Aos nossos alunos e colaboradores
Aos nossos alunos e colaboradores
Se constatarem que utilizamos – na íntegra ou em parte e sem a devida citação da fonte – obras protegidas por direito autoral, solicitamos entrarem em contato para que, procedente a reclamação, providenciemos a imediata retirada do material indevidamente disponibilizado. Enfatizamos, contudo, o caráter excepcional, inadvertido e de boa-fé dos procedimentos, pois é nosso objetivo principal difundir o conhecimento e a cidadania, por meio de oferta gratuita, plural e democrática.
Equipe de Educação a Distância do ILB
Calendário de Atividades e Critérios da Avaliação
Calendário de Atividades do Curso
ATIVIDADES
INÍCIO
TÉRMINO
Fórum de Apresentação/Ambientação
15/08 (quarta-feira)
21/08 (terça-feira)
1º Fórum Temático
23/08 (quinta-feira)
30/08 (quinta-feira)
2º Fórum Temático
04/09 (terça-feira)
12/09 (quarta-feira)
3º Fórum Temático
14/09 (sexta-feira)
20/09 (quinta-feira)
Avaliação Final
14/09 (sexta-feira)
26/09 (quinta-feira)
Fim do acesso ao curso
03/10 (quarta-feira)
CRITÉRIO DE APROVAÇÃO
ATIVIDADE
Total
1º FÓRUM TEMÁTICO
2º FÓRUM TEMÁTICO
3º FÓRUM TEMÁTICO
AVALIAÇÃO FINAL
20
20
20
40
100
Para aprovação é necessário participar dos fóruns temáticos e realizar a Avaliação Final, com média mínima de 70 pontos. Sugestões para um bom estudo: As atitudes do estudante a distância, traduzidas em hábitos de estudo, são fatores que ajudam o aluno a persistir e permanecer no curso, determinando o sucesso final. Nossas sugestões para que você tenha um bom aproveitamento são as seguintes:
administre bem seu tempo - assegure-se de que terá disponibilidade para se dedicar ao estudo; consulte com regularidade a agenda e o calendário do curso - o não cumprimento de algumas das datas implicará a sua reprovação no curso; procure realizar as atividades dentro dos prazos previstos - eles são planejados de forma a otimizar os resultados pretendidos e a
pontualidade demonstra seu compromisso com o processo de aprendizagem; execute as atividades propostas em sequência de unidades/módulos - os exercícios respondidos fora da ordem ficam aguardando a vez para serem corrigidos e você corre o risco de se esquecer de retomá-los; sempre que acessar a plataforma, navegue pelos ambientes de estudo para ver se algo novo foi acrescentado; a plataforma é o melhor canal de comunicação com a tutoria - recorra preferencialmente ao tutor para sanar suas dúvidas de conteúdo; utilize o botão “Mensagem” no menu “Comunicação”. participe dos fóruns de debates - eles são instrumentos valiosíssimos de interação com o grupo, além de integrarem a avaliação.
Leia atentamente o "Guia do Estudante"! Ele contém orientações indispensáveis para seu sucesso no curso!
Guia do Estudante
Guia do Estudante As orientações abaixo ajudarão você, estudante a distância, a utilizar melhor os recursos didáticos do nosso curso. Estas instruções visam a auxiliá-lo durante todo o seu percurso, levando-o a um maior aproveitamento e sucesso em seus estudos. O material didático, elaborado conforme os preceitos da Educação a Distância, está dividido em três módulos, cujos conteúdos são colocados de maneira clara e compreensível. A tutoria é um importante sistema de ajuda pedagógica do ensino a distância, oferecendo orientação e atendimento às dúvidas sobre os conteúdos. Nossa tutoria é composta de especialistas que atendem a todos os alunos, durante o período do curso.
Mural
Meu Perfil (Instruções salvar foto Trilhas)
sua
para no
Visível na tela inicial do Trilhas. Funciona como um canal de comunicação do professor-tutor e da coordenação com os alunos. No mural há lembretes sobre o cumprimento dos prazos das atividades propostas ao longo do curso. 1. Na tela inicial do ambiente virtual - Trilhas, abaixo do Mural, clique na aba Meu Perfil; 2. O primeiro dado solicitado é a foto. Clique em Procurar e anexe o arquivo que deve estar salvo em seu equipamento (deve ter a extensão .jpeg ou .jpg para ser reconhecido pelo sistema); 3. Salve e saia do ambiente virtual. 4. Acesse novamente verifique que sua foto estará visível nessa mesma página. No cabeçalho e no rodapé do texto-base, os botões Próximo/Anterior darão opção de avançar e recuar no conteúdo programático.
Navegação
Para navegar pelos módulos/unidades escolhidos: na seta, abra o índice e clique na opção desejada. Observe que, acima do campo de navegação, o sistema informa seu posicionamento no texto-base até o número da página.
Página 02
Ao acessar o curso, explore as funcionalidades localizadas no menu lateral:
Comunicação:
Fale com o tutor/colegas
Fórum
Espaço onde você envia e recebe mensagens dos participantes do curso. Basta clicar sobre a imagem do tutor ou colega a quem quer endereçar a mensagem, redigi-la e salvá-la. Para responder, você deve clicar na foto do destinatário. Ambiente de interatividade do grupo. Ao clicar em Fórum, o quadro é aberto abaixo do texto-base. Clique no "Tópico" do fórum desejado. Localize o tema proposto pelo tutor e clique no botão “responder", localizado no box da própria mensagem, preencha o campo de título e registre sua postagem, clique em “salvar”. Proceda da mesma forma para comentar as postagens dos colegas. Observe as três formas de participação: comentário ao tema principal, comentário aos participantes e comentário do tutor. Escolha a
forma de visualização: todos os comentários e comentários em árvore. Apoio: Caderno
Arquivos
Glossário
Bibliografia
Links relacionados
Versão para imprimir
Ali você poderá fazer anotações durante o estudo e resgatálas, modificá-las ou copiá-las a qualquer momento. É possível colar anotações trazidas de fontes externas. Neste espaço você irá visualizar arquivos adicionais oferecidos pelo seu tutor. Acesse verbetes de termos e expressões importantes presentes no texto-base. (Para acessar, digite o termo ou expressão, ou busque pela letra inicial. Você também pode clicar em "ok" sem preenchimento, e aparecerão todos os verbetes. Para abrir, basta clicar sobre o termo ou expressão.) Note que, no próprio texto-base, as palavras e expressões que conduzem a verbetes vêm com um tênue sublinhado - clicando sobre elas, você também acessa a respectiva explicação. Referência de obras utilizadas na elaboração do conteúdo, e de obras complementares, visando a ampliar, para o aluno, o universo de fontes de pesquisa. Acesso à listagem de links de interesse, relacionados ao curso/disciplina. Primeiro, você visualiza a tela de "Categorias", que servem para organizar os links em temas específicos, facilitando sua busca. Em seguida, dentro de uma dada categoria, aparecerá a listagem com os links, para acesso. Se quiser imprimir uma página ou toda uma parte do textobase, este é o local para fazê-lo. O sistema gera um arquivo com extensão .pdf. Certifique-se de que tenha instalado em seu equipamento programas que permitam abrir arquivos com tal extensão. Avaliação:
Objetivas
Este é o local onde se podem realizar todos os procedimentos relativos às autoavaliações propostas. As questões são corrigidas pelo sistema e não são consideradas na composição final da nota. Local destinado a realização da avaliação final do curso. É possível salvar cada versão do trabalho, para garantir a memória das alterações. Ao concluir a atividade, clique no botão “Salvar e finalizar” para ser disponibilizada para correção. É aconselhável que elabore suas respostas em editor de texto pessoal para, então, copiar e colar as respostas no local adequado.
Discursivas ATENÇÃO! Não reproduza material de terceiros. Sua resposta pode conter trechos de citação, desde que a fonte seja informada.
Painel de desempenho
Local onde você visualizará toda a sua trajetória de fóruns e avaliações, com as respectivas notas atribuídas e médias resultantes. Fique atento aos parâmetros avaliativos determinados pela instituição. Observe a legenda para verificar o andamento das suas atividades.
MÉDIA PARA APROVAÇÃO – 70 PONTOS. É necessário realizar todas avaliações propostas.
Certificação Eletrônica: Decorridos 10 dias após a data de conclusão do curso, entre com seu nome de usuário e senha e clique no ícone Emitir certificado. Você terá a opção de imprimir o CERTIFICADO e uma DECLARAÇÃO com o conteúdo programático. Poderá também salvar o arquivo, para posterior impressão.
Caso deseje uma impressão especial, bastará utilizar papel com gramatura ou textura diferenciada. Para os inscritos a partir do segundo semestre de 2011, o ILB passou a fornecer autenticação digital, cujo código consta do certificado e que pode ser acessada na página inicial (a mesma em que é feito o login). Sugerimos que você imprima seu certificado em cores e com gramatura (espessura da folha) específica para diplomas.
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Confira os ícones utilizados neste curso:
Acesse o texto sugerido Comunique-se! Assista ao filme ou ao vídeo Curiosidade Avaliação Final do Curso Avaliação Final de Unidade Atenção
Autoavaliação
Para refletir
Você sabia?
Literatura sugerida
Objetivo de aprendizagem
Pesquise na Internet
Conclusões
Não perca!
Suporte técnico O Núcleo Web do ILB oferece apoio a problemas de acesso ao ambiente virtual de aprendizagem e orientações para a utilização dos recursos e ferramentas de EaD.
E-mail:
[email protected] (Identifique a mensagem, informando seu nome completo e o curso em que está inscrito.) Telefone: (00+55) (61) 3303-1475 Horários de atendimento ao aluno virtual: 10h às 12h e 15h às 17h (dias úteis)
Apresentação
Bem-vindo ao curso! Cada vez mais o estudo das Relações Internacionais adquire relevância, sobretudo diante do processo de globalização e do crescimento do intercâmbio de informações, bens, pessoas e serviços entre os entes internacionais. Nesse contexto, o Brasil necessita ampliar sua atuação em diferentes áreas da Política, do Direito e da Economia Internacional. O Poder Legislativo, em virtude de suas atribuições e competências constitucionalmente previstas, ocupa papel de destaque nas ações de Política Externa. Daí a importância da preparação de seus quadros no tocante a fundamentos das Relações Internacionais e questões internacionais contemporâneas. Assim, o Instituto Legislativo Brasileiro promove, dando continuidade ao Programa de Educação a Distância para os quadros do Poder Legislativo, o presente “Curso de Relações Internacionais: Teoria e História”. O objetivo é instruir os cursistas a respeito de relações internacionais, permitindo-lhes a eficiente aplicação em suas atividades de assessoria parlamentar ou governamental. O público-alvo do curso é constituído por servidores públicos, com destaque para aqueles que atuam no assessoramento de tomadores de decisão nos três Poderes. Além dos servidores, podem realizar o presente curso todas as pessoas interessadas em relações internacionais e questões internacionais contemporâneas: profissionais liberais, membros do corpo diplomático, estudantes, entre outros.
O cursista contará com o apoio dos tutores, que estarão disponíveis para esclarecimentos e orientações. O contato com os tutores do curso é feito por meio do "Trilhas", a nova Plataforma de Educação a Distância do ILB. Lembramos, finalmente, que este é um curso introdutório. Há muito a ser explorado no estudo das Relações Internacionais. Esperamos que o presente curso sirva para despertar o interesse sobre essa temática tão intrigante. Desejamos que você tenha excelente aproveitamento neste curso introdutório às Relações Internacionais: Teoria e História! Bom proveito! A equipe organizadora do curso.
Módulo I - Conceitos Elementares e Correntes Teóricas das Relações Internacionais
Unidade 1 As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas Unidade 2 Conceitos Fundamentais Unidade 3 Correntes teóricas das Relações Internacionais Unidade 4 O Realismo Unidade 5 Sociedade Internacional: Aspectos Gerais
Unidade 1 - As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo: Dilemas e Perspectivas
Nesta Unidade, são tratados alguns dilemas e perspectivas relacionadas à questão das Relações Internacionais. Serão abordados os temas: -As Relações Internacionais no Mundo Contemporâneo e a Globalização -A Importância das Relações Internacionais para o Brasil -Relações Internacionais como Disciplina Independente
Objetivos
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a: # identificar os principais pontos da agenda de relações internacionais contemporâneas; # estabelecer o conceito e as características da Globalização; # estabelecer a importância das relações internacionais para o Brasil; # assinalar a evolução histórica e a importância de Relações Internacionais como disciplina acadêmica.
Em um curso de educação a distância por meio da Internet, o estudante tem um papel central no estabelecimento de uma relação de qualidade com o conteúdo proposto. Portanto, procure organizar-se para ter o melhor aproveitamento possível do curso.
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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS NO MUNDO CONTEMPORÂNEO
Vídeo
Antes de iniciar os estudos desta unidade, assista ao primeiro video educacional da série: Conexão Mundo ("Aldeia Global Mundo Digital" - as duas partes), disponível na página do ILB.
Conexão Mundo é uma série de 20 programas sobre relações internacionais que oferece informações necessárias à compreensão dos novos processos de intercâmbio entre as nações. Os programas enfocam toda a história das relações entre os povos, os tratados e políticas para a nova ordem internacional e procuram desvendar conceitos como o de “globalização”, “blocos econômicos” etc.
As últimas décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das relações entre os povos, de uma maneira como nunca experimentada anteriormente. Cada vez mais, as distâncias estão menores, tempo e espaço perdem o significado que tinham para nossos pais e avós, e as pessoas de diferentes locais do globo tomam consciência de que “a menor distância entre dois pontos é uma tecla”. O século XXI chegou trazendo grandes conquistas: o mundo está menor, globalizado, interligado física e eletronicamente; pode-se tomar café em Londres e almoçar em Washington; as fronteiras perdem sua importância; o sistema internacional vê-se cada vez mais integrado; a tecnologia alcança milhões de pessoas, e não há limite ao conhecimento humano. O último século do segundo milênio presenciou uma evolução tecnológica inimaginável!
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O PROCESSO DE GLOBALIZAÇÃO
O termo globalização pode ser entendido como fenômeno de aceleração e intensificação de mecanismos, processos e atividades, com vista à promoção de uma interdependência global e, em última escala, à integração econômica e política em âmbito mundial. Trata-se de conceito revolucionário, envolvendo aspectos sociais, econômicos, culturais e políticos. Registre-se, ademais, que essa é apenas uma das várias conceituações do fenômeno, o qual não é recente, mas se acelerou a partir da segunda metade do século XX. Um dos aspectos mais importantes da globalização envolve a ideia crescente do “mundo sem fronteiras”. Isso é perceptível em termos como “aldeia global” e “economia global”. Poucos lugares do mundo estão a mais de dez dias de viagem, e a comunicação através das fronteiras é praticamente instantânea.
Em nossos dias, com as economias interligadas, blocos se formam, com consequências que ultrapassam os benefícios econômicos, pois as conquistas sociais e políticas de um membro do bloco logo deverão chegar aos territórios de todos os outros. Princípios como a democracia e a prevalência dos direitos humanos podem ser defendidos e arguídos em troca de benefícios econômicos. Cite-se, por exemplo, o caso de países como Grécia, Portugal e Espanha, que, para serem aceitos na então Comunidade Europeia, tiveram que promover importantes mudanças econômicas, sociais e políticas. Omesmo se aplica à turquia, que aspira a torna-se parte da moderna Europa. No caso do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), há a chamada "clausura democrática", a qual estabelece que apenas países sob regimes democráticos podem participar do bloco. Essa cláusula evitadas alternativas autoritárias em alguns países do Mercosul, em momentos de crise institucional
Assim, o atual processo de globalização envolve a integração econômica mundial em diversos níveis, com a redução das distâncias em virtude do desenvolvimento de mecanismos de produção e distribuição de bens em escala global, e do fortalecimento dos meios de comunicação. Nesse contexto, novos Atores, como as organizações não governamentais, as empresas transnacionais, a opinião pública e a mídia, ganham destaque ao influenciarem a conduta dos Estados.
Link
Uma leitura essencial sobre o tema é o artigo de Paulo Roberto de Almeida, “Contra a Antiglobalização”.
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DILEMAS DA GLOBALIZAÇÃO Entretanto, a globalização também é marcada por problemas em escala mundial. Nesse sentido, há a criminalidade que ultrapassa as fronteiras dos Estados, com organizações criminosas exercendo suas atividades ilícitas de maneira organizada e internacional. Crimes como o narcotráfico, o tráfico de armas, o tráfico de pessoas e de animais e a pirataria, todos esses há muito não são problemas exclusivos de um ou outro país, mas são questões globais que devem ser encaradas globalmente. E a base do crime organizado é a lavagem de dinheiro, que movimenta cerca de um trilhão de dólares por ano no mundo, ou 4% do Produto Interno Bruto (PIB) mundial, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, ao lado das grandes conquistas, há novos e grandes desafios: parte significativa da população mundial ainda permanece no século XIX. Nações ricas e prósperas convivem com Estados que comportam milhões de miseráveis. Alguns locais do globo ainda não saíram da Idade Média! Novas e antigas doenças afligem milhões. Cite-se, ainda, a parte significativa da raça humana que sofre com a fome, a pobreza, as guerras. A sociedade internacional presencia crises econômicas, políticas, culturais e sociais. E o destino da humanidade permanece uma grande incógnita.
Link
Para maiores detalhes sobre a lavagem de dinheiro e de seus efeitos no mercado internacional, vale conferir: ODON, Tiago Ivo. Lavagem de dinheiro: os efeitos macroeconômicos e o bem jurídico tutelado. Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 40, n. 160, p. 333-349, out./dez. 2003.
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MEIO AMBIENTE, DIREITOS HUMANOS, CONFLITOS INTERNACIONAIS
Outro importante tema de relações internacionais neste mundo globalizado envolve os problemas ambientais. Cada vez mais a humanidade toma consciência de que as questões ambientais não podem ser tratadas como assuntos internos dos Estados e que os danos ambientais ultrapassam as fronteiras. A terra é um corpo único e seus recursos ambientais são patrimônio de todos os seres humanos e das futuras gerações. Daí que os males causados ao meio ambiente afetam toda a humanidade.
Convém registrar que, para Relações Internacionais como disciplina acadêmica ou área do conhecimento, empregaremos iniciais maiúsculas, enquanto que, quando nos referirmos ao objeto de estudo, usaremos o termo em minúsculo.
No último quartel do século XX, a proteção ao meio ambiente passou a ser uma das grandes preocupações da comunidade internacional, não só na área governamental, mas também entre todos os habitantes da terra. A Conferência do Rio de Janeiro de 1992 exerceu essa salutar influência, e multiplicaram-se nas últimas décadas os tratados sobre todos os aspectos ambientais, tanto assim que se calcula em mais de mil os tratados internacionais assinados sobre meio ambiente. Também a proteção aos direitos humanos é um assunto em voga, sobretudo quando notícias de violações a esses direitos nos chegam de todas as partes do planeta. No moderno sistema internacional, agressões contra uma pessoa devem ser consideradas crimes contra toda a raça humana. O intenso trabalho das cortes internacionais de direitos humanos na Europa e no continente americano – da qual foi presidente o brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade – refletem essa nova realidade. Ademais, à medida que nos aproximamos uns dos outros, surgem também os conflitos, outro componente marcante da agenda internacional desde sempre. E no extremo dos conflitos, temos a guerra, sob suas diferentes formas. Nesse sentido, o século XX foi marcado por uma grande quantidade de guerras pelo globo, inclusive com dois conflitos que envolveram praticamente toda a sociedade internacional. De fato, uma das grandes certezas do século XXI é que nele ainda presenciaremos o fenômeno da guerra. Entretanto, alguns cogitam mesmo que a guerra no século XXI não será mais entre países, mas entre civilizações (HUNTINGTON, 1998).
Em caso de dúvidas, contate o seu tutor por meio da Plataforma de Educação a Distância do ILB (menu "Comunicação" - "Mensagem") ou por e-mail. Ele está à sua disposição e pode ajudá-lo.
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IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS Eis, portanto, o grande paradoxo global: ao lado de grandes conquistas, grandes desafios! E é nesse contexto que se percebe a necessidade de conhecimento das relações internacionais. Atualmente, quem não estiver informado sobre o que ocorre no mundo poderá ver-se bastante limitado, pessoal e profissionalmente. Hoje, a sociedade internacional está tão interligada, tão integrada em um processo de globalização, que situações ocorridas na China podem afetar a nós, brasileiros, do outro lado do planeta. Daí que o problema do outro passa a ser também um problema nosso, e o bem-estar de cada homem passa a significar o bem-estar de toda a humanidade. Nesse contexto, se você não é parte da solução, é parte do problema!
Vídeo
Assista à aula proferida pelo Professor Doutor Joanisval Brito Gonçalves, por ocasião do curso presencial ministrado no ILB, no primeiro semestre de 2008. Aumente o som de seu equipamento e bons estudos!
Duração: 5min24 Caso não consiga visualizar: 1) seu acesso ao Youtube pode estar bloqueado; 2) pode precisar atualizar o Flash Player (http://get.adobe.com/br/flashplayer/)
O BRASIL E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS Como quinto maior país do globo em população e dimensão territorial, e estando entre as maiores economias do planeta, com condições e pretensões de se tornar uma Grande Potência, o Brasil não pode se furtar a ter um papel de destaque nas relações internacionais. As transformações e acontecimentos no mundo globalizado farão cada vez mais parte de nosso dia a dia em uma tendência praticamente irreversível. Estamos estrategicamente localizados, com fronteiras com praticamente todos os países sul-americanos e com o Atlântico como principal via para a Europa e a África. Ademais, somos uma nação tida como pacífica e respeitadora do direito internacional e com incontestáveis atributos de liderança regional. Finalmente, não devemos desconsiderar nossas maiores riquezas: os recursos naturais e um povo multiétnico, empreendedor e, nos dizeres de Gilberto Freyre, com suas peculiares “características antropofágicas”. Pouco significativa diante de suas potencialidades é a atuação brasileira no cenário internacional. Apenas nas últimas décadas do século XX é que o Brasil começou a se fazer mais presente. Isso coincide com o surgimento e o desenvolvimento dos primeiros cursos de Relações Internacionais no País e com o aumento do interesse nas questões internacionais por parte de diversos setores da nossa sociedade. É premente a necessidade de que os brasileiros tenham algum conhecimento de Relações Internacionais. Na Administração Pública, essa demanda é mais evidente. No Poder Legislativo, é fundamental que aqueles que assessoram os legisladores conheçam as principais linhas da política internacional tão bem quanto conhecem a política interna brasileira. Afinal, política interna e política externa estão estreitamente relacionadas: as ações daquela afetarão e serão afetadas por esta e vice-versa.
Link
Um sítio interessante para o estudante e o profissional da área de Rel é o Inforel, que traz cobertura atualizada das questões de relações internacionais e defesa nacional, além de artigos com análises interessantes (disponível em LINKS RELACIONADOS no menu APOIO).
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AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
A importância das relações internacionais também pode ser percebida na maneira como o tema é tratado na Constituição Federal. A Carta Magna, já em seu Título I, referente aos “Princípios Fundamentais”, estabelece, no art. 4º, os princípios que regem as relações internacionais do Brasil:
• Independência nacional; • Prevalência dos direitos humanos; • Autodeterminação dos povos; • Não intervenção; • Igualdade entre os Estados; • Defesa da paz; • Solução pacífica dos conflitos; • Repúdio ao terrorismo e ao racismo; • Cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; • Concessão de asilo político.
Ainda no que concerne à Lei Maior, também os direitos e garantias fundamentais estão intimamente relacionados às experiências vivenciadas pela comunidade das nações ao longo de sua história. Foi graças às revoluções em países como a Inglaterra, a França, os EUA e a Rússia, e à difusão desses princípios para além de suas fronteiras, que o mundo moldou uma cultura de direitos fundamentais que hoje são inquestionáveis em todo o planeta. E a violação a esses direitos gera repulsa da comunidade internacional. Vereshchetin (1996), por exemplo, vê no que chama de “fator direitos humanos” um dos principais meios de retomada de uma cultura mínima de proteção internacional no pós-Guerra. O relacionamento entre Estado e indivíduo, que tradicionalmente foi objeto de preocupação de leis internas, não mais pode ser considerada uma questão puramente doméstica dos países. A Constituição da Rússia de 1993, por exemplo, trouxe como princípio a incorporação das normas internacionais ao sistema jurídico interno e a prevalência dos acordos internacionais dos quais a Federação Russa faça parte, caso estes estabeleçam regras que difiram daquelas estipuladas em lei interna. Isso tem se mostrado uma tendência constitucional em vários países. Quando não há dispositivos legais expressos, as cortes constitucionais têm dado o rumo da interpretação. Na década de 1990, as cortes constitucionais da Hungria e da Polônia, por exemplo, decidiram que a Constituição e as normas internas deveriam ser interpretadas de tal forma que as normas internacionais geralmente aceitas tivessem força efetiva.
Há, portanto, sinais de uma crescente interdependência até mesmo no campo jurídico no mundo, e o Tribunal Penal Internacional nada mais é do que uma expressão e consequência disso.
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O PODER LEGISLATIVO E AS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
As relações internacionais do Brasil passam efetivamente pelo Poder Legislativo. Em nosso sistema jurídico-político, quaisquer tratados que o Brasil celebre com outras nações ou com organizações internacionais devem necessariamente passar pelo aval do Congresso Nacional antes de serem ratificados. O art. 49 da Constituição Federal de 1988 é claro ao estabelecer, logo nos dois primeiros incisos, as competências exclusivas do Congresso Nacional:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar
E o Senado Federal, por sua vez, tem atribuições mais específicas, pois é a Casa Legislativa que avalia e aprova nossos embaixadores, autoridades máximas das missões diplomáticas brasileiras, designados para representar o País no Exterior. Compete também ao Senado autorizar as operações externas de natureza financeira dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Cada Casa Legislativa possui comissões encarregadas dos temas de relações exteriores e defesa nacional. No Senado Federal, por exemplo, a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), composta por 19 membros titulares e 19 suplentes, é competente para tratar das questões que envolvam as relações internacionais do País. A legislação brasileira evidencia a importância do Poder Legislativo nos destinos das relações internacionais do País. E quanto mais o Brasil busque integrar-se na comunidade das nações e ocupar o seu devido papel de destaque, mais importante se faz o conhecimento, na esfera do Legislativo, dos principais temas de relações internacionais. pág. 08
O ESTUDO DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Antes de concluirmos a primeira Unidade, convém apresentar algumas considerações gerais sobre o estudo das relações internacionais como disciplina, as áreas de atuação do profissional de relações internacionais e a realidade brasileira. O estudo de Relações Internacionais envolve conhecimentos gerais de Direito, Economia, Administração, História, Filosofia, Sociologia, Antropologia, Estatística e, sobretudo, de questões internacionais contemporâneas. O interesse por temas de relações internacionais aumentou mais ainda após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Ao assistirmos àqueles dramáticos acontecimentos em tempo real, alguns véus foram retirados, e aos poucos tomamos consciência de que as distâncias físicas se estreitavam ao mesmo tempo em que as distâncias culturais e sociais aumentavam. O terrorismo passa também a ser uma questão global, que afeta países nos hemisférios Norte e Sul, no Ocidente e no Oriente. No campo profissional, as relações internacionais são aplicáveis em diversas áreas. No Brasil, há profissionais de relações internacionais atuando em vários setores da Administração Pública e da iniciativa privada. Em termos de carreira, uma das mais conhecidas é a diplomacia. O diplomata é o legítimo representante do Governo e da nação junto a outros povos e organizações internacionais. Para se tornar um diplomata no Brasil, é necessário o ingresso na carreira por meio de concurso público, promovido pelo Instituto Rio Branco (IRBr) do Ministério das Relações Exteriores. Aprovado no concurso, e após um período de treinamento no IRBr – para aqueles que não dispõem de título de Mestre ou Doutor –, o diplomata inicia uma carreira como Terceiro Secretário, podendo chegar a Embaixador.
Palácio do Itamaraty Fonte:www.inforel.org
No serviço público, além da Chancelaria, o profissional de relações internacionais tem diante si alternativas de trabalho nos vários órgãos da Administração Federal, Estadual e Municipal. Afinal, sempre há uma “assessoria internacional” em cada ministério, secretaria, autarquia e empresas públicas. E o perfil do internacionalista se destaca. Constata-se a presença de profissionais de relações internacionais nas principais carreiras de Estado. Na iniciativa privada, outro leque de alternativas se abre ao profissional de relações internacionais. Além das grandes corporações multinacionais e transnacionais, as empresas brasileiras de médio e grande porte já percebem a necessidade de atuarem em uma economia globalizada. Assim, em um mundo cada vez mais integrado econômica e financeiramente, as empresas precisam de profissionais que as auxiliem a se integrarem e a permanecerem no sistema internacional. Aquelas que desconsideram essa percepção acabam por sucumbir. Além disso, há a possibilidade de trabalho nas centenas de Organizações Internacionais e Organizações Não Governamentais que atuam no globo: ONU, OEA, OIT, OMC, OPEP, UNESCO, FAO, Greenpeace, WWF e outras. Brasília tem representação da maior parte dos organismos internacionais dos quais o Brasil é membro e, com isso, o mercado do profissional de relações internacionais se amplia na Capital Federal. pág. 09
RELAÇÕES INTERNACIONAIS COMO DISCIPLINA INDEPENDENTE
Até o início do século XX, as relações internacionais não eram estudadas como disciplina independente. O estudo do tema estava sempre sob o manto de outras ciências, como o Direito, a Economia, a Sociologia e a Ciência Política. À medida que a sociedade internacional tornava-se mais complexa e as relações entre os Estados mais diversificadas, relações estas que envolviam conflito e cooperação, e que muitas vezes culminavam em situações que interferiam diretamente no quotidiano das pessoas e na política interna das nações, percebeu-se a crescente necessidade de teorias que explicassem a conduta dos Atores em um cenário internacional. Essas teorias e seu estudo deveriam constituir uma nova área do conhecimento, independente e com autonomia para gerar suas próprias percepções da realidade. Daí o aparecimento das primeiras cátedras de Relações Internacionais pelo mundo. Os cursos de Relações Internacionais surgiram na primeira metade do século XX, nas principais universidades europeias e norte-americanas. Foram constituídos com o objetivo de produzir conhecimento que explicasse como se desenvolviam as relações entre os Estados. Naquele contexto, as perguntas que impulsionariam o estudo estavam intimamente relacionadas ao grande trauma da Primeira Guerra Mundial (19141918), conflito sem precedentes até então, que envolvera diversas nações do globo e causara pesadas perdas, sobretudo no território europeu. Assim, os temas centrais eram:
O que havia conduzido o mundo a uma situação de conflito tão drastica? O que leva os Estados à guerra? É possivel se evitar o conflito entre os povos?
Como agem os Atores internacionais e quais forças que interferem na conduta desses entes?
Claro que, no decorrer do século XX, o estudo de Relações Internacionais diversificava-se à medida que os laços entre os povos tornavam-se mais complexos e novos temas, como cooperação, desenvolvimento, integração, paz, direitos humanos e globalização, vinham à baila. Atualmente, a disciplina é ampla e alcança as mais diferentes áreas de estudo, e evolui à medida que evolui a complexidade da sociedade internacional. De fato, atualmente há cursos de Relações Internacionais nas principais universidades do mundo e profissionais da área atuando nos mais variados segmentos dos setores público e privado. O primeiro curso de Relações Internacionais no Brasil foi instituído na Universidade de Brasília, na década de 1970, fazendo da capital da República o referencial brasileiro em estudos internacionais. Até meados da década de 1990, havia apenas dois cursos de Relações Internacionais no Brasil – na Universidade de Brasília e na Universidade Estácio de Sá (Rio de Janeiro). Hoje, são dezenas de instituições que oferecem a graduação em Relações Internacionais por todo o País. Trata-se, portanto, de carreira de grata expansão. Mesmo assim, a contribuição brasileira para as relações internacionais ainda é muito incipiente, sobretudo para um país que tem potencial para se tornar uma Grande Potência entre seus pares.
Feitas essas primeiras considerações acerca do tema de nosso curso, realize as atividades propostas e, em seguida, passemos às teorias e aos principais conceitos utilizados pelos profissionais e estudiosos das Relações Internacionais.
Atividades de autoavaliação - Para efeito de fixação dos conceitos estudados na Unidade, clique no menu lateral em "Avaliação" e escolha em "Objetivas" a que se refere a esta Unidade(U1) e Módulo(M1): Rel I - Autoavaliação M1U1 e realize a atividade. Lembrando que essas questões serão corrigidas automaticamente pelo sistema e que permitem que o aluno refaça, caso escolha a opção inadequada.
Unidade 2 - Conceitos Fundamentais
A Unidade 2 tem como foco os conceitos básicos para a análise e compreensão do campo das Relações Internacionais.
Objetivos
Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar e definir os seguintes conceitos fundamentais de relações internacionais:
Sociedade Internacional; Atores; Forças Profundas; Sistema Internacional; Potência; Hegemonia.
Atenção
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CONCEITOS FUNDAMENTAIS
Essencial para o desenvolvimento de nosso curso é a compreensão de conceitos fundamentais de Relações Internacionais. Nesse sentido, seria complicado tentar iniciar qualquer análise de Relações Internacionais sem as noções desses conceitos essenciais. Os conceitos elementares de Relações Internacionais sobre os quais se tratará neste curso são os de:
Sociedade Internacional; Atores; Forças Profundas; Sistema Internacional; Potência; Hegemonia.
Vídeo
Antes de iniciar o estudo desta Unidade, sugerimos que assista atentamente aos dois vídeos seguintes do Conexão Mundo, “Conceitos Fundamentais de Relações Internacionais V2”, disponível no sítio do ILB.
A seguir, vamos procurar identificar os elementos mais importantes desses conceitos.
Sociedade Internacional Um dos primeiros aspectos com o qual se depara aquele que inicia o estudo de Relações Internacionais refere-se à temática que envolve a Sociedade Internacional. Como definir Sociedade Internacional? Quais os elementos constituitivos desse conceito?
A ideia de Sociedade Internacional – termo cunhado por Hugo Grócio no século XVII – permite direcionar a atenção para a atuação padronizada dos Estados. Apesar da ausência de uma autoridade central no cenário internacional, os Estados exibem padrões de atuação que estão sujeitos a, e constituídos por, restrições de diversas naturezas – históricas, sistêmicas, legais, morais etc. Num primeiro momento, podemos relacionar Sociedade Internacional à evolução histórica das relações entre os grupos, povos e, mais tarde, Estados-nações organizados em âmbito espacial determinado. Podemos identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão do Estado nacional e soberano nos séculos XVIII e XIX e o seu declínio, no século XX, frente a um sistema cada vez mais globalizado e interdependente.
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Podemos falar em Sociedade Internacional antes mesmo da formação dos Estados nacionais, que só se deu, nos moldes como os concebemos hoje (compostos de povo, território e soberania), há dois séculos. Mesmo que não houvesse consciência dos povos a esse respeito, não há como negar a existência “de fato” de uma Sociedade Internacional na Antiguidade. Afinal, a partir do momento em que surgem os primeiros grupos independentes e diferenciados, exercendo relações políticas, culturais ou comerciais entre si, tem-se uma Sociedade Internacional embrionária. Das tribos passaram-se aos reinos, às cidades-estados e aos impérios, e estes, vistos em um contexto macro e nas relações entre si, formavam a Sociedade Internacional do mundo antigo. Claro que o primeiro modelo de Sociedade Internacional, inserido em um Sistema Internacional da Antiguidade, refletia mais um conjunto de sociedades regionais localizadas, muitas vezes sem qualquer contato entre si e até sem consciência da existência das outras sociedades. Era uma época em que as forças naturais limitavam a comunicação entre Oriente e Ocidente, e a “Sociedade Internacional do sistema grego” mantinha pouco contato com a “Sociedade Internacional do extremo oriente” – na qual o império dinástico chinês era o principal ator. Somente com as grandes navegações e o expansionismo europeu pelo planeta é que se estrutura uma Sociedade Internacional global. Assim, desde o século XVI, o mundo vai-se tornando cada vez mais integrado, seja pela força da economia e do comércio, seja pela força dos canhões e das conquistas coloniais europeias. Paul Kennedy, em sua obra já clássica Ascensão e Queda das Grandes Potências, analisa, com clareza, como o extremo oeste do continente euro-asiático, conhecido como Europa, com uma diversidade de povos e reinos autônomos e marcado por conflitos regionais e fratricidas, consegue expandir-se pelo mundo e, em pouco mais de dois séculos, tornar-se o centro de uma sociedade global, subjugando impérios tradicionais como a China e o Império Otomano. O termo “internacional” foi utilizado pela primeira vez em 1780, pelo filósofo inglês Jeremias Bentham, em sua obra Princípios de Moral e Legislação. Essa é a época do apogeu dos Estados nacionais, com o início do declínio do absolutismo no continente europeu. Era um período em que a ideia de nação ainda estava muito ligada à figura do soberano. A Sociedade Internacional representava, para os europeus, a “Cristandade”, com seus paradigmas e princípios seculares. O Estado soberano era o principal Ator internacional.
Foi com a Revolução Francesa que o conceito de nação deixou de ter caráter puramente simbólico e passou a relacionar-se diretamente à questão da soberania. A soberania passou a residir essencialmente na nação, onde o súdito tornou-se cidadão e as relações entre os Estados, até então simbolizados e conduzidos pelos monarcas, estenderam-se às relações entre os povos. O século XX esclarece essa nova perspectiva: as relações entre nações não são necessariamente relações entre os Estados, muito pelo contrário.
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Não há dúvida de que essa Sociedade Internacional é dinâmica e tem sua evolução diretamente relacionada à evolução dos grupos, povos, reinos, Estados, Impérios e nações, enfim, de todos os Atores que a compõem ou a compuseram e das forças que influenciam a sua atuação. Qual é, então, o conceito de sociedade internacional? A resposta para essa pergunta é percebida de maneira diferenciada pelos teóricos das Relações Internacionais, que podem ser reunidos em três grandes grupos (CERVERA, 1991). Para os teóricos do primeiro grupo, é simplesmente impossível definir Sociedade Internacional. Limitam-se, assim, ao estudo dos componentes da Sociedade Internacional e à evolução das relações entre eles. Os teóricos do segundo grupo dedicam-se a analisar a Sociedade Internacional em contraposição a outros grupos sociais. Por essa ótica, a pergunta que se busca responder é “Como é a Sociedade Internacional?” É irrelevante, portanto, para esses autores, a formulação de um conceito teórico para Sociedade Internacional. De qualquer maneira, eles não deixam de apresentar sua definição de Sociedade Internacional, mas apenas para instrumentalizar suas explicações, como veremos adiante. O terceiro grupo, majoritário, afirma não só ser possível, mas também necessário, proceder à definição do termo “Sociedade Internacional”, para que se possa tratar com mais propriedade o estudo dos fenômenos internacionais e das relações que se desenvolvem em seu meio. Uma vez que concordamos com essa percepção, apresentaremos nosso conceito de Sociedade Internacional. Antes, porém, vejamos alguns conceitos de autores renomados. Colliard (1978) afirma que Sociedade Internacional é o “conjunto de seres humanos que vivem sobre a terra”. Percebemos uma definição genérica e abrangente, que põe completamente de lado as estruturas em que os seres humanos estão agrupados, como as nações ou os Estados nacionais. Para o autor, o conceito de Sociedade Internacional confunde-se com o de “humanidade”. Chega-se a perceber mesmo uma concepção idealista, pois a Sociedade Internacional teria em primeiro plano o indivíduo, independentemente de suas origens e do grupo ou povo a que pertence. Hedley Bull (2002), com base em uma análise sistêmica, definiu Sociedade Internacional como um “grupo de comunidades políticas independentes que não formam um sistema simples”. Definição mais precisa e completa de Sociedade Internacional é de Juan Carlos Pereira (2001): “um âmbito espacial e global em que se desenvolve um amplo conjunto de relações entre grupos humanos diferenciados, territorialmente ou geograficamente organizados e com poder de decisão.” O autor acredita que a Sociedade Internacional estaria evoluindo para uma Comunidade Internacional. Rafael Calduch Cervera (1991) define Sociedade Internacional como “aquela sociedade global (macrossociedade) que compreende os grupos com um poder social autônomo, entre os quais se destacam os Estados, que mantêm entre si relações recíprocas, intensas, duradouras e desiguais sobre as quais é assentada certa ordem comum”.
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Por fim, cabe apresentar nossa própria conceituação de Sociedade Internacional, que é baseada na corrente historiográfica, pela qual buscamos reunir elementos que consideramos essenciais para a compreensão do termo e de sua evolução desde a Antiguidade: A nosso ver, Sociedade Internacional pode ser definida como o conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica em uma esfera internacional sob a influência de forças profundas. Desmembremos esse conceito para melhor compreensão. Ator Internacional
A primeira parte de nosso conceito de Sociedade Internacional trata de um conjunto de entes. Esses entes nada mais são do que os Atores internacionais. Ator internacional é toda autoridade, organização, grupo ou pessoa que representa ou pode vir a representar um papel de destaque na Sociedade Internacional. A percepção desses Atores varia conforme o tempo e a corrente teórica que os identifica, mas podemos destacar aqueles que, na atualidade, podem ser considerados os mais importantes: os Estados nacionais, os atores governamentais interestatais (as organizações internacionais), os atores não governamentais interestatais (i.e., organizações não-governamentais e empresas multi e transnacionais, entre outros) e os indivíduos. Não são todas as pessoas, grupos ou organizações que podem ser identificados como Ator Internacional. Para nossa classificação, é necessário que a atuação desses entes tenha destaque internacionalmente. Uma associação, por exemplo, estabelecida dentro de determinado país e voltada em suas atividades e interesses prioritariamente ao âmbito interno daquele país não é um Ator internacional. Não obstante, qualquer grupo, organização ou indivíduo pode vir a tornar-se Ator internacional. Grandes empresas transnacionais de hoje foram, no passado, pequenas organizações comerciais, algumas de natureza familiar, que atuavam exclusivamente no interior de seu país de origem, não sendo à época Atores internacionais. À medida que essas empresas cresceram, expandiram-se para além das fronteiras de seus Estados de origem e começaram a atuar e influir na Sociedade Internacional, tornaram-se Atores internacionais.
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Ainda sobre os atores e seus dados estáticos, sugere-se a publicação The World Factbook, produzida anualmente pela Agência Central de Inteligência dos EUA (CIA), com dados atualizados sobre as nações do mundo.
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Sistema Internacional O segundo aspecto de nosso conceito de Sociedade Internacional refere-se à atuação sistêmica na esfera internacional. Adotamos uma abordagem sistêmica, em que o aspecto relacional é importante. Sistema pode ser conceituado como “conjunto de elementos e instituições entre os quais se possa encontrar alguma relação” ou, ainda, “conjunto ordenado de meios de ação ou de ideias, tendente a um resultado”. A abordagem sistêmica em relações internacionais vê o conjunto de inter-relações entre os Atores internacionais como sujeito a padrões, normas – enfim, a forças profundas –, que remetem ao conjunto mais amplo, o sistema internacional como um todo. As primeiras considerações a respeito do modelo sistêmico para explicar as Relações Internacionais tomaram por base referências da Biologia e da Química. Nesse sentido, pode-se associar a noção de sistema ao corpo humano, no qual vários subsistemas – circulatório, nevrálgico etc. – são compostos de órgãos que se relacionam e dependem uns dos outros. A ideia de sistema, portanto, está relacionada a um ordenamento nas relações entre componentes e à interdependência entre esses componentes. Raymond Aron, em sua obra clássica Paz e Guerra entre as Nações, recorreu ao conceito de sistema para evocar a dinâmica das relações internacionais. Assim, a Sociedade Internacional tem características suficientemente estáveis para que possamos percebê-la como um sistema onde os Atores conduzem suas relações dentro de certos padrões.
Caberia apresentar um conceito de Sistema Internacional, de acordo com Frederic S. Pearson e J. Martin Rochester (2000, p. 641):
Sistema Internacional. Conjunto de relações em âmbito mundial nas áreas política, econômica, social e tecnológica, em torno do qual ocorrem as relações internacionais em um dado momento.
Há ainda autores que separam as noções de Sociedade Internacional e de Sistema Internacional para identificar certos períodos históricos. Por exemplo, Sociedade Internacional teria como substrato a ideia de concerto e harmonia internacional, que alguns defendem corresponder, por exemplo, à Europa do pós-1815. Em contrapartida, Sistema Internacional traduziria a existência de vários polos de poder que interagem entre si e não necessariamente se harmonizam no todo, o que alguns autores defendem corresponder ao mundo pós-1945.
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Forças Profundas
Finalmente, de acordo com a nossa concepção de Sociedade Internacional, o terceiro elemento fundamental são as “forças profundas”. A ideia de “forças profundas” origina-se da corrente historiográfica das Relações Internacionais, cujos principais expoentes foram Pierre Renouvin e Jean-Baptiste Duroselle. De acordo com esses historiadores, as forças profundas nada mais seriam que determinados fatores que influenciariam as ações das coletividades: As condições geográficas, os movimentos demográficos, os interesses econômicos e financeiros, os traços da mentalidade coletiva, as grandes correntes sentimentais, essas forças profundas formaram o quadro das relações entre os grupos humanos e, em grande parte, lhes determinaram o caráter. O homem de Estado, nas suas decisões ou nos seus projetos, não pode negligenciá-las; sofre-lhes a influência e é obrigado a constatar os limites que elas impõem à sua ação. Todavia, quando ele possui, quer dons intelectuais, quer uma firmeza de caráter, quer um temperamento que o levam a transpor aqueles limites, pode tentar modificar o jogo de semelhantes forças e utilizá-las para seus próprios fins.
Juan Carlos Pereira denomina tais forças profundas de “fatores condicionantes” (PEREIRA, 2001, p. 44). Identifica alguns desses fatores: fator geográfico, fator demográfico, fator econômico, fator tecnológico, fator ideológico/sistema de valores, fator político-jurídico e fator militarestratégico.
Portanto, a Sociedade Internacional é composta de entes – Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas transnacionais, indivíduos, entre outros – que são influenciados pelas forças profundas – fatores geográficos, demográficos, migratórios, políticos, econômicos e financeiros, ideológicos, religiosos, tecnológicos etc. – em suas ações sistêmicas na esfera internacional.
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Uma leitura complementar recomendada é a do texto sobre Rio Branco e as Forças Profundas, de Arno Wehling, sob o tema: Visão de Rio Branco – o homem de estado e os fundamentos de sua política.
Livro indicado
Além do clássico Histoire des rélations internationales, obra-mestra da historiografia francesa das relações internacionais, caberia destacar dois livros de Renouvin e Duroselle já traduzidos para o português: Introdução à História das Relações Internacionais – publicada em 1967 pela Difusão Europeia do Livro, de São Paulo – e Todo Império Perecerá – um dos últimos grandes trabalhos de Duroselle, lançado no Brasil em 2000.
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Além dos conceitos já tratados, caberiam, em nosso curso introdutório, algumas observações – ainda que sem aprofundamento – a respeito de outros conceitos essenciais para viabilizar nosso entendimento dos temas tratados no decorrer das próximas unidades. Passemos a eles.
Potência O Sistema Internacional é composto por uma diversidade de Atores. Nesse contexto, o Estado ocupa papel de destaque. Mas existem diferenças marcantes entre os Estados na esfera internacional e o grau de influência (poder) que eles exercem. Assim, importante para a compreensão das relações internacionais é a ideia de Potência e das diferentes gradações dessa classificação. Há inúmeras definições para Potência. Segundo Martin Wight (2002), Potência é “um Estado moderno e soberano em seu aspecto externo, e quase pode ser definido como a lealdade máxima em defesa da qual os homens hoje irão lutar”. Rafael Calduch Cervera (1991), por sua vez, cita o conceito de Potência Internacional segundo C. M. Smouts, ou seja, como aquele Estado “mais ou menos poderoso segundo sua capacidade de controlar as regras do jogo em um ou mais âmbitos-chaves da disputa internacional e segundo sua habilidade de relacionar tais âmbitos para alcançar uma vantagem”. Ao tratar da capacidade dos Estados de influenciarem a Sociedade Internacional, Martin Wight relaciona Potências Dominantes, Grandes Potências, Potências Mundiais e Potências Menores. Potências Dominantes e Potências Mundiais seriam subdivisões do gênero Grande Potência, uma vez que ambas as categorias se referem a Estados com interesses globais e capacidade de influência significativa no Sistema Internacional. Em última análise, a diferenciação poderia ser restringida a Grandes Potências e Potências Menores. Wight define Potência Dominante como aquela capaz de medir forças contra todos os rivais juntos. E cita exemplos ao longo dos séculos, como Atenas, à época das Guerras do Peloponeso, o Império Romano, a Espanha de Carlos V e de Filipe II, a França de Luís XIV, a Grã-Bretanha no século XIX e os EUA no século XX. Outro termo muito utilizado e cujas características vão além da Potência Dominante, conforme definida por Wight, é o de Superpotência. Esse termo, cunhado com o advento da Guerra Fria, designava exclusivamente URSS e EUA. Esses países, em virtude de suas capacidades nucleares – com poder de destruição global –, inúmeras vezes associadas ao poderio militar convencional e à influência político-ideológica mundial, tinham status único na comunidade das nações. Gounelle (1992) indica quatro características das Superpotências:
têm capacidade de intervir em qualquer parte do globo;
dispõem de amplo arsenal, capaz de causar danos diferenciados dos armamentos convencionais e composto tanto de armas nucleares quanto de outros meios de destruição em massa;
assumem a liderança de uma aliança militar (os EUA da OTAN e a URSS do Pacto de Varsóvia);
pretendem oferecer um modelo universal de sociedade.
