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December 20, 2016 | Author: universale24140 | Category: N/A
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GOVERNAÇÃO SOCIETÁRIA EM PORTUGAL Enquadramento Legal Sumário 1. Introdução 2. Governação Societária 3. Direito Imperativo e Recomendações 4. Estrutura de Governação Básica de Uma Sociedade 5. Administração. Generalidades 6. Fiscalização - Generalidades 7. Assembleia Geral - Generalidades 8. Os modelos de governação societária 9. Modelo latino ou tradicional 10. Modelo germânico 11. Modelo anglo-saxónico 12. Os deveres dos administradores 13. O interesse social 14. Interesses em conflito 15. Independência 16. Dever de cuidado 17. A business judgement rule 18. Nomeação e destituição 19. Remuneração dos administradores 20. Principais funções do órgão de fiscalização 21. O papel do ROC 22. Principais deveres e poderes 23. Composição e independência 24. Incompatibilidades 25. Nomeação e destituição e remuneração 26. Assembleia Geral 27. Funções 28. A Mesa da Assembleia Geral 29. Procedimento 30. Voto 31. Interesses em conflito

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GOVERNAÇÃO SOCIETÁRIA EM PORTUGAL ENQUADRAMENTO LEGAL SUMÁRIO 1. Introdução Numa sociedade (comercial), como na sociedade (civil), é fundamental que existam regras de funcionamento que assegurem a equilibrada e responsável convivência de todos os intervenientes. Tal como Montesquieu, em meados do século das luzes, revolucionou a ideia de organização do Estado, rompendo com o Estado absoluto e introduzindo a teoria da separação de poderes (legislativo, executivo e judicial), também, especialmente a partir de meados dos anos setenta do século passado, alguns autores norte-americanos sentiram uma crescente urgência em aplicar, com as necessárias adaptações, essa mesma lógica ao governo das sociedades. Foi então que se enraizou a expressão inglesa corporate governance. Da boa organização da sociedade dependem o seu bom funcionamento e o seu sucesso. Na génese da separação de poderes e do governo das sociedades estão ideias matrizes comuns: transparência, equilíbrio de poderes e deveres, prevenção e gestão de conflitos de interesse e responsabilidade. Embora o espaço societário seja marcadamente dominado pela liberdade dos seus intervenientes – com alicerces constitucionais no direito à propriedade privada e na liberdade de iniciativa económica –, certo é que a existência de regras em matéria de governo das sociedades promove o seu melhor funcionamento. A confiança dos investidores e do público em geral pressupõe a confiança nas sociedades que recorrem aos mercados financeiros para obter financiamento. O melhor funcionamento da sociedade leva, naturalmente, à sua acrescida eficiência e, tornando-se mais eficiente, a sociedade atrai mais atenção da parte de investidores, que acreditam nela para investir as suas poupanças com melhores expectativas de retorno. Daí que seja tão importante implementar regras que promovam o bom governo das sociedades, dado que das mesmas decorre um benefício inestimável: a renovada confiança dos investidores. Nesta separata pretendemos, de forma clara e com a profundidade que um espaço limitado permite, dar um enquadramento aos nossos leitores do regime legal da governação societária vigente em Portugal. Procurámos intercalar o discurso com um conjunto de exemplos, figuras e notas explicativas que esperamos sejam úteis para a percepção das matérias tratadas.

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2. Governação Societária Por governação societária (corporate governance) entende-se o conjunto das matérias, princípios e regras relativas à administração e controlo das sociedades. Trataremos essencialmente dos órgãos sociais, das suas competências, responsabilidades e inter-relação com os outros órgãos. Não trataremos de todas as matérias abrangidas pelo direito das sociedades, como, por exemplo, os procedimentos de constituição ou de liquidação de sociedades ou o regime do capital social.

A preocupação com a governação da sociedade será, em princípio, tão maior quanto mais acentuada for a separação entre propriedade e gestão da empresa. Daí que a preocupação prática e teórica acerca destas questões tenha surgido no ordenamento estadunidense, em especial com referência às sociedades mais complexas e de maior dimensão (corporations, por oposição às partnerships e às limited liability companies), nas quais a disseminação do capital é fortíssima. Em consonância, focar-nos-emos na governação societária das sociedades anónimas, com particular incidência nas sociedades cotadas ou outras de grande dimensão. Não obstante várias das matérias tratadas terem, com as devidas adaptações, igualmente aplicação a outros tipos de sociedades – especialmente ao outro tipo de sociedades de responsabilidade limitada (sociedades por quotas) - e a sociedades de menor dimensão.

Por outro lado, é de notar que a estrutura accionista das sociedades sedeadas nas jurisdições continentais, especialmente em Portugal, tende a ser muito mais concentrada do que nas jurisdições anglo-saxónicas, em particular dos Estados Unidos. Por essa razão, a transposição de conceitos e práticas destas últimas jurisdições para as primeiras, como a portuguesa, deve ser feita atendendo sempre ao contexto sócio-cultural, ao contexto económico e ao ambiente e tradição jurídicas de cada jurisdição.

3. Direito Imperativo e Recomendações As fontes normativas da governação societária são múltiplas. É importante perceber que esta matéria é geralmente tratada em dois planos: o plano da lei (obrigatório) e o domínio das recomendações (de cumprimento voluntário, como o nome indica). Estas últimas provêm de organizações fundadas na sociedade civil, bem como de autoridades reguladoras.

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Entre nós, devemos referir o Livro Branco sobre Corporate Governance em Portugal, lançado pelo Instituto Português de Corporate Governance, disponível no site do European Corporate Governance Institute (www.ecgi.org/codes). Entre as recomendações, o maior destaque vai, naturalmente, para os trabalhos desenvolvidos sobre esta matéria pela Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, tendo a última versão destas recomendações sido publicada em 2010, paredes meias com o seu Regulamento n.º 1/2010. Estas Recomendações estão assentes num princípio de comply or explain, isto é, as sociedades suas destinatárias (cotadas) devem cumprir as recomendações ou explicar por que razão não o fazem, em relatório sobre o tema divulgado anualmente ao abrigo daquele regulamento. As Recomendações e o referido Regulamento, bem como os relatórios de governação societária divulgados ao público, encontram-se disponíveis no site da CMVM em www.cmvm.pt. Neste fascículo trataremos, de forma sumária, da regulamentação legal (imperativa) da governação societária em Portugal, que corresponde ao standard mínimo que as sociedades devem cumprir.

4. Estrutura de Governação Básica de Uma Sociedade As sociedades anónimas têm três órgãos essenciais e obrigatórios: a) um órgão de administração (a “Administração”); b) um órgão de fiscalização (a “Fiscalização”); c) a Assembleia Geral. Estes órgãos correspondem à essência da sociedade e materializam uma divisão de funções e responsabilidades: à Assembleia Geral cumpre tomar as grandes decisões e nomear a Administração; à Administração cabe gerir e representar a sociedade; à Fiscalização está, como o próprio nome indica, cometida a tarefa de fiscalizar a sociedade. Estatutariamente, podem ser criados outros órgãos, que não podem ferir, contudo, as competências legais dos primeiros. Terão uma função essencialmente consultiva: por exemplo, um conselho de família, nas sociedades familiares. A título exemplificativo, antes da sua actual estrutura societária, para além do conselho fiscal (legalmente obrigatório), o BCP tinha um conselho superior com funções consultivas. Por outro lado, podem também instituir-se comissões especializadas no seio de cada

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órgão, por exemplo, uma comissão de estratégia no seio da Administração, uma comissão encarregue de analisar as reclamações de colaboradores no âmbito da Fiscalização, ou uma comissão de remunerações composta por sócios (que compõem, no seu conjunto, a Assembleia Geral). Por exemplo, à data, a Assembleia Geral da Brisa nomeou uma Comissão de Vencimentos, enquanto a respectiva Administração nomeou duas comissões: a Comissão de Acompanhamento do Governo Societário e Sustentabilidade e a Comissão de Auditoria e Gestão de Riscos.

