October 1, 2017 | Author: Ueliton Gonçalves | Category: N/A
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Chico Saraiva Cuidado de erudito, expressividade de popular
VIOLAO
Ano 1 - Número 2 - Outubro 2015 www.violaomais.com.br
Siqueira Lima A parceria vitalícia que rende ótimos frutos
E mais: Conheça o Cuatro porto-riquenho O cururu na viola caipira El Abanico: o leque do flamenco A posição correta da mão esquerda Repertório de vihuela de mano
Exclu Curso sivo! de vio lão popu com v lar ídeoa ulas
Surpreendente! Testamos o eletroacústico japonês Tokai
editorial
Número 2... Como assim? Mas já? É essa a sensação que estou sentindo, agora, no fechamento da nova edição de Violão+. Passou muito rápido! Nem deu tempo para curtir toda a repercussão da estreia e lá vamos nós outra vez, colhendo entrevistas com grandes nomes do violão e trazendo feras na arte de tocar o instrumento em suas mais diversas vertentes para nossas colunas. É uma alegria. E muito trabalho. Conseguimos uma entrevista sensacional com o Duo Siqueira Lima que nos contou ótimas histórias, de como se conheceram, a rotina de estudos, como é tocar em duo, com direito a uma palhinha exclusiva que você pode acompanhar em vídeo. Também pudemos ter contato com o trabalho e a sensibilidade de Chico Saraiva, grande compositor e violonista, que nos conta de suas pesquisas atuais, fruto de seu mestrado na USP, chamado Violão-canção. Um cara sensível, que trata da sua música com muito estudo e vive no limiar entre o instrumento acústico e o elétrico, uma coisa bem comum no século XXI, mas que, nem por isso, deixa de ser complicada. A seção Onde O Meu Violão Toca traz uma entrevista com Isadora Canto, idealizadora e fundadora do Instituto Acalanto, que trabalha com música e gestantes. Onde o violão entra nisso? É o que você verá em nossas páginas. Inauguramos nesta edição de Violão+ uma coluna para aquelas pessoas que tem o violão em casa - ou pelo menos a vontade de tocar um –, com primeiros passos, a fim de acolher quem está começando. Mãos à obra, violonistas! Trazemos também teste de instrumento, agenda, crônica, um pouco de tudo. E a oportunidade de abertura para a visibilidade de um grande talento, na seção Você na Violão+. Continuamos nossa luta, porque a revista é uma bandeira: a de integração do violão e dos violonistas. Mais do que informativa, ela é provocadora. Venha para esse debate. Converse com a gente. Um abraço. Luis Stelzer Editor-técnico
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VIOLAO Ano 1 - N° 02 - Outubro 2015
Os artigos e materiais assinados são de responsabilidade de seus autores. É permitida a reprodução dos conteúdos publicados aqui desde que fonte e autores sejam citados e o material seja enviado para nossos arquivos. A revista não se responsabiliza pelo conteúdo dos anúncios publicados.
Editor-técnico Luis Stelzer
[email protected] Colaboraram nesta edição Alex Lameira, Breno Chaves, Fabio Miranda, Flavio Rodrigues, Luisa Fernanda Hinojosa Streber, Reinaldo Garrido Russo, Renato Candro, Ricardo Luccas, Rosimary Parra e Walter Nery
índice 18 Onde meu violão toca
44 Viola Caipira
20 Em mãos
48 Flamenco
24 Duo Siqueira Lima 34 Mundo 4 Você na V+
36 História
50 Siderurgia
7 Acontece
41 Violão brasileiro
53 Como estudar
8 Em pauta
56 De ouvido
65 Improvisação
10 Retrato
60 Iniciantes
66 Coda
Publisher e jornalista responsável Nilton Corazza (MTb 43.958)
[email protected] Gerente Financeiro Regina Sobral
[email protected] Diagramação Sergio Coletti
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Foto de capa Matheus do Val Publicidade/anúncios
[email protected] Contato
[email protected] Sugestões de pauta
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Rua Nossa Senhora da Saúde, 287/34 Jardim Previdência - São Paulo - SP CEP 04159-000 Telefone: +55 (11) 3807-0626
você na violão+ Primeira edição
A revista está excelente! Parabéns! (Jose Jorge Pinheiro, em nossa página no Facebook) Prezados responsáveis pela revista Violão+, escrevo para agradecer e parabenizá-los por essa iniciativa maravilhosa de criar essa revista. Estávamos muito carentes de uma publicação voltada ao violão e à sua música. Adorei a revista, estou encantado com ela. Contribuirá muito com nosso instrumento querido! Sou de Barra Mansa/RJ e soube pelo forum violao. org. (João Paulo Oliveira, por e-mail) Acabei de ler a revista, que legal! Fiquei feliz por ver novamente uma publicação dedicada ao violão, e a Violão+ está bem profissional mesmo, parabéns! Gostei de tudo: as seções, os textos e o design gráfico! Sucesso, e obrigado! (Conrado Paulino, em nossa página no Facebook) Parabéns! A revista que faltava. (Eliana Quaglio, por e-mail) Muito bom, parabéns! Estávamos precisando de algo assim. A lacuna era infinita sobre o assunto. (Jorge Albino, em nossa página no Facebook)
Como estudar
Excelente essa iniciativa, tanto para professores quanto para alunos. Vamos em frente. (Maestro Eduardo, em nosso canal no Youtube)
Guitarra flamenca
Valeu! Flavio, um show de aula! E que venham mais! Abraços. (Osaias Saraiva, em nosso canal no Youtube) Parabéns a toda a equipe da Violão+! Timaço de primeira! E aprender sobre guitarra flamenca com o excepcional Flavio Rodrigues é um privilégio! (Nelson Rodrigo, em nosso canal no Youtube) 4 • VIOLÃO+
você na violão+ Obrigado
V+: Agradecemos todas as mensagens de apoio e elogios que recebemos, das quais essas acima são uma pequena amostra. Nosso time de colaboradores foi escolhido e convidado a participar tendo como critérios o conhecimento profundo sobre o assunto a ser abordado e a facilidade de transmitir esse conhecimento. Acreditamos que acertamos na escolha! Toda a equipe está unida em torno de um mesmo ideal: a formação de novos violonistas e o desenvolvimento de quem já toca o instrumento. Esperamos com essa iniciativa contribuir para a valorização do violão e dos músicos que se dedicam a ele e nos esforçamos para levar informação de qualidade a um público que não tinha onde buscá-la. Temos a certeza de que podemos contar com esse público para nos auxiliar.
Assinatura
A revista vai para as bancas de todo país? Sou do RN, então gostaria de saber se sim quando ela chegará por aqui. (Ronildo Freire, por e-mail) V+: A revista Violão+ é digital e pode ser acessada e baixada pelo site www.violaomais.com.br. Não há versão impressa, mas, se você quiser, pode baixar a versão PDF e imprimir as páginas que desejar.
Mostre todo seu talento! Os violonistas do Brasil têm espaço garantido em nossa revista. Como participar: 1. Grave um vídeo de sua performance. 2. Faça o upload desse vídeo para um canal no Youtube ou para um servidor de transferência de arquivos como Sendspace.com, WeTransfer.com ou WeSend.pt. 3. Envie o link, acompanhado de release e foto para o endereço
[email protected] 4. A cada edição, escolheremos um artista para figurar nas páginas de Violão+, com direito a entrevista e publicação de release e contato. Violão+ quer conhecer melhor você, saber sua opinião e manter comunicação constante, trocando experiências e informações. E suas mensagens podem ser publicadas aqui! Para isso, acesse, curta, compartilhe e siga nossas páginas nas redes sociais clicando nos ícones acima. Se preferir, envie críticas, comentários e sugestões para o e-mail
[email protected] VIOLÃO+ • 5
você na violão+
O Reisado de Emanuel Nunes Natural de Teresina, no Piauí, Emanuel Nunes é o primeiro escolhido entre nossos leitores violonistas para ter seu trabalho apresentado em Violão+. Os destaques do vídeo são a composição, o toque preciso e a iniciativa do estilo de composição baseado em festas populares. Graduado em Educação Artística e Música pela UFPI e Mestre em Música pela UFG, Nunes foi premiado no Festival Dilermando Reis em Guaratinguetá, São Paulo, e no Festival Nacional de Violão do Piauí, ambos em 2004. Como solista e camerista, apresentou-se em diversas cidades do Piauí e também em Fortaleza, Brasília, São Luís e Rio de Janeiro. Atualmente é professor efetivo de música no Instituto Federal do Piauí onde atua principalmente nas disciplinas de prática instrumental, harmonia e percepção. Tem se dedicado ao arranjo e composição de peças para violão-solo, com ênfase na música brasileira. Em 2015, publicou “25 Pequenos Estudos Populares para Violão”, livro de partituras destinado a violonistas iniciantes ou iniciados que já leiam musica, com peças para violãosolo baseadas e inspiradas em ritmos populares. 6 • VIOLÃO+
acontece
Dias 7 e 8 de novembro, o Conservatório Souza Lima, em São Paulo, realiza o XXVI Concurso de Violão. A coordenação geral é do diretor Antônio Mario da Silva Cunha e a coordenação artística do violonista Sidney Molina. Os participantes podem concorrer na categoria solo, divididos por idades (até 11 anos, de 12 a 14, de 15 a 17 e acima de 18) ou grupos. Demais informações podem ser obtidas no site do conservatório (www.souzalima.com.br). As inscrições devem ser feitas até o dia 25 de outubro e o valor da taxa é de R$ 70,00.
Pela paz
Estão abertas as inscrições para o 10º Encontro de Músicas e Danças do Mundo, que acontece de 25 a 31 de janeiro de 2016 em Imbassaí, na Bahia. Sob o tema “Por uma cultura de paz”, o evento traz artistas ao Brasil para oficinas de arte e de músicas e danças étnicas, práticas corporais e meditativas, shows gratuitos e fóruns culturais. Dentre as presenças internacionais, o destaque fica para o músico Goran Kamil (foto), o premiado grupo feminino marroquino de música sufi Rhoum El Bakkali Ensemble, e o Egypt Folk Ensemble. As inscrições podem ser feitas aqui. VIOLÃO+ • 7
EM PAUTA
O TRIO E A DÉCADA DE OURO O Trio Opus 12 de violões, reconhecido como um dos mais importantes agrupamentos violonísticos brasileiros da atualidade, lança seu novo álbum, de nome Divertimentos. Formado por Paulo Porto Alegre, Daniel Murray e Chrystian Dozza, o grupo interpreta obras de uma geração excepcional de violonistas compositores brasileiros nascidos no início da década de 1950. Esses compositores tiveram em comum uma formação musical popular e erudita que os notabilizou como os mais importantes de sua geração, e trouxeram uma nova ótica para a música instrumental brasileira: Paulo Porto Alegre, Paulo Bellinati, Sergio Assad e Marco Pereira. “Funk Fuga” é o título de uma das faixas e mistura o estilo norte-americano (funk) com a forma barroca (fuga), em uma clara proposta de ultrapassar a fronteira entre a música popular e a erudita. Esse, inclusive, é o conceito de todo o álbum, que traz ainda “Maracatu de Pipa”, de Paulo Bellinati - peça arquitetada em duas formas diferentes de maracatu, nação e rural -, e “Bate-coxa”, de Marco Pereira, obra para violão-solo que o Trio divide e onde os membros se desafiam. 8 • VIOLÃO+
EM PAUTA
JAZZ MANOUCHE NO BRASIL Django Reinhardt é o grande homenageado da terceira edição do Festival de Jazz Manouche, que ocorre em 31 de outubro na cidade paulista de Piracicaba e em 2 de novembro na capital do Estado. O evento conta com artistas e grupos nacionais e estrangeiros, entre eles Paul Mehling, Robin Nolan, Bina Coquet e Três Tigres Tristes. Reinhardt, banjoista cigano belga radicado em Paris no começo do século XX, tornou-se um virtuose do violão e consagrou na Europa um estilo de jazz original a partir da musicalidade cigana. O grupo que celebrizou o estilo nos anos 30 foi o Hot Club de France, quinteto que marcou seu encontro com o violinista Stéphane Grappelli, em uma parceria que definiria o estilo conhecido como jazz manouche. Mais informações sobre o evento podem ser obtidas aqui.
