Resenha Ideias em Movimento

July 23, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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ÂngelaAlons Alonso, o, Idéi Idéias as em movimento: a g eraç eração ão 1870 na crise do Brasil Br asil Império.São Paulo Paulo,,Paze Terra, 2002,392 pp. João Ehlert Maia  Doutorando em Sociologia no Iuperj

Como tratar de forma original um tema tão familiar à imaginação intelectual brasileira como esse, o da famosa famosa “geração 1870”? 1870” ? C omo apreender o sentido dessa geração, que abriga nomes tão díspares quanto Joaquim Nabuco, Alberto Salles, Sílvio Romero, Lopes Trovão, entre tantos outros? Como interpretar sociologi sociologica camente mente um u m conjunto con junto que qu e reúne liberais, republicanos, positivistas e federalistas, todos às voltas com Spencer, Comte e Darwin? Uma alternativa seria seguir o padrão que parece lentamente se impor nas áreas de estudos voltadas para o chamado “pens “pen samento social brasileiro”: brasileiro”: o tratamento mon m onográfico ográfico de autores e obras, obras, recur recursso que qu e permitiria maior precisão conceitual e interpretativa diante das generalizações esquemáticas. Essa alter-

nativa, que já rendeu excelentes pesquisas e ainda  pode render out outras ras,, não é a seguida por Ângel Ângelaa Alonso em I déias em movi vim mento: a geração 1870 na crisedoB ras rasiil Im I mpéri o. É interessante apontar, inicialmente, as opções rejeitadas na pesquisa, por indicarem quais caminhos novos a autora deseja trilhar. De saída, Alonso descart desca rtaa uma um a das mais tradicionais abordagens, que classsifica os pers clas per son onagens agens em função de suas filiações filiações intelectual-doutrinárias. Essa recusa não é gratuita. De acordo com a autora, isso seria conferir ao mundo intelectual do período (Segundo Reinado) uma autonomia e uma complexidade inverossímeis. Como falar de escolas intelectuais num cenário em que política e letras se misturavam de forma tão  provocadora?  prov ocadora? Ademais Ademais,, as asssumir fil filiações iações e preferências como índice seguro de classificação significaria atribuir peso excessivo às próprias inter pretações dos d os atores do perío período, do, como se a visão visão que os mesmos construíram a respeito de suas tra jetórias  jetór ias já esgotas esgotassse o process processoo de pesquis p esquisaa sociosociológica. A opção por uma abordagem abo rdagem que qu e bus bu scas cassse correspondência direta entre ideologia e grupos

 

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sociais (como “cientificismo = expressão de setores médios emergentes”) também é afastada, dada a pluralidade de atores que compunham essa geração – setores médios, por certo, mas também grupos tradicionais decadentes. Ora, então onde estaria o sentido do protesto coletivo que sacudiu o Império e propiciou uma explosão de “idéias novas”? O argumento da autora é cristal cristalino, ino, e trabalhado trabalhado exaus exaus-tivamente ao longo do livro: a geração de 1870 deve ser compreendida a partir de um marco analítico que destaque a experi ênc ncii a compa parrtitilh lhad ada a de seus membros. Com esse movimento, a autora busca evitar  a clássica dualidade que opõe cultura e prática social,  problema que as asssola qual qu alquer quer es estud tudoo sobre idéias e intelectuais. Assim, o trânsito intelectual entre Europa e Brasil não é tratado como um processo autônomo infenso ao jogo social “nacional”, como se ao

Ao longo do texto, te xto, Alon Alonsso trabalha com com um u m “t “triri pé” conceitual que a auxilia auxilia a encaminhar o argumento principal. C omuni unida dadede experiência, r  re epertório e estr strutu uturra de oportun tuniidades polílítiticcas formam o arcabouço a partir do qual a autora interpreta a ação coletiva da geração e o sentido prático-político que orientaria esse “movimento social”. De uma certa forma, os capítulos centrais estão estruturados justamentee em torn ment to rnoo de cada um desses desses con conceitos, ceitos, o que qu e facilita faci lita a exposição da hipótese e o acompanhamen acom panhamento to do raciocínio desenvolvido.  Noo primeiro capítulo  N capítulo,, a autora apres apresenta enta o regime imperial, seus valores, práticas e modu duss operandi . Demonstrando habilidade para lidar com a bibliografia consagrada ao tema e combiná-la com clássicos sobre a formação social brasileira (e aqui o recurso principal é ao ensaio de Florestan sobre a re-

analista restasse apenas a tarefa de determinar o maior  ou menor grau de “imitação” presente nesse trânsito. Mas, ao mesmo tempo, as idéias não são deduzidas aprioristicamente a partir da localização cartográfica dos grupos na estrutura de classes. As “idéias novas”, nos diz a autora, são ferramentas, mobilizadas seletivamente a partir dos critérios que organizavam a luta política na crise do Segundo Reinado. Estão em movimento. Alon Al onsso busc buscaa numa num a literatura mais comum comumente ente associada a outros campos de pesquisa o instru-

volução burguesa bur guesa no Brasil), Brasil), Alonso Alonso delineia o que considera serem os eixos principais na legitimação do s  sttatus quo saquarema: o indianismo romântico, o liberalismo estamental e o catolicismo hierárquico. Todos esses elementos teriam alimentado a energia intelectual envolvida nas disputas que acirraram a crise no Segundo Reinado, momento em que os conservadores se viram obrigados a um exercício constante de racionalização em torno dos fundamentos da ordem ameaçada. O segundo capítulo,  posssiv  pos ivelmente elmente o mais ricamente documentado, do cumentado, in-

mental necessário necessário para confeccionar confeccionar um enquadramento men to singular para seu objeto. o bjeto. Assi Assim, m, aut autores ores como com o Tilly, Swindler e Tarrow são mobilizados para a compreensão compreens ão de um u m movi vim ment nto o que, na perspectiva da autora, nunca teria sido propriamente “intelectual”, mas antes uma ação coletiva animada por  um profundo pro fundo desejo desejo de intervenção in tervenção política. política. O que unificaria os diversos membros da famosa geração seria uma coleção de críticas novas ao  s  sttatus quo imperial e saquarema, críticas essas assentadas em uma experiência comum de marginalização polí-

vestiga os diferentes grupos que compunham a geração de 1870 (liberais republicanos, novos liberais,  positiv  pos itivis istas tas abol abolicionis icionistas tas,, fe federal deralis istas tas posi positivi tivisstas do Rio Grande do Sul e federalistas científicos de São Paulo) e destaca a experiência comum de marginalização política. Essa marginalização, é claro, seria relativa, e diria respeito antes ao esgotamento de  possibil  poss ibilida idades des de d e real realiza izaçã çãoo prof profis isssional e intelectual dentro dos limites estreitos da ordem imperial do que a uma efetiva posição de subordinação social dentro dess dessaa mesma ordem. Manejando r ica pespes-

tica, e não a filiação doutrinária ou a pertença a esta ou aquela classe social.

quisa empírica, a autora mostra como integrantes destacados da geração tiveram aspirações e projetos

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de ascensão emperrados pelo imobilismo da máquinaa saquarema, quin saquarema, incapaz de dar conta con ta da dinâmica moder mod erna na que se gestava gestava no Brasil Brasil no período. pe ríodo. O uso da categoria categor ia “m “marginaliz arginalizaçã ação” o” é decert d ecertoo af afrouxado, rouxado, o que permite incluir nessa situação nomes tradicionais com proeminência parlamentar, como Joaquim Nabuco. Esse capítulo talvez seja o mais relevante para o encaminhamento do argumento, na medida em que busca caracterizar sociologicamente a geração de 1870 sem obscurecer sua evidente heterogeneidade het erogeneidade interna. inter na. Alon Alonsso não hes h esita ita em mostrar como o elo de solidariedade entre seus integrantes era algo frágil, já que construído não em torno tor no de identifica iden tificações ções profiss profissionais ou intelectuais in telectuais,, mas por uma situação histórica contingente. O capítulo 3 é o mais intr intrincado incado do livro. C omo  já foi dito, a aborda abordagem gem da autora é centrada no

de 1870 “intelectuais” envolvidos em polêmicas doutrinária doutr ináriass. Contudo, Con tudo, o próprio pró prio des desenv envolvimento olvimento do capítulo suscita outras leituras do problema. Ao abrir a literatura examinada, Al Alon onsso pon p ontua tua discusdiscussões ricas r icas,, que certament cer tamentee revelariam revelariam novos ângulos de análise para os interessados no tratamento hermenêutico desses textos. O debate entre americanismo e iberismo, por exemplo, ganha sutilezas e contornos inesperados na interpretação da autora, que apenas pincela um poss p ossivel ivelmen mente te produt pro dutiv ivoo diálogo ál ogo com os escr escr itos de Wer Werneck neck Viann Viannaa a respeito do tema. Como sua linha interpretativa rejeita análises lis es mais pró próximas ximas ao ao un univ iverso erso da d a His H istór tória ia das Idéias e dedica-se a um tratamento sociológico amplo de toda to da um umaa geração geração,, Alon Alonsso ness n essee capítulo capítu lo termina ter mina por  po r  apresentar inúmeras análises interessantes e criativas que infeli infelizmente zmente não podem p odem ser mais m ais aprofundadas aprofundadas..

