RAYWARD, W.B. the Origins of Information Science and the International Institute Of

October 20, 2018 | Author: Anonymous QMFYEGcfZ7 | Category: Museum, Information, Science, Information Science, Libraries
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Pós-Graduação em Ciência da Informação e Documentação – ECA/USP – 1º sem./2004

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TEXTO ORIGINAL RAYWARD, W.B. The origins of Information Science and the International Institute of Bibliography/International federation for Information and Documentation (FID). Journal of the American Society for Information Science, Science, v.48, n.4 , p.289-300, 1997.

TRADUÇÃO LIVRE DE MARCOS ZARAHI  As Origens da Ciência Ciência da Informaçã Informaçãoo e do Instit Institut utoo Interna Int ernaciona cionall de Bibliografia/Federação Internacional para Informação e Documentação ( FID ). W.BOYD RAYWARD Faculdad Faculdade e de Estudos Estudos Profissiona is, Univ Uni versidade rsi dade de 2052 20 52 NSW, NSW, Aus Aus trál trália ia.. Email: [email protected]

1. Este artigo sugere que as idéias e práticas abrangidas pelo termo  “docum  “documenta entação”, ção”, introduzido introduzido por Paul Paul Otlet e seus colegas para descrever o trabalho do Instituto Internacional de Bibliografia, posteriormente FID, criado em Bruxelas em 1895, constituiu uma nova “formação discursiva”, parafraseando Foucault. O uso atual da terminologia especial da Ciência da Informação não pode obscurecer o fato de que os principais conceitos da Ciência da Informação, como nós hoje entendemos esse campo de estudo e pesquisa, – os sistemas técnicos e atividades profissionais sobre os quais se baseiam – já estavam implícitos e operacionalizados quando foram criados dentro do Instituto Internacional de Bibliografia, em 1895 e nas décadas seguintes. Essas idéias e práticas para serem discutidas hoje deveriam ser rubricadas como informação tecnológica, recuperação de informação, estratégias de busca, centros de informação, serviços de informação pagos, base de dados online, software de gerenciamento de banco de dados, redes acadêmicas de comunicação, multimídia e hipertexto, e até mesmo a moderna e difusa noção de "informação". O artigo argumenta que importantes aspectos das origens da Ciência da Informação, como como nós hoje a conhecemos conhecemos nos nos EUA e em todos os países de língua anglosaxônica, estavam contidos ou tornaram-se uma extensão da formação

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discursiva que nós temos chamado de  “docum  “documenta entação”. ção”.

Introdução

2. À primeira vista, é curioso discutir a história da Ciência da Informação em termos de criação de uma organização internacional na Bélgica, em 1895, uma organização com a qual os países de língua inglesa tiveram muito pouco contato. Principalmente porque, segundo o que nos é dito, o termo Ciência da Informação foi usado pela primeira vez somente em 1955 ( Shapiro, 1995 ). Mas, até mesmo um rápido exame da história e atividades do Instituto Internacional e do Escritório de Bibliografia sugere sua importância fundamental no desenvolvimento do que nós agora denominamos de Ciência da Informação. 3. O Escritório e o Instituto eram organizações muito próximas. O Escritório foi subsidiado pelo governo belga, sendo seu primeiro responsável legal, e funcionou, essencialmente, como centro administrativo do Instituto. Para facilitar a referência aqui, ambas as organizações serão genericamente denominadas simplesmente como Instituto ou IIB. Elas foram criadas para apoiar novos sistemas para explorar as potencialidades inerentes às tecnologias de informação daquele

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tempo. Durante um período de cerca de 40 anos houve uma interessante interlocução entre o desenvolvimento efetivo do sistema, que pode ser descrito como a extrapolação hiperbólica dos sistemas existentes à época – a idéia de grande sistema proposta por Paul Otlet em diferentes lugares (ver Rayward, 1990) – e a elaboração gradual de uma estrutura teórica razoavelmente sofisticada dentro do qual os sistemas foram originalmente criados atingindo suas expressão completa na obra de Otlet Traité de Documentation (Otlet, 1934). Essa construção teórica envolveu novas linhas de observação e discussão sobre aspectos do mundo do conhecimento, livros, bibliotecas e da infraestrutura social dos quais eles faziam parte. Essa complexa interação dos sistemas e a racionalização vigente nos permitem falar, de acordo com Foucault, da existência de uma nova formação discursiva (Foucault, 1972). Uma “formação discursiva”, para a qual, incorporando o próprio neologismo criado por Otlet, e para facilitar a referência, o termo transitivo  “docum  “documentação” entação” é útil útil.. 4. Essa nova “formação discursiva” envolveu a divulgação de novas idéias, a identificação do que foi denominado de novo fenômeno, mudanças nas práticas de linguagem, e especialmente, a elaboração de uma nova terminologia. Isso também suscitou a criação de novas estruturas formais de comunicação individual e o desenvolvimento de novas ferramentas e técnicas para o  manuseio de informações. A emergência desse fato encontrou expressão formal num volume considerável de publicações especiais, freqüentemente mistas, que iam desde de manuais práticos e guias, discussões teóricas e declarações polêmicas (Code, 1910; La Fontaine e Otlet, 1895; Manuel, 1904-1907; Otlet, 1896, 1920, 1934; Rules, 1896). A não utilização, naquela

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época, da atual terminologia específica da Ciência da Informação não pode obscurecer o fato de que os seus principais conceitos, como nós hoje entendemos esse campo de estudo e pesquisa, – os sistemas técnicos e atividades profissionais sobre os quais se sustentam – já estavam implícitos e sendo operacionalizados quando foram criados dentro do Instituto Internacional de Bibliografia, em 1895 e nas décadas seguintes. Ou seja, os aspectos importantes das origens da Ciência da Informação como nós hoje a compreendemos já estavam contidos ou tornaram-se uma extensão da formação discursiva que nós designamos por  “docum  “documentação” entação”.. 5. Neste artigo, então, examinaremos idéias e práticas desenvolvidas por Paul Otlet e seus colegas no contexto de seus trabalhos no e por meio do IIB. A discussão está limitada ao período no qual Otlet estava em atividade e o Instituto desfrutava de grande prestígio, de 1895 até o início dos anos 30. As idéias e práticas que aqui serão discutidas, receberiam hoje as rubricas de informação tecnológica, recuperação de informação, estratégias de busca, centros de informação, serviços de informação pagos, base de dados online, software de gerenciamento de banco de dados, redes acadêmicas de comunicação, multimídia e hipertexto, e até mesmo a moderna e difusa noção de "informação". 6. Nossa discussão está dividida em duas partes. Na primeira, descreveremos os sistemas e esquemas organizacionais efetivamente desenvolvidos. Na segunda parte, discutiremos algumas das idéias mais especulativas que Otlet formulou no curso de seu trabalho no IIB e nas outras organizações dos quais participava. Em ambas as partes, tentaremos demonstrar como o trabalho quanto as idéias

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antecipam as preocupações atuais da Ciência da Informação e do desenvolvimento de sistema.  Assim, concluímos que, por incrível que pareça, uma aventura bibliográfica iniciada na Bélgica perto do final do século XIX, pode ser considerado, em retrospectiva, um aspecto importante no desenvolvimento histórico da Ciência da Informação nos EUA e em qualquer outra parte a partir de meados do século XX. 7. Um comentário nessa linha exige duas ressalvas. Primeira, deve-se observar que o termo “documentação” aqui utilizado vai além das definições correntemente aceitas. Essas se restringem historicamente aos aspectos de atividades específicas da biblioteconomia e do manuseio de informações científicas e tecnológicas. Otlet dá um sentido muito mais amplo por “documentação” e  “documento” do que tem sido compreendido pelos que se autodenominam de “documentalistas”, seja antes ou depois da II Guerra Mundial (Farkas-Conn, 1990; Richards, 1988). O moderno movimento “documentalista” representa um interessante processo de aproximação, focalização e institucionalização de idéias gerais anteriores bastante genéricas, um processo que requer estudos posteriores e mais aprofundados para que possa propriamente ser compreendido Nosso desafio é retornar às idéias originais de Otlet para podermos analisar algumas de suas implicações no desdobramento da disciplina ou no conjunto de disciplinas que nós denominamos de “Ciência da Informação”. 8. Segunda, não é nossa intenção reivindicar exageradamente o caráter precursor das idéias gerais e das tentativas de desenvolvimento de sistemas aqui relatados para os desdobramentos ocorridos

