Resumos Livro Jorge Miranda(1)

September 30, 2017 | Author: Manuel Goncalves | Category: Treaty, International Law, Case Law, State (Polity), International Politics
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Universidade de Lisboa Faculdade de Direito

DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO Prof. Doutor Jorge Miranda

2004/2005 Luís Manuel Nascimento/Vera Maria Correia Capítulo I – O DIREITO INTERNACIONAL 1 – Formação e evolução Direito internacional e história O Direito Internacional tem de ser compreendido a partir da história Em sentido lato, a história interpenetra-se com a história do Estado. Onde quer que haja Estado e que mantenha qualquer tipo de relações mais ou menos duradouras com outros Estados tornam-se necessárias normas jurídicas para as estabelecer e fazer subsistir, sejam quais forem essas normas. Considerando apenas o moderno direito internacional, cabe distinguir dois períodos na história: 1) Desenrola-se até à 1.ª guerra mundial (clássico) – dominam as relações entre os Estados, sendo estes os únicos sujeitos do direito internacional. 2) Desde então até hoje (contemporâneo) – nele os Estados têm de concorrer com novos sujeitos na esfera internacional: organizações internacionais, o próprio indivíduo (que adquire também subjectividade internacional). Abundam os tratados multilaterais sobre as mais variadas matérias.

Direito Internacional clássico Sendo nos séculos. XV, XVI e XVII que se encontram as origens directas do Dto. Internacional moderno e é nos séculos. XVIII e XIX que ele se desenvolve e ganha importância crescente. Sucedem-se três fases: - A primeira, de primórdios, abrange os tempos anteriores à paz de Vestefália (1648). Entre o séc. XV a 1648 sucedem-se grandes eventos históricos: a quebra do poder do imperador do Sacro-Império, os descobrimentos, o Renascimento, A reforma a Contra-reforma. Serão os descobrimentos a trazer problemas que se reportam, à delimitação da acção e das esferas das potências europeias em expansão (aqui entra a famosa contraposição entre Hugo Grócio e Frei Serafim de Freitas – Mare Clausum Vs. Mare Liberum). - A segunda decorre até à Rev. Francesa e Século XVIII – os tratados de Vestefália reconhecem o princípio da soberania dos Estados como princípio de independência dos Estados europeus entre si e de exclusão de qualquer poder que lhes seja superior. Multiplicam-se as relações comerciais, celebram-se tratados e vão surgindo normas consuetudinárias em áreas vitais (limites do poder do Estado, Territórios, representações diplomáticas). Afirma-se o Dto. Das gentes com crescente alcance e vai-se projectando na vida dos Estados. - A terceira começa nessa altura e termina na 1.ª guerra mundial – as Rev. Francesa e americana marcam uma nova fase, coincidente com o liberalismo burguês, com o nacionalismo romântico e com o apogeu do poderio europeu. Introduzem-se noções de soberania popular (o Dto. Internacional passa a ser concebido como o Dto. Das relações entre os povos, livres e iguais). A Santa aliança é a expressa da nova ordem de consenso que emerge através de conferências diplomáticas. Emergem os EUA e Japão, aparecem uniões administrativas internacionais, e cria-se um Dto. Humanitário de guerra.

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Direito internacional contemporâneo Divide-se em duas fases: - Uma primeira até 1939, até a 2.ª guerra Mundial – o desmembramento dos chamados impérios centrais levam à reafirmação dos princípios da autodeterminação dos povos e das nacionalidade, separadamente ou conjugados. Novos estados emergem. Desenham-se movimentos anticoloniais fora da Europa. Em anexo ao Tratado de Versalhes é criada a Sociedade das nações (embora não confinada a objectivos de segurança, são eles que avultam, sendo ainda os países europeus que dominam a Sociedade das Nações). Aparecimento da Organização Internacional de Trabalho a qual irá desempenhar uma função decisiva no progresso social, através das convenções e das recomendações que elaborará a partir da sua assembleia, a Conferência Internacional do Trabalho. Aparecimento de um Tribunal Permanente de Justiça Internacional – instância jurisdicional de solução de litígios internacionais de harmonia com critérios estritamente jurídicos. - A segunda, após 1945, sob a égide das Nações Unidas. Esta foi criada a pensar num sistema mundial mais dinâmico. Tem os seguintes aspectos: - A elevação da cooperação económica e social – art. 1.º, 33.º e 55.º da Carta. - O empenho no progresso político, no sentido da autodeterminação e da independência – art. 73.º e 75.º. - A proibição da guerra – arts. 2.º, n.º 3, 4 e 5, e 51.º. - Conjunto complexos de órgãos. A par das N.U e da organização internacional do trabalho constituíram-se outras organizações (organização das N.U. para a educação, a ciência, e a cultura). Criação numerosas organizações de âmbito continental ou subcontinental, com objectivos políticos, militares, económicos e culturais. O aparecimento dos novos Estados dir-se-ia pôr em causa algumas das bases do Dto. Internacional. Para certas correntes de doutrina teria mesmo de se dar uma ruptura com os princípios e regras anteriores, produto do domínio de países imperialistas e exploradores, à semelhança do que ocorreria como Dto. Interno, também haveria um Dto. Internacional e o desenvolvimento. Porém, ultrapassado apriorismos ideológicos, verificar-se-ia que o Dto. Internacional conseguiria adaptar-se às transformações, revelando-se dotado mesmo de maior capacidade de adaptação do que o Dto. Interno, em vez de ser mera super-estrutura dependente de quaisquer interesses. Entre os aspectos mais cadentes da actualidade internacional podem ser destacadas: - A globalização económica - A globalização da comunicação social e cultura. - O agravamento das desigualdades - Os extensos movimentos de pessoas - O exacerbamento dos contrastes nacionais, rácicos, religiosos e mundiais. - Os problemas do clima e da preservação do ambiente e dos recursos naturais.

Características distintivas e institucionalizadas do Dt. Internacional Ainda hoje o Dt. Internacional apresenta características que bem o distinguem do direito estatal:

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- Sistema complexo e diferenciado de fontes. - Diversificação o âmbito das normas. - Sistema complexos de sujeitos: - No dt. Estatal os sujeitos com capacidade plena são as pessoas singulares, no Dt. Internacional são os Estados (os indivíduos também mas quando verificados certos pressupostos). - Multiplicidade de sujeitos e de categorias de sujeitos a nível interno. - Igualdade jurídica e biológica a nível interno, a nível internacional são iguais a nível jurídico mas condicionados pelas diferenças de poder e dimensão. - Dependência do dt. Interno para a execução das suas normas. - Domínio quase completo nos actos jurídicos-internacionais das manifestações. O fenómeno da criação de organizações de diversos tipos: - Fenómeno da criação de organizações de diversos tipos. - Imposição pelas N.U. dos seus princípios e injunções a Estados não membros. - A assunção das N.U., mediante a Assembleia Geral de uma tarefa de codificação das normas preexistentes de origem consuetudinária. - O reconhecimento num dos grandes textos de codificação – a Convenção de Viena sobre Direitos dos Tratados de 1969 – de um JUS COGENS, de normas imperativas de Dt. Internacional que prevalecem sobre os tratados e cujo não-acatamento determina a nulidade destes. - Na linha do pacto da Sociedade das nações também a prescrição de que as obrigações advenientes da Carta das nações Unidas prevalecem sobre quaisquer outras obrigações internacionais. - A prática crescente de tratados multilaterais e abertos a Estados não participantes na sua formação.

2 – Sentido do Direito Internacional Âmbito do Direito Internacional - O primeiro critério atende às relações reguladas pelo direito internacional como relações entre estados: Dt. Internacional é então o Dt. das relações entre Estados – entre Estados nacionais, ou tendencialmente nacionais. Esta noção não pode ter-se por correcta. Existem outras entidades para além dos estados, que também são objecto de regulamentação e que participam activamente no que se tem vindo a chamar vida jurídica internacional. Em contrapartida, existem Estados que não participam na vida internacional (federações). - Segundo critério contempla, não já os Estados, mas sim os sujeitos de Direito Internacional em geral. O Direito Internacional é encarado como Dt. Regulador das relações entre sujeitos de Direito Internacional, independentemente de serem ou não Estados. Mas tal definição tem um gravíssimo defeito: o de implicar uma petição de princípio – define o dt. Internacional a partir dos sujeitos de direito internacional: ora, o que sejam esses sujeitos depende do próprio dt. Internacional. - Terceira definição parte do objecto das normas. Tudo o que seja matéria internacional é objecto de normas de direito Internacional; este aparece como o Direito relativo a matérias internacionais, e não como o direito das relações entre Estados e outros sujeitos.

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Surgem logo as dúvidas: afigura-se tarefa difícil afirmar com segurança e firmeza que uma dada matéria cabe ou não no direito internacional, é internacional ou não; e cada vez se observa mais uma intrincada teia de circulação, comunicações, relações e trocas entre os povos. - Critério dos processos de formações das normas: o direito internacional abrangeria as normas resultantes de processos de formação específica de normas contrapostos aos de direito interno. E as diferenças ressaltam quase à vista desarmada. Não encontramos leis como modos de formação centralizada do direito por obra de autoridades com competência para tal. Como modo mais aproximado apenas encontramos os tratados multilaterais gerais. O Direito internacional constitui ainda uma ordem jurídica descentralizada, enquanto a ordem jurídica correspondente à concepção de estado moderno é centralizada. Por isso, a par do costume, com muito maior importância do que na ordem interna, o que mais avulta é a convenção internacional ou no tratado internacional. Este critério é demasiado formal para nos dar uma verdadeira noção de Dt. Internacional - Ideia de comunidade internacional: o Dt. Internacional como expressão jurídica da existência de uma comunidade internacional. Contudo, o Dt. Internacional surge como expressão das soberanias dos Estados, a partir dos seus interesses e vontades; ainda hoje não se pode negar o peso decisivo que os Estados têm dentro da comunidade internacional. Para além disso existem, não uma, mas várias comunidades internacionais. O Prof. Jorge junta os dois últimos critérios. O Dt. Internacional compreende processos de formação específicos; e singulariza-se pelo papel mais extenso do costume, pela ausência de lei como acto normativo, autoritário e centralizado e pelo significado peculiar de factores convencionais. Mas esses procedimentos não valem nem se explicam por si mesmos; derivam, naturalmente, das condições próprias e mutáveis da vida internacional, dos modos e das circunstâncias, como nela se inscrevem os Estados e os demais sujeitos, bem como das conexões entre eles e as pessoas físicas. Tendo começado como Dt. Das relações recíprocas dos estados ele foi-as estruturando em termos permanentes através de meios organizativos a se e de formas avançadas de institucionalização. Ele liga-se a uma dinâmica feita tanto de entidades colectivas como de pessoas singulares que não acaba nas fronteiras políticas, antes pressupondo a inserção num plano mais vasto e mais complexo; patenteia a existência de círculos alargados de comunidades jurídicas para além da comunidade estatal.

Áreas do Direito Internacional O Dt. Internacional é um ordenamento jurídico, não um ramo de Direito. Ao lado das ordens jurídicas estatais depara-se o Dt. Internacional. Em conexão com a mundialização do Dt. Internacional, observa-se o fenómeno do regionalismo. O Direito Internacional tende à universalidade em diferenças zonas geográficos, continentes ou subcontinentais. A própria Carta das Nações Unidas prevê «acordos regionais» (arts. 52.º, 53.º e 54.º.) O Dt. Internacional regional mais antigo vem a ser o Direito interamericano, de base mais consuetudinária do que convencional. Mas não é o único. Outros Direitos internacionais particulares emergem, em correspondência com grandes organizações políticas e económicas regionais, desde a Europa à Ásia.

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Podemos separar o Direito Internacional geral e o Direito Internacional convencional. Até há pouco mais de cinquenta anos só através do costume e dos princípios gerais de direito Internacional poderia haver um conjunto de normas obrigatórias para todos os Estados. Ao invés, por meio de tratado não poderia ser criado direito obrigatório senão para certos sujeitos. Hoje temos de olhar a outros dados. O Costume tem sido, predominantemente, geral, também têm existido em todas as épocas importantíssimos costumes regionais. O crescente peso das normas provenientes de organizações internacionais justificaria, aliás, uma divisão tricotómica: - Direito geral ou comum. - Direito Internacional convencional. - Direito interno das organizações internacionais. Do mesmo modo esse relevo das organizações internacionais levaria a contrapor um Dt. Internacional relacional e um Dt. Interno institucional. Poder-se-á então falar em Dt. Internacional fundamental ou constitucional, em direito estruturante das relações internacionais e da própria comunidade internacional; num conjunto de normas definidoras da posição jurídica dos sujeitos de tais relações e do quadro em que elas se desenvolvem; num conjunto de normas de vária origem, mas de função nuclear, e algumas das quais possuem um valor superior ao de todas as demais. Direito Internacional geral – cobre o Dt. Internacional fundamental, e todas as normas de carácter geral. Direito internacional especial – subdivide-se em diversos sectores. Por exemplo sectores afins do direito estatal: Dt. Internacional Penal.

Fundamento do Dt. Internacional Hobbes – negava-lhe carácter jurídico. O positivismo tende a definir o Direito através da estadualidade e da coercibilidade; e dele não se fasta. Não havendo na ordem internacional «nem legislador, nem juiz, nem policia o direito internacional ou não seria verdadeiro direito ou , a sê-lo, não passaria de um direito estatal externo. No séc. XX prevalecem na doutrina as posições não voluntaristas, as teses que explicam a obrigatoriedade jurídica ou a necessidade de cumprimento das normas de Direito Internacional à margem ou para além da vontade estatal. Entre estas teses: - Teses normativistas – reconduzem o sistema de Direito internacional não à vontade, mas a uma norma. - Teses solidarista – fundamentam o Direito internacional na solidariedade entre os indivíduos. - Teses institucionalistas – - Teses jusnaturalistas – assenta em valores suprapositivos, em critérios éticos de obrigatoriedade.

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O Direito Internacional faz parte do universo jurídico o mesmo fundamento e a mesma razão de ser do restante Direito. Apresentando, por certo, características específicas, nem por isso deixa de conter aquilo que de essencial assinala o Direito: a estrutura normativa necessária duma sociedade ou de certo tipo de convivência entre as pessoas humanas. Existe uma pluralidade de ordenamentos em cada um, o Direito assume expressões peculiares, dependentes de factores culturais, políticos e económicos. Por que motivo se obedece a qualquer norma jurídica? Para além da reciprocidade de interesses, para além do temor ou não de sanções, o que determina a obediência é o sentido racional e ético, mais ou menos conscientemente assumido, da pertença a um grupo, a uma comunidade, a um sistema de relações. O destinatário da norma é livre de cumprir ou não, mas a norma que se lhe dirige não tem por base a sua vontade; funda-se em princípios objectivos de ordem que o transcendem ou num sentido de bem comum. Quanto à lei, ela não pode ser decretada em Direito Internacional, seguro é que há sucedâneos ou aproximações: o tratado multilateral geral e, em certos casos, a decisão de organização internacional ou de entidade afim. Quanto a tribunais, afora os arbitrais, refiram-se o TIJ, o Tribunal Europeu e Interamericano de Direitos do Homem, os tribunais de administrativos da ONU, o Tribunal Internacional do direito do Mar. Apenas de polícia e exército permanente não dispõe a comunidade internacional. Mas a carta das Nações Unidas prevê (no capítulo VII) medidas coercivas, e até sanções de carácter militar (arts. 42.º e 43.º)

Direito Internacional público e Direito Internacional privado DIPúblico – está patente uma vida internacional que vale por si mesma, que se manifesta em determinados processos de formação de normas e que se liga a formas relacionais e institucionais específicas. DIPrivado – em princípio não se afasta o Direito interno de cada estado: há situações jurídicas que estão em conexão com mais do um ordenamento jurídico, mas é o ordenamento jurídico correspondente a este ou àquele Estado que vai decidir qual o Direito aplicável para resolver o conflito de leis, decretando ele mesmo normas para esse fim. Este só é internacional pelas implicações na circulação internacional das pessoas, dos negócios jurídicos e dos bens.

Capitulo II – FONTES DE DIREITO INTERNACIONAL 1 – Aspectos gerais O art. 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça O conceito de fontes é em geral plurívoco, com vários sentidos. O próprio art. 38.º do estatuto do Tribunal Internacional de Justiça, ponto de referência habitual no tratamento da matéria, joga com várias acepções do termo.

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Esta disposição não prejudicará a faculdade de o tribunal, se as partes estiverem de acordo, decidir «ex aequo de bono». Facilmente se observa que, na fórmula adoptada, dir-se-ia feita a distinção entre fontes primárias ou principais e fontes secundárias ou auxiliares (as primeiras seriam convenções, o costume e os princípios gerais do Direito, as segundas a jurisprudência e a doutrina); e que se confundem modos de produção ou de revelação do Direito (convenções e costume) e normas jurídicas (princípios). É corrente sustentar que haveria aí, de uma banda, fontes formais e, de outro, fontes materiais. O que importaria distinguir seria, sim, entre fontes de Direito e normas de Direito criado ou revelado através de determinados modos, processos e instrumentos. - O art. 38.º não contém uma enumeração exaustiva das fontes, apenas uma enumeração exemplificativa e que, feita em certa época, tem de ser submetida a uma interpretação actualista. Este art. não esgota os modos de produção ou de revelação existentes, nem pode impedir futuras mutações de Direito internacional. Basta lembrar as decisões das organizações internacionais; para a orientação dominante entre autores, os actos jurídicos unilaterais dos estados, vindos já do DI clássico, e actos dos quais decorrem consequências nas relações entre sujeitos de DI. - Não pode inferir-se dele uma hierarquia das fontes ou das normas de Direito internacional. A ordem de enumeração não traduz qualquer supremacia da convenção sobre o costume e deste sobre os princípios gerais de Direito. Se tivesse de haver hierarquia (que na realidade não há) teria de ser inversa. Desde já vejamos estas fórmulas: - Na alínea a) do n.º1 refere-se a «convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados». Algumas notas críticas se oferecem: 1.º não se apercebem a razão e o critério de distinção entre convenções gerais e convenções especiais; 2.º as regras convencionais não são reconhecidas, mas sim estabelecidas pelas partes; 3.º a referência a regras expressas poderia limitar o alcance da interpretação. - Quanto ao costume internacional, ele é definido como «prova de uma prática geral aceite como de direito». Nessa noção muito menos parece de acolher, porque: 1.º o costume não é prova de uma prática, mas sim o sentido ou a orientação de uma prática; 2.º não se descortina o que seja «uma prática geral» - Os princípios gerais de Direito dizem-se reconhecidos pelas «nações civilizadas» - o que pressupõe nações não civilizadas. Trata-se, desde já, de Estados e não de Nações. Por outro lado os princípios constam de normas consuetudinárias e convencionais. - Na alínea d) lê-se: «o Tribunal aplicará sob reserva do art. 59.º, as decisões judiciais». E parece algo contraditório: por um lado, este art. 59.º diz que as decisões do tribunal não obrigam senão as partes entre si e relativamente ao litígio em concreto; por outro lado, inculca-se que o tribunal aplica as decisões na resolução de futuros casos. Não pode ser só isso; só podem estar em causa orientações jurisprudenciais. - Ainda nesta alínea d), na 2.º parte, colocam-se em pé de igualdade a jurisprudência e a doutrina. - Finalmente, acrescenta-se no n.º 2 que o disposto no n.º1 «não prejudicará a faculdade do Tribunal, se as partes estiverem de acordo, de decidir ex aequo et bono». Trata-se de uma referência à equidade, que, contudo, não é em si uma fonte de Direito; é, antes, um modo de aplicar o sentimento ideal de justiça aos casos concretos, um critério de decisão.

