RESENHA TEXTO CRITICA DA RAZÃO INDOLENTE BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS

July 24, 2019 | Author: lubbarcelos | Category: Teoria, Ciência, Paradigma, Física e matemática, Física
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RESENHA

SANTOS, Boaventura de Sousa.   A crítica da razão indolente contra o desperdício da experiência . São 1 Paulo: Cortez, 2000. _______________________________________________ Elizabeth Teixeira 2

O livro é o primeiro volume de uma obra intitulada “Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática”, que terá ao todo quatro volumes. O livro está organizado em três partes (com seis capítulos), com uma introdução geral à toda a obra. Além de apresentar as idéias do autor na obra, desejo instigar e convidar o leitor à leitura da obra e ousar como leitora atravessar a obra com algumas idéias minhas. Afinal, ao ler um texto que traz no título um apelo contra o desperdício da experiência, porque não atravessá-lo com experiências, reticências, resistências e também interrogações, aclamações, complementações? Foi mais ou menos isso o que ocorreu quando realizei a leitura. Fui produzindo um texto paralelo nos espaços laterais das páginas. O que vou inserindo aqui e ali é exatamente um conjunto de idéias e questões que foram suscitando-me, uma experiência que me levou a algumas conclusões e outras tantas inquietações, pois fui confrontando com a obra do autor minha própria obra 3. A tese apresentada (no momento da discussão) começou a ser repensada (no momento da leitura), e tal repensar abriu um campo de possibilidades e percebi que não se esgotava, ao contrário, indicava novas questões. Com base nessas novas questões é que expressei, revelei e anotei, muito do que aqui sistematizo. Para além de uma resenha, sinalizo as idéias do autor que me provocaram (o ver do autor) e o que me provocaram (o a meu ver), e num texto atravessado por idéias (do autor) e questões (da leitora), procuro impulso para pensar a idéia de travessias, que passo a propor como utopia. . Introdução Geral Na introdução geral, o autor faz o que entendi como lançamento de idéias. A questão central é expressa em uma pergunta: por que é tão difícil construir uma teoria crítica? Partindo do que se entende por teoria crítica, insinua-se como esta considera a realidade:   A realidade qualquer que seja o modo como é  concebida é considerada pela teoria crítica como um campo de possibilidades e a tarefa consiste 1 2

Prêmio Jabuti 2000. Professora Adjunto IV da UEPA e Titular da UNAMA de Metodologia Científica. Doutora em Ciências. PósDoutoramento em Sociologia (Universidade de Coimbra, Portugal). 3 Trata-se da Tese de Doutorado intitulada Travessias, redes e nós: complexidade do cuidar cotidiano de saúde entre ribeirinhos.

  precisamente em definir e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente dado. A análise crítica do que existe assenta no   pressuposto de que a existência não esgota as   possibilidades da existência e que, portanto, há alternativas susceptíveis de superar o que é criticável no que existe. O desconforto e o inconformismo ou a indignação perante o que existe suscita impulso para teorizar a sua superação (p.23). Para o autor, existem dificuldades para se construir uma teoria crítica que vê o real como campo de possibilidades, que procura definir e avaliar a natureza e o âmbito das alternativas ao que está dado e que reclama pela transformação. Nestes termos, a teoria crítica que se quer é uma teoria da tradução, que torna as diferentes lutas inteligíveis e que ouve as opressões e aspirações dos múltiplos atores e é também uma teoria pós-moderna do tipo inquietante (contra as pósmodernas reconfortantes). reconfortantes). Para o autor uma teoria crítica pós-moderna se constrói com base no conhecimento emancipação, no reconhecimento, na solidariedade, contra o silêncio dos saberes e a diferença das vozes, a favor, assim, de travessias de saberes e vozes, de experiências, de esperanças, de alternativas e de resistências. É uma normatividade construída a partir do chão das lutas sociais, de modo participativo e multicultural (p.37). A meu ver, a idéia de travessia (ato ou efeito de atravessar, passar para o outro lado de, com possibilidade de transpor obstáculos, preconceitos, distâncias e até diferenças) traz a de ligação e conexão entre múltiplas vozes (polifonia), múltiplas lógicas (polilógica), sem separar nem 4negar, ou seja, de modo dialógico. Para MORIN , o princípio dialógico está pautado na contradição, uma contradição assumida, pensada, evidenciada e também revelada. A contradição que se revela não para ser ofuscada e/ou superada, mas para ser enfrentada, como em um jogo de antagonismos, que não quer, necessariamente, encontrar uma síntese, mas que nem por isso se fecha a essa possibilidade.   A dialógica se substitui irrevogavelmente à dialética (idem:62) pois consideram-se os elementos, ao mesmo tempo concorrentes, antagônicos e complementares. É esta idéia que entendo como modo participativo (inclusivo) e multicultural (diverso) de uma teoria crítica pósmoderna, e que trago como possibilidade para pensar uma epistemologia das travessias.