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posteriormente. Nosso propósito não é o de apresentar uma série de materiais e vínculos causais entre o que é discutido aqui e os desdobramentos modernos aos quais são comparados −  hipertexto, internet, tecnologia moderna da informação, entre outros. Não pretendemos estabelecer uma continuidade linear e simples entre o passado e o presente. Na verdade, as descontinuidades nesse caso representam um desafio especial (Buckland, 1995) − caso contrário, que importância teria agora um artigo como este visando recuperar algum conhecimento sobre "Documentação" européia no   fin-de-siècle  e início do século XX? Estamos, contudo, intrigados com a aparente recorrência de idéias através das gerações e períodos históricos e com o surgimento em diferentes épocas de um desejo intrigantemente similar e, ao mesmo tempo, necessariamente diferente, de tentar atender a determinadas necessidades de "informação" socialmente constituídas. Esse desejo se expressa, em parte, em termos de − e na tentativa de explorar − tecnologia existente e, a partir dela, projeções criativas. Subjacente ao que apresentamos aqui estão questõeslimites, questões profundas, sobre as mudanças que ocorreram na formação e na expressão do papel da informação na sociedade e sobre o desenvolvimento gradual de uma infraestrutura de informação complexa e em transformação, por meio da qual foi proporcionado o apoio para as práticas sociais evoluídas associadas à identificação e administração da informação. Exploramos por meio de uma espécie de projeção retrospectiva − ou retroprojeção −  a maneira como poderíamos usar nosso entendimento da relação atual entre infraestrutura da informação e trabalho intelectual para ajudar a dar sentido e estrutura ao passado. Complementarmente,

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exploramos as contribuições singulares de Otlet a essa relação, dentro do contexto diferente de seu tempo, a fim de aperfeiçoar nosso entendimento atual.11 Parte 1: Sistemas e esquemas organizacionais.  A fundação do IIB

9. Em 1891, Paul Otlet, um jovem advogado belga, uniu-se à Sociedade para Estudos Sociais e Políticos que havia sido recentemente fundada em Bruxelas. Um colega, com prestígio na área de arbitragem internacional, Henri La Fontaine, dirigia o programa bibliográfico da Sociedade. La Fontaine, que presumimos Otlet já conhecia, era cerca de 15 anos mais velho do que Otlet. La Fontaine era um homem de ambições políticas e, em 1895, conquistou uma cadeira no Senado belga a qual ocuparia por aproximadamente 30 anos. Além disso, seu trabalho para o movimento internacional pela paz lhe conferiu o Prêmio Nobel da Paz em 1913. Otlet assessorou La Fontaine no trabalho da seção bibliográfica da Sociedade e, em 1893, eles mudaram o nome da Sociedade para Escritório Internacional de Bibliografia Sociológica. Durante esses anos Otlet estudou detalhadamente as ferramentas e os serviços bibliográficos existentes e, em conjunto com La Fontaine, aumentou consideravelmente a experiência prática em questões de cooperação e padronização na preparação de publicações bibliográficas (Rayward, 1975). 10. Pensando sobre o que ele, desde cedo, concluiu ser o estado desordenado 1

 Geof Bowker da Universidade de Illinois contribuiu com uma crítica contundente e estimulante levando-me a acreditar que seria necessário fazer esses esclarecimentos.

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da literatura e das ciências sociais e sobre o que seria necessário, em termos bibliográficos, para dar a essas ciências a ordem, o rigor, e a cumulatividade das ciências naturais, Otlet começou a formular algumas idéias interessantes. Imaginou que ao separar o conteúdo de um livro de seu autor e de sua intenção autoral, seria capaz de extrair sistematicamente dos livros tudo o que representasse uma nova contribuição para o conhecimento. Essas informações poderiam então ser acumuladas em fichas e essas fichas agrupadas de forma a refletir as afinidades envolvidas em cada assunto. As fichas separadas foram uma ferramenta fundamental para o sistema tecnológico idealizado por Otlet. Elas permitiam "preenchimento contínuo e qualquer tipo de manipulação voltada para a classificação". Mas era preciso algo mais: uma classificação, ou "descrição sinóptica bastante detalhada do conhecimento", que servisse de base tanto para o agrupamento das fichas nos moldes de um catálogo quanto para a organização do trabalho cooperativo de compilação do catálogo realizado pelos estudiosos (Otlet, 1892, pp.18,19). Ao que parece, em 1982, quando Otlet escreveu "Algo sobre Bibliografia", esse tipo de classificação não estava disponível. 11. Quando encontrou acidentalmente uma cópia da Classificação Decimal de Melvil Dewey, em 1895, essa situação mudou. Conta a história, embora provavelmente não seja verdade, que após um encontro da Associação Britânica para o Desenvolvimento da Ciência (British Association for the Advancement of Science), enquanto viajava de bicicleta pela costa sul da Inglaterra, Otlet deparou-se com um artigo de jornal sobre a classificação (Rayward, 1975, p.41). O detalhamento e a abrangência da classificação sugeriu aos dois amigos que

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essa poderia ser a base para o desenvolvimento não apenas um catálogo de literatura jurídica ou de ciências sociais, mas de um verdadeiro catálogo universal de todo o conhecimento. No terceiro trimestre de 1895, com o patrocínio do teórico social e proeminente industrial Ernest Sovay (uma espécie de Carnegie belga) e com o apoio oficial do governo da Bélgica (Otlet e La Fontaine eram extremamente bem relacionados nas esferas social e profissional e, poucos meses antes, La Fontaine assumira uma cadeira no Senado), Otlet e La Fontaine organizaram a primeira Conferência Internacional de Bibliografia − realizaramse cinco conferências antes da I Guerra Mundial: 1895, 1897, 1900, 1908 e 1910 (Rayward, 1975, vários). A partir das sugestões contidas em um documento para discussão preparado pelos dois (La Fontaine e Otlet, 1895), a conferência decidiu criar o Instituto Internacional de Bibliografia (International Institute of Bibliography - IIB) cuja sede em Buxelas ficaria conhecida como Escritório Internacional de Bibliografia (Office of Bibliography - OIB). O governo concordou em conferir ao Instituto status semi-oficial sob a égide do Ministério do Interior e do Ensino Público. Um extenso catálogo de fichas seria reunido no OIB graças à cooperação internacional via Instituto. O catálogo, denominado Répertoire Bibliographique Universel   (RBU) foi classificado com base na versão altamente sofisticada da Classificação Decimal de Dewey, conhecida como Classification Décimale Universelle (Classificação Decimal Universal - CDU) 12. O IIB/OIB tornou-se o centro de um extraordinário processo de aprimoramento institucional nos 20 anos seguintes. Uma série de unidades e coleções especiais foi sendo gradualmente acrescentada a seu patrimônio. Após uma importante conferência internacional realizada na

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Feira Mundial de Bruxelas, em 1910, Otlet e La Fontaine criaram a União de  Associações Internacionais (Union of International Associations), ainda em atividade. O governo belga lhes deu permissão para reunir em um único local diversos itens expostos na Feira para dar início às coleções de um Museu Internacional. O grande centro internacional que resultou desse empreendimento, e para o qual o Instituto Internacional de Bibliografia funcionou como uma espécie de núcleo físico e intelectual, foi denominado de Palais Mondial ou Palácio Mundial e, posteriormente, de Mundaneum. No início dos anos 1920, funcionou por um breve período como o que foi rotulado pomposamente de Universidade Internacional (que não passava de uma sofisticada escola de verão). O governo belga fechou efetivamente o complexo em 1934, embora o Instituto de Bibliografia e a União de Associações Internacionais, como sociedades de indivíduos interessados, tenham sobrevivido. A primeira passou por uma série de transformações até tornar-se a atual Federação Internacional de Informação e Documentação. Banco de dados e coleções: bibliografias, imagens, textos, objetos

13. O RBU cresceu rapidamente. Em 1897, continha 1,5 milhão de entradas. Dois anos mais tarde, o número era de quase 3 milhões, subindo para 9 milhões em 1912 e, finalmente, em 1930 a aproximadamente 16 milhões (Otlet, 1934, p.405). O Repertório possuía dois arquivos principais: um arquivo de autor e outro de assunto classificado, além de vários arquivos subsidiários necessários para lidar com os arquivos principais (Rayward, 1975, p. 118).

