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June 29, 2018 | Author: Rafael Pinheiro | Category: Apollo, Dionysus, Thelema, Peter Pan, Greek Mythology
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Revista da Loja Quetzalcoatl, Ordo Templi Orientis

A REVOLUÇÃO DE DIONÍSIO A VIAGEM DO HERÓI É CLASSICAMENTE DESCRITA COMO A DE UM GUERREIRO SOLAR, APOLÍNEO, QU QUE E SE AVENTURA NO NOS S PERIGOS DA NOITE. MAS COMO SERIA UM HERÓI DIONISÍACO? pág. 6

ÍNDICE Editorial

pág. 3 Notícias

pág. 3 A Jornada do Som

pág. 4

A Revolução de Dionísio

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Enredos Mortais

pág. 11

Estudos O Herói no Tarô pág. 14 Biblioteca Thelêmica Liber DCCCXI, parte II pág. 17 Hooráculo pág. 22

ESCREVA  PARA  NÓS! Além de ajudar a melhorar nosso trabalho com sua opinião, aproveite nosso espaço de comunicação para tirar dúvidas, dar ideias e manter contato com os membros da O.T.O. no Brasil. E-mails para: [email protected]

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EDITORIAL

NOTÍCIAS

A

Sociedade lentamente vem matando os Heróis século após século. Não é de admirar então que cada vez mais nos deparemos com uma frenética procura por novos formatos para este personagem. Então, cansados dessa imagem plástica e artificial de salvação, cada vez mais o Anti-Herói passou a ser o mocinho dos tempos modernos, o que não é de admirar em uma Sociedade que tomou para si o papel de ditar qual a Natureza aceitável do Indivíduo, assassinando com isto sua Centelha Divina e a substituindo por um vazio incapaz de ser satisfeito. Em um ato de rebeldia quase inconsciente vemos cada vez mais Personagens que incorporam o Espirito da Vingança Redentora da Natureza se erguer em prol do Homem sufocado pelas regras que aprisionam seu Potencial Criativo. Em verdade nunca existiu o Herói do povo, isso nada mais é do que um fantoche de propaganda e redirecionamento da atenção das massas depois de terem sido doutrinadas dentro de pensamento paternalista.

Ano Novo Thelêmico Neste dia 20 de março e.v., a O.T.O. está celebrando o Ano Novo  Thelêmico. Entramos, agora, no Anno IV:xxi. Estamos no ciclo do Imperador e no ano do Universo, energias que, unidas, apontam um caminho de organização e disciplina em prol da completude de uma fase ou de um ciclo. Assim, temos neste Novo Anno um momento muito propício para, através de planejamento e de trabalho, fecharmos magistralmente nossos projetos e nos regozijarmos na realização deles. Após isso, teremos o início de um ciclo inteiramente novo. Que através da constância do trabalho possamos, cada vez mais, cristalizar a Grande Obra do Aeon de Hórus dentro de nós mesmos e no mundo: e que a Criança Coroada e Conquistadora, através de todos nós, possa ser a emissária da Estrela & da Serpente, renovando a humanidade com Luz, Vida, Amor e Liberdade!

Equinócio de Outono O Herói moderno deve então se soltar das amarras e mergulhar em seu próprio inferno para assim resgatar sua/seu Bem Amado e então começar esta caminhada em direção a Si Mesmo.

Estamos celebrando hoje o Equinócio de Outono, marcando o momento em que o Sol cruza o plano da Linha do Equador, iluminando a terra em sua exata metade, tendo dia e noite a mesma duração.

Seja este Novo Ano propício para esse salto no Abismo! O outono é a estação em que a Natureza, madura, recolhe-se após ter gozado de seu ápice. Voltando-se a si mesma, esse é um momento de recolhimento e introspecção, contemplando a Obra de seu curso. Desejamos a todos um outono alegre e delicioso, como são os próprios prazeres do cair da Noite.

Novos Minervais No dia 16 de fevereiro de 2013 e.v. foram iniciados, na Loja Quetzalcoatl, os Novos Minervais da Ordo Templi Orientis. Sejam bem-vindos! Que esse seja o início de uma caminhada de Sucesso.

FRATER APOLLÔN LYCAEUS MESTRE DA LOJA QUETZALCOATL - RIO DE JANEIRO

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

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  o   g    i    t   r    A

FRATER KIN-FO

 A JORNADA

DO SOM UM SOM ANTIGO, REVISITADO EM UM NOVO PRISMA , TRAZ O HERÓI

EM UM NOVO FORMATO E DÁ  PROSSEGUIMENTO  A  JORNADA DA  HUMANIDADE ATRAVÉS DO NOVO  A EON.

E     l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

m janeiro, ministrei uma das palestras abertas da Loja Quetzalcoatl com o tema de Cakras. Esse artigo será bem interessante para aqueles que estiveram presentes, porém, para não deixar os demais leitores “na mão”, farei um pequeno resumo do material apresentado: Cakras são centros energéticos que encontramos dispostos sobre nossa coluna vertebral. O estudo desses centros é originário da civilização hindu, embora no decorrer dos séculos outros grupos e povos tenham prosseguido seus estudos nessa mesma direção, alguns de maneira consonante, outros paralela. Dentro da literatura hindu existem diversas referências e correntes a respeito dos Cakras. Certos princípios variam exatamente de acordo

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com a linhagem escolhida para o estudo. Nem mesmo o número total de Cakras é comum à literatura, embora exista uma certeza homogênea a respeito do número de Cakras principais serem 6, com um sétimo a desbotar no topo da caixa craniana como a união dos demais.  Tradicionalmente os Cakras são representados como lótus com um número de pétalas variável. Cada Cakra possui um mantra semente em seu centro, e outros mantras menores em suas pétalas. O somatório de todos os mantras de todos os Cakras corresponde ao número de letras do alfabeto sânscrito – antigo idioma comum da Índia, e língua sacra na ritualística religiosa. Isso significa que todos os mantras presentes no corpo humano, se encontram presentes no alfabeto sânscrito ou que o alfabeto sânscrito é na verdade constituído de mantras. Uma história bem antiga diz que milhares de anos atrás, sábios passaram suas vidas a meditar nas montanhas do Himalaia, se pondo a escutar a seus corpos. A partir dos sons que eles ouviram em si, eles conceberam o idioma sânscrito. Dessa forma, cada letra desse idioma estaria diretamente relacionada, em níveis vibratórios, com uma determinada parcela do corpo humano. De todas as letras do sânscrito, uma é especial, pois é a raiz de todas as demais que se trata da letra ! Essa letra costuma ser chamada no ocidente de OM. O  é o bija, a semente de todas as letras do sânscrito e consequentemente de todos os mantras. Sua pronuncia, se corretamente adaptada para o alfabeto ocidental, contempla 3 sons distintos, que correspondem ao nosso A, U e M. O AUM representa uma jornada em três estágios. Embora a entonação varie de indivíduo para individuo, a ideia fundamental permanece. Aleister Crowley estudou as propriedades desse mantra, oferecendo um detalhado estudo, publicado no Liber ABA – Book 4. “Primeiramente, ele representa o curso completo do som (...) Simbolicamente, este anuncia o curso da natureza procedendo livre criação sem forma através da forma controlada até o silêncio da destruição. Os três sons são harmonizados em um.” 

O primeiro som “A”, é feito com boca aberta em toda sua amplitude. Está diretamente relacionada com a letra Aleph e ao louco do  Tarot. “A” representa todo o potencial do universo, ao mesmo tempo em que representa a virgem concebida pelo espírito santo. O segundo som “U” se faz com a boca fechando. Está relacionada com a letra Vav, que é o Hierofante do Tarot. Representa o filho nascido, o deus que se fez carne, o príncipe que parte para aventura em busca de sua princesa. O terceiro som “U” é feito com a boca fechada, quase um sussurro. Está relacionado com a letra Mem, o enforcado/pendurado do Tarot. Representa o deus morto, o Cristo crucificado expresso na fórmula de INRI. Os três sons representam as três principais etapas da vida humana, isso é: o nascimento, a vida e a morte. Esse curso também pode ser encarado como a criação, a manutenção e a destruição, o que para os antigos hindus era representado por Brahma, Vishnu e Shiva. Durante séculos, a fórmula do AUM foi utilizada por se adequar perfeitamente ao Aeon de Osíris e a fórmula do Deus Morto. O mitólogo Joseph Campell chegou a descrever o AUM, da seguinte maneira: “a sílaba simbólica AUM que é o equivalente verbal dos quatro estados

sível.

 A   r   t   i     g  o

Ao alterar a grafia de AUM, Mestre Therion buscou transcender a visão catastrófica da natureza, fadada a morte, por uma visão que explicitava a transcendência da vida além da morte. O sufixo GN trás ao mesmo tempo a ideia de conhecimento e geração. Sua inspiração é anasalada, criando uma conexão entre o mantra e a questão do prana, ao ar e a vida. Assim transformar o M em MGN é não mais enxergar a criação distinta da dissolução, mas trabalhar com criação e dissolução como curvas que se complementam dentro do universo real. G está relacionado com Gnosis, o conhecimento, assim como está relacionado com a letra Hebraica Gimmel, a Sacerdotisa, a grande iniciadora dos mistérios da vida. N por sua vez está relacionado com Num, a morte, a grande transformação, que está relacionada com o escorpião, a serpente (símbolo do conhecimento) e a águia (símbolo da exaltação sobre a matéria). Para saber mais sobre os aspectos da morte sob um prisma thelêmico, consulte a Estrela Rubi, edição 9. Está escrito no Livro da Lei: “Contemplai! os rituais do tempo antigo são negros. Possam os maus serem lançados fora; possam os bons serem purgados pelo profeta! Então este Conhecimento seguirá correto.” (AL II:5).

de consciência e dos seus campos de experiência. A: consciência vígil; U: consciência onírica; M: sono sem sonhos. O silêncio em torno da sílaba sagrada é o Imanifesto Transcendente” .

Aqueles que estão familiarizados com cultura thelêmica já se deparam com a fórmula do AUMGN. Em diversos ritos, escritos ela é utilizada. Caso você seja um dos que já tiveram a oportunidade de assistir a execução do Liber XV, a Missa Gnóstica, na Loja Quetzalcoatl, com certeza deve se recordar dele no credo da E.G.C.  Thelema não descarta o conhecimento legado da humanidade. O Aeon de Hórus possibilita ampliar a visão do ser humano dentro do seu universo metafísico pessoal. Assim sendo, o AUM ganhou novos aspectos. O “Imanifesto Transcedente” descrito por Campbell se tornava visível, palpável e compreen-

Mais do que uma simples mudança ortográfica, a reformulação do AUMGN permite purgar a fórmula do mantra e o trabalho a ser realizado com ele para o Aeon de Hórus. A jornada do Herói não acaba com a morte, ele continua e vai além seja através do som ou através das cartas do Tarot. Além disso, o estudo do AUMGN é profundo, pois carrega uma bagagem de séculos de estudos. Aqueles que desejarem poderão se aprofundar no assunto consultando Magick in Theory and Practice, capítulo VII. Bibliografia Geral:

 Aleister Crowley - Book Four  Lon Milo DuQuette - Understanding Aleister Crowley’s Thoth Tarot   Joseph Camphell - O Herói de Mil Faces

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

    6 FRATER  EROS

 A   r   t   i     g  o

    l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O



 M  a  t   é    r   i    a  d   e  C  a   p  a

 A REVOLUÇÃO DE FRATER  EROS

DIONISIO

 A  VIAGEM DO HERÓI É CLASSICAMENTE DESCRITA COMO A DE UM GUERREIRO SOLAR ,  APOLÍNEO , QUE SE AVENTURA  NOS PERIGOS DA  NOITE. M AS COMO SERIA UM HERÓI DIONISÍACO ?

