Resumo - Antes Do Baile Verde

August 4, 2019 | Author: Juninho Selister | Category: Contos, Narração, Amor, Tempo, Psicologia e ciência cognitiva
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ANTES DO BAILE VERDE LYGIA FAGUNDES TELLES1 Prof. Guilherme Rodrigues

 “ Atrás da porta um sopro torpe desmascara os objetos mais mais familiares” (Modesto Carone) 1. A Obra: Lygia Fagundes Telles nasceu em 1923, na cidade de S. Paulo/SP, onde reside até os dias de hoje. Uma das maiores escritoras brasileiras de todos os tempos, Fagundes Telles já foi galardoada por diversas premiações nacionais e internacionais, entre elas, o Prêmio Jabuti e o Prêmio Camões em 2005. É membro da Academia Paulista de Letras, da Academia Brasileira de Letras e da Academia das Ciências de Lisboa. Dona de um estilo peculiar, que transita entre um olhar realista e surreal para a condição do ser humano, Fagundes Telles traz, em sua prosa (romances e contos), uma linguagem precisa e poética que retrata seus personagens além das meras aparências, como acontece comumente na literatura de vários prosadores que, como Fagundes Telles, estão inseridos na chamada Geração de 45 . Principais Obras: Porão e sobrado (1938 – contos); Ciranda de Pedras (1954 – romance);  Antes do baile verde (1970 – contos);  As meninas (1973 – romance); Horas nuas (1980 – romance) entre outras. 2. A Obra:  Antes do baile verde, livro de contos de Lygia Fagundes Telles, publicado em 1970, é uma das obras mais marcantes da carreira da autora. Os contos inseridos nesta coletânea foram escritos entre 1949 e 1969 e já publicados em outras obras da autora. Nesse sentido, um pensamento inicial pode recair sobre o questionamento de haver ou não evolução qualitativa e conseqüente amadurecimento do autor, resultantes de vinte anos de investida criativa. Antes de serem publicados, os contos antigos foram revistos pela autora, sofrendo cortes, acréscimos, mudanças de palavras ou de expressões. De acordo com a própria Lygia, entretanto, isso não alterou a fisionomia original de cada trabalho. A maior parte das narrativas segue um mesmo padrão e os vinte anos que transcorrem entre a confecção do primeiro e do último conto que compõem a coletânea passariam despercebidos, se a data de publicação não constasse expressa no livro. Os temas são considerados o ponto forte deste trabalho de Lygia, principalmente ao se observar o período em que foi concebido. Inserida no que chama de Pós-Modernismo da Literatura Brasileiro (ou “Geração Pós-45”), a prosa de Telles, a exemplo de outros trabalhos literário de seus coevos – mas sem seguir qualquer modelo temático ou estético previamente estabelecido –, como Clarice Lispector, Guimarães Rosa, entre outros, volta-se para temas existenciais e filosóficos, desmascarando o cotidiano de seus personagens, e mostrando uma realidade além das meras aparências. Adultério, insatisfação conjugal, desmistificação dos papéis familiares – talvez possam ser considerados temas banais, exaustivamente explorados. Entretanto, a autora abordou-os há meio século, época em que a família conjugal é o modelo dominante e que a autoridade máxima na família é conferida ao pai, o chefe da casa, “e garantida pela legislação que incentiva o moralismo tradicional, a „procriação‟, o trabalho masculino e a dedicação da mulher ao lar”. As personagens captadas pela câmera da autora representam as famílias urbanas brasileiras de classe média alta, com aparência distinta diante da sociedade, mas com dramas e conflitos comuns a qualquer ser humano, que, na maioria das vezes, tentam esconder dentro dos armários ou debaixo dos tapetes. Dessa maneira, o perfil de uma classe sócioeconômica específica é delineado para exibir temáticas 1

O presente estudo da obra Antes do Baile Verde, de Lygia Fagundes Telles é uma livre adaptação dos textos divulgados no Site Passeiweb In: http://www.passeiweb.com/na_ponta_lingua/livros/ – resumoscomentarios/a resumoscom entarios/a/antes-do_ba /antes-do_baile_verde_livro ile_verde_livro..

universais, os jogos de poder envolvidos nas relações entre homens e mulheres, os conflitos, os valores morais, os desequilíbrios. As personagens são construídas simultaneamente com o enredo. Os detalhes são importantes nessa composição – os gestos, a interação estabelecida com as outras personagens, as associações simbólicas empregadas pelo narrador. Praticamente em todos os contos da coletânea as personagens femininas apresentam importância crucial. São elas que assumem atitudes que desafiam as normas do comportamento adequado, ameaçam as regras sociais e reformulam os padrões de conduta, mesmo quando não estão no papel de protagonistas. A estrutura mais utilizada pela autora para a elaboração dos contos é a do diálogo entre duas personagens. Assim, apesar da força das personagens femininas: a “rainha do lar”, a “tia solteirona”, a “mulher fatal”, a “amante” – , também desfilam diante do leitor outras personagens, personagens, como o “marido ideal”, o  “homem apoltronado”, o “irmão perfeito”, o “louco”, caracteres familiares, mas que trazem consigo sempre alguma surpresa. Essa galeria de tipos e os duelos que eles travam em busca da satisfação das próprias necessidades chocam-se com as expectativas dos leitores, que observam os padrões morais e sociais dominantes caírem por terra em confronto com a busca da felicidade. A narrativa de Lygia apresenta grande agilidade. A autora utiliza linguagem clara, concisa, descartando tudo o que poderia ser considerado desnecessário para a ficção. Aparentemente, tem pressa, parece não haver tempo a perder – por isso, dispensa o supérfluo. O emprego dos diálogos, por meio dos quais autor e narrador constroem as personagens, desenvolvem o enredo, transmitem as informações ao leitor, é feito de maneira primorosa e também contribui para a rapidez narrativa de Lygia. Sempre que possível, mostra os fatos ao invés de contá-los para o leitor, tirando proveito das características determinantes do modo showing de narrar, a imitação verdadeira, a mimese, as falas diretas, o modo dramático, como que propiciando que a história se conte por si mesma. Assim, na maioria dos contos, o leitor tem a sensação que o narrador se esconde e que ele, leitor, é também personagem e observa os fatos acontecerem diante dos próprios olhos. Existem momentos de ousadia e coragem, principalmente com relação à seleção de temas, mas, na maioria das vezes, Lygia Fagundes Telles pode ser classificada como prudente no ato de escrever. A autora não explora todos os artifícios narrativos que os recursos retóricos da linguagem disponibilizam. Lygia, de certo modo, limita o uso de recursos praticados na “modernidade”, ou seja, aqueles que buscam uma ruptura radical com os moldes tradicionais. Assim, ao que parece, evita experimentações. Ao invés disso, pode-se perceber no modo de narrar traços marcadamente realistas. Em suma, em  Antes do Baile Verde , sugere, mas não corre riscos. Em seu estilo instigante, Fagundes Telles insere seus narradores (em 1ª e em 3ª pessoa) e personagens em situações recheadas de mistérios e elementos sobrenaturais, mas sempre falando da nossa realidade, do ser humano e seus problemas cotidianos. Além disso, por se tratar de textos que exploram o lado simbólico das coisas, percebemos o destaque dado pelos narradores a detalhes tanto dos personagens quanto do meio em que eles estão inseridos – enfatizando gestos, movimentos e frases, no caso dos personagens; ou citando os objetos que os circundam. Nesses contos predomina o tempo psicológico, já que toda a narrativa é regida pelos pensamentos dos personagens centrais e secundários; mas sempre contando com a cumplicidade e com a atenção de nós leitores, aos quais cabe interpretar e julgar este ou aquele ato. Por exemplo: ante o olhar ingênuo da menina Ducha, narradora de “Jardim selvagem”, que registra os episódios envolvendo o casamento do seu Tio Ed com a misteriosa Daniela, somos nós os responsáveis pelo julgamento do caráter dessa mulher; ou da atitude de Tatisa, quando quer curtir sua vida, enquanto o pai agoniza no quarto; o que acontece com Miguel, depois que