A fim de ajudar?
O violonista Jonathas Ferreira, que utiliza a técnica conhecida mundialmente como Fingerstyle Guitar, acaba de gravar um DVD instrumental e, para finalização do projeto, capta recursos por meio da plataforma de financiamento coletivo Partio. A campanha vai até o dia 18 de outubro, quando o trabalho será lançado no Rio Grande do Sul. O músico, com formação em violão erudito, estudou Fingerstyle com músicos como Pierre Bensusan (França), Antoine Dufour (Canadá), Billy McLaughlin, Stephen Bennett e Andy McKee (EUA). O Fingerstyle é uma linguagem que permite usar o violão de forma percussiva, harmônica e melódica simultaneamente, caracterizando-se também pelo uso de afinações alternativas. Para participar, clique aqui! VIOLÃO+ • 9
RETRATO
Por Luis Stelzer
Chico Saraiva 10 • VIOLÃO+
A relação violão-canção
RETRATO
Chico Saraiva, músico carioca, criado em Santa Catarina e radicado em São Paulo, cedeu uma entrevista à Violão+, contando um pouco sobre seu trabalho, suas composições e embates com esse instrumento maravilhoso e difícil de ser domado, o violão. Seus trabalhos envolvem, ao mesmo tempo, o cuidado de um músico erudito com a expressividade da canção popular Violão+: Em que ponto considera que está sua carreira? Olha, está em um momento interessante no sentido de eu já perceber os desdobramentos de um período que aconteceu há uns três ou quatro anos, quando dei uma parada para refletir sobre o que eu vinha fazendo. Usei o espaço do mestrado que desenvolvi na USP em uma linha que se chama “processos composicionais”, o que muito me inspirou porque, para um compositor, é realmente gostoso estudar isso. Violão+: O que você achou que tinha que mudar? Você já era um compositor de sucesso... Naquele momento, em 2012 e 2013, fiquei pensando, refletindo e estudando
mesmo, em um pêndulo entre uma coisa mais do violão e voz, e uma coisa mais ligada ao violão solista, a uma tradição escrita, erudita, com sonoridade de concerto que, de uma maneira ou de outra, sempre se fez presente no que faço, dialogando com a canção popular. Tento muito fazer música que se baseie nisso. Então, refleti muito nesse tempo sobre esses pontos de conexão, nessas maneiras de fazer uma música que revele essa intimidade que o violão traz. Para isso, fiz um processo longo de entrevistas, com três mestres do violão ligados à canção popular - João Bosco, Paulo Cesar Pinheiro e Luiz Tatit - e três ligados à tradição escrita - Sérgio Assad, Paulo Bellinati e Marco Pereira. E o Guinga, que é a pessoa que VIOLÃO+ • 11
RETRATO há mais tempo me serve de referencial no sentido de estabelecer uma conexão entre essas duas esferas na música que desenvolve. Ele oferece um caminho que me serve de referência, que gosto muito. Os reflexos desse momento de balanço já vêm acontecendo. Fiz vários discos antes disso e agora novos projetos estão nascendo. Violão+: Você está citando esse período de balanço como divisor de águas. O que sente de diferença, com você compositor, intérprete das suas obras e acompanhante de cantores e cantoras, participando de prêmios e festivais de música que existiam na época, como o prêmio Visa, e essa nova fase, após esse momento de balanço? Eu ainda não tenho muito claro, pois não faz muito tempo. Neste projeto, sinto uma coisa interessante: o filme resultante, que se chama Violão-Canção, o mesmo nome de meu mestrado que, inclusive, está para ser publicado. É como um
Introspecção: a busca pela vibração ideal 12 • VIOLÃO+
painel que investiga muitos pontos que são pouco visitados, pouco comentados. No filme, que já está em fase final de produção, tento fazer uma conexão como artista, que pergunta aos artistas mais velhos sobre essas questões. Isso me parece que pode estabelecer uma comunicação e apresentar um sentido em coisas que aparentemente são desconexas. Violão+: É como se você fizesse muitas coisas diferentes, simultaneamente, com a canção e o violão? Você vai lá e grava um disco instrumental. O som é bem delicado. Depois, participa da Barca, que tem várias percussões, piano, baixo, vozes... Comecei assim: foi um disco com violão, músicas do Paulo Bellinati, muitas das minhas primeiras músicas, baixo e bateria, e, ao mesmo tempo, ia pro interior com A Barca, tocar em uma situação em que o violão mal era escutado, porque ele vinha no meio de muita informação, em um diálogo que tem muitas coisas diferentes do instrumento. Também acompanhei grandes cantoras, como a Verônica Ferriani e a Suzana Travassos, na maioria das vezes cantando músicas minhas. Sobre tudo isso, como tirar belezas dessas diferenças, aproximar esses universos, conversei com as pessoas. Então, desde o início, isso estava muito presente, essa coisa um pouco cindida, por isso esse hífen violão-canção é muito significativo para mim. Procuro passar por essa ponte o tempo inteiro e morar em cima dela, no melhor sentido. Não em cima do muro, mas em cima de uma ponte muito bem pavimentada, com saídas e acessos,
RETRATO
Banda: fazer o violão ser ouvido
que dê em encontros com pessoas. E é um lugar difícil de se construir.
expressão também em função desse esmerar, desse polir, desse trabalho de ourives que vai acontecendo. E é muito Violão+: E a pesquisa do violão tem diferente de uma adequação que se um trabalho fundamental aí... faz, às vezes com muito menos tempo, O processo de aprofundamento, que para acompanhar uma cantora que, se dá quando você desenvolve uma eventualmente, estará em outro tom estrutura musical, encaixa a voz e que já não é mais aquilo. Isso é muito aquilo ganha um todo, é muito difícil importante para o trabalho baseado de fazer com outra pessoa. A relação é no violão. Tudo aquilo vai ganhar uma diferente. O jeito que se sente a música inflexão com o tempo, o gesto musical internamente faz você chegar a um vai se depurando. Então, basicamente, resultado bem diferente, na verdade. fui para os dois lados, mas, no momento, Veja como João Bosco vai aprofundando a coisa da voz me invadiu muito. Estou a interpretação cada vez mais, a cada deixando isso acontecer. Deixei a execução, ao longo dos anos, em palavra e a voz entrarem mais em mim, uma mesma trama rítmica, melódica e coisa que, talvez, estabeleça um outro harmônica, musical, com a voz em cima tipo de relação com as pessoas, com o daquilo, e aquilo vai ganhando uma público em geral. Espero que sim. VIOLÃO+ • 13
RETRATO Violão+: Como é atualmente a sua relação com a voz? A minha história sempre foi a de um violonista. Sempre fui uma figura dedicada ao instrumento. Me formei na Unicamp, em 1995, em violão popular, com o Ulisses Rocha, meu professor na época. Nunca achei que fosse cantar, não tinha isso comigo, mas foi acontecendo. Sempre usei a voz como um parâmetro para perceber os contornos que tem uma vontade maior de existir. O melódico vinha pelo violão. Eu traçava umas coisas ali, mas era a voz que servia de parâmetro para sentir: “não, essa música é assim!”. Quando eu cantava, memorizava em um patamar diferente. Então, tudo é muito por conta do que vem da voz, que sempre gerou a música que fiz. Em 2003, ganhei um prêmio muito importante para mim, o Prêmio Visa de Música. Até então, me considerava mais violonista do que compositor, mas aquele prêmio era mesmo um prêmio de composição. Era dividido em versão instrumental, compositor e voz e, de repente, esse reconhecimento... Na
época, foi uma exposição grande, muito mobilizadora e transformadora para mim. Eu era novo ainda. Aí veio toda a coisa da composição, então, muito atrelado ao lance da canção. Quando eles diziam composição, na verdade, queriam dizer canção, não outra coisa. A composição popular, que eu mostrei e que foi reconhecida, portanto na qual eu devia investir, já era um equilíbrio entre violão e voz; músicas nascidas no instrumento e com um fio só de voz, ajudando, como instrumento de composição, mais do que qualquer coisa. Acredito que foi assim que comecei, de fato, a cantar. Com o tempo, tive oportunidade de me aproximar do canto. Lá pelas tantas, tive a oportunidade de gravar um disco chamado Saraivada, no qual passei a assumir mais o lado de cantor. Mas demorou para isso amadurecer. Fui fazer outros discos com outras cantoras: o disco Sobre Palavras, com a Verônica (Ferriani) cantando e música autoral minha, e com a Suzana Travassos, curtindo mais tocar, cantando só um pouco.
Violão e voz: linguagem múltipla
Violão+: E quando a sua voz se intensificou? Recentemente tive uma experiência muito importante: assim que terminei o mestrado, passei um tempo no teatro Oficina. Lá havia um cotidiano de trabalho vocal. Tem esse lance muscular, mesmo, até para falar. Dá para explorar mais as ressonâncias. Comecei a sentir a vibração da caixa craniana, e isso eu não conhecia. E, se há uma coisa que dá a sensação de que está tudo bem é sentir a máscara vibrando e o violão vibrando no peito. Comecei a fazer muito isso. Há também o contato com os vídeos do
14 • VIOLÃO+
RETRATO João Bosco, além da observação das grandes cantoras que acompanhei e de tantos colegas que fazem isso desde sempre. Mas tenho fazer que essa origem da minha história com o violão seja o meu jeito de fazer música. O jeito de abrir o acorde e a maneira do arranjo acontecer no violão vem antes disso. Só que agora, com essa ressonância que descobri, com essa vibração que, finalmente, senti, aí, sim. Depois dessa experiência no teatro, retomei as aulas de canto, a própria sensação está me trazendo a isso. É muito importante a gente perceber a hora de fazer as coisas, a hora que aquilo te visita e agora sinto que faço uma coisa bem diferente que aquele violonista solista fazia, que era baixar a cabeça e procurar a vibração que vinha do violão, procurar tudo vindo dele. Agora é sentir o frontal, a troca com o público, no olho, isso é muito diferente, um outro tipo de artista. E eu tento fazer que essa descoberta alimente a minha vida e vice-versa.
Opções: acústico ou elétrico?