Convém lembrar que a ideia de Superpotência ultrapassa em muito o potencial exclusivamente militar. De fato, a capacidade de destruição massiva do planeta é o elemento central do conceito de Superpotência, mas o aspecto de liderança de um bloco de nações e de pretensões de estabelecimento de uma sociedade universal em seus moldes político-econômico-ideológico-sociais não pode ser desconsiderado. pág. 08
Atualmente, com o colapso da URSS, restou, no planeta, apenas uma Superpotência: os EUA. Alguns autores vislumbram a possibilidade da China vir a ocupar, na segunda metade do século XXI, o lugar da URSS. Entretanto, ainda não há que se falar na China como Superpotência,
uma vez que esta, além de não dispor de arsenais nucleares capazes de fazer frente ao poderio de Estados como EUA e Rússia, não tem pretensões – nem condições – de projetar um modelo sócio-político-cultural-ideológico seu para o mundo. A Rússia, por sua vez, apesar de dispor de arsenais nucleares com capacidade de destruição massiva do planeta, não pode ser chamada de Superpotência, exatamente porque também não tem condições de aspirar a qualquer pretensão hegemônica no sistema internacional, como fazia a URSS. Assim, os EUA, considerados os vencedores da Guerra Fria, são hoje o único Estado com as características básicas da superpotência e, de fato, essa nação temse tornado tão poderosa que já se cunha o conceito de Hiperpotência, algo sem precedentes na História. A Hiperpotência dispõe de um aparato bélico superior ao das demais Potências juntas. Esse aparato não se resume ao potencial das armas de destruição em massa, mas inclui armamento convencional significativo e capacidade de operação militar em mais de um teatro no globo. Ademais, trata-se de uma Economia de peso diante do sistema, sua influência na política internacional é marcante e, ainda, consegue projetar seu modelo sócio-cultural e político para outras regiões do planeta. Assim, os EUA não encontram, no início do século XXI, adversários militares à altura, e são a Grande Potência econômica e a liderança mundial. Do ponto de vista econômico, por exemplo, apenas a coalizão das grandes economias europeias pode fazer frente aos EUA, o mesmo se podendo dizer das economias asiáticas. A projeção de poder dos norte-americanos no mundo não encontra precedentes, e alguns analistas já começam a analisar a política externa estadunidense como uma política de império. De qualquer maneira, o conceito de Hiperpotência ainda encontra-se em desenvolvimento. O conceito de Wight para Potência Dominante tem grande proximidade com a ideia de hegemon, ou seja, uma potência tão poderosa que seria necessária uma coalizão de todas as demais nações para contê-la. A concepção de hegemon ultrapassa a esfera exclusivamente político-militar, de modo que o Estado que detém esse título influencia a Sociedade Internacional em esferas diversas, como a cultura, a estrutura social interna, a Economia e até o Direito. Além disso, essa influência do hegemon não ocorre necessariamente de maneira impositiva. De fato, a hegemonia, como veremos a seguir, envolve um misto de coerção e consenso. Finalmente, convém lembrar que o hegemon continua influenciando a Sociedade Internacional mesmo após perder esse status. Interessante observar que a hegemonia dos EUA hoje é mantida mais por outros meios – o que alguns autores chamam de soft power (poder suave) –, como a presença marcante na compilação e divulgação de notícias e diversões, na produção de bens de consumo, nas inúmeras formas de cultura popular e sua identificação com a liberdade política e de mercado, do que propriamente por meio do hard power (poder militar). Além da potência hegemônica, há outros atores estatais com capacidade significativa de influência na Sociedade Internacional. Esses são as Grandes Potências, as quais, inclusive, disputam a hegemonia entre si e aspiram tornar-se a potência dominante, chegando, muitas vezes, a alcançar esse objetivo. De fato, as relações internacionais seriam um grande tabuleiro onde essas Potências disputariam poder em um jogo de influência. Como exemplos atuais de Grandes Potências teríamos China, França, Rússia, Alemanha, Japão e Grã-Bretanha. As potências menores constituem a maioria. Seu grau de influência no sistema varia significativamente. Nesse grupo, poderiam ser relacionadas desde as Potências Mundiais menores – como Espanha e Índia – até as Potências Regionais – Argentina e Egito, por exemplo. Vale destacar que uma Potência Menor hoje pode vir a tornar-se uma Grande Potência e até a Potência Dominante. Os EUA são um bom exemplo disso. pág. 09
Max Gounelle (1992) comenta que, à medida que dispõe de capacidade de influenciar de maneira significativa os outros entes da Sociedade Internacional em prol de seus interesses particulares, um Estado pode ser classificado como Microestado, Potência Local, Potência Média, Grande Potência ou Superpotência. Os microestados são aquelas pequenas soberanias que persistem em nossos dias e que, em sua maioria, tiveram origem na formação histórica dos Estados nacionais europeus ou no processo de descolonização. Encontram-se constantemente sob amplo grau de dependência frente a uma Potência e integram-se a grupos de Estados organizados no seio de organizações internacionais. Conviria exemplificar nessa categoria países como o Principado de Mônaco e a República de San Marino, diversos Estados-arquipélagos no Pacífico ou até algumas Repúblicas da América Central e Caribe. Apesar de minimamente influentes na Sociedade Internacional, esses entes ganham força quando se associam e se fazem representar em organismos internacionais onde tenham poder de voto igual ao de outros Estados. As Potências Locais são as mais numerosas. Participantes das atividades comuns da vida internacional, esses entes têm como objetivos principais sua própria sobrevivência e a defesa de sua soberania territorial. De maneira geral, não têm grandes pretensões internacionais de projeção de poder e acabam também associados às Grandes Potências ou a Potências Regionais. Como exemplos para essa categoria, teríamos países como Bolívia, Paraguai, Camboja, Albânia e Moçambique. São classificados como Potência Regional ou Potência Média aqueles Estados aptos a representarem certo papel de destaque em grandes áreas geopolíticas. Egito, Síria, Nigéria, Brasil, Argentina e Irã são exemplos de Potências Regionais ou Médias. Esses países exercem influência em virtude de suas aptidões de liderança sob certos limites geográficos, fundadas em seus potenciais materiais ou demográficos, suas envergaduras ideológicas ou seu peso militar, econômico e até social. Gounelle, no entanto, diferencia Potências Regionais de Potências Médias ao afirmar que estas últimas têm ambições mundiais restritas às suas próprias capacidades. Tais pretensões poderiam ser limitadas a domínios específicos (nuclear, cultural, econômico, diplomático). A França, a Alemanha, a China e o Japão estariam nessa categoria. De fato, o que Gounelle relaciona como Potências Médias seria o que se costuma chamar mais apropriadamente de Grandes Potências, ou seja, Potências com interesses globais e capacidade de influenciar a Sociedade Internacional em diferentes domínios. Ao chamar Potências como China e Grã-Bretanha de Potências Médias, Gounelle o faz comparando-as às Superpotências – à época, URSS e EUA. pág. 10
Hegemonia Tomamos como base para o conceito de Hegemonia a obra International Relations: : the Key Concepts, de Martin Griffiths e Terry O’Callaghan (London: Routledge, 2002).
Hegemonia, em grego, significa “liderança”. Em sentido amplo, portanto, em Relações Internacionais, o hegemon é o líder – ou o Estado líder – de um grupo de nações. Para que os conceitos de hegemonia e de hegemon sejam aplicáveis, presume-se que haja uma certa ordem na Sociedade Internacional. Daí que, apesar de ser o Estado mais poderoso no cenário internacional, o hegemon só pode exercer sua liderança (hegemonia) se houver relações de poder entre entes em um meio internacional.
Hegemonia consiste, então, no exercício de uma liderança ou comando em uma sociedade, com base em recursos de poder. Esses recursos fundamentam-se em dois aspectos: coerção e consenso. Assim, toda relação de poder tem por base os graus de coerção e consenso exercidos por um ente ou mais de um sobre os demais. À medida que é alterada essa relação, muda também a liderança no grupo.
Para o exercício da hegemonia, o hegemon deve ter capacidade de atuar nas esferas de consenso e coerção. Uma relação que se baseie apenas na coerção – por meio de recursos de força militar ou econômica – não pode ser verdadeiramente hegemônica, da mesma maneira que é impossível a liderança da comunidade internacional com fulcro apenas no consenso dos demais Atores. As relações internacionais têm sido marcadas pela disputa, por parte das Potências, da hegemonia na Sociedade Internacional. Essa hegemonia, além de política, pode ser militar, econômica, cultural ou ideológica. Pode ser regional ou global. Um Estado que seja a Potência hegemônica em uma dessas áreas muito provavelmente o será na maioria das outras. É claro que tal liderança pode ter diferentes gradações e que uma grande Potência econômica em nossos dias pode não ter o mesmo poder de influência cultural ou até militar no cenário internacional. A Sociedade Internacional será sempre marcada por um hegemon, cujo interesse é manter o status quo do sistema, diante de outras Potências que não pouparão esforços para se tornar o hegemon. De acordo com a teoria da estabilidade hegemônica, o hegemon tem que ter capacidade de garantir a ordem do sistema, ordem que deve ser percebida pelos demais entes da comunidade como positiva a seus interesses. Para isso, o hegemon deveria dispor de alguns atributos: liderança em um setor econômico ou tecnológico e poder político baseado no poder militar. Podemos acrescentar a esses atributos a capacidade de obter consenso sobre sua liderança.
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Para Robert Gilpin, a estabilidade internacional depende da existência de uma hegemonia, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens públicos” internacionais, como lei, ordem e moeda estável. Conforme didática explicação de Griffiths (2004, p. 26-27): (...) os mercados não podem crescer em produção e distribuição de bens e serviços se não houver um Estado que forneça certos pré-requisitos. Por definição, os mercados dependem da transferência, por meio de um mecanismo de preço eficiente, de bens e serviços que possam ser comprados e vendidos entre os principais agentes particulares que permutam direitos de posse. Mas os mercados dependem do Estado para lhes dar, por coerção, regulamentos, taxas e certos “bens públicos” que eles sozinhos não podem gerar. Isto inclui uma infraestrutura legal de direitos e leis de propriedade para fazer contratos, uma infraestrutura coerciva que assegure a obediência à lei, além de um meio de permuta estável (dinheiro) que assegure um padrão de avaliação dos bens e serviços. Dentro das fronteiras territoriais do Estado, os governos fornecem tais bens. É claro que, internacionalmente, não existe Estado no mundo capaz de multiplicar sua provisão em escala global. Baseando-se na obra de Charles Kindleberger e na análise de E. H. Carr sobre o papel da GrãBretanha na economia internacional no século XIX, Gilpin argumenta que a estabilidade e a “liberalização” da permuta internacional dependem da existência de uma “hegemonia”, que tenha tanto capacidade quanto vontade de fornecer “bens públicos” internacionais, como lei, ordem e uma moeda estável para o comércio financeiro. Em termos gerais, essa é a Teoria da Estabilidade Hegemônica.
É uma teoria importante e voltaremos a ela na Unidade 4, ao tratarmos do debate teórico travado entre neorrealistas e neoliberais.
As Potências hegemônicas são as Grandes Potências na concepção de Wight, e o hegemon nada mais que a Potência Dominante. A hegemonia político-ideológica no planeta, por exemplo, era disputada pelas Superpotências no contexto da Guerra Fria, mas a URSS dificilmente poderia ser caracterizada como ameaça à hegemonia econômica dos EUA.
Curiosidade
Deve-se esclarecer, todavia, que, durante a maior parte da Guerra Fria, imaginava-se que a União Soviética se tornaria uma grande potência econômica. Isso é especialmente válido para os anos 30: enquanto as economias ocidentais agonizavam por causa da crise de 1929, a economia soviética crescia a taxas espantosamente altas.
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Vídeo
Complementando os estudos sobre o conceito de Hegemonia, atente para esta aula do Professor Joanisval.
Duração: 2min55
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Essas observações introdutórias são suficientes e fundamentais para a compreensão das unidades seguintes e para a discussão dos temas tratados neste curso.
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Artigo interessante para concluir os estudos dessa Unidade é o texto de João Marques de Almeida, sobre Hegemonia Americana e Multilateralismo.
Avaliação objetiva
Atividade de autoavaliação - Para efeito de fixação dos conceitos estudados na Unidade, clique no menu lateral em "Avaliações" - Objetivas" e escolha a que se refere a esta Unidade(U2) e Módulo(M1): Rel I - Autoavaliação M1U2 e realize a atividade. Essas questões serão corrigidas automaticamente pelo
sistema.
Unidade 3 - Correntes teóricas das Relações Internacionais
Aqui começa a terceira Unidade do Módulo I do curso de Introdução às Relações Internacionais. Nela, serão discutidas algumas correntes teóricas das Relações Internacionais.
Objetivos
Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:
indicar e caracterizar as principais correntes teóricas das Relações Internacionais no Século XX; identificar os principais debates teóricos da disciplina.
Atenção
Esperamos que você tenha excelente aproveitamento em seus estudos!
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TEORIAS DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS
O objeto material de qualquer ciência se define pela parcela de realidade que se pretende conhecer mediante a formação de teorias e a utilização de um método científico (CERVERA, 1991). A teorização sobre as Relações Internacionais surgiu quando se buscou explicar a existência e as condutas dos entes internacionais. É na Grécia Antiga, com a obra de Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, que se tem a primeira manifestação embrionária de uma teoria de Relações Internacionais. Há algo que as ciências naturais e as ciências sociais, conforme Karl Popper, certamente têm em comum: a necessidade da teoria para se desenvolverem. Nas palavras de Tomassini (1989, p. 55): A ciência exige algo mais do que fatos e descrições de fatos. Exige uma explicação de por que ocorreram, que efeitos causaram e algumas predições (ou, no caso das ciências sociais, conjecturas) sobre seu comportamento provável no futuro, uma mescla de causalidade, teleologia e prospecção. No campo das ciências sociais, como em outras ciências, a teoria é chamada a ministrar essas explicações, pondo ordem ao mundo heterogêneo e muitas vezes incompreensível dos fatos isolados, e a arriscar algumas predições. A Teoria do Equilíbrio de Poder
Começamos por essa teoria por uma razão simples: para muitos estudiosos da política internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder, também conhecida como Teoria do Balanço de Poder, é o que mais próximo existe de uma teoria política das relações internacionais. Arnold Toynbee, conhecido historiador, chegou mesmo a dizer que tal teoria constituía uma “lei” da História. Na era moderna, com o surgimento e desenvolvimento do Estado-nação, multiplicaram-se também as teorizações a respeito das relações internacionais. Em um contexto de anarquia internacional e de conflito entre os Estados, as práticas dos agentes e dos Atores na Sociedade Internacional levaram à formulação de uma teoria que pode ser considerada a precursora da análise convencional realista das relações internacionais, a Teoria do Equilíbrio de Poder. A Teoria do Equilíbrio de Poder percebe o cenário internacional em uma situação de equilíbrio, no qual o poder é distribuído entre os diversos Estados. Quando um Estado começa a se destacar e a buscar aumentar seu poder frente os demais, há uma perturbação no equilíbrio, e faz-se necessária uma
coalizão das Potências para conter o Estado “pretensioso” e restaurar a ordem. Assim, pressupondo o Estado como um Ator racional, a teoria defende que o balanço ou o equilíbrio de poder é a escolha preferível e, portanto, a tendência do sistema internacional. A Teoria orientou as relações internacionais nos quatro séculos compreendidos entre a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648) e a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Foi útil para justificar as condutas dos Estados e ações de governantes em um contexto anárquico e conflituoso, como será visto nas Unidades 2 e 3 do Módulo seguinte. Alguns autores distinguem entre o equilíbrio de poder como uma política (esforço deliberado para prevenir predominância, hegemonia) e como um padrão da política internacional (em que a interação entre os Estados tende a limitar ou frear a busca por hegemonia e, como resultado, há um equilíbrio geral). Com o fim da Primeira Guerra Mundial e as consequentes mudanças no cenário internacional e no equilíbrio de forças, em virtude dos traumas causados pelo conflito e do desenvolvimento do discurso pacifista junto à opinião pública internacional, a Teoria do Equilíbrio de Poder foi questionada. Sob o argumento de que essa doutrina não poderia perdurar em um sistema em que a guerra deveria ser evitada a qualquer custo, o imediato pós-guerra foi marcado por novas concepções sobre as relações internacionais, baseadas em uma nova corrente teórica, a qual se fundamentava no Direito Internacional, na solução pacífica das controvérsias e na busca de uma estrutura supranacional que garantisse a paz: o Idealismo das Relações Internacionais. Foi, portanto, na primeira metade do século XX que os primeiros teóricos de Relações Internacionais começaram a desenvolver suas explicações sobre o tema em um contexto de disciplina autônoma. Claro que, em virtude de um objeto de estudo tão complexo, diversas foram as correntes teóricas instituídas nas últimas décadas. Como não é este um curso de teoria, pretendemos apresentar apenas as linhas gerais das correntes mais reconhecidas. pág. 02
A fase idealista O Idealismo, como ficou conhecida a primeira grande corrente teórica de Relações Internacionais, surge em um contexto do final de um conflito muito marcante, a Primeira Guerra Mundial, e reflete a crescente preocupação daqueles que então começavam a teorizar sobre as relações internacionais: Como se poderia buscar a paz na Sociedade Internacional, ou melhor, como evitar o conflito, sobretudo bélico, entre os Estados? No que concerne ao contexto internacional, lembra Arenal (1984), o clima nunca poderia ter sido mais favorável ao Idealismo. A Grande Guerra havia demonstrado a fragilidade da tradicional diplomacia europeia como meio para assegurar a ordem e a paz internacional. As enormes perdas humanas e materiais produzidas pelo conflito foram responsáveis, também, pelo advento de uma opinião comum universal segundo a qual a guerra deveria ser erradicada como instrumento de política dos Estados. Pregava-se, ademais, o estabelecimento de um modelo de segurança coletiva capaz de evitar novas contendas. Assim, sob os auspícios do discurso idealista e moralizante do presidente estadunidense Woodrow Wilson, foi criada a Sociedade (ou Liga) das Nações (SDN), com o objetivo de ser a organização central de um sistema de segurança coletiva e um fórum em que os Estados pudessem resolver suas contendas de maneira pacífica. A SDN, portanto, contribuía para acentuar o otimismo frente ao futuro da Sociedade Internacional e estabelecia os fundamentos de um sistema dirigido para preservar a paz. Nesse contexto, a teoria internacional dominante se orientava pelos caminhos do Idealismo, dos projetos de organização internacional, do estabelecimento de mecanismos tendentes à solução pacífica e de propostas de desarmamento. Importância significativa foi dada pelos idealistas ao Direito Internacional e às instituições jurídico-normativas que garantissem a ordem nas relações entre os Estados: ganhava força o institucionalismo nas relações internacionais.
Anarquia internacional não significa “desordem”, mas, sim, ausência de um governo central superior aos Estados (que são soberanos e só prestam contas a si mesmos e a outros Atores do sistema). Anarquia é, portanto, ausência de governo.
O Idealismo partia do princípio de que as relações internacionais encontram-se em estado de natureza, ou seja, de anarquia internacional. As nações devem buscar, destarte, superar essa anarquia e estabelecer um contrato social em âmbito internacional que ordene as relações entre os povos. Os Estados, acreditavam os idealistas, deveriam portar-se de acordo com os mesmos princípios morais que guiam a conduta do indivíduo. Para estimular ou obrigar esses Estados a seguir tais princípios, seria fundamental que se institucionalizasse, em escala mundial, o interesse comum de todos os povos em alcançar a paz e a prosperidade. O estudo de Relações Internacionais, como disciplina autônoma, mostrou-se como uma ciência da paz.
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O Realismo e o Idealismo encerram, na verdade, duas visões de mundo opostas, em que o ponto de partida é a dicotomia anarquia x ordem. Apesar de Tucídides, com História da Guerra do Peloponeso, antes mesmo de surgirem os conceitos de soberania e a tese do estado de natureza, já ter iniciado a moldar uma concepção anárquica do mundo, é com Thomas Hobbes, em Leviatã, e, em seguida, com John Locke, em O Estado de Guerra (Capítulo III da obra Segundo Tratado do Governo Civil), em que se explora, pela primeira vez, o estado de natureza anárquico a respeito das relações internacionais. Segundo Lijphart (1982), as noções de soberania e de anarquia internacional inspiraram três teorias interligadas: a do governo mundial, a do equilíbrio de poder (ou balanço do poder) e a da segurança coletiva. Segundo a teoria do governo mundial, dado que a anarquia é responsável pela tensão internacional, é necessário celebrar um contrato social internacional para instituir um governo mundial soberano e único, para pôr fim à anarquia. A teoria do equilíbrio de poder, ao contrário, defende que a luta pelo poder entre os Estados soberanos tende a gerar um equilíbrio, o qual não alimenta uma tensão perpétua, mas cria uma ordem internacional. Para a teoria da segurança coletiva, o melhor seria que os Estados se empenhassem em tomar medidas coletivas contra todo agressor, o que acabaria atenuando a anarquia internacional. Todas essas teorias aceitam
a tese de que a anarquia reina entre os Estados soberanos. Segundo Inis L. Claude, citado por Lijphart, essas três teorias correspondem a estágios sucessivos de uma progressão em direção a uma centralização cada vez mais repleta de autoridade e poder (no sentido balanço de poder - segurança coletiva - governo mundial). O mundo nunca passou do segundo estágio, o qual foi, na verdade, o foco da maior parte dos autores idealistas.
Curiosidade
Historicamente, no desenvolvimento do sistema de Estados da Europa, soberania é normalmente associada aos trabalhos de Jean Bodin e Thomas Hobbes, nos quais significava o direito de exercer poder irrestrito. Todavia, a história do sistema de Estados modernos, do século XVII em diante, é uma tentativa de se distanciar da rigidez dessa concepção original em busca da ideia de igualdade formal.
Para as Relações Internacionais, é particularmente importante a visão construída por Hugo Grócio sobre a sociedade internacional a partir da teoria do contrato. Grócio, considerado o pai do Direito Internacional, defendeu ser o direito um conjunto de normas ditadas pela razão e sugeridas pelo appetitus societatis. A base da doutrina de Grócio é a solidariedade, ou potencial solidariedade, entre os Estados em relação à aplicação da lei internacional, e procura estabelecer uma ordem mundial restringindo os direitos dos Estados de irem para a guerra por motivações políticas e promover a ideia de que a força só pode ser legitimamente usada em nome dos objetivos e anseios da comunidade internacional como um todo. Grócio, como se observa, apresenta uma hipótese inversa à do equilíbrio de poder. Para ele, existe um fundamento comum de normas morais e jurídicas, e o mundo é uma sociedade composta de Estados onde reina um consenso normativo suficientemente amplo e intimidador para que a noção de estado de natureza e de anarquia internacional não seja aplicável. A tese de Grócio parte da noção de anarquia, mas a minimiza para efeitos de teorização, desconsiderando a relação necessária entre anarquia e guerra, relação esta reduzida a mera “hipótese” (e não a um “dado” ou “premissa”, como fazem os realistas).
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A teoria e a prática das relações internacionais desde a Primeira Guerra Mundial, principalmente com o Pacto da Liga das Nações (o Pacto de Paris), a Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) e a Carta do Tribunal Internacional de Nuremberg, derivam da fórmula grociana, que concebe a sociedade internacional de forma ordenada, fruto da analogia com a alegoria da sociedade doméstica usada pelos teóricos do contrato social dos séculos XVII e XVIII. Edward Hallett Carr, autor do clássico Vinte Anos de Crise: 1919-1939, cuja primeira edição foi lançada logo após o desencadeamento da Segunda Guerra Mundial, em 1939, analisa a dicotomia entre uma perspectiva utópica e a prática realista dos Estados e ilustra bem a maneira como os idealistas viam as relações internacionais e os argumentos que utilizavam ao tratarem das interações entre os povos: O aspecto teleológico da ciência da política internacional tem estado evidente desde o princípio. Surgiu de uma grande e desastrosa guerra; e o objetivo mestre que inspirou os pioneiros da nova ciência foi o de evitar a recidiva desta doença do corpo internacional. O desejo passional de evitar a guerra determinou todo o curso e direção iniciais do estudo. Como outras ciências na infância, a ciência política internacional tem sido marcadamente e francamente utópica. Ela se encontra no estágio inicial, no qual o desejo prevalece sobre o pensamento, a generalização sobre a observação, e poucas tentativas são efetuadas de uma análise crítica dos fatos existentes e dos meios disponíveis. Neste estágio, a atenção está concentrada quase exclusivamente no fim a ser alcançado.
Carr cita, ainda, o discurso do Presidente Wilson – que refletia o pensamento idealista geral e que continha a resposta de Wilson: “se não funcionar, teremos que fazê-lo funcionar!”, quando indagado se aquele modelo moralizante e pacifista funcionaria – e esclarece: O advogado de um plano para uma força de polícia internacional, ou para a ‘segurança coletiva’, ou de algum outro projeto para uma ordem internacional, geralmente responde à crítica, não com um argumento destinado a mostrar como e por que ele pensa que seu plano funcionaria, mas sim, ou com uma declaração de que ele tem que ser posto a funcionar porque as consequências de sua ausência de funcionamento seriam desastrosas, ou com a demanda por alguma panaceia alternativa.
Após a Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações foi um esforço específico da política internacional de substituir o princípio do equilíbrio de poder pelo princípio da segurança coletiva. Tal princípio, que sustentou a criação daquela Organização, foi elaborado para remover a necessidade de equilíbrio ou balanço. Para os realistas, essa sua remoção no período Entre-Guerras teria sido justamente a causa da Segunda Guerra Mundial. Como resultado, o sistema internacional pós-1945 deixou de ser explicado em termos do princípio idealista da segurança coletiva, e noções de bipolaridade e multipolaridade, típicas das análises de balanço de poder, o substituíram. Chegou-se mesmo, nos períodos mais quentes da Guerra Fria, em se falar de “balanço de terror”.
Vídeo
Para reforçar o conceito dessa Corrente Teórica, assista ao vídeo da aula a seguir.
Duração: 10min
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A fase realista A década de 1930, entretanto, caracterizada por uma crescente instabilidade internacional, consequência de comoções políticas, econômicas e ideológicas, internas e internacionais, e pelo fracasso do sistema da Sociedade das Nações e da política de apaziguamento das democracias europeias, marca a decadência da perspectiva idealista para a teoria das Relações Internacionais. Nesse período, tem-se o debate entre o Idealismo e uma nova corrente que ganhava força, o Realismo Político.
Curiosidade
Esses acontecimentos são tratados no curso – Relações Internacionais: Temas Contemporâneos, referente à evolução histórica da Sociedade Internacional, oferecido pelo ILB. Maiores informações no site deste Intituto.
Os acontecimentos internacionais novamente foram essenciais para a mudança no aporte teórico. O Realismo representou, em um primeiro momento, a reação dos especialistas às insuficiências teóricas e práticas dos idealistas, no contexto de convulsões internacionais dos anos trinta e da própria Segunda Guerra Mundial. Para os realistas, o apelo à opinião pública e à razão humanista, preconizada pelos idealistas, mostrou-se incapaz de prevenir a guerra, fazendo-se necessário retomar as ideias de segurança nacional e de força militar como suportes da diplomacia. Apenas por meio de um poder efetivo, acreditavam, os Estados poderiam assegurar a paz internacional e a solução pacífica das controvérsias.Carr assinalava que o significado último da crise internacional era "o colapso da total estrutura do utopismo baseado no conceito de harmonia de interesses". A pragmática nova geração de estudiosos do pós-Segunda Guerra Mundial baseava-se no pensamento clássico maquiavélico e hobbesiano e via na defesa dos interesses nacionais, em relação a poder, o grande eixo da conduta dos Estados soberanos no meio internacional. O Realismo encontrou maior respaldo no EUA. Desse país, a doutrina realista difundiu-se pelo globo, tornando-se a corrente teórica mais relevante para explicar as Relações Internacionais. Abordaremos essa corrente com mais detalhes a seguir e também em unidade própria.
Para refletir
Atualmente, cerca de 90% da produção acadêmica dos EUA em Relações Internacionais têm por fundamento a corrente realista.
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Behavioristas e Pós-behavioristas
A terceira fase da Teoria das Relações Internacionais desenvolveu-se também nos EUA como “resposta aos excessos do Realismo”. Trata-se de uma aproximação com a vertente behaviorista da Sociologia. Essa corrente ficou conhecida como behaviorista ou científica. Para Arenal (1984, p.82): No início dos anos cinquenta, alguns especialistas norte-americanos em política de segurança nacional repensam os postulados do realismo político, com base no caráter impreciso e intuitivo dos mesmos para a análise da realidade internacional, e buscam um enfoque de caráter científico capaz de dar resposta à complexidade das Relações Internacionais. O impacto dos métodos de pesquisa e os modelos das ciências físico-naturais são notados com força nas pesquisas que começam a pôr em marcha. A partir desse momento, uma onda de cientificismo, que trata de desenvolver uma ciência das Relações Internacionais, com base na aplicação de métodos quantitativo-matemáticos, invade as Relações Internacionais, impondo-se o que se denominou perspectiva behaviorista ou conducista.
Para behavioristas, o objetivo das Relações Internacionais é o comportamento dos Atores. O estudo desse objeto deve atentar para parâmetros que envolvam fases como a coleta e a elaboração de dados, o tratamento quantitativo desses dados e, finalmente, a produção de modelos dentro do rigor científico das ciências exatas. Para os behavioristas, os estudos devem estar sempre voltados para os casos concretos, a partir dos quais uma linguagem científica das ciências sociais deve ser elaborada com base em dados empíricos, rejeitando-se análises provenientes do Direito, da História ou da Filosofia. Entre os vários enfoques da corrente behaviorista, convém destacar a Teoria da Tomada de Decisões, a Teoria Sistêmica das Relações Internacionais e a Teoria dos Jogos. Os autores científicos mais renomados são Morton Kaplan, David Singer e G. T. Allison. O desenvolvimento da corrente “científica” gerou um grande debate nos anos sessenta entre os tradicionalistas filosófico-intuitivos (idealistas e realistas) e os científicos (behavioristas). Finalmente, Arenal identifica uma quarta fase, motivada pelo que David Easton (1969) chamou de “nova revolução da ciência política”, e que se convencionou chamar de pós-behaviorismo. Essa nova revolução ter-se-ia produzido devido a uma profunda insatisfação com a pesquisa política e os ensinamentos behavioristas, sobretudo por quererem converter o estudo da política em uma ciência segundo o modelo físico-natural. As bandeiras levantadas pelos pós-behaviorista são ação e relevância. O novo movimento, sem abandonar o enfoque científico do behaviorismo, dirige sua atenção à conduta humana enquanto tal e aos problemas reais do mundo, às motivações e aos valores subjacentes a toda conduta. Busca-se uma pesquisa com ênfase ao caso concreto, dando atenção a um objeto de análise que difere dos objetos das ciências exatas. O PósBehaviorismo constituiu, portanto, a síntese do debate entre as concepções tradicionalistas e as científicas.
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Os 3 paradigmas teóricos das Relações Internacionais: Realismo, Pluralismo e Globalismo
Atualmente, a doutrina reconhece três grandes correntes teóricas das Relações Internacionais: o Realismo, o Pluralismo e o Globalismo. São também chamados de paradigmas teóricos, dado que as variadas teorias que existem na disciplina podem ser encaixadas em uma dessas três correntes. O Realismo trabalha mais com os conceitos de poder e equilíbrio de poder, o Globalismo com dependência, e o Pluralismo, por sua vez, com os conceitos de processo de tomada de decisão e transnacionalismo. Vamos abordá-las brevemente a seguir.
Vídeo
Assistindo ao vídeo abaixo, ainda com o Professor Joanisval, um dos conteudistas deste curso, você terá uma visão introdutória do surgimento do Realismo.
Duração: 5min25
Realismo
O Realismo tem algumas proposições básicas. Primeiro, o Estado é o ator principal no meio internacional, e o estudo das relações internacionais foca essa unidade política. Atores não estatais, como as empresas multinacionais, são menos relevantes para a análise, e as organizações internacionais, como a ONU ou a OTAN, não possuem existência autônoma ou independente, porque são compostas de Estados, as verdadeiras unidades soberanas, independentes e autônomas, que determinam o comportamento dessas organizações internacionais. O Conselho de Segurança da ONU, por exemplo, que era uma forma de “gerência” do poder, na visão realista, foi paralisado, durante a Guerra Fria, pelo veto – os interesses de poder da URSS e dos EUA iam em sentidos opostos e, por consequência, impediam a organização de funcionar. No pós-Guerra Fria, apesar da superação das rivalidades dentro do Conselho, a Organização ainda não funcionava automaticamente, dependendo, em cada circunstância, do “interesse” dos Estados para atuar. Realistas citam, por exemplo, o contraste entre a ação rápida na Guerra do Golfo e a inércia diante da crise iugoslava. Segundo, os Estados são atores unitários. São unitários porque quaisquer diferenças de visão entre os líderes políticos ou burocracias dentro do Estado são, no final das contas, resolvidas, para que o Estado fale uma só voz. Terceiro, os Estados são atores racionais. São racionais porque, dados certos objetivos, trabalham com alternativas viáveis para alcançá-los, à luz de suas capacidades, por meio de uma análise de custo-benefício. Os realistas reconhecem a existência de problemas como falta ou ruído de informação, incerteza, pré-julgamento e erros de percepção, mas, contudo, pressupõem que os tomadores de decisão não medem esforços para alcançar a melhor decisão possível. Finalmente, para os realitas, a segurança nacional é a questão de maior importância para a agenda de política
Finalmente, para os realistas, a segurança nacional é a questão de maior importância para a agenda de política exterior de qualquer Estado. Questões políticas e militares dominam a agenda e são chamadas de “alta política” (high politics). Os Estados atuam para maximizar o interesse nacional. Em outras palavras, os Estados tentam maximizar a probabilidade de atingirem qualquer objetivo que tenham estabelecido, os quais incluem preocupações de alta política relativas à sobrevivência do Estado (segurança) assim como os objetivos de baixa política ligados a esse campo, como comercio, finanças, câmbio e esse bem-estar. A guerra responsiva dos EUA contra o Afeganistão, após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, e sua guerra preventiva contra o Iraque, em 2003, evidenciam o conflito alta política x baixa política, pois, durante os quatro anos do Governo Bush, os democratas o criticaram constantemente por ter abandonado as questões de economia doméstica em nome da segurança nacional. Até mesmo o direito interno foi suspenso nos EUA por questões de segurança nacional. Vêm sendo negados a vários suspeitos, estrangeiros e nacionais, direitos garantidos constitucionalmente, em ampla afronta ao princípio do devido processo legal (due process of law), conquista de mais de dois séculos da sociedade norte-americana.
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Pluralismo
Vídeo
Assista à aula introdutória, gravada no curso presencial no ILB, sobre Pluralismo. Vamos lá!
Duração:6min24
Os anos de 1980 e 1990 deram força à corrente teórica conhecida como Pluralismo, que veio para desafiar as proposições do Realismo. Nessa corrente normalmente se enquadram os neoliberais. O Pluralismo é baseado em quatro proposições básicas. Primeiro, atores não estatais são importantes na política internacional. Organizações internacionais, por exemplo, podem tornar-se, em algumas questões, atores independentes, ao contrário do que defendem os realistas. Elas são mais do que simples fóruns em que Estados competem e cooperam uns com os outros. O corpo de funcionários de uma organização internacional pode reter um grau expressivo de poder ao determinar os termos de uma agenda, assim como ao fornecer informações sobre as quais representantes de Estado baseiam suas demandas (como acontece com o FMI em relação aos países que pedem empréstimos além de suas cotas, e, por consequência, precisam seguir o receituário do “consenso de Washington”). Similarmente, organizações não governamentais, como a WWF, e corporações multinacionais, como a Petrobrás, a IBM, a Sony, a General Motors, a Exxon, o Citicorp, entre várias outras, também desempenham papéis importantes na política mundial. Atualmente, lembram os pluralistas, até mesmo na área comercial as ONGs têm sido chamadas a atuar. O ex-Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, afirmou, em junho de 2004, durante visita ao Fórum da Sociedade Civil, reunião de ONGs que, pela primeira vez, tinham assento na Conferência das Nações Unidas para o Comércio e para o Desenvolvimento (UNCTAD), que a sociedade civil tem peso na balança para tornar o comércio internacional mais justo. Para os pluralistas, também não se poderia negar o impacto de atores não estatais, como grupos terroristas (como a Al Qaeda e o Hamas), comerciantes de armas da máfia russa, movimentos guerrilheiros, como as FARC colombianas etc. Segundo, para os pluralistas, o Estado não é um ator unitário. O Estado é composto de indivíduos, grupos de interesse e burocracias que competem entre si. Apesar de as decisões serem noticiadas como decisões de “tal país”, é geralmente mais correto se falar em decisão feita por uma coalizão governamental particular, uma agência burocrática do Executivo ou mesmo um único indivíduo. A decisão não é tomada por uma entidade abstrata chamada “Brasil”, “China” ou “EUA”, mas por uma combinação de atores por trás da definição da política externa. Diferentes organizações podem apresentar perspectivas distintas em determinada questão de política externa. Competição, formação de coalizões e compromissos eventualmente resultarão numa decisão que será anunciada como uma decisão do país. Essa decisão “estatal” pode ser o resultado de lobbies levado a efeito por atores não governamentais (como o lobby dos fazendeiros norte-americanos contra o fim dos subsídios agrícolas, das empresas multinacionais, de grupos de interesse, ou mesmo de um ente amorfo, a opinião pública). Assim, para os pluralistas, o Estado não pode ser visto como um ator unitário, uma vez que tal rótulo perderia de vista a multiplicidade de atores que formam e compõem a entidade chamada de “Estado-nação”. Terceiro, os pluralistas desafiam a suposição realista de que o Estado é um ator racional. Dada a visão pluralista e fragmentada do Estado, pressupõe-se, ao contrário, o choque de interesses, a barganha e a necessidade de compromisso que nem sempre levam a um processo de tomada de decisão racional. Por fim, para os pluralistas, a agenda da política internacional é extensa. Embora a segurança nacional seja importante, os pluralistas também se preocupam com um número variado de questões econômicas, sociais, energéticas e ecológicas que têm surgido com o aumento da interdependência entre os países e as sociedades nos séculos XX e XXI. Alguns pluralistas, por exemplo, enfatizam o comércio e as questões monetárias e energéticas, as quais estariam no topo da agenda internacional. Outros focam o problema demográfico e a expansão da fome no Terceiro Mundo. Outros, ainda, focam a poluição e a degradação do meio ambiente. Nesse sentido, os pluralistas rejeitam a dicotomia entre alta política (high politics) e baixa política (low politics) dos realistas.
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Globalismo
Vídeo
Para introduzir o conceito de Globalismo, assista ao vídeo e, em seguida, leia atentamente o texto que se segue! Bons estudos!
Duração: 3min25
Historicamente, o Globalismo se relaciona com o surgimento do Terceiro Mundo na política mundial. Nesse sentido, representa uma visão ignorada e desprestigiada da realidade internacional. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder dentro do sistema. Vimos que os realistas organizam seus estudos em torno da questão básica de como a estabilidade pode ser mantida num mundo anárquico. Os pluralistas se perguntam como mudanças pacíficas podem ser promovidas num mundo que é crescentemente interdependente política, militar, social e economicamente. Os globalistas, por sua vez, se concentram na questão de por que tantos países do Terceiro Mundo na América Latina, na África e na Ásia não têm conseguido se desenvolver. Para muitos globalistas, mais ligados à linha marxista, essa questão faz parte de um campo maior de análise: o desenvolvimento do capitalismo no mundo. Os globalistas são guiados por quatro proposições. Primeiro, é necessário entender o contexto global em que Estados e outros atores interagem. Os globalistas argumentam que para explicar o comportamento em qualquer nível de análise – o individual, o burocrático, o societário e o estatal –, é necessário, antes, entender a estrutura geral do sistema global no qual esses comportamentos se manifestam. Assim como os realistas, globalistas acreditam que o ponto de partida da análise é o sistema internacional. Numa extensão mais larga, o comportamento de atores individuais é explicado por um sistema que fornece limitações e oportunidades. Segundo, os globalistas realçam a importância da análise histórica na compreensão do sistema internacional. Apenas rastreando a evolução histórica do sistema é possível entender sua estrutura atual. O fator histórico chave e a característica definidora do sistema como um todo é o capitalismo. Até mesmo os Estados socialistas precisam operar dentro desse sistema econômico, que constantemente restringe suas opções. Terceiro, os globalistas assumem que existem mecanismos de dominação que impedem que o Terceiro Mundo se desenvolva e que contribuem para o desenvolvimento desigual ao redor do planeta. A compreensão desses mecanismos requer o exame das relações de dependência entre os países industrializados do Norte (América do Norte e Europa) e os vizinhos pobres do Hemisfério Sul (América Latina, África e Ásia). Finalmente, os globalistas defendem que os fatores econômicos são absolutamente críticos para se explicar a evolução e o funcionamento do sistema capitalista mundial e a relegação do Terceiro Mundo para uma posição subordinada. A economia funciona como uma espécie de “alta política” para os globalistas. Para fins didáticos, podemos traçar o seguinte quadro, que relaciona os três paradigmas das Relacões Internacionais: Realismo
Pluralismo
Globalismo
Unidades analíticas
Estado como principal unidade de Estado e atores não estatais, como organizações Estado, classes, elites, sociedades e atores não análise. burocráticas, elites, sociedades, indivíduo, -estatais como operadores do sistema grupos de indivíduos, organizações capitalista. internacionais, corporações multinacionais, organizações não governamentais.
Concepção de Ator
Estado unitário e racional.
Dinâmica comporta-
Estado como maximizador de seus Conflito, barganha, formação de coalizões e Política externa como padrões racionais de próprios interesses na política externa. compromissos nos processos transnacionais e de dominação dentro e entre Estados e tomada de decisão em política externa, não sociedades. necessariamente levando a resultados ótimos.
mental
Estado não unitário e não racional: desagregado Estado não unitário e racional, visto sob a em componentes, alguns dos quais com atuação perspectiva histórica do desenvolvimento do transnacional. capitalismo.
Agenda
Segurança nacional como questão mais Agenda múltipla, com questões sócio- Questões econômicas como mais importantes. importante. econômicas tão ou mais importantes do que questões de segurança nacional.
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Outras correntes teóricas
Registre-se, outrossim, que as correntes citadas nesta Unidade são as mais difundidas e tradicionais. Não obstante, neste contexto de pósmodernidade, ganham força perspectivas de vanguarda, com destaque para o Construtivismo. Foge ao escopo deste curso a análises dessas outras correntes. Passemos, portanto, aos principais debates que marcaram a Teoria das Relações Internacionais no século XX. OS GRANDES DEBATES TEÓRICOS Idealismo X Realismo
O debate entre realistas e idealistas iniciou-se na década de 1930. Não obstante, conforme acentua Arenal (1984), trata-se “de um debate que está presente, com maior ou menor força, em toda a história da teoria internacional, inclusive tendo recobrado força com novas perspectivas em nossos dias”. De acordo com John Herz (1951, p.8), o Idealismo é um tipo de pensamento político que “não conhece os problemas que surgem do dilema da segurança e poder”, ou que o faz “somente de uma forma superficial”. O Realismo, por sua vez, ao contrário, considera fatores de segurança e poder inerentes à sociedade humana. Arenal relaciona as características essenciais do Idealismo e do Realismo na Tabela 1:
TABELA 1: IDEALISMO X REALISMO IDEALISMO
REALISMO
1) Crença no progresso: diante da suposição de que a 1) Pessimismo antropológico: nega a possibilidade de evolução natureza humana pode ser compreendida não como imutável, para uma sociedade mais humanista. A política de poder mas como potencialidade que se atualiza progressivamente ao sempre foi e será o cerne das Relações Internacionais. longo da História. 2) Visão não determinista do mundo: a fé no progresso careceria de sentido se não fosse acompanhada de uma similar crença na eficácia da mudança por meio da ação humana.
2) Visão determinista do processo histórico: a ordem internacional dificilmente pode ser modificada pela ação humana. É possível compreender o processo histórico, mas não alterá-lo.
3) Racionalismo: considera que uma ordem política é racional e possível na Sociedade Internacional e que, como os indivíduos são morais e racionais, da mesma maneira os Estados são capazes de comportarem-se de forma racional e moral em suas relações. É a racionalidade que conduz ao progresso.
3) Distinção entre os códigos de conduta moral do indivíduo e do Estado: a ética pública é diferente da ética na vida privada. O homem de Estado, enquanto defensor da comunidade nacional, não está limitado em sua atuação pelas normas éticas e morais que regem os particulares. Daí o conceito de “razão de Estado”, em virtude do qual condutas inaceitáveis em âmbito interno do Estado seriam plenamente aceitáveis na política internacional.
4) Harmonia natural de interesses: os Estados teriam interesses mais complementares que antagônicos. Daí a ideia de que é possível a cooperação entre os povos por um fim último de paz e integração.
4) Ausência de harmonia natural de interesses: os Estados encontram-se em uma competição constante, uma vez que é difícil se obter a confiança entre os entes estatais que lhes permita escapar dessa situação.
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Assim, para os idealistas, a política é a arte do bom governo, e o poder político não constitui fenômeno natural, lei imutável da natureza. A Sociedade Internacional, em um primeiro momento, poderia até se encontrar em um estado de natureza, mas a anarquia internacional seria naturalmente substituída não por um sistema baseado no equilíbrio de poder, mas por uma ordem fundamentada na lei internacional, em instituições e na cooperação entre os povos. Assim, a conduta racional dos Estados os levaria à constituição de um poder supranacional, uma confederação de nações, que garantiria a segurança e a paz no Sistema (a “paz perpétua” de Kant). Os realistas, por sua vez, consideram a política internacional uma constante e interminável luta pelo poder, definido em capacidade de influência. Negam o otimismo idealista. Atuar racionalmente significa agir em favor dos próprios interesses; ou seja, de aumentar o poder, a capacidade ou habilidade de controlar os outros entes internacionais. Partindo do princípio de que o homem não é naturalmente bom e que se reúne em sociedade apenas porque é a melhor maneira que encontrou para garantir a segurança essencial à sua sobrevivência diante da guerra de todos contra todos, o Realismo percebe o Estado como um gladiador envolvido em um combate perpétuo pela sobrevivência na Sociedade Internacional anárquica em que as relações de força predominam. O Realismo não considera a moral ou a ética como limites à ação do Estado, mas a prudência, o senso de oportunidade e o cálculo racional. Essa consideração explica o pragmatismo e a falta de credulidade em organizações internacionais como instituições que não sejam apenas meros instrumentos de alguns Estados no jogo de poder internacional. Um governo mundial baseado apenas no Direito e no desejo global de paz é
inconcebível para o Realismo. pág. 12
Tradicionalistas X Científicos O debate entre os enfoques clássico e científico ou entre tradicionalistas e behavioristas ultrapassa, na ótica de Arenal, o debate entre realistas e idealistas. Afinal, ensina o mestre, tanto os partidários da análise clássica quanto os da perspectiva científica podem inscrever-se nas visões realista ou idealista. O debate entre tradicionalistas e behavioristas tem caráter metodológico. Faremos apenas algumas breves considerações introdutórias a esse respeito. Luciano Tomassini (1989), ao relacionar as principais diferenças entre os dois debates, lembra que, enquanto o primeiro debate (idealistas x realistas) tem sua origem específica no âmbito das relações internacionais, o segundo (tradicionalistas x científicos) está centrado na totalidade das ciências sociais, tendo ocorrido em virtude da “revolução behaviorista”. Os científicos buscavam alcançar, nas ciências sociais, o nível de exatidão similar ao das ciências exatas. Daí a tentativa de adoção de técnicas semelhantes às utilizadas nas ciências naturais – como as da química, da física e até da biologia – e a busca de “leis naturais” para explicar as relações sociais. Uma segunda distinção, segundo Tomassini, repousa no fato de que, enquanto o primeiro debate referia-se a questões substanciais – aspectos da natureza humana, dos fundamentos da Sociedade Internacional, da essência do poder –, o segundo debate teve cunho metodológico. Nesse sentido, tanto pensadores realistas quanto teóricos idealistas poderiam assumir uma perspectiva científica em suas análises. Finalmente, Tomassini assinala que, se o debate entre idealistas e realistas, por tratar de questões substanciais, faz com que as duas correntes sejam eternamente irreconciliáveis, o segundo debate estabelece uma paulatina aproximação das colocações e um entendimento final, dando origem aos pós-behavioristas. Os neorrealistas são o melhor exemplo desse resultado. Os behavioristas criticavam os tradicionalistas pelo fato destes dissociarem o sistema internacional do sistema nacional, e também porque os tradicionalistas ignoravam as variáveis internas – como, por exemplo, o processo de tomada de decisão no âmbito interno –, as quais seriam, na concepção científica, fundamentais para a compreensão da política exterior. Ademais, os behavioristas não davam atenção a questões filosóficas e morais, como a busca da paz, a moralidade da Sociedade Internacional, ou quais seriam os melhores mecanismos para a estabilidade internacional baseada no crescimento e na cooperação entre nações. A resposta tradicionalista às críticas behavioristas fundamentava-se no fato de que a Sociedade Internacional é complexa demais para que se chegue a “leis” que expliquem o sistema e a conduta dos Atores com base na análise de variáveis isoladas. Lembravam, ainda, que o método quantitativo não permitia a compreensão de situações chaves – fundamentadas em aspectos intuitivos ou racionais. Finalmente, assinalavam que, devido ao sigilo, em Relações Internacionais é longo o tempo até que se tenha acesso a determinadas informações que seriam essenciais para “quantificar a análise científica”. Na resolução de questões urgentes na Sociedade Internacional, não é possível, outrossim, esperar até que se consigam os dados estatísticos ou a conclusão das várias análises de casos em que os científicos querem basear-se. Certamente foi de grande relevância a contribuição behaviorista para a análise das relações internacionais. Afinal, foi possível aperfeiçoar os métodos da teoria e sistematizar as análises sob uma perspectiva mais empírica. Não obstante, o aspecto intuitivo ou racionalista das ciências sociais jamais poderá ser desprezado. Nesse sentido, não se pode querer atribuir às ciências humanas equivalência em relação às ciências naturais, exatas. Em Relações Internacionais, assim como em qualquer ciência social, o homem – seja sob seu aspecto individual, seja por meio de suas manifestações coletivas – é o objeto central de estudo. Tentar explicar as relações humanas com base apenas nos critérios exclusivamente quantitativos pode conduzir o analista a erro em sua avaliação. pág. 13
A Teoria Sistêmica das Relações Internacionais
Segundo Tomassini, o enfoque sistêmico para explicar as relações internacionais encontra-se “entre os aspectos substantivos que dividiram os realistas e idealistas durante o primeiro pós-guerra e as questões metodológicas que foram objeto das disputas entre tradicionalistas e científicos” após a Segunda Guerra Mundial. Há, entretanto, aqueles que situam a corrente sistêmica na escola científica. A escola sistêmica encontra suas origens na década de 1950, quando se começou a aplicar conceitos de análise de sistemas ao estudo das Relações Internacionais. Sua principal diferença frente ao enfoque convencional consistia no fato de que, enquanto os tradicionalistas concebiam as relações internacionais como um conjunto de interações entre unidades independentes e soberanas – os Estados –, não sujeitas a pautas nem a qualquer previsibilidade, a análise sistêmica percebia as relações internacionais influenciadas ou determinadas pela estrutura ou pelas tendências de uma unidade mais ampla, que seria o Sistema Internacional em seu conjunto. Um sistema geral pode ser definido como algo substantivado em um conjunto de elementos ou partes interconectados. Essa conexão entre os diversos elementos ocorre por meio de um princípio claramente identificável ou, mais simplesmente, por um rol de interação hipotético entre seus distintos componentes. Pode-se dizer, portanto, que um sistema é um conjunto de unidades que interagem entre si de acordo com padrões relativamente regulares e perceptíveis, alguns dos quais podem configurar subsistemas que se relacionam com o conjunto, seguindo o mesmo tipo de padronizações, e cujos limites ou parâmetros também são reconhecíveis, mas que, em geral, permanecem abertos a influências de um meio ambiente externo. A maior preocupação da perspectiva sistêmica está na interação entre os componentes de um Sistema Internacional e nos efeitos que o sistema tem sobre a conduta dos Atores. Daí a atenção maior aos mecanismos e à estrutura do conjunto que às partes específicas. Tomassini conclui que os enfoques sistêmicos têm permitido conhecer e melhor compreender as relações existentes entre as distintas unidades nacionais, o Sistema Internacional em seu conjunto e os diversos subsistemas que operam em seu interior. O enfoque também é importante para: • a percepção das funções que desempenham as estruturas e sua influência sobre o comportamento das distintas unidades;
• a necessidade de trabalhar com diferentes níveis de análise, com os limites entre um Sistema Internacional e seus elementos contextuais; • a natureza fechada ou aberta do sistema diante desse contexto; e • a interação observável entre o sistema e os diferentes segmentos que o integram. pág. 14
Um termo muito usado na análise sistêmica é o de “subsistema”, que também será explorado no decorrer deste curso. Aplicado às Relações Internacionais, normalmente vem associado à ideia de região – “subsistemas regionais” – ou às relações dentro de um setor (subsistema econômico, militar etc). A região, concebida como um subsistema, implica categorizar o todo (ou sistema) em partes distintas. O subsistema apresentaria as mesmas características do sistema, sendo que em um nível diferente. A busca por padrões e processos característicos se daria da mesma forma que na análise de sistemas, embora não necessariamente apresentando os mesmos resultados. Por exemplo, poder-se-ia considerar a integração uma tendência periférica em um sistema mundial e, ao mesmo tempo, uma tendência dominante em um subsistema. Essa é, particularmente, uma das conclusões de alguns pesquisadores a respeito da formação de blocos econômicos. Dentro do sistema mundial, esta seria uma tendência dominante apenas entre países periféricos, e não entre as principais Potências. Paulo Nogueira Batista Jr., por exemplo, argumenta que os EUA e a União Europeia (UE) não têm e nem pretendem ter acordo de livre comércio entre si. Tampouco está em cogitação uma área de livre comércio entre os EUA e o Japão, ou entre o Japão e a UE. Isso não impede que os EUA, a UE e o Japão mantenham inter-relacionamento comercial substancial e crescente ao longo do tempo. O que os norte-americanos, europeus e japoneses têm feito nas últimas décadas é negociar, no âmbito multilateral, em rodadas sucessivas de liberalização, a gradual e seletiva diminuição de barreiras ao comércio internacional.