sai do prédio com a adaga; ou mesmo o desejo de vingança de Ricardo, preterido por Raquel, já que o atual namorado desta é rico. Assim mergulhamos na alma e no drama de pessoas que são seres humanos entregues a situações extremas, as quais todos nós estamos sujeitos 2.1 Resumos dos contos: A) Os Objetos: Narrado em 3ª pessoa, o conto retrata uma

cena cotidiana de um casal em desarmonia, Lorena e Miguel, que tiveram um passado feliz mas que, no “presente” (no momento da ação), enfrentam problemas, principalmente pelo desequilíbrio mental de Miguel. São abordados temas como a solidão, a loucura, o fim do amor. O conto é estruturado na forma de diálogo entre as duas personagens, por meio do qual o leitor vai recebendo as informações e, conseqüentemente, tendo acesso ao conflito que existe entre elas. O narrador emprega a focalização externa para caracterizar as personagens – por meio da descrição de gestos e atitudes comportamentais – mas não são dadas informações a respeito da aparência física das personagens. Enquanto a mulher confecciona um colar, enfiando contas em um fio de linha preso à agulha; o marido, Miguel, faz perguntas, a respeito de alguns objetos presentes na sala do apartamento em que moram. Miguel compara o globo de vidro, que traz nas mãos desde o início do conto, às bolhas de sabão que fazia quando era criança. A partir daí, Miguel discorre sobre a utilidade dos objetos – quer saber para que serve um globo de vidro, um anjo dourado, um cinzeiro e uma adaga. Segundo ele, as coisas só têm sentido se cumprem a função a que se destinam: “Quando olhamos para as coisas, quando tocamos nelas é que começam a viver como nós, muito mais importantes do que nós, porque continuam.” A vida das pessoas é efêmera, a existência dos objetos é muito mais duradoura. Isso é o que pensa Miguel. Entretanto, a atitude da esposa, Lorena, contradiz esse pensamento do marido. “Ela deixou cair na caixa a conta obstruída e escolheu outra” – o movimento da mulher traduz para o leitor a idéia que se um objeto não tem utilidade devese colocar outro no lugar, como ela faz com a conta obstruída que não serve para o colar que está fazendo. Além disso, as mesmas coisas que são importantes para Miguel são conceituadas por Lorena como “bugigangas”. Essa diferença de comportamento das personagens em relação aos objetos também serve para mostrar ao leitor a falta de sintonia entre os dois. O clima da narrativa é ameno até o momento em que Miguel afirma que a esposa não o ama mais. Nesse ponto da história, surge a tensão e o conflito que envolve as personagens começa a ser exposto. Lorena tem uma atitude paciente com Miguel, mas não lhe dá atenção verdadeira. A mulher está cansada com a situação que está vivendo. Emprega um tom maternal ao dirigir-se a Miguel – parece que a relação mulher/marido transformou-se em uma relação mãe/filho. Lorena cuida de Miguel, como quando se levanta para providenciar o chá com biscoitos que ele quer, mas evita o contato físico com o marido – quando, por exemplo, ele segura a cabeça da esposa entre as mãos, ela desvencilha-se rápida, atitude que não passa despercebida para Miguel. Por outro lado, enquanto Lorena (mais pragmática que o marido) não quer que os objetos se quebrem – o globo de vidro, o vaso, os copos – Miguel tem consciência de que o mais importante já se quebrou: o amor que havia entre os dois, a possibilidade de um futuro feliz, estão irreparavelmente perdidos. Ao final do conto, Miguel sai para comprar o biscoito e leva consigo a adaga, que, pouco tempo antes, tinha apontado contra seu próprio peito. Significativamente, ao entrar no elevador, “evitou o espelho” (p. 8) – talvez por medo, talvez por não querer encarar a verdade. E a narrativa termina, com um final em aberto, com uma elipse a ser completada por cada leitor. B) Verde Lagarto Amarelo: Em Verde Lagarto Amarelo o tempo da história abrange um período de algumas horas. Narrado em 1ª pessoa, pelo personagem Rodolfo, o conto trata de uma conversa deste com o outro personagem, o Eduardo, seu irmão. A narrativa tem focalização interna, o

que quer dizer que o grau de informações do narrador é igual ao da personagem, ou seja, será narrado aquilo que a personagem sabe. A focalização é fixa – o leitor tem acesso aos pensamentos e sentimentos de Rodolfo. A outra personagem é focalizada, externamente, pelo narrador. É por meio do monólogo interior de Rodolfo que o leitor recebe informações sobre Eduardo. Assim, percebe-se que Eduardo é perspicaz ( “Nada lhe escapava” ), bondoso ( “Acabava sempre por me oferecer seu tesouro”) e preocupado com o bem-estar de Rodolfo ( “Dizia isso para me poupar, estava sempre querendo me poupar” ). O passado é composto por recordações da infância, nas quais Rodolfo faz conjeturas sobre o próprio comportamento e o dos outros membros da família, especialmente o do irmão e o da mãe. O leitor acompanha o drama de Rodolfo, que desde criança escondese da vida como “um lagarto no vão do muro” (p. 14), daí o título do conto. O narrador-personagem possui aspecto desagradável e uma sudorese excessiva, que mancha “a camisa de amarelo com uma borda esverdinhada, suor de bicho venenoso, traiçoeiro, malsão” (p. 11). Ao visitar o irmão, Eduardo traz um pacote de uvas e uma outra “coisa”, uma “surpresa”, que ele só quer mostrar “depois” (p. 9). Num primeiro momento, a relação entre os dois é amena e sem tensões, mas, aos poucos, a real situação dos dois vai sendo exposta para o leitor. Ser obrigado a conviver com Eduardo é o pior castigo para Rodolfo. Ter que encarar o que poderia ser, mas que nunca alcançará. É um lagarto que observa com inveja um pássaro de plumagem colorida. A consciência da diferença sufoca Rodolfo. Para resolver o problema, pensa em morrer, “Era menino ainda mas houve um dia em que quis morrer para não transpirar mais”. Posteriormente, acredita que a solução seria a morte de Eduardo. Mas não tem a coragem de Caim (personagem bíblico, cuja história é uma explícita referência intertextual do conto). Apenas consegue torcer para que Júlio, um menino que desafia Eduardo para uma briga, o atinja mortalmente com o canivete, durante uma briga. Entretanto, arrepende-se: “E de repente me precipitei pela rua afora, eu o queria vivo, o canivete não!”  (p. 15). Talvez Rodolfo tenha percebido que a morte de Eduardo não seria a solução para o seu problema. A ausência do irmão não faria com que ele, Rodolfo, ganhasse o amor e a admiração dos outros, instantaneamente. Depois da briga, Rodolfo carrega o irmão machucado nas costas, de volta para casa. Eduardo era um peso imenso para Rodolfo. Mas, se a situação era ruim com a presença dele, talvez só piorasse com a sua morte. Afinal, pelo menos Eduardo amava Rodolfo. A convivência sufocante com Eduardo faz com que Rodolfo se torne cada vez mais introspectivo. Rejeitado pela mãe, acumulando anos de raiva e frustração, conscientizando-se de sua aparência repugnante, o que resta a Rodolfo é esconderse, isolar-se do convívio social, transformar-se num eremita urbano. E adotar a função solitária de escritor –  “Era o que me restara: escrever” (p. 16). Rodolfo é um escritor bem sucedido. Seus livros vendem muito mas, apesar disso, não se sente completamente satisfeito. Chega-se ao clímax do conto. Rodolfo adivinha o motivo da visita do irmão. O impacto da descoberta faz com que ele sinta uma dor “quase física” (p. 16). A única coisa que era verdadeiramente sua, o único talento que sobrara para Rodolfo, seu único canal para se expressar e conseguir um pouco de admiração, era o ato de escrever, agora também “roubado” por Eduardo. Além do relacionamento de amor e ódio existente entre os dois irmãos, outro aspecto importante de Verde Lagarto Amarelo é a relação entre a mãe e os filhos. Laura não consegue disfarçar a predileção que sente pelo caçula, o que se torna a principal causa do sofrimento de Rodolfo. A mãe não se conforma com o fato de Rodolfo transpirar tanto, critica-o por estar sempre comendo. Não consegue ter um gesto de amor para com o primogênito. O comportamento de Laura, aliado à sua morte, ainda na infância dos meninos, tem reflexos negativos em toda a vida de Rodolfo. C) Apenas um Saxofone: A narradora (a mulher que se auto-denomina de Luisiana) é uma mulher rica e fútil, que se

