígeno FDUFLQRHPEUL{QLFRHÀODPHQWRV intermediários de citoqueratina
Presentes
Presentes
Mucina
Ausente
Presente no adenocarcinoma
Produção de peptídeos hormonais
Hormônio adrenocorticotrópico, hormônio antidiurético, peptídio liberador de gastrina, calcitonina
Peptídeo relacionado com o hormônio da paratireoide (PTH-rp) no carcinoma de células escamosas
Anormalidades no gene supressor do tumor 'HOHo}HVS Mutações Rb Mutações p16/CDKN2A Mutações P53
> ∼ ∼ >
> ∼ > >
Anormalidades no oncogene dominante Mutações no KRAS Mutações no EGFR
Raras Ausentes
∼DGHQRFDUFLQRPDV ∼DGHQRFDUFLQRPDVPXOKHUHVQmRIXPDQWHV
5HDUUDQMRGH$/.
Ausente
DGHQRFDUFLQRPDVQmRIXPDQWHV frequentemente tem morfologia de anel de sinete
Resposta à quimioterapia e radioterapia
Muitas vezes, a resposta é completa, mas recorrem invariavelmente
Incomumente resposta completa
509
510 C A P Í T U L O 12 Pulmão do avançados, muitas vezes se estendem para o espaço pleural ou pericárdico, levando à inflamação e derrame. Eles podem ainda comprimir a veia cava superior ou se infiltrar nela, causando congestão venosa ou a síndrome da veia cava (Capítulo 9). Neoplasias apicais podem invadir o plexo braquial ou cervical simpático, causando dor intensa na distribuição do nervo ulnar ou produzindo a síndrome de Horner (enoftalmia ipsilateral, ptose, miose e anidrose). Tais neoplasmas apicais, por vezes, são chamados de tumores de Pancoast, e a combinação dos seus achados clínicos é conhecida como síndrome de Pancoast. O tumor de Pancoast é muitas vezes acompanhado por destruição da primeira e segunda costelas e vértebras torácicas. Tal como acontece com outros tipos de câncer, a classificação pelo sistema tumor-linfonodo-metástase (TNM) foi criada para indicar o tamanho e a propagação da neoplasia primária.
R ESUM O Carcinomas de Pulmão
Curso Clínico Os carcinomas de pulmão são silenciosos e, em muitos casos, as lesões insidiosas se espalham de modo que se tornam irressecáveis antes de produzir sintomas. Em alguns casos, tosse crônica e expectoração chamam a atenção para doença localizada e ressecável. Entretanto, no momento em que rouquidão, dor torácica, síndrome da veia cava superior, derrame pericárdico ou pleural e atelectasia segmentar persistente ou pneumonia aparecem, o prognóstico é sombrio. Muitas vezes, o tumor demonstra sinais oriundos da sua propagação metastática para o cérebro (alterações neurológicas e mentais), fígado (hepatomegalia) ou ossos (dor). Embora as suprarrenais possam ser quase totalmente obliteradas pela doença metastática, a insuficiência adrenal (doença de Addison) é incomum, uma vez que ilhas de células corticais suficientes para manutenção da sua função comumente se mantêm. Em geral, CPCNP apresentam melhor prognóstico que os CPCP. Quando os CPCNP (carcinomas de células escamosas ou adenocarcinomas) são detectados antes de ocasionar metástases ou infiltração profunda, a cura pode ocorrer, por lobectomia ou pneumonectomia. Os CPCP, por outro lado, comumente já causaram metástase no momento em que são inicialmente detectados, mesmo se o tumor primário for pequeno e localizado. Assim, a ressecção cirúrgica não é um tratamento viável. Esses tumores são muito sensíveis à quimioterapia, mas invariavelmente são reicidivantes. A média de sobrevivência, mesmo com o tratamento, é de um ano. Estima-se que 3-10% de todos os pacientes com câncer de pulmão desenvolvam síndrome paraneoplásica. Isso inclui (1) hipercalcemia causada por secreção de peptídeo relacionado com o hormônio da paratireoide (lesões osteolíticas também causam hipercalcemia, mas nesse caso não são consideradas como síndrome paraneoplásica [Capítulo5]); (2) síndrome de Cushing (a partir do aumento na produção de hormônio adrenocorticotrópico); (3) síndrome de secreção inadequada de hormônio antidiurético; (4) síndromes neuromusculares, incluindo uma síndrome miastênica, neuropatia periférica e polimiosite; (5) baqueteamento dos dedos e osteoartropatia pulmonar hipertrófica e (6) anormalidades de coagulação, incluindo tromboflebite migratória, endocardite não bacteriana e coagulação intravascular disseminada. Secreção de calcitonina e outros hormônios ectópicos tem sido detectada em testes, mas esses produtos não provocam síndromes características. A hipercalcemia é mais frequentemente encontrada nas neoplasias de células escamosas, e as síndromes hematológicas estão relacionadas com os adenocarcinomas. As demais síndromes são mais comuns em neoplasia de células pequenas, mas existem exceções.
nomas (mais comuns), carcinoma de células escamosas, carcinoma de grandes células e carcinoma de pequenas células. são tratados comumente por quimioterapia, uma vez que quase todos já apresentam metástase quando detectados. Os outros carcinomas podem ser curados por cirurgia, desde que não haja infiltração extensa. A combinação de quimioterapia também é útil ao longo da terapia com anti-EGFR para os carcinomas com mutação no EGFR, e inibidores ALK para aqueles com mutações no ALK. câncer de pulmão; em mulheres e não fumantes, os adenocarcinomas são os mais comuns. carcinoma de células escamosas), hiperplasia adenomatosa atípica e adenocarcinoma in situ (anteriormente chamado carcinoma bronquioloalveolar). crescimento puro ao longo de estruturas preexistentes (padrão lepídico), sem invasão estromal, agora são chamados de adenocarcinoma in situ. causar síndromes paraneoplásicas.
Tumores Carcinoides Os tumores carcinoides são neoplasias malignas compostas por células que contêm centro denso com grânulos neurossecretores em seus citoplasma e, ainda que raramente, secretam polipeptídeos hormonais ativos. Eles são classificados em carcinoides típicos (baixo grau) e atípicos (grau intermediário); na maioria das vezes, ambos são operáveis e curáveis. Ocasionalmente ocorrem como parte da síndrome de neoplasia endócrina múltipla (Capítulo19). Os carcinoides brônquicos ocorrem em idade precoce (média de 40 anos) e representam cerca de 5% de todas as neoplasias pulmonares.
MORFOLOG IA A maioria dos carcinoides se origina em brônquios principais e crescem em um dos dois padrões: (1) polipoide com obstrução, formando uma massa esférica intraluminal (Fig. 12-49, A) ou (2) como placa mucosa bronquial penetrando a parede e se espalhando no tecido peribrônquico, chamada lesão em “colar de botões”. Mesmo essas lesões penetrantes empurram o tecido pulmonar e se mantêm lá razoavelmente bem demarcadas. Os carcinoides periféricos são menos comuns. Apesar de 5-15% dos tumores carcinoides terem sofrido metástase para os linfonodos hilares até o diagnóstico, metástases distantes são raras. Histologicamente, os carcinoides típicos, como os seus homólogos no trato intestinal, são compostos de ninhos de células uniformes que possuem núcleos redondos regulares, com cromatina em “sal com pimenta”, mitoses ausentes ou raras e baixo pleomorfismo (Fig. 12-49, B). Os tumores carcinoides atípicos exibem maior índice mitótico
Lesões pleurais
Figura 12-49 Carcinoide brônquico. A, Carcinoide crescendo como massa esférica e pálida (seta) protruindo através do lúmen brônquico. B, Aparência histológica demonstrando células pequenas, arredondadas, com núcleo uniforme e moderado citoplasma. (Cortesia do Dr. Thomas Krausz, Departamento de Patologia, University of Chicago Pritzker School of Medicine, Chicago, Illinois.)
(mas menos que os carcinomas de pequenas ou de grandes células) e necrose focal. Os tumores atípicos têm maior incidência de metástases para linfonodos e à distância do que os carcinoides típicos. Ao contrário dos carcinoides típicos, o subtipo atípico demonstra mutações no TP53 em 20-40% dos casos. O carcinoide típico, o carcinoide atípico e o carcinoma de pequenas células podem ser considerados como representantes de um contínuo aumento de agressividade histológica e potencial maligno dentro do espectro das neoplasias pulmonares neuroendócrinas. A maioria dos tumores carcinoides manifesta-se com sinais e sintomas relacionados com o seu crescimento intraluminal (ou seja, causam tosse, hemoptise e infecções brônquicas e pulmonares recorrentes). Tumores periféricos são muitas vezes assintomáticos, sendo descobertos incidentalmente em radiografias torácicas. Raramente eles induzem a síndrome carcinoide, caracterizada por crises intermitentes de diarreia, rubor e cianose. As taxas de sobrevida correspondem a 5-10 anos para cerca de 85% dos pacientes com carcinoide típico, enquanto esses índices caem para 35-56% para carcinoides atípicos. Apenas 5% dos pacientes com tumores neuroendócrinos pulmonares — CPCP — sobrevivem até 10 anos.
LESÕES PLEURAIS Processos patológicos envolvendo a pleura são, com raras exceções, complicações secundárias a alguma doença pulmonar. Evidências de infecções secundárias e aderências pleurais são achados comuns nas necropsias. Os distúrbios primários mais importantes incluem: (1) infecções bacterianas intrapleurais primárias e (2) neoplasia primária de pleura, que é conhecida como mesotelioma maligno.
Efusão Pleural e Pleurite A efusão pleural (presença de fluido no espaço pleural) pode ser um transudato ou um exsudato. Quando o fluido pleural é um transudato, a condição é denominada hidrotórax. O hidrotórax a partir de insuficiência cardíaca congestiva é provavelmente a causa mais comum de acúmulo de fluido na cavidade pleural. O exsudato caracteriza-se por conter proteínas com quantidade
maior que 2,9gm/dL e, frequentemente, células inflamatórias, sugestivas de pleurite. As quatro principais causas da formação do exsudato pleural são: (1) invasão microbiana, quer por infecção pulmonar direta, quer por via sanguínea (pleurite supurativa ou empiema); (2) tumor (carcinoma pulmonar ou neoplasias metastáticas, no pulmão ou na pleura, e mesotelioma); (3) infarto pulmonar; e (4) pleurite viral. Outras causas menos comuns de exsudato pleural são lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatoide e uremia, bem como cirurgias anteriores da cavidade torácica. Efusões causadas por tumores são caracterizadas pelo seu grande volume líquido e, muitas vezes, por terem grande quantidade de sangue (pleurite hemorrágica). O exame citológico pode revelar células neoplásicas e inflamatórias. Qualquer que seja a causa, transudatos ou exsudatos serosos geralmente são reabsorvidos sem incitar efeito residual, caso a causa seja controlada. Em contraste, exsudatos fibrinosos, hemorrágicos e supurativos podem levar à organização fibrosa, produzindo aderências ou espessamento pleural e, por sua vez, calcificações mínimas ou maciças.
Pneumotórax, Hemotórax e quilotórax O pneumotórax refere-se à presença de ar ou gás no saco pleural. Isso pode ocorrer em adultos jovens aparentemente saudáveis, geralmente em homens sem doença pulmonar conhecida (pneumotórax simples ou espontâneo) ou como resultado de algum distúrbio pulmonar ou torácico (pneumotórax secundário), tal como enfisema, ou uma costela quebrada. Pneumotórax secundário é a consequência da ruptura de qualquer lesão pulmonar situada perto da superfície pleural que permite que o ar inspirado ganhe a cavidade pleural. Essas lesões pulmonares incluem enfisema, abcessos, tuberculose, carcinomas e muitos outros processos menos comuns. A ventilação mecânica de suporte com pressão muito mais alta que o necessário também pode causar pneumotórax secundário. Existem muitas complicações possíveis do pneumotórax. Um vazamento de válvula esférica pode causar diferença de pressão que desloca o mediastino. Pode ocorrer o comprometimento da circulação pulmonar, tornando-se fatal. Se o vazamento não for contido, e os pulmões não reexpandirem em poucas semanas (espontaneamente ou por intervenção médica ou cirúrgica), pode ocorrer cicatrização da pleura e consequente perda da capacidade expansiva pulmonar. Nesses casos, ocorre acúmulo de fluido seroso na cavidade pleural, originando um hidrotórax. Com o colabamento prolongado, os pulmões mantêm-se
511
512 C A P Í T U L O 12 Pulmão vulneráveis a infecções, bem como a cavidade pleural, quando houver persistência da comunicação entre ela e o pulmão. O empiema pode ser, portanto, uma importante complicação do pneumotórax (piopneumotórax). O hemotórax é uma coleção de sangue total (em contraste com a efusão sanguínea) na cavidade pleural. É uma complicação causada pelo rompimento de um aneurisma aórtico intratorácico, que é sempre fatal. No hemotórax, diferentemente da efusão pleural, o sangue coagula dentro da cavidade pleural. Quilotórax é uma coleção pleural de líquido linfático leitoso contendo microgotículas de lipídios. O volume total do fluido pode ser pequeno, mas o quilotórax é sempre significativo de obstrução linfática dos maiores ductos do sistema linfático, geralmente por um tumor intratorácico (p.ex., tumor primário ou secundário de mediastino, tal como um linfoma).
Mesotelioma Maligno O mesotelioma maligno é um tumor raro, originado das células mesoteliais, geralmente proveniente de pleura visceral ou parietal, embora também ocorra, menos comumente, no peritônio e pericárdio. Tem assumido grande importância, devido a sua relação com a exposição profissional ao asbesto. Aproximadamente 50% das pessoas com esse tumor têm histórico de exposição ao asbesto. Aqueles que trabalham diretamente com o asbesto (trabalhadores de estaleiros, mineiros e isoladores) são as pessoas que apresentam maiores riscos de desenvolver o tumor, mas o mesotelioma maligno tem aparecido em pessoas cuja única exposição foi viverem próximas a fábricas ou morarem com pessoas que trabalham com o asbesto. O período latente para o desenvolvimento do mesotelioma maligno é longo, frequentemente 25-40 anos após a exposição inicial ao asbesto, sugestivo de que vários eventos somáticos genéticos são necessários para a conversão neoplásica de uma célula mesotelial. Como afirmado anteriormente, a combinação do consumo de cigarros e a exposição ao asbesto aumenta os riscos de carcinoma pulmonar, mas não aumenta necessariamente os riscos de desenvolver mesotelioma maligno.
MORFOLOG IA Os mesoteliomas malignos são frequentemente precedidos por extensa fibrose pleural e formação de placas, facilmente vistas na tomografia computadorizada. Esses tumores começam em uma área localizada e com o tempo se espalham amplamente, por crescimento contíguo ou difusamente, por semeadura das superfícies pleurais. Na necropsia, o pulmão afetado apresenta superfície branco-amarelada, firme, algumas vezes, com camada gelatinosa do tumor que oblitera o espaço pleural (Fig. 12-50). As metástases à distância são raras. A neoplasia pode invadir diretamente a parede torácica ou o tecido pulmonar subpleural. As células mesoteliais normais são bifásicas, dando origem a células de revestimento pleural, assim como o tecido subjacente fibroso. Portanto, histologicamente, os mesoteliomas podem estar em conformidade com um dos três padrões: (1) epitelial, no qual as células cubides formam espaços tubulares e microcísticos, em que as pequenas projeções formam papilas tornando-o suscetível de ser confundido com o adenocarcinoma pulmonar, (2) sarcomatoso, no qual as células são fusiformes e algumas vezes têm aparência de fibroblastos e (3) bifásico, que apresenta ambas as áreas, sarcomatosa e epitelial.
Figura 12-50 Mesotelioma maligno. Note o espesso tumor pleural firme que envolve o pulmão seccionado.
O asbesto não é removido ou metabolizado pelos pulmões, de modo que as fibras permanecem no corpo pelo resto da vida. Assim, o risco de vida após exposição não diminui ao longo do tempo (ao contrário do tabagismo, pelo qual o risco diminui à medida que a pessoa cessa o hábito de fumar). Há uma hipótese de que as fibras de asbesto se depositam preferencialmente perto da camada de células mesoteliais, onde geram espécimes reativos de oxigênio que causam danos ao DNA com mutações potencialmente oncogênicas. Mutações somáticas de dois genes supressores do tumor têm sido encontradas no mesotelioma maligno (p16/CDKN2A, no lócus cromossomal 9p21, e NF2, no lócus cromossomal 22q12).
LESÕES DO TRATO RESPIRATÓRIO SUPERIOR Infecções Agudas As infecções agudas do trato respiratório superior estão entre as doenças que mais afetam os seres humanos, manifestando-se mais frequentemente como “resfriados comuns”. As características clínicas são bem conhecidas: congestão nasal acompanhada de descarga aquosa; espirros, garganta seca com pequenas feridas (sensação de arranhada) e leve aumento de temperatura, mais pronunciado nas crianças. As patologias mais comuns são as rinoviroses, mas coronaviroses, vírus sincicial respiratório, parainfluenza, vírus influenza, adenovírus, enterovírus, e às vezes até mesmo estreptococos beta-hemolíticos do grupo A, têm sido implicados. Em número significativo de casos (em torno de 40%), a causa não pode ser determinada; talvez novas viroses sejam descobertas. Muitas dessas infecções ocorrem no outono e inverno, e são autolimitantes (geralmente com duração de dias ou semanas). Em uma minoria dos casos, a doença pode ser complicada pelo desenvolvimento de otite média ou sinusite. Além de resfriado comum, infecções do trato respiratório superior podem produzir sinais e sintomas localizados na farin-
Lesões do trato respiratório superior ge, epiglote e laringe. A faringite aguda manifesta-se com dores de garganta e pode ser causada por uma variedade de agentes hospedeiros. A faringite leve, com mínimos achados físicos, frequentemente ocorre em temperaturas frias e é a forma mais comum. Formas mais graves de tonsilite, associadas à marcada hipertermia e esxudato, ocorrem na infecção por estreptococos beta-hemolíticos e adenovírus. O reconhecimento da tonsilite estreptocócica é importante para o seu tratamento precoce porque tem o potencial de associação para o desenvolvimento de abcessos peritonsilares (amigdalite) ou progressão para glomerulonefrite pós-estreptocócica e febre reumática aguda. A infecção pelo Coxsackievirus A pode produzir vesículas e úlceras faringianas (herpangina). Mononucleose infecciosa causada pelo vírus Epstein-Barr (EBV) é causa importante de faringite e carrega o apelido de “doença do beijo” — refletindo a forma comum de transmissão em pessoas não expostas previamente. A epiglotite bacteriana aguda é uma síndrome que afeta predominantemente crianças jovens que têm uma infecção de epiglote causada por H. influenzae, em que dor e obstrução das vias aéreas são os achados mais encontrados. O início é abrupto. Não se deve esquecer a necessidade de manter uma via aérea aberta para que a criança com essa condição não venha a ter consequências fatais. Com o advento de vacinação contra H. influenzae, houve grande decréscimo na incidência dessa doença. A laringite aguda pode resultar da inalação de irritantes ou ser causada por reações alérgicas. Ela pode também ser causada pelos agentes que produzem o resfriado comum e, geralmente, envolve a faringe e as fossas nasais, bem como a laringe. Deve ser feita breve menção a duas formas de laringite incomuns, mas importantes: tuberculosa e diftérica. A primeira é quase sempre uma consequência da tuberculose ativa e prolongada na qual ocorre tosse com escarro infectado. A laringite diftérica, felizmente, se tornou incomum pela imunização muito difundida de crianças contra toxina diftérica. Depois de inalado, o Corynebacterium diphtheriae se implanta na mucosa das vias aéreas superiores, onde se desenvolve e produz uma exotoxina potente que causa necrose da mucosa, acompanhada por um exsudato fibrinopurulento denso, gerando uma pseudomembrana diftérica acinzentada clássica. Os principais perigos dessa infecção são a descamação e a aspiração da pseudomembrana (causando obstrução das vias aéreas maiores) e a absorção de exotoxinas bacterianas (produzindo miocardite, neuropatia periférica ou outras lesões teciduais). Em crianças, o vírus da parainfluenza é a causa mais comum de laringotraqueobronquite, mais comumente conhecida como crupe, mas outros agentes, como o vírus sincicial respiratório, podem causar essa condição. Embora autolimitante, o crupe pode causar estridor inspiratório assustador e severo, além de tosse persistente. Ocasionalmente, a reação inflamatória laringiana pode estreitar as vias aéreas suficientemente, resultando em insuficiência respiratória. Infecções virais no trato respiratório superior predispõem o paciente a infecções bacterianas secundárias, particularmente por estafilococos, estreptococos e H.influenzae.