Usamos o texto intitulado Estratégias Comerciais do Brasil: Alca, União Europeia, OMC e Negociações Sul-Sul, preparado para o seminário “O Brasil e Oportunidades de Integração”, patrocinado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo, realizado em 04 de novembro de 2003.
Concepções relativas a hierarquia, que normalmente eram empregadas no estudo do sistema macropolítico da política internacional, podem ser aplicadas, com a mesma validade, na análise de subsistemas regionais. Assim, um ator estatal pode apresentar papel significante em um nível e apenas modesto em outro. Índia e Brasil são bons exemplos. Além disso, dois processos sistêmicos relevantes, como o conflito e a cooperação, podem igualmente se manifestar no nível subsistêmico e, ainda, provocar um efeito spillover sobre o macrosistema. O conflito palestinoisraelense é ilustrativo disso. Trataremos mais adiante, na Unidade 5, das ideias de subsistema econômico, militar, ideológico etc. Entre os principais expoentes da escola sistêmica nas Relações Internacionais estão Morton Kaplan, Karl Deutsch e Richard Rosecrance. No caso do Neorealismo, cuja perspectiva é eminentemente sistêmica, tem-se em Kenneth Waltz seu grande expoente.
Livro indicado
Sugerimos as obras de Waltz, particularmente Teoria das Relações Internacionais (Theory of International Politics) para o estudo mais aprofundado da perspectiva neorrealista de relações internacionais, e, ainda, O homem, o estado e a guerra.
pág. 15
Realistas X Pluralistas
Outro debate relevante é o que se dá entre realistas e pluralistas. Os pluralistas colocam o caráter anárquico da Sociedade Internacional e a importância da segurança em segundo plano, o que é fortemente criticado pelos realistas, para os quais nenhuma análise das relações internacionais será completa sem se considerar a estrutura anárquica do Sistema e o dilema da segurança. Para os pluralistas, dada a complexa interdependência da Sociedade Internacional, o uso militar da força tende a ter menos utilidade na resolução de conflitos. Os pluralistas nem sempre usam os conceitos de sistema e de equilíbrio nas relações internacionais, dado que não concebem Atores autônomos e predeterminados no cenário internacional. Eles criticam as previsões baseadas em análises de balança de poder dos realistas por serem demasiado genéricas. Ao contrário do mundo idealizado pelos realistas, os pluralistas veem indeterminação e imprevisibilidade, dado que não há separação entre política externa e política interna, sendo aquela mera extensão desta, pois não deixa de ser influenciada por fatores como a opinião pública, a indústria do lobby e processos de barganha entre os atores internos (políticos, agências burocráticas etc.). A noção de Estado-nação dos
pluralistas, ao contrário do que concebem os realistas, é difusa, irracional e altamente permeável. A Teoria da Estabilidade Hegemônica, que vimos na Unidade 2 ao tratarmos de hegemonia, é exemplo de uma tentativa de conjugação da perspectiva realista com a pluralista. Alguns consideram essa teoria um “compromisso parcial” entre ambas as correntes. Outros debates
Há outros debates mais recentes e igualmente relevantes, como os debates entre neorrealistas e globalistas e entre neorrealistas e neoliberais. Vamos abordá-los na próxima Unidade.
Link
Também sobre o debate teórico de relações internacionais, veja o texto de William Gonçalves, Relações Internacionais.
pág. 16
MUDANÇAS NA TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS A partir de 1990, a Teoria das Relações Internacionais passou a enfrentar um problema epistemológico, uma vez que estava acostumada a trabalhar com os conceitos de Estado nacional, soberania, território nacional, interesse nacional, entre outros. Alguns autores identificam, na década de 1990, a ramificação das escolas da Teoria das Relações Internacionais em três direções: o Realismo, nos EUA; o Pluralismo, na Europa e na literatura mais recente da América Latina; o Globalismo, nas interpretações da esquerda ainda presente na América Latina e em outros países do Hemisfério Sul. O Realismo passou a sofrer várias críticas devido à dificuldade do Estado em administrar forças transnacionais. O Globalismo se enfraqueceu com a crise do socialismo real. O Pluralismo se revelou inadequado, uma vez que as suas preocupações com as questões sociais teriam sido desprezadas pela nova política internacional (SARAIVA, 1997, p. 361-362). Os seguintes movimentos passaram a ter relevância para a análise das relações internacionais contemporâneas:
soma de fluxos transnacionais como fator que afeta o cotidiano das pessoas e leva à crise do Estado-nação, cujo universalismo e soberania são questionados;
relativização do conceito de soberania, surgindo expressões, nos meios diplomáticos, como “soberania operacional”;
Atores não estatais não necessariamente agem contra o Estado, mas exigem mudanças de sua conduta – na política interna e externa;
Atores não estatais forçam o Estado a levar em conta a Comunidade Internacional, uma vez que a interdependência torna-se fato, e os problemas globais (ecologia, migrações, epidemias, narcotráfico, direitos humanos, terrorismo) passam a ser de responsabilidade de todos;
o Sistema Internacional passa a ser composto de sistemas confederados, o que solapa a identidade tradicional;
a Economia desliga-se do espaço nacional e das regulamentações do Estado, funcionando para o exterior.
A transição da bipolaridade para a globalização ocorreu, no entanto, sem que a nova ordem internacional demonstrasse capacidade para superar problemas globais, como o endividamento internacional, a hegemonia do mercado financeiro, o arrocho econômico mundial requerido para o ajuste de economias centrais e o desemprego estrutural. Esses também são temas importantes para os teóricos de Relações Internacionais no século XXI.
Vídeo
Um filme interessante para se entender, na prática, teoria das relações internacionais é o “Sob a Névoa da Guerra” (Errol Morris, EUA, 2003), documentário em que o ex-Secretário de Defesa dos EUA, Robert McNamara, faz uma análise da política externa dos EUA na II Guerra Mundial.
Livro indicado
Como sugestão de leitura, reforçamos a indicação da última grande obra de Jean-Baptiste Duroselle, Todo
império perecerá: teoria das relações internacionais. Interessante, ainda, um livro básico para a compreensão do Realismo, A Política entre as Nações, de Hans Morgenthau. Finalmente, convém conhecer a Escola Inglesa de Relações Internacionais por meio de duas obras fundamentais: A Política do Poder, de Martin Wight, e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull. Veja a referência completa sobre essas obras na Bibliografia Complementar, no menu de apoio.
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Unidade 4 - O Realismo
Nesta Unidade, é apresentada a principal corrente teórica das Relações Internacionais: O Realismo. O conteúdo está assim dividido: O Realismo O conflito e a questão da segurança Críticas ao Realismo O Neorealismo Os últimos grandes debates Neorrealistas X Globalistas Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência Conclusões
Objetivos
Ao final da unidade, o aluno deverá ser capaz de:
identificar as características da principal corrente teórica das Relações Internacionais e as críticas a essa corrente; descrever a evolução do pensamento realista nas Relações Internacionais ao longo do século XX; discorrer sobre a validade do Realismo no século XXI.
Atenção
Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, é sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para os estudos.
pág. 01
O REALISMO A tentativa mais notória do século XX para explicar as relações internacionais foi conduzida por um grupo de pensadores que contemplavam a realidade internacional com base nas relações de força, poder e dominação. Esses autores foram os representantes da corrente teórica conhecida como Realismo Político ou, simplesmente, Realismo. Trata-se da doutrina mais clássica e aceita das Relações Internacionais, chegando-se a ponto de muitos a considerarem o tronco central do estudo teórico do tema. Após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, ela teve notório fortalecimento. Devido a essas peculiaridades, optamos por dedicar uma Unidade específica a essa corrente. Entre os fundamentos do Realismo, buscaremos analisar as ideias que mais se destacam, a saber: • a percepção de um sistema internacional anárquico, sem uma autoridade central superior aos Estados e titular legítima do uso da força; • o caráter praticamente exclusivo do Estado como o único ou, ao menos, o principal Ator internacional; • o desprezo pelo institucionalismo e pelo papel efetivo das organizações internacionais no sistema; • a percepção de que os Estados são entes unitários e racionais ao conduzirem sua política externa; • a heterogeneidade desses Atores, quanto a aspectos econômicos, políticos, culturais etc; • o predomínio da competição e da dimensão conflitiva sobre todas as formas de relações entre os Atores internacionais; • a busca da racionalidade na conduta dos Estados, que atuam na esfera internacional perseguindo sempre seu interesse nacional; • o interesse nacional definido com base no poder, que conduz a uma paradoxal ordem internacional no sistema anárquico, ordem esta imposta pelas Potências hegemônicas aos demais Estados e em benefício das primeiras; • a preocupação com a segurança como umas das grandes orientadoras da conduta dos Atores, no que os realistas consideram ”alta política” (high politics) em contraposição à chamada baixa política (low politics); • a ideia de equilíbrio de poder na ordem internacional, estabelecido pelas Potências.
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Os realistas tiveram por objetivo inicial definir as características que fariam do campo de estudo das Relações Internacionais uma ciência própria. Daí buscarem distinguir, preliminarmente, a política internacional da política interna dos Estados. Desenvolveram, então, a percepção anárquica do sistema internacional. Assim, os realistas percebem o sistema internacional como anárquico, no qual não existe poder central ou superior dos Estados soberanos. Para os realistas, os Estados não reconhecem e não se submetem a qualquer autoridade que não a sua própria, também não estando, em última análise, internacionalmente sujeitos nem mesmo às regras do Direito. Nesse sentido, os Estados “são livres para fazer sua própria justiça e podem recorrer à força para defender seus interesses nacionais” (SENARCLENS, 2000, p. 16). O pensamento realista inspira-se nas concepções de Thomas Hobbes sobre o “estado de natureza” e, reproduzindo a visão hobbesiana sobre o homem, percebe os Estados numa situação de guerra permanente – não necessariamente de conflito armado –, na qual perseguem seus interesses nacionais. Nesse contexto anárquico, o Estado é visto internacionalmente como um ente unitário e que atua em política externa de maneira racional, sendo o cálculo estratégico essencial para garantir sua sobrevivência. Nesse sentido, o interesse nacional definido em termos de poder guiará a conduta dos Estados, e, em meio à guerra de todos contra todos, são essenciais para a sobrevivência de qualquer ente a garantia de sua segurança e o aumento de sua capacidade de influência no sistema. Em âmbito interno, segundo Hobbes, os homens associam-se e abrem mão de parte de sua independência para garantir sua segurança, transferindo uma parcela de seu poder para um soberano – o Estado – que, tornando-se o único e legítimo titular do uso da força (coerção), protege-os e garante a ordem. Na esfera internacional, entretanto, declaram os realistas, não há uma autoridade superior à qual os Estados estejam dispostos a transferir parcela de seu poder ou soberania em troca de segurança.
Para garantir sua segurança, os Estados irão buscar aumentar seu poder – definido pela capacidade de influenciar os demais Estados e de ser influenciado o mínimo por eles –, projetando-o no sistema internacional. Esse poder relaciona-se intimamente com o uso da força – sobretudo de poderio político-militar e os aspectos econômicos relacionados a ele. Em outras palavras, quanto mais forte for um Estado frente a seus pares, menos sujeito a ser subjugado por estes ele se encontra.
pág. 03
Paradoxalmente, uma vez que é impossível a coexistência em um sistema internacional caótico, os realistas acreditam que há uma ordem internacional estabelecida pelas Potências – Estados mais poderosos –, que a impõem aos demais Atores. A ordem se fundamenta, portanto, em um equilíbrio de poder instituído pelas relações entre as Potências. Quando uma Potência aumenta sua esfera de poder, entrará em atrito com as demais – que não aceitarão ver sua capacidade de influência diminuída. Dessa maneira, o sistema poderá ser levado ao desequilíbrio, chegandose ao conflito entre os Estados poderosos, que culminará, por sua vez, em uma nova ordem imposta pelos vencedores. Os realistas não acreditam em uma ordem internacional instituída por princípios morais e fraternos. Qualquer forma de cooperação internacional será conduzida pelos Estados enquanto esses perceberem que a cooperação garantirá mais segurança que a não cooperação. As instituições internacionais são frágeis e somente prevalecem enquanto for mais conveniente para as Potências. No meio internacional, o Direito acaba quando a força começa. Destarte, para os realistas, os Estados só seguirão e defenderão o Direito Internacional enquanto isso lhes for interessante. Caso as instituições jurídicas internacionais contrariem interesses de um Estado, este não se furtará a violá-las, desde que tenha capacidade – potencialidade de uso da força – para fazê-lo e para suportar as reações dos outros Estados que defendam aqueles institutos. Periodicamente, os governos recorrem à força e violam os princípios de Direito Internacional, produzindo, inclusive, argumentos jurídicos para justificar sua política de agressão. Outro aspecto importante do pensamento realista é a percepção do Estado como o único, ou, no mínimo, o principal Ator nas Relações Internacionais. Nessa perspectiva, os demais Atores – reconhecidamente as organizações internacionais – não seriam mais que instrumento de manobra das Potências para garantir sua hegemonia na Sociedade Internacional. Segundo Senarclens (2000, p. 18):
De fato, as grandes potências definem as condições da segurança internacional e se arrogam em uma boa margem de manobra na interpretação dos princípios da Carta das Nações Unidas. Elas dominam as organizações internacionais; as utilizam continuamente para servir aos seus próprios fins [das grandes Potências], notadamente para efetivar suas ambições políticas e seu desejo de hegemonia. (...) Para os realistas, (...) o direito e a moral nas Relações Internacionais não fazem mais que exprimir a racionalização dos interesses dos principais Estados que dominam a política mundial. (...) Definitivamente, as normas jurídicas e as instituições são frágeis; sua implementação é frágil, uma vez que os Estados interpretam a seu belprazer as obrigações que elas impõem; [os Estados] as transgridem invocando a defesa de seus interesses nacionais. Contrariamente ao que ocorre na esfera estatal interna, não há [no meio internacional] um poder legítimo capaz de instaurar e assegurar uma ordem política impondo sua arbitragem frente aos conflitos entre os Estados; nenhuma autoridade é capaz de produzir um conjunto de normas jurídicas universalmente reconhecidas como legais. Não existe uma corte internacional capaz de julgar de maneira sistemática e coerente as diferenças entre os Estados, nem forças policiais [internacionais] que possam coibir agressões a fim de estabelecer a paz. O indivíduo que viole a lei dentro de um Estado é passível de sanção. O Estado que transgrida o direito internacional em geral não é punido. O institucionalismo, portanto, não encontra abrigo na perspectiva realista. pág. 04
Ademais, a liberdade de ação dos Estados na esfera internacional estará relacionada à força que cada um deles tenha frente aos demais. Em Paz e Guerra entre as Nações, Raymond Aron, partindo do pressuposto de que os Estados são soberanos – e, portanto, livres para perseguir sua própria justiça –, admitiu que o direito desses entes de recorrer à força constitui uma das especificidades das relações internacionais. No que concerne ao meio internacional heterogêneo, os realistas afirmam que, apesar de os Estados serem juridicamente idênticos e terem direitos iguais de pronunciar-se perante o concerto das nações, na prática, a capacidade de exercerem sua soberania varia consideravelmente.
O que os realistas buscam deixar claro é que não se pode querer igualar a China a Liechtenstein, ou o Brasil à Somália, ou ainda, ou ainda, os EUA ao Afeganistão. Não adianta, portanto, querer arguir o artigo 2º da Carta das Nacões Unidas para que se imponha o princípio da igualdade entre os Estados nas relações internacionais. Os Estados são distintos uns dos outros quanto à grandeza territorial, populações, localização geográfica, capacidade militar, níveis de desenvolvimento em que se encontram, recursos econômicos, capacidade de exploração desses recursos. É exatamente em virtude dessas diferenças que os Estados terão maior ou menor influência no sistema internacional e buscarão formas de defender seus interesses.
Curiosidade
O artigo 2º da Carta da Nações Unidas dispõe que a ONU é" fundada sobre o princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros
Destarte, para os realistas, a política internacional de cada Estado é conduzida considerando-se as próprias potencialidades e as daqueles com os quais o Estado vá relacionar-se. A heterogeneidade – econômica, política, militar, cultural, ideológica, social – é a regra no sistema internacional, e não levar isso em consideração pode ser tremendamente desastroso para qualquer Ator.
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O conflito e a questão da segurança A política internacional, como toda política, tem por base os conflitos relacionados à distribuição do poder e dos recursos econômicos. Os Estados atuam na arena internacional considerando essa disputa por poder e por recursos econômicos. E os governos não devem ter objetivos maiores que os da defesa de seus “interesses nacionais”, entre os quais o mais importante é assegurar sua sobrevivência. É exatamente a conduta dos Atores internacionais em uma persecução - muitas vezes desordenada - por seus interesses nacionais que leva à situação de conflito e caos. Daí a assertiva de Morgenthau em A Política entre as Nações: A política internacional, como toda política, é uma luta pelo poder. Quaisquer que sejam os fins últimos da política internacional, o poder é sempre o fim imediato.
Os realistas percebem diferentes maneiras pelas quais os Estados buscam sua segurança. Para assegurar a independência, dependendo da posição e do status internacional, optam pela proteção de uma grande Potência, a participação em sistemas de segurança coletiva ou em alianças políticas ou militares. De qualquer maneira, a maioria dos Estados dispõe de forças armadas para garantir sua segurança. Aqueles que renunciaram a elas (a Costa Rica é o caso mais notório), necessariamente confiam sua defesa à proteção de uma Potência hegemônica. Philippe Braillard, em Teoria das Relações Internacionais (1990, p. 115), resume bem os principais conceitos do pensamento de Morgenthau: Para Morgenthau é o poder (power) e, mais precisamente, a procura pelo poder, que é o fundamento de toda a relação política e que constitui, assim, o conceito chave de toda a teoria política. Esta procura do poder está inscrita profundamente na natureza humana, onde tem a sua origem, natureza que não é essencialmente boa, já que ela confere a todos os homens um ardente desejo de poder ou animus dominandi, e os faz, com frequência, agir como uma ave de rapina, pelo menos ao nível das relações dos grupos sociais entre si. Temos, por isso, no fundamento da teoria política de Morgenthau, uma visão filosófica do homem, uma antropologia, marcada pelo pessimismo, que é fortemente inspirada pela obra do teólogo Reinhold Niebuhr, um dos mestres do pensamento da escola realista americana. No que respeita particularmente à política internacional, a aspiração ao poder por parte das diversas nações, cada uma procurando manter ou modificar o status quo, conduz, necessariamente, a uma configuração que constitui o que chamamos de equilíbrio [de poder] (balance of power) e as políticas que visam conservar esse equilíbrio. Ao estabelecer uma ligação necessária entre a aspiração das nações ao poder e as políticas de equilíbrio, Morgenthau pretende evitar o erro cometido pelos que acreditam que podemos escolher entre a política fundada no equilíbrio e uma política, de um gênero melhor, esquecendo que todos os Estados procuram os seus interesses, exprimidos em termos de poder.
Link
Também sobre o Realismo, veja o texto que trata da moral nas Relações Internacionais numa perspectiva realista, de Marcelo Beckert Zapelini.
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Críticas ao Realismo Claro que o Realismo tem sofrido pesadas críticas ao longo de décadas. Por exemplo, afirma-se que a teoria negligencia aspectos sociais, culturais ou mesmo econômicos, dando valor exacerbado a fatores político-militares. Outra crítica é de que o conceito de poder na perspectiva realista estaria mal definido e seu emprego demasiado vago, uma vez que o poder seria, ao mesmo tempo, “um fim, um meio, um motivo e uma relação”. Há, ainda, aqueles que lembram que o interesse nacional definido em termos de poder é discutível, uma vez que é complicado determinar e quantificar esse interesse. Ademais, o Estado jamais poderia ser considerado um Ator unitário e racional, e as decisões e ações de política externa são fruto de um complexo conjunto de interesses de forças em diferentes níveis da sociedade interna. Daí que interesse nacional seria um conceito bastante subjetivo, tanto em virtude da diversidade das forças do interior do Estado que estabelecem quais são as prioridades e os interesses da nação, quanto devido à heterogeneidade do sistema internacional. Finalmente, há a ponderação de que a teoria realista assenta-se numa visão das relações internacionais limitada à configuração dessas relações nos séculos XVIII e XIX, ou mesmo na primeira metade do século XX, sendo inadequada ao sistema internacional contemporâneo, marcado pela diversidade de Atores e de grupos, como organizações internacionais, organizações não governamentais e empresas transnacionais.
Livro indicado
O conhecimento da perspectiva realista é fundamental para a compreensão das relações internacionais. Além da já citada obra de Morgenthau, sugere-se a leitura dos trabalhos de Raymond Aron, com destaque para Paz e Guerra entre as Nações e dos livros de Henry Kissinger.
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O NEORREALISMO
Vídeo
Duração: 7min08
O vídeo acima, com explicações bem focadas na Corrente Neorrealista, o ajudará a compreender com bastante clareza os princípios teóricos em questão. Na sequência, estude o conteúdo e realize as atividades propostas! Seu Professor-Tutor está apto a dirimir suas dúvidas. Consulte-o sempre que julgar necessário.
O Neorrealismo é uma versão mais atual do Realismo. Pegou emprestado alguns elementos do cientificismo behaviorista e, assim, deu um renovo para a corrente realista. O Neorrealismo deriva de um movimento epistemológico que ficou conhecido como Estruturalismo. Segundo os estruturalistas, a sociedade se define pelas condições de possibilidade de toda organização social. A análise dos diferentes sistemas constitutivos da Sociedade Internacional e de sua articulação mostra serem eles a aplicação de certo número de leis lógicas encontráveis em toda sociedade. Tal ponto de vista se casou com algumas perspectivas “clássicas”, como as que veem as “leis” da anarquia e do poder como explicativas da realidade (como a “lei” do balanço de poder já estudada), dando luz ao Neorrealismo. Para os estruturalistas, são essas as invariantes ou constantes que dão unidade necessária à fundamentação científica. Enfim, para os estruturalistas, o importante é identificar os padrões, os arranjos, as organizações sistemáticas em determinado estado. Em suma, o Estruturalismo foi fundamental para o desenvolvimento dos métodos “científicos” ao ensinar que o processo científico básico é o analítico, da decomposição das coisas, e que se deve privilegiar o aspecto relacional da realidade, uma vez que as relações são constantes, enquanto que os elementos podem variar. Kenneth Waltz (2002) se utiliza do Estruturalismo para criar o seu Neorrealismo, também chamado de Realismo Estrutural, ao final da década de 1970, que ele modestamente chama de “revolução de Copérnico” no âmbito das Relações Internacionais. Waltz identifica três níveis de análise nas Relações Internacionais: o Indivíduo, o Estado e a Sociedade (economia doméstica/sistemas políticos), e o Sistema Internacional (ambiente anárquico). Dos três níveis de análise identificados por ele, concentra-se no terceiro nível, para dizer que a anarquia é uma constante, um “dado” na estrutura do Sistema Internacional. Enquanto esse primeiro critério da estrutura, a anarquia, é uma constante, o segundo, a distribuição de capacidades, é uma variável, pois varia entre os Estados. O referencial empírico para essa variável é a quantidade de Superpotências que domina o sistema. Dado o pequeno número de tais Estados – importante perceber que ele escrevia na época da Guerra Fria –, e, além disso, para Waltz, não mais que oito já foram importantes, a política internacional, segundo ele, poderia ser estudada em termos da lógica de poucos sistemas. O Neorrealismo foca mais as características estruturais do sistema internacional estatocêntrico do que as unidades que o compõem (os Estados).
Em outras palavras, é a estrutura que molda e conforma as relações políticas entre as unidades. Para Waltz, o Realismo tradicional, por se concentrar nas unidades e nos seus atributos funcionais, é incapaz de trabalhar com mudanças de comportamento ou na distribuição de poder que ocorre independentemente das flutuações entre as próprias unidades. Assim, apesar de o sistema ainda ser anárquico e as unidades ainda serem autônomas no Neorrealismo, a atenção voltada para o nível estrutural fornecia-lhe uma imagem mais dinâmica e menos restrita do comportamento político internacional emergente. O Neorrealismo busca explicar como as estruturas afetam o comportamento e os resultados, independentemente das características atribuídas ao poder e ao status. pág. 08
Para Waltz, o sistema internacional funciona como o mercado, o qual está interposto entre os atores econômicos e os resultados que eles produzem. É o mercado que condiciona seus cálculos, seus comportamentos e suas interações. Assim, para ele, é a estrutura do sistema internacional que limita o potencial de cooperação entre os Estados e que, por consequência, gera o dilema da segurança, a corrida armamentista e a guerra. Waltz lembra que as empresas devem desenvolver sua própria estratégia para sobreviver em um meio competitivo, sendo difíceis ações coletivas que otimizem o lucro a longo prazo. Waltz usa a noção de poder estrutural – espécie de poder que pode estar operando quando os Estados não estiverem agindo da forma que se esperava, dada a desigualdade de distribuição de poder no sistema internacional. Percebe-se que Waltz se inspirou em Durkheim, para quem a sociedade não é a simples soma de indivíduos e que todo fato social tem por causa outro fato social, e jamais um fato da psicologia individual. Em seu trabalho sobre o suicídio, Durkheim procurou demonstrar que, mesmo no ato privado de tirar a própria vida, conta mais a sociedade presente na consciência do indivíduo do que sua própria história individual. Ou seja, o ambiente é mais importante do que o agente, e essa é a tese por trás do Neorrealismo de Waltz. Isolando a estrutura, Waltz argumenta que uma estrutura bipolar dominada por duas Superpotências é mais estável que uma estrutura multipolar dominada por três ou mais Superpotências, pois é mais provável que se sustente sem guerras espalhadas no sistema. Para ele, há diferenças expressivas entre multipolaridade e bipolaridade. Na multipolaridade, os Estados confiam em alianças para manter a segurança, o que é inerentemente instável, uma vez que existem potências demais para se permitir que qualquer uma delas trace linhas claras e fixas entre aliados e adversários. Em contraste, na bipolaridade, a desigualdade entre as Superpotências e cada um dos outros Estados assegura que a ameaça posta a cada um deles seja mais fácil de ser identificada, e, no sistema bipolar da Guerra Fria, a URSS e os EUA mantinham o equilíbrio central, confiando mais nos próprios armamentos do que nos aliados. Ficam, assim, minimizados os perigos decorrentes de previsões erradas. A intimidação nuclear e a inabilidade das Superpotências em superarem mutuamente as forças retaliadoras aumentam a estabilidade do sistema. Ou seja, para Waltz, a estrutura do sistema em si gerava a estabilidade.
Atenção
Os conceitos de multipolaridade e de bipolaridade serão abordados com mais detalhes no próximo módulo. Waltz foi criticado por Raymond Aron, para quem a estabilidade da Guerra Fria tinha mais a ver com as armas nucleares em si do que com a bipolaridade. Muitos críticos argumentaram que o modelo de Waltz era muito estático e determinístico, além de desprovido de qualquer dimensão de mudança estrutural (revolução). Mas essas, na verdade, são as características do Estruturalismo. Em Waltz, os Estados estão condenados a reproduzir a lógica da anarquia, e qualquer cooperação que ocorra entre eles ficará subordinada à distribuição de poder. Os neoliberais criticam Waltz por exagerar o grau de “obsessão” dos Estados pela distribuição de poder e por ignorar os benefícios coletivos que podem ser alcançados pela cooperação. Abordaremos esse debate entre neorrealistas e neoliberais mais à frente. Outros acusaram Waltz de tentar legitimar a Guerra Fria sob o manto da ciência. Com o fim da Guerra Fria, um dos polos da estrutura ruiu, a URSS, o que não se harmonizava com as expectativas da teoria de Waltz, segundo as quais as Superpotências amadureceriam para se tornar “duopolistas sensíveis” no comando de uma estrutura crescentemente estável.
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OS ÚLTIMOS GRANDES DEBATES Visto o Neorrealismo, agora podemos abordar os últimos grandes debates teóricos de interesse para o presente curso introdutório. Tais debates, que surgiram nas últimas décadas do século XX, refletem as teorizações que se fizeram necessárias para explicar as significativas mudanças nas relações internacionais produzidas pelo processo de globalização e pelo aumento da interdependência entre os Atores.
Neorrealistas X Globalistas
Um dos últimos debates que merece referência neste curso é o que se dá entre neorrealistas e globalistas. Como visto, a corrente neorrealista surge com o objetivo de desenvolver uma análise mais precisa das Relações Internacionais, baseada nos pressupostos realistas clássicos, mas com adaptações que tinham que considerar a nova realidade internacional mais complexa. Como já referido, Waltz (2002) reafirma a perspectiva tradicional realista: o princípio da soberania estatal confere à Sociedade Internacional características próprias e limita os domínios da cooperação internacional, prejudicando qualquer integração durável. O autor retoma a ênfase na teoria do equilíbrio de poder diante do Sistema Internacional anárquico, no qual os Estados competem e atuam em defesa de seus interesses, que podem ser percebidos como, no mínimo, a sua própria preservação, e, no máximo, a dominação universal. O Globalismo, por sua vez, usa algumas das categorias que o Neorrealismo usa (como o poder estrutural), pois também deriva do Estruturalismo, mas surge como uma corrente alternativa. Os globalistas reconhecem, como os neorrealistas, que há limitações estruturais para a cooperação entre os Estados, mas defendem que isso se dá mais em razão da hierarquia do que da anarquia no Sistema. Para eles, a hierarquia, como uma característica chave, é mais importante do que a anarquia, dada a desigualdade na distribuição do poder dentro do sistema. Os globalistas enfatizam o poder estrutural e centram as capacidades chaves no sistema econômico. Para eles, uma divisão peculiar do trabalho ocorreu historicamente no sistema mundial como resultado do desenvolvimento do capitalismo como a forma dominante de produção. Como já referido na Unidade 3, o Globalismo busca explicar as relações internacionais não em virtude de cooperação ou conflito, mas sob a ótica do subdesenvolvimento de vários países. Os globalistas buscam analisar as Relações Internacionais dentro de um contexto global e geral, assim como fazem os neorrealistas, mas acreditam que o que deve ser explicado são as relações de dominação, ou seja, como a minoria consegue dominar a maioria, doméstica ou internacionalmente, e essa dominação encontra na Economia seu aspecto central. “Existe uma influência marxista no globalismo, principalmente nas análises sobre o padrão de evolução histórica das relações de dominação (o conflito seria o motor da dinâmica entre as classes sociais). Existe também um enfoque na totalidade, ou seja, não é possível entender o capitalismo sem entender as relações de exploração. Afirmam também, nessa perspectiva global, que qualquer solução localizada deve ser vista apenas como uma etapa da solução global.” Miguel Burnier, Debate Interparadigmático das Relações Internacionais, no Caderno Pet Jur n. IV.
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O Globalismo vê um sistema-mundo capitalista composto por um núcleo (o centro) e a periferia. As áreas centrais se engajaram, historicamente, nas atividades econômicas mais avançadas: bancária, industrial, agricultura de alta tecnologia etc. A periferia tem fornecido matéria-prima, como minérios e madeira, para a expansão econômica do centro. O trabalho não qualificado é sufocado, e aos países periféricos é negado o acesso a tecnologias avançadas nas áreas/setores em que podem vir a competir com os países centrais. O relacionamento polarizado entre as duas categorias é um dos motores do sistema. Assim, não basta um consenso ideológico a favor do capitalismo (como pensam os neoliberais) ou uma concentração do poder militar entre as hegemonias do centro (como pensam os neorrealistas) para que um conflito sério no sistema possa ser evitado. Para os globalistas, não bastaria nenhum dos dois se não fosse a divisão da maioria numa camada inferior maior. Autores globalistas, como Immanuel Wallerstein, acreditam que o sistema-mundo continuará a funcionar como tem feito nos últimos quinhentos anos, em busca do acúmulo sem fim de bens e capital, e que a periferia será cada vez mais marginalizada na medida em que a sofisticação tecnológica do centro se acelerar.
Neorrealistas X Neoliberais e a Teoria da Interdependência Este último debate é o mais relevante para o mundo que se descortina diante de nossos olhos neste início do século XXI. Também pode ser referido como um debate entre neorrealistas e pluralistas, já que os liberais e neoliberais se reúnem no paradigma pluralista. Como pano de fundo desse debate temos a Teoria da Interdependência. Esse debate teórico ganhou força nas décadas de 1980 e 1990 e perdura até os dias de hoje. O debate se dá em torno de questões como: se o sistema internacional mudou ou não sob o impacto da interdependência, e quais as implicações de tal mudança para a teoria e prática das relações internacionais. No fundo, quando surgiu o debate, a questão era se o modelo clássico da “anarquia” estava perdendo seu poder explicativo frente à “interdependência” entre os Estados, se a agenda tradicional das relações internacionais passou ou não a reduzir a importância da “alta política” (high politics – segurança militar, dissuasão nuclear) e a elevar a “baixa política” (low politics – comércio, finanças internacionais etc.). Na época em que surgiu, a discussão era travada entre os que acreditavam que o sistema internacional não estava sofrendo nenhuma mudança sistêmica (a escola neorrealista) e os que argumentavam que o Realismo passou a ser um guia inadequado para a compreensão das mudanças dramáticas ocorridas nas relações internacionais como resultado das forças econômicas transnacionais (a escola neoliberal).
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A razão desse debate era a crise do sistema Bretton Woods, a crise de conversibilidade do dólar e os choques de petróleo, eventos que abalaram todo o mundo. E, claro, não se pode deixar de citar, o fracasso dos EUA na Guerra do Vietnã. Segundo Waltz (2002), a direção da interdependência econômica dependia da distribuição de poder no Sistema Internacional. O significado político das forças transnacionais não decorre de sua escala; o que importa é a vulnerabilidade dos Estados às forças fora de controle e os custos da redução de exposição a essas forças. Para Waltz, no sistema bipolar então vigente, o grau de interdependência era relativamente baixo entre as Superpotências, e a persistência da anarquia, como princípio central organizador das relações internacionais, garantia que os Estados
continuassem a privilegiar a segurança acima da busca por riquezas (GRIFFITHS, 2004). Do outro lado do debate estavam os neoliberais, que afirmavam que o crescimento das forças econômicas transnacionais, como os fluxos financeiros, a crescente irrelevância do controle territorial frente ao crescimento econômico e a divisão internacional do trabalho tornavam o Realismo obsoleto. Os benefícios coletivos do comércio e a influência dos fluxos financeiros para as políticas domésticas dos Estados assegurariam uma cooperação maior entre os Estados e contribuiriam para o declínio do uso da força entre eles. Um dos fortes defensores das teses neorrealistas foi Stephen Krasner. Para Krasner (1983), os Estados soberanos continuam sendo, nos tempos de hoje, agentes racionais e interesseiros, firmemente preocupados com seus ganhos relativos. Argumentou que os períodos de abertura na economia mundial correspondem aos períodos nos quais um Estado é nitidamente dominante. No século XIX, foi a Grã-Bretanha; no período 1945-1960, os EUA. Por consequência, concorda com Waltz: o grau de abertura depende, em si, da distribuição de poder entre os Estados. A “interdependência” econômica é subordinada ao equilíbrio de poder econômico e político entre os Estados, e não o contrário. A teoria da Estabilidade Hegemônica, vista da Unidade 2, trata-se desse ponto. Krasner também ataca os globalistas. Para ele, os Estados nem sempre colocam a riqueza acima dos outros objetivos. O poder político e a estabilidade social também são cruciais, e isso significa que, embora o comércio aberto possa fornecer ganhos absolutos para todos os Estados que se comprometerem com ele, alguns Estados ganharão mais do que outros, e essas diferenças de poder são o principal fator determinante e explicativo do comportamento dos Estados. Krasner ataca os globalistas pelo fracasso em explicarem o envolvimento dos EUA na Guerra do Vietnã, que provocou tão intensas discordâncias domésticas para tão pouco ganho econômico. Se os EUA frequentemente desejavam proteger os interesses das corporações norte-americanas, reservaram o uso da força em larga escala, todavia, para as causas ideológicas. Isso explicaria a guerra contra o Vietnã, uma área de importância econômica insignificante para os EUA, e a relutância no uso da força durante as crises do petróleo nos anos de 1970, que ameaçaram o fornecimento do produto em todo o mundo capitalista.
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Krasner atacou de frente a “interdependência” neoliberal, e todo o institucionalismo supostamente por trás dela. Segundo ele, Estados pequenos e pobres do Sul tendem a apoiar os regimes internacionais que distribuem recursos autoritariamente, ao passo que os Estados mais ricos do Norte favorecem regimes cujos princípios e regras dão prioridade aos mecanismos de mercado. Regimes internacionais “autoritários” são aqueles conjuntos de regras, normas, princípios e procedimentos que aumentam os poderes soberanos dos Estados individualmente, dando aos Estados o direito de regulamentar fluxos internacionais (migração, sinais de rádio, ativos financeiros, aviação civil etc.) ou de distribuir acesso a recursos internacionais (fundo do mar, atmosfera, etc.). Os Estados do Terceiro Mundo procuram, na verdade, proteção. Tentam se proteger contra a operação de mercados em que eles se encontram em desvantagem. Não seria por outro motivo o apoio de países do Terceiro Mundo ao Fórum Social Mundial, cujas preocupações têm sido a regulamentação dos fluxos financeiros internacionais e a imposição de uma tributação sobre eles (a chamada “taxa Tobin”). Regimes internacionais são normalmente definidos como princípios, normas, regras e processos de tomada de decisão em torno dos quais as expectativas do Ator convergem para uma dada questão setorizada (issue area). Os regimes implicam não apenas normas e expectativas que facilitam a cooperação entre os Estados, mas formas de cooperação
Krasner, assim, identifica uma dicotomia regulamentação/Terceiro Mundo versus desregulamentação/Primeiro Mundo, que, no fundo, evidencia relações de poder. Krasner, desse modo, rejeita, mais uma vez, a hipótese de que os Estados perseguem simplesmente riqueza, e argumenta que os Estados do Terceiro Mundo também se envolvem em lutas pelo poder, querendo diminuir sua vulnerabilidade ao mercado e exercer um controle estatal maior sobre ele (é o que estaria por trás, por exemplo, das discussões na China sobre o controle ou não dos fluxos de capital – deixar ou não fechada a conta de capital do balanço de pagamentos). Assim, a soberania dá aos Estados do Terceiro Mundo uma forma de “metapoder” ou poder de uma ideologia coerente para atacar a legitimidade dos regimes do mercado internacional e as injustiças do capitalismo global (GRIFFITHS, 2004). Portanto, para os neorrealistas, a tentativa de estabelecer regimes internacionais como meio de superar ou atenuar os efeitos da anarquia não funciona. Tais regimes não disfarçam as diferenças de poder existentes nas relações internacionais e tampouco conseguem alterar a importância da soberania dos Estados. Neoliberais como Robert Keohane (2001) tentariam derrubar essas teses, buscando uma resposta positiva para a questão de se as instituições explicam ou não o comportamento dos Estados. O argumento básico de Keohane é que, num mundo interdependente, o paradigma realista é de uso limitado para ajudar a compreender a dinâmica dos regimes internacionais, ou seja, as normas, regras e princípios que governam as tomadas de decisão e as operações em relações internacionais sobre determinadas questões, como o dinheiro. pág. 13
Os neoliberais usam o modelo da “interdependência complexa”. Trata-se de um modelo explanatório das relações internacionais que pressupõe múltiplos canais de contato entre as sociedades, uma ausência de hierarquia entre questões de agenda e uma diminuição da utilidade do poder militar, ou um papel minimizado para o uso da força. A “interdependência complexa” é o resultado da multiplicação das interconexões globais e da aceleração de fluxos financeiros, demográficos, de bens, serviços e de informações, com operadores extremamente variados: organizações intergovernamentais, multinacionais, organizações não governamentais, sociedade civil, dentre outros, os quais passam a ganhar espaço nas decisões e discussões internacionais, e o Estado deixa de ter o único papel relevante nas relações internacionais, embora ainda proeminente. Sob condições de interdependência complexa, os neoliberais afirmam que é difícil para Estados democráticos delinearem e perseguirem políticas exteriores racionais, como defendem os realistas. Os neorrealistas, tornando o debate mais acalorado, responderam dizendo que não é verdade que a distribuição de poder político e militar não se relacione com a condição de interdependência complexa. A Teoria da Estabilidade Hegemônica é normalmente citada como a conjugação das ideias do realismo com as ideias pluralistas de interdependência (vide Unidade 2). Ela explica, por exemplo, a ligação entre o poder hegemônico e o grau de interdependência complexa no comércio internacional. Waltz, ao falar sobre a importância do equilíbrio de poder, mostrou que a interdependência, longe de tornar obsoleto o poder, dependia da habilidade e da disposição dos EUA em fornecer as condições sob as quais os outros Estados estariam participando da concorrência por ganhos relativos e cooperando para maximizar seus ganhos absolutos com base em
uma cooperação no comércio e em outros setores de controvérsia. A Teoria da Estabilidade Hegemônica procurou responder ao argumento neoliberal de que o crescimento da interdependência econômica entre os Estados os estaria enfraquecendo e atenuando o relacionamento histórico entre a força militar e a capacidade de sustentar interesses nacionais. Afinal, está a interdependência econômica que testemunhamos no mundo atual reduzindo a importância do poder militar? A resposta dessa teoria é negativa, como visto. Portanto, para autores como Gilpin, a liderança hegemônica dos EUA e o antissovietismo foram as bases do compromisso com o “internacionalismo liberal” e com o estabelecimento de instituições internacionais para facilitar a grande expansão comercial ocorrida entre os Estados capitalistas nos anos de 1950 e 1960 (chamados de “anos dourados” por Eric Hobsbawm). Giovanni Arrighi, em sua obra O longo século XX, apresentou tese no mesmo sentido. Sem a presença de um hegemon, não teria havido os anos dourados do pós-Guerra.
Comunicação
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Síntese
O Realismo continua sendo a principal corrente teórica de Relações Internacionais. No século XXI, análises sob uma ótica realista passam a considerar diferentes fatores e novos Atores. Não obstante, esses novos elementos não conduzem à decadência ou obsolescência do paradigma, mas, sim, a novas adaptações. As teses neorrealistas são bons exemplos. De fato, com as mudanças na política internacional que vêm ocorrendo neste início de milênio, motivadas pelas pretensões hegemônicas de projeção de poder da Hiperpotência norte-americana, nunca o mundo pareceu tão realista.
Nessa Unidade então, estudamos a principal corrente teórica das Relações Internacionais: O Realismo. Volte ao início da Unidade e verifique se os objetivos propostos foram alcançados. As atividades que propomos a seguir o ajudarão nesse sentido. Não perca os prazos! Consulte com regularidade o Calendário de Atividades do Curso!
Avaliação Objetiva
Atividades de autoavaliação - Essa atividade o auxiliará a autoavaliar seus conhecimentos. Responda às questões objetivas, que serão corrigidas automaticamente pelo sistema. Escolha a opção referente a esta unidade. Acesso pelo menu "Avaliações - Objetivas".
Unidade 5 - Sociedade Internacional: Aspectos Gerais
A Unidade 5 do Módulo I é dedicada ao estudo de questões e aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional. Para tanto, ela foi assim preparada: Evolução histórica e conceitos: • Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional;
• A extensão espacial; • A diversidade sistêmica; • A estratificação hierárquica; • A polarização; • O grau de homogeneidade e heterogeneidade; • O grau de institucionalização
Objetivos
apresentar os aspectos gerais que caracterizam a Sociedade Internacional; assinalar as subestruturas que compõem a Sociedade Internacional e sua importância na compreensão da mesma.
Atenção
Outro fator importante, que pode contribuir para o aproveitamento do curso, é sua organização pessoal e a disponibilidade de um tempo diário e preciso para os estudos.
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Sociedade Internacional: Evolução histórica e conceito Em um primeiro momento, podemos relacionar a Sociedade Internacional à evolução histórica das relações entre os grupos, povos e Estadosnações organizados em âmbito espacial determinado. Assim, é possível identificar a evolução da Sociedade Internacional a partir das relações entre os grupos primitivos da Antiguidade, passando pelos reinos e impérios e chegando à Idade Contemporânea, com a ascensão e o declínio do Estado-nação frente a um sistema cada vez mais globalizado e interdependente. Em nossas observações acerca da Sociedade Internacional, a análise histórica pode ser de grande auxílio. Essa análise é definida como o estudo do grande número de eventos ou fatos que transcenderam as fronteiras entre os Estados e que relacionaram entre si as nações e os povos, de forma pacífica ou conflituosa.
Conceito de Sociedade Internacional Convém apenas lembrar que definimos Sociedade Internacional como o conjunto de entes que interagem de maneira sistêmica em uma esfera internacional sob a influência de forças profundas. Passemos aos elementos fundamentais da Sociedade Internacional.
Elementos Fundamentais e Sistema da Sociedade Internacional Para Rafael Calduch Cervera (1991, p. 64-55), “a Sociedade Internacional é uma sociedade global de referência”, ou seja, constitui “um marco social de referência, um todo social em que estão inseridos todos demais grupos sociais, quaisquer que sejam seus graus de evolução e poder”. É uma “sociedade de sociedades, ou macrossociedade, em cujo seio surgem e se desenvolvem os grupos humanos, desde a família às organizações intergovernamentais, passando pelos Estados.” A Sociedade Internacional pode ser percebida como um conjunto de sociedades, sendo, portanto, heterogênea. Registre-se que há cerca de apenas três séculos é que a Sociedade Internacional começou a adquirir características “globais”: até recentemente, pouco contato havia entre as diversas “sociedades” dentro da Sociedade Internacional.
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Outro ponto a que Calduch chama a atenção é que “a Sociedade Internacional é distinta da sociedade interestatal”. Mesmo sendo o Estado o principal Ator internacional, compreender a Sociedade Internacional apenas com base nas relações interestatais conduziria a uma percepção obscura e, portanto, deficiente da realidade. Não há como desconsiderar, sobretudo nos dias atuais, a presença e influência cada vez maior de grupos diferentes dos Estados-nação no sistema internacional. Ademais, convém lembrar que a doutrina aceita a existência de uma Sociedade
Internacional antes do surgimento dos Estados nacionais. Calduch afirma, ainda, que não é possível considerar a existência de uma Sociedade Internacional em seu sentido estrito, sem que seus membros mantenham relações mútuas intensas e duráveis no tempo. Com isso, assinala que a mera ocorrência de ações esporádicas e ocasionais não basta para se considerar a existência de uma Sociedade Internacional. Discordamos dessa percepção de Calduch. Afinal, o que não se pode conceber, nos termos apresentados, é uma sociedade global, interdependente, como a dos dias atuais. Entretanto, Sociedade Internacional sempre houve, mesmo que sua principal característica fosse a falta de interação entre as sociedades/civilizações que a compunham.
A Sociedade Internacional pode ser percebida na dicotomia “anarquia x ordem comum”. Evidente que é anárquica por não possuir uma autoridade superior que, legítima titular do uso da força, controle ou imponha a conduta a seus membros. Não existe um governo mundial ou uma autoridade supraestatal. Assim, os Atores conduzem suas relações internacionais de acordo com seus próprios interesses e, ao menos no que concerne aos Estados, não aceitam, de maneira geral, autoridade superior no sistema. Todavia, relembre-se que anarquia internacional não é sinônimo de desordem. Há uma ordem comum no meio internacional, estabelecida pelos próprios Atores para viabilizar suas relações. Nesse sentido, o papel das grandes Potências é essencial, pois são elas que definem os rumos do sistema. Não poderiam existir “relações internacionais” sem um ordenamento mínimo na Sociedade Internacional. Essa ordem internacional emana da correlação de forças e poderes entre os Atores internacionais. Pode-se dizer que esse ordenamento é estruturado com base em elementos como extensão espacial, diversificação estrutural, estratificação e hierarquia, polarização, grau de homogeneidade ou heterogeneidade e de institucionalização. São os chamados “elementos da estrutura internacional”. Variam conforme o tempo e as diferentes sociedades, podendo ser identificados em todas elas. Esses elementos foram apresentados por Calduch, e as observações que faremos a respeito são provenientes do estudo de sua obra.
Livro indicado
Sobre as transformações na Sociedade Internacional, interessante a trilogia de Manuel Castells: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002).
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A extensão espacial Para Calduch, “a Sociedade Internacional é uma sociedade territorial”. Daí considerar-se essencial para a análise de qualquer Sociedade Internacional o conhecimento do “marco espacial” em que a referida sociedade se encontra assentada. A Sociedade Internacional sofrerá transformações em sua estrutura e dinamismo sempre que sua dimensão espacial for alterada, ou, ainda, quando algum de seus membros principais experimentar mudanças em seus limites fronteiriços ou em sua zona de influência territorial direta – como ocorreu no Leste Europeu para a URSS. Vale lembrar que, sendo o Estado o principal Ator internacional, suas mudanças territoriais e reações a mudanças têm marcado as diferentes sociedades internacionais. Portanto, da mais remota Antiguidade aos dias atuais, a constante expansão geográfica da Sociedade Internacional gerou conflitos e mudanças nos Atores e nas relações de poder entre eles. O que deve ficar claro é que, até o século XX, a característica da Sociedade Internacional era exatamente a composição espacial de diferentes sociedades internacionais, ainda que com espaços definidos e com crescentes intercâmbios culturais, comerciais, sociais e políticos, mas com características distintas e espaço geográfico delimitado. O século XX marca o limite espacial da Sociedade Internacional. Esse foi um problema que surgiu quando a Sociedade Internacional alcançou dimensões planetárias. Com o desenvolvimento tecnológico, a ideia de “globalização” apresenta uma Sociedade Internacional não mais espacialmente limitada ao continente europeu, ao Ocidente ou ao “mundo civilizado”, mas às dimensões do planeta Terra. Não se pode mais buscar soluções para problemas locais sem um pensamento global. Os problemas da Sociedade Internacional globalizada têm efeitos em todo o território do planeta. Entre esses “desafios” estão o fenômeno do esgotamento dos recursos naturais, o crescimento exponencial da população mundial, a deterioração ambiental ocasionada pela contaminação da terra, do ar e das águas, o uso crescente da energia nuclear para fins civis ou militares, a utilização do espaço estratosférico e das profundezas oceânicas. Acrescente-se a significativa disparidade de renda na esfera internacional, marcada por uma minoria da população do globo com alto padrão de vida e a maioria vivendo em condições subumanas, na miséria absoluta, sob regimes autoritários e sem quaisquer perspectivas de futuro digno. Essas condições implicam necessariamente uma reestruturação da Sociedade Internacional, em que a questão geográfica, isoladamente, cai para segundo plano. pág. 04
A diversidade sistêmica A Sociedade Internacional é composta de distintos subsistemas, cuja correlação configura a ordem internacional imperante. Cada um desses subsistemas corresponde a uma das áreas imprescindíveis para a existência da Sociedade Internacional em seu conjunto. Calduch prefere chamálos de “subestruturas”. Cite-se, então, o subsistema econômico, no qual está a base material e produtiva indispensável para a existência dos grupos humanos. Incluem-se aí tanto o conjunto dos fatores e forças de produção quanto as inter-relações associadas ao processo econômico (produção, comércio e consumo). O subsistema econômico não pode ser descartado para a compreensão da Sociedade Internacional, uma vez que a Economia é uma das “forças profundas” mais influentes na conduta internacional dos Atores.