tratamento político de um movimento em geral visto como puramente “intelectual”. Mas como a absorção das idéias que movimentavam a Europa na segunda metade do século XIX por parte dos mem bros da geraçã geraçãoo é uma parte central da inv inves estiga tigação ção do movimento de protesto, é imprescindível abrir a literatura produzida p roduzida por po r es e sses personagens. É preciso, diz a auto autora, ra, comp compreend reender er seu repertó tórrio, ou seja, a gramática intelectual mobilizada pelos agentes na formaçãoo de um formaçã u m movimento m ovimento coleti co letivo vo..  Nas  N as extensa extensass anál anális ises es que faz de obras seminais seminais

O capítulo 4 e a conclusão do livro arrematam de forma precisa o argumento. Após trabalhar a comuni unida dadedeexperiênc nciia e o repertó tórri o, Alonso finaliza seu tripé conceitual analisando a estrutura de oportunidades que se se teria ter ia ges gestado tado no período e fornecido uma gama de recursos organizacionais para os membros memb ros da geração. A conjugaçã con jugaçãoo de urbanização, desenv des envolvi olvimento mento econôm econômico ico e maior complexidacomplexidade do tecido social imperial teria possibilitado aos  personagens  personag ens pesquis pesquisados ados espaç espaços os novos de mobilimobilizaçãoo que zaçã q ue es escapa capava vam m ao es estrangulament trangulamentoo vivi vivido do no

dos principais pr incipais auto autores res envolvidos, envolvidos, Alonso Alonso demon dem onsstra segurança e conhecimento dos debates que envolviam positivistas, darwinistas, “cientificistas”, abolicionistas, liberais ou combinações entre esses elementos. O critério de interpretação que usa é condizente com sua linha argumentativa: esses escritos devem ser compreendidos como peças produzidas pela absorção política de idéias européias, ou seja, como obras que visariam a atacar fundamentos da ordem imperial saquarema, e não avançar no campo da teoria política. Com esse procedi-

sistema partidár sistema part idário. io. As Assi sim, m, o olhar o lhar de Alonso Alon so volta-se volta- se  para os comícios, comícios, os novos jornais e os manifes manifestos tos que se multiplicavam e teriam possibilitado a articulação de um movimento heterogêneo que com partilhava  partilha va como princípio identitário apenas um antagonista. Na interpretação da autora, a geração de 1870 é indissociáv indissociável el do surgimento de um “proto“proto espaço público”, na medida em que sua própria experiência de marginalização e o aprofundamento do capitalismo no país (com a conseqüente introdução de novos personagens e tipos sociais) teriam

mento, a autora afasta-se novamente de abordagens tradicionais que enxerga en xergam m nos n os membros membro s da geração geração

forçado a abertura de novos lugares sociais para o fazer faz er político. po lítico. O esg esgarçamento arçamento da dinâmica Partido

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Liberal// Partido Conserva Liberal C onservador dor e a cisão cisão dentro da  própria  própr ia elite imperia imper iall seriam outros compon componentes entes desse processo de alargamento da vida pública. Ao final, a caracterização dessa ampla coalizão é feita  pela autora com o recurso ao conceito de “reformismo”. Diante da heterogeneidade interna da geração e das inúmeras tensões que terminaram por  minar uma unidade que por si só já seria precária, Alonso opta por unificar conceitualmente os diversos matizes de rebeldia sob a égide do combate ao imobilismo imobilis mo imper imp erial ial – ao fim e ao cabo, cabo, ún único ico prinpr incípio que permitiria a agregação da diversidade. Curiosamente, volta-se aqui a uma matriz operatór ia clás clássica da política po lítica“à bras brasileira”, ileira”, como bem percebe a autora: a moderação – que no registro de Alonso possui contornos negativos, sendo associada ao elitismo que caracterizaria o processo histórico nacional. Certamente se poderia cotejar esse fecho com notações mais positivas desse “traço” nacional, em especial aquelas que, centradas no conceito gramsciano de revolução passiva, buscam uma interpretação do Brasil que escape à dicotomia “reforma versus revolução”. O percurso feito feito por po r Alonso Alonso ao longo do li livro vro é decerto instigante e original. Pode-se questionar a centralidade conferida pela autora ao tema da marginalização política como critério sociológico de com preens  pree nsão ão do objeto e sua utiliz utilizaçã açãoo “alarg “alargada ada”, ”, mas não a densidade da pesquisa que sustenta essa tese e a coerência argumentativa que a encaminha. O risco de compactar de forma excessiva a heterogeneidade da geração de 1870 é assumido e enfrentado sem que o rigor da abordagem escolhida seja atenuado, o que faz com que esse trabalho seja exem plarr no campo da metodologia dis  pla discipl ciplinar inar.. Ao final final,, o resultado que se lê em I déias emmovi vim mento: a gerageraposição 1870 nacrisedoB ra rasi sill I mpéri onão é apenas positivoo pelo tiv p elo que es está tá apresentado apresentado no n o argumento principal, que por si só já garante um lugar de relevo  para es esta ta obra, mas também pelas pelas suges ugestões tões e tr tril ilhas has de pesquisa abertas pela autora em um tema já tão

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visitado pelas nossas ciências sociais. Cabe ao leitor  interessado o desafio de seguir essas trilhas e mobilizarr de liza de forma for ma criativa cr iativa ess essee trabalho t rabalho de Ângela ÂngelaAlonso.

Enio Passiani,Na trilha tri lha do Jeca: Jeca: Monteir M onteiroo Lobato Lobato e a forma for maçção do cam campo po literário liter ário no n o Brasil Br asil.Bauru, Edusc, 2003, 276 pp. Flávio Moura Professor de Teoria Teoria do Jornalismo na Facamp e editor da revista Novos Estudos , do Cebrap.

Comemorações do aniversário de São Paulo e minisséries globais à parte, o momento é de revisão das idéias estabelecidas sobre o modernismo. Desde o final dos anos de 1990, vêm sendo publicados diversos vers os trabalhos trabalhos que tratam de atenuar o cará caráter ter transformador do movimento e compreendê-lo a partir  de um ponto de vista mais distanciado que o dos críticoss respo crítico responsáv nsáveis eis pela supe supervalorização rvalorização de seu legado.Trabalhos como o de Tadeu Tadeu C hiarelli, Annateresaa Fabris e Sergio Miceli, entre os res o s de vários outros out ros autores, têm se ocupado de identificar os elementos conservadores que lhe serviram de base, de relativizar  algumas al gumas de suas con conquistas quistas es estéticas téticas,, de d e enten en tendêdê-lo lo mais como continuidade con tinuidade do que como ruptu ruptura ra e de desmontar seus pressupostos à luz do projeto de liderança empreendido empreend ido por p or seus artistas artistas de maior m aior destaque e pelos críticos mais ligados a eles. Em boa medida, N a tr triilha do Je Jecca, trabalho de mestrado do sociólogo Enio Passiani publicado no fim de 2003, pode ser aproximado a essa linhagem. A proposta é entender, entend er, a partir do exame da obra ob ra de Monteiro Lobato e de sua atuação editorial, como ele passou a ocupar posição hegemônica no campo literário brasileiro nas duas primeiras décadas do século XX – e como sua perda de influência nos anos seguintes se liga à ascensão do grupo modernista..“O s modernista nista moder nistass fizeram fizeram de Lobato o símbolo maior de um passado que devia ser enterado; por-

 

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tanto, matá-lo (e junto com ele toda uma geração de escritores) significava declarar finalmente a vitória modernista”, afirma Passiani nas primeiras páginas de seu livro. A morte simbólica de Lobato a que o autor se refere, decretada por Mário de Andrade em 1926 Manhã, num artigo art igo publicado publicado no jorn jo rnal al carioca A Man é um u m dos episódio episódioss de que se vale vale para mostrar como o embate direto com os o s líder líderes es do modern mo dernis ismo mo concon tribuiu tr ibuiu para que ele foss fosse excluído do gru grupo po e, como tal, impedido de colher co lher os o s fru frutos tos simbó simbólicos licos que es esssa associação as sociação poder po deria ia trazer. A partir de d e uma um a análise análise sociológica cioló gica desse desse process pro cesso, o, Pas Passsiani procur pro curaa elucidar os os motivos que levaram a crítica ortodoxa a enxergar  Lobato Loba to como co mo contis contista ta medíocre e autor regional regionalis ista ta de pouco calibre, ainda que pudesse considerá-lo um grande autor infa in fantil. ntil. Ao mesmo temp tempo, o, trata de reconstituir a posição social do pré-modernismo no  bojo da his histór tória ia cultural do país país, vis visto to que a própria acepção acepç ão de “pré“pré-moder modernis nismo” mo” não pode ser entendida fora do contexto da luta simbólica empreendida no interior inter ior do campo literário. literário. O livro divide-se em quatro capítulos. No primeiro, “As peças do quebra-cabeça”, o autor busca demonstrar como o confronto travado contra os modernistas se deu mais em razão das semelhanças quee das diferen qu diferenças ças existent existentes es entre os o s do dois is lados.Preo Preo-cupado em desvelar um Brasil “real”, para além das

