RESENHA-BULL Hedlet A Sociedade Anárquica

May 16, 2018 | Author: Karina E Timm Martins | Category: International Law, State (Polity), Power (Social And Political), Diplomacy, Law Of Obligations
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RESENHA: BULL, Hedlet. A Sociedade  An  A nárquica

BULL, Hedlet. A Sociedade Anárquica: um estudo da ordem na política mundial. Brasília: Editora UnB, IPRI; São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2002, Capítulos, IV, V,VI, VII, VIII e IX.  por: Marcelle Araujo

Em A Sociedade Anárquica, Hedley Bull lança uma questão abrangente sobre a natureza da ordem na política internacional. Mais especificamente, especificamente, o autor lida com três questões fundamentais: fundamentais: o que é a ordem internacional, como ela é mantida no atual sistema de estados soberanos, e se esse sistema ainda provê um caminho para a ordem mundial.

Bull define a ordem internacional como “um padrão de atividade que sustenta os objetivos elementares ou primários da sociedade dos estados, ou sociedade internacional” (p. 13). Partindo dessa definição, o autor passa a descrever quais são esses objetivos e a diferenciar sistema e sociedade de estados. Para Bull a ordem não é simplesmente uma aspiração para o futuro, mas algo que tem existido historicamente. Os estados modernos constituíram e continuam a constituir não apenas um sistema, mas uma sociedade de estados. Para lastrear essas proposições Bull contesta o argumento hobbesiano – ao mesmo tempo em que  vale dele, como como ver-se-á a seguir seguir - segundo o qual os homens não são são capazes de de constituir uma uma sociedade no estado de natureza e, portanto, também não o são os estados. Segundo Bull há nas relações internacionais i nternacionais uma ordem oposta à desordem e com intensidade variável; contudo não é o único nem supremo valor na política internacional (p.89). A ordem pode ser inconstante, mas sustenta a manutenção da organização mundial em forma de sistema internacional; a garantia da soberania externa dos Estados; a transformação da paz em norma afastando a guerra do cotidiano; a limitação da violência dentro dos princípios de monopólio legítimo estatal, diplomacia, pacta sunt servanda e a guerra justa (p.23-26). Resgatando Hobbes, Bull destaca a existência de um sistema internacional caracterizado caracterizado pelo suficiente impacto e contato entre os Estados (guerra e comércio) que se conduzem como partes de um todo (p.15). Noutro estágio, a consciência de interesses, valores, regras e instituições comuns (direito e organização internacionais, diplomacia, a guerra, o papel das grandes potências) caracteriza a emergência de uma sociedade internacional (p.19; 33).

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 A análise de Bull favorece a conciliação de dois conceitos tradicionalmente excludentes: sociedade e anarquia. A primeira pressupõe o compartilhamento de valores e regras e isso não significa uma negação da anarquia, em especial dentro da argumentação hobesseana de “estado de guerra” (p.59). Assim, para Bull o sistema internacional é uma mistura das duas coisas. Boa parte da obra dedica-se a discutir como a ordem internacional é mantida. Assim, Bull analisa como as regras (que podem ser de direito internacional, de caráter moral; constituir um costume ou prática reiterada – p. 81) e instituições “exercem funções ou desempenham papéis positivos com relação à ordem internacional” (p.89).  Apesar da ausência de uma autoridade central, na arena internacional os Estados exibem certos padrões de comportamento que estão sujeito a, e constituídos por restrições legais e morais. Assim, as relações internacionais não podem ser entendidas apenas a partir de manifestações de política de poder. Existe uma sociedade internacional 1, que surge quando os Estados, conscientes de interesses comuns, se consideram ligados a um conjunto de regras no seu inter-relacionamento, tais como respeito à independência de cada um, aos acordos firmados, e à limitação do uso recíproco da força. Além disso, cooperam para o funcionamento de institutos, como o direito internacional (DI), a diplomacia, os costumes e convenções de guerra, essenciais à ordem internacional. Dessa forma, as relações internacionais se apresentam como uma arena social na qual os Estados soberanos se relacionam não apenas por poder e riqueza, mas também como detentores de direitos, autoridade e obrigações 2.