O segundo subsistema a ser considerado é o político-militar. Compõe-se das comunidades políticas e organizações internacionais, bem como das relações de autoridade e dominação que elas mantêm entre si em virtude de normas jurídicas ou mediante o exercício do poder militar. O terceiro subsistema é o cultural-ideológico. Forma-se, segundo Calduch, por “atores e relações internacionais desenvolvidas a partir da existência de conhecimentos, valores ou ideologias comuns a distintas sociedades humanas e dos processos de comunicação que deles derivam”. O subsistema cultural-ideológico, tão importante quanto os anteriores, desempenha um papel de mediador entre a dimensão político-militar e a econômica, como foi testemunhado, por exemplo, nos anos da Guerra Fria.
Naturalmente, cada um dos subsistemas está conformado de maneira particular, em virtude das características exclusivas de cada um de seus componentes. Suas respectivas evoluções seguem ciclos e ritmos de diferentes intensidade e duração, provocando tensões, desajustes e crises, tanto entre os grupos que as capitalizam quanto ao conjunto da Sociedade Internacional.
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A estratificação hierárquica A Sociedade Internacional constitui uma realidade complexa, cujos membros ocupam níveis ou estratos segundo a desigualdade de poder – político, econômico, militar, social, cultural/ideológico. Uma vez que há diferentes graus de influência nos assuntos internacionais, existe uma hierarquia “de fato” entre os Atores na Sociedade Internacional. Daí o conceito de Calduch para essa estratificação: “conjunto das diferentes e desiguais posições ocupadas pelos atores internacionais em cada uma das estruturas parciais que formam parte da Sociedade Internacional.” Uma primeira observação a ser feita a respeito da estratificação é que a hierarquia internacional não é única e imutável em cada Sociedade Internacional e muito menos homogênea para cada subsistema. Assim, a posição ocupada por um Estado no Subsistema econômico internacional poderá não ser a mesma no subsistema político-militar, ou vice-versa. Para exemplificar, a influência atual do Brasil na economia internacional é bastante diferente de sua influência na política ou de seu poder militar, e, mais ainda, de seu papel cultural-ideológico internacional. Calduch lembra, também, que, junto aos Estados soberanos, “deve-se considerar aqueles grupos internacionais cujo protagonismo fica limitado a certas áreas da vida internacional, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional, para o subsistema econômico; o [extinto] Pacto de Varsóvia, para a política; a Agência de notícias Reuters, no plano cultural”. Claro que esses outros membros da Sociedade Internacional não podem ser desconsiderados, pois é inquestionável sua influência nos diferentes subsistemas, em alguns casos muito superior à da maior parte dos Estadosnacionais.
Acrescentemos a relevância no papel de alguns indivíduos na Sociedade Internacional contemporânea, os quais exercem, efetivamente, influência como Atores internacionais. Inegável que Bill Gates, George Soros, o Papa João Paulo II, ou mesmo Osama bin Laden, só para citar alguns nomes mais conhecidos, mostraram-se mais influentes nas relações internacionais, sejam políticas, econômicas ou até culturais, que muitos países. Portanto, na Sociedade Internacional contemporânea, o indivíduo, entendido como Ator internacional, também ocupa um estrato dessa hierarquia. Assim, a estratificação hierárquica em cada um dos subsistemas internacionais pode realizar-se atendendo às diferentes características de Atores (Estados, organizações internacionais, organizações não governamentais, empresas multinacionais/transnacionais, indivíduos, entre outros) ou, ainda, considerando cada um dos grupos com capacidade de participação nos diferentes subsistemas.
Atenção
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A polarização
Alguns Atores atraem para si outros em virtude da capacidade de influência no sistema e da desigualdade entre os diferentes protagonistas do cenário internacional. Introduzimos, aqui, um dos elementos essenciais para a compreensão da estrutura do sistema internacional: a ideia de polarização. Polarização pode ser definida como a capacidade efetiva de um ou vários Atores internacionais para adotar decisões, comportamentos ou normas que sejam aceitos pelos demais Atores e, por meio dos quais alcançam ou garantem uma posição hegemônica na hierarquia internacional. Para os Atores que ocupam essa posição de destaque, a manutenção da estrutura imperante mostra-se questão de sobrevivência, pois qualquer sinal de mudança pode significar que outro polo está a se estruturar, com a consequente – e, às vezes, fatal – alteração no equilíbrio de poder no sistema. Enquanto a estratificação considera o conjunto dos Atores, a polarização – ou polaridade – contempla somente aqueles que dominam as relações básicas de cada subsistema internacional. Portanto, ao tratarmos de polarização, consideramos os membros da Sociedade Internacional nas posições superiores da estratificação hierárquica.
Segundo Calduch, os Atores à frente de cada subsistema internacional se veem obrigados a intervir de modo crescente e constante nas relações internacionais, com o objetivo de perpetuar sua hegemonia. A longo prazo, haverá uma drenagem tão grande de seus recursos e capacidades para projetos e atuações exteriores que esses Atores terão seu poder debilitado, tanto interna quanto externamente. Um bom exemplo disso é o que ocorreu com a URSS na década de 1980, que culminou no desaparecimento daquele Estado em 1991. O caso da URSS é, como dito, apenas um exemplo. A “ascensão e queda das grandes potências”, para usar os termos de Paul Kennedy, é um fato que pode ser constatado em diversos momentos da evolução histórica da Sociedade Internacional, sempre relacionado à incapacidade de manutenção da hegemonia internacional nos diferentes subsistemas ao longo do tempo. A evolução é fatal: um Ator hegemônico surge ainda quando o Sistema está polarizando por outro ou outros atores; aos poucos, vai ocupando o vazio de poder fruto do enfraquecimento desse ou desses, até adquirir capacidade suficiente para afetar o Sistema. Entretanto, depois de determinado tempo – anos, décadas ou séculos –, a única certeza é que surgirá um novo Ator para ocupar seu espaço no Sistema Internacional. Assim como ocorre na natureza, numa lógica darwiniana, ocorre também na Sociedade Internacional. Entenda-se lógica darwiniana como a capacidade de um ente se adaptar a determinado ambiente. É importante observar que um ente muito adaptado a determinado ambiente e, portanto, bem-sucedido, pode desaparecer se as condições se modificam. pág. 07
Há três formas de polarização internacional:
unipolaridade; bipolaridade; e multipolaridade.
Entende-se por unipolaridade a situação em que um só Ator é capaz de dirigir, de modo decisivo, a dinâmica de determinado subsistema internacional. No seu auge, o poder de influência desse Ator é incontestável, devido à incapacidade de outro Ator fazer-lhe frente.
O exemplo clássico de unipolaridade político-militar está no Império Romano, entre a derrota de Cartago (136 a.C.) e seu desmembramento (476 d.C.), no contexto da Sociedade Internacional mediterrânea. Um exemplo atual poderia ser a condição dos EUA, ao menos sob a perspectiva de poder militar, com o fim da Guerra Fria e o colapso da URSS. Alguns autores, entretanto, discordam e vislumbram um sistema multipolar no contexto geral. A bipolaridade ocorre quando dois Atores dividem a hegemonia de um subsistema. Os demais componentes do Sistema acabam migrando para a esfera de influência de um dos dois Atores principais. É possível, ainda, que os demais Atores optem por uma política pendular, tendendo a uma ou outra esfera de influência conforme interesses específicos e, ao mesmo tempo, “jogando” com a disputa entre os polos. Como exemplos de sistemas bipolares no plano político citamos: Esparta e Atenas, na Grécia clássica; Cartago e Roma, no mundo antigo; EUA e URSS, nas quatro décadas seguintes ao término da II Guerra Mundial (1939-1945). Finalmente, quando o domínio de um subsistema internacional é disputado por mais de dois Atores, tem-se a multipolaridade. Como na bipolaridade, a hegemonia na multipolaridade não tem uma direção única, o que obriga os distintos polos a considerarem em suas condutas internacionais os interesses e condutas de seus pares. Quanto maior o número de Atores polarizando o Sistema, mais complexas e aleatórias são as relações internacionais. Como exemplo de multipolaridade no subsistema político-militar tem-se o Concerto Europeu, estabelecido em 1815, com a derrota de Napoleão, e que perdurou por cerca de 100 anos na ordem europeia. Já para exemplificar a multipolaridade econômica, apresentamos a Sociedade Internacional de nossos dias, uma vez que, junto às Grandes Potências econômicas (EUA, Japão, Alemanha, China), surgem também organizações intergovernamentais e blocos econômicos (União Europeia, NAFTA, APEC, Mercosul etc.) e ainda empresas multinacionais ou transnacionais (Exxon, General Motors, IBM, Citicorp), algumas das quais com capacidade para influenciar o sistema de forma muito superior à da maior parte dos Estados soberanos do globo. Registre-se, ademais, que, para perdurar, a relação hegemônica deve basear-se em dois alicerces: coerção e consenso. Não se pode exercer a liderança em um sistema por muito tempo apenas com base no uso da força, ao mesmo tempo em que hegemonia fundamentada simplesmente
no consentimento dos pares pode ser ameaçada por uma crise de legitimidade.
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O grau de homogeneidade e heterogeneidade A Sociedade Internacional encontra-se condicionada também pela presença ou ausência de homogeneidade entre seus membros. Uma vez que existem Atores com diferentes naturezas, composições, poder e objetivos, só é possível estudar o grau de homogeneidade/heterogeneidade se forem comparados Atores pertencentes a uma mesma categoria. Não se pode, portanto, comparar Estados soberanos com organizações internacionais para se medir o grau de homogeneidade de determinado subsistema. Existe homogeneidade internacional quando são observadas identidades ou similitudes internas fundamentais entre os Atores que pertençam a uma mesma categoria e participem de um mesmo subsistema internacional, principalmente entre os Atores estatais. Já a heterogeneidade é constatada com a existência de divergências internas básicas entre os referidos Atores. Uma análise das relações internacionais sob o enfoque do grau de homogeneidade/heterogeneidade da Sociedade Internacional deve considerar: 1) a comparação entre Atores da mesma categoria; e 2) a não existência de categoria com grau de homogeneidade absoluto. Sempre haverá diferenças entre os Atores, uma vez que a diversidade é uma característica inata das sociedades que compõem a Sociedade Internacional. Um terceiro aspecto que deve ser considerado é que um elevado índice de homogeneidade em um subsistema internacional não se transfere automaticamente aos outros subsistemas. Assim, há casos em que são vislumbradas relações políticas homogêneas em contraposição à heterogeneidade econômica e sociocultural em um mesmo grupo de Atores. Finalmente, vale observar que, para alguns autores, os sistemas homogêneos tendem a ser mais estáveis (ARON, 1986). Afinal, a homogeneidade permite maior grau de previsibilidade na conduta internacional dos Atores. Trata-se, entretanto, de uma tendência que não pode ser considerada de maneira categórica, visto que ao próprio conceito de estabilidade são atribuídas diferentes interpretações. Muitas vezes, os Atores fazem uso dessa dicotomia homogeneidade/heterogeneidade para conduzir seus interesses internacionais e influenciar a conduta de outros Atores. Exemplos são os grupos que se formam sob a égide de bandeiras como “nações civilizadas”, “países desenvolvidos”, “em desenvolvimento” e “subdesenvolvidos”, “capitalistas, socialistas e não alinhados”. Enquanto o caráter homogeneidade/heterogeneidade, em alguns casos, realmente se faz presente, em outros nada mais se tem que uma forma de apresentação internacional pouco condizente com a realidade.
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O grau de institucionalização O último elemento fundamental para o estudo das relações internacionais identificado por Calduch é o grau de institucionalização, que, por sua vez, resumiria todos os anteriores. Para o mestre espanhol, “o grau de institucionalização de uma Sociedade Internacional é formado pelo conjunto de órgãos, normas e valores que, independentemente de seu caráter expresso ou tácito, são aceitos e respeitados pela generalidade dos Atores internacionais de um mesmo subsistema, permitindo, dessa maneira, a configuração e a manutenção de determinada ordem internacional.” (CALDUCH, 1991, p. 74).
Esse conceito traduz o entendimento e o consenso social que deve imperar entre componentes de uma Sociedade Internacional ao estabelecerem ou modificarem suas relações mútuas. Calduch defende que não se pode analisar o grau de institucionalização apenas com base nas normas jurídicas: há normas que não estariam envolvidas pelo Direito Internacional, ainda que este sintetize a maior parte das instituições fundamentais da Sociedade Internacional. Ao estudar as instituições internacionais e suas transformações, o analista depara-se com a estrutura da ordem internacional, os interesses dos Atores e as forças que influenciam as condutas dos membros da Sociedade Internacional ao longo do tempo. As instituições estão relacionadas aos valores, às normas e aos objetivos dos membros de uma sociedade e, mesmo, à essência de seus subsistemas. As mudanças nas instituições refletem, portanto, as transformações da própria sociedade em que se encontram, suas formas de cooperação e seus antagonismos. Finalmente, Calduch afirma que a diplomacia, o comércio e a guerra são formas de relações internacionais presentes em diversos tipos de instituições internacionais. Daí não ser cabível, para a análise do grau de institucionalização de uma sociedade, a exclusão de valores ou normas que emanem diretamente da existência de conflitos bélicos. Portanto, compreendendo as instituições de uma sociedade, pode-se compreender seus membros, as forças que nela interferem e os reflexos das relações entre os Atores.
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Um exemplo recente de dificuldades geradas em modelos institucionais críticos é a guerra em regiões menos desenvolvidas do globo. Enquanto o conflito entre as Potências busca seguir determinadas “leis” de conduta, um confronto em áreas menos desenvolvidas foge a qualquer padrão. Muitos oficiais ocidentais ficaram perplexos ao combater em 2001 no Afeganistão, porque as milícias afegãs “desconheciam os usos e costumes do direito de guerra das nações civilizadas”. Não havia nada parecido com as instituições da guerra clássica no cenário da Ásia Central, o que levou à violência exacerbada de ambos os lados no combate. Cite-se entre as principais as Convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos Adicionais, que regulamentam as condutas dos combatentes. Assim, as instituições refletirão os subsistemas e a maneira como estão ordenados. Pode-se, portanto, analisar as relações internacionais sob a ótica das instituições que se manifestam no Sistema Internacional. É essencial, portanto, ao internacionalista, conhecer as instituições que regem as estruturas da sociedade objeto de seu estudo.
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Assista à aula do Professor Joanisval Gonçalves, em duas partes, sobre Sociedade Internacional, que engloba conceitos tratados neste primeiro módulo. Vamos lá!
Parte 1-duração: 7min29
Parte 2 - duração: 7min08
Concluimos os aspectos teóricos de nosso curso introdutório. Nos módulos seguintes será apresentada uma breve análise da evolução histórica da Sociedade Internacional a partir da era moderna, com esses aspectos teóricos operando como pano de fundo.
Dois livros importantes para se compreender a ideia de sociedade internacional são A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson (Brasília: Ed. UnB, 2004) e A Sociedade Anárquica, de Hedley Bull (Brasília: Ed. UnB, 2002). Bull e Watson são dois ícones da chamada Escola Inglesa de Relações Internacionais, a qual tem uma perspectiva das relações internacionais muito fundamentada nas ideias de sociedade internacional.
Você pode encontrar resenhas dos livros sugeridos na Internet: # A Sociedade Anárquica e # A Evolução da Sociedade Internacional
Fechando, então, o estudo introdutório dos aspectos teóricos da primeira fase do nosso curso, realize as atividades propostas de autoavaliação. Lembre-se de que seu Professor-Tutor está apto a dirimir suas dúvidas. Comunique-se com ele sempre que sentir necessidade de esclarecimentos adicionais.
Atividades de autoavaliação - No menu lateral em "Avaliações - Objetivas", acesse as questões objetivas referentes a esta unidade.
Módulo II - Evolução Histórica das Relações Internacionais - da Era Moderna ao Entre-Guerras
Unidade 1 As Relações Internacionais na Era Moderna Unidade 2 A Nova Ordem Internacional do Século XIX Unidade 3 A Primeira Guerra Mundial e o Entre-Guerras
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Esta aula apresenta um panorama histórico das Relações Internacionais. Assista com atenção!
Duração: 9min13
Unidade 1 - As Relações Internacionais na Era Moderna
Nesta Unidade, apresentamos os fatos marcantes da evolução histórica da Sociedade Internacional, do início da Idade Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas (século XIX). São eles:
• A Sociedade Europeia na Era Moderna: o Renascimento
as Grandes Navegações, o Advento do Estado Absolutista e a Reforma; • A Guerra dos Trinta Anos; a Guerra, a Paz de Westfália (1648) o legado de Westfália, a Nova Ordem Internacional a partir de Westfália
Objetivos
Ao término desta unidade, o aluno deverá ser capaz de identificar os principais aspectos da evolução histórica da Sociedade Internacional, do início da Idade Moderna (século XV) ao fim das Guerras Napoleônicas (século XIX). Deverá, portanto, estar apto a discorrer sobre:
As grandes navegações; As lutas entre católicos e prostetantes; A Guerra dos Trinta Anos (1618-1648); A paz de Westfália(1648) e Europa no século XVIII e a ascensão da França como Potência hegemônica.
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A sociedade europeia da era moderna O período que vai do ano 1000 até 1800 corresponde à transição do feudalismo para o capitalismo. Nesse período, a sociedade europeia feudal – rural, fragmentada no nível nacional, unida pela religião e marcada pelos vínculos de vassalagem – transformou-se em outra completamente distinta, a sociedade capitalista. Nesta, o importante era a vida urbana, influenciada pelas transações comerciais e fundada nas relações de trabalho assalariado. Quatro acontecimentos são especialmente importantes nesse processo: o Renascimento, as Grandes Navegações, o advento dos Estados nacionais absolutistas e a Reforma.
O Renascimento
Marvin Perry observa que “o termo Renascimento foi cunhado em referência à tentativa de artistas e filósofos de recuperar e aplicar a antiga erudição e modelos da Grécia e de Roma”. O movimento surgiu na Itália, aproximadamente em 1350 e se estendeu até meados do século XVII. Não surgiu na Itália por acidente. No século XIV, ela era a região mais dinâmica da Europa: inúmeros centros comerciais, como Gênova, Veneza, Florença e Milão se desenvolviam com vigor. Essas cidades italianas dominavam o comércio com o Oriente e, com isso, destacavam-se no contexto europeu como Potências comerciais e, algumas vezes, militares. O período é um ponto de inflexão. Os contemporâneos tinham a percepção de que davam início a um novo tempo. Tanto é assim que, para se diferenciarem, criaram o termo “Idade Média” para se referirem aos seus predecessores. O Renascimento é especialmente marcado pelas mudanças ocorridas nas artes – destacadamente na pintura, escultura e arquitetura – e nas ciências. Na Idade Média, as artes tinham o propósito fundamental de servir à religião cristã, vinculando-se, muitas vezes, às determinações da Igreja. Na Renascença, o importante era a valorização do ser humano: tinha-se o antropocentrismo renascentista se contrapondo ao teocentrismo da Igreja de Roma. Essa percepção antropocêntrica de mundo não significa, todavia, que houvesse uma rejeição à religião. Sem se afastarem da religião, os renascentistas admitiam considerar o homem, obra máxima da Criação divina, o centro de suas atenções.
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E o Renascimento não ocorreu apenas nas Artes. A Ciência, da mesma forma, foi afetada pelas investigações de Copérnico, Kepler e Galileu. Copérnico, por exemplo, foi o criador da teoria heliocêntrica, que estabelecia o Sol como o centro do universo. Isso era uma revolução, porque tirava da Terra a primazia sobre os demais corpos celestes. O Mapa 1 ilustra o desenvolvimento do Humanismo na Europa e a expansão renascentista da Itália para todo o continente.
Mapa 1: O Humanismo e a Renascença na Europa (Séculos XV e XVII)
Fonte :http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm30.html Interessante notar nos círculos vermelhos e verdes os principais pontos de florescimento do Renascimento na Itália e em toda a Europa, respectivamente. O quadrado rosa marca o local do surgimento da imprensa, e os principais focos artísticos estão assinalados pelos pontos negros, de fato, importantes cidades europeias. Já as setas representam a difusão do renascimento italiano.
Livro indicado
Sugerimos pesquisa mais aprofundada a respeito da importância do Renascimento na formação da sociedade europeia. Uma fonte importante é A Evolução da Sociedade Internacional, de Adam Watson (Brasília: Editora UnB, 2004).
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As Grandes Navegações
As Grandes Navegações, iniciadas no final do século XV, são um marco na evolução histórica da Sociedade Internacional. Por meio delas, os europeus aventuram-se além dos limites tradicionais de seu continente e, de maneira generalizada, lançam-se pelos oceanos e seguem para os “quatro cantos do mundo”, entrando em contato com as sociedades asiática, africana e americana como nunca ocorrera antes. Com as Grandes Navegações, tem início um processo que culminaria na hegemonia europeia no mundo e na supremacia da chamada “civilização ocidental” sobre outros povos – muitas vezes, com resultados fatais para as civilizações não europeias. As Grandes Navegações podem ser consideradas o primeiro processo de globalização da era moderna. Com elas, o comércio internacional se desenvolveu e foram estabelecidos vínculos entre as diversas sociedades internacionais que existiam na época. Ademais, graças ao estabelecimento dos vínculos mercantilistas com o Novo Mundo – as Américas –, com a África e com o Extremo Oriente, a Europa se desenvolveu, o modelo capitalista se estruturou, e os Estados-nações europeus se tornaram Grandes Potências. Chegou-se ao ponto em que os conflitos entre os Estados europeus repercutiam pelo planeta.
Três fatores levaram às Grandes Navegações do século XV e seguintes. O primeiro foi o surgimento de um vívido interesse pelas vantagens que poderiam ser obtidas por meio do comércio. Para alcançarem a Europa, os produtos do Oriente ou da África subsaariana passavam por uma quantidade significativa de intermediários. Tal fato encarecia substancialmente os produtos tão desejados pelos europeus, como cravo, canela, pimenta, gengibre, noz-moscada, seda ou porcelana. A Economia, como força profunda, impulsionaria os europeus para as Grandes Navegações. Em segundo lugar, havia que se considerar a escassez de metais preciosos na Europa. Sem eles, era muito mais difícil a compra de bens da Ásia ou da África. Isso também dificultava o desenvolvimento das relações comerciais e, consequentemente, das relações sociais e políticas entre as diversas regiões da Europa. Em terceiro lugar, o século XV foi um momento de grandes melhorias na construção de navios, nos conhecimentos geográficos e nas habilidades navais. Nesse sentido, a tecnologia passou a ser outra força profunda a produzir mudanças na conduta dos Atores internacionais do período. Vale lembrar que o conhecimento, tanto de construção de embarcações quanto de técnicas de navegação, era considerado um bem de extremo valor e cuja proteção era questão de Estado, fundamental para países como Portugal e Espanha.
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Foram os portugueses que primeiro se lançaram em busca de novas rotas de comércio, desafiando não só a realidade do desconhecido oceano, mas também as ideias e temores do desconhecido gerados pelo imaginário medieval. Apesar dos custos e dos riscos altíssimos, as viagens compensavam pelos também altíssimos lucros obtidos. As viagens geravam, muitas vezes, lucros de até 6.000%. Os lucros serviam, pois, de motor que levava às incursões no litoral da África e à posterior circum-navegação desse continente, bem como às viagens até a Índia e à “descoberta”, pelos europeus, da América. E não tardou para que os europeus – primeiro, os portugueses e espanhóis e, depois, holandeses, franceses e ingleses – instalassem feitorias em locais da Ásia, África e América, que, posteriormente, se transformaram em colônias. O Mapa 2 ilustra os impérios coloniais português (em vermelho) e espanhol (em verde) em seu apogeu. Destaque-se a linha divisória do mundo estabelecida por Portugal e Espanha pelo Tratado de Tordesilhas (1494), por meio do qual, com o assentimento do Papa, os dois Estados católicos buscavam legitimar seus direitos sobre as terras “descobertas”. Claro que nem os povos que viviam nessas terras e nem os demais monarcas europeus foram consultados, de modo que rapidamente Inglaterra, França e Holanda questionariam essa hegemonia luso-espanhola, inclusive com a irônica requisição do “testamento de Adão” que garantira aos ibéricos a herança do mundo. Mapa 2: Impérios Coloniais do Século XV (Portugal e Espanha)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm36.html
O fato é que logo as principais potências europeias se lançariam em busca de novas terras e novas rotas, e uma nova rota era se iniciaria nas relações internacionais. Como observa Perry (1999, p. 280), “num desenvolvimento sem precedentes, uma pequena parte do globo, a Europa ocidental, tornara-se a senhora das vias marítimas, dona de muitas terras em todo o mundo e o banqueiro e recebedor de lucros numa economia mundial que começava a despontar”. O pequeno continente dava sinais de seu poder e da dominação que exerceria nos séculos seguintes sobre povos e impérios de todo o globo.
Livro indicado
Sugerimos a leitura da obra de Paul Kennedy, Ascensão e Queda das Grandes Potências, em que o autor comenta, entre outras coisas, como os povos de um continente fragmentado, com sociedades atrasadas em relação a outras sociedades do planeta, conseguem se lançar nos oceanos e conquistar o mundo e as sociedades mais prósperas e desenvolvidas.
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Os efeitos para as outras regiões do mundo foram profundos: populações inteiras – especialmente nas Américas – foram dizimadas; outras tantas, particularmente na África, foram reduzidas à condição de escravas; plantas, animais e doenças foram espalhadas pelos quatro cantos do mundo, e, principalmente, dava-se início a um tipo de economia global nunca antes visto. São forças profundas que merecem atenção: a tecnologia, dado o aprimoramento das capacidades bélicas dos europeus e a religião, uma vez que, junto com os conquistadores, iam os catequizadores e a ideia de “obrigação” que tinham os europeus de “difundir o cristianismo aos povos mais atrasados” (missões). O Mapa 3 ilustra a época das grandes navegações e da expansão europeia. A partir das terras conhecidas pelos europeus na Idade Média (trecho em laranja), há a expansão por terra – com as viagens de Marco Pólo que apresentaram a Europa ao Império Chinês – e por mar – graças a intrépidos navegadores como Cristóvão Colombo (que descobriu a América), Vasco da Gama (o qual, ao dobrar o Mapa 3: As Grandes Navegações e as “Descobertas” Européias
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm34.html “Cabo das Tormentas”, passando a chamá-lo de “Cabo da Boa Esperança”, estabeleceu a rota marítima para as Índias, garantindo a Portugal a hegemonia no comércio com a Ásia) e Fernando de Magalhães (primeira viagem ao redor do mundo – apesar de ele mesmo ter morrido no caminho) –, e um Novo Mundo surge diante do europeu renascentista. Cite-se ainda as viagens do inglês Jean Cabot, que em 1497 chega à Nova Inglaterra, e do francês Jacques Cartier, que em 1534 chega à foz do rio São Lourenço e “toma as terras do Canadá para a Coroa Francesa”. O mapa revela as terras conhecidas pelos europeus no fim do século XVI (em amarelo).
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Para melhor compreender o significado das grandes navegações e seu impacto nas relações internacionais dos séculos XV e XVI, um filme interessante é 1492: A Conquista do Paraíso, de Ridley Scott. Para saber mais sobre o filme, veja o resumo e o contexto histórico na internet.
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Leia também o texto As Grandes Navegações .
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O Advento do Estado Absolutista A partir do século XIII, ocorreu na Europa o fenômeno do fortalecimento do rei e da monarquia. Por intermédio de guerras, alianças e casamentos, os reis se fortaleceram e foram decisivos nos processos de construção dos Estados nacionais europeus. Os Estados nacionais se formaram, então, como uma cunha entre o poder local da nobreza e das cidades e o poder universal da Igreja. Alguns, como Espanha, França e Inglaterra, foram bem sucedidos. Outros, como Itália e Alemanha, não conseguiram constituir-se em unidades nacionais até a última metade do século XIX. O Mapa 4 revela a divisão da Europa no século XIII. Mapa 4: A Europa no Século XIII
Fonte: http://perso.wanadoo.fr/alain.houot/index.html No processo de fortalecimento da monarquia, foi importante a criação de algumas instituições. A primeira delas foi a do imposto nacional, que se diferenciava da cobrança de tributos feita pelos senhores feudais. Enquanto esta se fundava nas relações pessoais de vassalagem, o imposto moderno baseava-se na ideia de que a contribuição era feita para a construção de um bem comum. A segunda importante instituição foi a de exércitos nacionais. Se, antes, os reis dependiam das relações pessoais com a nobreza, pois precisavam dos senhores feudais e de seus exércitos particulares, agora tinham uma força militar própria, mantida com os novos impostos arrecadados.
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O terceiro aspecto importante para o desenvolvimento do Estado absolutista foi a criação de uma administração civil ligada ou ao rei ou ao Estado. Dessa forma, o soberano se desligava das relações particulares com a nobreza para poder governar. Ademais, tinha-se aí o embrião do que seria a burocracia estatal, essencial para o governo dos Estados modernos.
Livro indicado
Uma obra importante sobre o Absolutismo é “Linhagens do Estado Absolutista”, de Perry Anderson.
Os Estados absolutistas eram, pois, Estados em que o poder se encontrava concentrado, em razão das instituições como o sistema tributário, o exército nacional e a administração pública, nas mãos do rei. A figura do Estado se fundia com a do soberano. Daí as palavras atribuídas a Luís XIV, soberano absolutista francês: “L’Etat c’est moi!” (“o Estado sou eu!”). Importante considerar, também, a preocupação dos Estados absolutistas com a economia nacional, especialmente com o comércio. Essa preocupação se dava, porque visava à arrecadação de fundos, especialmente sob a forma de metais preciosos e impostos. Nesse sentido, uma nova classe, cada vez mais próxima do soberano, se estruturou: a burguesia. Era formada pelos comerciantes e outros profissionais liberais das cidades que ganhavam força frente à nobreza ao contribuir para o financiamento do Estado moderno. Por fim, o aparecimento dos estados absolutistas provocou grande mudança no sistema internacional. Hélio Jaguaribe (2001, p. 481) observa que “o século XVII se caracterizou na Europa pela emergência de grandes potências,
contrastando com o mundo do Renascimento, quando as cidades-estado da Itália desempenhavam os principais papéis na arena internacional, cercadas por países potencialmente poderosos, como a França, a Espanha e a Inglaterra, que, no entanto, viviam em condições medievais. No princípio do século XVII, esses países tinham conseguido em grande parte alcançar sua integração nacional, e começavam a ter um papel internacional importante."
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A Reforma No ano de 529, a Academia de Platão, em Atenas, fora fechada. Em um decreto desse ano, o imperador romano Justiniano manifestou-se contra a filosofia, iniciando uma acomodação do desenvolvimento cultural em direção à Igreja. No mesmo ano, é fundada a Ordem dos Beneditinos, a primeira grande ordem religiosa. Dali em diante, os mosteiros passariam a deter o monopólio da educação, da reflexão e da meditação. Na Idade Média, teve plena vigência o clássico ensinamento de Agostinho: “é necessário compreender para crer e crer para compreender”. No século XVI, iniciou-se um amplo movimento de reforma religiosa, que marcou o fim do monopólio religioso da Igreja Católica Romana sobre a Europa Ocidental. Esse movimento afetaria definitivamente a política, a economia, a cultura, a sociedade, enfim, as relações de poder no cenário europeu e mundial. Até a Reforma, além do monopólio sobre a fé da cristandade, a Igreja Católica tinha um domínio cultural, político, econômico e espiritual único. Cada aspecto da vida era rigidamente controlado. A força do Papa, o Bispo de Roma, tanto política quanto religiosa, sobre a Europa Ocidental era tamanha que, no século XIII, a Igreja podia proclamar que cada pessoa, praticamente em toda a Europa Ocidental, tinha fé em Deus de acordo com sua doutrina e seus sacramentos. Esse controle, no entanto, acabou por se voltar contra a própria instituição. Como observa Perry (1999, p. 231), “obstruído pela riqueza, viciado no poder internacional e protegendo seus próprios interesses, o clero, do papa abaixo, tornou-se alvo de um bombardeio de críticas.”. De um lado, criticava-se a supremacia da Igreja sobre os reis. De outro, a corrupção, o nepotismo, a busca de riqueza pessoal por parte dos bispos e do papa, o relaxamento do cumprimento das obrigações espirituais e a venda de indulgências. Inúmeros cristãos passaram a criticar abertamente as práticas da Igreja e do clero. O mais famoso e mais importante crítico da Igreja foi o monge Martinho Lutero.
A Reforma se iniciou em 1517, com as críticas de Lutero à venda de indulgências. Indulgências eram obras que os cristãos faziam, em vida, para reduzir o seu tempo, após a morte, no purgatório. A maior parte dessas obras era constituída de doações à Igreja. Lutero questionava a validade moral da venda de indulgência e a possibilidade de que elas poderiam redimir o homem pecador. Lutero defendia que o homem, apesar de ser intrinsecamente condenado pelo pecado original, poderia obter a redenção por meio da fé, do arrependimento pessoal, do arrependimento pelos pecados e pela confiança na piedade de Deus.
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Aspecto importante das teses de Lutero repousa no fato de que o monge propunha, em última instância, a dispensa da necessidade da própria Igreja para que o homem tivesse sua religiosidade e seu contato com o Criador. As consequências da doutrina luterana ultrapassavam a esfera religiosa, pois ameaçavam a dominação político-ideológica que a Igreja de Roma exercia sobre os reinos europeus e seus soberanos.
Lutero, ao contrário de outros que atacaram a Igreja, obteve proteção da aristocracia europeia. Mais especificamente, foi protegido por Frederico, príncipe da Saxônia, na Alemanha. Posteriormente, Lutero deixou claro que não desejava de forma alguma ser uma ameaça à autoridade política dos príncipes alemães. Além disso, declarou que o bom cristão era aquele que obedecia às leis e à ordem. De fato, Martinho Lutero obteve a simpatia de príncipes e de cidades em toda a Alemanha. As razões foram simples. Ao se desqualificar a Igreja Católica, abria-se a possibilidade de confisco das terras desta pelos príncipes e nobres e do fim dos pesados tributos que a ela eram pagos. Além disso, os príncipes alemães sentiam-se livres para resistir ao Sacro Império Romano, do católico Carlos V. Este, pressionado por ameaças externas – a França, a oeste, e os turcos, a leste – acabou por assinar a Paz de Augsburgo, em 1555. Esse acordo basicamente definiu que cada príncipe poderia determinar a religião de seus súditos.
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Lutero, de Eric Till, conta a história do monge alemão que se rebelou contra o abuso de poder na Igreja Católica há 500 anos. Trata-se de filme interessante para auxiliar na compreensão da Reforma e da Contrarreforma.
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As 95 teses de Lutero que abalaram a Europa renascentista estão disponíveis em um sitio interessante: a Revista Espaço Acadêmico. Veja, também, a biografia do monge.
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No Mapa 5, temos a Europa no século XVI, dividida entre os diferentes grupos de protestantes (em verde) – calvinistas, luteranos e anglicanos –, católicos fiéis a Roma (em rosa) e ortodoxos (em laranja). Cite-se ainda a constante pressão do Império Otomano, baluarte do mundo islâmico e um Ator muito relevante no cenário europeu da época. Claro que as disputas da cristandade centravam-se em católicos x protestantes, mas alianças com Constantinopla muitas vezes eram consideradas. Mapa 5: A Europa à Época da Reforma: a Divisão da Cristandade
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ma/matm32.html
É importante observar que o descontentamento com a Igreja era grande em boa parte da Europa. O protestantismo, não só da linha luterana, espalhou-se com muita rapidez por todo o norte do continente. A reação católica, a Contrarreforma, deu-se sob diversas formas. A primeira delas foi no campo da atuação religiosa. Como observa Perry (1999, p. 242), “a princípio, a energia para a reforma veio do clero comum, bem como de leigos como Inácio de Loyola”. Loyola foi o fundador da famosa Companhia de Jesus. Como fora treinado como soldado, ele organizou os jesuítas de forma rígida e altamente disciplinada. A Contrarreforma também enfatizava a pregação, a reconversão dos que se afastaram da Igreja, a construção de templos, a censura, a perseguição a protestantes e a outros hereges. Também é importante ressaltar que a Igreja, por intermédio do Concílio de Trento, de 1545 a 1563, modificou ou eliminou muito dos pontos criticados pelos protestantes, como, por exemplo, a venda de indulgências. Por outro lado, o Concílio não fez nenhuma concessão ao protestantismo. A Reforma significou o enfraquecimento da Igreja e o consequente fortalecimento dos Estados. Além disso, a Europa se viu dividida em duas: uma protestante, no norte, e outra católica, no sul do continente. Essa tensão permaneceria e seria especialmente sentida no século seguinte.
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Os conflitos entre católicos e protestantes marcaram a Europa por dois séculos, e seus efeitos alcançam nossos dias. Um filme muito interessante para se compreender o período é A Rainha Margot, de Patrice Chéreau. Veja o resumo e o contexto histórico do filme.
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De fato, as disputas entre católicos e protestantes teriam um importante reflexo nas relações internacionais europeias durante mais de dois séculos, em especial porque estavam associadas também às rivalidades entre as Potências europeias. Do ponto de vista das relações internacionais, os novos Estados protestantes aliavam-se para se contrapor à dominação hegemônica da Igreja e de seu principal defensor político, a dinastia dos Habsburgos, o grande hegemon europeu, que tinha um império que englobava a Espanha e a Áustria. Essas rivalidades religiosas e políticas culminariam na Guerra dos Trinta Anos. A GUERRA DOS TRINTA ANOS (1618-1648) A Guerra dos Trinta Anos, de 1618 a 1648, primeiro grande conflito armado dos tempos modernos, envolveu grande parte da Europa. Essa grande confrontação do século XVII poria termo ao período de um século de disputas entre católicos e protestantes e daria início a um novo sistema europeu de relações internacionais cujos fundamentos alcançariam o século XXI. O sistema internacional no século XVII foi marcado inicialmente pela preponderância da Espanha. Seus concorrentes, porém, não tardaram a ocupar o seu lugar de destaque. A França surgiu como um país importante enquanto a Inglaterra preparou o terreno, especialmente nas últimas décadas do século, para se tornar hegemônica no século seguinte. A perda da hegemonia espanhola esteve ligada a vários fatores. Jaguaribe (2001, p. 486) observa que a decadência espanhola “resultou da combinação de quatro causas principais: certas debilidades institucionais; estruturas sociais predatórias; compromissos ideológicos utópicos; e a adoção de políticas equivocadas” Importante lembrar que a Espanha, católica, era a potência hegemônica no início do século XVII. O domínio de Felipe III (1598-1621) abrangia toda a Península Ibérica, as colônias da América, incluindo o Brasil, o sul da Itália, Milão, ilhas no Mediterrâneo, Filipinas e enclaves na África. Especialmente equivocada foi a decisão espanhola de ser defensora da fé católica. Isso não apenas fez ressurgir, em grau muito maior, as guerras religiosas do século anterior, mas também levou a Espanha a perder a sua condição de principal potência do continente europeu. O século XVII, ressalta Jaguaribe (2001, p. 485), "foi marcado pelos conflitos religiosos mais agudos já ocorrido no ocidente. Herdados do século precedente, eles culminaram na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648)", que foi, pois a tentativa militar dos católicos de conter o protestantismo.
O Mapa 6 ilustra a Europa em 1600, dividida entre reinos católicos e protestantes. Mapa 6: A Europa em 1600
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr7.html Antes de entrarmos diretamente na Guerra dos Trinta Anos, convém um rápido parêntese. Em 1556, o Imperador Carlos V, após ter assinado a Paz de Augsburgo, abdicou e dividiu em dois os seus domínios: de um lado, a Espanha, Países Baixos, colônias americanas e Itália ficaram para seu filho Felipe II (no mapa, em laranja); de outro, a Áustria, que ficou com seu irmão Fernando (em amarelo). Com isso, a família Habsburgo ficou dividida em dois ramos, ambos católicos e, frequentemente, aliados. pág. 12
A Guerra A chamada Guerra dos Trinta Anos começou em 1618 como conflito religioso entre católicos e protestantes na Boêmia e adquiriu caráter político em torno das contradições entre Estados territoriais e principados. Envolveu a Alemanha,
Áustria, Hungria, Espanha, Holanda, Dinamarca, França e Suécia. Importante para o início da Guerra dos Trinta Anos foi a ascensão de Fernando II ao trono austríaco, em 1619. Na época, Fernando II, imperador do Sacro Império Romano-Germânico era também rei da Boêmia. Os rebeldes negaram-lhe esse título e entronizaram o príncipe eleitor calvinista Frederico do Palatinado. Segundo Perry (1999, p. 266): A Guerra dos Trinta Anos começou quando os boêmios (...) tentaram colocar no seu trono um rei protestante. Os Habsburgos austríacos e espanhóis reagiram, mandando um exército ao reino da Boêmia; de súbito, todo o império foi forçado a tomar partido dentro de linhas religiosas. A Boêmia sofreu uma devastação quase inimaginável: três quartos de suas cidades foram saqueadas e queimadas e sua aristocracia foi praticamente exterminada. O resultado foi o envolvimento de outros príncipes protestantes. O mais importante deles na primeira fase da Guerra, que vai até 1632, foi o rei da Suécia, Gustavo Adolfo, morto em batalha naquele ano. A possibilidade de paz entre Fernando II e os príncipes alemães leva à cena um novo Ator, a França, preocupada com a excessiva força que poderia ter a Áustria. Sob o comando do cardeal Richelieu, a França, apesar de católica como os austríacos, posicionou-se contra estes. Primeiramente, de forma encoberta, depois de maneira ostensiva. Richelieu estava convencido de que a continuidade da França como grande poder internacional dependia da guerra contra os Habsburgos. Assim, a França financiava ou apoiava todos os que se opusessem ao domínio austríaco ou espanhol, ou, quando necessário, guerreavam diretamente contra eles. A França, aliás, derrotou o até então imbatível exército espanhol na batalha de Rocroy, em 1643. Para a Espanha, o custo dessa derrota foi altíssimo, pois significou o fim da invencibilidade de seu poderoso exército e a vida de 15 mil soldados. A maneira como Richelieu se portou politicamente influenciaria o sistema internacional pelos próximos séculos. Richelieu criou ou ajudou a criar conceitos como o de “razão de estado” e “equilíbrio de poder”. Henry Kissinger (1999, p. 60) analisa que “de início, ele [Richelieu] queria impedir a dominação dos Habsburgos sobre a Europa, mas ao final deixou um legado que por dois séculos provocou seus sucessores a tentarem o primado francês na Europa. Do fracasso dessas tentativas, brotou o equilíbrio de poder, primeiro como um fato da vida, depois como forma de organizar relações internacionais (...). Quando a guerra terminou, em 1648, a Europa Central fora devastada e a Alemanha perdera quase um terço de sua população. No tumulto desse conflito trágico, o cardeal Richelieu enxertou o princípio da raison d´état (razão de estado) na política externa francesa, princípio que os outros estados europeus adotaram nos cem anos seguintes”. Convém reproduzir mais algumas das conclusões de Kissinger (1999, p. 63): “o objetivo de Richelieu era romper o que ele considerava o cerco da França, exaurir os Habsburgos e impedir a emergência de uma grande potência nas fronteiras da França – especialmente na fronteira alemã. Seu único critério para alianças era que elas atendessem aos interesses da França, aplicado primeiramente aos estados protestantes, mais tarde até ao Império Otomano muçulmano”. Assim, a conduta da França reflete a maneira racional e pragmática como as grandes Potências atuam no cenário internacional. Apesar de católica, a França não hesitou em aliar-se aos protestantes para se contrapor à hegemonia espanhola. Essa conduta garantiria o fortalecimento da França nos anos seguintes, de modo que, com o fim da guerra e o declínio do poder espanhol, o Estado francês assumiria o papel de nova Potência hegemônica no continente. A Guerra dos Trinta Anos chegaria a termo por meio da Paz de Westfália (1648), e uma Nova Ordem seria estabelecida no cenário europeu e, consequentemente, nas relações internacionais da Era Moderna.
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Leia mais sobre a Guerra dos Trinta Anos acessando o sítio “Vultos e episódios da Época Moderna”.
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A Paz de Westfália (1648) A paz foi alcançada porque a guerra, após as suas várias fases, se mostrou impossível de ser vencida de maneira efetiva. Segundo Jaguaribe (2001, p. 483), “se foi possível chegar finalmente a um acordo negociado, depois de disputas ferozes, isso se deveu à incapacidade dos Atores em conflito de impor pela força os seus respectivos dogmas”. O primeiro dos tratados, assinado em janeiro de 1648, pôs fim à guerra entre Espanha e Holanda. Em outubro do mesmo ano, pressionada por seus aliados alemães, a Espanha também selou a paz com os franceses. Os tratados de Westfália significaram o fim das ambições dos Habsburgos austríacos e espanhóis e a vitória da política externa francesa, iniciada com Richelieu. Os franceses, além de acabarem com as pretensões dos seus adversários, ainda tiveram algumas importantes conquistas territoriais. O fantasma de uma Alemanha unificada, ameaça à França pelo leste, manteve-se afastado por duzentos anos. Carpentier e Lebrun (1993, p. 229) anotam que a Europa era “politicamente muito diferente da de 1560 ou 1600. A Casa da Áustria já não era um perigo para a paz europeia. (...) A Espanha, enfraquecida e amputada, já se não contava entre as potências de primeira plana. A Inglaterra, saída do isolamento em que havia ficado a seguir à guerra civil (...), as Províncias Unidas [Holanda], independentes e aumentadas, a Suécia, dominadora do Báltico, eram já grandes potências (...). O facto essencial era, todavia, a situação de preponderância adquirida pela França. O reino (...) não só era mais vasto e mais bem defendido como também dispunha de uma clientela em que se contavam quase todos os países europeus. De resto, o prestígio intelectual e artístico da França não cessava de crescer. Começara a era da preponderância francesa na Europa”.
No Mapa 7, pode-se perceber a nova configuração de poder no continente europeu, com destaque para as fronteiras nacionais e os limites assegurados pelo Tratado de Westfália. A maior parte dessas fronteiras acabaria modificada nos séculos seguintes. Mapa 7: A Europa em 1648
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr9.html
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O legado de Westfália Importante sublinhar que o Tratado de Westfália marca o fim de cento e cinquenta anos de conflito entre os nascentes Estados europeus e o fim das ambições dos Habsburgos. Nasce, então, um novo tipo de Sistema Internacional, cujos Atores eram, essencialmente, os Estados. Além disso, a história posterior da Europa caracterizar-se-ia pelo princípio da anti-hegemonia, isto é, os Estados agiriam no sentido de evitar que um se tornasse a potência hegemônica (balanço de poder). O Tratado de Westfália, assim, foi responsável por grandes mudanças no sistema internacional europeu. Ao contrário de boa parte dos acordos e pactos que eram firmados anteriormente, ele não serviu apenas para pôr fim a um conflito, mas também para tornar o Estado o principal Ator das relações internacionais. Além disso, os Estados, independentemente do tamanho, se viram como iguais e participantes de um mesmo Sistema Internacional. Trata-se de um momento histórico fundamental para as Relações Internacionais. O Tratado de Westfália, de 1648, inaugurou uma nova fase na história política daquele continente, propiciando o triunfo da igualdade jurídica dos Estados, com o que ficaram estabelecidas sólidas bases para uma regulamentação internacional mínima. Essa igualdade jurídica elevou os Estados ao patamar de únicos Atores nas políticas internacionais, eliminando o poder da Igreja nas relações entre os mesmos e conferindo aos mais diversos Estados o direito de escolher seu próprio caminho econômico, político ou religioso. Ficou, então, consagrado o modelo da soberania externa absoluta, tendo início uma ordem internacional protagonizada por Atores com poder supremo dentro de fronteiras territoriais estabelecidas. Mais tarde, os contratualistas (Locke, Rousseau) e, em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, trariam os elementos caracterizadores da soberania que seriam adotados por várias Constituições: unidade, indivisibilidade, inalienabilidade e imprescritibilidade. Importante também sublinhar que o primeiro ponto em que os diplomatas em Westfália acordaram foi que as três confissões religiosas dominantes no Sacro Império (o catolicismo, o luteranismo e o calvinismo) seriam consideradas iguais. Revogava-se, assim, a disposição anterior nesse assunto, firmada pela Paz de Augsburgo, em 1555, que dizia que o povo tinha que seguir a religião do seu príncipe (cuius regios, eius religio). Isso não só abria uma brecha no despotismo como abria caminho para a concepção de tolerância religiosa, que, no século seguinte, se tornaria bandeira dos iluministas, como John Locke e Voltaire. Além disso, a nova doutrina da Razão de Estado, extraída das experiências provocadas pela Guerra dos Trinta Anos, exposta e defendida pelo Cardeal Richelieu, defendia que um reino tem interesses permanentes que o colocam acima das motivações religiosas. O antigo sistema medieval, que depositava a autoridade suprema no Império e no Papado, dando-lhes direito de intervenção nos assuntos internos dos reinos e principados, foi substituído pelo conceito de soberania de Estado, inaugurando-se um novo sistema em que os Estados têm direitos iguais baseados numa ordem constituída por tratados e pela sujeição à lei internacional. Essa situação político-jurídica perdura até os nossos dias, apesar de haver hoje, particularmente da parte dos EUA, um forte movimento supranacional intervencionista, com o objetivo de suspender as garantias de privacidade de qualquer Estado frente a uma situação de emergência ou de flagrante violação dos direitos humanos. pág. 15
A Nova Ordem Internacional a partir de Westfália A história europeia após o tratado de Westfália é a contínua busca, por parte da França, de obtenção da hegemonia europeia e a resistência, por parte dos demais Atores europeus, a esse intento. Na busca desses objetivos, imperam as relações pragmáticas e as alianças de ocasião. No século que se seguiu à Paz de Westfália, “a raison d’état [razão de estado] passou a ser o princípio orientador da diplomacia europeia”, registra Kissinger (1999, p. 66).
