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July 14, 2017 | Author: Thiago Felício | Category: Twitter, Advertising, Communication, Sociology, Time
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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura

Marcos Nicolau (Org.)

RECONFIGURAÇÃO DAS PRÁTICAS MIDIÁTICAS NA CIBERCULTURA

Colaboradores Alan Mascarenhas Ana Cirne Paes de Barros Andréa Poshar Danielle Vieira Emanuella Santos Filipe Almeida Fellipe Rocha João Batista Firmino Júnior Rennam Virginio Rennan Ribeiro Vítor Nicolau

João Pessoa - 2012

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Livro produzido pelo Projeto Para ler o digital: reconfiguração do livro na cibercutlura PIBIC/UFPB Departamento de Mídias Digitais - DEMID Núcleo de Artes Midiáticas - NAMID Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas Gmid/PPGC/UFPB Coordenador do Projeto: Marcos Nicolau Alunos Integrantes: Danielle Abreu Filipe Almeida Marriet Albuquerque Rennam Virginio Capa: Filipe Almeida Editoração Digital: Rennam Virginio (PIBIC)

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura Marcos Nicolau (Org.) 2012 - Série Periscópio - 6

MARCA DE FANTASIA

Av. Maria Elizabeth, 87/407 58045-180 João Pessoa, PB [email protected] www.marcadefantasia.com A editora Marca de Fantasia é uma atividade do Grupo Artesanal - CNPJ 09193756/0001-79 e um projeto do Namid - Núcelo de Artes Midiáticas do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB Diretor: Henrique Magalhães Conselho Editorial: Edgar Franco - Pós-Graduação em Cultura Visual (FAV/UFG) Edgard Guimarães - Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA/SP) Elydio dos Santos Neto - Pós-Graduação em Educação da UMESP Marcos Nicolau - Pós-Graduação em Comunicação da UFPB Roberto Elísio dos Santos - Mestrado em Comunicação da USCS/SP Wellington Pereira - Pós-Graduação em Comunicação da UFPB

Atenção

As imagens usadas neste trabalho o são para efeito de estudo, de acordo com o artigo 46 da lei 9610, sendo garantida a propriedade das mesmas aos seus criadores ou detentores de direitos autorais.

N639r

Nicolau, Marcos. Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura/Marcos Nicolau (Org.). Edição digital - João Pessoa: Marca de Fantasia, 2012. 221 p. ISBN 978-85-7999-040-3 1. Cibercultura. 2. Mídias Digitais. 3. Práticas Midiáticas. 4. Comunicação.

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Estamos para sempre sendo feitos e refeitos pelas nossas próprias invenções. (Derrick de Kerckhove)

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Sumário Apresentação: reconfiguração das práticas midiáticas Marcos Nicolau......................................................................................10 Transmidiações e telenovelas: espaços imersivos e uma (possível) reconfiguração das mídias de funções massivas Alan Mascarenhas..................................................................................15 O Nike Plus e a reconfiguração do relacionamento mercadológico na cibercultura Ana Cirne Paes de Barros......................................................................37 Das paredes às telas digitais: a reconfiguração dos cartazes na era da cibercultura Andréa Poshar.........................................................................................61 A publicidade na era digital e o exemplo da campanha “Sprite: refresque suas ideias” Danielle Vieira........................................................................................79 Google e conhecimento: a reconfiguração dos processos de busca na cultura digital Emanuella Santos.................................................................................101 Reconfiguração das práticas midiáticas: o caso Zoopa e o início de uma nova fase da propaganda Fellipe Rocha........................................................................................117

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Do códice ao leitor digital: a reconfiguração do livro na cibercultura Filipe Almeida Rennam Virginio..................................................................................135 Resenha na web: interações tecnoculturais no Gamespot e no UolJogos João Batista Firmino Júnior..................................................................155 Da Cutscene ao Gameplay: a evolução dos recursos narrativos nos videogames Rennan Ribeiro.....................................................................................181 As tirinhas na cibercultura: a reconfiguração do gênero nas mídias digitais Vítor Nicolau........................................................................................203

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Apresentação Reconfiguração na cibercultura A mudança é um processo inerente à vida e, por conseguinte, essência da cultura humana. Mas, em tempos de globalização o que nos surpreende é o ritmo das transformações, geridas por um avanço tecnológico sem precedentes e que resultam em inovações surpreendentes. No contexto da cibercultura, as transformações, notadamente no campo da comunicação e das mídias digitais, recebem o nome de “reconfiguração”. É o que constatamos com André Lemos1 ao considerar que a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais vêm a ser a terceira lei intrínseca à cibercultura, seguida da liberação do pólo de emissão e do princípio da conexão em rede. Diante da complexidade dos fenômenos comunicacionais, tem sido necessário a todos nós, pesquisadores, a adoção de recortes metodológicos que nos permitam mapear as mudanças para compreender de perto como estão se processando as novas práticas midiáticas. Afinal, a passagem das mídias de funções massivas para funções pós-massivas deflagrou princípios, como autonomia comunicacional e interatividade, causadores de mudanças significativas em todos os níveis da sociedade atual. Para André Lemos, a cibercultura em sua nova dinâmica técnicosocial provocou uma radicalidade, ou seja, uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade, ao permitir que qualquer indivíduo passe a emitir e receber informações em tempo real e sob variados formatos e modulações para todos os recantos do mundo. E o que é mais importante: alterando, complementando e compartilhando as informações com milhares de pessoas de sua e de outras culturas. Mas, existem contradições dentro desse processo e que podem ser constatadas, como o faz Rüdiger, em sua recente obra de revisão de 1

LEMOS, André. Ciber-cultura remix. Disponível em: http://www.hrenatoh. net/curso/textos/andrelemos_remix.pdf. Acesso em 28/10/2011. Acesso em 28/10/2011.

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autores: “Em geral, os sujeitos da cibercultura procuram explorar sua identidade de forma livre, fluída e idealizada, tanto quanto se inserir em comunidades de interesse e compartilhamento de compromissos, sem se darem conta de que não se pode ter ambos ao mesmo tempo”2. Nesse sentido, todos nós estamos inseridos no turbilhão das mudanças que as tecnologias da informação e da comunicação nos proporcionam e corremos o risco de não percebemos até que ponto somos de fato agentes transformadores ou meros partícipes de um processo que apenas nos dá a sensação de autonomia, deflagrado pelo capitalismo tardio. Entretidos com as novidades tecnológicas podemos não perceber para onde elas estão nos levando ou em que elas estão nos tornando. Das práticas midiáticas Ao iniciarmos a presente pesquisa sobre a reconfiguração das práticas midiáticas há pouco mais de um ano, nosso objetivo, foi o de fazer um estudo das implicações desse processo. Cada pesquisador aqui presente debruçou-se sobre um aspecto de mudança que pudesse demonstrar de forma localizada e segmentada o cerne da reconfiguração dessas práticas. Desse modo, os presentes textos foram produzidos a partir dos estudos, discussões e produções do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiática (Gmid), do Programa de Pós-Graduação em Comunicação – PPGC/UFPB. Dentre os pesquisadores e mestrandos do Gmid que produziram os textos, dois deles são graduandos do Curso de Comunicação em Mídias Digitais, Filipe Almeida e Rennam Virginio, este último, bolsista PIBIC, premiado pelo EXPOCOM Regional (INTERCOM, 2011) por seu trabalho com o livro digital. Cientes de que não seria possível abarcar as transformações em toda a sua dimensão social e cultural, fizemos os recortes que pudessem ser mapeados pela perspectiva dos estudos de cada um. E o resultado é a presente obra, composta por 10 artigos, que, embora contemplem parte de análises presentes em textos anteriores apresentados por estes autores em encontros e congressos, aqui foi possível reunir e organizar 2

RÜDIGER, Francisco. As teorias da cibercultura: perspectivas, questões e autores. Porto Alegre: Sulina, 201, p. 39.

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tais estudos com suas devidas atualizações e ampliações. Não houve interesse em organizar os textos por qualquer tipo de ordem, quer seja cronológica, quer seja por grau de importância, porque são baseados em fatos e eventos que vieram se imbricando no âmbito da cibercultura, em um processo multifacetado. Portanto, o que temos é um mosaico de observações e análises capazes de proporcionar uma visão, mesmo que incompleta, mas muito mais ampla, das mídias digitais interativas em seu movimento evolutivo. O processo de transmidiação evidente nas telenovelas é o tema do artigo de Alan Mascarenhas, que demonstra como esses espaços imersivos são responsáveis pela reconfiguração das mídias. Para Mascarenhas, mediante a própria reconfiguração da narrativa, é possível encontrar uma situação de mudanças coordenadas pela presença do espectador, a exemplo das telenovelas da Rede Globo. São tentativas de compreensão sobre como uma narrativa dita transmidiática pode reconfigurar produtos de mídias com funções reconhecidamente massivas através de plataformas pós-massivas. Ana Cirne Paes de Barros debruça-se sobre a reconfiguração do relacionamento mercadológico, que está muito bem representado pela experiência do site Nike Plus, grafado como Nike+. É um projeto que representa uma tendência ao potencializar a troca de informações, a interação e o envolvimento entre empresas e consumidores participantes. É possível identificar, nesse contexto, tanto os novos aspectos da reconfiguração mercadológica como as particularidades desta relação que se diferencia dos processos de relacionamento já existentes. Os cartazes, esse importante instrumento de comunicação iniciado há séculos nos tapumes de Paris, entra agora na era digital mantendo suas características primordiais. Sua reconfiguração é tratada por Andréa Poshar, considerando alguns pontos históricos da comunicação humana e reflexões sobre remediação, reconfiguração midiática e remixabilidade. Poshar apresenta, neste artigo, os elementos de reflexão que apontam para as principais reconfigurações do cartaz na era digital. A própria área de publicidade ganhou novas dimensões, com práticas fortemente marcadas pela busca da interação entre consumidores e produtos. Danielle Vieira usa a campanha de um conhecido refrigerante para demonstrar essa atual faceta da publicidade. O que surge desse trabalho Capa

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é um cenário de mudanças nos processos midiáticos, que atinge as práticas comunicacionais e sociais. São inovações tecnológicas responsáveis pela reconfiguração das práticas publicitárias, através das quais o consumidor participa das campanhas, produzindo e compartilhando conteúdos. O Google nasceu como um mecanismo de busca. Apropriou-se dos fundamentos mais dinâmicos da rede para estabelecer uma infinidade de serviços e produtos, como se ela mesma fosse a Internet. É o que mostra a pesquisa de Emanuella Santos, ao identificar como o processo de reconfiguração dessa plataforma permite que, agora, todos tenham acesso a uma grande quantidade de informações e conhecimentos. O propósito da pesquisadora é lançar luzes sobre as novas formas de uso do Google, que pode tanto ser benéfica, quanto maléfica ao desenvolvimento das sociedades ditas pós-modernas. Templo sagrado do conhecimento que, durante séculos teve como suporte o papel, o livro veio do códice ao exemplar de brochura e agora ao digital, ganhando formatos de ebook e epub para acompanhar os leitores nas mídias móveis. Filipe Almeida e Rennam Virginio procuram fazer um apanhado histórico do livro, de seu surgimento a sua reconfiguração no meio digital, apresentando seus recursos e funcionalidades, além de discutir as práticas mercadológicas atuais. Na confluência entre o marketing e a publicidade situa-se o trabalho de Fellipe Rocha. O caso Zoopa é um exemplo de outra etapa da propaganda, cuja prática permanecia inalterada durante muitas décadas. Esta plataforma caracteriza-se como uma rede social na qual os consumidores desenvolvem suas peças publicitárias utilizando briefings disponibilizados para este fim. Fellipe que saber de que maneira o referido site possibilita uma reconfiguração da prática publicitária, apresentando indícios de uma nova fase da propaganda. A produção e a divulgação de resenhas, uma prática do jornalismo opinativo já consagrada, também sofrem transformações importantes no contexto da cibercultura. João Batista Firmino Júnior vai a busca dessas transformações e as expõe com clareza, objetivando entender quais os novos formatos de resenhas são explorados pela web. Um aspecto fundamental é apontado pelo pesquisador: as resenhas, nesse contexto, parecem suscitar, através de fóruns, uma intrincada rede de co-participação Capa

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de um público formado por fãs e consumidores de jogos eletrônicos. Rennan Ribeiro faz um estudo sobre a Cutscene e o Gameplay, mostrando como se deu a evolução dos recursos narrativos nesses videogames, uma área que tem visto grandes transformações, impulsionadas por um mercado em ebulição. “Partindo das cutscenes até chegar ao gameplay – diz Rennan -, este artigo pretende investigar como a questão da busca pela inserção da interatividade nas narrativas dos videogames moldou e reconfigurou estes recursos narrativos e sugerir como os games podem contar histórias sem nunca tirar do jogador a capacidade de interagir”. Em diferentes áreas, como a dos quadrinhos por exemplo, é possível encontrar a reconfiguração das práticas midiáticas em curso. Vítor Nicolau tem feito vários estudos demonstrando como as tirinhas, um gênero já consolidado há mais de cem anos nos jornais e revistas, têm se transformado no âmbito das mídias digitais. O pesquisador procura mostrar como o modelo de produção das tirinhas está sendo modificado dentro das novas mídias, notadamente com a possibilidade de permitir a qualquer um criar suas próprias aventuras e publicá-las em blogs. Essa convergência proporciona uma nova dinâmica de participação dos usuários no processo de produção e distribuição de conteúdos. Mesmo que esse conjunto de textos não dê conta de toda a dimensão das reconfigurações das práticas midiáticas, constitui-se em um trabalho inicial de levantamento do processo, para que outras pesquisas possam ser realizadas no decorrer dos próximos anos. A reconfiguração apresenta os fundamentos da midiatização a que a sociedade moderna se submete e é para aí que devem apontar as nossas próximas pesquisas. Portanto, convidamos a todos os pesquisadores de comunicação e cibercultura a apreciarem esses estudos, para que possamos, conjuntamente, produzir as importantes reflexões que nos mantêm conscientes dos conflitos de interesses que permeiam historicamente as mudanças sócio-culturais de nossas sociedades. Marcos Nicolau3 3

Coordenador do Grupo de Pesquisa em Processos e Linguagens Midiáticas - Gmid/PPGC/UFPB. Professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB.

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Transmidiações e telenovelas: espaços imersivos e uma (possível) reconfiguração das mídias de funções massivas Alan MASCARENHAS1 Resumo Transmidiações narrativas entrelaçam mídias de funções massivas com plataformas de características pós-massivas em movimentos de convergência. Diante da reconfiguração da forma de contar histórias, presenciamos uma situação de mudanças coordenadas pela presença do espectador em um ambiente que não lhe é comum: a própria narrativa. Os eventos que vislumbramos nas telenovelas da Rede Globo aparecem como tentativas de compreensão sobre como uma narrativa possivelmente transmidiática pode reconfigurar produtos de mídias com funções classicamente massivas através de plataformas pós-massivas. Palatvras-chave: Cibercultura. Transmedia storytelling. Reconfiguração. Telenovela. Redes sociais. Interator.

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução A emergência de um espectador em tentar avisar a um personagem de telenovela que estão armando contra ele não é algo inédito diante de uma trama exibida seis dias por semana e que integra o dia do seu público. Se a televisão – o aparelho – falasse, ele talvez já estivesse cansado de alertar a este público que de nada adiantaria tentar se comunicar com o personagem, afinal, eles não estão ouvindo. Pelo menos, não estavam. Por isso nos chama a atenção quando a Rede Globo, uma das emissoras de televisão de maior audiência do Brasil, decide criar ramificações de suas histórias mais populares, as telenovelas, em ambientes não só de leitura, mas também de escrita por parte dos usuários. Destacamos indícios destes fenômenos no blog da personagem Luciana em Viver a Vida, de 2009; assim como em Passione, quando a novela ubíqua seus personagens no Twitter, da mesma forma como na trama subseqüente Insensato Coração, de 2011, que além dos personagens na mesma ferramenta, agrega também um blog à história, apresentando ramificações da narrativa em janelas que possibilitam funções pósmassivas a seus produtos. Consideramos como janelas de uma narrativa transmidiática todo espaço aberto à imersão. Aqui as identificamos de forma funcional em redes sociais, onde através de sua interface é possível construir a identidade de personagens perante usuários que não são fictícios, possibilitando ao espectador novas funções de fala diante dos personagens, que agora podem não só falar com o público, mas ouvi-lo em tempo real. Capa

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Para Janet Murray (2003), este anseio de pertencimento à narrativa acompanha o ser humano em sua evolução e percebemos o aprimoramento de interfaces tecnológicas levando em conta tal anseio. A entrada do espectador neste universo fictício proporciona reconfigurações em todo o circuito comunicacional, alterando as ferramentas de produção, as possibilidades de circulação do produto, sua distribuição e seu consumo diante de uma forma de narrar considerada como transmidiática. Narrativas transmidiáticas são explanadas por Henry Jenkins (2008) como sendo uma estética em resposta a convergência e têm embricado meios de funções massivas com ambientes de características pós-massivas, estendendo esta reconfiguração até onde os conteúdos convergidos conseguem ir. Diante deste statu quo, buscamos refletir  o aspecto da reconfiguração na passagem das mídias de função massiva para pós-massiva e a presença de transmidiações narrativas neste processo. Afinal, estas narrativas parecem canalizar certa liberação do pólo emissor a partir uma rede de conexões, podendo reconfigurar produções culturais massivas. Sendo estes três últimos aspectos apresentados por André Lemos (2007) como princípios da cibercultura. Neste contexto, os exemplos são apresentados como indícios através dos quais tentamos levantar questões que possam contribuir de forma teórica e prática para a arquitetura comunicacional de narrativas transmidiáticas em ambientes massivos. 1 Massivos e pós-massivos: Por onde começa uma reconfiguração A evolução narrativa acompanha o ser humano e suas extensões

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ao longo da sua vida social. Histórias iguais já foram contadas de diversas formas através dos tempos e indícios de narrativas colaborativas já existem desde de textos bíblicos. Logo, não é necessária uma rede social como o Twitter para que um produto de uma mídia clássica como a televisão tenha qualquer vertente social. No entanto, se quisermos expandir o alcance dessa sociabilidade e em tempo real, plataformas pósmassivas se tornam ecenssiais Para John B. Thompson (p. 19, 2009), “o desenvolvimento dos meios de comunicação é, em sentido fundamental, uma reelaboração do caráter simbólico da vida social [...] e uma reestruturação dos meios pelos quais os indivíduos se relacionam entre si”. Esta relação está em maior ou menor nível associada aos produtos das mídias, mesmo estas sendo massivas em sua essência. Ao tratarmos de produtos massivos, é necessário ressaltar que o cerne destes produtos “não é a quantidade de indivíduos que recebe os produtos, mas [está] no fato de que estes produtos estão disponíveis em princípio para uma grande pluralidade de destinatários” (THOMPSON, p. 30, 2008). Para Lemos (2007), mídias clássicas como televisão, impressos, etc., obedecem a funções massivas. Tais funções são características de plataformas de uma era que começa na Revolução Industrial e pressupõem uma rede telemática inexistente, visando a criação de hits em larga escala. Já as funções pós-massivas têm a rede telemática como potencializadora de suas ações, que são baseadas em uma comunicação de um para um; de nicho. É uma comunicação bidirecional na qual se pressupõe a conexão entre o público. Há então aqui certa liberação dos pólos de emissão. Com a computação pervasiva e a convergência, não é preciso muito tempo procurando para perceber que tais funções se alternam a todo

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tempo e podem, inclusive, serem ativadas pelos próprios consumidores, bastando uma brecha em um sistema fechado para que este se abra. A televisão, a exemplo, nasce numa economia onde o processo não era tão importante. Sua esfera técnica não permite uma conversa com o conteúdo que não seja por uma conjuração de botões que, ao contrário dos games, não interferem no conteúdo, mas no meio - pelo menos até a TV Digital Interativa. Mesmo décadas depois de seu surgimento, segundo Lúcia Santaella (2006, p. 54), ainda não superamos alguns aspectos lineares e matemáticos da televisão: Não obstantes as críticas e as modificações que foram e continuam sendo inseridas no modelo original de Shannon, o que não se pode negar é que o esquema analítico por ele proposto, ou seja, a essência do modelo tem continuado como uma presença constante desde os anos 50.

De fato, décadas fizeram-se necessárias para que os modelos rígidos de comunicação, difundidos a partir do século XX através dos estudos do Mass Comunication Research, iniciassem um processo de retração e abrissem as perspectivas comunicacionais para modelos que projetassem o receptor passivo a um novo status. A partir da década de 1960 é que nos estudos da área este receptor começa a ser percebido como agente - através do campo de estudos “usos e gratificações”, o qual volta atualmente diante dos três princípios que observamos com a pervasividade da computação. As questões pós-massivas militam por estes três princípios ciberculturais: “a liberação da emissão, a conexão generalizada e a reconfiguração das instituições e da indústria cultural de massa” (LEMOS, 2007, p.6), os quais parecem reconfigurar mídias de funções massivas. Capa

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Na história da comunicação e das artes, estes aspectos não parecem inéditos, mas se deram de forma gradativa e com lentidão em demasia, passando pelo teatro e pelo rádio ainda em uma Alemanha de Hitler, mas com o contexto inusitado, seguiu desviando-se de produções massivas (MASCARENHAS e TAVARES, 2011). A velocidade do virtual tem acelerado este processo, fazendo com que narrativas divaguem entre ambientes massivos e pós-massivos, como entre um canal de televisão aberto e uma rede social, onde o local de fala é garantido ao usuário. 2 Quando histórias passam pelo computador Os textos que resultam deste encontro da literatura com o computador são considerados por Janet Murray (2003) como sendo multiformes. Para ela, nestas narrativas “a combinação de texto, vídeo e espaço navegável sugeria que um micromundo baseado em computador não precisava ser matemático, mas poderia ser delineado como um universo ficcional dinâmico, com personagens e eventos” (MURRAY, 2003, p. 21). Resgatando a noção de “micromundo” desenvolvida por Seymour Papert em 1980 na obra Mindstorms, Murrey (2003) explica que a visão inicial para o conceito era de que estes ambientes arquitetados pela virtualidade do computador serviam para estudantes, os quais em um processo de imersão executaram suas pesquisas. Murray (2003) passa a entender o conceito além da comunicação educacional como um micromundo narrativo. Nestas narrativas a autora observa ainda a questão da dispersão dos elementos de uma mesma história como característica de uma história “multissequencial”, algo preliminar ao conceito de narrativa transmidiática, que apresenta uma fragmentação organizada em janelas.

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Tal característica é natural de um ambiente composto por um hipertexto e gera uma “composição caleidoscópica” (MURRAY, 2003). Na visão apresentada pela autora, uma história com tais condições é “coerente, não uma seqüência isolada de eventos, mas como um enredo multiforme aberto à participação colaborativa do interator” (MURRAY, p. 179, 2003), observando a atividade do leitor/espectador, que é promovido ao nome de interator. Este é fruto de uma fruição que o tem como parte da narrativa e sendo esta parte prevista e aguardada pela instância de produção ou pelo autor procedimental: O autor procedimental é como um coreógrafo que fornece ritmos, o contexto e o conjunto de passos que serão executados. O interator, seja ele navegador, protagonista, explorador ou construtor, faz uso desse repertório de passos e de ritmos possíveis para improvisar uma dança particular dentre muitas danças possíveis previstas pelo autor (MURRAY, 2003, p. 147).

As ramificações destas narrativas, por mais que fossem multissequencias, se davam em um único meio, ao contrário das transmidiações a partir do que é exposto por Henry Jenkis (2008, p 27) em uma situação de convergência:



Por convergência refiro-me ao fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entreter. Convergência é uma palavra que consegue definir transformações tecnológicas, mercadológicas, culturais e sociais.

Unidos nem que pelos sistemas de envio de cartas dos correios, fãs se juntam há muito em inteligência coletiva e promovem, em escalar Capa

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menor e menos pública, ações que hoje vemos em larga escala nas plataformas pós-massivas com certa interferência em produtos culturais. A característica transmidiática aparece como um espaço de publicitação destes fenômenos na esfera narrativa, levando-os para produtos com essência massiva, como a telenovela. 3 Narrativas transmidiáticas: ramos, fluxos e janelas A transmidiação aqui, como adjetivo que deve ser, remete a esta lógica de certo transbordamento, de ramificações e da criação de micromundos diante de um estilo narrativo composto por janelas que aparecem em ambientes - antes opacos -proporcionando a imersão. Este estilo narrativo, que foge de modelos e de métricas pode ainda ter uma estrutura por parte da instância de produção, mas deve se levar em conta a apropriação do público do produto cultural. Aqui, um fluxo narrativo pode ocupar um ambiente propício, mas que transborda seu conteúdo, criando ramificações desta narrativa. Neste fluxo transbordado não há apenas mais do mesmo, não é pura repetição de uma história já contada em outro meio. Para melhor dizer, temos uma reafirmação de conteúdo em detrimento de sua repetição, e preferencialmente um caráter de ubiquidade narrativa composto por informações complementares. De forma mais concisa, como explica Jenkins2, trata-se de: Um processo onde elementos integrais de uma ficção são dispersos

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T.N.: “Transmedia storytelling represents a process where integral elements of a fiction get dispersed systematically across multiple delivery channels for the purpose of creating a unified and coordinated entertainment experience. Ideally, each medium makes it own unique contribution to the unfolding of the story”. Disponível em < http://www.henryjenkins.org/2007/03/transmedia_ storytelling_101.html >. Acesso em out. 2011.

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sistematicamente através de múltiplos canais com o propósito de criar uma unificada e coordenada experiência de entretenimento. Idealmente, cada meio faz sua contribuição única para o desdobramento da história (grifo do autor).

Com cada meio dando o melhor de si para uma história, teremos ramificações com características imbricadas deste meio, com o de outros que também colaboram com a narração e fruição desta narrativa. Entendemos cada ramificação em um meio diferente como uma nova janela integrante desta simulação de um micromundo que cada narrativa pode engrenar. Se temos uma história contada exclusivamente em um livro, esta história está ali toda posta, por mais que possamos ou precisamos recorrer a outras fontes para melhor compreende-la. O livro por si só é uma janela que proporciona imersão toda vez que ele é aberto e lido. Ao leitor é dada a opção de permanecer nessa janela sem dela se desligar, caso queira continuar lendo a obra ininterruptamente. Já em uma narrativa transmidiática, se temos ramificações, há múltiplas janelas e, naturalmente, entre elas há um espaço opaco. Se sairmos de um episódio de uma série televisiva ao seu encerramento para entrar no site de uma empresa fictícia onde trabalha o personagem principal da série e de lá seguirmos para conversar com o personagem em tempo real no Twitter no dia seguinte, temos uma narrativa contada através de várias janelas. Isto compõe o estilo “janelado” (windowed style), que identificamos nas transmidiações. Neste espaço, o usuário “oscila entre manipular janelas e examinar seu conteúdo, assim como oscila entre observar um hipertexto como uma textura de links e observar através destes para as

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unidades textuais como linguagens”3 (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 33). A redundância da adaptação é inerente a um produto janelado e transmidiático, mas esta, por si só, não o define como uma narrativa transmidiática. Henry Jenkins (2007)4 destaca a extensão narrativa em detrimento da adaptação: A extensão pode adicionar um ótimo senso de realismo à ficção como um todo (como aconteceu quando falsos documentos e linhas do tempo foram produzidas para o site associado de A Bruxa de Blair ou com um sentido diferente, com documentários e cd-rooms produzidos por James Cameron provendo um contexto histórico para Titanic)

Como exemplos de conteúdos de ramificações transmidiáticas, Jenkins (2011) aponta em seu blog um guia dos mundos fictícios (aqui vistos como micromundos), histórias prévias dos personagens, perspectiva de personagens da história ou, ainda, ramificações que inspirem participação dos espectadores. O conceito de narrativa transmidiática tem sido experimentado na prática em diversos “produtos-raiz”, tais como projetos musicais, games, séries, filmes etc., em escala mundial. Na Europa e na América do Norte percebemos a presença latente de características dos games para compor a sociabilidade e certos objetivos narrativos, tal como em jogos de 3

T.D: “Oscillates between manipulating the windows and examining their contents, just as she oscillates between looking at a hypertext as a texture of links and looking through the links to the textual units as languages” (BOLTER; GRUSIN, 2000, p. 33). 4

T.D.: “The extension may add a greater sense of realism to the fiction as a whole (as occurs when fake documents and time lines were produced for the website associated with The Blair Witch Project or in a different sense, the documentary films and cd-roms produced by James Cameron to provide historical context for Titanic).”

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realidade alternativa (ARGs, da sigla em inglês), tendo os espectadores como interatores e “detetives coletivos”, termo que designa a inteligência coletiva em prática nos ARGs. Estes são apresentados em produtos mais fechados, tais como Lost e Heroes, séries exibidas em canais pagos. Nacionalmente, destacamos experiências em narrativas audiovisuais em sistemas de comunicação abertos, como as telenovelas, com funções massivas latentes e que naturalmente tendem a não emular características de games com tanto destaque. Já que telenovelas podem ter espectadores mais plurais que séries exibidas em canais fechados, quais são as contribuições dessa convergência entre funções massivas e pós-massivas para tais produtos tão característicos de mídias clássicas? 4 As janelas podem falar e escutar O estilo janelado de texto promovido nas narrativas transmidiáticas pode trazer diversas funções pós-massivas para audiovisuais com funções massivas. Nas telenovelas, janelas podem não apenas reverberar comentários do público, antes já existente em locais mais privados, mas entender o consumidor como um interator, tendo no que se fala através deste novo ambiente como algo importante não só para medir e entender a audiência televisa, mas para interagir com a obra em questão. Assistimos a televisão se aliar ao correio, ao telefone e agora com a internet, tendo a como canal de comunicação. Estes aspéctos se tornam cada vez mais latentes diante da realidade de uma Televisão Digital Interativa numa era de convergência. Durante este percurso histórico, telejornais lançaram enquetes em seus sites, convidaram os espectadores para ver vídeos adicionais, assim como telenovelas adicionaram conteúdo

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extra em seus espaços vídeos. São vídeos do elenco comentando cenas, bate-papo com a produção, resumos dos próximos capítulos, etc. Ou seja, nada que não tenhamos visto antes em DVDs ou sistemas de televisão fechada. Temos então janelas que podem falar, mas que só se repetem. E qual a função de se repetir? Se firmar mercadologicamente mediante um público que migra freneticamente entre diversos meios, mas isto não é uma renovação em instância alguma. Há, no entanto, certas iniciativas que podem agenciar de forma não usual a presença do espectador na trama, nos fazendo entender a valia das inferências de Janet Murray (2003) ao considerar o termo “interator”. Temos o caso do blog da Luciana, personagem de Viver a Vida interpretada por Alinne Morais na novela de Manoel Carlos exibida entre 2009 e 2010. Luciana, que ficou paraplégica na trama, sustentava com ajuda de outros personagens seu diário online sob o título de “Sonhos de Luciana”. O blog foi criado dentro do audiovisual e existia também fora dele. Com uma narrativa bem arquitetada com a do vídeo, os leitores comentam as postagens diárias e alguns destes comentários eram lidos em cena pelos personagens. Como um diária virtual, Luciana estendia seus dramas da novela e refletia sobre algumas situações, mostrando sua visão sobre a trama (ver imagem 1.0).

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Imagem 1.0 – Blog “Sonhos de Luciana”. Personagem mostra fotos de cômodos da sua casa. Disponível em < http://viveravida.globo.com/platb/sonhos-deluciana/2010/04/27/dia-68-um-pouquinho-do-meu-canto/ >. Acesso em 20 nov. 2011.

O blog em questão é classificado aqui como um dos elementos que podem compor uma narrativa transmidiática, já que Jenkins (2007) considera uma plataforma que exprima a visão do personagem como parte deste estilo narrativo. Ainda assim, diante das características apresentadas por Murray (2003) na questão do interator dentro de micromundos de narrativas no ciberespaço, não é atribuido ao espectador características de liberdade dentro da novela. Houve então uma arquitetura transmidiática inicial que privilegiava a instância de emissão, esta ainda com grande potencial não desenvolvido transmidiáticamente, e que pouco olhava para o seu público na internet. A personagem continuava quase que inatingível no seu blog, como já acontecia na televisão. Com a moderação de comentários, estávamos diante de algo quase igualmente massivo quanto a TV; exceto por falar para um público menor sobre um assunto especializado: sua vida como deficiente físico. Na sequência, em Passione, a Rede Globo tentou uma estratégia Capa

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prévia a exibição dos capítulos na televisão, com um perfil oficial da novela no Twitter, além de três personagens também estarem oficialmente presentes na rede. Com os perfis de Fred Lobato, de Clara Medeiros e Fátima Lobato (ver imagem 1.1), interpretados apenas na televisão por Reynaldo Gianecchini, Mariana Ximenes e Bianca Bin, respectivamente, informações sobre a identidade dos personagens foram usadas para a reconstrução dos mesmos em um ambiente virtual, dessa vez em uma janela que insere os fictícios no mesmo local dos seus espectadores: o Twitter; já que o Blog “Sonhos de Luciana” existia em uma plataforma exclusiva da Rede Globo, chamada de “PlatB”, contribuindo para uma hierarquia entre o blog e os seus leitores.

Figura 1.1 – Perfis no Twitter de Fred Lobato, Clara Medeiros e Fátima Lobato

Em Passione a ideia é de uma aplicabilidade transmidiática onde mesmo após a exibição do capítulo na novela o contato com o personagem continue, assim como no blog, mas de forma mais ubíqua e horizontal. De fato, o contato continua, mas há um longo caminho de opacidade até se achar uma janela de imersão aqui, ambiente esse que permite uma interação em grau intenso entre público e instância de produção, o qual

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não é bem aproveitado ainda. Tratamos cada personagem no Twitter como janelas diferentes já que estes não se relacionam de forma constante entre si: A rede não é bem arquitetada entre eles, que se mencionam não de forma constante nas postagens da ferramenta e estas menções não fomentam um detalhamento maior à narrativa em um grau que insira bits de informações de grande interesse para a novela. O perfil oficial da novela (http://Twitter.com/#!/Passioneoficial) gerenciava todas as ramificações, divulgando resumos da novela, links dispersos pelo site e pelo Twitter, onde enquetes eram dispostas, a exemplo de “Tente descobrir o assassino de #Passione!  http://glo. bo/euxTV1”, como consta na postagem de 14 de janeiro. Nesse caso, tínhamos mais uma janela ubíqua com o conteúdo reafirmado, mas não novos bits informacionais, já que era uma votação onde o espectador apenas dizia quem ele achava ser o assassino. Além das páginas oficiais, controladas pela emissora, encontramos a margem destas os perfis fakes (falsos), que preferimos chamar de fan made (feitos por fãs, em tradução nossa). Berilo, Diana Rodrigues e Felícia são alguns dos perfis não-oficiais de personagens presentes na rede, estes claramente não relacionados de forma oficial com a produção, mas que movimentam o público de forma mais descentralizada. Esta prática de produtos feitos por fãs se concretiza antes mesmo das emissoras arquitetarem perfis. Para Jenkins (p, 181, 2008), “os fãs sempre foram os primeiros a se adaptar às novas tecnologias de mídia; a fascinação pelos universos ficcionais muitas vezes inspira novas formas de produção cultural”. Tais manifestações do fandom possuem sua importância, tendo em vista que a linguagem entre fãs, pertencentes a uma mesma hierarquia, é

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um facilitador em transmidiações que as empresas tentam, com muito trabalho, simular. Usualmente usuários seguidores dos perfis oficiais dos personagens de Passione eram mencionados por eles, havendo uma interação mínima, semelhante a que percebemos em programas radiofônicos ao dedicar músicas a certos ouvintes ou atender telefonas, da mesma forma que eram feitas as menções dos espectadores pela personagem Luciana em Viver a Vida ou quando estes apareciam visualmente na novela. No rádio temos a inserção do telefone, onde é possível se dizer o que quiser em um meio com funções massivas. A produção pode desligar a ligação do ouvinte a qualquer momento, caso esta não tenha sido editado previamente. No Twitter de Passione, temos um sistema semelhante. A diferença aqui está no fato do usuário ser lido facilmente pela emissora. Ainda assim, não era necessária a criação de perfis fictícios de personagens para que isto acontecesse. Há na rede um “avatar” e um texto, assim como há na novela (personagem e texto). No Twitter a incorporação visual do personagem também tem seu lugar de expressão, que pode ser percebido na identidade impressa não só na parte escrita, mas na ferramenta: A imagem de fundo da conta e os próprios materiais multimídia anexos publicado pelos personagens. Em Passione, temos a publicação de fotos profissionais ao longo dos tweets (imagem 1.2), assim como a foto que representa cada perfil (canto inferior da imagem 1.2). Espaço com abertura para publicação de material menos profissional, que arquitetasse uma simulação do personagem na rede.

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Figura 1.2 – Fátima Lobato posta foto na sua conta do Twitter

Tendo em vista que no site da novela os próprios autores comentam em vídeo as ações de seus personagens e que este site está intimamente ligado aos perfis no Twitter, se torna complexa a possibilidade de uma imersão, que acaba acontecendo em maior nível na própria exibição audiovisual diária na televisão. Enquanto Passione era apresentada na faixa das vinte e uma horas, a emissora também exibia a telenovela Ti-ti-ti às dezenove horas, com dois personagens no Twitter (Jacques Leclair e Victor Valentim, interpretados respectivamente por Alexandre Borges e Murilo Benício), além do perfil da revista fictícia Moda Brasil, também presente na trama. Ambos acompanhados de sites. Ainda assim, através da plataforma postX, de 16 de agosto a 22 de setembro Passione foi mais mencionada em blogs, Twitter e YouTube. Capa

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Foram 18.695 menções em posts e 137.289 menções em comentários, de acordo com o Fonte.miti.com.br5 Não é surpresa que um programa de televisão seja um dos mais discutidos no Twitter. Isto, no entanto, não traz características pósmassivas para o conteúdo televisivo, nem é mérito exclusivo de suas investidas na rede, apenas torna mais visível comentários que poderiam acontecer nas calçadas, nos mercados ou nas salas de televisão. As conversas e opiniões se tornam mais públicas e se fazem mais audíveis com relação a instância de produção, mas mesmo somadas às todas características citadas, não enaltecem a transmidiação. Esta acontece ainda de forma incunabular, onde a instância de produção se aproxima mais do público do que o público dos personagens. Há de fato a criação de um laço maior entre espectador e personagem, que serve de apoio para a televisão, mas este poderia ser fortalecido com um ambiente de maior imersão, apresentando imediação. Em Insensato Coração, também encontramos indícios de transmidiação no Twitter, com personagens lá alocados e uma rede mais bem estruturada. Esta transmidiação se dava principalmente no blog da personagem Natalie Lamour, interpretada por Déborah Secco na TV. O blog (ver imagem 1.3) narra fatos complementares aos apresentados na televisão e por se tratar de uma personagem que é uma celebridade na narrativa, assim como Luciana era uma modelo de moda em Viver a Vida, justificam-se alguns elementos de produção profissional, como fotos e vídeos. Os textos no blog também possuem relação com o Twitter da personagem, funcionando de fato como um microblog do já apresentado site, servindo para um ambiente de interação 5

Dados disponíveis em < http://fonte.miti.com.br/blog/novela-Passione-causaforte-interacao-em-blogs >. Acesso em 10 dez. 2011

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com os espectadores, tendo em vista que o blog não possui espaço para comentários.