Carcinoma Nasofaríngeo O carcinoma nasofaríngeo é uma neoplasia rara que merece ser comentada devido (1) aos fortes vínculos epidemiológicos com o EBV e (2) a alta frequência de câncer entre os chineses, que levanta a possibilidade de oncogênese viral com fundo de suscetibilidade genética. Acredita-se que, após o EBV infectar o hospedeiro, ocorra a primeira replicação viral no epitélio nasofaríngeo seguida de invasão dos linfócitos B das tonsilas. Em algumas pessoas, isso conduz à transformação das células epiteliais. Diferentemente dos casos de linfoma de Burkitt (Capítulo11), outro tumor associado ao EBV, o genoma do EBV, é encontrado
em virtualmente todos os carcinomas nasofaríngeos, incluindo aqueles que ocorrem fora das áreas endêmicas na Ásia. As três variantes histológicas são carcinoma de células escamosas queratinizadas, carcinoma de células escamosas não queratinizadas e carcinoma indiferenciado; o último é o mais comum e o mais estreitamente relacionado com o EBV. O neoplasma indiferenciado é caracterizado por células epiteliais grandes com limites celulares indistintos (refletindo o crescimento “sincicial”) e nucléolos eosinofílicos proeminentes. Como descrito no Capítulo11, na mononucleose infecciosa o EBV infecta diretamente linfócitos B, que, após proliferação acentuada de linfócitos T reativos, causa linfocitose atípica, vista no sangue periférico, e linfonodos aumentados. Semelhantemente, em carcinomas nasofaríngeos, um influxo marcante de linfócitos maduros frequentemente pode ser visto. Esses neoplasmas são, por conseguinte, referidos como “linfoepiteliomas” — um equívoco, porque os linfócitos não são parte do processo neoplásico nem são tumores benignos. A presença de células neoplásicas grandes em fundo de linfócitos reativos pode dar origem a uma aparência similar aos linfomas não Hodgkin, e marcações imuno-histoquímicas podem ser necessárias para provar a natureza maligna das células epiteliais. Carcinomas nasofaríngeos invadem localmente, espalhando-se pelos linfonodos cervicais, e depois metastatizam para locais distantes. Eles tendem a ser radiossensíveis, e a taxa de sobrevivida de cinco anos ocorre em 50% dos casos, relatada mesmo para pacientes com cânceres avançados.
Tumores Laringianos Uma variedade de neoplasias de origem epitelial e mesenquimal não neoplásicas, malignas e benignas, pode surgir na laringe, mas somente nódulos das cordas vocais, papilomas e carcinomas de células escamosas são suficientemente comuns para merecer comentários. Em todas essas condições, a mais comum característica apresentada é a rouquidão.
Lesões Não Malignas Nódulos nas cordas vocais (“pólipos”) são protrusões hemiesféricas lisas (geralmente menores que 0,5cm de diâmetro) localizadas, mais frequentemente, nas cordas vocais verdadeiras. Os nódulos são compostos de tecido fibroso coberto por mucosa escamosa estratificada que geralmente está intacta, mas que pode ser ulcerada por trauma devido ao contato com a outra corda vocal. Essas lesões ocorrem principalmente em fumantes ou cantores (nódulos de cantores), sugerindo que sejam o resultado de irritação crônica ou abusiva. O papiloma laringiano ou papiloma escamoso da laringe é um neoplasma benigno, geralmente localizado nas cordas vocais verdadeiras, que forma uma lesão macia, saliente, com aspecto de framboesa, raramente maior que 1cm de diâmetro. Histologicamente consiste em múltiplas projeções delgadas em forma de dedo, sustentadas por núcleos centrais fibrovasculares e cobertos por um epitélio estratificado escamoso tipicamente ordenado. Quando o papiloma está na extremidade livre da corda vocal, o trauma pode levar à ulceração, que pode ser acompanhada por hemoptise. Os papilomas geralmente são únicos em adultos, mas frequentemente múltiplos em crianças, nas quais a condição está relacionada como papilomatose respiratória recorrente (PRR), desde que tipicamente tendem a recorrer depois da excisão. Essas lesões são causadas por papilomavírus humano (HPV) tipos 6 e 11, não se tornam malignos e com frequência regridem espontaneamente na puberdade. Transformação cancerosa é rara. A causa mais provável para sua ocorrência em crianças é a transmissão vertical
513
514 C A P Í T U L O 12 Pulmão de mãe infectada durante o parto. Portanto, a disponibilidade de uma vacina contra o HPV que possa proteger mulheres em idade reprodutiva contra a infecção pelos tipos 6 e 11 fornece uma oportunidade para a prevenção de PRR em crianças.
Carcinoma da Laringe Carcinomas de laringe representam somente 2% de todos os cânceres. Ocorrem mais comumente depois dos 40 anos de idade, e mais em homens do que em mulheres (na razão de 7:1). Influências ambientais são causas muito importantes, uma vez que quase todos os casos ocorrem em fumantes. O álcool e a exposição ao asbesto também podem desempenhar esse papel. Sequências de papilomavírus humano podem ser detectadas em cerca de 15% dos tumores, que tendem a ter prognóstico melhor que outros carcinomas. Cerca de 95% dos cânceres de laringe são carcinomas de células escamosas típicos. Raramente, os adenocarcinomas são vistos, presumivelmente surgindo de glândulas mucosas. O tumor se desenvolve diretamente nas cordas vocais (tumores glóticos) em 60-75% dos casos, mas também podem surgir acima das cordas (supraglóticos, 25-40%) ou abaixo (subglótico; em menos de 5%). Carcinomas de células escamosas da laringe começam como lesões in situ, que depois aparecem como placas rugosas na superfície da mucosa, de cor pérola-acinzentada, finalmente ulcerada e fungoide (Fig.12-51). Os tumores glóticos são geralmente queratinizados, bem/moderadamente diferenciados, embora não queratinizados; carcinomas pouco diferenciados podem também ser vistos. Como esperado com lesões resultantes de exposição recorrente a carcinógenos ambientais, a mucosa adjacente pode demonstrar hiperplasia de células escamosas com focos de displasia ou formações compatíveis com carcinoma in situ. Carcinomas de laringe se manifestam clinicamente com rouquidão persistente. A localização do tumor de laringe tem um peso significativo no prognóstico. Por exemplo, cerca de 90% dos tumores glóticos limitam-se à laringe no momento do diagnóstico. Isso é justificado, primeiro, com o resultado da interferência com a mobilidade das cordas vocais, porque eles desenvolvem sintomas precoces no curso da doença; segundo, a região glótica tem fornecimento linfático escasso, e a extensão para além da laringe é incomum. Em contraste, a laringe supraglótica é rica em espaços linfáticos, e quase um terço desses tumores mestastiza para linfonodos regionais (cervicais). Os tumores subglóticos tendem a permanecer clinicamente quiescentes, geralmente se manifestando como doença avançada.
Figura 12-51 Carcinoma laringiano de células escamosas (seta) surge na localização supraglótica (acima da corda vocal verdadeira).
Com cirurgia, radioterapia ou combinação dos tratamentos, muitos pacientes podem ser curados, mas cerca de um terço morre da doença. A causa comum da morte é a infecção das vias respiratórias distais ou a difusão de metástases e caquexia.
AGRADECIMENTOS Somos muito gratos às contribuições do Dr. Anirban Maitra, MD, para este capítulo.
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C APÍTULO
Sistema Endócrino
19
S U M Á R I O D O C A P Í T U LO HIPÓFISE 716 Hiperpituitarismo e Adenomas Hipofisários 717 Prolactinomas 719 Adenomas Produtores de Hormônio do Crescimento (Células Somatotróficas) 719 Adenomas Produtores de Hormônio Adrenocorticotrófico (Células Corticotróficas) 719 Outras Neoplasias da Hipófise Anterior 720
Hipopituiratismo 720 Síndromes Hipofisárias Posteriores 721 TIREOIDE 721 Hipertireoidismo 722 Hipotireoidismo 723 Tireoidite 724 Tireoidite Linfocítica Crônica (Hashimoto) 724 Tireoidite Granulomatosa Subaguda (de Quervain) 725 Tireoidite Linfocítica Subaguda 726 Outras Formas de Tireoidite 726
Doença de Graves 726
Bócio Difuso e Multinodular 728 Neoplasias da Tireoide 728 Adenomas 729 Carcinomas 730
CÓRTEX SUPRARRENAL 752 Hiperfunção Adrenocortical (Hiperadrenalismo) 752 Hipercortisolismo e Síndrome
GLÂNDULAS PARATIREOIDES 735 de Cushing 752 Hiperaldosteronismo 755 Hiperparatireoidismo 736 Hiperparatireoidismo Primário 736 Hiperparatireoidismo Secundário 738
Síndromes Adrenogenitais 756
Hipoparatireoidismo 738 PÂNCREAS ENDÓCRINO 739 Diabetes Melito 739
Insuficiência Adrenocortical Aguda 757 Insuficiência Adrenocortical Crônica: Doença de Addison 757 Insuficiência Adrenocortical Secundária 758
Diagnóstico 739 Classificação 739 Fisiologia Normal da Insulina e Homeostase da Glicose 739 Resistência Insulínica 742 Disfunção da Célula Beta 743 Formas Monogênicas de Diabetes 743 Complicações do Diabetes 743
Tumores Neuroendócrinos Pancreáticos 751 Insulinomas 751 Gastrinomas 752
O sistema endócrino é um grupo de órgãos altamente integrados e amplamente distribuídos que orquestram um estado de equilíbrio metabólico, ou homeostase, entre os diversos tecidos corporais. A sinalização através de moléculas secretadas para o meio extracelular pode ser classificada em um de três tipos — autócrina, parácrina ou endócrina —, de acordo com a distância sobre a qual o sinal atua (Capítulo2). Na sinalização endócrina, as moléculas secretadas, que frequentemente são denominadas hormônios, agem sobre células-alvo distantes dos seus locais de síntese. Um hormônio endócrino é tipicamente transportado pelo sangue do seu local de síntese até o seu alvo. O aumento da atividade no tecido-alvo frequentemente infrarregula a atividade da glândula que secreta o hormônio estimulante, em um processo conhecido como inibição por retroalimentação (feedback). Os hormônios podem ser classificados em várias categorias amplas, com base na natureza dos seus receptores: Hormônios que deflagram sinais bioquímicos através da interação com receptores da superfície celular. Essa ampla
Insuficiência Suprarrenal 757
Neoplasias Adrenocorticais 759 MEDULA SUPRARRENAL 760 Tumores da Medula Suprarrenal 760 Feocromocitoma 760 Neuroblastoma e Outras Neoplasias Neuronais 761
SÍNDROMES DE NEOPLASIA ENDÓCRINA MÚLTIPLA 761 Neoplasia Endócrina Múltipla do Tipo 1 761 Neoplasia Endócrina Múltipla do Tipo 2 762
categoria de substâncias é composta por dois grupos: (1) hormônios peptídeos, como, por exemplo, o hormônio do crescimento e a insulina; e (2) pequenas moléculas como, por exemplo, a epinefrina. A ligação desses hormônios aos receptores da superfície celular leva a um aumento de moléculas intracelulares denominadas segundos mensageiros, como o monofosfato cíclico de adenosina (cAMP); à produção de mediadores a partir dos fosfolipídeos de membrana (p.ex., inositol 1,4,5-trifosfato); e ao deslocamento dos níveis intracelulares de cálcio ionizado. Os níveis elevados de um ou mais desses compostos podem alterar a proliferação, diferenciação, sobrevivência e atividade funcional das células, principalmente através da regulação da expressão de genes específicos. Hormônios que se difundem através da membrana celular e interagem com os receptores intracelulares. Muitos hormônios lipossolúveis passam através da membrana celular por difusão para interagirem com receptores no citoplasma ou no núcleo. Os complexos hormônio-receptor resultantes se
716 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino ligam especificamente a elementos promotores e intensificadores no DNA, afetando, assim, a expressão de genes-alvo específicos. Os hormônios desse tipo incluem os esteroides (p.ex., estrogênio, progesterona, glicocorticoides), os retinoides (vitamina A) e a tiroxina. Vários processos podem perturbar a atividade normal do sistema endócrino, incluindo o comprometimento da síntese ou da liberação de hormônios, interações anormais entre hormônios e os seus tecidos-alvo e respostas anormais dos órgãos-alvo aos seus hormônios. As doenças endócrinas podem ser
amplamente classificadas como (1) doenças de subprodução ou superprodução de hormônios, com consequências bioquímicas e clínicas associadas, ou (2) doenças associadas ao desenvolvimento de lesões em massa, que podem ser não funcionantes ou estar associadas à produção excessiva ou à subprodução de hormônios. Com exceção das lesões em massa, o estudo das doenças endócrinas depende muito das dosagens bioquímicas dos níveis dos hormônios, dos seus reguladores e de outros metabólitos.
HIPÓFISE A glândula hipófise é uma estrutura pequena, em forma de feijão, que se localiza na base do cérebro, dentro dos limites da sela túrcica. Ela está intimamente relacionada ao hipotálamo, com o qual está conectada através de uma haste, composta pelos axônios que se estendem do hipotálamo, e por um rico plexo venoso constituindo a circulação porta. Juntamente com o hipotálamo, a hipófise possui papel central na regulação da maior parte das demais glândulas endócrinas. A hipófise é composta por dois componentes morfológica e funcionalmente distintos: o lobo anterior (adeno-hipófise) e o lobo posterior (neuro-hipófise). As doenças da hipófise, consequentemente, podem ser divididas naquelas que afetam primariamente o lobo anterior e naquelas que afetam primariamente o lobo posterior. A hipófise anterior, ou adeno-hipófise, é composta por células epiteliais derivadas embriologicamente da cavidade oral em desenvolvimento. Nos cortes histológicos de rotina, um arranjo colorido de células contendo citoplasma basofílico, citoplasma eosinofílico ou citoplasma mal corado (cromofóbico) está presente (Fig.19-1). Estudos detalhados utilizando técnicas de microscopia eletrônica e imunocitoquímica demonstraram que as propriedades de coloração dessas células estão relacionadas à presença de diversos hormônios polipeptídicos tróficos no interior dos seus citoplasmas. A liberação dos hormônios
Figura 19-1 Arquitetura normal da hipófise anterior. A glândula é preenchida por vários tipos celulares diferentes contendo uma variedade de hormônios estimuladores (trópicos). Cada um dos hormônios possui diferentes características de coloração resultando em uma mistura de tipos celulares nos preparados histológicos de rotina. Observe também a presença de uma trama fina de reticulina.
tróficos está, por sua vez, sob o controle de fatores produzidos no hipotálamo; enquanto a maior parte dos fatores hipotalâmicos são estimulatórios e promovem a liberação de hormônios hipofisários, outros (p. ex., somatostatina e dopamina) são inibitórios dos seus efeitos (Fig.19-2). Raramente, os sinais e sintomas de doença hipofisária podem ser provocados pelo excesso ou carência de fatores hipotalâmicos e não por uma anomalia hipofisária primária. Os sinais e sintomas de doença hipofisária podem ser agrupados como se segue: (IHLWRVUHODFLRQDGRVDRhiperpituitarismo: O hiperpituitarismo decorre da secreção excessiva de hormônios tróficos. Mais comumente, resulta de um adenoma da hipófise anterior, mas também pode ser provocado por outras lesões hipofisárias e extra-hipofisárias, conforme subsequentemente descrito. Os sintomas e os sinais de hiperpituitarismo serão discutidos no contexto dos tumores individuais, posteriormente neste capítulo. (IHLWRVUHODFLRQDGRVDR hipopituitarismo: O hipopituitarismo é provocado pela deficiência de hormônios tróficos e resulta de uma variedade de processos destrutivos, incluindo lesão isquêmica, cirurgia ou irradiação e reações inflamatórias. Além disso, os adenomas hipofisários não funcionantes podem comprimir e destruir o parênquima hipofisário anterior, provocando hipopituitarismo. Efeito de massa local: Entre as alterações mais precoces atribuíveis a um efeito de massa estão as anomalias radiográficas da sela túrcica, incluindo expansão selar, erosão óssea e ruptura do diafragma selar. Devido à íntima proximidade dos nervos ópticos e do quiasma em relação à sela, a expansão das lesões hipofisárias frequentemente comprime as fibras que decussam no quiasma óptico. Essa neuroanatomia alterada resulta em anomalias do campo visual, classicamente sob a forma de defeitos dos campos visuais laterais (temporais) — denominadas hemianopsia bitemporal. Como na hipótese de qualquer massa expansiva intracraniana, os adenomas hipofisários podem produzir sinais e sintomas de elevação da pressão intracraniana, incluindo cefaleia, náusea e vômitos. Os adenomas hipofisários que se estendem além da sela túrcica para a base do cérebro (adenoma hipofisário invasivo) produzem convulsões ou hidrocefalia obstrutiva; o envolvimento de nervos cranianos pode resultar em paralisia de nervo craniano. Eventualmente, a hemorragia aguda em um adenoma está associada à evidência clínica de rápido aumento da lesão e queda do nível de consciência, situação apropriadamente denominada apoplexia hipofisária. A apoplexia hipofisária aguda constitui uma emergência neurocirúrgica porque pode ser rapidamente fatal.
Hiperpituitarismo e adenomas hipofisários
Figura 19-2 A adeno-hipófise (hipófise anterior) libera seis hormônios: hormônio adrenocorticotrófico (ACTH), ou corticotropina; hormônio folículo-estimulante (FHS); hormônio do crescimento (GH), ou somatotropina; hormônio luteinizante (LH); prolactina (PRL); e o hormônio estimulante da tireoide (TSH), ou tireotropina. Esses hormônios estão, por sua vez, sob o controle de diversos fatores liberadores hipotalâmicos, estimuladores e inibidores. Os fatores estimulatórios são o hormônio liberador da corticotropina (CRH), o hormônio de liberador do hormônio do crescimento (GHRH), o hormônio liberador da liberação das gonadotrofinas (GnRH) e o hormônio de liberação da tireotropina (TRH). Os fatores hipotalâmicos inibitórios são o hormônio inibitório do hormônio do crescimento (GIH), ou somatostatina, e o fator inibitório da prolactina (PIF), que é o mesmo que a dopamina.
podem secretar dois hormônios diferentes (sendo a combinação entre hormônio do crescimento e prolactina a mais comum); raramente os adenomas hipofisários são pluri-hormonais. Na outra extremidade do espectro, os adenomas hipofisários também podem ser verdadeiramente “hormônio negativos”, conforme indicado pela ausência de reatividade imuno-histoquímica ou de evidências ultraestruturais de produção de hormônios.