Violão+: Você tem experiência de tocar em vários lugares diferentes. Como você faz com os seus equipamentos? O que mais você utiliza? E as diferenças entre lugares pequenos, médios e grandes? Esse é um dos assuntos prediletos. Sempre que a gente sai do palco, parece que traz mais informação para um arcabouço que já é grande nesse sentido. Já parte de um conflito, que é aquele primeiro que falei: entre aquela coisa de fazer um violão-solo, mais som camerístico, seja em música popular ou clássica. Você está procurando fazer o som natural do instrumento chegar às
pessoas em um extremo e, no outro, com bastante percussão ou com baixo elétrico e outros instrumentos, com sopros... Na banda nova, por exemplo, tem percussões, trompete, trombone ou sax barítono, o que tem sido a minha solução de arranjo para o grave, para as invenções do polegar, que vão se cristalizando nesse processo, ganharem uma bitola maior para sustentar a minha própria voz e as vozes das duas backing vocals que estão me ajudando. Então, sem essa raiz do grave - que a percussão dá, a zabumba, mas também o baixo que o acorde precisa ter -, o violão não tem capacidade de segurar VIOLÃO+ • 15
RETRATO
Inovação: repertório e preformance
Dualidade: violonista e compositor
uma band. Em geral, a gente usa o e boosters, que contribuem para uma contrabaixo para isso. sensibilidade maior do toque, porque o sofrimento do violonista quando vai tocar Violão+: E os equipamentos, dão no meio de uma banda é que, numa sala, conta do que você deseja? algo que soa muito poderoso, de repente Hoje em dia, já existem equipamentos que - do lado de um baterista que toque com buscam o som mais próximo do acústico. mais energia o bumbo e de um baixista Estou testando até pré-amplificadores que aumente um pouquinho mais o 16 • VIOLÃO+
RETRATO volume numa caixa que, normalmente, já é bem grande – se torna muito diferente, se perde. É muito perigoso, inclusive, que você perca completamente a sua técnica. Aconteceu isso comigo, o que me custou muitas horas de trabalho com o professor Edelton Gloeden, mestre no violão erudito. São experiências muito diferentes, contrastantes mesmo, porque você corre o risco de começar a perder a sua técnica assim, embora tenha desenvolvido muitas coisas de pegada rítmica em situações limite desse tipo. Violão+: Há como se precaver desses problemas? Na minha dissertação, existe um capítulo chamado: a sala, o banheiro e a praça: a sala é onde a gente estava conversando; o banheiro da casa da irmã, reza a lenda, é onde João Gilberto descobriu a sonoridade que lhe encantava, por causa mesmo da reverberação, e passou o resto da vida musical tentando reproduzir aquilo, não sem algumas dificuldades com técnicos e lendas e tudo mais. Mas ele é um cara que sabia bem o que queria, que era ouvir a reverberação mais plena do instrumento, para poder ter um equilíbrio entre voz e instrumento, acorde, cada uma das notas; e a praça, como eu falei com João Bosco, que é um artista popular e tem muita consciência
de que quando vai fazer uma coisa mais acústica, na praça, lidando com a expectativa das pessoas, que é outra, diz ele, então parece que existem duas condutas: uma é fazer o que ele faz, pegar um instrumento elétrico, que muitos dos violonistas preferem não usar. Já o Marco Pereira é um exemplo de violonista que, como eu, procura trazer essa mesma sonoridade do violão de madeira, tanto quanto possível, para o palco. Para isso já existe tecnologia, mas o que sinto é que se depende, no mínimo, de umas três horas de passagem de som para chegar perto do ideal. Então, seriam dois caminhos: assumir o violão elétrico e trabalhar do som da linha, que nunca vai ser um som de violão, mas outro; e procurar, o que já fiz tantas vezes, conseguir um blend de uma boa captação (agora temos o Carlos Juan, o RMC, que são muito bons) com uma microfonação. A dificuldade disso é que não pode haver instrumento nenhum com volume alto perto de você. Quando você está sozinho, não há dúvidas do que fazer. É claro que a opção é a primeira. A opção do microfone é a boa, mas depende ainda do palco, do técnico e de muitas outras coisas. É muito difícil esse cotidiano. Muitas vezes é melhor levar os dois instrumentos e perceber na hora o que fazer.
VIOLÃO+ • 17
onde meu violão toca
Por Luis Stelzer
Gestação Auxiliar na construção de uma relação ainda mais forte da mãe com seu bebê, o violão é utilizado como ferramenta de produção de experiências e sensações já na gestação O projeto Acalanto, em São Paulo, visa fortalecer o vínculo afetivo mãe-bebê e facilitar a comunicação entre eles ainda na barriga ou após o nascimento por meio de jogos musicais, composição de canções, visualizações, estimulação instrumental, canto, relaxamento e outras atividades musicais. O Acalanto ajuda a mãe a vivenciar de modo mais profundo sua experiência de maternidade e a aproximar-se do universo infantil ainda distante e imaginário. Conversamos com Isadora Canto - cantora, compositora, violonista, doula e idealizadora do projeto - sobre sua formação e a importância do instrumento em suas atividades.
Isadora Canto: formação precoce 18 • VIOLÃO+
Violão+: Como foi sua formação musical? Qual a sua proximidade com o violão? Venho de uma família extremamente musical, em que meu pai tocava piano popular todas as noites em casa. Cresci ouvindo jazz, bossa nova e samba e fui muito influenciada. Durante toda a vida fiz aulas de música em escolas até ingressar na Faculdade Santa Marcelina. Me formei em música, bacharel em canto popular. Toco violão desde os 12 anos. Comecei com um professor particular e fui me especializando. Violão+: Você atuou bastante com shows em bares, aqui em São Paulo e em Paraty. Continua fazendo isso? Como foi essa vivência e quais os dilemas e as alegrias de ser músico da noite? Trabalhei muito em Paraty como cantora, sempre com grandes violonistas. Aprendi muito na noite, principalmente quando acompanhada por músicos fantásticos. Adorava apenas falar o tom e ver no que dava. Tenho prazer na surpresa que a música nos possibilita quando não ensaiamos. Acho a noite rica em sua linguagem misteriosa. Sinto falta... Violão+: E como foi sua experiência como professora de canto. Como o violão participa de sua aula?
onde meu violão toca
Projeto Acalanto: sensibilização e proximidade
O violão é muito usado em minhas aulas. Como toco melhor violão do que piano, sinto que por meio dele o aluno consegue se identificar dentro da canção e se sentir no cenário musical real. Uso em minhas aulas e com o Acalanto, meu Projeto fundado em 2001 que fortifica o vínculo da mãe com seu bebê por meio da música.
Fundei o Acalanto. Sou Acalantadora há 14 anos e muitas mães já passaram por esse lindo vínculo e fortificaram sua comunicação e amor com seu bebê antes mesmo dele nascer, por meio do canto, da música e toda sua linguagem
Violão+: Você é doula, uma assistente de parto. Como ser musicista, cantora e violonista te ajuda a desenvolver Violão+: Como surgiu o Projeto esse trabalho? Acalanto? Como você transformou Amo ver os bebês nascendo de maneira essa ideia em realidade e quais os natural e respeitosa. É uma emoção indizível. Todas as gestantes que frutos desta iniciativa? O Acalanto nasceu da minha própria acompanho no parto passaram pelo experiência como gestante que canta. Acalanto, cantaram, tocaram, tiveram Percebi que havia uma linguagem muito contato com a música, com o violão, que forte entre eu e meu bebê quando leva o som de maneira muito sadia para o cantava e tocava violão. Depois dele bebê ainda no ventre. Por terem passado nascido, percebi que as músicas que pelo Acalanto antes do parto, sinto que tocava durante a gestação instigavam esse processo acaba sendo ainda mais uma reação linda no meu bebê. Fui natural e sem medo, pois o vínculo já foi estudar e passei anos pesquisando a formado e mãe e bebê simplesmente se influência da música nesse processo. reconhecem no nascimento. VIOLÃO+ • 19
EM MÃOS
Por Luis Stelzer
TOKAI TEA95 SBL Instrumento eletroacústico de rara beleza, o modelo da fabricante japonesa mostrou-se bem mais que um rostinho bonito
Fomos convidados pela Tokai Brasil para conhecer os violões da Tokai Gakki, fabricante japonesa que se notabilizou nas décadas de 1970 e 1980 por produzir réplicas extremamente perfeitas – que se traduziam em instrumentos muitas vezes melhores – de guitarras e violões de marcas famosas à época. A Tokai A Tokai Gakki Co., Ltd. foi fundada em 1947 como fabricantes de gaitas e, em 1965, começou a produzir violões acústicos. Três anos mais tarde, iniciou a fabricação de guitarras elétricas com o modelo Humming Bird, baseado nas Mosrite Mark I e II. Em 1970, lançou seu modelo de violão acústico Humming Bird Custom. Dois anos depois, estabeleceu uma joint venture com a Martin para fornecer partes de violões acústicos e fabricar guitarras elétricas e, no ano seguinte, iniciou a produção de réplicas do modelo "Cat's Eyes" da parceira. No segmento de guitarras elétricas, a Tokai passou a fabricar réplicas de modelos Fender e Gibson, chegando a incomodar essas marcas pela qualidade dos instrumentos, e a utilizar a figura de Stevie Ray Vaughan como principal entusiasta da fábrica japonesa. Atualmente, a Tokai fabrica violões, guitarras e baixos trazidos ao Brasil pela homônima nacional, que estabeleceu com ela uma parceria mundial na comercialização de produtos de ambas. Para Juliano Hayashida, diretor da Tokai do Brasil, a chegada da marca por aqui é uma oportunidade para os músicos terem 20 • VIOLÃO+
EM MÃOS contato com um instrumento de qualidade comprovada e uma opção de compra muito interessante. Conhecendo alguns modelos de violões de cordas de aço disponíveis já no Brasil, pudemos comprovar a qualidade dos instrumentos e o cuidado tanto com a sonoridade e a tocabilidade quanto com o acabamento. Tokai TEA95 SBL O violão Tokai modelo TEA95 SBL impressiona pela aparência e acabamento. A cor azul, que poderia afastar os mais tradicionalistas aficionados pelo tom de madeira, exerce uma espécie de hipnose pela beleza. Realmente, acertaram no tom! Os filetes e a roseta, com detalhes em madrepérola, mostram o incrível cuidado na produção. Embora a Tokai seja japonesa, os violões são produzidos na China, o que, a princípio, pode causar certa preocupação, pois temos uma ideia preconceituosa sobre como os instrumentos, pelo menos os de produção mais barata, são feitos lá. O que ocorre é que a Tokai japonesa supervisiona a produção. O resultado desse cuidado salta aos olhos. O acabamento desse violão é um dos melhores que já vi, tanto externamente quanto internamente. No momento do teste, o instrumento, recentemente importado, chegou dentro de uma capa acolchoada. É um violão de cordas de aço, pensado para tal (muitos violonistas amadores devem compreender isso: o
Tokai TEA95 SBL Tampo - Maple Lateral - Maple Fundo - Maple Braço - Maple Escala - Rosewood Ponte - Rosewood Marcas - Pontos EQ - Fishman Classic Acabamento - Polyester Cor - SBL VIOLÃO+ • 21
EM MÃOS violão “nasce” de nylon ou de aço! Seus projetos de construção internos são diferentes e não devemos trocar o tipo de corda). Não foi trabalhado pela Tokai do Brasil para o teste, que foi surpresa, portanto, não sabemos dizer quais cordas de aço estavam nele, mas percebemos que eram de tensão alta, o que poderia deixar sua tocabilidade prejudicada. Pois bem, essas cordas de aço soaram maravilhosamente (não sou de exagerar, é sério). O timbre é equilibrado, com graves, médios e agudos em igual proporção. Mesmo para mim, nascido e criado com violões de nylon, a adaptação foi muito fácil. É um prazer tocá-lo. Tem a pegada firme e a afinação é perfeita. As tarraxas, blindadas, são suaves, de muito fácil manuseio. O braço tem medida perfeita, com boa distância entre cordas. O design cutaway é praticamente obrigatório nos instrumentos de aço. A altura entre as cordas e a escala estava bem regulada, para uma pegada que traz sonoridade, o que poderia deixar o violão muito duro de tocar. Não foi o caso: achei tranquilo. Em cinco minutos, estava acostumado. A captação, Fishman Presys Blend 301, com afinador digital, é muito confiável. Então, além de lindo, tivemos em mãos um potente instrumento, de grande qualidade, digno de competir com marcas mais famosas do mercado. Se você está a procura de um instrumento deste nível, vale a pena investir.