no processo histórico de formação de nossa literatura”, lembra o autor. Adiante nesse primeiro capítulo, o maior do livro, Passiani faz rápida leitura da obra de críticos ligados lig ados ao ao moviment movimento, o, entre eles Sérgio Buarque de H olanda, Mário da d a Silv Silvaa Britt Brittoo e Antonio Anton io Candido, C andido, e empenha-se em mostrar como foram aos poucos construindo um dis discurso curso que ins instituía tituía o modern mo dernis is-mo como o momento supremo de ruptura com o  passsado  pas ado.. O corolário corolário des desssa cons construção trução teri teriaa sid idoo a pró pria def definiçã iniçãoo do momen momento to li literário terário que sucede o realismo-naturalismo e antecede a Semana de Arte Moderna de 1922 como “pré-modernismo”, “pré-modernismo”, rótulo sugestivo de que nesse período estava em jogo apenas uma preparação para os movimentos da geração seguinte. “Ao contrário do que a pena modernista mostra”, escreve o autor, “o período anterior também constitui um momento de ruptura ru ptura com os moldes poéticos preconizados pela estética art  noveau, e representou a primeira tentativa de se conhecer o país a fundo por meio de uma nova linguagem: a narrativa literária, pela primeira vez na história da literatura brasileira, se mostrou explicitamente como com o uma ferramenta para para o conhecimento das condiçõ con dições es ‘reais ‘reais’’ do país”.  Noo cap  N capítul ítuloo seg seguinte uinte,,“N “Naa trilha do Jeca eca”, ”, Pa Passsia iani ni refaz a trajetória de Lobato e os caminhos que percorreu para penetrar no ambiente intelectual da

idealizações românticas, defensor de uma literatura engajada nos problemas do país, de uma linguagem literária coloquial coloqu ial e direta, pródiga em neologis n eologismos, mos, inserida numa pesquisa estética séria, Lobato se teria ocupado de um projeto literário em muitos as pectos semelhante semelhante ao de autores modernis moder nistas tas,, que  por isso isso viam nele um obs o bstácul táculoo à possibil possibilida idade de de se instituírem como os renovadores por excelência da arte brasileira. “Os modernistas se auto-representavam como uma ruptura radical em relação ao  passsado li  pas literário terário nacional e a presença de Lobato,

época, do ingresso na Faculdade de Direito do Largo São Francisco Francisco aos primeiros pr imeiros artigos em O E st sta ado de S. Paulo, veículo fundamental para a divulgação de seu nome no país. “O artista e seu projeto criador”” e “C rise à vista” dor vista” são são os o s capítulos capítulos que qu e fecham a argumentaçã argument ação. o. O pr primeiro imeiro deles, deles, único a trazer análise de texto propriamente dita, apresenta uma leitura de Urupês e de C idades mortas, os mais importantes entre os primeiros livros de Lobato, contra pondo-os  pondoos à at ativ ivida idade de do es escritor como editor editor,, crucia cruciall  para entender ent ender sua ins inserção erção no ca campo mpo literá literário. rio. O

sua obra, denunciava que não havia uma ruptura drástica, mas, ao contrário, uma certa continuidade

último capítulo aponta como, a partir de 1925, com a falência de sua casa editora, o fracasso de seu ro-

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mance O presiside dentenegr gro o, publicado publicado no ano seguinte, e a ascensão do modernismo, sua influência no cam po intelectual se reduz drastica drasticamente. mente. Tor ornana-sse mais m ais simples entender enten der ess essaa montagem mon tagem argumentativa se levarmos em consideração que a  principal ref referência erência teór teórica ica do autor é Pierre Pierre Bourdieu. Mais especificamente, a noção de campo formulada pelo sociólogo francês. De modo simplificado ao extremo, é possível entendê-la como um sistema inclusivo de relações e posições predeterminadas que abrangem, à maneira mane ira dos postos dispon disponííveis no mercado de trabalho, classes de agentes providos de propriedades de um tipo determinado. A cada uma dessas posições estariam associadas tomadas de posição estéticas ou ideológicas. Dessa maneira, a tentativa de traçar o modo como as categorias em questão puderam ter acesso a essas posições, como faz Pas Passiani nesse nesse trabal tr abalho, ho, é o pon ponto to de parp artida para uma análise que pretenda dar conta do  problema.. Essa  problema Essa aborda abordagem gem env envolv olvee ao menos três aspectos fundamentais: em primeiro lugar, a posição do artista na estru estrutur turaa da class classe dirigente; dir igente; em segun segun-do, a concorrência interna em busca de legitimidade cultural; e, em terceiro, as disposições socialmente constituídas co nstituídas do agente. Seg Segun undo do a for formulaçã mulaçãoo de Bourdieu, a essas disposições corresponde a idéia de habi tus, entendida como princípio gerador e unificador do conjunto de práticas e ideologias caracte-

tuir ele próprio pró prio critér critérios ios de legitimaçã legitimaçãoo intelectua intelectuall a partir dos autores que escolhia para publicar por  sua editora. Adepto de uma escrita que se queria  próxima da linguag linguagem em popula po pular, r, e portanto por tanto incomincom  patível  patí vel com as as“gramatiquices “gramatiquices”” dos aca acadêmicos dêmicos,, Lo bato tinha ca cacif cifee para tirar prov proveito eito da opção de  posarr de independente no campo. A partir de 1925,  posa contud con tudo, o, quando sua editora edito ra vai à fal falência, ência, os es escr criitores modernistas assumem a dianteira e seus livros deixam de emplacar, o escritor tenta uma vaga na Academia, Aca demia, o que q ue se mostra uma maneira mane ira de recuperecupe rar parte dos bens simbólicos perdidos e garantir  sua sobrevivência no campo. A equação que se propõe para o problema é engenhosa: como esnobara a academia nos anos anteriores e não foi eleito para o posto, o escritor acaba enveredando para a literatura infantil. Praticamente o inventor do gênero no país e ainda hoje sem rival à altura, Lobato teria visto nessa prática um modo de explorar um nicho n icho ainda virgem, virgem, a partir do qual poderia reconstruir a carreira e gran jear prestígio como criador. Apres Apresent entado ado com as devidas ressalvas – a escolha não seria uma estratégia consciente do escritor, mas um tipo de intuiçãoo decorrente do ha tuiçã hab bitus literário intern internal aliza izado do a partir da experiência no campo –, esse tipo de formulação exemplifica a boa mão do sociólogo para associar as tomadas de posição às disputas que se

rística rís ticass de um grupo gr upo determ determinado inado.. A familiaridade de Passiani com o conceito e a  preocupaçãoo em delineá preocupaçã delineá- lo em seus seus menores matimatizes é perceptível ao longo de todo t odo o trabalho. Vejase, por exemplo, a relação de Lobato com a Academia Brasileira de Letras. Em 1919, por sugestão de amigos, o escritor começa a aventar a hipótese de candidatar-se à ABL. De início, contudo, mostra-se refratário à idéia, alegando que não tinha “feitio acadêmico”. Nesse ponto, Passiani demonstra em  pormenores  por menores como era poss possív ível el sustenta ustentarr es esssa af afirir-

travam no inter travam interior ior do campo. É nessa nessa mesma chave chave que se pode ler a associação entre a posição social do escritor, herdeiro de uma família de fazendeiros decadentes do vale do Paraíba, e o espaço de que dispunha no jornal O E stado de S. Paulo, gerido por uma família que defendia interesses semelhantes. Ou a relação entre o discurso feito por  Ruy Barbosa em 1919, em que o jurista baiano elogiava Urupês, e o sucesso comercial estrondoso obtido pelo livro, de resto beneficiado pelo fato de Lobato ter sido seu próprio editor.

mação. Na época, Lobato era o autor de maior destaque no campo literário brasileiro, capaz de insti-

Alguns desajustes, no entanto, ficam visíveis na caracterização da “força revolucionária” da obra