lembra da paixão que viveu com um saxofonista, por quem desde o princípio do conto indaga (“Onde? Onde?”) – um homem sensível, o qual conheceu no casamento de uma amiga, quando o som do saxofone que ele tocava encantou a todos. Mas antes de nos narrarmos sua relação com esse homem, a narradora retrata sua vida fútil de mulher rica, marcada pela hipocrisia e pela artificialidade, onde todos parecem encenar um papel social para agradar um mundo onde o que vale são as aparências (como é o caso do seu decorador, o Renê, um homossexual afetado que parecia encenar seu excessivo estilo afeminado de se portar). Ela afirma não ter conhecido os pais, e, abandonada, vivera de explorar homens como seu atual companheiro, que lhe dá  jóias e viagens caras. Quando conhece “o moço do saxofone”, a narradora demonstra o quanto era feliz com ele, o qual sempre se mostrou extremamente dedicado a ela, julgando-a a coisa mais bela e importante do mundo. Consciente do amor servil e desinteressado que lhe devotava o amante, a mulher o explora, tornando-o seu escravo sentimental, até o dia em que pede que ele se mate. D) Helga: Narrado em 1ª pessoa por Paulo Silva Filho, um

catarinense fruto do relacionamento de uma brasileira com um alemão, o conto é construído com base na reversão da expectativa do leitor. Ao desvendar o aspecto grotesco da condição humana, retratada nesse conto, Telles cria uma estudo sobre a capacidade da crueldade e do egoísmo humano. Paulo Silva, que mais tarde será o Paul Karsten, termina o ginásio e viaja para Hamburgo, Alemanha, em 1935, onde se engaja na Juventude Nazista, às vésperas da 2ª Guerra Mundial. Quando a Guerra explode em 1939, Paulo Silva Filha, agora usando o nome Paul Karsten, entra na luta ao lado do exército alemão. Quando o Brasil, aliado dos EUA, entra na 2ª Guerra Mundial contra a Alemanha, embora corra o risco de ser considerado um traidor da própria pátria, Paul Karsten continua sua luta em favor da Alemanha. Finda a guerra, Paul trava contato íntimo com a bela alemã, a Helga. Helga é filha de Wolf, é um farmacêutico, a quem Paul fornece mantimentos, escasso naquele período. Paul descobre que Helga usa uma perna mecânica, o que prova que seu pai, no passado, fora um homem muito rico, pois era uma prótese ortopédica muito bem feita, reservada a heróis excepcionais de guerra. Nesse tempo, Paul ouve do pai de Helga as vantagens de trabalhar com o contrabando de penicilina que poderia render lucros exorbitantes a quem o fizesse – mas era preciso ter uma boa quantia de dinheiro para investir no início do negócio. É em meio a um desses comentários que Paul pede a mão de Helga em casamento. Mas na noite de núpcias ele foge levando a perna mecânica, a qual serviria de capital inicial para iniciar-se no ramo de contrabando de penicilina. E no presente da narrativa, Paul, de volta ao Brasil, já anistiado pelo governo brasileiro, é um homem rico que se martiriza com o sentimento de remorso por ter traído a confiança da sua amada Helga. E) O Moço do Saxofone: O narrador em 1ª pessoas nos fala de uma pensão onde vivem um moço, saxofonista e sua esposa vadia. O narrador é um caminhoneiro que ganha dinheiro trabalhando com contrabando, que usa uma linguagem marcada pela coloquialidade típico de sujeitos embrutecidos pela lida diária nas estradas. Por um acaso, começa a almoçar nessa pensão, que, apesar de julgar um lugar estranho, freqüentado por pessoas estranhas, jamais deixou de ali fazer suas refeições quando passava por aquela região. E entre as coisas que mais lhe causavam estranhamento, era o som de saxofone, que vinha do andar de cima. Um dia pergunta ao amigo que som era aquele, e ele então conta o caso do marido traído descaradamente pela esposa. Ela o traía de forma aberta, sem nunca demonstrar qualquer consideração pelos seus sentimentos; e enquanto ela se deitava com outros homens. Num primeiro momento, o narrador reprova a atitude da mulher (sente até certo ódio dela); mas quando se aproxima dela, sente-se tão atraído por ele, que marca um encontro no outro dia. No dia marcado, o

narrador sobe para se encontrar com a mulher, e, por equivoco, entra no quarto onde se encontrava o marido traído. Ali, constrangido diante do marido de sua futura amante, ele pergunta ao homem porque ele aceita aquela situação e porque não faz alguma coisa. Ele responde que a única coisa que faz é “tocar o saxofone” . Depois disso, já dentro do quarto com a mulher, o narrador ouve o som do saxofone, e não consegue consumar o ato sexual com a mulher loura, e foge daquele lugar. F) Antes do Baile Verde: Nesta história, narrada em 3ª

