Quando Acende A Câmera
August 25, 2022 | Author: Anonymous | Category: N/A
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BREVE NOTA DE INTRODUÇÃO Essas são algumas páginas do ensaio Quando acende a camera, de Eduardo D Milewicz que cinema será publicado em breve. Eduardo é Argentino, diretor de e televisão, professor e preparador de elenco para audiovisual. Quando acende a camera é o nome que Eduardo deu ao seu processo de trabalho na preparação de atores, diretores e outros profissionais da indústria. Seguindo a tradição dos workshops e preparações, aqui, vamos inserir algumas regras para ler esse e-book: 1. Foco; 2. Pode compartilhar, mas não envie o arquivo. Peça para e acessaremo E-book o site lá,www.quandoacendeacamera.com www.quandoacendeacamera.com baixarem combinado?; 3. Pode citar o conteúdo, desde que respeitados todos os direitos autorais; 4. Leveza; 5. Leia até o final.
Ana’ Ravasco
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Eduardo D Milewicz
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1. “VEREI, SE PUDER” Chego cedo à sala de trabalho, com tempo para checar se está tudo em ordem. câmera, TV,espalhadas cabos. Eles vão chegando. Posso Luzes, ver suas mochilas notambém chão, mãos apertando celulares, garrafas de água mineral, cadernos, canetas. Teria que haver dezesseis atores presentes. Conto-os. Falta um. Imagino o que estará se passando na cabeça deles. Disponho destes poucos instantes para vê-los do jeito que gosto incertos e desconhecidos. Não me conhecem, não os conheço e de certa forma isso é a chave. Quando eu e eles nos tornarmos conhecidos, teremos perdido algo bem difícil de recuperar. Está na hora de começar. Apresento-me brevemente. Aviso a eles que vamos trabalhar com uma câmera conectada a esta tela de TV que vai captar e reproduzir imagens deles o tempo todo. Não tem muita graça para eles. Acendo a câmera e a TV. Agora eles podem se enxergar na tela. Suas expressões vão do riso ao horror. Aviso que minhas ferramentas são altamente precisas e técnicas, daí minha forma de trabalho tentará ser, dentro do possível, objetiva. Não que eu descreia das subjetividades. subjetividades. Simplesmente, neste neste processo que estamos começando, as subjetividades de cada ator serão sagradas, porém irrelevantes. Os atores que me procuram chegam transbordando de impressões, opiniões confusas e instáveis. Eles foram acumulando-as desde que começaram a estudar ou trabalhar. Muito provavelmente, até antes. O subjetivo está hipervalorizado na área da atuação. “Porque eu...”, “O que sinto
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é...”, “O que acontece comigo...”, são algumas das formas habituais entre atores na hora de encabeçar seus enunciados.
- Vamos assumir digo – que tempo, ser “objetivo” é uma ambição desmedida. Mas,–ao mesmo proponho para vocês algo que sejamos ambiciosos e os mais “objetivos” possíveis. Vocês acham certo? Nenhum deles responde. Faço então uma outra pergunta: -Qual a velocidade que vocês querem trabalhar? Na indústria audiovisual, pelo que conheço, só dispomos de dois ritmos: “rápido” ou “muito rápido”. Vocês escolhem. Atuar é como um artesanato e o audiovisual é uma indústria regida pela produtividade. A forma de conciliar essas duas realidades tão distintas é um dos desafios apresentados pela preparação e direção de atores nessa indústria. Apos uma discussão animada, vence o “rápido”, defendido pelos atores sentados na primeira fila. -Então, vamos começar com um dos exercícios mais difíceis que conheço. Chama-se A Apresentação. Aparentemente, é bem simples e, provavelmente, muitos de vocês já passaram por isso. De “Ação ” a “Corte ” cada um vai se apresentar, sempre olhando para a câmera.
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Sinalizo uma marca no chão onde eles têm que ficar parados e o tamanho do plano que vão trabalhar.
