Resenha de F. Weffort-O populismo na política brasileira

July 3, 2018 | Author: Fábio Wanderley Reis | Category: Sociology, Populism, State (Polity), Brazil, Politics
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Resenha de Francisco Weffort, O Populismo na Política Brasileira, Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1978, publicada em  IstoÉ , Ano 2, Número 83, 26 de julho 1978, pp. 61-62

Quando as massas se prestam à manipulação Fábio Wanderley Reis Uma boa notícia para os estudiosos da política brasileira, a da  publicação deste volume volume de Francisco Weffort. Estão aí reunidos, nas duas duas  partes em que se divide o livro, livro, três artigos publicados em meados meados da década de 1960 (“Política e Massas”, “Estado e Massas no Brasil” e “O Populismo na Política Brasileira”) e quatro capítulos até agora inéditos da tese de doutorado do autor, de 1968. Além disso, fecha o volume a crítica por ele dirigida, em 1970, à chamada “teoria da dependência”. A não ser por este último trabalho, que tem pouco a ver diretamente com os demais, o conjunto compõe um volume orgânico, já que os capítulos da segunda parte retomam e expandem a discussão dos problemas tratados nos artigos da primeira parte. Todos se ocupam, em síntese, da emergência das classes populares no país, das ambiguidades de sua incorporação à cena política e dos movimentos e governos populistas como “talvez sua forma mais completa de expressão”. Weffort parte da concepção do que chama de “sistema populista”, caracterizado por uma série de aspectos assim resumidos: “Estrutura institucional de tipo autoritário e semicorporativo, orientação política de tendência nacionalista, antiliberal e anti-oligárquica; orientação econômica de tendência nacionalista e industrialista; composição social policlassista mas com apoio majoritário das classes populares”. A caracterização do papel destas últimas no sistema envolve a ênfase em que são objeto de manipulação “de cima”, ou seja, por parte de partidos e lideranças das classes superiores, “que previamente controlam as funções do governo”, mas destaca também o fato de que sua emergência representa r epresenta pressão vinda “de baixo” e importa em algum grau de efetiva incorporação socioeconômica e política. A  peculiaridade do populismo populismo é vista em que “ele surge como como forma de 1

dominação nas condições de ‘vazio político’, em que nenhuma classe tem a hegemonia”, vazio este que resulta da crise da hegemonia oligárquica que caracteriza as fases “tradicionais” da vida política brasileira. Nessas condições, em que um amplo e instável compromisso entre os grupos dominantes se impõe, “presidido pelo fortalecimento político do Executivo e do poder econômico e administrativo do Estado”, o apelo às massas populares  produzidas pelo processo de urbanização e industrialização industrialização fornece o fundamento precário à legitimidade do Estado. A principal questão a que as análises se dirigem tem a ver com as razões  pelas quais as classes populares se comportam comportam como “massas” e se prestam à manipulação, que viabiliza e define mesmo o sistema. Na tentativa de responder à indagação, Weffort empreende a crítica das concepções que  percebem apenas de maneira negativa negativa certas características das classes  populares (“origem agrária recente”, “ausência “ausência de consciência de classe”, classe”, “inexperiência política”), avalia a contribuição das teorias da mobilização social, extraindo o que lhe parece ser sua aportação válida, e trata, finalmente, de dar o devido relevo aos “fundamentais e decisivos aspectos históricos e estruturais” envolvidos na formação das classes populares. Aqui, a proposição fundamental do autor destaca a heterogeneidade das classes populares e a multiplicação das vias de mobilidade e ascensão social que se ligam ao desenvolvimento urbano e industrial, o que facilitaria a orientação para o êxito individual, desestimulando as lealdades de classe e conduzindo “ao desinteresse da classe pela revolução social”. Do ponto de vista subjetivo, salienta-se que “na adesão das massas ao populismo tende necessariamente a obscurecer-se a divisão real da sociedade em classes com interesses sociais conflitantes e a estabelecer-se a idéia do povo (ou da nação) entendido como uma comunidade de interesses solidários”. Essas perspectivas são contrapostas às “hipóteses de corte funcionalista”, isto é, as das teorias da mobilização social, vistas como propensas a destacar as características negativas acima mencionadas. Dois principais aspectos positivos merecem destaque na contribuição representada pelo tratamento pioneiro que dá Weffort a tais problemas. O  primeiro corresponde à ênfase, quanto à emergência política dos dos setores 2