5. Administração Generalidades A Administração é responsável por conduzir os negócios da sociedade. Este seu dever fundamental de administrar a sociedade pode dividir-se em dois sub-deveres: a) tomar decisões: nos termos da lei, à Administração “compete (…) gerir as actividades da sociedade”; e b) executar as decisões tomadas: nos termos da lei, a Administração “tem [exclusivos/plenos] poderes de representação da sociedade”. Apesar de este ser o desenho legal, muitas vezes, especialmente nos chamados “actos de mero expediente”, quando existam poderes delegados num administrador ou apenas um administrador único, é difícil distinguir com rigor estes dois momentos. Relativamente a situações significativas para a sociedade, é sempre aconselhável que essa distinção seja evidente e suportada documentalmente (actas, etc).

6. FISCALIZAÇÃO Generalidades A Fiscalização é responsável por fiscalizar diversos aspectos da vida da sociedade, entre os quais se destaca a fiscalização: a) da actividade de administração da sociedade; b) da exactidão dos documentos de prestação de contas e das políticas contabilísticas.

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Como veremos, um gatekeeper fundamental, mas que não se deve confundir com o próprio órgão de fiscalização, é o revisor oficial de contas (“ROC”), que tem a seu cargo a revisão das contas da sociedade, tratadas pelo técnico oficial de contas e pelas quais a Administração é responsável.

7. ASSEMBLEIA GERAL Generalidades A Assembleia Geral é o colégio dos sócios. Entre as suas competências principais conta-se a nomeação, directa ou indirecta, dos membros dos dois outros órgãos sociais e a aprovação anual das contas e do relatório de gestão da sociedade. A Assembleia Geral tem outras competências especificamente previstas, mas a competência de administração da sociedade cabe à Administração da sociedade. A Assembleia Geral não poderá, em princípio, deliberar, por sua iniciativa, sobre matérias de administração que não lhe estejam especificamente alocadas (por exemplo, a alienação de um estabelecimento comercial). Diversamente sucede nas sociedades por quotas, em que existe uma competência concorrente da gerência (órgão de administração) e da Assembleia Geral nessas matérias.

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8. Os modelos de governação societária Até 2006, eram apenas dois os modelos de governação societária no direito português. Contudo, a partir desse ano e devido a uma grande reforma operada no direito societário nacional, são três os modelos de governação societária das sociedades anónimas. a) Modelo latino ou tradicional: Conselho de Administração + Conselho Fiscal + Assembleia Geral; b) Modelo germânico: Conselho de Administração Executivo + Conselho Geral e de Supervisão (com Comissão para as Matérias Financeiras, eventualmente) + Assembleia Geral; c) Modelo anglo-saxónico: Conselho de Administração com Comissão de Auditoria + Assembleia Geral. Cada um destes três modelos, mais do que apresentar grandes vantagens ou desvantagens em absoluto uns face aos outros, pretendem configurar modelos de organização de diferente inspiração para permitir aos sócios escolher aquele que mais lhes convém. A situação da Assembleia Geral é tendencialmente a mesma nos vários modelos, que se distinguem, essencialmente, pela inter-relação estabelecida entre o órgão de administração e o órgão de fiscalização.

9. Modelo latino ou tradicional Este é o modelo mais utilizado entre as sociedades portuguesas, independentemente da respectiva dimensão. O Conselho de Administração, composto por administradores executivos somente ou por administradores executivos e não executivos, gere e representa a sociedade e o Conselho Fiscal fiscaliza a actividade da sociedade. Salvo nas grandes sociedades e nas sociedades cotadas o Conselho Fiscal pode ser constituído por um ROC, que terá a seu cargo a dupla função de fiscalizar a actividade da sociedade e de revisão de contas (Fiscal Único). Nota: Por grande sociedade entende-se uma sociedade que ultrapasse dois dos seguintes limites: a) Total do balanço - €100.000.000; b) Total das vendas líquidas e outros proveitos - €150.000.000;

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c) Número de trabalhadores empregados em média durante o exercício –150.

10. Modelo germânico Apesar de previsto no nosso ordenamento jurídico desde a aprovação do Código das Sociedades Comerciais em 1986, este modelo é muito menos usual nas sociedades portuguesas. A EDP e o BCP, sociedades cotadas integrando o PSI-20, adoptam este modelo. Nesta estrutura a administração da sociedade encontra-se confiada a um Conselho de Administração Executivo composto por administradores executivos. O Conselho Geral e de Supervisão tem como função essencial a fiscalização, embora também lhe caibam outras funções que o Conselho Fiscal não tem. Em particular, os estatutos podem determinar que, para a prática de certos actos (por exemplo, contratação de empréstimos acima de certo valor), o Conselho de Administração Executivo obtenha o prévio parecer favorável do Conselho Geral e de Supervisão. O Conselho de Administração Executivo pode, pois, recorrer desse parecer para a Assembleia Geral caso o mesmo seja desfavorável.

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Obrigatório apenas nas grandes sociedades e sociedades cotadas

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11. Modelo anglo-saxónico Este foi o último modelo a ser acolhido pelo ordenamento jurídico português. Como o nome indica, a sua inspiração é anglo-saxónica. As chamadas corporations norte-americanas desconhecem, em regra, um órgão social autónomo face à administração ao qual incumba fiscalizar a administração. Pelo contrário, é a certos membros do board of directors, geralmente integrados num audit committee, que cabe essa função. Assim sucede, igualmente entre nós, quando uma sociedade adopte este modelo. No seio do Conselho de Administração existirá uma Comissão de Auditoria composta pelos administradores não executivos que integrem o Conselho de Administração, ou por parte deles.

12. Os deveres dos administradores Os administradores encontram-se sujeitos a um vasto conjunto de deveres. Exemplo: Os administradores não podem exercer actividade concorrente com a sociedade, salvo se a Assembleia Geral autorizar; não podem receber empréstimos da sociedade nem adiantamentos de remunerações superiores a um mês – são deveres específicos, de conteúdo negativo. Exemplo: Os administradores devem elaborar e submeter ao órgão de fiscalização e à Assembleia Geral o relatório de gestão e as contas de exercício, os administradores de duas sociedades que pretendam fundir-se devem elaborar em conjunto um projecto de fusão e sujeitá-lo à deliberação dos sócios – são deveres específicos, de conteúdo positivo.