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autor e assunto.

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14. Desde o início, Otlet e seus colegas enfatizaram a importância de desenvolvimento rápido e abrangente do Repertório Bibliográfico Universal, bem como da cooperação internacional para a publicação de bibliografias em formato padrão, preferencialmente em um único lado da folha de papel e com cada entrada contendo seu número CDU. A publicação poderia então ser recortada e colada em fichas que seriam incluídas no arquivo RBU. Dois conjuntos de fichas da Biblioteca do Congresso passaram a ser enviadas regularmente a Bruxelas a partir de 1902. O Museu Britânico (British Museum) enviou seu conceituado catálogo impresso, cujo último volume foi publicado em 1899 quando foi substituído pelas listas impressas de entradas. Outros catálogos foram adquiridos, recortados e acrescentados ao banco de dados,  juntamente com uma série de bibliografias periódicas, algumas das quais criadas por associados do IIB em conformidade com as exigências do RBU.  A própria equipe do IIB fez experiências com bibliografias efetivamente publicadas em fichas (eles adotaram como padrão a ficha de 3" X 5" usada nos EUA) para que as entradas pudessem ser incorporadas diretamente ao RBU (Otlet e Vanderveld, 1906). As publicações feitas seguindo os diversos critérios padronizados pelo IIB e que foram incorporadas ao RBU foram chamadas de "Contribuições" à "Bibliographia Universalis". Isso atingiu proporções consideráveis no período anterior à deflagração da I Guerra Mundial (Rayward, 1975, capítulo 6) 15. Ao RBU se seguiram outros tipos de bancos de dados. Primeiro, em 1906, surgiu o Repertório Iconográfico Universal (Universal Iconographic Repertory), um banco de imagens onde as ilustrações eram reunidas e montadas em fichas ou folhas de papel no tamanho padrão. Em 1912 esse Repertório continha 250 mil

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itens (Rayward, 1975, p.154). Seu objetivo era dar ao RBU uma dimensão pictórica. 16. O passo seguinte foi acrescentar um arquivo de texto completo aos arquivos bibliográficos e pictóricos. Instituído em 1907, esse arquivo foi denominado inicialmente Repertório Enciclopédico de Dossiês (Encyclopedic Repertory of Dossiers) (ou arquivos) e mais tarde simplesmente Enciclopédia Documentária (Documentary Encyclopedia). O arquivo reunia materiais como panfletos, brochuras e até trechos de livros e jornais copiados a mão "relativos a todos os objetos e fatos que constituem a atividade humana em sua mais ampla extensão"(Masure, 1913, pp. 74 −  75). Em 1914, essa abordagem peculiar de enciclopédia continha 1 milhão de itens distribuídos em 10 mil arquivos separados por assunto. Muito das idéias de Otlet sobre o que poderia ser chamado de processamento de documentário centrava-se na necessidade de um novo tipo de enciclopédia multimídia dinâmica da qual o Repertório Enciclopédico de Dossiês era um protótipo. Coleções

17. Em 1906, foi criada uma biblioteca nos escritórios do Instituto, cuja sede era em Bruxelas, integrando as coleções de diversas associações internacionais e de sociedades eruditas. Recebeu inicialmente o nome de Biblioteca Coletiva das Sociedades Eruditas (Collective Library of Learned Societies) ficando posteriormente conhecida como Biblioteca Internacional. Um ano depois de sua criação, 25 grupos depositaram suas coleções na Biblioteca, que continuou crescendo até a eclosão da I Guerra Mundial. 18. Em 1910, sob a égide da nova União de Associações Internacionais, foi fundado

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universalismo.

o Museu Internacional como parte do complexo de serviços de documentação desenvolvidos no Palais Mondial. Otlet e La Fontaine montaram o programa extremamente ambicioso para o Museu, e vários catálogos de suas coleções foram publicados. Foi especialmente importante para o Museu a elaboração de gráficos e quadros sinópticos resumindo aspectos da história, geografia, ciência e dos extensos temas de internacionalismo aos quais o Palais Mondial se dedicava. O artista Alfred Carlier foi contratado pelo museu para criar grandes dioramas educacionais para complementar e amplificar os itens em exposição (Rayward, 1975, pp. 270, 295 - 296). 19. O objetivo era o inter-relacionamento desses bancos de dados e coleções por meio de métodos padronizados e comuns de organização, em especial do organizado pelo CDU, das coleções do Museu, quando adequado, e a Biblioteca (Otlet, 1920, p. 197).

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constituíam "uma verdadeira linguagem nova", e que até mesmo "seguiam as leis da lógica científica" (La Fontaine e Otlet, 1895, p.34). Foi esse potencial lingüístico que levou Otlet e seus colegas a elaborar os elementos/características sintéticos ou facetados da CDU.

Software de gerenciamento de banco de dados: a CDU

21. "Como uma classificação", observou Otlet, "a CDU precisa apresentar uma estrutura na qual as idéias possam ser sucessivamente subordinadas umas às outras de maneiras diferentes... Como uma notação bibliográfica, precisa ser uma verdadeira pasigrafia capaz de interpretar, por meio de numerais agrupados em fatores com significado separado e permanente, todas as nuanças da análise ideológico-bibliográfica" (Otlet, 1896, p. 59). O uso do termo "pasigrafia" −  um sistema de representação do conhecimento no qual os símbolos são utilizados a fim de representar idéias e coisas diretamente sem que seja necessário recorrer às palavras − nos diz muito sobre as expectativas de Otlet quanto à classificação.

20. Para Otlet, a CDU era o imenso "quadro sinóptico do conhecimento" que ele já havia reconhecido como necessário desde 1892 ( Otlet, 1892, p. 19). Mais tarde ele o descreveria como "um imenso mapa dos domínios do conhecimento" (Otlet, 1918, p. 18). A função da CDU era fornecer um código complexo para representar extensos relatórios sobre o conteúdo de documentos. Os códigos foram elaborados usando números para representar classes e divisões. Supunhase que esses códigos indicariam "os vínculos entre idéias e objetos, suas relações de dependência e subordinação, de similaridade e diferença e até sua genealogia". Otlet e La Fontaine acreditavam, ao menos durante o arroubo inicial de seu entusiasmo pela classificação, que os números da CDU

22. No período posterior a 1895, as tabelas de classificação foram desenvolvidas com a colaboração de um grande número de cientistas e estudiosos em toda a Europa, incluindo vários ganhadores do prêmio Nobel. A partir de um importante relatório teórico de Otlet, "On the Structure of Classification Numbers" (Sobre a Estrutura dos Números da Classificação) (Otlet, 1896), as características da classificação "sintética" também foram gradualmente elaboradas em uma série de tabelas auxiliares para subdivisões comuns, ou facetas, segundo bibliografia, linguagem, cronologia, ponto de vista, nome próprio e lugar, cada uma delas com sua marca ou sinal distintivo (Rayward, 1975, capítulo V). Números complexos foram criados usando sinais especiais de