“nos assuntos internacionais há tanto cooperação quanto conflito; existe um sistema diplomático e o direito internacional e instituições internacionais que complicam ou modificam o andamento da política do poder; e existem até regras para limitar as guerras, que não deixam de ter influência”  3 E a prova mais substancial quanto à existência de uma sociedade internacional seria a existência do direito internacional 4. Isso porque toda sociedade possui o direito e este é uma ordem social na medida em que  busca obter determinada conduta daqueles a que lhe estão submetidos, fazendo com que se omita certas ações consideradas socialmente prejudiciais 5. No entanto, os que negam a sociedade internacional começam a fazê-lo pela negação do direito internacional, afirmando que o mesmo não constitui verdadeiro direito, que é algo abstrato, ignorado na prática pelos Estados 6. Só que para demonstrar a eficácia do direito internacional não é preciso verificar a ausência de desrespeito às regras. Em qualquer sistema jurídico existem exemplos de violação à norma.  Até porque se houvesse total conformidade entre a conduta real e a prescrita, essas regras seriam desnecessárias 7. Outro argumento utilizado para questionar a eficácia do direito internacional é a de que o respeito à lei não é o motivo determinante para que os Estados observem as normas, e que só o fazem quando estas coincidem com seus próprios interesses. Entretanto, esse argumento é falho. A importância do direito

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internacional está não na disposição dos Estados em seguir tais princípios em detrimento de seus interesses, mas no fato que eles freqüentemente consideram como de seu interesse se comportar de acordo com as normas internacionais. 8  Além disso, conforme enuncia Nguyen Quoc Dinh,

“direito internacional existe porque os Estados, os homens polít icos, os movimentos de opinião, as organizações internacionais, governamentais ou não, o reconhecem e o invocam, e porque seria totalmente inverossímil que tanta gente consagrasse tanto tempo, energia, inteligência e, às vezes, dinheiro, para perseguir uma quimera.” 9  A melhor prova de que o direito internacional existe é o reconhecimento que os próprios Estados lhe conferem. É o que se depreende do preâmbulo da Carta da ONU, segundo a qual “ os povos das Nações Unidas” decidem “estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes de direito internacional possam ser mantidos ” 10.

O direito internacional desempenha três funções com relação à ordem internacional. A primeira é identificar a sociedade de Estados soberanos como princípio normativo supremo da organização da política mundial. Em segundo lugar, exprime regras elementares de coexistência dos Estados e de outros atores da sociedade internacional, que dizem respeito a três áreas: à limitação da violência, aos acordos entre os atores e à soberania e independência dos Estados. Por fim, mobiliza a aceitação das regras da sociedade internacional, relacionadas à já mencionada coexistência, à cooperação dentre outras. Se os Estados procuram em certa medida adequar o seu comportamento às normas prescritas, não menos verdade é o fato de que o respeito às normas não constituem razão suficiente para essa conformidade. Assim, imposição de restrições de conduta aos Estados não é a principal contribuição do direito internacional para a ordem internacional. Existe, sim, um certo respeito pelas obrigações legais e um receio de se adquirir uma reputação de não respeitá-las, e quanto à maioria dos acordos, consideram cumpri-los como de seu interesse. No entanto, a observância do direito internacional se deve fundamentalmente a fatores que independem de obrigações legais, como o interesse recíproco, aceitação pelas partes dos valores e objetivos subjacentes a essa concordância, a coerção por um poder superior. Assim, há limitações, não sendo o direito internacional per se suficiente para instituir a ordem internacional 11 . Com o fim da Segunda Guerra Mundial, houve uma mudança na abrangência do direito internacional. É cada vez maior o número de normas desse direito que procuram abordar temas econômicos, sociais, ambientais, de comunicações, o que representa um fortalecimento da contribuição do direito à ordem internacional, já que fornece um novo meio de tratar as novas ameaças a essa ordem. A crescente interdependência que acarreta o impacto recíproco da política dos Estados em tais campos é fonte de conflitos e desordem que podem ser contidos por normas internacionais. E se o direito não reagisse a isso, maiores seriam as ameaças à ordem internacional. 12