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Sem prejuízo da inegável importância dos deveres específicos, este texto ocupar-se-á essencialmente dos deveres gerais dos administradores, os chamados deveres fiduciários. Esta matéria foi tradicionalmente objecto de intenso estudo nos ordenamentos anglo-saxónicos, nos quais o instituto do trust assume grande relevância. Mas nas últimas décadas tem sido alvo de grande atenção também na Europa continental (Alemanha, França, Itália, Espanha, Portugal, etc). São dois os deveres gerais fundamentais dos administradores: a) o dever administrar no interesse da sociedade; b) o dever de administrar cuidadosamente.

13. O interesse social O universo de interesses afectados e implicados numa sociedade é indeterminado e pode englobar, nomeadamente: a) os interesses de accionistas com diferentes perfis (especuladores, financeiros, empresários, etc.); b) os interesses dos membros do órgão de administração; c) os interesses da própria sociedade enquanto estrutura jurídica autónoma, como alguns autores defendem; d) os interesses dos trabalhadores da sociedade; e) os interesses dos fornecedores da sociedade; f) os interesses dos demais prestadores de serviços à sociedade; g) os interesses da comunidade (local, regional, nacional e internacional…) em que a sociedade se insere. O primeiro dever - administrar no interesse da sociedade - suscita uma questão que desde sempre tem sido discutida entre a comunidade jurídica e para a qual não há resposta absolutamente certa e segura: o que é o interesse social? Essencialmente, trata-se de saber qual o interesse que, de entre os vários interesses que orbitam em redor da sociedade, tem prevalência sobre os restantes.

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Este tema entronca com a discussão sobre a responsabilidade social das empresas, tão na ordem do dia, podendo as diversas posições sobre o assunto ser agrupadas em duas grandes famílias. A primeira entende que a sociedade serve exclusivamente o interesse dos seus accionistas, em especial os investidores de longo prazo; de outro lado, a segunda considera que a sociedade tem horizontes mais amplos do que os seus accionistas, devendo ainda atender aos interesses de outros stakeholders. A evolução legal e jurisprudencial em Portugal e no estrangeiro não tem ajudado a decidir esta contenda. Os principais interesses dos stakeholders (para além dos accionistas) acabam por ser, regra geral, directamente tutelados nos contratos que os mesmos firmam com a sociedade e/ou nas leis que disciplinam as suas relações com a sociedade. Porém, fora dessa tutela específica e em sede de administração das sociedades, esses interesses muito dificilmente poderão ser sindicáveis. Mas esta posição de alguma precariedade dos interesses dos stakeholders situados para além da órbita dos accionistas não impede que os mesmos sejam ou devam ser considerados nos processos decisórios da Administração. Na verdade, atender a tais interesses é, muitas vezes, também uma forma (ou a melhor forma) de prosseguir os interesses da sociedade e dos seus accionistas. Caso: Nos anos sessenta, uma accionista da sociedade detentora do franchising da equipa de basebol Chicago Cubs intentou uma acção judicial na sequência da recusa dos administradores da sociedade em instalar iluminação nocturna no campo de jogo. Alegadamente, na génese da recusa estariam os eventuais prejuízos que os jogos nocturnos poderiam causar à vizinhança. No entanto, o Tribunal confirmou a decisão da Administração, salientando que esses mesmos prejuízos se poderiam vir a repercutir na própria sociedade (desvalorizando, por exemplo, o valor imobiliário do estádio) [Schlensky vs Wrigley].

É desejável que, no seu processo decisório, os administradores ponderem não só os interesses dos accionistas da sociedade, mas igualmente os de outros stakeholders, o que não significa necessariamente que estes últimos tenham de ter uma relevância autónoma. Noutra formulação, mais moderada: é importante que os administradores não se limitem a considerar os interesses dos accionistas, como se os interesses dos demais stakeholders não pudessem e devessem ser relevados. Há que reconhecer que os próprios accionistas e a sociedade têm a ganhar se esta não for administrada em benefício exclusivo de quem corre o risco de capital. Isto porque do benefício de outros stakeholders poderão resultar benefícios para a sociedade e para os seus accionistas. Esta mesma lógica está presente no Princípio IV da OCDE sobre o Governo das Sociedades (2004):

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“As sociedades devem reconhecer que o contributo de outros sujeitos com interesses relevantes constitui um recurso importante para a construção de empresas competitivas e prósperas. Por conseguinte, a longo prazo, as sociedades têm todo o interesse em promover uma cooperação com sujeitos com interesses relevantes susceptíveis de criar riqueza.”

14. Interesses em conflito Há um conflito de interesses quando, não existindo um dever de actuar de uma forma absolutamente determinada, o interesse pessoal do administrador conflitue com qualquer outro interesse, em particular o interesse social. Os administradores recebem um mandato conferido pela Assembleia Geral e não pelo concreto accionista ou grupo de accionistas que subscreveu uma lista ao órgão de administração. Agem em representação da sociedade e dos seus interesses. Por isso, no desenvolvimento da sua actividade, não podem dar prevalência a outros interesses que não o interesse social. Por exemplo, um administrador deve impedir a sociedade de celebrar um mau negócio, em lugar de o promover por ser um bom negócio para certo accionista ou porque dele retirará certas vantagens pessoais. Caso: A sociedade X dedica-se à reparação de automóveis e entre os seus accionistas conta-se a Y, que explora uma fábrica de peças de motor de marca branca. Y propõe à sociedade X um fornecimento de peças pelo preço de 100, enquanto o seu concorrente Z propõe um fornecimento nas mesmas condições de peças substancialmente idênticas a um preço de 90. Adicionalmente Y promete aos administradores da sociedade X que votará favoravelmente um aumento das suas remunerações se a sociedade X fechar negócio com Y.

Os administradores devem tomar as medidas necessárias para evitar situações nas quais a sua imparcialidade possa ser posta em causa, ainda que efectivamente tenham dado prevalência aos interesses devidos. “À mulher de César não basta sê-lo, deve também parecê-lo.” O administrador que se encontre numa situação destas deve reportar ao presidente do órgão de administração a existência do conflito e, se necessário, abster-se de votar sobre o assunto em causa. Poderá também justificar-se que o administrador se ausente quando sejam discutidas certas matérias e que haja restrições à circulação de informação, por exemplo, caso o administrador em questão exerça igualmente funções de administração em sociedade concorrente.

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15. Independência Embora não representem um concreto accionista ou grupo de accionistas, para mitigar os designados “problemas de agência”, certo é que os administradores (em especial, os administradores executivos) são pessoas da confiança dos accionistas que os propõem para o órgão de administração. Neste contexto, para promover a confiança dos accionistas em geral, incluindo aqueles que votaram contra ou se abstiveram aquando da nomeação dos membros da Administração, e como forma de minorar a ocorrência de conflitos de interesse no seio desse órgão, tem-se sublinhado a relevância de parte dos seus membros serem independentes. Actualmente, a lei não exige que as sociedades em geral tenham um número mínimo de administradores independentes. Contudo, a independência de, pelo menos, parte dos administradores encontra voz em orientações sobre corporate governance, nomeadamente nas Recomendações sobre esta matéria elaboradas pela CMVM. Diversamente, a independência é um requisito legal para o órgão de fiscalização das grandes sociedades e para as sociedades cotadas, incluindo aqui a comissão de auditoria que funcione no seio do órgão de administração no modelo anglo-saxónico. Independente será aquele administrador que não esteja associado a um grupo de interesses específicos na sociedade, nem se encontre em situação susceptível de afectar a sua capacidade de análise ou decidir de forma isenta. Este conceito será retomado infra, quando tratarmos da fiscalização.