pessoa, uma jovem se prepara animada para o grande baile a fantasia de sua cidade, em que todos devem comparecer vestidos com roupas verdes. No quarto ao lado, seu pai doente agoniza em seus últimos minutos de vida. A jovem, movida pela vontade egoísta de se divertir num simples baile ao invés de assumir a responsabilidade inconveniente de cuidar do pai, inventa a todo momento as maiores desculpas para si mesma. É nessa situação que a empregada, a Lu (que tem um encontro marcado com seu namorado, o Raimundo chama a atenção da jovem para a saúde do seu pai –ao que Tatisa tenta negar o tempo todo. Disse que esteve lá (no mesmo prédio); que o pai de Tatisa estava morrendo e que seria bom que ela fosse vê-lo. No decorrer da conversa, a garota deixa transparecer seu egoísmo em total indiferença ao pai. Transfere não só a culpa disso, mas também a responsabilidade para outrem (o médico e a própria empregada). Depois, tenta convencer a empregada de ficar com o pai naquela noite. Esta reluta a idéia alegando que não perderá o desfile de carnaval por nada. Tatisa tenta se convencer de que está tudo bem, até escutarem um gemido agonizante próximo de quando saíam do apartamento. Dirigem-se para o apartamento de seu pai , primeiro a empregada, depois ela. G) A Caçada: O cenário desse conto é uma loja de antigüidades, apresentado ao leitor por meio do discurso narrador em 3ª pessoa. Para compor o espaço físico onde a ação irá se desenvolver, o narrador emprega imagens de percepção sensória. Assim, o leitor sente o cheiro da loja:  “tinha o cheiro de uma arca de sacristia com seus panos embolorados e livros comidos de traça” (p. 41); tem a sensação do tato, por intermédio da personagem, que, “com a ponta dos dedos” (p. 41), toca em uma pilha de livros; vê detalhes do lugar, “uma mariposa levantou vôo e foi chocar se contra uma imagem de mãos decepadas” (p. 41). As imagens literárias produzidas com o uso de detalhes transferem maior verossimilhança à narrativa. Existem duas personagens, uma velha, provavelmente a dona da loja, ou então uma funcionária, há muito tempo no estabelecimento, e um homem, que vai ao estabelecimento atraído por uma tapeçaria antiga, com a representação de uma caçada. As personagens não têm nome e o narrador não faz descrições sobre seus aspectos físicos para caracterizá-las. O tempo da história abrange um período de dois dias. No primeiro dia, o homem vai à loja de antigüidades. O diálogo entre as personagens é apresentado pelo narrador. Aos poucos, a maneira como ele enxerga a tapeçaria vai sofrendo alteração, aos olhos do protagonista. Também é estabelecida uma oposição entre a atitude do homem e da mulher frente à tapeçaria. Assim, enquanto para ele aquele trabalho artesanal parece ter importância crucial, o procedimento da mulher é de desprezo: tem “um muxoxo” (p. 42), ela encolhe os ombros, limpa “as unhas com o grampo” (p. 42), disfarça  “um bocejo” (p. 43). As cenas fornecem pouca informação ao leitor, o que causa, como conseqüência, um despertar da curiosidade do leitor. Quem é esse homem? Qual o mistério que a tapeçaria esconde? Por que proporciona tamanho fascínio, medo e desconforto naquele que a observa? A descrição da tapeçaria é realizada por um trecho de um parágrafo, em discurso narrativizado. O parágrafo seguinte começa da seguinte maneira: “O homem respirava com esforço. Vagou o olhar pela tapeçaria que tinha a cor esverdeada de um céu de tempestade.” (p. 42). E a descrição

da tapeçaria continua, só que, agora, fica para o leitor a impressão que está vendo a tapeçaria através dos olhos da personagem masculina. O homem consegue enxergar na tapeçaria detalhes que não havia percebido antes, e que, aparentemente, as outras pessoas também não conseguem visualizar. Desse modo, a mulher não vê “diferença nenhuma” (p. 42) na tapeçaria, não vê a seta que o caçador disparou, para ela, é apenas “um buraco de traça” (p. 42). E, da forma como o narrador apresenta a cena, o leitor não tem como saber qual das personagens está enxergando a verdadeira imagem. A narrativa prossegue, com o narrador alternando a focalização externa com a interna, apresentada por meio de discurso indireto livre. A personagem conclui que  já conhecia a cena representada na tapeçaria: “Conhecia esse bosque, esse caçador, esse céu – conhecia tudo tão bem, mas tão bem!” (p. 43), mas não sabe de que época. O homem entra em um cinema, vaga pelas ruas e volta à loja; parece desorientado e demonstra uma atração descontrolada pela tapeçaria. Vai para casa. A seguir, o leitor percebe que a personagem teve um pesadelo, com a tapeçaria, pois o narrador inicia o parágrafo seguinte com o verbo acordar. No dia seguinte, o segundo dia da história, o homem vai, novamente, à loja de antigüidades, mais cedo do que de costume. Chega-se, então, ao clímax da narrativa. Nesse trecho se alternam as focalizações externa e interna, caracterizando a mistura do real e do fantástico, e retratando o possível delírio pelo qual passa o homem. Logo em seguida, presenciamos uma cena surreal, narrada em através do discurso indireto livre, a imersão do personagem na tapeçaria: “Era o caçador? Ou a caça? Não importava, não importava, sabia apenas que tinha que prosseguir correndo sem parar por entre as árvores, caçando ou sendo caçado. Ou sendo caçado?...”  O desfecho do conto é feito com alternâncias de estados de discurso, quando o protagonista sente uma dor no peito, descobrindo ser ele a própria caça. H) A Chave: O conto  A Chave, escrito em 1965, traz, pela primeira vez na coletânea, o tema da diferença de idade entre os cônjuges. O leitor é colocado em contato com os pensamentos de uma personagem, Tomás, desde as primeiras palavras do conto, narrado em 3ª pessoa, mas trazendo marcas do discurso em 1ª pessoa, pois o personagem Tomás é também o narrador, dando sua perspectiva à história será contada. O leitor recebe informações através do olhar do marido, que, enquanto observa a mulher, que se prepara para ir a um jantar, faz conjeturas a respeito da situação do casal e da própria vida. Por meio do discurso avaliativo, o leitor toma conhecimento do conceito que Tomás tem de sua esposa, Magô. Refere-se a ela como “a cretina”; “a sonsa”; e, a define como “uma exibicionista”. Esse discurso é subjetivo – caberá ao leitor, ao longo da narrativa, avaliar se a opinião de Tomás é ou não pertinente. E é através dessas reflexões que somos levado a uma comparação, por parte de Tomás, cotejando a situação atual com a do passado, quando vivia com uma terceira personagem, Francisca, sua ex-mulher, o oposto da atual. O leitor percebe, então, que existe uma grande diferença de idade entre Tomás e Margô. Tomás se recorda do diálogo que teve com o pai de Magô, “há dez anos”, no qual o homem havia dito: “O caso é que minha filha tem só dezoito anos e o senhor tem quarenta e nove, a diferença é muito grande” (p. 49). E a diferença de idade, agora, tornou-se um problema. Magô mudou. E a “sensação de nascer de novo” sentida por Tomás ao conhecer Magô transformou-se em cansaço, tédio e saudade do passado, demonstrado pelo narrador autodiegético por meio do discurso avaliativo, que emprega no monólogo interior: “Se pudesse dormir ao menos aquela noite (...) A melhor coisa do mundo era mesmo dormir, afundar como uma âncora na escuridão, afundar até ser a própria escuridão, mais nada”. E é pelas comparações que estabelece entre Magô e Francisca, que somos levados ao passado de Tomás, quando ainda estava casado com Francisca, e queria negar sua idade, sua velhice que já se aproximava. Agora, a esposa tem com ele atitudes