O período pode ser dividido em três fases: A primeira vai de 1648 a 1740 e é de preponderância francesa. A Áustria recuou de suas pretensões na Alemanha e conquistou, gradativamente, vastas regiões ao longo do rio Danúbio. A Espanha lentamente se retirava do papel de potência de primeira ordem. A Inglaterra, a partir da Revolução Gloriosa, de 1688, tornou-se uma monarquia em que o Parlamento tinha papel preponderante. A França, especialmente sob Luís XIV “esforçou-se (...) por reforçar o absolutismo monárquico em França e por impor, mais ou menos diretamente, a sua lei à Europa. Falhou, porém, nesta sua última pretensão perante a coligação dos Estados europeus – enquanto, na Europa Central e Oriental, a Prússia começava a salientarse, e Pedro, o Grande, procurava conseguir que a Rússia saísse do seu isolamento” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 233). Essa Europa do início do século XVIII encontra-se no Mapa 8. Mapa 8: A Europa no Início do Século XVIII
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr11.html
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A segunda fase vai de 1740 a 1792 e se caracteriza pela preponderância marítima da Inglaterra e pelo equilíbrio das potências continentais. “A luta, no mar e nas colônias, entre a Inglaterra – onde, a despeito das tendências de poder pessoal de Jorge III, prosseguia a evolução para o regime parlamentar – e a França – onde o absolutismo de Luís XV e Luís XVI enfrentava dificuldades cada vez maiores – veio a dar a vantagem à Inglaterra, que se tornou a primeira potência mundial graças à sua superioridade marítima e ao avanço resultante dos começos da revolução industrial. Na Europa Central e Oriental, a Prússia de Frederico II, a Áustria de Maria Teresa e José II e a Rússia de Isabel e de Catarina II eram concorrentes entre si, mas equilibravam-se e chegaram a acordo para crescer à custa do Império Otomano e da Polônia, que foi totalmente desmembrada” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 247). O último período vai de 1792 a 1815 e se caracteriza por ser o momento do apogeu e do fracasso do projeto de uma Europa francesa. “Entre 1789 e 1815, a Europa respirou ao ritmo da França. A ‘Grande Nação’ impôs-se, primeiro, pela força das ideias e, depois, pela das armas. De 1792 até 1815, a guerra opôs permanentemente a França às monarquias europeias. Napoleão Bonaparte, herdeiro dessa guerra, tentou construir uma Europa Continental francesa. Mas a obstinação britânica, que inspirava e financiava as diversas coligações das coroas, acabaria por vencer o Grande Império. A França foi, então, vítima não só dos reis como também dos povos, cujos sentimentos ajudara a despertar” (CARPENTIER; LEBRUN, 1993, p. 277). Sob o prisma das Relações Internacionais, convém observar a importância da Potência hegemônica em um sistema e o grau de influência sobre os outros Atores. Na Nova Ordem estabelecida a partir de Westfália, a França ascendeu à condição de Potência hegemônica, que havia sido da Espanha sob os Habsburgos. O século que se seguiu à Guerra dos Trinta Anos foi um século francês, no qual a sociedade internacional era influenciada pela sociedade francesa. Daí a expansão do Iluminismo pela Europa e Américas, os costumes e até o idioma francês influenciando outros povos ou gerando reações nacionalistas, como ocorre hoje com a língua inglesa e o american way of life. Assim, o sistema passou a gravitar em torno da França. Essa ordem começou a ruir quando se modificou o equilíbrio de poder no continente, em virtude de transformações radicais no interior do hegemon. A maior dessas transformações foi a Revolução Francesa, que abalou a estrutura de poder no interior da Potência hegemônica e acabou repercutindo em todo o continente – chegando inclusive ao Novo Mundo – com as guerras napoleônicas.
Livro indicado
Mais um livro útil como referência sobre o período a partir de uma perspectiva de Relações Internacionais, além do já sugerido anteriormente - “Ascensão e Queda das Grandes Potências", de Paul Kennedy -, é "Diplomacia", de Henry Kissinger.
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Avaliação Objetiva
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Unidade 2 - A Nova Ordem Internacional do Século XIX
Objetivos
Ao concluir o estudo desta Unidade, o aluno deverá ser capaz de discorrer sobre os principais aspectos das relações internacionais do século XIX, particularmente sobre:
Os antecedentes da Nova Ordem do século XIX: a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas; O congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu; As Revoluções do século XIX; os nacionalismos e as unificações da Itália e da Alemanha; a ascensão da Alemanha unificada como Grande Potência; o neocolonialismo; os novos atores entre as Grandes Potências fora da Europa; Estado-nação.
Atenção
Bom estudo! Não se esqueça de fazer anotações, de abordar com comprometimento as autoavaliações, os exercícios de fixação oferecidos e de, sempre que possível, realizar atividades propostas para tornar o curso mais dinâmico: filmes, livros, links na Internet.
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A NOVA ORDEM INTERNACIONAL DO SÉCULO XIX - ANTECEDENTES A Revolução Francesa A Revolução Francesa (1789) foi um evento que marcou profundamente a sociedade europeia. Inspirada pelos ideais iluministas e liderada pela burguesia com apoio popular, a Revolução tinha por lema "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" e ressonou em todo o mundo, da Europa ao continente americano, pondo abaixo regimes absolutistas e ascendendo os valores burgueses. Foi marco e referência para grandes transformações sociais e políticas que aconteceriam pelo mundo nos séculos seguintes.
O Mapa 9 apresenta a configuração política da Europa à época da Revolução Francesa. Note-se como a França Revolucionária estava cercada pelas potências absolutistas defensoras do Antigo Regime. Apesar disso, os ideais revolucionários se expandiriam para muito além das fronteiras do Reino da França. Mapa 9: A Europa à época da Revolução Francesa
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ancien_R/ancienr13.html Registre-se que essa ressonância da Revolução Francesa foi tanto prática quanto simbólica. A Revolução foi marcante por ter atingido a principal monarquia europeia e o maior e mais populoso país europeu (se excluída a Rússia). De fato, as transformações que marcariam a Europa e a civilização ocidental no século XIX seriam influenciadas diretamente por aquelas mudanças ocorridas no âmbito doméstico da França, então a Potência hegemônica no continente. Nesse sentido, podemos perceber como transformações nas Grandes Potências acabam afetando todo o sistema internacional, proporcionalmente ao grau de poder dessa Potência. Exemplo recente disso são as mudanças ocorridas nos EUA após o 11 de setembro de 2001 e seus efeitos em todo o globo
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Assim, para os defensores da ordem, a Revolução era perigosa, porque retirava os alicerces do Antigo Regime. A título de exemplo, foi apenas em 1789 que, pela primeira vez na história da França, uma Assembleia Nacional foi eleita e aboliu o feudalismo e seus privilégios. Além disso, também naquele ano, a Bastilha, o símbolo do poder real, foi tomada de assalto, palácios foram saqueados e revoltas ocorreram no campo, com os camponeses se sublevando e questionando, de maneira praticamente inédita no país, o modelo de servidão estabelecido pelo sistema feudal. Como se não bastasse, uma Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão foi proclamada como preparativo para uma Constituição, e a Igreja foi subordinada ao Estado. Eram mudanças que afetavam o cerne de uma ordem doméstica tradicional e que acabariam afetando as estruturas da ordem internacional que tinha a França como principal protagonista.
Denominou-se Antigo Regime à ordem estabelecida na Idade Moderna na qual a monarquia absolutista conjugou-se com as principais forças políticas da sociedade: por meio do Mercantilismo, a monarquia aliou-se à burguesia e ao mesmo tempo manteve-se unida à nobreza e ao alto clero, concedendo privilégios a esses dois últimos grupos, muitas vezes em detrimento da burguesia e sempre às custas dos impostos cobrados do povo.
Não tardou, pois, a reação. As Potências Europeias promoveram ataques contra o território francês na tentativa de restabelecer o trono de Luís XVI e o Antigo Regime (vide Mapa 10 – em roxo, a ofensiva dos países da coalizão). As cabeças coroadas da Europa não poderiam arriscar que um de seus membros mais importantes fosse derrubado por um levante popular.
Nesse contexto, Luís XVI tentou fugir para o exterior. Preso no meio do caminho, foi levado de volta a Paris e guilhotinado. A República foi proclamada, e a França se viu, externamente, em um estado quase permanente de guerra. Internamente, a Revolução mergulhou no Terror – aproximadamente 40 mil pessoas morreram – e na luta entre as diversas facções. Após um período de contrarrevolução e de agravamento dos conflitos internos, o poder
passou para as mãos dos generais. Um deles, Napoleão Bonaparte, assumiu o controle do governo em novembro de 1799. Mapa 10: A Revolução Ameaçada (1792-1794)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/Rev_Emp/revemp3.html
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Napoleão Bonaparte Napoleão, “na verdade, pertencia à tradição do despotismo esclarecido do século XVIII. Da mesma maneira que os déspotas reformadores, admirava a uniformidade e a eficiência administrativas, era avesso ao feudalismo, à perseguição religiosa e à desigualdade civil e defendia a regulamentação governamental na indústria e no comércio” (PERRY, 1999, p. 339). Apesar de não se identificar com o republicanismo e com a democracia das fases mais radicais da Revolução, Bonaparte era visto, pelos demais países europeus como seu continuador. Isso se deu, em grande parte, porque o general corso estendeu, “com diferentes graus de determinação e sucesso, (...) as reformas da Revolução a outras terras. Seus funcionários instituíram o Código Napoleônico, organizaram um serviço civil efetivo, abriram carreiras de talento e nivelaram os encargos tributários. Além de abolir a servidão, os pagamentos senhoriais e as cortes da nobreza, eliminaram os tribunais clericais, fomentaram a liberdade religiosa, autorizaram o casamento civil, exigiram que se concedessem direitos civis aos judeus e combateram a interferência do clero na autoridade secular. (...) Napoleão dera início a uma revolução social de amplitude europeia, que atacou os privilégios da aristocracia e do clero – que se referiam a ele como o ‘jacobino coroado’ – e beneficiou a burguesia” (PERRY, 1999, p. 344). Vejamos como se deu a influência das ideias e das novas instituições, segundo Duroselle (1976, p. 8): - As zonas “assimiladas”, anexadas ao território do grande Império, ou efetivamente vassalas (reino da Itália): aí, os direitos feudais foram suprimidos, a igualdade estabelecida perante a lei, o código napoleônico adotado e a administração calcada sobre a da França. - As zonas de “influência”, onde a anexação foi indireta, mas o Antigo Regime foi eliminado pelas autoridades francesas. É o caso da maior parte da Alemanha entre o Reno e o Elba, do Grão-Ducado de Varsóvia, do Reino da Sicília e do Reino de Nápoles. - As zonas de “resistência positiva”, essencialmente a Prússia, onde os dirigentes (...) calcularam que o melhor meio de encerrar a luta contra a França era pôr em prática extensas reformas sociais (abolição da servidão e dos direitos feudais). - As zonas de “resistência passiva”, essencialmente a Áustria e a Rússia, onde a luta contra a França não se fez acompanhar de nenhuma reforma profunda: o sistema senhorial foi mantido na Áustria, a servidão e o Tchin (nobreza ligada à função pública) na Rússia. Enfim, a Inglaterra, depois de 1800 chamada de “Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda”, que, por um lado, jamais havia sido conquistada e, por outro, já possuía um regime suficientemente liberal para que tivesse a tentação ardente de imitar a França.
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Portanto, a Era Napoleônica foi marcada por uma série de conflitos armados ocorridos entre 1799 e 1815, quando a França enfrentou várias alianças de Potências europeias. O principal motivo das campanhas francesas, após 1789, era defender e difundir os ideais da Revolução Francesa, mas, com a ascensão de Napoleão, o objetivo passou a ser a expansão da influência e do território franceses. O império napoleônico chegou a dominar parte significativa da Europa. Napoleão sonhava com uma Europa em que, sob a hegemonia francesa, não houvesse mais
espaço para as estruturas absolutistas do Antigo Regime. Nessas regiões, as sementes dos ideais revolucionários de 1789 foram plantadas e germinariam nas décadas seguintes. Para a contenção do expansionismo francês, foram necessárias várias coalizões das Grandes Potências. No Mapa 11, pode-se ter a ideia da dimensão do Império Napoleônico em seu apogeu (em verde). Mapa 11: O Império Napoleônico em seu Apogeu (1810-1811):
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Em 1812, Napoleão conduziu uma campanha vitoriosa contra os russos chegando até Moscou. Entretanto, a vitória logo se converteu em grande derrota. Os russos simplesmente abandonaram Moscou, depois de destruir os campos cultivados e de incendiar a cidade. Sem abrigo ou provisões, o exército francês, enfrentando o rigoroso inverno, foi obrigado a deixar a Rússia sob o intenso fogo do exército russo, perdendo aproximadamente 95% dos cerca de 600 mil homens que participaram da desastrosa campanha. Aproveitando-se do enfraquecimento de Napoleão, Áustria, Prússia, Rússia, Inglaterra e Suécia formaram a 6.ª Coalizão e declararam guerra à França. Napoleão derrotou os exércitos da Rússia e da Prússia, enquanto os exércitos franceses estavam sendo derrotados na Península Ibérica por forças espanholas e inglesas. Após a Batalha de Leipzig, a Batalha das Nações, em 1813, os exércitos de Napoleão abandonaram os principados alemães. A rebelião contra o império se estendeu à Itália, Bélgica e Holanda. Em 1814, um grande exército da 6.ª Coalizão invadiu a França e ocupou Paris. Napoleão, obrigado a renunciar, foi exilado na Ilha de Elba (próxima da Córsega, sua terra natal), e a monarquia francesa restaurada com Luís XVIII, irmão de Luís XVI. Os membros da Coalizão reuniramse, então, no Congresso de Viena para restaurar as monarquias na Europa. No entanto, enquanto era traçado o novo mapa europeu, em março de 1815, Napoleão fugiu de Elba, voltou à França, e iniciou a formação de um novo exército. O rei enviou uma guarnição de soldados para prendê-lo, mas estes aderiram a Napoleão. Luís XVIII fugiu para a Bélgica. Contra Napoleão foi rapidamente formada uma 7.a Coalizão, composta por Inglaterra, Áustria, Prússia e Rússia. Sem tempo para preparar um exército, Bonaparte enfrentou novos combates, mas foi derrotado definitivamente na Batalha de Waterloo (18 de junho de 1815). Napoleão foi então mantido prisioneiro na Ilha de Santa Helena, no Atlântico Sul, onde morreu em 1821. Luís XVIII reassumiu o trono francês com o apoio do Congresso de Viena. Chegaram ao fim as Guerras Napoleônicas. Apesar da derrota definitiva em 1815, as ações de Napoleão e os ideais revolucionários atingiram, de forma irreversível, o Antigo Regime em boa parte da Europa e aceleraram o processo de modernização do continente. Seus efeitos alcançaram o continente americano, repercutindo nos processos de independência de toda a América Latina e nos princípios jurídicos e políticos que regeriam os novos governos na região. O mundo passou, portanto, por grandes transformações em virtude da Era Napoleônica. As relações internacionais nunca mais seriam como antes. pág. 06
O Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu O fim das guerras napoleônicas marcou o início de um sistema internacional baseado no equilíbrio de poder entre as Potências europeias que durou cem anos, até a Primeira Guerra Mundial. Foi o mais longo período de paz da história da Europa ou, pelo menos, o período em que não houve nenhuma guerra que envolvesse, de forma generalizada, as Potências europeias. Durante 40 anos, isto é, entre o Congresso de Viena e a Guerra da Crimeia (1854), não houve uma guerra sequer entre as grandes Potências e, nos 60 anos seguintes, exceto pela Guerra FrancoPrussiana de 1871, nenhum conflito importante ocorreu. O Congresso de Viena foi marcado pelo medo e pelas lembranças trazidas pelos 25 anos anteriores. Os homens que reconstruíram o mapa da Europa em 1815 o fizeram preocupados em evitar que a ordem sofresse novos abalos. Apesar de todos os negociadores serem adversários da Revolução, estavam perfeitamente conscientes de que a Europa de 1815 não poderia voltar a ser aquela de 1792. Não obstante, estavam
determinados a evitar novas catástrofes. Para isso, seriam utilizados dois princípios: o da legitimidade e o do equilíbrio europeu. Nas palavras de Duroselle (1976, p. 4): Primeiro, restabelecer a ‘legitimidade’ dos soberanos. Mas ‘na ordem das combinações legítimas, ligar-se de preferência àquelas que podem com maior eficácia concorrer para o estabelecimento e conservação de um verdadeiro equilíbrio’. Serão, então, utilizados com flexibilidade e em proveito dos grandes Estados os dois princípios, um moral e jurídico, o da legitimidade, outro, puramente prático, o do equilíbrio europeu. Como resultado dos debates de Viena, o mapa da Europa sofreu alterações importantes que refletiam a nova configuração de poder estabelecida pelas Grandes Potências. A Alemanha, por exemplo, passou de 300 Estados para 38 (comparar o Mapa 12 com o Mapa 11). Um fato, porém, não pode ser deixado de lado. Na conformação do novo sistema de equilíbrio europeu, a França continuava a grande preocupação. Sua condição hegemônica tinha sido excessivamente danosa para as outras Potências europeias. O Congresso de Viena foi realizado sob o signo de se evitar que ela ameaçasse novamente o resto do continente. Dois tratados pós-Congresso de Viena merecem destaque. O primeiro é o Tratado da Santa Aliança, firmado entre o Czar da Rússia, o Imperador da Áustria e o Rei da Prússia, em 26 de setembro de 1815. O segundo é o tratado conhecido como o da Quádrupla Aliança, entre os Quatro Grandes (Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia) em 20 de novembro de 1815.
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O Tratado da Santa Aliança estabelecia a restauração na Europa da ordem religiosa e monárquica, fundamento do Antigo Regime que a Revolução Francesa quis derrubar. Fundando-se no mundo cristão, excluía o sultão otomano, apesar de o Czar desejar que o sistema abarcasse a França e a Espanha. Segundo Duroselle (1976, p. 5), “a ‘Santa Aliança’, produto dos sonhos do Czar tinha pouca consistência, e que a verdadeira realidade era a Quádrupla Aliança, assinada secretamente a 20 de novembro de 1815 entre a Rússia, a Inglaterra, a Áustria e a Prússia, contra a França.” Mapa 12: O Congresso de Viena (1815)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix1.html Até 1830, o equilíbrio europeu foi assegurado graças aos entendimentos entre Inglaterra, Rússia, Áustria e Prússia – os “Quatro Grandes” – e à estabilização política da França. Como resultado de habilidosa diplomacia, já em 1818 os franceses conseguiram associar-se à política de garantia da ordem na Europa. Estava estruturado o Concerto Europeu, por meio do qual as Grandes Potências europeias conduziriam o continente por décadas. O equilíbrio de forças entre Inglaterra, Rússia, Áustria, Prússia e França garantia a estabilidade, uma vez que nenhum desses Estados ou qualquer outro país europeu era suficientemente poderoso para enfrentar sozinho uma coalizão formada pelos demais. Assim, estabelecia-se um verdadeiro consórcio entre as Grandes Potências europeias, que lhes permitiu projetar seu poder sobre toda a Europa e pelo mundo. O século XIX seria o século da Paz na Europa e da hegemonia europeia sobre todo o planeta. A partir de 1815, a ação dos países europeus intensificou-se em escala mundial. A Inglaterra, por exemplo, divulgava mais e mais o liberalismo político e econômico, e a expansão desses ideais liberais foi um dos objetivos da política externa inglesa no século XIX, pela qual os britânicos atuaram, direta ou indiretamente, na independência das colônias espanholas e portuguesas na América e na organização dessas novas nações americanas. Da mesma forma, os russos cada vez mais se preocupavam com a decadência e o fatiamento territorial do Império Otomano. Isso explica, em grande parte, a concorrência e a inimizade que iriam marcar as relações entre Inglaterra e Rússia em boa parte do século XIX. A Europa que emergiu do Congresso Viena estava ansiosa pela eliminação dos traços da Revolução Francesa. Era uma Europa legitimista, clerical, desigual, aristocrática e, principalmente, reacionária. Importante registrar, no entanto, que o fantasma de 1789 não desapareceu. Intelectuais, trabalhadores, liberais, democratas, burgueses estavam descontentes com o restabelecimento do Antigo Regime. Sob diversos matizes ideológicos, o século XIX testemunhou um longo desenrolar de revoluções. pág. 08
O Século das Revoluções A Europa pós-Congresso de Viena foi marcada pelo equilíbrio de poder entre os Estados europeus, o que permitia certa estabilidade no cenário internacional. Apesar desse quadro de tranquilidade, o século XIX foi tempo de revoluções tanto políticas quanto econômicas. Politicamente, houve três grandes ondas revolucionárias: 1820, 1830 e 1848. O período entre 1817 e 1850 foi época de crise econômica e baixa de preços, ou seja, período de grande tensão. As grandes ondas revolucionárias de 1830 e 1848, bem como as investidas contrarrevolucionárias, estão indicadas nos Mapas 13 a 15. A onda revolucionária de 1830 marca a derrota definitiva dos aristocratas pelo poder burguês na Europa Ocidental e o triunfo do liberalismo moderado. Propagou-se o sistema parlamentar (com inspiração no modelo britânico) de qualificação por propriedade (voto censitário) sob monarquias constitucionais. No Mapa 13, as estrelas em amarelo apontam as insurreições, as setas pretas a propagação da onda revolucionária, e as setas vermelhas os movimentos de repressão dessa onda. Mapa 13: As revoluções de 1830
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix4.html
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A França era o ponto de irradiação, dada a classe média liberal e radical que se formara com o movimento jacobino na época da Revolução Francesa. Em 1830, também já era possível notar o aparecimento de uma classe operária como uma força política autoconsciente e independente, que começava a reunir os jacobinos mais extremados. Já em 1848, a agitação popular tornava-se contrária à classe média liberal (o “perigo vermelho”). No Mapa 14, as setas vermelhas indicam a difusão da nova onda revolucionária francesa e, as setas verdes, a difusão da onda austríaca. As estrelas vermelhas e verdes apontam os centros revolucionários.
Mapa 14: As Revoluções de 1848
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix5.html Os radicais ficaram desapontados com o fracasso dos franceses em desempenhar o papel de libertadores internacionais. Esse desapontamento, junto com o crescente nacionalismo da década de 1830 e a nova consciência das diferenças nos aspectos revolucionários de cada país, despedaçou o internacionalismo unificado (centrado na França) a que os revolucionários tinham aspirado durante a Restauração (o pós-1815). Em 1848, as nações de fato se sublevaram separadamente. pág. 10
Os radicais, os republicanos e os novos movimentos proletários se retiraram da aliança com os liberais, dado que o liberalismo moderado se tornara hostil em razão do seu maior medo, a república social e democrática (em oposição à monarquia constitucional), a qual era, nesse momento, o slogan da esquerda. No Mapa 15, os quadrados indicam os centros de contrarrevolução e as setas o movimento da contrarrevolução. Mapa 15: A Contrarrevolução de 1848
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix6.html De uma forma geral, as revoluções de 1848 foram revoluções sociais de trabalhadores pobres. Quando se viram diante da revolução “vermelha” (ameaça à propriedade), os moderados liberais e os conservadores se uniram. Os trabalhadores ficaram isolados diante da união de forças conservadoras e ex-moderadas aliadas ao velho regime. Com essa aliança, os regimes conservadores restaurados estavam preparados para fazer concessões ao liberalismo econômico. A década de 1850 viria a ser, de fato, um período de liberalização sistemática: fim da legislação de guildas e liberdade para se praticar qualquer forma de comércio; fim do severo controle estatal sobre a mineração; realização de uma série de tratados de livre-comércio etc. Nesse momento, a burguesia deixava de ser uma força revolucionária. Esses fatos abriram o caminho para a Revolução Industrial a partir da segunda metade do século XIX (vários autores se referem a ela como
“Segunda Revolução Industrial”, para distingui-la do avanço industrial no século XVIII). Com a retirada da nobreza e a diversificação das formas de se fazer dinheiro (início da chamada haute finance – conjugação dos capitais comercial e financeiro), as décadas de 1850 e 1860 foram prósperas e capazes de incorporar os cidadãos instruídos ao mercado de trabalho. pág. 11
De 1850 até pelo menos 1873, o tempo foi de prosperidade. Como observa Duroselle (1976, p. 21), a prosperidade, “interrompida por alguns recessos, rompe o ímpeto revolucionário. Este só voltará a ressurgir na França em 1869 aproximadamente. Com um nível de vida momentaneamente acrescido, as massas toleram mais facilmente o jugo, se tiverem a impressão de que o poder favorece a expansão.”
Em termos gerais, em 1850, a ameaça revolucionária estava encerrada. Os partidários da ordem estabelecida saíram vitoriosos. Em parte, o fracasso revolucionário de 1848 se deveu ao “perigo vermelho”. Na França, Napoleão III ascendeu ao poder, criando o II Império. A outra grande revolução europeia foi de natureza econômica, como já referido, com a Revolução Industrial. Após 1850, a economia europeia se expandiu com rapidez. Novas máquinas e novas tecnologias apareceram por toda parte.
Napoleão III (1808-1873) foi o criador do Segundo Império francês na metade do século XIX. Governou entre 1852 e 1870, até sua derrota na Guerra Franco-Prussiana. Carlos Luís Napoleão Bonaparte era sobrinho de Napoleão I. Eleito presidente da nova República Francesa, deu um golpe de estado em 1851, que lhe permitiu assumir poderes ditatoriais e transformar a Segunda República no Segundo Império. Entre as ações de política externa de Napoleão III estão a intervenção na Guerra da Crimeia, o apoio ao Piemonte nas guerras que enfrentou como consequência da unificação italiana e a promoção e instalação de um efêmero Império no México, na pessoa de seu sobrinho, Maximiliano da Áustria. Em 1870, por ocasião da Guerra Franco-Prussiana, a derrota do Exército francês na batalha de Sedan provocou o aprisionamento do Imperador, cujo regime foi derrotado.
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A Revolução Industrial modificou toda a sociedade europeia. Se na sociedade pré-industrial do século XVIII a agricultura ainda era o centro das atividades humanas, no século XIX a vida se deslocava progressivamente para as cidades e para as indústrias. Simultaneamente, o poder, a influência e os valores da aristocracia perderam força. Em seu lugar, ganharam importância o dinheiro e a capacidade individual. A modernização da sociedade colaborou, também, para a progressiva universalização do voto e para a secularização da sociedade. Por fim, a tecnologia ampliou a diferença entre o Ocidente e as demais regiões do mundo. O Mapa 16 ilustra a Europa do século XIX sob plena efervescência da revolução industrial. O mapa destaca as minas de carvão (em marrom), em torno das quais se desenvolveram centros siderúrgicos (em vermelho) e industriais (em roxo). Também na base da revolução industrial estava a indústria têxtil, cujos centros são destacados em azul. O mapa registra, ainda, as principais cidades industriais e os centros financeiros (quadrados verdes). Mapa 16: A Europa Industrial no Século XIX
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix3.html
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Procure se informar mais sobre a Revolução Industrial, processo que alterou definitivamente os rumos da História e a partir do qual as relações internacionais seriam redefinidas, com o poder se concentrando cada vez mais nas nações ditas "industrializadas".
Livro indicado
Um livro interessante sobre o século XIX e a Revolução Industrial é Germinal, de Émile Zola. Amplamente considerada a obra máxima de Émile Zola, Germinal (1885) elevou a estética e a descrição naturalistas a um novo patamar de realismo e crueza. O romance é minucioso ao descrever as condições de vida subumanas de uma comunidade de trabalhadores de uma mina de carvão na França. Após ter contato com ideias socialistas que circulavam pela classe operária europeia, os mineradores retratados na obra revoltam-se contra a opressão e organizam uma greve geral, exigindo condições de vida e trabalho mais favoráveis. A manifestação é reprimida e neutralizada, entretanto permanece viva a esperança de luta e conquista.
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Divisão da Europa – Nacionalidade X Legitimidade A Europa de 1815 foi construída sobre o princípio de que era essencial preservar o continente de uma possível ameaça francesa. Assim, no redesenho do mapa continental, o princípio da nacionalidade fora deixado em segundo plano. Nem por isso, no entanto, inexistia a afirmação da nacionalidade. O nacionalismo foi um dos filhos das ondas revolucionárias da primeira metade do século XIX. O nacionalismo se propagou a partir da classe média e teve nas escolas e nas universidades seus grandes defensores. Vários movimentos nacionalistas jovens começaram a se espalhar a partir das revoluções de 1830: a Jovem Itália, a Jovem Polônia, a Jovem Suíça, a Jovem Alemanha, a Jovem França e a Jovem Irlanda. Parte da onda nacionalista vinha dos escombros do Império Otomano, o qual, nas palavras do Czar, era o ancião enfermo da Europa. Progressivamente, o Império Otomano foi perdendo terras para austríacos, russos e para nações que iam surgindo de suas fraquezas. A primeira delas foi a Grécia, cuja independência foi tema de preocupação durante toda a década de 1820. Finalmente independente em 1830, serviu como exemplo para muitos outros: a Sérvia, alguns anos depois, conquistava autonomia, e, em 1856, Romênia e Bulgária se tornaram independentes.
O Império Otomano existiu aproximadamente de 1300 a 1922 e, no período de maior extensão territorial, abrangeu três continentes: da Hungria, ao norte, até Aden, ao sul, e da Argélia, a oeste, até a fronteira iraniana, a leste, embora centrado na região da atual Turquia. Por meio do Estado vassalo do janato da Crimeia, o poder otomano também se expandiu na Ucrânia e no sul da Rússia. Seu nome deriva de seu fundador, o guerreiro muçulmano turco Osman (ou Utman I Gazi), que fundou a dinastia que governou o império durante sua história.
No restante da Europa, no entanto, apenas a Bélgica se tornou independente da Holanda, em 1830. Para isso, assumiu o caráter de nação neutra, com aval das Grandes Potências. A neutralidade belga, garantida pela Grã-Bretanha, seria violada em 1914 pelo avanço alemão contra a França e contribuiria para que Londres declarasse guerra a Berlim. Outras tentativas de independência no continente europeu fracassaram. A Polônia não conseguiu a autonomia diante da Rússia (1830), e a Hungria alcançou uma semi-independência em relação à Áustria (1867). Dos movimentos nacionais de afirmação, os mais importantes foram os da Itália e da Alemanha, países que se unificaram a partir da segunda metade do século. De fato, a unificação da Itália e, sobretudo, a da Alemanha, seriam acontecimentos importantes para alterar o equilíbrio de poder na Europa estabelecido pelo Concerto Europeu, e afetariam diretamente as relações internacionais do período, culminando nos processos que levaram à I Guerra Mundial. Os processos de unificação da Itália e da Alemanha podem ser percebidos no Mapa 17 (a seguir).
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A Unificação da Itália A unificação da Itália foi resultado de uma habilidosa política externa e do aproveitamento das oportunidades quando elas surgiram. O artífice desse processo foi Cavour, primeiro-ministro do Estado do Piemonte (norte da península itálica). Ele conseguiu, graças às alianças com Napoleão III, um aliado contra os austríacos que ocupavam o norte da
Camillo Benso, conde de Cavour (1810-1861), político italiano, foi Presidente do Conselho em 1852. Aliou-se a Napoleão III contra a Áustria, porém este firmou a paz em 1859 sem consultá-lo. Cavour demitiu-se quando Victor
Itália. A sua primeira vitória se deu em 1858. Em troca da cessão da cidade de Nice e da região de Saboia, Cavour obteve a promessa de auxílio da França ao Piemonte em uma eventual guerra deste contra a Áustria. Por ocasião do conflito, entretanto, a ajuda francesa seria menor do que o esperado, e Napoleão III, receoso das possíveis implicações que uma aliança contra a Áustria poderia ter, acabou retirando seu apoio antes do esperado. Mesmo assim, o Piemonte se viu vencedor e aumentou seu território com a conquista da Lombardia.
Emanuel II, Rei da Sardenha, aceitou as condições do Imperador francês. No início de 1860, ajudou Giuseppe Garibaldi na conquista do Reino das Duas Sicílias. Conseguiu a proclamação do Reino da Itália em 17 de março de 1861 e de Vítor Emanuel II como seu primeiro soberano.
Mapa 17: Unificação da Itália e da Alemanha no Século XIX
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix7.html Posteriormente, pequenos Estados italianos – Parma, Módena, Toscana e Romanha – votaram pela união com o Piemonte. Com as conquistas do sul da península, foi proclamado o reino da Itália, em 1861. Faltavam, porém, a cidade de Roma e o Vêneto. Só em 1866 La Vénétie foi incorporada, como recompensa pelo apoio dos italianos aos prussianos durante a guerra contra a Áustria. Roma, por fim, foi ocupada em 1870, quando os franceses retiraram os seus soldados da cidade em razão da Guerra Franco-Prussiana. Com a anexação de Roma e dos Estados Papais, estava consolidada a unificação da Península Itálica sob uma única autoridade: o Reino da Itália.
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A Unificação da Alemanha Não seria temerário afirmar que a unificação da Alemanha, ocorrida em 1871, foi, após o Congresso de Viena, o evento mais importante da política internacional do século XIX. A unificação alemã provocou o desmoronamento dos fundamentos do equilíbrio internacional surgidos em 1815 e levou a política internacional ao retorno às lutas irrestritas do século XVIII. Ademais, seus efeitos estariam diretamente relacionados com eventos marcantes do século seguinte, como a I e a II Guerras Mundiais, a Guerra Fria e a integração europeia. O principal temor dos franceses do século XVII era a unificação alemã. Richelieu, por exemplo, via na Alemanha unificada uma ameaça potencialmente mais perigosa para a França. A unificação, entretanto, somente foi possível porque a Prússia conseguiu, ao longo de 150 anos, construir um Estado forte o bastante para que pudesse, no fim do século XIX, almejar a preponderância entre os Estados alemães.
Também não se pode esquecer a ação de Bismarck, primeiro-ministro prussiano que soube, por meio de uma política interna autoritária e uma política externa cuidadosa e pragmática, unificar a Alemanha. A maneira racional, pragmática e calculada como Bismarck conduziu a política alemã ficou conhecida como Realpolitik. Assim, externamente, o Chanceler prussiano foi bem-sucedido em três guerras. Junto com a Áustria, atacou e conquistou territórios da Dinamarca, em 1864. Dois anos depois, a luta pelos espólios dessa conquista fez com que os austríacos declarassem guerra à Prússia. Vencedores, os prussianos conseguiram afastar a Áustria dos assuntos alemães. Continuando com a sua Realpolitik e derrotada a Áustria, Bismarck conquistou territórios e forçou os Estados alemães menores a se aliarem a ele. Em 1871, sabedor de sua vantagem militar, Bismarck provocou os franceses. Estes declararam guerra e foram rapidamente derrotados. Como vitória, Bismarck conseguiu o apoio suficiente de que necessitava para que os outros Estados alemães aceitassem integrarse à Prússia, formando o Império Alemão, ou Segundo Reich.
Otto von Bismarck (1815-1898), o “Chanceler de Ferro”, foi o grande artífice e primeiro chanceler do segundo império alemão. Seu pai era um latifundiário de origem nobre, e sua mãe pertencia à burguesia. Em sua personalidade, fundiam-se a sutileza intelectual e o provincianismo da aristocracia conservadora. Entrou na política em 1847. Como delegado da primeira Dieta prussiana, destacou-se como um dos mais férreos conservadores. Quando eclodiu a Revolução de 1848, foi para Berlim e pediu que o rei Frederico Guilherme IV reprimisse a sublevação. Seu conselho não foi levado em consideração, mas sua lealdade foi recompensada ao ser nomeado representante prussiano na Confederação Germânica, a liga dos 39 estados alemães, em 1851. Passou a ser embaixador na Rússia em 1859 e foi designado para a França em 1862. Designado Chanceler prussiano no mesmo ano, procedeu com uma série de reformas internas e deu início à sua Realpolitik, que garantiria a vitória sobre Grandes Potências europeias, como a Áustria e a França, e conduziria à unificação alemã. Em 1890,
desentendeu-se com o Kaiser (ou Imperador) em virtude do direcionamento da Política Externa do Reich, sendo demitido e deixando a vida pública.
Depois da unificação, a Alemanha desenvolveu-se de maneira significativa, sobretudo nas áreas industrial e militar. Em três décadas, o país já se mostrava a principal Potência do continente em desenvolvimento industrial e tecnológico, superando a França. Ademais, com uma intensa política de construção naval, logo as marinhas mercante e de guerra alemãs ameaçavam a hegemonia britânica no mundo. Na virada do século, os alemães já deixavam claro que desejavam ocupar seu lugar de destaque entre as Grandes Potências, sendo fundamental para isso o estabelecimento de um império colonial e a conquista de novos mercados pelo planeta. Entretanto, as pretensões do Reich acabariam chocando-se com os interesses das Grandes Potências tradicionais – em especial, Grã-Bretanha e França –, o que levaria a Europa à Primeira Guerra Mundial, em agosto de 1914. pág. 16
Expansão colonial Outro aspecto importante da Sociedade Internacional do século XIX é a nova expansão colonial. Durante todo o século, mas sobretudo em sua segunda metade, desenvolveu-se um processo de conquistas europeias sobre a África e Ásia, denominado Neocolonialismo. Na virada do século, praticamente todo o continente africano, à exceção da Etiópia e da Libéria, estava sob jugo das Potências europeias como parte de seus impérios coloniais. O Neocolonialismo foi a principal expressão do Nacionalismo e do Imperialismo, este último a forma assumida pelo capitalismo a partir da Segunda Revolução Industrial, segundo os globalistas. Os defensores do Estado-nação entendiam o Estado como progressista (capaz de desenvolver uma economia, tecnologia, organização burocrática e força militar viáveis), ou seja, precisava ser pelo menos territorialmente grande. Para a sociedade burguesa moderna, liberal e progressista, a unidade estatal natural deveria ser extensa, daí o decorrente expansionismo colonial. O padrão de programa nacional do século XX seria diferente: Estado totalmente independente, homogêneo territorial e linguisticamente, laico e provavelmente republicano/parlamentar. O sionismo, que refundaria o Estado de Israel, seguiria esse padrão: tomar o território, inventar uma língua e laicizar as estruturas de um povo cuja unidade histórica havia sido apenas a prática de uma religião comum. A concepção nacionalista de Estado do século XIX se casou perfeitamente com os objetivos capitalistas. O domínio das Potências europeias sobre povos dos outros continentes não foi apenas econômico, mas também militar, político e social, impondo à força um novo modelo de organização do trabalho que pudesse garantir, principalmente, a obtenção de matéria-prima para as indústrias europeias. À violência militar e à exploração do trabalho somam-se as imposições sociais, incluindo a disseminação do cristianismo entre os povos nativos, num processo de aculturação, sob a justificativa de que se estaria levando os valores ocidentais da “civilização” aos povos primitivos. Era o “ideal civilizador do homem branco”. Nesse processo mercantil-civilizador, a África foi conquistada e dividida, o mesmo acontecendo com parte da Ásia. Impérios tradicionais como a China sucumbiram à hegemonia europeia. O mundo nunca se mostrara tão eurocêntrico, e as nações europeias efetivamente eram as protagonistas das relações internacionais. O planeta como um todo tornou-se o tabuleiro do jogo de poder entre as Potências europeias.
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Paralelamente ao fornecimento de matéria-prima pelas colônias, os europeus buscavam mercados consumidores para seus produtos em outras partes do mundo, por exemplo, no continente americano. E esses mercados eram disputados pelas Grandes Potências. A partir da segunda metade do século XIX, portanto, as preocupações europeias se tornaram mundiais. As rivalidades se projetavam nos outros continentes. “O século XIX é extraordinariamente dinâmico: vai assistir-se à expansão da Europa pelo mundo, tanto pela ação política dos seus Estados, pelos fluxos migratórios, pelo escoamento das suas economias, como pela sua influência civilizadora.” (PELLISTRANDI, 2000, p. 115). As Grandes Potências europeias cuidavam de estabelecer seus impérios coloniais subjugando os povos dos outros continentes, particularmente da Ásia e da África. O quadro de 1914, conforme ilustra o Mapa 18, seria de um mundo partilhado entre as Potências Europeias, com a Grã-Bretanha e França detentoras dos maiores impérios coloniais. Mapa 18: Impérios Coloniais em 1914
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/xix/xix8.html Especialmente importante é o Congresso de Berlim, em 1885. As razões políticas do imperialismo de final do século XIX eram tão importantes quanto as razões econômicas. Para as nações recém-unificadas – Itália e Alemanha – a obtenção de territórios na África e na Ásia significava prestígio e autorreconhecimento. Para a França, profundamente traumatizada após a derrota de 1871 (na Guerra Franco-Prussiana), as conquistas coloniais eram um meio de readquirir respeito.
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As novas Potências – Estados Unidos da América e Japão A segunda metade do século XIX vê também o aparecimento de dois Atores importantes no jogo político internacional: Estados Unidos da América (EUA) e Japão. Os EUA começaram a se projetar como Potência após a violenta Guerra Civil, travada para impedir a separação dos estados do sul do país. Pouco antes, os norte-americanos haviam consolidado o seu processo de expansão colonial às expensas do México. Além disso, em 1867, compraram da Rússia o Alasca e, após derrotarem a Espanha, em 1898, adquiriram Porto Rico, Filipinas e um virtual controle sobre Cuba. Da mesma forma, o Oceano Pacífico tornava-se uma área de projeção de poder dos EUA. Internamente, os EUA iniciaram um vigoroso processo de industrialização graças a um mercado interno crescente, a uma estrutura tarifária protecionista para afastar a concorrência estrangeira, a uma estrutura estável de comércio e ao grande número de inovações tecnológicas. Em 1914, às vésperas da I Guerra Mundial, o país já era, de longe, a principal Potência industrial do planeta. Sobre a situação dos EUA frente a outras potências na virada do século, vide Paul Kennedy, op.cit. O Japão é outro exemplo de rápido crescimento econômico. Até 1854, mantivera-se fechado ao exterior. Nesse ano, uma esquadra norteamericana forçou o país a abrir-se e aceitar o comércio com o exterior. “Decidido a preservar a independência do país, um grupo de samurais (...) tomou o governo. A Restauração Meiji de 1867, como ficou conhecido esse episódio, devolveu o poder ao imperador” (PERRY, 1999, p. 473). Inspirado por uma forte ideologia nacionalista, o governo Meiji iniciou um importante conjunto de reformas: os privilégios sociais foram eliminados, o serviço militar obrigatório foi implantado, uma Constituição foi elaborada, e passou a existir parlamento. Além disso, a economia foi rapidamente modernizada. Fábricas foram instaladas, tecnologia europeia foi comprada, ferrovias, portos, estradas e telégrafos instalados. Em menos de 20 anos, o novo poder japonês dava sinais de existência: em 1894, derrotava a China, e, em 1905, a Rússia. Na Guerra Russo-Japonesa (1904-1905), pela primeira vez na era moderna uma Potência do Oriente derrotava um poderoso Estado europeu.
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O Estado-nação O Estado-nação é o resultado moderno da experiência de formação e construção do Estado desde Westfália e pressupõe a formação propriamente dita de uma burocracia (no sentido de separação dos meios administrativos dos patrimônios particulares dos agentes da administração). Testemunhou-se um processo de racionalização da atividade estatal. A relação entre poder político e território sofreu uma revolução, com uma completa transformação das relações do poder político central com as múltiplas tradições locais – o estabelecimento de uma única lei, uma única língua, uma única política fiscal e preceitos políticos uniformes para todo um território. Havia razões políticas e econômicas por trás desse processo. De um lado, a necessidade de um contrato social voltado para a “coisa pública”, em que os “objetivos públicos” deixariam de ter nos corpos estamentais de privilégios os intermediários da ação político-administrativa estatal; e, de outro, a necessidade de facilitar a circulação dos bens num território, através da redução, simplificação e uniformização do sistema tributário (com a superação da fragmentação legislativa e do patrimonialismo fiscal), e de estimular o equilíbrio entre as regiões de um Estado e o aumento das trocas inter-regionais. Uma das consequências desse processo foi a anulação sistemática das tradições locais de vários povos; ou seja, a partir das várias identidades dever-se-ia inventar uma identidade nacional que integrasse a população em novos referenciais de pertencimento, de associação. Assim, os vários Estados buscaram constituir internamente suas nações. A mesma demanda conjuntural ocorria nas grandes massas territoriais e étnicas do centro-leste europeu (Império Prussiano, Império Austro-Húngaro e Império Russo). Todos passaram a buscar pelo caráter de sua nação e a
igualmente se perguntar se de várias nações era possível formar um espírito comum. Enfim, construir um Estado-nação significou, do século XIX ao XX, não apenas desenvolver uma economia e uma organização econômico-político-militar viável, mas também agrupar vários grupos sociais localmente circunscritos com suas línguas, tradições, costumes e leis próprias num grande agrupamento social politicamente representado e juridicamente nivelado por um Estado laico regido por um conjunto geral de leis soberanas – a Constituição. Estados constitucionais e não constitucionais aprenderam a avaliar a força política que era a capacidade de apelar para seus súditos na base da nacionalidade (o Czar da Rússia não apenas baseava seu governo nos princípios da autocracia e da ortodoxia como passou a apelar aos russos como russos na década de 1880). A escola primária passou a ser o meio de se ensinar às crianças a serem bons súditos e cidadãos. Os Estados criaram nações, ou seja, o patriotismo nacional, e cidadãos linguística e administrativamente homogeneizados (a Itália usou a escola e o serviço militar para fazer italianos, os EUA tornaram o conhecimento da língua inglesa condição para a cidadania americana, a Rússia tentou dar à língua russa o monopólio da educação, com o fim de “russificar” as nacionalidades menores). Esse processo auxiliava a definir as nacionalidades excluídas da nacionalidade oficial, que, caso contrário, poderiam vir a oferecer resistência e a se refugiar em algum partido socialista. Esse era o pano de fundo para um século “de extremos”, o século XX, em que os principais Atores internacionais se confrontariam numa intensidade nunca antes vista na história da Sociedade Internacional. pág. 20
Síntese
O período de 1815 a 1914, quando comparado aos séculos anteriores e ao século XX, foi de relativa paz para a Europa. Excetuando-se a Guerra da Crimeia (1854), não existiram grandes conflitos entre as principais potências. O sistema de equilíbrio de poder estabelecido no Congresso de Viena mostrou-se bastante bem-sucedido e só foi desarticulado a partir do momento em que Bismarck conseguiu unificar a Alemanha. Após 1871 e especialmente após 1890, a Europa viveu tempos de incerteza. A guerra voltou a ser considerada alternativa cada vez mais provável. França e Alemanha não poderiam se reconciliar por causa da Alsácia-Lorena, território que a primeira perdera para a segunda na Guerra Franco-Prussiana de 1870-1871. França e Inglaterra estavam envolvidas em um grande processo de divisão colonial na África. A Inglaterra e a Rússia, por causa da Índia e da Ásia Central, encontravam-se em permanente estado de tensão. Na Ásia, uma nova Potência surgia: o Japão. Além disso, a mais complexa das áreas de conflito não pode ser esquecida: os Bálcãs. Ali, os interesses contraditórios de Áustria-Hungria, Rússia, Sérvia e Império Otomano fomentavam uma rivalidade crescente. Uma disputa de poder daria início à I Guerra Mundial (1914-1918), que, por sua vez, poria fim à “Era dos Impérios”.
Livro indicado
A Era dos Impérios, de Eric Hobsbawm (Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988), é obra fundamental para a compreensão do período que antecede a I Guerra Mundial e no qual se consolida a hegemonia europeia no mundo.
Avaliação Objetiva
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Unidade 3 - A I Guerra Mundial e os Entre-Guerras
Aqui, na terceira unidade do Módulo II, além da Primeira Guerra Mundial, tema principal, serão abordados o período Entre-Guerras, o aparecimento de uma Nova Ordem Internacional e a Crise de 29.
Objetivos
Ao final desta unidade, o aluno deverá ser capaz de: identificar os principais fatos que levaram à deflagração da I Guerra Mundial; descrever a dinâmica de desenvolvimento da I Guerra Mundial; explicar a relação entre o Congresso de Versalhes e o estabelecimento de uma nova ordem internacional; deliminar o estabelecimento da Crise de 1929.
Atenção
Esperamos que você tenha um excelente aproveitamento em seus estudos!
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A I GUERRA MUNDIAL Para muitos estudiosos das relações internacionais, o século XX não se inicia em 1901, mas em 1914, com a deflagração do maior de todos os conflitos que o mundo presenciara até então: a I Guerra Mundial. Durante muito tempo chamado de a Grande Guerra, esse conflito, que durou de 1914 a 1918, iniciou-se na Europa e acabou envolvendo outras nações do globo, inclusive novas Potências emergentes que não pertenciam ao continente europeu, com destaque para os EUA e o Japão.
Nunca se havia tido um conflito tão destrutivo e arrasador como a I Guerra Mundial. Trata-se do primeiro grande confronto internacional da era industrial. Foi maciço o uso das ferrovias, e “os caminhões se tornaram tão importantes quanto os cavalos no abastecimento de soldados no campo” (ROBERTS, 2002, p. 681). Pela primeira vez, foram empregados de maneira efetiva novos equipamentos de combate, como o avião e o tanque de guerra. Também foram utilizados, por ambos os lados em luta, gases letais, responsáveis por milhares de baixas. http://www.brasilescola.com/
Ao final do conflito, o sistema internacional mudaria definitivamente. A Europa sofreria intensa destruição, os impérios coloniais começariam a ruir, e a hegemonia europeia no mundo daria seus últimos suspiros. A Sociedade Internacional se apresentaria ainda mais complexa e com novos Atores não europeus a ditar suas regras. A Belle Époque seria apenas nostalgia. Pág. 02
Causas da Grande Guerra Crise e incerteza. Esses eram os sentimentos que dominavam a Europa após 1890. Essa data não é aleatória. É o ano em que Bismarck deixa de ser o Chanceler alemão. Bismarck sabia muito bem o que queria: manter a França permanentemente enfraquecida e sem chances de revanche, além de afastada das preocupações territoriais. Seus sucessores, especialmente o Kaiser Guilherme II, não tinham planos nesse sentido, ou, se os tinham, eram confusos, erráticos e provocativos. A isso se somava o fato de que cada país europeu tinha a sua lista de reivindicações.
Convém lembrar que a França havia sido derrotada na Guerra Franco-Prussiana, duas décadas antes.
Entre outras consequências, A França não esquecia a perda da Alsácia-Lorena para a Alemanha. Tal fato era o motor do havia perdido o território da nacionalismo francês. Além disso, preocupada em recuperar prestígio, a França lançou-se, com todas Alsácia-Lorena para os alemães. as suas forças, na corrida colonial. As décadas que se seguiram à derrota francesa foram marcadas A Rússia buscava expandir-se na Ásia Central, no Extremo Oriente e nos Bálcãs. Como resultado dessa por um profundo sentimento política, atritou-se com os ingleses na disputa pelo Afeganistão, com o Japão (guerra em 1905), e revanchista, pela baixa estima permanecia em constante estado de tensão com os austríacos e com os otomanos pela hegemonia da francesa e pelo desejo de ver a península balcânica. Alemanha subjugada a qualquer custo.
