QUANDO OS ÍNDIOS SOMOS NÓS - Resenha do texto de Roberto Kant de Lima

May 15, 2018 | Author: eduardotergolina | Category: Immanuel Kant, Anthropology, Sociology, Time, Intellectual
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Quando os Índios Somos Nós: uma resenha do texto de Roberto Kant de Lima

 Eduardo Tergolina Teixeira – julho/2007  – julho/2007

Roberto Kant de Lima, no estudo em abordagem, consigna substancial substancial análise no que tange à sua socialização acadêmica, confrontando, por meio de suas experiências  – no  –  no Brasil, duas graduações, Direito (1964-1968) e Ciências Sociais (1971-1974), e uma pós-graduação, mestrado em Antropologia Social (1974-1978), e nos Estados Unidos, pós-graduação em nível de doutorado, a partir de 1979 –  1979  – , diversos aspectos, brasileiros e norte-american norte -americanos, os, atinentes à vivência na sociedade universitária, nomeadamente, no que concerne à produção intelectual derivada dos estudos realizados. Menciona surpreendentes formas comportamentais dos envolvidos na seara acadêmica, apontando distinções distinções e traços t raços de relevo, de modo a denotar as  particularidades  particularidades que evidenciam, plasmam e implicam os integrantes dos espaços escolares. escolares. E isso, demonstra o autor, não traz reflexos somente intra muros, nos limites da Universidade, mas, bem ao contrário, referidas concepções de estruturação do pensamento e produção acadêmica são propaladas a todo o mundo, trazendo conseqüências de pujantes proporções. O professor Kant de Lima estabelece uma diferenciação, primeiramente, entre as graduações por ele levadas a efeito. Acerca do Curso de Direito, pontua que as aulas desenrolavam-se de modo bastante formal e distante entre alunos e professores. Em contrapartida, as relações entabuladas entre os colegas universitários, ou mesmo entre os alunos e profissionais da área desenvolviam-se de sorte intensa e informal.  No que respeita respeita à Faculdade de Ciências Sociais, Sociais, assevera que as as interações se davam de modo bem mais informal entre professores e alunos, inclusive com momentos de descontração descontração em bares, residências, residências, restaurantes, salientando salientando que mesmo mesmo as aulas transcorriam destituídas de formalidades. Ressalta o valor atribuído à participação, bem assim à criatividade, considerando não ser franqueada maior importância à simples repetição dos dizeres dos estudiosos consagrados. consagrados. Aponta para a flexibilidade no cumprimento de horários e conteúdos programáticos, frisando a relação pessoal tida, por parte dos alunos, com o  professor, inclusive inclusive com empréstimos empréstimos de livros de sua biblioteca particular. Atenta, Atenta, outrossim,  para a ocorrência –  ocorrência  – no no decorrer das exposições e demais trabalhos acadêmicos  – de  – de conversas  paralelas, que, por não raras r aras oportunida o portunidades, des, determinavam produtivas alterações no tema ou na ótica da discussão. 2

Quanto à pós-graduação, aduz que, a despeito de haver se tornado mais rígido o trato acadêmico e a relação entre professores e alunos, tal não retirou a informalidade em conversas  por vezes estabelecidas, inclusive, nas residências dos mestres. Conversas estas que inevitavelmente acabavam em discussões profissionais ou respeitantes a teorias diversas. As avaliações constituíam-se na participação dos alunos em seminários (considerando-se as observações orais por estes efetuadas), assim como trabalhos escritos, geralmente dotados de algum toque de originalidade, desenvolvendo-se o conteúdo de modo preponderantemente literário.  No que se refere à experiência americana, a par da sua limitação quanto ao idioma, o autor percebeu, por outro lado, que ignorava completamente os “procedimentos adequados à  prática universitária” naquele país. Em face disso, ponderou, então, se mostrar indispensável uma análise das caracter ísticas inerentes tanto à sociedade americana quanto à “comunidade acadêmica” de molde a viabilizar um desempenho exitoso em suas atividades. Constatou,  primeiramente, que eventos sociais não são mesclados com relações profissionais e acadêmicas. Havia, desse modo, um afastamento entre as relações sociais e as questões antropológicas. Destinavam-se espaços específicos para se debaterem os assuntos atinentes à teoria e prática da Antropologia: aulas, seminários ou entrevistas com professores, especialmente marcadas com tal intento. Aduz que nas conferências ( lectures), o professor  expunha o tema a partir da leitura (no tempo exato de uma hora) de um escrito preparado, raramente dando ensejo a questionamentos por parte da assistência. Nos seminários ( seminars), proferidos por professores ou seus monitores, descortinava-se, aí, o momento para discussões e satisfação de questionamentos. A partir de intervenções espontâneas ou solicitadas pelo próprio professor, os alunos deveriam expor suas idéias de forma curta e objetiva, um de cada vez  –  deixando-se assim uma pessoa terminar de falar para então se começar a discorrer   –. Dessarte, inconcebíveis, nesse meio, as “conversas paralelas”, existentes na academia brasileira. De outra banda, salienta um traço marcante no comportamento universitário americano: os colegas, a despeito de estarem, v.g., em um mesmo andar, não se enturmavam (dando azo a bate-papos ou cafezinhos), encontravam-se alguns minutos antes de começar o evento acadêmico, separando-se tão logo este se encerrasse (ao contrário da prática universitária brasileira). Isso denotava a limitação da disponibilidade das pessoas a temas, horas e locais preestabelecidos. Em complementação a essa estrutura de ensino, havia palestras e conferências.  Nessas atividades, ao depois da exposição, sobrevinha a participação de alunos e professores, 3