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Essas premissas encontram certa aplicabilidade prática. Se pensarmos, por exemplo, no comércio internacional, o mercado e a competição podem ser vistos como uma luta de todos por todos, mas também como uma luta de todos contra todos. Para evitar o enfrentamento bélico enquanto resultado de uma competição power-oriented, o conflito e a cooperação no mercado mundial requererem uma dimensão  jurídica. A Organização Mundial de Comércio (OMC) criou essa moldura jurídica, concebendo essa relação de conflito e cooperação como um jogo regido por normas, as quais foram acordadas e compartilhadas por todos que dele participam 13. Por outro lado, as normas não são interpretadas de forma unívoca ou inequívoca. No processo de subsunção pode haver mais de uma forma de avaliar o direito, o fato, e a relação entre os dois. Dessa forma, os Estados têm entendimentos diversos quanto ao escopo e aplicação das normas de Direito Internacional, buscando, quando lhes convém, agir unilateralmente no processo de qualificação jurídica de modo a legitimar a sua conduta e os seus interesses. 14 E justamente para evitar o unilateralismo político na interpretação e conter a auto-ajuda na aplicação de retaliações comerciais é que um sistema de solução de controvérsias foi criado. Se de alguma forma o direito internacional contribui para a ordem, então as normas de solução de controvérsias, ao prever procedimentos que expõe as disputas em curso, criam uma motivação para o acordo entre os membros ou para o cumprimento das decisões aprovadas pelo Órgão de Solução de Controvérsias, gerando segurança e previsibilidade. Assim, o  viés diplomático supostamente dominante na OMC convive com a crescente legalidade dos procedimentos: o jurídico e o político coexistem.  Além do DI, a guerra é tratada por Bull uma instituição da sociedade internacional, sendo entendida como a violência organizada entre estados soberanos. Para o autor, as funções da guerra em relação à ordem internacional podem ser consideradas a partir de três perspectivas: (i) a do estado, para o qual a guerra é um instrumento da política, utilizado para alcançar os objetivos do estado; (ii) a do sistema internacional, pois a guerra é [não só, mas também] determinante da forma a ser assumida por esse sistema em qualquer época, na medida em que estabelece quais os estados sobrevivem e quais são eliminados, seu crescimento e declínio, alteração de fronteiras, etc.; (iii) a da sociedade internacional, sendo a guerra, de um lado, manifestação da desordem nesta sociedade, uma ameaça à existência da mesma; e, de outro, mecanismo para alcançar outros objetivos internacionais, como o equilíbrio de poder, fazer cumprir o direito internacional, promover alterações justas na lei – aqui a guerra assume um papel positivo na manutenção da ordem internacional. Não obstante, em qualquer conflito que se denomine guerra, existem normas ou regras, legais ou não, que desempenham certo papel. Admitir o contrário, isto é, que os estados tem o direito de deflagrar uma guerra pelo motivo que bem entenderem, sem limites, implicaria negar o fato de os mesmo serem regidos por regras e instituições comuns. Dessa forma, a sociedade internacional procurou restringir de quatro modos o direito de fazer a guerra: (i) a guerra só pode ser levada a cabo por estados soberanos; (ii) regras

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tradicionais impõem limitações ao modo como a guerra pode ser conduzida – i.e., o Direito Humanitário; (iii) restrição dos limites geográficos das hostilidades pelas leis de neutralidade; (iv) apenas uma causa  justa e aquelas preconizadas por instrumentos legais – como a Carta das Nações Unidas – constituem razões legítimas para se recorrer à guerra. No entanto, Bull destaca que a guerra praticada por outras unidades política, que não o estado, ampliou-se: “facções civis emergiram como atores mundiais violentos, desafiando o monopólio internacional da violência há muito pretendido pelos estados soberanos, e  violando as regras aplicadas aos Estados” (p.227). Pense -se, assim, no caso do terrorismo internacional. É certo que o terrorismo apresenta-se como uma antítese dos direitos humanos. Ataques deliberados a civis inocentes impedem a fruição de prerrogativas elementares atinentes à pessoa. Nos termos do artigo 17 da Declaração de Viena de 1993, os atos terrorismo, em todas as suas formas e manifestações, “visam destruição dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia e que ameaçam a integridade territorial e a segurança dos países, desestabilizando Governos legitimamente constituídos”. Todavia, em nome da guerra contra o terrorismo tem sido implementadas medidas – pelos estados, diga-se - que violam princípios básicos de direito internacional dos direitos humanos e do direito humanitário, como se tais normas representassem obstáculos para o efetivo combate ao terrorismo. É bem verdade não se trata de uma guerra em sentido clássico, isto é, um embate entre dois Estados disciplinado por regras, com tribunais para julgar crimes de guerra. Terroristas não têm essa ética. No entanto, o combate ao terrorismo não deve servir para a implementação de um estado de necessidade a legitimar violações sistemáticas ao direito internacional. Deve-se reafirmar a legalidade do Estado em oposição à ilegalidade do terrorismo. Também tidas por Bull enquanto instituição da sociedade internacional, as grandes potências, que em certa medida impõem as diretrizes a nortear as relações internacionais, exercem um papel positivo sobre a ordem internacional. Segundo o autor, ao se falar em grandes potências infere-se, em primeiro lugar, a existência de duas ou mais potências de status comparável (p. 229); em segundo lugar, a ocupação por essas potências do primeiro plano em termos de poder militar, não havendo outra categoria de países poderosos que lhe seja superior (p. 230); e em terceiro lugar, gozam de direitos e possuem obrigações especiais concebidos por seus povos e por sua liderança, que são reconhecidos pelos outros estados (p. 231).  A contribuição das grandes potências para a ordem internacional deriva da desigualdade de poder entre os estados que participam do sistema internacional. “A desigualdade dos estados em termos de poder tem o efeito de simplificar o padrão das relações internacionais, garantindo que a opinião de certos estados prevaleça sobre a de outros e que determinados conflitos constituirão a temática fundamental da política internacional, enquanto outros serão marginalizados” (p. 236). De um lado, as grandes p otências administram suas relações bilaterais de acordo com os interesses da ordem internacional quando buscam

