Quando as crianças brincam trabalho
Short Description
Download Quando as crianças brincam trabalho...
Description
Quando as crianças brincam E eu as ouço brincar, Qualquer coisa em minha alma Começa a se alegrar
A B C B
E toda aquela infância Que não tive me vem, Numa onda de alegria Que não foi de ninguém.
D E D E
Se quem fui é enigma, E quem serei visão, Quem sou ao menos sinta Isto no meu coração.
F G F G
"O poema "Quando as crianças brincam" é um poema ortónimo tardio de Fernando Pessoa, datado de 5/9/1933. O tema da infância é um tema recorrente na obra escrita com o próprio nome de Pessoa. É um tema simultaneamente reconfortante e doloroso para Pessoa e é fácil de compreender porquê. Fernando Pessoa viveu uma infância dita feliz até aos seus 6 anos. É com a morte do pai que a unidade (e paz) familiar se quebra de modo definitivo e irreversível, culminando na traumática mudança dos Pessoa para a distante África do Sul, tem o menino Fernando apenas 8 anos. Ele - uma criança precoce, quiçá mesmo sobredotada - tinha uma consciência do que lhe estava a acontecer e registou todos os pormenores dessa mudança na sua psique. Por isso a sua infância é agridoce - se por um lado houve uma altura de verdadeira felicidade, a barreira dos 6 anos marca o princípio de uma tristeza imensa que sempre o acompanhará. Ele recordará assim este período da sua vida. Há poemas em que a infância é recordada como tempo feliz e outros em que ela é recordada pelo oposto. O poema em análise colhe, por assim dizer, destes dois mundos. Nele, Pessoa recorda a infância tanto pelo que teve de feliz como de infeliz. Mas passemos à análise propriamente dita do mesmo:
Análise formal do poema: Este poema é composto por 3 quadras, sendo os versos hexassilábicos. Rima cruzada em B, D, E, F e G, sendo solta em A e B. Temática: Infância Quando as crianças brincam / E eu as ouço brincar,/ Qualquer coisa em minha alma / Começa a se alegrar Na primeira estrofe, o “eu” lírico sente-se atraído pela brincadeira das crianças, e então começa a sentir alguma alegria por se recordar da própria infância, que ele confessa que não teve, com a afirmação “E toda aquela infância/que não tive me vem” (primeiros dois versos da segunda estrofe). E toda aquela infância / Que não tive me vem,/ Numa onda de alegria / Que não foi de ninguém. Sabemos que, pela biografia de F.P., que durante os seus primeiros anos de vida lhe morreu o pai, o que o marcou muito, tanto mais que se teve de mudar para a África do Sul, o que mudou a sua vida. Foram-lhe arrancados os hábitos do dia-a-dia. Daí que traduza de uma forma negativa, onde repete o adverbio de negação “Que não tive (..) Que não foi…”, associado ao “ninguém”. Logo esta 2ª quadra traduz um vazio de vida na infância, uma perda irreparável, que lhe dói ainda mais no seu presente. Ou seja, vemos uma acentuada nostalgia da infância. Pessoa tira uma alegria de uma infância que não teve, precisamente porque a sua própria infância não foi completamente feliz. Não o foi completamente, mas também não o foi totalmente infeliz. Se quem fui é enigma, / E quem serei visão, / Quem sou ao menos sinta / Isto no meu coração. A última quadra vem mostrar-nos um aspecto perfeitamente típico de F.P., que é o desencontro consigo mesmo, a sua perda de identidade que nos mostra nos dois versos “Se quem fui é enigma, / E quem serei visão”. Quando diz “Quem sou ao menos
sinta /Isto no meu coração” a expressão “ao menos” acentua exactamente um vazio de emoção que sentimos que confessa nesta ultima quadra. Temos também o seu percurso de vida mostrado através de “quem sou” – vazio de emoção, solitário, carente. Passado “fui” está associado ao enigma, pois não sabe quem foi, quem é. Futuro “quem eu serei” uma ideia indefinida, pois o que ele será é ainda uma visão indeterminada. Esta pequena felicidade, dos primeiros tempos de infância, é o que suporta Pessoa nos momentos mais difíceis. Como ele, nós também em momentos recordamos a nossa infância, principalmente quando na nossa vida adulta nos encontramos em dificuldades - a infância, sobretudo a infância, é um porto seguro para as inseguranças dos adultos. Assim, a simples audição das crianças a brincar leva o “eu” lírico a autoanalizar-se de modo a revelar-se uma pessoa infeliz, que não conseguiu viver uma infância e o leva a pensar que mesmo sem passado, nem o presente nem o futuro lhe poderão dar algo compensador ou minimamente gratificante.
View more...
Comments