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associação que permitiam adicionar aos números principais outros derivados de tabelas auxiliares para as subdivisões comuns ou de subdivisões nas próprias tabelas principais. Essas características fazem da CDU um dos precursores e talvez o mais grandioso dos sistemas modernos de classificação facetada. A primeira edição completa da classificação foi publicada como um enorme volume de mais de 2 mil páginas entre 1904 e 1907 (Manuel , 1904-1907). Essa edição incluiu vários desdobramentos e revisões que já tinham sido publicados de uma forma ou de outra a partir de 1899 e representa uma espécie de pesadelo bibliográfico (Rayward, 1975, p. 110). Essa primeira edição completa não sofreu nenhuma revisão significativa até os anos 1930. 23. A CDU era na verdade um sistema de gerenciamento de banco de dados extremamente complexo. Em razão dos diferentes tipos de arquivos que organizava pode até ser descrita como o que Carlson, no contexto de um sistema de armazenamento e recuperação de informação de hipertexto, chama de "um processador assistente: um mecanismo de recuperação (ou coleção de mecanismos de recuperação) para acesso e gerenciamento efetivos de bancos de dados" (Carlson, 1989, pp. 62-63). 24. Mas eram grandes as dificuldades para a aplicação do sistema, em especial com relação ao arquivamento e à recuperação utilizando números compostos. Onde números ou letras criam automaticamente uma ordem conhecida, uma ordem de arquivamento arbitrária tinha de ser estabelecida para sinais de associação utilizados para números compostos − pontuação e outros símbolos −  e isso era inevitavelmente difícil de lembrar. Esse problema se agravou com os diversos procedimentos adotados para apresentar números longos de forma

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abreviada. Mas, o problema de arquivamento era também um problema de busca/recuperação. Em teoria, cada elemento constituinte dos números compostos, os fatores, foi criado com o objetivo de ser recuperado e, portanto, fornecer múltiplos pontos de entrada no banco de dados para assuntos e idéias complexas. Mas quantas entradas para um único número longo e complexo deveria haver? Teoricamente presume-se uma entrada para cada fator ou componente do número composto. Mas, como demonstrou John Metcalfe, concordando com um comentário de Bradford sobre "um pequeno defeito lógico na estrutura da Classificação Decimal" (Metcaalfe, 1959, p. 33), esse tipo de flexibilidade na busca não era possível na prática, à exceção de números inteiros reversíveis em torno dos dois pontos (:). Com efeito, a tendência era a de existir apenas uma entrada por autor e outra no arquivo classificado. 25. Esse problema põe em destaque as limitações da tecnologia de ficha e arquivo disponível para Otlet e seus colegas.  Atualmente, as convenções para composição e sintetização de números da CDU podem ser utilizadas para busca com base em computador, de tal forma que elas realmente cumprem as funções para as quais foram projetadas há quase um século (e. g., Buxton, 1990). Tecnologia da informação e padrões: ficha e arquivo

26. Para Otlet e seus colegas, a criação e a organização de sistemas de acesso a banco de dados desenvolvidas no IIB dependiam de uma tecnologia da informação especial. Nós a chamamos de tecnologia de ficha e arquivo. Era também uma tecnologia de corte e colagem. Um aspecto da originalidade de Otlet como pensador, e fonte daquilo que

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desenvolveria na prática e na teoria durante um período de 30 anos, foi sua constatação de que a ficha padrão de 3" X 5" e, posteriormente, as folhas de papel soltas em tamanho padrão poderiam servir a novos tipos de uso bibliográfico. Se as fichas e as folhas de papel fossem padronizadas, principalmente no que se refere a tamanho e peso, então seria possível criar, de forma colaborativa e nesses formatos, bancos de dados em constante expansão. Isso poderia ser feito de duas maneiras. Primeira, informações substantivas ou bibliográficas obtidas de diversas fontes poderiam ser recortadas e coladas nas fichas ou folhas de papel. Segunda, os itens já publicados, em fichas ou folhas de papel no formato padrão, poderiam ser incluídas diretamente no banco de dados eliminando, assim, as operações de corte e colagem. Foram também definidos os padrões bibliográficos para preparar entradas nas fichas e folhas de papel bem como em publicações bibliográficas e outras, visando sua inclusão nos repertórios. 27. Mas as fichas e as folhas de papel tinham de ser armazenadas fisicamente.  Armários padronizados para catálogos e arquivos precisavam ser projetados e fabricados para conter os bancos de dados que estavam sendo compilados. À medida que as diversas fichas e arquivos de papel cresceram em tamanho e foram armazenados em armários apropriados, fichas divisórias de diferentes alturas e cores começaram a ser utilizadas para indicar os principais seguimentos do arquivo. Azul indicava divisões por forma, por exemplo, e o verde, divisões segundo o lugar. Além do mais, os principais elementos dos números de classificação eram registrados em tarjetas dispostas em ziguezague na margem superior das fichas divisórias. Esses recursos "expressam externamente o resumo da classificação...e reduzem ao mínimo o

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tempo de busca" (Otlet, 1918, p. 150). A fim de fornecer armários padronizados, fichário e outros itens de papelaria necessários para seus bancos de dados e para o uso de seus colaboradores internacionais, o Escritório Internacional de Bibliografia em Bruxelas transformouse em uma agência de abastecimento bibliográfico (OIB, 1897, p. 161-167; Rayward, 1974, 1975, p. 127-129) Serviços e estratégias de busca

28. Foi instituído um serviço internacional de busca por correspondência para os bancos de dados do Instituto tão logo eles foram criados, amplamente divulgados e atraíram um movimento considerável (Masure, 1913). Em 1902, os resultados das buscas eram copiados a uma taxa de 27 francos por mil fichas ou 5 centavos por ficha (Rayward, 1975, p. 132). Foram redigidas instruções para auxiliar na formulação das solicitações de busca. Foram descritas as conseqüências de recuperação de termos de busca amplos demais ou restritos demais,sugerindo-se que as solicitações fossem formuladas em termos de números de CDU. Nas Tabelas da Classificação "o grau de generalidade e especificidade de cada solicitação é determinado com exatidão pelo contex to".  A utilização dessas Tabelas induziu os pesquisadores tanto à complementação bibliográfica quanto à exatidão no uso da terminologia. No entanto, segundo a política do IIB, se uma solicitação pudesse produzir mais de 50 itens, os usuários seriam notificados desse fato "para evitar surpresas" (Communication des fiches, 1897). Por volta de 1902 as solicitações chegaram a 1.700 por ano, e os assuntos variavam desde bumerangue a finanças búlgaras e coagulação do sangue. As buscas nos arquivos prosseguiram −  seja bibliográfica, iconográfica ou de imagem − até o início dos anos 1970, quando ficaram indisponíveis.

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29. A intenção original era de que o banco de dados, em sua totalidade ou em parte, pudesse ser disponibilizado simplesmente por meio da cópia das fichas ou folhas de papel. Na prática, nessa época anterior à fotocópia ou à impressão por computador, isso era extremamente difícil. Para atender às solicitações de informações, a equipe do serviço de busca em Bruxelas precisava retirar as fichas ou outros documentos dos arquivos, copiálos e rearquivá-los manualmente. Esse processo constituía um conjunto de operações de trabalho intensivo sujeito a todos os tipos de erros, tanto na etapa da cópia quanto na de arquivamento. Além disso, os materiais enviados pelos colaboradores de todo o mundo tinham de ser colados e arquivados manualmente no banco de dados pela equipe do OIB.  As dificuldades para reproduzir e "distribuir" grandes seguimentos do RBU ficaram evidentes nas tentativas fracassadas, em 1902 e 1903, do sociólogo pioneiro e planejador urbano Patrick Geddes de obter do IIB bibliografias abrangentes sobre sociologia, educação, "aperfeiçoamento cívico e social" e "parques e jardins", e na solicitação feita parcialmente e com grande dificuldade em 1911 pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro para criar, a partir do RBU, uma bibliografia geral por assunto (Rayward, 1975, pp. 123-126). Mais uma vez, a moderna tecnologia da informação baseada em computador e nas telecomunicações reduziu grandemente o impacto desses problemas nos serviços atuais de banco de dados bibliográficos e de texto. Centro de Informação / Escritório de Documentação e Hipertexto/Hipermídia