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O sistema das fontes O costume, o tratado e a decisão de organização internacional são fontes formais que se recortam hoje com nitidez. A elas acresce a jurisprudência, com um papel mais reduzido, conquanto de modo algum insignificante quer pela sua intervenção insubstituível na interpretação e na integração das normas preexistentes, quer pelo seu eventual contributo para a formação de um tipo de costume – o costume jurisprudencial. Estas quatro categorias de fontes surgem em abstracto com suficiente autonomia, em concreto, são interdependentes e as normas através delas criadas entrelaçam-se sistematicamente, sem prejuízo da consideração de zonas diferenciadas. A interdependência das fontes aponta para a precedência do costume: - A jurisprudência, por natureza, pressupõe norma jurídica anterior. - A decisão de qualquer organização internacional repousa na competência de um ou vários órgãos e reveste a eficácia que se encontre prevista no respectivo tratado constitutivo. - Mas o processo de conclusão dos tratados, bem como os demais aspectos do seu regime, assentavam até à convenção de Viena de 1969 em normas consuetudinárias; e ainda hoje assentam em tais normas, no tocante aos Estados, como Portugal, que até agora não a ratificaram. Não se inculca com isto que a razão da obrigatoriedade de todas as normas internacionais deva ser procurada no costume: ela tem de se firmar, como atrás se disse, em princípios objectivos.

O costume internacional O costume tem em Direito Internacional um papel bem maior do que aquele que tem no domínio do Direito interno. A ausência de uma autoridade central, a nível mundial, explica-o, em parte. Ainda hoje há matérias importantíssimas que continuam reguladas principalmente ou quase só por costume, como responsabilidade internacional e as imunidades dos Estados. O caminho para a institucionalização não impede a formação de normas consuetudinárias. O costume internacional não resulta só da prática dos estados nas suas relações bilaterais ou multilaterais. Resulta também da prática que se desenvolva no interior das organizações internacionais. Um caso paradigmático de costume nestas circunstâncias a que vale a pena aludir, desde já, é o respeitante ao direito de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança. De harmonia com o art. 27.º, n.º3 da Carta das nações Unidas, as deliberações do Conselho de Segurança em questões não processuais são tomadas com votos afirmativos de nove membros. À letra, isto significaria que tanto o voto contrário como a abstenção equivaleriam a veto. No entanto, desde há muito que se verifica não ser a tomada de abstenção neste sentido. Classificações de espécies de costume:

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- Olhando ao seu âmbito ou aos destinatários, contrapõe costume geral (obriga todos os Estados) ou universal e costume particular (aplicável apenas a certo continente). - Costume local, quase sempre bilateral, relativo a uma área geográfica circunscrita, como foi o costume consagrador do direito de passagem de autoridades civis portuguesas entre Damão e os enclaves de Dadrá e NagarAveli. Quanto ao fundamento do costume: - Posição antiga, ligada à doutrina da soberania, tendia a reconduzir o costume ainda à vontade. O costume seria um pacto tácito: não manifestada a sua vontade em contrário, os Estados ou os sujeitos de Direito Internacional em geral estariam adstritos a cumprir os deveres decorrentes de normas consuetudinárias (Grócio). - Jorge Miranda – o costume internacional decompõe-se num elemento material – o uso – e num elemento psicológico – a convicção de obrigatoriedade. O uso exige tempo e repetição de comportamentos de diversa natureza (actos diplomáticos, actos de execução de tratados). A convicção de obrigatoriedade reporta-se não a qualquer psicologia colectiva, mas à interpretação funcional e normativa da vontade manifestada por sujeitos de Direito Internacional ou pelos seus órgãos; e depreende-se, antes de mais, da consideração objectiva dos actos praticados ou deixados de praticar por esses sujeitos. As normas jurídicas de origem consuetudinária e as de origem convencional possuem o mesmo valor jurídico e deve admitir-se, à partida, a possibilidade de recíproca modificação ou revogação. Em contrapartida, as normas consuetudinárias encontram-se, também elas, subordinadas ao jus cogens e com este não se confundem, mesmo as de costume universal, visto que: 1.º o jus cogens não pode ser modificado ou afectado por normas consuetudinárias; 2.º o costume postula sempre a prática, o jus cogens impõe-se ainda quando não haja nenhuma prática, seja no sentido do seu cumprimento, seja noutro sentido.

Os actos das organizações internacionais Há muitos tipos de actos ou decisões de organizações internacionais: - Actos de eficácia externa e actos de mera eficácia interna. - Actos políticos, actos jurisdicionais e actos administrativos. - Actos normativos e não normativos. Das decisões, enquanto actos vinculativos ou imperativos, distinguem-se as recomendações e os pareceres. Só os actos normativos, sejam de eficácia interna, sejam de eficácia externa, são fontes de Direito Internacional. Os estatutos, cartas ou constituições de organizações internacionais são-no naturalmente, também, mas reconduzem-se a tratados; não têm autonomia. No âmbito das nações unidas, são decisões gerais e abstractas as de afirmação ou reafirmação de princípios ou regras de Direito Internacional, e decisões gerais e concretas, as da Assembleia Geral sobre matérias financeiras (art.

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17.º da carta) e sobretudo, as do Conselho de Segurança sobre a manutenção da paz e da segurança internacional (arts. 39.º e segs.) No âmbito de organizações especializadas da «família» das N.U. são decisões normativas os padrões internacionais de aviação civil estabelecidos pelo Conselho da Organização de Aviação Civil Internacional. As mais importantes de todas as decisões normativas são as que emanam dos órgãos das Comunidades europeias (Dt. comunitário derivado). O art. 249.º do Tratado da Comunidade Europeia dá nos o panorama.

a. O regulamento tem carácter geral. É obrigatório em todos os seus elementos e directamente aplicável em todos os Estados-membros.

b. A directiva vincula o estado-membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios.

c. A decisão é obrigatória em todos os seus elementos para os destinatários que ela designar. d. As recomendações e os pareceres não são vinculativos.

A jurisprudência Importa considerar tanto as decisões de tribunais internacionais, arbitrais e judiciais, como as decisões de tribunais existentes na esfera interna dos Estados, na medida em que estes tribunais aplicam directamente o Direito Internacional. Os arts. 38.º e 59.º do estatuto do Tribunal Internacional de Justiça não atribuem às decisões deste órgão efeitos erga omnes nem é adoptada, na prática, a regra do precedente. O papel dos tribunais internos varia de acordo com os sistemas jurídicos respectivos e com as formas de Estado. Tem-se revelado significativo em problemas como os concernentes ao reconhecimento de Estado ou de Governo, à sucessão de Estados, às imunidades diplomáticas, à extradição e à cidadania.

Os actos jurídicos unilaterais Os únicos actos jurídicos unilaterais que cabem no âmbito das fontes de Dt. Internacional são os actos normativos de organizações internacionais, as decisões de conteúdo geral e abstracto ou de conteúdo geral e concreto dos seus órgãos. As decisões não normativas dessas organizações e os clássicos actos jurídicos unilaterais dos estados porque não assumem tal conteúdo, não devem ser integrados nessa categoria. A grande contraposição dá-se entre actos unilaterais autónomos e actos unilaterais não autónomos, ou seja, entra actos que aparecem à margem de quaisquer outros actos, válidos e eficazes por si e actos que se inserem em processos ou procedimentos de formação de outros ou que decorrem directa imediatamente de outros actos. Os primeiros são o reconhecimento, o protesto, a notificação, a promessa e a renúncia. Entre os segundos, contam-se a assinatura, a ratificação, a adesão, as reservas, a aceitação, a objecção e a revogação de reservas, a denúncia, etc.

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Os primeiros tanto produzem efeitos directos e imediatos nas relações com outros sujeitos como efeitos enquanto se inserem na prática dos Estados e contribuem para a formação ou para a revelação de costume internacional. - Reconhecimento – declaração unilateral de um estado pela qual considera que certo facto ou certa situação está em conformidade com as regras jurídicas ou satisfaz os requisitos por elas prescritos. - Protesto – declaração de sentido contrário, a declaração segundo a qual certo facto ou certa situação não respeita o Dt. Internacional. - Notificação – declaração relativa a certo facto ou certa situação, presente ou futura, levada ao conhecimento de outro sujeito de Dt. Internacional. - Promessa – declaração unilateral de vontade pela qual certo sujeito compromete a agir ou não de certo modo. - Renúncia – acto jurídico unilateral pelo qual certo sujeito declara não exercer ou, eventualmente mesmo, quer deixar na sua esfera jurídica certo direito. Os actos jurídicos unilaterais autónomos ou principais apresentam as seguintes característica comuns:

a. Provêm de um só sujeito de Direito internacional. b. Expressão da própria capacidade internacional dos sujeitos, são também expressão de autovinculação de acordo com o princípio da boa fé e, por conseguinte, irrevogáveis logo que se tornam definitivos. c. Não estão dependentes de nenhum requisito formal – designadamente, não têm de revestir forma escrita e não estão sujeitos ao ónus de registo junto do Secretário-Geral das Nações Unidas.

A codificação do direito internacional Nas últimas décadas tem-se assistido a um movimento dito de codificação, tendente a substituir, gradualmente, o conhecimento das normas de Dt. Internacional consuetudinário através da observação da prática pela sua incorporação em grandes textos sob a forma de convenção. Obedece a uma finalidade de certeza e segurança jurídicas. Tem também uma finalidade política: propiciar uma intervenção dos estados que não participaram na formação de muitas das suas normas consuetudinárias. A passagem das normas a escrito não afecta o seu carácter consuetudinário. E tanto é assim que os novos Estados ficam automaticamente vinculados a essas normas; e Estados que não sejam partes em convenções de codificação continuam vinculados às normas preexistentes doravante nelas inscritas.

2 – Os Tratados Noção de tratado Por tratado (artigo. 2º, n.º 1, al. A) da Convenção de Viena) ou convenção internacional entende-se um acordo de vontades entre sujeitos de Dt. Internacional constitutivo de direitos e deveres ou de outros efeitos nas relações entre eles. Contudo, só quando estes efeitos consistirem na criação ou modificação de normas, estaremos perante um tratado fonte de direito internacional. Este conceito envolve:

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- Um acordo de vontades. - A necessidade das partes serem todas sujeitos de direito internacional e de agirem nessa qualidade. - A regulamentação pelo Dt. Internacional. - A produção de efeitos com relevância nas relações internacionais. O conceito não implica: - Que as partes sejam Estados como os previstos no art. 43.º da Carta das nações Unidas. - Que o acordo seja reduzido a escrito. - Que sendo escrito o acordo se reduza a um único instrumento.

Distinção de realidades afins Dos tratados internacionais distinguem-se: - Os feixes de actos unilaterais – emitidos simultaneamente por diferentes Estados com conteúdo idêntico, sob forma de declaração. - Os acordos estritamente políticos (em si sem produzir efeitos jurídicos, mas a que se sucedem verdadeiros tratados). - Os acordos informais ou gentlemen’s agreements (não imediatamente vinculativos a nível jurídico). - Os comunicados de reuniões e conferências diplomáticas.

Terminologia O termo geral que tanto a prática internacional como a doutrina adoptaram é tratado, mas também se fala em convenção. No direito interno português os dois termos reportam-se a amplitudes diferentes. Numerosos tratados, considerados especificamente recebem designações diferentes: - Carta, Constituição ou Tratado Constitutivo de um Organização; pacto ou tratado militar; concordata ou tratado entre a Santa Sé e o Estado; acto final ou tratado conclusivo de uma conferência, convenção técnica ou tratado sobre matérias especializadas de carácter técnico.

Classificações

1) Tratados normativos ou tratados-leis e tratados não normativos ou tratados-contratos. No primeiro estabelece-se comandos de carácter geral e abstracto ou geral e concreto. No segundo estipula-se prestações recíprocas e os tratados esgotam-se com a sua realização.

2) Tratados bilaterais e tratados multilaterais. Os primeiros só com duas partes em que se entremostra a reciprocidade dos interesses, os segundos com uma pluralidade de partes em que avultam interesses comuns. Estes podem ser restritos ou gerais (aqui há uma tendencial coincidência com a totalidade dos Estados com acesso à comunidade internacional).

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3) Tratados solenes e tratados não solenes. Os primeiros exigem o acto de ratificação. Os segundo o processo termina quando à aprovação ou em alguns casos assinatura. Dentro dos segundos, as convenções simplificadas pode-se distinguir acordos em forma simplificada e acordos em forma ultra-simplificada. Os últimos caracterizam-se por a vinculação ocorrer não aquando da ratificação ou aprovação, mas aquando da assinatura e dispensam quer a ratificação que a própria assinatura.

4) Tratados abertos e tratados fechados. Os primeiros admitem e os segundos não, a assinatura, a ratificação ou a adesão de sujeitos que não participaram originariamente da celebração ou da entrada em vigor. Por definição os tratados multilaterais gerais são tratados abertos.

5) Tratados institucionais e tratados não institucionais. Conforme crie ou não uma organização internacional e entidades afins.

6) Tratados exequíveis por si mesmo e tratados não exequíveis por si mesmo. Consoante obtêm plena efectividade só por si ou carecem de outro tratado ou lei de complementação.

7) Tratados perpétuos e tratados temporários. Consoante sejam de duração indefinida ou de duração sujeita a termo final.

8) Tratados principais e tratados acessórios. Sendo estes tratados subsequentes aos primeiros, destes dependentes e destinados a conferir-lhe concretização.

9) Tratados públicos e tratados secretos. Conforme o conhecimento do seu conteúdo seja revelado ou fique reservado a quem interveio na sua conclusão.

Limites à liberdade convencional Os tratados pressupõem liberdade não só de celebração mas também de estipulação das partes contratantes. Todavia essa liberdade não é completa e tem vindo a reduzir-se. Acha-se sujeita a limites, uns de Dt. interno e outros de direitos internacional. Limites de direito internos que procedem de cada Estado. Limites de direito internacional são: - Princípios de jus cogens. - Derivados de tratados principais. - Derivados de tratados constitutivos de organizações internacionais. - Decorrentes de normas emanadas de organizações internacionais. De salientar art. 103.º da Carta das Nações Unidas.

A regulamentação das formas de vinculação interna dos Estados A regulamentação das formas de vinculação internacional tem carácter misto; consta tanto de normas de direito internacional como de normas de direito interno. Em princípio deveriam ser normas internacionais a disciplinar o processo de conclusão de tratados. Todavia afora algumas regras da Convenção de Viena sobre o dt dos tratados é principalmente o direito interno que regula, por razões de deficiente estrutura ou institucionalização e por haver uma grande variedade de regimes e sistemas de governo.

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O processo e as formas de vinculação As fases clássicas do processo ou procedimento de vinculação internacional dos estados eram três: - Negociação. - Assinatura. - Ratificação. No actual direito internacional contemporâneo a tripartição é diferente: - Negociação (com a assinatura). - Aprovação. - Ratificação. Enquanto no Dt. Internacional Clássico a conclusão dos tratados solenes abrangia sempre o mesmo iter processual, hoje nos tratados não se verifica isso: tem de haver necessariamente negociação mas nem sempre ocorre ratificação ou aprovação (artigo. 11º CV). Nas monarquias absolutas a concentração de poder político também se traduzia na concentração de fases de processo. No constitucionalismo assente no princípio da separação de poderes, cada fase possui um significado especial e procura-se a interdependência dos vários órgãos na formação da vontade do Estado.

A negociação e a assinatura A negociação de qualquer tratado cabe a cada Estado, às pessoas investidas de plenos poderes como seus representantes, mas a representação do Estado pode resultar da prática dos Estados interessados ou de outras circunstâncias (artigo. 7º, n.º 1 CV). São considerados representantes do Estado – artigo. 7º, n.º 2 CV. Um acto relativo à conclusão de um tratado praticado por pessoas que não possam ser consideradas autorizadas a representar o Estado não produz efeitos jurídicos a não ser que seja ulteriormente confirmado pelo Estado (artigo. 8º CV). A adopção do texto do tratado efectiva-se através do consentimento de todos os Estados que participam na sua elaboração (art. 9.º, n.º1 CV). Realizando-se uma conferência internacional com essa finalidade, efectua-se pela maioria de dois terços dos Estados presentes e votantes a não ser que os Estados decidam, pela mesma maioria, aplicar regra diversa (artigo. 9º, n.º 2 CV). Á adopção segue-se a autenticação do texto – assinatura ad referendum (art. 10.º). A assinatura não é formalidade requerida pela convenção para todos os casos. Há tratados abertos que prevêem assinatura diferida. Fixado o Texto, os Estados-partes ficam adstritos por imperativos de boa-fé a abster-se de actos que privem o tratado do seu objecto ou do seu fim (art. 18º CV).

Aprovação e ratificação Tirando os tratados sob forma ultra-simplificada, todos os tratados requerem aprovação pelo órgão interno competente. Pelo contrário, nem todos requerem ratificação. A ratificação nunca é um acto obrigatório para quem tenha de a emitir. É sempre um acto livre. Nos sistemas representativos os efeitos da ratificação apenas podem produzir-se pelo futuro. Na monarquia absoluta os efeitos retroagiam ao momento da assinatura.