Figura 1.3 – Blog Oficial Natalie Lamour. Disponível em < http://insensatocoracao. globo.com/platb/natalielamour/page/9/ >. Acesso em 20 nov. 2011.

O diário virtual de Natilie se apresenta como uma janela mais imersiva à narrativa do que os perfis de Passione, ainda que de forma insuficiente para uma composição narrativa transmidiática. Afinal, temos um personagem que é uma celebridade que luta pela fama com um blog para dialogar com seus fãs. É natural termos imagens profissionais e um discurso mais horizontal, ao contrário dos perfis de Passione. Ainda assim, novamente observamos uma centralização do pólo de emissão e outro ambiente onde o espectador é convidado apenas a ler. Esta janela fala, mas novamente não escuta.

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Considerações sobre a reconfiguração em ambientes massivos Narrativas transmidiáticas imbricam produtos e meios de funções massivas e funções pós-massivas em seu cerne para a criação de micromundos fictícios. Logo possuem flexibilidade para terem como mídia-raíz um produto com funções prioritariamente massivas. Estas não deixaram seu status a partir do momento que se confluem com as pósmassivas. No entanto, dão a possibilidade ao espectador de ser interator e reconfigurar o produto em seu conjunto. A Rede Globo entra como exemplo neste processo no que diz respeito às questões mercadológicas (de produção), estando nelas o principal conflito das narrativas transmidiáticas, já que esta implica, assim como qualquer narrativa no ciberespaço, em certa liberação da instância de produção. Tal liberação, assim como os outros dois princípios da cibercultura que tangem a conexão generalizada e uma nova organização da indústria cultural de massa, propostos por André Lemos, podem parecer utópicos, mas é o complexo caminho que está sendo traçado diante da convergência dos meios e seus conteúdos. Os exemplos citados neste trabalho se apresentam como uma fase necessária de experiências na transmidiação de narrativas massivas, mesmo que ainda transfira o controle que se tem perante o público da televisão para a internet. O próprio fazer transmidiático é experimental e artesanal até certo ponto e esta última vertente é uma tensão para a indústria. Destacamos que se a própria televisão já agrega uma variedade de público, cabe a internet ser tratada como um meio secundário nesta fruição que abarcará uma porção menor e menos plural na cadeia transmidiática. Desta forma se tornaria menos complexo o ato de narrar algo neste ambiente.

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Já é visível em Viver a Vida, Passione e Insensato Coração, principalmente através do blog “Sonhos de Luciana” que a dificuldade não está em manter um público fidelizado com postagens com certa freqüência e linguagem condizente. O obstáculo está em permitir que a imersão e a transparência do meio se sobressaiam a opacidade e que se forme uma teia de ações interligadas mais por informações do que por simples repetição de discurso, levando em conta a inteligência coletiva do espectador. Só a partir de uma imersão convincente e de uma promoção do espectador para interator perante a instância de produção é que poderemos vislumbrar uma conexão em rede funcional, uma reorganização dentro da emissão, que passará a contar com espaços abertos a interatores e, por conseguinte, vislumbraremos uma indústria cultural de massa reconfigurada. É necessário agora um encerramento desta fase incunabular das transmidiações narrativas nas telenovelas para que estes espectadores sejam permitidos, mesmo que com limites, para uma reconfiguração das práticas midiáticas massivas através de janelas pós-massivas.

Referências BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge: MIT Press, 2000. CHILVERS, Ian; GLAVES-SMITH, John. Dictionary of Modern and Contemporary Art. Estados Unidos:  Oxford University Press, 1996. FURTADO, Marli Terezinha. Bertolt Brecht e o teatro épico. In: Revista Fragmentos, Revista de Língua e Literatura Estrangeira. UFSC. Versão 5, n.1, Florianópolis, 1995. Disponível em: < http://www.periodicos.ufsc.br/ index.php/fragmentos/article/view/4826/4132 >.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008

____.Transmedia Storytelling 101. 2007. Disponível em . Acesso em 01 set. 2011. LEMOS, André. Cidade e Mobilidade. Telefones Celulares, funções pósmassivas e territórios informacionais. In: Matrizes, Revista do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação. USP, ano 1, n.1, São Paulo, 2007, p.121-137. Disponível em . Acesso em: 06 ago 2011. MASCARENHAS, Alan; TAVARES, Olga. A construção de micromundos narrativos na web-série transmidiática Kirill. In: Revista GEMInIS. PPGIS/ UFSCar, ano 2, n. 2, São Carlos, 2011, p. 65-89. Disponível em . Acesso em 29 nov. 2011 MURRAY, Janet H. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. São Paulo: Unesp, 2003. SANTAELLA, Lucia. Comunicação & Pesquisa. Editores, 2006.

São Paulo: Hackers

THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: Uma Teoria Social da Mídia. Petrópoles, RJ: Editora Vozes, 2009.

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Nike Plus e a reconfiguração do relacionamento mercadológico na cibercultura Ana Cirne Paes de BARROS1

Resumo A possibilidade de reconfiguração das práticas midiáticas por parte dos usuários, no contexto da cibercultura, vem alterando consideravelmente a comunicação entre empresas e consumidores. A liberação da emissão, conexão e conversação mundial tem permitido que sujeitos e organizações desenvolvam relacionamentos mercadológicos nas malhas da rede. O projeto Nike+ representa esta tendência ao potencializar a troca de informações, a interação, o envolvimento entre empresas e consumidores participantes e permite ainda, identificar tanto os novos aspectos da reconfiguração mercadológica como as particularidades desta relação que se diferencia dos processos de relacionamento existentes anteriormente. Palavras-chave: Relacionamento Mercadológico. Nike+. Reconfiguração

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução A comunicação contemporânea, marcada pela interatividade e pela possibilidade de todos envolvidos serem produtores, distribuidores e consumidores de comunicação, é, muitas vezes, entendida como um processo novo, resultante de uma ruptura com as mídias massivas. No entanto, percebemos que o cenário atual não está desconectado do processo pelo qual vínhamos passando desde o momento em que a comunicação era essencialmente oral. Aquilo que praticamos hoje é fruto de tudo que já desenvolvemos anteriormente, mas claramente se diferencia da forma que nos comunicávamos por apresentar reconfigurações em suas práticas, instrumentos e em seus conteúdos. Nesse sentido, se a comunicação como um todo está sendo modificada pelas novas mídias e tecnologias que foram surgindo e pela apropriação midiática que foi sendo realizada pelos indivíduos nestes ambientes, a comunicação estabelecida entre empresas e consumidores não haveria de permanecer intacta a estes fatores. Ela também se reconfigura. Partindo desta observação, este trabalho concentra-se no estudo da reconfiguração do relacionamento mercadológico na cibercultura, através da experiência do caso Nike+, também chamado de Nike Plus. O projeto da multinacional Nike busca envolver seus consumidores através de um conjunto de mídias e suportes tecnológicos que fornecem os dados detalhados da corrida dos seus clientes e os integra aos demais membros

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formando o maior grupo de corridas em rede do mundo. Os indivíduos, além de acompanharem o desenvolvimento de suas práticas esportivas, participam de desafios, comunidades, eventos e fóruns junto a milhares de consumidores. Partiremos de uma abordagem que trata do capitalismo tardio e das três leis da cibercultura proposta por Lemos (2010) para buscar entender alguns dos fatores que possibilitaram a efetivação do relacionamento mercadológico na cibercultura. Na busca por atender os anseios da sociedade conectada às malhas da rede, o Nike + se apresenta como uma proposta inovadora na comunicação de uma organização com seus consumidores, mas também como uma demonstração da emergência da reconfiguração das formas de relacionamento mercadológico, as quais abordaremos neste artigo. 1 O relacionamento mercadológico antes e depois da cibercultura É bem certo que o relacionamento mercadológico entre empresas e seus consumidores não está associado ao início da cibercultura. No entanto, percebemos na trajetória da comunicação entre organizações e seus públicos, uma reconfiguração das práticas midiáticas a partir da instauração da cultura digital. Isto significa que há aspectos novos, reformulações na forma de se produzir, distribuir e consumir conteúdos, mas também há algo da tradicional forma de se comunicar que permanece. Ou seja, não se pressupõe uma ruptura total com o que vinha sendo construído em termos de comunicação, mas uma adaptação à configuração já estabelecida. Até pouco tempo atrás a comunicação das empresas se baseava em materiais publicitários massivos - VT para televisão, spot e jingles para rádio, outdoor, malas-diretas, entre outros –, além de Centrais de Capa

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Atendimento, SACs. O processo comunicacional entre organizações e seus públicos ficou por muito tempo reduzido a uma mensagem emitida pelas empresas, o que possibilitava pouca ou nenhuma chance de feedback e principalmente de produção e distribuição de conteúdo por parte dos consumidores. Mais tarde, aproximadamente nos anos 2000, algumas empresas começaram a desenvolver suas atividades de Customer Relationship Management (CRM), uma ação estratégica que propõe a junção entre tecnologias, pessoas e processos da empresa. Como resultado, as organizações puderam obter e organizar informações sobre quem é o cliente, preferências, interesses, quantidade de vezes que ligou, reclamações que fez, sugestões que apresentou, quanto traz de valor para a empresa, entre outras. Se por um lado o conhecimento gerado por esta estratégia mercadológica permite uma maior adequação às necessidades e desejos dos consumidores, chegando em alguns casos a atendê-los de forma personalizada, por outro, garante às organizações acesso a um conhecimento que lhes permite definir estrategicamente os clientes que serão foco de suas ações. No entanto, apesar de haver uma evolução no que se refere à quantidade e a precisão das informações disponíveis, todos estes processos de relacionamento com o cliente ainda traziam a empresa como mediadora e centralizadora da comunicação. O consumidor continuava sem muitas alternativas para a produção e distribuição da comunicação. As mídias digitais interativas, por sua vez, parecem ter iniciado uma nova relação da comunicação com o fazer mercadológico. A partir delas, os indivíduos se apropriaram de espaços e de atividades que eles antes desejavam, mas não tinham instrumentos para tal.

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Na prática, esta mudança significa que vídeos caseiros postados no Youtube podem alcançar altos índices de visualizações, ou que reproduções piratas de músicas despretenciosamente compartilhadas entre amigos pode ameaçar as vendas oficiais dos CDs das bandas. Um cenário que põe em dúvida a consolidação de vários modelos de negócios estabelecidos nos tempos de comunicação massiva e que, portanto, requisita reflexões sobre como empresas e consumidores conduzem o processo comunicacional e sua relação mercadológica neste ambiente reconfigurado. É possível ver empresas e indivíduos interagindo em dispositivos midiáticos com mais liberdade de atuação. Consumidores opinam, reclamam, auxiliam na criação de produtos, serviços e da própria comunicação transmitida pela instituição. As empresas, por sua vez, ganham neste processo uma oportunidade de acumular informações valiosas sobre seus clientes, conhecê-los melhor e com isso oferecer produtos mais adequados às necessidades dos consumidores e da organização, mas, por outro lado, se vêem expostas às críticas e solicitações de seus clientes. Este relacionamento entre organizações e seus públicos evidencia a afirmação de Nicolau (2008) de que o sistema de comunicação atual tem a tendência de formar mídias de relacionamento, isto é, meios que potencializam a efetivação destes. A apropriação das mídias por parte dos indivíduos fez com que os consumidores tivessem autonomia para produzir e construir informações de seu interesse sobre produtos, marcas e empresas em ambientes como fóruns, blogs, sites ou redes sociais, de forma independente das empresas e dos conglomerados de mídia. Assim, mesmo as empresas que não querem se inserir nas mídias digitais interativas não estão isentas deste processo.

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Contudo, é importante destacar que mesmo havendo uma autonomia do indivíduo no fazer comunicação, ou como chama Lemos (2010) uma “liberação da palavra”, o aspecto mercadológico ainda permeia todo o processo comunicacional, observando, dialogando, ou até, em alguns casos, direcionando a comunicação na cibercultura. Falamos em direcionamento porque esta atuação dos indivíduos ou dos grupos de consumidores não implica no entendimento que estes tenham o mesmo poder de alcance e repercussão das grandes empresas. Estas, juntamente aos conglomerados de comunicação, continuam se destacando nas mídias digitais interativas de modo semelhante ao que acontecia nas mídias massivas. Soma-se a evidência das grandes empresas, o fato da autonomia do indivíduo muitas vezes se resumir a uma escolha entre as ofertas e sugestões oferecidas pelas organizações. O Youtube, por exemplo, apesar de disponibilizar espaço para todos que querem postar suas produções audiovisuais, não se configura como ambiente imparcial. Ao visitarmos este site, somos convidados a visualizar os “vídeos que estão sendo vistos neste momento” (YOUTUBE, 2011), ou aqueles “mais populares”, que normalmente coincidem com os propagados pelos conglomerados de comunicação em suas funções massivas. Esta hierarquização de conteúdos proposta induz as pessoas a verem aquilo que os outros estão vendo, e desta forma, a fazer parte de um grupo, ao mesmo tempo em que reduz a autonomia comunicacional do indivíduo. O que nos chama a atenção não é a permanência dos interesses mercantis nos conteúdos propagados pela mídia ou a presença de empresas na cibercultura, mas sim o fato das pessoas também poderem assumir um papel ativo antes ocupado exclusivamente por organizações. Esta inclusão parece dar início a uma interseção de múltiplas redes de poder e de produção ocupadas por indivíduos e por organizações.

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Ao levar a comunicação para um nível global mediante a transmissão, e mais tarde, ao permitir às pessoas “serem” globais através do uso de tecnologias como a Internet e as redes de celulares, construímos uma rede comunicacional que pode ser moldada as necessidades dos seus utilizadores, seja pelo acesso a conteúdos, a pessoas ou a ambos. (CARDOSO, 2010, p. 36).

As empresas, por sua vez, começaram a estabelecer uma nova relação com os usuários na internet, a partir desses espaços de mediação. Vemos se efetivando nas organizações uma busca por novos modelos de negócios que se adéquem ao “poder” dos consumidores, a sua capacidade de produzir conteúdos e de mobilizar grupos. Para Jenkins (2008, p.51), é este o caminho que deve ser seguido por aquelas que buscam efetivar relacionamentos com seus consumidores. Produtores de mídia só encontrarão a solução de seus problemas atuais readequando o relacionamento com seus consumidores. O público, que ganhou poder com as novas tecnologias e vem ocupando um espaço na interseção entre os velhos e os novos meios de comunicação, está exigindo o direito de participar intimamente da cultura. Produtores que não conseguirem fazer as pazes com a nova cultura participativa enfrentarão uma clientela declinante e a diminuição dos lucros.

Em suma, a reconfiguração do relacionamento mercadológico na cibercultura parece estar centrada nesta busca de envolvimento e participação dos consumidores, mas para que possamos compreender melhor o nosso objeto de estudo, acreditamos ser necessário retomarmos algumas questões referentes aos processos de transiçtão e inclusão de novas mídias e dos princípios gerais da cibercultura, como veremos a seguir.

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1.1 A reconfiguração midiática a partir dos princípios da cibercultura A efetivação da cibercultura inicia para Lemos (2010), uma mudança bem representativa na comunicação. Este marco nos auxilia a compreender as reconfigurações comunicacionais que já vínhamos passando mas que parecem ter sido intensificadas nos processos comunicacionais atuais. Em seus estudos de 2005, Lemos já falava sobre uma nova configuração cultural que veio a chamar de “ciber-cultura-remix”. Para o autor tratava-se de um conjunto de práticas sociais e comunicacionais de remixagem, isto é, de combinações e colagens que foram iniciadas com a globalização, mas foram potencializadas a ponto de atingir seu apogeu nas novas mídias. Isto acontece neste ambiente porque a cibercultura Modifica hábitos sociais, práticas de consumo cultural, ritmos de produção e distribuição da informação, criando novas relações no trabalho e no lazer, novas formas de sociabilidade e de comunicação social. Esse conjunto de tecnologias e processos sociais ditam hoje o ritmo das transformações sociais, culturais, políticas nesse início de século XXI (LEMOS, 2010, p.21-22)

O autor ainda acrescenta que tal cenário possui três princípios próprios: liberação da emissão, conexão e conversação mundial. A liberação da emissão está relacionada às funções comunicativas não mais massivas, que permitem a qualquer pessoa, e não mais apenas os conglomerados de comunicação, consumir, produzir e distribuir informação em qualquer tempo para qualquer lugar sem precisar despender muito dinheiro. O termo emissão em substituição ao princípio anteriormente chamado de “liberação da palavra” é justificado pelo fato da emissão ser

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multimídia, assim como os conteúdos que produzimos e distribuímos nas mídias atualmente. Os outros princípios da cibercultura, conexão e a conversação mundial, conectam as pessoas independente do espaço e do tempo que elas estejam e as permitem conversar de maneira mais colaborativa, plural e aberta. Se isto por um lado se assemelha a uma mudança mais técnica do que processual na medida em que destaca a importância dos aparatos para a realização desta comunicação, por outro lado, reconfigura a comunicação, como reforça Lemos (ibid, p.27): “sempre que podemos emitir livremente e nos conectar a outros, cria-se uma potência política, social e cultural: uma potência da reconfiguração e da transformação”. A reconfiguração está relacionada ao fato de pela primeira vez existir no sistema infocomunicacional dois sistemas de retroalimentação e conflito, quais sejam: o sistema massivo e pós-massivo. A liberação da palavra no sistema pós massivo permite não só que os indivíduos produzam e distribuam as suas produções, mas também que as pessoas se organizem e reconfigurem o cenário social e político através de uma comunicação personalizada, não mediada e desterritorializada. Essa mudança não menospreza ou prevê o fim do sistema massivo. Ao contrário, Lemos (2010, p.92) reforça a importância da comunicação massiva para a formação de públicos e para o sentimento de pertencimento. A riqueza do ciberespaço e da cibercultura em geral é

exatamente a de oferecer um leque não midiatizado de informação sem, no entanto, como mostramos acima, extirpar as possibilidades de acesso a informações mediadas pelos mediadores clássicos. O que os conservadores “críticos” não vêem é que não se trata de subtração ou substituição de uma mediação pela outra, mas de um processo de adicionar complexidade e oferecer formas novas de colaboração, comunicação e conhecimento.

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Daí a necessidade de refletirmos sobre a reconfiguração e não entendermos o cenário comunicacional atual como novo, ou como uma ruptura total do que tínhamos antes. Nos estudos de Lemos (ibid, 2010) é possível perceber o uso de verbos como reconfigurar, modificar, alterar. A ausência dos termos anulação ou substituição demonstram a visão do autor em torno da relação entre as mídias atuais e as anteriores. A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura assim, não uma novidade, mas uma radicalidade: uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros (LEMOS, 2005, p.2).

Outra observação que deve ser considerada é que os celulares, os computadores e a internet não produzem uma comunicação sempre interativa, livre. Eles também podem desempenhar funções comunicacionais massivas, apesar de seus fluxos comunicacionais serem mais próximos da conversação. Ou seja, não são as mídias enquanto equipamentos que definirão se a comunicação que passa por elas será massiva ou interativa e sim todo o processo comunicacional, os aparatos, os indivíduos e os demais fatores que interferem na troca de informações. 2 Os interesses mercadológicos na condução do relacionamento entre empresas e consumidores Para que esta reconfiguração da comunicação na cibercultura que estamos tratando se concretizasse é evidente que diversos fatores e processos foram fundamentais. Não queremos aqui trazer pontuações que indiquem uma causa isolada, nem mesmo traçar um pensamento Capa

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linear que aborde um caminho determinista. Ao contrário, sabemos da complexidade da questão e por isso, buscamos refletir sobre a prática cotidiana da comunicação, pois acreditamos ser a partir da análise de um caso concreto – como o Nike+ - que entenderemos o processo, seus agentes (instituições e indivíduos) e instrumentos. Dentro desta perspectiva, e destacando que o foco deste estudo está centrado na comunicação entre empresas e consumidores, acreditamos ser importante tratar dos aspectos mercantis e capitalistas na comunicação. A partir de uma visão geral, podemos verificar que os interesses mercantis conduziram o desenvolvimento dos meios de comunicação. Castells (2000) afirma que foi a necessidade de uma reestruturação do capitalismo que forneceu impulso para a adoção e a diversificação das mídias, o desenvolvimento das tecnologias de informação e a sua articulação em rede. Inclusive as próprias mídias foram comercializadas. Dentre as tendências centrais do desenvolvimento das indústrias de mídia no século XIX está a transformação das instituições de mídia em “produtos” de interesses comerciais de grande escala. As técnicas de impressão, inicialmente desenvolvidas por Gutenberg, foram sendo exploradas em diversos países como empreendimentos comerciais que viviam da mercantilização de formas simbólicas, conforme demonstra Thompson (2008, p.54). O desenvolvimento das primeiras máquinas impressoras foi assim parte e parcela do crescimento da economia capitalista do fim da Idade Média e início da Europa Moderna. Ao mesmo tempo, contudo, estas impressoras se tornaram novas bases de poder simbólico.

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O interesse na exploração comercial dos meios de comunicação e das inovações técnicas tornou possível a produção e difusão de conteúdos simbólicos. Estabelecer redes de comunicação – à semelhança do que possuímos hoje na cibercultura – é sinônimo de produção de valor. São as conexões da rede que têm permitido ao setor econômico e as empresas que fazem parte dele, estruturar seu capital de conhecimento e informação, “Toda atividade que produz conhecimento e informação é produtora de riqueza, a conversão dessa riqueza em valor econômico é o que caracteriza fundamentalmente o capitalismo cognitivo” (COSTA, 2010, p. 74). Assim, o capitalismo tem procurado atualmente fontes de riqueza através dos trabalhos de inteligência coletiva, criatividade e colaboração da população, aspectos estes que são bastantes presentes nas práticas comunicacionais da cibercultura. O capitalismo cognitivo depende basicamente das atividades de cooperação intelectual dos indivíduos, tanto do ponto de vista da comunicação quanto da produção de conhecimento. E essa cooperação se traduz hoje como um fazer rede generalizado. Evidencia-se, portanto, um conjunto de ações que transpassa os setores produtivos e que se apoia no estímulo à cooperação e colaboração dos indivíduos através da formação de redes de trabalho, sejam elas locais ou virtuais. Então, por detrás do suposto valor positivo da “cooperação”, defrontamo-nos com práticas que visam extrair mais valia dos “produtos” dessa atividade cooperativa. Nesse cenário, preferimos entender que a inteligência coletiva é antes de tudo uma ação de resistência a essas novas formas de alienação do trabalho, mais do que o motor do capitalismo cognitivo.” (COSTA, 2010, p.74)

O questionamento do autor a respeito da motivação que estimula a liberação da palavra e a colaboração em rede está inserido no rol de polêmicas e contradições da comunicação atual. Isto porque é evidente que os aspectos capitalistas e mercadológicos continuam imbricados Capa

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no sistema das mídias, mas a possibilidade de atuação dos indivíduos alterou a forma com a qual estávamos habituados a nos comunicar e nos relacionar com empresas. Se por um lado, vemos surgir um potencial de ação por parte dos indivíduos que o torna capaz de não só consumir, mas também produzir, distribuir, além de questionar e interferir na comercialização, por outro, vemos os consumidores muitas vezes à serviço das empresas, oferecendo-lhes informações sobre seus gostos, preferências, interesses, e, muitas vezes, trabalhando no desenvolvimento de produtos, serviços e publicidades de organizações e marcas. Estas potencialidades da comunicação na cibercultura podem ser percebidas em casos como a campanha de lançamento do Nescau 2.0, que convidou o público a fazer a publicidade que divulgaria o lançamento do produto. Outro exemplo ocorreu quando os indivíduos participaram da construção do carro conceito da Fiat através de um site colaborativo, chamado de FiatMio. A retaliação e reclamação dos consumidores também ficam claras a partir de sites como o Reclame Aqui, que foram criados especificamente para o atendimento a clientes que estão com problemas com as empresas, ou em situações semelhantes a que ocorreu com o Visa e WallMart, em que os consumidores criaram uma hashtag2 para repudiar a empresa que não tinha oferecido descontos para todos os envolvidos na campanha, como havia sido prometido. No entanto, é em projetos como Nike+ que podemos enxergar mais claramente a reconfiguração das formas da relacionamento a partir dos novos processos de comunicação entre empresa e consumidores na cibercultura, além de podermos comprovar a tendência do estabelecimento 2

Hashtags são palavras-chave ou expressões antecedidas pelo símbolo “#”, que categorizam o assunto da comunicação e por isso facilitam a busca. É uma prática muito utilizada no Twitter.

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de relacionamentos mercadológicos, conforme veremos a seguir mais detalhadamente. 3 O Nike+ A ideia do Nike+ começou em 2004, quando os designers da empresa norte americana perceberam que as pessoas que corriam costumavam fazer as suas corridas ouvindo música em seus Ipods. No entanto, desde meados dos anos 80 a Nike desenvolveu o Monitor Nike, um produto que tinha que ser amarrado à cintura do indivíduo para lhe dizer quão longe e rápido ele tinha conseguido ir, mas que saiu rapidamente da linha de produção da empresa por seu uso ser impraticável (McCLUSKY, 2009). Nos anos seguintes, a Nike continuava a busca pelo o que eles chamavam de “sapato inteligente”, isto é, um produto com sensores para calcular a distância e a velocidade das corridas dos usuários. Os engenheiros da empresa perceberam que mais do que um tênis que registrasse os dados, era preciso um dispositivo que armazenasse essas informações. Somada a esta necessidade, os pesquisadores da Nike observaram que os atletas que corriam em seu campus, estavam, em sua maioria, com fones de ouvido de aparelhos da Apple. “A maioria dos corredores já corriam com música”, diz o presidente e CEO da Nike, Mark Parker. “Nós pensamos que a oportunidade real viria se pudéssemos combinar música e dados.” (McCLUSKY, 2009). Foi então que a Nike enxergou no sucesso dos produtos da Apple a oportunidade para desenvolver um artigo simples, fácil de manusear, que permitisse aos corredores estabelecer metas, ouvir músicas e expor os resultados na internet (BARBOZA, 2009). A parceria das empresas para

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desenvolver um sistema em conjunto resultou no Nike+. Atualmente disponibilizado em dez diferentes idiomas, o Nike+ é um projeto inovador que busca estreitar o relacionamento entre a empresa e seus consumidores através do compartilhamento de informações sobre as corridas dos usuários. Considerado atualmente o maior clube de corrida do mundo, o Nike+ teve início em 2008, quando foram registrados 134.979.939.800 passos, se somados todas as corridas dos membros, o que é equivalente a 2,710 voltas ao mundo ou 5,610,069 quilos perdidos. Em termos financeiros, a empresa havia vendido mais de 1,3 milhão de kits no final de 2008 (VANGEVALDO, 2008). Três anos depois, 771.697.200 quilômetros já foram percorridos, ou seja, 19.289 voltas em torno da Terra. Além disso, os usuários juntos já perderam 8.345.310 calorias e realizaram 15.865 desafios entre os membros do Nike+. A dinâmica do projeto se resume a um sensor inserido nos tênis da marca - que atualmente está incluso em todos os tênis fabricados pela empresa - associado a dispositivos tecnológicos (Ipod Touch, Ipod Nano, Iphone ou Sportband). O sensor Nike+ possui um acelerômetro que calcula o tempo de contato do pé no chão e o envia para o receptor. Este, quando sincronizado ao computador, permite a visualização dos seus dados no site e uso dos demais recursos do Nike+. No site, o consumidor pode visualizar o desempenho da corrida - velocidade e distância percorrida, além das calorias queimadas –, o histórico e evolução das suas atividades físicas, participar de desafios, estabelecer metas e acompanhar a sua desenvoltura, criar ou participar de competições com os demais participantes, traçar mapas dos percursos percorridos, fazer parte de comunidades e fóruns e obter orientações de treinadores de acordo com o seu perfil.

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No final de 2008, a ação de relacionamento que era restrita ao site foi potencializada ao incluir outras mídias como Twitter, Orkut, Facebook, Flickr em sua estratégia. Nas mídias sociais, além de se informar sobre as novidades a respeito dos produtos, eventos, mobilizações da Nike, os consumidores encontram mais um ambiente onde podem publicar as suas corridas – até mesmo durante a prática – receber comentários dos amigos, interagir, trocar informações, fotos e vídeos. A empresa tem feito uso de publicidades, merchandisings e reportagens em televisão para estimular a adesão de novos membros e para convidá-los a participar de corridas e maratonas. A partir da plataforma Nike+, em agosto de 2008 foi promovida a Human Race, a maior maratona de dez quilômetros já realizada, que contou com a participação de 800 mil pessoas correndo ao mesmo tempo em vinte e cinco cidades do mundo. Mesmo quem não estivesse em um desses locais, pôde executar a corrida em seu próprio país e transferir os dados para o Nike+. No dia do evento, os participantes da maratona alcançaram mais de 4.000 milhas (McCLUSKY, 2009). Em outubro de 2009 aconteceu a “Corrida SP-RJ, Desafio dos 600k”, que reuniu vinte equipes para correrem de São Paulo e três dias depois chegarem no Rio de Janeiro, utilizando a tecnologia Nike+ (MURAD, 2009). A atuação mais ampliada da Nike - de promover eventos e serviços que nos conectam e nos colocam em relação com os demais membros do grupo – pode ser um dos fatores que potencializa o relacionamento entre empresa e usuários do projeto, tendo em vista que o relacionamento pressupõe uma relação ampla, presente em diversos ambientes e que permita a espontaneidade das falas e das interações de seus membros e não algo que seja limitado a um só ambiente ou que possua muita intervenção de uma das partes.

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A criação no Nike+, afirmam explicitamente os profissionais da empresa, não estava voltada para o desenvolvimento de um produto específico, mas para uma abordagem mais ampla que busca envolver os consumidores à empresa. “Nunca foi um caso de ‘como podemos converter uma porcentagem dos usuários [para comprar tênis da Nike]”, diz Stefan Olander, diretor mundial de conexão com o consumidor da Nike (GREENE, 2008). Assim, o projeto já surge com a proposta de fazer das novas tecnologias uma ferramenta para alcançar o relacionamento com os consumidores. Mais do que isso, a empresa apresenta o Nike+ como um facilitador da vida dos consumidores, conforme afirma Stefan Olander (KADOW, 2010). Antes de lançarmos o Nike+ realizamos uma pesquisa e constatamos que 25% das pessoas corriam ouvindo música. Criamos o produto para ajudá-los e na nossa última pesquisa esse número subiu para 75%. A comunidade é gerenciada pelos próprios atletas, é bom frisar isso. Não se pode querer controlar nada, apenas pensar em como facilitar ainda mais a vida dos consumidores no fim do dia. (...) Não somos reféns da tecnologia, queremos que ela seja a ferramenta apenas desse processo de relacionamento com o nosso público, de conectar as facilidades do mundo digital ao real.

Para os participantes, o Nike+ pode ter se tornado um estímulo ao esporte ou a melhoria da saúde, como depõe um membro do projeto. “Ele (o Nike+) só fez correr muito mais divertido para mim. Há algo sobre ver o que você fez, como as alterações de ritmo à medida que sobem e descem morros, que me deixou mais motivado (McCLUSKY, 2009). Poder visualizar e acessar tudo que fizemos, falamos, comemos, compramos e os dados quantitativos de nossas ações é algo muito particular da cultura digital que estamos vivendo. Além de coletarmos estas informações, podemos também visualizar, analisar, relacionar com Capa

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os dados de outras pessoas e buscar um padrão entre as nossas ações. Tudo isso interfere em nossas vidas a partir do momento em que decidimos como vamos nos comportar baseados nestes números. Há ainda a possibilidade de vermos a nossa própria vida como o tradicional álbum de fotografias, a exemplo do aplicativo do Facebook, Social Memories3. Esta incidência dos números em nossa vida tem sido chamada de Living by Numbers (McCLUSKY, 2009) e reforça que o ciclo de colaborações podem nos oferecer melhores hábitos, mais saúde, melhores performances, através da maior quantidade de informações disponibilizadas. No entanto, esta quantidade de informações disponíveis associada às personalizações e customizações que têm sido oferecidas para adequar os produtos e serviços às características e gostos dos consumidores, tem gerado rede de um único membro. Mesmo que soe estranho, ficamos cada vez mais interligados a uma rede com uma quantidade enorme de indivíduos, mas sozinhos e isolados na maior parte do tempo, fazendo uso dos produtos, serviços e informações que nos são oferecidos e disponibilizados de acordo com o nosso perfil, nossos hábitos de compra, interesses, sem nos darmos ao trabalho de sair pelas conexões e caminhos existentes na rede que nos ligam para outro ponto que não seja aquele que nos diz respeito. Ademais, a dinâmica de acúmulo e compartilhamento de informações no projeto proporciona o conhecimento das práticas esportivas e de consumo dos usuários da Nike. A partir destas informações 3

Aplicativo que transforma a sua atuação no Facebook em um livro, gráficos quantitativos sobre os amigos, comentários, fotografias, postagens e todo conteúdo disponibilizado na conta do usuário do facebook. Disponível em: http://www.bloggalileo.com.br/2011/05/social-memories-transforme-seufacebook-em -livro/>. Acesso em: 27 out. 2011.

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é possível traçar estratégias que transitam desde a produção dos produtos à comunicação, marketing e todas as outras áreas da empresa. Com um grupo tão grande, a Nike está aprendendo coisas que nunca tinha conhecido antes. No inverno, as pessoas nos EUA correm mais frequentemente do que as da Europa e África, mas para distâncias mais curtas. A média de duração de uma corrida no mundo é de 35 minutos, e o Nike+Powersong mais popular, que os corredores definem para dar-lhes motivação extra é “Pump It”, de Black Eyed Peas (McCLUSKY, 2009).

O Nike+ também permitiu que a empresa soubesse que o dia mais popular para a execução das corridas é domingo, o horário, a noite e a média mundial de duração do treino é de 35 minutos (BARBOZA, 2009). Além disso, após as férias ou feriados prolongados há um aumento no número de desafios estabelecidos pelos corredores, 312% a mais que no mês anterior. Outra descoberta é que a partir de cinco corridas, existe grande probabibilidade do consumidor se tornar usuário do Nike+, isto é, de ficar envolvido com o que seus dados dizem sobre ele mesmo a ponto de só correr com os acessórios do projeto (McCLUSKY, 2009). A estratégia da Nike nas mídias digitais interativas confirma que não é suficiente estar presente no ciberespaço. Fundamental é estabelecer relações. A empresa proporciona um conteúdo que interessa seus públicos e desta forma busca estabelecer um relacionamento. Entretanto, mesmo que a Nike afirme não ser este o propósito central, o fato é que o relacionamento desenvolvido por meio das mídias digitais acaba por repercutir nas vendas da empresa. É o que se verifica a partir das vendas de tênis, que aumentaram de 48% em 2006 para 61% em 2008 (VANGEVALDO, 2008). O site, que em 2010 contava com mais de um milhão de pessoas de diversos países trocando informações sobre treinos, lugares, técnicas Capa

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e produtos (KADOW, 2010), renova as relações entre os consumidores e a empresa, mas também intensifica as vendas dos produtos. Segundo a empresa de pesquisa de mercado SportsOneSource (VANGEVALDO, 2008) a Nike detinha 48% das vendas de tênis para corridas nos Estados Unidos em 2006. Em 2008 a participação aumentou para 61%. “Uma parcela significativa do crescimento vem do Nike+”, diz Matt Powell, analista do SportsOneSource. Além disso, a mesma empresa de pesquisa calcula que a empresa havia vendido em 2088 1,3 milhão de Nike+ iPod Sport Kits, segundo e 500 mil Nike+ SportBands (GREENE, 2008). Na proposta de relacionamento do Nike+ é interessante observar que estes recursos e serviços oferecidos só podem ser realizados com o kit de tecnologia que permita a transmissão dos dados da sua corrida para o computador. Ou seja, é a troca de informações, transmitida pelo kit especifico da Nike, que viabiliza o relacionamento mercadológico. A aquisição do tênis da marca, do sensor e dos dispositivos – condições necessárias para fazer uso do Nike+-, são apenas a etapa inicial de uma cadeia de negócios que proporciona relacionamento entre empresa e consumidores, mas também desenvolvem um processo comunicacional com algumas peculiaridades para a empresa e para os consumidores. Além da poderosa base de dados que resultam em produtos e serviços ao gosto do cliente, ao explorar esta cultura de participação dos indivíduos, a marca não está apenas buscando se relacionar com seus clientes. É necessário perceber que há no projeto algo de peculiar a ponto deste ter se tornado a maior comunidade de corredores já reunidos no mundo.

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Considerações finais Se pensarmos no Nike+ antes da cibercultura é possível chegar à conclusão que a sua concretização seria impraticável devido não só a falta de equipamentos e tecnologias, mas também, e talvez principalmente, pela cultura de participação e relacionamento que ainda não estava instaurada entre os consumidores. A junção da disponibilidade de dispositivos técnicos associada ao acesso aos equipamentos e a apropriação midiática adquirida é que permitiram à Nike oferecer a cada um dos seus consumidores uma proposta personalizada de quantas vezes por semana e por quanto tempo o mesmo deveria praticar atividade física. A tecnologia, os softwares e a integração das informações alimentadas pelos corredores permitem esta relação muito mais adequada às suas características e necessidades. Para chegar a este ponto, empresa e usuários do Nike+ reconfiguraram a forma como os consumidores fazem esporte. Isto é, a empresa instaurou uma forma de correr em que o participante não se satisfaz apenas com a atividade física, é preciso estar envolto no clima e nos serviços oferecidos pela Nike, a exemplo da análise do desempenho, histórico, compartilhamento com outras pessoas e diversas outras alternativas existentes no projeto. No entanto, esta mudança na prática esportiva só foi possível pela reconfiguração no relacionamento mercadológico na cibercultura. Ou seja, a adequação dos processos comunicacionais às novas tecnologias, mídias e práticas dos indivíduos tornaram casos como este do Nike+ possíveis de serem executados. Mas devemos levar em consideração que a exploração do que foi chamado por Lemos (2005) de princípios da cibercultura: liberação

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da emissão, conexão e conversação mundial não ocorre no Nike+ por acaso. Além de querer fazer parte da rede, isto é, estar inserida no ambiente em que seus consumidores estão, a multinacional demonstra saber como conciliar a tendência de cooperação, participação inerente a comunicação contemporânea à necessidade de estabelecer relacionamento mercadológicos. E nesta necessidade de se relacionar com seus públicos está incluso o fato de envolvê-los em um conteúdo que os interessa, mas também os fazer “trabalhar” para a empresa, dando à Nike informações valiosas sobre os seus hábitos esportivos e outros conteúdos correlatos, de modo tão detalhado e veloz como não era possível nos tempos em que exercia uma comunicação massiva. No que se refere aos indivíduos que usam o Nike+, é oportuno observar que a consciência de que a empresa lucra com a atuação deles parece não ser um fator inibidor para o envolvimento. Os usuários são atraídos pela possibilidade de estarem inseridos no grupo de corredores da Nike e aos benefícios que o projeto proporciona. A proposta do projeto, a adesão dos consumidores, os milhões de dados disponibilizados, as novas práticas comunicacionais instauradas pela cibercultura e a viabilidade técnica do processo (chip, parceria com a Apple, internet, mídias e outros fatores) fazem do Nike+ uma demonstração da reconfiguração do relacionamento mercadológico.