30. Uma interessante extensão dos bancos de dados e dos serviços de busca baseada no que foi exposto anteriormente

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foi a criação no IIB, em 1907-1908, de três serviços especiais de informação que representam o que poderíamos descrever como sistemas hipertexto/hipermídia "manuais" rudimentares. Eles foram chamados de Escritórios Internacionais de Documentação para as Regiões Polares, para Caça e Pesca e para a Aeronáutica, e cada um deles foi patrocinado por diversas organizações internacionais relacionadas à sua área de interesse. Os serviços exigiram o desenvolvimento de um repertório bibliográfico abrangente em cada área de especialidade, um repertório de material ilustrado, como fotografias, desenhos e impressos e uma ampla biblioteca. Mais interessante é o fato de que para cada um deles era fundamental a criação de um repertório substantivo no qual "provas documentais serão classificadas em folhas separadas ... [esse repertório] conterá extratos de obras literárias, artigos em separado, recortes de jornais, documentos parlamentares, prospectos de estabelecimentos industriais e diversos manuscritos" (International Documentary Office of Fisheries, 1908; Rayward, 1975, p.155). 31. Um árduo trabalho manual de indexação, transcrição e extração/resumo, estava começando, de fato, nesses Escritórios. Louis Masure, secretário do IIB, presta contas da situação de suas coleções em 1912. Para citar apenas um exemplo, o Escritório Internacional de Caça tinha uma coleção de "livros, brochuras, periódicos, jornais, documentos, impressos, gravuras, mapas e manuscritos" (Masure, 1913, p.101). Leis e regulamentações de vários países foram traduzidas e interrelacionadas. Os periódicos recebidos foram indexados ao banco de dados para assuntos específicos do Escritório. Em 1912, para um único assunto, cães de caça, 63.67.1, havia cerca de mil itens em um pequeno formato documentário em seus próprios

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especialização.

Provas documentais:

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gabinetes especiais de arquivo. Havia pouco mais de 1.700 itens no grande formato documentário desta numeração que, presumivelmente, estavam agrupados em seus próprios gabinetes especiais de arquivo. Cerca de 300 itens pictóricos estão relacionados como pertencentes a essa mesma numeração no arquivo iconográfico. Além desses, existiria sob essa numeração um conjunto de fichas bibliográficas na parte classificada do catálogo (o relatório não faz a discriminação por categoria) e livros nas estantes da biblioteca. Os arquivos derivados da coleção e de livros de registro de pedigrees, mais de 21.000 itens, são sobre cães em geral e se encontravam sob a numeração 63.67 (Masure, 1913). Foi também montada uma seção especial no Museu Internacional para receber vários tipos de objetos relacionados à caça e à pesca. Ao que tudo indica uma série de gráficos e tabelas, descrevendo a natureza e a extensão dos temas pertinentes às vastas áreas de caça e pesca, conforme representados pelas associações internacionais e discutidos em congressos patrocinados por essas organizações, foi elaborada para ficar exposta junto aos artefatos conseguidos para exposição. 32. Dentro desses Escritórios, cada banco de dados − bibliográfico, iconográfico e de texto − estava implicitamente vinculado a todos os outros por meio da utilização do mesmo sistema de gerenciamento de banco de dados, CDU. Um número atribuído a uma entrada em um arquivo ligava essa entrada automaticamente a outra com o mesmo número ou com um número a ele relacionado em outro arquivo. Da mesma forma, a CDU estabelecia vínculos a materiais da Biblioteca Coletiva de Sociedades de Ensino. Havia vínculos implícitos a objetos relevantes do Museu Internacional. Em

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razão tanto da natureza hierárquica da CDU quanto do recurso das facetas era teoricamente possível, durante o processo de busca, transitar com flexibilidade entre assuntos relacionados em um arquivo específico ou através dos diversos arquivos para tipos diferentes de materiais. 33. Mas além da CDU e das marcas físicas de orientação mais restrita incorporadas aos arquivos específicos, conforme descrevemos anteriormente (fichas coloridas e tarjetas presas nas margens superiores das fichas divisórias), Otlet levantou a necessidade de outro dispositivo de navegação geral ou mapeamento para mediar a movimentação dentro e entre os arquivos. Esse dispositivo constava de uma série de diagramas e quadros sinópticos, que Otlet denominou de "atlases" no sentido de "mapas conceituais". Os "atlases" mostravam de forma visual e simplificada as intricadas relações entre os conceitos contidos nas diversas áreas de assunto. No que se refere à utilização de quadros sinópticos, diagramas, gráficos e tabelas, Otlet deu grande importância tanto à sua função educadional quanto ao seu potencial esclarecedor e estimulante do pensamento (Rayward, 1975, p. 295-6). Muitos desses quadros sinópticos e gráficos foram elaborados com o objetivo de ajudar os usuários na orientação conceitual e para condensar as relações entre os bancos de dados e as coleções no Palais Mondial ou Mundaneum. 34. A existência de todos esses tipos de arquivos, a noção de "temas/eixos temáticos/famílias de assuntos" que parece ser inerente à aplicação do princípio monográfico descrito abaixo, o sistema de nós e vínculos proporcionado pela CDU e de outros dispositivos de navegação, como os "atlases" mencionados acima, sugere que esses

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dispositivo Atlases: operador de relação.

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escritórios de documentação funcionavam como sistemas manuais, rudimentares de hipertexto/hipermídia (Rayward, 1994). Parte 2: Algumas idéias principais

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"Teórica e tecnicamente, temos agora no Repertório uma nova ferramenta para registrar dados, idéias e informações de forma analítica e monográfica" (Otlet, 1918, pp. 149 - 150). Consulta

analítica documental O

!

Princípio Monográfico : divisão intelectual de ideias.

35. Ao longo do desenvolvimento do Instituto, Otlet freqüentemente justificou, explicou e extrapolou os sistemas e procedimentos que estavam sendo implementados em uma corrente constante de publicações que apareceram durante sua vida ( para uma bibliografia completa, ver Rayward, 1990, pp. 221 243). Para Otlet, as fichas eram uma tecnologia-chave. Fichas eram essenciais a uma função especial da documentação: registrando "analiticamente" unidades de informação, partes separadas e isoladas, sejam eles bibliográficos ou substantivos. Grandes temas/eixos temáticos/grandes famílias de informação, poderiam ser registradas em folhas de papel separadas. Otlet chamava essa forma de identificação e registro de “bits” de informação, o "Princípio Monográfico". O termo monográfico foi bem escolhido, do grego, etimologicamente significa uma única peça ou unidade de texto escrito. A idéia era "separar" o que o livro amalgama a fim de reduzir tudo que for complexo a seus elementos e dedicar uma página a cada um deles. As páginas aqui são folhas ou fichas dentro do formato adotado. Otlet usa o termo "livro" em seu sentido genérico, significando texto escrito. Ele sugere que os "repertórios" − na terminologia moderna, os bancos de dados − que ele e seus colegas estavam desenvolvendo proporcionavam "um meio prático de dividir um livro fisicamente de acordo com a divisão intelectual de idéias" removendo as peculiaridades autorais que obscureciam o que era novo e importante naquilo que estava sendo apresentado.

36. Otlet também introduz um conceito de "consulta", um novo tipo de função de referência que surgiu em conseqüência dos problemas que apareceram com o crescente volume de publicações e a mudança nas práticas escolares (Otlet, 1903, p. 79). Consulta −  varredura ou folheamento −  era a rápida pergunta intencional a muitas fontes de informação para obter o bit necessário. Essas fontes continham inevitavelmente material conflitante, duplicado e incorreto. Uma das funções do novo sistema a ser implementado era a de evitar esse material problemático. A questão era como extrair a informação valiosa das formas bibliográfica ou literária específicas nas quais estava expressa. Para Otlet, as estruturas dos documentos convencionais impediam essa ação. Ele queria encontrar formas de extrair o que era valioso e útil no conteúdo do documento por meio da dissecação ou decomposição segundo o princípio monográfico. O trecho poderia depois ser reintegrado ou recomposto em repertórios ou bancos de dados numa dialética enciclopédica de análise e síntese. Na verdade, Otlet se preocupava mais com o que poderia ser chamado de recuperação da informação "real" ou fatual, do que com a recuperação a partir de um arquivo exclusivamente bibliográfico. Ele justifica sua preocupação afirmando que isso facilita um novo tipo de acesso à solicitação de informação que ele descreve como "consulta", usando um termo bem pouco elaborado. 37. Infelizmente, a extração ou deslocamento da informação necessária

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primeira instância.