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Os órgãos internos competentes Para além do que disponha qualquer tratado em concreto (art. 14.º) é o direito interno de cada Estado que estabelece qual a forma - solene ou simplificada - que os tratados podem ou não assumir; e é todo ele que determina quais os órgãos competentes para a vinculação internacional. São os órgãos do poder executivo e P.R. Quanto à ratificação, ela compete ao chefe de Estado. Em sistema de governo com concentração de poder, predomina na aprovação o próprio órgão que negoceia e assina, e em sistema de governo com desconcentração de poder, dá-se uma separação ou divisão entre o órgão de negociação e assinatura e o órgão de aprovação.

Violação das regras constitucionais sobre conclusão dos Tratados Quais as consequências de violação de regras de Dt. Interno à composição e à forma de conclusão de tratados? Equivale essa violação a um vício de que determina invalidade? Art. 46.º Convenção de Viena – contemplou o problema estabelecendo uma solução intermédia e equilibrada; o chamado protocolo das ratificações imperfeitas. São dois os requisitos de invocabilidade: 1.º - Que se tenha infringido uma regra interna de importância de fundo. 2.º - Que a violação seja manifesta. Subjacente as regras estão o princípio da boa fé e as exigências de segurança jurídica.

Reservas (art. 2º, al. d) CV) Em princípio, as partes num tratado obrigam-se à totalidade das suas cláusulas. A vinculação apenas a algumas delas só se torna possível se o tratado o permite ou se as outras partes o consentem (artigo 18 CV). Todavia nos tratados multilaterais – não nos bilaterais – podem ser admitidas reservas. Por reserva entende-se uma declaração unilateral seja qual for o seu conteúdo ou designação feita por um estado quando assina ratifica aceita ou aprova um tratado ou a ele adere, pela qual visa excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado na sua aplicação a este Estado (artigo 2º/1, al. d) CV). Desta figura distinguemse: - As rectificações do texto. - As declarações interpretativas. - As disposições transitórias e as cláusulas de exclusão. A emissão de reserva está sujeita a limites materiais, temporais e formais. a)

Os limites materiais podem ser expressos – proibição de reservas pelo Tratado – e tácitas (artigo 19º, al. a), b) e c) CV)– incompatibilidade da reserva com o objecto ou o fim do Tratado. Há tratados que não consentem reservas: Carta das nações Unidas, Estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

b) Os limites temporais traduzem-se na exigência de a reserva coincidir com qualquer fase do processo de vinculação ao Tratado, não depois: a reserva tem de ser formulada no momento da assinatura, da ratificação, da aceitação (artigo 19º CV).

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c)

Os limites formais consistem na necessidade de reserva ser formulada por escrito e comunicada aos Estados (artigo. 23º CV).

Para que a reserva produza efeito é necessário que pelo menos outro estado a tenha aceita – art. 20.º, n.º4. Contudo, nem sempre é assim: - Quando resulte do número restrito de estados que a sua aplicação na íntegra entre todos as partes é condição essencial para o consentimento de cada um a vincular-se (art. 20.º, n.º2). - Quando o tratado é um acto constitutivo de uma organização internacional, essa reserva exige a aceitação do órgão competente dessa organização (art. 20.º, n.º3). A aceitação da reserva pode ser tácita (artigo. 20º, n.º 5 CV). As reservas podem ser revogadas – mas não modificadas – a todo o tempo (art. 22.º, n.º1). E também a objecção a uma reserva pode em qualquer momento ser revogada (art. 22.º, n.º2). Já não a aceitação. A nível interno dos Estados a competência para emitir e para revogar reservas ou para aceitar ou objectar a reservas depende das normas constitucionais relativas à aprovação de tratados.

O depósito dos tratados Nos tratados multilaterais existe o instituto do depósito, também previsto na CV (artigo. 76º e 77º).

O Registo e a Publicação A CV vem impor o registo relativamente a todos e quaisquer tratados, sejam ou não parte das Nações Unidas (artigo 80º). Contudo, a mesma não determina a consequência jurídica da falta de registo.

Efeitos do Tratado perante terceiros O postulado básico é o da relatividade: um tratado não constitui nem direitos, nem deveres para os estados que não seja parte, a não ser com o seu consentimento (art. 34.º). No caso de deveres é necessário que o terceiro os aceite expressamente por escrito (art. 35.º). No caso de direitos presume-se o consentimento enquanto não haja indicações em contrário, ao menos que o Tratado disponha diversamente (artigo. 36º). Os tratamentos abertos são, por definição tratados que conferem direitos a terceiros. Constituído o dever ou o direito a sua modificação ou revogação depende do consentimento das partes e do terceiro Estado, salvo se se puder concluir ou se tiver estabelecido diversamente (artigo. 37º). Todos os estados devem respeitar os Tratados concluídos por outros estados e não interferir na sua execução.

Entrada em vigor Qualquer Tratado entra em vigor segundo as modalidades e nas datas fixados pelas suas disposições ou convencionados por acordo dos Estados que tenham participado na negociações (art. 24.º, n.º1). Na falta de disposição

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no tratado ou de acordo, o Tratado entra em vigor logo que o consentimento a ficar por ele vinculado seja manifestado por todos os estados que tenham participado na negociação (art. 24.º, n.º2). As cláusulas dos tratados não têm aplicação retroactiva (artigo. 28º CV).

Modificação dos Tratados Antes de 1945 qualquer Tratado só poderia ser modificado de acordo com a vontade de todos os estados que o tivessem estipulado. Porém quando as relações internacionais se tornam cada vez mais multilaterais e quando tendem a institucionalizar-se, exigir o acordo de todos as partes seria criar uma excessiva rigidez. Daí vir-se a admitir a possibilidade de modificação de Tratados multilaterais, não por unanimidade, mas por maiorias agravadas. Por outro lado, há Tratados que se declaram insusceptíveis de revisão durante o tempo. Na Convenção de Viena consagram-se duas regras procedimentais básicas: - Acordo entre as partes (art. 39.º). - Possibilidade de cada Tratado regular as suas próprias modificações (art. 39.º, segunda parte, e 40.º) donde o carácter supletivo das normas da convenção. O procedimento de revisão dos Tratados multilaterais é mais complexo do que os bilaterais (art. 40.º).

Limites materiais de revisão dos tratados Há limites de carácter geral à estipulação originária – relevo para o jus cogens e para os tratados constitutivos de organizações ou outras entidades internacionais. Não é apenas a propósito do tratado da União Europeia ou Convenção do Direito do Mar que pode falar-se em limites materiais de revisão. Pode igualmente falar-se a propósito de outros. Em terceiro lugar, nem sequer se afigura tão ousado quanto pareceria prima face divisar limites materiais de revisão.

Cessação de vigência - Cessação por vontade das partes: - Ab-rogação – art. 54.º, alínea b) da Convenção de Viena. - Celebração de Tratado ulterior sobre a mesma matéria – 59.º. - Cessação por caducidade: - Decurso do prazo de vigência do Tratado. - Execução do próprio Tratado. - Alteração fundamental de circunstâncias ou cláusula rebus sic stantibus (art. 62.º). - Impossibilidade superveniente de execução (art. 61.º) A estas causas acrescem quando estejam em causa, tratados bilaterais: - Denúncia – art. 56.º - tem de estar previsto no próprio Tratado. - Inexecução do Tratado por uma das partes.

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Em Tratados multilaterais a denúncia assume forma de recesso. A denúncia funda-se na vontade expressa, tácita ou conjectural das partes; e tanto pode ter por causa a alteração de circunstâncias como a não ter; pelo contrário a cláusula rebus sic stantibus decorre de um princípio geral de Direito, conjugada com o facto jurídico strictu Sensu.

Validade e invalidade dos Tratados A principal linha de força do actual Direito dos tratados é a salvaguarda da subsistência dos tratados. Daí resultam quatro regras básicas: - A validade de um Tratado só pode ser contestada por aplicação da convenção de Viena (art. 42.º, n.º1). - A nulidade de um Tratado não afecta o dever do estado de cumprir todas as obrigações constantes do Tratado (artigo 43º). - Uma causa de nulidade de um Tratado somente pode ser invocada em relação ao conjunto do Tratado (art. 44.º, n.º2). - Um Estado não pode alegar uma causa de nulidade de um Tratado quando depois de haver tomado conhecimento dos factos esse Estado tiver aceitado considerar que ele era válido (art. 45.º). O regime de invalidade dos tratados assenta na distinção entre violação de regras internas de composição, vícios de consentimento ou na formação da vontade interna e desconformidade material.

Vícios de conssentimento (erro, dolo, coacção) As disposições de um tratado nulo não têm força jurídica (artigo 69º, n.º 1 da CV). A CV regula o processo de arguição das causas de invalidade (artigo 65º) e contempla a solução de eventuais diferendos então emergentes, através do Tribunal. Internacional de Justiça, de arbitragem e da conciliação (artigo 66º).

3 – A conclusão dos tratados em Portugal As formas dos Tratados ou convenções perante o direito português Perante o Dt. Constitucional português encontram-se 2 formas de tratados: tratados solenes e tratados de forma simplificada. A terminologia constitucional portuguesa: - Convenções são quaisquer tratados. - Tratados que são os tratados solenes submetidos a ratificação. - Acordos internacionais são acordos em forma simplificada, apenas carecidos de aprovação e não ratificação. A relevância constitucional entre tratados e acordos é a seguinte: A vinculação dos estados dá-se com a ratificação nos tratados e com a aprovação nos acordos 8art 8º, n.º 2). Os tratados são todos sujeitos a aprovação do Parlamento (artigo 161º, al. i) 1ª parte); os acordos tanto podem ser aprovados pela AR. (artigo 161º al. i) 1ª parte) como pelo Governo (artigo 197º, n.º 1). Por outro lado, há fiscalização

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preventiva da constitucionalidade de uns e outros embora com efeitos diferentes: em caso de pronúncia de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional ainda poderá haver ratificação do tratado se a AR. o aprovar por maioria de dois terços (279.º, n.º4). Porém. O PR não poderá assinar o decreto ou a resolução de aprovação do acordo (artigo 279º, n.º 1 e 2). Só questões objectos de tratado, não de acordo, podem ser submetidas a referendo (artigo 115º, n.º 3). O PR intervém nos tratados através de ratificação (artigo 135º, al. b)) e nos acordos através da assinatura dos decretos ou das soluções de aprovação (artigo 134º, al. b)). O Direito Português exclui Tratados em forma ultra-simplificada (as únicas formas de vinculação são as previstas no art. 8.º, n.º2; o P.R. representa o estado – art. 123.º - logo não faz sentido que ele fique afastado da vinculação externa). Isto não obsta a que existam acordos de troca de notas, desde que submetidos a aprovação e, mesmo a ratificação (Portugal e Chipre relativo à supressão de vistos). Distinção material entre tratados (solenes) e acordos (em forma simplificada) O ponto de partida, dentro da nossa constituição é o art. 161.º, alínea i). Com este preceito – a conjugar com o art. 197.º, n.º1, alínea c), relativo ao Governo – visa-se assegurar a intervenção da AR nas convenções que assumam maior relevância na vida do país. Se ela é a Assembleia representativa de todos os cidadãos portugueses (artigo 147º), lógico e necessário se torna que as Convenções internacionais que mais as possam afectar lhe sejam submetidas para apreciação e aprovação. Com a revisão constitucional de 1997 procura-se reforçar e alargar a competência internacional da AR. Não se poderia perfilhar um entendimento redutor da competência da AR para aprovar convenções internacionais. Quais as matérias de tratado segundo a CRP? - Matérias referidas nominativamente no art. 161.º. - Matérias especificamente contempladas em preceitos avulsos de reserva de convenção - Matérias que envolvam decisão política relevante ou primária (a transferência da Macau para a China regulada pela declaração conjunta de 1987). Dir-se-à que a Constituição permite a existência de referendos também no concernente a acordos internacionais e a referendos que incidem sobre questões de relevante interesse nacional a serem decididas no plano interno, por acto legislativo (art. 15.º, n.º3 e 5). Não cremos que seja assim. A referência a relevante interesse nacional significa que apenas questões que devam ser objecto de tratado e não de acordo em forma simplificado. Mas preconizar uma divisão de tratados e acordos em razão da primariedade ou não primariedade das matérias, sabendo-se que a cargo da AR ficam certas categorias de acordos não redunda em fazer que esta se arrogue competências de natureza administrativa ou executiva. Em primeiro lugar a atribuição à AR do poder de aprovar acordos em forma simplificada representa medida cautelar de defesa da sua competência. Em segundo não têm de coincidir as competências na ordem interna e na ordem internacional. Em terceiro lugar a aprovação de tratados e acordos é uma faculdade política strictu sensu e de fiscalização. Pode mesmo reconhecer-se um valor reforçado aos tratados em face dos acordos em forma simplificada, no âmbito do direito português. Um tratado não poderá ser afectado com efeitos na ordem interna, por um acordo em forma simplificada.

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A negociação e a assinatura Nas CRP anteriores a negociação e a assinatura eram competências do Rei. Na CRP actual elas competem ao Governo (197.º, n.º1, alínea b)). O PM informa (artigo 201º, n.º 2, al. c) CRP) o PR acerca dos assuntos da política externa do país (artigo. 182º CRP). AR não participa na negociação. Dever de informação tem o Governo em relação aos partidos políticos (artigo 114º, n.º 3 CRP) e aos grupos parlamentares (artigo 180º, n.º 2, al. j) CRP).

Participação das regiões autónomas Temos um novo elemento trazido pela actual CRP, em virtude da transformação do Estado português em Estado unitário regional, é a participação das RA nas negociações dos tratados e acordos internacionais – art. 227.º, n.º1, alínea t). Tem de se tratar de tratados que respeitem a interesses predominantemente regionais ou cuja matéria tenha uma específica ligação ou implicação nestas. O órgão regional que intervêm na negociação não pode deixar de ser o Governo Regional (ver o Estatuto dos Açores e da Madeira).

Aprovação Regime actual de aprovação por força dos arts. 161.º, alínea i) e 197.º, alínea c) apresenta-se: - Aprovação de tratados – só pela AR. - Aprovação dos acordos em forma simplificada sobre matérias da competência reservada à A.R. – também só à AR. - Aprovação dos restantes acordos em forma simplificada – pelo Governo.

O procedimento e as formas de aprovação O processo parlamentar de aprovação de tratados e acordos (art. 210.º e seg. do Regimento da A.R.) tem as seguintes fases: - Iniciativa – reservada ao Governo (art. 210.º, n.º1). - Apreciação pela comissão competente em razão da matéria (art. 210.º, n.º2), ou pelo Conselho Superior de Defesa Nacional. - Discussão e votação – discussão no plenário na generalidade e na especialidade e só votação global final (art. 210.º). a maioria de aprovação é a maioria relativa (art. 116.º, n.º3). Quanto aos acordos aprovados pelo Governo a CRP exige uma deliberação em Conselho de Ministros (art. 200.º, n.º1 alínea d), o que traduz uma ideia de fiscalização intra-orgânica e de responsabilização colectiva do governo. Os actos de aprovação de convenções internacionais tomam a forma ou de resolução ou de decreto: - Nos tratados aprovados pela AR – resolução (art. 166.º, n.º5) a qual é publicada independentemente de promulgação pelo PR (166.º, n.º6).

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- Nos acordos aprovados pela AR – resolução (art. 166.º, n.º5) submetida a assinatura (não a promulgação) do PR (art 134.º, alínea b)). - Nos acordos aprovados pelo Governo – o decreto, o decreto simples (art. 197.º, n.º2), assinando, também não promulgando, pelo PR (art. 134.º, alínea b).

Referendo nacional e aprovação de Tratados Num procedimento de conclusão de tratado pode inserir-se um referendo. E até por haver referendo mesmo que não esteja em curso nenhum procedimento de aprovação. Importa examinar de que maneira e com que efeitos. Traços substantivos do regime do referendo: - As questões a decidir são questões objecto de tratado já negociado pelo Estado português. - Mas podem ser também questões relativas a tratado futuro. - Cada referendo recai sobre uma só matéria, num número máximo de 3 perguntas (artigo 115º, n.º 6 CRP). - Através do referendo o povo não aprova o Tratado; decide, sim se o Parlamento deve ou não aprová-lo - Os seus resultados são vinculativos para o órgão competente. - O carácter positivo do referendo impõe ao PR a ratificação. - Afora isto a CRP não prevê qualquer forma de garantia dos resultados do referendo. É a AR que pode propor referendos (artigo 161º, al. j) CRP) e é o PR que submete a fiscalização preventiva obrigatória (artigo 134º, al g) e 278º, n.º 1 CRP).

Fiscalização preventiva da constitucionalidade Todos os Tratados e acordos internacionais são passíveis de fiscalização preventiva da constitucionalizasse pelo TC a requerimento do PR (artigo 278º, n.º 1 CRP): antes da ratificação no caso dos tratados e antes da assinatura no caso dos acordos em forma simplificada. A constituição não prevê, nem poderia prever o expurgo da norma considerada inconstitucional constante de tratado ou acordo internacional.

A ratificação dos Tratados Ao PR compete ratificar os tratados depois de devidamente aprovados (art. 135.º, alínea b)). Compete-lhe também o acto homólogo da ratificação relativa à aceitação superveniente de um tratado solene – a adesão. A ratificação (artigo 2º, n.º 1, al. b) da CV) consiste na declaração solene de vinculação do Estado. Pondo fim ao processo de conclusão do tratado, ela não interfere no seu conteúdo: o PR não pode formular reservas. A ratificação é entendida como um acto livre é somente não o é quando tenha havido referendo. Estará a ratificação sujeita a algum prazo? Parece difícil supor que o PR goze de liberdade total, neste âmbito, com implicações na condução da política externa do Estado. Isto vale também para a assinatura das resoluções e dos decretos de aprovação de acordos em forma simplificada. Podemos fazer analogia com o prazo de 20 dias (art. 136.º, n.º1). Talvez se justifique um prazo mais alargado (artigo 136º, n.º 4 CRP?). Se o PR decidir não ratificar deverá indicá-lo em tempo útil ao parlamento.

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A referenda ministerial é obrigatória (artigo 140º CRP).