Tokai TEA95 SBL Importador: Tokai do Brasil Preço sugerido: sob consulta Aparência Acabamento Tocabilidade Braço/escala Sonoridade Afinação Captação 22 • VIOLÃO+
matéria de capa
Por Luis Stelzer
Parceria vitalícia
O Duo Siqueira-Lima, com seu repertório variado e suas interpretações fortes, é uma das grandes referências atuais no cenário camerístico brasileiro e internacional. Os concursos de violão e a rotina de estudos colocaram os músicos lado a lado no palco e na vida: além de tocar em duo, se casaram!
duo siqueira lima Ganhador do Prêmio Profissionais da Música 2015 no Brasil e do International Press Award 2014 nos Estados Unidos, o Duo Siqueira Lima é um dos grupos de música de câmara de maior prestígio da atualidade. Cecilia Siqueira e Fernando de Lima são reconhecidos mundialmente tanto pelo virtuosismo técnico e carisma, quanto pelo perfeito entrosamento e por seus ousados e originais arranjos para dois violões. Desde 2003, percorrem o mundo realizando concertos nas principais capitais europeias e muitas cidades na América do Norte, bem como pela África e Rússia, já tendo se apresentado em salas de grande prestígio como Lincoln Center (Nova Iorque), New World Center (Miami) e Concertgebouw (Amsterdam), entre outros. Conheça um pouco mais da história da uruguaia e do mineiro, nesta entrevista exclusiva para Violão+.
Violão+: Como o duo Siqueira-Lima começou? Cecília: Nos conhecemos no II Concurso Internacional de Violão Pro-Música/ SESC, em Caxias do Sul (RS) do qual participamos. Era um concurso de violãosolo e nós dois passamos para a final. Depois, empatamos no primeiro prêmio. E gostamos demais do jeito de tocar um do outro. O Fernando, como premiação, foi para a Europa. Eu, para os Estados Unidos, além de um concerto aqui em São Paulo. Nesse reencontro, no Conservatório Souza Lima, em janeiro de 2002, começamos a conversar sobre fazer alguma coisa juntos, tocar algumas peças. Já no final desse ano, gravamos um CD em duo, mas o disco se chama Cecília Siqueira e Fernando Lima, porque não tínhamos ainda a pretensão de formarmos um duo fixo.
Duo Siqueira Lima:marco no violão brasileiro 26 • VIOLÃO+
duo siqueira lima Fernando: Não era nossa pretensão fazer uma carreira em duo. A gente ainda tinha aquela coisa voltada para o solo, estávamos estudando para isso, concursos e tal, com o repertório de violão tradicional erudito. Queríamos fazer o trabalho do duo principalmente para estarmos mais juntos. Cecília: Eu no Uruguai, ele no Brasil... Fernando: Depois, virou casamento (risos). Violão+: Isso leva um tempo... Fernando: Falando assim, parece que é fácil (risos). Mas começou dessa maneira, com outras pretensões, não uma coisa de uma carreira, mas de se reunir e ficar junto. Demorou talvez uns três anos, de 2002 a 2005, para acharmos que era esse mesmo o caminho, que valia a pena realmente investir, levar mais a sério. O que estávamos fazendo começou a ter repercussão, até porque, desde o início, tivemos a ideia de não fazer as mesmas obras tocadas pelos irmãos Abreu, pelos irmãos Assad. Também nem sonhávamos em querer competir com esses dois, então, pensamos em fazer alguma coisa nossa. E comecei, nessa época, a fazer arranjos. O João Luiz, grande amigo, também escreveu arranjos para nós. Acho que por esse motivo começamos a ter um retorno positivo, porque era já um trabalho diferente. Violão+: Quais os critérios para escolher repertório? Como vocês pensam um disco? Ele nasce simplesmente, ou ele vai tendo uma concepção anterior? Cecília: Vai depender um pouco do repertório que estamos tocando. Não somos de ficar parados com um mesmo repertório, estamos sempre pensando
Repertório: erudito e popular
em coisas novas. Em todo esse tempo, já 12 anos de duo, conseguimos juntar um repertório bastante amplo. Dentre essas músicas, tem aquelas que se encaixam melhor. Por exemplo, agora, estamos trabalhando um disco novo, que deve sair até o fim do ano. Achamos que o repertório combinou perfeitamente, conseguimos juntar muito bem. Fizemos, ano passado, um disco só de música barroca. Não tínhamos pensado em gravar um disco de música barroca, fomos juntando sonatas... Fernando: Em concertos, geralmente, a gente faz um repertório variado, não tocamos apenas um compositor. Então, por isso, temos um repertório grande. Mas, na hora de gravar um CD, é diferente. Você quer montar um álbum, isso combina com aquilo... Então já gravamos VIOLÃO+ • 27
© Matheus do Val
duo siqueira lima
Admiração mútua: gatilho para a parceria
dois discos só de música brasileira, com arranjos nossos. Fomos fazendo um grupo de músicas, e de repente: “ah, isso dá pra fazer um disco, vamos fazer mais algumas coisas, que completa”. E assim, vão surgindo os repertórios. Cecília: Neste último, só há uma música pensada para fechar o disco. Esse disco vai ter as Bachianas 4 (Villa-Lobos) completa, os quatro movimentos. Nós tocávamos o primeiro, o terceiro e o quarto movimentos, não tínhamos feito o segundo. Pensamos: “para um disco, seria tão bom se pudéssemos fazê-la completa...”. O Fernando fez o arranjo e funcionou. Então gravamos!
na plateia ficaram muito emocionados, foi fantástico. Como foi essa experiência para vocês? Fernando: É uma pergunta muito interessante. Já se passaram quatro anos e a gente nunca falou muito sobre isso. Foi um momento muito especial na nossa carreira, aconteceu de maneira meio doida. A gente foi convidado para fazer o concerto no festival, para tocar com a Orquestra, mas que concerto vamos fazer? Na época, se sugeriu que fizéssemos o Concerto Madrigal, do Joaquin Rodrigo, que tínhamos tocado fazia pouco tempo, mas pediram outra coisa. Surgiu um concerto do Radamés (Gnattali). Ele tem um concerto para dois violões e orquestra, Violão+: Há alguns anos, vocês tocaram original, que fez para os Assad. Esse um concerto maravilhoso, no Festival Leo concerto que nós tocamos é o Concerto Brouwer, no Masp, em São Paulo. Todos de Copacabana para violão-solo, e o 28 • VIOLÃO+
duo siqueira lima Radamés o reescreveu para dois violões. Reescreveu tudo, até a parte da orquestra. Reformulou o concerto pensando em dois violões. Ele fez essa adaptação para os Assad, mas eles nunca chegaram a tocar no Brasil. Tocaram na Europa, há uns vinte anos. E a partitura? Ninguém tem a partitura. Na época, por sorte, estávamos em contato com os Assad. Fomos descobrir essa partitura. Os originais estavam em Bruxelas, na casa do Odair Assad. Daí, foram escanear isso, mandar pra gente, chegou um calhamaço enorme, da grade do concerto... Cecília: E a grade chegou uns dois meses antes do concerto. Não dava para entender... Fernando: Uma cópia, de onde a gente teve que tirar da grade os violões, estava muito ruim de ler. A gente teve que adivinhar e reescrever muita coisa. O Radamés, na época, escreveu trechos grandes em uníssono. Em violinos, você tocaria e ficaria bonito: há um trecho grande aqui e vamos colocar em uníssono. No violão, isso não funciona muito bem. Então, a gente praticamente recriou muita coisa. Sei que a cópia ficou pronta um mês antes do concerto. Cecília: Nós pensávamos assim: há o concerto de Copacabana editado para violão-solo. Então combinamos: “Vamos estudar o violão-solo, depois a gente pega o segundo violão”. Fernando: Dividimos: estuda você dois movimentos, eu estudo esse, depois a gente pega o segundo violão. Deu errado. Na verdade, o Radamés reescreveu, era tudo diferente, redistribuiu tudo. Cecília: Então, estudamos dois concertos (risos). Fernando: Uma loucura! Mas então,
quando começaram os ensaios com o maestro Gil Jardim, foi maravilhoso. Cecília: Foi uma experiência fantástica tocar com ele regendo! Fernando: Ele rege muito bem, ensaiou muito com a Orquestra. Violão+: Era possível ver que vocês estavam muito felizes, isso exalava no ar... Fernando: E é raro acontecer de tocar com orquestra dessa forma. Porque quando o músico vai tocar com Orquestra, ele chega dois dias antes, tem duas passadas (ensaios) - isso quando há esse tempo uma antes da hora de tocar. Eu lembro que, nesse, a gente ensaiou uns quatro, cinco dias seguidos. Por sorte, foi desse
Parceria: no palco e na vida VIOLÃO+ • 29
duo siqueira lima
Inovação: repertório e preformance
jeito, porque quando a gente foi entrar para tocar, estavam na plateia o Leo Brouwer, o Sergio Abreu (que era o homenageado do dia), estava o (Paulo) Bellinati, o (Fabio) Zanon, o Manuel Barrueco, o Marcelo Kayath, o Paulo Porto Alegre e muitos outros. Nem dá para citar todos. Amigos, mas que eram nossos ídolos quando começamos a estudar violão. Então, ainda bem que a gente teve tempo para preparar tudo e ensaiar bem com a orquestra... Cecília: Até o Eduardo Fernandez estava lá também. Era muita gente, não vamos nem conseguir lembrar de todos os nomes, deste festival excelente. A sociedade do violão estava lá. Fernando: foi um momento muito especial mesmo. A homenagem ao Sergio (Abreu) 30 • VIOLÃO+
foi um momento muito emocionante. Levaremos para o resto da vida com muito carinho. Violão+: Quais instrumentos usam? Fernando: Praticamente desde o começo, a gente usa os violões do Sérgio Abreu. Começamos com dois violões antigos dele, que adquirimos do Henrique Pinto (grande mestre do violão, falecido em 2011), que foi generosíssimo com a gente. Aliás, não dá para falar na criação do duo Siqueira-Lima sem falar no nome do Henrique, porque ele nos acompanhou desde o começo. Foi o nosso maior incentivador, acompanhou todas as etapas até a gente realmente conseguir alguma posição dentro do
duo siqueira lima
Violão+: Vocês são um casal, tocam juntos, ensaiam juntos, qual é a rotina de vocês? E como é a manutenção da técnica nessa rotina? Fernando: Acaba sendo algo flexível, por causa dessa coisa mesmo, de fazermos tudo praticamente juntos. Existe uma dependência um do outro, que, incrivelmente, acaba dando certa liberdade. Por exemplo: estamos editando esse disco, separando material de edição. Então, a gente combina: “Ah, então essa semana a gente vai ficar editando? Vamos ficar o dia todo trabalhando nisso?”. Aí o outro fala: “Não, tem concerto mês que vem...vamos cuidando juntos de tudo” (risos). Quanto à técnica, geralmente, a agenda não deixa a gente perder a técnica. A gente acaba mantendo, até porque tem repertórios diferentes. E além da agenda, há a gravação de discos. A gente gravou um disco no ano passado, outro este ano, e isso exige muito. São coisas muito específicas, mas a gente acaba se direcionando. Por exemplo: pré-gravação. Vamos ficar um mês trabalhando na preparação dos repertórios. Aí a gente acorda, escova os
dentes e vai. Cecília: Trabalhar juntos ajuda a nos deixar focados no que for fazer, porque é 24 horas. Nós gostamos do que fazemos, então não é nenhum peso acordar e ter que estudar ou editar o disco. A gente fica feliz com isso. É muito prazeroso, então só acrescentou para o bem o fato de estarmos juntos. Fernando: A carreira é uma coisa © Matheus do Val
cenário musical. A gente deve isso tudo a ele. Os dois instrumentos da coleção íntima dele, passou para a gente. Usamos esses violões até recentemente. Encomendamos dois violões para o Sérgio Abreu em 2011. Ele demorou uns três anos para fazer, mas fez com o maior cuidado possível. Os violões ficaram prontos entre o fim de 2013 e o meio de 2014. São novos. A gente está dando um descanso para os outros, que a gente malhou muito. O duo se criou, apareceu, naqueles violões.