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lobatiana. No terceiro capítulo, em que procura dar   basee a es  bas esssa vis visão ão a partir da lei leitura tura dos textos, por vevezes Passiani recorre a qualificações do tipo “linguagem exata”,“texto enxuto enxuto”, ”, “texto que lev levaa o lei leitor  tor  à reflexão” reflexão”,, as as quaissugerem cert certoo des de sequilíbr equilíbrio io enen tre a visada visada socio sociológica lógica e a literária, literár ia, além de uma u ma defesa talvez exacerbada de seu objeto de análise. Essa mesma defesa aparece nos trechos em que analisa o confronto con fronto ent entre re Lobato e Anita Malfatti, Malfatti, defla deflagrado grado  pelo conhecido artigo “Para “Paranóia nóia ou mistif mistifica icaçã ção?”, o?”, de 1917. Com base no trabalho de Tadeu Chiarelli, Passsiani lembra que Lobato não era Pas er a um crítico crít ico amador, do r, mas um do doss mais talhado talhadoss analistas analistas de artes ar tes plásplásticas de sua época, e que a reação dos do s modernista moder nistass a esse artigo só adquiriu grande proporção em razão da importância que atribuíam ao criador do Jeca Tatu. Mas não discute, por exemplo, o possível preconceito contra co ntra os imigrantes imigrantes que poderia poder ia animar animar a invectiva invecti va de Lobato, hipó hipótese tese que Sergio Miceli levanta em seu N aciona nall estrangei ro e que, num estudo detalhado e bem fundament fun damentado ado como o de Pass Passiani, mereceria atenção atenção por p ormenor menoriza izada. da.  Note N ote-sse, ai ainda, nda, que a publica publicaçã çãoo do livro livro do sosociólogo envolve um paradoxo curioso: o trabalho ganho ga nhouu o prêmio de melhor dis disssertação de mestrado no concur co ncursso CN C N PqPq-Anpocs Anpocs de 2002. O selo da premiação é impresso de modo ostensivo na capa do livro, as assim sim como, co mo, no pre prefácio, fácio, sã sãoo reit reiteradas eradas as refereferências ao trabalho de fôlego do jovem sociólogo, que “anuncia um projeto de vida intelectual intelectual de envergadura” vergadur a” e “u “ultrapass ltrapassaa as expectativas expect ativas firm firmadas adas”. ”. É comoo se, no limite, a chanc com chancela ela da instância de consaco nsagração representasse ao mesmo tempo uma recomendação e uma ressalva. Como se estivéssemos diante de um trabalho excepcional p  pa ara o in iníc ício io de carrei reira ra, e não simplesmen simplesmente te de uma ótima ó tima pesquisa. pesquisa. Feitas as contas, é disso que se trata: de um livro de primeira pr imeira linha, mais uma fonte font e da qual não podepode rão fugir os estud estudiosos iosos de Lobato e do mod moder ernismo. nismo.

Ismail Xavier, O olhar e a cena: cena: melodrama, Hollywood, Hollyw ood, cinema cinema novo, Nelson Rodrig ues.São Paul Pa ulo, o, Cosac &Naif Naifyy, 2003, 384 pp. Sergio Mota Professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio

H á quem acredite acredite que o cinema pode ser um lugar  de revelação, de acesso a uma verdade por outros meios inatingível. Dentro do projeto de revelação do mundo para o olhar, toda leitura de imagem é  produção de um ponto de vista. vista. É quase quase imposs impossív ível el conceber uma u ma cultura submetida submetida ao olhar em que qu e a visão não detenha prioridade. Por exemplo, ao eleger a visibilidade como proposta para este milênio, Italoo C al Ital alvino vino afirma afirma que não se pode correr cor rer o risc riscoo de perder “a capacidade de pôr em foco visões de olhos fechados, de fazer brotar cores e formas de um alinhamento de caracteres alfabéticos negros sobre uma página branca, de pensar por imagens”. Para o escritor italiano, a experiência contemporânea é pression pressionada ada por um acúmulo de imagens im agens suce sucess ssivas ivas que não conseguem se sustentar por si mesmas, diluindo-se antes de adquirir consistência na memória daquele que vê. O que confere à visibilidade estatura de proposta é, justamente, a capacidade de ser um u m meio m eio transparente, através através do qual a realidade se apresent apresentaa à com compreen preenssão. Sem contar contar que, que, quan quan-do C al alvino vino elege e lege a vis visibilida ibilidade de como com o um u m valor valor literário a ser preservado, não a situa no campo da visão, mas no da imaginação. Vive-se hoje um mundo dominado de todos os lados pelas imagens, e esse excesso impõe novos re pertórios  pertó rios vis visuais uais,, ao la lado do de uma idéia recorrente recorrent e que afirma que tal saturação saturação imagética con contr tribui ibui para umaa “falha” no apren um aprendizado dizado do d o ver. As Asssim, a ques que stão que se desenha é: de que forma a cena do mundo  pode ser codif codifica icada da dia diante nte de uma multipl multiplica icação ção infinita de imagens? N o que qu e diz respeito ao olhar, é  possív  poss ível el al alguma guma pedag pedagogia ogia que auxili auxiliee na apreens apreensão ão junho

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desse mundo saturado, em que tudo se dá ou se põe a ver? Os teóricos pós-modernos revelam que a su perabundância induz a um estado estado de desor desorientaçã ientaçãoo no qual a percepção não se preocupa se as imagens reproduzem ou não o mundo, na discrepância entre imagens e realidades, olhar e cena, entre significantes e significados. Convertidos em meros produtos de entretenimen en tretenimento, to, os signos signos podem deixar de aponapon tar para um mundo de diferenças e de novas possi bilidades  bili dades e criar a simples vertig vertigem em da representarepresentação, para espectadore espect adoress reais e virtu vir tuais ais (ver, (ver, ness nessee sentido, o livro Pai sa sagens gens urba urbanas, de Nelson Brissac Peixoto). A importância que a imagem e a visualidade vêm assumindo na epi pist ste emé moderna e a existência de um u m alhures alhure s do espetáculo são investigações investigações de O olhar olh ar e a cena, de Ismail Xavier. C om o olhar o lhar arguto que lhe é peculia pecu liar, r, o crítico crít ico arregiment arre gimentaa temas e filfilmes basilares da cinematografia mundial e nacional, a fim fim de demo d emonstrar nstrar os o s liames que sustentam sustent am as relações entre a estrutura do drama, o lugar da cena e o  papel do espectador espectador no cinema dia diante nte da oferta oferta desenfreada de imagens. imagens. Em um pr primeiro imeiro moment mo mento, o, a son ondagem dagem teórica teór ica de Xavier pass passa, obr obriga igator toriameniamente, pela delimitação do lugar do melodrama teatral no cinema que nascia com o século XX. Resultado imediato de uma época épo ca marcada marcada pela inco inconstância nstância e  porr pre  po precár cários ios índ índices ices de estabilidad estabilidadee (o século XVIII), a estr estrutu utura ra melodramática apresento apresentouu ao es es- pectador a inv inversã ersãoo dess desse estado estado de coisas coisas.. N o lugar  lugar  de uma um a instabil instabilidade idade permanente a reboque do desenvolvimento capitalista, um universo codificado, sem riscos, facilmente reconhecido e estruturado com rigidez, dentro de valores que se opunham na simplificação de duas du as instâncias instâncias:: o bem be m e o mal. NesN essa rígida estrutura encontra-se, portanto, uma tam bém ríg rígida ida du dualidade alidade (dico (dicotô tômica, mica, na visão de Xavier) e uma irremediáv irrem ediável el oposição oposição na n a qual não há  possibil  poss ibilida idade de de concilia conciliação ção por parte parte dos personapersona-

trução ilusionista de impacto visual, cuja conseqüência imediata provoca no herói melodramático estados emocion emo cionais ais reveladores que qu e jamais se alojam alojam no meio do cami caminho, nho, em pontos ponto s inter intermediários mediários.. É  justamente  jus tamente o melodrama melodrama o res responsá ponsável vel por for fornecer  necer  a ess esse espectador desorien desorientado tado pelos níveis de aceleraçãoo advindos raçã advindo s da Revolução Indus Indu str trial ial uma espécie de cartilha da moralidade (um mundo que ainda tem espaço para reconciliações, reconciliações,con conform formee afirm afirmou ou o crítico em outr o utraa ocasião). ocasião).  Nes  N esssa deli delimitaç mitação ão das rel relaç ações ões entre melodrama melodrama e cinema, Xavier Xavier reconhece recon hece que qu e o melodrama, melod rama, após a Revolução Francesa e durante o século XIX, funcionou como co mo uma u ma espécie espécie de motor que impulsioimpulsionou as origens do cinema (e, mais tarde, da televisão), alimentando-o de enredos rocambolescos, de sent entiment imentali alissmos e morali mo ralissmos centrados cent rados no inevitável maniqu maniqueís eísmo, mo, representado representadoss por atores ato res que tinham na grandiloqüência e no exagero da forma sua principal marca. Dentro dessa perspectiva, o livro de Ismail Xavier Xavier não deixa de ixa de ser ser uma um a histor historioiografia de um certo tipo de olhar que encontra no naturalismo engendrado pela cena burguesa do século XVIII X VIII uma u ma aceitação tácita da ilusão. ilusão. N ess essee tipo de drama, a cena se revela um lugar de autonomia que não dá conta do olhar que o espectador, em outra ou tra instância, la lança nça sobre ela. Re Reprodu produzir zir na cena cen a o mundo mu ndo tal como ele se se apresent apresentaa é tarefa ensinada ensinada  pelo Iluminis Iluminismo. mo. N es essse sentido, sentido, a cena cena ganha ganha autonomia pela naturalidade que sua representação encerra e deve ser um espaço discreto, sem o uso de aparentes artifícios artifícios e gestos que prejudiquem preju diquem tal aceitação incondicional.  Nes  N essse percurso crític crítico, o, é o cinema cinema clá clásssico o herdeiro do lugar ocupado pelo espectador, principalmentee pelo fato de que ment q ue o dis dispositiv positivoo cinematográficinem atográfico inaugura um des desloca locamento mento importante em relação à estr estrutu utura ra teatral.C om o cinema, cinem a, a imagem imagem que qu e ocupaa o lugar do espectador revela um espaço ocup espaço que qu e se

gens. Em sua pesquisa, o crítico reconhece que tais experiências estabelecem um jogo com uma cons-

organiza à revelia revelia dele, dele, dent dentro ro de uma dimensã dim ensãoo tert erceirizada (porque externa) engendrada pelo olhar 