O

autor Joseph Campbell se consagrou ao organizar o panorama sobre o monomito – a história por trás de todas as histórias – , que ele chamou de a “jornada do herói”. Em seu “O herói de mil faces”, ele sistematizou o arco cíclico que estaria por trás de todos os mitos, abrangendo desde a partida do protagonista, ainda inocente, de seu lar, passando

por seu encontro com aliados, a instrução ou auxílio mágico que recebe de estranhas figuras, um desafio mor tal e, não raro, um sacrifício que resulta na sua ressurreição e exaltação. O clímax também poderia ser o resgate de um tesouro, ou mesmo de uma princesa, das garras de um dragão ou de um feiticeiro – como Klingsor, no Parsifal de Wagner –, culminando no ca-

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

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  a   p   a samento e na coroação desse herói que, não raro, além disso,    C   e retorna à sua terra para renová-la, como um eremita que vaga,    d   a oferecendo a luz de sua sabedoria.    i   r    é    t   a    M

No entanto, como a todo enredo que já se tornou clássico, cabe-nos questionar em que se fundamenta a base do monomito. O símbolo do herói pode ser universal, expressando uma demanda da alma humana. No entanto, como criadores que somos – conscientes ou inconscientes – de deuses, mitos, de nós mesmos e da realidade, isso nos põe a pensar: que herói é este? Por que a sua lição de heroísmo é necessária? Afinal, o que essa história está de f ato nos contando? O mito do herói é, confessadamente, um mito do ego: uma história da individualidade se afirmando contra os perigos de um Universo imenso, selvagem e muitas vezes hostil. Esse é o mito da própria consciência, ou pessoalidade, que se equilibra na tensão titânica de forças inconscientes, ou impessoais. Podemos imaginar que, talvez, se a consciência não tivesse visto sua própria jornada como heroica, teria sucumbido ou simplesmente se paralisado, indiferenciada no Grande Inconsciente. O ego fornece o impulso de “ir”, ou de explorar o Universo, essencial como força que impele ao autoconhecimento e à experiência lúcida deste próprio Universo. Como um Sol nascendo da Grande Noite, essa Consciência é vital na história simbólica da humanidade. Por outro lado, as implicações desse modelo heroico de descrição são marcantes no modo como enxergamos a existência. Não à toa, para a compreensão do Aeon de Osíris, o Sol morria e renascia, e seu penoso sacrifício devia ser imitado pela humanidade. Para os antigos egípcios, a barca solar de Rá descia ao submundo para enfrentar os perigos de Apep, descrito como uma monstruosa serpente. Assim, o Sol tinha de vencer diariamente os perigos do Oeste, a terra dos mortos, para voltar a brilhar. Seu ciclo, apresentado dessa forma, era entendido como um drama eterno. A própria vida, portanto, também seria um drama eterno.

    l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

Esse Sol bélico, “invictus”, é o protótipo de Apolo, um deus triunfante, regente da ordem e de tudo aquilo que é luminoso, verdadeiro, belo, harmônico, perfeito – antipático, portanto, a tudo que é desordeiro e sombrio, incerto, desajustado, impuro e imperfeito. O modo exclusivamente apolíneo de enxergar a existência é, assim, unilateral, e a dicotomia entre “luz” e “trevas” é reforçada, do mesmo modo que constatar presença de um “herói” admite, tacitamente, um “inimigo”. Não podemos deixar de perceber como essa lógica marcial atendeu bem ao patriarcado – um outro modo de se referir à mentalidade do Aeon de Osíris –, mas já não dá cabo de explicar a realidade presente, a do Aeon de Hórus. As imagens de Apolo triunfante, de Rá vencendo Apep, ou mesmo a de Cristo, suportando até o fim sua dor martírica, foram tão inflacionadas que se converteram em modelos masoquistas de enxergar a vida.

O resgate de Dionísio

Friedrich Nietzsche, em seu “O nascimento da tragédia”, define a dialética entre Apolo e outro deus, Dio nísio, como sendo capaz de expressar a criação estética universal – isto é, tudo aquilo que é manifestado. Dionísio é o gênio, o impulso irrefreável e tudo que não é comedido. É o único deus para quem a loucura é um atributo principal. Essa loucura, muito incompreendida, é um caminho e uma fonte de lição. Se Apolo, nesse contexto, representa o herói que lida gloriosamente com as forças das trevas, banindo-as ou vencendo-as, Dionísio pode representar uma outra abordagem de herói. Enquanto Apolo é o Sol da individualidade, Dionísio é o êxtase da sua dissolução. O herói dionisíaco já não tem o que disputar, porque não há inimigos: ele os venceu pelo êxtase. Ele é um herói da comunhão. Um herói que, em vez de lutar contra os perigos da Noite, é seu amante. O resgate de Dionísio surge como uma retomada daquilo que consideramos irracional, fantasioso, irreal. Na verdade, ele deve surgir quando as velhas formas de ordem não satisfazem mais. Sem o toque do seu gênio e de sua loucura, estaríamos viciados na repetição da tradição. Fechando-nos para o novo, nos tornaríamos incapazes de cristalizar a liberdade do Novo Aeon. O psicólogo James Hillman descreveu, de modo irônico, a repressão ao espírito dionisíaco: “Seu culto pertence sobretudo às mulheres. As mulheres, nós sabemos  a partir de nossa imutável imagem da inferioridade feminina, são instáveis, fracas mentalmente e de substância inferior. Seu Deus também deve ser inferior”. Temos, aqui, um dado muito importante: Dionísio é um deus anterior ao período patriarcal e, por tanto, suas qualidades depõem sobre uma realidade mais antiga que aquela do herói clássico. Pelos gregos, ele foi considerado um deus “de mulheres”. Proveniente da época matriarcal – ou Aeon de Ísis –, é infelizmente natural que seu culto tenha caído na obscuridade. Suas Mênades (cuja etimologia remonta a “enfurecidas”), que dançavam com serpentes vivas nas mãos, com a mesma naturalidade com que seguravam as heras envoltas no tirso do deus, tiveram seu transe religioso reduzido a uma selvageria pejorativa. Para Hillman, a iniciação à consciência de Dionísio, nos dias atuais, perpassa o resgate do feminino e a realização da consciência bissexual, que se refere à androginia interior – uma das fórmulas contempladas, inclusive, em Hórus, o deus Criança. Uma nova consciência nos penetra quando integramos aquilo que foi rechaçado como inferior: tudo que é emocional, inconsciente, corpóreo, material, natural, intuitivo e foi atribuído ao feminino – atributos também dionisíacos. Se esses valores não estiverem integrados ao lado racional, consciente, mental, abstrato e a tudo que foi atribuído como masculino, torna-se impossível uma das realizações andróginas de Hórus, descrita em Liber Tzaddi: “Meus adeptos estão erguidos; suas cabeças acima dos céus, seus pés abaixo dos infernos”. Hillman prossegue, estudando como a falta de Dionísio nos é prejudicial, e como a revolução do deus, balanceando a inf lação de Apolo, é uma questão de saúde da alma: “Não temos mais

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o menadismo correto, ou a correta loucura teléstica ritual, porque não temos o Deus. A nossa consciência misógina e apolínea trocou-o por um diagnóstico. Assim, sem iniciação à consciência dionisíaca, só temos o Dionísio que nos atinge através da sombra, através (...) do Diabo do cristianismo”. Um deus reprimido nos assombra como um diabo. Um impulso represado nos ataca como somatização. Sempre que a loucura, o corpo e o excesso foram rechaçados como malignos, os resultados foram evidentes. A era vitoriana, hipocritamente moralista, escondeu os mais criativos escândalos sexuais. A vida sexual secreta de padres do Vaticano também confirma o cinismo que ronda a repressão do corpo. Do mesmo modo que a opressão incita uma desobediência muitas vezes desesperada, a hipertrofia de Apolo vai excitar expressões desequilibradas de Dionísio. Não seria a loucura uma delas? A doença mental assalta o mundo como comunicação de algo que foi deixado para trás. Enquanto o deus não for aceito e integrado por cada um de nós, o seu êxtase, que poderia nos guiar para o máximo deleite, será reduzido a uma busca voraz pela orgia dos sentidos, sempre insatisfeita. Enquanto o impulso dionisíaco não for ouvido, o corpo nos vai assombrar com angústias muitas vezes sem nome.

O Sabbath e o Herói do Graal Não é difícil entender como o diabo cristão foi revestido de ele mentos dionisíacos, também porque o sexo e a mulher sempre ocuparam um papel diabólico na cosmologia judaico-cristã. Não é, portanto, surpreendente que o bode, animal afim ao deus Pã e eleito pela cristandade como representação do Diabo, também estivesse presente nos cultos a Dionísio. O bode era entendido como o próprio deus que, numa das versões da história, foi assim transformado por seu pai, Zeus, para salvá-lo da perseguição de Hera. Acabando encurralado por titãs, Dionísio, na forma do animal, é esquartejado e devorado, restando apenas seu coração, que Zeus gere na sua própria coxa (segundo Crowley, uma imagem para o falo), fazendo dela um útero (em outras versões, o coração de Dionísio é gerado em Semele). Por isso, o significado de Dionísio (dio-nisio) é “duas vezes nascido”, revelando, portanto, um caminho de Iniciação.

feiticeiras, em festas orgiásticas com sexo, álcool e alucinógenos, adoravam Satã na forma do animal. Não à toa, também pertence ao Diabo, expresso no Atu XV do Tarô, o gozo dos prazeres da terra, na forma do bode saltador com dionisíacos cachos de uva pendendo dos seus chifres. Na verdade, o Bod e, como também o touro ritual, contém elementos da fertilidade e vitalidade dionisíaca, e o êxtase de sua embriaguez, conduzindo à comunhão com o divino, era o norte a ser alcançado. Bruxas transtornadas em seu sabá, dançando nuas e regozijantes, soam como uma de scrição suficientemente dionisíaca para inspirar os temores e sonhos eróticos de cristãos medievais. Essa descrição, que arrepiou os pudicos, remonta às Bacantes invadindo as ruas romanas, com gritos estridentes e jogos sexuais.