-gravando. Na tela da TVaumenta vai aparecer a imagem de vocês que Isso um pouco a dificuldade. Peçoestou que resistam a tentação e não olhem para a tela e sim para a lente da câmera. Ficou claro? Silêncio absoluto. - Então: Ação - Olá, meu nome é Débora. Tenho 27 anos, sou de Minas e estou aqui para aprender. - Corte! Próximo. - Olá, sou André, tenho 33, nasci em Fortaleza e também estou aqui para aprender. André faz menção de ir embora, mas eu o interrompo: - Não falei “corte”, André. E até eu falar “corte”, você não pode ir embora. - Desculpa. André volta à marca, olha para a câmera: - Então… Ah…sim… Estou muito feliz de estar com esta turma de atores, tão corajosos e… Todos os direitos reservados.
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- Corte! Próximo. Continuam se apresentando, um atrás do outro. Há uma certa semelhança naquilo que contam. como se quisessem transmitir que são “bonsBasicamente alunos”, aplicados e confiáveis. Até Tom se apresentar: - Sou Tom, uma borboleta galáctica. Uma alma livre e desempregada. Gosto de atuar, comer, me divertir, embora não necessariamente nessa ordem. E… - Corte Tom. Valeu! Próximo. Alguns batem palmas, outros torcem, todos riem. A apresentação de Tom foi tão bem-sucedida que aqueles que os próximos tentam ser poéticos, imaginativos e engraçados. É como se a apresentação agora tivesse a ver com a inteligência e o talento de fazer rir. Até a chegada de Marina: - Sou Marina. Meu coração está batendo muito forte. Não sei o que dizer… - Marina, - digo – não olha para o chão: é com câmera. - Perdão. É que neste momento estou me sentindo muito confusa...Continuo?
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- Sim. Até você escutar a palavra “corte”. - Tenho uma filha pequena, sou mãe solteira. Ela é a melhor coisa que aconteceu comigo na vida.… Aparece uma lágrima no olho esquerdo de Marina. - Corte! Próximo. Os que vêm depois de Marina já não tentam se apresentar nem como “os melhores alunos” ou “engraçados”: - Sou João, tenho 27 anos. Nasci na periferia de São Paulo. Para mim é muito difícil ficar aqui. Não gosto de como me vejo e tenho medo daquela câmera. - Corte! Obrigado. Próximo. - Sou Bella. Nasci em Curitiba. Sempre quis atuar, mas minha família nunca me apoiou. Tudo é muito difícil para mim. Mas não vou me entregar… - Corte! Obrigado. Parece como se alguém de repente tivesse mudado a música. Agora o pessoal tem que mostrar vulnerabilidade. Bella, enquanto volta à sua cadeira, começa a chorar. Marina se aproxima e a abraça.
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- Sou Paola, esse exercício é uma grande merda. Não sei o que fazer comigo. Posso atuar se tenho um personagem: circunstancias, biografia. Real ou inventada. Objetivos. Conflito. Arco dramático. Para isso eu me formei. Detesto me apresentar. Não gosto de representar a mim mesma na frente de uma câmera. Sem personagem, não sei atuar… - Corte! Próximo. Os aplausos são unânimes. - Próximo – repito, mas minha voz já não se escuta; perde-se no burburinho enche falam, a sala.concordam, Paola trouxediscordam: para a turma umaum ar de rebeldia.que Os atores parece complô. De todas as raças que compõem a fauna audiovisual, a dos atores é a mais mimética que conheço: se um faz rir, os outros vão tentar fazer o mesmo. E basta um só dizer que está entrando em pânico para os próximos assumirem que se trata de confessar medos. Tento me manter como observador, só perceber, sem interferir nem me deixar levar pelo que está rolando. Meu trabalho é de alta precisão. Já o deles é de extrema exposição. Lá vem um ator, com passo firme e seguro, em direção à marca. Os cochichos conspiradores da turma vão se dissipando. Todos estão agora na expectativa do ator que fixa o olhar na lente, abre um sorriso mínimo e não diz nada.
Assim, deixo passar um minuto interminável até pedir o corte. Todos os direitos reservados.