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da câmera. O que se revela diante diante dess dessee olhar, o lhar,pr princiinci palmente  pal mente em relaç relação ão aos aos dis disposi positiv tivos os de repres representaentação, é um mundo que apresenta um retrato fiel da realidade, reali dade, mais mais que uma instâ instância ncia de “naturalis “n aturalismo” mo”,, encenado como tal, para garantir a identificação do espectador com a cena descrita que se amalgama com a vida. Como resultado imediato, olhar do es pectador e olhar da câmera são fa faces ces da mes mesma ma moeda e parceiros p arceiros ness ne ssaa astú astúcia cia da repres repre sen entação. tação.“A prop ro jeçãoo da imagem  jeçã imagem na tela consol consolidou idou a descontinuidescontinuidade que separa separa o terreno ter reno da p espaço ço  pe erf rfo ormancee o espa onde se encontra o espectador, condição para que a cena se dê como uma imagem do mundo que, delimitada e emoldu em oldurada, rada, não apenas dele se se destaca mas, mas, em potência, po tência, o representa”, define define o crítico,na tentaten tativa de compreend comp reender er a logística logística dessa dessa nova for forma ma de representação arre arregiment gimentada ada pelo cinema. Essa estratégia da construção da cena como i mago mun undi di  ou como microcosmo privilegiado,  para fins fins de ilusionis ilusionismo mo (a (alg lgoo como af afirmar irmar que qu e o espectador faz parte da cena e com ela se confunde ou ident identifi ifica), ca), é habilmente habilment e demonstrada demo nstrada por Xavier, Xavier, que disseca esses dispositivos de representação em dois momentos modelares, representados por D. W. Griffith (clássico do cinema norte-americano em formaçã form ação), o), que se se serviu serviu em e m excesso excesso do mod modelo elo melodramático, e Alfred Alfred Hitchco H itchcock, ck, que supero superouu ironiiron icamente tal estrutura, utilizando artimanhas metalingüísticas lingü ísticas,, para revelar uma um a outra out ra logística logística do espetáculo tácu lo (ness (n essee sentido, sent ido, valem valem o livro as análises análises de dois d ois filmes do direto d iretorr inglês, Vertigoe, principal prin cipalment mente, e, Ja  Janelaindi indisc screta). Em um u m segundo mom moment ento, o, Isma Ismail il Xavier Xavier voltase para a produção pro dução nacional, a fim fim de dis discutir cutir es estratétratégias de atualização da matriz melodramática nas minissér niss éries ies de Gilberto Braga  An  (A nos dourados e A  An nos reIntere teresssa ao crítico, crít ico, ne nessse moment mom ento, o, revela revelarr os os beldes). In  possív  poss íveis eis li liames ames entre as formas do melodra m elodrama ma (e a  persisstência de tal modelo) e o realis  persi realismo, mo, e também

comum pós-freudiano no Brasil, que passa a legitimar novas no vas estratég estratégias ias mo morais rais de ins in spiração hum h umanisanista. Xavier, em uma leitura precisa, identifica os esquemas melodramáticos de tais objetos e revela de que maneira, principalmente em A  An nos dourados, aparece uma certa modernização que conserva a estruturaa do melodrama tur m elodrama cláss clássico, o que q ue res re spon ponde, de, por um viés con concilia ciliatór tório, io, à crise do modelo m odelo patriarcal. Apesar de ser uma coletânea de textos publicados em ocasiões distintas, impressiona o fato de o livro não cometer, em nenhum momento, o pecado irreparável ir reparável da falta falta de conjun con junto, to, comum ness nesses es casos casos.. A mudança da transitoriedade de textos dispersos  para a durabil durabilida idade de do livr livroo é rele releva vante nte para para se ana anali li-sar até que ponto uma reunião de ensaios pode perder o foco e a objetividade. N ão é o caso caso de O olha lharr e a cena, dono de uma unidade evidente que enfeixa seus artigos e se ramifica por supo uporte rtess teóricos teór icos diferenciados: uma reflexão a respeito dos desdobramentos do melodrama em diferentes canais de re presentaçã  pres entação, o, uma tentativa tentativa de colocar colocar em xeque xeque “os  problemass enfre  problema enfrentados ntados na crítica crítica dos fi filmes lmes cuja interpretação se se enriquece enr iquece a partir do cotejo com formas da encenação teatral herdadas pelo cinema” e,  principa  pr incipalmente, lmente, um estudo estudo da maneira maneira,, na saturaç aturação ão de imagens da indústria cultural e do produto de massa, como os filmes analisados sobrepujaram (ou ratificaram) o viés ilusionista do cinema cin ema e das art artes. es. Essse esqueleto Es esqueleto teór teórico ico de um pensa pensamento mento crítico irrefutável encontra sua apoteose na leitura que Xavier Xavi er faz da obra de Nels N elson on R odr odrigues igues,, o que ocu pa boa parte parte do li livro vro e um módulo mó dulo inteiro (“O cinema novo lê Nelson Rodrigues”). O crítico examina as adaptações adaptações cinematográficas cinematográficas do autor auto r de d e A  fa  f alecid ida a sob a perspectiva da transformação do país nos últimos quarenta anos, o que faz, pelo menos desse capítulo, uma reflexão de referência no campo dos estudos sobre esse autor. No cinema brasileiro, nunca houve um escritor que tenha inspirado tan-

demo nstrar,, por ou demonstrar outro tro lado, de que qu e forma form a a televis televisão ão foi o agente que procurou consti constituir tuir um u m certo sens ensoo

tos filmes filmes como N els elson on (cerca de vinte longas longas), ), entre 1952 e 1999. C omo já havia havia feito feito com co m as produ produ--

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ções anteriores, Xavier reconhece os elementos melodramáticos de tal dramaturgia e a forma com que o cinema se apoderou desse repertório de crises, que não permite retorno aos padrões nem dá espaço es paço para p ara reconcili recon ciliações ações,, consoante revel revelaa o crítico nas leituras que realiza, entre outras, dos filmes B oca deour ouro o (1962), de Nelson Pereira dos Santos, e  A falecid ida a (1964), de Leon Hirszman, que procuraram solucionar tensões te nsões entre a neces nece ssidade de consco nstrução realista e os textos de que partiram. Com a intenção de fazer um balanço dessa produção cinematográfica, a análise reconhece que o momento mais produ produtiv tivoo dess d essee conjun co njunto to de adaptações se se deu quando houve uma clara intenção, na escolha de tom e gênero, gêne ro, de, por meio m eio dos filmes, filmes, radiografar o Brasil e produzir um extrato de diagnósticos que revelam, principalmente nas obras adaptadas por  Arnaldo Jabor, as contradições do processo de modernizaçã der nização, o, com ares tragicômicos e alegóricos alegórico s.  Naa verdade  N erdade,, reconhecer o lugar lugar que ocupa o eses pectador em rel relaçã açãoo à cena que se disponibiliza disponibiliza é, de certa forma, dentro de uma perspectiva histórico-social e estética, entender a natureza específica da experiência audiovisual como interface espaçotemporal, em que se entrechocam o tempo das narrativas, a linguagem de imagens visuais e o sujeito  projetado  projeta do nesse nesse jogo, jogo, que não é apenas o sujeito sujeito do discurso fílmico, recurso interno do texto como relação de enunciação. É, também, corpo social e historicamente em processo. Como afirma o próprio crítico: “Para existir em sociedade, em especial no império do mark rke etiting ng e da competição, precisamos criar a cena, estar disponíveis diante de um olhar  que nos toma como objeto, nos oferecer como es petáculo,  petácul o, cumpr cumprindo indo os protocolos de sua geometria tr ia e de seu desempenh desempenho. o. Há variadas form formas as dess dessaa geometrr ia e de seus compon geomet comp onente entess, lugares lugares específiespecíficos de manifestação manifestação que se mesclam mesclam ao mun mundo do prático e se expandem sem fronteiras claras no dia-a-

A reunião dos escritos publicados por Ruy Coelho na revista C lima ent  entre re 1941 e 1944, ora editados em livro, dá ensejo não só à apreciação direta de seus achados e eventuais event uais deslizes deslizes na atividade crítica, crítica, como  permite tam também, bém, de um viés viésmai maiss sociol ociológic ógico, o, ac acomom panhar o va valor lor express expressiv ivoo dos textos como marcos dos posi posicionamentos cionamentos do autor no interior do grupo de redatores da revista, desse grupo no campo da crítica de arte que pretendia reconfigurar e da influência de tal episódio no direcionamento das carreiras intelectuais dos envolvidos. Nos limites desta resenha, pretende-se alinhavar os últimos aspectos mencionados, buscando atribuir à obra de estréia seu peso específico no desenrolar da trajetória do autor.  Naa divis  N divisão ão do traba t rabalho lho intelectual entre o grugr u po de jov jovens ens alunos da Fa Faculda culdade de de Fil Filosof osofia ia da USP que funda a revista em 1941, Ruy Coelho é aquele que não tem uma função específica: para ficar no núcleo nú cleo central, central, lembremos lembremos que Antonio Anton io CanC andido trata de literatura, Paulo Emílio Salles Gomes de cinema, cinem a, Décio de d e Almeida Prado de teatro; t eatro; a Ruy R uy,, o mais jovem, coube o papel do curinga (conforme a expressão assumida pelo próprio) que, além desses temas, cuida ainda de erigir uma teoria da crítica, ligada em sua visão à filosofia e à estética, e via de regra articulada com a análise substantiva das obras.

dia, no nú núcleo cleo familiar, familiar, no noss confrontos confronto s em sociedade, em tudo que a crítica cultural já observou sobre

É talvez essa ausência de uma determinação mais específica, correlata à busca de um caminho pessoal,

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o poder, o erotismo e a sedução, na esfera pública e na vida privada”.