A assinatura dos actos de aprovação dos acordos Questão controversa vem a ser a de saber se o PR pode recusar a assinatura do acto de aprovação de um acordo em forma simplificada. Durante muito tempo pronunciamo-nos pela resposta negativa porque apenas os actos sujeitos a promulgação estariam sujeitos a veto. Mudamos de opinião por o PR poder suscitar a fiscalização preventiva de acordos e por mal se compreender que o PR não possa opor-se a acordos em forma simplificada quando pode opor-se a tratados solenes.

Competência e forma em caso de desvinculação A desvinculação obedece a requisitos idênticos aos da vinculação (colaboração de diversos órgãos). Ainda que o acto de denúncia dirigida aos outros Estados-partes caiba ao Governo, deve entender-se que: - Não pode o Governo denunciar nenhuma convenção sem o consentimento do PR. - Estando em causa um tratado ou um acordo que verse sobre matérias reservadas à AR, a decisão de desvinculação tem de ser por ele aprovada (sob forma de resolução).

A publicação Todas as convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas, para vigorarem na ordem interna, têm de ser publicadas (art. 8.º, n.º2 da CRP) no jornal oficial – 119.º, n.º1, alínea b). Carecem igualmente de publicação os avisos de ratificação e os restantes avisos respeitantes a convenções internacionais (art. 119.º, n.º1, alínea b) Mas a publicação se é elemento necessário não é condição suficiente para a vigência, é necessário que vigore na ordem internacional (artigo 8º, n.º 2 CRP).

Capítulo III – AS NORMAS DE DIREITO INTERNACIONAL 1 – Regras e princípios Os princípios gerais de direito internacional O Direito Internacional não se reduz a um conglomerado de normas avulsas, compreende regras e princípios e apenas os princípios que permitem integrar as regras num todo sistemático. Os princípios fazem parte do complexo ordenamental, são também eles direito, e exercem uma acção imediata, enquanto directamente conformadores de soluções concretas (basta pensarmos no art. 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional).

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O Jus cogens Dentre os princípios de Dt. Internacional geral ou comum avultam aqueles a que a doutrina tem chamado princípios de jus cogens (à letra de direito cogente, imperativo). A expressão não se afigura inteiramente correcta, afinal todas as regras jurídicas são, em geral, imperativas o que se pretende dizer é que são os princípios que estão para além da vontade ou do acordo de vontades dos sujeitos de Dt. Internacional. Desde sempre foram reconhecidos certos princípios como prevalecentes nas relações entre Estados (Grócio), mas só após 1945 estes princípios são proclamados em textos solenes e tomados como critérios de decisão Os grandes passos conducentes ao reconhecimento e à afirmação da relevância do jus cogens viria a ser: - A Carta das Nações Unidas (art. 2.º, n.º6 e 103.º, n.º1). - O acórdão do Tribunal de Nuremberga. - Convenções de Genebra (art. 62.º, 63.º, 142.º, 158.º). - Tratados de Direitos do Homem (art. 15.º da Convenção Europeia). Como são estabelecidas essas regras? Nenhuma organização internacional goza de poder para tal: o costume internacional não poderia aplicar-se a um Estado que se opusesse à sua formação; quanto aos mecanismos convencionais, eles seriam os menos indicados dado que um Tratado não produz efeitos perante terceiros. Desenha-se uma representação mental que vê a comunidade internacional como vagamente personificada, como instrumento de consenso. O jus cogens pressupõe hierarquia das normas, no entanto, numa sociedade privada de aparelho legislativo torna-se difícil determinar que normas entram na categoria de normas cogentes

O jus cogens nas convenções sobre Direito dos Tratados As duas convenções de Viena sobre Direito dos Tratados são os dois textos paralelos de formal consagração de um regime próprio de jus cogens. Ocupam-se de tal nos art. 53.º, 64.º, 71.º, 66.º, alínea a), 44.º, n.º5, 60.º, n.º5. os preceitos básicos são os art. 53.º, 64.º e 71.º: - É nulo todo o Tratado que é incompatível com uma norma imperativa de Direito Internacional geral (53.º, 1.ª parte). - Uma norma imperativa de Dt. Internacional é a que seja aceite no seu conjunto como norma à qual nenhuma derrogação é permitida (art. 53.º, 2.ª parte). - Se sobreviver uma norma imperativa de Direito internacional geral todo o tratado existente que for incompatível com esta norma tornar-se-á nulo (art. 64.º). - Quando um Tratado for nulo, as partes serão obrigadas a proceder segundo o art. 71.º, n.º1. - Se um tratado se tornar nulo deve proceder segundo o art. 71.º, n.º2. Traços específicos do jus cogens: - Faz parte do Dt. Internacional geral. - Pressupõe aceitação e reconhecimento. - Tem de ser aceite e reconhecido pela comunidade internacional no seu conjunto. - Possui força jurídica superior a qualquer outro princípio - Opera erga omnes.

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- A sua violação envolve invalidade de norma contrária. - O jus cogens é evolutivo e susceptível de transformação.

Determinação das normas de jus cogens Nenhum preceito da Convenção de Viena de 1969 aponta o modo como se reveste ou determina o jus cogens. Hoje parece possível aventar-se linhas de orientação: no tocante à revelação do jus cogens o exigir que sejam normas aceites e reconhecidas pela comunidade internacional no seu conjunto implica que se deva ter em conta as fontes mais próximas dessa dimensão universal: - O costume internacional geral. - Os tratados multilaterais gerais. - As resoluções da Ass. Geral das Nações Unidas. Temos então princípios atinentes à comunidade internacional como um todo, princípios atinentes às obrigações dos sujeitos de Direito Internacional, princípios atinentes às relações entre os estados e ainda princípios atinentes à pessoa humana. 2 – Interpretação, integração e aplicação A interpretação em geral Os cânones gerais da hermenêutica jurídica aplicam-se também ao direito internacional público. Não cabe contrapor interpretação em direito interno à interpretação em direito internacional. O que pode haver mais é a necessidade de adequação ou adaptação. Galvão Telles - Aceitar a incorporação da norma internacional na ordem interna e negar, ao mesmo tempo, a interpretação e a integração da fonte de que deriva naqueles termos significa conceder com uma mão o que se retira com outra. A interpretação em direito internacional pode ser autêntica ou doutrinal (o art. 38.º, n.º1 alínea d) do Estatuto do Tribunal Internacional). A judicial tanto pode ser levada a cabo por tribunais internacionais – judiciais e arbitrais – como por tribunais estatais.

A interpretação dos tratados em especial A Convenção de Viena ocupa-se ex professo da interpretação dos Tratados acolhendo de forma clara, o princípio da boa fé e, com alguma prudência, um duplo princípio objectivista e actualista. Um tratado deve ser interpretado de boa fé (art. 31.º, n.º1, 1ª parte): - A interpretação não pode conduzir a um resultado manifestamente absurdo (art. 32.º, alínea b). - A interpretação não pode ser feita à margem de acordo das partes (art. 31.º, n.º2 e 3, alínea b)).

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Um tratado deve ser interpretado segundo o sentido comum atribuível aos seus termos no seu contexto e à luz dos respectivos objecto e fim – princípio objectivista (art. 31.º, n.º1). O Tratado deve ser sistematicamente interpretado na perspectiva geral do Dt. Internacional e desde logo do jus cogens. O princípio objectivista acarreta uma interpretação evolutiva e não fixa do tratado. Poderá haver interpretação conforme com a Constituição de tratados internacionais? A resposta não poderá ser negativa, dado que existe uma supremacia de normas constitucionais sobre normas convencionais. Todavia com uma diferença importantíssima em confronto com as leis: a interpretação conforme a CRP de qualquer preceito legal pode ir até onde for razoável para o salvar. Já não a interpretação de normas constantes de tratados, a qual tem de se deter perante o imperativo de harmonização e de boa fé nas relações internacionais.

A integração de lacunas Talvez seja desaconselhável falar em lacunas no Dt. Internacional, em virtude das áreas muito diferenciadas por que se reparte, e das diversas finalidades que cada uma visa atingir. As lacunas são mais visíveis em relação a este ou àquele conjunto de normas – desde tratados bilaterais à Carta da ONU. A determinação de lacunas envolve uma prévia interpretação: só existe lacuna quando se conclua que certa matéria está sujeita a regulamentação jurídico-internacional. Uma vez apurada a lacuna, o seu preenchimento far-se-á através dos meios usuais: a analogia e os princípios gerais de Direito.

Aplicação do Direito Internacional A Convenção de Viena formula grandes princípios acerca da aplicação dos Tratados: - Boa fé – art. 26.º. - Não invocabilidade de disposições de Direito Interno para justificar a não execução – art. 27.º. - Não-retroactividade – art. 28.º. - Aplicação das normas internacionais à totalidade do território dos estados seus destinatários – art. 29.º. - Prevalência da norma nova sobre a anterior a respeito da mesma matéria – art. 59.º e 30.º. A forma de estado – unitário centralizado, unitário regional, federal – é indiferente quanto à aplicação indivisível de qualquer tratado a todo o território estatal (quando os EUA celebram um tratado vinculam todos os estados federados). Ocorre sucessão de Tratados quando um novo tratado, concluído entre as mesmas partes, visa substituir o que até então se encontrava em vigor (art. 59.º, n.º1 e 30.º, n.º3 da Convenção de Viena). Princípio da não-vinculação significa que um Tratado não produz efeitos perante terceiros sem o seu consentimento, e o mesmo se aplica as decisões de organizações internacionais (art. 2.º, n.º6 da Carta das Nações Unidas).

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Capítulo IV – DIREITO INTERNACIONAL E DIREITO INTERNO Aspectos fundamentais Ao considerar-se a problemática das relações entre a ordem jurídica internacional e a interna há que distinguir três áreas de questões: - As grandes concepções respeitantes à estrutura do Dt. Internacional e à sua conjugação com o Direito Interno. - O modo de estabelecer a relação entre as normas de Dt. Das gentes e as normas de Dt. Interno. - O concernente às relações entre as normas de Dt. Internacional, aplicáveis na ordem interna e as normas originariamente de direito interno (sejam constitucionais sejam ordinárias).

Dualismo e monismo As grandes clivagens acerca da primeira questão reconduzem-se à contraposição entre dualismo e monismo. As concepções dualistas: o Direito Internacional e o Direito Interno são dois sistemas com fundamentos e limites diferentes. Nenhuma comunicação directa e imediata existe entre ambos. Uma norma pertencente a um sistema não pode valer no interior de outro sistema. É enfatizada pelos autores que conferem grande realce à soberania do Estado. As correntes monistas afirmam a unidade sistemática das normas de Direito Internacionais e das normas de Direito Interno. Estes ordenamentos são comunicáveis e inter-relacionáveis, não pode um ignorar o outro e tem de haver meios de relevância recíproca das respectivas fontes. O monismo pode ainda ser monismo com primado de Direito Interno e monismo com primado de Direito Internacional e neste cabe ainda distinguir entre o monismo radical e moderno. O monismo com primado de Direito interno acaba por reverter numa forma de negação do Direito que vê o Dt. Internacional como uma espécie de Direito estatal externo. O monismo com primado de Direito Internacional reitera a necessária integração das normas jurídicointernacionais e das normas jurídico-estatais. A unidade não pode resultar senão do próprio Direito Internacional. No monismo radical, dir-se-á que qualquer norma de Direito interno, inclusive de Direito Constitucional, só será válida se respeitar normas de Direito Internacional. Já numa linha mais mitigada, poderá dizer-se que a relação entre normas de Direito Interno e normas de Direito internacional não se reconduz forçosamente a uma relação de validade; a desconformidade entre lei interna e Tratado não acarreta invalidade da lei, podendo acarretar ineficácia – monismo moderado. Hoje há uma clara adesão à corrente monista – monismo com primado de Direito Internacional, numa posição moderada. Quanto ao Prof. sobressai uma concepção de base que assenta no pluralismo do Direito. Ora, por detrás do Dualismo está, no fundo e na prática, o monismo, a exclusividade da ordem jurídica estatal, a recusa de cada Estado de tomar como Direito, a par do seu, o Direito Internacional. O monismo postula o pluralismo das ordens jurídicas, o seu reconhecimento recíproco, a identidade de todas elas no essencial.

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Sistema de relevância Existem dois sistemas típicos de conferir relevância às normas internacionais na ordem interna de um estado: - Sistemas de transformação ou de execução – as normas internacionais só vigoram na ordem interna se convertidas em normas internas. Dentro destes importa sub-distinguir: sistema de transformação explícita (quando as normas internacionais têm de ser conteúdo de acto normativo interno); sistema de transformação implícita (quando as normas internacionais sejam inseridas em procedimento de natureza idêntica à do acto legislativo) - Sistema de recepção automática – as normas internacionais vigoram enquanto tais, interpretadas e integradas de acordo com os critérios de direito internacional e sofrendo as vicissitudes que ai sofrem. Podemos distinguir entre: sistema de recepção plena (recepção de quaisquer normas internacionais vinculativas do estado, independentemente das matérias) recepção semiplena (recepção das normas internacionais respeitantes a certas matérias e não todas). Distinta da noção de recepção é a noção de efeito directo: possibilidade de invocação de normas internacionais perante os tribunais nacionais, seja contra o Estado (efeito directo vertical) seja frente a particulares (efeito directo horizontal).

Relevância do Direito Internacional na ordem interna PT: evolução da questão Existem quatro fases: - Antes de 1933 – havia consenso quanto à existência de uma cláusula geral de recepção plena (art. 26.º do C.C. de 1876). - Entre 1933 e 1971 – neste âmbito e sobretudo após 1957 a doutrina dividiu-se: continuou a haver quem defendesse uma cláusula geral de recepção plena (Afonso Queiró); havia quem entendesse que somente se encontravam cláusulas de recepção semiplena (Silva Cunha). Havia quem sustentasse não consagrar o Direito português nenhum sistema geral sobre a relevância do Direito Internacional (André Gonçalves). O CC de 1966 apesar de ter um capítulo sobre fontes de Direito internacional ignora aí os Tratados e as demais fontes específicas do Direito Interno. - Entre 1971 e 1976 – A revisão constitucional de 1971 dispôs expressamente sobre a relevância das normas internacionais (art. 4.º da Constituição). - Após 1976 – A CRP de 1976 dedica um art. ao Dt Internacional, cuidando do convencional e do comum, e desde 1982 de normas dimanadas de organizações internacionais.

Relevância do Direito Internacional na ordem interna portuguesa: a situação actual Enquadramento favorável à recepção automática do Dt. Internacional na CRP, e nesse sentido apontam os trabalhos preparatórios da Assembleia Constituinte, no quer diz respeito ao art. 8.º.

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No tocante ao Direito Internacional comum, corroboram ou apoiam a tese da recepção automática (a letra do art. 8.º, n.º1 e a referência aos princípios de Dt Internacional nos arts. 7.º, 16.º e 29.º). Quanto ao n.º 2 do art. 8.º, ele não fez depender a vigência na ordem interna das normas constantes de convenções internacionais, regularmente ratificadas ou aprovadas, senão da sua publicação oficial. Argumentos que vêm confirmar que se encontra um princípio de recepção plena do Direito Internacional convencional: - Os atrás referidos arts 4.º, 7.º, 16.º, 33.º e 102.º colocam os actos normativos de Dt. Internacional a par da lei como fontes de regras de Dt. Interno. - São os mesmos os órgãos que têm competência de aprovação de tratados e competência legislativa. - Por outro lado a competência para aprovar tratados e acordos é distinta e não totalmente coincidente com a competência legislativa. - Na fiscalização da Constitucionalidade igualmente se distingue entre actos legislativos e tratados (277.º, 279.º). No que respeita ao art. 8.º, n.º2 observa-se que: - A alusão do art. a convenções regularmente ratificadas tem de ser conjugado com o art. 277.º, n.º2. - No preceito abrangem-se também as normas de convenções celebradas por organizações internacionais - A expressão «enquanto vincularem internacionalmente o estado português significa que a vigência na ordem interna depende da vigência na ordem internacional». - A não vigência de qualquer tratado na ordem interna por preterição dos requisitos constitucionais não impede a vinculação a esse tratado na ordem internacional. O art. 8.º, n.º3 nenhuma dúvida se suscita sobre a natureza do fenómeno com recepção automática no seu grau máximo. Dispensa-se não só qualquer interposição legislativa como qualquer aprovação ou ratificação a nível interno equivalente à dos tratados. Mas deveria exigir-se sempre a publicação em jornal oficial (o que não acontece com os regulamentos comunitários). A fórmula do art. 8.º, n.º3 foi fortemente criticada por: - Conferir ao Dt comunitário derivado um regime mais favorável do que concede ao Dt comunitário originário. - Só atribuir aplicabilidade directa às normas e não também às decisões dos órgãos da comunidade. - Não deveria dispor sobre a vigência do Dt. Comunitário mas sobre a legitimação dos limites do poder soberano resultantes da adesão às comunidades. O Prof. não concorda com as críticas (primeiro porque não se vê como as normas constantes de tratados das comunidades, possamos ter um regime diverso do dos demais Tratados; em segundo porque o tratado fala na sua globalidade de normas e não de decisões e terceiro porque se parece ignorar a amplitude do Tratado e a existência do n.º6 do art. 7.º da CRP «exercício em comum dos poderes de construção da união»).

Relações entre normas de Direito Internacional e normas de Direito interno A força jurídica das normas de Dt. internacional recebidas na ordem interna frente à força jurídica das normas de produção interna pode ser a priori concebida numa das seguintes posições: - Força jurídica supraconstitucional da normas internacionais - Força jurídica constitucional dessas normas.

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- Força jurídica infraconstitucional mas supra legal. - Força jurídica igual a das leis (normas legais) - Força jurídica infralegal. Inexiste na Constituição portuguesa consideração expressa e inequívoca do lugar que as normas de Dt Internacional ocupam na ordem interna.