HIPERPITUITARISMO E ADENOMAS HIPOFISÁRIOS A causa mais comum de hiperpituitarismo é um adenoma proveniente do lobo anterior. Outras causas menos comuns incluem hiperplasia e carcinomas da hipófise anterior, secreção de hormônios por alguns tumores extra-hipofisários e determinados distúrbios hipotalâmicos. Algumas características importantes dos adenomas hipofisários são as seguintes: Os adenomas hipofisários são classificados com base no(s) hormônio(s) produzido(s) pelas células neoplásicas, que são detectados por colorações imuno-histoquímicas realizadas em cortes histológicos (Tabela19-1). 2VDGHQRPDVKLSRILViULRVSRGHPVHUfuncionantes (isto é, associados ao excesso de hormônios e às manifestações clínicas disso) ou não funcionantes (isto é, demonstração da produção de hormônios somente em nível tecidual, sem manifestações clínicas do excesso hormonal). Tanto os adenomas funcionantes quanto os não funcionantes geralmente são compostos por um único tipo celular e produzem um único hormônio predominante, mas há exceções. Alguns adenomas hipofisários
$PDLRUSDUWHGRVDGHQRPDVKLSRILViULRVRFRUUHFRPROHV}HV
esporádicas (isto é, não familiais). Em cerca de 5% dos casos, contudo, os adenomas ocorrem como resultado de predisposição hereditária (ver adiante). 2VDGHQRPDVKLSRILViULRVVmRGHQRPLQDGRVXPWDQWRDUELtrariamente, microadenomas, se tiverem menos de 1cm de diâmetro, e macroadenomas, se excederem 1cm de diâmetro.
2VDGHQRPDVQmRIXQFLRQDQWHVHKRUP{QLRVQHJDWLYRVWrPD
tendência de só chamarem a atenção clínica em estágio mais adiantado e, por conseguinte, têm maior probabilidade de serem macroadenomas do que as lesões associadas a anomalias endócrinas. Além disso, os adenomas não funcionantes podem provocar hipopituitarismo à medida que comprimem e destroem o parênquima hipofisário anterior.
Tabela 19-1 &ODVVLÀFDomRGRV$GHQRPDV+LSRÀViULRV
Tipo Celular +LSRÀViULR
Hormônio
Tipo Tumoral
Síndrome Associada*
&RUWLFRWUyÀFR
ACTH e outros peptídeos derivados da POMC
Densamente granulado Esparsamente granulado
Síndrome de Cushing Síndrome de Nelson
6RPDWRWUyÀFR
GH
Densamente granulado Esparsamente granulado
Gigantismo (crianças) Acromegalia (adultos)
/DFWRWUyÀFR
Prolactina
Densamente granulado Esparsamente granulado
Galactorreia e amenorreia (em mulheres) Disfunção sexual, infertilidade
0DPRVVRPDWRWUyÀFR
Prolactina, GH
0DPRVVRPDWRWUyÀFR
Características combinadas do excesso de GH e de prolactina
7LUHRWUyÀFR
TSH
7LUHRWUyÀFR
Hipertireoidismo
*RQDGRWUyÀFR
FSH, LH
*RQDGRWUyÀFR´FpOXODV nulas”, adenomas oncocíticos
Hipogonadismo, efeitos de massa e hipopituitarismo
ACTH, hormônio adrenocorticotrófico, FSH, hormônio folículo-estimulante; GH, hormônio do crescimento; LH, hormônio luteinizante; POMC, pró-opiomelanocortina;TSH, hormônio estimulante da tireoide. *Os adenomas não funcionantes de cada categoria tipicamente manifestam efeitos de massa e, frequentemente, hipopituitarismo. Dados de Ezzat S, Asa SL: Mechanisms of disease: the pathogenesis of pituitary tumors. Nat Clin Pract Endocrinol Metab 2:220–230, 2006.
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718 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino
PATOG EN IA Com os recentes avanços das técnicas moleculares, conhecimento substancial foi obtido relativamente às anomalias genéticas associadas aos adenomas hipofisários: } 0b\dcPÌÚTbSP_a^cTÒ]PST[XVPÌÈ^P^]dR[T^cÒST^VdP]X]P (proteína G) são as anomalias moleculares mais bem caracterizadas nessas neoplasias. As proteínas G possuem papel fundamental na transdução do sinal, na transmissão de sinais de receptores da superfície celular (p. ex., receptor do hormônio de liberação do hormônio do crescimento) para efetores intracelulares (p. ex., adenil ciclase), que, então, geram segundos mensageiros (p. ex., cAMP). A Gs é uma proteína G estimuladora que possui papel central na transdução do sinal em vários órgãos endócrinos, incluindo a hipófise. A Gs existe como proteína inativa, com o difosfato de guanosina (GDP) ligado ao sítio de ligação do nucleotídeo guanina da subunidade alfa da Gs, codificada pelo gene GNAS1. Na deflagração do receptor hormonal, a GDP se dissocia e o trifosfato de guanosina (GTP) se vincula à Gsa, ativando a proteína G. A Gsa ligada à GTP interage diretamente com os seus efetores (como a adenil ciclase), ativando-os, com resultante aumento do cAMP intracelular. O cAMP age como um potente estímulo mitogênico para uma variedade de tipos celulares endócrinos, promovendo a proliferação celular e a síntese e secreção hormonal. A ativação do Gsa e a resultante geração de cAMP são transitórias devido à atividade intrínseca da GTPase na subunidade a, que hidrolisa a GTP em GDP. Uma mutação na subunidade a que interfira na sua atividade GTPase intrínseca resulta, portanto, na ativação constitutiva de Gsa, na geração persistente de cAMP e na proliferação celular descontrolada. Aproximadamente 40% dos adenomas de células somatotróficas secretoras de hormônio do crescimento e uma minoria dos adenomas de células corticotróficas secretores de hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) são portadores de mutações GNAS1. } 2^]U^a\TP a\PS^P]cTaX^a\T]cTP_a^gX\PSP\T]cT$ dos adenomas hipofisários surgem como consequência de predisposição hereditária. Quatro genes foram até agora identificados como causa de adenomas hipofisários familiais: NEM1, CDKNIB, PRKARIA e AIP. As mutações inativadoras da linhagem germinativa do gene NEM1 são responsáveis pela síndrome de neoplasia endócrina múltipla do tipo 1 (NEM-1; discutida em detalhes adiante). O produto do gene CDKN I B é o regulador p27 do ponto de verificação do ciclo celular, ou K1P1; as mutações da linhagem germinativa do CDKN I B são responsáveis por um subgrupo de pacientes com uma síndrome “semelhante à NEM-1” que carece das anomalias da NEM-1. O gene que codifica a proteína de interação do receptor de hidrocarbonetos de arila (AIP) é um gene de predisposição para o adenoma hipofisário recentemente descoberto, e os pacientes com mutações AIP na linhagem germinativa frequentemente desenvolvem adenomas secretores de GH em idade mais jovem (antes do 35 anos) do que aquela dos pacientes típicos dos adenomas esporádicos de GH. } 0b\dcPÌÚTbS^TP53 nos adenomas hipofisários estão associadas à propensão para comportamento agressivo, como a invasão e a recorrência.
MORFOLOGI A O adenoma comum de hipófise é uma lesão bem circunscrita, macia, que pode, na hipótese de tumores menores, estar confinado à sela túrcica. As lesões maiores podem comprimir o quiasma óptico e as estruturas adjacentes (Fig. 19-3), erodir a sela túrcica e os processos clinoides anteriores e se estender localmente para o interior dos seios cavernoso e esfenoidal. Em até 30% dos casos, os adenomas não são capsulados e infiltram o osso adjacente, a dura e (raramente) o cérebro. Os focos de hemorragia e/ou de necrose são comuns nos adenomas maiores. Os adenomas hipofisários são compostos por células poligonais relativamente uniformes arranjadas em lâminas, cordões ou papilas. O tecido conjuntivo de sustentação, ou reticulina, é esparso, sendo responsável pela consistência macia, gelatinosa, de muitos desses tumores. Os núcleos das células neoplásicas podem ser uniformes ou pleomórficos. A atividade mitótica é escassa. O citoplasma das células constituintes pode ser acidófilo, basófilo ou cromófobo, dependendo do tipo e quantidade do produto secretório no interior da célula, mas é bem uniforme por todo o citoplasma. Esse monomorfismo celular e a ausência de uma trama significativa de reticulina diferenciam os adenomas hipofisários do parênquima hipofisário anterior não neoplásico (Fig. 19-4). A condição funcional do adenoma não pode ser confiavelmente prognosticada a partir desse aspecto histológico. Os adenomas que abrigam as mutações TP53 frequentemente demonstram atividade mitótica enérgica e taxas de proliferação mais elevadas, sendo denominados adenomas atípicos para reforçar o seu potencial para um comportamento agressivo.
Figura 19-3 Adenoma hipofisário. Esse adenoma maciço, não funcionante, cresceu muito além dos limites da sela túrcica e distorceu o cérebro sobrejacente. Os adenomas não funcionantes tendem a ser maiores no momento do diagnóstico do que aqueles que secretam hormônios.
Hiperpituitarismo e adenomas hipofisários condições ou fatores outros que não os adenomas hipofisários secretores de prolactina, incluindo gravidez, terapia com estrogênios em altas doses, insuficiência renal, hipotireoidismo, lesões hipotalâmicas e medicamentos inibidores da dopamina (isto é, reserpina). Além disso, qualquer massa no compartimento suprasselar pode perturbar a influência inibitória normal do hipotálamo sobre a secreção de prolactina, resultando em hiperprolactinemia — em um mecanismo conhecido como efeito da haste. Desse modo, elevações discretas da prolactina sérica (menores do que 200mg/L) em paciente com adenoma hipofisário não indica necessariamente neoplasia secretora de prolactina.
Adenomas Produtores de Hormônio do Crescimento (Células Somatotróficas) Figura 19-4 Adenoma hipofisário. O monomorfismo dessas células contrasta acentuadamente com a mistura de células observada na hipófise anterior da Figura 19-1. Observe também a ausência da trama de reticulina.
R ESUM O Hiperpituitarismo
do lobo anterior da hipófise. (maiores do que 1 cm de diâmetro) e, na avaliação clínica, podem ser funcionantes ou não funcionantes. de massa, incluindo distúrbios visuais. sintomas endócrinos distintos. GNAS1, que resulta na ativação constitutiva da proteína G estimulatória, é uma das alterações genéticas mais comuns. parte dos adenomas são o seu monomorfismo celular e a ausência de uma trama de reticulina.
Prolactinomas Os prolactinomas constituem o tipo mais comum de adenoma hipofisário hiperfuncionante. Eles variam de tamanho, desde pequenos microadenomas até grandes tumores expansíveis associados a consideráveis efeitos de massa. A prolactina pode ser demonstrada no interior do citoplasma das células neoplásicas através de técnicas imuno-histoquímicas. A hiperprolactinemia provoca amenorreia, galactorreia, perda da libido e infertilidade. Uma vez que muitas das manifestações da hiperprolactinemia (p. ex., amenorreia) são mais óbvias em mulheres na pré-menopausa do que nos homens ou nas mulheres na pós-menopausa, os prolactinomas geralmente são diagnosticados em estágio mais precoce nas mulheres em idade reprodutiva do que nas pessoas mais velhas igualmente afetadas. Em contraposição, as manifestações hormonais podem ser bastante sutis nos homens e nas mulheres mais velhas, nos quais o tumor pode alcançar tamanho considerável antes de chamar a atenção clínica. A hiperprolactinemia pode ser provocada por
As neoplasias produtoras de hormônio do crescimento (adenomas de células somatotróficas), incluindo aquelas que produzem uma mistura de hormônio do crescimento com outros hormônios (p. ex., prolactina), constituem o segundo tipo mais comum de adenoma hipofisário funcionante. Uma vez que as manifestações clínicas do excesso de hormônio do crescimento podem ser sutis, os adenomas das células somatotróficas podem estar bastante volumosos no momento em que chamam a atenção clínica. Ao exame microscópico, os adenomas produtores de hormônio do crescimento são compostos por células esparsamente granuladas, e a coloração imuno-histoquímica demonstra hormônio do crescimento no interior do citoplasma das células neoplásicas. Pequenas quantidades de prolactina imunorreativa muitas vezes também estão presentes. A hipersecreção persistente de hormônio do crescimento estimula a secreção hepática de fator de crescimento semelhante à insulina do tipo 1 (somatomedina C), que provoca muitas das manifestações clínicas. Se um adenoma secretor de hormônio do crescimento ocorrer antes que as epífises se fechem, como no caso da criança pré-puberal, os níveis de hormônio do crescimento resultam em gigantismo. Essa condição se caracteriza por aumento generalizado do tamanho corporal, com braços e pernas desproporcionalmente longos. Se os níveis elevados de hormônio do crescimento persistirem ou se desenvolverem após o fechamento das epífises, a pessoa afetada desenvolve acromegalia, na qual o crescimento é mais proeminente no tecido conjuntivo, pele e vísceras, assim como nos ossos da face, mãos e pés. O aumento da mandíbula resulta em protrusão (prognatismo), com alargamento da porção inferior da face e separação dos dentes, mãos e pés aumentados, com dedos largos, em salsicha. Na prática clínica, o gigantismo tipicamente é acompanhado por evidências de acromegalia. O excesso do hormônio do crescimento também está associado a uma série de outros distúrbios, incluindo tolerância anormal à glicose e diabetes melito, fraqueza muscular generalizada, hipotensão, artrite, osteoporose e insuficiência cardíaca congestiva. A prolactina é demonstrável em vários adenomas produtores de hormônio do crescimento e, em alguns casos, pode ser liberada em quantidade suficiente para produzir sinais e sintomas de hiperprolactinemia.
Adenomas Produtores de Hormônio Adrenocorticotrófico (Células Corticotróficas) Os adenomas de células corticotróficas, em sua maioria, são pequenos (microadenomas) no momento do diagnóstico. Esses adenomas se coram positivamente nas colorações para o ácido periódico de Schiff (PAS), como resultado do acúmulo da
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720 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino proteína glicosilada ACTH. Como no caso de outros adenomas hipofisários, os grânulos secretórios podem ser detectados por métodos imuno-histoquímicos. Através da microscopia eletrônica, eles aparecem como grânulos elétron-densos envoltos por membrana, com média de 300nm de diâmetro. Os adenomas das células corticotróficas podem ser clinicamente silenciosos ou provocar hipercortisolismo, manifestado clinicamente como síndrome de Cushing, devido ao efeito estimulatório do ACTH sobre o córtex da suprarrenal. A síndrome de Cushing, discutida em mais detalhes posteriormente neste capítulo juntamente com as doenças da glândula suprarrenal, pode ser provocada por ampla variedade de condições além das neoplasias hipofisárias produtoras de ACTH. Quando o hipercortisolismo é provocado pela produção excessiva de ACTH pela hipófise, o processo é denominado doença de Cushing porque esse é o padrão de hipercortisolismo originalmente descrito pelo Dr. Harvey Cushing. Adenomas de células corticotróficas grandes, clinicamente agressivos, podem se desenvolver após a remoção cirúrgica das glândulas suprarrenais para o tratamento da síndrome de Cushing. Na maior parte dos casos, essa condição, conhecida como síndrome de Nelson, resulta da perda do efeito inibitório dos corticosteroides suprarrenais em um microadenoma corticotrófico preexistente. Uma vez que as suprarrenais estão ausentes nas pessoas com a síndrome de Nelson, o hipercortisolismo não se desenvolve. Em vez disso, os pacientes se apresentam com os efeitos de massa do tumor hipofisário. Além disso, uma vez que o ACTH é sintetizado como parte de uma grande substância pró-hormonal que inclui o hormônio estimulante dos melanócitos (MSH), a hiperpigmentação também pode ser uma característica.
Outras Neoplasias da Hipófise Anterior 2VDGHQRPDV
gonadotróficos (produtores de hormônio luteinizante [LH] e de hormônio folículo estimulante [FSH]) podem ser de difícil identificação, uma vez que secretam hormônios ineficientes e variavelmente, e os produtos secretórios geralmente não provocam uma síndrome clínica identificável. Tipicamente são detectados quando os tumores se tornaram grandes o suficiente para provocar sinais e sintomas neurológicos como, por exemplo, comprometimento visual, cefaleias, diplopia ou apoplexia hipofisária. As células neoplásicas geralmente demonstram imunorreatividade para a subunidade a, comum às gonadotrofinas, e para as subunidades específicas b-FSH e b-LH; o FSH geralmente é o hormônio predominantemente secretado. 2V adenomas tireotróficos (produtores de hormônio estimulador da tireoide [TSH]) são responsáveis por cerca de 1% de todos os adenomas hipofisários e constituem causa rara de hipertireoidismo. 2V adenomas hipofisários não funcionantes compreendem tanto as contrapartes clinicamente silenciosas dos adenomas funcionantes anteriormente descritos (p.ex., um adenoma gonadotrófico silencioso) quanto os verdadeiros adenomas hormônio-negativos (células nulas); estes últimos são bastante raros e, conforme observado, muitos foram reclassificados com o emprego de técnicas diagnósticas aprimoradas. Os adenomas não funcionantes constituem aproximadamente 25% de todos os tumores hipofisários. Não surpreendentemente, a apresentação típica dos adenomas não funcionantes se caracteriza pelos efeitos de massa. Essas lesões também podem comprometer a hipófise anterior residual suficientemente para produzir o hipopituitarismo.
Os carcinomas hipofisários são extremamente raros. Além da extensão local para fora da sela túrcica, esses tumores virtualmente sempre demonstram metástases a distância.
R ESUM O Manifestações Clínicas dos Adenomas Hipofisários Prolactinomas: amenorreia, galactorreia, perda da libido e infertilidade Hormônio do crescimento (adenomas de células somatotróficas): gigantismo (crianças), acromegalia (adultos), comprometimento da tolerância à glicose e diabetes melito Adenomas de células corticotróficas: síndrome de Cushing, hiperpigmentação nomas não funcionantes, podem estar associados a efeitos de massa e hipopituitarismo.
HIPOPITUIRATISMO A hipofunção da hipófise anterior pode ocorrer com a perda ouaausência de 75% ou mais do parênquima hipofisário anterior. Isso pode ser congênito (extremamente raro) ou resultar de ampla gama de anomalias adquiridas que são intrínsecas à hipófise. Menos frequentemente, os distúrbios que interferem no envio de fatores de liberação hormonal hipofisários pelo hipotálamo, como, por exemplo, os tumores hipotalâmicos, também podem provocar hipofunção da hipófise anterior. O hipopituitarismo acompanhado por evidências de disfunção hipofisária posterior sob a forma de diabetes insípido quase sempre é de origem hipotalâmica. A maior parte dos casos de hipofunção hipofisária anterior é provocada por: $GHQRPDVKLSRILViULRVQmR IXQFLRQDQWHVDQWHULRUPHQWH
discutidos).
1HFURVHLVTXrPLFDGDKLSyILVHDQWHULRULPSRUWDQWHFDXVD
de insuficiência hipofisária. A hipófise anterior possui substancial capacidade de reserva; como resultado, a destruição de grande parte da hipófise anterior (75% ou mais) deve ocorrer antes que sinais e sintomas de hipopituitarismo se desenvolvam. A síndrome de Sheehan, ou necrose pós-parto da hipófise anterior, é a forma mais comum de necrose isquêmica clinicamente significativa da hipófise anterior. Durante a gravidez, a hipófise anterior aumenta consideravelmente, em grande parte devido ao aumento do tamanho e do número de células secretoras de prolactina. Esse aumento fisiológico não é, contudo, acompanhado por aumento da irrigação sanguínea proveniente do sistema venoso portal de baixa pressão. A glândula aumentada é, portanto, vulnerável à lesão isquêmica, especialmente nas mulheres que experimentam hemorragia e hipotensão significativas durante o período periparto. A hipófise posterior, por receber o seu sangue diretamente de ramos arteriais, é muito menos suscetível à lesão isquêmica e, portanto, não é geralmente afetada. Uma necrose hipofisária clinicamente significativa também pode ser encontrada em outras condições, incluindo coagulação intravascular disseminada, anemia falciforme, pressão intracraniana elevada, lesão traumática e choque de qualquer origem. A glândula residual se torna contraída e cicatricial.