Referências BARBOZA, Mariana. Mais de um milhão de seguidores. Revista Exame. Ano. 43, edição 947, n.13, 09 jul. 2009. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2010.

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CARDOSO, Gustavo. A mídia na sociedade em rede: filtros, vitrines, notícias. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. Tradução Klauss Brandini Gerhardt. 2. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000. COSTA, Rogério da. Inteligência Coletiva: comunicação, capitalismo cognitivo e micropolítica. In: Coleção Abciber 2: A cibercultura em transformação: poder, liberdade e sociabilidade em tempos de compartilhamento, nomadismo e mutação de direitos. São Paulo: Instituto Itaú Cultural, 2010. Disponível: . Acesso em 07 nov. 2011. GREENE, Jay. Nike lidera corrida pelas redes on-line de relacionamento. BusinessWeek, 17 nov. 2008. Disponível em: . Acesso em: 17 out. 2011. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. KADOW, Fábio. Para nós, todo mundo é um atleta, diz VP global da Nike. Terra, 29, abr. 2010. Disponível em: . Acesso em: 27 de out. 2011. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. São Paulo, ago. 2005. Disponível em: . Acesso em 01 set. 2011. McCLUSKY, Mark. The Nike Experiment: How the Shoe Giant Unleashed the Power of Personal Metrics. Wired, 22 jun. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 out. 2011. MURAD, Fernando. Nike cria prova de rua de 600 quilômetros. Meio e Mensagem. Disponível em: . Acesso em 08 de julho de 2009. NICOLAU, Marcos. Fluxo, conexão, relacionamento: um modelo comunicacional para as mídias interativas. In: Revista Culturas Midiáticas. João Pessoa, v. 1, n. 1, agosto/dezembro de 2008. THOMPSON, John B. A mídia e a modernidade. Uma teoria social da mídia. 9 ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. VANGEVALDO. Nike: A história da marca mais famosa do mundo. Administradores.com.br, 8 mar. 2008. Disponível em: . Acesso em: 09 nov. 2011. YOUTUBE. Disponível em: . Acesso em: 03 set. 2011.

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Das paredes às telas digitais: a reconfiguração dos cartazes na era da cibercultura Andréa POSHAR1 Resumo As transformações tecnológicas são incontáveis desde o surgimento da escrita e acreditamos encontrar no cartaz um exemplo deste processo de reconfiguração midiática. Desde sua criação aos dias atuais, o cartaz mostra-se como um meio de comunicação flexível e capaz de adaptar-se às mudanças econômicas, culturais, sociais e comunicacionais exigidas na época em que se encontra inserido. Considerando alguns pontos históricos da comunicação humana e reflexões sobre remediação, reconfiguração midiática e remixabilidade, o presente artigo procura apresentar, em sua trajetória, os elementos que apontam para as principais reconfigurações do cartaz, permitindo-o sair do papel e integrar-se à era dos meios digitais interativos. Palavras-chave: Cartaz. Cibercultura. Reconfiguração. Suporte.

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected].

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Introdução Um dos maiores desafios enfrentados pelo homem tem sido corresponder-se com seus semelhantes. Entre estes, sem dúvida, está o desenvolvimento de uma linguagem e um suporte que possibilitaram sua comunicação e que, posteriormente, desencadearam na criação de outros novos meios, à medida de necessidades. “A evolução das tecnologias comunicacionais impõe um aprimoramento da capacidade de produzir, acumular e de, principalmente, partilhar informações” (PEREIRA, 2002, p.02). Para Tremblay (2003, p.03), o aprimoramento das mídias “constitui o principal fator explicativo, determinante da história humana que McLuhan divide em três grandes períodos”, a saber: cultura oral, cultura manuscrita/ impressa e cultura eletrônica. Na primeira, McLuhan referese à sociedade tribal não alfabetizada, que depende de gestos corporais e modulações para comunicar-se. A cultura manuscrita/impressa está diretamente relacionada ao processo de mecanização de uma tarefa, ou seja, à escrita. Dela resultam outros meios de comunicação bem como processos comunicacionais até chegarmos à cultura eletrônica e logo, a pós-eletrônica – “resultado de aprimoramentos tecnológicos e já como efeito das inquietações do homem eletrônico” (PEREIRA, 2002, p.04). Dentre a sucessão destas fases, ou galáxias como identificadas por McLuhan (apud TREMBLAY, 2003), observamos um fator essencial que é o suporte. Tal dispositivo, ou ferramenta, cumpre papel fundamental não só nos avanços técnicos e tecnológicos, mas também, no progresso

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sócio-econômico e cultural da humanidade. Para compreendermos melhor tais avanços e progressos buscaremos, neste artigo, entender o processo de reconfiguração dos suportes midiáticos, desde o surgimento das primeiras linguagens até os dias atuais. Nos limitaremos, porém, à apenas um objeto de análise: o cartaz. Acreditamos que este suporte nos permitirá traçar, com maior clareza, um panorama antropológico e tecnológico destes processos de renovação e desenvolvimento dos meios de comunicação. Sendo assim, apresentaremos primeiramente, um breve histórico dos primeiros e principais processos de comunicação que, de alguma forma, julgamos terem contribuído para o surgimento do cartaz. Logo, faremos um pequeno levantamento histórico deste meio para, em seguida, nos determos sobre seu processo de reconfiguração como mídia digital interativa onde, por último, exemplificaremos e analisaremos um dos novos recursos obtidos pelo cartaz graças às possibilidades dadas pelo surgimento da cibercultura. Primeiros suportes comunicacionais Dentre todas as linguagens visuais que se têm conhecimento, a pictográfica e ideográfica foram as primeiras a usar um suporte de fato: a parede. Por meio de desenhos, marcas, símbolos e pinturas simples constituídas por apenas algumas linhas, o intuito das pictografias era representar objetos e situações que gerassem compreensão e laços entre os indivíduos de uma mesma comunidade. Os primeiros traçados humanos surgiram na África há mais de 200 mil anos. Em Lascaux, França, e Altamira, Espanha, também é possível encontrar imagens de animais desenhados nas paredes de antigos canais

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subterrâneos que marcam o início tanto da comunicação visual como dos próprios meios de comunicação em si. “As primeiras pictografias evoluíram em dois sentidos: primeiro foram o começo da arte figurativa – os objetos e eventos do mundo eram registrados com crescente fidelidade e exatidão no decurso dos séculos; segundo, formaram a base da escrita” (MEGGS, 2009, p.20). Segundo o autor, os primeiros sistemas de linguagem visual a exemplo da escrita, tinham uma complexidade inerente à elas, porém, a invenção subsequente do alfabeto foi um passo ainda maior para a comunicação humana. As centenas de símbolos exigidos pelas escritas pictográficas foram substituídas por vinte ou trinta signos elementares facilmente apreendidos. Assim, do modo elementar e primitivo de registrar informações nas paredes, passava-se, então, a circular a informação, fazendo pequenas inscrições em potes e tabuletas de cerâmica. Tamanha evolução no uso do suporte trouxe ao individuo a civilização, o conhecimento, sua difusão e, em especial, a sua noção de poder cultural e comercial. Este salto significativo só foi possível graças à chegada dos Sumérios na Mesopotâmia: Dentre as inúmeras invenções na Suméria que lançaram a população na trilha da civilização, a invenção da escrita provocou uma revolução intelectual que produziu um vasto impacto sobre a ordem social, o progresso econômico e a invenção da tecnologia e futura expansão cultural (MEGGS, 2009, p.20).

As talhas são os primeiros registros que se têm dos Sumérios. Tidas por Pereira (2002, p.07) como uma forma rudimentar de notação, as talhas “tiveram grande impacto sobre os processos de comunicação e cognição humanas”. Após o surgimento destas, foram identificadas as fichas-toquens e as tabuletas da cidade de Uruks, as mais antigas de que Capa

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se tem registro. Para Pereira (2002, p.01) “o longuíssimo processo de preparação da cultura e das subjetividades para que a escrita pudesse se dar de forma plena, parece estar profundamente conectado com as exigências socioculturais daquelas mesmas sociedades orais, que cresciam, não só em números de pessoas, mas de complexidade”, onde, segundo o autor, a tecnologia emergente, provavelmente, irá afetar de forma ímpar, instaurando um mundo novo, tanto visual e individual como atomizado e histórico. Isto é, à medida que o indivíduo e sua sede por conhecimento evoluíam, novos suportes ganhavam vida. Entre eles encontram-se os papiros egípcios, a caligrafia chinesa, o papel e técnicas de impressão em relevo a qual, anos mais tarde, inspirou o surgimento dos tipos móveis de Gutenberg em meados de 1450. De acordo com Meggs (2009) o papiro foi um dos mais importantes desenvolvimentos para a comunicação visual. Sabe-se que na época, eram produzidos até oito tipos diferentes de papiros cujo uso aplicava-se desde proclamações reais à contabilidade do dia a dia. À respeito das contribuições asiáticas, o autor reconhece a importância, popularidade e uso da caligrafia chinesa até hoje e, no que tange ao desenvolvimento do papel, este afirma que desde seu surgimento “o processo [...] continuou quase inalterado até que a fatura do papel foi mecanizada na Inglaterra no século XIX” (MEGGS, 2009, p.55). Em relação à impressão, esta não só possibilitou a reprodução das palavras e imagens, mas também, permitiu a ampla difusão de pensamentos e ações. Podemos observar com isto, que a partir destes avanços técnicos, deram-se início a progressos socioculturais e econômicos que possibilitaram, aos poucos, o surgimento do cartaz tal qual o conhecemos hoje. Surgimento e evolução do cartaz

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Definido pelo Dicionário de Comunicação (1998) como um anúncio de grandes dimensões, impresso em papel de um só lado e geralmente a cores e tido por Moles (2004, p.44) como “uma imagem em geral colorida contendo normalmente um único tema e acompanhado de texto que raramente ultrapassa dez ou vinte palavras [...] feito para ser colado e exposto à visão do transeunte”, o cartaz é considerado, bem antes da TV, do rádio ou qualquer outro meio um instrumento primordial de comunicação (PURVIS, 2003). Sem datas que especifiquem seu surgimento, Müller-Brockmann (2004) acreditam que o cartaz remonta da Antiguidade e que entre seus antecessores estão os Pilares de Ashoka, na Índia, o Código Hamurabi, na Antiga Mesopotâmia e os axones gregos, bem como os dipinti e graffitis romanos. Segundo os autores, apesar de suas limitações, todos estes meios corroboraram com suas características para a formação do cartaz tal qual o conhecemos hoje: Assim como seu moderno correspondente, estes antecessores do cartaz também buscavam transmitir determinada mensagem bem como o seu sentido para várias pessoas ao mesmo tempo. No entando, sua eficácia era limitada - fixados em um único lugar que só atingia as pessoas que passavam por ali – à diferença dos cartazes duplicados do nosso dia (MÜLLER-BROCKMANN,

2004, p.25).2

As primeiras peças, cujo tamanho não passavam de 25cm. e com 2

Tradução livre de: Just like their modern counterparts, these predecessors of the poster also wanted to give a message to many people at the same time and to get its meaning across to them. Their efficacy was limited, however – fixed in one place and only reached those people who passed by – meanwhile the duplicated posters of our day (MÜLLER-BROCKMANN, 2004, p.25).

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um apelo meramente textual, eram produzidas manualmente ou, com o passar do tempo, através de uma prensa de tipos móveis. Devido à ausência de técnica, o uso de imagens era limitado e quando usadas, recorria-se à xilogravura em preto. Sabe-se que o primeiro cartaz de que se tem registro data de 1454 e tratava-se de um pôster para a marca francesa de açúcar local Saint-Flour (CÉSAR, 2001). Com o desenvolvimento da tipografia no século XVI, a produção do cartaz foi, pouco a pouco, deixando de ser ‘artesanal’ para ser mais elaborado e adaptado às exigências tanto comerciais quanto sociais da época: A invenção da tipografia pode ser classificada ao lado da escrita como um dos avanços mais importantes da civilização. Escrever deu à humanidade um meio de armazenar, recuperar e documentar conhecimento e informações que transcendiam o tempo e o espaço; a impressão tipográfica permitiu a produção econômica e múltipla da comunicação (MEGGS, 2009, p.90).

Outra técnica tão importante quanto a tipografia foi a litografia. Desenvolvida em 1796 pelo alemão Aloys Senefelder e tida até hoje como um dos principais avanços técnicos para a impressão do cartaz, a litografia baseia-se no processo químico de misturas heterógenas para a impressão e pedras calcárias de até 2m. de altura são usadas como base para seus desenhos. Ao contrário da tipografia, a litografia permitia a impressão simultânea de textos e imagens, característica que permitiu o baixo o custo do processo de impressão e estimulou a rápida adesão à mesma. Apesar desta técnica ainda estar limitada às cores preta e branca, este avanço foi, após os tipos móveis, o segundo a impulsionar a reconfiguração do modo de se elaborar um cartaz, isto é, de um pequeno Capa

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papel escrito à mão ou artesanalmente impresso, este passava a adotar um tamanho padrão cujas imagens transmitiam uma mensagem que rapidamente poderia ser compreendida por todos. De uma mídia restrita a letrados, e fixada em lugares pré-determinados, o cartaz transformou-se em um meio de fácil reprodução e um forte canal de persuasão. Mais adiante, adota-se a cromolitografia que, diferentemente de sua antecessora, era uma técnica que “permitia a reprodução de todas as gamas de tons e cores da pintura à óleo” (HOLLIS, 2000, p.05). Com este novo processo de impressão, aperfeiçoado em 1886 pelo artista francês Jules Chéret, o cartaz chega a seu ápice como meio de comunicação. Chéret não só contribuiu para a criação sistêmica do meio, mas também, aperfeiçoou a disposição de sua informação, reorganizando esteticamente a localização do texto e da imagem, o seu tamanho e seu formato, estabelecendo assim, as principais características hoje no cartaz: peças retangulares de até 2,5m. de altura, dispostas verticalmente em via pública e sempre à altura dos olhos dos transeuntes.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura Figuras 1 e 2: Cartazes litográficos do artista Jules Chéret

Fonte: http://www.trueartworks.com

Tamanhas foram as contribuições para com o cartaz que, no século XVIII, este deixa definitivamente de ser uma peça intrusa e desorganizadamente exposta nas paredes da cidade e se eleva ao status de ferramenta de comunicação indispensável para chamar a atenção e estimular a vaidade e os sentidos de seus consumidores. Tanto o padrão estético, formato, tamanho, como a disposição da mensagem, estabelecidas pelo artista francês, são tidas por Hollis (2000) como práticas perfeitas não só para atingir um grande número de transeuntes, mas também, para cativar sua atenção e persuadi-los à compra. Paralelamente ao aperfeiçoamento da cromolitografia e com o auxílio da Revolução Industrial foram surgindo, aos poucos, novas técnicas que favoreceram as mudanças do cartaz que por anos mantevese inalterado, até chegamos aos anos 1960 período em que se dá inicio a Capa

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mais um novo processo de reconfiguração do cartaz. Transformações do cartaz Interessado por um enfoque mais funcional e com um caráter mais dinâmico, o cartaz inicia seu processo de adesão ao universo digital que começava a surgir experimentalmente na década de 60. Como previu Purvis (2003), em uma época de rápidas mudanças tecnológicas, o cartaz, naturalmente, assumiria novas formas, definições e até objetivos. Este novo desenvolvimento tecnológico inicia um processo que só na década seguinte, com a “revolução micro-elétrica”, nos possibilitou ter conhecimento e contato com as novas mídias digitais, as quais, para o autor, iriam agir em duas frentes: “ou prolongando e multiplicando a capacidade dos medias tradicionais, ou criando novas tecnologias, na maioria das vezes híbridas” (LEMOS, 1997, p.03). Tais mudanças, afirma o autor, afetam as mídias tradicionais e devem ser compreendidas como “uma migração dos formatos da lógica da reconfiguração e não do aniquilamento” (LEMOS, 2003, p.05). O que vemos acontecer é uma adaptação e exploração das tecnologias e processos de reconfiguração que só surgiram graças a cibercultura, definida como “uma forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base microeletrônicas que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática” (LEMOS, 2003, p.05). Em outras palavras, a cibercultura possibilita não só a criação de novos meios, mas também, a transformação de tradicionais meios de comunicação, processo que podemos identificar atualmente nos cartazes. Bolter e Grusin (2000) afirmam que este processo de reconfiguração

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não é novo e defendem que o que estas “novas mídias” (new medium) estão fazendo, seus antecessores já o faziam: apresentavam-se ao mundo como uma mídia repaginada e, de certa forma, melhor que sua versão anterior. Nenhum outro meio, para os autores, é novo, mas antes de tudo, “renovado” (refashioned), ou seja, remediado. O conceito de remediação vem do latim “remederi” que em português significa “curar, restaurar” e que, segundo os autores, melhor define o processo de apropriação das “velhas mídias” (older medium). A remediação é a lógica formal em que uma mídia antiga é representada e realçada através das novas mídias recebendo novos propósitos e usos, bem como novas formas (repurposed). Com isto, deve-se ficar claro que a principal característica deste processo não está nos defeitos ‘eliminados’ das mídias e sim, nas melhorias adquiridas (BOLTER; GRUSIN, 2000). Desta forma, podemos observar como o cartaz, apesar de manter suas principais características que o singularizam como tal, passou a assumir novos atributos e peculiaridades providas pelas novas mídias, passando por este processo tecnológico que transforma antigas mídias por meio de “revisões, invenções ou junções” (LEMOS, 1997). Acreditamos que o cartaz como mídia digital interativa tenha surgido e se desenvolvido com as tecnologias sensíveis ao toque muito difundidas em aparelhos celulares e de leitura digital. Ao invés de ser concebido unicamente em papel, o cartaz digital é constituído também por uma tela de LCD, LED ou plasma inserido em seu suporte, modificado para abrigar os microdispositivos e sensores que garantem o funcionamento do seu sistema como um todo e cujo objetivo não é mais apresentar as informações nele contidas, e sim oferecer ao indivíduo um sem fim de experiências e uma liberdade jamais antes vista neste meio. O cartaz digital permite que o transeunte manipule seu conteúdo,

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brinque com ele, o veja em movimento assim como o ouça ou até mesmo faça o download de determinadas informações. Portanto, a principal meta do cartaz hoje, passa a ser a interação, recurso que possibilita tirar o público de sua posição letárgica diante do meio e que o provoca a assumir uma posição dinâmica, na qual possa responder a certos estímulos. Em 1997 Lemos já apontava para este tipo de interatividade que, para ele, é fruto de processos baseados em manipulações de informações binárias que permitiram anos depois, a ‘fusão’ entre mídias tradicionais, novas mídias e softwares – processo que Manovich define como “remixabilidade profunda” (deep remixability): Tais remixes [...] midiáticos são, definitivamente, comuns hoje na cultura das imagens em movimento. Porém, para mim, a essência da ‘revolução dos híbridos’ encontra-se em algo completamente diferente. Vamos chamá-lo “remixabilidade profunda”. O que é remixado hoje não são apenas o conteúdo de diferentes mídias, mas também a suas técnicas fundamentais, métodos de trabalho e suas formas de representação (MANOVICH, 2008, p.07).3

Em meios híbridos, a linguagem de meios anteriores convergem para trocar propriedades, criar novas estruturas e interagir em níveis mais profundos, transformando-os em meios mais ricos. Para Manovich (2008), o principal objetivo dos novos meios híbridos é proporcionar novas formas de “navegação” com formatos de mídias já existentes – conceito similar aos de remediação, defendido anos antes por Bolter e Grusin (2000). 3

Tradução livre de: Such remixes of [...] media are definitely common today in moving-image culture. But for me, the essence of the ‘hybrid revolution’ lies in something else altogether. Let´s call it ‘deep remixability’. What get remixed today in not only the content from different media but also their fundamental techniques, working methods and ways of representation (MANOVICH, 2008, p.07).

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Sendo assim, podemos observar que o cartaz é hoje um claro exemplo da “combinação de comunicação auditiva, visual e cinemática conectadas para formar um corpo coerente de informação” (MEGGS, 2009, p.664). O cartaz e seus novos recursos O cartaz digital interativo vai além do modelo de papel impresso e colado na parede. Com novos usos, aplicações e suporte, o cartaz hoje possui inúmeros estímulos que buscam, antes de mais nada, provocar e levar o indivíduo a participar e usufruir de seus mais variados recursos. Estas características disponíveis hoje no cartaz nos remetem ao pesquisador Vinicius Pereira de Andrade quando afirmou que: O aumento da complexidade dos games parece revelar uma cultura na qual suas práticas de entretenimento e de comunicação são voltadas, cada vez mais, para a hiperestimulação dos sentidos. Sob certa perspectiva a guerra dos consoles parece ser a metáfora de uma cultura que visa a preparar-nos sensorialmente para uma nova realidade [...] que traria como marcas uma alta performance das percepções visuais e auditivas e de ações finas táteis (PEREIRA, 2008, p.11)

Apesar de estar referindo-se aos jogos eletrônicos e as suas complexidades, tal afirmação nos permite compreender um pouco mais questões similares relacionadas ao cartaz digital interativo, tais como a busca pela hiperestimulação dos sentidos e a procura de uma performance perfeita por parte do programa. Estas competências sensoriais são úteis tanto para as tecnologias que serão geradas e aperfeiçoadas, quanto para que novas sensorialidades “possam emergir e partir do uso de mídias que se expressem através de linguagens com Capa

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altas definições audiovisuais e táteis” (PEREIRA, 2008, p.12). Dentre todos os recursos sensoriais apresentados pelo cartaz, abordaremos aqui alguns dos mais utilizados, tais como as telas sensíveis ao toque e a emissão e captação de áudio. Mercadologicamente considerado como o mais completo, os cartazes com telas sensíveis ao toque são constituídos, além das telas de LCD, LED ou plasma, por microdispositivos capazes de emitir e capturar áudio, sensores de movimento, micro-câmeras fotográficas ou gravadoras. Suas telas são extremamente sensíveis e capazes de reproduzir com exatidão o movimento realizado pelo indivíduo. Seu objetivo é procurar aproximar e criar um laço entre o consumidor e a marca e reproduzir, dentro de suas capacidades, um ambiente imersivo de comunicação, no qual o espectador estaria ‘livre’ para interagir, controlar e obter respostas diretas do cartaz. Figura 3: Exemplo de cartazes com telas sensíveis ao toque.

Fonte: http://creativity-online.com/twork/yahoo-bus-stop-derby/21959

Outro exemplo de cartaz são aqueles que permitem a emissão e captação de áudio e, para tanto possuem um sistema embutido composto por plugs e microfones especiais – microdispositivos programados Capa

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para produzirem o som imediatamente após a inserção do plug ou, de captar o áudio uma vez pressionado o botão indicado (em cartazes mais sofisticados, não é difícil encontrar sensores de movimento para a captação de som). Apesar de praticamente limitados à captura e emissão de áudio, este tipo de cartaz é um dos mais produzidos e criativos dentro do mercado publicitário e são utilizados para promoção de singles¸ jingles, spots etc. Figura 4: Exemplo de cartazes digitais interativos que emitem e captam áudio.

Fonte: http://joannapenabickley.typepad.com/on/2007/05/index.html

Estes tipos de cartazes possuem não só um forte apelo visual, mas também digital e interativo, e são capazes de provocar novos, curiosos e inusitados modos de transmitir a mensagem. Cativando mundialmente agências e espectadores, os cartazes digitais interativos estão firmando-se, cada vez mais, como meio alternativo para potencializar a comunicação

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seja de uma campanha ou institucional apenas. Algumas considerações Observamos aqui como o cartaz vem assumindo paulatinamente as peculiaridades da era digital, deixando de ser um mero meio estático e passando a ser um meio dinâmico, cujo apelo visual digital e interativo incita a participação dos transeuntes e cria laços nunca antes esperado entre meio, consumidor e marca. Isto se dá graças à “revolução micro-eléctrica” que se iniciou na década de 60, difundindo-se e estabelecendo-se nas décadas subseqüentes, como o fenômeno que conhecemos hoje por cibercultura. A cibercultura veio permitir a criação de novos meios, porém, devemos deixar claro que ela não procura aniquilar as mídias mais antigas com a criação de novos meios; ao contrário, dentro deste processo de remediação, as mídias tradicionais são repaginadas, adquirindo novos propósitos e usos. Seguindo esta lógica, podemos pensar como cada técnica e suportes criados desde as pictografias até as competências sensórias proporcionadas pelas mídias digitais hoje, contribuíram de forma direta ou indireta para a concepção do cartaz como o estamos apresentando hoje. Esta ‘mistura’ entre suportes é identificada como “remixabilidade profunda”, a qual revelou os principais aspectos da era da revolução dos híbridos, dentre eles o cartaz como meio digital interativo. Porém, em relação a estas revoluções de chegadas de novas mídias, acreditamos que, apesar todas suas vantagens e encantamentos sensoriais, devemos refletir sobre as mudanças causadas por estas: quem converge com o quê? Os meios continuaram com tal processo de hibridação? E,

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principalmente, que novos suportes e usos resultaram disso? Acreditamos que para obtermos as respostas de tais reflexões será um processo lento, no entanto, pudemos verificar que todos os suportes criados surgiram à medida da necessidade da humanidade e que estes foram determinando novos comportamentos que levam ao uso adequado destas novas mídias – o que nos remete a um processo circular: terminasse um ciclo e iniciase outro parecido, com outras e novas mídias. Foi a partir destes ciclos e necessidades da humanidade que surgiu o cartaz, assim como seus processos de reconfiguração. Os questionamentos que levantamos para finalizarmos por ora são: qual será o próximo passo da humanidade? E qual será, com tamanhas mudanças tecnológicas, o futuro de cartaz como meio de comunicação?

Referências BOLTER, Jay David; GRUSIN, Richard. Remediation: understanding new media. Cambridge: MIT Press, 2000. CESAR, Newton. Direção de arte em propaganda. São Paulo: Futura, 2000. HOLLIS, Richard. Design Gráfico: uma história concisa. Tradução de Carlos Daudt – São Paulo. Martins Fontes, 2000. LEMOS, André. Cibercultura: alguns pontos para compreender nossa época. Disponível em Acesso em 22 nov. 2011. ______. Anjos interativos e retribalização do mundo. Sobre interatividade e interfaces digitais. 1997. Disponível em . Acesso em 22 nov. 2011. MANOVICH , Lev. Understanding new media. Disponível em . Acesso em 16 out. 2011 MEGGS, Philips B. e Alston W. Purvis. História do Design Gráfico. Tradução de Cid Knipel. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2009.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura MOLES, Abraham. O Cartaz. 2ed. São Paulo: Perspectiva, 2004.

PEREIRA, Vinícius Andrade. G.A.M.E.S.2.0: Gêneros e gramáticas de arranjos e ambientes midiáticos mediadores de experiências de entretenimento, sociabilidade e sensorialidades. Compós, 2008. Disponível em: . Acesso em 26 nov. 2011. ______. Tendências da comunicação de comunicação: da escrita às mídias digitais. Intercom, 2002. Disponível em: . Acesso em 26 nov. 2011. PURVIS, Alston W. e LE COULTRE, Martijn F. Un siglo de carteles. Ciudad de México: Ediciones Gustavo Gilli, 2003. RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA Gustavo. Dicionário de comunicação. 3ed. São Paulo: Ática, 1998. TREMBLAY, Gaëtan. De Marshall McLuhan a Harold Innis ou da Aldeia Global ao Império Mundial. Disponível em: . Acesso em 24 nov. 2011

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A publicidade na era digital e o exemplo da campanha “Sprite: refresque suas ideias” Danielle VIEIRA1 Resumo Uma nova dinâmica tem se instaurado na publicidade em tempos de cibercultura. Trata-se de um cenário de mudanças nos processos midiáticos, que atinge as práticas comunicacionais e sociais. Neste contexto, as inovações tecnológicas têm possibilitado os meios para a reconfiguração das práticas publicitárias, no qual em vários casos o consumidor participa das campanhas produzindo e compartilhando conteúdos. Com o intuito de abordar as modificações nas estratégias e formatos publicitários, bem como o de conhecer quem é o novo consumidor, este artigo faz um levantamento acerca da publicidade brasileira até a sua prática nos meios digitais. Para exemplificação das tendências e características da publicidade atual online, o estudo de caso da campanha da Sprite “Refresque suas ideias” apresenta o reflexo de alguns aspectos do novo fazer publicitário. Palavras-chave: Cibercultura. Participação. Publicidade. Reconfiguração.

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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução Desde o século XIX, com a transformação da galáxia tipográfica mecânica em uma galáxia elétrica, temos sido orientados a um mundo de consumo. Em decorrência disso, há uma constante reconfiguração e revolução de padrões, que alteram tanto o produtor quanto os valores do consumidor (McLUHAN, 2005). Tais mudanças, somadas às inovações tecnológicas, modificam os meios de comunicação e a sociedade, nos quais a publicidade está inserida. Desta maneira, temos vivido um processo dinâmico, no qual as estratégias e formatos publicitários têm apresentado novas configurações, sobretudo nas mídias digitais interativas. Nos últimos anos, dentre as diversas mídias, tem sido na internet que a publicidade mais tem crescido, com faturamentos cada vez maiores em relação aos anos anteriores, de acordo com dados do Projeto Inter-Meios2, divulgados em agosto deste ano. Em 2010 foram investidos mais de um bilhão de reais na publicidade nesta mídia (INTERNET..., 2011), reflexo do cenário atrativo para os anunciantes que buscam fidelizar sua marca com os consumidores, de forma mais interativa e participativa. Tendo em vista as transformações no fluxo da comunicação, a bidirecionalidade das redes tem viabilizado uma nova dinâmica no fazer publicitário e no relacionamento entre os envolvidos. Para compreendermos como tem se dado tal mudança, é preciso 2

O Projeto Inter-Meios é uma iniciativa conjunta do jornal Meio & Mensagem e dos principais meios de comunicação no sentido de levantar o volume de investimento publicitário em mídia no Brasil.

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verificar a gênese do processo. Como observava McLuhan na publicidade de seu tempo, ela já passava por uma revolução, da mesma forma como havia ocorrido com a pintura, poesia e o mundo do entretenimento, “com uma participação sempre crescente do público. A publicidade moderna vai-se tornando cada vez mais um substituto do produto” (2005, p. 134). A partir de então, a busca pela participação, entre outras necessidades surgidas, vêm moldando a publicidade até os dias atuais da era digital, passando por diferentes suportes midiáticos. Desde que chegou ao Brasil, nos jornais impressos, a publicidade foi ao longo dos anos se expandindo para outras mídias, como o rádio e a televisão, até chegar à internet. Em cada um dos suportes, novas características e diferentes estratégias foram sendo absorvidas pela prática publicitária. O que o presente trabalho propõe mostrar é que na cibercultura o que tem sido vivido pela publicidade é um processo de reconfiguração das estratégias mercadológicas, que incluem mudanças nos formatos, e mais que isso, no relacionamento com o consumidor, modificando a maneira de se dirigir ao target. Trata-se de um novo fazer publicitário, que envolve o consumidor e interage com ele. Nosso objetivo, portanto, é observar como a publicidade agia antes e como ela se apresenta na atualidade, sobretudo analisando as mudanças dos anúncios na internet nos últimos anos. Para tanto, a partir das pesquisas bibliográficas feitas para tratar deste fenômeno, utilizamos o levantamento elaborado por Pinho (2000) acerca dos formatos publicitários nas diferentes mídias e do seu início na internet. Trabalhamos também os conceitos de interação propostos por Primo (2000), a fim de apontar a diferenciação do que era chamado de interatividade no início da publicidade em relação ao que vemos hoje. A partir dos estudos de Lipovetsky (2007) conhecemos quem é o “novo

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consumidor”. E, além disso, abordamos a definição de Nicolau (2008) ao tratar de relacionamento, com o intuito de compreender como tem se dado a relação entre anunciante e consumidor nas mídias digitais. Com a intenção de elucidar o que foi exposto, trazemos como exemplificação a campanha lançada pela Sprite em novembro deste ano, que convida o consumidor a usar sua criatividade para produzir a música do novo comercial. O filme, desenvolvido pela WMcCann, tem sido veiculado na TV sem trilha sonora, que será elaborada pelos internautas de forma interativa e participativa. O estudo deste anúncio nos conduz à compreensão efetiva do fenômeno em discussão. 1 A publicidade no Brasil, ontem e hoje Por ser a mais popular ferramenta de comunicação de marketing, a publicidade impulsiona a economia desde tempos remotos. Apesar de ser considerado um fenômeno marcante no século XX e XXI, desde as sociedades primitivas ela exerce um papel significativo em nossa sociedade (PINHO, 2000). Trazendo à realidade brasileira, a princípio o seu objetivo era muito mais informacional do que de convencimento, com uma linguagem simples, que priorizava a objetividade. Foi na década de 30 que a publicidade nacional se consolidou como comunicação mercadológica (MARTINS, 1997). Desde então, o seu discurso é eminentemente persuasivo, o que se modifica é a maneira com que ela se dirige aos consumidores, que varia em cada suporte midiático. Grande parte do progresso da publicidade nacional foi resultado da chegada da TV ao Brasil. Até então os anúncios percorriam os jornais impressos, as revistas e outros suportes, mas foi com a televisão que a publicidade precisou aperfeiçoar suas técnicas. Além da nova tecnologia,

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o país vivia naquele momento a consolidação da sociedade de consumo (GOMES, 2003), o que propiciou o aumento da produção e do excedente. Assim, talvez possamos falar de uma primeira grande reconfiguração da publicidade, viabilizada pela inovação tecnológica que era a televisão e pela necessidade de convencimento que passou a ser inerente às campanhas publicitárias. Até hoje os anúncios televisivos mantêm a linguagem persuasiva, caracterizada na mensagem falada (inclusive com a utilização de músicas e efeitos sonoros) aliada à imagem, facilitando a memorização da marca. A publicidade “dá movimento, ação, vida à mensagem, e, para tornar isso mais real, conta também com a vantagem do colorido”, explica Sant’Anna (2002, p. 220) a respeito das vantagens da publicidade televisiva. Somado ao formato do comercial tradicional (break), há também o merchandising, que permanece fortemente presente neste meio de comunicação de massa. Embora a publicidade na televisão apresente suas vantagens, no que concerne a soma da imagem, som e movimento, além dos apelos emocionais que facilitam a lembrança dos anúncios, a chegada da era digital resultou em um novo fazer publicitário. Isto porque, a sociedade mudou e, com ela, os consumidores passaram a não se limitar a mudar de canal, utilizando o controle remoto. Eles encontraram no meio digital a pluralidade de vozes, através de interfaces que extinguem a noção determinista de receptor e o transformam em interagente. Assim, as trocas comunicacionais se tornaram horizontais, mudando o fluxo que até então era restrito à passividade. Desta forma, o que estamos vivendo com a cibercultura e que se reflete na publicidade é uma reconfiguração dos processos midiáticos e das práticas sociais. Assim, no que tange à publicidade, não se trata apenas de uma adaptação das práticas desenvolvidas nas mídias clássicas

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para a internet, como afirmam Sant’Anna, Rocha e Garcia (2009, p. 275): “Em diversos momentos, enfatizou-se que não é possível simplesmente transportar as práticas atuais de propaganda de TV, jornal, revista etc. para a internet, porque a maior diferença da internet em comparação às outras mídias é a não-linearidade da leitura das informações”. 2 Publicidade em tempos de cibercultura Atualmente, a cibercultura tem promovido um cenário de reconfiguração para as práticas comunicacionais, políticas, sociais e culturais, mediante a sociedade influenciada pela tecnologia digital (LEMOS, 2010). Diante disso, nas mídias digitais, a estratégia de reconfiguração da prática publicitária tem sido superar as expectativas dos consumidores pela interação, o que não acontece na televisão, já que neste meio o consumidor não tem a possibilidade de dialogar com o anunciante, muito menos estabelecer algum nível de relacionamento com ele. O que se observa a partir dos estudos de Pinho (2000) acerca das primeiras campanhas publicitárias online é que elas começaram como banners - pequenos anúncios em forma gráfica, que variavam apenas de tamanho - em meados dos anos 1990. Naquele período, o que se chamava de interatividade era uma simples interação, na qual havia apenas a possibilidade de clicar em um banner e dar feedback à empresa anunciante. A efetividade da campanha era medida pelos cliques gerados. Esta era a forma de se estabelecer o que se considerava ser um relacionamento entre marca e consumidor. “A tecnologia interativa de multimídia chegou à Web em 1995 e permitiu que os anúncios utilizassem animação, som e mesmo pequenos vídeos” (PINHO, 2000, p. 103). No início dos anos 2000, além do banner, os principais formatos