. Parte I – Epistemologia das estátuas quando olham para os pés: a ciência e o direito na transição paradigmática Esta parte contém uma introdução e dois capítulos. No primeiro capítulo a ciência está em evidência e no segundo o direito. A ciência está em evidência porque nela evidenciam-se evidenciam-se tanto o paradigma dominante e 4

MORIN, Edgar. Por um pensamento ecologizado. ecologizado. In: CASTRO, Edna & PINTON, Florence. Faces do trópico úmido . Belém: Cejup, 1997.

sua crise como as evidências de um paradigma emergente. A primeira constatação feita é que vivemos um período de crise, que é também de perplexidades e de inseguranças. A segunda é que necessitamos perguntar. Analisando o paradigma dominante segundo o texto, este paradigma afirmando nega; confiando desconfia, sem intenção tem a intenção de romper, e parte das leis da natureza (mundo físico) às da sociedade (mundo social). A crise epistemológica deste paradigma começa exatamente no mundo físico, no macro mundo da física da relatividade, vai ao micro mundo da física quântica, passa pelo debate do rigor da matemática e chega ao conceito de autoorganização. O paradigma emergente (Especulação? Imaginação?) emerge para se (o)por às questões: o que ficou inacabado? O que resistiu? (É um paradigma dos inacabamentos e das resistências?). Seus princípios fundantes são a comunidade, a participação, a solidariedade; sua racionalidade é a estéticoexpressiva. No meu entender, se estamos a favor de travessias necessitamos de paradigmas, para podermos ir de um a outro lado, de uma margem a outra, ou seja, há que superar a expressão o paradigma (no singular) e atravessar para a idéia de os paradigmas (no plural), sea quisermos verdadeiramente a sua superação. Na 1 ruptura (ciência moderna) separamos; na 2 a ruptura (pós-moderna) precisamos, a meu ver, não separar mais, mas atravessar, no sentido mais ousado de suportar o outro com sua diferença. Também precisamos questionar, além dos inacabamentos e resistências: o que se construiu apesar de? O que ainda não foi construído? O que está latente? O que se tornou evidente? O que só está aparente? Quais são as experiências em curso? No contexto emergente, segundo o autor, do conhecimento- regulação se constrói o conhecimentoemancipação (das reavaliações e das revalorizações?). Um novo senso comum, antecipatório, é transformado pelo conhecimento-emancipação (em emancipatório), que é responsável porque ético, político porque participativo e prazeroso porque estético. Evidencia-se um movimento de conexão, pois, das considerações (do caos) e da prudência, aceita-se o conflito e se deseja a solidariedade. Há uma revisão radical da distinção entre sujeito e objeto e as biografias (de ambos) podem ser assumidas. Há que se unir o que foi separado. Rompendo distinções e diferenças tudo é (re)ligado, há uma revalorização e uma reaproximação entre autores, atores, interlocutores e mentores. Há repartição, recuperação, fusão. Também se evidencia uma nova retórica (da reinvenção, reconsideração, reemergência). Para fundar essa retórica, há que se contrapor à retórica da ciência moderna (no singular), que se pauta nos topoi gerais, em fatos e verdades universais. A novíssima retórica será dos topoi plurais, pólos, pontas, como

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margens de um rio, topoi que substituirão os gerais e universais, e assim teremos retóricas dialógicas (no plural). A meu ver, tais retóricas serão viabilizadoras de travessias, de um ir e vir entre posições e aspirações, estabelecendo-se negociações ao invés de imposições. O direito também está em evidência no segundo capítulo porque nele evidencia-se uma tensão entre regulação e emancipação. Do pensar sobre o direito, o autor indica um dês-pensar para poder repensa-lo societal e utópico. . Parte II – As armadilhas da paisagem: para uma epistemologia do espaço-tempo