Cli ma. São Paulo, PersRuy Coelho, Tempo de Clima pectiva, 2002, 142 pp. Fernando Antonio Pinheiro Filho  Doutor em sociologia pela USP, USP, professor  da USP e da FESPSP

Primeiraa naveg Primeir navegaç ação ão

 

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que dá d á a ver como se faz faz o entranhamen ent ranhamento to da d a sociasocia bilidade  bili dade vivida vivida no texto. Sob esse aspecto, o longo ensaio sobre a obra de Proust que abre o volume (publicado no primeiro número de C lima, em maio de 1941) interessa so bretudo pelas pelas es escolhas colhas de fil filia iação ção que ora rev revela ela,, ora deixa entrev ent rever. er. Precisamente, Precisamente, refirorefiro-me me aqui aqu i à recusa do pens pen samento de Bergson Bergson como bali baliza za de com preensão  preens ão do romance proustiano, proustiano, contr contraa a verten vertente te que vê na recriação recriação do real pelo pensamento pensamento como condição de sua realidade, sugerida no E m busca do tempo perdi dido do, a realização literária da identificação entre realidade da consciência e experiência da duração preconiza precon izada da pelo filósofo. filósofo. N a anális análisee de C oelho, tal visão é preterida em favor do racionalismo dos discípulos de Kant,cuja concepção de conhecimento men to estaria mais m ais próxima próxim a de Pro Proust. ust.Vale ass assinalar  que tal corrente, conhecida como neo-criticismo francês, serve de base filosófica à sociologia de Durkheim, que não por acaso argumenta sobre a natureza social do tempo e vê na crítica à orientação es pacia  pac iali liza zante nte da intelig inteligência ência que impediria impediria a apreenapreensão do real como duração duração uma uma clara clara deriva der iva de Bergson em direção ao irracionalismo. Ou seja, nesse movimento, o jovem aluno de ciências sociais acena silenciosamente para a escola francesa de sociologia e reivindica sua adesão a um racionalismo que pontua todos os textos do livro, e que para além da escolha teórica teó rica sanciona sanciona a adoção de um tom elev elevado ado no estilo como marca de competência, mas retendo a ambigüidade de filiação disciplinar na ausência de menção e de uso do aparato sociológico de crítica. Procedimento semelhante semelhante é us u sado no artigo de  junho de 1942 (número (número10 10 de C lima), “Introdução ao método crítico”, plataforma de trabalho ancorada na dupla recusa dos estilos científico e impressionista de crítica. Ao último, assimilado imediatamente à produção da geração modernista (cujo nome emblemáticoo é o de Mário de Andrade emblemátic Andrade,, citado citado como

 juízo. Q uanto ao primeiro,  juízo. primeiro, a suges ugestão tão é não mais mais de acúmulo, mas de ausência de subjetividade que dissolveria a obra ob ra ao reduzi-la redu zi-la à config con figuração uração social de origem. A solução, segundo o autor inspirada em H egel (que, de resto, é a referência teór teó r ica mais presente no livro) e em Sartre, consiste em encontrar o  ponto de vi vissta do autor autor para para,, pondopondo-sse assim na obra obra,, apreender seu movimento imanente e revelar sua essência – como a revelação da essência é tradicionalmente tarefa da filosofia, o novo método, que há de superar todos to dos os outros, out ros, é batizado de crítica filofilosófica. Claramente, tal construção teórica corresponde à necessidade de fundação de um novo lugar no campo intelectual, eqüidistante da cultura artísticoliterária dos criadores e da cultura científica da objetivação plena da obra; entre a herança crítica modernista e os limites do rigor acadêmico. Nesse sentido, o artigo de Ruy Ru y Coelho Co elho procura contribuir  contr ibuir   para rea realiz lizar ar o que enuncia, consol consolida idando ndo o projeto coletivo de que se fez porta-voz. A polivalência de Coelho (ao longo dos artigos o leitor encontra ainda textos sobre música, cinema, política) funciona então no registro da nãoespecialização adequada às formulações mais abrangentes, que no nível expressivo resolve-se no manejo de um efeito de erudição obtido por meio de recursos recurs os como como o controle con trole de uma linguagem estética inespecífica mas dúctil. Por exemplo, neste trecho que se refere a um romance: “A palheta do autor  acha-se singula singularr ment mentee enriqu en riquecida ecida nesta nesta obra. obr a. Aba Abanndonou o claro-escuro em que era mestre. Seu estilo se coloriu de várias cambiantes novas pela necesssidade de descrição ces descrição do mundo exterio exteriorr em seus aspectos pitorescos” (p. 56). Ou ainda no comentário sobre a relação entre música e pintura no filme Fantasia de Disney. A consideração da música brasileira revela outro mecanismo tendendo tend endo ao mesmo efeito, que consis co nsiste te em desqualificar esteticamente a tradição popular,

exemplo), Coelho reprova a excessiva projeção da interior inter ioridade idade do crítico, nublando a objetividade do

no texto intitula intitulado do “Uma “U ma voz na platéia”, platéia”, em cujo final o autor se escusa do petulante de sua atitude

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 pela intenção de interp interpretar retar os des desejos ejos da pla platéia téia – é sua a voz que fala em nome n ome dos que se calam. calam. Nou N ou-tro la lance, nce, sua sua voz volta-se à fustigaçã fustigaçãoo de outro o utro ícone da geração anterior, Oswald de Andrade, cujo romance O s condenados é impiedo impiedossamente desqual desqualifi ifi-cado, não sem algum espírito de cálculo, conforme deixa entrever no último ú ltimo parágrafo parágrafo do texto texto::“N ão se se doaa Os do O swald com as críticas, talvez severas severas em excesexc esso. Achei meu dever de moço exprimir a opinião sincera acerca desse livro livro de mo mocidade” cidade” (p. 81). Ou seja, o arsenal crítico do jovem que julga é comparativamente superior ao arsenal literário do  jovem  jov em criador criador objeto de sua crític crítica, a, o que antecipa antecipa a consagração daquele mediando-a com a posterior  consagração deste. Note-se que, nesse e nos outros escritos reunidos, Coelho faz uso de demonstrações explícitas de erudição como constantes remissões a uma ampla gama de autores consagrados e citações no original em diversas línguas, o que reforça a legitimação do que diz. Sem dúvida é a competência intelectual do autor que garante o êxito da empreitada. De fato, a revista serviu de veículo institucional de expressão  para os novos críticos críticos,, que por meio dela ingres ingresssam na crítica cultural em órgãos da grande imprensa, suscitam a admiração de nomes como Sérgio Milliet e Viniciu Viniciuss de Morais Mo rais,, e logram viabilizar suas carr carreieiras. Mas a ambivalência da posição construída fará com que sua estabilização dependa em maior ou menor grau do ingresso como professor na mesma universidade em que todos se conheceram como alun al unos, os, desl deslocando ocando para o interior inter ior do campo acadêmico o embate vivido anterior anter iormente, mente, mas ag agora ora sem a mesma mesma unidade. unidade. O fa fato to de R uy Coelho C oelho integrarintegr arse tardiamente à Faculdade de Filosofia, em 1953, após form formaçã açãoo como com o antropólogo antrop ólogo nos no s Es Estados tados Unidos, num período de oito anos que começa imediatamentee após o final da revis tament revista em 1945, ganh ganhaa nova luz diante da experiência do jovem curinga que o livro permite acompanhar.