que, sem qualquer constrangimento, em paridade, indagavam, objetivamente, o palestrante acerca do tema. Não se verificava qualquer receio por parte dos alunos em formular suas  perguntas, o que é tão freqüente no Brasil (estabelecendo-se, em função desse medo, uma noção de rígida hierarquia acadêmica em nosso país). As perguntas e respostas levadas a cabo com objetividade, afastando a possibilidade de disputas pessoais (focando-se no interesse de discutir o tema proposto), contrastam com as “conferências paralelas”, verificadas no Brasil, sugerindo, a partir daí, a ótica de que a relação, aqui, se dá sempre de forma pessoal, e não simplesmente estabelecida em face de interesses e discussões objetivas acerca do assunto. O formalismo exacerbado não era somente sentido por Roberto Kant de Lima, também seus colegas queixavam-se a respeito. Todavia, era neles perceptível um certo grau de conformação, resignação quanto a isso, como se tal fizesse parte de uma necessária estrutura destinada, ao fim e ao cabo, à sua formação. A partir de uma análise de circunstâncias fáticas, constata o autor contraditórias características do meio acadêmico norte-americano. Ao tempo em que se pugna pela  promoção de individualização e estímulo à criatividade, busca-se uma padronização da  produção intelectual, a fim de proporcionar iguais oportunidades a todos. Constitui-se a diferença,

de outra parte, em fruto de mérito individual, devendo-se, outrossim, socializar os

indivíduos a fim de abarcá-los na classe média, efetivação (utópica) da igualdade. Quanto à bibliografia de que se lançava mão, a despeito da ausência de diferenças substanciais relativamente à utilizada no Brasil, havia um traço mais clássico, deixando-se de salientar questões contemporâneas controversas. A bibliografia abrangia uma ampla área, mostrando-se os alunos bastante preocupados em se submeterem ao maior número de orientações e teorias possível, otimizando, assim, sua formação. No Brasil, conforme consignado no estudo, não se afigurando coerente o texto proposto aos anseios dos alunos (público-alvo), pairará a desconfiança, determinando certa resistência na abordagem e estudo do tema, não havendo, em decorrência, o indispensável espelhamento entre professor e aluno. Tal forçosamente redundará na insatisfação quanto ao interesse perquirido. “É como se, no fundo, a diferença fosse desorganizadora por definição, alunos querendo ouvir-se nos  professores e vice-versa.” Percebeu, por outro lado, a concepção norte-americana de direcionar o olhar  antropológico para “coisas realmente longínquas”. Isso é corroborado diante da ótica  proeminente entre os norte-americanos de que sua sociedade não possui, propriamente, “cultura” no sentido antropológico. É que, segundo concebem, tudo seria feito da maneira 4