Normas de Direito Internacional geral e normas constitucionais A CRP declara formalmente vários princípios de DT Internacional geral ou comum no art. 7.º, n.º1. DPS no art. 16.º, n.º2 fala-se na Declaração Universal dos Dst do Homem. O art. 29.º, n.º2 também é importante . Será que todos estes princípios assumem valor de princípio constitucional? Ou terão força supraconstitucional? Os princípios consignados no art. 7.º, n.º1 correspondem a princípios de jus cogens e como tal não podem deixar de se sobrepor à CRP de qualquer Estado. No que tange aos princípios enunciados na Declaração Universal dos Dts do Homem e que não pertençam ao jus cogens esses têm valor constitucional por virtude da recepção formal no art. 16.º, n.º2. quanto aos princípios referidos no art. 29.º, n.º2 eles fazem corpo com a lei e, portanto, não podem ultrapassar os quadros do Direito ordinário. A respeito das restantes normas de Direito internacional geral ou comum, hesitamos entre reconhecerlhe grau idêntico ao das normas constitucionais ou grau infraconstitucional, conquanto supra legal. Outra questão também interessante (J) é a de saber se, sendo os princípios de jus cogens, superiores à CRP então poderão os tribunais desaplicarem normas constitucionais que lhe sejam contrárias? A resposta é positiva. Normas de direito internacional convencional e normas constitucionais No Direito português como se posicionam as normas constantes de tratados internacionais perante a CRP? Posicionam-se numa relação de subordinação. Argumentos que o comprovam: - Princípio da soberania (art. 1.º da CRP). - Sujeição de tais normas à fiscalização da constitucionalidade (art. 277.º, n.º2). - No que se refere a tratados como o de Maastricht, de 1992, há uma necessidade de se proceder a prévia revisão constitucional para ele poder ser aprovado.

Normas de Dt das organizações internacionais e normas constitucionais Se o Direito Internacional convencional se queda num plano inferior ao da CRP, então o Dt próprio destas organizações, o qual repousa nos tratados constitutivos destas, também o há-de ser. No nosso país, se o TC não teve até agora de se pronunciar, nem por isso a doutrina tem deixado de reflectir sobre a relação entre Dt comunitário e Constitucional. Prevalece a tese da supremacia da Constituição com mais ou menos contenção, mas também há quem defenda o valor supraconstitucional do Dt. Comunitário. No entanto, o Trib. de Justiça tem ido longe de mais no elo integracionista e levado a doutrina da supremacia absoluta do Dt comunitário a um ponto que só se justificaria em estado federal centralizado.

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Quanto a uma eventual contradição entre norma criada por uma organização internacional e norma de Dt. Internacional geral ou comum, nenhuma dúvida há-de subsistir quanto à preferência de norma de Dt. Internacional geral ou comum ou da norma constante de tratado constitutivo da própria organização ou de Tratado de que ela seja parte. Ao invés, entre norma derivada da organização e norma constante de tratado de que seja parte apenas o Estado em que surja a questão, deve prevalecer a primeira – mesmo que o outro Estado parte na convenção não seja membro da organização.

Normas de Dt Internacional e normas e de Dt interno Ninguém contesta hoje que tanto as normas de Dt. Interno geral ou comum quanto as de Dt. derivado de organizações internacionais ou entidades afins, maxime as de Dt Comunitário, primam sobre as normas de Dt ordinário português anteriores ou posteriores. Algumas dificuldades só podem ter haver com a relação entre Dt Internacional Convencional anterior e Dt. ordinário posterior, ainda que também a larga maioria da doutrina se pronuncie a favor da supremacia e portanto da inderrogabilidade do primeiro. Sempre temos defendido que todas as normas Internacionais vinculativas de Portugal prevalecem sobre as normas legais, sejam anteriores ou posteriores (vinculando-se perante outro estado não pode eximir-se por acto unilateral de cumprir; pela lógica de recepção automática que ficaria frustrada; pelo art. 8.º, n.º2).

Regime da inconstitucionalidade de normas internacionais O primado das normas constitucionais relativamente às normas convencionais e derivadas de organizações internacionais decorre a inconstitucionalidade destas quando desconformes. A CRP rege os comportamentos dos órgãos do poder que se movam no âmbito do Dt. Interno e por conseguinte, todos os seus actos, quanto a todos os seus pressupostos elementos, requisitos, têm de ser conformes com ela. Ai se incluem actos de Direito interno que correspondem a fases do processo de vinculação internacional do Estado (como a aprovação de tratados ou a emissão de reservas), os quais podem, pois, ser inconstitucionais ou não. Pelo contrário, os actos na órbita do Direito Internacional não são susceptíveis de inconstitucionalidade. Susceptíveis de inconstitucionalidade são os conteúdos desses comportamentos. Se nenhum preceito específico da nossa CRP se ocupa de inconstitucionalidade material de normas internacionais, da inconstitucionalidade orgânica e formal cura o art. 277.º, n.º2 da CRP. Reconhece-se alguma proximidade com o art. 46.º da Convenção de Viena de 1969. O que significa violação de «disposição fundamental»? Neste âmbito cabem na previsão desta norma quatro hipóteses: - Inconstitucionalidade absoluta, por aprovação de convenção por órgão sem competência de aprovação de Tratado internacional. - Inconstitucionalidade relativa, por aprovação pelo Gov. de qualquer tratado político das categorias indicadas na 1.ª parte do art. 161.º, alínea i). - Aprovação de tratado sobre questão relativamente à qual tenha havido resultado negativo em referendo. - Inexistência jurídica da deliberação da AR, falta de quorum ou de maioria para aprovação. O art. 277.º, n.º2 não afecta a fiscalização preventiva da constitucionalidade dos tratados: apenas afecta a fiscalização sucessiva.

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Hoje respondemos no sentido da eliminação do controlo sucessivo abstracto (art. 281.º e 282.º) embora não do concreto (art. 204.º e 280.º) quanto à constitucionalidade de normas de Tratados . Quanto às normas dimanadas de órgão próprio de organizações internacionais e de entidades afins de que Portugal seja parte não põe nenhum problema, de constitucionalidade dos actos de produção- pois que nenhum órgão da República Portuguesa interfere ai e por isso tão pouco há lugar a fiscalização preventiva. Qualquer problema a suscitarse será somente de conformidade material dessas normas com a CRP. Segundo o art. 161.º, alínea n) da CRP compete à AR pronunciar-se nos termos da lei, sobre as matérias pendentes de decisão em órgãos da UE que incidam na esfera da sua competência reservada. Na falta de pronúncia, verifica-se a inconstitucionalidade formal. Problemática diferente vem a ser a da fiscalização da constitucionalidade de leis internas de transposição de directivas comunitárias. Nada impede neste âmbito a fiscalização nos termos gerais.

Regime da desconformidade de leis com as normas internacionais Confirmada a prevalência das normas de Dt. internacional o que sucede quando ocorre desconformidade? As dúvidas têm surgido a propósito da contradição entre lei e tratado. A doutrina e a jurisprudência têm-se dividido na qualificação do fenómeno, ora como inconstitucionalidade ora como ilegalidade sui generis. O Prof. Jorge afirma que a desconformidade entre normas dos dois tipos não se reconduz a inconstitucionalidade. O que se diz acerca da relação entre lei e Tratado vale também para a contradição entre lei e Dt. Internacional geral ou comum ou entre lei e Dt. das organizações internacionais ou entidades afins. Sempre os tribunais ao abrigo e nos termos da fiscalização difusa (art. 204.º) podem e devem conhecer da contradição entre normas internas e normas internacionais. E desde 1989 cabe recurso para o TC das decisões de tribunais que recusem a aplicação de norma constante de acto legal com fundamento na sua contrariedade com convenção internacional. Afigura-se razoável pensar que, em caso do referendo a fiscalização prévia necessária (art. 115.º, n.º8 e 223.º, n.º2 alínea f)) inclua a apreciação da conformidade com normas de Direito Internacional. O que não existe é fiscalização sucessiva. E poderão os tribunais portugueses conhecer da conformidade entre lei estrangeira aplicável a feitos submetidos a julgamento e normas de Direito Internacional? A resposta é positiva. Quanto à eventual infracção de normas de Dt. Comunitário por lei interna também os tribunais em geral são competentes para a apreciar e para não aplicar a norma interna portuguesa. Não há, no entanto, recurso para o TC dessas decisões e a lei 28/82 não contempla. Na lógica do Dt. Comunitário a haver recurso para o Tribunal será para o tribunal das próprias Comunidades Europeias.

As consequências da desconformidade

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A desconformidade entre norma legal e norma constitucional determina invalidade. Diversamente a desconformidade entre norma convencional e norma constitucional ou entre norma legal e norma convencional determinam a ineficácia jurídica. A diferença é por a CRP ser fundamento de validade da lei (art. 3.º, n.º 2 e 3).e apenas ser limite de produção de efeitos das normas jurídico-internacionais. Tão-pouco o tratado é fundamento de validade de lei, apenas obstáculo à sua eficácia. Haverá repristinação em caso de inconstitucionalidade de norma convencional ou de ilegalidade de norma contrária a Tratado? A repristinação de lei anterior parece possível, por tudo decorrer ainda do domínio do Direito português. Não, de jeito nenhum, a repristinação de tratado anterior a tratado inconstitucional: Portugal ou se considera vinculado por este tratado ou não; não pode ir buscar outro tratado à margem do consenso das outras partes.

Capítulo V – SUJEITOS DE DIREITO INTERNACIONAL 1. – Aspectos gerais A subjectividade internacional No campo dos direitos estatais, é o indivíduo, sempre sujeito de dt., sempre pessoa. No Dt. Internacional sobrelevam o Estado e algumas categorias de entes de natureza mais ou menos próxima. No Dt. internacional a actividade jurídica decorre entre um n.º pequeno de sujeitos. O Estado é uma pessoa colectiva de Dt. Interno; a comunidade internacional não é sujeito de Direito internacional. Diz-se sujeito de Dt. quem é susceptível de exercer dt. e estar sujeitos a deveres, quem pode entrar em relações jurídicas, quem pode ser destinatário de normas jurídicas. Esta noção carece de ser conformada de dois elementos, que podem ser tomados como seus corolários: 1.º A possibilidade de actividades jurídico- internacionalmente relevantes. 2.º A virtualidade de uma relação directa e imediata com outros sujeitos, agindo nessa qualidade. Não basta a atribuição de dts por regras de Dt das Gentes para que haja personalidade internacional do indivíduo. Tem ainda que ocorrer a possibilidade de acesso a instâncias internacionais para a realização ou garantia desses dts. Há sujeitos de Direito interno que não são sujeitos de Dt internacional e vice-versa. Mas quando determinado ente é simultaneamente sujeito de ambos os sistemas tem de se registar a coincidência do substracto: é a mesma pessoa colectiva Estado a agir no âmbito interno, ou o mesmo indivíduo. O que variará é a capacidade.

Personalidade e capacidade internacional Tal como em Dt. Interno, personalidade jurídica não se identifica com capacidade – de gozo e exercício. Na ordem interna os indivíduos, as pessoas singulares têm capacidade genérica e as pessoas colectivas capacidade limitada segundo o princípio da especialidade. Já na ordem internacional é o estado que beneficia de uma capacidade genérica e todos os direitos que essa ordem venha a prever, e todos os demais sujeitos se encontram submetidos a uma

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regra de especialidade ou de limitação (não nos podemos esquecer que à capacidade segue a responsabilidade, a qual varia consoante a primeira).

Atribuição de personalidade e reconhecimento Cabe distinguir entre atribuição em geral da personalidade jurídica e a atribuição em concreto a certo ente, entre a previsão de certa categoria de sujeitos de Dt. Internacional e reconhecimento a certo ente dessa qualidade, por subsunção na categoria. São dois fenómenos e dois momentos que se recortam com clareza. O reconhecimento do Estado e de entidades afins desempenha um papel não despiciendo numa comunidade internacional relativamente fechada e desprovida de órgãos supremos. A sua importância terá diminuído um pouco com a institucionalização actual, mas não desapareceu, por causa dos factores políticos dele incidíveis e por terem surgido novos sujeitos dele carecidos. Só não há reconhecimento, pela natureza das coisas, no referente aos indivíduos e às organizações internacionais para- universais

Quadro dos sujeitos de Direito Internacional Temos: - Estado e sujeitos não estatais. - Sujeitos de base territorial e sujeitos sem base territorial. - Sujeitos originários de Direito internacional e não originários - Sujeitos de fins gerais e de fins não gerais – consoante visam ou não uma pluralidade não determinada de fins. - Sujeitos permanentes e não permanentes – dependendo da estabilidade ou de duração sem limites. - Sujeitos de reconhecimento geral e sujeitos de reconhecimento restrito. - Sujeitos de capacidade plena e sujeitos de capacidade não plena – consoante gozem de todos os Dts de participação previstos em normas jurídico-internacionais. - Sujeitos activos e passivos – conforme lhes são atribuídos direitos e outras situações activas ou ficam adstritos a deveres ou a outras situações passivas de Dt. Internacional. Os sujeitos de Dt. Internacional poderão ser agrupados em quatro grandes categorias: Estados e entidades afins (manifestação de elementos relacionais próprios da identidade humana); organizações internacionais (manifestação do fenómeno da institucionalização da vida internacional); instituições não estaduais (instituições de fins especiais, inconfundíveis com os interesses prosseguidos pelos Estados); indivíduos e, em determinadas hipóteses, pessoas colectivas privadas (demonstra o ultrapassar do quadro interno e a consequente projecção de Dts. e deveres perante instâncias internacionais). Não são as mesmas as fontes normativas da personalidade jurídica internacional. Assim: - Quanto aos Estados e Santa Sé, o Dt. Internacional geral ou comum. - Quanto às organizações internacionais e ao indivíduo o direito internacional convencional. - Quanto a movimentos de libertação, decisões de organizações internacionais.

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Os Estados A vida internacional que se desenvolveu a partir dos séc. XVI-XVII pretendeu assentar num sistema de Estados livres e iguais, mas nunca foi nem uma ordem puramente equilibrada de potências soberanas (basta pensarmos nas dependências de facto ou de direito entre Estados). Classicamente revelavam a existência de soberania plena quatro direitos dos Estados: - Jus tractuum ou direito de celebrar tratados. - Jus legationis ou direito de enviar e receber representantes diplomáticos. - Jus beli ou de fazer a guerra como direito de legítima defesa (art. 2.º, n.º4 da Carta das Nações Unidas). - O Direito de reclamação ou de impugnação internacional destinado à defesa dos interesses dos Estados. Ao lado dos estados soberanos temos também: - Estados protegidos, vassalos, confederados, ocupados ou divididos. Tomando a soberania como capacidade internacional plena os estados classificam-se em: - Soberanos – os que têm esse estatuto, sem que as restrições, cada vez mais numerosas, que lhe impõem as realidades do mundo contemporâneo os afectem qualitativamente, mas só quantitativamente. - Com soberania reduzida – Estados protegidos, vassalos, exíguos, confederados, ocupados e divididos. - Não soberanos – Estados federados e membros de uniões reais.

As entidades pró-estatais Abrangem os rebeldes beligerantes e os movimentos nacionais de libertação nacional. São entidades transitórias, ao contrário do que acontece com os Estados, mas entidades que pretendem assumir, na sua totalidade ou quase totalidade, atribuições afins dos estados Quanto aos rebeldes trata-se da situação emergente em certos estados, em que se verifica uma guerra civil, e em que os rebeldes ocupam uma porção de território, e lá exercem uma autoridade identificável com o poder estatal e conseguem manter essa autoridade durante um tempo prolongado. Por princípio nenhum estado deve interferir noutro em que ocorra uma rebelião. O movimento nacional de libertação age em nome de uma nação ou povo, que se pretende erigir em estado. Caso especial de entidade pré-estatal é a Autoridade Nacional Palestiniana, decorrente de acordos em 1993 entre Israel e a OLP. Embora tendente a evoluir para um estado soberano, ela goza apenas de poderes e autonomia, e muito precários.

As entidades infra estatais

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As entidades infra-estatais são comunidades de base territorial, em alguns casos dotadas de autonomia que obtêm por si ou através das entidades administrantes, um acesso mais ou menos limitado à vida internacional. Incluem aqui as colónias autónomas (formas específicas de administração britânica – a Austrália – e alguns mandatos que eram territórios à Alemanha e à Turquia vencidas na 1.ª guerra mundial (ver art. 22.º da carta das nações). Os territórios sob regime internacional especial ou territórios internacionalizados podem ter por meio do Estado com que tenham vínculos mais próximos ou por vias um acesso, embora circunscrito, à vida internacional (o Sarre entre 1919 e 1935 e 1945 e 1955). Citemos Timor-Leste que depois das dramáticas vicissitudes ocorridas entre 1975 e 1999, recebeu uma «administração transitória», a cargo das Nações Unidas. Como o Administrador Transitório dispunha de jus tractuum, justifica-se que se conceba uma personalidade jurídica internacional de Timor, enquanto sob administração da ONU. Diferente são os territórios internacionalizados sem capacidade jurídico-internacional (Antárctida, os fundos marinhos).

Os poderes internacionais das regiões autónomas portuguesas As regiões autónomas gozam, constitucionalmente, de alguns poderes de incidência internacional, uns com característica de poderes de prossecução por elas próprias de interesse regionais, outros com a natureza de poderes de participação. Estes poderes de incidência internacional encontram-se constitucionalmente no art. 227. Estes poderes, embora originais e significativos, não envolvem a transformação da RA em sujeitos de direito internacional (mesmo na cooperação com regiões estrangeiras e na participação em organizações de cooperação inter-regional, pois trata-se de uma cooperação com entidades também desprovidas de personalidade jurídica).

As entidades supra-estatais As federações e uniões reais são entidades supra-estatais, que se erigem em novos estados enquanto tais, assimiláveis a quaisquer outros Estados. As confederações, pelo contrário assumem particular relevo no Dt. das Gentes e podem ter personalidade jurídico-internacional a par dos estados confederados. Do pacto confederativo resulta uma entidade a se, com órgãos próprios, mas não emerge um novo poder político ou uma autoridade com competência genérica.

As organizações internacionais Organizações internacionais são instituições criadas por estados e algumas vezes por outros sujeitos (como a Santa Sé) destinadas a prosseguir com permanência e meios próprios, fins a elas comuns. Elas estão para os estados como as pessoas colectivas de tipo associativo estão em Dt. Interno para os indivíduos. E tal como estas, adquirem um grau maior ou menor de autonomia relativamente aos sujeitos que as constituem Nas organizações internacionais internacionais, domina uma ideia de solidariedade, mas uma solidariedade que conduz a fins tendencialmente de carácter geral ou não particularista, a fins que se assumem como inerentes à comunidade internacional.

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Se as organizações internacionais não são, por certo, órgãos da comunidade internacional, apresentam-se já como expressões de uma comunidade organizada e de um Direito das gentes que vai ultrapassando o mero domínio das relações de reciprocidade a caminho de novos estádios de desenvolvimento. As principais classificações de organizações internacionais são: - Quanto aos fins: - Plurais – Organização das Nações Unidas. - Especiais – económicas, jurídico-políticas, sociais, militares. - Quanto ao âmbito geográfico - Para-universais – ONU. - Regionais ou continentais. - Quanto ao acesso: - Relativamente abertas. - Restritas por razões geográficas. - Quanto à duração: - Perpétuas. - Temporárias. - Quanto aos poderes: - De cooperação. - De integração (as Comunidades europeias até Maastricht; o Mercosul).