semelhantes às que ele teve com Francisca, no passado. A  juventude de Magô, que inicialmente o atraiu, no momento atual o incomoda e o cansa. O excesso de energia de Magô faz com que Tomás a compare a um animal jovem. A personagem também percebe o interesse que Magô sente por Fernando (alguém da idade dela, e, portanto, digno de usufruir sua juventude) e, o narrador emprega o discurso avaliativo para desqualificar o rapaz, seja no discurso reportado, “Analfabeto, gigolô...”, “(...) Um pilantra de marca fazendo blu-blu naquele violãozinho...”, “(...) Uma voz de mosquito (...) Afeminado...”; seja no monólogo interior,  “Enfim, uma besta quadrada.” Mas Tomás tem consciência do atributo que o rapaz possui e que os diferencia: Fernando  “Tinha juventude, mais nada.”  Tomás recorda-se da primeira esposa e sente saudade das músicas antigas que ela gostava de ouvir na vitrola, de suas unhas curtas, das mãos de velha que manipulavam o baralho,  jogando paciência. Na ocasião em que Tomás conheceu Magô, fora Francisca quem o incentivara a sair: “„Tomás, você  já viu como a noite está bonita? Por que não vai dar uma volta?‟ Ele foi. Na volta encontrara Magô. T eve a sensação de nascer de novo quando ela o chamou de Tom. Sentira-se um outro homem.” (p. 50-51). Francisca havia olhado para Tomás “quase como uma mãe olha para o filho antes de lhe entregar a chave da porta” . Tomás, agora, está arrependido da escolha que fez. Ele gostaria de poder voltar à vida antiga, tranqüila, que levava com Francisca. “Ah, se pudesse voltar sem nenhuma palavra, sem nenhuma explicação. Ela também não diria nada: era como se tivesse ido comprar cigarros” – e devolver “a chave”, a liberdade concedida pela ex-mulher, a qual ele aceitou e se lançou nos braços de Margô. I) Meia-Noite em Ponto em Xangai: Uma cantora lírica inglesa, a madame, está em Xangai em uma turnê. No início do conto, ela acaba de se apresentar e, enquanto toma um banho de banheira, recebe a visita de seu assessor e amigo, o Stevenson, com quem a cantora conversa com sobre a incompetência e alienação dos chineses, empregados do hotel; e o baixo nível  “cultural” daquele povo, que, segundo ele, não era capaz, ainda que lotassem o teatro para prestigiar o seu espetáculo, apreciá-la em todo o seu talento e genialidade, como prestigiaria o público inglês. Nessa narrativa em 3ª pessoa, temos uma mulher arrogante, que se  julga ao povo chinês – um sentimento que é reflexo da prepotência ocidental em relação as outras cultural, nesse caso, a oriental. Mas no fundo, essa mulher é uma pessoa angustiada e que precisa se sentir segura e se auto-afirmar, e isso só se efetiva no ato de transferir para outrem suas frustrações interiores.. E enquanto conversa com Stevenson, trata com toda arrogância possível o empregado do hotel, o Wang, que, comparado ao tratamento que a cantora dispensa a seu cachorro, o pequenês Ming, é visto pela madame como um ser pior que um bicho. Quando o amigo se vai, ela fica sozinha, e tem a impressão de que Wang está no quarto, e reclama para ele sair do esconderijo. Não há resposta e o narrador enfatiza a atmosfera sileciosamente perturbadora envolvendo a cantora. Agarrada e encolhida na poltrona, abraçada com seu pequenês, a cantora mira o céu, e sente o vazio profundo da solidão. E enquanto agredi verbalmente o camareiro Wang, que já se encontra em seu apartamento, como ela, tentando iludir a se própria, julgava. E a madame tenta ludibriar seu sentimento de solidão, sua consciência da condição de perdida e angustiada em terra estrangeira, insegura e amarga, enquanto o relógio marca meia-noite em ponto. J) A Janela: A loucura é tema desse conto, narrado em 3ª

pessoa, numa visão poética e simbólica da questão da insanidade, uma forma de transcendência em um mundo frio, desumano. Uma mulher está em um quarto, com um homem – um personagem estranho: magro, de cabelos grisalhos, que vive dizendo que naquele morava seu filho que morreu, o qual contemplava daquela janela (que dá titulo ao conto) um lindo roseiral. Num primeiro momento, a mulher se interessa

por aquele homem, e inclusive se insinua sensualmente para ele, mas, logo depois que se dá conta de que se tratava de um louco, ela consegue distraí-lo e sai do quarto para chamar a polícia, a qual traz os enfermeiros que o prenderão em uma camisa-de-força e o levarão possivelmente para um hospício. Mas antes de sair, olhando nos olhos da mulher, por quem se sentiu traído, ele pergunta “Por quê?”. Depois disso, a mulher fica parada, irritada com as amigas que zombaram da loucura do homem. E sozinha no quarto, contempla-se no espelho e se vê com os cabelos espatifados, como se tivesse sido contaminado por aquele sentimento de insanidade de que o homem era portador. K) Um Chá Bem Forte e Três Xícaras: O conto tem início

com a personagem Maria Camila a observar uma borboleta que pousa em uma rosa. Os dois símbolos empregados são representativos da efemeridade – a borboleta tem uma vida média de dois meses e a rosa, a duração de apenas alguns dias. A beleza é efêmera, assim como a vida e o amor, numa analogia com a situação que Maria Camila, a personagem central, está enfrentando. O conto se estrutura através do dialogo de Maria Camila com sua empregada, a Matilde, enquanto aguarda uma visita com quem tomará um chá. O narrador emprega o diálogo entre as personagens, sobre temas banais – a observação da borboleta e da rosa, o conserto da alça do avental, servir ou não o chá, para chegar ao tema realmente importante da história, o fato de que sua visita é uma jovem, que, supostamente, é amante do marido de Camila. O nervosismo de Maria Camila é traduzido em alguns gestos, principalmente relacionados às suas mãos:  “Suas mãos tremiam.”, “as mãos fechadas”, “tentando dominar o tremor das mãos”. A mulher esforça -se por permanecer controlada, mas é possível perceber-lhe a emoção, principalmente pela observação das mãos da personagem. Ao final do conto, Maria Camila acredita que o marido também aparecerá, “de surpresa”, para comp artilhar daquele chá com sua jovem rival. Camila não sabe o que fazer, como deve agir, mas, de qualquer maneira, resolveu enfrentar o problema, e pede à sua empregada que coloque mais uma xícara a mesa. O conto retrata, de forma realista, a passagem/inexorabilidade do tempo, fatores aos quais o ser humano está à mercê, e como as relações amorosas sofrem a influência da passagem implacável do tempo, que valoriza o novo em detrimento do que é velho, do que é passado. L) O Jardim Selvagem: O título do conto apresenta uma expressão interessante e ambígua. Um jardim geralmente é um ambiente doméstico, formado por uma coleção de plantas cultivadas e, portanto, conhecidas. Em uma análise inicial, não é um espaço que desencadeie grandes emoções ou que desperte surpresas. Por outro lado, um ambiente selvagem pode ser agreste, ermo, bravio, sem civilização. De qualquer forma, o adjetivo traz a idéia de algo que ainda não foi domado, domesticado, ou que é difícil de o ser. No início do conto, Ed, uma das personagens, refere-se à outra, Daniela, comparando-a a “um jardim selvagem”. Ainda não se tem nenhuma informação sobre as personagens, mas, com o uso dessa expressão para designar Daniela, a primeira “isca” foi lançada ao leitor. A intenção do narrador, provavelmente, foi conferir uma aura de mistério à personagem feminina e, com isso, despertar a curiosidade de quem está lendo, fazendo com que se engaje no pacto ficcional. A visita de Ed à Pombinha dá início à narrativa. O leitor só fica sabendo o motivo dessa visita – a comunicação do casamento – posteriormente, bem como o tipo de relação entre as personagens mencionadas nesse primeiro momento (Ed, Daniela, Pombinha e a menina – a narradora do conto –, até então sem nome). Após o comentário feito por Ed, há um trecho narrativizado, no qual é introduzida outra personagem, Tia Pombinha, a interlocutora de Ed. Depois que Tio Ed se despede, vemos a conversa entre Pombinha e Ducha, quando esta se prepara para dormir. Por meio da cena em que se desenvolve esse diálogo, fica-se sabendo que Ed e Daniela se casaram. Nesse momento surge um novo componente para