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Os britânicos, por sua vez, temiam as ambições russas na Ásia Central e as pretensões coloniais francesas na África. Passaram, também, a temer cada vez mais os alemães, principalmente depois que estes ensejaram uma política de construção naval em 1897. Além disso, a Alemanha unificada revelou-se formidável concorrente econômica, superando os ingleses em áreas como química, siderurgia e energia, mostrando-se, por fim, a partir da queda de Bismarck, mais e mais interessada em estabelecer um império colonial e disputar espaço com outros países europeus na África e Ásia. A Áustria-Hungria era percebida, assim como a Rússia e o Império Otomano, como a Potência decadente da Sociedade Europeia. Cercados por todos os lados, os austríacos tinham interesses conflitantes com os russos e com os eslavos da península balcânica. Além disso, sendo um país multiétnico, o Império Austro-Húngaro defrontava-se com crescentes pressões domésticas das minorias internas que desejavam maior autonomia. Cada vez mais, a Áustria-Hungria sustentava sua segurança no apoio da Alemanha. Tratados de não agressão e assistência recíproca foram celebrados entre os dois Estados germânicos nos anos anteriores à I Guerra Mundial. O temor de Bismarck de ver a Alemanha ameaçada nos fronts oriental e ocidental tornou-se realidade, em grande parte, em virtude da política externa de Guilherme II. Preocupado em mostrar-se forte e influente, mas sem a habilidade política de Bismarck, o Kaiser acabou atraindo para si muitos inimigos. Grã-Bretanha, França e Rússia se aliaram, principalmente, para fazer frente ao poderio alemão. Para agravar a situação, as políticas governamentais nas Potências europeias eram ditadas por ânimos nacionalistas e não havia nenhuma instituição internacional que pudesse mediar conflitos. O Congresso de Viena há muito deixara de ter importância e nada de significativo surgira em seu lugar. É verdade que existia, desde 1899, a Corte Internacional de Justiça de Haia. Infelizmente, no entanto, ela se mostrou ineficaz. A paz anterior a 1914 era obtida pelas ameaças mútuas, e não pelas decisões da Corte de Haia. A guerra, por sua vez, era articulada por meio de alianças secretas entre as Potências: era a diplomacia secreta que marcava as relações internacionais da Europa até a I Guerra Mundial. Acrescente-se a isso o recrudescimento dos discursos nacionalistas, como o pan-germanismo e o pan-eslavismo, que pregavam a reunião dos povos de etnia germânica e eslava, respectivamente, em uma só nação, ou a coalizão dos Estados de uma mesma etnia contra ameaças de Estados de outras. Esses movimentos também questionavam a existência de impérios multiétnicos como o Otomano, o Austro-Húngaro e mesmo o Russo, e defendiam a independência dos povos sob o jugo de Viena, Constantinopla e São Petersburgo. Outra forma de nacionalismo era o francês, com forte viés revanchista contra a Alemanha e desejoso de recuperar a “grandeza da França”. As minorias nacionais como se encontravam na Europa de 1914 podem ser vistas no Mapa 19. Mapa 19: A Europa de 1914 – Minorias Étnicas
Vídeo
Ainda sobre a Grande Guerra, indica-se Coronel Redl, de István Szabó, que mostra o funcionamento do exército austro-húngaro às vésperas da Primeira Guerra. Preste atenção no modo como a organização militar se fundava em valores como tradição e separação em classes.
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Assim, as relações internacionais às vésperas da I Guerra Mundial eram marcadas pela disputa entre as Grandes Potências por mercados e pelo interesse das novas Potências, em especial a Alemanha e a Itália, de possuírem impérios coloniais e de se equipararem às principais Potências coloniais europeias. Também caracterizava as relações internacionais anteriores à Grande Guerra uma significativa corrida armamentista entre os principais Atores europeus, com rivalidades que afloravam entre eles e refletiam-se em um sistema de alianças estabelecidas, na maior parte das vezes, por meio da diplomacia secreta. As diferenças entre as Potências eram, ademais, significativas. Na arena europeia havia novas Potências, como a Alemanha e a Itália, que desejavam ampliar seu poder e tinham interesses conflitantes com as Grandes Potências tradicionais e ainda poderosas Grã-Bretanha e França, que buscavam manter-se na liderança da Sociedade Internacional a qualquer custo. Havia, ainda, os grandes impérios em decadência – o Império Russo, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano – que, em virtude das dificuldades domésticas, em especial dos movimentos nacionalistas separatistas em seu interior, viam-se enfraquecidos demais para permanecerem, ainda durante muito tempo, em condição de igualdade com a Grã-Bretanha, a França e a Alemanha. No início do século XX, a estrutura do Concerto Europeu fora definitivamente substituída pela política de alianças. De um lado, ainda sob a articulação de Bismarck, as chamadas Potências Centrais – Alemanha e Áustria – assinaram com a Itália, em 1882, o Tratado da Tríplice Aliança, que dava a cada parte garantia de assistência das demais em caso de ataque por uma Potência externa. Como resposta à Tríplice Aliança, franceses, britânicos e russos constituíram a Tríplice Entente, a qual reuniria as Potências aliadas na Grande Guerra. A Europa, antes de 1914, viu-se, pois, em uma série de crises. Após sobreviver a duas ou três realmente graves, o assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono austro-húngaro, foi o estopim que deu início ao conflito. A Áustria considerou o assassinato a oportunidade ideal para resolver, de forma definitiva, os problemas com a Sérvia. Sob a alegação de que o governo sérvio era responsável pelo assassinato, fez uma série de exigências. Em suas exigências, os austríacos contavam com o apoio irrestrito do Kaiser alemão. Sobre o conflito... Em 28 de junho de 1914, o arquiduque Francisco Ferdinando e sua esposa foram assassinados por um nacionalista sérvio quando visitavam a cidade de Sarajevo, que se encontrava em uma região conturbada do Império AustroHúngaro
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A Sérvia, por sua vez, como país eslavo, acreditava que contaria com o apoio da Rússia. Como em um dominó, o sistema de alianças fez com que a guerra entre austríacos e sérvios atingisse, também, alemães e russos. Estes últimos, graças a outra aliança, atraíram para o conflito os franceses. Os ingleses entraram na guerra para defender a Bélgica, país que fora invadido pelos alemães. Assim, um sistema de alianças rígido e um sistema de mobilização militar conduziram os europeus para a Guerra. De um lado, estavam Inglaterra, França, Rússia e Sérvia. De outro, Alemanha e Áustria-Hungria. Durante o desenrolar do conflito, muitos outros países se envolveriam. O Mapa 20 retrata essas alianças às vésperas da I Guerra Mundial. Mapa 20 : A Europa de 1914 – As Alianças
Fonte: http://www.geografiaparatodos.com.br/index.php?pag=mapastematicos
Sobre a Guerra... As hostilidades se iniciaram quando, diante da ineficácia das gestões diplomáticas, a Áustria declarou guerra à Sérvia, em 28 de julho de 1914. A Rússia, aliada dos sérvios, mobilizou-se contra a Áustria, e a Alemanha, aliada do Império Austro-Húngaro, declarou guerra à Rússia em 1.º de agosto. As tropas alemãs cruzaram a fronteira de Luxemburgo, em 2 de agosto, e, no dia seguinte, 3 de agosto, a Alemanha
declarou guerra à França, a qual era aliada da Rússia. O governo britânico declarou guerra à Alemanha no dia 4 de agosto, em virtude de os alemães terem violado a neutralidade belga, da qual os ingleses eram garantes. A Itália permaneceria neutra até 23 de maio de 1915, quando, então, declarou guerra à Áustria-Hungria. O Japão declarou guerra à Alemanha em 23 de agosto de 1914 e, em 6 de abril de 1917, os Estados Unidos fizeram o mesmo.
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A Guerra Inicialmente, os que iam para o front acreditavam que a guerra terminaria em poucas semanas. Não é falso dizer que os soldados, de ambos os lados, iam para a guerra entusiasmados pelo fervor nacionalista, acreditando que alcançariam vitória fácil e rápida. Infelizmente, no entanto, o conflito acabou por ser longo e penoso. As operações militares na Europa se desenvolveram em três frentes: a ocidental ou franco-belga, a oriental ou russa e a meridional ou sérvia. Posteriormente, surgiriam novas zonas de combate, com a intervenção do Império Otomano, da Itália e da Bulgária. Durante décadas, cada um dos países fez planos detalhados. Os alemães, por exemplo, tinham o famoso Plano Schlieffen. Elaborado pelo general Schlieffen, previa o pior cenário possível: uma guerra em dois fronts – um contra a França, outro contra a Rússia. Para o sucesso do plano, era necessária uma rápida vitória contra os franceses, para, depois, vencer a Rússia. Temerário, arriscado e de difícil execução, o plano acabou por fracassar. A almejada rápida vitória contra os franceses acabou transformando-se na estática guerra de trincheiras, que durou a maior parte dos quatro anos de conflito. Os russos assumiram a ofensiva, na frente oriental, no início da guerra, mas foram detidos pelos exércitos austríacos e alemães. Em 1915, as Potências Centrais haviam conseguido expulsar os russos da Polônia e da Lituânia e tinham tomado todas as fortalezas limítrofes da Rússia, que ficou sem condições de empreender ações importantes por falta de homens e de suprimentos. O fracasso na guerra contribuiria para o aumento da crise político-institucional interna da Rússia, que culminaria na deposição do czar, no estabelecimento de um governo republicano e na revolução bolchevique de outubro de 1917. O Império Otomano entrou na guerra em 29 de outubro de 1914, ao lado dos alemães e austríacos. Os turcos iniciaram a invasão da zona russa da cordilheira do Cáucaso em dezembro. O governo russo pediu auxílio aos britânicos, que tentaram tomar o Estreito de Dardanelos. Porém, a Campanha de Gallípoli, como ficou conhecida a ação, resultou em fracasso total para as tropas aliadas, que foram tenazmente derrotadas pelos turcos. pág. 07
Nos Bálcãs, em 1915, os austríacos, com apoio dos búlgaros, conseguiram derrotar e ocupar a Sérvia. Eclodiram duas lutas na região em 1916: o ataque conjunto de sérvios e italianos às forças búlgaras e alemãs e uma ofensiva aliada sobre a Macedônia. O triunfo obtido pelos alemães contra os russos e sérvios, em 1915, deu-lhes condições de concentrarem suas operações na frente ocidental. Desencadearam a batalha de Verdun em 21 de fevereiro, mas não conseguiram conquistar esta cidade devido à contraofensiva do general francês Henri Philippe Pétain. Os aliados contra-atacaram, por sua vez, na batalha do Somme, iniciada em 1º de julho e na qual os britânicos usaram pela primeira vez carros de combate modernos. Os franceses empreenderam nova ofensiva em outubro, restabelecendo a situação que existia antes de fevereiro. Todos esses movimentos podem ser vistos no Mapa 21. Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun7.html Essas batalhas de 1916 já revelavam quão assustadoramente mortífera seria a Grande Guerra: nos cinco meses da batalha de Verdun, “os exércitos franceses e alemães sofreram mais de seiscentas mil baixas (mortos, feridos e desaparecidos) e, no primeiro dia da batalha do Somme (...), o exército britânico (...) teve vinte mil mortos e quase quarenta mil feridos. No monumento em Thiepval, dedicado aos soldados britânicos mortos em pouco mais de um ano em Somme, há mais de setenta mil nomes, exclusivamente daqueles cujos corpos nunca foram encontrados” (ROBERTS, 2002, p. 682).
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A guerra continuaria estática. Os exércitos dos dois lados acabaram fincando posições que se manteriam por meses. A guerra de trincheiras, com homens com lama até o pescoço, enfiados em valas imundas e sujeitos a doenças, como cólera e tifo, e a ataques da artilharia inimiga, alguns empregando gases letais, seria uma traumática realidade quotidiana pela qual a Grande Guerra seria lembrada. Nesse sentido, a I Guerra Mundial seria distinta de todas as que a precederam e, de fato, também dos conflitos seguintes, nos quais a guerra dinâmica, de velocidade, seria a regra. Em resumo, nos primeiros três anos que se seguiram a 1914, poucas conquistas houve por parte de ambos os lados além daquelas obtidas nos primeiros meses da guerra.
1917: Grandes Mudanças Em 1917, os aliados tiveram um revés: a Rússia saiu da guerra. Em março daquele ano, uma revolução culminou na implantação de um governo provisório e na abdicação do Czar Nicolau II. Em novembro (outubro no calendário russo), uma nova revolução, liderada pelos bolcheviques, derrubou o governo provisório e tomou o poder. As autoridades russas propuseram à Alemanha a cessação das hostilidades. Representantes da Rússia, Áustria e Alemanha assinaram o armistício em 15 de dezembro, cessando, assim, a luta na frente oriental. Os alemães puderam redirecionar suas forças para o front ocidental. Se saíra vitoriosa contra a Rússia, a Alemanha fracassara em seu intento de provocar a rendição da Grã-Bretanha por meio da destruição da frota aliada. Em janeiro de 1917, a Alemanha declarava guerra submarina generalizada e anunciava que afundaria qualquer embarcação que encontrasse em uma vasta área do Atlântico Norte, considerada zona de guerra, não importando se fosse navio de guerra, mercante ou de passageiros. Com isso, muitas embarcações foram torpedeadas, causando milhares de baixas, inclusive entre civis de países neutros, como os EUA e o Brasil. A política de neutralidade norte-americana mudou com a guerra submarina promovida pelos alemães. Em 3 de fevereiro de 1917, os EUA romperam relações diplomáticas com a Alemanha, declarando-lhe guerra em 6 de abril. Uma força expedicionária foi enviada para a Europa. A sorte mudara novamente na direção dos aliados.
Vídeo
Outro filme muito interessante é O Batalhão Perdido, de Russell Mulcahy (EUA, 2001, 92 min), que conta a história real de um batalhão norte-americano que se perde no meio das linhas alemãs durante a I Guerra Mundial.
Várias nações latino-americanas, entre elas o Peru, o Brasil e a Bolívia, apoiariam a ação dos EUA. O afundamento de alguns navios levou o Brasil, em 26 de outubro de 1917, a participar da guerra, enviando uma divisão naval em apoio aos aliados. Aviadores brasileiros participaram do patrulhamento do Atlântico, navios do Lóide Brasileiro transportaram tropas norte-americanas para a Europa, e uma missão médica foi enviada para a França.
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1918: o fim da carnificina Apesar da entrada dos EUA no conflito, os primeiros meses de 1918 não foram favoráveis às Potências aliadas. O Mapa 22 ilustra a disposição das forças no início de 1918 (comparar com o Mapa 21). Em 3 de março, a Rússia assinou o Tratado de Brest-Litovsk, com o qual punha oficialmente um fim à guerra com os Impérios Centrais. Em 7 de maio, a Romênia, derrotada, assinou o Tratado de Bucareste com a Áustria-Hungria e a Alemanha, às quais cedia diversos territórios. Mapa 21: A Guerra em Agosto de 1914
Mapa 22 - A Grande Guerra em 1918
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun8.html
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Em 1918, no entanto, a luta nos Bálcãs foi catastrófica para os Impérios Centrais. Uma força de cerca de 700.000 soldados aliados iniciou uma grande ofensiva contra as tropas alemãs, austríacas e búlgaras na Sérvia. Os búlgaros, derrotados, assinaram um armistício. Além disso, os aliados obteriam a vitória definitiva na frente italiana entre outubro e novembro. A comoção da derrota provocou rebeliões revolucionárias no Império Austro-Húngaro, que se viu obrigado a assinar um armistício em 3 de novembro. O Imperador Carlos I abdicou oito dias depois, e, em 12 de novembro, foi proclamada a República da Áustria. A frente turca também caiu. As forças britânicas tomaram o Líbano e a Síria, ocupando Damasco e outros pontos estratégicos. A Marinha francesa, por sua vez, ocupou Beirute, e o governo otomano solicitou um armistício. Depois da paz em separado com a Rússia, a Alemanha tentou uma ofensiva final contra a França. Nesse momento derradeiro, porém, os alemães tiveram que enfrentar as recém-chegadas tropas americanas. Cansados e com parcos recursos materiais, os germânicos fracassaram em seus ataques finais. Depois de quatro anos, a exaustão atingiu todos os países combatentes, enquanto os EUA acabavam de entrar no conflito. Em fins de 1918, os principais aliados da Alemanha – Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária – pararam definitivamente de lutar. Áustria-Hungria e Turquia simplesmente se desmancharam depois de quatro anos de combate.
A Alemanha, sob pressões internas e externas, pediu a paz. O Kaiser Guilherme II abdicou, e o país se transformou em república. A Alemanha, ao contrário de seus aliados, não se desintegrou, e o armistício foi feito antes que o seu território fosse invadido. Isso teria grandes implicações simbólicas posteriormente.
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O saldo da Grande Guerra O saldo da guerra foi a morte de mais de 8 milhões de pessoas. Outras 10 milhões de pessoas ficaram inválidas. Economicamente, o trauma foi profundo. A França gastou 30% da riqueza nacional, e a Inglaterra, 22%. A produção industrial caiu entre 30% e 40%. Além disso, enormes dívidas foram contraídas para pagar a guerra. Nunca o mundo assistira a uma hecatombe de tamanhas proporções, com tantas baixas, tantos mutilados e tanta destruição. Sob a ótica das relações internacionais, a Grande Guerra provocou mudanças profundas no equilíbrio de poder no mundo. Os velhos impérios, que foram protagonistas da política entre as nações nos quatro séculos anteriores, desaparecem. O II Reich chega a termo, e uma frágil democracia é estabelecida na Alemanha, que continuava como Ator de destaque no cenário europeu e cuja recuperação influenciaria definitivamente os destinos da Europa e o sistema internacional. Grã-Bretanha e França, apesar de vencedoras da Grande Guerra, foram obrigadas a admitir que uma nova configuração de poder seria estabelecida, com dois Atores não europeus tremendamente importantes, o Japão e a nova Potência que se afirmava, os EUA. Terminado o conflito, que deveria ter sido rápido e fácil, a Europa estava em situação lamentável e não mais teria forças para estar à frente da Sociedade Internacional. Os EUA já deveriam ser consultados sobre os destinos do sistema internacional, e, no Oriente, o Japão avocava sua parcela de influência. E essas transformações estavam apenas começando... O mundo já dava sinais de deixar de ser eurocêntrico. A Primeira Guerra Mundial foi a grande tragédia europeia.
Livro indicado
A Grande Guerra foi um evento marcante na história da humanidade e deu início ao século XX. Há muitas obras a respeito. Sugere-se, para leitura inicial, o livro de John Keegan, História Ilustrada da I Guerra Mundial (Ediouro). Os livros de John Keegan são indicados para os que se interessam por história militar. Também sobre a realidade da Grande Guerra, sugere-se a leitura de Nada de Novo no Front, de Erich Maria Remarque (Porto Alegre, L&PM, 2004). Trata-se de um romance histórico, contado por alguém que viveu a dura realidade da guerra e foi considerado, no pós-guerra, uma obra-prima da literatura pacifista mundial. Baseado no livro, foi feito o filme de mesmo nome (All Quiet on the Western Front, Lewis Milestone, 1930), também um clássico do gênero.
Link
Alguns sítios interessantes sobre a Grande Guerra e também sobre o Brasil no pós-I Guerra, veja os
sítios indicados no Menu de Apoio, escolha a opção Links relacionados e consulte-os.
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O ENTRE-GUERRAS E A NOVA ORDEM INTERNACIONAL
A Conferência de Paris, O Tratado de Versalhes e o Advento de uma Nova Ordem Internacional
http://blog1.educacional.com.br/default_imprimir.asp?idpost=96161&idBLOG=8662&idusuario=0
Em janeiro de 1919, 25 países se reuniram em Paris para as conversações de paz. Os derrotados e a Rússia, entretanto, não participaram dos debates. Os norte-americanos, guiados pelo idealismo do Presidente Woodrow Wilson, desejavam a criação da Sociedade de Nações, entidade que pudesse resolver amigavelmente as questões internacionais. Também conhecida como Liga das Nações, essa organização internacional deveria servir de foro onde os Estados poderiam resolver suas animosidades sem recorrer à guerra, que deveria ser definitivamente banida das relações internacionais. A paz seria assegurada por meio de um mecanismo de segurança coletiva, e o direito internacional, a autodeterminação e a democracia deveriam prevalecer nas relações entre os povos. Esses valores, que constituiriam o norte moral para a conduta dos Estados, seriam fomentados pelas instituições então criadas, como a Liga das Nações e a Corte Internacional de Justiça (denominada à época Corte Permanente de Justiça Internacional). Grã-Bretanha e França, todavia, buscavam defender seus interesses de forma mais incisiva e pragmática. Os franceses desejavam a reintegração da Alsácia-Lorena a seu território, o desarmamento alemão e o pagamento de indenizações de guerra. Os ingleses, por sua vez, queriam o controle sobre a frota e sobre as colônias alemãs. Eram posições antagônicas aos anseios estadunidenses e refletiam o realismo da política internacional europeia do século XIX. O Tratado de Versalhes, principal convenção de paz da Grande Guerra, continha termos bastante duros para os vencidos. A Alemanha perdeu vários territórios e todas as suas possessões coloniais. Além da Alsácia-Lorena, devolvida para a França, perdeu territórios para a Lituânia e, principalmente, para a Polônia. Como resultado das perdas territoriais para esta última, a Alemanha foi fisicamente dividida, com a Polônia separando a Prússia Oriental do restante do país. Tinha-se aí um dos motivos que fomentaram o nacionalismo e o revanchismo alemães no EntreGuerras (1919-1939). pág. 13
Militarmente, a Alemanha foi desarmada. O exército foi reduzido para 100 mil homens e 4 mil oficiais. Não mais teria marinha, aviação, tanques ou artilharia pesada. Também não poderia fabricar material bélico. Por fim, o país se viu obrigado a pagar uma grande indenização financeira para os vencedores. Para se ter ideia da indenização que a Alemanha se viu obrigada a pagar, o valor acordado era tão expressivo que seria pago em parcelas que só acabariam no início da década de 1980. Claro que esse pagamento não se daria como previsto... Outros tratados de paz foram firmados entre 1919 e 1923. Como resultado, inúmeros países surgiram da desintegração do Império AustroHúngaro, do Império Otomano e do Império Russo: Finlândia, Letônia, Estônia, Lituânia, Polônia, Tchecoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Um novo mapa político da Europa era desenhado, com novas nações constituídas do esfacelamento das colchas de retalho étnicas, que eram os citados velhos impérios. O Mapa 23 ilustra a nova configuração política europeia do pós-I Guerra (em amarelo, os novos Estados). Mapa 23: A Europa em 1924
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre14_18/gun12.html
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Uma Nova Ordem Internacional A Europa que saía da guerra era bastante diferente daquela que a iniciara. De certo modo, o impacto da I Guerra para algumas nações europeias foi ainda maior do que o da II Guerra Mundial. Sangrada e traumatizada, a Europa não conseguiu se recuperar por meio dos Tratados de Paz. Ao contrário de uma paz duradoura, conseguiu-se, apenas, por intermédio de tratados impiedosos, deixar os alemães desejosos de uma revanche. Diferentemente do Congresso de Viena (1815), que fora um exemplo de como se obter a paz, Versalhes foi a expressão de raiva dos vencedores. O resultado é que, vinte anos depois, eclodiria outra guerra mundial.
Novas Potências não europeias: EUA e Japão Quais foram os verdadeiros vencedores da I Guerra Mundial? França e Grã-Bretanha saíram em frangalhos do conflito. Perderam milhões de vidas e tiveram uma geração inteira traumatizada. Perderam recursos industriais, econômicos e financeiros. Para ganhar a guerra, tiveram que se aliar e se endividar junto aos EUA. Estes, se já eram um país importante antes de 1914, tornaram-se, após o fim da guerra, a principal Potência mundial. Inegável que a vitória das Potências ocidentais só foi possível porque os norte-americanos enviaram um contingente significativo para a França a partir de 1917. Os EUA foram o fiel da balança na Grande Guerra: não apenas impediram que as ofensivas alemãs fossem bemsucedidas como também mostraram para os alemães que a continuidade da guerra era inútil. O Japão, mesmo com papel secundário na I Guerra Mundial, soube tirar proveito do enfraquecimento das Potências europeias. Conseguiu ocupar as possessões alemãs na China e na Oceania. Além disso, como se envolvera apenas marginalmente no conflito, encontrava-se pronto para as suas aventuras militares nas décadas de 1920 e 1930 e, posteriormente, na II Guerra Mundial. pág. 15
Idealismo na política internacional e a Liga das Nações A Grande Guerra havia sido demasiadamente traumática. Nunca o mundo presenciara tanta carnificina e destruição em um conflito entre “nações civilizadas”. Os europeus, que haviam comemorado o início do ansiado conflito, concluíram-no exaustos e dispostos a fazer daquela a derradeira guerra. O sentimento mundial e, sobretudo, europeu, ao fim da Grande Guerra, era de que não se poderia mais tolerar que os povos se dizimassem em um conflito armado, e que a Sociedade Internacional deveria empreender todos os esforços no intento de garantir um mundo pacífico e regido pelo Direito, e não pela força. O presidente estadunidense Woodrow Wilson foi o idealizador do programa de construção de uma nova ordem internacional chamado Quatorze Pontos. Esse programa, apresentado para a Conferência de Paris, previa um acordo de paz sem anexações territoriais ou indenizações de guerra e baseava-se no princípio da autodeterminação dos povos, isto é, cada nacionalidade teria direito de ter a própria independência, caso, por exemplo, da Hungria, Polônia e Sérvia. Além disso, o programa wilsoniano previa a criação de uma Sociedade das Nações, para assegurar que o mundo não entrasse novamente em guerra. A Sociedade das Nações, ou Liga das Nações, foi fundada em 28 de abril de 1919. Apesar das pretensões de Wilson, ela acabou sendo bastante limitada. Um Conselho Permanente, formado por Estados Unidos, Grã-Bretanha, França, Japão e Itália, serviria como árbitro nas questões internacionais. Caso não fosse bem-sucedido, a Assembleia Geral, composta por todos os membros, poderia votar sanções morais, econômicas ou militares. Para fins práticos, os efeitos trazidos pelo advento da Sociedade das Nações foram desprezíveis. Como exercia, na realidade, pouco poder, quando votava algum tipo de sanção ou de agravo, o país atingido simplesmente se retirava da Liga. Ademais, a organização já começara enfraquecida, pois a principal Potência mundial e pátria do seu idealizador, os EUA, acabaram não aderindo à Liga, por decisão do Congresso norte-americano.
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A Revolução Russa A Revolução Russa foi um dos eventos mais importantes do século XX, tal como fora a Revolução Francesa no século XVIII. Surgiu da derrota para o Japão em 1905 (em que disputou o território da Manchúria), dos escombros da I Guerra Mundial, da disseminação das ideias socialistas e revolucionárias geradas no século XIX e da incapacidade do governo czarista de ouvir os anseios populares. A entrada russa na Grande Guerra, tal como ocorrera em outros países, fora celebrada pelo povo. O governo de São Petersburgo imaginava que a superioridade numérica da Rússia em homens seria suficiente para derrotar os alemães. Isso não se mostrou verdadeiro. Apesar de estar em inferioridade numérica, a Alemanha soube lidar com a incompetência militar e com os problemas logísticos russos. As derrotas militares não tardaram a surgir e, rapidamente, transformaram-se em desastres. Além disso, a guerra pressionou, de modo exagerado, a economia russa: os camponeses foram retirados de suas terras para lutar no front, empresas e indústrias faliram, a inflação corroía o poder de compra e não havia comida suficiente para abastecer as principais cidades. Em fins de 1916, a Rússia czarista estava à beira do colapso.
Apesar disso, o Czar Nicolau II, preso aos compromissos de guerra com a França e com a GrãBretanha, não dava sinais de que desistiria do conflito. Pressionado, abdicou em março de 1917. O governo passou às mãos de um governo moderado sob o comando de Alexander Kerenski. Entretanto, o novo governo não eliminou o principal problema do país: a guerra. Em outubro do mesmo ano, Lênin, líder bolchevista que retornara do exílio, preparou a tomada do poder. Kerenski, abandonado pelo exército, fugiu. Lênin assumiu então o governo.
Lênin conseguiu retornar do exílio e chegar à Rússia para promover a Revolução graças ao auxílio dos alemães, particularmente dos serviços de inteligência do Kaiser, com os quais o líder bolchevista comprometeu-se a pôr fim à participação de seu país na guerra assim que tomasse o poder.
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A Revolução Russa e o Stalinismo são o pano de fundo dos filmes Dr. Jivago e Reds, de Warren Beatty. Confira
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Os bolchevistas eram guiados pelas ideias de Karl Marx e Friedrich Engels, pensadores comunistas do século XIX. Assim, tinham o objetivo de, uma vez tomado o poder, realizar profundas mudanças na sociedade. De acordo com Marx, a história se funda na luta de classes, e essa seria superada pela classe mais revolucionária e vanguardista, o proletariado. A contribuição de Lênin para a política do século XX foi a seguinte: a revolução seria feita através da condução e organização do disciplinado partido de vanguarda de revolucionários profissionais. A revolução de 1905 mostrara uma burguesia russa politicamente fraca; a Constituição liberal-burguesa formulada era muito restrita, e o czarismo tornara a se implantar. Para uma revolução sem burguesia, o partido conduziria a classe operária com o apoio do campesinato, ansioso por terras. As repercussões de uma revolução russa seriam mais amplas que as de 1789. A simples extensão física e a plurinacionalidade de um império que ia do Pacífico à fronteira alemã significava que sua queda afetaria um número muito maior de países, em dois continentes, que a de um Estado marginal ou isolado na Europa ou na Ásia. Uma das primeiras medidas de Lênin foi a retirada da Rússia da guerra. Por meio do armistício de Brest-Litovsk, entregou parte importante do território e dos recursos industriais e econômicos russos na Europa para os alemães em troca da paz. Mesmo arriscado, foi um lance bemsucedido. Junto com isso, implantou um regime de partido único apoiado em uma poderosa polícia política, a Tcheka, e no Exército. Depois de três anos de sangrenta guerra civil, inclusive com a invasão do território russo por forças estrangeiras, a vitória e o controle do país foram definitivamente alcançados. Dos escombros do império dos czares surgiu um novo país, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), primeira nação do mundo sob um regime marxista e que se tornaria a única Potência do planeta capaz de rivalizar com os EUA. O governo revolucionário enfrentaria ainda grandes crises políticas e econômicas, mas conseguiria superar esses obstáculos e retomar o processo de industrialização e de crescimento iniciado pela Rússia czarista. Entretanto, essas transformações acarretariam a morte de milhões de pessoas, não só em virtude da insuficiência de alimentos, mas também por causa de decisões desastrosas da política econômica – tomadas por burocratas do Partido Comunista – e, ainda, como resultado de perseguições e expurgos contra toda e qualquer pessoa suspeita de ser contrária ao regime. Nesse contexto, a figura de Josef Stalin, que assumiu o poder após a morte de Lênin, em 1924, e governou ditatorialmente a URSS até a sua própria morte, em 1953, teve um papel central.
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A Crise de 1929 Crise de 29 - fila de desempregados
Com o fim da Primeira Guerra Mundial, os EUA se tornaram a principal Potência econômica do mundo. A década de 1920 foi um tempo de grande crescimento econômico. Empolgados com a possibilidade de lucro rápido, milhares de pessoas se puseram a investir na Bolsa de Valores, inclusive comprando ações a crédito. Esse movimento de especulação fez com que os preços das ações fossem muito maiores do que elas realmente valiam. Em outubro de 1929, a “bolha” da Bolsa explodiu. Em poucas semanas, bilhões de dólares evaporaram. Empresas reduziram a produção, milhões de trabalhadores ficaram desempregados, agricultores tiveram que entregar as suas terras para os bancos, e centenas de bancos fecharam as portas. O índice de produção estadunidense, que era de 100 em 1929, caiu, em pouco tempo, para 60. Externamente, os efeitos da crise também foram devastadores. Como sempre ocorre, problemas na principal Potência repercutem rapidamente no restante do sistema internacional. Desemprego, inflação e quebra de empresas atingiram praticamente todos os outros países do mundo, à exceção da União Soviética, que não dependia do sistema econômico internacional por ter sido isolada pelas Potências, em virtude da Revolução de 1917 e do estabelecimento do regime comunista.
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Saiba mais sobre a crise de 1929.
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Fascismo e Nazismo Após a I Guerra Mundial, a Europa foi tomada por uma onda de radicalização política. Regimes totalitários, à esquerda e à direita, apareceram por todo o continente. Os antigos regimes liberais foram, pouco a pouco, substituídos por regimes onde imperava a força. E isso ocorreu com o apoio popular, que, em diversos países, manifestou descrédito na democracia. Após 1916, o constitucionalismo liberal e a democracia representativa batem em retirada, embora restaurados após 1945. Em 1939, os únicos dentre os 27 Estados europeus que podiam ser descritos como democracias parlamentares eram: Reino Unido, Estado Livre da Irlanda, França, Bélgica, Suíça, Holanda e os quatro escandinavos. Todos eles, salvo o Reino Unido, a Irlanda, a Suécia e a Suíça, logo desapareceriam temporariamente em virtude de ocupação ou de aliança com a Alemanha nazista. O Tratado de Versalhes comprometeu as chances de recuperar a estabilidade capitalista da Alemanha e, portanto, da Europa, em bases liberais. O comunismo, que já havia alcançado o poder na Rússia por ocasião da Revolução de 1917, apresentava-se, para muitos europeus, como a saída da esquerda. À direita, foi o fascismo que surgiu como o grande adversário dos regimes democráticos. A Itália é o primeiro país em que um regime fascista estabeleceu-se e adquiriu importância. Benito Mussolini, antigo militante socialista, catalisou em torno de si toda a insatisfação do povo italiano com o resultado da I Guerra Mundial. Os italianos pouco poderiam comemorar dos resultados da Grande Guerra. Apesar de oficialmente vitoriosos, as baixas em vidas foram altíssimas. Além disso, a Itália não conseguiu obter o prestígio que há tanto tempo desejava. Para as outras potências europeias, a Itália ainda era uma nação de segunda categoria. Também não se pode esquecer que a Itália chegou à década de 1920 em grave crise econômica: o desemprego grassava, empresas quebravam, a inflação era alta e os trabalhadores perdiam renda. Tratava-se de cenário bastante propício a soluções autoritárias. Mussolini aproveitou-se da oportunidade. Em 1921, fundou o Partido Fascista e, em 1922, realizou a Marcha sobre Roma, dizendo-se defensor da ordem contra o caos e a anarquia. Inicialmente, o discurso fascista manteve um aspecto de normalidade, mas, em 1925, os fascistas tomaram, definitivamente, o poder.
Livro indicado
Sobre as questões relacionadas ao totalitarismo e ao autoritarismo da Europa, vide Mark Mazower, O continente sombrio: a Europa do século XX (São Paulo: Companhia das Letras, 2001). Obra teórica fundamental a respeito é Origens do Totalitarismo, de Hannah Arendt (São Paulo: Companhia das
Letras, 1989).
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O Fascismo italiano, copiado depois por muitos outros países, tinha entre seus princípios:
-a existência do Estado autoritário, baseado na figura do chefe (ou líder) e no partido único; -a preponderância do coletivo – ou das massas – sobre o indivíduo; -o Estado como o árbitro nas relações entre patrões e empregados; -a exaltação da guerra e da grandeza nacional.
Muitos outros países adotaram regimes similares ao italiano ou inspirados nele: Espanha, Portugal, Polônia, Hungria, Iugoslávia, Grécia, Bulgária, Lituânia, Estônia, Letônia e Áustria, para citar os Estados europeus. Até no Brasil, em 1937, com o Estado Novo de Getúlio Vargas, foi estabelecido um regime fortemente influenciado pelas ideias fascistas. Não obstante, o fascismo não seria a opção mais autoritária de direita no Entre-Guerras. Em 1933, chegava ao poder na Alemanha o principal discípulo das ideias de Mussolini: Adolf Hitler. O novo líder alemão conseguiu não apenas superá-lo como radicalizar mais ainda a ideologia fascista: estabelecia-se o nacional-socialismo na Alemanha.
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As origens do nazismo O nacional-socialismo, ou nazismo, como é também chamado, surgiu em meio à crise da década de 1920 e encontrou nos problemas da Alemanha e do mundo no pós-I Guerra Mundial as razões de seu fortalecimento. A primeira dessas razões é o perene revanchismo alemão oriundo da derrota e das imposições dos vencedores da I Guerra Mundial. Simbolicamente, os alemães não se sentiam derrotados, porque o território alemão não fora invadido em 1918. Ademais, quando os combates foram suspensos por meio de um armistício – e não de uma capitulação –, parecia haver um equilíbrio entre os lados combatentes, pois ambos estavam exauridos. A culpa para o armistício era jogada sobre as costas do poder civil, os “entreguistas”, particularmente os socialistas que negociaram o armistício, supostos responsáveis pelo fracasso. Em segundo lugar, as condições do Tratado de Versalhes para a Alemanha foram muito mais duras do que o Presidente Wilson sugerira. Os alemães foram declarados culpados pela guerra, obrigados a pagar uma reparação gigantesca e impedidos de ter um exército de tamanho compatível com a realidade de uma Potência. Por fim, as crises econômicas da década de 20 – primeiro, em 1923, quando o país passou pela hiperinflação, depois, em 1929, resultado da quebra da Bolsa de Nova York – se mostraram fundamentais para criar um caldo simbólico de ódio e rancor. Razões econômicas que repercutiram em movimentos sociais questionaram a frágil democracia da República de Weimar, como foi denominado o regime alemão em sua breve experiência democrática (1919-1933). pág. 22
Aos ingredientes do fascismo, os nazistas juntaram o racismo – especialmente contra judeus, eslavos e ciganos. Também aprofundaram o autoritarismo fascista, ao resumirem o Estado a um chefe único, o Führer: alicerçava-se um Estado totalitário, que só encontraria congênere na URSS stalinista. Os nazistas eram, simultaneamente, antimarxistas e anticapitalistas: o marxismo, para os nazistas, seria obra dos judeus, e o capitalismo, por sua vez, era desigual e individualista. Ademais, defendiam um sistema de partido único, hierarquizado e presente em todas as etapas da vida do indivíduo – o indivíduo não existia fora do partido –, e pregavam um nacionalismo levado às últimas consequências. No pós-I Guerra Mundial, o nacionalismo foi definitivamente incorporado pela direita política. Desde o final do século XIX que as organizações de massa do nacionalismo alemão desviaram-se do liberalismo herdado de 1848 para uma postura militarista, agressiva e antissemita. No EntreGuerras, ganhava ainda mais força um novo movimento político baseado no chauvinismo, na xenofobia e na idealização da expansão nacional, na conquista e no próprio ato da guerra. Tal nacionalismo passou a atrair as classes médias frustradas, os antiliberais e os antissocialistas. Uma vez no poder, alcançado por meio de eleições democráticas, os nazistas iniciaram profundas reformas: instituíram um modelo de partido único, dominaram o Judiciário, estabeleceram a censura, promoveram expurgos no serviço público e nas universidades e criaram os campos de concentração, para onde eram enviados os elementos indesejados. Também conseguiram o rápido rearmamento do Exército. Ao lado dessas ações práticas, os nazistas agiram com muita força no campo simbólico. Uma palavra resume esse processo: propaganda.
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A Guerra Civil Espanhola (1936-1939) Episódio marcante do Entre-Guerras foi a Guerra Civil Espanhola (1936-1939). O conflito foi caracterizado pelo confronto entre as grandes correntes ideológicas da época e nele lutaram voluntários de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil. Após a queda da ditadura de Primo de Rivera, em 1930, o rei da Espanha Afonso XII tentou restabelecer um governo constitucional. Entretanto, as eleições de 1931 acabaram com as pretensões monarquistas: o rei foi exilado e a República proclamada. Apesar das resistências, a República espanhola mostrou-se democrática e, em 1936, ganhou as eleições a Frente Popular, composta por anarquistas, comunistas, socialistas e radicais. O novo governo apoiou as reivindicações dos movimentos operários e camponeses, e os trabalhadores começaram a ocupar as fábricas e a invadir terras. O assassinato do líder monarquista Calvo Sotelo por forças anarquistas, em 13 de julho de 1936, serviu de justificativa para o levante militar liderado pelo general Francisco Franco, a partir do Marrocos espanhol. Para fazer frente à revolta do Exército, o governo republicano recorreu a milícias, armando os populares. Em dois meses, as tropas de Franco já dominavam metade do território espanhol. Entretanto, a guerra se prolongaria por três anos, constituindo-se em um confronto sangrento e generalizado. Enquanto os nacionalistas, liderados por Franco, tinham apoio de setores conservadores, como o Exército e parte do clero católico, e das províncias ocidentais do país, os republicanos contavam com a Força Aérea e a Marinha, com os trabalhadores, a pequena burguesia radical e parte do campesinato. Contavam os republicanos também com as regiões industriais que ocupavam o triângulo Madri-Valência-Barcelona. Bascos e catalães apoiavam a República. Em 1938, os franquistas conseguiram isolar a Catalunha de Madri. Barcelona capitulou em janeiro de 1939 e Madri em março do mesmo ano. Em 1º de abril de 1939, acabou a sangrenta guerra que dividira a Espanha, deixara cerca de 500.000 mortos e 450.000 exilados. Estabeleceu-se um governo de índole fascista, liderado por Franco, e que perduraria por quase quatro décadas. pág. 24
Economicamente, a guerra civil deixou a Espanha em uma situação catastrófica. A renda per capita só recuperaria os níveis de 1936 em meados da década de 1950. A malha industrial espanhola foi destruída, e o país voltou à condição de economia eminentemente agrária. A infraestrutura foi muito danificada, a Espanha gastou todas as suas reservas e a dívida externa cresceu. Com o fim da guerra, o governo de Franco instaurou uma ditadura de direita, simpática aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Esse regime se manteria até a morte de Franco, em 1975, quando então a monarquia seria restabelecida, e o país iniciaria um processo de redemocratização.
No que concerne às relações internacionais, a Guerra Civil Espanhola foi um conflito que repercutiu muito além da Península Ibérica: com a participação das Potências – Alemanha e Itália apoiando Franco e URSS auxiliando os republicanos – e dos grupos de voluntários de diversas nacionalidades, o conflito adquiriu um caráter internacional e extremamente ideológico.
Livro indicado
O livro fundamental para se entender o Entre-Guerras sob a perspectiva das relações internacionais é Vinte Anos de Crise: 1919-1939, de Edward H. Carr (Brasília: EDUNB, IPRI; São Paulo: IOESP, 2001).
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Também sobre o Entre-Guerras, assista ao filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin, um clássico que ilustra o impacto da Segunda Revolução Industrial sobre a vida humana. Trata-se do último filme mudo de Chaplin, que focaliza a vida urbana nos Estados Unidos nos anos 30, imediatamente após a crise de 1929, quando a depressão econômica atingiu toda a sociedade norte-americana, levando grande parte da população ao desemprego e à fome. Leia a sinopse do filme!
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A guerra na Espanha foi o prelúdio da nuvem negra que se abateria sobre a Europa e o mundo a partir de 1939. Nela as ideologias se confrontaram, os regimes autoritários puderam mostrar seu poder e testar sua máquina de guerra, e as democracias deixaram claro o misto de desinteresse e impotência para lidar com temas que envolviam o risco de abalo da “segurança coletiva”.
Toda a extensão da tragédia causada pela Guerra Civil Espanhola pode ser constatada pela reportagem do The Times, de 28 de abril de 1937, da qual extraímos o seguinte trecho: “Guernica, a mais antiga cidade dos bascos, centro de suas tradições culturais, foi completamente destruída ontem à tarde por um reide aéreo dos revoltosos. O bombardeio dessa cidade aberta, muito atrás das linhas de combate, durou três horas e quinze minutos, durante as quais uma poderosa esquadra aérea alemã, composta de bombardeiros Junker e Heinkel, e caças Heinkel, não parava de despejar sobre a cidade bombas de 1000 libras e, calcula-se, mais de 3000 projéteis incendiários de 2 libras, de lumínio. Ao mesmo tempo, os caças mergulhavam sobre a cidade para metralhar a parte da população civil refugiada nos campos(...).”
Quadro-manifesto retratado por Pablo Picasso - Guernica
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A Guerra Civil Espanhola é o pano de fundo do filme Por Quem os Sinos Dobram, de Sam Wood (EUA, 1943, 159 min), estrelado por Ingrid Bergman e Gary Cooper.
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O III Reich e os antecedentes da II Guerra Mundial Nos três anos que se seguiram à nomeação de Adolf Hitler Chanceler da Alemanha, em 30 de janeiro de 1933, o governo nacional-socialista promoveu transformações que rapidamente reconduziram o país ao seleto clube das Grandes Potências. Em 1936, o III Reich, como ficou conhecida a Alemanha nazista, já era uma das maiores economias do mundo: havia reduzido o desemprego em 40% já em 1934; inúmeras obras públicas estavam sendo feitas, e a indústria retomara sua força, de modo que o país já se mostrava internacionalmente competitivo. Como aconteceu na União Soviética, é inegável que a opção totalitária reergueu o país. Recuperada do ponto de vista doméstico, a Alemanha se lançaria em uma nova empreitada de política externa. Como sempre prometera, Hitler desejava conduzir os alemães à retomada do orgulho nacional, por meio do repúdio às imposições estabelecidas pelo Tratado de Versalhes e da busca do “espaço vital” a leste, indispensável para a sobrevivência do III Reich. Com ações calculadas que jogavam com a capacidade de reação das Grandes Potências, a Alemanha foi, aos poucos, derrubando cada imposição do acordo de paz de 1919 e anexando novos territórios ao Reich. Grã-Bretanha e França, ainda traumatizadas pelos efeitos da Primeira Guerra, evitaram agir para impedir o avanço da política externa nazista. Era a política do apaziguamento, da paz a qualquer preço, que se fez ao custo da entrega da Áustria e da Tchecoslováquia para a Alemanha. Havia também a expectativa, por parte das democracias europeias, de que, em seu avanço para o leste, logo o III Reich se chocaria com a URSS. Assim, Grã-Bretanha e França contavam com o conflito entre os dois grandes Estados totalitários, o que seria para elas demasiadamente interessante.
Livro indicado
Vide “A Política Exterior do III Reich: Algumas Reflexões”, de Joanisval Brito Gonçalves. In: Albene Menezes e Mercedes Kothe (orgs.). Brasil e Alemanha, 1827-1997, Perspectivas Históricas, 170 anos da assinatura do 1º Tratado de Comércio e Navegação. Brasília: Thesaurus, 1997.
Entretanto, Londres e Paris não consideraram o improvável: em agosto de 1939, Alemanha e URSS assinaram um tratado de não agressão. Para desespero das democracias ocidentais, os dois inimigos figadais aliavam-se. Estava pronto o quadro que levaria à Segunda Guerra Mundial.
Avaliação objetiva
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Módulo III - Evolução Histórica das Relações Internacionais - da Segunda Guerra Mundial ao Século XXI
Unidade 1 A Segunda Guerra Mundial Unidade 2 O Sistema Internacional Pós-1945 Unidade 3 O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990 Unidade 4 O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas
Unidade 1 - A Segunda Guerra Mundial
Objetivos da Unidade:
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a: # discorrer sobre os principais antecedentes da II Guerra Mundial; # indicar os principais fatos que marcaram cada uma das fases do conflito.
Esta Unidade é dedicada ao estudo da II Guerra Mundial, seus antecedentes e fases. A abordagem desse conteúdo, lhe apresentará as causas que levaram à Segunda Guerra Mundial e os relatos de como se desenrolou a guerra em seus momentos principais. Siga em frente!
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A II GUERRA MUNDIAL (1939-1945) A II Guerra Mundial estendeu-se de 1939 a 1945, alcançou todos os continentes habitados e envolveu as Grandes Potências e seus aliados em um confronto sem precedentes, com um saldo de mais de 80 milhões de mortos e prejuízos econômicos incalculáveis. Seu legado produziria uma nova configuração de poder mundial nas décadas que se seguiriam, em um significativo conjunto de transformações no equilíbrio de poder mundial, que alcançaria o século XXI. Ao contrário da Grande Guerra, a II Guerra Mundial foi, de fato, travada entre praticamente todos os povos e culturas do planeta, ampliando expressivamente o raio de ação das relações internacionais contemporâneas. Qualitativamente, a guerra colocaria um fim à supremacia europeia e ao eurocentrismo no sistema internacional, retiraria da França e da Grã-Bretanha a condição de Potências hegemônicas e deixaria a Alemanha, o Japão e a Itália sem os espaços internacionais conquistados à força no Entre-Guerras. Ademais, o processo de expansão e construção do mundo liberal seria substituído por uma nova ordem internacional, bipolarizada, com a emergência dos EUA e da URSS. A II Guerra Mundial pode ser dividida em duas fases. Na primeira, de 1939 a 1941, os países europeus ainda tentam manter a condução dos destinos das relações internacionais, e a guerra é eminentemente europeia, como o fora a I Guerra Mundial. Entretanto, com a segunda fase, que vai de 1941 até 1945, o conflito torna-se mundializado, com a participação de novos Atores, particularmente os EUA, URSS e o Japão, e se prenuncia uma nova ordem internacional.
Antecedentes: A Chegada de Hitler ao Poder na Alemanha A ascensão de Adolf Hitler ao governo alemão, em 1933, significou uma nova concepção de relações internacionais, marcada pelo nacionalismo ardente que rejeitava tanto a igualdade dos povos como a dos indivíduos, desprezava os tratados e buscava o expansionismo por meio do rearmamento, anexação de territórios onde houvesse alemães e aquisição do espaço vital para a construção da Grande Alemanha – Gross Deutschland. Em 1934, as ditaduras fascistas dominavam a Europa Central e Oriental e, em 1939, a democracia era exceção minoritária no continente. Hitler movia-se para dominar o Leste, e Mussolini, o Adriático e o Mediterrâneo, em ações que tinham a indiferença ou mesmo o consentimento das Potências ocidentais, particularmente GrãBretanha e França. À medida que avançava a década de 1930, aumentava a descrença na Sociedade das Nações. A França passou a buscar alianças a Leste, mirando a Polônia e a Tchecoslováquia. A Itália e a Alemanha, os dois grandes Estados fascistas da Europa, aproximaram-se. A Grã-Bretanha buscava fugir de engajamentos militares na Europa, considerando justa a reivindicação alemã por mudanças ao mesmo tempo em que investia no reforço da coesão no âmbito do Commonwealth e da zona esterlina. A opinião inglesa endossou o pensamento de Keynes de reduzir as reparações alemãs, porque prejudicavam as exportações britânicas. pág. 02
EUA e URSS A estratégia hitleriana de dominação do Leste forçou a URSS a aproximar-se do Ocidente, fazer alianças e aderir à Sociedade das Nações em 1934. Todavia, os objetivos soviéticos de política exterior apresentavam uma dualidade: formar uma frente antinacional-socialista ou atuar como o fiel da balança entre os “dois campos burgueses do capitalismo”. O fato foi que os ocidentais se recusaram a fechar um pacto, para a decepção dos soviéticos, e acabaram deixando soltos Hitler na Europa, Mussolini na Etiópia e o Japão na China. A partir daí, a URSS reforçou seu isolacionismo político, comercial e financeiro, renunciando ao ideal do internacionalismo proletário. E, surpreendentemente, aproximou-se da Alemanha, que, durante certo tempo, também fora isolada pelas Potências europeias. Essa associação entre as duas Grandes Potências totalitárias da Europa, Alemanha e URSS, que culminaria no pacto de não agressão entre os dois países, em 23 de agosto de 1939, gerou preocupação nos países do continente. Apesar de ampliarem sua presença na economia mundial, sob a ótica política, os EUA adotaram o isolacionismo, buscando não interferir nas relações internacionais do Velho Mundo, particularmente na política europeia. Ademais, o projeto político-comercial pan-americano dos EUA os mantinha longe da Europa. De fato, mesmo após o início da II Guerra Mundial, a opinião pública estadunidense permaneceu disposta a não se envolver no conflito, pois encontrava-se dividida sobre que lado apoiar. Registre-se que o Presidente Franklin Delano Roosevelt se reelegeu com um discurso de que os EUA não participariam da guerra na Europa.