mais natural, mais adequada, mais simples, salutar, racional, enfim, da melhor forma. Verificou o autor, por conseguinte, que, em realidade, a dificuldade de expressar-se, constatada nos seminários, era menos em função da língua que em face de estar acostumado a  proceder a abordagens por meio de outro viés antropológico. Patente o caráter etnocêntrico da sociedade norte-americana, pois. Interessante notar-se que, conforme relato do autor, a bibliografia discutida em cada encontro era imensa, respondendo seus colegas aos questionamentos (imprevisíveis, para Kant de Lima) de forma quase que instantânea, a despeito da amplidão do conteúdo. Fichavam e separavam as possíveis indagações do professor (de forma “premonitória”) a fim de respondê las sem vacilação. Outrossim, constatou que os alunos tão-somente liam textos em inglês, não obstante, não exibissem, com certeza, qualquer limitação à compreensão de outros idiomas, até mesmo em face das exigências para se freqüentar o curso. Encontrou pujantes dificuldades na confecção dos trabalhos escritos na academia.  Não cônscio das regras próprias à elaboração de tais estudos, encontrou dura oposição ao seu estilo, sendo taxada sua produção de obscura, vaga, fora de lug ar, denotando a “extrema confusão mental” na qual, teoricamente, estaria. Notou, de outra banda, que seus colegas se utilizavam de suas anotações, e não de livros, para a realização dos trabalhos escritos  propostos (cujo conteúdo, frise-se, se revestia de vastíssima abrangência, v.g., proceder à comparação de vários autores, detentores de orientações teóricas absolutamente diversas). Ao ingressar em um curso de redação para estrangeiros, deu-se conta de determinados aspectos relativos à vivência acadêmica antes pelo autor inimagináveis. Em inglês, detém especial importância a primeira ou última sentença de um parágrafo ( topic  sentence), tratando cada parágrafo de uma única idéia. Outrossim, refere

a imprescindibilidade

da utilização das operações lógicas de contrastar, classificar, comparar, correlacionar, explicitando relações de causa e efeito e trazendo exemplos, evidências concretas. Dessarte, apercebeu-se de que, em verdade, não era “seu inglês” que se afigurava falho, mas o que se verificava era o não-conhecimento, por parte de Kant de Lima, da maneira utilizada para organizar o pensamento na academia americana. Notou que o “problema” não estava no conteúdo que explicitava, mas sim na  forma por meio da qual o veiculava. A partir da forma  proposta, qualquer tema porventura abordado vislumbrou se tornar mais claro e, por  conseqüência, também mais simples. Atenta para o fato da influência da língua inglesa no cenário internacional e a função desenvolvida pela academia americana na formação de saberes. Disciplinando-se a forma de 5

 produção do conhecimento, delimitando os exatos lindes em que se procederá à confecção do trabalho, torna-se mais fácil domesticar as ações, orientando-as em um sentido  preestabelecido, conforme se mostrar conveniente. Formando a academia executivos, administradores, políticos, advogados, economistas, tal método irradiará seus efeitos a todo o corpo social americano, refletindo-se por sua vez na sociedade mundial (tudo em face do lugar   privilegiado em que, hodiernamente, se encontra a língua inglesa). Ao passo que se faz necessário o engajamento a mencionado modelo de produção do conhecimento, padronizando-se estilos e formas, daí restam advindas algumas decorrências: A primeira delas é o efeito de domesticar as traduções consumidas em inglês. Determinando-se os padrões a serem seguidos, necessariamente haverá de se emoldurar a obra do autor, retirando-se as “imperfeições”, as “impurezas estilísticas” ajustando -a adequadamente. Isso porque o que interessa são os pontos (  points), e não o estilo do autor. Todavia, conforme alerta, tal determina uma distorção uniforme, implícita, de seu  pensamento. Mesmo por parte de intelectuais, a forma estrangeira de expressão do conhecimento recebe rotulações, denunciando preconceitos e, por conseqüência, a necessidade de se consumir obras traduzidas. A segunda relaciona-se à facilitação do consumo por meio da leitura da tradução. Isso porque, diante de um texto amoldado a uma técnica predeterminada de produção intelectual, não se faz necessária a leitura de toda a obra, mas tão-somente de pontos já de antemão determinados (e convencionados) como importantes. Isso propicia um processo linear e cumulativo de conhecimento, construindo- se este a partir de “versões consagradas”,  bases sobre as quais se desenvolve a atividade intelectiva, sem contudo contestá-las. A previsibilidade dos efeitos da comunicação acadêmica trata-se da terceira conseqüência. Uma vez que são determinadas e pré-conhecidas as regras de elaboração dos estudos, basta que o trabalho se amolde a tais rígidos limites e não se constitua em uma verdadeira asneira (em termos de conteúdo) para que seja considerado e tido como colaboração acadêmica. Bem exposto o ponto, será defensável. Por conseguinte, o domínio faz-se não só pelo conteúdo discorrido, mas mormente  por meio da forma empregada a tanto, determinando-se os exatos lindes da produção do conhecimento, tudo ao argumento de orientação e organização do pensar. Os fundamentos do corpo social (individualismo, igualitarismo, hierarquia, domínios do público e privado, valor positivo ou negativo do acesso universal ou particularizado às informações) desempenham funções axiológicas distintas no Brasil e nos Estados Unidos. Tal, 6