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publicitários na Web eram os sites de destinação, micro-sites e patrocínio. Nos sites de destinação já era possível observar a combinação de recursos tecnológicos com o entretenimento. Por outro lado, o que era visto como interação era o atendimento ao consumidor, através das respostas dadas aos e-mails recebidos. Já nos micro-sites, o uso tecnológico se dava através de plug-ins, animação e janelas pop-ups, que se destacavam do browser (PINHO, 2000). Além destes formatos, Sant’Anna, Rocha e Garcia (2009) acrescentam ainda os sites de busca e o e-mail marketing. Todos esses modelos mostram o efetivo barateamento da publicidade online, já que dispensam o alto custo da inserção comercial na TV. De acordo com Pinho (2000, p. 118), os banners eram interativos, “permitindo aos usuários solicitar amostras grátis, registrar-se para participar de um concurso ou concorrer a prêmios e encomendar o produto”. No entanto, observamos que tal noção de interação é restrita, se compararmos ao que propõe Primo (2000). Isto porque, para Primo a interação pode ser classificada como reativa ou mútua. A primeira trabalha com uma gama pré-determinada de escolhas, já a segunda contempla a experimentação de verdadeiras trocas, onde há o envolvimento dos interagentes como participantes do processo. Para o autor, os sistemas reativos não podem ser admitidos como exemplos efetivos de interatividade, devido à limitação no processo comunicativo, onde o reagente pouco ou nada pode fazer para alterar o agente. Atualmente, muitas campanhas online têm trabalhado com essa ideia de interação, onde o consumidor tem opções e faz escolhas, só que essas possibilidades fazem parte de um padrão. Tais escolhas são aparentes e limitadas, pois respondem a um sistema. Por outro lado, temos visto crescer cada vez mais uma tendência na elaboração de campanhas que trabalham com a interatividade mútua,

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com base em um sistema aberto, de fluxo dinâmico. Assim, muitos anunciantes têm buscado estabelecer na cibercultura uma interação que preconiza a participação ativa do consumidor. Trata-se também de um intercâmbio de papéis dos atores. A experiência interativa propicia a troca a partir do indivíduo, que deixa de ser um espectador e passa a protagonizar o grande teatro chamado mídia. [...] Com o mundo digital, fica evidente a transformação radical das noções de autor e espectador. De certa forma, esse já era um fenômeno, percebido na arte a partir do início da segunda metade do século XX, quando o artista já podia ser encarado como propositor de uma experiência e a intervenção do participante vista como condição fundamental para a realização da obra. (GONTIJO, 2004, p. 450-451 apud COVALESKI, 2010, p. 74)

2.1 O fazer publicitário na era digital O fazer publicitário que busca a participação tem ultrapassado a simples possibilidade de feedback do usuário ao produtor da peça, se dirigindo à busca pelo envolvimento do público no processo de produção do anúncio. Isto porque, a publicidade atende a uma mudança tecnológica muito forte ocorrida nos últimos 20 anos. Do controle remoto à internet, cada vez mais as inovações surgem em um tempo mais curto do que outras mudanças na história da humanidade, como aconteceu na passagem da oralidade para a escrita (FORD, 2010). Na contemporaneidade, a publicidade tem papel fundamental dentro do mercado e da sociedade de consumo. Com a recente evolução da marca, o que muda não é tanto o produto que tem a marca, mas sim o consumidor que a tem. Cada vez mais tem sido fácil produzir bens quase idênticos e relativamente baratos no mercado global. Assim, o essencial não é ter uma grande quantidade de consumidores, “mas uma tribo de Capa

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fiéis que seguirão sua empresa, sua marca” (KLEIN, 2010, p. 175). Além de seguir o anunciante, a tendência tem sido a adoção de estratégias comunicacionais que contemplem o consumo sensorial e experiencial dos indivíduos, além de algumas vezes se camuflar no entretenimento. Para isso, ela se insere também nas redes sociais, nas quais as marcas geram conteúdo e são objetos de interação entre os usuários. Como argumenta Lipovetsky (2007, p. 45), “não é mais a hora da fria funcionalidade, mas da atratividade sensível e emocional”. Assim, a cartada da sensorialidade e do afetivo são fortemente presentes na publicidade contemporânea, inclusive na cibercultura. A preocupação dos publicitários, portanto, tem sido “fazer que sua mensagem se torne uma experiência para o consumidor, simulando uma situação, seja ela lúdica ou realista, utilizando a sua própria natureza como mídia requisitada para que o usuário deseje requisitar a publicidade e, ainda, a espalhe para sua própria rede de relacionamento” (SANT’ANNA; ROCHA; GARCIA, 2009, p. 287-288). Elencar as mudanças de estratégias da publicidade na atualidade vai além de observar as mudanças nos formatos que a internet propiciou a este mercado. Reflete os modos como estamos nos relacionando e enxergando o outro. E a publicidade trabalha com isso. “É por intermédio das sensações que o espectador se relaciona com o anúncio e, se puder senti-lo por meio do maior número de órgãos sensoriais, maior será seu relacionamento com o anúncio e, em decorrência, com o produto, serviço e/ou marca anunciados” (CHIMINAZZO, 2008, p. 450-451). Dessa maneira, os consumidores se sentem mais próximos do anúncio e da empresa anunciante, como se fosse uma “nova amizade”, uma relação “pseudo-social”, que engloba certo “carinho” entre peça e espectador, que deixa de ser passivo, sendo assim ativo nesse envolvimento

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mensagem receptor (CHIMINAZZO, 2008). Assim, as empresas buscam o prolongamento da experiência, através da convivência com os seus consumidores, a fim de que suas marcas sejam íntimas das pessoas. Para Lévy (2004, p. 183), estamos em um período de deslocamento em direção à economia da atenção: “Após de ter sido durante séculos uma economia de subsistência, [...] a economia se desloca agora em direção às idéias e – ainda além – em direção à atenção”.A justificativa para a necessidade de apelo ao emocional também tem origem na economia da velocidade. De acordo com Lipovetsky (2007), a duração de vida dos produtos não excede dois anos, ocasionando a aceleração da obsolescência dos produtos. Logo, faz-se necessário seduzir o consumidor pela novidade, pela oferta de versões mais eficientes. A publicidade, então, reflete essa lógica mercadológica e incorpora as mudanças necessárias para atender a essa economia de consumo. Em determinados casos, temos a impressão de que hoje a publicidade por si somente já é propriamente o objeto de consumo. Diante das constantes mudanças sociais e econômicas, os modelos de publicidade passam por transformações. Com a influência da tecnologia criando novas práticas, hábitos, usos e necessidades, novas tendências são lançadas. Para se ter uma ideia, em 2001, a comunicação de mercado feita na internet já respondia aos três objetivos: atrair a atenção do internauta, identificá-lo e fidelizá-lo. Para atingir esse objetivo, eram adotadas técnicas como utilização de hipertexto e banners (KARSAKLIAN, 2001). Segundo a autora, a publicidade na internet funcionava principalmente como teaser, para atrair a atenção dos clientes e atiçar sua curiosidade. Hoje, o que se vê não é o fim dessas estratégias, mas a adesão de outras que respondem às mudanças constantes da sociedade e das formas de consumo. Em uma sociedade em que as tecnologias

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fomentam as inovações, a publicidade orienta seu trabalho para esta realidade, ainda mais tendo em vista que o seu público alvo sabe o que quer, como quer e quando quer, sendo assim extremamente exigente, “principalmente porque tem acesso a toda informação necessária para poder exigir” (KARSAKLIAN, 2001, p. 79). Além do aspecto interativo, as práticas recentes da comunicação publicitária na cibercultura priorizam também o caráter da imersão e a noção de realidade aumentada. Segundo Murray (2003 apud SANT’ANNA; ROCHA; GARCIA, 2009, p. 288), a imersão é “a sensação de estarmos envolvidos em uma realidade completamente estranha [...] que se apodera de toda a nossa atenção, de todo o nosso sistema sensorial”. Levando em consideração a atual condição do aperfeiçoamento da técnica no ciberespaço, fica notória a compreensão de como a publicidade se utiliza das inovações tecnológicas para estimular as práticas sociais, a partir da imersão. Nesse sentido, o jogo eletrônico ou advergame é um dos formatos que mais deixam o usuário imerso na publicidade e envolvido com ela. A partir da interatividade e da imersão, os consumidores encontram na cibercultura o lugar propício para a sua participação ativa, inclusive na produção de conteúdo. Campanhas como a do Nescau 2.0 convidam os internautas a participarem da produção do comercial da marca, enquanto a da Ruffles “Faça-me um favor” utiliza a criatividade do usuário para inventar sabores para a empresa. Todos estes anúncios reverberam em vantagens para ambos os lados. Os anunciantes ganham o produto criativo dos seus consumidores, aumentam a repercussão da marca e até mesmo fidelizam tais usuários. Estes, por sua vez, ora se sentem importantes ao ver sua criação ser veiculada, além da possibilidade de compartilhamento com seus pares, ora são premiados pelo produto de sua participação. Por tais razões, fica difícil

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utilizar um conceito fechado a respeito de que tipo de consumidor tem sido encontrado nas mídias digitais. Isto porque, alguns deles se comportam como fãs, outros como parceiros, além dos interatores e dos produtores. As trocas estabelecidas entre anunciantes e consumidores são reflexos do contexto atual das culturas midiáticas, no qual a internet tem sido um ambiente propício ao efetivo relacionamento. Utilizando a classificação elaborada por Nicolau (2008) a respeito dos três tipos de relacionamento (cooperativo, mercadológico e participativo), observamos que a condição atual da publicidade se enquadra no segundo tipo. Este é “regido pela necessidade de ambos os lados fazerem uma negociação satisfatória” (NICOLAU, 2008, p. 7). Tal relacionamento parece se mostrar bastante satisfatório aos anunciantes e aos consumidores, dentro de um sistema de comunicação interativo. Diante deste cenário de reconfiguração e constantes inovações, não há padrões fechados na publicidade online, “não há como criar modelos de desenvolvimento, porque existe muito pouco para ser comparado, estudado e definido. Como a mídia é muito nova, os formatos de publicidade, bem como suas próprias medições, ainda estão se definindo” (SANT’ANNA; ROCHA; GARCIA, 2009, p. 287). Atualmente, essa percepção se torna ainda mais evidente nos meios digitais, que são em essência mutantes, com “estruturas de construção que ameaçam o equilíbrio de qualquer processo de comunicação que se apresente como definitivo” (BAIRON, 2008, p. 367). Trata-se de um cenário dinâmico, cujas características permitem tal constante mutação. Para Dimantas (2008, p. 391) “a dinâmica da Internet nos leva a outro modelo. Um a um. De muitos para muitos. As pessoas querem ouvir, precisam escutar as vozes, um do outro, e responder da mesma forma”. A internet nos dá os recursos. Sabendo utilizá-los, as empresas

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elaboram suas produções publicitárias atendendo às necessidades dos novos consumidores (LIPOVETSKY, 2007), que interagem entre si dentro de micromercados, descentralizados, viabilizando uma comunicação também descentralizada. Dessa maneira, as peças publicitárias precisam interagir verdadeiramente com seus mercados, através do que é possibilitado a partir das inovações tecnológicas. Assim, a publicidade se mantém centrada na dependência do consumo permanente, no qual o discurso publicitário ajuda a construir a nova cultura do consumo rápido. 3 “Sprite: Refresque suas ideias” Com o intuito de impactar o consumidor e promover sua participação online, a Sprite lançou uma campanha publicitária em outubro de 2011, na qual pede que os usuários criem músicas para o novo comercial da marca. O filme “Sprite Sons Urbanos”, desenvolvido pela agência publicitária WMcCann, está indo ao ar sem trilha sonora. Ao exibir imagens do cotidiano que às vezes passam despercebidas, como uma lata sendo aberta, rodas de skate batendo no piso e um ônibus freando, a anunciante Coca-Cola convida os indivíduos com 13 anos ou mais a elaborarem a música, para que uma delas seja veiculada no comercial televisivo em 2012. O desafio feito ao consumidor é o de mostrar criatividade na criação do áudio exclusivo para a campanha. Nas imagens, o texto “Quem vai criar a música deste comercial é você” aparece diluído nas imagens do vídeo produzido pela Dínamo Filmes, seguido da narração “Sprite convida você para refrescar suas ideias. Acesse o site e crie a música deste comercial. A melhor vai passar aqui”. Assim, o telespectador/internauta deve entrar no hotsite do produto “www.sprite.com.br” e, através de um

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sistema de ferramentas de edição, criar a sua música. Na página inicial do site, o internauta tem acesso às informações necessárias para a produção da trilha. Ele pode assistir ao comercial para se inspirar e também ouvir a galeria de músicas já criadas pelos participantes, bem como votar em qualquer uma delas. Clicando na opção de começar a criar o áudio (no topo da página), o consumidor visualiza a plataforma oferecida para que ele elabore a música. Para facilitar o manuseio, um tutorial de 11 passos orienta a atividade, que precisa corresponder às normas estabelecidas pelos termos e condições, pela política de uso e pelo regulamento, já que se trata de um concurso, no qual os 30 participantes mais votados receberão um vídeo game e o autor da música vencedora do concurso ganhará um iPod Touch 8GB, além do direito de ter sua música associada ao filme da Sprite. Figura 1 - Hotsite da Sprite

Fonte: www.sprite.com.br

Todo o layout reforça o conceito jovem adotado pela marca, assim como a música criada pelo rapper Emicida, que serve de inspiração para Capa

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a atividade dos consumidores. De acordo com Andréa Mota, diretora de marketing, “A criatividade urbana une jovens e grupos de rua, num universo em total sintonia com Sprite. Queremos estimular ainda mais esta interação. Com o conceito de refrescar as ideias, buscamos captar ainda mais do som das ruas e permitir uma total identificação do nosso consumidor” 3. Tal posicionamento mostra a intenção da anunciante de utilizar o entretenimento a fim de estimular a criatividade e participação do internauta. Além dos sons disponíveis para a produção da música, que se dividem em ritmos, bases, efeitos e melodias, o internauta pode também enviar outros pelo celular, computador ou QR Code4, além de liberar os códigos das latas para utilizar novos sons. Enquanto isso, na timeline, ele tem disponível oito canais para editar a música. Após escutar o preview, o participante cadastrado deve finalizar a trilha e pode compartilhá-la, além de fazer download. Em fevereiro de 2012, será exibido o novo filme de 15 ou 30 segundos da Sprite com a trilha sonora criada pelo consumidor vencedor do concurso, após ter sido um dos 30 mais votados pelo público e, em seguida, passar por uma análise da Coca-Cola e do rapper Emicida (SPRITE..., 2011).

3

Extraído da matéria “Sprite desafia consumidor a criar trilha sonora de nova campanha”. Disponível em: . Acesso em: 03 dez. 2011. 4

É um código de barras em 2D que pode ser escaneado pela maioria dos aparelhos celulares que têm câmera fotográfica. Esse código, após a decodificação, passa a ser um trecho de texto, um link e/ou um link que irá redirecionar o acesso ao conteúdo publicado em algum site.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura Figura 2 - Página de criação da trilha sonora

Fonte: http://sonsurbanos.sprite.com.br/estudio.html

A partir desta exemplificação, nota-se facilmente que a campanha corresponde ao processo de reconfiguração publicitária presente nos meios digitais. Observa-se nitidamente a busca pela participação do consumidor, no caso citado envolvendo o telespectador/internauta, que é convidado a produzir sua trilha sonora para um anúncio. Primeiramente, é realizado um trabalho de direcionamento de uma mídia para outra. O telespectador é impactado pelo comercial sem música e, em seguida, conduzido à internet, sendo este o espaço propício para a sua interação, já que é nele que o indivíduo terá acesso às ferramentas necessárias para a sua participação. Portanto, fica evidente que os meios digitais viabilizam o ambiente para a produção dos consumidores, que até então, nas mídias tradicionais, não era contemplado pelo processo de comunicação vertical. Dimantas (2008, p. 384) percebe que “as pessoas querem conversar. Elas querem participar de projetos que tenham a ver com seus interesses. As ferramentas tecnológicas nos dão possibilidades de brincar, de copiar e colar, de fazer bricolagem e de dar vazão às emoções humanas”. A campanha da Sprite Capa

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responde a esta constatação, e reflete o comportamento de anunciantes e publicitários, que estão percebendo o fluxo horizontal da comunicação e utilizando as possibilidades oferecidas pelas inovações tecnológicas para responder às necessidades do seu target. Considerações Finais Compreender os aspectos e as mudanças da mídia em cada época nos auxilia no entendimento das novas configurações da publicidade, que se insere nesse contexto. De acordo com Shirky (2011), no século XX a mídia se voltava para um único enfoque: o consumo. No entanto, “a mídia é na verdade como um triatlo, com três enfoques diferentes: as pessoas gostam de consumir, mas também gostam de produzir e de compartilhar. Sempre gostamos dessas três atividades, mas até há pouco tempo a mídia tradicional premiava apenas uma delas” (SHIRKY, 2011, p. 25). Atualmente muitas empresas e publicitários têm percebido a presença destes três enfoques midiáticos e procurado trabalhar com eles. Para isso, têm utilizado os espaços viabilizados pelos meios digitais para atrair o consumidor e responder as suas expectativas. Assim, há uma tendência publicitária em elaborar campanhas que priorizem não apenas o consumo, mas que fomentem a produção e o compartilhamento dos usuários, como partes de sua estratégia mercadológica. É o que acontece com a campanha da Sprite. A anunciante CocaCola pede que o público crie a música, como compositores que irão contribuir elaborando a trilha e podendo receber prêmios por isso. Tratase na verdade de uma co-criação, já que o internauta não terá autonomia para produzir todo o comercial sozinho. Ele partirá de uma série de imagens para poder criar o áudio. Por outro lado, dentro do tempo

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estipulado, ele tem autonomia para elaborar e compartilhar a música que achar conveniente. Esta tendência responde ao que Nicolau (2008) considera como relacionamento mercadológico, já que ambos os lados são partes de uma negociação satisfatória. Dentro de um sistema de comunicação interativo, o consumidor participa produzindo e pode ser premiado por isso, seja entre os 30 mais votados ou sendo aquele que terá sua música veiculada no comercial. Ao mesmo tempo, a anunciante promove sua marca, fideliza seu público ao produto e recebe uma gama de trilhas a serem utilizadas em suas campanhas publicitárias. O relacionamento se dá a partir da percepção de que estamos muito mais voltados ao que Lévy (2004) chama de “economia da atenção” e também à “economia afetiva” (JENKINS, 2008). A estratégia é a de trazer o target para perto da empresa, e não apenas a de vender um produto. Tem-se, portanto, a adoção de um consumo de experiência. O consumidor se sentirá importante, como parte do processo de produção publicitária na medida em que cria sua trilha e pode compartilhá-la entre seus pares. A campanha “Refresque suas ideias” reflete também a percepção por parte das empresas e publicitários acerca da tendência de tornar os anúncios com uma aparência mais pessoal, isto porque eles têm compreendido que os consumidores querem fazer algo além de consumir. Shirky (2011) explica a importância das peças publicitárias terem clareza de design, no entanto que esta não é a única qualidade a ser valorizada. Para ele, “criar algo pessoal, mesmo de qualidade média, tem um tipo de apelo diferente do que consumir algo feito pelos outros, mesmo algo que seja excelente” (SHIRKY, 2011, p. 73). A Coca-Cola, no caso mencionado, elucida tal pensamento ao

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pedir que o consumidor elabore algo pessoal, que será feito por ele e por outros internautas, como se fosse uma ajuda dada por eles. Além disso, o foco da campanha não é notoriamente persuadir o consumidor a comprar o produto, já que para participar da campanha, o regulamento claramente informa que ele não terá que adquirir o objeto da marca. Tratase da constatação do que McLuhan (2005) já observava em seu tempo, quando dizia que com a participação do público, a publicidade se torna um substituto do produto. A estratégia e o formato adotados em “Sprite: Refresque suas ideias”, escolhida para exemplificação do fenômeno tratado, são reflexos da constante reconfiguração e da revolução de padrões, bem como a alteração gerada em ambos os agentes do processo, produtor e consumidor, como preconizava McLuhan (2005). Com base nestas percepções, cabe a reflexão acerca dos novos rumos da publicidade na era digital. Levando em consideração a afirmação de Chiminazzo (2008, p. 468), ao apontar que “um dos grandes fatores de sucesso da Internet é a interação sensorial, a sinestesia trabalhada pela visão, audição, pelo tato e, provavelmente, no futuro, pelo olfato”, fica o questionamento quanto aos próximos passos da publicidade. Em um cenário totalmente dinâmico e de tendências muito mais fortes do que modelos fechados, vemos conceitos ainda a serem definidos, a exemplo dos tipos de consumidores presentes nos meios digitais. Até o momento, o que observamos são indícios de que o consumidor ora age como fã, ora como interator, ora como produtor e ainda como parceiro. No entanto, não estabelecemos uma classificação rígida, já que em vários casos não há como isolar o que seria um tipo de consumidor ou outro. Até mesmo as nomenclaturas de cada categoria precisam ser trabalhadas. Da mesma maneira como ocorre nesse caso, acerca dos possíveis tipos de consumidores, há outras nuances que cercam o fazer

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publicitário na cibercultura, sendo uma delas o fato de muitas campanhas afirmarem tratar de interatividade com os consumidores, quando na verdade, a proposta, de fato, é uma simples interação. Todos estes pontos, entre outros, são recorrentes na abordagem do tema e precisam ser tratados, tendo em vista a velocidade com que as mudanças nos meios digitais ocorrem e atingem a publicidade online.

Referências BAIRON, Sérgio. Hipermídia: a margem digital e o cotidiano do consumidor. In: PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan Santo. (Orgs.). Hiperpublicidade: atividades e tendências. São Paulo: Thompson Learning, 2008. v. 2. CHIMINAZZO, Ricardo. Tendências e novos formatos das peças publicitárias. In: PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan Santo. (Orgs.). Hiperpublicidade: atividades e tendências. São Paulo: Thompson Learning, 2008. v. 2. COVALESKI, Rogério. Publicidade híbrida. Curitiba: Maxi Editora, 2010. DIMANTAS, Hernani. Comunidades virtuais: heterodoxia informacional. In: PEREZ, Clotilde; BARBOSA, Ivan Santo. (Orgs.). Hiperpublicidade: atividades e tendências. São Paulo: Thompson Learning, 2008. v. 2. FORD, Aníbal. O contexto do público: transformações comunicacionais e socioculturais. Tradição: Eliana Aguiar. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. 5ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: comunicação persuasiva. Porto Alegre: Sulina, 2003. INTERNET brasileira rompe a barreira do bilhão. Disponível em: . Acesso em: 10 abr. 2011. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Tradução: Susana Alexandria.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura São Paulo: Aleph, 2008. KARSAKLIAN, Eliane. Cyberm@rketing. São Paulo: Atlas, 2001.

KLEIN, Naomi. Marcas globais e poder corporativo. Tradução: Maria Beatriz Medina. In: MORAES, Dênis de (Org.). Por uma outra comunicação: mídia, mundialização cultural e poder. 5ed. Rio de Janeiro: Record, 2010. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia planetária. São Paulo: Paulus, 2010. LÉVY, Pierre. O ciberespaço e a economia da atenção. In: PARENTE, André (Org.). Tramas da rede. Porto Alegre: Sulina, 2004. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MARTINS, Jorge S. Redação Publicitária: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 1997. MCLUHAN, Stephanie; STAINES, David (Orgs.). McLuhan por McLuhan: conferências e entrevistas. Tradução: Antônio de Pádua Danesi. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005. NICOLAU, Marcos. Fluxo, conexão, relacionamento: um modelo comunicacional para as mídias interativas. In: Revista Culturas Midiáticas, ano I, n. 01, Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB, agosto/ dezembro de 2008. PINHO, J.B. Publicidade e vendas na internet: técnicas e estratégias. São Paulo: Summus, 2000. PRIMO, Alex. Interação mútua e reativa: uma proposta de estudo. Revista da Famecos, n.12, p. 81-92, jun. 2000. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. 7ed. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. SANT’ANNA, Armando; ROCHA, Ismael Júnior; GARCIA, Luiz Fernando

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Dabul. Propaganda: teoria, técnica e prática. 8ed. São Paulo: Cengage Learning, 2009. SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Tradução: Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. SPRITE pede que o consumidor crie música para comercial. Disponível em: . Acesso em: 24 nov. 2011.

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Google e conhecimento: a reconfiguração dos processos de busca na cultura digital Emanuella SANTOS1 Resumo A cultura digital permitiu aos indivíduos uma maior acessibilidade na busca pelo conhecimento. Atualmente, a inserção das tecnologias de informação e de comunicação estabelece novos hábitos e comportamentos que modificam práticas cotidianas. Tendo em vista o poder das tecnologias, Marshall McLuhan dividiu em três eras culturais os processos de comunicação humana: cultura oral, cultura tipográfica ecultura eletrônica. Aqui, associamos esta divisão às formas da busca do conhecimento pelo homem em cada uma delas, e incluímos por fim a cultura digital. O objeto de estudo deste artigo está centrado na plataforma Google que, por um processo de reconfiguração e de uso das novas tecnologias, permite que todos tenham acesso às informações e ao conhecimento, através da internet. Para isso, utilizamos da pesquisa bibliográfica e do método de observação, esperando lançar luzes as formas de uso desta plataforma, que pode tanto ser benéfica, quanto maléfica ao desenvolvimento das sociedades pós-modernas. Palavras-Chave: Busca de conhecimento. Google. Cultura digital. 1

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução As mudanças resultantes do processo de globalização são visíveis nos mais diversos aspectos da vida humana. As modificações na cultura e na sociabilidade contemporânea, ocasionadas pelos avanços tecnológicos, alteram desde as relações pessoais até a compreensão de espaço, tempo, sujeito e real. Castells (1999) credita a revolução tecnológica pela forma como o sistema capitalista se reestruturou e pelo surgimento de um novo modelo de desenvolvimento informacional no qual vivemos atualmente. No novo modo informacional de desenvolvimento, a fonte de produtividade acha-se na tecnologia de geração de conhecimento, de processamento da informação e de comunicação de símbolos. Na verdade, conhecimento e informação dão elementos cruciais em todos os modos de desenvolvimento, visto que o processo produtivo sempre se baseia em algum grau de conhecimento e no processo da informação. (CASTELLS,1999,p. 54)

Atualmente, a produção de conhecimento circula pelas infovias dos meios tecnológicos digitais, e para melhor compreender este cenário, partimos do pressuposto que o processo de busca de conhecimento evoluiu historicamente atrelado ao surgimento das novas tecnologias, que possibilitaram ao ser humano acessar várias formas de conhecimento e de informação. No seu livro “o meio é a massagem”, Marshall McLuhan (1967) dividiu as formas de comunicação humana em períodos culturais ou galáxias. Aqui, nós associamos a evolução destes períodos às principais Capa

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formas pelas quais o homem teve acesso ao conhecimento. A passagem das eras culturais até a chegada da cultura digital nos mostra que os mecanismos criados pelo próprio homem só contribuíram para facilitar a vida das sociedades, visando diminuir o grau de dificuldade que o homem enfrentava em cada uma das culturas. O surgimento da internet tem seu real valor no aprimoramento desta busca do homem pelo conhecimento, e foi no espaço proporcionado pela web, ou o ciberespaço como é conhecido, que surgiu um dos mais utilizados sites de busca da atualidade: o Google. Este apareceu com a missão de “organizar as informações do mundo e torná-las mundialmente acessíveis e úteis” 2, e não foi o primeiro a incorporar esta ideia, porém suas próprias e aprimoradas especificidades garantiram que fosse uma das empresas de maior destaque no mercado global. E é com vista em sua forma de gerar novos hábitos, e mais especificamente o hábito pela busca do conhecimento através de seu site, que o sucesso do Google provoca alguns autores, como Siva Vaidhyanathan,que tenta identificar as implicações do controle total das informações na web por esta empresa. Neste sentido, dividimos o artigo em duas partes que acreditamos fundamentais. A primeira parte está centrada na explanação das três eras culturais, destacando em cada uma delas as principais formas na busca pelo o conhecimento. A segunda parte retrata de forma sucinta, como o Google começou e o que atualmente ele representa para as sociedades pós-modernas. Tendo em visto as mudanças que as tecnologias trouxeram ao comportamento humano, o Google, amparado pela internet, reconfigurou 2

Citação tirada da página coorporativa do Google: http://www.google.com.br/ intl/pt-BR/about/corporate/company/index.html

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a forma que atualmente as pessoas seguem em busca de alguma informação ou de conhecimento, não sendo necessário que as formas anteriores de busca desaparecessem. 1 Evolução nas formas de busca de conhecimento É da natureza do ser humano estar em constante busca pelo conhecimento. Do seu nascimento até o final da sua existência, o ser humano vive uma jornada de aprendizados e de experiências que o faz ser aceito de acordo com as exigências do seu meio. Historicamente, os processos de busca evoluíram de acordo com as necessidades contextuais e sociais, porém, para o nosso trabalho, o que mais interessa é a evolução dos processos de busca a partir do desenvolvimento dos meios de comunicação. Marshall McLuhan (2011) diferencia a evolução da comunicação usada pelo homem em três períodos culturais: a cultura oral ou acústica, a cultura tipográfica ou visual e a cultura eletrônica. Considerando o meio como a forma empregada para se realizar um processo comunicativo, associamos aqui a divisão de McLuhan às formas evolutivas dos processos de busca a partir destes meios, tratando as especificidades de cada um. 1.1 Cultura oral ou acústica McLuhan apontou como primeira forma de cultura comunicacional a cultura oral ou acústica. O único meio que esta dispunha para guardar e transmitir seus conhecimentos para as gerações posteriores era a memória auditiva e visual. Tal realidade era fruto das culturas não alfabetizadas, sendo seu principal meio de comunicação a palavra falada. Capa

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Nesta cultura, o conhecimento era obtido e transmitido através dos saberes compartilhados dos mais velhos para os mais novos. A sabedoria era associada à boa memória, e os anciões por possuírem maior conhecimento e repassá-lo, eram vistos como sábios. Esta forma de buscar conhecimento, devido às necessidades da própria humanidade, foi redefinida, porém nunca superada. Uma vez que a oralidade é, ainda hoje, uma das principais formas de comunicação, mesmo com o advento das mais modernas formas de tecnologias. 1.2 Cultura tipográfica ou visual Já na era tipográfica ou visual (MCLUHAN, 1977), a cultura passa a ser representada por uma sociedade alfabetizada e por ter a escrita e a leitura como meio para se adquirir conhecimento. O meio impresso possibilitou ao ser humano ter acesso mais fácil às informações. McLuhan (2011) afirmou que“o livro é uma extensão do olho”, acreditando ele que o indivíduo gutenbergiano poderia reconhecer o seu ambiente a partir de sua visão e obter conhecimento a partir da prática da leitura. Transformando, com isso, o modo como o mundo era percebido e encarado. Com o advento dos livros, um tipo específico de impresso ganha seu devido valor: as enciclopédias. Na busca pelo conhecimento, elas possuem real importância, principalmente por ser composta de vários temas de domínio humano. Historicamente a primeira enciclopédia que existiu marca do século X (Suda)3, depois vários outros modelos de enciclopédias foram surgindo, algumas centradas em certas áreas, e outras com a mistura de conhecimentos variados. 3

Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Enciclop%C3%A9dia

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Tendo como característica a diversidade de assuntos, as enciclopédias tinham como finalidade juntar o conhecimento “de todas as ciências e artes”4, tratando com maior profundidade determinados assuntos, destacando o que é mais relevante em cada tema, e com a sua existência, o homem passou a possuir um referencial documental dos seus conhecimentos. As grandes bibliotecas, presentes em todo o mundo, surgiram a partir da pretensão de criar um espaço próprio para acessar mais facilmente os livros. Foi no século XVI que as bibliotecas passaram a democratizar as informações5, antes pertencentes apenas a algumas minorias da sociedade. O indivíduo agora teria, no mesmo local, assuntos de distintas áreas, muito mais completos que uma enciclopédia (mesmo estas também estando presente nas bibliotecas), e possibilidades diversas na busca pelo conhecimento, uma vez que as bibliotecas possuíam livros em maior quantidade e com grande diversidade de autores. Nesta forma de cultura - com o surgimento de livros, enciclopédias e bibliotecas - o conhecimento se tornou acessível a um número maior de pessoas, preparando-as para as transformações que viriam com a cultura eletrônica e suas tecnologias de força massificadora. 1.3 Cultura eletrônica A cultura eletrônica é o último período cultural distinguido por McLuhan, e tem como principais características a instantaneidade, a velocidade da transmissão das mensagens e o teor massivo. Os meios eletrônicos possuem maior apelação aos sentidos e por mais que exista 4

Ibid. (Wikipédia)

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Cf.: http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_das_bibliotecas

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interesses de lucro por trás de suas ações, são reconhecidos como meios que tornam mais próximas as estrutura sociais. “A era eletrônica, que sucede à era tipográfica e mecânica dos quinhentos últimos anos, coloca-nos face a novas formas e a novas estruturas de interdependência humana”. (MCLUHAN, 2011) Nos meios eletrônicos, as transmissões de mensagens visavam tornar de conhecimento de muitos (a massa) as informações, foi apontadas por vários autores como alienadoras, uma vez que os indivíduos que acompanhassem tais transmissões teriam as informações adquiridas como verdades inquestionáveis. Nesta época cultural, a busca de conhecimento tornou-se ainda mais fácil, principalmente porque as informações chegavam dentro da casa das pessoas, não sendo necessário que estas se deslocassem para se ter acesso ao conhecimento. Os meios massivos se colocavam como responsáveis em manter as populações bem informadas, o que na verdade tornava o conhecimento muito mais limitado, na maioria dos casos. Lúcia Santaella (2010), acompanhando o raciocínio de McLuhan, divide os seus estudos da cibercultura em seis eras culturais e chama a época nomeada por McLuhan como cultura eletrônica, de cultura de massa. Ela explicita-a, dizendo que o principal meio de comunicação desta cultura é a TV, por possuir uma intensiva força de difusão, e atuando de forma unidirecional, onde o espectador é um receptor passivo do seu conteúdo. Ela diz ainda, que a cultura de massa deu origem à cultura das mídias, esta com novas formas de produção, de distribuição e de consumo comunicacional, e que precedeu a cultura digital.

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1.4 Cultura digital Pode-se dizer que a cultura digital ou cibercultura, segundo Lemos (2009), surgiu primeiramente como resposta ao capitalismo moderno, mas também podemos entendê-la como uma cultura resultante de novas necessidades individuais humanas. Vista como uma cultura desta época, onde os suportes tecnológicos são responsáveis pela mediação das relações e das comunicações humanas, a cultura digital deu origem ao que Castells (1999) chamou de “Sociedade da Informação”, e foi resultado principalmente de uma revolução tecnológica que ultrapassou o século XX, e chega ao seu auge no decorrer do século XXI. A ampliação das formas de comunicação, amparadas pelas tecnologias de informação e de comunicação, proporcionou o que Lévy (1999) designou como Inteligência coletiva, uma forma de compartilhar conhecimentos através das redes computacionais, originando uma forma peculiar de cultura e uma nova cognição. Esta cultura digital interfere de muitas formas no aprimoramento dos instrumentos que o indivíduo usa para se informar. As possibilidades de acesso, de conexão e de intercambio fazem surgir um fluxo informacional que modifica radicalmente aquele sistema encontrado nas formas culturais anteriores de McLuhan. O barateamento do computador pessoal e do telefone celular, aliado àrápida evolução das aplicações em software livre e dos serviços gratuitos narede, promoveu uma radical democratização no acesso a novos meios deprodução e de acesso ao conhecimento. A digitalização da cultura, somada àcorrida global para conectar todos a tudo, o tempo todo, torna o fato históricodas redes abertas algo demasiadamente importante. (MURILO, 2009, p. 9, grifo nosso).

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Todas essas transformações contribuem para a existência de maiores possibilidades de acesso a informação. A World Wide Web permitiu que as informações do mundo todo estivessem disponíveis em qualquer lugar e a qualquer hora. No começo, existia uma desordem na web, pois seus conteúdos era distribuídos de forma desordenada, “era impossível separar o joio do trigo” (VAIDHYANATHAN, 2011, p.15). Com isso, surgiu uma forte necessidade de organizar os conteúdos de forma a facilitar a navegação dos usuários na web. A internet passou a representar a circulação de conhecimento, onde é possível buscar informação sobre os mais diversos assuntos. E é entre vários mecanismos de busca que existe na internet, surge uma ferramenta com simplicidade e clareza própria: o Google. 2 O Google e sua reconfiguração O Google, fruto direto da cultura digital e do desenvolvimento das novas tecnologias de informação e de comunicação, é hoje uma das mais bem-sucedidas empresas do século XXI. Iniciada com o objetivo de dar destaque às páginas mais acessadas da internet pelos usuários, os fundadores Larry Page e Sergey Brin, acreditando que quanto mais uma determinada página fosse acessada maior seria a probabilidade que seu conteúdo fosse o mais útil, criaram um mecanismo para que grande parte das páginas da web fosse indexada em um único banco de dados (LOWE, 2009). Buscas na internet existiam antes da criação do Google, que só foi fundado em 1998. Podemos citar as buscas no site doYahoo(1995), por exemplo. Porém o sucesso daquele está associado ao aperfeiçoamento nas ferramentas depesquisas de seu site. O Google garantiu que a navegação na internet ganhasse mais Capa

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agilidade e qualidade, diminuindo as possibilidades dos computadores adquirirem vírus, que era bastante comum na época, dando maior confiança para os internautas entrarem em determinados sites. Atualmente, o Google oferece diversos tipos de serviços e de ferramentas. Além de sua plataforma básica de pesquisa na web, existem outros serviços como: GoogleMaps, que oferece mapas e rotas por vários países do mundo; Google tradutor, que permite a tradução de textos para diversas línguas; redes sociais Google Plus e o Orkut, esta última mais reconhecida aqui no Brasil; Gmail, serviço de email com amplo espaço de armazenamento; o Google Docs; dentre outros serviços com os mais diversos fins6. E possuindo uma plataforma aberta, o Google deixa claro que seu investimento nas propagandas é sua principal fonte de lucro. Pelo menos em termos de geração de renda, o negocio central do Google não é a simplificação das consultas, mas a venda de espaço publicitário [...]. Na era anterior ao Google, as empresas criavam produtos que vendiam aos seus clientes por meio de uma propaganda que levava informações a compradores potenciais. O Google reconfigurou totalmente esse modelo. (VAIDHYANATHAN, 2011, p. 40, grifo nosso).