As Comunidades Europeias e a União Europeia As comunidades Europeias – CECA, a CEE e a EUROTOM – são indiscutivelmente, sujeitos de Direito Internacional. Em 1992, o Tratado de Maastricht criou uma União Europeia e reviu os tratados institutivos das Comunidades. A ele se seguiram em 1998 o Tratado de Amesterdão e em 2000 o Tratado de Nice. A União Europeia funda-se nas Comunidades Europeias (art. 1.º) dispõe de um quadro institucional (art. 3.º), competindo ao Conselho Europeu – que reúne os Chefes de Estado ou de Governo dos Estados-Membros, bem como o Presidente da Comissão – dar-lhe os impulsos necessários ao seu desenvolvimento e definir as respectivas políticas gerais (art. 4.º). O Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão, o Trib. De Justiça e o Trib. De contas são órgãos das comunidades todas desde 1965. A U.E será ainda um organização internacional, se bem que de integração? Ou será já um federação? Por agora aproxima-se mais de uma confederação – com notas inéditas por conter elementos provenientes de outras estruturas. Se a soberania dos estados surge diminuída ou reduzida pela extensão das atribuições comunitárias e das matérias de interesse comum, pela unidade monetária, pela convergência económico-financeira e pelo peso acrescido das decisões maioritárias, não fica substituída por um poder próprio da União. O próprio projecto de Constituição, apesar do nome e de conter elementos federalizantes, continua a atribuir prevalência aos elementos intergovernanetais.

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As instituições não-estatais As instituições não estatais que são sujeitos de Dt Internacional existem: - A Santa Sé – membro fundador da comunidade internacional, esteve até 1870 ligado a um estado, mas com personalidade jurídica internacional. A sua capacidade traduz-se sobretudo no jus legationis e no jus tractuum, bem como na participação em organizações internacionais. Desde 1929 que o território do Vaticano garante a sua independência. - A Cruz Vermelha – remonta a 1863, não tendo sido criada por tratado e com as sociedades nacionais a terem estatutos de Direito interno, a sua qualificação a nível internacional aponta para a sua qualificação com capacidade limitada. - A Ordem de Malta – continuadora da ordem de S. João de Jerusalém. Em 1446 um bula papal reconhece-lhe soberania; mas foi transferida, a sua sede para Roma, desenvolvendo, hoje, apenas fins de assistência espiritual e social. Têm como pontos comuns: - Formação independente de tratado. - Natureza não político-temporal dos seus fins. - Base não territorial - Independência em relação a outros estados. Destas se distinguem as ONGs, que são meras organizações privadas de âmbito internacional que colaboram na prossecução de fins de cooperação, promoção e desenvolvimento vizinhos dos daquelas instituições e organizações (Greenpeace – art. 71.º da Carta das nações Unidas).

O indivíduo O Direito Internacional nunca deixou de se ocupar dos indivíduos das pessoas singulares, pelo menos quando inseridas em certas situações. Basta recordar a protecção diplomática ou as imunidades diplomáticas. Todavia, relevância jurídica não equivale a personalidade jurídica; não é por haver normas que estabeleçam direitos e deveres para o indivíduo que ele se torna sujeito de relações internacionais. Para que exista personalidade internacional do indivíduo tem de haver ainda a possibilidade de uma relação com outros sujeitos de Dt. Internacional, nomeadamente organizações internacionais. São as seguintes as circunstâncias em que se justifica falar em subjectividade internacional do indivíduo: - Quando membro de minoria nacional seja conferido dt. de petição perante qualquer organização internacional – art. 87.º, alínea b) da Carta das nações Unidas. - Quando cidadão de Estado que possa dirigir-se a órgão internacional invocando violação. - Quando cidadão de qualquer dos estados das comunidades tem direito de queixa perante o provedor de Justiça (arts. 21.º, 194.º e 195.º do tratado da Comunidade Europeia). - Quando seja titular de órgão de organização internacional.

2. – Estados

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Direito e deveres fundamentais dos estados O Dt. Internacional tem procurado definir Dt. e deveres fundamentais dos estados. Há por um lado princípios e regras atinentes à existências, à independência e à participação jurídico-internacional dos Estados; há, por outro lado, princípios e regras que estabelecem ou procuram estabelecer condições concretas dessa existência, do seu desenvolvimento e dos eu acesso. No essencial, os primeiros princípios e regras constam da Carta das nações Unidas e os outros da carta de Direitos e Deveres Económicos dos Estados, aprovada pela Assembleia Geral das nações Unidas e a Carta dos Dts. e Deveres Económicos dos estados.

Direitos e Deveres políticos Do art. 2.º da Carta das nações Unidas constam verdadeiros Direitos: - O Direito à igualdade (n.º1); o Direito à independência política (n.º4); o direito à integridade territorial (n.º4). Do mesmo passo contém o n.º2 um elenco de deveres do estado: - Dever de agir em boa fé (n.º2); dever de solução pacífica de conflitos (n.º3); dever de se abster do uso da força (n.º4). O princípio da igualdade dos estados é algo de homólogo do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei. O segundo não sofre qualquer limite, mas já no primeiro existem restrições ou distorções no âmbito do Direito Internacional (basta pensarmos no Estatuto excepcional dos cincos estados que são membros permanentes do Conselho de Segurança e gozam de direito de veto).

Domínio reservado e intervenção No Direito internacional clássico a soberania de cada Estado precisava apenas de ser garantida frente aos demais estados. No Dt. internacional contemporâneo precisa de ser garantida também frente às organizações para-universais de fins políticos. Logo na Sociedade das nações houve consciência do problema (art. 15.º, n.º8). Hoje a Carta das Nações Unidas também versa sobre esse problema (art. 2.º, n.º7). À letra a Carta reforça a garantia dos Estados, porquanto em vez de «competência exclusiva, fala em assuntos que dependam essencialmente da jurisdição dos Estados». Em contrapartida, deixa de se fazer referência ao Direito Internacional e veda-se a invocação do princípio em caso de medidas tomadas para reagir a situações de ameaça à paz, ruptura da paz e agressão. Tem sido uma questão recorrente a interpretação desta figura, dita de domínio reservado dos estados, tanto à face do pacto como à face da Carta não se tem conseguido consenso sobre o que seja intervenção: se mera decisão obrigatória do Conselho de Segurança, ou se abrange qualquer tipo ou forma de acto das nações Unidas ou no seu âmbito. A prática tem alargado as áreas e matérias acerca das quais as nações Unidas se pronunciam, ou formulam recomendações ou deliberações, ou aceitam debates nos seus órgãos com ou sem consequências jurídicas imediatas. Apesar de tudo, seria exagerado considerar o domínio reservado algo de contingente, porque não poderia deixar de existir um conteúdo essencial de livre condução da vida colectiva por cada Estado sem dependência das nações unidas.

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Desigualdade de facto e direitos económicos dos Estados Nota característica da vida internacional é a existência de marcadas desigualdades de facto entre os estados. A algumas dessas desigualdades têm procurado responder, para as reduzir as N.U. e as organizações especializadas e regionais através de diversas medidas (por exemplo, o D.I. do desenvolvimento, que visa o tratamento desigual dos vários Estados). Esta distinção de regimes e esta diversidade de atribuição de benefícios não põem em causa, só por si, o conceito tradicional de soberania. Elas são paralelas às preocupações de igualdade social. Com ligação a esta ideia encontram-se alguns dos direitos enunciados na Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados: Art. 2.º do Capítulo II; Art. 4.º; Art. 5.º; art. 13.º; art. 12.º e 14.º; e art. 29.º.

O reconhecimento de Estado Reconhecimento – é o acto jurídico-internacional pelo qual um sujeito afirma que determinada situação é conforme com o Direito ou pelo qual afirma que se verificam os pressupostos exigidos por uma norma internacional para a produção de certos efeitos. Pode ter natureza constitutiva (só após o reconhecimento, o Estado existiria, e passaria a ser sujeito de D.I.) ou declarativa (o reconhecimento apenas limitar-se-ia a verificar, mas não a acrescentar algo de novo, às condições de existência de um Estado). Hoje prevalece a tese da natureza declarativa do reconhecimento, por ser a que melhor traduz as relações multilaterais. Vários pontos do regime do reconhecimento de um Estado: - Apenas é relevante o reconhecimento que outros estados façam. - Não há nunca um dever de reconhecimento ou de ñ reconhecimento (mas trata-se de um Dt. de exercício limitado). - O reconhecimento tanto pode ser expresso como tácito. - Pode haver reconhecimento colectivo. - O reconhecimento é irrevogável. Muitas vezes o que está por detrás da questão do reconhecimento deste ou daquele estado, o que realmente se discute é a questão do reconhecimento do regime político ou do Governo (Angola e Camboja em 1975). O reconhecimento de Governo Quando se fala em reconhecimento de governo está em causa um conceito de Governo que não se assimila ao de Governo, enquanto um dos órgãos do Estado. Trata-se de um conceito atinente aos poderes e responsabilidade de condução das relações externas dos estados. O problema suscita-se quando ocorre uma quebra de continuidade e quando é necessário saber exerce os poderes de soberania interna e externa. O princípio essencial é o da continuidade do estado, independentemente da inelutável sucessão de governantes. Mas quem é que em cada momento é o titular de órgão de representação internacional? No domínio de uma mesma CRP ou de um mesmo regime político o problema não se põe; assim como numa transição constitucional ou passagem de uma constituição material a outra. Põe-se sim quando se dá uma revolução, uma mudança constitucional com ruptura. E põe-se não porque um estado estrangeiro tenha de se pronunciar sobre o carácter do novo sistema, mas porque é preciso saber quais as condições de que dispõe o novo poder para cumprir os compromissos internacionais do Estado.

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O único critério de reconhecimento de Governo aceitável vem a ser o da efectividade, não o do juízo sobre a natureza do regime em apreço da nova Constituição. O reconhecimento de Governo tem natureza declarativa, mas não constitutiva.

Representação Representação – consiste num processo de substituição de vontades com imputação dos efeitos dos actos praticados pelo representante na esfera jurídica do representado. Tudo está na conjugação dos interesses de ambos e do terceiro Estado que seja parte desses actos. O Estado protegido como que atribuía ao estado protector poderes gerais de representação nas relações internacionais – são hoje situações ultrapassadas – é o que se verifica quando um estado solicita a outro que se encarregue da defesa dos seus interesses perante um terceiro com o qual não mantém relações diplomáticas.

A sucessão de Estados Diversas vicissitudes que atingem o estado suscitam a problemática jurídica, extremamente complexa, a que se tem dado o nome de sucessão de estados. São elas: - Cessação da soberania ou da administração de um estado relativamente a certo território – por incorporação dele no território de outro Estado. - Cessação da própria soberania do estado – por anexação por outro Estado. Tudo consiste em saber quais as implicações da mudança de estatuto jurídico-político do território e da comunidade nele existente na condição das pessoas e dos bens e na condição da própria comunidade nas relações internacionais. Há alguns pontos firmes que correspondem a princípios de Direito internacional geral: - A mudança de soberania determina a mudança da cidadania ou nacionaldiade. - As fronteiras em relação a territórios exteriores não sofrem alteração. - O Estado sucessor adquire automaticamente a propriedade dos bens públicos. - O Estado sucessor é livre de modificar as leis internas. Quanto à sucessão no que diz respeito a tratados. O Estado que adquire poder sobre certo território fica vinculado aos tratados aí aplicáveis? A Convenção de Viena procura enquadrar esta matéria: - Subsistência das obrigações enunciadas em qualquer tratado (art. 5.º). - Continuidade de tratados territoriais (art. 11.º e 12.º). - Possibilidade de se conceder a um estado sucessor dt de opção quanto à sua eventual participação nesse tratado (art. 4.º). - Havendo formação de novo estado por acesso à independência, não há continuidade dos tratados vigentes (art. 16.º). - Havendo fusão de dois ou mais estados dando origem a um novo Estado, ode haver continuidade dos tratados vigentes (art. 31.º).

3 – As organizações Internacionais

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Elementos do conceito Elementos identificáveis como pertencentes a qualquer organização internacional: - Agrupamento de sujeitos de Dt. Internacional – substracto material. - Criados, ordinariamente, por Tratado – personalidade jurídica ou elemento formal. - Para a prossecução de determinados fins internacionalmente relevantes. - Com duração mais ou menos longa. - Com órgãos próprios. - Dotados de personalidade internacional. - E com capacidade correspondente aos seus fins.

Actos institutivos O tratado institutivo de qualquer organização internacional estabelece os seus fins e os meios adequados à sua prossecução, as relações com os membros e com outros sujeitos de Dt. Internacional. A ordem jurídica de cada organização tem aí a sua origem e o seu fundamento. A Convenção de Viena declara-se aplicável a todo o tratado constitutivo de uma organização internacional, sem prejuízo das regras próprias da organização, sem prejuízo das regras próprias da organização (art. 5.º). aspectos singularizadores do seu regime: - Inadmissibilidade de reservas que afectem a estrutura e as condições de funcionamento da organização. - Interpretação do tratado à luz da sua função institucional. - Execução do tratado pelos órgãos da organização. - Duração em princípio ilimitada, salvo prescrição de prazo de vigência. - Regime especial das modificações. Em primeiro lugar, as modificações dos tratados institutivos de organizações internacionais tanto se fazem por via de conferências diplomáticas como a partir dos seus órgãos (Nações Unidas (N.U). arts 108.º e 109.º). Em segundo – no caso das N.U. – a entrada em vigor das alterações depende ainda, necessariamente, de ratificação por todos os Estados-membros. Composição e estatuto dos membros Ainda que sejam basicamente criadas e compostas por estados, as organizações internacionais englobam por vezes diferentes sujeitos. Em algumas organizações prevê-se a existência de membros associados e de observadores ao lado dos membros propriamente ditos. Apenas estes gozam de plenitude de direitos Sendo as organizações abertas, há membros originários e membros admitidos. Cada membro tem direitos (direito de participação) e deveres (acatamento das decisões). O princípio fundamental é o da igualdade, mas não sem excepções.

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Na falta de disposição expressa no tratado constitutivo é discutível que exista o direito de recesso ou de saída voluntária. Havendo expulsão ou recesso, se mais tarde o estado pretender regressar à organização, terá de obedecer às mesmas regras que se impõem a novos membros. A readmissão é uma nova admissão.

Personalidade e capacidade jurídica O tratado constitutivo de organizações confere-lhe personalidade jurídica, a qual vale quer em relação aos Estados-membros, quer em relação a terceiros estados e a outros sujeitos de D.I (assim se lê num parecer da TIP em 1949). Numa perspectiva monista das relações entre o D.I. e o Direito Interno, dificilmente de compreenderia que as organizações internacionais não tivessem a sua personalidade reconhecida à face do Dt. interno. Tal implicará que se acrescente às duas categorias de pessoas colectivas um terceiro termo, o das pessoas colectiva de Direito Internacional, englobando não só as organizações internacionais mas também a Santa Sé e os próprios Estados estrangeiros. À personalidade jurídica corresponde uma capacidade delimitada em razão dos fins de cada organização, de harmonia com um princípio de especialidade semelhante ao que rege as pessoas colectivas de Direito interno. Para lá dos direitos ou poderes explicitamente declarados nos tratados constitutivos deparam-se poderes implícitos das organizações internacionais – quer dizer, poderes que elas invocam para a prossecução dos seus objectivos sejam faculdades abrangidas nos primeiros, sejam poderes conexos novos.

Os órgãos Como quaisquer entidades colectivas as organizações internacionais só podem agir através de órgãos, centros autónomos institucionalizados de formação da sua vontade. E como quaisquer entidades, cada órgão compreende quatro elementos: a instituição, a competência, o titular e o cargo. Nas organizações internacionais os indivíduos estão aí enquanto agentes. São raros os órgãos com membros a título meramente individual (S.G. das Nações Unidas). Os titulares de órgãos a título individual têm um estatuto de independência perante os Estados. A competência é o conjunto de poderes funcionais conferido a um órgão para a realização das atribuições da entidade a que pertence. Tanto pode ser interna como externa. Existindo mais de um órgão o tratado constitutivo há-de distribuir as competências. Há numerosas classificações de órgãos: - Órgãos intergovernanetais e independentes. - Órgãos restritos e amplos. - Órgãos principais e órgãos auxiliares ou subsidiários. - Órgãos deliberativos e órgãos executivos. Diferentes são os agentes, que não exprimem a vontade da organização, limitam-se a colaborar na sua formação ou a dar execução às decisões que dela derivam, sob a sua direcção e fiscalização.

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A autonomia das organizações internacionais Sendo as organizações internacionais essencialmente agrupamentos de Estados, não admira que nelas prevaleça os órgãos intergovernamentais. Mas, porque mesmo neste órgão se forma uma vontade colectiva torna-se indispensável assegurar a autonomia das organizações frente a todos e a cada um dos estados. A autonomia reclama a independência dos órgãos com titulares individuais e a dependência exclusiva dos agentes dos órgãos competentes das organizações, sem interferência dos Estados de que são cidadãos (art. 102.º da Carta das Nações Unidas). Como garantia de autonomia gozam as organizações de privilégios e imunidades nos Estados em que levam a cabo as suas actividades (isenções tributárias, imunidades diplomática).

Vicissitudes Uma vez criada uma organização internacional pode sofrer modificações: modificações subjectivas, pela entrada ou pela saída de membros; modificações objectivas em consequência de tratados que alarguem ou restrinjam os fins ou que, de qualquer forma, alterem o tratado constitutivo. A organização pode também extinguir-se por exaustão dos fins. À semelhança do que se dá com os Estados, pode ocorrer sucessão entre organizações internacionais: entre duas organizações já existentes ou entre uma organização até então existente e que se dissolve e outra que surge de novo.