16. Dever de cuidado O outro dever fiduciário fundamental dos administradores é o dever de cuidado (duty of care). Um administrador deve ter suficiente disponibilidade para o exercício do seu cargo, competência técnica e um conhecimento da actividade da sociedade adequados às suas funções. A competência, conhecimento e disponibilidade necessários são variáveis consoante as funções efectivamente atribuídas a um administrador – são diferentes as exigências aplicáveis ao CEO das aplicáveis a um administrador não executivo independente. Em todo o caso, um administrador deve reflectir bem antes de aceitar a nomeação para uma miríade de cargos sociais ou outras funções pois isso poderá colocar em causa o cumprimento adequado das suas funções. Por outro lado, um administrador deve empregar no exercício do seu cargo a diligência de um “gestor criterioso e ordenado”. Esta formulação legal é decisiva

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e estabelece o padrão médio de conduta exigível aos administradores. Retiram-se daqui uma série de sub-deveres, entre os quais: a) Dever de tomar decisões razoáveis; Caso: Não parecem adoptar uma decisão razoável os administradores de uma sociedade que explore uma fábrica de produtos químicos e que, ao contrário da prática de mercado, decidem não contratar um seguro voluntário contra certos danos ambientais, contra o pagamento de prémios reduzidos e perfeitamente ao alcance da sociedade, quando os danos potenciais possam ser em valor elevado, ainda que a probabilidade de ocorrência seja reduzida.

b) Dever de adoptar um processo de decisão razoável, isto é, a decisão deve ser o momento final de um caminho que, consoante os casos, poderá ter diversas etapas, desde a apresentação do assunto, passando depois pela análise detalhada e cuidada, discussão e, finalmente, decisão; Caso: O Supremo Tribunal de Delaware julgou nos anos oitenta um caso que ficou muito famoso no qual estava em causa a eventual fusão entre duas sociedades: Smith vs Van Gorkon. O Tribunal sublinhou que a reunião do órgão de administração para apreciar a transacção deve ser convocada com indicação do seu objecto e a antecedência suficiente, devendo ser distribuída previamente documentação apropriada para revisão pelos administradores. Os administradores não devem, assim, bastar-se com as declarações ou apresentações orais durante a reunião sobre os termos essenciais da transacção. Poderá também ser útil convidar altos quadros da sociedade e especialistas terceiros. A reunião deve prolongar-se pelo tempo necessário à tomada de uma decisão cuidada.

Ora, estas indicações correspondem na sua essência a mandamentos de senso comum e podem igualmente ser úteis no contexto português. c) Dever de controlo (duty to monitor), isto é, os próprios administradores devem supervisionar a actividade da sociedade. Neste âmbito, podem os administradores organizar-se em comissões especializadas (comissão de assuntos financeiros, comissão de assuntos ambientais, outras) ou delegar assuntos em certos administradores; Caso: Do facto de a secção de vendas ter sucessivamente apresentado melhorias na facturação atingida e de não terem sido denunciadas irregularidades não resulta que os administradores simplesmente não devam exercer qualquer controlo sobre a referida secção. A coberto de uma aparente melhoria nas vendas poderão até esconder-se importantes falhas.

d) Dever de investigação (duty to inquiry), isto é, os administradores devem realizar diligências adequadas quando suspeitem de alguma irregularidade.

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Caso: A secção de produção da sociedade tem detectado sucessivas falhas no inventário, semanalmente verificadas, que o supervisor da secção não consegue explicar. Os administradores deverão investigar para perceber o que se passa.

17. A business judgement rule O fim da administração de sociedades é fazer crescer e rentabilizar activamente o património social, para benefício dos accionistas. Administrar uma sociedade não é uma actividade de cariz estático, diversamente, por exemplo, da administração de uma herança. Administrar uma sociedade implica uma dinâmica que, pela sua natureza, obriga a sociedade a correr riscos. Como a gestão não é uma ciência exacta, esses riscos podem muitas vezes resultar em prejuízos para a sociedade. Se os administradores deixarem de assumir riscos, os próprios accionistas serão os principais prejudicados. Pelo que é do interesse dos próprios accionistas que a administração da sociedade assuma riscos; de contrário, não teriam submetido o seu património ao modelo organizacional de sociedade. Por esse motivo, os tribunais norte-americanos desenvolveram a chamada business judgement rule (BJR), uma regra que isenta os administradores de responsabilidade, em sede de decisões discricionárias de gestão, reunidos que estejam determinados pressupostos. Esta regra foi importada nos últimos anos pela legislação, jurisprudência e doutrina de várias jurisdições europeias, entre as quais a portuguesa. Nos termos da lei, um administrador é exonerado de responsabilidade nesta sede se provar que, cumulativamente: a) Actuou em termos informados, isto é, reuniu e apreciou a informação razoavelmente necessária para a tomada de decisão; Caso: Não actuarão devidamente informados os administradores que, para decidir sobre a celebração de um contrato de fornecimento importante de longo prazo para a sociedade, se limitam a ouvir uma breve apresentação oral do CEO e decidem de seguida, sem considerar quaisquer outros elementos.

b) Actuou livre de qualquer interesse pessoal; Caso: Não actuará livre de interesses pessoais o administrador que, no exemplo anterior, seja igualmente administrador ou accionista da empresa fornecedora.

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c) Actuou segundo critérios de racionalidade empresarial. Este conceito tem sido entendido pela negativa – a decisão não deve ser irracional. Caso: Não actuarão segundo critérios de racionalidade empresarial os administradores que decidam aplicar uma soma considerável no Euromilhões para colmatar os insucessos dos negócios da sociedade.

18. Nomeação e destituição Nos modelos latino e anglo-saxónico, os administradores são nomeados pelos sócios, seja através de estipulação para o efeito no contrato de sociedade, no momento da constituição da sociedade, ou por deliberação da Assembleia Geral, após a constituição da sociedade. Nas sociedades que adoptem o modelo germânico, caso os estatutos não disponham diversamente, é ao Conselho Geral e de Supervisão que compete nomear os administradores. A lei geral não admite que a nomeação de administradores dependa exclusivamente do sentido de voto de uma ou mais categorias de acções. Os administradores são nomeados por um período que não deve exceder quatro anos, permanecendo em funções até que sejam designados novos administradores ou sejam nomeados para outro mandato. É também possível que o contrato de sociedade estabeleça que até um terço dos administradores seja escolhido entre pessoas propostas em listas subscritas por accionistas que não representem mais de 20% nem menos de 10% do capital social. A responsabilidade de cada administrador deve ser caucionada por este no montante previsto nos estatutos. Este valor não pode ser inferior a €250.000, caso se trate de uma sociedade cotada ou de uma grande sociedade, nem a €50.000 nas restantes sociedades. Esta caução pode ser substituída por contrato de seguro. Excepto nas sociedades cotadas e nas grandes sociedades, a prestação de caução pode ser dispensada através de deliberação da Assembleia Geral. A continuidade da Administração é pressuposta, pelo que em caso de falta definitiva, destituição ou renúncia, o administrador deve ser substituído por suplente que figure na lista que foi submetida para nomeação dos administradores ou, inexistindo, por um administrador cooptado pelo órgão de administração. A competência para a destituição é moldada pela competência para a nomeação, pelo que pode destituir o mesmo órgão social que pode nomear, ou seja, a Assembleia Geral ou eventualmente o Conselho Geral e de Supervisão. A destituição pode ter justa causa ou ser realizada sem justa causa. Constitui, designadamente, justa causa a violação grave dos deveres do administrador e a sua inaptidão para o exercício normal das respectivas funções.

