Quando Eu Vim-Me Embora - Marco Antonio Villa

April 7, 2024 | Author: Anonymous | Category: N/A
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Sinopse: Sonhos, frustrações, dificuldades, preconceito e, também, ascensão social, sucesso financeiro, vitória. A história da migração nordestina para os estados do Sudeste do Brasil carrega esses e outros elementos. Entre as décadas de 1930 e 1980, milhares de pessoas abandonaram a terra onde nasceram e foram para outro estado - que, para elas, era como se pertencesse a outro país: São Paulo era outro mundo, tinha outra forma de organização, de lutas, de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de falar o português. Com seu estilo coloquial e direto e uma narrativa envolvente, sem perder o rigor com os fatos, Marco Antonio Villa, autor dos best-sellers Mensalão, Ditadura à brasileira e Um país partido, oferece aos leitores a voz não do narrador, mas dos próprios migrantes: são eles que relatam a viagem no pau de arara, a chegada à capital paulista, a dificuldade de adaptação, os empregos, a melhoria de vida, a educação dos filhos, a construção da tão sonhada casa própria. Também estão presentes as reações, os exemplos de solidariedade, as angústias e as alegrias. Quando eu vim-me embora descreve e analisa a expulsão do sertanejo, a permanência da miséria e a mudança em escala jamais vista na história do Brasil. São histórias individuais pungentes e emocionantes que, somadas, compõem um dos mais ricos processos históricos do país. Com elas, você conhecerá a complexa migração de homens, mulheres, crianças e idosos nordestinos e os sentimentos diversos que fizeram parte de suas vidas - da esperança à frustração, da fome e da sensação de desterro à conquista de espaço numa

grande metrópole, da crença num futuro de oportunidades ao desencanto e o preconceito enfrentados na "Terra da Garoa". Um livro imperdível para quem deseja conhecer em detalhes um processo fundamental da história do Brasil e se emocionar com a trajetória tocante de pessoas comuns, que ajudaram a transformar São Paulo na maior metrópole da América do Sul. Depois de dissecar a ditadura brasileira, o escândalo do mensalão e a eleição presidencial mais suja desde a redemocratização, o historiador Marco Antonio Villa conta a história da migração nordestina - em particular, a vida daqueles que foram para São Paulo. Com seu estilo coloquial e direto e uma narrativa envolvente, sem perder o rigor com os fatos, Villa oferece aos leitores a voz não do narrador, mas dos próprios migrantes: são eles que relatam a viagem no pau de arara, a chegada à capital paulista, a dificuldade de adaptação, os empregos, a melhoria de vida, a educação dos filhos, a construção da tão sonhada casa própria. Também estão presentes as reações, as frustrações, as vitórias, os exemplos de solidariedade, as angústias e as alegrias. É uma história, em boa parte das vezes, de vitoriosos, que enfrentaram as dificuldades sem esmorecer. Muitos ascenderam socialmente, participaram da vida empresarial, cultural, sindical e também política do país. Entre as décadas de 1930 e 1980, essas pessoas abandonaram a terra onde nasceram e foram para outro estado - que, para elas, era como se pertencesse a outro país: São Paulo era outro mundo, tinha outra

forma de organização, de lutas, de sociabilidade, de trabalho e até mesmo de falar o português. SUMÁRIO Apresentação Capítulo 1: Vou deixar a minha terra Capítulo 2: As levas nativas Capítulo 3: Chamam eles de morrendo-andando Capítulo 4: Os operários adventícios Capítulo 5: Me alembro como se fosse hoje Capítulo 6: Não sou de encostá corpo, não Considerações finais: A vida aqui é fogo, mas se ganha dinheiro Referências bibliográficas APRESENTAÇÃO "A carta roubada", célebre conto do escritor americano Edgar Allan Poe, tem como tema principal o desaparecimento de uma carta. Na história, muitos estão à procura da correspondência, que vinha sendo utilizada como instrumento de coação e chantagem. Apesar de todos os esforços, ninguém a encontra. O apartamento do chantagista é revirado. Porém a carta não é achada. Diversamente do que se imaginava, ela estava colocada displicentemente num porta-cartas, em cima de uma mesa, à vista de todos. De tão visível, estava oculta. A migração nordestina para São Paulo é uma espécie de "carta roubada". Está à vista de qualquer um. É difícil encontrar algum

espaço urbano na capital paulista onde direta ou indiretamente não haja uma referência à presença nordestina. Contudo, ainda são poucos os estudos sobre a importância desta migração para São Paulo, diferentemente do que ocorre com a imigração europeia ou asiática. A lembrança da migração nordestina parece ainda incomodar. Seus participantes ainda são vistos como intrusos, sem direito a memória nem história. Não são lembrados nas novelas da televisão ou em monumentos. Suas festas não fazem parte do roteiro turístico tradicional da cidade. Nem têm direito, sequer, a serem corretamente vinculados a seus estados de origem. Pelo contrário, são chamados genericamente de "baianos", tenham eles vindo do Rio Grande do Norte ou de Sergipe. Se hoje a hostilidade contra os "baianos" é quase nula, durante décadas ela esteve presente no cotidiano urbano, nas denominações depreciativas, nos xingamentos, nas piadas. "Baianada" foi sinônimo de burrice, assim como a expressão "parece baiano", que possuía um amplo significado, sempre depreciativo, indo desde a forma de se vestir, passando pela de se comportar, de agir. Não foi nada fácil escrever este livro. Como "A carta roubada" de Poe, apesar de tão visível, não há base documental suficiente para o trabalho do historiador. Não foi necessário queimar os arquivos, tal qual a determinação do célebre decreto assinado por Rui Barbosa, ordenando a destruição dos documentos sobre a

escravidão. Evidente que há registros, porém em número insuficiente frente a um dos maiores deslocamentos populacionais ocorrido no mundo ocidental no pós-Segunda Guerra Mundial até 1970, sem que o Estado fosse o elemento indutor do processo. A migração nordestina se espalhou pelo estado de São Paulo. Inicialmente, a ampla maioria destinou-se às fazendas de café ou algodão. Posteriormente dirigiram-se para a região metropolitana de São Paulo, especialmente a capital e o ABC (Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul). Este livro faz algumas menções à região do ABC, contudo o foco da pesquisa está concentrado na cidade de São Paulo. Em grande parte do livro, a voz não é do narrador, mas dos migrantes. São eles que relatam a viagem no pau de arara, a chegada a São Paulo, a dificuldade de adaptação, os empregos, a melhoria de vida, a educação dos filhos, a construção da tão almejada casa própria e o sentimento de solidariedade. É uma história, na maioria das vezes, de vitoriosos, que enfrentaram dificuldades, mas não esmoreceram. Muitos ascenderam socialmente, participaram da vida empresarial, cultural e sindical, e alguns fizeram carreira política. O êxito obtido foi produto de uma decisão individual, difícil de ser tomada: tiveram de partir, abandonar a terra natal. Não foram para outro país, porém é como se tivessem ido. São Paulo era outro mundo, com outra organização espacial, de trabalho, outras formas de sociabilidade, de lutas sociais e até mesmo outra maneira de falar o português. O universo tão presente das festas sertanejas inexistia. E

enfrentando todas essas adversidades, dezenas e dezenas de milhares de nordestinos chegaram a São Paulo. Analiso, igualmente, o processo de expulsão do sertanejo da sua localidade de origem, do seu mundo. Procurei apresentar como a elite nordestina tudo fez para se livrar do excedente de força de trabalho visto como elemento perturbador da ordem estabelecida, da ordem coronelística. A permanência da miséria - como se a roda da história não tivesse movimento e o presente fosse um eterno passado - paradoxalmente levou os sertanejos à mudança, à ruptura dos seculares laços de dominação, num processo individual de migração para o sul em escala nunca vista na história do Brasil. Se o foco principal é o migrante nordestino, o livro não deixa de lado a repercussão da grande migração no debate parlamentar e nas ações dos governos estaduais da região nordestina e do governo federal, especialmente entre os anos 1930-1980. E a cidade de São Paulo - com todas as suas contradições sociais e políticas - também é parte ativa desta história. CAPÍTULO 1 VOU DEIXAR A MINHA TERRA A migração nordestina para São Paulo tem uma longa história. Desde o último quartel do século XIX, especialmente após a grande seca de 1877-1879, quando morreram 600 mil nordestinos, cerca de 4% da população brasileira da época, há notícias de migrantes em São Paulo. Da região, entre 1879 e 1890, emigraram "mais de 350 mil pessoas maiores de dez anos, fato que só se repetiria com tal intensidade na década de 1950-1960".1

Como grande parte dos migrantes nordestinos era cearense, o governo provincial acabou financiando a viagem dos sertanejos. Foi criada na capital paulista até uma Hospedaria de Imigrantes e Retirantes Cearenses, de onde posteriormente eram encaminhados para fazendas no Vale do Paraíba ou do Oeste Paulista.2 Na imprensa cearense foram publicados diversos artigos defendendo que "o sul é pois hoje a nossa tábua de salvação. Em nome, pois, dos 800 mil infelizes condenados à morte, pedimos ao governo imperial que estabeleça a corrente de emigração, em todos os vapores".3 Nesse período, os migrantes passavam pela capital paulista e se dirigiam para o interior. São Paulo, em 1886, já era a maior cidade da província (com 47 mil habitantes), porém Campinas (com 41 mil habitantes) era o principal polo econômico e somente não se transformou em capital estadual devido aos sucessivos surtos de febre amarela ocorridos ali. O clima de São Paulo acabou pesando a favor de mantê-la como capital, pois economicamente a cidade nem sequer era o ponto de partida ou de chegada das principais ferrovias.4 O registro do número de "trabalhadores nacionais" - como eram denominados os migrantes - era muito falho, diferentemente do que ocorria com os estrangeiros. Isso pode explicar por que entre 1820 e 1900 existe somente a anotação da entrada de 965 migrantes contra 973.212 estrangeiros, para o mesmo período.5 Tudo indica que no início do século XX as estatísticas começaram a incorporar os migrantes, em

parte porque seu número efetivamente passou a ser importante no mercado de trabalho paulista. Na passagem do século XIX para o XX e nas duas primeiras décadas deste último, era evidente o predomínio inconteste da força de trabalho estrangeira, especialmente a italiana, que chegou a ocupar três quartos do mercado de trabalho nas indústrias. São Paulo era uma cidade europeia, ao menos na configuração da sua população. Na capital, de acordo com Antonio Picarollo imigrante italiano, professor e militante político -, tinha-se a "impressão de estar na Itália, na Itália de além-mar para onde, juntamente com a língua, são transportados os costumes, as tradições domésticas, as festas populares, tudo, enfim, o que nos pode lembrar de coração a nossa terra de origem".6 Entre 1890 e 1920, a população do Brasil cresceu pouco mais de 100%, porém o número de imigrantes teve um salto de mais de 300%. No estado de São Paulo a população quase triplicou no mesmo período, enquanto a de imigrantes aumentou 1.000% - mais da metade dos estrangeiros que viviam no país estava sediada no estado. E na capital estadual estavam concentrados 70% deles. Havia uma variação em sua origem. Entre 1890 e 1910, o domínio dos italianos era inconteste; já nos 1910 foram superados pelos espanhóis e portugueses. Em parte, a diminuição do número de italianos deveu-se à Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e à consequente mobilização militar na Itália.7 Das capitais brasileiras, São Paulo foi a única que na época moderna teve mais estrangeiros do que brasileiros. Em 1886, os brasileiros representavam 74% da população; em 1893, esse número tinha caído

sensivelmente. Eram 44%, ou seja, os estrangeiros já representavam a maioria dos habitantes da cidade. Sua população havia triplicado graças à imigração. E branqueado: em 1872, os brancos totalizavam 55%; em 1886, já eram 77%; quatro anos depois, chegaram a 81%; e, em 1893, representavam 87% dos habitantes.8 Até nos espaços urbanos de sociabilidade a presença de negros, mulatos e caboclos foi desaparecendo. No lugar das congadas e dos batuques foram surgindo salões de bailes, teatros e, no início do século XX, cinemas. Nesse momento, o deslocamento de mão de obra nacional para São Paulo foi de pouca importância. Por um lado porque não havia meios de transporte que permitissem um fluxo significativo de trabalhadores do Nordeste para o Sudeste; além disso, era o momento do auge da extração do látex na Amazônia, realizada, em grande parte, por nordestinos, em particular pelos cearenses, obrigados a migrar para a região desde a grande seca dos "três setes" (1877-1879). Outro fator limitador foi a construção ideológica, produzida desde a crise do trabalho escravo, de que o trabalhador nacional era indolente, pouco afeito às dificuldades do trabalho agrícola e sem aptidão para o mundo fabril: "Existia um forte preconceito contra a mão de obra nacional, indisciplinada, ociosa e violenta. Provavelmente era um preconceito com raízes claras na realidade. Ambas, imagem e realidade, surgiam da identificação do trabalho disciplinado com o

trabalho forçado (escravo) e da tradição e possibilidade de uma economia de subsistência com terras livres."9 À indolência - acentuada até pela literatura - era acrescido o gosto pela bebida, pelas festas, o absentismo, a violência, a indisciplina. Um, entre tantos outros exemplos, é o do personagem Jerônimo, do romance O cortiço, de Aluísio Azevedo. Era um português que tinha chegado ao Brasil, casado e com uma filha. Morava no cortiço de João Romão e trabalhava na pedreira, próxima à sua moradia: "Acordava todos os dias às quatro horas da manhã, fazia antes dos outros a sua lavagem à bica do pátio (...). A sua picareta era para os companheiros o toque de reunir. Aquela ferramenta movida por um pulso de Hércules valia bem os clarins de um regimento tocando alvorada. (...) E quando o sol desfechava sobre o píncaro da rocha seus primeiros raios, já encontrava de pé, a bater-se contra o gigante de granito, aquele mísero grupo de obscuros batalhadores. Jerônimo só voltava à casa ao descair da tarde, morto de fome e de fadiga." O português era o símbolo do bom trabalhador, representando para seus colegas um exemplo a ser seguido. Era o imigrante a caminho da ascensão social graças ao trabalho, à poupança e à perseverança. Porém, Jerônimo conheceu Rita Baiana, "volúvel como toda mestiça", e tudo mudou: "Uma transformação, lenta e profunda, operava-se nele, dia a dia, hora a hora, reviscerando-lhe o corpo e alando-lhe os sentidos, num trabalho misterioso e surdo de crisálida. A sua energia afrouxava lentamente: fazia-se contemplativo e

amoroso. A sua vida americana e a natureza do Brasil patenteavam-lhe agora aspectos imprevistos e sedutores que o comoviam; esquecia-se dos seus primitivos sonhos de ambição; para idealizar felicidades novas, picantes e violentas; tornava-se liberal; imprevidente e franco, mais amigo de gastar que de guardar; adquiria desejos, tomava gosto aos prazeres; e volvia-se preguiçoso resignandose, vencido, às imposições do sol e do calor, muralha de fogo com que o espírito eternamente revoltado do último tamoio entrincheirou a pátria contra os conquistadores aventureiros. E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirouse."10 Aos "trabalhadores nacionais", aqueles que chegaram à capital paulista, eram reservados trabalhos com salários mais baixos, geralmente no setor terciário e sem qualquer qualificação profissional: "A preferência pelos trabalhadores estrangeiros estava associada a uma rejeição em relação aos modos de viver da parcela nacional pobre, descritos como inadequados a uma cidade que procurava se desenvolver seguindo os moldes europeus de comportamento."11 A seca de 1915, fartamente noticiada na imprensa paulista,12 acabou permitindo, pela primeira vez na história do estado, uma tentativa de deslocamento em larga escala de força de trabalho nordestina, sobretudo do Ceará, para o interior de São Paulo, especialmente para as fazendas de café. Pelos jornais foi defendida a ideia da migração de cearenses sem que o estado pudesse ficar despovoado, pois, "dada a natalidade ali, pode-se dizer que em pouco tempo os claros serão preenchidos. Afinal, o Ceará é a China americana".13 O próprio governador cearense solicitou do presidente da República facilidades para

transportar flagelados para o Norte e para o Sul14 - e esta última região foi a novidade, tendo em vista que a migração para a Amazônia ocorria, de forma acentuada, há meio século. Se até 1919 a entrada de migrantes nacionais no sul do país nem sequer tinha ultrapassado 5 mil pessoas por ano, a partir de 1923 o fluxo acabou se intensificando, enquanto a entrada de estrangeiros diminuía percentualmente. Em 1928, pela primeira vez, o número de trabalhadores nacionais superou o de estrangeiros: do total de 96.278, 55.431 eram brasileiros.15 Logo começaram a surgir notícias de superexploração dos nordestinos, como a publicada no jornal O Combate, de que "retirantes cearenses", na Fazenda Santa Gertrudes, em Rio Claro, propriedade do conde de Prates, estariam sendo "maltratados e explorados, até que, cansados de tanto sofrer, procuraram o administrador e pediram suas contas, não sendo porém atendidos. Os maus-tratos continuavam, e os desditosos cearenses não podendo mais suportar o regime implantado pelo administrador da fazenda, algumas famílias - em número de seis - fugiram, indo para Rio Claro. Nessa cidade, andaram os infelizes pelas ruas acompanhados de policiais juntamente com o administrador que levava um 'rabo de tatu', fazendo lembrar os tempos bárbaros de escravidão".16 Dois anos depois, o Congresso Nacional foi palco de acaloradas discussões sobre a questão da imigração. Ainda não havia um apoio oficial explícito à migração dos "nacionais" (nordestinos e mineiros) para o sul. Surgiu uma proposta de imigração de negros norte-americanos para o Brasil, que logo contou com a enfática oposição dos deputados Cincinato Braga e Andrade Bezerra - que apresentaram um projeto na Câmara dos Deputados proibindo - e dos articulistas dos jornais cariocas.

Segundo O País, "os nossos bons pretos ver-se-iam logo suplantados e humilhados pelos outros, e irromperia dentro em pouco a mesma hostilidade rancorosa e recíproca que separa na União Americana as populações das duas cores". E que deveria ser mantida "severa vigilância na defesa desse patriotismo moral que é o caldeamento natural do sangue num tipo de evolução étnica do preto e do vermelho para o branco, que é o ideal, digam lá o que disserem". Já para o Correio da Manhã, "virá criar tal preconceito no país. Poderá despertar sentimentos que não temos". O Jornal foi mais direto: "O Brasil não pode se transformar em um refúgio de elementos étnicos inferiores", secundado por O Dia: "Ser-nos-ia um fator de degeneração a mais", e também por O Imparcial, no qual José Maria Bello escreveu que a chegada dos negros americanos "viria perturbar toda esta obra lenta e pacífica de depuração étnica".17 Não se sabe quantos dos migrantes nordestinos acabaram se dirigindo para a capital paulista ou se permaneceram no interior do estado. Estima-se que uma parte tenha se dirigido a São Paulo após ter passado alguns anos no interior. Mesmo entre os chegados do "norte" entre 1920-1923, por exemplo, há sempre uma diferença de 15 a 20% entre o número de chegados e aqueles encaminhados à hospedaria, estes últimos normalmente destinados às fazendas no interior do estado. Ou seja, uma parcela desses migrantes ficava, ao menos inicialmente, na capital.18 Como destaca José de Souza Martins, para os migrantes a "cidade de São Paulo aparecia para eles no fim de uma escala sucessiva de opções temporárias, experimentais, de deslocamento e busca. Esses são os extremos das migrações para a capital, que se desenham quando

a cidade deixa de ser o alternativo para se tornar o inevitável. É por meio deles que se pode compreender o mundo de significados, de ganhos e perdas, de invenções e supressões, que fazem de São Paulo um desembocar de Brasil".19 * As reflexões contrárias à imigração indiscriminada, especialmente de Alberto Torres e de Manoel Bomfim, influenciaram os constituintes de 1933-1934. Para Torres, era necessário controlar os núcleos coloniais, onde, segundo ele, se perpetuavam línguas e costumes alheios aos do Brasil, e onde governos estrangeiros começavam a exercer uma espécie de fiscalização política: "Insistimos na política de colonização, apesar da prova evidente de seus desastrosos resultados." Já Bomfim insistia que "dado o nível médio-mental, social e político das populações, não é possível a grossa e intensa injeção de imigrantes, sem que o desenvolvimento natural se desequilibre profundamente, sem que a vida geral da Nação se perturbe, e que todo o caráter nacional se ressinta".20 A crítica à imigração - no caso, a japonesa - era extensiva à literatura modernista: "O imperialismo japonês disciplinava a alma dos amarelos pequenos, retacos, dissimulados."21 O que estava ocorrendo no Brasil não era um fenômeno isolado. Depois da Primeira Grande Guerra "propagou-se no mundo inteiro uma vaga de nacionalismo que, uns após os outros, atingiu todos os países. Dessas tendências nacionalistas provém a preocupação de não deixar formar em seu seio núcleos estrangeiros capazes de reivindicar a autonomia cultural ou política e de comprometer a unidade moral e política da nação".22

As grandes greves operárias que marcaram o primeiro quartel do século XX, com presença hegemônica de trabalhadores estrangeiros, serviram como sinais de alerta para os empresários sulistas. Vários decretos de expulsão foram promulgados contra os "estrangeiros indesejáveis". Logo após a Revolução de 1930 manteve-se a política de proteção do trabalhador nacional, agora sob o manto nacionalista, e dessa forma foram limitadas as oportunidades de emprego aos operários estrangeiros. O decreto 19.482, de 12 de dezembro de 1930, pouco mais de um mês após a posse de Getúlio Vargas na chefia do Governo Provisório, restringia a entrada no território nacional de passageiros estrangeiros de terceira classe. Entre as justificativas, além da intervenção do Estado "em favor dos trabalhadores", estavam o desemprego e a mobilização política liderada pelos operários estrangeiros; "uma das causas do desemprego se encontra na entrada desordenada de estrangeiros, que nem sempre trazem o concurso útil de quaisquer capacidades, mas frequentemente contribuem para o aumento da desordem econômica e da insegurança social".23 Quase dois anos depois, a "lei dos dois terços", de 1932, restringia as empresas a aceitarem, no máximo, um terço de mão de obra estrangeira.24 No extremo, isso limitava o crescimento das indústrias e da própria agricultura, transformando a mão de obra nacional em elemento indispensável para o desenvolvimento dessas atividades. Como havia escassez de trabalhadores no Sudeste, abria-se como único caminho o deslocamento de outras regiões, onde havia abundância de força de trabalho.

Seria do Nordeste e de Minas Gerais que se deslocariam centenas de milhares de trabalhadores para o Sudeste. Retomava-se em escala nunca vista na história nordestina a emigração, já registrada na poesia popular: Vou deixar a minha terra, Vou para os matos d'além... Que aqui não acho serviço Para ganhar meu vintém! Vou soluçando saudoso Do Ceará, do meu bem! (...) E é dever de quem precisa, Por longe alcançar o pão, Se o não tem dentro de casa, Se o não tem no seu torrão... Deus ajuda a quem procura Cumprir sua obrigação. Vou, pois, às outras paragens, Como vai o passarinho Buscar comer para os filhos, Que choram dentro do ninho... Como volta ele contente

Trazendo cheio o biquinho! Assim, ó terra querida, Em Deus espero voltar, Para em teu seio mimoso Das fadigas descansar, Comendo o meu pão ganhado Em tão longínquo lidar. Que eu te amo tanto, ó pátria, Como não posso dizer; De teu sertão nas campinas Nasci e espero morrer: De ti me arrancaram somente Hoje a pobreza e o dever...25 Não é acidental, portanto, que durante os trabalhos da Assembleia Constituinte fosse duramente criticada a imigração de trabalhadores estrangeiros e, em contrapartida, valorizado o trabalhador nacional. Para um constituinte, o Brasil "tem uma raça tão forte (...) não pode trazer para o seu solo, prejudicando a sua vida social, a sua vida econômica, a sua vida política, e pondo a todos os instantes em perigo o sossego de seus filhos, uma espécie de gente que é, no dizer dos colegas que estudaram profundamente o assunto,

por demais perniciosa para os interesses nacionais".26 Um grupo de constituintes centrou suas críticas na imigração asiática (entenda-se, a japonesa) e de africanos, o que não se colocava no momento, mas funcionava como uma espécie de prevenção frente a alguma iniciativa neste sentido. Segundo o constituinte Miguel Couto, conceituado médico da época, deveria ser "proibida a imigração africana ou de origem africana, e só consentida a asiática, na proporção de 5%, anualmente, sobre a totalidade de imigrantes dessa procedência existentes em território nacional". Outros constituintes eram mais radicais, como Xavier Oliveira: "Para efeito de residência, é proibida a entrada no país de elementos das raças negra e amarela, de qualquer procedência." E justificava: "De orientais pouco assimiláveis, bastam no Brasil os cinco milhões que somos, os nordestinos e planaltinos de Minas, Bahia, Mato Grosso e Goiás, sem falar nos autóctones da Amazônia, os quais, quatro séculos de civilização passaram indiferentes à sua inferioridade patenteada numa decadência incontestável, que marcha para uma extinção talvez não remota."27 Opinião que não era compartilhada pela maioria dos constituintes. Um deles, Gaspar Saldanha, afirmou que o colono nacional "em nada é inferior ao estrangeiro e, ao contrário, lhe é superior na inteligência e, até, nos rudimentos de cultura, porque é necessário dizer, posto pareça ser um absurdo, que o colono estrangeiro não tem as mesmas luzes que o colono nacional".28

Se o discurso nacionalista impunha o trabalhador nacional leia-se, nordestino - como a solução para a carência de força de trabalho nas regiões Sul e Sudeste em oposição ao imigrante, tanto pelo lado da soberania nacional como pela "adaptação aos valores nativos", a elite nordestina não desejava manter o excedente de força de trabalho na região. Temia eventuais tensões: "O flagelado do século XX não tem a mesma mentalidade do flagelado dos séculos anteriores. Já na última seca registrou-se fato quase inédito; a invasão de retirantes nas cidades férteis, não para pedir esmolas, mas para tomar à viva força os alimentos de que precisavam para não morrer de fome. Demos aos flagelados o direito do trabalho se não quisermos que eles usem do direito do roubo."29 Assim como na grande seca de 1877-1879, a defesa da emigração dos sertanejos não foi uma determinação do governo central, algo que veio de fora e foi imposto à força no Nordeste. Pelo contrário: foi adotada enfaticamente pela elite regional como instrumento de contenção social. E que poderia servir, em caso de necessidade, como uma punição aplicada aos indóceis, aos contestadores da ordem coronelista: "Satisfazendo, assim, a mais urgente necessidade daquelas regiões e prestaria o governo um relevante serviço à nossa população, e quiçá à ordem pública."30 A 16 de julho de 1934, foi promulgada a segunda Constituição do período republicano. O artigo 121, parágrafo sexto, restringiu a imigração: "Sofrerá restrições necessárias à garantia da integração étnica e capacidade física e civil do imigrante, não podendo, porém, a corrente imigratória de cada

país exceder, anualmente, o limite de 2% sobre o número total dos respectivos nacionais fixados no Brasil durante os últimos cinquenta anos." Também vedava, no parágrafo sétimo, "a concentração de imigrantes em qualquer ponto do território da União, devendo a lei regular a seleção, localização e assimilação do alienígena". De 1848 a 1932, a Europa forneceu para o continente americano cerca de 52 milhões de emigrantes - somente no quinquênio 1906-1910 a média anual alcançou 1.415.000. Porém, desde então, ocorreu uma sensível queda, tanto que entre 1933-1937 o número de emigrantes transatlânticos caiu para apenas 100 mil pessoas. Esse fato deve ser atribuído principalmente às medidas "adotadas pelos Estados totalitários a fim de impedir o escoamento da sua substância viva, até mesmo pela Itália, onde a fecundidade ainda se mantinha elevada. Já não havia mais migrações internacionais, exceto a de refugiados políticos".31 O reflexo no Brasil foi drástico. Em 1930, entraram pouco mais de 30 mil estrangeiros, nos dois anos seguintes o número caiu para cerca da metade. Já em 1933, saltou para 33 mil, caindo no ano seguinte para 30 mil e em 1935 para 21 mil. Em 1936, diminuiu ainda mais: 14 mil; e em 1937 chegou a 12 mil.32 * Em São Paulo, a expansão econômica foi acentuada no decênio dos 1930, apesar dos efeitos da crise de 1929, que atingiu em cheio a produção de café, tanto que a participação brasileira no mercado mundial caiu 10% em relação ao decênio anterior enquanto cresceu a da Colômbia, rival brasileira no mercado

internacional, em razão do baixo custo de produção e da recusa de restringir o plantio. No campo paulista houve um significativo crescimento da produção de algodão e açúcar. 33 No caso do algodão, a produção estadual era de 3.934 toneladas no ano de 1930; isso quando, em 1931, em três estados nordestinos (Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) era de 52 mil toneladas, ou seja, treze vezes superior. Dez anos depois, a produção paulista tinha saltado para 307 mil toneladas, e a dos três estados juntos era de 91 mil toneladas, ou seja, tinha crescido 75%, e a paulista tinha dado um salto de quase 78 vezes.34 Na capital, incluindo a região do ABC, a indústria e o setor terciário da economia tiveram crescimentos acentuados. No caso do ABC, "o surto industrial é posterior a 1930, tendo se iniciado o movimento na década de 1920-1930, quando surge a tecelagem Matarazzo e a cerâmica São Caetano". Em 1924, havia na região 121 fábricas, em 1938 já eram 178, e em 1950 o número saltou para 413.35 O crescimento econômico fez com que aumentasse a demanda por mão de obra. Contudo, como havia o limite constitucional, além da lei dos dois terços, isso levou ao incentivo para a vinda de migrantes, mineiros e nordestinos, em sua ampla maioria. Daí que, como escreveu Mário Neme, de "1932 para cá o total de nacionais entrados em São Paulo passou de 18.345 sempre crescendo - a 100.139. Basta dizer que de 716.813 nacionais entrados durante mais de um século (1827 a 1939), mais da metade, 416.970, aparece de 1932 a 1939".36

O predomínio de trabalhadores nacionais, entre os recémchegados, incluindo os estrangeiros, se acentuou de tal forma que, no primeiro semestre de 1937, entre os 42.203 entrados no estado, 36.457 eram brasileiros. Para efeito de comparação, basta lembrar que, no mesmo período, entraram no estado somente 507 italianos - a corrente imigratória mais importante desde o último quartel do século XIX até o início da década de 1930 do século XX. Em 1935-1936 os imigrantes europeus nem sequer atingiram a cota estabelecida pelo Departamento Nacional do Povoamento. De 1930 a 1937 a imigração predominante foi de japoneses, que desbancaram os italianos: o ápice foi em 1933, com 24.151 pessoas. Mas as dificuldades colocadas pelo governo e a proximidade do início da guerra fizeram com que em 1938 chegassem 2.740 japoneses, e no ano seguinte somente 1.631.37 Dos brasileiros, a maior parte eram homens, ao menos aqueles que ingressaram pelo porto de Santos. A chegada dos migrantes a São Paulo não contava com pleno apoio dos estudiosos. Henrique Dória de Vasconcellos, por exemplo, acreditava que o deslocamento da população "prejudicará a economia dos mesmos e redundará em prejuízo para o próprio estado de São Paulo, cuja indústria tem interesse no aumento das riquezas das outras regiões do país, qFue absorvem o excesso dos seus artigos manufaturados. O resultado geral é, portanto, prejudicial aos interesses do país".38 A crítica, nesse momento, não era mais em relação ao suposto atraso cultural dos migrantes, especialmente dos nordestinos, que representavam a maioria daqueles que chegavam a São Paulo, mas à intensificação da migração que poderia conduzir à queda da produção agrícola, além da perda de mercado para a indústria nas regiões mais atrasadas.

O processo em desenvolvimento, porém, era muito distinto: havia amplo estoque de força de trabalho ocioso no campo, muito mais do que um exército de reserva, e sem qualquer perspectiva, a curto prazo, de inserção no mercado formal. Dessa forma, o deslocamento para a região economicamente mais desenvolvida, São Paulo, impulsionaria o desenvolvimento capitalista, em vez de criar um obstáculo para seu crescimento, ampliando o mercado urbano de consumo, sem atingir a demanda de força de trabalho no Nordeste. Pelo contrário, a migração distensionou a região, criando uma válvula de escape social, isso num momento ainda marcado pelo banditismo rural - um caso clássico é o de Lampião.39 A chegada dos nordestinos serviu também para "abrasileirar" São Paulo, alterando profundamente a origem étnica da população. Isso num estado onde, desde a segunda metade do século XIX, tinha se concentrado a imigração. Basta recordar que, em 1950, na capital, havia mais estrangeiros que brasileiros naturais de outros estados - recordando que a migração tinha superado a imigração havia mais de vinte anos. Também acabou servindo para diversificar a população e seus eleitores, rompendo vínculos construídos ao longo dos decênios e enfraquecendo as lideranças tradicionais do velho Partido Republicano Paulista. É associada à elaboração da legislação trabalhista e sua vinculação com a figura de Getúlio Vargas, levando à formação de um sólido núcleo de apoio ao presidente-ditador, como nas eleições de 1945 e 1950, quando obteve consagradoras votações no estado, particularmente na capital paulista, elegendo-se deputado federal, senador e presidente da República.

A entrada de migrantes continuou crescendo. De nada valeram medidas como a do governo baiano, que criou um imposto sobre as passagens de terceira classe vendidas para viagens interestaduais. A migração era uma tendência e não seria interrompida por medidas legais. Vinha desde 1928, quando, pela primeira vez, a chegada de brasileiros ao estado de São Paulo foi superior à de estrangeiros. Naquele ano, foram 55.431 brasileiros contra 46.847 estrangeiros. De 1928 até 1933 retomou o predomínio da entrada dos estrangeiros, mas a partir de 1934 os trabalhadores nacionais voltaram à liderança, que não mais perderiam, mesmo com o fim do subsídio pago pelo governo estadual. Basta registrar que, em 1939, ano inicial da Segunda Guerra Mundial, chegaram a São Paulo 100.139 brasileiros, dos quais 66.492 provenientes da Bahia, contra somente 12.207 estrangeiros. A seca daquele ano, que atingiu duramente a Bahia, a melhoria das vias de transporte, a queda na entrada de imigrantes e, especialmente, a procura por força de trabalho em São Paulo explicam esse enorme crescimento migratório. O predomínio dos baianos era evidente. De 1936 a 1939 entraram no estado 247.966 migrantes, dos quais 120.623 eram baianos, cerca de 50%. Logo depois vinha Minas Gerais, com 56.034, seguido de Alagoas e Pernambuco, com 23.378 e 20.444, respectivamente.40 Nos últimos 11 anos (1928-1939), nem sempre as secas estiveram relacionadas com a intensificação da migração. Em 1930, chegaram ao estado apenas 8.720 migrantes, isso quando em 1928 tinham alcançado a cifra de 55 mil, e em 1929 pouco mais de 50 mil. Evidentemente que a Crise de 1929 e seus trágicos efeitos na economia

cafeeira paulista explicam essa queda. Mesmo com a seca de 1932-1933 a migração ainda foi baixa (18.345 e 30.330, respectivamente), apesar de ter aumentado sensivelmente em 1933. Daí para diante o número sempre cresceu.41 A adoção, por parte do governo estadual, de um sistema de contrato com companhias particulares para a introdução de trabalhadores nacionais - quando da gestão de Armando de Salles Oliveira - teve, principalmente, o objetivo de alocar mão de obra à expansão agrícola da Alta Paulista e Alta Araraquarense. Em 1935, do total de 52.747 migrantes, 19.784 o foram por iniciativa estatal. Para efeito de comparação, basta ver que, dos trabalhadores estrangeiros entrados no estado no mesmo ano, um total de 19.846, somente 429 tiveram apoio governamental, os outros 19.417 estão entre os considerados espontâneos.42 Em 1939, foi criada a Inspetoria de Trabalhadores Migrantes (ITM). Funcionários foram designados para os terminais ferroviários de Montes Claros e Pirapora, de onde selecionavam os migrantes e os encaminhavam para São Paulo. A participação direta do governo estadual foi determinante para o aumento significativo da migração de trabalhadores nacionais, especialmente nordestinos e mineiros da região do Polígono das Secas.43 A premente necessidade de força de trabalho relegou a segundo plano as considerações negativas - e preconceituosas - acerca do migrante nordestino. Mesmo assim, no campo político, o tema acabou sendo

muito explorado, especialmente devido aos acontecimentos relacionados à Revolução de 1932 - e dessa vez no próprio Nordeste. A imprensa local aproveitou o conflito para especular que uma possível derrota do governo central interromperia a ajuda econômica à região, isso em plena seca: "500 mil famintos invadiriam as nossas vilas e cidades, no delírio da fome. Que seria do comércio? Que seria dos barcos? Que seria das propriedades? E deles próprios? 500 mil desamparados pelo ódio regional?"44 Durante todo o ano de 1932 chegaram à capital pela via ferroviária, vindos de Pirapora, Minas Gerais, cidade às margens do rio São Francisco, 4.433 nordestinos - e nos dois primeiros meses de 1933 entraram quase que em mesmo número que o total do ano anterior: 4.295. Nesses dois momentos houve um predomínio de baianos, de 80 a 90% do total, de homens (62%) e de analfabetos (67%).45 Setores minoritários da elite política paulista insistiam em desqualificar e acentuar as "diferenças" entre São Paulo e o resto do Brasil, especialmente o Nordeste. De acordo com Alfredo Ellis Júnior, nada nos unia: nem a raça, nem os costumes, nem a economia: "As diferenças raciais, entre nós, ainda são tão nítidas, tão transparentes, que não pode haver quem de boa fé se possa enganar." Continua o autor: "São Paulo, por exemplo, tem, como Santa Catarina, 85% de brancos puros. A Bahia só tem 33%." Por isso, no sul, "o índice craneano desses brasileiros se eleva um pouco mais, e as proporções somáticas tendem ainda a se diversificar na mesma relação". Enquanto que o

"amongoilamento do tipo nordestino já é clássico e por demais conhecido, para que honestamente possa ser contestado. Se às vezes esse amongoilamento desaparece, deixa entretanto a platicefalia, vestígio do amerindiano". Já o retrato do italiano, para Ellis Júnior, era muito distinto: "Ainda que toda tradição histórica de suas famílias seja italiana, esses filhos de italianos não possuem mentalidade de italianos. Adaptaram-se de tal forma ao ambiente em que vivem que essa gente hoje tem mentalidade idêntica à dos paulistas. São, sob esse aspecto, tão paulistas quanto os descendentes dos companheiros de Martim Afonso." E concluiu: "Preferem admirar toda a rudeza selvática de um João Ramalho, ou a bravura agreste de um Borba Gato, ou a poesia que envolve as lendas de Pedro Taques, ou ainda a firmeza rígida de um Feijó, do que toda a habilidade mágica de um Rafael, toda a ferocidade mórbida de um César Bórgia, ou a previsão de um Cavour, o cavalheirismo épico de um Garibaldi, ou a arte sublime de um Verdi."46 O Brasil ainda estava marcado pelo regionalismo. E os estereótipos eram explorados politicamente pelas elites locais. Basta observar este poema popular, de 1932, de viés antipaulista: O povo daquele Estado É inimigo do Norte Eles não ligam importância A nossa boa ou má sorte,

Por isso é que nós devemos Mover-lhe guerra de morte. Os paulistas chamam o Norte Atraso do seu Estado, Lhe chamam carro de boi Que por eles é arrastado Entendem que o Nordeste Deve ser abandonado. Para eles o nordestino É preguiçoso, é ruim, Entendem que o Nordeste Merecia levar fim, Agora eles vão saber Que a coisa não é assim.47 * Na década de 1940, chegaram ao estado pouco mais de 430 mil pessoas; dessas, 396 mil por via terrestre. Dos que entraram pelo porto de Santos, 32 mil eram migrantes, e apenas 2.854 embarcaram em portos estrangeiros. A Segunda Guerra Mundial teve influência direta nesses números: em 1942, foram 334; em 1943, apenas 45; no

ano seguinte, 76; e em 1945, último ano da guerra, ingressaram no estado por via portuária somente 473 estrangeiros.48 Dos 396 mil que chegaram por via terrestre, a maioria era nordestina, com a ampla predominância dos baianos - quase 149 mil -, ficando em segundo lugar os pernambucanos, com 33 mil, seguidos de muito perto pelos alagoanos, que alcançaram o incrível número de 32 mil, isso num estado pequeno e com população sensivelmente inferior à de Pernambuco ou da Bahia. Vale destacar que, no início dos anos 1930, São Paulo estava em quinto lugar entre os destinos preferidos pelos migrantes baianos. Isso começou a mudar a partir de 1936, e desde então o estado passou a liderar a lista.49 Os migrantes mineiros alcançaram o segundo lugar, com 118 mil pessoas, 48% das quais oriundas das regiões norte e noroeste do estado marcadas pela seca. Do total geral de migrantes, dois terços eram componentes de famílias (268.044) e 307 mil tinham mais de 12 anos. Os homens eram claramente predominantes (284 mil), e o número de solteiros (267 mil) pouco mais do que o dobro em relação ao de casados.50 Se compararmos esses números com os dos imigrantes entrados pelo porto de Santos, entre 1908 e 1936, temos porcentagens muito parecidas. Portugueses, espanhóis, italianos, japoneses, alemães e turcos, sempre os de sexo masculino, representaram mais de 60% das entradas. Entre os espanhóis, 72% eram analfabetos, entre os portugueses eram 57%, 40% entre os italianos e 61% entre os turcos. O nível de escolaridade era

baixo tanto entre os migrantes como entre os imigrantes - e o predomínio dos homens era evidente nos dois tipos de trabalhadores.51 O crescimento da migração esteve também vinculado ao sucesso econômico paulista e à decadência do setor primário nordestino, que reforçava os fatores para a expulsão de mão de obra. Na agricultura, a produção de São Paulo, em 1939, representava 25% da produção nacional. Em 1950, havia saltado para 34%. Já o setor industrial estadual participava, em 1939, com 39% da produção nacional; em 1950 esse número tinha saltado para 49%.52 Foi o dinamismo econômico que possibilitou absorver os milhares de migrantes e, ao mesmo tempo, estimular a chegada de mais nordestinos. Por outro lado, a agricultura nordestina mantinha-se com técnicas atrasadas. A produtividade era muito baixa. Basta observar os dados do Censo de 1940. Em todo o Nordeste havia 8.429 arados, enquanto São Paulo contava com 168 mil; o número de semeadeiras em São Paulo chegava a 60 mil, e no Nordeste não passavam de 2.110; já em relação aos tratores, São Paulo tinha seis vezes mais que todo o Nordeste.53 De símbolo do atraso nacional, o sertanejo nordestino retornou ao primeiro plano da cena política, agora como solução para o problema de mão de obra nas áreas mais dinâmicas da economia nacional: Rio de Janeiro, Paraná e, especialmente, São Paulo. A célebre passagem de Os sertões, de Euclides da Cunha, voltou a fazer parte do linguajar cotidiano da política brasileira: o sertanejo era novamente um forte.