A Sociedade das Nações A sociedade ou Liga das Nações foi criada pelos 26 artigos do tratado de Versalhes e extinta de facto em 1939, com o eclodir da segunda guerra mundial, e de direito em 1946. Na sua origem estiveram, por um lado, a própria extensão e os horrores da Primeira guerra Mundial e o surto de pacifismo jurídico que, como tantos outros conflitos, propiciou; e, por outro lado, um início de institucionalização das relações internacionais. A SDN apresentou-se logo sem estrutura jurídica nem capacidade política suficiente para responder às intenções do Presidente Wilson e dos seus outros inspiradores. Tina membros originários e membros admitidos. Previa-se a saída voluntária e o recesso (arts. 16.º, n.º4 e 1.º, n.º3). Havia dois órgãos – a Assembleia (composta por representantes de todos os membros, todos com um voto) e o Conselho (reduzido a alguns membros permanentes e a quatro não permanentes) assistidos por um Secretariado Permanente (art. 2.º). Nas deliberações tanto da Ass. como do Conselho valia a regra da unanimidade (art. 5.º) embora com excepções. Tinha sede em Genebra, devia tender à preservação da paz (arts. 8.º, 12.º, 16.º e 18.º). Não teve vida fácil (guerra na Manchúria pelo Japão contra a China; guerra civil espanhola).

A organização das nações Unidas

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Surge marcada pelas circunstâncias de guerra. Os seus princípios foram pensados aquando da carta Atlântico e proclamados na Declaração das nações Unidas, em que acordam os países aliados na luta contra o eixo. Além de dotada de uma estrutura mais vasta e aperfeiçoada do que a da SDN, a ONU foi investida de poderes jurídicos que lhe permitem atingir todos os problemas mundiais, tendo primazia sobre quaisquer outras obrigações internacionais (art. 103.º). Só os Estados podem ser membros das nações unidas, havendo a distinguir entre os membros originários (art. 3.º) e os admitidos (art. 4.º). A admissão compete à Assembleia Geral, precedendo recomendação do Conselho de Segurança (art. 4.º). E é esse também o processo relativo à suspensão e à expulsão, aplicáveis a membros que violem os princípios constantes da Carta (art. 5.º, n.º6). São órgãos das nações unidas: - a Assembleia Geral. Órgão de participação de todos os membros; é o grande forum de política mundial. - o Conselho de Segurança. Órgão político central de decisão, encarregado da manutenção da paz e segurança. - o Conselho Económico e Social. Assume funções de promoção do progresso económico e social do Homem. - o Conselho de tutela. - o Tribunal internacional de Justiça. Surge como órgão jurisdicional de âmbito para-universal. - o Secretário-Geral. Junto destes pode haver órgãos auxiliares, realçando-se ainda à chamada «família das nações unidas» (UNESCO).

A Assembleia Geral das Nações Unidas Tem competência genérica (relações internacionais) e competência específica (vida interna da organização). Pode discutir quaisquer questões que caibam nas finalidades das nações Unidas (art. 10.º). Todavia, quando o Conselho de Segurança estiver a ocupar-se de qualquer conflito ou situação no exercício das suas funções, a Assembleia não poderá emitir nenhuma recomendação sobre esse conflito ou essa situação, a não ser que o próprio Conselho lho solicite (art. 12.º, n.º1). São competências específicas exclusivas da Assembleia: a apreciação de relatórios do Conselho de Segurança (art. 15.º). a eleição dos membros não permanentes do Conselho, e ainda, a exercer conjuntamente com o Conselho de Segurança a decisão sobre a admissão, expulsão ou suspensão de um membro (arts. 4.º, 5.º e 6.º). a designação do SecretárioGeral (art. 97.º). Cada estado tem na Ass. Geral dt a um voto e as deliberações dão tomadas por maioria de 2/3 dos membros presentes e votantes. A Assembleia funciona como órgão próprio ou através de comissões especializadas.

O Conselho de Segurança O Conselho de Segurança define-se pela sua competência específica: cabe-lhe a responsabilidade principal na manutenção da paz e da Segurança internacionais (art. 24.º). Compõem-no hoje quinze membros, cinco permanentes – China, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia – e dez não permanentes, escolhidos de dois em dois anos (art. 23.º). Funciona permanentemente (art. 28.º).

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Sobre questões não processuais são tomadas por maioria de nove membros, incluindo os membros permanentes (mas um membro que seja parte no conflito tem de se abster das votações). A Carta consagra, o direito de veto de qualquer dos membros permanentes do Conselho (hoje significa voto contrário e não simples abstenção).

O Conselho Económico e Social Composto por 54 membros eleitos de pela Ass. Geral por um período de três anos. Cada membro tem um voto e as deliberações do Conselho são tomadas pela maioria dois membros presentes e votantes (art. 67.º).

O Tribunal Internacional de Justiça Tem dois tipos de competências: contenciosas e consultivas. Ao contrário do que acontece com os tribunais em geral, funciona como órgão de decisão de litígios e como órgão que emite pareceres. O tribunal compõe-se de 15 juizes eleitos por 9 anos pela Ass. e Conselho (art. 13.º, 3.º e 4.º do estatuto). Os litígios são entre estados, apenas estes têm acesso ao tribunal. Mas não apenas membros das nações unidas: além destes podem tornar-se partes no estatuto outros estados nas condições a fixar, em cada caso, pela Ass. Geral, precedendo recomendação do Conselho de segurança (art. 93.º). Nada impede que os membros das Nações Unidas confiem a solução dos seus conflitos a outros tribunais. A jurisdição do TIJ é facultativa: ele só conhece litígios que as partes lhe submetam (art. 36.º, n.º1). mas pode tornar-se obrigatória mediante declaração dirigida a esse fim – cláusula facultativa de jurisdição obrigatória. As decisões são obrigatórias (art. 94.º, n.º1) e caso uma das partes não cumpra pode tomar-se medidas para o cumprimento da sentença (art. 94.º, n.2).

Capítulo VI – CONFLITOS INTERNACIONAIS Diversidade de conflitos Há conflitos que se desenrolam no interior do território do estado ou sob a sua administração e que degeneram em conflitos internacionais (o que importa é a repercussão externa desses eventos). A Carta das Nações unidas fala em situações em conflito, parecendo apontar para diferentes competências e formas de processo (arts. 11.º, n.º3; 34.º e 35.º). A situação dir-se-ia algo que precede o conflito, o estado de facto capaz de lhe dar origem, ainda que de contornos pouco definidos. Na prática é quase impossível distinguir, até porque as intenções políticas em concreto dos estados ou dos órgãos das nações Unidas é que determina a qualificação dentro de uma ou de outra figura. O conflito apresenta-se como jurídico (discute-se sobre a interpretação, validade aplicação de normas internacionais) ou político (entram em jogo interesses políticos).

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Em razão da sua gravidade, há conflitos que ameaçam a paz e a segurança internacionais e conflitos que não ameaçam a paz e a segurança internacionais (arts. 33.º) apenas os primeiros cabem na composição do Conselho de Segurança, conquanto mais uma vez aqui as fronteiras não possam ser traçadas em abstracto. Dentro destes deve-se separar em dois momentos: o inicial, em que se procura ainda uma solução; e o momento do conflito armado.

Os conflitos armados e a evolução do seu tratamento Os conflitos armados nunca deixaram, de ser objecto de normas de Direito internacional, e os juristas sempre procuraram atenuar os seus efeitos. No Direito internacional clássico avultam:

a)

Reconhecimento de jus belli como uma das prerrogativas da soberania dos estados.

b)

Reconhecimento também de uma faculdade discricionária de fazer a guerra em concreto, de um jus ad

bellum. c)

Pequena ou nenhuma relevância da distinção entre guerra defensiva e guerra ofensiva.

d)

Irrelevância jurídica-internacional da guerra civil e da guerra colonial.

e)

Imposição por via consuetudinária, de certos ónus ou deveres procedimentais.

Ao longo dos tempos denota-se o desenvolvimento de conferências diplomáticas no sentido de: - Desenvolver a arbitragem. - Esclarecer o regime da neutralidade. - Estabelecer o princípio da protecção das vítimas (nomeadamente através da Cruz Vermelha). - E estabelecimento de regras restritivas sobre a condução da guerra. O DT Internacional contemporâneo assenta na conjugação dos elementos vindos deste direito de guerra e do Direito Humanitário com os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas.

Uso da força, legítima defesa, agressão Existe uma contraposição entre o direito internacional clássico e o contemporâneo. No primeiro era admissível, o uso de força por qualquer Estado ou aliança de Estados e não se concebia o uso de força por parte da comunidade internacional no segundo o uso da força é excepção e prevalece o uso da força pela comunidade internacional. Tudo se passa hoje como se as Nações Unidas, através do Conselho de Segurança, se arrogassem, do monopólio do uso força (arts. 24.º e 28.º da Carta). A Carta apenas consente o uso da força pelos estados em duas circunstâncias: - Legítima defesa, individual ou colectiva (art. 51.º). - Em caso de assistência às próprias nações Unidas (art. 2.º, n.º5), como a participação em acções levadas a cabo ao abrigo do Capítulo VII (operações de paz e de ingerência humanitária). A legítima defesa – contra ataque armado – decorre do Direito Internacional geral ou comum e constitui mesmo um «direito natural». Este direito não é exclusivo dos membros das nações Unidas; podem-no invocar quaisquer outros estados e até, com adaptações, outros sujeitos de base territorial. Este rege-se pelo princípio da proporcionalidade: a defesa há-de ser adequada à forma e ao conteúdo de agressão, à sua intensidade e à sua gravidade.

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O agredido tem o ónus de comunicar ao Conselho de Segurança o qual deve adoptar as providências necessárias (art. 51.º, 2.ª parte). Desta disposição resulta o seu carácter subsidiário e temporário. Diga-se que as próprias Nações unidas estabeleceram, não a título exaustivo, um conjunto de situações que se podem considerar como de agressão.

Os meios de solução de conflitos À multiplicidade de conflitos tem vindo a responder o Direito Internacional através de formas ou meios de solução crescentemente alargados e reforçados. A Carta das Nações Unidas indica a negociação, o inquérito, a mediação, a conciliação, a arbitragem ou até a própria intervenção das Nações Unidas. É possível discernir meios relacionais de solução (assentes em procedimentos diplomáticos clássicos) e meios institucionais (ligados ao aparecimento de instituições); e meios políticos e meios jurídicos. Negociação – é a conversação entre as partes, o entendimento directo e imediato através dos canais diplomáticos adequados. Inquérito – criação de comissão que vai indagar dos factos na base do conflito. Bons ofícios – há um terceiro estado que tenta a conciliação entre os dois beligerantes. Mediação – o terceiro estado entra directamente nas negociações e pode chegar a formular um solução. Conciliação – comissão que examina a questão e propõe uma solução. Arbitragem – há um tribunal ad hoc, com membros escolhidos pelas partes para dirimir o litígio. Decisão judicial – o tribunal é permanente e julga segundo critérios de legalidade.

Os princípios de solução de conflitos Podem ser apontados: - O dever – de jus cogens – de procurar a solução pacífica de qualquer conflito. - A liberdade de escolha dos meios considerados adequados à solução do conflito. - O dever de agir de boa fé. - O dever de acatar a solução do conflito uma vez encontrada e de a executar de boa fé. A Carta das Nações Unidas completa estas disposições: - Art. 51.º, n.º3 e 4 – proibição de recurso à força. - Art. 33.º - Carácter não taxativo dos meios consignados para resolver o conflito. - Art. 52.º - Possibilidade de acordos regionais. - Art. 36.º, n.º2 – Carácter supletivo das Nações Unidas.

A intervenção do Conselho de Segurança O Conselho de Segurança intervêm nos conflitos internacionais por sua iniciativa (art. 34.º e 36.º), por iniciativa da Assembleia Geral (art. 11.º, n.º3) ou por iniciativa do Secretario Geral (art. 99.º). Intervêm também por iniciativa de qualquer estado interessado, sejam membros ou não (art 35.º).

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A intervenção traduz-se num dos seguintes resultados: convite ás partes no sentido de solução pacífica; recomendação de processos adequados de solução, recomendação dos processos de solução adequada. Um Estado membro do Conselho que tome parte no conflito deve abster-se de votar (art. 27.º), e o estado não membro do Conselho de Segurança será convidado a participar na discussão, embora sem direito de voto (art. 35.º, n.º2).

Meios de intervenção na ocorrência de conflito armado Que acontece se o conflito não encontra solução e se dá a eclosão de conflito armado? Neste momento manifesta-se o papel determinante do Conselho de Segurança – por acção ou por omissão agindo em tempo oportuno e útil ou não agindo. Antes de mais compete ao Conselho de Segurança verificar a existência da situação e depois tomar as medidas apropriadas. Depois a cooperação na manutenção da paz e da segurança internacionais envolve para os estados membros das nações unidas, e até para os não membros, o dever de execução das decisões do Conselho de Segurança (art. 48.º). Na carta, as sanções económicas, diplomáticas e militares são obrigatórias. Não se confundem com sanções militares duas modalidades de intervenção das Nações Unidas previstas na Carta, mas muito importantes, uma foi a intervenção da Coreia entre 1950 e 1953, ao Abrigo da Resolução União para a Paz, outra modalidade tem sido a das operações de paz.

As operações de paz das Nações Unidas Desenvolvidas com finalidades e em tempos e moldes muito diversos em face da variedade das circunstâncias e das possibilidades de intervenção, têm atingido todos os continentes. A par das N.U. e aplicando o princípio da subsidariedade da sua actuação (art. 52.ºda Carta), também organizações regionais têm levado a cabo operações de natureza semelhante (por exemplo a intervenção da Liga Árabe no Líbano em 1978). As operações de paz não se confundem, obviamente com processos de solução de conflitos, porque em si mesmo não visam resolver diferendos, mas atingir os seus efeitos ou impedir que se produzam. O regime jurídico das operações de manutenção de paz tem-se formado por costume internacional a partir da prática do Conselho de Segurança, e da Assembleia Geral e do Secretariado-Geral, e analisa-se nos seguintes princípios: - Elas implicam o consentimento do estado em cujo território se realizem. - Têm natureza não coerciva, só se admitindo o recurso à força em caso de legítima defesa. - Postulam imparcialidade perante as partes envolvidas no conflito. - Tem duração limitada. - O órgão competente para decidir a realização das operações é o Conselho de Segurança, como órgão a que cabe «a responsabilidade principal na manutenção da paz» - art. 24.º da Carta. Antes a revisão constitucional de 1997 poderíamos perguntar se seria admissível a participação de forças de segurança portuguesas em operações de paz. Apesar de o art. 275.º ser omisso, a resposta deveria ser positiva, tendo em conta os grandes princípios e objectivos da inserção internacional de Portugal declarados pelo art. 7.º. Hoje, esta dúvida não se põe, competindo aliás ao Governo, em concertação com o P.R (arts. 120.º,182.º e 201.º, n.º1, alínea c). e com acompanhamento pela Assembleia da república [art. 161,º, alínea j)].

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As intervenções humanitárias Diferentes das operações de paz, se bem que muitas conexas e próximas delas quando precedidas ou acompanhadas de contigentes militares ou de policia, são as acções de intervenção, ingerência ou assistência humanitária, destinadas a acudir vítimas de catástrofes e de conflitos que têm vindo a ser sido concretizadas, em várias partes do Mundo, por obra das Nações Unidas. Têm objectivos próximos dos desenvolvidos pela Cruz vermelha – ajudar as pessoas (Kosovo em 1999). Assentes numa concepção jus-universalista e de solidariedade entre os povos, subordinam o princípio da soberania ao princípio do respeito dos Dts. do Homem, podendo-se deduzir os seguintes princípios: - Estado de necessidade – situação que afecta toda a população, pondo em causa a sua sobrevivência. - A ausência de alternativas viáveis. - Desnecessidade de consentimento do estado em cujo território se desenrolam as operações (ao contrário das operações de paz). - Necessidade de autorização ou homologação pelas nações Unidas. - Adstrição dos meios aos fins e sua racionalidade. - Por isso, limitação no espaço e no tempo. - Isenção na condução das operações. - Subordinação dos interesses dos estados, das organizações e dos indivíduos envolvidos nas operações aos fins das Nações Unidas, designadamente o respeito pela autodeterminação dos povos.

Capítulo VII – PROTECÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREITOS DO HOMEM 1 – Conceitos e problemas Protecção internacional dos direitos do Homem e institutos afins É uma das modalidades de protecção das pessoas através do Dt. Internacional – a mais importante, embora não a única. Mas a seu lado subsistem a protecção diplomática humanitária e dos refugiados. Protecção Internacional dos Direitos do Homem – visa assegurar direitos dos homens e assegurá-los perante o próprio Estado de que são membros. A protecção diplomática destina-se a permitir a cada estado através dos seus representantes diplomáticos e consulares, defender as pessoas e os bens dos seus cidadãos relativamente aos estados estrangeiros em cujo território se encontrem ou residam. A protecção humanitária surgiu para proteger em caso de guerra militares postos fora de combate e civis e refere-se a situações de extrema necessidade em que não se trata da defesa contra poderes jurídicos ou fácticos, mas da própria sobrevivência das pessoas.

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Próxima fica a protecção dos refugiados, na grande maioria são vítimas de conflitos armados ou de situações de violência. No confronto de subjectividade internacional do indivíduo, há que discernir sucessivamente: - Protecção internacional sem subjectividade internacional. - Subjectividade internacional do indivíduo sem protecção dos direitos do homem. - Protecção internacional com subjectividade internacional (indivíduo não apenas objecto de protecção mas também sujeito na promoção dessa protecção).

O desenvolvimento da protecção Tem tido um papel decisivo no desenvolvimento da protecção as Nações Unidas e como grandes marcas avulta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948. Também tem sido importante a obra das organizações especializadas das Nações Unidas e ainda a actuação de estruturas importantes a nível regional.

A protecção das minorias A problemática das minorias e da sua necessária protecção vem de muito longe: recordem-se o tratamento dos Judeus na Idade Média. Está em causa, antes de mais, o reconhecimento aos cidadãos pertencentes a uma minoria dos mesmos direitos e das mesmas condições de exercício dos direitos dos demais cidadãos. Mas não basta evitar ou superar a discriminação. É necessário assegurar o respeito da identidade do grupo e propiciarlhe meios de preservação e de livre desenvolvimento. Foram numerosas e alcançaram alguma efectividade os preceitos sobre minorias constantes de tratados bilaterais e multilaterais celebrados sob a égide da SDN. O órgão competente, para essa área, era o Conselho, chamado a intervir por qualquer dos seus Estados-membros e ao qual podiam ser dirigidas petições.