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preservar o equilíbrio geral de poder; quando agem para evitar ou controlar as crises no seu relacionamento recíproco que contenham o perigo de deflagrar uma guerra; quando adotam medidas para evitar a guerra ou limitá-la. Por outro lado, as grandes potências exploram sua preponderância em relação aos demais integrantes da sociedade internacional quando exercem essa preponderância em determinadas regiões do planeta ou entre certos grupos de estados, que pode assumir a forma de dominância, primazia ou hegemonia; ao respeitar mutuamente suas respectivas esferas de influência; ao concordar com a união de esforços para promover políticas comuns no conjunto do sistema internacional, o que está implícito na idéia de condomínio, concerto, ou co-império de grandes potências. Diante disso verifica-se que, em havendo uma ordem internacional, ela beneficia particularmente as grandes potências. Nesse sentido, a ordem internacional sustentada pelas grandes potencias não proporciona justiça de forma igualitária para todos os estados, mas nem por isso ela deve ser considerada intolerável. Se de algum modo uma ordem internacional que incorpore uma justiça perfeita se mostre possível, não necessariamente haverá uma ordem com igualdade de direitos, mas talvez apenas a substituição de seus guardiões. Outrossim, as grandes potências somente podem exercer suas funções de gerenciamento da sociedade internacional se estas gozarem de legitimidade. Para tanto, as grandes potências não podem formalizar e explicitar inteiramente a sua posição e special, pois a sociedade internacional rejeita o ordenamento hierárquico dos estados em favor de uma igualdade. Além disso, as grandes potências devem tentar evitar a sua responsabilização por atos que sejam evidentemente contrários à ordem, pois quando estas parecem estar infringindo a ordem e, por tabela, contrariando a justiça, a legitimidade de sua posição vai se deteriorando. Ademais, elas precisam satisfazer algumas das demandas por mudanças justas, não podendo negligenciá-las – “sua liberdade de manobra é circunscrita pela „responsabilidade‟ que lhes cabe” (p. 261). Por fim, na regiões do mundo onde a posição política das grandes potências é limitadas pela presença de potências secundárias, aquelas devem buscar uma acomodação com estas, tornando-as parceiras na administração do equilíbrio regional em questão. No entanto, ao descrever essas diversas formas, de como as grandes potências podem contribuir para a ordem internacional, Bull chama a atenção para o fato de que não é necessariamente dessa maneira que as grandes potências agem, ou mesmo deveriam agir. Na verdade é o que elas poderiam fazer, pois muitas  vezes as grandes potências, bem como as potências menores, agem de forma a promover a desordem, romper o equilíbrio, assumindo uma atitude revisionista (p. 237). Assim, a política internacional não pode ser entendida somente em termos de poder. Outro mecanismo que, para o autor, desempenha papel importante – e mais proeminente - para a ordem internacional é o equilíbrio de poder. Bull vale-se da definição de Vattel, e como este entende que o equilíbrio de poder consiste em uma situação em que “nenhuma potência possui posição de preponderância absoluta e em condições de determinar a lei para as outras” (p. 117). Como a humanidade,