CAPÍTULO 2 AS LEVAS NATIVAS Em 1948, Monte Azul, pequena e pobre cidade mineira do noroeste do estado, com pouco mais de dois mil habitantes, recebeu a extensão do ramal Estrada de Ferro Central do Brasil, vinda de Montes Claros. De lá partia outra linha, em sentido oposto: a da Viação Ferroviária Leste Brasileiro, que alcançava a capital da Bahia, Salvador. A facilidade do transporte ferroviário até a cidade, o preço da passagem - mais barata que o caminhão pau de arara -, a proximidade do sertão baiano estava a pouco mais de cinquenta quilômetros da divisa entre os dois estados fizeram com que Monte Azul se transformasse numa das estações mais movimentadas da Central do Brasil. Somente em 1951 embarcaram de lá com destino a São Paulo 41.115 passageiros - número vinte vezes superior ao da população da cidade; enquanto que de Montes Claros foram 11.230, e de Pirapora pouco mais de 3.200.1 Monte Azul se transformou em passagem quase que obrigatória para todos aqueles que fugiam da seca e das mazelas do mundo sertanejo: "Saía-se daqui a cavalo ou a pé até o Inhambupe, a sete léguas de chão batido nos cascos. Em Inhambupe, esperava-se à beira da estrada por um transporte motorizado qualquer para Alagoinhas. Mais oito léguas.

Dormia-se na estação de Alagoinhas, à espera do trem de Aracaju ou o de Juazeiro para Salvador, a capital do estado. Mais umas dezoito ou vinte léguas. E todas as esperas e baldeações eram só os preparativos da grande viagem, que começava mesmo em Salvador, que o velho povo chamava de cidade da Bahia. A grande viagem levava sete dias e sete noites, num trem que descarrilhava sempre num lugar chamado Monte Azul, lá pelos ermos de Minas Gerais, no meio do caminho. Sobreviver ao descarrilamento era o melhor da viagem."2 O cearense Moacir Assunção partiu de Araripe, no sul do estado, passou pelo Crato, percorreu todo o estado da Bahia até chegar a Monte Azul, acompanhado de 11 conterrâneos num caminhão pau de arara. Nas paradas comia o mínimo possível: "A gente era tão matuto que a moça do restaurante perguntou para um primo meu se queria palito de dente e ele disse que estava com a barriga cheia." Com os trens sempre lotados, a saída foi invadir o vagão de carga: "Lá viajava uma burra brava que dava coice para todo lado." Os cearenses viajaram num extremo do vagão, e a burra no outro. Poucas horas depois, com o sacolejar do trem, a burra acabou se soltando, tornando impossível a permanência deles naquele vagão. Acabaram tendo que viajar em outro vagão de carga ocupado por dormentes: "A gente dormia em cima da madeira duríssima, quase morrendo de dor nas costas."3 Em outras secas também tinha ocorrido uma migração em direção às estradas e às estações ferroviárias: "As estradas

que levam aos portos de Mossoró, Areia Branca e Macau estão cheias de retirantes, que vão se arrastando, fugindo do calvário da sua miséria, havendo entre esses muitas vítimas que caem inanimadas por não suportarem as fadigas e a duração da viagem." Ou: "Os trens da Great Western e da Central chegavam abarrotados, porque, numa espécie de delírio da fuga, todo mundo, à margem das estradas de ferro, perdida a esperança de inverno gastava o último vintém na compra de uma passagem para esta capital."4 O que distinguiu esses anos de outros momentos de forte migração foi a quantidade numérica de retirantes e o sentido do deslocamento. O destino não eram as cidades médias do sertão ou o litoral, mas o sul, especialmente São Paulo, a capital federal e o Paraná. Em Monte Azul chegavam centenas de migrantes por dia, muitos deles após longa caminhada pelo sertão, "através da caatinga, cortando-a de todos os lados. Vêm de todas as partes do Nordeste na viagem de espantos, cortam a caatinga abrindo passo pelos espinhos, vencendo as cobras traiçoeiras, vencendo a sede e a fome, os pés calçados nas alpargatas de couro, as mãos rasgadas, os rostos feridos, os corações em desespero."5 Vá logo ao chiqueiro Amarre a cabritinha E mate a galinha Que está no terreiro, Leve o candeeiro E duas panelas,

Arrume as tigelas E se tiver xerém, Cozinhe o que tem, Prepare as canelas. E lá se vai de estrada afora O velho com um matulão, Um chapéu velho de couro, Uma calça de algodão, Com uma enxada no ombro, Dizendo adeus ao sertão.6 O rádio também teve importante papel na migração. Revistas, jornais, filmes raramente chegavam ao sertão. O que se sabia (e se imaginava) do sul era construído pelo sertanejo através das ondas do rádio. As emissoras cariocas, especialmente até meados dos anos 1960, eram as mais ouvidas no sertão: "Rodando, depois da meia-noite, no piso de terra da Rio-Bahia, atravessamos, sob a luz da lua cheia que parecia dia, o arruado baiano de uma longa fila de casas cobertas de palha. No silêncio do começo da madrugada, a voz possante de Carlos Lacerda, à medida que o carro passava diante das janelas, saltava de um rádio para outro, sem que se perdesse uma palavra."7 Diz uma migrante do sertão da Paraíba: "Todo mundo falava em São Paulo. Eu acordava às três horas da manhã, quando o rádio pegava programas de longe,

e ficava ouvindo."8 Um repórter testemunhou uma dessas peregrinações: "Caminhavam, cambaleantes, e vários mortos já haviam ficado para trás. Voando sinistramente sobre os retirantes, um bando de urubus se projetava contra o azul do céu. Os fugitivos cambaleavam e alguns deles permaneciam alguns minutos deitados, procurando descansar sobre a terra que parecia arder. Bastava que se deixassem ficar deitados para que o bando de urubus se atirasse sobre o retirante caído. Esfomeados, atacavam a vítima ainda em vida. Somente quando o retirante corria para junto dos demais companheiros é que deixavam de atacá-los."9 O quadro descrito pela reportagem é muito semelhante às imagens aterradoras dos retirantes do livro Vidas secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938, e das telas a óleo Os retirantes e Criança morta, de Cândido Portinari, ambas de 1944. Logo após a chegada a Monte Azul, dirigiam-se à estação ferroviária, sempre superlotada. Queriam partir para São Paulo o mais rápido possível. Porém, o trem saía somente uma vez por dia, uma composição com cinco vagões, um de primeira classe e os restantes de segunda classe - às segundas e sextas havia também o chamado noturno baiano, com a mesma capacidade. Além de tudo, a cota de passagens destinada à cidade era insuficiente frente à demanda. Muitos tinham de permanecer mais de uma semana aguardando a partida do trem: "Chegava lá, ficava quinze dias, vinte, esperando comprar passagem pra São Paulo; era na fila, ficava aquele bando de gente. Ficava aquele povo ali, passava fome até, dava certo e ia embora."10 Era comum a

presença média de 4 mil retirantes nas proximidades da estação, quase que o dobro da população de Monte Azul. Xique-xique, mucunã, Raiz de imbu e cole, Feijão brabo, catolé, Macambira, imbiratã, Do pau pedra, a carimã, A paneira e o murrão, Maniçoba e gordião, Comendo isso todo o dia, Incha e causa hidropisia, Foge, povo do sertão! (...) Os que para o brejo vão Morrem de epidemia; Sofrem fome todo o dia Os que ficam no sertão, Neste pego de aflição. Vai o sertão ficar vago! À memória tudo eu trago Repassando de tristeza,

Ó Deus, que és pai da pobreza, Dai-nos pão, dai-nos afago!11 Os guichês tinham filas intermináveis. As famílias aguardavam a abertura pacientemente. Exaustos, depois de uma longa viagem, com pouco dinheiro para os gastos e com uma reserva escassa de víveres - de farinha seca e rapadura -, espalhavamse pelo saguão da estação com seus filhos, sacolas, trouxas e tudo o que de precioso possuíam: "Algumas mulheres levantam a cabeça. Viram para mim o rosto de feições endurecidas, como se fosse de barro. Seus olhos de córnea muito branca, sem nenhuma veia, ficam parados. Tem o rosto amarelo-pálido (quando elas dormem parecem estar mortas), os cabelos corridos e sujos, que caem sobre a boca."12 Para os migrantes, qualquer sofrimento parecia menor do que o que tinham acumulado ao longo das suas vidas. E tinham a esperança de uma vida melhor em São Paulo. Restava, mais uma vez, esperar: velhos, moços, homens, mulheres e crianças dormiam espalhados pelo chão. Às 22 horas, os motores movidos a diesel que geravam eletricidade eram desligados, e a cidade ficava às escuras. O silêncio da noite era entrecortado pelo choro das crianças com fome. Muitas pessoas estavam doentes e, como não havia atendimento médico, morriam antes da partida do trem. Enquanto aguardavam, os migrantes eram explorados por vendedores e aliciadores. Donos de pensão - e eram 18 estabelecimentos, quando na cidade havia somente 17 ruas enviavam seus empregados à estação oferecendo seus serviços. Como o convite não era aceito, passaram a uniformizá-los como se fossem policiais. Na estação, os falsos

policiais comunicavam aos migrantes que era proibido dormir naquele lugar. Estes se retiravam para a área externa e lá encontravam os agenciadores, que indicavam onde se localizavam as pensões. Nelas os migrantes permaneciam até conseguir comprar as passagens. A de segunda classe, em 1952, custava 94 cruzeiros; já a passagem de primeira classe era bem mais cara: 260 cruzeiros. Quando recebiam a notícia da chegada do trem, que constantemente atrasava, corriam para a estação. Mal a composição parava, os passageiros entravam pelas portas e janelas à procura de lugares para sentar. Cada trem partia com dezenas de passageiros sem terem assento, pois a empresa vendia mais passagens do que a lotação regular. Os "bancos são pregados no sentido longitudinal, isto é, encostados às paredes do vagão. A lotação assim pode ser aumentada de muitas vezes; é para setenta pessoas, viajam 150. Muitos viajam em pé, razão pela qual as pernas chegam a inchar. Algumas mulheres, já com varizes, são obrigadas a interromper a viagem".13 Um passageiro mostrou seu pé para um jornalista do Última Hora: "Está enorme, disforme. Tirou o sapato pois não mais aguentava de dor. Pouco depois informa que há sete dias está na mesma posição. De vez em quando, assim que o pessoal se afasta um pouco, dá uns passos para evitar a paralisia. Está febril, doente, visivelmente acabado. Perguntamos como se arruma para dormir em pé. Em pé mesmo, foi a resposta."14 E muitos viajaram desta forma: "Fui em 1951, fui de trem. Pegamos aqui em Manuel Vitorino [Bahia], dia de quarta-feira, duas horas da tarde. Fomos em pé daqui até lá porque não tinha lugar de sentar, em

pé, o trem vinha superlotado. Para entrar em Manuel Vitorino, foi jogar as malas pelas janelas (...). Nós jogamos a mala por cima; jogamos as malas e entramos. Ficamos no lavatório, banheiro aqui, lavatório ali. Viajamos daqui até São Paulo em pé."15 Outros se abrigavam nas plataformas, fora dos vagões, pois não havia lugar para ocupar no interior das composições. Passavam a maior parte da viagem acordados, com medo de dormirem e caírem do vagão. Alguns pediam que fossem amarrados ao gradeado do vagão para poderem descansar, com receio de despencarem nos trilhos. A composição partia com os vagões superlotados. Passavam por várias cidades até chegar, 239 quilômetros depois, a Montes Claros, espécie de capital regional, isto após 18 horas de viagem e vinte estações pelo caminho. Esta cidade recebia principalmente migrantes que vinham de outras localidades do norte de Minas Gerais e da região central da Bahia, destacando-se a Chapada Diamantina. De Montes Claros, o trem percorria 263 quilômetros até Corinto, a antiga Curralinho, onde havia um entroncamento de três linhas: a que vinha de Montes Claros, o ramal de Diamantina e o de Pirapora. Pirapora era o ponto final de uma longa viagem pelo rio São Francisco. Os passageiros embarcavam em Juazeiro - onde chegavam pelas estradas de ferro Leste Brasileiro e PetrolinaTeresina -, vindos principalmente do Ceará, Sergipe, Alagoas, Piauí e Pernambuco; além de milhares que alcançavam a cidade a pé, deixando pelo caminho parte da família, morta: "Interesse era embarcar quanto antes, deixar para trás a lembrança da viagem pela caatinga, a saudade dos mortos, a recordação de tanto sofrimento. Não havia entre tantas famílias

acampadas na praça quase nenhuma que contasse com o mesmo número de pessoas com que partira. Todos tinham histórias para narrar, e nenhuma delas era alegre. Por tudo isso, o que desejavam era embarcar quanto antes."16 Subiam o rio até Pirapora, numa viagem de 1.353 quilômetros, gastando, muitas vezes, 19 dias nesse trajeto. Havia inúmeras paradas pelo caminho: iam entrando passageiros oriundos das cidades e dos povoados próximos ao rio. As "acomodações de segunda classe, onde os trabalhadores viajam, são precárias, porque os mesmos vêm misturados com a carga, inclusive o gado. Não é possível, nessas condições, proporcionar um mínimo de higiene e de conforto, que tanto seria desejável. Queixam-se ainda os trabalhadores amargamente da alimentação que lhes é fornecida".17 Muito antes da grande migração, em 1923, as condições da viagem eram péssimas: "Os vapores, quando descem, como nos afirmam, apanham o mais que podem desses viajantes, e voltam da Lapa a Pirapora levando-os literalmente empilhados como sardinha em lata, deixando um grande stock que fica à espera de outro vapor e às vezes vai sendo engrossado por novos emigrantes que chegam do sertão." Na segunda classe, os passageiros viajavam ao lado das máquinas e do carregamento de lenha: "Tomei o vaporzinho 'Juazeiro' que já chegara a Lapa atulhado de passageiros da segunda classe. Em Malhada, trinta léguas acima, o Comandante admitiu mais 118. Foram cinco dias da mais torpe condição de higiene e desconforto, a que somente a suprema irresponsabilidade da administração poderia conduzir. Um jacaré que se apontasse à margem, o barco inclinava-se perigosamente com a deslocação dos curiosos. 'Volta, pessoal.' Eram gritos aflitos dos mais prudentes."18

O trânsito das embarcações pelo rio não era nada fácil: "Durante sete ou oito meses de cada ano (período normal de estiagem), a navegação, além de precária, chega a ter riscos. Raro é o navio que, de torna viagem, não precisa entrar para o estaleiro, dando origem a gastos extraordinários de material, pessoal e de tempo roubado no tráfego." Eram "más as condições de navegabilidade do rio, cheio de abrolhos e corredeiras, quando não são os bancos movediços e até madeiros enormes que, frequentemente, obstruem canais e passagens forçadas". Desta forma, "sobrevivem, então, dificuldades sem número, os encalhes, os naufrágios, a demora das baldeações".19 A estadia forçada em Pirapora era um custo adicional para os migrantes, pois viajavam com poucos recursos: "Peguei um trem em Jacobina pra Juazeiro, de Juazeiro peguei um vapor pra Pirapora, Minas Gerais, e de lá para São Paulo, mas em Juazeiro o vapor São Francisco levou quinze dias para aparecer porque ele tava devagar no São Francisco porque o rio tava seco."20 Em Corinto, mal desciam do trem. Muitos estavam doentes, famintos, sem dinheiro. E exaustos. Tinham viajado 502 quilômetros, passado por quarenta estações e permanecido mais de um dia dentro do trem, sendo que alguns continuavam viajando de pé. E somente tinham percorrido um terço do caminho para São Paulo.21 De lá, em pleno sertão mineiro, até Belo Horizonte, eram mais 35 estações. Chegando à capital mineira, tinham de fazer a baldeação. Contudo, nem sempre encontravam pronta para a partida a composição que se destinava a São Paulo. Só restava se abrigar na estação:

"Enrolados em lençóis, em panos brancos, tentando conciliar o sono, no ladrilho, no cimento, nos bancos, tendo malas e sacos por travesseiro."22 Da capital mineira, o trem seguia para Barra do Piraí, no estado do Rio de Janeiro, onde havia o entroncamento com destino a São Paulo. Percorriam mais centenas de quilômetros, passando por dezenas de estações. Mas para chegar à Terra da Promissão ainda restavam 391 quilômetros e 74 estações. Em todo o trajeto percorreriam 1.637 quilômetros e 225 estações em três estados, sem esquecer que, em boa parte delas, a composição parava para carga e descarga.23 A comida seca aumentava a sede. Faltava água. Nas estações, alguns desciam desesperados à procura do precioso líquido. Na maioria das vezes nada encontravam. Isso quando não eram abandonados na estação com a partida súbita do trem. Disse uma passageira, depois de dez dias dentro do trem: "Nunca mais, nunca mais faço essa viagem. Isto é pior que o inferno. Quase todos doentes, na miséria, só se ouve gritos e gemidos a todo instante. A passagem que paguei levou quase todas as minhas economias, o resto foi gasto pelo caminho em comida. Que vou fazer agora em São Paulo? Sem dinheiro, sem emprego em vista, sem nada?"24 Minas Gerais era o estado com a maior malha ferroviária no Brasil no final dos anos 1940: 8.449 quilômetros. O intenso tráfego dos trens (de cargas e de passageiros) e o mau estado de conservação das

ferrovias facilitavam a ocorrência de graves acidentes, sempre com um grande número de mortos e feridos. O maior número de desastres ocorria justamente nas linhas por onde transitavam os migrantes e, geralmente, no período noturno. Um deles, a 20 de setembro de 1951, próximo a Barbacena, teve vinte vítimas fatais e cem feridos, boa parte em estado grave.25 Em outro, a 12 de fevereiro do mesmo ano, em Taubaté, no Vale do Paraíba paulista, um trem de carga descarrilou e interrompeu o tráfego entre São Paulo e Rio de Janeiro. Os desastres nem sempre deixavam vítimas, porém, ao impedir o fluxo normal de trens acabavam criando outro grave problema: nas estações anteriores a Taubaté, os trens que saíam do Rio de Janeiro rumo à capital paulista iam parando nas localidades, aguardando os reparos e o restabelecimento do tráfego. Como as condições de higiene eram precárias, logo os vagões ficavam em estado deplorável. Além de tudo, faltavam alimentos e água: era comum a morte de passageiros, especialmente crianças subalimentadas e doentes. Muitos passageiros tinham crise nervosa e eram internados pelo caminho em Casas de Saúde.26 A viagem estava cercada de tragédias: "Um deslocado viajava em carro apinhadíssimo de passageiros. Estava de pé, com um filhinho nos braços, enquanto a mulher, sentada, cuidava dos outros. Fora empurrado até a janela e ocupava um pequeno espaço. Moído e cansado, quando cochilava, recebeu involuntário e imprevisto empurrão, e deixou escapulir o garotinho pela janela também. Foi dado o alarma. O trem parou. A criança morrera na queda. O homem se ferira também, pois caíra sobre pedras. E veio ele

chorando, ao longo dos trilhos, com o cadaverzinho nos braços."27 A morte de crianças era uma rotina nas viagens. Malalimentadas, cercadas por um ambiente fétido, adoeciam e muitas morriam: "Uma criança de apenas um mês de existência chora, já sem forças, nos braços da mãe. Está com fome e não há quase nada para comer. Não traz roupa alguma. Seu pequeno corpo está sujo, coberto de equimoses e mordidas de inseto. Os mosquitos passeiam livremente pelo rosto do menino. Uma disenteria fortíssima consome as poucas energias do recém-nascido. A mãe está desesperada. Seus olhos tristes bem demonstram o sofrimento."28 Devido à superlotação do pau de arara em que veio, faltavam lugares e as crianças viajavam debaixo dos bancos. Uma delas morreu no percurso e viajaram quase um dia com a menina morta, até chegarem a uma cidadezinha, onde puderam enterrála.29 E o trem continuava sua marcha para São Paulo: "O sertão estava todo se mudando para o sul."30 E mudando em escala nunca vista na história do Brasil. Em 1951, dos 210 mil migrantes que entraram no estado de São Paulo, um número ínfimo, pouco mais de 4 mil, chegou por via marítima estes viajavam na terceira classe dos navios, aportavam em Santos e dali seguiam para a capital paulista. Por estrada de ferro chegaram 163 mil, dos quais mais de 72 mil vindos da Bahia, 16 mil de Minas Gerais e mais de 12 mil de Alagoas número expressivo tendo em vista a pequena extensão territorial do estado e a população

sensivelmente inferior aos grandes estados do Nordeste (por via rodoviária chegaram mais de sete mil, perfazendo um total de quase 20 mil alagoanos em um só ano). Para efeito de comparação, basta citar que, de acordo com as estatísticas oficiais, entraram em 1951 somente um migrante do Rio Grande do Sul e outro de Santa Catarina. A onda migratória para São Paulo foi uma verdadeira revolução demográfica. Em 1952 chegaram mais de 250 mil. Em 1951, o coeficiente de emigração de algumas cidades superou 20%, como os de Monte Azul, em Minas Gerais; Brumado e Caculé, na Bahia; ou Parnamirim, em Pernambuco. Pequenos estados, como Alagoas, tinham um número de emigrados em São Paulo próximo ao de Pernambuco. Nos anos 1950-1952, a participação dos mineiros entre os migrantes nacionais entrados em São Paulo caiu de 27% para 21% no ano seguinte e foi para 17% em 1952. A maioria deles eram membros de famílias, 70% eram homens, 96% analfabetos e a maioria absoluta era de brancos.31 O predomínio da ferrovia era inconteste: se 72 mil chegaram da Bahia por este meio de transporte, pouco mais de três mil vieram por estrada de rodagem. O que demonstrava que a maior parte dos migrantes, nesses anos, ainda era proveniente do sertão e não de áreas mais próximas à Rio-Bahia. Pela via rodoviária entraram, em

1951, no estado de São Paulo, mais migrantes vindos de Pernambuco, Ceará e Alagoas, nesta ordem, do que baianos. Dos pouco mais de 205 mil migrantes terrestres, mais de 75% estavam constituídos em famílias, 35% eram casados, 71% eram do sexo masculino, 76% tinham mais de 12 anos, pouco mais de 95% viajavam por conta própria, e somente 4,6% tinham obtido ajuda do governo estadual paulista.32 * A inauguração, em agosto de 1949, da estrada Rio-Bahia, cuja construção fora iniciada em 1937, ampliou ainda mais o deslocamento dos sertanejos para o sul. Se, como vimos, em 1950, 85% dos migrantes chegavam a São Paulo pela ferrovia, no ano seguinte esse número caiu para 80%, e nos dois primeiros meses de 1952 foi para 58%,33 e a tendência de queda continuou até o trem ser superado pelo pau de arara, meio de transporte cujo uso se intensificou ainda mais devido à entrega da via Dutra, ligando o Rio de Janeiro a São Paulo, em janeiro de 1951, dias antes de Eurico Gaspar Dutra passar a Presidência da República a Getúlio Vargas.34 A maioria dos migrantes que passava pela Rio-Bahia tinha como destino São Paulo: quase 80%. Entre 1951-1953 a maior parte dos viajantes chegava de Pernambuco e da Paraíba35 - os baianos ainda preferiam o transporte ferroviário, pois provinham de sub-regiões próximas às ferrovias. Mas o país estava gradualmente substituindo o transporte ferroviário pelo rodoviário. Havia, em 1928, 113 mil quilômetros

de rodovias, em 1943 esse número saltou para 276 mil quilômetros. A Transnordestina, com 1.275 quilômetros, estava em ritmo avançado de construção, ligando Salvador a Fortaleza e passando por três estados. Os 1.718 quilômetros da Rio-Bahia36 iniciavam-se em Feira de Santana, na Bahia, entrando em Minas Gerais pelo nordeste do estado, percorria boa parte da região leste do estado, indo até Além Paraíba, quando penetrava no estado do Rio de Janeiro, rumo à então capital do Brasil. Nove anos após a sua inauguração estavam pavimentados somente 230 quilômetros.37 Mesmo assim, pelo leito da estrada de terra passaram dezenas de milhares de migrantes como passageiros dos caminhões pau de arara.38 Os caminhões eram veículos de carga, e acabaram improvisados para transportar passageiros. Em 1951 havia 210 mil caminhões de carga no país; dois anos depois já eram 289 mil, dos quais 105 mil no estado de São Paulo e 55 mil do Distrito Federal. O número de ônibus era infinitamente menor: saltou de 16 mil, em 1951, para 23 mil, dois anos depois, dos quais 10 mil estavam em São Paulo ou no Rio de Janeiro; o que não permitia atender à demanda, sempre em crescimento.39 Os caminhões eram precariamente adaptados para transportar passageiros. Na carroceria eram colocados bancos de madeira no sentido vertical. Ganhavam uma cobertura de lona. Transportavam, em média, de

setenta a cem passageiros, entre adultos e crianças.40 Na boleia ia o motorista, um ajudante e, eventualmente, um passageiro mais aquinhoado. A denominação de paus de arara para os caminhões - e que também foi extensiva aos sertanejos - acabou se consagrando na década de 1950. Para uns, a denominação originou-se devido à cobertura e aos bancos que lembrariam uma gaiola, e como os passageiros tinham de ficar agarrados ao gradil do caminhão para se proteger dos solavancos da viagem, era reforçada a analogia com os pássaros.41 Logo a expressão foi também adotada na poesia popular: A vida aqui só é ruim quando não chove no chão. Mas se chuvê dá de tudo Fartura tem de purção. Tomara que chova logo tomara, meu Deus, tomara. Só dêxo o meu Cariri no último pau de arara. Enquanto minha vaquinha tivé o couro e o osso e pudé com um chucaio pendurado no pescoço vou ficando por aqui.

Deus no céu me ajuda. Quem foge da terra natal em outro canto não para. Só dêxo o meu Cariri no último pau de arara.42 O transporte de migrantes era um negócio próspero. Tanto que, em Pernambuco, em 1953, em apenas um trimestre, tinham sido comprados 515 veículos, novos e usados, que seriam utilizados para esse fim. Havia até um temor, por parte das autoridades, de que o estado teria problemas de transporte de carga com a continuidade dessas transações.43 O caminhão só partia quando estava lotado. A saída levava algum tempo. Havia um ritual que se repetia: o proprietário do caminhão utilizava-se de um agenciador que noticiava a viagem, priorizando os locais de concentração popular, como as feiras. Posteriormente, notificava os passageiros do dia da partida. Em 1952, a passagem saía, em média, por quinhentos cruzeiros. Porém, nem sempre o passageiro tinha como pagar. A alternativa era deixar os documentos pessoais com o motorista como garantia de que pagaria ao chegar ao destino. Muitos migrantes, nesta situação, de acordo com denúncias divulgadas à época, sem ter conhecimento, eram vendidos por 1.500 cruzeiros para fazendeiros de Goiás e do Triângulo Mineiro.

O motorista percorria diversas estradas do sertão até chegar à Rio-Bahia. Ao longo do caminho ia recebendo novos passageiros. Viajava inclusive à noite. Quanto mais rápido chegasse ao seu destino, mais cedo retornaria ao Nordeste para mais uma viagem. Daí que as paradas eram reduzidas ao mínimo, geralmente de 15 minutos. Em muitas delas os passageiros eram roubados do pouco que levavam: ou quando estavam dormindo ou, ao descer, deixando seus pertences no caminhão. As condições de viagem eram péssimas. Dois repórteres de O Cruzeiro, a principal revista do Brasil dos anos 1950, tiveram oportunidade de fazer uma viagem junto com 102 migrantes num caminhão da marca Fargo, antigo e em más condições de conservação. É o melhor relato jornalístico da saga dos nordestinos em direção ao sul: "Quem não espremia roupas dentro de malotas ou sacos de farinha de trigo, discutia por migalhas de espaço. E ao fim não se conseguia mais que trinta centímetros quadrados para arrumar o corpo, com pernas, braços e tudo. (...) Os mais experientes amaciavam os bancos com trapos. A bagagem foi distribuída por cima da cobertura de lona furada ou mesmo dentro da carroceria. (...) Sete pessoas em cada banco, o de trás com os joelhos obrigatoriamente nas costas do da frente, imprensado pelos dois lados e sentindo a tortura da quina das tábuas no osso da canela. Gaiolas encarcerando papagaios pendiam da cobertura, e pequenas redes de criancinhas balançavam sobre as cabeças da boiada humana. Mães enfermiças pediam licença aos vizinhos: 'Meu senhor, o senhor deixa eu botá o meu menino nas suas costas? Ele não pesa nada não.'"44

A longa viagem - algumas vezes durava até três semanas esgotava as provisões. A farinha, rapadura e carne-seca que traziam eram logo consumidas. E não tinham dinheiro suficiente para comprar alimentos pelo caminho, inclusive porque os preços eram muito altos. Onde comer? O relato dizia ainda que as "pensões (que usam este nome por não terem inventado outro) são bodegas imundas, com tapetes voadores de moscas, pratos rachados, talheres enferrujados, toalhas ensopadas de gordura de bode".45 Em muitos pontos da estrada nem sequer existia uma vila. Foram sendo construídas "rancharias": abria-se um clarão na vegetação e eram improvisados acampamentos. Redes eram armadas e as famílias ficavam aguardando transporte. Além da fome, faltava água potável. Dada a escassez de água, raramente tomavam banho durante a viagem. E como a quase totalidade das estradas por onde passava o caminhão era de terra batida, os rostos e as roupas ficavam tingidos de poeira vermelha: Tá vendo essa roupa cáqui? Ela é branca, meu patrão. Acontece que eu vim de longe Em cima de um caminhão. E a poeira é de morte Naquela estrada do norte. Tem dó de mim, meu patrão

E vê se ajuda teu irmão! Eu quero trabaiá o dia intero Nem que seja pra ganhá um tostão. Eu já não posso mais, E vortá pra trás Eu não quero, não! Chega de vivê torrado pelo sol malvado que só qué mata! Chega de sabê que a fome é o direito do home que não qué roubá!46 O perigo da viagem aumentava à noite: "As nuvens de poeira tomam proporções gigantescas e sua tonalidade cinzenta desafia os holofotes dos caminhões, que estacionam à beira da estrada, cegos de pó."47 Não havia banheiros pelo caminho e a assepsia dos bebês era realizada com o caminhão em movimento: "Na viagem os adultos atendem a necessidades fisiológicas em sanitários dos postos de abastecimento ou 'indo no mato', nas paradas, geralmente, de três em três horas. Quando 'vão ao mato', convenciona-se, os homens tomam a margem esquerda da estrada, as mulheres, a da direita. Preferese 'ir ao mato' que

às privadas por serem essas sempre imundas e espalhadoras de doenças."48 As grávidas eram as que mais sofriam. Caso se sentissem mal, o caminhão não parava: o motorista não queria perder tempo e dinheiro. Sabemos o nome de uma delas: Alice: "O estômago não lhe aceitava os alimentos. Tinha de expulsá-los a cada instante. Fazia uma ginástica acima de suas forças. Galgava os ombros da vizinhança, até alcançar o extremo da carroceria, onde se entregava ao suplício de suas náuseas."49 Mendigos ficavam aguardando a passagem dos caminhões para pedir esmolas. Entre tantas cenas que chocaram os repórteres, uma delas foi numa parada. Alguns adultos gastaram o pouco que tinham num prostíbulo de beira de estrada, onde mulheres deixavam com suas colegas os filhos de colo e vendiam o corpo por 15 cruzeiros (preço de meio quilo de carne de sol). As crianças também estavam entre as vítimas. Muitas faleciam nas hospedarias das cidades à margem das estradas, outras morriam pelo caminho: "Uma criança chorou muito à noite. Noutro dia, logo que o carro partiu, continuou chorando. Ao cair da tarde ela cessou de chorar. E não choraria mais jamais. Morreu. A mãe constatou, avisou o marido. Várias pessoas bateram na boleia para que o motorista parasse. Este não dava atenção. Lá pelas tantas, parou e, muito mal-humorado por ter de interromper a viagem, consentiu em esperar que enterrassem o 'anjinho'. Não havia uma ferramenta para se cavar, uma enxada, nada. O motorista ensinou: 'O que devem fazer é amontoar pedras em cima do anjinho, assim bicho do mato nem carcará virá comê-

lo.' Todos desceram e cada qual pegava as pedras que podia e, na margem esquerda da estrada que descia para o sul, sobre o corpo inerme daquela criança, foram colocando pedras e mais pedras."50 Na passagem pelas cidades, os caminhões não eram bem vistos pela população local. Seus ocupantes eram considerados violentos, acusados de ladrões e portadores de doenças. Em Montes Claros, nem sequer podiam descer para comprar alguma mercadoria. Destacamentos policiais à margem da estrada impediam o desembarque dos sertanejos. A Casa de Saúde local recusavase a atender migrantes. A situação se agravava quando a viagem atrasava e os passageiros não tinham mais alimentos nem dinheiro para comprá-los. A tensão aumentava entre o motorista, seu ajudante e os sertanejos; e entre estes e a população local. Como em fevereiro de 1952, quando uma chuva de grandes proporções interrompeu o tráfego da Rio-Bahia: "Seiscentos caminhões de transporte de retirantes estão desarranjados e atolados, sem socorro imediato ou mesmo remoto, encontrando-se os passageiros na mais completa miséria."51 Por outro lado, as cidades à margem das estradas por onde passavam, especialmente na Rio-Bahia, tiveram grande impulso comercial. Feira de Santana, ponto de partida da rodovia, foi uma delas. Além da conexão com o sul, a cidade estava ligada por estradas de rodagem com os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Em 1950, mais de mil caminhões passavam por ela a cada dia, transformando-a em importante polo comercial, também como distribuidora de mercadorias provenientes do sul. Em 1930, possuía 25

caminhões; vinte anos depois, saltou para 348. Havia ainda 42 postos de gasolina e 35 garagens, além de seis hotéis e cinquenta pensões, voltados, fundamentalmente, para o trânsito de pessoas e mercadorias.52 Outras localidades, distantes da Rio-Bahia, porém com conexões com a grande via da migração, tiveram importante papel nesse processo. Montes Claros, como vimos, foi uma delas. Para lá se dirigiam migrantes mineiros e principalmente baianos. Muitos chegavam a pé; alguns com algum animal de carga, como o jegue - que também transportava as crianças e os poucos bens que ainda possuíam. Logo vendiam o animal para poder se manter na cidade até a partida de um pau de arara. Como as pensões cobravam diárias caras, alguns não tinham alternativa senão alugar a "sombra de árvores situadas nos quintais das casas, a fim de não ficarem inteiramente desabrigados".53 A viagem era para o desconhecido. Quando da grande onda migratória - no decênio dos 1950 - poucos tinham parentes em São Paulo. Desconheciam os dissabores da viagem. A maioria dos sertanejos nunca tinha percorrido aquelas estradas grande parte nem sequer tinha saído da sua cidade natal -, e eles não sabiam quanto tempo levariam até chegar ao destino final. Aproveitando-se disso, alguns motoristas encerravam uma viagem para São Paulo em Feira de Santana, na Bahia, ou em qualquer cidade mais próspera do caminho, dizendo que tinham chegado ao seu destino. Outros simulavam a quebra de alguma peça do caminhão, diziam que não tinham dinheiro para o conserto e exigiam que os passageiros se cotizassem para poder pagar ao mecânico: nada mais era do que mais um meio de ampliar os lucros e a exploração dos passageiros.

Na via Dutra chamava a atenção o tráfego intenso dos caminhões pau de arara: "No trajeto que fiz, num ônibus, do Rio para São Paulo, por diversas vezes alcancei caminhões de emigrados do Nordeste. Com a última seca flagelatória, uma verdadeira população deslocouse do tórrido torrão natal para o planalto fértil de Piratininga." Continua o escritor Oswald de Andrade: "Já na rodovia Dutra, última etapa da viagem, eles aparecem endomingados, de chapéu, as mulheres em matinê limpa, as crianças de setineta, os olhos esperançosos e travessos."54 Em São Paulo, a imprensa apresentou várias denúncias sobre as agências que vendiam passagens para os caminhões pau de arara que retornavam ao Nordeste. Um comerciante português que se dedicava a essa atividade teve sua agência fechada. Porém, nas imediações da estação Roosevelt, no Brás, outras agências continuaram funcionando, apesar da proibição do delegado da região, certamente influenciado também pelos proprietários das empresas de ônibus que atuavam na linha São Paulo-Nordeste-São Paulo, que não desejavam ter concorrentes. Um "transportador" de migrantes disse que em apenas um trimestre "já desceu com mais de seiscentas cabeças". Seu sogro arregimentava os homens no sertão da Paraíba, combinava o preço da passagem, recebia um adiantamento e, em São Paulo, depois de arranjarem um emprego, iam amortizando a dívida. Na Paraíba, cabia ao agenciador propalar as vantagens da vida paulistana: "Vá gozar a vida em São Paulo, filho.