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Casos: Um administrador com o pelouro dos recursos humanos decidiu a contratação de um familiar com pouca experiência e sem currículo adequado para as funções pretendidas, quando com ele concorria um outro candidato com experiência e óptimas recomendações do seu anterior empregador.

Um administrador sofreu um grave acidente de automóvel que o impede de prestar o seu normal contributo de administração até ao final do mandato. Embora não exista, entre os administradores e a sociedade, um contrato de trabalho, se a destituição não se fundar em justa causa, o administrador deve ser indemnizado pelos danos sofridos, conforme estipulado contratualmente ou nos termos gerais de direito. Porém, a indemnização não pode exceder o montante das remunerações que o administrador em causa presumivelmente receberia até ao final do período para que foi eleito. Esta limitação tem claros impactos nos chamados golden parachutes. Estes “pára-quedas dourados”, que constituem comum medida defensiva contra OPAs hostis, são estipulações contratuais destinadas a dificultar a destituição de administradores e podem, em ordens jurídicas como a norte-americana, atingir valores astronómicos. Num caso muito badalado nos Estados Unidos, o CEO da Disney Michael Ovitz, cuja prestação como administrador não havia sido das mais bem sucedidas, foi destituído contra uma compensação de cerca de $140.000.000.

19. Remuneração dos administradores A remuneração dos administradores depende do órgão que os nomeia ou de uma comissão formada no âmbito desse órgão. A remuneração pode ser certa ou variável, notando-se nos últimos anos uma tendência, nomeadamente ao nível recomendatório, para o alinhamento da componente variável com os interesses de longo prazo da sociedade e dos seus accionistas. Pretende-se, assim, evitar os chamados “comportamentos míopes” dos administradores, mais preocupados com resultados imediatos para impressionar os accionistas (e beneficiar do respectivo impacto positivo na sua remuneração variável) do que em implementar estratégias que permitam um crescimento sustentado a longo prazo. É também possível que os contratos de sociedade estabeleçam regimes de reforma por velhice ou invalidez dos administradores, podendo atribuir-se complementos de reforma com o limite da remuneração mais elevada actual do administrador efectivo melhor remunerado. A Assembleia Geral deverá regulamentar estas matérias, sendo comum a constituição de comissões especializadas para se pronunciarem sobre as mesmas.

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20. Principais funções do órgão de fiscalização As funções essenciais do Conselho Fiscal, do Conselho Geral e de Supervisão e da Comissão de Auditoria são comuns, pelo que o respectivo âmbito de competência não diverge significativamente em função do concreto modelo de governo. As funções essenciais deste órgão, como o nome indica, são de fiscalização, mais concreta e principalmente do seguinte: a) do cumprimento da lei e do contrato de sociedade; b) da administração da sociedade; c) de matérias contabilísticas/patrimoniais: (i) extensão da caixa e as existências; (ii) exactidão dos documentos de prestação de contas; (iii) políticas contabilísticas e os critérios valorimétricos adoptados. Quando não se trate de Fiscal Único, deve propor o ROC à Assembleia Geral e fiscalizar também: (iv) o processo de preparação e divulgação de informação financeira (v) a revisão de contas aos documentos de prestação de contas (vi) a independência do ROC, designadamente no tocante à prestação de serviços adicionais pelo ROC. Caso: O ROC não será independente se, anualmente, prestar serviços de consultoria à sociedade no valor de 1000, receber a título de serviços de revisão oficial de contas 250 e a sua facturação anual for de 2000.

d) sistemas de gestão de riscos, controlo internos e auditoria interna, quando existam, pelo que devem ser dirigidas a este órgão as denúncias de eventuais irregularidades por accionistas, colaboradores ou outros (whistleblowers); e) elaborar um relatório anual da sua actividade.

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Importa fazer, ainda, uma breve nota relativa às sociedades cotadas e grandes sociedades que adoptem o sistema germânico, nas quais o Conselho Geral e de Supervisão deve constituir uma Comissão para as Matérias Financeiras, a cargo da qual ficam a competência fiscalizadora em matérias financeiras (alíneas c) e d) supra), devendo igualmente elaborar um relatório anual da sua actividade.

21. O papel do ROC As contas anuais de todas as sociedades são obrigatoriamente sujeitas a processo de revisão oficial de contas. É um ónus a que escapa a maioria das sociedades por quotas, mas que garante uma transparência adicional às sociedades sujeitas a tal processo. Nas sociedades cotadas, este processo corre paredes-meias com a autónoma auditoria de contas, o que acaba muitas vezes por representar uma duplicação de processos. De qualquer forma, nada impede que nessas sociedades o auditor e o ROC sejam a mesma entidade. O ROC tem a seu encargo o dever de proceder a todos os exames e verificações necessários à revisão e certificação legal das contas. Adicionalmente, compete-lhe um dever especial de vigilância, devendo comunicar imediatamente ao presidente do órgão de administração os factos que, chegando ao seu conhecimento, revelem graves dificuldades na prossecução do objecto da sociedade, em particular reiteradas faltas de pagamento a fornecedores, protestos de título de crédito, emissão de cheques sem provisão, falta de pagamento de quotizações para a segurança social ou de impostos. Os membros do órgão de fiscalização que se apercebam de tais factos devem comunicá-los ao ROC. Caso não receba resposta do presidente do órgão de administração ou esta resposta não seja satisfatória, o ROC deve requerer ao presidente que seja convocada reunião da administração e se a mesma não se realizar ou caso as medidas decididas não sejam consideradas adequadas para salvaguardar o interesse da sociedade, o ROC deve requerer a convocação de uma Assembleia Geral para apreciar e deliberar sobre os factos em causa. Última nota para salientar que nas sociedades de menor dimensão que adoptem o modelo latino é possível optar por um Fiscal Único no lugar de um Conselho Fiscal + ROC. Neste caso, o Fiscal Único acumulará as funções do Conselho Fiscal e as funções inerentes ao ROC.