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Sandra Jac Sandra Jacqueline queline Stoll, Stoll, Espiri Espiritismo tismo à brasile brasileiriraa. Sãoo Paulo Sã Paulo,, Edusp/Ori Edusp/Orion, on, 2004, 296 296 pp. Yvonne Maggie Professora titular de Antropologia da UFRJ 

u m fascinante fascinante reE sp spiirirititism smoà bra rasi sile leiracomeça com um lato da presença de Francisco Cândido Xavier, o famoso médium Chico Xavier, no programa Pinga Fogoo da TV Tupi em 1971, em um Fog u m ev evento ento inédito e ao vivo: a transmissão de uma sessão mediúnica. Coincidentemente, esse foi o mesmo ano em que o exu Seu Sete da Lira, Lira, incorpo incorporado rado na médium dona Cacilda, incendiou a cidade do Rio de Janeiro com sua aparição espetacular, também ao vivo, nos programas de Chacrinha e de Flávio Cavalcanti. O livro dedica-se a entender a reinterpretação que se fez no Brasil do espiritismo francês de Allan Kardec. Seus escritos, e os de outros autores euro peus espíritas espíritas na segunda metade do século XIX, venderam quase tantas cópias quanto A orig rige em das espécies de Darwin. Mas enquanto na Europa a doutrina de Allan Kardec minguou, no Brasil se manteve muito viva. Stoll aborda o espiritismo em terras brasileiras por  meio da análise da vida de Chico Xavier, falecido em 2002, e, como contraponto, do estudo da trajetória de outro seguidor do espiritismo de inspiração kardecista tupiniquim ainda atuante, Luiz Antonio Gaspareto. A autora argumenta que cada um desses dess es personagens incorpora incor pora uma u ma das duas verten verten-tes, ou versões, brasileiras da doutrina kardecista. De um lado, o santo que qu e se afas afasta ta do mun m undo do e que, como todos se lembram, era uma figura quase sem corpo apesar de sempre ter se apresentado com enorme cuidado pess pessoal, oal, com os cabelos bem pent penteados eados esescondendo a calvície. De outro, o santo que se imiscui nas coisas do mundo e se apresenta com beleza como que pós-moderna, com brincos na orelha e músculos à mostra. As fotos da edição cuidadosa mostram claramente esses dois tipos com caracterís-

 

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ticas físicas e representações corporais de santidade contrastantes. Segun Seg undo do Sa Sandra ndra Jacqueline Jacqueline Stoll, C hico Xavier  afastou-se do cientificismo da doutrina de Kardec ao se aproximar do catolicismo com seu “discurso das virtudes” e da noção de santidade cristã. Na argumentação da autora, essa transformação foi uma das razões do sucesso do espiritismo de inspiração kardecista no Brasil. A vida de Chico Xavier é um exemplo de vida monástica, pois o médium renunciou à sexualidade e aos bens materiais. Personificou assim um tipo ideal de espírita que representou esse ethos religi  religioso oso.. C hico Xavier gozou de enor en orme me fama nacional e não há cidadão brasileiro que não se lembre de sua figura emblemática. Psicografava cartas de vítimas de assassinatos, peças que foram incorporadas a processos criminais. Também psicografou poemas de Augusto dos Anjos e Alphonsus de Guimaraens (alguns reproduzidos no livro), entre outros, e escritos de Humberto de Campos, a  pontoo de sua viúva ter movido um proces  pont processso por   plágio  plá gio contra o médium e a Federa Federação ção Es Espírita. pírita. U m amigo meu, poeta e descendente de um dos escritores psicografados por Chico Xavier, comentou laconicamente: “Se é verdade que os poetas depois da morte continuaram fazendo poesia, eles pioraram muito!”. A crítica a essa versão de santidade é construída  por meio da fi figura gura contrár contrária ia de Gas Gaspareto pareto.. Vis Visto to comoo dissiden com dissidente te pelos p elos seguid seguidore oress de All Allan an Kardec, o médium médiu m pinta pinta quadros qu adros em sessões sessões alucinadas alucinadas nas quais incorpora incor pora Picasso, Picasso, Mo Monet net e Tou Toulouse-Lautrec, louse-Lautrec, entre outros ou tros tantos. (N (Não ão há notícia no tícia de processo processo de plágio nesse caso!) Uma dessas sessões, na qual ToulouseLautrec assino assinouu as telas telas,, foi foi tran transsmitid mitidaa pela T V CulC ultura em 1990. Gaspareto, segunda a autora, faz uma nova síntese na qual entram elementos do espiritismo, do “n “neoeo-es esoter oteris ismo” mo” ou da “n “nova ova era”, era”, e de práticas de auto-ajuda. Chico Xavier representou, assim, a versão do renunciante, enquanto Gaspareto expressa a versão

do bon vi vivant ou, na interpretação de Stoll, se “[...] aproxima da teodicéia da boa fortuna”, no sentido weberiano. weber iano. O prim primeiro eiro prega p regava va o asceticis asceticismo, mo, o segundoo defende gund d efende a “ét “ética ica da prosperidade”. Ainda Ainda segundo a autora, ser espírita para Chico Xavier re presentav  pres entavaa o sofrimento, o sac acrifíci rifício, o, a renúncia renún cia,, a  pobreza e a caridade. Para Para Gas Gaspareto pareto,, representa representa a felicidade, o prazer pr azer,, a auto auto-- realização realização,, a prosper prosperidade idade e a auto-ajuda. O livro termina sugerindo que esses dois“[...] modelos mo delos éticos convivem convivem no n o conte co ntexto xto es es- pírita tens tensionandoionando-sse mutuamente, sem que, contudo, seja possível prever o desenlace”. Independ Ind ependente entement mentee dos poss possíveis íveisru rumos mos futu futuros ros dessa tensão no espiritismo brasileiro, a leitura do livro de Sandra Sand ra Jacque Jacqueline line Stoll suscita suscita questões qu estões ainda mais difíceis de serem respondidas. Não fica claro,  por exemplo, exemplo, por que Kar Kardec, dec, tão popular na França do século XIX, mas que certamente não revolucionou o mundo mun do europeu como o fe fezz Darwin, tev tevee tanto sucess ucessoo aqui. Diferentemente Diferentemen te da Europa, Euro pa, os espíespíritos e os espíritas foram centrais na vida brasileira,  pelo menos até bem recentement recentemente. e. H oje em em dia seu lugar no espaço público, sobretudo a televisão, parece ter sido tomado tom ado pelo seu inimigo mor m ortal, tal, as igre jass neo-pentecosta  ja neo- pentecostais is,, que no seu afã de pregar pregar uma teologia teo logia da prosper prosperidade idade procuram procu ram relegar os espíriespíritos ao s  sttatus de emissários emissários do demôn dem ônio. io.

CalebFaria FariaAlves, Alves, Benedit Beneditoo Calix Calixto to e a construçãoo do ima çã i magg inári inárioo republicano republicano. Bauru, Edusc, 2003, 344 pp. Ferdinando Martins  Doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo

Em artes plásticas, a expressão ju  jusst milieu é utilizada  para fa fazer zer ref referência erência aos pintores pinto res que qu e fi ficara caram m no meio do caminho entre as manifestações acadêmicas do século XIX (do neoclássico às vertentes do impressionismo) e as vanguardas do início do séjunho

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culo XX. Entende-se que o que caracteriza a produção desses artistas é um certo descolamento das discussões em torno do fazer artístico da “arte pela arte”, o qual, por sua vez, teria engendrado debates no campo cultural, cu ltural, poss possibili ibilitando tando as asssim o surg urgiment imentoo da crítica de arte como co mo a conhecemos conh ecemos hoje, mas mas sem sem fazer eclodir, no entanto, qualquer reação suficientemente febril e virulenta virulenta para romper com a traditradição. C omo tod todaa definição, definição, a express expressão pode pod e tor to r narse um luga lugarr-comum comum ou o u um u m conceito gua guarda-chuva rda-chuva,, capaz de abrigar generalizações que não dão conta das particularidades de cada caso. O li livro vro B enedi dito to Ca C alilixxto ea constr nstruç uçãodoimagi ginánáriorepubliliccano, de Caleb C aleb Faria Far ia Alv Alves, es, vem justament ju stamentee tratar da singularidade singularidade de d e um artista que é, tradicionalmente, arrolado na “longa lista de pintores englobados gl obados pelo pelo term termoo ju  jusst milieu” (p. 277). Para tanto, tan to, o autor veste-se de uma armadura conceitual extraída da sociologia francesa, fortalecida com contribuições vindas da fotografia, da arquitetura, do urbanismo, da etnologia, da ciência política e da história intelectual. Alves arregimenta conhecimentos diversos, costurando-os com o que Maria Arminda do Nascimento Arruda chama, no prefácio da obra, de “fina artesania” (p. 17). O resultado não poderia ser menos denso. Mesmo operando o perando com um u m recorte recor te específico, específico, o livro livro traça um panorama panor ama das das mudanças ocorridas ocor ridas no campo das artes plásticas no Brasil entre a Proclamação da República e a Semana de Arte Moderna de 1922, datas que con contemplam templam as transfor transformações mações verificadas verificadas desde a débaclêda Academ Academia ia Imper Impe r ial de BelasArt Artes, es, que com a República passa a ser chamada de Escola  Naci  N acional onal de Bel Belas as Artes Artes,, até o evento evento no Teatr eatroo Municipal de São Paulo, que alinhou as aspirações de certos artistas da vanguarda brasileira com os eflúvios modernistas moder nistas que emanav emanavam am da Europa. Europ a. Acompanhando Acompa nhando a trajetór trajetória ia do pintor e historiadorr sant do santista ista Bene Benedito dito C alixto, C aleb Faria Alv Alves es revê a concepção existente de que a arte, nesse período, caracteriza-se por uma um a continuaçã continu açãoo do academismo