Aquilo é que é terra, lugar de ganhar dinheiro. A viagem você começa a pagar quando estiver ganhando seus 200, 250 'mirréis' por dia. Comida, no caminho, Sérgio dá." Porém, durante a viagem, quando os migrantes esgotavam a comida que tinham levado, o motorista do caminhão não efetuava nenhum empréstimo. A maioria passava fome. O motorista durante toda a viagem carregava ostensivamente um revólver na cintura. Um dos migrantes contou seu drama logo ao chegar a São Paulo: "Sérgio cortou o meu feijão com farinha e, quando 'alisei' [ficou sem dinheiro], fiquei fazendo careta pro sol o dia inteiro, de fome."55 Os desastres serviam momentaneamente como instrumento de pressão junto ao poder público para extinguir o transporte clandestino. Acidentes eram rotineiros, como o ocorrido em setembro de 1953, em Leopoldina, Minas Gerais, com um morto e dezenas de feridos, além do motorista do caminhão ter fugido, abandonando 51 passageiros, entre os quais mulheres grávidas e crianças.56 Mas logo o assunto caía no esquecimento e os caminhões continuavam a chegar a São Paulo. Um inquérito aberto na delegacia de polícia da oitava circunscrição da capital paulista investigou os agenciadores dos paus de arara: "Todas as agências, que vão abaixo relacionadas, estão instaladas, a maioria delas, em cômodos impróprios, dando com a frente para a rua, as quais, devido à grande afluência de nordestinos pretendentes às viagens, expõem os pretensos viajantes pelas calçadas das ruas, homens, mulheres e crianças (a maioria descalços, sujos e malvestidos), que ali ficam horas e dias à

espera da condução prometida, que contataram e já pagaram adiantadamente, oferecendo à população e aos transeuntes um espetáculo de miséria e penúria, pondo em contraste o grau de adiantamento dos paulistanos. Tais agências, que funcionam irregularmente, sem qualquer licença dos poderes públicos, pois sobre elas não existe a menor fiscalização, pelo menos na capital, quer municipal, estadual ou federal e mesmo policial, prestam-se às maiores barbaridades e negociatas." E continuava: "Transportam elas passageiros para todos os estados do Nordeste, fazendo assim desleal concorrência às empresas de ônibus que funcionam regularmente, mediante até a concessão federal, com seus impostos em dia. Essas agências de 'paus de arara', na sua ganância desenfreada, iludindo a boa fé e ignorância dos nordestinos humildes, segundo apurei, prometem até transportá-los para até alémcontinente, explorando-os vergonhosamente, sendo de se notar que seus agentes ou agenciadores, a maioria deles, são indivíduos de um passado duvidoso, vagabundos e desordeiros. Existem, entretanto, nesses locais, diversas agências de transportes em ônibus, todas elas funcionando regularmente e com autorização dos poderes públicos, sobre as quais não constatei qualquer irregularidade, que caracterize quaisquer reclamações."57 Contudo, nada interrompia o fluxo dos nordestinos. Da Bahia vinham notícias de dezenas de caminhões em trânsito diariamente pela Rio-Bahia. Souza Lima, ministro da Viação e Obras Públicas (1951-1953), viajou para o Nordeste por determinação de Getúlio Vargas. Ficou impressionado com o que viu: "Não são apenas as criações que morrem. Morre gente de todas as idades e condições. Povoações há que já foram abandonadas. Todos

correm para a margem da rodovia Rio-Bahia, na ânsia de vir para o sul."58 Outro ministro, João Cleofas, da Agricultura, encontrou uma explicação bem ao estilo da Guerra Fria: "Acho que há infiltração comunista no Nordeste promovendo o êxodo de homens do campo. Voltei impressionado e certo da participação comunista nesse movimento."59 O ministro Cleofas propôs, pelos jornais, que os migrantes deveriam ser fixados à margem da Rio-Bahia,60 mas não explicou as razões da proposta, pois a estrada era simplesmente o caminho rumo ao sul e não o local onde moravam e que gerava os fatores de expulsão - deve ser recordado que parte da estrada passava em áreas de antiga ocupação e produtivas, para os padrões da época. Mesmo os baianos que se utilizavam da estrada vinham de outras regiões do estado. Desta forma, não causou estranheza que a proposta logo fosse esquecida. José Américo de Almeida, ministro da Viação e Obras Públicas (1953-1954), responsável pela política federal em relação ao Nordeste, em pronunciamento na Câmara dos Deputados, durante audiência pública, considerou que a "evasão do Nordeste é inevitável. O homem do interior, naturalmente, prefere trocar a enxada por outros instrumentos de trabalho. E o êxodo não é apenas uma consequência da seca: é um fenômeno inelutável, devido a várias causas, principalmente aos agenciadores, que não foram, infelizmente, reprimidos nessa empresa de atração dos nossos elementos de vida".61 Permanecia, portanto, o governo imputando a migração à ação de agenciadores de mão de obra, como algo inevitável, sem identificar as razões econômicas.

A visão conspirativa do grande êxodo não era patrimônio somente de alguns políticos. O professor Fernando Azevedo, da Universidade de São Paulo, sociólogo, chamado para explicar o fenômeno, optou pela criminalização do processo histórico: "Só o fato de ter quase quadruplicado o número de imigrantes de 1948 para 1952 já é profundamente sintomático e parece revelar uma ação organizada no Nordeste e de aliciamento criminoso de trabalhadores, com o intuito de estimular as correntes migratórias. Estaríamos, então, diante de um caso de polícia."62 Opinião muito distinta da exposta pelo escritor Oswald de Andrade, também no momento da grande migração - e com tons nacionalista, xenófobo e racista: "Por que querer fazer refluir esse magnífico povo nordestino e evitar que ele venha ganhar a sua vida e subir nos meandros do trabalho paulista? Por que em vez de impedir, não incentivar a migração dessa raça magnífica que é nossa? Até quando São Paulo será povoada da escória desajustada da estranja e verá prosperar somente o judeu asqueroso, o sírio bestial e o italiano ladravaz? Que venham essas levas nativas que trazem, além dos braços, o coração brasileiro. Que venham fazer submergir aqui o estrangeiro velhaco, restaurando se possível a nossa amável cultura tradicional. Nós, paulistas, já sentimos que a pátria nos foge dos pés, porque nela somente transitam o usurário, o avarento e o crapuloso achacador dos dinheiros privados e públicos. Que essa injeção generosa do sangue nordestino venha reabilitar a vida nacional que aqui se perdeu."63

CAPÍTULO 3 CHAMAM ELES DE MORRENDO-ANDANDO A migração de dezenas de milhares de sertanejos em direção ao Sudeste deixou a elite política nordestina em dificuldades. Apesar da gravidade da situação, os governadores não sabiam o que fazer. Octavio Mangabeira, da Bahia, tentou por todos os meios justificar a inoperância governamental: "Os que censuram os cuidados do atual governo em favor da imigração europeia, com o desinteresse pela sorte de tantos baianos que emigram para outros estados, esquecem ou ignoram: (1) que um dos meios de evitar o desequilíbrio proveniente da mobilidade de uma população é estabelecer outra mobilidade, no sentido inverso, isto é, a uma corrente emigratória anteponha-se uma corrente imigratória; (2) esses movimentos em sentido horizontal, na Bahia, têm se compensado com a entrada de outros brasileiros provindos do Norte; e (3) a uma mobilidade no sentido horizontal, se se opuser outra no sentido vertical, ou seja, a entrada de elementos mais bem-qualificados para ascender na escala econômica e social, vale por acrescer essas economias, criando um fator de equilíbrio."1 Há meio século, o governo estadual da Bahia tentava viabilizar a imigração, concorrendo com outras áreas do Sudeste do país, mas com escasso sucesso. Em 1900, o governador Luiz Vianna incentivou a ida de estrangeiros para a Bahia: "De uma leva de quatrocentos que aqui aportaram e foram recebidos na Hospedaria dos Imigrantes, teve o governo conhecimento de que mais de duzentos fizeram seguir logo suas

bagagens para o Rio e Santos, desembarcando tão somente a fim de fazerem jus à passagem que haviam tido para o nosso porto."2 Nove anos depois, mantinham-se a preocupação e o fracasso: "As nossas condições não nos permitem a preocupação de raça e precedências. Os imigrantes jornaleiros, versados em artes e ofícios, que nos procuram, não sendo veículos de ideias subversivas, são preciosos fatores econômicos."3 A "mobilidade vertical" de Mangabeira eram os imigrantes "mais bem-qualificados". Entre 1949-1950, apesar dos esforços oficiais, chegaram à Bahia somente quinhentos, entre italianos, franceses, portugueses e japoneses. Não ocorreu qualquer mobilidade no sentido inverso, como apregoado por Mangabeira. Tanto que o número de migrantes de outros estados que acabaram se fixando na Bahia foi muito inferior em comparação ao número de baianos que migraram para o Sudeste. Se no decênio dos 1940 entraram em São Paulo 184.609 baianos, somente nos anos 1950-1951 chegaram 109.917,4 número três vezes superior ao total de imigrantes chegados em dois anos, com amplo financiamento do governo baiano. Em 1952 saltou para 113 mil - maior número da história das migrações para São Paulo - e caiu no ano seguinte, devido ao abrandamento da seca, para 38 mil.5 Nos anos seguintes, a argumentação dos governadores baianos foi se modificando. O fenômeno foi considerado "um problema nacional", de "proporções assustadoras", um "deslocamento alarmante de braços para a zona mais próspera do país", "êxodo terrível", como se as autoridades locais não tivessem condições de enfrentá-lo, dada a sua grandiosidade. Uma das razões apontadas identificava a razão do atraso na

esfera técnica: a "agricultura baiana, sem mobilidade e mecanização, quase retratando condições de trabalho da Idade Média".6 Mas logo o tema foi desaparecendo do debate político, substituído pelas velhas divergências intraoligárquicas. No caso baiano, o deslocamento populacional, em termos numéricos, foi o maior de todos os estados brasileiros. O coeficiente de emigração anual para São Paulo, que foi de 0,7%, relativamente ao total da população do estado da Bahia no quinquênio anterior à Segunda Guerra Mundial, dobrou em 1951 e quadruplicou em 1952. Mesmo assim, a população estadual não parava de crescer à razão de 2,4% ao ano; de um lado, devido à elevada taxa de natalidade; de outro, devido à entrada de migrantes vindos de outros estados do Nordeste e que acabaram se fixando na Bahia.7 Em 1950, a Bahia deveria ter 8 milhões de habitantes. Contudo, o Censo registrou 5 milhões: a sensível diferença - que correspondia, à época, à população do Paraná deveu-se ao processo de migração. Na Bahia, a predominância das mulheres era inequívoca: representavam a maioria em 130 dos 150 municípios.8 Por outro lado, segundo dados do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, pesquisando o trânsito dos migrantes na Rio-Bahia, "os baianos, uma vez emigrados, raramente regressaram a seu estado natal, ao contrário do que sucede com os naturais de outras unidades do Polígono das Secas. Assim, a taxa de retorno dos baianos é de apenas 8% contra 70% dos pernambucanos, 60% dos cearenses, paraibanos, sergipanos e rio-grandenses-do-norte e 44% dos alagoanos".9 Os governos estaduais estavam paralisados. Deve ser destacado que as áreas de maior migração eram as mais

atrasadas. Em alguns estados, como na Bahia, o fluxo migratório passava longe da capital - e dos olhares do governo e da oposição. O tema só reaparecia, momentaneamente, quando se transformava em moeda de troca na barganha por verbas federais para a região, especialmente em época de seca. Depois era logo esquecido. Em São Paulo, os jornais cobravam insistentemente do governo federal medidas urgentes para conter o êxodo. O Estado de S. Paulo publicou um editorial exigindo providências para "mantê-los na terra natal", pois havia o receio do "despovoamento do Nordeste" e de "revoltas no sul".10 Em outro, conclamou o presidente a "interromper o êxodo imediatamente".11 De acordo com o jornal, só em janeiro de 1952 tinham entrado em São Paulo 23 mil nordestinos: era necessário limitar o transporte dos migrantes,12 muitos "dos quais são portadores de doenças contagiosas".13 Sem ter uma política para enfrentar este deslocamento, o governo federal, inicialmente, transformou um problema socioeconômico numa questão legal. Para Costa Miranda, do Departamento Nacional de Imigração, como não havia lei que impedisse o livre trânsito pelo território nacional, sugeriu que fosse aplicado o Código Nacional de Trânsito, que, segundo ele, "proíbe o transporte humano em carros de carga".

O Departamento Nacional de Estradas de Rodagem decidiu aplicar o código de trânsito e proibiu o tráfego de caminhões paus de arara pela Rio-Bahia e a via Dutra. De nada adiantou. Somente aumentou o risco da viagem, pois muitos motoristas optaram por viajar à noite para fugir da fiscalização, além de aumentar o valor da propina a ser paga para os guardas rodoviários pelos motoristas de caminhão.14 Na passagem pelos postos de vigilância da Polícia Rodoviária Federal, o caminhão geralmente era parado. Muitos motoristas subornavam os policiais para autorizar seguir viagem. Como não era prevista a reincidência, o motorista levava o recibo da multa durante toda a viagem. Mostrava-o pelo caminho, aos outros guardas, como uma espécie de salvo-conduto, durante 72 horas.15 A multa, em 1952, era de quinhentos cruzeiros. Como uma passagem custava entre seiscentos e setecentos cruzeiros,16 o prejuízo do motorista não era superior ao de uma passagem. Simplesmente acrescentava aos custos da viagem a multa, junto com os gastos de combustível, óleo, dos pneus e de eventuais consertos do veículo, além da remuneração do ajudante. Se os motoristas eram simplesmente multados e seguiam viagem, o mesmo não ocorria com os sertanejos. Seus pertences eram sempre revistados. Como disse um policial: "Esta gente do Norte é ruim e todo cuidado é pouco."17 Pneus carecas, carrocerias em mau estado de conservação e motores velhos transformavam a viagem numa arriscada aventura. A "Rio-Bahia transformou-se num cemitério. Suas curvas são assinaladas por cruzes.

E cada cruz é uma história: caminhões que perderam o freio e se chocaram com barrancas, outros que saltaram da estrada nos abismos laterais, outros que pegaram fogo, explodiram."18 Os jornais registravam inúmeros acidentes pelas rodovias por onde transitavam os paus de arara. Num deles, ocorrido em fevereiro de 1952, na estrada de Petrópolis, um caminhão lotado de migrantes caiu num abismo: oito morreram e 79 ficaram feridos.19 Em Salinas, norte de Minas Gerais, um caminhão com 83 passageiros caiu num riacho e 21 morreram.20 A poesia popular registrou este momento: Estribilho - Não quero i a S. Paulo A caminhão Eu não vou - Eu tenho medo de morrê - Eu não vou - Eu tenho medo de morrê Não saio não Eu fico por aqui Não quero i A S. Paulo a caminhão Quando há razão

Para o sinhô compreendê Bota a perdê, Queima-se o carboradô E eu não vou Tenho mêdo de morrê Só se fô de avião Olhe lá eu fico aqui Não quero i A S. Paulo a caminhão Pode perdê a dereção E ele pode bebê E matá o meu amô Mas eu não vou Eu tenho medo de morrê Vou brincá no cardeirão Eu quero fica alí Porque eu não quero i A S. Paulo a caminhão Representa uma paixão queria compreendê

Pode o chofrê bebê Matá eu e meu amô Mas eu não vou Tenho medo de morrê.21 Na chegada a São Paulo havia um sentimento de alegria e temor. Depois dos sofrimentos da viagem e de ter superado tantos obstáculos, agora era hora de encontrar os parentes quando os tinha - e buscar um emprego o mais rápido possível. A situação era pior quando coincidia a chegada com a estação do inverno. Na época, a cidade era muito mais fria do que na atualidade. Era, ainda, a terra da garoa, do final da tarde enevoado. Conta um migrante: "Chegamos num domingo de frio, com fome, sem dinheiro ou documento." Em seguida, foi abrigado na Hospedaria dos Imigrantes: "Lá, tomei uma sopa que era só água suja e quente, com um osso sem carne, que a gente ia empurrando de um lado a outro."22 Na Hospedaria era rotineiro encontrar crianças espalhadas "pelos pátios ou nas salas frias, tiritando de frio sem agasalho porque no Nordeste não faz frio. Entre 1950-1952, a temperatura mínima no inverno chegou a três graus, enquanto em Salvador as mínimas durante o inverno, nesses mesmos anos, nunca foram inferiores a 18 graus.23 O choque térmico dos recém-chegados era inevitável: "Meninas com ralos vestidos de algodão, encolhidas no colo das mães, chorando de frio, buscando calor nos corpos magros e também sem agasalho das genitoras. Meninos com calcinhas de brim, descalços, enfrentando a brusca mudança de

temperatura, sem ter uma roupinha de flanela, uma blusinha de lã para vestir."24 Diz outro relato: "Naquela época, ainda caía geada em São Paulo. Não é o frio que faz hoje em dia. Quando peguei aquele frio, bah, deu vontade de voltar. Dá o desespero, velho, dá o desespero. Um dia, dois, três, uma semana."25 A recepção nem sempre era calorosa. A escritora Rachel de Queiroz, cearense - autora do célebre O quinze -, morando no Rio de Janeiro, foi testemunha dos preconceitos que acompanharam a chegada em massa dos migrantes: "Muitos de vocês sofrem de uma prevenção tradicional contra o nordestino - cabeça chata, amarelo e baixote, entrão e falador, que mete o ombro a qualquer porta, empurra os outros, conta vantagem, e disputa asperamente o seu lugar ao sol. Com toda caricatura, esse retrato tem muito de verdade; temos um pouco disso tudo, mas também temos muita coisa boa. E grande parte dos nossos defeitos se explica: se lutamos mais de rijo que os outros, é porque somos mais sofridos. Se temos tamanho, cor, estatura e cara e cabeça chata de índio, é porque na nossa terra pobre não houve escravaria tratando ricas lavouras que nos desse mais forte e boa pinta de negro; e igualmente a terra pobre não atraiu emigrantes, que nos irmanasse com os meio-sangue europeus do Sul. E somos pacientes, sofredores, resistentes. Corajosos, agradecidos, decentes, com quem é decente conosco. E brasileiros como o diabo."26

A chegada de milhares de nordestinos a cada mês, criava uma série de problemas aos poderes públicos: na habitação,27 no transporte e na educação.28 Com relação à saúde pública, na Câmara Municipal paulistana, diversos vereadores manifestaram o temor de alguma epidemia. Para um deles, "grave perigo para a saúde dos paulistanos representa o lastimável estado sanitário dessa pobre gente (...) portadoras de moléstias infectocontagiosas, entre as quais a lepra e a tuberculose." Outro solicitou a "vacinação contra a varíola de todos os imigrantes que cheguem à divisa do nosso estado". Efetivamente havia muitos casos de migrantes doentes, o que poderia levar à transmissão de doenças, como ocorreu outras vezes na história, quando do deslocamento de grandes levas de um continente para outro ou no interior de um mesmo país. Porém, era um exagero imaginar que a cidade estava próxima, como afirmavam os vereadores, de "um surto epidêmico", devido "à afluência desordenada dos nordestinos, pondo em perigo a saúde da população". Pode-se sustentar, por outro lado, que os organismos dos recém-chegados a um novo ambiente social e físico eram, muito mais facilmente, receptivos a tipos de doenças variadas. Em 1957, no relatório anual do governador Jânio Quadros referente às atividades do ano anterior, consta a informação de que havia chegado ao estado 100 mil migrantes, a maioria deles da Bahia, de Pernambuco e de Alagoas. Destes, foram atendidos 32 mil como doentes, quase que um terço do total.29

Isso ampliava a discriminação aos recém-chegados. Como disse um personagem do romance Chão, de Oswald de Andrade: "Esses não dão nada. É gente que vem a pé de Pirapora. Sem família. Não tem parada. Chamam eles de morrendo-andando. Dão 50% de rendimento do europeu ou do amarelo."30 O discurso conservador não perdeu oportunidade para desqualificar o migrante nordestino. O vereador Gabriel Quadros, pai de Jânio Quadros, resumiu esse sentimento: "Sai uma verdadeira fortuna para a Nação e com esse ônus arca São Paulo, pois é o que mais contribui com a sua tributação para o Erário. Ainda desta vez é São Paulo que paga o pato. Quero dizer que não somos contra os nordestinos. Os queremos em nossa terra, mas é preciso que o governo federal contribua com recursos para que São Paulo tenha meios de prover esses pobres coitados, cujas necessidades não são apenas de alimentação e moradia, mas também tratamentos de saúde. Sabemos como podem disseminar verdadeiras epidemias, enchendo nossos nosocômios e ocasionando verdadeiros problemas sociais, problemas de ordem sanitária e higiênica."31 Mas a discriminação também esteve presente no próprio Nordeste. No Rio Grande do Norte, em 1950, os migrantes se concentravam nas cidades de Florânia, São Vicente e Currais Novos: "Chegados esses retirantes àquelas localidades, imediatamente os agenciadores entram em ação pagando mais aos que se apresentam em melhores condições. Para um lado são atirados os 'perfeitos'; para outro, os inválidos, como se ali não se tratasse de cristãos, mas sim de animais, como se procede nos currais quando se vai fazer a escolha da boiada para a matança."32

Foram produzidas reportagens mostrando São Paulo como "o paraíso de nordestinos". Os sertanejos, suas mulheres e seus filhos eram apresentados sempre alegres e bem-dispostos. Os bebês ganhavam enxovais completos e recebiam assistência médico-hospitalar. Como escreveu um jornalista, era "um oásis nunca dantes imaginado".33 Em contrapartida, a Hospedaria Presidente Vargas, em Fortaleza, com capacidade para seiscentas pessoas, tinha, em 1958, 12.300 retirantes. Era um quadro macabro: "Crianças esquálidas, no último estágio da subnutrição, mulheres que são verdadeiros mulambos, homens que de homem só tem a vaga forma, sujeira indescritível, miséria difícil até de calcular, fome, promiscuidade, doenças."34 O afluxo de migrantes coincidiu com as comemorações do IV Centenário da fundação de São Paulo, em 1954. Pela última vez - ao menos em grande escala foram usados à exaustão os mitos do regionalismo paulista construídos no fim do século XIX, no início da República: o padre Anchieta, os bandeirantes, o desbravamento do interior, o pioneirismo econômico (café e indústria). A nova configuração populacional tornava inútil a busca de um passado comum. Grande parte dos habitantes tinha, em São Paulo, uma história muito recente. Isso acabou servindo para relegar a um plano secundário o regionalismo, rompendo com uma visão política excludente e oligárquica. Num bizarro processo de elogio da destruição, São Paulo, nesse momento, foi retratado como o símbolo maior do progresso, do novo, em contraposição ao Nordeste, de onde provinha a maioria dos migrantes:

"São Paulo é um viçoso broto de quatrocentos anos! Nas ruas e logradouros centrais não há uma capela, uma casa, um muro de taipa, uma ruína sequer anuncia ancianidade. Um único prédio que seja, com mais de cem anos! Todo o seu passado arquitetônico foi varrido. A famosa 'picareta do progresso' tem friccionado continuamente as suas faces, desfazendo as marcas do tempo. Vive a cidade muito mais em função do futuro do que das glórias arquitetônicas do passado. O orgulho dos paulistas jamais será o de possuir a Igreja de São Francisco, como os baianos, e sim de construir seis casas por hora e sustentar o título de 'cidade que mais cresce no mundo'."35 * A Câmara dos Deputados assistiu ao grande êxodo concentrando os debates apenas nos efeitos imediatos da seca de 1951-1953: exigindo envio de verbas federais e acusando o governo de não dar importância ao Nordeste. Os argumentos não eram novos. Desde a seca de 1877-1879 era recorrente na história da Casa pronunciamentos de parlamentares reclamando atenção do governo central. Porém, dessa vez, dado o fluxo de mão de obra que estava migrando para o sul, os deputados insistentemente denunciaram o que chamaram de despovoamento da região. Era uma questão econômica, com um profundo aspecto social, mas muitos parlamentares estavam mais preocupados com a diminuição do número de eleitores e uma possível redução das bancadas dos seus estados. Como resumiu um migrante baiano: "Meu estado secou todo este ano. Não há mais homem em toda a região."36

Na tribuna os parlamentares usavam e abusavam da retórica vazia. Denunciavam o fato, mas sem associá-lo a qualquer proposta orgânica de transformação econômica da região. Um deputado bradou que teria encontrado na estrada entre Natal e o Rio de Janeiro "uma média de 35 caminhões de retirantes do Nordeste por dia".37 Outro criticou a tentativa de resolver a migração através de medidas administrativas. Um terceiro enfatizou a necessidade de pagar melhores salários nas frentes de trabalho. O sertanejo recebia 14 cruzeiros como pagamento diário, o que não permitia sequer comprar alimentos indispensáveis para a manutenção da família. Outros identificavam no serviço militar a principal razão da migração. Solicitavam que o recruta deveria atender à convocação na região que vivia. Pois, segundo os parlamentares, ao se dirigir às grandes cidades dificilmente retornaria ao sertão: "Atualmente só ficamos com os velhos, os aleijados, os mendigos e incapazes." Outro disse: "Infelizmente nós, do Rio Grande do Norte, não temos indústria. Enquanto os magnatas gozam boa vida nas grandes capitais do sul, os nossos trabalhadores lutam para ganhar a importância de 10 a 12 cruzeiros por dia, quando encontram serviço." 38 Em 1952, com a extensão da seca, as notícias do êxodo estiveram presentes nas intervenções dos parlamentares. Um

deles leu cartas de dois eleitores de Palmeira dos Índios, Alagoas. A primeira informava que "estamos perdendo uma média de 1.500 pessoas por semana, a contar pelo número de caminhões que se destinam para São Paulo e o norte do Paraná". A outra lembrava "o êxodo dos habitantes, processado tão aceleradamente, lançando mão de caminhões e estradas de ferro, que nos deixam estarrecidos". E concluiu: "Foge-se do sertão de Alagoas como se fora uma região afetada por peste devastadora e de natureza desconhecida."39 Do sertão baiano também vinham telegramas com notícias semelhantes: "Pobres passando fome, emigrando para São Paulo e Paraná." Ou: "Seca sem precedentes história sertão Bahia assola este município [Coité]. Víveres atingiram preços verdadeiramente exorbitantes provocando êxodo calamitosa gente humilde." No Rio Grande do Norte, as "populações estão descendo dos sertões aos bandos, como descem os bandos de aves naquela região, arrastando-se por baixo das árvores".40 Em 1953, quando a seca estava diminuindo de intensidade, permaneceram os pronunciamentos na Câmara dos Deputados de denúncias, ora identificando a migração com o tráfico de escravos negros, extinto em 1850, ora imputando a causa aos bons salários pagos no sul. A migração era chamada de espetáculo melancólico, de destruição demográfica. De nada adiantaram os reclamos: o deslocamento de centenas de milhares de sertanejos tinha uma dinâmica própria e não seria interrompido pela verborragia dos parlamentares.41 Em março de 1952, o deputado federal Paulo Abreu (SP) apresentou um projeto de lei para, segundo ele, regularizar e

humanizar o êxodo das populações do Norte e do Nordeste. Propunha instalar nos estados nordestinos postos de controle de migrantes. Os nordestinos ficariam não menos que quinze dias nesses postos, como uma espécie reduzida de quarentena. Receberiam tratamento médico e ao chegar ao sul teriam um "trabalho previamente arranjado". Só poderiam continuar a viagem após receber um salvo-conduto. Na justificativa, o deputado alertou: "O problema da migração nordestina para o sul vem de muitos anos, não é de hoje, e a sua solução pelo aspecto catastrófico com que agora se apresenta é de solução urgente e inadiável, sob pena de vexame aos nossos foros de civilização, pois estamos em face de uma calamidade pública, como que diante da mesma gravidade que se enfrenta nas grandes epidemias."42 O projeto, que acabou repercutindo favoravelmente na imprensa paulista, acabou arquivado. E o processo migratório continuava. Tanto que, em 1954, em São Tomé, no Rio Grande do Norte, segundo informou o deputado José Augusto, permanecia em larga escala o deslocamento rumo ao sul, mesmo após o término da seca. Em 1950, habitavam o município 17.850 pessoas. Em 1951, seiscentas tinham migrado; no ano seguinte o número saltou para 750; em 1953 foi para 1.250; e nos dois primeiros meses de 1954 já tinham abandonado São Tomé trezentas pessoas, o que poderia levar a suplantar o número total do ano anterior. Ou seja, em quatro anos, um quarto da população tinha deixado a cidade à procura de um futuro melhor. E, preferencialmente, sempre eram os mais jovens que migravam.43 Na Bahia, no

primeiro trimestre de 1951, de Condeúba saíram 4 mil pessoas, de Paratinga, mais 2 mil, Caetité e Paramirim, 1,5 mil cada. Era possível estimar até uma emigração anual de 20% da população de alguns municípios.44 Em 1947, o governo federal identificou na migração um problema. O presidente Eurico Gaspar Dutra, na Mensagem presidencial encaminhada ao Congresso Nacional, fez duas menções ao deslocamento dos sertanejos. A primeira, na abertura do documento, relacionou o aumento dos preços nas grandes cidades com a migração: "Com o surto inflacionista - era inevitável sobreveio o cortejo clássico dos seus malefícios: especulação, alto custo da vida, insatisfação, intranquilidade. Também a 'bandeira inversa', que atraía para o litoral homens e recursos do interior, acentuava as nossas dificuldades, para as quais concorria ainda a ação canalizadora das instituições de seguro e previdência social, a drenar recursos da periferia para o centro." O presidente prometeu que iria encaminhar um projeto "que facilite acesso à terra" a fim de "conter o êxodo para as cidades e de atrair para os campos parte da população marginal existente nos centros urbanos - objetivo que só poderá ser atingido mediante uma substancial elevação do padrão de vida das populações do interior".45 Ainda dentro dos marcos do conservadorismo que caracterizou o seu governo, em 1948, Dutra considerou o êxodo para o sul

uma manifestação de "ilusória crença de que ali reside a fonte da independência econômica". Sem ter programa para enfrentar o problema, identificou a presença dos comunistas no processo migratório, bem ao gosto dos tempos da Guerra Fria: "Dentre os males decorrentes dessa fuga às atividades agropecuárias, um dos piores é o fenômeno do desemprego, que torna o indivíduo fácil presa de propaganda subversiva. De tal estado de coisas advém sérias consequências para a ordem social e econômica, pois que, via de regra, os trabalhadores migrantes dificilmente regressam ao campo onde não encontram algumas das vantagens da assistência social existente nos centros urbanos."46 Do projeto anunciado no ano anterior, de "facilitar o acesso à terra", nenhuma palavra. No último ano do seu mandato, fazendo um balanço de 1949, destacou como uma vitória o "serviço de fornecimento de passagens a desajustados profissionais, estimulando o descongestionamento dos centros urbanos em benefício das zonas rurais". Evidenciando mais uma vez o distanciamento em relação ao drama dos sertanejos, destacou a entrega de 4.501 passagens como um grande êxito.47 Isso quando, naquele ano, mais de 250 mil nordestinos tinham migrado para o sul. Para o velho marechal, distribuir passagens gratuitas era o limite máximo de uma política pública social. Em 1951, Getúlio Vargas voltou ao Palácio do Catete. Na primeira Mensagem presidencial encaminhada ao Congresso Nacional tocou tangencialmente no problema. Recordou que o "Governo procurará estender aos homens do campo, progressivamente, os benefícios de um programa de assistência e de uma legislação específica que lhes assegure mais eficazes garantias de trabalho e salários mais compensatórios, proteção contra acidentes do trabalho, além

de aposentadoria e pensão nos casos de invalidez ou velhice. Nesse sentido, a revisão e efetivação do salário mínimo para o trabalhador rural e a extensão a ele dos benefícios e das vantagens de que gozam os trabalhadores urbanos, será um dos objetivos do meu governo, para eliminar a disparidade de tratamento, responsável, em grande parte, pelo êxodo rural". Dois meses após a posse, Vargas incumbiu o ministério da Viação e Obras Públicas de "estudar o mais depressa possível os meios de reter em suas próprias regiões essas massas nacionais de emigrantes".48 Porém, se a linguagem do poder era mais amena, mesmo assim, o pedido caiu no esquecimento. O olhar do presidente estava voltado para a imigração. Criticou o governo anterior que, segundo Vargas, não tinha sabido aproveitar a conjuntura imigracionista favorável do pós-guerra, como outros países da América Latina. Entre 1946-1948, o país recebeu somente 52 mil imigrantes, enquanto na Europa havia 700 mil refugiados, os deslocados de guerra, "displaced persons". No caso do estado de São Paulo retomase o fluxo de correntes imigratórias tradicionais, formada por portugueses e italianos. Em 1950, dos 20 mil imigrantes que chegaram ao estado, 15 mil eram portugueses e italianos.49 Em 1950, houve "uma diminuição do número de estrangeiros, cuja proporção, no conjunto da população, decresceu para 2%, em comparação com os 3%, em 1940".50 Em setembro de 1945, o governo federal havia reaberto a imigração, porém não estabeleceu uma política agressiva para o recebimento de refugiados. Havia resistências, como pode ser observado nos artigos publicados na Revista de Imigração e Colonização. Os europeus eram chamados de "escória", "legião de desajustados",

"neuróticos", "rebotalho humano", "indivíduos tarados", "proxenetas" e "falsos trabalhadores".51 Ainda durante a guerra, na revista Novas Diretrizes, vários artigos criticavam a chegada de imigrantes indesejáveis. Os judeus tinham "vida parasitária", aspecto "indecoroso e indigno", além de propagar "ideias subversivas entre os incautos brasileiros". Temia-se também a "remoção" dos negros americanos para o Brasil. Eram considerados "peso morto" e "etnograficamente inferiores aos nossos porque, ao contrário dos portugueses, que sabiam escolher, os ingleses trouxeram para suas colônias 'o rebotalho das populações inferiores da África'".52 No ano seguinte, Getúlio Vargas apresentou medidas que o governo já tinha adotado, como a Comissão Nacional de Política Agrária, porém, ressaltou que tudo tinha sido absolutamente insuficiente, frente ao grande número de paus de arara que chegavam ao sul do país: "O efeito dessa imigração desordenada no Distrito Federal foi, por exemplo, o agravamento das condições habitacionais na capital da República sujeita a um crescente favelamento, o aumento descontrolado das exigências em abastecimento, transporte e outros serviços, congestionando o sistema existente e provocando a escassez e a carestia dos gêneros; e ainda a formação de uma enorme população marginal, socialmente desorganizada e sensível a agitações subversivas e a que se relaciona forte criminalidade."53 Entre os anos 1941-1950, no Distrito Federal a entrada de migrantes foi de 440

mil pessoas. Diferentemente de São Paulo, a maior parte era proveniente do interior do estado do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Espírito Santo (279 mil migrantes). Os originários da Bahia não passaram de 23 mil, quando, em São Paulo, foram mais de 184 mil.54 Ainda em 1950, a população carioca era superior à de São Paulo, 2,4 milhões contra 2,2 milhões, porém a diminuição da diferença tinha se acentuado: em 1940 era de aproximadamente 450 mil.55 Em 1953, a Mensagem presidencial procurou focar na migração como uma questão socioeconômica, numa clara mudança de rumo. Vargas, influenciado pela assessoria econômica, na qual se destacava o economista baiano Rômulo de Almeida, apontou como causas do deslocamento populacional as necessidades da industrialização e da agricultura sulista e a permanência do latifúndio e do minifúndio no Nordeste. Criticou as medidas policiais, "pois cerceiam o direito individual de locomoção dentro do território nacional". Pediu que o Congresso aprovasse o Serviço Social Rural "cuja criação vos solicitei há dois anos". Da sindicalização rural, nenhuma palavra. Isso quando, até aquele ano, somente havia um sindicato rural em todo o país, sediado em Campos, estado do Rio de Janeiro.56 Contudo, fez questão de mencionar as obras da hidrelétrica de Paulo Afonso, os programas do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, as atividades de colonização do São Francisco e a criação do Banco do Nordeste do Brasil. E concluiu: "Somente medidas de longo alcance, que promovam a modificação da estrutura econômica dos estados emigrantistas, podem, a longo termo, reduzir as correntes migratórias internas."57

Na última Mensagem presidencial, em 15 de março de 1954, Getúlio Vargas demonstrou otimismo com o final da seca de 1951-1953 e com a diminuição do número de paus de arara, "fenômeno que tanto vinha alarmando certos setores mais esclarecidos da Nação". Creditou a mudança à melhoria das condições naturais no Nordeste e à queda na procura de mão de obra pelas lavouras e indústrias sulistas, bem como aos organismos que criou - em 1953 surgiu o Instituto Nacional de Imigração e Colonização - e às obras realizadas na região.58 O otimismo presidencial era exagerado, embora o número de migrantes entrados em São Paulo tivesse efetivamente caído. Se em 1950 eram 100 mil, no ano seguinte tinha mais que duplicado, chegando a 208 mil. Em 1952, o número saltou para 253 mil e em 1953 caiu sensivelmente para 113 mil, e mais ainda no ano seguinte, quando alcançou 99 mil migrantes.59 A queda devia-se mais ao preenchimento dos postos de trabalho existentes do que à ocorrência de melhorias no sertão nordestino. Se as medidas tinham um sentido modernizador, seus efeitos demorariam décadas para se efetivar. Os sertanejos precisavam de soluções de curto prazo. Tanto que, entre os migrantes que chegaram a São Paulo em 1950, dos 84 mil que foram pelo "trem baiano", 72 mil pagaram suas próprias passagens, assim como outros 16 mil que vieram por via rodoviária ou marítima.60 Diversamente de outros momentos da história regional, quando foi possível direcionar o fluxo dos sertanejos, como, por exemplo, para a Amazônia, desta vez os migrantes não aguardariam a morte no sertão

ou a transferência forçada imposta pelo Estado. De forma autônoma buscaram um caminho para construir uma nova vida, longe do sertão. A explosão musical do baião e da toada popularizou o drama nordestino: "Acauã", "Baião na garoa", "O retirante", "Lamento jaguaribano", "Aquarela cearense", Vozes da seca", "Ajuda teu irmão", "Meu Cariri", "Adeus Maria Fulô", "Paisagem sertaneja", entre outros.61 A denúncia da seca e da opressão sofrida pelos sertanejos na música popular - e com enorme sucesso popular -, boa parte cantada por Luiz Gonzaga, antecipou em uma década a chamada "música de protesto" dos anos 1960. Ah, se eu pudesse falá num poema, o sentimento... Porém, o que mais lamento é num ter cunsentimento só pá mi disabafá! Pru via disso aqui vai cum cuidado e muito jeito um poema qui foi feito pra quem quisé me escutá. (...) Falava dos arretirante que cumo judeu errante

vive a vaga sem distino pru causa duma marvada seca amardiçuada que ao passá pul'as estradas dêxa seu rasto assassino. Falava! Sái cum a corage na cara pegá um desses pau de arara e parte pras capitá cum promessa de miorá. Chega aqui se aparvora sem tê lugá pra ficá! Falava! Falava dos doutorado que ganha a vida sentado que vence nas eleção. Promete fazê açude e adispois diz: - "Eu... eu não pude vê ainda esta questão".