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22. Principais deveres e poderes No cumprimento das suas funções, os membros do órgão de fiscalização devem actuar de forma conscienciosa e imparcial e observar deveres de cuidado. Para o efeito devem empregar elevados padrões de diligência profissional e abster-se de quaisquer condutas desleais. Nas sociedades de maior dimensão e nas sociedades cotadas, para garantia de qualidade da sua actividade, o órgão de fiscalização deve integrar pelo menos um membro que tenha curso superior adequado ao exercício das suas funções e conhecimentos em auditoria ou contabilidade. No modelo latino, quando for adoptado o Fiscal Único, este será, como já referido, o ROC. A obrigação de lealdade é aqui muito mais mitigada do que em relação aos administradores, que devem activamente administrar a sociedade em atenção ao interesse social. A actividade dos membros do órgão de fiscalização é, por definição, fiscalizar e não administrar. Mas uma decorrência natural do mesmo é que devem guardar segredo sobre os negócios da sociedade de que tomem conhecimento devido às suas funções e não se aproveitar de segredos comerciais ou industriais que cheguem ao seu conhecimento nessa sede, salvo autorização expressa da Assembleia Geral. Como manifestação do dever de cuidado, os membros do órgão de fiscalização devem participar nas reuniões dos órgãos sociais aplicáveis informá-los da sua actividade, das situações irregulares detectadas, bem como dos esclarecimentos obtidos. Deverá ser mantido um registo escrito de todas as verificações, fiscalizações, denúncias recebidas, diligências efectuadas e resultado das mesmas. Neste âmbito, deve ser preparado e apresentado à Assembleia Geral um relatório anual da actividade desenvolvida. Os factos que possam assumir relevância como crime público devem ser denunciados pelos membros do órgão de fiscalização (e pelo ROC) ao Ministério Público. O órgão de administração deve facultar-lhes os livros, registos e documentos societários e prestar as informações e esclarecimentos necessários. Podem também pedir informações a terceiros que tenham realizado negócios por conta da sociedade e assistir às reuniões do órgão de administração caso entendam conveniente. O órgão de fiscalização pode também contratar serviços de peritos que coadjuvem um ou vários dos seus membros no exercício das suas funções. Caso: A sociedade X explora um banco estrangeiro localizado numa jurisdição sujeita a apertados requisitos de expatriação de capitais, sendo que uma transferência de fundos em montante

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significativo foi realizada a favor do cliente bancário Y. A autoridade de supervisão ou o governo local processou o banco, pelo que poderá ser necessário ao órgão de fiscalização contratar um perito em direito bancário local para apurar a legitimidade ou não da transferência dos fundos.

23. Composição e independência Se o membro de algum órgão social se encontrar numa situação de dependência, seja face a accionistas, seja perante a própria sociedade, a sua imparcialidade e isenção podem ser afectadas. Daí que, há mais tempo nos Estados Unidos e mais recentemente noutras jurisdições, como a nossa, se tem vindo a chamar à atenção para a importância de integrar membros independentes nos órgãos sociais, especialmente naqueles que têm como função o controlo de outros órgãos e da actividade da sociedade. Como já vimos acima, o órgão de fiscalização devem integrar, pelo menos, um membro que tenha conhecimentos e experiência adequada. Mais: esse membro deve ser independente. Nas sociedades cotadas, por razões óbvias de acrescida imparcialidade, a maioria dos membros do órgão de fiscalização deve ser independente. O que significa, neste caso, ser independente? Considera-se independente a pessoa que não esteja associada a qualquer grupo de interesses específicos na sociedade nem se encontre em alguma circunstância susceptível de afectar a sua isenção de análise ou de decisão. Caso: Não é independente o membro que seja titular de pelo menos 2% do capital social da sociedade, ou que actue por conta de um accionista que detenha participação social, pelo menos, dessa dimensão.

Não é possível afirmar sem mais que alguém que está nesta posição será sempre condicionado no exercício da sua função pelo outro interesse que prossegue, directamente ou por conta de outrem. Mas urge prevenir a ocorrência de uma situação em que o membro do órgão de fiscalização tenha que sopesar interesses que podem ser conflituantes. Caso: Não é independente o membro que tenha sido eleito mais de três vezes para o mesmo mandato, de forma contínua ou intercalada.

Uma vez mais, não é isenta de dúvidas a ilação de que alguém deixa de ser independente só porque vai acumulando mandatos. Pode ser a melhor, a mais qualificada pessoa para o exercício das funções em causa. Mas impõe-se a rotatividade, de modo a evitar, igualmente aqui, a excessiva familiaridade com a sociedade e os efeitos adversos que daí possam decorrer.

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24. Incompatibilidades Partilham desta mesma ideia de garantia de isenção as várias incompatibilidades que impedem a nomeação ou continuação de funções de membros do órgão de fiscalização, entre as quais se destacam os seguintes: a) beneficiários de vantagens particulares da própria sociedade; Caso: Aquando da constituição da sociedade, ficou clausulado no contrato de sociedade que determinado accionista promotor teria direito a utilizar aos fins-de-semana duas salas na sede social.

b) membros de órgãos de administração da própria sociedade; Nota: Esta limitação não é aplicável aos membros da Comissão de Auditoria no modelo anglo-saxónico que, por definição, são administradores não executivos.

c) membros do órgão de administração de sociedade que esteja em relação de domínio ou de grupo com a sociedade fiscalizada; Caso: O senhor A é administrador da sociedade Y, que detém a 100% a sociedade X; o senhor A não pode ser membro do órgão de fiscalização da sociedade X. Diversamente, o senhor B é administrador da sociedade W, que não tem qualquer relação com a sociedade X; nesse caso, o senhor B pode integrar o órgão de fiscalização da sociedade X.

d) pessoas que, directa ou indirectamente, prestem serviços ou estabeleçam relação comercial significativa com a sociedade fiscalizada ou sociedade que com esta se encontre em relação de domínio ou de grupo; Caso: O senhor C é engenheiro civil e o seu principal cliente é a sociedade Z, que se dedica à construção civil; o senhor C não pode ser membro do órgão de fiscalização da sociedade Z.

e) pessoas que exerçam funções em empresa concorrente e que actuem em representação ou por conta desta ou que por qualquer outra forma estejam vinculados a interesses da empresa concorrente; Caso: O negócio da sociedade U é a exportação de mobiliário fino para o Luxemburgo e o senhor D é seu administrador; o senhor D não pode ser nomeado membro do órgão de fiscalização da sociedade T, cujo principal negócio seja igualmente a exportação de mobiliário fino para o Luxemburgo.

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Nota: Esta limitação não é aplicável aos membros do Conselho Geral e de Supervisão, embora se aplique aos membros da Comissão para as Matérias Financeiras.

f) pessoas que tenham relações familiares com pessoas impedidas de ser nomeadas em virtude de outras incompatibilidades; Caso: O filho de um administrador não pode ser nomeado para membro do órgão de fiscalização da sociedade que o pai administra.

g) salvo alguns casos excepcionais, pessoas que exerçam funções de administração ou de fiscalização em cinco sociedades; h) insolventes. Caso: O senhor F era comerciante em nome individual, mas os negócios não correram bem à sua empresa e foi declarado insolvente. O senhor F não pode assumir funções como membro de órgão de fiscalização de sociedades.

25. Nomeação e destituição e remuneração Os membros do órgão de fiscalização são nomeados pelos sócios, seja através de estipulação para o efeito no contrato de sociedade, no momento da constituição da sociedade, ou por deliberação da Assembleia Geral, depois da constituição da sociedade, por um período que não deve exceder quatro anos. Caso ocorra uma situação de impedimento, destituição ou renúncia de um membro do órgão de fiscalização, o mesmo deve ser substituído por um suplente que já esteja designado. Não existindo suplente, deve proceder-se à nomeação por eleição da Assembleia Geral. Para a destituição é competente o mesmo órgão que nomeia os membros do órgão de fiscalização. Contudo, a destituição deve ter justa causa, diversamente do que sucede com a destituição de administradores, de modo a salvaguardar a independência daqueles membros. Caso: Por exemplo, constitui justa causa de destituição o facto de um membro do Conselho Fiscal ter recebido várias comunicações de irregularidades por parte de colaboradores, arquivando-os

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automaticamente, sem informar os restantes membros do Conselho Fiscal nem proceder à sua análise e investigação.