 M  a  t   é    r   i    a  d   e  C  a   p  a

Interessantemente, o historiador romano Plutarco teorizou que o Sabbath judaico sofreu influências do deus trácio Sabazius, extremamente próximo a Dionísio. Assim, o Sabbath seria um festival com influência dionisíaca. Essa é uma pista para entendermos como o êxtase sempre velou uma forma de contato com o divino, e a que tipo de adoração o “sábado”, como sétimo e último dia da criação, está reservado. Deste modo, o herói vi nculado ao Sabbath é diferente daquele herói clássico, exclusivamente apolíneo. Estamos falando, portanto, de um herói louco: e o Louco, no Tarô, é tanto um glifo de Dionísio como de Harpocrates, a expressão infantil de Hórus, sendo o movimento completamente livre, com a potência de ser e criar absolutamente qualquer coisa, ou o todo que é representado por Pan. Sobre a natureza dessa loucura, podemos ler os comentários de Crowley no Liber LXV (Cordis Cincti Serpente), cap I, ver sículo 63: “Este Pan não está embriagado, mas completamente louco, estando além da discriminação (Conhecimento) porque inclui tudo em si mesmo; igualmente, ele é imune aos assaltos do tempo, uma vez que tudo que acontece só pode acontecer dentro dele; isto é, todos os acontecimentos são igualmente o exercício das funções dele, e  por tanto são acompanhados por êxtase, já que Ele inclu iu todas as possibilidades em Sua unidade, de forma que toda mudança é  parte d a sua vi da, um ato de amor s ob vontade.” 

O autor Aláin Danielou, no livro “Shiva e Dioniso, a religião da Natureza e do Eros”, descreve: “Esse deus, que morre e renasce novamente, proporciona uma vida nova ao fiel que penetra em seus mistérios, terminando com a refeição em carne crua do animal que é o próprio deus manifestado”. Essa é uma forma de Missa, ou de consumo da energia do deus, que e ncarna para ser sacrificado. É também uma fórmula de ressurreição onde a morte, embora dilacerante, é uma forma de êxtase, e não de penitência. Essa é uma diferença crucial nas imagens de Dionísio e Cristo. O Bode do Sabbath, representado na imagem de Baphomet, também sinaliza uma fórmula de Missa. Acreditava-se que as

Uma progressão deste herói está contida na lenda do Graal, que integra magistralmente elementos apolíneos aos dionisíacos. Embora seu enredo seja medieval e contenha, portanto, elementos patriarcais de cavalaria, sua origem remonta aos celtas e não seria leviano afirmar que a essência do símbolo é a mesma contida na fórmula de Dionísio. A taça da lenda é essencialmente lunar e feminina, e o seu vinho, conforme vemos, poeticamente, no Liber XV (a Missa Gnóstica), é a “alegria da terra”. O Santo Graal, mesmo antes de ser cristianizado, era um caldeirão da juventude que podia revitalizar o reino, como vemos tanto no ciclo arturiano, como especificamente na lenda de Parsifal. Esse renascimento é a própr ia essência do “duas ve-

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

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  a   p   a    C   e    d   a    i   r    é    t   a    M

zes nascido” Dionísio, e a embriaguez do seu vinho certamente se afina com o conteúdo do Gr aal. Em vez da dor das chagas de Cristo, o sangue embriagante de Dionísio é um recheio muito mais emblemático para a Taça. O auge do mito só pode ser consumado pelo herói que realizou em si a força dionisíaca.

 Thelema é, claramente, uma f ilosofia ou religião do êxtase. Toda disciplina (apolínea) do método mágicko de Thelema tem como objetivo refinar cada vez mais o gozo (dionisíaco). A sexualidade, o corpo e a alegria se assumem como espiritualidade, destroçando a moralidade engessada dos séculos passados.

 Ainda assim, a jornada de Parsifal articula a força da individualidade de Apolo, na forma de sua gradual formação de cavaleiro, com o espírito dionisíaco do Puro Louco, capaz de beber do Graal. Portanto, sua forma é apolínea e o conteúdo dionisíaco, num equilíbrio que tem servido como emblema da completude do Iniciado.

A inserção dionisíaca que o Novo Aeon traz pareia Apolo e Dio nísio. Na O.T.O., fica evidente a integração de uma estrutura iniciática sólida (apolínea) como método de realização da fórmula do Amor, o grande sacramento da Lei de Thelema. O herói, dentro de Thelema, goza a cada passo dado. O medo da meia-noite  já não faz sentido. A escuridão tem seus próprios prazeres . Assim, cada curva da sua jornada é um passo no refinamento do êxtase. “Trago eu gozo para vosso prazer, paz para vosso langor, sabedoria para vossa loucura” (Liber Tzaddi, vers 8). A paz do prazer e da loucura só é possível ao herói que integrou Dionísio. O deus, por sua vez, é um ousado caminho para o Absoluto: “Tu vibras com a alegria do ardor de criação, tornada uma deusa virgem por amor a ti. Também, tu estás louco, a razão sendo o estado que conserva as coisas em proporções definidas umas com as outras, enquanto que tu as dissolveste todas em teu próprio ser, em êxtase além de qualquer medida” (Liber LXV, cap 2, comentários do vers. 43).

Fraternidade Universal O círculo dos Cavaleiros do Graal, na procissão testemunhada por Parsifal, é em muitos sentidos i dêntico ao Sabbath, ou mesmo ao Bacanal. Eles comungam do êxtase dionisíaco, através do qual é contemplada a união de todas as coisas e se pode, portanto, realizar a fraternidade universal. No Liber LII, o Manifesto da O.T.O., consta que a Ordem “possui um Segredo capaz de realizar o antigo e universal sonho da Fraternidade do Homem”. Não seria coerente supor que essa promessa se realize num estado de consciência onde a comunhão (o Sabbath, o Bacanal etc.) seja consumada? Não seria essa união a própria “consciência da continuidade da existência, a onipresença de meu corpo”, nas palavras de Nuit, no Liber AL (I, 26)? A fraternidade universal se torna, assim, uma questão de êxt ase, e a visão do cortejo de homens e mulheres livres sob o signo de Dionísio é a sua consecução. Aqui, o êxtase de Dionísio e a lucidez de Apolo se combinam com perfeição, do mesmo modo que eles coexistiam, harmoniosos, dividindo a autoridade sobre o Oráculo de Delfos.

    l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

O transe da união pelo amor também está presente na imagem da comunhão dos santos (presente no Credo da Ecclesia Gnostica Catholica, braço eclesiástico da O.T.O.), isto é, aqueles que derramaram todo seu sangue na Taça de Babalon – uma outra maneira de se referir ao Graal. Os santos, ao entregarem até a última gota de sua energia, realizam a dinâmica de Babalon, descrita por Crowley em “Os Comentários Mágickos e Filosóficos sobre o Livro da Lei”: “(...) é a Natureza, freneticamente copulando com todas as suas criaturas, desavergonhada e abertamente”. A experiência do entendimento só ocorre através da entrega constante ao gozo de cada experiência. A realidade das “enfurecidas” Mênades dionisíacas não se enquadraria, afinal, nesta descrição? Não seriam elas, possivelmente, antigas imagens da moderna Mulher Escarlate, encarnando a experiência de Babalon, que também se embriaga dionisiacamente? Hillman disse que “não temos mais o menadismo correto” – os princípios de Thelema poderiam resgatá- lo? Por sua vez, Apolo é acompanhado das Musas, que podem ser vistas como uma contraparte harmoniosa das selvagens Mênades, integrando ordem e caos num símbolo único.

Num enredo, podemos pensar que esse herói não é um estrangeiro no mundo selvagem, tampouco o enfrenta belicosamente. Ele integra, na verdade, o humano com a força primitiva. Em vez de um guerreiro, esse herói pode também ser um poeta, um harpista, um dançarino, um fauno. Sua natureza integra a Besta. Do mesmo modo, Dionísio anda na companhia de panteras. São pequenos manejos simbólicos como este que podem produzir insight e resultar numa abordagem revolucionária da vida. Mesmo para a razão não empedrar em dogmas doentios, ela precisa não só aceitar a loucura, mas desposá-la, com a firmeza e embriaguez de um herói renovado. Evoé!

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  a   p   a    C   e    d   a    i   r    é    t   a    M

ENREDOS MORTAIS FRATER EROS

NO CINEMA E NA LITERATURA  ABUNDAM EXEMPLOS DE HERÓIS OSIRIANOS. COMO SERIA  A REPRESENTAÇÃO DA  CRIANÇA  COROADA  NO ENREDO DE NOVAS HISTÓRIAS?

É

interessante reparar como a própria substância de nosso imaginário é simbólica. Desde nossas crenças religiosas ao modo como nos relacionamos, existe um enredo movido por intenções que podem, sem exagero, ser descritas como temas míticos. Joseph Campbell disse: “Se você vive com os mitos na sua mente, você sempre descobrirá a si mesmo em situações mitológicas. Eles cobrem tudo que pode acontecer com você. E isso permite você interpretar o mito em relação à vida, bem como a vida em relação ao mito”. Esses enredos mitológicos que nos formam estão presentes e expressos de maneira emblemática na arte e no entretenimento. Não é raro nos depararmos, na arte em geral, com a presença do herói osiriano: ele tem uma missão e em certa altura vai se sacrificar por ela, sendo esse o clímax da história. O período mais negro e sem esperança é também sua reviravolta e apogeu. Já esperamos por isso, como uma promessa tácita. Às vezes, o herói chega às vias de fato, morrendo e renascendo. São muitos exemplos contemporâneos: Neo, da franquia Matrix, ou mesmo Harry Potter, da escritora britânica J. K. Rowling, são alguns notáveis. Se o tema do “escolhido” ainda cativa, é porque nos toca de alguma forma. O leitor certamente vai se lembrar de inúmeros exemplos que se alinham com esse conceito. Ele está por todas as partes: nas igrejas, nos sonhos, desde Hollywood até as animações do japonês Hayao Miyazaki, quando vemos a heroína Nausicaä morrer por seu povo, apenas para renascer numa nuvem dourada. Não precisamos ir muito longe para identificar que esse tema simbólico é o mesmo que pautou a emoção por trás do culto do Sol Invictus – o Sol do Solstício de Inverno no Hemisfério Norte, que parecia enfraquecido diante da escuridão – e que regeu o culto à Mitra, a mitologia cristã e todas as histórias que têm seu auge na morte e res-

surreição de seu herói como método de redenção. Esses enredos nos vêm como herança simbólica do Aeon de Osíris. Para uma era patriarcal, onde abundam os deuses machos, os contos de aventura são fartos: o protagonista, quase sempre um jovem guerreiro, é arrebatado pela importância de sua missão, sai numa jornada cheia de perigos e, não raro, é gradualmente acostumado ao fato de que no fim ele terá de entregar tudo para vencer. Lembremo-nos de Hércules, que após realizar seus doze trabalhos, sacrifica-se – interessantemente, logo após desejar desposar a sedutora Iole – lançando-se numa fogueira, sendo então recebido no Olimpo como imortal. Quando toda a sua obra estava completa, só restava dar a si mesmo. No entanto, essa interessante fórmula foi constantemente exposta em enredos que viam a morte como uma sombra trágica. Esse é o entendimento osiriano, onde o sacrifício mortal é o auge da trajetória da herói. Mas como seria a representação do herói dentro do Aeon de Hórus? A nova matriz simbólica – vigente aos poucos – não é mais aquela do deus morto e ressuscitado, mas da Criança Coroada e Conquistadora. Obviamente, o tema da morte, sendo um fato da natureza, continuará existindo, mas sua compreensão e sua abordagem mudam. Imagine que, quando lemos uma história ou vemos um filme, nos comovemos com aquela parte que mais nos emociona, e essa parte se torna representante daquele enredo, seja o beijo dos amantes ou o momento de uma grande batalha. O Aeon de Osíris, por suas próprias razões históricas e espirituais, via a morte como esse ponto nevrálgico. O tom das histórias osirianas é, assim, possuído pelo dilema do dever e pela angústia do sacrifício. É como ter diante de si o mapa de uma grande viagem, mas, por tabu, revestir um trecho específico de medo ou pompa. Esse trecho era a morte. Carl G. Jung, em seu “Livro Vermelho”, traz a seguinte reflexão: “se sois

