RETROANÁLISE DE UM DESLIZAMENTO PARA A OBTENÇÃO DOS PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DO SOLO – ESTUDO DE CASO: KM 25, BR-282, SANTO AMARO DA IMPERATRIZ/SC

October 23, 2018 | Author: Cesar Godoi | Category: Soil, Mass, Friction, Rain, Earth & Life Sciences
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Florianópolis - SC 21 a 24 de novembro de 2010

RETROANÁLISE DE UM DESLIZAMENTO PARA A OBTENÇÃO DOS PARÂMETROS DE RESISTÊNCIA AO CISALHAMENTO DO SOLO – ESTUDO DE CASO: KM 25, BR-282, SANTO AMARO AMARO DA IMPERATRIZ/SC

Autores: Cesar Schmidt Godoi 1; Gisele Marilha Reginatto 1; Marciano Maccarini1; Rafael Augusto dos Reis Higashi 1; Murilo da Silva Espíndola 1; Angela Grando1

RESUMO A obtenção dos parâmetros de resistência ao cisalhamento do solo, para o estudo e análise de estabilidade de taludes, pode ser realizada de várias formas. Dentre estas se destaca os ensaios laboratoriais e de campo, correlações empíricas (normalmente utilizando valores de Nspt) e retroanálises. O presente estudo foi realizado no deslizamento de terra ocorrido no km 25 da BR-282 (principal via que liga a região da Grande Florianópolis ao Oeste Catarinense) na cidade de Santo Amaro da Imperatriz – SC. Esse deslizamento ocorreu em novembro de 2008, período marcado por chuvas anômalas e que foram uma das causas para as diversas catástrofes naturais no estado, sobretudo na região da grande Florianópolis e no Vale do Itajaí. A ocorrência desse evento ocasionou a interdição temporária da rodovia e posteriormente a execução de obras emergências de contenção. Neste trabalho é apresentada uma metodologia de retroanálise para a obtenção dos parâmetros de resistência ao cisalhamento do solo, bem como a comparação destes valores com os obtidos através de ensaios laboratoriais de cisalhamento direto. Os resultados apresentaram valores correspondentes para ambos os métodos.

1- UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina

1. INTRODUÇÃO Desastres naturais relacionados a deslizamentos de terra são cada vez mais freqüentes na região sul do Brasil. Cita-se, por exemplo, a tragédia de novembro de 2008 onde diversos deslizamentos de terra e enchentes danificaram obras viárias, destruíram residências e fizeram inúmeras vítimas em grande parte do estado de Santa Catarina, sobretudo na região do vale do Itajaí e na Grande Florianópolis. Nessa ocasião, foi necessária a execução de diversas obras emergenciais para remediar algumas áreas afetadas. Entender o fenômeno do movimento de massa e as causas da sua ocorrência é essencial para diminuir os seus efeitos sobre a sociedade, e também para a escolha de obras de contenção adequadas e eficazes. A análise de estabilidade do talude com a seleção de parâmetros adequados de resistência ao cisalhamento é essencial nesse processo. Este trabalho objetiva a comparação de parâmetros de resistência ao cisalhamento do solo (coesão e ângulo de atrito), obtidos por duas metodologias distintas: ensaios de laboratório e retroanálise de instabilidade do talude. O estudo se refere a um deslizamento ocorrido no km 25 da BR-282 no município de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Esse movimento de massa afetou diretamente a rodovia, que é a principal via que liga a Grande Florianópolis ao Oeste Catarinense. Além disso, cerca de 15 residências foram afetadas e algumas famílias tiveram que ser removidas do local. Obras de infra-estrutura foram necessárias para a contenção e estabilização da encosta, bem como a recuperação das áreas atingidas. Assim, foram executadas duas cortinas atirantadas e um muro de gabião, além da execução de drenos horizontais profundos (DHP), os quais favorecem a estabilidade da encosta, devido ao rebaixamento do lençol freático.

Figura 1 - Localização do deslizamento e do Rio Cubatão (Fonte: Google Earth)

2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO O deslizamento ocorreu no km 25 da BR-282, no bairro Sombrio em Santo Amaro da Imperatriz (Figura 1). Esse município se localiza no estado de Santa Catarina, na região da Grande Florianópolis. O clima dessa região é considerado subtropical úmido (KÖEPPEN, W.) e a sua precipitação pluviométrica anual está em torno de 1600mm a 1800mm. O local estudado é costeado pelo Rio Cubatão, importantíssimo rio catarinense e abastecedor de água da cidade de Florianópolis.