manter um clima de suspense na história: por que Ed não convidou a família para o casamento? Pombinha conta para Ducha que sonhara com Ed, “ainda na noite passada” (p. 68) e que ficara nervosa por “ter sonhado com d entes nessa mesma noite” . Aqui a narrador diz: “De resto, tia Pombinha tinha a mania de ver mistério em tudo (...) Não passava um dia sem falar nos tais pressentimentos”. No outro dia, Pombinha dá alguns informes a respeito de Daniela, fatos que lhe foram relatados pela cozinheira do casal, enquanto Ducha estava na escola. Além dos gastos excessivos do casal, a empregada relata que “quando estiveram na chácara, nesse último fim de semana, ela (Daniela) “tomou banho nua debaixo da cascata” (p. 69). O narrador continua a depreciar as preocupações da tia. E, novamente, por meio da focalização interna e do discurso avaliativo, toma-se conhecimento da opinião de Ducha sobre o assunto, aparentemente definitiva: “Tia Pombinha estava era mesmo com ciúme, (...), eu mesma já tinha lido um caso parecido numa revista. Sabia até o nome do complexo, era um complexo de irmão com irmã” . Mas a situação, aparentemente, se altera, na terceira parte do conto. “Numa manhã de sábado, Daniela faz uma visita a Tia Pombinha, enquanto Ducha está na escola. Pombinha fica emocionada, encantada com a cunhada – esquece os pressentimentos anteriores, derruba qualquer barreira que pudesse existir com relação ao casamento do irmão. “No mês seguinte”, é o marco temporal que dá início à quarta parte da narrativa, na qual se dá a cena entre Ducha e a cozinheira de Ed, que acaba de sair do emprego. O narrador chama a atenção para a importância da conversa, que faz com que Ducha até esqueça “os zeros sucessivos que tivera em Matemática” . A mulher relata uma situação que presenciou, na qual Daniela (a qual sempre usava uma luva) dá um tiro em um cachorro da chácara, Kleber, que estava doente. “Dois meses depois”  tem início a quinta parte da narrativa, Daniela telefona para avisar que Ed está muito doente. Ducha leva “o maior susto do mundo”  ao saber disso. Pergunta a Pombinha sobre o comportamento de Daniela, ao que a tia responde que ela  “tem sido dedicadíssima, não sai de perto dele um só minuto” . A seguir, ocorre o desfecho do conto. Conceição dá a notícia a Ducha que Ed “tinha se matado com um tiro” (p. 73), o que a deixa assustada. Nesse sentido, O Jardim Selvagem permite mais de uma leitura. Pode-se aderir à perspectiva de Ducha, que é uma “testemunha” d os fatos, apesar de não presenciá-los, e, ao juntar as peças desse quebra-cabeça, concluir-se-á que Daniela assassinou o marido. Pode-se, inclusive, inferir que a utilização da luva na mão direita já era algo premeditado, não haveria nenhuma lesão no membro, com o objetivo de evitar que as impressões digitais de Daniela fossem identificadas na arma do crime. Ela teria se casado com Ed, um homem rico, já com a intenção de matá-lo. Entretanto, o único fato “verdadeiro” é que Daniela matou o cachorro, o que também pode ser encarado como um ato de bondade, com a finalidade de aliviar o sofrimento de um animal que não teria condições de se curar. Este acontecimento não teria nenhuma ligação com a morte de Ed. O mistério existiria apenas para os olhos de Ducha (ela estaria se tornando parecida com tia Pombinha que “tinha a mania de ver mistério em tudo” – p. 69). Daniela também pode ter praticado uma eutanásia em Ed, por gostar dele, e querer abreviar seu sofrimento – como fez com Kleber, que, de acordo com a cozinheira, teve uma morte rápida, sem dor aparente, “morreu ali mesmo, sem um gemido...” (p. 71). De qualquer forma, é interessante a estratégia utilizada pela autora, ao optar pelo emprego de uma criança como personagem e narradora, pela ambigüidade que isso provoca à narrativa. Ducha é esperta, irônica, curiosa – como a maioria das crianças. M) Natal na Barca: Fantasia e realidade voltam a se encontrar no conto Natal Na Barca, de 1958, narrativa linear que, narrado em 1ª pessoas, que tem como tema a força da fé, a existência de milagres, a vida e a morte. Os fatos narrados aconteceram no Natal, durante uma viagem de

barca. O cenário é lúgubre: “em redor tudo era silêncio e treva” (p. 74); a embarcação era “desconfortável, tosca” (p. 74), “despojada” e “sem artifícios” (p. 74); a grade da barca era de “madeira carcomida” (p. 74); o chão era feito de  “tábuas gastas” (p. 74), compactuando com o estado de espírito do narrador-personagem. Existem quatro passageiros na barca: o narrador, um velho bêbado e uma mulher com o filho doente, uma criança de quase um ano de idade. A mulher atrai a atenção da narradora. A seguir, um trecho em focalização interna remete o leitor para uma intertextualidade com a cena mitológica: “Ali estávamos os quatro, silenciosos como mortos num antigo barco de mortos deslizando na escuridão. Contudo, estávamos vivos. E era Natal”. Esse trecho nos remete à barca conduzida por Caronte que, de acordo com a mitologia greco-romana, era utilizada para transportar as almas para o reino dos mortos. O motivo que leva a mulher a estar na barca é a urgência de levar o filho doente ao médico,–“Só sei que Deus não vai me abandonar.”  Por meio de analepses, o narrador apresenta ao leitor as tragédias pelas quais a mulher passou: a morte do primeiro filho, o abandono pelo marido, e a doença molesta o segundo filho. A mulher passa, então, a sonhar com Deus, mas a presença divina é real, ela sente a mão de Deus a conduzindo. E, por meio da frase final, o leitor percebe que Deus deu à mulher o conforto que ela precisava. Tenha sido ou não um sonho, por ter visto que o filho morto estava bem, a mulher consolou-se e passou a crer fervorosamente. Apressadamente, tenta fugir, antes que a mãe descubra: “– Acho melhor nos despedirmos aqui”. Entretanto, a mulher  “pareceu não notar meu gesto”. Então, acontece o clímax surpreendente. A mãe “afastou o xale que cobria a cabeça do filho”. Ao invés do desespero aguardado pelo leitor, tem-se uma mulher feliz, sorridente, pelo fato da criança estar bem e sem febre. Ela mostra o menino: “A criança abrira os olhos – aqueles olhos que eu vira cerrados tão definitivamente. (...) Fiquei olhando sem conseguir falar”. N) A Ceia: Em  A Ceia, de 1958, o leitor é apresentado ao