É desta forma particular, que o Google reconfigura não só as formas de buscar informação, mas também a forma de fazer publicidade, a partir de suas diversas ferramentas que trouxeram mudanças em várias práticas cotidianas. Com isso, a busca pelo conhecimento passou desde as formas culturais anteriores (oral, tipográfica e eletrônica) por uma das mais significativas reconfigurações proporcionada pela internet, e possuindo 6

Lista com todas as ferramentas e serviço do Google: http://pt.wikipedia.org/ wiki/Anexo:Lista_de_ferramentas_e_servi%C3%A7os_do_Google

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seu sistema própriode buscas, o Google contribui para a reconfiguração destas buscas em todo o mundo. As mudanças trazidas pela evolução das eras culturais fizeram com que o Google ganhasse a expansão da cultura digital como sua grande aliada, uma vez que as novas tecnologias possibilitaram que as informações estivessem ao alcance de todos, quebrando barreiras e limites que para as culturas anteriores, eram apenas utopia. Percebemos então, com a evolução das eras culturais, que os meios utilizados para a busca de informações e de conhecimentos passaram por um processo de reconfiguração. Lembramos ainda que para que um novo meio surgisse não foi necessário que os anteriores desaparecessem, pelo contrário, eles se complementaram, tornando-se híbridos (SANTAELLA, 2008). Uma discussão que se sustenta na atualidade é sobre a questão do livro: eles irão em algum momento perder sua utilidade? Muitos acreditam que não, no argumento de que a TV, por exemplo, ainda hoje possui sua importância, e espera-se que o livro repita a mesma história. Cada meio teve, em seu período cultural, sua devida importância, e atualmente o Google mostra a sua. As sociedades pós-modernas, de modelo informacional, permitem que o desenvolvimento e compartilhamento de conhecimento pelas infovias nas redes de computadores ganhem grandes proporções, e faz com que a internet se torne uma das principais fontes de conhecimento atual. A pesquisa na web proporciona mais do que simples respostas, ela direciona a outras fontes a partir de um documento original, indicando outros links para deixar as pesquisa ainda mais completa. O que entra em questão, com as informações disponibilizadas tanto pelo o Google quanto por outros sites de busca (Facebook, o MSN e Yahoo), é a personalização que é dada a estas informações. A partir

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das navegações na web, estes sites criam um perfil para cada usuário e mostram o que acham ser do interesse destes, tirando suas autonomias que é um fator essencial na cultura digital. 2.1 O Google como sinônimo de internet O Google tornou-se um site padrão nas buscas que os internautas fazem na internet, a eficácia do seu algoritmo e os resultados que são obtidos, deixam a maioria dos seus usuários satisfeitos. Lowe (2009, p. 6) diz que o “Google tem um feitiço misterioso que não é fácil de explicar”,o que gera interesse das outras empresasem fazer publicidade em tal site. Além disso, condições como tornar-se uma das empresas mais importantes no mundo, ter seu nome registrado como verbo em dicionário,ser líder entre os sites de buscas na internet e possuir serviços e ferramentas diversas, exigem, que diante de tamanho e poder, o Google tenha atrelado a sua missão a responsabilidades para com a sociedade. Para preservar seu sucesso, a empresa tenta administrar seu hipercrescimento e faz com que os erros sejam os menores possíveis, conservando aquilo que a torna especial. É comum entre os usuários da web, quando vai procurar algum site ou acessar alguma página na internet, primeiramente entrar na página do Google. Muitos ao invés de dizer “vou pesquisar na internet”, diz: “ vou pesquisar no Google”, e isso mostra a sua aceitação e onipresença na vida dos internautas. Presente de quase todas as formas na internet e passando a fazer parte cada vez mais da vida das pessoas, o Google torna-se capaz de agregar valor à vida cotidiana. É assim que ele começa a ser encarado, como sinônimo de internet. Sua utilização, pela maioria dos internautas do mundo, faz com as pessoas

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comecem a acreditar que tudo que está na web, está no Google. Com seu poder quase hegemônico, o Google, como disse Vaidhyanathan (2011), está “googlelizando” o mundo, ele “vem se espalhando gradualmente por toda nossa cultura”, confirmando a sua intenção em se tornar a própria internet. Vaidhyanathan (2011, p. 16) acrescenta dizendo que: A googlelização atinge três grandes áreas de interesse e conduta humanos: “nós” (através dos efeitos do Google sobre nossas informações pessoais, nossos hábitos, opiniões e juízos de valor); “o mundo” (através da globalização de um estranho tipo de vigilância e daquilo que chamo de imperialismo infraestrutural); e o “conhecimento” (através de seus efeitos sobre o uso de um vastíssimo agregado de conhecimentos acumulados em livros, bases de dados on-line e na internet).

Atento a estes três direcionamentos e possuindo a força que hoje tem, o Google dá a suas ações e expande a sua influência, tentando recriar o mundo da forma que acredita ser a melhor para todos. Entretanto, esse fator gera algumas tensões e torna necessário um posicionamento da sociedade em assuntos de domínio público, pois, deixar que a internet seja controlada por interesses coorporativos, tendo consciência do poder modificador desta ambiência na cultura e sociedades globais, é fazer desandar o processo democrático que vem ganhando maior consistência nesta mundialização da cultura digital. Considerações Finais Na sociedade informacional da cultura digital, as identidades individuais se firmam e começam a fazer parte de uma cultura global. O desenvolvimento de uma inteligência coletiva, a partir das tecnologias de Capa

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informação e de comunicação, proporciona ao indivíduo maior liberdade e autonomia na participação na construção do conhecimento global. É certo que a possibilidade de um conhecimento absoluto ainda é algo difícil de visualizar, pois umas das formas para que isso aconteça seria se as tecnologias de fato se tornarem parte do corpo humano, um corpo cibernético7. Neste mundo de compartilhamento e de interação, as instancias tradicionais (religião, trabalho, política, educação) estão a cada dia perdendo suas forças, diminuindo seus poderes referenciais. A cultura digital implanta novos modos de encarar o mundo e contribui para facilitar os processos e práticas sociais. Empresas como Google passaram a enxergar as possibilidades que o ciberespaço oferece para o desenvolvimento de boas ideias e, aproveitando por ser este um espaço aberto, procuram incorporar novos hábitos, valores e modos nas sociedades pós-modernas. É papel tanto da academia quanto da sociedade em geral estarem atentas às intenções coorporativas na expansão de seus domínios. Nessa cultura da participação, um posicionamento ativo, crítico e reflexivo se torna essencial para que o desenvolvimento possa diminuir diferenças e acrescentar na qualidade de vida das pessoas. A evolução dos processos de busca do conhecimento, e a reconfiguração trazida pelo Google gera um novo modo de cognição, uma web semântica cognitiva8, que pode ser prejudicada se for utilizada só com interesses mercadológicos, mas ocorrendo o contrário garantirá 7

Um corpo que Santaella defende ser o corpo do pós-humano, incorporado por tecnologias digitais. (2010) 8 Conceito trabalhado no artigo: A busca por uma web semântica cognitiva: http://portalrevistas.ucb.br/index.php/comunicologia/article/viewFile/1721/1155

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um grande passo na busca por uma autonomia mais concreta. A partir do conhecimento, temos a oportunidade de identificar e distinguir a realidade que nos cerca, nos apropriando de um exercício de consciência crítica colaborando com novas formas de progresso ao sistema capitalista que vivemos. Enfim, a apropriação da internet pelo Google representa uma verdadeira batalha travada tanto com os concorrentes, que estão atentos a cada passo desta super empresa, quanto da opinião pública, hoje muito mais consciente dos jogos mercadológicos nos discursos empresariais, voltados para o lucro como único fim. As sociedades atuais passam por um processo contínuo de mudanças nas suas práticas sociais e, a reconfiguração trazida pelo Google, torna-o mais do que um mero mecanismo de busca, transforma-o na base da internet.

Referências CASTELLS, Manuel. A Sociedade em rede. 6. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999 FIORI, Quentin; MCLUHAN, Marshall. O meio é a massagem: um inventário de efeitos. Rio de Janeiro: Imã Editorial, 2011. LEMOS, André. Infra-estrutura para a cultura digital. IN: COHN, Sergio; SAVAZONI, Rodrigo. Cultura Digital. Disponível em: Acessado em: 03 Nov. 2011. LÉVY, Pierre. Cibercultura. 3. ed. São Paulo: 34, 2010. LOWE, Janet. Google: Lições de Sergey Brin e Larry Page, os criadores da empresa mais inovadora de todos os tempos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. 2. ed. São Paulo: Editora Nacional, 1977.

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MURILO,José C. Júnior. Infra-estrutura para a cultura digital. IN: COHN, Sergio; SAVAZONI, Rodrigo. Cultura Digital. Disponível em: Acessado em: 03 Nov. 2011. SANTAELLA, Lúcia. A ecologia pluralista das mídias locativas. FAMECOS, Porto Alegre, nº 37, dez, 2008. Disponível em: . Acessado em: 22 Nov. 2011. ______. Cultura e arte do pós-humano. Da cultura das mídias a cibercultura. 4. Ed. São Paulo: Paulus, 2010. VAIDHYANATHAN, Siva. A Googlelização de tudo: (e por que devemos nos preocupar): a ameaça do controle total da informação por meio da maior e mais bem-sucedida empresa do mundo virtual. São Paulo: Cultrix, 2011.

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Reconfiguração das práticas publicitárias: o caso Zooppa e o indício de uma nova fase da propaganda Fellipe ROCHA1

Resumo A partir das novas competências do capitalismo tardio e possibilitados pelas leis fundadoras da cibercultura, o “fazer publicitário” é mais uma vez reconfigurado. Agora, os anúncios passam a ser desenvolvidos não só pelos profissionais da área, mas, pelos próprios consumidores/ usuários que desenvolvem os seus conteúdos participativos e disponibilizam no ciberespaço, dando origem a chamada: propaganda colaborativa. Partindo de um elemento nativo desta nova prática, este artigo tem por finalidade analisar a plataforma de conteúdo colaborativo Zooppa, presente no ciberespaço. Esta se caracteriza como uma rede social onde os próprios consumidores desenvolvem os seus anúncios publicitários. Verificar-se-á de que maneira o referido site possibilita uma reconfiguração da prática publicitária, levantando indícios de uma nova fase da propaganda. Palavras-chave: Colaboração, Reconfiguração, Prática Publicitária, Plataforma Colaborativa

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). Email: [email protected].

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Introdução A prática publicitária, entendida aqui como uma ação de desenvolvimento, construção e execução de peças publicitárias, teve início no Brasil no ano de 1800, com a chegada da imprensa no País. De lá para cá, a construção do anúncio publicitário sofreu duas grandes reconfigurações, classificadas por Martins (2008) como: fase dos intelectuais e fase dos profissionais, tendo nesta ultima, uma matriz funcional presente até os dias de hoje. Limitando-se neste artigo, à análise dos produtores da informação, ou seja, aqueles responsáveis por dar vida aos anúncios publicitários, podemos verificar a primeira reconfiguração da prática publicitária no momento em que as peças deixaram de ser produzidas pelos próprios indivíduos, como acontecia na fase dos “reclames”, a partir de 1800, e passam, neste momento, a ser produzidas pelos intelectuais da época, datando as suas primeiras manifestações do ano de 1900. Além de uma linguagem persuasiva, os anúncios apresentam uma evolução do texto e da imagem, possibilitados pelos novos meios de comunicação impressos. Surge a figura do freelancer: poetas e artistas formados por uma base de intelectuais que trabalhavam de maneira individual para as empresas. Com o crescimento da propaganda no mundo todo, nasce no Brasil, influenciado pelas grandes empresas americanas, as primeiras agências e escolas de publicidade, desempenhando papel fundamental para mais uma reconfiguração de suas práticas. Capa

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Conhecida como a fase dos profissionais, o fazer publicitário ganha novas dimensões com a profissionalização dos chamados homens da propaganda. Começam a aparecer as figuras do redator e do diretor de arte, que, a partir de 1949, passam a compor as duplas de criação. Os anúncios recebem novas estruturas, deixam de ser apenas um trabalho de execução individual para partir de instâncias produtivas compostas pelas duplas criativas. Agora, o grande fluxo produtivo passa por toda estrutura de uma agência, desde o seu planejamento à sua execução. Tendo na sua matriz operacional o mesmo funcionamento reproduzido desde a década de 70, a forma de fazer publicidade havia sido pouco modificada até os dias atuais. Os anúncios, na sua grande maioria, ainda são produzidos pelas duplas criativas. Mas, nesta mesma década, já haviam sido plantados os componentes fundamentais para proporcionar a terceira reconfiguração da prática publicitária: o capitalismo tardio, as novas tecnologias de informação e comunicação e a cibercultura. A junção destes três elementos possibilitou e exigiu por parte dos consumidores/usuários novas práticas e competências, inserindo-os, também, como produtores da informação. Agora, permitidos por uma forma de capitalismo descentralizado, que apresenta em sua base estruturas como: flexibilidade, reatividade e criatividade, aliados aos novos meios tecnológicos e ao ambiente proporcionado pelo ciberespaço, os consumidores ganham um novo papel na comunicação: saem do estado de passividade para se tornarem ativos, de meros receptores para produtores da informação. É na cibercultura que estas novas práticas tornam-se mais evidentes, onde, de acordo com Lemos (2005, p.02), “qualquer indivíduo pode, a

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priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedações de informação criado por outros”. Possibilitados pelas leis fundadoras (LEMOS, 2005), que caracterizam a cibercultura, tais como: liberação do pólo de emissão, o princípio de conexão em rede e principalmente a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais, o modo de fazer publicidade começa a ser novamente reconfigurado. Os indivíduos estão simplesmente se negando em apenas aceitar o que recebem das empresas, querem se tornar participantes plenos da construção da imagem corporativa da marca. Desta forma, incentivados pela cultura do “faça você mesmo”, presente no ciberespaço e facilitados pela democratização das ferramentas de produção, os usuários/consumidores começam a produzir os próprios anúncios publicitários, configurando uma nova prática da propaganda. Partindo de um elemento nativo desta nova prática, este artigo tem por finalidade analisar a plataforma de conteúdo colaborativo Zooppa, presente no ciberespaço. Esta se caracteriza como uma rede social onde os próprios consumidores desenvolvem os seus anúncios publicitários. Verificar-se-á de que maneira o referido site possibilita uma reconfiguração da prática publicitária, observando neste novo processo em implantação, uma atividade desenvolvida paralelamente ao sistema atual, existente no contexto da cibercultura e em ambientes virtuais, levantando assim, indícios que podem constituir uma nova fase da propaganda. Fases e reconfigurações da publicidade brasileira

A prática publicitária no Brasil inicia-se em 1800, passando por duas grandes reconfigurações que originaram três fases. Estas fases, que direcionaram o desenvolvimento da propaganda para o modelo que Capa

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ainda vemos hoje, são classificadas por Martins (2008) como: a fase dos “reclames”, iniciada com o advento do jornalismo no Brasil; a fase dos “intelectuais”, com a colaboração de escritores, poetas e jornalistas na elaboração dos anúncios; e a fase dos “profissionais”, com a chegada das primeiras agências e escolas de ensino superior da propaganda. Fase dos “reclames”

Iniciada com a chegada dos primeiros jornais no Brasil, a fase dos reclames caracteriza-se pela utilização dos próprios indivíduos que anunciavam, através de notinhas nos jornais, os seus serviços, ofertavam os seus produtos ou reclamavam escravos fugidos. De acordo com Martins (2008, p.31) “os reclames eram espaços onde eram anunciados vendas, ou compras, ou mesmo captura de escravos, como também negócios sobre comércio varejista, hotéis e produtos farmacêuticos”. Sem nenhum teor persuasivo, a linguagem utilizada na época muito se assemelhava aos velhos pregões, com a ideia do “quem quiser” ou “quem quiser comprar”, como nos mostra Marcondes (1995, p.15) ao afirmar: “lembra os vendedores ambulantes, lembra o costume da matraca, essa raiz tão distante do camelô no seu momento de chamar a atenção. E nos devolve ao elementar da venda, o simples, o direto, a pura oferta”. Esta característica é confirmada ao observamos o primeiro anúncio desenvolvido nesta fase, no ano de 1808: “quem quiser comprar uma morada de casas de sobrado, com frente para Santa Rita, fale com Ana Joaquina da Silva, que mora nas mesmas casas, ou com o Capitão Francisco Pereira de Mesquita, que tem ordem para as vender” ( MARCONDES, 1995, p.15). Ao que se tem notícia, estes indivíduos transcreviam para as Capa

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redações dos jornais o que se desejava anunciar e estas informações passavam a ser publicadas e finalizadas em um “reclame”. A prática publicitária nesta fase limitava-se a simples transposição de informações que partiam dos emissores e eram concretizadas em um texto. No momento em que poetas, escritores e jornalistas começaram a produzir o conteúdo publicitário, adicionando assim um toque mais persuasivo, inicia-se então uma nova fase. Fase dos intelectuais: primeira reconfiguração Se a fase dos “reclames” é marcada nitidamente pela presença dos jornais, a fase dos “intelectuais” é iniciada com o surgimento das primeiras revistas no Brasil, a partir de 1900. Nesta época, a prática publicitária torna-se mais evidente, podendo ser identificada agora, a figura do autor da comunicação, tendo nos escritores, poetas e jornalistas os principais desenvolvedores da época (MARCONDES, 1995). Com isso, o fazer publicitário pela primeira vez é reconfigurado. Os anúncios deixam de ser simples transcrições de informações e passam a conter um conteúdo persuasivo, desenvolvidos de maneira regular pelos intelectuais com a intenção de impactar o público-alvo. Surge em decorrência desta nova abordagem a figura do freelancer, que dentre os nomes importantes da época, contava com a participação de poetas e escritores como Monteiro Lobato, Olavo Bilac, Emílio de Meneses, e de artistas como Artur Lucas, Julião Machado e Vasco Lima. Sobre esta afirmativa, Martins (2005) nos explica que: Todos estes colaboradores eram prestadores de serviços para agências e contribuíam com os seus préstimos na música dos jingles, na cor e desenho das ilustrações e com a palavra literária

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na feitura dos anúncios do rádio, do cinema, da TV e dos cartazes. (MARTINS, 2005, p.31)

A fase dos “intelectuais” trouxe a regularidade dos anúncios por parte dos anunciantes e a presença dos primeiros agenciadores de anúncios, estes, responsáveis, posteriormente, por dar inícios às primeiras agências de propaganda. Princípio fundamental para a reconfiguração da próxima fase. Fase dos profissionais: segunda reconfiguração Mesmo mantendo certa regularidade no desenvolvimento dos anúncios, através dos trabalhos dos freelancers, a propaganda deixa de ser uma atividade exclusiva dos intelectuais para compor um fazer profissional. A evolução das chamadas firmas de propaganda, que tinham por finalidade apenas a distribuição de anúncios para os jornais, para as agências de propaganda, teve como principal influência a chegada de empresas americanas no Brasil. Sobre este ponto, Martins (2005, p.28) afirma que “neste período, foram abertas no Brasil agências estrangeiras e entre elas a mais famosa foi a J. Walter Thompson que se tornou um grande núcleo de formação de profissionais publicitários”. Outro fator de grande importância para a qualificação do publicitário, se inicia com o surgimento da primeira escola de propaganda, em 1952, propiciando o surgimento dos especialistas em publicidade. Estes, logo passam a ser disputados dentro do universo da propaganda e mídia. Com a profissionalização do meio publicitário, a propaganda deixa de ser vista apenas como arte e passa a ser estruturada pela sua técnica, pois “a fantasia e a imaginação só funcionam quando baseadas no conhecimento das tecnologias que predominam no mundo da imagem, Capa

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do som, do marketing (...)” (MARTINS, 2005, p.29,). Além de uma reestruturação clara na linguagem, através de uma modificação na estrutura frasal, provocando uma maior reflexão por parte dos consumidores, o modo de fazer publicidade é novamente reconfigurado. Na fase dos “profissionais”, os anúncios passam a ser desenvolvidos por especialistas no assunto, por indivíduos que foram treinadas para exercer tal função. Mesmo não contendo nenhum registro histórico no Brasil, sobre a forma como os profissionais atuavam nas agências nesta época, sabese que os anúncios eram desenvolvidos pelos redatores e diretores de arte, que trabalhavam de forma isolada, unindo o texto e a imagem apenas na execução da peça. Sobre este fato, elucida Tungate (2007) ao apresentar o funcionamento de uma agência americana: “Nas pesadas agências tradicionais, redatores e diretores de arte ainda trabalhavam em departamentos separados – muitas vezes em andares diferentes, tentando valentemente juntar imagens e palavras com pouca ou nenhuma discussão” (TUNGATE, 2007, p. 69). As chamadas “duplas criativas” começam a ser incorporadas nas agências a partir de 1949, através do modo nada convencional de trabalhar de Bill Bernbach, unindo redatores e diretores de arte. Este modelo passa a ser copiado pelas agências brasileiras e é utilizado até os dias de hoje. O fazer publicitário atual Nos dias atuais pouco foi modificado na estrutura básica da agência, que continua a funcionar, como na década de 1970, com os profissionais de atendimento, planejamento, criação, mídia e produção. A matriz funcional segue a mesma, e os anúncios continuam, na maioria das vezes,

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sendo desenvolvidos pelas duplas criativas. A informação, diferentemente de outras fases, passa por vários outros profissionais antes de chegar à equipe de criação. De modo geral, o cliente entra em contato com a agência através do profissional do atendimento, que formula o briefing. Este é passado para a equipe de planejamento, responsável por planejar toda a campanha publicitária. Só depois deste primeiro momento o trabalho é direcionado para a dupla criativa, formada por redator e diretor de arte. Ao final de todo o processo, o cliente terá à sua disposição uma única ideia a ser apresentada pela agência, que, se não confirmada, poderá ser refeita e apresentada novamente. É baseado no fluxograma do anúncio publicitário de Sant’Anna (2008), que podemos compreender melhor o sistema atual do fazer publicitário, observando as etapas caracterizam este modelo tradicional.

Figura 1: Fluxograma do anúncio publicitário tradicional

Fonte: o autor

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Bases de uma nova prática publicitária Tendo as agências de propaganda como núcleo criativo desde a fase dos “profissionais”, os anúncios publicitários passaram atualmente a ser produzidos e emitidos por outros centros de criação, partindo principalmente da internet, possibilitados pelas leis da cibercultura. Esta modificação no centro criativo começa a ser possibilitada desde a década de 70, com os novos ideais apresentados pelo capitalismo tardio e o surgimento das chamadas microtecnologias, bases fundamentais para a propagação do ciberespaço. De acordo com Rodrigues (2010), com a saída do modo de produção fordista, ocorrem, através do capitalismo tardio, Transformações que modificaram radicalmente o perfil da produção de bens para serviços e trouxeram as novas exigências por competências, como flexibilidade e capacidade de adaptação, além das mudanças na percepção da temporalidade, com a compressão do espaço-tempo, e o fim dos projetos empresariais de longo prazo. (RODRIGUES, 2010, p.1,)

Com isto, as exigências e competências do novo capitalismo foram concretizadas através das novas tecnologias de comunicação e informação, onde de acordo com Boltanski e Chiapello (2009), funcionaram como “ferramentas de expansão dos valores do mundo do trabalho para a sociedade e a cultura”. Fundado com os ideais de criatividade, reatividade e flexibilidade, o capitalismo tardio ecoa nas novas formas de interação de trabalho presentes na cibercultura, onde se solidifica em novas competências. Esta solidificação se faz presente nas leis fundadoras propostas por Lemos (2005), tendo na (1) liberação do pólo de emissão, o (2) princípio Capa

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de conexão em rede e a (3) reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais, elementos que irão possibilitar mais uma reconfiguração das práticas publicitárias. Agora, através de uma certa autonomia comunicacional, os consumidores/usuários destas novas práticas fazem parte também, da instância de produção, desenvolvendo os seus próprios conteúdos e disponibilizando-os no ciberespaço. De acordo com Lemos (2005), o tripé (emissão, conexão, reconfiguração) é responsável por criar o que este autor vai chamar de “ciber-cultura-remix”, no momento em que as novas tecnologias passam a alterar os processos de comunicação, de produção, de criação e de circulação de bens e serviços. Esta alteração, sentida em diversos processos, se faz presente na reconfiguração da atual prática publicitária, impactada principalmente pela terceira lei abordada pelo autor. Segundo o mesmo, “trata-se de reconfigurar práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a substituição de seus respectivos antecedentes”. (LEMOS, 2005, p. 03). Desta forma, alicerçado na base do capitalismo tardio e da cibercultura, o fazer publicitário começa a ser modificado, sem substituir o modo tradicional de desenvolvimento da propaganda. Passa a ser, mais uma vez, reconfigurado. Terceira reconfiguração da prática publicitária: o caso Zooppa Incentivados pela cultura do “faça você mesmo” e possibilitados pela democratização das ferramentas de produção, os consumidores começaram a desenvolver o seu próprio conteúdo participativo e disponibilizá-lo no ciberespaço, através de expressões totalmente alternativas. Identificando esta tendência participativa por parte dos usuários, começaram a surgir as chamadas plataformas de arrecadação de Capa

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conteúdo colaborativos, que, segundo Tapscott e Williams (2007, p. 326), funcionam como verdadeiras ideágoras que são “plataformas globais que dão às empresas acesso a idéias e inovações de mentes singularmente qualificadas, que podem ser utilizadas para expandir a sua capacidade de resolução de problemas”. Classificada como uma plataforma colaborativa, a rede social Zooppa utiliza um conceito revolucionário no modo de fazer publicidade: a propaganda gerada pelo consumidor. O cliente envia um briefing para a comunidade, que através do desenvolvimento de peças publicitárias, envia as suas soluções para os problemas de comunicação do anunciante. Dessa forma, obtém-se, ao final de cada concurso, centenas de idéias a serem avaliadas. São competições patrocinadas por marcas famosas que distribuem prêmios em dinheiro para as melhores soluções apresentadas pela comunidade. Não há limite para o número de contribuições, nem uma necessidade de especialidade técnica. Qualquer indivíduo, independente da formação acadêmica, pode contribuir com o envio de conteúdo colaborativo. Sobre este fato, a plataforma Zooppa (2011), nos mostra que: os usuários registrados podem participar com diferentes tipos de contribuições: escrever um conceito para uma futura campanha publicitária, desenvolver artes gráficas com o logotipo da empresa, produzir uma animação, fazer um vídeo ou gravar um spot de radio, etc. Esta falta de exigência sobre a qualificação coloca por terra o distanciamento existente entre consumidores e criadores, modificando a prática publicitária atual, cujo diferencial, desde a década de 1970, era o fato de a propaganda ser desenvolvida por especialistas. Tendo o seu conteúdo produzido através de uma inteligência

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coletiva heterogênea, esta plataforma colaborativa recebe idéias de todos os tipos e formatos. De acordo com a Zooppa, cada competição recebe em média 1.000 contribuições por parte dos seus usuários. Neste sentido, os anunciantes têm a possibilidade de que pelos menos um usuário faça uma aposta em uma idéia radical ou improvável, apresentando certa vantagem em relação à capacidade de produção de uma agência. Com bases em uma cultura participativa, a plataforma Zooppa funciona através dos princípios do Crowdsourcing, que pode ser entendido, segundo a Wikipédia2, como: “modelo de produção que utiliza a inteligência e os conhecimentos coletivos e voluntários espalhados pela internet para resolver problemas, criar conteúdo ou desenvolver novas tecnologias”. Este novo modelo de produção, reflexo das novas competências do capitalismo tardio, foi responsável por dar início a uma nova prática publicitária, a chamada Propaganda Colaborativa, definida por Rosário (2006) como a propaganda desenvolvida pelo consumidor. Esta nova prática, fundamentada pela lei de reconfiguração proposta por Lemos (2005), modifica pela terceira vez o modo de fazer publicidade, ao descentralizar o núcleo criativo e possibilitar que amadores/ consumidores façam parte da construção dos anúncios publicitários. Neste momento, partindo do excedente cognitivo dos consumidores, as peças publicitárias passam a ser desenvolvidas não só pelas agências de propaganda, mas também pelos seus inúmeros usuários que contribuem de forma colaborativa. As ideias agora partem de um grande núcleo criativo e se apresentam em centenas de peças publicitárias de todos os tipos e formatos, sem que precisem, necessariamente, passar por uma agência especializada, como pode ser observado na figura abaixo. 2

Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Wikip%C3%A9dia:P%C3%A1gina_ principal

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Figura 2: Zooppa: fluxo criativo



Fonte: o autor A terceira reconfiguração da prática publicitária apresenta uma mudança significativa no fluxo criativo dos anúncios publicitários. A partir deste momento, as peças deixam de ser produzidas por um núcleo extremamente reduzido de especialistas (redator e diretor de arte) e passam a ser desenvolvidas por uma força criativa descentralizada, tendo como palco principal toda a extensão do ciberespaço. Outra modificação importante presente nesta reconfiguração do fazer publicitário é a falta de uma obrigatoriedade técnica. Neste novo fluxo criativo (Figura 2), a formação dos competidores não é o que realmente importa. O que é levado em consideração neste tipo de participação é a capacidade de solucionar problemas apresentada pelo usuário.

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De acordo com Howe: Ninguém sabe que você não é bacharel em química orgânica nem que você não é um fotógrafo profissional, muito menos que jamais frequentou um curso de design na vida. O crowdsourcing tem a capacidade de formar um tipo de meritocracia perfeita. Nada de origem, raça, sexo, idade, e qualificação. O que permanece é a qualidade do trabalho em si (HOWE, 2009, p.11).

Através do uso de uma força criativa descentralizada disponível em ações de propaganda colaborativa, o fazer publicitário é novamente modificado, dando início a um modelo de produção que começa a ser bastante utilizado por outras plataformas participativas. Sendo assim, reafirma a observação de uma terceira reconfiguração das práticas publicitárias, a partir do momento em que ações, antes isoladas, começam a ser repetidas. Considerações Finais Dentro de um novo modelo de relacionamento mercadológico resente no ciberespaço, a modificação do “fluxo criativo” atinge grande parte do segmento midiático. Filmes, músicas, notícias, jogos e agora também os anúncios publicitários, passam a fazer parte de uma produção colaborativa. Desta forma, observamos na cibercultura um novo perfil de consumidor, que não apenas fornece um feedback para a empresa anunciante, mas que participa no processo de produção da marca, através da colaboração na construção de conteúdos. Apoiado nas bases do capitalismo tardio, na cibercultura e nos avanços constante das plataformas de comunicação, o fazer publicitário passa a ser, pela terceira vez, reconfigurado. Com a descentralização do núcleo de criação e a não obrigatoriedade de uma especialização Capa

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por parte da instância de produção, é possibilitada uma nova forma de relacionamento entre anunciantes e usuários, implementando novas competências a um público cada vez mais participativo. Em uma análise inicial, algumas vantagens podem ser observadas neste novo modelo participativo. Para os usuários, além dos prêmios oferecidos para os melhores anúncios, a possibilidade de ter seu trabalho reconhecido pela comunidade e pelo anunciante, em uma oportunidade única de interação com uma grande marca. Para as empresas, além do baixo custo de remuneração pelas peças apresentadas, observa-se a possibilidade de que encontre uma ideia genial neste envio de fluxo colaborativo. Por outro lado, a grande crítica sofrida por este modelo colaborativo, recai sobre os produtores da informação, no momento em que as peças passam a ser também produzidas por indivíduos que não tem nenhum conhecimento sobre os fundamentos da prática publicitária. Assim como os indivíduos continuam tratando diretamente com os veículos de comunicação como acontecia na fase dos “reclames”; os escritores, poetas e artistas permanecem sendo solicitados no desenvolvimento dos anúncios publicitários, como na fase dos “intelectuais” e as agências de publicidade e propaganda conservam-se na hegemonia da prática, como na fase dos “profissionais”, este novo modelo publicitário não tem a pretensão de substituir os outros usos, apenas sinalizamos para a reconfiguração de sua prática. Resta saber, até que ponto este fluxo criativo presente nas plataformas colaborativas irá se consolidar como um novo modelo publicitário e se assim como tem ocorrido historicamente, se esta reconfiguração da prática publicitária também iniciará uma nova fase.

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Referências BOLTANSKI, Luc e CHIAPELLO, Ève. O novo espírito do capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009. LEMOS, André. Ciber-cultura-remix. São Paulo, Itaú Cultural, 2005. Disponível em http:// www.facom.ufba.br/ciberpesquisa/andrelemos/remix. pdf. Acesso em 20 de outubro de 2011. MARCONDES, Pyr. 200 anos de propaganda no Brasil: do reclame ao cyberanúncio. São Paulo: Meio e Mensagem, 1995. MARTINS, Jorge S. Redação publicitária: teoria e prática. São Paulo: Atlas, 2008. PROPAGANDA colaborativa. Disponível em: http://www.via6.com/ topico/191605/propaganda-colaborativa franco rosário. Acesso em: 19 ago. 2010. RODRIGUES, Carla. Capitalismo tardio, redes sociais e dispositivos móveis: hipóteses de articulação. XIX Encontro da Compós, na PUC-Rio, Rio de Janeiro: Compós, 2010. SANT’ANNA, Armando. Propaganda: teoria, técnica e prática. São Paulo: Cengage Learning, 2008. TAPSCOTT, Dom. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Tradução Marcelo Lino. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007. TUNGATE, Mark. A história da propaganda mundial. Tradução: Carlos Augusto Leuba Salum, Ana Lucia da Rocha Franco. São Paulo: Cultrix, 2009. ZOOPPA. Disponível em: . Acesso em: 19 Jun. 2011. WIKIPEDIA. Disponível em: . Acesso em 20 de Out. 2011

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Do códice ao leitor digital: a reconfiguração do livro na cibercultura Filipe ALMEIDA1 Rennam VIRGINIO2 Resumo Séculos após a invenção da prensa de Gutenberg, que permitiu a produção em massa de livros na era moderna, o livro encontra-se reconfigurado para o meio digital, apresentando-se nos formatos eBook e epub, levando aos usuários uma nova experiência em leitura, agregando as funcionalidades e recursos que o hipertexto permite. Dentro deste contexto, não apenas o livro sofreu transformações: o mercado editorial digital, ameaçado pelos riscos de pirataria e compartilhamento que a “nuvem” possibilita, impõe aos usuários uma série de restrições que buscam impedir a livre circulação dos livros digitais na internet. Buscamos, neste artigo, fazer um apanhado histórico do livro, de seu surgimento a sua reconfiguração no meio digital, expondo os recursos e funcionalidades, além de discutir as discrepâncias das práticas mercadológicas atuais. Palavras-chave: Livros digitais. e-Books. Reconfiguração. Cibercultura. 1

Graduando do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB e do Curso de Design Gráfico da Faculdade IDEZ. Integrante do Projeto Para ler o digital. E-mail: [email protected] 2

Graduando do Curso de Comunicação em Mídias Digitais da UFPB. Integrante do Projeto Para ler o digital e Bolsista do Programa de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq). E-mail: [email protected]

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Introdução O livro é, sem dúvida, um dos bens mais importantes da humanidade. Através dele, informações e conhecimentos puderam ser armazenados, difundidos e compartilhados por todo mundo ao longo da história. Para Chartier e Roche (apud PINHEIRO, 1999, p.68), livro é um signo cultural, suporte de um sentido transmitido pela imagem e pelo texto. Até a invenção da prensa de Gutenberg, no século XV, os livros eram manuscritos por escribas ou copistas, o que limitava a produção e dificultava o acesso para a leitura destes. O engenho criado por Gutenberg permitiu, pela primeira vez na história, a produção em massa de livros, popularizando a leitura e ampliando as possibilidades de um mercado. Esse desejo muito natural de se ter facilmente livros à disposição, e livros de formato cômodo e portáteis, acompanhou passo a passo a crescente rapidez da leitura, que se tornara possível com a impressão do texto em tipos uniformes e móveis, em contraste com a leitura mais dificultosa dos manuscritos. Este mesmo movimento, pela acessibilidade e caráter portátil do livro criou públicos e mercados cada vez maiores, os quais eram indispensáveis ao sucesso de todo o empreendimento gutenberguiano. (MCLUHAN, 1972, p.281)

O livro evoluiu e hoje também está disponível no formato eletrônico, conhecido como eBook, podendo ser lido em diversos dispositivos digitais como tablets, computadores e smartphones. Criado na década de 1970, os livros eletrônicos apresentam-se hoje Capa

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em um crescente mercado, chegando a vender em alguns países mais até do que os livros impressos. Novos produtos são lançados constantemente, e com preços cada vez mais acessíveis, difundindo ainda mais o hábito da leitura de livros digitais entre as pessoas, atraídas pela facilidade de consumo e portabilidade que oferecem. Neste artigo, procuramos fazer um apanhado histórico do livro, do seu surgimento até a sua reconfiguração no meio digital, mostrando não apenas seus formatos e suas funcionalidades, mas também os entraves que o próprio mercado vivencia, ao tentar impor o controle dos modos de produção e propagação dos eBooks e ePubs, limitando a compatibilidade dos produtos desenvolvidos, indo de encontro às práticas atuais, que apontam para uma crescente liberação dos processos de editoração e compartilhamento. 1 A escrita, a tipografia e o impresso A escrita é considerada uma invenção decisiva para a história da humanidade, uma forma de representar o pensamento e a linguagem humana através de símbolos. A criação do sistema fonético pelos Gregos fez com que a escrita fosse disseminada por diversos povos pelo planeta. De acordo com Kerckhove apud NICOLAU (2010), o alfabeto grego tinha suas peculiaridades: O alfabeto grego era diferente dos demais sistemas de escrita, pois ao invés de obrigar o leitor a se prender ao contexto, permitiam a remoção de enunciados dos seus pontos de origem e a sua recolocação em outro local. Isso, por um lado, exigia um novo processo cognitivo da leitura e por outro, permitia a decifração e a leitura em voz alta de qualquer linha, mesmo que a pessoa não soubesse o que estava lendo, gerando implicações e desdobramentos para os processos de reprodução textual na atualidade, pois está

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presente também em todas as máquinas de códigos linguísticos, como uma inovação tipicamente ocidental. (NICOLAU, 2010, p.3)

Alguns elementos da natureza foram responsáveis por servir de suporte à escrita, dentre eles: tabuletas de argila ou de pedra, papiro e pergaminho (considerado um dos precursores do papel). Outros foram aperfeiçoados ao longo do tempo, como é o caso do códice, também denominado de códex, que consiste numa compilação de páginas costuradas, substituindo o rolo de pergaminho e originando o pensamento do livro como objeto. Com a evolução da escrita, houve também a necessidade de organização e padronização das representações gráficas, surgindo assim a tipografia. Os chineses foram os primeiros povos a utilizar tipos bastante rudimentares, entretanto, apenas no século XV, este conceito foi redescoberto pelo alemão Johannes Gutenberg através da prensa tipográfica. A invenção da tipografia marcou a divisão entre a tecnologia medieval e a moderna (USHER, 1929), possibilitando a mecanização da arte do escriba ou copista. Segundo Marshall McLuhan, a invenção tipográfica foi fundamental para o surgimento do impresso: ... do mesmo modo que a palavra impressa foi a primeira coisa produzida em massa, foi também o primeiro “bem” ou “artigo de comércio” a repetir-se ou reproduzir-se uniformemente. A linha de montagem de tipos móveis tornou possível um produto que era uniforme e podia repetir-se tanto quanto um experimento científico. Esse caráter não se encontra no manuscrito. (MCLUHAN, 1972, p.177)