Figura 2 - Precipitação no mês de novembro de 2008

A estratigrafia do local onde ocorreu o deslizamento apresenta uma região com matacões e blocos de rocha, evidenciando um perfil de solo coluvionar. A constatação de que a área afetada encontra-se num local onde já ocorreram movimentações anteriores, é comprovada pela existência de solo residual indeformado de granito com textura mais fina nos extremos laterais da encosta. Esse deslizamento ocorreu no mês de novembro de 2008, período caracterizado por fortes e constantes chuvas na região. Através da Figura 2 nota-se que nos dias próximo a ocorrência do deslizamento (23/11/2008), as chuvas foram ainda mais intensas, e chegou-se a um pico de 138mm em apenas um dia. No mês de novembro a precipitação foi de aproximadamente 1/3 da precipitação anual, evidenciando um período susceptível a possíveis deslizamentos de terra. Os dados de chuva foram obtidos por meio da estação de São José/SC (localizada a aproximadamente 10km do local de estudo). Inspeções a campo, laudos de sondagem e dados das instrumentações existentes possibilitaram a caracterização do deslizamento quanto ao tipo de movimento e de ruptura. O mesmo foi definido como rotacional apresentando uma cunha de ruptura no formato aproximadamente circular.

3. METODOLOGIA Para realizar a retroanálise foram analisados e observados sucintamente todos os parâmetros envolvidos no cálculo do fator de segurança da estabilidade de um talude. Assim, após a campanha de campo (sondagens, instrumentação, além de inspeções no local), foram elaborados os dados para a obtenção do traçado da superfície de ruptura da encosta (fator de segurança igual a 1), além da determinação do nível do lençol freático. O traçado, juntamente com o perfil estratigráfico local pode ser observado na Figura 3.

Figura 3 - Perfil estratigráfico do local

Como as sondagens foram realizadas aproximadamente 1 mês após a ocorrência do deslizamento (conseqüentemente o nível do lençol freático já estava mais baixo), confiou-se para a retroanálise principalmente nas observações visuais de surgência de água nos dias próximos a ocorrência do deslizamento. Para uma adequada identificação da superfície de ruptura foi utilizada uma análise dos inclinômetros instalados no local, IN-01, IN-02 e IN-03, suficientes para identificar a massa deslizante e a profundidade da superfície de ruptura (GODOI, 2010), a localização dos mesmos pode ser observada na Figura 3. As trincas e observações de campo também foram consideradas para a determinação da superfície de ruptura. Em seguida foram realizadas 27 retroanálises variando os parâmetros de resistência de uma das camadas do solo. Seguindo a metodologia apresentada por GOMES (2003), traçou-se a curva c = f(φ) para os fatores de segurança iguais a 1 utilizando o método de Bishop Simplificado. Esta curva é traçada com os valores de coesão no eixo y, e ângulo de atrito no eixo x para aumentar a confiança nos parâmetros de resistência do solo estimados. Por último, foram realizados dois ensaios de cisalhamento direto na condição inundada para comparar com os valores de coesão e ângulo de atrito anteriormente obtidos na retroanálise. Esses ensaios foram realizados no Laboratório de Mecânica dos Solos da UFSC, e as amostras foram ensaiadas com velocidade igual a 0,307mm/min e dimensões dos corpos de prova de 101,2mm de largura por 20mm de altura. Para traçar as envoltórias de ruptura foram utilizados três corpos de prova variando a pressão aplicada em cada um, gerando assim três estágios de carregamento.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES 4.1.RETROANÁLISES REALIZADAS A superfície de ruptura foi identificada através de quatro pontos: dois com o auxílio dos inclinômetros e mais dois obtidos através de observações em campo . No IN-01 a superfície de ruptura foi localizada a aproximadamente 9,5m de profundidade, enquanto que no IN-02 a aproximadamente 14 metros. O IN-03 não apresentou superfície de ruptura definida, o que significa que foi instalado fora da massa deslizante. O solo no deslizamento é predominantemente silto arenoso, com três camadas bem distintas. Superficialmente o Nspt variou de 4 a 12, enquanto que na camada intermediária o Nspt esteve próximo de 20. Próximo a rocha, foram obtidos valores de Nspt próximos a 60. Justamente na camada 1 e próximo a camada 2 é que foi identificada a superfície de ruptura. As retroanálises foram realizadas variando os parâmetros de resistência do solo da camada 1 até a obtenção de um fator de segurança igual a 1. Foi escolhida a camada 1 para o ajuste dos parâmetros de resistência ao cisalhamento devido ao fato de que a superfície de ruptura está passando apenas por esta camada, logo é ela que resiste ao cisalhamento. Na Figura 4 é possível observar os resultados de uma das retroanálises realizadas, bem como a separação das camadas de solo e os carregamentos considerados.

Figura 4 - Exemplo de uma retroanálise realizada e a identificação das camadas consideradas

O carregamento de 25 kN/m² se refere ao tráfego da rodovia BR-282, enquanto que o carregamento de 40 kN/m² se refere às residências existentes (Figura 4). Os mesmos foram definidos pelos projetistas da obra de contenção realizada. Os resultados das 27 retroanálises permitiu a elaboração da curva c = f(φ) para os fatores de segurança igual a 1 como é mostrado na Figura 5.