último encontro entre um casal, Alice e Eduardo. A perspectiva empregada nesse conto é a narração de focalização externa. Um narrador heterodiegético descreve o cenário, um restaurante decadente, “modesto e pouco freqüentado” Pelo registro de uma fala de Alice, o leitor começa a receber detalhes sobre as personagens e o tipo de relação existente entre elas. No diálogo, Alice chama o homem de “meu bem” e comenta “(...) você ainda não mandou fazer esses óculos! Faz meses que quebrou o outro e até agora...”. O leitor passa, então, a perceber que existe uma relação afetiva entre as duas personagens, pela preocupação que a mulher demonstra com o bem-estar do homem, e que elas convivem (ou conviveram), com uma certa intimidade, o que pode ser deduzido pelo vocativo empregado e pelo fato de Alice saber que o outro óculos quebrou há meses. A seguir uma nova fala de Alice permite que o leitor entenda melhor o que está acontecendo: as personagens formavam um casal, eles já estão separados, havia ocorrido uma despedida anterior entre os dois, que fora  “horrível” e, por isso, Alice pedira um novo encontro, “Queria fazer hoje uma despedida mais digna” . O emprego do advérbio de tempo permite as deduções comentadas anteriormente. E ele agora está prestes a se casar com Olívia, bem mais jovem que Alice. Durante o encontro, percebe-se que Eduardo está desconfortável. Está ali a contragosto, para satisfazer um desejo de Alice, mas procura mantê-la à distância, todo o tempo. Alice, por sua vez, quer manter a relação com Eduardo. Chama a atenção do rapaz para as modificações externas que fez em si mesma: o perfume novo, o corte de cabelo diferente. O grande problema de Alice é o fato de estar sendo “trocada” por outra mulher, mais jovem, ela acredita que o problema é a idade, o fato de estar ficando velha. Por isso, busca a escuridão, foge da chama do isqueiro, não quer ser observada à luz. A importância simbólica do isqueiro é novamente evidenciada no final do conto, Eduardo

vai embora e esquece o objeto. O isqueiro, então, simboliza a dura realidade que Alice terá que enfrentar. A partir desse momento, ela deverá enxergar o que não quis ver até então. O clima tenso da narrativa chega ao auge – é o clímax do conto, quando é descrito o desespero de Alice. Momentos antes, Eduardo chega a sentir pena da mulher. “Sua fisionomia se confrangeu. Aproximou-se, enlaçou-a num gesto afetuoso e triste” (p. 85). Tenta consolar Alice, mas não adianta. Ela volta a ser irônica e, finalmente, se descontrola. Como uma fera que foi ferida, Alice agora ataca. Tenta atingir a rival de todas as maneiras. Para mudar de assunto, Eduardo inicia uma história sobre seu isqueiro, envolvendo um marinheiro que se acercar de uma mesa de bar na qual estava. Mas no meio da história, Alice o interrompe falando mais uma vez de Olívia. Ao final do conto, ela o pede que vá embora, e ele, ao mesmo tempo com pena de Alice, mas aliviado em ser poupado daquela cena dramática, parte. Antes de terminar o conto, vemos o garçom se aproximar de Alice e perguntar se ela está bem e acaba tratando-a por  “senhora”, servindo como uma involuntária humilhação final para Alice. O) Venha Ver o Pôr do Sol: Em Venha Ver o Pôr do Sol , o narrador descreve o cenário no qual as personagens irão se encontrar. Trata-se de um cemitério abandonado, situado em uma rua com casas esparsas e muitos terrenos baldios, onde nem os carros chegam. O enredo consiste em um último encontro entre duas pessoas que já formaram um casal, no passado. O rapaz, ao ver a ex-namorada, sorri “entre malicioso e ingênuo”. A proposta do encontro foi feita pelo rapaz – na verdade, ele “implorou” pelo encontro durante  “dias seguidos”. A moça está envolvida em um relacionamento com um homem “riquíssimo” e  “ciumentíssimo”, de acordo com as palavras da própria personagem feminina, Raquel. Ricardo propôs à ex-namorada ver o “pôr do sol mais lindo do mundo”, no cemitério abandonado. Isso deixa Raquel perplexa, o que também deve acontecer com o leitor. Afinal, é no mínimo estranha a proposta do rapaz. Entretanto, ele justifica que escolheu esse passeio “porque é de graça e muito decente” (p. 89), “até romântico” (p. 89) e, além disso, como os dois não podem ser vistos juntos, por causa do namorado ciumento de Raquel, outro argumento usado para desculpar a escolha do programa é que por tratar-se de lugar tão discreto, ali Raquel não correria nenhum risco. Depois de algum tempo Raquel impacienta-se e quer ir embora. Então, Ricardo passa a fazer confidências a respeito de um amor da infância, uma prima que morreu aos quinze anos de idade e que tinha os olhos parecidos com os de Raquel. Chegam, então, a uma capelinha e Ricardo convence a ex-namorada a descer para a catacumba, a fim de observar a semelhança dos olhos da prima Maria Emília, por meio da fotografia colocada no medalhão preso à gaveta onde a prima estaria enterrada.  “Venha ver, Raquel, é impressionante como tinha olhos iguais aos seus”. O ardil armado por Ricardo alcança êxito. “Ela desceu a escada, encolhendo-se para não esbarrar em nada”. Ricardo tranca Raquel no jazigo. E, enquanto a moça ordena que ele a solte, alterna pedidos calmos e gritos, desespera-se e constata a dura realidade que está enfrentando, Ricardo explica, empregando uma ironia sádica: “– Uma réstia de sol vai entrar pela frincha da porta, tem uma frincha na porta. Depois, vai se afastando devagarinho, bem devagarinho. Você terá o pôr do sol mais belo do mundo”. Ao escrever Venha Ver o Pôr do Sol , Lygia Fagundes Telles, provavelmente, inspirou-se na obra de Edgar Allan Poe, conduta bastante comum para os que se exercitam no gênero conto de mistério. O conto de Lygia remete a O Barril de  Amontillado, de Poe. Ambos os contos têm a vingança como tema e estruturam-se por meio dos diálogos das personagens. A premeditação e a crueldade da vingança são elementos comuns aos dois contos. P) Eu Era Mudo e Só: Para construir a narrativa em Eu Era Mudo e Só , de 1958, Lygia Fagundes Telles criou o

personagem Manuel, o narrador do conto, o marido que se sente oprimido com o casamento. É por meio do olhar de Manuel que o leitor conhece a esposa, Fernanda. O conto tem início com uma cena familiar, Manuel observa Fernanda, que está lendo um livro à luz do abajur, já preparada para dormir. Nesse primeiro parágrafo, o narrador emprega a focalização externa para iniciar a caracterização da esposa: descreve o traje que ela está usando e o aspecto e perfume de sua pele. Por meio das características empregadas para compor a personagem, o leitor pode perceber que se trata de uma mulher vaidosa e que, provavelmente, tem um alto poder aquisitivo. Utilizando o recurso do monólogo interior, o narrador fala da opinião de sua tia Vicentina a seu respeito:  “„Ou esse seu filho é meio louco, mana, ou então...‟ Não tinha coragem de completar a frase, só ficava me olhando, sinceramente preocupada com meu destino. Entretanto, com a continuidade do monólogo interior, o leitor toma conhecimento que Manuel é um homem materialmente bem sucedido, contrariando os prognósticos dessa tia. Ao pensar no futuro de Gisela, sua filha, o narrador prevê que a situação pela qual ele, Manuel, passou, ao ser apresentado à família de Fernanda, irá se repetir, um dia: “ Era o círculo eterno sem começo nem fim. (...) A perplexidade do moço diante de certas considerações tão ingênuas, a mesma perplexidade que um dia senti. Depois, com o passar do tempo, a metamorfose na maquinazinha social azeitada pelo hábito: hábito de rir sem vontade, de chorar sem vontade, de falar sem vontade, de fazer amor sem vontade... O homem adaptável, ideal. Quanto mais for se apoltronando, mais há de convir aos outros, tão cômodo, tão portátil” . O mundo de Fernanda e do senador era belo, mas irreal; mas a ele é preciso ceder, pois ele também se alimentava daquela hipocrisia. Q) As Pérolas: Em  As Pérolas, conto de 1958, o pano de