Cumplicidade: equlíbrio sonoro VIOLÃO+ • 31
duo siqueira lima
Festival Leo Brouwer: gigantes entre gigantes
só, mas que envolve várias outras. No duo, você tem coisas individuais, tudo precisa ser trabalhado. Então, às vezes, a gente combina de trabalhar algo separado, principalmente quando há coisa nova. Ou mesmo as coisas que a gente toca há tempos... Vai ter concerto essa semana? Vou dar uma “trabalhadinha” na memorização, porque a gente toca tudo decor. Entre as várias vantagens de tocar em duo: enquanto eu vou ficar estudando, você vai adiantando essa coisa da edição, ou, melhor ainda, você cozinha? Então, são muitas as vantagens de tocar em duo. Até para viajar, fazer o check-in... em suma, um ajuda muito o outro.
algum. Se na hora você quer mudar, não se preocupa com ninguém. Agora, tocar em dois é chegar a um ponto comum. Às vezes, é fácil, está na cara. Às vezes não. Cada um tem a sua opinião, fica daquele jeito, diz não me diz, na hora cada um faz do seu jeito mesmo (risos). Quem falou isso foi o Odair Assad: “O Sérgio fica falando para mim... No ensaio, até faço, mas na hora de tocar, faço do meu jeito” (risos). Tirando a brincadeira, a gente sabe que é trabalhoso mesmo.
Violão+: Mas vocês consultam referências externas? Fernando: Muitas! O Henrique Pinto, por exemplo, era o nosso padrinho, a primeira pessoa para quem a gente Violão+: E quando há uma discordância? mostrava. Começávamos a ler um Fernando: Olha só que interessante: negócio, mostrávamos para ele. nós falamos das mil vantagens de tocar em duo, agora, entra a parte complicada. Violão+: Os violões são iguais, as cordas Quando você toca sozinho, resolve as são as mesmas, mas a compleição física coisas do seu jeito. Não há problema de vocês é completamente diferente. Deve 32 • VIOLÃO+
duo siqueira lima haver uma série de diferenças, quanto à sonoridade, por exemplo. Então, como fazem para equilibrar isso? Fernando: O Henrique também ajudou muito no equilíbrio do duo. Nossos toques são muito diferentes. No violão, o toque é muito pessoal. Tem muito a ver mesmo com a compleição física, com a anatomia, o jeito da unha, tamanho dos dedos... Isso, à princípio, foi um problema. Eu sempre tocava muito forte. Quando você faz a coisa sozinho, faz do seu jeito. Então começamos a buscar uma sonoridade de duo, e o Henrique trabalhou muito isso com a gente. Agora, continuamos utilizando essa individualidade para enriquecer o trabalho camerístico. Mas é preciso estar se ouvindo o tempo todo, se encaixar. Cecília: Foi muito trabalhoso, mas coisas boas aconteceram: eu gostava demais de como ele tocava e ele gostava de
como eu tocava. Eu percebia coisas nele, no som, ele tocava forte, esse som me atraía muito. E eu era bastante flexível, isso o atraiu. São coisas diferentes, que geraram admiração. Então, para juntar, fica muito mais fácil. Eu, por exemplo, queria ter um som forte como o dele. Então, agora, toco mais forte. Fernando: E eu queria ter a flexibilidade que ela tem. Acho que hoje, depois de mais de dez anos, tenho o toque muito mais parecido com o dela, e ela com o meu. É a convivência. Isso foi mudando o nosso trabalho. Cecília: Com certeza. E é muito difícil mesmo conseguir chegar a um consenso 100%, quando há algum conflito. Mas é muito gostoso, as alegrias quando a gente vai tocar em duo se multiplicam e as tristezas se dividem. E a coisa boa é multiplicar.
VIOLÃO+ • 33
mundo
O Cuatro
Por Luisa Fernanda Hinojosa Streber
A sonoridade das noites e das festas caribenhas, imortalizada pela orquestra típica, tem este como um dos instrumentos mais destacados e característicos
Típico de Porto Rico, o “cuatro” faz parte da grande família de instrumentos crioulos derivados dos alaúdes trazidos pelos espanhóis ao Novo Mundo nos séculos XVI e XVII. Sempre foi um instrumento utilizado pelos campesinos, na Ilha de Jíbaros, e por muitos séculos guardou seu formato original, que curiosamente tinha aparência de uma fechadura e contava só com quatro cordas de tripa, tocadas com uma pua ou paleta. História Os espanhóis introduziram os instrumentos musicais para ritos religiosos e o povo, rapidamente, adaptou grupos musicais para festividades mundanas, como início e fim de colheitas, assim como bailes e serenatas acompanhadas ao compasso dos cantos das afamadas rãs coquis, próprias da Ilha, e da lua clara nas noites caribenhas. Em meados do século XIX é que a orquestra típica porto-riquenha toma forma, com cuatro, bordonúa (parecido a um violão grande), tiple (menor que o cuatro), guiro e maraca. Entre o fim do século XIX e o princípio do século XX que o instrumento se transforma para sua modalidade atual, tomado a forma de um violino com cinco cordas duplas. Grande nomes No ano de 1910, o grande cuatrista Joaquin Rivera Gandia (o Canhoto da Isabela) gravou, pela primeira vez, o cuatro - na cidade de San Juan, sob o selo Columbia -, 34 • VIOLÃO+
mundo
Yomo Toro (Victor Guillermo Toro)
imortalizando e presenteando o mundo com o som de tão singular instrumento. Em 1922, o cuatrista e compositor Ladislao Martínez, considerado o maior exponente moderno desse instrumento, toca pela primeira vez na rádio (WKAQ). Nas décadas seguintes, o cuatro
invadiu os Estados Unidos. Nos anos 1970, Yomo Toro (aluno do Maestro Ladi) o introduz na salsa na orquestra do renomeado Willie Colón, o que o levou à época de ouro do instrumento, nos anos 1980, chegando até nossos dias como o xodó do Caribe.
Como afinar Curiosamente o cuatro atual tem 10 cordas (cinco duplas), porém muito provavelmente guardou seu nome original também por ser afinado em intervalos de quartas Sol4, Ré4, La3, Mi3, Si2 (de agudos a graves). As duas ordens superiores estão oitavadas - ou seja, dão a mesma nota com uma oitava de diferença - por isso seu som é tão característico, similar ao Tries Cubano.
Maestro Ladi (Ladislao Martinez) VIOLÃO+ • 35
história
Por Rosimary Parra
Semelhanças e diferenças
Apesar das semelhanças entre o violão e a vihuela de mano quanto ao formato do corpo e número de ordens – violão seis cordas simples e vihuela seis cordas em pares - há diferenças que geram abordagem técnica e musical distintas O repertório para vihuela de mano (séc. XVI) é normalmente muito interpretado ao violão na forma de transcrições. Para tocar com o dedilhado mais próximo da tablatura original, utiliza-se a terceira corda do violão afinada em Fa#, de forma a obter a mesma relação de intervalos entre as cordas encontrada na vihuela. Pode-se ainda usar, além da mudança da afinação, um capotasto (ou capotraste) na terceira casa do violão, o que permite trabalhar na tessitura original da obra.
Vihuela de mano: cópia de instrumento do século XVI, luthier Luciano Faria (Brasil 2002) 36 • VIOLÃO+
Postura Normalmente, para tocar violão na forma tradicional, utiliza-se o apoio de pé ou algum tipo de suporte para apoiar o instrumento na perna esquerda. No caso da vihuela, por ser um instrumento de corpo menor, é necessário algo que o deixe mais firme ao corpo do instrumentista. Para os instrumentos antigos de cordas dedilhadas, geralmente utiliza-se uma faixa de tecido amarrada ao cravelhame, com a outra ponta presa a um botão inserido na base do corpo do instrumento.
história Mão esquerda No violão, quando as notas são pressionadas com a mão esquerda, busca-se trabalhar com a ponta do dedo na corda, evitando a quebra entre as falanges do meio e da ponta, exceto em meias pestanas. Nos instrumentos com cordas duplas, usa-se a falange da ponta do dedo um pouquinho mais solta para que se consiga pressionar as duas cordas. Essa mecânica pode variar de um instrumento para outro, já que alguns apresentam espaçamentos um pouco maiores ou menores entre as cordas duplas. Cabe ao instrumentista perceber a diferença e adaptar o uso da falange. Outros aspectos técnicos da mão esquerda seguem os mesmos mecanismos que costumam ser trabalhados ao violão. Dessa forma, é como se “vestíssemos” o instrumento, colocando a faixa ao pescoço e abraçando seu corpo, da mesma forma que músicos fazem com as guitarras elétricas. Pode-se usar também o apoio de pé para manter a coluna mais alinhada e sustentar melhor o corpo do instrumento em passagens mais complexas da mão esquerda. Há ainda aqueles que optam por tocar com o instrumento apoiado sobre as pernas cruzadas.