As relações entre as Potências Europeias 1934 foi o ano do rearmamento alemão: após se retirar da Sociedade das Nações no ano anterior, Hitler rompeu unilateralmente com os acordos de Versalhes e Locarno, assinou um pacto de não agressão com a Polônia (aliada tradicional da França) e encontrou-se com Mussolini para evitar choques de interesses na área do Rio Danúbio. A França, em reação, aproximou-se da URSS e propôs, em vão, um pacto geral sobre o Leste europeu. A Itália, em resposta, propôs um Pacto dos Quatro Grandes (Grã-Bretanha, França, Alemanha e a própria Itália), que havia sido tentado no âmbito da Sociedade das Nações, com o fim de rever tratados e liderar a Europa, o que não foi aceito pelos países menores. Na Conferência de Stresa, em abril de 1935, Itália, França e Grã-Bretanha recusaram a denúncia unilateral alemã dos tratados. A Grã-Bretanha, todavia, celebrou um acordo naval em junho do mesmo ano com Berlim, considerado uma traição política pelos franceses, italianos e até pelos soviéticos. Em outubro, a Itália invadiu a Etiópia, membro da Sociedade das Nações, e não recebeu qualquer condenação ou sanção. A segurança coletiva europeia desmoronava. O clima esquentou em 1936, com a Guerra Civil Espanhola. Era o primeiro experimento de uma guerra civil verdadeiramente europeia, uma vez
que nela se confrontaram militarmente as correntes ideológicas de direita e esquerda, com fornecimento de armas de ambos os lados (da URSS para os republicanos e da Itália e da Alemanha para os franquistas). Fenômeno semelhante só voltaria a ser visto na época da Guerra Fria.
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A Política Exterior do III Reich Após a consolidação do regime nacional-socialista no campo doméstico e a recuperação econômica da Alemanha, Hitler prosseguiu com seu projeto de hegemonia alemã sobre a Europa centro-oriental. Em 1938, com base no princípio de que todos os povos alemães deveriam estar unidos sob um único governo, o III Reich anexou a Áustria e parte da Tchecoslováquia – esta última com o consentimento formal da GrãBretanha, França e Itália, na Conferência de Munique. Hungria e Romênia aliaram-se à Alemanha, que já havia estabelecido o Eixo Roma-Berlim (ao qual Tóquio aderiria pouco depois). Finalmente, em 1939, a Alemanha se aproximou da URSS, com Berlim e Moscou negociando a partilha da Polônia. Os regimes democráticos só buscaram unidade de ação contra Hitler após a aliança com os soviéticos e a invasão da Polônia, em 1º de setembro de 1939. De fato, franceses e britânicos foram surpreendidos pelo pacto germano-soviético e, percebendo que não seria mais possível – pelo menos naquele momento – o tão esperado confronto entre os dois Estados totalitários, tiveram que deixar de lado a política do apaziguamento. Logo depois de divulgado o acordo germano-soviético, Grã-Bretanha e França ofereceram garantias para a Polônia, e os EUA solicitaram a Hitler que, por dez anos, não atacasse 29 nações, cuja lista lhe fizeram chegar. Às vésperas da guerra, pareciam evidentes os objetivos da política externa alemã: • reduzir a influência da França no continente; • buscar a neutralidade da Grã-Bretanha; • instaurar um império alemão a Leste, incluindo o território soviético. A partir da improvável e surpreendente aliança com os soviéticos, a Alemanha pôde desencadear a invasão da Polônia. A reação de britânicos e franceses foi tardia. Os soviéticos logo atacariam os poloneses pelo leste, incorporariam os Estados Bálticos a seu território e, em novembro de 1939, a Finlândia seria atacada. Começava a II Guerra Mundial.
Inúmeros filmes retratam o nazismo e a Segunda Guerra Mundial. Vejamos alguns:
O Grande Ditador, de Charles Chaplin. Em seu primeiro filme falado, Chaplin interpreta dois papéis opostos, o de um barbeiro judeu que enfrenta tropas de choque e perseguição religiosa e o do Grande Ditador Hynkel (sátira a Adolf Hitler). O clímax desse clássico é o célebre discurso final, um libelo ao triunfo da razão sobre o militarismo. A Lista de Schindler. Esse filme do diretor Steven Spielberg conta a história real de Oskar Schindler (Liam Neeson), empresário alemão que salvou centenas de judeus dos campos da morte nazistas. Pearl Harbor. Filme que tem como fio condutor os eventos que fizeram com que os Estados Unidos entrassem na 2.ª Guerra Mundial, logo após o ataque japonês a Pearl Harbor. O Pianista. Essa bela obra do diretor Roman Polanski mostra o surgimento do Gueto de Varsóvia, quando os alemães construíram muros para encerrar os judeus em algumas áreas. Sobre a guerra no Pacífico, vale a pena assistir aos clássicos Tora, Tora, Tora e Midway. pág. 04
A GUERRA A Primeira Fase: 1939-1941 Após a invasão da Polônia, em 01/09/1939, e a declaração de guerra à Alemanha por Grã-Bretanha e França, o confronto ateve-se ao front oriental, com a queda da Polônia em algumas semanas e os avanços soviéticos sobre os países bálticos e a Finlândia, e à investida alemã contra a Noruega, em busca das reservas de ferro e carvão, momento em que houve o enfrentamento entre alemães e uma Força Expedicionária Britânica, com a derrota desta última em Narvik. Fora isso, a guerra no fronte ocidental ainda não começara. Assim, os primeiros passos da guerra foram lentos. Cerca de dez milhões de soldados esperavam, na estratégia da guerra estática, os primeiros movimentos do inimigo. Os líderes políticos franceses e britânicos decidiram retardar ao máximo as ofensivas. Até maio de 1940, quando os alemães iniciaram a grande ofensiva militar sobre a França, não tinha havido praticamente embates entre as Grandes Potências no fronte ocidental. As forças mobilizadas pareciam favoráveis aos alemães. Apesar da manifesta superioridade, no mar, de franceses e britânicos, os alemães possuíam, em setembro de 1939, 3.228 aviões de guerra contra os 1.377 da GrãBretanha e os 1.254 da França. Em terra, os canhões e tanques alemães também eram numericamente superiores. Construída, ainda entre 1930 e 1935, a linha Maginot, no nordeste do país, era o símbolo da insegurança francesa (SARAIVA, 1997). Entretanto, em termos econômicos, franceses e britânicos viam-se superiores, particularmente graças a seus vastos impérios coloniais. Nos primeiros meses da guerra, Grã-Bretanha e França planejavam vencer a Alemanha pelos bloqueios em terra e pelo cerceamento dos mares. Acreditavam que o isolamento levaria à ruína econômica do III Reich, uma vez que toda a economia alemã voltava-se para a guerra e já estava ameaçada pela insuficiência de matérias-primas. Reforçava a percepção de supremacia da Grã-Bretanha e da França o fato de também contarem com forças extra-Europa, como a venda de armas norte-americanas no sistema cash-and-carry (pagamento à vista) no Atlântico, a partir de novembro de 1939, ao passo que Hitler estava
reduzido aos seus próprios recursos e, no máximo, aos recursos continentais. Hitler propôs a paz em 6 de outubro de 1939. Grã-Bretanha e França não aceitaram, pois só lhes interessava a paz se a influência franco-britânica fosse retomada sobre todo o continente europeu. Por outro lado, para os franceses, a guerra era a oportunidade para arruinar definitivamente a Alemanha. Assim, diante da reação estática de Londres e Paris e da hesitação da França, que testemunhava amplos debates internos entre a anglofilia e a anglofobia, Berlim preparou-se para a invasão da França em 10 de maio de 1940. pág. 05
A Queda da França Em pouco mais de trinta dias, após o início das operações contra a França, Paris já era dos alemães. O êxodo de 8 milhões de franceses enterrava o moral francês. Em manobra de pinça, e por meio da Blitzkrieg, a guerra-relâmpago, as forças alemãs dividiram ao meio as tropas francesas e as empurraram, juntamente com a Força Expedicionária Britânica, para a costa do Mar do Norte, no que culminou na maior operação de retirada da história, quando centenas de embarcações foram envolvidas no resgate de soldados britânicos e franceses em Dunquerque, numa fuga desesperada para deixar o continente e escapar dos alemães. Dunquerque foi a maior humilhação por que passaram britânicos e franceses na guerra. De fato, o divórcio intelectual e estratégico franco-britânico concretizou-se com a evacuação das tropas aliadas, em especial da Força Expedicionária Britânica, em Dunquerque, no nordeste francês. Dois dias antes de se iniciar a evacuação de Dunquerque, em 24 de maio 1940, Hitler ordenou a contenção do avanço das vanguardas em direção à cidade. Boulogne, Calais, Dunquerque e Ostende eram os quatro portos no lado oposto da parte estreita da Mancha (cabeças-de-ponte para os ingleses no continente europeu) que, em 23 de maio, ainda não haviam sido capturados pelos alemães. Acreditava-se, nesse momento, que a grande tarefa da Luftwaffe, a Força Aérea Alemã, estava começando: o aniquilamento dos ingleses no norte da França pelo ar. Todavia, a concretização da evacuação provou para os ingleses a falta de eficácia da Luftwaffe ou, como acreditam alguns historiadores, que Hitler não estava disposto a aniquilar os ingleses, pois esperava que se tornassem aliados do Reich. Winston Churchill, que se tornara primeiro-ministro após o início da guerra, quis evitar a qualquer custo que os navios franceses se rendessem aos alemães nos portos e acabou por afundar alguns deles, o que agravou a anglofobia francesa. Ao final, a libertação de 340 mil soldados britânicos e franceses seria fundamental para os andamentos posteriores da guerra, tendo particular importância política para o duelo entre Churchill e Hitler. pág. 06
Em 22 de junho de 1940, a França capitulou e passou a ser o único país vencido a concluir um armistício. Bélgica e Holanda optaram pela rendição militar, e seus governos foram transferidos para Londres. Um governo francês pró-alemão se estabeleceu na cidade de Vichy, para onde fugira o parlamento. Marechal Pétain, herói da I Guerra Mundial, tornou-se o governante da França ocupada.
Essas primeiras vitórias do Eixo e dos soviéticos no início da II Guerra Mundial podem ser vistas no Mapa 24 (em verde, as conquistas alemães nos anos de 1939 a 1941; em amarelo, o que restou da França – a França de Vichy).
Mapa 24: A Primeira Fase da II Guerra Mundial As Vitórias Alemãs e Soviéticas na Europa
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux11.html A batalha da Grã-Bretanha (Operação Leão-do-Mar) iniciou-se em 13 de outubro de 1940. A Luftwaffe iniciou os bombardeiros sobre Londres. Todavia, foi testemunhada, naquelas semanas, uma das maiores ondas patrióticas da história britânica, que, somada ao “espírito de Dunquerque”, fez com que Hitler, ao final do mês, encerrasse a batalha para poupar aeronaves para o seu principal objetivo: a destruição da URSS. É importante observar que o general Charles De Gaulle e parte da elite moderada francesa migraram para Londres, onde estabeleceram o governo francês no exílio, ou “França Livre”. pág. 07
A derrota francesa significou uma ruptura da velha ordem internacional do século XIX. O equilíbrio de poder que havia moldado a sociedade europeia, com valores e regras de conduta comuns, ruiu definitivamente. No Ocidente, a Itália e a Alemanha julgavam-se capazes de formular uma nova ordem internacional. Ademais, a instabilidade europeia ocasionada pela guerra criou o ambiente para as independências afro-asiáticas nas décadas seguintes e para que Stalin começasse a dar a sua contribuição para a modificação do mapa político europeu: agiu sobre os países bálticos, sobre a Grécia e comandou várias anexações na Romênia e na Bessarábia (transformada em Moldávia). No Oriente, a política japonesa de substituição das potências ocidentais na Ásia – “Ásia aos asiáticos” – levou aos privilégios econômicos sobre portos aéreos e marítimos. A ocupação alemã da França deixara o Japão livre no sudeste asiático. O Japão acreditava no nascimento de um novo império, não mais contra a URSS ou a China, mas a favor de prosperidade econômica, que, não obstante a derrota ao final da guerra, pode ser sentida até os dias de hoje. Veja a interessante animação sobre a Segunda Guerra Mundial dando dois cliques na imagem ao lado. Clique em qualquer lugar do mapa e acompanhem a movimentação das tropas alemãs e, depois, a dos aliados. ATENÇÃO: após assistir à animação, clique a tecla ESC para retornar ao curso!
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A Segunda Fase: 1941-1945 Em 1941, desapareceu o mundo que o século XIX construiu e o período de transição iniciado na I Guerra Mundial (1914-1918). Havia um vazio de poder no mundo com a França invadida e a Grã-Bretanha falida. A crise do mercado financeiro comandado por Londres e, portanto, o fim da zona esterlina fizeram ruir a ordem liberal criada pelos ingleses, que até precisaram começar a usar reservas monetárias para pagar pelos produtos norte-americanos (cash-and-carry), o que começou a preocupar os EUA. As práticas comerciais começaram a mudar e a ter um novo articulador, quando, a partir de março de 1940, os EUA iniciaram o sistema do lendlease (empréstimo e arrendamento) com os países que apresentassem interesse à defesa vital dos EUA (SARAIVA, 1997). Plantavam-se as sementes do que viria a ser o Plano Marshall e de um Sistema Internacional sob a égide de uma Superpotência, novo conceito em relações internacionais. Também em 1941, dois eventos importantes provocariam nova mudança no equilíbrio de forças da guerra e da própria ordem internacional: a invasão da URSS conduzida pelos alemães e o ataque japonês à base estadunidense de Pearl Harbor, que provocaria a entrada dos EUA no conflito. E o ano seguinte começaria com uma fase em que a guerra se tornara global (vide o Mapa 25 – em vermelho, a zona de dominação alemã; em azul, a zona de dominação japonesa; e em verde os aliados em guerra contra a Alemanha e o Japão). Mapa 25: A II Guerra Mundial – O Mundo em 1942
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux15.html Em 22 de junho de 1941, tropas alemãs deram início à Operação Barbarossa, avançando sobre o território da URSS: a necessidade alemã de espaço vital chocava-se com a necessidade soviética de espaço vital. A operação desencadeava-se em três grandes frentes: em direção a Leningrado, Moscou e às reservas de petróleo da Ucrânia. A máquina de guerra alemã encontrou pouca resistência. De fato, em muitas partes da URSS, os alemães que chegavam eram vistos como liberdadores daqueles povos do jugo de Moscou e do totalitarismo stalinista. Logo essa percepção mudaria, graças à violência dos alemães nos territórios ocupados, motivada sobretudo pelo discurso ideológico nazista de destruição ou escravização daqueles considerados “inferiores” aos arianos. Stalin foi pego de surpresa com a invasão da URSS. O líder georgiano não acreditava que seu país seria atacado pelos alemães, apesar dos
relatórios da inteligência soviética que afirmavam ser o ataque iminente. O Exército Vermelho, por sua vez, estava em situação de extrema fragilidade, particularmente em virtude dos expurgos stalinistas da década de 1930, que desarticularam o Estado-Maior e aniquilaram o melhor que havia da oficialidade. Demoraria algum tempo para as forças soviéticas se recomporem. pág. 09
Com a invasão, os EUA apoiaram a resistência soviética, e a URSS foi incluída na aliança ocidental já em outubro de 1941. Logo grande quantidade de recursos, de alimentos a armamentos, seriam enviados em socorro aos soviéticos. Os aliados sabiam que, se a URSS caísse, a hegemonia alemã no velho mundo seria incontestável. A ajuda ocidental funcionou. Esta, associada ao ímpeto e à determinação do povo soviético e ao sacrifício de mais de 20 milhões de vidas, contribuiriam para a resistência e a contraofensiva da URSS. Em território russo, Hitler perdeu, pela primeira vez, uma Blitzkrieg, mais devido ao despreparo das forças alemãs diante das péssimas condições das estradas soviéticas e do terrível inverno russo do que em virtude da capacidade de reação de Stalin. Outro significativo ponto de inflexão na II Guerra Mundial deu-se com o ataque japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, no Havaí, em 7 de dezembro de 1941. Dentro dos planos japoneses de projeção de poder no continente asiático e no Pacífico, o projeto da Grande Ásia, o choque com os interesses estadunidenses era apenas uma questão de tempo. A operação contra Pearl Harbour tinha por objetivo neutralizar os EUA no Pacífico, passo importante para a ulterior anexação das Filipinas, da Malásia e de Hong Kong. Pearl Harbor, considerado um ataque pérfido do Japão contra um país que até então se dizia neutro na II Guerra Mundial, chocou e comoveu a opinião pública dos EUA, conduziu o país para a II Guerra Mundial, por meio da declaração formal de guerra anunciada pelo Presidente Roosevelt a 8 de dezembro de 1941, e acarretou a união das duas guerras paralelas, a da Ásia e a da Europa, numa só. O gigante estadunidense fora despertado e agora envidaria todos os esforços para por fim às pretensões das ditaduras fascistas de dominar o mundo. A nova política da Grande Potência do continente americano, rompido o isolacionismo, tinha uma característica peculiar: raio planetário. Os EUA estavam novamente em guerra. No período de maio de 1942 a meados de 1943, a guerra caracterizou-se por movimentos marcantes. A contenção do avanço japonês pelos aliados, o desembarque das tropas angloamericanas na Argélia e no Marrocos, neutralizando a expansão do Reich no norte da África, e a capitulação das tropas alemãs em Stalingrado anunciaram a reação aliada e a mudança do curso da guerra a seu favor. Em 1944, o rolo compressor dos soviéticos forçou o recuo gradual das tropas alemãs na Ucrânia, na Bielo-Rússia e na Polônia. Enquanto Tóquio perdia seus satélites, Moscou aumentava os seus, por um erro estratégico das forças aliadas: desde janeiro de 1943, Stalin denunciava o abandono do flanco oriental, o que, no final das contas, tornou a luta contra o Eixo uma forma de sobrevivência do modelo planificado e socialista de Estado. Isso lhe custou a vida de vinte milhões de soviéticos, quase dois quintos do total da guerra.
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No Menu lateral, em Links relacionados, sugerimos alguns sítios sobre a II Guerra Mundial. Não deixe de conferir!
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O dia D Se os soviéticos avançavam no front oriental, a abertura de um front ocidental era uma exigência de Stalin e uma necessidade na estratégia aliada. O desembarque no continente já começara no sul da Itália, mas se esperava realmente por uma invasão no norte da França que perfuraria a inexpugnável “fortaleza do Atlântico” e estabeleceria as cabeças de ponte para a reconquista da Europa Ocidental e o avanço de estadunidenses, britânicos e seus aliados rumo à Alemanha. No Mapa 26, é possível ver as linhas dos fronts de 1942 a 1945. Mapa 26: A Guerra na Europa de 1942 a 1945
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux23.html pág. 11
O “Dia D” finalmente ocorreu em 6 de junho de 1944. Na maior operação militar aeronaval da História, os aliados começaram a invasão do continente a partir da Normandia, região da França atlântica. Naquela data, 155 mil homens dos exércitos dos EUA, Grã-Bretanha, França e Canadá, muitos dos quais haviam sido evacuados de Dunquerque três anos antes, lançaram-se nas praias da Normandia, ocupando 80km da costa ao norte do país. A invasão deu início à libertação europeia do domínio nacional-socialista. Transportados por uma frota de 14.200 barcos, protegida por 600 navios e milhares de aviões, as tropas aliadas asseguraram uma sólida cabeça de praia no litoral francês (vide Mapa 27) e dali partiram para expulsar os alemães de Paris e, em seguida, marchar em direção à fronteira da Alemanha. Era o primórdio do colapso final do III Reich, o império que, segundo a propaganda nazista, deveria durar mil anos. Mapa 27: O “Dia D” – 6 de junho de 1944 O Desembarque Aliado na Normandia
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/guerre39_45/gdeux25.html Simultaneamente ao desembarque do lado ocidental, a URSS, no Leste da Europa, lançou uma poderosa ofensiva contra os alemães. Onze meses depois, a 8 de maio de 1945, a Alemanha de Hitler rendia-se. Hitler suicidara-se em 30 de abril de 1945, e com ele morriam as ideias megalômanas de dominação da Europa e da prevalência da raça ariana. Acabava a guerra na Europa. O Japão capitulou quatro meses depois. Ao final de agosto de 1945, após as bombas atômicas norte-americanas terem arrasado Hiroshima e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto respectivamente, todas as ações militares foram suspensas. A URSS declarou guerra ao Império Japonês em 8 de agosto de 1945. Mas não havia mais contra quem lutar. O país já se dispusera a negociar a rendição com os norte-americanos. Pela primeira vez na história da milenar monarquia japonesa, o Imperador falou para o povo, conclamando-o à rendição incondicional. Terminava a maior e pior guerra que a humanidade jamais travara.
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Há, ainda, alguns clássicos imperdíveis, como O mais longo dos dias, de Benhard Wicki, que trata do Dia “D”, o desembarque aliado de 6 de junho de 1944; e Uma Ponte Longe Demais, do diretor Richard Attenborough, sobre a Operação Market Garden, um plano ousado para obter um rápido final para a II Guerra por meio da invasão da Alemanha e destruição das indústrias de guerra do III Reich – esse ambicioso plano mostrou-se um dos grandes erros da guerra e causou mais baixas aos Aliados do que toda a invasão da Normandia.
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O imediato pós-guerra: 1945-1947 A destruição atômica de Hiroshima e Nagasaki, em 1945, simboliza o ocaso da velha ordem internacional do século XIX, o surgimento de um vácuo de poder na Europa, o fim dos sonhos de uma terceira Grande Potência (Alemanha) para substituir o antigo equilíbrio anglo-francês, o fim da condução europeia das relações internacionais e o surgimento de duas Superpotências com raios políticos de alcance planetário, EUA e URSS (SARAIVA, 1997). Antes da definição da polaridade EUA-URSS, que só fica clara a partir de 1947, houve uma tentativa de concerto anglo-americano, em março de 1943, momento em que já se procurava por uma nova era das relações internacionais e em que foram discutidos, em Washington, o futuro da Alemanha e as reivindicações territoriais dos soviéticos. Na ocasião, Roosevelt propôs um diretório de quatro: EUA, Grã-Bretanha, URSS e China, ideia que lembrava o Concerto Europeu do século XIX e as ideias do Congresso de Viena de 1815. Surgiu também a ideia de um projeto federativo para a Europa, proposto pela Polônia, que Moscou prontamente recusou, temendo a reconstrução do “cordão sanitário” do período pós-1918 e já vislumbrando as possibilidades de projeção da URSS na região. De Gaulle reclamou da ausência da França no diretório. As conferências internacionais de Moscou, Cairo e Teerã, no segundo semestre de 1943, mostraram a fragilidade da aliança entre as Potências ocidentais e a URSS: os EUA reapresentaram as teses idealistas wilsonianas de estabelecimento de um organismo internacional de segurança coletiva para resolver problemas territoriais; a Grã-Bretanha preocupava-se com a expansão soviética; e a França, com governo exilado em Londres, já não tinha voz. A Declaração de Moscou não incluiu nada a respeito de renúncias a zonas de influência e se resumiu a três pontos: a capitulação total da Alemanha, a ocupação de seu território pelos três aliados e o desarmamento completo. A Declaração do Cairo adicionou o Japão, exigindo a devolução de todas as conquistas japonesas do projeto da Grande Ásia, especialmente dos territórios tirados da China, como a Manchúria e Taiwan. Por fim, em Teerã, a Grã-Bretanha propôs a criação de três organizações regionalizadas (na América, na Europa e na Ásia), mas os EUA recusaram, pois insistiam numa instituição de raio mundial, que, por meio de um diretório composto entre os Quatro Grandes, atuaria como a “polícia do mundo”. Os EUA também recusaram a tese do federalismo europeu. Como se observa, EUA e URSS já ensaiavam, nessas discussões políticas, tornarem-se Superpotência.
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A Conferência de Yalta, em fevereiro de 1945, apenas consagrou todo esse quadro: o multilateralismo das negociações cedeu diante do unilateralismo do poder soviético na Europa Oriental. O Exército Vermelho já ocupava a maior parte da região, e sua chegada a Berlim era questão de dias. O tempo das relações internacionais já era outro: a política das áreas de influência na Europa se tornaria o modelo da política mundial nas décadas seguintes. Esse foi o primeiro grande legado da II Guerra Mundial. O segundo foi a materialização bipolarizada desse modelo, que será melhor explorada na Unidade seguinte. Os aliados, nas reuniões de São Francisco, entre abril e junho de 1945, e em Potsdam, entre julho e outubro de 1945, tinham como projeto a criação de instrumentos para o gerenciamento da paz no pós-guerra. A lógica das alianças e da diplomacia secreta cederia lugar ao esforço de reconstrução das relações internacionais com base no compromisso e no diálogo. As reuniões de São Francisco criaram a Organização das Nações Unidas (ONU), materializando o sonho wilsoniano, e deixaram evidente a perda de importância da Europa no sistema internacional que então se delineava, apesar de ter sido garantida a participação da Grã-Bretanha e da França no Conselho de Segurança da Organização. Interessante observar que, apesar de sua concepção idealista, o que se evidenciava na Assembleia Geral, onde cada membro tinha um voto, dentro do princípio da igualdade soberana entre os Estados, a ONU moldou-se em uma estrutura de poder realista, uma vez que tinha um Conselho de Segurança, o órgão legítimo para deliberar sobre o uso da força, no qual o poder concentrava-se na mão dos cinco grandes vitoriosos da II Guerra Mundial: EUA, Grã-Bretanha, URSS, França e China. Esses países tinham assento permanente no Conselho e poder de veto, mostrando a clara diferença entre eles e os demais Estados-membros da Organização e a desigual configuração de poder no Sistema Internacional.
Portanto, a Carta de São Francisco, assinada em 26 de junho de 1945, criou a ONU e tornou-se um dos grandes instrumentos de regulação da nova era das relações internacionais: firmava-se o primado do Realismo sobre o Idealismo que marcara a Sociedade das Nações. O sistema do veto do Conselho de Segurança, que substituía o sistema da unanimidade anterior, construía um diretório dos cinco grandes vencedores de 1945 (EUA, URSS, China, GrãBretanha e França), para garantir o congelamento do poder e um compromisso de controle da segurança mundial.
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Em fevereiro de 1947, o Tratado de Paz de Paris encerrou simbolicamente os turbulentos anos nas relações internacionais iniciados em 1939. Desaparecia definitivamente o mundo eurocêntrico, e as relações internacionais teriam a paz garantida por um equilíbrio de poder baseado no duopólio EUA-URSS. O mundo seria divido entre as esferas de influência de Moscou e Washington e começaria um novo período no sistema internacional, que ficaria conhecido como “Guerra Fria”.
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Sobre o Brasil na II Guerra Mundial, não deixe de ver.
A Revista Veja criou um sítio interessante sobre a II Guerra Mundial. Vale a pena conferir. A gama de livros sobre a II Guerra é significativa. Nesse sentido, sugerimos o sítio da Biblioteca do Exército, com o catálogo de publicações da Editora, particularmente da Coleção General Benício.
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Na próxima Unidade, concentraremos nossa atenção no estudo do Sistema Internacional pós-II Guerra Mundial. Vamos lá!
Unidade 2 - O Sistema Internacional Pós-1945
Objetivos
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a:
assinalar as características principais do Sistema Internacional pós-Segunda Guerra Mundial discorrer sobre os fatores da gestação da Guerra Fria; identificar os principais fatos e fases desse período.
Atenção
Esses objetivos devem nortear seus estudos nessa Unidade, e esperamos que você possa,
efetivamente, demonstrar os conhecimentos que eles propõem! Recorra ao material de estudo e busque solucionar suas dúvidas! Seu Professor-Tutor poderá auxiliá-lo nessa tarefa!
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A GUERRA FRIA Muitos autores defendem que, após o fim da II Guerra Mundial, não havia mais a ideia de uma Sociedade Internacional europeia, criada a partir de 1815. A instabilidade internacional no período de 1919 a 1939, que culminou na II Guerra, corroeu um estado de equilíbrio de quase 100 anos. A Europa entrou em uma profunda crise de valores e testemunhou o retorno dos egoísmos nacionais, como ocorrera no período pós-Westfália. Um novo sistema jurídico-político-econômico internacional foi erigido ao final da II Guerra Mundial. Nascia a ONU, que procurava corrigir os erros de Versalhes e com a qual renascia o ideal da segurança coletiva. Nascia também o sistema de Bretton Woods, que criou o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) para reconstruir o mundo destruído pela guerra e fazer com que a ordem liberal-capitalista anterior retomasse seus passos.
O chamado “Sistema de Bretton Woods” foi um modelo de Ordem Econômica Internacional que vigorou entre 1944 e 1973. Baseava-se em um esquema de paridades cambiais fixas (mas ajustáveis), fundamentadas no ouro-dólar – o dólar tornara-se a moeda forte da economia mundial em virtude da posição dos EUA como hegemon no sistema. O sistema também incluía as políticas econômicas aplicadas pelo FMI e pelo BIRD (e que, na década de 1980, ficariam conhecidas como “consenso de Washington”), instituições que contribuiriam para auxiliar e orientar as políticas econômicas domésticas. pág. 02
No âmbito político, o mundo pós-1945 foi marcado pela hegemonia dos EUA e da URSS e um novo modelo de política internacional: o sistema de zonas de influência de raio planetário, característico do novo tipo de Ator – a Superpotência. O mundo seria, portanto, dividido em zonas de influência soviética e estadunidense. O continente americano e o Ocidente Europeu constituíram-se em zona de influência dos EUA, e o Leste Europeu, da URSS. No Mapa 28, é possível identificar com clareza essa zona sob a hegemonia soviética. Mapa 28: A Europa em 1946
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel1.html
Um dos legados mais relevantes da II Guerra Mundial foi o fato do conflito ter trazido algumas soluções para o caos em que as relações internacionais se encontravam desde a I Guerra, época em que não se havia logrado criar um mundo pacífico e democrático. A partir de 1945, não houve mais guerra entre as Grandes Potências, apesar do estado de tensão constante entre as alianças militares ocidental e do bloco soviético, e o conflito armado foi transferido para o chamado Terceiro Mundo. O eurocentrismo chegou a termo, e os velhos impérios coloniais desapareceriam entre 1945 e a década de 1970.
Link
As organizações internacionais criadas após a II Guerra Mundial são Atores importantes da segunda metade do século XX. Veja os sítios da ONU e da OEA, a partir dos quais é possível ter acesso aos sistemas de organizações vinculadas a esses organismos mundial e regional.
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A Gestação da Guerra Fria "A Guerra Fria foi um período em que a guerra era improvável, e a paz, impossível." Com essa frase, o pensador Raymond Aron definiu o período em que a opinião pública mundial acompanhou o conturbado relacionamento entre os EUA e a URSS. O termo “Guerra Fria” deve-se ao fato de nunca ter ocorrido um enfrentamento bélico direto entre as duas Superpotências, o qual poderia acabar culminando na utilização dos arsenais nucleares e na consequente destruição massiva do planeta. A Guerra Fria substituiu o jogo da hegemonia coletiva da Europa sobre as relações internacionais. Há muitas teorias sobre em que momento a ordem internacional da Guerra Fria foi gestada. Alguns defendem ter sido na Revolução Bolchevique e no cerceamento internacional da Rússia nos primeiros anos da Revolução, outros no “cordão sanitário” do Entre-Guerras, e há os que defendem ter sido gerada nos anos finais da II Guerra Mundial. O fato é que, após a liberação recente dos documentos, arquivos e memórias antes proibidos para pesquisas, os fatos que cercam a Guerra Fria passaram a ganhar novas interpretações, reforçando a tese da sua gestação ao final da II Guerra Mundial e como obra do erro estratégico dos aliados com relação ao flanco oriental a partir de 1943 e da rejeição da URSS à ajuda do Plano Marshall, promovido pelos EUA.
O Realismo nas relações internacionais parece ter tido mais influência na política soviética do que a ideologia propriamente dita. Stalin, com seus mais de 20 milhões de mortos na guerra, ensaiava a reconstrução do país com base nas reparações de guerra e na política de zona de ocupação. As ações do líder soviético acabaram por confundir os formuladores da política externa dos EUA, que associaram os movimentos de Moscou à ótica de um projeto expansionista. A assistência norte-americana para a reconstrução soviética, acertada na conferência de Teerã de 1943, nunca aconteceu. O bloqueio de Berlim, em 1948, que marcou o início da tensão, foi feito por Stalin ao perceber o desenvolvimento da doutrina antissoviética por parte dos EUA, a Doutrina Truman, que pregava a necessidade de contenção da URSS e do expansionismo dos regimes comunistas a qualquer custo. Em resposta à Doutrina Truman, os soviéticos desenvolveram a Doutrina Idanov, que percebia a URSS como um baluarte do Estado proletário sob constante ameaça das Potências imperialistas e que não deveria poupar esforços para defender-se, sendo o maior deles a expansão do comunismo pelo mundo.
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Para os EUA, o conceito de Superpotência correspondia à conjugação da capacidade econômica hegemônica com a vontade de construção de uma grande área sob a influência dos valores do capitalismo, ou seja, a fusão dos interesses da indústria e do comércio norte-americanos com a busca da hegemonia mundial. Para a URSS, correspondia à conjugação da necessidade de sobrevivência do modelo político-econômico planificado e centralista com a necessidade de compensar sua fraqueza diante do Ocidente com a criação de uma área sob a influência dos valores do socialismo. Ao final da II Guerra Mundial, os países beligerantes haviam-se tornado um campo de ruínas habitado por povos muito propensos à radicalização e à revolução contrária ao sistema da livre empresa, do livre comércio e investimento. O Primeiro-Ministro da França foi a Washington advertir que, sem apoio econômico, era provável que se inclinasse para os comunistas. Assustados com o aumento dos votos para os comunistas nas eleições europeias no imediato pós-guerra, os estadunidenses desenvolveram a versão econômica da Doutrina Truman: o Plano Marshall, que visava orientar a presença dos EUA na reconstrução econômica da Europa Ocidental, o que seria uma maneira de reverter o quadro de debilidade das democracias ocidentais e do capitalismo diante da penetração soviética.
A ajuda do Plano Marshall foi oferecida aos países da Europa envolvidos na II Guerra Mundial, inclusive à URSS. Stalin rejeitou o dinheiro americano e denunciou o Plano Marshall como uma declaração de guerra econômica à URSS. Ademais, impediu os países ocupados pela URSS (Polônia, Países Bálticos, Tchecoslováquia, Romênia, Hungria, Bulgária e Alemanha Oriental) de aceitá-lo. E, como resposta ao Plano Marshall, a URSS criou o Conselho de Assistência Econômica Mútua (COMECOM), com o objetivo de organizar economicamente o bloco socialista.
Em valores, a ajuda era de US$ 13 bilhões na época, o que seria equivalente a cerca de US$ 100 bilhões em 2002.
Costuma-se dividir a Guerra Fria em três fases:
• fase “quente”, que vai de 1945 a 1955; • fase da “coexistência pacífica”, de 1955 a 1979; • fase da “nova Guerra Fria”, de 1979 a 1991.
Todavia, há os que separam a segunda fase em duas, com uma fase conhecida como détente (distensão), entre 1969 a 1979, que marca a fundação de um concerto americano-soviético e o início da decomposição ideológica do conflito Leste-Oeste. pág. 05
A Fase “Quente”: 1945-1955
O período inicial da Guerra Fria é marcado pelo início da rivalidade entre EUA e URSS e pela divisão do mundo em um modelo bipolar. Nos EUA, que entre 1945 e 1949 eram os únicos detentores da arma atômica, George Kennan denunciou as pretensões soviéticas de expandir o modelo socialista pelo mundo e formulou a “doutrina da contenção”. Em termos militares, houve reformas na organização militar interna dos EUA, em 1947, e na estrutura militar da aliança atlântica. No campo doméstico, a Lei de Segurança Nacional (1947) criava o Departamento de Defesa, a Agência Central de Inteligência (CIA) e o Conselho de Segurança Nacional. Também foi criada a Força Aérea estadunidense. No plano internacional, o bloco liderado pelos EUA constituiria um sistema mundial unificado de defesa, e foi criada, em 1949, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), composta por EUA, França, Grã-Bretanha, Bélgica, Canadá, Dinamarca, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega e Portugal. Tratava-se de um sistema de defesa que deveria fazer frente a uma eventual agressão soviética contra seus membros. A contenção do avanço comunista deveria ocorrer nos campos político e militar, mas também nas áreas ideológica e econômica. Daí o advento do Plano Marshall, cujo objetivo era, por meio da ajuda econômica, garantir a presença norte-americana na Europa Ocidental e a sua reconstrução segundo os valores democráticos e capitalistas. Acompanhava o Plano Marshall o estabelecimento da Organização Europeia de Cooperação Econômica (OCDE), instituição que se encarregaria de aplicar a ajuda estadunidense e servir de foro para novas iniciativas de cooperação europeia. O Plano Marshall estabeleceria os alicerces da reconstrução europeia e do processo de integração, que teve como marco os Tratados de Roma de 1957, embrião da atual União Europeia. pág. 06
Segundo Giovanni Arrighi (1996), a expansão econômica mundial e a integração europeia exigiam uma reciclagem muito maior da liquidez mundial do que estava implícito no Plano Marshall. O rearmamento foi uma forma de superar as limitações do Plano. A ideia era fazer com que uma economia nacional não mais ficasse dependente da manutenção de um superávit de exportações (em uma época de câmbio fixo, sob pena de depreciação de sua moeda). O rearmamento nacional era um meio de sustentar a demanda, por meio do seguinte processo: rearmamento (produção industrial e desenvolvimento tecnológico)
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tecnologias colocadas no mercado
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sustentação e excitação da demanda doméstica
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fortalecimento do mercado doméstico
A assistência militar dos EUA à Europa foi um meio de continuar a prestar assistência ao velho continente após o fim do Plano Marshall. Os gastos militares no exterior (que saltaram entre 1950 e 1958 e entre 1964 e 1973) forneceram à economia mundial a liquidez necessária para se expandir, num processo de “keynesianismo militar” global. Havia, ainda, a preocupação particular com a Alemanha. Foram feitos investimentos em grandes quantidades na Alemanha Ocidental ao final da década de 1940, com o objetivo de fazer do país reconstruído e de Berlim Ocidental a vitrine do capitalismo, solidificando a ideia da área como fronteira das democracias capitalistas. Também se buscava evitar qualquer sentimento revanchista alemão por meio da incorporação plena do país à Aliança Atlântica. Os EUA percebiam uma Alemanha Ocidental forte, econômica e militarmente, como a primeira linha de defesa contra uma eventual expansão soviética rumo à Europa Ocidental. Diante das ações estadunidenses, a URSS reagiu. Intensificou o processo de militarização das fronteiras, o recrudescimento da política de espaços na Europa Oriental e a aceleração do projeto de desenvolvimento da bomba atômica: essa seria a resposta de Moscou à política antissoviética adotada pelos EUA. Passo importante na fundação do sistema bipolar seria a detonação da primeira bomba atômica soviética, em 1949. Os soviéticos haviam obtido tecnologia nuclear dos EUA e da
Grã-Bretanha por meio de uma eficiente operação de espionagem. Isso desencadearia uma perseguição aos comunistas – ou aqueles suspeitos de simpatia à URSS – que provocaria um período de terror nos EUA conhecido como Macartismo. De toda maneira, com a bomba, a URSS mostrava ao mundo que havia, a partir de então, uma outra Potência nuclear. Começava a corrida armamentista entre as duas Superpotências.
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Além da força nuclear, Moscou buscou garantir também um sistema de defesa convencional baseado em uma aliança militar para contrapor-se à OTAN (que, em 1952, incorporava a Grécia e a Turquia) e, em 1955, foi criado o Pacto de Varsóvia, integrado por URSS, Albânia, Bulgária, Tchecoslováquia, Hungria, Polônia e Romênia: estabelecia-se o guarda-chuva militar de Moscou sobre a Europa Oriental. Ainda no que concerne à Europa Oriental, ocupada pelo Exército Vermelho, esta foi rapidamente “sovietizada”. Moscou não aceitaria democracias populares multipartidárias em sua área de influência. Em 1947, foi criado o Kominform, em substituição à Internacional Comunista. O Kominform tinha por objetivo propagar a revolução comunista no mundo e garantir o controle ideológico dos partidos comunistas no Leste por Stalin, momento em que ficou clara a liderança soviética sobre os movimentos de organização dos comunistas franceses, italianos, iugoslavos, tchecos, poloneses, húngaros, romenos e búlgaros. Mas Moscou também mostrava-se disposta a patrocinar a revolução socialista em qualquer parte do mundo. Daí seu apoio à Revolução Chinesa de 1949, talvez o evento mais importante da história da Ásia no século XX. Com a vitória comunista sobre os nacionalistas, a China foi reorganizada nos moldes comunistas, com a coletivização das terras e o controle estatal sobre a economia. Do dia para a noite, um quinto da população do planeta passava a viver sob regime comunista. Ademais, nascia uma nova Potência, que logo ocuparia seu espaço no cenário mundial e rivalizaria com a URSS a liderança do bloco socialista. No campo econômico, foi criado o Conselho Econômico de Ajuda Mútua (COMECOM) para estruturar as relações econômicas entre os membros do bloco socialista e para se contrapor ao Plano Marshall. O COMECOM simbolizava o internacionalismo soviético na Economia. Composto inicialmente por seis países (Bulgária, Hungria, Polônia, Romênia, Tchecoslováquia e a própria URSS), o COMECOM teria a adesão da Alemanha Oriental em 1950. Em 1962, o ingresso da Mongólia representou um primeiro passo para uma estruturação do COMECOM para além da Europa. Entre 1956 e 1968, Coreia e República Democrática do Vietnã obtiveram o status de observadores junto ao COMECOM. Em 1964, foi assinado acordo com a República Federativa Socialista da Iugoslávia e, em 1972, Cuba ingressou na Organização. pág. 08
A hegemonia soviética na Europa Oriental criou uma área de influência a que Churchill chamou de “cortina de ferro”. O bloco socialista na Europa e a cortina de ferro estão registrados no Mapa 29, com as respectivas datas de ingresso de cada país no bloco socialista.
Mapa 29: A Expansão da URSS no Leste Europeu no Pós-II Guerra e a Cortina de Ferro
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel3.html
Vídeo
Para conhecer o clima de tensão da Guerra Fria, assista a Treze dias que abalaram o mundo (Thirteen days, 2000), dirigido por Roger Donaldson, com Kevin Costner e Bruce Greenwood. O filme conta a história da Crise dos Mísseis de Cuba (1962), com ênfase na maneira como se conduziu o processo decisório no Governo Kennedy e as negociações com os soviéticos, que culminariam na reestruturação das relações entre as Superpotências. Outro filme fundamental para a compreensão do período e da maneira como eram tomadas as decisões é Sob a Névoa da Guerra, dirigido por Errol Morris. Vencedor do Oscar de melhor documentário de 2004, o filme se molda a partir de uma longa entrevista do cineasta com Robert Strange McNamara, Secretário de Defesa estadunidense dos governos de John F. Kennedy e Lyndon Johnson (entre 1961 e 1967). McNamara apresenta, de forma realista, como se conduziram a política externa e as relações com a URSS e outros atores em uma das épocas mais conturbadas da Guerra Fria.
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A Guerra da Coreia e a disputa bipolar na Ásia Estavam, portanto, definidos os dois “condomínios” internacionais de influência. Entre 1950 e 1953, as duas Superpotências jogaram todos os seus esforços na demonstração de poder mundial na Guerra da Coreia. Com a proclamação da República Popular Democrática da Coreia pelos revolucionários comunistas, os EUA desembarcam tropas no sul do país e estabeleceram um governo antirrevolucionário de notáveis. A ONU reconheceu a divisão do país em dois pelo Paralelo 38 e uma guerra se iniciou em 1950, quando os nortecoreanos invadiram o território ao sul do paralelo em resposta ao envio norte-americano de esquadras para Taiwan e para a Coreia do Sul. Foi o maior conflito armado desde a II Guerra Mundial. A ONU enviou tropas multinacionais sob o comando dos EUA, e os norte-coreanos recuaram de volta ao Paralelo 38. Migs soviéticos sobrevoaram e bombardearam a Coreia do Sul e, com o apoio de tropas chinesas, impuseram vitória sobre as tropas norte-americanas, as quais, por sua vez, por meio da Operação Killer, jogaram bombas de napalm e ameaçaram a China com o uso de armas atômicas. Só se chegou a um equilíbrio militar ao final de 1951, quando as tropas dos EUA se retiraram, e teve início uma política de acomodação. Em 1953, foi assinado o armistício de Panmunjom, por meio do qual se criou uma zona de segurança separando as duas Coreias, compreendendo uma área de quatro quilômetros ao longo do Paralelo 38, sob a vigilância da ONU. Convém lembrar que o armistício apenas suspendeu os embates bélicos, de modo que, tecnicamente, a guerra continua até nossos dias. As duas Coreias se tornaram um monumento dos anos quentes da Guerra Fria (SARAIVA, 1997). Outro país a se dividir foi o Vietnã, em 1954: Vietnã do Norte, comunista, e o do Sul, capitalista. A posição dos EUA na Ásia estava fragilizada, e os norte-americanos mais que nunca temiam o risco do “efeito dominó”, ou seja, de que o que acontecera na China, na Coreia e no Vietnã acabasse repercutindo por toda a Ásia, com o estabelecimento de regimes comunistas de influência soviética pelo continente e a consequente perda de poder estadunidense na região. Em virtude dessa ameaça, os tomadores de decisão nos EUA concluíram que o país deveria envidar todos os esforços possíveis para conter o avanço do comunismo pelo mundo. Essa decisão teria grandes repercussões pelas décadas da Guerra Fria, entre as quais a entrada dos EUA na guerra do Vietnã e o apoio estadunidense a regimes capitalistas do extremo oriente – Japão, Coreia do Sul e Taiwan, por exemplo.
Vídeo
No que concerne à Guerra do Vietnã, dois filmes são sugeridos: Apocalipse Now, de Francis Ford Copolla, estrelado por Marlon Brando, e Platoon, de Oliver Stone. Ambos foram produções marcantes que revelaram muitos dos horrores da Guerra do Vietnã, a grande chaga na política externa dos EUA na segunda metade do século XX.
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Mais disputa bipolar
A fragilidade dos EUA em relação à hegemonia global também começava a acontecer em outras regiões do planeta. A Comunidade Econômica Europeia foi instituída, em 1957, pelo Tratado de Roma, tendo como núcleo a unidade franco-germânica, e se apresentou como alternativa ao plano norte-americano de integração do continente. Na incontestável zona de influência norte-americana, a América Latina, o estabelecimento de um regime comunista pró-soviético em Cuba, após a Revolução de 1959 (que, inicialmente, nem tendências comunistas tinha), com o fracassado desembarque na Baía dos Porcos, revelou que as estruturas da Guerra Fria não eram tão absolutas quanto se desejava, e que era claro o risco da perda da influência norte-americana em quaisquer regiões do planeta.
Desembarque na Baía dos Porcos - trata-se de uma fracassada tentativa de cubanos contrários à Revolução de desembarcarem na ilha e porem fim ao regime de Fidel Castro. Os anticastristas encontravam-se nos EUA e tiveram apoio da CIA e do governo norte-
Os EUA começaram a perceber que grandes volumes de bombas e maciços investimentos na segurança internacional não eram suficientes para construir a legitimidade internacional. A URSS, por sua vez, tornava-se mais forte, mas pouco disposta a bater de frente com os EUA.
americano para realizar a ação armada contra o regime de Castro.
Com a morte de Stalin e a chegada ao poder de Nikita Krushev, acabariam os anos quentes e começaria a fase da coexistência pacífica.
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A Fase da Coexistência Pacífica: 1955-1968 Alguns autores conjugam as fases da coexistência pacífica com a da détente. Outros, porém, consideram que essa segunda fase marca o início da flexibilização da ordem bipolar, e a terceira, mais tardia, marca um momento de deliberada atitude das duas Superpotências de pôr fim à era de diferenças. Por motivos didáticos, adotamos essa posição. A coexistência pacífica foi a fase da flexibilização da política externa dos EUA e da URSS em que, respectivamente, Eisenhower substituiu Truman e Krushev substituiu Stalin.
Também caracterizaram essa segunda fase os seguintes acontecimentos:
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Recuperação econômica e política da Europa Ocidental: tentava-se o retorno da Europa ao centro das relações internacionais, após a reconstrução proporcionada pelo êxito dos investimentos e doações norte-americanas por intermédio do Plano Marshall. A Europa deixava gradativamente de ser um centro de poder alinhado automaticamente aos EUA.
Início da desintegração do bloco comunista: a ruptura chinesa (com a disputa sino-soviética no início dos anos de 1960) e o casamento de crenças divergentes de alguns partidos comunistas com o nacionalismo (Albânia, Bulgária, Romênia e Tchecoslováquia) começavam a descaracterizar a unidade comunista na Europa Oriental. O condomínio comunista não deu sinais de expansão significativa entre a Revolução Chinesa e a década de 1970.
Descolonização das nações afro-asiáticas: a multiplicação repentina de Estados soberanos e o discurso de igualdade jurídica modificaram o quadro dos organismos internacionais, como a ONU. Traziam-se aos foros internacionais novas reivindicações por parte do chamado “Terceiro Mundo”.
O não alinhamento dos novos Estados pós-coloniais: a maior parte dos novos Estados não era comunista em sua política interna e considerava-se “não alinhada” em sua política externa (Movimento dos Países Não Alinhados, que conjugou seu discurso com o discurso do Grupo dos 77, criado pelos países do Terceiro Mundo, por uma nova ordem econômica internacional na década de 1970).
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Articulação independente e própria dos países mais industrializados da América Latina: Brasil e Argentina começaram a construir seus próprios interesses na inserção internacional do período. A noção de “quintal” dos EUA foi substituída pela noção moderna de alinhamento negociado.
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A crise dos mísseis em Cuba (1962): tentativa de Krushev, por meio da alocação de mísseis na ilha de Cuba, de alterar o equilíbrio de poder mundial em prol da URSS, tendo em vista o avanço do projeto de Mísseis Antibalísticos (ABMs) dos EUA e a nova doutrina militar da OTAN na Europa (nuclearização).
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O declínio gradual das armas nucleares no equilíbrio de poder entre as Superpotências: após a crise de Cuba, criou-se um acordo tácito entre a Casa Branca e o Kremlin e iniciaram-se os processos de negociações de acordos para controle e limitação das armas nucleares, como os SALT I e II e o acordo sobre ABMs;
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Surgimento de um novo Ator importante: a China de Mao Tsé-Tung. Ao explodir sua primeira bomba atômica, em outubro de 1964, a China mudava a correlação de forças no cenário internacional.
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O Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), de 1968: as Grandes Potências conclamavam os países não nucleares a não fazerem experimentos e os países nucleares a congelarem os seus arsenais.
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Assim, o mundo continuava dividido entre as esferas de poder das duas Superpotências. Entretanto, sobretudo após a crise dos mísseis de Cuba, quando EUA e URSS quase entraram em um confronto direto, a decisão de Washington e Moscou foi de estabelecer mecanismos que permitissem a convivência entre os dois blocos e evitassem uma hecatombe nuclear. O Mapa 30 ilustra o mundo dividido entre as esferas de influência de Washington e Moscou. Mapa 30: Os Dois Blocos em 1955
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel8.html
Vídeo
Por mais estranho que possa parecer, há dois filmes que simbolizam bem a percepção norte-americana dos valores do capitalismo na Guerra Fria na década de 1980: Rambo III e Rocky IV. Em Rambo III, um veterano da Guerra do Vietnã (Sylvester Stallone) é enviado ao Afeganistão para libertar seu mentor, que caiu nas mãos dos soviéticos, durante a ocupação daquele país, e conta com o apoio dos Talibãs. Interessante, sobretudo, se relacionarmos o filme à realidade de duas décadas depois: a película retrata os vínculos dos EUA com os guerrilheiros afegãos no combate aos soviéticos. Stallone passa a ser o símbolo do herói estadunidense dos anos 1980 e a causa Talibã, um dos focos da política externa dos EUA. Atente para a dedicatória ao final do filme. Já em Rocky IV, o personagem de Stallone encontra um adversário diferente para lutar nos ringues de boxe: Drago (Dolf Lundgren), um lutador de 1,90 m de altura e 130 kg que representa a URSS. O programa de treinamento de Rocky o leva à fria Sibéria, onde ele se prepara para o combate em Moscou. O filme é marcado pela exaltação ao patriotismo norte-americano.