Figura 5 - Curva c = f(φ)

Através da curva apresentada obtêm-se diversos pares de parâmetros de resistência que caracterizam o solo na superfície de ruptura. Para a definição dos parâmetros mais adequados para a análise de estabilidade, deve-se escolher (analisando-se criteriosamente) um dos parâmetros (o mais “confiável”: coesão ou ângulo de atrito) e a partir da curva obter o outro parâmetro. Assume-se que a coesão na superfície de ruptura seja nula devido ao solo ser predominantemente silto arenoso e também por pelo fato do movimento relativo na superfície de ruptura estar atuando já há bastante tempo, quebrando as ligações entre partículas. Portanto, a coesão adotada é igual a 0kPa e a partir da curva c = f( φ), obtém-se o valor de ângulo de atrito igual a 23,4º.

4.2.ENSAIOS LABORATORIAIS REALIZADOS Foram coletadas duas amostras indeformadas para a realização do ensaio de cisalhamento direto: AM-01 e AM-02. A amostra AM-01 se refere à camada 1, ou seja, é um solo silte arenoso amarelado, proveniente da formação coluvionar da região; a AM-02 representa a camada 2, sendo um solo silto argiloso avermelhado, residual de granito. A tabela a seguir (Tabela 1) apresenta algumas das características dos ensaios para cada amostra, bem como os resultados obtidos. As envoltórias de ruptura podem ser visualizadas nas Figuras 6 e 7.

Tabela 1: Resultados do ensaio de cisalhamento direto σ [kPa]

Amostra

1° 2° Estágio Estágio

AM01

32

AM02

32

γnat

3° Estágio

w [%]

ε0

51

76

19,7

0,88

1,69

76

124

34,1

1,07

1,71

φ [°]

c [kPa]

1,41

25,30

11,60

1,28

31,20

11,30

γs

[g/cm3] [g/cm3]

Figura 6 - Envoltória de ruptura da amostra AM-01 (camada 1)

Figura 7 - Envoltória de ruptura da amostra AM-02 (camada 2)

Assumindo-se a hipótese de coesão nula na superfície de ruptura em campo e em conseqüência um valor φ de 23,4º, verifica-se que o valor de φ determinado em laboratório é bastante próximo. Considerando o valor da coesão igual a zero e inserindo esse valor na equação da reta obtida para a AM-01 (amostra coletada na camada de ruptura) observa-se que o valor do ângulo de atrito corresponde àquele definido através da curva c = f( φ) (igual a 25º).

5. CONCLUSÕES A partir dos resultados apresentados algumas conclusões, comparando as duas metodologias abordadas neste trabalho, ficam evidenciadas: - Considerando que a superfície de ruptura de campo tenha sido definida com boa precisão e passando inteiramente pela camada de solo 1 e assumindo-se um valor de coesão nula, obteve-se das retroanálises o valor de ângulo de atrito igual a 23,4º. - Os resultados dos ensaios de cisalhamento direto de laboratório em amostra de solo da camada 1 apresentaram um valor de ângulo de atrito foi de 25º, bastante similar àquele obtido da retroanálise.

6. REFERÊNCIAS AGUIAR, M. F. P.; FILHO, F. C. S.; ALMEIRA, M. S. S. Análise de movimentos em encostas naturais através de monitoramento por instrumentação – Caso Coroa Grande-RJ. Ver. Tecnol., Fortaleza, 2005. CAPUTO, H.P. Mecânica dos Solos e suas Aplicações, Volume 1. Livros Técnicos e Científicos Editora, 1988. GODOI, C.S.; Acompanhamento de Projeto e Execução em Obra de Contenção de Encosta – BR 282, Km 25, Santo Amaro da Imperatriz/SC. TCC – ECV/UFSC, Florinanópolis, SC, 2010. GODOI, C.S.; MACCARINI, M.; ESPINDOLA, M.S.; GRANDO, A.; MACIEL, C.B. Análise de instrumentação de encosta após a ocorrência de deslizamento de solo na cidade de Santo Amaro da Imperatriz/SC. GEOSUL, 2010. GOMES, C. L. R.; Retroanálise em estabilidade de taludes em solo: metodologia para obtenção dos parâmetros de resistência ao cisalhamento. Campinas, SP, 2003. GUIDICINI, G.; NIEBLE, C.M. Estabilidade de Taludes Naturais e de Escavação. Editora Edgard Blücher LTDA, 1983. TERZAGHI, K. Mecanismo dos Escorregamentos de Terra. Transcrito da Revista Politécnica nº 167 de Julho – Agosto de 1952, Escola Politécnica – USP, 1972.

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