fundo para tratar o tema é um diálogo entre marido e mulher, Tomás e Lavínia. O que gera a tensão no conto é o fato de Tomás estar doente, e ambos sabem que a morte do marido está próxima. Lavínia preocupa-se com o estado de saúde de Tomás. O leitor não consegue definir o que é pior para Tomás, se a certeza da proximidade da morte ou a iminência da traição. Ele sabe que a situação entre os dois irá mudar depois dessa noite, depois do encontro que acontecerá entre Lavínia e Roberto: “Depois ela não lhe diria mais nada. Seria o primeiro segredo entre os dois, a primeira névoa baixando densa, mais densa, separando-os como um muro, embora caminhassem lado a lado.” Essa certeza o deixa desesperado, mas o grito de angústia não é verbalizado, fica apenas dentro da mente de Tomás: “„Lavínia, não me abandone já, deixe ao menos eu partir primeiro!‟(...) „Não podem fazer isso comigo, eu ainda estou vivo, ouviram bem? Vivo!‟” Tomás não pode alterar o destino que lhe cabe. A morte está próxima. Lavínia e Roberto ficarão juntos. “(...) Seria triste pensar, por exemplo, que enquanto ele ia apodrecer na terra ela caminharia ao sol de mãos dadas com outro? Hein?...”. Entretanto, ele pode se permitir uma pequena maldade, a subtração de um detalhe importante na cena, o colar de pérolas que Lavínia usou no casamento e que pretende usar no jantar dessa noite. No fim, Tomás decide aceitar os fatos e entrega o colar à sua mulher. R) O Menino: Neste conto os fatos da história desenvolvem-

se em um período de algumas horas – que englobam os preparativos para o passeio, a caminhada até o cinema, duas horas para a projeção do filme (tempo presumido de duração de uma sessão), e o retorno, a pé, para a casa das personagens. Com o título escolhido a autora sugere a impressão de que a história versará sobre um tema relacionado à infância. Imagina-se que seja sobre algum evento que aconteceu a esse menino ou sobre algo que tenha realizado. Apesar do menino ser o protagonista da história, o tema principal do conto não é infantil. Assim, o título do texto pode ser

considerado como uma “pista falsa” que a autora utiliza com a intenção de causar surpresa no leitor. O narrador em 3ª pessoa emprega o discurso indireto livre para revelar toda a admiração que o menino sente pela mãe “linda, linda, linda! Em todo o bairro não havia uma moça linda assim”. A utilização de uma personagem para focalizar outra, como se fosse uma “câmera” através da qual o leitor enxerga o que acontece, é um recurso retórico muito rico, pois, como a imagem que está sendo passada para o leitor é subjetiva, pode ser adequada ou totalmente equivocada. O menino admira a mãe como se ela fosse uma rainha, figura detentora de força e poder, e que deve ser adorada pelos súditos, como uma deusa na Terra. Para o menino, a mãe é a imagem da perfeição. Durante a caminhada até o cinema, o menino sente-se orgulhoso por estar ao lado da mãe, quer exibi-la aos colegas. Delicia-se porque a mãe de Júlio é “grandalhona e sem graça, sempre de chinelo e consertando meia” (p. 111). Nesta parte do conto, tem-se o auge da felicidade do menino. A ambigüidade de sentimentos dele em relação à mãe, já assinalada anteriormente, fica ainda mais explícita. O menino deseja a mãe como mulher e quer ser o homem dela, como fica evidente nos trechos em que é empregado o discurso indireto livre: ele fica feliz pela ausência do pai,  “porque assim ficava sendo o cavalheiro dela”; quer casar -se  “com uma moça igual”. Ao chegar ao cinema, a mãe passa a se comportar de forma estranha, incompreensível. A mulher perde toda a pressa, o filme já começou e ela não quer entrar na sala de projeção e, quando finalmente se decide, escolhe um dos piores lugares. O menino fica irritado, não consegue entender-lhe o comportamento. O clima entre os dois muda, torna-se tenso. É interessante observar que o menino acredita conhecer a mãe muito bem, o que transparece nas expressões “os olhos tinham aquela expressão que o menino conhecia muito bem”. Outro fator a se notar, é que essa mulher sabe manter as aparências, pois quem a observa não sabe o que realmente está sentindo – ao mesmo tempo em que sente raiva, demonstra calma, ternura. É a personificação do conflito “ser” versus “parecer”, “essência” versus  “aparência”. Mais uma vez é fornecido ao leitor um índice de antecipação de desfecho. Um homem chega e senta-se na poltrona vazia, ao lado da mãe. O menino não pode mais trocar de lugar. “Agora é que não restava mesmo nenhuma esperança” (p. 113). A mãe explica a história do filme ao filho. E diante da tela do cinema, o menino sente-se aliviado, pois agora a mãe não está mais nervosa. Aparentemente o equilíbrio se restabeleceu. É justamente neste ponto da narrativa que se chega ao clímax. Ocorre o impacto da descoberta: “Então viu: a mão pequena e branca, muito branca, deslizou pelo braço da poltrona e pousou devagarinho nos joelhos do homem que acabara de chegar”. Novamente o tom da narrativa se altera. O menino sente-se desnorteado, angustiado, tem vontade de ir embora. O estado de espírito em que se encontra é traduzido para o leitor por meio de sensações físicas: o coração bate “descompassado”, a boca fica ressecada, engole o chocolate amargo com dificuldade, os olhos ficam “estáticos”, ele ouve o diálogo dos dois, apesar de não querer ouvi-lo. Neste conto, o cinema desempenha a função de um espelho: tudo se inverte depois dele (de mesma maneira que são invertidas as imagens refletidas em espelhos). É no cinema – espaço da ficção – que a verdade é desvendada para o leitor. Os papéis sofrem inversão. Os valores mudam. Saído do cinema, o menino já não quer contato físico com a mãe, não quer mais andar de mãos dadas, e justifica:  “É que não sou mais criança” . Mãe e filho voltam para a rotina do lar. O pai está sentado na cadeira de balanço, lendo o jornal, “como todas as noites”. Ao entrar em casa, o menino entra em pânico, acha que alguma coisa terrível vai acontecer, mas tudo está normal, como sempre. No desfecho do conto, o menino não toma nenhuma atitude, não conta o que aconteceu, não denuncia o “adultério” da mãe. Identifica-se com o homem, sente a sua dor: ambos foram traídos. Tudo permanece aparentemente como antes – só quem sente a mudança e a dor que ela traz é o menino.

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