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- Desculpem, desculpem, não quero interromper aqui - diz de repente uma senhora na casa dos 70 que acabou de entrar na sala, naturalmente interrompendo tudo - Continuem, continuem! Vocês nem imaginam tudo que aconteceu comigo. Mas, continuem, por favor! Não se preocupem comigo. Sou Magda. Eu perdi alguma coisa?
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2.A VERDADE MAIS DIFÍCIL DE PERCEBER A Apresentação é um exercício poderoso poderoso e incomodo. Uso-o no de ummuita trabalho. Exige-me olhadaque velozos e precisa. Nãoinício presto atenção ao uma conteúdo atores expressam e sim ao modo como eles se defendem durante essa breve interação com a câmera. No conteúdo, é provável que cada ator consiga mostrar-se como distinto, mas no modo de se defender é fácil perceber que não há muitas diferenças. Apenas padrões comuns. Na hora de nos defendermos todos somos bastante parecidos. Apresentar-se na frente de um desconhecido costuma ser percebido como uma pequena ameaça. E se eu confiro poder a esse desconhecido, a ameaça aumenta. Ao dar-lhe o poder de valorizar minha capacidade profissional, a ameaça será maior ainda. E se ainda, o instrumento que me possibilita interagir é uma câmera que ao gravar, deixará um documento “imperecível”, os mecanismos de defesa serão cada vez mais extremos. Ao nos percebermos atacados, respondemos essencialmente através dos automatismos. Vamos lembrar que os automatismos gestuais, posturais e expressivos, são velozes e estáveis. Eles é que respondem por Todos os direitos reservados.
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nós: não precisamos estar cientes de que estamos usando automatismos.
É pela repetição aque,imitação de certa e forma, o que Os automatismos, o somos contágio desomos. padrões comportamentais também definem, em boa medida, nossa imagem no audiovisual. Isto é o óbvio ululante e evidente que este exercício detecta. E o óbvio é uma verdade que parece não ser fácil de perceber. A Apresentação é um exercício desenhado para o fracasso. Fazê-loliteralmente nos primeiros do trabalho, t rabalho, quando ainda ainda não existe ummomentos vínculo construído, e, quando há nada (ritmo rápido), aumenta as possibilidades do fracasso. Alinhar a câmera e a tela da TV traz ainda mais risco e ameaça. Mas não tem saída. Quando atores vão em direção à sua marca para enfrentar a câmera, algo dentro deles percebe que podem ser as presas da caça. Em português, dizemos que a câmera “capta”, isto é, “captura”. Uma palavra que nos remete à caça. Paradoxalmente, para explorar os padrões comuns com os quais os atores se defendem, usamos o mesmo exercício, desenhado para captar o fracasso da auto apresentação, que é muito utlizado pela indústria audiovisual para testar seus atores. A grande maioria detesta ter que passar por este ritual. De certa forma percebem que vão ser avaliados numa situação de ameaça. Exatamente como as presas na caça. E estão certos. Começar a partir de um fracasso expressivo é sempre saudável: quem de nós saberia se apresentar em 30 segundos, após ouvir Todos os direitos reservados.