Esta parte contém uma introdução e mais dois capítulos. Como na primeira parte em um capítulo está em evidência a ciência e no outro o direito. No terceiro capítulo, ao trazer para debate o caso do direito, o autor sinaliza a cartografia simbólica das representações sociais, o que entendo como uma investigação para além da investigação das evidências. Como usar a cartografia simbólica? A cartografia é uma ciência muito complexa, pois combina características das ciências naturais e das sociais. Utilizando-se de três mecanismos que procura controlar ao máximo, produzem-se mapas que inevitavelmente distorcem a realidade. Conhecidos tais mecanismos, tal distorção que isso implica, segundo o autor, não significa que a representação seja arbitrária. Para o controle, por exemplo, do primeiro mecanismo (a escala), deve-se responder: como definem os atores sociais as estratégias em pequena escala? Como atuam no cotidiano em grande escala? Quais alternativas são construídas para se opor ao discurso oficial no local? Quais os espaços (im)possíveis? Quais os critérios adotados? Para o controle do segundo mecanismo (a projeção), pergunta-se: o que está no centro? O que fica ao redor? Para o controle do terceiro mecanismo (a simbolização) questionar-se-á: o que é usado para expressar? Palavras? Cores? Desenhos? Qual o estilo de expressão? Com este exercício, crê o autor apontar para uma concepção pós-moderna das representações sociais, que dá ênfase à dinâmica interna, às suas formas de auto-organização onde se geram resistências e efeitos   perversos, neutralizações e bloqueamentos, autonomia e criatividade (p.223). Penso que uma nova modalidade de investigação (das experiências) está a surgir. Sem ela esses mapas (do complexo cotidiano e do homem complexo) não serão traçados. A pesar das distorções, poderemos ter resultados aproximados, ampliados, dotados de respostas dos atores ao que lhes é (im)posto e representações ao que lhes é (im)possível. No quarto capítulo, ao trazer para debate o caso da ciência, o autor nos convida à uma travessia. Com o autor descobre-se de onde temos que sair e para onde ir, ou seja, da epistemologia da cegueira à

da visão. Por que? Convence o autor que a dominante não vê as conseqüências (os círculos viciosos?) e os limites (os desconhecimentos? Desencontros? Desconexões?); não vê as tensões entre experiências e expectativas nem a exogenia entre as ações e as consequências. Na epistemologia emergente se   pergunta pela validade de uma forma de conhecimento cujo momento e forma de ignorância é o colonialismo e cujo momento e forma de saber é a solidariedade (p.246). Neste contexto, é possível conhecer construindo solidariedade. Informa o autor que para ir à uma epistemologia da visão, é preciso procurar resposta para: A) Qual o conhecimento ausente? Qual a distinção entre os diferentes conhecimentos? Qual representação tenho e temos de tal distinção? Qual senso comum? Estou diante de uma modalidade de pesquisa solidária para com os grupos oprimidos, marginalizados (e à margem) ou excluídos (p.249)? B) Quais os agentes ausentes? Que qualidades emergentes eles têm? Que ações desenvolvem? Quais suas posições alternativas? Quais seus amigos e inimigos? Estou 5diante de uma modalidade de pesquisa transitiva , aberta às complementaridades e (a)diversidades, qualidades e possibilidades? C) Quais os limites da representação? Quais os pontos de vista das conseqüências humanas de cursos de ação alternativos? Temos traduzido as diferentes escalas? Estou diante de uma modalidade de pesquisa numa perspectiva curiosa? Tal perspectiva simultaneamente lúdica e desestabilizadora, tem de ser invocada para a determinação dos graus de relevância científica (p.252). A meu 6ver estou diante do RE complexo. Segundo MORIN , RE é conceptualmente radical (na raiz de todos os conceitos que comportam nomeadamente as idéias de repetição, recomeço, recorrência), múltiplo (uma vez que se diversifica nos múltiplos conceitos), total (concernindo todos os fenômenos e níveis da organização viva), global (concernindo a vida no seu conjunto) e, enfim, complexo. Conclui o autor que esta passagem de uma à outra epistemologia levar-nos-á de um paradigma de aplicação técnica da ciência a um paradigma de aplicação edificante de conhecimentos prudentes, capazes de transformar os objetos de investigação em sujeitos solidários e de iniciar as ações assentes no conhecimento a navegar, prudentemente e na medida do possível, à vista das conseqüências (p.253). A meu ver, esta passagem necessariamente conduzirnos-á a travessias e penso que há (em vista disso) epistemologias (no plural), para que a polifonia polilógica do complexo cotidiano e do homem 5