Síndromes hipofisárias posteriores $EODomRGDKLSyILVHSRUFLUXUJLDRXLUUDGLDomR 2XWUDV FDXVDV PHQRV FRPXQV GH KLSRIXQomR KLSRILViULD
anterior, incluindo lesões inflamatórias, como a sarcoidose ou a tuberculose, o trauma e as neoplasias metastáticas envolvendo a hipófise. As manifestações clínicas da hipofunção da hipófise anterior dependem dos hormônios específicos que estão ausentes. Nas crianças, o fracasso do crescimento (nanismo hipofisário) pode ocorrer como resultado da deficiência de hormônio do crescimento. A deficiência de gonadotrofina ou do hormônio de liberação das gonadotrofinas (GnRH) acarreta amenorreia e infertilidade em mulheres e uma redução de libido, impotência e perda de pelos pubianos e axilares em homens. As deficiências de TSH e de ACTH resultam em sintomas de hipotireoidismo e hipossuprarrenalismo, respectivamente, e serão discutidos posteriormente neste capítulo. A deficiência de prolactina resulta em insucesso da lactação pós-parto. A hipófise anterior também é uma rica fonte de MSH, sintetizada a partir da mesma molécula que produz o ACTH; por conseguinte, uma das manifestações do hipopituitarismo é a palidez decorrente da perda dos efeitos estimulatórios do MSH sobre os melanócitos.
SÍNDROMES HIPOFISÁRIAS POSTERIORES A hipófise posterior, ou neuro-hipófise, é composta por células gliais modificadas (denominadas pituícitos) e processos axonais que se estendem a partir de corpos celulares nervosos nos núcleos supraóptico e paraventricular do hipotálamo. Os neurônios hipotalâmicos produzem dois peptídeos: o hormônio antidiurético (ADH) e a ocitocina. Eles são armazenados em terminais axonais na neuro-hipófise e liberados na circulação em resposta a estímulos apropriados. A ocitocina estimula a contração da musculatura lisa no útero gravídico e da musculatura que circunda os ductos lactíferos das glândulas mamárias. O comprometimento da síntese de ocitocina e da sua liberação não foi associado a anomalias clínicas significativas. As síndromes hipofisárias posteriores clinicamente importantes envolvem a produção de ADH. Elas incluem o diabetes insípido e a secreção de níveis inapropriadamente elevados de ADH.
O ADH é um hormônio nonapeptídeo predominantemente sintetizado no núcleo supraóptico. Em resposta a diversos estímulos diferentes, incluindo o aumento da pressão oncótica plasmática, a distensão atrial esquerda, o exercício e determinados estados emocionais, o ADH é liberado pelos axônios terminais da neuro-hipófise na circulação geral. O hormônio atua sobre os túbulos coletores renais promovendo a reabsorção de água livre. A deficiência de ADH provoca diabetes insípido, uma condição caracterizada pela diurese excessiva (poliúria) causada por incapacidade do rim em reabsorver adequadamente a água da urina. O diabetes insípido pode resultar de várias causas, incluindo trauma craniano, neoplasias e distúrbios inflamatórios do hipotálamo e da hipófise, e procedimentos cirúrgicos envolvendo o hipotálamo ou a hipófise. A condição, algumas vezes, surge espontaneamente (idiopática) na ausência de um distúrbio subjacente. O diabetes insípido decorrente da deficiência de ADH é denominado central, para diferenciá-lo da irresponsividade tubular renal ao ADH circulante. As manifestações clínicas de ambas as doenças são similares e incluem a excreção de grande volume de urina diluída com densidade inadequadamente baixa. O sódio sérico e a osmolalidade estão aumentados como resultado da excessiva perda renal de água livre, resultando em sede e polidipsia. Os pacientes que podem beber água geralmente conseguem compensar as perdas urinárias; os pacientes que estão obnubilados, acamados ou de outro modo limitados na sua capacidade de obter água, podem desenvolver desidratação potencialmente fatal. Na síndrome de secreção inapropriada de ADH (SIADH), o excesso de ADH é provocado por vários distúrbios extracranianos e intracranianos. Essa condição leva à reabsorção de quantidade excessiva de água livre, com hiponatremia resultante. As causa mais comuns de SIADH incluem secreção de ADH ectópico por neoplasias malignas (particularmente carcinomas pulmonares de pequenas células), doenças não neoplásicas do pulmão e lesão local do hipotálamo ou da neuro-hipófise. As manifestações clínicas da SIADH são dominadas por hiponatremia, edema cerebral e disfunção neurológica resultante. Conquanto a água corporal total esteja aumentada, o volume sanguíneo permanece normal, e o edema periférico não se desenvolve.
TIREOIDE A glândula tireoide consiste em dois lobos laterais conectados por um istmo relativamente fino, geralmente localizado abaixo e anterior à laringe. A glândula tireoide se desenvolve embrionariamente a partir de uma invaginação do epitélio faríngeo em desenvolvimento que desce do forame cego na base da língua para a sua posição normal no pescoço anterior. Esse padrão de descida explica a eventual presença de tecido tireoidiano ectópico, mais comumente localizado na base da língua (tireoide lingual) ou em outros locais anormalmente altos no pescoço. A tireoide é dividida em lóbulos, cada um composto por cerca de 20-40 folículos uniformemente dispersos. Os folículos variam de tamanho uniforme a variável e estão revestidos por epitélio cuboidal a colunar baixo, sendo preenchidos por tireoglobulina, a proteína precursora iodada do hormônio tireoidiano ativo. Em resposta a fatores tróficos do hipotálamo, o TSH (também
denominado tireotrofina) é liberado pelos tireotrofos na hipófise anterior na circulação. A ligação do TSH com o seu receptor no epitélio folicular tireoidiano resulta na ativação e alteração conformacional no receptor, permitindo a sua associação com uma proteína G estimulatória (Fig.19-5). A ativação da proteína G eventualmente resulta em aumento dos níveis intracelulares de cAMP, que estimulam a síntese e a liberação do hormônio tireoidiano mediadas por proteínas quinases dependentes de cAMP. As células epiteliais foliculares tireoidianas convertem a tireoglobulina em tiroxina (T4) e em menores quantidades de tri-iodotironina (T3). O T4 e o T3 são liberados na circulação sistêmica, onde a maior parte desses peptídeos está reversivelmente ligada a proteínas plasmáticas circulantes, como a globulina de ligação do T4, para o transporte até os tecidos periféricos. As proteínas de ligação servem para manter as concentrações
721
722 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino liberação excessiva de hormônios tireoidianos (hipertireoidismo), aquelas associadas à deficiência de hormônio tireoidiano (hipotireoidismo) e as lesões maciças da tireoide. A seguir são consideradas as consequências clínicas do distúrbio da função tireoidiana, seguidas por uma visão geral dos distúrbios que geram esses problemas.
HIPERTIREOIDISMO
Figura 19-5 Homeostasia do eixo hipotálamo-hipófise-tireoide e mecanismo de ação dos hormônios tireoidianos. A secreção dos hormônios tireoidianos (T3 e T4) é controlada por fatores tróficos secretados pelo hipotálamo e pela hipófise anterior. Os níveis reduzidos de T3 e T4 estimulam a liberação do hormônio de liberação da tireotrofina (TRH) pelo hipotálamo e do hormônio estimulador da tireoide (TSH) pela hipófise anterior, fazendo com que os níveis de T3 e T4 se elevem. Os níveis elevados de T3 e T4, por sua vez, suprimem a secreção tanto do TRH quanto do TSH. Essa relação é denominada alça de feedback negativo. O TSH se liga ao receptor do TSH sobre o epitélio folicular tireoidiano, o que provoca a ativação das proteínas G, a liberação de AMP cíclico (cAMP) e a síntese e liberação de hormônio tireoidiano (isto é, T3 e T4) mediadas pelo cAMP. Na periferia, T3 e T4 interagem com o receptor do hormônio tireoidiano (TR) e formam um complexo que se transloca para o núcleo e se liga aos assim enominados elementos de resposta tireoidianos (TREs) em genes-alvo, iniciando, assim, a transcrição.
A tireotoxicose é o estado hipermetabólico devido à elevação dos níveis circulantes de T 3 e T 4. Por ser mais comumente provocada pela hiperfunção da glândula tireoide, a tireotoxicose é frequentemente conhecida como hipertireoidismo. Em determinadas condições, contudo, o excesso de oferta está relacionado à liberação excessiva de hormônio tireoidiano pré-formado (p.ex., na tireoidite) ou provém de uma fonte extraordinária, que não a glândula tireoide hiperfracionante (Tabela19-2). Portanto, falando estritamente, o hipertireoidismo é apenas uma categoria de tireotoxicose (embora a mais comum). A despeito dessa clara distinção, a seguinte distinção adere à prática comum de empregar os termos tireotoxicose e hipertireoidismo indistintamente. As manifestações clínicas da tireotoxicose são verdadeiramente multiformes e incluem alterações pertinentes ao estado hipermetabólico induzido por quantidade excessiva de hormônio tireoidiano, assim como aquelas relacionadas à hiper-reatividade do sistema nervoso simpático: Sintomas constitucionais: A pele das pessoas tireotóxicas tendea ser macia, quente e enrubescida; a intolerância ao calor e a sudorese excessiva são comuns. O aumento da atividade simpática e o hipermetabolismo resultam em perda ponderal a despeito do aumento do apetite. Gastrointestinal: O estímulo do intestino resulta em hipermotilidade, má absorção e diarreia. Cardíaco: As palpitações e a taquicardia são comuns; os idosos podem desenvolver insuficiência cardíaca congestiva como consequência da agravação de doença cardíaca preexistente. Neuromuscular: Os pacientes frequentemente experimentam nervosismo, tremor e irritabilidade. Quase 50% desenvolvem fraqueza muscular proximal (miopatia tireoidiana).
Tabela 19-2 Causas de Tireotoxicose
Associadas ao Hipertireoidismo séricasnão ligadas (livres) T4 e T3 dentro de limites estreitos enquanto assegura que os hormônios estejam prontamente disponíveis para os tecidos. Na periferia, a maior parte do T4 livre é deiodinada para T3; este último se liga aos receptores nucleares do hormônio tireoidiano nas células-alvo com afinidade 10 vezes maior do que a observada para o T4 e possuindo afinidade proporcionalmente maior. A interação do hormônio tireoidiano com o seu receptor nuclear para o hormônio tireoidiano (TR) resulta na formação de um complexo hormônio-receptor que se liga aos elementos de resposta do hormônio tireoidiano (TREs) nos genes-alvo, regulando a sua transcrição. O hormônio tireoidiano possui efeitos celulares variados, incluindo a suprarregulação do catabolismo dos carboidratos e lipídeos, e o estímulo da síntese proteica em ampla variedade de células. O resultado líquido desses processos é o aumento da taxa metabólica basal. A identificação clínica das doenças tireoidianas é importante porque a maior parte delas é passível de tratamento clínico ou cirúrgico. Essas doenças incluem condições associadas à
Primárias Hiperplasia tóxica difusa (doença de Graves) Bócio multinodular hiperfuncionante (“tóxico”) Adenoma hiperfuncionante (“tóxico”) Hipertireoidismo induzido pelo iodo
Secundárias $GHQRPDKLSRÀViULRVHFUHWRUGH76+UDUR *
Não Associado ao Hipertireoidismo Tireoidite granulomatosa (de Quervain) (dolorosa) Tireoidite linfocítica subaguda (indolor) Struma ovarii (teratoma ovariano com tireoide) 7LUHRWR[LFRVHÀFWtFLDLQJHVWDH[yJHQDGHWLUR[LQD TSH, hormônio estimulante da tireoide. *Associado a aumento do TSH; todas as outras causas de tireotoxicose estão associadas a uma redução do TSH.
Hipotireoidismo varreduras podem exibir uma captação difusamente aumentada (em toda a glândula) na doença de Graves, o aumento da captação em um adenoma tóxico ou a redução da captação na tireoidite.
HIPOTIREOIDISMO
Figura 19-6 Paciente com hipertireoidismo. Olhar com olhos arregalados, fixo, provocado pela hiperatividade do sistema nervoso simpático, é uma das características clássicas desse distúrbio. Na doença de Graves, uma das causas mais importantes de hipertireoidismo, o acúmulo de tecido conjuntivo frouxo por detrás das órbitas também se soma ao aspecto protuberante dos olhos.
Manifestações oculares: Olhar amplo, arregalado, e atraso palpebral (lid lag) estão presentes devido à hiperestimulação simpática do elevador da pálpebra superior (Fig.19-6). No entanto, a verdadeira oftalmopatia tireoidiana associada à proptose é uma característica somente observada na doença de Graves. Tempestade tireoidiana é a expressão usada para designar o início abrupto de hipertireoidismo grave. Essa condição ocorre mais comumente em pacientes com doença de Graves subjacente, provavelmente resultante de elevação aguda dos níveis de catecolaminas, como pode ser encontrado durante o estresse. A tempestade tireoidiana constitui uma emergência médica: número significante de pacientes não tratados falece devido a arritmias cardíacas. Hipertireoidismo apatético se refere à tireotoxicose que ocorre em idosos, nos quais as características típicas de excesso de hormônio tireoidiano observados em pacientes mais jovens estão embotadas. Nesses pacientes, o diagnóstico é frequentemente feito durante a avaliação laboratorial para perda de peso inexplicada ou do agravamento de uma doença cardíaca. O diagnóstico de hipertireoidismo se baseia nas características clínicas e dados laboratoriais. A dosagem do TSH sérico é o teste de triagem isolado mais útil para o hipertireoidismo, uma vez que os níveis de TSH estão reduzidos mesmo nos estágios iniciais, quando a doença ainda pode ser subclínica. Nos raros casos de hipertireoidismo associado à hipófise ou ao hipotálamo (secundários), os níveis de TSH estão normais ou elevados. Um valor baixo de TSH geralmente está associado a níveis aumentados de T4 livre. Eventualmente, o hipertireoidismo do paciente resulta predominantemente do aumento dos níveis circulantes de T3 (tireotoxicose por T3). Nesses casos, os níveis de T4 livres podem estar reduzidos, e a dosagem direta do T3 sérico pode ser útil. Uma vez que o diagnóstico da tireotoxicose tenha sido confirmado por uma combinação de exames de TSH e de hormônios tireoidianos livres, a medida da captação de iodo radioativo pela glândula tireoide frequentemente é de grande valor na determinação da etiologia. Por exemplo, essas
O hipotireoidismo é provocado por qualquer desajuste estrutural ou funcional que interfira na produção de níveis adequados de hormônio tireoidiano. Como no caso do hipertireoidismo, o distúrbio algumas vezes é dividido em categorias primárias e secundárias, dependendo de o hipotireoidismo ser proveniente de uma anomalia intrínseca da tireoide ou de uma doença hipotalâmica ou hipofisária (Tabela19-3). Globalmente, a causa mais comum de hipotireoidismo é a deficiência dietética de iodo (veja detalhes adiante), enquanto nos países desenvolvidos, as causas autoimunes predominam. Os defeitos genéticos que perturbam o próprio desenvolvimento tireoidiano (disgenesia tireoidiana) ou a síntese de hormônio tireoidiano (bócio dismorfogenético) são relativamente raros. As manifestações clínicas do hipotireoidismo incluem cretinismo e mixedema. 2WHUPR cretinismo se refere ao hipotireoidismo que se desenvolve no primeiro ano de vida ou no início da infância. Esse distúrbio anteriormente era bastante comum em áreas do mundo onde a deficiência de iodo dietético é endêmica, incluindo áreas montanhosas como os Himalaias e os Andes (cretinismo endêmico). Ele agora é muito menos frequente devido à disseminada suplementação dos alimentos com iodo. Em contraposição, os defeitos enzimáticos que interferem na síntese hormonal tireoidiana constituem causa de cretinismo esporádico. As características clínicas do cretinismo incluem comprometimento do desenvolvimento do sistema esquelético e do sistema nervoso central, com grave retardo mental, baixa estatura, características faciais grosseiras, língua protuberante e hérnia umbilical. A gravidade do comprometimento mental no cretinismo parece ser diretamente influenciada pelo momento do início do estado de deficiência no útero. Normalmente, os hormônios maternos
Tabela 19-3 Causas de Hipotireoidismo
Primário Anomalias raras do desenvolvimento (disgenesia tireoidiana): mutações em PAX8, FOXEI 'HIHLWRELRVVLQWpWLFRFRQJrQLWREyFLRGLVRUPRQRJHQpWLFR * Pós-ablativo Cirurgia, terapia com iodo radioativo ou irradiação externa Hipotireoidismo autoimune Tireoidite de Hashimoto* 'HÀFLrQFLDGHLRGR* Fármacos (lítio, iodetos, ácido p-aminossalicílico)*
Secundário (Central) ,QVXÀFLrQFLDKLSRÀViULD ,QVXÀFLrQFLDKLSRWDOkPLFDUDUD FOXE I, gene forkhead box EI; PAX8, gene pareado box 8. *Associado a aumento da tireoide (“hipotireoidismo com bócio”). A tireoidite de Hashimoto e o hipotireoidismo pós-ablativo são responsáveis pela maioria dos casos de hipotireoidismo nos países desenvolvidos.
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724 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino que são essenciais para o desenvolvimento do cérebro fetal, incluindo o T3 e o T4, cruzam a placenta. Se a deficiência tireoidiana materna estiver presente antes do desenvolvimento da glândula tireoide fetal, o retardo mental é grave. Em contraposição, a redução dos hormônios tireoidianos maternos mais tarde na gravidez, depois que a tireoide fetal tiver se desenvolvido, permite desenvolvimento cerebral normal. 2KLSRWLUHRLGLVPRTXHVHGHVHQYROYHHPFULDQoDPDLVYHlha e nos adultos resulta em uma condição conhecida como mixedema. O mixedema, ou doença de Gull, foi primeiramente associado à disfunção tireoidiana em 1873, por Sir William Gull em um artigo abordando o desenvolvimento do estado cretinoide em adultos. As manifestações do mixedema incluem apatia generalizada e lentidão mental que, nos estados iniciais da doença, podem simular a depressão. Os pacientes com mixedema estão apáticos, têm intolerância ao frio e frequentemente são obesos. Um líquido edematoso rico em mucopolissacarídeos se acumula na pele, tecido subcutâneo e em uma série de locais viscerais com resultante alargamento e embrutecimento das características faciais, aumento da língua e tom de voz mais grave. A motilidade intestinal está diminuída, resultando em constipação. Os derrames pericárdicos são comuns; nos estágios terminais, o coração está aumentado e a insuficiência cardíaca pode sobrevir. A avaliação laboratorial possui papel fundamental no diagnóstico da suspeita de hipotireoidismo. Como no caso do hipertireoidismo, a dosagem do TSH sérico é o exame de triagem mais sensível para esse distúrbio. O TSH sérico está aumentado no hipotireoidismo primário devido à perda da inibição por feedback do hormônio de liberação da tireotrofina (TRH) e da produção do TSH pelo hipotálamo e hipófise, respectivamente. A concentração do TSH não está aumentada nas pessoas com hipotireoidismo provocado por doença hipotalâmica ou hipofisária primária. O T4 sérico está reduzido nos pacientes com hipotireoidismo de qualquer origem.