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exigia, como já foi dito, uma trabalhosa transcrição manual ou as atividades de recorte e colagem. Esse último processo destruía a integridade do original e a possibilidade de outros tipos de análise, manipulação e reconstituição do texto em uma forma que ainda não havia sido antecipada. O acesso online  em máquinas que contém arquivos elimina esses problemas. Esse tipo de acesso cumpre efetivamente as exigências que Otlet havia formulado, mas que foi incapaz de conseguir no ambiente de papel e ficha em que trabalhava. Codificação e Enciclopédia

documentação vs. "biblioteca"

38. O Escritório de Documentação proposto por Otlet deveria ser um novo tipo de organização para processar e difundir informação. Já em 1903, ele sugeriu que esses escritórios "formassem anexos ou organizações complementares de bibliotecas" (Otlet, 1903, p. 84). Ele era um crítico das bibliotecas porque elas limitavam os tipos de materiais que coletavam, resistiam às inovações técnicas, inclusive a novos métodos de classificação e catalogação, e tinham um enfoque conservador do serviço de informação. Ele previa que, eventualmente, as bibliotecas seriam reformuladas e se tornariam Escritórios de Documentação −  talvez nos moldes do que hoje visualizamos como biblioteca eletrônica ou bibliotecas online . 39. O diferencial no Escritório de Documentação descrito por Otlet é que sua função primordial era a de processar a informação. Isso envolvia as tarefas, analítica, de dissecação, reordenação, restruturação e sintética, pertinentes à aplicação do princípio monográfico. Com o passar dos anos, Otlet (e.g., 1918) voltou a essa idéia expressando-a de formas distintas e em contextos diferentes.

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40. A idéia de bancos de dados elaborados de forma cooperativa e contínua, crescendo a partir de textos decompostos de "uma grande variedade de livros sobre o tema principal de cada disciplina" levou Otlet a sugerir, desde muito cedo, a possibilidade de montar o que pode ser chamado de "Livro Universal" para cada disciplina. Esse livro, a "Bíblia", a Fonte, a Enciclopédia permanente, a Suma ligaria "materiais e elementos dispersos em todas as publicações relevantes. Conteria inventários de fatos, catálogos de idéias e as nomenclaturas de sistemas e teorias. Os diversos dados científicos seriam condensados em tabelas, diagramas, mapas e quadros sinópticos e seriam ilustrados com desenhos, gravuras, facsímiles e fotografias “documentais” (Otlet, 1903, p.83). 41. Essa seria "a obra máxima de documentação" e seria realizada por meio de um processo de "codificação enciclopédica" que exigia dados "condensados, generalizados e sintetizados" relacionados ao conhecimento e à ação (Otlet, 1934, p. 409). Otlet imaginava esse novo tipo de enciclopédia universal como um imenso levantamento cadastral da erudição no qual seriam relatados e registrados diariamente todos os desdobramentos do conhecimento. Seria a obra culminante de uma rede internacional de documentação (Otlet, 1903, p. 83). 42. A importância dessas duas idéias contidas no pensamento de Otlet surgiu com a divulgação de um relatório sobre seu pronunciamento no Congresso Mundial sobre Documentação Universal, em Paris, patrocinado pela Liga das Nações. Lá, ele então o grande homem da documentação européia dividiu os refletores com H. G. Wells e Watson Davis (Rayward, 1983). O documento

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"miniatura"

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relata que ele pediu a palavra na sessão de fechamento da conferência para "revelar em uma improvisação magnífica a imensa evolução intelectual da Humanidade". Tendo feito um levantamento do passado, "no futuro, o trabalho de documentação será a obra da enciclopédia. O orador concluiu chamando a atenção para a necessidade de amplificar a Rede Internacional para Documentação" (Sèance de Clôture, 1937, p.8).

mundo, estudiosos e outros, por meio da Rede Universal para Documentação, seriam atraídos pela idéia e contribuiriam para existência de um corpo enciclopédico do conhecimento cuidadosamente administrado e em expansão contínua e que estaria disponível a todos em termos universais. É difícil não ver nessa formulação a antecipação de uma versão do que conhecemos hoje como internet.

Rede Universal para Documentação / uma internet

44. Até aqui esse relatório sobre as idéias de Otlet concentrou-se em suas tentativas de criar organizações de trabalho e serviços que acabaram sendo limitadas pela tecnologia existente na época baseada em arquivos de arquivos e fichas. Mas, com o passar dos anos, Otlet percebeu muito bem as novas possibilidades de organização e comunicação de informações oferecidas pelos desdobramentos contemporâneos da tecnologia de comunicações.

43. A realização das idéias de Otlet dependia não apenas da invenção de novos tipos de sistemas intelectuais envolvendo tecnologia, banco de dados e mecanismos de busca, mas era também necessária uma organização sistemática do trabalho de documentação em todos os níveis. O nível mais básico envolvia a cooperação dos trabalhadores no desenvolvimento de práticas padronizadas para a criação, organização interna, publicação e processamento de documentos. Esses métodos facilitariam o processo de "divisão, dissecação e redistribuição de itens de informação" essenciais no nível enciclopédico de organização (Otlet, 1934, p. 396). Além do indivíduo, existiriam redes interrelacionadas de bibliotecas, arquivos, museus e escritórios de documentação, todos seguindo os mesmos métodos padronizados de coleta, desenvolvimento e processamento de informação. Essas redes avançariam dos níveis local e nacional para o nível internacional. Por fim, como pretendia Otlet, esse processo de organização internacional alcançaria seu apogeu em uma Rede Universal de Informação e Documentação que ligaria "centros de produção, distribuição e consumo, independentes do assunto ou do local" (Otlet, 1934, p. 415). Em todo o

Multimídia: substitutos do livro

45. Em 1925, Otlet e Goldschmidt, pesquisando sobre microfilme, reconheceram que "a radiodifusão detonou uma revolução na difusão da palavra falada. Essa revolução seria aperfeiçoada com a união do documento escrito à palavra falada" (Goldschmidt & Ottlet, 1925, p. 209). Isso aconteceria, segundo eles, com a distribuição de microfilmes relacionados a uma determinada palestra transmitida pelo rádio para que, assim, os ouvintes pudessem ouvir e ver o microfilme ao mesmo tempo. Mas era a televisão, naquela época ainda em fase altamente experimental e para a qual Goldschmidt e Otlet tinham um olhar crítico, que tinha mais a oferecer nessa direção. Dez anos mais tarde, Otlet se referiu no Traité  à instalação de uma empresa que começava a transmitir comerciais pela televisão com regularidade, em abril de 1933 (Otlet,

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1934, p. 238). Ele observou que os estúdios de produção e transmissão de televisão seriam construídos na maioria dos grandes centros e os aparelhos de TV, que ele chamava de "aparelhos de recepção", extremamente caros para serem adquiridos pelas pessoas comuns, acabariam sendo oferecidos a preços razoáveis. Agora as perspectivas de inovação para o processo de documentação eram inebriantes.

livro: informação comunicação

46. O Traité de Documentation expressa uma visão revolucionária do futuro. "Invenções maravilhosas, uma atrás da outra, ampliaram enormemente as possibilidades de documentação". Os meios de comunicação como "o telégrafo e o telefone, o rádio, a televisão, o cinema e os discos", assim como os objetos de museu, todos têm os mesmos objetivos dos livros −  "informação, comunicação" −  mas cada um deles atinge essas metas de forma diferente. Não havia ainda, pensava Otlet, um nome coletivo para todos eles e, assim, propôs o termo: "substitutos do livro". Otlet dedicou uma grande seção no Traité à análise da situação corrente do desenvolvimento técnico, suas relações funcionais e suas implicações para a documentação (Otlet, 1934, Section 243, pp. 216 - 247). "O livro", ele conclui, "é apenas um meio para atingir um fim. Existem outros meios, e a medida em que eles se tornam mais eficientes do que o livro, eles o substituem". Microfilme 

47. Uma forma especial para substituir o livro era o microfilme. Otlet se interessou pelas possibilidades bibliográficas do microfilme já em 1905 −  1906. Robert Goldschmidt, inventor e engenheiro belga, cujos principais interesses estavam no campo da eletricidade, foi seu colaborador técnico. O primeiro artigo dos dois foi