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a palavra “Ação ”, sabendo que no momento menos esperado, seremos interrompidos na frente de uma turma de colegas alguns deles com currículos notáveis a observar-nos. E tudo isso acontecendo enquanto encaramos um desconhecido apontando uma poderosa lente para nós, ligada a uma tela enorme que amplia nossa própria imagem. E ainda por cima temos que ficar olhando o tempo todo para a câmera. Quando, como e onde fracassar é a chave. Como toda indústria, a audiovisual convive mal e porcamente com o fracasso. Atuar, com o artesanato, tem a ver com o fazer e o errar. No dia da gravação não haverá tempo para transformar o fracasso em capital de giro. Durante a gravação, erros demais não serão suportados. A palavra chave em toda indústria é “produtividade”. O jeitinho mais comum é a “atuação controlada”, pré-fabricada antes mesmo de escutar a palavra “Ação”. A atuação pode até ser correta e razoavelmente boa, porém sem vida e facilmente esquecível. No trabalho com atores, convocar ao fracasso como ferramenta é a chave durante o treinamento. Quanto antes compreendermos que “bem” ou “mal” são momentos de um mesmo processo, melhor será para nós. Na porta de entrada de minha sala de trabalho há um enorme cartaz que diz: “Viemos aqui para nos equivocar”. A partir da perspectiva grupal, o trabalho da Apresentação se dá através dos fluxos. O que reverbera na turma condiciona as escolhas de quem vai se apresentar. Ser primeiro não é o mesmo que ser último. Ou começar ou fechar. Se algo deu certo, uma gracinha, um pedido, uma confissão e teve algum retorno simbólico no “ao vivo” (palmas, gargalhadas, lágrimas, etc.), essa recompensa vai condicionar o próximo a se
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apresentar. Entre ser parecido ou diferente, não há tantas opções.
Também acaba “A sendo importante diferenciar onde acontece. Apresentação”: o “ao vivo” os e odois que espaços aparece na tela são de naturezas bem distintas. O espaço ao vivo constitui a turma de atores presentes, o coletivo que responde como plateia para quem se apresenta seduzir, desafiar, conquistar etc. Os atores costumam ser muito dependentes do ao vivo. Já o que aparece na tela da TV é aquilo que a câmera gravou e a única coisa que os espectadores assistirão. Eu apenas focalizo aquilo que é representado na tela. O imediatismo do ao vivo é teatral. A recompensa vem em tempo real. Os aplausos de um grupo de atores ou técnicos durante uma gravação são coisas que nenhum espectador de fora vai perceber porque ele nem esteve nem verá esse ao vivo. Imaginemos que estamos um dia num set durante uma gravação. Dois atores gravam uma cena tão emocionante que, na hora do corte, toda a equipe técnica bate palmas. uma prova de que a cena foi maravilhosa? É difícil Será saber.isto A equipe técnica provavelmente provavelmente bate palmas ao vivo. Só o diretor e os que assistiram pela câmera ou monitores de câmera têm condições de avaliar como foi essa tomada. Às vezes, ficaremos na dúvida até o dia da exibição ou estreia. Talvez essa tomada, que emocionou a toda uma equipe técnica e arrancou lágrimas e aplausos na hora da gravação, seja suprimida no corte final.
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3.PARA QUE TEMOS OLHOS? Continuo. - Quero parabenizar a todos pela coragem de enfrentar a câmera. Atuar também é a coragem de atuar. Não pensem que exista um deus que entrega a coragem a alguns poucos, ou que a genética se encarregue de conferi-la seletivamente. Alguns concordam com a cabeça, mas sem alegria, antes para confirmar uma péssima notícia. - Agora, sim: até que enfim vamos ao exercício de mais difícil execução. Imagino que vocês já sabem qual é. - Sabemos - diz Paola – agora vamos assistir a esse lix lixo o que gravamos antes. - Pois é, Paola. Para muitos atores ver a si mesmos na tela é mais difícil do que atuar. Por que será? - Porque vejo todos meus defeitos. Depois de ser mãe, engordei para caramba - diz Marina. - Mas, por quê? - insisto. - Porque cada vez que me vejo me acho deformada.
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- Na tela, tenho mais espinhas do que na vida real - diz um outro. - A mesma coisa acontece comigo com meus dentes. Todos amarelos. Que horror – acrescenta a atriz ao lado . - Porque mata o mistério da atuação – diz Paola. A atuação não tem que perceber o produto da atuação. Para isso, tem o editor, o diretor. O que faço é atuar, não me olhar. - Eu fico me criticando e me cobro. Daí, aquilo que estou vendo perde a graça. - Eu também. Quando me vejo, não consigo parar de pensar em tudo que fiz mal… - Vocês sabem que tenho 50 anos de profissão – nos conta Magda – e nunca mi vi numa tela. Não preciso. Nunca precisei. Sou de uma outra escola… - Fico encantado de me ver – solta Tom. É o único que pensa assim nessa turma. Então, pergunto - Para que temos olhos? - Para ver? – interroga Joao. - Para ver o quê? - Tudo? Todos os direitos reservados.