Afinação A vihuela tem seis ordens, mas cada ordem tem duas cordas - exceção à primeira ordem, com uma única corda. A afinação segue o padrão do alaúde renascentista: da corda mais grave para mais aguda, os intervalos são: 4ª, 4ª, 3ª, 4ª e 4ª. As cordas em pares são afinadas em uníssono. Considerando uma vihuela em Sol, por exemplo, teremos as seguintes ordens do grave para o agudo:
Uso da falange da ponta do dedo VIOLÃO+ • 37
história 6ª - Sol-Sol 5ª - Dó-Dó 4ª - Fa-Fa 3ª - La-La 2ª - Ré-Ré 1ª - Sol Tal diferença de afinação entre os dois instrumentos implica também na formação dos acordes. Os acordes que se conhece no violão são formados com outros desenhos no braço da vihuela. Pode-se dizer que para quem toca alaúde renascentista, a transição para tocar vihuela é mais simples no que diz respeito à afinação. No entanto, para quem toca violão, é necessário compreender o braço do instrumento naquela afinação. Não se está considerando aqui uma mera transposição da mecânica de execução de uma transcrição já tocada ao violão para a vihuela, ou seja, tocar uma música na vihuela pensando no braço do violão – nomes de notas e acordes. Esta maneira poderá funcionar em um primeiro momento para um deleite com o instrumento, mas limita o estudo mais aprofundado do repertório e também a
Acorde de Sol maior no violão 38 • VIOLÃO+
Frontispício do livro de músicas de vihuela de mano intitulado El Maestro, de Luis Milan
inserção do instrumento em formações camerísticas com cantores ou outros instrumentos. Bibliografia COELHO, V.A. Performance on lute, guitar and vihuela: Historical Practice and Modern Interpretation. New York: Cambridge University Press, 1997. DAMIANI, Andrea. Metodo per liuto rinascimentale. Bologna: UT ORPHEUS EDIZIONI, 1998
Acorde de Sol maior na vihuela
Em parceria com a Tokai Japan, a Tokai do Brasil traz para o país a linha de violões mais surpreendente de todos os tempos
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VIOLAO 40 • VIOLÃO+
VIOLAO BRASILEIRO
“Dindi” Nesta edição, vamos estudar um arranjo simples para a canção “Dindi”, de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira. Eu pensava, e acredito que muitas pessoas também, que essa música havia sido composta especialmente para Sylvinha Telles, mulher de Aloysio, cujo apelido seria Dindi e que foi a primeira cantora a gravar a canção no LP Amor de Gente Moça, de 1959, com participação da grande violonista Rosinha de Valença. Mas, pesquisando, encontrei a seguinte citação do livro Antônio Carlos Jobim, Um homem iluminado (Ed. Nova Fronteira), onde Helena Jobim narra o seguinte: “Ele via o rio passar, roncando nas pedras, as águas espumaradas. Aquele ruído o apaziguava. Na outra margem, começava o pasto que ia dar no morro do Dirindi. ‘Dindi’ não era, como muitos pensavam, um nome de mulher. Mas sim toda aquela vasta natureza e seus segredos”. Tenha sido escrita para Sylvinha Telles ou não, essa canção é muito conhecida ao redor do mundo e foi regravada inúmeras vezes. De Maria Bethania a Ella Fitzgerald, de Quarteto em Cy a Wayne Shorter, você pode ouvir muitas versões diferentes no YouTube. O arranjo é simples, mas gostaria de chamar a atenção para dois pontos. Primeiro: há muitas tercinas na melodia que vêm depois de ritmos baseados na fórmula de compasso simples. Por exemplo, no primeiro compasso há uma semínima pontuada, uma colcheia e logo em seguida uma tercina de semínimas. Tenha cuidado para diferenciar esses ritmos corretamente. Segundo: no compasso 20, escrevi a melodia adicionando uma voz uma sexta abaixo. Aqui a questão é técnica. Pode ser um pouco difícil conseguir a fluência necessária para executar essa parte a contento. Estude com calma prestando atenção ao dedo guia (dedo 2) que é de grande ajuda sempre que precisamos tocar melodias em sextas. No mais, deixe-se levar pelas águas desse rio fecundo que é a música brasileira. Navegue pelos rios de águas fortes e explore cada igarapé (do Tupi, caminho de canoa). Há muito mais entre a seresta e a bossa nova do que julga nossa vã filosofia. Bons estudos!
Renato Candro
www.renatocandro.com www.learningbrazilianguitar.com
VIOLÃO+ • 41
~ BRASILEIRO VIOLAO
“Dindi” Tom Jobim/Aloysio de Oliveira Arranjo: Renato Candro
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~ BRASILEIRO VIOLAO
VIOLÃO+ • 43
VIOLA caipira
Na carreira do Cururu São vários os ritmos que podem ser feitos na viola caipira. Cateretê, cururu, toada, recortado, pagode caipira, batidão, rasta-pé e cana verde são alguns dos inúmeros toques que o violeiro pode executar no pinho de dez cordas. Mas, como diz o “caipirólogo” José de Souza Martins, a “música caipira nunca aparece só, enquanto música”, ou seja, devemos lembrar que cada um desses ritmos está inserido dentro de contextos maiores que envolvem manifestações lúdico-religiosas ligadas à cultura do caipira. O cururu, por exemplo, é muito mais do que um toque feito com a mão que fere as cordas da viola. Trata-se de uma das mais antigas manifestações dramáticas brasileiras, criada na mistura de rituais indígenas tupi com os rituais católicos trazidos pelos padres jesuítas durante os séculos XVI e XVII, ou seja, há mais de 400 anos! Ainda podemos ver continuações dessas práticas nas danças de São Gonçalo e de Santa Cruz, praticadas no estado de São Paulo, além de outras manifestações religiosas em Goiás e Mato Grosso envolvendo danças, desafios de versos, coreografias circulares e música! O nome “cururu” faz referência ao sapo (em tupi) que está presente nas narrativas mitológicas de vários grupos tupis como uma espécie de guardião do fogo.
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Fábio Miranda
www.fabiomirandavioleiro.com
VIOLA caipira No interior de São Paulo, o cururu tornou-se uma modalidade de desafio de versos semelhante ao repente nordestino. Nesse caso, os cururueiros escolhem o tipo de carreira a ser usada como rima para os versos. Por exemplo, na carreira do “a” os versos têm que terminar em “a”, na carreira do Divino, os versos devem terminar em “ino”, além da carreira de São João, de São José, e a do Sagrado, esta última exemplificada na peleja entre Nhô Chico e Parafuso (gravação realizada pelo selo Discos Marcus Pereira em 1974).
Em alguns cururus, a levada feita pela viola caipira (ou violão) apresenta um rasgueado de mão cheia, que traz um padrão rítmico bem marcante, ligado à tradição antiga da dança em roda. Já no contexto da música sertaneja - quando a musicalidade caipira começou a ser formatada para o disco - as modas perderam as características do improviso e da religiosidade. Passaram também a elaborar o romance como narrativa nas letras, contando histórias com início, meio e fim, como alguns cururus famosos gravados, como “Menino da Porteira”, “Caçador”, “Peito Sadio”, “Canoeiro” e tantas outras.
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VIOLA caipira Muitas dessas modas, porém, ainda trazem nas letras as referências ao cotidiano indígena, como a caça e a pesca. Um dos primeiros cururus formatados para o disco foi “Canoeiro” (Zé Carreiro / Alocin - 1950) que narra a saída de dois companheiros para uma pescaria na lagoa. Nesse cururu, percebe-se que todos os versos terminam em “oa”, como se fosse uma “carreira da canoa”. Essa música possui apenas dois acordes, que são alternados durante o ritmo do cururu na viola. Ouça a gravação de Zé Carreiro e Carreirinho (em Eb) atentando para o ritmo de acompanhamento que intercala os acordes das duas posições, Tônica (I) e Dominante (V7). O uso dos graus I e V7 para mencionar os acordes possibilita tocarmos a música na viola afinada tanto em cebolão em Ré (D) como em Mi (E) e Mi bemol (Eb). Experimente:
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VIOLA caipira
Deu certo? Lembrem-se que o espaço entre as setas grandes para baixo (tempo forte) é onde acontece o toque do cururu. Nesse exemplo, a troca de acordes acontece sempre na “cabeça” do tempo, ou seja, na execução da seta maior, iniciando cada compasso. Experimente também inventar outros versos para incrementar o passeio de pescaria na canoa... E por que não inventar uma carreira para rimar? Pula, violeirada!
REFERÊNCIAS: CÂNDIDO, Antônio. Cururu. Disponível em < http://revistas.iel.unicamp.br/ index.php/remate/article/view/3555/3002> Acesso em 07/10/2015. MARTINS, José de Souza. Capitalismo e tradicionalismo: estudos sobre as contradições da sociedade agrária no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1975. VIOLÃO+ • 47
f lamenco
“El Abanico” Neste segundo número, referente à técnica, falaremos de outro tipo de “rasgueado” para guitarra flamenca. Este em questão, talvez seja o mais famoso de todos os seus “irmãos”, de toda a família. Se trata do “rasgueo” de pulso, ou mais popularmente conhecido na Espanha como “El Abanico” (tradução: O Leque). Este nome popular se deve ao fato de termos, obrigatoriamente, que girar a munheca para executá-lo, abrindo e movimentando os dedos simultaneamente, de forma sutil. Se repararmos bem, faz muito sentido, pois é o mesmo movimento que se utiliza para se abanar com um leque, só que com os dedos levemente abertos (giro de munheca, acompanhando os dedos que seriam uma espécie de leque, como prolongação da própria mão). Curiosidades à parte, vejam a ordem dos dedos a seguir, e confiram no vídeo como executar, utilizando o giro de munheca.
Referente ao repertório, vamos aplicar a nova técnica aprendida nesse número, para introduzir o nosso toque por Tientos, somando e sequencia a seguir com a métrica do compasso, que iniciamos no número anterior de nossa Violão+. Utilizaremos apenas os seguintes acordes*:
F
C/G
Bb6(4+)
A9b
*acordes sem capo-traste (cejilla)
48 • VIOLÃO+
Flavio Rodrigues
www.flaviorodrigues-flamenco.eu
f lamenco
Para finalizarmos, vamos introduzir um novo quadro dentro da nossa coluna, visando ampliar nossas referências dentro do universo flamenco, com alguns dos grandes nomes da guitarra flamenca de todos os tempos, além dos novos talentos que surgem dia a dia.
#FicaAdica Tauromagia (1988) Manolo Sanlúcar Obra-prima indispensável do maestro de maestros, Manolo Sanlúcar, que marca um antes e um depois dentro do universo violonístico, em toda a sua amplitude, em vários aspectos: novas técnicas (trêmulo contínuo, por exemplo), arranjos combinados com cordas, metais, bateria, baixo etc., aberturas harmônica e melódica inovadoras dentro da estética da música flamenca/andaluza, e introdução de elementos jazzísticos, além de outros estilos. Destaque: “Oración”. VIOLÃO+ • 49
siderurgia
Subdivisão do tempo Contratempo Na edição inaugural da revista Violão+, apresentei o baixo alternado como um conceito utilizado no arranjo de certas canções do repertório para o violão cordas de aço. Como exemplo, reproduzi um arranjo bem simples da música “Mack the Knife”, de Kurt Weil e Bertold Brecht. Neste segundo número, vamos elaborar um pouco mais esse mesmo arranjo, inserindo elementos rítmicos que propõem a subdivisão de alguns tempos. Contratempo Aqui, introduzo o conceito de contratempo. Como muitos já sabem, o contratempo é o espaço de tempo que fica entre dois tempos principais de uma contagem, sendo normalmente representado pela letra “e”. Assim, subdividir o tempo de uma determinada passagem musical significa inserir alguma figura rítmica nesses espaços. Privilegiaremos inicialmente as colcheias como figuras de subdivisão. Observem como os exemplos a seguir impõem mais agilidade e maior dinamismo ao acompanhamento em relação aos exemplos propostos no volume anterior desta revista. Exemplo 1
50 • VIOLÃO+
Walter Nery
www.walternery.com
siderurgia Exemplo 2
Misturar cordas soltas graves e agudas no acompanhamento produz um efeito muito rico e dinâmico, que valoriza as características do instrumento. Exemplo 3
Exemplo 4
O exemplo a seguir é um dos que mais gosto e utilizo em meus arranjos: Exemplo 5
VIOLÃO+ • 51
siderurgia A seguir, o arranjo “repaginado” de “Mack the Knife”, onde faço uso dos conceitos apresentados neste artigo. Um abraço musical!