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publicado em 1906 (Goldschmidt e Otlet, 1906). Outro artigo anônimo saiu em 1911 (Livre microphotographique, 1907) e um terceiro em 1925 (Goldschmidt e Otlet, 1925). No entanto, só nos anos 1920 foi feita uma tentativa prática de "documentação" utilizando a microfotografia no IIB (International Institute of Bibliography). O microfilme foi considerado um novo meio de comunicação para os novos tipos de fontes e serviços de informação vislumbrados por Otlet e seus colegas. Em 1925, 19 anos depois da publicação de seu primeiro artigo sobre o assunto, Otlet e Goldschmidt discorreram novamente sobre as vantagens do microfilme barato. Eles previram que em breve estaria disponível um procedimento para cópia de microfilme em "cores naturais absolutamente fiéis". Esse procedimento seria aplicável a várias categorias de documentos – entre elas bibliografias, patentes, periódicos, livros raros e esgotados, obras de arte e arquivos, por exemplo. Eles sugeriram que, gradualmente, à medida que todo o material microfilmado fosse reunido e coordenado pela Rede Universal de Documentação, que eles acreditavam haveria de surgir, formaria "uma enciclopédia microfótica", a base para novos tipos de "microfotobibliotecas". 48. Para atingir esse objetivo, Otlet e seus colegas começaram a reproduzir em microfilme uma seleção de materiais − textos, imagens, gráficos e diagramas − das coleções do Palais Mondiale ou Mundaneum. The Encyclopedia Microphotica Mundaneum foi publicado como uma série de tiras de microfilme sobre diversos assuntos, disponíveis para compra a um preço módico. A tira no 82, por exemplo, consistia de 49 exposições sobre a história do papado; a de n o 257, continha 56 exposições sobre a Mongólia.  Além desse empreendimento mais voltado

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para a educação, foi incluído na "enciclopédia" pertencente às coleções do Palais Mondial, um serviço semanal de informação sobre temas do momento. Eram reproduções de jornais e de artigos sobre vários temas contemporâneos. Tinha uma tira humorística, ao que tudo indica, bastante apreciada. Georges Lorphèvre, um jovem que veio a ser secretário de Otlet e mais tarde seu testamenteiro, foi contratado em jornada de meio-período no final dos anos 1920 para gerenciar esse serviço, que chegou a ter 50 assinantes (Rayward, 1975, p. 297; Rayward, 1990, pp. 208 - 209). Invenções a serem descobertas: a estação de trabalho do acadêmico, um memex

49. No Traité , Otlet passa da análise da multimídia, substituta do livro, para especular sobre a possibilidade de novos tipos de máquinas e procedimentos para auxiliar o trabalho intelectual (Otlet, 1934). 50. Tem de haver um processo, pensava ele, para imprimir folhas de papel em massa sem que seja necessário manusear cada folha para colocá-la na impressora. Ele se perguntava se algo poderia ser feito nesse sentido por meio da aplicação de raios-x sobre uma pilha de folhas de papel correspondente à quantidade de cópias desejada. Ele achava necessário descobrir um tipo de papel para fotocópias mais barato do que o confeccionado à base de prata que era usado naquela época. E, antecipou o desenvolvimento de máquinas de fotocópia portáteis. 51. Segundo ele, eram necessárias máquinas de perfuração de cartão, às quais ele se referia como "máquinas de seleção ou máquinas estatísticas", para trabalhar com folhas de papel e arquivos. Otlet acreditava que com um número

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maior de colunas a capacidade de codificação e busca poderia ser consideravelmente ampliada. 52. Ele previu a criação de uma maneira mais rápida e econômica de inserir ilustrações em textos impressos do que a disponível na época. Isso poderia envolver a criação de um sistema de "linhas curvas e quebradas, de formas curvas e poligonais, de unidades elementares de diagramas, figuras e planos" que pudessem ser reunidas para formar qualquer tipo de figura necessária (Otlet, 1934, p. 390). Otlet pensou sobre um processo de desenho envolvendo um trabalho manual com esses elementos fabricados em tipos de metal convencional. Mas, não é extravagância reconhecer aí a idéia básica de desenho por computador para o que existem hoje softwares disponíveis para a maioria dos microcomputadores. 53. Ele identificou o que hoje imaginamos como a estação de trabalho do acadêmico. Ele sugeriu, seguindo um modelo do século XVIII, a construção de uma mesa em formato de roda cujos raios seriam articulados constituindo superfícies móveis para escrever. Isso permitiria a existência de superfícies separadas para conter documentos relacionados a projetos específicos, de tal forma que quando uma tarefa era interrompida e outra iniciava, não haveria necessidade de constantes deslocamentos e rearrumação dos materiais. Ele também sugeriu que a mesa deveria ser circundada por um grande gabinete móvel para arquivo, que estaria sempre aberto, na altura dos olhos e ao alcance das mãos. O gabinete seria montado sobre um trilho reto ou circular e sua movimentação controlada eletricamente. Essa é uma impressionante representação física dos arquivos e bancos de dados atualmente disponíveis em sistemas eletrônicos.

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54. Ele idealizou uma variedade de "máquinas e instrumentos auxiliares do trabalho intelectual" que deveriam ficar sobre as mesas dos trabalhadores intelectuais. Haveria máquinas para traduzir o discurso oral em linguagem escrita e vice-versa. Segundo ele deveria também ser possível utilizar os recursos da televisão para leitura de textos mantidos em locais remotos, tais como livros das estantes de uma biblioteca ou os conteúdos de arquivos guardados nos armários. Otlet pensava em máquinas de leitura que varressem os itens físicos e transmitiriam a imagem para uma espécie de televisor colocado sobre a mesa do usuário. Atualmente essa operação é feita por meio de acesso online a máquinas de arquivos de leitura. Ele acreditava que seria igualmente possível fazer acréscimos a textos existentes em locais remotos sem alterar os originais. Essa idéia de textos que acumulam anotações e comentários de leitores é considerada uma função potencial importante de alguns sistemas contemporâneos de hipertexto (e.g., Davenport e Cronin, 1990). Na opinião de Otlet, a documentação envolvia muitas "invenções a serem descobertas" (Otlet, 1934, p. 389).  A superestrada da realidade virtual 

informação

e a

55. Finalmente, Otlet sugeriu que sobre a mesa de trabalho não deveria ter livros ou outros documentos, apenas uma tela e um telefone. Em algum lugar no mundo seria construído um imenso edifício contendo todos os livros e informações juntamente com todos os recursos de espaço necessário para registrá-los e gerenciá-los, com todos seus aparatos de catálogos, bibliografias e indexes, com todas as informações redistribuídas em fichas,

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folhas de papel e arquivos e o trabalho de busca e recuperação [literalmente: seleção e combinação] desempenhado por uma equipe permanente devidamente qualificada. (Otlet, 1934, p. 428) 56. A estação de trabalho do acadêmico estaria conectada a esse hospedeiro central por telefone, telégrafo sem fio, televisão e telex ("téléaugraphie" − em outro artigo, p. 237, Otlet discute a "téléphotographie", que parece ser uma espécie de transmissão via telefacsímile). O usuário simplesmente chamaria na tela o documento ou documentos desejados. A própria máquina operaria uma ou mais telas − tantas quantas fossem necessário −  para permitir a consulta simultânea de tantos documentos quanto desejados. Um alto-falante daria uma dimensão auditiva ao sistema permitindo que o texto fosse acompanhado ou ampliado pelo som. A efetiva transmissão de informação consecutiva no sistema dependeria de materiais que tivessem sido registrados analiticamente −  monograficamente − de forma que pudessem ser manipulados automaticamente pelas "máquinas de seleção"(Otlet, 1934, p. 428) 57. Mas a versão de Otlet da internet ou do WWW, que só recentemente atingiu a dimensão de multimídia que ele previra, apresentava ainda uma outra dimensão. Ele imaginava máquinas com uma tal capacidade interativa que poderiam criar uma realidade "virtual". Cinema, fonógrafo, rádio, televisão − esses instrumentos considerados substitutos do livro tornaram-se de fato o novo livro, o mais poderoso meio de difusão do pensamento humano. Por meio do rádio será possível não somente ouvir em qualquer lugar como também será possível falar de qualquer lugar. Por meio da televisão será possível não apenas ver o que está acontecendo em todos os

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recuperação: combinação! Sintaxe.