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em sua diversidade, reage contra um governo mundial ou uma monarquia universal, sempre que um país se torna poderoso demais, os outros tendem a se aliar para contrabalançar este poderio. Tal instituto desempenha três funções no sistema de estados: (i) impedir que esse sistema se torne, pela conquista, um império universal; (ii) proteger a independência dos estados, impedindo que os mesmos sejam absorvidos ou dominados por uma potência localmente preponderante; (iii) prover as condições para o funcionamento de outras instituições das quais dependem a ordem internacional, com o DI, a diplomacia, a guerra, a administração pelas grandes potências. Há de se reconhecer que uma parte essencial da engrenagem da balança de poder é a guerra e - não menos importante no cenário contemporâneo - a ameaça de guerra. Guerra e a ameaça de guerra sempre desempenharam um papel fundamental para a configuração assumida pelo sistema internacional em certos períodos, determinando se o equilíbrio de poder duraria ou daria espaço para a preponderância de uma grande potência. No entanto, em relação à administração do equilíbrio de poder, ela é creditada às grande potências, função que se justifica pela sua força militar superior. Por seu turno, a diplomacia, enquanto instituição que contribui para a manutenção da ordem internacional, pode ser entendida como a “gestão das relações entre estados e outras entidades da política mundial, por meios pacíficos e com o uso de agentes oficiais” (p. 187). Inclui tanto a formulação quanto a execução da política externa de um estado, seja ela bilateral ou multilateral, ad hoc ou institucionalizada. Bull destaca como funções da diplomacia em relação à ordem: (i) facilitar a comunicação entre os líderes políticos dos estados e de outras entidades que participam da política mundial; (ii) negociar acordos, na medida em que possibilita aos estados visualizarem a política exterior como a busca racional de seus interesses, que podem ter áreas de coincidência com os interesses de outros estados; (iii) reunir informações a respeito de países estrangeiros, que servirão de base para a política externa de cada estado; (iv) minimizar os efeitos dos atritos nas relações internacionais; (v) simbolizar a existência da sociedade de estados, enquanto manifestação visível da existência de regras pelas quais os estados e outras entidades do sistema mundial têm um certo respeito (p. 195-198).  Ao analisar as diversas instituições que contribuem para a ordem internacional, Hedley Bull não atribui a elas o mesmo peso. Nesse sentido, é dada menor ênfase à organização e ao direito internacional em sua análise sobre a manutenção da ordem. Em que pese a ordem dependa de regras para ser mantida, Bull acredita haver uma tendência a realçar demais aquelas que têm status de direito. Ao mesmo tempo o autor afirma que o relevante papel desempenhado por organização internacional é menos produto de suas “aspirações e objetivos oficiais” e mais uma contribuição para o funcionamento de instituições mais essenciais como o equilíbrio de poder e a administração pelas grandes potências. Metodologicamente, Bull é cauteloso ao identificar suas hipóteses, fornecer definições claras dos termos que emprega, e explicar as questões e as respostas dadas às mesmas. Nesse sentido, ainda que não se

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concorde com as conclusões do autor, A Socieadade Anárquica é uma obra valiosa, pois Bull clara e logicamente define e analisa as questões fundamentais que os estudiosos devem buscar compreender para lidar com o problema da ordem mundial. Mais que isso, poderá servir de subsídio para alguma resposta à questão crucial de nossa época, não mais caracterizada pelo “jogo de cartas marcadas” da bipolaridade, mas pela incerteza do Pós-Guerra Fria, marcada por novas ameaças como o terrorismo, o narcotráfico e  violações de direitos humanos: “como a sociedade de Estados pode ser reformada a serviço da ordem mundial?” 15. NOTAS: 1 BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica. Brasília: EdUnB, IPRI; São Paulo: IOESP, 2002, p. 19. 2 GRIFFITHS, Martin. 50 Grandes Estrategistas das Relações Internacionais. São Paulo: Contexto, 2004, p. 215. 3 WIGHT, Martin. A Política do Poder. Brasília: EdUnB, IPRI; São Paulo: IOESP, 2002, p. 97. 4 0Idem, p. 99. 5 KELSEN, Hans. La paz por medio del derecho. Madrid: Editora Trotta, 2003, p.27. 6 WIGHT, Martin. Op. Cit. p. 100. 7 BULL, Hedley. Op. Cit. p. 157-158. 8 BULL, Hedley. Op. Cit. p. 161 9 DINH, Nguyen Quoc; DAILLIER, Patrick; PELLET, Alain. Direito Internacional Público. 2ª edição. Lisboa: Zamboni Books, 2002, p. 88. 10 CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS. Disponível em: Acesso em 17.11.2006 11 BULL, Hedley. Op.Cit. p. 164-165. 12 Idem, p. 177. 13 LAFER, Celso. A OMC e regulamentação do comércio internacional: uma visão brasileira. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 147. 14 LAFER, Celso. O sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comercio. In: MERCADANTE, Araminta de Azevedo & MAGALHÃES, José Carlos (orgs.). Guerra Comercial ou Integração Mundial pelo Comércio: a OMC e o Brasil. São Paulo: LTr, 1998, p. 736. 15 GRIFFITHS, Martin. Op. cit. p. 222.  ARAUJO, Marcelle. RESENHA - BULL, Hedlet. A Sociedade Anárquica. Revista Eletrônica Boletim do TEMPO, Ano 4, Nº32, Rio, 2009 [ISSN 1981-3384]

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