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crianças enquanto seres atuais, então vosso Deus descerá da altura da maturidade para a velhice e a morte. Mas se sois seres adultos que geraram ou pariram, seja no corpo ou no espírito, então vosso Deus subirá de um berço radioso para a altura incomensurável do futuro, para a maturidade e a plenitude do tempo que há de vir”. Essa imagem é extremamente importante para nós, pois ela situa a necessidade do Deus sacrificado como própria a um momento de infância espiritual, uma fase que preza pela segurança e instrução do pai. O deus-criança, por sua vez, é próprio ao adulto espiritual, ou a fase na qual nos reconhecemos como geradores e parturientes de nossa própria realidade. A Criança tem o futuro a sua frente, sendo um símbolo de possibilidades infinitas e, assim, de poder. O deus Hórus constela as qualidades dessa Criança, não sendo à toa que ele é o Deus do presente Aeon. Sobre essa mudança na “regência” dos deuses, Jung completa: “nossos deuses querem ser vencidos, pois necessitam de renovação”. E ainda: “Quando o Deus fica velho, ele se torna sombra, tolice, vai para baixo. A maior verdade torna-se a maior mentira; o dia mais claro torna-se a noite mais escura”. Essas imagens poéticas são uma percepção da mudança do Aeon. Embalado nessa série de transformações, consta ainda nas suas notas: “Mas nós queremos continuar vivendo com um novo Deus, um herói além de Cristo”. Naturalmente, isto assim ocorre porque o velho modelo  já não representa plenamente a realidade. Possivelmente a maioria ainda está no começo de pensar artisticamente aquilo que alguns de nós já concebemos espiritualmente. Hórus, como arquétipo de deus criança, tem algo de puer aeternus – o eterno jovem –, que é na verdade fonte de eterna renovação, e também de enfant terrible (“criança terrível”): aquela liberdade que desconcerta os adultos. Sua espontaneidade faz fronteira com a amoralidade. Portanto, sua ambivalência é constante, e conceitos como “bem” e “mal” já não interessam como antes. Ao contrário da rigidez osiriana, as descobertas de Hórus são de um mundo mágico livre em sua própria estrutura, uma vez que ele não está condicionado por um entendimento maniqueísta ou po r sistemas morais. As aventuras assumem mais o tom de uma descoberta de si mesmo do que de vencer o grande vilão – que é, na verdade, apenas parte do jogo. Se pensarmos bem, o “Grande Vilão” das histórias representa sempre o risco da morte. Não seriam os símbolos do mal absoluto, afinal, um modo de pensar a Morte? As representações de Hórus podem agir como libertação dessa estrutura artística e mental.

    l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

Citando novamente Hayao Miyazaki, sua animação “A Viagem de Chihiro” parece atender bem essas condições. O fato de a personagem ser uma criança se aventurando, sem conhecimento prévio, num mundo mágico, já constrói uma atmosfera favorável ao crescimento contínuo e autodescoberta propostas por Hórus. As bruxas e monstros, em vez de forças do “mal”, são interesses agindo de acordo com suas naturezas. São dúbias, esféricas e agem circunstancialmente, como qualquer ente mágico. Por mais desafiadoras que sejam, as situações têm tom de jogo.

No romance “A História sem Fim”, de Michael Ende – uma história nitidamente thelêmica –, Bastian descobre a si mesmo como o “escolhido” salvador de Fantasia. Sua aventura é a descoberta de sua Verdadeira Vontade, com todos os pormenores desse processo. Inclusive, sua condição de “salvador” – onde se deteriam os osirianos – é elevada a um novo patamar, onde seu status é constantemente revisitado e posto a prova. Em termos de fórmula e mesmo de narrativa, onde o Aeon de Osíris encontra seu clímax, o Aeon de Hórus está apenas começando. Em vez da imitação de um modelo de salvação (como, por exemplo, a doutrina da imitatio Christi ), devemos realizar por nossa própria fórmula a vivência de “Filho único de Deus”, ou mesmo “salvador” – até, talvez, perceber que não há nada a ser salvo. Nesta história, mais uma vez, não há vilão: há apenas a colheita dos próprios desejos de Bastian, cujo medalhão mágico, que lhe foi confiado pela Imperatriz Criança – cujo nome é Filha da Lua (Moonchild) –, ostenta as inscrições “Faze o que tu queres”. A própria ignorância d o herói o compromete, e apenas ele mesmo pode se salvar. Essa compreensão de espiritualidade e de aventura é marcante no Novo Aeon. “Peter e Wendy”, obra teatral de J. M Barrie, várias vezes adaptada para o cinema, também apresenta seus símbolos num viés moderno. A aventura, muitas vezes infantilizada – como também foi “A História sem Fim”, no cinema –, não é sobre Peter Pan, mas sobre Wendy. É dela o dilema sobre crescer ou não, e o enredo é sobre seu autoconhecimento. Peter Pan, como espírito primaveril, é o próprio Louco (ou Hoor-paar-kraat), a essência sempre jovem. Ele se apresenta a Wendy exatamente quando ela sofre a pressão da vida adulta. O Capitão Gancho – o gancho, ou a foice, sendo símbolos de Saturno e, portanto, da restrição ou Morte – é classicamente representado pelo mesmo ator que faz o pai de Wendy. Ele é, portanto, o velho, o polo oposto do espírito primaveril. Mas os piratas não são o mal. Eles são fundamentais para o jogo de Peter Pan e para a compreensão de Wendy sobre o Tempo, o qual Peter e o Capitão temem, cada um ao seu modo. É da dialética da luta entre eles que Wendy pode crescer, vencendo o terror da vida adulta e, ao voltar para casa, o acordo feito é que Peter Pan a leve nas primaveras para a Terra do Nunca. Ela pode se tornar a adulta integral, com um pé em cada um dos dois mundos. Novamente, uma história sobre crescimento contínuo. Sobre a morte, resta a frase emblemática de Peter: “Morrer seria uma grande aventura”. Nada além disso. Pequenas representações como essas põem luz e frescor sobre os pesados sacrifícios passados. As novas histórias são afirmativas do prazer da viagem. A morte, quando é tema presente, é circunstancial, uma ponte integrada ao enredo, e não um fardo do destino. Ela passa a ser algo natural, não um evento catastrófico. Mesmo quando emociona, não é com a lancinante dor do mártir, mas com a aventura. O herói regido por Hórus naturaliza a morte e permite que nós a vejamos sem a máscara negra que nós mesmos a pusemos. Afinal, como disse Crowley em seus “Pequenos ensaios em direção à verdade”: “(...) todo o Universo, e tudo o que está nele, o que é isto senão o playground infinito da Criança Coroada e Conquistadora, do insaciável, inocente, sempre regozijante Herdeiro do Espaço e da Eternidade, cujo nome é HOMEM?”

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HINO A  BACCHUS

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(A LEISTER  CROWLEY , EM LIBER  LXV, CAP 5,  VERS. 46) Salve, filho de Semela! A ti seja, a ti e a ela, Louvor, e vida eterna, e divindade bela! Vergonhosa traição! Da esposa olímpica a mão Cruel trama teceu contra a doce paixão! Vede! em rugidora flama Desce Zeus! e como clama Em Tebas, corpo em fogo, a nobre, a real dama! Nesse incêndio consumida, Ergue a voz do deus querida Pedindo que ao bebê no ventre salve a vida! E tu lhe escutasse o rogo,  Tu, Zeus, percebeste o jogo, E tiraste o bebê do chuveiro de fogo! Em tua coxa sagrada Foi a criança encerrada; De néctar, de ambrosia e luz alimentada! Com cabelos de serpente, Corpo lindo, olhar ardente, Ó Dionísio, tu surgiste finalmente! Sim! os sonhos do destino Nós ousamos dar de ensino E celebrar enquanto amamos neste hino! Ó tu, Dionísio, escuta! Vem rápido, vem, labuta, Sussura teu segredo em cada orelha e grita! Ó tu, Dionísio, enceta Qual apolônica seta! Em cada coração teus chifres achem meta!

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O HERÓI NO TARÔ UM ESTUDO SOBRE COMO A  JORNADA DOS A RCANOS M AIORES DO T  ARÔ PODE SER DESCRITA EM TERMOS DA  VIAGEM DO HERÓI     l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

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viagem do herói nos fala sobre alguém que se lança à estrada para realizar uma grande conquista. Vários modelos narrativos podem mapear essa viagem e discriminar suas etapas. O Tarô é um deles. Neste breve ensaio, vamos procurar oferecer um panorama geral sobre como os Arcanos Maiores representam a trajetória deste herói. Antes de tudo, identifiquemos que herói é este. No Tarô, ele está representado pelo Louco, pelo espírito livre que ainda

não se manifestou na matéria. Nas histórias mais antigas, o he rói é representado pelo bobo, pelo inapto, por alguém a quem o mundo não dá valor. Podemos lembrar que Arthur, antes de sacar Excalibur da pedra e ser reconhecido Rei, é muitas vezes representado por um atrapalhado escudeiro anônimo. A tolice do Louco é, na verdade, sinal de sua pureza ou integridade espiritual, e a sua lição é de que muitas vezes o caminho se abre pela surpresa, onde menos esperávamos. No livro “Entendendo o Tarô de Thoth de Aleister Crowley”, de Lon Milo DuQuette, o