Falava! (...) Ah, seu moço, se eu pudesse e se meu talento desse e eu chegasse a sê douto!... Mas douto com arturidade pra mandá, sem piedade acabá cum esses doutô!62 O que durante um século ficou restrito aos reclamos das elites e às denúncias da imprensa, principalmente durante as grandes secas, graças à migração de dezenas de milhares de nordestinos, se transformou em grave problema nacional, que deveria ser enfrentado de forma urgente. A chegada dos paus de arara ao sul modificou a agenda política brasileira: o Nordeste passou a ser a bola da vez, e durante uma década ocupou espaço privilegiado no debate político nacional, como nunca na história. CAPÍTULO 4 OS OPERÁRIOS ADVENTÍCIOS A chegada dos migrantes nordestinos à cidade de São Paulo transformou-os em objeto de estudo de comportamento político. O artigo "O voto operário em São Paulo", de Aziz Simão, inaugurou esta vertente. Afinal, o número de eleitores no estado inscritos em 1933, quando da eleição para a Assembleia Constituinte, foi de

299.074. E no momento do restabelecimento da democracia, em 1945, até a primeira eleição para o governo do estado, em 1947, o eleitorado saltou para 1.565.248, um crescimento de mais de 400%. Só na cidade de São Paulo, o eleitorado alcançava a cifra de 571.507, excluindo a região do ABC.1 Em 1955 subiu para 900 mil, e quatro anos depois para 1,1 milhão,2 o maior eleitorado de uma cidade brasileira. O universo da política não poderia ignorar esses novos eleitores: "Depois de 1950, começou a diminuir o fluxo migratório para o campo. Fatores ligados à industrialização e urbanização atraem cada vez mais os migrantes em direção aos centros urbanos mais desenvolvidos; em primeiro lugar a capital (São Paulo), que passou a absorver quase 50% da mão de obra oriunda de outros estados."3 As antigas práticas do Partido Republicano Paulista eram coisas do passado: "A dominação exercida pelas parentelas tradicionais repousava largamente em condições de inércia. As alterações no poder central da República auxiliaram a quebrar essa inércia e a promover a renovação dos quadros humanos na estrutura de poder da cidade. Do outro lado, muitas atitudes, concepções e avaliações obsoletas, ligadas ao recente passado rural ou ao código ético das famílias tradicionais, acabaram encontrando substituição. O patrão com tendências patrimonialistas tornouse antiquado. O temor de degradação vinculado aos 'trabalhos mecânicos' entrou em declínio. O medo de imitar o imigrante e de concorrer ou de cooperar com ele também sofreu um colapso. A tendência a depreciar a capacidade de

julgamento ou de ação do homem comum conheceu uma reviravolta, que acarretou a substituição do 'voto de cabresto' pela 'demagogia'. E assim por diante. É nesta fase que se inicia a formação dos traços mais marcantes do 'estilo urbano de vida' em São Paulo."4 O "voto de cabresto", controlado e manipulado pela velha oligarquia, ou o discurso oposicionista, voltado para a defesa do liberalismo clássico, tal qual a campanha civilista de 1910, eram inadequados a uma complexa conjuntura política. Um bom exemplo foi a eleição legislativa de 1947 no bairro de São Miguel Paulista, com forte concentração de migrantes nordestinos. O Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi o partido mais votado, com 36% dos votos, seguido do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 30%, e depois, bem distante, pelo Partido Social Progressista, com 18%. PCB e PTB receberam mais de dois terços dos votos e eram considerados partidos identificados com as demandas da classe trabalhadora.5 O varguismo jamais conseguiu se enraizar em São Paulo, apesar dos excelentes resultados eleitorais de Getúlio em 1945 e 1950. Depois de 1950, o PTB foi apresado por Ivete Vargas e usado em negociações nebulosas. O espaço político ficou aberto para outras lideranças que conseguissem dialogar com um eleitorado ainda não enraizado na cidade e sedento pelo atendimento de um conjunto de reivindicações advindas do rápido crescimento urbano. A antiga elite política, tanto a dos partidos conservadores tradicionais como da esquerda - nesse caso com larga tradição e combatividade -, foi amplamente derrotada por dois novos líderes: Ademar de

Barros e Jânio Quadros. O primeiro foi membro do PRP, interventor em São Paulo durante o Estado Novo, e lançou-se ao governo do estado em 1947, aliado com os comunistas. Venceu - e foi o único governador de oposição eleito naquele ano. O segundo se destacaria, seis anos depois, ao vencer as eleições para a prefeitura, de forma surpreendente. Para Simão, a grande votação que Vargas obteve em São Paulo, nas eleições de 1945, quando se elegeu deputado federal e senador pelo estado, deveu-se aos migrantes, aos "operários adventícios". Para estes, segundo ele, "a possibilidade de viver na capital do estado e as disposições legais sobre o trabalho e a assistência social apresentaram-se como dádivas inesperadas e recebidas de uma só vez, graças ao governo do chefe do PTB". Curiosamente, na eleição direta para a prefeitura da capital, a primeira da história da cidade, os eleitores não preferiram nem o candidato apoiado pelo Partido Social Progressista nem o apoiado pelo PTB. Escolheram Jânio Quadros. A escolha deveu-se aos fatores da luta política concreta, advindas dos dilemas criados pelo rápido crescimento populacional e não pela "persistência de certos elementos da ação política, como as vinculações de natureza paternalística ou carismática, as diferentes atitudes com referência ao Executivo e Legislativo e a flutuação do voto por indiferença em relação ao preenchimento de certos cargos ou pessoa dos candidatos".6 A campanha eleitoral de 1953 demonstrou a mudança de percepção do eleitorado. O candidato oficial, o médico Francisco Cardoso, apesar de apoiado por uma ampla coligação de oito partidos - entre os quais a UDN, o PSD, o PTB e o PSP, de Ademar de Barros -, acabou derrotado. Durante a

campanha, Cardoso aparecia sempre trajado elegantemente. Seus cartazes, onde ao fundo de destacavam as figuras do padre José de Anchieta e de um bandeirante, faziam referência a um passado que não era compartilhado pela maioria dos eleitores. Já o opositor, após uma passagem pela Câmara dos Vereadores e outra pela Assembleia Legislativa, apresentava-se informalmente, buscava identificarse com as lutas urbanas - apoiou a grande greve de 1953 - e falava uma linguagem do presente, para uma cidade em transformação. Desta forma, a liderança carismática, identificada por Simão - e que era uma realidade -, alicerçava-se também no enfrentamento de demandas urbanas urgentes, como a ampliação de linhas de ônibus, o calçamento de ruas, a questão da moradia, a construção de pontes, a extensão do saneamento básico, a eletrificação, entre tantas outras medidas defendidas na campanha. No período de oito anos entre a redemocratização, no final de 1945, até a eleição de Jânio, portanto, a cidade teve oito prefeitos, todos nomeados ou pelo governador interino ou pelos governadores eleitos, Ademar de Barros e Lucas Nogueira Garcez. Esses anos foram marcados por denúncias de corrupção na administração municipal, desvios de verbas públicas e contratações irregulares. O descaso com a cidade chegou ao ponto de Ademar de Barros nomear Milton Improta, contador da fábrica de chocolates Lacta, de sua propriedade, prefeito da capital. Permaneceu somente quatro meses à frente do Executivo municipal. Foi exonerado depois de um sem-número

de denúncias de corrupção e favorecimentos. Chegou a criar um cargo para si na Secretaria da Fazenda do município recebendo um alto salário.7 O eleitorado sinalizou mais uma vez que não aceitava a antiga política e que o voto estava relacionado ao atendimento de suas reivindicações. É certo também que a urbanização em escala nunca vista na história da cidade fez com que proliferassem políticos que utilizavam formas pouco tradicionais de fazer propaganda eleitoral, como foi o caso de Hugo Borghi, candidato do pequeno Partido Trabalhista Nacional, que distribuía nos comícios pacotes de macarrão e decorava o palanque com uma enorme marmita de três metros de altura. Simbolizava, segundo ele, sua identidade com os operários. Assim, seria o candidato dos marmiteiros, referência ao epíteto que cunhou na campanha presidencial de 1945, de que Eduardo Gomes (UDN) não queria receber votos de marmiteiros. Tal acusação, apesar de desmentida, teve grande efeito eleitoral.8 Evidentemente que as mensagens contra a corrupção administrativa também sensibilizavam o eleitorado, que encontrava no voto o instrumento de combate aos poderosos o que não era possível nas regiões de onde migraram, marcadas pelo coronelismo, pelos senhores do baraço e do cutelo, no dizer de Euclides da Cunha. Assim, a obtenção do título de eleitor pelo migrante era mais um instrumento de libertação, de construção da cidadania. E eles agiam como qualquer eleitor em uma democracia, ora mais integrados aos debates políticos, ora distanciados do que estava acontecendo e escolhendo a esmo seus candidatos.9 Basta observar a

votação dos bairros de forte concentração de nordestinos, onde o janismo sempre foi muito influente. Nas eleições para o governo do estado, em outubro de 1954, em que houve uma disputa acirrada entre Jânio e Ademar, o primeiro venceu com 34,2% dos votos (Ademar ficou com 33,3%). Observando os votos em São Paulo e no ABC (incluindo Guarulhos), Jânio saltou para 40,8%, justamente onde habitava a maioria dos migrantes.10 Os migrantes acabaram solicitando o título de eleitor por obrigação, devido à exigência dos empregadores. Entre os documentos obtidos em São Paulo, três eram fundamentais: a carteira de identidade, a carteira de trabalho e o título de eleitor. Em pesquisa de campo realizada entre os anos 1958-1960 somente com migrantes nordestinos, num total de cem informantes, Alfonso Trujillo Ferrari constatou que 59% conheciam parte dos partidos políticos da época, um número expressivo, e a maioria identificava-se com o PTB, certamente vinculado à herança varguista. Já entre 99 informantes, 97 conheciam Ademar de Barros ou Jânio Quadros, demonstrando estar sintonizados com a intensa luta política em São Paulo e com a bipolaridade das principais lideranças da cidade e do estado; e a fraqueza da representação parlamentar do PTB. Simpatizavam com o partido, contudo votavam nos candidatos apoiados por Jânio ou Ademar, principalmente o primeiro, considerado trabalhador, honesto e bom administrador. Numa simulação de eleição presidencial,

34% escolheram Jânio, bem à frente do segundo colocado, Ademar, com 17% das preferências.11 A participação política dos nordestinos, naquele momento, em nada diferiu do antigo morador de São Paulo, ou do migrante de outra região, ou mesmo daquele que viera do interior para a capital. A sucessão de eleições - só no decênio dos anos 1950 foram oito - acabou produzindo certo esgotamento político. Muitas vezes o eleito nem sequer permanecia um ano no cargo - como ocorreu com Jânio Quadros na prefeitura. Eleito em 1953, renunciou no ano seguinte para se candidatar ao governo do estado. Apesar disso, cresceu em grande escala o número de eleitores - e o número de votos nulos ou brancos foi, nas várias eleições, relativamente baixo. O populismo foi um fenômeno nacional e com forte presença nas áreas urbanas, sem esquecer que, em vários países da América Latina, este processo se repetiu. O ritmo acelerado da urbanização acabou impondo ao poder público o enfrentamento de diversas demandas populares que exigiam prontas respostas, mais rápidas do que o desejado, isso numa sociedade que não tinha ainda uma história de lutas urbanas. A política era um espaço da elite, um tema para poucos. Com a grande migração isso foi mudando rapidamente. O conflito social direto - típico das democracias nascentes - marcou o cotidiano dos habitantes de São Paulo. A jovem democracia ainda não tinha espaços institucionais suficientemente abertos que formalizassem as reivindicações dos trabalhadores. A tensão era permanente, nos bairros, nos terminais de ônibus, nas fábricas, na construção civil. E o espaço político ficava aberto para os oportunistas, os demagogos, os sem partido. *

Estava se formando uma nova classe operária, fundamentalmente com trabalhadores nacionais; boa parte deles era de migrantes e nordestinos. O perfil era distinto daqueles dos operários estrangeiros da primeira fase da industrialização brasileira. Agora tinham de conviver num espaço industrial muito mais avançado, distante do universo do trabalhador manual do início do século XX. Ao adentrar o mundo fabril encontraram um processo de trabalho caracterizado por uma sofisticada divisão do trabalho e com a presença dominante da máquina: foi um enorme salto histórico. Na década de 1950, os sindicatos viveram momentos de relativa liberdade, comparativamente ao controle exercido pelo Estado Novo ou o do governo Dutra. A participação sindical, experiência nova para o nordestino, encontrou um ambiente distinto daquele das célebres greves de 1905, 1906, 1917 e 1919, ainda durante a República Velha. O anarquismo tinha se transformado apenas em registro histórico, sem ter mais qualquer presença na luta operária. Por outro lado, a defesa do socialismo, da socialização dos meios de produção - bandeiras dos comunistas -, dificilmente encontraria eco entre os recém-chegados. Na Europa, o desenvolvimento do movimento sindical e das lutas socialistas foi um processo que durou décadas. No Brasil, "os temas das lideranças operárias anarquistas e marxistas lhes pareciam demasiado abstratos e vagos, de consecução quase

impossível. Em compensação, o novo governo lhes oferecia vantagens imediatas no que dizia respeito à proteção do trabalho, ao direito de férias, a garantias contra dispensas etc.". Mais do que um descolamento ideológico entre as massas migrantes e a liderança operária, a participação na luta sindical voltava-se para as reivindicações concretas, de melhoria das condições de vida e de trabalho. Não foi, como analisou Leôncio Rodrigues, devido às "imagens e símbolos do anarquismo e do marxismo [serem] estranhos à cultura tradicional, às suas construções teóricas, abstratas e racionais".12 O migrante desejava obter ganhos materiais no interior da ordem capitalista, melhorando o salário, as condições do transporte coletivo, da moradia, da escola. A luta estrutural contra o capitalismo não fazia parte do seu universo político. O salto histórico dado pelo migrante, vindo do semiárido nordestino para a metrópole paulista, tinha sido tão grande, historicamente falando, que seria pouco plausível imaginar que também fosse um simpatizante do marxismo, como se isso fosse condição indispensável para adaptação ao mundo moderno. A chegada dos migrantes e o rápido crescimento industrial levaram a uma verdadeira explosão sindical. Eram 299 sindicatos no final dos anos 1950. O número de sindicalizados saltou 60% entre 1953 e 1957. Entre os trabalhadores industriais, os índices eram bem superiores aos de outras categorias. Em 1960, 40% dos metalúrgicos estavam sindicalizados, enquanto na construção civil não passavam de 23%. Entre os primeiros, 37% dos

associados eram migrantes, porém na construção civil representavam quase o dobro: 65%.13 O que era justificado pelas exigências de formação de mão de obra nas indústrias e o trabalho não especializado na construção civil. Mas, paulatinamente, o recém-chegado, após se sindicalizar, foi participando da vida do sindicato, chegando a fazer parte da diretoria das entidades: "Até esta última década, os postos de direção superiores e médios foram preenchidos quase exclusivamente por sindicalizados naturais do município da capital e de outros núcleos do estado. Só ultimamente, acompanhando o aumento de adventícios de outros estados na indústria e nos quadros sindicais, vem crescendo seu número até mesmo nos mais altos cargos da direção associativa."14 Foi na cidade de São Paulo que ocorreram as maiores greves operárias dos anos 1950, o que reforça a hipótese de que a migração não formou uma classe operária amorfa, desmobilizada, satisfeita com a melhoria das condições de vida e, portanto, a serviço do populismo e da política conservadora dos dirigentes pelegos ligados ao Ministério do Trabalho. O controle sindical pelo Estado criava enormes dificuldades para as lideranças sindicais independentes. Apesar do direito de greve ser reconhecido pela Constituição de 1946, ele não foi regulamentado. No momento do conflito, o governo usava o decreto-lei 9.070, de março de 1946, editado antes da promulgação da Constituição, e que concedia amplos poderes à Justiça Trabalhista para a solução do impasse.

O intenso crescimento populacional trouxe diversos problemas para a cidade. Um deles foi a inflação. Em 1950, a taxa de inflação cresceu 11%, no ano seguinte manteve esse índice, e em 1952 chegou a 21%. O movimento operário tinha no aumento de salário sua principal bandeira. Os preços aumentavam e os salários estavam congelados. Entre 1952-1953 ocorreram diversas passeatas da "panela vazia". A carestia afetava a população mais pobre e a falta de produtos era rotativa: uma semana era o açúcar, noutra a farinha de trigo, em mais outra a carne, e assim sucessivamente. Na grande greve de 1953, as lideranças sindicais exigiram um aumento de 60% dos salários e os patrões ofereceram no máximo um terço do pleiteado. Não restou outro caminho para os trabalhadores senão a greve, dada a intransigência patronal. A paralisação começou no dia 23 de março e durou 29 dias, em meio a diversos conflitos de rua com a polícia. Inicialmente atingiu 60 mil operários metalúrgicos e têxteis. Dias depois aderiram os trabalhadores de outros setores: construção civil, sapatos, vidros, gás, telefones. No ápice do movimento grevista estavam paradas 276 empresas. A greve terminou no dia 24 de abril - após uma assembleia em que foi realizado um plebiscito -, e o aumento médio obtido pelos operários foi de 32%.15

Quatro anos depois, em outubro, uma nova mobilização operária parou São Paulo, o ABC e algumas cidades do interior do estado: era a greve dos 400 mil. Durante dez dias, têxteis, metalúrgicos, gráficos, vidreiros, trabalhadores em usinas de refino de açúcar e em curtumes e papeleiros desafiaram os patrões. Como de hábito, o Departamento de Ordem Política e Social, o Dops, prendeu várias lideranças sindicais e piquetes foram reprimidos. Apesar disso, foram realizadas assembleias no hipódromo da Mooca com 50 mil trabalhadores e piquetes percorriam os bairros operários com mais de 25 mil pessoas. A enorme mobilização terminou vitoriosa, obtendo em média 25% de aumento salarial.16 O sociólogo Juarez Brandão Lopes estudou duas fábricas na segunda metade dos anos 1950, uma das quais em São Paulo.17 Partiu do pressuposto de que o migrante não tinha o perfil clássico do operário, tanto na origem como no cotidiano da fábrica e nas lutas sindicais: "Mesmo quando permanecem por um longo período de tempo em fábricas, os migrantes rurais, estando, por assim dizer, subjetivamente orientados para fora da indústria, não se identificam com a condição de operário." A solidariedade de classe "além de ser fraca, não se expressa em ações formalmente organizadas que envolvam todo o grupo. Em outras palavras, não se traduz em ações das quais os operários em geral participem, independentemente das relações pessoais de amizade ou parentesco que os una". Segundo o autor, os "operários estudados, vindos do campo, não se adaptam de maneira duradoura à estrutura industrial".18 Portanto, pensando segundo os conceitos marxistas, os migrantes, mais do que não ter uma consciência de classe segundo a célebre dualidade marxista "classe em si" e "classe

para si" -, nem sequer conseguiam fazer parte da classe operária. Assim, de acordo com essa leitura, os nordestinos, em São Paulo, assemelhavam-se aos camponeses franceses do século XIX. Para Karl Marx, eles não estabeleciam relações entre si, não incorporavam o progresso técnico e viviam isolados: "A grande massa da nação francesa é, assim, formada pela simples adição de grandezas homólogas, da mesma maneira como batatas num saco constituem um saco de batatas." E continua: "Na medida em que existe entre os pequenos camponeses apenas uma ligação local e em que a similitude de seus interesses não cria entre eles comunidade alguma, ligação nacional alguma, nem organização política, nessa exata medida não constituem uma classe. São, consequentemente, incapazes de fazer valer seu interesse de classe em seu próprio nome, quer através de um parlamento, quer através de uma convenção."19 Descrevendo a greve de 1957 na fábrica pesquisada, Lopes apresentou o depoimento de um operário: "Estavam todos nas redondezas da fábrica, em pequenos grupos. Quando chegou a hora, mandaram tocar a sirena. Houve aquele movimento entre os operários, aquele zum-zum, mas ninguém queria ser o primeiro a entrar. Ninguém entrou. Havia um pequeno grupo de piquetes na esquina. Estavam observando uma pequena fábrica perto da nossa, onde estavam trabalhando. Não houve nenhuma demonstração, intimidação, nada." No dia posterior, pouco antes do início do trabalho, logo pela manhã, continua o autor, "um soldado da Força Pública passou

entre eles afirmando a um e a outro que poderiam entrar, que 'teriam proteção'. Afastou-se e todos continuaram a esperar, olhando em direção à fábrica. Tocou a sirena. À porta estavam dois milicianos da Força Pública e dois ou três guardas da Companhia. Como os operários não entrassem, fecharam os portões e deixaram apenas uma pequena porta aberta. Lentamente, foram se desfazendo nas imediações da fábrica os pequenos grupos de trabalhadores. As últimas aglomerações foram dispersadas por alguns cavalarianos". E concluiu: "Informaram alguns operários que enquanto estavam lá viram entrar no serviço apenas três ou quatro empregados."20 A passagem do mundo rural para o urbano, com todos os seus significados, foi, na Europa, realizada durante décadas. Já no Brasil, nesse período, o relógio da história caminhou aceleradamente. Algumas vezes, essa transição foi realizada em semanas. É provável que uma das razões dessa dificuldade no processo de conhecimento da classe operária de origem migrante principalmente nordestina - deve-se à especificidade dessa formação, processo sensivelmente distinto do que ocorreu na Europa Ocidental. Pelo relato, o que tivemos não foram "batatas num saco", foram operários conscientes das reivindicações que defendiam por meio da liderança do sindicato. Evidentemente que estamos no campo das lutas específicas, salariais, e não políticas. Nas greves, a ação policial sempre esteve presente, reprimindo piquetes e prendendo operários. E o fantasma da demissão rondava os operários-migrantes, o que era um ônus suplementar, além da discriminação que sofriam dos próprios operários que já viviam em São Paulo.

A Nitro Química, com mais de 4 mil operários, sediada em São Miguel Paulista, bairro chamado de Bahia Nova,21 devido à grande presença de trabalhadores nordestinos, e de Cidade Vermelha, pois lá o PCB tinha a maior célula em São Paulo, com mais de mil militantes, é outro bom exemplo da participação dos migrantes nas lutas operárias da época. Em 1946, lá ocorreu uma das maiores greves do período. Foram treze dias de paralisação do trabalho, de repressão e de demissões em massa. Em outubro de 1957, uma nova greve parou a empresa. Dessa vez foram nove dias de intensa mobilização e de vitória: obtiveram 20% de aumento.22 Apesar da mudança radical de ambiente histórico, das novidades encontradas em São Paulo, de novos laços de sociabilidade aqui criados, das contradições que o mundo urbano apresentava - principalmente numa metrópole -, os nordestinos conseguiram não só participar dos conflitos gerados pelo mundo industrial, como também manter no imaginário alguma coisa do seu éthos rural. Ressalta, com propriedade, Florestan Fernandes, que "indivíduos e grupos, que se apeguem às formas obsoletas ou pré-urbanas de pensamento e de ação, dificilmente conseguem ajustar-se satisfatoriamente às exigências da situação. Certas avaliações tradicionais sobre o 'dever', a 'reciprocidade', a 'palavra de honra' ou a integridade do próprio 'homem' não

possuem mais pontos de referência sociais. O indivíduo que se mantenha fiel a elas sujeita-se a sofrer decepções em todos os níveis da vida prática. Pode comprar por alto preço móveis de baixa qualidade, pode ser vítima de transações ilícitas, pode fazer contratos verbais de trabalhos sem equidade (em prejuízo próprio) e por aí vai".23 A forte ligação com o sertão manteve-se presente no imaginário do migrante nordestino. Basta recordar as relações de amizade e de solidariedade familiar, bem como o sonho - na maior parte das vezes não realizado devido à fixação em São Paulo, ao casamento e à formação de uma nova família - de um dia poder regressar em situação melhor do que aquela do momento da migração. Na música esta relação é explícita, como na célebre toada "Triste partida", de Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré: Agora pensando segui outra tria chamando a famia começa a dizê: - Eu vendo meu burro Meu jegue e meu cavalo. Nóis vamo a São Paulo vivê ou morrê! - Nóis vamo a São Paulo que a coisa tá feia.

Por terras aleia nóis vamo vagá... Se o nosso distino não fô tão misquinho pro mesmo cantinho nóis torna a vortá. E vende o seu burro o jumento e o cavalo. Inté mesmo o galo vendêro também pois logo aparece feliz fazendêro por pouco dinhêro lhe compra o que tem. Em um caminhão se junta à famia chegou o triste dia já vai viajá... A seca terrive que tudo devora

lhe bota pra fora Da terra natá. (...) Chegaro em São Paulo sem cobre, quebrado. E o pobre, acanhado percura um patrão. Só vê cara estranha de estranha gente. Tudo é diferente do caro torrão. Trabáia dois ano tréis ano e mais ano e sempre nos prano de um dia vortá. Mais nunca ele pode. Só véve devendo. E assim vai sofrendo... Ê sofrê sem pará! (...) Do mundo afastado sofrendo desprezo

ali véve preso devendo ao patrão O tempo rolando... Vai dia e vem dia E aquela famia Não vorta mais não! Distante da terra tão seca, mas boa exposto à garoa à lama e ao pau... Faz pena o nortista tão forte, tão bravo vivê como escravo no norte e no sú!24 É manifesto o desejo de poder romper com a condição de operário, não pela negação da luta por melhores salários e condições de trabalho - que levaria a se omitir quando dos movimentos grevistas -, mas pelo desejo de construir um futuro autônomo, não dependente da venda da força de trabalho. Este desejo foi mal compreendido. Lopes considerou que "os operários não se adaptam de maneira duradoura à estrutura industrial, (...) pois procuram alcançar o seu interesse econômico imediato".25

Esse processo de negação tem um sentido inovador, de desafio. O risco de criar um empreendimento era do exoperário. Poderia prosperar ou não. Nesse sentido, diferenciou-se também do operário-padrão clássico, da Europa Ocidental, que permaneceu na fábrica. Isso só foi possível graças à modernização econômica que estava ocorrendo em São Paulo, que abria possibilidades para novos negócios, para o pequeno capital. Também diferentemente do capitalismo central, o progresso econômico não ocorria da mesma forma em todos os setores, o que abria a possibilidade para os nordestinos se transformarem em pequenos empresários. Dessa forma, a inserção dos nordestinos nas lutas sociais, em São Paulo, foi um processo distinto do que ocorreu com os estrangeiros ou operários nacionais que viviam havia décadas na cidade. Estes foram rapidamente assimilados, tanto na esfera social como até na vida política. Já sobre os nordestinos acabaram pesando diversos estigmas.26 * Se a greve é o momento de conflito aberto entre trabalhadores e patrões, outros confrontos foram estabelecidos na cidade, como os referentes aos preços abusivos dos gêneros alimentícios e ao aumento das passagens dos transportes coletivos. Todos vinculados ao processo de expansão vertiginosa da cidade. A criação de novos bairros na periferia dependia do transporte coletivo: "Apoiou-se não no bonde ou mesmo não só nos subúrbios, mas num fator novo: as linhas de ônibus, cuja teia de itinerários, por ínvios caminhos às vezes, sustenta o a princípio tênue arcabouço urbano e lhe possibilita o crescimento

vertiginoso."27 Em 29 de outubro de 1958 ocorreu na cidade um quebraquebra. A passagem de ônibus subiu de CR$ 3,50 para CR$ 5,00 e o bonde de CR$ 2,00 para CR$ 3,00, sem que o prefeito Ademar de Barros comunicasse com antecedência à população. Pior, viajou para a capital federal após assinar a autorização do aumento das passagens.28 No dia seguinte, pela manhã, ocorreram pequenos protestos, mas no final da tarde começou um grande quebra-quebra nas praças da Sé, Clóvis e João Mendes, que funcionavam como terminais de ônibus; atingindo também a avenida Nove de Julho, a praça 14 Bis, o largo São Francisco e a praça Ramos de Azevedo: "Por volta das 18 horas, já São Paulo apresenta características de cidade conflagrada." Às 18h30 pipocaram pelo centro da cidade, em diversos pontos, conflitos entre os manifestantes e a polícia. A repressão foi violenta: a polícia atirava a esmo. Cerca de 120 ônibus foram incendiados, todos da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC).29 Na praça da Sé foram jogadas bombas de efeito moral e de alto poder explosivo, "o que não foi suficiente para afugentar os revoltados, como também não surtiram grande efeito as contínuas cargas de cavalaria. A fúria popular aumentava a cada instante, provocada por excessos cometidos por elementos da Força Pública. Tanto assim que, mal os cavalarianos passavam, os populares saíam em seu encalço, procurando desmontá-los mesmo sob ameaça de balas e dos golpes de baioneta calada".30 Às 21 horas a calma estava de volta ao centro, deixando setenta feridos e seis mortos.

Um dos melhores relatos dos incidentes e da violência policial foi publicado na Folha da Manhã: "Desde o início do tiroteio, os policiais mantêm os fuzis com baioneta calada. Aqueles que perseguem os manifestantes adotam idêntica providência. Um dos populares tenta enfrentá-los com um pedaço de pau ou guarda-chuva, mas é espetado com a baioneta. O miliciano vira a arma e desfere, ainda, diversas coronhadas na cabeça do homem, que tomba, ensanguentado. Seu companheiro - o operário Paulo Tavares (Vila Esperança) -, que segura uma marmita, ajoelha-se e implora por misericórdia aos soldados. Leva uma coronhada e sai a correr gritando, como um louco, que mataram seu amigo. Diversos disparos são feitos em sua direção, sem, contudo, atingi-lo." O repórter ainda consegue falar com o operário, que informa o nome do morto: Arlindo Silveira. Tinha 30 anos, era casado, pai de três filhos. Também morava na Vila Esperança, Zona Leste.31 A carestia era outro importante móvel de mobilização política e até mesmo do que se chamava à época de luta "antiimperialista". No Rio de Janeiro, o presidente da Cofap, general Ururaí Magalhães, tentou enfrentar o problema da escassez de carne nos açougues, onde se formavam imensas filas desde a madrugada, propondo ao presidente Juscelino Kubitschek a ocupação dos frigoríficos Armour, Swift, Wilson e Anglo e das invernadas: "É a única solução. Assim, não ficariam fazendo pouco dos brasileiros. Nunca temi o poder econômico dos frigoríficos estrangeiros."

Já em São Paulo, o problema principal, em setembro de 1959, era o aumento do preço do feijão. Durante semanas, sempre às segundas-feiras, foram realizados comícios na praça da Sé organizados pela Campanha Contra a Carestia. Nos discursos, os oradores dramatizavam o problema: "É preferível morrer lutando a morrer de fome!" ou "Só nos resta assaltar os armazéns e arrancar à força a comida para nossos filhos". Os preços dos gêneros alimentícios tinham sido congelados, contudo aumentavam em média 4% ao mês. Nas faixas de reivindicações e protestos pediam-se "cadeia para os ladrões do povo", "feijão barato para o povo", "os nacionalistas não aceitam medidas demagógicas", "os nacionalistas exigem medidas concretas contra a carestia".32 A capital paulista já era a sétima cidade do mundo em população. E a que mais crescia. Entre "1950 e 1954, construíram-se 90 mil prédios na capital paulista, enquanto, no mesmo período, se construíram 50 mil em todas as demais capitais brasileiras reunidas". Entre 1900-1954, se compararmos São Paulo ao Rio de Janeiro, então capital federal, e tendo o primeiro ano como número-índice 100, em 1954, São Paulo alcançou o número 1.175 e o Rio de Janeiro, 388. Se em 1950 o Rio ainda era mais populoso que a capital paulista, quatro anos depois São Paulo já tinha superado a capital federal.33 A nova face de São Paulo, a metrópole, era dada pelos migrantes. Tendo o ano de 1953 como número-índice 100, dois anos depois salta para 152, em 1958 chega a 284, três anos depois, a 342. Ou seja, em

nove anos os empregos mais que triplicaram em São Paulo.34 De 1952 a 1961 entraram oficialmente 1.140.065 migrantes, a ampla maioria entre 18 e 40 anos, formada por homens, solteiros, brancos e pardos - os negros não passaram de 20% - e analfabetos (quase 88%). Ao longo da década, com a permanência das condições no sertão e o progresso econômico adquirido pelos migrantes, as novas levas passaram a ser compostas por aqueles que estavam numa escala social superior. Entre seus mais ilustres moradores da cidade, muitos criticaram esse momento de grande crescimento populacional. O poeta Guilherme de Almeida considerava uma das grandes desvantagens da cidade a "escassez de espaço, promiscuidade doméstica, provocada pela vida em apartamentos, gerando a degenerescência física e moral do homem". Quando perguntado sobre qual era a vantagem de morar na cidade, o ex-governador Lucas Nogueira Garcez respondeu: "Não vejo nenhuma, (...) não a recomendo a ninguém."35 Recorda Jorge Wilheim "que o desamor por São Paulo pode ser observado por toda a parte: na ausência de poesia popular e canções que a cantem (compara-se ao Rio de Janeiro...), no egoísmo e descuido de seus habitantes pela coisa pública; na ignorância que o paulistano tem de sua própria cidade, na entrega fácil que a autoridade municipal fez dela à especulação de loteadores etc. Se este desamor existe, suas raízes parecemnos históricas. Até meados do século passado, São Paulo não existiu como 'urbs', como palco da vida quotidiana. Seus habitantes viviam nos arredores e deviam ser ameaçados com multas para serem obrigados a vir à Câmara ou às procissões. Ser paulista significava, por exemplo, possuir

fazenda em Itu. Não havia correspondência entre o orgulhoso adjetivo pátrio e a permanência ou vivência urbana".36 Evidentemente que havia muitos problemas decorrentes da falta de planejamento e do rápido crescimento demográfico: "É uma cidade inorgânica, sem perímetro de construção, sem zoneamento, sem espaços verdes suficientes, sem áreas reservadas, sem parques para recreio e esporte."37 Nos bairros com forte presença nordestina, como Vila Matilde, Osasco (que naquela época ainda fazia parte do município de São Paulo), São Miguel Paulista, Guaianazes e Santo Amaro, havia a predominância de homens; enquanto nos bairros tradicionais ocorria o inverso, como na Aclimação, em Cerqueira César e na Consolação. Para os nordestinos, a cidade passava a ser sua morada, mesmo tendo na memória a saudade do sertão. Em vinte anos, entre 1940 e 1960, a maioria dos bairros que mais cresceram foi aquela de recente ocupação pelos migrantes. Enquanto o Brás, a Mooca e a Sé tiveram crescimentos populacionais negativos nesses anos (a maior queda foi na Mooca, de 10,8%), na Zona Norte, a Freguesia do Ó cresceu 901,3%, e a Vila Maria, 576,4%. Na Zona Sul, Santo Amaro cresceu 647,5%, e a Capela do Socorro, 216,4%. Já na Zona Leste, a Vila Matilde teve um crescimento de 603,5% e o Tatuapé de 486,3%. Na Zona Oeste, Pirituba deu um salto de 780,8%.38 São Miguel, na Zona Leste, é um caso exemplar. Entre os anos 1920-1940, a população cresceu 2,4% ao ano, em média, enquanto na cidade a taxa era de quase o dobro, 4,2%; já entre 1940-1950, a taxa saltou para 7,7%, e a do restante da cidade foi de 5,1%; na década seguinte teve um crescimento anual assustador: 13,6%; o triplo do restante da capital, que foi de 5,6%. A expansão do bairro esteve vinculada

aos loteamentos: "Eram sempre relativamente grandes e, seguindo a lógica do que acontecia na cidade como um todo, descontínuos. Isso provocou o surgimento de inúmeras vilas e jardins sem qualquer infraestrutura, a não ser um arruamento precário que permitia colocar lotes à venda."39 Contudo, para o migrante, apesar de todos os problemas urbanos, a cidade representava a libertação, a possibilidade de se construir um futuro mais próspero. E com um espaço de liberdade na esfera do trabalho, da vida social e política que não possuía no sertão nordestino, marcado pelo domínio do coronelismo, do mandonismo local. Aqui era um eleitor livre e parte da sociedade democrática. É nessa cidade que Ademar de Barros voltou a ganhar uma eleição. Após as derrotas para o governo estadual, em 1954, e para a presidência da República, no ano seguinte, em 1957 venceu a eleição para a prefeitura. Dentro do velho estilo de governar, afinal disputava a atenção da imprensa com o governador Jânio Quadros, inventou o gabinete ambulante. Era um trailer dividido em três partes. Na última, tinha um quarto com uma cama. Ademar defendeu o trailer: "Já estão me criticando por causa da cama, antes mesmo de inaugurado o 'gabinete'. Insinuam barbaridades. Malícia dessa gente." Visitava três bairros por dia. Formavam-se grandes filas para as audiências. Pedia-se de tudo: emprego, dinheiro para comprar remédio, material de construção e aluguel. O prefeito reclamava do assédio: "Como essa gente pobre se reproduz." Ia rezar teatralmente numa igreja, consolava doentes e prometia visitas. Representando o papel de líder popular, vez

ou outra reclamava dos visitados um cafezinho. Ao visitar a Vila Formosa pediu que alguém lhe trouxesse a bebida. Um prestativo morador foi correndo até em casa e trouxe orgulhosamente o café num copo. Em vez de agradecer, o prefeito reclamou: "Espero que vocês não tenham enfiado o dedo no copo, hein, seus pilantras!"40 Nas disputa pelos holofotes, Jânio Quadros não ficava atrás. No exercício do governo estadual fazia de cada dia um ritual de imolação ao povo. Reclamava do trabalho, da dificuldade de defender a coisa pública frente aos corruptos: "Estou enojado. Profundamente enojado. Minha preocupação é tomar minha esposa e minha filha pela mão e voltar para casa. Governar com honestidade constitui um infortúnio e uma tragédia." Quando perguntado sobre o que faria quando deixasse o governo de São Paulo, respondeu que "voltaria para as aulas". Sobre o futuro político foi taxativo: "Não tenho. Deixo o governo sem partido, sem fortuna e sem qualquer mandato. Não considero, porém, esse destino, o do túmulo, mas o da ressurreição. Volto a mim e aos meus."41 Apesar da ênfase, no ano seguinte foi eleito deputado federal pelo Paraná e em 1960 venceu a eleição presidencial. * Se o fenômeno da migração de mão de obra nordestina para o Sul-Sudeste do país não era novo, foi justamente nos anos 1950 que adquiriu importância no debate político nacional -

enquanto o tema da imigração acabou desaparecendo, o que foi absolutamente natural. No decênio, entraram no país pouco mais de 500 mil estrangeiros, isso quando a população total cresceu em 20 milhões.42 Como já foi exposto no capítulo anterior, o deslocamento de dezenas de milhares de paus de arara é que impôs a questão regional na agenda política do desenvolvimento nacional. Neste momento, a região estava sofrendo os impactos da modernização do Sudeste, de duas grandes secas, da migração sertaneja também para as capitais e do aumento das tensões no campo. Entre 1947 e 1960 aumentou-se o desnível regional. O Nordeste tinha diminuído sua participação na renda nacional de 11,2% para 10,6%, mesmo com o crescimento do produto real agrícola em dez anos à taxa de 6,1% ao ano. A política industrialista adotada após 1930 tinha aumentado o desequilíbrio inter-regional e concentrado a renda e os grandes investimentos públicos no Sudeste.43 Além do quê, não havia uma política protecionista para os dois principais produtos da região: o algodão e o açúcar. Com relação a este último, de 1946 a 1961, a produção nordestina duplicou, enquanto a paulista decuplicou. E também a política cambial favorecia o setor industrial em detrimento do agrícola, especialmente dos estados mais pobres, como os do Nordeste.44 O crescimento demográfico ainda era muito alto, favorecido por algumas melhorias no campo da saúde e dos transportes. O "ritmo do crescimento líquido da população nordestina elevouse de 2,1% ao ano para 2,4% entre os anos 1950 e 1960, não obstante a região ter continuado a perder população para o

resto do país com intensidade absoluta (1.324 mil pessoas) quase igual à do decênio anterior (1.377 mil pessoas)."45 As grandes secas de 1951-1953 e 1958, além do enorme deslocamento populacional, transformou o enfrentamento dos problemas estruturais do Nordeste numa questão que ameaçava a "unidade nacional", como lembrou Celso Furtado: "O ponto nevrálgico da economia nordestina está, portanto, em sua agricultura. Se não resolvermos o problema da utilização adequada das terras da faixa úmida - subutilizadas nos grandes latifúndios do açúcar e nos chamados vales úmidos da zona litorânea - não poderemos criar, no Nordeste, uma indústria capaz de sobreviver."46 Em 1957, o governo paulista organizou uma missão econômica: "O que nos leva ao Nordeste é o espírito de bandeirar, colocando à disposição dos irmãos nordestinos o patrimônio de São Paulo, suas manifestações tecnológicas, educacionais e espirituais." O relatório destacou a importância do mercado regional e as principais atividades econômicas. Identificou o atraso industrial devido o Nordeste não ter tido uma atividade lucrativa como o café, um "afluxo imigratório, trazendo-nos o concurso de seu sangue, de sua inteligência, de seu espírito de empreendimento e, em muitos casos, de suas economias". Depois de descrever as potencialidades econômicas da região, acentuou que "a área investidora por excelência no Nordeste deve ser atribuída a São Paulo". E concluiu reforçando o tradicionalismo paulista,

tão em voga no período: "Os nossos antepassados 'vergaram a vertical das Tordesilhas', fizeram do Brasil a nação mais vasta do Novo Mundo e alargaram as nossas fronteiras físicas, em plenas entranhas da América do Sul. Hoje, ou nos abalançamos à faina de alargar as fronteiras econômicas do Brasil contemporâneo, plasmandolhe condições propícias à existência e à salvaguarda de um largo e auspicioso mercado interno, ou então nos despediremos prematuramente da nobre missão que, juntamente com brasileiros de outros recantos da pátria comum, temos de concretizar."47 A questão Nordeste tinha tal gravidade que não seria possível deixá-la apenas nas mãos da iniciativa privada. Coube ao Estado tomar as principais ações. Durante a presidência Juscelino Kubitschek, o Nordeste foi um dos focos principais das medidas governamentais. Mesmo assim, nas Mensagens presidenciais, a região esteve presente em apenas três das cinco enviadas ao Congresso Nacional. Em 1956, no primeiro ano do governo, não estava clara a política que seria implantada. A explosão populacional foi vista como sinônimo de progresso: "É necessário que a taxa de população continue a crescer, de modo que a expansão demográfica possa promover em definitivo o aproveitamento das reservas naturais dos espaços interiores e das áreas retardadas do Brasil." Continua o documento: "Na costa atlântica, em que os agregados econômicos se vêm ampliando secularmente sob a injunção dos mesmos fatores geográficos que orientaram a colonização, a concentração das massas humanas tem gerado problemas de alta magnitude, porquanto as áreas de maior densidade são as que mais apresentam

características típicas de subdesenvolvimento." E concluiu: "Mas, além dessas áreas, dentre as quais sobressai a região nordestina, onde se concentra uma quarta parte da população, tem a nação brasileira a responsabilidade de estimular o povoamento e de promover a ocupação dos vazios interiores do Brasil Central e da Amazônia, diante da necessidade de alargar as fronteiras econômicas, no sentido das latitudes geográficas." A formulação nebulosa da mensagem não inibiu o trabalho de vários grupos criados pelo governo federal voltados para o Nordeste. Em 1957 e 1958, a região não mereceu destaque especial; em 1959 foi lembrado que o objetivo do governo era "reorganizar a economia, tornando-a resistente ao impacto das secas e melhorando o padrão de vida das populações. Está sendo revista a política federal de inversões nas obras contra as secas, busca-se modificar o sistema de produção rural da zona semiárida, e bem assim abrir frentes de colonização. Na faixa litorânea, a industrialização, à base do aproveitamento das matérias-primas locais, apresenta-se como a forma indicada para o desenvolvimento econômico. Ao critério assistencial, que predominava nas obras do Polígono das Secas, substitui-se rigoroso trabalho de planejamento, no qual se indicam soluções racionais para os problemas". No ano seguinte a análise da ação governamental ressaltou o aumento da acumulação de água de 3,5 bilhões de metros cúbicos para 6,4 bilhões e retomou a necessidade de alargar a fronteira agrícola. Curiosamente, não foi mencionada a migração em nenhuma das mensagens, ou o drama dos paus de arara, muito menos a seca de 1958, que tinham obtido amplo espaço nos meios de comunicação, fazendo parte também dos