“Mack The Knife” (versão 2)
Bertold Brecht/Kurt Weill Arranjo: Walter Nery
52 • VIOLÃO+
como estudar
Mão esquerda
Breno Chaves
[email protected]
A fisiologia (do grego physis = natureza e logos = palavra ou estudo) é o ramo da biologia que estuda as múltiplas funções mecânicas, físicas e bioquímicas nos seres vivos. De forma mais sintética, a fisiologia estuda o funcionamento do organismo. A fisiologia do movimento, grosso modo, é o estudo comportamental do corpo em função de determinado movimento, no caso específico, as mãos do instrumentista ao violão. Por conta de diferenças anatômicas e habilidades inatas – e também, da compreensão que cada músico tem de determinada obra musical -, é muito comum observar que, em uma mesma peça, cada indivíduo pode encontrar alguma dificuldade técnica para resolver determinado trecho. E a resolução desse trecho pode ser simples para alguns e extremamente difícil para outros. Muitos métodos tratam de algumas questões técnicas (por exemplo, mão esquerda), oferecendo uma série de exercícios de escalas e acordes que, na maioria das vezes, não resolvem determinado problema por falta de compreensão dos diversos fatores que envolvem a movimentação dos dedos. Direita e esquerda Os critérios de posição da mão esquerda obedecem outras diretrizes. Enquanto que na mão direita a posição do braço direito estará subordinada à posição da mão direita, na mão esquerda ocorre o contrário, salvo algumas exceções como acordes com apresentações transversais (acorde de Lá maior, na Figura 1) ou com apresentações mistas (Si maior na segunda posição, na Figura 2). É impossível deixar o braço esquerdo absolutamente relaxado, pois, nessa condição, ele ficaria pendente e perderia sua função. O relaxamento, nesse caso, será parcial, ou seja, até o braço o relaxamento acontecerá quase que na totalidade. Já o antebraço ficará flexionado para que a mão fique próxima à escala do instrumento.
Figura 1 - Lá maior
Figura 2 - Si maior
VIOLÃO+ • 53
como estudar O antebraço tem uma função importantíssima na dinâmica do movimento da mão esquerda. É por meio dele que a “pressão” dos dedos nas cordas acontecerá. Um erro muito comum, principalmente no caso das pestanas, é fazer essa “pressão” com o polegar em oposição aos dedos, gerando uma tensão nos mesmos e “travando” os movimentos longitudinais na escala. Uma “pressão” muito maior e infinitamente mais eficaz é obtida pela flexão do antebraço (Figura 3). Alguns métodos defendem, além da flexão do antebraço, a utilização do seu peso para um resultado ainda mais eficaz, principalmente nas pestanas. Em minha experiência prática como professor e performer, não indico esse procedimento, pois o braço nessa situação faz que os dedos fiquem tensos (em atitude de pinça para sustentar o conjunto braço e mão), o dedo mínimo trabalha encolhido com movimentos limitados e o posicionamento da mão como um todo fica comprometido. Veja um exemplo de posicionamento incorreto das mãos gerado pela utilização do peso do braço na Figura 4. Critérios para o movimento dos dedos da mão esquerda Com relação ao movimento dos dedos da mão esquerda, devemos considerar que ele tem origem no metacarpo-falangeal (articulação da base do dedo). Esse procedimento faz que os dedos trabalhem em sua totalidade. Nos casos de acordes com apresentação transversal ou mista, o antebraço funcionará como coadjuvante, favorecendo a posição de forma que os dedos não esbarrem nas cordas inferiores que por ventura tiverem que vibrar. Esse tipo de abordagem também favorece a destreza e a precisão nos movimentos (Figura 5). Sincronismo Além do posicionamento correto da mão esquerda, é fundamental o sincronismo entre as mãos direita e esquerda. Os dedos da esquerda devem pressionar as cordas exatamente no mesmo instante em que os dedos da mão direita pulsarem as cordas. 54 • VIOLÃO+
Figura 3
Figura 4
Metacarpo - falangeal (médio)
Figura 5
como estudar Sete exercícios para sincronismo de mão esquerda e mão direita Exercício 1
Exercício 2
Exercício 3
Exercício 4
Exercício 5
Exercício 6
Exercício 7
VIOLÃO+ • 55
de ouvido
“Tirar de ouvido“ Penso que compreender profundamente o que está escrito abaixo e colocar em prática é tudo o que precisamos para aprender bem. Quando a proposta é de compreender com leitura simples, alguma referência audiovisual e sem a monitoria de um profissional, tudo torna-se complicado. Método (origem no grego e que quer dizer caminho) é o meio mais seguro e rápido, mas é preciso estar preparado. Aos professores ou futuros professores, recomendo não negligenciar as dicas abaixo com seus alunos. Dica número 1 - Trate de sua autoestima e lucidez Imagine a seguinte situação: você acorda pela manhã e faz todas as coisas corriqueiras sem prestar muita atenção. Na hora de tomar o café, o deixa cair da xícara molhando a mesa. Entra em seu carro e dirige com displicência sem perceber que por pouco não atropela um ancião. Chega ao escritório e, além de não ter a menor ideia de onde começar, não consegue ler o texto obrigatório que servirá para a reunião a seguir. Os olhos não conseguem ir à frente. Assim segue o dia inteiro. Outra situação: você acorda bem disposto e já vem à mente, com clareza, tudo o que você tem de fazer durante o dia. Percebe que a pasta de dente não estava bem tampada, coloca a quantidade necessária de açúcar no café e presta atenção na hora de colocar o café na xícara. Tem plena consciência de que se não tirar o dedo no momento exato a faca poderá cortá-lo, além do pão. Dirige até o escritório e repara na localização de cada loja de ferragens, pois no final da tarde terá que comprar algumas lâmpadas, ou seja, já adiantou metade do serviço que tinha de fazer. Apesar disso, presta atenção em todas as sinalizações de trânsito. O dia no escritório corre feliz e o texto que você leu foi facilmente entendido e a reunião foi um sucesso. 56 • VIOLÃO+
Reinaldo Garrido Russo www.musikosofia.com.br
[email protected]
de ouvido Como se pode perceber, os dois estados de consciência são bem distintos. O primeiro é displicente, irresponsável, sem energia mental. O segundo é atuante nos detalhes, sem perder a noção do todo, e está pronto para qualquer eventualidade. A diferença está no grau de lucidez. A palavra lucidez vem de luz, ou seja, o quanto iluminada está a sua mente. Você sabe muito bem que sem luz não se enxerga nada. O grau de lucidez varia com o dia, com a hora, com o estado emocional e a maneira como você lida com a organização interna (a de sua mente) e a externa (mesa de trabalho, agenda etc.). Nosso grau de lucidez não é fixo. Tem seu mínimo quando estamos dormindo e seu máximo quando somos aficionados, empolgados com algum conteúdo. O grau de lucidez varia diferentemente para cada coisa. O que você mais gosta de fazer clama mais por sua dedicação. É importante saber que a capacidade de compreender e amar a nós mesmos, chamada de autoestima, está inteiramente relacionada ao grau de lucidez. Uma pessoa com autoestima baixa tende a empurrar para frente tudo o que programou fazer. Torna-se triste ou estranhamente alegre. São caminhos para fugir à realidade. Você deve estar se perguntando o porquê de toda essa conversa: conhecer a maneira pela qual o ser humano funciona para o aprendizado é importante. Não adianta método e nem material didático se você está com a autoestima baixa, sem energia e desorganizado. Eis a primeira dica e a mais importante... Valorize o seu saber Saber apreciar o que conhecemos e o que sabemos faz parte desse aprendizado. A autoestima se eleva. Nunca despreze o que você já aprendeu. O ensino formal de escola, por meio de professores, é apenas mais um caminho. Geralmente, o músico que é alfabetizado (lê e escreve música) tende a desprezar aquele que não é, e o iniciante compra a ideia. Isto é um erro! Álvaro Vieira Pinto, filósofo e educador brasileiro, diz em seu livro Sete Lições Sobre Educação De Adultos que o analfabeto traz um grande conhecimento, não formal, repleto de cultura e sabedoria. Quantos músicos, VIOLÃO+ • 57
de ouvido que tocam divinamente, nunca tiveram um professor? Não foram eles seu próprio professor? E aí vem uma dica importante: “O aprendizado só se faz plenamente quando o aluno consegue aprender de que forma aprende e apreende”. Tenho percebido que os meus alunos pelo Skype são mais concentrados porque não existe a facilidade comparada à aula presencial. O esforço é bem maior para mim e para eles. Isso aumenta a atenção em relação ao que ouvimos, ao que falamos, e ao que tocamos no instrumento. Dica numero 2 - Comece do princípio Não queira pular fases, estágios. O binômio “ouvir/ reconhecer” leva tempo. É um processo bem gradativo e que depende de paciência. Tive, em minha infância, a sorte de ter um pai que cantava e tocava violão. Colocava-me de costas fazendo um acorde ao violão. Eu tinha que pensar e responder, e isso era uma brincadeira deliciosa. Achava alguns acordes familiares e inventava um jeito de deixar vir à tona, por eliminação, em minha consciência. Depois de um tempo eu acertava todos. Na faculdade, quem comandava os exercícios auditivos eram os professores, mas eles tinham que dar atenção para muitos alunos o que deixava o processo mais lento. Hoje, temos muitos programas de celular e computador que o leitor deve procurar adquirir. Recomendo em princípio o EarMaster. Você pode também escrever “Ear Training” e aparecerão muitos programas, mas os bons estão em inglês. Para ter um aproveitamento eficaz, é necessário que o leitor tenha uma boa e simples base teórica e conheça os termos musicais em inglês. É o que vamos ter nos próximos números que serão regados por exercícios auditivos. Exercício básico 1 1. D eite no chão, em decúbito dorsal (barriga para cima) sobre um tapete macio. Coloque uma pequena toalha enrolada embaixo do pescoço para não forçá-lo. 2. D eixe o gravador de seu celular em posição rec perto de sua boca. 3. Você tem cinco minutos para relaxar e dominar sua 58 • VIOLÃO+
de ouvido respiração deixando-a profunda e lenta. 4. O restante do tempo, até completar meia hora, você prestará atenção em todos os sons presentes na sala ou nas proximidades. Reconhecendo sons musicais (buzinas, canto de pássaros etc.) ou ruídos (barulho de máquina, automóvel, cadeira arrastando etc.). Faça comentários sobre o som que será gravado por seu celular. Depois disso, ouça a gravação e repare se o gravador, sensível que é, pôde gravar mais do que você ouviu. Certifique-se de que a gravação está em acordo com o que falou no registro. Este exercício aumenta a lucidez auditiva, traz foco no que se quer ouvir e é absolutamente relaxante. Faça-o sempre procurando diversão e concentração. Com o tempo, você deve focar em um ruído recorrente na tentativa de identificar detalhes que ocorrem esporadicamente. Como exercício preparatório para a próxima jornada, ouça o arquivo de nome “Os Lás (A) no piano” e compare com a tabela abaixo.