segundo Kant de Lima, influencia indubitavelmente a disciplina e elaboração do conhecimento. Na sociedade americana, verifica-se a necessidade de falar-se conforme se escreve e interpretar-se de modo literal os escritos, tudo por conta das imprescindíveis literalidade, explicitação e racionalidade que a plasmam. Ao contrário do verificado no Brasil, é de se salientar que se afigura incogitável um intelectual que não escreva, principalmente na seara universitária.  Na sociedade acadêmica americana, por outro lado, se porventura um evento estendese mais do que o previsto, tal é tido, de modo invariável, como grande inconveniente, trazendo notórias e nefastas implicações às agendas dos espectadores (privando-os de sorte indevida de  participarem de outra atividade), comprometendo, em última análise, o equilíbrio a priori estabelecido entre indivíduo e grupo. No Brasil, ao se desbordar tal regra de tempo  predeterminado, somente resta corroborada a já acenada hierarquia entre os eventos, legitimando-se a desigualdade por meio de um tácito assentimento por parte de todos. Enquanto que, nos Estados Unidos, os eventos são apenas diferentes, sendo dado ao indivíduo escolher pela freqüência a qualquer deles; no Brasil estabelece-se uma hierarquia entre eles. É de se ressaltar que, nos Estados Unidos, prevalece a forma dual, no que respeita ao relacionamento social, verificando-se a interação geralmente entre duas pessoas. Daí decorrem diferenças claras entre EUA e Brasil quanto às noções de público e privado. Aos brasileiros o  público é sinônimo de ausência de titular, inexistência de proprietário e de regras gerais. É de todos e de ninguém em especial, decorrendo daí uma “interação social indiscriminada”. Aos norte-americanos o público é algo coletivo, onde há a submissão a “regrais locais universais”, cuja observância é de todos reclamada. O público, portanto, é da coletividade, imperando o “controle e a disciplina”. Os integrantes do grupo preservam sua individualidade, não se verificando, como no Brasil, uma “identidade comum, grupal”. Não se estabelece, como no Brasil uma “relação difusa”, os indivíduos, ao contrário, a despeito de estarem juntos, agrupam-se aos pares, trios.  Nos EUA, não são bem-vindas interrupções enquanto alguém fala, ainda que haja alguma intimidade entre os interlocutores e mesmo em um ambiente em que estejam a sós. Descortina-se aí a fala como bem de domínio público. Afigura-se o tempo da fala um bem limitado, não se mostrando adequado retirar-se, inadvertidamente, o tempo dos demais, devendo-se agir, assim, com o devido respeito. No Brasil, ter o monopólio da palavra por  vezes revela poder, virtude; nos Estados Unidos, tal comportamento é visto inarredavelmente como abusivo. 7