!!

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lugares como todos poderão ver o que quiserem de onde quiserem. De sua poltrona, todos ouvirão, verão e participarão, e poderão inclusive aclamar, aplaudir de pé, cantar com o coro....( ilegível!!) Otlet, 1934, p.431). 58. No Monde ele expressa suas idéias em termos de um maquinário não afetado pela distância que combinaria ao mesmo tempo rádio, raiosx, cinema e fotografia microscópica. Todas as coisas relacionadas ao universo e ao homem seriam registradas à distância à medida que fossem criadas. Dessa forma, a imagem móvel do mundo seria estabelecida −  sua memória, sua réplica exata. À distância, qualquer um seria capaz de ler qualquer trecho, por inteiro ou limitado ao tópico desejado, projetado em sua própria tela. Assim, de sua poltrona, qualquer pessoa poderia contemplar o conjunto da criação ou determinadas partes dela. 59. A invenção de máquinas com esses potenciais ajudaria a realização do novo tipo de enciclopédia, o Livro Universal, derivado de todos os livros existentes − o desiderato máximo da documentação. Mas Otlet pensava que a enciclopédia poderia ter diversos formatos. Um deles seria o super centro de informações principal ao qual os usuários estariam ligados da maneira descrita anteriormente. Poderia também ter o formato enciclopédico de "um determinado número de obras" nas quais estariam compactadas "todo o conhecimento, todas as informações" e "que seriam indexadas de forma a facilitar ao máximo a consulta". Elas seriam "agrupadas no próprio local de trabalho de cada um e por tanto de fácil alcance". Dessa forma, "o mundo descrito no conjunto de livros estaria disponível a praticamente todos. O Livro Universal,

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elaborado a partir de todos os livros, acabaria se tornando algo muito próximo a um anexo do cérebro, o substrato da memória, um mecanismo externo e instrumento da mente, mas de tal forma à ela próximo e tão bem talhado para seu uso que seria verdadeiramente uma espécie de apêndice, de órgão exodérmico", um órgão que "teria a função de transformar nosso ser em 'onipresente e eterno'" (Otlet, 1934, p. 428). 60. Em 1903, muito antes que os desenvolvimentos descritos no Traité o tivessem estimulado para a especulação tecnológica do tipo acima relatado, Otlet falou sobre o objetivo prático da Ciência da Bibliografia que seria o de tornar realidade "uma máquina para explorar o tempo e o espaço" (Otlet, 1903, p. 86). Essa imagem de um "cérebro" mecânico foi retomada por H. G. Wells em sua idéia de um "Cérebro Mundo" e por Bush (1945) em seu famoso artigo que descreve o memex. Documentação / Informação; Documentação / Ciência da Informação

61. Otlet cunhou o termo "documentação" para expressar uma abordagem mais ampla à organização de fontes de conhecimento do que a tradicionalmente associada ao termo "bibliografia". Ocasionalmente ele usa o termo informação, mas com relação a fatos e dados. Como formulado pela primeira vez em 1907, para Otlet documentação era uma atividade separada de, mas complementar à, educação e à pesquisa. Inicialmente, para ele, o termo significava uma extensão do nosso uso convencional em frases como "documentar algo" ou "fornecer documentação detalhada sobre algo". Para Otlet, documentação era "o meio para colocar em uso todas as fontes escritas ou gráficas sobre nosso

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documentação: organização de fontes de conhecimento. informação: fatos e dados

documentação:

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linguagem: modo indicativo.

conhecimento... Documentos consistem do que quer que represente ou expresse um objeto, um fato, uma impressão por meio de qualquer tipo de sinal (escrita, pintura, diagramas, símbolos)". Mas logo ele passou a usar o termo com um significado mais amplo que sugeria ser uma nova disciplina intelectual à qual estava associada uma série de novas práticas e técnicas específicas. As fontes da documentação são os "documentos escritos" (livros, periódicos, jornais e manuscritos), as ilustrações (gravuras, desenhos, fotografias, etc.), os ideogramas ( mapas, plantas, quadros sinópticos, diagramas, etc.) e a música" (Otlet, 1907, pp. 105 -106).

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62. A documentação envolve não só a organização desses documentos como fontes de informação, mas também a extração e a organização das informações neles contida. Otlet identificou seis estágios na atividade de documentação. O primeiro deles é a produção de trabalhos nos quais "idéias, experimentos, novas descobertas, entre outros, são registrados em publicações. O segundo estágio trata da coleção desses trabalhos, a função básica das bibliotecas (dependendo da natureza do "documento", pode-se acrescentar os museus). A seguir vem o estágio da análise para a elaboração de um resumo da obra. Na seqüência é feita a "redistribuição sistemática" − as publicações são dissecadas e suas diversas partes fisicamente redistribuídas de forma a manter as informações similares reunidas em arquivos documentários. E, finalmente, a fase de "codificação e a enciclopédia" envolvendo a incorporação daquilo que é original em cada obra em "uma estrutura geral, a planta objetiva do edifício científico", já tendo sido eliminado no estágio anterior todas as repetições e duplicidades (Otlet, 1920, p. 185).

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63. A documentação não é apenas um conjunto de tarefas profissionais complexas baseado nas ferramentas e técnicas projetadas por Otlet e seus colegas, pode também ser considerada um conjunto de racionalizações que fornecem um contexto para suas aplicações. Assim, quando Otlet fala prescritivamente sobre o que seria ideal em termos de organização em cada estágio, ele está na verdade identificando áreas de estudo e pesquisa. Otlet começa com o que se considera explicitamente a "ciência da bibliografia e documentação" (Otlet, 1903), depois desenvolve as noções mais amplas da documentação que o levaram a se preocupar durante toda a vida com os sistemas experimentais do Instituto Internacional de Bibliografia e do Palais Mondial que nunca foram muito eficazes. Esses sistemas formaram a base das extrapolações visionárias registradas em várias de suas publicações. Essas publicações culminam no Traité de Documentation. Essa obra é, na verdade, um tratado sobre armazenamento e recuperação de informações inseridas em um contexto amplo de práticas de comunicação e conhecimento, contemporâneas para a época. Na maioria dos casos, nosso termo moderno "informação" substitui eficientemente o fenômeno abstrato e os processos profissionais e técnicos discutidos por Otlet. O entendimento de Otlet de documentação ou organização de documentação como sendo um campo de estudo e pesquisa está, de fato, compreendido em nosso termo ciência da informação. Desconstruíndo Otlet 

64. Um problema que precisa ser considerado quando se tenta interpretar e reformular o que Otlet escreveu são seus próprios escritos. Eles são difusos,

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??? seleção e combinação

CI = document.

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repetitivos e prescritivos . Freqüentemente ele apresenta pouco mais do que longas listas de aspirações para conseguir a reorganização do mundo e o acesso ao conhecimento nas linhas que ele considerava ideais. Nada é grandioso demais, genérico demais ou difícil demais para constar nessas listas. Comprometido com um forte enciclopedismo que tem um quase imperceptível ritmo de argumentação, seus livros mais importantes têm pouco ou nenhum ímpeto de tese, evidência e conclusão. Quando tentam comprovar ou demonstrar alguma coisa, isso é feito em um patamar tão genérico que hoje poderíamos considerar esse exercício como banal e sem sentido.

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65. O leitor moderno precisa fazer um esforço especial de interpretação para extrair o que interessa atualmente nesses textos. É preciso que os textos sejam vasculhados ou, para usar a própria terminologia de Otlet, "consultados" e, em certo sentido, reformatados a partir do ponto de vista do leitor e daquilo que o interessa. Realizar um processo desse tipo tão rápido e eficientemente quanto possível era o principal objetivo da documentação segundo Otlet, e acreditamos que ele aprovaria o que estamos fazendo ao tentar redescobrir e reescrever suas idéias.

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