TIREOIDITE A tireoidite, ou inflamação da glândula tireoide, engloba um grupo diversificado de distúrbios caracterizado por alguma forma de inflamação tireoidiana. Essas doenças incluem condições que resultam em doença aguda com grave dor tireoidiana (p. ex., tireoidite infecciosa, tireoidite granulomatosa [de Quervain]) e distúrbios nos quais relativamente pouca inflamação ocorre, com a doença se manifestando primariamente através de disfunção tireoidiana (tireoidite linfocítica subaguda [“indolor”] e tireoidite fibrosa [Riedel]). Esta seção focaliza os tipos de tireoidite mais comuns e clinicamente significativos: (1) tireoidite de Hashimoto (ou tireoidite linfocítica crônica); (2) tireoidite granulomatosa (de Quervain); e (3) tireoidite linfocítica subaguda.
Tireoidite Linfocítica Crônica (Hashimoto) A tireoidite de Hashimoto é a causa mais comum de hipotireoidismo nas áreas do mundo nas quais o nível de iodo são suficientes. Ela se caracteriza por gradual falência da glândula tireoide secundária à destruição autoimune da glândula tireoide. É mais prevalente nas idades de 45-65 anos, sendo mais comum em mulheres do que em homens, com predominância feminina em uma taxa de
10:1 a 20:1. Embora primariamente seja doença de mulheres mais velhas, pode ocorrer em crianças, constituindo causa importante de bócio não endêmico em crianças.
PATOGEN I A A tireoidite de Hashimoto é provocada pela ruptura da autotolerância (Capítulo 4) aos antígenos tireoidianos. Desse modo, os autoanticorpos circulantes contra os antígenos tireoidianos estão presentes na imensa maioria dos pacientes, que demonstram depleção progressiva das células epiteliais tireoidianas (tireócitos) e a sua substituição por infiltrado celular mononuclear e fibrose. Os eventos desencadeadores que levam à ruptura da autotolerância não foram plenamente elucidados, mas múltiplos mecanismos imunológicos que podem contribuir para a lesão dos tireócitos foram identificados (Fig. 19-7), incluindo: } Morte celular mediada por células T citotóxicas CD8+: As células T citotóxicas CD8+ podem provocar a destruição dos tireócitos. } Morte celular mediada por citocinas: A ativação excessiva das células T leva à produção de citocinas inflamatórias como, por exemplo, o interferon g na glândula tireoide, com o resultante recrutamento e ativação de macrófagos e lesão dos folículos. } ;XVPÌÈ^STautoanticorpos antitireoidianos (anticorpos antitireoglobulina e antiperoxidase tireoidiana), acompanhados por citotoxicidade anticorpo dependente mediada por células (Capítulo 4). Um significativo componente genético para a patogenia dessa doença é sustentado pela sua concordância em até 40% dos gêmeos monozigóticos, assim como a presença de anticorpos antitireoidianos circulantes em, aproximadamente, 50% dos irmãos de pacientes afetados. Suscetibilidade aumentada para a tireoidite de Hashimoto está associada a polimorfismos em múltiplos genes associados à regulação imune, sendo a mais significativa a vinculação ao gene do antígeno 4 associado ao linfócito T citotóxico (CTLA4), que codifica um regulador negativo da função da célula T (Capítulo 4).
MORFOLOG IA A tireoide geralmente encontra-se difusa e simetricamente aumentada, embora aumento mais localizado possa ser observado em alguns casos. A superfície de corte é de aspecto pálido e cinza-acastanhado, e o tecido é firme e um tanto friável. O exame microscópico revela infiltração disseminada do parênquima por um infiltrado inflamatório mononuclear contendo pequenos linfócitos, plasmócitos e centros germinativos bem desenvolvidos (Fig. 19-8). Os folículos tireoidianos são atróficos e estão revestidos em muitas áreas por células epiteliais diferenciadas pela presença de abundante citoplasma eosinofílico e granular, denominadas células de Hürthle, ou oxifílicas. Isso constitui uma resposta metaplásica do epitélio folicular cuboidal normalmente baixo à lesão continuada. Ao exame ultraestrutural, as células
Tireoidite
Figura 19-7 Patogenia da tireoidite de Hashimoto. A ruptura da tolerância imune aos antígenos tireoidianos resulta na destruição progressiva dos tireócitos por células T citotóxicas infiltrantes, citocinas localmente liberadas ou citotoxicidade dependente de anticorpos.
de Hürtlee se caracterizam por numerosas mitocôndrias proeminentes. O tecido conjuntivo intersticial está aumentado e pode ser abundante. Menos comumente, a tireoide é pequena e atrófica como resultado de fibrose mais extensa (variante fibrosante). Ao contrário da tireoidite de Riedel, a fibrose não se estende além da cápsula da glândula.
Características Clínicas A tireoidite de Hashimoto desperta a atenção clínica como um aumento indolor da tireoide, geralmente associado a algum grau de hipotireoidismo, em mulher de meia-idade. O aumento da
glândula geralmente é simétrico e difuso, mas, em alguns casos, pode estar suficientemente localizado para levantar a suspeita de neoplasia. No curso clínico normal, o hipotireoidismo se desenvolve gradativamente. Em alguns casos, no entanto, ele pode ser precedido por tireotoxicose transitória provocada pela ruptura dos folículos tireoidianos, com a liberação secundária de hormônios tireoidianos (hashitoxicose). Durante essa fase, as concentrações livres de T3 e de T4 estão elevadas, o TSH está diminuído e a captação de iodo radioativo está reduzida. À medida que o hipotireoidismo sobrevém, os níveis de T3 e T4 caem progressivamente, acompanhados por aumento compensatório do TSH. Os pacientes com tireoidite de Hashimoto frequentemente apresentam outras doenças autoimunes e exibem aumento do risco de desenvolvimento de linfomas não Hodgkin de células B (Capítulo11), que tipicamente surge no interior da glândula. A relação entre a doença de Hashimoto e os cânceres epiteliais tireoidianos permanece controvertida, com alguns estudos morfológicos e moleculares sugerindo predisposição para os carcinomas papilíferos.
Tireoidite Granulomatosa Subaguda (de Quervain)
Figura 19-8 Tireoidite de Hashimoto. O parênquima tireoidiano contém denso infiltrado linfocítico com centros germinativos. Folículos tireoidianos residuais revestidos por células de Hürthle fortemente eosinofílicas também são observados.
A tireoidite granulomatosa subaguda, também conhecida como tireoidite de Quervain, é muito menos comum do que a doença de Hashimoto. A tireoidite de de Quervain é mais comum entre as idades de 30-50 e, como outras formas de tireoidite, ocorre mais frequentemente em mulheres do que em homens. Acredita-se que a tireoidite subaguda seja provocada por uma infecção viral ou um processo inflamatório desencadeado por infecções virais. A maior parte dos pacientes possui história de infecção do trato respiratório superior imediatamente anterior ao início da tireoidite. Ao contrário da doença tireoidiana autoimune, a resposta imune não é autoperpetuante, de modo que o processo é limitado.
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726 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino
MORFOLOGI A A glândula é de consistência rígida, com cápsula intacta, podendo estar unilateral ou bilateralmente aumentada. O exame histológico revela a ruptura dos folículos tireoidianos, com extravasamento de coloide levando a um infiltrado polimorfonuclear, que é substituído ao longo do tempo por linfócitos, plasmócitos e macrófagos. O coloide extravasado provoca exuberante reação granulomatosa com células gigantes, algumas das quais contendo fragmentos de coloide. A cura ocorre pela resolução da inflamação e fibrose.
Características Clínicas O início dessa forma de tireoidite muitas vezes é agudo, caracterizado por dor no pescoço (particularmente à deglutição), febre, mal-estar e aumento variável da tireoide. Hipertireoidismo transitório pode ocorrer, como em outros casos de tireoidite, como resultado da ruptura dos folículos tireoidianos e da liberação de hormônio tireoidiano excessivo. A contagem leucocitária e a velocidade de hemossedimentação estão aumentadas. Com a progressão da doença e a destruição da glândula, uma fase hipotireoidiana transitória pode sobrevir. A condição tipicamente é autolimitada, com a maioria dos pacientes retornando a uma condição eutireoidiana em um intervalo de 6-8 semanas.
Tireoidite Linfocítica Subaguda A tireoidite linfocítica subaguda também é conhecida como tireoidite silenciosa ou indolor; em um subgrupo de pacientes, o início da doença sucede a gravidez (tireoidite pós-parto). Essa doença é mais provavelmente de etiologia autoimune porque anticorpos antitireoide circulantes são encontrados na maioria dos pacientes. Ela afeta principalmente mulheres na meia-idade, que se apresentam com massa indolor no pescoço ou com características de excesso de hormônio tireoidiano. A fase inicial de tireotoxicose (que provavelmente é secundária à lesão do tecido tireoidiano) é seguida pelo retorno ao estado eutireoidiano dentro de poucos meses. Em uma minoria das pessoas afetadas, a condição eventualmente progride para hipotireoidismo. Com exceção de um possível discreto aumento simétrico, a tireoide parece normal ao exame macroscópico. As características histológicas consistem em infiltração linfocitária e centros germinativos hiperplásicos no interior do parênquima tireoidiano.
Outras Formas de Tireoidite A tireoidite de Riedel, um distúrbio raro de etiologia desconhecida, é caracterizada por fibrose extensa envolvendo a tireoide e estruturas contíguas do pescoço. A avaliação clínica demonstra massa tireoidiana rígida e fixa, simulando uma neoplasia tireoidiana. Pode estar associada à fibrose idiopática em outras partes do corpo, como, por exemplo, o retroperitônio. A presença de anticorpos antitireoidianos circulantes na maioria dos pacientes sugere etiologia autoimune.
R ESUM O Tireoidite
comum de hipotireoidismo nas regiões onde os níveis dietéticos de iodo são suficientes.
terizada pela destruição progressiva do parênquima tireoidiano, alteração de células de Hürthle e infiltrados mononucleares (linfoplasmocitários), com ou sem fibrose extensa. doença de Hashimoto, incluindo citotoxicidade mediada pelas células T CD8 +, citocinas (IFN-g) e anticorpos antitireoidianos. doença autolimitada, provavelmente secundária a uma infecção viral, que se caracteriza por dor e pela presença de inflamação granulomatosa da tireoide. da que frequentemente ocorre após gravidez (tireoidite pós-parto), sendo tipicamente indolor e caracterizada por inflamação linfocítica da tireoide.
DOENÇA DE GRAVES Em 1835, Robert Graves descreveu nas suas observações uma doença caracterizada por “palpitações contínuas, violentas e longas em mulheres” associadas ao aumento da glândula tireoide. A doença de Graves é a causa mais comum de hipertireoidismo endógeno. Ela se caracteriza por uma tríade de manifestações: Tireotoxicose, provocada por tireoide difusamente aumentada e hiperfuncional, presente em todos os casos. Oftalmopatia infiltrativa com exoftalmia resultante é observada em até 40% dos pacientes. Dermopatia localizada e infiltrativa (algumas vezes denominada mixedema pré-tibial) é observada em uma minoria dos casos. A doença de Graves apresenta um pico de incidência entre as idades de 20-40 anos, sendo as mulheres comumente afetadas sete vezes mais do que os homens. Estima-se que esse distúrbio muito comum afete 1,5-2,0% das mulheres nos Estados Unidos. Os fatores genéticos são importantes na etiologia da doença de Graves; a incidência está aumentada nos parentes dos pacientes afetados, e a taxa de concordância entre gêmeos monozigóticos é de até 60%. Assim como em outras doenças autoimunes, a suscetibilidade genética à doença de Graves está associada à presença de determinados haplotipos de antígenos leucocitários humanos (HLA), especificamente o HLA-DR3, e a polimorfismos em genes que codificam o receptor inibitório das células T CTLA-4 e a tirosino-fosfatase PTPN22.
PATOG ENI A A doença de Graves se caracteriza por uma ruptura da autotolerância aos autoantígenos tireoidianos, dos quais o mais importante é o receptor do TSH. O resultado é a produção de múltiplos autoanticorpos, incluindo: } Imunoglobulina estimuladora da tireoide: Um anticorpo IgG que se liga ao receptor do TSH e simula a ação do TSH, estimulando a adenil ciclase, com o resultante aumento da liberação de hormônios tireoidianos. Quase todas as pessoas com doença de Graves possuem quantidades detectáveis desse autoanticorpo, que é relativamente específico para a doença de Graves. } Imunoglobulinas estimulantes do crescimento tireoidiano: Também dirigidas contra o receptor do TSH,
Doença de Graves esses anticorpos foram implicados na proliferação do epitélio folicular tireoidiano. } Imunoglobulinas inibidoras de ligação do TSH: Esses anticorpos antirreceptores do TSH impedem que o TSH se ligue ao seu receptor nas células epiteliais tireoidianas, desse modo inibindo de fato a função celular tireoidiana. A coexistência de imunoglobulinas estimulatórias e inibitórias no soro do mesmo paciente não é rara — um achado que pode explicar por que alguns pacientes com a doença de Graves desenvolvem espontaneamente episódios de hipotireoidismo. Um fenômeno autoimune mediado pelas células T também está envolvido no desenvolvimento da oftalmopatia infiltrativa característica da doença de Graves. Na oftalmopatia de Graves, o volume dos tecidos conjuntivos retro-orbitários e dos músculos extraoculares está aumentado como resultado de diversas causas, incluindo (1) acentuada infiltração do espaço retro-orbital por células mononucleares, predominantemente células T; (2) edema inflamatório e intumescimento dos músculos extraoculares; (3) acúmulo de componentes da matriz extracelular, especificamente glicosaminoglicanos hidrofílicos como o ácido hialurônico e o sulfato de condroitina; e (4) aumento do número de adipócitos (infiltrado gorduroso). Essas alterações deslocam o globo ocular para a frente, interferindo potencialmente na função dos músculos extraoculares.
Os distúrbios autoimunes da tireoide se estendem através de uma série contínua na qual a doença de Graves, caracterizada pela hiperfunção da tireoide, se situa em um extremo e a doença de Hashimoto, que se manifesta pelo hipotireoidismo, ocupa a outra extremidade. Algumas vezes, o hipertireoidismo pode sobrevir em uma tireoidite de Hashimoto preexistente (hashitoxicose), enquanto em outras ocasiões as pessoas com a doença de Graves podem espontaneamente desenvolver hipofunção tireoidiana; ocasionalmente, a tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves podem coexistir dentro de um parentesco afetado. Não surpreendentemente, há também um elemento de superposição histológica entre os distúrbios tireoidianos autoimunes (mais caracteristicamente, infiltrados celulares linfoides intratireoidianos proeminentes com formação de centros germinativos). Nos dois distúrbios, a frequência de outras doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico, anemia perniciosa, diabetes do tipo 1 e a doença de Addison, está aumentada.
MORFOLOG IA No caso típico de doença de Graves, a glândula tireoide está aumentada (geralmente de modo simétrico) devido à hipertrofia e hiperplasia difusas das células epiteliais foliculares tireoidianas. A glândula geralmente é lisa e macia, e a sua cápsula está intacta. Ao exame microscópico, as células epiteliais foliculares nos casos não tratados são altas, colunares e mais agrupadas do que o habitual. Esse agrupamento frequentemente resulta na formação de pequenas papilas, que se projetam para o lúmen folicular (Fig. 19-9). Essas papilas carecem de centros fibrovasculares, em contraposição com aquelas do carcinoma papilífero. O coloide no interior do lúmen folicular é pálido, com margens recortadas. Os infiltrados linfoides, consistindo predominantemente em células T, com poucas
Figura 19-9 Doença de Graves. A tireoide está difusamente hiperplásica. Os folículos estão revestidos por células epiteliais colunares altas que se projetam para o interior dos lumens. Essas células reabsorvem ativamente o coloide nos centros dos folículos, resultando em aspecto recortado nos bordos do coloide.
células B e plasmócitos maduros, estão presentes por todo o interstício; os centros germinativos são comuns. As alterações dos tecidos extratireoidianos incluem hiperplasia linfoide generalizada. Nas pessoas com oftalmopatia, os tecidos da órbita estão edematosos devido à presença de glicosaminoglicanos hidrofílicos. Além disso, há um infiltrado de linfócitos, predominantemente células T. Os músculos da órbita inicialmente estão edematosos, mas podem sofrer fibrose posteriormente no curso da doença. A dermopatia, se presente, se caracteriza pelo espessamento da derme, como resultado da deposição de glicosaminoglicanos e da infiltração linfocitária.
Características Clínicas As manifestações clínicas iniciais da doença de Graves incluem aquelas comuns a todas as formas de tireotoxicose (anteriormente descritas), assim como aquelas exclusivamente associadas à doença de Graves: hiperplasia difusa da tireoide, oftalmopatia e dermopatia. O grau de tireotoxicose varia de caso a caso e as alterações relacionadas algumas vezes podem ser menos destacadas do que as outras manifestações da doença. O aumento do fluxo sanguíneo através da glândula hiperativa frequentemente produz um sopro audível. A hiperatividade simpática produz o olhar arregalado e fixo característico, com o atraso palpebral (lid-lag). A oftalmopatia da doença de Graves resulta em protrusão anormal do globo ocular (exoftalmia). Os músculos extraoculares frequentemente estão fracos. A exoftalmia pode persistir ou progredir independentemente do tratamento bem-sucedido da tireotoxicose, algumas vezes resultando em lesão corneal. A dermatopatia infiltrativa, ou mixedema pré-tibial, mais comumente envolve a pele que recobre a face anterior da tíbia, onde se manifesta como espessamento e endurecimento escamosos da pele. As lesões cutâneas podem ser pápulas ou nódulos levemente pigmentados e frequentemente apresentam textura em casca de laranja. Os achados laboratoriais na doença de Graves incluem elevação do T3 e do T4 livres e redução do TSH sérico. Devido ao estímulo continuado dos folículos tireoidianos pelas TSIs, a captação de iodo radioativo está aumentada e as varreduras com iodo radioativo exibem captação difusa do iodo.
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R ESUM O Doença de Graves
mo endógeno, se caracteriza pela tríade de tireotoxicose, oftalmopatia e dermatopatia. por autoanticorpos para o receptor do TSH que simulam a ação desse hormônio, ativando os receptores nas células epiteliais tireoidianas. hipertrofia e hiperplasia difusas dos folículos e infiltrados linfoides; a deposição de glicosaminoglicanos e os infiltrados linfoides são responsáveis pela oftalmopatia e pela dermatopatia. 3e do T4 livres séricos e redução do TSH sérico.
BÓCIO DIFUSO E MULTINODULAR O aumento da tireoide, ou bócio, é a manifestação mais comum de doença tireoidiana. Bócios difusos e multinodulares refletem o comprometimento da síntese de hormônio tireoidiano, mais frequentemente provocados pela deficiência dietética de iodo. O comprometimento da síntese hormonal tireoidiana leva a uma elevação compensatória do TSH sérico que, por sua vez, provoca a hipertrofia e a hiperplasia das células foliculares tireoidianas e, em última análise, o aumento macroscópico da glândula tireoide. O aumento compensatório da massa funcional da glândula é suficiente para superar a deficiência hormonal, garantindo um estado metabólico eutireoidiano na imensa maioria das pessoas afetadas. Se o distúrbio subjacente for suficientemente grave (isto é, um defeito congênito da biossíntese), as respostas compensatórias podem ser inadequadas para superar o comprometimento da síntese hormonal, resultando em hipotireoidismo com bócio. O grau de aumento tireoidiano é proporcional ao nível e à duração da deficiência hormonal tireoidiana. Os bócios podem ser endêmicos ou esporádicos: 2 bócio endêmico ocorre em áreas geográficas onde o solo, a água e os suprimentos alimentares contêm pouco iodo. A designação endêmico é usada quando os bócios estão presentes em mais de 10% da população em dada região. Essas condições são particularmente comuns nas áreas montanhosas do mundo, incluindo o Himalaia e os Andes. Com a crescente disponibilidade da suplementação dietética com iodo, a frequência e a gravidade do bócio endêmico declinaram significativamente. 2 bócio esporádico ocorre menos comumente do que o bócio endêmico. A condição é mais comum em mulheres do que em homens, com um pico de incidência na puberdade ou em adultos jovens, quando ocorre um aumento da demanda fisiológica por T4. O bócio esporádico pode ser provocado por diversas condições, incluindo a ingestão de substâncias que interferem na síntese hormonal tireoidiana em algum nível, como o excesso de cálcio e de vegetais pertencentes à família Brassicaceae (também denominada Cruciferae) (p. ex., repolho, couve-flor, couve-de-bruxelas, nabo). Em outras situações, o bócio pode resultar de defeitos enzimáticos hereditários que interferem na síntese hormonal tireoidiana (bócio disormonogênico). Na maioria dos casos, contudo, a causa do bócio esporádico não é aparente.