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autor descreve o Louco como contendo elementos de “Dionísio Zagreu, o filho chifrudo de Zeus, e Bacchus Diphues, o louco deus bêbado e oni-sexual do divino êxtase”. Ainda no Tarô de  Thoth, o Louco é acompanhado de um tigre, símbolo primitivo de Iniciação. Contidos na espiral que o circunda, a borboleta, como movimento da alma, é um símbolo de Psique; a pomba, o Espírito Santo; o corvo, a dinâmica da mor te como transformação. O movimento contemplado nessa representação do Louco indica os processos que o levam à manifestação, ou o “sair de casa” da jornada do herói. Além disso, nas histórias clássicas, o herói tem “dupla naturalidade”: ele é um filho de deuses entregue aos cuidados de pais terrenos. Hércules, filho de Zeus, mas aceito na corte de Anfitrião, é um exemplo. Esses “pais celestiais”, no Tarô, podem ser entendidos como “O Mago” e “A Sacerdotisa”. Eles representam, assim, a dualidade primordial no mundo das ideias: o masculino e o feminino arquetípicos. Também representam dois caminhos com atitudes complementares: O Mago, o caminho mágico – característico daquele que se debruça ativamente sobre a natureza, em busca de assegurar o seu poder no Universo – e a Sacerdotisa, o caminho místico – característico daquele que se purifica para se adaptar e receber apropriadamente ao fluxo do Universo. O mago vai até Deus; o místico permite que Deus venha até ele. Ambos os caminhos – ação e recepção – deverão ser percorridos pelo herói de nossa história. Os “pais terrenos”, por sua vez, encarnam esses princípios no mundo concreto. “A Imperatriz”, como um símbolo de Mãe Natureza, é o próprio ventre do qual nasce a fartura material, sendo também a fonte de nutrição do herói. Ela também representa a sua criatividade, ou o poder de gerar. Já “O Imperador” representa a capacidade de organizar essa criatividade, a estruturação. Não à toa, a imagem do pai está culturalmente associada à autoridade e a lei. Conciliando as influências dos pais terrenos, o herói aprende as ferramentas básicas para se mover no mundo. “O Hierofante”, por sua vez, representa o momento em que

o herói começa a romper com os laços filiais e perceber a sua própria individualidade. Esse é o momento do despertar de sua Consciência. Nas histórias, o Hierofante muitas vezes aparece como um Velho Sábio, ou uma figura mágica de traços dúbios, que surge para apresentar um desafio, retirando o herói de seu lar e o incitando com a importância de uma missão. A sua instrução exalta a importância do herói ouvir o microcosmo (sua realidade interior) e o macrocosmo (a realidade do mundo): essa união é encontrada no Hierofante do Tarô de Thoth. Em seguida, o Arcano “Os Amantes”  representa uma decisão. Sendo uma carta de análise, ela revela uma forma de separação: a saída do herói do Grande Inconsciente (ou o lar parental) rumo à edificação de sua individualidade. Esta é, também, uma carta de casamento, e que, portanto, reconhece a pluralidade

do mundo, a multiplicidade de ideias e do “outro”. É, portanto, uma carta de nítida dualidade. “Os Amantes” também sugerem que o amor pela Amada – ou pelo Amado, um dos modos de se referir ao Sagrado Anjo Guardião –, mesmo que seja na forma de um pálido vislumbre ou rumor distante, é fundamental para motivar o herói na sua jornada. É a busca pela Amada, por esse tesouro precioso, que o inspira.

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“O Carro” é a partida propriamente dita. O herói se lança no

mundo da dualidade, na multiplicidade percebida, para experimentar nele a sua própria Consciência. Aleister Crowley, no seu “Livro das Mentiras”, cap 8, diz: “um homem só é ele mesmo quando se perde de si próprio no andar da Carruagem”. Essa Carruagem, como um símbolo de êxtase que se lança adiante, sempre criativo, sempre regozijante, é uma fórmula f undamental do Novo Aeon. A unidade da individualidade deve ser criada a partir da vivência da dualidade. Esse é o mistério do Graal que o Auriga condutor da Carruagem porta. E ssa é a fórmula do “Dois-em-um”, que Crowley sugere no seu Livro de Thoth, fechada pela misteriosa frase “TRINC: o último oráculo!” Lon Milo DuQuette nos remete ao romance “Gargantua e Pantagruel”, de Rabelais, onde a frase “TRINC!” (isto é, uma forma de “Drink!” – ou “beba!”) é a solução dada à pergunta: “devo me casar”? Esse aforisma, que remete ao beber do Graal, associa um sacramento matrimonial à bebida da Taça, que é o êxtase transportado – e consumido – pelo herói na dualidade do mundo, nesta fase em que ele dirige a Carruagem. No “Ajustamento”, o herói colhe o que plantou. Suas experiências devem ser pesadas e analisadas friamente pelo crivo da Espada, uma arma de análise e corte. O herói se usa do método científico para avaliar suas estratégias no mundo. Esse momento é também crucial para sua percepção como responsável por seu próprio destino. Por fim, aquele “Louco” inicial se torna o “Eremita”. O tolo se torna o sábio ingênuo. Da reflexão e interiorização das experiências de sua viagem, ocorre o reconhecimento daquilo que ele é. A sua individualidade está sólida, protegida pelo manto negro que cobre a figura no Arcano. Ele dá ao mundo apenas a sua luz. Essa carta representa um ponto de virada na jornada do herói: até agora, ele esteve edificando sua individualidade. Agora, essa individualidade vai embarcar na clássica “grande aventura noturna”, ou descida aos infernos. A “Roda da Fortuna”  expressa seu conhecimento das forças que movem a realidade, os três gunas, ou tendências hindus: sattva, raja e tamas; ou serenidade, agitação e inércia; ou, ainda, os elementos alquímicos mercúrio, enxofre e sal. Ele tem de conhecer o pormenor desse eterno ciclo e se e quilibrar nessas tendências, identificando-se com o eixo do círculo. Em “Luxúria”, o herói se depara com a sua profundeza criativa e bestial. Ele se depara, também, com a hybris, ou desmesura,

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que tanto acometeu os heróis gregos na forma de orgulho. A Besta, ou selvageria ex pressa no Atu XI, no entanto, precisa ser cavalgada pelo Entendimento para ser uma força geradora. O herói deve estar aberto para o entendimento de cada experiência e, desse modo, cavalgá-la. Nesta belíssima carta, estão representados os intestinos humanos. Aqui, já temos um indicador de que essa operação ocorre nos centros – ou Chakras – mais baixos, não raro considerados “infernais”. Em seguida, temos “O Pendurado”. Ele representa essencialmente um momento de grande crise. Esse beco sem saída, no entanto, pode ser um ponto de virada, se encarado pela fórmula da paciência e da compreensão. O deus nórdico Wotan ficou pendurado na ár vore Yggdrasil durante nove dias e noites. Após isso, obteve o conhecimento das runas. Essa grande crise pode ser um momento de incursão ao inconsciente, representado pelas águas sob as quais a cabeça do Pendurado pende. Muitas vezes, esse é, para o herói, o momento de rever seu caminho, ou mesmo de voltar atrás. D o modo que estavam, as estratégias que o levaram a essa posição podiam estar representando uma traição a si mesmo. A situação do Pendurado o encurrala. No entanto, logo em seguida, temos a “Morte”. Ela representa que uma força se esgotou e precisa se renovar. É hora de ele dizer adeus a velhos aspectos seus. Essa viagem noturna p ermite sua transformação: ervas daninhas cortadas permitem ao solo uma nova colheita. Conciliado com esse momento de morte, encontramos “A Arte”, que representa a união per feita daquilo que estava desunido. Moderação, comedimento e arranjo são os processos que o herói aqui vive, como o Alquimista que, em sua retorta, assiste o que se desenrola em seu próprio interior. Neste Arcano, está inscrita a importante fórmula alquímica VITRIOL, ou “Visita Interiorem Terrae, Rectificandoque, Invenies Occultum Lapidem”  (Visita o Interior da Terra, Retificando-te, encontrarás a Pedra Oculta). De modo muito simples e didático, temos aqui a fórmula de descida para o mundo interior. “O Diabo”, por fim, representa a meia-noite, o ponto mais es-

curo da viagem, o ponto mais fundo dessa descida. Ele é representado por Pã, ou Capricórnio, o Bode Saltador, exatamente porque sua virilidade é completamente irracional. Nesse momento, o herói deve se confrontar com tudo que lhe é sombrio. O próprio Diabo é um glifo de tudo aquilo que é considerado monstruoso, impertinente e, portanto, reprimido. O resgate e compreensão das forças recalcadas nessa escuridão são o nor te     l    t    a de nosso herói.    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

Não à toa, “A Torre”  é a próxima carta, surgindo como uma forma de libertação dramática. Torres são fortalezas de ideias pré-concebidas nas quais nos encastelamos. Na sua pretensão, a  Torre pretendeu substi tuir o phallus (o qu e se vê m esmo p or seu formato), ou a completude. Como a completude da Torre é f alsa, é um ato de piedade divina nos livrar – às vezes dolorosamente – dessas paredes restritivas. A demolição da Torre surge como

uma fulminante etapa de libertação, que se usa das energias do submundo: assim, uma boca monstruosa se abre para purgá-la com fogo. O Olho de Hórus aberto no topo do Arcano revela que essa violência é dirigida por Deus, também pela po mba do Espírito Santo que descende na carta, cujas formas se contorcem de agonia. Esse momento de libertação – ou iluminação – é essencial para libertar a alma das amarras que a mantinham presa no inconsciente. Esse é o momento do derradeiro resgate do Bem-Amado, ou da Princesa dos contos de fada. Após ter sido liber tada da consciência limitada, a Amada alma, na forma de “A Estrela”, pode falar ao herói e inspirá-lo com a mensagem do mais alto. O celestial foi, afinal, encontrado no infernal. A Princesa foi resgatada das garras do Dragão. Ela reflete, aqui, a intuição mais alta. A sua importância é valorizada na expressão popular que versa sobre a estrela-guia: aquela que nos leva pelo caminho correto. No entanto, como a todo herói que conquista um valioso prêmio do inferno, o caminho de volta também é especialmente perigoso. A lenda de Orfeu e Eurídice nos conta, por exemplo, sobre o trágico perigo de “olhar para trás”. Para retornar com a inspiração obtida para o mundo dos vivos e da consciência, o herói deve se conduzir diligentemente através da noite, pelos fantasmas de “A Lua”. Essa carta representa as diversas imagens do Grande Inconsciente e seu falso glamour. Representa, também, o labirinto do inferno: e é função de Cérbero não deixar que os mortos saiam. No Tarô de Thoth, vemos os chacais de Anúbis, deus que se ergue em forma dupla nas torres que conduzem à saída. Esse renascimento de uma consciência renovada – guiada por Kephra, o deus-escaravelho que conduz o Sol – é magistralmente sugerido na forma que a car ta assume – a de pernas femininas.  Temos, aqui, uma dimensão clara do significado de “dar à luz”. Chegamos, por fim, em “O Sol”. O resgate foi concluído e o herói retornou à luz do dia. A Grande Obra foi realizada, radiante como o orgasmo, erguendo-se, solar, acima da verdejante montanha fálica! O herói e a Amada, juntos, realizam a sua androginia ou, ainda, sua identidade, em pura dança. Nos enredos, esse momento equivale às núpcias da Princesa que, enfim, casou-se com o seu Príncipe. Juntos, eles se tornam os novos Rei e Rainha de seu Reino. Essa é a condição essencial para que a revitalização descrita na carta seguinte, “O Aeon”, possa ocorrer: este é o processo que culmina não só na revitalização de si mesmo, mas no nascimento de uma Nova Era. É por esse processo que o Reino – isto é, o mundo – é revitalizado. Sem este processo, ele definharia e morreria. “O Universo”, por fim, refere-se à reconquista do paraíso perdi-

do. Toda a Obra foi realizada. O “felizes para sempre” retrata, de maneira pueril, esse estado idílico. Fato é que a completude foi realizada. O Louco, como espírito não- manifesto, tornou-se totalmente consciente de suas próprias forças ao longo de sua jornada. O Espírito pôde se manifestar em sua plenitude na matéria.