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nos mesmos moldes do ensino e nsino ministrado na n a AcadeAcademia Imperial. O autor analisa como, nessa ocasião, a cidade de São Paulo se consolida como um dos  principais mercados mercados nacionais nacionais de obras obr as de arte, ao ao mesmo mes mo tempo tem po em que qu e ocorrem ocor rem mudanças com relação aos temas, à formação dos artistas, às fontes de financiamen financia mento to e às maneiras de apreciar apreciar e consumir  co nsumir  a produção artística. Nesse sentido, o pesquisador  volta-se contra autores que afirm afirmam am que a RepúbliRepú blica no Brasil Brasil não produziu uma u ma estética estética própr próp r ia nem  buscou  bus cou redefinir redefinir politic politicamente amente o uso uso da já exis existente. tente. Para Alves, a criação do Museu Paulista erige-se como marco fundante das mudanças acima elencadas, caudatárias em larga medida das proposições gerais do positivismo: “A República estava sendo construída a partir do receituário positivista. Calixto [...] conhecia as máximas positivistas e procurou propagandeá-las” (p. 295). Mesmo admitindo que na época a sociedade brasileira ainda não tivesse atingido o seu grau máximo de evolução, Calixto concebe o vitral do Palácio Palácio da d a Bolsa Bolsa de Caf C aféé em Sa Santo ntoss como um libelo progressis progressista ta que traduz a esperança em um um  país  pa ís que caminha caminha a pa passsos la largos rgos para a sociedade sociedade da ordem almejada por Comte. Esse vitral é o último trabalho de fôlego empreendido pelo artista. Até chegar a ele, Caleb Faria Alves traça um percurso que vai do início da trajetória do pintor santista na carreira artística até o reconhecimento entre seus  pares na fas fase madura. O capítulo 1, “I “Ingress ngressando ando na n a carreira artística”, artística”, traz uma reconstrução minuciosa da biografia do  pintor, rela relatando tando as mudança mudançass no cenário paulista, paulista, a falta de capital cultural e social de Calixto e as flutuações do artista diante dos diferentes tempos do modernismo em São Paulo. Sua origem poderia relegá-- lo a simplesilus relegá ilustrador trador ou ou,, quando muito, a artesão, tesã o, por porém ém o li livro vro nos no s mostra mostra como com o a proximidade com os o s clubes clubes dramáticos faz com que q ue o pinto pintorr seja reconhecido reconh ecido pela p ela sociedade sociedade santista, santista, o que qu e lhe aufere certo grau de dis distinção tinção que q ue poss p ossibilita ibilita sua sua vinda para São Paulo. Além disso, pequenos trabalhos propa-

 

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gandísticos fazem gandísticos fazem com co m que qu e o artista se se aproxime de comerciantes come rciantes e políticos de Santos, o que qu e lhe garante um aume aument ntoo de d e capital social. social. Caleb Faria Alves Alves distancia-se o suficiente para perceber as es estratégias tratégias e os cálculos empreendidos por Calixto. Em São Paulo, ele se se aproxima de Grimm Gr imm e do d o des d esaf afio io da pintura pint ura ao ar livre.A ousadia lhe confere con fere uma um a aura vangu vanguardista ardista e lhe rende ren de o prêmio de viajar viajar à França nos inícios da década de 1880. O capítulo 2,“U m caiçara caiçara em Paris”, é um pou pou-co problemático. O autor busca mostrar como o  pintor ref refleti letiuu o apre aprendiza ndizado do rea realiz lizado ado na França França,, mas parece que o ano passado na Academie Julian foi em vão. Em vez disso, Caleb Faria Alves atribui um peso muito maior à movimentação interna da Academia, Aca demia, em especial especial ao ao debate em tor torno no de Manet e Courbet. Aqui caberia uma análise mais apurada dos quadros. Mais adiante, no capítulo 3, o autor  destaca o abandono do f  fin ini  i  como  como es estratégia tratégia de oposição ao ensino acadêmico. Esse procedimento, no entanto, deve ter sido aprendido por Calixto na sua  passsag  pas agem em pela França França,, uma vez vez que é traço traço distintidistintivo da pintura pintu ra de Manet M anet e de d e outros ou tros impressionistas impressionistas.. O pesquis pesquisador ador af afirm irma, a, tod todav avia, ia, que “não “n ão fazia sent sentiido ser mandado diretamente à Europa por um barão do café, partindo do Estado berço do partido republicano, para seguir exatamente os mesmos passos dos agraciados com as bolsas de estudo concedidas pelo Governo Imperial; não fazia sentido, tam pouco, se se fi filia liarr a uma es escola cola em fra franca nca opos o posiçã içãoo à república burguesa, sendo ele mesmo um prote protegido gido da burguesia paulista ascendente” (p. 122). Nesse momento, a obra centra-se no fato de Calixto ter  sido financiado por po r barões barõe s do café café e deixa de ixa de lado lado a movimentação movimen tação interna inter na do campo das d as artes plásticas plásticas,, cujas mudanças nem sempre acompanham a con juntura político-eco político-econômica. nômica. O capítulo care carece, ce, ai ainnda, de uma definição mais precisa do naturalismo, sem a qual é impossível depreender algum significado sociológico para os termos “acadêmico”, “romântico”” e “realista”. mântico “realista”.

 N o capítulo  No capítulo 3,“As fi fisssuras da Ac Academia ademia”, ”, Al Alves ves  polariza  pola riza a dis discus cusssão em torno das fi figuras guras emblemá emblemá-ticas de Pedro Américo Amér ico e Victor Victor Meirelles Meirelles.. A polarização é um procedimento válido como recurso explicativo, explicativ o, mas mas não reflete a complexidade com plexidade do momento his histór tórico ico e muito mu ito menos m enos as rel relações ações inter internas nas do campo das artes plásticas. Por essa razão, o autor  lança mão de outros temas que relativizam a discussão. sã o. Em es e special, trata da posição da pintu pin tura ra de pais p aisaagem na hierarquia h ierarquia acadêmica, acadêmica, da emergência emergên cia de um imaginário que valora positivamente as figuras do caipira e do caiçara, do gosto burguês bu rguês pela cópia e da consolidação de São Paulo como pólo artístico da R epública, em oposiçã o posiçãoo à centrali cent ralidade dade do R io de Janeiro durante du rante o Impér Império. io. Al Além ém disso, disso, o texto tex to traz t raz ricas análises de quadros como I ndependênciaou mort orte e, de Pedro Américo, e I nundaçãoda várz várze ea do C armo, do próprio própr io Calixto. Calixto.  Noo quarto e último  N último capítul capítulo, o, a dis discus cusssão volta volta-se -se  para  pa ra as“Imag “Imagens ens da tra trans nsfformaçã ormação”, o”, quando Cali Calixto, xto,  já pintor maduro, desempenh desempenhaa um u m papel ativ ativoo na consolidação de um ideal republicano que inventa uma tradição t radição para o Bras Brasil il a partir do Es Estado tado de São Paulo. É nessa fase que o pintor volta para as marinhas nh as e, na pintu pin tura ra histór ica, ganh ganhaa relevância a paisa paisa-gem da Serra Serr a do Mar. M ar.Seus trabalhos trabalhos adquirem maior  m aior  complexidade e va valor, lor, o que qu e C aleb Faria Alv Alves es atri bui a um u m nov n ovoo es estatuto tatuto do moder moderno no cara caracterís cterístico tico das primeiras décadas do século XX. O colecionismo e a gestão gestão de Ta Taun unay ay no Mu Musseu Paulista Paulista são são determinantes para novas abordagens da história do Brasil, Bras il, e C al alixto ixto subm ubmete ete seu trabalho artís ar tístico tico a suas suas  pesquis  pes quisas ascomo his historiador toriador.. N o entanto, entanto, os nov novos os há bitos vis visuai uaiss que já cheg chegaava vam m ao Bra Brassil il,, em es especi pecial al os decorrentes da pintura impressionista, relegam o artista a uma posição posição menos meno s no nobre bre no campo camp o cultural. cultu ral. É em função desse desse desvio – a perda perd a de prestígio no inter interior ior do campo das artes artes plásticas plásticas – que qu e Cal C aleb eb Faria Alv Alves es constrói sua tese: tese: o mér m érito ito do d o autor aut or es está tá em mostrar as contradições internas do campo, ao mesmo tempo em que relativiza essa movimenta-

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ção em função da conjuntura político-econômica. O autor destaca que, mais do que um ideal republicano, Calixto tem uma maneira paulista de ver o Brasil, Bras il, e os desdobramento desdobramen toss dess dessee ato fundador fun dador marcam grande parte da discussão sobre as artes plásticas no país durante o século XX.

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