debates políticos, inclusive com a ida de missões parlamentares ao Nordeste.48 A ênfase no aspecto técnico no enfrentamento da "questão Nordeste" ficou patente quando da criação, em 1956, do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN). Dois anos depois, surgiu o Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste (Codeno) e, em 1959, em dezembro, foi promulgada a lei que criou a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene). Em março de 1959 foi divulgado o documento que norteou a criação e os primeiros anos da Sudene, "Uma política de desenvolvimento econômico para o Nordeste", que teve Celso Furtado como principal inspirador. Foi apresentado um arrazoado histórico situando a região no conjunto do desenvolvimento brasileiro e demonstrando que a renda média de um nordestino, em 1956, mal chegava à terça parte da recebida por um habitante do Centro-Sul: era uma das menores do hemisfério ocidental. O documento definia a questão central: "Como elevar a produtividade da economia da região semiárida?" A região era dominada em grande parte pela agricultura de subsistência, onde havia um considerável excedente demográfico. A constante intervenção governamental mantinha o excedente de mão de obra na região, o que era economicamente interessante para os grandes fazendeiros. Para Furtado, a "capacidade de produção da fazenda depende, essencialmente, do número de moradores que pode alimentar, isto é, da quantidade de terras aptas para a agricultura de subsistência, graças à qual se manterá a mão de obra sem maiores encargos monetários". Dessa forma, "compreende-se, portanto, que o fazendeiro tenha preocupação em reter na fazenda o máximo de gente possível". Como não era possível manter o excedente de população na região, a saída encontrada era a transferência da população para os

vales úmidos do Maranhão. A outra meta era "elevar a produtividade média da força de trabalho concentrada na faixa úmida, o que exige, necessariamente, intensificação dos investimentos industriais". O relatório ignorou a grande migração para o Sudeste. Somente no início do texto fez uma breve menção ao perigo da existência de dois Brasis, um moderno e outro atrasado, o que não era novidade para a época. A proposta de transferir centenas de milhares de sertanejos para os vales úmidos do Maranhão (no final é acrescido também Goiás) era de difícil execução e de duvidosa eficácia econômica. Não havia uma infraestrutura regional que pudesse receber milhares de sertanejos, nem seria possível efetuar tal transferência num curto prazo. Dificilmente um migrante optaria por, em vez de dirigir-se ao Sudeste, onde poderia encontrar emprego, deslocar-se para uma área de recente colonização e de destino econômico incerto. O desejo de mudar de status econômico, seguindo o exemplo de familiares ou de conhecidos, era uma necessidade imediata e que não passava pela transformação do sertanejo em colono em outras áreas do Nordeste. O sertanejo almejava ser assalariado onde predominavam as relações capitalistas de produção, ou seja, no Sudeste. Afinal, a miséria na região era secular e as notícias que recebiam daqueles que tinham migrado era de que tinham conseguido emprego e estavam vivendo melhor do que no sertão. O Nordeste não teve na sua história nenhuma experiência exitosa de colonização patrocinada pelo Estado ou por particulares. E os efeitos das secas de 1951-1953 e 1958 foram tão severos que desestimulavam qualquer nova aventura

agrícola; ainda mais em áreas pouco conhecidas pelos sertanejos, como o sul do Maranhão ou o norte de Goiás, e muito distintas do semiárido em termos de clima, vegetação e solo. Dar viabilidade econômica a um empreendimento de colonização dessas proporções exigiria um grande investimento do Estado, tanto em capitais como em pessoal técnico. A grave crise da economia nordestina exigia uma ação mais profunda, que, evidentemente, tinha um alto custo político, pois levaria a uma reestruturação não só das bases econômicas, mas também das políticas, considerando que no Congresso Nacional a bancada da região detinha cerca de 40% das cadeiras e os principais partidos tinham entre seus líderes políticos nordestinos. A referência à industrialização também não permitiria uma alteração do statu quo na faixa litorânea, pois o empresariado local, indispensável à viabilização do projeto, estava voltado para as atividades comerciais ou do setor primário, além de ter de disputar o mercado com as indústrias sulistas. Com a construção das novas estradas e a melhoria das comunicações, a indústria nordestina foi afetada. Parte do seu mercado devia-se justamente ao relativo isolamento da região. A "rodovia Rio-Bahia teve, nesse contexto, papel arrasador para a indústria têxtil do Nordeste. Quando Juscelino Kubitschek, com esta rodovia, ligou o mercado do Nordeste ao mercado do Sudeste, nos anos 1950, a produção têxtil de São Paulo invadiu o Nordeste. Nessa hora, a competição interregional passa a ser destrutiva em relação ao Nordeste. Essa região vai viver uma profunda crise têxtil - até que surge a Sudene e faz um poderoso

programa de modernização que reduz metade do emprego têxtil e a maioria das empresas são fechadas".49 O documento não fez menção à reforma agrária, bandeira considerada incendiária à época, principalmente na região, graças à ação das Ligas Camponesas, ou a qualquer reforma que pudesse atingir os privilégios seculares dos latifundiários e viabilizar uma economia de pequenos proprietários, diminuindo o êxodo para o sul. Sem a modificação estrutural do semiárido e de forma rápida -, qualquer programa de desenvolvimento estaria fadado ao fracasso e não sensibilizaria os sertanejos a permanecer na região. Apesar de todos os cuidados de Celso Furtado, mesmo assim a criação da Sudene foi duramente combatida pela oligarquia nordestina: "A lei havia sido aprovada contra a maioria das bancadas nordestinas, graças ao apoio majoritário dos deputados do Centro-Sul."50 Um dos maiores adversários foi o senador Argemiro Figueiredo, da Paraíba. Ele acusou Furtado de comunista, que estaria agitando, com suas propostas de transformação econômica da região, o Nordeste. O maior receio dos oligarcas era perder o controle do Dnocs, fonte de dinheiro e de votos, muito importante no momento eleitoral, principalmente quando coincidiam as eleições com uma seca, como em 1958. Além do quê, a equipe de Furtado era formada por quadros que não comungavam com o coronelismo. A imprensa sulista apoiou Furtado, mesmo quando reforçava estereótipos, como pode ser observado na reportagem "Pau de arara da Sorbonne vai comandar a Operação Nordeste".51 O avanço representado pela Sudene foi o estabelecimento dos problemas estruturais da região e sua relação com as questões nacionais. Foi deixado de lado o tema da seca como foco central da discussão e

a solução hidráulica como tema principal. A última grande obra realizada pelo Dnocs foi a construção do açude de Orós, no Ceará. A pressa para a conclusão da obra, em março de 1960, trinta dias antes da inauguração de Brasília, agravada pelas grandes chuvas daquele mês - 649 milímetros em uma semana, quando a média mensal era de 273 milímetros; além de a altura da barragem estar muito baixa, com somente 37 metros, quando deveria alcançar 58 metros -, colocou em risco não só o açude, mas também a vida de 100 mil pessoas que viviam às margens do rio Jaguaribe. Eram 700 milhões de metros cúbicos de água acumulados. A pressão das águas levou a barragem a um rompimento de 200 metros. Foi uma tragédia que afetou gravemente municípios como Morada Nova, Jaguaribe, Russas e Limoeiro.52 * O estabelecimento de dezenas de milhares de migrantes a centenas de quilômetros das suas comunidades de origem acabou gerando uma série de dramas pessoais. Maridos deixavam suas esposas com a promessa de levá-las, juntamente com os filhos, para São Paulo, quando já estivessem empregados e com condições de ter uma moradia para abrigar a família. Muitos nunca mais voltaram. Formaram outra família no sul e abandonaram a que tinham no Nordeste. Outros demoraram anos para regressar, sem, nesse intervalo de tempo, enviar qualquer notícia. Aconteceu de mulheres, até por pressão da vida comunitária, terem de buscar outro parceiro, dada a ausência de notícias do marido e as dificuldades econômicas para manter a família.

Numa pequena cidade alagoana com pouco mais de três mil habitantes, um marido migrou, e por mais de dez anos não mandou qualquer notícia. Nem sequer conheceu o filho, gerado no dia da viagem para o sul. Não enviou uma carta, aviso verbal ou qualquer soma em dinheiro. Depois do silêncio de tantos anos, a mulher acabou se casando com outro homem. Anos depois, o marido regressou. Ao chegar à entrada da casa encontrou a mulher dando de mamar a um bebê. Gregório, o marido ausente, acabou sacando um revólver - pouco comum no sertão, fruto da modernidade sulista - e atirando em Olindina, sua mulher, que morreu com o bebê no colo. O assassino fugiu e nunca mais foi visto. Outras mulheres ficavam aguardando o retorno do marido. As Penélopes sertanejas esperavam. Julinha esperou durante quatro anos o regresso do marido. Trabalhava duro durante a semana no cultivo de arroz. Nos fins de semana vestia-se com as melhores roupas que tinha, maquiava-se e ficava aguardando o marido. Em vão: ele não chegava. Sua irmã mais velha não se conformava: "A Julinha é uma tonta, tonta mesmo, muita gente já quis viver mais ela. O seu Pimpão vive de cabeça inchada por causa dela, mas ela não quer saber. Ela gosta mesmo daquele cabra de peia que foi para São Paulo e nunca deu notícias. Já apareceu quem quisesse casar com ela no civil, e ela não quis. Bem podia, pois ela é casada só no religioso." Julinha continuou esperando o regresso do marido, e a cada fim de semana a expectativa aumentava. Certo dia, recebeu a notícia de que ele tinha se casado no civil, em São Paulo. Viu que a espera de cinco anos fora em vão. Teve de esquecer o grande amor.

Acabou se casando novamente com um morador da cidade.53 Em alguns casos a mulher ficou trabalhando para pagar alguma dívida do marido: "Tinha deixado minha patroa empenhada em uma dívida de setecentos e cinco e quinhentos, trabalhando na casa de um compadre, trabalhando de graça para o compadre e a comadre, em Pirapora, para só mandar buscar a minha patroa quando mandasse a importância. Quando eu mandei os setecentos e cinco mil e quinhentos, aumentou mais duzentos mirréis na conta. Aí trabalhei, arranjei dinheiro emprestado, mandei buscar minha patroa."54 Os recursos enviados pelos migrantes aos parentes que permaneceram no sertão eram fundamentais para sua sobrevivência: "Porque com a saída deles pra São Paulo, melhorou minha situação, porque o que eles ganham dá pra se manter e sobra que dá ainda pra mandá um café pra mim, todo mês, se não vem todo mês, mas ele me sustenta, como se diz, do calçado ao vestido e aqui não tinha condição de ganhá pra eles, quanto mais pra me ajudar. Eu quero ver alguém aqui trabalhá o ano todo no alugado e consegui ganhar a roupa, o que compra não ajuda os pais. Eu conheço muitos pais de família aqui, que não tinha calça pra vestir, eu mesmo era um, e hoje tenho as minhas malas de roupa e outros o trem aí." Diz outra sertaneja: "Eu tinha moça que zelava minha casa aqui, mas como eu não podia dar a ela tudo o que ela precisava, aí me vi obrigada a deixar ela ir. Eu não quero que eles venham pra aqui, não, já sofreu muito aqui. Se ele vir pra casa, vai maldizê da sorte como se maldizia antes." E concluiu: "Meu filho, quando foi embora, sempre dizia: 'Todo mundo quando vai pra São Paulo chora, eu não choro.' Aí quando foi pra ele se arrumá, começou a chorar. Quando foi véspera da viagem, passou a noite chorando, saiu daqui chorando."55

O sociólogo Costa Pinto resumiu esse momento da história do sertão: "Temos a impressão de que, originalmente, quando o fenômeno era de menor vulto e esporádico, a emigração de um filho para o sul era recebida como uma desgraça que recaía sobre uma família, algo comparável ao recrutamento militar; depois, o fato passou a ser encarado como um mal fatal e necessário para os homens que fossem tentar a vida noutra parte, enquanto moços, e depois voltassem em condições mais prósperas, com pecúlio feito, para se estabelecerem em sua terrinha própria no lugar em que nasceram. Hoje, a impressão que colhemos no sertão é inteiramente diversa: não se tem rebuços de falar de emigração como uma esperança de melhores dias, e os que ficam em regra esperam que o esposo, irmão, pai, parente, compadre, amigo de lá lhes enviem os meios de partirem também."56 Os dados econômicos do final dos anos 1950 permitem entender as razões do grande êxodo: "Entre 1957 e 1961, o setor industrial cresceu à razão de 12% ao ano e a indústria de transformação quase atingiu a média anual de 13%. A economia nacional cresceu 8,3% ao ano, enquanto a agricultura registrou a média de 4,9%."57 E os indicadores da economia nordestina ficaram muito abaixo dos resultados nacionais, especialmente na região semiárida. CAPÍTULO 5 ME ALEMBRO COMO SE FOSSE HOJE O processo de substituição das importações, intensificado no quinquênio juscelinista (1956-1961), criou as condições para

que a economia da região metropolitana de São Paulo tivesse condições para incorporar as dezenas de milhares de nordestinos ao mercado de trabalho. Sem o sucesso da industrialização, o deslocamento populacional seria estancado ou destinado a outras áreas do território nacional, além dos possíveis efeitos no processo das lutas sociais, especialmente no Nordeste. A permanência da migração em larga escala foi uma demonstração cabal do êxito econômico da industrialização, independentemente das modificações políticas ocorridas em 1964, do fracasso das medidas desenvolvimentistas no Nordeste e da concentração da produção industrial em São Paulo, grande geradora de empregos diretos e indiretos. Basta recordar que, em 1920, São Paulo representava 31% da produção brasileira, em 1938, aumentou para 43,5%, vinte anos depois, saltou para 55% e em 1965 alcançou 57,6%.1 Muitos dos migrantes ao chegarem a São Paulo dirigiam-se para o interior do estado,2 o que continuou durante os anos 1960. A grande expansão da indústria automobilística no ABC, especialmente em São Bernardo do Campo, chamada à época de Detroit brasileira, produziu um rápido aumento da população da região. O depoimento de um cearense é bem ilustrativo desse processo de deslocamento constante até a fixação na região metropolitana: "Cheguei em São Bernardo em fins de 1958, quando isso aqui era um subúrbio insignificante. Sou do Nordeste, do Ceará, sim, mas desde menino que ando por esse mundão afora. Tentei a vida em Fortaleza, no Recife, em Montes Claros, norte de Minas Gerais, em São Miguel Paulista, no norte do Paraná, em

Marília e em outras cidades paulistas, mas destino é destino. (...) Pois, sim, em 1958 estava me batendo aí pelo interior de São Paulo, quando uns chapas me falaram de São Bernardo. Pra lhe ser franco, antes nem tinha ouvido falar nessa cidade, não. Pois então, o chapa me falou com tanto entusiasmo de São Bernardo que fechei os olhos, desliguei o juízo, e vim na imaginação direto para cá. (...) Peguei um subúrbio na Luz e meia hora depois estava em Santo André. Mais meia hora, desembarcava de um ônibus caindo aos pedaços, na Marechal Deodoro. Me alembro como se fosse hoje que descemos no finalzinho da rua, que naquele tempo morria antes de encontrar a via Anchieta. (...) Quando a noite chegou, descansamos os corpos mais mortos do que vivos num escurinho próximo a uma fábrica de móveis, na rua João Basso, onde fica hoje o Sindicato dos Metalúrgicos. (...) E não é que bem não amanhecia o dia um pernambucano de nome seu Antonio apareceu ali perto de nós e me deu umas palavrinhas de incentivo que até me desliguei daquela canseira toda de três noites sem dormir! E ainda por cima nos levou pra tomar café num bar de esquina da João Basso com a Marechal Deodoro. (...) pois é, ele foi quem me disse: 'Olha, a Volks tá pegando.' Pois entonces, fui até lá na via Anchieta. Dois dias depois estava trabalhando, não na Volks, porque eles tavam pegando com facilidade era gente para construir aqueles pavilhões que hoje eles estão neles."3 São Caetano, o "C" da sigla ABC, também recebeu milhares de nordestinos. Raimundo da Cunha Leite - que depois chegou a prefeito da cidade - foi um deles: "Natural de Rancharia, Juazeiro, Bahia, criado

em Juremal, antiga Jurema, veio para São Caetano em novembro de 1939." Antes, juntamente com o pai e os primos, depois de chegar a São Paulo foram para Colina, no interior do estado, onde ficaram apenas três meses. De lá foram para São Caetano, aproveitando o crescimento industrial da cidade. Depois da Segunda Guerra, o fluxo de nordestinos não parou de aumentar. A cidade se expandiu com os novos loteamentos, como os das vilas Gerti, Nova e Gisela. Já em 1950 foi criada uma sociedade de amparo aos migrantes. O aumento da migração trouxe a discriminação local contra os "baianos". Os jornais, quando noticiavam um crime, somente citavam o estado de origem do acusado quando ele era nordestino, fortalecendo o estereótipo de que o migrante era violento, brigão e pouco sociável. As três maiores cidades do ABC, especialmente São Caetano e São Bernardo, tinham um importante núcleo imigrante, principalmente de italianos, e que, inicialmente, tiveram uma convivência difícil com os recém-chegados. A empresa telefônica que operava na região era a CTBC (Companhia Telefônica da Borda do Campo). Nos macacões dos funcionários estava escrita a sigla da empresa. Uma das piadas favoritas na região era de que a sigla significava: Cuidado, tem baiano cagando.4 No ABC, a partir dos anos 1950, a disputa política logo acolheu os migrantes, principalmente como eleitores. Na região já havia uma antiga tradição de luta operária. Em 1947, em Santo André, foi eleito o primeiro prefeito comunista do Brasil, que não chegou a tomar posse pois foi cassado pela Justiça Eleitoral.5 Durante o

regime militar, muitos nordestinos tiveram importante participação política como vereadores ou prefeitos. No campo das relações de trabalho, os dois principais sindicatos da região - o dos metalúrgicos de São Bernardo e de Santo André foram decisivos quando das primeiras greves, que ocorreram na região a partir de 1978. * A chegada à rodoviária Júlio Prestes, que acabou concentrando ao longo dos anos 1960 boa parte dos ônibus que vinham do Nordeste, era o primeiro momento de adaptação e de estranhamento à vida na metrópole: "Fervilhava, formigueiro de gente, luzidia, parecia dia. Segurei a mala, pouco pesava, dentro uma troca de roupa, e perguntei sondando, me orientando, as pessoas olhavam a minha roupa do corpo suada da estirada viagem, me olhavam de cima a baixo, fui perguntando, me ensinaram e desci a rua me livrando dos carros no rumo da Estação da Luz. Oito horas o relógio grande marcava, a neblina branca já cobrindo a luz forte das lâmpadas, a zoada ainda vigorando dos carros buzinando aqui e lá longe, fui mais informado, um medo me tomando o corpo, o endereço de um parente que já tinha vindo gravado na cabeça, o medo de esquecer aquele lugar e ficar perdido por todo o sempre naquelas ruas cheias de casas, prédios, carros, de São Paulo. Aí, no pergunta ali, no pergunta acolá, achei a entrada da estação. Desci as

escadas, antes, primeiro, fiquei por um bom tempo olhando como se pagava a passagem, pois nunca na vida tinha andado de trem."6 Tudo indica que o número de migrantes na região metropolitana de São Paulo tenha sido maior do que o registrado nas estatísticas oficiais. Isso porque muitos tentavam a sorte no interior e, depois, com o fracasso na fixação como lavradores, iam para a capital. O alagoano Benedito Laurindo foi um deles. Foi para São Paulo em 1959. Viajou durante 22 dias desde Bebedouro, sua cidade natal, até a capital paulista. Foi para Lucélia com a família. Trabalhou em fazendas plantando café, algodão, amendoim e milho. Depois de seis anos sem conseguir se fixar e após a morte de seu filho de um ano e meio - que morreu porque o pai não tinha dinheiro para pagar a um médico e os remédios necessários para combater os vermes -, Benedito resolveu ir para São Paulo. Um cearense, depois de sair do seu estado em 1949, permaneceu no Paraná por 12 anos. Depois migrou para a capital paulista: "Aí me aprumei depois de trabaiá 12 anos pra tubarão sem saldar nada. Aí a famia cresceu e fui caminhando. Vamos viver de emprego que é meió. Vamos pra São Paulo. Viemo todo mundo."7 A retomada econômica, sinalizada já no fim de 1967, manteve o fluxo migratório, tanto que "em 1971, 39,5% dos migrantes nacionais que chegaram a São Paulo no ano eram provenientes desta região. E, mesmo antes, embora os dados registrem a região de Minas e do interior do estado de São Paulo como os

maiores fornecedores de contingentes populacionais para a cidade, provavelmente, como a migração se fez por etapas (campo - pequenas cidades - cidades médias - capital), muitos dos que vinham das áreas contíguas do interior do estado nasceram no Nordeste".8 Durante a década de 1960, em termos regionais, o Nordeste ainda continuava representando a maioria absoluta dos migrantes em São Paulo. Da Bahia chegava quase metade do total regional, mas o número de alagoanos, tendo em vista a pequena extensão do estado e uma população sensivelmente menor do que a de outros estados do Nordeste, chamou a atenção, pois alcançou 9% do total geral de migrantes.9 Deve ser lembrado que a aplicação no campo, especialmente no estado de São Paulo, da legislação social, como o Estatuto do Trabalhador Rural,10 além de ter causado modificações nas relações de produção, levou ao crescimento do fluxo de trabalhadores rurais do interior do estado para a região metropolitana de São Paulo.11 Por outro lado, a expansão das obras públicas durante o "milagre econômico" impulsionou a construção civil, como o metrô, as obras viárias e a rodovia dos Imigrantes, entre outras. Nas três décadas, entre 19401970, a população dobrou a cada 12 anos, e a demanda por serviços urbanos cresceu ainda mais. A população já existente pressionava o poder público, que respondia vagarosamente às exigências pela melhoria das condições de moradia, transporte, educação e saúde.

Dado o estágio do desenvolvimento capitalista daqueles anos, foi possível absorver rapidamente a nova força de trabalho. Com o avanço da industrialização e a necessidade cada vez maior de uma mão de obra especializada - as escolas do Senai, especialmente, foram importantes na formação dos trabalhadores -, a chegada dos migrantes a cada ano, sem a mínima qualificação profissional, gerou também um problema social para os governos. Isso explica, em parte, as advertências do prefeito da capital, Figueiredo Ferraz (1971-1973), de que São Paulo precisava parar. Surgiu um grande debate na imprensa, e as advertências técnicas do prefeito foram se transformando politicamente em menções desqualificadoras dos nordestinos: portadores de doenças epidêmicas, violentos, ociosos etc. No decorrer dos anos, foi diminuindo a parcela dos migrantes paulistas do interior, em termos percentuais, que se deslocava para a capital. No quinquênio anterior à Segunda Guerra Mundial, os oriundos do interior representavam quase 70% do total de migrantes na capital; durante a guerra, com as dificuldades para o deslocamento interno interestadual, aumentou para 71%. Desde então a queda foi drástica, chegando a 22% entre os anos 1965-1970. A partir de 1950, a Bahia suplantou Minas Gerais, mas no final dos anos 1960 os mineiros voltaram à liderança entre os migrantes, chegando a 20%, enquanto os baianos representavam 17%.12 Na seca de 1970, a migração para o Sudeste foi pouco significativa. De um lado, porque o fluxo de migrantes estava se dirigindo à Amazônia, parte deles sob patrocínio estatal, para ocupar as margens da

rodovia Transamazônica, nas agrovilas criadas pelo regime militar. Outra onda estava indo para o Centro-Oeste, especialmente o Distrito Federal, além da migração intrarregional e o deslocamento para as capitais nordestinas. Além disso, as obras emergenciais contra a seca chegaram a empregar 500 mil sertanejos em 605 frentes de trabalho.13 Para dificultar a marcha para o sul, foram estabelecidos, novamente, diversos postos de fiscalização nas estradas federais com o intuito de impedir a circulação dos caminhões pau de arara.14 Sem o transporte improvisado não haveria risco de um grande deslocamento de força de trabalho, pois inexistiam ônibus em número suficiente para atender a uma demanda de dezenas de milhares de migrantes. O governo estadual paulista criou três postos para controlar a entrada de migrantes: em Santa Fé do Sul, Andradina e São José do Rio Preto. De acordo com o secretário da Promoção Social, o objetivo desses postos era evitar o afluxo excessivo de migrantes à capital, além de contribuir, segundo ele, "para a solução do problema social que representa a migração indiscriminada, responsável pela elevação do índice de mendicância e marginalização na capital".15 Mesmo assim, em São Paulo, surgiram denúncias da "venda" de trabalhadores nordestinos.16 O número, no entanto, foi pequeno, comparativamente aos períodos das grandes secas dos anos 1950. Em parte por conta do custo da passagem de ônibus, mas também porque muitos sertanejos acreditavam

que ainda choveria, e assim não precisariam partir para o sul, salvando suas plantações. Acrescente-se a essas razões a mudança do eixo principal migratório para outras áreas do território nacional. A desqualificação dos nordestinos era, agora, estabelecida por meio de comparações com os mineiros, considerados migrantes exemplares: "Enquanto de Minas chegam migrantes capazes, pelo menos, de oferecer mão de obra para a lavoura, os nordestinos chegam com quase nada a oferecer, mas pedindo muito." De acordo com a reportagem, havia um grande número de doentes, as famílias eram grandes, sempre com muitos filhos, sem escolaridade adequada e, portanto, propensos à delinquência. Estimava-se que setecentos nordestinos entravam por dia em São Paulo, com previsão de que o número diário poderia duplicar: "Com a chegada de levas de retirantes nordestinos nos últimos dias, já foram notados novos focos de esquistossomose no interior do estado."17 A mudança do padrão de acumulação e a dificuldade dos migrantes de serem incorporados ao mercado de trabalho dos setores mais dinâmicos da economia agravou ainda mais este processo. Sem condições de adquirir um terreno nos loteamentos, devido à diminuta renda familiar, restava-lhes buscar as favelas - que se expandiram rapidamente - e, no caso de São Paulo, os cortiços nas áreas deterioradas da cidade, tanto do centro como de bairros tradicionais, que passavam por um processo de decadência econômica. A região metropolitana "continuou concentrando a mais expressiva parcela da indústria do país, mesmo a partir de

meados da década de 1970, com o redirecionamento das atividades industriais para o interior do estado e outras regiões do país - movimento que se traduziu no declínio de sua participação de 43,5%, em 1970, para 33,6%, em 1980, e 30,6%, em 1987". A sensível diminuição da migração atingiu, inclusive, outras cidades da região metropolitana, como Osasco, Santo André e Diadema.18 Dos pouco mais de 55 mil migrantes cadastrados no Cetren Central de Triagem e Encaminhamento, criada em dezembro de 1971 -, 30 mil solicitaram, em 1976, passagens gratuitas para retornar ao Nordeste. Não conseguiram repetir a façanha dos seus conterrâneos que, trinta anos antes, chegaram a São Paulo com muitos sonhos e com determinação foram edificando uma nova vida. Dessa vez, a aventura não durou mais que alguns meses, e tiveram de voltar para Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe e Alagoas, sem dinheiro e sem perspectiva de um futuro melhor. Como disse um deles: "Para nós, em São Paulo, tudo ficou elas por elas. A gente ganha aqui o dobro, mas também gasta o dobro." Desiludida com o fracasso em São Paulo, Maria Filomena da Silva desabafou ao chegar a Pernambuco: "Aqui o pobre mete a cara onde quiser, aqui o povo tem compaixão, a gente tem liberdade."19 Surgiram diversas denúncias de maus-tratos no Cetren.20 Centenas de migrantes ficavam internados em condições desumanas: "Corredores compridos e frios, abafados, de paredes sujas e escuras, mal-iluminados, com ar viciado, urina, restos de comida, lixo, vômito, onde crianças descalças e desnutridas brincam entre mendigos, mulheres grávidas

alimentam seus filhos e débeis mentais seminus acocorados quietos, jogados nos cantos das paredes."21 O retorno de migrantes com passagens pagas pelo Estado não era uma novidade. Em 1967, o governo estadual, com apoio da Força Aérea Brasileira, promovera o regresso de setenta famílias para o Nordeste. Aproveitando as viagens dos aviões do Correio Aéreo Nacional, os migrantes foram sendo embarcados. Um deles, Deposiano Luiz da Silva, deixou Garanhuns esperando encontrar melhor sorte em São Paulo. Ledo engano: "A vida aqui é muito dura. A gente arranja um trabalhinho por dois ou três meses, ganha pouco, fica doente, perde o emprego. Depois começa tudo de novo. Fazia quatro meses que eu não conseguia trabalho. Mas não tive sorte: volta e meia ficava doente e não podia trabalhar. E pensar que eu deixei tanta coisa por lá..."22 Dessa vez não bastou mobilizar alguns aviões da FAB: a quantidade de "retornados" era muito maior. O trem saía da estação Roosevelt, no bairro do Brás, rumo à Bahia todas as terçasfeiras, no fim da tarde. Cinco dias depois, aos domingos, chegava a composição da Viação Férrea Leste Brasileiro à pequena Iaçu, de apenas cinco mil habitantes, no sertão baiano. O amargo regresso era realizado mais rápido do que nos anos 1950. Contudo, permanecia a miséria no interior de Minas Gerais e da Bahia. Os

passageiros, tais quais aqueles que tinham ido para São Paulo, também viajavam em péssimas condições de higiene, sem água, alimentos ou dinheiro. Os bancos ficavam apinhados de embrulhos, malas de papelão e sacos plásticos com os seus pertences. Crianças dormiam espalhadas pelos corredores dos vagões. Não havia bancos suficientes para todos os viajantes. Passava-se novamente por todas as estações, desde São Paulo até Belo Horizonte. De lá até o sertão mineiro: Cordisburgo, Curvelo, Corinto, Montes Claros e pela pequena Monte Azul, que foi, no decênio dos 1950, a principal estação ferroviária de partida de milhares de migrantes. Nas paradas - algumas de várias horas, quando a locomotiva quebrava - os adultos aproveitavam para desembarcar e dormir no pátio das estações. Deveriam ter muita sorte e chegar no sábado a Monte Azul, o único dia em que partia uma composição para Iaçu. Eram mais 575 quilômetros de viagem. Só que agora não tinham mais os sonhos generosos. Não caminhavam para uma nova vida. Regressavam como derrotados, para o eterno presentepassado: "Está todo mundo voltando, mas ninguém quer confessar que fracassou. Vêm passando fome pelo caminho. Ficam até três dias sem se alimentar."23 Os "retornados" não imaginavam que a viagem terminaria em Iaçu, isso depois de cinco dias de viagem e a mais de 270 quilômetros de Feira de Santana, ponto inicial da Rio-Bahia. Daí para diante deveriam buscar meios para alcançar as suas cidades. Surpreendidos pela notícia e sem recursos próprios para seguir adiante,

passando necessidades, tensos pelo longo percurso, restavalhes pedir esmolas, de casa em casa. Chegaram até a ameaçar saquear o comércio local. A pequena cidade de 10 mil habitantes - pobre e sem recursos vivia um drama: não tinha condições de alimentar os migrantes que desembarcavam vindos de São Paulo. Num desses domingos, temendo a chegada de mais migrantes que já tinham ameaçado tomar a sede da prefeitura e a casa do prefeito -, as autoridades municipais, entre as quais o prefeito e o vice e o vigário local, viajaram para Milagres, cidade vizinha, a cinquenta quilômetros de Iaçu. Deixaram protegendo os prédios municipais e o comércio local somente o delegado de polícia e um soldado. Dada a ocorrência de conflitos constantes quando da chegada dos trens, a Secretaria Estadual do Trabalho e Bem-Estar Social da Bahia resolveu colocar na cidade caminhões para transportar gratuitamente os "retornados" até Feira de Santana, de onde teriam de obter meios para regressar até suas cidades.24 Voltavam da mesma forma que haviam partido: com os próprios recursos. Daí o protesto de um dos migrantes: "Se minha alma, depois de eu morrer, ainda for a São Paulo, é porque não tem vergonha!"25 Outros retornavam com passagens rodoviárias fornecidas pelo Cetren. A longa viagem de ônibus pela BR-116, de São Paulo até Recife, durava três dias e duas noites. Como não tinham dinheiro para se alimentar nos restaurantes das paradas - eram vinte, no total -, levavam a própria comida. As refeições eram realizadas pelo caminho, dentro do ônibus, que logo ficava atulhado de restos de alimentos: carne-seca,

paçoca e cascas de laranja. Os coletivos sempre estavam lotados, alguns com 47 passageiros num espaço inferior a trinta metros quadrados. Havia aqueles que pagavam a viagem com os próprios recursos. O pedreiro José Vieira de Melo, paraibano mas com família vivendo em Orós, Ceará, foi um deles. Chegou a São Paulo com 21 anos acompanhado da mulher e de um filho. Permaneceu cinco anos. Teve mais um filho. Trabalhou na construção civil e numa metalúrgica. Depois de vários meses desempregado, resolveu retornar ao Ceará. Vendeu o pouco que tinha para comprar as passagens. Viajou dois dias e quase 3 mil quilômetros. Na rodoviária de São Paulo, antes da partida, acabou sendo assaltado e iniciou a viagem sem dinheiro. Tinham levado de casa uma panela de frango frito, acompanhado de farinha de mandioca. Logo acabou. Como tinha uma corrente folheada a ouro, restou-lhe vendê-la para outro passageiro. Foi a única forma encontrada para alimentar sua família até chegar ao sertão do Ceará. De São Paulo, o pedreiro só levou para Orós um bem: um quadro com uma enorme foto de uma Ferrari vermelha que adquiriu numa feira, em Guarulhos. Na capital paulista, durante todos os anos de permanência, a família saiu de casa somente uma vez: para ir a um parque de diversões no Parque Novo Mundo. Nunca foram a um restaurante, a algum ponto turístico ou a outra região da cidade. Ficaram confinados. Ficou

decepcionado com São Paulo desde a chegada: "Imaginava que a cidade só tivesse casas ricas e gente bem-vestida." Depois de cinco anos, concluiu que "foi tudo uma ilusão, o esforço que fizemos não deu em nada".26 * Mesmo com a diminuição do fluxo de migrantes e do retorno de milhares para o Nordeste, muitos ainda chegavam a São Paulo. Com o encarecimento da vida urbana e a dificuldade de encontrar onde morar - os loteamentos eram cada vez mais distantes dos locais de emprego, e a opção encontrada foram as favelas. Diferentemente do Rio de Janeiro, em São Paulo as primeiras favelas apareceram somente por volta dos anos 1940. Cresceram lentamente nos anos 1950. Na década de 1960 eram uma alternativa de moradia para os deserdados da migração e para aqueles que viviam à margem do desenvolvimento capitalista. Em São Paulo, no bairro do Canindé, quase às margens do rio Tietê, onde hoje se localiza o estádio da Portuguesa de Desportos, surgiu uma favela que acabou ficando célebre, não pelo tamanho - cerca de duzentos barracos -, mas por uma moradora: Carolina de Jesus. Negra, mãe de três filhos, sobrevivia catando papel e ferro velho. Depois de diversas reportagens na imprensa, acabou publicando seus cadernos com anotações da vida cotidiana num livro: Quarto de despejo: Diário de uma favelada, editado em 1960 e que obteve grande sucesso. Boa parte dos moradores da favela do Canindé não tinha emprego regular, o cotidiano era marcado por brigas e pelo

alcoolismo. Os nordestinos, quando citados por Carolina de Jesus, são chamados de "baianos" ou "nortistas". Sempre estão envolvidos com atos de violência: "Hoje brigaram aqui na favela. Brigaram por causa de um cachorro. A briga foi com uns baianos que só falavam em peixeiras."27 Em outra passagem, a autora recorda outra peleja, esta de proporções maiores: "Hoje teve uma briga. Na rua A residem dez baianos num barracão de três por dois e meio. Cinco são irmãos. E as outras cinco são irmãs. São robustos, mal-encarados. Homens que havia de ter valor para Lampião. Os dez são pernambucanos. E brigaram os dez com um paraibano. Quando os pernambucanos avançaram no paraibano as mulheres abraçaram o paraibano e levaram para dentro do barracão e fecharam a porta. Os pernambucanos ficaram falando que matavam e repicavam o paraibano. Queriam invadir o barracão. Estavam furiosos igual os cães quando alguém lhes retira a cadela."28 Na descrição do conflito, Carolina refere-se, paradoxalmente, a dez "baianos" residentes num barracão que são, de fato, segundo as suas mesmas palavras, pernambucanos. O espaço da favela transformou-se em área de conflito entre antigos moradores alguns tinham vindo dos cortiços da própria capital e outros de áreas rurais de São Paulo ou dos estados vizinhos - e os "nortistas", sempre acompanhados de suas peixeiras.29 Começa as umilhações Logo na sua chegada Trazendo em seus sacos brancos Sua mubilha amarrada E o povo ria bastante

Vendo o velhinho gigante Conduzindo a sacaiada. E aquilo pra zé rodrigue Era uma lamina afiada Qui transpassavale o peito Qual uma assacina espada E dos olhos lágrima rolava Vendo que o povo umilhava Sua familha adorada.30 Em São Paulo, as primeiras favelas "formaram-se nos terrenos públicos localizados em áreas bem próximas ao centro, onde famílias recém-chegadas a São Paulo ou que tivessem sido despejadas constroem casas precárias".31 Nas duas próximas décadas o crescimento foi relativamente pequeno. Já em 1972 era pouco mais de 70 mil o número de favelados. Três anos depois, tinha saltado para quase 120 mil; em 1979, já eram 270 mil; e no ano seguinte foram registrados 358 mil moradores em favelas. Estimava-se que havia mais de 50 mil barracos nas favelas, e as áreas mais críticas estavam localizadas na Zona Norte (Freguesia do Ó e Vila Maria) e na Zona Leste (São Miguel Paulista, Itaquera e Guaianazes). Embora o crescimento possa não ter sido tão acentuado sendo, provavelmente, o resultado de um maior conhecimento pelo poder municipal do número de favelas e dos favelados do que um aumento real -, representou um acréscimo da

população que não conseguia mais ter acesso à casa própria, aos loteamentos e à autoconstrução, devido ao alto custo do terreno e dos materiais de construção. Contudo, no Rio de Janeiro, o fenômeno era muito mais alarmante. Em 1950 os favelados representavam 8,5% da população da então capital federal, dez anos depois saltou para 16% e em 1970 tinha quase dobrado, chegando a 32%, quase um milhão de habitantes.32 Se em São Paulo as favelas se localizavam em áreas próximas aos rios, córregos e eixos rodoviários, no ABC, como em São Bernardo do Campo, acabaram se instalando também em terrenos vizinhos às indústrias, até porque o crescimento populacional da região foi mais intenso que na capital paulista, com o consequente encarecimento do preço da terra, em grande parte devido à ausência de um planejamento urbano por parte do poder público. Em 1978, foi estimado para cada grande cidade do ABC um déficit habitacional de dez a 15 mil casas. Em São Caetano não havia favelas, contudo milhares viviam em cortiços. Já São Bernardo do Campo e Diadema tinham, cada uma, 30 mil favelados, e em Santo André o número estimado era de 13 mil.33 Nas favelas paulistanas, parte dos moradores não era apenas de excluídos, mas trabalhadores empregados com vínculos formais de emprego, e que não conseguiam ter a própria moradia, segundo a forma tradicional. Outra distinção: grande parte dos favelados não era migrante, recém-chegados, mas pessoas nascidas em São Paulo. O processo de degradação da moradia dos trabalhadores estendeu-se ao ABC, onde o crescimento demográfico foi

intenso: "Descontados os que ficam vivendo em favelas, e sabe-se que, em muitos casos, esse é um período transitório, eles têm que ir mais longe, obedecendo à lei dos pobres que os manda para os lugares onde houver uma esperança a mais de trabalho e moradia mais barata. Vão, portanto, para os bairros da periferia à procura de lugares próximos das possibilidades de trabalho que, no mais das vezes, se encontram nos municípios industriais vizinhos. E isso significa que se a presença italiana tendia a compactar-se perto do centro da pequena São Paulo da época, a presença nordestina se diluía na amplitude da Grande São Paulo."34 Para os que conseguiam inserção no mercado de trabalho - no caso das mulheres, como empregadas domésticas - a estadia na favela era passageira, como para a baiana Candelária de Jesus: "O barraco onde moro é mais acochado do que a saudade que a seca esturricou. Caso descubram que a gente é favelada, dispensam e, com a vergonha que passamos, entramos na fossa da desesperança, e nesse estado não se consegue mais melhorar. Mora-se aqui, mas logo que as coisas melhorarem, compra-se um terreno nos subúrbios e a gente vai pra lá, para a casa que foi feita aos sábados e domingos, com muito sacrifício." Terminou a entrevista esperançosa: "Não vejo o dia de poder deixar isto, só a necessidade que empurrou esta devota do Senhor do Bonfim para este barraco."35 Muitos seguiram o caminho de Candelária, só que em loteamentos cada vez mais distantes do centro da cidade e, inclusive, nas cidades da região metropolitana, como Jandira, Poá, Itapevi, entre outras, onde o preço dos terrenos permitia

comprar lotes e edificar a casa pela autoconstrução, com a participação, nos fins de semana, de familiares e amigos. Essa forma chegou a representar quase 90% das construções na periferia: "Tornou-se um expediente de sobrevivência dos trabalhadores e sua principal alternativa de moradia a partir de 1940, quando o governo federal passou a construir e financiar habitações populares por meio dos Institutos de Aposentadoria e Pensões e a controlar os aluguéis, com as leis do inquilinato, afastando o setor privado da produção de moradias para a baixa renda, embora este tenha continuado a criar loteamentos, em grande parte clandestinos ou irregulares." Dessa forma, "entre 1940 e 1970, cerca de um milhão de famílias tornaram-se proprietárias de uma casa em São Paulo".36 As novas construções, muitas edificadas em loteamentos clandestinos, acabavam pressionando o poder público devido à necessidade de transporte, escolas, postos de saúde, iluminação, calçamento. O atendimento dessas demandas acabava gerando grandes lucros para os especuladores, pois entre os loteamentos e os locais de trabalho havia inúmeros terrenos vagos aguardando valorização. Essa estratégia foi utilizada pelos incorporadores imobiliários em São Paulo e na região metropolitana. Em 1973, chegaram a São Paulo quase 90 mil migrantes, no ano seguinte esse número caiu para 65 mil, em 1975 para quase 60 mil, e dois anos depois não passaram de 47 mil: a tendência declinante permaneceu até o fim do decênio.37 E muitos dos que vieram acabaram voltando. Gérson Pereira da Silva, 35 anos, deixou sua roça de feijão e arroz e rumou com a mulher e a filha em busca da terra onde "as pessoas ficam ricas". Trabalhou na construção civil como servente de pedreiro.