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NTUSIASMO EENERGIZADO

LIBER  DCCCXI SUB FIGUR  DCCCXI PARTE II UMA NOTA

SOBRE T  EURGIA

IX  Voltemos ao assunto. A raridade do gênio é, em grande par te, devido à destruição de suas proles. Mesmo como na vida física, onde uma planta favorecida é aquela que entre milhares de sementes germinou uma folha, assim as condições matam todos, exceto os mais fortes filhos do gênio. Mas assim como o número de coelhos cresceu rapidamente na Austrália, onde mesmo um missionário ficou conhecido por gerar noventa crianças em dois anos, assim nós devemos estar aptos a produzir o gênio, se pudermos encontrar as condições que o dificultam, e removê-las.

Mas eu estou muito bem ciente de que tal imagem não é suscetível de ser pintada. Nós podemos apenas trabalhar pacientemente e em segredo. Nós devemos selecionar material apropriado e treiná-lo com a máxima reverência nesses três métodos-mestre, ou auxiliando a alma em seu orgasmo genial.

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X  Essa atitude de reverência é de uma impor tância que eu não posso exagerar. Pessoas normais encontram alívio normal em qualquer excitação genérica ou especial no ato sexual. O comandante Marston, R.N, cujos experimentos sobre os efeitos do tam-tam na mulher inglesa casada são clássicos e conclusivos, descreveu admiravelmente como a agitação vaga que ela a princípio demonstra gradualmente assume uma forma sexual e culmina, caso seja permitido, em masturbação desavergonhada ou iniciativas indecentes. Mas esse é um corolário natural da proposição de que as mulheres inglesas estão usualmente não familiarizadas com a satisfação sexual. Os desejos delas são constantemente estimulados por maridos brutais e ignorantes, e nunca gratificados. Esse fato, novamente, explica a impressionante prevalência de casos de Safismo na sociedade londrina.

O óbvio passo prático a se tomar é restaurar os ritos de Baco, Afrodite e Apolo a seu lugar devido. Eles não deveriam ser abertos a todos, e a virilidade deveria ser a recompensa para o ordálio e iniciação.

Os Hindus alertam seus pupilos contra os perigos dos exercícios respiratórios. De fato, a menor frouxidão nos tecidos físicos ou morais pode causar que a energia acumulada pela prática descarregue a si mesma por emissão involuntária. Eu sei que isso acontece por minha própria experiência.

Os testes físicos deveriam ser severos, e os fracos deveriam ser eliminados em vez de artificialmente preservados. A mesma observação se aplica a testes intelectuais. Mas tais testes deveriam ser tão amplos quanto possível. Eu era um absoluto pateta na escola em todos os tipos de jogos e atletismo, pois eu os desprezava. Eu tive, e ainda tenho, numerosos recordes mundiais de montanhismo. Do mesmo modo, e xames falham em testar inteligência. Cecil Rhodes se recusava a empregar qualquer homem com um grau universitário. Que esses graus levem a honrarias na Inglaterra é um sinal da decadência da Inglaterra, mesmo que na Inglaterra eles geralmente sejam degraus para a ociosidade clerical ou escravidão pedagógica.

É, então, da máxima importância perceber que o alívio desta tensão deve ser encontrado naquilo que os Hebreus e os Gregos chamaram de profecia, e que é melhor quando organizado na forma de arte. A descarga desordeira é mero desperdício, um deserto de uivos; a descarga ordenada é um “Prometeu desacorrentado”, ou uma “L’age d’airain”, de acordo com as aptidões especiais da pessoa entusiasmada. Mas deve ser lembrado que aptidões especiais são muito fáceis de serem adquiridas se a força motriz do entusiasmo for grande. Se você não pode manter a regra dos outros, você faz as suas próprias regras. Um sistema de regras se revela, a longo pra zo, ser tão bom quanto qualquer outro.

 Tal é o esb oço pontu ado da ima gem que eu quis traçar. Se o poder de possuir propriedade dependesse da competência de um homem, e de sua percepção de valores reais, uma nova aristocracia seria imediatamente criada, e o fato mor tal que a consideração social varia com o poder de comprar champanhe cessaria de ser um fato. Nossa pluto-hetairo-po litocracia cairia em um dia.

Henry Rousseau, o duanier, foi zombado por toda a vida. Eu gargalhei tão cordialmente como os outros; ainda assim, quase apesar de mim mesmo, eu repetia (como se costuma dizer): “que eu senti alguma coisa; não poderia dizer o quê”. O momento em que ocorreu a alguém a ideia de colocar todas as pinturas dele numa sala por conta própria, ficou instanta-

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

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  a   c    i   m    ê    l   e    T   a   c   e    t   o    i    l    b    i    B

neamente aparente que sua “ingenuidade” era a simplicidade de um Mestre. Que ninguém imagine que eu falho em perceber ou subestimar os perigos do emprego deste método. A ocorrência mesmo de um assunto tão simples como fadiga poderia transformar uma Las Meninas numa crise sexual estúpida. Será necessário para a maioria dos ingleses emular o autocontrole dos Árabes e Hindus, cujo ideal é deflorar o maior número possível de virgens – oito é considerado uma per formance bastante boa – sem concluir o ato. É, de fato, de importância primária para o celebrante de qualquer rito fálico ser apto de completar o ato sem permitir nem uma vez que um pensamento sexual ou sensual invada sua mente. A mente precisa estar absolutamente distanciada do próprio corpo, como se estivesse de outra pessoa.

XI Dos instrumentos musicais, poucos são apropriados. A voz humana é o melhor, e o único que pode ser empregado utilmente em coro. Qualquer coisa como uma orquestra implica em ensaio infinito e introduz uma atmosfera de ar tificialidade. O órgão é um instrumento solo digno, e é uma orquestra em si mesmo, enquanto seu tom e associações favorecem a ideia religiosa. O violino é o mais útil de todos, pois sua própria disposição expressa a ânsia pelo infinito, e ainda assim é tão móvel que possui uma escala emocional maior que qualquer um de seus concorrentes. Acompanhamento deve ser dispensado, a não ser que um harpista esteja disponível. O harmônio é um instrumento horrível, apenas por causa de suas associações; e o piano se assemelha, embora, se invisível e tocado por um Paderewski, ele serviria. A trombeta e o sino são excelentes, para surpreender, no ápice da cerimônia. Quente, surrado, apaixonado, em uma classe diferente de cerimônia, uma classe mais intensa e direta, mas no geral menos exaltada, o tam-tam jaz solitário. Ele combina bem com a prática do mantra, e é a melhor companhia para qualquer dança sagrada.     l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

XII Das danças sagradas, a mais prática para uma reunião é a dança sentada. A pessoa se senta de pernas cruzadas no chão, e balança o quadril de um lado para o outro no ritmo do mantra. Um solo ou dueto de dançarinos como espetáculo acaba distraindo do exercício. Eu sugeriria uma muito pequena e muito brilhante luz no chão, no meio da sala. Tal sala seria melhor forrada com mosaicos de mármore; um carpete ordi-

nário de uma Loja maçônica não é má coisa. Os olhos, se eles enxergam alguma coisa, veem apenas os quadrados rítmicos ou mecânicos que conduzem, em perspectiva, para a simples e constante luz. O balanço do corpo com o mantra (que tem o hábito de aumentar e diminuir, como se por vontade própria, de um jeito bastante estranho) se torna mais acentuado; finalmente ocorre um curioso estágio espasmódico, e então a consciência estremece e se vai; talvez irrompa em consciência divina, talvez meramente seja chamada a si mesma p or alguma variável na impressão externa. Acima está uma descrição muito simples de uma forma de cerimônia muito simples e séria, baseada inteiramente sobre o ritmo. Ela é muito fácil de preparar, e seus resultados são normalmente muito encorajadores para o iniciante.

XIII O vinho, sendo um zombador, e bebida irascivelmente forte, seu uso conduz mais provavelmente à confusão do que a mera música. Uma dificuldade essencial é a dosagem. A pessoa precisa exatamente do suficiente; e, como Blake aponta, alguém só pode dizer o que é suficiente provando o excesso. Para cada homem a dose varia enormemente; assim é para o mesmo homem em épocas diferentes. O escape cerimonial para isto é ter um auxiliar silencioso que carregue a taça da libação, e a sirva a cada um em intervalos frequentes. Pequenas doses deveriam ser bebidas, e a taça passada adiante, tomada como o adorad or julgar recomendável. No entanto, o portador da t aça deve ser um iniciado e usar sua própria discrição antes de apresentá-la. O menor sinal de que intoxicação está dominando o homem deveria ser um sinal para que ele passe este homem. Essa prática pode facilmente se encaixar na cerimônia descrita anteriormente. Se desejado, em vez de vinho, o elixir introduzido por mim na Europa pode ser empregado. Mas seus resultados, se usados desta forma, ainda não foram totalmente estudados. É meu propósito imediato reparar essa negligência.

XIV  A excitação sexual, que deve completar a harmonia do método, oferece um problema mais difícil. É excepcionalmente desejável que os movimentos reais cor-

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porais envolvidos devam ser decorosos no mais elevado sentido, e muitas pessoas são tão mal treinadas que irão ser incapazes de atribuir a uma cerimônia como esta algo além d e olhos críticos e lascivos; seria fatal para todo o bem já feito. É presumivelmente melhor esperar que todos os presentes estejam bastante exaltados, antes de arriscar uma profanação.

sávamos, com essência de rosas numa taça.

Não é desejável, na minha opinião, que os adoradores comuns celebrem isto em público. O sacrifício deveria ser singular. Sendo ou não...

Os assentos haviam sido mantidos; na mão de cada cavaleiro, queimava uma vela de cera cor de rosa, e um buquê de rosas estava diante dele.