MORFOLOGI A Na maior parte dos casos, a hipertrofia e a hiperplasia das células foliculares tireoidianas induzidas pelo TSH resultam inicialmente em aumento difuso e simétrico da glândula (bócio difuso). Os folículos estão revestidos por células colunares agrupadas, que podem se amontoar e formar projeções semelhantes àquelas vistas na doença de Graves. Se o iodo dietético aumentar subsequentemente ou se as demandas por hormônio tireoidiano forem reduzidas, o epitélio folicular estimulado involui para formar uma glândula aumentada, rica em coloide (bócio coloide). A superfície de corte da tireoide nesses casos geralmente é marrom, com aspecto um tanto vítreo, e translúcida. Ao exame microscópico, o epitélio folicular pode estar hiperplásico nos estágios iniciais da doença ou achatado e cuboidal durante períodos de involução. O coloide é abundante durante os últimos períodos. Com o tempo, episódios recorrentes de hiperplasia e involução se combinam para produzir aumento mais irregular da tireoide, denominado bócio multinodular. Virtualmente todos os bócios difusos de longa duração se convertem em bócios multinodulares. Os bócios multinodulares tipicamente são hormonalmente silenciosos, embora uma minoria (aproximadamente 10% ao longo de 10 anos) possa se manifestar com tireotoxicose secundária ao desenvolvimento de nódulos autônomos que produzem hormônio tireoidiano independentemente do estímulo do TSH. Essa condição, conhecida como bócio multinodular tóxico ou síndrome de Plummer, não é acompanhada pela oftalmopatia infiltrativa e pela dermatopatia da tireotoxicose associadas à doença de Graves. Os bócios multinodulares são glândulas multilobuladas, assimetricamente aumentadas, que podem atingir tamanho volumoso. À superfície de corte, nódulos irregulares contendo quantidades variáveis de coloide marrom e gelatinoso são evidentes (Fig. 19-10, A). As lesões mais antigas exibem áreas de fibrose, hemorragia, calcificação e alteração cística. O aspecto microscópico inclui folículos ricos em coloide revestidos por epitélio achatado, inativo e áreas de hipertrofia e hiperplasia epitelial folicular, acompanhados pelas alterações regressivas já mencionadas (Fig. 19-10, B).
Características Clínicas As características clínicas dominantes do bócio são aquelas provocadas pelos efeitos de massa da glândula aumentada. Além do problema cosmético óbvio de uma grande massa no pescoço, os bócios também podem provocar obstrução das vias aéreas, disfagia e compressão dos grandes vasos do pescoço e do tórax superior (na chamada síndrome da veia cava superior). Conforme anteriormente afirmado, um nódulo hiperfuncionante (tóxico) pode se desenvolver dentro de um bócio de longa duração, resultando em hipertireoidismo. A incidência de malignidade nos bócios multinodulares de longa duração é baixa (menos de 5%), mas não é zero, e a preocupação com as malignidades surge com os bócios que demonstram alterações súbitas no seu tamanho ou sintomas associados (p. ex., rouquidão).
NEOPLASIAS DA TIREOIDE A glândula tireoide dá origem a uma variedade de neoplasias, variando desde adenomas circunscritos, benignos, até carcinomas altamente agressivos, anaplásicos. Do ponto de vista
Neoplasias da tireoide
Figura 19-10 Bócio multinodular. A, Aspecto macroscópico. A glândula grosseiramente nodular contém áreas de fibrose e de alteração cística. B, Microfotografia de uma amostra de nódulo hiperplásico, com parênquima tireoidiano residual comprimido na periferia. Os folículos hiperplásicos contêm “coloide” rosado abundante nos seus lumens. Observe a ausência de cápsula proeminente, uma característica que diferencia essas lesões das neoplasias da tireoide. (B, Cortesia do Dr. William Westra, Departamento de Patologia, Johns Hopkins University, Baltimore, Maryland.)
clínico, a possibilidade de um tumor é a maior preocupação nos pacientes que se apresentam com nódulos tireoidianos. Felizmente, a imensa maioria dos nódulos solitários da tireoide prova ser adenomas foliculares ou condições não neoplásicas localizadas (p. ex., um nódulo dominante em bócio multinodular, cistos simples ou focos de tireoidite). Os carcinomas da tireoide, em contrapartida, são raros, sendo responsáveis por menos de 1% dos nódulos solitários da tireoide. Vários critérios clínicos fornecem uma pista relativa à natureza de dado nódulo tireoidiano: 2V nódulos solitários, em geral, mais provavelmente serão neoplásicos do que os nódulos múltiplos. 2Vnódulos em pacientes mais jovens mais provavelmente serão neoplásicos do que aqueles em pacientes mais velhos. 2Vnódulos em homens mais provavelmente serão neoplásicos do que aqueles nas mulheres. +LVWyULDGH radioterapia na região da cabeça e pescoço está associada a maior incidência de malignidade tireoidiana. 2VQyGXORVTXHFDSWDPLRGRUDGLRDWLYRQRVHVWXGRVGHLPDgem (nódulos quentes) mais provavelmente serão benignos do que malignos, refletindo células bem diferenciadas. Essas estatísticas e tendências gerais, contudo, são de pouca significância na avaliação de um paciente em particular, no qual a identificação oportuna da malignidade, ainda que incomum, pode ser salvadora. Em última análise, é a avaliação morfológica de dado nódulo tireoidiano através da aspiração por agulha fina, combinada com o estudo histológico do parênquima tireoidiano cirurgicamente ressecado, que oferece a informação mais definitiva sobre a sua natureza. Esta seção apresenta uma visão geral das principais neoplasias tireoidianas, incluindo os adenomas e carcinomas de diversos tipos.
Adenomas Os adenomas da tireoide são neoplasias benignas derivadas do epitélio folicular. Como no caso de todas as neoplasias tireoidianas, os adenomas foliculares geralmente são solitários. Com critérios clínicos e morfológicos, eles podem ser difíceis de diferenciar de um nódulo dominante em um bócio multinodular, por exemplo, ou de carcinomas foliculares menos comuns. Embora a imensa maioria dos adenomas seja não funcional, pequena proporção produz hormônios tireoidianos (adenomas tóxicos), provocando tireotoxicose clinicamente aparente. Em geral, os adenomas foliculares não são precursores dos carcinomas; todavia,
alterações genéticas compartilhadas sustentam a possibilidade de que pelo menos um subgrupo de carcinomas foliculares surja em adenomas preexistentes.
PATOGEN I A A via de sinalização do receptor do TSH desempenha um importante papel na patogenia dos adenomas tóxicos. Mutações somáticas ativadoras (com ganho de função) em um ou dois componentes desse sistema de sinalização — ou, mais frequentemente, do gene que codifica o próprio receptor do TSH (TSHR) e, menos comumente, a subunidade a do Gs (GNAS) — permite que as células foliculares secretem hormônio tireoidiano independentemente do estímulo do TSH (autonomia tireoidiana). O resultado dessa superabundância é um hipertireoidismo sintomático, com nódulo tireoidiano “quente” observado nos estudos de imagem. Globalmente, as mutações somáticas na via de sinalização do receptor do TSH parecem estar presentes em pouco mais da metade dos adenomas tóxicos. Não surpreendentemente, essas mutações também são observadas em um subgrupo de nódulos autônomos que dão origem a bócios multinodulares tóxicos, conforme anteriormente descrito. Uma minoria dos adenomas foliculares não funcionantes (menos de 20%) exibe mutações do RAS ou da fosfatidilinositol-3-quinase (PIK3CA), ou são portadores de um gene de fusão PAX8/PPARG, todas as quais constituindo alterações genéticas compartilhadas com os carcinomas foliculares. Elas serão discutidas em mais detalhes na seção “Carcinomas”.
MORFOLOG I A O adenoma tireoidiano típico é uma lesão solitária, esférica, que comprime a tireoide adjacente não neoplásica. As células neoplásicas estão demarcadas do parênquima adjacente por uma cápsula bem definida, intacta (Fig. 19-11, A). Essas características são importantes no estabelecimento da distinção com os bócios multinodulares, que contêm múltiplos nódulos na sua superfície de corte (embora o paciente possa se apresentar clinicamente com um nódulo dominante solitário), não demonstrando compressão do parênquima
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730 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino não são diferentes daqueles de um adenoma convencional. Semelhantemente aos tumores endócrinos em outros locais anatômicos, mesmo os adenomas foliculares benignos podem, ocasionalmente, exibir pleomorfismo nuclear focal, atipia e nucléolos proeminentes (atipia endócrina); por elas mesmas, essas características não constituem evidência de malignidade. O traço característico dos adenomas foliculares é a presença de uma cápsula bem formada intacta envolvendo o tumor. A avaliação cuidadosa da integridade da cápsula é, portanto, fundamental na diferenciação entre os adenomas foliculares e os carcinomas foliculares, que demonstram invasão capsular e/ou vascular.
Características Clínicas
Figura 19-11 Adenoma folicular da tireoide. A, Um nódulo solitário bem circunscrito é visível nessa amostra macroscópica. B, A microfotografia exibe folículos bem diferenciados semelhantes àqueles do parênquima tireoidiano normal.
tireoidiano adjacente e carecendo de uma cápsula bem formada. Ao exame microscópico, as células constituintes estão dispostas em folículos uniformes que contêm coloide (Fig. 19-11, B). Os padrões de crescimento papilífero, se presentes, devem levantar a suspeita de carcinoma papilífero encapsulado (discutido adiante). Ocasionalmente, as células neoplásicas adquirem um citoplasma eosinofílico brilhante (alteração oxifílica ou em células de Hürthle; Fig. 19-12); a apresentação clínica e o comportamento do adenoma de células de Hürthle
A maior parte dos adenomas da tireoide se manifesta como nódulos indolores, frequentemente descobertos durante um exame físico de rotina. As massas maiores podem produzir sintomas locais, como dificuldade de deglutição. Conforme anteriormente afirmado, as pessoas com adenomas tóxicos podem se apresentar com características de tireotoxicose. Após a injeção de iodo radioativo, a maior parte dos adenomas capta o iodo menos avidamente do que o parênquima tireoidiano normal. Na varredura com radionuclídeos, por conseguinte, os adenomas surgem como nódulos frios em relação à glândula tireoide adjacente normal. Os adenomas tóxicos, contudo, surgirão como nódulos mornos ou quentes na varredura. Até 10% dos nódulos frios eventualmente provam ser malignos. Em contrapartida, a malignidade é rara nos nódulos quentes. Técnicas essenciais usadas na avaliação pré-operatória dos adenomas suspeitos são a ultrassonografia e a biópsia por aspiração com agulha fina. Devido à necessidade de avaliar a integridade capsular, o diagnóstico definitivo do adenoma tireoidiano só pode ser feito após exame histológico cuidadoso da amostra ressecada. Os adenomas suspeitos da tireoide são, consequentemente, removidos cirurgicamente a fim de excluir a malignidade. Os adenomas tireoidianos apresentam excelente prognóstico e não recidivam ou metastatizam.
Carcinomas Os carcinomas da tireoide são relativamente raros nos Estados Unidos, sendo responsáveis por cerca de 1,5% de todos os cânceres. Predominância feminina foi observada entre os pacientes que desenvolvem carcinoma de tireoide no início e na metade da vida adulta. Em contraposição, os casos que se manifestam na infância ou tardiamente na vida adulta estão igualmente distribuídos entre homens e mulheres. A maior parte dos carcinomas da tireoide (exceto os carcinomas medulares) é derivada do epitélio folicular tireoidiano e, destes, a imensa maioria é composta por lesões bem diferenciadas. Os principais subtipos de carcinoma tireoidiano e as suas frequências relativas são: &DUFLQRPD SDSLOtIHUR UHVSRQViYHO SRU PDLV GH GRV
casos)
&DUFLQRPDIROLFXODUGRVFDVRV &DUFLQRPD DQDSOiVLFR LQGLIHUHQFLDGR PHQRVGHGRV
casos)
&DUFLQRPDPHGXODUGRVFDVRV
Figura 19-12 Adenoma de células de Hürthle. Nessa imagem de grande aumento, o tumor é composto por células com abundante citoplasma eosinofílico e pequenos núcleos regulares. (Cortesia da Dra. Mary Sunday, Brigham and Women's Hospital Boston, Massachusetts.)
Devido às características clínicas e biológicas únicas associadas a cada variante de carcinoma de tireoide, esses subtipos serão descritos separadamente. A seguir apresentamos uma visão geral da patogenia molecular de todos os cânceres tireoidianos.
Neoplasias da tireoide
PATOG EN IA Tanto fatores genéticos quanto ambientais estão implicados na patogenia dos cânceres tireoidianos. Fatores Genéticos. Eventos moleculares distintos estão envolvidos na patogenia das quatro principais variantes do câncer tireoidiano. Conforme afirmado, os carcinomas medulares não provêm do epitélio folicular. As alterações foliculares nas três malignidades derivadas de células foliculares estão agrupadas ao longo de duas vias oncogênicas: a via da proteína quinase ativada pelo mitógeno (MAP) e a via da fosfatidilinositol-3-quinase (PI-3K)/AKT (Fig. 19-13). Nas células normais, essas vias são transitoriamente ativadas pela vinculação de ligantes do fator de crescimento solúvel ao domínio extracelular do receptor das tirosinoquinases, o que resulta na autofosforilação do domínio citoplasmático do receptor, permitindo a transdução do sinal intracelular. Nos carcinomas tireoidianos, assim como em muitos cânceres sólidos (Capítulo 5), as mutações com ganho de função ao longo de componentes dessas vias levam à ativação constitutiva mesmo na ausência de um ligante, promovendo assim a carcinogênse. } Carcinomas papilíferos tireoidianos: a ativação da via da MAP quinase é uma característica da maioria dos carcinomas papilíferos e pode ocorrer por um de dois mecanismos principais. O primeiro mecanismo envolve rearranjos do RET ou do NTRK1 (receptor 1 da tirosinoquinase neurotrófica), ambos codificando tirosinoquinases do receptor transmembrana, e o segundo mecanismo envolve a ativação de mutações pontuais no BRAF, cujo produto é um componente sinalizador intermediário da via da MAP quinase (Fig. 19-13). O gene RET normalmente não é expressado nas células
Figura 19-13 Alterações genéticas nas malignidades derivadas de células foliculares da glândula tireoide.
foliculares da tireoide. Nos cânceres papilíferos, os rearranjos cromossomais colocam o domínio da tirosina quinase do RET sob o controle transcricional de genes que são constitutivamente expressados pelo epitélio tireoidiano. As novas proteínas de fusão que são formadas são conhecidas como RET/PTC (carcinoma papilífero de tireoide), estando presentes em, aproximadamente, 20-40% dos cânceres papilíferos de tireoide. A frequência de rearranjos RET/PTC é significativamente mais alta nos cânceres papilíferos que surgem no contexto de exposição à radiação. De modo semelhante, os rearranjos do NTRK1 estão presentes em 5-10% dos cânceres papilíferos tireoidianos, e as proteínas de fusão resultantes são constitutivamente expressadas nas células tireoidianas, levando à ativação das vias da MAP quinase. Cerca de um terço à metade dos carcinomas papilíferos de tireoide são portadores de uma mutação com ganho de função no gene BRAF, que mais comumente é uma troca da valina pelo glutamato no códon 600 (BRAFV600E). Uma vez que os rearranjos em cromossomos dos genes RET ou NTRK1 e as mutações do BRAF possuem efeitos redundantes sobre o epitélio tireoidiano (os dois mecanismos resultam na ativação da via de sinalização da MAP quinase), os carcinomas papilíferos da tireoide demonstram uma ou outra anomalia molecular, mas não ambas. Os rearranjos RET/PTC e as mutações pontuais BRAF não são observados nos adenomas ou carcinomas foliculares. } Carcinomas tireoidianos foliculares: Aproximadamente um terço à metade dos carcinomas tireoidianos foliculares são portadores de mutações na via sinalizadora PI-3K/AKT, resultando na ativação constitutiva dessa via oncogênica. Esse subgrupo de tumores inclui aqueles com mutações pontuais com ganho de função do RAS e do PIK3CA, aqueles com amplificação do PIK3CA e aqueles com mutações com perda de função do PTEN, um gene supressor tumoral e regulador negativo dessa via. O aumento progressivo da prevalência das mutações RAS e PIK3CA de adenomas foliculares benignos a carcinomas foliculares e carcinomas anaplásicos sugere histogênese compartilhada e uma evolução molecular entre esses tumores derivados de células foliculares. Uma translocação característica (2;3) (q13;p25) foi descrita em um terço à metade dos carcinomas foliculares. Essa translocação cria um gene de fusão composto por porções do PAX8, um gene homeobox pareado que é importante para o desenvolvimento tireoidiano, e o gene do receptor ativado por proliferadores de peroxissoma (PPARG), cujo produto genético é um receptor hormonal nuclear implicado na diferenciação celular terminal. Menos de 10% dos adenomas foliculares são portadores dos genes de fusão PAX8/PPARG, e até o momento eles não foram documentados em outras neoplasias tireoidianas. } Carcinomas anaplásicos: São tumores altamente agressivos e letais que surgem de novo ou, mais comumente, por desdiferenciação de um carcinoma papilífero ou folicular bem diferenciado. As alterações moleculares presentes nos carcinomas anaplásicos incluem aquelas também observadas em carcinomas bem diferenciados (p. ex., mutações RAS ou PIK3CA), embora em taxa significativamente mais alta, sugerindo que a presença dessas mutações possa predispor as neoplasias tireoidianas existentes a se transformarem. Outras situações genéticas comuns, como a inativação do TP53, estão essencialmente restritas aos carcinomas anaplásicos e também podem se relacionar ao seu comportamento agressivo. } Carcinomas medulares da tireoide: Ao contrário dos subtipos anteriormente descritos, essas neoplasias
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732 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino provêm das células C parafoliculares, e não do epitélio folicular. Os carcinomas tireoidianos medulares familiais ocorrem na neoplasia endócrina múltipla do tipo 2 (MEN-2; ver adiante) e estão associadas a mutações na linhagem germinativa do proto-oncogene RET que levam à ativação constitutiva do receptor. As mutações RET também são observadas em, aproximadamente, metade dos cânceres medulares não familiais da tireoide (esporádicos). Os rearranjos cromossômicos envolvendo o RET, como as translocações RET/PTC descritas nos cânceres papilares, não são observados nos carcinomas medulares. Fatores Ambientais. O principal fator de risco predisponente para o câncer tireoidiano é a exposição à radiação ionizante, particularmente durante as primeiras duas décadas de vida. Em consonância com esse achado, houve acentuado aumento da incidência de carcinomas papilíferos entre as crianças expostas à radiação ionizante após o desastre nuclear de Chernobyl em 1986. A deficiência de iodo dietético (e, por extensão, uma associação com o bócio) está vinculada a uma frequência mais alta de carcinomas foliculares.
Carcinoma Papilífero Conforme anteriormente mencionado, os carcinomas papilíferos representam a forma mais comum de câncer tireoidiano. Esses tumores podem ocorrer em qualquer idade, sendo responsáveis
pela imensa maioria dos carcinomas tireoidianos associados à exposição prévia à radiação ionizante.