Apesar da resistência dos copistas, a impressora com tipos móveis de Gutenberg fez com que o livro fosse popularizado, tornando-se mais acessível através da redução de custos da produção em série. Para Nicolau (2010), tal invenção permitiu também que os textos pudessem ser Capa

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reconfigurados através de matrizes, permitindo a reprodução de muitos exemplares. Com isso, a tipografia tornou-se peça fundamental no sistema de impressão, originando o que conhecemos hoje por design editorial. 2 A prensa de Gutenberg O surgimento da impressão a partir de tipos móveis metálicos, por Johannes Gutenberg, alemão nascido em Mainz, acelerou a circulação dos conhecimentos, e por isso é considerada uma das mais importantes invenções da idade moderna. Para entendermos melhor o que foi essa invenção de Gutenberg, vamos partir do significado de impressão. Segundo Costella (2001), impressão é a ação que produz um sinal em um corpo pela pressão de um outro corpo. Enquanto que a tipografia é uma das muitas técnicas de impressão com uso de tinta. Tipografia, portanto, é a técnica de escrever com tipos, isto é, de imprimir sinais gráficos, com tinta, pelo emprego de tipos móveis. Esclareça-se: os tipos móveis são letras soltas, cada uma se apresentando, individualmente, como um minúsculo carimbo. (COSTELLA, 2001, p.35)

Antes de Gutenberg criar os tipos móveis metálicos, outros materiais eram usados para a fabricação das matrizes, que serviram de base para as impressões. De acordo com Costella (2001), no século VIII já eram utilizados no Japão matrizes de madeira para impressão de talismãs. Usando essa mesma técnica de impressão a partir de matrizes de madeira, conhecida como xilografia, os chineses produziram o primeiro livro impresso que se tem conhecimento, no final do século IX. Os chineses também produziram cartas de baralho e papel-moeda. Além disso, criaram os tipos móveis, na Capa

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metade do século XI, produzidos com cerâmica. Depois, foram criados tipos móveis de madeira, no Turquistão, por volta de 1300. Na Europa, os primeiros livros foram impressos a partir da xilografia, oportunidade em que eram usadas matrizes de madeira. Isto é, todo o conteúdo estava “preso” numa única matriz. O uso dessa técnica barateou o custo dos livros, pois até então eram manuscritos, o que limitava a tiragem e o acesso da população a estas obras, sendo quase sempre encontrados apenas em bibliotecas e em quantidades limitadas. Porém, segundo Costella (2001), estas matrizes inteiriças de madeiras eram relativamente frágeis e por isso não suportavam numerosas prensagens, e qualquer rachadura ou desgaste em qualquer parte desta matriz, a inutilizava por completo. Além disso, como as letras estavam esculpidas em uma única matriz, não podiam ser reaproveitadas em outras. Diante disso, surgiu a invenção de Gutenberg: uma máquina de impressão tipográfica a partir de tipos móveis metálicos, composto de chumbo, estanho, antimônio e bismuto, que poderiam ser produzidos em grande escala. Esses tipos, de acordo com Costella (2001), por serem de metal, teriam uma maior resistência, permitindo grandes quantidades de prensagens sem danificar os tipos. Além de mais resistentes, os tipos criados por Gutenberg eram móveis, o que possibilitaria ao artesão combiná-las e recombiná-las, aproveitando para a composição de diferentes páginas de texto. Para Mindlin (1999) esta invenção foi uma revolução mais importante até mesmo que a revolução da informática. A invenção dos tipos móveis, proporcionando a publicação de livros, desde os chamados incunábulos, que são os livros impressos entre 1455, data aproximada da Bíblia de Gutenberg, até 1500, foi uma revolução mais importante, na vida da humanidade, do que está sendo a revolução da informática. (MINDLIN, 1999, p.47)

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Para McLuhan (1972), graças à impressão e à multiplicação de textos, os livros deixaram de ser um objeto precioso, a ser consultado numa biblioteca: havia necessidade cada vez maior de se poder conduzilo com facilidade, a fim de recorrer-se a ele, ou lê-lo, em qualquer lugar e a qualquer hora. Portanto, o que Gutenberg fez foi um aperfeiçoamento da técnica tipográfica, aliada a já conhecida técnica da prensagem, muito utilizada por papeleiros, vinhateiros e também por xilógrafos. Para os estudiosos, foi uma das mais importantes invenções da história da humanidade, por contribuir decisivamente no barateamento do livro, e consequentemente, no aumento do seu alcance a várias classes sociais, espalhando conhecimento e informações para uma grande parcela da população ocidental mundial. 3 Livros digitais: surgimento e evolução Mais de cinco séculos depois da invenção da máquina de Gutenberg, que permitiu a impressão de livros em grande escala devido à utilização dos tipos móveis, surgiu um novo tipo de livro, reproduzido em uma mídia diferente do tradicional papel: o livro eletrônico. Segundo Horie (2011), um livro eletrônico, também conhecido como eBook, é uma versão digital de um livro que pode ser lido em computadores ou em aparelhos portáteis. Em 1971, quando Michael S. Hart digitalizou a Declaração de Independência dos Estados Unidos, deu início ao Project Gutenberg. Enquanto no livro tradicional nos deparamos com o texto impresso, no livro digital encontramos um texto virtual, um hipertexto. “Um hipertexto é uma matriz de textos potenciais, sendo que alguns deles vão se realizar sob o efeito da interação com um usuário.” (LEVY, 1996, p.40)

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A diferença entre um livro impresso e um livro digital não está apenas na mídia que é utilizada. A experiência da leitura também passa por transformações. Levy (1996) explica algumas destas transformações que diferem a leitura de um texto impresso de um texto virtual: O leitor de um livro ou de um artigo no papel se confronta com um objeto físico sobre o qual uma certa versão do texto está integralmente manifesta. Certamente ele pode anotar nas margens, fotocopiar, recortar, colar, proceder a montagens, mas o texto inicial está lá, preto no branco, já realizado integralmente. Na leitura em tela, essa presença extensiva e preliminar à leitura desaparece. O suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não contem um texto legível por humanos, mas uma série de códigos informáticos que serão eventualmente traduzidos por um computador em sinais alfabéticos para um dispositivo de apresentação. A tela apresentase então como uma pequena janela a partir da qual o leitor explora uma reserva potencial. (LEVY, 1996, p.39)

Como um exemplo de uso dessa “reserva potencial” mencionada por Levy, podemos citar a afirmação de Lemos (2011) na qual diz que o leitor é editor e distribuidor, em que a ação de edição e compartilhamento pode ser feita pelo leitor. Cresce formas e instrumentos de uma cultura letrada que se faz por uma leitura sociabilizada. O leitor é também ‘tipógrafo’ (‘Desafios da Escrita’ de R. Chartier) que pode mexer nas fontes e alterar as localizações das informações. Só há textos e leitores móveis. (LEMOS, 2011)3

De acordo com Procópio (2010), para a leitura de um livro digital, três elementos fazem-se necessários: o dispositivo de leitura (hardware), o reader e o eBook. O dispositivo de leitura é o hardware utilizado 3 Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011

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(e-Reader, notebook, tablet, PC...). O reader é um software que auxilia a leitura do livro, e o eBook é o próprio livro, o conteúdo, logo, o mais importante dos elementos, que pode ser encontrado em diversos formatos. 3.1 Dispositivos de leitura Os livros digitais podem ser lidos em dispositivos nãoportáteis como computadores de mesa, ou em dispositivos portáteis como palmtops, celulares e até smartphones. Porém, estes últimos por possuírem um tamanho bastante reduzido, limitam a área de visualização de informações de uma só vez. Em meados dos anos noventa surgiram os e-Readers (dispositivos dedicados a leitura de livros eletrônicos). Foram muitas as tentativas das empresas de se firmarem no mercado dos livros digitais com a venda de e-Readers, porém nenhum fez muito sucesso. O primeiro e-Reader lançado no mercado foi o The Rocket eBook. Em seguida vieram outros modelos, como o MyFriend, eBookMan e o HieBook. Estes dispositivos eram dedicados à leitura de livros e não tiveram sucesso por diversos motivos, como o reduzido número de livros digitais disponíveis e a baixa interoperabilidade dos sistemas. As empresas apostaram depois em um produto que agregava ao e-Reader outras funções, funcionando como um “organizador pessoal”: os Handhelds. Empresas importantes, como a Cassio, a HP e a Compaq lançaram seus Handhelds, porém sem o sucesso esperado. Os Handhelds eram semelhantes aos Smartphones vendidos hoje. Após inúmeros insucessos de grandes marcas, a empresa norteamericana Amazon, com larga experiência neste mercado – uma vez que vendia os e-Readers citados – lançou seu leitor de livros digitais, o Kindle, atualmente sucesso de vendas. A Amazon, além de vender o Capa

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Kindle, vende também os livros digitais que serão lidos no dispositivo. Este ano, a Amazon já vendeu mais eBooks para o Kindle do que livros impressos.4 Outros dispositivos para leitura estão disponíveis no mercado, como o Sony Reader, Cooler, Nook, Alpha, além dos conhecidos tablets - que também possuem a função de leitura de livros eletrônicos – Ipad, Galaxy Tab e Xoom, entre outros. O sucesso do Kindle não é devido ao dispositivo em si, e sim, porque ele possui uma grande variedade de livros digitais disponíveis para serem lidos. Como foi dito anteriormente, o mais importante é o conteúdo. -Vem hardware e vai hardware, o importante para as editoras é manter o foco no con­teúdo. Pois, cada vez mais, é nisso que os consumidores irão apostar, nos equipamentos que mais trouxerem conteúdo relevante(PROCÓPIO, 2010, p.125) 2.2 Readers Para lermos os livros digitais precisamos de um software que “rode” o formato utilizado pelo livro digital escolhido. Procópio (2010) diz que um dos entraves para uma maior aceitação dos eBooks é o fato de que a maioria dos readers (softwares) lêem um único formato de eBook. Os primeiros readers foram: Acrobat eBook Reader, MobiPocket Reader, MS Reader e o Palm Reader (baseado no PeanutPress Reader). Hoje, destacam-se o Adobe Digital Editions (antigo Acrobat), MobiPocket Reader, Saraiva Digital Reader, Sony Reader e o Kindle Reader. Horie (2011) afirma que estes aplicativos de leitura gerenciam a 4 Disponível em: http://www.revolucaodigital.net/2011/05/23/amazon-vendaebooks-livro/ Acesso em: 02/11/2011

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biblioteca de eBooks e a maioria inclusive sincroniza os marcadores de página e anotações entre dispositivos diferentes. 3.3 Formatos de eBook Os eBooks podem ser encontrados em vários formatos, o que torna mais difícil a convergência dos eBooks com os dispositivos. Procópio (2010) afirma que esse é justamente um dos fatores que impedem uma maior aceitação dos livros digitais. Entre os formatos existentes, podemos citar: ASCII, TXT, HTML, XML, OPF, PRD, PDB, PDF, WAP, WML, DOC, DocPalm, RTF, RB, EXE, SWF, KML, HLP, TK3, Mobi, Kindle Format 8 e ePub. Segundo Procópio (2010), a interoperabilidade é bloqueada a partir do momento em que existem diversos har­dwares, diversos softwares para leitura e diversos formatos. Deste modo, nos deparamos com vários tipos de readers, e-Readers e formatos, impedindo que haja uma convergência que amplie as possibilidades do mercado editorial digital. Três formatos se destacam entre os demais: PDF, Mobi (atual Kindle Format 8) e ePub. 3.3.1 PDF O PDF é o mais popular de todos os formatos, além de ser um dos mais antigos. Horie (2011) afirma que boa parte dos aplicativos e leitores de eBooks lêem este formato nativamente ou com o auxílio de aplicativos quase sempre gratuitos. O PDF apresenta algumas vantagens como a possibilidade de se criar eBooks interativos através de recursos como hyperlinks e a inserção de vídeos e animações e seu reaproveitamento para impressão. Entretanto, o Capa

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PDF também possui algumas desvantagens, como o tamanho do arquivo, muitas vezes pesado, o que dificulta a leitura na maioria dos e-Readers. Outro problema do PDF é o fato de seu conteúdo ser estático, ou seja, não pode ser redimensionado de acordo com o tamanho e a tela do e-Reader, diferentemente de outros formatos, como ePub e Mobi, que se adaptam a qualquer tamanho e formato de tela. 3.3.2 Mobi De acordo com Horie (2011), o Mobi é um formato de eBook desenvolvido pela Amazon especificamente para os eReaders da própria Amazon, o Kindle. Assim como o ePub, o Mobi também redimensiona o conteúdo de acordo com o formato e o tamanho da tela do dispositivo no qual está sendo lido, fornecendo uma visualização mais dinâmica e confortável para os leitores. Também podemos encontrar aplicativos gratuitos, desenvolvidos pela própria Amazon e por outras empresas, que permitem a visualização deste formato em computadores de mesas e em outros dispositivos de leitura de eBooks. Recentemente, a Amazon anunciou a substituição do Mobi (conhecido como Mobi 7) pelo Kindle Format 8. A troca ocorrerá devido a chegada do novo Kindle Fire, que permitirá a visualização de eBooks em diferentes diagramações, com suporte a recursos como fontes embutidas, layout fixo, elementos flutuantes, drop caps, texto em imagens de fundo e marcadores.

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3.3.3 ePub O ePub (abreviação de eletronic publication) nada mais é do que um padrão internacional para eBooks, livre e aberto. Também conhecido como o MP3 dos livros, ele possibilita uma boa leitura em diversos dispositivos tecnológicos, tais como: computadores, notebooks, smartphones e-Readers e tablets. Diferentemente do PDF, onde o layout das páginas é fixo e não é permitido se alterar o tamanho da fonte, no ePub, o texto e as imagens são redimensionados de acordo com a tela do dispositivo utilizado. A base do ePub é bastante simples, pois ele é produzido em XHTML, em geral, com os mesmos códigos utilizados no desenvolvimento de uma página simples para web. Além disso, é permitido realizar alterações no estilo das páginas com CSS, tornando os livros mais atrativos visualmente. De acordo com Horie: Um ePub é composto, basicamente, de arquivos XML que contém o conteúdo de um livro, arquivos de imagens, acrescidos de mais alguns documentos que definem os estilos de parágrafo e caracter e um sumário, todos “envelopados” por um compactador comum. (HORIE, 2011, p.18)

O formato surgiu em 2007, organizado por um consórcio de empresas chamado IDPF (International Digital Publishing Forum), entre elas Sony, Adobe, Microsoft, além de grandes editoras inglesas e norteamericanas. A adoção do padrão decorre de necessidades básicas, como a escolha de um padrão aberto que possa ser aperfeiçoado ao longo do tempo, à medida que o mercado evolui e a possibilidade do livro ser lido pela maior quantidade de aparelhos e programas possíveis, facilitando a cadeia de produção.

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4 A reconfiguração do livro e as novas possibilidades da leitura hipertextual A reconfiguração do livro para o formato eletrônico não significa apenas uma nova forma de fazer livro, publicado agora em uma mídia digital, mas também significa que o ato da leitura também sofrerá transformações devido aos recursos e facilidades que o livro digital oferece aos leitores. As novas possibilidades de leitura são um grande incentivo para a leitura de livros em plataforma digital. Segundo Levy (1996), as novas formas de apresentação do texto só nos interessam porque dão acesso a outras maneiras de ler e de compreender. O suporte digital apresenta uma diferença considerável em relação aos hipertextos anteriores à informática: a pesquisa nos índices, o uso dos instrumentos de orientação, de passagem de um nó a outro, fazem-se nele com grande rapidez, da ordem de segundos. Por outro lado, a digitalização permite associar na mesma mídia e mixar finalmente os sons, as imagens animadas e os textos. Segundo essa primeira abordagem, o hipertexto digital seria, portanto, definido como uma coleção de informações multimodais disposta em rede para a navegação rápida e ‘intuitiva’. (LEVY, 1996, p.44)

Os recursos que os eBooks oferecem, facilitam a interação com o conteúdo, além de permitir uma grande portabilidade: um único dispositivo pode carregar milhares de títulos, e ter - através de uma conexão com Internet - acesso imediato a outros milhares de títulos disponíveis gratuitamente ou a venda em sites de todo o mundo. “É possível carregar vários títulos (centenas e até milhares) em um único dispositivo de leitura que cada vez mais estão baratos, leves e com melhor autonomia de bateria e capacidade de armazenamento”. (HORIE, 2011, p.16) Apesar de todos os recursos e possibilidades que as tecnologias Capa

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oferecem, pesquisas mostraram que os leitores de eBooks são conservadores5: eles preferem que o eBook seja o mais parecido possível com um livro impresso. Lemos (2011)6 afirma que o sucesso do livro eletrônico está na materialidade do dispositivo e na emulação do passado. O que estamos vendo é um retorno a experiências anteriores, com o aproveitamento das inovações sociais e tecnológicas do digital, principalmente no que se refere às possibilidades de produção de conteúdo, de compartilhamento de informação e de criação de redes sociais. Os e-readers emulam, com a e-ink7, muito bem o papel e a tinta. Alguns não tem iluminação interna e tornam-se muito confortáveis para a leitura. O que está em jogo aqui é usar a tecnologia digital e as redes sem fio para proporcionar portabilidade da biblioteca e uma leitura próxima da do livro impresso (sem firulas, links desnecessários, ou interatividade exagerada). O leitor nem sempre quer ser “interator”. Ele quer ler como se lê um livro em papel. A relação material é importante aqui: ler um produto acabado em uma postura corporal similar àquela da leitura dos livros jornais e revistas impressas. (LEMOS, 2011)8

Podemos afirmar então, que o livro vem se reconfigurando sob o apoio dos recursos e facilidades que a tecnologia oferece, entretanto, tentando manter a base já aceita e consagrada dos livros impressos, buscando reproduzir o impresso no digital e agregando novas funcionalidades que gerem uma maior interação leitor-conteúdo. 5

Disponível em: http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=295029 Acesso em: 05/11/2011

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Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011

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Também conhecido como “papel eletrônico” ou “tinta eletrônica”, é uma tecnologia que mimetiza o papel impresso em um display. 8

Disponível em: http://andrelemos.info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011

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5 Aspectos configuracionais que dificultam a expansão mercadológica dos eBooks Alguns fatores impedem uma maior aceitação dos eBooks: a grande quantidade de formatos existentes, quase sempre, exclusivos para um único e-Reader e as DRM9 (Digital Rights Management) impostas pelas editoras e produtoras de livros digitais a fim de combater a pirataria digital. Essa situação apresenta-se como um verdadeiro paradoxo: as reconfigurações do livro sempre ocorreram visando facilitar o conhecimento do leitor, democratizando cada vez mais a leitura, e hoje, na era da cibercultura, da computação em nuvem (cloud compunting)10 e da Internet em banda larga e móvel, que poderiam funcionar como verdadeiros catalisadores na difusão da leitura digital, nos deparamos com barreiras mercadológicas que freiam essas possibilidades. Alguns formatos, como o Mobi, da Amazon, rodam apenas em leitores específicos, comprometendo a convergência do conteúdo. De acordo com Procópio (2010), outra estratégia utilizada pela editoras que lançam livros digitais é a aplicação de DRM, que além de atuar como uma senha de segurança, impedindo a cópia ilimitada de um eBook, também faz todo o trabalho de porcentagem para terceiros e quantificação de núme­ro de cópias vendidas. Para os formatos Mobi e ePub, já existem sistemas de DRM modernos e relativamente seguros. 9

DRM, ou Digital Rights Management, são tecnologias para controlar a distribuição e a visualização de conteúdos digitais. 10

O conceito de computação em nuvem (em inglês, cloud computing) referese à utilização da  memória  e das capacidades de armazenamento e cálculo de computadores e servidores compartilhados e interligados por meio da Internet, seguindo o princípio da computação em grade. Wikipedia

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Podemos dar um exemplo dos problemas que um eBook protegido pode gerar: um eBook em um certo formato, protegido por uma DRM, não pode ser convertido para outro formato. Ou seja, se tivermos um eBook em formato Mobi (formato de eBook para leitura no Kindle), não conseguiremos converte-lo em PDF para podermos ler em qualquer outro dispositivo. Diante disso, fica claro que as potencialidades de expansão do conhecimento através dos livros digitais estão comprometidas devido aos interesses mercadológicos, que vem limitando o uso e a liberdade do consumidor para utilizar da maneira que achar conveniente o seu produto. Conclusão Após séculos de história, o livro, até então existente apenas em meio impresso, hoje aparece reconfigurado, com uma nova possibilidade de publicação: o formato digital. A dinâmica de produção, difusão e leitura agora é outra - os autores podem publicar diretamente e gratuitamente na web ou podem enviar diretamente para a editora; a facilidade de produção é impressionante. Novas ferramentas e funcionalidades estão disponíveis para os leitores, também atraídos pela interatividade e portabilidade que o livro digital oferece. Entretanto, estas novas possibilidades nem sempre atendem a necessidade dos usuários, acostumados com a liberdade quase sempre presente no ciberespaço. Os entraves mercadológicos e a grande quantidade de formatos existentes impedem uma livre circulação dos livros digitais entre os leitores. É também correto afirmar que mesmo com as restrições tecnológicas e de mercado, sempre há formas de burlar os processos de controle, e as empresas vem trabalhando para

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desenvolverem formas ainda mais seguras de proteção. Diferentemente do que acontece com um livro impresso,em que o leitor tem total liberdade para emprestá-lo a qualquer momento, com o livro digital isso nem sempre pode acontecer, contrariando a história do livro, que sempre se reconfigurou buscando facilitar o conhecimento do usuário. O livro não foi invenção de Gutenberg, mas ele permitiu a sua reprodutibilidade como suporte e produto vendável em larga escala; agora essa escala de reprodutibilidade ganha uma dimensão inimaginável. Uma coisa é certa: uma vez lançado na rede, o livro ganha vida própria e não pode mais nem sequer ser retirado da internet, pois passa a habitar a “nuvem”. O cenário atual do mercado editorial digital mostra um amplo domínio da empresa americana Amazon, que produz o Kindle, leitor de livros digitais e disponibiliza para venda uma imensa gama de títulos para serem lidos neste mesmo leitor, através de um formato exclusivo, o Mobi (agora chamado de Kindle Format 8). Existem outras empresas crescendo no mercado, mas quase sempre impondo essas mesmas práticas, dando prosseguimento às barreiras mercadológicas. Diante dessa situação, os leitores de livros digitais, encontram-se presos aos limites impostos pelo mercado, que contrariam a lógica do livro como um instrumento de difusão do conhecimento e da leitura. Nesse contexto, o usuário, a partir do momento em que é impedido de fazer o que bem entender, deixa de se sentir dono de um livro. Hoje, faz-se necessário repensar as práticas do mercado editorial digital. Livreiros, agentes literários e editores tradicionais vão ter de se adaptar aos novos tempos, buscando ampliar as possibilidades de compartilhamento, permitindo que o livro, embora produto de mercado

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para gerar lucro, continue sendo instrumento de difusão de informação, conhecimento e cultura para todos os povos.

Referências COSTELLA, Antonio F. Comunicação: do grito ao satélite. 4. ed. Campos do Jordão: Mantiqueira, 2001. FEBVRE, Lucien. O aparecimento do livro. São Paulo: Unesp, 1992. FUGITA, Alexandre. A paranóia do DRM. Disponível em: http://techbits. com.br/2007/a-paranoia-do-drm/ Acesso em: 19/11/2011 HORIE, Ricardo Minoru. Coleção eBooks – Volume 1: Arte-finalização e conversão para livros eletrônicos nos formatos ePub, Mobi e PDF. São Paulo: Bytes & Types, 2011. IDPF – International Digital Publishing Forum. Disponível em: . Acesso em: 26/08/2011. LEMOS, André. Livro e mídia digital. Disponível em: http://andrelemos. info/2011/10/flica/ Acesso em: 01/11/2011 LÉVY, Pierre. O que é virtual. São Paulo: Ed. 34, 1996. MCLUHAN, Marshall. A galáxia de Gutenberg: a formação do homem tipográfico. São Paulo: Editora Nacional, Editora da USP, 1972. MINDLIN, José. A Evolução do Livro do Século XV ao século XX. In: DOCTORS, M. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999. NICOLAU, Marcos. O ciclo das autonomias: do texto, do suporte e do autor. In: Apropriação midiática e autonomia comunicacional: perspectivas de uma mídia livre. Disponível em: http://www.insite.pro.br/2010/Dezembro/ apropriacao_autonomia_comunicacional.pdf

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PINHEIRO, Ana Virginia .Da Sacralidade do Pergaminho à Essência Inteligível do Papel. In: DOCTORS, Marcio. (Org.); A cultura do papel. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 1999. PROCÓPIO, Ednei. O livro na era digital: o mercado editorial e as mídias digitais. São Paulo: Giz Editorial, 2010. USHER, Abbott. A History of Mechanical Inventions. New York: McGrawHill Book Company, 1929. Sites – Notícias http://www.revolucaodigital.net/2011/05/23/amazon-venda-ebooks-livro/ http://ipsilon.publico.pt/livros/texto.aspx?id=295029

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Resenha na web: interações tecnoculturais no Gamespote e no UolJogos1 João Batista FIRMINO JÚNIOR2

Resumo O artigo trata da reconfiguração das resenhas online voltadas a jogos eletrônicos. Para tal, utiliza-se de uma análise aos sites Gamespot e UolJogos, o primeiro de procedência internacional e o segundo brasileiro. Tencionamos entender quais os novos formatos de resenhas existentes na web e a exploração de uma potencialidade fundamental da resenha: suscitar, através de fóruns, uma complexa rede de coparticipação de um público formado por fãs e consumidores de jogos eletrônicos. Palavras-Chave: Reconfiguração. Resenha online. Jogos eletrônicos.

1

Esses sites fora, acessados entre fins de outubro e meados de novembro de 2011. São, respectivamente, acessíveis pelos links http://www.gamespot.com e http://jogos.uol.com.br/. 2

Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução Estamos diante de um fenômeno - que nos surge a partir de um formato textual do gênero opinativo do jornalismo que julga, descreve, informa sobre determinado produto cultural – que envolve todo um processo de reconfiguração midiática no contexto das resenhas online, particularmente as de jogos eletrônicos. A partir dele, deparamo-nos com uma série de questionamentos sobre algo que não surgiu agora, mas provem de um longo processo de transformação de um estado (a resenha impressa) a outro (a resenha online). Isso será melhor percebido com base em dois sites de jogos eletrônicos, bem como numa noção geral sobre a resenha online, ou seja, como, na prática, a web tornou real toda uma potencialidade da resenha: aglutinar um público a partir da convergência de diferentes mídias. Utilizando-nos de uma análise preliminar do Gamespot e do UolJogos, um site em língua inglesa e um brasileiro, assim, pretendemos começar a entender esse tipo de resenha, voltada aos jogos eletrônicos, como um fenômeno digno de ser explorado, e um verdadeiro índice que demonstra uma série de práticas humanológicas determinadas por e determinadoras do vetor tecnológico. Não focaremos o vetor mercadológico, mas o universo abstrato do entretenimento e da necessidade de agrupação humana, em um contexto que reúne habilidades operacionais e identidade específica (a de fãs de jogos eletrônicos, ou de determinados gêneros de jogos eletrônicos). Também analisaremos tendo em conta que a diversidade técnica da Capa

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produção parece-nos ser elementar para a expressão da diversidade cultural das realizações da recepção mediante fóruns correlatos às resenhas. Mas, deixamos claro que a presente análise não é ainda tão aprofundada, mas um ponto inicial para estudos mais densos e que não caberiam no espaço de um artigo acadêmico (por isso mesmo temos a resenha online como objeto que vem sendo estudado em nossa pesquisa de Mestrado). Assim, temos um texto que se baseará na resposta à pergunta sobre como um formato do gênero opinativo do jornalismo desperta o poder das multidões segmentadas, de acordo com um conjunto de procedimentos técnicos, num espaço virtual e sendo abarcada por necessidades culturais que lhes são próprias a segmentos dessa “multidão”, gerando, então, novos formatos de resenhas que, aos poucos, vão se adaptando à web em sua construção. 1 Origens da resenha no jornalismo impresso Começando por uma rápida definição da resenha jornalística, podemos dizer que se trata de um formato do gênero opinativo do jornalismo que consiste em “… uma apreciação das obras-de-arte ou dos produtos culturais, com a finalidade de orientar a ação dos fruidores ou consumidores” (MARQUES DE MELO: 1994, p.125). Desse modo, temse, basicamente, uma estrutura textual criada em prol da intencionalidade que expusemos, ou seja, sempre com um viés de consumo ou fruição, mas sem partir para um aprofundamento analítico, sem um repertório conceitual maior - tal qual ocorreria numa crítica, ou numa resenha acadêmica. A partir disso, devemos expor que sabemos, evidentemente, haver certa confusão entre conceitos de crítica e de resenha. Sobre isso, esse texto nos clarifica:

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Os grandes intelectuais que continuaram a realizar exercícios críticos estruturados segundo os padrões da análise acadêmica refugiaram-se nos periódicos especializados ou nos veículos restritos ao segmento universitário da sociedade brasileira. E se autodenominaram críticos, em contraposição àqueles que permanecem nos meios de comunicação coletiva, ou que se agregaram ao trabalho de apreciar os novos lançamentos artísticos, cujos textos passaram a se chamar resenhas, traduzindo a expressão review utilizada pelo jornalismo norte-americano (MARQUES DE MELO, 1994, p.126).

É importante salientar que, neste trabalho, nos referimos à resenha jornalística; ou seja, voltada a um público geral, e que, como depende de sua função em direcionar para o consumo, busca atender a um grupo maior de pessoas, porém focado em uma determinada linha de entretenimento (seja essa linha referente a filmes, jogos eletrônicos, histórias em quadrinhos, séries de TV ou lançamentos musicais). Analisa, mas também julga, direcionando a noção sobre o produto de forma a proporcionar informações para o seu consumo. Também sabemos que a resenha, no Brasil, parte de uma espinha dorsal que é a crítica (ou seja, aquilo que cumpria a função que a resenha cumpre hoje, antes da separação dos termos e conceitos de “resenha” e “crítica”). Isso nos leva à necessidade de nos situarmos historicamente sobre ela. De acordo com Daniel Piza (2009), a crítica nasce no início do século XVIII, com Richard Steele e Joseph Addison, com a revista diária The Spectator, tendo por inovação trazer para o público geral um conhecimento antes tido apenas como parte de uma elite cultural, popularizando, mas sem se rebaixar, a apreciação de livros, óperas, costumes, festivais de músicas e teatro. No Brasil, as origens mais claras da crítica estão na geração de Capa

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Machado de Assis (1839-1908) e José Veríssimo (1857-1916), esse último editor da Revista Brasileira. Mas, também, muito presente mesmo antes de Machado de Assis, através da crítica musical e teatral (referente, sobretudo, às óperas), o que nos leva aos textos de O Spectador Brasileiro, como os publicados em 1826 (GIRON: 2004, p.78), seguindo uma lógica diletante. No decorrer das primeiras décadas do século XX, porém, segundo Piza (2009, p.19), “quem começou a desempenhar papel fundamental no jornalismo cultural foram as revistas, incluindo na categoria os tabloides literários semanais ou quinzenais”, tendo por pano de fundo todo o furor do Modernismo. Ao lado disso, podemos citar a contribuição de escritores e intelectuais como José Cândido e Raquel de Queiroz na revista O Cruzeiro; o cronista Paulo Mendes Campos na revista Manchete; e os exemplos que vieram depois - já sendo presente a conceituação de “resenha” - como Isabela Boscov, da Veja, e Ivan Cláudio, da Istoé. Ou seja, a necessidade de orientar um determinado público não é recente, partindo de um histórico que, no Brasil, começa fundamentalmente no século XIX e se prolonga culminando no nascimento da resenha enquanto conceito consolidado em uma determinada forma textual (ou transportado para o audiovisual), saído da noção de gênero opinativo do jornalismo. Após essa noção histórica, devemos explicar que, sobretudo, a resenha pode ser feita por críticos, jornalistas ou amadores. Pode ser feita por quem leva essa arte como um lazer, como um trabalho sem grande reflexão ou conhecimento artístico, ou por quem se dedica a isso com uma formação intelectual mais densa, uma experiência de mercado, além de uma noção da linguagem jornalística no que tange a clarificar o texto, tornando-o repleto de frases sucintas, com palavras mais curtas e simples, na voz ativa, mas sem perder seu viés opinativo e mais abstrato e contextual que uma notícia, por exemplo.

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Já as limitações no jornalismo impresso são claras: a informação é quase totalmente unidirecional, permitindo apenas cartas dos leitores, sem uma interação mais ampla e em tempo real. Sem contar que o leitor normalmente não tem acesso às opiniões e interpretações de outros leitores sobre determinada resenha ou produto cultural, tornando-se um interpretador solitário desse tipo de texto. Partamos, agora, para o início da mudança que vem sendo sofrida pela resenha a partir do advento da internet e sua principal plataforma: a web. 2 Pensando as transmutações Antes de iniciarmos uma análise mais detida, esboçamos a existência de mudanças que começaram a ocorrer, com o surgimento da web, afetando certos processos como a função do produtor, a natureza do meio e suas consequências, e a natureza do receptor. Ou seja, o processo inteiro foi reconfigurado. O produtor, seguidor da lógica transmissionista e linear do “umtodos”, não é mais o ente absoluto, o elemento principal. No lugar disso, temos um orientador, alguém que propõe uma discussão, que parte da definição do que deve ser a pauta para a discussão do público a partir da publicação de sua análise para que outros possam dialogar sobre determinado assunto. Esse “orientador” surge como um facilitador da interação mútua entre elementos do público, que interagem entre si sob a mediação técnica do computador interligado via internet. Isso exige uma mudança na forma da mensagem, como consequência da natureza do produtor e, sobretudo, dos recursos do meio.

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Temos, então, como produto do ente emissor, um texto coloquial que remete a vídeos, imagens e outros sites, demonstrando que esse produtor não oferece apenas uma temática para ser discutida, mas um eixo temático, um contexto inteiro. O ponto seguinte é o meio. A natureza do meio permite não apenas seguir uma lógica puramente de intermediação entre pessoas, mas a criação de um espaço próprio. O meio agora é um espaço virtual cuja imersão é promovida através não apenas da convergência de diferentes mídias em um mesmo lugar, mas através das conversas e de um senso de identidade de grupo. Em suma, temos, agora, um “lugar”, e não um mero meio. E isso, como consequência, altera a forma da resenha, cuja função pode ser realizada por textos descritos como “análises” esquematizadas. Por fim, a noção de receptor, que agora é uma mistura de público, interator e usuário. Público porque ainda cumpre com a função de se entreter e se informar diante de um eixo informativo e de um “espetáculo” que é a própria resenha. Usuário por fazer uso de um mecanismo físico para entrar em contato com a mensagem. E ente interagente porque agora pode construir sua própria enunciação, em tempo real, através da eterna disputa, em fóruns, entre diferentes visões sobre um mesmo tema. Agora, vejamos a natureza dessas transmutações, tanto do ponto de vista do suporte físico como do formato da mensagem. 2.1 Mudança de suporte O que, da plataforma midiática (o conjunto web-computador), a resenha online aproveita? Diríamos que a possibilidade tecnológica de juntar, por um lado, diferentes mídias; e, por outro, a presença mais forte do comentário do público e da visibilidade às interações entre o público.

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É elementar perceber, em geral, que duas esferas são evidenciadas e que a resenha online faz uso: a linguagem digital e a dinâmica de trocas na interação entre público e espaço midiático. Pois é isso que temos, a criação de um espaço midiático que permite diferentes meios coexistindo e fazendo funcionar, viabilizando, a conversa dentro dos grupos de fãs e entre os grupos de diferentes segmentos de fãs. Temos um processo aqui não apenas de conexão, mas de filiação. Ou seja, o público agora faz parte de uma “comunidade”, que exige login (ainda que seja possível acessar o conteúdo sem esse recurso, mas sem possibilidade de publicar comentários), onde pode ter acesso a um conjunto-guia de textos críticos e a um amplo espaço de disposição de ideias. Temos, antes, uma óbvia convergência de texto, imagem e audiovisual. E essa convergência, segundo, Henry Jenkins (2009, p.29) se refere a um “… fluxo de conteúdos através de múltiplas plataformas de mídia”; quer dizer, temos uma resenha que percorre formatos textuais e audiovisuais, ou com ilustrações complementares visuais e audiovisuais. Além disso, temos a possibilidade de trocas, bastante óbvia, baseada em “percursos de leitura e de ações”, permitindo o compartilhamento de diferentes formas de perceber o conteúdo de uma resenha. Como se no lugar da televisão reunindo uma família na sala de estar tivéssemos uma sala de estar feita de bits, cuja “televisão” fosse apenas um guia, textual ou audiovisual, para a discussão entre esses mesmos “familiares”. Em suma, saímos de um universo somente de meios de comunicação para um universo onde esses meio permitem a construção de um “espaço” midiático, virtualizado, um espaço próprio de fluxos transformados em imagens e funções que permitem a interação reativa, onde eu apenas respondo a algo, com os elementos da tela do monitor. Aqui temos a mediação para um mundo de mediações, como se entrássemos num

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salão onde teríamos acesso a faxes, telefones, vídeos e sons, numa verdadeira convergência de mídias. E a resenha online faz bom uso disso, permitindo revelar toda sua potencialidade de trocas culturais, numa visão multimidiática e interativa constante nas mãos de um público que pode exercer o que Clay Shirky (2011) chama de “excedente cognitivo”, algo que se baseia na disposição de suas habilidades cognitivas em busca de novas problematizações e eventuais soluções provisórias às suas questões. A resenha online se utiliza, enfim, de recursos que permitem sua transformação de mero produto de análise de produtos a um guia entre diferentes conversas. Parte de um mundo onde o público apenas lê informações e julgamentos para um mundo onde o público cria algo em função dessa resenha. 2.2 Mudança de formato O que mudou na resenha a partir da plataforma midiática? Provavelmente uma convergência temática e de funções. Nesse primeiro caso, tivemos a adaptação do formato “resenha”, sobretudo no caso específico da crítica de jogos eletrônicos, para o que chamamos de formato “esquematizado”. Ou seja, temos a função da resenha sendo cumprida por um texto introdutório, com as considerações gerais do produto analisado, e esquematizações com os pontos positivos, negativos, além de notas de zero a dez. Há também maior acesso a redes sociais e pontuações ligadas a elas no que diz respeito à quantidade de recomendações. Existe, então, uma conjunção, uma dinâmica entre formas esquematizadas de comentários, avaliações, pontos relevantes do produto, texto central, presença de avaliações de um público ligado a redes sociais, além de trailers e imagens. Há, a partir disso, uma proximidade Capa

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com outras temáticas, com outros produtos culturais, a partir de uma configuração da página em “portal”3, onde temos a possibilidade de acesso a uma gama de vídeos, fóruns, imagens, outros sites e partes do mesmo endereço eletrônico. De qualquer forma, não observamos outra saída, na web, que evitar a criação de um site tematicamente isolado e promover a variedade. Mesmo no caso dos jogos eletrônicos, há acesso evidente não apenas a sub-temáticas, mas a outros compartimentos do mesmo provedor (se formos considerar o caso do UolJogos, que faz parte do Uol). Quanto às funções, tem-se a escolha, por parte do público de: apenas ler, interagir e demonstrar (por “demonstrar” nos referimos à visualização dessa interação por parte de outros) interação com o produto, interagir e demonstrar interação com outros fãs, assistir a vídeos, fazer uma avaliação própria mais completa (no caso de sites que se constituem como o Gamespot) e distribuir links sobre o assunto de seu interesse. Veremos isso com mais detalhes quando apresentarmos, neste texto, as análises do Gamespot e do UolJogos4. 3 A resenha online e a temática dos jogos: entre o vetor tecnológico e o vetor humanológico É importante observar que o produto cultural existe em função de uma necessidade cultural, se entendermos “cultura” como um fenômeno 3

“Portais” entendidos aqui como sites que “… tentam atrair e manter a atenção do internauta ao apresentar, na página inicial, chamadas para conteúdos díspares, de várias áreas e de várias origens” (FERRARI: 2009, p.30). É desse formato de página de internet a que nos referimos. 4

Por enquanto, estamos apenas esboçando um quadro geral para, depois, detalhá-lo durante as análises propriamente ditas.