• A gravação nos mostra nove Lás, sendo oito do piano de 88 teclas, da tabela. • Você ouvirá primeiro o mais grave, chamado A-2 • O penúltimo, o mais agudo do piano, tem a frequência do primeiro (27,50) multiplicada pelo fator 128, ou seja, uma frequência de 3.520 vibrações por segundo. • O último som ouvido na série da gravação está fora do piano e pode ser executado por alguns tipos de órgão de tubos. Sons mais graves podem ser ouvidos também nesses órgãos. • Repare que este último, o A7 de 7.040 vib/s, é muito agudo e, nesta região, o ouvido humano não tem a percepção definida de altura. É possível que algumas pessoas ouçam um Fá, um Sol ou outro tom (na gravação, estamos amparados pela audição prévia de outros Lás que nos servem como referência, portanto provavelmente ouviremos o tom de Lá). Tom? Não são notas musicais? Na próxima edição veremos mais sobre isto. Até lá! VIOLÃO+ • 59
iniciantes
Fundamentos
Ricardo Luccas
[email protected]
Começo esta coluna pensando em você que gosta de violão, mas teve até hoje pouco ou nenhum contato com a prática do instrumento. Traremos neste espaço algumas dicas para tornar mais agradável essa vivência. Dividiremos este primeiro contato de forma didática e teremos sempre uma novidade a cada edição. Para começar a conversar, precisamos estabelecer alguns combinados, que vão servir e acompanhar você em toda a trajetória de aprendizado no instrumento. Cordas Com relação ao instrumento, vamos estabelecer alguns entendimentos. Qual a primeira corda? Você acha que a contagem começa de baixo para cima ou de cima para baixo? Se você disse que a primeira corda é a de baixo (a mais aguda), acertou. Vamos, então, contando sucessivamente: corda 2, corda 3 (as três primeiras são conhecidas como “primas”), cordas 4, 5 e 6 (conhecidas por bordões ou baixos). Segue uma imagem de um violão onde podemos identificar algumas partes importantes, como o número das cordas, boca, corpo, cavalete, braço, casas, mão e tarraxas.
Corpo do violão
Mão
Casas 6 5 4 3 2 1
Cordas Cavalete
60 • VIOLÃO+
5
Boca
4
3
2
1
Braço Tarrachas
iniciantes Dica: para atingirmos uma boa execução, logo de cara, é interessante explorar os timbres e, para isso, podemos experimentar tocar desde próximo ao cavalete até onde termina o braço do violão, descobrindo diferentes sonoridades. Mas, por enquanto, sugiro tocar na boca do violão, parte do meio para trás (em direção ao cavalete). Mãos Com relação às nossas mãos, pensando em uma pessoa destra, temos os dedos da mão direita como P (polegar), I (indicador), M (médio) e A (anular) e da mão esquerda como 1 (indicador), 2 (médio), 3 (anular) e 4 (mínimo) como mostra o gráfico a seguir. Para o canhoto, devemos inverter o processo acima. 2 3
M = médio 1
I = indicador
A = anular
4
P = polegar
Mão esquerda
Mão direita
Notação Musical Para notação musical, usa-se a partitura e a tablatura. A partitura será explicada em outra ocasião. A tablatura representa o desenho das seis cordas e os números que lá aparecerem representam as casas a serem tocadas com os dedos da mão esquerda. A tablatura segue o mesmo principio da partitura em relação à altura dos sons: quanto mais para baixo, mais grave. Dessa forma, a linha de cima, linha 1, é igual à corda 1, a linha 2 igual à corda 2 e assim por diante. VIOLÃO+ • 61
iniciantes
Cifra Para cada nota musical existe uma cifra correspondente. As cifras representam os acordes que iremos aprender a seguir. Por exemplo, “A” é igual a Lá maior e “E” é igual a Mi maior.
Se colocarmos um “m” minúsculo após a cifra, o acorde se transforma de maior para menor. Por exemplo, “Am” é igual a Lá menor e Em é igual a Mi menor. Seguem abaixo as primeiras cifras que iremos aprender. Para entender as cifras, vemos que o desenho abaixo é constituído pelas seis cordas (contamos as cordas da direita para a esquerda). As casas estão na ordem de cima para baixo. Por exemplo, para fazer o “A”, devemos colocar os dedos 1, 2 e 3 na casa 2, sendo que o dedo 1 está na corda 4, o dedo 2 na corda 3 e o dedo 3 na corda 2. Ficou confuso? Copie o desenho e veja o vídeo.
62 • VIOLÃO+
iniciantes Ritmo A mão direita é muito importante na condução do ritmo e aprenderemos de cara a desenvolver o dedilhado e a batida. É legal executar os dois para desenvolver a coordenação e soltar a musculatura Exercícios 1) Mão direita. Arpejos em cordas soltas, só para a mão direita (cordas soltas são quando não prendemos nenhuma casa com a mão esquerda).
2) Mão direita. Batida. Para o exercício de batida iremos inserir duas sequências de dois acordes cada, uma maior e uma menor, para que se possa perceber a diferença dos sons.
3) Mão esquerda. Vamos iniciar uma sensibilização também com a mão esquerda. É importante que ela vá se acostumando com a abertura e com o andar pelas cordas e pelas casas. É um exercício em que os dedos 1, 2, 3 e 4 vão descendo corda por corda. Atenção à indicação da tablatura: devemos começar com o dedo 1 na casa 5, dedo 2 na casa 6 e assim por diante. Os números de 1 a 4 representam os dedos da mão esquerda. As letras I e M VIOLÃO+ • 63
iniciantes representam os dedos indicador e médio da mão direita. Para cada nota tocada, vamos um usar um dos dedos, sempre de forma alternada.
É muito comum observarmos que quando alguém inicia a prática do instrumento apresente mais facilidade para tocar com acordes ou para tocar linhas melódicas. É importante pensarmos no desenvolvimento de forma mais geral, por isso, sugiro a dedicação aos diferentes exercícios (arpejo, batida, mão esquerda). Bom estudo!
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improvisação
Estruturação
Alex Lameira
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É um grande prazer ter sido convidado para falar de um tema tão interessante e de infinitas possibilidades: a improvisação. Antes de iniciar a série de artigos, gostaria de prestar homenagens àqueles que me possibilitaram escrever esses conhecimentos e transmitir o que aprendi com eles: Davilson Assis Brasil, Conrado Paulino, Heraldo do Monte, André Marques e Itiberê Zwarg. Tudo o que será publicado neste espaço veio, de alguma forma, desses mestres que tive e aos quais agradeço publicamente pela generosidade de dividir informações. Esta coluna estará fundamentada na escola de Hermeto Pascoal, que coloca o “sentir auditivo” em primeiro lugar. Conceito A improvisação em si, pela própria acepção da palavra, não é possível ser “ensinada”, pois o próprio nome já diz que se trata de algo espontâneo, criado no momento da execução. O que transmitiremos aqui são os alicerces sobre os quais se construirá o “ouvido interno” que trará à tona, por meio do violão, as idéias da mente (e não dos dedos). Antes de iniciarmos o estudo técnico no braço do instrumento, convido o leitor a estudar apenas os sons e cantar o acorde proposto para que, ao improvisar, as idéias saiam de sua mente e não de movimentos involuntários da mão. Falaremos aqui em acordes de sete notas, e não de escalas. Quatro notas são a base do acorde e três são as tensões dele. Vamos começar pelo acorde maior com sétima maior (maj7): Exemplo: CMaj7
Exercícios para praticar o ouvido interno 1. C antar e tocar cada uma das notas com o violão 2. Tocar apenas a nota Dó e cantar as notas básicas do acorde (Do, Mi, Sol, Si) 3. Tocar o acorde Cmaj7 e cantar as tensões (Ré, Fá#, Lá) 4. Transpor, utilizando o ciclo de quartas, passando pelos 12 tons Aproveite o estudo auditivo para tocar as notas em todas as regiões do braço do instrumento, o que irá nos preparar para a próxima aula. Bons estudos e até a próxima edição! VIOLÃO+ • 65
coda
Será que brota um cavaquinho?
Luis Stelzer
De novo, esquecimento? Será que não existe outro tema? Prometo que será a última vez. A menos, é claro, que eu esqueça da promessa... Essa já faz uns vinte anos, ou mais. Eu dava aula em um casarão na Rua Vergueiro, próximo ao metrô Vila Mariana. São Paulo, a cidade. Na verdade, alugava uma sala, na parte da frente da casa, para minhas aulas particulares de violão. Os donos moravam nos fundos, que nunca vi o fim, de tão enorme que era. Obviamente, esse casarão já não existe mais, virou prédio, como tudo por lá. O dia era um sábado. Chovia muito, daquelas chuvas de lavar a alma, mesmo. Eu, chegando com meu violão dentro do estojo marrom e um guarda-
56 • VIOLÃO+
chuva meio quebrado, molhado quase tanto quanto se estivesse sem o mesmo. Havia um portãozinho, que dava acesso a um jardim, com uma escada até a casa. Já abriu o portãozinho de uma casa velha? Ele é desalinhado e a fechadura não funciona mais. A solução é passar uma corrente bem grossa e fechar com um cadeado pesado. Ruim de abrir e de fechar. Ótima situação para quem está com as mãos ocupadas e com o céu caindo sobre sua cabeça. Para melhorar a minha performance na tentativa de abrir rapidamente o
coda dito cujo, coloquei o estojo do violão natural): entra! Vejo que ele vem, com no chão, bem ao meu lado, para não um lindo estojo marrom, bem molhado, esquecer. Força pra lá, força pra cá, o igualzinho ao meu. A ficha, doída, caiu. vento vira o guarda-chuva do avesso, Meu violão de concerto, um Tessarin com melhorando muito cordas Augustine a minha situação. Imperials, ficou “...Vejo que ele vem, com ao relento, do No fim das contas, já todo molhado, lado de fora da um lindo estojo marrom, não precisava casa, em plena bem molhado, igualzinho ao rua Vergueiro, na mais me preocupar em me proteger, meu. A ficha, doída, caiu...” chuva, durante vinte bastava me livrar minutos! Qualquer do que restou do um poderia passar objeto. Finalmente, o cadeado se abriu e levar, numa boa, afinal, ele ficou e a corrente foi para o chão. Pego tudo na calçada, do lado de fora da casa. de volta, entro, recoloco o cadeado sem A enxurrada também poderia tê-lo trancá-lo, corro para dentro da casa, carregado. O Bira, um tirador de sarro vou até o banheiro da edícula, começo a profissional, não perdeu a oportunidade: me secar com papel-toalha, pensando: “Não adianta deixar molhar, não vai brotar será que o Bira vem? O Bira era o um cavaquinho do seu violão!”. Ri, sem meu aluno, que, espertamente, estava graça e sem poder nem esperando a tempestade passar, sob ao menos reclamar, algum toldo de bar nas imediações. porque, no fim das Passados vinte (isso mesmo, vinte!) contas, tinha tido minutos, toca a campainha. Vejo que muita sorte. Molhado, a chuva já deu trégua. Como deixei a satirizado, mas feliz. corrente apenas enrolada e não tranquei Meu violão estava o cadeado, grito para o Bira (interfone ali, comigo.
VIOLÃO+ • 57
CD-60 CE
CLASSIC DESIGN SERIES
Mahogany
Black
Natural
Brown Sunburst
Os violões eletroacústicos CD-60 CE oferecem sonoridade e visual sofisticados. A combinação do tampo em Spruce laminado, com laterais e fundo em Nato, captação Fishman Isys III (ativa), Tarrachas Die-Cast cromadas, braço em Nato com escala em Sonokeling (Black, Natural e Sunburst) e Mahogany (Mahogany) de 20 trastes garantem sons ricos e encorpados. Importantes upgrades incluem um novo projeto de ponte, friso do bocal em madre-pérola e novo escudo. Os primorosos acabamentos Mahogany, Black, Natural e Sunburst oferecem classe e estilo aos instrumentos, que vêm acompanhados por um exclusivo case “Hardshell” original Fender.
Case “Hardshell“ Original Fender
/FenderBrasil
Captação Fishman Isys III
Novo Projeto de Ponte
www.fender.com.br
Friso em Madre-pérola
Tarrachas Die-Cast