A remuneração dos membros do órgão de fiscalização deve consistir numa quantia fixa. Desta forma, fica assegurada uma maior isenção, já que a remuneração não depende da sorte dos negócios da sociedade.

26. Assembleia Geral A Assembleia Geral é composta pelo colégio de sócios, quando reunidos para esse efeito. A deliberação em Assembleia Geral não é a única forma de deliberação ao dispor dos sócios. Os sócios também podem deliberar por escrito de forma unânime, embora este seja um procedimento inviável em sociedade com muitos accionistas, nomeadamente em sociedades cotadas.

27. Funções A Assembleia Geral reúne uma vez anualmente (assembleia ordinária) e sempre que seja convocada por outros motivos (assembleia extraordinária). Entre as principais funções da Assembleia Geral de uma sociedade anónima contam-se: a) nomear os membros de órgãos sociais; b) aprovar o relatório de gestão e as contas anuais; É a Assembleia Geral anual, que deve reunir nos três meses seguintes à data de encerramento das contas de exercício ou cinco meses a contar da mesma data quando se trate de sociedade que deva apresentar contas consolidadas ou que aplique o método de equivalência patrimonial. c) deliberar sobre matérias de gestão, mas apenas quando tal seja solicitado pelo órgão de administração. Caso: Por exemplo, um dos principais activos da sociedade, numa óptica de longo prazo, é uma filial estrangeira que opera num mercado em que a sociedade quer crescer, mas foi proposta por um concorrente à sociedade a alienação dessa filial a um prémio de 50% face ao seu valor de mercado. Os administradores, ainda que considerem ser um bom negócio, ou apesar de considerarem ser um mau negócio, podem entender sujeitar esta questão à deliberação da

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Assembleia Geral, dada a importância deste assunto para o futuro da sociedade e atendendo que são os accionistas os titulares (indirectos) do património social.

Mas a Assembleia Geral poderá deliberar sobre muitas outras matérias, por exemplo: a) fusão ou cisão da sociedade; b) o aumento de capital ou uma emissão de obrigações, quando essa competência não tenha sido estatutariamente delegada no órgão de administração; c) a autorização para aquisição de acções próprias; d) a dissolução da sociedade.

28. A Mesa da Assembleia Geral É ao Presidente da Mesa que compete dirigir os trabalhos em sede de Assembleia Geral, sendo auxiliado para o efeito pelo Secretário da Mesa. Na falta de pessoas eleitas para aquelas funções, a lei prevê regras subsidiárias, começando por alocar a presidência da mesa ao presidente do órgão de fiscalização e o secretariado a um accionista escolhido por este. Dado o poder inerente à Mesa da Assembleia Geral, é imposto que nas maiores sociedades e nas sociedades cotadas o Presidente e o Secretário sejam independentes e que não se verifiquem situações de incompatibilidade, similares às indicadas para os membros do órgão de fiscalização. Pelo mesmo motivo, os membros da Mesa só podem ser remunerados através de uma quantia fixa. Para prevenir nomeadamente que certos accionistas, inconformados com uma decisão legal do Presidente da Mesa, possam livremente destituir por maioria os membros da Mesa, os membros da Mesa só podem ser destituídos com justa causa. Entre os poderes do Presidente da Mesa, contam-se designadamente os seguintes: a) convocar a Assembleia Geral, sem prejuízo de, em certos casos, o órgão de fiscalização ou o tribunal a poder convocar; b) admissão de assuntos à ordem do dia; Caso: Um grande accionista A requereu ao Presidente da Mesa a convocação de uma Assembleia Geral para alterar os estatutos de modo a que o órgão de administração passasse a ser

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competente para deliberar a emissão de obrigações. Outro grande accionista B pretende, em alternativa, propor que tal somente seja possível até certo limiar (por exemplo, emissões até um valor total de €100.000.000). Em certas circunstâncias, pode requerer ao Presidente da Mesa a inclusão de um novo ponto na ordem de trabalhos.

c) abrir e fechar os trabalhos da Assembleia; d) conceder e retirar a palavra aos participantes na Assembleia; e) proceder à contagem dos votos; f) deliberar sobre a suspensão normal dos trabalhos da Assembleia. Caso: Interrupção para almoço dos participantes.

O que antecede não prejudica que o exercício dos poderes do Presidente da Mesa seja judicialmente contestado. Por outro lado, o cumprimento adequado dos seus poderes, implica que o Presidente da Mesa se articule com a sociedade em muitas matérias, tais como a marcação da data e do local da realização da Assembleia Geral. Uma última nota para realçar que o Secretário da Mesa não deve confundir-se com o secretário da sociedade. O primeiro secretaria as Assembleias Gerais, enquanto o segundo tem funções mais amplas de secretariado das reuniões de órgãos sociais, tratamento de actas e arquivo de documentação, funções de certificação documental várias e de promoção dos registos sociais.

29. Procedimento Regra geral, a Assembleia Geral é convocada pelo Presidente da Mesa, que deve ordenar a publicação da convocatória com, pelo menos, um mês de antecedência face à data da reunião. Este prazo é reduzido a um mínimo de 21 dias caso a convocatória seja efectuada mediante cartas registadas ou mensagens de correio electrónico ou caso se trate de uma sociedade cotada. Independentemente, neste último caso, o Presidente da Mesa deva ponderar devidamente os vários prazos e procedimentos envolvidos para aferir a adequação de um concreto prazo de convocatória. De modo a que os accionistas saibam como se irá desenrolar a Assembleia e se possam preparar adequadamente para participar nos trabalhos, a convocatória tem um conteúdo mínimo obrigatório entre o qual, para além da identificação

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completa da sociedade, se incluem designadamente os seguintes elementos informativos: a) o lugar, o dia e a hora da reunião; Nota: Pode ser logo indicada uma segunda data (pelo menos, 15 dias depois) para o caso de a assembleia não se poder reunir na primeira data marcada por falta de quórum.

b) a indicação da espécie da assembleia geral ou especial; c) os requisitos a que estejam subordinados a participação e o exercício do direito de voto; d) os assuntos que constam da ordem do dia; Nota: O aviso convocatório deve mencionar claramente o assunto sobre o qual a deliberação será tomada e quando este for a alteração do contrato, devem ser mencionadas as cláusulas a modificar, suprimir ou aditar e o texto integral das cláusulas propostas ou a indicação de que tal texto fica à disposição dos accionistas na sede.

e) Se o voto por correspondência não for proibido pelos estatutos (sendo que é sempre admitido nas sociedades cotadas quanto à alterações estatutárias e à designação de membros dos órgão sociais), descrição do modo como o mesmo se processa. Até à reforma do direito das sociedades ocorrida em 2006, as assembleias eram por tradição efectuadas na sede social ou em local próximo. O surgimento de meios telemáticos veio alterar este panorama. Actualmente, e excepto se o contrato de sociedade dispuser em contrário, as assembleias gerais podem ser efectuadas por meios telemáticos, desde que estejam asseguradas a autenticidade das declarações e a segurança das comunicações.