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A Fase da “Distensão”: 1969-1979 Muitos autores defendem que só se pode falar em Guerra Fria até o final dos anos de 1960, uma vez que a fase que se segue é apenas um concerto entre as duas Superpotências. Outros preferem chamar essa fase de “Segunda Guerra Fria”, pois é o momento em que as duas Superpotências transferem sua competição para o chamado Terceiro Mundo (Vietnã, Angola, Afeganistão, Líbia, entre outros). Se a década de 1960 fez transparecer uma perda de poder dos soviéticos, a década de 1970 assinalava uma perda do domínio norte-americano e seu relativo isolamento: na Guerra do Vietnã (1959-1975) e na Guerra do Yom Kippur (1973), os EUA não receberam ajuda europeia. A crise do petróleo parecia sugerir enfraquecimento no domínio internacional dos EUA, enquanto fez os preços das jazidas de petróleo e gás natural da URSS quadruplicarem. Entre 1974 e 1979, regimes na África, na Ásia e na América Latina começaram a ser atraídos para o lado soviético. Além disso, o escândalo envolvendo a administração Richard Nixon (Watergate) causou uma certa desordem na presidência dos EUA.
Quatro fatos são relevantes nessa fase: O concerto americano-soviético, que anunciava a flexibilização deliberada no relacionamento das duas Superpotências: • os planos SALT (Strategic Arms Limitation Talks) congelaram por cinco anos o desenvolvimento e a produção de armas estratégicas e o controle sobre mísseis intercontinentais e lançadores balísticos submarinos;
1)
• os encontros pessoais, entre 1972 e 1974, dos dois chefes de Estado reativaram fluxos comerciais e financeiros estagnados, como aqueles entre a URSS e os países capitalistas ocidentais (de 1970 a 1975, as exportações ocidentais para a URSS quadruplicaram).
Consciência da diversidade de interesses no Sistema Internacional: • a confirmação da vocação integracionista da Europa: a Europa dos Seis de 1957 (França, Alemanha, Itália, Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo) passa a ser a Europa dos Nove em 1973 (com a adesão da Grã-Bretanha, Dinamarca e Irlanda), matriz do que viria a ser, duas décadas depois, o núcleo de poder da União Europeia: criava-se uma alternativa ao sistema bipolar, mas não da forma harmônica e autônoma que qualificara a hegemonia coletiva europeia do século XIX; • a América Latina aproveita o clima da détente para a sua reinserção internacional: com a crise da liderança norte-americana na região, as relações internacionais são desideologizadas em seus países mais importantes, como Brasil, México e Argentina, que passam a adotar linhas de condutas próprias nos negócios internacionais;
2)
. quatro grandes Atores na Ásia desenvolvem capacidades de defesa de interesses próprios na agenda internacional: Vietnã, Índia, China e Japão. Destaque para a República Popular da China, a China comunista, que rompe com o seu isolacionismo e retorna ao sistema internacional na década de 1970 (inclusive passando a assumir a cadeira chinesa no Conselho de Segurança da ONU em 1971), recusando a hegemonia soviética e ensaiando uma aproximação com os EUA, e para o Japão, que iniciava sua caminhada para se tornar a segunda economia do planeta.
Esforço de construção de uma nova ordem econômica internacional pelos países do Terceiro Mundo para a redução da dependência com relação aos centros hegemônicos de poder: • reforço das ilusões igualitaristas dos países afro-asiáticos: irrompem tentativas dos países do Sul de estabelecerem um diálogo sólido com o Norte;
3)
• a África como um todo e parte da América Latina e da Ásia buscam afirmar o conceito de Terceiro Mundo nas relações internacionais; • as dificuldades de diálogo encontradas na década de 1960, no âmbito das sessões da Conferência da ONU para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), levaram o Terceiro Mundo a propor a Declaração e o Programa de Ação sobre o Estabelecimento de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), convertida em Resolução da ONU em 1979.
Crise energética e financeira, que testou o grau de adaptabilidade do capitalismo: • os choques do petróleo em 1973 e 1979 tornam o Sistema Internacional da détente vulnerável e abalam os componentes da produção, do comércio e das finanças internacionais;
4)
• a crise de conversibilidade do dólar, pondo fim ao sistema monetário de Bretton Woods: diminuição da importância da economia dos EUA e elevação das taxas de juros internacionais, anunciando o desastre para as economias que haviam orientado a sua inserção nas relações econômicas internacionais pela via do endividamento externo, como o Brasil, o México e a Argentina; • os países árabes, detentores do petróleo, tornam-se Atores de relevo no sistema internacional, passando a reivindicar posições-chaves no planejamento das atividades econômicas em escala global; • aceleração do processo de globalização dos mercados: as empresas, em reação à estagnação da produção de bens, à inflação dos preços e ao custo energético, desenvolvem novos processos de produção de bens e de organização do mundo do trabalho e do consumo, o que acabará por provocar uma revisão dos próprios papéis dos Estados nacionais na política internacional; o surgimento de uma nova economia sustentada na concentração de inteligência e na robótica, criando um novo paradigma tecnológico-industrial (momento também conhecido como “Terceira Revolução Industrial”).
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O Fim da Guerra Fria: 1980-1991 A década de 1980 marcou o que muitos autores chamam de “Nova Guerra Fria”. No período, mereceu destaque a exacerbação anticomunista do novo presidente norte-americano, Ronald Reagan, estabelecendo-se um retorno ao Realismo nas relações internacionais (em substituição ao Idealismo de Jimmy Carter). As concessões unilaterais efetuadas pelo governo Carter foram substituídas por uma política de confrontação diplomática e de endurecimento econômico, com bloqueio econômico e tecnológico aos países do sistema soviético. O aumento das despesas militares resultou em acúmulo de déficits orçamentários para ambos os lados. No entanto, os EUA possuíam uma clara vantagem nesse processo: os estadunidenses podiam financiar sua dívida pública por meio de emissão de uma moeda que era o principal meio de reserva internacional ou pela colocação de títulos do Tesouro dos EUA no mercado – mecanismos impossíveis de serem utilizados pela URSS, dada
a sua tradicional separação da economia mundial. Assim, segundo Paulo Roberto de Almeida, o ocaso final do modo de produção socialista teve início quando os EUA adotaram o programa armamentista conhecido como Guerra nas Estrelas, forçando a URSS a tentar reproduzir o “keynesianismo militar” do governo Reagan, que se revelava oneroso demais. No final da década de 1980, o mundo veria o bloco socialista desmoronar, em um processo intensificado a partir das reformas do novo líder soviético, Mikhail Gorbatchev, que chegou ao poder em 1985. Em alguns meses, o sistema socialista desapareceria da Europa Oriental, escapando das mãos soviéticas sem que Moscou tivesse como impedir o processo. O assunto será tratado na Unidade seguinte. O Mapa 31 mostra o colapso do bloco socialista, com as novas fronteiras europeias ao final do século XX. Mapa 31: O Colapso do Bloco Socialista (1987-1990)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel20.html Do ponto de vista econômico, a década de 1980 testemunhou amplo processo de conversão das economias planejadas em economias de mercado: reformas econômicas introduzidas na República Popular da China pela equipe de Deng Xiao-Ping; liberalização do regime soviético a partir de 1985, com a adoção da Perestroika por Gorbatchev, que alcançou o Vietnã a partir de 1986, espalhou-se pela Europa Oriental a partir da queda do Muro de Berlim, em 1989, e culminou na conversão para a economia de mercado de praticamente todas as ex-repúblicas socialistas que apareceram após a desintegração da URSS, concluída em 1991. Do período que vai de 1917 a 1991, algo ficou claro para o mundo: o capitalismo mostrava-se muito mais adaptável ao Sistema Internacional do que o socialismo.
Link
Há muitos sítios interessantes sobre a Guerra Fria. Veja, por exemplo o da TV Cultura que reserva um espaço interessante com textos sobre a Guerra Fria. Confira também o da Educaterra, que traz no História por Voltaire Schilling, o texto: Os Estados Unidos e o início da Guerra Fria (1945-49).
Vídeo
O cinema procurou explorar a temática da Guerra Fria em vários filmes interessantes. Destacamos um filme-catástrofe de 1983, O Dia Seguinte, de Nicholas Meyer. Trata da vida de estadunidenses após o desencadeamento da guerra nuclear contra a URSS e a destruição causada pelas Superpotências. As cenas são fortes, sobretudo as que mostram os efeitos da radiação sobre as pessoas, e marcou uma posição de parte da opinião pública dos EUA contrária à corrida nuclear. Recentemente foi produzido mais um filme retratando esse período conturbado da relação entre as Superpotências nos anos 60, K-19: The Widowmaker, dirigido por Kathryn Bigelow, com elenco principal formado Harrison Ford e Liam Neeson. A história é um thriller de conspiração de guerra baseada em fatos reais, envolvendo um acidente com o submarino nuclear russo “K-19”, em 1961, que poderia ter causado um conflito internacional de grandes proporções, culminando até numa guerra atômica. Esse acontecimento real foi ocultado por vinte e oito anos pelos russos. Os marinheiros envolvidos na operação foram afastados de suas funções e proibidos de revelar a história, até que finalmente os fatos vieram à tona após o fim da União Soviética.
Livro indicado
Uma sugestão de leitura é Construtores da Estratégia Moderna, de Peter Paret, editado pela Biblioteca do Exército. Outras obras interessantes podem ser encontradas no sítio dessa editora.
Avaliação Objetiva
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Unidade 3 - O Fim da Guerra Fria e a Nova Ordem da Década de 1990
Objetivos da Unidade:
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a: • discorrer sobre o surgimento de um mundo multipolar após o fim da Guerra Fria; • apresentar as principais características da nova ordem internacional pós-Guerra Fria.
Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante, estude com afinco!
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Antecedentes: as transformações da década de 1980 A década de 1980 foi, para muitos, uma década de ruptura. Começaram a aparecer, na doutrina internacional, expressões como: “queda dos impérios”, “fim do Estado-nação”, “fim do Estado-territorial” e ascensão do “Estado-comercial”, “fim do Terceiro Mundo”, “fim das ideologias”. A década marcou o fim do dualismo econômico entre socialismo e capitalismo e o aprofundamento da diferenciação entre países pobres e países ricos, com as crises da dívida externa nos países em desenvolvimento. Do ponto de vista das relações internacionais, o período foi de superação do conflito Leste-Oeste e de fragmentação do Terceiro Mundo. Surgia um sistema pós-hegemônico, no qual vários grandes Atores mundiais passavam a reger coletivamente os negócios internacionais (multipolaridade estratégica). Um desses novos Atores, que funcionava em uma espécie de consórcio informal, foi o Grupo dos Sete (G7), composto por EUA, Japão, Alemanha, França, Itália, Grã-Bretanha e Canadá, as nações mais ricas do planeta. A partir de 1992, a Rússia, apesar de não ser a oitava economia do globo, incorporou-se ao Grupo, que passou a ser conhecido como G8.
A tentativa de Gorbatchev de soviético, com a Perestroika e a abandono do comunismo nos Central e Oriental, seguido pelo
reforma do regime Glasnost, e o rápido países da Europa desaparecimento da
A Perestroika, ou “reestruturação econômica”, é iniciada em 1986, logo após a instalação do governo Gorbatchev. Constituía-se em um projeto ambicioso de reintrodução dos mecanismos de mercado, renovação do direito à propriedade privada
A Glasnost, ou “transparência política”, desencadeada paralelamente ao anúncio da Perestroika, tinha por objetivos alterar a mentalidade social, liquidar a
própria URSS, em 1991, provocaram a mais expressiva transformação no sistema internacional desde o final da II Guerra Mundial. Após a perda de controle do bloco socialista, em virtude das rápidas transformações nos antigos regimes do Leste Europeu, a URSS viu sua influência declinar no cenário internacional. No início da década de 1990, começou o que seria praticamente inconcebível dez anos antes: a sua desintegração. As primeiras Repúblicas a se separarem foram os Estados bálticos – Letônia, Estônia e Lituânia –, que haviam sido incorporados à URSS no início da II Guerra Mundial. Após uma grave crise institucional em agosto de 1991, marcada pela vitória popular liderada por Boris Yeltsin sobre uma tentativa de golpe da linha dura soviética, o governo de Gorbatchev perdeu a legitimidade e, em 25 de dezembro de 1991, o último líder soviético anunciava formalmente o fim da URSS.
em diferentes setores e retomada do crescimento, tendo, entre seus objetivos, o de liquidar os monopólios estatais, descentralizar as decisões empresariais e criar setores industriais, comerciais e de serviços em mãos da iniciativa privada nacional e estrangeira. O Estado continuava como principal detentor dos principais meios de produção, mas foi autorizada a propriedade privada em setores secundários de bens de consumo, comércio varejista e serviços nãoessenciais. Na agricultura, foi permitido o arrendamento de terras estatais e cooperativas por grupos familiares e indivíduos. A retomada do crescimento seria projetada por meio da conversão de indústrias militares em civis, voltadas para a produção de bens de consumo, e pelo ingresso de investimentos estrangeiros.
burocracia e criar uma vontade política nacional de realizar as reformas. Incluía o fim da perseguição aos dissidentes políticos, marcada simbolicamente pelo retorno do exílio do físico Andrei Sakharov, em 1986, e envolveu campanhas contra a corrupção e a ineficiência administrativa, realizadas com a intervenção ativa dos meios de comunicação e a crescente participação da população. Avançou também na abertura cultural, com a liberação de obras proibidas, a permissão para a publicação de uma nova safra de obras literárias críticas ao regime e a liberdade de imprensa, o que provocou o surgimento de um número crescente de jornais e programas de rádio e TV, que abriam espaço às críticas ao regime.
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Acabava definitivamente a Guerra Fria, e uma Nova Ordem Internacional começava a se estruturar.
O Mapa 32 ilustra a nova configuração da antiga área de influência soviética com a desintegração do bloco socialista. Mapa 32: A Desintegração da URSS e do Bloco Socialista (1991)
Fonte: http://perso.numericable.fr/alhouot/alain.houot/Hist/ap45/actuel19.html
Um dos eventos mais marcantes do fim da Guerra Fria foi o acidente nuclear de Chernobyl. Para buscar mais informações sobre essa tragédia, considerada uma das maiores do século XX, confira o sítio.
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Um novo paradigma para as relações internacionais Após o fim da Guerra Fria, o mundo viu-se diante do desafio de produzir um novo paradigma para as relações internacionais. A doutrina internacional não entrava em consenso a respeito da natureza das relações internacionais ao final do século XX. Alguns teóricos voltaram a falar em Sociedade Internacional, conforme concebido pela Escola Inglesa, apesar do convívio entre regras velhas e regras novas; outros preferiram falar em Sistema Internacional, defendendo que a ordem bipolar de poder foi substituída por uma ordem multipolar; outros, ainda, preconizaram que sequer se pode continuar a falar em equilíbrio de poder; por fim, há os que defendiam ser a década de 1990 apenas um período de transição nas relações internacionais. Todavia, pode-se dizer, numa perspectiva realista, que o sistema internacional dos anos de 1990 ainda trazia consigo a natureza anárquica, a hierarquia das Potências, a prevalência de relações hegemônicas, a estrutura capitalista e liberal de conformação e os conflitos de interesses. Não
obstante, o mundo passava a buscar novos princípios e regras de conduta, mudanças na estrutura do sistema internacional, o que ficou claro a partir de meados da década de 1980.
A década de 1980 testemunhou uma expansão generalizada da democracia, movimento que se estendeu ao Leste europeu após a queda do muro de Berlim, em 1989, e aos novos Estados independentes oriundos da ex-URSS, fenômeno que elevou dois fatores à condição de papel fundamental nas relações internacionais contemporâneas: o Direito Internacional e a proteção aos direitos humanos. Houve significativa redução nos gastos com Defesa no mundo inteiro. Meio Ambiente também mostrou-se um tema central na agenda internacional.
Os processos de integração foram a marca do mundo Pós-Guerra Fria. Obtenha maiores informações sobre a União Europeia e o Mercosul nos sítios desses bloco. Veja, também, o sítio da ALADI.
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Incertezas e complexidades na Nova Ordem Internacional Contudo, o novo mundo tornava-se mais incerto, mais complexo e mais imprevisível:
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surgiram zonas de conflito em áreas de dissolução da URSS, nos Bálcãs, no Oriente Próximo e em alguns países africanos (Somália, Chade, Congo, Angola, Libéria);
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o Terceiro Mundo desintegrou-se com as crises da dívida externa, pondo-se fim à unidade do discurso da década de 1970;
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novas levas de imigrantes rumaram das zonas pobres para os países desenvolvidos;
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fim do diálogo Norte-Sul, que se iniciara na década de 1960: as Grandes Potências desviaram o interesse no desenvolvimento dos países mais pobres em prol de políticas ambientais e de combate a migrações indesejadas;
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a quantidade de armas que havia no mundo, fruto da lógica da Guerra Fria, somada à formação de vazios de poder e de leis em muitos países, estimulou o aparecimento de redes internacionais de crime e de organizações político-terroristas;
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ocorreu um refluxo nas políticas de segurança em alguns Estados, como foi o caso da França, que passou a realizar uma série de testes nucleares nos anos de 1995 e 1996;
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houve redução da coesão entre as Grandes Potências devido à ausência de um inimigo comum: os polos ocidentais (EUA, Europa e Japão) passam a ser guiados por percepções de interesses especificamente nacionais;
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desenvolveram-se tendências introspectivas na Europa, com a institucionalização da União Europeia (UE), a nacionalização da segurança e o protecionismo;
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os EUA viram-se como única Superpotência global, mas sem condições de estruturar por si uma nova ordem internacional. Assim, sua política externa passou a orientar-se para (1) a criação de um duopólio com a Rússia (ao alargar o G7 para G8), com o intuito de não ter que arcarem sozinhos com a ordem a construir; (2) o papel de “Estado catalisador” de uma ordem que seria também construída com aliados, como na Guerra do Golfo e na Guerra da Iugoslávia; (3) o papel de garante de uma ordem inspirada na sua própria estrutura de Estado – liberalismo econômico, democracia política e direitos humanos; a Rússia, após o fim da URSS e o estabelecimento da Comunidade dos Estados Independentes (CEI), emergiu com sua antiga autonomia sem perder de vista os desígnios de influência a exercer sobre a Europa Oriental, sendo que, dessa vez, com apoio dos EUA, interessados em mantê-la como potência singular no Oriente;
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teve-se a contestação dos valores do Ocidente pela dinâmica região formada no Leste Asiático, como liberalismo, democracia e direitos humanos, com a negativa de sua universalidade;
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dualidade entre modelo de desenvolvimento asiático e modelo de desenvolvimento do “consenso de Washington” (FMI e BIRD);
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a América Latina reaproximou-se da Europa e dos EUA;
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a dificuldade para regular a nova ordem anárquico-multilateral conduziu à crise de credibilidade da ONU, do Conselho de Segurança, do FMI, do BIRD, da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do G7;
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blocos regionais foram criados: União Europeia (UE); Cooperação Econômica da Ásia-Pacífico (APEC); Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA); Associação Latino-Americana de Integração (ALADI); Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN); Mercado Comum do Sul (Mercosul);
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vislumbravam-se conflitos de transição entre Grandes Potências, como China e Rússia, que ainda mantinham riscos de confronto com a Superpotência EUA, e também conflitos de equilíbrio regional de poder entre Estados que buscavam uma hegemonia regional, como Coreia do Norte, Iraque e Irã, considerados inimigos pelos EUA pelo fato de sua ascensão perturbar a ordem vigente; conflitos entre comunidades e identidades nacionais (islamismo, identidades nacionais na Rússia, identidades étnicas, religiosas ou linguísticas nos Bálcãs, na África e na Ásia).
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O fracasso da recente rodada comercial de Doha (2001-2008) é um corolário disso.
Um filme que retrata de maneira bem-humorada essa nova ordem internacional sob a ótica de quem “perdeu a Guerra Fria” é Adeus, Lênin (Alemanha, 2003), dirigido por Wolfgang Becker, sobre as transformações na Alemanha a partir da reunificação, em 1989.
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Globalização e regionalização Há um consenso, na doutrina internacional, de que o mundo que surgiu na década de 1990 caracterizase pelos seguintes aspectos: globalização; regionalização; mudança de papel do Estado-nação e inexistência de uma administração racional para os principais interesses coletivos da humanidade. São aspectos que não vieram de forma abrupta, mas já se delineavam nas relações internacionais desde, pelo menos, a década de 1970. Na década de 1990, o fenômeno da globalização já se mostrava irreversível. O mundo se integrava cada vez mais em virtude da abertura democrática em diversas regiões, da queda de barreiras comerciais e políticas, das novas estruturas de mercados financeiros transnacionais e do desenvolvimento tecnológico, sobretudo o de telecomunicações. Nesse sentido, o fenômeno da Internet não encontra precedentes e, definitivamente, passou a unir pessoas por todo o planeta e a transmitir informações em tempo real. Entretanto, à medida que se globalizava, o mundo presenciava o recrudescimento de nacionalismos em várias regiões do planeta, que repercutia tanto em conquistas políticas e sociais de alguns grupos dentro de nações quanto em processos de independência – uns pacíficos, a maioria nem tanto. Também associado a alguns movimentos nacionalistas, ganhou força o terrorismo, processo facilitado pelo vazio de poder do fim da Guerra Fria e pela oferta de mão de obra especializada e de equipamentos oriundos do esfacelamento do sistema socialista. Paralelamente também ao processo de globalização, percebeu-se um incremento da regionalização. Por todo o planeta, países se aproximaram e estabeleceram acordos de comércio, cooperação e aproximação política. Na Europa, povos que até cinquenta anos eram inimigos figadais, tornaram-se parceiros, e aquilo que fora tentado pelas armas, diversas vezes, ocorreu, finalmente, por via pacífica: a formação de uma União Europeia. Apesar de mais notório, o caso europeu não ocorreu isoladamente. Em todos os continentes testemunharam-se processos de integração, fortalecendo organizações e uniões regionais. Na América do Sul, a criação e o desenvolvimento do Mercosul é um bom exemplo. Quem poderia supor, há algumas décadas, que Brasil e Argentina teriam um no outro seu principal parceiro e que as rivalidades militares entre os dois desapareceriam?
Há o livro de Anthony Giddens, O Mundo na Era da Globalização (Presença, 2000). Novamente, as obras de Manuel Castells também são essenciais para entender essa nova realidade internacional: A Sociedade em Rede (Paz e Terra, 2007), O Poder da Identidade (Paz e Terra, 2000), Fim de Milênio (Paz e Terra, 2002). pág. 06
Novos temas na Agenda Internacional Três grandes conferências pareciam anunciar uma era de responsabilidades e consensos transnacionais com os grandes temas que marcariam a agenda internacional na década:
a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992): difundiu as noções de desenvolvimento sustentável, de incompatibilidade entre crescimento demográfico ilimitado e planeta finito, de subordinação da tecnologia à ecologia, de poluição e pobreza provocadas pelo consumo incontido, de necessidade de medidas locais e globais para a proteção do meio ambiente;
a Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Direitos Humanos (Viena, 1993): difundiu a implementação de medidas nacionais, a interação e a ação conjunta dos órgãos e agências da ONU e de órgãos globais e regionais para o fomento de uma cultura comum e universal sobre direitos humanos;
a Rodada Uruguai do GATT – Acordo Geral de Comércio e Tarifas (1994), que instituiu a Organização Mundial do Comércio (OMC): regulamentação dos fluxos de bens, serviços e propriedade intelectual entre os países e a solução de controvérsias a respeito.
Direitos humanos, meio ambiente e comércio internacional são, portanto, questões-chaves desde os anos 1990. São temas que afetam não a um Estado isoladamente ou a um grupo específico de pessoas, mas que dizem respeito à humanidade como um todo.
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A Questão da Segurança Houve aumento considerável na demanda por serviços de garantia e manutenção de paz junto à ONU, expresso no número crescente de resoluções do Conselho de Segurança, apesar de esse fato não ter sido acompanhado de vontade política para a sua implementação. Pequenas e grandes operações de paz, com baixos ou nulos índices de sucesso, como no Camboja, na Somália, em Ruanda e na ex-Iugoslávia, começaram a lançar dúvidas sobre a real capacidade operacional da ONU. O custo relativamente reduzido dessas operações em comparação com os orçamentos nacionais de segurança demonstrava que não se tratava de um óbice financeiro, mas de um impasse político nas relações internacionais. A Guerra do Golfo, de 1991, pareceu anunciar um retorno do velho imperialismo ocidental sob cobertura da ONU, o que contribuiu para tornar mais difícil um consenso internacional de aprovação às novas operações de paz. O que parecia para o mundo na década de 1990 era que a ONU estava falhando em sua missão de prevenção (e os países ocidentais não estavam incrementando seus intuitos de fiscalizar os resultados dos conflitos regionais, a não ser quando afetassem seus interesses essenciais ou de segurança imediata). Aumentava a descrença em resultados duradouros de intervenções maciças e multilaterais, como ocorreu no Oriente Médio durante a Guerra do Golfo e na ex-Iugoslávia, e, já no início do século XXI, com o Iraque. O fato é que restrições políticas, econômicas e, muitas vezes, eleitorais conjugavamse para impedir a construção de um sistema de segurança global, o que reforça a tendência das relações internacionais contemporâneas para a adversidade de sistemas de segurança e para a regionalização. A Europa da década de 1990 buscou a fórmula do concerto do século XIX mais do que a construção de um novo equilíbrio de poder. A Rússia, por sua vez, após extinguir o Pacto de Varsóvia e opor-se à extensão da OTAN ao Leste, reivindicou papel especial nesse concerto, ao mesmo tempo em que a Grã-Bretanha reforçou sua inclinação para a OTAN e para os EUA, e a França buscou caminhos independentes, como a retomada do desenvolvimento de uma força nuclear própria. pág. 08
O Oriente Médio tornou-se um barril de pólvora após o fim da Guerra Fria ter “descongelado” o ambiente litigioso que se formara desde 1948, com a criação do Estado de Israel, na Palestina, pela ONU. A questão palestina tornou-se um dos principais motivos de instabilidade na região, contribuindo para o desenvolvimento de núcleos terroristas – alguns efetivamente apoiados por países islâmicos –, que viam não só em Israel e nos EUA, mas também nos valores ocidentais, um inimigo contra o qual se justificaria uma “guerra santa”. A Guerra do Golfo evidenciou a divisão dos mundos árabe e muçulmano, e uma comunidade de segurança ao estilo europeu ainda está longe do horizonte regional. O Nordeste Asiático tornou-se um complexo regional em que se confrontam os interesses de três Grandes Potências (Japão, China e Rússia) e da Superpotência (EUA), os quais têm raízes na questão das duas Coreias, na questão de Taiwan e na rivalidade entre EUA e Japão relativa às políticas de comércio exterior e a outras questões econômicas, além da rivalidade econômica já sinalizada para o século XXI: EUA e China. A Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e a América Latina compõem o que se denomina de “comunidade pluralista de segurança”, para usar expressão de Karl Deutsch: as duas regiões permaneceram à margem dos confrontos Leste-Oeste mais importantes e criaram instituições de controle da segurança, o que tornou o grau de tensão e de conflitos potenciais em seus territórios muito baixo. Já o Caribe e a América Central continuaram a ser, depois da Guerra Fria, zonas de intervenções unilaterais dos EUA, como demonstraram as operações no Panamá e no Haiti e a política de embargo ao regime de Cuba. A ASEAN foi estabelecida em 1967, atualmente é composta por 10 países (Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Miamar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã). Entre seus objetivos, incluem-se acelerar o crescimento econômico e social na região e garantir a paz e a estabilidade entre seus membros por meio da cooperação entre eles.
A Pax Americana, por seus métodos e imposições unilaterais, vem sendo cada vez mais contestada pelo Ocidente, principalmente pelos países da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia. O papel dos EUA como principal agente do policiamento mundial, segundo muitos autores, tem pouca chance de vingar como novo paradigma geopolítico mundial, em virtude da sua visão unilateral e introspectiva da ordem internacional, da baixa capacidade de diálogo, do peso do xenofobismo (principalmente em períodos eleitorais) e da dificuldade em tolerar os interesses de outros povos e comunidades em jogo nas relações internacionais. Isso ficou ainda mais claro com o Governo Bush (2001-2008) e a sua política de “guerra preventiva” após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 em território estadunidense.
Muitos livros buscam tratar das transformações das relações internacionais após a Guerra Fria. Veja, por exemplo, O Lexus e a Oliveira, de Thomas Friedmann (Quetzal, 2000).
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Avaliação da Unidade - Para auxiliá-lo a entender e refletir melhor sobre o conteúdo apresentado na unidade, responda à questão proposta na Plataforma. Menu lateral - "Discursivas". Unidade 4 - O Sistema Internacional no Século XXI: Perspectivas
Objetivos da Unidade:
Ao final desta Unidade inicial, o aluno deverá estar apto a: • identificar, em linhas gerais, os aspectos principais da agenda internacional para o século XXI; • indicar os novos Atores Internacionais que se destacam no sistema internacional do novo século; • situar o Brasil no contexto das Relações Internacionais.
Estamos na reta final do nosso estudo introdutório! Seja perseverante, estude com afinco!
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Recapitulando... Com a presente Unidade, chegamos ao término deste curso introdutório de Relações Internacionais: Teoria e História. Nos Módulos anteriores, foi possível ter um contato inicial com aspectos importantes do estudo das Relações Internacionais, os quais fornecem a base para se entender e discutir pontos importantes da Agenda internacional. Assim, neste Curso, apresentamos conceitos importantes como Sociedade Internacional, Sistema Internacional, Ator internacional, Forças Profundas, Hegemonia, Potências, entre outros, os quais foram explorados quando da análise histórica feita nos Módulos seguintes. Também passamos pelas principais correntes teóricas que buscam entender e explicar as relações internacionais. Foi possível perceber que há diferentes maneiras de se conceber o complicado mecanismo das relações entre os povos, inclusive com explicações antagônicas e conflitantes, mas fundamentadas. O Realismo continua sendo a corrente teórica mais importante das Relações Internacionais. A visão de mundo realista tem se mostrado imperante no processo decisório das Grandes Potências, principalmente após o 11 de setembro de 2001, que fez o mundo levar a sério uma nova ameaça: o terrorismo. Ademais, ainda que não estejamos de acordo com a maneira pragmática – para alguns até inescrupulosa – como os realistas tentam explicar e conduzir as relações internacionais, é importante conhecê-la bem, pois aqueles que forem de alguma maneira atuar no cenário internacional irão deparar-se constantemente com condutas realistas, sobretudo com relação aos temas mais sensíveis. Outro importante tema objeto deste curso foi a Sociedade Internacional e sua evolução ao longo dos séculos, particularmente do século XVI ao século XX. Foram exploradas informações gerais sobre alguns aspectos relevantes da História da Civilização Ocidental, que são necessários à compreensão do Sistema Internacional de nossos dias. Importante recapitular, por exemplo, a estruturação do Sistema Internacional em unipolar, bipolar ou multipolar em diferentes épocas e subsistemas. Vale ter em mente eventos importantes que marcaram as Relações Internacionais da era moderna, entre os quais, convém destacar: • • • • • • •
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Conferência de Westfália (1648); Revolução Francesa (1789); Congresso de Viena (1815) e o Concerto Europeu; Revolução Industrial e o Neocolonialismo, a partir do século XIX; Primeira Guerra Mundial; Revolução Russa e o surgimento da União Soviética; período Entre-Guerras (1919-1939);
• a Segunda Guerra Mundial; • a Guerra Fria; • o colapso do bloco soviético e a Nova Ordem Internacional da década de 1990.
Assista aos demais vídeos de nossa série Conexão Mundo.
O ILB oferece o curso de Relações Internacionais: Temas Contemporâneos, que aborda aspectos complementares para uma compreensão global do estudo das Relações Internacionais. Não perca! pág. 02
A AGENDA INTERNACIONAL DO SÉCULO XXI Nunca vivemos em um período tão complexo quanto o dos últimos cem anos e, em especial, no novo século que se inicia. Com a Sociedade Internacional globalizada, cada vez mais questões nacionais e regionais acabam influenciando todo o sistema internacional. O século XXI se inicia com uma agenda internacional complexa, conflitante e diversificada.
Quando tratamos de agenda internacional, referimo-nos aos grandes temas objeto da atenção da comunidade das nações.
Assim, temos que buscar analisar e entender o sistema internacional por meio de seus subsistemas – político, econômico, social, jurídico, cultural, militar-estratégico –, dos Atores envolvidos no processo – há muito deixaram de ser apenas os Estados nacionais e hoje englobam organizações internacionais, organizações não governamentais, a opinião pública, partidos políticos, empresas multinacionais e, claro, os indivíduos –, das Forças Profundas que afetam as condutas dos Atores – aspectos econômicos, ideológicos, culturais, tecnológicos e estratégicos – e, finalmente, da maneira como se dão as interações nesses subsistemas e entre eles.
Como bem já observou Amado Cervo (1994), as políticas exteriores dos países do Sul, como é o caso do Brasil, centralizam suas preocupações em torno dos problemas do desenvolvimento. O mesmo não ocorre com os países mais avançados do Norte. Assim, é possível perceber duas grandes óticas das relações internacionais contemporâneas: a) para os países avançados, as prioridades não são relações igualitárias, mas o zelo pela paz ou a preparação para a guerra, a composição e o desfazimento de alianças, a construção da potência e do prestígio, a difusão de ideologias e valores; e b) para os países atrasados, as relações internacionais assumem um caráter existencial, pois eles dependem dos ritmos de desenvolvimento, das oportunidades de melhoria das condições sociais, do cotidiano. O Realismo, por exemplo, dominou o estudo das Relações Internacionais sobretudo no mundo anglo-saxônico, e inclinou-se para a Guerra Fria e nada disse sobre o Terceiro Mundo e as relações Norte-Sul. Os conceitos do imperialismo e do desenvolvimento que cuidavam dessas questões não penetraram na Teoria das Relações Internacionais, a não ser pelo Sul, com o pensamento da CEPAL (Comissão Econômica das Nações Unidas para a América Latina) e com as teorias globalistas da dependência latinoamericanas. Como observou Cervo, os nortistas continuam admitindo que as teorias do desenvolvimento, desde Keynes, integram a Ciência Econômica, e não a Ciência Política, como se a pobreza, a dominação e a dependência, a cooperação e a exploração não fizessem parte do mundo real das relações internacionais. As edições do Fórum Social Mundial, movimento nascido em 2001, em Porto Alegre, que se coloca contra a cultura de Davos, hoje procuram os caminhos para uma nova visão das relações internacionais.
Todos os anos, centenas de homens de negócios, banqueiros, funcionários de governos, intelectuais e jornalistas, de dezenas de países, se encontram no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça. Quase todos, como já observou Samuel Huntington, com diplomas universitários em ciências exatas, em ciências sociais, em administração ou em ciências jurídicas. São empregados por governos, empresas e instituições acadêmicas com extenso envolvimento internacional. De forma geral, partilham de crenças no individualismo, na economia de mercado e na democracia política. As pessoas de Davos controlam virtualmente todas as instituições internacionais, muitos dos governos do mundo e o grosso da capacidade econômica e militar do planeta. Samuel P. Huntington. O Choque de Civilizações. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997, p. 67. A cultura de Davos é de extrema importância no mundo contemporâneo. Em oposição a ela, nasceu o Fórum Social Mundial, criado em 2001 por intelectuais dos países periféricos, e tem anualmente suas reuniões ocorrendo paralelamente às reuniões de Davos. O evento, que aconteceu três vezes no Brasil e a partir de 2004 passou a ser sediado em outros países do Terceiro Mundo, já entrou para a agenda das grandes manifestações mundiais, com o seu slogan de que “um outro mundo é possível”.
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A Questão Da Segurança Há muito que a ordem internacional não parecia tão insegura. Com o colapso da URSS e o fim da Guerra Fria, acreditava-se que, finalmente, o planeta chegaria a um estado em que a paz seria norteadora e as relações internacionais não teriam mais na guerra um de seus aspectos centrais. A década de 1990 provou que essas aspirações continuavam uma utopia. Conflitos regionais, guerras civis, crises institucionais em
diversas partes do globo revelavam o que os realistas sempre afirmaram: não pode existir vazio de poder – onde as forças da Guerra Fria e do sistema bipolar não mais operavam, sem que nada as substituísse, a anomia imperou. O século XX acabou muito mais conturbado e complexo do que começara. O século XXI se inicia com a questão da segurança internacional como uma das temáticas centrais. Isso se deve, sobretudo, à nova política externa dos EUA após os atentados de 11 de setembro de 2001. A prioridade da Potência hegemônica seria a defesa de seus interesses e a segurança de seus cidadãos, onde quer que estivessem ameaçados. E o Governo de George W. Bush deixou claro que, na cruzada internacional que os EUA empreenderiam, quem não estivesse com eles estaria contra eles. As Novas Ameaças passaram a ser uns dos aspectos mais importantes da agenda internacional. Os problemas do crime organizado transnacional e do terrorismo internacional foram catalisados pelos novos recursos da Sociedade Internacional globalizada pós-Guerra Fria. Para muitos, são novas forças que interferem na conduta dos Atores. Ao lado da guerra contra essas Novas Ameaças, persiste o conflito interestatal em algumas partes do planeta. A diferença reside na assimetria entre os combatentes e nas novas tecnologias empregadas na guerra. As ações armadas contra os talibãs do Afeganistão e a Segunda Guerra do Golfo refletem esse novo modelo de conflito. Apesar das vitórias rápidas, as forças de ocupação ainda terão que enfrentar, durante muito tempo, as mais tradicionais formas de resistência nos territórios ocupados. Sem dúvida, a problemática da segurança marcará a Agenda internacional ainda durante muito tempo. E esse é o aspecto do qual não podemos descuidar ao estudarmos Relações Internacionais, mesmo que o Brasil aparente ser um país muito distante desses temas.
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A Segurança e o Realismo no Século XXI O governo de Bill Clinton nos EUA (1993-2000) apontara para uma crise do paradigma realista e uma ascensão do pluralista. Eleito em 1992, Clinton prometeu uma liderança global de “baixo custo” e uma dedicação maior à economia doméstica. Diante disso, vários acadêmicos norteamericanos, como W. Kristol e R. Kagan, passaram a defender uma política externa neorreaganista para os EUA, que se traduziria em uma reafirmação do “excepcionalismo” do país no cenário internacional, argumentando que fora o legado militarista da política de Ronald Reagan que permitira a vitória contra o Iraque no início da década, que era a presença de soldados norte-americanos no Golfo Pérsico que continha a agressividade de Saddam Hussein e do fundamentalismo islâmico do Irã, que essa presença era o principal fator que impedia a escalada de conflitos, como quase aconteceu entre a Grécia e a Turquia, que foi o papel dos EUA como líder global que manteve o regime político no Haiti, no Paraguai etc. A década de 2000 trouxe elementos novos a esse cenário acadêmico: o alargamento do conceito de segurança e a revalorização do Realismo. É interessante perceber as semelhanças entre os discursos políticos da atual única Superpotência em 1992 e em 2001. A primeira evidência da influência do paradigma realista no pós-Guerra Fria veio na primavera de 1992, durante a polêmica sobre a revisão feita pelo Pentágono de seu “Guia de Planejamento de Defesa para os Anos Fiscais de 1994-1999”, o qual, originalmente, demandava políticas cujo objetivo era impedir que, não somente as nações renegadas do Sul, mas também outras nações industrializadas, “procurassem subverter a ordem econômica e política estabelecida”, ameaçando, assim, a hegemonia norte-americana. No outono de 2001, o presidente dos EUA, depois de o país ter sido atacado, pela primeira vez na História, em seu próprio território, por um ato terrorista que usou aviões como mísseis, fez pronunciamento – lançando mão de qualificativos religiosos e maniqueístas–, asseverando que, na luta contra o terror, os países do mundo que não estivessem com os EUA, estariam, automaticamente, contra os EUA, e, portanto, que não se aceitaria qualquer ameaça à hegemonia norte-americana. A semelhança entre ambos os discursos é óbvia. Iniciou-se uma nova doutrina militar no início do século XXI: a da guerra preventiva. Os EUA voltaram a fazer intervenções unilaterais como fizeram na década de 1980 na América Central. O neorreaganismo cantado por Kristol e Kagan anos antes ganhou forma.
O conceito de segurança nacional foi alargado após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, que atingiu cerca de três mil indivíduos indiscriminados, em ação perpetrada por poucos indivíduos, comandados por outros poucos indivíduos, sem nação, sem Estado. Diplomatas e turistas norte-americanos passaram a ser alvos no exterior. A política de visto e de migração precisou ser alterada. Cidadãos e estrangeiros em solo norte-americano tiveram direitos constitucionais suspensos para averiguação. O fato é que a segurança nacional desceu do nível analítico do Sistema Internacional para o nível analítico do Indivíduo, dando um novo renovo para o Realismo, sob nova forma.
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Processos de Integração Os processos de integração – econômica, sobretudo, mas também política – são outro fenômeno marcante dessa virada de milênio. Em diversas regiões do globo, blocos se estruturam para garantir a competitividade de seus membros no mercado internacional. Barreiras caem, a cooperação é estabelecida, e muitos Atores passam a unir-se com antigos adversários para melhor defender seus interesses. Nesse fantástico fenômeno da economia global, os processos de integração econômica conduzem a outras formas de integração e aumentam a tolerância e compreensão “do outro” na Sociedade Internacional – ao menos dentro de alguns blocos. Novos foros internacionais são estruturados para discutir as questões econômicas entre os países. A Organização Mundial do Comércio ganha força. Ao lado desses foros para se debater a economia global, seria impossível que não se estruturassem outros, para tratarem de questões sociais e até políticas.
Superpopulação e Subdesenvolvimento
Apesar das grandes conquistas tecnológicas e do bom padrão de vida em algumas partes do globo, uma porção significativa da humanidade ainda vive em nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento. O problema do subdesenvolvimento, em alguns setores da Sociedade Internacional, torna-se, cada vez mais, relevante para os países desenvolvidos, sobretudo com relação aos problemas causados pelas migrações e pelo crescimento populacional nos países mais pobres. A escassez de recursos e a distribuição das riquezas continuam sendo temas relevantes no século XXI. Esses problemas são agravados com os riscos de esgotamento dos recursos em virtude do crescimento demográfico mundial e dos efeitos do modelo produtivo e de consumo da Sociedade Internacional globalizada no meio ambiente. De fato, caso a população mundial continue crescendo no ritmo atual, calcula-se que, por volta de 2050, já serão doze bilhões de seres humanos sobre a face da terra, de modo que atender a demandas básicas de todas essas pessoas – concentradas nos países menos desenvolvidos – será um dos grandes dilemas da Sociedade Internacional. Isso sem falar na degradação do planeta, que caminha a passos largos. pág. 06
Questões ambientais Meio ambiente é outro tema importante que merecerá atenção dos membros da Sociedade Internacional do século XXI. Afinal, o planeta inteiro tem sofrido os efeitos da atividade humana moderna. Questões como o desmatamento, a poluição, a extinção de diversas espécies de plantas e animais, o processo acelerado de desertificação em diversas fases do globo e a escassez de água potável, as mudanças climáticas – com catástrofes a elas associadas – e o efeito estufa marcarão a agenda internacional desse primeiro século do terceiro milênio. Ao interferir, modificar e destruir ecossistemas inteiros, será que o homem prepara sua própria sepultura? Especialistas divergem. O debate apenas se iniciou. A questão ambiental deve merecer a atenção de toda a comunidade internacional, pois os efeitos da degradação do meio ambiente não reconhecem fronteiras. Ademais, a preservação do planeta para as futuras gerações envolve ações concertadas dos países ricos e pobres, uma vez que dificilmente nações com dificuldades de desenvolvimento econômico e social poderão atentar sozinhas para a utilização sustentável dos recursos naturais. Novos regimes internacionais vêm sendo criados e operando no sentido de regularizar o uso de bens de patrimônio da humanidade, como a água, o ar e o espaço. Em 1997, líderes de 160 países firmaram o Protocolo de Kyoto, estabelecendo que entre 2008 e 2012 sejam cortados ao menos 5% nas emissões de gases causadores do efeito estufa na atmosfera em relação aos níveis de 1990. O regime, que sofreu forte resistência no início, hoje vem sendo gradativamente reconhecido como importante para a sobrevivência do planeta. A biodiversidade, sendo considerada também um patrimônio da humanidade, portanto, é objeto de articulação entre os Estados, para a regularização da exploração de seus recursos.
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Democracia e Direitos Humanos A Sociedade Internacional do início do século XXI é marcada pela defesa da democracia e dos direitos humanos em todo o planeta. Apesar de ainda existirem governos autoritários e ditatoriais em diversas partes do globo, acredita-se que esses regimes caminhem rumo à extinção. A democracia tem-se apresentado como a opção definitiva de regime político. Por meio da guerra no Oriente Médio, por exemplo, os EUA buscam exportá-la aos países árabes e persas não democráticos; por meio das exigências para o ingresso na União Europeia, a Europa tenta fortalecê-la no Leste Europeu. Esse é um fenômeno que muito tem influenciado as relações internacionais.
Desde a Carta da ONU, em seus artigos 55 e 56, busca-se a formação de uma nova ética mundial em torno dos direitos humanos. Os direitos humanos têm sido apontados como o mínimo valorativo possível para um consenso internacional. Autores como Delmas-Marty defendem que a lei e os regimes internacionais devem se desenvolver a partir desse mínimo comum. Para outros autores, como Jürgen Habermas, a melhor via seria o reforço da democracia. As questões estão muito ligadas.
COOPERAÇÃO INTERNACIONAL ECONÔMICA E SOCIAL Artigo 55 Com o fim de criar condições de estabilidade e bem-estar, necessárias às relações pacíficas e amistosas entre as Nações, baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, as Nações Unidas favorecerão: a) níveis mais altos de vida, trabalho efetivo e condições de progresso e desenvolvimento econômico e social; b) a solução dos problemas internacionais econômicos, sociais, sanitários e conexos; a cooperação internacional, de caráter cultural e educacional; e c) o respeito universal e efetivo raça, sexo, língua ou religião. Artigo 56 Para a realização dos propósitos enumerados no Artigo 55, todos os Membros da Organização se comprometem a agir em cooperação com esta, em conjunto ou separadamente.
Importante lembrar que o Tribunal de Nuremberg atribuiu ao indivíduo a qualidade de sujeito de direito (ou seja, um Ator das Relações Internacionais) e relativizou a questão das imunidades funcionais (funcionários de alto escalão foram responsabilizados penalmente), o que é uma tendência no atual Direito Internacional (os Estatutos dos Tribunais para a ex-Iugoslávia, Ruanda e do Tribunal Penal Internacional trazem previsões nesse sentido). Além do indivíduo, também a ideia de “humanidade” ganha cada vez mais importância na sociedade global dos dias de hoje. A humanidade está até mesmo se tornando sujeito de direito no Direito Internacional, conforme se pôde ver em uma decisão do Tribunal Internacional para a ex-Iugoslávia em 1996 e, mais recentemente, com o Estatuto do Tribunal Penal Internacional, de 1998, o qual prevê,
expressamente, os crimes contra a humanidade.
Um sítio de análises interessantes sobre a Nova Ordem Internacional é o de Paulo Roberto de Almeida. Confira!
Os novos Atores Internacionais – e outros não tão novos Outro ponto importante diz respeito aos Atores de destaque no sistema internacional no século XXI, aí incluídos os Atores não estatais – organizações não governamentais e empresas multinacionais, entre outros – e aqueles Estados, ou blocos, que se destacarão como alternativa ao polo hegemônico dos EUA – por exemplo, a União Europeia e a China. O Tribunal Penal Internacional e o seu Estatuo, ao imporem novos limites às ações de guerra, inclusive às guerras civis, apresenta-se como um novo Ator que pode ter papel importante nas relações internacionais do século XXI.
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Brasil e as Relações Internacionais Convém relembrar que, como um dos maiores e mais populosos países do globo, com uma das maiores economias do planeta e com pretensões de liderança internacional, é fundamental que o País não se descuide de temas de relações internacionais. Entre os temas da Agenda internacional importantes para o Brasil, encontram-se a consolidação do Mercosul, a aproximação com outros países na América Latina, na África e na Ásia, a manutenção das boas relações com os EUA e com a Europa. Ademais, não se pode esquecer a relevância da participação brasileira nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), nas negociações comerciais com a União Europeia, e a atuação do País em diversos foros e organismos internacionais, como a ONU, a OMC e a OEA. O Congresso Nacional tem papel importante nas relações internacionais do Brasil. Nesse sentido, dispõe de Comissões, tanto na Câmara como no Senado, encarregadas de garantir a participação do Poder Legislativo em temas como a escolha de embaixadores e a aprovação de qualquer tratado internacional assinado pelo País. Daí a importância de se ter quadros no Poder Legislativo capacitados a entender os complexos mecanismos do Sistema Internacional. A manutenção de quadros com conhecimentos de relações internacionais também é importante no âmbito dos Governos e das Assembleias estaduais, sobretudo porque os Estados-membros da Federação também têm interesses que ultrapassam as fronteiras do Brasil.
Leia O Choque de civilizações, de Samuel Huntington, obra indicada na bibliografia.
Nosso curso permitiu a você familiarizar-se com aspectos relevantes do estudo de Relações Internacionais. Esperamos que tenha aproveitado este estudo introdutório. Nossa sugestão é que explore as indicações bibliográficas, em especial as acessíveis por meio da Internet, ferramenta que é um dos maiores trunfos da globalização e da integração entre os povos do mundo.
Atividades de autoavaliação -Acesso pelo menu lateral: Avaliações - Objetivas.
Avaliação Final do Curso - Chegamos na reta final do nosso curso! Para avaliarmos sua compreensão do conteúdo apresentado ao longo dos estudos, responda às três questões propostas. A avaliação será corrigida e poderá ser comentada pelo professor-tutor. Caso seja necessário, o ele pode solicitar que você reformule a questão, caso em que ele fará uma observação no mesmo campo de resposta, orientando-o neste sentido. Nesse caso, a atividade aparecerá em "cinza" no Painel de Desempenho. Acompanhe atentamente! Acesse o menu lateral: Discursivas e busque a avaliação final do cuso! Sucesso! Ao final, clique em: "Salvar e finalizar" para ser disponibilizado para correção.
Créditos
Créditos Conteudistas Joanisval Brito Gonçalves, Tiago Ivo Odon e Dario Alberto de Andrade Filho Última atualização: 2008 Coordenação Valéria Maia e Souza Desenho instrucional Valéria Maia e Souza Simone Dourado Professores-tutores Rogério de Melo Gonçalves Vinicius Becker Susane Guida de Souza Galindo Roberta Simões Nascimento Núcleo pedagógico Carlos Eugênio Escosteguy Claudia Pohl Danuta Horta Jenifer de Freitas Lucas Machado Marcelo Larroyed Márcia Perusso Polliana Alves Rosângela Rabello Simone Dourado Tatiana Beust Valéria Maia e Souza William Robespierre Athanazio Núcleo web Alessandra Brandão Bruno Carvalho Carlos Inocente Francisco Wenke Renerson Ian Sônia Mendes Núcleo administrativo Luciano Marques Paula Meschesi Revisão textual Marcia Lyra Nascimento Egg