Contudo, desistiu e regressou para o sertão. Pedro Marcelino da Silva também voltou - com a mulher e oito filhos -, pois não conseguiu realizar seu sonho de "ganhar mais dinheiro, comprar uma terrinha, construir uma casa e viver melhor". Triste, disse ter ido porque "um compadre enricou aqui trabalhando nas obras da Rodovia dos Imigrantes". Dona Estelita Mara da Silveira, 44 anos, oito filhos, retornou para Olinda, em Pernambuco, sem o marido. Como outros tantos casos ocorridos durante a grande migração, dona Estelita chegou com o marido e os filhos a São Paulo. Venderam a casa em Olinda. (Disse do marido: "Ele endoidou, queria vir para São Paulo de qualquer jeito.") O dinheiro mal deu para pagar as passagens. Foram morar na Zona Sul, no Jardim Míriam, numa casa de quarto, sala, cozinha e banheiro, isso para dez pessoas. Logo o marido acabou abandonando a mulher e os filhos: tinha encontrado outra mulher. Não restou outro caminho para dona Estelita a não ser voltar com os oito filhos para Pernambuco: "Lá em Olinda enganam a gente. Para o povo de lá, São Paulo é o céu. Mas é tudo uma ilusão. Quando eu chegar, não vou mentir. Vou dizer que São Paulo não presta." Maria Helena da Silva, de 37 anos e seis filhos, também foi abandonada pelo marido e voltou para Recife, buscando abrigo no barraco da mãe, na favela da Boa Viagem. Chegou de surpresa, mas foi bem recebida pela mãe: "Minha filha, aqui o povo tem compaixão pelo seu sofrimento." Já Rosângela Almeida, de 25 anos, estava voltando para o Ceará depois de ter passado dois anos em São Paulo, boa parte do tempo, desempregada. E pior: acabou engravidando e o namorado desapareceu. Teve

de regressar sem dinheiro, com uma filha de quatro meses e sem saber o que dizer para os pais. Claudete, pernambucana, voltava com dois filhos e esperando mais um. O marido estava desempregado e permaneceu em São Paulo. O casal começou a brigar. Não aguentava de saudade de Recife. Perguntada se Severino, seu marido, ficaria só, respondeu: "Ele que se vire."38 Mas se Gérson, Pedro, Rosângela, Estelita e Maria Helena estavam regressando, Raimundo Nonato Lima estava fazendo o caminho inverso. Ele era proprietário de um sítio e fora para São Paulo com a mulher e os oito filhos, todos menores de idade, porque um primo, que vivia na capital desde 1965, tinha prosperado. Lá, disse, "tudo é melhor e se ganha muito dinheiro". Foi morar com o primo e trabalhar nas obras do metrô. Desavenças familiares obrigaram que se mudasse para a Zona Leste. Dispensado do emprego "por estar sempre nervoso", não teve mais condições de pagar o aluguel e foi despejado. Sem ter trabalho e para onde ir, restou morar embaixo do viaduto da Vila Maria. Depois se instalou com a família na favela Marconi, à margem da via Dutra. Três dos seus filhos foram detidos furtando numa feira livre. O sonho de ganhar muito dinheiro logo se esvaiu: é "o fim da minha família, meus filhos virando bandidos. Hoje eu sou chamado de mendigo".39 Dos chegados em 1973, 25% voltaram para suas terras no mesmo ano. Quase todos eram analfabetos e sem qualificação profissional. Obrigados a aceitar qualquer emprego geralmente na construção civil -, o salário baixo mal dava para a subsistência pessoal, quanto mais da família.

Pedro Augusto da Silva, 30 anos, levou 23 dias para chegar a São Paulo, saindo de Pernambuco, pedindo carona durante todo o trajeto: "Falavam que aqui trabalho era mato, que o povo era muito bom, que todo mundo era rico, mas qual o quê. Corri construções e não consegui serviço, porque não tinha documento nenhum e não achei jeito de tirar."40 No documentário Caso Norte, do cineasta João Batista de Andrade, há um depoimento de um migrante que não conseguiu trazer a família: "'Bem, eu vim pra cá porque lá não dava pra viver e trabalhar sustentando a família. Então eu vim pra cá. Aqui eu trabalho e dá.' E eu lhe perguntei: 'Você manda dinheiro pra família?' E ele: 'Eu mando dinheiro pra família lá.' Continuei: 'Você vai trazer a família pra cá?' E ele respondeu: 'Trazer a família pra cá não dá porque com o que eu ganho aqui em São Paulo não daria. Agora, com a família lá e eu morando aqui, e eu pagando o meu aluguel só, o meu quarto pra dormir, sobra dinheiro e eu mando pra lá'. Mas você pensa em voltar? E ele explicou: 'Eu penso em voltar. Já voltei uma vez, inclusive. Voltei, trabalhei lá, mas o dinheiro que eu ganho lá não dá para sustentar a família. Então, eu vim embora pra cá. E não podia trazer a família porque eu já sabia que em São Paulo eu não iria ganhar o suficiente para sustentar a família.'"41

Muito diferente do quadro de trinta anos antes, imortalizado na toada "Meu Pajeú", de Luiz Gonzaga e Raimundo Granjeiro, de 1957: São Paulo tem muito ouro corre pratas pelo chão o dinhêro corre tanto qui eu num posso pegá, não Ai, hum! hum!... Ai, meu Deus! Ou como relatou um jovem sergipano chegado a São Paulo em 1946: "Veio só, e por conta própria. Quando chegou tinha só uns doze cruzeiros no bolso. Conseguiu emprego no dia seguinte ao da chegada numa construção, em São Paulo. Dali passou a outro emprego, numa fábrica. Entrou numa escola noturna para aprender a ler. Tirou carta de chofer e conseguiu passar a chofer da companhia, com ordenado melhor." Isso tudo em pouco mais de um ano.42 No sertão, a representação da capital paulista era de uma terra rica: "Os que voltavam traziam novas histórias. Contavam as aventuras de uma cidade com mais de trinta léguas de ruas. Onde, durante o dia, um ajudante de pedreiro se besuntava na massa e na cal preparando o reboco para os edifícios em construção e, à noite, se lavava todo, se perfumava e se vestia igual a um doutor - para tanto o dinheiro dava."43

Uma pesquisa realizada com migrantes na Hospedaria Visconde de Parnaíba, na capital paulista, entre 1972-1973, identificou que a maioria deles já tinha ido uma vez para São Paulo, mais de 70% eram provenientes do norte de Minas Gerais (Monte Azul, Januária, Montes Claros), Bahia e Pernambuco, dois terços tinham entre 18 e 35 anos, 70% eram analfabetos e 72% pretendiam ficar em São Paulo.44 Da mesma forma como foi construída uma São Paulo que não mais existia - uma terra de oportunidades sem fim -, o fracasso da migração transformava o local da partida em algo que também não era. Um ajudante de pedreiro, baiano, resolveu voltar para Vitória da Conquista: "Lá meu pai planta milho e feijão. Aqui a gente come carne uma, duas vezes por semana. Lá comia melhor. Comia porco, comia galinha. Não tem vantagem nenhuma aqui em São Paulo." José Barbosa da Silva, de 38 anos, pernambucano de Belo Jardim, também resolveu regressar. Tinha quarenta alqueires de terra. Voltou para cultivá-los: "Terra boa de plantar, é só querer o homem fica rico, dá de tudo, lá a pessoa mais manda do que é mandado, lá é só querer." José Francisco do Nascimento foi da Paraíba para Brumado, na Bahia. Lá trabalhou como operador de máquina de beneficiar algodão. Mas, como contou, "deu o destino de andar a três anos". Foi para São Paulo e depois para o Paraná. Não gostou de lá: "Fazia muito frio e eu voltei para cá." Desempregado, voltou para Brumado para continuar

trabalhando nas máquinas de beneficiar algodão. A combinação da nova realidade econômica com as incertezas e dilemas na grande cidade e a saudade da terra natal foram registrados na música. Aqui num mote em decassílabo: O operário do Norte Na capital bandeirante É sujeito ao assaltante Que usa arma sem porte Se reage encontra a morte É promovido a finado É mais um pai sepultado E mais fome invadindo lá São Paulo eu quero voltar Pra o lugar que fui criado São Paulo dê-me o prazer Deixe eu ir pra minha terra Que eu quero ver minha serra E olhar meu rio correr Estou doido pra comer Feijão novo do roçado Milho verde e bem assado

Até a barriga inchar São Paulo deixe eu voltar Pra o lugar que fui criado.45 Os obstáculos colocados no caminho dos migrantes pelo mercado de trabalho impediram que pudessem permanecer na metrópole. Como disse um deles: "Já não fui embora porque não deu pra arrumar nada. Eu acho muito feio a gente vim praqui e chegar lá pior do que saiu. Quer dizer, fazendo isso, até dando o que falar de mim: 'Olha, ele saiu daqui dizendo que era ruim, voltou a mesma coisa ou pior.' Então vou fazer um capricho pra ver se arrumo alguma coisa. Pra quando chegar lá dizer: 'Bem, ele foi, mas também não chegou aqui muito feio.'"46 Vários dos retornados acabavam trabalhando pelo caminho, passando meses em alguma cidade ou fazenda, até como meio de obter recursos para continuar a viagem de retorno - como milhares fizeram no sentido inverso nos decênios dos 1940, 1950 e 1960. As secretarias de Promoção Social chamavam esse migrante de clientela de passagem. Dada a extensão territorial e cortada por estradas de rodagem e ferrovias, era no estado da Bahia que boa parte dos retornados pernambucanos, paraibanos, cearenses ou alagoanos acabava permanecendo, especialmente quando podia obter algum trabalho em Salvador.47 Um morador do sertão Que vive traumatizado Se lastima todo o dia

Do serviço tão pesado Dizendo vou para São Paulo E termina sendo enganado. Eu mesmo vim para São Paulo Confiando na ilusão Mas quando eu cheguei lá Que vi a situação Resolvi escrever versos E mandar pro meu sertão. Avisar para os meus irmãos Que a vida lá é difícil Pra quem não tem profissão São Paulo é um precipício O povo parece loucos Correndo dentro de um hospício.48 Corrupção, violência, tráfico de influência, descaso governamental. O migrante já não era uma força de trabalho essencial para o desenvolvimento econômico de São Paulo. Pelo contrário, foi sendo reforçado ainda mais o discurso de que era a razão principal dos males sociais, da violência, do banditismo, do inchamento urbano. O

melhor era que o migrante retornasse de onde partiu. E para isso o Estado vai organizar uma ação continuada, sistemática, de expulsão dos indesejáveis rotulada de "amparo e integração social". * A literatura acompanhou esse processo. O quinze, de Rachel de Queiroz, publicado em 1930, apresentava uma visão positiva e otimista da migração, frente a uma realidade nordestina impermeável às mudanças. Chico Bento, um dos personagens do livro, depois da seca migrava para São Paulo, pois "lá é muito bom. Trabalho por toda parte, clima sadio. Podem até enriquecer". Como diz: "Eu já tenho ouvido contar muita coisa boa de São Paulo. Terra de dinheiro, de café, cheia de marinheiro." No que foi apoiado por Conceição: "Pois então está dito: São Paulo! Vou tratar de obter as passagens. Quero ver se daqui a alguns anos voltam ricos.49 Em Vidas secas, de Graciliano Ramos, publicado em 1938, Sinhá Vitória e Fabiano também não veem outro caminho para romper o ciclo da miséria a não ser a migração para o sul: "Iriam para diante, alcançariam uma terra desconhecida. Fabiano estava contente e acreditava nesta terra, porque não sabia como ela era nem onde era. Repetia docilmente as palavras de Sinhá Vitória, as palavras que Sinhá Vitória murmurava porque tinha confiança nele. E andavam para o sul, metidos naquele sonho. Uma cidade grande, cheia de pessoas fortes. Os meninos em escola, aprendendo coisas difíceis e necessárias. Eles dois velhinhos, acabando-se como uns cachorros, inúteis,

acabando-se como a Baleia. Que iriam fazer? Retardaram-se, temerosos. Chegariam a uma terra desconhecida e civilizada, ficariam presos nela. E o sertão continuaria a mandar gente para lá." Contudo, "não voltariam nunca mais, resistiriam à saudade que ataca os sertanejos na mata. Então eles eram bois para morrer tristes por falta de espinhos? Fixar-se-iam muito longe, adotariam costumes diferentes".50 Da mesma forma, a família de Seara vermelha, de Jorge Amado, publicado em 1946, também migrou para o sul: "E através da caatinga, cortando-a por todos os lados, viaja uma inumerável multidão de camponeses. São homens jogados fora da terra pelo latifúndio e pela seca, expulsos de suas casas, sem trabalho nas fazendas, que descem em busca de São Paulo, Eldorado daquelas imaginações."51 Era impossível romper o círculo da miséria permanecendo no Nordeste, mesmo migrando para uma de suas capitais. Recorde-se o romance Os corumbas, de Amando Fontes, publicado em 1933, que apresenta uma família que saiu do interior de Sergipe para Aracaju. A cidade levou à desestruturação familiar com a morte de uma filha, a prostituição de outras três e a migração forçada do único filho homem para o sul: "Há seis anos tinham vindo tão cheios de esperança..."52 No mesmo ano da publicação de Seara vermelha saiu o volume de contos Sagarana, de Guimarães Rosa. Um deles, "O duelo", tem a migração para São Paulo como parte do cenário. Turíbio Todo, depois de assassinar o irmão de Cassiano Gomes, fugiu de onde vivia e encontrou um grupo de baianos que estava migrando para São Paulo: "Iam para o sul, para as lavouras de café. Baianos são-pauleiros. E um deles: 'Eh, mano veélho! Baâmo pro São Paulo, tchente!... Ganha munto denheeêro... Tchente! Lá tchove denhêro no tchão!...' Sentiu saudades da

mulher. Mas era só por uns tempos. Mandava buscá-la, depois. Foi também." Tempos depois, retornou. Era um homem da cidade grande. Voltou para levar a mulher para São Paulo: "Saltou do trem também com uma piteira, um relógio de pulseira, boas roupas e uma nova concepção de universo." Ao encontrar um capiau (o personagem Timpim) diz: "Por que é que uns como você não vão também trabalhar lá? Podiam ganhar dinheiro, aprender a viver. Isto, por aqui, não é vida, é uma miséria-magra de fazer dó!... Se você quiser ir, eu explico tudo direito, te ajudo com dinheiro, até." Timpim não aceitou ir para São Paulo, assim como o cigarro oferecido por Turíbio: "Eu pito é destes nossos, dos de palha." A negação dos valores chega até ao descumprimento da promessa feita ao moribundo Cassiano, pouco antes da sua morte, de que perseguiria e mataria o assassino do seu irmão.53 O retrato mais sensível desta migração regional e sem mudanças está no belo poema de João Cabral de Melo Neto "O rio ou relação que faz o Capibaribe de sua nascente à cidade do Recife", publicado em 1953: Tudo o que encontrei na minha longa descida, montanhas, povoados, caieiras, viveiros, olarias, mesmo esses pés de cana

que de tão iguais me pareciam, tudo levava um nome com que poder ser conhecido. A não ser esta gente que pelos mangues habita: eles são gente apenas sem nenhum nome que os distinga; que os distinga da morte que aqui é anônima e seguida. São como ondas de mar, uma só onda, e sucessiva. A não ser esta cidade que vim encontrar sob o Recife: sua metade podre que com lama se edifica. É cidade sem nome sob capital tão conhecida. Se é também capital será uma capital mendiga. É cidade sem ruas

e sem casas que se diga. De outra qualquer cidade possui apenas polícia. Desta capital podre só as estatísticas dão notícia, ao medir sua morte, pois não há o que medir em sua vida. Conheço toda a gente que deságua nestes alagados. Não estão no nível de cais, vivem no nível da lama e do pântano. Gente de olho perdido olhando-me sempre passar como se eu fosse trem ou carro de viajar. É gente que assim me olha desde o sertão do Jacarará; gente que sempre me olha como se, de tanto me olhar, eu pudesse o milagre

de, num dia ainda por chegar, levar todos comigo, retirantes para o mar. A um rio sempre espera um mais vasto e ancho mar. Para a gente que desce é que nem sempre existe esse mar, pois eles não encontram na cidade que imaginavam no mar senão outro deserto de pântanos perto do mar.54 Em meados dos anos 1980, Essa terra, de Antonio Torres, retratou o momento dos retornados que fracassaram em São Paulo, numa conjuntura marcada pela crise econômica durante a presidência de João Figueiredo. Nélio, principal personagem do livro, voltou para o Junco, no sertão baiano, sua cidade, sem dinheiro e sozinho, pois foi abandonado pela mulher. O que levou do sul foram os óculos escuros e o rádio de pilha. Fracassado - e sem poder contar à família que não "enricou" -, não encontrou outro caminho a não ser se enforcar. Quem voltava dizia que em São Paulo "qualquer um podia ser pedreiro e doutor ao mesmo tempo, pois, no fim do dia, tomava-se um banho, vestia-se roupa nova, e ninguém sabia da vida de ninguém". E o personagem principal do livro, Nélio,

"um dia pegou um caminhão e sumiu no mundo para se transformar, como por encantamento, num homem belo e rico, com seus dentes de ouro, seu terno folgado e quente de casimira, seus ray-bans, seu rádio de pilha - faladorzinho como um corno - e um relógio que brilha mais do que a luz do dia".55 Mas o mais emblemático romance desse período e que tem no migrante - no caso, uma migrante - sua principal personagem é A hora da estrela, de Clarice Lispector, publicado em 1977. Macabéa não consegue em momento algum entender a dinâmica da vida urbana carioca, de uma "cidade toda feita contra ela". As relações de trabalho, sociais ou afetivas são incompreensíveis para a nordestina. Quando imagina que encontrou a felicidade, morre atropelada. E por um automóvel Mercedes, carro de luxo e estrangeiro, como simbolizasse a presença do capital estrangeiro e a necessidade do aperfeiçoamento da força de trabalho imposta pelo grande capital. Já Olímpico, também nordestino, e seu namorado, logo a abandona para ficar com Glória, "carioca da gema", representando a necessidade de se adequar a uma nova vida, com novos hábitos, palavras e valores. Olímpico é sertanejo e migrante como Macabéa, mas, em consonância com o significado do seu nome, deslocou-se para o sul do país com a finalidade de conquistá-lo. O fato de ser operário metalúrgico muito o envaidece, embora ostente com orgulho a ética sertaneja da coragem e da bravura pessoais. Casando-se com Glória, realiza o seu sonho, e, talvez, o de todo migrante nordestino, de ser outro, de se

transmutar em homem urbano, das metrópoles litorâneas e afluentes do país. A perspectiva do romance sobre a representação do sertão é apocalíptica. Os destinos de Macabéa e de Olímpico, embora radicalmente diversos, exprimem um mesmo significado, a destruição do mundo das origens dos migrantes, o sertão. Macabéa, a sertaneja, é atropelada e morta por um ícone da sociedade industrial; Olímpico sepulta o seu passado sertanejo, incorporando-se à sociedade litorânea.56 CAPÍTULO 6 NÃO SOU DE ENCOSTÁ CORPO, NÃO A relativa estabilização na migração nordestina não representou a interrupção no fluxo de novos trabalhadores. O "trem baiano" continuava chegando à estação Roosevelt de São Paulo. Agora, somente duas vezes por semana e não mais, como antes, superlotado. José Casimiro, acompanhado da mulher e mais seis filhos - tinha deixado outros dois em Pernambuco, vindo de Petrolina. Sem ter familiares em São Paulo, acabou tendo de se abrigar embaixo de um viaduto. Diz a esposa: "As pessoas passam e dão comida, roupas para as crianças, sapatos." E conclui: "São Paulo é uma cidade muito boa. Não falta nada para a gente. Aqui, pelo menos, a gente come todo dia."1 Mas permaneciam os desencontros com a vida na metrópole. Serafim Araruna, de Arapiraca, com algum dinheiro no bolso e o endereço de parentes (que viviam no bairro de São Mateus), é um bom exemplo. Dirigiu-se ao Brás. Atraído pelo novo, pela diversidade das lojas, passeou, viu um parque de diversões e ficou fascinado pelo tobogã, brinquedo muito popular naqueles tempos. Logo chegou o anoitecer e teve de procurar

uma hospedaria. Acabou ficando num hotel utilizado pelas prostitutas da região. Com uma delas caminhou pelas ruas do bairro, após deixar sua mala no hotel. Como tantos outros, ao voltar viu que fora roubado, e pior: com a mala se fora também o endereço dos parentes de São Mateus.2 No Brás, depois das dez horas Tem demais é cachaceiro, Vagabundo pilherista, Tem no largo o dia inteiro; É de pouca confiança, Se andar no Brás com dinheiro. Ali roubam bicicleta, Rádio novo de primeira. Carro, caneta, relógio, De pulso e de algibeira. Em qualquer bar da Concórdia, Tem batedor de carteira.3 Outro cantador retratou este momento: Ali o ponto é do Norte, É um centro interessante, Transporte para o Nordeste, Toda hora a todo instante.

Mas também tem outro tanto, De velhaco de assaltante. (...) Pois qualquer mulher daquela Pega o pobre do sertão. Ilude o rapaz e leva, No hotel, para o "Cantão". Lá o pobre deixa tudo, Pra ela e o ladrão. Um moço do interior Para o Norte viajando, Demorou-se na Concórdia. Pelo horário esperando, Tudo que tinha roubaram, Voltou pra roça chorando.4 Quando desembarcavam na antiga estação rodoviária Júlio Prestes - os que tinham viajado em ônibus regulares - também eram assaltados. Assim registrou este momento o cordelista: No ano sessenta e nove Cheguei na terra bandeirante Na capital de São Paulo Esta cidade gigante

Estranhando tudo e todos Pois eu era um imigrante. Na estação rodoviária No meio de tanta confusão Era gente pra todo lado Com aquele barulhão Mexeram no meu bolso Uai gente! Era um ladrão.5 Ao longo das décadas, a origem dos migrantes foi se diversificando. Até o final dos anos 1950, a Bahia ainda liderava entre os estados fornecedores de mão de obra. Já nos anos 1960 foi suplantada por Minas Gerais - apesar de o Nordeste continuar a ser a região com o maior número de migrantes. Mas na metade dos anos 1970 o Paraná assumiu a dianteira.6 É provável que parte dos migrantes do Paraná tivessem nascido no Nordeste ou em Minas Gerais, permanecido alguns anos no estado e depois tenham se dirigido a São Paulo. Nos anos 1970, o Paraná deixou de ser uma terra de oportunidades. A possibilidade de o migrante se transformar em proprietário de terra era remota. O alto preço da terra empurrava os lavradores que almejam ter uma pequena propriedade para novas áreas de fronteira: Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e até para Rondônia. E os que não tinham como se transformar em proprietários, restava migrar para São Paulo em busca de trabalho.

No Nordeste intensificou-se a migração intrarregional com o crescimento populacional das capitais e cidades de médio porte, processo que já vinha se desenvolvendo deste a metade do século XX. A população de Fortaleza tinha saltado de 180 mil, em 1940, para 270 mil dez anos depois, chegando a 514 mil em 1960. Já Recife, entre 1950-1970, teve sua população aumentada em duas vezes e meia.7 A região metropolitana de Salvador acabou sendo favorecida pelo desenvolvimento do polo industrial de Aratu e do polo petroquímico de Camaçari, o que levou a uma expansão do setor terciário e a um sensível crescimento da população. No caso da capital baiana, deve ser lembrado que a cidade vivia um processo de estagnação econômica desde o início do século XX. O crescimento médio anual da população entre 1872-1890 foi de 1,6%, no decênio seguinte manteve esse patamar, entre 1900-1920 caiu para 1,5% e nos vinte anos seguintes foi de apenas 0,20%, ou seja, aumento quase nulo: "Sabe-se que, desde fins do século passado até as primeiras décadas deste século, Salvador foi duramente afetada pela decadência secular das duas culturas tradicionais de exportação (cana e fumo) sobre as quais estava alicerçada a sua economia e de sua região circundante, o Recôncavo Baiano."8 Foi graças ao investimento estatal na prospecção de petróleo e na petroquímica que fez Salvador saltar para um crescimento médio anual de 4% nos três decênios seguintes.9 A migração nordestina também teve como destino a Amazônia ou seguiu o rumo do Centro-Oeste, principalmente para a capital federal e áreas adjacentes. A população do Distrito Federal cresceu de 142 mil, em 1960, para 546 mil, dez anos depois. As construções das grandes usinas hidroelétricas, como Tucuruí e Sobradinho, nas regiões Norte e Nordeste, e de Água Vermelha, Ilha Solteira e Itaipu, no Sudeste,

também atraíram os migrantes, tendo em vista que eram obras que exigiam grande volume de mão de obra, assim como as rodovias Cuiabá-Santarém e a Transamazônica. Apesar desse fluxo de mão de obra para outras regiões, a população rural do Nordeste continuou crescendo. Em 1960 era de 14.665.380 habitantes, dez anos depois subiu para 16.358.950 e em 1980 alcançou 17.245.514, enquanto no Sudeste, no mesmo período, a população rural decresceu de 12.821.206 para 10.888.897, chegando em 1980 a 8.894.044 habitantes.10 No caso nordestino, a população rural, apesar do aumento em números absolutos, decaiu percentualmente em relação à população urbana. Se em 1940 76,6% viviam no campo, dez anos depois esse número caiu para 73,6%, em 1960 para 65,8% e em 1970 chegou a 58,2%; e o número de naturais ausentes teve um crescimento brutal, saltando de 707 mil, em 1940, para quase quatro milhões em 1970.11 Houve uma diminuição geral do número de migrantes no país. Em 1970 o Censo identificou 30 milhões de migrantes, dez anos depois o número caiu sensivelmente. Nem sempre as autoridades paulistas identificavam a razão da queda da migração: "Penso que podemos creditar esta inversão no fluxo migratório interno em relação ao Nordeste ao amadurecimento dos projetos do II e III Planos Nacionais de Desenvolvimento, que conseguiram promover maior fixação dos nordestinos em sua região."12 O então superintendente da Sudene, José Lins Albuquerque, tinha uma visão otimista das modificações que acreditava estar ocorrendo na região: "Se mantiver o ritmo de desenvolvimento no Nordeste previsto até 1979, poderemos dizer que praticamente desaparecerá o desemprego." Daí

"não ver com pessimismo o quadro de migrações no Nordeste, porque o programa de desenvolvimento social, lançado pelo governo, promoverá a fixação do nordestino, através da criação de novos empregos".13 O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979) estabeleceu objetivos exclusivos para a região Nordeste: onde "mais de 20% da população vive em áreas rurais em condições de extrema pobreza. Para essa população, deverá o governo executar programas especiais dos quais resulte o aumento da produtividade do trabalho, não só através de um esforço no sentido de ministrar-lhes rudimentos de educação, como também lhes propiciando acesso aos meios de produção, ao crédito às garantias mínimas de comercialização livre dos intermediários". Propunha alterar inclusive o regime de propriedade da terra: "O aproveitamento de grandes extensões de terras ociosas ou subutilizadas, a incorporação de grandes parcelas da população ao processo produtivo, a redução das migrações para as grandes cidades e o aumento da oferta de matérias-primas e de produtos alimentares para atendimento da demanda do setor urbano."14 Como não ocorreu um processo significativo de distribuição de terras ou de auxílio efetivo aos pequenos proprietários, os dados do Censo Demográfico de 1980 reforçaram o quadro tradicional das migrações. A alteração ocorreu na ampliação das áreas de destino dos sertanejos. Em vez de o Sudeste ser o destino preferencial, ampliaram-se os caminhos: para o Centro-Oeste, especialmente o Distrito Federal, a Amazônia e as capitais nordestinas. Natal saltou de 264 mil habitantes, em 1970, para 416 mil; Fortaleza ultrapassou mais de um milhão de habitantes, assim como Recife e Salvador.15

O intenso crescimento de São Paulo e do Rio de Janeiro caiu sensivelmente entre 1970 e 1980. A antiga capital federal teve como taxa média geométrica de crescimento neste período 1,82%, enquanto na capital paulista o número foi bem superior, mas inferior em relação às décadas anteriores: 3,67%. Na região do ABC, o crescimento mais significativo ficou restrito a São Bernardo do Campo (7,77%), enquanto em Santo André a taxa foi de 2,82% e em São Caetano do Sul houve uma estabilização (0,82%). No caso da região metropolitana de São Paulo, os números deixam claro que entre os censos de 1940 e 1980 a participação dos migrantes no aumento populacional da região caiu de 73% para 50%.16 Destacou Milton Santos que a "metrópole paulistana é, no mundo, juntamente com Tóquio e Los Angeles, a aglomeração urbana com o maior número de trabalhadores na indústria". Na região metropolitana, em 1980, havia quase 2,5 milhões de trabalhadores empregados no setor secundário, cerca de 400 mil a menos que no setor terciário.17 Especificamente em São Paulo, a desaceleração do crescimento demográfico foi mais acentuada do que em outros núcleos urbanos. Entre as cidades da região metropolitana, a capital foi a que menos cresceu no período de 1970 a 1980: entre os 571 municípios do estado, acabou ficando em 103º lugar.18 Já as capitais nordestinas cresceram entre 4 e 5%, enquanto que nas cidades-polos industriais os números foram superiores, como Camaçari, na Bahia, que teve uma taxa de 10,32%.19 * Apesar de a migração ter diminuído desde o início dos anos 1970, o preconceito para com o nordestino permaneceu. As manifestações contra os nordestinos, ora chamados de nortistas, ora chamados de baianos, não eram novidade em

São Paulo. Durante a guerra contra Canudos (1896-1897), depois da derrota da terceira expedição, comandada pelo coronel Moreira César, ocorreu uma temporada de "caça às bruxas" em todo o Brasil, com perseguições, prisões e assassinatos de supostos apoiadores de Antonio Conselheiro. Em São Paulo ampliou-se a repressão: não só foram presos conselheiristas e monarquistas, como se dizia à época, mas também "baianos": "Quase todos os sertanejos baianos que trabalhavam nas fazendas do coronel Gentil em São Carlos do Pinhal, se acham listados nas forças de Antonio Conselheiro." Isso sem apresentar qualquer prova, só por serem "baianos". E pior: no dia seguinte foi noticiado que "estes indivíduos foram encontrados armados, não provaram à autoridade ter profissão alguma e são na sua maior parte baianos".20 O preconceito acompanhou a presença ostensiva de nordestinos na metrópole paulistana. Isso se consolidou na década de 1950, pois até aquele momento havia o predomínio da migração mineira, tanto que, em 1940, representavam 350 mil, mais do que o dobro dos baianos e dez vezes mais do que os pernambucanos. Somando todos os migrantes nordestinos, mesmo assim a migração mineira ainda era sensivelmente superior. Em 1950, o predomínio mineiro permaneceu, com 513 mil pessoas; mas o número de nordestinos ficou bem próximo, pois alguns estados da região tinham mais que dobrado o número de migrantes, como Pernambuco e Alagoas.21 Um bom exemplo de preconceito foram as reportagens publicadas em O Estado de S. Paulo, posteriormente editadas em livro, de Júlio de Mesquita Filho, proprietário do jornal. Filho viajou pelo

Nordeste e publicou suas observações num conjunto de artigos. Identificou como primeiro problema para o atraso agrícola nordestino a presença dos negros. Diz o jornalista: "A porcentagem dos homens de cor (...), entra, em nossa opinião, como fator preponderante na explicação do atraso em que se encontra ali a agricultura." Mais adiante, apontou a preguiça e a malevolência do trabalhador baiano: "Falta-lhes a constância, a perseverança, a obstinação e o desejo de vencer na vida, que distinguem as raças ocidentais que colonizaram as zonas meridionais do país. O homem baiano adapta-se perfeitamente às atividades pecuárias, que exigem dele um esforço menos continuado e lhe proporcionam, ao mesmo tempo, maior soma de lazeres." Já o sertanejo pernambucano continuava um ser primitivo, de acordo com Mesquita: "A sua mentalidade média não evoluiu nos últimos cinquenta anos. O choque verificado no encontro das três raças básicas de que descende, reduziu-o a um estado de primitivismo."22 A surpreendente eleição da paraibana Luiza Erundina à prefeitura de São Paulo, no final de 1988, acabou reforçando o preconceito, associado ao machismo. Comerciantes criaram um movimento contra a migração: "São Paulo não comporta mais nordestinos." Para outro, "esse pessoal não trabalha no Nordeste e vem para cá em busca de sossego". Um apoiador do movimento resumiu o pensamento do grupo: "Os nordestinos deveriam sumir." A associação da violência e da criminalidade com a migração voltou à tona. Disse um deles: "De cada dez marginais que existem em São Paulo, nove são nordestinos." O vereador Bruno Feder apresentou um projeto dificultando o acesso dos migrantes aos serviços públicos (escolas, creches, empregos, habitação popular). Grupos neonazistas chegaram a atacar a rádio Atual,

na Zona Norte da capital, com programação voltada para o público nordestino. Um desses grupos propôs a criação de campos de trabalho para os migrantes, que depois seriam obrigados a voltar para o Nordeste.23 Sem espaço político, estes movimentos acabaram desaparecendo. A preguiça, a falta de iniciativa para o trabalho, a violência, o "primitivismo atávico" seriam características atribuídas aos nordestinos, símbolos de um suposto atraso cultural. A associação entre desemprego e preguiça esteve presente até na literatura de cordel: Na capital de São Paulo Você se emprega ligeiro Tendo os seus documentos É o que pedem primeiro A sua apresentação É o norte brasileiro. A facilidade é muita Para quem quer trabalhar Serviços de todo tipo É só pedir, arranjar Somente o preguiçoso Diz que não pode encontrar.24 A predominância do discurso antinordestino perpassou as classes sociais e atingiu inclusive os migrantes, que, no intuito de uma rápida assimilação, assumiram para si as falas conservadoras e desqualificadoras dos "baianos". Um

exemplo: migrante, pernambucano, auxiliar de escritório, morador da Zona Leste, não gostava de ir a locais de diversão frequentados pelos "cabeças-chatas": "Eu sou racista, o que eu posso fazer. Tem a família do meu pai que é racista. Tem uma negra que é casada com um irmão do meu pai. Ninguém fala com ela na família." A entrevista foi realizada logo após a eleição de Luiza Erundina: "Eu sou contra mulher pegar cargo de prefeita, ainda mais em São Paulo, ainda mais por ser nordestina. Acho que ela não vai ter capacidade para governar. Sabe, eu não vou com a cara de nordestino. Baiano mesmo, eu odeio." Não se reconhecer como "baiano" ou filho de "baiano" era considerado por alguns migrantes nordestinos um meio de se integrar à modernidade, aos valores paulistas. Sem identidade própria, restava-lhes dissolverem-se entre os paulistanos. Antes da consolidação desse processo - e voltado mais para a questão do folclore -, Florestan Fernandes ressaltou que a "urbanização se faz à custa da desagregação da 'cultura popular' e em condições que favorecem muito pouco o influxo construtivo desta sobre a formação da 'civilização industrial e urbana'".25 A retenção de dois caminhões paus de arara no fim de 1988 em Atibaia, próximo a São Paulo, chamou novamente a atenção para a migração. O primeiro fato foi justamente o transporte de sertanejos em caminhões, isto quando tal prática já tinha sido substituída há muito pelos ônibus. Outro foi a cidade de origem dos dois caminhões: Presidente Jânio Quadros, isto justamente no momento que o prefeito da capital,

já no fim do mandato, era Jânio Quadros. A cidade baiana, a 640 quilômetros de Salvador, estava passando por uma seca: não chovia havia três anos. O prefeito resolveu transportar os interessados a migrar para São Paulo em dois caminhões, um deles de sua propriedade. Já tinham realizado duas viagens sem encontrar problemas. Mas quando estavam muito próximo de completar a terceira viagem acabaram detidos. Viajaram três dias, cinquenta pessoas em cada caminhão, amontoadas embaixo do encerado, para evitar a fiscalização rodoviária, isso no mês de dezembro, com temperaturas superiores a trinta graus. Nos caminhões estavam crianças, bebês, adultos, mulheres grávidas. Detidos, foram levados para São Paulo em dois ônibus. Mesmo após tanta dificuldade, chegaram animados à capital. Disse uma das passageiras, Maria das Graças Jesus: "O nego [marido] já tem emprego de pedreiro em uma construtora. Eu, se Deus quiser, vou trabalhar de empregada em casa de família. Não sou de encostá corpo, não. Aqui é tudo povo de luta."26 A detenção dos "últimos paus de arara" recolocou a questão da migração no debate político. Para os adversários dos nordestinos, a ascensão de Luiza Erundina à prefeitura poderia estimular a migração para São Paulo, pois os nordestinos se sentiriam protegidos pelo fato de terem uma conterrânea governando a maior cidade da América do Sul. Novamente aos "baianos" foram imputadas as mazelas do crescimento desordenado da metrópole, como tinha ocorrido nas décadas anteriores. O aumento da prostituição no bairro do Brás foi relacionado à chegada dos migrantes: "Paupérrimas, meninas e jovens são lançadas à prostituição. A princípio, elas pensam apenas em

conseguir algum dinheiro para alimentar a família nos primeiros dias de São Paulo. Mas depois, ao perceberem a dificuldade em encontrar um emprego regular e decente, e tentadas pelo ganho fácil da prostituição, elas acabam se instalando num dos pequenos hotéis do 'gueto' em que as ruas Paulo Afonso, Dr. Almeida Lima, Cavalheiro e outras se transformaram."27 O preconceito também foi exposto, ainda que de forma bemhumorada, na toada "Meu Pajeú", já citada anteriormente. O qui é qu'eu vô faze... paulista é gente boa mas é de lasca o cano eu nasci no Pajeú e só me chamam de baiano. * A grande migração nordestina coincidiu com a representação do ciclo do cangaço no cinema, na música e nas artes plásticas. O cangaço floresceu no Nordeste durante a República Velha, fruto da decadência econômica e do fortalecimento do poder local advindo da adoção do regime federalista, que transferiu parte da autoridade do governo central para os governos estaduais. O mais célebre cangaceiro foi Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, que acabou morrendo em 1938. Dois anos depois, com a morte de Corisco - um dos líderes do grupo de Lampião -, encerrou-se o cangaço como fenômeno social na região. A decadência

do cangaço esteve relacionada com a maior presença do Estado no sertão e, principalmente, com o fortalecimento do poder central, especialmente após a implantação do Estado Novo, em 1937: "Uma penetração mais eficiente da autoridade governamental no sertão parece ter exercido uma influência muito maior na eliminação do cangaço do que progressos materiais ou migrações."28 Nos anos 1950, ocorreu um movimento duplo na mídia em relação ao Nordeste. De um lado, o pau de arara. De outro, a representação simbólica da região por meio do cangaceiro no cinema e na música popular. No cinema, o filme Os cangaceiros, dirigido por Lima Barreto, teve consagração nacional e internacional. Foi premiado na categoria Melhor Filme de Aventura e recebeu menção especial para música no Festival de Cannes, na França, em 1953. Nas chanchadas dos anos 1950 e 1960, o nordestino sempre era representado de forma caricata. Chamados de "cabeças-chatas", numa das comédias um conjunto musical de origem nordestina não participava de um show porque os telespectadores poderiam pensar que os televisores estavam com defeito. Em outro, a piada de que os nordestinos eram violentos: uma briga era chamada de "baianicídio".29 Na música, o baião se transformou em grande sucesso graças, principalmente, ao trabalho de Luiz Gonzaga. Tanto no cinema como na música, acabou glorificada a figura do cangaceiro e da violência sertaneja. Gonzaga, em 1949, começou a se apresentar na rádio Nacional do Rio de Janeiro com chapéu de couro ao estilo de Lampião.