XV  Até aqui eu havia escrito quando o distinto poeta, cuja conversação comigo sobre os Mistérios tinham me incitado a esboçar essas poucas notas ásperas, bateu à minha porta. Eu disse a ele que eu estava trabalhando nas ideias sugeridas por ele, e que – bem, eu estava um pouco parado. Ele pediu permissão para dar uma olhada no manuscrito (pois ele lê inglês fluentemente, embora fale apenas umas poucas palavras) e, tendo-o feito, ele se animou e disse: “Se você vier comigo agora, nós iremos terminar o seu ensaio”. Contente o bastante por ter qualquer desculpa para parar de trabalhar, quão mais plausível melhor, apressei-me em apanhar meu casaco e chapéu. “Por falar nisto”, ele observou no automóvel, “Eu imagino que você não se importe em me dar a Palavra da Rosa Cruz”. Surpreso, eu troquei os segredos de I.N.R.I com ele. “E agora, muito excelente e perfeito Príncipe”, ele disse, “o que se segue está sob este selo”. E ele me deu o mais solene de todos os toques maçônicos. “Você está prestes”, disse ele, “a comparar seu ideal com o nosso real”. Ele tocou uma campainha. O carro parou, e nós saímos. Ele dispensou o chauffeur. “Venha”, ele disse, “temos que percorrer uma breve meia milha”. Nós andamos através de florestas espessas até uma velha casa, onde fomos saudados em silêncio por um cavalheiro que, embora vestido finamente, portava uma espada muito “prática”. Ao deixá-lo satisfeito, fomos guiados através de um corredor até uma antessala, onde outro guardião armado nos esperava. Ele, após um exame mais aprofundado, procedeu em me oferecer trajes finos, a insígnia de um Soberano Príncipe da Rosa Cruz, uma jarreteira e um manto, a primeira de seda verde, o último de veludo verde e forrado com seda cor-de-cereja. “É uma missa ordinária”, sussurrou o guardião. Nessa antessala, nós éramos três de quatro outros, tanto damas como cavalheiros, ocupados ao se trajar. Na terceira sala encontramos uma procissão formada, e nos  juntamos a e la. É ramo s v inte e s eis d e nós a o t otal. P ass ando por um guardião final, nós alcançamos a capela mesma, em cuja entrada estavam um jovem rapaz e uma jovem moça, ambos vestidos em robes simples de seda branca bordada em ouro, vermelho e azul. O primeiro carregava uma tocha de madeira resinosa, a segunda nos borrifou, enquanto pas-

A sala onde agora est ávamos fora, um dia, uma capela; assim a sua forma declarava. Mas o altar-mor estava coberto por um pano que exibia a Rosa-Cruz, enquanto acima dele estavam dispostos sete candelabros, cada um com sete ramos.

 B   i    b   l    i    o  t   e  c  a  T  e  l    ê    m  i    c  a

No centro da nave estava uma grande cruz – uma “cruz de calvário de dez quadrados” medindo, digamos, seis por cinco pés – pintada em vermelho sobre um painel branco, em cujos limites jaziam anéis por onde passavam postes dourados. Em cada canto havia um estandarte, dispondo um leão, touro, águia e homem, e no topo dos postes brotava um dossel azul, onde estavam retratados em dourado os doze emblemas do Zodíaco. Cavaleiros e Damas estando acomodados, subitamente um sino tilintou na arquitrave. As portas se abriram a um ribombo de trombeta vindo de for a, e um arauto avançou, seguido dos Sumo-Sacerdote e Sacerdotisa. O Sumo-Sacerdote era um homem de quase sessenta anos, se eu posso julgar pela barba branca; mas ele andava com o passo elástico, ainda que seguro, dos trinta anos. A Sumo-Sacerdotisa, uma mulher orgulhosa, alta e sombria de, talvez, trinta verões, caminhava ao seu lado, suas mãos erguidas e se tocando como no minueto. Suas abas eram carregadas pelos dois jovens que nos admitiram.  Tudo isso enquanto um órgã o inv isí vel tocava um Introito. Ele cessou quando eles assumir am seus lugares no altar. Eles fitaram o Oeste, esperando. Ao fechar das portas, o guarda armado, que estava vestido em robe escarlate em vez de verde, desembainhou sua espada, e subiu e desceu pela galeria, cantando exorcismos e balançando a grande espada. Todos os presentes sacaram suas espadas e fitaram o lado de fora, mantendo as pontas em frente a eles. Essa parte da cerimônia pareceu interminável. Quando isso acabou, a garota e o garoto reapareceram; um carregando um vaso, o outro um incensário. Cantando uma litania ou outra, aparentemente em Grego, embora eu não tenha pego as palavras, eles purificaram e consagraram a capela. Agora, os Sumo-Sacerdote e Sacerdotisa começaram uma litania em letras rítmicas de igual comprimento. A cada terceira resposta, eles davam as mãos de uma maneira pe-

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

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  a   c    i   m    ê    l   e    T   a   c   e    t   o    i    l    b    i    B

culiar; a cada sete, eles se beijavam. À vigésima primeira, houve um abraço completo. O sino tilintou na arquitrave; e eles se separaram. O Sumo-Sacerdote então pegou do altar um frasco curiosamente num formato de imitação de um phallus. A Sumo-Sacerdotisa se ajoelhou e apresentou uma taça de ouro em forma de barco. Ele se ajoelhou em frente a ela, e não derramou do frasco. Agora, os Cavaleiros e Damas começaram uma longa litania; primeiro, uma Dama em soprano, depois, um Cavaleiro em baixo, e então uma resposta em coro de todos os presentes, com o órgão. Este Coro era: EVOE HO, IACCHE! EPELTHON, EPELTHON, EVOE, IAO! Novamente e novamente, ele aumentou e sumiu. Próximo ao seu fechamento, não posso assegurar se por “efeito de palco” ou não, a luz sobre o altar cresceu rosada, e então púrpura. O Sumo-Sacerdote abrupta e rapidamente ergueu sua mão; silêncio instantâneo. Ele agora verteu o vinho do frasco. A Sumo-Sacerdotisa deu ele à moça au xiliar, que o levou para todos os presentes. Este não era um vinho trivial. Foi dito da vodk a que ela parece água e tem gosto de fog o. Com esse vinho, o caso era o reverso. Ele era de um rico ouro ardente, no qual chamas de luz dançavam e se sacudiam, mas seu gosto era límpido e puro como uma fonte de água fresca. Mal eu bebi dele, no entanto, e comecei a tremer. Era uma sensação da mais incrível; eu posso imaginar o sentimento de um homem quando ele espera seu carrasco, quando ele já passou através do medo, e é todo excitação. Eu olhei ao longo da minha bancada, e vi que cada um estava semelhantemente afetado. Durante a libação, a Sumo-Sacerdotisa cantou um hino, novamente em Grego. Desta vez eu reconheci as palavras; elas eram de uma antiga Ode a Afrodite.

    l    t    a    o    c     l    a    z    t    e    u     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

O jovem auxiliar agora d esceu à cruz vermelha, abaixou-se e a beijou; então, ele dançou sobre ela de uma maneira que parecia que ele estava traçando padrões de uma maravilhosa rosa de ouro, pois a percussão fez uma chuva de poeira brilhante cair do dossel. Enquanto isso a litania (palavras diferentes, mas o mesmo coro) começou novamente. Dessa vez, era um dueto entre o Sumo-Sacerdote e Sacerdotisa. A cada coro, Cavaleiros e Damas se curvavam. A garota circulava continuamente, e o vaso passava. Isto se encerrou na exaustão do garoto, que caiu desmaiado sobre a cruz. A garota imediatamente tomou o vaso e o levou aos seus lábios. Então ela o levantou e, com a assistência do Guardião do Santuário, o levou para fora da capela.

O sino mais uma vez tilintou na arquitrave. O arauto tocou uma fanfarra. O Sumo-Sacerdote e Sacerdotisa se moveram imponentemente um na direção do outro e se abraçaram, desatando, no ato, os pesados robes dourados que vestiam. Estes caíram, lagos gêmeos de ouro. Desta vez eu a vi vestida com uma peça de seda branca ondulada, forrada ao longo (como se percebeu mais tarde) com arminho. A vestimenta do Sumo-Sacerdote era um bordado elaborado de todas as cores, harmonizadas por uma arte requintada, ainda que robusta. Ele também usava um peitoral correspondente ao dossel; uma “besta” esculpida em cada canto de ouro, enquanto os doses signos do Zodíaco eram simbolizados pelas pedras do peitoral. O sino tocou ainda mais uma vez, e o arauto novamente soou a sua trombeta. Os participantes se moveram ao longo da nave de mãos dadas, enquanto o órgão trovejou suas harmonias solenes.  Tod os os Cavaleiros e Damas se erguer am e dera m o sinal secreto da Rosa Cruz. Foi nesta altura da cerimônia que coisas começaram a me acontecer. Eu fiquei subitamente consciente que meu corpo tinha perdido tanto peso como sensibilidade táctil. Minha consciência parecia não estar mais situada no meu corpo. Eu “confundi a mim mesmo”, se eu posso usar essa frase, com uma das estrelas do dossel. Neste sentido, eu perdi de vista os participantes realmente se aproximando da cruz. O sino tilintou novamente; eu voltei a mim mesmo, e então vi que a Sumo-Sacerdotisa, estando na base da cruz, atirou seu robe sobre ela, de modo que a cruz não estava mais visível. Havia apenas o painel coberto de arminho. Ela agora estava nua, exceto por seu diadema colorido e adornado de joias, e o pesado torque de ouro em torno de seu pescoço, e os braceletes e tornozeleiras que combinavam com ele. Ela começou a cantar numa suave língua estranha, tão baixo e serenamente que eu, em minha perplexidade parcial, não podia ouvir completamente; mas eu apanhei algumas palavras, Io Paian! Io Pan! e uma frase na qual as palavras Iao Sabao fechavam enfaticamente a sentença nas quais eu percebi as palavras Eros, Thelema e Sebazo. Enquanto ela fazia isto, ela despiu o peitoral e o entregou à garota auxiliar. Seguiu-se do robe; eu vi que eles estavam nus e desavergonhados. Pela primeira vez houve silêncio ab-

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soluto. Agora, de uma centena de jatos cercando o painel, derramou-se uma fumaça púrpura perfumada. O mundo foi envolto numa terna gaze de nevoeiro, sagrado como as nuvens sobre as montanhas. Então, a um sinal dado pelo Sumo-Sacerdote, o sino tilintou uma vez mais. Os participantes esticaram seus braços na forma de uma cruz, entrelaçando seus dedos. Ela então o deitou sobre a cruz, e tomou seu próprio lugar devido.

mente, a palavra explosão é a única que dá alguma ideia sobre isto. 9.   Eu agora parecia estar consciente de tudo simultanea-

mente, que tudo er a, ao mesmo tempo, “um” e “muitos”. Eu digo “imediatamente”, isto é, eu não era sucessivamente todas as coisas, mas instantaneamente.

 B   i    b   l    i    o  t   e  c  a  T  e  l    ê    m  i    c  a

10.   Este ser, se posso chamá-lo de ser, pareceu cair num

abismo infinito de Nada. O órgão agora, novamente, ressoou sua música solene. 11.   Enquanto essa “queda” durou, o sino repentinamente

Eu estava completamente perdido. Eu vi apenas isso, que os participantes não fizeram qualquer movimento esperado. Os movimentos eram extremamente breves e, ainda assim, extremamente fortes. Isso deve ter continuado por um grande período de tempo. A mim, pareceu-me como se a própria eternidade não pudesse conter a variedade e profundidade de minhas experiências. Nem língua nem caneta poderiam registrá-las; e, no entanto, estou contente de tentar o impossível. 1.   Eu era, certamente e sem dúvidas, a estrela no dossel.