Em face de tanta formalidade, disciplina, na sociedade americana, a repressão não se mostra necessária a fim de manter a hierarquia acadêmica. Os indivíduos americanos, cuja disponibilidade é cronometrada de maneira categórica, delimitam, por meio de normas bem definidas e impessoais, o momento, duração, lugar e participantes de um evento. O tempo diz respeito tão-somente a seu titular, ninguém  podendo nele se imiscuir (igualdade esteada na pressuposição da diferença). Ao contrário, no Brasil, o tempo não é de propriedade do indivíduo. Aquele é conferido a outrem, que, dono do tempo do espectador, dele se servirá conforme melhor convier (presunção da homogeneidade). Abdica-se, pois, do seu tempo em favor do outro, fixando- se, assim, uma “ordem hierárquica” dos eventos sociais. Critérios individualistas, por exemplo, determinam a ascenção profissional do  professor conforme sua mudança de universidade, galgando, assim,  per se, postos mais elevados em entidades de maior gabarito. A obra escrita e a flexibilidade do profissional, experimentando o maior número de ambientes, determinam seu vigor profissional. No Brasil, a regra é o profissional ascender dentro da própria instituição, carecendo de admiração sua transferência de uma entidade para outra. À sociedade acadêmica americana o domínio público proporciona a explicitação da diferença, sob normas por todos observadas; no Brasil, a ótica inverte-se, buscando-se a semelhança, a homogeneidade, prescindindo-se, por conseguinte, da explicitação de regras. A oralidade, consagrada nas escolas brasileiras, denota a necessidade de assistir-se às aulas, às conferências, uma vez que é preciso saber-se o que determinado autor fala, sua opinião, aproveitar-se a oportunidade para, dessa forma, edificar o conhecimento. Nos Estados Unidos, ao contrário, a assistência às aulas se dá com outro intuito: comparece-se à aula com o fito de, com maior facilidade, conhecer-se os pontos centrais do pensamento de determinado autor, restando, assim, desnecessário percorrer-se sua obra, atalhando o caminho. Em nosso país, é prestigiado o estilo literário, devendo o texto empolgar, seduzir o leitor. O estilo americano, a seu turno, é dotado de neutralidade, procedendo-se à confecção de um texto cuja forma segue um norte de padronização. Em base empírica, Roberto Kant de Lima aborda diversos aspectos comportamentais inerentes às culturas acadêmicas dos Estados Unidos e do Brasil. Buscando tornar o familiar  exótico e o exótico familiar, procede a uma imersão na sociedade universitária a que se  propunha pertencer, analisando de modo detalhado várias nuances atinentes à vivência acadêmica americana. Criticando o modo de pensar, e não propriamente os hábitos, em si, 8

levados a efeito pelos norte-americanos, explicita a ótica etnocêntrica em que se encontram (i) não questionando as próprias bases em que sedimentado o conhecimento; (ii) desconsiderando a existência de comportamentos e hábitos acadêmicos tão legítimos quanto os seus; (iii) arrostando por completo a idéia de se mostrar viável estudar-se, por meio da Antropologia, sua cultura; (iv) tornando expressa a intolerância a outros tipos estilísticos de escrito e  produção do conhecimento, inclusive por meio de promoção de traduções comportadamente maleadas em ordem a encaixar a obra nos parâmetros predefinidos de produção intelectual, distorcendo, assim, o próprio pensamento do autor estrangeiro e (v) de conseqüência, restando claro um desejo de imposição (até em virtude das circunstâncias atuais, com a  proeminência da língua inglesa) à comunidade mundial de seu modo de pensar e de produzir  os seus estudos e trabalhos. A partir da análise do comportamento, o autor explicitou a diferença, delineando o modo norte-americano de trabalho como, simplesmente, um dos possíveis, não sendo reduzido ao único existente. O processo de endoculturação permite-nos asseverar que, em face dos diferentes contextos experimentados pelas sociedades, cada uma destas desenvolver-se-á com  base em um determinado norte, apontando a uma certa direção, satisfazendo suas peculiares necessidades. É de se frisar, outrossim, que, diferentemente do que propõe o evolucionismo  –  expondo uma concepção arraigada na temporalidade, explicitando o desenvolvimento das sociedades em uma ordem uniforme, sendo determinadas as diferenças com base nos ritmos e etapas diferentes do desenvolvimento de cada grupo social  – , não há como se conceberem  parâmetros predeterminados provindos de uma evolução a que se procedeu com o passar do tempo e de acordo com o ritmo empreendido por determinada sociedade (modelo a ser  seguido). Em realidade, inexistindo selvagens e civilizados, mas apenas seres humanos dotados de singularidades (e, portanto, diferentes), a direção empreendida na análise deve ser  outra, consubstanciada, necessária e incondicionalmente, no respeito à diferença, entendendo a própria cultura como uma forma possível de desenvolvimento, dentre tantas outras, afastando-se a intolerância e a não-aceitação do diverso, tão evidentemente exposto no texto de Roberto Kant de Lima. Dessarte, as experiências culturais, emocionais e intelectuais é que determinarão a construção de nossa própria cultura, mostrando-se daninha toda e qualquer forma de imposição de paradigmas, investida contra o livre desenvolvimento dos seres, de acordo com as circunstâncias e características que lhe são próprias. Por isso, merece incentivo o modo  peculiar de produção, consumo e distribuição do produto intelectual, preservando-se a 9

originalidade ostentada pela cultura brasileira, determinando um modo original de organização e disposição do pensamento/conhecimento, conferindo-se, assim, ao produto do saber  irredutível brasilidade.

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