MORFOLOGI A Os carcinomas papilíferos podem se manifestar como lesões solitárias ou multifocais no interior da tireoide. Em alguns casos, podem ser bem circunscritas e mesmo encapsuladas. Em outros casos, podem infiltrar o parênquima adjacente com margens mal definidas. As lesões podem conter áreas de fibrose e calcificação, e frequentemente são císticas. À superfície de corte, podem parecer granulares, algumas vezes contendo focos papilares grosseiramente discerníveis (Fig. 19-14, A). O diagnóstico definitivo de carcinoma papilífero só pode ser feito após o exame microscópico. Na prática atual, o diagnóstico do carcinoma papilífero se baseia nas características nucleares mesmo na ausência de arquitetura papilífera. Os núcleos das células do carcinoma papilífero contêm cromatina muito finamente dispersa, que confere aspecto opticamente claro, dando origem à designação de núcleos em vidro fosco ou em “olho da órfã Annie” (Fig. 19-14, C e D). Além disso, as invaginações do citoplasma podem dar origem ao surgimento de inclusões intranucleares (por isso, a designação de pseudoinclusões) nas secções transversais. Arquitetura papilífera é comum (Fig. 19-14, B); ao contrário das lesões papilíferas hiperplásicas observadas na doença de Graves, as papilas neoplásicas apresentam eixos fibrovasculares densos. Estruturas calcificadas concentricamente
Figura 19-14 Carcinoma papilar da tireoide. A–C, Carcinoma papilar com estruturas papilares macroscopicamente discerníveis. Nesse exemplo em particular, papilas bem formadas (B) estão revestidas por células com núcleos de aspecto vazio característicos, algumas vezes denominados núcleos em “olho da órfã Annie” em vidro fosco” (C). D, Células obtidas através de aspiração por agulha fina de um carcinoma papilar. As inclusões intranucleares características são visíveis em algumas das células aspiradas (setas). (Cortesia do Dr. S. Gokasalan, Departamento de Patologia, University of Texas Southwestern Medical School, Dallas, Texas.)
Neoplasias da tireoide denominadas corpos de psamoma frequentemente estão presentes no interior das papilas. Os focos de permeação linfática por células tumorais estão frequentemente presentes, mas a invasão dos vasos sanguíneos é relativamente rara, particularmente nas lesões menores. As metástases para linfonodos cervicais têm a sua ocorrência estimada em cerca da metade dos casos. Existe mais de uma dúzia de variantes do carcinoma papilífero de tireoide, mas a mais comum é composta predominante ou exclusivamente por folículos (variante folicular do carcinoma da tireoide). A variante folicular mais frequentemente é encapsulada e está associada a incidência mais baixa de metástases para os linfonodos e de extensão extratireoidiana do que é típico para os carcinomas papilíferos convencionais.
Características Clínicas Os carcinomas papilíferos são tumores não funcionantes, de modo que se manifestam mais frequentemente como massa indolor no pescoço ou no interior da tireoide, ou como metástase em linfonodo cervical. Um diagnóstico pré-operatório geralmente pode ser estabelecido através da aspiração com agulha fina com base nas características nucleares descritas anteriormente. Os carcinomas papilíferos são lesões indolentes, com taxas de sobrevida de 10 anos de mais de 95%. De interesse, a presença de metástases nodulares cervicais isoladas não parece ter influência significativa sobre o prognóstico geralmente bom dessas lesões. Em uma minoria dos pacientes, metástases hematogênicas estão presentes no momento do diagnóstico, mais comumente no pulmão. A sobrevida de longo prazo dos pacientes com câncer papilífero de tireoide depende de diversos fatores, incluindo idade (em geral, o prognóstico é menos favorável entre os pacientes com mais de 40 anos), presença de extensão extratireoidiana e de metástases a distância (estágio).
Carcinoma Folicular Os carcinomas foliculares são responsáveis por 5-15% dos cânceres tireoidianos primários. Eles são mais comuns nas mulheres (ocorrendo em uma proporção de 3:1) e se manifestam em idade mais avançada do que aquela típica para os carcinomas papilíferos, com pico de incidência entre as idades de 40-60 anos. O carcinoma folicular é mais frequente nas áreas com
Figura 19-15 Carcinoma folicular da tireoide. Pequena parte dos lumens glandulares contém coloide identificável.
deficiência dietética de iodo (sendo responsáveis por 25-40% dos cânceres de tireoide), enquanto a sua incidência foi reduzida ou permaneceu estável nas áreas do mundo suficientes em iodo.
MORFOLOG I A Ao exame microscópico, a maior parte dos carcinomas foliculares é composta por células bem uniformes formando pequenos folículos, que lembram a tireoide normal (Fig. 19-15); em outros casos, a diferenciação folicular pode ser menos aparente. Como nos adenomas foliculares, variantes de células de Hürthle dos carcinomas foliculares podem ser observadas. Os carcinomas foliculares podem ser amplamente invasivos, infiltrando o parênquima tireoidiano e os tecidos conjuntivos extratireoidianos, ou minimamente invasivos. Este último tipo se caracteriza por lesões nitidamente demarcadas que podem ser impossíveis de diferenciar dos adenomas foliculares ao exame macroscópico. Essa diferenciação exige coleta extensiva de amostras histológicas da interface cápsula tumoral–tireoide, a fim de excluir a invasão capsular e/ou vascular (Fig. 19-16). Conforme anteriormente mencionado,
Figura 19-16 Invasão capsular no carcinoma folicular. A avaliação da integridade da cápsula é fundamental para a diferenciação entre os adenomas foliculares e os carcinomas foliculares. A, Nos adenomas, uma cápsula fibrosa, geralmente fina, mas ocasionalmente mais proeminente, circunda os folículos neoplásicos e nenhuma invasão capsular é observada (setas); o parênquima tireoidiano normal comprimido geralmente está presente externo à cápsula (em cima). B, Em contraposição, os adenomas foliculares demonstram invasão capsular (setas) que é mínima, como nesse caso, ou ampla, com extensão para as estruturas locais do pescoço.
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734 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino as lesões foliculares nas quais as características nucleares são típicas dos carcinomas papilíferos devem ser consideradas variantes foliculares dos cânceres papilíferos.
Características Clínicas Os carcinomas foliculares se manifestam mais frequentemente como nódulos tireoidianos frios. Em casos raros, eles podem ser hiperfuncionantes. Essas neoplasias tendem a metatastizar através da corrente sanguínea (disseminação hematogênica) para os pulmões, ossos e fígado. Ao contrário dos carcinomas papilíferos, as metástases para linfonodos regionais são raras. Até a metade dos pacientes com carcinomas amplamente invasivos sucumbe à sua doença em um intervalo de 10 anos, enquanto menos de 10% dos pacientes com carcinomas foliculares minimamente invasivos evoluem para o óbito dentro desse mesmo intervalo de tempo. Os carcinomas foliculares são tratados com a excisão cirúrgica. As metástases bem diferenciadas podem captar iodo radioativo, que pode ser usado para identificá-las e realizar a ablação dessas lesões. Uma vez que as lesões bem diferenciadas podem ser estimuladas pelo TSH, os pacientes geralmente são colocados em um regime de administração de hormônio tireoidiano após a cirurgia para suprimir o TSH endógeno.
Carcinoma Anaplásico Os carcinomas anaplásicos são tumores indiferenciados do epitélio folicular tireoidiano, responsáveis por menos de 5% dos tumores tireoidianos. Eles são agressivos, com taxa de mortalidade que se aproxima de 100%. Os pacientes com carcinoma anaplásico são mais idosos do que aqueles com outros tipos de câncer tireoidiano, com média etária de 65 anos. Aproximadamente um quarto dos pacientes com cânceres anaplásicos tireoidianos apresenta história pregressa de carcinoma tireoidiano bem diferenciado e outro quarto é portador de tumor bem diferenciado concomitante na amostra ressecada.
MORFOLOGI A Os carcinomas anaplásicos se manifestam como massas volumosas que tipicamente crescem rapidamente além da cápsula tireoidiana para as estruturas adjacentes do pescoço. Ao exame microscópico, essas neoplasias são compostas por células altamente anaplásicas, que podem assumir qualquer de diversos padrões histológicos, incluindo aqueles preenchidos por: } 6aP]STbRÎ[d[Pb_[T^\Øa RPbVXVP]cTb } 2Î[d[PbUdbXU^a\TbR^\Pb_TRc^bPaR^\Pc^b^ } ;TbÚTb\XbcPbSTRÎ[d[PbUdbXU^a\TbTVXVP]cTb Os focos de diferenciação papilar ou folicular podem estar presentes em alguns tumores, sugerindo a origem a partir de um carcinoma bem diferenciado.
medulares secretam calcitonina, cuja medida desempenha um importante papel no diagnóstico de acompanhamento pós-operatório na avaliação dos pacientes. Em alguns casos, as células tumorais elaboram outros hormônios peptídicos, como a somatostatina, a serotonina e o peptídeo intestinal vasoativo (VIP). Os carcinomas medulares surgem esporadicamente em cerca de 70% dos casos. Os 30% restantes são casos familiais que ocorrem no contexto da síndrome NEM 2A ou 2B, ou carcinoma medular familial da tireoide sem síndrome NEM associada, como será discutido adiante. Deve ser observado que tanto as formas medulares esporádicas quanto as familiais demonstram mutações RET ativadoras. Os carcinomas medulares esporádicos, assim como os casos familiares, sem síndrome NEM associada, ocorrem em adultos, com pico de incidência na quinta e sexta décadas. Os casos associados à NEM-2A ou à NEM-2B, ao contrário, foram descritos em pacientes mais jovens, incluindo crianças.
MORFOLOGI A Os carcinomas medulares podem surgir como nódulo solitário ou se manifestar como lesões múltiplas envolvendo os dois lobos da tireoide. A multicentricidade é particularmente comum nos casos familiais. As lesões maiores frequentemente contêm áreas de necrose e hemorragia, podendo se estender através da cápsula tireoidiana. Ao exame microscópico, os carcinomas medulares são compostos por células poligonais a fusiformes, que podem formar ninhos, trabéculas ou mesmo folículos. Os depósitos amiloides, derivados de moléculas alteradas de calcitonina, estão presentes no estroma adjacente em muitos casos (Fig. 19-17) e constituem uma característica distintiva. A calcitonina é prontamente demonstrável tanto no interior do citoplasma das células tumorais como no amiloide estromal através de métodos imuno-histoquímicos. A microscopia eletrônica revela número variável de grânulos elétron-densos intracitoplasmáticos envoltos por membrana (Fig. 19-18). Uma das características peculiares dos carcinomas medulares familiais é a presença de hiperplasia multicêntrica das células C no parênquima tireoidiano circundante, característica que, acredita-se, representa lesões precursoras a partir das quais o carcinoma medular se origine.
Características Clínicas Os carcinomas anaplásicos crescem com extrema agressividade, independentemente do tratamento. As metástases para locais distantes são comuns, mas na maior parte dos casos o óbito ocorre em menos de um ano como resultado do crescimento agressivo local e do comprometimento das estruturas vitais do pescoço.
Carcinoma Medular Os carcinomas medulares da tireoide são neoplasias neuroendócrinas derivadas das células parafoliculares, ou células C, da tireoide. Assim como as células C normais, os carcinomas
Figura 19-17 Carcinoma medular da tireoide. Esses tumores tipicamente contêm amiloide, visível aqui como material extracelular homogêneo, derivado de moléculas de calcitonina secretadas pelas células neoplásicas.
Neoplasias da tireoide
RESUM O Neoplasias da Tireoide
Figura 19-18 Microfotografia eletrônica do carcinoma medular da tireoide. Essas células contêm grânulos secretórios envoltos por membrana, que são locais de armazenamento de calcitonina e outros peptídeos. (Aumento original 30.000×).
Características Clínicas Nos casos esporádicos, o carcinoma medular mais frequentemente se manifesta como massa no pescoço, algumas vezes associada a efeitos compressivos, como disfagia ou rouquidão. Em alguns casos, as manifestações iniciais são provocadas pela secreção de um hormônio peptídico (p. ex., diarreia provocada pela secreção de VIP). A triagem de parentes do paciente em busca de níveis elevados de calcitonina ou de mutações RET permite a detecção precoce de tumores em casos familiais. Conforme discutido no final deste capítulo, a todos os parentes de NEM-2 portadores de mutações RET é oferecida tireoidectomia profilática para impedir o desenvolvimento de carcinomas medulares da tireoide; frequentemente, o único achado histológico na tireoide ressecada desses portadores assintomáticos é a presença de hiperplasia das células C ou pequenos carcinomas micromedulares. Estudos recentes demonstraram que mutações RET específicas se correlacionam com comportamento agressivo nos carcinomas medulares.
nódulos tireoidianos solitários, mas apenas 1% dos nódulos tireoidianos são neoplásicos. adenomas foliculares são as neoplasias tireoidianas benignas mais comuns, enquanto o carcinoma papilífero é a malignidade mais comum. carcinogênense tireoidiana. Algumas das anomalias genéticas muito características dos cânceres tireoidianos incluem a fusão PAX8/ PPARG (no carcinoma folicular), rearranjos cromossômicos envolvendo o oncogene RET (nos carcinomas papilíferos) e as mutações RET (nos carcinomas medulares). adenomas e carcinomas foliculares são compostos por células epiteliais foliculares bem diferenciadas; os últimos são diferenciados pela evidência de invasão capsular e/ou vascular. carcinomas papilíferos são identificados com base nas características nucleares (núcleos em vidro fosco, pseudoinclusões) mesmo na ausência de papilas. Essas neoplasias tipicamente se metastatizam através dos linfáticos, mas o prognóstico é excelente. carcinomas anaplásicos provenham da desdiferenciação de neoplasias mais diferenciadas. Eles são cânceres altamente agressivos e uniformemente letais. cânceres medulares são neoplasias não epiteliais provenientes das células C parafoliculares, podendo ocorrer em contextos esporádicos (70%) ou familiares (30%). A multicentricidade e a hiperplasia das células C são características dos casos familiais. Os depósitos amiloides constituem um achado histológico característico.
GLÂNDULAS PARATIREOIDES As glândulas paratireoides derivam das bolsas faríngeas em desenvolvimento que também dão origem ao timo. Normalmente, elas se localizam em íntima proximidade com os polos superior e inferior de cada lobo tireoidiano, mas podem ser encontradas em qualquer lugar ao longo do trajeto de descida das bolsas faríngeas, incluindo a bainha carotídea e o timo, assim como em outros locais do mediastino anterior. A maior parte da glândula é composta por células principais. À coloração pela hematoxilina e eosina (H&E), as células principais variam de rosa-claro a rosa-escuro, dependendo do seu conteúdo de glicogênio. Elas contêm grânulos secretórios de paratormônio (PTH). As células oxífilas são encontradas por toda a paratireoide normal isoladamente ou em pequenos aglomerados. Elas são ligeiramente maiores do que as células principais, possuem citoplasma acidófilo e estão abarrotadas de mitocôndrias. A atividade das glândulas paratireoides é controlada pelo nível de cálcio livre (ionizado) na corrente sanguínea e não por hormônios tróficos secretados pelo hipotálamo e pela hipófise.
Normalmente, os níveis reduzidos de cálcio livre estimulam a síntese e secreção do PTH, com os seguintes efeitos: $XPHQWRGDUHDEVRUomRWXEXODUUHQDOGHFiOFLR $XPHQWRGDH[FUHomRXULQiULDGHIRVIDWRUHGX]LQGRDVVLP
os níveis séricos de fosfato (uma vez que o fosfato se liga ao cálcio ionizado)
$XPHQWRGDFRQYHUVmRGHYLWDPLQD'SDUDDVXDIRUPDDWLYD
nos rins, o que, por sua vez, aumenta a reabsorção gastrointestinal de cálcio
,QWHQVLILFDomRGDDWLYLGDGHRVWHRFOiVWLFDLVWRpUHDEVRUomR
óssea, liberando, assim, cálcio ionizado), mediada indiretamente pela promoção da diferenciação das células progenitoras dos osteoclastos em osteoclastos maduros. O resultado final dessas atividades é o aumento no nível de cálcio livre, o que inibe ainda mais a secreção de PTH. As anormalidades das paratireoides incluem tanto a hiperfunção quanto
735
736 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino a hipofunção. Os tumores das glândulas paratireoides, ao contrário dos tumores tireoidianos, geralmente chamam a atenção devido à secreção excessiva de PTH, e não pelos efeitos de massa.
HIPERPARATIREOIDISMO O hiperparatireoidismo ocorre em duas formas principais, a primária e a secundária, e, menos comumente, como hiperparatireoidismo terciário. A primeira condição representa uma produção excessiva autônoma e espontânea de PTH, enquanto as duas últimas ocorrem como fenômeno secundário em pacientes com insuficiência renal crônica.
Hiperparatireoidismo Primário O hiperparatireoidismo primário é um distúrbio endócrino comum e importante causa de hipercalcemia. Houve um drástico aumento na detecção de casos na última metade do século passado, principalmente como resultado da inclusão rotineira dos ensaios para o cálcio nos exames para uma diversidade de condições clínicas que levam um paciente ao hospital. A frequência de ocorrência das diversas lesões paratireoidianas subjacentes à hiperfunção é a seguinte: $GHQRPD³ +LSHUSODVLDSULPiULDGLIXVDRXQRGXODU ³ &DUFLQRPDSDUDWLUHRLGLDQR³
Em mais de 95% dos casos, o hiperparatireoidismo primário é provocado por adenoma paratireoidiano esporádico ou hiperplasia esporádica. Os defeitos genéticos identificados no hiperparatireoidismo primário familiar incluem as síndromes de neoplasia endócrina múltipla, especificamente NEM-1 e NEM-2. A hipercalcemia hipocalciúrica familiar é causa rara de hiperparatireoidismo, provocada por mutações inativadoras do gene do receptor sensor de cálcio nas células paratireoidianas, levando a uma secreção constitutiva de PTH.
PATOG EN IA Conquanto os detalhes das alterações genéticas nos tumores paratireoidianos esporádicos estejam além do escopo desta discussão, as anomalias em dois genes específicos estão comumente associadas a esses tumores: } Inversões do gene DI da ciclina: A ciclina DI é um regulador positivo do ciclo celular. Uma inversão cromossômica no cromossomo 11 resulta na relocação do gene ciclina D1 (normalmente em 11 q), de modo que ele fica posicionado adjacente à região 59 franqueadora do gene do PTH (em 11p), levando a uma expressão anormal da proteína ciclina D1 e a um aumento da proliferação. Entre 10-20% dos adenomas apresentam esse defeito genético clonal. Além disso, a ciclina D1 é excessivamente expressa em aproximadamente 40% dos adenomas paratireoidianos, sugerindo que outros mecanismos que não a inversão do gene da ciclina D1 possam levar a esse excesso de expressão. } Mutações NEMI: Aproximadamente 20-30% dos tumores paratireoidianos não associados à síndrome NEM-1 apresentam mutações em ambas as cópias do gene NEM (ver adiante). O espectro das mutações NEM-1 em tumores esporádicos é virtualmente idêntico àquele dos adenomas paratireoidianos familiares.
Figura 19-19 Varredura com o radionuclídeo tecnécio-99 demonstrando uma área de aumento da captação correspondendo à glândula paratireoide inferior esquerda (seta). Esse provou ser um adenoma paratireoidiano. A cintigrafia pré-operatória é útil na diferenciação entre os adenomas e a hiperplasia paratireoidiana, na qual mais de uma glândula demonstrará aumento da captação.