Esta estrela era um mundo incompreensivelmente enorme de chama pura. 2.  Eu subitamente percebi que a estrela não tinha qualquer

tamanho. Não é que ela tenha encolhido, mas que ela (= Eu) se tornou subitamente consciente do espaço infinito. 3.  Uma explosão tomou lugar. Eu era, consequentemente,

um ponto de luz, infinitamente pequeno, embora infinitamente brilhante, e este ponto er a “sem posição”.

tilintou três vezes. Eu instantaneamente me tornei meu ser normal, embora com uma consciência constante, que nunca me abandonou até esta hora, que a verdade da matéria não é este “Eu” normal, mas “Aquilo” que ainda está caindo no Nada. Eu fui assegurado por aqueles que sabem que eu posso estar apto a retomar o fio se eu estiver em outra cerimônia. O tilintar esvaneceu. A garota auxiliar rapidamente se adiantou e dobrou o arminho sobre os participantes. O arauto soprou uma fanfarra, e os Cavaleiros e Damas deixaram suas bancadas. Avançando até o painel, nós pegamos os postes dourados e os carregamos, e seguimos o arauto em procissão para fora da capela, levando a liteira para uma capela menor que conduzia para fora da antecâmara do meio, onde a deixamos, os guardas fechando as portas. Em silêncio nos despimos e deixamos a casa. Após uma milha através da floresta, nós encontramos o automóvel do meu amigo esperando. Eu perguntei a ele se esta era uma missa ordinária, não seria permitido eu testemunhar uma Missa Solene?

4.  Consequentemente, este ponto era onipresente, e hou-

ve uma sensação de infinito espanto, cego após muito tempo por uma torrente de êxtase infinito (eu uso a palavra “cego” como que sobre coação; eu preferiria usar as palavras “apagado”, “sobrepujado” ou “iluminado”). 5.   Esse preenchimento infinito – eu não a descrevi como

tal, mas é o que era – rapidamente mudou para uma sensação de vazio infinito, que se tornou consciente como uma ânsia.

“Talvez”, ele respondeu com um sorriso curioso, “se tudo o que eles falam de você for verdade”. No entanto, ele permitiu que eu descrevesse a cerimônia e seus resultados tão fielmente quanto eu pudesse, incumbindo-me apenas de não dar indicação da cidade perto da qual ela aconteceu.

bitamente, e sem de nenhum modo se sobreporem, com grande rapidez.

Estou disposto a indicar a iniciados no grau da Rosa Cruz da Maçonaria, sob patente adequada de autoridades genuínas (pois há Maçons espúrios trabalhando sob uma patente forjada) o endereço de uma pessoa disposta a considerar sua aptidão em se afiliar a um Capítulo que pratica ritos similares.

7. Essa alternação deve ter ocorrido cinquenta vezes – eu

XVI

6.  Essas duas sensações começaram a alternar, sempre su-

prefiro dizer uma centena. 8.  As duas sensações subitamente se tornaram uma. Nova-

Considero supérfluo continuar meu ensaio sobre os Mistérios e minha análise sobre o “Entusiasmo Energizado”.

E   s   t   r   e l     a R   u  b  i   

    2     2

  a   c    i   m    ê    l   e    T   a   c   e    t   o    i    l    b    i    B

HOOR  HOORÁCULO

O sistema mágico de Telema se utiliza de vários outros métodos, como Cabala,  Yoga, Enochiano etc. Em termos práticos, qual a grande inovação do sistema de Telema? O surgimento de Thelema não é aleatório, ou seja, não é uma geração espontânea. Sua origem é consequência da evolução do estado de consciência humano que, após séculos de progresso, transbordou para outro nível de potencialidade e, desta feita, necessita de novos parâmetros para a observação e compreensão do mundo, bem como, para os diversos aspectos que norteiam a sua relação com o Universo e todos os seus componentes.

e ocorrerão amanhã, nada mudou. Mesmo Deus com todo o seu séquito de anjos e demônios é estável, nada no mundo divino é capacitado para a mudança, pois já se encontra no estado de perfeição. Apenas aquilo que evolui pode e deve sofrer alteração. Assim, Deus, sendo o Todo Perfeito, não possui mais nada a acrescentar, Ele é, num aspecto mais próximo da nossa razão, o Eu Sou o que Sou, ou seja, inalterado. Do mesmo modo, todos os seus anjos e demônios, independente do nível de manifestação, foram criados com um propósito definido, ou seja, não possuem livre arbítrio, portanto sua realização é inalterada. O único fenômeno que possui a capacidade de mudança porque reúne dentro de si os opostos que lhe permitem opção, ou seja, liberdade de escolha, é o Homem. Portanto, aquilo que gira em tono do estável e lhe doa o colorido e lhe muda as formas não é outra senão a consciência humana com todos os seus elementos. Quando um ser humano se liga a um objeto ele se projeta e lhe empresta, mesmo que por breve tempo, os aspectos de sua própria Essência. A Essência é perfeita e imutável, mas os seus aspectos se ampliam e mudam, conforme o Homem se aproxima dela, ou seja, amplia o seu entendimento e conhecimento sobre ela. Continua na próxima Edição...

O Hooráculo é a resposta a uma pergunta. A cada edição, a pergunta de um leitor da Estrela Rubi será selecionada e a resposta a ela será dada  por um ou mais membros da Loja Quetzalcoatl. Caso queira submeter sua pergunta de cunho mágicko ou thelêmico ao Hooráculo, a envie

Não é mais possível ao homem contemporâneo acreditar, por exemplo, que o sol morre ao anoitecer na incerteza de seu surgimento ao amanhecer; não acreditamos mais que a Terra é quadrada ou que a abiogênese é uma realidade; mudamos nosso âmbito sexual, cultural etc. Enfim, a abrangência dessas mudanças foi de tal monta que provocou uma desconstrução das crenças que estavam enraizadas e sustentavam os pilares da nossa realidade tanto individual quanto social. Realidade desconstruída, é agora necessário erguer novos pilares e estabelecer bases diferenciadas que possam dar sustento e acolher aquilo que consideramos nossas atuais necessidades, bem como, nossas projeções para a construção de um futuro para a própria humanidade. Isto não significa descartar o passado, mas sim, olhar para ele sob um novo ponto de vista onde outras possibilidades se     l    t    a destacam, outras interpretações surgem ao intelecto e outras rela   o    c     l    a ções sociais, sexuais, culturais, emocionais, etc. se desvelam diante    z    t    e    u da ampliação do olhar.     Q    a     j    o     L   —    s     i    t    n    e     i    r     O     i     l    p    m    e     T    o     d    r     O

É importante que compreendamos que o Universo manifesto, em seu geral, é estável. A chuva, o dia, o anoitecer, o raio e o trovão, a fertilidade da terra, os nascimentos biológicos e todos os fenômenos que compõem aquilo que conhecemos como realidade material são estáveis, ou seja, eles ocorrem hoje como ocorreram ontem

 para [email protected]. Nossa equipe editorial vai avaliar a pergunta mais inteligente e instigante e, se selecionada, vamos estudá-la, respondê-la e publicá-la na próxima edição. O Hooráculo só terá olhos – ou melhor, Olho – às perguntas mais desafiadoras e que  possam ser de interesse geral.

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S AIBA  M AIS SOBRE...  A ORDO T EMPLI ORIENTIS

 A LOJA  Q UETZALCOATL

A

A

Ordo Templi Orientis foi fundada em 1904, na Alemanha, por Karl Kellner e Theodore Reuss — seu primeiro líder —, que buscavam estabelecer um Academia para maçons de altos Graus onde estes pudessem ter contato com as revelações iniciáticas descobertas por Kellner em suas viagens ao Oriente. A entrada de Aleister Crowley, em 1912, veio a alterar profundamente a Ordem, até que, naquele mesmo ano, a O.T.O. rompe seus laços com a Maçonaria e assume–se como uma organização independente e soberana.

A principal mudança trazida por Crowley para a ordem foi a implantação da Lei de  Thelema, conforme definida no Livro da Lei – Liber AL vel Legis, e o alinhamento da O.T.O. com as energias no Novo Eon, tornando esta Ordem a primeira nascida no Velho Eon a migrar para o novo. Em 1922 Crowley, com a morte de Reuss, assumiu a liderança da O.T.O.. Seu sucessor indicado foi o alemão Karl Germer, que governou a Ordem de 1947 a 1962. Como Germer não indicou um sucessor, após sua morte vários membros e não membros da Ordem tentaram assumir o controle da O.T.O. o que colocou a Ordem em sério risco de extinção. Assim, Grady McMurtry lançou mão de um documento expedido por Crowley que o autorizava a tomar o po der da O.T.O. caso esta se visse ameaçada. Assim, McMurtry tornou-se líder da Ordem em 1969, posição onde permaneceu até sua morte, em 1985. Após isso, por meio de um processo eleitoral levado a cabo pelos altos Graus da Ordem, foi empossado o atual Frater Superior, Hymenaeus Beta. Atualmente a O.T.O. está presente em mais de 70 países. No Brasil, a O.T.O. encontra–se desde 1995, com o antigo Acampamento Sol no Sul, substituído em 2000 pelo Oásis Quetzalcoatl, atual Loja Quetzalcoatl. Dando continuidade ao trabalho, em fevereiso de 2010 ev foi aberto em Minas Gerais o Acampamento Opus Solis.

Loja Quetzalcoatl é um corpo oficial da Ordo Templi Orientis Internacional, fundado em 23 de maio

de 2000 e.v. na cidade do Rio de Janeiro. Somos uma comunidade de homens e mulheres livres que se dedicam ao processo do auto-conhecimento e sua consequente expansão de consciência através dos princípios de Vida, Luz, Amor e Liberdade, pilares essenciais da Lei de Thelema.  Temos como um de nossos principais ob jetivos auxiliar no desenvolvimento de uma sociedade verdadeiramente livre da superstição, tirania e opressão onde o ser humano possa expressar a sua Verdadeira Vontade em plena harmonia com a essência divina que nele habita. Acreditamos que cada ser humano é uma estrela individual e eterna que possui sua própria órbita e que o objetivo primordialde sua encarnação não é outro senão descobrir as coordenadas dessa órbita e cumprir a sua Verdadeira Vontade, realizando a Grande Obra e alcançando a Felicidade Perfeita. Nossos objetivos são alcançados através de um conjunto de Ritos Iniciáticos que visam despertar e ativar os chakras, propiciando a ascenção da kundalini e o acesso a estados mais elevados de consciência. Realizamos também o estudo teórico e prático da Filosofia de Thelema, Magia, Alquimia, Cabala,  Tarot, Tantra, e demais ciências herméticas que possam colaborar com o caminho de auto-iluminação dos nossos iniciados. Caso deseje informações sobre nossas atividades ou sobre a afiliação à O.T.O., consulte nosso site no endereço www.quetzalcoatloto.org ou entre em contato conosco.

ORDO TEMPLI ORIENTIS INTERNACIONAL Frater Superior: Hymenaeus Beta JAF Box 7666 New York, NY 10116 USA Grande Secretário Geral: Frater Aion PO Box 33 20 12 D-14180 Berlin, Germany Grande Tesoureiro Geral: Frater S.L.Q. 24881 Alicia Parkway #E-529 Laguna Hills, CA 92653 USA Secret. Internac. Iniciações: Frater D.S.W. P.O. Box 4188 Sunnyside, NY 11104 USA

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