As normas do Direito Internacional sobre direitos do homem e as suas fontes Estas normas têm por objecto não já ou não apenas relações interestatais, como no Dt. Internacional clássico, mas relações entre os estados e os respectivos cidadãos ou outras pessoa sujeitas ao seu poder. Pode distinguir-se, em termos gerais:

a) Uma função de garantia e de reforço de normas já consagradas no Direito interno. b) Uma função directiva Ressalta mais uma vez a diferenciação entre direitos, liberdades e garantias (auto-exequíveis) e direitos sociais (aplicáveis na medida do possível). Aos tratados de direitos do Homem aplicam-se os princípios gerais com as adaptações decorrentes do seu objecto e fim, o que implica, designadamente: a)

Interpretação à luz do princípio do tratamento mais favorável.

b) Proibição em determinados tratados e, nos demais, admissibilidade só em termos muito restritos de reserva.

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c) Quando se trate de reservas respeitantes aos órgãos de protecção ou de fiscalização do cumprimento dos tratados, é necessária aceitação por esses órgãos. À semelhança do que sucede em Direito interno, também os tratados de direitos do homem admitem a suspensão de dts em estado de necessidade sob o nome de derrogações que estão sujeitas ao princípio da proporcionalidade e não podem atingir certos dts fundamentais.

As formas internacionais de protecção Nas formas internacionais de protecção, cabe distinguir entre formas não institucionais (corresponde à acção recíproca dos estados e às relações internacionais da coordenação) e formas institucionais (correspondentes às organizações internacionais). São formas não institucionais de garantia: - As informações recíprocas dos estados. - Os processos diplomáticos de comunicação ou chamada de atenção para violações de direitos fundamentais. São formas institucionais: - Os inquéritos. - O conhecimento de queixas de estados contra outros a propósito de obrigações internacionais sobre direitos do homem. - O conhecimento de petições comunicações ou queixas de indivíduos. Pode ser obrigatória ou facultativa a natureza das cláusulas respeitantes à apreciação por órgãos internacionais de queixas de Estados contra outros estados ou de petições, comunicações ou queixas de particulares contra os respectivos Estados, por violação de obrigações internacionais. A queixa de um cidadão contra o seu próprio estado diante de um órgão internacional, a indagação a que este proceda e a eventual decisão contra o estado que venha a decretar abalam de uma maneira irreversível o dogma da soberania (basta pensarmos no Dt. Internacional Penal).

2 – Os sistemas das Nações Unidas e das organizações especializadas Da carta das Nações Unidas à Declaração Universal A Carta das Nações Unidas já por si contém normas substantivas sobre direitos do homem (art. 1.º, n.º3, 55.º, alínea c), 56.º). Mas é a Declaração Universal dos Dts. do Homem (DUDH), elaborada no seu imediato seguimento, que enuncia e precisa os grandes príncipios de respeito pela pessoa e pela sua dignidade (art. 1.º, 2.º, 28.º e 30.º). Não se trata de um tratado, pois foi aprovada sob a forma de resolução da Assembleia Geral da N.U., não vinculativa para os Estados (art. 10.º da Carta). O que resta saber é se o conteúdo da Declaração não pode ser desprendido dessa forma e situado noutra perspectiva.

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Parte da doutrina contesta tal possibilidade, por não atribuir às cláusulas da Declaração senão o valor da recomendação. Outra, pelo contrário, vê nela um texto interpretativo da Carta, pelo que participaria de suas natureza e força jurídica. E há ainda aqueles que perscrutam nas proposições da Declaração a tradução de princípios gerais de Dt. Internacional. É esta última posição que parece ser preferível, por mais atenta aos «sinais dos tempos», à convicção crescentemente generalizada da inviolabilidade dos direitos do homem e Às repetidas referências à declaração que se deparam em Constituições, tratados, leis e decisões de tribunais.

Os Pactos internacionais de direitos Logo a seguir à aprovação da DUDH entendeu-se que devia concretizar-se o seu conteúdo através de um ou mais instrumentos com carácter de tratado e, além disso, estabelecer formas e processos de garantir os direitos enunciados. Preferiu-se desdobrar a regulamentação por dois textos: para tornar mais fácil a vinculação dos Estados. O trabalho de preparação dos dois pactos – de Direitos Civis e Políticos e de Direitos Económicos, sociais e Culturais – levou vários anos, e apenas em 1976 entraram em vigor. Portugal ratificou em 1978. A estrutura dos dois pactos é semelhante em certa medida: - Preâmbulo longo, com uma parte primeira em que proclamam o direito à autodeterminação e o direito dos povos à disposição de recursos naturais. - Parte II, com regras gerais, entre as quais a igualdade do homem e da mulher. - Parte III vem a enumeração dos direitos, em termos bastantes pormenorizados. - Parte IV, dedicada à garantia dos direitos.

Os órgãos competentes no domínio dos direitos Os órgãos previstos na Carta das Nações Unidas com competência no domínio dos direitos do Homem são: - Conselho Económico e Social – através de recomendações (art. 62.º, n.º2), projectos de convenção (art. 62.º, n.º3) conferências (art. 62.º, n.º4), acordos com organizações especializadas (art. 63.º). - Comissão dos Direitos do Homem - Assembleia Geral. Como órgão competente para promover estudos e fazer recomendações (art. 13.º, n.º1, alínea b)) e os Altos Comissários para os Refugiados e para os Direitos do Homem. - Tribunal Internacional de Justiça, como órgão jurisdicional que pode ser chamado a decidir questões entre os estados atinentes a direitos do homem (art. 92.º).

As formas de protecção De per si, a informação obrigatória que os estados prestem a órgãos internacionais é já uma forma de protecção dos direitos do homem. Mas temos formas mais intensas: - As comunicações de estados ao Comité dos Direitos do Homem sobre o não-cumprimento por outros estados das suas obrigações (art. 41.º do Pacto de Direitos Civis e Políticos). - As comunicações de particulares ao Comité dos Direitos do Homem.

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O papel da Organização Internacional do Trabalho O preâmbulo da «Constituição» da Organização Internacional do Trabalho contém uma verdadeira declaração de direitos dos trabalhadores, assente na ideia de que não pode haver paz, universal e duradoura, senão na base da justiça social. Aí se fala na fixação de um limite máximo da jornada de trabalho ou na luta contra o desemprego. A concretização destes princípios tem sido obra, ao longo de décadas, de dois tipos de actos: as convenções e as recomendações (art. 19.º da Constituição da OIT) dependentes da aprovação pela Conferência Geral, por maioria de 2/3 . as convenções internacionais do trabalho não admitem reservas e os estados ficam obrigados a ratificá-las dentro de um ano. Quanto às recomendações elas são objecto de comunicação às autoridades competentes, com vista à transformação em leis.

A UNESCO e os direitos culturais O acto constitutivo da UNESCO estabelece uma ligação entre a construção da paz e o seu campo próprio de actividade – o progresso da educação, da ciência e da cultura. Os Governos ficam obrigados a submetê-las às restantes autoridade internas e a enviar à Organização relatórios acerca da sua observância. Inexistem, no entanto, mecanismos de queixa ou de garantia por inobservância.

3 – Os sistemas regionais A Convenção Europeia dos Direitos do Homem A Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 1950, foi o primeiro texto de protecção a nível regional e o primeiro que introduziu o acesso directo do indivíduo a uma instância internacional para defesa dos seus direitos contra o próprio estado. Com a conquista da democracia no Sul da Europa nos anos 70 e nos anos 80/90 na Europa de Leste, a Convenção vincula hoje mais de quarenta estados. Portugal viria a ratificá-la e aos protocolos até então celebrados após a entrada em vigor da Constituição de 1976. O Tratado viria a ser complementado por onze protocolos adicionais. Os direitos declarados são todos direitos liberdades e garantias e em número relativamente modesto.

As reservas à Convenção Europeia A Convenção admite reservas, mas só de carácter específico e fundadas em disposições vigentes de Direito Interno (art. 57.º e 64.º). o seu efeito consiste em obstar à invocação perante os órgãos que ela prevê dos direitos a que se reportam. Quando da aprovação para ratificação da Convenção por Portugal, foram formuladas oito reservas às seguintes matérias: prisão disciplinar de militares, incriminação e julgamento dos agentes e responsáveis da PIDE-DGS, televisão, lockout, serviço cívico, organizações de ideologia fascista, expropriações de latifundiários e de grandes proprietários e empresários ou accionistas, ensino público e particular.

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O sistema institucional da Convenção Europeia O sistema institucional da Convenção compreendia, originariamente, dois órgãos: - A Comissão Europeia dos Direitos do Homem, como órgão de inquérito, de conciliação e de exame de petições ou queixas de particulares (art. 20.º). - O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como órgão jurisdicional (art. 38.º) e como órgão consultivo (art. 1.º do protocolo n.º2). Os particulares dirigiam-se à Comissão e o processo só desembocava no Tribunal por iniciativa da Comissão ou de outro Estado. Com vista a simplificar e acelerar os processos, evitando repetições e reforçando o seu carácter jurisdicional, suprimiu-se a Comissão e reestruturou-se o Tribunal. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pode receber petições de qualquer pessoa singular, organização não governamental ou grupo de particulares que se considere vítima de violação por qualquer Estado vinculado pela Convenção. O Tribunal funciona em comités de 3 juizes, em secções de 7 e em tribunal pleno de 17. o tribunal Europeu não anula ou revoga as decisões dos Tribunais internos dos estados. No essencial apenas decide se houve ou não violação de dts garantidos pela Convenção. As decisões definitivas são contudo vinculativas. O Tribunal possui igualmente uma competência consultiva: a pedido do Comité de Ministros, pode emitir pareceres sobre questões jurídicas à interpretação da Convenção e dos seus protocolos (art. 47.º).

A Carta Social Europeia Aprovada em 1961 Portugal ratificou-a em 1991. Da Carta constam, principalmente os dts dos trabalhadores a que corresponde uma relativa diversidade de obrigações dos estados (art. 20.º).

A Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina É uma convenção que assenta em três grandes princípios: - Primado do ser humano sobre os interesses da sociedade e da ciência. - Princípio do consentimento - O respeito pela vida privada.

As comunidades Europeias e os Direitos do Homem O Tratado de Roma, constitutivo da Comunidade Económica Europeia, logicamente, apenas havia contemplado a liberdade de circulação e a não-discriminação entre os trabalhadores (art. 48.º). à medida que a integração avançava foi-se sentindo a necessidade de olhar o problema de forma mais alargada. O aumento das atribuições da Comunidade viria a tornar mais forte a necessidade de subordinação dos seus órgãos a normas de garantia desses direitos. Há também que levar em conta a acção do tribunal de Justiça das Comunidades e a declaração dos Presidentes do Parlamento Europeu, da Comissão e do Conselho Europeu sobre direitos fundamentais, e ainda várias cláusulas expressas

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dos Tratados das Comunidades (Maastriccht, Amesterdão, Nice). Tudo isto parece já oferecer base solida, mas preferiu-se uma Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia, proclama em Dezembro de 1000

A Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia A Carta é relativamente longa, com 54 artigos, dividida em sete capítulos. Em confronto com a Convenção Europeia, ela alarga substancialmente o acervo de direitos e oferece uma melhor sistematização, embora seja menos pormenorizada ao descrever os respectivos conteúdos. A Carta estipula que nenhuma das suas disposições pode ser interpretada no sentido de restringir ou lesar os direitos e liberdades fundamentais, reconhecidos, nos respectivos âmbitos de aplicação, pelo Direito da União ou pelo Dt. Internacional. O Prof. faz algumas críticas à Carta (que aliás apresenta um carácter paraconstitucional e para federalista): - Se estão em causa direitos perante as Comunidades enquanto apliquem o Direito da União, não se compreende porque motivo o respectivo catálogo ficam de fora dos Tratados - Não obstante o intuito afirmado de respeito pelas Constituições nacionais, corre-se o risco do Tribunal de Justiça, na sua tendência uniformizadora, as secundarizar. - A Carta pode cavar um fosso entre os países comunitários e os restantes países europeus. Estes continuariam partes na Convenção Europeia – com uma lista relativamente curta de dts. Ao invés, os cidadãos dos países-membros da União beneficiariam tanto da tutela atribuída pela Convenção quanto da tutela adicionada pela Carta. Nada justifica esta separação. Se há fortes razões económicas e políticas para o alargamento da Comunidade por fases, nenhuma razão se divisa para o sistema de direitos fundamentais, a nível europeu não ser o mesmo para todos os Estados europeus.

Capítulo VIII – RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL A responsabilidade internacional em geral Sempre que um sujeito de Direito viola uma norma ou um dever a que está adstrito em relação com outro sujeito ou sempre que, por qualquer forma, lhe causa um prejuízo, incorre em responsabilidade; fica constituído um dever específico para com o lesado. Os Estados e as entidades públicas respondem pelos prejuízos das suas acções ou omissões na esfera interna, pelo que na esfera internacional, também os sujeitos de direito internacional respondem pelos actos ilícitos ou lícitos que lesem direitos e interesses de outros sujeitos. No direito internacional sobressaem: - A relevância dos interesses políticos conexos com a soberania dos estados e a tendencial identificação dos danos morais com a lesão desses interesses. - A não rara complexidade da relação. - A consequência relevância, entre as modalidades de reparação dos danos. - A prevalência dos mecanismos diplomáticos sobre os mecanismos jurisdicionais de efectivação. - A frequência de formas de autotutela como retorsão (resposta a violação de interesses do estado por meio de actos lícitos – ruptura de relações diplomáticas) ou a represália (reacção através de acto ilícito, seja pacífico ou não).

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Alguns sinais de mudança: - A responsabilidade internacional era até há pouco responsabilidade dos estados nas relações entre eles, hoje conhece-se também a responsabilidade de organizações internacionais. - A responsabilidade internacional surgiu como responsabilidade colectiva e próxima de responsabilidade civil vem despontando. - O reconhecimento da responsabilidade individual e criminal ao lado de responsabilidade colectiva (a partir de Nuremberga em 1945). - A responsabilidade não só de actos ilícitos mas também uma responsabilidade por risco. - Até à Carta das Nações Unidas aceitava-se o emprego da força para o Estado lesado restaurar a situação anterior; hoje somente tal é permitido ao Conselho de Segurança.

A responsabilidade dos Estados Em qualquer ordenamento ou sector jurídico, a responsabilidade envolve quatro elementos: - Um comportamento; a sua imputação; o dano; o nexo de causalidade. Tem de haver uma acção ou omissão, atribuída ou atribuível a certo sujeito e que cause um prejuizo moral ou patrimonial a outro, verificando-se uma relação necessária entre o comportamento e o dano. Considerando agora apenas a problemática respeitante ao estado, verifica-se que a conduta pode assumir diferentes configurações. Donde: - Responsabilidade por acção e responsabilidade por omissão. - Responsabilidade directa decorrente de acção ou omissão de órgãos ou agentes de outras entidades públicas. - Responsabilidade por actos de Direito Internacional ou regidos pelo Direito Internacional e responsabilidade por actos de Direito interno. - Responsabilidade por actos no interior do território e por actos no território doutro estado. Em qualquer circunstância o fundamental é a conduta, a culpa ou o dolo apenas servem para graduar a responsabilidade. Os particulares podem praticar actos que acarretem responsabilidade do estado em face do Estado estrangeiro. É o que acontece tipicamente havendo motins ou qualquer perturbação pública que afecte a representação de cidadãos de Estado estrangeiro, mormente quando as forças da ordem não tenham assegurado. Aqui a responsabilidade do estado tem por pressuposto a actividade ilícita dos particulares. Ocorrendo rebelião ou insurreição, o Estado responde tanto pelos danos provocados pelas autoridades constituídas e pelos seus agentes quanto pelos danos provocados pelos rebeldes. Ou seja, a conduta é do próprio Estado, independentemente da sucessão de formas políticas e de Governos. O lesado pode ser um particular, mas não gozando ele de subjectividade internacional, haverá que obter a mediação do estado por via da protecção diplomática. A legítima defesa, o consentimento da vítima, a força maior e o estado de necessidade são causas de exclusão de ilicitude. Mas não isentam (salvo a legítima defesa) do dever de indemnizar.

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A responsabilidade internacional penal do indivíduo É relativamente recente a problemática de uma responsabilidade internacional penal do indivíduo, de um Direito Internacional Penal sobretudo para a defesa dos Direitos do Homem. Eis os traços básicos da competência do Tribunal Penal Internacional, tal como resulta do seu Estatuto: - Crimes sujeitos à jurisdição do tribunal são o genocídio, os crimes contra a humanidade os crimes de guerra e o crime de agressão (arts. 5.º e segs). - Um estado que seja parte no estatuto aceita a jurisdição do Tribunal relativamente àqueles crimes (art. 12.º). - O Tribunal não admite um caso quando ele seja objecto de inquérito ou de processo no estado que tenha jurisdição sobre o mesmo (art. 17.º) pretende-se com isto congregar o princípio da jurisdição obrigatória com aquilo a que se vem chamando o princípio da complementariedade. - O conselho de Segurança pode impedir o início ou a continuação de uma investigação com base numa resolução aprovado ao brigo do Capítulo VII da Carta das N.U. (art. 16.º). Por outro lado, estabelece-se: - Não-imunidade dos titulares de cargos políticos (art. 27.º). - Não isenção de responsabilidade criminal dos subordinados, quando as ordens cumpridas sejam ilegais (art. 33.º). - Imprescritibilidade dos crimes (art. 29.º). - Obrigações de cooperação dos Estados (art. 86.º), designadamente da entrega de pessoas ao Tribunal (art. 89.º). - Proibição de reservas ao estatuto (art. 127.º). No que toca a normas substantivas e processuais refira-se os arts. 21.º, 22.º; 34.º, 35.º, 61.º, 63.º, 66.º, 77.º, 79.º, 84.º, 110.º. O tribunal Penal internacional aparece como novo paradigma do Direito internacional penal, no entrosamento da ordem jurídica internacional e das ordens jurídicas internas. Por isso e devido à natureza compromissória do estatuto e à deficiente redacção de não poucos preceitos, são múltiplos os problemas que ele envolve. Para lá da superação do dogma da soberania, em alguns países surgiram dificuldades de compatibilização com as suas Constituições, obrigando a prévias revisões antes de ser possível a ratificação. Foi o caso de Portugal (quanto ao problema da prisão perpétua). Da revisão operada em 2001 resultou o novo art. 7.º, n.º7, e de seguida a aprovação do estatuto pela A.R. e a ratificação pelo P.R. e assim Portugal viria a ser um dos países fundadores.

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