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que “… abarca o conjunto de processos sociais de significação” ou o “…conjunto de processos sociais de produção, circulação e consumo da significação na vida social” (GARCIA CANCLINI: 2009, p.41). É uma necessidade de trocas de signos entre grupos que vão se constituindo ao redor do tipo de produto cultural explorado. Já o ritmo próprio disso é regido pelo vetor tecnológico, que exige determinadas competências operacionais e nos parece influenciado pela busca fundamental do diálogo e de uma ideia de “comunidade”, bem como um elemento que pauta a forma como vou me relacionar. Ou seja, temos o objeto do relacionamento (com a resenha, com trailers do produto analisado e com outras pessoas) como constituidor do vetor humanológico, que adota uma “forma” que constitui exatamente esse vetor tecnológico, que envolve computador, internet, linguagem, web etc. A partir dessa natureza que mistura vetor tecnológico e vetor humanológico, criando um todo complexo onde um não se impõe totalmente ao outro, temos o caso dos jogos eletrônicos resenhados em meios eletrônicos, onde podemos perceber a simetria entre o universo digital da resenha online e o universo digital do tipo de produto cultural resenhado, o que implica em uma facilidade para tornar o público de um produto (a resenha) cativo de outro (o jogo eletrônico) e vice-versa. O humanológico, aqui, só se dá a partir da competência do público em explorar os instrumentos tecnológicos, em saber jogar e em saber operar na lógica da web. Porém, nosso fenômeno não nasceu pronto. Há um histórico de resenhas de jogos eletrônicos em revistas brasileiras dedicadas a computadores e seus softwares, nas décadas de 80 e 90, como a “CPU MSX” e a “Informática CPU”, dentre outras. Isso num período em que a internet ainda era uma novidade no Brasil. Um exemplo mais apropriado

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encontra-se num exemplar da revista “Informática CPU”, cuja resenha, com autoria destacada, já esboçava notas sobre o jogo: FIGURA 1 – Página contendo resenha e notas atribuídas a características do jogo “Shadowsofthebeast III”, para computadores AMIGA.

FONTE – Página 51 da revista “CPU Informática”, Ano 2, Número 04, de 1995.

Evidentemente, ainda hoje existem publicações que abordam os jogos eletrônicos, mas vimos ser necessário mostrar que mesmo antes da popularização da internet no Brasil, algumas das características das Capa

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resenhas do Gamespot e do UolJogos já se encontravam presentes nessas revistas. 3.1 Rápido vislumbre do reino dos jogos Sobre os jogos em geral, sabemos que eles são, basicamente, brincadeiras que evoluíram do lúdico a toda uma dinâmica narrativa bastante presente nos computadores e nos videogames. Simulacros que envolvem, no que diz respeito ao ambiente digital, uma forte imersão dos sentidos. Podemos depreender que esse tipo de produto, abordado pelas resenhas online, promovem uma atividade voluntária, que simula uma situação ou uma estória (com um objetivo definido ou em busca de um objetivo), dotada de regras, constituindo um simulacro possuidor de um tempo próprio inserido num espaço imaginado; caracteriza-se, também, de acordo com Huizinga (1999), como um fenômeno cultural, dos primórdios até hoje5. Percebemos também uma dinâmica de regras e objetivos que, atraindo o usuário de forma voluntária, constitui a própria experiência “online”. Uma dinâmica que se torna bastante coincidente quando o leitor da resenha na web se depara com trailers que, por vezes, retratam o ambiente do jogo como se o público do trailer já estivesse atuando no próprio produto (veremos isso com mais detalhes adiante). 3.2 Entre meio e mensagem Sem fugir da nossa temática, e sem nos aprofundarmos na 5

Huizinga até salienta, no Prefácio, “… que é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve” (1999).

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natureza dos jogos, é entre meio e mensagem onde se dá, a partir de uma dinâmica de trocas entre os meios (internet e computador) e a mensagem (formato textual específico e conteúdo – seja esse conteúdo a resenha ou os comentários do público), o espaço de fluxos representante da reconfiguração técnica da resenha, e realizadora do seu potencial cultural. O aspecto técnico do meio (o vetor tecnológico) proporciona um mínimo de interações reativas para um máximo de interações mútuas, se considerarmos “interação reativa” conforme Alex Primo (2008, p.135) em que “O intercâmbio é vigiado e controlado por predeterminações”, onde temos a função reativa dos links a serem acessados, dos trailers a serem acionados, enquetes a serem votadas, e com a natureza escrita da mensagem que condiciona a uma resposta também escrita – o que difere do conteúdo, das ideias, que são flexíveis. Já a interação mútua em nosso contexto pode ser entendida por nós como toda a ação de troca de mensagens entre diferentes públicos através do uso do computador como mediador; ou seja, aqui o público pode expressar o que quiser desde que não desrespeite determinadas regras de conduta de sua cultura específica ou de acordo com as regras explicitadas pelo site. Esse aspecto técnico do meio não explica, todavia, a natureza cultural das mensagens, a natureza dos seus conteúdos. Mas, entende-se que há uma produção de conhecimento (útil ou inútil), entre diferentes grupos de “gamemaníacos”, conforme as divisões específicas de cada jogo eletrônico (esportes, guerra, tiro em primeira pessoa, etc) e a temáticas ainda mais específicas que venham a surgir. Um ponto elementar a ser considerado aqui é o fato de que “cultura” está sendo entendida apenas no limite das mensagens (mesmo que tendo

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em mente todo o processo que se situa ao redor da produção e da recepção), o que significa que não chegamos a analisar os “meios” (computador e internet) do ponto de vista cultural, mas como mecanismos técnicos que permitem a troca do tipo de cultura a que queremos nos ater, que é o expresso através da mensagem. E é nesse ponto onde começaremos analisar nos próximos os sites a que nos referirmos neste artigo. 3.3 Analisando o Gamespote o UolJogos Comecemos pelo Gamespot. Há 15 anos totalmente dedicados a jogos eletrônicos, esse site em língua inglesa oferece resenhas textuais sobre jogos eletrônicos, avaliações, trailers, fotos, resenhas audiovisuais, fóruns, notícias focadas nesse assunto e outras funcionalidades, além de ter um blog interno chamado UnderReview e é ligado a um site, o Metacritic, onde o público pode realizar comentários avaliativos que consistem quase em resenhas próprias, com nota pessoal sobre o produto, com uma divisão entre CriticReviewse UsersReviews. Ou seja, possui diversas possibilidades para o público se informar e participar, bem como ligações com outros endereços eletrônicos complementares. Em suma, o Gamespot tem como lema “Entreter, Informar e Conectar jogadores”, em um universo preenchido por 97% de homens, sendo a maioria com idade entre 18 e 34 anos (conforme o link http://www.gamespot.com/ misc/aboutus.html?tag=footer%3Blink&tag=footer%3Blink). Entretanto, focando-nos no campo das resenhas textuais destacamos uma página como material empírico, contendo a resenha do jogo RedOrchestra2 e o fórum relativo à resenha. Vejamos:

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FIGURA 2 – Um exemplo de resenha de jogo eletrônico e seus recursos na web.

FONTE - http://www.gamespot.com.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura FIGURA 3 – Um exemplo do fórum ligado à resenha de jogo eletrônico e seus recursos na web.

FONTE - http://www.gamespot.com.

No referido caso, temos, em um primeiro momento, o que chamamos de “campo do produtor”. Ou seja, o espaço de ação de quem produziu a mensagem, bastante dinâmico, contendo uma resenha esquematizada, com ênfase em um ponto positivo e outro negativo do produto analisado, antes de toda uma explicação. Já o “campo do receptor” traduz-se num fórum, onde há a possibilidade de confirmar, complementar ou destoar da resenha, além de permitir um processo de “comunitarização”, em língua inglesa, de grupos de fãs de jogos eletrônicos. Nos dois “campos” há a presença das características básicas da web, como estocagem de informação, convergência de mídias, interconexão com redes sociais e ainda os mesmos elementos de avaliação que vimos na revista “CPU Informática”, onde quase tudo Capa

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é quantificado, denotando uma informação que tanto ilustra como aprofunda a avaliação qualitativa típica da resenha. Quanto ao UolJogos, temos um site que segue a mesma cartilha, como podemos ver abaixo: FIGURA 4 – Página de uma “análise” de um jogo eletrônico em um site brasileiro.

FONTE - http://jogos.uol.com.br/.

Seguindo a mesma fórmula do Gamespot, esse site, porém, diferencia-se ao usar a terminologia “análise” para um tipo de texto que,

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apesar de esquematizado segue, em sua parte intitulada “Considerações”, a função de uma resenha. Além de ser um site com menos conexões que o Gamespot e que tenha que depender de um provedor, o Uol (http://www. uol.com.br). Em ambos os casos, há uma valorização da autoria, e a elevada saturação de elementos em tela, em dinamismo constante de informações. Mas cuja dispersão é relativizada com a presença de ferramentas audiovisuais, culminando na imersão possível pelas audiovisualidades presentes nos dois sites. FIGURA 5 –Menu contendo diversos VideosReviews.

FONTE – http://www.gamespot.com.

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Reconfiguração das práticas midiáticas na cibercultura FIGURA 6 – Trecho de uma listagem de “vídeoanálises”.

FONTE -http://jogos.uol.com.br/.

Nos dois casos temos: um campo do produtor, um campo do receptor, através de dois tipos de formatos de resenhas: esquematizadas e audiovisuais. O que chamamos de campo do produtor se constrói através de toda uma lógica hipermidiática, basicamente um conjunto de links para outros textos e mídias que são convergidas a um só clique, ou previamente presentes na tela (como é o caso dos quadros que indicam a exibição de vídeos). Aqui, as novas formas da resenha estão funcionando, na textualidade, coma construção de esquemas de pontos positivos, negativos, pontuações, antes do texto principal (algo que já era presente nas resenhas da revista “CPU Informática”). E o uso do vídeo, disposto na mesma página, contendo comentários, avaliações, julgamentos no decorrer da continuidade das imagens do trailer de um determinado jogo eletrônico. Esse uso audiovisual, devemos frisar, deve gerar um estudo mais apropriado, sobre as possibilidades informativas e imersivas da Capa

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união entre a voz do resenhista e a funcionalidade do produto mostrada diretamente ao público. Além disso, a questão da intenção desse tipo de resenha, se se trata de um audiovisual que vai mostrar também os defeitos ou se tudo não passa de uma propaganda do produto - o que descaracterizaria uma boa resenha. Entretanto, é uma dúvida que também existe em relação às resenhas propriamente textuais. Mas, o que nos interessa aqui, numa visão panorâmica, é essa determinação da existência desses dois formatos de resenha na web. Quanto ao que chamamos de campo do receptor, nos dois casos há usos hipermidiáticos; todavia, o que se destaca é a participação, onde há o uso do “excedente cognitivo” a que nos referirmos anteriormente. Na prática desse excedente, grupos de fãs, ou fãs em potencial, se unem e realizam trocas alimentadas pela resenha e pelo acesso a produtos correlatos ao assunto da resenha (outros jogos eletrônicos, ou o filme a que tal jogo se baseia). Porém, salientemos que isso tudo não é apenas uma questão de manter contato, mas envolve a produção conjunta de conhecimento através da disposição de novas ideias, interpretações e informações, gerando, inclusive, um material capaz de levar o resenhista de jogos eletrônicos a tentar responder, em trabalhos futuros, as questões que interessam ao público e não apenas as questões que o profissional pensa ser de interesse do público. Já a ligação entre esses campos está, justamente, em uma dinâmica que transcende esses dois sites, que passaram por uma análise inicial. Essa dinâmica consiste no conjunto de práticas culturais, capazes de criar e recriar necessidades de contato humano e de confirmar identidades, grupos culturais, gerando o quadro mais inusitado: ao invés do distanciamento entre as pessoas devido a falta de contato com o papel de uma revista contendo resenhas, houve a fomentação de redes sociais;

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havendo, assim, menor aproximação com a matéria realizada pela técnica e maior aproximação com os assuntos lidos, discutidos e escritos. Em suma, a partir da junção dessas duas dimensões da resenha online (os dois campos, do produtor e do receptor), identificáveis na mensagem, através das peculiaridades do meio, temos um objeto complexo, em pleno processo de transmutação, permitindo todo um processo de “reprodução” e “reapropriação” por parte do público, colocado entre o vetor tecnológico e o vetor humanológico. E, considerando a complexidade dessas interações, não pudemos ainda realizar uma classificação de graus de autonomia do público. Apenas vimos que há as regras básicas de pertença, além do conhecimento técnico para operar na web e no computador. Considerações Finais O fio condutor de nosso trabalho foi a busca pela explosão de um fundamento potencial da resenha: despertar o poder dos fãs e consumidores através de recursos que permitam a configuração de uma noção de “comunidade”, de pertença, acostumada a formatos de resenhas que estejam mais de acordo com a natureza do produto cultural que elas analisam. Procuramos demonstrar que a transformação da resenha - que não chega a eliminar a resenha impressa – na web é também uma transformação tecnocultural, onde temos o ciberespaço na condição de “… ‘pós-cidade’ virtual planetária, onde a diversidade já é mais exarcebada do que aquela das cidades físicas” (LEMOS e LEVY: 2010, p.205). Vendo por esse aspecto, temos que o grande filão de nosso trabalho obviamente não está na forma como o texto é construído para a web junto a trailers e imagens, mas em como a ampla possibilidade de acessos promovidos pela internet

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e materializados no espaço virtual de fóruns e redes sociais correlatas ao site contendo resenha demonstram que não se produz cultura sem diálogo, sem ação; agora saímos daquela condição passiva de apenas ler uma resenha numa revista de informática ou num jornal, e passamos a construir informações (úteis ou absolutamente inúteis) tendo, por vetor orientador, o texto ou o vídeo da resenha. Entretanto, não existe liberdade total. Há uma reconfiguração da dinâmica entre interagentes e resenhista, ou entre interagentes e a imagem que se constrói do produto cultural através do resenhista; porém, essa reconfiguração ainda mantem, como vimos, uma ligação com regras de conduta oficiais e conhecimento e identificação com o público que interage nos fóruns. Um aprofundamento sobre isso se faz necessário, mas sem fugir à temática das resenhas propriamente ditas, seguindo a linha condutora elementar disso tudo: a potencialização da resenha como um elemento de um processo grupal. Ou seja, um elemento da inventividade humana, feito em função do produto analisado (os jogos eletrônicos), que está ali para dar uma orientação, um direcionamento a grupos de consumidores e fãs. Em síntese, a liberdade está condicionada a três camadas: o conhecimento e a acessibilidade técnica; o respeito às regras explícitas de vinculação a um fórum; e o pertencimento subjetivo a uma determinada identidade de grupo. Isso ocorre, como falamos,da interrelação entre o que chamamos de “campo do produtor” (formato textual ou audiovisual da resenha, trailers e imagens) com o “campo do receptor” (sistema de comentários e, nos dois casos analisados, fóruns). Ambos reproduções da vida real na mensagem, como reflexos da Produção e da Recepção em campos específicos do que é comunicado. Enfim, a resenha online - ou o que a resenha vem se tornando - é

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isso. Trata-se de parte de uma rede complexa que permite a existência de uma mensagem que não é só o texto da resenha, mas também o próprio espaço que permite o diálogo, a interação mútua, mediada pelo site. E isso é facilitado, no caso específico dos jogos eletrônicos, quando temos um produto cultural cuja natureza está intrinsecamente ligada ao ambiente digital da própria resenha online.

Referências FERRARI, Pollyana. Jornalismo digital. 3a ed. São Paulo: Contexto, 2009. GAMESPOT. Disponível em: . Acesso em outubro e novembro de 2011. GARCIA CANCLINI, Néstor. Diferentes, desiguais e desconectados. 3. ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2009. GIRON, Luís Antônio. Minoridade crítica: a ópera e o teatro nos folhetins da corte: 1826-1861. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, e Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. HUIZINGA, Johan. Homo ludens. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999. JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2009. LEMOS, André; LÉVY, Pierre. O futuro da internet: em direção a uma ciberdemocracia. São Paulo: Paulus, 2010. MARQUES DE MELO, José. A opinião no jornalismo brasileiro. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. MARQUES DE MELO, José; ASSIS, Francisco de (orgs.). Gêneros jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2010. PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2009. PRIMO, Alex. Interação mediada por computador: comunicação, cibercultura, cognição. 2a ed. Porto Alegre: Sulina, 2008.

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REVISTA INFORMÁTICA CPU.Rio de Janeiro: Editora Bonus, fevereiro de 1995, volume 04, p.51. SHIRKY, Clay. A cultura da participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. UOLJOGOS. Disponível em: . Acesso em outubro e novembro de 2011.

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Da Cutscene ao Gameplay: A evolução dos recursos narrativos nos videogames Rennan RIBEIRO1. Resumo Cada vez mais os videogames têm sido reconhecidos pelo seu potencial para contar histórias. Assim como toda forma de comunicação, os games também possuem uma linguagem que muda e se desenvolve à medida que novas tecnologias surgem e novos usos e experimentações vão sendo realizados. No entanto, diferentemente das mídias narrativas tradicionais como o cinema e a literatura, a questão da interatividade nos games acrescenta um grau a mais de sofisticação e complexidade ao modo como estes veiculam a ação dramática. Partindo das cutscenes até chegar ao gameplay, este artigo pretende investigar como a questão da busca pela inserção da interatividade nas narrativas dos videogames moldou e reconfigurou estes recursos narrativos e sugerir como os games podem contar histórias sem nunca tirar do jogador a capacidade de interagir. Palavras-chave: cutscene, gameplay, narrativa, interatividade.

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Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGC/UFPB). E-mail: [email protected]

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Introdução Em um trabalho anterior2 falamos da linguagem narrativa dos videogames e tratamos da famosa questão “pode um jogo lhe fazer chorar?” argumentando que no atual estágio de desenvolvimento tecnológico, de hardware e de software, no qual se encontram, os videogames já são capazes de contar histórias emocionantes e profundas tal qual outras mídias narrativas canonizadas como o cinema e a literatura. Para salientar esse ponto de vista, sugerimos uma diferenciação e categorização de jogos com foco sensório-motor, lógico-intelectual e por fim jogos com foco emotivo, que visavam suscitar emoções nos jogadores, diferentes das proporcionadas por jogos de ação ou de raciocínio lógico3. Dizíamos então, a partir de um olhar empírico e de uma análise crítica da indústria do entretenimento atual, que há, na verdade, um defasamento no desenvolvimento da linguagem videogamegráfica que, por sua vez, encontra-se engessada por fórmulas consideradas seguras que se repetem num ciclo vicioso de poucas inovações e experimentações. No decorrer dessa análise, falamos da diferenciação existente entre Cutscenes, Quick Time Events e Gameplay, apontando a questão da interatividade como caracterizadora e legitimadora da linguagem 2

Pode um Jogo lhe Fazer Chorar? Sobre a linguagem narrativa dos jogos eletrônicos, artigo apresentado no Intercom Regional Nordeste em 2011. 3

Essas categorizações não tinham o intuito de criar uma tipologia para os videogames, mas apenas fornecer parâmetros para facilitar a compreensão do ponto de vista que propúnhamos. Para esforços nesse sentido ver o trabalho de Marsal Alves Branco e Cristiano Pinheiro.

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do videogame em contraposição à linguagem do vídeo ou do cinema e a relação passiva que o espectador estabelece para com o conteúdo destas narrativas. O presente trabalho visa ampliar a discussão sobre a questão da interatividade nos games. Não se trata apenas de dizer se os videogames são ou não interativos e que tipo ou nível de interação se aplica a eles, mas como, através das possibilidades oferecidas pelo jogo, o jogador experimenta a narrativa nessa mídia. Para isso, é preciso olhar para os primórdios da mesma, inclusive para as transformações ocorridas em sua estrutura quando de sua passagem do analógico para o digital. Observaremos aqui, o processo de reconfiguração da linguagem narrativa dos games e tentaremos delinear para onde acreditamos que ela está caminhando. Games e Narrativas: do Analógico para o Digital Sabemos que a narrativa é quase tão antiga quanto o homem. Partindo das pinturas rupestres, passando pela tradição oral, pelos livros, pelo teatro, pelos quadrinhos, rádio, TV, cinema etc., as narrativas sempre se reinventaram e se transformaram. O mesmo se deu com os jogos. O homem sempre teve o jogar como uma de suas principais formas de entretenimento. Esportes, jogos de tabuleiro, de adivinhação etc. são todos exemplos de jogos analógicos. Por volta da década de 1960, com o surgimento dos primeiros computadores no formato em que conhecemos hoje (com monitor e teclado) (UNIVERSIDADE DO MINHO apud FRAGOSO, 2001), jogos e narrativas foram também penetrando os ambientes digitais, adquirindo características anteriormente pouco exploradas. No entanto,

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antes mesmo de sua entrada no âmbito do digital, ambos já se haviam encontrado e dialogado. Um exemplo disso são os tradicionais RPGs de mesa. O próprio nome deste tipo de jogo demonstra essa relação jogo/ narrativa: a sigla RPG vem do inglês e significa Role-Playing Game ou, em português, jogo de interpretação de papéis. Este tipo de jogo funciona bem do ponto de vista narrativo porque nele há um mestre, uma espécie de narrador, que desempenha dois importantes papéis que, nos ambientes digitais, viriam a ser desempenhados pelo computador: narrar a história e ditar as regras do jogo. Segundo Murray (2003), os ambientes digitais têm quatro propriedades essenciais. Eles são: procedimentais, participativos, espaciais e enciclopédicos. Estes atributos são responsáveis por fornecer ao computador a eficácia e o poder de atração que ele exerce sobre os jogos digitais, pois conferem ao mesmo uma característica de automação das funções anteriormente exercidas pelo mestre de um jogo de RPG de mesa. Juul (2004) amplia essa ideia afirmando que o computador possibilita o surgimento, ou melhor, o desenvolvimento de outras três características notáveis: o tempo-real, o modo single-player ou solo e a construção de um mundo virtual navegável. O tempo-real diz respeito à libertação da necessidade de se jogar em turnos, como acontece com a maioria dos jogos de tabuleiro e de RPG, ou com a maioria dos jogos analógicos, onde o jogador tem que esperar que os outros jogadores façam seus movimentos antes de poder ele mesmo fazê-lo. O modo single-player ressalta o fato de que agora um jogador pode, sozinho, jogar a maioria dos jogos existentes para aquele meio (o computador4), o que não ocorre com seus antecessores cujas partidas 4

Quando falamos computador, incluímos aqui plataformas computacionais em

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quase sempre necessitam de pelo menos dois jogadores para ocorrer. Por fim, o fato de o computador proporcionar a construção de um mundo virtual navegável, nos fala que agora podemos explorar o mundo ficcional da narrativa não apenas com nossa imaginação, como antes se dava, mas também visualizando-o com nossos próprios olhos na medida em que navegamos por ele através da tela da TV (como no caso dos consoles) ou do computador. Apesar desse encontro fora deles, em sua estreia em ambientes digitais, jogos e narrativas mais uma vez encontravam-se separados, com as narrativas apresentando características de não-linearidade e os jogos apenas mais automatizados e com pouca ou nenhuma pretensão narrativa. O Paradigma da Interatividade Há, no campo dos Game Studies, uma discussão sobre a pertinência ou não, sobre os benefícios e malefícios de se juntar jogos e narrativas. É o famoso debate entre Ludologistas e Narratologistas. Não é pretensão deste trabalho entrar em detalhes acerca do mesmo. Como fica claro, nosso ponto de vista é o de que, sim, jogos e narrativas podem funcionar muito bem juntos, desde que se faça uso adequado da linguagem videogamegráfica. A grande questão, é que essa discussão gira em torno de um ponto muito importante no que concerne a linguagem dos games: a interatividade. Jogos que contam histórias podem ser incluídos no hall das narrativas interativas. Característica fundamental de todo e qualquer jogo (não existe jogo sem interatividade), o que se dizia na época deste embate teórico era que uma boa história deve ser linear, não-interativa geral, como os consoles, arcades, celulares etc.

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e servir aos desígnios do autor, enquanto um bom jogo deveria ser nãolinear, interativo e servir aos desejos do jogador. Nas palavras de Ernest Adams (1999): “Interatividade é quase o oposto de narrativa; a narrativa flui sob a direção do autor, enquanto interatividade depende do jogador como força motriz5”. Greg Costikyan (2000) acrescentava: Há um conflito direto e imediato entre as demandas de uma história e as demandas de um jogo. Divergência nos caminhos de uma história provavelmente resultará numa história menos satisfatória; restrição da liberdade de ação de um jogador provavelmente resultará num jogo menos satisfatório6.

Mas o que é, na verdade, interatividade? Entendendo o que é e como funciona, é possível também compreender como e em quê os jogos se diferenciam das demais mídias e como uma narrativa pode se desenvolver de maneira plena a partir de sua linguagem. Interatividade para Jensen (1998) vem de interação, termo que geralmente significa troca, influência mútua. No entanto, ele afirma que a acepção do termo varia de acordo com o contexto em que é usado. A isto ele chama de termo multi-discursivo, ou seja, que tem aplicações e interpretações diferentes dependendo do campo de estudo em que é analisado. Por exemplo: para a Sociologia, interação é algo que ocorre entre duas ou mais pessoas que, em dada situação, mutuamente adaptam seu comportamento e ações umas às outras; para a Comunicação, interação pode ser a relação entre o texto e o leitor, as ações e comunicação humanas recíprocas associadas ao uso da mídia assim como a interação através da mídia; já no campo da Informática, interação pode ser entendida como a 5

Tradução do autor.

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Tradução do autor.

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relação entre homem e máquina (human-computer interaction), mas não a comunicação mediada pela máquina. A acepção no campo da Informática nos é especialmente interessante porque tratamos aqui de videogames, ou seja, jogos que são jogados través de máquinas. Ainda segundo Jensen (ibid), no campo da informática “interação é um estilo de controle e sistemas interativos exibem esse estilo7”. Uma definição que talvez ajude a compreender melhor como se dá a questão da interação nos ambientes digitais nos é dada por Primo (2000). Para ele “a relação no contexto informático, que se pretende plenamente interativa, deve ser trabalhada como uma aproximação àquela interpessoal”. Assim, ele propõe dois tipos básicos de interação: a interação mútua, que pode ser entendida como a interação que se dá entre duas ou mais pessoas ou entes inteligentes, onde as respostas e reações são sempre resultantes de interpretações e nunca podem ser plenamente antecipadas; e a interação reativa, que normalmente se dá entre o homem e a máquina, na qual esta última pode, a partir de ações pré-programadas, apenas reagir a estímulos ou inputs gerados pelo interator humano genuinamente inteligente. Assim, é possível visualizar a diferenciação que se impõe entre os games e as outras mídias mais antigas. Contudo, como uma narrativa pode se desenvolver numa mídia interativa sem ser prejudicada por ela nem prejudicá-la? É preciso manter em mente que, diferentemente das narrativas em hipertexto, os games apresentam uma característica de navegação num mundo virtual, o que possibilita a construção da narrativa interativa de 7

Definição apresentada no workshop The methodology of Interaction realizado em Seillac na França no ano de 1979 (JENSEN, 1998).

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uma maneira completamente nova. É o que Jenkins (2003) chamou de Narrativa Ambiental (Environmental Storytelling), que diz que um game é capaz de contar uma história através do espaço navegável do jogo. Isso evidencia o fato de que os videogames podem desenvolver narrativas de uma maneira exclusivamente sua, irreplicável por qualquer outra mídia. Analisaremos, pois, a reconfiguração da linguagem narrativa dos games a partir do viés da interação e da interatividade, ou seja, como, ao longo do tempo, a linguagem se transforma e se adapta para fazer funcionar de maneira fluida uma narrativa interativa. A Evolução de uma Linguagem Há divergências quanto à data mais adequada, mas acreditase que o primeiro videogame tenha surgido em 1958 quando William Higinbotham criou, a partir das linhas luminosas de um osciloscópio, um pequeno jogo de tênis batizado de Tênis para Dois (Tennis for Two)8. Desde então até os dias atuais os games evoluíram pra se tornar uma mídia reconhecida e uma indústria bilionária. No entanto, os primeiros jogos eram rudimentares e possuíam gráficos muito simples. Em verdade, estes jogos tinham gráficos analógicos resultantes da manipulação direta do sinal de vídeo (MONTFORT; BOGOST apud DA LUZ, 2010, p. 80). O primeiro jogo digital só surgiria de fato com a introdução do microprocessador nos arcades com o jogo Gunfight, em 1975 (DA LUZ, 2010, p. 82). Havia, mesmo assim, grandes limitações gráficas e os avatares 8

Noah Wardrip-Fruin falando do livro Media Archeology em um post no blog Expressive Intelligence Studio, sugere datas ainda mais antigas que esta para o surgimento do primeiro videogame. Disponível em < http://eis-blog.ucsc. edu/2011/08/first-digital-lit-first-video-game/#more-2735>.

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dos jogos se limitavam muitas vezes a veículos como naves espaciais e tanques de guerra, quando não a elementos completamente abstratos, pois eram mais fáceis de serem representados. Isso dificultava a criação de histórias mais complexas nos jogos, uma vez que tornava praticamente impossível a criação de personagens com personalidades com as quais um jogador pudesse se identificar. Em outro trabalho, Jesper Juul (1998) coloca que na verdade muitos jogos não necessariamente contam histórias, mas possuem um “enquadramento narrativo” (narrative frame) que dá sentido a ação do jogo e se apoia nos ícones representados na tela. Certamente esse é o caso da esmagadora maioria dos jogos das primeiras décadas. Veja por exemplo Space Invaders (1978) cujos estranhos seres que vagarosamente se aproximam do chão sugerem uma história de invasão alienígena, ou mesmo Donkey Kong (1981) cujo protagonista Jumpman (que futuramente viria a se tornar o famoso personagem Mario) deveria derrotar o vilão e salvar a princesa. Essa relação com as narrativas era ainda bastante superficial. Contudo, à medida que a capacidade de processamento dos computadores aumentava, crescia também a complexidade visual dos personagens e ambientes dos jogos e por consequência a complexidade destes mesmos jogos e de sua relação com as narrativas. Cutscenes Talvez o grande salto narrativo nos jogos, que lhes possibilitou contar histórias, de fato, tenha se dado com a introdução da Cutscene. Utilizada num game pela primeira vez em Space Invaders part II (1979) (GUINESS WORLD RECORDS GAMES, 2008, P. 107), embora de

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forma rudimentar, trata-se de um curto trecho em animação (2D ou 3D dependendo do jogo), sobre o qual o jogador não detém nenhum controle, que aparece entre os momentos de ação ou de interação, geralmente ao término de uma fase, e que serve para narrar acontecimentos ou ações que não condizem com a jogabilidade do jogo. Segundo Richard Dansky: Cut scenes dizem respeito a filmes dentro do jogo – seções de vídeo não-interativo às quais o jogador assiste. Algumas são prérenderizadas para um alto nível de acabamento visual, enquanto outras são produzidas a partir da engine do jogo para criar continuidade visual. De todo modo, cut scenes se referem a eventos ou conversas às quais o jogador senta e assiste (comumente) sem interação. [...] Na melhor das hipóteses, o jogador pode olhar ao redor durante uma cut scene, mas, geralmente, trata-se de um pequeno filme ao qual o jogador assiste9 (DANSKY, 2007, p. 5).

Cutscenes servem a vários propósitos: impulsionar a narrativa; oferecer ao jogador uma motivação para ser compartilhada com o protagonista; funcionar como recompensa para um desafio superado. Seu uso nos jogos das primeiras gerações pode ser compreendido como uma forma de suprir uma necessidade de contar histórias que os jogos sempre demonstraram, visto que muitos deles apresentavam enquadramentos narrativos, mas que devido às limitações tecnológicas da época, acabavam impossibilitados de fazê-lo de outra maneira. A questão é que sempre se criticou as cutscenes como sendo um recurso cinematográfico, um filme curto, que pouco fazia no sentido de oferecer uma experiência própria dos jogos eletrônicos, ou seja, uma experiência interativa. Ora, tirar de uma mídia o que ela tem de mais distinto, é ir de encontro à sua própria natureza. 9

Tradução do autor.

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Rune Klevjer (2002), no entanto, defende o uso de cutscenes nos jogos argumentando que estas funcionam como um recurso de liberação da tensão instituída pelo gameplay e acrescenta, além das já citadas, as funções de fornecimento de informação visual e de construção de suspense juntamente com a criação de uma ação na qual o jogador será lançado. Até hoje muitos jogos fazem uso de cutscenes como forma de veicular ações dramáticas que não cabem na jogabilidade e como forma de contextualizar ou justificar as ações que o jogador deve desempenhar. No entanto, uma variação das cutscenes quase tão antiga quanto as mesmas, também desempenha um papel importante nesse quesito. Quick Time Events Quick Time Events (QTEs) ou eventos de tempo rápido são eventos ou cutscenes, se assim se quiser chamar, nas quais símbolos referentes a botões específicos do joystick surgem durante alguns segundos na tela juntamente com a ação que se desdobra (Figura 1), sem interrompêla, botões esses que, quando ou se apertados, levam o protagonista a desempenhar ações que influenciam o desenrolar da cena. Figura 1 – QTE no jogo Heavy Rain (2010).

Fonte: http://www.gamespot.com.

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Para visualizar melhor, imagine uma cena simples na qual o par romântico do protagonista acaba de se declarar para ele. Sem que haja pausas, o símbolo de um botão surge e permanece durante, digamos, três segundos na tela com a informação “beijar” ao seu lado. Caso você decida pressionar o botão referido antes que este suma, o protagonista beijará a dama, caso você não o faça, o beijo não ocorre e a dama ficará desapontada e irá embora embaraçada. Dizemos que QTEs são uma variação das cutscenes porque também se tratam de um trecho de vídeo ou animação no qual, em momentoschave, é possível fazer escolhas através do apertar de botões, desta forma alterando o curso deste mesmo vídeo. Neste sentido, Quick Time Events guardam estreita relação com os antigos livros Choose your own adventure10, pois, assim como estes, permitem que a história se ramifique a partir das escolhas feitas pelo jogador. Segundo acepção corrente11, a primeira aparição de QTE num game se deu em Dragon’s Lair (1983). Na verdade, Dragon’s Lair é muito mais uma animação interativa do que um videogame propriamente dito, pois o jogador não detém real controle sobre o avatar e sua navegação no espaço do jogo. Na verdade, trata-se de uma série de trechos em animação 2D (só possíveis graças à tecnologia do Laserdisc12) ao longo das quais o 10

Famosos na década de 1980, mas cujas origens remontam à década de 1940 com “O Jardim dos Caminhos que se Bifurcam” de Jorge Luís Borges. 11

Há referências a jogos mais antigos como The Driver (1969) que também faziam uso de cenas pré-filmadas cujos movimentos apresentados na tela deveriam ser reproduzidos pelo jogador. Disponível em . 12

Dragon’s Lair apresenta belíssimas imagens em 2D tal qual os desenhos da Disney, mesmo porque seu idealizador, Don Bluth, era um ex-animador da Walt Disney Studios (HOLLYWOOD GOES GAMING, 2007).

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jogador era solicitado a fazer escolhas que modificavam a narrativa. Sua aproximação com os videogames se deu principalmente pela sua veiculação em arcades. Após essa aparição, alguns jogos de arcade como Cliff Hanger (1983) e Space Ace (1984), também fizeram uso deste novo recurso narrativo e de jogabilidade ainda sem nome definido. Em seguida esse recurso precursor dos QTEs caiu em desuso e só veio ressurgir em 1999 com o jogo Shenmue de Yu Suzuki (ROGERS, 2010, p. 184), responsável por cunhar o termo Quick Time Event (ROGERS, 2011) e por estabelecer sua forma moderna (com a representação gráfica dos botões do joystick). Desde então, muitos jogos modernos têm feito amplo uso desse recurso, existindo, inclusive, jogos cuja jogabilidade baseia-se majoritariamente no mesmo, como é o caso de Heavy Rain (2010). No que diz respeito à interação, QTEs se diferenciam de cutscenes, pois acrescentam a questão da escolha, dando um passo a mais na direção de uma experiência genuinamente própria dos jogos. No entanto, uma crítica que se faz ao uso de QTEs é o fato de que frequentemente elas acontecem em momentos onde o jogador poderia ele mesmo realizar a ação. Essa prática é na verdade, uma tentativa de oferecer uma experiência mais cinematográfica àquele momento do jogo, com mudanças de ângulo e enquadramento. Outras vezes, os QTEs oferecem alternativas que não são necessariamente as que o jogador gostaria de escolher, causando um paradoxo: ao mesmo tempo em que oferece liberdade, restringe essa mesma liberdade de maneira deliberada e palpável. Isso acaba por tomar a autonomia do jogador, o que se converte muitas vezes em frustração.