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30. Voto Para que a Assembleia Geral possa validamente deliberar sobre uma matéria é necessário que esteja reunido um quórum mínimo. É aquilo a que se chama quórum constitutivo. O nível desse quórum depende de dois factores: tratar--se da primeira ou da segunda convocação e de matéria sujeita a maioria simples ou qualificada. Em todo o caso, o contrato de sociedade pode prever regras distintas, embora, quanto às sociedades cotadas, a CMVM recomende que as sociedades não fixem um quórum deliberativo superior ao previsto na lei. Em primeira convocação, a Assembleia Geral pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados, salvo se a deliberação respeitar a alguma das seguintes matérias: alteração do contrato de sociedade, fusão, cisão, transformação, dissolução da sociedade ou outros assuntos para os quais a lei exija maioria qualificada. Neste caso, devem estar presentes ou representados accionistas que detenham, pelo menos, acções correspondentes a um terço do capital social. Em segunda convocação, a Assembleia Geral pode deliberar seja qual for o número de accionistas presentes ou representados e o capital por eles representado. Diferente do quórum constitutivo – requisito para que a Assembleia Geral possa iniciar os trabalhos, discutir e votar os assuntos agendados – é o quórum deliberativo – requisito para que as deliberações sejam tomadas. Também nesta matéria o contrato de sociedade pode prever regras mais apertadas. Regra geral, a Assembleia Geral delibera por maioria dos votos emitidos, seja qual for a percentagem do capital social nela representado, sendo que as abstenções não são contadas. A deliberação sobre algum dos assuntos que exige um quórum constitutivo reforçado deve ser aprovada por dois terços dos votos emitidos, quer a assembleia reúna em primeira ou em segunda convocação. Todavia, se na assembleia reunida em segunda convocação, estiverem presentes ou representados accionistas detentores de, pelo menos, metade do capital social, a deliberação pode ser tomada por maioria dos votos emitidos. A regra é: a cada acção corresponde um voto. O contrato de sociedade pode, porém: a) fazer corresponder um voto a um certo número de acções, contanto que sejam abrangidas todas as acções emitidas pela sociedade e fique cabendo um voto, pelo menos, a cada €1.000 de capital;

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Nota: A generalidade das sociedades cotadas portuguesas tem a regra one share / one vote.

b) estabelecer que não sejam contados votos acima de certo número, quando emitidos por um só accionista, em nome próprio ou como representante de outro. Nota: Os estatutos de algumas sociedades cotadas portuguesas prevêem os chamados “tectos de voto”, quebrando a regra de paridade entre capital e voto e procurando limitar o poder de voto de accionistas detentores de participações superiores a certa fasquia.

Última nota: a lei portuguesa exige, em geral, a chamada unidade de voto, pelo que não é possível a um accionista fraccionar os votos ao seu dispor para votar a favor e contra certa proposta simultaneamente. Não obstante, esta unidade de voto aplica-se numa base accionista a accionista, pelo que um accionista pode votar a favor com os seus votos e contra com os votos de outro accionista que represente. Adicionalmente, foram introduzidas em Maio de 2010 algumas alterações importantes nesta matéria, em especial no âmbito das sociedades cotadas, permitindo-se o fraccionamento do direito de voto nas situações de custodiantes de acções por conta de diversos clientes (cumpridos certos requisitos) e permitindo-se mesmo que o direito de participação em Assembleia Geral não se firme pela qualidade de accionista à data da Assembleia, mas pela qualidade de accionista em certa data anterior (D-5) à realização da Assembleia (sistema de record date).

31. Interesses em conflito Os vários accionistas têm intenções, projectos e ideias distintas sobre a actividade e património sociais. Por exemplo, pode haver accionistas que privilegiariam uma política de investimento agressivo em I&D, com prejuízo para a remuneração accionista no curto e médio prazo, enquanto outros veriam com bons olhos um encaixe ou distribuições de dividendos significativos. Ora, as deliberações são tomadas por maioria, pelo que o próprio regime deliberativo postula que os interesses concretos de uns accionistas sejam preteridos em favor de outros. Tal não significa que em certas situações a deliberação maioritária não possa ser ilegítima (abuso de maioria). Imagine-se que um accionista controlando 75% do capital sucessivamente aprova o reinvestimento ou reserva da totalidade dos lucros de exercício, com o único ou principal intuito de dificultar a gestão de tesouraria de um conjunto de accionistas minoritários, de modo a forçá-los a vender as suas participações a um preço convidativo. Noutro caso, um accionista minoritário pode exercer abusivamente

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o seu direito de voto, quando, por exemplo, a sua participação minoritária lhe permita vetar certas decisões que necessitam de maioria qualificada; por último, imagine-se que a viabilidade da sociedade depende de certas alterações estatutárias, sistematicamente rejeitadas pelo referido minoritário, sendo o seu sentido de voto determinado pela intenção de prejudicar os outros accionistas (abuso de minoria). Adicionalmente, e tal como já vimos noutros âmbitos, um accionista não deve votar, directamente ou por interposta pessoa, quando se encontre em situação de conflito de interesses. Existe alguma dúvida sobre a extensão das situações que poderão caber nesta situação, mas a lei determina, pelo menos, as seguintes: a) liberação de responsabilidades do próprio accionista, nessa qualidade ou na de membro de um órgão social; Caso: O senhor A é simultaneamente accionista e administrador da sociedade. Como administrador da sociedade fez uso indevido de meios financeiros da sociedade para pagar despesas pessoais, pelo que, nos termos gerais, deve indemnizar a sociedade. Discutindo-se em Assembleia Geral se, tendo em conta os relevantes serviços prestados na última década pelo administrador à sociedade, a sociedade deve prescindir dessa indemnização, o senhor A encontra-se impedido de votar.

b) destituição, por justa causa, do seu cargo de titular de órgão social; Caso: Imagine-se a situação anterior, discutindo-se agora não o pagamento de indemnização à sociedade, mas a destituição do administrador com justa causa, tendo como fundamento o aproveitamento ilegítimo dos bens sociais pelo administrador A, que é simultaneamente accionista da sociedade. O senhor A não pode votar.

c) litígio sobre pretensão da sociedade contra o accionista ou deste contra aquela; Caso: A sociedade Z encontrava-se muito necessitada de realizar um aumento de capital, tendo um conjunto de cinco accionistas assumido o compromisso perante a sociedade de subscrever 20% do aumento cada. Um dos accionistas não cumpriu, pelo que o aumento de capital não foi totalmente subscrito. Discutindo-se em Assembleia Geral se a sociedade deverá exigir compensação contra o accionista faltoso, este não pode votar quanto a essa matéria.

d) qualquer relação, estabelecida ou a estabelecer, entre a sociedade e o accionista, estranha ao contrato de sociedade.

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Caso: A sociedade X dedica-se à produção industrial de derivados de leite e o seu accionista B é accionista maioritário de uma sociedade Y, proprietária de uma extensa propriedade agrícola, que se dedica à produção intensiva de leite. Submetendo o órgão de administração da sociedade X à deliberação da Assembleia Geral o estabelecimento de um contrato de fornecimento duradouro e muito significativo para o próximo quinquénio entre a sociedade X e a sociedade Y, o accionista B não pode votar.

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Este fascículo foi preparado por Hugo Moredo Santos ([email protected]) e Orlando Vogler Guiné ([email protected]), advogados da Vieira de Almeida & Associados – Sociedade de Advogados, R.L., com a colaboração editorial de António Andrade Gomes.

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