MORFOLOGI A As alterações morfológicas observadas no hiperparatireoidismo primário incluem as das glândulas paratireoides, assim como as de outros órgãos afetados por níveis elevados de cálcio. Em 75-80% dos casos, uma das paratireoides abriga um adenoma solitário que, como as paratireoides normais, pode estar situado em íntima proximidade com a glândula paratireoide ou em um sítio ectópico (p. ex., o mediastino). O adenoma paratireoidiano típico é um nódulo bem circunscrito, macio, acastanhado, recoberto por uma cápsula delicada. Por definição, os adenomas paratireoidianos estão quase invariavelmente confinados a glândulas únicas (Fig. 1919), e as glândulas remanescentes possuem tamanho normal ou estão um tanto contraídas, como resultado da inibição por feedback pelo cálcio sérico elevado. A maioria dos adenomas de paratireoide pesa entre 0,5-5 g. Ao exame microscópico, os adenomas de paratireoide são compostos predominantemente por células principais (Fig. 19-20). Na maior parte dos casos, no mínimo uns poucos ninhos de grandes células oxífilas também estão presentes. Uma orla de tecido paratireoidiano não neoplásico comprimido, geralmente separado por uma cápsula fibrosa, está frequentemente visível na borda do adenoma. Esse achado constitui um controle interno útil, uma vez que as células principais do adenoma são maiores e exibem maior variabilidade do tamanho nuclear do que é típico para as células principais normais. As células com núcleos bizarros e pleomórficos são frequentemente observadas dentro dos adenomas (a chamada atipia endócrina) e não devem ser tomadas como sinal de malignidade. As figuras mitóticas são raras. Ao contrário do parênquima tireoidiano normal, o tecido adiposo é imperceptível no interior dos adenomas. A hiperplasia tireoidiana é tipicamente um processo multiglandular. Em alguns casos, contudo, o aumento pode ser grosseiramente aparente em apenas uma ou duas glândulas, complicando a diferenciação entre hiperplasia e adenoma. O peso combinado de todas as glândulas excede 1 g, sendo frequentemente menor. Microscopicamente, o padrão mais comumente observado é o de hiperplasia das células principais, que pode envolver as glândulas em um padrão difuso ou multinodular. Menos comumente, as células constituintes contêm
Hiperparatireoidismo
Figura 19-20 Adenoma paratireoidiano de células principais. A, Nessa imagem de pequeno aumento, um adenoma solitário está claramente destacado da glândula residual abaixo. B, Detalhe em grande aumento exibe leve variação do tamanho nuclear e tendência para a formação folicular, mas sem anaplasia.
citoplasma claro abundante como consequência do acúmulo de glicogênio — uma condição denominada “hiperplasia de células em águas claras”. Como no caso dos adenomas, a gordura estromal é imperceptível com focos de hiperplasia. Os carcinomas de paratireoide podem ser lesões circunscritas difíceis de diferenciar dos adenomas ou podem ser claramente invasivos. Esses tumores aumentam uma glândula paratireoide e consistem em massas irregulares branco-acinzentadas que às vezes excedem 10 g de peso. As células geralmente são uniformes e se assemelham às células paratireoidianas normais. Elas estão dispostas em padrões nodulares ou trabeculares com densa cápsula fibrosa confinando a massa. Existe concordância geral de que um diagnóstico de carcinoma baseado em detalhes citológicos é incerto, e a invasão dos tecidos circundantes e as metástases são o único critério definitivo. A recidiva local ocorre em um terço dos casos, e a disseminação mais distante ocorre em outro terço. As alterações morfológicas em outros órgãos que merecem menção especial são encontradas no esqueleto e nos rins. As alterações esqueléticas incluem aumento da atividade osteoclástica, que resulta em erosão da matriz óssea e mobilização dos sais de cálcio, particularmente nas metáfises dos ossos tubulares longos. A reabsorção óssea é acompanhada por aumento da atividade osteoblástica e da formação de novas trabéculas ósseas. Nos casos mais graves, o córtex está grosseiramente adelgaçado e a medula óssea contém quantidade aumentada de tecido fibroso acompanhado por focos de hemorragia e cistos (osteíte fibrosa cística; Capítulo 20). Agregados de osteoclastos, células gigantes reativas e restos hemorrágicos ocasionalmente formam massas que podem ser confundidas com neoplasias (tumores pardos do hiperparatireoismo). A hipercalcemia induzida pelo PTH favorece a formação de cálculos do trato urinário (nefrolitíase), assim como a calcificação do interstício e dos túbulos renais (nefrocalcinose). A calcificação metastática, secundária à hipercalcemia, também pode ser observada em outros locais, incluindo estômago, pulmões, miocárdio e vasos sanguíneos.
Características Clínicas O hiperparatireoidismo primário normalmente é uma doença de adultos, sendo muito mais comum em mulheres do que em homens (proporção entre os gêneros de quase 4:1). A manifestação
Tabela 19-4 Causas de Hipercalcemia
PTH Aumentado
PTH Diminuído
Hiperparatireoidismo Primário (adenoma > hiperplasia)* Secundário† Terciário Hipercalcemia hipercalciúrica familiar
Hipercalcemia da malignidade Metástases osteolíticas Mediado pela PTH-rP Toxicidade pela vitamina D Imobilização Fármacos (diuréticos tiazídicos) Doenças granulomatosas (sarcoidose)
PTH, paratormônio; PTH-rP, proteína relacionada ao PTH. *O hiperparatireoidismo primário é a causa mais comum hipercalcemia. A malignidade é a causa mais comum de hipercalcemia sintomática. O hiperparatireoidismo primário e a malignidade são responsáveis, em conjunto, por quase 90% dos casos de hipercalcemia. †O hiperparatireoidismo secundário e o terciário estão mais comumente associados a insuficiência renal progressiva.
mais comum do hiperparatireoidismo primário é o aumento do cálcio ionizado sérico. De fato, o hiperparatireoidismo primário é a causa mais comum de hipercalcemia clinicamente silenciosa. Devemos ressaltar que outras condições também podem produzir hipercalcemia (Tabela19-4). A causa mais comum de hipercalcemia clinicamente aparente em adultos são as síndromes paraneoplásicas associadas à malignidade e a metástases ósseas (Capítulo5). O prognóstico para pacientes com hipercalcemia associada à malignidade é ruim porque ela frequentemente ocorre nos cânceres avançados. Nas pessoas com hipercalcemia provocada pela hiperfunção paratireoidiana, o PTH sérico está inapropriadamente elevado, enquanto o PTH sérico é baixo a indetectável naqueles com hipercalcemia provocada por doenças não paratireoidianas, incluindo a malignidade. Outras alterações laboratoriais relacionadas ao excesso de PTH incluem a hipofosfatemia e o aumento da excreção urinária de cálcio e fosfato. O hiperparatireoidismo primário tradicionalmente tem sido associado a uma constelação de sintomas que incluem “ossos doloridos, cálculos renais, ruídos abdominais e lamentos psíquicos”. A dor, secundária às fraturas dos ossos enfraquecidos pela osteoporose ou pela osteíte fibrosa cística e resultante dos cálculos renais, com uropatia obstrutiva, constituiu, em certa época, uma manifestação proeminente do hiperparatireoidismo primário. Uma vez que o cálcio sérico é hoje rotineiramente dosado na avaliação da maior parte dos pacientes que precisam de exames de sangue para condições não relacionadas, o hiperparatireoidismo clinicamente silencioso é precocemente detectado. Por conseguinte, muitas das manifestações clínicas
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738 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino clássicas, particularmente aquelas relacionadas à doença óssea e renal, são muito menos frequentemente observadas. Os sinais e sintomas adicionais que podem ser encontrados em alguns casos incluem: Distúrbios gastrointestinais, incluindo constipação, náusea, úlceras pépticas, pancreatite e cálculos biliares Alterações do sistema nervoso central, incluindo depressão, letargia e convulsões Anomalias neuromusculares, incluindo fraqueza e hipotonia Poliúria e polidipsia secundária Conquanto algumas dessas alterações, por exemplo, a poliúria e a fraqueza muscular, estejam claramente relacionadas à hipercalcemia, a patogenia de muitas das outras manifestações do distúrbio permanecem mal compreendidas.
terciário. A paratireoidectomia pode ser necessária para controlar o hiperparatireoidismo desses pacientes.
R ESUM O Hiperparatireoidismo
Hiperparatireoidismo Secundário O hiperparatireoidismo secundário é provocado por qualquer condição associada a uma depressão crônica do nível sérico de cálcio, uma vez que o cálcio sérico baixo leva a uma hiperatividade compensatória das paratireoides. A insuficiência renal é, de longe, a causa mais comum de hiperparatireoidismo secundário. Os mecanismos pelos quais a insuficiência renal induz o hiperparatireoidismo secundário são complexos e não plenamente compreendidos. A insuficiência renal crônica está associada a uma redução da excreção de fosfato, o que, por sua vez, resulta em hiperfosfatemia. Os níveis séricos elevados de fosfato deprimem diretamente os níveis séricos de cálcio, estimulando, assim, a atividade da glândula tireoide. Além disso, a perda de substância renal reduz a disponibilidade da enzima a1-hidroxilase, necessária para a síntese de forma ativa da vitamina D, o que, por sua vez, reduz a absorção intestinal de cálcio (Capítulo7).
MORFOLOGI A As glândulas paratireoides no hiperparatireoidismo secundário estão hiperplásicas. Como no caso da hiperplasia primária, o grau de aumento glandular não é necessariamente simétrico. Ao exame microscópico, as glândulas hiperplásicas contêm número aumentado de células principais ou células com citoplasma mais abundante, citoplasma claro (células em águas claras), em uma distribuição difusa ou multinodular. As células adiposas estão em número reduzido. Alterações ósseas semelhantes às observadas no hiperparatireoidismo primário também podem estar presentes. A calcificação metastática pode ser observada em vários tecidos.
Características Clínicas As manifestações clínicas do hiperparatireoidismo secundário geralmente são dominadas por aquelas relacionadas à insuficiência renal crônica. As anomalias ósseas (osteodistrofia renal) e outras alterações associadas ao excesso de PTH são, em geral, menos graves do que aquelas observadas no hiperparatireoidismo primário. O cálcio sérico permanece quase normal porque o aumento compensatório dos níveis de PTH mantém o cálcio sérico. A calcificação metastática de vasos sanguíneos (secundária à hiperfosfatemia) ocasionalmente pode resultar em lesão isquêmica significativa da pele e de outros órgãos — um processo às vezes denominado calcifilaxia. Em uma minoria dos pacientes, a atividade paratireoidiana pode se tornar autônoma e excessiva, com resultante hipercalcemia — um processo algumas vezes denominado hiperparatireoidismo
hipercalcemia assintomática. é provocado por adenoma paratireoidiano esporádico e, menos comumente, por hiperplasia paratireoidiana. hiperplasia é, tipicamente, um processo multiglandular. incluem a reabsorção óssea, a osteíte fibrosa cística e os tumores pardos. As alterações renais incluem nefrolitíase (cálculos) e nefrocalcinose. ser resumidas como “ossos doloridos, cálculos renais, ruídos abdominais e lamentos psíquicos”. causado pela insuficiência renal, e as glândulas paratireoides estão hiperplásicas. hipercalcemia sintomática, que resulta de metástases osteolíticas ou da liberação da proteína relacionada ao PTH por tumores não paratireoidianos.
HIPOPARATIREOIDISMO O hipoparatireoidismo é bem menos comum do que o hiperparatireoidismo. As principais causas de hipoparatireoidismo incluem as seguintes: Hipoparatireoidismo cirurgicamente induzido: a causa mais comum é a remoção inadvertida das paratireoides durante a tireoidectomia ou outras dissecções cirúrgicas do pescoço. Ausência congênita: Ocorre em conjunção com a aplasia do timo (síndrome de Di George) e defeitos cardíacos secundários a deleções no cromossomo 22q11.2 (Capítulo6). Hipoparatireoidismo autoimune: É uma síndrome de deficiência poliglandular hereditária proveniente de autoanticorpos contra múltiplos órgãos endócrinos (paratireoides, tireoide, suprarrenais e pâncreas). Infecções fúngicas crônicas envolvendo a pele e membranas mucosas (candidíase mucocutânea) são algumas vezes encontradas nas pessoas afetadas. Essa condição é provocada por mutações no gene regulador autoimune (AIRE) e será discutida mais extensivamente adiante, no contexto da adrenalite autoimune. Como consequência da falência da autotolerância, alguns desses pacientes produzem anticorpos contra o seu próprio IL-17, responsável pelo aumento da suscetibilidade às infecções por Candida (nas quais a resposta do TH17 desempenha importante papel protetor). As principais manifestações clínicas do hipoparatireoidismo são secundárias à hipocalcemia e incluem aumento da irritabilidade neuromuscular (formigamento, espasmos musculares, contraturas faciais e espasmo carpopedal sustentado ou tetania), arritmias cardíacas e, eventualmente, aumento da pressão intracraniana e convulsões. As alterações morfológicas geralmente são imperceptíveis, mas podem incluir catarata, calcificação dos gânglios basais cerebrais e anomalias odontológicas.
Diabetes melito
PÂNCREAS ENDÓCRINO O pâncreas endócrino consiste em cerca de um milhão de aglomerados celulares microscópicos, as ilhotas de Langerhans, que contêm quatro tipos celulares principais — células beta, alfa, delta e PP (polipeptídeo pancreático). As células podem ser morfologicamente diferenciadas através das suas propriedades de coloração, pelas características ultraestruturais dos seus grânulos e pelo seu conteúdo hormonal. A célula beta produz a insulina, que é o hormônio anabólico mais potente conhecido, com múltiplos efeitos sintéticos e promotores do crescimento; as células alfa secretam glucagon, induzindo a hiperglicemia através da sua atividade glicogenolítica no fígado; as células delta contêm somatostatina, que suprime tanto a liberação de glucagon quanto de insulina; e as células PP contêm um polipeptídeo pancreático único, o VIP, que exerce vários efeitos gastrointestinais, como o estímulo da secreção gástrica e de enzimas intestinais que inibem a motilidade intestinal. A doença mais importante do pâncreas endócrino é o diabetes melito, provocado pela produção ou ação deficiente da insulina.
DIABETES MELITO O diabetes melito não é uma entidade patológica única, mas, em vez disso, um grupo de distúrbios metabólicos que compartilham a característica subjacente comum de hiperglicemia. A hiperglicemia no diabetes resulta de defeitos na secreção de insulina, na ação da insulina ou, mais comumente, de ambos. A hiperglicemia crônica e a desregulação metabólica concomitante do diabetes melito podem estar associados à lesão secundária em múltiplos sistemas orgânicos, especialmente rins, olhos, nervos e vasos sanguíneos. De acordo com a American Diabetes Association, o diabetes afeta 20 milhões de crianças e adultos, ou 7% da população dos Estados Unidos, quase um terço dos quais não têm atualmente ciência de que apresentam hiperglicemia. Aproximadamente 1,5 milhão de casos novos de diabetes são diagnosticados a cada ano nos Estados Unidos, e o diabetes é a principal causa de doença renal terminal, de cegueira com início na vida adulta e de amputações da extremidade inferior. O impressionante número de 54 milhões de adultos nos Estados Unidos apresentam pré-diabetes, que é definido como uma elevação da glicose sanguínea que não atinge o critério aceito para diagnóstico absoluto de diabetes; as pessoas com pré-diabetes apresentam risco elevado para o desenvolvimento de diabetes manifesto.
Diagnóstico Os níveis sanguíneos de glicose normalmente são mantidos dentro de uma faixa muito estreita, geralmente 70-120mg/dL. O diagnóstico de diabetes é estabelecido pela elevação da glicose sanguínea através de qualquer um desses três critérios: 1. Concentração aleatória de glicose de 200mg/dL ou mais, com os sinais e sintomas clássicos 2. Concentração de glicose de jejum de 126mg/dL ou mais, em mais de uma ocasião 3. Teste oral de tolerância à glicose (TOTG) anormal, no qual a concentração de glicose seja de 200mg/dL ou mais, duas horas após uma carga-padrão de carboidratos (75g de glicose) Os desajustes no metabolismo dos carboidratos progridem ao longo de uma sequência contínua. As pessoas com valores séricos de glicose de jejum menores do que 110mg/dL ou
menores do que 140mg/dL para o TOTG são consideradas euglicêmicas. Contudo, aqueles com glicose sérica de jejum maior do que 110 mas menor do que 126mg/dL, ou com valores do TOTG de mais de 140 mas menores do que 200mg/dL, são considerados como apresentando comprometimento da tolerância à glicose, também conhecido como pré-diabetes. As pessoas com comprometimento da tolerância à glicose apresentam risco significativo para a progressão para o diabetes manifesto ao longo do tempo, com quase 5-10% avançando para diabetes plenamente desenvolvido a cada ano. Além disso, aqueles com comprometimento da tolerância à glicose estão em risco para a doença cardiovascular, como consequência do metabolismo anormal dos carboidratos e da coexistência de outros fatores de risco (Capítulo9).
Classificação Embora todas as formas de diabetes melito compartilhem a hiperglicemia como característica comum, as causas subjacentes de hiperglicemia variam amplamente. A imensa maioria dos casos de diabetes cai em uma de duas categorias amplas: 2diabetes do tipo 1 (DT1) se caracteriza pela deficiência absoluta de secreção de insulina provocada pela destruição das células beta pancreáticas, geralmente resultante de ataque autoimune. O diabetes do tipo 1 é responsável por, aproximadamente, 10% de todos os casos. 2 diabetes do tipo 2 (DT2) é provocado por uma combinação de resistência periférica à ação da insulina com a resposta compensatória inadequada de secreção de insulina pelas células beta pancreáticas (deficiência insulínica relativa). Aproximadamente 80-90% dos pacientes apresentam diabetes do tipo 2. Uma diversidade de causas monogênicas e secundárias constitui os casos restantes de diabetes (Tabela19-5). Uma questão importante é que, embora os principais tipos de diabetes provenham de mecanismos patogênicos diferentes, as complicações de longo prazo nos rins, olhos, nervos e vasos sanguíneos são as mesmas e constituem as principais causas de morbidade e óbito.
Fisiologia Normal da Insulina e Homeostase da Glicose Antes de discutir a patogenia dos dois principais tipos de diabetes, faremos uma breve revisão da fisiologia normal da insulina e do metabolismo da glicose. A homeostase normal da glicose é rigidamente regulada por três processos inter-relacionados: (1) produção de glicose pelo fígado; (2) captação e utilização de glicose pelos tecidos periféricos, principalmente o músculo esquelético; e (3) ações da insulina e hormônios contrarregulatórios (p. ex., glucagon). A principal função metabólica da insulina é o aumento da taxa de transporte da glicose para o interior de determinados tipos celulares corporais (Fig.19-21). Estes são as células musculares estriadas (incluindo as células miocárdicas) e, em menor grau, os adipócitos, representando coletivamente cerca de dois terços do peso corporal total. A captação da glicose por outros tecidos periféricos, mais notadamente o cérebro, é independente da insulina. Nas células musculares, a glicose é, então, armazenada como glicogênio ou oxidada para gerar trifosfato de adenosina (ATP). No tecido adiposo, a glicose é armazenada
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740 C A P Í T U L O 19 Sistema Endócrino Tabela 19-5 &ODVVLÀFDomRGR'LDEHWHV0HOLWR
'LDEHWHVGR7LSR 'HVWUXLomRGDVFpOXODVEHWDQRUPDOPHQWHOHYDQGRDGHÀFLrQFLDLQVXOtQLFD absoluta
2. Diabetes do Tipo 2 &RPELQDomRHQWUHDUHVLVWrQFLDLQVXOtQLFDHDGLVIXQomRGDVFpOXODVEHWD
'HIHLWRV*HQpWLFRVGD)XQomRGDV&pOXODV%HWD 'LDEHWHVGDPDWXULGDGHQRMRYHPmaturity-onset diabetes of the young — MODY), provocado por mutações em: *HQHGRIDWRUQXFOHDUGRKHSDWyFLWRa (+1)$ ³02'
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