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Scripted Events O ponto de vista aqui defendido e que nos parece lógico a partir do que foi visto até agora, é que para alcançar um nicho narrativo exclusivamente seu, um jogo jamais deve retirar do jogador a possibilidade de interação, pois no momento em que o faz, deixa de ser jogo e torna-se outra coisa. Assim, num game uma história deve ser contada não através de cutscenes ou QTEs, mas através do gameplay ou jogabilidade. Partindo desse pressuposto, uma solução elegante para este problema encontra-se na utilização do que se passou a chamar, no âmbito do game design, de Scripted Event (Evento Roteirizado). Trata-se de um recurso no qual um jogador ao atingir determinado ponto do espaço do jogo, ou mesmo após determinado espaço de tempo, ou ainda após a realização de determinada ação, ativa uma sequência de ações pré-programadas que se desenrolam diante do jogador sem, no entanto, retirar-lhe a capacidade de interagir. O jogador pode, então, acompanhar os eventos que se desdobram, algumas vezes podendo, inclusive, interrompê-los ou altera-los. Por exemplo: em Half-Life 2 (2004), após ser nocauteado por um grupo de inimigos, o protagonista é acordado por uma mulher. Em seguida, quando o protagonista já está de pé, a mulher começa a conversar com ele enquanto se dirige a um elevador, aperta o botão para abrir a porta e aguarda que o jogador conduza o protagonista até o interior do mesmo. Nesse momento, se o jogador quiser, ele pode se dirigir para o lado oposto do ambiente onde se encontra, dessa forma atrasando e alterando a continuidade da cena e por consequência da narrativa do jogo, que só segue adiante quando o jogador entra no elevador. Não se sabe ao certo qual foi o primeiro jogo a utilizar scripted events. Rogers (2010), no entanto, sugere que este recurso foi popularizado

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após sua introdução em jogos como Half-Life (1998) e a série Call of Duty. Realmente, o interessante acerca deste recurso é o fato da manutenção da interação do jogador. Entretanto, é possível apontar alguns pontos que podem ser melhorados no funcionamento narrativo dos scripted events. Um deles diz respeito ao fato de que um jogo que faz uso deste recurso, a cada nova partida sempre oferecerá a mesma experiência narrativa. Assim, caso o jogador morra ou falhe em ultrapassar determinado obstáculo e tenha que refazer determinado percurso do jogo, experimentará os mesmos scripted events que presenciou da primeira vez. Outra questão é que, para que este recurso funcione de maneira plena, o jogador deve se predispor a realizar exatamente as ações que a narrativa do jogo sugere. Caso se queira fazer algo inteiramente novo, o jogo provavelmente não reconhecerá esta nova ação, consequentemente permanecendo parado ou apresentando algum defeito. Assim, apesar da maior abertura, scripted events continuam funcionando como um recurso limitador da ação do jogador. Gameplay e Inteligência Artificial Mais que somente permitir a continuidade da interação, para criar uma narrativa fluida e peculiar, os videogames devem dar ao jogador a ilusão de que funcionam de maneira independente, de que nada está necessariamente previsto, de que se pode improvisar e de que suas ações realmente geram resultados únicos e significativos, ou seja, a ilusão de interação mútua (PRIMO, 2000) que, por sua vez, resulta num sentimento de agência13. 13

Agency, em inglês, designa a “sensação experimentada por um interator de que uma ação significante é resultado de sua decisão ou escolha” (MACHADO, 2002).

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Para isso, é preciso que a história seja contada única e exclusivamente através do gameplay e que o jogo funcione segundo uma lógica de improviso. Isso, por sua vez, demanda um enorme esforço no sentido de introduzir nos personagens não controláveis pelo jogador (NPCs) e nos ambientes, uma inteligência artificial que lhes confira a capacidade de reagir de maneiras diferentes aos mesmos inputs e a inputs diferentes. Isso resulta numa simulação de personalidade por parte dos personagens que, em passando no teste do ceticismo, permite a criação de narrativas imprevisíveis e interessantes. Decerto que num videogame nada pode ser completamente imprevisível. Tudo parte inicialmente da estrutura criada pelo game designer. Se o jogador quer sair voando, mas o jogo não oferece essa possibilidade, ele jamais voará. Nesse sentido o jogador é sempre forçado a se adaptar às limitações impostas pelo jogo em maior ou menor grau. No entanto, há uma maneira de lidar com esse problema. Juul (1998) fala da relação programa/material (program/material). Para ele, o programa é o sistema de regras que fazem o jogo funcionar; o material é o conteúdo do jogo: sons, textos, gráficos, enquadramento narrativo etc. Os problemas relacionados a esse sentimento de restrição que mencionamos, acontecem quando o material do jogo faz promessas que o programa não pode cumprir. A maioria dos adventures gráficos mais antigos sofre desse problema porque o jogador pode pegar e usar alguns objetos do jogo, mas outros não. Se o material oferece a possibilidade de manipular objetos, porque o programa seleciona uns e não outros? Assim, jogos mais simples como, por exemplo, Pac-Man (1980), cujo grau de iconicidade e realismo de seus gráficos é baixo, evitam esse tipo de problema. E é baseado nesse mesmo princípio que um jogo consegue, na opinião deste pesquisador, alcançar este patamar narrativo

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exclusivo dos videogames do qual tratamos ao longo deste artigo. Façade (2005), um jogo independente criado por Michael Mateas e Andrew Stern como resultado de uma pesquisa para o desenvolvimento de um drama interativo sobre relações humanas (MATEAS e STERN, 2003), possui gráficos simples e personagens que parecem inteligentes e que se comunicam com o jogador e entre si através de palavras. A mecânica do jogo foi estruturada para funcionar através de um sistema autônomo que direciona e empurra a narrativa sempre para frente: é o gerente de drama (Drama Manager)14. Este sistema funciona como um diretor de teatro que coordena as ações e falas dos personagens o tempo todo. Mais especificamente, o sistema, a cada minuto aproximadamente, analisa o contexto do jogo e seleciona um dentre vários beats (batidas). Um beat é um conjunto de ações específicas que possui uma causa e um efeito. Dependendo do contexto que se estabeleça decorrente da interação entre personagens, jogador e objetos do jogo, o Drama Manager vai selecionando e encadeando os beats que, por trabalharem sob esta lógica de causa e efeito, se relacionam de maneira coerente uns com os outros e, quando sequenciados, geram a ação dramática.

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“Façade: An Experiment in Building a Fully-Realized Interactive Drama” (2003), de Michael Meteas e Andrew Stern, trata da estrutura e funcionamento do jogo. Disponível em

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Figura 2 – Funcionamento do Gerente de Drama no jogo Façade (2005).

Fonte: o autor

Ou seja, em Façade a narrativa é veiculada única e exclusivamente através do gameplay. Os eventos são pré-determinados, mas a chance de que em duas partidas os eventos do jogo se repitam de maneiras exatamente iguais, é mínima. Considerações Finais Alguns jogos mais atuais e outros ainda por serem lançados, têm sugerido a introdução de outros recursos narrativos que, dado seu relativo ineditismo, fugiram ao escopo desse trabalho, como é o caso, por exemplo, dos Dynamic Events (Eventos Dinâmicos): recurso que parece ter origem nos MMORPGS e que diz respeito a eventos que se iniciam Capa

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de forma aparentemente randômica e cujas causas e efeitos deixam impressões permanentes nos mundos virtuais onde ocorrem15. Defendeu-se, ao longo deste artigo, a existência de uma linguagem videogamegráfica que atingiria um nível distinto de expressão narrativa quando se propusesse a contar uma história única e exclusivamente através do gameplay, sem nunca tirar do jogador a possibilidade de interagir com o jogo. Há de se deixar claro, no entanto, que os demais recursos narrativos aqui descritos são legítimos e, quando bem empregados, cumprem o seu papel. Existem, a perder de vista, jogos belíssimos cuja narrativa é complexa e envolvente e que fazem uso, quando não de todos, de pelo menos dois desses recursos de maneira magistral. Os videogames são uma mídia em franco processo de descoberta de sua própria linguagem. O constante progresso tecnológico torna esse processo ainda mais dispendioso e, no entanto, fascinante, uma vez que cada novo processador, cada nova engine, cada nova interface abre incontáveis possibilidades a serem exploradas pelos designers. Esse processo de mudança e reconfiguração é natural e é fenômeno comumente observável nos mais diversos âmbitos da cibercultura. A diversidade e multiplicidade características da linguagem dos videogames, possibilitada pela influência multimidiática que sofre das outras formas de arte e de comunicação, vai sempre permitir, embora nem sempre seja isso que aconteça, inovações e experimentações. Entretanto, é na interatividade, principalmente, onde os games se diferenciam das demais mídias e onde encontram um espaço exclusivamente seu. 15

http://www.guildwars2.com/en/the-game/dynamic-events/dynamic-eventsoverview/

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Referências ADAMS, Ernest. Three Problems for Interactive Storytellers. 1999. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. COSTIKYAN, Greg. Where Stories End and Games Begin. 2000. Disponível em: Acesso em: 19 de out de 2011. DA LUZ, Alan Richard. Vídeo Games: história, linguagem e expressão gráfica. São Paulo: Blucher, 2010. DANSKY, Richard. In: Bateman, Chris. (ed.). Game Writing: narrative skills for videogames. Boston: Charles River, 2007. FRAGOSO, Suely. De Interações e Interatividade. 2001. Disponível em Acesso em 28 de dez de 2011. Guiness World Records Games 2008. Trad. Candombá. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008. JENKINS, Henry. Game Design as Narrative Architecture. 2003. Disponível em . Acesso em 27 de nov de 2011. JENSEN, Jens F. Interactivity: tracking a new concept in media and communication studies. 1998. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. JUUL, Jesper. Introduction to Game Time / Time to play: an examination of game temporality. 2004. Disponível em: Acesso em 25 de jan de 2011. ______. A Clash between Game and Narrative. 1998. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. KLEVJER, Rune. In Defense of Cutscenes. 2002. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. MACHADO, Arlindo. Regimes de imersão e modos de agenciamento. 2002. Disponível em: Acesso em 25 de jan de 2011.

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MATEAS, Michaele STERN, Andrew. Façade: an experiment in building a fullyrealized interactive drama. 2003. Disponível em: Acesso em 25 de jan de 2011. MURRAY, Janet. Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. Trad. Elissa Khoury Daher e Marcelo Fernadez Cuzziol. São Paulo: Unesp, 2003. PRIMO, Alex. Interação Mútua e Interação Reativa: uma proposta de estudo. 2000. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. RIBEIRO, Rennan. Pode um Jogo lhe Fazer Chorar? sobre a linguagem narrativa dos jogos eletrônicos. 2011. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. ROGERS, Scott. Level Up! the guide to great vídeo game design. New York: Wiley, 2010. ROGERS, Tim. Full Reactive Eyes Entertainment: incorporating quick time events into gameplay. 2011. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011. Documentário em vídeo HOLLYWOOD GOES GAMING. Greg Backer. 2007. Disponível em Acesso em 27 de nov de 2011.

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As tirinhas na cibercultura: a reconfiguração do gênero das mídias digitais Vítor NICOLAU1 Resumo A tirinha (ou tira diária) é um gênero jornalístico opinativo consolidado dentro das páginas de jornal e revistas. Contudo, as novas mídias vem permitindo a possibilidade de um novo espaço de criação e veiculação deste gênero, forçando-o a se adaptar à evolução das mídias digitais. Estas produções encontraram nos blogs um espaço apropriado para sua divulgação, principalmente por eles permitirem que se exerçam atividades opinativas, livres de censura e de caráter autoral. O objetivo deste artigo é mostrar como o modelo de produção das tirinhas está sendo modificado dentro das novas mídias, principalmente com a possibilidade de qualquer um criar suas próprias histórias e publicá-las dentro dos blogs. A convergência faz surgir uma nova dinâmica em que os usuários estão exigindo cada vez mais sua participação no processo de produção e distribuição de conteúdo. Palavras-chave: Tirinha. Estudo dos Gêneros. Mídias Digitais. Webcomics. HQtrônicas.

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Mestre em Comunicação (PPGC/UFPB). Professor Substituto do Curso de Design Gráfico do IFPB/Cabedelo. E-mail: [email protected]

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Introdução A tirinha surgiu e circula a mais de cem anos nos meios impressos, principalmente em jornais e revistas próprias. Mas, nos últimos anos, esse gênero dos quadrinhos ganhou um novo espaço que vem proporcionando reconfigurações em suas características essenciais: os Blogs. As tirinhas, assim como as matérias jornalísticas, adaptaram-se a este meio, sofrendo alterações de forma a questionarmos se há uma descaracterização deste gênero e se o seu discurso mantém o caráter opinativo e as características de representação do cotidiano. Consolidada dentro das páginas dos jornais como uma categoria estética de expressão e opinião sobre o cotidiano, representada por personagens que nos imitam, a tirinha sempre teve como base o humor, a ironia, a sátira, provocando reflexão, tanto em relação às trivialidades do dia-a-dia quanto diante das questões mais sérias do país e do mundo. Mas é dentro dos Blogs que a tirinha tem encontrado novo espaço, utilizando-se, inclusive, dos elementos disponíveis nas mídias digitais interativas. A agilidade e o imediatismo da tirinha, características estas também presentes nas mídias digitais, nos faz entender que elas são imprescindíveis para a construção do pensamento crítico, quando elas não se dobram a massificação e se permitem à liberdade inventiva. Ele tem sido uma das principais ferramentas do processo de convergência midiática e também um espaço para a discussão sobre as mudanças de pensamento em relação à Cibercultura. O espaço proporcionado pelos Blogs permitiu que diversos gêneros Capa

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opinativos, como as crônicas, charges e editoriais, provenientes das mídias tradicionais, ganhassem mais visibilidade e abriu a discussão sobre a existência de um gênero Blog no contexto da internet. E, através do estudo desse gênero midiático da qual o Blog pode ser compreendido, é possível operacionalizar teorias e métodos ajustados ao exame dos meios de comunicações tradicionais, como o jornal, o rádio e a televisão; além dos meios de alternativos, que atuam na construção de um cotidiano histórico fixado tanto no passado como na atualidade. Este trabalho tem como principal objetivo realizar um estudo sobre o desafio das tirinhas em coexistir, tanto no suporte impresso como no digital, sem perder a sua identidade como gênero, buscando analisar o  modo como as tirinhas estão sendo reconfiguradas nos suportes digitais e de que modo isto muda suas características, compreender como se dá a transformação do gênero a partir das suas características essenciais e identificar quais são as novas representações do cotidiano em seu discurso. 1 A construção de um novo gênero 1.1 Aprofundando os estudos de um novo gênero As primeiras divisões de gênero foram feitas por Aristóteles e a Platão, que organizaram uma distinção em três formas genéricas fundamentais: o lírico, o poético e o dramático. Este estudo, que abre caminho para todas as pesquisas de gênero realizadas posteriormente, geralmente associadas ao texto escrito ou a comunicação oral.O que percebemos hoje é um crescimento no estudo dos gêneros, principalmente aqueles relacionados aos avanços tecnológicos permitidos nas mídias digitais. Com o objetivo de fundamentar uma nova nomenclatura do gênero tirinhas publicadas nestas novas mídias e que incorporam as Capa

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suas funções a ponto de criar um novo gênero, utilizaremos a proposta apresentada por Mikhail Bakhtin na sua obra “Estética da Criação Verbal”2, ao expor sua teoria sobre os Gêneros do Discurso. Bakhtin (2000) afirma que todas as esferas da atividade humana estão relacionadas com a utilização da língua e de formas diferentes de comunicação. Esta utilização é feita através do enunciado, que reflete condições e finalidades específicas, não só pelo seu conteúdo, mas também pelo estilo e construção composicional.



Estes três elementos (conteúdo temático, estilo, e construção composicional) fundem-se indissoluvelmente no todo do enunciado, e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação. Qualquer enunciado considerado isolado é, claro, individual, mas cada esfera de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados, sendo isso que denominamos gêneros do discurso. (BAKHTIN, 2000, p. 279)

Tomando a tirinha como um enunciado, principalmente por esta conter comumente o texto escrito nas falas dos balões e ilustrações que caracterizam o personagem no momento de sua exposição oral, podemos observá-la como uma unidade composta por um conteúdo temático, estilo próprio e uma construção composicional, formando assim um tipo estável de enunciado e definido como um gênero do discurso. A variedade de gêneros do discurso é infinita devido à inesgotável diversidade da atividade humana. Cada esfera da comunicação comporta um repertório de gênero do discurso que vai se ampliando e diferenciando à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. A própria tirinha já foi considerada um subgênero dos quadrinhos, mas como defende 2

A obra foi publicada em 1979, quatro anos após a sua morte, com um material reunido pelos editores das obras anteriores de Bakhtin. A 1ª edição brasileira foi publicada em 1992.

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Nicolau (2007), ela apresenta uma suficiente gama de características suficientemente diferenciáveis para ser considerado um novo gênero. Nos seus estudos Bakhtin (2000) considera que há uma diversidade de gêneros do discurso tão grande que estes não parecem ter um terreno comum, transformando o conceito em uma ideia abstrata e distante. Para não minimizar a extrema heterogeneidade, Bakhtin leva em consideração a separação em gêneros do discurso primários, mais simples e bem definidos, e gêneros do discurso secundários, mais complexos e com desdobramentos perceptíveis em relação aos primários. Este trabalho visa o estudo de um gênero do discurso secundário em relação ao gênero tirinha. A percepção deste novo gênero definiuse mediante a própria afirmação de Bakhtin (2000) que considera a circunstância do aparecimento de um gênero do discurso secundário pela sua existência mais complexa e relativamente evoluída, a partir de um processo de absorção e transmutação de gêneros do discurso primários. Analisando este novo gênero, mediante a fusão do gênero primário tirinha e das qualidades inseridas dentro da hipermídia, como a animação, o som e os hiperlinks, percebemos que se constitui um novo gênero de característica secundária, mas como particularidades exclusivas desta sua nova composição e diferenciadas da realidade existente. Ao observarmos as tirinhas criadas e publicadas na web, percebemos um gênero com funções e condições específicas da comunicação, relativamente estável do ponto de vista temático, composicional e também de estilo próprio, não apenas individual, mas coletivo. O estilo é vinculado a unidades temáticas determinadas e a unidades composicionais, tais como: estruturação, conclusão, relação entre emissor e receptor, além dos parceiros durante a sua produção e veiculação, definido como um elemento da unidade de gênero.

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O desenvolvimento da língua é marcada pela grande variedade de gênero dos discurso, tanto primário como secundários, e a ampliação da língua acarreta na ampliação, reestrutura e renovação dos gêneros do discurso. Quando os gêneros dialogam entre si, principalmente quando surge um gênero do discurso secundário, estamos destruindo e renovando o próprio gênero, quebrando o principio monológico de sua composição, criando novas sensibilidades ao receptor e novas formas de conclusão do enunciado. Com a criação de um novo gênero, como é o caso das tirinhas incorporadas ao cotidiano das mídias digitais, as nossas noções acerca da vida verbal, da comunicação, assim como das palavras, orações e produções são ampliadas e a gramática e a estilística individual se aproximam, com uma compreensão profunda da natureza do enunciado e da particularidade dos gêneros do discurso. 1.2 Conceito de Webcomics, apresentado por Scott McCloud O quadrinista americano Scott McCloud é considerado um dos maiores teóricos dos quadrinhos, principalmente após o lançamento do seu livro “Desvendando os Quadrinhos” em 19933. Na obra, McCloud (1993) considera os quadrinhos como um gênero literário e abriu a discussão sobre como este gênero se comporta nas mídias digitais. Na sua segunda publicação, McCloud aborda os quadrinhos inseridos nas novas tecnologias de comunicação e aprofunda ainda mais a discussão do gênero quadrinho e sua importância para diversas áreas do conhecimento. O livro “Reinventando os Quadrinhos” foi lançado 3

O título original da obra em inglês é Understanding Comics, publicado pela editora HarperPerennial em 1993. A versão traduzida para o português é do ano de 2005.

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em 20004 e propôs um novo gênero para os quadrinhos: os webcomics, histórias em quadrinhos que incorporaram completamente em sua essência as inovações propostas pelas mídias digitais, tais como animação, sons, hiperlinks etc. Iremos analisar este conceito de maneira mais profunda para que a proposta de um novo gênero das tirinhas possa obedecer a parâmetros semelhantes a esta evolução proposta aos quadrinhos. A natureza das novas tecnologias da informação e da comunicação vem forçando os quadrinhos a adaptarem-se rapidamente as necessidades e desejos do usuário, servindo de mapa para o futuro do gênero. A cada ciclo de inovações, no qual premissas tradicionais tornam-se obsoletas, as HQs estão procurando explorar o seu potencial com o objetivo de evoluir para sobreviver. Hoje, com o advento da computação gráfica, a comunicação em rede e a interatividade, grande parte da produção das histórias é digital. McCloud (2006) previu exatamente o que acontece atualmente, com quadrinistas muito jovens e verdadeiros peritos digitais utilizando a web como primeiro passo para entrar no mercado, assustando os veteranos do desenho manual e os forçando a incorporar as mídias digitais em suas produções. Levando em consideração a produção e a veiculação do trabalho, McCloud divide as HQs na web de duas maneiras: os quadrinhos digitais, ou webcomics, que são aqueles produzidos como informação pura, ou seja, especificamente para a web e difundidos por esta ou por um objeto de armazenamento, como o CD-ROM; e os quadrinhos online, que são versões digitais dos quadrinhos impressos. Com a convergência midiática, como também traz Jenkins (2007), 4

O título original da obra em inglês é Reinventing Comics publicado pela HarperCollins Publishers Inc. A obra só foi lançado no Brasil em 2006.

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as distinções tecnológicas da produção e distribuição e conteúdo na wenb é cada vez mais evidente e uma diferenciação conceitual se torna mais importante que nunca. A meta dos quadrinhos é encontrar uma mutação durável que lhe permita sobreviver às inovações tecnológicas. Neste contexto, as tirinhas lutam para desafiar o status do subgênero dos quadrinhos e explorar o seu potencial comunicativo. Mesmo que a sua aparição no jornal seja por conveniência, eles lutam para fugir gestas amarrar e procuram criar algo genuinamente novo. As tiras, até mesmo aquelas muito populares, estão perdendo terreno conforme menos pessoas lêem jornais e, procurando seu espaço nas mídias digitais, encontraram o seu verdadeiro desafio no design e praticidade de suas produções. Elas utilizam um formato mais simples, com uma abordagem “tudo em um”, e explorando a solução mais óbvia para os quadrinhos digitais: usar o formato padrão da tela do computador como página. O conceito de Tela Infinita, em que a produção não é mais limitada ao número de páginas de uma, pois tem a tela do computador como suporte e o espaço virtual disponibilizado pelo seu criador permitiu que o quadrinhos e as tirinhas não se prendessem mais a um formato fixo, explorando as oportunidades e soluções de design no ambiente digital. As produções podem assumir qualquer tamanho e forma conforme o mapa temporal crescer neste novo suporte. Mesmo que o recurso de geração de paginas e quadrinhos seja infinito no ambiente digital, a tela sempre terá limitações, principalmente devido a resolução do monitores, a velocidade da conexão com a internet e a própria percepção humana que limita a visão de um todo infinito.

Mais importante, a capacidade dos criadores de subdividir seu trabalho como antes não se reduz, mas agora a “página” – o que

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Will Eisner chama de “metaquadrinho” – pode assumir assumir qualquer tamanho e formato que a cena admitir a despeito de quão estranhos ou quão simples forem estes formatos e tamanhos (MCCLOUD, 2006, p. 227-228)

No ambiente digital, para ser fiel a simplicidade do mapa temporal proposto pelos quadrinhos, muitas vezes os quadrinhos digitais eliminam o som e o movimento, mas mantém sempre a interatividade, pois ela é crucial neste tipo de mídia. E com cada avanço tecnológico, as maneiras de interagir se expandem, seja através de uma trilha sonora ativada por um clique, janela oculta ou zoom no detalhe, os quadrinhos digitais estão cada vez mais ricos em interatividade. 2.3 Conceito de HQtrônicas, apresentado por Edgar Franco No Brasil, um dos precursores dos estudos dos quadrinhos digitais é o também quadrinista Edgar Franco, que em 2004 lançou a obra “HQtrônicas: do suporte papel à rede internet”. O trabalho é resultado de uma ampla pesquisa para a sua dissertação de mestrado, que antecedeu a publicação traduzida para o português dos livros de Scott McCloud, que traziam os primeiros conceitos de webcomics. Franco (2004) batizou as produções digitais de HQtrônicas e observou diversas produções, analisando aspectos semelhantes aos de McCloud (2006). Ele percebeu que as primeiras experiências de inclusão de códigos digitais na linguagem tradicional dos quadrinhos começaram a ser feitas a partir do final da década de 1990, com a veiculação das produções em sites. Com a popularização da hipermídia, (...) muitos artistas passaram a se interessar por experimentar as possibilidades expressivas

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desse novo meio, dentre eles vários quadrinistas que trabalhavam tradicionalmente no suporte papel vem aos poucos migrando para a hipermídia, trazendo consigo todo o manancial artístico e narrativo apreendido na confecção das histórias em quadrinhos impressas, promovendo atualmente uma hibridização das linguagens das HQs com linguagens próprias de outras mídias. (FRANCO, 2004, p.145-146)

A hipermídia é uma mídia revolucionária, capaz de juntar um conjunto de formas comunicação em uma única base tecnológica comunicacional multilinear e interativa. A sua grande novidade reside na possibilidade de reunir em um único suporte o restante dos outros meios e os webquadrinistas5 vem migrando e adaptando as suas produções, realizando uma verdadeira hibridização, com produções que abarcam linguagens próprias de outras mídias, como o som e a animação, em conjunto de características próprias da hipermídia, como os hiperlinks e a interatividade. O termo HQtrônica é proposto por Franco (2004) como uma tradução livre do termo eletrônic comics. Com esta nomenclatura, ele procurou unir um ou mais códigos da linguagem tradicional dos quadrinhos, com um ou mais possibilidades da hipermídia, excluindo todas as HQs produzidas para o suporte papel e apenas digitalizadas. Os avanços das linguagens dentro das novas mídias fazem com que Franco (2004) considere este um batismo provisório, associando o termo apenas as histórias em quadrinhos. Pontos como a evolução na inclusão de animações, a diagramação dinâmica, a música e os efeitos sonoros e os hiperlinks estão ainda por ganhar uma maturidade, principalmente devido as inovações tecnológicas dos programas de criação e edição de 5

Conceito introduzido também por Franco (2004) para aqueles que produzem quadrinhos apenas para o suporte digital.

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imagens, animações, sons, 3D etc. 3 As webtirinhas, ou tirinhatrônicas ou tirinhas digitais 3.1 Conceito de Tirinha no meio Impresso A tirinha, também conhecida como tira diária, pode ser definida como uma seqüência narrativa em quadrinhos humorística e satírica que utiliza a linguagem verbal e não-verbal transmitindo, em sua grande maioria, uma mensagem de caráter opinativo. Através da utilização de metáforas, que a aproxima da sua representação do cotidiano, ela é capaz de burlar censuras e se afirmar dentro dos jornais impressos como um gênero jornalístico que apresenta as mesmas propriedades de uma crônica, artigo, editorial ou charge. Suas características básicas são definidas por Nicolau (2007), na obra Tirinha, pelo fato de ser: (...) uma piada curta de um, dois, três ou até quatro quadrinhos, e geralmente envolve personagens fixos: um personagem principal em torno do qual gravitam outros. Mesmo que se trate de personagens de épocas remotas, países diferentes ou ainda animais, representam o que há de universal na condição humana. (NICOLAU, 2007, p.25)

A tirinha é uma excelente forma de expressão no jornal e na revista. A mídia impressa precisou se diversificar e atender a diversos públicos, dando a possibilidade de o autor colocar suas vivências, experiências e problemas da vida cotidiana de forma divertida e provocativa, em uma realidade metaforizada, como no exemplo da tirinha abaixo, com os personagens Calvin e Haroldo, produzida por Bill Watterson:

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Figura 1: Calvin & Haroldo, de Bill Watterson, é um exemplo de tirinha

Fonte: WATTERSON, 2007, p. 26

Magalhães (2006) afirma que, mesmo com a economia de espaço e tempo, o humor gráfico consegue captar a atenção do leitor, muitas vezes a partir da proposta mordaz, irônica e com pluralidade de sentidos. Apesar de muitos jornais diários brasileiros praticamente ignorarem as tirinhas ou as localizarem dentro das páginas de entretenimento, o seu conceito continua fiel a sua condição de crítica e reflexão sobre a condição humana, a vida do país e o nosso cotidiano. O jornalismo ilustrado foi uma estratégia para se alcançar um maior número de leitores e os quadrinhos serviram para consolidar a ampliação do público. Sua linguagem baseada na imagem e na síntese do texto foi, mormente, um fato de sedução que contribuiu para o acesso aos jornais por um público que estava fora do círculo restrito de letrados. (MAGALHÃES, 2006, p. 9)

A agilidade e imediatismo da tirinha nos faz entender que elas são imprescindíveis para a construção do pensamento crítico, quando elas não se dobram à massificação e se permitem à liberdade inventiva. Segundo Patati e Braga (2006) na sua obra Almanaque dos Quadrinhos, as tirinhas, assim como as histórias em quadrinhos, gibis, comix e todas Capa

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as outras formas de arte sequencial estão perdendo espaço para os meios de expressão de impacto sensorial bem maior, como o cinema. Mas elas também servem de inspiração para estas mídias, que cada vez mais adotam o estilo narrativo dos quadrinhos em filmes, séries e jogos. 3.2 Conceito de Tirinha no meio Digital A nomenclatura nos quadrinhos digitais apresenta uma grande variedade de opções, de acordo com a região, o pais, a funcionalidade e os recursos utilizados na sua criação. As mais comuns são a e-comics e webcomics nos EUA, além de BD Interactive na França. No Brasil, as produções digitais já ganharam o nome de Mangá Telemático, HQ Interativa, Quadrinhos On-line, Digibi e HQnet, mas nenhuma nomeclatura consolidou-se mais do que HQtrônica, de Franco (2004). Partindo desta variedade de nomenclaturas, e compreendendo a tirinha não como um subgênero dos quadrinhos, mas uma produção de características próprias e definida como um gênero por Nicolau (2007), este trabalho agora procura conceituar uma nova nomenclatura para a produção e veiculação de tirinhas nos ambientes digitais. Com o advento das mídias digitais, as histórias em quadrinhos e as tirinhas têm encontraram na web um novo espaço, utilizando-se, inclusive, dos elementos disponíveis nas mídias digitais interativas, como considera McCloud (2006). A agilidade e o imediatismo da tirinha, características estas também presentes nas mídias digitais, nos faz entender que elas são imprescindíveis para a construção do pensamento crítico, quando elas não se dobram à massificação e se permitem à liberdade inventiva. As tirinhas estão passando por modificações e ajustes as novas mídias, utilizando o blog como principal suporte para sua divulgação.

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Agora a produção experimental é livre, ficando a critério do autor e não da formatação dos meios impressos, que tipo de estilo ele irá  seguir na transmissão da sua mensagem. McCloud (2006) considera que o intercâmbio entre os quadrinhos e as novas tecnologias já é  uma realidade e a partir destes cruzamentos uma reconfiguração do gênero tirinhas e um novo produto cultural pode estar surgindo. Edgar Franco (2004) traz a arte sequencial dos quadrinhos e das tirinhas para o contexto da web, onde podemos encontrar os principais elementos agregados à linguagem dos quadrinhos clássicos, produzidos para serem veiculado em suporte de papel, nas mídias digitais, mas alguns deles apresentam inovações, como animações, diagramação dinâmica, efeitos sonoros, narrativas multilineares e interatividade, criando um gênero hibrido com a linguagem da hipermídia. Muitas das tirinhas digitais não são mais do que adaptações das impressas, levadas para o meio digital. Por mais de cem anos as tirinhas habitaram a imprensa e hoje a mídia digital está convergindo para um único suporte: o computador. A evolução da tirinha dependerá de sua capacidade de se adaptar a este novo ambiente, que inclui tanto as novas tecnologias como os desejos do público de consumi-la. Neste contexto, os blogs têm sido a principal plataforma de divulgação das tirinhas digitais. Eles proporcionaram que novos desenhistas expusessem seus trabalhos, sem depender, por exemplo, dos conhecidos Syndicates, que se encarregavam de espalhar tirinhas para jornais e revistas de todo o mundo, e selecionavam previamente as tirinhas que pareciam ser mais mercadológicas, assim como influenciavam o modelo de produção dos artistas. O blog, segundo Oliveira (2010), é uma das principais ferramentas do processo de convergência midiática e também um espaço para a discussão sobre as mudanças de pensamento em relação à Cibercultura. Capa

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Inúmeros debates, palestras e discussões on-line são travados diariamente por blogueiros e seus públicos, graças às possibilidades geradas pela web 2.0 e a facilidade na conexão com a internet. Em 2008, o Technorati6 – um mecanismo de busca especializado em blogs - divulgou que possui mais de 133 milhões de blogs cadastrados em seu sistema, desde 2002, com quase um milhão de informações cadastradas por dia. O blog tornou-se uma importante ferramenta como fonte de informação, entretenimento e opinião livre. Mesmo que a veiculação das tirinhas esteja cada vez mais simples, a produção ainda exige o domínio de programas de edição de imagens, como o Photoshop, o GIMP, entre outros. Esta necessidade ainda limita que alguns usuários publiquem suas ideias e faz da tirinha, mesmo que nas mídias digitais, um gênero com autores reduzidos. Contudo, alguns sites estão desenvolvendo softwares que permitem a todos aqueles que tenham boas ideias criar tirinhas de maneira simples e rápida. Bons exemplos são o StripGenerator7, o ToonLet8, o ToonDoo9, StripCreator10 e o Pixton11, último este com suporte em português. Alguns sites ainda possibilitam, além das tirinhas, a criação de algumas histórias com animações ou histórias animadas, como é o caso do Go!Animate12. 6

http://technorati.com/blogging/article/state-of-the-blogosphere-introduction/

7

http://stripgenerator.com/

8

http://toonlet.com/

9

http://www.toondoo.com/

10

http://www.stripcreator.com/

11

http://pixton.com/br/

12

http://goanimate.com/

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Figura 2: Exemplo de Tirinha extraído do StripGenerator, do usuário sulegnA

Fonte: http://stripgenerator.com/strip/532359/miss-tittletale-monster-tits/

Os programas de edição de tirinhas disponibilizados nestes sites são bastante simples e todos eles acompanham tutoriais que explicam a usuários leigos como criar suas próprias tirinhas. Eles disponibilizam a opção do usuário salvar a sua produção ou um link com um código para ser copiado e colado diretamente dentro do blog. Os próprios sites também abrem espaço para a veiculação das tirinhas produzidas a partir dos seus sistemas, com galerias divididas por temas, língua, data etc.

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No Brasil, destaca-se o site da Máquina de Quadrinhos13, criado por Maurício de Sousa durante a comemoração de 50 anos da Turma da Mônica em 2009. Na página você pode criar histórias da Turma da Mônica e as melhores são publicadas em revistas e gibis. Figura 3: Tirinha do site Máquina de Quadrinhos, do usuário Sol & Lua

Fonte:http://www.maquinadequadrinhos.com.br/HistoriaVisualizar. aspx?idHistoria=442948#

As grandes empresas produtoras de quadrinhos também não ficaram de fora. A Marvel lançou o site The Superhero Squad Show14 onde qualquer um pode criar tirinhas utilizando os personagens da Marvel, como Homem de Ferro, Hulk, Wolverine, com feições infantilizadas. Com a produção de tirinhas cada vez mais simples e acessível, além da facilidade de sua divulgação, uma nova geração de produtores está surgindo, com novas ideias e cada vez mais interessados em explorar as potencialidades das novas tecnologias das mídias digitais. Considerações Finais As tirinhas são um gênero jornalístico opinativo consolidado 13

http://www.maquinadequadrinhos.com.br/

14

http://superherosquad.marvel.com/

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dentro das páginas de jornal e revistas, principalmente devido ao seu caráter crítico e metafórico. Com o surgimento das novas tecnologias, não só a tirinha, mas todos os outros gêneros tiveram que se adaptar para acompanhar a rápida evolução das mídias digitais, encontrando novas formas de produção e veiculação, nunca antes vistas e exploradas. A convergência está longe de um fim. Cada dia surgem novas formas de se comunicar na web, com novos níveis de interação e modelos de negócios, com os consumidores cada vez menos passivos e extremamente barulhentos, exigindo a sua participação nesta cultura da convergência. Como Jenkins (2008) define, chegamos à era dos usuários, com produtores culturais cada vez mais descentralizados em relação aos grandes meios de comunicação, interessados não apenas em assistir, mas em participar e compartilhar. Uma verdadeira mudança no modo como consumimos os meios de comunicação. As novas tecnologias estão reduzindo o custo de produção e de distribuição, possibilitando que novos produtores surjam, procurando uma melhor forma de expor suas ideias. E com a produção ao alcance de todos, quem é que não vai querer produzir também? O que ocorre na atualidade é uma valorização das boas ideias, possibilitando que estruturas simples, mas bastante criativas, tenham sucesso dentro da internet. As tirinhas e os seus produtores estão se aproveitando muito bem das possibilitas proporcionadas por estas novas tecnologias e se firmando como uma forma de expressão típica das mídias digitais. A sua produção não está mais privilegiada nas mãos de poucos. As ferramentas de criação e veiculação das tirinhas proporcionam ao usuário criar uma forma de arte sequencial sem precisar saber desenhar ou dominar os programas complexos de edição de imagem. Basta ter apenas uma boa ideia. O teor crítico e metafórico das tirinhas não está perdendo espaço

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com estas novas produções. Elas não deixaram de ser uma representação do nosso cotidiano e são consideradas, assim como as outras formas de produção nas mídias digitais, como uma forma de democratizar a comunicação e exercer o direito de livre expressão. O processo de criação na web tornou-se mais divertido e significativo. Estamos descobrindo novas estruturas de narrativas, aproveitando as lacunas deixadas pela indústria de produção de conteúdo. A internet é um lugar de experimentação e inovação, um espaço criado pelos próprios usuários e as tirinhas são o exemplo dessas novas possibilidades criação e veiculação nas mídias digitais.

Referências BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2000. FRANCO, E. S. HQtrônicas: do suporte papel à rede internet. São Paulo: Annablume, 2004. JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. MAGALHÃES, Henrique. Humor em pílulas: a força criativa das tiras brasileiras. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2006. McCLOUD, Scott. Reinventando os Quadrinhos. São Paulo: M. Books, 2006. NICOLAU, Marcos. Tirinha: a síntese criativa de um gênero jornalístico. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2007. OLIVEIRA, Ricardo. Blogs: cultura convergente e participativa. João Pessoa: Marca de Fantasia, 2010. PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio. Almanaque dos quadrinhos: 100 anos de uma mídia popular. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. WATTERSON, Bill. O mundo é mágico: as aventuras de Calvin & Haroldo. Tradução de Luciano Vieira Machado. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2007.

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