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- Não tudo, Bella. Quando vocês falam sobre o trauma de se verem na tela, vocês o enunciam como se fosse uma questão íntima e pessoal. Nossa história em relação à imagem de cada um é feita de dentes manchados, quilinhos a mais, centímetros a menos, marcas do tempo, cabelo que cai, sinusite crônica, erros, defeitos e deformidades. É como se o ato de me ver fosse a constatação de tudo que tem de errado em mim. Mas e se não fosse uma questão pessoal? Nossos olhos, não foram desenhados para ver tudo. Nossa visão tem um limite muito preciso em seu desenho: não podemos nos ver a nós mesmos. Não podemos ver nosso rosto, nossa nuca, nossas costas. E isso é tão óbvio que foge ao nosso raciocínio. Para que temos olhos? - insisto. Silêncio total na sala. - Vamos fazer uma pequena viagem no tempo. Todos sabemos que os mamíferos e nós seres humanos, temos visão. Em termos evolutivos, poderíamos conjecturar que nossa visão se consolidou na base de uma enorme ingestão de proteínas e no aumento considerável da massa encefálica. Provavelmente tudo isso aconteceu enquanto nos transformávamos em caçadores-coletores. Isto é fundamental na hora da atuação. Assumamos que ainda somos predadores com nossos olhos. E que as limitações da nossa visão frontal fazem parte desse desenho. Mas não vou me caçar, nem preciso me enxergar para me encaramujar dentro de mim mesmo. Isso seria não apenas desnecessário mas sobretudo arriscado. Ficaríamos numa posição frágil. Imaginemos aquela manhã quando nós humanos fomos todos caçar pela primeira primeira vez. Enquanto nos aproximávamos daquela manada de mamutes peludos, o Tom olhou sua cara e a achou redonda e luminosa, o nariz pequeno e um pouco torto Todos os direitos reservados.
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enquanto o mamute interrompeu a autocontemplação e começou a devorá-lo. O Tom fez uso indevido do instrumento visão. Tom sorri. - E isso me lembra um outro relato: um jovem tinha sede e foi até a beira de um rio, quando ia beber, viu pela primeira vez seu próprio reflexo nas águas. Ficou surpreso, gostou. Se ele se mexia, o reflexo também. Se ele se aproximava, o reflexo ídem. Isso parecia irresistível. Tanto é que não conseguiu deixar de se olhar até que morreu afogado. - Narciso. - Narciso, Paola. Olho para a turma - Tanto faz vocês se acharem bonitos ou deformados. No final, tanta atenção de seus olhos a vocês mesmos leva, segundo o relato, à mesma coisa. - Esse mito parece nos avisa sobre o que acontece quando violamos essa restrição forte inerente ao nosso desenho. - Tudo que vocês expressam sobre o horror e a atração de se ver a si mesmos numa tela está relacionado com este limite do desenho. Temos olhos para ver com precisão e nitidez tudo menos a nós mesmos. Saibam que quando nos olharmos para nós mesmos, teremos sempre que contornar uma dificuldade. Sugiro tormar algumas medidas de precaução. Precisamos assegurar que nosso olhar não será rotineiro, repetitivo e Todos os direitos reservados.
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automático. Se na hora de ver-se, você sempre vê o mesmo, seus dentes amarelos, sua baixa estatura, seus belos olhos azuis, você não está vendo, está recordando. Seu olhar está inflamado de subjetividade. É fundamental esvaziar o nosso olhar, esvaziar cada nossa instante. Sem esse vazio, ver não tem muito sentido. aMudar atuação supõe também mudar nosso modo de nos ver na tela. Esvaziar é no meu ponto de vista e no meu trabalho com atores, uma das ferramentas mais importantes da atuação contemporânea.
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Imagens de Raphael Dizus
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