Posteriormente incluiu todo o traje de couro, com direito a uma cartucheira e um revólver.30 Apesar do sucesso de Luiz Gonzaga, em São Paulo os estereótipos permaneceram. O "nortista" era violento, não respeitava as leis, tinha várias famílias, baixo nível cultural, enfim, era o símbolo vivo do atraso, numa sociedade marcada pelo progresso. Nas batidas policiais, os nordestinos, especialmente os recém-chegados e que não tinham registro na carteira profissional de nenhum vínculo empregatício, eram alvos privilegiados da repressão. Eu já ia na capital Perdido na ilusão Um dia meio acinzaiado Mas era só poluição Entrei num boteco de movimento Para pedir informação Lá recebi foi ordem de prisão De uns cabra sem fardamento. Apanhei que só jumento Daqueles distintos rapazes Amostrei a documentação Aí que apanhei mais

Na frente da população Agora eu pergunto aos companheiros Esses são os policiais brasileiros Dando cobertura à nação. Fiquei dentro da escravidão Lascado de aperreado Cada dia mais borracha Neste homem desprezado Entrevista sem precisão Tapa, chute, pancadaria Essa foi a maior agonia Que passei sem culpação. Com muitos dias de prisão Veio um meganha enrevolviado Botou-me na frente Para falar com o delegado Na cadeia da cidade Fui dizer o que não devia Fui explicar o que não sabia Para aquela autoridade.

Sentei na frente da autoridade E começou a interrogação Fui chamado do que não merecia Naquela ocasião Um cabra engravatado Numa máquina de escrever Mandando eu dizer Quantos eu tinha matado. A segurança de lado O delegado das perguntações Quantos roubos eu tinha feito Em outras regiões Eu continuava calado Olhando para a autoridade Faziam pergunta sem qualidade Para esse homem desamparado. Eu já estava lascado Amurrinhado feito a peste Olhei para a cara do cabra E disse: Doutor, sou do Nordeste

Também sou cidadão, doutor Estou velho acabado Eu trabalhava no roçado Doutor, eu era agricultor Olhe aqui, doutor Veja a minha situação Pode vê a minha mala Só tem uma camisa e calça não Olhe aqui, minha documentaiada Nunca matei, nunca roubei Não sei por que tanto apanhei E tou nesta vida arrombada. Saí da prisão lascada Todo abatido Sem saber o que perguntar Completamente desenganado Comprei um jornal de leitura Foi aquele rebuliço Para arrumar serviço Fora da agricultura.31

A incorporação dos novos valores de comportamento em outro universo sociocultural foi um meio de o migrante que ascendeu socialmente ser aceito nos espaços onde convivia e de se sentir um "igual". Um industrial, que enriqueceu em São Paulo e migrou do Piauí aos 16 anos, nos anos 1950, logo percebeu a discriminação que pesava sobre os nordestinos assim que perdeu a disputa por uma vaga de trabalho para outro jovem que era nascido na capital. Na maturidade tornou-se um industrial de sucesso e crítico do Nordeste e dos nordestinos: "Aqui [em São Paulo] a nossa vida é de trabalho, enquanto lá eles se dão ao luxo de ficarem quatro ou cinco dias sem trabalhar. Por isso eles estão pobres." Para ele, "somos nós, paulistas, que pagamos uma verdadeira montanha de impostos destinada a ajudar o Nordeste. A partir do momento que se corte essa ajuda e que se responsabilize cada prefeito, a seca vai acabar. Quando eles perceberem que os paulistas não vão mais mandar recursos para eles, eles vão começar a gerar recursos". E concluiu: "Hoje eu realmente sou um paulista." Até na literatura de cordel encontram-se manifestações de "paulistanidade", só que associadas à valorização positiva do trabalhador nordestino: São Paulo tem nordestino muito mais do que no Norte trabalham por essa terra nosso nordestino forte homens de pulsos de aço que lutam até a morte.

O nortista é um guerreiro de grande disposição povo forte que merece receber o galardão desta cidade que acho ser orgulho da nação. Essa cidade é quem puxa o trem de vinte e um vagões porque de todos os estados pra todas as regiões vem gente trabalhar em firmas e construções.32 Mas houve também aqueles que encontraram o preconceito e o venceram pelo trabalho duro, persistente, sem sucumbir ao discurso antinordestino. Eunice Pereira dos Santos foi uma delas. Viúva, originária de Garanhuns, Pernambuco, com nove filhos para criar. Da roça foi trabalhar como doméstica, diarista, no bairro da Bela Vista. Voltava a pé até o Brás, onde morava, para economizar na condução: "Não vou dizer que não sofri. Eu sofri muito mesmo. Muitas vezes não tinha mais que um pouquinho de polenta para comer em casa. Eu falava para os meus filhos comerem e eles me perguntavam: 'Mãe, a senhora não vai comer?' E eu tinha que mentir: 'Não,

filho, a mamãe já comeu.' E isso foi passando, até que Deus me ajudou, eu comprei um fogão e fui montando minha casinha." Para Eunice, "tendo o feijão e o arroz está tudo bem, não preciso de mais nada. Porque quanto mais dinheiro a gente tem, mais a gente quer. Hoje, visto como eu cheguei aqui, eu posso dizer que sou milionária. Eu não tinha nem cama pra dormir nem roupa pra vestir. E consegui comprar tudo, tijolo, telha, areia, bloco, fogão, geladeira, cama. Na minha vila não tinha luz nem água. Hoje tem. Meu terreno está todo pago, tenho a escritura na mão e tudo". Encerrou a entrevista dizendo: "Lá no Norte, se você não trabalhar na roça, não pode fazer mais nada. Por isso eu nunca reclamo da vida, eu sempre vou vivendo e hoje eu até me considero muito rica diante do que eu tinha."33 Histórias de vitórias, como a de dona Eunice, que superou obstáculos, rompeu barreiras, construiu um mundo pessoal novo, não foram compreendidas por boa parte da pesquisa acadêmica. Um bom exemplo é a crítica da autoconstrução. Considera que a edificação como a efetuada por ela e dezenas de milhares de migrantes acabou gerando um modelo de "raízes claramente conservadoras e pequeno-burguesas, tanto no âmbito político mais geral, como no âmbito micropolítico, da organização da vida privada. Essa passa a girar em torno da família nuclear, consolidada, monogâmica e reprodutora dos valores tradicionais,

concretizando um modo de vida individualista, pobre de relações sociais e pouco receptivo aos processos coletivos de organização e participação, fora aqueles absolutamente necessários para viabilizar o próprio projeto da casa própria".34 Maria Auxiliadora Guimarães veio de Pindaí, sertão baiano, para São Paulo junto com a mãe e oito irmãos. Começou a trabalhar na rua 25 de Março, principal centro atacadista da capital. Depois de anos de trabalho como balconista, abriu seu próprio negócio, uma pequena loja de calçados na mesma região. Prosperou e transformou seu negócio num dos maiores do setor. Já o potiguar Emetério Fernandes de Queiroz chegou a São Paulo sem sequer estar alfabetizado. Trabalhou na construção civil e frequentou um curso de alfabetização de adultos. Fez supletivo e entrou na faculdade de química, quando estava trabalhando como propagandista de produtos farmacêuticos. Fez pósgraduação na Universidade de São Paulo e recebeu o título de doutor em ciências químicas.35 * Nos anos 1970 consolidaram-se os espaços de sociabilidade dos nordestinos. Muitos eram informais, como o da Praça da Árvore, vizinho à estação do metrô. É provável que tudo tenha começado porque de lá saía uma linha de ônibus clandestina para a Bahia. Habituados a levar e receber parentes e amigos, acabaram, informalmente, transformando a praça em local de encontro dos nordestinos. Aos domingos se reuniam mais de duzentos nordestinos.

Tiravam fotos, recebiam cartas, escreviam outras contando para seus parentes o cotidiano em São Paulo. Ouviam histórias da cidade natal, ficavam sabendo das novidades e passavam o domingo como se estivessem no sertão.36 Era no domingo que o sertanejo retomava o controle do tempo, pois durante toda a semana estava se dedicando ao trabalho: Mas tem de pegar bem No duro para comer Se emprega de operário Acorda ao amanhecer E vai fazer horas extras Até após o anoitecer. Leva mais de quatro horas Pra ir e vir do trabalho Se diverte é dormindo Ou então joga baralho Pra ver se ganha algum Trocado além do malho.37 Ter iniciado esses encontros num local de viagens é absolutamente natural. O momento da viagem para o Nordeste é cercado de preparativos. Serve também para fortalecer os laços com outras famílias para

onde se dirige, levando notícias, dinheiro e presentes. O encontro dos nordestinos se transforma em momento de reafirmação da identidade dos migrantes. Como disse um deles: "Vou esquecendo a Bahia pouco a pouco. Não demais, mas vai saindo a metade da saudade." Outro preferiu usar um artifício: "Eu estou em São Paulo pensando na Bahia, então eu vejo os dois num só momento. São Paulo, eu estou lá presente; e a Bahia eu uso no pensamento." O encontro dos migrantes é também a busca de uma sociabilidade inexistente na metrópole, que inclui as dificuldades para fazer amizades num círculo que não seja o familiar ou dos conterrâneos. Um baiano definiu bem esse dilema: "Eu sinto que o mais grave para quem vem praqui é a perda dos costumes, a perda dos costumes que lá tinha. Aqui já não tem aquelas festas, aquele samba, que o povo gosta lá; já não há aquelas missas que vão até o fim do dia, onde a gente passa o dia inteiro e é o lugar onde você encontra todo mundo da redondeza. Aqui é tudo apertado, tudo para assistir o que os outros preparam. O que me preocupa é isso: como é que a gente pode participar das coisas?"38 Antonio Fagundes da Rocha, baiano de Botuquara, constatou que as festas do sertão não eram as mesmas de São Paulo. Quando assistiu a uma comemoração do Natal disse: "Me parece que é uma festa de gente da cidade. Eu e minha família, pelo menos, nunca tomamos conhecimento dele. Ah, é hoje? Pois confesso que nem passava pelo meu pensamento. Vai ter foguetório?"39

O largo 13 de Maio, em Santo Amaro, Zona Sul da capital, também se transformou em ponto de encontro dos nordestinos. Antonio Pereira da Silva, cearense, era um frequentador habitual do largo. Foi lá que conheceu sua esposa: "Aqui eu recordo a minha terra. Ouço uma música com o sanfoneiro e até posso comprar um pouco de jabá ou de carne de sol. Até a autêntica pinga nordestina, no largo 13 vende." Como disse um negociante do largo: "Aqui é o paraíso dos nordestinos. As pessoas vêm para cá e sentem que estão em casa. Comem a comida da terra e bebem o que estão acostumados."40 Meu senhor, minha senhora Um largo foi escolhido Como lugar de batismo Do nordestino a migrar. Passe o senhor, a senhora No Largo Treze na hora Que a garoa chegar... É paulistana a praça Onde o tempo se instala Mas nordestina a graça De sonhar, sonhar, sonhar.41 Outro espaço de encontro de nordestinos foi, desde os anos 1950, o bairro do Brás, próximo à estação Roosevelt. Casas comerciais com produtos nordestinos dominam a paisagem próxima. Nos bares, violeiros entoam desafios, nordestinos contam suas histórias, procuram notícias de parentes e

relembram onde nasceram. Até a construção das estações Brás e Bresser do metrô, na Zona Leste, cortiços ocupavam a região, e eram habitados em sua maioria por nordestinos, "dividindo quartos de até cinco metros quadrados com dois ou três conterrâneos".42 Mas quando chegou o momento das desapropriações, os nordestinos foram esquecidos: "Pois é", disse um baiano que vivia há 21 anos em São Paulo, "essas autoridades só homenagearam os italianos naquela festa de início das obras do metrô, sábado passado. E nós nordestinos, que estamos aqui também e que somos as maiores vítimas?". Parte dos cortiços do bairro do Brás acabou destruída pelas desapropriações, obrigando os moradores a procurar outro lugar: Quando eu voltar ao Nordeste Levo comigo a delícia Vou espalhar a notícia Do sertão para o agreste Na cidade eu fiz um teste E esse teste em mim ufana É o metrô paulistano. Afirmo com realeza Me encantei com a beleza Da capital paulistana.43

No início da década de 1970, havia em São Paulo 64 forrós.44 Foi um crescimento fantástico, ignorado pelos meios de comunicação de massa. Era um espaço musical de diversão e sociabilidade, porém desqualificado pelos paulistanos, considerado pouco familiar. O primeiro forró surgiu em 1963, criado por Pedro Sertanejo, sanfoneiro nascido em Euclides da Cunha, na Bahia, e residindo havia um bom tempo em São Paulo. Começou despretensiosamente, para promover a festa de São João, a grande festa do sertão. Buscou atrair os milhares de nordestinos que não tinham podido regressar, nesse mês, para o sertão e que queriam festejar o São João. Pedro Sertanejo organizou o forró na Vila Carioca. Foi um grande sucesso, mas somente para os "nortistas".45 No Rio de Janeiro, durante tantas décadas a capital federal do Brasil, os nordestinos foram relativamente assimilados, apesar de existirem lá também formas de discriminação - como a denominação pejorativa de "paraíbas", destinada aos nordestinos. A própria expansão do baião no final da década de 1940, tendo como principal representante o cantor pernambucano Luiz Gonzaga e a Feira de São Cristóvão, é exemplo dessa assimilação. O caso da feira é exemplar. Criada no início dos anos 1950, no campo de São Cristóvão, próximo à rodoviária Novo Rio, na Zona Norte, à zona portuária e à avenida Brasil, portas de entrada da cidade. Como lá era o ponto final dos caminhões pau de arara, acabou se transformando em local de encontro dos nordestinos, tanto dos que partiam como dos que chegavam. Alimentos, cartas, documentos, dinheiro, notícias eram levados e trazidos pelos migrantes. O cordelista José João dos Santos,

o Azulão, assim registrou esse momento: O Campo de São Cristóvão Foi palco de tradição Dos primeiros nordestinos Que deixaram seu torrão Sua família querida Vieram tentar a vida Viajando de caminhão Depois de dez, doze dias Numa viagem sofrida. O Campo de São Cristóvão Era o ponto de descida Onde cada nordestino Procurava seu destino Em busca de nova vida. A tradição transformou os domingos no dia de encontro da comunidade nordestina em São Cristóvão. Logo, o local se transformou numa feira, tal como as existentes nas cidades sertanejas. E mais: todos os domingos, milhares de "paraíbas" começaram a visitá-la não só para encontrar seus amigos e parentes, mas também para comprar produtos nordestinos: Ali passavam momentos De saudade e alegria

Comprando coisa do Norte Que um e outro trazia Fazendo reunião No ponto de condução De quem vinha e de quem ia.46 A feira teve problemas com a administração municipal, em parte devido às reclamações dos comerciantes que já estavam instalados nas proximidades. Chegou a ser fechada. Depois de uma mobilização dos defensores da feira, acabou legalizada pela prefeitura e se transformou em ponto turístico até os dias atuais.47 Em Niterói, do outro lado da baía de Guanabara, no final dos anos 1970, o panorama era de maior tensão. Grande parte dos trabalhadores da construção civil era de nordestinos. Eles tinham dificuldade de conviver em outra realidade social e sentiam-se rejeitados: "O povo daqui é diferente, fala esquisito, olha a gente com riso." Ou: "O povo daqui eu não dou confiança, porque pensam que os nordestinos são uma classe inferior."48 Na história paulistana não houve nenhum fenômeno parecido com o da feira de São Cristóvão. Os pequenos núcleos no Brás, em Santo Amaro ou no bairro do Limão (onde está instalado o Centro de Tradições

Nordestinas), entre outros, não alcançaram a significação da feira carioca. A cidade não absorveu culturalmente os nordestinos da mesma forma que absorveu os imigrantes portugueses, espanhóis, italianos ou até árabes (cristãos maronitas ou muçulmanos). Uma hipótese é que no momento da chegada desses imigrantes, a cidade estava passando por um conjunto de transformações econômicas, sociais e culturais, sem que houvesse consolidado um "passado comum", o que permitiu integrá-los, diferentemente dos migrantes da grande onda dos anos 1940-1980. Este processo desenvolveu-se de forma contraditória. O momento inicial da consagração nacional de Luiz Gonzaga, ainda em meio à primeira fase do grande êxodo, teve como base artística as rádios Record e Cultura, em São Paulo, onde o cantor pernambucano participava de inúmeros programas. Foi na capital paulista que Gonzaga foi consagrado Rei do Baião, com direito a coroa de chapéu de couro e tendo como cetro a sua famosa sanfona. O "centro nevrálgico do baião, a estas alturas, era São Paulo". Conta a esposa do Rei do Baião, que "quando Gonzaga tinha show na rádio Cultura, a polícia tinha que fechar o trânsito na avenida São João e ele cantava na marquise do prédio da rádio. Mesmo assim, o quarteirão ficava entupido de gente. Era uma verdadeira loucura".49 Somente em 1963 surgiu em São Paulo um programa de rádio voltado fundamentalmente para a música nordestina, o Chapéu de Couro, na rádio Nove de Julho. Inicialmente chamava-se Chapéu de Palha, e era destinado à música sertaneja,50 porém seu criador, o radialista Jorge Paulo, notou que para esse

gênero já havia diversos programas, enquanto que para os ritmos nordestinos, especialmente o baião, não havia nenhum. O programa teve resposta imediata do público e foi um grande sucesso. Jorge Paulo preparava o programa não só com músicas, mas também contava casos, apresentava histórias da região, tudo isso como se fosse um nordestino. Não era. Nasceu na capital paulista: só foi conhecer o Nordeste pela primeira vez em 1974. O programa começava às sete e meia da manhã e era retransmitido por outras dez emissoras. Inúmeros artistas nordestinos se apresentavam diariamente, entre os quais Luiz Gonzaga, o Trio Nordestino, Pedro Sertanejo e outros. O sucesso foi tão grande que até o apresentador transformou-se em cantor e gravou vários discos. Jorge Paulo não conhecia os ritmos nordestinos. Foi por meio dos programas que tomou conhecimento da música nordestina. Quando o sanfoneiro Pedro Sertanejo convidava os ouvintes para um forró, o apresentador nem sabia o que era. O primeiro forró foi criado na Vila Sônia, na garagem de Zé Pedro, onde se apresentava Pedro Sertanejo. Logo foi inaugurado outro forró, na Vila Carioca, no clube União Mútua, com uma apresentação de Zé Gonzaga, irmão do Rei do Baião. De acordo com Jorge Paulo, havia uma multidão no dia da inauguração. Foram sendo criados diversos forrós pela capital e zona metropolitana. Pedro Sertanejo criou o seu na Zona Leste, onde havia grande concentração de nordestinos, nos bairros do Brás e do Belém. Além do programa de rádio, foi criada também a versão televisiva do Chapéu de Couro, que começou na TV Cultura, passando posteriormente pelos canais Excelsior, Bandeirantes, Gazeta e Record. Também foi realizado

um filme, evidentemente com o título Chapéu de Couro, que teve a participação de Luiz Gonzaga, Quinteto Violado, entre outros. Jorge Paulo passou a realizar shows em teatros, cinemas, clubes e circos. Apesar de não falar de política nos seus programas, candidatou-se a vereador, em São Paulo. Foi derrotado. Mas em 1972 foi eleito vereador com uma quantidade significativa de votos. Dois anos depois, tornou-se deputado federal com 133 mil votos, dos quais 100 mil foram só na capital. Foi reeleito em 1978, sempre com votações expressivas. Aproveitando o sucesso eleitoral, lançou sua mulher, Nodeci Nogueira, para a Câmara Municipal em 1976, e dois anos depois para a Assembleia Legislativa, sempre com votações consagradoras. Até então o casal fazia parte do MDB, porque, como relatou Jorge Paulo, "era o partido do povo". Foi convidado para se filiar ao partido pelo senador Lino de Matos.51 "Chapéu de Couro" e sua esposa foram o primeiro e único fenômeno eleitoral paulistano vinculado à migração nordestina. Mesmo o uso político-eleitoral da migração foi temporário. Com o processo de redemocratização e a pluralidade partidária, o tema foi perdendo importância no discurso político paulista. Eventualmente reapareceu, mas nas bordas de alguma discussão mais central; porém, sempre de forma pejorativa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A VIDA AQUI É FOGO, MAS SE GANHA DINHEIRO Dorival Maciel Pinheiro tinha 30 anos. Morava em Santana do Ipanema, sertão alagoano. Firmino, seu primo, tinha vindo para São Paulo e o incentivou a migrar: "Dorival, bom trabalhador não se aperta. A vida aqui é fogo, mas se ganha dinheiro, tem muito divertimento e mulher. Tenha coragem primo velho. Cobra que não anda não engole sapo. Se lembre que a terra do dinheiro é São Paulo e aqui você já tem casa e comida. O resto com Deus se arranja."1 Entusiasmado, Dorival vendeu tudo o que tinha: dois cavalos e um anel. Juntou com mais trezentos cruzeiros de um empréstimo, comprou uma passagem de ônibus e rumou para São Paulo. O sonho foi interrompido no quilômetro 1.290 da Rio-Bahia, próximo a Jequié. O ônibus da empresa São Geraldo se chocou com uma jamanta, após ter subitamente se desviado de um jumento. No veículo viajavam 34 adultos e 19 crianças: 41 passageiros morreram, entre os quais Dorival. A carta e o acidente são simbólicos. São Paulo é a terra do dinheiro, mas para quem gosta de trabalhar. Com dinheiro é possível se divertir e conquistar uma mulher. A moradia na nova terra não é um problema: os laços familiares sertanejos se mantêm na cidade. Mas para ter sucesso na vida é necessário se deslocar: no sertão, a roda da história não se movimenta. Porém, metaforicamente, o sertão - o jumento -

se antepôs ao migrante, impedindo que ele pudesse construir, em São Paulo, o seu próprio caminho. E o poder público - que deveria fiscalizar as empresas de ônibus e manter a estrada em boas condições de tráfego - manteve-se omisso, assim como em todo o processo do grande êxodo dos nordestinos para São Paulo. Quando dava sinal de vida, o Estado, por meio dos seus porta-vozes, desqualificava os migrantes e apresentava a sua face repressiva. Os "paus de arara" tiveram de construir, cada um, a sua história, muito longe de onde nasceram. Não o fizeram por opção, mas como meio de sobrevivência. Permanecer significaria aceitar como um dado eterno e imutável o poder do coronel, a miséria e a fome. As agruras da longa viagem em direção a São Paulo pouco representavam frente à opressão secular de viver no sertão do abandono. Aqui chegaram e numa cidade desconhecida encontraram onde morar, trabalhar, estudar e se divertir. Outros deslocamentos ocorreram no Ocidente no pós-Segunda Guerra Mundial, como na Itália, nos Estados Unidos ou no México,2 contudo nenhum se aproximou da magnitude do ocorrido no Brasil. O grande êxodo esteve vinculado ao intenso desenvolvimento capitalista em São Paulo. O rompimento das "relações feudais" no sertão nordestino não correu "por dentro", mas pela migração dos sertanejos para o polo dinâmico da economia nacional. A passagem de lavrador para assalariado deu-se em questão de semanas, acelerando o processo histórico em escala raramente vista no mundo

ocidental. O sertanejo não aguardou o Estado ou alguma corrente política determinar seu futuro: foi ele próprio que tomou a decisão de migrar e construir autonomamente o seu futuro. Chegando a São Paulo, o ex-sertanejo participou da vida política e econômica. Fez história - enquanto o Nordeste permanecia petrificado, sob domínio das oligarquias. Viu o fim de uma ditadura, a emergência do populismo, depois outra ditadura - esta militar -, o processo de abertura democrática, já no final dos anos 1970. No campo econômico foi testemunha da decadência da economia cafeeira, dos primeiros tempos da industrialização, da modernização juscelinista e do milagre econômico. Também assistiu a dois processos: primeiro, a crise econômica do regime militar - que teve interferência direta na sensível diminuição da migração para o sul; segundo, a capital paulista se modificando em ritmo intenso, expandindo-se, unificando-se com as outras cidades vizinhas, formando uma imensa região metropolitana, a maior da América do Sul. Em alguns momentos a Antiguidade Clássica esteve presente neste processo com suas Penélopes, Ítacas e Ulisses. Dar voz ao sertanejo permite alçar ao primeiro plano um personagem esquecido, sem direito à história. As falas livres humanizam o processo migratório. Rompendo as grandes estruturas, o que emerge são existências humanas reais, não aquelas contabilizadas nos números frios das estatísticas.

Os migrantes nordestinos encontraram um mundo novo. Novo em tudo. Nas relações sociais, trabalhistas e políticas. O desenho espacial das cidades era muito distinto dos pequenos povoados do sertão. As baixas temperaturas obrigaram a que convivessem com o frio. Tiveram de confrontar o preconceito - e vencê-lo. Também enfrentaram um discurso higienista que identificava no migrante o portador de doenças, o infectado. Os "baianos", de acordo com esta visão de mundo, serviam como força de trabalho, na falta de melhor contingente. "Baianada", "pau de arara", "cabeça-chata", "baianice" foram expressões discriminatórias consagradas naquele momento. Muitos dos migrantes fizeram de tudo para apagar o passado, para serem assimilados como iguais. Se as correntes imigratórias mantiveram-se em nichos reforçando seus laços de identidade - como os italianos, espanhóis, portugueses, entre outros - e acabaram sendo legitimados pela paulistanidade, os nordestinos não tiveram a mesma sorte. O apagamento, ao longo do tempo, dos preconceitos - por mais paradoxal que seja - também levou ao desaparecimento da memória dos migrantes. Este livro pretendeu contar esta história. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS I - Livros e artigos: Almeida, Fenelon. As vozes da seca. Fortaleza: ACI, 1978. Almeida, José. Industrialização e emprego no Brasil. Rio de Janeiro: Ipea/Inpes, 1974.

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O Migrante (1976, 1978) O Povo (1932) O Retirante (1877) Última Hora (1957-1958) Veja (1973) III - Documentos oficiais: Anais da Assembleia Nacional Constituinte, vols. II, IV, XIII e XVI. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1935. Anais da Câmara Municipal de São Paulo, vols. 1, 2 e 6. São Paulo, 1952. Anais da Câmara dos Deputados, 1951-1954. Atos do Governo Provisório. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1930. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. São Paulo: 1936, 1951-1960. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa da Bahia. Salvador: 1900, 1909, 1948, 1950, 1951-1953. Mensagens presidenciais, 1947-1964. Brasília: Câmara dos Deputados, 1978. 1 Sylvia Porto Alegre, "'Fome de braços': Questão nacional", em Cadernos Ceru, n. 2, p. 68, 1986. 2 Ver Denise Aparecida Soares de Moura, "Andantes de novos rumos", em Revista Brasileira de História, vol. 17, n. 34, 1997. O

"Oeste Paulista" era a denominação dada à época à região de Campinas, Piracicaba, Rio Claro. 3 O Retirante, n. 20, 7 de novembro de 1877. 4 Ver Pierre Monbeig, "O crescimento da cidade de São Paulo", em Tamás Szmrecsányi (org.), História econômica de São Paulo (São Paulo, Globo, 2004), pp. 44-46. 5 Ver Rosa Ester Rossini, "Estado de São Paulo: A intensidade das migrações e o êxodo rural/urbano", em Ciência e Cultura, vol. 29, n. 7, p. 783, julho de 1977. 6 Citado por Lúcio Kowarick, Trabalho e vadiagem (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994), p. 93. 7 A Itália entrou na Primeira Guerra Mundial em 1915. 8 Ver Carlos José Ferreira dos Santos, Nem tudo era italiano (São Paulo, Annablume/Fapesp, 2003), pp. 35 e 39. 9 Jorge Balán, "Migrações e desenvolvimento capitalista no Brasil: Ensaio de interpretação histórico-comparativa", em Estudos Cebrap 5, p. 19, julho-setembro de 1973. 10 Aluísio Azevedo, O cortiço (São Paulo, Ática, 1975), pp. 43, 49 e 67. A primeira edição é de 1888, e a ação se passa no Rio de Janeiro. 11 Carlos José Ferreira dos Santos, op. cit., p. 43. 12 O jornal O Estado de S. Paulo publicou durante vários meses de 1915 uma coluna diária com o título "São Paulo e a seca". No dia 10 de agosto, por exemplo, há uma longa carta do bispo do Ceará, dom Manuel Gomes, relatando a situação no estado, região por região.

13 A entrevista é de Nilo Vasconcelos, do diretório carioca próflagelados. Ver O Estado de S. Paulo, 5 de agosto de 1915. 14 Ver O Estado de S. Paulo, 21 de julho de 1915. 15 Secretaria de Promoção Social, Movimento migratório no estado de São Paulo (São Paulo, 1974), pp. 12-14. 16 A citação do jornal O Combate é de 11 de maio de 1920, apud Alba Maria Figueiredo Morandini, O trabalhador migrante nacional em São Paulo (1920-1923) (São Paulo, PUC, 1978), p. 131. 17 Os artigos citados estão transcritos em O Estado de S. Paulo, 3, 4 e 8 de agosto de 1921. 18 Essa possibilidade é sugerida por Alba Maria Figueiredo Morandini, op. cit., p. 122. 19 José de Souza Martins, "O migrante brasileiro na São Paulo estrangeira", em Paula Porta (org.), História da cidade de São Paulo, vol. 3 (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2004), pp. 178-179. 20 Ver, respectivamente, Alcides Gentil, As ideias de Alberto Torres (São Paulo, Nacional, 1938), pp. 422-423; Alberto Torres, O problema nacional brasileiro (São Paulo, Nacional, 1978), p. 22; Manoel Bomfim, O Brasil (São Paulo, Nacional, 1935), p. 337. 21 Oswald de Andrade, A revolução melancólica (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1971), p. 15. 22 Max Sorre, "Os problemas geográficos atuais das migrações", em Boletim Geográfico, n. 122, p. 273, setembrooutubro de 1951.

23 Atos do Governo Provisório (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1930), pp. 82-83. 24 Ver Flávio Venâncio Luizetto, Constituintes em face da imigração (São Paulo, USP, 1975). 25 Juvenal Galeno, Lendas e canções populares (Fortaleza, Casa de Juvenal Galeno, 1978), pp. 527 e 528. A poesia faz referência à migração dos cearenses para a Amazônia na segunda metade do século XIX. 26 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1935), vol. XIII, p. 260. 27 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1935), vol. IV, pp. 492, 493, 546 e 549. 28 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1935), vol. XVI, p. 403. 29 Anais da Assembleia Nacional Constituinte (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1935), vol. II, pp. 390-391. 30 O Cearense, 18 de março de 1877. O texto faz parte de uma carta enviada de Sobral para a redação do jornal, em Fortaleza. 31 Max Sorre, op. cit., p. 271. 32 Ver Vicente Unzer Almeida e Octávio Teixeira Mendes Sobrinho, Migração rural-urbana (São Paulo, Secretaria da Agricultura, 1951), p. 79. 33 Ver Verena Stolcke, Cafeicultura (São Paulo, Brasiliense, 1986), pp. 102-104.

34 Amélia Cohn, Crise regional e planejamento (São Paulo, Perspectiva, 1976), pp. 26-27. E o aprofundamento da desigualdade entre o Nordeste e São Paulo no campo da cultura canavieira só iria aumentar: "De 1946 a 1961, enquanto duplicava a produção nordestina de açúcar, São Paulo iria decuplicar sua produção." Ver Antonio de Barros Castro, Sete ensaios sobre a economia brasileira (Rio de Janeiro/São Paulo, Forense, 1969), vol. I, p. 152. 35 Pedro Pinchas Geiger, Evolução da rede urbana brasileira (Rio de Janeiro, CBPE/Inep, 1963), p. 214. 36 Mário Neme, "Estatística de imigração e outras estatísticas", em Boletim do Serviço de Imigração e Colonização, n. 4, p. 179, dezembro de 1941. 37 Ver Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n. 2, p. 104, outubro de 1940. 38 Henrique Dória de Vasconcellos, "O problema da imigração", em Boletim da Directoria de Terras, Colonização e Imigração, São Paulo, n. 1, p. 14, outubro de 1937. Para os outros dados, ver o mesmo boletim, pp. 13, 15, 36 e 38. 39 De acordo com Billy Jaynes Chandler, o "sertão não oferecia aos rapazes senão o trabalho no campo, com uma pá e uma enxada, tal como acontecera com seus pais. A onda de migração dos sertões para cidades como Rio e São Paulo ainda não começara naquele tempo. Portanto, a falta de alternativas talvez tenha sido um fator influente na escolha da vida do cangaço" (Lampião: O rei dos cangaceiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980, p. 241).

40 Ver Humberto Dantas, "Movimentos de migrações internas em direção ao planalto paulista", em Boletim do Serviço de Imigração e Colonização, n. 3, pp. 78-79, março de 1941. O mesmo autor informa que alguns municípios baianos teriam apresentado índices de migração entre 23 e 64%, como Caculé, Guanambi e Urandi, entre outros. Certamente os dados estão superestimados. É que a pergunta feita ao migrante, inquirindo-o de onde tinha vindo, geralmente era respondida indicando a cidade-polo da região e não necessariamente o município onde vivia. 41 Ver Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n. 2, pp. 59, 60, 83 e 103-105, outubro de 1940. 42 Ver Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 9 de junho de 1936, p. 23. 43 A primeira definição dos limites do Polígono das Secas ocorreu por meio da lei n. 175, de 5 de janeiro de 1936. 44 O Povo, 24 de agosto de 1932. 45 Ver O Estado de S. Paulo, 16 de fevereiro de 1932 e 26 de fevereiro de 1933. 46 Alfredo Ellis Júnior, Confederação ou separação (São Paulo, Liga Confederacionista, 1934), pp. 27-28, 37, 46 e 47. 47 Thadeu de Serpa Martins, O levante de São Paulo (Belém, Guajarina, 1932), p. 9, apud Mark Curran, História do Brasil em cordel (São Paulo, Edusp, 2001), pp. 114-115. 48 Vicente Unzer Almeida e Octávio Teixeira Mendes Sobrinho, op. cit., p. 79.

49 Conjuntura Econômica, n. 6, p. 41, junho de 1952. 50 Os dados dos dois últimos parágrafos foram extraídos do Boletim do Departamento de Imigração e Colonização, n. 5, pp. 31-48, dezembro de 1950. 51 Boletim da Diretoria de Terras, Colonização e Imigração, ano 1, n. 1, pp. 64 e 69, outubro de 1937. 52 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 72, julho de 1964. 53 José Francisco Camargo, Êxodo rural no Brasil (Rio de Janeiro, Conquista, 1960), pp. 72-73. 1 Jorge Calmon, As estradas corriam para o sul (Salvador, Egba, 1998), p. 168. 2 Antonio Torres, O cachorro e o lobo (Rio de Janeiro, Record, 1997), pp. 69-70. 3 Depoimento de Moacir Assunção (cearense, 80 anos) ao autor, em 1º de junho de 2007. 4 Notícias publicadas em A República em 23 de setembro de 1903 e em 25 de junho de 1919, respectivamente. A capital da segunda notícia é Natal (RN). Citadas em Itamar de Souza e João Medeiros Filho, Os degredados filhos da seca (Petrópolis, Vozes, 1983), pp. 56 e 57. 5 Jorge Amado, Seara vermelha (São Paulo, Martins, 1961), p. 60. 6 Poema de João Martins de Ataíde citado por Mauro Mota em Paisagem das secas (Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais/MEC, 1958), p.

99. 7 Villas-Bôas Corrêa, Conversa com a memória (Rio de Janeiro, Objetiva, 2002), p. 75. A referência a Carlos Lacerda deve-se à transmissão pelo rádio das sessões da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados que tratava do jornal Última Hora, cujo proprietário, Samuel Wainer, era acusado de ter recebido tratamento preferencial no Banco do Brasil para a fundação do periódico. 8 Cremilda Medina (org.), Forró na garoa (São Paulo, CJE/ECA/USP, 1989), p. 39. 9 Diário de São Paulo, 5 de setembro de 1951. A reportagem é de Nelson Gatto, e as fotos, de Oswaldo Juno. O local do relato é no sertão da Paraíba, e os retirantes vinham do Ceará. 10 Ely Souza Estrela, Os sampauleiros (São Paulo, Humanitas/Fapesp/Educ, 2003), p. 100. A citação refere-se a Montes Claros, antigo ponto inicial da linha, mas é adequada quando aplicada a Monte Azul. 11 Citado em José Américo de Almeida, A Parahyba e seus problemas (Porto Alegre, Globo, 1937), p. 122. Informa o autor: "Forneceu-me estes versos o sr. Pedro Baptista, curioso colecionador da poesia popular da Parahyba." 12 Folha da Noite, 24 de abril de 1952. 13 Alceu Maynard Araújo, Pentateuco nordestino (São Paulo, Brasbiblos, 1972), pp. 56-57.

14 Última Hora, 27 de fevereiro de 1957. 15 Ely Souza Estrela, op. cit., p. 109. O depoimento é de José Mota dos Santos e foi colhido pela autora. 16 Jorge Amado, op. cit., p. 112. 17 Humberto Dantas, "Movimentos de migrações internas em direção ao planalto paulista", em Boletim do Serviço de Imigração e Colonização, n. 3, p. 83, março de 1941. 18 As duas últimas citações estão em Ely Souza Estrela, op. cit., p. 86. A primeira citação é do jornal A Pena de 22 de fevereiro de 1923, e a segunda, do livro Rescaldo de saudades, de Flávio Neves. 19 Mensagem apresentada pelo dr. Octavio Mangabeira, governador da Bahia, à Assembleia Legislativa (Bahia, Imprensa Oficial, 1948), pp. 29 e 30. 20 Depoimento de Arthur de Oliveira recolhido por Odair da Cruz Paiva e citado em Caminhos cruzados: Migração e construção do Brasil moderno (1930-1950) (Bauru, Edusc, 2004), p. 88. 21 Para uma história das estações ferroviárias, ver (acesso em 7 de junho de 2005). Sobre a passagem dos migrantes em Monte Azul, ver Folha da Noite, 24, 25 e 28 de abril de 1952; O Cruzeiro, 21 de abril de 1951 e 12 de abril de 1952. 22 O Cruzeiro, 21 de abril de 1951, reportagem de Álvares da Silva e fotos de Eugênio Silva.

23 Ver IBGE, Ferrovias do Brasil (Rio de Janeiro, 1956), pp. 126130. Em 1976, a mesma viagem em direção à capital paulista durava três dias. Ver "O migrante", outubro de 1976, reportagem de Alberto Zambiasi. 24 Última Hora, 27 de fevereiro de 1958. 25 O Estado de S. Paulo, 21 de setembro de 1951; Moacir M.F. Silva, Geografia dos transportes no Brasil (Rio de Janeiro, Conselho Nacional de Geografia, 1949), p. 103. Os desastres da Central do Brasil também atingiam a área urbana. Os trens que atendiam a cidade do Rio de Janeiro, ligando o centro aos subúrbios, sempre estavam envolvidos em graves acidentes. Um deles, em maio de 1956, na estação de Mangueira, matou 111 passageiros. Ver Manchete, 24 de maio de 1958. 26 Diário de São Paulo, 13 de fevereiro de 1951. 27 O Cruzeiro, 21 de abril de 1951. 28 Última Hora, 28 de fevereiro de 1957. 29 Maria Ignez Novais Ayala, No arranco do grito (São Paulo, Ática, 1988), p. 45. 30 O Cruzeiro, 26 de abril de 1952. A frase é de Raul Soares, prefeito de Salgueiro, Pernambuco. 31 Ver T.P. Accioly Borges, Migrações internas no Brasil (Rio de Janeiro, Comissão Nacional de Política Agrária, 1955), pp. 3032.

32 Os dados dos dois últimos parágrafos foram obtidos no Boletim do Departamento de Imigração e Colonização (São Paulo, Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo), n. 7, pp. 37-45, dezembro de 1952. 33 Ver Conjuntura Econômica, ano VI, n. 4, p. 43, abril de 1952. 34 A estrada foi aberta ao tráfego no dia 19 de janeiro de 1951. Dos 405 quilômetros, foram entregues 338, cerca de 85% da obra. 35 Ver T.P. Accioly Borges, op. cit., pp. 33-34. 36 São 1.572 quilômetros da praça Mauá, no Rio de Janeiro, até Feira de Santana. De lá, por uma linha transversal, são mais 146 quilômetros até chegar a Salvador, perfazendo um total de 1.718 quilômetros. Ver Flávio Vieira, "A rodovia Rio-Bahia", em Boletim Geográfico (Rio de Janeiro, IBGE), ano VII, n. 77, pp. 455-459, agosto de 1949. 37 Manchete, 20 de setembro de 1958. 38 Moacir M.F. Silva, op. cit., pp. 122, 126 e 130; e Humberto Bastos, ABC dos transportes (Rio de Janeiro, Ministério de Viação e Obras Públicas, 1955), p.