 populares, no aspecto de pressão social que vem “de baixo”. baixo”. Neste momento em que se tornaram moda às “pós-dições” com respeito à história brasileira que só enxergam o Estado, é importante, além de correto, ressaltar que “a emergência política popular não constitui simples elemento dependente das vicissitudes por que passa o Estado”, bem como o que Celso Furtado chamou a “dialética do populismo”, em que corporativismo e manipulação terminam  por produzir envolvimento envolvimento e consciência política crescentes. crescentes. O outro aspecto tem a ver com um ponto importante da crítica às teorias da mobilização social: aquele em que Weffort aponta nos processos ecológicos e estruturais destacados por essa noção uma condição de possibilidade para que as massas se transformem em populações urbanas disponíveis para algum tipo de  participação política que que implique opção por parte parte dos indivíduos, distinguindo tais processos, no entanto, das formas concretas ou do conteúdo mesmo assumido pela participação – conteúdo este que teria uma forma  possível na que se dá com o populismo. Isso redunda em apropriada apropriada correção da tendência a se atribuir uma direção unívoca, no plano das disposições e do comportamento resultantes, aos processos complexos e multidimensionais que a noção de mobilização social procura apreender. Muito depende das “agências” específicas de “socialização” que as massas deslocadas irão encontrar no ambiente urbano. Para prover rápida ilustração, alguns dados relativos a Minas Gerais indicam que a inserção em redes de relações clientelísticas, que se deslocam como tais para os centros urbanos, pode representar uma forma de se garantir a orientação tradicionalista e conservadora da participação política de certos setores, da qual está ausente mesmo o elemento de ambiguidade característico da participação populista. É duvidoso, porém, que Weffort tenha êxito em apreender os fatores que efetivamente explicam o conteúdo específico da participação das classes  populares sob o populismo. populismo. Ele chama a atenção, a certa altura, altura, para o fato de que não se pode pretender fundar a peculiaridade do populismo no reconhecimento da hegemonia das classes dominantes por parte das classes  populares, pois isso “está presente presente em todas as linhas ‘reformistas’ do movimento popular”. Pergunta-se: será possível distinguir entre o populismo e casos diversos de reformismo por referência aos mecanismos de ascensão social, à heterogeneidade das classes populares e à orientação para o êxito 3

individual? Não faltarão precisamente alguns dos fatores que Weffort trata de descartar, como os que têm a ver com as origens rurais recentes das classes  populares urbanas e a permanência permanência de atitudes tradicionais tradicionais e de hábitos de deferência? O argumento de Weffort de que a migração se faz  step by step e de que parte das massas urbanas não provém diretamente do campo será realmente relevante, tendo em vista a atmosfera que impregna as pequenas cidades brasileiras, de onde seus próprios dados mostram originarem-se  parcelas substanciais dos migrantes migrantes dos grandes centros? As proposições proposições através das quais Weffort procura explicar as questões a que se dirige soam com frequência antes como reiteração dos problemas a serem explicados: dizer, num contexto em que se trata de explicar a ocorrência da “participação sob manipulação populista”, o que se transcreveu acima a respeito do “obscurecimento da divisão real da sociedade em classes com interesses conflitantes” é expor-se à objeção óbvia de que a classe “para si”, consciente dos seus interesses, não é algo dado ou necessariamente “real”, mas antes algo que pode alcançar-se ou não, e o esclarecimento das próprias condições para a emergência subjetiva das “classes populares” é fundamental para a explicação do populismo tal como definido. Para concluir, uma observação que cabe fazer mesmo no curto espaço de que dispomos, pois se refere r efere a um vezo bastante difundido: a disposição já meio velha de se xingar de “funcionalista” qualquer posição que se critique, desdenhando-se o fato de que há muito mais nas ciências sociais contemporâneas do que a oposição entre funcionalismo e marxismo. O que é que justifica pretender que as proposições tomadas à teoria da mobilização social são “de corte funcionalista”, enquanto se reivindica para as que  permitem falar de fatores de mobilidade mobilidade e ascensão social o caráter de “histórico-estruturais”? O “funcionalismo” supostamente presente nas  primeiras estará aquém daquilo que levaria por coerência a dizer que que Marx, além de marxista com reservas, era também funcionalista?

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