O adjetivo empregado tem o mesmo sentido daquele dos verbos da gramática (verbos transitivos), que exprimem uma ação que transita ao complemento, abre-se ao alargamento, permite-se estender. 6 MORIN, Edgar. O método II A vida da vida . 2ed. Portugal: Publicações Europa-América, 1989.

complexo possa ser traduzida em mapas, produzindo-se, assim, uma cartografia polimorfa.

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. Parte III – Os horizontes são humanos: da regulação à emancipação Terminando o livro, esta parte, como as anteriores, contém uma introdução e dois capítulos. No quinto capítulo o direito e a ciência (ou melhor, o senso comum), encontram-se. No que se refere ao senso comum, o autor indica seis grandes modalidades que circulam em múltiplos espaços da sociedade, a saber: no espaço doméstico; no da produção; no mercado; na comunidade; no espaço da cidadania e no mundial. Para cada espaço estrutural, existe uma certa unidade de prática social, instituições, dinâmicas de desenvolvimento, formas de poder e de direito e formas epistemológicas. Esse conjunto constitui uma constelação tensa. Penso que os múltiplos espaços (como ilhas) também são múltiplos (como nos arquipélagos), e cada um constrói um senso comum específico, uma hegemonia local (p.304), que não é homogênea mas fundada e fundante em uma heterogeneidade vitalizadora. Esse conjunto constitui também uma paisagem complexa. No sexto e último capítulo, o autor solicita “não disparem sobre o utopista”. Pareceu-me, pela leitura realizada, quea a ciência e o direito são elementos de regulação (1 . ruptura?) e uma nova ciência e um novo direito elementos de emancipação (2 a ruptura?). Esta nova ciência conclama uma nova epistemologia (epistemologias das travessias?), uma nova retórica (retóricas dialógicas?), uma nova investigação (investigações das experiências?), que poderão ser efetivadas em pesquisas com caráter solidário e transitivo com uma perspectiva curiosa. Também ficou evidente que o novo cenário pauta-se em alguns princípios, como comunidade, solidariedade e participação, dentro de uma racionalidade estético-expressiva, em que há possibilidades para o prazer, a autoria, a artefactualidade. Esta dupla transição (reinvenção) promoverá a emancipação social segundo o autor. Há novos caminhos (no plural) e é preciso desejá-los. A meu ver, é preciso reinventar mapas emancipatórios, subjetividades individuais e coletivas. É preciso ainda fomentar o desejar, o querer, o sonhar e é preciso sim de novas utopias (ao ver do autor), de travessias (a meu ver), pois navegar é preciso com novos viajantes e percursos, que levem a novos portos (alegres e seguros). Passo a concluir refletindo com as palavras do autor. Nas fronteiras posso escolher o que manter e o que mudar; inventar entre abundantes margens pois viver  na fronteira é viver nas margens sem viver uma vida marginal (p.353). No barroco posso ser estético e reencantar-me. No sul, posso correr do epistemicídio perpetrado pelo Norte e recorrer ao outro para conhecer-me melhor. Enfim, no paradigma emergente

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(com-plexo ) posso despertar com e pelas oportunidades e possibilidades de contribuir com e para reinventar um compromisso com uma emancipação autêntica, um compromisso que, além do mais, em vez de ser o produto de um pensamento vanguardista iluminado, se revela como senso comum emancipatório (p.383). Se, efetivamente, passo a propor epistemologias de travessias, é porque também desejo e aspiro construir utopia. Penso-a como um pólo (entre outros), uma margem (entre outras), um topoi (entre outros) para reflexão (com os outros). E assim, concluo estas linhas de idéias (o ver do autor), tecidas entre outras tantas idéias minhas (o a meu ver de leitora).

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Como os plexos de veias e nervos que temos em nosso corpo. São sistemas de ramos comunicantes entre os elementos que os constituem, que estabelecem conexões, ligações, inervações, irradiações e distribuições.

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