107. 39 Ver Anuário Estatístico do Brasil (Rio de Janeiro, IBGE, 19491954). 40 Foram encontrados caminhões com mais de cem passageiros. Um deles bateu o recorde: 128 pessoas viajavam "socadas dentro de uma carroçaria imunda". Ver O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. 41 Ver Luís da Câmara Cascudo, Dicionário do folclore brasileiro (Belo Horizonte/São Paulo, Itatiaia/Edusp, 1988), p. 592; Marcos Vinicios Vilaça, Em torno da sociologia do caminhão (Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1969), p. 81. 42 Trecho da letra de "Último pau de arara", de Venâncio, Corumbá e José Guimarães. A primeira gravação é de 1956, com o Trio Feminino. Ver Fenelon Almeida, As vozes da seca (Fortaleza, ACI, 1978), pp. 108-109. 43 O Estado de S. Paulo, 23 de abril de 1953. 44 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. O texto da reportagem é de Ubiratan de Lemos e as fotos de Mário de Moraes. A reportagem recebeu o Prêmio Esso de Jornalismo, criado naquele ano. Mário de Moraes acabou contraindo tifo na viagem. Os dois repórteres viajaram como se fossem retirantes. Moraes registrou boa parte da viagem, pois se apresentou ao motorista do caminhão como fotógrafo que estava indo para o Rio de Janeiro em busca de trabalho. Acabou quase morrendo, quando numa parada fotografou uma das mulheres que viajavam no caminhão. O marido não gostou e atacou o fotógrafo pelas costas com uma faca.

Moraes acabou sendo salvo por um ajudante do motorista, que impediu o assassinato. 45 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. 46 Trecho da letra do baião-toada de Florentino Coelho e Elcide Warthon, interpretado por Gordurinha, lançado em 1960. Ver Fenelon Almeida, op. cit. (Fortaleza, ACI, 1978), p. 117. 47 Manchete, 20 de setembro de 1958. A reportagem é de Aluízio Flores, e as fotos, de Victor Gomes. 48 Marcos Vinicios Vilaça, op. cit., p. 81. 49 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. 50 Alceu Maynard Araújo, op. cit., pp. 70-71. 51 O Estado de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1952. 52 Rollie E. Poppino, Feira de Santana (Salvador, Itapuã, 1968), pp. 213-215 e 240. 53 Humberto Dantas, op. cit., p. 86. 54 Oswald de Andrade, Telefonema (São Paulo, Globo, 1996), p. 351. 55 Folha da Manhã, 6 de março de 1959. 56 Ver Folha da Tarde, 15 de dezembro de 1954. 57 O documento está transcrito na Folha da Tarde de 14 de dezembro de 1954. 58 O Estado de S. Paulo, 6 de março de 1952.

59 O Estado de S. Paulo, 11 de março de 1952. 60 O Estado de S. Paulo, 17 de janeiro de 1952. No ano seguinte, o ministro voltou ao tema solicitando 50 milhões de cruzeiros para fixar os nordestinos às margens da estrada, recurso que não foi liberado. Ver O Estado de S. Paulo, 8 de janeiro de 1953. 61 José Américo de Almeida, As secas do Nordeste (Rio de Janeiro, Ministério da Viação e Obras Públicas, 1953), p. 54. 62 Folha da Manhã, entrevista de Fernando Azevedo ao jornalista Euclides Formiga, 4 de outubro de 1953. 63 Oswald de Andrade, op. cit., pp. 351-352. 1 Mensagem do governador do estado da Bahia (Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1950), p. 5. Octávio Mangabeira governou a Bahia entre 1947-1951. 2 Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa pelo dr. Luiz Vianna (Bahia, Typographia do Correio de Notícias, 1900), p. 14. 3 Mensagem apresentada à Assembleia Geral Legislativa pelo dr. João Ferreira de Araújo Pinho (Bahia, Oficinas da empresa "A Bahia", 1909), p. 6. 4 Diário de São Paulo, 18 de março de 1952. Nesta edição está transcrita na íntegra a Mensagem presidencial de 1952. 5 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 76, julho de 1954. 6 Ver mensagem apresentada pelo dr. Luiz Régis Pacheco Pereira, governador da Bahia, à Assembleia Legislativa (Bahia, Imprensa Oficial do Estado, 1951, 1952 e 1953).

7 Ver T.P. Accioly Borges, Migrações internas no Brasil (Rio de Janeiro, Comissão Nacional de Política Agrária, 1955), p. 14. 8 Jorge Calmon, op. cit., pp. 216 e 140. 9 Capes, Estudos de desenvolvimento regional (Rio de Janeiro, 1958), p. 38. 10 O Estado de S. Paulo, 26 de fevereiro de 1952. Três dias depois, o jornal voltou ao tema em um editorial. 11 O Estado de S. Paulo, 6 de março de 1952. 12 O Estado de S. Paulo, 24 de fevereiro de 1952. 13 O Estado de S. Paulo, 1o de março de 1952. 14 Ver, respectivamente, O Estado de S. Paulo, 5 e 7 de março de 1952; 12 de abril de 1951. 15 Ver O Cruzeiro, 14 de abril de 1951. O texto e as fotos da reportagem são de João Martins; Alceu Maynard Araújo, op. cit., pp. 66-67. 16 O Cruzeiro, 12 de abril de 1952. O texto da reportagem é de Álvares da Silva, e as fotos, de Eugênio H. Silva. 17 Para acompanhar uma viagem, ver Júlio Jesum Carvalho, Pau de arara (Recife, s.n., 1957); Otávio Carvalho Andrade, Homem na estrada (São Paulo, Francisco Alves, 1963). A citação do policial é deste último livro, p. 55. 18 O Cruzeiro, 22 de outubro de 1955. 19 O Estado de S. Paulo, 28 de fevereiro de 1952. 20 Anais da Câmara dos Deputados de 1954 (Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, 1960), pp. 39-40.

21 Marcos Vinicios Vilaça, op. cit., p. 88. Informa o autor que o poema foi recolhido em Alagoas por Théo de Barros. 22 Depoimento de Moacir Assunção (cearense, 80 anos) ao autor, em 1o de junho de 2007. 23 Ver Anuário Estatístico do Brasil (Rio de Janeiro, IBGE, 19501952). 24 Folha da Manhã, 5 de maio de 1953. 25 Cremilda Medina (org.), op. cit., p. 23. 26 O Cruzeiro, 7 de março de 1953. O título da crônica é "Seca: Assunto nacional". 27 No mesmo momento, no Rio de Janeiro, estavam se expandindo as favelas: eram 58. Em 1950, o número de favelados alcançou 140 mil, dos quais 72% não eram cariocas. Ver Conjuntura Econômica, ano VI, n. 5, pp. 34-42, maio de 1952. 28 Em 1953, dos 153 mil migrantes chegados a São Paulo, apenas 4,8% eram alfabetizados. Ver Jorge Calmon, op. cit., p. 211. 29 Mensagem à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, 1957, p. 51. 30 Oswald de Andrade, Marco Zero II (Chão) (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1978), p. 26. 31 Ver, respectivamente, Anais da Câmara Municipal de São Paulo de 1952 (São Paulo, 1952), vols. 1, 2 e 6, pp. 353; 29 e 475; 100, 105 e 106. Gabriel Quadros nasceu no Paraná e só veio a residir em São

Paulo aos 40 anos de idade. 32 Notícia de A Ordem de 11 de março de 1950. Citado em Itamar de Souza e João Medeiros Filho, op. cit., p. 61. 33 Manchete, 22 de outubro de 1955. A reportagem tem texto de Daniel Linguanotto e fotografias de Ivo Barretti. O prédio da hospedaria tinha ficado entre 1945 e 1952 sob responsabilidade do Ministério da Aeronáutica, e sido utilizado para fins militares. Os migrantes, nesse período, eram abrigados nos "hotéis e pensões localizados nas proximidades da estação Roosevelt, improvisados em hospedarias". (Jordão Netto, Antonio. Aspectos econômicos e sociais das migrações internas para o estado de São Paulo. Tese de doutorado. São Paulo: PUC-SP, 1973, p. 16.) 34 Manchete, n. 347, 13 de dezembro de 1958. A reportagem é de Dílson Martins. 35 Manchete, 23 de janeiro de 1954. A reportagem é de Daniel Linguanotto. 36 Folha da Noite, 25 de abril de 1952. 37 Anais da Câmara dos Deputados de 1951 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1952), vol. I, p. 154. 38 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de 1951 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1954), vol. IX, pp. 257, 333 e 334.

39 Anais da Câmara dos Deputados de 1952 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1952), vol. VII, pp. 494-495. 40 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de 1952 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1953), vols. II e XLII, pp. 204, 255 e 475; p. 279. 41 Ver, respectivamente, Anais da Câmara dos Deputados de 1953 (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1953), vols. IV e V, pp. 87 e 205; pp. 80, 81 e 321. 42 Projeto de lei 1.710/1952. Foi apresentado no dia 4 de março. Diário de São Paulo, 16 de março de 1952. 43 Anais da Câmara dos Deputados de 1954 (Rio de Janeiro, Serviço Gráfico do IBGE, 1960), p. 39. 44 Conjuntura Econômica, ano VI, n. 6, p. 45, junho de 1952. 45 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1947), pp. XX e XXI. 46 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1949), pp. 170-171. 47 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1950), p. 165. 48 Diário de São Paulo, 30 de março de 1951. Reportagem de Samuel Wainer. 49 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1951), pp. 239 e 217; e José Francisco Camargo, "Alguns aspectos da imigração em São Paulo: O movimento imigratório depois de 1930", em Digesto Econômico, n. 91, pp. 133-134, junho de 1952.

50 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 1954), p. 259. 51 Ver Maria do Rosário R. Salles, "Imigração e política imigratória brasileira no pós-Segunda Guerra Mundial, em Cadernos Ceru, série 2, n. 13, pp. 99-124, 2002. 52 Ver citações em Neide Esterci, O mito da democracia no país das bandeiras: Análise simbólica dos discursos sobre migração e colonização do Estado Novo, dissertação (mestrado) - Museu Nacional, Rio de Janeiro, 1972, pp. 45-46. 53 Diário de São Paulo, 18 de março de 1952. 54 Ver Diário de São Paulo, 18 de março de 1952. 55 Ver Ernani Thimóteo de Barros, "As migrações interiores no Brasil", em Revista Brasileira de Estatística, ano XV, n. 58, p. 82, abril-junho de 1954. 56 Fernando Antônio Azevedo, As Ligas Camponesas (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982), p. 55. 57 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1953), pp. 219, 253 e 220. 58 Mensagem presidencial (Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1954), pp. 263, 264 e 267. 59 Conjuntura Econômica, ano VIII, n. 7, p. 73, julho de 1954. 60 José Francisco Camargo, op. cit., p. 135. 61 Ver Fenelon Almeida, op. cit., p. 83.

62 O poema "Se eu pudesse falá" é de Luiz Vieira e foi declamado em disco, com grande sucesso, em 1953, acompanhado por violas. Ver Fenelon Almeida, op. cit., pp. 7981. 1 Aziz Simão, "O voto operário em São Paulo", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, vol. 1, n. 1, pp. 130-131, 1956. 2 Arnaldo Malheiros, "O comportamento do eleitorado paulistano no pleito de 1959", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 10, p. 59, janeiro de 1961. 3 Rosa Ester Rossini, op. cit., p. 782. 4 Florestan Fernandes, Mudanças sociais no Brasil: Aspectos do desenvolvimento da sociedade brasileira (São Paulo, Difel, 1979), p. 305. 5 Ver Teresa Pires do Rio Caldeira, A política dos outros: O cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos (São Paulo, Brasiliense, 1984), p. 43. 6 Aziz Simão, op. cit., pp. 140-141. 7 Ver Vera Chaia, A liderança política de Jânio Quadros (19471990) (Ibitinga, Humanidades, 1991), pp. 20-22. 8 Num ato da campanha presidencial de 1945, o brigadeiro Eduardo Gomes, candidato da UDN, afirmou que "não necessito dos votos desta malta de desocupados que apoia o ditador para eleger-me presidente da república. Hugo Borghi conta nas suas memórias que buscou no dicionário o significado de "malta". Um dos significados era o de marmiteiro, caso dos trabalhadores encarregados de percorrer as linhas ferroviárias em serviços de manutenção. Diz Borghi: "O candidato da UDN dispensava os votos daquela malta, que eram os marmiteiros, nome que escolhi para simbolizar o

humilde trabalhador brasileiro." O slogan criado por Borghi de que o brigadeiro não queria o voto de marmiteiro teve enorme repercussão eleitoral e ficou como um dos maiores símbolos daquela campanha. Ver Hugo Borghi, A força de um destino (Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1995), pp. 162-163. 9 Em 1959, na eleição para a renovação da Câmara de Vereadores, ficou célebre a votação recebida pelo rinoceronte Cacareco. Em parte a votação de protesto, cerca de 80 mil, deve-se à desilusão do eleitorado com os vereadores. Em São Paulo não eram coincidentes as eleições para prefeito e vereadores, e isso explica também a falta de interesse, além da sucessão de eleições: em 1957 para a prefeitura; no ano seguinte para o governo do estado, a Assembleia Estadual e o Congresso Nacional; e em 1959 para a Câmara de Vereadores. 10 Oliveiros S. Ferreira, "Comportamento eleitoral em São Paulo", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 8, pp. 171-172, abril de 1960. Durante sua breve passagem pela prefeitura da capital, Jânio fez uma grande anistia que permitiu a regularização de inúmeros loteamentos, o que aumentou sua popularidade entre a população da periferia, boa parte dela recém-chegada à cidade e de origem nordestina. Evidentemente que tal medida também favoreceu os especuladores urbanos que tinham patrocinado a venda de loteamentos sem a devida regularização. 11 Ver Alfonso Trujillo Ferrari, "Atitudes e comportamento político do imigrante nordestino em São Paulo", em Sociologia, n. 3, vol. XXIV, pp.159-180, setembro de 1962. 12 Leôncio Martins Rodrigues, Conflito industrial e sindicalismo no Brasil (São Paulo, Difel, 1966), pp. 174-175.

13 Aziz Simão, "Industrialização e sindicalização no Brasil", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 13, pp. 96-97, janeiro de 1962. 14 Aziz Simão, op. cit., p. 100. 15 Sobre a greve de 1953, ver José Álvaro Moisés, Greve de massa e crise política: Estudo da greve dos 300 mil em São Paulo - 1953-1954 (São Paulo, Polis, 1978), especialmente as pp. 68, 82-83, 86-91, 127, 131, 134-139 e 142. 16 Ver Paulo Fontes, Trabalhadores e cidadãos - Nitro Química: A fábrica e as lutas operárias nos anos 50 (São Paulo, Annablume, 1997), pp. 148-156. 17 Juarez Rubens Brandão Lopes, Sociedade industrial no Brasil (São Paulo, Difusão Editorial do Livro, 1971). 18 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 51, 68 e 82. Essa concepção é hegemônica entre os trabalhos produzidos pela sociologia paulista: "Se essa parcela de trabalhadores de origem camponesa refuta a condição operária, se se sente pouco integrada na vida fabril, se essa só lhe aparece como um momento passageiro de sua existência - embora, de fato, possa não o ser - sentir-se-á pouco propensa à participação nas atividades sindicais e nos movimentos operários." Ver Leôncio Martins Rodrigues, op. cit., p. 187. 19 Karl Marx, "O 18 brumário de Luís Bonaparte", em Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos (São Paulo, Abril Cultural, 1978), pp. 396-397. Livro da coleção Os Pensadores.

20 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 62-63. 21 De acordo com um antigo morador, "era um tal de baiano chegar da Bahia praí! Bahia Nova, que aqui chamava Bahia Nova, que eles trata. Ah, a turma começou a chamar aí que vou te falar, abriu serviço a torto e a direito, construção, estrada, tudo". Depoimento reproduzido em Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., p. 36. 22 Ver Paulo Fontes, op. cit., pp. 17, 104, 106, 110, 156-164. 23 Florestan Fernandes, Folclore e mudança social na cidade de São Paulo (São Paulo, Anhambi, 1961), pp. 32-33. 24 A letra da toada é transcrita na íntegra em Fenelon Almeida, op. cit., pp. 127-131. 25 Juarez Rubens Brandão Lopes, op. cit., pp. 82-83. 26 O livro de Lopes é, inegavelmente, uma obra de referência sobre o tema. Porém, está marcado pelo momento em que foi produzido, em que o preconceito estava muito presente. Um exemplo: "Nada da sua experiência anterior à migração para a indústria da grande cidade prepara essa gente, ligada entre si apenas por achar-se em condições semelhantes de emprego em uma mesma empresa, a fim de participar junta de uma ação coletiva para a qual os padrões tradicionais de comportamento não lhe podem servir de guia." (p. 69) 27 O Estado de S. Paulo, 16 de agosto de 1958. Citado por Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., p. 40.

28 Em 1º de agosto de 1947, pouco após a posse de Ademar de Barros no governo do estado, também houve um quebraquebra tendo como motivo principal o aumento das passagens de ônibus e bondes. Veículos foram depredados e incendiados. Os manifestantes chegaram a ocupar por alguns instantes o prédio da prefeitura, na rua Líbero Badaró. Não ocorreram mortes entre os manifestantes, mas trinta foram feridos, e mais de duzentos veículos acabaram destruídos. 29 Manchete, n. 347, 13 de dezembro de 1958. A CMTC foi criada em agosto de 1946, como sociedade de economia mista, tendo a prefeitura da capital como acionista majoritária. 30 Correio Paulistano, 31 de outubro de 1958. 31 Folha da Manhã, 31 de outubro de 1958. 32 Ver Manchete, n. 385 e 395, 5 de setembro e 14 de novembro de 1959. 33 Aroldo Azevedo (dir.), A cidade de São Paulo: Estudos de geografia urbana (São Paulo, Nacional, 1958), vol. II, pp. 159 e 169. 34 Ver Conjuntura Econômica, ano XVIII, n. 8, agosto de 1964. Apud Pérsio Santiago, Imagem invertida: Desenvolvimento econômico e condições sociais na cidade de São Paulo, 19461961, tese (doutorado) USP, São Paulo, 2000, p. 54. 35 Ver Manchete, n. 250, 2 de fevereiro de 1957.

36 Jorge Wilheim, São Paulo metrópole 65: Subsídios para seu plano diretor (São Paulo, Difel, 1965), p. 61. 37 A. Delorenzo Neto, "O aglomerado urbano de São Paulo", em Revista Brasileira de Estudos Políticos, n. 6, pp. 121 e 113, julho de 1959. 38 Pérsio Santiago, op. cit., pp. 67-68. 39 Teresa Pires do Rio Caldeira, op. cit., pp. 38-39. 40 Manchete, n. 264, 11 de maio de 1957. 41 Manchete, n. 256, 16 de março de 1957. 42 Paul Singer, "Urbanização e crescimento: O caso de São Paulo", em Paul Singer et al., Caderno Cebrap 14: Cultura e participação na cidade de São Paulo (São Paulo, Cebrap, 1973), p. 74. 43 Amélia Cohn, op. cit., pp. 14, 17 e 21. 44 Ver Itamar de Souza, Migrações internas no Brasil (Petrópolis, Vozes, 1980), pp. 68-69. 45 Hélio A. de Moura, "O balanço migratório do Nordeste no período 1950/1970", em Migração interna: Textos selecionados (Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil, 1980), p. 1.063. 46 Celso Furtado, A Operação Nordeste (Rio de Janeiro, Iseb, 1959), p. 37. 47 Fiesp/Ciesp, São Paulo e a economia nordestina (São Paulo, Serviço de Publicações Ciesp/Fiesp, 1957), especialmente as pp. 12-18, 122-123. São constantes na imprensa as acusações de que a economia paulista estava sendo favorecida pelo governo federal e o Nordeste seria "uma colônia de São Paulo".

Ver Manchete, 24 de outubro de 1959. O então governador cearense, Parsifal Barroso, ataca o que considerava privilégio paulista na compra do algodão nordestino. 48 As citações dos dois últimos parágrafos são das Mensagens presidenciais de 1947-1964 (Brasília, Câmara dos Deputados, 1978), pp. 212-213, 316, 332-333. Em 1942, o Conselho Nacional de Geografia dividia o país em cinco regiões: Norte, Nordeste, Leste, Sul e Centro-Oeste. A Bahia e o Sergipe eram parte da região Leste. Com a criação da Sudene, ambos passaram para a área sob atuação da superintendência, contudo, a formalização da inclusão dos dois estados na região Nordeste ocorreu somente em 1969, com a nova divisão geográfica do país e o surgimento do Sudeste, formado por São Paulo, Rio de Janeiro, Guanabara (até 1975), Minas Gerais e Espírito Santo (estes dois últimos faziam parte da região Leste, na antiga divisão). 49 Tânia Bacelar, "A 'questão regional' e a questão nordestina", em Maria da Conceição Tavares (org.), Celso Furtado e o Brasil (São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 2000), pp. 74-75. 50 Celso Furtado, A fantasia desfeita (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989), p. 80. O grifo é de Furtado. 51 Manchete, n. 359, 7 de março de 1959. 52 Celso Furtado, op. cit., pp. 83-85; Manchete, n. 486, 9 de abril de 1960. 53 Para os dois casos citados, ver Alceu Maynard Araújo, "A família numa comunidade alagoana", em Sociologia, vol. XVII, n. 2, maio de 1955, especialmente as pp. 129-131.

54 Depoimento recolhido e citado em Maria Ignez Novais Ayala, op. cit., p. 39. 55 Os depoimentos não estão identificados. Ver Centro de Estudos Migratórios, Nordestinos (São Paulo, 1988), pp. 22 e 23 (Cadernos de Migração, 2). 56 Apud José Francisco Camargo, op. cit., p. 126. 57 José Almeida, Industrialização e emprego no Brasil (Rio de Janeiro, Ipea/Inpes, 1974), p. 49. 1 Ver Henrique Rattner, Localização da indústria e concentração econômica em São Paulo (Rio de Janeiro, Fundação Getulio Vargas, 1972), p. 46. 2 No interior paulista, núcleos onde eram predominantes migrantes originários da Bahia acabaram recebendo designações de cidades e vilas baianas, como Paraguaçu Paulista, Lençóis Paulista, Nazaré Paulista, entre outras. Ver Jorge Calmon, op. cit., p. 132. 3 Depoimento recolhido e transcrito por Antonio Possidônio Sampaio, A capital do automóvel: Na voz dos operários (São Paulo, Edições Populares, 1979), pp. 44-47. 4 Os dois últimos parágrafos tiveram como base Ademir Médici, Migração e urbanização: A presença de São Caetano na região do ABC (São Paulo, Hucitec/Prefeitura de São Caetano do Sul, 1993), pp. 87-89. 5 O melhor livro sobre a mobilização dos trabalhadores do ABC na primeira metade do século XX é o de John D. French, O ABC dos operários: Conflitos e alianças de classe em São Paulo, 1900-1950 (São Paulo/São

Caetano do Sul, Hucitec/Prefeitura de São Caetano do Sul, 1995). Lembra o autor que a expansão da classe operária e dada a sua importância eleitoral, "os políticos que buscavam manter seu desempenho eleitoral também tinham que renunciar ao conservadorismo ideológico que, no passado, havia sido útil aos políticos locais". Ou seja: "Os políticos do ABC, quaisquer que fossem suas tendências pessoais, já não podiam apoiar abertamente os empregadores locais contra seus operários. A reação dos políticos às greves oscilava agora entre a adoção entusiástica da 'justa causa dos operários' e a hostilidade dissimulada como neutralidade." (p. 257) 6 Roniwalter Jatobá, Crônicas da vida operária (São Paulo, Círculo do Livro, 1982), p. 67. 7 Citado por Manoel T. Berlinck, Marginalidade social e relações de classe em São Paulo (Petrópolis, Vozes, 1977), pp. 90-95. 8 Fernando Henrique Cardoso, "São Paulo e seus problemas sociais", em Paul Singer et al., op. cit., pp. 92-93. 9 Ver Rosa Ester Rossini, "Considerações a respeito do êxodo rural/urbano/rural: O exemplo paulista", em Cadernos Ceru, n. 12, p. 84, setembro de 1979. 10 O ETR foi adotado por meio da lei 4.214, de 2 de março de 1963. Concedeu aos trabalhadores rurais os mesmos direitos dos trabalhadores urbanos. 11 Ver Antonio Jordão Netto, "Migrações e formação de populações marginais em São Paulo", em Cadernos PUC: Ciências Sociais 2 (São Paulo, março de 1980), pp. 37-39. 12 Ver Manoel T. Berlinck, op. cit., p.85.

13 Ver Marco Antonio Villa, Vida e morte no sertão (São Paulo, Ática, 2000), p.

211. 14 Ver Alceu Maynard Araújo, op. cit., p. 51. 15 Ver Folha de S.Paulo, 15 de junho de 1971. 16 Ver Folha de S.Paulo, 7 de junho de 1972. A reportagem "Doze nordestinos iam ser vendidos" relata a prisão de dois motoristas de ônibus que traziam nordestinos para serem vendidos a mil cruzeiros cada. 17 Ver O Estado de S. Paulo, 24 de março de 1970. 18 Sonia Regina Perillo, "Novos caminhos da migração no estado de São Paulo", em São Paulo em perspectiva, 10 (2), 1996, pp. 80 e 76. 19 Ver O Estado de S. Paulo, 3 de novembro de 1988. A reportagem é de Pedro Costa, e as fotos, de Ana Carolina Fernandes. 20 Devido "ao desestímulo do mercado de trabalho agrícola do estado de São Paulo (que passou a funcionar sazonalmente), os fluxos populacionais estariam se orientando mais para as zonas urbanas, sendo que os verdadeiros migrantes estariam procurando menos a Cetren, enquanto em contrapartida estaria havendo maior procura por parte da população itinerante e indigente" (Jordão Netto, Antonio. Migrações e formação de populações marginais em São Paulo, p. 38). 21 Ver O Estado de S. Paulo, 30 de dezembro de 1979. A reportagem é de Getúlio Alencar, e as fotos, de Sidney Corallo.

O repórter ficou uma semana no Cetren, passando-se por migrante. 22 Folha de S.Paulo, 8 de dezembro de 1967. 23 Ver Jornal do Brasil, 9 de outubro de 1983. A reportagem é de Teresinha Nunes. A declaração é de um motorista de ônibus da empresa Itapemirim. 24 Ver O Estado de S. Paulo, 23 de julho de 1977, 26 de julho de 1977 e 14 de agosto de 1977; O Globo, 14 de agosto de 1977. A reportagem é de João Santana, com fotos de Maria Lúcia de Souza. 25 Ver Jornal da Tarde, 23 de julho de 1977. 26 Ver O Estado de S. Paulo, 12 de janeiro de 1992. A reportagem é de Gérson Penha, e as fotos, de Vidal Cavalcanti. 27 Carolina de Jesus, Quarto de despejo (São Paulo, Ática, 1994), p. 47. 28 Carolina de Jesus, op. cit., p. 57. Na edição foi mantido o texto original da autora. 29 No mesmo livro são relatados diversos conflitos envolvendo nordestinos, como os das pp. 67-68, 70, 80, 84-85, 126 e 140. Todas as referências são negativas. 30 O folheto chama-se A dor que mais dói no pobre é a da humilhação. O autor é José Rodrigues. Citado por Joseph Maria Luyten, A literatura de cordel em São Paulo (São Paulo, Loyola, 1981), p. 82. 31 Nabil Bonduki, "Crise de habitação", em Lúcio Kowarick (org.), As lutas sociais e a cidade (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994), p. 123.

32 Ver Arlete Moysés Rodrigues, Processo migratório e situação de trabalho da população favelada em São Paulo, dissertação (mestrado) - USP, São Paulo, 1981, pp. 13-18; O Estado de S. Paulo, 26 de julho de 1977. 33 Ver O Estado de S. Paulo, 12 de fevereiro de 1978. 34 Francisco Weffort, "Nordestinos em São Paulo: Notas para um estudo sobre cultura nacional e cultura popular", em Edênio Vale (org.), A cultura do povo (São Paulo, Cortez, 1984), p. 15. 35 Depoimento recolhido por Alceu Maynard Araújo, op. cit., p. 134. 36 Nabil Bonduki, "Habitação e urbanismo", em Tamás Szmrecsányi (org.), op. cit., pp. 304-305. 37 Ver O Estado de S. Paulo, 1º de fevereiro de 1978. 38 Ver Jornal da Tarde, 16 de fevereiro de 1989; O Estado de S. Paulo, 3 de novembro de 1988; e Jornal da Tarde, 21 de dezembro de 1987. A reportagem é de Rosa Bastos, e as fotos, de André Fortes. 39 Ver O Globo, 2 de dezembro de 1975. 40 Ver O Globo, 10 de abril de 1974. 41 Depoimento citado por João Batista de Andrade na publicação da Emplasa, Comunidade em debate: O migrante (São Paulo, 1979), pp. 10 e 11. 42 Ver Celeste Souza Andrade, "Migrantes nacionais no estado de São Paulo", em Sociologia, vol. XIV, n. 1, p. 125, março de

1952. 43 Antonio Torres, op. cit., p. 50. 44 Ver Arlete Lúcia Bertini Leitão, "Migração: Considerações sobre migrantes de baixa renda em trânsito por São Paulo", em Cadernos Ceru, n. 15, pp. 147-179, agosto de 1981. 45 Música de Oliveira das Panelas e Geraldo Amâncio, "São Paulo eu quero voltar". Citado em Assis Ângelo, "A presença dos cordelistas e cantadores repentistas em São Paulo", em Cidade (São Paulo, Ibrasa, 1996), pp. 70-71. 46 Depoimento citado em Antonia Alves de Oliveira et al., Os nordestinos em São Paulo (São Paulo, Paulinas, 1982), pp. 3839. 47 Ver Jornal do Brasil, 8 de julho de 1979. 48 O folheto chama-se Ilusões de um nordestino na capital de São Paulo. O autor é José Dalvino de Souza. Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., pp. 48-49. 49 Rachel de Queiroz, O quinze (São Paulo, Siciliano, 1993), pp. 107 e 108. 50 Graciliano Ramos, Vidas secas (São Paulo, Martins, 1976), pp. 134 e 130. 51 Jorge Amado, op. cit., p. 59. 52 Amando Fontes, Os corumbas (São Paulo/Rio de Janeiro, Três/José Olympio, 1974), p. 181. 53 João Guimarães Rosa, Sagarana (Rio de Janeiro, José Olympio, 1982), pp.

157, 164, 166 e 169. 54 João Cabral de Melo Neto, Antologia poética (Rio de Janeiro, José Olympio/Sabiá, 1973), pp. 217-219. 55 Antonio Torres, Essa terra (São Paulo, Ática, 1986), pp. 18 e 63. 56 Clarice Lispector, A hora da estrela (Rio de Janeiro, Rocco, 1998). 1 Ver O Estado de S. Paulo, 26 de setembro de 1987. A reportagem é de Rosana Ortiz. 2 Ver Folha de S.Paulo, 1º de agosto de 1971. A reportagem é de Lourenço Diaféria. 3 O folheto é de Lourival Bandeira de Lima e chama-se A malandragem do Brás. Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 48. 4 Citado por Maria Ignez Novais Ayala, op. cit., p. 49. 5 O poema é de Téo Azevedo, e não é identificado o título. Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 89. 6 Ver O Estado de S. Paulo, 1º de fevereiro de 1978. 7 Ver Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, As migrações para Fortaleza (Fortaleza, Imprensa Oficial do Ceará, 1967), p. 22; Gilberto Osório de Andrade, Migrações internas e o Recife (Recife, Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, 1979), p. 21. 8 Guaraci Adeodato Alves de Souza, "Urbanização e fluxos migratórios para Salvador", em Hélio A. de Moura (org.),

Migração interna: Textos selecionados (Fortaleza, Banco do Nordeste do Brasil, 1980), p. 1.114. 9 Ver Vilmar Faria (org.), Caderno Cebrap 34: Bahia de todos os pobres (Petrópolis, Vozes/Cebrap, 1980), pp. 104-105. 10 Ver Milton Santos, A urbanização brasileira (São Paulo, Hucitec, 1996), p. 32. 11 Ver Sudene, II Plano Nacional de Desenvolvimento (19751979): Programa de ação do governo para o Nordeste (Recife, 1975), pp. 33 e 35. 12 Ver O Globo de 29 de dezembro de 1981. A declaração é de José Ávila da Rocha, identificado na reportagem como coordenador das unidades de apoio social da Secretaria de Promoção Social do Estado de São Paulo. 13 Ver Folha de S.Paulo, 4 de dezembro de 1974. 14 Sudene, op. cit., pp. 114-115. 15 Ver Sudene, População residente nas áreas de atuação da Sudene e do Polígono das Secas, 1970-1980 (Recife, 1982). 16 Ver Seade, Análise demográfica regional (São Paulo, 1983), pp. 26-27. 17 Milton Santos, Por uma economia política da cidade (São Paulo, Hucitec/Educ, 1994), pp. 13 e 63. 18 Ver O Estado de S. Paulo, 22 de novembro de 1981. A reportagem é de Getúlio Alencar. 19 Ver Centro de Estudos Migratórios, Migrações no Brasil: O peregrinar de um povo sem terra (São Paulo, Paulinas, 1986),

pp. 52-54. 20 Ver O Estado de S. Paulo, 9 e 11 de março de 1897. 21 Ver Ernani Thimóteo de Barros, op. cit., p. 80. 22 Júlio de Mesquita Filho, Nordeste (São Paulo, Anhambi, 1963), pp. 14 e 21. 23 Ver Folha da Tarde, 7 de abril de 1989, reportagem de Mário Simas Filho; O Estado de S. Paulo, 5 de abril de 1989; Folha da Tarde, 23 de agosto de 1990, reportagem de Mário Rosa com fotos de Sérgio Andrade; Folha de S.Paulo, 26 de setembro de 1992, reportagem de Cláudio Júlio Tognolli. 24 O folheto chama-se A Canaã dos nortistas e é de autoria de Bernardino de Sena. Citado em Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 47. 25 Florestan Fernandes, op. cit., p. 25. 26 Ver Jornal da Tarde, 9 de dezembro de 1988, e O Estado de S. Paulo, 9 de dezembro de 1988. A reportagem é de Pedro Costa. 27 Ver Folha de S.Paulo, 25 de maio de 1971. 28 Billy Jaynes Chandler, op. cit., pp. 260-261. 29 Ver Júlio César Lobo, "Cultura nordestina, sociedade carioca: Representações de migrantes nordestinos na chanchada, 1952-1961", em Sociedade e cultura, vol. 9, pp. 161172, janeiro-junho de 2006.

30 Ver Dominique Dreyfus, Vida do viajante: A saga de Luiz Gonzaga (São Paulo, Editora 34, 2012), pp. 134-138. 31 É o poema "O nordestino no caminho da ilusão", de Raimundo Nonato de Andrade, transcrito em Joseph M. Luyten, "Migrações no Brasil: Estórias de retirantes", em Cadernos de Estudos Sociais, vol. 6, n. 2, pp. 255-256, julho-dezembro de 1990. 32 O folheto chama-se O que faz o nordestino em São Paulo, cuja autoria é de Jotabarros. Citado por Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 77. 33 As citações dos três últimos foram extraídas de Cremilda Medina (org.), op. cit., pp. 17-20, 54, 107-111. 34 Nabil Bonduki, Origens da habitação social no Brasil (São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 1998), p. 309. 35 Ver O Estado de S. Paulo, 26 de janeiro de 1980. A reportagem é de Célia Romano e Getúlio Alencar, com fotos de João Pires. 36 Ver O Migrante, março-abril de 1978. 37 O folheto chama-se O nordestino no sul, de autoria de Franklin Machado. Citado em Joseph Maria Luyten, op. cit., p. 46. 38 As citações dos dois últimos parágrafos foram extraídas de Antonia Alves de Oliveira et al., op. cit., pp. 25-26, 35-36. 39 Ver Folha de S.Paulo, 25 de dezembro de 1973.

40 Folha da Tarde, 7 de abril de 1989. Reportagem de Mário Simas Filho. 41 Poema de Elen Cristina Geraldes, citado em Cremilda Medina (org.), op. cit., p. 97. 42 Ver Folha de S.Paulo, 3 de maio de 1988. A reportagem é de José Marcelo Espírito Santo, com fotos de Vidal Cavalcante. 43 Ver Jornal da Tarde, 4 de março de 1977. A reportagem é de João Carlos Lourenço, com fotos de Luiz Carlos Kfouri. Os versos são do repentista Luiz Pinto, natural de Itaporanga, na Paraíba. 44 Folha de S.Paulo, 11 de dezembro de 1973. 45 Ver Dominique Dreyfus, op. cit., p. 229. 46 Versos do folheto de cordel Feira de São Cristóvão, do Mestre Azulão. 47 Ver Maria Lúcia Martins Pandolfo, A feira de São Cristóvão: Espaço sentimental do Nordeste no Rio de Janeiro, cadernos avulsos da biblioteca do professor do Colégio Pedro II (Rio de Janeiro, 1989), especialmente as pp. 10-18. 48 Ronaldo do Livramento Coutinho, Operário de construção civil: Urbanização, migração e classe operária no Brasil (Rio de Janeiro, Achiamé, 1980), pp. 64-65. 49 Ver Dominique Dreyfus, op. cit., pp. 145 e 158. 50 De acordo com Moraes, o "final dos anos 1920 e a década de 1930 foram, portanto, o período de formação daquilo que hoje denominamos 'música sertaneja'. Nessa época, a cultura caipira tradicional começou

a ser difundida pelos meios de divulgação de massa, transformando-se, adquirindo aos poucos tons urbanos. No início, os produtores e divulgadores da música caipira eram exclusivamente pessoas vindas do interior, que cantavam em duplas as modas de viola, com tom anasalado, sobre intervalos de terça, até hoje características definidoras das 'duplas caipiras'". Ver José Geraldo Vinci de Moraes, Metrópole em sinfonia: História, cultura e música popular na São Paulo dos anos 30 (São Paulo, Estação Liberdade/Fapesp, 2001), p. 247. 51 Todas as informações sobre Jorge Paulo e o programa Chapéu de Couro foram obtidas em depoimento prestado ao autor, em 9 de maio de 2007. 1 Veja, 9 de maio de 1973. 2 No México também ocorreu um grande crescimento populacional, mas esteve restrito à capital federal, a Cidade do México. Tanto que, em 1980, além da capital, a única cidade com mais de um milhão de habitantes era Guadalajara, capital do estado de Jalisco (com 2,1 milhões). O Distrito Federal teve um crescimento muito acentuado entre 1940, quando possuía 1,7 milhão de habitantes, e 1980, quando saltou para 8,8 milhões. Porém, no caso mexicano houve uma corrente histórica de emigração em direção à fronteira norte, para os Estados Unidos. Ver Instituto Nacional de Estadística, Geografía e Informática, Estadísticas históricas de México (México, 1985), pp. 13 e 27.

Quando eu vim-me embora descreve e analisa a expulsão do sertanejo, a permanência da miséria e a mudança em escala jamais vista na história do Brasil. São histórias individuais pungentes e emocionantes que, somadas, compõem um dos mais ricos processos históricos do país. Com elas, você conhecerá a complexa migração de homens, mulheres, crianças e idosos nordestinos e os sentimentos diversos que fizeram parte de suas vidas - da esperança à frustração, da fome e da sensação de desterro à conquista de espaço numa grande metrópole, da crença num futuro de oportunidades ao desencanto e o preconceito enfrentados na "Terra da Garoa". MARCO ANTONIO VILLA é historiador, com mestrado em sociologia e doutorado em história social, ambos pela Universidade de São Paulo (USP). Foi durante 30 anos professor de instituições públicas de ensino superior, e atualmente é comentarista da TV Cultura e da Rádio Jovem Pan. Pela LeYa, publicou Um país partido, Mensalão, A história das constituições brasileiras e Ditadura à brasileira. Índice CAPA PÁGINA PÁGINA DE TÍTULO DIREITOS AUTORAIS PÁGINA ÍNDICE APRESENTAÇÃO CAPÍTULO 1: VOU DEIXAR A MINHA TERRA

CAPÍTULO 2: AS LEVAS NATIVAS CAPÍTULO 3: CHAMAM ELES DE MORRENDO-ANDANDO CAPÍTULO 4: OS OPERÁRIOS ADVENTÍCIOS CAPÍTULO 5: ME ALEMBRO COMO SE FOSSE HOJE CAPÍTULO 6: NÃO SOU DE ENCOSTÁ CORPO, NÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS: A VIDA AQUI É FOGO, MAS SE GANHA DINHEIRO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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